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10 Teorizando a transição Tendo em vista estarmos testemunhando uma transição histórica ainda longe de completarse e de todo modo como o fordismo passível de ser parcial em determinados aspectos1mportantes deparamos com uma série de dilemas teóri cos Poderemos apreender teoricamente a lógica senão a necessidade da transi ção Até que ponto as formulações teóricas passadas e presentes da dinâmica do capitalismo têm de ser modificadas à luz das radicais reorganizações e reestrutu rações que ocorrem nas forças produtivas e nas relações sociais E poderemos representar o atual regime suficientemente bem para termos alguma idéia do pro vável curso e implicações do que parece ser uma revolução permanente A transição do fordismo para a acumulação flexível evocou na verdade sérias dificuldades para teorias de toda espécie Teóricos keynesianos monetaristas e do equilíbrio parcial neoclássico parecem tão perturbados quanto todas as outras pessoas Essa transição também trouxe sérios dilemas para os marxistas Diante desses problemas muitos comentadores abandonaram qualquer pretensão de teo ria e simplesmente recorreram à caça de dados para dar conta das rápidas mudan ças Mas também aqui há dúvidas que dados são indicadores vitais e não séries contingentes O único ponto geral de acordo é que alguma coisa significativa mudou no modo de funcionamento do capitalismo a partir de mais ou menos 1970 A primeira dificuldade reside em tentar captar a natureza das mudanças que estamos examinando Nas tabelas 26 27 e 28 resumo três relatos recentes da transição O primeiro uma visão bem laudatória de Halal 1986 do novo capita lismo enfatiza os elementos positivos e liberatórios do novo empreendimentismo O segundo de Lash e Urry 1987 acentua as relações de poder e a política com relação à economia e à cultura O terceiro de Swyngedouw 1986 fornece muito mais detalhes sobre transformações no campo da tecnologia e do processo de tra balho ao mesmo tempo que avalia como o regime de acumulação e suas modali dades de regulamentação se transformaram Em todos os casos com efeito a oposição é usada como artifício didático para dar relevo às diferenças e não às continuidades e nenhum dos autores afirma que as coisas sejam tão claras e dire tas em algum lugar quanto os esquemas sugerem Estes indicam no entanto al guns pontos comuns mas também algumas diferenças que são instrutivas já que sugerem mecanismos bem distintos de causação Halal parece mais próximo da teoria de Schumpeter da inovação dos empreendedores como força motriz do capitalismo e tende a interpretar o fordisÍno e o keynesianismo como um interlúdio infeliz no progresso capitalista Lash e Urry vêem a evolução em parte como o colapso das condições materiais para uma política coletiva poderosa da classe tra balhadora e tentam descobrir as raízes econômicas culturais e políticas desse colapso Pelo próprio uso dos termos organizado e desorganizado para carac 164 TRANSFORMAÇÃO POLÍTICOECONÔMICA DO CAPITALISMO Tabela 26 O novo capitalismo segundo Halal Fronteira de progresso Organização Processo de decisão Valores institucionais Foco gerencial Macrossistema econômico Sistema mundial Fonte Halal 1986 O antigo capitalismo Paradigma industrial crescimento difícil estrutura mecânica comando autoritário alvos financeiros gerência operacional grande negócio centrado no lucro capitalismo versus socialismo O novo capitalismo Paradigma pósindustrial crescimento esperto redes de mercado liderança participativa alvos múltiplos gerência estratégica livre empresa democrática híbridos do capitalismo e do socialismo terizar a transição eles acentuam mais a desintegração do que a coerência do capitalismo contemporâneo evitando assim o enfrentamento da possibilidade de uma transição no regime de acumulação Swyngedouw por outro lado ao enfatizar as mudanças no modo de produção e de organização industrial situa a transição na corrente principal da economia política marxiana ao mesmo tempo que aceita claramente a linguagem da escola da regulamentação Dou preferência à interpretação de Swyngedouw Mas se a linguagem da es cola da regulamentação sobreviveu melhor do que a maioria isso se explica sus peito eu pela sua orientação bem mais pragmática Há na escola da regulamenta ção pouco ou nenhum esforço para fornecer uma compreensão detalhada dos mecanismos e da lógica das transições o que me parece uma séria falha Fazer a passagem requer a volta ao básico e o tratamento da lógica subjacente do capi talismo em geral E com efeito a virtude peculiar de Marx foi ter construído uma teoria do capitalismo em geral por meio de uma análisedo capitalismo sob o modo de regulamentação em que vigiam uma ampla competitividade e o laissezfaire existente na Inglaterra da metade do século XIX Retornemos pois aos elementos e relações invariantes de um modo capitalista de produção propostos por Marx e vejamos até que ponto esses elementos e relações estão onipresentes sob a super fície tênue e evanescente sob as fragmentações e disrupções tão características da atual economia política Como a acumulação flexível ainda é uma forma de capitalismo podemos esperar que algumas proposições básicas se mantenham Tentei resumir essas proposições em outro trabalho razão por que vou simplesmente extrair alguns elementos fundamen tais da argumentação feita em The limíts to capital Harvey 1982 Referirmeei em especial a três características essenciais do modo capitalista de produção TEORIZANDO A TRANSIÇÃO 165 Tabela 27 Contraste entre o capitalismo organizado e o capitalismo desorganizado segundo Lash e Uny Capitalismo organizado concentração e centralização do capital industrial bancário e comercial em mercados nacionais crescente separação entre propriedade e controle e emergência de complexas hierarquias gerenciais desenvolvimento de novos setores de inteligentsia gerencial científica e tecno lógica e de burocracia de classe média desenvolvimento de organizações coletivas e da negociação em regiões e naçõesEstado estreita articulação entre os interesses do Estado e os do capital dos grandes monopólios e aumento do Estado do bemestar social de base classista expansão de impérios econom1cos e controle da produção e de mercados no exterior incorporação de diversos interesses de classe numa pauta nacional estabelecida por intermédio de compromissos negociados e regulamentos burocráticos hegemonia da racionalidade écnicocientífica concentração de relações capitalistas no âmbito de um número relativamente pequeno de indústrias e regiões Capitalismo desorganizado desconcentração do poder corporativo em rápido crescimento com relação aos mercados nacionais Crescente internacionalização do capital e em alguns casos separação entre capital industrial e capital bancário contínua expansão de estratos gerenciais que articulam suas próprias pautas políticas e individuais bem distintas da política de classe declínio relativoabsoluto da classe trabalhadora declínio da eficácia da negociação coletiva nacional crescente independência dos grandes monopólios com relação aos regulamentos estatais e desafios diversificados ao poder e à burocracia estatais centralizados industrialização de países do Terceiro Mundo e desindustrialização de países centrais que se voltam para a especialização em serviços forte declínio de políticas e instituições de base classista fragmentação cultural e pluralismo aliados ao solapamento das identidades tradicionais nacionais ou de classe dispersão de relações capitalistas em muitos setores e regiões 166 TRANSFORMAÇÃO POLÍTICOECONÔMICA DO CAPITALISMO Capitalismo organizado indústrias extrativomanufatureiras como fontes dominantes de emprego forte concentração e especialização regionais em setores extrativo manufatureiros busca de economias de escala através do aumento da dimensão da fábrica força de trabalho desenvolvimento de grandes cidades industriais dominando regiões através do fornecimento de serviços centralizados comerciais e financeiros configuração culturalideológica do modernismo Capitalismo desorganizado declínio das indústrias extrativo manufatureiras e ascensão das indústrias de serviços e organizacionais dispersão diversificação da divisão territorialespacial do trabalho declínio da dimensão da fábrica propiciado pela dispersão geográfica pelo aumento da subcontratação e por sistemas de produção global declínio das cidades industriais e desconcentração dos centros urbanos para áreas periféricas ou semirurais criando agudos problemas nos pontos adjacentes ao centro das cidades configurações culturalideológicas do pósmodernismo Fonte a partir de Lash e Uny 1987 I kxQ Yo J C 1 r QO t J Y V Oe r crr QYC Yv0 v J 1 O capitalismo é orientado para o crescimento Uma taxa equilibrada de crescimento é essencial para a saúde de um sistema econômico capitalista visto que só através do crescimento os lucros podem ser garantidos e a acumulação do capital sustentada Isso implica que o capitalismo tem de preparar o terreno para uma expansão do produto e um crescimento em valores reais e eventualmente atingilos pouco importam as conseqüências sociais políticas geopolíticas ou ecológicas Na medida em que a virtude vem da necessidade um dos pilares básicos da ideologia capitalista é que o