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Pedagogia ·
História
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httpsmdclaretianoedubrhisgs0041 fev2022gradead 1 Introducao Nesta disciplina trataremos de aspectos tedricos e metodologicos da Historia Isto é buscaremos compreender a historia da ciéncia da Historia a partir de questoes epistemoldgicas teoria do conhecimento e hermenéuticas interpre tagao e compreensao Ou seja nos deteremos a historiografia que de forma simplista pode ser entendida com a escrita da historia Dessa forma teremos duas perspectivas para serem tratadas a primeira delas é a de compreender como ao longo do tempo a Historia foi pensada definida e escrita Nessa direcao estudaremos a Historia da Historia ou para empre garmos uma outra expressao a historia da Historiografia ja a segunda sera a de compreender neste panorama os conceitos e procedimentos metodoldgicos criados ao longo do tempo para a escrita da Historia Enfatizando as relagoes da historia com as demais Ciéncias Humanas vere mos as producoes historiograficas da antiguidade do medievo do renasci mento do iluminismo e do positivismo destacando nessas duas ultimas pro ducoes a efetivacao da Historia como disciplina na construgao de um método pretendido como cientifico Dando continuidade vamos nos deter nas contri buigoes do materialismo historico e da criagao da historia problema com a Escola dos Annales em suas trés geracoes Por fim abordaremos as correntes historiograficas mais recentes desde a MicroHistoria e a Historia Cultural chegando a crise de paradigma da posmodernidade entendendo a Historia como discurso pratica e representacao Abordaremos ainda as transformacoes tematicas metodologicas e a amplia cao das fontes de pesquisa em decorréncia das diversas propostas historiogra ficas ao longo do tempo e por fim 0 que tais debates trouxeram de novo para o oficio do historiador Além disso compreenderemos os contextos historicos nos quais as diferentes propostas historiograficas foram desenvolvidas res pondendo aos tipos e funcoes de produgao Em suma 0 cerne desta disciplina sera analisar as mudangas nos paradigmas epistemoldgicos da historiografia que é a forma como o conhecimento histori co foi e é produzido em decorréncia dos diversos métodos fontes e contextos de produgao Assim a disciplina pretende ampliar sua visao sobre a natureza do fazer historiografico a fim de tornalo apto para o exercicio profissional se ja como pesquisador seja como professor em sala de aula 2 Informacoes da Disciplina Ementa A disciplina de Historiografia discute os processos de mudanga nos paradig mas epistemologicos da historiografia sendo esses as alteragcoes promovidas no fazer historiografico apos a incorporagao de novos temas métodos e lin guagens pelos historiadores Para isso abordaremos a relacao entre a Historia e as outras Ciencias Humanas buscando na escrita da Historia a compreen sao dos processos que envolvem a producao deste conhecimento na Antiguidade na Idade Média e no Renascimento A vista disso a analise se gue com base na construgao historiografica iluminista positivista e metdodica além de também apresentar e discutir a historiografica marxista e a produzida pela Escola dos Annales em suas 3 geracoes Ainda serao feitas analises acer ca da crise de paradigmas e produgao historiografica no século XXI por meio das teorias do conhecimento historico posmoderno perpassando a constru cao historiografica acerca da Historia enquanto narrativa discurso literatura ficgao e representacao bem como as relacoes estabelecidas com a Micro historia e a Nova Historia Cultural Por fim a disciplina busca a compreensao da construgao do discurso historiografico através do tempo a fim de se com preender também 0 atual estado da arte Objetivos Gerais e Compreender o conceito de historiografia em sua epistemologia e Perceber os processos de mudanga nos paradigmas epistemoldgicos da historiografia e Localizar e relacionar as diferentes correntes historiograficas e suas prin cipais caracteristicas e Refletir sobre a ampliacgao de temas métodos e fontes de pesquisa na pro ducao do saber historiografico e Perceber as mudangas epistemologicas da Historia diante de sua relagao com as demais Ciéncias Humanas e contexto de produgao Objetivos Especificos e Identificar a produgao historiografica na Antiguidade na Idade Média e no Renascimento e Compreender a contribuicao historiografica marxista e da Escola dos Annales em suas trés geracoes para o fazer historiografico e Caracterizar a MicroHistoria e a Nova Historia Cultural em relagao a his toriografia proposta pelos Annales e Entender o paradigma posmoderno compreendendo a Historia enquanto narrativa discurso literatura ficgao e representacao bem como as rela coes estabelecidas com a MicroHistoria e a Nova Historia Cultural httpsmdclaretianoedubrhisgs0041 fev2022gradead Ciclo 1 Epistemologia da Historia e Historiografia Leandro Salman Torelli Reginaldo de Oliveira Pereira Renata Cardoso Belleboni Rodrigues Objetivos e Compreender o conceito de historiografia e Identificar os tipos e funcoes da historiografia e Reconhecer os diferentes documentos e métodos de pesquisa e Perceber a relacao da Historia com as demais ciéncias humanas Conteudos e A historiografia em seus tipos fungoes métodos e fontes de pesquisa e Processos de mudana nos paradigmas epistemoldgicos da historiogra fla e A relacao entre a Historia e as demais Ciéncias Humanas Problematizagao O que é historiografia Como diferentes temas métodos e fontes de pesquisa transformam a construcao do discurso historiografico O que é uma quebra de paradigma historiografico Qual a relagao da historiografia com as demais ciéncias humanas Orientacoes para o estudo A compreensao do que a historiografia se apresenta como fundamental pa ra o Oficio do historiador pois elucida a forma como o conhecimento é produ zido nessa area do saber destacando as condicoes de sua producao Devemos ter em mente que cada grupo sociedade e periodo historico constroem seu discurso sobre o passado a fim de responder determinados propositos e in tuitos Tais visoes historiograficas possuem suas caracteristicas proprias quanto aos seus métodos temas e fontes Nesse sentido é fundamental que vocé futuro historiador compreenda o que podemos chamar de historia da historiografia 1 Introducao Neste primeiro ciclo de aprendizagem veremos os diversos significados que a historia assumiu em diferentes contextos e usos Veremos como variados mé todos tematicas e fontes de pesquisa determinam diferentes concepcoes de historia que se transformaram ao logo tempo sobretudo em fungao dos dialo gos estabelecidos com as demais Ciéncias Humanas que interferiram direta mente na construgao das correntes historiografias Nessa perspectiva neste primeiro ciclo também abordaremos de forma su cinta uma espécie de linha do tempo da historiografia perpassando as dife rentes quebras de paradigma do fazer historiografico a fim de criar um pano rama geral que nos ciclos seguintes serao abordados de forma mais detida 2 Historia significados e funcoes Neste momento vamos nos deter aos conceitos basicos para a compreensao do oficio do historiador perpassando a concepao de historia e seus significa dos eou fungoes 0 conceito de historiografia nos métodos de pesquisa empre gados e também as relacées da historia com as demais Ciéncias Humanas E de fundamental importancia o entendimento dessas relagodes com as demais Ciencias Humanas uma vez que implicam diretamente no repensar do fazer historiografico ao longo do tempo Para isso acompanhe o video a seguir que explora tais questoes de forma introdutoria pontuando os principais conceitos e contextos de produgao historiografica x by J J aise ay ae A nn Peace i ia a 3 Significados de historia Qualquer pessoa que fosse inquirida com a pergunta O que é Historia se sentiria geralmente a vontade para responder Possivelmente ela diria que Historia é aquilo que aconteceu em tempos passados e consideraria essa res posta suficientemente clara para elucidar a duvida Mas sera mesmo que isso o suficiente para concluir o significado de Historia Vejamos A exemplo da lingua francesa e ao contrario da lingua inglesa italiana e ale ma a lingua portuguesa utiliza a palavra Historia para designar coisas dife rentes Exemplificando as palavras em inglés history e story em italiano Istoria e storia e em alemao geschichte e historie sao termos utilizados para designar o acontecimento e a narracdo deste respectivamente E dessa diferenca que nao é registrada pela lingua portuguesa que vamos tomar co mo base para iniciar nossos estudos Portanto nosso objetivo é demonstrar que a definicao de Historia como fatos que aconteceram no passado nao é suficiente Essa disciplina exige uma defi nicao que lhe permita uma abordagem muito mais abrangente e complexa E evidente que a Historia se refere sim a todo 0 acontecimento humano no tempo Desse modo todos os povos possuem Historia desde os clas pré historicos até as modernas e complexas sociedades tecnologicas dos dias atu ais pois todos eles agiram criaram pensaram sonharam lutaram Todas as pessoas que participaram das sociedades humanas realizaram atos sociais em coletividade Logo fizeram Historia Entretanto essa definicao de Historia nao encerra todos os significados do ter mo Assim podemos dizer que um segundo aspecto importante para se definir a Historia é a narrativa dos acontecimentos passados Ou seja a Historia sig nifica tambem a reconstituigao dos acontecimentos humanos no tempo Vocé acha que em seu pais em seu estado em sua cidade ha a preocupagao da preservacao da memoria das coisas e dos acontecimentos da Historia E bom lembrarmos que nem todos os povos que fizeram Histéria se preocupa ram em reconstituila em narrala Muitos na verdade procuraram explicar seu passado de outras formas utilizandose por exemplo dos mitos Na definicao de Borges 1995 p 1011 a primeira forma de explicagao que surge nas sociedades primitivas é 0 mito sem pre transmitido em forma de tradigao oral ou seja os mitos eram contados de gera ao a geracao preservandose na memoria daquele povo por meio da transmissao oral A historiadora Vavy Pacheco afirma ainda que o mito é sempre uma historia com personagens sobrenaturais os deuses Nos mitos os homens sao objetos passi vos da acao dos deuses que sao responsaveis pela criagcao do mundo cosmos da natureza pelo aparecimento dos homens e pelo seu destino Assim os mitos con tam em geral a historia de uma criacao do inicio de alguma coisa E sempre uma historia sagrada Podemos entao dizer que varias civilizagoes procuravam explicagoes para seu passado e para sua origem fora da Historia Nesse sentido povos como do Egito Antigo da Mesopotamia ou das civiliza oes indigenas da América nunca escreveram a Historia de seu povo mas procuraram explicar suas origens por meio de outros mecanismos como o mito E claro que esses povos primitivos como ja dissemos tiveram Historia uma vez que houve acontecimentos humanos ao longo do tempo contudo nunca produziram Historia pois nao registraram nem narraram os acontecimentos presenciados e vivenciados por eles Dessa forma podemos afirmar que a Historia nesse segundo sentido nasce na Grécia Antiga entre os séculos 6 e 5 aC A partir desse momento o homem passou a sentir necessidade de registrar os fatos do passado procurando ser fiel a eles Sobre a evolugao desse processo até os dias atuais isto 6 como o homem es creveu e escreve sua Historia veremos em breve O que nos interessa no mo mento é definir que Historia tem esse duplo carater acontecimento humano no tempo e reconstituigao desses acontecimentos por meio da escrita sobre o passado Desse modo o trabalho do historiador é registrar os fatos ser fiel a eles mas também buscar interpretalos reconstituindo o passado de maneira a darlhe sentido Assim toda Historia escrita uma analise do passado mas com as preocupacoes do presente Nos termos colocados por Carr 1996 p 79 nao ha indicador mais significati vo do carater de uma sociedade do que o tipo de Historia que ela escreve ou deixa de escrever Podemos entao estudar os diferentes modos como o passado foi interpretado reconstruido A esse estudo chamamos historiografia ou seja a Historia da Historia E importante ressaltar que nao ha uma so maneira de se olhar para 0 passado de forma que o historiador pode estudar essas diferentes visoes de um povo de um momento ou de um pesquisador para as memorias para os fatos e rela cionamentos que constituem a Historia Em seu cotidiano quando varias pessoas narram um acontecimento do passado cada uma delas faz isso de uma maneira diferente apesar de o fato ser o mesmo Reflita sobre isso Com base nas afirmacoes de Carr 1996 de que é indicativo 0 modo como uma sociedade escreve ou deixa de escrever sua Historia concluimos que a historiografia a Historia da Historia um aspecto essencial das sociedades humanas e pode revelar suas visoes de mundo Voltando a definicao podemos dizer que historiografia é 0 estudo do conjunto dos textos produzidos com a intengao de reconstituir 0 passado isto é os tex tos de Historia Assim todas as obras que procuram reconstruir 0 passado sao passiveis da analise historiografica Dessa forma vamos analisar a construcao do texto historico ao longo do tem po buscar entender os métodos de investigacao e de selecao de fontes com preender o porqué e de que forma isso aconteceu ao longo do tempo Enfim nosso objetivo é reconstituir a Historia da Historia para analisar os limites e as possibilidades de seu futuro na sociedade Como escreveu Carr 1996 p 63 Historia é um processo continuo de intera cao entre o historiador e seus fatos um dialogo interminavel entre 0 passado e oO presente Assim é impossivel construir uma Historia definitiva ou Historia verdadeira uma Historia unica pois o historiador lida a todo 0 mo mento com essa dualidade de por um lado reconstituir o passado e por outro interpretalo Essa interpretacao do passado é feita sempre da perspectiva do presente apesar de baseada em fatos ja ocorridos E nessa tensao entre o documento histérico e a sua interpretacao en tre o presente e o passado que se constroi a Historia Esse mecanismo de tensao entre passado e presente de multiplas interpreta oes do documento historico mantém a Historia viva e original a todo 0 mo mento e seduz qualquer pessoa que tenha alguma curiosidade sobre a relacao do homem com seu passado Uma das obras fundamentais porém inacabada para a definicao do que é e para que serve a Historia é a que foi escrita pelo historiador francés Bloch en tre os anos de 1943 e 1944 época em que estava preso pelos nazistas durante a ocupacao da Franga pelos alemaes na época da Segunda Guerra Mundial Bloch brilhante fundador da Revista Annales em 1929 marco da historiogra fla mundial foi assassinado em um campo de exterminio nazista em Lyon no dia 16 de junho de 1944 Como diz o historiador Jacques Le Goff 2001 p 15 Marc Bloch deixava inacabado em seus papéis um trabalho de metodologia historica composto no final de sua vida intitulado Apologie de Ihistoire Aprofunde seus conhecimentos com a leitura da obra BLOCH Marc Apologia da Historia ou O oficio do Historiador Prefacio de Jacques Le Goff Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 Nesse texto Bloch 2001 define os aspectos fundamentais do trabalho de um historiador e especialmente a maneira como se escreve a Historia aspectos que iremos abordar no topico seguinte Para que serve a Historia Bloch 2001 p 43 da alguns indicativos que podem auxiliar na resposta para essa questao mesmo que a historia fosse julgada incapaz de outros servicos restaria dizer a seu favor que ela entretém Mas evidentemente o autor vai aleém dessa observagao Afirma que a Historia sO sobrevive se mantiver seu carater estético ou seja sua beleza poética Assim a Historia caminha entre a beleza e o rigor conceitual entre o texto bem escrito por um lado e o bem construido teoricamente por outro A Historia é uma ciéncia em marcha e além disso esta na infancia pois ne cessita ser repensada a todo o momento algo que a época de Bloch estava apenas comecando Define o eminente historiador que o objeto da Historia ou seja aquilo que ela deve investi gar nao é uma entidade metafisica como o tempo mas sim 0 homem e mais precisamen te os homens no tempo suas agoes e praticas em todas as suas manifestacoes Nesse sentido para Bloch 2001 onde houver seres humanos existira Historia e assim algo a ser elucidado pelo historiador Além disso ele diz que somente um historiador atento ao presente conhecedor de seu tempo pode inquirir sa tisfatoriamente os homens do passado pois o presente bem referenciado e definido da inicio ao processo fundamental do oficio de historiador compre ender o presente pelo passado e correlativamente compreender o passado pe lo presente BLOCH apud LE GOFF 2001 p 25 Para encerrar essa primeira abordagem sobre o que significa o estudo da Historia gostariamos de citar uma metafora de Carr Segundo ele em um de terminado momento os historiadores definiam que Historia era um amontoa do de fatos Portanto os fatos estavam disponiveis para os historiadores nos documentos nas inscricgoes e assim por diante como os peixes na tabua do peixeiro O Historiador deveria reunilos depois levalos para casa cozinhalos e entao servilos da maneira que o atrair mais CARR 1996 p 45 Essa concepgao nos ultimos 50 anos vem sendo substituida por uma mais condizente com a realidade da produgao historica isto é os fatos na verdade nao sao absolutamente como peixes na peixaria Eles sao como peixes nadando livremente num oceano vasto e algumas vezes inacessivel o que o historiador pesca dependera parcialmente da sorte mas principalmente da parte do oceano em que ele prefere pescar e do molinete que ele usa fatores estes que sao naturalmente determinados pela qualidade de peixes que ele quer pegar De um modo geral o historiador conseguira o tipo de fatos que ele quer Historia significa interpretagao CARR 1996 p 49 Resumindo de acordo com as orientagoes de Carr 1996 e de Bloch 2001 po demos considerar que Historia o ramo do conhecimento que estuda os ho mens no tempo e que o papel do historiador é reconstituir o passado interpretandoo a partir do presente Fazer Historia 6 pois relacionar a todo o momento passado e presente é reconstituir o passado explicado pelo presente baseado nas perspectivas de mundo do proprio historiador 4 Documentos e suas interpretacoes o metodo em que stao Durante boa parte do século 19 e inicio do século 20 os documentos historicos considerados validos eram apenas os escritos e os Oficiais isto é os perten centes a instituigdes governamentais Essa etapa da produgao historica conhecida como positivismo veremos em detalhes mais adiante Gostariamos de assinalar neste momento que a produ cao historica durante um bom tempo atendeu a essas perspectivas No en tanto isso vem mudando nas ultimas décadas tanto nos tipos como na forma de se utilizar os documentos historicos Mas afinal o que é documento historico O que na Historia é digno de regis tro Todo fato humano pode se tornar um fato historico E quanto ao trabalho do historiador de que maneira ele seleciona e analisa os documentos e 0 que para ele se configura um fato historico Essas sao as questOes que iremos abordar neste topico Borges 1985 p 48 lembra que desde que existem sobre a Terra os homens estao em relagao com a natureza para produzirem sua vida e com os outros homens Dessa interagao é que resultam os fatos os acontecimentos os feno menos que constituem o processo historico Desse modo o objetivo funda mental do historiador deve ser a reconstituicgao do passado Para isso sao ne cessarios levantamentos e estudos de fontes documentais desse passado Nesse sentido fontes ou documentos historicos sao todos os registros possi veis de serem pesquisados e analisados em outras palavras sao todos os ma teriais de determinada época que permitem sua utilizacgao na construgao da Historia de um determinado grupo social ou seja fontes de carater escrito vi sual oral material sonoro etc Mas essas fontes nao sao quase nada sozinhas Os documentos historicos so se configuram como tais quando os historiadores Ihes atribuem um significado um sentido pois ate esse momento sao sim ples objetos que so se transformam em registro de uma época ou contexto quando sao analisados eles dependem de uma analise do historiador Dessa forma os acontecimentos humanos so podem tornarse fatos historicos no instante em que os registros documentais desses acontecimentos sao ana lisados e considerados numa analise historica Vejamos um exemplo Imagine num exercicio de analise contrafactual que por acaso os nazistas tivessem ven cido a Segunda Guerra Mundial 19391945 Acreditamos que para isso acontecer eles nun ca poderiam ter perdido a longa luta travada em Stalingrado na Uniao Soviética Possivelmente se os nazistas tivessem ganhado aquela batalha os feitos de bravura dos soldados soviéticos que encaravam um exército mais bem equi pado e mais preparado para a guerra a boa estratégia de resisténcia elaborada pelos comandantes do exército vermelho russo 0 massacre sofrido por boa parte da populagao local entre outros seriam fatos humanos nao registrados pela Historia da maneira como hoje sao A narrativa historica seria outra por que os registros documentais desses acontecimentos nao seriam preservados os interesses em contar essa Historia nao seriam os mesmos e a possibilidade de fazélo mesmo que se quisesse Seria muito menor do que é hoje Toda vez que aparecerem datas entre parénteses na frente de um nome como por exemplo René Descartes 15961650 estamos fazendo referéncia ao periodo em que viveu determinado pensador Assim fica claro que narrar 0 passado é um exercicio de reflexao sobre os do cumentos historicos sobre os registros que temos do passado mas nao ape nas isso Devemos sempre nos perguntar sobre as motivacoes e razoes para a preservacao de determinados fatos e nao de outros Evidentemente as fontes documentais sao um aspecto fundamental da pes quisa historica no entanto elas nao podem ser tomadas como algo que ex pressa a verdade absoluta sobre aquele momento ou fato historico estudado E bom lembrar que quem produz o documento esta imbuido de sua visao de mundo de sua forma de interpretar a situagao em que se envolveu de maneira que nao é neutro nem esta acima dos fatos para julgalos com imparcialida de Como afirma Carr 1996 p 55 os fatos e os documentos sao essenciais ao historiador Mas que nao se tornem fetiches Em contrapartida o historiador nao pode cair na tentagao de negar o docu mento de apenas valorizar a interpretagao que construiu em sua mente de buscar adaptar a realidade que estuda aos interesses de sua visao de mundo Novamente podemos nos apoiar em Carr para elucidar essa relagao entre do cumento e interpretacao dos fatos Para ele o historiador comea com uma selegao provisoria de fatos e uma in terpretacao também provisoria a partir da qual a selecao foi feita Enquanto esta trabalhando no tema tanto a interpretacao e a selecao quanto a ordena cao de fatos passam por mudangas sutis e talvez parcialmente inconscientes atraves da acao reciproca de uma ou da outra Por isso o historiador e os fa tos historicos sao necessarios um ao outro pois o historiador sem seus fatos nao tem raizes e é inutil os fatos sem seu historiador sao mortos e sem signi ficado CARR 1996 p 65 Logo essa agao mutua de historiador sobre os fatos e estes sobre o historiador envolve a reciprocidade entre presente e passado uma vez que o historiador faz parte do presente e os fatos pertencem ao passado CARR 1996 p 65 Portanto todo registro do passado humano é um documento historico Esse documento se analisado e criticado satisfatoriamente permite que aquele acontecimento por ele registra do se transforme em fato historico O que vai se tornar registro historico ou nao depende do contexto e dos inte resses que a Historia produzida representa 0 que por fim nos leva a ultima questao que é o trabalho do historiador na relagao entre fato e interpretagao Certa vez perguntouse o historiador Schaff 1978 p 66 o seguinte Se apesar dos métodos e das técnicas de investigacgao aperfeicgoadas os historiado res nao so julgam e interpretam as mesmas questOes e os Mesmos acontecimentos em termos diferentes mas ainda selecionam e até mesmo percebem e apresentam diferentemente os fatos sera possivel que esses historiadores fagam simplesmente uma propaganda camuflada em lugar de praticar ciéncia O autor construiu essa questao baseado na ideia de métodos e técnicas de in vestigagao algo que procuramos elucidar anteriormente Mas esses métodos e técnicas na provocagao do autor nao seriam apenas formas de esconder uma visao de mundo ja cristalizada e que a investigagao historica so serviria para confirmar Inicialmente vale ressaltar que os métodos e técnicas cientificas dos historia dores diferem em muitos aspectos daqueles utilizados por exemplo pelos fisi cos e pelos matematicos mas mesmo para esses 0 conhecimento é relativo na medida em que esta formulado com base em conviccoes do sujeito e do contexto em que ele esta inserido Assim ter convicgoes nao é nenhum pro blema A questao fundamental nesse debate é elucidar onde estaria o erro do qual um historiador deve fugir para evitar que seu trabalho perca o valor que deve ter O historiador Febvre cofundador da Revista Annales a qual fizemos referéncia anteriormente diz que 0 anacronismo é o pecado mortal do historiador Para ele o termo anacronismo referese a situagao em que o historiador atri bui ao personagem ou contexto historico que estuda uma visao que nao era possivel de se ter naquele momento em que os fatos ocorreram Ao cometer esse erro 0 historiador analisa os fatos com base nos resultados do processo de seu estudo esquecendose de que Os personagens nao poderiam ter a mes ma clareza dos acontecimentos Febvre utilizouse desse argumento para estudar a obra do escritor francés do seculo 16 Rabelais que muitos historiadores diziam ser ateu Entretanto Febvre 1989 demonstrou que era impossivel ser ateu no século 16 na Europa utilizandose de diversos meios para isso demonstrando que aqueles que dizi am isso estavam sendo anacronicos Para aprofundar seus estudos acerca desse assunto sugerimos a leitura das seguintes obras Lucien Febvre Olhares sobre a Historia Lisboa Edigdes ASA 1996 Lucien Febvre Combates pela Historia Lisboa Presenga 1989 Para Novais 2005 que um dos mais importantes historiadores brasileiros o problema do anacronismo aparece de maneira cristalina em um tipo de Historia especifico a chamada Historia Nacional que tem por objeto a nacgao e o Estado Nacional Vejamos como ele apresenta o problema O anacronismo que no dizer de Lucien Febvre constitui pecado mortal do histori ador tornase no caso da historia nacional uma dificuldade quase insuperavel E que a tentacao é por demais intensa de se fazer a historia do povo na sua vontade de ser nagao No caso do Brasil Estadonagao de passado colonial esta dificulda de ainda sobe de ponto e se consubstancia na idéia de que a nagao estava ja inscri ta na viagem fundadora de Pedro Alvares Cabral quer dizer como se a coloniza Gao se realizasse para criar a nacgao e o chamado periodo colonial vai sendo re constituido como algo tendente a forjar a independéncia num curioso exercicio de profecia do passado NOVAIS 2005 p 331 Observamos no exemplo trazido por Novais 2005 que o anacronismo pode comprometer toda a estrutura de pesquisa e desenvolvimento da produao historica de um tema amplo como a Historia de um pais Fazendo uma retomada de nossas ideias o erro do anacronismo consiste em acreditar que os personagens de determinada época tem a mesma visao e a mesma clareza dos fatos que o historiador pode ter analisandoos de outra época No caso exemplificado por Novais 2005 o anacronismo significa pen sar que os colonos tinham a visao clara de uma nagao futura 0 que sabemos hoje que acabou se concretizando mas os homens daquela época do Brasil colonial nao poderiam saber pois viviam sua realidade de colonia Portanto o historiador que atravessando os problemas da abordagem do pas sado evitou cometer anacronismos esta muito mais proximo de fazer uma boa Historia Na procura por essa boa Historia além de ter que selecionar documentos e fa tos historicos para reconstituir o passado e procurar estabelecer flos conduto res para uma interpretacao satisfatoria dos acontecimentos humanos o histo riador deve fugir da tentacao de atribuir aos protagonistas dos acontecimen tos que estuda o conhecimento dos resultados de sua agao na medida em que impossivel que estes 0 saibam e portanto impossivel também analisalos dessa perspectiva Em contrapartida ao se tentar fugir do anacronismo devese tomar cuidado também com o relativismo absoluto em Historia Assinalando aquilo que escreveu o historiador inglés Hobsbawm 1998 p 8 sem a distingao entre 0 que é e 0 que nao é assim nao se pode fazer historia No entanto o modo como montamos e interpretamos nossa amostra escolhi da de dados verificaveis que pode incluir nao s6 0 que aconteceu mas o que as pessoas pensaram a respeito é outra questao Assim nunca podemos per der de vista que a Historia tem sim sua objetividade e que ela esta no fato his torico Para ilustrar voltemos ao exemplo que utilizamos anteriormente sobre a Segunda Guerra Mundial ela aconteceu e a Alemanha nazista foi derrotada A questao que fica ao historiador como e por qué A partir dessas perguntas selecionamos as fontes historicas reconstituimos como aconteceu o fato e procuramos argumentar por que foi assim A demanda social do historiador entao sera esta atender as necessidades de preservacao da memoria social Vocé acha que a produgao de Historia é a expressao da Verdade 5 Historia e outras cliéncias humanas Como lembra o historiador francés Dosse 2003 a profissionalizaao do histo riador ja que sua disciplina foi tornada académica no século 19 e a ascensao das outras Ciéncias Sociais Economia Sociologia Politica Antropologia ao longo dos séculos 19 e 20 fizeram que a Historia sofresse muitos impactos tan to dessas Ciéncias Sociais quanto da mais antiga ciéncia humana a Filosofia a qual quando nasceu nao era apenas humana mas também fisica e mate matica Assim estabelecer os fios de relagao nem sempre amistosa entre a Historia e as outras Ciéncias Humanas é um aspecto essencial para se entender o papel do discurso historiografico no cenario da produgao de pensamento nas areas humanas Novamente o historiador brasileiro Novais 2005 p 277278 abre caminho para a compreensao da relacao entre Historia e as outras Ciéncias Sociais A Historia 6 um dominio do saber muito antigo anterior a ciéncia a universida de e obviamente as Ciéncias Sociais Tao antigas como a Historia so a Filosofia e as artes Todo livro de Historia da Historia diz isso mas nem sempre tiram as implica Goes teodricas desse fato Primeira implicagao se de fato é assim é possivel estudar o impacto da Historia das Ciéncias Sociais na Historia e nao o inverso Nao é possi vel estudar o impacto da Historia na Sociologia existe o impacto da Sociologia so bre a Historia A segunda implicagao é que a Historia nao responde as demandas sociais semelhantes ao que ocorre com as outras ciéncias Podese associar 0 apa recimento da Sociologia na segunda metade do século 19 ao aparecimento da soci edade urbana industrial moderna O aparecimento da Economia esta diretamente relacionado a Revolugao Industrial Ja a Historia esta associada a criagao da me mofria E evidente nas palavras de Novais 2005 uma primeira distincao fundamen tal entre a Historia e as outras Ciéncias Sociais estas estao associadas ao de senvolvimento e ao aumento da complexidade da sociedade posRevolugao Industrial ja a Historia muito mais antiga e corresponde a uma outra de manda da sociedade a de preservacao da memoria social O historiador brasileiro designa uma segunda distingao importante entre Historia e Ciéncias Sociais o campo da Historia é indelimitavel Qual é seu objeto E o acontecer humano em qualquer tempo e em todo 0 espaco sé 0 futuro nao é seu objeto O que caracteriza esse objeto A impossibilidade de delimitalo nao se sabe onde é que ele acaba NOVAIS 2005 p 379 Se a Historia por seu lado tem um objeto nao delimitado o grande debate den tro das Ciéncias Sociais justamente saber onde delimitar os seus objetos Qual é a fronteira que divide a Sociologia da Antropologia por exemplo Apesar do ataque que a Historia sofreu das outras Ciéncias Sociais o funda mental é que do ponto de vista do objeto temos uma vantagem comparativa o objeto da Historia é toda a agao humana no tempo Por causa dessa amplitude de seu objeto foi possivel que no momento em que ocorreu uma crise das Ciéncias Sociais no ultimo quarto do século 20 a Historia respondesse a essa crise com uma ampliacao dos objetos de estudo dedicandose a temas que antes estavam negligenciados 0 sexo o amor a fa milia a crianga a mulher entre outros Para refletir Vocé acha que a Historia pode ser considerada o carrochefe das Ciéncias Sociais Fica claro portanto que a Historia um ramo do conhecimento muito mais antigo que as Ciéncias Sociais e responde a outras demandas Além disso o objeto de estudo da Historia muito mais amplo e abrange todo o aconteci mento humano no tempo Assim a Historia tem compromisso potencial de reconstituir as agdes huma nas em todas as suas esferas de existéncia econdmica politica social cultu ral e mental Ja as Ciéncias Sociais sao recortes dessa realidade E evidente que o historiador nao reconstitui a totalidade da Historia mas par celas dela por isso que Veyne sd escreveu que nao existe apenas Historia mas sim Historia de A preposicao depois do substantivo é 0 recorte do objeto infinito do historiador Informagao Sugerimos a leitura da seguinte obra para o aprofundamento de seus estudos VEYNE Paul Como se es creve a Historia Lisboa Edigoes 70 sd Talvez vocé esteja se perguntando mas isso significa que a Historia nao ne cessita das Ciéncias Sociais A resposta é nao na verdade uma é necessaria a outra O historiador moderno enxergase como cientista portanto ele acredita que é necessario explicar Fundamentalmente é utilizandose dos conceitos criados pelos cientistas so Ciais que o historiador explica o que reconstitui Ao mesmo tempo se os cien tistas sociais ficarem apenas na abstracao conceitual nao conseguem de monstrar a aplicabilidade desses conceitos Assim ele necessitam da Historia para comprovar que sao eficazes Em resumo o historiador explica para reconstituir e o cientista social reconstitui para ex plicar As demandas sociais que os fizeram surgir explicam essa diferenca e ao mesmo tempo o sentido de necessidade de apoiarse um no outro O francés Braudel 1992 um dos historiadores mais importantes do século 20 escreveu em um artigo publicado em 1958 sobre a necessidade de encontrar se um caminho de dialogo entre as diversas ciéncias do homem Para ele esse dialogo poderia partir da dimensao das diversas temporalidades que a exis téncia social compreende Informagao Para saber mais sobre o assunto em questao leia BRAUDEL Fernand Historia e Ciéncias Sociais a longa duragao In BRAUDEL Fernand Escritos sobre a Historia 2 ed Sao Paulo Perspectiva 1992 p 3978 Mas 0 que significa diversas temporalidades Vejamos um texto do autor apresentado em seu classico estudo de 1946 intitu lado O Mediterraneo e o Mundo Mediterranico na Epoca de Filipe II que nos ajudara a compreender essa expressao Esta obra dividese em trés partes cada uma das quais pretende ser uma tentativa de explicagao de conjunto A primeira trata de uma historia quase imovel que é a do homem nas suas rela gdes com 0 meio que o rodeia uma historia lenta de lentas transformagoes mui tas vezes feita de retrocessos de ciclos sempre recomecados Acima desta historia imovel pode distinguirse uma outra caracterizada por um ritmo lento se a expressao nao tivesse sido esvaziada do seu sentido pleno chamarlheiamos de bom grado historia social a historia dos grupos e agrupa mentos Qual a influéncia dessas vagas de fundo no conjunto da vida mediterrani ca eis a pergunta que a mim proprio pus na segunda parte da minha obra ao es tudar sucessivamente as economias os Estados as sociedades as civilizagoes e ao tentar por fim e para melhor esclarecer a minha concepgao de historia mos trar como todas estas forgas profundas atuam no complexo dominio da guerra E finalmente a terceira parte a da historia tradicional necessaria se pretender mos uma historia nao a dimensao do homem mas do individuo uma historia dos acontecimentos a da agitacao de superficie as vagas levantadas pelo poderoso movimento das marés uma historia com oscilagoes breves rapidas nervosas BRAUDEL 1995 p 25 Assim para o autor a temporalidade historica teria diversos niveis de existén cia o tempo de longa duragao 0 de média duragao e o de curta duragao O tempo longo seria aquele em que as transformacoes sao muito lentas quase imoveis no qual o fundamental esta na relagao homem e espaco Ja o tempo de média duragao seria aquele em que as transformacoes ocorrem no nivel das estruturas sociais com movimentos longos resultando em grandes sinte ses economicas sociais politicas culturais Por fim o tempo curto o tempo jornalistico seria o tempo do registro imediato o tempo das paix6es dos acon tecimentos e da instantaneidade Observamos pois que cada uma das Ciéncias Sociais ajustase mais a um de terminado tempo do que a outro e na relagao desses tempos seria possivel estabelecer o contato entre as diversas ciéncias do homem A Historia seria nesse sentido o carrochefe do processo na medida em que ela como vimos é a ciéncia social que melhor compreende o homem no tempo 6 A historia da historiografia Entendido que a Historia pode assumir diferentes sentidos e funcoes nos di versos contextos e periodos em que foi produzida agora veremos uma breve linha do tempo da historiografia Com isso poderemos criar uma visao mais ampla do desenvolvimento da disciplina para que depois possamos abordar de forma detalhada os principais paradigmas historiograficos que pautaram eou influenciaram a historiografia até os dias atuais Para isso assista aos videos a seguir que partindo do proprio conceito de his toriografia abordam a produgao na antiguidade no medievo e nos séculos 18 19 e 20 criando uma visao geral da evolucao dessa area do saber ao longo do tempo e destacando seus temas métodos e fontes de pesquisa Acompanhe marital es a sa Pa ala rs ae OE se One no rapa a pene 3 c LI a eae F si Ober a T r piss eae 1 Z ore marie Agora vamos ver as principais caracteristicas e contextos de producao das principais correntes historiograficas por meio de uma visao geral sobre todo o processo Entretanto ressaltamos que neste momento visamos uma perspec tiva mais geral de uma possivel historia da historiografia ja que tais correntes serao tratadas de forma mais detida nos proximos ciclos de aprendizagem 7 O que é historiografia Eis um conceito simples de se explicar em resumo historiografia é a escrita da Historia Quem dera ser realmente tao simples Este um daqueles mo mentos em que ditados populares nao sao meros clichés a simplicidade é complexa O problema reside no fato de que escrever a Historia implica consi derar contextos diferentes do tema do historiador ideologias diversas do historiador da editora do publico fontes utilizadas para a pesquisa escritas orais iconograficas questionamentos dirigidos a essas fontes teoria empre gada para analise Assim é interessante que vocé tenha acesso a distintas definioes de historio grafia para aleém daquela ja citada Vejamos dois casos A historiografia seria assim a melhor vacina contra a ingenuidade SILVA SILVA 2006 p 189 O que apreender de uma assertiva como essa Se aceitarmos que historiogra fla 6 o questionamento acerca da produgao e da escrita da Historia sobre os discursos dos historiadores e seus métodos compreenderemos que se co nhecemos o que influencia os historiadores em suas escolhas de temas a abordar e na teoria a seguir se conhecemos o resultado de suas pesquisas se temos acesso aos erros e acertos por eles elencados a ingenuidade nao fara parte de nossa profissao Dito de outro modo se conhecemos o historiador em seu oficio em seu contexto e a sua producao nao ha como ficarmos alheios a memoria das sociedades Uma ultima definigao segundo Carbonell 1987 p 6 O que é historiografia Nada mais que a historia do discurso um discurso escrito e que se afirma verdadeiro que os homens tém sustentado sobre seu passado E que a historiografia o melhor testemunho que podemos ter sobre as culturas de saparecidas inclusive sobre a nossa supondo que ela ainda existe e que a semi amnésia de que parece ferida nao é reveladora da morte Nunca uma sociedade se revela tao bem como quando projeta para tras de si a Sua propria imagem Vamos refletir juntos sobre essa definicao Inicialmente tomemos a frase na da mais que a historia do discurso ou seja historiografia é o estudo de tudo o que ja foi dito sobre um tema em diferentes modos lugares e tempos Depois um discurso escrito e que se afirma verdadeiro ou seja o que foi dito deve ser considerado como discurso digno de ser acatado E por fim nunca uma soci edade se revela tao bem como quando projeta para tras de si a sua propria imagem Em outras palavras como nao temos como nos desvencilhar total mente de nossas ideologias de nossos conceitos das marcas de nosso tempo sempre que apresentamos o resultado de uma pesquisa historica a marca de nossa época fica evidenciada Resumindo a historiografia é o produto de uma era uma construgao historica Como se pode observar tratase de um conceito polissémico Mas para aleém do conceito igualmente devemos considerar que a historiografia depende de dois elementos da formulagao de um problema e das fontes disponiveis Ao levantar essas questoes Blanke 2006 estudou a historia da historiografia e apontou dez tipos e trés funoes conforme vocé pode verificar nos Quadros le 2 O autor adverte Os tipos que reconstrui no entanto possuem um alcance mais amplo do que os exemplos dos quais eles sao uma abstragao BLANKE 2006 p 29 Quadrol Tipos de historiografia Os tipos de historia da historiografia obra de um historiador qual o estilo literario da obra Pesquisas que classificam os historia 3 Balango geral dores em campos especificos ar ae Pesquisas sobre conferéncias e traba 4 Historia da disciplina ee a lhos de instituigoes historicas 5 Historia dos métodos Pesquisa sobre os métodos historicos ar ta ar Pesquisa sobre as tendéncias da his 6 Historia das ideias historicas a toria intelectual Pesquisa sobre a historia das subdis oo ciplinas Antiga Medieval da rela 7 Historia dos problemas ee ta ao entre a Historia e outras Ciéncias Sociais etc 8 Historia das fungoes do pensa Pesquisa sobre as fungoes sociais da mento historico historiografia ar Pesquisa da historiografia como histo 9 Historia social dos historiadores ria social ar Pesquisa sobre o desenvolvimento da 10 Historia da historiografia teorica disciplina no interior de sua reflexao mente orientada metateorica Fonte BLANKE in MALERBA 2006 Quadro2 Funcoes da Historia As fungoes da historia da historiografia 1 Fungao afirmativa Afirmar uma ideologia oficial Criticas aos principios ideoldgicos vi 2 Fungao critica soes de mundo modelos tradicionais etc Oferecer material para a reflexao teo 3 Fungao exemplar rica servir de exemplo Fonte BLANKE in MALERBA 2006 Esses tipos e funcdes nao serao sistematicamente analisados aqui Porém explicitalos ajudanos a observar e a confirmar que a historiografia é mais do que a escrita da historia 6 a compreensao de todo 0 contexto que envolve essa escrita Nesta conjuntura podemos iniciar nossa compreensao do que é Teoria da Historia Alguns a leem mesmo como historiografia como debate historiogra fico e muitos outros como metodologia Igualmente é entendida como qual quer atividade reflexiva do historiador Desse modo os conceitos de historio grafia e Teoria da Historia sao justapostos A historiografia enquanto escrita da Historia apresentanos concepcoes diferenciadas do passado de acordo com as teorias norteadoras do oficio do historiador a saber 0 marxismo a no va historia a microhistoria etc Agora que ja refletiu sobre os conceitos de historiografia Teoria da Historia e possibilidades historiograficas que tal iniclarmos nossa retrospectiva Vamos la 8 A historiografia na antiguidade Antes de adentrar na producgao de Heroddoto e Tucidides é importante enten dermos o contexto no qual a escrita da Historia nasceu aquele da oralidade e também da mitologia Para o Grego das épocas arcaica e classica a palavra representava o poder por exceléncia Vejamos o que o helenista JeanPierre Vernant tem a dizer a esse respeito o termo Grego é utilizado aqui em maiusculo nao so para caracteri zar os habitantes da Grécia mas igualmente compreendendoo como uma Ca tegoria que inclui homens e mulheres criangas jovens e adultos todos inclui dos dentro de um contexto social e cultural maior O que implica o sistema da polis é primeiramente uma extraordinaria proeminén cia da palavra sobre todos os outros instrumentos de poder A palavra nao é mais o termo ritual a formula justa mas o debate contraditorio a discussao a argumen tagao VERNANT 1996 p 34 Com base nessa assertiva observamos que 0 logos ocupava um lugar central nessa época da nascente razao Mas nao nos enganemos logos e mythos nao eram totalmente excludentes nem mesmo contraditorios A razao representa da pelo Jogos nasce do mythos Mas como esse Jogos foi utilizado e compreendido no cerne da primeira Historia Essa nova maneira de se narrar os acontecimentos se distanciou de forma definitiva do mito Observemos entao as diferengas e as similitudes entre os dois historiadores que desde a Antiguidade estao no centro da discussao que tenta decidir quem o pai da Historia Herodoto ouvir ver e escrever Ouvir ver e escrever Nao se trata de um ordenamento aleatorio de verbos Os dois primeiros podem até se alternar porém escrever vem depois Esta era a pratica de Herddoto 484420 aC colher testemunhos essencialmente hist6 ria oral embora tenha tido acesso a alguns documentos observar regides pessoas fatos e posteriormente narralos Em sua obra Historia 29 ele afir mou Até aqui disse o que vi refleti e averiguei por mim mesmo a partir de agora direi o que contam os egipcios como ouvi ainda que acrescente algo do que vi HERODOTO 1998 p 152 Herodoto procurou registrar a tradiao feitos e fatos que em seu entendimen to nao deveriam ser esquecidos a lembranga e o conhecimento do passado como forma de reforar a identidade dos helenos Em sua escrita utilizouse do termo logos no sentido de relato de conhecimento de razao tudo isso reportandose a opinidoes contrastantes que nem sempre puderam ser compro vadas 0 que se ouviu mas nao se viu A obra Historia nesse contexto procu ra estabelecer as causas da guerra entre gregos e persas apresentando uma escrita que embora ainda traga elementos mitoldgicos traz como novidade o relato do ocorrido de fatos concretos de feitos de homens e nao historias mi tologicas feitos heroicos eou divinos de um mundo abstrato Por essa inovacao Herddoto foi considerado o pai da Historia ja na Antiguidade titulo atribuido a ele por Marco Tulio Cicero 10643 aC em De Legibus Das Leis 115 Porém apenas nos tempos modernos tal honraria estabeleceuse definitivamente Tucidides a busca da verdade do que se vé Segundo Detienne 1998 p 105 O ouvido é infiel e a boca é sua cumplice Fragil a memoria é igualmente enganadora ela seleciona interpreta recons troi Tomamos por empréstimo essas palavras do helenista Marcel Detienne por acreditarmos que ela representa bem a repulsa de Tucidides em relacao a es crita de Herddoto Diferentemente deste Tucidides preocupouse com as cau sas imediatas Atentouse para o presente narrou 0 que viu acreditava no que estava diante dos olhos O passado para ele mostravase como boatos fulano disse que ouviu de sicrano o ocorrido com beltrano na terra de alguéem Para o autor de Guerra do Peloponeso memoria sem provas nao é Historia Por que devo vos falar de acontecimentos muito antigos quando estes sao atestados antes por boatos que circulam akoai do que pelo que se viu com seu olhos aqueles que nos ouvem TUCIDIDES I 73 2 Resumindo algumas das principais diferenas entre Herddoto e Tucidides sao 0 primeiro privilegia o resgate da tradiao e o segundo o registro do pre sente com o pensamento focado no futuro Herddoto é considerado mais ro mantico enquanto Tucidides mais realista As diferencas também podem ser observadas na escolha das fontes o primeiro elege as fontes orais e 0 segun do nao vendo credibilidade nestas descartaas Outros nomes podem e devem ser citados para esse periodo da historiografia Aristoteles Polibio Salustio Tacito e Cicero Vale ressaltar aqui a diferena estabelecida por Aristoteles entre Historia e po esia Reproduziremos a seguir uma das mais famosas passagens desse autor em que esclarece este bindmio contrario Nao é oficio de poeta narrar o que aconteceu é sim o de representar o que poderia acontecer quer dizer o que é possivel segundo a verossimilhanga e a necessidade Com efeito nao diferem o historiador e 0 poeta por escreverem verso ou prosa diferem sim em que diz um as coisas que sucederam e outro as que poderiam su ceder Por isso a poesia é algo de mais filosdfico e mais sério do que a Historia pois prefere aquele principalmente o universal e esta o particular ARISTOTELES 2003 9 50 De forma bem esclarecedora assim Funari e Silva 2008 p 23 se expressam acerca desta afirmagao Aristoteles aponta como caracteristica essencial da Historia sua preocupagao com o efémero com 0 acontecimento que nao se pode repetir e que por isso mesmo na da nos pode ensinar sobre a natureza humana ou mesmo do mundo O particular por definiao nada revela E bom e temeroso poder discordar de alguém como Aristételes Mas o desen volvimento da Historia como disciplina e como teoria veio nos mostrar que o particular diz muito sobre homens e sobre 0 mundo assim como sobre os ho mens no mundo 9 A historiografia no Medievo A Historiografia no Medievo esta intrinsecamente ligada ao Cristianismo Basta lembrar que durante muito tempo a Igreja foi a detentora do saber Nesse periodo os homens suas obras e os acontecimentos so ganhavam im portancia se vistos como resultados dos designios divinos Essa historiografia produziu genealogias httpptwikipediaorgwi kiGenealogia anais httpptwikipediaorgwikiAnais reais e monasticos e cronologias httpptwikipediaorgwikiCronologia de acontecimentos su cedidos nos reinados dos seus senhoris ou da sucessao de abades httpptwikipediaorgwikiAbade Nos documentos encontramos igual mente hagiografias e biografias de reis Os textos ainda podiam exaltar uma dinastia como condenar aqueles que nao seguiam os preceitos do Cristianismo A escrita dessas fontes estava sob a responsabilidade de hagidgrafos httpptwikipediaorgwikiHagiografia cronistas httpptwikipediaorg wikiCrC3B3nica integrantes do clero httpptwikipediaorgwikiClero episcopal ligados ao poder e por monges httpptwikipediaorgwi kiMonge Como exemplo dessa historiografia citamos Historia Eclesiastica do Povo Inglés do século 8 httpptwikipediaorgwikiSC3A9culo VIII de autoria de Beda o Veneravel e Etimologias de Isidoro de Sevilha 10 A historiografia nos seculos 18 e 19 E contraproducente unir as historiografias dos séculos 18 e 19 num mesmo to pico Pode parecer que as continuidades e permanéncias sao superiores as descontinuidades e rupturas no interior da escrita da Historia No entanto es sa juncao aqui realizada justificase por dois motivos primeiro nao é a passa gem de um século para o outro temporalmente falando que modifica as es truturas e em segundo lugar porque o século 19 pode ser entendido como um momento de concreao e reagao ao que foi divulgado no século precedente Observe os topicos a seguir 1Avanco do Iluminismo Nova roupagem das Universidades Surgimento da Filologia 2 Filologia Historica conhecimento mais rigoroso e aprofundado das lin guas antigas conhecimento das fontes mais objetivo 3 Conhecimento mais objetivo do passado inicio do positivismo historio grafico critica textual que visava saber se os documentos eram verdadei ros e fidedignos descricao factual precisa A Historia desse modo surge como um conjunto de fatos que existem nos documentos Basta extrai los HA um rompimento com a escrita da Historia de tradigao literaria fa cil de ler rumo a um discurso arido e douto Seus principais representan tes Barthold Georg Niebuhr e Leopold Von Ranke 4 Revue Historique 1876 surgimento da Escola Metddica autores associ ados a essa escola estavam preocupados com a escrita da historia nacio nal e o estabelecimento da identidade da nagao Para tanto exigiuse um rigor metddico o afastamento da parcialidade da especulaao e da nao objetividade para se contar como a historia realmente aconteceu Dois de seus representantes sao Gabriel Monod e Gustave C Fagniez 5 Karl Marx e a concepao dialética da Historia a historia de toda socieda de é a historia da luta de classes a revolucao é a forca motriz da Historia A vida social politica e intelectual é condicionada ao modo de produgao da vida material materialismo Em 1870 ocorreu a derrota do exército francés na guerra francoprussiana Com essa derrota a Francga sentiu a necessidade de reescrever sua historia e de construir sua identidade O pensamento historico ale mao teve grande influéncia nesse contexto Dentre os autores mais conhecidos desse periodo citamos Gabriel Monod Charles Seignobos e Ernest Lavisse Todos eles ao lado de Theodor Mommsen serviram de modelo e inspiraao para as geracgoes posteriores de historiadores franceses 110 seculo 20 e os Annales Segundo Burke 1991 p 127 Da produgao intelectual no campo da historiografia no século XX uma importante parcela do que existe de mais inovador notavel e significativo originase da Franga A historiografia jamais sera a mesma E assim que Peter Burke inicia e finaliza o seu livro A Revolucao Francesa da Historiografia a Escola dos Annales 19291989 em que descreve e analisa as trés geracoes do movimento intelectual francés associadas a revista Annales o primeiro titulo da revista foi Annales dhistoire économique et sociale 1929 que teve como seus principais representantes Marc Bloch Lucien Febvre Fernand Braudel Georges Duby Jacques Le Goff Emmanuel Le Roy Ladurie Ernest Labrousse Pierre Vilar Maurice Agulhon Michel Vovelle en tre tantos outros A ultima assertiva da citaao anterior nao é fortuita ou mero chavao Reflete bem a pratica historiografica dos membros dos Annales que objetivaram su prir a tradicional narrativa de acontecimentos por uma historiaproblema co mo também deixar de fazer apenas a historia politica e abordar a historia de todas as atividades humanas e por fim estabelecer uma relagao proficua com outras disciplinas das Ciéncias Sociais como a Antropologia a Sociologia a Geografia etc AS massas anonimas e seus modos de viver sentir e pensar fo ram analisados nesse contexto de interdisciplinaridade No entanto vale res saltar que essa escola nao formou um grupo monolitico executando uma his toriografia uniforme Bem pelo contrario As diferencas podem ser observadas no interior das trés fases ou geragoes desta escola 1 geracao de 1920 a 1945 Historia enquanto ciéncia do homem ha uma separagao entre os conceitos de Historia e passado O que se procura entender é a historia do passado e nao o passado em si que compreendido como uma construcao historica Seus maiores representantes foram Marc Bloch e Lucien Febvre 2 geracao de 1945 a 1968 O que se aspirava era uma pratica historica mais aberta ou seja que abordas se OS campos social econdmico cultural geografico e religioso em suas dife rentes temporalidades e diversas perspectivas Dito de outro modo aspirouse por uma historia total Fernand Braudel representa exemplarmente essa gera Gao 34 geracao de 1968 Fase também conhecida por Historia Nova ou Nova Historia Essa geracao particularmente nos interessa pois os questionamentos apresentados no de correr desta disciplina sao oferecidos a nos pelos integrantes desse grupo ou por estudiosos que questionaram os paradigmas da historia a partir das dis cussoes desse grupo Por esse motivo um item separado abordara o tema 12 A nova historia Trés processos caracterizam a terceira geracao a assimilacao definitiva de novos problemas novas abordagens e novos objetos Temas como mulher se xualidade prisao doenga sonho corpo e morte sao estudados nao somente sob a luz da Historia mas igualmente na sua relagao com a Antropologia a Psicologia e a Sociologia Ocorre um distanciamento acentuado em relagao a historia politica tradicio nal A questao da unidade do objeto e a possibilidade concreta de uma histo ria total também foram deslocadas Nao existe mais 0 homem mas os ho mens e nao mais historia mas historias Entao a atencao voltouse para o sotao deixandose o porao 0 material para tras ou seja as mentalidades ressurgiram com nova roupagem nos estudos historicos académicos Philippe Ariés foi talvez o maior responsavel por esse retorno Robert Mandrou pela divulgacao e Jacques Le Goff Georges Duby Emmanuel Le Roy Ladurie e Michel Vovelle pela aplicagao dos estudos das mentalidades De acordo com Chartier 1990 p 1415 as atitudes perante a vida e a morte as crencas e os comportamentos religiosos Os sistemas de parentesco e as relacoes familiares os rituais as formas de sociabi lidade as modalidades de funcionamento escolar etc Sob a designacao de histo ria das mentalidades ou de psicologia historica delimitavase um novo campo Mas esses objetos carecem de uma abordagem apropriada Como vocé anali sarla essas tematicas no tempo melhor dizendo a uma primeira vista Acredita ser capaz de reconhecer as atitudes perante a morte num breve espa o de tempo Os adeptos da historia das mentalidades nao apostaram nessa possibilidade Houve um aprofundamento nas pesquisas de longa duragao L tempos das estruturas tempo quase imovel da relacao entre o homem e a natureza VAINFAS 1997 p 134 Mas essa historia foi rebatida se nao ha o homem no singular se nao ha a historia também no singular igualmente nao ha uma unica forma de pensa mento que caracterize o homem na historia mas diferentes modos de viver sentir e pensar para diferentes homens e passados E obvio e vocé ja estudou em outras disciplinas que a Nova Historia nao se re sumiu a Historia das Mentalidades Para finalizar a sua atencao nesse mo mento deve voltarse para o fato de que com a introdugao de novos proble mas novas abordagens e novos objetos nos estudos historiograficos 0 proprio conceito de Historia mudou 0 modo de se contar a historia mudou a sua re lagao com outras disciplinas também Sao essas transformacgoes que veremos mais adiante Uma ultima consideragao importante a compreensao dos conteudos futuros nessa terceira geracao nao houve a predominancia de um grupo a frente dos demais estudiosos nao houve mais a prevaléncia da lingua francesa nos estu dos como também a propria Franga deixou de ser o centro do pensamento historico Autores de outras linguas e outras regides entraram no embate con tra a velha Historia Para Falcon 1997 p 111 Batizada de nouvelle histoire essa historiografia compreende historiadores cujas trajetorias intelectuais e politicas podem ser muito distintas entre si tal como a maneira de cada um deles encarar a disciplina historica e seu oficio 13 Texto complementar Os fragmentos a seguir versam sobre o unico tratado da Antiguidade sobre a historiografia Eles fazem parte de um artigo escrito por André L Lopes A leitura desses fragmentos levara a conhecer um pouco mais sobre a temati ca discutida até aqui Observe o que o historiador antigo fala sobre a escrita da Historia Algumas de suas colocagoes vém ao encontro do que estamos estu dando Observe também o que ele fala sobre a verdade Para auxilialo numa reflexao critica sobre a historiografia apos alguns frag mentos foram inseridos comentarios direcionando a leitura Sugerimos que apos essa leitura dirigida vocé busque pelo artigo na integra e elabore seu proprio bloco de anotacoes O artigo pode ser consultado na integra no clican do aqui httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttext pidS010190742005000200008lngennrmiso Moralidade e justica na historiografia antiga o manual historiografico de Luciano de Samosata Na Antigtidade se inventou a historia e foi pr6diga em producgoes historiografi cas bastante econdmica em reflexoes sobre essa novidade Se existem referéncias a algumas obras antigas que parecem tratar da historiografia como por exem plo o tratado de Teofrasto Peri Historias Sobre a historia do qual conhecemos apenas 0 titulo ou o livro de Praxifanes citado por Amiano Marcelino em sua Vida de Tucidides essas obras estao hoje completamente perdidas e especular sobre seu conteudo seria perda de tempo Alias é significativo que nenhuma obra sobre a historia seja citada nas bibliografias dadas por Didgenes Laércio em Vidas e dou trinas dos fildsofos ilustres O siléncio dos fildsofos antigos sobre a historiografia 6 quase completo Mesmo Aristoteles tao prolifico a respeito de todos os campos do conhecimento a ignora em toda a sua extensa obra As unicas aparicoes da historia no extenso corpus do fildsofo de Estagira sao duas passagens da Poética nas quais é rejeitada em favor da poesia e uma breve recomendagao na Retorica aos politicos que leiam histo ria para ampliar seus conhecimentos Encontramos algumas reflexoes sobre a historiografia nas obras dos proprios his toriadores Mas na maior parte das vezes essas reflexoes sao fragmentarias estao inseridas em polémicas com outros historiadores ou tratase de simples elogios retoricos da historiografia Na verdade a mais completa investigagao antiga sobre a historiografia encontrase em um pequeno tratado da autoria de Luciano de Samosata um escritor satirico nascido na Siria no século II da Era Crista Como se deve escrever a historia a unica obra antiga inteiramente dedicada a historiogra fia de um ponto de vista tedrico que conhecemos Comecemos portanto pelo proprio ineditismo da obra por que Luciano resolveu escrever uma teoria da historia Por que escrever um tratado que nenhum outro escritor da Antiguidade tivera necessidade ou interesse em escrever Como se deve escrever a historia aleém de um manual metodoldgico 6 um pan fleto literario ou seja uma obra destinada a critica de uma pratica literaria que Luciano nao via com bons olhos Dos 63 paragrafos do texto Luciano dedica 19 quase um terco da obra a exemplos de maus historiadores 1432 Essa mesma técnica como nao fazer critica cémica e como fazer preceitos sérios foi usa da por ele em diversos outros panfletos do mesmo tipo como por exemplo em Mestre de retorica como nao ser bemsucedido na retorica e como sé lo e em Lexifanes como nao reviver palavras aticas e como fazélo No entanto Como se deve escrever a historia se destaca dentre todos pois apenas nele a cari catura nao é a principal preocupagao do texto e a balanca é mais ou menos equi librada contrapondose aos 19 paragrafos dedicados a critica cOmica dos maus historiadores 27 sao destinados aos ensinamentos prescritivos sobre a historia 3460 Observe este pequeno resumo da obra onde o autor do artigo descreve alguns elementos do texto analisado E interessante constatar que a critica historio grafica ja era utilizada nos primordios da escrita da Historia Sendo uma obra de critica Como se deve escrever a historia estava portanto viva mente inserida na pratica historiografica do século II dC O que nao significa ne cessariamente que os varios exemplos ridiculos de historias e historiadores cita dos por Luciano tenham realmente existido O proprio Luciano parece extrema mente irOnico ao garantir a veracidade das historias por ele criticadas Dirlhesei entao em detalhes o quanto me lembro haver ouvido alguns historiadores dizerem recentemente na JOnia e agora mesmo na Acaia descrevendo essa mesma guerra E em nome das Gragas que ninguém deixe de acreditar no que vou dizer Pois eu juraria por sua veracidade se fosse proprio inserir um juramento em um tratado E provavel que diversos historiadores estivessem ativos na época em que Luciano escreveu e que novas historias da guerra entre os romanos e os partos fossem pu blicadas ou recitadas com freqliéncia Ja no séc I aC No entanto nada impede que Luciano tivesse criado historias e historiadores ideais que se encai xassem melhor nos pontos que ele critica A critica aos maus historiadores se mantém mesmo que todos os historiadores criticados sejam criagao do critico Ea critica é necessaria pois o que Luciano busca é uma historia justa historias di kaias A verdade um dos tragos mais importantes da historiografia desde o seu inicio na Grécia em Luciano nao é sendo o instrumento que conduz ao justo E necessario escrever a historia com o verdadeiro eis sua régua e seu fio de pru mo para uma historia justa Historia justa verdadeira eis a proposta de Luciano Para elaborar essa cri tica o autor parte do pressuposto de que muitas historias estao fantasiadas nao narram o que realmente teria acontecido Muito disso estava relacionado ao contexto no qual o historiador estava inserido funcionario de governo fun cionario direto ou escravo do imperador etc Podemos dizer que hoje em dia também é necessario considerar o Jugar do historiador ET Para Luciano 0 poder romano era uma constatagao evidente e explicita ninguém se atreveria a combatélo pois ele ja havia submetido e conquistado todos os po vos Com efeito a época da vida de Luciano o século II dC foi o auge do poderio imperial romano o periodo dos Antoninos e a dificuldade de se escrever uma his toria justa era que a maioria dos historiadores negligenciando contar o que ocor reu os eventos gastam seu tempo no elogio dos chefes e dos generais elevando Os nossos até as nuvens e depreciando os do inimigo além de toda a medida Tratavase portanto de mais do que um panfleto literario Como se deve escrever a historia era também um panfleto antiromano E a critica era feita em um cam po que para a maior parte dos antigos era naturalmente politico a historiografia como o judeu Flavio Josefo traduziu a historia da guerra judaica em grego para formar um contraste com o florescimento da mentirosa his toriografia filoromana assim mais ou menos um século mais tarde O sirio Luciano reagiu com o opusculo Como se deve escrever a historia na ocasiao da explosao de uma historiografia filoromana que floresceu a partir da euforia provocada pelas vitorias de Lucio Vero Luciano embora nao critique os romanos diretamente nem uma vez resume seus preceitos para a historia dizendo que é necessario escrever a historia com o ver dadeiro mais do que com a adulagao kolakeia Portanto o alvo das criticas de ambos eram os historiadores aduladores intelectuais que estavam mais preocu pados com os favores dos poderosos do que com a narrativa dos eventos ou com o rigor historico as preocupacgoes de um verdadeiro historiador Além disso ao es crever em grego ambos os autores visavam evidentemente a um publico que fa lava grego e certamente suas criticas eram dirigidas aos historiadores que escre veram historias romanas em grego Ora qual seria a relagao possivel entre esses intelectuais gregos e seus senhores romanos senao a adulacao e a troca de favo res Podemos ler assim em Luciano uma forte oposiao entre a verdade que a historia deveria possuir e a adulagao que na maior parte dos casos era o que se lia nas narrativas dos historiadores A oposiao central do Como se deve escrever a histo ria nao é portanto entre verdade e mentira como poderiamos pensar inicialmen te 6 entre verdade e adulacao pois a historia era um assunto politico que exigia imparcialidade e justiga Verdade x mentira historia x ficgao Sera que podemos fazer tal associagao Se a adulagao nao é uma escrita justa e verdadeira ela nao pode ser estudada como um produto de uma situagao Em outras palavras por que adular A quem atingir com o texto Sabendo que muitos escritores antigos trabalhavam diretamente ligados a orgaos do governo como analisar a producao deles Que cuidados tomar quando da analise desse tipo de documento A unica agao possivel para Luciano contra o poder invencivel de Roma e seus aduladores era a critica Em diversas obras de Luciano os fildsofos cinicos como Diogenes Crates Menipo e outros sao encarregados dessa critica que mesmo cOmica e caricatural nao perde sua mordacidade Eles sao os médicos das paixoes as doencas da mente humana e 0 proprio Luciano pela boca de Didgenes nos diz qual a fungao do critico cinico Sou um libertador de homens e um médico de suas paixoes para dizer tudo quero ser um profeta da verdade e da franqueza Nao se pode deixar de observar que quase todas essas virtudes aparecem na defi niao do historiador ideal em Como se deve escrever a historia Assim pois para mim deve ser o historiador sem medo incorruptivel livre eleutheros amigo da franqueza parresias e da verdade aléthei as como diz o poeta comico alguém que chame os figos de figos e a ga mela de gamela alguém que nao admita nem omita nada por odio ou por amizade que a ninguém poupe nem respeite nem humilhe que se ja juiz equanime benevolente com todos até o ponto de nao dar a um mais que o devido estrangeiro nos livros sem cidade independente au tonomos sem rei nao se preocupando com o que achara este ou aquele mas dizendo o que se passou Assim vemos que para Luciano o historiador deve ser uma espécie de filosofo ci nico livre e sem medo de ser sincero Mais uma vez é possivel ligar essa passa gem ao problema da adulagao se o historiador cometesse o erro de bajular os po derosos estaria abdicando de sua liberdade e de sua autosuficiéncia Para todos os lados que se olhe a adulagao surge como um pecado a ser evitado Como a adulagao nao devia ter espaco em uma obra de historia Luciano para cri ticar esse vicio escreveu um panfleto com a forma de uma teoria da historia Em Como se deve escrever a historia os aspectos teoricos do tratado estao a servico da intenao critica uma critica surgida das necessidades politicas do presente Se a circunstancia da guerra e das historias adulatorias que ela gerou nao ocorresse imagino que Luciano nao teria escrito um tratado sobre a historia Segundo Luciano seus conselhos funcionavam de uma maneira dupla ensina vam os historiadores a escolher isso e evitar aquilo Assim ele comega a parte teorica de seu tratado catalogando os vicios que seguem nos calcanhares dos his toriadores mediocres e ensinando precisamente como nao se deve escrever a historia Nao a toa dada a insisténcia de Luciano contra a adulagao a primeira distinao feita por ele é entre a historia e o panegirico com efeito os historiadores ignoram que nao é um istmo estreito que delimita e separa a historia do panegirico enko mion mas que ha entre os dois uma grande muralha e como dizem os musicos uma distancia de duas oitavas A posicao de Luciano nessa guerra entre a filosofia e a sofistica é clara ele se posi ciona contra a retorica vazia simples discursos de aparato sem conteudo Luciano comecou sua Carreira como orador e nunca deixou de sélo mas voltou o arsenal da retorica e da sofistica contra os fildsofos sofistas historiadores gramaticos ou qualquer outro que considerasse hipocrita ou mentiroso A retorica para Luciano deveria ser uma retorica idealizada que seguisse as pe gadas de Demostenes Platao e alguns outros Mas a retorica dos antigos nao existia mais fora substituida por uma retorica das aparéncias simples ornamento sem conteudo ou utilidade Restava apenas o outro caminho trilhado por muita gente Esse era 0 caminho da retorica moderna 0 caminho trilhado pelos se gundos sofistas biografados por Fildstrato que visavam apenas a ganhos materi ais E interessante observar que Luciano propés uma escrita historiografica que seguisse as pegadas da Filosofia Nesse contexto a mitologia e a poesia seri am vistas como instrumentos utilizados pelos aduladores Escrever com ra ciocinio e retérica com contetido E nesse caminho que seguem os historiado res contemporaneos Juntamente com a retorica sem conteudo Luciano renega o prazer dos discursos e nao lhes permite um lugar na historia No entanto os maus historiadores acha vam que era possivel distinguir entre o prazeroso e o util quando se tratava de his toria Por essa razao prossegue eles trazem elogios para ela a historia para dar prazer e divertimento aos leitores Eles nao sabem quao longe estao da verda de pois a historia tem uma Unica tarefa e um unico objetivo 0 que é util e isso deriva somente da verdade Por isso os historiadores nao podem admitir uma mentira Mesmo em pequenas doses enquanto os oradores de sua época nao se importavam em mentir para obter seus resultados o prazer dos ouvintes a fama e a fortuna resultantes do sucesso na carreira declamatoria No entanto Luciano concede que possa haver lugar para elogios em uma obra his toriografica desde que eles sejam controlados pelo interesse da posteridade e pela utilidade Tanto os elogios épainoi quanto as censuras psdgoi deviam ser cui dadosos e bem considerados livres de contaminagao pelos informantes suporta dos pela evidéncia meta apodeixeon curtos e nao inoportunos pois os envolvi dos nao estao sendo acusados no tribunal Ou seja ha um lugar para o elogio na historiografia desde que seja feito na hora certa e que se mantenha dentro de limites razoaveis O grande problema portan to nao parece ser o elogio em si mas o exagero do seu uso Além disso quando Luciano diz que o elogio na historiografia deve se basear em evidéncias meta apodeixeon mostra a antiga filiagao daquela com a verdade e afastaa ainda mais da retorica epiditica Com efeito assim como a apodeixis da retorica aristotélica a historia deveria partir de fatos verdadeiros e mostrar sua causa Isto fica bem cla ro no prefacio de Herddoto esta é a demonstracado da investigacgao histories apddexis de Herddoto de Halicarnasso para que nem as coisas feitas pelo homem se apaguem com o tempo nem que as grandes e maravilhosas obras algu mas realizadas apodechthénta ie demonstradas pelos gregos outras pelos barbaros se tornem inglorias tanto em outros respeitos quanto sobre a causa aitien pela qual eles moveram guerra uns contra os ou tros Ou seja Herddoto partiu de um acontecimento a guerra contra os persas e ten tou demonstrar apoddeixis sua causa aitia mediante um procedimento baseado na investigaao historia O uso de procedimentos retoricos na elaboragao da narrativa historica era absolu tamente natural e necessario para Luciano que nao podemos esquecer teve am pla formagao retorica A retorica historiografica proposta por Luciano e levada a cabo por Herddoto e Tucidides no entanto se afastava da retorica exibicionista dos sofistas de seu tempo e se aproximava da retorica filosofica de Aristoteles Tratavase de partir dos acontecimentos verdadeiros e evidentes e demonstra los Mas nunca se poderia esquecer que a historia tem uma Unica tarefa e um unico objetivo a utilidade e isso deriva apenas da verdade Todos os procedi mentos retoricos utilizados na elaboragao historiografica deveriam estar sujeitos a isso Por fim creio que vale a pena examinarmos uma pequena metafora utilizada por Luciano em seu manual Segundo o sirio o historiador deve deixar que sua inteli géncia seja semelhante a um espelho impoluto brilhante preciso quanto a seu centro e qualquer que seja a forma dos fatos que recebe assim os mostre sem nenhuma distorgao diferenga de cor ou alteragao de aspecto A referéncia a mente do historiador como um espelho que reflete os fatos é bas tante interessante Pois o espelho por mais centrado e impoluto que seja reflete uma imagem parecida com a original mas que guarda algumas diferengas dessa A mais evidente dessas diferencas é a inversao que se efetua na superficie do es pelho entre direita e esquerda e os antigos jamais deixaram de percebéla Platao por exemplo cita diversas vezes esse fendmeno Muitos autores antigos modernos e contemporaneos fizeram uso da metafora do espelho Procure saber mais sobre os significados tomados por esse utensi lio tao precioso aos homens Percebera que muito mais do que refletir ele po de deturpar uma realidade As fontes historicas também nao cumprem esses papéis Isso poderia significar que o historiador sempre vai acrescentar algo aos fatos malgrado sua precisao e imparcialidade Talvez Mas creio que isso seria ler Luciano pensando em Hayden White Luciano como todos os antigos acreditava na possibilidade de narrar a historia tal como ela aconteceu Alem do que nao podemos esquecer que o espelho criticado por Platao e Aristoteles é o objeto o dis co metalico que reflete imagens Na literatura grega no entanto o espelho aparece quase sempre com um sentido figurado E esse sentido sempre se reflete sobre o plano moral A unica tarefa do historiador é contar 0 que aconteceu Quando um homem vai es crever historia deve ignorar todo 0 resto Vése novamente nessa passagem a questao da verdade da historiografia oposta a adulagao dos poderosos Como ja dissemos antes essa é a oposicao central em Como se deve escrever a historia Ao utilizar o espelho como metafora para a mente do historiador creio que Luciano estava como nos demais exemplos citados ressaltando o aspecto moral e ético da historia Pois se 0 espelho reflete tanto o certo quanto o errado é tarefa do historiador refletir dentre as imagens que sua mente vé nos acontecimentos aquelas que sao justas Se o historiador pretende que sua historia seja justa se pre tende que sua obra tenha alguma utilidade para o futuro e possa ser como Tucidides legislou um tesouro ktéma para sempre ele nao pode dar espaco para a adulacao ou para os excessos da poesia Sua obra deve ser uma historia verdadeira e digna de confianga que ensine e eduque os homens do futuro com os acontecimentos do presente para que quando os acontecimentos devido a natu reza humana venham a se repetir eles estejam preparados para agir melhor Notas Professor de Teoria da Historia e Historiografia no Depto de Historia da Universidade Estadual de Goias UEG Formosa GO CEP 73802000 email alemelopesgmailcom 1 Como se deve escrever a historia 2 Luciano se refere a guerra iniciada pelo rei parto Vologésio IV na primavera do ano 162 e vencida pelo coimperador Lucio Vero quatro anos de pois o triunfo foi celebrado em 12 de outubro de 166 A edicgao consultada para as obras de Luciano é Lucian in eight volumes Londres Cambridge Mass William Heinemann Harvard University 19131959 as tradugoes exceto quando indicado sao minhas Por fim trazemos o texto de Cecilia Cordeiro Historiografia e historia da histo riografia alguns apontamentos httpwwwsnh2015anpuhorgresources anais391428357432ARQUIVOArtigoSNH2015Historiografiapdf no qual a autora apresenta um balanco atualizado de 2015 no que tange aos debates so bre o conceito de historiografia de historia de quebra de paradigmas refletin do sobre os desafios de se tentar construir uma historia da historiografia Pudemos entao perceber que diferentes correntes historiograficas se desen volveram em diferentes periodos cada uma delas respondendo aos seus con textos de producoes que estao relacionados aos usos da historia aos temas fontes de pesquisa e métodos distintos Esses elementos que balizam a cons trugao do discurso historiografico foram revistos e repensados por essas di versas correntes sendo fundamental compreender o historico de cada um de les na evolugao do discurso historiografico Para complementar essa percep ao por meio de um video do historiador Icles Rodrigues veremos como os documentos historicos podem ser selecionados criticados e usados pelo his toriador em diferentes perspectivas e contextos Peed rs a iu a Pach Ti pe Ts ested i bam ele iea Neste momento reflita sobre sua aprendizagem respondendo a questao a se guir 14 Consideracoes Pudemos perceber durante os estudos deste ciclo que a historia pode possuir diversos usos e significados em decorréncia de cada contexto em que é produ zida e que cada um desses contextos acaba por rever as tematicas métodos e fontes de pesquisa elementos fundamentais da construgao historiografica No Ciclo 2 nos deteremos de forma mais profunda a historiografia produzida na Antiguidade no Medievo e no Renascimento bem como suas principais caracteristicas Devemos ter mente que é a compreensao da construgao do discurso historiografico ao longo do tempo que nos trara um melhor entendi mento do que é a disciplina hoje o que buscaremos compreender no decorrer do presente estudo httpsmdclaretianoedubrhisgs0041 fev2022gradead Ciclo 2 A Historiografia na Antiguidade Idade Media e Renascimento Leandro Salman Torelli Reginaldo de Oliveira Pereira Objetivos e Perceber a funcao da historia na Antiguidade por meio de seus princi pais autores e Compreender a historiografia medieval como referéncia cultural para a Europa ocidental e Identificar na historiografia renascentista uma nova perspectiva huma nista Conteudos A escrita da Historia e a compreensao dos processos que envolvem sua pro dugao na Antiguidade na Idade Média e no Renascimento Problematizagao Qual o tipo e a fungao da historia para a Antiguidade Quais seus principais autores Quais as principais caracteristicas e funoes da historiografia medi eval Quais as transformacoes que o renascimento trouxe para a historiogra fla 1 Introducao Como pontuado durante os estudos do Ciclo 1 devemos ter em mente que cada grupo sociedade e periodo historico constrdi seu discurso sobre 0 passado a fim de responder a determinados propositos e intuitos Tais visoes historio graficas possuem suas caracteristicas proprias quanto aos seus métodos te mas e fontes E nessa direcao que se apresenta como fundamental para o his toriador a compreensao do que podemos chamar de uma historia da historio grafia Por este motivo é que neste ciclo vamos abordar de forma mais detida o papel da historia na Antiguidade com seus principais autores a historiografia medieval como referéncia cultural para a Europa ocidental e por fim a histo riografia renascentista em uma nova perspectiva humanista 2 Historia e historiografia na antiguidade E durante a Antiguidade que nomes como Herédoto e Tucidides trouxeram su as contribuicgoes para a construcao do discurso historiografico em seu tempo sendo esses nomes e suas formas de pensar a historia as bases para a com preensao da historiografia proposta por esse paradigma Perpassando uma perspectiva mitoldgica e de busca da verdade a historia se apresentou por meio de uma visao voltada ao fortalecimento da identidade e valores julgados como importantes para os gregos Assim para melhor com preender essa perspectiva historiografica veremos sobre historia da historio grafia na Antiguidade destacando suas fases autores caracteristicas e condi coes de produgao 3 Escrita da historia na antiguidade E quase consenso entre os estudiosos da escrita da Historia que esta teria nas cido na Grécia Antiga entre os séculos 6 e 5 aC Assim se manifesta Carbonell 1987 p 15 importante historiador e pesquisador do tema é na se gunda metade do século 5 aC no pequeno mundo egeu onde tinha desabro chado a arte dos poetas tragicos e despertava a especulacao dos fildsofos que nasce a historia No mesmo sentido seguindo as afirmacoes do historiador Fontana 1998 p 17 podemos dizer que a historiografia surgiu com os chamados logégrafos da Asia Menor que tinham recolhido a informacao dos manuais em que os marinheiros anotavam os portos e povos das costas mediterraneas com ob servacoes sobre seus costumes e sobre a historia local ainda referese a autores de um glossario Observando a origem do termo Historia completa o historiador Fontana 1998 p 17 percebemos que ela deriva de um verbo que significa explorar descobrir o que viria a corresponder ao fato de que a primitiva historiografia grega era antes de tudo uma exposicao de descobrimentos sobre terras e po vos estranhos De acordo com o mesmo autor entre os logografos destacase Hecateu de Mileto c 500 aC cujas obras se referem a descricao da terrae a historia e de quem se destaca a vontade expressa de analisar racionalmente os mitos do passado FONTANA 1998 p 17 Acreditase que o avanco da escrita da Historia guarde relagoes diretas com as transforma codes da sociedade grega entre meados do século 6 e 5 aC Nesse momento iniciouse uma difusao da atividade econodmica no interior de algumas cidadesEstado 0 que acabou promovendo certo desequilibrio en tre a aristocracia vinculada a posse da terra e os grupos que faziam as ativida des mercantis Esse desequilibrio entre a aristocracia e oS grupos mercantis resultou em mu dangas na estrutura de poder das sociedades helénicas derrubando reis e as cendendo grupos que apoiavam os chamados tiranos Posteriormente foram esses tiranos que abriram espaco para a ascensao de regimes ditos democraticos controlados por uma nova elite talvez mais mer cantil e menos rural O caso classico dessas transformacoes na sociedade grega ocorreu em Atenas ao redor do ano de 600 aC O historiador Anderson 1994 p 30 descreve essa mudanga da seguinte forma A ruptura dessa ordem geral ocorreu no ultimo século da era arcaica com o adven to dos tiranos c 650510 aC Estes autocratas romperam a dominagao das aristo cracias ancestrais sobre as cidades eles representavam proprietarios de terras mais novos e riqueza mais recente e estendiam seu poder a uma regiao muito mai or gragas a concessoes a massa sem proprietarios dos habitantes das cidades As tiranias do século 6 realmente constituiam a transicgao crucial para a polis classica Foi durante seu periodo geral de predominancia que as fundagoes militares e econdmicas da Grécia classica foram langadas Além disso mudangas da ordem religiosa manifestaramse também especi almente a tendéncia de revisar criticamente os mitos gregos algo que Hecateu de Mileto procurou realizar e a caracteristica antropomorfica da sua religiao O termo antropomorfismo originase da jungao de duas palavras gregas anthropos homem e morphe forma Portanto um antropomorfismo se da quando os deuses se manifestam em forma humana ou sao atribuidos feigdes sentimentos atos e paixdes do homem a divindades Assim para a civilizagao da Grécia Antiga os deuses eram antropomorficos Nesse contexto de transformagoes um novo modelo de analise do passado de veria surgir pois aquele dos mitos que glorificavam os grupos no poder nao servia mais para justificar a nova realidade Logo nesse contexto e com esse papel que surge a Historia Segundo Fontana 1998 p 18 da fusao de revolugao politica e mudangas religiosas surgiu a interpretacao historica da idade classica uma interpretaao aristo cratica porém favoravel a democracia e hostil aos velhos mitos em que se as sentava a sociedade da realeza e da oligarquia tn oes Os pais da Historia Depois de Hecateu de Mileto e os logografos o grande salto da Historia grega rumo a seu auge ocorreu com dois homens que tinham caracteristicas distin tas mas foram igualmente importantes Herddoto e Tucidides A grande tensao que permitiu o desabrochar da Historia foi o rompimento com o género literario em busca da verdade Herddoto encarna em sua obra justamente essa tensao entre ficcao e realidade Herddoto de Halicarnasso c 485 c 424 aC era um historiador por inten cao Isso ele deixa claro ja na inauguragao de sua obra sobre as Guerras Médicas 490479 em que diz que escrevia para impedir que caissem no es quecimento as grandes facanhas realizadas pelos Gregos e os Barbaros CARBONELL 19987 p 16 O método de investigagao de Herddoto era acreditar somente naquilo que ob servava e ouvia dizer essas eram suas fontes O autor em questao defendia que qualquer coisa fora do alcance de sua visao ou do relato claro e objetivo de alguém que houvesse presenciado o fato estava fora do terreno da Historia No entanto ele utilizavase dos mitos para preencher as lacunas que as fontes nao podiam clarificar Dessa forma Herddoto simboliza uma era de transiao em que a Historia ten ta deixar de ser um género literario mas nao rompe totalmente com ele Esse rompimento apenas parcial com o género literario pode ser a explicacao de as obras de Herddoto terem sido escritas para serem lidas em publico pelos aedos como na velha tradicao literaria da Grécia Talvez isso justifique por que para Herddoto a verdade se situa no lado do oral ou do observado em de trimento do escrito verbo 6waid6 cantar era na Grécia antiga httpptwikipediaorgwikiGrC3A9ciaantiga um ar tista que cantava as epopeias acompanhado de um instrumento musical o forminx httpptwikipe diaorgwikiForminx Distinguese do rapsodo httpptwikipediaorgwikiRapsodo mais tardio por compor as proprias obras Por esse fato era o equivalente a um bardo httpptwikipediaorgwikiBardo celta httpptwikipediaorgwikiCelta Por manter elementos literarios em suas historias Herddoto é considerado em determinado momento como por exemplo no século 19 um farsante um mentiroso Contudo no periodo renascentista e na atualidade ele volta ao altar de pai da Historia Isso revela como bem destaca Dosse 2002 p 21 uma ambivaléncia do discurso historico sempre tensionado entre o real e a ficgao Outro homem grego importante para a Historia é Tucidides c 460 c 400 aC que se estabelece como historiador fazendo justamente uma critica radi cal a Herddoto 7 o aS 2 os F ae f a By A Pr 4 a ws e S OIE FX WS oa a S 3 eee o ae AG sae Be 2 oi Hoe ts a Pe a eS a eo ee a Figura 1 Busto de Tucidides Para Tucidides Herddoto era um mitologo e portanto um mentiroso Tucidides quer buscar a verdade e para isso precisava romper com o método de seu antecessor Afirma Carbonell 1987 p 17 que com a Historia da Guerra do Peloponeso de Tucidides nascem simultaneamente o método e a inteligéncia do historiador a critica das fontes e a procura racional do encadeamento causal Assim Tucidides estabeleceu um método extremamente rigoroso para a cole ta de fontes Segundo Dosse 2002 p 21 delimitando 0 campo de investiga cao ao que ele poderia observar Tucidides reduziu a operacao historiografica a uma restituicao do tempo presente resultando em um ocultamento do narra dor que se retira para deixar falar os fatos Ja que as fontes seriam apenas o que pudesse ser observado era tirada do his toriador qualquer possibilidade de analisar aquilo que estivesse distante de seu tempo de vida O saber historico em Tucidides é exclusivamente o obser vado a Os novos historiadores da Antiguidade Neste topico veremos um outro momento significativo na busca pela produ cao da Historia Polibio c208 c122 aC é o historiador que surge aps 0 aparecimento das obras de Platao e Aristoteles no século 4 aC Envolvida pelo cenario de dis cussao filosofica sobre democracia e aristocracia a obra de Polibio uma re cusa da Historia tragica ou mesmo da pura erudiao livresca 3 Polibio buscava as causas da conquista romana sobre todo 0 mundo grego e oriental Seu método his torico era a procura das causalidades No inicio de sua Historias pergunta Que homem sera tao néscio ou negligente que nao queira conhecer como e mediante que tipo de organizagao politica quase todo o mundo habitado dominado em cinqtenta e trés anos naocompletos caiu sob dominio de um Unico impé rio o dos romanos FONTANA 1998 p 25 Segundo Fontana 1998 p 2425 Polibio devolvendo a Historia seu velho proposito generalizador queria que nao so fosse investigacao sobre o passado como tambem e sobretudo um meio de formagao politica se oA 4s 7 a es i SN eS Fj yA Oia y ay iN 4 4 4 V7 iy f a y ye 1 Sn s4 ned PA Figura 2 Estatua de Tito Livio Polibio Polibio é fruto do mundo em transiao da Grécia para Roma como centro arti culador da vida econdmicosocial e cultural da Antiguidade europeia E evi dente que num contexto como esse um homem exilado da Grécia para Roma que viveu e presenciou os dois contextos é uma figura privilegiada na busca das causas dessas transformacoes A historiografia propriamente romanolatina é de dificil apreensao pois seus autores eram muito mais entusiastas dos governos e imperadores romanos do que propriamente historiadores De qualquer forma observe a sintese produzi da pelo historiador Fontana 1998 p 26 Quando passamos dos historiadores gregos aos romanos a dificuldade para inter pretar o pensamento que anima as suas obras aumenta Temos em primeiro lugar o problema dos proémios seguindo um costume que deriva dos ret6ricos gregos os historiadores latinos fazem preceder suas obras de exposicoes filosodficas onde se insiste em sua preocupacao pela imparcialidade e em seu proposito moralizador exposigoes que pouco ou nada tém a ver com a obra em si Pelo que se refere a im parcialidade é dificil admitir encontrala nos grandes historiadores da etapa final da Republica e do primeiro século do Império cujos vinculos com a politica eram claros E dificil atribuir objetividade e propdsitos moralizadores a Saltistio 8735 aC politico turbulento acusado de crimes e abusos a um Tito Livio 59 aC 17 dC a quem se considerava como um defensor do regime implantado por Augusto ou a um Tacito c58 c120 dC que expressava o rancor da classe senatorial re duzida a um papel politico secundario pelos imperadores o que explica que nos te nha deixado uma imagem hostil e deformadora dos reinados de Tibério Claudio e Nero Ao final do Império os romanos manifestavam seu pessimismo em relacgao ao futuro que contrastava com