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ARMIDA ABERASTURY Psicanálise da Criança teoria e técnica Aviso ao leitor A capa original deste livro foi substituída por esta nova versão Alertamos para o fato de que o conteúdo é o mes mo e que esta nova versão da capa decorre da alteração da razão social desta editora e da atualização da linha de design da nossa já consagrada qualidade editorial AI43t Aberastury Arminda Psicanálise da criança Teoria e técnica Tradução Ana Lúcia Leite de Campos Porto Alegre Artmed 1982 287 p 22 cm ISBN 9788573076615 I Criançaspsicanálise 2 Psicanálise I Campos Ana Lúcia L de trad II t artmed EDITORA líiçao la Æ CDU 15996420532 61585110532 CDU 618928914 Bibliotecária responsável Patrícia Flgutro CRB10542 ARMINDA ABERASTURY Psicanálise da Ch3hç5 teoria e técnica Colaboração de SUSANA L DE FERRER ELEZABETH G DE GARMA POLA I DE TOMAS Material clínico de LIDIA S DE FORTI HECTOR GARBARINO MERCEDES F DE GARBARINO SARA H DE JARAST MANUEL KIZZER GELA H DE ROSENTHAL JORGE T ROVATTI e EDUARDO SALAS Tradução ANA LÚCIA LEITE DE CAMPOS Licenciada em Letras Supervisão da tradução e apresentação à edição brasileira JÚLIO CAMPOS Psicanalista Membro da Associação Psicanalítica Argentina 8a EDIÇÃO Reimpressão 2008 1982 Obra publicada originalmente em espanhol sob o título Teoria y Técnica del Psicoanálisis de Ninos de Editorial Paidós Buenos Aires 1979 Capa Angela Fayet Coordenação editorial Paulo Flávio Ledur Composição diagramação e arte VS Digital Reservados todos os direitos de publicação em língua portuguesa à ARTMED EDITORA SA Av Jerônimo de Orneias 670 Santana 90040340 Porto Alegre RS Fone 51 30277000 Fax 51 30277070 E proibida a duplicação ou reprodução deste volume no todo ou em parte sob quaisquer formas ou por quaisquer meios eletrônico mecânico gravação fotocópia distribuição na Web e outros sem permissão expressa da Editora SÃO PAULO Av Angélica 1091 Higienópolis 01227100 São Paulo SP Fone II 36651100 Fax I I 36671333 SAC 0800 7033444 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL A Angel Garma Apresentação à edição brasileira11 Nota preliminar13 Prólogo 15 PARTE I HISTÓRIA DA TÉCNICA 1 Análise da fobia de uma criança de cinco anos 21 2 Nascimento de uma técnica 34 3 Duas correntes em psicanálise de crianças 60 4 A psicanálise de crianças na Argentina 70 PARTE II TÉCNICA ATUAL 5 A entrevista inicial com os pais 6 0 consultório o material de jogo a caixa individual problemas técnicos que surgem do seu uso diário 7 A primeira hora de jogo seu significado 8 Entrevistas posteriores com os pais PARTE III CASOS CLÍNICOS 9 Casos clínicos 151 10 Conflitos na elaboração do luto 180 Primeira parte Pola I de Tomas 180 Segunda parte Susana L de Ferrer 188 11 Fragmentos de casos clínicos211 12 Surgimento de ansiedades analsadomasoquistas enquistadas nnr frara na brtânria Fli7abeth G de Garm a 220 81 97 111 135 PARTE IV PROFILAXIA DA NEUROSE INFANTIL 13 Grupos de orientação de mães 249 14 Novas perspectivas na terapia266 Indice alfabético de casos 285 Referências 286 APRESENTAÇÃO A EDIÇÃO BRASILEIRA Apresentar a versão brasileira deste livro é sumamente gratificante para mim por várias razões Primeiramente por tratarse de uma obra já clássica e indispensável para todas as pessoas que se interessam pela saúde mental mormente para os que dedicam seu trabalho às crianças e aos adolescentes Este é um dos raros livros de teoria e técnica para terapeutas de crianças elaborado em nosso meio ambiente Considero nosso meio ambiente porque penso que a idiossincrasia e as experiências vitais de uma criança bra sileira se assemelham em muito às de uma argentina Este livro vem nesse sentido com plementar as bases teóricoclínicas aportadas por outros autores como Melanie Klein e Anna Freud por exemplo já que também é verdadeiro o fato de que o aparelho psíquico possui peculiaridades semelhantes em todas as latitudes O livro apresenta de forma direta e dinâmica os conhecimentos de Arminda Aberastury e do grupo de trabalho a ela ligado Tivemos por essa razão certa dificuldade na tradução já que a linguagem empregada está formulada muitas vezes na forma oral de comunicação o que apesar de literariamente inusual dá vigor ao texto e impacto emo cional ao leitor Procuramos na medida do possível conservar esta característica princi palmente quando se trata de diálogos ou de referências diretas ao material clínico das crianças Outra satisfação que nos proporcionou está relacionada com a sua tradução Visto que a grande maioria das pessoas envolvidas em sua elaboração foram professores nossos ou mesmo amigos durante a nossa estada em Buenos Aires representa esta tradução para mim e para minha esposa a possibilidade de aplicação direta dos conhecimentos adquiridos Representa também do ponto de vista afetivo um laço entre o Brasil e as nos Ias vivências argentinas Gostaria também de colocar algumas palavras com relação à história do movimen to psicanalítico voltado às crianças na Argentina após a publicação deste livro Um fato Importante foi a morte de Arminda Aberastury em 1973 Já então se havia formado um número suficiente de profissionais para permitir o progresso do movimento Uma das figu ra I que adquiriu grande destaque a partir daquele momento foi Susana Ferrer que em lolaboraçáo com psicanalistas como Eduardo Salas Gela Rosenthal Sara Zusman de Arbiter Elizabeth Goode de Garma Maurício Knobel Raquel Soifer Aiban Hagelin 12 Psicanálise da Criança Eduardo Kalina Arnaldo Smola Diana Inglesini e outros realizou importantes obras na for mação e divulgação da psicanálise infantil Foi ponto relevante a criação na Asociación Psicoanalítica Argentina do Departamento de Ninos y Adolescentes Arminda Aberastury Esse departamento tem a função de instruir e orientar as pessoas que estan do em formação psicanalítica queiram também dedicarse ao tratamento de crianças Tive pessoalmente a honra de ser um dos primeiros diplomados do departamento e assim tes temunhar o alto valor científico desenvolvido nesse instituto Vale a pena esclarecer que é um dos únicos lugares no mundo onde há uma formação sistemática de psicanalistas de crianças Muito do que temos atualmente na Argentina e no Brasil nesta área da ciência devemos a Arminda Aberastury Não tive o prazer de conhecêla em vida por isso quero que o meu apreço e a minha consideração a sua memória sejam transmitidos aos leitores através desta tradução e destas palavras de apresentação à edição brasileira Porto Alegre fevereiro de I982 JULIO CAMPOS NOTA PRELIMINAR Este livro que inicia com a primeira intenção de Freud de curar a neurose de uma criança aplicando a técnica psicanalítica e conclui expondo novas perspectivas para a terapêutica reúne a minha experiência e a de muitos analistas que trabalham comigo E o testemunho de meu agradecimento a Freud que deu os fundamentos teó ricos da técnica a Melanie Klein cujas idéias foram a minha diretriz mais valiosa a todos os que contribuíram com seu esforço para o progresso da psicanálise de crian ças e aos que colaboraram neste livro oferecendome generosamente seu material clí nico A Asociación Psicoanalítica Argentina foi reconhecida em 1944 pela Psychoanalytic International Association fruto do trabalho infatigável que em favor da difusão do método psicanalítico havia realizado Angel Garma com o grupo que ini cialmente o acompanhou desde 1939 Foram o seu interesse pela análise de crian ças e o apoio incondicional que recebi também de Enrique Pichon Rivière com quem trabalhava desde 1938 no Hospicio de las Mercedes que me permitiram empreen der a árdua tarefa de dar os passos iniciais e criar os alicerces do que hoje podemos chamar nossa técnica de psicanálise de crianças Neste sentido quero recordar aqui com profunda gratidão o que para mim significou naqueles anos a frequente corres pondência com Melanie Klein de quem recebi valiosas indicações técnicas Embora Flora Scolni tenha iniciado também nesta época seu trabalho como psicanalista de crianças eu trabalhei sozinha no início Minha primeira colaboradora foi Elizabeth G de Garma que com grande dedicação e genuíno talento para a aná lise de crianças participou desde 1947 nas tarefas de formação que já então eram intensas Rapidamente o interesse pela psicanálise de crianças foi crescente e este fato possibilitou e fez necessário realizar seminários técnicos e teóricos na Asociación Psicoanalítica Argentina desde 1948 Este progressivo desenvolvimento culminou com a realização do Primer Symposium de Psicanálisis de Ninos em 1957 Desde o começo foise formando em torno de mim um grupo especialmente Interessado nestes problemas Com o passar dos anos alguns abandonaram a espe 14 Psicanálise da Criança cialidade enquanto outros uma vez formados continuaram suas atividades de forma independente criando novos grupos Escrever este livro no qual pretendo transmitir a minha experiência e a de meus colaboradores não foi uma tarefa fácil a qual seguramente teria abandonado se não fosse a ajuda incondicional que me prestaram Lidia Forti e Susana L de Ferrer Luciana B de Matte Julio Ara e Juan F Rodriguez foram valiosos colaborado res aportando inegáveis melhorias com suas cuidadosas e inteligentes revisões do texto José Alonso não se limitou a copiar o original senão que por vezes o interpre tou sugerindo sutis modificações Agradeço finalmente a Decio de Souza sua dedicação ao discutir comigo alguns aspectos deste livro o que me significou um grande estímulo A AUTORA Os trabalhos originais de Freud surgiram durante a análise de adultos mas a natureza do seu descobrimento o conduziu a investigar os anos de infância pois lhe pareceu claro que as primeiras causas do transtorno mental tinham sua fonte em fato res que atuaram durante as primeiras fases do desenvolvimento Suas conclusões sobre a sexualidade infantil viramse confirmadas na primeira vez que se aplicou a psicanálise ao tratamento de uma criança neurótica Suas idéias sobre este desenvolvimento se enriqueceram com os descobrimentos ulteriores no tratamento de adultos neuróticos com a observação direta das crianças e com os dados que lhe eram comunicados pelos psicanalistas que se dedicaram às crianças Foi fundamental a investigação dos mecanismos que impulsionam a criança a brincar O jogo havia sido estudado por psicólogos filósofos e pedagogos mantendose a validade destes descobrimentos ainda hoje mas descreviam apenas aspectos parciais do problema ou mostravam os fenômenos sem considerar seu significado inconsciente Na teoria traumática do jogo Freud não exclui o que se havia escrito mas explica o fenômeno na sua totalidade e na sua essência2 Já no caso de Joãozinho havia interpretado jogos sonhos e fantasias mas foi ao observar uma criança de 18 meses que descobriu os significados psicológicos da atividade lúdica Compreendeu que a criança não brincava somente com o que lhe era prazen teiro mas também jogava repetindo situações dolorosas elaborando assim o que era excessivo para seu ego A teoria traumática do jogo descrita por Freud não foi modificada nas suas bases e sim utilizada para a criação de novas técnicas de aproximação ao inconscien te da criança tanto no tratamento como no diagnóstico das neuroses infantis Destes temas nos ocuparemos no transcorrer deste livro 1 FREUD Sigmund Análisis de la fobia de un nino de cinco anos Obras completas Editorial Americana Buenos Aires 1943 tomo XV Historiales clínicos 2 FREUD Sigmund Análisis de la fobia de un nifio de cinco anos tomo XV Historiales clínicos MAi nllí dei principio dei placer tomo II Una teoria sexual y otros ensayos p285 Totem y tabú tomo VIII p 116 Obras completas Ed Americana Buenos Aires 1943 Psicanálise da Criança Em muitas das obras de Freud encontrei notas que resultaram fundamentais para a criação da técnica da psicanálise de crianças Em Atos sintomáticos e casuais3 relata um ato sintomático em uma criança de treze anos cuja interpretação podia ser hoje um exemplo da forma como se pode analisar uma criança também em um pequeno artigo Associação de ideias em uma menina de quatro anos 4 mostra a possibilidade de utilizar a expressão verbal infantil para a interpretação Em Psicologia do colegial5 estuda as reações do rapaz frente aos professores como repetição das relações com os pais ideias que se desenvolveram mais tarde permitindo a compreensão das dificuldades de aprendizagem da desadaptação esco lar e da avidez ou rechaço frente ao conhecimento Em Os sonhos infantis6 analisa sonhos de crianças destacando que como nos do adulto devemos considerar um conteúdo manifesto e um latente ao que se chega pela interpretação Partindo destes descobrimentos Hug Hellmuth Anna Freud Sophie Morgenstern e Melanie Klein buscaram a forma de aplicar a psicanálise ao tratamento de crianças Embora todos contribuíssem à minha técnica atual foi o pensamento de Melanie Klein que marcou uma diretriz fundamental no meu trabalho Os descobrimentos de Freud sobre a dinâmica do inconsciente a sexualidade infantil e a configuração e destino do complexo de Edipo obrigaram a uma reconside ração do que se conhecia das crianças Ao mostrar Freud que o instinto de morte atua conjuntamente com o instinto de vida desde o primeiro momento que as tendências destrutivas existem junto com a capacidade de amor que necessita destruir e que esta necessidade deve ser respei tada dentro de certos limites e mais importante ainda que os conflitos originados pelas tendências em pugna são fonte contínua de dor vimonos forçados a modificar nossa crença na felicidade da infância Quando descreveu a angústia do nascimento como o arquétipo das futuras situações de ansiedade idéia que mais tarde Rank desenvolverá com genialidade abriu o caminho para todos os psicanalistas que se ocuparam especialmente da vida intrauterina7 do trauma do nascimento8 e das primeiras etapas do desenvolvimento Todos eles ao desenvolver as idéias originárias de Freud contribuíram para a com preensão da mente do lactente lançando as bases de uma possível profilaxia das neu roses infantis 3 FREUD Sigmund Actos sintomáticos y casuales tomo I Psicopatología de la vida cotidiana p224 4 FREUD Sigmund Asociación de idéas en una nina de quatro anos tomo XIII Psicologia de la vida erótica p 135 5 FREUD Sigmund Psicologia dei colegial tomo XIX Malestar en la cultura p283 6 FREUD Sigmund Los suenos infantiles tomo IV Introducción al psicoanálisis p 153 7 Na Argentina Arnaldo Rascovsky e os integrantes do grupo de estudos psicanalíticos sobre a orga nização fetal constituído no ano de 1954 8 RANK Otto The trauma of birth Ed Robert Brunner New York 1952 Ia edição Viena 1924 Tradução castelhana pela Editorial Paidós Buenos Aires 1961 Arminda Aberastury 17 Todos estes descobrimentos provocaram rechaço e despertaram resistências em especial o da sexualidade infantil e o do complexo de Edipo O repúdio do adulto à sexualidade da criança expressouse na necessidade de ignorála no interesse por proibir suas manifestações inventando lendas que substituíssem a verdade e negando lhe todo esclarecimento Já no caso de Joãozinho Freud mostrou que se o adulto res ponde com mentiras às perguntas da criança a induz a mentir e crialhe sérios confli tos Quando em 1900 descobriu a importância da relação inicial com os pais para o destino das futuras relações de objeto deu às fundamentações um novo descobri mento técnico decisivo para a eficácia de seu método que foi a utilização da trans ferência do tratamento analítico Em O delírio e os sonhos na Gradiva9 descreve com especial clareza este descobrimento O processo de cura é realizado numa reincidência no amor se é que podemos chamar de amor a reunião de todos os diversificados componentes do ins tinto sexual tal reincidência é indispensável pois os sintomas que provocaram a pro cura de um tratamento nada mais são do que resíduos de conflitos anteriores de repressões ou de retornos do reprimido e só podem ser eliminados por uma nova ascensão das mesmas paixões Todo tratamento psicanalítico é uma tentativa de liber tar amor reprimido que na conciliação de um sintoma encontra escoamento insufi ciente Freud chegou ao descobrimento do complexo de Edipo através de sua auto análise e posteriormente através da transferência Relata em seu estudo autobiográfi co Havia me deparado efetivamente pela primeira vez com o complexo de Edipo 10 Marcou este como o tema central da sua autoanálise Também comprovei em mim diz o amor pela mãe e os ciúmes contra o pai ao ponto de considerálos um fenômeno geral da primeira infância Valorizar a importância fundamental de seus descobrimentos para a criação da psicanálise de crianças foi o que me levou a iniciar este livro com o relato do primei ro caso de uma criança neurótica tratada por Freud para em seguida descrever as téc nicas dele nascidas bem como sua evolução até chegar à minha técnica atual Procurei não sem dificuldade que fosse sempre o material clínico que conduzisse à teoria e assim transmitir a minha convicção sobre a importância da psicanálise de crianças para a investigação e metodologia psicanalíticas 9 FREUD Sigmund El delirio y los suerïos en la Gradiva de W Jensen tomo III El chiste y su relación con el inconsciente p 275 10 FREUD Sigmund Estúdio preliminar tomo XXII Los orgenes del psicoanálisis p53 Obras com pletas Ed Santiago Rueda Buenos Aires 1956 11 FREUD Sigmund Cartas manuscritos y notas tomo XXII Los orlgeries del psicoanállsis p 261 Obras completas Ed Santiago Rueda Buenos Aires 1956 HISTÓRIA DA TÉCNICA Partindo dos descobrimentos de Freud e em especial do primeiro caso de uma neu rose infantil curada por ele mostrase como Sophie Morgenstein Anna Freud e Melanie Klein buscaram a forma de aplicar a psicanálise ao tratamento das crianças Expõemse as dife renças técnicas que desde o começo e até a atualidade mantêm as escolas criadas por Anna Freud e Melanie Klein e a influência que tiveram no desenvolvimento da psicanálise de crian ças na Argentina Com a publicação deste caso Freud1 fixou as bases para a compreensão da lin guagem préverbal e para a utilização da interpretação na análise de crianças mas não para o uso da transferência como instrumento técnico Isto se deve em parte à forma como foi realizado o tratamento e também porque na época não estivesse valorizado ainda o vínculo com o terapeuta nos tratamentos de adultos Para compreender como nasceu a psicanálise de crianças precisamos nos vol tar à época dos primeiros descobrimentos de Freud sobre a cura da neurose do adul to A primeira vez que falou de psicanálise como um método terapêutico próprio foi em 1896 quando ao descobrir o valor da associação livre pôde abandonar a hipno se e a sugestão técnicas que usara até aquele momento para a investigação e cura da histeria2 O fato de que muitos dos seus pacientes continuassem falando livremente sem hipnose ou sugestão e pudessem pelas cadeias associativas chegar à recordação de traumas infantis mostroulhe a importância da associação livre que a seguir utilizou metodicamente na investigação e cura de seus pacientes Nada mais ilustrativo para compreender a evolução da técnica de Freud que a leitura dos seus primeiros casos3 Seu novo e grande descobrimento foi compreender e valorizar como instrumento técnico o vínculo que se criava entre o paciente e o terapeuta que denominou transferência Descobriu que esta tinha suas raízes na mais remota infância e que o paciente revivia com o terapeuta suas primeiras relações de 1 FREUD Sigmund Análisis de la fobia de un nino de cinco anos tomo XV Historiales clínicos Obras completas Ed Americana Buenos Aires 1943 2 JONES Ernest Vida y obra de Sigmund Freud tomo I p296 Editorial Nova Buenos Aires 1959 3 FREUD Sigmund Historiales clínicos tomo X La histeria p27 22 Psicanálise da Criança objeto sendo imprescindível interpretar estas reações transferenciais positivas e negativas como repetições daquelas situações pretérias4 O valor terapêutico da interpretação foi compreendido por Freud desde o pri meiro momento quando comprovou que comunicando seus descobrimentos em momento oportuno ao paciente conseguia que este tornasse consciente o que até então estava reprimindo Associação livre transferência e interpretação foram os três pilares da técnica de Freud para fazer consciente o inconsciente A teoria traumática das neuroses havia levado Freud à convicção da importân cia da sexualidade infantil e a formular um ensaio sobre sua evolução5 mas faltavalhe a experiência da observação direta de uma criança que permitisse a confirmação de seus descobrimentos sobre a evolução sexual O tratamento de uma histeria infantil permitiria amplamente esta corroboração Freud havia postulado a existência do com plexo de Édipo e a observação de uma criança também confirmaria sua importância enquanto estava acontecendo na eclosão da neurose Em 1905 tentou pela primeira vez aplicar este método à cura de uma neuro se infantil tratavase de uma zoofobia de um menino de cinco anos O caso deste menino Joãozinho corroborou efetivamente o que havia afirmado até aquele momento sobre a sexualidade infantil e sobre a importância do complexo de Edipo abriu além disso o caminho para a interpretação da linguagem préverbal o que sig nificou uma ajuda fundamental para a compreensão das fobias Deste ponto de vista nem Freud nem os seus sucessores puderam prever os alcances de seu descobrimen to Tem sido necessária para valorizála a sua confrontação diária com as experiên cias dos psicanalistas de crianças Um dos muitos valores deste caso foi mostrar a repercussão que tiveram as situações traumáticas no desenvolvimento do menino como se expressaram durante o tratamento e como evoluíram até chegar à cura O pai de Joãozinho havia transmitido a Freud sua observação sobre as manifes tações de curiosidade e atividades sexuais de seu filho podendo assim ser confirma dos seus descobrimentos sobre a sexualidade infantil Nesta correspondência que Freud transcreve na primeira parte do caso estão consignados os mais importantes dados que permitiram compreender o aparecimento da fobia e a eleição do animal objeto de seu medo O presente caso clínico de um paciente infantil disse Freud não constitui em rigor uma observação direta minha Dirigi evidentemente em conjunto o plano de tratamento e inclusive intervim uma vez nele pessoalmente mantendo uma con versa com a criança Mas quem levou em frente o tratamento foi o pai do enfermo ao qual devo expressar aqui meu agradecimento por ter colocado à minha disposição suas anotações autorizandome a publicálas Unicamente a união da autoridade paterna e a autoridade médica em uma só pessoa e a coincidência do interesse familiar com o interesse científico tornaram pos 4 FREUD Sigmund Más allá dei principio dei placer tomo II Una teoria sexual y otros ensayos p275 5 FREUD Sigmund Una teoria sexual tomo II Una teoria sexual y otros ensayos p7 Arminda Aberastury 23 sivel dar ao método analítico uma utilização que teria sido inadequada em outras con dições6 Freud intuiu duas coisas I que o que dá eficácia à interpretação da transfe rência é a união da figura do terapeuta com o objeto originário e 2 que a terapia e a investigação são inseparáveis em psicanálise Divide o caso em três partes na primeira relata as observações que o pai rea lizou buscando corroborar na observação direta de uma criança o que Freud havia exposto sobre a sexualidade infantil na segunda expõe a evolução da enfermidade e do tratamento e na parte final intitulada por ele Epicrise propõese a I comprovar até onde este caso confirma seus pontos de vista sobre a sexualidade infantil 2 deter minar os novos descobrimentos para a compreensão das fobias e 3 extrair desta experiência esclarecimentos sobre a vida anímica da criança e conclusões para a sua adequada orientação Joãozinho até o aparecimento da fobia parece ter sido uma criança que se desenvolveu normalmente Seus pais o descrevem como uma criança alegre em boas relações com o seu meio ambiente que brinca bem e que desfruta do jogo Não fazem referência a enfermidades nem a dificuldades durante o desenvolvimento que supusessem algum conflito não resolvido7 Os dados que nos dá Freud sobre o paciente resultam hoje incompletos nada sabemos sobre a gravidez o parto a lactância e suas primeiras aquisições de lingua gem e de motricidade Podemos deduzir pela atitude ulterior da mãe usando os nossos conhecimentos atuais que o controle de esfíncteres foi severo porque o menino padecia de constipação persistente que foi tratada com enemas e laxantes Dános por outro lado um detalhado quadro de seus traumas genitais que veremos e valorizaremos mais adiante As primeiras observações sobre Joãozinho datam da época em que não tinha feito ainda três anos Manifestava então dúvidas e perguntas vivo interesse por uma certa parte de seu corpo a qual chamava a coisinha de fazer pipi8 A curiosidade pelos genitais é satisfeita também na sua observação de ani mais Aproximadamente na mesma época aos três anos e meio levado um dia dian te da jaula dos leões em Schönbrunn Joãozinho exclama alvoroçado Vi a coisinha dos leões9 Freud acrescenta Os animais devem grande parte da significação que alcan çaram em fábulas e mitos à naturalidade com que mostram às criaturas humanas penetradas de ávida curiosidade seus órgãos genitais e funções sexuais 10 6 FREUD Sigmund Análisis de la fobia de un nino de cinco anos tomo XV Historiales clínicos p 145 7 Excluindo a constipação e a amigdalectomia que não foram valorizados por Freud e nem pelos pais 8 FREUD Sigmund Análisis de la fobia de un nino de cinco anos tomo XV Historiales clínicos p 146 9 FREUD Sigmund Idem p 148 10 FREUD Sigmund Idem p 148 Psicanálise da Criança Mas sua grande curiosidade faz de Joãozinho um investigador também do ina nimado Um dia aos três anos e nove meses vê desaguar a caldeira de uma locomo tiva e diz Olha a locomotiva está fazendo pipi Onde tem a coisinha Seu interesse não é exclusivamente teórico estimulandoo também a contatos e atividades masturbatórias que angustiam a sua mãe a qual o ameaça dizendo que o médico lhe cortaria os genitais caso continuasse tocandoos Esta ameaça será um dos desencadeantes da enfermidade tal como se verá através do desenrolar do caso Freud considera que o nascimento da irmã foi também traumático para João zinho mas relendo o caso e estudandoo à luz dos conhecimentos atuais compreen demos que não foi o fato em si que perturbou Joãozinho senão os enganos e as falsi ficações da verdade que rodearam o acontecimento e tudo o que se referia à vida sexual mentiras que contradiziam tudo quanto ele observava Deramlhe a versão da cegonha mas também o levaram ao quarto da mãe no qual viu rastros de sangue e da atividade do médico fatos que razoavelmente ligou com o parto criandose nele uma grande confusão Sua capacidade de observação e sua preocupação por unir o que observava com as versões que seus pais lhe davam sobre os mesmos fatos assim como a confu são que isto lhe criou são muito evidentes no relato que faz Joãozinho do dia do nas cimento da irmã Quando vê a maleta do médico diz Hoje vem a cegonha Depois do parto Joãozinho escuta que a parteira pede uma taça de chá e diz Mamãe tosse e por isso lhe dão chá e ao entrar no quarto da mãe em vez de olhála contempla uma bacia meio cheia ainda de água ensangüentada e diz admirado Eu não ponho sangue pela coisinha Todas as suas palavras demonstram diz Freud que relaciona com a cego nha essa situação fora do comum Observa tudo com ar desconfiado Indubitavelmente se confirmou nele a primeira desconfiança contra a história da cego nha 12 Quando nasce a irmã suas observações se vêem perturbadas pela mentira da mãe que lhe afirmara que ela também tinha um genital masculino E por isso que Joãozinho ainda que observe que sua irmã é diferente dele se empenha em negálo e diz Tem uma coisinha muito pequenininha Foram também importantes os traumas sofridos no seu próprio corpo ene mas e laxantes que viveu como esvaziamento violento reforçando o temor a que tam bém pudesse cumprirse a ameaça de castração Fez observar que a criança de peito tinha que sentir já o ato de lhe ser retirado o seio materno ao terminar cada uma de suas mamadas como uma castração isto é como a perda de uma parte importante de seu próprio corpo Igual sensação despertaria nele o ato regular da defecação 13 O caso assinala abundantes traumas genitais I a mãe o proibia de masturbar se e como esta proibição foi inútil ameaçou leválo ao médico para que este cortas se os genitais 2 descreveulhe de forma inexata a diferença de sexos dandolhe I I FREUD Sigmund Idem p 148 12 FREUD Sigmund Idem p ISO 13 FREUD Sigmund Idem p 148 Arminda Aberastury 25 segurança de que os genitais femininos eram como os masculinos 3 quando ficou grá vida e teve a filha deram a Joãozinho a conhecida versão da cegonha mas ao mesmo tempo o levaram ao quarto da mãe onde ele viu a maleta do médico e uma bacia com sangue que ele vinculou ao parto e 4 dormia com seus pais até o momento de nas cer a irmã Conhecendo a forma como expressou Joãozinho sua curiosidade sexual as características da sua masturbação e as reações dos pais valorizamos mais facilmente todos os acontecimentos relacionados com o nascimento da irmã e o porquê de sua força traumática Freud na primeira parte do relato apresenta também as tentativas de João zinho para levar a outros objetos os afetos até então concentrados nos pais e na irmã analisando o significado dos jogos exibicionistas com seus amigos e os sonhos nos quais elabora as excitações do dia Ao estudar a evolução do sintoma assinala insistentemente que antes do apa recimento da fobia Joãozinho teve crises de ansiedade e que aos 4 anos e 8 meses teve um sonho de angústia onde expressava o medo de ser abandonado pela mãe Os primeiros sintomas da fobia que condenaram Joãozinho a não poder sair de sua casa pois temia encontrarse com um cavalo apareceram pouco depois Dois acontecimentos estão desde o princípio ligados à fobia I o medo que sentiu quando viu um cavalo cair resfolegar e espernear e 2 o temor a ser mordido pelo cavalo Quando o pai lhe interpreta que existe uma relação entre este medo e a sua curiosidade sexual produzse uma intensificação da angústia Diz Joãozinho Não tenho mais remédio olho para os cavalos e logo me dá medo14 Nesta época Joãozinho adoece e deve permanecer na cama por quinze dias com uma forte gripe Penso que esta enfermidade foi conseqüência das angústias antes mencionadas A gripe segue uma amigdalectomia com a qual a fobia se intensi fica muito Embora Freud não tenha valorizado a amigdalectomia como um dos fato res desencadeantes da enfermidade hoje temos que considerar seu valor sobretudo se pensarmos que a boca teve um papel muito importante nesta fobia e que Joãozinho dizia freqüentemente que os cavalos brancos mordem Quando a gente passa os dedos na frente deles eles mordem Trataremos de analisar cada um dos detalhes do seu medo o espernear o ser mordido a queda e as características do cavalo temido e de expor não somente as motivações que Freud assinala mas também as que hoje em dia valorizaríamos Joãozinho costumava ver sua mãe quando defecava e este fato segundo Freud contribuiu a que equiparasse com tanta insistência o processo do parto com o da evacuação e representasse aquele como a queda da matéria fecal no urinol O espernear dos cavalos que temia tanto era similar ao que conforme seus pais reali zava Joãozinho quando lhe impuseram o controle de esfíncteres M FREUD Sigmund Idem p 168 26 Psicanálise da Criança O cavalo teve papel importante nos jogos prévios ao sintoma nos quais ele brincava de ser cavalo com as outras crianças brincando também com o pai A brin cadeira dos cavalos com as crianças foi contemporânea ao urinar exibindose realiza da também com os mesmos amigos Nesta época a gravidez da mãe aumentou sua curiosidade sexual e também a masturbação e a mãe não só o ameaçou de cortarlhe os genitais como também mais tarde propôs que ele se deitasse com as mãos ata das para que não se masturbasse Com todos estes antecedentes compreendemos que a amigdalectomia deve ter sido vivida por ele como a efetivação da ameaça materna intensificandose a angústia de castração pelo deslocamento do genital ao oral Se de sua garganta podia amputarse uma parte era possível que o mesmo acontecesse com seus genitais Não podemos esquecer que a mãe atribuiu ao médico o poder de efetivar a ameaça de cas tração e que a operação foi realizada pelo possível executor desta ameaça A consequente equiparação da boca com a vagina conforme se viu acima fez com que o temor ao cavalo se centralizasse no fato de que este podia morder em especial os dedos A masturbação ficaria assim impedida por falta do instrumento que a efetuasse as mãos como quando ameaçaram com atálas A característica do cavalo temido era a de ser branco e penso que este deta lhe pôde originarse no avental do médico durante a operação O significado traumá tico da amigdalectomia escapou à compreensão de Freud e talvez por isso não tenha conseguido explicar alguns detalhes da fobia a cor branca do cavalo o significado da boca e do buçal Serei agora forçada a repetir fragmentos do caso porque quero evidenciar os descobrimentos técnicos que me parecem fundamentais Muito cedo desde os três anos manifestou curiosidade pelos próprios geni tais pelos das outras pessoas e também pelos dos animais Esta curiosidade acompa nhouse de frequente masturbação que a mãe tratou de impedir ameaçando leválo ao médico para que este lhe cortasse a coisinha em outra oportunidade vestindo o para dormir com uma espécie de camisolão cujas mangas ao serem atadas impe diamlhe o livre uso das mãos Esta ameaça de castração e a repressão da atividade masturbatória ocorreram quando Joãozinho tinha três anos e meio antes do aparecimento da fobia e coincidin do com a gravidez da mãe No verão anterior à eclosão da fobia período em que a mãe estava grávida aparecem os primeiros sinais de ansiedade sofre depressões tem crises de angústia nas quais expressa medo de perder a mãe e quando vai passear com a babá pede para voltar à casa temendo não encontrar a mãe Este sintoma se faz mais incompreensível aos pais quando embora saindo acompanhado da mãe quer interromper os passeios tem crises de angústia e deseja voltar para casa Aos quatro anos tem um sonho de angústia que anuncia o apareci mento da enfermidade no qual expressa seu medo de que a mãe o abandone Aos poucos meses deste sonho aparece o temor de ser mordido por um cava lo temor cujas características se vão definindo nos sucessivos deslocamentos a deta Arminda Aberastury 27 lhes que em sua última forma consiste não só no temor aos cavalos fora da casa mas também dentro dela pois tem a idéia de que o cavalo pode entrar em seu quarto Quando aparece em Joãozinho o temor de ser mordido por um cavalo o pai orientado por Freud intervém como terapeuta e interpretalhe que a angústia e o medo que sente são uma consequência da masturbação levandoo a abandonála A ameaça de castração é assim reforçada determinando novos aspectos da neurose de Joãozinho Uma pequena melhora obtida com esta interpretação desaparece em seguida dando lugar a uma forte gripe seguida pela amigdalectomia Joãozinho conversa com seu pai sobre as características do medo sabendo que seus relatos serão transmitidos a Freud como também as associações que surgem espontaneamente sobre cada detalhe dos seus jogos fantasias e sonhos e que a fina lidade desta correspondência é curálo de seus medos O pai às vezes interpretava este material baseandose no que conhecia de psicanálise e da vida de Joãozinho e as interpretações eram aprovadas ampliadas ou modificadas por Freud Em muitos outros casos escapavalhe o significado latente deste material e Freud o orientava sobre a linha interpretativa a seguir E difícil de compreender como durante tantos anos se afirmasse que a criança diferentemente do adulto não sabe que está enfer ma nem deseja curarse já que nesta primeira análise foi tão evidente que o menino sofria pelo sintoma e colaborava com o tratamento15 Na medida em que Joãozinho por efeito das interpretações tornava conscien tes os motivos do medo apareciam recordações que estavam reprimidas o que pos sibilitou reconstruir o caminho desde a crise da angústia até o aparecimento da fobia Muitas das recordações de Joãozinho são retificadas pelos pais outras não algumas são recordações encobridoras cuja análise eriquece a reconstrução do passado Mas na maior parte seus relatos são fantasias préconscientes ou mentiras que conscien temente formula como se fossem acontecimentos presenciados por ele Este último é o material mais valioso para compreender os acontecimentos que desencadearam a enfermidade e Freud o utiliza em grande medida Procuraremos expor o conteúdo das sessões não de acordo com a ordem em que aparecem no relato para evitar repetições que dificultariam a compreen são do caso mas mostrando o gradual esclarecimento e transcrevendo os textos de Freud Cedo Joãozinho descobre que seu medo de ser mordido por um cavalo se relaciona com uma impressão recebida em Gründen Escuta numa ocasião que o pal de uma de suas amigas Lizzi advertea do perigo de aproximar a mão à boca do cavalo dizendolhe Não aproximes os dedos ao cavalo porque te morderá Quando Freud relata esta recordação de Joãozinho assinala que a formulação verbal que ele coloca na boca do pai da amiga é a mesma que utilizavam os pais quando o ameaçaram pela masturbação 15 Confrontar com o capitulo 5 28 Psicanálise da Criança A neurose aparece vinculada a este acontecimento acidental e conservou sua marca na escolha do cavalo como objeto de angústia Embora a esta impressão falte em si energia traumática adquiriua por diversos fatores sublinhados por Freud I a anterior significação do cavalo como objeto de preferência e interesse como se deduz dos primeiros relatos sobre brinquedos realizados com amigos e com o pai nos quais o cavalo tinha um papel importantíssimo 2 a recordação de um acidente no qual seu amigo Frederico um pouco mais velho que ele e facilmente identificável com seu pai caiu e se machucou brincando de cavalo 3 as proibições feitas nos mesmos termos para a masturbação de Joãozinho e à aproximação da amiga à boca dos cavalos 4 sua união no tempo com tudo que estivesse relacionado com gravidez e parto da mãe dado que aos três anos e meio quando se produz a ameaça mater na nasce também a irmã O material patogênico ficava transferido ao complexo do cavalo e transforma dos uniformemente em angústia todos os afetos concomitantes 16 Este processo teve ainda que sofrer uma nova deformação e substituição antes que a consciência tomas se conhecimento dele O primeiro medo de Joãozinho de ser mordido por um cava lo procedia de outra cena na qual a mãe ameaçava de cortarlhe os genitais se conti nuasse com seus hábitos masturbatórios A situação patológica permanece vinculada aos componentes instintivos sexuais rechaçados Tratase pois de uma poderosa reação contra os escuros impulsos do movimento que tentam dirigirse especialmen te em direção à mãe O cavalo foi sempre para Joãozinho um exemplo do prazer do movimento mas como este prazer integra o impulso ao coito fica restringido pela neurose que erige também ao cavalo na própria imagem do medo 17 A fobia ao cavalo impede Joãozinho de sair de casa e facilita sua permanência ao lado da mãe satisfazendo assim seus desejos possessivos embora à custa de uma intensa repressão de seus desejos genitais A estes conflitos uniuse a recordação de ansiedades relacionadas com o início do controle esfincteriano Joãozinho vinculou o espernear do cavalo com seus pró prios movimentos quando o obrigavam a abandonar seus brinquedos para ir defecar Também é evidente que identificava o parto com a evacuação explicandose por esta identificação o medo ao espernear do cavalo Ao medo de ser mordido havia se unido o medo aos genitais da mãe a lembrança da ameaça de castração que ela lhe fez e a advertência do pai de Lizzi a amiga de Joãozinho que mencionamos antes sobre os perigos que existiam na boca do cavalo Sabemos que na fobia os deslocamentos são múltiplos em Joãozinho o medo de ser mordido em seguida deslocouse ao temor de que entrasse um cavalo em seu quarto deslocamento que se explica já que era este quarto o cenário da masturba ção e das proibições 16 FREUD Sigmund Análisis de la fobia de un nino de cinco anos tomo XV Historiales clinicos p274 17 FREUD Sigmund Idem p277 Arminda Aberastury Quando Freud assinala que o conflito era uma consequência às ameaças de castração da mãe justifica dizendo Mas devemos ter presente que em tudo isso a mãe não fazia mais que desempenhar um papel marcado pelo destino extremamen te espinhoso e comprometido18 Apóia assim sua idéia de universalidade da angústia de castração e tenta defender a figura da mãe atitude muito frequente em Freud Hoje não podemos deixar de considerar que as ameaças da mãe incrementaram esta angústia em grau extremo como também aumentaram a curiosidade de ver os geni tais e levaramno a uma masturbação compulsiva no intuito de comprovar que as ameaças não se tinham realizado Com um critério que a experiência com crianças corroborou amplamente Freud pensava que um esclarecimento adequado ajudaria a vencer a compulsão a ver os genitais da mãe evitando a intensificação da angústia A mentira inicial da mãe sobre a diferença de sexos agregada à ameaça da castração reforçou a compulsão de ver e tocar os genitais sendo este incremento da angústia coadjuvante da somatiza ção