crescimento é tanto inevitável como bom A crise é definida em conseqüência como falta de crescimento 2 O crescimento em valores reais se apóia na exploração do trabalho vivo na produção Isso não significa que o trabalho se aproprie de pouco mas que o cres cimento sempre se baseia na diferença entre o que o trabalho obtém e aquilo que cria Por isso o controle do trabalho na produção e no mercado é vital para a perpetuação do capitalismo O capitalismo está fundado em suma numa relação de classe entre capital e trabalho Como o controle do trabalho é essencial para o lucro capitalista a dinâmica da luta de classes pelo controle do trabalho e pelo salário de mercado é fundamental para a trajetória do desenvolvimento capitalista TEORIZANDO A TRANSIÇÃO 167 Tabela 28 Contraste entre o fordismo e a acumulação flexível segundo Swyngedouw Produção fordista baseada em economias de escala Produção justintime baseada em economias de escopo A O PROCESSO DE PRODUÇÃO produção em massa de bens homogêneos uniformidade e padronização grandes estoques e inventários testes de qualidade expost detecção tardia de erros e produtos defeituosos produtos defeituosos ficam ocultados nos estoques perda de tempo de produção por causa de longos tempos de preparo peças com defeito pontos de estrangulamento nos estoques etc voltada para os recursos integração vertical e em alguns casos horizontal redução de custos através do controle dos salários produção em pequenos lotes produção flexível e em pequenos lotes de uma variedade de tipos de produto sem estoques controle de qualidade integrado ao processo detecção imediata de erros rejeição imediata de peças com defeito redução do tempo perdido reduzindose a porosidade do dia de trabalho voltada para a demanda integração quase vertical subcontratação aprendizagem na prática integrada ao planejamento a longo prazo B TRABALHO realização de uma única tarefa pelo trabalhador pagamento pro rata baseado em critérios da definição do emprego alto grau de especialização de tarefas pouco ou nenhum treinamento no trabalho organização vertical do trabalho múltiplas tarefas pagamento pessoal sistema detalhado de bonificações eliminação da demarcação de tarefas longo treinamento no trabalho organização mais horizontal do trabalho 168 TRANSFORMAÇÃO POLÍTICOECONÔMICA DO CAPITALISMO Produção fordista baseada em economias de escala nenhuma experiência de aprendizagem ênfase na redução da responsabilidade do trabalhador disciplinamento da força de trabalho nenhuma segurança no trabalho Produção justintime baseada em economias de escopo aprendizagem no trabalho ênfase na coresponsabilidade do trabalhador grande segurança no emprego para trabalhadores centrais emprego perpétuo Nenhuma segurança no trabalho e condições de trabalho ruins para trabalhadores temporários C ESPAÇO especialização espacial funcional centralizaçãodescentralização divisão espacial do trabalho homogeneização dos mercados regionais de trabalho mercados de trabalho espacialmente segmentados distribuição em escala mundial de componentes e subcontratantes agregação e aglomeração espaciais integração espacial diversificação do mercado de trabalho segmentação interna do mercado de trabalho proximidade espacial de firmas verticalmente quase integradas D ESTADO regulamentação rigidez negociação coletiva socialização do bemestar social o Estado do bemestar social estabilidade internacional através de acordos multilaterais centralização L desreg u la me ntaçãoreregu lamentação flexibilidade divisãoindividualização negociações locais ou por empresa privatização das necessidades coletivas e da seguridade social desestabilização internacional crescentes tensões geopolíticas descentralização e agudização da competição interregionalinterurbana Produção fordista baseada em economias de escala o Estadocidade subsidiador intervenção indireta em mercados atra vés de políticas de renda e de preços políticas regionais nacionais pesquisa e desenvolvimento financiados pelas firmas inovação liderada pela indústria TEORIZANDO A TRANSIÇÃO 169 Produção justintime baseada em economias de escopo o Estadocidade empreendedor intervenção estatal direta em mercados através de aquisição políticas regionais territoriais na forma de uma terceira parte pesquisa e desenvolvimento financiados pelo Estado inovação liderada pelo Estado E IDEOLOGIA consumo de massa de bens duráveis a sociedade de consumo modernismo totalidadereforma estrutural socialização Fonte Swyngedouw 1986 consumo individualizado cultura yuppie pósmodernismo especificidadeadaptação individualização a sociedade do espetáculo 3 O capitalismo é por necessidade tecnológica e organizacionalmente dinâ mico Isso decorre em parte das leis coercitivas que impelem os capitalistas indi viduais a inovações em sua busca do lucro Mas a mudança organizacional e tecnológica também tem papelchave na modificação da dinâmica da luta de clas ses movida por ambos os lados no domínio dos mercados de trabalho e do con trole do trabalho Além disso se o controle do trabalho é essencial para a produção de lucros e se torna uma questão mais ampla do ponto de vista do modo de regulamentação a inovação orgatúzacional e tecnológica no sistema regulatório como o aparelho do Estado os sistemas políticos de incorporação e representação etc se torna crucial para a perpetuação do capitalismo Deriva em parte dessa necessidade a ideologia de que o progresso é tanto inevitável como bom Marx foi capaz de mostrar que essas três condições necessárias do modo capi talista de produção eram inconsistentes e contraditórias e que por isso a dinâmica do capitalismo era necessariamente propensa a crises Não havia em sua análise 170 TRANSFORMAÇÃO POLÍTICOECONÔMICA DO CAPITALISMO uma maneira pela qual a combinação dessas três condições necessárias pudesse produzir um crescimento equilibrado e sem problemas além de as tendências de crise do capitalismo apresentarem a tendência de produzir fases periódicas de superacumulação definida como uma condição em que podem existir ao mesmo tempo capital ocioso e trabalho ocioso sem nenhum modo aparente de se unirem esses recursos para o atingimento de tarefas socialmente úteis Uma condição ge neralizada de superacumulação seria indicada por capacidade produtiva ociosa um excesso de mercadorias e de estoques um excedente de capitaldinheiro talvez mantido como entesouramento e grande desemprego As condições que prevale ciam nos anos 30 e que surgiram periodicamente desde 1973 têm de ser conside radas manifestações típicas da tendência de superacumulação O argumento marxista é 12or conseguinte ue a tendência de su12eracumul ção nunca pode ser eliminada sobocapitªlismo Tratase de um interminável e cterno problema de todo modo capitalista de produção A única questão portanto é como exprimir conter absorver ou administrar essa tendência de maneiras que não ameacem a ordem social capitalista Deparamos aqui com o lado heróico da vida e da política burguesa em que devem ser feitas escolhas reais para que a ordem social não se transforme em caos Examinemos algumas dessas escolhas 1 Desvalorização de mercadorias de capacidade produtiva do valor do di nheiro talvez associada à destruição direta é uma medida que fornece um modo de lidar com excedentes de capital Em termos simples desvalorização significa a baixa ou cancelamento do valor dos bens de capital particularmente instala ções e equipamentos a liquidação de estoques excedentes de bens ou sua destrui ção pura e simples como a famosa queima do café brasileiro nos anos 30 ou a erosão inflacionária do poder do dinheiro ao lado de inúmeras inadimplências em obrigações de empréstimo A força de trabalho também pode ser desvalorizada e até destruída taxas crescentes de exploração queda da renda real desemprego mais mortes no trabalho piora da saúde e menor expectativa de vida etc A Grande Depressão viu uma enorme desvalorização do capital e da força de traba lho e a Segunda Guerra Mundial viu ainda mais Há muitos exemplos e abundan tes provas da desvalorização como resposta à superacumulação a partir de 1973 Mas a desvalorização tem um alto preço político e atinge amplos segmentos da classe capitalista da classe trabalhadora e das várias outras classes sociais que formam a complexa sociedade capitalista moderna Uma certa sacudidela pode parecer uma boa coisa mas as falências descontroladas e a desvalorização maciça expõem o lado irracional da racionalidade capitalista de uma maneira demasiado brutal para serem sustentadas por muito tempo sem produzir algum tipo deres posta revolucionária de direita ou de esquerda Contudo a desvalorização con trolada através de políticas deflacionárias administradas é uma opção muito im portante e de modo algum incomum para lidar com a superacumulação 2 O controle macroeconômico por meio da institucionalização de algum siste ma de regulação pode conter o problema da superacumulação talvez por um considerável período de tempo A virtude do regime fordistakeynesiano foi com efeito a possibilidade de criação de um equilíbrio de forças mesmo tênue através do qual os mecanismos que causavam o problema da superacumulação o ritmo da mudança tecnológica e organizacional e a luta pelo controle do trabalho pudessem TEORIZANDO A TRANSIÇÃO 171 ser mantidos sob suficiente