seu orgulho sobre a grandeza do passado romano Como afirma Carbonell 1987 p 3839 lucidos e patriotas os historiadores romanos escreveram durante seis séculos uma obra coletiva sobre a grandeza e decadéncia de Roma evidentemente uma historia assim nao podia deixar de ser épica guerreira fanaticamente chauvinista E mortal Vocé acha que hoje a Historia continua sendo utilizada para justificar a realidade social em que vivemos Para complementar o entendimento sobre a forma a fungao e o intuito dessas producoes bem como para refletir sobre elas assistiremos a dois videos Neles o historiador Elias Silva pontua a produgao historiografica grega e ro mana da antiguidade classica grecoromana O autor busca destacar tanto o contexto de producao quanto as principais caracteristicas destas correntes historiograficas sintetizando assim os conteudos que abordamos até o mo mento te Ay ee Oo ase arte 5 L Sa aa aE gal ie fa felt a ml hr cht m ae teh a at vt rs EF re ee etl ah ana fk OR ra 4 Historiografia medieval Em relacao a historiografia produzida pelo medievo devemos ter atenao ao fato de que nesse periodo a Igreja Catolica esteve a frente desta ditando os te mas fontes métodos e sobretudo a forma e o intuito dessas producoes Por meio da leitura dos textos a seguir poderemos compreender como a produao historiografica do medievo criou uma visao providencial da historia na qual os valores e a identidade crista eram fundamentais Tais textos também des tacam os principais nomes e caracteristicas dessa corrente explorando a rela cao do contexto historico como condicionante da propria criagao do discurso historiografico medieval Entretanto essa producao vigorou somente até o Renascimento momento em que a historiografia foi criticada abrindo cami nho para novas correntes de pensamento a saber a iluminista a positivista e a metodica 5 Clio crista historiografia na era medieval Clio de origem grega significa gloria ou fama Filha de Zeus e Mnemosine a memoria foi uma das no ve musas da mitologia grega Com suas oito irmas chamadas as cantoras divinas habitava o monte Hélicon Segundo a mitologia reunindose sob a assisténcia de Apolo junto a fonte Hipocrene as musas presidem as artes e as ciéncias Clio tem o dom de inspirar os governantes e restabelecer a paz entre os homens e a essa fungao é especialmente devotada Além disso ela é a musa da Historia e da criatividade aquela que divulgava e celebrava realizagoes Ela preside a eloquéncia sendo a fiadora das relagoes politicas entre homens e nacoes E representada como uma jovem coroada de louros trazendo na mo direita uma trom beta e na esquerda um livro intitulado Thucydide Outras representagOes suas apresentamna segurando um rolo de pergaminho e uma pena atributos que as vezes também acompanham Caliope Clio é consi derada a inventora da guitarra de forma que em algumas de suas estatuas ela traz esse instrumento em uma das mos e na outra um plectro palheta O conturbado fim do Império Romano do Ocidente e o crescimento cada vez maior da igreja crista é o cenario da emergéncia de um novo tipo de escrita da Historia Portanto podemos concluir dessa afirmacao que mudangas na sociedade serao refletidas no modo como a Historia é escrita Fontana 1998 p 28 afirma a existéncia de uma historiografia crista que ain da que escrita em latim nao surge da romana classica por um processo de evolucao ou degeneracao mas antes responde a uma nova concepgao da soci edade a necessidade de justificar um novo sistema de relacoes entre os ho mens Esse novo sistema de relacoes entre os homens se dara em vista dos seguintes fatores e Crise generalizada do fim do Império Romano do Ocidente e Processo de invasoes dos povos germanicos do norte da Europa e Ruralizacao profunda pela qual passou o Ocidente europeu entre os sécu los 3 e 8 da era crista Nesse cenario houve uma instituiao que veio se consolidando no periodo fi nal do Império Romano a qual sobreviveu a crise e conseguiu tornarse 0 cen tro fundamental das referéncias culturais da sociedade europeia ocidental Essa instituigao é a Igreja ANDERSON 1994 Dentro da Igreja comecgaram a emergir os pensadores inclusive historiadores que passaram a justificar o novo modelo social que surgiu como resultado des sa lenta transigao da chamada Antiguidade Classica para a denominada Idade Média Assim um novo sistema social o feudalismo apareceu como a solucao para a intensa ruralizagao que a sociedade da Europa ocidental sofreu ao longo da crise de transicao Surge dessa forma a historiografia crista Segundo Fontana 1998 p 2829 o que distingue a historiografia crista da grecoromana é o fato de que a grecoromana buscava a explicagao dos fendmenos historicos no in terior da propria sociedade fazendo uso de uma causalidade fundamentalmente terrena enquanto que a crista supOe que existe um esquema determinado vindo de fora da sociedade humana por designo divino que marca o curso inelutavel da evolugao historica Essa forma de observar a Historia surge com Santo Agostinho que no século 5 estabelece uma filosofia da Historia fundamentada na visao crista a A liens J Ps Figura 3 Pintura representando Santo Agostinho De acordo com o que afirma Carbonell 1998 p 41 Santo Agostinho em sua Cidade de Deus escrita nos anos 420 define a historia como a realizacgao do plano formado por Deus para a salvagao dos homens Para Santo Agostinho havia a cidade de Deus e a cidade dos homens mas as duas cidades estao en trelagadas uma na outra e intimamente mescladas de tal modo que é impos sivel separalas até o dia em que 0 juizo as separe Varios historiadores em geral vinculados a Igreja escreveram suas obras interpretando o passado ba seados na perspectiva de Santo Agostinho sobre a existéncia de uma cidade de Deus e de uma cidade dos homens A primeira representa a pureza e a se gunda 0 pecaminoso Nesse caminho estava por exemplo o discipulo de Agostinho Paulo Osorio que escreveu uma nova Historia do mundo baseandose na teoria agostiniana Assim segundo Osorio apud Fontana 1998 p 32 o ataque dos germanicos a Roma teria sido algo permitido por Deus para a correcao da cidade soberba lasciva e blasfema No entanto temos de entender um pouco mais sobre as origens e a estrutura do feudalismo para que possamos compreender sua produgao historica A desarticulagao dos impérios barbaros que emergiram do fim do Império Romano ocidental fortaleceu os grupos rurais e permitiu a ascensao de um novo sistema social o feudalismo Sobre ele assim se manifesta o historiador inglés Anderson 1994 p 143 Foi um modo de produgao regido pela terra e por uma economia natural na qual nem o trabalho nem os produtos do trabalho eram bens O produtor imediato o camponés estava unido ao meio de produgao o solo por uma especifica rela ao social A formula literal deste relacionamento era proporcionada pela definigao legal de servidao os servos juridicamente tinham mobilidade restrita Os campo neses que ocupavam e cultivavam a terra nao eram seus proprietarios A proprie dade agricola era controlada privadamente por uma classe de senhores feudais que extraia um excedente de producao dos camponeses através de uma relacgao politicolegal de coagao Essa nova realidade social que aparece em torno do século 9 no Ocidente eu ropeu passou a predominar socialmente e portanto a necessitar de uma jus tificativa historica para sua existéncia Dessa forma a Igreja que segundo Fontana 1998 sem essa justificativa his torica teria sua posigao social colocada em perigo veio em socorro do sistema feudal criando a chamada teoria das trés ordens de maneira que a mais fa mosa é a do bispo Adalberon de Laon realizada provavelmente entre 1025 e 1027 Segundo esse bispo o dominio da fé é uno mas ha um triplo estatuto na Ordem A lei humana imp6e duas condicoes o nobre e o servo nao estao submetidos ao mesmo regime Os guer reiros sao protetores das igrejas Eles defendem os poderosos e os fracos protegem todo mundo inclusive a si proprios Os servos por sua vez tem outra condicao Esta raga de infelizes nao tem nada sem sofrimento Fornecer a todos alimentos e vestimenta eis a funao do servos A casa de Deus que parece uma é portanto tri pla uns rezam outros combatem e outros trabalham Todos os trés formam um conjunto e nao se separam a obra de uns permite o trabalho dos outros dois e cada qual por sua vez presta seu apoio aos outros JUNIOR 1986 p 72 Surgia entao a teoria das trés ordens o clero a nobreza feudal guerreira e os servos camponeses Nesse sentido Fontana 1998 p 34 lembra que a Igreja reagia assim contra sua marginalizaao na nova ordem feudal oferecendolhe uma legitimagao ao mesmo tempo que a defendia e se defendia contra um inimigo comum a heresia popular igualitaria E importante ressaltar que o grande historiador dessa fase foi Joaquim de Fiori c11321202 Abade da Calabria Joaquim de Fiori articulou em seus textos a visao das trés ordens com alguns discursos proféticos algo que lhe causou reprovacoes no Concilio de Latrao apesar do tom geral de elogios a sua obra AS mesmas criti cas sofreu a obra de Frei Dolcino que levou a discussao profética para a cons trugao de uma sociedade mais justa influenciando decisivamente os movi mentos de reforma dentro da Igreja e as heresias populares Ja no século 14 a Idade Média assistia a decadéncia do modelo das trés or dens com o chamado renascimento comercial e das cidades Nesse periodo uma grave crise atingiu em cheio o mundo feudal As revoltas camponesas a peste e a fome espalharamse pela Europa ocidental ocasionando transforma codes cada vez mais radicais no sistema Novamente Fontana 1998 p 38 es clarece as relacoes entre as transformacoes sociais e a escrita da Historia As mudangas sociais destes séculos da baixa Idade Média preparariam a transfor magao do tipo de Historia que servia de suporte a economia politica do feudalismo Na mesma medida em que a Igreja foi perdendo uma parte essencial da sua fungao organizadora da sociedade que passou aos novos Estados que agora se constituiam Abandonouse progressivamente a velha Historia universal crista com sua identificagao de a Igreja do povo a maneira de Gregorio de Tours ou de Beda para dar lugar a cronica cavaleiresca de Villehardouin a Muntaner justificadora de uma classe social e de seu predominio e surgiram junto com ela outros tipos de cr6énica laica que se faziam uso da teoria das trés ordens em boa medida a secularizavam Podemos neste momento estabelecer uma conclusao importante com a que da do sistema feudal cai por terra também o modo de escrever Historia que o justificava Assim paulatinamente a sociedade medieval foi dando espaco para o surgji mento de um novo modelo radicalmente transformador das estruturas soci ais 0 capitalismo A escrita da Historia deveria acompanhar essas transformacoes fazendo muitas vezes o papel de justificagao da estrutura social outras tantas na ten tativa de questionala Essa capacidade da Historia de justificar ou questionar um sistema ocorreu durante toda a Idade Média no conflito entre o discurso oficial da Igreja em choque com os movimentos heréticos de elite ou populares Com o fim do feudalismo a Historia voltou a secularizarse ou seja a deixar o universo do sagrado e a procurar entender as relac6es sociais humanas E as sim que termina a Idade Média dando espaco para 0 surgimento de caminhos digamos menos misticos para a escrita da Historia Como afirma Carbonell 1987 p 66 a Europa da fé é sucedida pela dos sabios do Estado e por fim da Razao Qual a relacao entre as transformagoes sociais e de que maneira se da a escrita da Historia ao longo do tempo 6 Historia renascentista 0 humanismo em marcha Entre os séculos 13 e 15 intensas transformacoes na vida social econdmica cultural e politica ocorreram na Europa ocidental Segundo o historiador Sevcenko 1994 p 5 entre os séculos 11 e 14 caracteri zado como a Baixa Idade Média o Ocidente europeu assistiu a um processo de ressurgimento do comeércio e das cidades Esse acontecimento esta ligado a expansao europeia ocorrida a partir das Cruzadas contra o Oriente nao cristao Afirma ainda Sevcenko 1994 p 5 que a criagao desse eixo comercial reforgado pelo crescimento demografico pelo de senvolvimento da tecnologia agricola e pelo aumento da produgao nos campos eu ropeus dava origem a novas condicoes que tendiam a progressivamente em con junto com outros fatores estruturais internos dissolver o sistema feudal que preva lecera até entao Entretanto no século 14 esse processo de crescimento e expansao entrou em colapso Os fatores fundamentais disso foram e A Peste Negra que dizimou cerca de um tero da populagao europeia e A Guerra dos Cem Anos 13371453 que opunha a Inglaterra a Franga e As revoltas camponesas ocasionando crise no campo e problemas de abastecimento alimentar no Ocidente europeu Nesse sentido de acordo com Sevcenko 1994 p 7 essa crise do século 14 tem sido denominada também crise do feudalismo pois acarretou transformagoes drasticas na sociedade economia e vida politica da Europa que praticamente diluiu as ultimas estruturas feudais ainda predominan tes e reforcou de forma irreversivel o desenvolvimento do comércio e da burgue sia Essa nova classe social emergente a burguesia comercial necessitava de um novo discurso ideoldgico que justificasse seu poder econdmico A Historia co mo ramo do saber que serve muitas vezes como legitimagao do poder domi nante nao poderia ser diferente Ela sofreu transformacoes importantes Vocé consegue enxergar em seu cotidiano como o mundo das ideias esta relacionado com a realidade concreta com as quest0es sociais O século 15 assiste a trés mudangas decisivas que vao promover 0 rompimento da forma como se escrevia a Historia Carbonell 1987 p 77 descreve quais sao essas transformacoes Por volta de 1440 em Estrasburgo Gutenberg põe a funcionar a imprensa de carac teres móveis na mesma época em Roma Lorenzo Valla demonstra a falsidade do ato conhecido pelo nome de Doação de Constantino em 1453 Bizâncio sucumbe aos assaltos otomanos acelerase então a diáspora dos copistas e gramáticos gre gos através da Europa Novas técnicas de difusão novo método de análise novas fontes Nova curiosidade também dado que a Renascença e a Reforma foram ca da qual à sua maneira peregrinação às fontes Clio parece repudiar um milênio de tutela teológica e escolástica para por sua vez reencontrar a sua infância pagã e entrar na idade da razão No Renascimento portanto os três ramos mais importantes do trabalho his tórico foram transformados radicalmente no século 15 A crítica documental A chegada de novos instrumentos de pesquisa A difusão das produções em texto escrito Valla 14071457 operou uma ruptura importante na produção histórica ao tornar como prática comum a crítica documental com a elaboração que fez sobre a famosa Doação de Constantino documento que a Igreja preservava como prova de que o imperador romano Constantino teria dado ao papa Silvestre e seus sucessores a autoridade sobre a cidade de Roma e toda a parte ocidental do Império Romano De acordo com Fontana 1998 p 43 Ainda que a suspeita de que se tratava de uma fraude havia sido já exposta por di versos autores foi o humanista Lorenzo Valla a serviço de Alfonso o Magnânimo de Nápoles e obrigado a defender o seu soberano contra as pretensões políticas do papado quem fez uma crítica demolidora do documento e pôs em evidência os anacronismos erros de linguagem e inexatidões de toda a ordem que continha Essa crítica documental só foi possível em virtude do desejo dos humanistas em pesquisar para conhecer profundamente as sociedades da Antiguidade Clássica Grécia e Roma Esse desejo estava relacionado à negação do período conhecido como Idade Média passou a ser chamado assim justamente no Renascimento considerado um hiato de obscurantismo e decadência do pen samento humano entregue aos ditames religiosos O afresco a seguir intitulado Escola de Atenas pintado por Rafael Sanzio em 1511 retrata exatamente essa vontade de os renascentistas buscarem suas in fluéncias filosdficas culturais politicas e sociais no passado grecoromano caracterizando portanto a necessidade de reconstruir esse periodo de manei ra mais significativa Assim a Historia é vital para o movimento renascentis ta ns ff cs oe 7 a rd a ee Y ota Tp e ee iF SK Way es i a viii W mn ot i o a A oe ro 0 eal a ce SS lia Btn oS 5 a sy YI 7 ie a Dy a a ay A y a jy ht i g a r f M A 2 oN y Oe if i i iy i 2 y yi i 4 1 rm ae i ON Bt ea a Y a ey 5 Tf 7 ag ore e rs i g fe e ve r Py en Si ike ee iets 7h Fes a ie ee an ie eee i F 1 N LPS nk SM I I hg a on 3 7 ae Rr sg 4 yo 7 ih 2 a Lt 4 rr Wa ay aoe tt ee a si a eo nner Figura 4 A Escola de Atenas afresco de Rafael Raffaelo Sanzio Roma Stanza della Segnatura Palacio do Vaticano Depois de Valla outros pesquisadores passaram a utilizar esse tipo de critica documental embora ja estivessem armados por um arsenal de novos ramos do conhecimento entre eles a arqueologia No século 16 o florentino Maquiavel 14691527 defendeu a utilizagao politica da Historia como ferramenta importante para o exercicio racional do governo O também florentino Guicciardini 14831540 acreditava diferentemente de Maquiavel que a Historia nao poderia nos dar licoes pois segundo ele uma interpretacao global do passado era impossivel Ele defendia ainda que os fa tos pitorescos eram muito importantes para serem desprezados em favor de uma visao global do passado FONTANA 1998 No final do século 16 surgem na Franga os defensores de uma Historia perfei ta Seus expoentes foram Pasquier La Popeliniére e Bodin Para Pasquier o historiador deveria fazer uma critica profunda as fontes e de finir rumos em que pudesse explicar logicamente a sociedade com nao me nos eficacia do que as equacgoes matematicas Ja La Popeliniere propunha uma Historia geral que abarcaria todos os aspec tos da vida humana e mostraria as razoes dos acontecimentos e nao apenas Os Narraria Por fim Bodin que divide a Historia em trés ramos o natural o sagrado e o humano defende que o historiador deve se ocupar do ramo humano buscando construir uma ciéncia que dé conta de explicar racionalmente a ascensao e queda dos impérios e civilizagoes CARBONELL 1987 No século 17 contudo essa corrente historica foi varrida da Frana para o sur gimento de outra que defendia a Igreja e o Absolutismo uma espécie de Renascimento da Historia Crista medieval mas com caracteristicas da sua poca destacandose a defesa do absolutismo Segundo Fontana 1998 p 49 a historiografia francesa do século 17 vera por exemplo o triunfo do irracionalismo teolégico culminando no Discurso sobre a Historia Universal 1681 de Bossuet on de se faz tudo depender diretamente do designio divino Nao ha lugar nem para uma causalidade em termos humanos nem sequer para o acaso Toda a possibili dade de uma Historia que analise racionalmente a evolugao humana acaba assim negada Portanto entre os séculos 15 e 18 o conteudo da produgao historica na Europa ocidental envolve desde magia e religiao até a politica e a ideia de ciéncia his torica Dessa forma nao é possivel construir uma ponte imediata entre o Renascimento italiano e a Ilustragao francesa ou o liberalismo inglés Fica claro pois que o periodo do século 15 ao 18 tratase de uma fase de transicao em que estruturas da antiga sociedade feudal coexistem com estruturas da nova sociedade capitalista Esse fendmeno manifestase na produgao histori ca impossibilitando a elaboracgao de uma sintese da forma em que se escreveu a Historia na chamada Idade Moderna Por fim a ultima leitura do presente ciclo de estudos sera o artigo de José Barros Neste o autor realiza um balanco da historiografia que tratou do perio do de passagem da antiguidade para o medievo por meio dos debates historio graficos pertinentes Ou seja para alem da analise dos fatos e contextos objeti vos da historia Barros busca apresentar e refletir sobre as diferentes propostas de analise historiograficas desde a medieval até a Nova Historia Cultural Assim o autor enfatiza como os mesmos fatos e contextos podem ser inter pretados de formas distintas por diferentes correntes historiograficas ao longo do tempo Tal perspectiva de estudo se apresenta como fundamental para o oficio do historiador na medida em que esse balanco historiografico se apre senta como prerrogativa basica para o estudo de qualquer tema Para realizar a leitura do texto indicado clique aqui httpswwwresearchgatenetpubli cation250990827PassagensdeAntiguidadeRomanaaoOcidenteMedievalleitu rashistoriograficasdeumperiodolimitrofefulltext033be0e10cf297d23e98c5a5 PassagensdeAntiguidadeRomanaaoOcidenteMedievalleiturashistoriograficasde umperiodolimitrofepdf A fim de sintetizar tais conteudos bem como refletir sobre essas producoes e contextos nos detemos agora a um video complementar Neste o historiador Elias Silva retoma a caracterizacgao da historiografia medieval em seu contex to de producao demonstrando como o discurso historiografico é pensado e construido em relagao as preocupacoes e interesses de seu tempo As princi pais caracteristicas e autores dessa produao tambem sao destacados pelo au tor moa Le Male apt 1 fot ae a LE rata er pa r Lah lo 7 i 7O Neste momento reflita sobre sua aprendizagem respondendo a questao a se guir 4 Consideracoes Como vimos a historia pode possuir diversos usos e significados em decor réncia de cada contexto em que é produzida e cada um desses contextos aca ba por rever as tematicas métodos e fontes de pesquisa elementos fundamen tais da construcao historiografica Nesse sentido abordamos a historiografia produzida na Antiguidade no Medievo e no Renascimento bem como suas principais caracteristicas No Ciclo 3 abordaremos a relacao entre a Historia e as outras Ciéncias Humanas nas construcoes historiograficas iluminista positivista e metddica Até la httpsmdclaretianoedubrhisgs0041 fev2022gradead Ciclo 3 A Relagao entre a Historia e as Outras Ciéncias Humanas na Construcao Historiografica Iluminista Positivista e Metodica Leandro Salman Torelli Reginaldo de Oliveira Pereira Objetivos e Identificar as caracteristicas da historiografia iluminista e seus princi pais autores e Compreender a contribuicao dos metodicos para a efetivacao da historia como disciplina e Perceber as influéncias do positivismo na construcao de uma metodolo gia pretensa como cientifica para a Historia Conteudos e Contexto de produgao e propostas da historiografia iluminista Contribuigao dos metddicos para a efetivacao da historia como discipli na e As influéncias do positivismo na construgao de uma metodologia de pretensao cientifica para a Historia e A forma como essas correntes historiograficas contribuiram para a con solidagao da Historia como uma area autOnoma de conhecimento Problematizagao Qual o contexto de produgao e propostas da historiografia iluminista Qual a contribuigao dos metodicos para efetivagao da historia como disciplina Quais as influéncias do positivismo na construao de uma metodologia para Historia De que forma estas correntes historiograficas contribuiram para a consolidagao da Historia como uma area autOnoma de conhecimento Orientacoes para o estudo Dando continuidade aos estudos sobre a historia da historiografia neste ter ceiro ciclo nos deteremos as producoes dos séculos XVIII e XIX Nesta dire ao perpassamos o contexto de produgao e propostas da historiografia ilumi nista no rompimento com paradigma do medievo Também abordaremos a contribuiao dos metddicos para efetivacao da historia como disciplina e por fim as influéncias do positivismo na construgao de uma metodologia de pre tensao cientifica para Historia Assim neste momento 0 que buscamos é a compreensao da forma como essas correntes historiograficas contribuiram para a consolidagao da Historia como uma area autOnoma de conhecimento 1 Introducao No presente ciclo de estudos abordaremos as producoes historiograficas dos séculos XVIII e XIX Iniciaremos com o contexto de producao e propostas da historiografia iluminista na busca do rompimento com o paradigma medieval que coloca o homem como objeto de estudo por exceléncia em contraponto com a visao providencial da historia Também abordaremos a escola metodica positivista as quais trabalharam para efetivacao da historia como disciplina na busca de uma construgao historiografica de carater e pretensao cientifica caracteristicas que permeiam o discurso historiografico até os dias de hoje Por fim novamente ressaltamos que todas essas propostas acabam por repen sar os temas métodos e fontes de pesquisa dentro de novos contextos de inter pretacoes e leituras que por sua vez respondem a propria fungao e uso da historia neste periodo 2 Historiografia e Iluminismo O Iluminismo foi um importante movimento de renovagao filosofica e intelec tual que buscou 0 rompimento com a concepcao de mundo medieval pautada no credo cristao De forma simplista podemos compreender que os iluminis tas buscavam colocar o homem como cerne do processo historico tendo por base uma visao de pretensao racional da construgao do discurso historiografi co Nessa direcao o homem passa a ser protagonista da historia abandonan do a visao providencial que pautou a producao medieval Para isso tivemos decorrentes mudangas nos temas métodos e fontes de pesquisa sendo estas balizadas por uma analise mais objetiva e fiel dos documentos escritos e ofici ais criando assim uma nova concepao de historia 3 Historia dos Iluministas Geralmente chamamos de Iluminismo Ilustragao ou ainda Filosofia das Luzes 0 movimento de renovacao filosofica e intelectual ocorrido na Europa cujo limite cronologico pode ser estabelecido entre a Revolucao Inglesa do sé culo 17 e a Revolucao Francesa do século 18 Conforme sabemos durante esse periodo ocorreu um amplo processo de transformagao politica econdmica e social que colocou fim ao modo de produ cao feudal e as instituigdes do Antigo Regime possibilitando assim a eclosao de uma sociedade tipicamente burguesa e 0 advento do capitalismo como sis tema hegemonico Mas afinal qual a relagao que podemos estabelecer entre esse periodo de mu dangas e uma nova maneira de ver conceber interpretar e escrever a Historia O chamado século das luzes realmente foi decisivo no estabeleci mento de uma nova forma de se entender a Historia Existiu nesse periodo um grupo de autores que influenciaram geracoes futuras de historiadores No decorrer deste ciclo vamos tentar responder a essas perguntas de modo a deixar claro o papel exercido pela Ilustragao no desenvolvimento da chamada historiografia moderna As transformagoes em curso na Europa ocidental no decorrer dos séculos 17 e 18 provocaram alteragoes na forma de pensar o mundo e na maneira como os homens concebiam a Historia Alguns fildsofos como René Descartes 15961650 e John Locke 16321704 combatiam as explicagcoes baseadas na vontade divina tipicas da Idade Média No entanto essa nova atitude nao provocou uma completa ruptura com a visao mistica de interpretacao historica da epoca medieval conforme podemos observar especialmente nos escritos de Jacques Bénigne Bossuet 16271704 que ainda apresentam a crencga num sentido de Historia fixado por Deus ou seja numa concepao providencialista da Historia humana Consideramos portanto que a existéncia simultanea dessas duas maneiras de ver o mundo a providencialista e a critica da vontade divina ocorreu por dois motivos principais e Periodo de transigao em que as estruturas da antiga sociedade feudal co existem com estruturas da nova sociedade capitalista e Os referenciais metodoldgicos que norteiam o trabalho do historiador sao construidos lentamente e nao de maneira imediata Nesse sentido o uso da razao inteligéncia para entender e explicar a realida de teve seu papel reforcado e aperfeicoado pelos expoentes da Ilustraao no desenvolvimento do processo historico Os iluministas acreditavam que se a sociedade fosse organizada por principios racionais ela se tornaria cada vez melhor e mais justa Essa visao de mundo baseada no racionalismo foi fortemente influenciada pe la fisica de Newton 16421727 cujos estudos afirmavam que havia leis natu rais que regiam a dinamica de funcionamento do Universo Na verdade de acordo com Fontana 1998 p 60 os ilustrados transportaram os esquemas elaborados pelas ciéncias naturais para 0 campo das Ciéncias Sociais estabelecendo uma espécie de fisica da sociedade Fizeram isso vi sando compreender as relagoes humanas ja que achavam que a sociedade po deria ser organizada do mesmo modo que a natureza E vocé acredita que o mesmo modo de raciocinio util para as ciéncias naturais pode ser também usado pela Historia Quais seriam as implicacoes de se proceder de tal maneira Envolvidos nessas transformagoes que contribuiram para um visivel aumento qualitativo e quantitativo tanto no campo do conhecimento quanto no das téc nicas os pensadores do Iluminismo foram cultivando uma crenga apaixonada na ideia de progresso Desse modo muitos ilustrados acreditavam que a Historia caminhava de maneira linear rumo a um progresso humano continuo e ininterrupto Devemos mencionar ainda que durante o século 18 sob o impacto das ideias iluministas ganharam forma as chamadas filosofias da Historia cuja visao te leoldgica afirmava que a evolucao da humanidade estava orientada para um determinado fim Nas palavras de Bourdé e Martin 1983 p 44 que escreveram o livro As esco las historicas o ponto em comum das diversas filosofias da historia era des cobrir um sentido para a historia Essa visao de estabelecer um sentido para a Historia influenciou diversos pensadores como Voltaire Kant Condorcet e Hegel e mais tarde Comte Marx Spengler e Toynbee Esses estudiosos tentaram cada um a sua maneira criar modelos explicativos visando desvendar os nexos do curso dos acontecimentos passados para per ceber para onde caminhava a Historia ou em outras palavras para descobrir qual era o sentido da Historia Certamente os grandes problemas colocados ao oficio do historiador por essa maneira de se fazer Historia reduzindoa a processos ou leis gerais foram ao mesmo tempo a limitagao das possibilidades de pesquisa historica e a ausén cia de preocupacgao com os aspectos especificos e particulares dos aconteci mentos historicos ja que havia uma opao por estudos generalizantes 4 Ilustragao francesa concepcoes da historia em Voltaire Montesquieu Rousseau e Condorcet Apesar de haver algumas caracteristicas comuns entre os pensadores ilumi nistas nao podemos incorrer no erro de acharmos que havia uma uniformida de de pensamento entre eles Conforme veremos cada um encarava a Historia de uma maneira diferente Iniciaremos a apresentacao das concepcoes historicas dos ilustrados france ses por Francois Marie Arouet 16491778 nascido em Paris e mais conheci do como Voltaire Esse autor segundo Fontana 1983 p 6465 definiu a Historia na Enciclopédia da seguinte maneira A historia é o relato dos fatos que se tem por verdadeiros ao contrario da fabula que é o relato dos fatos que se tem por falsos Ha a historia das opinides que nao é muito mais que a compilagao dos erros humanos A historia das artes pode ser a mais util de todas quando une ao conhecimento da invengao e do progresso das artes a descrigao de seus mecanismos A historia natural impropriamente chama da historia é uma parte essencial da fisica Temse dividido a historia dos aconte cimentos em sagrada e profana a historia sagrada é uma sequéncia das operagoes divinas e milagrosas pelas quais tem agradado a Deus conduzir no passado a na ao judia e por a prova no presente a nossa fé Pela definicao citada anteriormente fica clara a preocupacao de Voltaire com a exatidao dos fatos historicos ou seja pela busca de sua veracidade A critica as fabulas que na época eram muito apreciadas por seus contemporaneos mostra seu interesse em transformar o modo como até entao a Historia era ex plicada Além disso conforme ensina Fontana 1998 p 67 Voltaire foi responsavel pe lo alargamento das perspectivas historicas ja que se empenhou em superar o estreito marco da historia politica tradicional para construir em seu lugar a do espirito humano Assim podemos dizer que para Voltaire cabia a Historia se envolver com os estudos dos motivos e das paixOes que guiam as agoes humanas privilegian do as mudangas nos costumes e nas leis Ademais esse campo do saber deve ria abrirse a tudo 0 que é humano a diversidade das civilizagoes No que diz respeito a escrita da Historia o historiador deveria procurar ser agradavel es crevendo de maneira breve e evitando acrescentar demasiadamente detalhes inuteis e descricdes numerosas em sua narrativa BOURDE MARTIN 1983 De acordo com o exposto até aqui vocé deve ter percebido que a concepcao historica de Voltaire privilegia os aspectos culturais da humanidade dai a sua preocupacao com as mudangas nos costumes com a diversidade das civiliza Goes Esse iluminista também atribui uma grande importancia aos feitos dos gran des homens principes militares imperadores conforme podemos depreen der de sua divisao em quatro grandes épocas para distinguir a evolucao da Historia humana e Grécia de Filipe e Alexandre e Roma imperial de César e Augusto e Renascimento com os Médicis e Franga de Luis XIV Em cada uma dessas fases a razao humana teria progredido e aperfeicoado se levandoo a acreditar que a ilustracao poderia ser um agente capaz de re formar a sociedade Fontana 1983 p 67 ilustra muito bem esse aspecto A uma visdo de historia que se funda na evolucao do espirito humano corres ponde uma concepao politica que sustenta que é a ilustragao dos homens como instrumento de modificagao de sua consciéncia que transformara o mundo E a es sa concepgao politica corresponde por sua vez um programa de agao como o dos ilustrados que Voltaire pos em pratica nao so por meio de seus escritos como tam bém dos seus combates pela justica e pela tolerancia Um outro pensador de destaque no Iluminismo francés é CharlesLouis de Secondat 16891755 mais conhecido como Montesquieu autor da obra O Espirito das Leis publicada em 1748 Além disse ele é famoso por sua doutri na dos trés poderes em que dividia a autoridade governamental entre os po deres Executivo Legislativo e Judiciario i VOCE SABIA QUE Boa parte dos pensadores do Iluminismo francés publicava suas obras anonimamente ou fazendo uso de pseud6nimos Voltaire por exemplo é um dos varios pseudénimos utilizados por Francois Marie Arouet Apesar de apresentar uma preocupacao mais de natureza politica do que de critica historica propriamente dita esse pensador deixou alguns legados espe cialmente para a Teoria da Historia Fontana 1983 destaca duas contribuioes desse ilustrado e A distingao feita entre o que meramente fruto do acaso e aquilo que tem uma importancia estrutural para explicar os fenomenos historicos o que possibilitaria na concepcao de Montesquieu um estudo cientifico da evo lugao historica e Sua visao da evolugao humana como passagem por uma sucessao de etapas definidas pela forma na qual os homens obtém a sua subsisténcia FONTANA 1983 p 6970 Essas duas etapas apresentavam como caracteristica um carater ciclico de avancos e retrocessos nao sendo possivel explicar as modificagoes ocorridas na sociedade ou nacoes a partir de uma analise mecanica de causas e con sequéncias ja que as mudangas fazem parte de um processo inteligivel do es foro humano para entendimento proprio e para realizar no mundo as suas capacidades CARDOSO 2005 p 134 E exatamente essa visao ciclica da Historia que possibilita a apreensao de que existem causas gerais passiveis de serem compreendidas que justificam o estudo cientifico da evolucao historica da humanidade defendida por Montesquieu O suigo JeanJacques Rousseau 17121778 é outro pensador que merece des taque dentro do pensamento historico do século 18 especialmente por levar em consideragao as modificagoes pelas quais passou a natureza humana ao longo da Historia Uma de suas ideias faz uma forte critica as sociedades his toricamente constituidas especialmente quando afirma que o homem nasce livre e por toda parte se encontra sob grilhdes ROUSSEAU Desse modo 0 proprio processo historico por que passou 0 homem o transfor mou num prisioneiro corrompendo seu modo de vida original caracterizado pela liberdade e independéncia Em outras palavras a origem da corrupao do ser humano esta em seu contato com a civilizagao que o afastou gradativa mente de seu contato com a natureza e produziu a desigualdade entre as pes soas bem como os problemas criados por ela A concepcao degenerativa da evolucao social e dos males que impedia a emancipacao do homem apresentada por Rousseau contrasta bastante com a visao de muitos de seus contemporaneos os quais viam o processo historico pelo qual passou a sociedade como um sinonimo de progresso E do conhecimento de todos que diversos iluministas viam 0 século 18 como um momento em que as realizagcoes humanas haviam superado em muito tudo aquilo que havia sido feito antes A Historia por sua vez era apresentada como uma via de mao Unica rumo ao cons tante aprimoramento do potencial humano Para refletir Sera que podemos assim como os iluministas acreditar que a Historia caminha rumo ao constante apri moramento do potencial humano Quanto a Condorcet 17431794 cujo verdadeiro nome era Marie Jean Antoine Nicolas de Caritat devemos destacar seu papel na modificagao da imagem que até entao se tinha do tempo historico 0 de uma linha reta temporal Esse iluminista apresenta um modelo de compreensao dos acontecimentos consti tuido por uma escadaria no qual acontecimentos diversos se desenrolam em seus variados degraus A grande idéia que esta na base da concepgao da historia de Condorcet é que a historia retoma em cada época todos os progressos das fases precedentes enquanto ela é o resultado da acumulacao de toda a riqueza do passado BODEI 2001 p 32 A citagao anterior mostra que para Condorcet o processo historico traduz o progresso da humanidade Esse pensador procurou descobrir o sentido dos acontecimentos tentando interpretar as leis inerentes ao desenvolvimento do curso dos fatos historicos o que lhe possibilitou acreditar que seria possivel antecipar as tendéncias do futuro Além disso ele colocou em relevo que a direcao da marcha da Historia depen de da permanéncia de algumas precondicoes e da intervencao dos individuos para antecipar o tempo daquilo que aconteceria de modo inevitavel no futuro 5 Ilustracao britanica Ferguson e Adam Smith Aos representantes da ilustragao britanica com destaque para os membros da Escola Escocesa coube a tarefa especial de tentar construir uma visao de mundo que inculcasse a logica do capitalismo aos diversos segmentos da so ciedade que nao se beneficiavam diretamente das riquezas geradas por esse sistema Surge a partir dai uma nova maneira para explicar a realidade e os fenome nos humanos que afirma haver uma logica interna de funcionamento obtida pelas agoes do homem e pelos principios que ordenam a vida em sociedade O que faz a sociedade funcionar sao os interesses dos individuos que no en tanto so ganham sentido se inseridos na trama das acoes reciprocas produ zidas através das geracoes pela vida em comum dos individuos BODEI 2001 p 33 Nesse sentido por exemplo para que eu sobreviva sou de certa maneira forgado a trocar meu trabalho com o dos outros Assim é preciso que os interesses de uma pessoa coincidam com os interesses de outrem Isso le vando em conta o funcionamento do mercado ou seja 0 aspecto econdmico Neste topico privilegiaremos as concepcoes historicas de Adam Ferguson 17231816 e de Adam Smith 17231790 apesar de outros pensadores como David Hume 17111776 e Edward Gibbon 17371794 terem deixado importan tes contribuicoes Ferguson foi um dos grandes responsaveis pela difusao dos conhecimentos elaborados pela famosa escola escocesa Além disso em seu pensamento his torico implantou o conceito de sociedade civil vista como o local da dimen sao privada e individualista que seria o fator principal para o surgimento da economia politica e da liberdade dos modernos Dessa forma Ferguson vé o processo de divisao do trabalho como o responsa vel pela passagem da barbarie a civilizagao e usa o liberalismo para justificar e explicar de maneira racional a nova sociedade surgida no século 18 Na opiniao de Fontana 2001 a figura mais importante que apareceu no con texto da Ilustragao britanica é Adam Smith que escreveu A Riqueza das na des publicada em 1776 Nessa obra apresentada uma visao economicista da Historia como ascensao da barbarie ao capitalismo um programa para o pleno desenvolvimento deste e uma antecipacao de um futuro de prosperidade e riqueza para todos FONTANA 2001 p 90 Smith afirma que os homens dotados de certo egoismo ou seja voltados para seus proprios interesses promovem o interesse da sociedade mesmo sem saber ou ter essa intencao ja que existe uma mao invisivel que os levam a fazer isso 1 A mao invisivel que controla o mercado é a base do conceito do liberalismo que por sua vez prevé que se o mercado nao for controlado for deixado livre a mao invisivel controla a relagao entre os homens equilibrandoas Na pratica sabemos que o liberalismo abandona os homens a sua propria sorte abrindo caminho para a dominagao e exploracgao dos mais poderosos sobre os menos privilegiados Vocé sabia que O liberalismo era um modelo de pensamento que reclamava 0 progresso por meio da liberdade Suas prin cipais caracteristicas eram a naointervengao do Estado na economia o individualismo a liberdade de mercado a livre concorréncia a liberdade de contrato e a livre iniciativa Esse pensador identifica uma organizaao dinamica da sociedade que sempre evolui para um melhor bemestar coletivo Dessa forma é possivel explicar e prever tanto 0 comportamento dos individuos quanto as relacgoes sociais do homem ja que a natureza humana é vista como universal e imutavel Vocé ja ouviu falar do neoliberalismo Consegue enxergalo como uma retomada do libera lismo Reflita sobre isso Ainda abordando as relacoes entre a proposta iluminista e sua relagao com a positivista realizaremos a leitura do texto de Barros Este artigo além de pon tuar as principais caracteristicas e autores da historiografia positivista tam bem reflete sobre alguns pontos fundamentais para a construcao desse dis curso historiografico a exemplo das possibilidades de se encontrar leis gerais para a Historia e para o desenvolvimento social ressaltando o carater cientifi cista positivista BARROS José DAssungao Consideragoes sobre o paradigma positivista em Historia httpshistoriaruvanetbrindexphp1articleview49 In Revista Historiar Universidade Estadual Vale do Acarau v 4 n 4 Sobral 2011 A fim de complementar tais discuss6es agora assistiremos ao video As filo sohias do Iluminismo e os primeiros paradigmas historiograficos de Carlos Luiz Bento no qual se apresentam algumas reflexoes sobre como as filosofias iluministas influenciaram os paradigmas historiograficos subsequentes por meio de suas criticas aos modelos anteriores e suas propostas de renovacao metodoldgica Nessa direcao Bento aborda o papel da razao das ciéncias na turais e o proprio contexto historico que permeou esse debate de renovagao fi losofica e também historiografica m Tae ee m deal 7 4 ad A ee est a a La Teepe eat cay a oOo a ieee 6 A historiografia cientificista Adentrando os novos métodos propostos pelas correntes cientificistas da Historiografia agora vamos explorar mais a fundo as correntes positivista e metodica Tais concepcoes apesar de apresentaram algumas diferengas entre si convergem em suas propostas e forma de construcao do conhecimento O rigor na escolha e trabalho com as fontes a perspectiva de uma historia de te or politico visando a criagao de identidades dentre outras caracteristicas se rao a tonica dessas producoes e discussoes Escola metodica No decorrer do século 19 ocorreu uma incessante tentativa de estabelecimen to de uma historiografia cientifica acompanhando os passos das propostas iluministas que apresentasse métodos e critérios de trabalho para o histori ador Nesse contexto implantouse na Franga entre os anos de 1880 e 1930 a Escola Metodica tornandose uma das grandes responsaveis pela consolidagao da Historia como disciplina e pela profissionalizagao do género historico Seus principios aparecem em dois textos um foi redigido por Gabriel Monod para o lancamento da Revue Historique em 1876 0 outro é a obra Introducao aos estudos historicos escrita por Charles Seignobos e CharlesVictor Langlois em 1898 Apesar de a historiografia cientifica ser algumas vezes confundida com 0 po sitivismo devemos destacar um ponto importante que os diferencia os meto dicos tiveram como fonte de inspiraao os escritos do alemao Leopold Von Ranke 17951886 e nao de Auguste Comte 17981857 Ranke em seus postulados tedricos preocupouse bastante com a questao do método de pesquisa em Historia destacando que cabia ao historiador nao a fungao de julgar os fatos do passado mas sim de mostralos como realmente aconteceram pois acreditava que era possivel atingir a objetividade e conhe cer a verdade com a Historia E vocé acredita que a Historia possa atingir a verdade praticamente absoluta sobre os fatos do passado Assim Ranke valorizou o uso de documentos dos quais o historiador deveria reunir um numero suficiente de dados descrevendo apenas o que estava con tido nas fontes sem se ater a nenhum tipo de especulagao teorica evitando assim qualquer tipo de subjetividade BOURDE MARTIN 1983 Os metodicos aplicaram em grande medida os postulados de Ranke ja que buscavam delinear uma nova maneira de abordagem documental para a pes quisa historica fazendo que a Historia produzida fosse ao mesmo tempo des critiva narrativa imparcial e objetiva A escola metddica quer impor uma investigacao cientifica afastando qualquer especulacao filosofica e visando a objetividade absoluta no dominio da historia pensa atingir os seus fins aplicando técnicas rigorosas respeitantes ao inventario das fontes a critica dos documentos a organizacao das tarefas na profissao BOURDE MARTIN 1983 p 97 De acordo com a citacgao anterior podemos notar a defesa de uma Historia ci entifica por parte dos metodicos e a critica as especulacoes filosoficas especi almente aquelas que aparecem nas chamadas filosofias da Historia Na busca da objetividade o discurso historico deveria diferenciarse da lin guagem utilizada pela literatura meramente ficcional a fim de nao se tornar algo romantizado ou uma simples fantasia Além disso 0 passado poderia ser apreendido de forma indireta por meio dos registros escritos deixados em tex tos e documentos oficiais Em seu oficio o historiador deveria procurar alcan car a neutralidade maxima no trato com as fontes deixando de lado suas pai xOes e emocoes Alias na obra Introduao aos estudos historicos Seignobos e Langlois valori zam bastante a importancia do documento escrito para o conhecimento histo rico ao afirmarem que a Historia se faz com documentos e que estes falam por si Ou seja as fontes documentais sao a prova de que aquilo que o historiador esta dizendo em seu trabalho é verdade A historia se faz com documentos Documentos sao os tracgos que deixaram os pen samentos e os atos dos homens do passado Por falta de documentos a historia de enormes periodos do passado da humanidade ficara para sempre desconhecida Porque nada supre os documentos onde nao ha documentos nao ha historia LANGLOIS SEIGNOBOS 1946 p 15 Dessa forma apos a escolha do tema a ser estudado o historiador deve reali zar a busca a localizagao a reuniao e a classificagao dos documentos em uma atividade conhecida como heuristica Alem do mais a critica das fontes fazia se uma etapa fundamental uma vez que tinha o objetivo de verificar a autenti cidade e a credibilidade ou nao dos registros deixados Apesar de toda essa preocupacgao com os métodos e procedimentos a serem aplicados na maneira de se fazer Historia no decorrer das primeiras décadas do século 20 os metodicos eram alvos de duras criticas Toda aquela concep cao de Historia linear de progresso cumulativo herdada da época das Luzes bem como as questoes os métodos as abordagens e objeto de estudo im plantados pela corrente metodica eram questionados especialmente por par te dos representantes da Escola dos Annales Positivismo de Auguste Comte A corrente positivista elaborada por Auguste Comte exerceu um forte impacto sobre diversos historiadores a partir da segunda metade do século 19 Esse sis tema assentase numa lei fundamental conhecida como lei dos trés estados que esta na base da explicaao comtiana da Historia De acordo com essa lei dos trés estados o desenvolvimento historico e cultu ral da humanidade teria se desenvolvido em trés etapas e Estado teologico corresponde a Antiguidade os fendmenos sao explica dos por meio das vontades de agentes sobrenaturais e Estado metafisico corresponde a época medieval os fenOmenos pas sam a ser explicados por meio de entidades ocultas ou abstratas e Estado positivo corresponde aos tempos modernos a explicagao dos fenomenos dase por meio de experiéncias demonstraveis fazendose uso do raciocinio e da observaao Vale lembrar que cada ramo do conhecimento passa por esses trés estados de forma que apenas Se torna ciéncia no estado positivo Baseandose no ponto de vista de Comte temos uma visao evolutiva linear e previsivel da Historia humana que pode ser compreendida objetivamente ja que é possivel interpretar a aventura humana em sua linha unica de desen volvimento Os positivistas consideravam que era possivel reconstituir os acontecimentos passados tal como eles ocorreram bastando para isso remeterse aos teste munhos contidos nos registros deixados no passado As fontes geralmente eram vistas como algo dotado de neutralidade nao sendo necessaria a preo cupacao com sua autoria e possivel intencionalidade de quem a produziu Portanto no positivismo o historiador ocupava um papel passivo diante das fontes ja que nao tinha a fungao de interpretar ou fazer perguntas para o do cumento O principal eixo de analise do positivismo do século 19 recaia sobre o estudo dos grandes personagens da Historia politica Essa énfase no aspecto politico foi alvo de critica por parte dos marxistas que passaram a privilegiar os aspectos econdmicos baseandose na analise dos modos de produgao asiatico escravista feudal capitalista e socialista co mo explicacao do processo historico Vocé sabia que A frase Ordem e Progresso escrita em nossa Bandeira 6 um lema positivista o que de monstra a forte influéncia dessa doutrina entre nossos republicanos Como ja pudemos perceber com os estudos até aqui realizados quando pensa mos em uma historia da historiografia estamos acompanhando as transfor macoes de paradigmas frente as criticas e propostas metodologicas pertinen tes Nessa direcao é que nos debrucaremos na leitura do artigo Historia e his toriografia nos séeculos XIX e XxXI do cientificismo a Historia Cultural httpwwwcongressohistoriajataiorg2010anais2007doc2051pdf de Simone Dantas no qual a autora caracteriza a proposta cientificista da historia e apresenta a evolucao critica do discurso historiografico na busca de uma historia de carater cultural e de critica ao cientificismo Assim neste ciclo ja podemos introduzir a tonica dos debates e paradigmas que abordaremos mais a fundo nos proximos ciclos de estudos Por fim para complementar tais discussoes agora assistiremos a um novo vi deo de Luiz Carlos Bento intitulado A Historia ciéncia e o Positivismo httpsyoutubeOxSAxZik3fQ em que se apresentam algumas reflexodes so bre as discussoes até aqui realizadas Assim ressaltase a abordagem sobre as relagoes entre as Ciéncias Naturais e Humanas a tentativa de criagao de leis gerais para a analise historica a neutralidade das fontes e pesquisadores o historicismo e a heranca deixada por esse paradigma para a historiografia atual Neste momento reflita sobre sua aprendizagem respondendo a questao a se guir 7 Consideracoes Neste terceiro ciclo de estudos pudemos compreender uma nova quebra de paradigma historiografico sendo esta a linha mestra de nossa disciplina ou seja a de compreender a propria historia da historiografia diante de suas transformacoes enfatizando os temas métodos e fontes de pesquisa Esse pa radigma da escola metodica e positivista se apresenta como de suma impor tancia para a historiografia atual Devemos ter atencgao ao fato de que a histori ografia contemporanea apesar de nao ser metodica ou positivista ainda guar da caracteristicas metodologicas destas em maior ou menor grau Tambem é importante ressaltar que todas as escolas que seguiremos estudando acabam por partir de criticas para com essa visao cientificista da historia para justifi Car e criar suas proprias concepcoes historiograficas assim as reflexoes e conteúdos tratados neste ciclo continuarão a ser revistos e discutidos nos pró ximos ciclos de estudos httpsmdclaretianoedubrhisgs0041 fev2022gradead Ciclo 4 A Historiografia Marxista e a Produzida pela Escola dos Annales em suas Trés Geracoes Leandro Salman Torelli Reginaldo de Oliveira Pereira Objetivos e Entender a contribuicao do materialismo historico para a historiografia e Analisar as reflexoes metodologicas produzidas pela escola dos Annales em suas 3 geracoes e Compreender o surgimento da historia problema bem como a questao da temporalidade no oficio do historiador e Compreender a historia das mentalidades Conteudos e As contribuigoes e relagdes que o materialismo historico teve na cons trugao e renovacao do discurso historiografico e A Escola dos Annales como uma das mais importantes rupturas de pa radigma historiografico enfatizando o surgimento da historia proble ma por meio das relagdes estabelecidas com as demais Ciéncias Humanas Problematizagao Qual a contribuiao do materialismo historico para a historiografia Qual a contribuigao da Escola do Annales para a renovacao do discurso historiogra fico O que é a historia problema Quais reflexoes sobre a temporalidade tal paradigma trouxe como novidade Quais as principais caracteristicas de uma historia dita cultural Orientacoes para o estudo Neste ciclo de aprendizagem vamos nos deter em duas correntes historio graficas que até os dias de hoje tem presenga nas producoes e debates episte moldgicos da historia a saber o materialismo historico e a produgao da Escola Francesa dos Annales Ainda ligado a uma perspectiva cientificista da Historia o materialismo historico se apresenta como uma linha interpre tativa pautada na analise da vida material da sociedade diante dos antago nismos decorrentes das relacoes sociais e de producaoreproducao da vida material Ja no que se refere a Escola dos Annales destacase a identificagao de suas trés geracoes e suas caracteristicas particulares as quais propoem um repensar constante dos temas métodos e fontes de pesquisa sempre por meio do recorrente dialogo entre a historia e as demais Ciéncias Humanas 1 Introducao Iniciando os estudos do presente ciclo nosso primeiro foco sera o materialis mo historico Tal paradigma originado nos estudos de Karl Marx e Friedrich Engels busca a compreensao do processo historico tendo por base a produgao e reproducao da vida material sobretudo no que tange as relagoes de tensao entre os grupos sociais envolvidos nesse processo Ja nosso segundo foco sera a Escola dos Annales na qual buscaremos o entendimento e caracterizaao das propostas interpretativas e metodologicas em suas trés diferentes gera oes Pautada nas relagoes entre a Historia e as demais Ciéncias Humanas de forma muito simplista podemos pensar a primeira geracao dessa escola con forme sua relacao com o pensamento socioldgico a segunda geragao pautada pelo dialogo com a geografia e a terceira geracao na psicologia social e antro pologia das quais emprestam temas e métodos de abordagem Por fim destacase a importancia dessas duas correntes historiograficas para os deba tes atuais uma vez que tais reflexoes ainda balizam o oficio do historiador até os dias de hoje 2 O Materialismo Histórico O materialismo histórico tem sua origem nos estudos de Karl Marx e Friedrich Engels nos quais se busca o entendimento do processo histórico tendo por ba se a produção e reprodução da vida material e as relações de tensão entre os grupos sociais envolvidos nesse processo Nesse sentido veremos tal produ ção em seu contexto histórico além de pontuar importantes conceitos como o materialismo histórico o materialismo dialético a luta de classes entre ou tros Destacase também a apresentação que os autores fazem sobre as relei turas que o materialismo histórico sofreu até o século XX bem como suas perspectivas de renovação metodológica a exemplo da Nova Esquerda Inglesa 3 Karl Marx e seu tempo o surgimento do ma terialismo histórico À frente do túmulo de Marx 18181883 Engels 18201895 disse que assim como Darwin descobriu a lei do desenvolvimento da natureza orgânica Marx descobriu a lei do desenvolvimento da história humana MARX ENGELS p 351 Figura 1 Karl Marx fr ie M aah oe pe kg 4 Figura 2 Friedrich Engels Mas que lei era essa descoberta por Marx Em que contexto ela foi produzida Como podemos observar sua influéncia na produgao historiografica desde en tao Essas sao as questoes que iremos tratar nas paginas que se seguem Em meados do século 19 0 sistema capitalista de producao encontravase em pleno desenvolvimento A industrializagao era ja uma realidade presente em quase toda a Europa ocidental embora nao com fabricas em todos os paises mas com influéncias sentidas em sua organizacgao econdmicosocial Fique ligado Procure pesquisar por obras cinematograficas que tratam da época em questao meados do século 19 em que sao abordadas as condicoes de trabalho dos operarios das fabricas Certamente isso lhe ajudara a en tender melhor 0 contexto em que estavam incluidos os conceitos marxistas Sugerimos que vocé assista especialmente o filme Germinal do cineasta Claude Berri na Franga 1996 Nessa mesma época depois das barulhentas revolucoes de 1830 que tinham no liberalismo e no nacionalismo as suas bandeiras a Europa comegava a as sistir novos levantes populares em 1848 agora com um novo ingrediente ideo logico a se juntar aos antigos 0 comunismo Em Manifesto do Partido Comunista publicado em 1848 os seus autores Marx e Engels 1993 p 66 diziam o seguinte A historia de toda a sociedade até hoje é a historia de luta de classes Homem li vre e escravo patricio e plebeu barao e servo mestres e companheiros numa pala vra opressores e oprimidos sempre estiveram em constante oposiao uns aos ou tros envolvidos numa luta ininterrupta ora disfargada ora aberta que terminou sempre ou com uma transformagao revolucionaria de toda a sociedade ou com o declinio comum das classes em luta Estava langada entao a teoria de Marx e Engels da Historia em que se afirma va que toda a Historia humana é resultante da luta de classes as classes em disputa sao na concepao marxista 0 motor da Historia Langada a nogao geral da teoria de Historia dos autores Marx passou a dedicarse profundamente a pesquisa da organizacao do sistema capitalista Nessa fase Marx procurou fazer a analise profunda das instituigdes econdmi cas da sociedade capitalista Dessa pesquisa surgiu sua obra mais importante O Capital publicada originalmente em 1867 Contudo em 1859 apareceu um texto fundamental do universo marxista o prefacio de Para a Critica da Economia Politica Vejamos no texto a seguir a forma mais clarividente que Marx considerava por materialismo historico na producao social da propria vida os homens contraem relagdes determina das necessarias e independentes de sua vontade relagoes de produgao estas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento das suas forgas pro dutivas materiais A totalidade dessas relagoes de producao forma a estrutura econdomica da sociedade a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura ju ridica e politica e a qual correspondem formas sociais determinadas de conscién cia O modo de produgao da vida material condiciona o processo em geral de vida social politico e espiritual Nao é a consciéncia dos homens que determina o seu ser mas ao contrario é 0 seu ser social que determina sua consciéncia Em uma certa etapa de seu desenvolvimento as forgas produtivas materiais da sociedade entram em contradigao com as relacgoes de produgao existentes ou 0 que nada mais é do que a sua expressao juridica com as relagoes de propriedade dentro das quais aquelas até entao se tinham movido De formas de desenvolvimento das for Gas produtivas essas relagoes se transformam em seus grilhoes Sobrevém entao uma época de revolugao social Com a transformagao econdmica toda a enorme superestrutura se transforma com maior ou menor rapidez Em grandes tragos podem ser caracterizados como épocas progressivas da formagao econdmica da sociedade os modos de produgao asiatico antigo feudal e burgués moderno MARX 1982 p 2526 rio seu ser social que determina sua consciéncia Vocé concorda com essa frase Reflita sobre ela Assim para Marx a vida humana e suas relacoes sociais sao determinadas pelo modo que a producao material da sociedade é realizada Como con sequéncia o modo de producgao material é o fator determinante da organiza ao politica e das representacoes intelectuais de uma época Logo na concepgao materialista da Historia a infraestrutura econdmico material determina as formas da superestrutura politica cultural religiosa etc As transformacoes na base infraestrutural determinam em ultima instancia transformacoes também na superestrutura Dessa forma os diversos modos de produao surgem ascendem desenvolvemse entram em decadéncia e de saparecem assim como suas correspondentes estruturas Contudo transfor macoes como essas ocorrem mediante conflito aberto entre os grupos sociais ascendentes e decadentes Para o estudo desses conflitos Marx desenvolveu o conceito chamado de ma terialismo dialético em que ha uma tese que seria uma situaao social e his torica dada em decadéncia fazendo emergir pelas proprias contradioes da tese uma antitese modelo social e histdrico opositor a tese A luta entre as classes sociais que representam as estruturas sociais decaden tes e ascendentes provocaria uma sintese ou seja uma nova organizagao in fraestrutural da sociedade gerando também novas superestruturas Nesse sentido as lutas entre essas estruturas sociais corresponderiam a con flitos de classe que como vimos na concepao marxista tratase do motor da Historia No caso do regime capitalista burgués Marx e Engels acreditavam que suas contradigoes levavam a emergéncia de uma classe social revolucionaria que destruiria 0 capitalismo e faria emergir um novo sistema social chamado co munismo em que as classes sociais nao mais existiriam e haveria uma igualdade social na distribuigao dos bens produzidos pela sociedade Atualmente os estudiosos do marxismo nada concluiram sobre o significado desse novo sistema social uma vez que este foi colocado de maneira incon clusiva nas obras de Marx e Engels Mas o fato é que esses dois autores criaram um novo metodo de estudo das re lagoes humanas no tempo e uma teoria de intervengao politica revolucionaria de grande influéncia no século 20 Esses dois fatores sao indissociaveis um do outro Segundo Fontana 1998 os materialismos historico e dialético nao podem ser desmembrados visto que ambos fazem parte de um todo que Marx e Engels pretendiam criar para dotar a classe operaria de um arsenal tedrico proprio para lutar contra a burguesia na sua tarefa historica de derrubar o sistema ca pitalista No entanto no tempo de vida dos pensadores em questao e mesmo nos pri meiros anos do século 20 a influéncia do materialismo historico nao era gran de Segundo Perry Anderson 1989 poucos estudos procuraram por assim di zer testar o materialismo historico Em outras palavras a dialética da luta de classes era muito usada para 0 com bate da burguesia do capitalismo mas havia poucos estudos sobre o materia lismo historico que no fundo daria toda a base para o conceito da luta de classes De acordo com Anderson 19839 p 19 os marxistas do inicio do século estavam mais interessados em sistematizar o materialismo histodrico como uma abrangente teoria do homem e da natureza capaz de substituir doutrinas burgue sas rivais e dar ao movimento operario uma visao de mundo ampla e coerente que pudesse ser facilmente apreendida por seus militantes Entre os pensadores que Anderson aponta podemos citar Labriola Mehring Kautsky e Plekhanov todos oriundos das regides mais atrasadas do sul e leste europeu Da produgao historica influenciada pelo materialismo historico talvez deve mos mencionar a Historia Socialista da Revolucao Francesa escrita entre 1901 e 1904 pelo francés Jean Jaurés que procura dar um novo significado a Revolucao Francesa a luz do materialismo historico Além dele devemos mencionar o russo Leon Trotsky lider revolucionario destacado nos acontecimentos de 1917 e na defesa da Revolugao durante a Guerra Civil e sua Historia da Revolugao Russa texto importante e de alguma influéncia mas que nunca superou as obras seminais de Lénin escritas entre o final do século 19 até o inicio da década de 1920 A maioria dos textos de Lénin nao era constituida de obras de Historia propriamente dita mas tiveram forte influéncia no pensamento marxista ocidental e mesmo no Oriente espe cialmente depois da Segunda Guerra Mundial No entanto a era imperialista na Russia e a Revolucao Russa de 1917 trarao transformacoes profundas para o bem e para o mal na produgao historiogra fica marxista Assim convidamos vocé para a leitura do proximo topico 4 Marxismo entre a revolucao russa e a Sse gunda guerra mundial Muitos estudiosos marcam a evolucao do materialismo historico desde a mor te de Engels 1895 até o fim da Segunda Guerra Mundial 1945 como uma era de dogmatismo especialmente o periodo entre 1925 e 1945 marcado pelo po der de Stalin na Uniao Soviética Por isso devemos observar que ocorreram nessa fase muitas tentativas frus trantes e frageis do ponto de vista politico realizadas pelo stalinismo No en tanto algumas manifestaoes teoricas do materialismo historico foram muito proficuas nesse contexto Nesse sentido duas tendéncias resistiam ao movimento comunista internaci onal De um lado tinhamos o dogmatismo stalinista dominante de outro uma tentativa de renovacgao desse pensamento mas ainda fragil do ponto de vista politico Entretanto para efeito de estudo iremos tratar separadamente cada uma dessas correntes Inicialmente iremos observar o materialismo historico praticado pela corren te stalinista que surge apos a morte de Lénin em 1924 lider fundamental da Revolucao Russa de 1917 e grande pensador da pratica politica e da ciéncia in vestigativa marxista Entre os trabalhos de Lénin sobre Historia podemos citar O desenvolvimento do capitalismo na Russia publicado em 1899 em que analisava os processos como a desintegracgao do campesinato tradicional ou a formagao do mercado nacional e que serviram de licao para os historiadores marxistas posterio res FONTANA 1998 p 233 Apos liderar a Revolugao e escrever muitos trabalhos no calor dos aconteci mentos na Russia Lénin procurou organizar o pais numa guerra civil em opo sigcao aos contrarrevolucionarios Venceu mas logo depois morreu sendo su cedido por Stalin no comando do Partido Comunista soviético A partir dai uma nova tendéncia menos democratica e renovadora e mais dogmatica e perseguidora passou a comandar o movimento comunista inter nacional a partir da Uniao Soviética stalinista Assim se expressa Anderson 1983 p 3435 sobre como ficou a Uniao Soviética apos a ascensao de Stalin No inicio de 1924 Lenin morreu Num espaco de trés anos a vitoria de Stalin no PCUS selou o destino do socialismo e do marxismo na URSS nas décadas seguin tes O aparelho politico de Stalin suprimira ativamente as praticas revolucionarias das massas dentro da Russia e no exterior as desencorajava e sabotava A consoli dacgao de um estrato burocraticamente privilegiado acima da classe operaria era assegurada por um regime policial cuja ferocidade desconhecia limites Nestas condigoes a unidade revolucionaria entre teoria e pratica que tornara possivel o bolchevismo classico foi irremediavelmente destruida Na base as massas foram caladas sua espontaneidade e autonomia pulverizadas pela casta que confiscara o poder no pais no topo do Partido os expurgos afastaram os ultimos companheiros de Lénin Todos os trabalhos tedricos sérios foram interrompidos apos a coletiviza cao O marxismo foi em grande medida reduzido a uma simples evocacao na Russia ao passo que Stalin atingia seu apogeu O pais mais avangado do mundo no desenvolvimento do materialismo historico superando toda a Europa pela varieda de e vigor de seus teoricos foi transformado em nao mais que uma década em uma atrasada terra de semianalfabetos notavel apenas pelo rigor de sua censura e pela crueza de sua propaganda Assim aleém das producoes oficiais do Partido praticamente desapareceu aquela linha proveitosa do materialismo historico que existia no Leste Europeu durante as primeiras décadas do século 20 No Ocidente por ocasiao da chamada Terceira Internacional reuniao dos Partidos Comunistas internacionais uma espécie de estruturalismo marxista passou a apresentarse com uma cobertura filosofica de aparéncia respeita vel mas que se converteu na forma dominante de difusao do marxismo na Europa ocidental e na América Latina Utilizavam alguns aparatos marxistas mas fugiam do essencial a analise materialista da Historia e 0 projeto revolu cionario de transformagao da sociedade Assim 0 marxismo poese a servico da consolidacgao do sistema fossilizase e nao conserva mais que ecos da ve lha terminologia revolucionaria FONTANA 1998 p 226 229 Entre os que construiram analises marxistas que careciam de sua esséncia 0 materialismo historico alguns historiadores destacamse Jerzy Topolski Metodologia da Investigacao Historica Witold Kula Problemas e métodos da Historia Econdémica Louis Althusser Aparelhos Ideoldgicos do Estado entre outros citados por Fontana 1998 Evidentemente muitos desses pensadores tém contribuigoes importantes pa ra o campo da historiografia e das Ciencias Humanas em geral mas a critica feita diz respeito na verdade a postura desses pensadores no que tange ao modelo de Estado e de sociedade que vinha sendo construido na URSS e a sua negacao da propria revolugcao como o caminho essencial do materialismo his torico Em suma e essencialmente a fossilizagao do marxismo ocorreu em razao de dois fenomenos historicos interligados a derrota da revolugcao na Europa oci dental e a vitoria dela na Europa oriental Na primeira 0 efeito da derrota foi tornar oS marxistas reformistas e nao mais revolucionarios na segunda o efeito da vitoria foi tornar os marxistas conservadores e portanto antirrevolu cionarios Isso acabou afetando a produgao historiografica marxista profunda mente No entanto alguns pensadores marxistas dessa época ja comecavam a de monstrar uma outra forma de producao do materialismo historico que poderia colocarse em oposiao aos dogmatismos stalinistas Entre eles podemos ci tar dois autores fundamentais o italiano Antonio Gramsci e a alema Rosa Luxemburgo Luxemburgo envolveuse politicamente na tentativa de Revolucao Socialista Alema 19181920 mesmo contra sua vontade pois acreditava ainda nao ser o momento de um levante na Alemanha Foi assassinada nesses embates com as foras conservadoras deixando entre seus trabalhos um espléndido texto sobre o Imperialismo que trouxe novas contribuicoes a teoria do materialismo historico Gramsci em seus trabalhos a maioria feita na cadeia e por isso chamada de Cadernos do Carcere defendia que a superestrutura tem uma existéncia relati vamente autOnoma que a economia nao obedece as leis mas as tendéncias e que o materialismo historico mecanicista é infantil e nocivo a luta operaria CARBONELL 1987 As varias derrotas do movimento comunista no Ocidente levaram a novas re flexoes Especialmente na Alemanha quando surgiu o Instituto de Investigagao Social de Frankfurt em 1923 como centro de estudos marxistas dando ensejo ao aparecimento de autores importantes para a renovacao do materialismo histérico podemos citar entre eles Georg Lukacs 18851971 e Karl Korsh 18861961 Esses autores mantinham contato com Gramsci na tentativa de superar a he ranga mecanicista da chamada Segunda Internacional Fontana 1988 p 136 expressase desta forma sobre a obra desses dois pensadores marxistas Desse ponto de partida Lukacs derivaria em boa medida por causa da sua infortu nada e complexa historia politica a ocuparse de questoes mais estritamente filo sOficas e culturais Desvinculado de toda a militancia Korsh manteria a luta contra Kautsky em O Materialismo Historico 1929 tentaria uma lucida revalorizagao da vertente revolucionaria do pensamento de Marx no seu Karl Marx 1938 e conti nuaria delineando os pressupostos de um marxismo revolucionario em escritos como Por que sou marxista 1935 A morte surpreendeuo trabalhando numa tenta tiva de atualizagao do pensamento marxista pelo duplo caminho da sua extensao do ambito europeu ao mundial e da necessidade de adaptalo as mudangas ocorri das na sociedade capitalista e ao avanco das ciéncias Para organizar nossas ideias sobre o estudo das correntes comunistas que co existiam e se opunham temos de reafirmar o que ja dissemos no inicio deste topico stalinista dominante de outro uma tentativa de renovagao desse pensamento mas ainda fragil do ponto de vista politico Para o proximo topico convidamos vocé a discutir como essas influéncias chegaram a historiografia marxista do periodo posSegunda Guerra Mundial Vamos em frente Vocé acha que sua visao de mundo é influenciada por algum dos conceitos do marxismo 5 Marxismo académico da segunda metade do seculo 20 Paradoxalmente 0 socialismo e o capitalismo liberal uniramse no inicio da década de 1940 para derrotar um suposto inimigo comum 0 nazifascismo A Segunda Guerra Mundial 19391945 acabou com quarenta milhoes de vi das O pais mais atingido foi justamente a Uniao Soviética que resistiu brava mente e sozinha por um bom tempo a invasao germanica entre 1942 e 1943 O contraataque do Exército Vermelho russo foi fulminante e exigiu das tropas inglesas e norteamericanas a mesma postura no front ocidental expulsando os alemaes da Franga a partir de 6 de junho de 1944 no famoso Dia D Como resultado dessa guerra a Europa dividiuse em duas a Ocidental capita lista e a Oriental socialista sob influéncia soviética Nesse mesmo periodo a morte de Stalin e a realizagao do 20 Congresso do Partido Comunista soviético em que Kruchev expos as atrocidades cometidas a mando de Stalin mudaram radicalmente o cenario do comunismo interna cional Dessa forma Hobsbawm 2002 p 226 afirma que existem dois dez dias que abalaram o mundo na historia do movimento revoluci onario do século passado os da Revolugao de Outubro 1917 descritos no livro de John Reed com esse titulo e o 20 Congresso do Partido Comunista soviético 1425 de fevereiro de 1956 Ambos a dividem repentina e irrevogavelmente em antes e depois Nao posso imaginar nenhum acontecimento comparavel na historia de qualquer movimento ideoldgico ou politico mais importante Em poucas palavras a Revolugao de Outubro criou um movimento comunista internacional 0 20 Congresso o destruiu Dessa desilusao emergiu uma nova maneira de lidar com o materialismo his torico A caracteristica fundamental dessa nova forma de interpretar o mar xismo é a desarticulagao do movimento politico da pratica intelectual Um dos resultados praticos dessa desilusao é que a tradicao analitica do mar xiSmo passou da economia e da politica da fase préPrimeira Guerra Mundial para a filosofia e mais do que isso para as raizes filosoficas do pensamento de Marx ANDERSON 1983 Outra mudanga pratica foi o deslocamento geografico se antes a maior parte dos pensadores estavam na Europa oriental e do sul nessa nova fase deslocouse para a Europa ocidental e do norte com a incorporacao de pensa dores também da América especialmente dos Estados Unidos Entre esses novos filosofos do materialismo historico podemos citar os pen sadores da ja citada Escola de Frankfurt alem de Marcuse e Walter Benjamin uma segunda geragao com George Lefebvre Theodor Adorno Jean Paul Sartre Althusser Goldman Della Volpe e Colletti principal corrente de historiadores que surgem a partir da década de 1960 foi inglesa Eric Hobsbawm Perry Anderson Christopher Hill Rodney Hilton Edward Paul Thompson entre outros de menor expres sao Hobsbawm dedicouse ao estudo das estruturas sociais da sociedade burgue sa assim como a vida e a consciéncia de classe dos trabalhadores ingleses ambos no século 19 Mais recentemente procurou trabalhar sobre as estrutu ras politicosociais do século 20 Ja Anderson trabalhou sobre a génese da sociedade burguesa analisando o desenvolvimento da sociedade ocidental desde a Antiguidade Classica Depois passou a dedicarse ao estudo do marxismo no século 20 e tendéncias culturais mais contemporaneas Outro historiador inglés importante Christopher Hill dedicouse aos estudos da Revolucgao burguesa na Inglaterra no século 17 Buscou estudar também as quest0es que envolviam a transicao do feudalismo para o capitalismo basica mente na Inglaterra debatendo fortemente as ideias de Maurice Dobb e Paul Swezy Edward Paul Thompson procurou esforarse para analisar a questao da cons ciéncia de classe inglesa no século 19 e suas relagoes com um discurso revo lucionario No final de sua vida promoveu um profundo debate em oposicao ao pensamento de Althusser Sobre a historiografia marxista inglesa e seus autores Fontana 1998 p 244 afirma que em todos eles coincide o carater aberto de sua obra um certo de sinteresse pelo econdmico e uma preocupacao pelo rigor cientifico agudi zada pela coacao de que foram objeto desde os anos da Guerra Fria Na Franga Pierre Vilar destacouse entre os historiadores marxistas Ele pro curou recolocar 0 econdmico no centro do debate do materialismo historico mas sem abandonar um estudo global e mesmo certa autonomia da chamada superestrutura aos moldes de Gramsci Entre os trabalhos de Vilar destacamse aqueles que deram espaco a analise do desenvolvimento do capitalismo na Espanha o papel do ouro como moeda na Historia capitalista e suas propostas metodologicas reunidas no titulo Desenvolvimento Econdémico e Analise Historica Nesse texto ele afirma que o objetivo deste livro é portanto o de apresentar a todos os problemas incessante mente postos por aquilo a que Marc Bloch chamou justamente o mister do historia dor Mas procurase também fazer compreender o quanto estas questoes interes sam ao homem unica justificagao sem duvida da escolha e da pratica desse mis ter O Econémico VILAR 1992 p 12 Nessa sua afirmagao percebemos que Vilar procura estabelecer uma relacao entre 0 marxismo por ele praticado e a historiografia surgida na Franga no sé culo 20 conhecida como Escola dos Annales Talvez resida ai o canal para que oO marxismo continue vivo no século 21 6 Materialismo historico e mundo globalizado perspectivas para 0 marxismo no século 21 Vocé acha que os conceitos marxistas podem auxiliar na analise de nossa sociedade atual Até aqui vimos que o materialismo historico passou por profundas transfor macoes ao longo desse um século e meio desde seu aparecimento em torno de 1850 Na construgao teorica de seus fundadores tratavase de um arsenal teo rico com fungao definida qual seja a de dotar a classe trabalhadora de uma teoria propria na luta contra o capitalismo burgués Ao longo do tempo 0 marxismo foi sofrendo mudangas Depois da morte de Engels em 1895 novas formas de relacionar o materialismo historico com a luta operaria foram construidas especialmente com Lénin durante a Revolucao Russa A partir da ascensao de Stalin o marxismo tornouse um dogma passando a ser censurado e fossilizado por uma pratica politica con servadora e repressora na Uniao Soviética Contudo depois da Segunda Guerra Mundial e da morte de Stalin o marxismo passou por um processo de renovagao deslocandose o nucleo duro dos pen sadores do Oriente para o Ocidente europeu especialmente na Inglaterra onde um grupo importante de historiadores ligados ao Partido Comunista passou a atuar com uma vocagao interpretativa do marxismo Essa nova corrente de pensamento procurava estabelecer dialogo com outras linhas de pensamento e apoiavase em tedricos que mesmo naquele clima de perseguicao da era stalinista conseguiram produzir um pensamento autono mo e renovador do marxismo No entanto essa nova era marxista do momento posSegunda Guerra promo veu certa separacao da luta politica e da produgao teorica Essa é a grande cri tica a que sao submetidos esses novos pensadores Mas o que restou ao marxismo depois da queda do Muro de Berlim e do fim da URSS Quais eram as possibilidades de produzir Historia a partir do arsenal materialista historico Hobsbawm 1998 p 182 fornecenos algumas pistas para essas respostas Segundo esse historiador marxista alguns temas sao essenciais para 0 mate rialismo historico Vejamos O primeiro 6 a natureza mista e combinada do desenvolvimento de toda socie dade ou sistema social sua interagao com outros sistemas e com o passado Se pre ferirem é a elaboracgao da famosa maxima de Marx de que os homens fazem sua propria historia mas nao conforme sua escolha sob circunstancias diretamente encontradas dadas e transmitidas do passado O segundo é o da classe e da luta de classes Por seu lado Anderson 1983 em um de seus estudos sobre 0 pensamento marxista perguntase sobre qual seria o lugar do materialismo historico no fi nal do século 20 Vejamos a sua resposta o materialismo historico continua a ser o Unico paradigma intelectual suficien temente capacitado para vincular o horizonte ideal de um socialismo futuro as contradigoes e movimentos praticos do presente e a sua formagao a partir de es truturas do passado numa teoria da dinamica determinada de todo o desenvolvi mento social Como qualquer programa de pesquisa a longo prazo das ciéncias tra dicionais ele conheceu periodos de repetigao e estagnagao e gerou erros e falsas diregoes Mas como qualquer outro paradigma ele nao sera substituido enquanto nao houver um candidato superior para um avancgo global comparavel no conheci mento Ainda nao ha sinais disso e podemos portanto estar confiantes de que muito trabalho nos espera amanha assim como hoje no marxismo ANDERSON 1983 p 122 Em outras palavras para Anderson 1983 o que se deve fazer é uma reafirma cao dos principios do materialismo historico e buscar reorganizar a classe operaria para a conquista socialista Unica alternativa viavel para a sociedade desigual atual Por fim gostariamos de convocar outro historiador marxista Fontana 1998 como forma de auxiliar vocé futuro professor de Historia a colocar claramen te os problemas que a Historia tem de enfrentar no século 21 Observemos A medida que o historiador é quem melhor conhece o mapa da evolucao das socie dades humanas quem sabe a mentira dos signos indicadores que marcam uma di regao unica e quem recorda os outros caminhos que conduziam a outros destinos distintos e talvez melhores é a ele a quem toca mais que a ninguém denunciar os enganos e reanimar as esperancgas para comecar o mundo de novo FONTANA 1998 p 280 Vocé ja se questionou sobre o papel social ou seja o compromisso do historiador com seu tempo Assim para um historiador marxista como para todos os outros historiadores cabe ajudar a sociedade a desnaturalizar e superar signos que atravancam ca minhos para um futuro com melhores caracteristicas do que os atuais Hoje 0 materialismo historico tem este papel o de ajudar nessa tendéncia de abrir horizontes para mudangas sociais baseadas nos eventos historicos que demonstram cabalmente que nada na Historia humana é eterno e que trans formacoes partem das lutas sociais O materialismo historico uma teoria da mudanga e so assim arejado e aber to a novas tendéncias podera manter seu papel importante na historiografia e nas Ciéncias Sociais em geral A fim de sintetizar tal produgao e aprofundar alguns conceitos e contextos ve jamos o video a seguir intitulado Série Escolas Historiograficas 2 o Materialismo Historico Nele Pereira pontua a visao etapista da historia em relagao aos modos de produgao e a luta de classes entendidos como o cerne do processo historico para essa perspectiva materialista A propria vida de Marx e o contexto de sua produgao também sao abordados elucidando a for ma como essa corrente historiografica dialoga com as anteriores e os motivos que levaram ao desenvolvimento dessa perspectiva interpretativa ef et tea at areas aaa 7 A escola dos Annales em suas trés geracoes A Escola Francesa do Annales trouxe uma destacada renovacao no fazer his toriografico do século XX alterando de forma significativa os temas métodos e fontes de pesquisa usados pelos historiadores Realizando uma ampla critica aos paradigmas historiograficos anteriores por meio de uma proposta pautada na relagao com as demais Ciéncias Humanas os Annales se estabeleceram como um novo referencial para o fazer historiografico Pensando no contexto de surgimento dessa corrente historiografica vamos nos deter a leitura das paginas 11 a 15 do texto de Peter Burke 1997 intitulado A Escola dos Annales 19291989 a Revolucao Francesa da historiografia httpsedisciplinasuspbrpluginfilephp4380045modresourcecontent 1burkepaescoladosannalesarevoluc3a7c3a3ofrancesadahispdf no qual é apresentado um breve panorama da historia da Historiografia tendo como foco o entendimento do papel e lugar da escola dos Annales nesse con texto de evolucao do fazer historiografico Contextualizado o surgimento da Escola Francesa dos Annales agora vamos nos deter na caracterizacao dela em relacao aos temas métodos e fontes de pesquisa Entretanto para isso devemos ter em mente que essa escola esta di vidida em trés distintas geracgoes que apresentam convergéncias e divergén cias em suas pospostas Explorando as relagoes entre a Historia e as demais Ciéncias Humanas de for ma simplista podemos caracterizar a primeira geragao 192949 dessa escola e sua relagao com o pensamento socioldgico destacando as producoes de Marc Block e Lucien Febvre e a criacao da historia problema A segunda ge racgao 194668 foi pautada pelo dialogo com a geografia destacandose o no me de Fernad Braudel e seu trabalho com as diferentes temporalidades Por fim a terceira geracao 196898 fundamentada na psicologia social e antropo logia tem como seus mais destacados autores Jacques Le Goff e Emmanuel Le Roy Ladurie que pautaram suas propostas de analise na compreensao de uma espécie de historia das mentalidades de carater cultural Destacase também uma possivel quarta geracao representada por Bernard Lepetit mas que nao se apresenta como de consenso para muitos historiadores 8 Fundacao da escola dos Annales E importante que vocé saiba que apesar dos historiadores dos Annales terem promovido uma verdadeira inovacao historiografica o debate em torno de uma nova maneira de se conceber a Historia surgiu fora dos dominios dessa disciplina na passagem do século 19 para o século 20 quando as ciéncias so Clais passaram a conceber o homem como objeto de estudo da ciéncia Essa mudanga teorica na concepcao do homem foi muito significativa uma vez que ele deixou de ser produtor da historia para se tornar produto dela E importante ressaltar que embora o movimento dos Annales seja conhecido como escola ele nunca apresentou um eixo teorico definido Na verdade 0 que unia seus integrantes era o projeto de se fazer uma historia total bem como o combate as escolas metoddica e positi vista De acordo com Reis 2000 os primeiros combates mais efetivos a chamada historia tradicional metddica e positivista partiram dos socidlogos durkheimianos Eles pretendiam analisar a realidade fazendo uso de generali zacgoes preocupandose assim com o regular e nao com o singular Marc Bloch e Lucien Febvre adotaram a visao desses socidlogos e a traduziram para o discurso historico A partir desse momento ocorreu um rompimento com as explicacoes teleologicas de influéncia filosdfica sobre o estudo da historia e a opao pela utilizacao das teorias elaboradas pelas ciéncias sociais Outra grande influéncia que impulsionou a renovacao da Historia partiu de Henri Berr 18631954 e de sua revista Revue de Synthése Historique em 1903 cujo objetivo era promover uma discussao teorica sobre a historiaciéncia e contribuir a elaboracao de uma teoria da historia afastada da filosofia da historia e orientada para a observacgao empirica REIS 2000 p 57 Nesse sentido a Historia nao deveria se preocupar apenas com as singulari dades mas também com aquilo que é recorrente repetitivo Tinha de abando nar sua funcao exclusivamente descritiva e se preocupar em explicar os fen6 menos historicos Assim a sintese historica seria feita com base na colabora cao de diversos cientistas sociais e pelo trabalho em equipe Ainda em 1903 foi publicado na revista de Berr um importante artigo escrito pelo socidlogo Francois Simiand 18731935 criticando a metodologia utiliza da pelos positivistas que era baseada essencialmente no estabelecimento dos fatos No debate que se seguiu entre historiadores e socidlogos Simiand defen dia a interdisciplinaridade e a criagao de uma metodologia comum para todas as cléncias sociais que deveria se basear no levantamento de hipoteses para a realizacao das pesquisas Lucien Febvre ao vivenciar esse ambiente de mudangas de debates e de no vas propostas para o saber historico ja demonstrava desde o final da primeira guerra mundial 19141918 interesse em criar uma grande revista internacio nal dedicada a historia econdmica que teria como diretor o historiador belga Henri Pirenne 18621953 No entanto essa tentativa acabou sendo abandona da em virtude de uma série de dificuldades Nos anos de 1928 Bloch resolveu retomar o projeto de seu amigo fundando no ano seguinte a revista dos Annales que pretendia ao mesmo tempo apresen tar uma nova abordagem da historia e se tornar um elo entre todas as ciéncias humanas acabando com as divisoes até entao existentes entre as disciplinas BURKE 1997 Inicialmente a diregao dos Annales coube a Marc Bloch e Lucien Febvre que trouxeram uma inegavel contribuiao para a renovagao formal da Historia co mo disciplina académica apresentando novas fontes de pesquisa novas téc nicas de investigagao e novas abordagens historicas De acordo com Burke 1997 a partir da criagao da revista Annales dhistoire conomique et sociale houve a pretensao de fazer com que sua publicacao tornasse uma lideranga nas reflexoes e estudos da historia econdmica e soci al os quais até entao haviam sido desprezados Desse modo os criadores da revista pretendiam romper com a historia evene mentielle ou seja factual e politica realizada pelos metodicos e positivistas Essas duas escolas que dominavam os meios académicos franceses da época foram acusadas de fazerem uma historia historicizante e dogmatica centra das na idéia de que a historia se fazia com documentos escritos No decorrer da década de 1930 os Annales foram pouco a pouco se transfor mando no centro de uma nova corrente historiografica recebendo a colabora ao de economistas socidlogos gedgrafos cientistas politicos e claro de di versos historiadores Seu fortalecimento nesse periodo ocorreu especialmen te em virtude da intuicao de seus dois grandes historiadores em adaptar seus discursos com as mudanas que o mundo passava Nao foi por acaso que hou ve o deslocamento da preocupacao com os aspectos politicos para as analises econodmicas Assim a sociedade das décadas de 1920 e 1930 passou a ser pen sada com base nos aspectos econdmicos reformas econdmicas na Uniao Soviética crise econdmica na Alemanha grande depressao New Deal DOSSE 1992 Mesmo com a ocupaao alema na Franga durante a segunda guerra mundial 19391945 a revista dos Annales continuou sendo publicada porém com ou tros titulos tais como Annales dHistoire Sociale de 1939 a 1941 e Mélanges dHistoire Sociale de 1942 a 1944 Em 1946 a revista novamente modificou seu nome para Annales Economies Sociétés Civilisations Essa denominagao perdurou até 1993 quando a publi cacao recebeu seu titulo atual Annales Histoire Sciences Sociales A partir de 1944 com a execugao de Marc Bloch pelos nazistas Febvre tornou se 0 unico diretor dos Annales e permaneceu no cargo até seu falecimento em 1956 Podemos observar ja nesse periodo uma mudana no pensamento desse movimento especialmente se analisarmos os textos escritos por Febvre nos quais fica explicito sua preocupacao em relacionar todos os aspectos da vida do homem entre si ja que passou a considerar que tudo estava relacionado a tudo Portanto tudo seria valido para que se pudesse compreender 0 homem em sua plenitude e complexidade A esse respeito Fontana 1998 p 206207 diz Guiandonos pelo titulo adotado em 1929 parecernosia ser uma Historia econo mica e social Porém ja se viu que Febvre renegou essa definicao original Em 1941 Febvre opina que a tarefa do historiador consiste em relacionar aspectos da vida humana sem se importar quais sejam nenhum tem uma importancia predomi nante da no mesmo tratar de relacionar os problemas econdmicos de uma socie dade com a sua organizagao politica como sua filosofia com as suas idéias religio sas A alteracado do titulo da revista para Annales Economies Sociétés Civilisations em 1946 demonstra as novas aspiracoes dos Annales a ausén cia do termo historia mostra claramente a vontade dessa corrente em