que durante dias o manteve em cama com gripe E de se supor que o fato de estar na cama com febre aumentou sua compulsão a masturbarse atividade que não somente era proibida mas também assinalada como motivo de sua enfermidade reforçando sua angústia de castração a amigdalectomia atuou como fator desenca deante Freud não valorizou o significado do ato cirúrgico como castração mas hoje depois de múltiplas experiências similares resultanos muito evidente Neste caso como em muitos outros a operação de amígdalas é vivida como advertência de que também pode realizarse a tão temida castração E importante esclarecer que é neste momento que Freud assinala pela primeira vez que os cavalos temidos eram os bran cos Quando seu pai lhe diz que os cavalos não mordem ele responde Mas os cava los brancos sim mordem Em Gründen há um cavalo branco que morde Quando a gente põe os dedos na frente dele ele morde Freud anota também que o pai estra nha que diga os dedos em vez de mão Joãozinho conta Quando Lizzi foi embo ra havia na porta da sua casa um carro com um cavalo branco para levar a bagagem à estação O pai dela estava perto do cavalo e o cavalo virou a cabeça Então o pai dela disse Não toques com os dedos o cavalo branco vai te morder 19 Creio que está justificada nossa suposição de que o cavalo branco representa o cirurgião com o avental brancorealizando a tão temida castração deslocada à gar ganta e que ao falar dos dedos e não da mão tinha lugar também uma referência ao ato cirúrgico e ao instrumento de masturbação Além disso outra das características do animal temido era uma coisa preta que levava na boca e que resultou ser o buçal de couro Penso que esta característica também encobria um elemento do trauma cirúrgico E como se Joãozinho pensasse Se eu tivesse um buçal boca fechada não me operariam e ao mesmo tempo me sentia amordaçado como com um buçal quando me operaram Por isso teme que o mordam os cavalos brancos ou que os que têm buçal lhe arranquem seus dedos IB FREUD Sigmund Idem p 167 19 FREUD Sigmund Idem p 169 30 Psicanálise da Criança Os pais relatam que as fantasias de Joãozinho nesta época eram a da girafa20 e a de realizar atos proibidos que mereciam castigo21 Tudo leva a pensar que viveu a operação como castigo pela masturbação realizada com as fantasias edípicas subjacen tes Quando Joãozinho não quer ir ao consultório de Freud os pais lhe mentem pro metendo que se aceitasse ir encontraria uma menina muito bonita na casa do profes sor Esta atitude nos permite deduzir que também para a operação o levaram engana do22 Nesta primeira e única consulta compreende que os dois detalhes do animal temido estão ligados ao bigode e aos óculos do pai e interpreta que o medo de Joãozinho ao cavalo motivase na sua intensa agressão ao pai e no temor de que ele se vingue e que estes sentimentos são a conseqüência dos seus desejos amorosos pela mãe Depois desta visita começam as melhoras importantes apesar de Joãozinho insistir com muito bom sentido que seu amor e seu medo pelo pai coexistiam Esta verdade é descoberta por Freud mais tarde em Inibição sintoma e angústia Até aquele momento limitavase a dizer Sabemos que esta parte do medo de Joãozinho tem dois aspectos medo do pai e medo pelo pai O primeiro provém da hostilidade e o segundo do conflito com o carinho que sente por ele 24 descrevendo assim as ansiedades paranoides e depressivas e sua origem Nesta parte do caso Freud interpreta um projeto de jogo de Joãozinho con sistente em carregar e descarregar descobrindo que por uma relação simbólica subs titutiva é possível que um mesmo jogo represente o processo do parto e o da defe cação Esta interpretação confirmase posteriormente quando nos seus jogos com um boneco utiliza os mesmos símbolos para representar o que significam para ele as duas situações Duas de suas recordações I a do espernear como protesto quando queriam forçálo a defecar e 2 a de ter visto a mãe quando evacuava condensamse e des locamse à figura do cavalo tornando específicas as situações de maior temor Joãozinho sempre sofreu de uma constipação pertinaz que nos obrigou ao uso de laxantes e enemas25 Agregase a isto o fato de que tenha observado sua mãe no momento da defecação 26 Isto favoreceu a equiparação do parto da mãe com o espernear durante a defe cação com todos os seus incômodos Segundo as indicações que suas sensações lhe proporcionaram concluiu que devia tratarse de uma violência contra a mãe de um desgarramento de uma penetração num espaço fechado atos para cuja execução sentia em si o impulso 27 20 FREUD Sigmund Idem p 176 21 FREUD Sigmund Idem p 180 22 FREUD Sigmund Idem p 172 23 FREUD Sigmund Inhibition sintoma y angustia tomo XI p24 24 FREUD Sigmund Análisis de la fobia de un nino de cinco anos tomo XV Historiales clínicos p 184 25 FREUD Sigmund Idem p 195 26 FREUD Sigmund Idem p 197 27 FREUD Sigmund Idem p 272 Arminda Aberastury Freud pensava que partindo de suas sensações genitais Joãozinho chegaria a descobrir a vagina28 mas não lhe foi possível pela confusão criada pela mãe ao afir marlhe que não existia diferença de sexos Esta observação contradizia o que sentia no seu corpo e descobria nas suas contínuas observações A recordação de sua mãe exibindose enquanto defecava ligouse em Joãozinho à memória de jogos exibicionis tas com as amigas Joãozinho contou que as amigas queriam vêlo quando ele fazia pipi e que também ele as olhava29 Estas recordações estão unidas às proibições que acom panharam as duas oportunidades Freud assinala que a esta altura do tratamento Joãozinho se apodera ousada mente da direção da análise e como os pais atrasam as explicações que lhe deveriam ter dado há muito tempo comunicalhes mediante seus jogos com um boneco como se representa o nascimento Com este jogo elabora o processo da evacuação e perda de uma parte de si mesmo30 significando a realização da tão temida ameaça de per der o genital A cirurgia prova da realidade de que lhe tiram parte do seu corpo transformou um temor fantasiado em realidade possibilitandolhe a associação entre a perda da matéria fecal e a perda do pênis e ligandoo com o nascimento como pro duto da união genital O maior interesse deste caso considerandoo como ponto de partida da téc nica de psicanálise de crianças é o de mostrar a eficácia das interpretações e as suas conseqüências Hoje aplicando a técnica de jogo vemos que a criança expressa com os brin quedos os mesmos conflitos e os interpretamos do mesmo modo Analisando jogos fantasias e sonhos Freud estudou as diferentes formas sim bólicas com que o menino representou o corpo da mãe e seus conteúdos uma banheira um ônibus um carro de mudanças nos quais o denominador comum era serem continentes cheios de conteúdo ou algo capaz de ter dentro coisas menores e pesadas como um ventre que aloja uma criança que depois cresce e pesa Posteriormente estendeu este significado ao processo da evacuação Um dos frag mentos mais apaixonantes do relato é o do entendimento e da descrição detalhada que Joãozinho nos oferece sobre a vida da irmã no ventre da mãe e a conclusão de Freud sobre a evidência deste conhecimento no menino Joãozinho diz Passou todo o tempo correndo e sem moverse nunca Bebeu duas jarras grandes de café De manhã não sobrava nada Deixou toda a sujeira na gaveta bem como as folhas dos rabanetes e a faca para cortálos Depois limpou tudo muito rapidamente Em um minuto Com muita pressa31 Freud descobriu que uma criança de três anos percebia a gravidez e tinha sua própria concepção de como se desenvolve um filho na mãe E agora nos traz João 28 O que está totalmente de acordo com a minha idéia da fase genital prévia e seu significado Confrontar com capitulo 4 29 FREUD Sigmund Obra citada p20l 30 FREUD Sigmund Idem p224 31 FREUD Sigmund Idem p217 32 Psicanálise da Criança zinho uma surpresa para a qual não estamos certamente preparados Tendo três anos e meio observou a gravidez da mãe que culminou com o nascimento da peque na e depois do parto se não antes reconstruiu todo o processo embora sem exte riorizálo e talvez sem poder exteriorizálo 32 O processo de carga e descarga simbolismo do parto aparece equiparado ao da execução intestinal O começo da fobia constituída pelo medo que o cavalo esper neasse e caísse estava vinculado aos seus esperneios infantis quando o forçavam a defecar e ao deslocamento deste medo ao processo do parto E evidente que o meni no tinha conhecimento do que é a vida intrauterina quando descreve que a irmã via java numa caixa fechada onde corria e fazia suas necessidades e do qual não podia sair localizando esta viagem num veraneio durante o qual sua mãe estava grávida de seis meses Hoje sabemos pela experiência de numerosas análises de crianças que a gravidez da mãe é percebida desde o primeiro momento fato expresso através dos jogos confirmandose assim o que Freud observou Quando Joãozinho tenta elaborar o problema da diferença de sexos da diferença entre adultos e crianças e do temor ao pai como rival no amor da mãe expressouse pela fantasia na qual uma girafa gran de e outra pequena simbolizavam a diferença de sexos Ele se personificava na que tomava posse da pequena a mãe sentandose sobre ela e despertando raiva na girafa grande o pai interpretando Freud que a diferença de tamanho das duas gira fas simbolizava a diferença de sexos Também neste ponto a experiência posterior confirma a interpretação de Freud Numa série de fantasias nas quais Joãozinho des creve coisas proibidas ou castigadas como saltar cercas ou quebrar vidros Freud interpreta o desejo incestuoso e o castigo por ele Em outra de suas fantasias um encanador munido de uma chave de fenda remove a coisinha dandolhe uma grande33 Na primeira parte desta fantasia repe te quase sem deformação a situação traumática da ameaça de castração feita pela mãe e sua segunda parte mostra a modificação conseguida pelo tratamento quando recebe do pai a potência Segundo Freud esta feliz elaboração do complexo de Édipo foi possível pelas interpretações anteriores e explica o desaparecimento da fobia Se hoje escrevêssemos a história de Joãozinho nos preocuparíamos em conhe cer muitos detalhes que fizeram compreensível sua evolução mas como Freud esta va especialmente interessado em estudar a influência dos traumas sexuais na etiologia das neuroses e na fobia dava especial importância aos traumas da fase fálica com preendese que a maior parte das informações que nos dá referemse a esta época da vida O tratamento não foi realizado na forma habitual em psicanálise Freud viu somente uma vez o pequeno paciente e o tratamento apesar de estar sob sua supervisão esteve a cargo do pai da criança pessoa conhecedora dos descobrimen tos de Freud por isso não pode servir como modelo técnico no que se refere à inter 32 FREUD Sigmund Idem p 267 33 FREUD Sigmund Idem p 238 pretação e uso da transferência Muitos de seus descobrimentos alguns apenas esbo çados abriram o caminho em direção a uma técnica que permitisse entender e inter pretar a linguagem préverbal A experiência mostrava que a criança embora impos sibilitada de expressarse totalmente com palavras era capaz de entender o que lhe era dito pelo adulto De modo que compreendendo o significado latente dos seus jogos desenhos sonhos sonhos diurnos e associações a interpretação seria tão efi caz como o era no tratamento de adultos Faltava comprovar se a criança como o adulto era capaz de estabelecer com o terapeuta um vínculo transferencial esta con tribuição foi dada pelos psicanalistas de crianças Substituída a associação livre pela linguagem préverbal provada a capacidade da criança de compreender a interpretação e de estabelecer uma transferência com o terapeuta estavam cumpridas as premissas necessárias para falarse numa técnica de psicanálise de crianças similar á existente para a psicanálise de adultos Os contínuos progressos desta técnica cujo nascimento exporemos no próxi mo capítulo possibilitaram I a análise de crianças muito pequenas a partir de quin ze meses de idade 2 a ampliação cada vez maior dos casos que se tratavam com êxito entre eles as enfermidades psicossomáticas como úlcera colite ulcerosa asma eczema e acetonemia 3 a profilaxia de enfermidades futuras mediante a orientação psicanalítica do lactante como consequência do progresso no conhecimento da evo lução da criança O sucesso terapêutico obtido por Freud ao analisar uma criança de cinco anos permitiu alentar a esperança de aplicar o método analítico aos transtornos e enfermi dades de crianças de pouca idade Mas o caso1 não podia servir de modelo técnico já que o tratamento foi reali zado nas circunstâncias especiais descritas no capítulo anterior Quando outros analis tas tentaram aplicar a pacientes de pouca idade o método criado por Freud para tra tamento de adultos viramse frente a dificuldades quase insuperáveis mais importan te é a impossibilidade de conseguir da criança associações verbais Faltava o instru mento fundamental da análise de adultos Assim os diferentes modos de adaptar o método analítico à mente das crianças deram origem às técnicas da psicanálise infan til Uma das primeiras tentativas foi a de HugHellmuth que buscou superar as dificuldades mencionadas observando o jogo de seus pacientes e brincando com eles dentro de seu próprio ambiente Infelizmente não deixou uma verdadeira sistemati zação do seu método2 Sophie Morgenstern na França e Anna Freud e Melanie Klein em Viena publi caram os primeiros livros sobre o tema Sophie Morgenstern trabalhava na clínica de Heuyer e seu livro3 é o resultado de sua experiência Estudou os contos sonhos sonhos diurnos jogos e desenhos infantis buscando o conteúdo latente oculto sob o conteúdo manifesto O mais valio so de sua obra é a exposição de seu método de análise mediante desenhos método surgido durante o tratamento de um paciente 1 FREUD Sigmund Análisis de la fobia de un nino de cinco anos tomo XV Historiales clínicos Obras Completas Ed Americana Buenos Aires 1943 2 HUGHELLMUTH R Zur Technik der KinderAnalyse Int Zeit für Psychoanalyse ed VII 1921 3 MORGENSTERN Sophie Psychanalyse infantile Paris 1937 El simbolismo y el valor psi coanalltlco de los dlbuos Infantiles Rev de Psicoanálisis tomo V n 3 tradução de Alicia Vaudelln Arminda Aberastury 35 Apresentouse na clínica um menino de dez anos que sofria há dois anos de um mutismo total sem que o exame clínico justificasse o transtorno O único mate rial interpretável eram os desenhos que a criança realizava a pedido da psicanalista Ao começar o tratamento sofria de uma ansiedade aguda que se expressou claramente nos desenhos Estes representavam objetos animais e pessoas enormes andando sempre em direção a ele para atacálo Os temas repetiamse de modo obsessivo especialmente certos desenhos como do homemlobo de animais de lín gua de fora de uma língua com cadeado etc Com o lobo simbolizava o pai e suas angústias na relação com ele Por um deslocamento de abaixoacima seus genitais estavam representados pelas línguas Suas angústias de castração haviamse intensifi cado por situações muito traumáticas e o sintoma expressão dessa angústia desapa receu ao ser interpretado figura I O sucesso obtido quando o paciente recobrou a palavra alertou Sophie Morgenstern a aplicar seu método a todas as crianças substituindo pelos desenhos as associações livres oferecidas pelos adultos Seu método foi uma colaboração valiosa no campo da análise infantil e o material de desenhos é ainda hoje um dos mais impor tantes O estudo do desenho como meio de expressão da criança tem sido um tema amplamente desenvolvido pela psicologia não analítica mas recebeu uma complemen tação definitiva e fundamental quando foi estudado seu significado do ponto de vista psicanalítico A interpretação de desenhos no transcurso do tratamento analítico de crian ças seu significado inconsciente e os símbolos empregados nos desenhos assim como foi assinalado por Sophie Morgenstern foram recursos utilizados por todos os que se dedicaram a este campo da investigação analítica confirmando e ampliando suas idéias Nos casos como o que ela analisou ou em outros onde existe uma inibição muito intensa os desenhos podem ser de uma utilidade muito grande durante o tra tamento É frequente porém que empregando a técnica do jogo a criança desenhe pouco exceção feita às crianças durante o período entre os seis e doze anos Penso que isto se deve ao fato de aplicando a técnica do jogo as crianças expressarem seus conflitos com a atividade lúdica e exceto nos casos especiais não necessitarem de outros meios de expressão Quando uma criança desenha durante a sessão é preferível que o faça livre mente costuma agregar palavras ou realizar gestos que têm o valor de associações Em alguns casos se não se compreende o que está expressando podese interrogar sobre alguns detalhes do desenho ou sobre o que ele representa Mas não se deve abusar deste recurso se observamos bem a situação podemos compreender seu desenho sem interrogálo Analisei um menino de nove anos asmático que sofria de uma marcada inlbl çno ao jogo quase não falava apenas desenhava Luís inventava e copiava persona gens os quais fazia intervir em historietas através das quais relatava seus conflitos Quando começou seu tratamento estava submetido a um regime alimentar multo severo porque certos alimentos desencadeavam nele fortes crises asmáticas seguidas Desenho de 21 de novembro de 1926 O enorme interesse pslcanalltlco deste desenho se concentra no fato de que Santiago nos representa de forma clara as distintas fases de uma cena de castração Daianho do 24 de dezembro de 1926 O homem de gorro corta n língua de Santiago Parte inferior do desenho de 17 de dezembro Vêse aqui uma cena de castração abaixo dela nii Santiago aflito por estar separado da mãe A Clrtiira I R 38 Psicanálise da Criança de acetonemia Suas limitações e sua falta de ar foram expressas pelo desenho de um náufrago numa pequena ilha figura 2 O personagem estava obrigado a ficar apesar de a ilha ser tão pequena que ele estava encolhido sem moverse Seu único alimen to era peixe do qual estava farto E interessante assinalar que um dos mais graves erros de educação desta criança era o de mantêla completamente quieta contrarian do as exigências normais de sua idade sendo o seu quarto tão pequeno que apenas podia moverse No desenho condenou todas estas situações a restrição a falta de ar seu quarto pequeno e a limitação alimentar Amanda de dez anos nos relatou seus jogos sexuais com o irmão através de um desenho Disse vou pintar um quarto mas desenhou somente a cama Quando a terminou e quis pintar a colcha começou a acumular cores de tal forma que a col cha cresceu com a sobreposição até que tapou a cama O conteúdo simbólico do sujar misturar e de algo que cresce até transbordar é bem claro Maria de dez anos expressou a mesma situação com outro simbolismo Desenhou uma casa e uma árvore que se entrelaçavam figura 3 e disse São papai e mamãe Em seguida desenhou outra casa e outra árvore menores figura 4 expli cando Sou eu e o meu irmão Dizia que ela e seu irmão faziam os mesmos jogos sexuais que o pai e a mãe Henrique de sete anos que padecia de criptorquidia desenhava personagens com duas características muito marcantes tinham uniforme e sempre as pernas eram desparelhas uma mais curta ou mais magra que a outra O significado do uniforme era o de emparelharse uniformizarse com os demais e unificar seu corpo negando seu defeito ocultandoo Sua intenção fracassava e na perna mais curta ou mais magra mostrava a anormalidade de seus testítulos Paula menina asmática de dez anos representava a falta de ar desenhando crianças sem pescoço e com os braços começando na garganta figura 5 A dificulda de respiratória era expressa também por desenhos de casas com janelas muito peque nas e colocadas no alto junto ao teto figura 6 Quando desapareceram as crises asmáticas desenhou crianças com pescoço e com ombros de onde saíam os braços e as casas com janelas localizadas corretamente figura 7 Emilia de dez anos representou o que para ela eram as sessões de análise desenhando um barquinho com duas pessoas pescando Explicou que os pescadores eram ela e eu tirando todas as suas bobagens Desenhou então as bobagens e todas eram símbolos do genital masculino Neste momento do tratamento o primeiro plano estava ocupado pela sua preocupação com a diferença de sexos e sua inveja e ciúmes do irmão a quem ela imagina como preferido da mãe Teodoro de oito anos expressou através de um desenho figura 8 sua angús tia pela masturbação A mão acusadora assinalava uma cômoda que segundo ele era a cômoda dos segredos a flecha que conduz a mão parte da região dos genitais A outra mão acusadora ia em direção à cama e sobre esta havia uma luz acesa com o que tentava dizernos que se masturbava na cama e de noite A cara do personagem é a de um monstro expressando assim seus temores de ser delatado por sua expres Figura 2 Figura 3 Figura 4 Figura 5 Figura 8 44 Psicanálise da Criança são facial e também que podia transformarse num monstro se continuasse com esta conduta A luz tinha também o significado de pedir esclarecimento Esteia de dez anos manifestou seu sentimento de culpa pela morte de um irmãozinho um pouco mais moço que ela desenhando uma casa e ao lado uma corda com roupa de menino lavada e estendida Através da análise esclareceuse que por circunstâncias especiais acreditouse culpável pela morte do irmão Por esta morte adoeceu e os pais a mandaram a um lugar de montanha por dois anos tempo no qual ficaram separados A casa do desenho era a da montanha e foi possível entender que Esteia elaborou a atuação dos pais como um castigo pela morte do irmão Na Suíça Madelaine Rampert4 publicou um trabalho no qual expõe uma técni ca nova para a análise de crianças Tratase de um jogo com marionetes de persona gens típicos mãe tia institutriz professora homens que representam o médico advogado padre pai com variedade de roupas para representar polícia diabo morte etc Segundo ela este método permite que a criança evidencie conflitos e situações que dificilmente expressaria falando possibilitando também a satisfação de fantasias sádicas e masoquistas que não poderiam ser liberadas na vida diária Esse método embora atraente somente pode ser um modo de visualizar o problema já que existe uma quantidade de crianças cujas inibições impossibilitariam sua utilização Também não seria aplicável para crianças muito pequenas e por outro lado a expressão através de personagens tão claramente substitutos dos pais reais coloca a criança numa difícil situação para expressar seus conflitos Depois destes ensaios apareceram dois livros de técnica que foram tentativas de realmente sintetizar um método de análise de crianças os de Anna Freud e Melanie Klein Em sua obra Anna Freud5 relata dez casos de crianças entre seis e doze anos todos com neuroses graves e através deles estuda os alcances e limites da análise juntamente com suas dificuldades E de opinião que a situação da criança no tratamen to analítico é diferente que a do adulto não tem consciência de enfermidade nem desejos de curarse já que geralmente não sofre as consequências de seus transtor nos não se analisa por livre decisão e por último e mais importante não oferece associações verbais faltando assim o instrumento fundamental da análise de adultos Estas dificuldades estimularam Anna Freud no sentido de buscar um método que per mitisse adaptar a técnica criada por Freud para os pacientes adultos aos tratamentos de pacientes de pouca idade Para Anna Freud parte das dificuldades podem ser superadas com a realização de um trabalho prévio que coloque a criança em situação de enfrentar a análise E um método similar ao aplicado mais tarde no tratamento analítico de pacientes psicóti cos Esta fase inicial não analítica tende a levar ao paciente a compreensão do esfor 4 REMBERT Madelaine Une nouvelle technique en psychanalyse Infantile Le jeu des guignole Revue Française de Psychanalyse Vol X p50 1938 5 FREUD Anna Pslcoanallsls del nifto 1927 Ed Imàn Buenos Aires 1951 Ill Arminda Aberastury ço e da finalidade terapêutica proporcionandolhe consciência da enfermidade e desejos de modificar seu estado Quando o tratamento chega ao ponto de início do trabalho analítico eviden ciase o problema de conhecer os meios disponíveis para analisar a criança Anna Freud utiliza a interpretação de sonhos de sonhos diurnos e de desenhos fazendo restrições à utilização do jogo como elemento para a análise Pensa que a criança sonha e relata este material facilmente a clareza dos mes mos depende da intensidade das resistências Os sonhos infantis são geralmente de interpretação mais fácil que os sonhos dos adultos pois expressam de um modo direto a realização de desejos O conteúdo latente e manifesto são quase idênticos limitandose a elaboração onírica ao apareci mento dos desejos como satisfeitos Certas situações prazenteiras ou dolorosas podem ser elaboradas como sonhos já em crianças muito pequenas Milton Ericson6 estuda o sonho de uma criança com oito meses de idade O pequeno estava acostu mado a ter com seu pai um jogo que lhe era muito prazenteiro O pai viajou e na segunda noite após a separação repetiu dormindo todos os movimentos do jogo rindo a gargalhadas como na realidade o fazia em seguida relaxavase completamen te e dormia tranquilo Em crianças um pouco maiores os sonhos também podem ser interpretados sem associações porque geralmente a criança sonha repetindo acontecimentos do dia anterior Relata Milton Ericson na obra citada o caso de um menino de 23 meses que se despertou gritando angustiado e expressou na sua linguagem rudimentar que a sua irmã tinha caído e se machucado Este sonho era a repetição de uma situação traumá tica7 sofrida anteriormente Quando Freud se refere aos sonhos infantis8 cita muitos em que se evidencia sem disfarce a realização de desejos Mas em crianças maiores com ego e superego mais estruturados os sonhos já estão deformados pela elabora ção onírica Um menino de dez anos em época da sua análise tendo como tema central a masturbação e suas consequências relatou o seguinte sonho As empregadas quei mam fósforos sobre a mesa a toalha se queima mas não o cobertor que está por baixo Pareceme estranho que mamãe tenha dito que se pode queimar o colchão O conteúdo latente do sonho é uma tentativa de tranquilizarse dos perigos da mas turbação Anna Freud ensina como realizar a interpretação de sonhos durante o trata mento psicanalítico de crianças buscando a colaboração do pequeno paciente a quem sugere que o sonho não surge do nada e que deve ajudar a encontrar o motivo por que sonhou A criança normalmente relata acontecimentos deste dia e do ante rior proporcionando certo tipo de associações que podem ser utilizadas como no tra 6 ERICSON Milton On the possible occurrence of a dream in an eight monthold infant vol X n 3 p382 The Psychoanalytic Quarterly 1941 7 GARMA Angel Psicoanállsls de los suertos Ed Nova Buenos Aires 1948 8 FREUD Sigmund Los suertos Infantiles tomo IV Introducdón al psicoanállsls p 153 46 Psicanálise da Criança tamento de adultos A criança aceita com prazer a interpretação dos seus sonhos e ajuda na busca de elementos latentes com o mesmo interesse com que buscaria com pletar um quebracabeça Citarei um dos casos relatados por ela Tratase de uma menina de nove anos que somente ao quinto mês de tratamento começou a referirse à masturbação A sensação de calor que sentia nos genitais era tão intensa que não suportava a roupa quente começava a evidenciar medo ao fogo e não podia tolerar uma estufinha a gás situada perto de seu quarto quando estava funcionando No dia anterior ao sonho a babá lhe pediu ajuda para acender a estufinha pois não conseguia fazêlo A menina pensou então que podia acendêla facilmente O sonho é o seguinte Ajudaa ainda que mal de tal forma que a estufinha explode Como castigo a babá a coloca no fogo para que se queime 9 Manipular a estufa simboliza manipular os genitais enganarse tal como aparece no conteúdo manifesto é a expressão da sua crítica pela maturba ção sendo que a explosão representa o orgasmo Dois meses depois relata outro sonho que permite completar a interpretação Sobre o radiador de calefação central estão dois tijolos de diferentes cores Sei que a casa vai incendiarse e tenho medo Então vem alguém e leva os tijolos A menina conta que ao acordar tinha a mão sobre os órgãos genitais Proporcionou também uma associação ao detalhe do sonho referente aos tijolos tinhamlhe assegurado que se alguém coloca tijolos sobre a cabeça deixa de crescer Com esta associação a inter pretação é simples O fato de não crescer é um dos castigos pelo onanismo O sig nificado do jogo nos dois sonhos era a excitação sexual Enquanto ela se masturba recorda a proibição de fazêlo e tem medo O desconhecido que retira os tijolos é possivelmente o analista com suas afirmações tranquilizadoras O tratamento de uma menina de doze anos que sofria de colite ulcerosa segundo a terapeuta10 desenvolveuse principalmente com base na interpretação de sonhos Este aumento de atividade onírica foi devido em sua opinião à idade e a características próprias da paciente O conflito entre destruir e ser destruída era per manente Durante o tratamento que durou dezoito meses com cinco e seis sessões semanais contava dois ou mais sonhos em cada sessão Seu esforço por compreendê los e a colaboração que prestava à terapeuta fizeram que muitos deles resultassem excepcionalmente claros Por exemplo num momento decisivo da análise quando estava muito preocu pada com o resultado do tratamento teve o seguinte sonho la numa canoa com outras crianças por um rio que terminava num riacho com barro descia e caminhava por ali Nos dois lados tinha rígidas freiras que me olhavam Continuava a pé e encon trava uns bichos com cara de bambis mas eram cachorros ferozes que sorriam mos trandome os dentes O rio que se transforma em riacho e depois em barro simboliza para ela as transformações de sua matéria fecal Associou o bambi com uma história onde a mãe 9 FREUD Anna Psicoanalisis del niho p42 10 Sara G de Jarast Arminda Aberastury morre deixando abandonado e desamparado o animalzinho no meio de uma tormen ta no bosque Finalmente é o pai quem o salva e o bambi precisa apoiarse nele para crescer Sentiu uma intensa culpa frente à fantasia da morte da mãe e temeu que seu ódio a pudesse matar As freiras eram uma parte de seu superego rígido e implacável simbolizavam a proibição de transformarse em mulher de crescer e a exigência de uma renúncia instintiva Os bambis com cara de cachorros ferozes representavam as úlceras que ela sentia como provocadas pela mãe mordendoa assim como os seus insatisfeitos dese jos de morder Suas dificuldades no crescimento ou o medo de ser mulher apareceram cla ramente em outro sonho elaborado ao ingresso na escola secundária fato que para seu inconsciente significava passar de menina a adolescente O sonho era o seguinte Estava numa estação de metrô onde um trem ia andando devagar eu corria e me esticava mais e mais para poder alcançálo porque nele iam minhas companheiras da escola Alcançar o trem estava relacionado para ela com o ritmo de crescimento das irmãs que se haviam desenvolvido bem na realidade Sentia que ficava numa etapa anterior do desenvolvimento a oraldigestiva e que por não poder esticarse o suficiente suas companheiras seguiam adiante e ela ficava pequena Em verdade naquele momento representava menos idade por ser pequena e magra Estas dificuldades foram corroboradas por outro sonho Maria que é a empregada me compra um par de sapatos de salto alto para caminhar mas os saltos são de papelão e caio Maria era a mãe que não a apoiava em seu crescimento e na transferência a analista Em outra ocasião sonha o seguinte Vou ao jardim zoológico há muitas jaulas e os animais são bons mas subitamente se transformam todos em feras Os animais presos representam seus conflitos internalizados no intestino que a carcomiam e que não podia tirar da jaula Naquele momento estava com diarréia e vivia o súbito da matéria fecal como os animais selvagens que rapidamente irrompem com ferocidade Juntamente com a interpretação dos sonhos tem um papel importante a inter pretação de sonhos diurnos considerando Anna Freud que o relato destas fantasias é muito útil na análise de crianças pois considera que a situação psíquica de criança favorece que seja mais frequentemente relatada do que no tratamento de adultos Outro meio técnico empregado por ela é a interpretação de desenhos assinalando que em geral eles repetem ou completam o material dos sonhos e dos sonhos diur nos Cita como exemplo o caso de uma menina com neurose obsessiva que acompa nhava às vezes com desenhos o relato de suas fantasias anais Pensa que as crianças mantidas em uma situação de transferência positiva são capazes de dar por amor ao analista claro que por breve tempo um certo tipo de associações que embora isoladas são uma ajuda no trabalho analítico Cita o caso de uma menina que encontrandose em situação difícil durante a análise fechava os olhos e adotando uma estranha posição de joelhos seguia com grande atenção tudo o que acontecia dentro de sl mesma denominava a Isto ver quadros 48 Psicanálise da Criança Relata Anna Freud Foi deste modo que certa feita pude resolver uma pro longada situação de resistência Nosso tema era no momento sua luta contra a mas turbação e a separação da babá em quem se havia refugiado com um carinho inten sificado para protegerse contra minhas intenções de libertála Pedi que visse ima gens e a primeira que surgiu trouxenos a resposta A babá saiu voando sobre o mar Completada com a fantasia de verme rodeada por demônios dançarinos significava que eu conseguiria afastar a babá mas ao perdêla a menina não teria mais proteção alguma contra a tentação de masturbarse e estaria exposta a que eu a transformasse em má A análise da atividade lúdica Anna Freud não dá o mesmo valor que a associa ções verbais do tratamento de adultos apreciandoa como técnica auxiliar Por outro lado é de se observar que Freud quando analisou o mecanismo psi cológico do jogo interpretando a ação lúdica de um menino de menos de dois anos sentou as bases da técnica de jogo O menino fazia aparecer e desaparecer um carre tel tentando assim dominar suas angústias frente ao aparecimento e desaparecimen to da mãe12 Mostrou como ao brincar podia separarse dela sem o perigo de perdê la já que o carretel voltava quando ele assim o desejasse Este jogo permitialhe des carregar fantasias agressivas e de amor à mãe sem nenhum risco já que ele era dono absoluto da situação Esta atividade lhe permitia elaborar suas angústias ante as situa ções de separação impostas pela realidade inevitáveis para ele A técnica criada por Melanie Klein13 baseiase na utilização do jogo e continua as investigações de Freud Pensa que a criança ao brincar vence realidades dolorosas e domina medos instintivos projetandoos ao exterior nos brinquedos Este mecanis mo é possível porque muito cedo tem a capacidade de simbolizar Este deslocamento das situações internas ao mundo externo aumenta a impor tância dos objetos reais que se em um princípio eram fonte de ódio produto da pro jeção dos impulsos destrutivos com o jogo e também por ele se transformam em um refúgio contra a ansiedade sentimento surgido pelo mesmo ódio O brinquedo permite à criança vencer o medo aos objetos assim como ven cer o medo aos perigos internos faz possível uma prova do mundo real sendo por isso uma ponte entre a fantasia e a realidade O que observei em crianças permiteme afirmar que se jogam o suficiente e no devido tempo adaptamse progressivamente à realidade Cada etapa do desenvol vimento exige determinados jogos que devem ser compreendidos e possibilitados para não deterem a evolução normal A técnica de jogo aplicada ao tratamento e ao diagnóstico não exclui a utiliza ção e a interpretação de sonhos de sonhos diurnos e de desenhos Mas tenho obser vado que oferecendo à criança a possibilidade de expressarse brincando sendo I I FREUD Anna Psicoanálisis del nino p52 12 FREUD Sigmund Más allá dei principio del placer tomo II Una teoria sexual y otros ensayos p275 ki eiN Moianln El tislcnanállsis de nltíos 1932 Biblioteca de Pílcoanállsls 1948 Arminda Aberastury interpretado adequadamente o seu jogo ela sonhará pouco ou não sonhará o mesmo afirmaria com menos ênfase com relação ao desenho Claro que em casos especiais como alguns a que já fiz referência as inibições para brincar determinam que a expressão seja feita mediante sonhos e desenhos O jogo como os sonhos são ativi dades plenas de sentido A função do jogo é a de elaborar as situações excessivas para o ego traumáticas cumprindo uma função catártica e de assimilação por meio da repetição dos fatos cotidianos e das trocas de papéis por exemplo fazendo ativo o que foi sofrido passivamente O jogo não suprime mas canaliza tendências Por isso a criança que brinca reprime menos que a que tem dificuldades na simbolização e dramatização dos con flitos através desta atividade Vimos que quando o menino estudado por Freud brincava de fazer aparecer e desaparecer seu carretel tentava vencer a angústia que lhe causava o abandono da mãe Outro menino Joaquim de menos de dois anos que havia tido um irmãozinho nos dias que antecederam o Natal brincou durante horas de afogar destruir e ani quilar o Menino Jesus para depois salválo e restaurálo descarregando assim seus afetos contraditórios e tentando adaptarse à situação É frequente que a criança que sofreu a experiência penosa de uma operação a elabora com um jogo no qual outro ou um boneco padece enquanto ela assume o papel de cirurgião As crianças que têm dificuldades no colégio costumam brincar de escola tomando o papel de professores severos que castigam e repreendem as crianças que sempre se enganam e não aprendem Brincar de esconder por exemplo tem o significado de tranquilizarse da pos sível destruição ou desaparecimento dos que se ama e é o primeiro jogo que obser vamos no bebê Durante o tratamento analítico de crianças é quase uma regra que em alguma etapa quando é vivida na transferência o medo de perdêlo aparece este jogo realizado com o analista Pode ocorrer por exemplo quando é anunciado o final do tratamento14 A observação de lactantes tem demonstrado que esta é uma das for mas como o bebê elabora a posição depressiva15 Júlia de seis anos violada por um adulto brincava constantemente colocando em buracos pequenos coisas muito grandes repetindo de um modo monótono enquanto jogava E difícil colocar algo grande em algo pequeno Em continuação desenhou uma menina em cujo colo pintou como adorno um demônio Disse ao ter minar Tem ele dentro 14 Quando a terapeuta Lidia S de Forti comunicou à sua paciente uma menina de 6 anos que ao finalizar o mês dariam por terminado o tratamento esta imediatamente começou um novo ogo escondia uma passagem de bonde pedindo que a terapeuta a procurasse Durante várias sessões continuou o jogo Invertendose às vezes os papéis Foi interpretada sua angústia frente ao térmi no do tratamento e seu medo de não poder encontrar a terapeuta em caso de necessidade Além disso perder a passagem de bonde era cortar a comunicação 15 KLEIN Melanie On observing the behaviour of young Infants Developments In PsychoAnalysis The Hogarth Press London 1952 50 Psicanálise da Criança Pedro de dez anos que se analisava por apresentar muitos sintomas neuróti cos entre eles dificuldade de aprendizagem e de conexão com o mundo exterior temores de envenenamento e de agressão homossexual16 durante muitas sessões da análise queimava algodão Compreendia que isto lhe recordava algo que este algo lhe provocava grande ansiedade e irritação mas se sentia impotente para recordálo Em uma destas sessões contoume que sua mãe tinha sido injusta com ele castigandoo severamente sem que o merecesse Teve a seguir uma intensa crise de angústia e recordou um incidente sofrido aos cinco anos de idade era interno num colégio onde sofria castigos severos e injustos por parte de uma das professoras e sempre escon deu por temor seus desejos de vingança contra ela Esperava o dia Io de agosto festa nacional suíça quando segundo ele tudo era permitido 17 Neste dia tentou quei marlhe a blusa que era de algodão não pôde fazêlo e guardou uma amarga sensa ção de impotência com relação a ela às outras professoras e a qualquer forma de injustiça Enquanto recordava este e outros episódios penosos com professores disse Essa é a que eu queria queimar quando queimava algodão18 Estas primeiras vivências traumáticas na relação com as professoras repetiam grandes frustrações sofridas nos primeiros dois anos de sua vida determinando nele uma enorme dificuldade no contato com o mundo exterior e na aprendizagem Carlos um menino enurético que sofreu uma agressão homossexual aos qua tro anos elaborou esta situação o temor de estar destruído e que seu pênis não pudesse mais funcionar normalmente fabricando peixes símbolos de seu pênis com a cauda partida a agressão homossexual Este mesmo menino tinha fortes sentimen tos de culpa na relação com sua irmã menor que também era enurética Pensava que os jogos sexuais que realizava com ela consistentes principalmente em relações for çadas por ele eram a causa do transtorno de controle Manifestouo durante o tratamento através de um jogo no qual ele preparava pudins para a irmã esta os comia e se enfermava Outras formas de representar os jogos sexuais davamse quando ele brincava de fazer trocas com a irmã