controle para se garantir um crescimento equilibrado Mas foi necessária uma grande crise de superacumulação para ligar a produção fordista a um modo keynesiano de regulamentação estatal antes de se poder garan tir por qualquer período estendido alguma espécie de crescimento macroeconômico equilibrado A ascensão de um regime particular de acumulação tem de ser vista então como agora como o resultado de todo um conjunto de decisões econômicas e políticas que de modo algum sempre são dirigidas conscientemente para alcan çar este ou aquele fim específico provocadas por persistentes manifestações do problema da superacumulação 3 A absorção da superacumulação por intermédio do deslocamento temporal e espacial oferece a meu juízo um terreno mais rico e duradouro mas também muito mais problemático no qual tentar controlar o problema da superacumula ção A discussão aqui tem detalhes bem complicados razão por que recorrerei outra vez a elementos publicados em outros trabalhos Harvey 1982 1985c a O deslocamento temporal envolve seja um desvio de recursos das neces sidades atuais para a exploração de usos futuros seja uma aceleração do tempo de giro a velocidade com que os dispêndios de dinheiro produzem lucro para o investidor para que a aceleração de um dado ano absorva a capacidade excedente do ano anterior O excedente de capital e de trabalho pode por exemplo ser absorvido pela sua retirada do consumo corrente para os investimentos públicos e privados de longo prazo em instalações infraestruturas físicas e sociais etc Esses investimentos absorvem superávits no presente apenas para devolver seu equiva lente em valor durante um longo período de tempo futuro esse foi o princípio dos programas públicos de trabalho usados para combater as condições de baixa de preços nos anos 30 em muitos países capitalistas avançados A capacidade de fazer essa transição depende no entanto da disponibilidade de crédito e da capa cidade de formação de capital fictício Este capital é definido como capital que tem valor monetário nominal e existência como papel mas que num dado mo mento do tempo não tem lastro em termos de atividade produtiva real ou de ativos físicos O capital fictício é convertido em capital real na medida em que são feitos investimentos que levem a um aumento apropriado em ativos úteis por exemplo instalações e equipamentos que possam ter emprego lucrativo ou mer cadorias úteis bens e serviços que possam ser vendidos com lucro Por isso o deslocamento temporal para usos futuros é um paliativo de curto prazo para o problema da superacumulação a não ser que haja um contínuo deslocamento atra vés da permanente aceleração das taxas de formação do capital fictício e da expan são dos volumes de investimento de prazo mais longo Tudo isso depende de algum crescimento dinâmico contínuo e sustentado pelo Estado do endividamento As políticas keynesianas aplicadas pelos países capitalistas avançados depois de 1945 tiveram em parte esse efeito A absorção de superávits através das acelerações do tempo de giro uma forte característica do período recente de acumulação flexível apresenta um tipo diferente de problema teórico A intensificação da competição por certo leva as firmas individuais a acelerarem seu tempo de giro as firmas com um tempo de giro mais rápido tendem a ganhar por isso um excedente de lucros sobrevivendo com mais facilidade Mas só sob certas condições isso permite uma aceleração 172 TRANSFORMAÇÃO POLÍTICOECONÔMICA DO CAPITALISMO agregada do tempo de giro para permitir uma absorção agregada de excedentes Mesmo assim isso é na melhor das hipóteses um paliativo de curto prazo se não for possível acelerar continuamente ano após ano o tempo social de giro uma solução que de qualquer maneira certamente implica grandes cancelamentos de ativos passados já que a aceleração costuma envolver novas tecnologias que des locam as antigas b O deslocamento espacial compreende a absorção pela expansão geográfica do capital e do trabalho excedentes Esse reparo espacial como o denominei alhures do problema da superacumulação promove a produção de novos espaços dentro dos quais a produção capitalista possa prosseguir por exemplo por meio de investimentos em infraestrutura no crescimento do comércio e dos investi mentos diretos e no teste de novas possibilidades de exploração da força de traba lho Também aqui o sistema de crédito e a formação de capital fictício sustentados pelo poder fiscal monetário e quando preciso militar do Estado se tornam vitais influências mediadoras Também é possível que a maneira de ocupação anterior dos espaços para os quais o capitalismo se expande bem como os graus da resis tência encontrada tenham profundas conseqüências Em alguns espaços há uma história de forte resistência à implantação do capital ocidental por exemplo na China enquanto em outros por exemplo o Japão ou os casos mais recentes de Hong Kong Singapura ou Taiwan classes dominantes ou até subordinadas se inserem agressivamente no que vêem como um sistema econômico superior Se a contínua expansão geográfica do capitalismo fosse uma real possibilidade poderia haver uma solução relativamente permanente para o problema da superacumula ção Mas na medida em que a implantação progressiva do capitalismo na face da terra amplia o espaço no âmbito do qual pode surgir o problema da superacumu lação a expansão geográfica só pode na melhor das hipóteses ser uma solução de curto prazo O resultado de longo prazo será quase certamente o aumento da competição internacional e interregional com os países e regiões que têm menos vantagens sofrendo as mais severas conseqüências c Os deslocamentos tempoespaciais têm de fato um duplo poder no tocan te à absorção do problema da superacumulação e na prática particularmente na medida em que a formação de capital fictício e em geral o envolvimento do Estado é essencial ao deslocamento temporal e espacial o que conta é a combina ção das estratégias temporal e espacial Emprestar dinheiro com freqüência levan tado digamos nos mercados de capital de Londres ou Nova Iorque por meio da formação de capital fictício à América Latina para a construção de infraestruturas de longo prazo ou para a compra de bens de capital que ajudem a gerar produtos por muitos anos é uma forma típica e forte de absorção da superacumulação Como então o fordismo resolvia as tendências de superacumulação inerentes ao capitalismo Antes da Segunda Guerra Mundial faltavalhe o aparato regulatório apropriado para fazer mais do que engajarse em algumas tentativas de desloca mento temporal e espacial principalmente dentro dos países embora o investimen to direto no exterior por parte das corporações americanas tenha começado na década de 20 sendo em conseqüência forçado na maioria das vezes a fazer uma selvagem desvalorização do tipo alcançado nos anos 30 e 40 A partir de 1945 e principalmente como conseqüência do detalhado planejamento da época da guerra TEORIZANDO A TRANSIÇÃO 173 no sentido de estabilizar a ordem econômica do pósguerra surgiu uma estra tégia de acumulação com razoável grau de coerência fundamentada no controle da desvalorização e na absorção da superacumulação por outros meios A desvalori zação através de violentas oscilações no ciclo econômico foi submetida ao controle e reduzida ao tipo de desvalorização equilibrada através da obsolescência plane jada que causava problemas relativamente pequenos Por outro lado foi instituído um forte sistema de controle macroeconômico que dosava o ritmo de mudança tecnológica e organizacional em particular por meio do poder do monopólio cor porativo restringia a luta de classes por intermédio da negociação coletiva e da intervenção do Estado e equilibrava mais ou menos a produção e o consumo de massa através do gerenciamento estatal Mas esse modo de regulação sequer teria se aproximado do sucesso não fosse pela presença maciça de deslocamentos tem porais e espaciais embora sob o olho vigilante do Estado intervencionista Em 1972 por exemplo vimos Business Week queixarse de que a economia norteamericana estava sentada sobre uma montanha de dívidas embora conside randose as alturas de hoje tudo pareça apenas um montículo ver figura 23 O financiamento keynesiano da dívida de início entendido como um instrumento administrativo de curto prazo usado para controlar os ciclos econômicos tornou se como era de esperar uma tentativa de absorver a superacumulação mediante a contínua expansão da formação de capital fictício e da conseqüente expansão da carga da dívida A expansão equilibrada dos investimentos de longo prazo or questrada pelo Estado mostrou ser uma maneira útil ao menos até a metade da década de 60 de absorver todo excedente de capital ou de trabalho O desloca mento espacial combinado é verdade com o endividamento de longo prazo foi uma influência ainda mais poderosa Nos Estados Unidos a radical transformação das economias metropolitanas promovida pela suburbanização da manufatura e das residências assim como a expansão para o sul e para o oeste absorveram vastas quantidades de excedente de capital e de trabalho Em termos internacio nais a reconstrução das economias da Europa Ocidental e do Japão a aceleração dos fluxos de investimento direto e o enorme crescimento do comércio exterior tiveram um papel crítico