avan ar no projeto de reaproximaao com as outras ciéncias sociais Adaptandose as novas realidades apresentadas apos o término da segunda guerra mundial o movimento suplantou definitivamente a influéncia metodi ca e positivista presentes nas universidades francesas Ademais seus princi pios de pesquisa pouco a pouco romperam com as fronteiras nacional e euro péia e atingiram varias areas do mundo DOSSE 1992 Em 1956 Fernand Braudel sucedeu Febvre na direcao dos Annales e optou em privilegiar o estudo das estruturas econdmicas em detrimento de outros te mas como a historia cultural o estudo das mentalidades e a psicohistoria Ele manteve certos tracos deixados por Bloch e Febvre como a preocupacao em abrir as fronteiras entre as disciplinas das Ciéncias Humanas a tentativa de se fazer uma historia total e a preocupacao com os aspectos geograficos Com o objetivo de renovar o projeto dos Annales Braudel recrutou alguns jovens historiadores dentre os quais merecem destaque Jacques Le Goff Emmanuel Le Roy Ladurie e Marc Ferro Nessa fase vieram a tona significativos trabalhos de historia quantitativa demografica re gional e serial Apos 1968 Fernand Braudel foi substituido no comando da revista por uma di recao coletiva formada por André Burguiere Marc Ferro Jacques Le Goff Emmanuel Le Roy Ladurie e Jacques Revel Em um contexto de crise dos grandes paradigmas historicos a escola dos Annales passou a acompanhar os modismos intelectuais descaracterizando praticamentetodos os postulados de seus antigos criadores Assistimos nesse momento a um retorno da histo ria politica e ao ressurgimento da narrativa dos acontecimentos historicos Para os representantes da Nova Historia expressao que comumente se refere a terceira geracao dos Annales e que se popularizou com a publicagao do livro A nova historia organizado por Jacques Le Goff no ano de 1978 nao seria mais possivel a utilizacao de teorias totalizantes e abrangentes na abordagem historica Desse modo a historia fragmentouse desumanizouse e descontextualizou se passando a estudar temas como Amor Medo Tristeza Feminismo Morte Homossexuais Mulheres Feita em partes a Historia transformouse utilizan do as palavras de Dosse em migalhas E possivel relacionar os variados temas que fazem parte do estudo de Historia com as di versas esferas do vivido A Historia deve tentar reconstituir e explicar os acontecimentos historicos ou apenas narralos 9O programa dos Annales Conforme vocé pdde observar Marc Bloch e Lucien Febvre contestaram a tra digao historiografica metodica e positivista que enfatizaram o estudo dos grandes personagens da historia politica No positivismo por exemplo era privilegiada a narrativa dos acontecimentos em uma ordem cronologica que levava em consideragao as relacgoes de causas e consequéncias Os metddicos por sua vez tinham uma grande preocupacgao com uma historia erudita que privilegiava a dimensao politica Alem disso eram fascinados pelos aconteci mentos relatados em documentos escritos Vocé pode estar se perguntando o que a Escola dos Annales trouxe de inova dor em relagao a historia tradicional Quais foram as principais mudancgas metodoldgicas apresentadas para a disciplina de Historia Tente responder a essas quest0es e compare com o conteudo a seguir A corrente dos Annales tencionava alcancar uma historia que fosse mais vas ta abrangente e totalizante ou seja que apresentasse uma perspectiva mais voltada para a analise da estrutura em detrimento do acontecimento Em vir tude disso seus fundadores se posicionaram contra as idéias de evolucionis mo e progresso da humanidade e se opuseram as analises destinadas ao estu do dos feitos de grandes homens chefes militares e reis exércitos e tratados diplomaticos até entao preponderantes Nesse sentido algumas propostas foram apresentadas dentre as quais trés ganharam notoriedade 1 proposta dos Annales Essa primeira proposta referese a substituigao da simples narrativa dos acontecimentos por um novo tipo de historia a historiaproblema Aqui ca bia ao historiador levantar hipoteses e apresentar questOes como ponto de partida para seu trabalho ou seja interrogar o passado baseandose em per guntas do presente Feito isso sua responsabilidade era com base nos docu mentos procurar a melhor forma de responder as suas indagacoes 2 proposta dos Annales O deslocamento da preocupacao até entao predominante com a esfera po litica para uma historia que estudasse as variadas atividades humanas desde a organizacgao economica e social até a mentalidade coletiva Assim podemos afirmar que a escola dos Annales em sua fase inicial voltou seu olhar para a construcao de uma historia social e econdmica 3 proposta dos Annales A ultima proposta destinase finalmente a interdisciplinaridade ou seja ao contato da Historia com outras ciéncias sociais como Geografia Sociologia Antropologia Economia Linguistica dentre outras Essa aproximagao propi ciou a incorporagao de conceitos reflexoes problematicas métodos e técnicas de tais ciéncias por parte dos historiadores Além disso com a ampliagao do dialogo com outras areas do conhecimento houve um alargamento das possi bilidades de pesquisa historica De acordo com Dosse 1992 a interdisciplinaridade serviu também para o for talecimento da Historia como campo do saber autOnomo pois contribuiu para evitar a sua submissao a Sociologia e consequentemente a perda de identida de por parte de seus pesquisadores Isso porque no inicio do século 20 houve uma forte ofensiva por parte dos socidlogos que visavam fazer com que os historiadores se submetessem a sua problematica e se tornassem meros cole tores de materiais para que eles pudessem interpretalos Para que o programa interdisciplinar fosse levado adiante os Annales tiveram que apresentar uma nova representacao do tempo historico pois a temporali dade utilizada pela historia tradicional nao seria capaz de criar uma colabo racgao efetiva entre a Historia e as ciéncias sociais Assim os Annales acres centaram a nocao de permanéncia e simultaneidade presentes no conceito de longa duragao a nogao de temporalidade historica 3 A historia tradicional era baseada no aspecto acontecimental do unico do singular da construgao li near e sucessiva progressista e teleoldgico dos fatos Fique atento a esse assunto pois vamos analisalo no decorrer de nossos estu dos Agora pautaremos nossa conversa na contribuicao da primeira geracao dos Annales para a constituigao de um novo método historico 10 Primeira geracao 19291946 Marc Bloch e Lucien Febvre Conforme vimos a Escola dos Annales dividiuse em trés fases A primeira durou de 1929 a 1946 e foi liderada por Marc Bloc e Lucien Febvre A segunda fase que se formou em torno de Fernand Braudel foi de 1946 a 1968 Ja a ter ceira de 1968 a 1988 teve uma lideranga coletiva com destaque para os histo riadores Jacques Le Goff Emmanuel Le Roy Ladurie e Marc Ferro Dando continuidade ao estudo dessa escola neste topico analisaremos a pri meira geracgao dos Annales e a renovacgao que seus principais representantes realizaram na Historia com base na criagao da revista Annales dhistoire éco nomique et sociale Essa fase pode ser caracterizada pela 0 e oposigao ao Positivismo e ao programa de Ernest Lavisse 18421922 Charles Seignobos 18541942 e CharlesVictor Langlois 1863 1929 e preocupacao com a historia econdémica e social e desprezo pela historia politica e tentativa de construcao de uma historiografia que se constituisse em uma ciéncia social e diversificagao das fontes documentais e colaboracgao de diversas disciplinas do conhecimento Vocé sabia que a abertura de um campo mais amplo para os estudos histori cos aconteceu em virtude de o homem passar a ser encarado em sua totalida de e complexidade Dessa forma novos assuntos passaram a ser abordados tais como os relativos as mentalidades ao imaginario ao cotidiano a geogra fla e a psicologia coletiva Nessa fase ocorreu também o surgimento de uma temporalidade mais longa capaz de apreender todos os aspectos da vida humana em suas transforma Goes que ocorrem mais lentamente Diante disso houve o abandono do estudo dos fatos singulares e a virada para a analise das estruturas sociais econdmi cas politicas culturais mentais e religiosas Com essa nova concepcao do tempo historico foi possivel observar as permanéncias aquilo que se repete sem no entanto abandonar a compreensao das mudancas humanas em sua duracao Marc Bloch um dos representantes da primeira geracao dos Annales profes sor especialista em historia medieval tornouse bastante conhecido pela pu blicagao de alguns livros tais como Os reis taumaturgos 1923 Os caracteres originais da historia rural francesa 1931 e A sociedade feudal 1936 e Apologia da Historia ou O Oficio de Historiador 1949 Se vocé ler essa ultima obra iniciada em um campo de concentraao nazista durante a segunda guerra mundial e que permaneceu inacabada percebera a nitida preocupacao do autor em refletir sobre o método historico assinalando o que deve ser a historia e como o historiador deve trabalhar Marc Bloch refutou a definicao de historia como ciéncia do passado ja que pa ra ele 6 absurda a idéia de que o passado possa ser objeto de estudo Entao qual deveria ser o objeto de estudo da historia ou seja aquilo que ela deve in vestigar A resposta é a seguinte a historia deve investigar os homens no tempo ou em outras palavras as acoes e praticas humanas em todas as suas manifestagoes e em sua duragao O objeto de preocupacao do historiador se volta para os ho mens comuns e nao mais exclusivamente para os grandes homens da histo ria tradicional Portanto onde houver seres humanos existira historia e algo a ser elucidado pelo historiador Ao afirmar que é na relacao presentepassado e passadopresente que se de senrola a construcao historica nosso historiador rompe com o discurso pura mente passadista da historia tradicional Nesse sentido ficou exposta a utili zacao do método regressivo ou retrospectivo em que temas do presente condi cionam e delimitam o retorno ao passado Na sua opiniao é possivel compreender o passado partindo de questoes do presente De acordo com Bloch 2001 p 67 para interpretar os raros documentos que nos permitem penetrar nessa brumo sa génese para formular corretamente os problemas para até mesmo fazer uma idéia deles uma primeira condicao teve que ser cumprida observar analisar a pai sagem de hoje Pois apenas ela da as perspectivas de conjunto de que era indispen savel partir Portanto o passado so se torna compreensivel se o historiador partir de pro blemas suscitados pelo seu presente pois na visao de Bloch seria necessario partir daquilo que era mais conhecido no caso o presente para o que era menos conhecido o passado Assim somente um historiador atento ao pre sente conhecedor do seu tempo pode inquirir satisfatoriamente os homens do passado Na investigacao historica todos os vestigios do passado passiveis de serem analisados pelos historiadores se transformaram em documento Desse modo aleém das fontes escritas presentes nos arquivos outros materiais passaram a ser utilizados pelos historiadores em seus trabalhos tais como poemas ro mances pinturas materiais arqueologicos Essa difusao de novas fontes his toricas esteve associada a criaao da historiaproblema e visava minimizar as eventuais lacunas surgidas durante a realizacao da pesquisa A utilizagao de diferentes fontes historicas promovida pelos Annales propiciou aos historiadores realiza rem pesquisa sobre a préhistoria até entao um periodo renegado pela Escola Metddica e Positivista Segundo Bloch 2001 apos realizar a critica documental o historiador tem o dever de procurar compreender os homens do passado situandoos no seu tempo e espaco evitando realizar juizos de valor e também o erro mais grave que um estudioso de historia pode cometer 0 anacronismo Além disso em seu oficio os historiadores tém a obrigaao de interrogar os documentos levantados para o desenvolvimento de seu estudo pois esses nao falam por si As fontes historicas somente dizem alguma coisa quando inter rogadas corretamente Vocé deve ter percebido nesse momento novamente uma outra critica as escolas metddica e positivista especialmente a dois de seus aspectos basicos a passividade do historiador perante a sua documenta cao e a idéia de que as fontes escritas representam o proprio passado Lucien Febvre que cursou Historia em Nancy e depois em Paris na Escola Normal Superior e na Sorbonne foi outro grande renovador da historiografia contemporanea No seu livro Combates pela Historia problematizou o proprio fazer historico ao afirmar que a historia era filha de seu tempo E somente a partir do presente que as questoes referentes ao passado podem ser aborda das Na concepao desse historiador cada época seleciona seus temas que falam mais das inquietacgoes de seu proprio momento do que do passado propria mente dito Em outras palavras cada época constroi a representacao do pas sado a sua maneira O historiador vive em um mundo que coloca seus proble mas particulares O que o historiador faz é tentar verificar se esses problemas colocados pelo presente existiram no passado se existiram como foi vivido pelos homens da época Em ultima analise 0 que o historiador quer compre ender é a diferenga entre os homens de ontem e os de hoje FEBVRE 1989 E importante mencionarmos que Febvre define a Historia de uma maneira distinta daquela apresentada por Marc Bloch Vejamos o que Fontana 1998 p 206 diz a esse respeito Se Bloch falava sem vacilagao da Historia como ciéncia dos homens no tempo Febvre lhe nega essa condigao e a define como o estudo cientificamente elaborado das diversas atividades e das diversas criagoes dos homens de outros tempos A diferencga que haja entre ciéncia e estudo cientificamente elaborado iluminase quando percebemos que Febvre desvia sempre o problema para o da utilizagao por parte do historiador dos métodos de outras disciplinas cientificas O que importa é o instrumento nao o projeto em que este sera empregado De acordo com Reis 2000 Febvre deixou a histéria econémicosocial a cargo de Bloch e dedicouse ao estudo da historia das mentalidades coletivas Seu tema preferido foi o das relagoes entre os modos de pensar e sentir com os modos de produzir Alem disso em sua famosa obra O problema da descrenca no século XVI a religiao de Rabelais httppt wikipediaorgwindexphpti tleOProblemadaDescrenC3A7anosC3A9culoXVIAReligi C3A30deRabelaisactioneditredlink publicada em 1942 inaugurouse um novo campo de investigagao historica a antropologia historica como ponto de partida para a divisao do tempo historico em préhistoria e historia A primeira passou a se referir ao periodo em que nao havia registros escritos e a segunda iniciouse com a invengao da escrita No seu entender 0 pesquisador que estuda o periodo anterior a invengao da escrita real mente nao faz historia 11 Segunda geracao 19461968 os anos de Fernand Braudel A segunda geracao dos Annales teve como grande nome Fernand Braudel Discipulo de Lucien Febvre o sucedeu na diregao desse movimento apos sua morte em 1956 e presidiu a VI secao da Ecole pratique des hautes études cen tro de pesquisa fundado em Paris A revista que ja havia mudado de nome du as vezes adquiriu um novo titulo Annales Economies Sociétés Civilisations o que acabou alargando a area de acao do historiador com a introducao de um novo campo de pesquisa a civilizagao Figura 3 Fernand Braudel 19021985 Esse foi o período da consolidação institucional dos Annales da disseminação de seus métodos para várias partes do mundo do aprofundamento do diálogo com as demais ciências sociais e do predomínio dos estudos de dimensões econômicas diante de outros temas como a história cultural o estudo das mentalidades e a psicohistória que foram tratados em grande medida por Bloch e Febvre Nessa época houve também o confronto entre a História e o estruturalismo da antropologia de Claude LéviStrauss Para as ciências sociais o grande teórico do Estruturalismo foi o francês Claude LéviStrauss nascido em 1908 e autor da obra Tristes Trópicos 1955 Sua grande preocupação foi estudar as bases que moldam a organização social do ser humano Essa base seria o sistema mental que não se apresentava como um processo consciente no agir humano e além disso tinha uma característica universal ou seja a estrutura mental seria a mesma em qualquer parte do mundo O movimento estruturalista foi muito forte sobretudo nas décadas de 1960 e 1970 ao apresentar uma metodologia inovadora que visava examinar todas as rela ções e funções estabelecidas entre os elementos que constituem um determinado sistema Os historiadores eram criticados pela linha estruturalista por permanecerem no plano empírico e do observável sendo incapazes de modelar e ter acesso às estruturas profundas da sociedade Para o antropólogo LéviStrauss não havia relação entre realidade empírica e a estrutura já que essa última era o modelo construído para apreender a realidade empírica Assim para estudar a sociedade não era necessário realizar uma incursão à história Embora a História e a Etnologia estivessem próximas em seu objeto método e o objetivo havia uma distinção essencial que opunha essas duas disciplinas Conforme salientava LéviStrauss essa distinção se dava sobretudo pela es colha de perspectivas complementares a historia organizando seus dados em relagao as expressoes conscientes a etnologia em relagao as condioes in conscientes da vida social in DOSSE 1992 p 109 Isso significa que em seu estudo sobre as varias sociedades tribais 0 antropologo chegou a conclusao de que as estruturas fundamentais da sociedade sao as estruturas da mente humana que por sua vez nao se apresenta como um processo consciente Podemos exemplificar a distingao comentada anteriormente utilizando a famosa frase de Karl Marx os homens fazem sua propria historia mas nao sabem que a fazem A primeira parte da frase seria o campo de acao da Historia e a segunda parte da Etnologia LéviStrauss a partir do seu ataque ao carater voltado para as expressoes conscientes do homem narrativo factual cronolodgico singular e nao cientifico da Historia queria fazer com que a Etnologia se afirmasse perante as demais ciéncias sociais Apesar do grande sucesso do movimento estrutura lista sobretudo nas décadas de 1960 e 1970 a Historia se manteve firme como articuladora entre as ciéncias sociais Em resposta a critica estruturalista Fernand Braudel afirmou que a escola dos Annales se empenhou em compre ender os fatos de repeticao tanto como os singulares as realidades conscien tes tanto como os inconscientes BOURDE MARTIN 1990 p 131 Na verdade a critica de LéviStrauss caberia mais aos positivistas e metodi cos do que aos Annales pois esta escola desde seus primeiros tempos como ja vimos trouxe uma nova concepao do tempo historico capaz de observar as permanéncias sem no entanto abandonar a compreensao das mudangas hu manas em sua duragao O estudo das épocas fora abandonado em prol da ana lise das estruturas Seguindo os passos dos fundadores dos Annales Braudel deu uma formalizaao mais rigorosa a temporalidade historica Para tanto pe gou emprestado da antropologia o termo estrutura e o redefiniu para melhor resistir aos ataques do estruturalismo A perspectiva temporal de Braudel é apresentada pela primeira vez na obra O mediterraneo um livro de grandes dimensoes publicado em 1949 que trouxe em suas paginas uma visao diferente do passado Conforme salienta Burke 1997 p 46 primeiramente ha a historia quase sem tempo da relacgao entre o homem e 0 ambiente surge entao gradativamente a historia mutante da estrutura econdmica social e politica e finalmente a trepidante historia dos acontecimentos Entretanto foi somente em 1958 com a publicagao do artigo La Longue Dureé que o esquema teorico referente a questao do tempo historico teve melhor desenvolvimento Nesse texto 0 conceito de estrutura foi reinterpretado e apresentado em uma dimensao temporal em que as permanéncias davam sentido aos eventos A énfase deslocouse da excegao para o regular dos fatos singulares para os de massa Assim o historiador ira enfatizar o que se repete O que permanece constante em um longo periodo de tempo Nesse ponto po demos notar a novidade do pensamento de Braudel 0 descentramento do ho mem dos estudos historicos tornandoo elemento seriavel e nao evento singu lar REIS 2000 Preocupado em analisar as estruturas Braudel apresentou 0 conceito de longa duracao o qual pudemos ver anteriormente Dessa forma ao mostrar que o pensamento humano e as condioes inconscientes integram as estruturas que mudam lentamente e de maneira gradual o historiador anula a ofensiva estruturalista E importante ressaltar que a Historia segue tempos distintos conforme pode mMOs ver a seguir e Estrutural vinculase a longa duracgao um tempo quase imovel da rela cao do homem com seu espaco geografico e Conjuntural corresponde a média duracgao marcada por mudangas len tas associadas a economia e a sociedade e Acontecimental ligado a curta duragao ao tempo breve preocupado com a dimensao da vida do homem e que segue a linha da historia tradicional O emprego da longa duragao abriu novas possibilidades de estudos como por exemplo a historia comparada ja que era possivel observar uma historia que se transformava muito lentamente Essa atitude era impensavel aos historia dores que se limitavam as visoes da historia tradicional uma vez que ela valo rizava o acontecimento Se o historiador por exemplo comparasse um aconte cimento da Revolugcao Russa com um da Revolugao Francesa ele estaria co metendo um anacronismo Para Braudel nao haveria possibilidade de se fazer uma historia cientifica se nao se empregasse 0 método comparativo Vocé sabia que Em 1935 Braudel veio para o Brasil juntamente com outros intelectuais franceses como LéviStrauss para colaborar com a organizagao da recémfundada Faculdade de Filosofia Ciéncias e Letras da Universidade de Sao Paulo USP Aqui permaneceu até 1937 e afirmou que esse foi um dos periodos mais felizes de sua vida Com a nova compreensao da temporalidade historica surgiram novas meto dologias de investigaao integrada ao conceito de estrutura dos Annales e a historia quantitativa a historia demografica e as historias regional e serial ga nharam destaque nesse periodo No tocante as fontes surgiu a utilizagao de dados contabeis balancos financeiros livros de entradas e saidas de receita arquivos paroquiais judiciais dentre outros Esses tipos de documentos per mitiam a elaboragao de séries que mostravam tendéncias e oscilacgoes cicli cas E possivel fazer Historia sem levar em consideracao a mudanca A fim de sintetizar e aprofundar tais debates acerca da Escola dos Annales as sista agora ao video O que é a Escola dos Annales de Icles Rodrigues pu blicado pelo canal Leitura Obriga Historia Neste video 0 historiador apresen ta de forma didatica a Escola dos Annales caracterizando cada uma de suas geracoes nos dando assim uma visao ampla sobre a evolucao dos debates e métodos que envolvem a producao dessa corrente historiografica em suas trés geracoes ae ers Se ee a aa ts eee ete ee po A ge it eee Por fim a ultima leitura deste ciclo é 0 artigo de Fernando Silva que explora a tonica das propostas dos Annales ao abordar a relacao da Historia com as de mais ciéncias humanas Nessa direao o autor busca compreender a identi dade do oficio do historiador em relacao a abertura da historia para com as de mais ciéncias humanas por meio de novos temas métodos e fontes de pes quisa SILVA Fernando Teixeira da Historia e Ciéncias Sociais zona de fronteiras httpswwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS010190742005000100006 In Debates Historiograficos v 24 n 1 Franca 2005 Sugerimos agora que vocé dé uma pausa na Sua leitura e reflita sobre sua aprendizagem realizando a questao a seguir 12 Consideracgoes Neste quarto ciclo de estudos demos seguimento a compreensao da historia da Historiografia enfatizando neste momento 0 materialismo historico de Marx e as propostas da Escola dos Annales em suas trés distintas geraoes Assim destacase a importancia dessas duas correntes para a construcao do discurso da historiografia atual uma vez que tais reflexoes ainda balizam o oficio do historiador nos dias hoje seja na historiografia brasileira seja ociden tal Tendo em vista a caracterizacao dessas distintas correntes em uma espécie de linha do tempo da Historiografia ja podemos perceber que existe um amplo e recorrente dialogo entre as diversas propostascorrentes de pensamento Também podemos perceber que essas diferentes propostas nao se invalidam mas sim podem ser compreendidas como complementares eou agregadoras para a construgao do discurso historiografico Nao podemos perder de vista essa perspectiva agregadora de diversas correntes historiograficas uma vez que uma nova corrente nao poe fim a outras correntes ja existentes mas sim contribui no amadurecimento do oficio do historiador abrindo eou revendo novas possibilidades metodologicas tematicas e de fontes de pesquisa httpsmdclaretianoedubrhisgs0041 fev2022gradead Ciclo 5 A Nova Historia Cultural e a Crise de Paradigmas no Séeculo XXI por meio da Proposta Pos moderna Renata Cardoso Belleboni Rodrigues Objetivos e Caracterizar a Microhistoria e a Nova Historia Cultural Contextualizar a crise dos paradigmas historiograficos e Compreender a historia como discurso pratica e representacao e Identificar a historia entre a narrativa e a ficgao e Perceber as criticas a Historiografia Posmoderna Conteudos e A Microhistoria e a Nova Historia Cultural como novos paradigmas his toriograficos e A historiografia como discurso pratica e representacao de acordo com as novas propostas paradigmaticas e A produgao historiografica entre a narrativa e a ficcao A historiografia posmoderna entre a critica e a renovacao metodologi ca Problematizagao Quais as caracteristicas da Microhistoria e da Nova Historia Cultural Como conceitos como discurso pratica e representacao influiram as novas propos tas paradigmaticas para a historiografia De que forma a produgao historio grafica pode ser pensada entre a narrativa e a ficao Quais as criticas e a re novacao metodoldgica propostas na historiografia posmoderna Orientacoes para o estudo Chegando em nosso quinto e ultimo ciclo de aprendizagem vamos abordar Os mais atuais debates historiograficos contemplando o fim do século XX eo inicio do XXI Estudaremos incialmente a Microhistoria e a Nova Historia Cultural como novos paradigmas historiograficos Posteriormente tambem trataremos da historiografia posmoderna e sua critica para com os paradig mas anteriores bem como a sua proposta de renovacgao metodoldgica Buscaremos assim compreender a historia como discurso pratica e repre sentagao Nesse sentido visamos entender a historia como uma construao discursiva entre a narrativa e a ficcao 1 Introducao Ja no fim do século XX a Escola dos Annales foi perdendo espaco nos debates epistemoldgicos da historia diante de novos referenciais a exemplo das pro postas da Microhistoria da Nova Historia Cultural e do Posmodernismo Por Obvio essas novas propostas dialogam com a historiografia dos Annales en tretanto varias criticas e novas propostas foram apresentadas Tanto a Microhistoria como a Nova Historia Cultural carregam em si muito do que a escola francesa propunha sobretudo no que se refere ao imaginario as representacoes entre outros aspectos entendidos como ligados a cultura Entretanto o Posmodernismo ja apresenta uma critica mais incisiva sobre a produgao historiografica sobretudo diante da comparagao do discurso histo riografico com uma espécie de narrativa ficcional 2 A Microhistoria e a Nova Historia Cultural Ainda antes de adentrar as correntes historiograficas que serao tratadas neste ciclo veremos uma breve linha do tempo da historiografia a fim de criar uma visao mais ampla do desenvolvimento da disciplina nessa virada do século XX para o XXI Para isso assista ao video a seguir I fp x oan oe So ae a ia a re Apos conhecer sobre a Microhistoria e a Nova Historia Cultural agora vere mos um pouco mais a respeito das caracteristicas da Microhistoria ressal tando sua preocupacao com as praticas culturais especificas por meio de fa tos individuos lugares e familias bem como as relacoes interpretativas que relacionam o micro ao macro diante da redugao da escala de observacgao por parte do historiador a fim de buscar compreender o processo historico vere mos ainda sobre a Nova Historia Cultural partindo do conceito de cultura chegando nas relagoes entre a historia e a antropologia que direcionou seu fo co ao mundo simbolico criado por determinado grupo ou sociedade 3 A crise dos paradigmas historiograficos De acordo com Margareth Rago 2000 Ja faz algum tempo que os historiadores perceberam as dificuldades do seu oficio nao apenas pelos obstaculos de acesso aos documentos mas porque sua atividade nao é neutra e nem o passado existe enquanto coisa organizada e pronta a espera de ser desvelado O historiador produz o passado de que fala a partir das fontes do cumentais que seleciona e recorta compoe uma trama dentre varias outras possi veis e constrdi uma interpretagao do acontecimento Ha multiplas historias a se rem contadas ja que os grupos sociais étnicos sexuais generacionais de baixo ou de cima se constituem de maneiras diversas mas tém diferentes modos de narra las A historiadora Rago 2000 em sua assertiva aponta alguns obstaculos para o oficio do historiador nem todas as fontes sao facilmente acessiveis ora de pendem de escavacoes arqueologicas ora de uma boa organizagao e conser vacgao em museus é arquivos ora da disponibilizagao por particulares aleém de fontes em linguas mortas ou nao muito familiares e da possivel distancia geo grafica em que se encontram entre tantos outros obstaculos Chegando até os documentos ainda sera preciso fazer um levantamento selecionar e apos se legao fazer recortes ainda menores Mas as fontes nao sao o passado e por ve zes deturpamno dissimulamno ou nao 0 representam por completo E ainda tem mais 0 que as fontes nos falam depende das perguntas que elaboramos Por este motivo ha varias historias a serem contadas de acordo com acesso as fontes selegao das mesmas e perguntas dirigidas O passado nao esta pronto Tudo isso foi verificado analisado e discutido no decorrer especialmente do século 20 O grupo da Nova Historia apresentou uma grande produgao a respeito do oficio do historiador E nao bastassem to das essas mudangas e mais aquelas que afetaram os conceitos de Historia e historiografia desde a Antiguidade a partir dos anos 1960 e 1970 um novo conceito vem contribuir com os debates sobre a queda dos tradicionais para digmas historiograficos Tratase do conceito de posmodernismo Essa ideia nao é fruto desse periodo mas ganha forga com a publicagao do livro A condiI ao posmoderna do filosofo francés JeanFrancois Lyotard em 1979 Entretanto antes mesmo de nos aprofundarmos nas querelas pos modernistas um questionamento deve ser feito o que foi o modernismo ou a modernidade contra a qual se travou uma guerra Vocé aluno de Historia sa beria explicar ou apontar alguma caracteristica desse periodo Entao veja mos brevemente os pontos centrais Com o Renascimento a humanidade foi promovida alada ao centro da reali dade No reflexo desse movimento o Iluminismo elevou o individuo ao centro do mundo e buscou explicaoes racionais para toda e qualquer questao relaci onada a sociedade Igualmente pregava a confianga no progresso humano por meio de realizacoes cientificas e tecnologicas E a escrita da Historia ganhava forma nas metanarrativas Resumindo e finalizando na modernidade a historia esta dominada pelos conceitos de razao consciéncia sujeito verdade e universal DILMANN 2006 p 568 Esses conceitos tomados isoladamente ou em conjunto contribuiram com a formacao de expressoes que por muito tempo habitaram os livros e foram proferidas ao publico ouvinte sujeito universal consciéncia universal razao e verdade tratavase da divulgacgao da ideia de que 0 conhecimento é objetivo que a verdade é exata unica que o mundo é unico que as explicagoes sao uni versais Contra todo esse aparato surge na Franca como vocé ja estudou os Annales que nos anos 1970 mais especificamente com a Nova Historia ira definitiva mente divulgar a ideia de que 0 conhecimento nao é objetivo que é ao contra rio subjetivo que a verdade é relativa que ha mundos e passados diferentes e que as explicacoes sao de fato interpretacoes O determinismo e 0 reducionis mo sao rejeitados e a historia global e a historia universal sao descartadas Mas se tanto ja foi modificado e readequado por que ha as continuas e novas discussoes e os embates no meio académico Por que o desconforto com o conceito de podsmodernismo As respostas sao multiplas consideremos algu mas 1 Historia imovel das mentalidades nao respondia a dinamica do mundo posmoderno 2 Abordagem quantitativa da Historia encarada como reducionista 3 Abordagem marxista da Historia 0 escolasticismo dogmatico é criticado 4 Diferentes conceitos de Historia e historiografia sendo debatidos nao havia um consenso 5 Questionamentos sobre a verdade historica se é relativa a Historia nao é ciéncia 6 Questionamentos sobre os estilos de escrita da Historia a querela da nar rativa Em resumo no posmodernismo 0 relativismo dominou Toda e qualquer fon te deve ser pensada como um texto a ser lido em que os significados estao ai para ser decodificados ou desconstruidos portanto nao resta duvida de que o real ou a realidade nao podem ser atingidos e em outras palavras que a Historia se tornou um discurso verossimil Concluindo a historia nessa época que se poderia denominar pdstudo pds liberal posocidental posindustria pesada posmarxista os velhos centros mal se aguentam e as velhas metanarrativas ja nao soam reais e promissoras vindo a parecer inverossimeis dos pontos de vista céticos do fim do século XX JENKINS 2004 p 98 Tantos questionamentos levaram a uma reacgao Trés campos historiograficos podem servir de exemplo dessa busca renovada de recentrar 0 objeto e o modo de trabalhalo Um é 0 da chamada MicroHistoria cujo objetivo entre outros foi o de promover a volta do sujeito individual Outro é o da nova historia cultural que incorpora as questoes da representacgao e das formas linguisticas de apreensao do mundo pelo sujeito individual ou coletivo Um terceiro corresponde a uma forma de ressurgimento da historia social e da sociologia histo rica que se rotula de ciéncia historica socioestrutural MARTINS 2004 4 Amicrohistorla A proposta da Microhistoria é reduzir a escala de observacao do historiador incluindo espacialidade e temporalidade na tentativa de buscar elementos que analisando em escala maior passariam despercebidos Seus objetos ge ralmente sao praticas culturais especificas festas religiosas por exemplo ocorréncias um determinado crime um julgamento especifico suicidios ci dades individuos familias ou lugares determinados Entendese que uma microocorréncia fornece dados para a compreensao de uma caracteristica cultural maior De acordo com Peter Burke 2005 p 6064 a Microhistoria foi uma reacgao contra 10 estilo de historia social que empregava métodos quantitativos e descrevia tendéncias gerais 2 a relacao entre a Historia e a Antropologia 3 a grande narrativa historia triunfalista que se interessava quase que exclu sivamente pelos nomes e fatos ocidentais ou seja Cristandade Renascenga Revolugao Francesa etc A novidade da Microhistoria nao esta somente na escala de observaao mas do mesmo modo na forma de contextualizar Enquanto na perspectiva macro historiografica podemos encontrar uma contextualizacao que parte de uma vi sao panoramica para depois afunilar numa tematica mais especifica os microhistoriadores por vezes desprezam a contextualizaao ou realizamna de modo bem diverso eles partem da especificidade e quando se achar neces sario apontam para um contexto maior Observemos as Figuras 1 e 2 3 Objeto de estudo mulher grega 2A questao do género na Grécia 1A sociedade Q grega Figura 1 Contextualizagao tradicional Repare que a numeracao indica um movimento de fora para dentro Esse seria o modelo convencional Ja aquele seguido pela Microhistoria pode ser repre sentado da seguinte maneira Figura 2 Contextualizaao da Microhistoria O asterisco representa o tema a partir dele é feita a referéncia ao contexto maior Um dos exemplos mais conhecidos desse tipo de abordagem o livro O quelijo e os vermes do historiador italiano Carlo Ginzburg Nessa obra encontramos narrada a historia do moleiro Domenico Scandella conhecido por Menocchio perseguido e julgado pela inquisigao papal Os elementos de Microhistoria que observamos no livro sao definidos pela exposicao da historia pessoal de um homem e uma vila especifica Montereale em uma época determinada o século 16 Outro exemplo é o livro de Emmanuel Le Roy Ladurie Montaillou que versa sobre uma pequena aldeia da Franga localizada nos Pireneus a época do ini cio do século 14 O autor usou registros da inquisicao para retratar a vida coti diana dos cerca de 200 habitantes da comunidade Finalizando essa breve exposicao sobre a Microhistoria faremos uso de uma assertiva um tanto importante a Microhistoria deve ser definida como campo e nao como uma corrente loca lizada de historiadores E também nao deve ser vista como restrita a uma determi nada tematica Na verdade a principio qualquer tema seria passivel de ser aborda do a partir de um olhar microhistoriografico BARROS 2004 p 167168 5 A nova historia cultural Esse novo campo historiografico Nova Historia Cultural é 0 que particular mente nos interessa Foram alguns de seus representantes que alcaram voos mais altos nessas contendas contra os tradicionais paradigmas da historio grafia Dentre eles citamos Lyn Hunt Michel de Certeau Roger Chartier Michel Foucault Hayden White entre tantos outros A partir dos estudos des ses autores a Historia foi repensada no contexto do posmodernismo Mas o que caracteriza a Nova Historia Cultural O que ela apresenta de novo ou repensado Quais suas contribuicoes para a dificil tarefa do historiador di ante do passado que nao se revela mas que clama por olhares Aqui vale ressaltar que esse movimento nao foi exclusivo no meio académico francés pelo contrario tratase de um movimento internacional que encon trou eco na Inglaterra Estados Unidos Italia Russia Alemanha Holanda e mesmo no Brasil O que é cultura Como compreender o que é a Nova Historia Cultural sem entendermos o que é cultura Nao ha como Vocé ja parou para pensar qual conceito de cultura uti liza no dia a dia em seus estudos Mas é possivel entender o que é cultura Cardoso 2005 surpreendenos ao divulgar uma pesquisa em que apontou a existéncia de aproximadamente 164 conceituacgoes diferentes para esse ter mo Portanto mais uma vez deparamonos com um conceito polissémico E mais uma vez somos chamados a optar por apenas um deles pois disso depende a nossa abordagem as fontes Mas ao menos uma certeza vem nos acalantar podemos descartar todos aqueles julgamentos que localizam a cultura no cer ne da elite ou seja que apregoam que as camadas sociais menos favorecidas financeira e intelectualmente nao sao detentoras nem produtoras de cultura Esse preconceito ja nao é mais aceito no meio académico Vejamos exemplos de significacgoes de cultura que alguns estudiosos nos dei xaram como legado para serem seguidas criticadas ou ao menos refletidas 1 Para Bronislaw Malinowski in BURKE 2005 p 43 cultura abrange as herangas de artefatos bens processos técnicos idéias habitos e valores 2 Segundo Edward Tylor in BURKE 2005 p 43 cultura é o todo complexo que inclui conhecimento crenga arte moral lei costume e outras apti does e habitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade BURKE 2005 p 43 3 De acordo com Clifford Geertz in BURKE 2005 p 52 cultura 6 um padrao historicamente transmitido de significados incorporados em sim bolos um sistema de concepcoes herdadas expressas em formas simbolicas por meio das quais os homens se comunicam perpetuam e desenvolvem seu conheci mento e suas atitudes acerca da vida Observe que as definicoes de Malinowski e Tylor sao aproximadas Entretanto a definicao de Geertz apoiase no simbdélico E esse 0 rumo que ira tomar a Nova Historia Cultural A viragem antropologica Na historiografia encontramos a expressao inglesa cultural turn que tam bem faz referéncia a viragem antropoldgica A viragem antropologica assim foi definido esse encontro que se iniciou na década de 1960 mas que se firmou na década de 1990 entre a Historia e a Antropologia Dentre os primeiros resultados dessa junao temos o apareci mento de expressoes como historia antropologica antropologia historica e etnohistoria De qualquer modo seja qual for a acepcao escolhida pelo histo riador dentre essas trés ela revela o campo de interesse e as possibilidades interpretativas das fontes e das historias melhor ainda das culturas Outro efeito foi a definicao da abordagem as fontes ou seja a grande preocupacao da Nova Historia Cultural passou a ser o simbolico e suas interpretagoes e nao necessariamente a inclusao de novas fontes Afinal como afirmou de modo enfatico Ernest Cassirer 1975 p 45 o homem nao é outro senao o animal symbolicum Além de Geertz os antropologos Marcel Mauss e Claude LéviStrauss foram igualmente retomados mesmo com propostas diferentes Porém Benatte 2007 p 34 define bem esse passeio dos historiadores pela Antropologia De modo geral o olhar historicoantropoldgico dos praticantes da nouvelle histoire é bastante variado em suas inspiracoes Eles nao observam uma fidelidade estrita a um determinado cla ou escola do pensamento antropologico antes praticam um certo ecletismo vagabundo adaptado a seus interesses especificos de pesquisa O que eles parecem buscar na ciéncia social vizinha nao é um corpus conceitual sis témico ou uma teoria geral da cultura mas sim um agugar da sensibilidade para a diferenga e alteridade do passado empiricamente cognoscivel Essa viragem antropologica significou para os historiadores culturais do final do século 20 a busca de uma maneira alternativa de vincular cultura e so ciedade uma forma que nao reduzisse a primeira a um reflexo da segunda ou a uma superestrutura BURKE 2005 p 56 Uma ultima citagao tem o objetivo de situalo ainda mais no contexto pos moderno O que os criticos da modernidade os posmodernos elegeram em troca da raciona lidade moderna e seus grandes temas 0 progresso a ciéncia a revolugao a verdade enfim foi a valorizagao do particular do fragmentario do efémero do microscopi co do sensual do corporeo do prazer A posmodernidade rejeita decididamente a predilecao pelas grandes sinteses pelo conhecimento das causas primeiras pela busca do sentido da Historia Desse modo 0 processo historico passa a ser o domi nio da indeterminagao do sujeito constituinte da criagao absoluta ALMEIDA 2003 p 75 Ninguém melhor do que o proprio autor para falar dele mesmo Num batepapo quase informal Carlo Ginzburg apresentase Vejamos o que o estudioso da Microhistoria tem a nos dizer sobre suas influénci as e contribuicgoes A entrevista completa encontrase na revista Estudos Historicos Rio de Janeiro v 3 n 6 1990 p 254 263 Historia e Cultura Conversa com Carlo Ginzburg O historiador italiano Carlo Ginzburg especialista na analise dos processos da Inquisigao nos séculos XVI e XVII é conhecido do publico brasileiro por seus li vros O queijoe os vermes 1987 Os andarilhos do bem 1988 e Mitos emblemas sinais 1989 todos traduzidos e publicados pela Companhia das Letras Professor da Universidade de Bolonha e da Universidade da California em Los Angeles este ve no Brasil em setembro de 1989 onde proferiu palestras a convite da USP da Unicamp e do PPGAS do Museu Nacional UFRJ Nesta entrevista concedida a Alzira Alves de Abreu Angela de Castro Gomes e Lucia Lippi Oliveira discorre so bre sua formagao as influéncias que sofreu e sua propria obra contribuindo para o debate sobre a relevancia dos temas historicos AA Poderia nos falar sobre suas origens familiares e culturais Nasci em Turim em 1939 numa familia de judeus assimilados e intelectuais tanto do lado paterno quanto materno Meu pai Leone Ginzburg nasceu em Odessa e foi para a Italia crianga Viveu em Turim e foi colega de colégio e amigo de Bobbio que depois escreveu a introducao da coletanea postuma de seus escritos um texto muito bonito e comovente Meu pai era professor de literatura russa mas em 1932 quando os fascistas exigiram que os professores jurassem fidelidade ao regime pediu demissao Em 1934 entrou na conspiragao antifascista e tomouse lider de um grupo em Turim que tinha ligagoes com a Franga Foi preso e passou dois anos na cadeia Quando saiu foi um dos fundadores da Editora Einaudi junto com Cesare Pavese Logo depois que comecou a guerra em 1940 como era muito vigia do foi confinado numa cidadezinha nos Abruzzi A familia foi junto e passei mi nha primeira infancia até 1943 nesse lugarejo Nesse ano o rei destituiu Mussolini e meu pai voltou para Roma que estava ocupada pelos alemaes Sempre ligado a conspiragao antifascista foi preso e morreu na prisao alema em Roma em 1944 Minha mae Natalia Ginzburg Levi em solteira era filha de um histologista muito conhecido e importante professor da Universidade de Turim Trés dos alunos de meu avo receberam 0 prémio Nobel Depois da guerra minha mae recomecou a escrever E uma romancista muito co nhecida e seus livros foram traduzidos em varios paises inclusive no Brasil Nasci portanto nessa familia de intelectuais o que sem duvida representou um privilégio cultural Ao mesmo tempo ha o fato de que éramos judeus e de que um pouco devido a guerra conservei uma lembranga muito nitida da perseguigao so frida Observe como o percurso pessoal do autor influenciou seus escritos Uma de suas obras mais importantes trata de um processo inquisitorio Por esse e ou tros motivos é que na atualidade se considera a subjetividade do autor LO Por que historia Quando eu era criana sonhava em ser escritor 0 que era até previsivel ja que mi nha mae escrevia Depois pensei em ser pintor Pintei na adolescéncia cheguei a estudar um pouco de pintura mas num determinado momento percebi que nao era pintor E o curioso é que tanto a literatura como a pintura tém a ver com o que faco hoje Existe uma dimensao literaria no trabalho do historiador e tenho muita consciéncia desse elemento Mas ha ainda um outro fato ligado a essa escolha Havia na Scuola Normale um historiador medievalista chamado Arsenio Frugoni nao tao importante como Cantimori mas muito bom professor autor de um livro sutil e inteligente sobre um herege queimado pela Igreja Romana no século XII Assim que entrei para a uni versidade ainda interessado em literatura Frugoni tentou convencerme a estu dar historia e me deu um ensaio de Croce para ler E 0 fato é que o primeiro livro de historia que eu havia lido era justamente a Historia da Europa de Croce um pouco por influéncia familiar Meu pai havia sido um discipulo de Croce Alias faco parte da ultima geracao na Italia que leu realmente Croce Depois disso nao se leu mais E isso foi importante para mim mesmo que eu nao goste de Croce Ha coisas boas nele mas facgo uma historia totalmente diferente da que ele propoe Voltando ao meu tempo de escola Frugoni me deu o ensaio de Croce para ler um célebre ensaio sobre um marqués napolitano que abracou o protestantismo no sé culo XVI Comecei a lélo e percebi que nao me interessava nem um pouco Disse a Frugoni que nao ia estudar historia porque era uma disciplina que nao me desper tava interesse Depois de ter ouvido Cantimori e ter mudado de idéia voltei a Frugoni Eu tinha que escolher um tema de estudo e ele me sugeriu que trabalhas se com os Annales Perguntei O que é isto E interessante que naquela época 1958 houvesse alguem na Italia propondo os Annales como tema a um estudante que nao sabia do que se tratava De toda forma havia a colegao completa dos Annales numa biblioteca de Pisa o que prova que as ligagoes eram mais antigas Hoje existe na Italia uma idéia equivocada de que a influéncia dos Annales teria comegado nos anos 70 quando na verdade se iniciou muito antes O despertar para a Historia nao é um caminho livre Nem sempre o que estu damos nos chama a atengcao Mas neste processo de escolhas as leituras sao imprescindiveis Nao é necessario um Croce mas as obras dos estudiosos li gados aos Annales sao um belo comeco Comecei entao a ler os Annales desde os primeiros numeros Li Marc Bloch e fi quel muito impressionado sobretudo com Les rois taumaturges que na época nao era visto como um livro importante Além desse encontro com Marc Bloch houve outro fato fundamental Li o livro de um historiador italiano muito importante Federico Chabod sobre a historia religi osa do Estado de Milao no século XVI e as primeiras reagoes a Reforma Protestante Chabod havia trabalhado intensamente com os arquivos milane ses e tinha encontrado uma minuta de documento oficial em cujo verso havia al gumas frases sobre a predestinacgao que haviam sido riscadas E Chabod fazia uma analise maravilhosa desse documento esquecido riscado quase destruido A analise de Chabod era realmente extraordinaria sobretudo sua idéia de recu perar um documento como aquele para a historia Hoje pensando retrospectiva mente acho que naquele momento mesmo de uma forma obscura compreendi o que se podia fazer com a historia Penso que nao se deve ter medo de ser ignorante Considero que o verdadei ro perigo esta em nos tomarmos competentes Essas sao assertivas de impac to Procurar saber nao aceitar os fatos como dados conhecer as diferentes re presentagoes de um mesmo tema é essencial ao historiador e ao professor de Historia Quando cremos que ja sabemos muito ou que somos possuidores de uma verdade inquestionavel adentramos no perigoso terreno de usos inade quados do passado AA E assim o senhor decidiu ser historiador Sim No ano seguinte eu devia escolher um outro tema de estudo e lembro que es tava passeando quando pensei Vou estudar as feiticeiras Eu nao sabia nada so bre o assunto mas de uma forma totalmente imediata soube que o que me interessava eram as feiticeiras ou feiticeiros e nao a perseguicao que sofreram Como eu nao co nhecia nada fui para a biblioteca e comecei a ler o verbete stregholeria na Enciclopédia Italiana gosto muito de comegar trabalhos completamente no vos sobre coisas a respeito das quais nao conheco nada Sempre tento explicar aos meus alunos que o que existe de realmente excitante na pesquisa é 0 momen to da ignorancia absoluta Penso que nao se deve ter medo de ser ignorante e sim procurar multiplicar esses momentos de ignorancia porque o que interessa é jus tamente a passagem da ignorancia absoluta para a descoberta de algo novo Considero que o verdadeiro perigo esta em nos tomarmos competentes Mais do que os proprios fatos a analise deles 0 que compreendemos hoje por historia As interpretagoes apresentamnos um passado intangivel mas que deixou materialidades AG Por que a escolha das feiticeiras como tema de estudo Certamente pesou nessa escolha a idéia de que os fendmenos religiosos sao im portantes Mas havia outra coisa também que na época me escapou de uma ma neira surpreendente a idéia de trabalhar com marginais com hereges podia estar ligada ao fato de eu ser judeu Reprimi completamente essa associacao e foi um amigo que me alertou para ela numa conversa como algo evidente Havia ainda outro elemento muito profundo em meu interesse pelas feiticeiras a fascinagao pelos contos de fadas que minha mae lia quando eu era crianga A sua condigao de excluido da Historia levouo a estudar os personagens mar ginais Sobre essa tematica as obras de Michele Perrot sao fundamentais Sugerimos a leitura de Os excluidos da Historia operarios mulheres e prisio neiros Rio de Janeiro Paz e Terra 2001 LO O senhor falou em Croce Vico também foi uma influéncia em seus anos de formacao Vico é realmente um grande classico Foi redescoberto no comeo do século XIX mas sobretudo foi redescoberto por Croce Mas essa questao de influéncias é complicada porque no inicio temos uma certa porosidade intelectual que depois vai desaparecendo E acho que esse periodo de porosidade é crucial porque é en tao que se forma um arcabouco cultural assim como antes ja se formou um arca bouco psicologico Alguns dos livros mais importantes que li li antes dos 22 anos Até essa época eu nao havia lido Vico mas tinha lido o diario de Pavese E Pavese refletiu muito sobre Vico Também através de Pavese li outras coisas importantes Acredito que no fundo os livros de historia talvez nao tenham sido a coisa mais importante que li Acho que Guerra e paz de Tolstoi por exemplo me marcou mui to mais profundamente do que qualquer livro de historia inclusive os de Marc Bloch Assim também Dostoievski Ou seja os romances foram os livros que mais me tocaram Devo mencionar ainda outra grande descoberta que fiz em minha vida o Warburg Institute em Londres Uma ocasiao quando eu ainda estudava em Pisa fui a Londres visitar minha mae Cantimori também estava 1a e me levou para conhecer o Warburg Institute Fiquei fascinado pelo instituto pela historia da arte pela possibilidade de traba Ihar com historia da arte numa perspectiva mais ampla Em 1964 quando estava preparando meu livro Os andarilhos do bem ganhei uma bolsa de um més e fui para Londres Trabalhei como um louco descobri a obra de Gombrich sobretudo Art and illusion comprei os livros de Sax voltei para a Italia com uma mala cheia de livros Comecei a ler Gombrich e foi uma experiéncia extraordinaria algo que me marcou muito Escrevi entao um artigo sobre a tradiao da Biblioteca Warburg que depois foi publicado na coletanea Mitos emblemas sinais Enviei 0 artigo a Gombrich e a seu convite voltei a Londres por um ano E isso para mim foi muito importante Na Italia como no Brasil as pessoas perceberam meu trabalho através da tradiao dos Annales Sem duvida os Annales foram importantes para mim Nos ultimos 15 anos tenho sido regularmente convidado a ir a Paris para discutir com o grupo dos Annales Mas acho que meu arcabouco intelectual é mais heterogéneo Houve outras coisas que me marcaram AA O senhor também sofreu influéncia do marxismo Realmente como todos sabem a vida intelectual na Italia foi impregnada pelo marxismo Meu encontro com Gramsci sem duvida foi muito importante Li Hegel e Marx no curso de um intelectual comunista chamado Cesare Luporini As influéncias intelectuais sao visiveis nas obras dos historiadores mesmo naquelas ocasides em que a relacao se da por meio da critica A influéncia da Historia da Arte nas obras de Ginzburg podem ser evidenciadas até mesmo nos titulos Os andarilhos do bem e Historia noturna Sao essas marcas que possibilitam uma verdade historica relativa ou seja de acordo com as leituras que fazemos dirigimos nossos olhares de uma determinada maneira aos te mas as fontes e as abordagens teoricas LO O senhor é um historiador italiano internacionalmente conhecido Como se deu sua Insercao nos meios intelectuais internacionais Acho que esta uma pergunta importante porque tem implicagoes que vao muito alem do meu caso pessoal Publiquei Os andarilhos do bem em 1966 e tive uma re senha anodnima no Times Literary Supplement era 0 texto de Hobsbawm que nao o assinou Alguns anos mais tarde saiu outra resenha bastante elogiosa na Bibliothéque de IHumanisme et Renaissance Era um texto de Bill Monter um historiador americano que trabalhou com feiticgaria hist6ria espanhola Inquisigao etc em 1973 fui para Princeton Quando cheguei aos Estados Unidos descobri que havia pesquisadores que co nheciam Os andarilhos do bem Mas so no final dos anos 70 quando O queijo e os vermes comecou a ser traduzido o caminho foi aberto 0 momento era pro picio havia uma conjuntura internacional favoravel Braudel escreveu dizendo que era um livro muito bom que devia ser traduzido Penso que a traduzibilidade de meus livros esta ligada ainda a outro elemento Entre os historiadores italianos sempre prevaleceu e prevalece até hoje com raras excecoes a tendéncia a escrever para profissionais Ha muito de implicito no que se escreve e isso dificulta a tradugao mas desde muito cedo decidi que gosta ria de trabalhar de maneira diferente de escrever tanto para profissionais quanto para um publico mais amplo E foi o que fiz em Os andarilhos do bem e O queijo e os vermes Tornarse conhecido por suas pesquisas no meio académico nao é tarefa facil Para além dos elogios ha inumeros casos de obras importantes que cairam no esquecimento em virtude das ferrenhas criticas recebidas Tambéem ha o pro blema da tradugao se nao se conhece bem a lingua e os termos técnicos pro prios de cada teoria correse o risco de se ter uma versao e nao uma tradugao Isso implica uma leitura muito diferente daquela proposta pelo autor Eni Puccinelli Orlandi em seu livro Interpretacao Sao Paulo Pontes 2004 fala em deslizamento de sentidos Porém nao podemos negar que devido as tra ducoes temos acesso as diferentes producgoes académicas mundiais AA Poderia nos falar um pouco sobre seu ultimo livro Storia noturna E o livro mais longo que escrevi e no qual trabalhei mais de 15 anos com longos intervalos Storia noturna foi um livro muito dificil de escrever embora eu esti vesse muito apaixonado pela pesquisa Durante muito tempo achei que nao seria capaz de terminalo Publiqueio em abril de 1989 mas mesmo agora tenho a im pressdo de que foi escrito por alguém que nao eu E claro que quando penso no li vro lembro de quando o escrevi mas relendo alguns trechos sempre tenho senti mentos de surpresa Storia noturna aborda o problema do saba numa perspectiva ao mesmo tempo historica e morfoldgica A primeira parte é historica a segunda é morfoldgica e ha ainda uma terceira parte em que faco uma comparagao entre as duas perspectivas e tento operar uma convergéncia Ha uma conclusao e uma introdugao teorica bastante longa Na primeira parte comeco com o saba ou seja a reuniao das feiti ceiras vista pelos inquisidores pelos juizes Analiso a idéia de complo que é algo muito importante Ha um pequeno trecho na introdugao em que falo do papel do terrorismo porque penso que ha uma relagao entre a percepcao que tive dessa idéia do complé e 0 terrorismo na Italia a partir de 1969 Na segunda parte tento compreender aquilo que considero ser o nucleo folclérico do saba ou seja 0 vVOo magico e a metamorfose em animais Coloqueime o proble ma do nucleo folclorico e procurei recolher fendmenos com uma preocupagao pu ramente formal alheia a qualquer consideracgao de ordem historica cronolégica ou geografica Reconstitui séries de fendmenos ligados entre si do ponto de vista estrutural no nivel da morfologia profunda dispersos pelo continente eurasiano Na terceira parte ha um capitulo que se chama justamente Conjecturas eurasiati casem que tento propor uma série historica apresentar relacoes historicas docu mentadas que poderiam explicar essa dispersao de dados Nesse momento po rém achei que isso nao era suficiente e utilizei LéviStrauss que é o interlocutor mais importante do livro 0 que mais me impressionou foi a discussao de Lévi Strauss ao dizer que a explicagao historica nao bastava E o que tentei fazer nesse terceiro capitulo que é o mais longo e talvez o mais audacioso do livro foi combi nar as duas abordagens Disponivel em httpvirtualbibfgvbrojsindexphpreharticleviewFile 23001439 httpvirtualbibfgvbrojsindexphpreharticleviewFile 23001439 Acesso em 10 maio 2010 A explicacao historica nao basta A Nova Historia Cultural propoe essa leitu ra com afinco Dai o incentivo a interdisciplinaridade a uniao e a justaposicao entre as Ciencias Humanas De modo mais especifico a defesa da estreita re lagao entre a Historia e a Antropologia 6 Historia discursos praticas e representa coes Prosseguindo com nossos estudos veremos neste topico as criticas e propos tas do Posmodernismo Para tanto assistiremos ao video a seguir no qual a historiadora Renata Rodrigues explora o contexto de surgimento dessa corren te bem como caracteriza suas diversas propostas metodoldgicas estabelecen do um panorama geral sobre estas producoes p Li Pe a de ree I Mice rey ae a Seta I A proposta historiografica posmoderna foi pautada na analise de discursos praticas e representacoes A fim de refletir sobre tais conceitos e perspectivas metodologicas vamos estudar a historia como uma construgao discursiva que mantém uma relagao no minimo problematica com a busca de uma verdade historica Trataremos dos conceitos de praticas e representacgdes que sao de fundamental importancia para essa corrente historiografica mas que ainda guardam uma relacao muito proxima com as propostas de uma historia de ca rater eminentemente cultural 7 Historia e discurso Para iniciar nossa discussao retomaremos a principio um fragmento da cita ao a seguir quando Carbonell responde o que é historiografia Na sequéncia veremos alguns autores definindo o que é a Historia O que é historiografia Nada mais que a historia do discurso um discurso escrito e que se afirma verdadeiro que os homens tém sustentado sobre seu passado CARBONELL 1987 p 6 grifo nosso De acordo com Jenkins 2004 p 52 grifo nosso A historia é um discurso cambiante e problematico tendo como pretexto um as pecto do mundo o passado que é produzido por um grupo de trabalhadores cuja ca bega esta no presente que tocam seu oficio de maneiras reconheciveis uns para os outros e cujos produtos uma vez colocados em circulacgao véemse sujeitos a uma série de usos e abusos Para Chartier 1994 p 102 grifo nosso A Historia é um discurso que aciona construcoes composicoes e figuras que sao as mesmas da escrita narrativa portanto da ficgcao mas é um discurso que ao mesmo tempo produz um corpo de enunciados cientifico L entendo como historia essa pratica uma disciplina o seu resultado o discurso ou a relagado de ambos sob a forma de uma produgaéo DE CERTEAU 2000 p 32 grifo nosso Foucault apud Rago 1995 p 93 grifo nosso afirmou que a historia nao é mais do que um discurso L a Historia para Duby é um discurso e uma pratica ao mesmo tempo soci al e individual DUBY apud REIS 2003 p 171 grifo nosso Santos 2006 p 106 grifo nosso afirma que a Historia é um discurso que se associa mais rigorosamente a um regime dis cursivo da interpretagao do que a um regime discursivo do fato Sob pena de projetar sobre o passado todo o peso de uma visao constituida aprioristicamente a historia constituise mais como exegese de séries discursivas a serem recomega das do que como estabelecimento de um sentido definitivo do real Para vocé refletir foram selecionadas algumas definicoes de Historia que vie ram corroborar com uma das tematicas ja discutidas Historia enquanto dis curso Nessa mesma linha ainda encontramos conceituagoes que dizem ser a Historia uma pratica discursiva O que tudo isso implica Quais os resultados dessa afirmacao Uma primeira resposta ja foi trabalhada anteriormente se Historia um discurso e se o discurso é uma produgcao do tempo presente so bre o passado entao Historia é a construcao desse passado e nao a sua descri cao E se o discurso traz em si a caracteristica de ser algo criado por um histo riador com uma historia de vida e académica proprias com ideologias propri as a Historia é interpretagao e nao a apresentacao do real Mas se a Historia é um discurso 0 que é discurso Mais uma vez e isso ocorre demasiadamente em estudos historiograficos estamos diante de um conceito polissémico E mais uma vez vocé tera acesso a algumas definicoes que vem ao encontro de nossa tematica Assim o discurso pode ser entendido como a reverberacao de uma verdade nascendo diante de seus proprios olhos o discurso nada mais é do que um jogo de escritura no primeiro caso de leitura no segundo de troca no terceiro e essa troca essa leitura e essa escritura jamais poem em jogo senao os signos FOUCAULT 1996 p 49 E ainda de acordo com White 1994 p 1617 e 34 quintessencialmente um empreendimento mediador Como tal ao mesmo tempo interpretativo e préinterpretativo na medida em que lidamos com 0 dis curso estamos lidando com o que sao afinal artefatos verbais Para Silva e Silva 2006 verbete discurso p 101 a forma por meio da qual os individuos proferem e apreendem a linguagem co mo uma atividade produzida historicamente determinada o discurso é a pratica da linguagem L pratica instituinte criadora de acontecimentos imagens e referenciais de comportamento LOPES 2000 p 292 Se o discurso constroi a Historia e se esta tem sua significagao modificada a partir da compreensao do que é discurso 0 que é Historia para esses historia dores A partir daqui vocé sera convocado a se destituir por completo de algu mas definicoes consideradas por alguns estudiosos como simplistas do tipo e o estudo do passado pois 0 passado ganhou novos sentidos ja passou nao volta é o estudo do Homem pois agora nao existe mais 0 sujeito univer sal temos homens mulheres criangas escravos homossexuais etc Se todos esses posicionamentos sao validos aos posmodernos entao 0 que esta em jogo é a nocgao de verdade de real de realidade do concreto da Historia Assim sO podemos pensar neste contexto que a verdade da Historia é relativa 6 verossimil por mais que isso nos pareca um paradoxo Historia e Verdade Segundo Schaff 1978 p 92 a definigao classica de verdade é a seguinte é verdadeiro um juizo do qual se pode dizer que o que ele enuncia é na realidade tal como o enuncia Na historiografia anterior aos Annales houve uma preocupacao entre um grande grupo de estudiosos de apontar a verdade historica o que realmente aconteceu e como aconteceu As fontes falavam por elas mesmas Mas essas mesmas fontes passaram a ser compreendidas como fragmentos do passado entao sO sabemos parte desse passado Se sabemos parte nao conhecemos o todo e sem o todo nao temos o real ou a verdade Enfim nao ha lugar em que o real se dé BOURDE 1990 p 206 Finalmente sé podemos concluir que apli car o conceito de verdade objetiva ao passado historico é algo bem problemati Co Mas ha uma ressalva a ser feita 0 que ocorre nesse ambiente posmoderno nao é o abandono da verdade ou do real em troca da ficgao da mentira do ilu sorio ou da pura imaginagao O que ocorre é um afastamento da nogao de ver dade absoluta rumo a compreensao de que na Historia as verdades sao histo ricas constituidas pelo e no discurso a partir da analise de documentos Entretanto ja nao é apenas a relacao que os documentos mantém com o real que importa por meio deles o historiador ja nao pretende evocar toda a realidade mas ape nas fornecer uma interpretacao do ou dos subsistemas que distinguiu no seu seio BOURDE 1990 p 210 Em outras palavras nao se trata de saber o que foi a Grécia a Inquisiao ou a Revolucao de 1917 mas do que ainda podemos tomar conhecimento de todos eles Afinal como ja indicado algumas vezes nao de forma direta necessaria mente OSs Mesmos acontecimentos ou temas sao abordados e interpretados de formas distintas por diferentes historiadores Assim a verdade relativiza se Uma ultima observacao acerca da verdade Vamos refletir juntos A palavra historiografia composta pela justaposicao das palavras Historia e escri ta Se entendermos que Historia é verdade e escrita é discurso entao temos um paradoxo ou quase um oximoro apresentar a verdade a partir de uma in terpretacao mas se ha interpretacao ha UMA verdade e nao A verdade cf CHARTIER 2001 p 140 De acordo com Veyne 1983 p 5455 o essencial nao é pensar em formular a questao Em outras palavras é mais im portante ter idéias do que conhecer verdades Ora ter idéias significa também dispor de uma topica tomar consciéncia do que existe explicitalo conceitualo arrancalo a mesmice E deixar de ser inocente e perceber que o que é poderia nao ser O real esta envolto numa zona indefinida de compossiveis nao realizados a verdade nao é o mais elevado dos valores do conhecimento 8 Historia praticas e representacoes Se a verdade historica é relativa segundo a otica dos posmodernos uma das causas é porque a propria Historia é uma pratica discursiva Essa caracteristi ca da verdade também esta associada ao fato de que o mundo é uma represen tacao produzida pelos outros pesquisadores por exemplo e pelos mesmos os habitantes de uma comunidade Dois autores que representam bem esse tipo de Historia e que sao os responsa veis pelo uso cuidadoso e pela divulgaao dos conceitos de pratica e represen tagao sao Michel de Certeau e Roger Chartier Para além das familiaridades tedricas entre ambos eles analisaram a importancia do livro como compo nente de diferenciacao social e cultural no Ocidente Vamos conhecer um pouco mais sobre os problemas levantados por esses au tores e suas contribuigoes para a Historia Cultural Entao caminhemos jun tos O jesuita especialista em Historia da Religiao Michel de Certeau foi um dos responsaveis pela divulgaao do conceito de pratica no meio historiografico Com formagao pluridisciplinar de fildsofo historiador psicanalista e semi0ti co contribuiu igualmente com a historia do misticismo da historiografia e da linguagem e apresentou uma nocgao diferenciada de cultura popular Algumas de suas obras sao La possesion de Loudun A Escrita da Historia A Cultura no plurale A invencao do cotidiano Os dois ultimos titulos sugerem uma postura de De Certeau ele criticava as vi soes monoliticas da Cultura Para provar que esse conceito é mais valioso no plural procurou interpretar normas culturais por meio do cotidiano Assim analisou as praticas das pessoas comuns Tais praticas eram chamadas pelos socidlogos que o antecederam de comportamento de grupos como eleitores por exemplo Esses mesmos socidlogos consideravam as pessoas comuns consumidoras inertes de artigos produzidos em grande escala Porém De Certeau ressaltou a criatividade a inventividade de determinados grupos po pulares diante dos usos a apropriacgao e especialmente a utilizagao re emploi das obras BURKE 2005 p 103 Mas 0 cotidiano que interessou a De Certeau nao é aquele aparente pois o que interessa ao historiador do cotidiano é o Invisivel DE CERTEAU 1996 p 31 Ele desconsiderou a ideia de que as pessoas se deixam passivamente ser levadas a ocupar um lugar desempenhar um papel e consumir produtos massificados De Certeau de outro modo esclareceunos que 0 homem co mum ordinario reinventa o cotidiano de mil maneiras e nao se permite cair na conformacado As essas manobras enfim a invencao do cotidiano ele deu o nome de taticas de resisténcia artes de fazer astucias sutis que alterando os usos dos objetos e seus cddigos estabelecem uma reapropriagao do espaco De Certeau buscou entao descobrir os meios para abalizar maneiras de fazer estilos de acao em outras palavras elaborar a teoria das praticas De um modo mais simplificado os leitores de De Certeau e também de Chartier e outros historiadores da Cultura devem compreender as praticas culturais nao so como a forma que um quadro é pintado um ensino é transmi tido mas como os homens crescem adoecem curamse morrem andam dancam falam cantam debatem enamoramse enfim como vivem Resumindo segundo De Certeau para buscar a compreensao das praticas da cultura popular é preciso se posicionar num ambiente de enfrentamentos de um lado os que acreditam ser detentores de um saber maior proprietarios dos mecanismos de dominagao simbolica que desqualificam a cultura popular co mo inferior e ilegitima e de outro os usos e os modos de apropriacao do que é imposto nas palavras do autor de um lado as estratégias e de outro as tati cas As estratégias supoem a existéncia de lugares e instituigoes produzem objetos normas e modelos acumulam e capitalizam As taticas desprovidas de lugar pro prio e de dominio do tempo sao modos de fazer ou melhor dito de fazer com As formas populares da cultura desde as praticas do quotidiano até as formas de consumo cultural podem ser pensadas como taticas produtoras de sentido embora de um sentido possivelmente estranho aquele visado pelos produtores CHARTIER 1995 Disponivel em wwwcpdocfgvbrrevistaarq172pdf Acesso em 19 mar 2009 Pormenorizando a uma produgao racionalizada contrapOese uma outra pro dugao 0 consumo invisivel pois manifestase somente nos modos de usar os produtos impostos pelas ordemns econdmica politica ou cultural domi nantes Como exemplo do uso dessas contribuioes tomamos emprestados os seus es tudos de teoria cultural que enfatizaram um novo foco a respeito do papel do leitor das mudangas nas praticas de leitura e nos usos culturais da imprensa que evidenciam um interesse pelo publico de artistas escritores ou composi tores ou seja suas reacgoes e recepcoes das obras vistas ouvidas ou lidas Nesse contexto a leitura é inventiva e criadora porque produz sentido Nao é indiferente e vassala porque o leitor se reapropria do que esta sendo lido tex to ou imagem O leitor insinua as manhas do prazer e de uma reapropriaao no texto do outro invade a propriedade alheia transportase para ela tornase nela plural como os barulhos do corpo DE CERTEAU 1990 p 49 Com base no que foi exposto propomos que reflita sobre a seguinte questao sera que atualmente a midia é tao poderosa a ponto de destruir uma identida de popular utilizando a estratégia da imposigao forgada de modelos culturais e extinguir ou invalidar os espacos da recepcao do uso e da interpretacao das obras sejam quais forem As contribuicoes para as discussoes historiograficas Michel de Certeau pensava a historia como produgao do historiador como um discurso que insurge de uma pratica e de um lugar institucional e social Em suas proprias palavras a producao do historiador deveria ser considerada como a relacao entre um lugar procedimentos de analise uma disciplina e a construcdo de um texto uma literatura E admitir que ela faz parte da realidade de que trata e essa realidade pode ser compreendida como atividade humana co mo pratica Nessa perspectiva a operacao historica se refere a combinacao de um lugar social de praticas cientificas e de uma escrita DE CERTEAU 2000 p 66 No que diz respeito a escrita da Historia vemos em De Certeau um interesse em relagao a Linguistica Para ele a historia enquanto pratica discursiva é produzida considerandose que o passado nao pode ser abrangido de modo pleno primeiro em virtude dos limites dos métodos historiograficos levanta mento préescolhas e selegao corte de fontes e especialmente em decorréncia do lugar de onde fala o historiador Em relagao a esse lugar ou se ja o tempo presente De Certeau alerta para o fato de que os historiadores pro duzem um discurso particularizado que reflete as preocupacoes de sua reali dade Em suma a partir dessa reflexao ponderou que nao se pode falar de uma verdade mas de verdades no plural E se ha verdades a serem analisa das a multidisciplinaridade permitiria apreender o momento historico de mo do mais abrangente cf DE CERTEAU 1995 A objetividade do discurso do historiador nao estaria portanto mais relacionada com visoes acabadas definitivas ou fechadas 0 trabalho do historiador residiria na busca de possibilidades hipdteses de abordagem ligadas as suas preocupagoes es pecificas dai a existéncia de verdades Essa mudanga de perspectiva introduziria a utilizagao da imaginagao naoficcional frente ao discurso homogéneo e seu uso mais profundo na construgao da linguagem historica DE CERTEAU 1995 p 225226 Uma ultima assertiva de De Certeau vem contribuir com nossa compreensao do real e sua relagao com a Historia a situagao da historiografia faz surgir a interrogacao sobre o real em duas posi goes bem diferentes do procedimento cientifico 0 real enquanto é o conhecido aquilo que o historiador estuda e o real enquanto implicado pela operagao cienti fica a sociedade presente a qual se refere a problematica do historiador seus pro cedimentos seus modos de compreensao e finalmente uma pratica do sentido De um lado é o resultado da andalise e de outro é o seu postulado DE CERTEAU 2000 p 45 Grande parte do que foi discutido aqui sobre as teorias de Michel de Certeau compoem os questionamentos da atual historiografia a historiografia pos moderna As contribuigoes prestadas pelo autor podem ser observadas em maior ou menor medida nas producoes de diferentes historiadores vincula dos a Historia Cultural dentre eles Roger Chartier a quem vocé esta sendo acenado a conhecer nas linhas a seguir Roger Chartier é professor e diretor do Centro de Pesquisas Historicas na Ecole des Hautes Etudes em Ciéncias Sociais na Franga Paris Suas pesquisas pri vilegiam a compreensao e a importancia da leitura na Europa moderna No entanto igualmente analisa a relagao entre o texto e o leitor também na era da informatica Podemos citar alguns de seus livros como parte de sua vasta con tribuigao aos estudos de Historia Praticas da leitura Aventura do livro do Ie tor ao navegador Historia da Jeitura no mundo ocidental A ordem dos livrose Formas e sentido Cultura escrita entre distinao e apropriacao e 0 mais co nhecido entre o publico académico brasileiro Historia cultural entre praticas e representacoes Seus ensaios exemplificam e discutem uma historia cultural da sociedade ou seja compreende que as estruturas ditas objetivas sao na verdade cultural mente constituidas ou construidas Assim ele entende que a sociedade em si mesma é uma representagao coletiva cf BURKE 1991 p 98 Resumindo para esse estudioso a Historia Cultural deve voltar seus interesses para a identifi cacao da maneira como em distintos lugares e ocasides uma determinada re alidade cultural é construida pensada dada a ler De modo mais especifico suas pesquisas assumidas como uma pratica histo rica particular giram em volta de trés polos de um lado o estudo critico dos textos literarios ou nao candnicos ou esqueci dos decifrados nos seus agenciamentos e estratégias de outro lado a historia dos livros e para além de todos os objetos que contém a comunicagao do escrito por fim a analise das praticas que diversamente se apreendem dos bens simbolicos produzindo assim usos e significagoes diferenciadas CHARTIER 1991 p 178 Como vocé deve ter percebido 0 proprio Chartier faz uso de um dos conceitos trabalhados por De Certeau praticas O que podemos aferir desse uso Que Chartier tomou essa nogao como um fato dado Nao Para ele praticas dife rentes resultam em apropriacgdes diversas em representagoes multiplas Vamos compreender um pouco mais sobre sua produgao O conceito de representacao No interior da Historia Cultural mais precisamente na Nova Historia Cultural 0 conceito de representacao ganhou espaco juntamente com os conceitos de mito imaginario memoria etc No entanto quando esse conceito ou nogao uma vez que o termo ainda é analisado é lido é a Chartier que ele nos remete Mas 0 que significa e como ele utiliza essa ideia Em primeiro lugar é preciso conhecer quais significados tradicionais sao am plamente utilizados para explicar a representaao primeiro a representagao apresentando uma coisa ausente 0 que se re presenta é diferente daquilo que é representado e segundo a representacao como exposicao de uma presena Para Chartier seja qual for 0 uso a representacao deve ser compreendida co mo 0 produto do resultado de uma pratica A literatura por exemplo é representa ao porque é o produto de uma pratica simbolica que se transforma em outras re presentacoes Entao um fato nunca é o fato Seja qual for o discurso ou meio o que temos é a representacao do fato A representacgao é uma referéncia e temos que nos aproximar dela para nos aproximarmos do fato A representacgao do real ou o imaginario é em si elemento de transformagao do real e de atribuiao de sentido ao mundo MAKOWIECKY 2003 p 4 Nesse contexto uma pergunta apresentase aos nossos olhos se o fato nao existe enquanto instancia concreta pois ele é produzido como tomando um livro de Historia como exemplo devemos encarar as representacoes ofereci das Nas palavras de Chartier como nos apropriar da obra Ou qual 0 uso que fazemos do conhecimento adquirido Aqui entramos com o conceito de apro priagao de Chartier 1991 p 180 a apropriacao a nosso ver visa uma historia social dos usos e das interpretacgoes referidas as suas determinagoes fundamentais e inscritas nas praticas especificas que as produzem Explicando um pouco mais para esse historiador cultural o que mais interes sa nao é necessariamente a apropriacao mas 0 uso que fazemos dela Vejamos um exemplo concreto dessa estreita relagao entre representacoes e praticas produzidas pelas apropriacgoes no Quadro 1 Sugerimos que vocé con fira mais detalhes sobre as informacoes contidas no quadro lendo a seguinte obra José DAssuncao Barros a Historia Cultural e a contribuicao de Roger Chartier 2005 Quadro 1 Exemplo de relacao entre representacoes e praticas produzidas pelas apropriacoes REPRESENTACAO O MENDIGO PRATICA CULTURAL CULTURAL O mendigo é visto como mendigo conhecido FINAL DO SEULO 11 J bem acolhido na co ne instrumento de salvacao ATE INICIO DO 13 munidade ou no mos para 0 rico teiro Criagao de institui oes hospitalares ca SECULO 13 ORDENSO mendigo deve ser estima dades P aroquiais MENDICANTES do por seu valor humano Paroduias esmolas de principes projetos de educagao SECULO 16 Marginalizacgao do mendigo Exclusao representada pela Acoitamentos conde SECULO 17 rep poe ese cabega raspada nacgoes Reeducagao e em Cca Passa a ser visto como um sos mals extremos CAPITALISMO vagabundo um criminoso Lon punigoes exemplares um perigo para o sistema incluindo a prisao Vamos agora buscar compreender um pouco mais sobre esses conceitos usa dos por Chartier tomando como suporte suas pesquisas sobre a historia da lei tura ou mais precisamente sobre a recepgao das obras de literatura ou nao cf BURKE 2005 Imagine a seguinte cena em um escritorio um determinado autor escreve su as memorias A priori elas se encontram em sua mente e na sequéncia sao pintadas no papel Esse texto é entregue em uma editora la ha correcoes re visoes formatagao e impressao A obra é encaminhada a livraria De la ela se gue para as maos de um leitor que a leva para sua casa e inicia uma leitura so litaria em siléncio com a ajuda de uma luminaria Mas esse leitor é também um professor que se interessa em divulgar o conhecimento Entao ele propoe a leitura de fragmentos desse livro em classe Um ou mais alunos encarregamse de ler os trechos selecionados em voz alta para toda a turma Ha entonagoes pausas retornos pois a palavra foi lida erroneamente e inter vencgoes do professor A aula termina Contudo no bar da esquina onde os alu nos se reencontraram a discussao foi retomada o livro foi reaberto e frases relidas Ao lado do livro sobre a mesa um copo de cerveja uma porgao de fri tas um cinzeiro amparando cigarros atentos ouvintes do batepapo Vocé acredita que todos os leitores propriamente dito ou ouvintes receberam a obra da mesma maneira Todas as situacgoes produziram significados ou sentidos analogos Observemos alguns questionamentos levantados por Fernando de Rojas e citado por Chartier 2001 p 211 A questao é simples como é que um texto que o mesmo para todos que o léem pode transformarse em instrumento de discordia e de brigas entre seus leitores criando divergéncias entre eles e levando cada um dependendo do seu gosto pes soal a ter uma opiniao diferente Primeiro ponto a ser considerado Chartier nao acredita na possibilidade de que ha um sentido estavel universal ou congelado nas obras pois aceita a condicao de que elas possuem significagoes plurais e moveis de acordo com a relacao estabelecida no momento do oferecimento e recepcao das mesmas Dito de outra forma as autoridades por tras do livro autores editores etc in tencionam estabelecer definir o sentido e a interpretacao da leitura ou seja ha um esforgo em violentar as interpretacoes do leitor Em contrapartida esse mesmo leitor burla as regras inventa desloca distorce os sentidos cf CHARTIER 1994 E aqui que entra a nocAo de apropriacao Nao obstante a experiéncia mostra que ler nao significa apenas submissao ao me canismo textual Seja la o que for ler uma pratica criativa que inventa significa dos e conteudos singulares nao redutiveis as intencgoes dos autores dos textos ou dos produtores dos livros Ler é uma resposta um trabalho ou como diz Michel de Certeau um ato de cacgar em propriedade alheia CHARTIER 2001 p 214 Resumindo fazse necessario ponderar que a leitura 6 sempre uma pratica re pleta de gestos espacos e habitos Essas praticas diferentes distinguem as co munidades de leitores e as tradicoes de leitura Podemos entao concluir que os autores nao escrevem livros nao escrevem textos que outros transformam em objetos impressos CHARTIER 1991 p 182 a transformagao das for mas através das quais um texto é proposto autoriza recepcoes inéditas logo cria novos publicos e novos usos CHARTIER 1991 p 186187 Mas uma nova ressalva deve ser feita as intengoes dos autores ou editores sao fortes o sufi ciente para sufocar as recepcoes que diferem do que foi proposto e em contra partida nao é sempre que o leitor se propoe as novidades criativas O que deve ser considerado na analise dessa relacao é desse modo como se dao 0 contro le e a criatividade E preciso portanto substituir as representacées rigidas e simplistas de dominagao social ou difusao cultural CHARTIER 2001 p 236237 Assim a difusao cultural exige um julgamento da relacao entre trés polos o texto o objeto que 0 comunica e a recepcao As variacoes dessa relacao trian gular produzem com efeito mudangas de significado CHARTIER 2001 p 221 Finalmente para Roger Chartier a Historia Cultural deve compreender as praticas complexas multiplas diferenciadas que constroem o mundo como representacao CHARTIER 1990 p 28 A seguir vocé podera ler fragmentos de uma entrevista concedida por Roger Chartier em 16 de setembro de 2004 a cientista politica Isabel Lustosa quando de sua vinda ao Brasil por ocasiao do Seminario de Historia Cultural realizado na Casa Rui Barbosa Rio de Janeiro Nessa entrevista Chartier fala de sua nogao de Historia de sua produgao e de autores e temas diversos Por meio dessa leitura vocé podera conhecer um pouco mais desse historiador e com preender mais afundo alguns conceitos utilizados pela historiografia Conversa com Roger Chartier Por Isabel Lustosa Nao posso aceitar a idéia que esta identificada com 0 posmodernismo de que to dos os discursos sao possiveis porque remetem sempre a posicao de quem o enun cia e nunca ao objeto afirma o historiador em entrevista exclusiva Quem é Roger Chartier Como a sua obra se relaciona com a sua historia de vida Roger Chartier Tenho sempre uma certa prudéncia com questoes pessoais Acho que quando a gente fala de si constrdi algo impossivel de ser sincero uma repre sentacao de si para os que vao ler ou para si mesmo Gostaria de lembrar a este proposito o texto de Pierre Bourdieu sobre a ilusao biografica ou a ilusao autobio grafica Bourdieu critica este tipo de narrativa em que uma vida é tratada como uma trajetoria de coeréncia como um fio unico quando sabemos que na existén cia de qualquer pessoa multiplicamse os azares as causalidades as oportunida des Outro aspecto da ilusao biografica ou autobiografica é pensar que as coisas sao muito originais singulares pessoais Ao fazer um relato autobiografico é quase impossivel evitar cair nesta dupla ilusao ou a ilusao da singularidade das pessoas frente as experiéncias compartilhadas ou a ilusao da coeréncia perfeita numa trajetoria de vida Pierre Nora lancou a idéia de egohistoria numa cole tanea de ensaios onde estao reunidas oito autobiografias George Duby Jacques Le Goff Pierre Duby dentre outros Eram autores conhecidos falando sobre sua traje toria pessoal ou relacionandoa com a escolha de determinado periodo ou campo historico Mas pessoalmente considero muito dificil evitar o anedotico ou o dema siado pessoal nesse tipo de relato Como pensar em si objetivando entender seu proprio destino social Acho que é preciso primeiro situarse dentro do mundo so cial e dai fazer um esforco de dissociagao da personagem a personagem que fala e a personagem sobre a qual se fala que é o mesmo individuo Isto posto podemos entrar com uma certa cautela na resposta a sua pergunta Nasci em Lyon e per tenco a um estrato social fora do mundo dos dominantes sem tradigcao no meio académico Minha trajetoria escolar e universitaria foi consequéncia desta origem Para entendéla é preciso um certo conhecimento da realidade social do pos guerra na Franga entre os anos 1950 e 60 quando predominava o sistema de re produgao mas onde havia também alguma possibilidade de ascensao para gente de outra origem social Acho no entanto que quando ha este tipo de tensao entre uma forma dominante de escola e uma individualidade de origem diferente que consegue furar este sistema sempre se mantém algo dessa tensao dessa dificul dade Biografias e autobiografias Alguéem falando de outrem e alguém falando de si mesmo Como definir verdades nesses discursos A imagem que vocé tem de Sl proprio 6 a mesma que seus pais irmaos amigos e colegas tem sobre vocé Possivelmente nao nao no todo Diferengas singelas ou radicais podem apa recer Em relacgao as autobiografias de estudiosos especialmente historiado res os contextos sao mais complicados Ao falar de si consideram a historia a qual pertencem os grupos que se relacionam e mesmo as leituras que fizeram A quem deseja trabalhar com uma historiografia que considera as biografias e autobiografias fica o recado de Chartier atentese a ilusao biografica ou a ilu sao autobiografica A minha geragao foi no Brasil talvez a ultima em que a leitura dos classicos da li teratura universal era um habito Acho que isso criou um universo de referéncia para a nossa geragao que é diferente dos jovens de hoje De que maneira esse uni verso de referéncias culturais originadas da leitura dos classicos esta na base da visao de mundo do historiador de hoje em dia Por outro lado de que maneira esse universo de referéncia cultural mais ampliado contribuiu para a aceitagao de abordagens interdisciplinares Chartier Nao devemos pensar que o passado era necessariamente melhor Acho ao contrario que hoje se lé mais do que nos anos 1950 Inclusive porque o computador nao é apenas um novo veiculo para imagens ou jogos Ele é responsa vel também pela multiplicagao da presenga do escritor nas sociedades contempo raneas Podem nao ser necessariamente leituras fundamentais enriquecedo ras mas sao leituras Nao se pode dizer portanto que estejamos assistindo ao de saparecimento da cultura escrita O problema é qual cultura escrita persiste O fato de que os textos lidos pelos adolescentes no computador suas leituras predi letas nao pertencam aquele repertorio definido como literario nao é necessaria mente algo ruim O problema esta numa certa discrepancia entre essa nova cultu ra e os modelos de referéncia que a nosso ver seriam mais consistentes e forne ceriam mais recursos para a compreensao do mundo social a compreensao de si mesmo e a representacao do outro Para isto nao tenho resposta mas me parece que ha duas posicoes que se deve evitar Uma é a que considera que essa presenca da literatura na realidade cotidiana pertence a um mundo definitivamente desa parecido Nao me parece um diagnostico adequado pois ha na atualidade um es forgo dentro da escola e fora da escola para preservar a cultura literaria A outra posigao é a dos que pensam que nao ha nada de proveitoso util ou fundamental nesse novo mundo Postura que me parece muito inadequada quando pensamos nas possibilidades educativas criadas pelas novas tecnologias nas diversas expe riéncias para a alfabetizagao para a transmissao do saber a distancia Acho que é responsabilidade dos intelectuais dos meios de comunicagao dos editores asse gurar a transmissao de um saber sobre 0 mundo através de projetos que vinculem a dimensao estética ou a dimensao cientifica com a existéncia cotidiana Para que as pessoas nao sejam totalmente submetidas as leis do mercado a incerteza ou a inquietude o essencial é dar a cada um instrumentos que lhe permita decifrar o mundo em que vive e a Sua propria situagao neste mundo Esse saber que pode vir da sociologia da literatura da historia possibilitaria a resistencia as imposigoes dominantes que vém de todas as partes dos discursos ideologicos das mensa gens dos veiculos de comunicagao da cultura de massa etc Mas me parece que se ha um caminho nao literario para se adquirir saber sobre o mundo social por que procurar os instrumentos mais vulneraveis para decifrar esse mundo Livros impressos ou ebooks Conhecimento ou informagao O autor faznos asseverar que essas perguntas nao sao mais viaveis ou ao menos estao des contextualizadas Na atualidade os dois universos literarios impresso e mi diadtico podem e devem ser utilizados para a compreensao das culturas Eles proprios sao elementos distintos de uma mesma cultura ou ajudam a compor um universo cultural paralelo A questao nao é usar ou deixar de usar esses recursos mas saber fazer um uso adequado Apesar da valorizagao tedrica que a moderna historiografia tem promovido da narrativa sempre vejo os historiadores a trabalharem ainda com um certo pudor acompanhando cada fato narrado de uma analise minuciosa daquele aspecto ou entao recorrendo ao chamado argumento de autoridade Pareceme que isso preju dica o resultado do ponto de vista da narrativa pois em geral a torna fragmenta da e desinteressante O que vocé acha Chartier Entre os anos 1950 e 60 os historiadores buscavam uma forma de saber controlado apoiado sobre técnicas de investigaao de medidas