Davalhe objetos simbolicamente fálicos paus lápis revólver e exigia dela pequenas bolsas moedeiras caixinhas símbolos do genital feminino Neste jogo que repetia comigo no tratamento temia sempre prejudicarnos e ficar com o mais valioso tendo dúvi das obsessivas antes de decidir sobre cada troca19 João de dez anos quando elaborava sua teoria de que a mãe tinha em seu inte rior os pênis perigosos que havia roubado ao pai brincou que um barco de guerra podia perder todos os seus canhões e transformarse num portaaviões onde se 16 PICHON RIVIÈRE ABERASTURY Arminda Indicaciones para el tratamento analítico de nifios um caso práctico Conferência pronunciada na Sociedad de Psiquiatria de Montevideo em outubro de 1946 Re v de Psicoanálisis tomo IV n 3 p467 17 Neste dia na Suíça era costume fazer fogueiras 18 Como em sua recordação a blusa era de algodão Pedro queimava somente este material no con sultório 19 PICHON RIVIÈRE ABERASTURY Arminda Algunos mecanismos de la enuresis Rev de Psicoanálisis tomo VIII n 2 p211 Arminda Aberastury 51 pudesse aterrissar sem riscos Tentava desta forma elaborar seu medo ao genital femi nino o qual despojava de todos os perigos os canhões que simbolizavam para ele os pênis destruidores José de oito anos brincou em várias sessões com figurinhas e por suas regras eu devia jogar com ele embora não pudesse ganhar uma porque ele as modi ficava cada vez Se tentasse me rebelar contra estas modificações gritavame Desconsiderada Mal agradecida e outras críticas Neste jogo elaborava seus conflitos com a mãe a quem via como uma mulher muito irritável cujo maior erro com eles eram as modificações das normas educacio nais de acordo com seu estado de ânimo Se estava feliz permitia tudo o que podia modificarse no momento seguinte acompanhandose de uma proibição Quando o menino reclamava estas modificações era criticado sendolhe recordado quão cari nhoso havia sido com ele momentos antes As experiências orais são expressas pelas crianças muitas vezes através de conteúdos e continentes Existem crianças que somente brincam de agregar nunca decidindose a retirar conteúdos de continentes São crianças que sofreram experiên cias muito dolorosas de frustração oral que tiveram forte inveja com temor ao aban dono e seu jogo tem como intenção manter intacta a fonte de gratificações que é a mãe para não estarem expostas a futuras privações E também uma defesa contra o intenso desejo de destruir tudo provocado pela inveja e pela frustração Outras crianças retiram pouco alimento vendem ou dão às bonecas ou ao ana lista mas exigem a restituição imediata As experiências destas crianças são similares às anteriormente descritas Outras brincam de comprar coisas com a característica de que lhes vendem sempre produtos podres ou envenenados São crianças com dificuldades na alimenta ção geralmente sofrendo de anorexia A razão dos seus temores de envenenamento originase nos primeiros meses de vida Um bebê que mama num seio vazio ou com pouco leite atribui ao seio suas dores de fome e seu malestar vendoo como algo que envenena e destrói Posteriormente todo alimento mantém este significado Outros ao jogar pensam que foram enganados no peso e que quando com pram recebem menos do que pagaram sendo a interpretação desta situação muito evidente As experiências na aprendizagem da limpeza também são repetidas em jogos quando com angústia e medo de sujar passam conteúdos de um recipiente a outro Os detalhes do jogo revelam cada experiência individual Uma menina que teve seu aprendizado de limpeza muito cedo e severo quan do reviveu na análise estas experiências costumava sujar com pintura seus braços e mãos Depois pedia que desabotoasse a roupa e a levasse ao banheiro Quando esta va desabotoando ou no caminho ao banheiro pediame algo de comer Colocavame à prova para ver se eu era capaz de gratificála embora estivesse suja Todos estes exemplos mostram como a criança expressa suas fantasias dese os e experiências de um modo simbólico por meio de seus brinquedos e jogos Ao fazêlo utiliza os mesmos meios de expressão arcaicofilogenéticos a mesma língua 52 Psicanálise da Criança gem que nos é familiar em sonhos Para compreender completamente esta linguagem temos que nos aproximar a ela como Freud nos ensinou a aproximarnos à linguagem dos sonhos O simbolismo é só uma parte desta linguagem Se desejamos compreen der corretamente o jogo de crianças em relação a sua conduta total durante a hora de análise devemos não só decifrar o significado de cada símbolo por separado embora possam ser claros mas também ter em consideração os mecanismos e formas de representar usados pelo trabalho onírico sem perder de vista jamais a relação de cada fator com a situação total20 Durante o tratamente de crianças observase continuamente que um mesmo brinquedo ou jogo adquire diferentes significados de acordo com a situação total E por isso que somente se compreende e se interpreta um jogo quando se tem em con sideração a situação analítica global na qual se produz Uma boneca por exemplo representará às vezes um pênis às vezes uma criança às vezes o pequeno paciente mesmo O conteúdo dos seus jogos a maneira de brincar os meios que utiliza e os motivos que se ocultam atrás das modificações no jogo porque não brincará mais com água e cortará papel ou desenhará são fatos que seguem um método cujos sig nificados captaremos se os interpretamos como se interpretam os sonhos 21 O jogo desenvolvese no consultório dentro de limites determinados de espa ço e tempo As distâncias e proporções com respeito a si mesmo e ao terapeuta sua mobilidade ou imobilidade no consultório nos ensinam muito sobre sua relação com o espaço e seu esquema corporal Quando a criança brinca busca representar algo podíamos dizer que luta por algo e todos estes significados devem ser interpretados para chegar a ter acesso às mais profundas regiões de sua mente Ao interpretar um jogo devemos considerar I sua representação no espa ço 2 a situação traumática que envolve 3 por que aparece aqui agora e comigo Este como o sonho é uma manifestação plena de sentido e está na base de toda aprendizagem ou sublimação posterior22 A compreensão e interpretação das expressões préverbais na criança têmnos conduzido à criação de métodos diagnósticos baseados no jogo e no desenho A observação da primeira hora de jogo como veremos no capítulo 7 permi tenos conhecer a fantasia inconsciente de enfermidade e a de cura podendo ser ava liada a gravidade da neurose de acordo com o nível de jogo desenvolvido Esta obser vação transformouse num método diagnóstico das neuroses infantis incluímos para crianças com mais de cinco anos a avaliação e a interpretação do jogo de construir casas23 e o desenho da figura humana24 Neste jogo realizado com material especial 20 KLEIN Melanie El psicoanálisis de nihos 1932 Biblioteca de Psicoanálisis 1948 p27 21 KLEIN Melanie El psicoanálisis de nihos p 28 22 Huizinga considera que o jogo está nas origens da cultura é prévio a ela a acompanha e a influen cia desde seus começos Homo ludens Editorial Emecé Buenos Aires I9S9 23 PICHON RIVIERE ABERASTURY Arminda El juego de construir casas su interpretación y valor diagnóstico Biblioteca de Psicoanálisis Ia edición Buenos Aires Nova 1958 ABERASTURY Arminda El juego de construir casas su interpretación y valor diagnóstico 2 edlclón Ed Paldós Buenos Aires 1961 Arminda Aberastury 53 que permite reproduzir os detalhes de uma casa real a criança expressa muitos dos seus conflitos fundamentais observandose também se seu esquema corporal está modificado e em que forma Crianças neuróticas graves ou psicóticas não constroem as casas de acordo com um critério de realidade proporcional a sua idade cronológi ca Uma criança de oito anos por exemplo embora sabendo conscientemente que uma casa tem chão teto paredes portas janelas pode esquecer alguns destes deta lhes ou utilizálos inadequadamente A construção é dificultada ou ainda impossibilita da pelo uso equivocado das partes constituintes Muitas crianças compreendem esta situação mas sentemse incapazes de solucionar a falha Todas estas deformações obedecem a conflitos internos têm um sentido podendo ser interpretadas e reve lamnos o esquema corporal de quem constrói O ego corporal esquema do corpo ou imagem do corpo segundo Schilder25 é uma criação uma construção não uma dádiva Não se trata de uma figura no sentido de Wertheimer e Köhler mas da produção de uma figura A ima gem do corpo não é um fenômeno estático mas que se adquire se constrói que se consegue no contínuo contato com o mundo Como não é uma estrutura e sim uma estruturação sofre modificações sucessivas na relação com fatos externos e internos A imagem corporal é mutável pode retrairse dilatarse introduzir parte do mundo exterior dentro de si construindose edificandose cada vez As influências emocio nais modificam o valor relativo e a claridade das diferentes partes do corpo de acor do com as tendências libidinais e esta modificação que pode influir sobre a superfície corporal total ou pode modificar determinadas partes do corpo se expressa nas deformações da construção Devido ao conteúdo simbólico da casa todas estas deformações ou mudanças no esquema do corpo determinam que partes da casa construída expressam as modificações sofridas pela pessoa que constrói Cada crian ça valorizará uma parte da casa que constrói enfatizará algo que outro anula agrega rá algo que não existe ou eliminará partes fundamentais na construção de uma casa A linguagem que utiliza neste jogo é uma linguagem espacial com o que expressa sua experiência no espaço e sua situação atual frente a este espaço e a seu próprio corpo Em continuação relataremos um caso26 no qual a ênfase foi posta na constru ção do teto que simbolicamente representa a mente O teto figura 9 tinha as seguintes características era duplo AA e o vazio entre os dois tetos estava fechado por elementos que representavam grades de tal forma que ninguém pudesse esca par A situação traumática que originou a enfermidade de Maribel girava em torno de segredos e mentiras repetidos que em seu meio ambiente lhe impunham como ver dades sendolhe exigido compartilas 24 F Goodenough utiliza o desenho do corpo humano para um teste de Inteligência Test de Intellgcn cla Infantil por medlo dei dlbuo de la figura humana Ed Paldós Buenos Aires 1951 25 SHILDER Paul Imogen y aparlencla del cucrpo humano Ed Paldós Buenos Aires 1958 26 Observado por Lldla Fortl Figura 9 Arminda Aberastury 55 Maribel não foi desejada e seus pais se casaram sete meses depois de seu nas cimento registrandoa então como recémnascida A mãe que teve um primeiro casamento infeliz engravidou dela quando o divórcio estava ainda em tramitação fato que impossibilitou legalizar a filha naquela época Os pais viveram com ela em relati va harmonia até os dois anos quando o pai viajou a outro país e se casou novamente O pai ao saber posteriormente que a mãe da menina vivia com outro homem do qual tinha outra filha decidiu que Maribel fosse viver com ele Como não foi pos sível conseguilo amistosamente recorreu ao rapto A mãe havia assegurado a Maribel que seu pai verdadeiro não era o que havia vivido antes com elas e a quem ela via periodicamente mas sim este outro que estava agora com elas Por seu lado o pai quando a levou consigo disselhe que a verdadeira mãe não era a que tinha vivido com ela até aquele momento e sim a senhora que estava ali com eles exigindolhe que a chamasse de mamãe Como a menina se lembrava da mãe e perguntava por ela pensaram que esqueceria completamente se lhe dissessem que era somente uma amiga que a cuidou em uma época em que sua verdadeira mãe estava enferma A menina continuou per guntando por algum tempo e se negava a chamar a madrasta de mamãe Depois do nascimento de uma irmã Maribel deixou de perguntar submetendose ao que lhe exi giam Neste momento despertouse nela uma verdadeira obsessão por saber todos os detalhes referentes à vida sexual Esta curiosidade juntamente com o hábito de falar no colégio sobre coisas sujas de forma grosseira fez com que os pais temessem que as famílias das amigas e colegas a rechaçassem Este foi um dos motivos da con sulta Também sofria de terríveis pesadelos dos quais despertava com vontade de uri nar não recordando nada do sonho Quando nos consultaram tinha onze anos e cursava o quinto ano O pai acre ditava que a sintomatologia estava relacionada com os traumas descritos mostrando se disposto a esclarecer a situação A mãe ao contrário opunhase a todo esclareci mento sustentando que a menina não entendia nem recordava nada de toda a histó ria Inclusive considerava contraproducente dizerlhe a verdade O relato dos primeiros anos de vida foi feito pelo pai Maribel não foi deseja da a mãe deulhe peito até os cinco meses e tinha boa relação com ela Maribel rea giu ao desmame com transtornos intestinais e teve sempre sono intranquilo Não recordava nenhum detalhe do início do processo de caminhar da aquisição da lingua gem e do controle de esfíncteres Seu rendimento escolar era bom Enquanto cons trói a casa figura 9 Maribel diz Será aborrecida Coloca o teto A alargando depois os paus com outros pequenos de tal forma que ficam em equilíbrio instável apoiados em um só ponto Entre os paus que agrega coloca grades fechadas e em cima delas outro teto Creio difícil expressar de melhor maneira o insustentável que era para Maribel a exigência de guardar encerrado o segredo A cerca que rodeia a construção evidencia sua desconfiança frente ao mundo externo por aumento da ansiedade de paranóide Desejo destacar especialmente o simbolismo do teto duplo como expres são da dupla exigência de segredo condicionando um terrível esforço para não deixar 56 Psicanálise da Criança escapar nada da verdade Quando lhe foi perguntado quem vivia na casa comete um lapso e diz Papai mamãe mamãe e as crianças uma pequena e outra grande O lapso revela o conhecimento da verdade A parte interna da casa era constituída de seis peças sala de jantar dois quar tos cozinha e um lugar para as crianças brincarem Esquece assim o destino de uma das peças pois reprime a existência de banheiro símbolo do sexual e do sujo Neste esquecimento expressa a repressão imposta ao conhecimento de sua verdadeira ori gem Também o desenho da figura humana com roupas e sem elas resultou ser um material valioso para conhecer o esquema corporal da criança Encontramos em Enrique Pichon Rivière27 que a criança a partir dos cinco anos é capaz de reproduzir corretamente a figura humana e que as deformações nesta representação correspon dem como na construção de casas a conflitos internos Crianças com asma ou com sérias dificuldades para respirar quando desenham o corpo humano suprimem o pes coço ou representam o sufocamento desenhando os braços na região do pescoço simbolizando o sufoco e o gesto que costuma acompanhar a dificuldade para respirar As crianças epilépticas desenham lentamente apoiando o lápis com tal força que podem perfurar o papel têm tendência a perseverar em um mesmo traço ou contorno já desenhado Os braços costumam mostrar uma marcada desigualdade tanto no compri mento como no diâmetro simbolizando assim o que na construção de casas aparece com o uso desnivelado de paus Na hipocondria estão desenhados os espaços intercostais e nos casos extre mos o aparelho gastrintestinal Rodolfo de cinco anos sofria de asma anginas frequentes sinusite e parasito se intestinal era canhoto e desejava ser mulher Sofreu repetidas agressões homosse xuais por parte do irmão mais velho e os pais pareciam não apoiálo eficazmente para sair desta situção Mostrou através do desenho em sua primeira sessão de análise suas dificulades respiratórias a sensação de derrubamento e as fantasias de feminili zação Expressou a fantasia inconsciente dos seus sintomas ao desenhar uma casa com somente uma janela e junto ao teto figura 10 Suas idéias sobre a diferença dos sexos era muito confusa principalmente com relação às funções de cada um na procriação figura 11 Se traçarmos nesta figura uma linha média divisória e observarmos com parativamente o comprimento do cabelo as diferentes dimensões dos braços a forma das mãos e especialmente a parte esquerda onde colocou um pênis invagina do com três pontos que associou com as três sementes que fecundaram a mãe era o mais moço de três irmãos veremos que estão representados os dois elementos o feminino e o masculino elementos básicos de seu conflito 27 Cf BERNSTEIN Jaime El dibujo de la figura humana como test de personalidad normal y anor mal em E Goodenough Test de inteligencia infantil por medio dei dibujo de la figura humana Ed Paldós Ia edição 1951 p237 Figura 10 padre Arminda Aberastury Resumindo a hora de jogo a construção de casas e a representação do corpo são métodos de observação que utilizamos no diagnóstico das neuroses infantis em crianças com mais de cinco anos em crianças de menos idade utilizamonos somen te da observação da hora de jogo Uma vez avaliada adequadamente a neurose orien tase o caso e se indica o tratamento da forma exposta no capítulo 8 I à Como vimos o caso de Joãozinho1 foi o ponto de partida para um novo ramo da psicanálise e de uma nova psicologia da criança foi além disso muito estimulante não somente pelo que afirmou mas também porque muitos de seus desenvolvimen tos alguns esboçados abriram o caminho para encontrar uma técnica que possibi litasse aplicar às crianças o método terapêutico criado para o tratamento de adultos Quando os primeiros analistas de crianças se encontraram no consultório com a experiência de que um paciente de quatro ou cinco anos é incapaz de associar livre mente sentiramse desencorajados principalmente se comparavam seus resultados com os obtidos por Freud em Joãozinho A dificuldade que encontraram não se apre sentou neste caso porque o menino falava com seu pai e em sua casa Talvez toman do como ponto de referência esta circunstância os primeiros analistas pensaram que a solução seria analisar as crianças em suas próprias casas Em seguida comprovaram que esta situação aparentemente simples complicava desnecessariamente a relação com o paciente e a família Além disso um tratamento deve ser realizado dentro de parâmetros adequados sendo imprescindível uma técnica que o possibilite Foi com as obras de Anna Freud e Melanie Klein que surgiu esta técnica Desde o primeiro momento apareceram diferenças fundamentais entre as duas posturas Estas duas direções principalmente na forma de abordar a transferência envolviam diferentes conceitos teóricos sobre a formação do ego e do superego o complexo de Édipo e a relação de objeto Surgiram assim duas escolas em psicanálise de crianças Anna Freud2 considera que as crianças não têm capacidade de transferência sendo portanto necessário um trabalho prévio não analítico com a finalidade de pre parálas para o tratamento proporcionandolhes consciência de enfermidade dando lhes confiança na análise e no analista e criando uma transferência positiva que faça 1 FREUD Sigmund Análisis de la fobia de un nino de cinco anos tomo XV Historiales clínicos 2 FREUD Anna El psicoanálisis del nrio Ed Imán Buenos Aires 1951 Arminda Aberastury 61 interna a decisão externa de analisarse Expõe seus métodos em diferentes casos por vezes adaptase aos caprichos de criança com outros segue os vaivéns do seu humor com outros demonstra sua superioridade ou habilidade transformandose em uma pessoa interessante útil e poderosa de cujo auxílio já não se pode prescindir Sua única preocupação em cada caso é criar um vínculo suficientemente forte e positivo para assegurar a continuidade do tratamento Partindo da base de que a criança não tem consciência de enfermidade não titubeava por exemplo em despertar esta consciência comparando o sintoma com os atos de um enfermo mental mostrando o à criança desta forma Convideio a descrever seus problemas cada vez que se pro duziam fingindo preocupação e tristeza pergunteilhe até que ponto era dono e senhor dos seus atos em tais estados e comparava suas arrancadas às de um enfermo mental a quem dificilmente poderia prestar ajuda alguma Tudo isto deixouo atônito e intimidado pois naturalmente ser tido por louco já ultrapassava o que sua ambição perseguia Então tratou de dominar por si mesmo suas arrancadas Começou a opor se em lugar de provocálas como tinha feito antes conscientizandose assim de sua verdadeira impotência e fazendo crescer suas sensações de sofrimento e desprazer Depois de algumas tentativas também frustradas o sintoma converteuse por fim de acordo com seus propósitos de um bem apreciado em um incômodo corpo estranho e para a sua supressão o menino recorreu de bom grado a meu auxílio3 Para Anna Freud na criança não se pode falar de uma neurose de transferên cia embora se estabeleça entre ela e o analista uma relação na qual expressa muitas das situações vividas com os pais Considera que o pequeno paciente não está dis posto como o adulto a reeditar seus vínculos amorosos porque por assim dizer ainda não esgotou a velha edição Seus primeiros objetos amorosos os pais ainda existem na realidade e não só nas fantasias como no neurótico adulto a criança man tém com eles todas as relações da vida cotidiana e experimenta todas as vivências reais de satisfação e desengano O analista é um novo personagem nesta situação e com toda probabilidade compartirá com os pais o amor e o ódio da criança Mas esta não se sente levada a colocálo imediatamente no lugar dos pais pois em compara ção com os objetos primitivos não lhe oferece todas as vantagens que encontra o adulto quando pode trocar seus objetos da fantasia por uma pessoa real1 No transcurso do tratamento analítico o neurótico adulto transforma paula tinamente os sintomas que o levaram à análise abandona os velhos objetos aos quais se aferravam até então suas fantasias e concentra sua neurose na pessoa do analista Substitui seus sintomas antigos por sintomas transferenciais que convertem sua anti ga neurose em uma neurose de transferência manifestando de novo suas reações anormais na relação com o novo personagem transferencial ou seja o analista Para Anna Freud nada disso acontece na análise de crianças Procura explicar esta impossibilidade através de duas circunstâncias a estrutura da criança e a própria 3 Idem p27 4 Idem p69 62 Psicanálise da Criança análise Considera que a análise de crianças não é muito apropriada para uma transfe rência facilmente interpretável porque diferentemente da análise de adultos o ana lista de crianças pode ser tudo menos uma sombra Já sabemos que é para a criança uma pessoa interessante dotada de todas as qualidades imponentes e atrativas As finalidades pedagógicas que como recursos se combinam com as analíticas fazem com que a criança saiba muito bem o que o analista considera conveniente ou incon veniente o que aprova ou reprova 5 E como se encontrássemos pintado um quadro numa tela sobre a qual se projetará a imagem Quanto mais frondoso e colorido for aquele tanto mais apagado serão os contornos da imagem projetada Por tais moti vos a criança não desenvolve uma neurose de transferência Apesar de todos os seus impulsos carinhosos e hostis na relação com o analista suas reações anormais conti nuam se manifestando onde sempre apareceram no seu ambiente familiar6 Compreendese que ao não analisar as fantasias destrutivas da criança dissol vendo a transferência negativa por meios não analíticos e forçandoa a viver um idílio transferencial seus pequenos pacientes tivessem que ativar fora da análise todas as fantasias destrutivas que iam aparecendo pois não lhes eram interpretadas na situa ção transferencial e em sua relação com os objetos originários Hanna Segai7 em seu artigo Alguns aspectos da análise de um esquizofrênico descreve para a análise de psicóticos o que considero um perigo na análise de crian ças Diz que quando se empregam técnicas de tranquilização e manutenção de trans ferência positiva tal como postula Anna Freud e sua escola transmitindo simpatia ao paciente e tranquilizandoo o analista convertese por um momento em um objeto bom mas apenas às custas de uma futura dissociação entre os objetos maus e bons e com o reforço das defesas patológicas do enfermo Manifestamse assim repentinas conversões de deuses em demônios e a trans ferência negativa se torna de difícil interpretação Ainda que esta fase boa conduzisse ao progresso da análise sofreria a interferência da repressão das fantasias sobre o analista mau Ademais enquanto o analista é mantido artificialmente bom o paciente escolhe outra pessoa como perseguidor é geralmente um membro de sua família que está muito menos preparado para fazer frente à hostilidade do paciente Anna Freud chega à conclusão de que somente isolando a criança de seu meio familiar podese conseguir a neurose de transferência indispensável para a repetição dos sintomas e sua cura mas que isso traria o risco de que a criança não pudesse depois adaptarse a seu lar ou que voltasse a ele repetindo sua sintomatologia A necessidade de dar ao psicanalista um papel educativo e sua visão sobre a transferência fundamentase no que ela considera a diferença primordial entre a aná lise de crianças e a de adultos surgindo das idéias sobre a imaturidade do superego infantil No adulto o superego alcançou já sua independência e não é acessível a 5 Idem p7l 6 Idem p72 7 SEGAL Hanna Some aspects of the analysis of a schizophrenic International Journal of Psycho Analysis tomo 31 1950 p268 a 278 Arminda Aberastury influências do mundo exterior Na criança ao contrário ainda se encontra a servi ço de seus inspiradores os pais e educadores ajustandose a suas exigências e seguindo todas as flutuações da relação com a pessoa amada e todas as modificações de suas próprias opiniões8 Diz Também aqui trabalhamos como na análise de adultos em forma pura mente analítica enquanto se trata de libertar do inconsciente os setores reprimidos do id e do ego Por outro lado o trabalho a realizar no superego infantil é duplo ana lítico na desintegração histérica levada desde o interior na medida em que o supere go já alcançou sua independência mas também pedagógico influenciando a partir do exterior modificando o relacionamento com os educadores criando novas impres sões e revisando as exigências que o mundo exterior impõe à criança9 Para justificar esta missão educadora do analista diz Se reconhecemos que as potências contra as quais devemos lutar na cura da neurose infantil não são unicamen te internas mas também têm fontes externas temos direito a exigir que o analista saiba valorizar de forma justa a situação exterior da criança assim como lhe exigimos que saiba captar também a situação interior 10 O analista deve ter conhecimentos pedagógicos teóricos e práticos e se as circunstâncias fizerem necessário deve assumir também as funções de educador durante todo o curso da análise O analista deve assumir a orientação da criança para assegurar a feliz conclusão do tratamento deve ensinála a dominar sua vida ins tintiva e a opinião do analista decidirá que parte dos impulsos infantis deve ser supri mida ou condenada que parte se pode satisfazer e qual deve ser conduzida à sublima ção E preciso que o analista consiga ocupar durante toda a análise o lugar do ideal do ego infantil 12 Assim o analista reúne em sua pessoa duas missões difíceis e em realidade diametralmente opostas analisar e educar ao mesmo tempo permitir e proibir liberar e conter simultaneamente mas se o conseguir corrige toda uma fase de educação equivocada e de desenvolvimento anormal oferecendo à criança ou a quem deve decidir sobre seu destino uma nova oportunidade para corrigir seus erros13 Continua Se nestas condições completarmos o trabalho interno com uma ação exterior tratando não somente de modificar por influência analítica as identifica ções já estabelecidas mas também por relação e influência humana os objetos reais que rodeiam o paciente então o esforço será completo e surpreendente M Ainda que se pense que a neurose da criança como a do adulto é o resultado de um conflito interno entre a vida instintiva o ego e o superego na criança a influên cia do mundo exterior sobre sua neurose é diferente porque ela está muito longe de 8 FREUD Anna Obra citada p 120 9 Idem p 120 10 Idem p 125 11 Idem p 126 12 Idem p9l 13 Idem p99 M Idem p 102 64 Psicanálise da Criança desprenderse dos primeiros objetos amados e subsistindo o amor objetai as identi ficações somente se estabelecerão lenta e parcialmente 15 Embora aceite o funcionamento de um superego infantil e que as relações entre o ego e o superego são em muitos aspectos análogas às dos adultos desde eta pas muito primárias diz que é evidente também a relação entre este superego e os objetos aos que deve seu estabelecimento comparandoo ao que se dá entre dois vasos comunicantes Assinala a influência do superego na evolução da exigência pela limpeza nos primeiros anos Esta atua efetivamente mas só enquanto subsista no mundo exterior em qualidade de objeto a pessoa responsável pelo estabelecimento Enquanto a criança perde estarelação objetai desaparece também todo o prazer que lhe traz o cumprimento da exigência 16 Esta situação de dependência do superego aos objetos originais mantémse segundo ela durante o período de latência e prépuberdade A debilidade do ego e sua dependência das exigências impostas pelo ideal do ego explicam para Anna Freud a dupla moral da criança quando atua no mundo dos adultos ou no de crianças da sua idade por isso certas coisas lhe causam repugnância quando está com adulto e estan do com companheiros não Estas características de dependência do superego infantil de dupla moral levamna a pensar que a análise da criança não é como a do adulto Aquele deixou de ser um assunto pessoal entre duas pessoas exclusivamente o ana lista e seu paciente Efetivamente os objetos do mundo exterior seguirão exercendo um importante papel na análise em particular na última fase ou seja no aproveita mento dos impulsos instintivos libertados da repressão Subsistirá a influência enquan to o superego infantil não se transforme no representante impessoal das exigências assinaladas do mundo exterior e enquanto permaneça organicamente vinculado a este 17 Uma vez conseguida a transferência positiva pelo método não analítico Anna Freud evita cuidadosamente o aparecimento da transferência negativa Quando não o consegue dissolvea pelos mesmos métodos de trabalho prévio descritos anterior mente É de opinião que as tendências agressivas que a criança manifesta contra o ana lista não são índice de transferência negativa Quanto mais carinhosamente a criança pequena esteja vinculada à sua mãe menos impulsos amistosos terá para com as pes soas estranhas 18 Quanto às suas expressões negativas podemos sentilas quando tratamos de liberar do inconsciente uma parte do material reprimido despertando assim a resistência do ego Em tais momentos a criança nos considera um sedutor perigoso e terrível dedicandonos por isso todas as suas expressões de ódio e recha ço que em geral dirige aos seus próprios impulsos instintivos condenados 19 15 Idem p83 16 Idem p85 17 Idem p88 18 Idem p70 19 Idem p65 Arminda Aberastury A análise infantil exige segundo ela uma vinculação positiva muitíssimo mais intensa que a do adulto porque além da finalidade analítica existe a finalidade peda gógica e em educação o êxito sempre dependerá do vínculo afetivo com o educador Portanto a transferência negativa quando aparece embora seja útil para conhecer os conflitos da criança deve ser dissolvida imediatamente mesmo que seja através de meios mais analíticos devese reconquistar a criança Quanto ã possibilidade de acesso ao inconsciente é de opinião que não é pos sível sobrepassar a barreira que impõe o domínio imperfeito da linguagem e não crê que o jogo possa ser um instrumento técnico comparável à associação livre do adul to Em trabalhos posteriores20 modifica em parte a técnica da fase prévia para introduzir a criança na situação analítica abreviando ou eliminando esta etapa O estu do dos mecanismos de defesa marca uma segunda época na obra de Anna Freud e a considero uma valiosa contribuição A maior dificuldade na análise de crianças conti nua sendo para ela o fato de não haver associação livre Apesar disso diz que os sonhos e os sonhos diurnos das crianças juntamente com a fantasia manifestada no jogo desenhos etc revelam os impulsos do id sem disfarces e de uma maneira mais acessível que nos adultos2 Aceita por outro lado que o conhecimento do ego infantil é sumamente escasso Não está de acordo com a técnica de jogo de Melanie Klein na qual se equipara a atividade lúdica infantil com a associação livre do adulto nem com a interpretação que esta faz sobre essa atividade Referindose a esta esco la diz O livre curso associativo corresponde ao desenvolvimento tranquilo do jogo as interrupções e inibições no seu transcorrer equivalem aos transtornos da associa ção livre Assim a análise das perturbações do jogo revela que se trata de uma medi da defensiva do ego comparável à resistência na associação livre 22 Para Anna Freud o jogo como técnica complementar esclarece os impul sos do id mas não nos permite ver como funciona o ego Recorre a métodos substi tutivos capazes de informarnos sobre o funcionamento egoico e crê que isto se con segue com o exame das transformações dos afetos A análise e a condução à cons ciência das diversas maneiras destas defesas contra os afetos seja da transformação no contrário do deslocamento ou da completa repressão nos informa sobre as téc nicas particulares deste ego infantil assim como a análise das resistências nos permi te inferir o comportamento do instinto e a natureza da formação de sintomas É sem dúvida de muita importância que na observação dos processos afetivos em análise de crianças não dependamos da voluntária cooperação do paciente nem da sinceridade de suas comunicações Seus afetos traemse a si mesmos contra seu propósito23 Anna Freud e sua escola consideram que embora na análise de crianças se transfiram sintomas e defesas a neurose permanece centralizada nos objetos originais 20 FREUD Anna El yo y los mecanismos de defensa Ed Paidós Buenos Aires 1949 21 Idem p56 22 Idem p57 23 Idem p58 66 Psicanálise da Criança e somente se estende à análise com propósito defensivo quando a criança percebe o perigo no trabalho terapêutico que para ela é um perigo real Não necessita trans ferir ao analista seus afetos porque os objetos originários ainda existem Considera que o acting out é muito frequente e perigoso tendo a característica de voltar a viver a neurose no meio familiar Marianne Kris24 apresentou um caso de um menino de qua tro anos no qual descreve o desenvolvimento de uma neurose de transferência simi lar à do adulto Assim mesmo a opinião geral era de que a criança embora manifes te sinais evidentes de transferência não faz uma neurose de transferência Também ela é de opinião que o papel educativo do analista e a colaboração dos pais são neces sários para a cura da criança Resumindo para Anna Freud I a capacidade de transferência não é espon tânea na criança 2 embora evidencie reações transferenciais positivas e negativas não faz uma verdadeira neurose de transferência em parte pelas condições inerentes à criança e em parte porque estas condições obrigam o analista a realizar um trabalho educativo 3 a criança não pode fazer uma segunda edição antes de esgotar a pri meira e o analista deve ser educador porque o superego do paciente ainda depende dos objetos exteriores que o originaram e não está maduro 4 a transferência nega tiva não deve ser interpretada mas dissolvida por meios não analíticos 5 somente com transferência positiva pode ser realizado um trabalho útil com a criança Melanie Klein por sua parte pensa que a capacidade de transferência é espon tânea na criança e que deve ser interpretada tanto a positiva como a negativa desde o primeiro momento não devendo o analista tomar o papel de educador Pensa que a ansiedade da criança é muito intensa e que é a pressão dessas ansiedades primárias que põe em funcionamento a compulsão à repetição mecanis mo estudado por Freud na dinâmica da transferência e no impulso a brincar25 Conduzemno a simbolizações e personificações nas quais reedita suas primeiras relações de objeto à formação do superego e à adaptação à realidade que se expres sam em seus jogos e podem ser interpretados26 Em seus primeiros trabalhos27 Melanie Klein era de opinião que pelo proces so de simbolização a criança conseguia distribuir o amor a novos objetos e novas fon tes de gratificação Mais tarde afirmou28 que também distribui suas angústias e que pelos mecanismos de repartir e repetir as diminui e domina afastandose de seus objetos originários perigosos 24 Quando discute sobre problemas de neuroses infantis The psychoanalytic study of the child tomo XIV Imago Publishing Co Ltd London 1959 25 FREUD Sigmund Más allá del principio del placer tomo II Una teoria sexual y otros ensayos 26 KLEIN Melanie Personification in the play of children Int Journal of Psychoanalysis vol X 1929 27 KLEIN Melanie The importance of symbolformation in the development of the ego 1930 Em Contributions to PsychoAnalysis The Hogarth Press Ltd London 1948 Traduzido na Rev Uruguaya de Psicoanálisis tomo I n I 1956 28 KLEIN Melanie Les origines du transfert Revue Française de Psychanalyse tomo XVI n I e 2 p 178 Arminda Aberastury 67 A substituição do objeto originário cuja perda é temida e lamentada por outros mais numerosos e unitários a distribuição de sentimentos em múltiplos obje tos e a elaboração de sentimentos de perda através da experiência de afastamento e recuperação como Freud analisou no jogo do carretel são a base da atividade lúdi ca e da capacidade de transferência Com os objetos pelo mecanismo de identificação projetiva as crianças fazem transferências positivas ou negativas de acordo com o comportamento do objeto aumentando ou aliviando sua ansiedade Este mecanismo está na base da situa ção transferencial onde se repete a relação com os objetos originários As primeiras defesas na relação da criança com os objetos surgem de suas ten dências agressivas e são a projeção considerado o sujeito e a destruição considera do o objeto Desde o primeiro momento o paciente projeta no analista e nos brin quedos suas tendências destrutivas e amorosas com uma intensidade que variará com o grau de fusão que tenha conseguido com os instintos de morte e vida A criança quando brinca coloca o analista nos mais variados papéis Pode per sonificar o id e nesta projeção dar vazão a suas fantasias sem despertar demasiada ansiedade quando esta diminui será capaz ele mesmo de personificarse neste papel Nas personificações do jogo observase que muito rapidamente pode mudar o objeto de bom em mau de aliado em inimigo e como o analista assume e interpre ta os papéis hostis requeridos pelo jogo como também os positivos existe um cons tante progresso em direção a identificações mais bondosas e uma maior aproximação à realidade Uma das finalidades da análise é a gradual modificação da excessiva seve ridade do superego o que se consegue em parte pela interpretação dos papéis no jogo Mas não sempre o trabalho do analista é tão simples nem sempre a criança lhe determina papéis facilmente interpretáveis O analista que deseja penetrar nas raízes da severidade do superego não deve preferir nenhum papel deve adaptarse ao que a situação analítica lhe oferece2 Referindose à necessidade de interpretar a transferência negativa diz em um de seus últimos trabalhos30 Durante o tratamento o analista aparece como uma figu ra idealizada mas esta idealização é usada como defesa contra as ansiedades persecu tórias e suas consequências O analista deve tratar de eliminar esta excessiva ideali zação e mediante a análise da transferência positiva e negativa reduzir a ansiedade persecutória diminuindo assim a idealização No transcurso do tratamento o analis ta representará na transferência uma variada gama de figuras que correspondem às Introjetadas pela criança em seu desenvolvimento será visto como perseguidor e como figura idealizada com múltiplos graus e matizes A criança pequena abandonou uma grande parte de seu complexo de Édipo e pela repressão e pelo sentimento de culpa está muito afastada dos objetos que desejou originariamente suas relações com iV KLEIN Melanie Personification In the play of children obra citada 10 KLEIN Melanle Les origines du transfert obra citada 68 Psicanálise da Criança eles sofreram distorções e se transformaram de maneira que os objetos de amor pre sentes são imagens dos originais Por esta razão é que pode muito bem produzir uma nova edição dos objetos desejados ao princípio Seus sintomas se modificarão acen tuandose ou diminuindo de acordo com a situação transferencial pode inclusive acontecer que em casa retorne a hábitos e condutas que já haviam desaparecido A relação conscienteinconsciente é diferente na criança e no adulto o incons ciente está em estreito contato e é mais permeável com o consciente na criança Eles estão mais profundamente dominados pelo inconsciente e por isso prevalece a repre sentação simbólica Na análise de crianças nos encontramos com resistências tão marcadas como na análise de adultos manifestamse como crises de angústia como interrupção ou mudança de jogo aborrecimento desconfiança variando com os casos e com a idade As crises de ansiedade e medo são mais frequentes em crianças pequenas Ao estudar a angústia em relação ao