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A EDUCAÇÃO NO SÉCULO XXI\nOs desafios do futuro imediato\n\nF. Imbernón (organizador)\n\nL. Bartolome, R. Flecha, J. Gimeno Sacristán,\nH. Giroux, D. Macedo, P. McLaren,\nT. S. Popkewitz, L. Rigal, M. Subirats, I. Tortajada\n\nartmed E24 A educação no século XXI: os desafios do futuro imediato / organizado por Francisco Imbernón; trad. Ernani Rosa - 2.ed. - Porto Alegre: Artmed, 2000.\n\nISBN 978-85-7307-664-6\n\n1. Educação - Século XXI. I. Imbernón, Francisco. II. Título.\n\nCDU 37.012\"21\"\n\nCatalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto - CRB 10/1023 8\nA escola crítico-democrática: uma matéria pendente no limiar do século XXI\n\nLuis Rigal\nUniversidad Nacional de Jujuy (Buenos Aires)\n\nNa história se faz o que se pode e não o que se gostaria de fazer. \nUma das grandes tarefas políticas que se deve observar é a\nperseguição constante de tornar possível amanhã o impossível de hoje.\n(Paulo Freire, 1992)\n\nFIM DE SÉCULO, INÍCIO DE SÉCULO: CELEBRAÇÕES E PREOCUPAÇÕES\nLevantar o olhar\n\nO início do século convoca à celebração de uma aposta no futuro e à reflexão sobre o tempo ido nos diversos âmbitos da vida da humanidade.\nPorém, fundamentalmente, leva a iludir-se com projetos distintos dos vigentes.\n\nNaturalmente, e também miticamente, há nessa situação algo de passagem, de necessidade de olhar da maneira simultânea para trás em busca de chaves que permitam calibrar o presente e levantar o olhar, tratando de esboçar e, se fosse possível, de definir um horizonte futuro.\n\nEste momento de corte e de passagem no mundo da cultura e, portanto, da educação pode ser caracterizado como momento de crise. E remete-nos ao sentido que Gramsci atribui-lhe: momento no qual o velho está agonizando, ou o morto, e o novo ainda não acabou de nascer. Momento, portanto, de incerteza (a morte do velho também aniquila às já velhas certezas) e de fragmentação (o velho está em pedaços e não sabe como recompor-se).\n\nPodemos afirmar que crise, incerteza e fragmentação também atravessam o campo da educação e determinam boa parte dos debates e dos discursos atuais. Momento, além disso, em que o incompleto e o efêmero parecem caracterizar aquelas colocações interrogativas e o novo tempo não será de crise permanente, de vertiginosos e heterogêneos provisoriedades. universidade que propõem termos como globalização e a pretensa democratização do conhecimento que proclamam os apologists da sociedade da informação. Como afirma Braudel, \"não há um tempo histórico único e unívoco\". Não só cada sociedade tem seu próprio tempo, mas também dentro dela convivem e superpõem-se tempos diferentes.\nAqui falaremos da educação do século XXI na América Latina como um espaço histórico que recorta, limita e define seu próprio tempo e singulariza o início do século XXI. Projetaremos uma reflexão teórica sobre um futuro possível, de transcender o imediato e o conjuntural que, frequentemente, pela intensidade e gravidade de seus problemas e pela inexistência de novos paradigmas, parece tornar-se o único referencial de nosso pensamento, confundindo e equiparando, muitas vezes, presente e futuro.\nO marco\nTrês preocupações orientam nossa reflexão sobre a educação e a escola para o século XXI:\n\n• Preocupação ética. Refletir sobre a classe de pessoa que se quer chegar a ser e a sociedade onde se quer viver, bem como o sentido de vida que se quer ocorrer nela.\n• Preocupação política. Relacionar permanentemente a questão da educação com a questão da construção, apropriação, legitimidade e distribuição do poder na sociedade, bem como a construção de estruturas de poder que estabelecem relações de dominação e de subalternidade.\n• Preocupação epistemológica. Elaborar um pensamento de ruptura e superação do dado, coerente com a busca ética de garantir pensamento crítico que situe o conhecimento como momento dialético da práxis. Preocupação em compreender a realidade (para dar-lhe sentido) a fim de poder encarar a sua transformação. Concepção (isto não é desdênhavel, nem ремen complementar) que atribuía ação do homem um importante peso na construção da história, entendida como presente modificado (Feinmann, 1994). Nossa proposta equipara-se com a que Rorty denomina \"olhar filosófico edificante\", que posi permanentemente no contingente e no não-sistêmico, buscando criar espaços abertos e dialéticos de construção-destruição de pensamento, não-obcedido pela segurança ou pelos conhecimentos imutáveis (Rorty, 1991). mente criticados e recusados (por sua rigidez, dogmatismo e autoritarismo que, com frequência, foram utilizados em alguns discursos da modernidade) por boa parte do pensamento pós-moderno (Lyotard, 1979).\nRecorrer ao uso de totalidades não é gerar categorias ontológicas ou olhares reducionistas forçadamente homogeneizadores, mas apenas apelar para um:\n\n[...] recurso heurístico que permite tornar visível aquelas medições, inter-relações e interdependências que formam as estruturas políticas e sociais ( Aronowitz e Giroux, 1991, p. 70). \nA totalidade supõe a estruturação das contradições e diferenças que, no campo social e político, referem-se a relações de dominação, de modo que o reconhecimento e a compreensão dos fragmentos heterogêneos que constituem essas estruturas. Acreditamos em uma não-totalitária da totalidade como modo de referência crescentemente complexo e dinâmico organizado como sistema aberto estruturador-extrutivado, numa unidade não-violenta do múltiplo, que permita relacionar fragmentos, marcar seus entrelaçamentos e seus vínculos interdependentes: uma relação e relações por via das diferenças, não das forças semelhantes, uma relação dialógica (Jameson, 1996, Capítulo 1). Hegemonia como totalidade\nA partir desse enquadramento epistemológico (centrado nas noções de pensamento crítico e de totalidade), articulado com nossas preocupações éticas e políticas, propomos elaborar uma noção de hegemônia como conceito totalizador que permita não só captar em sua complexidade estrutural o discurso educativo dominante (construído dentro do lógica e dos limites do modelo neoliberal-neoconservador) (Giroux, 1993, Capítulo 1), mas também projetá-lo crítica, contestatória e transformadora para tornar-se de um modo que suprahon supiração, levando em conta os debates que hoje presidem a passagem modernidade-pós-modernidade, a partir da explosão e da liquefação do homogêneo relato da modernidade que tanto influenciou o projeto de nossas instituições educativas (Lyotard, 1979).\nGenericamente, a hegemonia refere-se a um processo de estabelecimento de consensos, de visões comuns da realidade.\nA hegemonia aparece como um processo cultural totalizador, com intencionalidade social, que organiza significados, valores e práticas. Essa totalização opera de um modo muito intenso, \"naturalizando\" modos de ver e de agir e constituindo um sentido da realidade.\nSatura a sociedade de tal maneira, que constituiu o limite da lógica para a maioria das pessoas (Williams, 1988, parte 1). No entanto, a modernidade política apenas realizou essa ideia de cidadania livre e individualidade autônoma. Fenômenos sociais, como aliança, anomia, burocratização, exploração e exclusão, que caracterizam diversos traços da moderna sociedade emergente, assim o comprovam (Angulo, 1997).\n\nPortanto, o fracasso desse objetivo político da modernidade expressa também o fracasso da escola e constitui uma matéria pendente a ser resolvida em qualquer projeto para o futuro; talvez, a principal matéria pendente.