estatisticas con ceitos tedricos etc Acreditavam que o saber inerente a historia devia se sobrepor a narrativa pois achavam que o mundo da narrativa era o mundo da ficgao do ima ginario da fabula Desta perspectiva os historiadores rechagaram a narrativa e desprezaram os historiadores profissionais que seguiam escrevendo biografias historia factual e tudo isso A tradigao francesa dos Annales foi uma das que levou mais longe essa tendéncia Hoje no entanto a situagao tornouse muito mais complicada Uma das razOes é que autores como Hayden White e Paul Ricoeur mostraram que mesmo quando os historiadores utilizam estatisticas ou qualquer outro método estruturalista produzem uma narrativa Quer dizer quando dizem que tal coisa é consequéncia ou causa de outra estabelecem uma ordem sequen cial se valem de uma concepgao da temporalidade que a mesma de uma novela e de um relato historiografico Ao mesmo tempo entidades abstratas como classes valores e conceitos atuam no discurso dos historiadores quase como personagens havendo toda uma forma de personificagao das entidades coletivas ou abstratas Dessa forma o historiador nao pode evitar a narracgao inclusive quando a rechaga conscientemente Pois a escrita da historia por si mesma pela maneira de articular dos eventos pela utili zacgao da nogao de causalidade trabalharia sempre com as mesmas estruturas e com as mesmas figuras de uma narrativa de ficcao E a partir desse parentesco entre a narrativa de ficgao e a narrativa historica que se coloca a questao onde es ta a diferenca Alguns criticos po6smodernos adotaram um relativismo radical e decidiram que nao havia diferenca e que a historia era ficcional nao apenas no sentido da forma Ou seja nao diziam que nao ha verdade na historia mas que a verdade do saber historico era absolutamente semelhante a verdade de uma nove la Outros historiadores dentre os quais eu me insiro acreditam que ha algo espe cifico no discurso historico pois este é construido a partir de técnicas especificas Pode ser uma historia de eventos politicos ou a descrigao de uma sociedade ou uma pratica de historia cultural para produzila o historiador deve ler os docu mentos organizar suas fontes manejar técnicas de analise utilizar critérios de prova Coisas com as quais um novelista nao deve se preocupar Portanto se é pre ciso adotar essas técnicas em particular 6 porque ha uma intengao diferente no fazer historia que é restabelecer a verdade entre o relato e o que é o objeto deste relato O historiador hoje precisa achar uma forma de atender a essa exigéncia de cientificidade que supoe o aprendizado da técnica a busca de provas particulares sabendo que seja qual for a sua forma de escrita esta pertencera sempre a catego ria dos relatos da narrativa Alguns historiadores decidiram entao que nao valia a pena lutar contra algo inevitavel e passaram a utilizarse dos recursos mais per suasivos da narrativa a servico de uma demonstragao historica Acho que a si tuagao atual nao é a de uma oposicao absoluta entre a narrativa como ficgao e a historia como saber mas de um saber que se escreve através da narrativa e dai ser necessaria uma reflexao sobre que tipo de narrativa adotar Uma narrativa onde se respeite o discurso do saber mas que ao mesmo tempo seja atrativa para um publico de leitores Nao é uma tarefa facil mas ha exemplos que demonstram que pode ser feito Ha algum tempo fiz a resenha de um livro de ensaios do antropdlogo James Clifford Tive uma certa sensagao de desconforto diante de leitura posmoderna e desconstrutivista que ele faz da tradigao etnografica A etnografia foi um instru mento criado pela cultura ocidental para entender pessoas de outras culturas nao significando que aquelas pessoas tivessem a mesma ansia de nos entender ou de entenderem a si mesmas ou ainda que achassem que a etnografia seria a ferra menta adequada para isto Cada cultura tem os seus proprios meios de se relacio nar com o mundo A meu ver sempre se parte de uma base historica ideologica ou cultural para fazer alguma coisa para pensar ou para agir O posmodernismo foi um exercicio de desconstrugao da cultura ocidental e nossa base é 0 universo de informacgoes que compoem a cultura ocidental Ela é que nos fornece os instru mentos e a motivacao para pensarmos sobre nos e sobre o mundo E até para fazer a critica dessa maneira de pensar Chartier Penso que em certo sentido o trabalho de James Clifford esta em parale lo ao de Hayden White Acho que é algo legitimo fazer historiadores e antropolo gos refletirem sobre a propria escrita Durante muito tempo a escrita foi vista co mo um meio neutro para falar sobre 0 passado ou para descrever o outro Dai ter sido fundamental fazer dela um objeto de reflexao tal como fez White ao pensar sobre o papel na escrita do historiador de elementos como a retorica e as figuras que se manejam para escrever sobre o passado O mesmo fez James Clifford com relacgao aos dispositivos que os antropologos utilizam em seu trabalho Outra con tribuigao fundamental dessa corrente foi a idéia de que ha uma descontinuidade necessaria entre o presente e o passado a qual nao pode ser anulada pela idéia de universalidade e de compreensao de si proprio Mas tanto no texto de White quanto no de Clifford ha um relativismo absoluto Nao posso aceitar a idéia que esta identificada com o posmodernismo de que todos os discursos sao possiveis porque remetem sempre a posicgao de quem o enuncia e nunca ao objeto De acor do com essa visao 0 discurso é sempre autoproduzido nao diz nada sobre o objeto e diz tudo sobre quem o escreveu Pareceme uma conclusao equivocada por que tanto no caso da historia quanto no da antropologia uma produgao de saber é possivel e necessaria Esta justaposiao de situagdes historicas ou situagdes antropologicas onde nao existe nenhuma comunicagao nenhum intercambio nem sequer de saberes parece uma forma terrivelmente reducionista daquilo que poderia ser um projeto de conhecimento compartilhado Razao pela qual estou completamente em desacordo com essa postura posmoderna essa idéia de que nao ha nenhuma possibilidade de conhecimento E diferente dizer que esse co nhecimento sempre esteve organizado a partir dos esquemas de percepcao de classificagao e compreensao do observador E que se existem formas de desconti nuidade culturais é preciso assim mesmo fazer um esforco para entender o pas sado e o outro Pois foi a partir dessa dupla perspectiva que se construiu um saber e me parece que os trabalhos fundamentais da historia e da antropologia demons tram que este saber nao so é possivel como também pode ser oferecido ao outro para conhecimento de si mesmo Pareceme que assim temos a circulagao da forga critica do saber Se isso for destruido caise num relativismo absoluto O que me parece seria uma conclusao tragica e ao mesmo tempo muito ideoldgica Chartier faz uma importante ressalva nesse fragmento de sua assertiva Outros historiadores dentre os quais eu me insiro acreditam que ha algo espe cifico no discurso historico pois este é construido a partir de técnicas especificas Pode ser uma historia de eventos politicos ou a descrigao de uma sociedade ou uma pratica de historia cultural para produzila o historiador deve ler os documen tos organizar suas fontes manejar técnicas de analise utilizar critérios de prova O que ele vem enfatizar é que a despeito de a historia se utilizar do estilo nar rativo ao modo de uma ficgao o historiador nao produz uma historia mentiro sa A verdade relativa que ele defende é aquela que segue o passo a passo da pesquisa levantamento e selecao de fontes analise criteriosa destas uso de um arcabouco teorico Nao se trata de inventar a historia mas de apresentar uma representacao dela O autor é contra o relativismo absoluto assim como é contrario a verdade ab soluta O que ele propoe é a construcao de um conhecimento que considere nao so os fatos mas também quem os escreveu e nao um desses elementos isoladamente Neste momento temos a sensagao de que tudo se tornou possivel praticas que ha viam sido banidas por um conjunto de acordos internacionais no posguerra vem sendo implementadas pelos EUA na guerra no Iraque ou ao manterem pessoas presas sem julgamento em Guantanamo Ao mesmo tempo ocorre a perda de for ca de organismos internacionais como a ONU Na medida em que sabemos que as grandes idéias sao filtradas e incorporadas a agenda do senso comum a perspec tiva radicalmente relativista do p6smoderno nao teria influido de alguma forma nesse tipo de politica esvaziando a confianga em algumas conquistas do huma nismo e da cultura do Ocidente Chartier O maior paradoxo do posmodernismo é que nasce de uma perspectiva critica das autoridades das hierarquias e dos elementos dominantes mas com a introducgao da dimensao epistemoldgica do relativismo a andalise fica sem ne nhum recurso para fundamentar esta postura critica Pois se tudo é possivel to dos os discursos podem ser diferentes por sua competéncia retorica por sua arte de expressao mas em termos de saber e como instrumento critico nao ha diferen ca entre eles Criase uma tensao fundamental Hayden White por exemplo é um humanista que compartilha os valores morais do humanismo Mas a aplicagao de sua perspectiva nao da a historia instrumentos para produzir um conhecimento critico desmentir as falsificagoes e estabelecer um saber verdadeiro Porque se nao ha nenhum critério para estabelecer diferencgas entre os discursos dos histori adores tornase muito dificil criticar os discursos enganosos as falsificagoes e as tentativas de reescrita do passado Este é me parece o grande limite do pos modernismo a contradigcao entre sua intengao e a sua epistemologia Se nao nos é possivel desmentir as falsificacdes e estabelecer um saber verdadeiro como lutar contra os maus usos do passado aqueles que com finalidades politicoideoldgicas modificaram a historia em favor proprio co mo o governo de Vichy na Franga que interpretou a seu modo a historia gau lesa para justificar 0 apoio as forgas nazistas Nicole Loraux 1993 alertanos os que falsificam o passado sao os mesmos que falsificam a historia contem poranea Em seu livro O grande massacre dos gatos Robert Darnton adota as idéias e os métodos de Clifford Gertz dando tratamento etnografico a um objeto de estudo historico Esse foco ampliado sobre um detalhe me parece produzir uma visao dis torcida do objeto De que forma vocé vé esse tipo de investigagao Chartier Houve um grande debate depois da publicagao do livro de Darnton Uma das criticas mais fortes feitas a ele tem a ver com a Sua identificagao com as idéi as de Geertz e de sua tendéncia a textualizagao das estruturas das praticas rituais e de toda a cultura O ponto de partida de Darnton utilizando a idéia de Geertz de que um rito pode ser lido como um texto era que se podia pensar as praticas soci ais como se fossem textos Os historiadores que trabalham com textos desen volvem em primeiro lugar uma analise critica do texto No entanto Darnton qua se nao avanca nessa direcao Ele menciona o texto de um artesao mas nao lhe da maior importancia porque pretende se colocar imediatamente na situagao de um espectador do massacre Como Geertz em Bali Nao podemos pensar que ha uma identidade necessaria entre a logica propriamente textual e as estratégias das praticas 0 mais complicado para o historiador é que essas praticas nao textuais em geral se encontram através de textos O desafio fundamental para o historiador é entender a relacgao entre os textos disponiveis e as praticas que estes textos proibem prescrevem condenam representam designam criticam etc As praticas do passado sao acessiveis a nos em geral através de textos escritos E o historiador escreve sobre essas praticas O desafio fundamental é pensar con ceitual e metodologicamente a articulagao e a distancia entre as praticas e os dis cursos e evitar a repetiao daquele momento entre os anos 195060 em que a me tafora do texto se aplicava a tudo aos ritos a sociedade etc Era muito cOmodo O autor direciona nosso olhar para uma questao crucial ao historiador grande parte de suas fontes sao escritas textuais Mas quem as escreveu A mando de quem Com que finalidade Em que contexto E ainda podemos nos per guntar sobre a materialidade do texto papiros Pergaminho Tablete de bron ze ou terracota Num vaso ou escudo Na parede de um templo ou de um bor del O pesquisador deve considerar todas essas questoes e muitas outras an tes de narrar a historia E essencial que ele como diz Chartier pense a articu lacao e a distancia entre praticas e representagoes ou discursos conceitual e metodologicamente Vocé ja orientou muitos brasileiros Ao longo desse tempo vocé leu muito sobre o Brasil nas teses desses orientandos A partir dessas leituras como vocé vé o Brasil Chartier Acho que ha aqui uma circulaao entre os campos disciplinares da an tropologia da historia e da sociologia cultural mais forte que em outros lugares O campo da educagao por exemplo que em muitos paises é muito especializado aqui me parece estar bastante integrado ao mundo das ciéncias sociais A maior parte dos trabalhos que orientei tratam de uma forma ou de outra do mundo das praticas culturais da historia da publicagao e da circulaao dos textos e um pouco também do mundo social da historia da vida privada das estruturas sociais do Brasil colonia Ha uma vitalidade impressionante nesse tipo de investigagao O problema é que na Europa ou nos Estados Unidos existe uma total falta de interes se por outros territorios Todo mundo esta muito preso a seu proprio campo de in vestigacgao e nao se da conta de que é possivel aprender muito com estudos sobre temas que nao sao os seus Isso impede que circulem numerosos trabalhos que mereceriam ter um reconhecimento mais forte Para divulgar esses trabalhos que tém uma forga metodoldgica ou tedrica inspiradora seria preciso fazer com que editoras norteamericanas traduzissem obras latinoamericanas para o publico que nao 1é em espanhol Traducao de Ana Carolina Delmas Isabel Lustosa E cientista politica pesquisadora da Casa de Rui Barbosa no Rio de Janeiro e au tora de Insultos Impressos a guerra dos jornalistas na Independéncia Companhia das Letras 2000 Disponivel em httppphpuolcombrtropicohtmltextos 24793shl httppphpuolcombrtropicohtmltextos24793shl Acesso em 28 maio 2009 Chartier colocanos o problema do conflito de interesses no meio académico Infelizmente o quadro que ele pintou nao se refere apenas ao exterior Inumeros trabalhos nacionais nao sao conhecidos ou reconhecidos em dife rentes regides As producoes historiograficas nordestinas quase nao sao di vulgadas no sudeste ou sul Cabe a nos interessados na construgao de nossa memoria e identidade inclusive intelectual procurarmos nos informar e co nhecer os nossos pesquisadores sejam eles latinistas helenistas americanis tas brasilianistas ou medievalistas etc A historiografia nacional tem muito a nos oferecer Vamos entao a ela 9 Historia e narrativa Quanto as consideracgoes sobre a Historia como narrativa neste momento abordaremos as possibilidades e dificuldades de construgao narrativa do dis curso histografico sobretudo em relagao a ficgao e literatura que se apresen tam como o cerne da critica pOsmoderna para com as correntes historiografi cas anteriores Os debates sobre os campos de atuacao da Historia e demais Ciéncias Sociais acabaram por discutir a inter multi e transdisciplinaridade Com isso a rela cao da Historia e da Literatura entrou na pauta Do mesmo modo essa relagao também se inseriu no contexto da discussao sobre a verdade historica Ora quem produz a verdade Ela pode ser objetiva Como vocé ja estudou ao longo da disciplina o posmodernismo nao acredita nessa objetividade da verdade assim a Historia deve rever suas pretensOes a um lugar entre as ciéncias contribuigdes para essa tematica ja foram dadas por Valéry Heidegger Sartre LéviStrauss e Michel Foucault Entretanto nao é facil descer o degrau ou se deslocar dele rumo a plataforma da Literatura ou da Arte Estas sao o fardo da Historia suas tentativas de justificar o seu oficio Aos que criticam suas ambiguidades ela a Historia responde que nunca quis ser ciéncia Aos que a criticam por nao utilizar a representacao literaria ela se posiciona como se miciéncia E como se libertar desse fardo Antes de mais nada os historiadores precisam admitir a justificativa da revolta atual contra o passado O historiador contemporaneo precisa estabelecer o valor do estudo do passado nao como um fim em si mas como um meio de fornecer perspectivas sobre o presente que contribuam para a solucao dos problemas pecu liares ao nosso tempo WHITE 1994 p 53 Definitivamente fazse necessario nesse contexto da relaao entre a Historia e a Literatura que os fatos deixem de ser tratados como dados descobertos e passem a ser vistos como construgoes que se evidenciam a partir dos tipos de pergunta que o pesquisador faz acerca dos fenOmenos que tem diante de si WHITE 1994 10 A questao da narrativa Entre as décadas de 1970 e 1980 a tematica da narrativa voltou a ser destaque em meio aos historiadores e outros pesquisadores das Ciéncias Sociais essen cialmente a partir da publicagao do artigo The revival of narrative O retorno da Narrativa 1979 do historiador Lawrence Stone Nesse artigo além de afirmar que os trés grandes paradigmas da historia cientifica o modelo economico marxista o modelo ecoldgicodemografico francés e a metodologia cliométrica americana apresentavam resultados ineficientes anunciou que estava ocorrendo uma nova valorizacao e retomada da narrativa Destarte Disseminavase no entender de Stone a percepao de que nao bastava ao historia dor o rigor metodoldgico era preciso que ele conferisse um determinado estilo a sua escrita isto é que ele soubesse nao apenas contar mas também saber como fazélo OLIVEIRA 2009 Disponivel em httphid0141blogspotcom200902 narrativaeconhecimentohistoricohtml httphid0141blogspotcom200902 narrativaeconhecimentohistoricohtml Acesso em 24 jun 2010 Admitiase dessa forma que para além do conteudo a forma era importante na escrita da historia Essa forma proposta era a narrativa mesmo que esta le vantasse questionamentos sobre a cientificidade da Historia Afinal escrever uma narrativa é também escrever uma ficcao Mas o medo da ficgao nao era o unico que vagava pelos escritorios das univer sidades havia também o receio do retorno da narrativa historica tradicional que enfatizava os grandes feitos dos grandes homens em grandes aconteci mentos a qual custou a ser negligenciada No entanto 0 que vimos foi uma nova narrativa que considerou o cotidiano das pessoas comuns é os aconteci mentos triviais Passamos entao a observar um interesse nas praticas narra tivas de uma cultura as historias que as pessoas naquela cultura contam a Si mesmas sobre si mesmas BURKE 2005 p 158 Entra em cena nessa ocasiao a narrativa de curtissima duracgao absorta num acontecimento e nao mais a velha narrativa explicativa a procura de causas e efeitos WEINSTEIN 2003 Contudo discutir a narrativa significa responder sobre o que narrar 0 que é narrar e como narrar e ainda como fugir dos perigos da historia narrativa entre eles a tentacgao em retomar o contar estoria por contar estoria Aqui a grafia de estoria esta se referindo a narrativa de ficcao a um tipo de apresentagao romanceada de fatos e episodios diferente da historia baseada em documentos Enfim as narrativas sao traducoes e leituras diferentes do passado que dependendo das combinacoes e énfases variadas possibilitam as mais diferenciadas leituras interpretativas do passado Porém todas as possiveis tradigoes possuem algo em comum Todas elas demonstram ser incompletas e transitorias mesmo que bus quem a perfeicao do passado DIEHL 2002 p 102 Apos as assertivas discutidas neste topico reflita sobre a seguinte questao existe uma forma de se escrever a Historia que nao seja a da narrativa Segundo Hayden White nao 11 Hayden White historia e ficcao O critico literario Hayden White foi um dos responsaveis pelo debate que vee mentemente foi travado em torno da nao distingao entre Historia e ficcao Segundo White 1995 p 17 perguntas como Que significa pensar historica mente e quais sao as caracteristicas inconfundiveis de um método especifica mente historico de investigagao e quais as formas por meio das quais é pro duzido o discurso da historia fazem parte de seu questionario dirigido a Historia Nao é uma tarefa tola essa de entender os discursos pois Quando procuramos explicar topicos problematicos como natureza humana cultu ra sociedade e historia nunca dizemos com precisao o que queremos dizer nem expressamos o sentido exato do que dizemos Nosso discurso sempre tende a esca par dos nossos dados e voltarse para as estruturas de consciéncia com que esta mos tentando apreendélos ou o que da no mesmo os dados sempre obstam a coe réncia da imagem que estamos tentando formar deles Ademais em t6picos como esses sempre existem razoes legitimas para diferencas de opiniao quanto ao que eles sao ao modo como se deveria falar deles e aos tipos de conhecimento que de les podemos ter WHITE 1994 p 13 Em resumo para White 2006 o que ocorre é que ha uma inabalavel relativi dade na representacao do fendmeno historico e por isso também ele trata a producao dos historiadores como uma estrutura verbal na forma de um discurso narrativo em prosa WHITE 1995 p 11 dito de outra forma esse cri tico literario nao reluta em considerar as narrativas historicas como ficgoes verbais cujos conteudos sao tao inventados como achados e cujas formas apresentam muito em comum com as narrativas literarias WHITE 1994 Enfatizando segundo White o proprio passado é uma construcao que se for ma durante a escrita da narrativa e os textos e as interpretacoes dos historia dores consideram diferentes formas de imaginagao Assim a historia narrati va e a historia cientifica tornamse incompativeis A caracteristica marcante desse critico literario é o fato de ter atenuado o con traste aristotelico entre poesia e Historia e com essa ideia em vista procurou em MetaHistoria afirmar que os textos historicos recebem uma forma segun do o tipo de historia que o autor quer contar Portanto no livro citado anterior mente ele apresentou uma analise formalista de textos historicos do século 19 e concluiu que Jules Michelet construiu o enredo de suas historias na forma de romance Leopold Von Ranke na forma de comédia Alexis de Tocqueville na forma de tragédia e Jacob Burckhardt na forma de satira Conclui o autor entao que ha uma relaao constitutiva entre forma e conteudo Mas se ha essa estreita relacao é preciso que o historiador levante algumas questoes qual o tipo de modelo linguistico utilizar Dentre os tropos do discur so qual empregar WHITE 1995 Seria assim uma decisao por parte do his toriador entre os modos de urdir o enredo que melhor caberia em seu tipo par ticular de historia LOPES 2000 p 301 White explica no artigo Enredo e verdade na escrita da Historia 2006 que o tema do conteudo a ser trabalhado exige ou aponta para uma possivel forma do texto Desse modo se tomarmos como exemplo 0 mesmo tema citado pelo autor o Holocausto seria melhor apreendido se a narrativa tomasse a forma de um épico ou de uma tragédia No entanto as possibilidades formais também respondem ao interesse do autor Vejamos o exemplo de White 2006 p 196 grifo nosso Essa a questao colocada por Maus o conto de um sobrevivente de Art Spiegelman que apresenta os eventos do Holocausto por meio da escrita em qua drinhos preto e branco e em uma forma de satira amarga com alemaes colocados como gatos judeus como ratos e polacos como porcos O conteudo manifesto da es toria em quadrinhos de Spiegelman a historia do esforco do artista em extrair de seu pai a estoria da experiéncia de seus pais com os eventos do Holocausto Dessa forma a estoria do Holocausto contada no livro é estruturada pela estoria de como essa estoria foi contada Maus representa uma visdo particularmente irénica e aturdida do Holocausto mas é ao mesmo tempo um dos mais tocantes relatos nar rativos dele que conheco essa comédia uma obraprima de estilizacao figura ao e alegorizacao Ainda de acordo com White 0 exemplo citado e toda e qualquer decisao por este ou aquele tipo de elaboracgao de enredo permite que se justifique que cer tos eventos agentes acgoes agéncias e resignagoes que ocupem um dado ce nario histdrico ou seu contexto serao ignorados WHITE 2006 Os tropos linguisticos Para Hayden White 0 historiador nao tem de pensar apenas na escolha do ti po de enredo mas igualmente na escolha de um dos quatro tropos linguisti cos metafora metonimia sinédoque e a ironia as trés ultimas entendidas co mo espécies da primeira Se assim o historiador faz utilizase de tropos en tao a distingao que existe entre a Historia e a ficcao é de forma e nao de con teudo ou seja tanto a Historia quanto a Literatura produzem uma narrativa ficcional Para vocé compreender melhor os tropos sao desvios do uso literal da lingua gem que geram figuras de linguagem ou seja as figuras de linguagem sao tati cas literarias que o historiador pode utilizar no texto para conseguir um efeito determinado na interpretacao do leitor mostrouse um importante instrumento de reflexao por isso ha a sua disponibilizagao na integra Ele é encontrado em sua versao eletr6nica em Nuevo Mundo Mundos Nuevos httpnuevomundorevuesorg 1560 Debates 2006 Historia e literatura uma velhanova historia Sandra Jatahy Pesavento Por vezes esta aproximagao da historia com a literatura tem um sabor de deja vu dando a impressao de que tudo o que se apregoa como novo ja foi dito e de que se esta reinventando a roda A sociologia da literatura desde ha muitos anos cir cunscrevia 0 texto ficcional no seu tempo compondo o quadro historico no qual o autor vivera e escrevera sua obra A historia por seu lado enriquecia por vezes seu campo de analise com uma dimensao cultural na qual a narrativa literaria era ilustrativa de sua época Neste caso a literatura cumpria face a historia um papel de descontraao de leveza de evasao quase na trilha da concepao bele trista de ser um sorriso da sociedade Entendemos que atualmente estas posturas foram ultrapassadas nao porque nao tenham valor em si no caso da contextualizagao historica da narrativa literaria OU porque sejam consideradas erradas caso de enfocar a literatura somente co mo passatempo Tais posturas se tornam ultrapassadas pelas novas questoes que se colocam aos intelectuais neste limiar do novo século e milénio Chamemos nosso tempo pela ja desgastada formula da crise dos paradigmas que questio nou as verdades e os modelos explicativos do real ou entendamos nosso mundo pelo recente enfoque da globalizagao dotado hoje de forte apelo o que parece evi dente é que nos situamos no meio de uma complexificagao e estilhagamento da realidade onde é preciso encontrar novas formas de acesso para compreendéla A rigor cada geragao se coloca problemas e ensaia respostas para respondélos valendose para isso de um arsenal de conceitos que se renova no tempo A discussao em torno da relagao entre historia e literatura nao é nova O que vem mudando sao os novos problemas que se colocam a essa relagao Se os conceitos sao artificios mentais que se propoem a interrogar e explicar o mundo e que articulados resultam em constelaoes teoricas ousariamos dizer que o desafio atual é o e assumir que as ciéncias humanas se voltam grosso mo do para uma postura epistemologica diferenciada Nao se trata aqui no caso de desenvolver toda a gama de conceitos e de redefinicgoes tedricas orientadoras das diferentes correntes que estudam a cultura nestas décadas finais do século e do milénio Apenas caberia assinalar que tais mudangas passam com frequéncia pelos caminhos da representagao e do simbolico assim como da preocupaao com a escrita da historia e sua recepcao O que a autora quis nos dizer é que nao estao sendo propostas mudangas no interior das teorias mas sim que as teorias passam periodicamente por refle x0eS Preferimos concentrar nosso enfoque numa perspectiva que a nosso ver tem se revelado proficua neste giro do olhar sobre o mundo e que redimensiona por sua vez as relacoes entre a historia e a literatura Referimonos aos estudos sobre o imaginario que abriram uma janela para a recuperacao das formas de ver sentir e expressar 0 real dos tempos passados Atividade do espirito que extrapola as percepcoes sensiveis da realidade concreta definindo e qualificando espacos temporalidades praticas e atores 0 imaginario representa também o abstrato o ndovisto e naoexperimentado E elemento orga nizador do mundo que da coeréncia legitimidade e identidade E sistema de iden tificagao classificagao e valorizacao do real pautando condutas e inspirando acoes E podemos dizer um real mais real que 0 real concreto O imaginario é sistema produtor de idéias e imagens que suporta na sua feitura as duas formas de apreensao do mundo a racional e conceitual que forma o co nhecimento cientifico e a das sensibilidades e emocgoes que correspondem ao co nhecimento sensivel O estudo sobre 0 imaginario bem mais amplo do que tentar buscar a menta lidade de uma época ao mesmo tempo é a busca por marcas mentais sensi bilidades e emogoes Neste contexto a narrativa contribuiu muito para a es crita da historia Afinal como falar de emogoes que nao de uma forma litera ria O obvio mostrouse criticavel porém Conceito amplo e discutido oO imaginario encontra a sua base de entendimento na idéia da representagao Neste ponto as diferentes posturas convergem o ima ginario é sempre um sistema de representaoes sobre o mundo que se coloca no lugar da realidade sem com ela se confundir mas tendo nela o seu referente Mesmo que os seguidores da Historia Cultural sejam frequentemente atacados por negarem a realidade acusagao absurda e mesmo ridicula nenhum pesquisador em Sa consciéncia poderia desconsiderar presenga do real Apenas e este apenas é toda a diferenca partese do pressuposto de que este real é construido pelo olhar enquanto significado o que permite que ele seja visua lizado vivenciado e sentido de forma diferente no tempo e no espaco O enuncia do é simples mas tem incomodado A Historia Cultural nunca negou a possibilidade de uma realidade e sim de uma verdade absoluta para essa realidade Nao se tem um real mas a repre sentacao dele Pesavento 2006 vem nos dizer que é justamente essa postura que incomoda os contrarios a esse viés cultural Ao construir uma representagao social da realidade 0 imaginario passa a substituirse a ela tomando o seu lugar O mundo passa a ser tal como nos 0 con cebemos sentimos e avaliamos Ou como diria Castoriadis a sociedade tal como tal é enunciada existe porque eu penso nela porque eu lhe dou existéncia ou se ja Significagao através do pensamento Os recentes estudos de Lucian Boia historiador romeno acenam para a possibilidade de estabelecer estratégias meto doldgicas de acesso a este mundo do imaginario creme de La créme da historio grafia atual Por um lado ha uma tentativa de viés antropoldgico Gilbert Durand Yves Durand que se baseia na idéia da possibilidade de divisar tragos e rasgos de per manéncia na construcao imaginaria do mundo Por outro lado em uma versao historicizada Le Goff articulase o entendimento de que os imaginarios sao construcoes sociais e portanto historicas e datadas que guardam as suas especi ficidades e assumem configuragoes e sentidos diferentes ao longo do tempo e através do espaco Admitindo como propoe Boia a possibilidade de conjugar estrategicamente as duas posturas que combinadas associariam os tracos de permanéncia de estrutu ras mentais com as configuragoes especificas de cada temporalidade desemboca mos na redescoberta da literatura pela historia Clio se aproxima de Caliope sem com ela se confundir Historia e literatura cor respondem a narrativas explicativas do real que se renovam no tempo e no espa o mas que sao dotadas de um traco de permanéncia ancestral os homens desde sempre expressaram pela linguagem o mundo do visto e do nao visto através das suas diferentes formas a oralidade a escrita a imagem a musica Se a Historia e a Literatura se aproximam na forma de apresentarem o mundo como trabalhar com a ideia de estrutura Antropologicamente ou historica mente Em outras palavras como buscar as permanéncias ou rupturas nessa historia construida O que nos interessa 6 discutir o dialogo da historia com a literatura como um caminho que se percorre nas trilhas do imaginario Para enfrentar esta aproximacao entre estas formas de conhecimento ou discur sos sobre 0 mundo é preciso assumir em uma primeira instancia posturas episte moldgicas que diluam fronteiras e que em parte relativizem a dualidade verda deficgao ou a suposta oposigao realnaoreal ciéncia ou arte Nesta primeira abordagem reflexiva é o carater das duas formas de apreensao do mundo que se coloca em jogo face a face em relagoes de aproximagao e distanciamento Assim literatura e historia sao narrativas que tem o real como referente para confirmalo ou negalo construindo sobre ele toda uma outra versao ou ainda pa ra ultrapassalo Como narrativas sao representagoes que se referem a vida e que a explicam Mas dito isto que parece aproximar os discursos onde esta a diferen a Quem trabalha com historia cultural sabe que uma das heresias atribuidas a esta abordagem é a de afirmar que a literatura é igual a historia Nesse fragmento a autora colocanos os bindmios contrarios conforme o sen so comum Historia verdade real ciéncia x literatura ficao nao real arte Mas nao é bem assim que essa relacao se da na escrita da Historia Essas fronteiras sao tenues mas isso nao significa dizer que as duas areas sao sino nimas Isso também é fruto do senso comum A literatura é no caso um discurso privilegiado de acesso ao imaginario das dife rentes épocas No enunciado célebre de Aristoteles em sua Poética ela é o dis curso sobre o que poderia ter acontecido ficando a historia como a narrativa dos fatos veridicos Mas 0 que vemos hoje nesta nossa contemporaneidade sao histo riadores que trabalham com o imaginario e que discutem nao so o uso da literatu ra como acesso privilegiado ao passado logo tomando o naoacontecido para recuperar 0 que aconteceu como colocam em pauta a discussao do proprio ca rater da historia como uma forma de literatura ou seja como narrativa portadora de ficcao Tomemos a faceta do nao acontecido elemento perturbante para um historiador que tem como exigéncia o fato de algo ter ocorrido um dia Mas a rigor de qual acontecido falamos Se estamos em busca de personagens da historia de aconte cimentos e datas sobre algo que se deu no passado sem duvida a literatura nao se ra a melhor fonte a ser utilizada Falamos em fonte A coisa se complica como a literatura relato de um poderia ter sido pode servir de traco rastro indicio marca de historicidade fonte enfim para algo que aconteceu A sintonia fina de uma época fornecendo uma leitura do presente da escrita pode ser encontrada em um Balzac ou em um Machado sem que nos preocupemos com o fato de Capitu ou do Tio Goriot e de Eugéne de Rastignac terem existido ou nao Existiram enquanto possibilidades como perfis que retragam sensibilidades Foram reais na verdade do simbolico que expressam nao no acontecer da vida Sao dotados de realidade porque encarnam defeitos e virtudes dos humanos por que nos falam do absurdo da existéncia das misérias e das conquistas gratifican tes da vida Porque falam das coisas para além da moral e das normas para além do confessavel por exemplo Mas sem duvida dira alguém no delineamento de tais personagens e na articula ao de tais intrigas houve um Honoré de Balzac e um Joaquim Maria Machado de Assis 0 que nao é pouca coisa Sim por certo longe de negar a genialidade dos autores ressaltamos a existéncia imprescindivel dos narradores de uma trama que mediatizam o mundo do texto e o do leitor E nao esquegamos como alerta Paul Ricoeur que os fatos narrados na trama literaria existiram de fato para a voz narrativa Neste momento a autora colocanos um questionamento interessante se a li teratura fala de ficcao como os historiadores continuam a se utilizar dela co mo fonte historica Em contrapartida como desconsiderar como fonte um texto de Homero uma lenda medieval ou livro infantil Nao sao obras repre sentativas de um lugar e de um tempo Mas a rigor 0 processo acima descrito para o ambito da literatura nao sera 0 mes mo nos dominios da Historia Neste campo temos também um narrador o historiador que tem também tare fas narrativas a cumprir ele reune os dados seleciona estabelece conexoes e cru zamentos entre eles elabora uma trama apresenta solucoes para decifrar a intri ga montada e se vale das estratégias de retorica para convencer o leitor com vis tas a oferecer uma versao 0 mais possivel aproximada do real acontecido O historiador nao cria personagens nem fatos No maximo os descobre fazendo Os sair da sua invisibilidade A titulo de exemplo temos 0 caso do negro recupera do como ator e agente da historia desde algumas décadas embora sempre tenha estado presente Apenas nao era visto ou considerado tal como as mulheres ou outras tantas ditas minorias A diferenga entre Historia e literatura entao é apresentada A Historia nao in venta descobre ou redescobre e apresenta uma representagao do ocorrido dos personagens etc Historiadores também mediatizam mundos conectando escrita e leitura Dele também se espera performance exemplar genial talvez E ele também nao tem admitamos certezas absolutas de chegar Ja na tal temporalidade ja escoada irre mediavelmente perdida e nao recuperavel do acontecido Na reconfiguracgao de um tempo nem passado nem presente mas tempo histori co reconstruido pela narrativa face a impossibilidade de repetir a experiéncia do vivido os historiadores elaboram versoes Versoes plausiveis possiveis aproxi madas daquilo que teria se passado um dia O historiador atinge pois a verossimi Ihanga nao a veracidade Ora 0 verossimil nao é a verdade mas algo que com ela se aparenta O verossimil é 0 provavel o que poderia ter sido e que é tomado como tal Passivel de aceitaao portanto A Historia Cultural defende essa verossimilhanga esse provavel esse plausi vel pois cré num passado inatingivel por que passou Registramos com isto a mudanga deliberada do tempo verbal o poderia o teria sido com 0 que a narrativa historica representagao do passado se aproximaria perigosamente da definicao aristotélica da poesia pertencente ao campo da fic ao Ou seja as versoes do acontecido sao de forma incontornavel um poderia ter sido A representagao do passado feita pelo historiador seria marcada por esta preocupacao ou meta a da de vontade de chegar Ja e nao da certeza de oferecer a resposta certa e unica para 0 enigma do passado Assim a nogao proposta por Paul Ricoeur de representancia vem ao encontro desta propriedade do trabalho do historiador mais do que construir uma represen tagao que se coloca no lugar do passado ele marcado pela vontade de atingir es te passado Tratase de uma militancia no sentido de atingir o inatingivel ou seja oO que um dia se passou no tempo fisico ja escoado O segredo semantico de aproximagao dos discursos se encerra neste tempo ver bal teria acontecido O historiador se aproxima do real passado recuperando com o seu texto que recolhe cruza e compoe evidéncias e provas na busca da ver dade daquilo que foi um dia Mas sua tarefa é sempre a de representacao daquela temporalidade passada Ele também constroi uma possibilidade de acontecimen to num tempo onde nao esteve presente e que ele reconfigura pela narrativa Nesta medida a narrativa historica mobiliza os recursos da imaginagao dando a ver e ler uma realidade passada que so pode chegar até o leitor pelo esforo do pensamento Embora seja nesse ponto que as tradicoes literaria e historiografica se conver gem falar de uma possibilidade a semelhanga para por aqui A historia usa de fontes e a literatura nao ou nao necessariamente O uso da fonte e a ana lise desta fazem e trazem a diferenca entre os campos Por outro lado no aprofundamento destas questoes constatase que tem sido tra dicional reservar a literatura 0 atributo da ficgao negando esta condigao ou prati ca ao campo da historia Num giro de analise poderiamos também acrescentar que o fato historico é em si também criacao pelo historiador mas na base de documentos reais que falam daquilo que teria acontecido Como diz Jauss nao é possivel manter ainda uma distingao ingénua e radical entre res factae e res fictae como se fosse possivel chegar por meio de documentos reais a uma verdade incontestavel e por outro lado por meio de artificios ficar no mundo da fantasia ou pura invengao No contrafluxo da ficgao 0 que teriamos a verdade Se esta for como propoe Aristoteles a correspondéncia do discurso com 0 real ja vimos que nos caminhos do resgate do real passado a historia se baseia mais em versoes e possibilidades do que certezas O distante passado como atingilo na sua integridade E mesmo que por um passe de magica para um outro tempo féssemos transportados na posicgao de testemunha ocular dos fatos o que veriamos Sem duvida nossa visao seria diferente da do companheiro que nos acompanhasse nesta viagem fantasti ca no tunel do tempo E ao retornar ao nosso tempo teriamos multiplas versoes do acontecido E incontestavel o fato de que cada observador vé um determinado fato a seu modo Nao ha como diferentes olhares enxergarem um ocorrido de forma idéntica Todos nos trazemos conhecimentos e dados acumulados anterior mente Essa experiéncia faz diferenga Os historiadores do tempo presente ou da historia oral que o digam quao dificil é lidar com os testemunhos dos diferentes protagonistas de um mesmo incidente ou fato historico Quantos relatos e versOes se tecem em cima de um mesmo fato Para construir a sua representacao sobre o passado a partir das fontes ou rastros o caminho do historiador é montado através de estratégias que se aproximam das dos escritores de ficgao através de escolhas selecoes organizacgao de tramas de cifragao de enredo uso e escolha de palavras e conceitos Mas entao poderiamos nos perguntar os historiadores tal como os escritores de literatura produziriam versoes imaginarias do real A narrativa historica seria uma espécie de ficgao Ha sem duvida uma definigao corrente explicita no conhecido dicionario Aurélio que afasta da historia a ficgao em uma primeira acepcao ficcao é o ato de fingir simular e em outra significa coisa imaginaria fantasia invenao criaao Tal de finigao corresponde a um estatuto reconhecido a um senso comum que chega até a academia a historia é diferente é a narrativa organizada dos fatos acontecidos logo nao é fingimento ou engodo delirio ou fantasia Preferimos definir a ficgao na sua acepgao que como diz Natalie Davis estava ainda presente no século XVI antes do cientificismo do século XIX converter a historia na rainha das ciéncias e de colocar nao no seu horizonte mas no seu campo efetivo de chegada a verdade verdadeira do acontecido Este posiciona mento antigo nos fala da ficgaofingere como uma criacao a partir do que existe como construcao que se da a partir de algo que deixou indicios A palavra fictio corrobora Ginzburg esta ligada a figulus oleiro ou seja aquele que cria a partir de algo No caso do historiador este algo que existiu seriam as fontes tracgos da evidéncia de um acontecido espécie de provas para a construgao do passado Na complementacao deste entendimento que afasta a ficcao da pura fantasia Carlo Ginzburg cita Isidoro de Sevilha quando este escreveu dizendo que falso era o nao verdadeiro fictio fictum era o verossimil Nos trechos anteriores a autora colocanos muito claramente o distancia mento entre historia e ficcao Vale a pena fazer alguns apontamentos acerca das assertivas apresentadas Bem sabemos que o historiador esta preso as fontes e a condicao de que tudo te nha acontecido O historiador nao cria o trago no seu sentido absoluto eles os des cobre os converte em fonte e lhes atribui significado Ha que considerar ainda que estas fontes nao sao o acontecido mas rastros para chegar a este Se sao discur SOs Sao representagoes discursivas sobre 0 que se passou se sao imagens sao também construoes graficas ou pictoricas por exemplo sobre o real Assim os tragos que chegam do passado suportam esta condiao dupla por um lado sao restos marcas de historicidade por outro sao representacoes de algo que teve lu gar no tempo Fontes como restos e como representacoes Esse passado que ganha signifi cado nao pode ser compreendido como unico Essa uma das énfases que vem sendo trabalhadas neste artigo Essa é uma reflexao que devera fazer par te de seu cotidiano de professor e pesquisador em Historia Mas a rigor é o historiador que transforma estes tragos em fontes através das perguntas que ele faz ao passado Atribuindo ao trago a condiao de documento ou fonte portador de um significado e de um indicio de resposta as suas indagaoes o historiador transforma a natureza do traco Transforma o velho em antigo ou seja rastro portador de tempo acumulado e por extensao de significagoes Como fonte o traco revela desvela sentidos A rigor o historiador tem o mundo a sua disposiao Tudo para ele pode se conver ter em fonte basta que ele tenha um tema e uma pergunta formulada a partir de conceitos que problematizam este tema e 0 constroem como objeto E a partir dai que ele enxergara descobrira coletara documentos amealhando indicios para a decifragao de um problema Cabe ao historiador a partir de tais elementos expli car o como daquele ocorrido inventando o passado Mas se ele inventa o passado esta é uma ficgao controlada o que se da em pri meiro lugar pela sua tarefa de historiador no ambito do arquivo no trato das fon tes Em segundo lugar ha um condicionamento a esta liberdade ficcional imposta pe lo compromisso do historiador com relagao ao seu oficio O historiador quer e se empenha em atingir o real acontecido uma verdade possivel aproximada do real tanto quanto lhe for permitido Esta é a sua meta a razao de seu trabalho e este de sejo de verdade impoe limites a criagao Entre a invengao livre e a invengao pautada em documentos ha o limite da criacao E justamente esse limite que impede os historiadores da Nova Historia Cultural de acreditar que todas as interpretagoes sao possiveis Apenas as interpretagoes pautadas nesses limites pesquisa aprofundada das fontes utilizagao de preceitos tedricos etc e descompromissadas com 0 jogo da falsificagao é que sao reconhecidas Em terceiro lugar a ficgao na historia é controlada pelas estratégias de argumen tagao a retorica e pelos rigores do método testagem comparagao e cruza mento na sua busca de reconstituir uma temporalidade que se passou por fora da experiéncia do vivido Sua versao do passado deve hipoteticamente poder comprovarse e ser submetida a testagem pela exibicao das fontes bibliografia citagoes e notas de rodapé como que a convidar o leitor a refazer o caminho da pesquisa se duvidar dos resultados apresentados O texto por sua vez deve con vencer o publico leitor O uso dos conceitos das palavras a construao de argu mentos devem ser aceitos colocandose no lugar do ocorrido em explicagao satis fatoria Mas e esta parece ser uma especificidade muito importante a reconstituiao do passado vivido pela narrativa historica da a ver uma temporalidade que so po de existir pela forga da imaginagao como ja foi apontado Ficgao pois Ficgao controlada Ficgao historica possivel dentre de certos principios E este no caso se apolariam em desejo de veracidade e resultado de verossimilhanga A historia 6 um romance verdadeiro disse 0 iconoclasta Paul Veyne no inicio da década de 70 Verdadeiro porque aconteceu mas romance porque cabe ao histori ador explicar 0 como E nesta instancia na urdidura do texto e da argumentagao na selegao dos argumentos e das proprias marcas do passado erigidas em fontes é que se coloca a atuagao ficcional do historiador Como diz Jans Robert Jauss o historiador faz sempre uma ficgao perspectivista da historia Nao ha so um reco Ihimento do passado nos arquivos A historia sempre construgao de uma expe riéncia que reconstroi uma temporalidade e a transpoe em narrativa Chamamos a isto de estetizacao da Historia ou seja a colocagao em ficgao ou narrativizagao da experiéncia da historia Mesmo os limites sendo estabelecidos e seguidos a risca ainda assim ocorre a narrativizacao da experiéncia historica Por esse e outros motivos ja discor ridos aqui fica realmente dificil para alguns autores aceitar a separacao total entre Historia e Literatura Como pode observar ha inumeros pontos a serem refletidos nessa relagao Mas nos voltemos agora para uma segunda instancia de analise que é a do uso da literatura pela historia sem que com isso estabelegcamos hierarquias de valor so bre os modos de dizer o real Quando nos referimos ao uso da literatura pela histo ria NOs reportamos ao lugar de onde se enuncia o problema e a pergunta que no caso o campo da historia Sob esta segunda Otica ai sim podemos dizer que o dialogo se estabelece a partir de uma hierarquizaao entre os campos a partir do lugar onde sao colocadas as questoes ou problemas E neste caso a partir deste particular e especifico ponto de vista podemos dizer que quando a historia coloca determinadas perguntas ela se debruga sobre a literatura como fonte Nesta medida um dialogo se estabelece no jogo transdisciplinar e interdiscursivo das formas de conhecimento sobre o mundo onde a historia pergunta e a literatu ra responde E preciso ter em conta contudo que os discursos literario e histérico sao formas diferentes de dizer o real Ambos sao representagoes construidas sobre o mundo e que traduzem ambos sentidos e significados inscritos no tempo Entretanto as narrativas historica e a literaria guardam com a realidade distintos niveis de aproximagao A recorréncia do uso de um campo pelo outro 6 pois possivel a partir de uma postura epistemoldgica que confronta as tais narrativas aproximandoas num mesmo patamar mas que leva em conta a existéncia de um diferencial Historiadores trabalham com as tais marcas de historicidade e desejam chegar Ia Logo frequentam arquivos e arrecadam fontes se valem de um método de analise e pesquisa na busca de proximidade com o real acontecido Escritores de literatu ra nao tem este compromisso com o resgate das marcas de veracidade que funcio nam como provas de que algo deva ter existido Mas em principio 0 texto literario precisa ele tambem ser convincente e articulado estabelecendo uma coeréncia e dando impressao de verdade Escritores de ficgao também contextualizam seus personagens ambientes e acontecimentos para que recebam aval do publico lei tor O compromisso com 0 verossimil torna o texto do historiador algo verificavel pelas fontes A literatura aqui como narrativa e como texto construido é im portante na problematizacao historica A relacgao estreitase mas continua sem que ambas se tornem uma SO ou seja ficgao Mas se a literatura pode ser fonte para a historia uma terceira instancia de anali se se introduz que é a da especificidade e riqueza do texto ficcional Sem duvida sabemos do potencial magico da palavra e da sua forga em atribuir sentido ao mundo O discurso cria a realidade e faz ver o social a partir da lingua gem que o designa e o qualifica Ja o texto de ficgao literaria é enriquecido pela propriedade de ser o campo por exceléncia da metafora Esta figura de linguagem pela qual se fala de coisas que apontam para outras coisas uma forma da inter pretagao do mundo que se revela cifrada Mas talvez ai esteja a forma mais desafi adora de expressao das sensibilidades diante do real porque encerra aquelas coi sas naotangiveis que passam pela ironia pelo humor pelo desdém pelo desejo e sonhos pela utopia pelos medos e angustias pelas normas e regras por um lado e pelas suas infragoes por outro Neste sentido o texto literario atinge a dimensao da verdade do simbolico que se expressa de forma cifrada e metaforica como uma forma outra de dizer a mesma Coisa A literatura é pois uma fonte para o historiador mas privilegiada porque lhe dara acesso especial ao imaginario permitindolhe enxergar traos e pistas que outras fontes nao lhe dariam Fonte especialissima porque lhe da a ver de forma por ve zes cifrada as imagens sensiveis do mundo A literatura é narrativa que de modo ancestral pelo mito pela poesia ou pela prosa romanesca fala do mundo de forma indireta metaforica e alegorica Por vezes a coeréncia de sentido que o texto lite rario apresenta é o suporte necessario para que o olhar do historiador se oriente para outras tantas fontes e nelas consiga enxergar aquilo que ainda nao viu A literatura da acesso ao imaginario e de forma indireta fala do mundo O mito neste contexto um exemplo importante Um estudo mitografico por exemplo pode nos indicar as diferentes interpretagoes que um mesmo mito recebeu algumas delas respeitando os limites da ficgao e outras nao Para sa ber mais a esse respeito indicamos a obra de Marcel Detienne A invencao da Mitologia Tradugao de André Telles e Gilza Martins Saldanha da Gama Rio de Janeiro José Olympio Brasilia UnB 1992 A literatura cumpre assim um efeito multiplicador de possibilidades de leitura Estariamos diante do efeito de real fornecido pelo texto literario que consegue fa zer seu leitor privilegiado no caso o historiador com o seu capital especifico de conhecimento divisar sob nova luz o seu objeto de analise numa temporalidade passada Nesta dimensao o texto literario inaugura um plus como possibilidade de conhecimento do mundo O mundo da ficgao literaria este mundo verdadeiro das coisas de mentira da acesso para nos historiadores as sensibilidades e as formas de ver a realidade de um outro tempo fornecendo pistas e tracgos daquilo que poderia ter sido ou acon tecido no passado e que os historiadores buscam Isto implicaria nao mais buscar o fato em si o documento entendido na sua dimensao tradicional na sua concre tude de real acontecido mas de resgatar possibilidades verossimeis que expres sam como as pessoas agiam pensavam 0 que temiam 0 que desejavam A verdade da ficgao literaria nao esta pois em revelar a existéncia real de perso nagens e fatos narrados mas em possibilitar a leitura das questoes em jogo numa temporalidade dada Ou seja houve uma troca substantiva pois para o historiador que se volta para a literatura o que conta na leitura do texto nao é o seu valor de documento testemunho de verdade ou autenticidade do fato mas o seu valor de problema O texto literario revela e insinua as verdades da representacao ou do simbolico através de fatos criados pela ficgao Mais do que isso 0 texto literario 6 expressao ou sintoma de formas de pensar e agir Tais fatos narrados nao se apresentam como dados acontecidos mas como possibilidades como posturas de comportamento e sensibilidade dotadas de cre L o texto literario é expressao ou sintoma de formas de pensar e agir Nao é a toa que a historia das mentalidades e a Nova Historia Cultural fizeram uso continuo de fontes literarias Elas dao acesso a um universo todo particular que outras categorias de fontes nao dao indicios A pesquisa acerca do pensar e do agir é cara aos historiadores Nesta ultima dimensao de analise que pensa a especificidade da literatura como fonte cabe retomar a ja mencionada reconfiguracgao temporal O conceito desen volvido por Ricoeur de maneira exemplar nos coloca diante da possibilidade de pensar a literatura na relagao com a historia como um inegavel e recorrente teste munho de seu tempo Admitimos que a literatura é fonte de si mesma enquanto escrita de uma sensibi lidade enquanto registro no tempo das razoes e sensibilidades dos homens em um certo momento da historia Dos seus sonhos medos angustias pecados e vir tudes da regra e da contravengao da ordem e da contramao da vida A literatura registra a vida Literatura é sobretudo impressao de vida E com isto chegamos a uma das metas mais buscadas nos dominios da Historia Cultural capturar a im pressao de vida a energia vital a enargheia presente no passado na raiz da expli cacao de seus atos e da sua forma de qualificar o mundo E estes tracos eles po dem ser resgatados na narrativa literaria muito mais do que em outro tipo de do cumento Como afirma Ginzburg a poesia ou literatura constitui uma realidade que é verdadeira para todos os efeitos mas nao no sentido literal Sem duvida que esta dimensao podera ser contestada sob o argumento de que so a literatura realista na linha de Balzac ou Zola poderia ser alternativa ao histori ador para recuperar as sensibilidades de uma temporalidade determinada atuan do como aquele plus documental de que se falou Mas o que queremos afirmar é que mesmo a literatura que reinstala o tempo de um passado remoto ou aquela que projeta ficcionalmente a narrativa para o futuro sao também testemunhos do seu tempo Romances da Cavalaria no século XIX dao a ver 0 imaginario que 0 mundo nove centista construia sobre a Idade Média assim como a ficgao cientifica de um Jules Verne possibilita a leitura das utopias do progresso que embalavam os sonhos e desejos dos homens do século passado Deste ponto de vista tudo é sob o olhar do historiador matéria historica para a sua analise Em suma entendemos que todas estas questoes enunciadas que pensamos reve la a riqueza de uma velhanova historia se encontram ao abrigo da postura que se convencionou chamar de historia cultural Esta a partir de seus pressupostos e preocupaoes proporciona uma abertura dos campos de pesquisa para a utiliza cao de novas fontes e objetos entre as quais se encontra o texto literario Notas 1 Consultese a proposito do tema 2 Boia Lucian Pour une histoire de limaginaire Paris Belles Lettres 1998 3 Ver por exemplo o n 47 da revista Traverses Ni vrai ni faux Traverses Révue du Centre Georges Pompidou Paris n47 1989 4 SO como exemplo podemos citar a polémica em torno da obra de Hayden White Metahistoria Sao Paulo Edit da Universidade de Sao Paulo 1992 5 Ricoeur Paul Temps et récit Paris Seuil 19835 3v 6 Consultar a proposito da literatura na sua aproximaao com a historia envol vendo a questao da ficgao os numeros 54 56 e 86 da revista Le Débat 7 Jauss Hans Robert Lusage de la fiction en histoire Le Débat Paris Gallimard n54 marsavril 1989 p81 8 Davis Natalie Du conte et de lhistoireLe Debat Paris Gallimard n 54 mars avril 1989 p 140 9 Ginzburg Carlo Olhos de madeira Nove reflexdes sobre a distancia Sao Paulo Companhia das Letras 2001 p 55 10 Ginzburg Carlo opcit p 57 11 Expresso por mim utilizada para um artigo que discutir imagens pictoricas e li terarias e o seu uso pela historia Pesavento Sandra Jatahy Este mundo verdadei ro das coisas de mentira entre a arte e a historia Estudos historicos Arte e histo ria Rio de Janeiro FGV n30 p 5675 12 Ginzburg Carlo Olhos de madeira Opcit p 55 Ao finalizar essa leitura talvez uma pergunta seja colocada e a Biblia Se ela é um texto narrativo que busca apresentar um ocorrido verossimil 6 uma fonte literaria de que a Historia pode fazer uso ou é uma fonte historica que traz ele mentos da Literatura Ou ainda o texto biblico é ficgao ou verdade mesmo que relativa Para saber mais sugerimos a leitura do livro As Origens da Biblia e os Manuscritos do Mar Morto de Edgard Leite Sao Paulo Centro de Historia e Cultura Judaica 2009 12 Posmodernismo paradigmas e crise Por fim vamos sintetizar a critica posmoderna perpassando a hipervaloriza cao da cultura questionando a cientificidade da Historia e reafirmando o rela tivismo diante dos diferentes discursos historiograficos acerca de um mesmo tema entendendo que todos sao possiveis Alem disso vamos caracterizar a produgao historiografica posmoderna destacando seus principais autores e obras Quando questionamentos sao levantados acerca da Historia da historiografia e dos conceitos utilizados pelos historiadores outras perguntas devem ser so madas as primeiras de que lugar social ou institucional fala o autor Quais sao as motivag6es pro fundas as suas escolhas metodoldgicas até mesmo as suas opcoes politicas ou fi losoficas Procedendo deste modo evitamse muitos erros de interpretacgao e per das de tempo BOURDE 1990 p 215 O termo posmodernismo veio para chacoalhar as estruturas historiografi cas mas em contrapartida auxiliou no planejamento de novas estratégias de defesa e ataque da Historia da historiografia e dos historiadores Mas sera mesmo que estamos na posmodernidade Esse conceito é real ou uma mis tificagao 13 Caracteristicas da historia posmoderna No seio da Historia e da historiografia surge mais um conceito pdsmoderno De um modo breve para além de todas as indicacoes ja realizadas durante a disciplina podemos definir posmodernismo como aquela teoria que nao acei ta a cosmovisao ou nas palavras de Lyotard 1986 tal palavra designa o esta do da cultura apos as transformacoes que afetaram as regras dos jogos da ci éncia da literatura e das artes a partir do final do século 19 Mas ele nao vem sozinho pois encarar as praticas dos historiadores requer a forca de um exér cito Assim ele trouxe consigo o relativismo 0 discurso as praticas as repre sentacgdes a desconstrucao a descontinuidade a narrativa e a ficcao Invertemse e rejeitamse assim geral e cotidianamente os paradigmas tradi cionais MARTINS 2007 Com base no exposto tomando a Nova Historia Cultural como uma forte re presentante posmoderna vemos que suas contribuigoes permitiram que hou vesse uma nova construao e uma interpretaao do real que a linguagem ga nhasse em importancia que o imaginario fosse revisitado e que a funcao her menéutica da interpretagao e a problematica do discursotextocontexto en trassem em cena ARAUJO 2007 Entretanto como vocé pdde perceber nao é de hoje que sabemos que as histo rias sempre sao escritas e reescritas considerandose os diferentes contextos dos historiadores e seu publico As novas fontes e os novos métodos permiti ram que essas mesmas historias fossem mais bem escritas do mesmo modo que viabilizaram os debates no pensamento ocidental em torno de bindmios como razao e vida experiéncia imediata e abstracao atualidade e Historia ALMEIDA 2003 p 8182 Mas a reescrita nao cobrou a verdade absoluta ou objetiva as fontes agora compreendidas como construgao nem mesmo permitiam essa postura Como escreveu White 1994 p 5960 nao se espera que Constable e Cézanne tenham procurado a mesma coisa numa dada paisagem e quando se compara suas respectivas representacgoes de uma pai sagem nao se espera ser necessario fazer uma escolha entre elas e determinar que é a mais correta Aplicado a escrita da Historia o cosmopolitismo metodoldgico e estilistico obrigaria os historiadores a abandonarem a tentativa de retratar uma parcela particular da vida do angulo correto e na perspectiva verdadeira e a reconhecer que nao ha essa coisa de visao unica e correta Pois deveriamos re conhecer que o que constitui os proprios fatos é o problema que o historiador apre senta as fontes Porém uma outra contribuicao do relativismo cultural foi sua crenga de que nao ha uma unica historia a do Ocidente civilizado O etnocentrismo da histo riografia ocidental abriu as portas para o reconhecimento e valorizaao das historias dos povos conquistados Entre aqueles que discutirao as novidades do posguerra estao alguns dos historiadores presentistas O historiador pre sentista é um relativista porque acredita que um dos elementos principais no trabalho de interpretagao das fontes é o proprio cotidiano do historiador SILVA 2006 p 352 14 Criticas a historia posmoderna Dizse que um saber esta aberto as criticas quando pode ser verificado in crementado contestado corroborado refutado aplicado ALMEIDA 2003 p 57 Partindo dessa assertiva observe as consideragoes tdopicas a seguir so bre a Historia posmoderna de um modo geral e sobre a Nova Historia Cultural mais especificamente e os diferentes discursos historiograficos acerca de um mesmo tema sao todos possiveis relativismo valorizagao acentuada do representacio nalismo e questionamento da cientificidade da Historia e hipervalorizagao do cultural Pois bem como nao criticar uma Historia que considera tudo como verdade relativa Ou seja se nenhuma verdade pode ser refutada entao tudo todas as teorias é possivel E se toda verdade é relativa e por conseguinte nao objeti va a Historia nao é ciéncia Entao qual o lugar dela uma vez que também se rejeitou o adjetivo de ficgao Se brigaram tanto pelo distanciamento da velha historia politica por que enfatizar demasiadamente o cultural Nao é um re torno do absolutismo de um conceito Nao lhe parece que em ultima analise esta ocorrendo a dissolucdo da propria historia cf MULLER 2007 p 69 Por todos esses questionamentos Cardoso 2005 acredita que o movimento da Historia Cultural entrou em estagio de superacao tanto por suas debilidades intrinsecas quanto pela acao da Historia que tem brecado seu fortalecimento e entrevado a sua persisténcia O proprio Peter Burke ao final de seu livro O que é Historia Cultural afirma que nao defendeu e nao acredita que a historia cultural seja a melhor forma de historia Segundo ele é imperativo um empreendimento historico coletivo ou seja a uniao das historias economica politica intelectual e social para uma visao da historia como um todo pois mais cedo ou mais tarde acontecera uma reagao contra a cultura cf BURKE 2005 p 163 A restauracao é sempre incompleta Por mais que inumeros detalhes fossem recuperados 0 passado ja passou as fontes so respondem de acordo com as perguntas que fazemos a elas e 0 texto ganha forma para além de nossas mentes Tantos sao os problemas eou ca minhos para se atrever a garantir que o que o historiador faz é o resgate do passado como escutamos inumeras vezes no decorrer de nossa vida escolar No momento enquanto o dialogo de surdos racionalistas versus pos modernos é transmitido esperemos pelas marcas que serao deixadas vamos nos propor que nossa humana condiao seja provisoria e por esse motivo que somos advogados de idéias e nao donos de idéias RIEDEL 1988 p 61 De qualquer modo nao é possivel desconsiderar os pressupostos do pos modernismo e negar veementemente sua relevancia pois suscitou e ainda provoca interrogacoes Finalizando nossas discussoes fica uma reflexao Foucault apud Obrien 2001 p 37 teria dito Nao me perguntem quem sou e nao me pecam que continue sendo o mesmo Tomando suas palavras como uma espécie de verdade obje tiva se é que ela existe podemos ao final desta disciplina concluir que nao perguntem o que é a Historia ou a sua escrita nem mesmo peam que conti nuem sendo as mesmas O texto a Seguir é um discurso acerca da religiosidade na Grécia Classica Ele é um exercicio de Historia Cultural que pretende evidenciar algumas praticas verossimeis na Antiguidade defendidas pelos historiadores filiados a Escola dos Annales e a Historia Cultural Ele se apresenta portanto como uma das verdades possiveis sobre a pratica religiosa grega A religiosidade na Grécia Classica mitos ritos e representagao figurada Tentar esbocar o quadro da religiao ou religiosidade de uma dada sociedade nao é uma tarefa das mais simples Muitas dificuldades surgem objecdes nos assaltam e préconceitos nos acompanham Nesse sentido ainda mais complicado tornase o estudo de uma religiosidade ja morta como é 0 ca so daquela grega e a aplicacao para aquela sociedade do sentido de religiao ou religiosidade tais quais entendemos hoje pois tratavase de uma pratica religiosa sem deus unico sem igreja sem cle ro sem dogmas sem promessa de imortalidade como é 0 caso do Cristianismo ao qual estamos to dos nos inseridos de maneira direta ou indireta Portanto nossas referéncias religiosas devem ser deixadas de lado ao analisar aquele contexto Essas diferencas sao compreendidas somente quando comparamos as mais diversas religides e suas praticas Mas em um sentido particularmente importante todas as sociedades sejam elas antigas sejam elas contemporaneas encontraramse sempre diante de realidades incontrolaveis e nao hu manas ou seja privadas de significagao A religiao nesses momentos foi uma das respostas possi veis para explicacao dessas realidades incontrolaveis que surgiam perante os homens sem uma causa aparente Diferentemente da Fisica a Historia da Humanidade e da Cultura nao conhece rigi das leis de causalidade mas apenas relacoes elasticas de probabilidade entre certos tipos de situa codes e certos tipos de reagoes por parte das sociedades humanas por esse motivo explicar racional mente nao satisfazia o espirito daqueles que buscavam entender o mundo Sabendo que a religiao é uma das respostas aplicadas pelo homem aos seus grandes questionamen tos uma pergunta apresentase a religiao em si mesma constitui um fendmeno auténomo ou seja posso estudala em detrimento de outros setores da sociedade em questao E a pratica religiosa ou seja podemos desvincular a religiosidade dos setores social e artistico por exemplo Portanto a reli giao nao existe em si e para si mas em fungao de fatos sociais politicos econdmicos etc Nesse sen tido alguns autores dizem que o estudo da Historia da Religiao nao é mais que um caso particular da Historia da Civilizagao ou simplesmente da Historia e outros afirmam que o aspecto religioso da vi da social contribui a compor juntamente com os demais aspectos econdmico técnico politico juri dico estético etc um conjunto significativo no qual um fator somente é compreendido se tomado em relacgao aos outros Esse fato levanos a crer que nao existe nenhuma religiao individual mas apenas religides de grupos humanos Nestas os individuos podem aderirse total parcialmente ou de uma maneira particulari zada assim como também nao se inserirem O que é individual é a religiosidade ou seja o modo particular de participar na religiao Com base nesse dado o historiador nao deve aceitar a pressupo sicgdo de que religiao ou a religiosidade é inata ao homem nao estamos aqui questionando se o ho mem é um ser religioso por natureza ou nao mas considerando que aquela religiao ou religiosidade praticada por ele lhe foi apresentada portanto teve sua construgao particular para cada homem Qual seria entao a tarefa da Historia das Religides As respostas apontam que nao é das mais faceis reconstituir conjuntos de doutrinas crengas praticas e instituigcdes historicamente atestadas ou po sitivamente verificaveis examinar as religides em suas complexidades e singularidade em meio e épocas determinados reconstrucao da génese genealogia e destino das religides explicar a religiao levando em consideraao seu relacionamento com outros aspectos da vida em sociedade circuns tancias e condicoes historicas influéncias recebidas ou experimentadas que poderiam conduzir sua religiao a uma evolucao ou série cronoldgica de estagios onde cada um esta relacionado com o pre cedente Por ser tao complexa a sua fungao a Historia das Religides pode e deve ser relacionada a qualquer outra disciplina das Ciéncias Humanas podendo assim proporcionar matéria a essas disciplinas como também tomar emprestado delas seus dados teorias e métodos Mas falar em Historia das Religides implica definirmos o conceito de religiao Mais uma tarefa arris cada afinal nenhuma civilizagao arcaica ou classica possuia um termo que correspondia 4a religiao como hoje concebemos daquela derivada do latim religio relegere ou religare O proprio termo latino em tempos antigos nao possuia a acepcao moderna de religiao indicava um conjunto de obe diéncias adverténcias regras e interdigoOes que nao faziam referéncia a adoracao da divindade as tradigOes miticas ou as celebragoes das festas nem as outras manifestacgoes consideradas na atuali dade religiosas Portanto apontamos um paradoxo aqui pode se ter uma religiao sem possuir 0 con ceito em outras palavras nosso conceito é aplicado a varios fenédmenos que nessas civilizagoes nao se distinguiam entre religiosos ou nao Querer definir religiao é querer dar um significado preciso a um termo por natureza polissémico for jado por nos e que empregamos com as mais vagas e imprecisas significacgoes No entanto ha duas vantagens nas mais diferentes definicoes préfabricadas desse conceito por um lado por ser aberto demais 0 conceito abarca a totalidade dos fendmenos que consideramos religiosos por outro a au séncia de uma definicao fechada do termo evita a reducao a uma ordem sistematica dos mais varia dos fendmenos Nos historiadores devemos dar a devida importancia ao fato de que os fendmenos religiosos tomam formas diversas apresentandose modificadas em seu detalhe ou em sua composi cao segundo as particularidades do sistema religioso do qual dependem segundo a época e os indi viduos Devemos relevar ainda o fato de que esses fendmenos nao sao puramente historicos dessa forma nao podem ser considerados pelo historiador como puros acontecimentos mas ao contrario este deve buscar compreendélos experimentalos e penetrar em seus sentidos Para tanto para que tal tarefa se realize 6 necessario ter em maos dados que comprovem nossas teses afinal o historia dor pode constatar e interpretar fatos comprovados mas nao formular juizos sobre épocas remotas e nao documentadas Mas onde podemos encontrar a manifestacao da religiao Nas civilizagoes ditas primitivas a reli giao manifestase nos detalhes alimentagao vestuario disposiao das habitagoes relagoes com pa rentes e estranhos atividades econédmicas e divertimento A religiao forma parte de sua vida e nao ha motivo para que a distinga dos outros aspectos de sua existéncia E dentro de uma Otica religiosa podemos definir como sagrado as ideias as doutrinas as conviccoes as crengas os relatos as agoes individuais as normas as proibicoes as relagoes as pessoas os animais as plantas os materiais os objetos naturais ou fabricados de lugares ou épocas diferentes Mesmo com toda essa diversidade de documentos em maos muitos estudiosos fizeram do complexo algo simples ou seja com teorias re ducionistas ou generalizantes fizeram do universo religioso uma mera fabulagao pura imaginagao humana O primeiro ponto a ser analisado é 0 que se refere a algumas abordagens que foram aplicadas ao es tudo da religiosidade grega Desde o século 19 até o meado do nosso século esses estudos eram em sua maioria comparativistas Seus autores elaboravam a analise partindo do ponto de vista do Cristianismo que tornava o politeismo uma pratica herege incorreta maliciosa e até mesmo insana O Cristianismo era colocado como superior a pratica correta a maneira mais eficaz de contato entre homens e deuses nesse caso entre o homem pecador e o Deus unico Alguns historiadores do sé culo 19 principalmente iniciavam suas pesquisas com a conclusao ja formulada houve uma religiao grega politeista mas em todos os seus aspectos inferior a religiao crista que promove a salvagao das almas Ja no século 20 as conclusoes foram um pouco diferentes O mito passa a ser visto como verdade essencial construcao regrada estrutura elementar do pensamento humano Porém mais uma vez a comparacao dessa vez em relacao aos selvagens da América da Australia em alguns ca sos tornaos linguagem de um povo infantil ainda em processo de evolugao Assim por mais racio nal que seja qualquer classificagao das religides resulta ficticia ou incompleta Desse modo podemos excluir o postulado evolucionista pois nao é simples conceber a ideia de que todas as religioes teri am partido do simples ao complexo da inferior ao superior tendo um mesmo estado inicial Igualmente é complicado aceitar uma classificagao segundo uma linha continua de evolucao que classifica tipologicamente religides da natureza ou religides de civilizagao Algumas destas abordagens implicavam trés tipos de atitudes acerca da religiao separacao da reli giao crista das outras religides tidas como falsas pagas ou supersticiosas subordinagao da religiao crista a todo o resto ou ainda a uniao de todas as religides num mesmo grupo Com 0 estruturalismo de LéviStrauss e a comparacao de Dumézil na metade do século 20 foi alcan cada a ideia de que uma religiao é um sistema um pensamento articulado uma explicagao do mun do Esta conclusao foi possivel apos observar as estruturas os mecanismos os equilibrios constituti vos da religiao e da religiosidade definidos discursiva ou simbolicamente No entanto nosso proposito é o de evidenciar a religiosidade da sociedade grega e nesse caso nao temos como deixar de citar os estudos acerca da mitologia uma das componentes desse estilo religi oso Esses mesmos estudiosos anteriormente citados na sua maioria entendiam o mito ou a mitolo gia de forma mais abrangente como engano fabulacao natural espontanea aberracao da linguagem primitiva escandalo historias selvagens e absurdas ou ainda aventuras infames e ridiculas DETIENNE 1992 JeanPierre Vernant cita como exemplo de estudos realizados dentro de uma perspectiva crista 0 trabalho de AJ Festugiére que afirma que so o culto diz respeito ao religioso e por esse motivo a mitologia deve ser excluida desse campo Nao concordando com essa postura Vernant escreve que sem a mitologia sernosia bem dificil conceber os deuses gregos VERNANT 1992 p 10 E completa o historiador da religiao grega deve guardarse de cristianizar a religiao antiga que nao é menos rica ou complexa e organizada intelectualmente que as de hoje sao diferentes A tarefa do historiador é assinalar o que pode ter de especifico na religiosidade dos gre gos nos seus contrastes e suas analogias com os outros grandes sistemas politeistas e monoteistas que regulamentam as relagdes dos homens com o além VERNANT 1992 p 11 E essa posicao é observada em suas obras referentes a mitologia e religiao gregas Vernant embora tenha comparado em alguns momentos as duas formas religiosas nao o fez como um etnologo que superestima uma cultura em detrimento da outra ele analisou o politeismo grego por ele mesmo nao fez préjulgamentos nao iniciou seus estudos com ressalvas O autor buscou respostas que es claregam o estilo religioso grego como ele mesmo denominou O politeismo e o mito grego para o autor nao eram entendidos como erros que se opoem a verdade crista Vernant observou que o que o grego tinha de especifico nas relagdes com o sobrenatural é que ele estabelecia contato com poténcias O mundo era constituido por entidades divinas que exerciam seus poderes em dominios definidos cada qual com seus poderes segundo modalidades de acgao que lhes eram proprias Podemos citar alguns casos Zeus por exemplo era especialmente o deus da luz que encarnava o céu e comandava os seus movimentos regulares como os dias e as estacoes Zeus significava uma soberania justa e ordenada Era respeitado por todos os outros deuses e especial mente pelos homens Hades o deus do Inferno rei dos mortos tinha o poder de tornar os homens in visiveis recebendoos apos a morte Afrodite deusa do amor e da fertilidade podia interferir na vida sentimental dos humanos pelo prazer de lhes ver sob seu dominio No entanto essas divindades do politeismo grego nado eram eternas perfeitas oniscientes ou onipotentes nao criaram o mundo nasce ram nele e dele A Lua 0 Sol a luz do dia a noite ou uma montanha uma gruta uma nascente um rio ou um bosque podiam ser interpretados e sentidos como qualquer uma das divindades do panteao VERNANT 1994 p 10 A relagao nao se estabelecia entre sujeitos Criador e criagao O homem grego nao buscava a salvacao pessoal e nao pensava no bem individual Era uma busca pelo bemestar da cidade dos ci dadaos do homem grego em geral Por essa preocupagao coletiva e pelo fato de a religiosidade estar mesclada ao social percebemos na Grécia uma espécie de religiao civica Essa relagao entre pessoas e poténcias que se dava no plano civicoreligioso permitiu uma consideracgao de Vernant se os deuses sao os da cidade e se nao ha cidade sem divindades protetoras velando por sua protecao 6 a assembléia do povo que tem o poder sobre as coisas sagradas os as suntos dos deuses Ela fixa os calendarios religiosos edita as leis sagradas Dado que nao ha cidades sem deuses os deuses civicos tém em troca necessidade de cidades que os reconhecgam adotem e os fagam seus VERNANT 1994 p 15 De um certo modo élhes necessario como escreve Marcel Detienne tornarse cidadaos para ser in teiramente deuses VERNANT 1996 p16 O que se pode notar na religiosidade grega era que as atividades politicas ou seja as magistraturas tinham algo de divino e que as festividades em honra aos deuses tinham algo de mundano como por exemplo as festas a Dioniso onde o deus era celebrado em meio a embriaguez e orgias Mas como era possivel esta relagao homemPoténcia Se colocada de maneira bem clara a resposta é basta cumprir os rituais e acreditar nos discursos mitol6gicos Mas 0 mundo grego nao era tao simples assim Para comunicarse com as Poténcias os homens utilizavamse de trés recursos es pecificos que constituiam a linguagem religiosa mito rito e representagao figurada melhor dizendo o contato davase por meio das expressoes verbal gestual e figurada A expressao verbal ou oral 6 a propria transmissao e perpetuacao dos mitos que ocorria inicial mente por intermédio das mulheres que agiam como nossas avos contando as lendas antigas e em um outro momento por intermédio dos poetas que passaram essa tradicao oral para a forma es crita garantindo de maneira mais eficaz o prolongamento da tradigao O discurso mitolégico era formado por relatos da criagao do mundo de lutas entre as poténcias e de feitos heroicos Todo mito analisado sob a perspectiva do estruturalismo possui uma composicao propria e uma coeréncia in terna que explicam fatos humanos que justificam atitudes usos e costumes Era pelo e com o mito que a divindade se tornava personagem viva presente e atuante entre os humanos Manter os mitos na vida do homem grego era garantirlhe a tradicgao o aperfeigoamento da técnica de memorizacgao que por suas etapas controle da respiragao e da mente ja era uma comunhao com os deuses Mas por que nas civilizagoes onde estes existiam se criam os mitos Os pensadores gregos ja se pergun tavam e para dar uma justificativa a crenga tao difundida em seu mundo cultural sustentavam que os mitos absurdos do ponto de vista racional escondiam verdades profundas sob a aparéncia de contos fantasticos ou que continham um fundo historico real deformado pela imaginacao popular além de garantir a estabilidade da realidade existente Mas lembremos que nos séculos 6 e 5 aC Hecateu de Mileto Anaximandro Herddoto Platao entre outros estavam questionando fortemente estes discursos miticos que passaram a ser repensados e por vezes negados No entanto mesmo se rejeitados estes relatos eram os Unicos instrumentos de informagao sobre o além Eram os mitos que permitiam uma lucidez maior sobre como o homem de via agir para nao tornarse um cidadao sem historia uma vez que eram estes mitos que revelam sua origem sua estirpe sua tradicao familiar e civica Mais um fator de relevancia que deve ser observado por fazer parte de uma tradicao oral os mitos ganharam inumeras versoes Transmitilo somente era possivel por meio da técnica de memoriza ao ja citada anteriormente Assim temos de aceitar o fato de que uma nova versao poderia apagar ou recobrir alguns pontos da versao precedente uma vez que a materialidade desta ultima residia na voz do intérprete do aedo que a apresentava ao seu publico No entanto mesmo com algumas modi ficagdes os mitos passavam pela aprovacao dos ouvintes que os recebiam como sendo um pequeno trecho de sua historia passada a memoria considerada por Vernant como uma categoria psicoldgi ca de extrema importancia para os gregos uma vez que torna possivel a perpetuacao da tradicao foi também estudada por Marcel Detienne 1992 Em relagao aos ritos eles representavam a forma mais estavel e completa da relacao entre homens e seres sobrehumanos Dirigir preces a um ser sobrehumano significava antes de tudo atribuirlhe uma existéncia Os ritos eram menos explicitos e didaticos que os mitos pois cada gesto cada pala vra tinha um sentido especifico simbdolico Toda cerim6énia ritual na sua grande maioria contava com sacrificios que podiam ser oferecidos as divindades celestes ou infernais Em cada caso havia particularidades que diferenciavam o ritual de maneira marcante Esses ritos podiam por um lado ser realizados em forma de festas solenes onde os deuses convidados estavam presentes estabele cendo a comunicagao entre a terra e o céu Por outro podiam ser vistos como uma carnificina uma cozinha ritualizada Fazse necessario esclarecer que os sacrificios ocorriam fora do templo residén cia permanente dos deuses e eram realizados em altares externos no bomos que era um bloco de al venaria quadrangular Vernant descreve o sacrificio de um animal oferecido a uma divindade celes te Vejamos os passos que necessariamente deviam ser seguidos um animal doméstico enfeitado 6 conduzido em procissao ao som de flautas até o altar aspergido com agua lustral e com um punhado de graos de cevada A cabeca da vitima é arrancada entao cortaselhe a garganta O sangue que jorra sobre o altar é reco lhido num recipiente O animal é aberto extraemlhe as entranhas especialmente o figa do que se examina para saber se os deuses aceitam o sacrificio Nesse caso a vitima é imediatamente esquartejada Os ossos longos sao colocados sobre o altar Certos pedacos internos sao postos para grelhar sobre o altar no mesmo fogo que expede a di vindade a parte que lhe cabe estabelecendo assim o contato entre a Poténcia sagrada destinataria do sacrificio e os executantes do rito VERNANT 1996 p 62 Nos casos de sacrificios a deuses infernais os homens nao podiam tocar na vitima nao comiam de maneira alguma sua carne sendo o sangue derramado diretamente em fendas na terra que o levava aos deuses Nesse caso a vitima devia desaparecer ser totalmente queimada No entanto fazse necessario dizer que esses sacrificios nao deviam ser compreendidos como uma comunhao com os deuses Nao se partilhava do corpo ou sangue da divindade mas da vitima O sa crificio tinha a fungao de estabelecer contatos e nao experiéncias sobrenaturais e ainda confirma vam a distancia entre homens e deuses Tratase como vimos de praticas bem complexas Por meio delas a relagao homemdeus estabeleciase Se aceito o sacrificio a guerra podera ser travada a colheita realizada o adolescente podera adentrar na vida adulta um novo templo construido enfim aceitase a imolacao de uma viti ma a vida social e politica podera tomar seu rumo Eis 0 que significava religiao civica Enfim o ultimo recurso para se estabelecer o contato com as poténcias a representacao figurada Sabese que os gregos conheceram todas as formas de expressao simbolica das divindades a saber pedra bruta mascara figuras de animais monstros ou mesmo figuras humanas Conforme o mo mento os gregos privilegiavam o uso desta ou daquela representacao Do 8 aC ao 7 século aC o formato dessas representagoes nao tinha relacao direta com a ideia do divino Foram nos séculos 5 aC e 4 aC que esses simbolos figurados se transformaram em imagens Nestas estao imbuidos valores religiosos que exprimem certas forcas beleza graca esplen dor juventude saude vigor vida movimento que pertencem particularmente a di vindade e que o corpo humano mais do que outro reflete na flor da idade VERNANT 1973 p 286 Essa representagao humanizada do divino foi sentida principalmente a partir das apresentacoes das tragédias ao grande publico grego Os tragedidgrafos foram uns dos primeiros a elaborar a ideia do deushomem Para encenar suas pegas era preciso criar um figurino apropriado para representar os deuses Dessa forma alguns atributos foram criados como asas mascaras e tridentes entre ou tros E é por meio desses atributos que identificamos os deuses expressos nos vasos nas anforas e nos lécitos gregos A esse respeito Sarian 1987 no artigo A expressao imagética do mito e da reli giao nos vasos gregos e de tradicao grega esta de acordo Ao analisar a iconografia do teatro tragico no tocante ao ciclo de Orestes trilogia de Esquilo Agamenon Coéforas e Euménides a autora obser va que deve ser ressaltado o papel que o teatro desempenhou em relagao a representacao figurada ao ser encenada a peca sugeriu imagens e formas humanas ou bestiais aos pintores dos vasos Nesse artigo Sarian cita o caso das Erinias deusas infernais que perseguiam Orestes pelo matricidio que este cometeu Foi a partir da representacao teatral que as Erinias ganharam formas humanas na ce ramica E a religiosidade presente na arte E a perpetuacao dos mitos que estava sendo garantida Mas ha uma ressalva a ser feita Todas essas figuras nao sao equivalentes nem convém indiferentemente a todos os deu ses ou todos os aspectos de um mesmo deus Cada uma delas tem seu modo proprio de traduzir no divino certos aspectos de presentificar o além de inscrever e localizar o sa grado no espaco aqui na terra Cada forma de representacao implica para a divindade figurada um modo particular de manifestarse aos humanos e de exercer através de su as imagens 0 tipo de poder sobrenatural do qual possui o dominio VERNANT 1992 p 3233 Muitos outros exemplos poderiam ser citados aqui que testemunhariam a religiosidade grega Os gregos acreditavam em seus deuses em suas manifestagoes em seus auxilios O grande numero de discursos miticos 0 riquissimo vocabulario sobre a representagcao figurada a abundancia de estatuas divinas evidenciam que o grego era um homem religioso que vivenciava sua crenga que respeitava as tradicoes enfim que olhava para a Lua e via Selene assim como a noite era Nix olhava para o Sol e via Hélios assim como o dia era Hemera Mais do que simples nomes daquilo que para nos mo dernos sao astros em grego eram nomes de divindades Concluindo a religiosidade grega foi algo real vivido e sentido Os mitos os ritos e a representacgao figurada fizeram parte da rede religiosa de um povo que construiu sua religiosidade que a presenteou com santuarios independentes separados do espaco profano e também neste ou seja os gregos cri aram seus locais sagrados organizaram seu calendario religioso cantaram e pintaram seus deuses e herdis A religiosidade grega uma construcao historica Vernant objetivou em suas analises com preender e nos fazer compreender esse estilo religioso tao particularizado do homem grego saben do da multiplicidade dele Suas metas foram alcangadas Ele deixou evidente essa religiosidade e expos pormenores e especificidades de uma crenga apoiada numa tradicao que englobava a lingua o estilo de vida doméstico o gestual os sistemas de valores as normas da vida em sociedade o sentir e o pensar Neste momento reflita sobre sua aprendizagem respondendo a questao a se guir 15 Consideracoes Neste quinto ciclo de estudos pudemos compreender o atual estado do debate historiografico desde o fim do século XX até os dias atuais Passamos pela Microhistoria pela Nova Historia Cultural e pelo Posmodernismo percebe mos que os aspectos culturais passaram a ter primazia diante de uma percep ao eminentemente politica ou social trabalhando com renovadas interpreta Goes e conceitos Ressaltase também a retomada de algumas preocupacoes que ja haviam si do debatidas anteriormente por outras correntes a exemplo da busca da ver dade e da contestaao sobre a cientificidade da Historia Nesse sentido é que podemos perceber a constante renovacao da historiografia que ao mesmo tempo em que avanga sobre novos temas objetos métodos e fontes também retoma discussoes anteriores por meio de novos focos e perspectivas 16 Consideracoes Finais No decorrer dos estudos desta disciplina pudemos compreender que a histo ria pode possuir diversos usos e significados em decorréncia de cada contexto em que foi produzida sendo que cada um desses contextos acaba por rever as tematicas métodos e fontes de pesquisa elementos fundamentais da constru cao historiografica Assim tais visoes historiograficas possuem suas caracte risticas proprias e 6 nessa direcao que se apresenta como fundamental para o historiador a compreensao do que podemos chamar de uma historia da Historiografia Somente uma visao de longa duragao desse processo pode fa zer com que o historiador se perceba e contribua nessa area quando do estudo eou produgao do conhecimento Nesse sentido devemos ter em mente que éa compreensao da construgao do discurso historiografico ao longo do tempo que nos trara um melhor entendimento do que é a disciplina hoje Outro ponto fundamental de nossos estudos foi a percepcao de que existe um amplo e recorrente dialogo entre as diversas propostascorrentes de pensa mento assim como uma destacada relagao da Historia com as demais ciénci as humanas Assim pudemos perceber que essas diferentes propostas nao se invalidam mas sim podem ser compreendidas como complementares eou agregadoras para a construcao do discurso historiografico Nao podemos per der de vista essa visao agregadora de diversas correntes historiograficas uma vez que uma nova corrente nao poe fim a outras correntes ja existentes mas sim contribui no amadurecimento do oficio do historiador abrindo eou reven do novas possibilidades metodologicas tematicas e de fontes de pesquisa Nesse sentido podemos perceber a constante renovacgao da historiografia pois a0 mesmo tempo em que avana sobre novos temas objetos métodos e fontes também retoma problematicas anteriores por meio de novos focos A construgao do conhecimento so é possivel por meio do constante repensar epistemoldgico motivo pelo qual por muitas vezes temos a impressao de que a historiografia sempre esta passando por um momento de crise