material oferecido tropeçamos sempre com o sentimento de culpa Interpretandoo em relação com as fantasias originais e com as transferências é possível diminuir a transferência negativa em favor da positi va A ansiedade transferencial mais intensa é a de reviver as primeiras relações de objeto com o predomínio das ansiedades paranoides e depressivas Assim como nas crianças pequenas a transferência negativa se expressa nor malmente pelo medo nas maiores especialmente na latência adquire a forma de desconfiança reserva ou simples desgosto Quando a criança manifesta timidez des confiança aborrecimento ansiedade sinais de transferência negativa a interpreta ção os reduz fazendo retroceder os afetos negativos em direção aos objetos e situa ções originários Na sua luta contra o medo dos objetos mais próximos a criança tende a des locar este temor a objetos mais distantes o deslocamento é uma das maneiras de enfrentar a ansiedade e a ver assim neles sua mãe e pai maus A criança que se sente predominantemente sob ameaça de perigo espera sempre encontrarse com o pai ou mãe maus e reagirá com ansiedade ante estranhos Na relação analítica o predomi nante nestes casos é a transferência negativa conseguindo através deste mecanismo uma boa imagem dos pais reais Resumindo os pontos de vista técnicos diremos que para Melanie Klein e sua escola I A mesma ansiedade que leva à divisão de imagens boa e má no início da vida revivese na análise as ansiedades depressivas e paranoides são experimentadas na análise expressas no jogo e reduzidas pela interpreta ção 2 Quando o desenvolvimento normal diminui a divisão entre objetos perse guidores e idealizados e o ódio é mitigado pelo amor podem estabelecer se objetos bons no mundo interno melhorando as relações com o mundo exterior No tratamento este progresso conduz à cura 3 0 aumento da capacidade de sintetizar prova que o processo de dissocia I u Ha crlanca pequena diminuiu Arminda Aberastury 69 4 A atuação das imagens com características fantasticamente boas ou más que predominam na vida mental é um mecanismo geral em crianças e adultos Suas variações são somente de grau frequência e intensidade 5 Estas imagens correspondem a estados intermediários entre o superego terrorífico totalmente afastado da realidade e identificações mais próximas ao real 6 Na medida em que estas figuras intermediárias aparecem no jogo de crian ça através do mecanismo de simbolização e personificação podemos com preender a formação de seu superego e amortecer sua severidade 7 A transferência é o instrumento principal para conhecer o que acontece na mente da criança e também para descobrir e reconstruir sua história ini cial 8 0 descobrimento da fantasia transferencial e o estabelecimento da relação entre as suas primeiras experiências e as situações atuais constituem o principal meio de cura 9 A repetição das situações primárias na transferência nos leva às vivências dos primeiros meses de vida 10 Nas fantasias com o analista a criança retrocede a seus primeiros dias e ao estudálas em seu contexto e compreendêlas em detalhe obterseá um conhecimento sólido do que aconteceu na sua mente nas etapas pri márias No fim da análise o paciente revive emoções de sua época de desmame e a elaboração do luto transferencial se consegue através da análise das ansiedades paranoides e depressivas I p A psicanálise de crianças n a Argentina h p p w r s M j Um antigo interesse pela vida mental da criança levoume há muitos anos a trabalhar em salas de lactantes mas foi em 1937 que pela primeira vez contactei terapeuticamente com uma menina de oito anos Encontravame com ela diaria mente na sala de espera quando acompanhava sua mãe a um tratamento psiquiátri co1 Sua expressão inteligente e angustiada me fazia duvidar do diagnóstico que pesava sobre ela Soube que não aprendeu a 1er nem a escrever apesar das insisten tes tentativas que se fizeram para interessála no conhecimento Os profissionais consultados pela mãe diziam que se tratava de um caso de oligofrenia Minha pri meira aproximação à sua mente foi pedagógica queria saber se a menina podia aprender ou não Em longas entrevistas que mantive com ela nas horas em que sua mãe esta va em tratamento contavame fragmentos de sua vida enquanto eu lhe ensinava letras e números Concluí que não podia aprender porque lhe resultava muito penoso conhecer a enfermidade da mãe e recordar o quanto havia sofrido durante os episódios psicóticos que presenciou Sua mente estava paralisada por este confli to descobrimento que aos poucos lhe fui comunicando Compreendi também que as mentiras que para consolo e tranquilização lhe diziam os adultos criaram nela uma grande confusão provocandolhe a perda da confiança no conhecimento da verdade Depois desses esclarecimentos começou a aprender2 Como os resultados destas entrevistas foram tão assombrosos com a menina aprendendo novas coisas 1 Enrique Pichon Rivière era o terapeuta 2 Este foi o ponto de partida das minhas Investigações sobre a dlflCUldldM d aprendizagem e sua relação com o engano ou ocultamento da verdade Arminda Aberastury 71 todos os dias li um tratado de psicanálise de crianças3 buscando uma forma de ajudála melhor Nesta época alentada pelos resultados que obtinha comecei a tra tar um menino de onze anos com a mesma dificuldade Estava submetido a intensos castigos corporais e foi possível comprovar que eles tinham desempenhado um papel importantíssimo na sua crescente inibição intelectual No consultório da Liga de Higiene Mental que funcionava no Hospicio de las Mercedes realizei os primeiros tratamentos psicanalíticos de crianças seguindo a técnica que Anna Freud descreve em seu livro Tratava somente crianças de mais de seis anos procurando que me contassem seus conflitos e me relatassem seus sonhos e fantasias Deixavalhes à disposição pequenos brinquedos lápis e papel Tinha lido nesta época um pequeno livro técni co1 onde se descrevia um caso de mutismo psicogênico num menino de oito anos e fiquei surpresa com o mundo que surgia da interpretação dos desenhos única forma de comunicação que tinha o menino com a terapeuta Neste ano criouse na Faculdade de Filosofia e Letras o curso de Ciências da Educação no qual ingressei O ano de 1942 foi decisivo para minha carreira de psicanalista Em abril ini ciei a análise didática5 com Angel Garma Neste mesmo ano conheci a técnica de jogo criada por Melanie Klein6 apoiandose nos descobrimentos de Freud sobre o significado da atividade lúdica7 Como não havia entre nós outra pessoa que me pudesse assessorar sobre a técnica que aprendi em tratados os resultados que ia conseguindo somente podiam 3 FREUD Anna E psicoanálisis del nino 4 MORGENSTERN Sophie Psychanalyse infantile Paris 1937 Esta obra foi parcialmente publicada na Rev de Psicoanálisis tomo V n 3 traduzida por Alicia Vaudelin p762 El simbolismo y el valor psicoanalítico de los dibujos infantiles p771 Un caso de mutismo psicógeno 5 Pareceme necessário assinalar o que chamamos análise didática e qual é a sua função na formaçSo de um psicanalista Se não fosse assim podiase pensar que a técnica que exponho neste livro e as soluções que proponho que são o fruto de anos de trabalho com crianças e do que aprendi super visionando e comentando casos com colegas seriam uma base suficiente para tratar pslcanalltlca mente uma criança Quero esclarecer que conhecer a técnica não capacita para psicanallsar A for mação de um psicanalista exige antes de tudo que se submeta a uma análise pessoal chamada aná lise didática cuja duração mínima é atualmente de cinco anos com quatro ou cinco sessões semanais Tem a obrigação de assistir a cursos teóricos e práticos ministrados no Instituto de Psicanálise acorrer além disso a grupos de estudos e supervisões coletivas para familiarlzarse com a técnica de jogo Deve realizar no mínimo o tratamento psicanalítico de duas crianças com a supervisão de um analista de experiência Quando este julgue que seu conhecimento da técnica é suficiente quando tenha aprovado os cursos e seminários e seu analista didata considere que lua análise tenha sido exitosa adquire finalmente o direito de apresentar ante os membros do Instituto de Psicanálise um caso onde exponha sua forma de trabalho Apenas depois da aprovação do mesmo pode se considerar membro da Asociación Psicoanalítica Argentina e estar em condições de assumir a responsabilidade de analisar 6 KLEIN Melanie El psicoanálisis de ninos 1932 Ed Biblioteca de Psicoanálisis Buenos Aires 1948 FREUD Sigmund Análisis do la fobia do un nino do cinco anos tomo XV Historiales clínicos Más allá dei principio dei placer p28b tomo II Una teoria sexual y otros ensayos Totem y tabú tomo VIII p 116 72 Psicanálise da Criança ser confrontados com os descobrimentos que fazia na minha própria análise com o que tinha observado em anos anteriores e com o que observava nos tratamentos de psicóticos com Enrique Pichon Rivière8 Foi nessa época que uma frequente correspondência com Melanie Klein me permitiu graças às suas generosas indicações solucionar muitas dificuldades técni cas que se me apresentavam O primeiro caso que publiquei9 corresponde a essa época de meu trabalho e foi durante esse tratamento que compreendi pela primeira vez o significado sim bólico das deformações na construção de casas Havia incluído entre os brinquedos o jogo de construir casas e nas que este paciente construiu mostrava suas dificulda des respiratórias as falhas de conexão e os transtornos sublimatórios10 A confron tação desse caso com muitos outros e a elaboração do que ia descobrindo consti tuiu a minha primeira contribuição original à psicanálise de crianças Para a elabora ção deste livro me foi útil a leitura dos trabalhos de Homburger e de Schilder12 Já nesses anos algumas pessoas que faziam sua formação no Instituto de Psicanálise interessaramse pelo trabalho com crianças Comentei na nota preliminar a importância que teve para o desenvolvimento da psicanálise de crianças na Argentina o trabalho de Elizabeth G de Garma nesses anos quando foi uma colaboradora excepcional Fundamentalmente o intercâmbio de idéias e a discussão de casos cons tituíramse numa fonte de enriquecimento mútuo além das tarefas de formação que compartíamos Em 1948 apresentou a Melanie Klein e a um grupo de psicanalistas de crianças da Inglaterra fragmentos da análise de um menino de 21 meses13 Também discutiu com eles problemas técnicos enriquecendo nosso conhecimento da psicaná lise infantil Nesse ano de 1948 inaugurouse na Asociación Psicoanalítica Argentina o primeiro curso de psicanálise de crianças que desde então forma parte do currículo obrigatório para todos os que seguem a carreira14 Paralelamente ao curso do 8 Chefe interino do serviço de admissão no Hospicio de las Mercedes de 1938 até 1947 Chefe do serviço de psiquiatria da idade juvenil no Hospicio de las Mercedes de 1947 a 1952 o Hospicio de las Mercedes chamase atualmente Hospital Nacional Neuropsiquiátrico 9 PICHON RIVIÈRE Arminda Aberastury de Indicaciones para el tratamiento analítico de ninos un caso práctico in Rev de Psicoanálisis tomo IV n 3 1947 10 ABERASTURY Arminda El juego de construir casas Ed Paidós Buenos Aires 1961 Na atualidade utilizase como teste não somente na Argentina tendo sido publicado pelo International Journal of Psychoanalysis e pela Psychoanalitic Survey I I HOMBURGER Erik Configuraciones en el juego in Rev de Psicoanálisis tomo VI n 2 Buenos Aires 1948 12 SCHILDER Paul Imogen y apariencia del cuerpo humano Editorial Paidós Buenos Aires 1958 13 Confrontar com capítulo 7 caso 3 14 De 1948 até 1952 estes cursos estiveram a meu cargo a partir desta data incorporaramse a estas tarefas didáticas EG de Garma e posteriormente Diego Garcia Reinoso Emilio Rodrigué Elena Evelson e Maria Esther Morera Neste último ano funcionam dois cursos um deles ministrado por mim com a colaboração de Susana L de Ferrer Rebeca Grimberg Isabel L de Lamana e Pola I de Tomás o outro está a cargo de Diego Garcia Relnoio com Albsrto Campos Elena Evelson e Maria Esther Morera como colaboradores Arminda Aberastury Instituto continuei com grupos de estudos e cursos de técnica com o objetivo do intensificar a aprendizagem dos que queriam especializarse em psicanálise de crian ças Em nossa associação como em todos os grupos analíticos são poucos os que se dedicam a esta especialidade Apesar disso quando em 1951 fui nomeada relato ra em Parisls sobre o tema A transferência em análise de crianças pude referirme já a um grupo de psicanalistas de crianças que trabalhava na Argentina e que não era mais reduzido que em outros países A formação que se oferecia no Instituto completada com os grupos de estu do fora ampliada desde 1948 até 1954 com as atividades do Instituto Pichon Rivière16 Todos os interessados em análise de crianças podiam realizar com a minha supervisão observações de horas de jogo Era ensinada também a técnica de entre vista com os pais sendo semanalmente expostos e discutidos casos Muitos dos que se formaram nessa primeira época publicaram trabalhos17 participaram nos grupos de estudo e também dos seminários Posteriormente 15 Congresso Anual de Psicanalistas de Lingua Francesa novembro de 1951 Paris Quelques considerations sur le transfert et le contretransfert dans la psychanalyse denfants Revue Française de Psychanalyse tomo XVI n 12 1952 La transferencia en el análisis de nihos en especial en los análisis tempranos Rev de Psicoanálisis tomo IX n 3 1952 16 Instituto de Medicina Psicoanalítica criado neste ano por Enrique Pichon Rivière Colaboraram comigo na parte de crianças Diego Garcia Reinoso Teresa N de Mom Maria Esther Morera S Resnik Marcela Spira e Pola I de Tomás Atualmente M Spira está na Suiça exercendo análise didática na formação de adultos enquanto S Resnik continua sua formação analítica em Londres Posteriormente incorporaramse às atividades com crianças Elizabeth T de Bianchedi Elena Evelson Gilberte T de Garcia Reinoso Raquel Hofman Isabel L de Lamana e Janine Puget 17 Na Revista de Psicoanálisis Scolni Flora Psicoanálisis de un nino de 12 anos tomo IV n 4 p664 Goode Elizabeth Aspectos de la interpretación en el psicoanálisis de ninos tomo VII n 2 p 221 Pichon Rivière Arminda Aberastury de El juego de construir casas su interpre tación y su valor diagnóstico tomo VII n 3 p347 Goode Elizabeth Un cuento en el análi sis de un nino tomo Vil n 3 p402 Perestrello Marialzira Consideraciones sobre un caso de esquizofrenia infantil tomo VII n 4 p487 Pichon Rivière Arminda Aberastury de Fobia a los globos en una nina de once meses tomo VII n 4 p45 I Pichon Rivière Arminda Aberastury de Algunos mecanismos de la enuresis tomo VIII n 2 p21 I Pichon Rivière Arminda Aberastury de Como repercute en los ninos la conducta de los padres con sus ani males preferidos tomo VIII n 3 Pichon Rivière Arminda Aberastury de La transferencia en el análisis de ninos en especial en los análisis tempranos tomo IX n 3 p265 Garma Elizabeth La masturbación prohibida y el desarrollo psicológico tomo X n 2 p 149 Garcia Reinoso Diego Reacción de una interpretación incompleta en el análisis de un nlfto psicótico tomo X n 4 p443 Pichon Rivière Arminda Aberastury de Una nueva psicolo gia dei nino a la luz de los descubrimientos de Freud tomo VIII n 4 p220 Campo Alberto J La interpretación y la acción en el análisis de los ninos tomo XIV n 12 p 121 Campo Vera La interpretación de la entrevista con los padres en el análisis de los niftos tomo XIV n 12 p 129 Pichon Rivière Arminda Aborntury de La inclusión de los padres en el cua dro de la situación analítica y nl mano do nita iltuaclón através de la interpretación tomo XIV n 12 p 137 Por motlvoi da dlierlçHo profllllonal não se publicaram dois valiosos tra balhos apresentados na Aiocliiclôn Pllcoinilltlci Argentina Spira Marcela Análisis de un nino epiléptico de cinco dói Rvalion llttlll Perturbaclón en la capacldad reparatorla en una nina psicótica Psicanálise da Criança alguns deles não acompanharam minha evolução técnica ou continuaram suas ativi dades de forma independente enquanto novas pessoas vieram a colaborar comigo O Symposium de Psicoanálisis de Ninos realizado na Asociación Psicoanalítica Argentina em 1957 foi testemunho do muito que se trabalhou nesses anos18 e marcou o final de uma etapa da psicanálise de crianças na Argentina Em 1957 li no congresso de Paris19 um trabalho sobre a dentição o caminhar e a linguagem20 que compreendia uma colaboração fundamental para o entendi mento do primeiro ano de vida Ao assinalar a existência de uma fase genital prévia à fase anal sendo esta uma tentativa de elaboração da perda do vínculo oral ao que a criança deve renunciar com o aparecimento dos dentes modificava o esquema da evolução da libido facilitando a compreensão de alguns transtornos infantis primá rios que acompanham esse processo e que se apresentam na segunda metade do primeiro ano de vida Esse período da vida da criança caracterizase por uma aprendizagem múltipla e convergente com a aquisição de integrações evolutivas que a levam a uma modifica ção fundamental na relação com o mundo externo modificação tão significativa como a do nascimento a criança fica de pé caminha fala e se produz o desmame Quando a criança nasce estruturase a fase oral de sucção imprescindível para a sobrevivên cia humana não só pela alimentação mas também porque lhe permite refazer um vín culo com a mãe através do qual supera o trauma do nascimento 18 Durante este simpósio apresentaram trabalhos sobre psicanálise de crianças Campo Vera La introducción dei elemento traumático Chaio José Algunos aspetos de la atuación de la interpretación en el desarrollo del insight y en la reestruturación mental del nino Evelson Elena Una experiencia psicoanalítica análisis simultâneo de hermanos mellizos Garbarino Hector Evolución de una fobia a los rengos Garbarino Mercedes Freyre Dramatización de un ataque epiléptico Grimberg Rebeca Evolución de la fantasia de enfermedad através de la construcción de casas Lamana Isabel L de La asunción dei rol sexual de una melliza univitelina Jarast Sara G de El duelo en relación con el aprendizaje Mom María Teresa N de Algunos aspectos dei análisis de un nino con una dermatopatía Morera Maria Esther Fantasias homosexuales subyacentes a una histeria de conversion Pichon Rivière Arminda Aberastury de La dentición la marcha y el lenguaje en relación con la posición depresiva Racker Genevieve T de El cajón de juguetes dei nino y el cajón de fantasia dei adulto medios de actuación juego frente a la realidad angustiosa interna transferencial Rodrigué Emilio La interpretación lúdica Rolla E Análisis contemporâneo de un padre y un hijo Saz Carmen Comunicación y destrucciôn Souza Décio de Análise de uma criança esquizofrênica de dois anos e dez meses Zmud Frida Observaciones de un análisis corto en una nina de veintidós meses Trabalhos publicados na Revista de Psicoanálisis tomo XV n I 2 1958 19 X X Congresso da International PsychoAnalytical Association Paris ulhoagosto de 1957 20 Pichon Rivière Arminda Aberastury de La dentición la marcha y ni Innguaje en relación con la posición depresiva In Rev de Psicoanálisis tomo XV n I 1958 Publicado também pelo International Journal of PsychoAnalysis vol X XX IX parti 11 IV London 1950 Arminda Aberastury 75 O aparecimento dos dentes na fase oral sádica instrumento que lhe possibi lita a realização das fantasias de destruição que dominam essa fase determina o abandono do vínculo oral e a necessidade de refazêlo através de outra zona do corpo Nesse período da vida com o descobrimento da vagina na menina e a neces sidade de penetração do menino inicia a etapa genital que descrevemos quando a união pênisvagina substituiria a da boca com o peito Essa etapa pode se satisfazer somente com fantasias e atos masturbatórios entre os quais incluímos toda a ativi dade de jogo do lactante A impossibilidade de realização total dessa união força uma regressão ao momento do nascimento quando dispunha de tendências orais anais e genitais para se unir à mãe Posteriormente continua a evolução psicosse xual da criança com a estruturação sucessiva das duas fases a anal e a genital O fra casso repetido da intenção de manter a união com a mãe impulsionam a criança à elaboração dessa perda e à busca do pai assim como a novos objetos do mundo externo Nesse sentido a bipedestação e o caminhar surgem como uma necessidade imperiosa de separarse da mãe para não destruíla depois esses mesmos progres sos servem à sua necessidade de recuperála O mesmo acontece com a linguagem11 que permite a reconstrução mágica do objeto e serve para elaborar a ansiedade depressiva aumentada pelo aparecimento dos dentes Pronunciar a primeira pala vra significa para a criança a reparação do objeto amado e odiado que reconstról dentro e lança ao mundo exterior Secundariamente experimenta que a palavra colocao em contato com o mundo e que é um meio de comunicação Dessa forma o caminhar e o falar têm o mesmo significado que o nascimento separarse para recuperar de outra forma o contato perdido Considero essa visão imprescindível para compreender muitos dos sintomas frequentes do lactente na segunda metade do primeiro ano conhecidos durante anos pelo rótulo transtornos de dentiçãon Também as zoofobias tão frequentes nesse período do desenvolvimento encontram explicação na existência da fase genital prévia Há alguns anos publiquei um caso onde estudava uma fobia numa menina de onze meses23 Os mecanismos de defesa que determinaram esse sintoma não diferem dos de uma fobia como a de Joãozinho que Freud descreveu como cor respondente à etapa fálica24 Admitindo a existência da fase genital prévia com preenderemos que é aparente a contradição com Freud a fase fálica que ele des creveu corresponde ao final do complexo de Edipo e a que nós estudamos marca 21 Estas conclusões alcançadas durante o tratamento psicanalítico de crianças com transtornos da lin guagem até o grau de mutismo coincidem totalmente com as apreciações de MerleauPonty sobre este ponto Cf Fenomenologla de la percepclón 22 PICHON RIVIÈRE Arminda Aberastury do Transtornos emocionales en el nlfto vinculados con la dentición Rev de Odontologia vol 39 n 8 1951 23 PICHON RIVIÈRE Arminda Abarastury da Fobia a los globos en una nlfla do once meses Rev de Psicoanálisis tomo VII nB 4 If SO 24 FREUD Slgmund AnAllili de la fohlst do un nWo dn cinco anos tomo XV Historiales cllnlcos 76 Psicanálise da Criança seu início O ponto de fixação da fobia continua sendo para nós a fase genital mas uma fase genital prévia à fase anal Se além disso considerarmos que os sintomas obsessivos aparecem na criança depois dos fóbicos e são sua tentativa de elabora ção25 compreenderemos que a fase anal se estrutura depois da oral e da genital por consequência e como solução dos conflitos criados nessa fase Embora discutido e exposto este conceito em muitos seminários e grupos de estudo foi Jorge Rovatti o primeiro a publicar um caso que ilustrasse minhas idéias26 Essa publicação marcou o começo do que considero a segunda etapa na his tória da psicanálise de crianças na Argentina Em novembro de 1959 Susana L de Ferrer que nesta segunda etapa signifi cou para mim e para a análise de crianças o mesmo que Elizabeth G de Garma na primeira organizou dentro do Congresso de Pediatria de Mar del Plata uma mesa redonda sobre psicanálise de crianças27 na qual colaboraram psicanalistas pediatras e um odontopediatra Os analistas e candidatos dessa mesa formaram comigo a partir de maio de I960 um grupo de estudos que durante o ano dedicouse a discutir casos a revi sar os problemas técnicos com o objetivo de unificar critérios e diferenciar nossa técnica de toda aquela que originada nas mesmas fontes não cumprisse com nos sas exigências atuais A tarefa do grupo foi e é a exposição e discussão de casos selecionados entre os mais indicados para compreender o aparecimento e a dinâmica da fase genital pré via até dispor de um material clínico que julgaremos suficiente para sua publicação A técnica psicanalítica usada por este grupo é descrita neste livro Nas pági nas subsequentes serão apresentados fragmentos do trabalho de cada um dos meus colaboradores Não posso terminar este capítulo sem mencionar a influência que teve a psi canálise e depois a psicanálise de crianças sobre alguns pediatras e odontólogos que se dedicam a crianças Arnaldo Rascovsky trabalhou em pediatria até 1939 e os últimos anos de seu trabalho nessa especialidade viramse influenciados pela psicanálise Iniciando sua formação como psicanalista também com Angel Garma organizou um serviço onde se compreendiam psicanaliticamente os tratamentos embora não se tratas 25 KLEIN Melanie El psicoanálisis de ninos 26 ROVATTI Jorge La fase genital previa un nuevo enfoque sobre la evolución de la libido Trabalho lido na Asociación Médica em 1960 27 Os trabalhos apresentados foram os seguintes El psicoanálisis de ninos en la actualidad Arminda Aberastury e Jorge Rovatti El psicoanálisis en odontopediatrla Maria lés Egozcue Psicoterapla de grupo en ninos Eduardo Salas Subirat Predisposlclón a la úlcera gastroduodenal en el nino Elizabeth G de Garma e Angel Garma El valor de los suefioi eil el tratamlento de la colitis ulce rosa infantil Sara G de Jarast e Elias Jarast Pslcodlnamlimoi dnl asma bronquial en el nirïo Susana L de Ferrer Por qué el pediatra solicita la collboraclón del pilcoanallsta Julio Tahler O coordenador da mesaredonda fol Angel Garma Arminda Aberastury 77 sem as crianças com psicanálise Fruto desses anos de trabalho foram seus artigos sobre epilepsia infantil e obesidade28 Atualmente se dedica intensamente ao estudo do psiquismo fetal25 Com uma trajetória diferente Julio Tahier está ligado à psicanálise de crian ças Interessaramlhe meus descobrimentos sobre as dificuldades de sono no lac tente os transtornos que acompanham a dentição e os episódios febris em crian ças de mais idade Incentivado por esses interesses e tendo ele mesmo iniciado sua análise sem abandonar a carreira de pediatra orientouse para uma visão psi cossomática das enfermidades Organizou no Hospital Britânico a pedido do Dr Bruer um serviço para psicodiagnóstico e orientação psicanalítica de casos agre gandose posteriormente tratamentos analíticos em grupo para crianças e mães30 No Hospital de Ninos também se tratava com orientação psicanalítica na Sala XVII do Departamento de Psiquiatria y Psicologia da cátedra de Clínica Pediátrica y Puericultura Prof F Escardó 31 no Grupo de Psiquiatria de la 28 O dr Arnaldo Rascovsky trabalhou no Hospital de Ninos de 1926 a 1939 No ano de 1932 no Serviço de Neurologia Psiquiatria e Endocrinologia do Dr A Gareiso organizou a assistência psl coterapêutica infantil e ensaiou trabalhos de investigação sobre epilepsia obesidade infantil hlper tireoidismo genitomacrossomia gigantismo e diversos quadros endócrinos infantis Rascovsky Arnaldo Consideraciones psicosomáticas sobre la evolución sexual dei nino Rev de Psicoanálisis tomo I n 2 p 182 Rascovsky Arnaldo e Rascovsky Luiz Consideraciones psicoanalíticas sobre la situación actual estimulante en I 16 casos de epilepsia infantil Rev de Psicoanálisis tomo II n 4 p 626 Rascovsky Arnaldo Pichon Rivière Enrique e Salzman J Elementos constitutivos dei sfndrome adiposo genital prepuberal en el varón Archiv o Argentino de Pediatria outubro de 1940 Rascovsky Arnaldo e Salzman J Estúdio de los factores ambientales en el sindrome adiposo genital en el varón Archiva Argentino de Pediatria ano XI n 6 tomo XIV 29 RASCOVSKY Arnaldo El psiquismo fetal Editorial Paidós Buenos Aires I960 30 Este serviço de psicodiagnóstico ligado ao de pediatria iniciou suas atividades em 1952 Todos os que trabalhavam nele tinham formação analítica Até o momento se efetuaram mais de 1200 disgnóstl cos de crianças valorizase como de grande importância a primeira hora de jogo o jogo de construir casas e a interpretação de desenhos além de serem utilizados vários testes como o de Machover de Despert de Raven e em certos casos o Rorschach ou o psicofonético de Marcele Chiaravlgllo Á tarefa de diagnóstico e orientação agregouse desde 1958 a terapêutica Assim funcionam atualmen te vários grupos terapêuticos de crianças de diferentes idades e grupos de orientação de mâes Esperase em futuro próximo incrementar as atividades deste serviço já que o Hospital Britânico reconhecendo sua importância colocará à disposição acomodações mais amplas e adequadas 31 Em 1957 foi criado este departamento com a participação dos doutores Alberto Campo Diego Garcia Reinoso e Jorge Mom como chefes Colaboraram médicos e psicólogos clínicos Suas tare fas compreendem Diagnóstico e tratamento em psiquiatria de crianças Investigação em psiquiatria o psicologia da criança Ensino de psiquiatria e psicologia da criança Supervisões de terapia Individual n do grupo Investigação sobre grupoi d dlagnóitlro am criança o suas mîtes 78 Psicanálise da Criança Infanda dependente da Sala XVIII do Prof Carrea32 e na Sala I de Clínica Pediátrica33 Dentro de pouco tempo haverá diagnósticos e tratamentos de crianças na Clínica Psicanalítica Dr Enrique Racker ligada à Asociación Psicoanalítica Argentina Um artigo sobre o significado da dentição34 escrito a pedido de José Porter fez com que um grupo de odontopediatras compreendendo o profundo significado da boca desde o nascimento e das peças dentárias desde o momento que aparecem analisaramse e seguiram cursos de psicanálise de crianças alguns organizados por eles nos quais colaborei desde 1955 com Julio Tahier e Angel Garma Quando Gerald Pearson35 esteve entre nós encontrou notável essa colabo ração entre odontólogos pediatras e psicanalistas de crianças já que todo psicana lista conhece a importância decisiva da zona oral no desenvolvimento do indivíduo e as angústias que desperta qualquer tratamento odontológico Cabe a José Porter a Maria Ines Egozcue e a Samuel Leyt o mérito dessa revolução na odontologia Susana Lustig de Ferrer iniciou as atividades das jornadas odontológicas de 1960 com um relato sobre o significado da boca e dos dentes na vida do ser huma no36 sendo isso um índice do grau em que a psicanálise de crianças tem influenciado na odontopediatria37 A idéia deste capítulo obedece à decisão de assinalar as origens da psicanáli se de crianças na Argentina e seu desenvolvimento até chegar à atualidade sendo a exposição da minha técnica atual a meta fundamental deste livro Se omiti o traba lho de alguém deve ser interpretado como consequência dessa meta única inter pretação possível neste caso em que a origem e o desenvolvimento da técnica estão indefectivelmente ligados a meus primeiros passos e evolução posterior 32 O Grupo de Psiquiatria da Infância começou suas atividades em meados de 1959 no Instituto de Neurosis sob a direção do Dr Manasé Euredjian passando em 1959 ao Hospital de Ninos Depois da morte do Dr Euredjian encarregouse do grupo o Dr Rojas Bermúdez Além de tratamentos de caráter experimental que não interessam à finalidade desta nota realizase neste serviço um intenso trabalho terapêutico individual e de grupo com orientação analítica E interessante assinalar que a pedido da Asociación de Psicologia y Psicoterapía de Grupo desde o ano passado trabalhase em gru pos com mulheres grávidas que na Maternidad Sardá seguem a preparação do parto psicoprofiláti co a cargo do Dr Koremblit Para as mães que são ali atendidas se oferece a possibilidade de conti nuar a orientação durante o desenvolvimento da criança 33 Em 1957 Susana Lustig de Ferrer começou a trabalhar nesta sala com finalidade diagnostica e de orientação encarregouse além disso de grupos de mães Foi substituída depois por Elizabeth Tabak de Bianchedi que ampliou as atividades organizando grupos de ensino de psicologia para pediatras residentes e iniciando uma tarefa terapêutica individual e de grupos com a colaboração de médicos e psicólogos 34 PICHON RIVIÈRE Arminda Aberastury de Transtornos emocionales en el nino vinculados con la dentición Rev de Odontologia vol 39 n 8 agosto de 1951 35 PEARSON Gerald HJ Diretor do Instituto Psicanalítico da Filadélfia exChefe do Departamento de Psiquiatria Infantil da Temple University School of Medicine and Hospital Transtornos emocionales de los ninos Ed Beta Buenos Aires 1953 Psychoanalysis and the education of the child Ed WW Morton and Comp Inc New York 1954 36 FERRER Susana L de El niflo su enfoque integral 37 ABERASTURY Arminda La dentición su significado y lui conitcuoncla on el desarrollo seçâo psicológica do Boletln de la Asociación Argentina de Odontologia para Ninoi vol 3 n 4 1961 Minha técnica teve suas raízes na elaborada por Melanie Klein para a análise de crianças Nutriuse dela durante muitos anos mas minha própria experiência me permitiu fazer uma série de modificações que considero transcendentais e que descreverei nestes capítulos Baseiamse em uma forma especial de conduzir e utilizar as entrevistas com os pais que possibilitam a redução da psicanálise de crianças a um relacionamento bipessoal como na análise de adultos Destaco a grande importância da primeira hora de jogo e um fato que considero decisivo que toda criança mesmo a muito pequena mostra desde a pri meira sessão compreensão de sua enfermidade e o desejo de curarse Quando os pais decidem consultar por um problema ou enfermidade de um filho peçolhes uma entrevista advertindo que o filho não deve estar presente mas sim ser informado da consulta Embora seja sugerida a conveniência de ver pai e mãe é frequente que com pareça só a mãe excepcionalmente o pai e poucas vezes os dois Em alguns casos muito especiais um familiar amigo ou institutriz já vieram representando os pais Qualquer dessas possíveis situações é em si mesma reveladora do funcionamento do grupo familiar na relação com o filho Quando a entrevista é com os dois pais cuidaremos de não mostrar prefe rências embora inevitavelmente se produza um melhor entendimento com um deles Esse entendimento deve servir para uma melhor compreensão do problema e não para criar um novo conflito Para que formemos um juízo aproximado sobre as relações do grupo fami liar e em especial do casal apoiaremonos na impressão deixada pela entrevista ao reconsiderar todos os dados recolhidos Essa entrevista não deve parecer um inter rogatório com os pais sentindose julgados Pelo contrário deve tentar aliviarlhes a angústia e a culpa que a enfermidade ou conflito do filho despertam Para isso devemos assumir desde o primeiro momento o papel de terapeuta do filho interes sandonos pelo problema ou sintoma Os dados que nos colocam à disposição os pais podem não ser exatos defor mados ou muitos superficiais pois n1o costumam ter um conhecimento global da situação e durante a entrevista nsqimcnm parte do que sabiam devido à angústia que esse conhecimento provoci Vnum noi como juizes Além disso não podem 82 Psicanálise da Criança em tempo tão limitado estabelecer uma relação com o terapeuta até então pes soa desconhecida que lhes permita aprofundarse em seus problemas Não consideramos conveniente finalizar essa entrevista sem ter conseguido os seguintes dados básicos que necessitamos conhecer antes de ver a criança a motivo da consulta b história da criança c como transcorre um dia de sua vida atual um domingo ou feriado e o dia do aniversário d como é a relação dos pais entre si com os filhos e com o meio familiar imediato E necessário que essa entrevista seja dirigida e limitada de acordo com um plano previamente estabelecido porque não sendo assim os pais embora cons cientemente venham falar do filho têm a tendência de escapar do tema fazendo confidências de suas próprias vidas A entrevista tem o objetivo de que nos falem sobre a criança e da relação com ela não devemos abandonar este critério durante todo o tratamento Como já foi dito precisamos obter os dados de maior interes se em tempo limitado que está entre uma e três horas A ordem anteriormente citada foi escolhida por mim depois de provar mui tas outras Tratarei de fundamentála a MOTIVO DA CONSULTA Se resolvi interrogar primeiro sobre o motivo da consulta é porque o mais difícil para os pais no início é falar sobre o que não está bem noe com o filho Essa resistência não é consciente visto que já foi vencida quando decidiram pela consul ta Para ajudálos temos que tratar de diminuir a angústia inicial e é o que se con segue ao enfrentarmos e encarregarmonos da enfermidade ou do conflito posicio nandonos como analistas do filho Devem sentir que tudo o que recordam sobre o motivo da consulta é impor tante para nós e na medida das possibilidades registraremos minuciosamente os dados de início desenvolvimento agravação ou melhora do sintoma para depois confrontarmos com os que conseguirmos no transcurso da entrevista Ao sentiremse aliviados recordam mais corretamente os acontecimentos sobre os quais os interrogaremos na segunda parte Mesmo assim devemos aceitar que ocorram esquecimentos totais ou parciais de fatos importantes dos quais pode mos tomar conhecimento meses depois pela criança estando ela já em tratamen to Também os pais sempre que a melhora do filho diminua suficientemente a angústia que motivou o esquecimento poderão lembrarse das circunstâncias desencadeadoras reprimidas na entrevista Apesar dessa inevitável limitação o material obtido é valioso não só para o estudo do caso como também para a compreensão da etiologia das neuroses infan tis capacitandonos para uma tarefa de profilaxia A comparação dos dados obtidos durante a análise da criança com os apre sentados pelos pais na entrevista inicial é de suma Importância para avaliar em pro fundidade as relações com o filho Arminda Aberastury 83 b HISTÓRIA DA CRIANÇA Interessame saber a resposta emocional especialmente da mãe ao anún cio da gravidez Também se foi desejada ou acidental se houve rechaço aberto com desejos de abortar ou se a aceitaram com alegria Perguntolhes depois como evoluíram seus sentimentos se a aceitaram se se sentiram felizes ou se iludiram porque tudo o que acontece desde a concepção é importante para a evolução posterior Todos os estudos atuais enfatizam a relação da mãe com o filho e é um fato comprovado que o rechaço emocional da mãe seja ao sexo como à idéia de têlo deixa marcas profundas no psiquismo da criança Por exemplo um filho que nasce com a missão de unir o casal em vias de separação leva o selo deste esforço O fracasso determinará nele uma grande desconfiança de si mesmo e de sua capacidade para realizarse na vida1 A resposta que nos dá a mãe sobre a gravidez indica qual foi o início da vida do filho Não espero que a resposta seja um fiel reflexo da verdade mas o que os pais nos dizem confrontado com o material oferecido pela criança será de grande utilidade na investigação2 Em alguns casos houve a princípio ocultamento cons ciente de fatos importantes Apesar disso na maioria das vezes tratase de esque cimentos omissões ou deformações de memória por conflitos inconscientes3 Às vezes este esquecimento é tão notório e incompreensível que somente a frequên cia de fatos similares na minha experiência e na de outros analistas levou aceitar que não se trata de um engano consciente nem de um ocultamento voluntário Refirome a casos onde ocorreram abortos não mencionados antes e depois do nascimento do paciente ou circunstâncias da vida familiar ocorridas durante a gra videz completamente esquecidas4 Embora na verdade muitas crianças não sejam desejadas por seus pais pelo menos no momento da concepção a resposta que obtemos na maioria dos casos é de que foram desejadas no caso de concordarem com alguma rejeição a atri buem ao outro cônjuge Dificuldades semelhantes apresentamse quando interroga mos sobre a gravidez e o parto E quase norma que nos antecedentes consignados na primeira entrevista leiamos Filho desejado gravidez e parto normais e é pelo contrário muito pouco frequente que estes dados se mantenham na história reconstruída Por exemplo nos consultaram por uma menina de dois anos e meio que vinha com os diagnósticos de epilepsia o primeiro e de oligofrenia Nos anteceden tes aparecia como filha desejada de um casal sem dificuldades tinha uma irmã de três meses e a mãe não recordou problemas nem antes nem durante a gravidez 1 Isto se comprovou em todos 01 casos am que e analisaram crianças nascidas para cumprir esta mis sao 2 Cf capitulo 13 3 Cf capitulo 14 4 Cf capitulo 13 84 Psicanálise da Criança Ao que parecia a criança nasceu de parto normal e teve um desenvolvimen to sem transtornos até os nove meses quando sofreu um desmaio enquanto a mãe a banhava Recordou a mãe que quis inclinar a cabecinha da filha para lavála e neste momento a menina perdeu o conhecimento Aos treze meses se apresentou a pri meira convulsão A mãe levava nesta oportunidade a filha nos braços e também vários pacotes Ao cair um deles deixou a filha no chão esta subitamente caiu e desmaiou sendo em seguida hospitalizada Vejamos agora as condições reais da concepção gravidez e parto assim como o caminho pelo qual chegamos a estes dados Por indicação da analista con sultada inicialmente5 a mãe entrou para um grupo de orientação do qual eu era a terapeuta e a filha começou sua análise individual6 Chegamos pouco a pouco a um surpreendente fluir de recordações que modificaram os dados iniciais Efetivamente a mãe recordou que anteriormente tivera um aborto de três meses e durante a gravidez da paciente ao terceiro mês haviamse produzido perdas de sangue como na primeira gravidez O médico acon selhou uma curetagem