\n\nA modernidade e a pós-modernidade na América Latina\nVoltando às primeiras considerações que formulávamos, tampouco existiu uma única modernidade e, portanto, uma única escola moderna. Perry Anderson critica o conceito linear-universal de modernidade. Afirma que a modernidade não existe como tal: deve ser situada historicamente como forma de expressão do desenvolvimento contraditório, de capitalismo e combinações, isto é, cada trajetória do desenvolvimento capitalista leva a um determinado perfil da modernidade (Anderson, 1989).\n\nIsto é tão certo para a realidade da América Latina como o reconhecimento de que modernidade e pós-modernidade foram, em seu germe, noções externas à América Latina e, desse modo, tanto esses debates como as instituições que se constituíram e reformaram em nome delas são, em grande parte, importados a partir de outro cenário; importação que expressa também a situação de dependência e dominação em que estiveram as sociedades latino-americanas desde:\n\n[...] a primeira fase de globalização do capital que levou a sua incorporação forçada ao mercado mundial no século XVI (Stavenhagen, 1997). A escola da modernidade na América Latina esteve marcada por tal tradição. O projeto de nação da geração dominante entre 1850 e 1900 definiu finalidades muito precisas para a escola moderna latino-americana (em suas versões mais primitivas no México, no Uruguai, na Argentina, no Brasil e na Colômbia): a formação de uma cidadania capaz de se somar ao progresso social do momento constituía a meta fundamental da instituição escolar. Transmissora por excelência de uma cultura homogênea, sem brechas, sem diferenças, aspirava assim a produzir um tipo de sujeito apto a adaptar-se às exigências políticas e sociais que a classe dominante prescrevia. Os habitantes do país, sem distinção de sexo, nacionalidade ou credo, isto é, o \"povo\" todo, eram convocados a ultrapassar as portas que a instrução pública abria.\n\nPor trás dos discursos e dos rituais democratizadores, a igualdade que a escola propunha era só para formar um cidadão que abstracto: tal fato supunha um \"forjamento\" que negava a existência das fortes diferenças culturais e econômicas. A tentativa de \"integrar\" a sociedade emergente, para que se pensasse e se pensasse como uma totalidade harmônica, fez com que fossem tratados como sujeitos indistintos o camponês, o habitante da cidade, o nativo, o estrangeiro, o católico e o protestante. Integração e igualdade eram impostas quase autoritariamente.\n\nTentava-se instalar, através da escola, uma lógica, um sistema de representações, um conjunto de hábitos cujo caráter pretensamente universal outorgava à instituição escolar a possibilidade de legitimar só uma bagagem cultural e deslegitimar outras. O popular, com seus saberes, suas crenças e seus pressupostos sobre o mundo, não aparecia no horizonte escolar. A partir do poder que conferia aos governantes a posse da \"razão\", julgava-se sobre o verdadeiro e sobre o falso, com a ilusão de impedir o crescimento de culturas que se achavam distanciadas dessa lógica e na tentativa de padronizar os sujeitos que transitavam pela instituição escolar — exigência necessária para o modelo de desenvolvimento que marcou a época.\n\nAssim, o projeto de escola pública construiu uma matriz cujos componentes culturais, ideológicos e políticos apresentavam-se como os únicos possíveis, com a \"naturalidade\" com a qual os apresenta o discurso hegemônico. O saber e a cultura foram definidos pela classe dirigente da época, ao passo que os saberes e as culturas populares foram ignorados ou negados em nome do progresso social, do projeto civilizador. Era a dicotomia \"civilização ou barbárie\" (Sarmiento), isto é, o começo da escola moderna na América Latina, tentou-se desenvolver uma dicotimização do mundo cultural no qual o patrimônio dos setores populares era desestimado como produto valioso. Os processos educativos que se realizavam nesse cenário confirmavam alguns saberes como válidos (pela busca de consenso de ou algum tipo de imposição) e, simultaneamente, desqualificavam outros (Rigal, 1991). A educação do século XXI: a urgência de uma educação moral\nMarina Subirats\nUniversitat Autònoma de Barcelona\n\nAo longo do século XX, o conceito de educação mudou muito, pois os sistemas educativos tiveram de adaptar-se a demandas sociais que nem sequer eram previsíveis no século XIX. No entanto, a educação continua tendo um forte componente artesanal, não tanto pelo fato de exigir a interação e, por isso, uma forte dedicação de trabalho humano que não pode ser substituído por trabalho mecânico, mas porque o \"produto\" da educação ainda é escassamente planejado. De que tipo de conhecimentos necessitam as novas gerações? De que tipo de atitudes, aptidões, habilidades, disposições, valores? Ainda que tais perguntas sejam às vezes formuladas, raramente são levadas em conta na elaboração dos currículos. A produção de personalidades capazes de viver em sociedade, que é a finalidade da educação, continua sendo pensada como resultado casual de um conjunto de circunstâncias complexas e, geralmente, incontroláveis. Os modelos culturais que precisam ser transmitidos baseiam-se ainda em uma concepção da pessoa culta herdada do Renascimento e, evidentemente, impossível de alcançar em nossos dias. Os conteúdos curriculares são, muitas vezes, fruto de pactos corporativos e escalões acadêmicos: como se pode prescindir da matemática? Ficaria esquecida a história? Seria escandaloso que não se aprendesse inglês! E assim, sucessivamente, partindo-se da ideia de que, de qualquer forma, a personalidade humana desenvolve-se por si mesma e que a função da educação é dar instrumentos para o acesso a saberes relativamente codificados.\n\nEspero que as coisas sejam bem, nosso conceito da educação variará ainda mais no século XXI e a educação será propostos alguns problemas de fundo: de que uma pessoa necessite ser para viver em uma sociedade concreta? Ou, dito de uma forma mais atual, como deve estar construída? O que é preciso transmiti - lhe, e como, para que alcance este ser e o correspondente conhecer? Há uma série de sinais que apontam que essa concepção da educação é necessária, mas também há outros que apontam que será muito difícil realizá - la. Isto quer dizer que as coisas podem não ir bem, e pode-se continuar utilizando o sistema educativo para uma função principal, a de seleção das pessoas em relação ao mercado de trabalho e a legitimidade das diversas posições sociais em função dos logros educativos, o que significaria esquecer que, na momento atual, há outras funções sociais que necessitam do apoio da educação para poder avançar.\n\nAs finalidades da educação parecem estar mais claras do que nunca, já que ela transformou em um requisito indispensável para se viver em nossa sociedade e que o conhecimento é a grande produção de nosso tempo - \"a sociedade do conhecimento\" é uma mensagem na moda neste momento. No momento, quero chamar a atenção sobre outros aspectos da educação, sobre outras necessidades, que de fato me parecem muito mais urgentes. E não por desprezar o conhecimento, antes pelo contrário: mais do que transmitir, a educação deve formar indivíduos capazes de buscar e manejar as necessidades do sistema educativo, limitando inicialmente a determinado grupo urbanos, dependendo deles, com muitas lutas, dificuldades e tempos, ao conjunto do território e à população infantil. É a ruptura dos modelos produtivos tradicionais que obriga a criar uma instituição que realize, consistente e sistematicamente, a transmissão de conhecimentos e habilidades considerados indispensáveis para produzir mudanças no sistema tradicional de produção.