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httpsmdclaretianoedubrhisgs0041 fev2022gradead 1 Introducao Nesta disciplina trataremos de aspectos tedricos e metodologicos da Historia Isto é buscaremos compreender a historia da ciéncia da Historia a partir de questoes epistemoldgicas teoria do conhecimento e hermenéuticas interpre tagao e compreensao Ou seja nos deteremos a historiografia que de forma simplista pode ser entendida com a escrita da historia Dessa forma teremos duas perspectivas para serem tratadas a primeira delas é a de compreender como ao longo do tempo a Historia foi pensada definida e escrita Nessa direcao estudaremos a Historia da Historia ou para empre garmos uma outra expressao a historia da Historiografia ja a segunda sera a de compreender neste panorama os conceitos e procedimentos metodoldgicos criados ao longo do tempo para a escrita da Historia Enfatizando as relagoes da historia com as demais Ciéncias Humanas vere mos as producoes historiograficas da antiguidade do medievo do renasci mento do iluminismo e do positivismo destacando nessas duas ultimas pro ducoes a efetivacao da Historia como disciplina na construgao de um método pretendido como cientifico Dando continuidade vamos nos deter nas contri buigoes do materialismo historico e da criagao da historia problema com a Escola dos Annales em suas trés geracoes Por fim abordaremos as correntes historiograficas mais recentes desde a MicroHistoria e a Historia Cultural chegando a crise de paradigma da posmodernidade entendendo a Historia como discurso pratica e representacao Abordaremos ainda as transformacoes tematicas metodologicas e a amplia cao das fontes de pesquisa em decorréncia das diversas propostas historiogra ficas ao longo do tempo e por fim 0 que tais debates trouxeram de novo para o oficio do historiador Além disso compreenderemos os contextos historicos nos quais as diferentes propostas historiograficas foram desenvolvidas res pondendo aos tipos e funcoes de produgao Em suma 0 cerne desta disciplina sera analisar as mudangas nos paradigmas epistemoldgicos da historiografia que é a forma como o conhecimento histori co foi e é produzido em decorréncia dos diversos métodos fontes e contextos de produgao Assim a disciplina pretende ampliar sua visao sobre a natureza do fazer historiografico a fim de tornalo apto para o exercicio profissional se ja como pesquisador seja como professor em sala de aula 2 Informacoes da Disciplina Ementa A disciplina de Historiografia discute os processos de mudanga nos paradig mas epistemologicos da historiografia sendo esses as alteragcoes promovidas no fazer historiografico apos a incorporagao de novos temas métodos e lin guagens pelos historiadores Para isso abordaremos a relacao entre a Historia e as outras Ciencias Humanas buscando na escrita da Historia a compreen sao dos processos que envolvem a producao deste conhecimento na Antiguidade na Idade Média e no Renascimento A vista disso a analise se gue com base na construgao historiografica iluminista positivista e metdodica além de também apresentar e discutir a historiografica marxista e a produzida pela Escola dos Annales em suas 3 geracoes Ainda serao feitas analises acer ca da crise de paradigmas e produgao historiografica no século XXI por meio das teorias do conhecimento historico posmoderno perpassando a constru cao historiografica acerca da Historia enquanto narrativa discurso literatura ficgao e representacao bem como as relacoes estabelecidas com a Micro historia e a Nova Historia Cultural Por fim a disciplina busca a compreensao da construgao do discurso historiografico através do tempo a fim de se com preender também 0 atual estado da arte Objetivos Gerais e Compreender o conceito de historiografia em sua epistemologia e Perceber os processos de mudanga nos paradigmas epistemoldgicos da historiografia e Localizar e relacionar as diferentes correntes historiograficas e suas prin cipais caracteristicas e Refletir sobre a ampliacgao de temas métodos e fontes de pesquisa na pro ducao do saber historiografico e Perceber as mudangas epistemologicas da Historia diante de sua relagao com as demais Ciéncias Humanas e contexto de produgao Objetivos Especificos e Identificar a produgao historiografica na Antiguidade na Idade Média e no Renascimento e Compreender a contribuicao historiografica marxista e da Escola dos Annales em suas trés geracoes para o fazer historiografico e Caracterizar a MicroHistoria e a Nova Historia Cultural em relagao a his toriografia proposta pelos Annales e Entender o paradigma posmoderno compreendendo a Historia enquanto narrativa discurso literatura ficgao e representacao bem como as rela coes estabelecidas com a MicroHistoria e a Nova Historia Cultural httpsmdclaretianoedubrhisgs0041 fev2022gradead Ciclo 1 Epistemologia da Historia e Historiografia Leandro Salman Torelli Reginaldo de Oliveira Pereira Renata Cardoso Belleboni Rodrigues Objetivos e Compreender o conceito de historiografia e Identificar os tipos e funcoes da historiografia e Reconhecer os diferentes documentos e métodos de pesquisa e Perceber a relacao da Historia com as demais ciéncias humanas Conteudos e A historiografia em seus tipos fungoes métodos e fontes de pesquisa e Processos de mudana nos paradigmas epistemoldgicos da historiogra fla e A relacao entre a Historia e as demais Ciéncias Humanas Problematizagao O que é historiografia Como diferentes temas métodos e fontes de pesquisa transformam a construcao do discurso historiografico O que é uma quebra de paradigma historiografico Qual a relagao da historiografia com as demais ciéncias humanas Orientacoes para o estudo A compreensao do que a historiografia se apresenta como fundamental pa ra o Oficio do historiador pois elucida a forma como o conhecimento é produ zido nessa area do saber destacando as condicoes de sua producao Devemos ter em mente que cada grupo sociedade e periodo historico constroem seu discurso sobre o passado a fim de responder determinados propositos e in tuitos Tais visoes historiograficas possuem suas caracteristicas proprias quanto aos seus métodos temas e fontes Nesse sentido é fundamental que vocé futuro historiador compreenda o que podemos chamar de historia da historiografia 1 Introducao Neste primeiro ciclo de aprendizagem veremos os diversos significados que a historia assumiu em diferentes contextos e usos Veremos como variados mé todos tematicas e fontes de pesquisa determinam diferentes concepcoes de historia que se transformaram ao logo tempo sobretudo em fungao dos dialo gos estabelecidos com as demais Ciéncias Humanas que interferiram direta mente na construgao das correntes historiografias Nessa perspectiva neste primeiro ciclo também abordaremos de forma su cinta uma espécie de linha do tempo da historiografia perpassando as dife rentes quebras de paradigma do fazer historiografico a fim de criar um pano rama geral que nos ciclos seguintes serao abordados de forma mais detida 2 Historia significados e funcoes Neste momento vamos nos deter aos conceitos basicos para a compreensao do oficio do historiador perpassando a concepao de historia e seus significa dos eou fungoes 0 conceito de historiografia nos métodos de pesquisa empre gados e também as relacées da historia com as demais Ciéncias Humanas E de fundamental importancia o entendimento dessas relagodes com as demais Ciencias Humanas uma vez que implicam diretamente no repensar do fazer historiografico ao longo do tempo Para isso acompanhe o video a seguir que explora tais questoes de forma introdutoria pontuando os principais conceitos e contextos de produgao historiografica x by J J aise ay ae A nn Peace i ia a 3 Significados de historia Qualquer pessoa que fosse inquirida com a pergunta O que é Historia se sentiria geralmente a vontade para responder Possivelmente ela diria que Historia é aquilo que aconteceu em tempos passados e consideraria essa res posta suficientemente clara para elucidar a duvida Mas sera mesmo que isso o suficiente para concluir o significado de Historia Vejamos A exemplo da lingua francesa e ao contrario da lingua inglesa italiana e ale ma a lingua portuguesa utiliza a palavra Historia para designar coisas dife rentes Exemplificando as palavras em inglés history e story em italiano Istoria e storia e em alemao geschichte e historie sao termos utilizados para designar o acontecimento e a narracdo deste respectivamente E dessa diferenca que nao é registrada pela lingua portuguesa que vamos tomar co mo base para iniciar nossos estudos Portanto nosso objetivo é demonstrar que a definicao de Historia como fatos que aconteceram no passado nao é suficiente Essa disciplina exige uma defi nicao que lhe permita uma abordagem muito mais abrangente e complexa E evidente que a Historia se refere sim a todo 0 acontecimento humano no tempo Desse modo todos os povos possuem Historia desde os clas pré historicos até as modernas e complexas sociedades tecnologicas dos dias atu ais pois todos eles agiram criaram pensaram sonharam lutaram Todas as pessoas que participaram das sociedades humanas realizaram atos sociais em coletividade Logo fizeram Historia Entretanto essa definicao de Historia nao encerra todos os significados do ter mo Assim podemos dizer que um segundo aspecto importante para se definir a Historia é a narrativa dos acontecimentos passados Ou seja a Historia sig nifica tambem a reconstituigao dos acontecimentos humanos no tempo Vocé acha que em seu pais em seu estado em sua cidade ha a preocupagao da preservacao da memoria das coisas e dos acontecimentos da Historia E bom lembrarmos que nem todos os povos que fizeram Histéria se preocupa ram em reconstituila em narrala Muitos na verdade procuraram explicar seu passado de outras formas utilizandose por exemplo dos mitos Na definicao de Borges 1995 p 1011 a primeira forma de explicagao que surge nas sociedades primitivas é 0 mito sem pre transmitido em forma de tradigao oral ou seja os mitos eram contados de gera ao a geracao preservandose na memoria daquele povo por meio da transmissao oral A historiadora Vavy Pacheco afirma ainda que o mito é sempre uma historia com personagens sobrenaturais os deuses Nos mitos os homens sao objetos passi vos da acao dos deuses que sao responsaveis pela criagcao do mundo cosmos da natureza pelo aparecimento dos homens e pelo seu destino Assim os mitos con tam em geral a historia de uma criacao do inicio de alguma coisa E sempre uma historia sagrada Podemos entao dizer que varias civilizagoes procuravam explicagoes para seu passado e para sua origem fora da Historia Nesse sentido povos como do Egito Antigo da Mesopotamia ou das civiliza oes indigenas da América nunca escreveram a Historia de seu povo mas procuraram explicar suas origens por meio de outros mecanismos como o mito E claro que esses povos primitivos como ja dissemos tiveram Historia uma vez que houve acontecimentos humanos ao longo do tempo contudo nunca produziram Historia pois nao registraram nem narraram os acontecimentos presenciados e vivenciados por eles Dessa forma podemos afirmar que a Historia nesse segundo sentido nasce na Grécia Antiga entre os séculos 6 e 5 aC A partir desse momento o homem passou a sentir necessidade de registrar os fatos do passado procurando ser fiel a eles Sobre a evolugao desse processo até os dias atuais isto 6 como o homem es creveu e escreve sua Historia veremos em breve O que nos interessa no mo mento é definir que Historia tem esse duplo carater acontecimento humano no tempo e reconstituigao desses acontecimentos por meio da escrita sobre o passado Desse modo o trabalho do historiador é registrar os fatos ser fiel a eles mas também buscar interpretalos reconstituindo o passado de maneira a darlhe sentido Assim toda Historia escrita uma analise do passado mas com as preocupacoes do presente Nos termos colocados por Carr 1996 p 79 nao ha indicador mais significati vo do carater de uma sociedade do que o tipo de Historia que ela escreve ou deixa de escrever Podemos entao estudar os diferentes modos como o passado foi interpretado reconstruido A esse estudo chamamos historiografia ou seja a Historia da Historia E importante ressaltar que nao ha uma so maneira de se olhar para 0 passado de forma que o historiador pode estudar essas diferentes visoes de um povo de um momento ou de um pesquisador para as memorias para os fatos e rela cionamentos que constituem a Historia Em seu cotidiano quando varias pessoas narram um acontecimento do passado cada uma delas faz isso de uma maneira diferente apesar de o fato ser o mesmo Reflita sobre isso Com base nas afirmacoes de Carr 1996 de que é indicativo 0 modo como uma sociedade escreve ou deixa de escrever sua Historia concluimos que a historiografia a Historia da Historia um aspecto essencial das sociedades humanas e pode revelar suas visoes de mundo Voltando a definicao podemos dizer que historiografia é 0 estudo do conjunto dos textos produzidos com a intengao de reconstituir 0 passado isto é os tex tos de Historia Assim todas as obras que procuram reconstruir 0 passado sao passiveis da analise historiografica Dessa forma vamos analisar a construcao do texto historico ao longo do tem po buscar entender os métodos de investigacao e de selecao de fontes com preender o porqué e de que forma isso aconteceu ao longo do tempo Enfim nosso objetivo é reconstituir a Historia da Historia para analisar os limites e as possibilidades de seu futuro na sociedade Como escreveu Carr 1996 p 63 Historia é um processo continuo de intera cao entre o historiador e seus fatos um dialogo interminavel entre 0 passado e oO presente Assim é impossivel construir uma Historia definitiva ou Historia verdadeira uma Historia unica pois o historiador lida a todo 0 mo mento com essa dualidade de por um lado reconstituir o passado e por outro interpretalo Essa interpretacao do passado é feita sempre da perspectiva do presente apesar de baseada em fatos ja ocorridos E nessa tensao entre o documento histérico e a sua interpretacao en tre o presente e o passado que se constroi a Historia Esse mecanismo de tensao entre passado e presente de multiplas interpreta oes do documento historico mantém a Historia viva e original a todo 0 mo mento e seduz qualquer pessoa que tenha alguma curiosidade sobre a relacao do homem com seu passado Uma das obras fundamentais porém inacabada para a definicao do que é e para que serve a Historia é a que foi escrita pelo historiador francés Bloch en tre os anos de 1943 e 1944 época em que estava preso pelos nazistas durante a ocupacao da Franga pelos alemaes na época da Segunda Guerra Mundial Bloch brilhante fundador da Revista Annales em 1929 marco da historiogra fla mundial foi assassinado em um campo de exterminio nazista em Lyon no dia 16 de junho de 1944 Como diz o historiador Jacques Le Goff 2001 p 15 Marc Bloch deixava inacabado em seus papéis um trabalho de metodologia historica composto no final de sua vida intitulado Apologie de Ihistoire Aprofunde seus conhecimentos com a leitura da obra BLOCH Marc Apologia da Historia ou O oficio do Historiador Prefacio de Jacques Le Goff Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 Nesse texto Bloch 2001 define os aspectos fundamentais do trabalho de um historiador e especialmente a maneira como se escreve a Historia aspectos que iremos abordar no topico seguinte Para que serve a Historia Bloch 2001 p 43 da alguns indicativos que podem auxiliar na resposta para essa questao mesmo que a historia fosse julgada incapaz de outros servicos restaria dizer a seu favor que ela entretém Mas evidentemente o autor vai aleém dessa observagao Afirma que a Historia sO sobrevive se mantiver seu carater estético ou seja sua beleza poética Assim a Historia caminha entre a beleza e o rigor conceitual entre o texto bem escrito por um lado e o bem construido teoricamente por outro A Historia é uma ciéncia em marcha e além disso esta na infancia pois ne cessita ser repensada a todo o momento algo que a época de Bloch estava apenas comecando Define o eminente historiador que o objeto da Historia ou seja aquilo que ela deve investi gar nao é uma entidade metafisica como o tempo mas sim 0 homem e mais precisamen te os homens no tempo suas agoes e praticas em todas as suas manifestacoes Nesse sentido para Bloch 2001 onde houver seres humanos existira Historia e assim algo a ser elucidado pelo historiador Além disso ele diz que somente um historiador atento ao presente conhecedor de seu tempo pode inquirir sa tisfatoriamente os homens do passado pois o presente bem referenciado e definido da inicio ao processo fundamental do oficio de historiador compre ender o presente pelo passado e correlativamente compreender o passado pe lo presente BLOCH apud LE GOFF 2001 p 25 Para encerrar essa primeira abordagem sobre o que significa o estudo da Historia gostariamos de citar uma metafora de Carr Segundo ele em um de terminado momento os historiadores definiam que Historia era um amontoa do de fatos Portanto os fatos estavam disponiveis para os historiadores nos documentos nas inscricgoes e assim por diante como os peixes na tabua do peixeiro O Historiador deveria reunilos depois levalos para casa cozinhalos e entao servilos da maneira que o atrair mais CARR 1996 p 45 Essa concepgao nos ultimos 50 anos vem sendo substituida por uma mais condizente com a realidade da produgao historica isto é os fatos na verdade nao sao absolutamente como peixes na peixaria Eles sao como peixes nadando livremente num oceano vasto e algumas vezes inacessivel o que o historiador pesca dependera parcialmente da sorte mas principalmente da parte do oceano em que ele prefere pescar e do molinete que ele usa fatores estes que sao naturalmente determinados pela qualidade de peixes que ele quer pegar De um modo geral o historiador conseguira o tipo de fatos que ele quer Historia significa interpretagao CARR 1996 p 49 Resumindo de acordo com as orientagoes de Carr 1996 e de Bloch 2001 po demos considerar que Historia o ramo do conhecimento que estuda os ho mens no tempo e que o papel do historiador é reconstituir o passado interpretandoo a partir do presente Fazer Historia 6 pois relacionar a todo o momento passado e presente é reconstituir o passado explicado pelo presente baseado nas perspectivas de mundo do proprio historiador 4 Documentos e suas interpretacoes o metodo em que stao Durante boa parte do século 19 e inicio do século 20 os documentos historicos considerados validos eram apenas os escritos e os Oficiais isto é os perten centes a instituigdes governamentais Essa etapa da produgao historica conhecida como positivismo veremos em detalhes mais adiante Gostariamos de assinalar neste momento que a produ cao historica durante um bom tempo atendeu a essas perspectivas No en tanto isso vem mudando nas ultimas décadas tanto nos tipos como na forma de se utilizar os documentos historicos Mas afinal o que é documento historico O que na Historia é digno de regis tro Todo fato humano pode se tornar um fato historico E quanto ao trabalho do historiador de que maneira ele seleciona e analisa os documentos e 0 que para ele se configura um fato historico Essas sao as questOes que iremos abordar neste topico Borges 1985 p 48 lembra que desde que existem sobre a Terra os homens estao em relagao com a natureza para produzirem sua vida e com os outros homens Dessa interagao é que resultam os fatos os acontecimentos os feno menos que constituem o processo historico Desse modo o objetivo funda mental do historiador deve ser a reconstituicgao do passado Para isso sao ne cessarios levantamentos e estudos de fontes documentais desse passado Nesse sentido fontes ou documentos historicos sao todos os registros possi veis de serem pesquisados e analisados em outras palavras sao todos os ma teriais de determinada época que permitem sua utilizacgao na construgao da Historia de um determinado grupo social ou seja fontes de carater escrito vi sual oral material sonoro etc Mas essas fontes nao sao quase nada sozinhas Os documentos historicos so se configuram como tais quando os historiadores Ihes atribuem um significado um sentido pois ate esse momento sao sim ples objetos que so se transformam em registro de uma época ou contexto quando sao analisados eles dependem de uma analise do historiador Dessa forma os acontecimentos humanos so podem tornarse fatos historicos no instante em que os registros documentais desses acontecimentos sao ana lisados e considerados numa analise historica Vejamos um exemplo Imagine num exercicio de analise contrafactual que por acaso os nazistas tivessem ven cido a Segunda Guerra Mundial 19391945 Acreditamos que para isso acontecer eles nun ca poderiam ter perdido a longa luta travada em Stalingrado na Uniao Soviética Possivelmente se os nazistas tivessem ganhado aquela batalha os feitos de bravura dos soldados soviéticos que encaravam um exército mais bem equi pado e mais preparado para a guerra a boa estratégia de resisténcia elaborada pelos comandantes do exército vermelho russo 0 massacre sofrido por boa parte da populagao local entre outros seriam fatos humanos nao registrados pela Historia da maneira como hoje sao A narrativa historica seria outra por que os registros documentais desses acontecimentos nao seriam preservados os interesses em contar essa Historia nao seriam os mesmos e a possibilidade de fazélo mesmo que se quisesse Seria muito menor do que é hoje Toda vez que aparecerem datas entre parénteses na frente de um nome como por exemplo René Descartes 15961650 estamos fazendo referéncia ao periodo em que viveu determinado pensador Assim fica claro que narrar 0 passado é um exercicio de reflexao sobre os do cumentos historicos sobre os registros que temos do passado mas nao ape nas isso Devemos sempre nos perguntar sobre as motivacoes e razoes para a preservacao de determinados fatos e nao de outros Evidentemente as fontes documentais sao um aspecto fundamental da pes quisa historica no entanto elas nao podem ser tomadas como algo que ex pressa a verdade absoluta sobre aquele momento ou fato historico estudado E bom lembrar que quem produz o documento esta imbuido de sua visao de mundo de sua forma de interpretar a situagao em que se envolveu de maneira que nao é neutro nem esta acima dos fatos para julgalos com imparcialida de Como afirma Carr 1996 p 55 os fatos e os documentos sao essenciais ao historiador Mas que nao se tornem fetiches Em contrapartida o historiador nao pode cair na tentagao de negar o docu mento de apenas valorizar a interpretagao que construiu em sua mente de buscar adaptar a realidade que estuda aos interesses de sua visao de mundo Novamente podemos nos apoiar em Carr para elucidar essa relagao entre do cumento e interpretacao dos fatos Para ele o historiador comea com uma selegao provisoria de fatos e uma in terpretacao também provisoria a partir da qual a selecao foi feita Enquanto esta trabalhando no tema tanto a interpretacao e a selecao quanto a ordena cao de fatos passam por mudangas sutis e talvez parcialmente inconscientes atraves da acao reciproca de uma ou da outra Por isso o historiador e os fa tos historicos sao necessarios um ao outro pois o historiador sem seus fatos nao tem raizes e é inutil os fatos sem seu historiador sao mortos e sem signi ficado CARR 1996 p 65 Logo essa agao mutua de historiador sobre os fatos e estes sobre o historiador envolve a reciprocidade entre presente e passado uma vez que o historiador faz parte do presente e os fatos pertencem ao passado CARR 1996 p 65 Portanto todo registro do passado humano é um documento historico Esse documento se analisado e criticado satisfatoriamente permite que aquele acontecimento por ele registra do se transforme em fato historico O que vai se tornar registro historico ou nao depende do contexto e dos inte resses que a Historia produzida representa 0 que por fim nos leva a ultima questao que é o trabalho do historiador na relagao entre fato e interpretagao Certa vez perguntouse o historiador Schaff 1978 p 66 o seguinte Se apesar dos métodos e das técnicas de investigacgao aperfeicgoadas os historiado res nao so julgam e interpretam as mesmas questOes e os Mesmos acontecimentos em termos diferentes mas ainda selecionam e até mesmo percebem e apresentam diferentemente os fatos sera possivel que esses historiadores fagam simplesmente uma propaganda camuflada em lugar de praticar ciéncia O autor construiu essa questao baseado na ideia de métodos e técnicas de in vestigagao algo que procuramos elucidar anteriormente Mas esses métodos e técnicas na provocagao do autor nao seriam apenas formas de esconder uma visao de mundo ja cristalizada e que a investigagao historica so serviria para confirmar Inicialmente vale ressaltar que os métodos e técnicas cientificas dos historia dores diferem em muitos aspectos daqueles utilizados por exemplo pelos fisi cos e pelos matematicos mas mesmo para esses 0 conhecimento é relativo na medida em que esta formulado com base em conviccoes do sujeito e do contexto em que ele esta inserido Assim ter convicgoes nao é nenhum pro blema A questao fundamental nesse debate é elucidar onde estaria o erro do qual um historiador deve fugir para evitar que seu trabalho perca o valor que deve ter O historiador Febvre cofundador da Revista Annales a qual fizemos referéncia anteriormente diz que 0 anacronismo é o pecado mortal do historiador Para ele o termo anacronismo referese a situagao em que o historiador atri bui ao personagem ou contexto historico que estuda uma visao que nao era possivel de se ter naquele momento em que os fatos ocorreram Ao cometer esse erro 0 historiador analisa os fatos com base nos resultados do processo de seu estudo esquecendose de que Os personagens nao poderiam ter a mes ma clareza dos acontecimentos Febvre utilizouse desse argumento para estudar a obra do escritor francés do seculo 16 Rabelais que muitos historiadores diziam ser ateu Entretanto Febvre 1989 demonstrou que era impossivel ser ateu no século 16 na Europa utilizandose de diversos meios para isso demonstrando que aqueles que dizi am isso estavam sendo anacronicos Para aprofundar seus estudos acerca desse assunto sugerimos a leitura das seguintes obras Lucien Febvre Olhares sobre a Historia Lisboa Edigdes ASA 1996 Lucien Febvre Combates pela Historia Lisboa Presenga 1989 Para Novais 2005 que um dos mais importantes historiadores brasileiros o problema do anacronismo aparece de maneira cristalina em um tipo de Historia especifico a chamada Historia Nacional que tem por objeto a nacgao e o Estado Nacional Vejamos como ele apresenta o problema O anacronismo que no dizer de Lucien Febvre constitui pecado mortal do histori ador tornase no caso da historia nacional uma dificuldade quase insuperavel E que a tentacao é por demais intensa de se fazer a historia do povo na sua vontade de ser nagao No caso do Brasil Estadonagao de passado colonial esta dificulda de ainda sobe de ponto e se consubstancia na idéia de que a nagao estava ja inscri ta na viagem fundadora de Pedro Alvares Cabral quer dizer como se a coloniza Gao se realizasse para criar a nacgao e o chamado periodo colonial vai sendo re constituido como algo tendente a forjar a independéncia num curioso exercicio de profecia do passado NOVAIS 2005 p 331 Observamos no exemplo trazido por Novais 2005 que o anacronismo pode comprometer toda a estrutura de pesquisa e desenvolvimento da produao historica de um tema amplo como a Historia de um pais Fazendo uma retomada de nossas ideias o erro do anacronismo consiste em acreditar que os personagens de determinada época tem a mesma visao e a mesma clareza dos fatos que o historiador pode ter analisandoos de outra época No caso exemplificado por Novais 2005 o anacronismo significa pen sar que os colonos tinham a visao clara de uma nagao futura 0 que sabemos hoje que acabou se concretizando mas os homens daquela época do Brasil colonial nao poderiam saber pois viviam sua realidade de colonia Portanto o historiador que atravessando os problemas da abordagem do pas sado evitou cometer anacronismos esta muito mais proximo de fazer uma boa Historia Na procura por essa boa Historia além de ter que selecionar documentos e fa tos historicos para reconstituir o passado e procurar estabelecer flos conduto res para uma interpretacao satisfatoria dos acontecimentos humanos o histo riador deve fugir da tentacao de atribuir aos protagonistas dos acontecimen tos que estuda o conhecimento dos resultados de sua agao na medida em que impossivel que estes 0 saibam e portanto impossivel também analisalos dessa perspectiva Em contrapartida ao se tentar fugir do anacronismo devese tomar cuidado também com o relativismo absoluto em Historia Assinalando aquilo que escreveu o historiador inglés Hobsbawm 1998 p 8 sem a distingao entre 0 que é e 0 que nao é assim nao se pode fazer historia No entanto o modo como montamos e interpretamos nossa amostra escolhi da de dados verificaveis que pode incluir nao s6 0 que aconteceu mas o que as pessoas pensaram a respeito é outra questao Assim nunca podemos per der de vista que a Historia tem sim sua objetividade e que ela esta no fato his torico Para ilustrar voltemos ao exemplo que utilizamos anteriormente sobre a Segunda Guerra Mundial ela aconteceu e a Alemanha nazista foi derrotada A questao que fica ao historiador como e por qué A partir dessas perguntas selecionamos as fontes historicas reconstituimos como aconteceu o fato e procuramos argumentar por que foi assim A demanda social do historiador entao sera esta atender as necessidades de preservacao da memoria social Vocé acha que a produgao de Historia é a expressao da Verdade 5 Historia e outras cliéncias humanas Como lembra o historiador francés Dosse 2003 a profissionalizaao do histo riador ja que sua disciplina foi tornada académica no século 19 e a ascensao das outras Ciéncias Sociais Economia Sociologia Politica Antropologia ao longo dos séculos 19 e 20 fizeram que a Historia sofresse muitos impactos tan to dessas Ciéncias Sociais quanto da mais antiga ciéncia humana a Filosofia a qual quando nasceu nao era apenas humana mas também fisica e mate matica Assim estabelecer os fios de relagao nem sempre amistosa entre a Historia e as outras Ciéncias Humanas é um aspecto essencial para se entender o papel do discurso historiografico no cenario da produgao de pensamento nas areas humanas Novamente o historiador brasileiro Novais 2005 p 277278 abre caminho para a compreensao da relacao entre Historia e as outras Ciéncias Sociais A Historia 6 um dominio do saber muito antigo anterior a ciéncia a universida de e obviamente as Ciéncias Sociais Tao antigas como a Historia so a Filosofia e as artes Todo livro de Historia da Historia diz isso mas nem sempre tiram as implica Goes teodricas desse fato Primeira implicagao se de fato é assim é possivel estudar o impacto da Historia das Ciéncias Sociais na Historia e nao o inverso Nao é possi vel estudar o impacto da Historia na Sociologia existe o impacto da Sociologia so bre a Historia A segunda implicagao é que a Historia nao responde as demandas sociais semelhantes ao que ocorre com as outras ciéncias Podese associar 0 apa recimento da Sociologia na segunda metade do século 19 ao aparecimento da soci edade urbana industrial moderna O aparecimento da Economia esta diretamente relacionado a Revolugao Industrial Ja a Historia esta associada a criagao da me mofria E evidente nas palavras de Novais 2005 uma primeira distincao fundamen tal entre a Historia e as outras Ciéncias Sociais estas estao associadas ao de senvolvimento e ao aumento da complexidade da sociedade posRevolugao Industrial ja a Historia muito mais antiga e corresponde a uma outra de manda da sociedade a de preservacao da memoria social O historiador brasileiro designa uma segunda distingao importante entre Historia e Ciéncias Sociais o campo da Historia é indelimitavel Qual é seu objeto E o acontecer humano em qualquer tempo e em todo 0 espaco sé 0 futuro nao é seu objeto O que caracteriza esse objeto A impossibilidade de delimitalo nao se sabe onde é que ele acaba NOVAIS 2005 p 379 Se a Historia por seu lado tem um objeto nao delimitado o grande debate den tro das Ciéncias Sociais justamente saber onde delimitar os seus objetos Qual é a fronteira que divide a Sociologia da Antropologia por exemplo Apesar do ataque que a Historia sofreu das outras Ciéncias Sociais o funda mental é que do ponto de vista do objeto temos uma vantagem comparativa o objeto da Historia é toda a agao humana no tempo Por causa dessa amplitude de seu objeto foi possivel que no momento em que ocorreu uma crise das Ciéncias Sociais no ultimo quarto do século 20 a Historia respondesse a essa crise com uma ampliacao dos objetos de estudo dedicandose a temas que antes estavam negligenciados 0 sexo o amor a fa milia a crianga a mulher entre outros Para refletir Vocé acha que a Historia pode ser considerada o carrochefe das Ciéncias Sociais Fica claro portanto que a Historia um ramo do conhecimento muito mais antigo que as Ciéncias Sociais e responde a outras demandas Além disso o objeto de estudo da Historia muito mais amplo e abrange todo o aconteci mento humano no tempo Assim a Historia tem compromisso potencial de reconstituir as agdes huma nas em todas as suas esferas de existéncia econdmica politica social cultu ral e mental Ja as Ciéncias Sociais sao recortes dessa realidade E evidente que o historiador nao reconstitui a totalidade da Historia mas par celas dela por isso que Veyne sd escreveu que nao existe apenas Historia mas sim Historia de A preposicao depois do substantivo é 0 recorte do objeto infinito do historiador Informagao Sugerimos a leitura da seguinte obra para o aprofundamento de seus estudos VEYNE Paul Como se es creve a Historia Lisboa Edigoes 70 sd Talvez vocé esteja se perguntando mas isso significa que a Historia nao ne cessita das Ciéncias Sociais A resposta é nao na verdade uma é necessaria a outra O historiador moderno enxergase como cientista portanto ele acredita que é necessario explicar Fundamentalmente é utilizandose dos conceitos criados pelos cientistas so Ciais que o historiador explica o que reconstitui Ao mesmo tempo se os cien tistas sociais ficarem apenas na abstracao conceitual nao conseguem de monstrar a aplicabilidade desses conceitos Assim ele necessitam da Historia para comprovar que sao eficazes Em resumo o historiador explica para reconstituir e o cientista social reconstitui para ex plicar As demandas sociais que os fizeram surgir explicam essa diferenca e ao mesmo tempo o sentido de necessidade de apoiarse um no outro O francés Braudel 1992 um dos historiadores mais importantes do século 20 escreveu em um artigo publicado em 1958 sobre a necessidade de encontrar se um caminho de dialogo entre as diversas ciéncias do homem Para ele esse dialogo poderia partir da dimensao das diversas temporalidades que a exis téncia social compreende Informagao Para saber mais sobre o assunto em questao leia BRAUDEL Fernand Historia e Ciéncias Sociais a longa duragao In BRAUDEL Fernand Escritos sobre a Historia 2 ed Sao Paulo Perspectiva 1992 p 3978 Mas 0 que significa diversas temporalidades Vejamos um texto do autor apresentado em seu classico estudo de 1946 intitu lado O Mediterraneo e o Mundo Mediterranico na Epoca de Filipe II que nos ajudara a compreender essa expressao Esta obra dividese em trés partes cada uma das quais pretende ser uma tentativa de explicagao de conjunto A primeira trata de uma historia quase imovel que é a do homem nas suas rela gdes com 0 meio que o rodeia uma historia lenta de lentas transformagoes mui tas vezes feita de retrocessos de ciclos sempre recomecados Acima desta historia imovel pode distinguirse uma outra caracterizada por um ritmo lento se a expressao nao tivesse sido esvaziada do seu sentido pleno chamarlheiamos de bom grado historia social a historia dos grupos e agrupa mentos Qual a influéncia dessas vagas de fundo no conjunto da vida mediterrani ca eis a pergunta que a mim proprio pus na segunda parte da minha obra ao es tudar sucessivamente as economias os Estados as sociedades as civilizagoes e ao tentar por fim e para melhor esclarecer a minha concepgao de historia mos trar como todas estas forgas profundas atuam no complexo dominio da guerra E finalmente a terceira parte a da historia tradicional necessaria se pretender mos uma historia nao a dimensao do homem mas do individuo uma historia dos acontecimentos a da agitacao de superficie as vagas levantadas pelo poderoso movimento das marés uma historia com oscilagoes breves rapidas nervosas BRAUDEL 1995 p 25 Assim para o autor a temporalidade historica teria diversos niveis de existén cia o tempo de longa duragao 0 de média duragao e o de curta duragao O tempo longo seria aquele em que as transformacoes sao muito lentas quase imoveis no qual o fundamental esta na relagao homem e espaco Ja o tempo de média duragao seria aquele em que as transformacoes ocorrem no nivel das estruturas sociais com movimentos longos resultando em grandes sinte ses economicas sociais politicas culturais Por fim o tempo curto o tempo jornalistico seria o tempo do registro imediato o tempo das paix6es dos acon tecimentos e da instantaneidade Observamos pois que cada uma das Ciéncias Sociais ajustase mais a um de terminado tempo do que a outro e na relagao desses tempos seria possivel estabelecer o contato entre as diversas ciéncias do homem A Historia seria nesse sentido o carrochefe do processo na medida em que ela como vimos é a ciéncia social que melhor compreende o homem no tempo 6 A historia da historiografia Entendido que a Historia pode assumir diferentes sentidos e funcoes nos di versos contextos e periodos em que foi produzida agora veremos uma breve linha do tempo da historiografia Com isso poderemos criar uma visao mais ampla do desenvolvimento da disciplina para que depois possamos abordar de forma detalhada os principais paradigmas historiograficos que pautaram eou influenciaram a historiografia até os dias atuais Para isso assista aos videos a seguir que partindo do proprio conceito de his toriografia abordam a produgao na antiguidade no medievo e nos séculos 18 19 e 20 criando uma visao geral da evolucao dessa area do saber ao longo do tempo e destacando seus temas métodos e fontes de pesquisa Acompanhe marital es a sa Pa ala rs ae OE se One no rapa a pene 3 c LI a eae F si Ober a T r piss eae 1 Z ore marie Agora vamos ver as principais caracteristicas e contextos de producao das principais correntes historiograficas por meio de uma visao geral sobre todo o processo Entretanto ressaltamos que neste momento visamos uma perspec tiva mais geral de uma possivel historia da historiografia ja que tais correntes serao tratadas de forma mais detida nos proximos ciclos de aprendizagem 7 O que é historiografia Eis um conceito simples de se explicar em resumo historiografia é a escrita da Historia Quem dera ser realmente tao simples Este um daqueles mo mentos em que ditados populares nao sao meros clichés a simplicidade é complexa O problema reside no fato de que escrever a Historia implica consi derar contextos diferentes do tema do historiador ideologias diversas do historiador da editora do publico fontes utilizadas para a pesquisa escritas orais iconograficas questionamentos dirigidos a essas fontes teoria empre gada para analise Assim é interessante que vocé tenha acesso a distintas definioes de historio grafia para aleém daquela ja citada Vejamos dois casos A historiografia seria assim a melhor vacina contra a ingenuidade SILVA SILVA 2006 p 189 O que apreender de uma assertiva como essa Se aceitarmos que historiogra fla 6 o questionamento acerca da produgao e da escrita da Historia sobre os discursos dos historiadores e seus métodos compreenderemos que se co nhecemos o que influencia os historiadores em suas escolhas de temas a abordar e na teoria a seguir se conhecemos o resultado de suas pesquisas se temos acesso aos erros e acertos por eles elencados a ingenuidade nao fara parte de nossa profissao Dito de outro modo se conhecemos o historiador em seu oficio em seu contexto e a sua producao nao ha como ficarmos alheios a memoria das sociedades Uma ultima definigao segundo Carbonell 1987 p 6 O que é historiografia Nada mais que a historia do discurso um discurso escrito e que se afirma verdadeiro que os homens tém sustentado sobre seu passado E que a historiografia o melhor testemunho que podemos ter sobre as culturas de saparecidas inclusive sobre a nossa supondo que ela ainda existe e que a semi amnésia de que parece ferida nao é reveladora da morte Nunca uma sociedade se revela tao bem como quando projeta para tras de si a Sua propria imagem Vamos refletir juntos sobre essa definicao Inicialmente tomemos a frase na da mais que a historia do discurso ou seja historiografia é o estudo de tudo o que ja foi dito sobre um tema em diferentes modos lugares e tempos Depois um discurso escrito e que se afirma verdadeiro ou seja o que foi dito deve ser considerado como discurso digno de ser acatado E por fim nunca uma soci edade se revela tao bem como quando projeta para tras de si a sua propria imagem Em outras palavras como nao temos como nos desvencilhar total mente de nossas ideologias de nossos conceitos das marcas de nosso tempo sempre que apresentamos o resultado de uma pesquisa historica a marca de nossa época fica evidenciada Resumindo a historiografia é o produto de uma era uma construgao historica Como se pode observar tratase de um conceito polissémico Mas para aleém do conceito igualmente devemos considerar que a historiografia depende de dois elementos da formulagao de um problema e das fontes disponiveis Ao levantar essas questoes Blanke 2006 estudou a historia da historiografia e apontou dez tipos e trés funoes conforme vocé pode verificar nos Quadros le 2 O autor adverte Os tipos que reconstrui no entanto possuem um alcance mais amplo do que os exemplos dos quais eles sao uma abstragao BLANKE 2006 p 29 Quadrol Tipos de historiografia Os tipos de historia da historiografia obra de um historiador qual o estilo literario da obra Pesquisas que classificam os historia 3 Balango geral dores em campos especificos ar ae Pesquisas sobre conferéncias e traba 4 Historia da disciplina ee a lhos de instituigoes historicas 5 Historia dos métodos Pesquisa sobre os métodos historicos ar ta ar Pesquisa sobre as tendéncias da his 6 Historia das ideias historicas a toria intelectual Pesquisa sobre a historia das subdis oo ciplinas Antiga Medieval da rela 7 Historia dos problemas ee ta ao entre a Historia e outras Ciéncias Sociais etc 8 Historia das fungoes do pensa Pesquisa sobre as fungoes sociais da mento historico historiografia ar Pesquisa da historiografia como histo 9 Historia social dos historiadores ria social ar Pesquisa sobre o desenvolvimento da 10 Historia da historiografia teorica disciplina no interior de sua reflexao mente orientada metateorica Fonte BLANKE in MALERBA 2006 Quadro2 Funcoes da Historia As fungoes da historia da historiografia 1 Fungao afirmativa Afirmar uma ideologia oficial Criticas aos principios ideoldgicos vi 2 Fungao critica soes de mundo modelos tradicionais etc Oferecer material para a reflexao teo 3 Fungao exemplar rica servir de exemplo Fonte BLANKE in MALERBA 2006 Esses tipos e funcdes nao serao sistematicamente analisados aqui Porém explicitalos ajudanos a observar e a confirmar que a historiografia é mais do que a escrita da historia 6 a compreensao de todo 0 contexto que envolve essa escrita Nesta conjuntura podemos iniciar nossa compreensao do que é Teoria da Historia Alguns a leem mesmo como historiografia como debate historiogra fico e muitos outros como metodologia Igualmente é entendida como qual quer atividade reflexiva do historiador Desse modo os conceitos de historio grafia e Teoria da Historia sao justapostos A historiografia enquanto escrita da Historia apresentanos concepcoes diferenciadas do passado de acordo com as teorias norteadoras do oficio do historiador a saber 0 marxismo a no va historia a microhistoria etc Agora que ja refletiu sobre os conceitos de historiografia Teoria da Historia e possibilidades historiograficas que tal iniclarmos nossa retrospectiva Vamos la 8 A historiografia na antiguidade Antes de adentrar na producgao de Heroddoto e Tucidides é importante enten dermos o contexto no qual a escrita da Historia nasceu aquele da oralidade e também da mitologia Para o Grego das épocas arcaica e classica a palavra representava o poder por exceléncia Vejamos o que o helenista JeanPierre Vernant tem a dizer a esse respeito o termo Grego é utilizado aqui em maiusculo nao so para caracteri zar os habitantes da Grécia mas igualmente compreendendoo como uma Ca tegoria que inclui homens e mulheres criangas jovens e adultos todos inclui dos dentro de um contexto social e cultural maior O que implica o sistema da polis é primeiramente uma extraordinaria proeminén cia da palavra sobre todos os outros instrumentos de poder A palavra nao é mais o termo ritual a formula justa mas o debate contraditorio a discussao a argumen tagao VERNANT 1996 p 34 Com base nessa assertiva observamos que 0 logos ocupava um lugar central nessa época da nascente razao Mas nao nos enganemos logos e mythos nao eram totalmente excludentes nem mesmo contraditorios A razao representa da pelo Jogos nasce do mythos Mas como esse Jogos foi utilizado e compreendido no cerne da primeira Historia Essa nova maneira de se narrar os acontecimentos se distanciou de forma definitiva do mito Observemos entao as diferengas e as similitudes entre os dois historiadores que desde a Antiguidade estao no centro da discussao que tenta decidir quem o pai da Historia Herodoto ouvir ver e escrever Ouvir ver e escrever Nao se trata de um ordenamento aleatorio de verbos Os dois primeiros podem até se alternar porém escrever vem depois Esta era a pratica de Herddoto 484420 aC colher testemunhos essencialmente hist6 ria oral embora tenha tido acesso a alguns documentos observar regides pessoas fatos e posteriormente narralos Em sua obra Historia 29 ele afir mou Até aqui disse o que vi refleti e averiguei por mim mesmo a partir de agora direi o que contam os egipcios como ouvi ainda que acrescente algo do que vi HERODOTO 1998 p 152 Herodoto procurou registrar a tradiao feitos e fatos que em seu entendimen to nao deveriam ser esquecidos a lembranga e o conhecimento do passado como forma de reforar a identidade dos helenos Em sua escrita utilizouse do termo logos no sentido de relato de conhecimento de razao tudo isso reportandose a opinidoes contrastantes que nem sempre puderam ser compro vadas 0 que se ouviu mas nao se viu A obra Historia nesse contexto procu ra estabelecer as causas da guerra entre gregos e persas apresentando uma escrita que embora ainda traga elementos mitoldgicos traz como novidade o relato do ocorrido de fatos concretos de feitos de homens e nao historias mi tologicas feitos heroicos eou divinos de um mundo abstrato Por essa inovacao Herddoto foi considerado o pai da Historia ja na Antiguidade titulo atribuido a ele por Marco Tulio Cicero 10643 aC em De Legibus Das Leis 115 Porém apenas nos tempos modernos tal honraria estabeleceuse definitivamente Tucidides a busca da verdade do que se vé Segundo Detienne 1998 p 105 O ouvido é infiel e a boca é sua cumplice Fragil a memoria é igualmente enganadora ela seleciona interpreta recons troi Tomamos por empréstimo essas palavras do helenista Marcel Detienne por acreditarmos que ela representa bem a repulsa de Tucidides em relacao a es crita de Herddoto Diferentemente deste Tucidides preocupouse com as cau sas imediatas Atentouse para o presente narrou 0 que viu acreditava no que estava diante dos olhos O passado para ele mostravase como boatos fulano disse que ouviu de sicrano o ocorrido com beltrano na terra de alguéem Para o autor de Guerra do Peloponeso memoria sem provas nao é Historia Por que devo vos falar de acontecimentos muito antigos quando estes sao atestados antes por boatos que circulam akoai do que pelo que se viu com seu olhos aqueles que nos ouvem TUCIDIDES I 73 2 Resumindo algumas das principais diferenas entre Herddoto e Tucidides sao 0 primeiro privilegia o resgate da tradiao e o segundo o registro do pre sente com o pensamento focado no futuro Herddoto é considerado mais ro mantico enquanto Tucidides mais realista As diferencas também podem ser observadas na escolha das fontes o primeiro elege as fontes orais e 0 segun do nao vendo credibilidade nestas descartaas Outros nomes podem e devem ser citados para esse periodo da historiografia Aristoteles Polibio Salustio Tacito e Cicero Vale ressaltar aqui a diferena estabelecida por Aristoteles entre Historia e po esia Reproduziremos a seguir uma das mais famosas passagens desse autor em que esclarece este bindmio contrario Nao é oficio de poeta narrar o que aconteceu é sim o de representar o que poderia acontecer quer dizer o que é possivel segundo a verossimilhanga e a necessidade Com efeito nao diferem o historiador e 0 poeta por escreverem verso ou prosa diferem sim em que diz um as coisas que sucederam e outro as que poderiam su ceder Por isso a poesia é algo de mais filosdfico e mais sério do que a Historia pois prefere aquele principalmente o universal e esta o particular ARISTOTELES 2003 9 50 De forma bem esclarecedora assim Funari e Silva 2008 p 23 se expressam acerca desta afirmagao Aristoteles aponta como caracteristica essencial da Historia sua preocupagao com o efémero com 0 acontecimento que nao se pode repetir e que por isso mesmo na da nos pode ensinar sobre a natureza humana ou mesmo do mundo O particular por definiao nada revela E bom e temeroso poder discordar de alguém como Aristételes Mas o desen volvimento da Historia como disciplina e como teoria veio nos mostrar que o particular diz muito sobre homens e sobre 0 mundo assim como sobre os ho mens no mundo 9 A historiografia no Medievo A Historiografia no Medievo esta intrinsecamente ligada ao Cristianismo Basta lembrar que durante muito tempo a Igreja foi a detentora do saber Nesse periodo os homens suas obras e os acontecimentos so ganhavam im portancia se vistos como resultados dos designios divinos Essa historiografia produziu genealogias httpptwikipediaorgwi kiGenealogia anais httpptwikipediaorgwikiAnais reais e monasticos e cronologias httpptwikipediaorgwikiCronologia de acontecimentos su cedidos nos reinados dos seus senhoris ou da sucessao de abades httpptwikipediaorgwikiAbade Nos documentos encontramos igual mente hagiografias e biografias de reis Os textos ainda podiam exaltar uma dinastia como condenar aqueles que nao seguiam os preceitos do Cristianismo A escrita dessas fontes estava sob a responsabilidade de hagidgrafos httpptwikipediaorgwikiHagiografia cronistas httpptwikipediaorg wikiCrC3B3nica integrantes do clero httpptwikipediaorgwikiClero episcopal ligados ao poder e por monges httpptwikipediaorgwi kiMonge Como exemplo dessa historiografia citamos Historia Eclesiastica do Povo Inglés do século 8 httpptwikipediaorgwikiSC3A9culo VIII de autoria de Beda o Veneravel e Etimologias de Isidoro de Sevilha 10 A historiografia nos seculos 18 e 19 E contraproducente unir as historiografias dos séculos 18 e 19 num mesmo to pico Pode parecer que as continuidades e permanéncias sao superiores as descontinuidades e rupturas no interior da escrita da Historia No entanto es sa juncao aqui realizada justificase por dois motivos primeiro nao é a passa gem de um século para o outro temporalmente falando que modifica as es truturas e em segundo lugar porque o século 19 pode ser entendido como um momento de concreao e reagao ao que foi divulgado no século precedente Observe os topicos a seguir 1Avanco do Iluminismo Nova roupagem das Universidades Surgimento da Filologia 2 Filologia Historica conhecimento mais rigoroso e aprofundado das lin guas antigas conhecimento das fontes mais objetivo 3 Conhecimento mais objetivo do passado inicio do positivismo historio grafico critica textual que visava saber se os documentos eram verdadei ros e fidedignos descricao factual precisa A Historia desse modo surge como um conjunto de fatos que existem nos documentos Basta extrai los HA um rompimento com a escrita da Historia de tradigao literaria fa cil de ler rumo a um discurso arido e douto Seus principais representan tes Barthold Georg Niebuhr e Leopold Von Ranke 4 Revue Historique 1876 surgimento da Escola Metddica autores associ ados a essa escola estavam preocupados com a escrita da historia nacio nal e o estabelecimento da identidade da nagao Para tanto exigiuse um rigor metddico o afastamento da parcialidade da especulaao e da nao objetividade para se contar como a historia realmente aconteceu Dois de seus representantes sao Gabriel Monod e Gustave C Fagniez 5 Karl Marx e a concepao dialética da Historia a historia de toda socieda de é a historia da luta de classes a revolucao é a forca motriz da Historia A vida social politica e intelectual é condicionada ao modo de produgao da vida material materialismo Em 1870 ocorreu a derrota do exército francés na guerra francoprussiana Com essa derrota a Francga sentiu a necessidade de reescrever sua historia e de construir sua identidade O pensamento historico ale mao teve grande influéncia nesse contexto Dentre os autores mais conhecidos desse periodo citamos Gabriel Monod Charles Seignobos e Ernest Lavisse Todos eles ao lado de Theodor Mommsen serviram de modelo e inspiraao para as geracgoes posteriores de historiadores franceses 110 seculo 20 e os Annales Segundo Burke 1991 p 127 Da produgao intelectual no campo da historiografia no século XX uma importante parcela do que existe de mais inovador notavel e significativo originase da Franga A historiografia jamais sera a mesma E assim que Peter Burke inicia e finaliza o seu livro A Revolucao Francesa da Historiografia a Escola dos Annales 19291989 em que descreve e analisa as trés geracoes do movimento intelectual francés associadas a revista Annales o primeiro titulo da revista foi Annales dhistoire économique et sociale 1929 que teve como seus principais representantes Marc Bloch Lucien Febvre Fernand Braudel Georges Duby Jacques Le Goff Emmanuel Le Roy Ladurie Ernest Labrousse Pierre Vilar Maurice Agulhon Michel Vovelle en tre tantos outros A ultima assertiva da citaao anterior nao é fortuita ou mero chavao Reflete bem a pratica historiografica dos membros dos Annales que objetivaram su prir a tradicional narrativa de acontecimentos por uma historiaproblema co mo também deixar de fazer apenas a historia politica e abordar a historia de todas as atividades humanas e por fim estabelecer uma relagao proficua com outras disciplinas das Ciéncias Sociais como a Antropologia a Sociologia a Geografia etc AS massas anonimas e seus modos de viver sentir e pensar fo ram analisados nesse contexto de interdisciplinaridade No entanto vale res saltar que essa escola nao formou um grupo monolitico executando uma his toriografia uniforme Bem pelo contrario As diferencas podem ser observadas no interior das trés fases ou geragoes desta escola 1 geracao de 1920 a 1945 Historia enquanto ciéncia do homem ha uma separagao entre os conceitos de Historia e passado O que se procura entender é a historia do passado e nao o passado em si que compreendido como uma construcao historica Seus maiores representantes foram Marc Bloch e Lucien Febvre 2 geracao de 1945 a 1968 O que se aspirava era uma pratica historica mais aberta ou seja que abordas se OS campos social econdmico cultural geografico e religioso em suas dife rentes temporalidades e diversas perspectivas Dito de outro modo aspirouse por uma historia total Fernand Braudel representa exemplarmente essa gera Gao 34 geracao de 1968 Fase também conhecida por Historia Nova ou Nova Historia Essa geracao particularmente nos interessa pois os questionamentos apresentados no de correr desta disciplina sao oferecidos a nos pelos integrantes desse grupo ou por estudiosos que questionaram os paradigmas da historia a partir das dis cussoes desse grupo Por esse motivo um item separado abordara o tema 12 A nova historia Trés processos caracterizam a terceira geracao a assimilacao definitiva de novos problemas novas abordagens e novos objetos Temas como mulher se xualidade prisao doenga sonho corpo e morte sao estudados nao somente sob a luz da Historia mas igualmente na sua relagao com a Antropologia a Psicologia e a Sociologia Ocorre um distanciamento acentuado em relagao a historia politica tradicio nal A questao da unidade do objeto e a possibilidade concreta de uma histo ria total também foram deslocadas Nao existe mais 0 homem mas os ho mens e nao mais historia mas historias Entao a atencao voltouse para o sotao deixandose o porao 0 material para tras ou seja as mentalidades ressurgiram com nova roupagem nos estudos historicos académicos Philippe Ariés foi talvez o maior responsavel por esse retorno Robert Mandrou pela divulgacao e Jacques Le Goff Georges Duby Emmanuel Le Roy Ladurie e Michel Vovelle pela aplicagao dos estudos das mentalidades De acordo com Chartier 1990 p 1415 as atitudes perante a vida e a morte as crencas e os comportamentos religiosos Os sistemas de parentesco e as relacoes familiares os rituais as formas de sociabi lidade as modalidades de funcionamento escolar etc Sob a designacao de histo ria das mentalidades ou de psicologia historica delimitavase um novo campo Mas esses objetos carecem de uma abordagem apropriada Como vocé anali sarla essas tematicas no tempo melhor dizendo a uma primeira vista Acredita ser capaz de reconhecer as atitudes perante a morte num breve espa o de tempo Os adeptos da historia das mentalidades nao apostaram nessa possibilidade Houve um aprofundamento nas pesquisas de longa duragao L tempos das estruturas tempo quase imovel da relacao entre o homem e a natureza VAINFAS 1997 p 134 Mas essa historia foi rebatida se nao ha o homem no singular se nao ha a historia também no singular igualmente nao ha uma unica forma de pensa mento que caracterize o homem na historia mas diferentes modos de viver sentir e pensar para diferentes homens e passados E obvio e vocé ja estudou em outras disciplinas que a Nova Historia nao se re sumiu a Historia das Mentalidades Para finalizar a sua atencao nesse mo mento deve voltarse para o fato de que com a introdugao de novos proble mas novas abordagens e novos objetos nos estudos historiograficos 0 proprio conceito de Historia mudou 0 modo de se contar a historia mudou a sua re lagao com outras disciplinas também Sao essas transformacgoes que veremos mais adiante Uma ultima consideragao importante a compreensao dos conteudos futuros nessa terceira geracao nao houve a predominancia de um grupo a frente dos demais estudiosos nao houve mais a prevaléncia da lingua francesa nos estu dos como também a propria Franga deixou de ser o centro do pensamento historico Autores de outras linguas e outras regides entraram no embate con tra a velha Historia Para Falcon 1997 p 111 Batizada de nouvelle histoire essa historiografia compreende historiadores cujas trajetorias intelectuais e politicas podem ser muito distintas entre si tal como a maneira de cada um deles encarar a disciplina historica e seu oficio 13 Texto complementar Os fragmentos a seguir versam sobre o unico tratado da Antiguidade sobre a historiografia Eles fazem parte de um artigo escrito por André L Lopes A leitura desses fragmentos levara a conhecer um pouco mais sobre a temati ca discutida até aqui Observe o que o historiador antigo fala sobre a escrita da Historia Algumas de suas colocagoes vém ao encontro do que estamos estu dando Observe também o que ele fala sobre a verdade Para auxilialo numa reflexao critica sobre a historiografia apos alguns frag mentos foram inseridos comentarios direcionando a leitura Sugerimos que apos essa leitura dirigida vocé busque pelo artigo na integra e elabore seu proprio bloco de anotacoes O artigo pode ser consultado na integra no clican do aqui httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttext pidS010190742005000200008lngennrmiso Moralidade e justica na historiografia antiga o manual historiografico de Luciano de Samosata Na Antigtidade se inventou a historia e foi pr6diga em producgoes historiografi cas bastante econdmica em reflexoes sobre essa novidade Se existem referéncias a algumas obras antigas que parecem tratar da historiografia como por exem plo o tratado de Teofrasto Peri Historias Sobre a historia do qual conhecemos apenas 0 titulo ou o livro de Praxifanes citado por Amiano Marcelino em sua Vida de Tucidides essas obras estao hoje completamente perdidas e especular sobre seu conteudo seria perda de tempo Alias é significativo que nenhuma obra sobre a historia seja citada nas bibliografias dadas por Didgenes Laércio em Vidas e dou trinas dos fildsofos ilustres O siléncio dos fildsofos antigos sobre a historiografia 6 quase completo Mesmo Aristoteles tao prolifico a respeito de todos os campos do conhecimento a ignora em toda a sua extensa obra As unicas aparicoes da historia no extenso corpus do fildsofo de Estagira sao duas passagens da Poética nas quais é rejeitada em favor da poesia e uma breve recomendagao na Retorica aos politicos que leiam histo ria para ampliar seus conhecimentos Encontramos algumas reflexoes sobre a historiografia nas obras dos proprios his toriadores Mas na maior parte das vezes essas reflexoes sao fragmentarias estao inseridas em polémicas com outros historiadores ou tratase de simples elogios retoricos da historiografia Na verdade a mais completa investigagao antiga sobre a historiografia encontrase em um pequeno tratado da autoria de Luciano de Samosata um escritor satirico nascido na Siria no século II da Era Crista Como se deve escrever a historia a unica obra antiga inteiramente dedicada a historiogra fia de um ponto de vista tedrico que conhecemos Comecemos portanto pelo proprio ineditismo da obra por que Luciano resolveu escrever uma teoria da historia Por que escrever um tratado que nenhum outro escritor da Antiguidade tivera necessidade ou interesse em escrever Como se deve escrever a historia aleém de um manual metodoldgico 6 um pan fleto literario ou seja uma obra destinada a critica de uma pratica literaria que Luciano nao via com bons olhos Dos 63 paragrafos do texto Luciano dedica 19 quase um terco da obra a exemplos de maus historiadores 1432 Essa mesma técnica como nao fazer critica cémica e como fazer preceitos sérios foi usa da por ele em diversos outros panfletos do mesmo tipo como por exemplo em Mestre de retorica como nao ser bemsucedido na retorica e como sé lo e em Lexifanes como nao reviver palavras aticas e como fazélo No entanto Como se deve escrever a historia se destaca dentre todos pois apenas nele a cari catura nao é a principal preocupagao do texto e a balanca é mais ou menos equi librada contrapondose aos 19 paragrafos dedicados a critica cOmica dos maus historiadores 27 sao destinados aos ensinamentos prescritivos sobre a historia 3460 Observe este pequeno resumo da obra onde o autor do artigo descreve alguns elementos do texto analisado E interessante constatar que a critica historio grafica ja era utilizada nos primordios da escrita da Historia Sendo uma obra de critica Como se deve escrever a historia estava portanto viva mente inserida na pratica historiografica do século II dC O que nao significa ne cessariamente que os varios exemplos ridiculos de historias e historiadores cita dos por Luciano tenham realmente existido O proprio Luciano parece extrema mente irOnico ao garantir a veracidade das historias por ele criticadas Dirlhesei entao em detalhes o quanto me lembro haver ouvido alguns historiadores dizerem recentemente na JOnia e agora mesmo na Acaia descrevendo essa mesma guerra E em nome das Gragas que ninguém deixe de acreditar no que vou dizer Pois eu juraria por sua veracidade se fosse proprio inserir um juramento em um tratado E provavel que diversos historiadores estivessem ativos na época em que Luciano escreveu e que novas historias da guerra entre os romanos e os partos fossem pu blicadas ou recitadas com freqliéncia Ja no séc I aC No entanto nada impede que Luciano tivesse criado historias e historiadores ideais que se encai xassem melhor nos pontos que ele critica A critica aos maus historiadores se mantém mesmo que todos os historiadores criticados sejam criagao do critico Ea critica é necessaria pois o que Luciano busca é uma historia justa historias di kaias A verdade um dos tragos mais importantes da historiografia desde o seu inicio na Grécia em Luciano nao é sendo o instrumento que conduz ao justo E necessario escrever a historia com o verdadeiro eis sua régua e seu fio de pru mo para uma historia justa Historia justa verdadeira eis a proposta de Luciano Para elaborar essa cri tica o autor parte do pressuposto de que muitas historias estao fantasiadas nao narram o que realmente teria acontecido Muito disso estava relacionado ao contexto no qual o historiador estava inserido funcionario de governo fun cionario direto ou escravo do imperador etc Podemos dizer que hoje em dia também é necessario considerar o Jugar do historiador ET Para Luciano 0 poder romano era uma constatagao evidente e explicita ninguém se atreveria a combatélo pois ele ja havia submetido e conquistado todos os po vos Com efeito a época da vida de Luciano o século II dC foi o auge do poderio imperial romano o periodo dos Antoninos e a dificuldade de se escrever uma his toria justa era que a maioria dos historiadores negligenciando contar o que ocor reu os eventos gastam seu tempo no elogio dos chefes e dos generais elevando Os nossos até as nuvens e depreciando os do inimigo além de toda a medida Tratavase portanto de mais do que um panfleto literario Como se deve escrever a historia era também um panfleto antiromano E a critica era feita em um cam po que para a maior parte dos antigos era naturalmente politico a historiografia como o judeu Flavio Josefo traduziu a historia da guerra judaica em grego para formar um contraste com o florescimento da mentirosa his toriografia filoromana assim mais ou menos um século mais tarde O sirio Luciano reagiu com o opusculo Como se deve escrever a historia na ocasiao da explosao de uma historiografia filoromana que floresceu a partir da euforia provocada pelas vitorias de Lucio Vero Luciano embora nao critique os romanos diretamente nem uma vez resume seus preceitos para a historia dizendo que é necessario escrever a historia com o ver dadeiro mais do que com a adulagao kolakeia Portanto o alvo das criticas de ambos eram os historiadores aduladores intelectuais que estavam mais preocu pados com os favores dos poderosos do que com a narrativa dos eventos ou com o rigor historico as preocupacgoes de um verdadeiro historiador Além disso ao es crever em grego ambos os autores visavam evidentemente a um publico que fa lava grego e certamente suas criticas eram dirigidas aos historiadores que escre veram historias romanas em grego Ora qual seria a relagao possivel entre esses intelectuais gregos e seus senhores romanos senao a adulacao e a troca de favo res Podemos ler assim em Luciano uma forte oposiao entre a verdade que a historia deveria possuir e a adulagao que na maior parte dos casos era o que se lia nas narrativas dos historiadores A oposiao central do Como se deve escrever a histo ria nao é portanto entre verdade e mentira como poderiamos pensar inicialmen te 6 entre verdade e adulacao pois a historia era um assunto politico que exigia imparcialidade e justiga Verdade x mentira historia x ficgao Sera que podemos fazer tal associagao Se a adulagao nao é uma escrita justa e verdadeira ela nao pode ser estudada como um produto de uma situagao Em outras palavras por que adular A quem atingir com o texto Sabendo que muitos escritores antigos trabalhavam diretamente ligados a orgaos do governo como analisar a producao deles Que cuidados tomar quando da analise desse tipo de documento A unica agao possivel para Luciano contra o poder invencivel de Roma e seus aduladores era a critica Em diversas obras de Luciano os fildsofos cinicos como Diogenes Crates Menipo e outros sao encarregados dessa critica que mesmo cOmica e caricatural nao perde sua mordacidade Eles sao os médicos das paixoes as doencas da mente humana e 0 proprio Luciano pela boca de Didgenes nos diz qual a fungao do critico cinico Sou um libertador de homens e um médico de suas paixoes para dizer tudo quero ser um profeta da verdade e da franqueza Nao se pode deixar de observar que quase todas essas virtudes aparecem na defi niao do historiador ideal em Como se deve escrever a historia Assim pois para mim deve ser o historiador sem medo incorruptivel livre eleutheros amigo da franqueza parresias e da verdade aléthei as como diz o poeta comico alguém que chame os figos de figos e a ga mela de gamela alguém que nao admita nem omita nada por odio ou por amizade que a ninguém poupe nem respeite nem humilhe que se ja juiz equanime benevolente com todos até o ponto de nao dar a um mais que o devido estrangeiro nos livros sem cidade independente au tonomos sem rei nao se preocupando com o que achara este ou aquele mas dizendo o que se passou Assim vemos que para Luciano o historiador deve ser uma espécie de filosofo ci nico livre e sem medo de ser sincero Mais uma vez é possivel ligar essa passa gem ao problema da adulagao se o historiador cometesse o erro de bajular os po derosos estaria abdicando de sua liberdade e de sua autosuficiéncia Para todos os lados que se olhe a adulagao surge como um pecado a ser evitado Como a adulagao nao devia ter espaco em uma obra de historia Luciano para cri ticar esse vicio escreveu um panfleto com a forma de uma teoria da historia Em Como se deve escrever a historia os aspectos teoricos do tratado estao a servico da intenao critica uma critica surgida das necessidades politicas do presente Se a circunstancia da guerra e das historias adulatorias que ela gerou nao ocorresse imagino que Luciano nao teria escrito um tratado sobre a historia Segundo Luciano seus conselhos funcionavam de uma maneira dupla ensina vam os historiadores a escolher isso e evitar aquilo Assim ele comega a parte teorica de seu tratado catalogando os vicios que seguem nos calcanhares dos his toriadores mediocres e ensinando precisamente como nao se deve escrever a historia Nao a toa dada a insisténcia de Luciano contra a adulagao a primeira distinao feita por ele é entre a historia e o panegirico com efeito os historiadores ignoram que nao é um istmo estreito que delimita e separa a historia do panegirico enko mion mas que ha entre os dois uma grande muralha e como dizem os musicos uma distancia de duas oitavas A posicao de Luciano nessa guerra entre a filosofia e a sofistica é clara ele se posi ciona contra a retorica vazia simples discursos de aparato sem conteudo Luciano comecou sua Carreira como orador e nunca deixou de sélo mas voltou o arsenal da retorica e da sofistica contra os fildsofos sofistas historiadores gramaticos ou qualquer outro que considerasse hipocrita ou mentiroso A retorica para Luciano deveria ser uma retorica idealizada que seguisse as pe gadas de Demostenes Platao e alguns outros Mas a retorica dos antigos nao existia mais fora substituida por uma retorica das aparéncias simples ornamento sem conteudo ou utilidade Restava apenas o outro caminho trilhado por muita gente Esse era 0 caminho da retorica moderna 0 caminho trilhado pelos se gundos sofistas biografados por Fildstrato que visavam apenas a ganhos materi ais E interessante observar que Luciano propés uma escrita historiografica que seguisse as pegadas da Filosofia Nesse contexto a mitologia e a poesia seri am vistas como instrumentos utilizados pelos aduladores Escrever com ra ciocinio e retérica com contetido E nesse caminho que seguem os historiado res contemporaneos Juntamente com a retorica sem conteudo Luciano renega o prazer dos discursos e nao lhes permite um lugar na historia No entanto os maus historiadores acha vam que era possivel distinguir entre o prazeroso e o util quando se tratava de his toria Por essa razao prossegue eles trazem elogios para ela a historia para dar prazer e divertimento aos leitores Eles nao sabem quao longe estao da verda de pois a historia tem uma Unica tarefa e um unico objetivo 0 que é util e isso deriva somente da verdade Por isso os historiadores nao podem admitir uma mentira Mesmo em pequenas doses enquanto os oradores de sua época nao se importavam em mentir para obter seus resultados o prazer dos ouvintes a fama e a fortuna resultantes do sucesso na carreira declamatoria No entanto Luciano concede que possa haver lugar para elogios em uma obra his toriografica desde que eles sejam controlados pelo interesse da posteridade e pela utilidade Tanto os elogios épainoi quanto as censuras psdgoi deviam ser cui dadosos e bem considerados livres de contaminagao pelos informantes suporta dos pela evidéncia meta apodeixeon curtos e nao inoportunos pois os envolvi dos nao estao sendo acusados no tribunal Ou seja ha um lugar para o elogio na historiografia desde que seja feito na hora certa e que se mantenha dentro de limites razoaveis O grande problema portan to nao parece ser o elogio em si mas o exagero do seu uso Além disso quando Luciano diz que o elogio na historiografia deve se basear em evidéncias meta apodeixeon mostra a antiga filiagao daquela com a verdade e afastaa ainda mais da retorica epiditica Com efeito assim como a apodeixis da retorica aristotélica a historia deveria partir de fatos verdadeiros e mostrar sua causa Isto fica bem cla ro no prefacio de Herddoto esta é a demonstracado da investigacgao histories apddexis de Herddoto de Halicarnasso para que nem as coisas feitas pelo homem se apaguem com o tempo nem que as grandes e maravilhosas obras algu mas realizadas apodechthénta ie demonstradas pelos gregos outras pelos barbaros se tornem inglorias tanto em outros respeitos quanto sobre a causa aitien pela qual eles moveram guerra uns contra os ou tros Ou seja Herddoto partiu de um acontecimento a guerra contra os persas e ten tou demonstrar apoddeixis sua causa aitia mediante um procedimento baseado na investigaao historia O uso de procedimentos retoricos na elaboragao da narrativa historica era absolu tamente natural e necessario para Luciano que nao podemos esquecer teve am pla formagao retorica A retorica historiografica proposta por Luciano e levada a cabo por Herddoto e Tucidides no entanto se afastava da retorica exibicionista dos sofistas de seu tempo e se aproximava da retorica filosofica de Aristoteles Tratavase de partir dos acontecimentos verdadeiros e evidentes e demonstra los Mas nunca se poderia esquecer que a historia tem uma Unica tarefa e um unico objetivo a utilidade e isso deriva apenas da verdade Todos os procedi mentos retoricos utilizados na elaboragao historiografica deveriam estar sujeitos a isso Por fim creio que vale a pena examinarmos uma pequena metafora utilizada por Luciano em seu manual Segundo o sirio o historiador deve deixar que sua inteli géncia seja semelhante a um espelho impoluto brilhante preciso quanto a seu centro e qualquer que seja a forma dos fatos que recebe assim os mostre sem nenhuma distorgao diferenga de cor ou alteragao de aspecto A referéncia a mente do historiador como um espelho que reflete os fatos é bas tante interessante Pois o espelho por mais centrado e impoluto que seja reflete uma imagem parecida com a original mas que guarda algumas diferengas dessa A mais evidente dessas diferencas é a inversao que se efetua na superficie do es pelho entre direita e esquerda e os antigos jamais deixaram de percebéla Platao por exemplo cita diversas vezes esse fendmeno Muitos autores antigos modernos e contemporaneos fizeram uso da metafora do espelho Procure saber mais sobre os significados tomados por esse utensi lio tao precioso aos homens Percebera que muito mais do que refletir ele po de deturpar uma realidade As fontes historicas também nao cumprem esses papéis Isso poderia significar que o historiador sempre vai acrescentar algo aos fatos malgrado sua precisao e imparcialidade Talvez Mas creio que isso seria ler Luciano pensando em Hayden White Luciano como todos os antigos acreditava na possibilidade de narrar a historia tal como ela aconteceu Alem do que nao podemos esquecer que o espelho criticado por Platao e Aristoteles é o objeto o dis co metalico que reflete imagens Na literatura grega no entanto o espelho aparece quase sempre com um sentido figurado E esse sentido sempre se reflete sobre o plano moral A unica tarefa do historiador é contar 0 que aconteceu Quando um homem vai es crever historia deve ignorar todo 0 resto Vése novamente nessa passagem a questao da verdade da historiografia oposta a adulagao dos poderosos Como ja dissemos antes essa é a oposicao central em Como se deve escrever a historia Ao utilizar o espelho como metafora para a mente do historiador creio que Luciano estava como nos demais exemplos citados ressaltando o aspecto moral e ético da historia Pois se 0 espelho reflete tanto o certo quanto o errado é tarefa do historiador refletir dentre as imagens que sua mente vé nos acontecimentos aquelas que sao justas Se o historiador pretende que sua historia seja justa se pre tende que sua obra tenha alguma utilidade para o futuro e possa ser como Tucidides legislou um tesouro ktéma para sempre ele nao pode dar espaco para a adulacao ou para os excessos da poesia Sua obra deve ser uma historia verdadeira e digna de confianga que ensine e eduque os homens do futuro com os acontecimentos do presente para que quando os acontecimentos devido a natu reza humana venham a se repetir eles estejam preparados para agir melhor Notas Professor de Teoria da Historia e Historiografia no Depto de Historia da Universidade Estadual de Goias UEG Formosa GO CEP 73802000 email alemelopesgmailcom 1 Como se deve escrever a historia 2 Luciano se refere a guerra iniciada pelo rei parto Vologésio IV na primavera do ano 162 e vencida pelo coimperador Lucio Vero quatro anos de pois o triunfo foi celebrado em 12 de outubro de 166 A edicgao consultada para as obras de Luciano é Lucian in eight volumes Londres Cambridge Mass William Heinemann Harvard University 19131959 as tradugoes exceto quando indicado sao minhas Por fim trazemos o texto de Cecilia Cordeiro Historiografia e historia da histo riografia alguns apontamentos httpwwwsnh2015anpuhorgresources anais391428357432ARQUIVOArtigoSNH2015Historiografiapdf no qual a autora apresenta um balanco atualizado de 2015 no que tange aos debates so bre o conceito de historiografia de historia de quebra de paradigmas refletin do sobre os desafios de se tentar construir uma historia da historiografia Pudemos entao perceber que diferentes correntes historiograficas se desen volveram em diferentes periodos cada uma delas respondendo aos seus con textos de producoes que estao relacionados aos usos da historia aos temas fontes de pesquisa e métodos distintos Esses elementos que balizam a cons trugao do discurso historiografico foram revistos e repensados por essas di versas correntes sendo fundamental compreender o historico de cada um de les na evolugao do discurso historiografico Para complementar essa percep ao por meio de um video do historiador Icles Rodrigues veremos como os documentos historicos podem ser selecionados criticados e usados pelo his toriador em diferentes perspectivas e contextos Peed rs a iu a Pach Ti pe Ts ested i bam ele iea Neste momento reflita sobre sua aprendizagem respondendo a questao a se guir 14 Consideracoes Pudemos perceber durante os estudos deste ciclo que a historia pode possuir diversos usos e significados em decorréncia de cada contexto em que é produ zida e que cada um desses contextos acaba por rever as tematicas métodos e fontes de pesquisa elementos fundamentais da construgao historiografica No Ciclo 2 nos deteremos de forma mais profunda a historiografia produzida na Antiguidade no Medievo e no Renascimento bem como suas principais caracteristicas Devemos ter mente que é a compreensao da construgao do discurso historiografico ao longo do tempo que nos trara um melhor entendi mento do que é a disciplina hoje o que buscaremos compreender no decorrer do presente estudo httpsmdclaretianoedubrhisgs0041 fev2022gradead Ciclo 2 A Historiografia na Antiguidade Idade Media e Renascimento Leandro Salman Torelli Reginaldo de Oliveira Pereira Objetivos e Perceber a funcao da historia na Antiguidade por meio de seus princi pais autores e Compreender a historiografia medieval como referéncia cultural para a Europa ocidental e Identificar na historiografia renascentista uma nova perspectiva huma nista Conteudos A escrita da Historia e a compreensao dos processos que envolvem sua pro dugao na Antiguidade na Idade Média e no Renascimento Problematizagao Qual o tipo e a fungao da historia para a Antiguidade Quais seus principais autores Quais as principais caracteristicas e funoes da historiografia medi eval Quais as transformacoes que o renascimento trouxe para a historiogra fla 1 Introducao Como pontuado durante os estudos do Ciclo 1 devemos ter em mente que cada grupo sociedade e periodo historico constrdi seu discurso sobre 0 passado a fim de responder a determinados propositos e intuitos Tais visoes historio graficas possuem suas caracteristicas proprias quanto aos seus métodos te mas e fontes E nessa direcao que se apresenta como fundamental para o his toriador a compreensao do que podemos chamar de uma historia da historio grafia Por este motivo é que neste ciclo vamos abordar de forma mais detida o papel da historia na Antiguidade com seus principais autores a historiografia medieval como referéncia cultural para a Europa ocidental e por fim a histo riografia renascentista em uma nova perspectiva humanista 2 Historia e historiografia na antiguidade E durante a Antiguidade que nomes como Herédoto e Tucidides trouxeram su as contribuicgoes para a construcao do discurso historiografico em seu tempo sendo esses nomes e suas formas de pensar a historia as bases para a com preensao da historiografia proposta por esse paradigma Perpassando uma perspectiva mitoldgica e de busca da verdade a historia se apresentou por meio de uma visao voltada ao fortalecimento da identidade e valores julgados como importantes para os gregos Assim para melhor com preender essa perspectiva historiografica veremos sobre historia da historio grafia na Antiguidade destacando suas fases autores caracteristicas e condi coes de produgao 3 Escrita da historia na antiguidade E quase consenso entre os estudiosos da escrita da Historia que esta teria nas cido na Grécia Antiga entre os séculos 6 e 5 aC Assim se manifesta Carbonell 1987 p 15 importante historiador e pesquisador do tema é na se gunda metade do século 5 aC no pequeno mundo egeu onde tinha desabro chado a arte dos poetas tragicos e despertava a especulacao dos fildsofos que nasce a historia No mesmo sentido seguindo as afirmacoes do historiador Fontana 1998 p 17 podemos dizer que a historiografia surgiu com os chamados logégrafos da Asia Menor que tinham recolhido a informacao dos manuais em que os marinheiros anotavam os portos e povos das costas mediterraneas com ob servacoes sobre seus costumes e sobre a historia local ainda referese a autores de um glossario Observando a origem do termo Historia completa o historiador Fontana 1998 p 17 percebemos que ela deriva de um verbo que significa explorar descobrir o que viria a corresponder ao fato de que a primitiva historiografia grega era antes de tudo uma exposicao de descobrimentos sobre terras e po vos estranhos De acordo com o mesmo autor entre os logografos destacase Hecateu de Mileto c 500 aC cujas obras se referem a descricao da terrae a historia e de quem se destaca a vontade expressa de analisar racionalmente os mitos do passado FONTANA 1998 p 17 Acreditase que o avanco da escrita da Historia guarde relagoes diretas com as transforma codes da sociedade grega entre meados do século 6 e 5 aC Nesse momento iniciouse uma difusao da atividade econodmica no interior de algumas cidadesEstado 0 que acabou promovendo certo desequilibrio en tre a aristocracia vinculada a posse da terra e os grupos que faziam as ativida des mercantis Esse desequilibrio entre a aristocracia e oS grupos mercantis resultou em mu dangas na estrutura de poder das sociedades helénicas derrubando reis e as cendendo grupos que apoiavam os chamados tiranos Posteriormente foram esses tiranos que abriram espaco para a ascensao de regimes ditos democraticos controlados por uma nova elite talvez mais mer cantil e menos rural O caso classico dessas transformacoes na sociedade grega ocorreu em Atenas ao redor do ano de 600 aC O historiador Anderson 1994 p 30 descreve essa mudanga da seguinte forma A ruptura dessa ordem geral ocorreu no ultimo século da era arcaica com o adven to dos tiranos c 650510 aC Estes autocratas romperam a dominagao das aristo cracias ancestrais sobre as cidades eles representavam proprietarios de terras mais novos e riqueza mais recente e estendiam seu poder a uma regiao muito mai or gragas a concessoes a massa sem proprietarios dos habitantes das cidades As tiranias do século 6 realmente constituiam a transicgao crucial para a polis classica Foi durante seu periodo geral de predominancia que as fundagoes militares e econdmicas da Grécia classica foram langadas Além disso mudangas da ordem religiosa manifestaramse também especi almente a tendéncia de revisar criticamente os mitos gregos algo que Hecateu de Mileto procurou realizar e a caracteristica antropomorfica da sua religiao O termo antropomorfismo originase da jungao de duas palavras gregas anthropos homem e morphe forma Portanto um antropomorfismo se da quando os deuses se manifestam em forma humana ou sao atribuidos feigdes sentimentos atos e paixdes do homem a divindades Assim para a civilizagao da Grécia Antiga os deuses eram antropomorficos Nesse contexto de transformagoes um novo modelo de analise do passado de veria surgir pois aquele dos mitos que glorificavam os grupos no poder nao servia mais para justificar a nova realidade Logo nesse contexto e com esse papel que surge a Historia Segundo Fontana 1998 p 18 da fusao de revolugao politica e mudangas religiosas surgiu a interpretacao historica da idade classica uma interpretaao aristo cratica porém favoravel a democracia e hostil aos velhos mitos em que se as sentava a sociedade da realeza e da oligarquia tn oes Os pais da Historia Depois de Hecateu de Mileto e os logografos o grande salto da Historia grega rumo a seu auge ocorreu com dois homens que tinham caracteristicas distin tas mas foram igualmente importantes Herddoto e Tucidides A grande tensao que permitiu o desabrochar da Historia foi o rompimento com o género literario em busca da verdade Herddoto encarna em sua obra justamente essa tensao entre ficcao e realidade Herddoto de Halicarnasso c 485 c 424 aC era um historiador por inten cao Isso ele deixa claro ja na inauguragao de sua obra sobre as Guerras Médicas 490479 em que diz que escrevia para impedir que caissem no es quecimento as grandes facanhas realizadas pelos Gregos e os Barbaros CARBONELL 19987 p 16 O método de investigagao de Herddoto era acreditar somente naquilo que ob servava e ouvia dizer essas eram suas fontes O autor em questao defendia que qualquer coisa fora do alcance de sua visao ou do relato claro e objetivo de alguém que houvesse presenciado o fato estava fora do terreno da Historia No entanto ele utilizavase dos mitos para preencher as lacunas que as fontes nao podiam clarificar Dessa forma Herddoto simboliza uma era de transiao em que a Historia ten ta deixar de ser um género literario mas nao rompe totalmente com ele Esse rompimento apenas parcial com o género literario pode ser a explicacao de as obras de Herddoto terem sido escritas para serem lidas em publico pelos aedos como na velha tradicao literaria da Grécia Talvez isso justifique por que para Herddoto a verdade se situa no lado do oral ou do observado em de trimento do escrito verbo 6waid6 cantar era na Grécia antiga httpptwikipediaorgwikiGrC3A9ciaantiga um ar tista que cantava as epopeias acompanhado de um instrumento musical o forminx httpptwikipe diaorgwikiForminx Distinguese do rapsodo httpptwikipediaorgwikiRapsodo mais tardio por compor as proprias obras Por esse fato era o equivalente a um bardo httpptwikipediaorgwikiBardo celta httpptwikipediaorgwikiCelta Por manter elementos literarios em suas historias Herddoto é considerado em determinado momento como por exemplo no século 19 um farsante um mentiroso Contudo no periodo renascentista e na atualidade ele volta ao altar de pai da Historia Isso revela como bem destaca Dosse 2002 p 21 uma ambivaléncia do discurso historico sempre tensionado entre o real e a ficgao Outro homem grego importante para a Historia é Tucidides c 460 c 400 aC que se estabelece como historiador fazendo justamente uma critica radi cal a Herddoto 7 o aS 2 os F ae f a By A Pr 4 a ws e S OIE FX WS oa a S 3 eee o ae AG sae Be 2 oi Hoe ts a Pe a eS a eo ee a Figura 1 Busto de Tucidides Para Tucidides Herddoto era um mitologo e portanto um mentiroso Tucidides quer buscar a verdade e para isso precisava romper com o método de seu antecessor Afirma Carbonell 1987 p 17 que com a Historia da Guerra do Peloponeso de Tucidides nascem simultaneamente o método e a inteligéncia do historiador a critica das fontes e a procura racional do encadeamento causal Assim Tucidides estabeleceu um método extremamente rigoroso para a cole ta de fontes Segundo Dosse 2002 p 21 delimitando 0 campo de investiga cao ao que ele poderia observar Tucidides reduziu a operacao historiografica a uma restituicao do tempo presente resultando em um ocultamento do narra dor que se retira para deixar falar os fatos Ja que as fontes seriam apenas o que pudesse ser observado era tirada do his toriador qualquer possibilidade de analisar aquilo que estivesse distante de seu tempo de vida O saber historico em Tucidides é exclusivamente o obser vado a Os novos historiadores da Antiguidade Neste topico veremos um outro momento significativo na busca pela produ cao da Historia Polibio c208 c122 aC é o historiador que surge aps 0 aparecimento das obras de Platao e Aristoteles no século 4 aC Envolvida pelo cenario de dis cussao filosofica sobre democracia e aristocracia a obra de Polibio uma re cusa da Historia tragica ou mesmo da pura erudiao livresca 3 Polibio buscava as causas da conquista romana sobre todo 0 mundo grego e oriental Seu método his torico era a procura das causalidades No inicio de sua Historias pergunta Que homem sera tao néscio ou negligente que nao queira conhecer como e mediante que tipo de organizagao politica quase todo o mundo habitado dominado em cinqtenta e trés anos naocompletos caiu sob dominio de um Unico impé rio o dos romanos FONTANA 1998 p 25 Segundo Fontana 1998 p 2425 Polibio devolvendo a Historia seu velho proposito generalizador queria que nao so fosse investigacao sobre o passado como tambem e sobretudo um meio de formagao politica se oA 4s 7 a es i SN eS Fj yA Oia y ay iN 4 4 4 V7 iy f a y ye 1 Sn s4 ned PA Figura 2 Estatua de Tito Livio Polibio Polibio é fruto do mundo em transiao da Grécia para Roma como centro arti culador da vida econdmicosocial e cultural da Antiguidade europeia E evi dente que num contexto como esse um homem exilado da Grécia para Roma que viveu e presenciou os dois contextos é uma figura privilegiada na busca das causas dessas transformacoes A historiografia propriamente romanolatina é de dificil apreensao pois seus autores eram muito mais entusiastas dos governos e imperadores romanos do que propriamente historiadores De qualquer forma observe a sintese produzi da pelo historiador Fontana 1998 p 26 Quando passamos dos historiadores gregos aos romanos a dificuldade para inter pretar o pensamento que anima as suas obras aumenta Temos em primeiro lugar o problema dos proémios seguindo um costume que deriva dos ret6ricos gregos os historiadores latinos fazem preceder suas obras de exposicoes filosodficas onde se insiste em sua preocupacao pela imparcialidade e em seu proposito moralizador exposigoes que pouco ou nada tém a ver com a obra em si Pelo que se refere a im parcialidade é dificil admitir encontrala nos grandes historiadores da etapa final da Republica e do primeiro século do Império cujos vinculos com a politica eram claros E dificil atribuir objetividade e propdsitos moralizadores a Saltistio 8735 aC politico turbulento acusado de crimes e abusos a um Tito Livio 59 aC 17 dC a quem se considerava como um defensor do regime implantado por Augusto ou a um Tacito c58 c120 dC que expressava o rancor da classe senatorial re duzida a um papel politico secundario pelos imperadores o que explica que nos te nha deixado uma imagem hostil e deformadora dos reinados de Tibério Claudio e Nero Ao final do Império os romanos manifestavam seu pessimismo em relacgao ao futuro que contrastava com seu orgulho sobre a grandeza do passado