na absorção de superávits O planejamento durante a Segunda Guerra Mundial da paz com prosperidade para o pósguerra enfatizou a necessidade de uma estratégia global de acumulação do capital num mundo em que as barreiras ao comércio e ao investimento seriam consistentemente reduzidas e a subserviência colonial substituída por um sistema aberto de crescimento de avanço e de cooperação no âmbito de um sistema capitalista mundial descolonizado Apesar de algumas facetas desse programa se mostrarem ideológicas e ilusórias concretizouse um montante suficiente do seu conteúdo para tornar inteiramente possível uma revolução espacial no comércio e no investimento global Foi principalmente com o deslocamento espacial e temporal que o regime fordista de acumulação resolveu o problema da superacumulação no decorrer do longo período de expansão do pósguerra Por conseguinte a crise do fordismo pode ser interpretada até certo ponto como o esgotamento das opções para lidar com o problema da superacumulação O deslocamento temporal estava acumulan do dívida sobre dívida até que a única estratégia governamental viável foi afastar 174 TRANSFORMAÇÃO POLÍTICOECONÔMICA DO CAPITALISMO o problema através da monetização Isso foi feito na verdade imprimindose tanto dinheiro que se disparou um surto inflacionário que reduziu radicalmente o valor real das dívidas passadas os milhares de dólares emprestados dez anos antes têm pouco valor depois de uma fase de inflação alta O tempo de giro não podia ser acelerado facilmente sem a destruição do valor dos ativos de capital fixo Foram criados novos centros geográficos de acumulação o sul e o oeste dos Estados Unidos a Europa Ocidental e o Japão e em seguida um conjunto de países recémindustrializados Com a maturação esses sistemas fordistas de produção se tornaram centros de superacumulação novos e com freqüência bastante competi tivos A competição espacial entre sistemas fordistas geograficamente distintos se intensificou com os regimes mais eficientes como o japonês e os de custo de mão deobra mais barato como os de países do Terceiro Mundo em que faltavam noções de um contrato social com o trabalho ou em que esses contratos não tinham muita força levando outros centros a paroxismos de desvalorização através da desindustrialização A competição espacial aumentou ainda mais em particular depois de 1973 à medida que se esgotava a capacidade de se resolver o problema da superacumulação por meio do deslocamento geográfico Assim sendo a crise do fordismo foi tanto geográfica e geopolítica como uma crise de endividamento luta de classes ou estagnação corporativa nas naçõesEstado Os mecanismos de senvolvidos para controlar tendências de crise simplesmente terminaram por ser vencidos pela força das contradições subjacentes do capitalismo Parecia não haver opção além do retorno à desvalorização do tipo ocorrido no período 19731975 ou 19801982 como meio primário de lidar com a tendência de superacumulação Isto é a não ser que algum outro regime superior de produção capitalista capaz de garantir uma sólida base para uma maior acumulação em escala global pudesse ser criado Aqui a acumulação flexível parece enquadrarse como uma recombinação sim ples das duas estratégias de procura de lucro maisvalia definidas por Marx A primeira chamada de maisvalia absoluta apóiase na extensão da jornada de tra balho com relação ao salário necessário para garantir a reprodução da classe tra balhadora num dado padrão de vida A passagem para mais horas de trabalho associadas com uma redução geral do padrão de vida através da erosão do salário real ou da transferência do capital corporativo de regiões de altos salários para regiões de baixos salários representa uma faceta da acumulação flexível de capital Muitos dos sistemas padronizados de produção construídos sob o fordismo foram por essa razão transferidos para a periferia criando o fordismo periféri co Mesmo os novos sistemas de produção tenderam a se transferir uma vez padronizados dos seus centros inovadores para localidades terceiromundistas a transferência da Atari em 1984 do Vale do Silício para o Sudeste Asiático com sua força de trabalho de baixa remuneração é um caso exemplar Nos termos da segunda estratégia denominada maisvalia relativa a mudança organizacional e tecnológica é posta em ação para gerar lucros temporários para firmas inovadoras e lucros mais generalizados com a redução dos custos dos bens que definem o padrão de vida do trabalho Também aqui a violência proliferante dos investimen tos que cortou o emprego e os custos do trabalho em todas as indústrias mi neração de carvão produção de aço bancos e serviços financeiros foi um aspec TEORIZANDO A TRANSIÇÃO 175 to deveras visível da acumulação do capital nos anos 80 Mas apoiarse nessa estratégia enfatiza a importância de forças de trabalho altamente preparadas capa zes de compreender implementar e administrar os padrões novos mas muito mais flexíveis de inovação tecnológica e orientação do mercado Surge então um estrato altamente privilegiado e até certo ponto poderoso da força de trabalho à medida que o capitalismo depende cada vez mais da mobilização de forças de trabalho intelectual como veículo para mais acumulação No final com efeito o que conta é o modo particular de combinação e de alimentação mútua das estratégias absoluta e relativa Curiosamente o desenvol vimento de novas tecnologias gerou excedentes de força de trabalho que tornaram o retorno de estratégias absolutas de extração de maisvalia mais viável mesmo nos países capitalistas avançados O que talvez seja mais inesperado é o modo como as novas tecnologias de produção e as novas formas coordenantes de organização permitiram o retorno dos sistemas de trabalho doméstico familiar e paternalista que Marx tendia a supor que sairiam do negócio ou seriam reduzidos a condições de exploração cruel e de esforço desumanizante a ponto de se tornarem intolerá veis sob o capitalismo avançado O retorno da superexploração em Nova Iorque e Los Angeles do trabalho em casa e do teletransporte bem como o enorme cres cimento das práticas de trabalho do setor informal por todo o mundo capitalista avançado representa de fato uma visão bem sombria da história supostamente progressista do capitalismo Em condições de acumulação flexível parece que sis temas de trabalho alternativos podem existir lado a lado no mesmo espaço de uma maneira que permita que os empreendedores capitalistas escolham à vontade entre eles ver tabela 23 O mesmo molde de camisa pode ser produzido por fábricas de larga escala na Índia pelo sistema cooperativo da Terceira Itália por exploradores em Nova Iorque e Londres ou por sistemas de trabalho familiar em Hong Kong O ecletismo nas práticas de trabalho parece quase tão marcado em nosso tempo quanto o ecletismo das filosofias e gostos pósmodernos E no entanto há apesar da diferença de contexto e das especificidades do exemplo usado algo de muito atraente e relevante no relato que Marx faz da lógica daorganização e da acumulação do capitalismo Reler o que ele diz em O Capital nos traz um certo choque de familiaridade Conhecemos ali as maneiras pelas quais o sistema fabril pode formar intersecções com sistemas de manufatura do mésticos de oficina e artesanais como um exército de reserva industrial é mobi lizado como contrapeso ao poder dos trabalhadores com relação ao controle do trabalho e aos salários o modo como forças intelectuais e novas tecnologias são empregadas para pôr por terra o poder organizado da classe trabalhadora os recursos dos capitalistas na tentativa de promover o espírito de competição entre os trabalhadores ao mesmo tempo que exigem flexibilidade de disposição de localização e de abordagem de tarefas Somos também forçados a considerar que tudo isso cria para a classe trabalhadora oportunidades bm como perigos e dificuldades precisamente porque educação flexibilidade e mobilidade geográ fica uma vez adquiridas ficam mais difíceis de ser controladas pelos capitalistas Muito embora as atuais condições sejam muito diferentes em inúmeros aspec tos não há dificuldade em perceber que os elementos e relações invariantes que Marx definiu como peças fundamentais de todo modo capitalista de produço 176 TRANSFORMAÇÃO POLÍTICOECONÔMICA DO CAPITALISMO ainda estão bem vivos e em muitos casos com uma vivacidade ainda maior do que a de antes por entre a agitação e evanescência superficiais tão características da acumulação flexível Seria esta última então algo mais do que uma versão mais retumbante da mesma velha história do capitalismo de sempre Isso seria um julgamento demasiado simples Em avaliação dá ao capitalismo um tratamento a histórico considerandoo um modo de produção desprovido de dinâmica quan do todas as evidências incluindose aí as explicitamente arroladas por Marx apon tam para o fato de ser o capitalismo uma força constantemente revolucionária da história mundial uma força que reformula de maneira perpétua o mundo criando configurações novas e com freqüência sobremodo inesperadas A acumulação flexível se mostra no mínimo como uma nova configuração requerendo nessa qualidade que submetamos a escrutínio as suas manifestações com o cuidado e a seriedade exigidos empregando não obstante os instrumentos teóricos concebi dos por Marx