justificando que ainda que a gravidez chegasse a termo se correria o risco de dar à luz um filho enfermo Apesar desta indicação médica a mãe empenhouse em continuar a gravidez permanecendo na cama até o parto Durante a sessão de grupo em que recordou esta circunstância relatou muito comovida que sendo criança brincava de que suas bonecas eram taradas e ela as curava Quando o médico a advertiu da possibilidade de ter um filho enfermo recordou esta velha fantasia infantil de maternidade e resolveu cuidarse para têlo são o que lhe deu forças para seguir adiante e imobilizarse na cama No momento do parto apresentouse uma complicação7 e quando o médi co ia aplicar ao fórceps a mãe fez um esforço supremo não sendo necessário uti lizálo A criança nasceu com uma luxação congênita de quadril e ao terceiro mês o mesmo em que apareceram as perdas e se iniciou a imobilização a mãe decidiu consultar Imobilizaram a criança até os nove meses coincidindo esta data também com a imobilidade da mãe e o parto Este esclarecimento foi a resposta às interpre tações que lhe eram feitas no grupo e aos progressos da filha no tratamento fatos que aliviando sua angústia e sua culpa permitiramlhe recordar mais facilmente os acontecimentos que deram início à grave enfermidade da menina Dificilmente os pais recordam e avaliam conscientemente a importância dos fatos relacionados com a gravidez e o parto mas em seu inconsciente tudo está gra vado Não devemos pois desorientarnos se ao interrogatório sobre o parto cos tumam responder somente se foi rápido ou demorado Convém perguntar se foi a termo induzido com anestesia sobre a relação com o médico ou parteira se conheciam bem o processo se estavam dormindo ou acordados acompanhados ou 5 Susana L de Ferrer 6 Com Gela H de Rosenthal 7 Má rotação de cabeça Arminda Aberastury 85 sozinhos Estas perguntas abrem às vezes muitos caminhos à memória sempre que o terapeuta mantenha durante a entrevista o espírito que sugerimos e ajude prin cipalmente a valorizar a relação com o filho Quando tivermos suficiente informação sobre o parto perguntamos se a lac tância foi materna Se foi interessa saber se o nenê tinha reflexo de sucção se se prendeu bem ao peito a quantas horas depois do nascimento e as condições do mamilo Depois perguntaremos sobre o ritmo de alimentação não só a frequência entre as mamadas mas também quanto tempo succionava em cada seio Não é fre quente a alimentação a horário e com ritmo determinado pela mãe O mais comum é que não limitem o tempo de sucção não respeitem o intervalo entre as mamadas e não tenham uma hora fixa para iniciar a alimentação Isso faz com que a mãe se sinta invadida pela obrigação de alimentar o seu filho Se não tem uma hora determinada para começar nem um intervalo regular de amamentação durante toda sua vida se verá limitada e não saberá nunca quando poderá dispor de tempo para ela Por isso a forma como se estabelece a relação com o filho nos proporciona um dado importante não só da história do paciente mas também da relação com a mãe e a idéia desta sobre a maternidade E de suma importância para o desenvolvimento posterior da criança a forma como se estabe lece a primeira relação pósnatal Conhecemos bastante sobre a importância do trauma de nascimento na vida do indivíduo a observação de lactantes e a análise de crianças pequenas nos ensinaram muito sobre a forma de ajudálos a elaborar este trauma Um dos elementos primordiais para isto é facilitar ao bebê suficiente con tato físico com a mãe depois do nascimento Este contato deveria aproximarse o mais possível da situação intrauterina e estabelecerse o quanto antes pois assim será mútua ajuda Para a criança porque recupera parte do que perdeu a demora excessiva aumenta a frustração e o desam paro incrementa as tendências destrutivas dificultando sua relação com a mãe Para a mãe é de ajuda porque o nascimento do filho é um desprendimento que lhe repe te seu próprio nascimento Dar é para ela uma renovação constante do que ela mesma recebeu quando filha Por isso quanto mais dá e em melhores condições mais se enriquece o vínculo com sua mãe interna A indicação tão frequente de levar o bebê para longe da mãe para que ela descanse é totalmente errônea porque nem um nem outro descansam bem ao ser frustrada esta necessidade tão intensa Outras finalidades do estabelecimento da lactação a ritmo regular é a de proporcionar ao bebê a possibilidade de dominar a ansiedade uma das mais difíceis tarefas do ego depois do nascimento Efetivamente com a alimentação a horário oferecese esta bilidade que surge pelo fato de ser o objeto sempre o mesmo em condições seme lhantes se é possível sempre no mesmo quarto na mesma cadeira e postura em intervalos regulares Todos sabemos que é fâcll para a criança adotar um ritmo que lhe convenha Por isso depois das prlmolras tentativas que flutuam em intervalos de duas horas e meia a très horas e mala oscolhese o ritmo adequado respeitan doo posteriormente Conhecer ni hora livres do dia não só é útil para a mãe que trabalha mas também para aquela ua únlc a xlgônda sem considerar o bebê 86 Psicanálise da Criança seja cuidar de si mesma Quando a mãe nos refere as características da lactância devemos insistir até saber o mais possível sobre como se deram essas exigências básicas para ambos Uma mãe sadia não necessita de conselhos para cuidar de seu filho e a compreensão de suas necessidades a leva instintivamente a darlhe carinho contato e alimento E por inibições e deformações do ser humano que estes atribu tos básicos devem ser ensinados ou melhor dizendo reensinados Nada do que acontece ao bebê fome frio sede necessidade de contato e de roupa adequada escapa à compreensão de uma mãe que se sente ligada ao filho por algo tão sutil e firme como o foi o cordão umbilical na vida intrauterina Ainda assim frequente mente quando a criança chora a mãe se alarma e sua primeira reação é darlhe ali mento costuma desesperarse se não o aceita Mas é comum que o bebê esteja chorando porque revive uma má experiência que lhe produz alucinação e que seja suficiente a voz afetuosa da mãe um olhar sorridente o contato físico com ela que o embale ou cante para afastar com uma experiência atual de prazer a má imagem interna que produziu a alucinação Ao contrário é provável que uma criança que esteja revivendo uma má experiência com o peito talvez porque neste momento tenha dores ou cólica sinta como perigosa uma nova oferta de alimento rejeitan doa ou tomandoa com temor Se é obrigado e ele não se pode defender ingere reforçando a imagem terrorífica Por isso é de grande utilidade para compreender a relação mãefilho per guntar sobre a forma como costumava acalmálo quando chorava e como reagia quando pretendia alimentálo e ele rechaçava isso também pode ensinarnos muito sobre as primeiras experiências da criança Por outro lado não nos diz nada a resposta global dada habitualmente nos antecedentes Lactância materna até os cinco oito ou nove meses Desta forma não se consegue mais que uma fórmula com muito a ser investigado Estes detalhes da relação com o filho que com frequência não conseguimos da mãe vão surgindo pouco a pouco do material da criança quando a analisamos Nem tudo o que ele esperava do mundo era alimento e também não é tudo o que a mãe pode lhe dar Hoje sabemos de mães que não davam peito a seus filhos mas que tiveram bom contato com eles determinaram uma imagem materna melhor que no caso afetivo não proporcionando as gratificações surgidas desta boa cone xão Por todos estes motivos o que sabemos da lactância depois da primeira entrevista é somente o começo do que conseguiremos saber através da análise da criança e eventualmente de novas entrevistas com os pais Elas são úteis principal mente para confirmação e investigação de novos dados Quando perguntamos às mães quantas horas depois do parto viram seu filho e o colocaram ao seio costumam assombrarse não se lembrando Emoções tão intensas são geralmente reprimidas por conflitos A experiência mostra que quanto melhor tenha sido esta primeira relação mais fácil e detalhadamente a recordam Se a mãe não pôde amamentar seu filho ou o foz por pouco tempo convém perguntar em detalhes sobre a forma como lhe dava a mamadeira se o mantinha em Arminda Aberastury flflj íntimo contato com ela ou se deitado no berço se o furo do bico era pequeno ou grande e quanto demorava o bebê para alimentarse A criança ao reviver sua lactância no tratamento nos mostra em seus ojo detalhes significativos Um paciente de dois anos se preocupava quase que exclusi vamente em pesar a comida numa balancinha buscando que os dois pratinho tl vessem na mesma altura Quando a terapeuta8 perguntou à mãe que era mullo obsessiva sobre as características da lactância do bebê esta relatou que peiav a criança depois de cada mamada e que a tinha exatamente o mesmo tempo em cnU seio Seguindo a história perguntaremos como o bebê aceitou a mudança do poli o à mamadeira do leite a outros alimentos de líquidos a sólidos como paplnha carne Saberemos assim muito sobre a criança sobre a mãe e sobre posslblllclnl dos dois se desprenderem de velhos objetos A passagem do peito a outras fonte de gratificação oral exige um trabalho de elaboração psicológica que Melanle Klein descobriu comparável ao esforço do adulto por elaborar um luto por um p i amado A forma como a criança aceita esta perda nos mostrará como em lua vIcU futura enfrentará as perdas sucessivas que lhe exigirá a adaptação à realidade Uma mãe que solucionou bem este problema na sua própria Infând ou 0 elaborou através de um tratamento psicanalítico solucionará estas primeiras dlflt ui dades da criança começando lentamente insistindo ou abandonando temporal I mente a tentativa Se nos informam que à mudança de alimentação o bebê reuniu com rechaço perguntaremos os detalhes de como foi conduzida a sltuaçAo e pacientemente ou com irritação podendo assim ir construindo o quadro E importante investigar a data do desmame e as condições em que ocoueii Às vezes descobrimos que o bico ou a mamadeira foram mantidos até os cinco ou seis anos embora tenham dito ao princípio que o desmame ocorreu aoi nove meses As relações de dependência e independência entre mãe e filho refletem e também nas atitudes e expressões dos dois quando o bebê começa a sentir nei et sidade de movimentarse por conta própria A mãe pode ver ou não esta necenlilrt de frustrála ou satisfazêla Entre o terceiro e quarto mês de vida a criança entra num período no im I seu psiquismo é submetido a uma série de exigências novas e definitivas que se on cretizam na segunda metade do primeiro ano com a aquisição do caminhar e la lln guagem10 Quando a criança pronuncia a primeira palavra tem a experiência de que ein faz a conexão com o mundo e que é uma maneira de fazerse compreender O nti 8 Elizabeth G de Garma 9 KLEIN Melanie El psIcoanAllili da ninoi capitulo VI Neurósis en los nrios pI 11 10 PICHON RIVIÈRE Arminda Abarutury da La dentición la marcha y el lenguaj an relatldn i in la posición depresiva Rnv do Pilcoandiili tomo XV anlrounho de 1958 Soo 88 Psicanálise da Criança recimento do objeto que nomeia assim como a reação emocional ao seu progres so justificam suas crenças na capacidade mágica da palavra Inicialmente esta é uma relação com objetos internos como o foi antes o laleio e pela aprendizagem gra dual e pelas provas de realidade a linguagem se transforma num sistema de comu nicação Estas conclusões resultado de observação de lactantes e de tratamentos analíticos de crianças que sofriam transtornos da palavra fazem com que esta parte do interrogatório seja de muita importância para avaliar o grau de adaptação da criança à realidade e o vínculo que se estabeleceu entre ela e os pais O atraso na linguagem e a inibição no seu desenvolvimento são índices de uma séria dificuldade na adaptação ao mundo E frequente que os pais não lembrem a idade na qual o menino pronunciou a primeira palavra ou o momento em que se apresentaram os transtornos Neste período da vida a figura do pai ganha grande importância e sua ausência real ou psi cológica pode frear gravemente o desenvolvimento da criança ainda que a mãe a compreenda bem e a satisfaça Encontramos às vezes crianças de dez e onze meses cujas mães os man têm num regime de vida que corresponde aos três Por isso quando perguntamos à mãe a que idade caminhou seu filho estamos perguntando se quando ele quis caminhar ela o permitiu de boa vontade se o favoreceu se o freiou se o apurou ou se se limitou a observálo e responder ao que ele pedia Poucas são as vezes em que este desenvolvimento ocorre normalmente O andador é por exemplo um substituto da mãe que é melhor que a imobilidade mas não substituirá nunca os bons braços da mãe que o ajuda a caminhar e se oferecem como uma continuação de si mesmo para as experiências iniciais no mundo levandoo prazerosamente e sem pressa A criança que pode assim identificarse com o caminhar da mãe incor pora no seu ego a habilidade para caminhar Seu desenvolvimento se fará por um crescimento gradual de possibilidade de tal forma que busque comer dormir falar e caminhar com seus pais De acordo com o que a criança na sua fantasia incons ciente está recebendo deles o ensinamento se incorpora como êxito do ego ou passará a fazer parte um superego censurador que o freará ou poderá cair e machucarse quando queira caminhar e não se sinta permitido amplamente a par tir de seu interior Quando interrogamos sobre este ponto as respostas da mãe esclarecem muito sobre sua capacidade de desprenderse bem do filho Podem dizernos por exemplo que seguem tendo saudade de quando era bebê tão lindo e tão limpi nho ou comentar que apesar de lhes ter dado muito trabalho nesse momento dava gosto vêlo fazer um progresso a cada dia Para a criança o caminhar tem o significado entre muitos outros da sepa ração da mãe iniciada já no nascimento Portanto a mãe compreensiva deixa seu filho caminhar sem apurálo nem traválo de modo que o desprendimento seja 11 ALVAREZ DE TOLEDO Luisa G de e PICHON RIVIÈRE Armlnda Aberastury de La música y los Instrumentos musicales Rev de Pslcaanállsls tomo I p185200 Arminda Aberastury 89 agradável e alegre oferecendolhe assim uma pauta de conduta que guiará seus pas sos no mundo Perguntamos se o bebê tinha tendência a cair ao começar a caminhar e se posteriormente costumava baterse porque as respostas nos esclarecem sobre o sentimento de culpa e sobre a forma de elaboração do complexo de Edipo A ten dência a golpearse ou aos acidentes é índice de má relação com os pais e equivale a suicídios parciais por má canalização dos impulsos destrutivos Na segunda metade do primeiro ano intensificamse na criança tendências expulsivas que se manifestam no seu corpo e em sua mente A projeção e a expul são são a forma de aliviar as tensões e se estes mecanismos se travam as cargas emocionais se acumulam produzindo sintomas Um dos mais frequentes neste período da vida é a insônia este e muitos outros se incluem nos quadros patológicos habituais da criança durante o período da dentição12 que portanto merece nossa especial atenção Interessarnosá saber se a aparição das peças dentárias foi acompanhada de transtornos ou se se produ ziu normalmente e no momento adequado Interrogamos logo sobre o dormir e suas características porque estão muito relacionadas No caso de haver transtornos do sono perguntamos qual é a conduta com a criança e quais são os sentimentos que os sintomas despertam nos pais E importante a descrição do quarto onde dorme o bebê se está só ou se necessita da presença de alguém ou alguma condi ção especial para conciliar o sono Durante a dentição podem aparecer transtornos transitórios do sono que se agravam ou desaparecem conforme o meio ambiente maneje a situação Este problema é um dos mais perturbadores na vida emocional da mãe e põe à prova sua maternidade13 O uso do bico como hábito destinado a conciliar o sono é um dos fatores que favorecem a insônia Os pais costumam dizer que o bebê não dorme se lhe tiram o bico Na nossa experiência com grupos de orientação de mães analisamos suas rea ções frente a este problema encontrando que a dificuldade não era do bebê mas dos pais que postergam a decisão ou criam situações que dificultam a solução do problema O desmame que habitualmente ocorre no final do primeiro ano de vida sig nifica muito mais que dar ao menino um novo alimento é a elaboração de uma perda definitiva e depende dos pais que se realize com menos dor mas isto só podem fazêlo se eles mesmos a elaboraram bem 12 PICHON RIVIÈRE Arminda Aberastury do Transtornos emocionales de los niftos vinculados con la dentición Rev de Odontologia vol 39 n 9 agosto de 1951 13 Sabese que um dos métodos de tortura mala eficazes para conseguir uma confissão 6 o do dos portar o Interrogado em Hguldl que dorm pormltlndolhe que durma outra vez para acordálo quando concilia o sono A ropetlçSo continua deita método doblllta o ego a tal ponto que á nito poderA defender sua convIcçAo do paimanaii c alado Psicanálise da Criança Quando sabemos com que idade e de que forma se realizou o controle de esfíncteres ampliase nosso conhecimento sobre a mãe E temos encontrado que se a aprendizagem do controle de esfíncteres é muito cedo muito severo ou está ligado a outros acontecimentos traumáticos conduz a graves transtornos em espe cial à enurese Por isso o terapeuta deve perguntar sobre a idade em que começou a aprendizagem a forma como se realizou e a atitude da mãe frente à limpeza e à sujeira14 Um bebê de poucos meses não tem um desenvolvimento motriz que lhe permita permanecer no urinol ou levantarse à vontade este é um dos motivos pelo qual se aconselha iniciar a aprendizagem quando a criança disponha do caminhar Segundo outro ponto de vista não é conveniente um controle prematuro se se con sidera que a matéria fecal e a urina são substâncias que têm para o inconsciente o significado de produtos que saem do corpo e cumprem a função de tranquilizar suas angústias de esvaziamento normais a esta idade Passado o primeiro ano pelo pro cesso de simbolização e pela atividade de jogo que já é capaz de realizar as cargas positivas e negativas postas nestas substâncias se deslocaram a objetos e pessoas do mundo exterior podendo assim desprenderse delas sem excessiva angústia A aprendizagem prematura lhe impõe esse desprendimento antes que dispo nha dos substitutos que vai adquirindo por crescente elaboração e pela aquisição êxitos vinculados com o caminhar e a linguagem Se a aprendizagem além de ser precoce é severa é vivida como um ataque da mãe ao seu interior como retaliação a suas fantasias que neste período estão centradas no casal parental em coito e trará como consequência a inibição de suas fantasias com transtornos no desenvolvimento das funções do ego15 As respostas que a mãe nos dá sobre este ponto não só nos orientam para avaliar a neurose da criança como para compreender o vínculo que tem com o filho São poucas as mães que lembram com exatidão esses dados Felizmente o material da análise de crianças em especial de crianças pequenas nos permite reconstruir posteriormente essas experiências e as podemos comparar ulterior mente com o que os pais lembram mais tarde16 Um dos primeiros casos que me orientou nesta investigação foi o de uma menina enurética A mãe tinha relatado na entrevista inicial que o controle de esfíncteres tinha iniciado com muita paciência e quando a menina tinha mais de um ano Sabíamos teoricamente que uma criança com esse transtorno sempre é subme tida a uma aprendizagem precoce e severa Descobrimos em seguida através do material dessa menina que no seu caso também tinha sido assim Em entrevista ulterior depois de meses de tratamento graças ao qual melhorou sensivelmente o 14 Cf capítulo 13 15 Cf capítulo 9 caso Patrícia 16 Cf capítulo 13 Arminda Aberastury 91 sintoma a mãe lembrou assombrada que a filha tinha recebido uma aprendizagem em dois tempos e que ela na entrevista inicial havia lembrado somente o segundo Tinha esquecido que quando a filha tinha quinze dias a sogra que vivia com eles insistiu em iniciar o controle de esfíncteres contra sua vontade e com o consenti mento do marido Esta situação foi uma das tantas que expressou o conflito entre o casal As circunstâncias em que iniciou este primeiro controle e o conflito matrimo nial subjacente explicam o esquecimento da mãe Quando interrogamos sobre enfermidades operações ou traumas consigna mos na história não só a gravidade senão também a reação emocional dos pais É frequente o esquecimento das datas e das circunstâncias da vida familiar que acom panham estes acontecimentos Quero aqui relatar um caso de esquecimento onde se pode ver muito bem como a intensidade deste se deve à gravidade do conflito Consultaramme a respeito de um menino muito tímido de sete anos que tinha inibições de aprendizagem Nos antecedentes não figurava nada que justificas se a gravidade do sintoma Quando interroguei a mãe de Raul sobre situações trau máticas nos primeiros anos de vida a mãe respondeu que não lembrava de nenhu ma Durante a análise da criança apareceu um sonho cujas características e repeti ção faziam pensar na existência de uma situação traumática viase na cama rodea do de cães que às vezes eram ameaçadores cãeslobos Meses depois da primeira entrevista e após acentuada melhora da criança no seu rendimento escolar chamoume a mãe para comunicarme que havia lembrado de algo importante algo que não compreendia como podia ter esquecido na primei ra entrevista Quando seu filho tinha dois anos foi destroçado por um cachorro que pela sua ferocidade estava sempre atado mas que naquele dia se soltara O menino teve que ser internado e ela impôs como condição que se expulsasse o cachorro antes de voltar a casa mas como seu marido estava muito encarinhado com o animal e lhe assegurou que nunca mais voltaria a desatálo aceitou retornar a casa ainda que não se cumprisse sua exigência Dois anos depois atraída pelos gritos de seu filho vendoo novamente atacado pelo cachorro quis defendêlo sofrendo ela mesma graves mordidas no peito e no pescoço Em situações menos extremas mas traumáticas como enfermidades opera ções caídas produzemse esquecimentos similares por esta razão é frequente que os dados que obtenhamos nesta parte do interrogatório sejam pobres As complicações que se apresentam nas enfermidades comuns da infância são por si mesmas índice de neurose e é importante registrálas na história Quando perguntamos aos pais sobre a sexualidade do filho costumam assombrarse pela pergunta mas geralmente nos informam com facilidade sobre este ponto salvo quando negam qualquer atividade sexual do filho Trataremos aqui de averiguar as observações feita a roipolto E é este momento do interrogatório o que nos apresenta as malore surproia não só sobre os conceitos do adulto com respeito à sexualidade da criança como timbém sobre a forma de responder as 92 Psicanálise da Criança suas perguntas Nos grupos de orientação temos muitos exemplos das graves difi culdades que encontram os pais para responder a verdade A atitude consciente e inconsciente dos pais frente à vida sexual de seus filhos tem influência decisiva na aceitação ou rejeição que a criança terá de suas necessidades instintivas O que hoje conhecemos sobre a vida instintiva da criança e sobre suas manifestações precoces causa assombro aos adultos Freud também cau sou assombro e rejeição quando descobriu que a criança ao mamar não só se ali menta como também goza Afirmar hoje que uma criança de um ano se masturba ou tem ereções e que a menina conhece sua vagina e que ambos sentem desejos de união genital opõese a tudo o que até hoje se aceitava sobre a vida de um bebê e também desperta rechaço Quando perguntamos se a criança realiza suas atividades sexuais abertamen te e quais são costumam responder que descobriram ou que espiaram menos fre quente as relatam como fatos normais da vida da criança Há pais que por mau conhecimento do que significa a liberdade sexual favo recem e levam seus filhos a ditas atividades ou as comentam abertamente como gra ças ou provas de precocidade Há outros que creem que exibirse nus ou favorecer atividades como o banho junto com eles ou com irmãos é favorável para o desenvolvimento Este tipo de pais costuma anteciparse ao esclarecimento sexual e não esperar o momento em que a criança o requeira O desejo de união genital do bebê ao satisfazerse só em forma precária atra vés da masturbação é o motor que impulsiona e põe em movimento a atividade de jogo M Klein pôde descobrir que atrás de toda atividade lúdica há fantasias de mas turbação17 Quanto a esta atividade os pais se surpreendem e geralmente não encon tram resposta a nossa pergunta sobre quais são os jogos preferidos do filho Não sabemos se lhes assombra mais que damos importância ao jogo ou se é que tomam consciência do pouco que veem no filho ainda que estejam todo o dia com ele A descrição detalhada das atividades que realiza a criança nos serve para ter uma visão de sua neurose ou de sua normalidade Freud descobriu que o jogo é a repetição de situações traumáticas com o fim de elaborálas18 e que ao fazer ativamente o que sofreu passivamente a criança consegue adaptarse à realidade por isso avaliamos como índice grave de neurose a inibição para jogar Uma criança que não joga não elabora situações difíceis da vida diária e as canaliza patologicamente em forma de sintomas ou inibições As condições atuais de vida favorecem o costume de que crianças desde muito pequenas sejam enviadas ao jardimdeinfância Em muitos casos quando a casa é extremamente pequena ou a mãe trabalha esta pode ser uma medida favo 17 KLEIN Melanie El psicoanálisis de ninos 18 FREUD Sigmund Más allá dei principio dei placer tomo II Una teoria sexual y otros ensayos p285 Arminda Aberastury 93 rável para o desenvolvimento da criança mas não quando podendo e desejando permanecer na sua casa sente que a enviam ao jardimdeinfância para livrarse dela Quando perguntamos às mães em que idade os enviaram e quais foram os motivos que levaram a fazêlo vemos que na maior parte dos casos não se devem a uma necessidade ou desejo da criança senão a dificuldades da mãe É frequente que a entrada no jardimdeinfância coincida com o nascimento de um irmão e neste caso longe de favorecer a elaboração deste acontecimento constitui um novo elemento de perturbação de fato a criança nestas circunstâncias vive mais penosamente o fato de que lhe tiraram o lugar que habitualmente ocupa va na casa Observei que as crianças que vão desde muito pequenas ao jardim iniciam a escolaridade em piores condições que os que vão aos quatro ou cinco anos A permanência em casa a participação na atividade diária e dispor de um espaço adequado para brincar livremente são as condições que favorecem o desen volvimento da criança até os quatro ou cinco anos As atividades nas praças na sua casa na de amigos satisfazem suficientemente a necessidade de contato com outras crianças19 O ingresso na escola significa para ela não só desprenderse da mãe como enfrentar a aprendizagem que nos seus começos lhe desperta ansiedades similares às que se observam nos adultos com angústia de exame Durante a análise de crianças comprovouse que as inibições de aprendiza gem escolar e as dificuldades para ir à escola têm suas raízes nos primeiros anos e que uma criança que não brincou bem tampouco aprende bem Não podemos ava liar a gravidade das dificuldades de aprendizagem através do que os pais nos rela tam É frequente que uma criança em aparência muito bom escolar seja uma crian ça muito neurótica com inibições parciais que nem sequer são percebidas pelos pais Em outros casos os pais pintam um quadro aparentemente muito grave e se trata só de dificuldades momentâneas ou condicionadas por eles mesmos como por exemplo havêla enviado ao primeiro ano aos cinco anos de idade Por isso é importante interrogar sobre a idade em que uma criança ingressou na escola e a facilidade ou dificuldade na aprendizagem da leitura e da escrita assim como se lhe causa prazer rejeição ou se mostra ansiedade ou preocupação exagerada para cum prir com seus deveres c O DIA DE VIDA A reconstrução de um dia de vida da criança deve ser feita mediante pergun tas concretas que nos orientam sobre experiências básicas de dependência e inde 19 Além disto salvadas raras excoçôai o rdlmdlnfânda é um lugar onde se agrupam várias crian ças de diferentes Idades para quo Incomodam o mano possível portanto as mantêm continuamente ocupadas em atividades que nam lampra Mo que necoisltam no momento 94 Psicanálise da Criança pendência liberdade ou coação externas instabilidade ou estabilidade das normas educativas do dar e do receber Saberemos assim se as exigências são adequadas ou não a sua idade se há precocidade ou atraso no desenvolvimento as formas de cas tigo e prêmio quais são suas capacidades e fontes de gozo e suas reações frente às proibições Isso nos permitirá uma visão inesperadamente completa da vida familiar e o que registramos será uma valiosa ajuda ao ser comparado com a história da criança Despistaremos inexatidões omissões e sua causa E frequente que na história não nos tenham dito por exemplo que existia um transtorno no sono e no relato do dia de vida se faça evidente a descrição de um complicado cerimonial noturno que os pais não avaliaram como tal A descrição dos domingos dias de festa e aniversários nos ilustra sobre o tipo e o grau da neurose familiar o que nos permite estimar melhor a da criança e nos orientarmos no diagnóstico e no prognóstico do caso Quando interrogamos sobre o dia de vida devemos perguntar quem o des perta e a que horas Tratandose de crianças maiores de cinco anos é importante saber se se vestem sozinhos e desde quando ou quem os veste e por quê É útil conhecer este primeiro momento do dia para valorizar a dependência ou indepen dência adquirida de acordo com a sua idade cronológica e a atitude dos pais frente à precocidade ou ao atraso na sua aprendizagem Tudo isto é de um valor inegável porque nos dá uma visão certa da vida da criança Podem pensar que seu filho é independente porque mantém uma certa rebeldia e nós encontramos que parale lamente a isto lhes dão de comer na boca os vestem e os banham tendo sete ou oito anos E maior o conflito quando em oposição a esta dependência patológica o deixam sair só ou o levam a atividades típicas de crianças com mais idade d RELAÇÕES FAMILIARES Quando chegamos ao final da entrevista costumam sentirse já pouco dis postos a fazer confidências sobre si mesmos como no princípio e em troca inclinados a darnos uma idéia de sua relação afetiva com a criança e do que ela sig nifica para eles Compreendese que muito pouco podemos saber sobre as verdadeiras rela ções entre eles e nos limitaremos por isso a consignar a idade a localização dentro da constelação familiar saber se os pais vivem ou não profissão ou trabalho que realizam horas que estão fora de casa condições gerais de vida sociabilidade deles e de seus filhos E possível que seja necessário dispor de mais de uma hora para completar a história sobretudo para os principiantes e convém fazêlo pois o fundamental é que tenhamos consignado todos os dados que possamos obter dos pais antes de ini ciar nosso trabalho com a criança seja ele de diagnóstico ou de tratamento Arminda Aberastury 95 Tenho assinalado que devemos esforçarnos por conhecer o máximo de detalhes sobre o sintoma desenvolvimento melhora e agravamento Mostrarei através de um caso a forma como dirijo o interrogatório Consultaramme a respeito de uma menina de dois anos e meio Elena O motivo da consulta era a evidência de um marcante atraso no caminhar na lingua gem e no seu aspecto pouco desperto perturbação que se acentuou no último ano Tinha tido uma convulsão aos onze meses e outra aos dezoito Apesar de na entrevista participarem ambos os pais falou sobretudo a mãe o pai intervinha somente se a mãe ou eu lhe pedíamos algum esclarecimento Como a mãe tinha tendência a dispersão quando insisti que se explicasse a natureza do atraso pergunteilhe como caminhava a menina na atualidade Respondeume que não lhe agradava nada caminhar e que se a levava a passear terminava por tomála nos braços porque se cansava Lembrou então que deu os primeiros passos ao redor de um ano mas como não foi nunca muito ativa não manifestou prazer no caminhar costumava têla nos braços ainda quando já podia caminhar Tinha ainda a tendência de chocarse contra os objetos que encontrava no caminho tropeçar e cair Quando perguntei se tinha gatinhado me responderam que não em parte por que não manifestava vontade e em parte porque não agradava à mãe que se sujas se Segui o mesmo critério para interrogar sobre a linguagem e lhe perguntei como falava na atualidade Assinalaram que o transtorno era sobretudo na articulação das palavras portanto era difícil compreendêla ainda que conhecesse o nome de todos os familiares e dos objetos que a rodeavam e também nomeava adequadamente muitas ações Quando perguntei em que idade tinha dito a primeira palavra a mãe duvidou interrrogou o pai e discutiram sobre o assunto o que me fez pensar que nesse momento do desenvolvimento houve outros conflitos mais importantes que a própria linguagem Fizlhes algumas perguntas com a intenção de ajudálos a orientarse no tempo e no crescimento da menina como Era verão Era inverno Já caminhava As respostas confrontadas com a data de nascimento me orientariam bem mas neste caso não foram aclaratórias repetiram que foi uma menina lenta e sempre tranquila demais que não dava nenhum trabalho e quando bebê era como não ter filhos segundo manifestação do pai Com estes dados ainda que não soubéssemos quando havia pronunciado sua primeira palavra e qual havia sido sabíamos algo mais sobre suas reações emocionais Como na história estava consignada a primeira con vulsão aos onze meses durante um episódio febril orientei o interrogatório na direção desse sintoma O médico que consultaram não lhe deu muita importância e como lhe comunicaram que também sofria pavores noturnos receitou dois Epamin diários Lembraram também que nesse período costumava ter frequentes anginas e que foi durante uma delas que se manifestou a convulsão Perguntei se esse período de pavores noturnos e episódios febris não tinha coincidido com a dentição e responderam que talvez mas que não podiam estar seguros Não recor daram tampouco a data de aparição do primeiro dente Perguntei até quando segui 96 Psicanálise da Criança ram com o Epamin e se a convulsão se repetiu e desta pergunta obtivemos um dado interessante A segunda convulsão se apresentou aos dezoito meses e acompanhouse da indicação do médico no sentido de aumentar a dose de Epamin Observou a mãe que logo depois da convulsão a menina costumava estar distraída e apática duran te o dia Também lembrou que sofreu de transtornos intestinais e que o apetite diminuiu Com todos estes elementos podíamos reconstruir em parte o quadro do que tinha sido a vida da menina até então Na segunda metade do primeiro ano não foram satisfeitas suas necessidades básicas de movimento e descarga ao que se somou o bloqueio provocado pelo aumento da dose de Epamin quando teve a segunda convulsão freando sua evolu ção mais adiante O bloqueio interno e externo parecia ter sido o motivo das dificuldades da linguagem e do caminhar assim como dos transtornos do sono Necessitávamos agora saber se havia algo em especial que explicasse a con vulsão dos dezoito meses Os pais nos tinham dito que a segunda filha tinha agora três meses portan to confrontando os dados compreendemos que a convulsão coincidiu com a gravi dez da mãe Perguntamos a idade em que iniciou o transtorno do sono já que apa receu antes da convulsão e nos disseram que o primeiro pavor surgiu quando tinha sete ou oito meses Perguntamos se nesta época dormia sozinha e responderam que compartilhava o dormitório com eles até o nascimento da segunda filha Tínhamos já um panorama que nos confirmava o que costumamos ver nos transtornos do sono dessa idade estimulação inadequada falta de movimento sobreestimulação por dormir no quarto dos pais Quero assinalar aqui uma vez mais que embora quando comprovemos orientações tão equívocas como a do relato nossa atitude não deve ser nunca de censura e convém sempre lembrar que a fina lidade desta entrevista é conseguir o alívio das tensões dos pais e que somos desde o primeiro momento os terapeutas da criança e não os censores dos pais Estamos ali para compreender e melhorar a situação não para censurála e agravála aumen tando a culpabilidade Uma vez terminada esta entrevista se os pais decidiram fazer somente um diagnóstico comunicase o dia e a hora da entrevista com a criança assim como a duração Se aceitam um tratamento lhes daremos as indicações gerais nas quais este se realizará condições que detalharemos mais adiante 0 consultório o material de jogo a caixa individual problemas técnicos que surgem do seu uso diário O consultório onde se analisa uma criança não precisa ser grande pois a téc nica de jogo não exige muito espaço As paredes devem ser laváveis e convém que o chão esteja coberto de paviflex ou flexiplast devese dispor de uma chapa de amianto que se adapte à mesa ou ao pavimento já que pode ser necessário que a criança brinque com fogo E ótimo que se disponha de um quarto de banho comu nicado com o do trabalho de uso exclusivo dos pacientes no qual tenha um lavató rio com água corrente um vaso toalha papel higiênico um copo e uma ou duas cadeiras Se este banheiro é usado fora das horas de trabalho devese procurar que nenhum objeto ou cosmético fique à vista ou seja possível de ser encontrado pela criança A porta que comunica o banheiro com o consultório não se fechará por dentro do banheiro para evitar dificuldades desnecessárias As portas do consultó rio que deem ao exterior serão fechadas por dentro devem ser duplas ou de mate rial que impeça que cheguem ruídos ou conversações devese manter dentro do possível um clima de aprazível isolamento e só por um motivo muito especial poderseá interromper a sessão ou permitir que outra pessoa entre no consultó rio é conveniente ter uma campainha de maneira que se possa de dentro pedir o que inesperadamente se necessite A mesa e as cadeiras serão cômodas e simples suficientemente fortes para resistir ao desgaste E necessário um móvel com gavetas nas quais se guarda o material que dedicamos a cada paciente Todas as gavetas devem ser fechadas com chave ao final da sessão para só ser aberta ao início da próxima Será útil um pequeno e cômodo divã no qual a criança poderá reclinarse e falar porque os muito pequenos chegam a necessitálo com muita frequência e o pedem também os que vão se aproximando da puberdade 98 Psicanálise da Criança O aspecto do consultório deve ser por si mesmo a regra fundamental para que não seja necessário explicar à criança o que deve fazer Para isso na primeira sessão os brinquedos e os objetos que lhe destinamos são colocados sobre uma mesa preferentemente baixa de modo que ao entrar tenha uma visão completa do que lhe oferecemos para comunicarse conosco Existe um material standard que satisfaz as necessidades de uma criança de até quatro ou cinco anos e com poucas modificações serve também para crianças de mais idade cubos massa de modelar lápis papel lápis de cor borracha cola alguns bonecos pequenos paninhos tesouras barbante autos tacinhas pratinhos talheres e apontador Além disso durante a primeira entrevista pergunto aos pais com que a criança costuma brincar em casa e sempre que possível incluoo no material de sua caixa individual ou na caixa para diagnóstico Quando observamos uma criança para diagnóstico lhe oferecemos um material de jogo que guardamos numa caixa destinada a este fim Forma parte do consultório mas deve ficar chaveado quando não se usa para esse fim Abrimos somente quando recebemos uma criança que vem para uma hora de observação Quando se decide pelo tratamento preparamos o material de jogo e sua caixa indi vidual à qual só o paciente e o terapeuta terão acesso tal como já descrevemos Pode ocorrer que a criança venha para uma hora de observação e mais tarde decidamos analisála neste caso costumamos incluir na sua caixa individual o mate rial que utilizou na primeira hora completandoo logo com o que pensemos seja mais adequado para sua idade A primeira ação que realiza a criança assim como o tempo que transcorre até que a inicia nos ensina muito sobre sua atitude frente ao mundo o grau de ini bição de jogo que manifesta é índice da gravidade de sua neurose Veremos logo que a primeira sessão é de uma importância muito especial porque nela a criança mos tra qual é sua fantasia inconsciente de enfermidade e de cura e como aceita ou rejei ta nosso papel de terapeuta Ao nos despedirmos lhe recordamos o dia e a hora da sessão seguinte Desde esse momento o terapeuta e seu consultório se oferecem receptiva mente à criança e a caixa já preparada é o símbolo dessa situação que deverá ser mantida sempre A caixa individual toma progressivamente enorme importância ainda que nem sempre isso se expresse abertamente Há crianças que durante meses não tocam num brinquedo1 outras se empenham em deixar tudo fora como se não lhes importasse ter algo para si Acontece com frequência que uma criança quer levar à sua casa algum mate rial da caixa isso deve ser evitado com interpretação adequada Se não o consegui mos tratamos de fazêlo deixar sem violência ou podemos negar seu pedido dizen do