romano Como afirma Carbonell 1987 p 3839 lucidos e patriotas os historiadores romanos escreveram durante seis séculos uma obra coletiva sobre a grandeza e decadéncia de Roma evidentemente uma historia assim nao podia deixar de ser épica guerreira fanaticamente chauvinista E mortal Vocé acha que hoje a Historia continua sendo utilizada para justificar a realidade social em que vivemos Para complementar o entendimento sobre a forma a fungao e o intuito dessas producoes bem como para refletir sobre elas assistiremos a dois videos Neles o historiador Elias Silva pontua a produgao historiografica grega e ro mana da antiguidade classica grecoromana O autor busca destacar tanto o contexto de producao quanto as principais caracteristicas destas correntes historiograficas sintetizando assim os conteudos que abordamos até o mo mento te Ay ee Oo ase arte 5 L Sa aa aE gal ie fa felt a ml hr cht m ae teh a at vt rs EF re ee etl ah ana fk OR ra 4 Historiografia medieval Em relacao a historiografia produzida pelo medievo devemos ter atenao ao fato de que nesse periodo a Igreja Catolica esteve a frente desta ditando os te mas fontes métodos e sobretudo a forma e o intuito dessas producoes Por meio da leitura dos textos a seguir poderemos compreender como a produao historiografica do medievo criou uma visao providencial da historia na qual os valores e a identidade crista eram fundamentais Tais textos também des tacam os principais nomes e caracteristicas dessa corrente explorando a rela cao do contexto historico como condicionante da propria criagao do discurso historiografico medieval Entretanto essa producao vigorou somente até o Renascimento momento em que a historiografia foi criticada abrindo cami nho para novas correntes de pensamento a saber a iluminista a positivista e a metodica 5 Clio crista historiografia na era medieval Clio de origem grega significa gloria ou fama Filha de Zeus e Mnemosine a memoria foi uma das no ve musas da mitologia grega Com suas oito irmas chamadas as cantoras divinas habitava o monte Hélicon Segundo a mitologia reunindose sob a assisténcia de Apolo junto a fonte Hipocrene as musas presidem as artes e as ciéncias Clio tem o dom de inspirar os governantes e restabelecer a paz entre os homens e a essa fungao é especialmente devotada Além disso ela é a musa da Historia e da criatividade aquela que divulgava e celebrava realizagoes Ela preside a eloquéncia sendo a fiadora das relagoes politicas entre homens e nacoes E representada como uma jovem coroada de louros trazendo na mo direita uma trom beta e na esquerda um livro intitulado Thucydide Outras representagOes suas apresentamna segurando um rolo de pergaminho e uma pena atributos que as vezes também acompanham Caliope Clio é consi derada a inventora da guitarra de forma que em algumas de suas estatuas ela traz esse instrumento em uma das mos e na outra um plectro palheta O conturbado fim do Império Romano do Ocidente e o crescimento cada vez maior da igreja crista é o cenario da emergéncia de um novo tipo de escrita da Historia Portanto podemos concluir dessa afirmacao que mudangas na sociedade serao refletidas no modo como a Historia é escrita Fontana 1998 p 28 afirma a existéncia de uma historiografia crista que ain da que escrita em latim nao surge da romana classica por um processo de evolucao ou degeneracao mas antes responde a uma nova concepgao da soci edade a necessidade de justificar um novo sistema de relacoes entre os ho mens Esse novo sistema de relacoes entre os homens se dara em vista dos seguintes fatores e Crise generalizada do fim do Império Romano do Ocidente e Processo de invasoes dos povos germanicos do norte da Europa e Ruralizacao profunda pela qual passou o Ocidente europeu entre os sécu los 3 e 8 da era crista Nesse cenario houve uma instituiao que veio se consolidando no periodo fi nal do Império Romano a qual sobreviveu a crise e conseguiu tornarse 0 cen tro fundamental das referéncias culturais da sociedade europeia ocidental Essa instituigao é a Igreja ANDERSON 1994 Dentro da Igreja comecgaram a emergir os pensadores inclusive historiadores que passaram a justificar o novo modelo social que surgiu como resultado des sa lenta transigao da chamada Antiguidade Classica para a denominada Idade Média Assim um novo sistema social o feudalismo apareceu como a solucao para a intensa ruralizagao que a sociedade da Europa ocidental sofreu ao longo da crise de transicao Surge dessa forma a historiografia crista Segundo Fontana 1998 p 2829 o que distingue a historiografia crista da grecoromana é o fato de que a grecoromana buscava a explicagao dos fendmenos historicos no in terior da propria sociedade fazendo uso de uma causalidade fundamentalmente terrena enquanto que a crista supOe que existe um esquema determinado vindo de fora da sociedade humana por designo divino que marca o curso inelutavel da evolugao historica Essa forma de observar a Historia surge com Santo Agostinho que no século 5 estabelece uma filosofia da Historia fundamentada na visao crista a A liens J Ps Figura 3 Pintura representando Santo Agostinho De acordo com o que afirma Carbonell 1998 p 41 Santo Agostinho em sua Cidade de Deus escrita nos anos 420 define a historia como a realizacgao do plano formado por Deus para a salvagao dos homens Para Santo Agostinho havia a cidade de Deus e a cidade dos homens mas as duas cidades estao en trelagadas uma na outra e intimamente mescladas de tal modo que é impos sivel separalas até o dia em que 0 juizo as separe Varios historiadores em geral vinculados a Igreja escreveram suas obras interpretando o passado ba seados na perspectiva de Santo Agostinho sobre a existéncia de uma cidade de Deus e de uma cidade dos homens A primeira representa a pureza e a se gunda 0 pecaminoso Nesse caminho estava por exemplo o discipulo de Agostinho Paulo Osorio que escreveu uma nova Historia do mundo baseandose na teoria agostiniana Assim segundo Osorio apud Fontana 1998 p 32 o ataque dos germanicos a Roma teria sido algo permitido por Deus para a correcao da cidade soberba lasciva e blasfema No entanto temos de entender um pouco mais sobre as origens e a estrutura do feudalismo para que possamos compreender sua produgao historica A desarticulagao dos impérios barbaros que emergiram do fim do Império Romano ocidental fortaleceu os grupos rurais e permitiu a ascensao de um novo sistema social o feudalismo Sobre ele assim se manifesta o historiador inglés Anderson 1994 p 143 Foi um modo de produgao regido pela terra e por uma economia natural na qual nem o trabalho nem os produtos do trabalho eram bens O produtor imediato o camponés estava unido ao meio de produgao o solo por uma especifica rela ao social A formula literal deste relacionamento era proporcionada pela definigao legal de servidao os servos juridicamente tinham mobilidade restrita Os campo neses que ocupavam e cultivavam a terra nao eram seus proprietarios A proprie dade agricola era controlada privadamente por uma classe de senhores feudais que extraia um excedente de producao dos camponeses através de uma relacgao politicolegal de coagao Essa nova realidade social que aparece em torno do século 9 no Ocidente eu ropeu passou a predominar socialmente e portanto a necessitar de uma jus tificativa historica para sua existéncia Dessa forma a Igreja que segundo Fontana 1998 sem essa justificativa his torica teria sua posigao social colocada em perigo veio em socorro do sistema feudal criando a chamada teoria das trés ordens de maneira que a mais fa mosa é a do bispo Adalberon de Laon realizada provavelmente entre 1025 e 1027 Segundo esse bispo o dominio da fé é uno mas ha um triplo estatuto na Ordem A lei humana imp6e duas condicoes o nobre e o servo nao estao submetidos ao mesmo regime Os guer reiros sao protetores das igrejas Eles defendem os poderosos e os fracos protegem todo mundo inclusive a si proprios Os servos por sua vez tem outra condicao Esta raga de infelizes nao tem nada sem sofrimento Fornecer a todos alimentos e vestimenta eis a funao do servos A casa de Deus que parece uma é portanto tri pla uns rezam outros combatem e outros trabalham Todos os trés formam um conjunto e nao se separam a obra de uns permite o trabalho dos outros dois e cada qual por sua vez presta seu apoio aos outros JUNIOR 1986 p 72 Surgia entao a teoria das trés ordens o clero a nobreza feudal guerreira e os servos camponeses Nesse sentido Fontana 1998 p 34 lembra que a Igreja reagia assim contra sua marginalizaao na nova ordem feudal oferecendolhe uma legitimagao ao mesmo tempo que a defendia e se defendia contra um inimigo comum a heresia popular igualitaria E importante ressaltar que o grande historiador dessa fase foi Joaquim de Fiori c11321202 Abade da Calabria Joaquim de Fiori articulou em seus textos a visao das trés ordens com alguns discursos proféticos algo que lhe causou reprovacoes no Concilio de Latrao apesar do tom geral de elogios a sua obra AS mesmas criti cas sofreu a obra de Frei Dolcino que levou a discussao profética para a cons trugao de uma sociedade mais justa influenciando decisivamente os movi mentos de reforma dentro da Igreja e as heresias populares Ja no século 14 a Idade Média assistia a decadéncia do modelo das trés or dens com o chamado renascimento comercial e das cidades Nesse periodo uma grave crise atingiu em cheio o mundo feudal As revoltas camponesas a peste e a fome espalharamse pela Europa ocidental ocasionando transforma codes cada vez mais radicais no sistema Novamente Fontana 1998 p 38 es clarece as relacoes entre as transformacoes sociais e a escrita da Historia As mudangas sociais destes séculos da baixa Idade Média preparariam a transfor magao do tipo de Historia que servia de suporte a economia politica do feudalismo Na mesma medida em que a Igreja foi perdendo uma parte essencial da sua fungao organizadora da sociedade que passou aos novos Estados que agora se constituiam Abandonouse progressivamente a velha Historia universal crista com sua identificagao de a Igreja do povo a maneira de Gregorio de Tours ou de Beda para dar lugar a cronica cavaleiresca de Villehardouin a Muntaner justificadora de uma classe social e de seu predominio e surgiram junto com ela outros tipos de cr6énica laica que se faziam uso da teoria das trés ordens em boa medida a secularizavam Podemos neste momento estabelecer uma conclusao importante com a que da do sistema feudal cai por terra também o modo de escrever Historia que o justificava Assim paulatinamente a sociedade medieval foi dando espaco para o surgji mento de um novo modelo radicalmente transformador das estruturas soci ais 0 capitalismo A escrita da Historia deveria acompanhar essas transformacoes fazendo muitas vezes o papel de justificagao da estrutura social outras tantas na ten tativa de questionala Essa capacidade da Historia de justificar ou questionar um sistema ocorreu durante toda a Idade Média no conflito entre o discurso oficial da Igreja em choque com os movimentos heréticos de elite ou populares Com o fim do feudalismo a Historia voltou a secularizarse ou seja a deixar o universo do sagrado e a procurar entender as relac6es sociais humanas E as sim que termina a Idade Média dando espaco para 0 surgimento de caminhos digamos menos misticos para a escrita da Historia Como afirma Carbonell 1987 p 66 a Europa da fé é sucedida pela dos sabios do Estado e por fim da Razao Qual a relacao entre as transformagoes sociais e de que maneira se da a escrita da Historia ao longo do tempo 6 Historia renascentista 0 humanismo em marcha Entre os séculos 13 e 15 intensas transformacoes na vida social econdmica cultural e politica ocorreram na Europa ocidental Segundo o historiador Sevcenko 1994 p 5 entre os séculos 11 e 14 caracteri zado como a Baixa Idade Média o Ocidente europeu assistiu a um processo de ressurgimento do comeércio e das cidades Esse acontecimento esta ligado a expansao europeia ocorrida a partir das Cruzadas contra o Oriente nao cristao Afirma ainda Sevcenko 1994 p 5 que a criagao desse eixo comercial reforgado pelo crescimento demografico pelo de senvolvimento da tecnologia agricola e pelo aumento da produgao nos campos eu ropeus dava origem a novas condicoes que tendiam a progressivamente em con junto com outros fatores estruturais internos dissolver o sistema feudal que preva lecera até entao Entretanto no século 14 esse processo de crescimento e expansao entrou em colapso Os fatores fundamentais disso foram e A Peste Negra que dizimou cerca de um tero da populagao europeia e A Guerra dos Cem Anos 13371453 que opunha a Inglaterra a Franga e As revoltas camponesas ocasionando crise no campo e problemas de abastecimento alimentar no Ocidente europeu Nesse sentido de acordo com Sevcenko 1994 p 7 essa crise do século 14 tem sido denominada também crise do feudalismo pois acarretou transformagoes drasticas na sociedade economia e vida politica da Europa que praticamente diluiu as ultimas estruturas feudais ainda predominan tes e reforcou de forma irreversivel o desenvolvimento do comércio e da burgue sia Essa nova classe social emergente a burguesia comercial necessitava de um novo discurso ideoldgico que justificasse seu poder econdmico A Historia co mo ramo do saber que serve muitas vezes como legitimagao do poder domi nante nao poderia ser diferente Ela sofreu transformacoes importantes Vocé consegue enxergar em seu cotidiano como o mundo das ideias esta relacionado com a realidade concreta com as quest0es sociais O século 15 assiste a trés mudangas decisivas que vao promover 0 rompimento da forma como se escrevia a Historia Carbonell 1987 p 77 descreve quais sao essas transformacoes Por volta de 1440 em Estrasburgo Gutenberg põe a funcionar a imprensa de carac teres móveis na mesma época em Roma Lorenzo Valla demonstra a falsidade do ato conhecido pelo nome de Doação de Constantino em 1453 Bizâncio sucumbe aos assaltos otomanos acelerase então a diáspora dos copistas e gramáticos gre gos através da Europa Novas técnicas de difusão novo método de análise novas fontes Nova curiosidade também dado que a Renascença e a Reforma foram ca da qual à sua maneira peregrinação às fontes Clio parece repudiar um milênio de tutela teológica e escolástica para por sua vez reencontrar a sua infância pagã e entrar na idade da razão No Renascimento portanto os três ramos mais importantes do trabalho his tórico foram transformados radicalmente no século 15 A crítica documental A chegada de novos instrumentos de pesquisa A difusão das produções em texto escrito Valla 14071457 operou uma ruptura importante na produção histórica ao tornar como prática comum a crítica documental com a elaboração que fez sobre a famosa Doação de Constantino documento que a Igreja preservava como prova de que o imperador romano Constantino teria dado ao papa Silvestre e seus sucessores a autoridade sobre a cidade de Roma e toda a parte ocidental do Império Romano De acordo com Fontana 1998 p 43 Ainda que a suspeita de que se tratava de uma fraude havia sido já exposta por di versos autores foi o humanista Lorenzo Valla a serviço de Alfonso o Magnânimo de Nápoles e obrigado a defender o seu soberano contra as pretensões políticas do papado quem fez uma crítica demolidora do documento e pôs em evidência os anacronismos erros de linguagem e inexatidões de toda a ordem que continha Essa crítica documental só foi possível em virtude do desejo dos humanistas em pesquisar para conhecer profundamente as sociedades da Antiguidade Clássica Grécia e Roma Esse desejo estava relacionado à negação do período conhecido como Idade Média passou a ser chamado assim justamente no Renascimento considerado um hiato de obscurantismo e decadência do pen samento humano entregue aos ditames religiosos O afresco a seguir intitulado Escola de Atenas pintado por Rafael Sanzio em 1511 retrata exatamente essa vontade de os renascentistas buscarem suas in fluéncias filosdficas culturais politicas e sociais no passado grecoromano caracterizando portanto a necessidade de reconstruir esse periodo de manei ra mais significativa Assim a Historia é vital para o movimento renascentis ta ns ff cs oe 7 a rd a ee Y ota Tp e ee iF SK Way es i a viii W mn ot i o a A oe ro 0 eal a ce SS lia Btn oS 5 a sy YI 7 ie a Dy a a ay A y a jy ht i g a r f M A 2 oN y Oe if i i iy i 2 y yi i 4 1 rm ae i ON Bt ea a Y a ey 5 Tf 7 ag ore e rs i g fe e ve r Py en Si ike ee iets 7h Fes a ie ee an ie eee i F 1 N LPS nk SM I I hg a on 3 7 ae Rr sg 4 yo 7 ih 2 a Lt 4 rr Wa ay aoe tt ee a si a eo nner Figura 4 A Escola de Atenas afresco de Rafael Raffaelo Sanzio Roma Stanza della Segnatura Palacio do Vaticano Depois de Valla outros pesquisadores passaram a utilizar esse tipo de critica documental embora ja estivessem armados por um arsenal de novos ramos do conhecimento entre eles a arqueologia No século 16 o florentino Maquiavel 14691527 defendeu a utilizagao politica da Historia como ferramenta importante para o exercicio racional do governo O também florentino Guicciardini 14831540 acreditava diferentemente de Maquiavel que a Historia nao poderia nos dar licoes pois segundo ele uma interpretacao global do passado era impossivel Ele defendia ainda que os fa tos pitorescos eram muito importantes para serem desprezados em favor de uma visao global do passado FONTANA 1998 No final do século 16 surgem na Franga os defensores de uma Historia perfei ta Seus expoentes foram Pasquier La Popeliniére e Bodin Para Pasquier o historiador deveria fazer uma critica profunda as fontes e de finir rumos em que pudesse explicar logicamente a sociedade com nao me nos eficacia do que as equacgoes matematicas Ja La Popeliniere propunha uma Historia geral que abarcaria todos os aspec tos da vida humana e mostraria as razoes dos acontecimentos e nao apenas Os Narraria Por fim Bodin que divide a Historia em trés ramos o natural o sagrado e o humano defende que o historiador deve se ocupar do ramo humano buscando construir uma ciéncia que dé conta de explicar racionalmente a ascensao e queda dos impérios e civilizagoes CARBONELL 1987 No século 17 contudo essa corrente historica foi varrida da Frana para o sur gimento de outra que defendia a Igreja e o Absolutismo uma espécie de Renascimento da Historia Crista medieval mas com caracteristicas da sua poca destacandose a defesa do absolutismo Segundo Fontana 1998 p 49 a historiografia francesa do século 17 vera por exemplo o triunfo do irracionalismo teolégico culminando no Discurso sobre a Historia Universal 1681 de Bossuet on de se faz tudo depender diretamente do designio divino Nao ha lugar nem para uma causalidade em termos humanos nem sequer para o acaso Toda a possibili dade de uma Historia que analise racionalmente a evolugao humana acaba assim negada Portanto entre os séculos 15 e 18 o conteudo da produgao historica na Europa ocidental envolve desde magia e religiao até a politica e a ideia de ciéncia his torica Dessa forma nao é possivel construir uma ponte imediata entre o Renascimento italiano e a Ilustragao francesa ou o liberalismo inglés Fica claro pois que o periodo do século 15 ao 18 tratase de uma fase de transicao em que estruturas da antiga sociedade feudal coexistem com estruturas da nova sociedade capitalista Esse fendmeno manifestase na produgao histori ca impossibilitando a elaboracgao de uma sintese da forma em que se escreveu a Historia na chamada Idade Moderna Por fim a ultima leitura do presente ciclo de estudos sera o artigo de José Barros Neste o autor realiza um balanco da historiografia que tratou do perio do de passagem da antiguidade para o medievo por meio dos debates historio graficos pertinentes Ou seja para alem da analise dos fatos e contextos objeti vos da historia Barros busca apresentar e refletir sobre as diferentes propostas de analise historiograficas desde a medieval até a Nova Historia Cultural Assim o autor enfatiza como os mesmos fatos e contextos podem ser inter pretados de formas distintas por diferentes correntes historiograficas ao longo do tempo Tal perspectiva de estudo se apresenta como fundamental para o oficio do historiador na medida em que esse balanco historiografico se apre senta como prerrogativa basica para o estudo de qualquer tema Para realizar a leitura do texto indicado clique aqui httpswwwresearchgatenetpubli cation250990827PassagensdeAntiguidadeRomanaaoOcidenteMedievalleitu rashistoriograficasdeumperiodolimitrofefulltext033be0e10cf297d23e98c5a5 PassagensdeAntiguidadeRomanaaoOcidenteMedievalleiturashistoriograficasde umperiodolimitrofepdf A fim de sintetizar tais conteudos bem como refletir sobre essas producoes e contextos nos detemos agora a um video complementar Neste o historiador Elias Silva retoma a caracterizacgao da historiografia medieval em seu contex to de producao demonstrando como o discurso historiografico é pensado e construido em relagao as preocupacoes e interesses de seu tempo As princi pais caracteristicas e autores dessa produao tambem sao destacados pelo au tor moa Le Male apt 1 fot ae a LE rata er pa r Lah lo 7 i 7O Neste momento reflita sobre sua aprendizagem respondendo a questao a se guir 4 Consideracoes Como vimos a historia pode possuir diversos usos e significados em decor réncia de cada contexto em que é produzida e cada um desses contextos aca ba por rever as tematicas métodos e fontes de pesquisa elementos fundamen tais da construcao historiografica Nesse sentido abordamos a historiografia produzida na Antiguidade no Medievo e no Renascimento bem como suas principais caracteristicas No Ciclo 3 abordaremos a relacao entre a Historia e as outras Ciéncias Humanas nas construcoes historiograficas iluminista positivista e metddica Até la httpsmdclaretianoedubrhisgs0041 fev2022gradead Ciclo 3 A Relagao entre a Historia e as Outras Ciéncias Humanas na Construcao Historiografica Iluminista Positivista e Metodica Leandro Salman Torelli Reginaldo de Oliveira Pereira Objetivos e Identificar as caracteristicas da historiografia iluminista e seus princi pais autores e Compreender a contribuicao dos metodicos para a efetivacao da historia como disciplina e Perceber as influéncias do positivismo na construcao de uma metodolo gia pretensa como cientifica para a Historia Conteudos e Contexto de produgao e propostas da historiografia iluminista Contribuigao dos metddicos para a efetivacao da historia como discipli na e As influéncias do positivismo na construgao de uma metodologia de pretensao cientifica para a Historia e A forma como essas correntes historiograficas contribuiram para a con solidagao da Historia como uma area autOnoma de conhecimento Problematizagao Qual o contexto de produgao e propostas da historiografia iluminista Qual a contribuigao dos metodicos para efetivagao da historia como disciplina Quais as influéncias do positivismo na construao de uma metodologia para Historia De que forma estas correntes historiograficas contribuiram para a consolidagao da Historia como uma area autOnoma de conhecimento Orientacoes para o estudo Dando continuidade aos estudos sobre a historia da historiografia neste ter ceiro ciclo nos deteremos as producoes dos séculos XVIII e XIX Nesta dire ao perpassamos o contexto de produgao e propostas da historiografia ilumi nista no rompimento com paradigma do medievo Também abordaremos a contribuiao dos metddicos para efetivacao da historia como disciplina e por fim as influéncias do positivismo na construgao de uma metodologia de pre tensao cientifica para Historia Assim neste momento 0 que buscamos é a compreensao da forma como essas correntes historiograficas contribuiram para a consolidagao da Historia como uma area autOnoma de conhecimento 1 Introducao No presente ciclo de estudos abordaremos as producoes historiograficas dos séculos XVIII e XIX Iniciaremos com o contexto de producao e propostas da historiografia iluminista na busca do rompimento com o paradigma medieval que coloca o homem como objeto de estudo por exceléncia em contraponto com a visao providencial da historia Também abordaremos a escola metodica positivista as quais trabalharam para efetivacao da historia como disciplina na busca de uma construgao historiografica de carater e pretensao cientifica caracteristicas que permeiam o discurso historiografico até os dias de hoje Por fim novamente ressaltamos que todas essas propostas acabam por repen sar os temas métodos e fontes de pesquisa dentro de novos contextos de inter pretacoes e leituras que por sua vez respondem a propria fungao e uso da historia neste periodo 2 Historiografia e Iluminismo O Iluminismo foi um importante movimento de renovagao filosofica e intelec tual que buscou 0 rompimento com a concepcao de mundo medieval pautada no credo cristao De forma simplista podemos compreender que os iluminis tas buscavam colocar o homem como cerne do processo historico tendo por base uma visao de pretensao racional da construgao do discurso historiografi co Nessa direcao o homem passa a ser protagonista da historia abandonan do a visao providencial que pautou a producao medieval Para isso tivemos decorrentes mudangas nos temas métodos e fontes de pesquisa sendo estas balizadas por uma analise mais objetiva e fiel dos documentos escritos e ofici ais criando assim uma nova concepao de historia 3 Historia dos Iluministas Geralmente chamamos de Iluminismo Ilustragao ou ainda Filosofia das Luzes 0 movimento de renovacao filosofica e intelectual ocorrido na Europa cujo limite cronologico pode ser estabelecido entre a Revolucao Inglesa do sé culo 17 e a Revolucao Francesa do século 18 Conforme sabemos durante esse periodo ocorreu um amplo processo de transformagao politica econdmica e social que colocou fim ao modo de produ cao feudal e as instituigdes do Antigo Regime possibilitando assim a eclosao de uma sociedade tipicamente burguesa e 0 advento do capitalismo como sis tema hegemonico Mas afinal qual a relagao que podemos estabelecer entre esse periodo de mu dangas e uma nova maneira de ver conceber interpretar e escrever a Historia O chamado século das luzes realmente foi decisivo no estabeleci mento de uma nova forma de se entender a Historia Existiu nesse periodo um grupo de autores que influenciaram geracoes futuras de historiadores No decorrer deste ciclo vamos tentar responder a essas perguntas de modo a deixar claro o papel exercido pela Ilustragao no desenvolvimento da chamada historiografia moderna As transformagoes em curso na Europa ocidental no decorrer dos séculos 17 e 18 provocaram alteragoes na forma de pensar o mundo e na maneira como os homens concebiam a Historia Alguns fildsofos como René Descartes 15961650 e John Locke 16321704 combatiam as explicagcoes baseadas na vontade divina tipicas da Idade Média No entanto essa nova atitude nao provocou uma completa ruptura com a visao mistica de interpretacao historica da epoca medieval conforme podemos observar especialmente nos escritos de Jacques Bénigne Bossuet 16271704 que ainda apresentam a crencga num sentido de Historia fixado por Deus ou seja numa concepao providencialista da Historia humana Consideramos portanto que a existéncia simultanea dessas duas maneiras de ver o mundo a providencialista e a critica da vontade divina ocorreu por dois motivos principais e Periodo de transigao em que as estruturas da antiga sociedade feudal co existem com estruturas da nova sociedade capitalista e Os referenciais metodoldgicos que norteiam o trabalho do historiador sao construidos lentamente e nao de maneira imediata Nesse sentido o uso da razao inteligéncia para entender e explicar a realida de teve seu papel reforcado e aperfeicoado pelos expoentes da Ilustraao no desenvolvimento do processo historico Os iluministas acreditavam que se a sociedade fosse organizada por principios racionais ela se tornaria cada vez melhor e mais justa Essa visao de mundo baseada no racionalismo foi fortemente influenciada pe la fisica de Newton 16421727 cujos estudos afirmavam que havia leis natu rais que regiam a dinamica de funcionamento do Universo Na verdade de acordo com Fontana 1998 p 60 os ilustrados transportaram os esquemas elaborados pelas ciéncias naturais para 0 campo das Ciéncias Sociais estabelecendo uma espécie de fisica da sociedade Fizeram isso vi sando compreender as relagoes humanas ja que achavam que a sociedade po deria ser organizada do mesmo modo que a natureza E vocé acredita que o mesmo modo de raciocinio util para as ciéncias naturais pode ser também usado pela Historia Quais seriam as implicacoes de se proceder de tal maneira Envolvidos nessas transformagoes que contribuiram para um visivel aumento qualitativo e quantitativo tanto no campo do conhecimento quanto no das téc nicas os pensadores do Iluminismo foram cultivando uma crenga apaixonada na ideia de progresso Desse modo muitos ilustrados acreditavam que a Historia caminhava de maneira linear rumo a um progresso humano continuo e ininterrupto Devemos mencionar ainda que durante o século 18 sob o impacto das ideias iluministas ganharam forma as chamadas filosofias da Historia cuja visao te leoldgica afirmava que a evolucao da humanidade estava orientada para um determinado fim Nas palavras de Bourdé e Martin 1983 p 44 que escreveram o livro As esco las historicas o ponto em comum das diversas filosofias da historia era des cobrir um sentido para a historia Essa visao de estabelecer um sentido para a Historia influenciou diversos pensadores como Voltaire Kant Condorcet e Hegel e mais tarde Comte Marx Spengler e Toynbee Esses estudiosos tentaram cada um a sua maneira criar modelos explicativos visando desvendar os nexos do curso dos acontecimentos passados para per ceber para onde caminhava a Historia ou em outras palavras para descobrir qual era o sentido da Historia Certamente os grandes problemas colocados ao oficio do historiador por essa maneira de se fazer Historia reduzindoa a processos ou leis gerais foram ao mesmo tempo a limitagao das possibilidades de pesquisa historica e a ausén cia de preocupacgao com os aspectos especificos e particulares dos aconteci mentos historicos ja que havia uma opao por estudos generalizantes 4 Ilustragao francesa concepcoes da historia em Voltaire Montesquieu Rousseau e Condorcet Apesar de haver algumas caracteristicas comuns entre os pensadores ilumi nistas nao podemos incorrer no erro de acharmos que havia uma uniformida de de pensamento entre eles Conforme veremos cada um encarava a Historia de uma maneira diferente Iniciaremos a apresentacao das concepcoes historicas dos ilustrados france ses por Francois Marie Arouet 16491778 nascido em Paris e mais conheci do como Voltaire Esse autor segundo Fontana 1983 p 6465 definiu a Historia na Enciclopédia da seguinte maneira A historia é o relato dos fatos que se tem por verdadeiros ao contrario da fabula que é o relato dos fatos que se tem por falsos Ha a historia das opinides que nao é muito mais que a compilagao dos erros humanos A historia das artes pode ser a mais util de todas quando une ao conhecimento da invengao e do progresso das artes a descrigao de seus mecanismos A historia natural impropriamente chama da historia é uma parte essencial da fisica Temse dividido a historia dos aconte cimentos em sagrada e profana a historia sagrada é uma sequéncia das operagoes divinas e milagrosas pelas quais tem agradado a Deus conduzir no passado a na ao judia e por a prova no presente a nossa fé Pela definicao citada anteriormente fica clara a preocupacao de Voltaire com a exatidao dos fatos historicos ou seja pela busca de sua veracidade A critica as fabulas que na época eram muito apreciadas por seus contemporaneos mostra seu interesse em transformar o modo como até entao a Historia era ex plicada Além disso conforme ensina Fontana 1998 p 67 Voltaire foi responsavel pe lo alargamento das perspectivas historicas ja que se empenhou em superar o estreito marco da historia politica tradicional para construir em seu lugar a do espirito humano Assim podemos dizer que para Voltaire cabia a Historia se envolver com os estudos dos motivos e das paixOes que guiam as agoes humanas privilegian do as mudangas nos costumes e nas leis Ademais esse campo do saber deve ria abrirse a tudo 0 que é humano a diversidade das civilizagoes No que diz respeito a escrita da Historia o historiador deveria procurar ser agradavel es crevendo de maneira breve e evitando acrescentar demasiadamente detalhes inuteis e descricdes numerosas em sua narrativa BOURDE MARTIN 1983 De acordo com o exposto até aqui vocé deve ter percebido que a concepcao historica de Voltaire privilegia os aspectos culturais da humanidade dai a sua preocupacao com as mudangas nos costumes com a diversidade das civiliza Goes Esse iluminista também atribui uma grande importancia aos feitos dos gran des homens principes militares imperadores conforme podemos depreen der de sua divisao em quatro grandes épocas para distinguir a evolucao da Historia humana e Grécia de Filipe e Alexandre e Roma imperial de César e Augusto e Renascimento com os Médicis e Franga de Luis XIV Em cada uma dessas fases a razao humana teria progredido e aperfeicoado se levandoo a acreditar que a ilustracao poderia ser um agente capaz de re formar a sociedade Fontana 1983 p 67 ilustra muito bem esse aspecto A uma visdo de historia que se funda na evolucao do espirito humano corres ponde uma concepao politica que sustenta que é a ilustragao dos homens como instrumento de modificagao de sua consciéncia que transformara o mundo E a es sa concepgao politica corresponde por sua vez um programa de agao como o dos ilustrados que Voltaire pos em pratica nao so por meio de seus escritos como tam bém dos seus combates pela justica e pela tolerancia Um outro pensador de destaque no Iluminismo francés é CharlesLouis de Secondat 16891755 mais conhecido como Montesquieu autor da obra O Espirito das Leis publicada em 1748 Além disse ele é famoso por sua doutri na dos trés poderes em que dividia a autoridade governamental entre os po deres Executivo Legislativo e Judiciario i VOCE SABIA QUE Boa parte dos pensadores do Iluminismo francés publicava suas obras anonimamente ou fazendo uso de pseud6nimos Voltaire por exemplo é um dos varios pseudénimos utilizados por Francois Marie Arouet Apesar de apresentar uma preocupacao mais de natureza politica do que de critica historica propriamente dita esse pensador deixou alguns legados espe cialmente para a Teoria da Historia Fontana 1983 destaca duas contribuioes desse ilustrado e A distingao feita entre o que meramente fruto do acaso e aquilo que tem uma importancia estrutural para explicar os fenomenos historicos o que possibilitaria na concepcao de Montesquieu um estudo cientifico da evo lugao historica e Sua visao da evolugao humana como passagem por uma sucessao de etapas definidas pela forma na qual os homens obtém a sua subsisténcia FONTANA 1983 p 6970 Essas duas etapas apresentavam como caracteristica um carater ciclico de avancos e retrocessos nao sendo possivel explicar as modificagoes ocorridas na sociedade ou nacoes a partir de uma analise mecanica de causas e con sequéncias ja que as mudangas fazem parte de um processo inteligivel do es foro humano para entendimento proprio e para realizar no mundo as suas capacidades CARDOSO 2005 p 134 E exatamente essa visao ciclica da Historia que possibilita a apreensao de que existem causas gerais passiveis de serem compreendidas que justificam o estudo cientifico da evolucao historica da humanidade defendida por Montesquieu O suigo JeanJacques Rousseau 17121778 é outro pensador que merece des taque dentro do pensamento historico do século 18 especialmente por levar em consideragao as modificagoes pelas quais passou a natureza humana ao longo da Historia Uma de suas ideias faz uma forte critica as sociedades his toricamente constituidas especialmente quando afirma que o homem nasce livre e por toda parte se encontra sob grilhdes ROUSSEAU Desse modo 0 proprio processo historico por que passou 0 homem o transfor mou num prisioneiro corrompendo seu modo de vida original caracterizado pela liberdade e independéncia Em outras palavras a origem da corrupao do ser humano esta em seu contato com a civilizagao que o afastou gradativa mente de seu contato com a natureza e produziu a desigualdade entre as pes soas bem como os problemas criados por ela A concepcao degenerativa da evolucao social e dos males que impedia a emancipacao do homem apresentada por Rousseau contrasta bastante com a visao de muitos de seus contemporaneos os quais viam o processo historico pelo qual passou a sociedade como um sinonimo de progresso E do conhecimento de todos que diversos iluministas viam 0 século 18 como um momento em que as realizagcoes humanas haviam superado em muito tudo aquilo que havia sido feito antes A Historia por sua vez era apresentada como uma via de mao Unica rumo ao cons tante aprimoramento do potencial humano Para refletir Sera que podemos assim como os iluministas acreditar que a Historia caminha rumo ao constante apri moramento do potencial humano Quanto a Condorcet 17431794 cujo verdadeiro nome era Marie Jean Antoine Nicolas de Caritat devemos destacar seu papel na modificagao da imagem que até entao se tinha do tempo historico 0 de uma linha reta temporal Esse iluminista apresenta um modelo de compreensao dos acontecimentos consti tuido por uma escadaria no qual acontecimentos diversos se desenrolam em seus variados degraus A grande idéia que esta na base da concepgao da historia de Condorcet é que a historia retoma em cada época todos os progressos das fases precedentes enquanto ela é o resultado da acumulacao de toda a riqueza do passado BODEI 2001 p 32 A citagao anterior mostra que para Condorcet o processo historico traduz o progresso da humanidade Esse pensador procurou descobrir o sentido dos acontecimentos tentando interpretar as leis inerentes ao desenvolvimento do curso dos fatos historicos o que lhe possibilitou acreditar que seria possivel antecipar as tendéncias do futuro Além disso ele colocou em relevo que a direcao da marcha da Historia depen de da permanéncia de algumas precondicoes e da intervencao dos individuos para antecipar o tempo daquilo que aconteceria de modo inevitavel no futuro 5 Ilustracao britanica Ferguson e Adam Smith Aos representantes da ilustragao britanica com destaque para os membros da Escola Escocesa coube a tarefa especial de tentar construir uma visao de mundo que inculcasse a logica do capitalismo aos diversos segmentos da so ciedade que nao se beneficiavam diretamente das riquezas geradas por esse sistema Surge a partir dai uma nova maneira para explicar a realidade e os fenome nos humanos que afirma haver uma logica interna de funcionamento obtida pelas agoes do homem e pelos principios que ordenam a vida em sociedade O que faz a sociedade funcionar sao os interesses dos individuos que no en tanto so ganham sentido se inseridos na trama das acoes reciprocas produ zidas através das geracoes pela vida em comum dos individuos BODEI 2001 p 33 Nesse sentido por exemplo para que eu sobreviva sou de certa maneira forgado a trocar meu trabalho com o dos outros Assim é preciso que os interesses de uma pessoa coincidam com os interesses de outrem Isso le vando em conta o funcionamento do mercado ou seja 0 aspecto econdmico Neste topico privilegiaremos as concepcoes historicas de Adam Ferguson 17231816 e de Adam Smith 17231790 apesar de outros pensadores como David Hume 17111776 e Edward Gibbon 17371794 terem deixado importan tes contribuicoes Ferguson foi um dos grandes responsaveis pela difusao dos conhecimentos elaborados pela famosa escola escocesa Além disso em seu pensamento his torico implantou o conceito de sociedade civil vista como o local da dimen sao privada e individualista que seria o fator principal para o surgimento da economia politica e da liberdade dos modernos Dessa forma Ferguson vé o processo de divisao do trabalho como o responsa vel pela passagem da barbarie a civilizagao e usa o liberalismo para justificar e explicar de maneira racional a nova sociedade surgida no século 18 Na opiniao de Fontana 2001 a figura mais importante que apareceu no con texto da Ilustragao britanica é Adam Smith que escreveu A Riqueza das na des publicada em 1776 Nessa obra apresentada uma visao economicista da Historia como ascensao da barbarie ao capitalismo um programa para o pleno desenvolvimento deste e uma antecipacao de um futuro de prosperidade e riqueza para todos FONTANA 2001 p 90 Smith afirma que os homens dotados de certo egoismo ou seja voltados para seus proprios interesses promovem o interesse da sociedade mesmo sem saber ou ter essa intencao ja que existe uma mao invisivel que os levam a fazer isso 1 A mao invisivel que controla o mercado é a base do conceito do liberalismo que por sua vez prevé que se o mercado nao for controlado for deixado livre a mao invisivel controla a relagao entre os homens equilibrandoas Na pratica sabemos que o liberalismo abandona os homens a sua propria sorte abrindo caminho para a dominagao e exploracgao dos mais poderosos sobre os menos privilegiados Vocé sabia que O liberalismo era um modelo de pensamento que reclamava 0 progresso por meio da liberdade Suas prin cipais caracteristicas eram a naointervengao do Estado na economia o individualismo a liberdade de mercado a livre concorréncia a liberdade de contrato e a livre iniciativa Esse pensador identifica uma organizaao dinamica da sociedade que sempre evolui para um melhor bemestar coletivo Dessa forma é possivel explicar e prever tanto 0 comportamento dos individuos quanto as relacgoes sociais do homem ja que a natureza humana é vista como universal e imutavel Vocé ja ouviu falar do neoliberalismo Consegue enxergalo como uma retomada do libera lismo Reflita sobre isso Ainda abordando as relacoes entre a proposta iluminista e sua relagao com a positivista realizaremos a leitura do texto de Barros Este artigo além de pon tuar as principais caracteristicas e autores da historiografia positivista tam bem reflete sobre alguns pontos fundamentais para a construcao desse dis curso historiografico a exemplo das possibilidades de se encontrar leis gerais para a Historia e para o desenvolvimento social ressaltando o carater cientifi cista positivista BARROS José DAssungao Consideragoes sobre o paradigma positivista em Historia httpshistoriaruvanetbrindexphp1articleview49 In Revista Historiar Universidade Estadual Vale do Acarau v 4 n 4 Sobral 2011 A fim de complementar tais discuss6es agora assistiremos ao video As filo sohias do Iluminismo e os primeiros paradigmas historiograficos de Carlos Luiz Bento no qual se apresentam algumas reflexoes sobre como as filosofias iluministas influenciaram os paradigmas historiograficos subsequentes por meio de suas criticas aos modelos anteriores e suas propostas de renovacao metodoldgica Nessa direcao Bento aborda o papel da razao das ciéncias na turais e o proprio contexto historico que permeou esse debate de renovagao fi losofica e também historiografica m Tae ee m deal 7 4 ad A ee est a a La Teepe eat cay a oOo a ieee 6 A historiografia cientificista Adentrando os novos métodos propostos pelas correntes cientificistas da Historiografia agora vamos explorar mais a fundo as correntes positivista e metodica Tais concepcoes apesar de apresentaram algumas diferengas entre si convergem em suas propostas e forma de construcao do conhecimento O rigor na escolha e trabalho com as fontes a perspectiva de uma historia de te or politico visando a criagao de identidades dentre outras caracteristicas se rao a tonica dessas producoes e discussoes Escola metodica No decorrer do século 19 ocorreu uma incessante tentativa de estabelecimen to de uma historiografia cientifica acompanhando os passos das propostas iluministas que apresentasse métodos e critérios de trabalho para o histori ador Nesse contexto implantouse na Franga entre os anos de 1880 e 1930 a Escola Metodica tornandose uma das grandes responsaveis pela consolidagao da Historia como disciplina e pela profissionalizagao do género historico Seus principios aparecem em dois textos um foi redigido por Gabriel Monod para o lancamento da Revue Historique em 1876 0 outro é a obra Introducao aos estudos historicos escrita por Charles Seignobos e CharlesVictor Langlois em 1898 Apesar de a historiografia cientifica ser algumas vezes confundida com 0 po sitivismo devemos destacar um ponto importante que os diferencia os meto dicos tiveram como fonte de inspiraao os escritos do alemao Leopold Von Ranke 17951886 e nao de Auguste Comte 17981857 Ranke em seus postulados tedricos preocupouse bastante com a questao do método de pesquisa em Historia destacando que cabia ao historiador nao a fungao de julgar os fatos do passado mas sim de mostralos como realmente aconteceram pois acreditava que era possivel atingir a objetividade e conhe cer a verdade com a Historia E vocé acredita que a Historia possa atingir a verdade praticamente absoluta sobre os fatos do passado Assim Ranke valorizou o uso de documentos dos quais o historiador deveria reunir um numero suficiente de dados descrevendo apenas o que estava con tido nas fontes sem se ater a nenhum tipo de especulagao teorica evitando assim qualquer tipo de subjetividade BOURDE MARTIN 1983 Os metodicos aplicaram em grande medida os postulados de Ranke ja que buscavam delinear uma nova maneira de abordagem documental para a pes quisa historica fazendo que a Historia produzida fosse ao mesmo tempo des critiva narrativa imparcial e objetiva A escola metddica quer impor uma investigacao cientifica afastando qualquer especulacao filosofica e visando a objetividade absoluta no dominio da historia pensa atingir os seus fins aplicando técnicas rigorosas respeitantes ao inventario das fontes a critica dos documentos a organizacao das tarefas na profissao BOURDE MARTIN 1983 p 97 De acordo com a citacgao anterior podemos notar a defesa de uma Historia ci entifica por parte dos metodicos e a critica as especulacoes filosoficas especi almente aquelas que aparecem nas chamadas filosofias da Historia Na busca da objetividade o discurso historico deveria diferenciarse da lin guagem utilizada pela literatura meramente ficcional a fim de nao se tornar algo romantizado ou uma simples fantasia Além disso 0 passado poderia ser apreendido de forma indireta por meio dos registros escritos deixados em tex tos e documentos oficiais Em seu oficio o historiador deveria procurar alcan car a neutralidade maxima no trato com as fontes deixando de lado suas pai xOes e emocoes Alias na obra Introduao aos estudos historicos Seignobos e Langlois valori zam bastante a importancia do documento escrito para o conhecimento histo rico ao afirmarem que a Historia se faz com documentos e que estes falam por si Ou seja as fontes documentais sao a prova de que aquilo que o historiador esta dizendo em seu trabalho é verdade A historia se faz com documentos Documentos sao os tracgos que deixaram os pen samentos e os atos dos homens do passado Por falta de documentos a historia de enormes periodos do passado da humanidade ficara para sempre desconhecida Porque nada supre os documentos onde nao ha documentos nao ha historia LANGLOIS SEIGNOBOS 1946 p 15 Dessa forma apos a escolha do tema a ser estudado o historiador deve reali zar a busca a localizagao a reuniao e a classificagao dos documentos em uma atividade conhecida como heuristica Alem do mais a critica das fontes fazia se uma etapa fundamental uma vez que tinha o objetivo de verificar a autenti cidade e a credibilidade ou nao dos registros deixados Apesar de toda essa preocupacgao com os métodos e procedimentos a serem aplicados na maneira de se fazer Historia no decorrer das primeiras décadas do século 20 os metodicos eram alvos de duras criticas Toda aquela concep cao de Historia linear de progresso cumulativo herdada da época das Luzes bem como as questoes os métodos as abordagens e objeto de estudo im plantados pela corrente metodica eram questionados especialmente por par te dos representantes da Escola dos Annales Positivismo de Auguste Comte A corrente positivista elaborada por Auguste Comte exerceu um forte impacto sobre diversos historiadores a partir da segunda metade do século 19 Esse sis tema assentase numa lei fundamental conhecida como lei dos trés estados que esta na base da explicaao comtiana da Historia De acordo com essa lei dos trés estados o desenvolvimento historico e cultu ral da humanidade teria se desenvolvido em trés etapas e Estado teologico corresponde a Antiguidade os fendmenos sao explica dos por meio das vontades de agentes sobrenaturais e Estado metafisico corresponde a época medieval os fenOmenos pas sam a ser explicados por meio de entidades ocultas ou abstratas e Estado positivo corresponde aos tempos modernos a explicagao dos fenomenos dase por meio de experiéncias demonstraveis fazendose uso do raciocinio e da observaao Vale lembrar que cada ramo do conhecimento passa por esses trés estados de forma que apenas Se torna ciéncia no estado positivo Baseandose no ponto de vista de Comte temos uma visao evolutiva linear e previsivel da Historia humana que pode ser compreendida objetivamente ja que é possivel interpretar a aventura humana em sua linha unica de desen volvimento Os positivistas consideravam que era possivel reconstituir os acontecimentos passados tal como eles ocorreram bastando para isso remeterse aos teste munhos contidos nos registros deixados no passado As fontes geralmente eram vistas como algo dotado de neutralidade nao sendo necessaria a preo cupacao com sua autoria e possivel intencionalidade de quem a produziu Portanto no positivismo o historiador ocupava um papel passivo diante das fontes ja que nao tinha a fungao de interpretar ou fazer perguntas para o do cumento O principal eixo de analise do positivismo do século 19 recaia sobre o estudo dos grandes personagens da Historia politica Essa énfase no aspecto politico foi alvo de critica por parte dos marxistas que passaram a privilegiar os aspectos econdmicos baseandose na analise dos modos de produgao asiatico escravista feudal capitalista e socialista co mo explicacao do processo historico Vocé sabia que A frase Ordem e Progresso escrita em nossa Bandeira 6 um lema positivista o que de monstra a forte influéncia dessa doutrina entre nossos republicanos Como ja pudemos perceber com os estudos até aqui realizados quando pensa mos em uma historia da historiografia estamos acompanhando as transfor macoes de paradigmas frente as criticas e propostas metodologicas pertinen tes Nessa direcao é que nos debrucaremos na leitura do artigo Historia e his toriografia nos séeculos XIX e XxXI do cientificismo a Historia Cultural httpwwwcongressohistoriajataiorg2010anais2007doc2051pdf de Simone Dantas no qual a autora caracteriza a proposta cientificista da historia e apresenta a evolucao critica do discurso historiografico na busca de uma historia de carater cultural e de critica ao cientificismo Assim neste ciclo ja podemos introduzir a tonica dos debates e paradigmas que abordaremos mais a fundo nos proximos ciclos de estudos Por fim para complementar tais discussoes agora assistiremos a um novo vi deo de Luiz Carlos Bento intitulado A Historia ciéncia e o Positivismo httpsyoutubeOxSAxZik3fQ em que se apresentam algumas reflexodes so bre as discussoes até aqui realizadas Assim ressaltase a abordagem sobre as relagoes entre as Ciéncias Naturais e Humanas a tentativa de criagao de leis gerais para a analise historica a neutralidade das fontes e pesquisadores o historicismo e a heranca deixada por esse paradigma para a historiografia atual Neste momento reflita sobre sua aprendizagem respondendo a questao a se guir 7 Consideracoes Neste terceiro ciclo de estudos pudemos compreender uma nova quebra de paradigma historiografico sendo esta a linha mestra de nossa disciplina ou seja a de compreender a propria historia da historiografia diante de suas transformacoes enfatizando os temas métodos e fontes de pesquisa Esse pa radigma da escola metodica e positivista se apresenta como de suma impor tancia para a historiografia atual Devemos ter atencgao ao fato de que a histori ografia contemporanea apesar de nao ser metodica ou positivista ainda guar da caracteristicas metodologicas destas em maior ou menor grau Tambem é importante ressaltar que todas as escolas que seguiremos estudando acabam por partir de criticas para com essa visao cientificista da historia para justifi Car e criar suas proprias concepcoes historiograficas assim as reflexoes e conteúdos tratados neste ciclo continuarão a ser revistos e discutidos nos pró ximos ciclos de estudos httpsmdclaretianoedubrhisgs0041 fev2022gradead Ciclo 4 A Historiografia Marxista e a Produzida pela Escola dos Annales em suas Trés Geracoes Leandro Salman Torelli Reginaldo de Oliveira Pereira Objetivos e Entender a contribuicao do materialismo historico para a historiografia e Analisar as reflexoes metodologicas produzidas pela escola dos Annales em suas 3 geracoes e Compreender o surgimento da historia problema bem como a questao da temporalidade no oficio do historiador e Compreender a historia das mentalidades Conteudos e As contribuigoes e relagdes que o materialismo historico teve na cons trugao e renovacao do discurso historiografico e A Escola dos Annales como uma das mais importantes rupturas de pa radigma historiografico enfatizando o surgimento da historia proble ma por meio das relagdes estabelecidas com as demais Ciéncias Humanas Problematizagao Qual a contribuiao do materialismo historico para a historiografia Qual a contribuigao da Escola do Annales para a renovacao do discurso historiogra fico O que é a historia problema Quais reflexoes sobre a temporalidade tal paradigma trouxe como novidade Quais as principais caracteristicas de uma historia dita cultural Orientacoes para o estudo Neste ciclo de aprendizagem vamos nos deter em duas correntes historio graficas que até os dias de hoje tem presenga nas producoes e debates episte moldgicos da historia a saber o materialismo historico e a produgao da Escola Francesa dos Annales Ainda ligado a uma perspectiva cientificista da Historia o materialismo historico se apresenta como uma linha interpre tativa pautada na analise da vida material da sociedade diante dos antago nismos decorrentes das relacoes sociais e de producaoreproducao da vida material Ja no que se refere a Escola dos Annales destacase a identificagao de suas trés geracoes e suas caracteristicas particulares as quais propoem um repensar constante dos temas métodos e fontes de pesquisa sempre por meio do recorrente dialogo entre a historia e as demais Ciéncias Humanas 1 Introducao Iniciando os estudos do presente ciclo nosso primeiro foco sera o materialis mo historico Tal paradigma originado nos estudos de Karl Marx e Friedrich Engels busca a compreensao do processo historico tendo por base a produgao e reproducao da vida material sobretudo no que tange as relagoes de tensao entre os grupos sociais envolvidos nesse processo Ja nosso segundo foco sera a Escola dos Annales na qual buscaremos o entendimento e caracterizaao das propostas interpretativas e metodologicas em suas trés diferentes gera oes Pautada nas relagoes entre a Historia e as demais Ciéncias Humanas de forma muito simplista podemos pensar a primeira geracao dessa escola con forme sua relacao com o pensamento socioldgico a segunda geragao pautada pelo dialogo com a geografia e a terceira geracao na psicologia social e antro pologia das quais emprestam temas e métodos de abordagem Por fim destacase a importancia dessas duas correntes historiograficas para os deba tes atuais uma vez que tais reflexoes ainda balizam o oficio do historiador até os dias de hoje 2 O Materialismo Histórico O materialismo histórico tem sua origem nos estudos de Karl Marx e Friedrich Engels nos quais se busca o entendimento do processo histórico tendo por ba se a produção e reprodução da vida material e as relações de tensão entre os grupos sociais envolvidos nesse processo Nesse sentido veremos tal produ ção em seu contexto histórico além de pontuar importantes conceitos como o materialismo histórico o materialismo dialético a luta de classes entre ou tros Destacase também a apresentação que os autores fazem sobre as relei turas que o materialismo histórico sofreu até o século XX bem como suas perspectivas de renovação metodológica a exemplo da Nova Esquerda Inglesa 3 Karl Marx e seu tempo o surgimento do ma terialismo histórico À frente do túmulo de Marx 18181883 Engels 18201895 disse que assim como Darwin descobriu a lei do desenvolvimento da natureza orgânica Marx descobriu a lei do desenvolvimento da história humana MARX ENGELS p 351 Figura 1 Karl Marx fr ie M aah oe pe kg 4 Figura 2 Friedrich Engels Mas que lei era essa descoberta por Marx Em que contexto ela foi produzida Como podemos observar sua influéncia na produgao historiografica desde en tao Essas sao as questoes que iremos tratar nas paginas que se seguem Em meados do século 19 0 sistema capitalista de producao encontravase em pleno desenvolvimento A industrializagao era ja uma realidade presente em quase toda a Europa ocidental embora nao com fabricas em todos os paises mas com influéncias sentidas em sua organizacgao econdmicosocial Fique ligado Procure pesquisar por obras cinematograficas que tratam da época em questao meados do século 19 em que sao abordadas as condicoes de trabalho dos operarios das fabricas Certamente isso lhe ajudara a en tender melhor 0 contexto em que estavam incluidos os conceitos marxistas Sugerimos que vocé assista especialmente o filme Germinal do cineasta Claude Berri na Franga 1996 Nessa mesma época depois das barulhentas revolucoes de 1830 que tinham no liberalismo e no nacionalismo as suas bandeiras a Europa comegava a as sistir novos levantes populares em 1848 agora com um novo ingrediente ideo logico a se juntar aos antigos 0 comunismo Em Manifesto do Partido Comunista publicado em 1848 os seus autores Marx e Engels 1993 p 66 diziam o seguinte A historia de toda a sociedade até hoje é a historia de luta de classes Homem li vre e escravo patricio e plebeu barao e servo mestres e companheiros numa pala vra opressores e oprimidos sempre estiveram em constante oposiao uns aos ou tros envolvidos numa luta ininterrupta ora disfargada ora aberta que terminou sempre ou com uma transformagao revolucionaria de toda a sociedade ou com o declinio comum das classes em luta Estava langada entao a teoria de Marx e Engels da Historia em que se afirma va que toda a Historia humana é resultante da luta de classes as classes em disputa sao na concepao marxista 0 motor da Historia Langada a nogao geral da teoria de Historia dos autores Marx passou a dedicarse profundamente a pesquisa da organizacao do sistema capitalista Nessa fase Marx procurou fazer a analise profunda das instituigdes econdmi cas da sociedade capitalista Dessa pesquisa surgiu sua obra mais importante O Capital publicada originalmente em 1867 Contudo em 1859 apareceu um texto fundamental do universo marxista o prefacio de Para a Critica da Economia Politica Vejamos no texto a seguir a forma mais clarividente que Marx considerava por materialismo historico na producao social da propria vida os homens contraem relagdes determina das necessarias e independentes de sua vontade relagoes de produgao estas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento das suas forgas pro dutivas materiais A totalidade dessas relagoes de producao forma a estrutura econdomica da sociedade a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura ju ridica e politica e a qual correspondem formas sociais determinadas de conscién cia O modo de produgao da vida material condiciona o processo em geral de vida social politico e espiritual Nao é a consciéncia dos homens que determina o seu ser mas ao contrario é 0 seu ser social que determina sua consciéncia Em uma certa etapa de seu desenvolvimento as forgas produtivas materiais da sociedade entram em contradigao com as relacgoes de produgao existentes ou 0 que nada mais é do que a sua expressao juridica com as relagoes de propriedade dentro das quais aquelas até entao se tinham movido De formas de desenvolvimento das for Gas produtivas essas relagoes se transformam em seus grilhoes Sobrevém entao uma época de revolugao social Com a transformagao econdmica toda a enorme superestrutura se transforma com maior ou menor rapidez Em grandes tragos podem ser caracterizados como épocas progressivas da formagao econdmica da sociedade os modos de produgao asiatico antigo feudal e burgués moderno MARX 1982 p 2526 rio seu ser social que determina sua consciéncia Vocé concorda com essa frase Reflita sobre ela Assim para Marx a vida humana e suas relacoes sociais sao determinadas pelo modo que a producao material da sociedade é realizada Como con sequéncia o modo de producgao material é o fator determinante da organiza ao politica e das representacoes intelectuais de uma época Logo na concepgao materialista da Historia a infraestrutura econdmico material determina as formas da superestrutura politica cultural religiosa etc As transformacoes na base infraestrutural determinam em ultima instancia transformacoes também na superestrutura Dessa forma os diversos modos de produao surgem ascendem desenvolvemse entram em decadéncia e de saparecem assim como suas correspondentes estruturas Contudo transfor macoes como essas ocorrem mediante conflito aberto entre os grupos sociais ascendentes e decadentes Para o estudo desses conflitos Marx desenvolveu o conceito chamado de ma terialismo dialético em que ha uma tese que seria uma situaao social e his torica dada em decadéncia fazendo emergir pelas proprias contradioes da tese uma antitese modelo social e histdrico opositor a tese A luta entre as classes sociais que representam as estruturas sociais decaden tes e ascendentes provocaria uma sintese ou seja uma nova organizagao in fraestrutural da sociedade gerando também novas superestruturas Nesse sentido as lutas entre essas estruturas sociais corresponderiam a con flitos de classe que como vimos na concepao marxista tratase do motor da Historia No caso do regime capitalista burgués Marx e Engels acreditavam que suas contradigoes levavam a emergéncia de uma classe social revolucionaria que destruiria 0 capitalismo e faria emergir um novo sistema social chamado co munismo em que as classes sociais nao mais existiriam e haveria uma igualdade social na distribuigao dos bens produzidos pela sociedade Atualmente os estudiosos do marxismo nada concluiram sobre o significado desse novo sistema social uma vez que este foi colocado de maneira incon clusiva nas obras de Marx e Engels Mas o fato é que esses dois autores criaram um novo metodo de estudo das re lagoes humanas no tempo e uma teoria de intervengao politica revolucionaria de grande influéncia no século 20 Esses dois fatores sao indissociaveis um do outro Segundo Fontana 1998 os materialismos historico e dialético nao podem ser desmembrados visto que ambos fazem parte de um todo que Marx e Engels pretendiam criar para dotar a classe operaria de um arsenal tedrico proprio para lutar contra a burguesia na sua tarefa historica de derrubar o sistema ca pitalista No entanto no tempo de vida dos pensadores em questao e mesmo nos pri meiros anos do século 20 a influéncia do materialismo historico nao era gran de Segundo Perry Anderson 1989 poucos estudos procuraram por assim di zer testar o materialismo historico Em outras palavras a dialética da luta de classes era muito usada para 0 com bate da burguesia do capitalismo mas havia poucos estudos sobre o materia lismo historico que no fundo daria toda a base para o conceito da luta de classes De acordo com Anderson 19839 p 19 os marxistas do inicio do século estavam mais interessados em sistematizar o materialismo histodrico como uma abrangente teoria do homem e da natureza capaz de substituir doutrinas burgue sas rivais e dar ao movimento operario uma visao de mundo ampla e coerente que pudesse ser facilmente apreendida por seus militantes Entre os pensadores que Anderson aponta podemos citar Labriola Mehring Kautsky e Plekhanov todos oriundos das regides mais atrasadas do sul e leste europeu Da produgao historica influenciada pelo materialismo historico talvez deve mos mencionar a Historia Socialista da Revolucao Francesa escrita entre 1901 e 1904 pelo francés Jean Jaurés que procura dar um novo significado a Revolucao Francesa a luz do materialismo historico Além dele devemos mencionar o russo Leon Trotsky lider revolucionario destacado nos acontecimentos de 1917 e na defesa da Revolugao durante a Guerra Civil e sua Historia da Revolugao Russa texto importante e de alguma influéncia mas que nunca superou as obras seminais de Lénin escritas entre o final do século 19 até o inicio da década de 1920 A maioria dos textos de Lénin nao era constituida de obras de Historia propriamente dita mas tiveram forte influéncia no pensamento marxista ocidental e mesmo no Oriente espe cialmente depois da Segunda Guerra Mundial No entanto a era imperialista na Russia e a Revolucao Russa de 1917 trarao transformacoes profundas para o bem e para o mal na produgao historiogra fica marxista Assim convidamos vocé para a leitura do proximo topico 4 Marxismo entre a revolucao russa e a Sse gunda guerra mundial Muitos estudiosos marcam a evolucao do materialismo historico desde a mor te de Engels 1895 até o fim da Segunda Guerra Mundial 1945 como uma era de dogmatismo especialmente o periodo entre 1925 e 1945 marcado pelo po der de Stalin na Uniao Soviética Por isso devemos observar que ocorreram nessa fase muitas tentativas frus trantes e frageis do ponto de vista politico realizadas pelo stalinismo No en tanto algumas manifestaoes teoricas do materialismo historico foram muito proficuas nesse contexto Nesse sentido duas tendéncias resistiam ao movimento comunista internaci onal De um lado tinhamos o dogmatismo stalinista dominante de outro uma tentativa de renovacgao desse pensamento mas ainda fragil do ponto de vista politico Entretanto para efeito de estudo iremos tratar separadamente cada uma dessas correntes Inicialmente iremos observar o materialismo historico praticado pela corren te stalinista que surge apos a morte de Lénin em 1924 lider fundamental da Revolucao Russa de 1917 e grande pensador da pratica politica e da ciéncia in vestigativa marxista Entre os trabalhos de Lénin sobre Historia podemos citar O desenvolvimento do capitalismo na Russia publicado em 1899 em que analisava os processos como a desintegracgao do campesinato tradicional ou a formagao do mercado nacional e que serviram de licao para os historiadores marxistas posterio res FONTANA 1998 p 233 Apos liderar a Revolugao e escrever muitos trabalhos no calor dos aconteci mentos na Russia Lénin procurou organizar o pais numa guerra civil em opo sigcao aos contrarrevolucionarios Venceu mas logo depois morreu sendo su cedido por Stalin no comando do Partido Comunista soviético A partir dai uma nova tendéncia menos democratica e renovadora e mais dogmatica e perseguidora passou a comandar o movimento comunista inter nacional a partir da Uniao Soviética stalinista Assim se expressa Anderson 1983 p 3435 sobre como ficou a Uniao Soviética apos a ascensao de Stalin No inicio de 1924 Lenin morreu Num espaco de trés anos a vitoria de Stalin no PCUS selou o destino do socialismo e do marxismo na URSS nas décadas seguin tes O aparelho politico de Stalin suprimira ativamente as praticas revolucionarias das massas dentro da Russia e no exterior as desencorajava e sabotava A consoli dacgao de um estrato burocraticamente privilegiado acima da classe operaria era assegurada por um regime policial cuja ferocidade desconhecia limites Nestas condigoes a unidade revolucionaria entre teoria e pratica que tornara possivel o bolchevismo classico foi irremediavelmente destruida Na base as massas foram caladas sua espontaneidade e autonomia pulverizadas pela casta que confiscara o poder no pais no topo do Partido os expurgos afastaram os ultimos companheiros de Lénin Todos os trabalhos tedricos sérios foram interrompidos apos a coletiviza cao O marxismo foi em grande medida reduzido a uma simples evocacao na Russia ao passo que Stalin atingia seu apogeu O pais mais avangado do mundo no desenvolvimento do materialismo historico superando toda a Europa pela varieda de e vigor de seus teoricos foi transformado em nao mais que uma década em uma atrasada terra de semianalfabetos notavel apenas pelo rigor de sua censura e pela crueza de sua propaganda Assim aleém das producoes oficiais do Partido praticamente desapareceu aquela linha proveitosa do materialismo historico que existia no Leste Europeu durante as primeiras décadas do século 20 No Ocidente por ocasiao da chamada Terceira Internacional reuniao dos Partidos Comunistas internacionais uma espécie de estruturalismo marxista passou a apresentarse com uma cobertura filosofica de aparéncia respeita vel mas que se converteu na forma dominante de difusao do marxismo na Europa ocidental e na América Latina Utilizavam alguns aparatos marxistas mas fugiam do essencial a analise materialista da Historia e 0 projeto revolu cionario de transformagao da sociedade Assim 0 marxismo poese a servico da consolidacgao do sistema fossilizase e nao conserva mais que ecos da ve lha terminologia revolucionaria FONTANA 1998 p 226 229 Entre os que construiram analises marxistas que careciam de sua esséncia 0 materialismo historico alguns historiadores destacamse Jerzy Topolski Metodologia da Investigacao Historica Witold Kula Problemas e métodos da Historia Econdémica Louis Althusser Aparelhos Ideoldgicos do Estado entre outros citados por Fontana 1998 Evidentemente muitos desses pensadores tém contribuigoes importantes pa ra o campo da historiografia e das Ciencias Humanas em geral mas a critica feita diz respeito na verdade a postura desses pensadores no que tange ao modelo de Estado e de sociedade que vinha sendo construido na URSS e a sua negacao da propria revolugcao como o caminho essencial do materialismo his torico Em suma e essencialmente a fossilizagao do marxismo ocorreu em razao de dois fenomenos historicos interligados a derrota da revolugcao na Europa oci dental e a vitoria dela na Europa oriental Na primeira 0 efeito da derrota foi tornar oS marxistas reformistas e nao mais revolucionarios na segunda o efeito da vitoria foi tornar os marxistas conservadores e portanto antirrevolu cionarios Isso acabou afetando a produgao historiografica marxista profunda mente No entanto alguns pensadores marxistas dessa época ja comecavam a de monstrar uma outra forma de producao do materialismo historico que poderia colocarse em oposiao aos dogmatismos stalinistas Entre eles podemos ci tar dois autores fundamentais o italiano Antonio Gramsci e a alema Rosa Luxemburgo Luxemburgo envolveuse politicamente na tentativa de Revolucao Socialista Alema 19181920 mesmo contra sua vontade pois acreditava ainda nao ser o momento de um levante na Alemanha Foi assassinada nesses embates com as foras conservadoras deixando entre seus trabalhos um espléndido texto sobre o Imperialismo que trouxe novas contribuicoes a teoria do materialismo historico Gramsci em seus trabalhos a maioria feita na cadeia e por isso chamada de Cadernos do Carcere defendia que a superestrutura tem uma existéncia relati vamente autOnoma que a economia nao obedece as leis mas as tendéncias e que o materialismo historico mecanicista é infantil e nocivo a luta operaria CARBONELL 1987 As varias derrotas do movimento comunista no Ocidente levaram a novas re flexoes Especialmente na Alemanha quando surgiu o Instituto de Investigagao Social de Frankfurt em 1923 como centro de estudos marxistas dando ensejo ao aparecimento de autores importantes para a renovacao do materialismo histérico podemos citar entre eles Georg Lukacs 18851971 e Karl Korsh 18861961 Esses autores mantinham contato com Gramsci na tentativa de superar a he ranga mecanicista da chamada Segunda Internacional Fontana 1988 p 136 expressase desta forma sobre a obra desses dois pensadores marxistas Desse ponto de partida Lukacs derivaria em boa medida por causa da sua infortu nada e complexa historia politica a ocuparse de questoes mais estritamente filo sOficas e culturais Desvinculado de toda a militancia Korsh manteria a luta contra Kautsky em O Materialismo Historico 1929 tentaria uma lucida revalorizagao da vertente revolucionaria do pensamento de Marx no seu Karl Marx 1938 e conti nuaria delineando os pressupostos de um marxismo revolucionario em escritos como Por que sou marxista 1935 A morte surpreendeuo trabalhando numa tenta tiva de atualizagao do pensamento marxista pelo duplo caminho da sua extensao do ambito europeu ao mundial e da necessidade de adaptalo as mudangas ocorri das na sociedade capitalista e ao avanco das ciéncias Para organizar nossas ideias sobre o estudo das correntes comunistas que co existiam e se opunham temos de reafirmar o que ja dissemos no inicio deste topico stalinista dominante de outro uma tentativa de renovagao desse pensamento mas ainda fragil do ponto de vista politico Para o proximo topico convidamos vocé a discutir como essas influéncias chegaram a historiografia marxista do periodo posSegunda Guerra Mundial Vamos em frente Vocé acha que sua visao de mundo é influenciada por algum dos conceitos do marxismo 5 Marxismo académico da segunda metade do seculo 20 Paradoxalmente 0 socialismo e o capitalismo liberal uniramse no inicio da década de 1940 para derrotar um suposto inimigo comum 0 nazifascismo A Segunda Guerra Mundial 19391945 acabou com quarenta milhoes de vi das O pais mais atingido foi justamente a Uniao Soviética que resistiu brava mente e sozinha por um bom tempo a invasao germanica entre 1942 e 1943 O contraataque do Exército Vermelho russo foi fulminante e exigiu das tropas inglesas e norteamericanas a mesma postura no front ocidental expulsando os alemaes da Franga a partir de 6 de junho de 1944 no famoso Dia D Como resultado dessa guerra a Europa dividiuse em duas a Ocidental capita lista e a Oriental socialista sob influéncia soviética Nesse mesmo periodo a morte de Stalin e a realizagao do 20 Congresso do Partido Comunista soviético em que Kruchev expos as atrocidades cometidas a mando de Stalin mudaram radicalmente o cenario do comunismo interna cional Dessa forma Hobsbawm 2002 p 226 afirma que existem dois dez dias que abalaram o mundo na historia do movimento revoluci onario do século passado os da Revolugao de Outubro 1917 descritos no livro de John Reed com esse titulo e o 20 Congresso do Partido Comunista soviético 1425 de fevereiro de 1956 Ambos a dividem repentina e irrevogavelmente em antes e depois Nao posso imaginar nenhum acontecimento comparavel na historia de qualquer movimento ideoldgico ou politico mais importante Em poucas palavras a Revolugao de Outubro criou um movimento comunista internacional 0 20 Congresso o destruiu Dessa desilusao emergiu uma nova maneira de lidar com o materialismo his torico A caracteristica fundamental dessa nova forma de interpretar o mar xismo é a desarticulagao do movimento politico da pratica intelectual Um dos resultados praticos dessa desilusao é que a tradicao analitica do mar xiSmo passou da economia e da politica da fase préPrimeira Guerra Mundial para a filosofia e mais do que isso para as raizes filosoficas do pensamento de Marx ANDERSON 1983 Outra mudanga pratica foi o deslocamento geografico se antes a maior parte dos pensadores estavam na Europa oriental e do sul nessa nova fase deslocouse para a Europa ocidental e do norte com a incorporacao de pensa dores também da América especialmente dos Estados Unidos Entre esses novos filosofos do materialismo historico podemos citar os pen sadores da ja citada Escola de Frankfurt alem de Marcuse e Walter Benjamin uma segunda geragao com George Lefebvre Theodor Adorno Jean Paul Sartre Althusser Goldman Della Volpe e Colletti principal corrente de historiadores que surgem a partir da década de 1960 foi inglesa Eric Hobsbawm Perry Anderson Christopher Hill Rodney Hilton Edward Paul Thompson entre outros de menor expres sao Hobsbawm dedicouse ao estudo das estruturas sociais da sociedade burgue sa assim como a vida e a consciéncia de classe dos trabalhadores ingleses ambos no século 19 Mais recentemente procurou trabalhar sobre as estrutu ras politicosociais do século 20 Ja Anderson trabalhou sobre a génese da sociedade burguesa analisando o desenvolvimento da sociedade ocidental desde a Antiguidade Classica Depois passou a dedicarse ao estudo do marxismo no século 20 e tendéncias culturais mais contemporaneas Outro historiador inglés importante Christopher Hill dedicouse aos estudos da Revolucgao burguesa na Inglaterra no século 17 Buscou estudar também as quest0es que envolviam a transicao do feudalismo para o capitalismo basica mente na Inglaterra debatendo fortemente as ideias de Maurice Dobb e Paul Swezy Edward Paul Thompson procurou esforarse para analisar a questao da cons ciéncia de classe inglesa no século 19 e suas relagoes com um discurso revo lucionario No final de sua vida promoveu um profundo debate em oposicao ao pensamento de Althusser Sobre a historiografia marxista inglesa e seus autores Fontana 1998 p 244 afirma que em todos eles coincide o carater aberto de sua obra um certo de sinteresse pelo econdmico e uma preocupacao pelo rigor cientifico agudi zada pela coacao de que foram objeto desde os anos da Guerra Fria Na Franga Pierre Vilar destacouse entre os historiadores marxistas Ele pro curou recolocar 0 econdmico no centro do debate do materialismo historico mas sem abandonar um estudo global e mesmo certa autonomia da chamada superestrutura aos moldes de Gramsci Entre os trabalhos de Vilar destacamse aqueles que deram espaco a analise do desenvolvimento do capitalismo na Espanha o papel do ouro como moeda na Historia capitalista e suas propostas metodologicas reunidas no titulo Desenvolvimento Econdémico e Analise Historica Nesse texto ele afirma que o objetivo deste livro é portanto o de apresentar a todos os problemas incessante mente postos por aquilo a que Marc Bloch chamou justamente o mister do historia dor Mas procurase também fazer compreender o quanto estas questoes interes sam ao homem unica justificagao sem duvida da escolha e da pratica desse mis ter O Econémico VILAR 1992 p 12 Nessa sua afirmagao percebemos que Vilar procura estabelecer uma relacao entre 0 marxismo por ele praticado e a historiografia surgida na Franga no sé culo 20 conhecida como Escola dos Annales Talvez resida ai o canal para que oO marxismo continue vivo no século 21 6 Materialismo historico e mundo globalizado perspectivas para 0 marxismo no século 21 Vocé acha que os conceitos marxistas podem auxiliar na analise de nossa sociedade atual Até aqui vimos que o materialismo historico passou por profundas transfor macoes ao longo desse um século e meio desde seu aparecimento em torno de 1850 Na construgao teorica de seus fundadores tratavase de um arsenal teo rico com fungao definida qual seja a de dotar a classe trabalhadora de uma teoria propria na luta contra o capitalismo burgués Ao longo do tempo 0 marxismo foi sofrendo mudangas Depois da morte de Engels em 1895 novas formas de relacionar o materialismo historico com a luta operaria foram construidas especialmente com Lénin durante a Revolucao Russa A partir da ascensao de Stalin o marxismo tornouse um dogma passando a ser censurado e fossilizado por uma pratica politica con servadora e repressora na Uniao Soviética Contudo depois da Segunda Guerra Mundial e da morte de Stalin o marxismo passou por um processo de renovagao deslocandose o nucleo duro dos pen sadores do Oriente para o Ocidente europeu especialmente na Inglaterra onde um grupo importante de historiadores ligados ao Partido Comunista passou a atuar com uma vocagao interpretativa do marxismo Essa nova corrente de pensamento procurava estabelecer dialogo com outras linhas de pensamento e apoiavase em tedricos que mesmo naquele clima de perseguicao da era stalinista conseguiram produzir um pensamento autono mo e renovador do marxismo No entanto essa nova era marxista do momento posSegunda Guerra promo veu certa separacao da luta politica e da produgao teorica Essa é a grande cri tica a que sao submetidos esses novos pensadores Mas o que restou ao marxismo depois da queda do Muro de Berlim e do fim da URSS Quais eram as possibilidades de produzir Historia a partir do arsenal materialista historico Hobsbawm 1998 p 182 fornecenos algumas pistas para essas respostas Segundo esse historiador marxista alguns temas sao essenciais para 0 mate rialismo historico Vejamos O primeiro 6 a natureza mista e combinada do desenvolvimento de toda socie dade ou sistema social sua interagao com outros sistemas e com o passado Se pre ferirem é a elaboracgao da famosa maxima de Marx de que os homens fazem sua propria historia mas nao conforme sua escolha sob circunstancias diretamente encontradas dadas e transmitidas do passado O segundo é o da classe e da luta de classes Por seu lado Anderson 1983 em um de seus estudos sobre 0 pensamento marxista perguntase sobre qual seria o lugar do materialismo historico no fi nal do século 20 Vejamos a sua resposta o materialismo historico continua a ser o Unico paradigma intelectual suficien temente capacitado para vincular o horizonte ideal de um socialismo futuro as contradigoes e movimentos praticos do presente e a sua formagao a partir de es truturas do passado numa teoria da dinamica determinada de todo o desenvolvi mento social Como qualquer programa de pesquisa a longo prazo das ciéncias tra dicionais ele conheceu periodos de repetigao e estagnagao e gerou erros e falsas diregoes Mas como qualquer outro paradigma ele nao sera substituido enquanto nao houver um candidato superior para um avancgo global comparavel no conheci mento Ainda nao ha sinais disso e podemos portanto estar confiantes de que muito trabalho nos espera amanha assim como hoje no marxismo ANDERSON 1983 p 122 Em outras palavras para Anderson 1983 o que se deve fazer é uma reafirma cao dos principios do materialismo historico e buscar reorganizar a classe operaria para a conquista socialista Unica alternativa viavel para a sociedade desigual atual Por fim gostariamos de convocar outro historiador marxista Fontana 1998 como forma de auxiliar vocé futuro professor de Historia a colocar claramen te os problemas que a Historia tem de enfrentar no século 21 Observemos A medida que o historiador é quem melhor conhece o mapa da evolucao das socie dades humanas quem sabe a mentira dos signos indicadores que marcam uma di regao unica e quem recorda os outros caminhos que conduziam a outros destinos distintos e talvez melhores é a ele a quem toca mais que a ninguém denunciar os enganos e reanimar as esperancgas para comecar o mundo de novo FONTANA 1998 p 280 Vocé ja se questionou sobre o papel social ou seja o compromisso do historiador com seu tempo Assim para um historiador marxista como para todos os outros historiadores cabe ajudar a sociedade a desnaturalizar e superar signos que atravancam ca minhos para um futuro com melhores caracteristicas do que os atuais Hoje 0 materialismo historico tem este papel o de ajudar nessa tendéncia de abrir horizontes para mudangas sociais baseadas nos eventos historicos que demonstram cabalmente que nada na Historia humana é eterno e que trans formacoes partem das lutas sociais O materialismo historico uma teoria da mudanga e so assim arejado e aber to a novas tendéncias podera manter seu papel importante na historiografia e nas Ciéncias Sociais em geral A fim de sintetizar tal produgao e aprofundar alguns conceitos e contextos ve jamos o video a seguir intitulado Série Escolas Historiograficas 2 o Materialismo Historico Nele Pereira pontua a visao etapista da historia em relagao aos modos de produgao e a luta de classes entendidos como o cerne do processo historico para essa perspectiva materialista A propria vida de Marx e o contexto de sua produgao também sao abordados elucidando a for ma como essa corrente historiografica dialoga com as anteriores e os motivos que levaram ao desenvolvimento dessa perspectiva interpretativa ef et tea at areas aaa 7 A escola dos Annales em suas trés geracoes A Escola Francesa do Annales trouxe uma destacada renovacao no fazer his toriografico do século XX alterando de forma significativa os temas métodos e fontes de pesquisa usados pelos historiadores Realizando uma ampla critica aos paradigmas historiograficos anteriores por meio de uma proposta pautada na relagao com as demais Ciéncias Humanas os Annales se estabeleceram como um novo referencial para o fazer historiografico Pensando no contexto de surgimento dessa corrente historiografica vamos nos deter a leitura das paginas 11 a 15 do texto de Peter Burke 1997 intitulado A Escola dos Annales 19291989 a Revolucao Francesa da historiografia httpsedisciplinasuspbrpluginfilephp4380045modresourcecontent 1burkepaescoladosannalesarevoluc3a7c3a3ofrancesadahispdf no qual é apresentado um breve panorama da historia da Historiografia tendo como foco o entendimento do papel e lugar da escola dos Annales nesse con texto de evolucao do fazer historiografico Contextualizado o surgimento da Escola Francesa dos Annales agora vamos nos deter na caracterizacao dela em relacao aos temas métodos e fontes de pesquisa Entretanto para isso devemos ter em mente que essa escola esta di vidida em trés distintas geracgoes que apresentam convergéncias e divergén cias em suas pospostas Explorando as relagoes entre a Historia e as demais Ciéncias Humanas de for ma simplista podemos caracterizar a primeira geragao 192949 dessa escola e sua relagao com o pensamento socioldgico destacando as producoes de Marc Block e Lucien Febvre e a criacao da historia problema A segunda ge racgao 194668 foi pautada pelo dialogo com a geografia destacandose o no me de Fernad Braudel e seu trabalho com as diferentes temporalidades Por fim a terceira geracao 196898 fundamentada na psicologia social e antropo logia tem como seus mais destacados autores Jacques Le Goff e Emmanuel Le Roy Ladurie que pautaram suas propostas de analise na compreensao de uma espécie de historia das mentalidades de carater cultural Destacase também uma possivel quarta geracao representada por Bernard Lepetit mas que nao se apresenta como de consenso para muitos historiadores 8 Fundacao da escola dos Annales E importante que vocé saiba que apesar dos historiadores dos Annales terem promovido uma verdadeira inovacao historiografica o debate em torno de uma nova maneira de se conceber a Historia surgiu fora dos dominios dessa disciplina na passagem do século 19 para o século 20 quando as ciéncias so Clais passaram a conceber o homem como objeto de estudo da ciéncia Essa mudanga teorica na concepcao do homem foi muito significativa uma vez que ele deixou de ser produtor da historia para se tornar produto dela E importante ressaltar que embora o movimento dos Annales seja conhecido como escola ele nunca apresentou um eixo teorico definido Na verdade 0 que unia seus integrantes era o projeto de se fazer uma historia total bem como o combate as escolas metoddica e positi vista De acordo com Reis 2000 os primeiros combates mais efetivos a chamada historia tradicional metddica e positivista partiram dos socidlogos durkheimianos Eles pretendiam analisar a realidade fazendo uso de generali zacgoes preocupandose assim com o regular e nao com o singular Marc Bloch e Lucien Febvre adotaram a visao desses socidlogos e a traduziram para o discurso historico A partir desse momento ocorreu um rompimento com as explicacoes teleologicas de influéncia filosdfica sobre o estudo da historia e a opao pela utilizacao das teorias elaboradas pelas ciéncias sociais Outra grande influéncia que impulsionou a renovacao da Historia partiu de Henri Berr 18631954 e de sua revista Revue de Synthése Historique em 1903 cujo objetivo era promover uma discussao teorica sobre a historiaciéncia e contribuir a elaboracao de uma teoria da historia afastada da filosofia da historia e orientada para a observacgao empirica REIS 2000 p 57 Nesse sentido a Historia nao deveria se preocupar apenas com as singulari dades mas também com aquilo que é recorrente repetitivo Tinha de abando nar sua funcao exclusivamente descritiva e se preocupar em explicar os fen6 menos historicos Assim a sintese historica seria feita com base na colabora cao de diversos cientistas sociais e pelo trabalho em equipe Ainda em 1903 foi publicado na revista de Berr um importante artigo escrito pelo socidlogo Francois Simiand 18731935 criticando a metodologia utiliza da pelos positivistas que era baseada essencialmente no estabelecimento dos fatos No debate que se seguiu entre historiadores e socidlogos Simiand defen dia a interdisciplinaridade e a criagao de uma metodologia comum para todas as cléncias sociais que deveria se basear no levantamento de hipoteses para a realizacao das pesquisas Lucien Febvre ao vivenciar esse ambiente de mudangas de debates e de no vas propostas para o saber historico ja demonstrava desde o final da primeira guerra mundial 19141918 interesse em criar uma grande revista internacio nal dedicada a historia econdmica que teria como diretor o historiador belga Henri Pirenne 18621953 No entanto essa tentativa acabou sendo abandona da em virtude de uma série de dificuldades Nos anos de 1928 Bloch resolveu retomar o projeto de seu amigo fundando no ano seguinte a revista dos Annales que pretendia ao mesmo tempo apresen tar uma nova abordagem da historia e se tornar um elo entre todas as ciéncias humanas acabando com as divisoes até entao existentes entre as disciplinas BURKE 1997 Inicialmente a diregao dos Annales coube a Marc Bloch e Lucien Febvre que trouxeram uma inegavel contribuiao para a renovagao formal da Historia co mo disciplina académica apresentando novas fontes de pesquisa novas téc nicas de investigagao e novas abordagens historicas De acordo com Burke 1997 a partir da criagao da revista Annales dhistoire conomique et sociale houve a pretensao de fazer com que sua publicacao tornasse uma lideranga nas reflexoes e estudos da historia econdmica e soci al os quais até entao haviam sido desprezados Desse modo os criadores da revista pretendiam romper com a historia evene mentielle ou seja factual e politica realizada pelos metodicos e positivistas Essas duas escolas que dominavam os meios académicos franceses da época foram acusadas de fazerem uma historia historicizante e dogmatica centra das na idéia de que a historia se fazia com documentos escritos No decorrer da década de 1930 os Annales foram pouco a pouco se transfor mando no centro de uma nova corrente historiografica recebendo a colabora ao de economistas socidlogos gedgrafos cientistas politicos e claro de di versos historiadores Seu fortalecimento nesse periodo ocorreu especialmen te em virtude da intuicao de seus dois grandes historiadores em adaptar seus discursos com as mudanas que o mundo passava Nao foi por acaso que hou ve o deslocamento da preocupacao com os aspectos politicos para as analises econodmicas Assim a sociedade das décadas de 1920 e 1930 passou a ser pen sada com base nos aspectos econdmicos reformas econdmicas na Uniao Soviética crise econdmica na Alemanha grande depressao New Deal DOSSE 1992 Mesmo com a ocupaao alema na Franga durante a segunda guerra mundial 19391945 a revista dos Annales continuou sendo publicada porém com ou tros titulos tais como Annales dHistoire Sociale de 1939 a 1941 e Mélanges dHistoire Sociale de 1942 a 1944 Em 1946 a revista novamente modificou seu nome para Annales Economies Sociétés Civilisations Essa denominagao perdurou até 1993 quando a publi cacao recebeu seu titulo atual Annales Histoire Sciences Sociales A partir de 1944 com a execugao de Marc Bloch pelos nazistas Febvre tornou se 0 unico diretor dos Annales e permaneceu no cargo até seu falecimento em 1956 Podemos observar ja nesse periodo uma mudana no pensamento desse movimento especialmente se analisarmos os textos escritos por Febvre nos quais fica explicito sua preocupacao em relacionar todos os aspectos da vida do homem entre si ja que passou a considerar que tudo estava relacionado a tudo Portanto tudo seria valido para que se pudesse compreender 0 homem em sua plenitude e complexidade A esse respeito Fontana 1998 p 206207 diz Guiandonos pelo titulo adotado em 1929 parecernosia ser uma Historia econo mica e social Porém ja se viu que Febvre renegou essa definicao original Em 1941 Febvre opina que a tarefa do historiador consiste em relacionar aspectos da vida humana sem se importar quais sejam nenhum tem uma importancia predomi nante da no mesmo tratar de relacionar os problemas econdmicos de uma socie dade com a sua organizagao politica como sua filosofia com as suas idéias religio sas A alteracado do titulo da revista para Annales Economies Sociétés Civilisations em 1946 demonstra as novas aspiracoes dos Annales a ausén cia do termo historia mostra claramente a vontade dessa corrente em avan ar no projeto de reaproximaao