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10 Teorizando a transição Tendo em vista estarmos testemunhando uma transição histórica ainda longe de completarse e de todo modo como o fordismo passível de ser parcial em determinados aspectos1mportantes deparamos com uma série de dilemas teóri cos Poderemos apreender teoricamente a lógica senão a necessidade da transi ção Até que ponto as formulações teóricas passadas e presentes da dinâmica do capitalismo têm de ser modificadas à luz das radicais reorganizações e reestrutu rações que ocorrem nas forças produtivas e nas relações sociais E poderemos representar o atual regime suficientemente bem para termos alguma idéia do pro vável curso e implicações do que parece ser uma revolução permanente A transição do fordismo para a acumulação flexível evocou na verdade sérias dificuldades para teorias de toda espécie Teóricos keynesianos monetaristas e do equilíbrio parcial neoclássico parecem tão perturbados quanto todas as outras pessoas Essa transição também trouxe sérios dilemas para os marxistas Diante desses problemas muitos comentadores abandonaram qualquer pretensão de teo ria e simplesmente recorreram à caça de dados para dar conta das rápidas mudan ças Mas também aqui há dúvidas que dados são indicadores vitais e não séries contingentes O único ponto geral de acordo é que alguma coisa significativa mudou no modo de funcionamento do capitalismo a partir de mais ou menos 1970 A primeira dificuldade reside em tentar captar a natureza das mudanças que estamos examinando Nas tabelas 26 27 e 28 resumo três relatos recentes da transição O primeiro uma visão bem laudatória de Halal 1986 do novo capita lismo enfatiza os elementos positivos e liberatórios do novo empreendimentismo O segundo de Lash e Urry 1987 acentua as relações de poder e a política com relação à economia e à cultura O terceiro de Swyngedouw 1986 fornece muito mais detalhes sobre transformações no campo da tecnologia e do processo de tra balho ao mesmo tempo que avalia como o regime de acumulação e suas modali dades de regulamentação se transformaram Em todos os casos com efeito a oposição é usada como artifício didático para dar relevo às diferenças e não às continuidades e nenhum dos autores afirma que as coisas sejam tão claras e dire tas em algum lugar quanto os esquemas sugerem Estes indicam no entanto al guns pontos comuns mas também algumas diferenças que são instrutivas já que sugerem mecanismos bem distintos de causação Halal parece mais próximo da teoria de Schumpeter da inovação dos empreendedores como força motriz do capitalismo e tende a interpretar o fordisÍno e o keynesianismo como um interlúdio infeliz no progresso capitalista Lash e Urry vêem a evolução em parte como o colapso das condições materiais para uma política coletiva poderosa da classe tra balhadora e tentam descobrir as raízes econômicas culturais e políticas desse colapso Pelo próprio uso dos termos organizado e desorganizado para carac 164 TRANSFORMAÇÃO POLÍTICOECONÔMICA DO CAPITALISMO Tabela 26 O novo capitalismo segundo Halal Fronteira de progresso Organização Processo de decisão Valores institucionais Foco gerencial Macrossistema econômico Sistema mundial Fonte Halal 1986 O antigo capitalismo Paradigma industrial crescimento difícil estrutura mecânica comando autoritário alvos financeiros gerência operacional grande negócio centrado no lucro capitalismo versus socialismo O novo capitalismo Paradigma pósindustrial crescimento esperto redes de mercado liderança participativa alvos múltiplos gerência estratégica livre empresa democrática híbridos do capitalismo e do socialismo terizar a transição eles acentuam mais a desintegração do que a coerência do capitalismo contemporâneo evitando assim o enfrentamento da possibilidade de uma transição no regime de acumulação Swyngedouw por outro lado ao enfatizar as mudanças no modo de produção e de organização industrial situa a transição na corrente principal da economia política marxiana ao mesmo tempo que aceita claramente a linguagem da escola da regulamentação Dou preferência à interpretação de Swyngedouw Mas se a linguagem da es cola da regulamentação sobreviveu melhor do que a maioria isso se explica sus peito eu pela sua orientação bem mais pragmática Há na escola da regulamenta ção pouco ou nenhum esforço para fornecer uma compreensão detalhada dos mecanismos e da lógica das transições o que me parece uma séria falha Fazer a passagem requer a volta ao básico e o tratamento da lógica subjacente do capi talismo em geral E com efeito a virtude peculiar de Marx foi ter construído uma teoria do capitalismo em geral por meio de uma análisedo capitalismo sob o modo de regulamentação em que vigiam uma ampla competitividade e o laissezfaire existente na Inglaterra da metade do século XIX Retornemos pois aos elementos e relações invariantes de um modo capitalista de produção propostos por Marx e vejamos até que ponto esses elementos e relações estão onipresentes sob a super fície tênue e evanescente sob as fragmentações e disrupções tão características da atual economia política Como a acumulação flexível ainda é uma forma de capitalismo podemos esperar que algumas proposições básicas se mantenham Tentei resumir essas proposições em outro trabalho razão por que vou simplesmente extrair alguns elementos fundamen tais da argumentação feita em The limíts to capital Harvey 1982 Referirmeei em especial a três características essenciais do modo capitalista de produção TEORIZANDO A TRANSIÇÃO 165 Tabela 27 Contraste entre o capitalismo organizado e o capitalismo desorganizado segundo Lash e Uny Capitalismo organizado concentração e centralização do capital industrial bancário e comercial em mercados nacionais crescente separação entre propriedade e controle e emergência de complexas hierarquias gerenciais desenvolvimento de novos setores de inteligentsia gerencial científica e tecno lógica e de burocracia de classe média desenvolvimento de organizações coletivas e da negociação em regiões e naçõesEstado estreita articulação entre os interesses do Estado e os do capital dos grandes monopólios e aumento do Estado do bemestar social de base classista expansão de impérios econom1cos e controle da produção e de mercados no exterior incorporação de diversos interesses de classe numa pauta nacional estabelecida por intermédio de compromissos negociados e regulamentos burocráticos hegemonia da racionalidade écnicocientífica concentração de relações capitalistas no âmbito de um número relativamente pequeno de indústrias e regiões Capitalismo desorganizado desconcentração do poder corporativo em rápido crescimento com relação aos mercados nacionais Crescente internacionalização do capital e em alguns casos separação entre capital industrial e capital bancário contínua expansão de estratos gerenciais que articulam suas próprias pautas políticas e individuais bem distintas da política de classe declínio relativoabsoluto da classe trabalhadora declínio da eficácia da negociação coletiva nacional crescente independência dos grandes monopólios com relação aos regulamentos estatais e desafios diversificados ao poder e à burocracia estatais centralizados industrialização de países do Terceiro Mundo e desindustrialização de países centrais que se voltam para a especialização em serviços forte declínio de políticas e instituições de base classista fragmentação cultural e pluralismo aliados ao solapamento das identidades tradicionais nacionais ou de classe dispersão de relações capitalistas em muitos setores e regiões 166 TRANSFORMAÇÃO POLÍTICOECONÔMICA DO CAPITALISMO Capitalismo organizado indústrias extrativomanufatureiras como fontes dominantes de emprego forte concentração e especialização regionais em setores extrativo manufatureiros busca de economias de escala através do aumento da dimensão da fábrica força de trabalho desenvolvimento de grandes cidades industriais dominando regiões através do fornecimento de serviços centralizados comerciais e financeiros configuração culturalideológica do modernismo Capitalismo desorganizado declínio das indústrias extrativo manufatureiras e ascensão das indústrias de serviços e organizacionais dispersão diversificação da divisão territorialespacial do trabalho declínio da dimensão da fábrica propiciado pela dispersão geográfica pelo aumento da subcontratação e por sistemas de produção global declínio das cidades industriais e desconcentração dos centros urbanos para áreas periféricas ou semirurais criando agudos problemas nos pontos adjacentes ao centro das cidades configurações culturalideológicas do pósmodernismo Fonte a partir de Lash e Uny 1987 I kxQ Yo J C 1 r QO t J Y V Oe r crr QYC Yv0 v J 1 O capitalismo é orientado para o crescimento Uma taxa equilibrada de crescimento é essencial para a saúde de um sistema econômico capitalista visto que só através do crescimento os lucros podem ser garantidos e a acumulação do capital sustentada Isso implica que o capitalismo tem de preparar o terreno para uma expansão do produto e um crescimento em valores reais e eventualmente atingilos pouco importam as conseqüências sociais políticas geopolíticas ou ecológicas Na medida em que a virtude vem da necessidade um dos pilares básicos da ideologia capitalista é que o