que tudo isso é material para o tratamento e convém deixálo no consultório Se I Cf capitulo 9 caso Verônica Arminda Aberastury 99 de acordo com o curso da análise se considera muito útil podese permitir como exceção e não como norma esclarecendo por que o permitimos As vezes pode rá roubálo e isso será motivo de interpretação na sessão seguinte Também é frequente que a criança traga algum brinquedo ou objeto de sua casa com o que costuma querer mostrarnos algo da vida familiar desse momento Nesse caso se lhe dará liberdade de deixálo na caixa sempre que seja possível ou leválo novamente interpretando o significado de uma ou outra decisão Costumam deixálo durante algum tempo e às vezes definitivamente incorporandoo ao mate rial que lhe oferecemos inicialmente o que é por si mesmo muito revelador As crianças que reagem assim costumam viver em grande desamparo e satisfazem desse modo sua necessidade de transformar o consultório em seu lar Outro problema prático que indefectivelmente se suscitará é se devemos ou não repor o material que incluímos inicialmente na caixa da criança Papéis cola e massa de modelar são junto com a água elementos que devem estar sempre à dis posição da criança Assim como nossa permissão para que brinque com água não deve chegar a que o deixemos inundar o consultório já que regulamos seu abastecimento além de interpretar os motivos que o levam a inundar do mesmo modo administramos os outros materiais Creio que nisso devemos diferenciar os brinquedos dos mate riais que como a água devem estar sempre à disposição Seu uso deve ser contro lado pelo analista e em linhas gerais diria que se utilizados adequadamente devem estar sempre a seu alcance mas não se a criança os usa para destruição incontrolá vel Por exemplo se a criança usa o bloco de papel para queimar depois de obser var suficientemente as características do fogo se impedirá e se interpretará o signi ficado de usar algo expressivo e construtivo para fazer dele matéria inútil e destruí da As crianças sem grandes conflitos na aprendizagem pedirão folhas de jornal ou outras inservíveis se necessitam queimar papel O uso inadequado desse material tem o significado de maltrato a partes de si mesmo do terapeuta e de seu vínculo com ele A criança poderá tentar tirar folhas de seu bloco no vaso empapálas e depois destroçálas apertandoas para atirálas depois dentro de sua caixa ou ao chão Todas essas condutas devem ser limitadas oportunamente e interpretadas como pequenos suicídios Papel lápis e lápis de cor são os materiais com os quais preferentemente se comunica uma criança entre seis e doze anos devendo portanto estar sempre a sua disposição para tal fim o mesmo acontece com a massa de modelar Mas se uma criança pretende usála só para atirála ao chão e pisoteála a observaremos até compreender sua atitude em relação com ela e os jogos anteriores às vezes com o que aconteceu ao iniciar a sessão e a interpretaremos No caso de se repetir a mesma atividade compulsivamente numa evidente tentativa de ficar sem nada a freamos além de interpretar Suponhamos que o jogo anterior à destruição foi 2 Um paciente de Elizabeth Garma trouxa um vez uma caturrita com o que Introduziu o problema de que sua mãe falava demaii 100 Psicanálise da Criança modelar uma casa que ela julgou que lhe saiu mal atirar e pisotear a massa de modelar será uma forma de mostrarnos sua impotência o desconsolo por sentirse incapaz de criar3 Pode acontecer que depois de interpretada mude de atitude se ao contrá rio ela continua permitir sem limites sua destrutibilidade aumentaria sua angústia e culpabilidade Seria além disso um erro interpretar essa conduta como agressiva pois a aparente atitude sádica encobre aqui profundo masoquismo e culpabilidade que a impulsionam a ficar despojada e destruída sendo este o ponto de urgência Do mesmo modo que se uma criança pretende morrer queimarse atirarse por uma janela atitudes bastante frequentes durante o curso do tratamento de crianças neuróticas ou psicóticas tomamos as medidas de precaução eficazes para evitálo sem deixar por isso de interpretar o ato que freamos devemos fazêlo com suas coisas e com o vínculo que existe entre ela e nós através delas Uma menina de seis anos usou cola para untar as paredes4 o material que se seguiu à interpretação mostrou que para ela esvaziar o frasco de cola não era nesse momento um ato masoquista senão que estava ensaiando as possibilidades de que algo servisse para unir o que estava destroçado Este ato significava seu ensaio de como podia arrumar dentro dela as palavras destroçadas sendo a cola uma substân cia valiosa da qual devia dispor incondicionalmente a indicação então era encher seu frasco cada vez que estivesse vazio Se por outro lado só o tivesse usado para untar untarme ou untarse em forma masoquista não o teria renovado Em resumo determinados elementos que são oferecidos à criança para faci litar a comunicação préverbal são básicos e devem ser renovados sempre que sejam úteis para expressar algo Evitamos assim a aniquilação dessas substâncias que simbolizam conteúdos do paciente ou do terapeuta assim como o vínculo entre ambos do mesmo modo que preservamos a ele próprio A reposição de outros materiais autos aviões pratos etc se fará sempre que a criança solicite e que as circunstâncias o indiquem E importante que o material que lhe oferecemos seja simples de boa qualidade e se possível resistente Suponhamos que um menino organize corridas de autos nas quais compete com os irmãos e destrói um deles durante o jogo se pede que seja reposto é evi dente que além de interpretar devemos aceder do contrário pode sentir que con sideramos irreparável a destruição realizada Aconselho neste caso não tirar o auto quebrado ainda que a criança peça que o façamos Além de interpretar por que não suporta a visão desse auto destro çado que frequentemente se transforma em acusador ou perseguidor lhe destaca mos a conveniência de guardálo Apesar de tudo a criança não aceita às vezes esta medida por temor à contaminação neste caso separo o brinquedo do resto e o guardo à parte assumindo esse conflito da criança 3 É um mecanismo descrito por Melanie Klein como típico das crianças pequenas o objeto danifica do que não se pode reparar se transforma em perseguidor e é necessário destrullo 4 Cf capitulo IX caso Verônica Arminda Aberastury 101 Invariavelmente ocorre que algum tempo depois o reclama com a finalidade de arrumálo ele mesmo ou com minha ajuda Se esta mesma criança quebra um auto em cada sessão de seu tratamento é evidente que não o seguiremos repondo e nos dedicaremos a interpretar suas reações frente a essa frustração e os motivos que o levaram à destruição Durante a análise de Estêvão de oito anos enfrentei esse problema em forma tão aguda que aprendi muito sobre o manejo dessa situação Tudo quanto punha na caixa era destruído imediatamente à primeira tentativa de usálo para o jogo Durante semanas lhe repus o material de acordo com seu pedido até que compreendi que era uma conduta errada e que devia colocálo frente às consequên cias de sua destrutibilidade e ver o que fazia de si mesmo e de sua relação comigo Essa caixa com restos de brinquedos em desordem sem nada que conser vasse sua aparência atrativa ou que o levasse a jogar era o quadro de como se sen tia ele mesmo Aceitar sua caixa nessas condições significou para ele que eu o acei tava tal como era sem lhe exigir o esforço de mostrarse bem e são Agregarlhe coisas atrativas tinha significado que eu lhe exigia mostrarse como elas sem com preender que não podia fazêlo por estar muito doente Neste caso pude analisar em detalhes o significado de conservar quebrar repor conservar o quebrado e unindo esta experiência a casos similares cheguei à conclusão de que tecnicamente não é conveniente repor o quebrado senão na medida em que se mostra útil para a compreensão e expressão de um jogo e que se deve de todos os modos manter o quebrado ainda que a criança pretenda não vê lo na caixa Esta recusa obedece a uma necessidade similar à do adulto que recor re à negação de suas tendências destrutivas ou de seus sintomas Separar da caixa o destruído significa afastar de sua mente o conhecimento de que há algo destruído e enfermo em si mesmo por que não se sente capaz de arrumálo A presença do objeto destruído é de suma utilidade técnica já que quando surgem as genuínas ten dências de reparação recordao e procura uma maneira para consertálo E muito interessante observar nesse sentido como a criança utiliza substâncias cada vez mais adequadas às suas tendências reparadoras usa desde massa de modelar que une debilmente até a cola e o cimento que unem definitivamente As tendências a reparar implicam as subjacentes tendências destrutivas diri gidas ao exterior e a si mesmo A diminuição do sadismo para conservar o objeto amado ou desejado é o que nos dá o índice de maior adaptação à realidade de capacidade de gozo na vida Ao finalizar a hora guardamos os brinquedos na caixa com sua ajuda ou sem ela e lhe mostramos 1 que este material lhe pertence 2 que a caixa ficará fechada com chave 3 que ninguém terá acesso a ola em sua ausência e que o terapeuta só a abrirá antes de iniciar a sessão sogulnto 102 Psicanálise da Criança 4 que todo o acontecido durante a sessão será mantido em reserva abso luta de nossa parte 5 0 horário semanal combinado e 6 que toda modificação ou entrevista com familiares se discutirá com ele e logo se comunicará aos pais Daremos um exemplo disso resumindo a primeira hora de uma menina de dezesseis meses que tinha sofrido uma convulsão Como os pais me tinham dito que costumava jogar durante horas com livrinhos de figuras incluí alguns na sua caixa Neste e em outros casos me chamou atenção a capacidade da menina para encon trar rapidamente os objetos com os quais podia se expressar melhor Susana entrou no consultório com sua mãe olhou os brinquedos mas não os tocou folheou os livrinhos em atitude similar a de um adulto consultando o dicio nário e quando encontrou o que procurava mostroume A figura representava uma menina um pouco mais velha que ela com uma maçã na mão Ao mesmo tempo pronunciou o nome de uma de suas irmãs e todas as figuras que selecionou tinham em comum a representação de uma menina ou de uma mulher que possuía algo a todas dava o nome de sua irmã Em seguida voltou a mostrarme a primeira figura Colocou sua mão esquerda vazia como se pedisse algo e com a direita tomou o livro aberto na primeira imagem e o sacudiu dando pequenos golpes sobre a mão esquerda como que tratando que os objetos caíssem nela Depois de repe tir isso várias vezes mostroume sua mão esquerda vazia e a figura que representa va sua rival com a maçã na mão olhandome de forma interrogativa como que pedindo solução Repetiu o mesmo com todas as imagens que tinha mostrado dando sinais de impaciência crescente depois de cada fracasso Nesta primeira ação mostroume sua irmã a qual via possuindo algo valioso enquanto ela se sentia com as mãos vazias Sua fantasia inconsciente de enfermidade era que em consequência de tanta frustração acumulada necessitou da convulsão para descarregar a raiva E possível que sem os livrinhos de figuras houvesse encontrado outra forma de expressarme o mesmo mas indubitavelmente sua presença facilitou a comunica ção A notável capacidade da criança para expressar seus conflitos em linguagem préverbal nos levou à convicção de que não existe diferença entre a análise de crianças e a de adultos Propusemonos a verbalizar horas de jogo nas quais a criança expressava um determinado conflito e inversamente expressar na linguagem préverbal o que o adulto verbaliza numa sessão de análise A experiência foi surpreendente porque fomos adquirindo a convicção da identidade entre a análise de adultos e a de crian ças e a semelhança dos conflitos básicos Apresentouse muito ilustrativa a sessão de Alba de dois anos cujo conflito central neste momento era o terror de separarse de seu analista porque este ia viajar Reagiu através de jogos nos quais decidia segui lo e viajar com ele ou ia impedir a viagem retendoo com seduções ou ameaças Num desses jogos faz passagens com pedacinhos de papel e os coloca no bolso do casaco do terapeuta Interpreta que ante a necessidade de aceitar a partida assegu ra que ele terá passagem para voltar Expressa a angústia de perdêlo e sua recusa a Arminda Aberastury tj separarse num jogo em que ela representa um avião com os braços representa as asas e faz como se voasse o que em linguagem de adulto seria eu vou contigo Este jogo expressa uma tentativa de negação maníaca da separação e quan do fracassou este mecanismo serviuse de outro no qual expressou sua angústia de ser pequena de não poder seguilo ou não poder alcançálo jogou então que o terapeuta ia de avião e ela era uma lancha As diferentes velocidades desses meios de transporte faziam impossível o encontro É interpretada a raiva o ciúme e a impotência que provoca nela a viagem do terapeuta e o não poder ir com ele Reage à interpretação com uma série de jogos de sedução com o que pretende retêlo dança canta tira a calça urina e defeca Quando através das interpretações diminuem os mecanismos maníacos e pode sentir pena e dor pela separação brinca de subir num móvel e dali atirarse para que o terapeuta a receba em seus braços Elabora assim a partida e a esperan ça da volta Ela é o terapeuta que a recebe de braços abertos Atirarse do móvel simboliza a aterrissagem de avião a chegada o retorno e a reconciliação Confirmando a interpretação o jogo que segue ao anterior é o de esconder se e que o terapeuta a procura ou o inverso5 Toda ausência é seguida de um reen contro elabora assim sua angústia de perdêlo e sua ânsia de recuperálo6 Nos momentos em que reaparecem as tentativas maníacas de negar a realida de dolorosa inicia novos jogos de sedução ou de seguilo mas desta vez continuam com jogos depressivos de separação Finalmente realiza um jogo no qual revisa sua caixa enumera os brinquedos e os membros de sua família como se fizesse um balan ço do que tem na realidade externa e interna para suportar essa dolorosa separação Esta menina teve um desenvolvimento genital muito precoce por isso suas fantasias de sedução tomaram tão aberto carisma de união genital O êxito da aná lise7 que a levou à cura do sintoma bronquite asmática se deveu ao fato de na relação transferencial poder elaborar a perda de seus objetos originários surgindo as defesas contra a depressão diminuindo o sadismo incrementouse sua capacida de de reparar Era frequente nesta época que a menina chegasse à sessão mastigando balas ou comendo sorvetes e oferecesse ao analista compartilhar esses alimentos Tecnicamente está indicado interpretar e não participar porque estas coisas de criança têm seu equivalente em atitudes de adulto com o mesmo significado Se o analista é afetuosamente compreensivo com relação ao que significa para a criança essa frustração e a interpreta este a elabora aceitaa e se sente compreendido Uma vez mais teremos que aceitar que a adaptação à realidade é mais rápida e firme na criança do que havíamos suposto Além disso desde muito pequeno tem suficiente compreensão das exigên cias da realidade portanto se o analista é consequente nas suas atitudes diárias e 5 Cf capitulo 2 nota 14 6 FREUD Sigmund Más allá dei principia 111 filoctr p 28S 7 Realizado por Moljés 7hictmbr 104 Psicanálise da Criança cumpre bem seu papel de terapeuta ele se adaptará à situação analítica e a suas frustrações Muitas condutas como a relacionada com a comida durante a sessão e outras nas quais a criança busca o contato físico com o terapeuta costumam ter o signifi cado de destruir o tratamento de transformar a análise numa situação familiar ou social com o que atacam o vínculo com o terapeuta e negam a enfermidade E frequente também que em algum momento da análise a criança busque um contato íntimo com o terapeuta e seja conveniente atuar do mesmo modo que quando nos agride interpretando sua conduta colocando limites derivando a ação a algo que nos represente Em algumas situações muito especiais julguei útil satis fazer algumas dessas necessidades Não é difícil que uma criança tente atacarnos com as mãos os pés com matéria fecal e é de suma utilidade que saibamos deri var através da interpretação ou da ação um ato que se o realiza pode determinar nele e em nós uma situação demasiado incômoda e que se é permitida tenderá a repetirse por culpa e ódio No caso de um menino de oito anos que atacou fisica mente e com violência sua analista esta8 o conteve abraçandoo com força atuan do como uma camisa de força e o interpretou Durante a análise de um menino de dois anos e meio tive que recorrer à força física para detêlo num ataque agudo de ansiedade no qual quis maltratarse e finalmente se atirar pela janela Há muitas outras situações nas quais um analista de crianças perguntase sobre o que deve fazer quando seu instrumento de trabalho a interpretação mos trase insuficiente Creio que nossa intervenção limitadora está indicada sempre que vejamos um perigo à integridade física da criança nossa ou do consultório E frequente que crianças entre seis e onze anos e em especial as que sofrem de enurese necessitem ou lhes seja imprescindível brincar com fogo Devemos satisfazer essa necessidade mas colocando as condições sob as quais o fará e que signifiquem desde o princípio uma total garantia para ele para o terapeuta e para não destruir desnecessariamente o consultório Pode ser útil incluir fósforos um fogareiro aquecedor ou algo inflamável durante a análise da criança Se ela é pequena escolheremos fósforos de madeira que poderá manipular sem perigo se já é maior pode usar os fósforos comuns Se colocamos na caixa um esquentador ou uma lampadazinha de álcool devemos esco lher um modelo que funcione sem nenhum perigo de explosão O álcool para quei mar deve estar sob nossa vigilância e custódia distante do lugar onde a criança está jogando Todo jogo com fogo deve realizarse sobre uma chapa de amianto que cubra o chão ou a mesa de trabalho para evitar que se produzam estragos irrepa ráveis As vezes a criança queima papéis algodão às vezes até enxofre9 devese então ter a janela aberta para que nem ela nem o terapeuta cheguem à situação 8 Elizabeth G de Garma 9 Cf PICHON RIVIÈRE Arminda Aberastury de Algunos mecanismos de la enuresis Rev de Psícoanálisis tomo VIII n 2 p2l I Arminda Aberastury 105 desagradável de não poder continuar a sessão Não se deve chegar a esse extremo e dentro do possível devese tentar prever antes de chegar a proibir Suponhamos que um menino de cinco anos tenha trazido de sua casa tubos de tinta e além de pintar nas suas folhas quer pintarnos a roupa a casa ou as mãos De nenhum modo devese permitir isso porque é desagradável e desnecessário Como norma não incluo no material da criança aquarelas têmperas e óleo ofereçolhes fingerpaints ou lápisaquarelas que cumprem a mesma função da aquarela sem as dificuldades secundárias que esta traz E conveniente que o analista use roupa que não o limite em sua atuação como por exemplo roupa que ele valorize jóias ou objetos que podem deteriorarse Quanto à criança deixase livre a critério da mãe a roupa que use nas sessões10 Alguns analistas homens que tratam crianças perguntavamse sobre o que deveriam fazer se um paciente lhes pedisse que costurassem ou tricotassem algo Neste como em todos os problemas propostos podese considerar a parte formal e manifesta e a latente escondida atrás dela Num primeiro plano diremos que é frequente que um homem não saiba fazer nem uma coisa nem outra Num plano mais profundo sabemos que não é que não o saiba fazer senão que o sente proibi do Para tratar uma criança o analista deve ter uma série de conhecimentos que não lhe exigem analisar adultos e entre eles saber ainda que apenas rudimentar mente confeccionar roupa de bonecas ou qualquer envoltório que substitua uma roupa Se consegue elaborar sua angústia de castração e admite seus desejos femi ninos de ter um filho a habilidade para fazer o que o paciente lhe pede surgirá espontaneamente Pode além disso adquirir uma certa habilidade manual mesmo que a angús tia de desempenhar um papel tão evidentemente feminino seja ainda intensa Pode não vencer nunca esta angústia e sentirse incapaz de enfiar uma agulha ou de pôr uma fralda num boneco Neste último caso não parecerá indicado que continue sendo analista de crianças não tanto porque seja tão importante fazer um vestido para que a análise se desenvolva satisfatoriamente senão pelo que significa essa limi tação como conflito não resolvido Para ser analista de crianças é necessário conhecer e jogar suficientemente bem um grande número de jogos xadrez damas canastra tateti etc Devem conhecer os personagens e as histórias mais lidas pelas crianças o que implica o conhecimento e o manejo de revistas infantis já clássicos e ter refletido sobre seu sig nificado Conservar ainda suficiente prazer pelo jogo e ter ainda uma agilidade que lhe permita enfrentar sem demasiado esforço o exercício que exige muitas vezes a hora da criança em análise Isto não quer dizer que se um dia estiver cansado ou simples 10 No caso de Verônica capitulo 9 a me lhe colocava um nvental de borracha quando ela la brin car com água I I Cf estudos d e Anger Garma sobro voitlmantM o a i membranas fetais El origen de los vestidos fiev de Pslcanállsls tomo VII n 2 1949 106 Psicanálise da Criança mente não se sentir com vontade de se movimentar seja obrigado a fazêlo o que não se pode admitir como norma em analista de crianças é que pense poder analisar uma criança sentado numa cadeira como no caso do tratamento de adultos O interesse pela investigação sobretudo durante a análise de crianças muito pequenas me aliviou mais de uma vez a fadiga ou o incômodo de um jogo Por exemplo no caso de um menino de dezoito meses que não caminhava e a quem devia analisar sentado no chão seguindoo nos seus afãs de movimento Mas nem sempre acontece assim As vezes pode parecer tedioso jogar durante muitas ses sões de fazer comidinhas e distribuílas entre os bonecos mas na medida em que progredimos na compreensão da linguagem préverbal e traduzimos as ações do jogo nos seus menores detalhes compreendendoos termina sendo tão apaixonan te ou mais que escutar o relato de um adulto Muitas vezes a angústia frente à não compreensão da atividade lúdica faz com que o analista se limite a jogar isto é entrar no jogo mas não é assumir o papel de terapeuta Com frequência uma criança pede que o material com o qual jogou fique de fora da caixa sem que ninguém o toque até a sessão seguinte Em cada caso este pedido terá um significado diferente que deverá ser interpretado e não podemos aceder ao seu pedido porque ainda que a angústia subjacente costume ser o medo a uma modificação não pode imporse a outras crianças a visão desse material que des pertará sua curiosidade talvez inveja ou raiva complicando desnecessariamente seus vínculos com o terapeuta Também por ele mesmo não podemos expor seus perten ces que estariam em perigo porque não poderíamos proibir as reações que suscita riam Interpretamos sua necessidade de nos pôr a prova de saber se o defenderemos de sua compulsão a ser despojado e atacado ou de sua necessidade de exibirse e des pertar nos outros ciúmes ou inveja por seus pertences Às vezes este pedido oculta o desejo de que os outros façam o mesmo e assim poder ver o que eles têm neste caso quando nos negamos costumam insistir no sentido de que abramos a caixa de outra criança para ver o conteúdo Tampouco podemos aceder a este pedido que traria uma série de complicações de difícil manejo técnico e fundamentalmente lhe tiraria a segurança de que manteremos sua própria caixa em absoluta reserva Seria similar a responder ao pedido de um adulto que nos perguntasse quais são os padecimentos de outro paciente que viu ao sair ou ao entrar no consultório Convém estar sempre atento aos detalhes que possam ter motivado este pedido em crianças que até então se manejaram bem com sua caixa individual Pode ter acontecido que nesse mesmo dia viram outro paciente ou perceberam um deta lhe novo no consultório ou no analista mesmo e isto os inquietou por não com preenderem seu significado As vezes uma mancha ou raspão que existia há muito tempo é descoberto nesse dia e querem investigar quem foi que nos machucou ou maltratou Em qualquer caso o importante é encontrar na criança mesmo e não no externo o que determinou o pedido Muitas vezes uma criança que desenhou durante muitas sessões pede que coloquemos seus quadros nas paredes como numa exposição Imaginemos num momento o que poderia acontecer se acedêssemos a este pedido Alguém deseja Arminda Aberastury 107 ria destruir todos os desenhos brabo e ciumento por lhe terem ocupado um lugar que neste momento deveria ser só para ele pode querer desprendêlos e leválos a sua casa pode desenhar outros e querer colocálos sobre os anteriores para tapá los E certo que qualquer desses pedidos pode ser interpretado proibido ou permi tido sem que isto seja um obstáculo fundamental para que continue o tratamento mas traria sempre como consequência a tendência a repetir situações similares complicando e interferindo desnecessariamente em seu próprio tratamento e no dos outros Se considerássemos tecnicamente necessário aceder a pedidos assim não faria sentido que oferecêssemos à criança uma caixa individual e lhe assegurás semos a completa reserva de seus conteúdos e tampouco teríamos por que cumprir estritamente a norma de que o acesso à caixa é só permitido a ela e ao terapeuta Se consideramos tecnicamente necessário oferecer a cada criança uma caixa que seja só dela é porque ela necessita ter para curarse algo que seja completamente seu sem interferências algo que para ela chegará a significar o que foi a primitiva relação com a mãe Tampouco devese dispor do material da criança para nenhuma outra pois às vezes um pedacinho de pano um pequeno objeto uma madeirinha tem para ela um valor afetivo enorme e se sente terrivelmente despida e enganada se o tocam ou não o guardam As vezes a criança não quer ir embora ao final da sessão devese então fechar a caixa individual despedirse dela e pedir à pessoa que a acompanha que entre para buscála No caso de meninos maiores é suficiente fechar a caixa Esta não deve ficar aberta sob hipótese alguma Se a criança escapa do consultório sem fechála é função do terapeuta fazêlo antes da entrada de outra criança Quando vamos interromper a análise por motivo de férias ou qualquer outro é conveniente lembrar a criança com bastante antecedência e estar atento a suas reações frente à iminência da separação Conheceremos assim muitos detalhes sobre a forma de desprenderse dos objetos Quando uma criança termina a análi se também convém recordarlhe com antecipação a data combinada para a última sessão Não se deve supor que o saiba ou que os pais lhe disseram Devemos tratar com ela e sua decisão deve ser logo comunicada e consultada com os pais As cláu sulas do tratamento na sua parte formal externa acertamos com os pais mas no fundo é com o paciente mesmo que fizemos o pacto analítico Para decidir sobre o final de uma análise temos que valorizar o grau de seu êxito Podemos considerála terminada se tiverem desaparecido os sintomas se foram ampliados os interesses se existe maior capacidade de gozo duradouro se está equilibrada a dependência e a independência com o meio ambiente De todos os modos supor que uma análise é um seguro de saúde mental e física para toda a vida é uma utopia ou um engano As tensões e os maltratos que chegam do mundo exterior a uma criança podem superar o que seu ego é capaz de elaborar sem adoecer e isto pode suceder ainda que a análise tenha sido exltosa É certo por outro lado que uma análise na infân cia a capacitará para desenvolverse melhor e um dos grandes benefícios que expe rimentará será o aumento de sua capacidade de jogo e de aprender com prazer e facilidade assim como enfrentar oi problemas com maior eficiência 108 Psicanálise da Criança Várias indicações técnicas fazemse necessárias para esclarecer o que signifi ca jogar do analista assim como a forma e o momento em que deve fazêlo Quando uma criança pede que jogue o analista antes de realizar a ação deve saber o papel que lhe tocará jogar Se está jogando de preparar comidas e a criança quer que par ticipemos devemos perguntarlhe como é a comida que devemos preparar como a devemos dar e quando Ainda que a criança não fale compreende muito bem o que dizemos e se faz compreender por sua linguagem préverbal Quando se trata uma criança de mais idade pode explicarnos cada detalhe do papel que nos designa Por exemplo se joga de colégio e nos toca ser alunos além de interpretar a troca de papéis de adulto a criança lhe pediremos que nos indique que classe de alunos somos que fazemos que queremos dele como professor e que quer ele como nosso professor Se se negar ou resistir a fazêlo é necessário formular a interpreta ção que lhe dê novamente consciência da enfermidade de que somos seus terapeu tas e não estamos jogando com ele mas analisandoo Só assim poderemos com preendêlo e ajudálo Aliviase quando colocamos este limite e lhe ratificamos nosso papel de terapeutas cada vez que ela o elude Sem dúvida para analisar uma criança não basta um frio conhecimento da técnica e da teoria E necessário ter algo do prazer que sente a criança ao brincar manter algo da ingenuidade da fantasia e da capacidade de assombro que são ine rentes à infância Assim como o escritor tem qualidades inatas mas aprende seu ofício um analista não só deve conhecer teoria e técnica da psicanálise como ter esse dom que considero não se pode transmitir nem ensinar mas sim desenvolver notavel mente com a análise individual do psicanalista Compreendemos isto quando nos conscientizamos de que seu trabalho exige grande capacidade de conexão e de expressão e ambas aumentam com uma boa análise Em outro plano da aprendizagem podemos adquirir muita capacidade na técnica de formular a interpretação Aconselho todos os que trabalham em análise em especial de crianças a fazerem verdadeiros exercícios de estilo que consistem em revisar uma e outra vez o material e formular por escrito a interpretação refor mulandoa tantas vezes quantas sejam necessárias até encontrarem a que conside rem justa Não quer isto dizer que estudemos as interpretações para dálas senão que devemos encontrar o método para conseguir expressar sem maior esforço o que compreendemos e formulálo numa linguagem adequada ao caso e à idade do paciente Podemos comparar esta aprendizagem com a que realiza o estudante de música quando tem que aprender a transportar uma mesma frase musical a distin tos tons maiores e menores ou aos exercícios de composições que se não o trans formarão num criador lhe darão em troca a possibilidade de dar boa forma a sua inspiração Este estudo da formulação não deve ser só escrito mas também oral por que um analista deve acostumarse a ouvir suas interpretações e a ter capacidade de criticarse E frequente que o analista que leva anos analisando adultos e começa a Arminda Aberastury 109 tratar crianças sinta que é mais fácil depois dessa experiência formular interpreta ções Creio que esse fato se deve ao esforço que exige adaptar o pensamento até então considerado privativo do adulto à linguagem de uma criança pequena É freqüente que ao começar o trabalho com crianças se experimentem sen timentos de incomodidade quando tenhamos que aceitar que a criança percebe compreende expressa e julga em nível muito próximo ao nosso Uma das mais for tes frustrações que sofremos quando pequenos foi não encontrar resposta a nossa curiosidade e mais ainda o fato de não sermos compreendidos quando nossa comunicação era préverbal ou só rudimentarmente verbal Ao interpretar uma criança de I6 a I8 meses e comprovar a facilidade com que compreende nossas palavras e o alívio que experimenta tornase evidente o erro do adulto que não só fala qualquer coisa diante dela porque pensa que não entende ainda senão que se a criança dá mostras de ter compreendido o faz calar irritado ou o considera uma criança extraordinária Analisei crianças desde I4 meses e penso que o aperfeiçoamento da técnica levará a poder fazêlo com crianças ainda menores Nos tratados de técnicas até hoje publicados não se menciona o problema dos honorários na análise de crianças2 Com relação a estes problemas como os até aqui propostos tudo leva a supor que não existem diferenças entre a análise de crianças e a de adultos E óbvio que a criança não pode enfrentar o pagamento de seu tratamento mas isto não é diferente do que acontece em toda sua vida diária e ela tem clara consciência da situação Nenhuma criança ainda que muito pequena pensa ou espera que lhe pre senteiem com algo numa loja senão que pede a seus pais que o comprem Neste como em todos os demais aspectos de sua vida sabem que os pais ou substitutos pagam suas coisas e o tratamento está incluído neste conceito de sua vida Para ele como para um adulto pode chegar a ser um problema que as sessões sejam pagas mas não é devido a sua idade que o pagamento em si é um problema E convenien te que a criança saiba que as sessões são pagas nos primeiros dias do mês Se seus conhecimentos o permitem é melhor que ela mesma faça o cálculo das horas Se possível deve ela entregar o dinheiro ao terapeuta Compreendese que tratando se de crianças muito pequenas ou muito enfermas devemse tomar as precauções necessárias para que o façam sem risco de perdêlo E notável como crianças ainda muito pequenas lembram a seus pais o pagamento das sessões ou chegam ao con sultório dizendo que reclamaram o dinheiro ou já o pediram No seu jogo expres sam suas fantasias inconscientes com respeito ao pagamento do mesmo modo que 12 Numa carta enviada a mim por Melanle Klein com data de 27 de abril de 1945 expressavase assim Em relação a sua primeira pergunta com respeito ao seu trabalho eu lhe diria que de maneira nenhuma se discuta honorários com as crianças embora tenha que ficar claro que são pagos honorários É preferível que a criança nÃo conhoça a cifra total porque certamente lhe pareceria exorbitante Os pais devem dliar á crlnnçn que A como pagar a escola ou algo assim De maneira nenhuma devese fazer crer à criança quo o iimIIU nao é pago 110 Psicanálise da Criança um adulto o verbaliza na sessão de forma direta ou mascarada Costuma ser práti co sugerir à mãe na entrevista inicial que entregue o dinheiro à criança no momen to de entrar no consultório Ocorre que na medida em que se responsabiliza em outros planos reclama aqui também o direito a uma maior independência O caso que passo a relatar ilustra como a criança conhece a relação que exis te entre o número de sessões e o montante dos honorários e distingue a dificulda de ou a facilidade com que os pais afrontam o gasto Mário sofre de fobias múltiplas de pavores noturnos e de agressividade incontrolável que dificulta seu contato com o meio ambiente Tinha sete anos e meio quando iniciou o tratamento psicanalítico3 A sessão que relatarei correspon de à volta das férias ocorridas após um ano de tratamento com quatro sessões semanais Tomou a massa de modelar dizendo que iria fazer uma bola com muitos pés para que não caísse Depois de refletir disse que era muito difícil fazer tantos pés e que por isso faria um canhão para disparar Como esse dia ao entrar na ses são os pais comentaram que tinham resolvido diminuir uma sessão porque Mário estava melhor e eles tinham dificuldades econômicas o terapeuta interpretou os pés múltiplos como sua necessidade de assegurarse de que não rodaria pela inse gurança que lhe causava diminuir o número de sessões e que isto além do mais o tinha desagradado muito o canhão Disse que faria uma bola com espinhos por todos os lados para que ninguém a tocasse e em continuação disse Sabes quanto é um quarto Interpretei que perguntava como seria com um quarto menos de suas sessões e se isto não o faria recair no seu sintoma mais temido a agressão incontrolável a bola com espinhos Tirou dinheiro do bolso e disse É bastante não Na minha casa vou fazer o seguinte vou amarrar um barbante ao teto e vou subir e subir Mas não lhe parece que vai ser difícil E evidente que ante a dificuldade econômica surgiu uma ten tativa maníaca de negar sua impotência e oferecer seu dinheiro mas o juízo de rea lidade o levou a expressar que necessitava crescer de repente para enfrentar o pagamento apesar de que isto era tão impossível como subir ao teto por um bar bante que não o sustentasse Pareceme muito interessante este material por expressar I o temor de cair no sintoma que mais o fazia sofrer 2 a percepção da necessidade do dinhei ro para solucionar o problema 3 a aceitação de sua impotência 4 a inseguran ça e o desgosto que lhe causava a diminuição das horas de tratamento A criança que sabe quanto custa uma sessão trata de não faltar reclama muito se lhe estão faltando minutos e dá um jeito para que não o tragam com atra so às sessões Nesta como em toda situação onde não se propõem claramente os problemas existe um engano desfavorável para a solidificação da relação transferen cial e para a continuidade da análise 13 Com Manuel Kizzer A primeira hora de jogo seu significado l i Quando Freud analisou um menino de cinco anos1 e descreveu sua atividade de jogo seus desenhos sonhos e sonhos diurnos deixou os sedimentos para a téc nica da psicanálise de crianças Mais tarde2 descobriu que se uma criança brinca é porque necessita elaborar situações traumáticas A análise de crianças confirmou essas conclusões mas apesar de ser evidente que os problemas fundamentais de uma criança se expressam nessa linguagem préverbal os tratados sobre o tema1 seguiam afirmando que esta a diferença do adulto não tinha consciência da enfermidade nem vontade de curarse Minhas conclusões foram diferentes ao aplicar a técnica do jogo Constatei que já durante a primeira sessão fosse esta o início de uma análise ou simplesmen te de observação diagnostica aparecia a fantasia inconsciente de enfermidade ou de cura Propusme então a investigar se o material da criança durante o tratamento confirmava o que havia mostrado nesta primeira hora e cheguei à conclusão de que era assim em todos os casos corroborando a idéia inicial de que a criança sabe que está enferma e que compreende e aceita o tratamento Com a técnica do jogo fei 1 FREUD Sigmund Análisis de la fobia en un nino de cinco anos tomo XV Historiales Clínicos 2 FREUD Sigmund Más allá dei principio del placer p285 tomo II Una teoria sexual y otros ensayos 3 FREUD Anna Psicoanálisis del nino Ed Imán Buenos Aires 1951 KLEIN Melanie Psicoanálisis de ninos Biblioteca de psicoanálisis Btionoa All ai 1948 4 A utilização e observação slítomAtlc da Imm de ogo para diagnóstico realizouse pela primeira voz na Argentina 112 Psicanálise da Criança tas as modificações assinaladas comprovei que a criança nos comunica desde a pri meira hora qual é a sua fantasia inconsciente sobre a enfermidade ou conflito pelo qual é trazido ao tratamento e na maior parte dos casos sua fantasia inconsciente de cura Penso que o surgimento tão imediato é devido à pressão do temor a que repitamos a conduta negativa dos objetos originários que lhe provocaram a enfer midade ou conflito Junto a este temor evidencia o desejo de que não sejamos como elas e assumamos o papel através do qual lhe damos o que necessita para sua melho ria Este processo é vivido pela criança como um novo nascimento a separação ini cial dos pais e a entrada no consultório costumam acompanharse das ansiedades que experimentou ao nascer O temor à repetição das experiências com o objeto ou os objetos originários obedece tanto ao que aconteceu com os pais reais como à sua própria compulsão a repetir situações que lhe causaram dano5 Na sua fantasia de cura expressa o dese jo de modificação do mundo exterior real e seu desejo de curar sua compulsão a repetir ditas experiências O temor de repetir sua relação com o objeto originário é o que nos trans forma em pessoa a quem e de quem se desconfia O objeto originário carregado de frustração e medo projetado no terapeuta transforma este em alguém temido pela criança e de quem espera que adote a mesma conduta negativa de seus pais e o ata que Este objeto originário em seus aspectos amados nos aspectos em que satis fez suas necessidades confere ao terapeuta os atributos necessários para curálo Esta dupla fonte de transferência deve ser interpretada desde o primeiro momen to6 mas como os dois aspectos estão sempre presentes durante o tratamento a interpretação de seu significado deve fazerse também nas sucessivas sessões E fundamental que desde o primeiro momento assumamos o papel de tera peuta porque isto ajuda a criança a situarse como paciente e a ir fazendo conscien te o que mostrou como fantasia inconsciente para isso devemos interpretar a dupla imagem e seus significados Já frente aos pais teremos esclarecido nosso papel de terapeutas do filho e não deles conduta que confirmamos ao não lhes pedir modi ficações na sua vida familiar e anteciparlhes as reservas que manteremos com as sessões do filho Na descrição do consultório fiz referência ao significado que tem a caixa indi vidual descrevi o material que oferecemos à criança e os problemas técnicos que surgem de seu uso Esta caixa individual que lhe oferecemos ao iniciar o tratamen to constitui desde o primeiro momento o símbolo do segredo profissional como a