com as outras ciéncias sociais Adaptandose as novas realidades apresentadas apos o término da segunda guerra mundial o movimento suplantou definitivamente a influéncia metodi ca e positivista presentes nas universidades francesas Ademais seus princi pios de pesquisa pouco a pouco romperam com as fronteiras nacional e euro péia e atingiram varias areas do mundo DOSSE 1992 Em 1956 Fernand Braudel sucedeu Febvre na direcao dos Annales e optou em privilegiar o estudo das estruturas econdmicas em detrimento de outros te mas como a historia cultural o estudo das mentalidades e a psicohistoria Ele manteve certos tracos deixados por Bloch e Febvre como a preocupacao em abrir as fronteiras entre as disciplinas das Ciéncias Humanas a tentativa de se fazer uma historia total e a preocupacao com os aspectos geograficos Com o objetivo de renovar o projeto dos Annales Braudel recrutou alguns jovens historiadores dentre os quais merecem destaque Jacques Le Goff Emmanuel Le Roy Ladurie e Marc Ferro Nessa fase vieram a tona significativos trabalhos de historia quantitativa demografica re gional e serial Apos 1968 Fernand Braudel foi substituido no comando da revista por uma di recao coletiva formada por André Burguiere Marc Ferro Jacques Le Goff Emmanuel Le Roy Ladurie e Jacques Revel Em um contexto de crise dos grandes paradigmas historicos a escola dos Annales passou a acompanhar os modismos intelectuais descaracterizando praticamentetodos os postulados de seus antigos criadores Assistimos nesse momento a um retorno da histo ria politica e ao ressurgimento da narrativa dos acontecimentos historicos Para os representantes da Nova Historia expressao que comumente se refere a terceira geracao dos Annales e que se popularizou com a publicagao do livro A nova historia organizado por Jacques Le Goff no ano de 1978 nao seria mais possivel a utilizacao de teorias totalizantes e abrangentes na abordagem historica Desse modo a historia fragmentouse desumanizouse e descontextualizou se passando a estudar temas como Amor Medo Tristeza Feminismo Morte Homossexuais Mulheres Feita em partes a Historia transformouse utilizan do as palavras de Dosse em migalhas E possivel relacionar os variados temas que fazem parte do estudo de Historia com as di versas esferas do vivido A Historia deve tentar reconstituir e explicar os acontecimentos historicos ou apenas narralos 9O programa dos Annales Conforme vocé pdde observar Marc Bloch e Lucien Febvre contestaram a tra digao historiografica metodica e positivista que enfatizaram o estudo dos grandes personagens da historia politica No positivismo por exemplo era privilegiada a narrativa dos acontecimentos em uma ordem cronologica que levava em consideragao as relacgoes de causas e consequéncias Os metddicos por sua vez tinham uma grande preocupacgao com uma historia erudita que privilegiava a dimensao politica Alem disso eram fascinados pelos aconteci mentos relatados em documentos escritos Vocé pode estar se perguntando o que a Escola dos Annales trouxe de inova dor em relagao a historia tradicional Quais foram as principais mudancgas metodoldgicas apresentadas para a disciplina de Historia Tente responder a essas quest0es e compare com o conteudo a seguir A corrente dos Annales tencionava alcancar uma historia que fosse mais vas ta abrangente e totalizante ou seja que apresentasse uma perspectiva mais voltada para a analise da estrutura em detrimento do acontecimento Em vir tude disso seus fundadores se posicionaram contra as idéias de evolucionis mo e progresso da humanidade e se opuseram as analises destinadas ao estu do dos feitos de grandes homens chefes militares e reis exércitos e tratados diplomaticos até entao preponderantes Nesse sentido algumas propostas foram apresentadas dentre as quais trés ganharam notoriedade 1 proposta dos Annales Essa primeira proposta referese a substituigao da simples narrativa dos acontecimentos por um novo tipo de historia a historiaproblema Aqui ca bia ao historiador levantar hipoteses e apresentar questOes como ponto de partida para seu trabalho ou seja interrogar o passado baseandose em per guntas do presente Feito isso sua responsabilidade era com base nos docu mentos procurar a melhor forma de responder as suas indagacoes 2 proposta dos Annales O deslocamento da preocupacao até entao predominante com a esfera po litica para uma historia que estudasse as variadas atividades humanas desde a organizacgao economica e social até a mentalidade coletiva Assim podemos afirmar que a escola dos Annales em sua fase inicial voltou seu olhar para a construcao de uma historia social e econdmica 3 proposta dos Annales A ultima proposta destinase finalmente a interdisciplinaridade ou seja ao contato da Historia com outras ciéncias sociais como Geografia Sociologia Antropologia Economia Linguistica dentre outras Essa aproximagao propi ciou a incorporagao de conceitos reflexoes problematicas métodos e técnicas de tais ciéncias por parte dos historiadores Além disso com a ampliagao do dialogo com outras areas do conhecimento houve um alargamento das possi bilidades de pesquisa historica De acordo com Dosse 1992 a interdisciplinaridade serviu também para o for talecimento da Historia como campo do saber autOnomo pois contribuiu para evitar a sua submissao a Sociologia e consequentemente a perda de identida de por parte de seus pesquisadores Isso porque no inicio do século 20 houve uma forte ofensiva por parte dos socidlogos que visavam fazer com que os historiadores se submetessem a sua problematica e se tornassem meros cole tores de materiais para que eles pudessem interpretalos Para que o programa interdisciplinar fosse levado adiante os Annales tiveram que apresentar uma nova representacao do tempo historico pois a temporali dade utilizada pela historia tradicional nao seria capaz de criar uma colabo racgao efetiva entre a Historia e as ciéncias sociais Assim os Annales acres centaram a nocao de permanéncia e simultaneidade presentes no conceito de longa duragao a nogao de temporalidade historica 3 A historia tradicional era baseada no aspecto acontecimental do unico do singular da construgao li near e sucessiva progressista e teleoldgico dos fatos Fique atento a esse assunto pois vamos analisalo no decorrer de nossos estu dos Agora pautaremos nossa conversa na contribuicao da primeira geracao dos Annales para a constituigao de um novo método historico 10 Primeira geracao 19291946 Marc Bloch e Lucien Febvre Conforme vimos a Escola dos Annales dividiuse em trés fases A primeira durou de 1929 a 1946 e foi liderada por Marc Bloc e Lucien Febvre A segunda fase que se formou em torno de Fernand Braudel foi de 1946 a 1968 Ja a ter ceira de 1968 a 1988 teve uma lideranga coletiva com destaque para os histo riadores Jacques Le Goff Emmanuel Le Roy Ladurie e Marc Ferro Dando continuidade ao estudo dessa escola neste topico analisaremos a pri meira geracgao dos Annales e a renovacgao que seus principais representantes realizaram na Historia com base na criagao da revista Annales dhistoire éco nomique et sociale Essa fase pode ser caracterizada pela 0 e oposigao ao Positivismo e ao programa de Ernest Lavisse 18421922 Charles Seignobos 18541942 e CharlesVictor Langlois 1863 1929 e preocupacao com a historia econdémica e social e desprezo pela historia politica e tentativa de construcao de uma historiografia que se constituisse em uma ciéncia social e diversificagao das fontes documentais e colaboracgao de diversas disciplinas do conhecimento Vocé sabia que a abertura de um campo mais amplo para os estudos histori cos aconteceu em virtude de o homem passar a ser encarado em sua totalida de e complexidade Dessa forma novos assuntos passaram a ser abordados tais como os relativos as mentalidades ao imaginario ao cotidiano a geogra fla e a psicologia coletiva Nessa fase ocorreu também o surgimento de uma temporalidade mais longa capaz de apreender todos os aspectos da vida humana em suas transforma Goes que ocorrem mais lentamente Diante disso houve o abandono do estudo dos fatos singulares e a virada para a analise das estruturas sociais econdmi cas politicas culturais mentais e religiosas Com essa nova concepcao do tempo historico foi possivel observar as permanéncias aquilo que se repete sem no entanto abandonar a compreensao das mudancas humanas em sua duracao Marc Bloch um dos representantes da primeira geracao dos Annales profes sor especialista em historia medieval tornouse bastante conhecido pela pu blicagao de alguns livros tais como Os reis taumaturgos 1923 Os caracteres originais da historia rural francesa 1931 e A sociedade feudal 1936 e Apologia da Historia ou O Oficio de Historiador 1949 Se vocé ler essa ultima obra iniciada em um campo de concentraao nazista durante a segunda guerra mundial e que permaneceu inacabada percebera a nitida preocupacao do autor em refletir sobre o método historico assinalando o que deve ser a historia e como o historiador deve trabalhar Marc Bloch refutou a definicao de historia como ciéncia do passado ja que pa ra ele 6 absurda a idéia de que o passado possa ser objeto de estudo Entao qual deveria ser o objeto de estudo da historia ou seja aquilo que ela deve in vestigar A resposta é a seguinte a historia deve investigar os homens no tempo ou em outras palavras as acoes e praticas humanas em todas as suas manifestagoes e em sua duragao O objeto de preocupacao do historiador se volta para os ho mens comuns e nao mais exclusivamente para os grandes homens da histo ria tradicional Portanto onde houver seres humanos existira historia e algo a ser elucidado pelo historiador Ao afirmar que é na relacao presentepassado e passadopresente que se de senrola a construcao historica nosso historiador rompe com o discurso pura mente passadista da historia tradicional Nesse sentido ficou exposta a utili zacao do método regressivo ou retrospectivo em que temas do presente condi cionam e delimitam o retorno ao passado Na sua opiniao é possivel compreender o passado partindo de questoes do presente De acordo com Bloch 2001 p 67 para interpretar os raros documentos que nos permitem penetrar nessa brumo sa génese para formular corretamente os problemas para até mesmo fazer uma idéia deles uma primeira condicao teve que ser cumprida observar analisar a pai sagem de hoje Pois apenas ela da as perspectivas de conjunto de que era indispen savel partir Portanto o passado so se torna compreensivel se o historiador partir de pro blemas suscitados pelo seu presente pois na visao de Bloch seria necessario partir daquilo que era mais conhecido no caso o presente para o que era menos conhecido o passado Assim somente um historiador atento ao pre sente conhecedor do seu tempo pode inquirir satisfatoriamente os homens do passado Na investigacao historica todos os vestigios do passado passiveis de serem analisados pelos historiadores se transformaram em documento Desse modo aleém das fontes escritas presentes nos arquivos outros materiais passaram a ser utilizados pelos historiadores em seus trabalhos tais como poemas ro mances pinturas materiais arqueologicos Essa difusao de novas fontes his toricas esteve associada a criaao da historiaproblema e visava minimizar as eventuais lacunas surgidas durante a realizacao da pesquisa A utilizagao de diferentes fontes historicas promovida pelos Annales propiciou aos historiadores realiza rem pesquisa sobre a préhistoria até entao um periodo renegado pela Escola Metddica e Positivista Segundo Bloch 2001 apos realizar a critica documental o historiador tem o dever de procurar compreender os homens do passado situandoos no seu tempo e espaco evitando realizar juizos de valor e também o erro mais grave que um estudioso de historia pode cometer 0 anacronismo Além disso em seu oficio os historiadores tém a obrigaao de interrogar os documentos levantados para o desenvolvimento de seu estudo pois esses nao falam por si As fontes historicas somente dizem alguma coisa quando inter rogadas corretamente Vocé deve ter percebido nesse momento novamente uma outra critica as escolas metddica e positivista especialmente a dois de seus aspectos basicos a passividade do historiador perante a sua documenta cao e a idéia de que as fontes escritas representam o proprio passado Lucien Febvre que cursou Historia em Nancy e depois em Paris na Escola Normal Superior e na Sorbonne foi outro grande renovador da historiografia contemporanea No seu livro Combates pela Historia problematizou o proprio fazer historico ao afirmar que a historia era filha de seu tempo E somente a partir do presente que as questoes referentes ao passado podem ser aborda das Na concepao desse historiador cada época seleciona seus temas que falam mais das inquietacgoes de seu proprio momento do que do passado propria mente dito Em outras palavras cada época constroi a representacao do pas sado a sua maneira O historiador vive em um mundo que coloca seus proble mas particulares O que o historiador faz é tentar verificar se esses problemas colocados pelo presente existiram no passado se existiram como foi vivido pelos homens da época Em ultima analise 0 que o historiador quer compre ender é a diferenga entre os homens de ontem e os de hoje FEBVRE 1989 E importante mencionarmos que Febvre define a Historia de uma maneira distinta daquela apresentada por Marc Bloch Vejamos o que Fontana 1998 p 206 diz a esse respeito Se Bloch falava sem vacilagao da Historia como ciéncia dos homens no tempo Febvre lhe nega essa condigao e a define como o estudo cientificamente elaborado das diversas atividades e das diversas criagoes dos homens de outros tempos A diferencga que haja entre ciéncia e estudo cientificamente elaborado iluminase quando percebemos que Febvre desvia sempre o problema para o da utilizagao por parte do historiador dos métodos de outras disciplinas cientificas O que importa é o instrumento nao o projeto em que este sera empregado De acordo com Reis 2000 Febvre deixou a histéria econémicosocial a cargo de Bloch e dedicouse ao estudo da historia das mentalidades coletivas Seu tema preferido foi o das relagoes entre os modos de pensar e sentir com os modos de produzir Alem disso em sua famosa obra O problema da descrenca no século XVI a religiao de Rabelais httppt wikipediaorgwindexphpti tleOProblemadaDescrenC3A7anosC3A9culoXVIAReligi C3A30deRabelaisactioneditredlink publicada em 1942 inaugurouse um novo campo de investigagao historica a antropologia historica como ponto de partida para a divisao do tempo historico em préhistoria e historia A primeira passou a se referir ao periodo em que nao havia registros escritos e a segunda iniciouse com a invengao da escrita No seu entender 0 pesquisador que estuda o periodo anterior a invengao da escrita real mente nao faz historia 11 Segunda geracao 19461968 os anos de Fernand Braudel A segunda geracao dos Annales teve como grande nome Fernand Braudel Discipulo de Lucien Febvre o sucedeu na diregao desse movimento apos sua morte em 1956 e presidiu a VI secao da Ecole pratique des hautes études cen tro de pesquisa fundado em Paris A revista que ja havia mudado de nome du as vezes adquiriu um novo titulo Annales Economies Sociétés Civilisations o que acabou alargando a area de acao do historiador com a introducao de um novo campo de pesquisa a civilizagao Figura 3 Fernand Braudel 19021985 Esse foi o período da consolidação institucional dos Annales da disseminação de seus métodos para várias partes do mundo do aprofundamento do diálogo com as demais ciências sociais e do predomínio dos estudos de dimensões econômicas diante de outros temas como a história cultural o estudo das mentalidades e a psicohistória que foram tratados em grande medida por Bloch e Febvre Nessa época houve também o confronto entre a História e o estruturalismo da antropologia de Claude LéviStrauss Para as ciências sociais o grande teórico do Estruturalismo foi o francês Claude LéviStrauss nascido em 1908 e autor da obra Tristes Trópicos 1955 Sua grande preocupação foi estudar as bases que moldam a organização social do ser humano Essa base seria o sistema mental que não se apresentava como um processo consciente no agir humano e além disso tinha uma característica universal ou seja a estrutura mental seria a mesma em qualquer parte do mundo O movimento estruturalista foi muito forte sobretudo nas décadas de 1960 e 1970 ao apresentar uma metodologia inovadora que visava examinar todas as rela ções e funções estabelecidas entre os elementos que constituem um determinado sistema Os historiadores eram criticados pela linha estruturalista por permanecerem no plano empírico e do observável sendo incapazes de modelar e ter acesso às estruturas profundas da sociedade Para o antropólogo LéviStrauss não havia relação entre realidade empírica e a estrutura já que essa última era o modelo construído para apreender a realidade empírica Assim para estudar a sociedade não era necessário realizar uma incursão à história Embora a História e a Etnologia estivessem próximas em seu objeto método e o objetivo havia uma distinção essencial que opunha essas duas disciplinas Conforme salientava LéviStrauss essa distinção se dava sobretudo pela es colha de perspectivas complementares a historia organizando seus dados em relagao as expressoes conscientes a etnologia em relagao as condioes in conscientes da vida social in DOSSE 1992 p 109 Isso significa que em seu estudo sobre as varias sociedades tribais 0 antropologo chegou a conclusao de que as estruturas fundamentais da sociedade sao as estruturas da mente humana que por sua vez nao se apresenta como um processo consciente Podemos exemplificar a distingao comentada anteriormente utilizando a famosa frase de Karl Marx os homens fazem sua propria historia mas nao sabem que a fazem A primeira parte da frase seria o campo de acao da Historia e a segunda parte da Etnologia LéviStrauss a partir do seu ataque ao carater voltado para as expressoes conscientes do homem narrativo factual cronolodgico singular e nao cientifico da Historia queria fazer com que a Etnologia se afirmasse perante as demais ciéncias sociais Apesar do grande sucesso do movimento estrutura lista sobretudo nas décadas de 1960 e 1970 a Historia se manteve firme como articuladora entre as ciéncias sociais Em resposta a critica estruturalista Fernand Braudel afirmou que a escola dos Annales se empenhou em compre ender os fatos de repeticao tanto como os singulares as realidades conscien tes tanto como os inconscientes BOURDE MARTIN 1990 p 131 Na verdade a critica de LéviStrauss caberia mais aos positivistas e metodi cos do que aos Annales pois esta escola desde seus primeiros tempos como ja vimos trouxe uma nova concepao do tempo historico capaz de observar as permanéncias sem no entanto abandonar a compreensao das mudangas hu manas em sua duragao O estudo das épocas fora abandonado em prol da ana lise das estruturas Seguindo os passos dos fundadores dos Annales Braudel deu uma formalizaao mais rigorosa a temporalidade historica Para tanto pe gou emprestado da antropologia o termo estrutura e o redefiniu para melhor resistir aos ataques do estruturalismo A perspectiva temporal de Braudel é apresentada pela primeira vez na obra O mediterraneo um livro de grandes dimensoes publicado em 1949 que trouxe em suas paginas uma visao diferente do passado Conforme salienta Burke 1997 p 46 primeiramente ha a historia quase sem tempo da relacgao entre o homem e 0 ambiente surge entao gradativamente a historia mutante da estrutura econdmica social e politica e finalmente a trepidante historia dos acontecimentos Entretanto foi somente em 1958 com a publicagao do artigo La Longue Dureé que o esquema teorico referente a questao do tempo historico teve melhor desenvolvimento Nesse texto 0 conceito de estrutura foi reinterpretado e apresentado em uma dimensao temporal em que as permanéncias davam sentido aos eventos A énfase deslocouse da excegao para o regular dos fatos singulares para os de massa Assim o historiador ira enfatizar o que se repete O que permanece constante em um longo periodo de tempo Nesse ponto po demos notar a novidade do pensamento de Braudel 0 descentramento do ho mem dos estudos historicos tornandoo elemento seriavel e nao evento singu lar REIS 2000 Preocupado em analisar as estruturas Braudel apresentou 0 conceito de longa duracao o qual pudemos ver anteriormente Dessa forma ao mostrar que o pensamento humano e as condioes inconscientes integram as estruturas que mudam lentamente e de maneira gradual o historiador anula a ofensiva estruturalista E importante ressaltar que a Historia segue tempos distintos conforme pode mMOs ver a seguir e Estrutural vinculase a longa duracgao um tempo quase imovel da rela cao do homem com seu espaco geografico e Conjuntural corresponde a média duracgao marcada por mudangas len tas associadas a economia e a sociedade e Acontecimental ligado a curta duragao ao tempo breve preocupado com a dimensao da vida do homem e que segue a linha da historia tradicional O emprego da longa duragao abriu novas possibilidades de estudos como por exemplo a historia comparada ja que era possivel observar uma historia que se transformava muito lentamente Essa atitude era impensavel aos historia dores que se limitavam as visoes da historia tradicional uma vez que ela valo rizava o acontecimento Se o historiador por exemplo comparasse um aconte cimento da Revolugcao Russa com um da Revolugao Francesa ele estaria co metendo um anacronismo Para Braudel nao haveria possibilidade de se fazer uma historia cientifica se nao se empregasse 0 método comparativo Vocé sabia que Em 1935 Braudel veio para o Brasil juntamente com outros intelectuais franceses como LéviStrauss para colaborar com a organizagao da recémfundada Faculdade de Filosofia Ciéncias e Letras da Universidade de Sao Paulo USP Aqui permaneceu até 1937 e afirmou que esse foi um dos periodos mais felizes de sua vida Com a nova compreensao da temporalidade historica surgiram novas meto dologias de investigaao integrada ao conceito de estrutura dos Annales e a historia quantitativa a historia demografica e as historias regional e serial ga nharam destaque nesse periodo No tocante as fontes surgiu a utilizagao de dados contabeis balancos financeiros livros de entradas e saidas de receita arquivos paroquiais judiciais dentre outros Esses tipos de documentos per mitiam a elaboragao de séries que mostravam tendéncias e oscilacgoes cicli cas E possivel fazer Historia sem levar em consideracao a mudanca A fim de sintetizar e aprofundar tais debates acerca da Escola dos Annales as sista agora ao video O que é a Escola dos Annales de Icles Rodrigues pu blicado pelo canal Leitura Obriga Historia Neste video 0 historiador apresen ta de forma didatica a Escola dos Annales caracterizando cada uma de suas geracoes nos dando assim uma visao ampla sobre a evolucao dos debates e métodos que envolvem a producao dessa corrente historiografica em suas trés geracoes ae ers Se ee a aa ts eee ete ee po A ge it eee Por fim a ultima leitura deste ciclo é 0 artigo de Fernando Silva que explora a tonica das propostas dos Annales ao abordar a relacao da Historia com as de mais ciéncias humanas Nessa direao o autor busca compreender a identi dade do oficio do historiador em relacao a abertura da historia para com as de mais ciéncias humanas por meio de novos temas métodos e fontes de pes quisa SILVA Fernando Teixeira da Historia e Ciéncias Sociais zona de fronteiras httpswwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS010190742005000100006 In Debates Historiograficos v 24 n 1 Franca 2005 Sugerimos agora que vocé dé uma pausa na Sua leitura e reflita sobre sua aprendizagem realizando a questao a seguir 12 Consideracgoes Neste quarto ciclo de estudos demos seguimento a compreensao da historia da Historiografia enfatizando neste momento 0 materialismo historico de Marx e as propostas da Escola dos Annales em suas trés distintas geraoes Assim destacase a importancia dessas duas correntes para a construcao do discurso da historiografia atual uma vez que tais reflexoes ainda balizam o oficio do historiador nos dias hoje seja na historiografia brasileira seja ociden tal Tendo em vista a caracterizacao dessas distintas correntes em uma espécie de linha do tempo da Historiografia ja podemos perceber que existe um amplo e recorrente dialogo entre as diversas propostascorrentes de pensamento Também podemos perceber que essas diferentes propostas nao se invalidam mas sim podem ser compreendidas como complementares eou agregadoras para a construgao do discurso historiografico Nao podemos perder de vista essa perspectiva agregadora de diversas correntes historiograficas uma vez que uma nova corrente nao poe fim a outras correntes ja existentes mas sim contribui no amadurecimento do oficio do historiador abrindo eou revendo novas possibilidades metodologicas tematicas e de fontes de pesquisa httpsmdclaretianoedubrhisgs0041 fev2022gradead Ciclo 5 A Nova Historia Cultural e a Crise de Paradigmas no Séeculo XXI por meio da Proposta Pos moderna Renata Cardoso Belleboni Rodrigues Objetivos e Caracterizar a Microhistoria e a Nova Historia Cultural Contextualizar a crise dos paradigmas historiograficos e Compreender a historia como discurso pratica e representacao e Identificar a historia entre a narrativa e a ficgao e Perceber as criticas a Historiografia Posmoderna Conteudos e A Microhistoria e a Nova Historia Cultural como novos paradigmas his toriograficos e A historiografia como discurso pratica e representacao de acordo com as novas propostas paradigmaticas e A produgao historiografica entre a narrativa e a ficcao A historiografia posmoderna entre a critica e a renovacao metodologi ca Problematizagao Quais as caracteristicas da Microhistoria e da Nova Historia Cultural Como conceitos como discurso pratica e representacao influiram as novas propos tas paradigmaticas para a historiografia De que forma a produgao historio grafica pode ser pensada entre a narrativa e a ficao Quais as criticas e a re novacao metodoldgica propostas na historiografia posmoderna Orientacoes para o estudo Chegando em nosso quinto e ultimo ciclo de aprendizagem vamos abordar Os mais atuais debates historiograficos contemplando o fim do século XX eo inicio do XXI Estudaremos incialmente a Microhistoria e a Nova Historia Cultural como novos paradigmas historiograficos Posteriormente tambem trataremos da historiografia posmoderna e sua critica para com os paradig mas anteriores bem como a sua proposta de renovacgao metodoldgica Buscaremos assim compreender a historia como discurso pratica e repre sentagao Nesse sentido visamos entender a historia como uma construao discursiva entre a narrativa e a ficcao 1 Introducao Ja no fim do século XX a Escola dos Annales foi perdendo espaco nos debates epistemoldgicos da historia diante de novos referenciais a exemplo das pro postas da Microhistoria da Nova Historia Cultural e do Posmodernismo Por Obvio essas novas propostas dialogam com a historiografia dos Annales en tretanto varias criticas e novas propostas foram apresentadas Tanto a Microhistoria como a Nova Historia Cultural carregam em si muito do que a escola francesa propunha sobretudo no que se refere ao imaginario as representacoes entre outros aspectos entendidos como ligados a cultura Entretanto o Posmodernismo ja apresenta uma critica mais incisiva sobre a produgao historiografica sobretudo diante da comparagao do discurso histo riografico com uma espécie de narrativa ficcional 2 A Microhistoria e a Nova Historia Cultural Ainda antes de adentrar as correntes historiograficas que serao tratadas neste ciclo veremos uma breve linha do tempo da historiografia a fim de criar uma visao mais ampla do desenvolvimento da disciplina nessa virada do século XX para o XXI Para isso assista ao video a seguir I fp x oan oe So ae a ia a re Apos conhecer sobre a Microhistoria e a Nova Historia Cultural agora vere mos um pouco mais a respeito das caracteristicas da Microhistoria ressal tando sua preocupacao com as praticas culturais especificas por meio de fa tos individuos lugares e familias bem como as relacoes interpretativas que relacionam o micro ao macro diante da redugao da escala de observacgao por parte do historiador a fim de buscar compreender o processo historico vere mos ainda sobre a Nova Historia Cultural partindo do conceito de cultura chegando nas relagoes entre a historia e a antropologia que direcionou seu fo co ao mundo simbolico criado por determinado grupo ou sociedade 3 A crise dos paradigmas historiograficos De acordo com Margareth Rago 2000 Ja faz algum tempo que os historiadores perceberam as dificuldades do seu oficio nao apenas pelos obstaculos de acesso aos documentos mas porque sua atividade nao é neutra e nem o passado existe enquanto coisa organizada e pronta a espera de ser desvelado O historiador produz o passado de que fala a partir das fontes do cumentais que seleciona e recorta compoe uma trama dentre varias outras possi veis e constrdi uma interpretagao do acontecimento Ha multiplas historias a se rem contadas ja que os grupos sociais étnicos sexuais generacionais de baixo ou de cima se constituem de maneiras diversas mas tém diferentes modos de narra las A historiadora Rago 2000 em sua assertiva aponta alguns obstaculos para o oficio do historiador nem todas as fontes sao facilmente acessiveis ora de pendem de escavacoes arqueologicas ora de uma boa organizagao e conser vacgao em museus é arquivos ora da disponibilizagao por particulares aleém de fontes em linguas mortas ou nao muito familiares e da possivel distancia geo grafica em que se encontram entre tantos outros obstaculos Chegando até os documentos ainda sera preciso fazer um levantamento selecionar e apos se legao fazer recortes ainda menores Mas as fontes nao sao o passado e por ve zes deturpamno dissimulamno ou nao 0 representam por completo E ainda tem mais 0 que as fontes nos falam depende das perguntas que elaboramos Por este motivo ha varias historias a serem contadas de acordo com acesso as fontes selegao das mesmas e perguntas dirigidas O passado nao esta pronto Tudo isso foi verificado analisado e discutido no decorrer especialmente do século 20 O grupo da Nova Historia apresentou uma grande produgao a respeito do oficio do historiador E nao bastassem to das essas mudangas e mais aquelas que afetaram os conceitos de Historia e historiografia desde a Antiguidade a partir dos anos 1960 e 1970 um novo conceito vem contribuir com os debates sobre a queda dos tradicionais para digmas historiograficos Tratase do conceito de posmodernismo Essa ideia nao é fruto desse periodo mas ganha forga com a publicagao do livro A condiI ao posmoderna do filosofo francés JeanFrancois Lyotard em 1979 Entretanto antes mesmo de nos aprofundarmos nas querelas pos modernistas um questionamento deve ser feito o que foi o modernismo ou a modernidade contra a qual se travou uma guerra Vocé aluno de Historia sa beria explicar ou apontar alguma caracteristica desse periodo Entao veja mos brevemente os pontos centrais Com o Renascimento a humanidade foi promovida alada ao centro da reali dade No reflexo desse movimento o Iluminismo elevou o individuo ao centro do mundo e buscou explicaoes racionais para toda e qualquer questao relaci onada a sociedade Igualmente pregava a confianga no progresso humano por meio de realizacoes cientificas e tecnologicas E a escrita da Historia ganhava forma nas metanarrativas Resumindo e finalizando na modernidade a historia esta dominada pelos conceitos de razao consciéncia sujeito verdade e universal DILMANN 2006 p 568 Esses conceitos tomados isoladamente ou em conjunto contribuiram com a formacao de expressoes que por muito tempo habitaram os livros e foram proferidas ao publico ouvinte sujeito universal consciéncia universal razao e verdade tratavase da divulgacgao da ideia de que 0 conhecimento é objetivo que a verdade é exata unica que o mundo é unico que as explicagoes sao uni versais Contra todo esse aparato surge na Franca como vocé ja estudou os Annales que nos anos 1970 mais especificamente com a Nova Historia ira definitiva mente divulgar a ideia de que 0 conhecimento nao é objetivo que é ao contra rio subjetivo que a verdade é relativa que ha mundos e passados diferentes e que as explicacoes sao de fato interpretacoes O determinismo e 0 reducionis mo sao rejeitados e a historia global e a historia universal sao descartadas Mas se tanto ja foi modificado e readequado por que ha as continuas e novas discussoes e os embates no meio académico Por que o desconforto com o conceito de podsmodernismo As respostas sao multiplas consideremos algu mas 1 Historia imovel das mentalidades nao respondia a dinamica do mundo posmoderno 2 Abordagem quantitativa da Historia encarada como reducionista 3 Abordagem marxista da Historia 0 escolasticismo dogmatico é criticado 4 Diferentes conceitos de Historia e historiografia sendo debatidos nao havia um consenso 5 Questionamentos sobre a verdade historica se é relativa a Historia nao é ciéncia 6 Questionamentos sobre os estilos de escrita da Historia a querela da nar rativa Em resumo no posmodernismo 0 relativismo dominou Toda e qualquer fon te deve ser pensada como um texto a ser lido em que os significados estao ai para ser decodificados ou desconstruidos portanto nao resta duvida de que o real ou a realidade nao podem ser atingidos e em outras palavras que a Historia se tornou um discurso verossimil Concluindo a historia nessa época que se poderia denominar pdstudo pds liberal posocidental posindustria pesada posmarxista os velhos centros mal se aguentam e as velhas metanarrativas ja nao soam reais e promissoras vindo a parecer inverossimeis dos pontos de vista céticos do fim do século XX JENKINS 2004 p 98 Tantos questionamentos levaram a uma reacgao Trés campos historiograficos podem servir de exemplo dessa busca renovada de recentrar 0 objeto e o modo de trabalhalo Um é 0 da chamada MicroHistoria cujo objetivo entre outros foi o de promover a volta do sujeito individual Outro é o da nova historia cultural que incorpora as questoes da representacgao e das formas linguisticas de apreensao do mundo pelo sujeito individual ou coletivo Um terceiro corresponde a uma forma de ressurgimento da historia social e da sociologia histo rica que se rotula de ciéncia historica socioestrutural MARTINS 2004 4 Amicrohistorla A proposta da Microhistoria é reduzir a escala de observacao do historiador incluindo espacialidade e temporalidade na tentativa de buscar elementos que analisando em escala maior passariam despercebidos Seus objetos ge ralmente sao praticas culturais especificas festas religiosas por exemplo ocorréncias um determinado crime um julgamento especifico suicidios ci dades individuos familias ou lugares determinados Entendese que uma microocorréncia fornece dados para a compreensao de uma caracteristica cultural maior De acordo com Peter Burke 2005 p 6064 a Microhistoria foi uma reacgao contra 10 estilo de historia social que empregava métodos quantitativos e descrevia tendéncias gerais 2 a relacao entre a Historia e a Antropologia 3 a grande narrativa historia triunfalista que se interessava quase que exclu sivamente pelos nomes e fatos ocidentais ou seja Cristandade Renascenga Revolugao Francesa etc A novidade da Microhistoria nao esta somente na escala de observaao mas do mesmo modo na forma de contextualizar Enquanto na perspectiva macro historiografica podemos encontrar uma contextualizacao que parte de uma vi sao panoramica para depois afunilar numa tematica mais especifica os microhistoriadores por vezes desprezam a contextualizaao ou realizamna de modo bem diverso eles partem da especificidade e quando se achar neces sario apontam para um contexto maior Observemos as Figuras 1 e 2 3 Objeto de estudo mulher grega 2A questao do género na Grécia 1A sociedade Q grega Figura 1 Contextualizagao tradicional Repare que a numeracao indica um movimento de fora para dentro Esse seria o modelo convencional Ja aquele seguido pela Microhistoria pode ser repre sentado da seguinte maneira Figura 2 Contextualizaao da Microhistoria O asterisco representa o tema a partir dele é feita a referéncia ao contexto maior Um dos exemplos mais conhecidos desse tipo de abordagem o livro O quelijo e os vermes do historiador italiano Carlo Ginzburg Nessa obra encontramos narrada a historia do moleiro Domenico Scandella conhecido por Menocchio perseguido e julgado pela inquisigao papal Os elementos de Microhistoria que observamos no livro sao definidos pela exposicao da historia pessoal de um homem e uma vila especifica Montereale em uma época determinada o século 16 Outro exemplo é o livro de Emmanuel Le Roy Ladurie Montaillou que versa sobre uma pequena aldeia da Franga localizada nos Pireneus a época do ini cio do século 14 O autor usou registros da inquisicao para retratar a vida coti diana dos cerca de 200 habitantes da comunidade Finalizando essa breve exposicao sobre a Microhistoria faremos uso de uma assertiva um tanto importante a Microhistoria deve ser definida como campo e nao como uma corrente loca lizada de historiadores E também nao deve ser vista como restrita a uma determi nada tematica Na verdade a principio qualquer tema seria passivel de ser aborda do a partir de um olhar microhistoriografico BARROS 2004 p 167168 5 A nova historia cultural Esse novo campo historiografico Nova Historia Cultural é 0 que particular mente nos interessa Foram alguns de seus representantes que alcaram voos mais altos nessas contendas contra os tradicionais paradigmas da historio grafia Dentre eles citamos Lyn Hunt Michel de Certeau Roger Chartier Michel Foucault Hayden White entre tantos outros A partir dos estudos des ses autores a Historia foi repensada no contexto do posmodernismo Mas o que caracteriza a Nova Historia Cultural O que ela apresenta de novo ou repensado Quais suas contribuicoes para a dificil tarefa do historiador di ante do passado que nao se revela mas que clama por olhares Aqui vale ressaltar que esse movimento nao foi exclusivo no meio académico francés pelo contrario tratase de um movimento internacional que encon trou eco na Inglaterra Estados Unidos Italia Russia Alemanha Holanda e mesmo no Brasil O que é cultura Como compreender o que é a Nova Historia Cultural sem entendermos o que é cultura Nao ha como Vocé ja parou para pensar qual conceito de cultura uti liza no dia a dia em seus estudos Mas é possivel entender o que é cultura Cardoso 2005 surpreendenos ao divulgar uma pesquisa em que apontou a existéncia de aproximadamente 164 conceituacgoes diferentes para esse ter mo Portanto mais uma vez deparamonos com um conceito polissémico E mais uma vez somos chamados a optar por apenas um deles pois disso depende a nossa abordagem as fontes Mas ao menos uma certeza vem nos acalantar podemos descartar todos aqueles julgamentos que localizam a cultura no cer ne da elite ou seja que apregoam que as camadas sociais menos favorecidas financeira e intelectualmente nao sao detentoras nem produtoras de cultura Esse preconceito ja nao é mais aceito no meio académico Vejamos exemplos de significacgoes de cultura que alguns estudiosos nos dei xaram como legado para serem seguidas criticadas ou ao menos refletidas 1 Para Bronislaw Malinowski in BURKE 2005 p 43 cultura abrange as herangas de artefatos bens processos técnicos idéias habitos e valores 2 Segundo Edward Tylor in BURKE 2005 p 43 cultura é o todo complexo que inclui conhecimento crenga arte moral lei costume e outras apti does e habitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade BURKE 2005 p 43 3 De acordo com Clifford Geertz in BURKE 2005 p 52 cultura 6 um padrao historicamente transmitido de significados incorporados em sim bolos um sistema de concepcoes herdadas expressas em formas simbolicas por meio das quais os homens se comunicam perpetuam e desenvolvem seu conheci mento e suas atitudes acerca da vida Observe que as definicoes de Malinowski e Tylor sao aproximadas Entretanto a definicao de Geertz apoiase no simbdélico E esse 0 rumo que ira tomar a Nova Historia Cultural A viragem antropologica Na historiografia encontramos a expressao inglesa cultural turn que tam bem faz referéncia a viragem antropoldgica A viragem antropologica assim foi definido esse encontro que se iniciou na década de 1960 mas que se firmou na década de 1990 entre a Historia e a Antropologia Dentre os primeiros resultados dessa junao temos o apareci mento de expressoes como historia antropologica antropologia historica e etnohistoria De qualquer modo seja qual for a acepcao escolhida pelo histo riador dentre essas trés ela revela o campo de interesse e as possibilidades interpretativas das fontes e das historias melhor ainda das culturas Outro efeito foi a definicao da abordagem as fontes ou seja a grande preocupacao da Nova Historia Cultural passou a ser o simbolico e suas interpretagoes e nao necessariamente a inclusao de novas fontes Afinal como afirmou de modo enfatico Ernest Cassirer 1975 p 45 o homem nao é outro senao o animal symbolicum Além de Geertz os antropologos Marcel Mauss e Claude LéviStrauss foram igualmente retomados mesmo com propostas diferentes Porém Benatte 2007 p 34 define bem esse passeio dos historiadores pela Antropologia De modo geral o olhar historicoantropoldgico dos praticantes da nouvelle histoire é bastante variado em suas inspiracoes Eles nao observam uma fidelidade estrita a um determinado cla ou escola do pensamento antropologico antes praticam um certo ecletismo vagabundo adaptado a seus interesses especificos de pesquisa O que eles parecem buscar na ciéncia social vizinha nao é um corpus conceitual sis témico ou uma teoria geral da cultura mas sim um agugar da sensibilidade para a diferenga e alteridade do passado empiricamente cognoscivel Essa viragem antropologica significou para os historiadores culturais do final do século 20 a busca de uma maneira alternativa de vincular cultura e so ciedade uma forma que nao reduzisse a primeira a um reflexo da segunda ou a uma superestrutura BURKE 2005 p 56 Uma ultima citagao tem o objetivo de situalo ainda mais no contexto pos moderno O que os criticos da modernidade os posmodernos elegeram em troca da raciona lidade moderna e seus grandes temas 0 progresso a ciéncia a revolugao a verdade enfim foi a valorizagao do particular do fragmentario do efémero do microscopi co do sensual do corporeo do prazer A posmodernidade rejeita decididamente a predilecao pelas grandes sinteses pelo conhecimento das causas primeiras pela busca do sentido da Historia Desse modo 0 processo historico passa a ser o domi nio da indeterminagao do sujeito constituinte da criagao absoluta ALMEIDA 2003 p 75 Ninguém melhor do que o proprio autor para falar dele mesmo Num batepapo quase informal Carlo Ginzburg apresentase Vejamos o que o estudioso da Microhistoria tem a nos dizer sobre suas influénci as e contribuicgoes A entrevista completa encontrase na revista Estudos Historicos Rio de Janeiro v 3 n 6 1990 p 254 263 Historia e Cultura Conversa com Carlo Ginzburg O historiador italiano Carlo Ginzburg especialista na analise dos processos da Inquisigao nos séculos XVI e XVII é conhecido do publico brasileiro por seus li vros O queijoe os vermes 1987 Os andarilhos do bem 1988 e Mitos emblemas sinais 1989 todos traduzidos e publicados pela Companhia das Letras Professor da Universidade de Bolonha e da Universidade da California em Los Angeles este ve no Brasil em setembro de 1989 onde proferiu palestras a convite da USP da Unicamp e do PPGAS do Museu Nacional UFRJ Nesta entrevista concedida a Alzira Alves de Abreu Angela de Castro Gomes e Lucia Lippi Oliveira discorre so bre sua formagao as influéncias que sofreu e sua propria obra contribuindo para o debate sobre a relevancia dos temas historicos AA Poderia nos falar sobre suas origens familiares e culturais Nasci em Turim em 1939 numa familia de judeus assimilados e intelectuais tanto do lado paterno quanto materno Meu pai Leone Ginzburg nasceu em Odessa e foi para a Italia crianga Viveu em Turim e foi colega de colégio e amigo de Bobbio que depois escreveu a introducao da coletanea postuma de seus escritos um texto muito bonito e comovente Meu pai era professor de literatura russa mas em 1932 quando os fascistas exigiram que os professores jurassem fidelidade ao regime pediu demissao Em 1934 entrou na conspiragao antifascista e tomouse lider de um grupo em Turim que tinha ligagoes com a Franga Foi preso e passou dois anos na cadeia Quando saiu foi um dos fundadores da Editora Einaudi junto com Cesare Pavese Logo depois que comecou a guerra em 1940 como era muito vigia do foi confinado numa cidadezinha nos Abruzzi A familia foi junto e passei mi nha primeira infancia até 1943 nesse lugarejo Nesse ano o rei destituiu Mussolini e meu pai voltou para Roma que estava ocupada pelos alemaes Sempre ligado a conspiragao antifascista foi preso e morreu na prisao alema em Roma em 1944 Minha mae Natalia Ginzburg Levi em solteira era filha de um histologista muito conhecido e importante professor da Universidade de Turim Trés dos alunos de meu avo receberam 0 prémio Nobel Depois da guerra minha mae recomecou a escrever E uma romancista muito co nhecida e seus livros foram traduzidos em varios paises inclusive no Brasil Nasci portanto nessa familia de intelectuais o que sem duvida representou um privilégio cultural Ao mesmo tempo ha o fato de que éramos judeus e de que um pouco devido a guerra conservei uma lembranga muito nitida da perseguigao so frida Observe como o percurso pessoal do autor influenciou seus escritos Uma de suas obras mais importantes trata de um processo inquisitorio Por esse e ou tros motivos é que na atualidade se considera a subjetividade do autor LO Por que historia Quando eu era criana sonhava em ser escritor 0 que era até previsivel ja que mi nha mae escrevia Depois pensei em ser pintor Pintei na adolescéncia cheguei a estudar um pouco de pintura mas num determinado momento percebi que nao era pintor E o curioso é que tanto a literatura como a pintura tém a ver com o que faco hoje Existe uma dimensao literaria no trabalho do historiador e tenho muita consciéncia desse elemento Mas ha ainda um outro fato ligado a essa escolha Havia na Scuola Normale um historiador medievalista chamado Arsenio Frugoni nao tao importante como Cantimori mas muito bom professor autor de um livro sutil e inteligente sobre um herege queimado pela Igreja Romana no século XII Assim que entrei para a uni versidade ainda interessado em literatura Frugoni tentou convencerme a estu dar historia e me deu um ensaio de Croce para ler E 0 fato é que o primeiro livro de historia que eu havia lido era justamente a Historia da Europa de Croce um pouco por influéncia familiar Meu pai havia sido um discipulo de Croce Alias faco parte da ultima geracao na Italia que leu realmente Croce Depois disso nao se leu mais E isso foi importante para mim mesmo que eu nao goste de Croce Ha coisas boas nele mas facgo uma historia totalmente diferente da que ele propoe Voltando ao meu tempo de escola Frugoni me deu o ensaio de Croce para ler um célebre ensaio sobre um marqués napolitano que abracou o protestantismo no sé culo XVI Comecei a lélo e percebi que nao me interessava nem um pouco Disse a Frugoni que nao ia estudar historia porque era uma disciplina que nao me desper tava interesse Depois de ter ouvido Cantimori e ter mudado de idéia voltei a Frugoni Eu tinha que escolher um tema de estudo e ele me sugeriu que trabalhas se com os Annales Perguntei O que é isto E interessante que naquela época 1958 houvesse alguem na Italia propondo os Annales como tema a um estudante que nao sabia do que se tratava De toda forma havia a colegao completa dos Annales numa biblioteca de Pisa o que prova que as ligagoes eram mais antigas Hoje existe na Italia uma idéia equivocada de que a influéncia dos Annales teria comegado nos anos 70 quando na verdade se iniciou muito antes O despertar para a Historia nao é um caminho livre Nem sempre o que estu damos nos chama a atengcao Mas neste processo de escolhas as leituras sao imprescindiveis Nao é necessario um Croce mas as obras dos estudiosos li gados aos Annales sao um belo comeco Comecei entao a ler os Annales desde os primeiros numeros Li Marc Bloch e fi quel muito impressionado sobretudo com Les rois taumaturges que na época nao era visto como um livro importante Além desse encontro com Marc Bloch houve outro fato fundamental Li o livro de um historiador italiano muito importante Federico Chabod sobre a historia religi osa do Estado de Milao no século XVI e as primeiras reagoes a Reforma Protestante Chabod havia trabalhado intensamente com os arquivos milane ses e tinha encontrado uma minuta de documento oficial em cujo verso havia al gumas frases sobre a predestinacgao que haviam sido riscadas E Chabod fazia uma analise maravilhosa desse documento esquecido riscado quase destruido A analise de Chabod era realmente extraordinaria sobretudo sua idéia de recu perar um documento como aquele para a historia Hoje pensando retrospectiva mente acho que naquele momento mesmo de uma forma obscura compreendi o que se podia fazer com a historia Penso que nao se deve ter medo de ser ignorante Considero que o verdadei ro perigo esta em nos tomarmos competentes Essas sao assertivas de impac to Procurar saber nao aceitar os fatos como dados conhecer as diferentes re presentagoes de um mesmo tema é essencial ao historiador e ao professor de Historia Quando cremos que ja sabemos muito ou que somos possuidores de uma verdade inquestionavel adentramos no perigoso terreno de usos inade quados do passado AA E assim o senhor decidiu ser historiador Sim No ano seguinte eu devia escolher um outro tema de estudo e lembro que es tava passeando quando pensei Vou estudar as feiticeiras Eu nao sabia nada so bre o assunto mas de uma forma totalmente imediata soube que o que me interessava eram as feiticeiras ou feiticeiros e nao a perseguicao que sofreram Como eu nao co nhecia nada fui para a biblioteca e comecei a ler o verbete stregholeria na Enciclopédia Italiana gosto muito de comegar trabalhos completamente no vos sobre coisas a respeito das quais nao conheco nada Sempre tento explicar aos meus alunos que o que existe de realmente excitante na pesquisa é 0 momen to da ignorancia absoluta Penso que nao se deve ter medo de ser ignorante e sim procurar multiplicar esses momentos de ignorancia porque o que interessa é jus tamente a passagem da ignorancia absoluta para a descoberta de algo novo Considero que o verdadeiro perigo esta em nos tomarmos competentes Mais do que os proprios fatos a analise deles 0 que compreendemos hoje por historia As interpretagoes apresentamnos um passado intangivel mas que deixou materialidades AG Por que a escolha das feiticeiras como tema de estudo Certamente pesou nessa escolha a idéia de que os fendmenos religiosos sao im portantes Mas havia outra coisa também que na época me escapou de uma ma neira surpreendente a idéia de trabalhar com marginais com hereges podia estar ligada ao fato de eu ser judeu Reprimi completamente essa associacao e foi um amigo que me alertou para ela numa conversa como algo evidente Havia ainda outro elemento muito profundo em meu interesse pelas feiticeiras a fascinagao pelos contos de fadas que minha mae lia quando eu era crianga A sua condigao de excluido da Historia levouo a estudar os personagens mar ginais Sobre essa tematica as obras de Michele Perrot sao fundamentais Sugerimos a leitura de Os excluidos da Historia operarios mulheres e prisio neiros Rio de Janeiro Paz e Terra 2001 LO O senhor falou em Croce Vico também foi uma influéncia em seus anos de formacao Vico é realmente um grande classico Foi redescoberto no comeo do século XIX mas sobretudo foi redescoberto por Croce Mas essa questao de influéncias é complicada porque no inicio temos uma certa porosidade intelectual que depois vai desaparecendo E acho que esse periodo de porosidade é crucial porque é en tao que se forma um arcabouco cultural assim como antes ja se formou um arca bouco psicologico Alguns dos livros mais importantes que li li antes dos 22 anos Até essa época eu nao havia lido Vico mas tinha lido o diario de Pavese E Pavese refletiu muito sobre Vico Também através de Pavese li outras coisas importantes Acredito que no fundo os livros de historia talvez nao tenham sido a coisa mais importante que li Acho que Guerra e paz de Tolstoi por exemplo me marcou mui to mais profundamente do que qualquer livro de historia inclusive os de Marc Bloch Assim também Dostoievski Ou seja os romances foram os livros que mais me tocaram Devo mencionar ainda outra grande descoberta que fiz em minha vida o Warburg Institute em Londres Uma ocasiao quando eu ainda estudava em Pisa fui a Londres visitar minha mae Cantimori também estava 1a e me levou para conhecer o Warburg Institute Fiquei fascinado pelo instituto pela historia da arte pela possibilidade de traba Ihar com historia da arte numa perspectiva mais ampla Em 1964 quando estava preparando meu livro Os andarilhos do bem ganhei uma bolsa de um més e fui para Londres Trabalhei como um louco descobri a obra de Gombrich sobretudo Art and illusion comprei os livros de Sax voltei para a Italia com uma mala cheia de livros Comecei a ler Gombrich e foi uma experiéncia extraordinaria algo que me marcou muito Escrevi entao um artigo sobre a tradiao da Biblioteca Warburg que depois foi publicado na coletanea Mitos emblemas sinais Enviei 0 artigo a Gombrich e a seu convite voltei a Londres por um ano E isso para mim foi muito importante Na Italia como no Brasil as pessoas perceberam meu trabalho através da tradiao dos Annales Sem duvida os Annales foram importantes para mim Nos ultimos 15 anos tenho sido regularmente convidado a ir a Paris para discutir com o grupo dos Annales Mas acho que meu arcabouco intelectual é mais heterogéneo Houve outras coisas que me marcaram AA O senhor também sofreu influéncia do marxismo Realmente como todos sabem a vida intelectual na Italia foi impregnada pelo marxismo Meu encontro com Gramsci sem duvida foi muito importante Li Hegel e Marx no curso de um intelectual comunista chamado Cesare Luporini As influéncias intelectuais sao visiveis nas obras dos historiadores mesmo naquelas ocasides em que a relacao se da por meio da critica A influéncia da Historia da Arte nas obras de Ginzburg podem ser evidenciadas até mesmo nos titulos Os andarilhos do bem e Historia noturna Sao essas marcas que possibilitam uma verdade historica relativa ou seja de acordo com as leituras que fazemos dirigimos nossos olhares de uma determinada maneira aos te mas as fontes e as abordagens teoricas LO O senhor é um historiador italiano internacionalmente conhecido Como se deu sua Insercao nos meios intelectuais internacionais Acho que esta uma pergunta importante porque tem implicagoes que vao muito alem do meu caso pessoal Publiquei Os andarilhos do bem em 1966 e tive uma re senha anodnima no Times Literary Supplement era 0 texto de Hobsbawm que nao o assinou Alguns anos mais tarde saiu outra resenha bastante elogiosa na Bibliothéque de IHumanisme et Renaissance Era um texto de Bill Monter um historiador americano que trabalhou com feiticgaria hist6ria espanhola Inquisigao etc em 1973 fui para Princeton Quando cheguei aos Estados Unidos descobri que havia pesquisadores que co nheciam Os andarilhos do bem Mas so no final dos anos 70 quando O queijo e os vermes comecou a ser traduzido o caminho foi aberto 0 momento era pro picio havia uma conjuntura internacional favoravel Braudel escreveu dizendo que era um livro muito bom que devia ser traduzido Penso que a traduzibilidade de meus livros esta ligada ainda a outro elemento Entre os historiadores italianos sempre prevaleceu e prevalece até hoje com raras excecoes a tendéncia a escrever para profissionais Ha muito de implicito no que se escreve e isso dificulta a tradugao mas desde muito cedo decidi que gosta ria de trabalhar de maneira diferente de escrever tanto para profissionais quanto para um publico mais amplo E foi o que fiz em Os andarilhos do bem e O queijo e os vermes Tornarse conhecido por suas pesquisas no meio académico nao é tarefa facil Para além dos elogios ha inumeros casos de obras importantes que cairam no esquecimento em virtude das ferrenhas criticas recebidas Tambéem ha o pro blema da tradugao se nao se conhece bem a lingua e os termos técnicos pro prios de cada teoria correse o risco de se ter uma versao e nao uma tradugao Isso implica uma leitura muito diferente daquela proposta pelo autor Eni Puccinelli Orlandi em seu livro Interpretacao Sao Paulo Pontes 2004 fala em deslizamento de sentidos Porém nao podemos negar que devido as tra ducoes temos acesso as diferentes producgoes académicas mundiais AA Poderia nos falar um pouco sobre seu ultimo livro Storia noturna E o livro mais longo que escrevi e no qual trabalhei mais de 15 anos com longos intervalos Storia noturna foi um livro muito dificil de escrever embora eu esti vesse muito apaixonado pela pesquisa Durante muito tempo achei que nao seria capaz de terminalo Publiqueio em abril de 1989 mas mesmo agora tenho a im pressdo de que foi escrito por alguém que nao eu E claro que quando penso no li vro lembro de quando o escrevi mas relendo alguns trechos sempre tenho senti mentos de surpresa Storia noturna aborda o problema do saba numa perspectiva ao mesmo tempo historica e morfoldgica A primeira parte é historica a segunda é morfoldgica e ha ainda uma terceira parte em que faco uma comparagao entre as duas perspectivas e tento operar uma convergéncia Ha uma conclusao e uma introdugao teorica bastante longa Na primeira parte comeco com o saba ou seja a reuniao das feiti ceiras vista pelos inquisidores pelos juizes Analiso a idéia de complo que é algo muito importante Ha um pequeno trecho na introdugao em que falo do papel do terrorismo porque penso que ha uma relagao entre a percepcao que tive dessa idéia do complé e 0 terrorismo na Italia a partir de 1969 Na segunda parte tento compreender aquilo que considero ser o nucleo folclérico do saba ou seja 0 vVOo magico e a metamorfose em animais Coloqueime o proble ma do nucleo folclorico e procurei recolher fendmenos com uma preocupagao pu ramente formal alheia a qualquer consideracgao de ordem historica cronolégica ou geografica Reconstitui séries de fendmenos ligados entre si do ponto de vista estrutural no nivel da morfologia profunda dispersos pelo continente eurasiano Na terceira parte ha um capitulo que se chama justamente Conjecturas eurasiati casem que tento propor uma série historica apresentar relacoes historicas docu mentadas que poderiam explicar essa dispersao de dados Nesse momento po rém achei que isso nao era suficiente e utilizei LéviStrauss que é o interlocutor mais importante do livro 0 que mais me impressionou foi a discussao de Lévi Strauss ao dizer que a explicagao historica nao bastava E o que tentei fazer nesse terceiro capitulo que é o mais longo e talvez o mais audacioso do livro foi combi nar as duas abordagens Disponivel em httpvirtualbibfgvbrojsindexphpreharticleviewFile 23001439 httpvirtualbibfgvbrojsindexphpreharticleviewFile 23001439 Acesso em 10 maio 2010 A explicacao historica nao basta A Nova Historia Cultural propoe essa leitu ra com afinco Dai o incentivo a interdisciplinaridade a uniao e a justaposicao entre as Ciencias Humanas De modo mais especifico a defesa da estreita re lagao entre a Historia e a Antropologia 6 Historia discursos praticas e representa coes Prosseguindo com nossos estudos veremos neste topico as criticas e propos tas do Posmodernismo Para tanto assistiremos ao video a seguir no qual a historiadora Renata Rodrigues explora o contexto de surgimento dessa corren te bem como caracteriza suas diversas propostas metodoldgicas estabelecen do um panorama geral sobre estas producoes p Li Pe a de ree I Mice rey ae a Seta I A proposta historiografica posmoderna foi pautada na analise de discursos praticas e representacoes A fim de refletir sobre tais conceitos e perspectivas metodologicas vamos estudar a historia como uma construgao discursiva que mantém uma relagao no minimo problematica com a busca de uma verdade historica Trataremos dos conceitos de praticas e representacgdes que sao de fundamental importancia para essa corrente historiografica mas que ainda guardam uma relacao muito proxima com as propostas de uma historia de ca rater eminentemente cultural 7 Historia e discurso Para iniciar nossa discussao retomaremos a principio um fragmento da cita ao a seguir quando Carbonell responde o que é historiografia Na sequéncia veremos alguns autores definindo o que é a Historia O que é historiografia Nada mais que a historia do discurso um discurso escrito e que se afirma verdadeiro que os homens tém sustentado sobre seu passado CARBONELL 1987 p 6 grifo nosso De acordo com Jenkins 2004 p 52 grifo nosso A historia é um discurso cambiante e problematico tendo como pretexto um as pecto do mundo o passado que é produzido por um grupo de trabalhadores cuja ca bega esta no presente que tocam seu oficio de maneiras reconheciveis uns para os outros e cujos produtos uma vez colocados em circulacgao véemse sujeitos a uma série de usos e abusos Para Chartier 1994 p 102 grifo nosso A Historia é um discurso que aciona construcoes composicoes e figuras que sao as mesmas da escrita narrativa portanto da ficgcao mas é um discurso que ao mesmo tempo produz um corpo de enunciados cientifico L entendo como historia essa pratica uma disciplina o seu resultado o discurso ou a relagado de ambos sob a forma de uma produgaéo DE CERTEAU 2000 p 32 grifo nosso Foucault apud Rago 1995 p 93 grifo nosso afirmou que a historia nao é mais do que um discurso L a Historia para Duby é um discurso e uma pratica ao mesmo tempo soci al e individual DUBY apud REIS 2003 p 171 grifo nosso Santos 2006 p 106 grifo nosso afirma que a Historia é um discurso que se associa mais rigorosamente a um regime dis cursivo da interpretagao do que a um regime discursivo do fato Sob pena de projetar sobre o passado todo o peso de uma visao constituida aprioristicamente a historia constituise mais como exegese de séries discursivas a serem recomega das do que como estabelecimento de um sentido definitivo do real Para vocé refletir foram selecionadas algumas definicoes de Historia que vie ram corroborar com uma das tematicas ja discutidas Historia enquanto dis curso Nessa mesma linha ainda encontramos conceituagoes que dizem ser a Historia uma pratica discursiva O que tudo isso implica Quais os resultados dessa afirmacao Uma primeira resposta ja foi trabalhada anteriormente se Historia um discurso e se o discurso é uma produgcao do tempo presente so bre o passado entao Historia é a construcao desse passado e nao a sua descri cao E se o discurso traz em si a caracteristica de ser algo criado por um histo riador com uma historia de vida e académica proprias com ideologias propri as a Historia é interpretagao e nao a apresentacao do real Mas se a Historia é um discurso 0 que é discurso Mais uma vez e isso ocorre demasiadamente em estudos historiograficos estamos diante de um conceito polissémico E mais uma vez vocé tera acesso a algumas definicoes que vem ao encontro de nossa tematica Assim o discurso pode ser entendido como a reverberacao de uma verdade nascendo diante de seus proprios olhos o discurso nada mais é do que um jogo de escritura no primeiro caso de leitura no segundo de troca no terceiro e essa troca essa leitura e essa escritura jamais poem em jogo senao os signos FOUCAULT 1996 p 49 E ainda de acordo com White 1994 p 1617 e 34 quintessencialmente um empreendimento mediador Como tal ao mesmo tempo interpretativo e préinterpretativo na medida em que lidamos com 0 dis curso estamos lidando com o que sao afinal artefatos verbais Para Silva e Silva 2006 verbete discurso p 101 a forma por meio da qual os individuos proferem e apreendem a linguagem co mo uma atividade produzida historicamente determinada o discurso é a pratica da linguagem L pratica instituinte criadora de acontecimentos imagens e referenciais de comportamento LOPES 2000 p 292 Se o discurso constroi a Historia e se esta tem sua significagao modificada a partir da compreensao do que é discurso 0 que é Historia para esses historia dores A partir daqui vocé sera convocado a se destituir por completo de algu mas definicoes consideradas por alguns estudiosos como simplistas do tipo e o estudo do passado pois 0 passado ganhou novos sentidos ja passou nao volta é o estudo do Homem pois agora nao existe mais 0 sujeito univer sal temos homens mulheres criangas escravos homossexuais etc Se todos esses posicionamentos sao validos aos posmodernos entao 0 que esta em jogo é a nocgao de verdade de real de realidade do concreto da Historia Assim sO podemos pensar neste contexto que a verdade da Historia é relativa 6 verossimil por mais que isso nos pareca um paradoxo Historia e Verdade Segundo Schaff 1978 p 92 a definigao classica de verdade é a seguinte é verdadeiro um juizo do qual se pode dizer que o que ele enuncia é na realidade tal como o enuncia Na historiografia anterior aos Annales houve uma preocupacao entre um grande grupo de estudiosos de apontar a verdade historica o que realmente aconteceu e como aconteceu As fontes falavam por elas mesmas Mas essas mesmas fontes passaram a ser compreendidas como fragmentos do passado entao sO sabemos parte desse passado Se sabemos parte nao conhecemos o todo e sem o todo nao temos o real ou a verdade Enfim nao ha lugar em que o real se dé BOURDE 1990 p 206 Finalmente sé podemos concluir que apli car o conceito de verdade objetiva ao passado historico é algo bem problemati Co Mas ha uma ressalva a ser feita 0 que ocorre nesse ambiente posmoderno nao é o abandono da verdade ou do real em troca da ficgao da mentira do ilu sorio ou da pura imaginagao O que ocorre é um afastamento da nogao de ver dade absoluta rumo a compreensao de que na Historia as verdades sao histo ricas constituidas pelo e no discurso a partir da analise de documentos Entretanto ja nao é apenas a relacao que os documentos mantém com o real que importa por meio deles o historiador ja nao pretende evocar toda a realidade mas ape nas fornecer uma interpretacao do ou dos subsistemas que distinguiu no seu seio BOURDE 1990 p 210 Em outras palavras nao se trata de saber o que foi a Grécia a Inquisiao ou a Revolucao de 1917 mas do que ainda podemos tomar conhecimento de todos eles Afinal como ja indicado algumas vezes nao de forma direta necessaria mente OSs Mesmos acontecimentos ou temas sao abordados e interpretados de formas distintas por diferentes historiadores Assim a verdade relativiza se Uma ultima observacao acerca da verdade Vamos refletir juntos A palavra historiografia composta pela justaposicao das palavras Historia e escri ta Se entendermos que Historia é verdade e escrita é discurso entao temos um paradoxo ou quase um oximoro apresentar a verdade a partir de uma in terpretacao mas se ha interpretacao ha UMA verdade e nao A verdade cf CHARTIER 2001 p 140 De acordo com Veyne 1983 p 5455 o essencial nao é pensar em formular a questao Em outras palavras é mais im portante ter idéias do que conhecer verdades Ora ter idéias significa também dispor de uma topica tomar consciéncia do que existe explicitalo conceitualo arrancalo a mesmice E deixar de ser inocente e perceber que o que é poderia nao ser O real esta envolto numa zona indefinida de compossiveis nao realizados a verdade nao é o mais elevado dos valores do conhecimento 8 Historia praticas e representacoes Se a verdade historica é relativa segundo a otica dos posmodernos uma das causas é porque a propria Historia é uma pratica discursiva Essa caracteristi ca da verdade também esta associada ao fato de que o mundo é uma represen tacao produzida pelos outros pesquisadores por exemplo e pelos mesmos os habitantes de uma comunidade Dois autores que representam bem esse tipo de Historia e que sao os responsa veis pelo uso cuidadoso e pela divulgaao dos conceitos de pratica e represen tagao sao Michel de Certeau e Roger Chartier Para além das familiaridades tedricas entre ambos eles analisaram a importancia do livro como compo nente de diferenciacao social e cultural no Ocidente Vamos conhecer um pouco mais sobre os problemas levantados por esses au tores e suas contribuigoes para a Historia Cultural Entao caminhemos jun tos O jesuita especialista em Historia da Religiao Michel de Certeau foi um dos responsaveis pela divulgaao do conceito de pratica no meio historiografico Com formagao pluridisciplinar de fildsofo historiador psicanalista e semi0ti co contribuiu igualmente com a historia do misticismo da historiografia e da linguagem e apresentou uma nocgao diferenciada de cultura popular Algumas de suas obras sao La possesion de Loudun A Escrita da Historia A Cultura no plurale A invencao do cotidiano Os dois ultimos titulos sugerem uma postura de De Certeau ele criticava as vi soes monoliticas da Cultura Para provar que esse conceito é mais valioso no plural procurou interpretar normas culturais por meio do cotidiano Assim analisou as praticas das pessoas comuns Tais praticas eram chamadas pelos socidlogos que o antecederam de comportamento de grupos como eleitores por exemplo Esses mesmos socidlogos consideravam as pessoas comuns consumidoras inertes de artigos produzidos em grande escala Porém De Certeau ressaltou a criatividade a inventividade de determinados grupos po pulares diante dos usos a apropriacgao e especialmente a utilizagao re emploi das obras BURKE 2005 p 103 Mas 0 cotidiano que interessou a De Certeau nao é aquele aparente pois o que interessa ao historiador do cotidiano é o Invisivel DE CERTEAU 1996 p 31 Ele desconsiderou a ideia de que as pessoas se deixam passivamente ser levadas a ocupar um lugar desempenhar um papel e consumir produtos massificados De Certeau de outro modo esclareceunos que 0 homem co mum ordinario reinventa o cotidiano de mil maneiras e nao se permite cair na conformacado As essas manobras enfim a invencao do cotidiano ele deu o nome de taticas de resisténcia artes de fazer astucias sutis que alterando os usos dos objetos e seus cddigos estabelecem uma reapropriagao do espaco De Certeau buscou entao descobrir os meios para abalizar maneiras de fazer estilos de acao em outras palavras elaborar a teoria das praticas De um modo mais simplificado os leitores de De Certeau e também de Chartier e outros historiadores da Cultura devem compreender as praticas culturais nao so como a forma que um quadro é pintado um ensino é transmi tido mas como os homens crescem adoecem curamse morrem andam dancam falam cantam debatem enamoramse enfim como vivem Resumindo segundo De Certeau para buscar a compreensao das praticas da cultura popular é preciso se posicionar num ambiente de enfrentamentos de um lado os que acreditam ser detentores de um saber maior proprietarios dos mecanismos de dominagao simbolica que desqualificam a cultura popular co mo inferior e ilegitima e de outro os usos e os modos de apropriacao do que é imposto nas palavras do autor de um lado as estratégias e de outro as tati cas As estratégias supoem a existéncia de lugares e instituigoes produzem objetos normas e modelos acumulam e capitalizam As taticas desprovidas de lugar pro prio e de dominio do tempo sao modos de fazer ou melhor dito de fazer com As formas populares da cultura desde as praticas do quotidiano até as formas de consumo cultural podem ser pensadas como taticas produtoras de sentido embora de um sentido possivelmente estranho aquele visado pelos produtores CHARTIER 1995 Disponivel em wwwcpdocfgvbrrevistaarq172pdf Acesso em 19 mar 2009 Pormenorizando a uma produgao racionalizada contrapOese uma outra pro dugao 0 consumo invisivel pois manifestase somente nos modos de usar os produtos impostos pelas ordemns econdmica politica ou cultural domi nantes Como exemplo do uso dessas contribuioes tomamos emprestados os seus es tudos de teoria cultural que enfatizaram um novo foco a respeito do papel do leitor das mudangas nas praticas de leitura e nos usos culturais da imprensa que evidenciam um interesse pelo publico de artistas escritores ou composi tores ou seja suas reacgoes e recepcoes das obras vistas ouvidas ou lidas Nesse contexto a leitura é inventiva e criadora porque produz sentido Nao é indiferente e vassala porque o leitor se reapropria do que esta sendo lido tex to ou imagem O leitor insinua as manhas do prazer e de uma reapropriaao no texto do outro invade a propriedade alheia transportase para ela tornase nela plural como os barulhos do corpo DE CERTEAU 1990 p 49 Com base no que foi exposto propomos que reflita sobre a seguinte questao sera que atualmente a midia é tao poderosa a ponto de destruir uma identida de popular utilizando a estratégia da imposigao forgada de modelos culturais e extinguir ou invalidar os espacos da recepcao do uso e da interpretacao das obras sejam quais forem As contribuicoes para as discussoes historiograficas Michel de Certeau pensava a historia como produgao do historiador como um discurso que insurge de uma pratica e de um lugar institucional e social Em suas proprias palavras a producao do historiador deveria ser considerada como a relacao entre um lugar procedimentos de analise uma disciplina e a construcdo de um texto uma literatura E admitir que ela faz parte da realidade de que trata e essa realidade pode ser compreendida como atividade humana co mo pratica Nessa perspectiva a operacao historica se refere a combinacao de um lugar social de praticas cientificas e de uma escrita DE CERTEAU 2000 p 66 No que diz respeito a escrita da Historia vemos em De Certeau um interesse em relagao a Linguistica Para ele a historia enquanto pratica discursiva é produzida considerandose que o passado nao pode ser abrangido de modo pleno primeiro em virtude dos limites dos métodos historiograficos levanta mento préescolhas e selegao corte de fontes e especialmente em decorréncia do lugar de onde fala o historiador Em relagao a esse lugar ou se ja o tempo presente De Certeau alerta para o fato de que os historiadores pro duzem um discurso particularizado que reflete as preocupacoes de sua reali dade Em suma a partir dessa reflexao ponderou que nao se pode falar de uma verdade mas de verdades no plural E se ha verdades a serem analisa das a multidisciplinaridade permitiria apreender o momento historico de mo do mais abrangente cf DE CERTEAU 1995 A objetividade do discurso do historiador nao estaria portanto mais relacionada com visoes acabadas definitivas ou fechadas 0 trabalho do historiador residiria na busca de possibilidades hipdteses de abordagem ligadas as suas preocupagoes es pecificas dai a existéncia de verdades Essa mudanga de perspectiva introduziria a utilizagao da imaginagao naoficcional frente ao discurso homogéneo e seu uso mais profundo na construgao da linguagem historica DE CERTEAU 1995 p 225226 Uma ultima assertiva de De Certeau vem contribuir com nossa compreensao do real e sua relagao com a Historia a situagao da historiografia faz surgir a interrogacao sobre o real em duas posi goes bem diferentes do procedimento cientifico 0 real enquanto é o conhecido aquilo que o historiador estuda e o real enquanto implicado pela operagao cienti fica a sociedade presente a qual se refere a problematica do historiador seus pro cedimentos seus modos de compreensao e finalmente uma pratica do sentido De um lado é o resultado da andalise e de outro é o seu postulado DE CERTEAU 2000 p 45 Grande parte do que foi discutido aqui sobre as teorias de Michel de Certeau compoem os questionamentos da atual historiografia a historiografia pos moderna As contribuigoes prestadas pelo autor podem ser observadas em maior ou menor medida nas producoes de diferentes historiadores vincula dos a Historia Cultural dentre eles Roger Chartier a quem vocé esta sendo acenado a conhecer nas linhas a seguir Roger Chartier é professor e diretor do Centro de Pesquisas Historicas na Ecole des Hautes Etudes em Ciéncias Sociais na Franga Paris Suas pesquisas pri vilegiam a compreensao e a importancia da leitura na Europa moderna No entanto igualmente analisa a relagao entre o texto e o leitor também na era da informatica Podemos citar alguns de seus livros como parte de sua vasta con tribuigao aos estudos de Historia Praticas da leitura Aventura do livro do Ie tor ao navegador Historia da Jeitura no mundo ocidental A ordem dos livrose Formas e sentido Cultura escrita entre distinao e apropriacao e 0 mais co nhecido entre o publico académico brasileiro Historia cultural entre praticas e representacoes Seus ensaios exemplificam e discutem uma historia cultural da sociedade ou seja compreende que as estruturas ditas objetivas sao na verdade cultural mente constituidas ou construidas Assim ele entende que a sociedade em si mesma é uma representagao coletiva cf BURKE 1991 p 98 Resumindo para esse estudioso a Historia Cultural deve voltar seus interesses para a identifi cacao da maneira como em distintos lugares e ocasides uma determinada re alidade cultural é construida pensada dada a ler De modo mais especifico suas pesquisas assumidas como uma pratica histo rica particular giram em volta de trés polos de um lado o estudo critico dos textos literarios ou nao candnicos ou esqueci dos decifrados nos seus agenciamentos e estratégias de outro lado a historia dos livros e para além de todos os objetos que contém a comunicagao do escrito por fim a analise das praticas que diversamente se apreendem dos bens simbolicos produzindo assim usos e significagoes diferenciadas CHARTIER 1991 p 178 Como vocé deve ter percebido 0 proprio Chartier faz uso de um dos conceitos trabalhados por De Certeau praticas O que podemos aferir desse uso Que Chartier tomou essa nogao como um fato dado Nao Para ele praticas dife rentes resultam em apropriacgdes diversas em representagoes multiplas Vamos compreender um pouco mais sobre sua produgao O conceito de representacao No interior da Historia Cultural mais precisamente na Nova Historia Cultural 0 conceito de representacao ganhou espaco juntamente com os conceitos de mito imaginario memoria etc No entanto quando esse conceito ou nogao uma vez que o termo ainda é analisado é lido é a Chartier que ele nos remete Mas 0 que significa e como ele utiliza essa ideia Em primeiro lugar é preciso conhecer quais significados tradicionais sao am plamente utilizados para explicar a representaao primeiro a representagao apresentando uma coisa ausente 0 que se re presenta é diferente daquilo que é representado e segundo a representacao como exposicao de uma presena Para Chartier seja qual for 0 uso a representacao deve ser compreendida co mo 0 produto do resultado de uma pratica A literatura por exemplo é representa ao porque é o produto de uma pratica simbolica que se transforma em outras re presentacoes Entao um fato nunca é o fato Seja qual for o discurso ou meio o que temos é a representacao do fato A representacgao é uma referéncia e temos que nos aproximar dela para nos aproximarmos do fato A representacgao do real ou o imaginario é em si elemento de transformagao do real e de atribuiao de sentido ao mundo MAKOWIECKY 2003 p 4 Nesse contexto uma pergunta apresentase aos nossos olhos se o fato nao existe enquanto instancia concreta pois ele é produzido como tomando um livro de Historia como exemplo devemos encarar as representacoes ofereci das Nas palavras de Chartier como nos apropriar da obra Ou qual 0 uso que fazemos do conhecimento adquirido Aqui entramos com o conceito de apro priagao de Chartier 1991 p 180 a apropriacao a nosso ver visa uma historia social dos usos e das interpretacgoes referidas as suas determinagoes fundamentais e inscritas nas praticas especificas que as produzem Explicando um pouco mais para esse historiador cultural o que mais interes sa nao é necessariamente a apropriacao mas 0 uso que fazemos dela Vejamos um exemplo concreto dessa estreita relagao entre representacoes e praticas produzidas pelas apropriacgoes no Quadro 1 Sugerimos que vocé con fira mais detalhes sobre as informacoes contidas no quadro lendo a seguinte obra José DAssuncao Barros a Historia Cultural e a contribuicao de Roger Chartier 2005 Quadro 1 Exemplo de relacao entre representacoes e praticas produzidas pelas apropriacoes REPRESENTACAO O MENDIGO PRATICA CULTURAL CULTURAL O mendigo é visto como mendigo conhecido FINAL DO SEULO 11 J bem acolhido na co ne instrumento de salvacao ATE INICIO DO 13 munidade ou no mos para 0 rico teiro Criagao de institui oes hospitalares ca SECULO 13 ORDENSO mendigo deve ser estima dades P aroquiais MENDICANTES do por seu valor humano Paroduias esmolas de principes projetos de educagao SECULO 16 Marginalizacgao do mendigo Exclusao representada pela Acoitamentos conde SECULO 17 rep poe ese cabega raspada nacgoes Reeducagao e em Cca Passa a ser visto como um sos mals extremos CAPITALISMO vagabundo um criminoso Lon punigoes exemplares um perigo para o sistema incluindo a prisao Vamos agora buscar compreender um pouco mais sobre esses conceitos usa dos por Chartier tomando como suporte suas pesquisas sobre a historia da lei tura ou mais precisamente sobre a recepgao das obras de literatura ou nao cf BURKE 2005 Imagine a seguinte cena em um escritorio um determinado autor escreve su as memorias A priori elas se encontram em sua mente e na sequéncia sao pintadas no papel Esse texto é entregue em uma editora la ha correcoes re visoes formatagao e impressao A obra é encaminhada a livraria De la ela se gue para as maos de um leitor que a leva para sua casa e inicia uma leitura so litaria em siléncio com a ajuda de uma luminaria Mas esse leitor é também um professor que se interessa em divulgar o conhecimento Entao ele propoe a leitura de fragmentos desse livro em classe Um ou mais alunos encarregamse de ler os trechos selecionados em voz alta para toda a turma Ha entonagoes pausas retornos pois a palavra foi lida erroneamente e inter vencgoes do professor A aula termina Contudo no bar da esquina onde os alu nos se reencontraram a discussao foi retomada o livro foi reaberto e frases relidas Ao lado do livro sobre a mesa um copo de cerveja uma porgao de fri tas um cinzeiro amparando cigarros atentos ouvintes do batepapo Vocé acredita que todos os leitores propriamente dito ou ouvintes receberam a obra da mesma maneira Todas as situacgoes produziram significados ou sentidos analogos Observemos alguns questionamentos levantados por Fernando de Rojas e citado por Chartier 2001 p 211 A questao é simples como é que um texto que o mesmo para todos que o léem pode transformarse em instrumento de discordia e de brigas entre seus leitores criando divergéncias entre eles e levando cada um dependendo do seu gosto pes soal a ter uma opiniao diferente Primeiro ponto a ser considerado Chartier nao acredita na possibilidade de que ha um sentido estavel universal ou congelado nas obras pois aceita a condicao de que elas possuem significagoes plurais e moveis de acordo com a relacao estabelecida no momento do oferecimento e recepcao das mesmas Dito de outra forma as autoridades por tras do livro autores editores etc in tencionam estabelecer definir o sentido e a interpretacao da leitura ou seja ha um esforgo em violentar as interpretacoes do leitor Em contrapartida esse mesmo leitor burla as regras inventa desloca distorce os sentidos cf CHARTIER 1994 E aqui que entra a nocAo de apropriacao Nao obstante a experiéncia mostra que ler nao significa apenas submissao ao me canismo textual Seja la o que for ler uma pratica criativa que inventa significa dos e conteudos singulares nao redutiveis as intencgoes dos autores dos textos ou dos produtores dos livros Ler é uma resposta um trabalho ou como diz Michel de Certeau um ato de cacgar em propriedade alheia CHARTIER 2001 p 214 Resumindo fazse necessario ponderar que a leitura 6 sempre uma pratica re pleta de gestos espacos e habitos Essas praticas diferentes distinguem as co munidades de leitores e as tradicoes de leitura Podemos entao concluir que os autores nao escrevem livros nao escrevem textos que outros transformam em objetos impressos CHARTIER 1991 p 182 a transformagao das for mas através das quais um texto é proposto autoriza recepcoes inéditas logo cria novos publicos e novos usos CHARTIER 1991 p 186187 Mas uma nova ressalva deve ser feita as intengoes dos autores ou editores sao fortes o sufi ciente para sufocar as recepcoes que diferem do que foi proposto e em contra partida nao é sempre que o leitor se propoe as novidades criativas O que deve ser considerado na analise dessa relacao é desse modo como se dao 0 contro le e a criatividade E preciso portanto substituir as representacées rigidas e simplistas de dominagao social ou difusao cultural CHARTIER 2001 p 236237 Assim a difusao cultural exige um julgamento da relacao entre trés polos o texto o objeto que 0 comunica e a recepcao As variacoes dessa relacao trian gular produzem com efeito mudangas de significado CHARTIER 2001 p 221 Finalmente para Roger Chartier a Historia Cultural deve compreender as praticas complexas multiplas diferenciadas que constroem o mundo como representacao CHARTIER 1990 p 28 A seguir vocé podera ler fragmentos de uma entrevista concedida por Roger Chartier em 16 de setembro de 2004 a cientista politica Isabel Lustosa quando de sua vinda ao Brasil por ocasiao do Seminario de Historia Cultural realizado na Casa Rui Barbosa Rio de Janeiro Nessa entrevista Chartier fala de sua nogao de Historia de sua produgao e de autores e temas diversos Por meio dessa leitura vocé podera conhecer um pouco mais desse historiador e com preender mais afundo alguns conceitos utilizados pela historiografia Conversa com Roger Chartier Por Isabel Lustosa Nao posso aceitar a idéia que esta identificada com 0 posmodernismo de que to dos os discursos sao possiveis porque remetem sempre a posicao de quem o enun cia e nunca ao objeto afirma o historiador em entrevista exclusiva Quem é Roger Chartier Como a sua obra se relaciona com a sua historia de vida Roger Chartier Tenho sempre uma certa prudéncia com questoes pessoais Acho que quando a gente fala de si constrdi algo impossivel de ser sincero uma repre sentacao de si para os que vao ler ou para si mesmo Gostaria de lembrar a este proposito o texto de Pierre Bourdieu sobre a ilusao biografica ou a ilusao autobio grafica Bourdieu critica este tipo de narrativa em que uma vida é tratada como uma trajetoria de coeréncia como um fio unico quando sabemos que na existén cia de qualquer pessoa multiplicamse os azares as causalidades as oportunida des Outro aspecto da ilusao biografica ou autobiografica é pensar que as coisas sao muito originais singulares pessoais Ao fazer um relato autobiografico é quase impossivel evitar cair nesta dupla ilusao ou a ilusao da singularidade das pessoas frente as experiéncias compartilhadas ou a ilusao da coeréncia perfeita numa trajetoria de vida Pierre Nora lancou a idéia de egohistoria numa cole tanea de ensaios onde estao reunidas oito autobiografias George Duby Jacques Le Goff Pierre Duby dentre outros Eram autores conhecidos falando sobre sua traje toria pessoal ou relacionandoa com a escolha de determinado periodo ou campo historico Mas pessoalmente considero muito dificil evitar o anedotico ou o dema siado pessoal nesse tipo de relato Como pensar em si objetivando entender seu proprio destino social Acho que é preciso primeiro situarse dentro do mundo so cial e dai fazer um esforco de dissociagao da personagem a personagem que fala e a personagem sobre a qual se fala que é o mesmo individuo Isto posto podemos entrar com uma certa cautela na resposta a sua pergunta Nasci em Lyon e per tenco a um estrato social fora do mundo dos dominantes sem tradigcao no meio académico Minha trajetoria escolar e universitaria foi consequéncia desta origem Para entendéla é preciso um certo conhecimento da realidade social do pos guerra na Franga entre os anos 1950 e 60 quando predominava o sistema de re produgao mas onde havia também alguma possibilidade de ascensao para gente de outra origem social Acho no entanto que quando ha este tipo de tensao entre uma forma dominante de escola e uma individualidade de origem diferente que consegue furar este sistema sempre se mantém algo dessa tensao dessa dificul dade Biografias e autobiografias Alguéem falando de outrem e alguém falando de si mesmo Como definir verdades nesses discursos A imagem que vocé tem de Sl proprio 6 a mesma que seus pais irmaos amigos e colegas tem sobre vocé Possivelmente nao nao no todo Diferengas singelas ou radicais podem apa recer Em relacgao as autobiografias de estudiosos especialmente historiado res os contextos sao mais complicados Ao falar de si consideram a historia a qual pertencem os grupos que se relacionam e mesmo as leituras que fizeram A quem deseja trabalhar com uma historiografia que considera as biografias e autobiografias fica o recado de Chartier atentese a ilusao biografica ou a ilu sao autobiografica A minha geragao foi no Brasil talvez a ultima em que a leitura dos classicos da li teratura universal era um habito Acho que isso criou um universo de referéncia para a nossa geragao que é diferente dos jovens de hoje De que maneira esse uni verso de referéncias culturais originadas da leitura dos classicos esta na base da visao de mundo do historiador de hoje em dia Por outro lado de que maneira esse universo de referéncia cultural mais ampliado contribuiu para a aceitagao de abordagens interdisciplinares Chartier Nao devemos pensar que o passado era necessariamente melhor Acho ao contrario que hoje se lé mais do que nos anos 1950 Inclusive porque o computador nao é apenas um novo veiculo para imagens ou jogos Ele é responsa vel também pela multiplicagao da presenga do escritor nas sociedades contempo raneas Podem nao ser necessariamente leituras fundamentais enriquecedo ras mas sao leituras Nao se pode dizer portanto que estejamos assistindo ao de saparecimento da cultura escrita O problema é qual cultura escrita persiste O fato de que os textos lidos pelos adolescentes no computador suas leituras predi letas nao pertencam aquele repertorio definido como literario nao é necessaria mente algo ruim O problema esta numa certa discrepancia entre essa nova cultu ra e os modelos de referéncia que a nosso ver seriam mais consistentes e forne ceriam mais recursos para a compreensao do mundo social a compreensao de si mesmo e a representacao do outro Para isto nao tenho resposta mas me parece que ha duas posicoes que se deve evitar Uma é a que considera que essa presenca da literatura na realidade cotidiana pertence a um mundo definitivamente desa parecido Nao me parece um diagnostico adequado pois ha na atualidade um es forgo dentro da escola e fora da escola para preservar a cultura literaria A outra posigao é a dos que pensam que nao ha nada de proveitoso util ou fundamental nesse novo mundo Postura que me parece muito inadequada quando pensamos nas possibilidades educativas criadas pelas novas tecnologias nas diversas expe riéncias para a alfabetizagao para a transmissao do saber a distancia Acho que é responsabilidade dos intelectuais dos meios de comunicagao dos editores asse gurar a transmissao de um saber sobre 0 mundo através de projetos que vinculem a dimensao estética ou a dimensao cientifica com a existéncia cotidiana Para que as pessoas nao sejam totalmente submetidas as leis do mercado a incerteza ou a inquietude o essencial é dar a cada um instrumentos que lhe permita decifrar o mundo em que vive e a Sua propria situagao neste mundo Esse saber que pode vir da sociologia da literatura da historia possibilitaria a resistencia as imposigoes dominantes que vém de todas as partes dos discursos ideologicos das mensa gens dos veiculos de comunicagao da cultura de massa etc Mas me parece que se ha um caminho nao literario para se adquirir saber sobre o mundo social por que procurar os instrumentos mais vulneraveis para decifrar esse mundo Livros impressos ou ebooks Conhecimento ou informagao O autor faznos asseverar que essas perguntas nao sao mais viaveis ou ao menos estao des contextualizadas Na atualidade os dois universos literarios impresso e mi diadtico podem e devem ser utilizados para a compreensao das culturas Eles proprios sao elementos distintos de uma mesma cultura ou ajudam a compor um universo cultural paralelo A questao nao é usar ou deixar de usar esses recursos mas saber fazer um uso adequado Apesar da valorizagao tedrica que a moderna historiografia tem promovido da narrativa sempre vejo os historiadores a trabalharem ainda com um certo pudor acompanhando cada fato narrado de uma analise minuciosa daquele aspecto ou entao recorrendo ao chamado argumento de autoridade Pareceme que isso preju dica o resultado do ponto de vista da narrativa pois em geral a torna fragmenta da e desinteressante O que vocé acha Chartier Entre os anos 1950 e 60 os historiadores buscavam uma forma de saber controlado apoiado sobre técnicas de investigaao de medidas estatisticas con ceitos tedricos