crescimento é tanto inevitável como bom A crise é definida em conseqüência como falta de crescimento 2 O crescimento em valores reais se apóia na exploração do trabalho vivo na produção Isso não significa que o trabalho se aproprie de pouco mas que o cres cimento sempre se baseia na diferença entre o que o trabalho obtém e aquilo que cria Por isso o controle do trabalho na produção e no mercado é vital para a perpetuação do capitalismo O capitalismo está fundado em suma numa relação de classe entre capital e trabalho Como o controle do trabalho é essencial para o lucro capitalista a dinâmica da luta de classes pelo controle do trabalho e pelo salário de mercado é fundamental para a trajetória do desenvolvimento capitalista TEORIZANDO A TRANSIÇÃO 167 Tabela 28 Contraste entre o fordismo e a acumulação flexível segundo Swyngedouw Produção fordista baseada em economias de escala Produção justintime baseada em economias de escopo A O PROCESSO DE PRODUÇÃO produção em massa de bens homogêneos uniformidade e padronização grandes estoques e inventários testes de qualidade expost detecção tardia de erros e produtos defeituosos produtos defeituosos ficam ocultados nos estoques perda de tempo de produção por causa de longos tempos de preparo peças com defeito pontos de estrangulamento nos estoques etc voltada para os recursos integração vertical e em alguns casos horizontal redução de custos através do controle dos salários produção em pequenos lotes produção flexível e em pequenos lotes de uma variedade de tipos de produto sem estoques controle de qualidade integrado ao processo detecção imediata de erros rejeição imediata de peças com defeito redução do tempo perdido reduzindose a porosidade do dia de trabalho voltada para a demanda integração quase vertical subcontratação aprendizagem na prática integrada ao planejamento a longo prazo B TRABALHO realização de uma única tarefa pelo trabalhador pagamento pro rata baseado em critérios da definição do emprego alto grau de especialização de tarefas pouco ou nenhum treinamento no trabalho organização vertical do trabalho múltiplas tarefas pagamento pessoal sistema detalhado de bonificações eliminação da demarcação de tarefas longo treinamento no trabalho organização mais horizontal do trabalho 168 TRANSFORMAÇÃO POLÍTICOECONÔMICA DO CAPITALISMO Produção fordista baseada em economias de escala nenhuma experiência de aprendizagem ênfase na redução da responsabilidade do trabalhador disciplinamento da força de trabalho nenhuma segurança no trabalho Produção justintime baseada em economias de escopo aprendizagem no trabalho ênfase na coresponsabilidade do trabalhador grande segurança no emprego para trabalhadores centrais emprego perpétuo Nenhuma segurança no trabalho e condições de trabalho ruins para trabalhadores temporários C ESPAÇO especialização espacial funcional centralizaçãodescentralização divisão espacial do trabalho homogeneização dos mercados regionais de trabalho mercados de trabalho espacialmente segmentados distribuição em escala mundial de componentes e subcontratantes agregação e aglomeração espaciais integração espacial diversificação do mercado de trabalho segmentação interna do mercado de trabalho proximidade espacial de firmas verticalmente quase integradas D ESTADO regulamentação rigidez negociação coletiva socialização do bemestar social o Estado do bemestar social estabilidade internacional através de acordos multilaterais centralização L desreg u la me ntaçãoreregu lamentação flexibilidade divisãoindividualização negociações locais ou por empresa privatização das necessidades coletivas e da seguridade social desestabilização internacional crescentes tensões geopolíticas descentralização e agudização da competição interregionalinterurbana Produção fordista baseada em economias de escala o Estadocidade subsidiador intervenção indireta em mercados atra vés de políticas de renda e de preços políticas regionais nacionais pesquisa e desenvolvimento financiados pelas firmas inovação liderada pela indústria TEORIZANDO A TRANSIÇÃO 169 Produção justintime baseada em economias de escopo o Estadocidade empreendedor intervenção estatal direta em mercados através de aquisição políticas regionais territoriais na forma de uma terceira parte pesquisa e desenvolvimento financiados pelo Estado inovação liderada pelo Estado E IDEOLOGIA consumo de massa de bens duráveis a sociedade de consumo modernismo totalidadereforma estrutural socialização Fonte Swyngedouw 1986 consumo individualizado cultura yuppie pósmodernismo especificidadeadaptação individualização a sociedade do espetáculo 3 O capitalismo é por necessidade tecnológica e organizacionalmente dinâ mico Isso decorre em parte das leis coercitivas que impelem os capitalistas indi viduais a inovações em sua busca do lucro Mas a mudança organizacional e tecnológica também tem papelchave na modificação da dinâmica da luta de clas ses movida por ambos os lados no domínio dos mercados de trabalho e do con trole do trabalho Além disso se o controle do trabalho é essencial para a produção de lucros e se torna uma questão mais ampla do ponto de vista do modo de regulamentação a inovação orgatúzacional e tecnológica no sistema regulatório como o aparelho do Estado os sistemas políticos de incorporação e representação etc se torna crucial para a perpetuação do capitalismo Deriva em parte dessa necessidade a ideologia de que o progresso é tanto inevitável como bom Marx foi capaz de mostrar que essas três condições necessárias do modo capi talista de produção eram inconsistentes e contraditórias e que por isso a dinâmica do capitalismo era necessariamente propensa a crises Não havia em sua análise 170 TRANSFORMAÇÃO POLÍTICOECONÔMICA DO CAPITALISMO uma maneira pela qual a combinação dessas três condições necessárias pudesse produzir um crescimento equilibrado e sem problemas além de as tendências de crise do capitalismo apresentarem a tendência de produzir fases periódicas de superacumulação definida como uma condição em que podem existir ao mesmo tempo capital ocioso e trabalho ocioso sem nenhum modo aparente de se unirem esses recursos para o atingimento de tarefas socialmente úteis Uma condição ge neralizada de superacumulação seria indicada por capacidade produtiva ociosa um excesso de mercadorias e de estoques um excedente de capitaldinheiro talvez mantido como entesouramento e grande desemprego As condições que prevale ciam nos anos 30 e que surgiram periodicamente desde 1973 têm de ser conside radas manifestações típicas da tendência de superacumulação O argumento marxista é 12or conseguinte ue a tendência de su12eracumul ção nunca pode ser eliminada sobocapitªlismo Tratase de um interminável e cterno problema de todo modo capitalista de produção A única questão portanto é como exprimir conter absorver ou administrar essa tendência de maneiras que não ameacem a ordem social capitalista Deparamos aqui com o lado heróico da vida e da política burguesa em que devem ser feitas escolhas reais para que a ordem social não se transforme em caos Examinemos algumas dessas escolhas 1 Desvalorização de mercadorias de capacidade produtiva do valor do di nheiro talvez associada à destruição direta é uma medida que fornece um modo de lidar com excedentes de capital Em termos simples desvalorização significa a baixa ou cancelamento do valor dos bens de capital particularmente instala ções e equipamentos a liquidação de estoques excedentes de bens ou sua destrui ção pura e simples como a famosa queima do café brasileiro nos anos 30 ou a erosão inflacionária do poder do dinheiro ao lado de inúmeras inadimplências em obrigações de empréstimo A força de trabalho também pode ser desvalorizada e até destruída taxas crescentes de exploração queda da renda real desemprego mais mortes no trabalho piora da saúde e menor expectativa de vida etc A Grande Depressão viu uma enorme desvalorização do capital e da força de traba lho e a Segunda Guerra Mundial viu ainda mais Há muitos exemplos e abundan tes provas da desvalorização como resposta à superacumulação a partir de 1973 Mas a desvalorização tem um alto preço político e atinge amplos segmentos da classe capitalista da classe trabalhadora e das várias outras classes sociais que formam a complexa sociedade capitalista moderna Uma certa sacudidela pode parecer uma boa coisa mas as falências descontroladas e a desvalorização maciça expõem o lado irracional da racionalidade capitalista de uma maneira demasiado brutal para serem sustentadas por muito tempo sem produzir algum tipo deres posta revolucionária de direita ou de esquerda Contudo a desvalorização con trolada através de políticas deflacionárias administradas é uma opção muito im portante e de modo algum incomum para lidar com a superacumulação 2 O controle macroeconômico por meio da institucionalização de algum siste ma de regulação pode conter o problema da superacumulação talvez por um considerável período de tempo A virtude do regime fordistakeynesiano foi com efeito a possibilidade de criação de um equilíbrio de forças mesmo tênue através do qual os mecanismos que causavam o problema da superacumulação o ritmo da mudança tecnológica e organizacional e a luta pelo controle do trabalho pudessem TEORIZANDO A TRANSIÇÃO 171 ser mantidos sob suficiente