\n\nContudo, a aceleração nas mudanças técnicas produziu outros efeitos na sociedade e no sistema educativo, especialmente na segunda metade do século XX. Com o desenvolvimento da indústria e do trabalho assalariado, foi rompida a continuidade na herança das posições sociais: na faixa majoritária da população, o filho já não ocupa o posto do pai; o mercado de trabalho está estratificado e necessita-se de algums critérios para valorizar os indivíduos a postos de trabalho concretos, mas além dos casos em que se mantém a herança. E o critério que se impôs maciçamente foi o da titularidade, de modo que a passagem pelo sistema educativo a nível de titulação alcançado é hoje a medida mais utilizada para valorizar as pessoas no momento de sua incorporação ao mercado de trabalho e para determinar o tipo de emprego em que podem inserir-se. A posse de títulos acadêmicos, é de forma crescente, uma condição necessária, embora não suficiente, para o emprego, especialmente para os empregados relativamente bem-remunerados.\n\nÉ assim que o sistema educativo assume, como função principal, a de expediente de títulos, criador de hierarquias e selecionador de força de trabalho, função que continua exercendo atualmente, com pequenas mu - danças conjunturais. Em nosso país, por exemplo, o crescimento universitário foi espetacular, e isso levou a pensar que o sistema educativo oferece realmente igualdade de oportunidades a todos os indivíduos jovens, mas isso continua incorreto. Os dados obtidos na Enquete Metropolitana de Barcelona de 1985 e 1995 mostram -nos que, na área metropolitana e para a geração que em cada uma dessas datas tinha entre 26 e 35 anos, a probabilidade de obter um título universitário era aproximadamente de um para sete segundo a origem social fosse da classe baixa do pai e devia agir como ele, realizar os mesmos gestos, plantar as mesmas árvores; qualquer mudança podia ser catastrófica, dado que se desconhece o porquê dos processos naturais e só a experiência oferece alguns elementos para saber o que era correto. Na família, acontece o mesmo: a filha sucedia a mãe, herdava inclusive seu nome, sua roupa, seus utensílios domésticos; os papéis sociais estavam tão definidos, que a socialização não era outra coisa a não ser transmitir às novas gerações os velhos moldes conhecidos e o temor a qualquer variação.\n\nEmbora sejam grupos pessoais originais, dissidentes, e que afetam até aos moldes preexistentes, essa aliança era limitada: quando a norma é a tradição, toda tentativa de variação sanciona-se negativamente. Mesmo hoje, em determinadas zonas do mundo, e especialmente na África, encontramos sociedades regidas pelo princípio da tradição e da conformidade ao grupo como norma básica, que sancionam negativamente a introdução de mudanças, já que estes podem pôr em perigo os próprios fundamentos da produtividade, da convivência e da ordem social. Nessas situações, nesse tipo de sociedades, a educação tem excessa razão de ser; a aprendizagem para a reprodução é baseada fundamentalmente na imitação inquestionável da ação e das atitudes das gerações adultas, que devem evitar, na medida do possível, que cada pessoa tenha uma personalidade própria e atue de forma distinta das demais.\n\nNo entanto, no ocidente, tal situação começou a variar faz muitos anos. A introdução de novos conhecimentos mostrou que os procedimentos produtivos poderiam mudar e que era possível aumentar a produtividade, e com ela a riqueza, utilizando técnicas novas, distintas das tradicionais. Técnicas que já não podiam ser aprendidas apenas por imitação, uma vez que requeriam a utilização de conceitos abstratos ou o manejo de determinados saberes, como a leitura ou a capacidade de contar. Surgiu, assim, a necessidade do sistema educativo, limitada inicialmente a determinados grupos urbanos, sendo diferente, não apenas para a população adulta, mas também para a população infantil. valores. E o fez porque o sistema educativo é uma das instituições sociais que mais diretamente recebem as consequências negativas da falta de socialização normativa, já que é o primeiro que deve defrontar-se com os comportamentos agressivos, a falta de motivação e a falta de projeto pessoal por parte das gerações mais jovens. E não só por isso: o sistema educativo é que recebe todas as críticas quando os desmandos da juventude violenta tornam-se públicos. As notícias, no começo de fevereiro de 1999, da violência desencadeada por milhares de menores na França4 geram imediatamente a suspeita de que o sistema educativo não esteja cumprindo com sua parte. No entanto, até agora, os discursos sobre valores ocupam um espaço relativamente marginal entre as preparações dos professores: o predomínio dos currículos tradicionais e a própria preocupação dos professores, focalizada mais nos conteúdos do que nos valores e nas exigências derivadas da função de seleção, tornam difícil a introdução de outro tipo de metas que representem uma mudança de 180° em relação à orientação educativa dos últimos 50 anos.\n\nHá um último elemento de ruptura que é necessário apontar: a multiplica- ção e a fragmentação dos saberes, que constituíram outro ponto de pres- sões sobre o sistema educativo. A constante mudança nos sistemas de produção faz com que se produza, consequentemente, a desarticulação dos saberes aprendidos na escola e gera críticas contra ela. A resposta do sistema educativo foi, geralmente, a tentativa de aumentar o conheci- mentos, de multiplicar as matérias: aposta perdida de antemão, já que o crescimento exponencial dos saberes torna totalmente impossível sua aqui- sição em uma determinada etapa da vida. Embora nos seja penoso, é preciso renunciar definitivamente à imagem do homem do Renascimento, do filósofo-cientista-artista que podia abranger o conjunto de saberes de seu tempo, precisamente porque a produção de saberes era extraordinariamente lenta e limitada. Multiplicar hoje os saberes na educação fundamen- tal e média (a educação superior tem, obviamente, outra função) não conduz, senão à distinção espontânea entre “aquilo que é preciso saber para ser aprovado”, que se aprende na escola e não se usa para mais nada, e “aquilo que é preciso saber para viver” que, em geral, aprende-se pela televisão, cada dia menos controlável pela população e mais inclinada ao despropósito como meio de chamar a atenção. CONSTRUIR UM NOVO MODELO DE EDUCAÇÃO\n\nDiante dos vazios de normativa moral criados pelas mudanças sociais recentes necessita-se de uma nova forma de estabelecer critérios e que estes sejam transmitidos às novas gerações. Embarco se possa pensar em outras formas institucionais, hoje em dia a única instituição social expres- simplesmente planejada para a formação das pessoas jovens, e que oferece certa garantia de cobertura universal (ainda que não-igualitária), é o sistema educativo. De modo que é preciso empreender seriamente um novo debate sobre suas funções, sobre as tarefas que socialmente lhe são encomen- dadas, para ver como, paulatinamente, pode-se transformar em uma ins- tituição não só transmissora de conhecimentos, mas também transmissora, de modo patente, de critérios e normas de comportamento. Transmissão na qual o sistema educativo sempre participou por meio, entre outras coisas, do que se denominou “currículo oculto”, mas sem colocar nem discutir quais eram essas normas e, inclusive, alegando que não era um terreno de sua incumbência.