etc Acreditavam que o saber inerente a historia devia se sobrepor a narrativa pois achavam que o mundo da narrativa era o mundo da ficgao do ima ginario da fabula Desta perspectiva os historiadores rechagaram a narrativa e desprezaram os historiadores profissionais que seguiam escrevendo biografias historia factual e tudo isso A tradigao francesa dos Annales foi uma das que levou mais longe essa tendéncia Hoje no entanto a situagao tornouse muito mais complicada Uma das razOes é que autores como Hayden White e Paul Ricoeur mostraram que mesmo quando os historiadores utilizam estatisticas ou qualquer outro método estruturalista produzem uma narrativa Quer dizer quando dizem que tal coisa é consequéncia ou causa de outra estabelecem uma ordem sequen cial se valem de uma concepgao da temporalidade que a mesma de uma novela e de um relato historiografico Ao mesmo tempo entidades abstratas como classes valores e conceitos atuam no discurso dos historiadores quase como personagens havendo toda uma forma de personificagao das entidades coletivas ou abstratas Dessa forma o historiador nao pode evitar a narracgao inclusive quando a rechaga conscientemente Pois a escrita da historia por si mesma pela maneira de articular dos eventos pela utili zacgao da nogao de causalidade trabalharia sempre com as mesmas estruturas e com as mesmas figuras de uma narrativa de ficcao E a partir desse parentesco entre a narrativa de ficgao e a narrativa historica que se coloca a questao onde es ta a diferenca Alguns criticos po6smodernos adotaram um relativismo radical e decidiram que nao havia diferenca e que a historia era ficcional nao apenas no sentido da forma Ou seja nao diziam que nao ha verdade na historia mas que a verdade do saber historico era absolutamente semelhante a verdade de uma nove la Outros historiadores dentre os quais eu me insiro acreditam que ha algo espe cifico no discurso historico pois este é construido a partir de técnicas especificas Pode ser uma historia de eventos politicos ou a descrigao de uma sociedade ou uma pratica de historia cultural para produzila o historiador deve ler os docu mentos organizar suas fontes manejar técnicas de analise utilizar critérios de prova Coisas com as quais um novelista nao deve se preocupar Portanto se é pre ciso adotar essas técnicas em particular 6 porque ha uma intengao diferente no fazer historia que é restabelecer a verdade entre o relato e o que é o objeto deste relato O historiador hoje precisa achar uma forma de atender a essa exigéncia de cientificidade que supoe o aprendizado da técnica a busca de provas particulares sabendo que seja qual for a sua forma de escrita esta pertencera sempre a catego ria dos relatos da narrativa Alguns historiadores decidiram entao que nao valia a pena lutar contra algo inevitavel e passaram a utilizarse dos recursos mais per suasivos da narrativa a servico de uma demonstragao historica Acho que a si tuagao atual nao é a de uma oposicao absoluta entre a narrativa como ficgao e a historia como saber mas de um saber que se escreve através da narrativa e dai ser necessaria uma reflexao sobre que tipo de narrativa adotar Uma narrativa onde se respeite o discurso do saber mas que ao mesmo tempo seja atrativa para um publico de leitores Nao é uma tarefa facil mas ha exemplos que demonstram que pode ser feito Ha algum tempo fiz a resenha de um livro de ensaios do antropdlogo James Clifford Tive uma certa sensagao de desconforto diante de leitura posmoderna e desconstrutivista que ele faz da tradigao etnografica A etnografia foi um instru mento criado pela cultura ocidental para entender pessoas de outras culturas nao significando que aquelas pessoas tivessem a mesma ansia de nos entender ou de entenderem a si mesmas ou ainda que achassem que a etnografia seria a ferra menta adequada para isto Cada cultura tem os seus proprios meios de se relacio nar com o mundo A meu ver sempre se parte de uma base historica ideologica ou cultural para fazer alguma coisa para pensar ou para agir O posmodernismo foi um exercicio de desconstrugao da cultura ocidental e nossa base é 0 universo de informacgoes que compoem a cultura ocidental Ela é que nos fornece os instru mentos e a motivacao para pensarmos sobre nos e sobre o mundo E até para fazer a critica dessa maneira de pensar Chartier Penso que em certo sentido o trabalho de James Clifford esta em parale lo ao de Hayden White Acho que é algo legitimo fazer historiadores e antropolo gos refletirem sobre a propria escrita Durante muito tempo a escrita foi vista co mo um meio neutro para falar sobre 0 passado ou para descrever o outro Dai ter sido fundamental fazer dela um objeto de reflexao tal como fez White ao pensar sobre o papel na escrita do historiador de elementos como a retorica e as figuras que se manejam para escrever sobre o passado O mesmo fez James Clifford com relacgao aos dispositivos que os antropologos utilizam em seu trabalho Outra con tribuigao fundamental dessa corrente foi a idéia de que ha uma descontinuidade necessaria entre o presente e o passado a qual nao pode ser anulada pela idéia de universalidade e de compreensao de si proprio Mas tanto no texto de White quanto no de Clifford ha um relativismo absoluto Nao posso aceitar a idéia que esta identificada com o posmodernismo de que todos os discursos sao possiveis porque remetem sempre a posicgao de quem o enuncia e nunca ao objeto De acor do com essa visao 0 discurso é sempre autoproduzido nao diz nada sobre o objeto e diz tudo sobre quem o escreveu Pareceme uma conclusao equivocada por que tanto no caso da historia quanto no da antropologia uma produgao de saber é possivel e necessaria Esta justaposiao de situagdes historicas ou situagdes antropologicas onde nao existe nenhuma comunicagao nenhum intercambio nem sequer de saberes parece uma forma terrivelmente reducionista daquilo que poderia ser um projeto de conhecimento compartilhado Razao pela qual estou completamente em desacordo com essa postura posmoderna essa idéia de que nao ha nenhuma possibilidade de conhecimento E diferente dizer que esse co nhecimento sempre esteve organizado a partir dos esquemas de percepcao de classificagao e compreensao do observador E que se existem formas de desconti nuidade culturais é preciso assim mesmo fazer um esforco para entender o pas sado e o outro Pois foi a partir dessa dupla perspectiva que se construiu um saber e me parece que os trabalhos fundamentais da historia e da antropologia demons tram que este saber nao so é possivel como também pode ser oferecido ao outro para conhecimento de si mesmo Pareceme que assim temos a circulagao da forga critica do saber Se isso for destruido caise num relativismo absoluto O que me parece seria uma conclusao tragica e ao mesmo tempo muito ideoldgica Chartier faz uma importante ressalva nesse fragmento de sua assertiva Outros historiadores dentre os quais eu me insiro acreditam que ha algo espe cifico no discurso historico pois este é construido a partir de técnicas especificas Pode ser uma historia de eventos politicos ou a descrigao de uma sociedade ou uma pratica de historia cultural para produzila o historiador deve ler os documen tos organizar suas fontes manejar técnicas de analise utilizar critérios de prova O que ele vem enfatizar é que a despeito de a historia se utilizar do estilo nar rativo ao modo de uma ficgao o historiador nao produz uma historia mentiro sa A verdade relativa que ele defende é aquela que segue o passo a passo da pesquisa levantamento e selecao de fontes analise criteriosa destas uso de um arcabouco teorico Nao se trata de inventar a historia mas de apresentar uma representacao dela O autor é contra o relativismo absoluto assim como é contrario a verdade ab soluta O que ele propoe é a construcao de um conhecimento que considere nao so os fatos mas também quem os escreveu e nao um desses elementos isoladamente Neste momento temos a sensagao de que tudo se tornou possivel praticas que ha viam sido banidas por um conjunto de acordos internacionais no posguerra vem sendo implementadas pelos EUA na guerra no Iraque ou ao manterem pessoas presas sem julgamento em Guantanamo Ao mesmo tempo ocorre a perda de for ca de organismos internacionais como a ONU Na medida em que sabemos que as grandes idéias sao filtradas e incorporadas a agenda do senso comum a perspec tiva radicalmente relativista do p6smoderno nao teria influido de alguma forma nesse tipo de politica esvaziando a confianga em algumas conquistas do huma nismo e da cultura do Ocidente Chartier O maior paradoxo do posmodernismo é que nasce de uma perspectiva critica das autoridades das hierarquias e dos elementos dominantes mas com a introducgao da dimensao epistemoldgica do relativismo a andalise fica sem ne nhum recurso para fundamentar esta postura critica Pois se tudo é possivel to dos os discursos podem ser diferentes por sua competéncia retorica por sua arte de expressao mas em termos de saber e como instrumento critico nao ha diferen ca entre eles Criase uma tensao fundamental Hayden White por exemplo é um humanista que compartilha os valores morais do humanismo Mas a aplicagao de sua perspectiva nao da a historia instrumentos para produzir um conhecimento critico desmentir as falsificagoes e estabelecer um saber verdadeiro Porque se nao ha nenhum critério para estabelecer diferencgas entre os discursos dos histori adores tornase muito dificil criticar os discursos enganosos as falsificagoes e as tentativas de reescrita do passado Este é me parece o grande limite do pos modernismo a contradigcao entre sua intengao e a sua epistemologia Se nao nos é possivel desmentir as falsificacdes e estabelecer um saber verdadeiro como lutar contra os maus usos do passado aqueles que com finalidades politicoideoldgicas modificaram a historia em favor proprio co mo o governo de Vichy na Franga que interpretou a seu modo a historia gau lesa para justificar 0 apoio as forgas nazistas Nicole Loraux 1993 alertanos os que falsificam o passado sao os mesmos que falsificam a historia contem poranea Em seu livro O grande massacre dos gatos Robert Darnton adota as idéias e os métodos de Clifford Gertz dando tratamento etnografico a um objeto de estudo historico Esse foco ampliado sobre um detalhe me parece produzir uma visao dis torcida do objeto De que forma vocé vé esse tipo de investigagao Chartier Houve um grande debate depois da publicagao do livro de Darnton Uma das criticas mais fortes feitas a ele tem a ver com a Sua identificagao com as idéi as de Geertz e de sua tendéncia a textualizagao das estruturas das praticas rituais e de toda a cultura O ponto de partida de Darnton utilizando a idéia de Geertz de que um rito pode ser lido como um texto era que se podia pensar as praticas soci ais como se fossem textos Os historiadores que trabalham com textos desen volvem em primeiro lugar uma analise critica do texto No entanto Darnton qua se nao avanca nessa direcao Ele menciona o texto de um artesao mas nao lhe da maior importancia porque pretende se colocar imediatamente na situagao de um espectador do massacre Como Geertz em Bali Nao podemos pensar que ha uma identidade necessaria entre a logica propriamente textual e as estratégias das praticas 0 mais complicado para o historiador é que essas praticas nao textuais em geral se encontram através de textos O desafio fundamental para o historiador é entender a relacgao entre os textos disponiveis e as praticas que estes textos proibem prescrevem condenam representam designam criticam etc As praticas do passado sao acessiveis a nos em geral através de textos escritos E o historiador escreve sobre essas praticas O desafio fundamental é pensar con ceitual e metodologicamente a articulagao e a distancia entre as praticas e os dis cursos e evitar a repetiao daquele momento entre os anos 195060 em que a me tafora do texto se aplicava a tudo aos ritos a sociedade etc Era muito cOmodo O autor direciona nosso olhar para uma questao crucial ao historiador grande parte de suas fontes sao escritas textuais Mas quem as escreveu A mando de quem Com que finalidade Em que contexto E ainda podemos nos per guntar sobre a materialidade do texto papiros Pergaminho Tablete de bron ze ou terracota Num vaso ou escudo Na parede de um templo ou de um bor del O pesquisador deve considerar todas essas questoes e muitas outras an tes de narrar a historia E essencial que ele como diz Chartier pense a articu lacao e a distancia entre praticas e representagoes ou discursos conceitual e metodologicamente Vocé ja orientou muitos brasileiros Ao longo desse tempo vocé leu muito sobre o Brasil nas teses desses orientandos A partir dessas leituras como vocé vé o Brasil Chartier Acho que ha aqui uma circulaao entre os campos disciplinares da an tropologia da historia e da sociologia cultural mais forte que em outros lugares O campo da educagao por exemplo que em muitos paises é muito especializado aqui me parece estar bastante integrado ao mundo das ciéncias sociais A maior parte dos trabalhos que orientei tratam de uma forma ou de outra do mundo das praticas culturais da historia da publicagao e da circulaao dos textos e um pouco também do mundo social da historia da vida privada das estruturas sociais do Brasil colonia Ha uma vitalidade impressionante nesse tipo de investigagao O problema é que na Europa ou nos Estados Unidos existe uma total falta de interes se por outros territorios Todo mundo esta muito preso a seu proprio campo de in vestigacgao e nao se da conta de que é possivel aprender muito com estudos sobre temas que nao sao os seus Isso impede que circulem numerosos trabalhos que mereceriam ter um reconhecimento mais forte Para divulgar esses trabalhos que tém uma forga metodoldgica ou tedrica inspiradora seria preciso fazer com que editoras norteamericanas traduzissem obras latinoamericanas para o publico que nao 1é em espanhol Traducao de Ana Carolina Delmas Isabel Lustosa E cientista politica pesquisadora da Casa de Rui Barbosa no Rio de Janeiro e au tora de Insultos Impressos a guerra dos jornalistas na Independéncia Companhia das Letras 2000 Disponivel em httppphpuolcombrtropicohtmltextos 24793shl httppphpuolcombrtropicohtmltextos24793shl Acesso em 28 maio 2009 Chartier colocanos o problema do conflito de interesses no meio académico Infelizmente o quadro que ele pintou nao se refere apenas ao exterior Inumeros trabalhos nacionais nao sao conhecidos ou reconhecidos em dife rentes regides As producoes historiograficas nordestinas quase nao sao di vulgadas no sudeste ou sul Cabe a nos interessados na construgao de nossa memoria e identidade inclusive intelectual procurarmos nos informar e co nhecer os nossos pesquisadores sejam eles latinistas helenistas americanis tas brasilianistas ou medievalistas etc A historiografia nacional tem muito a nos oferecer Vamos entao a ela 9 Historia e narrativa Quanto as consideracgoes sobre a Historia como narrativa neste momento abordaremos as possibilidades e dificuldades de construgao narrativa do dis curso histografico sobretudo em relagao a ficgao e literatura que se apresen tam como o cerne da critica pOsmoderna para com as correntes historiografi cas anteriores Os debates sobre os campos de atuacao da Historia e demais Ciéncias Sociais acabaram por discutir a inter multi e transdisciplinaridade Com isso a rela cao da Historia e da Literatura entrou na pauta Do mesmo modo essa relagao também se inseriu no contexto da discussao sobre a verdade historica Ora quem produz a verdade Ela pode ser objetiva Como vocé ja estudou ao longo da disciplina o posmodernismo nao acredita nessa objetividade da verdade assim a Historia deve rever suas pretensOes a um lugar entre as ciéncias contribuigdes para essa tematica ja foram dadas por Valéry Heidegger Sartre LéviStrauss e Michel Foucault Entretanto nao é facil descer o degrau ou se deslocar dele rumo a plataforma da Literatura ou da Arte Estas sao o fardo da Historia suas tentativas de justificar o seu oficio Aos que criticam suas ambiguidades ela a Historia responde que nunca quis ser ciéncia Aos que a criticam por nao utilizar a representacao literaria ela se posiciona como se miciéncia E como se libertar desse fardo Antes de mais nada os historiadores precisam admitir a justificativa da revolta atual contra o passado O historiador contemporaneo precisa estabelecer o valor do estudo do passado nao como um fim em si mas como um meio de fornecer perspectivas sobre o presente que contribuam para a solucao dos problemas pecu liares ao nosso tempo WHITE 1994 p 53 Definitivamente fazse necessario nesse contexto da relaao entre a Historia e a Literatura que os fatos deixem de ser tratados como dados descobertos e passem a ser vistos como construgoes que se evidenciam a partir dos tipos de pergunta que o pesquisador faz acerca dos fenOmenos que tem diante de si WHITE 1994 10 A questao da narrativa Entre as décadas de 1970 e 1980 a tematica da narrativa voltou a ser destaque em meio aos historiadores e outros pesquisadores das Ciéncias Sociais essen cialmente a partir da publicagao do artigo The revival of narrative O retorno da Narrativa 1979 do historiador Lawrence Stone Nesse artigo além de afirmar que os trés grandes paradigmas da historia cientifica o modelo economico marxista o modelo ecoldgicodemografico francés e a metodologia cliométrica americana apresentavam resultados ineficientes anunciou que estava ocorrendo uma nova valorizacao e retomada da narrativa Destarte Disseminavase no entender de Stone a percepao de que nao bastava ao historia dor o rigor metodoldgico era preciso que ele conferisse um determinado estilo a sua escrita isto é que ele soubesse nao apenas contar mas também saber como fazélo OLIVEIRA 2009 Disponivel em httphid0141blogspotcom200902 narrativaeconhecimentohistoricohtml httphid0141blogspotcom200902 narrativaeconhecimentohistoricohtml Acesso em 24 jun 2010 Admitiase dessa forma que para além do conteudo a forma era importante na escrita da historia Essa forma proposta era a narrativa mesmo que esta le vantasse questionamentos sobre a cientificidade da Historia Afinal escrever uma narrativa é também escrever uma ficcao Mas o medo da ficgao nao era o unico que vagava pelos escritorios das univer sidades havia também o receio do retorno da narrativa historica tradicional que enfatizava os grandes feitos dos grandes homens em grandes aconteci mentos a qual custou a ser negligenciada No entanto 0 que vimos foi uma nova narrativa que considerou o cotidiano das pessoas comuns é os aconteci mentos triviais Passamos entao a observar um interesse nas praticas narra tivas de uma cultura as historias que as pessoas naquela cultura contam a Si mesmas sobre si mesmas BURKE 2005 p 158 Entra em cena nessa ocasiao a narrativa de curtissima duracgao absorta num acontecimento e nao mais a velha narrativa explicativa a procura de causas e efeitos WEINSTEIN 2003 Contudo discutir a narrativa significa responder sobre o que narrar 0 que é narrar e como narrar e ainda como fugir dos perigos da historia narrativa entre eles a tentacgao em retomar o contar estoria por contar estoria Aqui a grafia de estoria esta se referindo a narrativa de ficcao a um tipo de apresentagao romanceada de fatos e episodios diferente da historia baseada em documentos Enfim as narrativas sao traducoes e leituras diferentes do passado que dependendo das combinacoes e énfases variadas possibilitam as mais diferenciadas leituras interpretativas do passado Porém todas as possiveis tradigoes possuem algo em comum Todas elas demonstram ser incompletas e transitorias mesmo que bus quem a perfeicao do passado DIEHL 2002 p 102 Apos as assertivas discutidas neste topico reflita sobre a seguinte questao existe uma forma de se escrever a Historia que nao seja a da narrativa Segundo Hayden White nao 11 Hayden White historia e ficcao O critico literario Hayden White foi um dos responsaveis pelo debate que vee mentemente foi travado em torno da nao distingao entre Historia e ficcao Segundo White 1995 p 17 perguntas como Que significa pensar historica mente e quais sao as caracteristicas inconfundiveis de um método especifica mente historico de investigagao e quais as formas por meio das quais é pro duzido o discurso da historia fazem parte de seu questionario dirigido a Historia Nao é uma tarefa tola essa de entender os discursos pois Quando procuramos explicar topicos problematicos como natureza humana cultu ra sociedade e historia nunca dizemos com precisao o que queremos dizer nem expressamos o sentido exato do que dizemos Nosso discurso sempre tende a esca par dos nossos dados e voltarse para as estruturas de consciéncia com que esta mos tentando apreendélos ou o que da no mesmo os dados sempre obstam a coe réncia da imagem que estamos tentando formar deles Ademais em t6picos como esses sempre existem razoes legitimas para diferencas de opiniao quanto ao que eles sao ao modo como se deveria falar deles e aos tipos de conhecimento que de les podemos ter WHITE 1994 p 13 Em resumo para White 2006 o que ocorre é que ha uma inabalavel relativi dade na representacao do fendmeno historico e por isso também ele trata a producao dos historiadores como uma estrutura verbal na forma de um discurso narrativo em prosa WHITE 1995 p 11 dito de outra forma esse cri tico literario nao reluta em considerar as narrativas historicas como ficgoes verbais cujos conteudos sao tao inventados como achados e cujas formas apresentam muito em comum com as narrativas literarias WHITE 1994 Enfatizando segundo White o proprio passado é uma construcao que se for ma durante a escrita da narrativa e os textos e as interpretacoes dos historia dores consideram diferentes formas de imaginagao Assim a historia narrati va e a historia cientifica tornamse incompativeis A caracteristica marcante desse critico literario é o fato de ter atenuado o con traste aristotelico entre poesia e Historia e com essa ideia em vista procurou em MetaHistoria afirmar que os textos historicos recebem uma forma segun do o tipo de historia que o autor quer contar Portanto no livro citado anterior mente ele apresentou uma analise formalista de textos historicos do século 19 e concluiu que Jules Michelet construiu o enredo de suas historias na forma de romance Leopold Von Ranke na forma de comédia Alexis de Tocqueville na forma de tragédia e Jacob Burckhardt na forma de satira Conclui o autor entao que ha uma relaao constitutiva entre forma e conteudo Mas se ha essa estreita relacao é preciso que o historiador levante algumas questoes qual o tipo de modelo linguistico utilizar Dentre os tropos do discur so qual empregar WHITE 1995 Seria assim uma decisao por parte do his toriador entre os modos de urdir o enredo que melhor caberia em seu tipo par ticular de historia LOPES 2000 p 301 White explica no artigo Enredo e verdade na escrita da Historia 2006 que o tema do conteudo a ser trabalhado exige ou aponta para uma possivel forma do texto Desse modo se tomarmos como exemplo 0 mesmo tema citado pelo autor o Holocausto seria melhor apreendido se a narrativa tomasse a forma de um épico ou de uma tragédia No entanto as possibilidades formais também respondem ao interesse do autor Vejamos o exemplo de White 2006 p 196 grifo nosso Essa a questao colocada por Maus o conto de um sobrevivente de Art Spiegelman que apresenta os eventos do Holocausto por meio da escrita em qua drinhos preto e branco e em uma forma de satira amarga com alemaes colocados como gatos judeus como ratos e polacos como porcos O conteudo manifesto da es toria em quadrinhos de Spiegelman a historia do esforco do artista em extrair de seu pai a estoria da experiéncia de seus pais com os eventos do Holocausto Dessa forma a estoria do Holocausto contada no livro é estruturada pela estoria de como essa estoria foi contada Maus representa uma visdo particularmente irénica e aturdida do Holocausto mas é ao mesmo tempo um dos mais tocantes relatos nar rativos dele que conheco essa comédia uma obraprima de estilizacao figura ao e alegorizacao Ainda de acordo com White 0 exemplo citado e toda e qualquer decisao por este ou aquele tipo de elaboracgao de enredo permite que se justifique que cer tos eventos agentes acgoes agéncias e resignagoes que ocupem um dado ce nario histdrico ou seu contexto serao ignorados WHITE 2006 Os tropos linguisticos Para Hayden White 0 historiador nao tem de pensar apenas na escolha do ti po de enredo mas igualmente na escolha de um dos quatro tropos linguisti cos metafora metonimia sinédoque e a ironia as trés ultimas entendidas co mo espécies da primeira Se assim o historiador faz utilizase de tropos en tao a distingao que existe entre a Historia e a ficcao é de forma e nao de con teudo ou seja tanto a Historia quanto a Literatura produzem uma narrativa ficcional Para vocé compreender melhor os tropos sao desvios do uso literal da lingua gem que geram figuras de linguagem ou seja as figuras de linguagem sao tati cas literarias que o historiador pode utilizar no texto para conseguir um efeito determinado na interpretacao do leitor mostrouse um importante instrumento de reflexao por isso ha a sua disponibilizagao na integra Ele é encontrado em sua versao eletr6nica em Nuevo Mundo Mundos Nuevos httpnuevomundorevuesorg 1560 Debates 2006 Historia e literatura uma velhanova historia Sandra Jatahy Pesavento Por vezes esta aproximagao da historia com a literatura tem um sabor de deja vu dando a impressao de que tudo o que se apregoa como novo ja foi dito e de que se esta reinventando a roda A sociologia da literatura desde ha muitos anos cir cunscrevia 0 texto ficcional no seu tempo compondo o quadro historico no qual o autor vivera e escrevera sua obra A historia por seu lado enriquecia por vezes seu campo de analise com uma dimensao cultural na qual a narrativa literaria era ilustrativa de sua época Neste caso a literatura cumpria face a historia um papel de descontraao de leveza de evasao quase na trilha da concepao bele trista de ser um sorriso da sociedade Entendemos que atualmente estas posturas foram ultrapassadas nao porque nao tenham valor em si no caso da contextualizagao historica da narrativa literaria OU porque sejam consideradas erradas caso de enfocar a literatura somente co mo passatempo Tais posturas se tornam ultrapassadas pelas novas questoes que se colocam aos intelectuais neste limiar do novo século e milénio Chamemos nosso tempo pela ja desgastada formula da crise dos paradigmas que questio nou as verdades e os modelos explicativos do real ou entendamos nosso mundo pelo recente enfoque da globalizagao dotado hoje de forte apelo o que parece evi dente é que nos situamos no meio de uma complexificagao e estilhagamento da realidade onde é preciso encontrar novas formas de acesso para compreendéla A rigor cada geragao se coloca problemas e ensaia respostas para respondélos valendose para isso de um arsenal de conceitos que se renova no tempo A discussao em torno da relagao entre historia e literatura nao é nova O que vem mudando sao os novos problemas que se colocam a essa relagao Se os conceitos sao artificios mentais que se propoem a interrogar e explicar o mundo e que articulados resultam em constelaoes teoricas ousariamos dizer que o desafio atual é o e assumir que as ciéncias humanas se voltam grosso mo do para uma postura epistemologica diferenciada Nao se trata aqui no caso de desenvolver toda a gama de conceitos e de redefinicgoes tedricas orientadoras das diferentes correntes que estudam a cultura nestas décadas finais do século e do milénio Apenas caberia assinalar que tais mudangas passam com frequéncia pelos caminhos da representagao e do simbolico assim como da preocupaao com a escrita da historia e sua recepcao O que a autora quis nos dizer é que nao estao sendo propostas mudangas no interior das teorias mas sim que as teorias passam periodicamente por refle x0eS Preferimos concentrar nosso enfoque numa perspectiva que a nosso ver tem se revelado proficua neste giro do olhar sobre o mundo e que redimensiona por sua vez as relacoes entre a historia e a literatura Referimonos aos estudos sobre o imaginario que abriram uma janela para a recuperacao das formas de ver sentir e expressar 0 real dos tempos passados Atividade do espirito que extrapola as percepcoes sensiveis da realidade concreta definindo e qualificando espacos temporalidades praticas e atores 0 imaginario representa também o abstrato o ndovisto e naoexperimentado E elemento orga nizador do mundo que da coeréncia legitimidade e identidade E sistema de iden tificagao classificagao e valorizacao do real pautando condutas e inspirando acoes E podemos dizer um real mais real que 0 real concreto O imaginario é sistema produtor de idéias e imagens que suporta na sua feitura as duas formas de apreensao do mundo a racional e conceitual que forma o co nhecimento cientifico e a das sensibilidades e emocgoes que correspondem ao co nhecimento sensivel O estudo sobre 0 imaginario bem mais amplo do que tentar buscar a menta lidade de uma época ao mesmo tempo é a busca por marcas mentais sensi bilidades e emogoes Neste contexto a narrativa contribuiu muito para a es crita da historia Afinal como falar de emogoes que nao de uma forma litera ria O obvio mostrouse criticavel porém Conceito amplo e discutido oO imaginario encontra a sua base de entendimento na idéia da representagao Neste ponto as diferentes posturas convergem o ima ginario é sempre um sistema de representaoes sobre o mundo que se coloca no lugar da realidade sem com ela se confundir mas tendo nela o seu referente Mesmo que os seguidores da Historia Cultural sejam frequentemente atacados por negarem a realidade acusagao absurda e mesmo ridicula nenhum pesquisador em Sa consciéncia poderia desconsiderar presenga do real Apenas e este apenas é toda a diferenca partese do pressuposto de que este real é construido pelo olhar enquanto significado o que permite que ele seja visua lizado vivenciado e sentido de forma diferente no tempo e no espaco O enuncia do é simples mas tem incomodado A Historia Cultural nunca negou a possibilidade de uma realidade e sim de uma verdade absoluta para essa realidade Nao se tem um real mas a repre sentacao dele Pesavento 2006 vem nos dizer que é justamente essa postura que incomoda os contrarios a esse viés cultural Ao construir uma representagao social da realidade 0 imaginario passa a substituirse a ela tomando o seu lugar O mundo passa a ser tal como nos 0 con cebemos sentimos e avaliamos Ou como diria Castoriadis a sociedade tal como tal é enunciada existe porque eu penso nela porque eu lhe dou existéncia ou se ja Significagao através do pensamento Os recentes estudos de Lucian Boia historiador romeno acenam para a possibilidade de estabelecer estratégias meto doldgicas de acesso a este mundo do imaginario creme de La créme da historio grafia atual Por um lado ha uma tentativa de viés antropoldgico Gilbert Durand Yves Durand que se baseia na idéia da possibilidade de divisar tragos e rasgos de per manéncia na construcao imaginaria do mundo Por outro lado em uma versao historicizada Le Goff articulase o entendimento de que os imaginarios sao construcoes sociais e portanto historicas e datadas que guardam as suas especi ficidades e assumem configuragoes e sentidos diferentes ao longo do tempo e através do espaco Admitindo como propoe Boia a possibilidade de conjugar estrategicamente as duas posturas que combinadas associariam os tracos de permanéncia de estrutu ras mentais com as configuragoes especificas de cada temporalidade desemboca mos na redescoberta da literatura pela historia Clio se aproxima de Caliope sem com ela se confundir Historia e literatura cor respondem a narrativas explicativas do real que se renovam no tempo e no espa o mas que sao dotadas de um traco de permanéncia ancestral os homens desde sempre expressaram pela linguagem o mundo do visto e do nao visto através das suas diferentes formas a oralidade a escrita a imagem a musica Se a Historia e a Literatura se aproximam na forma de apresentarem o mundo como trabalhar com a ideia de estrutura Antropologicamente ou historica mente Em outras palavras como buscar as permanéncias ou rupturas nessa historia construida O que nos interessa 6 discutir o dialogo da historia com a literatura como um caminho que se percorre nas trilhas do imaginario Para enfrentar esta aproximacao entre estas formas de conhecimento ou discur sos sobre 0 mundo é preciso assumir em uma primeira instancia posturas episte moldgicas que diluam fronteiras e que em parte relativizem a dualidade verda deficgao ou a suposta oposigao realnaoreal ciéncia ou arte Nesta primeira abordagem reflexiva é o carater das duas formas de apreensao do mundo que se coloca em jogo face a face em relagoes de aproximagao e distanciamento Assim literatura e historia sao narrativas que tem o real como referente para confirmalo ou negalo construindo sobre ele toda uma outra versao ou ainda pa ra ultrapassalo Como narrativas sao representagoes que se referem a vida e que a explicam Mas dito isto que parece aproximar os discursos onde esta a diferen a Quem trabalha com historia cultural sabe que uma das heresias atribuidas a esta abordagem é a de afirmar que a literatura é igual a historia Nesse fragmento a autora colocanos os bindmios contrarios conforme o sen so comum Historia verdade real ciéncia x literatura ficao nao real arte Mas nao é bem assim que essa relacao se da na escrita da Historia Essas fronteiras sao tenues mas isso nao significa dizer que as duas areas sao sino nimas Isso também é fruto do senso comum A literatura é no caso um discurso privilegiado de acesso ao imaginario das dife rentes épocas No enunciado célebre de Aristoteles em sua Poética ela é o dis curso sobre o que poderia ter acontecido ficando a historia como a narrativa dos fatos veridicos Mas 0 que vemos hoje nesta nossa contemporaneidade sao histo riadores que trabalham com o imaginario e que discutem nao so o uso da literatu ra como acesso privilegiado ao passado logo tomando o naoacontecido para recuperar 0 que aconteceu como colocam em pauta a discussao do proprio ca rater da historia como uma forma de literatura ou seja como narrativa portadora de ficcao Tomemos a faceta do nao acontecido elemento perturbante para um historiador que tem como exigéncia o fato de algo ter ocorrido um dia Mas a rigor de qual acontecido falamos Se estamos em busca de personagens da historia de aconte cimentos e datas sobre algo que se deu no passado sem duvida a literatura nao se ra a melhor fonte a ser utilizada Falamos em fonte A coisa se complica como a literatura relato de um poderia ter sido pode servir de traco rastro indicio marca de historicidade fonte enfim para algo que aconteceu A sintonia fina de uma época fornecendo uma leitura do presente da escrita pode ser encontrada em um Balzac ou em um Machado sem que nos preocupemos com o fato de Capitu ou do Tio Goriot e de Eugéne de Rastignac terem existido ou nao Existiram enquanto possibilidades como perfis que retragam sensibilidades Foram reais na verdade do simbolico que expressam nao no acontecer da vida Sao dotados de realidade porque encarnam defeitos e virtudes dos humanos por que nos falam do absurdo da existéncia das misérias e das conquistas gratifican tes da vida Porque falam das coisas para além da moral e das normas para além do confessavel por exemplo Mas sem duvida dira alguém no delineamento de tais personagens e na articula ao de tais intrigas houve um Honoré de Balzac e um Joaquim Maria Machado de Assis 0 que nao é pouca coisa Sim por certo longe de negar a genialidade dos autores ressaltamos a existéncia imprescindivel dos narradores de uma trama que mediatizam o mundo do texto e o do leitor E nao esquegamos como alerta Paul Ricoeur que os fatos narrados na trama literaria existiram de fato para a voz narrativa Neste momento a autora colocanos um questionamento interessante se a li teratura fala de ficcao como os historiadores continuam a se utilizar dela co mo fonte historica Em contrapartida como desconsiderar como fonte um texto de Homero uma lenda medieval ou livro infantil Nao sao obras repre sentativas de um lugar e de um tempo Mas a rigor 0 processo acima descrito para o ambito da literatura nao sera 0 mes mo nos dominios da Historia Neste campo temos também um narrador o historiador que tem também tare fas narrativas a cumprir ele reune os dados seleciona estabelece conexoes e cru zamentos entre eles elabora uma trama apresenta solucoes para decifrar a intri ga montada e se vale das estratégias de retorica para convencer o leitor com vis tas a oferecer uma versao 0 mais possivel aproximada do real acontecido O historiador nao cria personagens nem fatos No maximo os descobre fazendo Os sair da sua invisibilidade A titulo de exemplo temos 0 caso do negro recupera do como ator e agente da historia desde algumas décadas embora sempre tenha estado presente Apenas nao era visto ou considerado tal como as mulheres ou outras tantas ditas minorias A diferenga entre Historia e literatura entao é apresentada A Historia nao in venta descobre ou redescobre e apresenta uma representagao do ocorrido dos personagens etc Historiadores também mediatizam mundos conectando escrita e leitura Dele também se espera performance exemplar genial talvez E ele também nao tem admitamos certezas absolutas de chegar Ja na tal temporalidade ja escoada irre mediavelmente perdida e nao recuperavel do acontecido Na reconfiguracgao de um tempo nem passado nem presente mas tempo histori co reconstruido pela narrativa face a impossibilidade de repetir a experiéncia do vivido os historiadores elaboram versoes Versoes plausiveis possiveis aproxi madas daquilo que teria se passado um dia O historiador atinge pois a verossimi Ihanga nao a veracidade Ora 0 verossimil nao é a verdade mas algo que com ela se aparenta O verossimil é 0 provavel o que poderia ter sido e que é tomado como tal Passivel de aceitaao portanto A Historia Cultural defende essa verossimilhanga esse provavel esse plausi vel pois cré num passado inatingivel por que passou Registramos com isto a mudanga deliberada do tempo verbal o poderia o teria sido com 0 que a narrativa historica representagao do passado se aproximaria perigosamente da definicao aristotélica da poesia pertencente ao campo da fic ao Ou seja as versoes do acontecido sao de forma incontornavel um poderia ter sido A representagao do passado feita pelo historiador seria marcada por esta preocupacao ou meta a da de vontade de chegar Ja e nao da certeza de oferecer a resposta certa e unica para 0 enigma do passado Assim a nogao proposta por Paul Ricoeur de representancia vem ao encontro desta propriedade do trabalho do historiador mais do que construir uma represen tagao que se coloca no lugar do passado ele marcado pela vontade de atingir es te passado Tratase de uma militancia no sentido de atingir o inatingivel ou seja oO que um dia se passou no tempo fisico ja escoado O segredo semantico de aproximagao dos discursos se encerra neste tempo ver bal teria acontecido O historiador se aproxima do real passado recuperando com o seu texto que recolhe cruza e compoe evidéncias e provas na busca da ver dade daquilo que foi um dia Mas sua tarefa é sempre a de representacao daquela temporalidade passada Ele também constroi uma possibilidade de acontecimen to num tempo onde nao esteve presente e que ele reconfigura pela narrativa Nesta medida a narrativa historica mobiliza os recursos da imaginagao dando a ver e ler uma realidade passada que so pode chegar até o leitor pelo esforo do pensamento Embora seja nesse ponto que as tradicoes literaria e historiografica se conver gem falar de uma possibilidade a semelhanga para por aqui A historia usa de fontes e a literatura nao ou nao necessariamente O uso da fonte e a ana lise desta fazem e trazem a diferenca entre os campos Por outro lado no aprofundamento destas questoes constatase que tem sido tra dicional reservar a literatura 0 atributo da ficgao negando esta condigao ou prati ca ao campo da historia Num giro de analise poderiamos também acrescentar que o fato historico é em si também criacao pelo historiador mas na base de documentos reais que falam daquilo que teria acontecido Como diz Jauss nao é possivel manter ainda uma distingao ingénua e radical entre res factae e res fictae como se fosse possivel chegar por meio de documentos reais a uma verdade incontestavel e por outro lado por meio de artificios ficar no mundo da fantasia ou pura invengao No contrafluxo da ficgao 0 que teriamos a verdade Se esta for como propoe Aristoteles a correspondéncia do discurso com 0 real ja vimos que nos caminhos do resgate do real passado a historia se baseia mais em versoes e possibilidades do que certezas O distante passado como atingilo na sua integridade E mesmo que por um passe de magica para um outro tempo féssemos transportados na posicgao de testemunha ocular dos fatos o que veriamos Sem duvida nossa visao seria diferente da do companheiro que nos acompanhasse nesta viagem fantasti ca no tunel do tempo E ao retornar ao nosso tempo teriamos multiplas versoes do acontecido E incontestavel o fato de que cada observador vé um determinado fato a seu modo Nao ha como diferentes olhares enxergarem um ocorrido de forma idéntica Todos nos trazemos conhecimentos e dados acumulados anterior mente Essa experiéncia faz diferenga Os historiadores do tempo presente ou da historia oral que o digam quao dificil é lidar com os testemunhos dos diferentes protagonistas de um mesmo incidente ou fato historico Quantos relatos e versOes se tecem em cima de um mesmo fato Para construir a sua representacao sobre o passado a partir das fontes ou rastros o caminho do historiador é montado através de estratégias que se aproximam das dos escritores de ficgao através de escolhas selecoes organizacgao de tramas de cifragao de enredo uso e escolha de palavras e conceitos Mas entao poderiamos nos perguntar os historiadores tal como os escritores de literatura produziriam versoes imaginarias do real A narrativa historica seria uma espécie de ficgao Ha sem duvida uma definigao corrente explicita no conhecido dicionario Aurélio que afasta da historia a ficgao em uma primeira acepcao ficcao é o ato de fingir simular e em outra significa coisa imaginaria fantasia invenao criaao Tal de finigao corresponde a um estatuto reconhecido a um senso comum que chega até a academia a historia é diferente é a narrativa organizada dos fatos acontecidos logo nao é fingimento ou engodo delirio ou fantasia Preferimos definir a ficgao na sua acepgao que como diz Natalie Davis estava ainda presente no século XVI antes do cientificismo do século XIX converter a historia na rainha das ciéncias e de colocar nao no seu horizonte mas no seu campo efetivo de chegada a verdade verdadeira do acontecido Este posiciona mento antigo nos fala da ficgaofingere como uma criacao a partir do que existe como construcao que se da a partir de algo que deixou indicios A palavra fictio corrobora Ginzburg esta ligada a figulus oleiro ou seja aquele que cria a partir de algo No caso do historiador este algo que existiu seriam as fontes tracgos da evidéncia de um acontecido espécie de provas para a construgao do passado Na complementacao deste entendimento que afasta a ficcao da pura fantasia Carlo Ginzburg cita Isidoro de Sevilha quando este escreveu dizendo que falso era o nao verdadeiro fictio fictum era o verossimil Nos trechos anteriores a autora colocanos muito claramente o distancia mento entre historia e ficcao Vale a pena fazer alguns apontamentos acerca das assertivas apresentadas Bem sabemos que o historiador esta preso as fontes e a condicao de que tudo te nha acontecido O historiador nao cria o trago no seu sentido absoluto eles os des cobre os converte em fonte e lhes atribui significado Ha que considerar ainda que estas fontes nao sao o acontecido mas rastros para chegar a este Se sao discur SOs Sao representagoes discursivas sobre 0 que se passou se sao imagens sao também construoes graficas ou pictoricas por exemplo sobre o real Assim os tragos que chegam do passado suportam esta condiao dupla por um lado sao restos marcas de historicidade por outro sao representacoes de algo que teve lu gar no tempo Fontes como restos e como representacoes Esse passado que ganha signifi cado nao pode ser compreendido como unico Essa uma das énfases que vem sendo trabalhadas neste artigo Essa é uma reflexao que devera fazer par te de seu cotidiano de professor e pesquisador em Historia Mas a rigor é o historiador que transforma estes tragos em fontes através das perguntas que ele faz ao passado Atribuindo ao trago a condiao de documento ou fonte portador de um significado e de um indicio de resposta as suas indagaoes o historiador transforma a natureza do traco Transforma o velho em antigo ou seja rastro portador de tempo acumulado e por extensao de significagoes Como fonte o traco revela desvela sentidos A rigor o historiador tem o mundo a sua disposiao Tudo para ele pode se conver ter em fonte basta que ele tenha um tema e uma pergunta formulada a partir de conceitos que problematizam este tema e 0 constroem como objeto E a partir dai que ele enxergara descobrira coletara documentos amealhando indicios para a decifragao de um problema Cabe ao historiador a partir de tais elementos expli car o como daquele ocorrido inventando o passado Mas se ele inventa o passado esta é uma ficgao controlada o que se da em pri meiro lugar pela sua tarefa de historiador no ambito do arquivo no trato das fon tes Em segundo lugar ha um condicionamento a esta liberdade ficcional imposta pe lo compromisso do historiador com relagao ao seu oficio O historiador quer e se empenha em atingir o real acontecido uma verdade possivel aproximada do real tanto quanto lhe for permitido Esta é a sua meta a razao de seu trabalho e este de sejo de verdade impoe limites a criagao Entre a invengao livre e a invengao pautada em documentos ha o limite da criacao E justamente esse limite que impede os historiadores da Nova Historia Cultural de acreditar que todas as interpretagoes sao possiveis Apenas as interpretagoes pautadas nesses limites pesquisa aprofundada das fontes utilizagao de preceitos tedricos etc e descompromissadas com 0 jogo da falsificagao é que sao reconhecidas Em terceiro lugar a ficgao na historia é controlada pelas estratégias de argumen tagao a retorica e pelos rigores do método testagem comparagao e cruza mento na sua busca de reconstituir uma temporalidade que se passou por fora da experiéncia do vivido Sua versao do passado deve hipoteticamente poder comprovarse e ser submetida a testagem pela exibicao das fontes bibliografia citagoes e notas de rodapé como que a convidar o leitor a refazer o caminho da pesquisa se duvidar dos resultados apresentados O texto por sua vez deve con vencer o publico leitor O uso dos conceitos das palavras a construao de argu mentos devem ser aceitos colocandose no lugar do ocorrido em explicagao satis fatoria Mas e esta parece ser uma especificidade muito importante a reconstituiao do passado vivido pela narrativa historica da a ver uma temporalidade que so po de existir pela forga da imaginagao como ja foi apontado Ficgao pois Ficgao controlada Ficgao historica possivel dentre de certos principios E este no caso se apolariam em desejo de veracidade e resultado de verossimilhanga A historia 6 um romance verdadeiro disse 0 iconoclasta Paul Veyne no inicio da década de 70 Verdadeiro porque aconteceu mas romance porque cabe ao histori ador explicar 0 como E nesta instancia na urdidura do texto e da argumentagao na selegao dos argumentos e das proprias marcas do passado erigidas em fontes é que se coloca a atuagao ficcional do historiador Como diz Jans Robert Jauss o historiador faz sempre uma ficgao perspectivista da historia Nao ha so um reco Ihimento do passado nos arquivos A historia sempre construgao de uma expe riéncia que reconstroi uma temporalidade e a transpoe em narrativa Chamamos a isto de estetizacao da Historia ou seja a colocagao em ficgao ou narrativizagao da experiéncia da historia Mesmo os limites sendo estabelecidos e seguidos a risca ainda assim ocorre a narrativizacao da experiéncia historica Por esse e outros motivos ja discor ridos aqui fica realmente dificil para alguns autores aceitar a separacao total entre Historia e Literatura Como pode observar ha inumeros pontos a serem refletidos nessa relagao Mas nos voltemos agora para uma segunda instancia de analise que é a do uso da literatura pela historia sem que com isso estabelegcamos hierarquias de valor so bre os modos de dizer o real Quando nos referimos ao uso da literatura pela histo ria NOs reportamos ao lugar de onde se enuncia o problema e a pergunta que no caso o campo da historia Sob esta segunda Otica ai sim podemos dizer que o dialogo se estabelece a partir de uma hierarquizaao entre os campos a partir do lugar onde sao colocadas as questoes ou problemas E neste caso a partir deste particular e especifico ponto de vista podemos dizer que quando a historia coloca determinadas perguntas ela se debruga sobre a literatura como fonte Nesta medida um dialogo se estabelece no jogo transdisciplinar e interdiscursivo das formas de conhecimento sobre o mundo onde a historia pergunta e a literatu ra responde E preciso ter em conta contudo que os discursos literario e histérico sao formas diferentes de dizer o real Ambos sao representagoes construidas sobre o mundo e que traduzem ambos sentidos e significados inscritos no tempo Entretanto as narrativas historica e a literaria guardam com a realidade distintos niveis de aproximagao A recorréncia do uso de um campo pelo outro 6 pois possivel a partir de uma postura epistemoldgica que confronta as tais narrativas aproximandoas num mesmo patamar mas que leva em conta a existéncia de um diferencial Historiadores trabalham com as tais marcas de historicidade e desejam chegar Ia Logo frequentam arquivos e arrecadam fontes se valem de um método de analise e pesquisa na busca de proximidade com o real acontecido Escritores de literatu ra nao tem este compromisso com o resgate das marcas de veracidade que funcio nam como provas de que algo deva ter existido Mas em principio 0 texto literario precisa ele tambem ser convincente e articulado estabelecendo uma coeréncia e dando impressao de verdade Escritores de ficgao também contextualizam seus personagens ambientes e acontecimentos para que recebam aval do publico lei tor O compromisso com 0 verossimil torna o texto do historiador algo verificavel pelas fontes A literatura aqui como narrativa e como texto construido é im portante na problematizacao historica A relacgao estreitase mas continua sem que ambas se tornem uma SO ou seja ficgao Mas se a literatura pode ser fonte para a historia uma terceira instancia de anali se se introduz que é a da especificidade e riqueza do texto ficcional Sem duvida sabemos do potencial magico da palavra e da sua forga em atribuir sentido ao mundo O discurso cria a realidade e faz ver o social a partir da lingua gem que o designa e o qualifica Ja o texto de ficgao literaria é enriquecido pela propriedade de ser o campo por exceléncia da metafora Esta figura de linguagem pela qual se fala de coisas que apontam para outras coisas uma forma da inter pretagao do mundo que se revela cifrada Mas talvez ai esteja a forma mais desafi adora de expressao das sensibilidades diante do real porque encerra aquelas coi sas naotangiveis que passam pela ironia pelo humor pelo desdém pelo desejo e sonhos pela utopia pelos medos e angustias pelas normas e regras por um lado e pelas suas infragoes por outro Neste sentido o texto literario atinge a dimensao da verdade do simbolico que se expressa de forma cifrada e metaforica como uma forma outra de dizer a mesma Coisa A literatura é pois uma fonte para o historiador mas privilegiada porque lhe dara acesso especial ao imaginario permitindolhe enxergar traos e pistas que outras fontes nao lhe dariam Fonte especialissima porque lhe da a ver de forma por ve zes cifrada as imagens sensiveis do mundo A literatura é narrativa que de modo ancestral pelo mito pela poesia ou pela prosa romanesca fala do mundo de forma indireta metaforica e alegorica Por vezes a coeréncia de sentido que o texto lite rario apresenta é o suporte necessario para que o olhar do historiador se oriente para outras tantas fontes e nelas consiga enxergar aquilo que ainda nao viu A literatura da acesso ao imaginario e de forma indireta fala do mundo O mito neste contexto um exemplo importante Um estudo mitografico por exemplo pode nos indicar as diferentes interpretagoes que um mesmo mito recebeu algumas delas respeitando os limites da ficgao e outras nao Para sa ber mais a esse respeito indicamos a obra de Marcel Detienne A invencao da Mitologia Tradugao de André Telles e Gilza Martins Saldanha da Gama Rio de Janeiro José Olympio Brasilia UnB 1992 A literatura cumpre assim um efeito multiplicador de possibilidades de leitura Estariamos diante do efeito de real fornecido pelo texto literario que consegue fa zer seu leitor privilegiado no caso o historiador com o seu capital especifico de conhecimento divisar sob nova luz o seu objeto de analise numa temporalidade passada Nesta dimensao o texto literario inaugura um plus como possibilidade de conhecimento do mundo O mundo da ficgao literaria este mundo verdadeiro das coisas de mentira da acesso para nos historiadores as sensibilidades e as formas de ver a realidade de um outro tempo fornecendo pistas e tracgos daquilo que poderia ter sido ou acon tecido no passado e que os historiadores buscam Isto implicaria nao mais buscar o fato em si o documento entendido na sua dimensao tradicional na sua concre tude de real acontecido mas de resgatar possibilidades verossimeis que expres sam como as pessoas agiam pensavam 0 que temiam 0 que desejavam A verdade da ficgao literaria nao esta pois em revelar a existéncia real de perso nagens e fatos narrados mas em possibilitar a leitura das questoes em jogo numa temporalidade dada Ou seja houve uma troca substantiva pois para o historiador que se volta para a literatura o que conta na leitura do texto nao é o seu valor de documento testemunho de verdade ou autenticidade do fato mas o seu valor de problema O texto literario revela e insinua as verdades da representacao ou do simbolico através de fatos criados pela ficgao Mais do que isso 0 texto literario 6 expressao ou sintoma de formas de pensar e agir Tais fatos narrados nao se apresentam como dados acontecidos mas como possibilidades como posturas de comportamento e sensibilidade dotadas de cre L o texto literario é expressao ou sintoma de formas de pensar e agir Nao é a toa que a historia das mentalidades e a Nova Historia Cultural fizeram uso continuo de fontes literarias Elas dao acesso a um universo todo particular que outras categorias de fontes nao dao indicios A pesquisa acerca do pensar e do agir é cara aos historiadores Nesta ultima dimensao de analise que pensa a especificidade da literatura como fonte cabe retomar a ja mencionada reconfiguracgao temporal O conceito desen volvido por Ricoeur de maneira exemplar nos coloca diante da possibilidade de pensar a literatura na relagao com a historia como um inegavel e recorrente teste munho de seu tempo Admitimos que a literatura é fonte de si mesma enquanto escrita de uma sensibi lidade enquanto registro no tempo das razoes e sensibilidades dos homens em um certo momento da historia Dos seus sonhos medos angustias pecados e vir tudes da regra e da contravengao da ordem e da contramao da vida A literatura registra a vida Literatura é sobretudo impressao de vida E com isto chegamos a uma das metas mais buscadas nos dominios da Historia Cultural capturar a im pressao de vida a energia vital a enargheia presente no passado na raiz da expli cacao de seus atos e da sua forma de qualificar o mundo E estes tracos eles po dem ser resgatados na narrativa literaria muito mais do que em outro tipo de do cumento Como afirma Ginzburg a poesia ou literatura constitui uma realidade que é verdadeira para todos os efeitos mas nao no sentido literal Sem duvida que esta dimensao podera ser contestada sob o argumento de que so a literatura realista na linha de Balzac ou Zola poderia ser alternativa ao histori ador para recuperar as sensibilidades de uma temporalidade determinada atuan do como aquele plus documental de que se falou Mas o que queremos afirmar é que mesmo a literatura que reinstala o tempo de um passado remoto ou aquela que projeta ficcionalmente a narrativa para o futuro sao também testemunhos do seu tempo Romances da Cavalaria no século XIX dao a ver 0 imaginario que 0 mundo nove centista construia sobre a Idade Média assim como a ficgao cientifica de um Jules Verne possibilita a leitura das utopias do progresso que embalavam os sonhos e desejos dos homens do século passado Deste ponto de vista tudo é sob o olhar do historiador matéria historica para a sua analise Em suma entendemos que todas estas questoes enunciadas que pensamos reve la a riqueza de uma velhanova historia se encontram ao abrigo da postura que se convencionou chamar de historia cultural Esta a partir de seus pressupostos e preocupaoes proporciona uma abertura dos campos de pesquisa para a utiliza cao de novas fontes e objetos entre as quais se encontra o texto literario Notas 1 Consultese a proposito do tema 2 Boia Lucian Pour une histoire de limaginaire Paris Belles Lettres 1998 3 Ver por exemplo o n 47 da revista Traverses Ni vrai ni faux Traverses Révue du Centre Georges Pompidou Paris n47 1989 4 SO como exemplo podemos citar a polémica em torno da obra de Hayden White Metahistoria Sao Paulo Edit da Universidade de Sao Paulo 1992 5 Ricoeur Paul Temps et récit Paris Seuil 19835 3v 6 Consultar a proposito da literatura na sua aproximaao com a historia envol vendo a questao da ficgao os numeros 54 56 e 86 da revista Le Débat 7 Jauss Hans Robert Lusage de la fiction en histoire Le Débat Paris Gallimard n54 marsavril 1989 p81 8 Davis Natalie Du conte et de lhistoireLe Debat Paris Gallimard n 54 mars avril 1989 p 140 9 Ginzburg Carlo Olhos de madeira Nove reflexdes sobre a distancia Sao Paulo Companhia das Letras 2001 p 55 10 Ginzburg Carlo opcit p 57 11 Expresso por mim utilizada para um artigo que discutir imagens pictoricas e li terarias e o seu uso pela historia Pesavento Sandra Jatahy Este mundo verdadei ro das coisas de mentira entre a arte e a historia Estudos historicos Arte e histo ria Rio de Janeiro FGV n30 p 5675 12 Ginzburg Carlo Olhos de madeira Opcit p 55 Ao finalizar essa leitura talvez uma pergunta seja colocada e a Biblia Se ela é um texto narrativo que busca apresentar um ocorrido verossimil 6 uma fonte literaria de que a Historia pode fazer uso ou é uma fonte historica que traz ele mentos da Literatura Ou ainda o texto biblico é ficgao ou verdade mesmo que relativa Para saber mais sugerimos a leitura do livro As Origens da Biblia e os Manuscritos do Mar Morto de Edgard Leite Sao Paulo Centro de Historia e Cultura Judaica 2009 12 Posmodernismo paradigmas e crise Por fim vamos sintetizar a critica posmoderna perpassando a hipervaloriza cao da cultura questionando a cientificidade da Historia e reafirmando o rela tivismo diante dos diferentes discursos historiograficos acerca de um mesmo tema entendendo que todos sao possiveis Alem disso vamos caracterizar a produgao historiografica posmoderna destacando seus principais autores e obras Quando questionamentos sao levantados acerca da Historia da historiografia e dos conceitos utilizados pelos historiadores outras perguntas devem ser so madas as primeiras de que lugar social ou institucional fala o autor Quais sao as motivag6es pro fundas as suas escolhas metodoldgicas até mesmo as suas opcoes politicas ou fi losoficas Procedendo deste modo evitamse muitos erros de interpretacgao e per das de tempo BOURDE 1990 p 215 O termo posmodernismo veio para chacoalhar as estruturas historiografi cas mas em contrapartida auxiliou no planejamento de novas estratégias de defesa e ataque da Historia da historiografia e dos historiadores Mas sera mesmo que estamos na posmodernidade Esse conceito é real ou uma mis tificagao 13 Caracteristicas da historia posmoderna No seio da Historia e da historiografia surge mais um conceito pdsmoderno De um modo breve para além de todas as indicacoes ja realizadas durante a disciplina podemos definir posmodernismo como aquela teoria que nao acei ta a cosmovisao ou nas palavras de Lyotard 1986 tal palavra designa o esta do da cultura apos as transformacoes que afetaram as regras dos jogos da ci éncia da literatura e das artes a partir do final do século 19 Mas ele nao vem sozinho pois encarar as praticas dos historiadores requer a forca de um exér cito Assim ele trouxe consigo o relativismo 0 discurso as praticas as repre sentacgdes a desconstrucao a descontinuidade a narrativa e a ficcao Invertemse e rejeitamse assim geral e cotidianamente os paradigmas tradi cionais MARTINS 2007 Com base no exposto tomando a Nova Historia Cultural como uma forte re presentante posmoderna vemos que suas contribuigoes permitiram que hou vesse uma nova construao e uma interpretaao do real que a linguagem ga nhasse em importancia que o imaginario fosse revisitado e que a funcao her menéutica da interpretagao e a problematica do discursotextocontexto en trassem em cena ARAUJO 2007 Entretanto como vocé pdde perceber nao é de hoje que sabemos que as histo rias sempre sao escritas e reescritas considerandose os diferentes contextos dos historiadores e seu publico As novas fontes e os novos métodos permiti ram que essas mesmas historias fossem mais bem escritas do mesmo modo que viabilizaram os debates no pensamento ocidental em torno de bindmios como razao e vida experiéncia imediata e abstracao atualidade e Historia ALMEIDA 2003 p 8182 Mas a reescrita nao cobrou a verdade absoluta ou objetiva as fontes agora compreendidas como construgao nem mesmo permitiam essa postura Como escreveu White 1994 p 5960 nao se espera que Constable e Cézanne tenham procurado a mesma coisa numa dada paisagem e quando se compara suas respectivas representacgoes de uma pai sagem nao se espera ser necessario fazer uma escolha entre elas e determinar que é a mais correta Aplicado a escrita da Historia o cosmopolitismo metodoldgico e estilistico obrigaria os historiadores a abandonarem a tentativa de retratar uma parcela particular da vida do angulo correto e na perspectiva verdadeira e a reconhecer que nao ha essa coisa de visao unica e correta Pois deveriamos re conhecer que o que constitui os proprios fatos é o problema que o historiador apre senta as fontes Porém uma outra contribuicao do relativismo cultural foi sua crenga de que nao ha uma unica historia a do Ocidente civilizado O etnocentrismo da histo riografia ocidental abriu as portas para o reconhecimento e valorizaao das historias dos povos conquistados Entre aqueles que discutirao as novidades do posguerra estao alguns dos historiadores presentistas O historiador pre sentista é um relativista porque acredita que um dos elementos principais no trabalho de interpretagao das fontes é o proprio cotidiano do historiador SILVA 2006 p 352 14 Criticas a historia posmoderna Dizse que um saber esta aberto as criticas quando pode ser verificado in crementado contestado corroborado refutado aplicado ALMEIDA 2003 p 57 Partindo dessa assertiva observe as consideragoes tdopicas a seguir so bre a Historia posmoderna de um modo geral e sobre a Nova Historia Cultural mais especificamente e os diferentes discursos historiograficos acerca de um mesmo tema sao todos possiveis relativismo valorizagao acentuada do representacio nalismo e questionamento da cientificidade da Historia e hipervalorizagao do cultural Pois bem como nao criticar uma Historia que considera tudo como verdade relativa Ou seja se nenhuma verdade pode ser refutada entao tudo todas as teorias é possivel E se toda verdade é relativa e por conseguinte nao objeti va a Historia nao é ciéncia Entao qual o lugar dela uma vez que também se rejeitou o adjetivo de ficgao Se brigaram tanto pelo distanciamento da velha historia politica por que enfatizar demasiadamente o cultural Nao é um re torno do absolutismo de um conceito Nao lhe parece que em ultima analise esta ocorrendo a dissolucdo da propria historia cf MULLER 2007 p 69 Por todos esses questionamentos Cardoso 2005 acredita que o movimento da Historia Cultural entrou em estagio de superacao tanto por suas debilidades intrinsecas quanto pela acao da Historia que tem brecado seu fortalecimento e entrevado a sua persisténcia O proprio Peter Burke ao final de seu livro O que é Historia Cultural afirma que nao defendeu e nao acredita que a historia cultural seja a melhor forma de historia Segundo ele é imperativo um empreendimento historico coletivo ou seja a uniao das historias economica politica intelectual e social para uma visao da historia como um todo pois mais cedo ou mais tarde acontecera uma reagao contra a cultura cf BURKE 2005 p 163 A restauracao é sempre incompleta Por mais que inumeros detalhes fossem recuperados 0 passado ja passou as fontes so respondem de acordo com as perguntas que fazemos a elas e 0 texto ganha forma para além de nossas mentes Tantos sao os problemas eou ca minhos para se atrever a garantir que o que o historiador faz é o resgate do passado como escutamos inumeras vezes no decorrer de nossa vida escolar No momento enquanto o dialogo de surdos racionalistas versus pos modernos é transmitido esperemos pelas marcas que serao deixadas vamos nos propor que nossa humana condiao seja provisoria e por esse motivo que somos advogados de idéias e nao donos de idéias RIEDEL 1988 p 61 De qualquer modo nao é possivel desconsiderar os pressupostos do pos modernismo e negar veementemente sua relevancia pois suscitou e ainda provoca interrogacoes Finalizando nossas discussoes fica uma reflexao Foucault apud Obrien 2001 p 37 teria dito Nao me perguntem quem sou e nao me pecam que continue sendo o mesmo Tomando suas palavras como uma espécie de verdade obje tiva se é que ela existe podemos ao final desta disciplina concluir que nao perguntem o que é a Historia ou a sua escrita nem mesmo peam que conti nuem sendo as mesmas O texto a Seguir é um discurso acerca da religiosidade na Grécia Classica Ele é um exercicio de Historia Cultural que pretende evidenciar algumas praticas verossimeis na Antiguidade defendidas pelos historiadores filiados a Escola dos Annales e a Historia Cultural Ele se apresenta portanto como uma das verdades possiveis sobre a pratica religiosa grega A religiosidade na Grécia Classica mitos ritos e representagao figurada Tentar esbocar o quadro da religiao ou religiosidade de uma dada sociedade nao é uma tarefa das mais simples Muitas dificuldades surgem objecdes nos assaltam e préconceitos nos acompanham Nesse sentido ainda mais complicado tornase o estudo de uma religiosidade ja morta como é 0 ca so daquela grega e a aplicacao para aquela sociedade do sentido de religiao ou religiosidade tais quais entendemos hoje pois tratavase de uma pratica religiosa sem deus unico sem igreja sem cle ro sem dogmas sem promessa de imortalidade como é 0 caso do Cristianismo ao qual estamos to dos nos inseridos de maneira direta ou indireta Portanto nossas referéncias religiosas devem ser deixadas de lado ao analisar aquele contexto Essas diferencas sao compreendidas somente quando comparamos as mais diversas religides e suas praticas Mas em um sentido particularmente importante todas as sociedades sejam elas antigas sejam elas contemporaneas encontraramse sempre diante de realidades incontrolaveis e nao hu manas ou seja privadas de significagao A religiao nesses momentos foi uma das respostas possi veis para explicacao dessas realidades incontrolaveis que surgiam perante os homens sem uma causa aparente Diferentemente da Fisica a Historia da Humanidade e da Cultura nao conhece rigi das leis de causalidade mas apenas relacoes elasticas de probabilidade entre certos tipos de situa codes e certos tipos de reagoes por parte das sociedades humanas por esse motivo explicar racional mente nao satisfazia o espirito daqueles que buscavam entender o mundo Sabendo que a religiao é uma das respostas aplicadas pelo homem aos seus grandes questionamen tos uma pergunta apresentase a religiao em si mesma constitui um fendmeno auténomo ou seja posso estudala em detrimento de outros setores da sociedade em questao E a pratica religiosa ou seja podemos desvincular a religiosidade dos setores social e artistico por exemplo Portanto a reli giao nao existe em si e para si mas em fungao de fatos sociais politicos econdmicos etc Nesse sen tido alguns autores dizem que o estudo da Historia da Religiao nao é mais que um caso particular da Historia da Civilizagao ou simplesmente da Historia e outros afirmam que o aspecto religioso da vi da social contribui a compor juntamente com os demais aspectos econdmico técnico politico juri dico estético etc um conjunto significativo no qual um fator somente é compreendido se tomado em relacgao aos outros Esse fato levanos a crer que nao existe nenhuma religiao individual mas apenas religides de grupos humanos Nestas os individuos podem aderirse total parcialmente ou de uma maneira particulari zada assim como também nao se inserirem O que é individual é a religiosidade ou seja o modo particular de participar na religiao Com base nesse dado o historiador nao deve aceitar a pressupo sicgdo de que religiao ou a religiosidade é inata ao homem nao estamos aqui questionando se o ho mem é um ser religioso por natureza ou nao mas considerando que aquela religiao ou religiosidade praticada por ele lhe foi apresentada portanto teve sua construgao particular para cada homem Qual seria entao a tarefa da Historia das Religides As respostas apontam que nao é das mais faceis reconstituir conjuntos de doutrinas crengas praticas e instituigcdes historicamente atestadas ou po sitivamente verificaveis examinar as religides em suas complexidades e singularidade em meio e épocas determinados reconstrucao da génese genealogia e destino das religides explicar a religiao levando em consideraao seu relacionamento com outros aspectos da vida em sociedade circuns tancias e condicoes historicas influéncias recebidas ou experimentadas que poderiam conduzir sua religiao a uma evolucao ou série cronoldgica de estagios onde cada um esta relacionado com o pre cedente Por ser tao complexa a sua fungao a Historia das Religides pode e deve ser relacionada a qualquer outra disciplina das Ciéncias Humanas podendo assim proporcionar matéria a essas disciplinas como também tomar emprestado delas seus dados teorias e métodos Mas falar em Historia das Religides implica definirmos o conceito de religiao Mais uma tarefa arris cada afinal nenhuma civilizagao arcaica ou classica possuia um termo que correspondia 4a religiao como hoje concebemos daquela derivada do latim religio relegere ou religare O proprio termo latino em tempos antigos nao possuia a acepcao moderna de religiao indicava um conjunto de obe diéncias adverténcias regras e interdigoOes que nao faziam referéncia a adoracao da divindade as tradigOes miticas ou as celebragoes das festas nem as outras manifestacgoes consideradas na atuali dade religiosas Portanto apontamos um paradoxo aqui pode se ter uma religiao sem possuir 0 con ceito em outras palavras nosso conceito é aplicado a varios fenédmenos que nessas civilizagoes nao se distinguiam entre religiosos ou nao Querer definir religiao é querer dar um significado preciso a um termo por natureza polissémico for jado por nos e que empregamos com as mais vagas e imprecisas significacgoes No entanto ha duas vantagens nas mais diferentes definicoes préfabricadas desse conceito por um lado por ser aberto demais 0 conceito abarca a totalidade dos fendmenos que consideramos religiosos por outro a au séncia de uma definicao fechada do termo evita a reducao a uma ordem sistematica dos mais varia dos fendmenos Nos historiadores devemos dar a devida importancia ao fato de que os fendmenos religiosos tomam formas diversas apresentandose modificadas em seu detalhe ou em sua composi cao segundo as particularidades do sistema religioso do qual dependem segundo a época e os indi viduos Devemos relevar ainda o fato de que esses fendmenos nao sao puramente historicos dessa forma nao podem ser considerados pelo historiador como puros acontecimentos mas ao contrario este deve buscar compreendélos experimentalos e penetrar em seus sentidos Para tanto para que tal tarefa se realize 6 necessario ter em maos dados que comprovem nossas teses afinal o historia dor pode constatar e interpretar fatos comprovados mas nao formular juizos sobre épocas remotas e nao documentadas Mas onde podemos encontrar a manifestacao da religiao Nas civilizagoes ditas primitivas a reli giao manifestase nos detalhes alimentagao vestuario disposiao das habitagoes relagoes com pa rentes e estranhos atividades econédmicas e divertimento A religiao forma parte de sua vida e nao ha motivo para que a distinga dos outros aspectos de sua existéncia E dentro de uma Otica religiosa podemos definir como sagrado as ideias as doutrinas as conviccoes as crengas os relatos as agoes individuais as normas as proibicoes as relagoes as pessoas os animais as plantas os materiais os objetos naturais ou fabricados de lugares ou épocas diferentes Mesmo com toda essa diversidade de documentos em maos muitos estudiosos fizeram do complexo algo simples ou seja com teorias re ducionistas ou generalizantes fizeram do universo religioso uma mera fabulagao pura imaginagao humana O primeiro ponto a ser analisado é 0 que se refere a algumas abordagens que foram aplicadas ao es tudo da religiosidade grega Desde o século 19 até o meado do nosso século esses estudos eram em sua maioria comparativistas Seus autores elaboravam a analise partindo do ponto de vista do Cristianismo que tornava o politeismo uma pratica herege incorreta maliciosa e até mesmo insana O Cristianismo era colocado como superior a pratica correta a maneira mais eficaz de contato entre homens e deuses nesse caso entre o homem pecador e o Deus unico Alguns historiadores do sé culo 19 principalmente iniciavam suas pesquisas com a conclusao ja formulada houve uma religiao grega politeista mas em todos os seus aspectos inferior a religiao crista que promove a salvagao das almas Ja no século 20 as conclusoes foram um pouco diferentes O mito passa a ser visto como verdade essencial construcao regrada estrutura elementar do pensamento humano Porém mais uma vez a comparacao dessa vez em relacao aos selvagens da América da Australia em alguns ca sos tornaos linguagem de um povo infantil ainda em processo de evolugao Assim por mais racio nal que seja qualquer classificagao das religides resulta ficticia ou incompleta Desse modo podemos excluir o postulado evolucionista pois nao é simples conceber a ideia de que todas as religioes teri am partido do simples ao complexo da inferior ao superior tendo um mesmo estado inicial Igualmente é complicado aceitar uma classificagao segundo uma linha continua de evolucao que classifica tipologicamente religides da natureza ou religides de civilizagao Algumas destas abordagens implicavam trés tipos de atitudes acerca da religiao separacao da reli giao crista das outras religides tidas como falsas pagas ou supersticiosas subordinagao da religiao crista a todo o resto ou ainda a uniao de todas as religides num mesmo grupo Com 0 estruturalismo de LéviStrauss e a comparacao de Dumézil na metade do século 20 foi alcan cada a ideia de que uma religiao é um sistema um pensamento articulado uma explicagao do mun do Esta conclusao foi possivel apos observar as estruturas os mecanismos os equilibrios constituti vos da religiao e da religiosidade definidos discursiva ou simbolicamente No entanto nosso proposito é o de evidenciar a religiosidade da sociedade grega e nesse caso nao temos como deixar de citar os estudos acerca da mitologia uma das componentes desse estilo religi oso Esses mesmos estudiosos anteriormente citados na sua maioria entendiam o mito ou a mitolo gia de forma mais abrangente como engano fabulacao natural espontanea aberracao da linguagem primitiva escandalo historias selvagens e absurdas ou ainda aventuras infames e ridiculas DETIENNE 1992 JeanPierre Vernant cita como exemplo de estudos realizados dentro de uma perspectiva crista 0 trabalho de AJ Festugiére que afirma que so o culto diz respeito ao religioso e por esse motivo a mitologia deve ser excluida desse campo Nao concordando com essa postura Vernant escreve que sem a mitologia sernosia bem dificil conceber os deuses gregos VERNANT 1992 p 10 E completa o historiador da religiao grega deve guardarse de cristianizar a religiao antiga que nao é menos rica ou complexa e organizada intelectualmente que as de hoje sao diferentes A tarefa do historiador é assinalar o que pode ter de especifico na religiosidade dos gre gos nos seus contrastes e suas analogias com os outros grandes sistemas politeistas e monoteistas que regulamentam as relagdes dos homens com o além VERNANT 1992 p 11 E essa posicao é observada em suas obras referentes a mitologia e religiao gregas Vernant embora tenha comparado em alguns momentos as duas formas religiosas nao o fez como um etnologo que superestima uma cultura em detrimento da outra ele analisou o politeismo grego por ele mesmo nao fez préjulgamentos nao iniciou seus estudos com ressalvas O autor buscou respostas que es claregam o estilo religioso grego como ele mesmo denominou O politeismo e o mito grego para o autor nao eram entendidos como erros que se opoem a verdade crista Vernant observou que o que o grego tinha de especifico nas relagdes com o sobrenatural é que ele estabelecia contato com poténcias O mundo era constituido por entidades divinas que exerciam seus poderes em dominios definidos cada qual com seus poderes segundo modalidades de acgao que lhes eram proprias Podemos citar alguns casos Zeus por exemplo era especialmente o deus da luz que encarnava o céu e comandava os seus movimentos regulares como os dias e as estacoes Zeus significava uma soberania justa e ordenada Era respeitado por todos os outros deuses e especial mente pelos homens Hades o deus do Inferno rei dos mortos tinha o poder de tornar os homens in visiveis recebendoos apos a morte Afrodite deusa do amor e da fertilidade podia interferir na vida sentimental dos humanos pelo prazer de lhes ver sob seu dominio No entanto essas divindades do politeismo grego nado eram eternas perfeitas oniscientes ou onipotentes nao criaram o mundo nasce ram nele e dele A Lua 0 Sol a luz do dia a noite ou uma montanha uma gruta uma nascente um rio ou um bosque podiam ser interpretados e sentidos como qualquer uma das divindades do panteao VERNANT 1994 p 10 A relagao nao se estabelecia entre sujeitos Criador e criagao O homem grego nao buscava a salvacao pessoal e nao pensava no bem individual Era uma busca pelo bemestar da cidade dos ci dadaos do homem grego em geral Por essa preocupagao coletiva e pelo fato de a religiosidade estar mesclada ao social percebemos na Grécia uma espécie de religiao civica Essa relagao entre pessoas e poténcias que se dava no plano civicoreligioso permitiu uma consideracgao de Vernant se os deuses sao os da cidade e se nao ha cidade sem divindades protetoras velando por sua protecao 6 a assembléia do povo que tem o poder sobre as coisas sagradas os as suntos dos deuses Ela fixa os calendarios religiosos edita as leis sagradas Dado que nao ha cidades sem deuses os deuses civicos tém em troca necessidade de cidades que os reconhecgam adotem e os fagam seus VERNANT 1994 p 15 De um certo modo élhes necessario como escreve Marcel Detienne tornarse cidadaos para ser in teiramente deuses VERNANT 1996 p16 O que se pode notar na religiosidade grega era que as atividades politicas ou seja as magistraturas tinham algo de divino e que as festividades em honra aos deuses tinham algo de mundano como por exemplo as festas a Dioniso onde o deus era celebrado em meio a embriaguez e orgias Mas como era possivel esta relagao homemPoténcia Se colocada de maneira bem clara a resposta é basta cumprir os rituais e acreditar nos discursos mitol6gicos Mas 0 mundo grego nao era tao simples assim Para comunicarse com as Poténcias os homens utilizavamse de trés recursos es pecificos que constituiam a linguagem religiosa mito rito e representagao figurada melhor dizendo o contato davase por meio das expressoes verbal gestual e figurada A expressao verbal ou oral 6 a propria transmissao e perpetuacao dos mitos que ocorria inicial mente por intermédio das mulheres que agiam como nossas avos contando as lendas antigas e em um outro momento por intermédio dos poetas que passaram essa tradicao oral para a forma es crita garantindo de maneira mais eficaz o prolongamento da tradigao O discurso mitolégico era formado por relatos da criagao do mundo de lutas entre as poténcias e de feitos heroicos Todo mito analisado sob a perspectiva do estruturalismo possui uma composicao propria e uma coeréncia in terna que explicam fatos humanos que justificam atitudes usos e costumes Era pelo e com o mito que a divindade se tornava personagem viva presente e atuante entre os humanos Manter os mitos na vida do homem grego era garantirlhe a tradicgao o aperfeigoamento da técnica de memorizacgao que por suas etapas controle da respiragao e da mente ja era uma comunhao com os deuses Mas por que nas civilizagoes onde estes existiam se criam os mitos Os pensadores gregos ja se pergun tavam e para dar uma justificativa a crenga tao difundida em seu mundo cultural sustentavam que os mitos absurdos do ponto de vista racional escondiam verdades profundas sob a aparéncia de contos fantasticos ou que continham um fundo historico real deformado pela imaginacao popular além de garantir a estabilidade da realidade existente Mas lembremos que nos séculos 6 e 5 aC Hecateu de Mileto Anaximandro Herddoto Platao entre outros estavam questionando fortemente estes discursos miticos que passaram a ser repensados e por vezes negados No entanto mesmo se rejeitados estes relatos eram os Unicos instrumentos de informagao sobre o além Eram os mitos que permitiam uma lucidez maior sobre como o homem de via agir para nao tornarse um cidadao sem historia uma vez que eram estes mitos que revelam sua origem sua estirpe sua tradicao familiar e civica Mais um fator de relevancia que deve ser observado por fazer parte de uma tradicao oral os mitos ganharam inumeras versoes Transmitilo somente era possivel por meio da técnica de memoriza ao ja citada anteriormente Assim temos de aceitar o fato de que uma nova versao poderia apagar ou recobrir alguns pontos da versao precedente uma vez que a materialidade desta ultima residia na voz do intérprete do aedo que a apresentava ao seu publico No entanto mesmo com algumas modi ficagdes os mitos passavam pela aprovacao dos ouvintes que os recebiam como sendo um pequeno trecho de sua historia passada a memoria considerada por Vernant como uma categoria psicoldgi ca de extrema importancia para os gregos uma vez que torna possivel a perpetuacao da tradicao foi também estudada por Marcel Detienne 1992 Em relagao aos ritos eles representavam a forma mais estavel e completa da relacao entre homens e seres sobrehumanos Dirigir preces a um ser sobrehumano significava antes de tudo atribuirlhe uma existéncia Os ritos eram menos explicitos e didaticos que os mitos pois cada gesto cada pala vra tinha um sentido especifico simbdolico Toda cerim6énia ritual na sua grande maioria contava com sacrificios que podiam ser oferecidos as divindades celestes ou infernais Em cada caso havia particularidades que diferenciavam o ritual de maneira marcante Esses ritos podiam por um lado ser realizados em forma de festas solenes onde os deuses convidados estavam presentes estabele cendo a comunicagao entre a terra e o céu Por outro podiam ser vistos como uma carnificina uma cozinha ritualizada Fazse necessario esclarecer que os sacrificios ocorriam fora do templo residén cia permanente dos deuses e eram realizados em altares externos no bomos que era um bloco de al venaria quadrangular Vernant descreve o sacrificio de um animal oferecido a uma divindade celes te Vejamos os passos que necessariamente deviam ser seguidos um animal doméstico enfeitado 6 conduzido em procissao ao som de flautas até o altar aspergido com agua lustral e com um punhado de graos de cevada A cabeca da vitima é arrancada entao cortaselhe a garganta O sangue que jorra sobre o altar é reco lhido num recipiente O animal é aberto extraemlhe as entranhas especialmente o figa do que se examina para saber se os deuses aceitam o sacrificio Nesse caso a vitima é imediatamente esquartejada Os ossos longos sao colocados sobre o altar Certos pedacos internos sao postos para grelhar sobre o altar no mesmo fogo que expede a di vindade a parte que lhe cabe estabelecendo assim o contato entre a Poténcia sagrada destinataria do sacrificio e os executantes do rito VERNANT 1996 p 62 Nos casos de sacrificios a deuses infernais os homens nao podiam tocar na vitima nao comiam de maneira alguma sua carne sendo o sangue derramado diretamente em fendas na terra que o levava aos deuses Nesse caso a vitima devia desaparecer ser totalmente queimada No entanto fazse necessario dizer que esses sacrificios nao deviam ser compreendidos como uma comunhao com os deuses Nao se partilhava do corpo ou sangue da divindade mas da vitima O sa crificio tinha a fungao de estabelecer contatos e nao experiéncias sobrenaturais e ainda confirma vam a distancia entre homens e deuses Tratase como vimos de praticas bem complexas Por meio delas a relagao homemdeus estabeleciase Se aceito o sacrificio a guerra podera ser travada a colheita realizada o adolescente podera adentrar na vida adulta um novo templo construido enfim aceitase a imolacao de uma viti ma a vida social e politica podera tomar seu rumo Eis 0 que significava religiao civica Enfim o ultimo recurso para se estabelecer o contato com as poténcias a representacao figurada Sabese que os gregos conheceram todas as formas de expressao simbolica das divindades a saber pedra bruta mascara figuras de animais monstros ou mesmo figuras humanas Conforme o mo mento os gregos privilegiavam o uso desta ou daquela representacao Do 8 aC ao 7 século aC o formato dessas representagoes nao tinha relacao direta com a ideia do divino Foram nos séculos 5 aC e 4 aC que esses simbolos figurados se transformaram em imagens Nestas estao imbuidos valores religiosos que exprimem certas forcas beleza graca esplen dor juventude saude vigor vida movimento que pertencem particularmente a di vindade e que o corpo humano mais do que outro reflete na flor da idade VERNANT 1973 p 286 Essa representagao humanizada do divino foi sentida principalmente a partir das apresentacoes das tragédias ao grande publico grego Os tragedidgrafos foram uns dos primeiros a elaborar a ideia do deushomem Para encenar suas pegas era preciso criar um figurino apropriado para representar os deuses Dessa forma alguns atributos foram criados como asas mascaras e tridentes entre ou tros E é por meio desses atributos que identificamos os deuses expressos nos vasos nas anforas e nos lécitos gregos A esse respeito Sarian 1987 no artigo A expressao imagética do mito e da reli giao nos vasos gregos e de tradicao grega esta de acordo Ao analisar a iconografia do teatro tragico no tocante ao ciclo de Orestes trilogia de Esquilo Agamenon Coéforas e Euménides a autora obser va que deve ser ressaltado o papel que o teatro desempenhou em relagao a representacao figurada ao ser encenada a peca sugeriu imagens e formas humanas ou bestiais aos pintores dos vasos Nesse artigo Sarian cita o caso das Erinias deusas infernais que perseguiam Orestes pelo matricidio que este cometeu Foi a partir da representacao teatral que as Erinias ganharam formas humanas na ce ramica E a religiosidade presente na arte E a perpetuacao dos mitos que estava sendo garantida Mas ha uma ressalva a ser feita Todas essas figuras nao sao equivalentes nem convém indiferentemente a todos os deu ses ou todos os aspectos de um mesmo deus Cada uma delas tem seu modo proprio de traduzir no divino certos aspectos de presentificar o além de inscrever e localizar o sa grado no espaco aqui na terra Cada forma de representacao implica para a divindade figurada um modo particular de manifestarse aos humanos e de exercer através de su as imagens 0 tipo de poder sobrenatural do qual possui o dominio VERNANT 1992 p 3233 Muitos outros exemplos poderiam ser citados aqui que testemunhariam a religiosidade grega Os gregos acreditavam em seus deuses em suas manifestagoes em seus auxilios O grande numero de discursos miticos 0 riquissimo vocabulario sobre a representagcao figurada a abundancia de estatuas divinas evidenciam que o grego era um homem religioso que vivenciava sua crenga que respeitava as tradicoes enfim que olhava para a Lua e via Selene assim como a noite era Nix olhava para o Sol e via Hélios assim como o dia era Hemera Mais do que simples nomes daquilo que para nos mo dernos sao astros em grego eram nomes de divindades Concluindo a religiosidade grega foi algo real vivido e sentido Os mitos os ritos e a representacgao figurada fizeram parte da rede religiosa de um povo que construiu sua religiosidade que a presenteou com santuarios independentes separados do espaco profano e também neste ou seja os gregos cri aram seus locais sagrados organizaram seu calendario religioso cantaram e pintaram seus deuses e herdis A religiosidade grega uma construcao historica Vernant objetivou em suas analises com preender e nos fazer compreender esse estilo religioso tao particularizado do homem grego saben do da multiplicidade dele Suas metas foram alcangadas Ele deixou evidente essa religiosidade e expos pormenores e especificidades de uma crenga apoiada numa tradicao que englobava a lingua o estilo de vida doméstico o gestual os sistemas de valores as normas da vida em sociedade o sentir e o pensar Neste momento reflita sobre sua aprendizagem respondendo a questao a se guir 15 Consideracoes Neste quinto ciclo de estudos pudemos compreender o atual estado do debate historiografico desde o fim do século XX até os dias atuais Passamos pela Microhistoria pela Nova Historia Cultural e pelo Posmodernismo percebe mos que os aspectos culturais passaram a ter primazia diante de uma percep ao eminentemente politica ou social trabalhando com renovadas interpreta Goes e conceitos Ressaltase também a retomada de algumas preocupacoes que ja haviam si do debatidas anteriormente por outras correntes a exemplo da busca da ver dade e da contestaao sobre a cientificidade da Historia Nesse sentido é que podemos perceber a constante renovacao da historiografia que ao mesmo tempo em que avanga sobre novos temas objetos métodos e fontes também retoma discussoes anteriores por meio de novos focos e perspectivas 16 Consideracoes Finais No decorrer dos estudos desta disciplina pudemos compreender que a histo ria pode possuir diversos usos e significados em decorréncia de cada contexto em que foi produzida sendo que cada um desses contextos acaba por rever as tematicas métodos e fontes de pesquisa elementos fundamentais da constru cao historiografica Assim tais visoes historiograficas possuem suas caracte risticas proprias e 6 nessa direcao que se apresenta como fundamental para o historiador a compreensao do que podemos chamar de uma historia da Historiografia Somente uma visao de longa duragao desse processo pode fa zer com que o historiador se perceba e contribua nessa area quando do estudo eou produgao do conhecimento Nesse sentido devemos ter em mente que éa compreensao da construgao do discurso historiografico ao longo do tempo que nos trara um melhor entendimento do que é a disciplina hoje Outro ponto fundamental de nossos estudos foi a percepcao de que existe um amplo e recorrente dialogo entre as diversas propostascorrentes de pensa mento assim como uma destacada relagao da Historia com as demais ciénci as humanas Assim pudemos perceber que essas diferentes propostas nao se invalidam mas sim podem ser compreendidas como complementares eou agregadoras para a construcao do discurso historiografico Nao podemos per der de vista essa visao agregadora de diversas correntes historiograficas uma vez que uma nova corrente nao poe fim a outras correntes ja existentes mas sim contribui no amadurecimento do oficio do historiador abrindo eou reven do novas possibilidades metodologicas tematicas e de fontes de pesquisa Nesse sentido podemos perceber a constante renovacgao da historiografia pois a0 mesmo tempo em que avana sobre novos temas objetos métodos e fontes também retoma problematicas anteriores por meio de novos focos A construgao do conhecimento so é possivel por meio do constante repensar epistemoldgico motivo pelo qual por muitas vezes temos a impressao de que a historiografia sempre esta passando por um momento de crise