controle para se garantir um crescimento equilibrado Mas foi necessária uma grande crise de superacumulação para ligar a produção fordista a um modo keynesiano de regulamentação estatal antes de se poder garan tir por qualquer período estendido alguma espécie de crescimento macroeconômico equilibrado A ascensão de um regime particular de acumulação tem de ser vista então como agora como o resultado de todo um conjunto de decisões econômicas e políticas que de modo algum sempre são dirigidas conscientemente para alcan çar este ou aquele fim específico provocadas por persistentes manifestações do problema da superacumulação 3 A absorção da superacumulação por intermédio do deslocamento temporal e espacial oferece a meu juízo um terreno mais rico e duradouro mas também muito mais problemático no qual tentar controlar o problema da superacumula ção A discussão aqui tem detalhes bem complicados razão por que recorrerei outra vez a elementos publicados em outros trabalhos Harvey 1982 1985c a O deslocamento temporal envolve seja um desvio de recursos das neces sidades atuais para a exploração de usos futuros seja uma aceleração do tempo de giro a velocidade com que os dispêndios de dinheiro produzem lucro para o investidor para que a aceleração de um dado ano absorva a capacidade excedente do ano anterior O excedente de capital e de trabalho pode por exemplo ser absorvido pela sua retirada do consumo corrente para os investimentos públicos e privados de longo prazo em instalações infraestruturas físicas e sociais etc Esses investimentos absorvem superávits no presente apenas para devolver seu equiva lente em valor durante um longo período de tempo futuro esse foi o princípio dos programas públicos de trabalho usados para combater as condições de baixa de preços nos anos 30 em muitos países capitalistas avançados A capacidade de fazer essa transição depende no entanto da disponibilidade de crédito e da capa cidade de formação de capital fictício Este capital é definido como capital que tem valor monetário nominal e existência como papel mas que num dado mo mento do tempo não tem lastro em termos de atividade produtiva real ou de ativos físicos O capital fictício é convertido em capital real na medida em que são feitos investimentos que levem a um aumento apropriado em ativos úteis por exemplo instalações e equipamentos que possam ter emprego lucrativo ou mer cadorias úteis bens e serviços que possam ser vendidos com lucro Por isso o deslocamento temporal para usos futuros é um paliativo de curto prazo para o problema da superacumulação a não ser que haja um contínuo deslocamento atra vés da permanente aceleração das taxas de formação do capital fictício e da expan são dos volumes de investimento de prazo mais longo Tudo isso depende de algum crescimento dinâmico contínuo e sustentado pelo Estado do endividamento As políticas keynesianas aplicadas pelos países capitalistas avançados depois de 1945 tiveram em parte esse efeito A absorção de superávits através das acelerações do tempo de giro uma forte característica do período recente de acumulação flexível apresenta um tipo diferente de problema teórico A intensificação da competição por certo leva as firmas individuais a acelerarem seu tempo de giro as firmas com um tempo de giro mais rápido tendem a ganhar por isso um excedente de lucros sobrevivendo com mais facilidade Mas só sob certas condições isso permite uma aceleração 172 TRANSFORMAÇÃO POLÍTICOECONÔMICA DO CAPITALISMO agregada do tempo de giro para permitir uma absorção agregada de excedentes Mesmo assim isso é na melhor das hipóteses um paliativo de curto prazo se não for possível acelerar continuamente ano após ano o tempo social de giro uma solução que de qualquer maneira certamente implica grandes cancelamentos de ativos passados já que a aceleração costuma envolver novas tecnologias que des locam as antigas b O deslocamento espacial compreende a absorção pela expansão geográfica do capital e do trabalho excedentes Esse reparo espacial como o denominei alhures do problema da superacumulação promove a produção de novos espaços dentro dos quais a produção capitalista possa prosseguir por exemplo por meio de investimentos em infraestrutura no crescimento do comércio e dos investi mentos diretos e no teste de novas possibilidades de exploração da força de traba lho Também aqui o sistema de crédito e a formação de capital fictício sustentados pelo poder fiscal monetário e quando preciso militar do Estado se tornam vitais influências mediadoras Também é possível que a maneira de ocupação anterior dos espaços para os quais o capitalismo se expande bem como os graus da resis tência encontrada tenham profundas conseqüências Em alguns espaços há uma história de forte resistência à implantação do capital ocidental por exemplo na China enquanto em outros por exemplo o Japão ou os casos mais recentes de Hong Kong Singapura ou Taiwan classes dominantes ou até subordinadas se inserem agressivamente no que vêem como um sistema econômico superior Se a contínua expansão geográfica do capitalismo fosse uma real possibilidade poderia haver uma solução relativamente permanente para o problema da superacumula ção Mas na medida em que a implantação progressiva do capitalismo na face da terra amplia o espaço no âmbito do qual pode surgir o problema da superacumu lação a expansão geográfica só pode na melhor das hipóteses ser uma solução de curto prazo O resultado de longo prazo será quase certamente o aumento da competição internacional e interregional com os países e regiões que têm menos vantagens sofrendo as mais severas conseqüências c Os deslocamentos tempoespaciais têm de fato um duplo poder no tocan te à absorção do problema da superacumulação e na prática particularmente na medida em que a formação de capital fictício e em geral o envolvimento do Estado é essencial ao deslocamento temporal e espacial o que conta é a combina ção das estratégias temporal e espacial Emprestar dinheiro com freqüência levan tado digamos nos mercados de capital de Londres ou Nova Iorque por meio da formação de capital fictício à América Latina para a construção de infraestruturas de longo prazo ou para a compra de bens de capital que ajudem a gerar produtos por muitos anos é uma forma típica e forte de absorção da superacumulação Como então o fordismo resolvia as tendências de superacumulação inerentes ao capitalismo Antes da Segunda Guerra Mundial faltavalhe o aparato regulatório apropriado para fazer mais do que engajarse em algumas tentativas de desloca mento temporal e espacial principalmente dentro dos países embora o investimen to direto no exterior por parte das corporações americanas tenha começado na década de 20 sendo em conseqüência forçado na maioria das vezes a fazer uma selvagem desvalorização do tipo alcançado nos anos 30 e 40 A partir de 1945 e principalmente como conseqüência do detalhado planejamento da época da guerra TEORIZANDO A TRANSIÇÃO 173 no sentido de estabilizar a ordem econômica do pósguerra surgiu uma estra tégia de acumulação com razoável grau de coerência fundamentada no controle da desvalorização e na absorção da superacumulação por outros meios A desvalori zação através de violentas oscilações no ciclo econômico foi submetida ao controle e reduzida ao tipo de desvalorização equilibrada através da obsolescência plane jada que causava problemas relativamente pequenos Por outro lado foi instituído um forte sistema de controle macroeconômico que dosava o ritmo de mudança tecnológica e organizacional em particular por meio do poder do monopólio cor porativo restringia a luta de classes por intermédio da negociação coletiva e da intervenção do Estado e equilibrava mais ou menos a produção e o consumo de massa através do gerenciamento estatal Mas esse modo de regulação sequer teria se aproximado do sucesso não fosse pela presença maciça de deslocamentos tem porais e espaciais embora sob o olho vigilante do Estado intervencionista Em 1972 por exemplo vimos Business Week queixarse de que a economia norteamericana estava sentada sobre uma montanha de dívidas embora conside randose as alturas de hoje tudo pareça apenas um montículo ver figura 23 O financiamento keynesiano da dívida de início entendido como um instrumento administrativo de curto prazo usado para controlar os ciclos econômicos tornou se como era de esperar uma tentativa de absorver a superacumulação mediante a contínua expansão da formação de capital fictício e da conseqüente expansão da carga da dívida A expansão equilibrada dos investimentos de longo prazo or questrada pelo Estado mostrou ser uma maneira útil ao menos até a metade da década de 60 de absorver todo excedente de capital ou de trabalho O desloca mento espacial combinado é verdade com o endividamento de longo prazo foi uma influência ainda mais poderosa Nos Estados Unidos a radical transformação das economias metropolitanas promovida pela suburbanização da manufatura e das residências assim como a expansão para o sul e para o oeste absorveram vastas quantidades de excedente de capital e de trabalho Em termos internacio nais a reconstrução das economias da Europa Ocidental e do Japão a aceleração dos fluxos de investimento direto e o enorme crescimento do comércio exterior tiveram um papel crítico