\n\nNesse sentido, a transformação do sistema educativo implica dois re- quisitos prévios: um debate social sobre a natureza de uma nova moral, que já não pode ser de conteúdos, mas de critérios; e a transformação da figura docente, que não pode ser colocada como crível e como de transmissão de alguns saberes indiscutíveis, mas deve ter o caráter intelectual, mais próximo, por exemplo, dos professores universitários, que têm uma ampla margem de liberdade para selecionar conteúdos e determinar suas formas de sua transmissão.\n\nEm relação ao debate sobre a nova moral, não é aqui o lugar de entrar a fundo nisso; quero apenas apontar algumas ideias. Depois de anos trabalhondo no âmbito da co-educação, e de observar como se realiza a transmissão dos gêneros no sistema educativo, algumas coisas parecem-me evidentes: a necessidade, para uma educação funcione, de que os indivíduos jovens identifiquem seu lugar no mundo e contenham com um sistema de reconhe- cimento de suas próprias capacidades como elemento indispensável para que se transformem em sujeitos ativos, capazes de exercer a responsabilidade e de buscar e delimitar, por iniciativa própria, os saberes que lhes são úteis para exercerem tais responsabilidades. Sem algumas metas definidas, a educação não tem sentido para os que a experimentam. Naturalmente, esta é uma das dificuldades hoje, já que partimos da dissolução dos papéis profissionais ou familiares herdados e, portanto, a identificação dos encargos futuros pode parecer mais incerta do que nunca. Todavia, o sistema educativo pode criar no indivíduo o conceito de seu valor para a comunidade, de sua respon- sabilidade perante ela, a partir da própria concepção da escola como comuni- dade. Algo que não é novo, que já estava nas concepções educativas da primeira metade do século e que foi ficando perdido pelo aumento das exigências curriculares e das urgências da seleção. Certamente, será difícil que o sistema educativo empreenda esses cami- nhos, se não houver na sociedade um novo projeto humanista. A competi- tividade e o economismo, que foram de grande utilidade para forçar o desenvolvimento dos sistemas produtivos e situar-nos pela primeira vez na história em sociedades de abundância, deverão ter limites. Hoje, começam a ser valores fortemente daninhos para a sociedade, pois levam à desigual- dades ferozes, constituem uma ameaça mais do que evidente para o ecossistema e uma ameaça menos visível, mas já bem detectável, para a “natureza interior” humana à qual Habermas repetidamente se referiu. Porém, embora o sistema educativo, por si mesmo, não possa mudar tudo, e não conseguirá mudar nada se não for a colaboração de outros âmbitos sociais, é uma instituição adequada para a reflexão e o início desse tipo de mudança, porque é precisamente onde se manifesta do modo mais direto a crise do modelo dessa natureza interior, do sistema de valores e crenças que sustentam as pessoas em sua vida social e pessoal.\n\nNo que se refere mais diretamente ao próprio sistema educativo, a transformação também não é fácil. Por outro lado, os sistemas educativos têm hoje uma estrutura consolidada, com uma forte ênfase nos aspectos curriculares, nos modelos por matérias e sistemas de avaliação. Todo tentando substituir a lógica curricular vigente por outra lógica choca-se com dificuldades enormes, como já se viu, por exemplo, no caso da reforma educativa espanhola, que incorporou um conjunto de saberes transversais – os saberes encaixam-se com dificuldade nas programações habituais e vão ficando, portanto, como elementos secundários mais do que como linhas fundamentais da educação. E, evidentemente, os valores não podem ser ensinados da mesma maneira e com a mesma metodologia que as matérias instrumentais. Ao mesmo tempo, por outro lado, costuma dar-se maior valor hierárquico aos conhecimentos do que às normas, e os pró- prios professores sentem-se mais legitimados intervindo no terreno dos conteúdos, que costumam ser avaliados por alguma disciplina científica, do que em um terreno moral, considerado de menor relevância, carente de normas fixas e monopolizado, durante muito tempo, pela Igreja e pelos setores mais conservadores da sociedade. O discurso científico, como avaliação dos conhecimentos transmitidos pela escola, é considerado um saber obje- tivo, indiscutível, neutro. Enquanto, ao contrário, não existem referências fixas no que se refere aos valores e aos comportamentos morais, que hoje entendemos basicamente como fatos opinativos, contingentes e discutíveis, pouco aptos, portanto, para uma transmissão sistemática e apoiada em um saber profissional. Diante dessas dificuldades, a solução, no meu entender, passa por maior desenvolvimento da democratização no próprio sistema educativo. A concepção do docente como transmissor de alguns saberes definidos só tem sentido em um modelo institucionalizado de conhecimento, um mo- delo que opera de forma para baixo, com controles ao longo de toda a cadeia, ou seja, um modelo no qual a autonomia do sistema educativo em relação ao poder é muito escassa. A questão da autonomia do sistema educativo, da sua definição como campo de confronto entre diversas concepções do conhecimento, mal foi considerada. Naturalmente, há autores, como Bernstein, que se referem amplamente a ela, desde um ponto de vista analítico, mas, em geral, a exploração das margens possíveis de autonomia para o sistema educativo não foi feita nem em termos teóricos, nem em termos práticos, se executarmos as tentativas isoladas de construir uma escola inovadora, que permitiram incorporar alguns dispositivos, mas que raramente se difundiram macicamente. No entanto, trata-se de uma questão-chave para a construção de uma nova forma de educação, já que é a condição de democratização real do sistema educativo e a possibilidade de criar comunidades escolares nas quais a coletividade docente possa fazer o ajuste entre o conjunto de saberes e valores considerados necessários e as características do grupo concreto, suas necessidades, perspectivas e possibilidades reais. Nesse sentido, o exemplo das universidades educativas. A democratização das universidades (com as diferenças de grau existentes ainda entre elas e por países) supôs a possibilidade de pesquisar além dos campos estabelecidos, dos modelos escolares, das hierarquias de poder e de levar a uma explosão do conhecimento que, certamente, fez implodir corpos de doutrina, introduzindo incertezas, na mesma tempo, produzindo ações extraordinárias no conhecimento. Para isso, a relação da liberdade de acreditar é supor que os professores e docentes universitários são os que estão em melhor situação para decidir seus temas e a forma de transmiti-los. A diferença está apenas em que a pesquisa universitária é vista hoje como uma necessidade para a produção e, portanto, tendeu-se a aproveitar nela todo o caudal humano de iniciativa, em vez de submetê-lo a uma ordem hierárquica. E, no terreno da educação fundamental e média, ao contrário, persiste a suspeita sobre a capacidade do docente e, portanto, na Espanha, nos últimos tempos é aumentado o controle sobre o modelo curricular, com um conjunto de exigências com que se tenta atenuar alguns fracassos do sistema educativo que, por outro lado, estão praticamente programados em seu próprio funcionamento. Essa mudança requer também, de qualquer forma, uma nova mentalidade da coletividade docente, acostumada a ser tutelada, e cuja vontade de intervenção mais ativa nos próprios modelos de educação foi repetidamente frustrada. A recuperação do conhecimento integral da educação, muito além da transmissão de saberes, continua sendo uma utopia, infinitas vezes repetida no passado, mas que nem por isso foi alcançada.