promessa verbal de sigilo que fazemos ao adulto na qual confia quando inicia o tratamento psicanalítico Os casos que passo a narrar referemse às primeiras horas de jogo para diag nóstico e às primeiras horas de tratamento com crianças de diferentes idades 5 FREUD Sigmund Más allá dei principio dei placer 6 KLEIN Melanle Pslcoandllsis de Nlrios Arminda Aberastury Neles destacarei de forma especial aqueles aspectos que configuram as jogadas de abertura cuja importância se faz evidente no curso ulterior do tratamento CASO I Roberto é um menino de dois anos que padece desde os dezoito meses de pavores noturnos e tendência a insônia Seu desenvolvimento parece ter sido nor mal até aquele momento Depois da primeira entrevista com a mãe resolvemos que o observaria durante uma hora de jogo antes de decidir seu tratamento Informaramlhe que viria verme que não era uma visita pediátrica que não o examinaria nem ele daria medicamentos e sim que estaria uma hora com ele e lhe daria coisas para brincar falaríamos e trataríamos assim de compreender o motivo de suas dificuldades para dormir e o modo de aliviálo Entrou no consultório com sua mãe que se sentou enquanto o menino se aproximou dos brinquedos que estavam sobre uma mesa baixa e começou a jogar imediatamente7 Utilizou pratinhos taças e talheres iniciando um jogo que durou ao redor de dez minutos e no qual representava uma alimentação prazenteira sem apuros adequada com carinho e estabilidade segundo se ia deduzindo dos detalhes dos seus atos Interrompeu o jogo para pedir que acendesse a luz Tomou logo um prati nho chupando e mordendoo desesperadamente e apresentando índices de ansie dade crescente Deternosemos para analisar sua conduta até esse momento O acender a luz e logo morder e chupar desesperadamente depois de um jogo de alimentação com satisfação adequada permitiu situar na noite a hora do seu sintoma e nos deu uma pista para investigar o motivo de seu transtorno do sono Morder e chupar o prato com desespero e a crise de ansiedade imediata a esta ação mostravam quais podiam ser seus sentimentos na noite se lhe surgiam tais desejos Sabemos que o pratinho chupado e mordido existe como objeto real no mundo exterior mas representa também um desejo interno símbolo do peito introjetado que alguma vez foi externo Neste momento ao jogar não só morde e chupa o pratinho senão também o objeto interno que o ataca sua mãe proibidora Na sessão eu como terapeuta repetia a proibição interna por isso abandonou o jogo e teve ansiedade Já sabíamos algo do que provocava o pavor noturno e a insônia as duas for mas de transtorno do sono pelas quais nos consultavam A imagem de algo que morde e chupa projetada simbolizada e personificada pelo pratinho trouxe como consequência a crise de ansiedade Víamos assim como atuavam nele as defesas frente às tendências destrutivas Os primeiros mecanismos de defesa frente a ela foram a expulsão a projeção e a simbolização8 e logo veio a destruição violenta do 7 A inibição para brincar é um indica de nauroia grave e so considera em especial para o diagnóstico e prognóstico de uma neuroso Eita menino evidenciou uma grande capacidade para expressar e elaborar em seus ogos os conflito o que conitltuIrA um bom prognóstico 8 FREUD Sigmund Más alIA dal principio dal placar 14 Psicanálise da Criança objeto carregado de destrutividade que pela projeção se teme como perseguidor9 Sigamos agora com seu jogo e vejamos como expressou novamente que este ato de chupar e morder se dirigia finalmente a sua mãe real tanto como a sua mãe inter na simbolizada no pratinho Encheu a pia até que a água transbordasse e caísse ao chão com as mãozi nhas empurrou em direção à mãe a água que tinha caído pisou até empapar as solas dos sapatos caminhando então sobre as partes secas e deixando deste modo as marcas de suas pisadas que também se dirigiram à sua mãe Quando se esgotou a água do chão e dos seus sapatos observando que já não deixava marcas ao cami nhar virou mais água repetindo a atividade descrita até conseguir que a última marca chegasse até a mãe Subiu então sobre ela e a abraçou com um gesto envol vente como se quisesse levála nos braços Ao começar o jogo com água enquan to enchia a pia e produzia inundações exigiu que o tivesse pela mão ficando excluí da da ação sua mãe que continuava sentada na sala de jogos contígua ao banheiro Sabíamos já que de noite sozinho ou com a babá sentia ansiedade Sua mãe não estava com ele e necessitava conhecer o caminho que o levasse até ela10 Estas marcas eram o símbolo das marcas mnêmicas da boa imagem de mãe que se apa gam quando o terror pela má imagem o inunda Transmitiranos o motivo do pavor e agora expressava sua necessidade de ajuda para encontrar o caminho que o levas se até sua mãe quando estava aterrorizado à noite Mostravame ainda a necessi dade de um apoio incondicional ao exigir de mim que não deixasse nem um minu to sua mão enquanto manipulava a água que lhe permitiria chegar até a mãe Analisemos mais detalhadamente esta segunda parte de seu jogo Ao trans bordar a água na pia comunicavanos também que se urinava de noite quando tinha ansiedade Estando sua mãe ausente de noite tinha ansiedade urinavase e neces sitava encontrála A forma envolvente do abraço e seu gesto de aproximarse muito a ela reproduziam a forma inicial de contato corporal com a mãe depois do nasci mento mostrando com isto que necessitava voltar ao apoio incondicional desta vez do terapeuta para curarse Neste como em outros casos ultrapassar o limi te entre o banheiro e a sala de jogo simboliza o nascimento e a forma como o meni no o fazia nos mostrou muito sobre as características do seu parto e dos primeiros contatos com o mundo exterior12 A presença da mãe no consultório facilitou a dramatização das divisões entre boa e má mãe externa e interna mas sem ela também o expressaria utilizando o analista um jogo um objeto ou qualquer detalhe do consultório 9 A universalidade das figuras da fada e da bruxa ou do bom e do mau nos contos infantis se explica pelo duplo aspecto do objeto original 10 As marcas perdidas e o deixar marcas duradouras para reencontrar o caminho da casa abandona da ou perdida é tema de muitos contos infantis I I A mãe que desaparecia quando o terror pela imagem má o inundava 12 Cf capitulo I I Arminda Aberastury 115 CASO 2 Relatarei agora a primeira hora de jogo de um menino também de dois anos que padecia de insônia e de rocking Este último sintoma era tão agudo que pela intensidade violência e continuidade dos movimentos foi necessário forrar com almofadões o berço do menino amortecendo assim os efeitos dos golpes da cabe ça ao baterse contra as grades como também forrar com almofadões o quarto de maneira que o movimento do berço diminuísse um pouco pois sem isto nem os pais que dormiam no quarto contíguo nem a babá que dormia com ele podiam conciliar o sono pelo ruído que produzia o berço ao deslocarse e bater contra as paredes do quarto A insônia era quase diária sendo ineficazes os sedativos com que trataram de evitála Ernâni era o menor de quatro irmãos e o único com transtornos Os pais pareciam profundamente unidos entre si e com seus filhos No edifício em que viviam tinham seu apartamento tios e tias todos com filhos havendose constituí do uma grande comunidade infantil da qual Ernâni era o enfermo Da entrevista inicial com os pais ressaltava um dado o único que poderia ter sido significativo no sintoma Nasceu vinte dias antes da data calculada porque se induziu o parto adequandoo a um dia que resultasse cômodo à comunidade fami liar A mãe resistiu a princípio quando o médico o sugeriu mas a pressão de seu meio ambiente e a confiança que lhe inspirava o médico favoreceram a decisão Em interrogatório posterior compreendemos que se não pôde defender mais seu filho foi porque a gravidez se produziu num momento difícil e a conflituou mais que a dos outros filhos No desenvolvimento ulterior do menino não houve aparentemente outros transtornos e tinha um aspecto tão sadio e agradável que era difícil imaginá lo com sintomas tão penosos Ernâni entrou com sua mãe e começou a jogar enquanto esta permanecia sentada perto dele13 Seu jogo14 consistiu em distribuir os brinquedos sobre a mesa formando grupos de tudo o que lhe parecia semelhante Quando um grupo ficava formado me dizia dormem Colocou galinhas com galinhas cubos com cubos bolas com bolas massa de modelar com massa de modelar O último grupo que for mou foi de cachorrinhos Separou o menor Colocouo em minha mão e fechoua deixando dentro o cachorrinho Observou minuciosamente e com desconfiança minha mão fechandoa cada vez com mais força como se temesse que eu a abris se Logo disse Façao dormir você Que expressou com este jogo Cada grupo representava uma família em que todos dormiam mas numa delas a própria o 13 Como no primeiro caso lhe haviam explicado onde Iria e para quê 14 O leitor notará que neste caso o material de ogo 6 mais variado e significativo que em outros Corresponde à primeira época da técnica do ogo Anos depois compreendemos que não era necessária tal variedade e era Inconveniente a utilização de brinquedos multo similares aos obetos reais porque a semelhança Inibia parte dai fantailai Ao contrário os mais simples e menos signi ficativos facilitam a projeção dai fintlllM mal reprimidas 116 Psicanálise da Criança menor não dormia seu sintoma e me pedia o terapeuta que o ensinasse a dormir era aceitar a ajuda terapêutica mostrar que a necessitava A forma como colocou o cachorrinho na minha mão e a fechou hermeticamente mostrava fantasia inconsciente da razão do sintoma juntamente com a forma como podia curarse Necessitava voltar ao ventre da mãe e que eu não repetisse o que ela tinha feito o guardasse em minha mão e com um novo nascimento logo após ter recebido de mim o necessário poderia dormir A desconfiança e o medo de que eu repetisse a conduta da mãe e o deixas se sair de minha mão expressouse através da forma minuciosa e desconfiada com que cuidava se minha mão guardava o cachorrinho que ele me confiou Vemos que para o primeiro menino a vida estava dividida em duas partes antes e depois do transtorno e sua vida diária atual também estava dividida em antes e depois da noite Por isso dividiu a sessão em uma parte com jogo tranquilo e outra em que tudo foi invadido pela ansiedade Acender a luz foi o limite de sua vida prazenteira e depois disso ocorreu o aparecimento brusco do chupar do morder da angústia do urinarse e da solidão por não conhecer o caminho de retorno ao objeto Este desconhecimento era a consequência de não ter elaborado a ansiedade depressiva o que foi impedido pela quantidade excessiva de tendências destrutivas não canali zadas de forma normal O primeiro menino mostrou que o medo de perder a mãe provocava o pavor noturno sendo a insônia uma defesa contra o pavor O segundo menino expressou por outro lado sua singular situação de ser diferente de todos os que o rodeavam por não poder dormir e se colocou nas minhas mãos para aprender a fazêlo Nos dois casos que relatei a hora foi de diagnóstico e as crianças foram logo encaminhadas a outro terapeuta CASO 3 Estudaremos a hora de jogo de um menino um pouco menor Adolfo tam bém com transtornos de sono cuja observação foi seguida de tratamento com a mesma terapeuta o que nos permitiu confirmar a exatidão das primeiras conclu sões Tratavase de um menino de 2I meses que se acordava angustiado à noite e passava para a cama de alguém preferentemente a da mãe Sofria também da ten dência a chupar compulsivamente o polegar e não tinha aceito ainda o controle de esfíncteres que se havia iniciado aos cinco meses Nessas primeiras tentativas que coincidiram com o desmame mantinhamno duas ou mais horas no urinol Como a aprendizagem fracassou abandonaramna temporariamente para reiniciála aos onze meses coincidindo desta vez com a perda definitiva do peito Como nessa época se movimentava muito e podia escaparse do urinol mantinhamno atado às vezes por mais de duas horas A primeira sessão que relataremos foi de observação porque a mãe procu rava quem a orientasse na educação de seu filho O alívio que a criança demonstrou Arminda Aberastury foi decisivo para que a mãe e o terapeuta15 decidissem iniciar uma análise apesar de não existirem até aquele momento experiências sobre o efeito deste tratamento numa criança menor de dois anos Daremos primeiro a descrição da hora diagnos tica e logo passaremos a analisar seu significado Apesar de sua pouca idade não manifestou dificuldade em separarse da mãe16 entrando no consultório com a terapeuta enquanto a mãe ficava na sala de espera Os primeiros objetos que tomou foram um curral e um bercinho com um bebê dentro Foi em seguida à sala de espera buscar a mãe e a trouxe ao consultó rio Sentouse no chão e rodeouse do berço com o bebê do banheiro e do móvel com louças sentandose a terapeuta junto dele Indicou com alegria que um bebê estava sentado no vaso tirandoo e sentan doo repetidas vezes Em seguida tentou desvestir um bonequinho cortando uma cinta que lhe atava a roupa aludindo possivelmente ao ter sido atado ao urinol quando pequeno e ao conseguilo suspirou com alívio Para fazêlo pediu ajuda à terapeuta o mesmo fazendo para retirar o mosquiteiro do berço Deu comida ao bonequinho cobriuo e logo o surrou Desvestiu outro bebê e o colocou junto ao primeiro dizen do que eram ele e a menina Prestou atenção à água que gotejava na pia e disse água em seguida a terapeuta abriu mais a torneira e ele lavou tudo o que tinha ao redor secando depois com um pano Banhou o bebê envolveuo embalouo junto ao seu peito deitouo e cobriuo Derramou a água angustiouse e secou logo com um pano Observou a massa de modelar e tomou em seguida lápis e papel tentando desenhar Levantouse levando a cadeira e a mesa ao centro da peça17 sentouse pedindo ao terapeuta que se sentasse na outra cadeira Voltou a lavar indo em seguida ao divã onde havia brinquedos agarrando uma menina sentada num banco de escola banhoua Como era a hora e lhe indicaram que devia se retirar atirou se ao chão negandose a fazêlo Aceitou ir quando o terapeuta lhe disse que vol taria no dia seguinte Que tenha entrado sem sua mãe sendo ainda tão pequeno era índice de que recorria com intensidade à negação da realidade como defesa ante uma crescente angústia Foi assim que Adolfo negou a princípio a realidade de que essa era uma situação nova portanto temida assim como o sofrimento que lhe impunha separar se de sua mãe O curralzinho com o qual brincou inicialmente e do qual tirou o bebê simbolizava a prisão o cercado a limitação que sentia no seu desenvolvimento pelos sintomas que em seguida nos mostraria e também a necessidade de sair desse encerramento Por isso no jogo que seguiu detalhou suas dificuldades de acordo com sua urgência Se essa sessão tivesse sido verbalizada por um adulto ele nos teria dito Tenho sintomas incômodos que me dão malestar e me dificultam na vida venho ao 15 Elizabeth G de Garma 16 Esta reação frequente em criança autlsiiv A Indicador do sórlos transtornos afetivos 17 Eram móveis pequenos e levev 118 Psicanálise da Criança senhor para que me livre deles Logo após essa proposição inicial enumeraria seus sintomas espontaneamente ou a pedido nosso O mesmo faz Adolfo com seus jogos Quando voltou ao consultório brincou com o berço do bebê seu transtor no do sono o banheiro seu conflito com o controle de esfíncteres e o móvel com a louça seus conflitos orais que o levavam a chupar o polegar Manifestou alegria quando viu o bebê no vaso e jogou de levantálo e sentálo nele Esta repetição mos trava as sucessivas tentativas que realizaram com ele para que adquirisse o contro le assim como sua necessidade de fazer ativamente o que tinha padecido Por isso se mostra tão feliz quando vence o temor e o bebê aceita o urinol No jogo parecia que de todos os seus sintomas o mais dominável era o do controle já que podia manejar sozinho essa atividade18 mas não como desvestir o boneco ou tirar o mosquiteiro atividades para as quais pediu ajuda ao terapeuta Pedila tinha o significado de ajuda para livrarse de algo que ele sozinho não conse guia afastar livrarse de sua mãe em seu interior que o incomoda e coage19 O mos quiteiro era símbolo das angústias que o envolviam de noite Outro fator que se apresenta relacionado com a angústia noturna era o temor à grande surra que ele dá na boneca depois de deitado O resto do jogo referese ao controle de esfíncteres o gotejar como perda da urina e o limpar como aquisição do controle No mesmo sentido podemos inter pretar a observação da analista sobre uma preocupação do paciente pouco fre quente nesta idade colocar no lugar cada objeto depois de têlo usado20 A inclusão da menina e o banco escolar no fim da hora mostrava seu afã de ser maior a irmã tinha seis anos e adquirir conhecimentos Esta necessidade se compreende melhor considerando a circunstância de que os adultos que o rodea vam não lhe explicavam as coisas claramente por considerálo muito pequeno Ser tratado com carinho alimentado e assim crescer e conhecer bem as coi sas parecia ser sua fantasia de cura Quando chegou o fim da sessão sua vontade de ficar com o terapeuta mostrounos até que ponto esta criança necessitava de trata mento e tinha sentido alívio ao expressar seus conflitos através de sua linguagem préverbal CASOS 4 E 5 Relatarei dois casos que julgo de especial interesse por se tratar de meninas quase da mesma idade ao redor de dois anos que estavam sob a pressão de um luto recente A primeira tinha perdido seu irmão e a outra a mãe As duas sessões 18 É interessante comentar que depois desta hora apesar de não haver interpretações o menino con seguiu sentar no vaso e continuou fazendoo depois Foi esta reação que incentivou a mãe a iniciar o tratamento 19 GARMA Angel El origem de los vestidos Rev de Psicoanálisis tomo VII n 2 1949 20 O aparecimento prematuro de mecanismos obsessivos é Indicio de empobrecimento do ego e apa rece frequentomente em casoi onde o controle do esfíncteres foi também prematuro Arminda Aberastury foram realizadas em diferentes horas no mesmo consultório com a mesma tera peuta21 e dispondo do mesmo material de jogo usado por elas de modo diferente para expressar o mesmo conflito básico Ana foi trazida á consulta por apresentar insônia há várias semanas A situa ção desencadeante desse sintoma foi a morte de um irmãozinho de três meses ocorrida durante a noite A mãe tinha dado à luz há três meses e meio gêmeos pre maturos ambos meninos que nasceram antes do sétimo mês de gravidez Um deles faleceu ao nascer enquanto o segundo sobreviveu à custa de grandes esforços até o terceiro mês Nesta idade já compartilhava o quarto com Ana e a menina tinha testemunhado o momento em que o pai ao entrar no quarto descobrira que seu filho estava morto no berço onde o havia deixado com vida poucas horas antes Depois desse episódio sumamente dramático começou o sintoma que motivava a consulta insônia que foi precedido por um episódio de pavor noturno22 Antes do parto a mãe tivera que se encarregar do cuidado de seus sobrinhos e do sogro além de atender sua filhinha Estes acontecimentos provocaram em Ana um sentimento de desamparo e abandono reforçado depois pelas circunstâncias do parto e pelas características dos meses que se seguiram nos quais os pais tiveram muita preocupação com o menino prematuro tendo que ocuparse intensamente com ele A hora que relatarei foi observada poucos dias depois da morte do menino e a terapeuta foi a mesma que chamaram para consulta quando do nascimento dos prematuros A caixa de brinquedos preparada para a hora do jogo continha além de cubos bolas aros pratinhos e taças um pequeno boneco O jogo da menina con sistiu em atirar fora todos os conteúdos da caixa retendo apenas a boneca peque na a qual tentou colocar na palma da terapeuta repetidas vezes abrindo e fechan dolhe a mão para colocála e para retirála em seguida Em determinado momen to deixou cair a boneca evidenciou um grande pânico urinandose no consultório e espantada pelo acontecido rompeu em intenso choro Neste estado saiu corren do do consultório em busca de sua mãe que a aguardava na sala de espera A menina repetia nesta hora de jogo a situação dramática pela qual tinham passado seus irmãos com os quais se identificava sendo o sintoma consequência dessa identificação tinha medo de que em seus sonhos lhe acontecesse o mesmo que a eles Pedia que a terapeuta guardasse o boneco na mão assim como teria que rido que fossem colocados seus irmãos no ventre da mãe por mais tempo e prote gidos ambos da morte A queda do boneco em geral deixar cair simboliza não pro teger expressava a perda tal como tinha sido o parto prematuro da mãe O fato de urinarse no consultório tinha o mesmo significado e segundo foi possível com preender mais tarde traduzia também a ansiedade que nela tinha despertado ao ver seu irmão reiteradamente sobre a tampa da banheirinha ou sobre a mesa quando 21 Susana L de Farrer 22 Cf capitulo XIII 120 Psicanálise da Criança lhe trocavam as fraldas em situação de perigo ao estar só poderia ter caído Além disso o pai verbalizou mais de uma vez diante dela o medo de que isso aconteces se evidenciando a necessidade de tomar precauções A menina temia que os mes mos perigos pelos quais passaram seus irmãos se repetissem com ela com iguais consequências definitivas Ao não dormir vigiava e controlava os perigos que sentia ao redor e que a tinham apavorado Sua fantasia de cura era sentirse suficientemente protegida para afugentar o perigo Por isso fazia com que a terapeuta protegesse o boneco guardandoo na mão fechada Essa menina conhecia a verdade com respeito ao destino de seus irmãos mas ainda não tinha conscientizado a relação do sintoma com o seu temor a seguir o destino deles Seu tratamento devia mostrarlhe a realidade da morte deles e ajudála na elaboração assim como no alívio das ansiedades subjacentes que a faziam reagir com insônia Este sintoma se explicava pela necessidade de se man ter alerta a fim de que não lhe ocorresse o que acontecera a seus irmãos A outra menina cuja hora de jogo descreveremos a seguir a quem chamare mos Luísa tinha também dois anos de idade Para sua primeira hora de jogo mar cada para o mesmo dia que a de Ana lhe foi oferecida a mesma caixa de brinque dos com os mesmos conteúdos mas seus jogos foram absolutamente diferentes Esvaziou a caixa sem interessarse nem um pouco pelos brinquedos e seu esforço orientouse sempre para a penetração na caixa conseguindoo ao final Uma vez acomodada pediu que lhe pusessem a tampa Permaneceu assim durante um longo tempo e em silêncio23 pedindo depois ajuda para sair da caixa Quando o conseguiu saiu correndo do consultório em busca do pai tomouo pela mão na sala de espe ra e parou com ele diante da porta Ali percebeu um baú de madeira escura muito entalhado cuja tampa pediu que levantasse a fim de poder explorar seu conteúdo enquanto perguntava o que tinha dentro Conhecendo a história da menina compreenderemos o significado desse jogo Sua mãe tinha falecido há um ano depois de seis meses de enfermidade em função da qual Luísa foi transferida à casa de sua avó onde passou os últimos meses da vida de sua mãe Não lhe falaram de tudo isso por considerála demasiado peque na para compreender a morte e seus problemas Tampouco lhe disseram a verdade nos dias em que sua mãe estava em estado grave O pai da menina quando faleceu sua esposa foi viver também na casa onde estava sua filha e tanto ele como a avó guardaram silêncio sobre o ocorrido Decorrido um ano o pai viu a possibilidade de voltar à casa e esta decisão incrementou na menina dificuldades que já existiam ini bição de jogo complicações na rotina diária e com o meio ambiente sendo estes os motivos da consulta As características da consulta mostravam que o interesse mais vivo da criança era que lhe dissessem a verdade com respeito a algo que já conhe cia a fundo e era a morte de sua mãe Seus esforços para debelar este mistério se expressaram no jogo de entrar na caixa onde através da identificação com a mãe colocarse na caixa e pedir que lhe ponham a tampa tentava experimentar o que 23 A Identificação com o objeto perdido é uma forma de elaborar a perda Arminda Aberastury 121 se sentia dentro Também o fato de pedir que lhe levantassem a tampa da caixa e que a ajudassem a sair dela era sua forma de expressar o desejo de sair desse con flito visto não poder fazêlo sozinha Suas dificuldades estavam intimamente ligadas com essa verdade que lhe foi proibida conhecer ainda que tenha padecido as con sequências já que não voltou a ver sua mãe Para curarse necessitava ser esclare cida sobre o destino desta conhecer o conteúdo do baú Era o que esperava do tratamento o conhecimento da verdade para ela e para seu pai a quem fez voltar ao consultório e diante do qual interrogou sobre o baúcaixa CASO 6 Virgínia é uma menina de dois anos e meio que apresentou desde os três ou quatro meses bronquites espasmódicas febris quadro que se repetiu com muita fre quência acompanhado de anorexia perda de peso marcado decaimento geral e intensa palidez Assim que se recuperava voltava a repetir o mesmo processo quase sem intervalos de bemestar Fizeramlhe sempre tratamentos com antibióticos e medicamentos sintomáticos sem conseguir melhoras O quadro apresentouse pela primeira vez quando tinha três meses coincidindo com o desmame com um desas tre econômico familiar e com ameaça de separação dos pais Quando estes consul taram o terapeuta24 ele os advertiu que não podia tratála mas que poderia fazer um diagnóstico e encaminhála a outro25 Portanto não houve interpretações verba lizadas Colocou à disposição dos brinquedos que correspondiam a sua idade e acrescentou alguns outros que lhe pareciam úteis depois da entrevista inicial com os pais26 Virgínia chegou acompanhada da mãe Era pequena para sua idade pálida e magra seus olhos grandes e inexpressivos recordavam o rosto de uma boneca Reclamou os brinquedos dos quais lhe tinha falado sua mãe quando lhe explicou o motivo da consulta e se separou dela para entrar ao consultório sem expressar nenhuma emoção conduta que em uma menina tão pequena indicava sério trans torno dos afetos Necessitava negar as ansiedades depressivas que lhe provocava a separação de sua mãe e as ansiedades paranoides que normalmente desperta toda situação nova a debilidade de seu ego fez com que para enfrentar essas ansiedades recorresse a uma intensa negação Agarrou um garfo um autinho e um avião balbuciou algo e tomando uma colher disse colherzinha em seguida agarrou uma faca e sussurrou faca colo cando depois todos os talheres perto dela Agarrou um aviãozinho e disse minha mãe vem me buscar e ao terminar esta frase apoderouse de um avião rosado 24 Jorge Rovatti 25 Moisés Tractemberg 26 Dois aviões dois autlnhos duai xlcari um oipelhlnho dois ogos de talheres um rolo de cordão tesouras três barras de masia do modalnr 122 Psicanálise da Criança olhou as rodas mostrouas ao terapeuta as fez girar movendo o avião para trás sem soltálo de sua mão Vamos parar neste momento da sessão para analisála em detalhes O balbu ciar algo incompreensível e em seguida pronunciar claramente colherzinha e de uma maneira menos clara faca foi sua forma de expressar que havia coisas que conhecia bem outras não muito bem e que algumas lhe eram incompreensíveis Sendo a situação terapêutica desconhecida para ela parecia que o que não entendia era o que ocorria ali entre ela e o terapeuta e ao atuar desse modo tratava de fazê la compreender como se sentia confusa A angústia frente à situação nova a leva a testar a realidade se podia dispor de tudo que existia por isso agarra os talheres e os coloca perto dela Certa de que pode dispor dos brinquedos agarra o aviãozi nho que pela associação verbal seguinte utiliza para personificar sua mãe A pri meira associação minha mãe vem me buscar é expressão também do temor de que não aconteça assim reaparecendo aqui a ansiedade que negou de separarse dela sem afetos Isto se confirma quando mostra o meio que tem o avião para des locarse as rodas Sentese abandonada por sua mãe e teme que não a venha bus car27 A intensidade da angústia negada no começo volta a expressarse no jogo seguinte onde tenta magicamente negar a separação ao fazer voltar o aviãozinho para trás desandando o percurso realizado Continuemos analisando seu jogo colocou lado a lado dois aviões um rosa e outro azul e frente a eles um auto branco A escolha da cor a forma como os colo cou e as relações espaciais entre eles permite supor que o branco a personifica sim bolizada por um de seus sintomas a palidez e os outros representam seus pais No seu jogo o auto branco está enfrentando os pais unidos Sabemos que a situação traumática mais intensa do conflito edípico é a de ser o terceiro excluído Se pensa mos que os aviões representam os pais unidos não é só porque os situou como casal mas porque escolheu um rosa e um celeste cores que em nosso meio simbolizam comumente o feminino e masculino Se aceitamos que o jogo tem o valor de uma associação verbal podemos dizer que Virgínia associou o abandono que experimen tou quando sua mãe desapareceu ao que sente quando seus pais estão juntos Em seguida pega o autinho branco aproximao a outro e os faz rodar jun tos enquanto diz Os autos Levantaos enfrentaos superpõeos e os separa para pegar o branco e mantendoo na mão o obriga a ir para frente e para trás sucessiva e ritmicamente Impulsiona os dois juntos pelo chão e o branco fica mais na frente Emparelhaos novamente pegaos juntos pronunciando palavras que não se compreendem e enquanto põe em contato as rodas de um com as do outro diz Os aviões Durante este jogo o terapeuta permaneceu sentado no chão contra a parede e Virgínia diante dele Novamente as configurações espaciais e o fato de que o autinho branco a personificou previamente fazem pensar que estes autinhos eram nesse momento ela e o terapeuta tendo uma relação que não compreende bem cuja característica é a de movimentarse ritmicamente com intervenção das rodas 27 Cf caso três deste capitulo Arminda Aberastury 123 como símbolo das partes baixas do corpo os genitais A última parte deste jogo quando forma os dois casais é a síntese da mesma situação na qual insiste em parte por falta de interpretação e em parte porque é uma das características do jogo repetir os pontos de urgência Comunicounos que para compensar o abandono realiza com o terapeuta e antes com sua irmã o que os pais fazem quando estão juntos e ela está só28 Continuaremos agora o relato da sessão agarra uma xícara com um prato coloca a xícara de boca para baixo e em seguida modifica a posição colocandoa de boca para cima Com uma faca e um garfo faz como se comesse pega duas facas e as afia uma contra a outra depois pega o garfo deixa a colher e tendo numa mão o autinho rosa moveo ritmicamente de frente para trás repetidas vezes deixando o autinho branco atrás dela Levanta o aviãozinho celeste e diz Aqui está Pega a xícara e o prato boceja e colocaos ao lado dos talheres Põe o avião celeste entre as pernas e o faz subir pelas coxas em direção dos genitais coloca o celeste de um lado dos talheres e a rosa no outro Estudaremos este fragmento da sessão em detalhes Pôr a xícara de boca para baixo sobre o prato e modificar isso colocandoa de boca para cima é um gesto que correntemente pode expressar que está vazia Colocála depois numa posição receptiva onde se pode colocar algo é um modo de dizer que está dispos ta a que a encham outra vez sendo sua associação seguinte tomar a faca e um garfo e fazer como se comesse A xícara é o símbolo do seio que ficou vazio e pede ao terapeuta que o encha de novo por isso junta os talheres e finge comer repetindo assim neste fragmento seu pedido de que o terapeuta a acompanhe e a alimente e a encha nos seus genitais29 modificando a imagem de vazio que parecia ligada a seus objetos originários As facas que se afiam tornandose cortantes simbolizam os dentes aos quais parece atribuir a perda do seio Além do incremento da agressão oral provocada pela perda do seio seus desejos de morder fazem pensar que a apa rição dos dentes esteve muito ligada com o desmame ainda que a mãe não tenha fornecido dados a respeito Se consideramos o desenvolvimento de uma criança podemos deduzir que a perda precoce do peito conduziu Virgínia a um interesse prematuro pelos genitais o que no material é representado pelo auto rosa que se move ritmicamente aproxi mandose do aviãozinho celeste que representa o pai e de seus genitais A xíca ra e o prato colocados ao lado dos talheres mostram que no seu inconsciente liga o peito com os alimentos e os dentes A busca de união genital para compensar a perda da relação oral expressase ao colocar o aviãozinho entre as pernas Assim como acontece desde o momento do aparecimento do pai no complexo de Edipo mostra a ambivalência entre o pai e a mãe quando coloca o aviãozinho que simboliza a mãe numa perna e o que simboliza o pai em outra até aproximálos dos genitais 28 Esta menina continua seu tratamento o atualmente aparece com clareza que uma das soluções da lnvea edlplana foi acoplarse a sui Irma con quem realizava ogos sexuais compulslvamente 29 Cf o conceito de fase genital prévia no mplliilo 4 124 Psicanálise da Criança Por semelhança identificase com a mãe e necessita do pai como objeto de gratificação buscando incorporálo pela vagina Esta tentativa fracassa porque dita união está carregada do grande perigo que acompanhou a ruptura abrupta da rela ção bocaseio O material que segue consiste em espetar ambos os lados de seu corpo com um garfo e uma faca e rasparse a cabeça com esta dizendo tac tac e batese no ouvido Amplianos assim a compreensão de sua fantasia inconsciente da enfermida de Sabemos agora que Virgínia sente dentro da cabeça todo o conflito um seio esgotado dentes que mordem um pênis duro e cortante que machuca Bater no ouvido é também uma referência ao que ela ouvia durante o coito de seus pais experiências reais que enlaçandose com suas fantasias configuram um mundo interno que como vemos nesta hora de jogo faz com que sinta a união genital tão perigosa como dentes que trituram alimentos Durante a fase genital prévia a cena está dominada pelas fantasias de coito contínuo dos pais A frustração a que está destinada esta fase reforça a concepção sádica de coito Sua forma de descarga a masturbação e os jogos sexuais realizam se então com ditas fantasias existindo culpa por isso Em Virgínia as situações mos tradas impediram a elaboração normal dessas ansiedades levandoa à negação da realidade e à somatização do conflito como veremos no material seguinte Antes de continuar quero ressaltar outra característica das configurações espa ciais nos seus jogos Virgínia permaneceu sentada sem movimentarse sem investigar nada do consultório nem fazer pergunta alguma Isso denotava os transtornos nas fun ções de seu ego o grau de inibição de seu instinto epistemofílico o aumento da ansie dade paranoide e seu medo do mundo externo negado no começo da sessão Continuaremos agora com o relato de seu jogo Depois de bater na cabeça e no ouvido com a colher pôs o garfo dentro da xícara mexeu e bateu fazendo chicchic Os dois aviões foram colocados ao lado do carro rosa empurrouos agarrouos e os colocou entre suas pernas Levantou a saia e baixou a calça excla mando Ah olhandose no espelho Durante essas ações sua respiração foi rui dosa dando sinais de intensa ansiedade e desespero Tirou do terapeuta o carrinho rosa colocouo entre as pernas e voltou a olharse no espelho Colocou o espelho de pé no chão com a lente orientada ao sapato Arranhando o assoalho com o espelho fazia andar o autinho entre as pernas Bocejou olhouse duas vezes no espelho pronunciou algo como chstchstssh pegou a xícara bocejou novamen te bateu seus genitais com o espelho apoiouo depois sobre eles como se tentas se colocálo dentro de si a seguir raspou o assoalho com a xícara Já não lhe serve o autinho para representála masturbandose frente aos pais em coito e recorre ao espelho e a seus genitais porque nesse momento seu ego perde a função simbólica pelo aumento da ansiedade Comunica o que ela sente quando se masturba fantasiando com o coito de seus pais inundada por uma exci tação que a assusta e a enlouquece Podemos supor que a respiração ruidosa repro duz a respiração dos pais em coito e suas sensações ao masturbarse assim como a atuação dessas imagens na bronquite espasmódica Chegamos a compreender que Arminda Aberastury para Virgínia a bronquite a perda de peso e a anorexia se produzem pela atuação de fantasias inconscientes de um coito perigoso dos pais coito que é contínuo e que ela não pode controlar nem com a masturbação nem com o jogo e tenta como últi mo recurso controlálo dentro de seu corpo Nesses processos bronquiais a febre calentura tinha um papel funda mental que se compreendeu à luz dessas fantasias inconscientes Dissemos que a xícara representava o peito cuja perda não pôde elaborar Expressou essa dificuldade ao raspar o assoalho com a xícara voltada para baixo jun tamente com outro de seus sintomas quando aparece algo que raspa como o catarro bronquial Seus pais unidos como lhe acontecia durante a crise senteos em seu corpo ofegante raspandoa e impedindoa de comer De um modo dramático simboliza depois o fracasso na elaboração da perda do seio através da masturbação Toma numa mão uma xícara e um prato e com a outra tenta colocar de pé o espelho mas apertao de tal maneira que quebra o suporte Toca então a parte quebrada do suporte olhandoo com desgosto Põe uma taça entre as pernas agarra o espelho e tenta colar o suporte quebrado mostrando novamente sua fantasia de cura O fracasso da incorporação pela intensificação da ansiedade depressiva expressase através da simbolização da boca com dentes e da vagina dentada Coloca um garfo dentro da xícara e sujeitandoa na borda introduz o cabo de outro fazendo entrar e sair ritmicamente reproduzindo assim os movimentos da mastigação e do coito A ansiedade e o desespero por sentirse incapaz de solucio nar seus conflitos sozinha o terapeuta era um observador expressouos ficando estática pestanejando fechando os olhos esfregandoos oscilando coçando a nuca e os genitais gemendo colocando sua mão dentro da calcinha e finalmente ador mecendo Cambaleou até quase cair virouse de costas para o terapeuta e gemen do sustentou a cabeça com as mãos Suspirou depois respirou forte esfregou viva mente os olhos os genitais a cara e a boca realizando sempre esforços respirató rios Seu cabelo tinha caído sobre a cara e os olhos estavam avermelhados e úmi dos continuava esfregando o olho direito Por um momento pareceu que ia chorar Ao finalizar a hora urinouse Deu as costas ao terapeuta como também dava as costas à vida com sua enfermidade que a obrigava a permanecer na cama sem contato com o mundo rejeitando a comida e tudo o que fosse prazenteiro O diagnóstico entretanto não era grave porque demonstrou sobretudo na primeira parte da sessão suficien te capacidade de jogo e de conexão que faziam esperar êxito terapêutico Além disso a ansiedade tão negada no princípio da sessão foi se manifestando até che gar à crise de angústia fato que melhora o prognóstico numa menina dessa idade Os casos até agora mencionados poderiam situarse do ponto de vista téc nico no que Melanie Klein chama de análises precoces 30 A técnica que exponho nestas páginas apaga esses limites assim como apaga os que separam a análise de A palavra calentura derivada de calor na gli I do sipanhol significa excitação sexual 30 KLEIN Melanle El pslcoanállsls de nlftoi cnpltulo II Psicanálise da Criança crianças da de adultos fazendo com que o método psicanalítico seja aplicável sem modificação a todas as idades Tentarei demonstrar que só varia a forma como a criança se comunica com o terapeuta e em parte a forma como se verbaliza a inter pretação digo em parte porque as diferenças são mínimas Relatarei para ilustrar as primeiras horas de uma menina de cinco anos e meio que sofria de constipação as de um menino de oito anos cujos sintomas eram encoprese e enurese as de uma menina de seis anos com fobia aos rengos e a de um menino de oito anos pilético CASO 7 Ema é uma menina de cinco anos e meio que trouxeram à análise31 porque desde os seis meses padecia de uma constipação intestinal crônica Sua situação ambiental era muito particular foi levada a tratamento pela pessoa que a cuidava que ela acreditava ser sua mãe Na realidade a mãe tinha falecido durante o parto numa crise de eclampsia o que causou seu nascimento prematuro por cesariana Ao nascer pesava l300kg e permaneceu em incubadora durante um mês atendida pelo pessoal do estabelecimento figura I A particular condição traumática de seu nascimento somada à frustração oral por falta de amamentação materna substituí da por uma pobre atenção hospitalar durante o mês em que permaneceu em incu badora aumentaram suas ansiedades paranoides e depressivas Relataremos sua primeira hora de tratamento na qual essas ansiedades se fizeram muito evidentes Dos brinquedos que a terapeuta tinha preparado agarrou uma metralhado ra fêla soar e revisou minuciosamente o cano colocoua numa bolsa junto com dois índios unidos e os deixou afundar dizendo Perigo afogamse os dois Simbolicamente repetia seu nascimento que pelas características assinaladas esta va sempre unido à fantasia de luta contra a morte e o sofrimento por abandono Sua mãe antes de morrer confiou o cuidado de Ema a uma amiga O pai