na absorção de superávits O planejamento durante a Segunda Guerra Mundial da paz com prosperidade para o pósguerra enfatizou a necessidade de uma estratégia global de acumulação do capital num mundo em que as barreiras ao comércio e ao investimento seriam consistentemente reduzidas e a subserviência colonial substituída por um sistema aberto de crescimento de avanço e de cooperação no âmbito de um sistema capitalista mundial descolonizado Apesar de algumas facetas desse programa se mostrarem ideológicas e ilusórias concretizouse um montante suficiente do seu conteúdo para tornar inteiramente possível uma revolução espacial no comércio e no investimento global Foi principalmente com o deslocamento espacial e temporal que o regime fordista de acumulação resolveu o problema da superacumulação no decorrer do longo período de expansão do pósguerra Por conseguinte a crise do fordismo pode ser interpretada até certo ponto como o esgotamento das opções para lidar com o problema da superacumulação O deslocamento temporal estava acumulan do dívida sobre dívida até que a única estratégia governamental viável foi afastar 174 TRANSFORMAÇÃO POLÍTICOECONÔMICA DO CAPITALISMO o problema através da monetização Isso foi feito na verdade imprimindose tanto dinheiro que se disparou um surto inflacionário que reduziu radicalmente o valor real das dívidas passadas os milhares de dólares emprestados dez anos antes têm pouco valor depois de uma fase de inflação alta O tempo de giro não podia ser acelerado facilmente sem a destruição do valor dos ativos de capital fixo Foram criados novos centros geográficos de acumulação o sul e o oeste dos Estados Unidos a Europa Ocidental e o Japão e em seguida um conjunto de países recémindustrializados Com a maturação esses sistemas fordistas de produção se tornaram centros de superacumulação novos e com freqüência bastante competi tivos A competição espacial entre sistemas fordistas geograficamente distintos se intensificou com os regimes mais eficientes como o japonês e os de custo de mão deobra mais barato como os de países do Terceiro Mundo em que faltavam noções de um contrato social com o trabalho ou em que esses contratos não tinham muita força levando outros centros a paroxismos de desvalorização através da desindustrialização A competição espacial aumentou ainda mais em particular depois de 1973 à medida que se esgotava a capacidade de se resolver o problema da superacumulação por meio do deslocamento geográfico Assim sendo a crise do fordismo foi tanto geográfica e geopolítica como uma crise de endividamento luta de classes ou estagnação corporativa nas naçõesEstado Os mecanismos de senvolvidos para controlar tendências de crise simplesmente terminaram por ser vencidos pela força das contradições subjacentes do capitalismo Parecia não haver opção além do retorno à desvalorização do tipo ocorrido no período 19731975 ou 19801982 como meio primário de lidar com a tendência de superacumulação Isto é a não ser que algum outro regime superior de produção capitalista capaz de garantir uma sólida base para uma maior acumulação em escala global pudesse ser criado Aqui a acumulação flexível parece enquadrarse como uma recombinação sim ples das duas estratégias de procura de lucro maisvalia definidas por Marx A primeira chamada de maisvalia absoluta apóiase na extensão da jornada de tra balho com relação ao salário necessário para garantir a reprodução da classe tra balhadora num dado padrão de vida A passagem para mais horas de trabalho associadas com uma redução geral do padrão de vida através da erosão do salário real ou da transferência do capital corporativo de regiões de altos salários para regiões de baixos salários representa uma faceta da acumulação flexível de capital Muitos dos sistemas padronizados de produção construídos sob o fordismo foram por essa razão transferidos para a periferia criando o fordismo periféri co Mesmo os novos sistemas de produção tenderam a se transferir uma vez padronizados dos seus centros inovadores para localidades terceiromundistas a transferência da Atari em 1984 do Vale do Silício para o Sudeste Asiático com sua força de trabalho de baixa remuneração é um caso exemplar Nos termos da segunda estratégia denominada maisvalia relativa a mudança organizacional e tecnológica é posta em ação para gerar lucros temporários para firmas inovadoras e lucros mais generalizados com a redução dos custos dos bens que definem o padrão de vida do trabalho Também aqui a violência proliferante dos investimen tos que cortou o emprego e os custos do trabalho em todas as indústrias mi neração de carvão produção de aço bancos e serviços financeiros foi um aspec TEORIZANDO A TRANSIÇÃO 175 to deveras visível da acumulação do capital nos anos 80 Mas apoiarse nessa estratégia enfatiza a importância de forças de trabalho altamente preparadas capa zes de compreender implementar e administrar os padrões novos mas muito mais flexíveis de inovação tecnológica e orientação do mercado Surge então um estrato altamente privilegiado e até certo ponto poderoso da força de trabalho à medida que o capitalismo depende cada vez mais da mobilização de forças de trabalho intelectual como veículo para mais acumulação No final com efeito o que conta é o modo particular de combinação e de alimentação mútua das estratégias absoluta e relativa Curiosamente o desenvol vimento de novas tecnologias gerou excedentes de força de trabalho que tornaram o retorno de estratégias absolutas de extração de maisvalia mais viável mesmo nos países capitalistas avançados O que talvez seja mais inesperado é o modo como as novas tecnologias de produção e as novas formas coordenantes de organização permitiram o retorno dos sistemas de trabalho doméstico familiar e paternalista que Marx tendia a supor que sairiam do negócio ou seriam reduzidos a condições de exploração cruel e de esforço desumanizante a ponto de se tornarem intolerá veis sob o capitalismo avançado O retorno da superexploração em Nova Iorque e Los Angeles do trabalho em casa e do teletransporte bem como o enorme cres cimento das práticas de trabalho do setor informal por todo o mundo capitalista avançado representa de fato uma visão bem sombria da história supostamente progressista do capitalismo Em condições de acumulação flexível parece que sis temas de trabalho alternativos podem existir lado a lado no mesmo espaço de uma maneira que permita que os empreendedores capitalistas escolham à vontade entre eles ver tabela 23 O mesmo molde de camisa pode ser produzido por fábricas de larga escala na Índia pelo sistema cooperativo da Terceira Itália por exploradores em Nova Iorque e Londres ou por sistemas de trabalho familiar em Hong Kong O ecletismo nas práticas de trabalho parece quase tão marcado em nosso tempo quanto o ecletismo das filosofias e gostos pósmodernos E no entanto há apesar da diferença de contexto e das especificidades do exemplo usado algo de muito atraente e relevante no relato que Marx faz da lógica daorganização e da acumulação do capitalismo Reler o que ele diz em O Capital nos traz um certo choque de familiaridade Conhecemos ali as maneiras pelas quais o sistema fabril pode formar intersecções com sistemas de manufatura do mésticos de oficina e artesanais como um exército de reserva industrial é mobi lizado como contrapeso ao poder dos trabalhadores com relação ao controle do trabalho e aos salários o modo como forças intelectuais e novas tecnologias são empregadas para pôr por terra o poder organizado da classe trabalhadora os recursos dos capitalistas na tentativa de promover o espírito de competição entre os trabalhadores ao mesmo tempo que exigem flexibilidade de disposição de localização e de abordagem de tarefas Somos também forçados a considerar que tudo isso cria para a classe trabalhadora oportunidades bm como perigos e dificuldades precisamente porque educação flexibilidade e mobilidade geográ fica uma vez adquiridas ficam mais difíceis de ser controladas pelos capitalistas Muito embora as atuais condições sejam muito diferentes em inúmeros aspec tos não há dificuldade em perceber que os elementos e relações invariantes que Marx definiu como peças fundamentais de todo modo capitalista de produço 176 TRANSFORMAÇÃO POLÍTICOECONÔMICA DO CAPITALISMO ainda estão bem vivos e em muitos casos com uma vivacidade ainda maior do que a de antes por entre a agitação e evanescência superficiais tão características da acumulação flexível Seria esta última então algo mais do que uma versão mais retumbante da mesma velha história do capitalismo de sempre Isso seria um julgamento demasiado simples Em avaliação dá ao capitalismo um tratamento a histórico considerandoo um modo de produção desprovido de dinâmica quan do todas as evidências incluindose aí as explicitamente arroladas por Marx apon tam para o fato de ser o capitalismo uma força constantemente revolucionária da história mundial uma força que reformula de maneira perpétua o mundo criando configurações novas e com freqüência sobremodo inesperadas A acumulação flexível se mostra no mínimo como uma nova configuração requerendo nessa qualidade que submetamos a escrutínio as suas manifestações com o cuidado e a seriedade exigidos empregando não obstante os instrumentos teóricos concebi dos por Marx