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Título.\n\nCDU 37.012\"21\"\n\nCatalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto - CRB 10/1023 8\nA escola crítico-democrática: uma matéria pendente no limiar do século XXI\n\nLuis Rigal\nUniversidad Nacional de Jujuy (Buenos Aires)\n\nNa história se faz o que se pode e não o que se gostaria de fazer. \nUma das grandes tarefas políticas que se deve observar é a\nperseguição constante de tornar possível amanhã o impossível de hoje.\n(Paulo Freire, 1992)\n\nFIM DE SÉCULO, INÍCIO DE SÉCULO: CELEBRAÇÕES E PREOCUPAÇÕES\nLevantar o olhar\n\nO início do século convoca à celebração de uma aposta no futuro e à reflexão sobre o tempo ido nos diversos âmbitos da vida da humanidade.\nPorém, fundamentalmente, leva a iludir-se com projetos distintos dos vigentes.\n\nNaturalmente, e também miticamente, há nessa situação algo de passagem, de necessidade de olhar da maneira simultânea para trás em busca de chaves que permitam calibrar o presente e levantar o olhar, tratando de esboçar e, se fosse possível, de definir um horizonte futuro.\n\nEste momento de corte e de passagem no mundo da cultura e, portanto, da educação pode ser caracterizado como momento de crise. E remete-nos ao sentido que Gramsci atribui-lhe: momento no qual o velho está agonizando, ou o morto, e o novo ainda não acabou de nascer. Momento, portanto, de incerteza (a morte do velho também aniquila às já velhas certezas) e de fragmentação (o velho está em pedaços e não sabe como recompor-se).\n\nPodemos afirmar que crise, incerteza e fragmentação também atravessam o campo da educação e determinam boa parte dos debates e dos discursos atuais. Momento, além disso, em que o incompleto e o efêmero parecem caracterizar aquelas colocações interrogativas e o novo tempo não será de crise permanente, de vertiginosos e heterogêneos provisoriedades. universidade que propõem termos como globalização e a pretensa democratização do conhecimento que proclamam os apologists da sociedade da informação. Como afirma Braudel, \"não há um tempo histórico único e unívoco\". Não só cada sociedade tem seu próprio tempo, mas também dentro dela convivem e superpõem-se tempos diferentes.\nAqui falaremos da educação do século XXI na América Latina como um espaço histórico que recorta, limita e define seu próprio tempo e singulariza o início do século XXI. Projetaremos uma reflexão teórica sobre um futuro possível, de transcender o imediato e o conjuntural que, frequentemente, pela intensidade e gravidade de seus problemas e pela inexistência de novos paradigmas, parece tornar-se o único referencial de nosso pensamento, confundindo e equiparando, muitas vezes, presente e futuro.\nO marco\nTrês preocupações orientam nossa reflexão sobre a educação e a escola para o século XXI:\n\n• Preocupação ética. Refletir sobre a classe de pessoa que se quer chegar a ser e a sociedade onde se quer viver, bem como o sentido de vida que se quer ocorrer nela.\n• Preocupação política. Relacionar permanentemente a questão da educação com a questão da construção, apropriação, legitimidade e distribuição do poder na sociedade, bem como a construção de estruturas de poder que estabelecem relações de dominação e de subalternidade.\n• Preocupação epistemológica. Elaborar um pensamento de ruptura e superação do dado, coerente com a busca ética de garantir pensamento crítico que situe o conhecimento como momento dialético da práxis. Preocupação em compreender a realidade (para dar-lhe sentido) a fim de poder encarar a sua transformação. Concepção (isto não é desdênhavel, nem ремen complementar) que atribuía ação do homem um importante peso na construção da história, entendida como presente modificado (Feinmann, 1994). Nossa proposta equipara-se com a que Rorty denomina \"olhar filosófico edificante\", que posi permanentemente no contingente e no não-sistêmico, buscando criar espaços abertos e dialéticos de construção-destruição de pensamento, não-obcedido pela segurança ou pelos conhecimentos imutáveis (Rorty, 1991). mente criticados e recusados (por sua rigidez, dogmatismo e autoritarismo que, com frequência, foram utilizados em alguns discursos da modernidade) por boa parte do pensamento pós-moderno (Lyotard, 1979).\nRecorrer ao uso de totalidades não é gerar categorias ontológicas ou olhares reducionistas forçadamente homogeneizadores, mas apenas apelar para um:\n\n[...] recurso heurístico que permite tornar visível aquelas medições, inter-relações e interdependências que formam as estruturas políticas e sociais ( Aronowitz e Giroux, 1991, p. 70). \nA totalidade supõe a estruturação das contradições e diferenças que, no campo social e político, referem-se a relações de dominação, de modo que o reconhecimento e a compreensão dos fragmentos heterogêneos que constituem essas estruturas. Acreditamos em uma não-totalitária da totalidade como modo de referência crescentemente complexo e dinâmico organizado como sistema aberto estruturador-extrutivado, numa unidade não-violenta do múltiplo, que permita relacionar fragmentos, marcar seus entrelaçamentos e seus vínculos interdependentes: uma relação e relações por via das diferenças, não das forças semelhantes, uma relação dialógica (Jameson, 1996, Capítulo 1). Hegemonia como totalidade\nA partir desse enquadramento epistemológico (centrado nas noções de pensamento crítico e de totalidade), articulado com nossas preocupações éticas e políticas, propomos elaborar uma noção de hegemônia como conceito totalizador que permita não só captar em sua complexidade estrutural o discurso educativo dominante (construído dentro do lógica e dos limites do modelo neoliberal-neoconservador) (Giroux, 1993, Capítulo 1), mas também projetá-lo crítica, contestatória e transformadora para tornar-se de um modo que suprahon supiração, levando em conta os debates que hoje presidem a passagem modernidade-pós-modernidade, a partir da explosão e da liquefação do homogêneo relato da modernidade que tanto influenciou o projeto de nossas instituições educativas (Lyotard, 1979).\nGenericamente, a hegemonia refere-se a um processo de estabelecimento de consensos, de visões comuns da realidade.\nA hegemonia aparece como um processo cultural totalizador, com intencionalidade social, que organiza significados, valores e práticas. Essa totalização opera de um modo muito intenso, \"naturalizando\" modos de ver e de agir e constituindo um sentido da realidade.\nSatura a sociedade de tal maneira, que constituiu o limite da lógica para a maioria das pessoas (Williams, 1988, parte 1). No entanto, a modernidade política apenas realizou essa ideia de cidadania livre e individualidade autônoma. Fenômenos sociais, como aliança, anomia, burocratização, exploração e exclusão, que caracterizam diversos traços da moderna sociedade emergente, assim o comprovam (Angulo, 1997).\n\nPortanto, o fracasso desse objetivo político da modernidade expressa também o fracasso da escola e constitui uma matéria pendente a ser resolvida em qualquer projeto para o futuro; talvez, a principal matéria pendente.\n\nA modernidade e a pós-modernidade na América Latina\nVoltando às primeiras considerações que formulávamos, tampouco existiu uma única modernidade e, portanto, uma única escola moderna. Perry Anderson critica o conceito linear-universal de modernidade. Afirma que a modernidade não existe como tal: deve ser situada historicamente como forma de expressão do desenvolvimento contraditório, de capitalismo e combinações, isto é, cada trajetória do desenvolvimento capitalista leva a um determinado perfil da modernidade (Anderson, 1989).\n\nIsto é tão certo para a realidade da América Latina como o reconhecimento de que modernidade e pós-modernidade foram, em seu germe, noções externas à América Latina e, desse modo, tanto esses debates como as instituições que se constituíram e reformaram em nome delas são, em grande parte, importados a partir de outro cenário; importação que expressa também a situação de dependência e dominação em que estiveram as sociedades latino-americanas desde:\n\n[...] a primeira fase de globalização do capital que levou a sua incorporação forçada ao mercado mundial no século XVI (Stavenhagen, 1997). A escola da modernidade na América Latina esteve marcada por tal tradição. O projeto de nação da geração dominante entre 1850 e 1900 definiu finalidades muito precisas para a escola moderna latino-americana (em suas versões mais primitivas no México, no Uruguai, na Argentina, no Brasil e na Colômbia): a formação de uma cidadania capaz de se somar ao progresso social do momento constituía a meta fundamental da instituição escolar. Transmissora por excelência de uma cultura homogênea, sem brechas, sem diferenças, aspirava assim a produzir um tipo de sujeito apto a adaptar-se às exigências políticas e sociais que a classe dominante prescrevia. Os habitantes do país, sem distinção de sexo, nacionalidade ou credo, isto é, o \"povo\" todo, eram convocados a ultrapassar as portas que a instrução pública abria.\n\nPor trás dos discursos e dos rituais democratizadores, a igualdade que a escola propunha era só para formar um cidadão que abstracto: tal fato supunha um \"forjamento\" que negava a existência das fortes diferenças culturais e econômicas. A tentativa de \"integrar\" a sociedade emergente, para que se pensasse e se pensasse como uma totalidade harmônica, fez com que fossem tratados como sujeitos indistintos o camponês, o habitante da cidade, o nativo, o estrangeiro, o católico e o protestante. Integração e igualdade eram impostas quase autoritariamente.\n\nTentava-se instalar, através da escola, uma lógica, um sistema de representações, um conjunto de hábitos cujo caráter pretensamente universal outorgava à instituição escolar a possibilidade de legitimar só uma bagagem cultural e deslegitimar outras. O popular, com seus saberes, suas crenças e seus pressupostos sobre o mundo, não aparecia no horizonte escolar. A partir do poder que conferia aos governantes a posse da \"razão\", julgava-se sobre o verdadeiro e sobre o falso, com a ilusão de impedir o crescimento de culturas que se achavam distanciadas dessa lógica e na tentativa de padronizar os sujeitos que transitavam pela instituição escolar — exigência necessária para o modelo de desenvolvimento que marcou a época.\n\nAssim, o projeto de escola pública construiu uma matriz cujos componentes culturais, ideológicos e políticos apresentavam-se como os únicos possíveis, com a \"naturalidade\" com a qual os apresenta o discurso hegemônico. O saber e a cultura foram definidos pela classe dirigente da época, ao passo que os saberes e as culturas populares foram ignorados ou negados em nome do progresso social, do projeto civilizador. Era a dicotomia \"civilização ou barbárie\" (Sarmiento), isto é, o começo da escola moderna na América Latina, tentou-se desenvolver uma dicotimização do mundo cultural no qual o patrimônio dos setores populares era desestimado como produto valioso. Os processos educativos que se realizavam nesse cenário confirmavam alguns saberes como válidos (pela busca de consenso de ou algum tipo de imposição) e, simultaneamente, desqualificavam outros (Rigal, 1991). A educação do século XXI: a urgência de uma educação moral\nMarina Subirats\nUniversitat Autònoma de Barcelona\n\nAo longo do século XX, o conceito de educação mudou muito, pois os sistemas educativos tiveram de adaptar-se a demandas sociais que nem sequer eram previsíveis no século XIX. No entanto, a educação continua tendo um forte componente artesanal, não tanto pelo fato de exigir a interação e, por isso, uma forte dedicação de trabalho humano que não pode ser substituído por trabalho mecânico, mas porque o \"produto\" da educação ainda é escassamente planejado. De que tipo de conhecimentos necessitam as novas gerações? De que tipo de atitudes, aptidões, habilidades, disposições, valores? Ainda que tais perguntas sejam às vezes formuladas, raramente são levadas em conta na elaboração dos currículos. A produção de personalidades capazes de viver em sociedade, que é a finalidade da educação, continua sendo pensada como resultado casual de um conjunto de circunstâncias complexas e, geralmente, incontroláveis. Os modelos culturais que precisam ser transmitidos baseiam-se ainda em uma concepção da pessoa culta herdada do Renascimento e, evidentemente, impossível de alcançar em nossos dias. Os conteúdos curriculares são, muitas vezes, fruto de pactos corporativos e escalões acadêmicos: como se pode prescindir da matemática? Ficaria esquecida a história? Seria escandaloso que não se aprendesse inglês! E assim, sucessivamente, partindo-se da ideia de que, de qualquer forma, a personalidade humana desenvolve-se por si mesma e que a função da educação é dar instrumentos para o acesso a saberes relativamente codificados.\n\nEspero que as coisas sejam bem, nosso conceito da educação variará ainda mais no século XXI e a educação será propostos alguns problemas de fundo: de que uma pessoa necessite ser para viver em uma sociedade concreta? Ou, dito de uma forma mais atual, como deve estar construída? O que é preciso transmiti - lhe, e como, para que alcance este ser e o correspondente conhecer? Há uma série de sinais que apontam que essa concepção da educação é necessária, mas também há outros que apontam que será muito difícil realizá - la. Isto quer dizer que as coisas podem não ir bem, e pode-se continuar utilizando o sistema educativo para uma função principal, a de seleção das pessoas em relação ao mercado de trabalho e a legitimidade das diversas posições sociais em função dos logros educativos, o que significaria esquecer que, na momento atual, há outras funções sociais que necessitam do apoio da educação para poder avançar.\n\nAs finalidades da educação parecem estar mais claras do que nunca, já que ela transformou em um requisito indispensável para se viver em nossa sociedade e que o conhecimento é a grande produção de nosso tempo - \"a sociedade do conhecimento\" é uma mensagem na moda neste momento. No momento, quero chamar a atenção sobre outros aspectos da educação, sobre outras necessidades, que de fato me parecem muito mais urgentes. E não por desprezar o conhecimento, antes pelo contrário: mais do que transmitir, a educação deve formar indivíduos capazes de buscar e manejar as necessidades do sistema educativo, limitando inicialmente a determinado grupo urbanos, dependendo deles, com muitas lutas, dificuldades e tempos, ao conjunto do território e à população infantil. É a ruptura dos modelos produtivos tradicionais que obriga a criar uma instituição que realize, consistente e sistematicamente, a transmissão de conhecimentos e habilidades considerados indispensáveis para produzir mudanças no sistema tradicional de produção.\n\nContudo, a aceleração nas mudanças técnicas produziu outros efeitos na sociedade e no sistema educativo, especialmente na segunda metade do século XX. Com o desenvolvimento da indústria e do trabalho assalariado, foi rompida a continuidade na herança das posições sociais: na faixa majoritária da população, o filho já não ocupa o posto do pai; o mercado de trabalho está estratificado e necessita-se de algums critérios para valorizar os indivíduos a postos de trabalho concretos, mas além dos casos em que se mantém a herança. E o critério que se impôs maciçamente foi o da titularidade, de modo que a passagem pelo sistema educativo a nível de titulação alcançado é hoje a medida mais utilizada para valorizar as pessoas no momento de sua incorporação ao mercado de trabalho e para determinar o tipo de emprego em que podem inserir-se. A posse de títulos acadêmicos, é de forma crescente, uma condição necessária, embora não suficiente, para o emprego, especialmente para os empregados relativamente bem-remunerados.\n\nÉ assim que o sistema educativo assume, como função principal, a de expediente de títulos, criador de hierarquias e selecionador de força de trabalho, função que continua exercendo atualmente, com pequenas mu - danças conjunturais. Em nosso país, por exemplo, o crescimento universitário foi espetacular, e isso levou a pensar que o sistema educativo oferece realmente igualdade de oportunidades a todos os indivíduos jovens, mas isso continua incorreto. Os dados obtidos na Enquete Metropolitana de Barcelona de 1985 e 1995 mostram -nos que, na área metropolitana e para a geração que em cada uma dessas datas tinha entre 26 e 35 anos, a probabilidade de obter um título universitário era aproximadamente de um para sete segundo a origem social fosse da classe baixa do pai e devia agir como ele, realizar os mesmos gestos, plantar as mesmas árvores; qualquer mudança podia ser catastrófica, dado que se desconhece o porquê dos processos naturais e só a experiência oferece alguns elementos para saber o que era correto. Na família, acontece o mesmo: a filha sucedia a mãe, herdava inclusive seu nome, sua roupa, seus utensílios domésticos; os papéis sociais estavam tão definidos, que a socialização não era outra coisa a não ser transmitir às novas gerações os velhos moldes conhecidos e o temor a qualquer variação.\n\nEmbora sejam grupos pessoais originais, dissidentes, e que afetam até aos moldes preexistentes, essa aliança era limitada: quando a norma é a tradição, toda tentativa de variação sanciona-se negativamente. Mesmo hoje, em determinadas zonas do mundo, e especialmente na África, encontramos sociedades regidas pelo princípio da tradição e da conformidade ao grupo como norma básica, que sancionam negativamente a introdução de mudanças, já que estes podem pôr em perigo os próprios fundamentos da produtividade, da convivência e da ordem social. Nessas situações, nesse tipo de sociedades, a educação tem excessa razão de ser; a aprendizagem para a reprodução é baseada fundamentalmente na imitação inquestionável da ação e das atitudes das gerações adultas, que devem evitar, na medida do possível, que cada pessoa tenha uma personalidade própria e atue de forma distinta das demais.\n\nNo entanto, no ocidente, tal situação começou a variar faz muitos anos. A introdução de novos conhecimentos mostrou que os procedimentos produtivos poderiam mudar e que era possível aumentar a produtividade, e com ela a riqueza, utilizando técnicas novas, distintas das tradicionais. Técnicas que já não podiam ser aprendidas apenas por imitação, uma vez que requeriam a utilização de conceitos abstratos ou o manejo de determinados saberes, como a leitura ou a capacidade de contar. Surgiu, assim, a necessidade do sistema educativo, limitada inicialmente a determinados grupos urbanos, sendo diferente, não apenas para a população adulta, mas também para a população infantil. valores. E o fez porque o sistema educativo é uma das instituições sociais que mais diretamente recebem as consequências negativas da falta de socialização normativa, já que é o primeiro que deve defrontar-se com os comportamentos agressivos, a falta de motivação e a falta de projeto pessoal por parte das gerações mais jovens. E não só por isso: o sistema educativo é que recebe todas as críticas quando os desmandos da juventude violenta tornam-se públicos. As notícias, no começo de fevereiro de 1999, da violência desencadeada por milhares de menores na França4 geram imediatamente a suspeita de que o sistema educativo não esteja cumprindo com sua parte. No entanto, até agora, os discursos sobre valores ocupam um espaço relativamente marginal entre as preparações dos professores: o predomínio dos currículos tradicionais e a própria preocupação dos professores, focalizada mais nos conteúdos do que nos valores e nas exigências derivadas da função de seleção, tornam difícil a introdução de outro tipo de metas que representem uma mudança de 180° em relação à orientação educativa dos últimos 50 anos.\n\nHá um último elemento de ruptura que é necessário apontar: a multiplica- ção e a fragmentação dos saberes, que constituíram outro ponto de pres- sões sobre o sistema educativo. A constante mudança nos sistemas de produção faz com que se produza, consequentemente, a desarticulação dos saberes aprendidos na escola e gera críticas contra ela. A resposta do sistema educativo foi, geralmente, a tentativa de aumentar o conheci- mentos, de multiplicar as matérias: aposta perdida de antemão, já que o crescimento exponencial dos saberes torna totalmente impossível sua aqui- sição em uma determinada etapa da vida. Embora nos seja penoso, é preciso renunciar definitivamente à imagem do homem do Renascimento, do filósofo-cientista-artista que podia abranger o conjunto de saberes de seu tempo, precisamente porque a produção de saberes era extraordinariamente lenta e limitada. Multiplicar hoje os saberes na educação fundamen- tal e média (a educação superior tem, obviamente, outra função) não conduz, senão à distinção espontânea entre “aquilo que é preciso saber para ser aprovado”, que se aprende na escola e não se usa para mais nada, e “aquilo que é preciso saber para viver” que, em geral, aprende-se pela televisão, cada dia menos controlável pela população e mais inclinada ao despropósito como meio de chamar a atenção. CONSTRUIR UM NOVO MODELO DE EDUCAÇÃO\n\nDiante dos vazios de normativa moral criados pelas mudanças sociais recentes necessita-se de uma nova forma de estabelecer critérios e que estes sejam transmitidos às novas gerações. Embarco se possa pensar em outras formas institucionais, hoje em dia a única instituição social expres- simplesmente planejada para a formação das pessoas jovens, e que oferece certa garantia de cobertura universal (ainda que não-igualitária), é o sistema educativo. De modo que é preciso empreender seriamente um novo debate sobre suas funções, sobre as tarefas que socialmente lhe são encomen- dadas, para ver como, paulatinamente, pode-se transformar em uma ins- tituição não só transmissora de conhecimentos, mas também transmissora, de modo patente, de critérios e normas de comportamento. Transmissão na qual o sistema educativo sempre participou por meio, entre outras coisas, do que se denominou “currículo oculto”, mas sem colocar nem discutir quais eram essas normas e, inclusive, alegando que não era um terreno de sua incumbência.\n\nNesse sentido, a transformação do sistema educativo implica dois re- quisitos prévios: um debate social sobre a natureza de uma nova moral, que já não pode ser de conteúdos, mas de critérios; e a transformação da figura docente, que não pode ser colocada como crível e como de transmissão de alguns saberes indiscutíveis, mas deve ter o caráter intelectual, mais próximo, por exemplo, dos professores universitários, que têm uma ampla margem de liberdade para selecionar conteúdos e determinar suas formas de sua transmissão.\n\nEm relação ao debate sobre a nova moral, não é aqui o lugar de entrar a fundo nisso; quero apenas apontar algumas ideias. Depois de anos trabalhondo no âmbito da co-educação, e de observar como se realiza a transmissão dos gêneros no sistema educativo, algumas coisas parecem-me evidentes: a necessidade, para uma educação funcione, de que os indivíduos jovens identifiquem seu lugar no mundo e contenham com um sistema de reconhe- cimento de suas próprias capacidades como elemento indispensável para que se transformem em sujeitos ativos, capazes de exercer a responsabilidade e de buscar e delimitar, por iniciativa própria, os saberes que lhes são úteis para exercerem tais responsabilidades. Sem algumas metas definidas, a educação não tem sentido para os que a experimentam. Naturalmente, esta é uma das dificuldades hoje, já que partimos da dissolução dos papéis profissionais ou familiares herdados e, portanto, a identificação dos encargos futuros pode parecer mais incerta do que nunca. Todavia, o sistema educativo pode criar no indivíduo o conceito de seu valor para a comunidade, de sua respon- sabilidade perante ela, a partir da própria concepção da escola como comuni- dade. Algo que não é novo, que já estava nas concepções educativas da primeira metade do século e que foi ficando perdido pelo aumento das exigências curriculares e das urgências da seleção. Certamente, será difícil que o sistema educativo empreenda esses cami- nhos, se não houver na sociedade um novo projeto humanista. A competi- tividade e o economismo, que foram de grande utilidade para forçar o desenvolvimento dos sistemas produtivos e situar-nos pela primeira vez na história em sociedades de abundância, deverão ter limites. Hoje, começam a ser valores fortemente daninhos para a sociedade, pois levam à desigual- dades ferozes, constituem uma ameaça mais do que evidente para o ecossistema e uma ameaça menos visível, mas já bem detectável, para a “natureza interior” humana à qual Habermas repetidamente se referiu. Porém, embora o sistema educativo, por si mesmo, não possa mudar tudo, e não conseguirá mudar nada se não for a colaboração de outros âmbitos sociais, é uma instituição adequada para a reflexão e o início desse tipo de mudança, porque é precisamente onde se manifesta do modo mais direto a crise do modelo dessa natureza interior, do sistema de valores e crenças que sustentam as pessoas em sua vida social e pessoal.\n\nNo que se refere mais diretamente ao próprio sistema educativo, a transformação também não é fácil. Por outro lado, os sistemas educativos têm hoje uma estrutura consolidada, com uma forte ênfase nos aspectos curriculares, nos modelos por matérias e sistemas de avaliação. Todo tentando substituir a lógica curricular vigente por outra lógica choca-se com dificuldades enormes, como já se viu, por exemplo, no caso da reforma educativa espanhola, que incorporou um conjunto de saberes transversais – os saberes encaixam-se com dificuldade nas programações habituais e vão ficando, portanto, como elementos secundários mais do que como linhas fundamentais da educação. E, evidentemente, os valores não podem ser ensinados da mesma maneira e com a mesma metodologia que as matérias instrumentais. Ao mesmo tempo, por outro lado, costuma dar-se maior valor hierárquico aos conhecimentos do que às normas, e os pró- prios professores sentem-se mais legitimados intervindo no terreno dos conteúdos, que costumam ser avaliados por alguma disciplina científica, do que em um terreno moral, considerado de menor relevância, carente de normas fixas e monopolizado, durante muito tempo, pela Igreja e pelos setores mais conservadores da sociedade. O discurso científico, como avaliação dos conhecimentos transmitidos pela escola, é considerado um saber obje- tivo, indiscutível, neutro. Enquanto, ao contrário, não existem referências fixas no que se refere aos valores e aos comportamentos morais, que hoje entendemos basicamente como fatos opinativos, contingentes e discutíveis, pouco aptos, portanto, para uma transmissão sistemática e apoiada em um saber profissional. Diante dessas dificuldades, a solução, no meu entender, passa por maior desenvolvimento da democratização no próprio sistema educativo. A concepção do docente como transmissor de alguns saberes definidos só tem sentido em um modelo institucionalizado de conhecimento, um mo- delo que opera de forma para baixo, com controles ao longo de toda a cadeia, ou seja, um modelo no qual a autonomia do sistema educativo em relação ao poder é muito escassa. A questão da autonomia do sistema educativo, da sua definição como campo de confronto entre diversas concepções do conhecimento, mal foi considerada. Naturalmente, há autores, como Bernstein, que se referem amplamente a ela, desde um ponto de vista analítico, mas, em geral, a exploração das margens possíveis de autonomia para o sistema educativo não foi feita nem em termos teóricos, nem em termos práticos, se executarmos as tentativas isoladas de construir uma escola inovadora, que permitiram incorporar alguns dispositivos, mas que raramente se difundiram macicamente. No entanto, trata-se de uma questão-chave para a construção de uma nova forma de educação, já que é a condição de democratização real do sistema educativo e a possibilidade de criar comunidades escolares nas quais a coletividade docente possa fazer o ajuste entre o conjunto de saberes e valores considerados necessários e as características do grupo concreto, suas necessidades, perspectivas e possibilidades reais. Nesse sentido, o exemplo das universidades educativas. A democratização das universidades (com as diferenças de grau existentes ainda entre elas e por países) supôs a possibilidade de pesquisar além dos campos estabelecidos, dos modelos escolares, das hierarquias de poder e de levar a uma explosão do conhecimento que, certamente, fez implodir corpos de doutrina, introduzindo incertezas, na mesma tempo, produzindo ações extraordinárias no conhecimento. Para isso, a relação da liberdade de acreditar é supor que os professores e docentes universitários são os que estão em melhor situação para decidir seus temas e a forma de transmiti-los. A diferença está apenas em que a pesquisa universitária é vista hoje como uma necessidade para a produção e, portanto, tendeu-se a aproveitar nela todo o caudal humano de iniciativa, em vez de submetê-lo a uma ordem hierárquica. E, no terreno da educação fundamental e média, ao contrário, persiste a suspeita sobre a capacidade do docente e, portanto, na Espanha, nos últimos tempos é aumentado o controle sobre o modelo curricular, com um conjunto de exigências com que se tenta atenuar alguns fracassos do sistema educativo que, por outro lado, estão praticamente programados em seu próprio funcionamento. Essa mudança requer também, de qualquer forma, uma nova mentalidade da coletividade docente, acostumada a ser tutelada, e cuja vontade de intervenção mais ativa nos próprios modelos de educação foi repetidamente frustrada. A recuperação do conhecimento integral da educação, muito além da transmissão de saberes, continua sendo uma utopia, infinitas vezes repetida no passado, mas que nem por isso foi alcançada.