se encontrava em viagem quando Ema nasceu deixando passar um tempo prolongado antes de conhecêla nunca se fazendo verdadeiramente responsável por ela Desde que o pai começou o relacionamento com a filha apresentouse uma situação de luta contínua entre a mãe adotiva e os avós paternos que lutavam solapadamente pela posse da criança Essa situação viuse agravada pela diferença de recursos eco nômicos que Ema observava entre as duas famílias sua mãe adotiva era pobre e os avós muito ricos e também pela forma como a tratavam com muitas atenções para seduzila mas com pouco afeto real A menina percebia isso e também a inde cisão do pai que flutuava entre os dois ambientes Ema expressou o conflito que essa situação lhe criava quando tirou da caixa um pião Girouo acompanhando os movimentos de balanço com movimentos de seu próprio corpo quando o pião estava por parar e cambaleou antes de cair per 31 Sua terapeuta fol Sara G de Jarast 128 Psicanálise da Criança guntou Para que lado cairá Antes que caísse levantouo deixandoo suspenso no ar Simbolizava assim a falta de segurança e estabilidade que ela sentia aumenta da pelo tratamento que recebia no ambiente familiar Em certas ocasiões lhe diziam que continuaria vivendo com a mãe adotiva e em outras que iria morar com seus avós ficava sempre no ar O sintoma pelo qual a trouxeram à análise era uma constipação tão intensa que passava cinco ou seis dias sem evacuar seu intestino apesar de ter sido submetida a toda classe de regimes alimentares e tratamentos medicamentosos Relataremos como expressou seu sintoma e o conhecimento de que era por essa razão que ia de sua casa à casa do terapeuta Numa folha de papel traçou o percurso do bonde fig 2 Disse E o bonde que vai de tua casa à minha e marcou as paradas com grandes pontos Enquanto desenhava disse O fim da linha é na Praça San Martin onde eu moro mas não sei por que fazem as pessoas descerem um pouco antes empurravamse para sair todas ao mesmo tempo depois o bonde fica completamente vazio O percurso do bonde com os grandes pontos as paradas representava para Ema o percurso da matéria fecal através do intestino Mostrou depois no transcurso do tratamento qual era sua fantasia inconsciente do ato de defecar e da matéria fecal Para Ema a matéria fecal representava o feto dentro do ventre da mãe e particular mente ela como filha má isto é como matéria fecal destrutiva Ao dizer enquanto desenhava que a gente desce um pouco antes da parada final do bonde mostrava seu conhecimento dos acontecimentos do seu parto abandonando o corpo de sua mãe de forma abrupta antes que esta morresse parar antes do fim Com o bonde com pletamente vazio representava a morte da mãe Ficar até o final teria significado mor rer com ela mas abandonála antes e viver deixoua carregada de intensa culpa que pagava em parte com seu sintoma A fantasia ficou ainda mais clara quando terminou seu desenho acrescentando na parada final Praça San Martin uma caveira a morte Esta culpa inconsciente se expressava em seu corpo através da constipação Com este sintoma Ema se identificava com a mãe e retendo a matéria fecal símbo lo do feto ela mesma não a abandonava nem a matava Não deixar sair a matéria fecal era para ela perpetuar a fantasia de ter um feto vivo dentro de uma mãe viva Durante sua primeira hora de jogo após expressar esses conflitos a ansie dade intensificouse de tal forma que depois de desenhar a caveira rasgou o papel em dois e o jogou fora O papel sujo e rasgado em dois como papel higiênico usado personificava seu próprio ego sujo pela culpa e maltratado pela divisão que criava nela seus conflitos internos Agravavam a situação os adultos com sua atitude de disputála fazendoa sentirse dividida Era nesse momento objeto de controvér sia dos dois núcleos familiares que a seduziam e a disputavam mas nenhum deles conseguia constituir um único objeto bom objeto bom total Este fato levava Ema a refugiarse num objeto idealizado sua mãe32 Expressou assim sua fantasia incons 32 A idealização é um corolário da perseguição Cf KLEIN Melanie Some theoretical conclusions regarding the emotional life of the infant Capítulo VI Developments in PsychoAnalysis The Hogard Press Ltd 1952 Traduzido na Revista Uruguaya de Psicoanálisis tomo II p3 1958 Figura 2 130 Psicanálise da Criança ciente de enfermidade Também apareceu nessa primeira hora sua necessidade de curarse representada pelo fato de romper e desfazerse do desenho que represen tava sua enfermidade Por esse jogo ser executado no consultório adquiria o signifi cado de que colocava sua enfermidade nas mãos da terapeuta Durante muitas sessões fez a esta contínuas repreensões Era evidente que sentia que cada esclarecimento da verdade com respeito a sua mãe seu pai sua mãe adotiva os avós etc despedaçavamna provocando renascimentos tão sofridos como o que experimentou na realidade Suas repreensões não eram mais que um contínuo pedido de amor exigia com justiça que o terapeuta lhe desse todo o amor que a mãe não pôde lhe dar Esta hora nos faz muito evidente que não obs tante o esforço dos adultos que a rodeavam por ocultarlhe a verdade ela sabia qual havia sido o destino de sua mãe Na figura I mostrou como representava seu perío do na incubadora enquanto os outros bebês estavam no berçário e como sua mãe esteve só com o médico no momento do parto CASO 8 No caso anterior vimos como uma menina de cinco anos que sofria de per sistente prisão de ventre simbolizou as dificuldades para evacuar o intestino Mostraremos agora como Fernando de oito anos representou o sintoma contrário a falta de controle urinário e fecal A primeira hora de jogo foi diagnostica não ver balizando portanto interpretações do material O terapeuta33 colocou à disposição dele cubos lápis de cor tesouras massa de modelar apontadores bolinhas cola e fita adesiva Fernando agarrou os cubos e com eles construiu um barco figura 3 dizen do que depois faria o cais Quando o construiu fez um tanque grande com saída de água A segundo ele um escapamento e que em cima havia uma lixeira B Destacou que ali se acumulava tudo e para solucionálo precisava de uma válvula Repetiu que em A havia um problema e que era necessário reforçar algo porque se acumulava muito e podia sair todo o líquico Se considerarmos o tanque com sua saída de água A e a lixeira B como a simbolização projetiva do ventre e de seus conteúdos e a base C que não sustenta o tanque por ser muito menor do que devia podemos interpretar a totalidade como uma representação de seu esquema corporal e a insegurança que lhe produzia seu sintoma tão incômodo O barco que vem ao cais o representava vindo ao tratamento para que lhe arrumasse tanto a enurese como a encoprese 33 Manuel Kizzer Q U E L L E Muelle cais Figura 3 132 Psicanálise da Criança CASO 9 Beatriz menina de seis anos foi analisada em duas oportunidades quando tinha quatro anos por sofrer de uma fobia aos rengos e aos seis por fobia à esco la Relataremos a primeira hora de sua análise34 a dos quatro anos Beatriz tinha dois anos quando um dia sentada com sua mãe na porta da casa ao ver passar um homem rengo pôsse a chorar aterrorizada e quis entrar Desde então não pôde mais sair à rua a não ser que lhe assegurassem que não veria nem entraria em contato com algum rengo A fobia foise deslocando a situações que de algum modo se relacionavam com a originária Por exemplo não podia ver meninos com uma perna vendada nem alguém que tivesse dificuldades de caminhar O terapeuta soube pela mãe que Beatriz nasceu depois de um parto prolongado sofreu asfixia não respirou em seguida e a mantiveram vinte minutos em incubado ra ajudandoa com oxigênio Quando a mãe a colocou ao peito teve dificuldades para agarrálo chorava e não podia succionar Nessa circunstância uma enfermeira do sanatório ajudou muito a mãe Relatou que sem esse apoio inteligente e incondi cional não teria podido amamentála A lactância que iniciou com as dificuldades mencionadas continuou depois por nove meses e ao que parece sem transtornos Apesar disso Beatriz foi sempre um bebê inquieto e chorão Quando tinha um ano e meio nasceu uma irmã isto é a gravidez iniciouse quando a paciente tinha nove meses período que em todo o desenvolvimento é de especial complexidade e muito mais neste caso porque coincidiu com o desmame e sobre a base de um mau Início de relação com a mãe Quando esta voltou para casa com o novo bebê Beatriz chorou durante horas agarrada de um modo dramático às grades do berço de sua irmãzinha Pouco antes do início do sintoma morreu a avó materna em circunstâncias aartlcularmente traumáticas para Beatriz pois dormiam na mesma cama O faleci Tiento repentino ocorreu durante a noite mas segundo a mãe a menina permane eu dormindo e não soube de nada Quando mais tarde lhe explicaram que sua avó lnha ido para o Céu Beatriz pediu para morrer e assim poder ir brincar com ela A robla aos rengos coincidiu com a aprendizagem do caminhar de sua irmã e se fez ealmente evidente no dia em que esta deu os primeiros passos sozinha De todos ds dados que subministrou a mãe parece importante agregar que uma irmã da avó norta é renga embora Beatriz não a visse com frequência Beatriz era uma menina bonita de olhar expressivo e simpático Na sua pri neira hora de jogo uma vez dentro do consultório olhou assustada a tudo que a odeava Depois de alguns momentos de vacilação agarrou um bonequinho depois jutro olhandoos alternadamente como para comparálos Deixouos agarrou jm telefone aproximandoo ao seu corpo tentando em seguida colocar uma oneca de pé HCotn Hector Garbarlno Arminda Aberastury 133 Analisemos este fragmento na inspeção ansiosa da sala mostrou sua descon fiança frente ao analista e o temor de que fosse como os pais O desejo de comuni carse intensamente com ele foi expresso através da observação alternada dos bonecos seguida da aproximação do telefone ao seu corpo Quando colocou de pé a boneca evidenciou sua preocupação pela bipedestação e anunciou que seu sinto ma se relacionava de algum modo com o colocarse de pé Recordemos que o apa recimento do sintoma coincidiu com os primeiros passos de sua irmã e a gravidez de sua mãe coincidia com os seus próprios primeiros passos Continuou o jogo tentando introduzir essa mesma boneca na banheira sem conseguilo Colocou em pé alguns bonecos Agarrou depois uma barra de massa de modelar partiua ao meio e perguntou Que vou fazer com isto quebrado Através deste novo fragmento de seu jogo estamos mais próximos de compreender o significado de sua fobia Expressa o desejo de que a irmã não tivesse nascido a boneca que tenta introduzir na banheira símbolo do ventre materno fazendo isto imediatamente depois de havêla colocado de pé Mas a irmã existe e fica de pé as bonecas que coloca em pé e então surgem seus impulsos destrutivos e parte em dois a barra de massa de modelar com o significado de quebrarlhe as pernas Seu problema é agora como arrumar o que destruiu Por isso pede ao terapeuta que lhe ensine a reparar as pernas dos rengos representando estes um deslocamento e uma condensação do dano à irmã e à avó Mediante esse deslocamento dos confli tos com sua irmã produto do coito dos pais à figura dos rengos estes se trans formaram em objetos perseguidores que devia evitar Colocando neles o ódio e o medo pôde continuar vivendo em paz com sua irmã A mãe disse que Beatriz adora a sua irmã e em certo sentido tem razão Através do exposto podemos inferir por que Beatriz escolheu os rengos como objeto de sua fobia Esta coincidiu com a aprendizagem do caminhar de sua irmã que ao andar aumentou os ciúmes a inveja e a rivalidade assim como se trans formou em alguém mais temido por poder deslocarse livremente A morte da avó ocorrida nesses dias significou para Beatriz o juízo de realidade de que a morte existe aumentando o medo a que suas fantasias destrutivas pudessem materializar se No momento em que viu um rengo o defeito físico da irmã de sua avó e o fale cimento desta foram a ligação que possibilitou a união no seu inconsciente da ren gueira e da morte De algum modo o relato dos pais de seu pranto incessante agar randose às grades do berço no dia em que sua irmã chegou a casa nos evoca a ima gem de alguém que se agarra a algo para não cair Todos esses conteúdos foramse esclarecendo no transcurso do tratamento A interpretação sistemática do material formulada no plano transferencial e no plano da sua relação com os objetos originá rios pais irmã avó determinou uma melhora considerável de sua fobia Isso induziu a mãe a interromper a análise dois meses depois de iniciada A fobia à escola que apareceu dois anos depois deste tratamento também estava em íntima relação com sua irmã de quem se tornou inseparável Permanecia constantemente ao seu lado Impedlndolhe toda ação isto é paralisandoa 134 Psicanálise da Criança CASO 10 Geraldo de oito anos sofria de epilepsia com frequentes convulsões qua tro ou cinco por dia e sua aprendizagem estava perturbada por contínuas ausên cias Entrou sozinho no consultório e pareceu não se interessar pelos brinquedos começou a desenhar uma casa esmerandose em fazer bem todos os detalhes e conseguindoo de modo que poderia ser considerado como adequado a sua idade Coloriua cuidadosamente e quando terminou fez sobre ela múltiplas nuvens grandes e escuras As primeiras estavam muito próximas da borda superior da folha e as que se seguiram foram se aproximando cada vez mais do teto da casa Quando desenhou a última tinha perdido o limite entre esse céu carregado de nuvens e o teto da casa Então disse Chegou a tormenta o teto vai cair As nuvens cada vez mais próximas à casa simbolizavam e dramatizavam a aura e a tormenta que derru bava a casa era representação do ataque convulsivo com a consequente queda Depois de dizerme Chegou a tormenta o teto vai cair pediume que o ensinasse a fazer uma casa que não desaba A fantasia inconsciente de sua enfer midade era que uma força alheia a ele incontrolável a tormenta da qual sentia o anúncio aura mas contra a qual não podia lutar o vencia produzindolhe con vulsões Sua fantasia de cura consistia em que lhe ensinasse a controlar essa força para poder assim evitar a convulsão e o desabamento o Entrevistas posteriores com os pais Uma vez que possuamos os elementos que consideramos úteis e sobre eles tenhamos elaborado nosso diagnóstico do caso combinamos uma nova entrevista com os pais A investigação cuidadosa das possibilidades reais para cumprir o tratamento ou a orientação é imprescindível pois não convém criarlhes uma nova ansiedade ao oferecer uma solução que seja inacessível para eles Devemos partir da base de que o pai normalmente não sabe o que é um tratamento psicanalítico e portanto pode pensar que em poucas horas ou em poucas semanas tudo estará solucionado Geralmente não conhece o custo de uma sessão analítica e pode fazer seus cálculos comparandoo com o que lhe custaria uma professora ou um tratamento médico habitual Sabemos por experiência que o alto custo do tratamento psicanalítico é o argumento mais simples que utiliza todo pai para resistir em colocar seu filho em análise mas há pais que realmente não podem enfrentar Famílias que têm muitas obrigações e muito poucas receitas terão que fazer um verdadeiro sacrifício para pagar um tratamento caro longo por isso em tais casos indico o tratamento psica nalítico só se o considero indispensável para a criança Quero deixar bem claro que em qualquer caso o tratamento psicanalítico é mais eficaz sempre e quando o esfor ço que se pede aos pais não exceda ao que humanamente pode se pedir por um filho Suponhamos que nos consultam por um transtorno do sono leve e passagei ro Quando se conta com um ambiente familiar adequado e condições econômicas suficientes podese e devese indicar um tratamento para resolver os pontos de fixação que no futuro poderiam desencadear uma neurose mais séria sobretudo se as circunstâncias exteriores se tornam adversas Mas se a dificuldade econômica é real vigiando o crescimento do menino com entrevistas frequentes ou em um 136 Psicanálise da Criança grupo de orientação de mães podese concluir pela possibilidade de nãotratamen to sem grandes riscos futuros Muitas vezes o sintoma de um menino é criado pela mãe ou pelo menos mantido ou agravado por ela Em determinada oportunidade consulturaramme sobre um menino de três anos e meio Miguel que urinava na cama de noite Tudo quanto soube de sua vida até então e de sua vida familiar atual era muito animador mas a mãe tinha padecido de uma enurese e isso me orientou a averiguar como era a conduta dela com o sintoma do filho Soube assim que o fazia dormir ainda com fraldas ainda que o filho já há algum tempo lhe pedia que as retirasse Todas as manhãs despertavase com a obsessão de saber se o menino tinha amanhecido seco ou molhado e ia comproválo imediatamente Supus que a atitude da mãe e sua ansiedade pela recordação de seu próprio sintoma tinha um papel fundamental na manutenção do sintoma Como se tratava de uma pessoa bastante informada sobre esses assuntos e o quadro familiar parecia sem excessivas complicações propus como ensaio antes de enfrentar um tratamento que lhe tirasse as fraldas avisando o menino e que todas as noites o despertasse na mesma hora e o levasse caminhan do até o banheiro para urinar não mais de uma vez por noite Esclareci também que na avaliação atual da neurose a enurese não é considerada um sintoma a não ser depois dos quatro anos informação destinada a aliviar sua ansiedade O menino teve uma reação de alívio e satisfação aceitando as condições e depois de poucos dias de iniciada esta rotina deixou de urinar de noite Poderíamos perguntarnos por que um sintoma que com frequência é rebelde solucionouse tão facilmente neste caso Creio que o alívio da mãe ao saber que não era tão grave como ela pensava favoreceu a melhora e por ter uma boa relação com o filho pôde cumprir com as indicações Além disso tratavase de um menino com desenvolvimento normal cujo sintoma tinha sido favorecido pela ansiedade da mãe e por dispor de um pai e de uma mãe unidos e em boa relação com ele Muitas vezes nós referimos que em todo sintoma devemos considerar as séries complementares entre os fatores internos e externos Num conflito interno que no caso deste menino era o temor de crescer se os fatores ambientais são bons podemos lutar contra o sintoma Se a este mesmo conflito interno se tives sem somado situações externas negativas por exemplo falta de contato com a mãe ausência do pai castigo exigências equívocas o sintoma estaria já tão estruturado que não teríamos podido solucionálo desta forma De qualquer maneira a indica ção feita aos pais e aceita por eles foi a de acompanhar de perto a evolução do meni no e se aparecesse outro sintoma ou recaísse no mesmo iniciar então o tratamen to psicanalítico Nem sempre a mãe pode reagir assim pois geralmente seus conflitos o impedem Recorreremos então ao grupo de orientação de mães onde se interpre tam e resolvem os conflitos além de esclarecer o que é a vida de um bebê I Um dia observando um cachorrinho do três meses perto da mâe disse Que pena está grande e não vão querêlo mais Arminda Aberastury 137 Os grupos de orientação de mães oferecem otimistas possibilidades para a profilaxia das neuroses infantis sobretudo se a mãe ingressa quando está grávida ou quando o bebê é pequeno Quanto mais cedo resolva seus problemas ou se informe sobre as condições adequadas para um bom desenvolvimento da criança maiores são as possibilidades de uma boa relação com seu filho desde os primeiros períodos A chave do adequado desenvolvimento posterior da criança está no primei ro ano de vida Quando Freud descobriu a importância dos traumas infantis para o desenvolvimento posterior referiuse em especial aos primeiros cinco anos de vida Dentro deste conceito estava involucrado o conceito de que o complexo de Edipo florescia ao redor dos três ou quatro anos e que o superego se formava posterior mente como herdeiro deste complexo O que hoje se sabe sobre o desenvolvimen to nos faz supor que já no primeiro ano de vida se realiza a relação da criança com ambos os progenitores Na segunda metade do primeiro ano com o florescimento de tendências genitais e o estabelecimento da situação edípica fechase o círculo no qual as relações objetais iniciam o triângulo edípico E o começo das tendências heterossexuais nas meninas e das homossexuais nos meninos quando passam ambos a se relacionar com o pênis do pai abandonando em parte o peito da mãe Segundo nossa experiência as dificuldades que surgem no primeiro ano de vida são as que se revestem de maior gravidade para o futuro Uma criança que perde o pai durante o primeiro ano de vida está tanto mais condenada a desenvol ver conflitos psicológicos do que se tivesse sete anos por exemplo2 Conhecer o desenvolvimento das primeiras etapas nos permite avaliar o nor mal o patológico as conquistas e as dificuldades Permitenos adequar a exigência de adaptação e os estímulos ao momento do desenvolvimento em que pode render o máximo e sem transtornos Ao termos um ponto de referência no qual podemos incluir o desenvolvimento normal ou patológico na relação de objeto podemos ava liar a normalidade da relação da criança com seus objetos de acordo com o seu nível As últimas conquistas teóricas sobre a relação da criança com a mãe a inclu são do pai e irmãos na sua vida emocional o despertar de interesses o início do processo de simbolização permitem a orientação do lactante orientação que sem dúvida será a melhor profilaxia de futuros transtornos Assim temos visto que a orientação antecipada da mãe é o melhor antídoto para a formação de sintomas derivados de dificuldades não tão graves Por exemplo mães cujos filhos maiores tinham tido variadas alterações do sono e da alimentação puderam comprovar que depois de sua assistência a um grupo de mães em seus filhos menores não se apre sentaram essas alterações e ainda em quadros mais graves também tiveram incidên cia menor3 Nas crianças de um a cinco anos as modificações da atitude da mãe se bem que não tão afetivas em todos os casos seguem sendo muito importantes Se a criança está em tratamento a orientação da mãe vai favorecêla se não está o 2 Cf capitulo 10 parte I 3 Cf capitulo 13 138 Psicanálise da Criança grupo a ajuda a melhorar sua conduta diminuindo o sentimento de culpa que apa rece invariavelmente com maior ou menor intensidade de acordo com a gravida de da enfermidade do filho Também recomendamos o ingresso da mãe num grupo de orientação nos casos de crianças maiores de cinco anos porque o alívio da culpa favorece uma melhor atitude frente a seu filho em especial nos préadolescentes possibilitando a compreensão dos conflitos e das novas necessidades instintivas ajudando a aceitar o crescimento Quando a criança padece de asma acetonemia tendência a cair e baterse anginas a repetição inibições ou transtornos no desenvolvimento por detenção de funções básicas como caminhar falar ou inibições na aprendizagem escolar a solu ção está em buscar as raízes inconscientes que determinaram esta sintomatologia E para fazer consciente o inconsciente dispomos até hoje de apenas um método ver dadeiramente eficaz a psicanálise Nesses casos portanto não bastam as modifica ções de atitude externa e interna da mãe sendo necessário o tratamento psicanalí tico da criança Esta medida é ao mesmo tempo terapêutica e profilática pois a experiência mostra que a melhoria da criança traz como consequência uma diminui ção da tensão familiar que por si só já é uma profilaxia para novos transtornos Nos casos em que a indicação de psicanálise da criança seja peremptória mas por dificuldade econômica real dos pais não possa ser realizada e por outro lado a mãe possa ingressar no grupo de orientação esclarecemos que esta solução é parcial e transitória até que se encontrem condições de enfrentar mais adiante um tratamento individual Pode parecer cruel dizer esta verdade mas protelar este conhecimento não é senão prejudicar crianças e pais Quando se trata de uma crian ça epilética e temos a convicção de que só um tratamento psicanalítico vai libertar a criança de seus sintomas devemos defender esta convicção ainda que num pri meiro momento não seja fácil No caso de Nora4 os pais tiveram que fazer grandes sacrifícios para enfrentar o tratamento individual da menina e o de grupo de orien tação para a mãe mas se não tivessem feito a enfermidade da menina teria chega do a um grau tal que qualquer tipo de terapia fracassaria Não só isto senão que de acordo com o que vimos a segunda filha com pouca idade teria chegado a enfer marse tal como sua irmã Nos livros de técnica de análise infantil até hoje publicados5 há sempre refe rências às dificuldades que acrescentam os pais à já complicada tarefa de analisar uma criança Na verdade devemos contar com a participação deles desde o início do tra tamento porque uma criança não é um ser social e emocionalmente independente Durante muitos anos acreditavase que ao contrário do adulto faltariam à criança a consciência da enfermidade e do padecimento neurótico que a levariam a um tratamento 4 Cf capítulo 14 p262 5 KLEIN Melanie El psicoanálisis de ninos Biblioteca de Psicoanálisis Buenos Aires 1948 FREUD Anna Psicoanálisis del ni fio Ed Imán Buenos Aires 1951 Arminda Aberastury Quando compreendi que uma criança sabia que estava enferma e desde a primeira hora mostrava sua fantasia inconsciente de enfermidade e de cura aceitan do o terapeuta por sua própria decisão tornouse muito claro o papel dos pais que não se decidiam ao tratamento ou o interrompiam6 sob o pretexto de que a crian ça não queria vir Até esse momento sempre tinha a dúvida sobre se os pais a man teriam em análise o tempo necessário ou como mostrava a experiência de todos os analistas de crianças aproveitariam as férias ou uma viagem ou o desapareci mento dos sintomas para decidir pela interrupção às vezes num momento muito pouco indicado7 Na primeira época de meu trabalho recebia os pais com bastante frequência Quando me pediam conselho lhes dava e opinava a favor das necessidades urgen tes da criança Se por um lado algumas vezes dava bom resultado momentâneo traziame posteriormente dificuldades e uma invariável atitude hostil e persecutó ria ainda nos casos em que a análise objetivamente tinha sido exitosa A reflexão sobre o significado latente dessas entrevistas ajudoume a aperfeiçoar pouco a pouco a técnica que exporei nas páginas seguintes Foi durante uma análise de uma criança de quatro anos que tinha matado um primo de poucos meses8 que compreendi melhor o papel que devia designar aos pais para vencer as dificuldades que assinalei Pude ver que estas surgiam de uma confusão de seu papel com o do terapeuta criada com a técnica anterior quando deviam colaborar modificando situações ou atitudes Cheguei à convicção de que não convém dar conselhos aos pais sempre que a criança esteja em análise ainda quando se trate de situações sumamente equívocas como compartilhar o luto castigos corporais sedução etc Mantenho a opinião de que somente através da melhoria da criança se pode condicionar uma real modificação no meio ambiente familiar e portanto trabalho com ela na relação bipessoal como na análise de adultos O psicanalista de crianças enfrentase com duplo problema de transferência do paciente e dos pais Entramos com este tema num ponto fundamental da técnica de crianças o relacionamento com os pais e sua inclusão no tratamento da criança Com o descobrimento da técnica do jogo foi possível compreender como funciona a mente da criança pequena interpretar seus conflitos e solucionálos Mas frequentemente o êxito da terapia não se via acompanhado de um aumento da con fiança dos pais Pelo contrário comumente interrompiam a análise do filho por motivos fúteis subitamente sem deixarnos o tempo suficiente para elaborar com o paciente a separação Ainda quando os analistas de crianças tenham verificado essas dificuldades técnicas repetidas vezes não há trabalhos que tratem de compreendêlas ou solu 6 PICHON RIVIÈRE Arminda Aberastury de La Inclusion de los padres en el cuadro de la situaclón analítica y el manejo de esta situaclón a través do la Interpretación fiev de Psicoanálisis tomo XIV n 12 p 137 7 Cf capitulo 7 caso Beatriz 8 Idem 6 140 Psicanálise da Criança cionálas Limitaramse a estudálas como obstáculo inevitável acreditando que a criança não vai ao tratamento por sua vontade nem depende dela sua continuidade Anos de experiência em análise de crianças me levaram também a esta constatação mas resisti a considerálo não solucionável Pensei sempre que a dificuldade devia surgir de uma deficiência da técnica que nascida da técnica de adultos não nos dava os elementos necessários para resolver este problema Um dos obstáculos fundamentais consistia na necessidade de manipular uma transferência dupla e às vezes tripla Como já referimos durante muitos anos segui a norma clássica de ter entrevistas com os pais e em certa medida essas entrevis tas me serviam para ter uma idéia da evolução do tratamento e para aconselhamen tos A experiência possibilitoume compreender que esta não era uma boa solução à neurose familiar já que os motivos da conduta equivocada eram inconscientes e não podiam modificarse por normas conscientes Compreendi por exemplo que quando o pai ou a mãe insistiam em com partilhar a mesma cama ou o castigo corporal eu me transformava numa figura muito perseguidora e a culpa que sentiam era canalizada em agressão dificultando assim o tratamento Além disso o aumento da culpa conduziaos a atuar de forma pior com o filho buscando meu castigo ou minha censura O conflito se agravava ao não ser interpretável já que eles não estavam em tratamento Isso os levava a inter romper a análise Pouco a pouco comecei a distanciar os intervalos entre as entrevistas com os pais e abandonar os conselhos Se no começo do meu trabalho pediam para analisar um menino que dormia com os pais aconselhava que lhe dessem um quarto separa do Este conselho era um erro porque interferia abruptamente na vida familiar que brando artificialmente de fora uma situação sem saber como se tinha chegado a ela sem saber qual era a participação da criança e em que medida lhe era imprescin dível o sintoma em função de sua neurose A experiência ensinoume que quando uma criança elabora um conflito ainda no caso de ser muito pequena exige por si mesma a mudança com a vantagem de têla analisado previamente Assim eu não interferia com uma proibição viciando desde o começo a situação transferencial Isso permitia também aos pais adaptarse a uma nova relação com o filho Se a interpretação é o instrumento básico do tratamento psicanalítico e em especial da interpretação da transferência é evidente que a relação com os pais sem a interpretação deixaos livres a qualquer tipo de elaboração Por outra parte a evolução da psicanálise nos levou cada vez mais a não valo rizar em excesso os dados que os pais podiam nos dar sobre a vida diária da criança9 A prática foi me ensinando que o conselho atuava pela presença do terapeu ta e que separados deste o pai e a mãe seguiam atuando com o filho de acordo com seus conflitos com o agravante de que se atuavam como antes sabiam que isso estava mal e que era causa de enfermidade da criança O terapeuta transforma se assim num superego e a culpa se converte geralmente em agressão 9 Cf capitulo 5 Arminda Aberastury 141 Quando pretendia modificar as situações exteriores meu erro era atuar como se os pais não tivessem conflitos e apoiarme na transferência positiva que estabeleciam comigo Mas não tinha em conta um fator inconsciente fundamental a crescente rivalidade que estabeleciam com a criança Deixavam de ser pais para transformarse em filhos rivais em busca de ajuda havia um privilegiado o que esta va em tratamento contra outro prejudicado que não tinha tratamento e ademais devia pagar pelo outro A esta rivalidade se somava a que sentiam comigo como mãe que rouba o afeto do filho de outro e emenda o que eles teriam feito mal Todos estes sentimentos contraditórios conduziamnos a trabalhar de modo com pulsivo e muitas vezes ainda que conscientemente tivessem querido seguir meus conselhos não podiam fazêlo por interferir demasiado em seus próprios conflitos Como todo este jogo de transferências não podia ser interpretado não era elabo rada por eles mantendose reprimido e levandoos a flutuarem entre a obediência absoluta e uma rebelião sistemática Essa complicada e sutil rede fazia cada vez mais difícil a utilização das entre vistas nas quais se manifestava geralmente a fachada de idealização ou de amor e não o ressentimento e a frustração o que os conduzia com frequência a destruir o tratamento do filho que outra parte de sua personalidade defendi e sustentava Outro fato importante era que se o terapeuta do filho lhes pedia modificações para ajudar ou apurar a cura sentiamse fracassados se não podiam cumprilo A compreensão desses problemas e o desejo de aliviálos ou solucionálos levoume a mudar a técnica pois entendia I que não era útil para a criança minha atitude anterior 2 perturbava a vida familiar 3 terminava por destruir o trata mento Decidi deixar que os pais seguissem sua conduta habitual não tentar influen ciálos não indicarlhes os defeitos e erros na educação sempre que colocassem o filho em tratamento Um pai que necessita bater no filho deixará de fazêlo transitoriamente por conselho nosso mas a qualquer momento repetirá a conduta anterior ou alguma similar se sua modificação não obedece à compreensão dos motivos que o levam a atuar assim Se uma mãe teve a tendência de colocar seu filho na cama matrimonial nosso conselho de não fazêlo se verá limitado pela ansiedade conflitual que a leva a isso Mas quando se modifica o casal mãefilho pela modificação de uma das par tes a criança mesmo a menor rejeitará compartir o leito e buscará outra forma de contato com a mãe Um tratamento psicanalítico capacita uma criança ainda que muito pequena para modificar seu meio ambiente Ainda que às vezes não saiba expressarse com palavras ou fazerse compreender nos seus desejos as modifica ções na sua conduta costumam ser uma advertência que termina por ser compreen dida Esta situação levoume a suprimir quase que totalmente as entrevistas com os pais exceto quando manifestam tal necessidade negarlhes também seria pertur bador Nesses casos realizoas em condições estabelecidas de antemão a criança por pequena que seja deve ser Informada do dia e da hora em que veremos os pais e deve saber que tudo o que se fale lhe será comunicado Reafirmase também que 142 Psicanálise da Criança o conteúdo de suas sessões não será revelado tal como convimos com ela ao ini ciar o tratamento Os pais por sua vez devem saber as condições deste convênio isto é que tudo o que eles falem será transmitido à criança e que por outro lado não podere mos informar o conteúdo das sessões0 Adotar essa conduta leva a uma real confiança no vínculo com a criança e a uma melhor relação com os pais Estes sentemse aliviados ao depositar toda a enfermidade nas mãos do analista com a consequente diminuição da culpa ao ser compartilhada Além do que se os pais estão fora da ação terapêutica fora do consultório seu vínculo transferencial com o analista fazse mais manejável ao estar menos exposta às frustrações inerentes a um contato que sendo aparentemente profundo termina por ser superficial e de apoio porque a transferência não é interpretada Se o analista assume a responsabilidade do tratamento além de aliviar os pais adota uma atitude mais real e adequada Por outro lado se aconselhamos modificações para ajudar na melhoria do filho e não podem cumprilas sentemse responsáveis por qualquer retrocesso e sua ansiedade é intolerável chegando às vezes a interromper o tratamento Quando a cura da criança depende tanto da atuação do terapeuta como da atitude dos pais e das modificações que estes façam na vida familiar aparecem os conflitos Podem sentirse incapazes de seguir as nor mas por causa de seus próprios conflitos e terão tendência a pensar que o tra tamento vai mal o sentimento de culpa será insuportável e apelarão a um mecanis mo psicológico já descrito por Melanie Klein Segundo ela quando alguma coisa não pode ser reparada deve ser destruída Devese a este mecanismo grande parte das frequentes interrupções nas análises de crianças Com a técnica atual o terapeuta assume integralmente seu papel a função do pai está limitada a enviar o filho e pagar o tratamento2 A experiência mostroume que mesmo crianças muito pequenas eram capa zes de exigir que dormissem sozinhas para evitar situações em que seriam castiga das e dirigir sua necessidade de afeto a figuras mais indicadas quando os pais não o eram Lembrome de uma criança de 18 meses que se analisou por transtornos no caminhar e lentidão no desenvolvimento Essa criança quando melhorou impôs novas condições de vida como dormir sozinha e estar mais tempo com a mãe do que com a babá Isto é ao quebrar o vínculo neurótico pela melhoria de um de seus membros o outro poderá modificarse e elaborar a situação de separação Também é muito frequente que diante das modificações do filho também os pais procurem ajuda terapêutica As modificações que sofreu o tratamento psicanalítico da criança são muitas Foram motivadas pelo fato de analisarmos crianças cada vez menores ou ainda sem 10 Cf capítulo 9 I I KLEIN Melanie El psicoanóllsls de nrios 12 Cf capitulo 5 Arminda Aberastury 143 rendimentos de linguagem tornandose necessário encontrar técnicas cada vez mais adaptadas à expressão préverbal A ansiedade manifestada pela criança ao iniciar o tratamento vivido por ela inconscientemente como um novo rompimento da relação com a mãe é a repeti ção da angústia provocada pelo nascimento Ao compreender esta situação verifi quei que era importante reproduzir dentro do possível a situação originária Por isso esclareço aos pais e à criança que é conveniente que entre sozinha no consul tório Quando não consigo que o faça interpreto todos os detalhes de sua reação frente a mim e comunicolhe que na próxima vez entrará só Aconselho a mãe se não se sente capaz de suportar a separação que a criança seja acompanhada por outra pessoa pois a ansiedade da mãe poderia prejudicar o início do tratamento Acrescento que eu me encarregarei das reações da criança Este esclarecimento é necessário pois pode ser que grite sapateie chore e se desespere3 A duração da reação sua intensidade que pode ser ou não modificada pela interpretação nos ensina muito sobre a história da criança e sua forma de atuar no mundo Depois dessa primeira e abrupta separação é habitual que a criança entre espontaneamente no consultório e permaneça nele Mais adiante podem aparecer novas crises mas cada vez mais fugazes e domináveis Os pais deverão trazer a criança quatro a cinco vezes por semana de prefe rência cinco Antecipadamente se escolherão os dias e os horários em que deverá comparecer devendo permanecer com o terapeuta durante cinquenta minutos igual que um adulto em tratamento psicanalítico No caso de suspensão das sessões por dificuldades do analista quando possível serão substituídas E se atuará da mesma forma quando as dificuldades forem provenientes dos pais pois é muito importante a continuidade no tratamento Os honorários serão estabelecidos no iní cio assim como a data das férias do analista Isso permite aos pais organizar a vida familiar conhecendo previamente as condições e procurando adaptarse a elas O contrato estabelece que as sessões suspensas por dificuldades do paciente são geral mente pagas seja por motivo de viagem doença férias ou outra causa A continui dade do tratamento deve ser preservada dentro do possível pois às vezes a angús tia causada pela análise de um filho leva a inesperados projetos de viagem modifi cações ou prolongamento desnecessário de enfermidades Marcados já os limites de nosso papel e assegurada a total reserva do mate rial que a criança nos confia devemos ainda esclarecer outros pontos E necessário que os pais saibam que em algum momento do tratamento surgirá a necessidade de satisfazer a curiosidade sexual portanto devemos estar seguros de que eles acei tam essas condições e suas consequências Não os aconselhamos a ter uma deter minada conduta quando os filhos perguntam mas que estejam preparados E necessário esclarecer também a posição do terapeuta ante o problema religioso É muito comum que pais nâo praticantes mas que de certa forma creem nos preceitos religiosos eduquem o filhos em colégios que seguem essa orientação 144 Psicanálise da Criança e também lhes dão educação religiosa Essa situação confunde a criança sentindo se conflituada entre duas tendências e responsabilizandose pelo destino final de seus pais Por exemplo pode pensar que os pais irão para o inferno quando não cumprem as exigências que seus professores espirituais lhes ensinaram como nor mas imprescindíveis Concluímos através da experiência que isso traz graves con sequências à criança Há casos de pais muito religiosos que educam seus filhos de acordo com suas crenças e que preferem que os filhos sigam enfermos antes de arriscar a que percam a fé Nesses casos evitam a confusão mas não os conflitos Em todo início de tratamento convém esclarecer aos pais que durante o trans curso deste é possível que ocorra a perda da fé Entretanto isto não significa que o terapeuta adote uma atitude ativa neste tópico Os esclarecimentos serão dados na medida em que aparecerem no tratamento analisando os conflitos que surjam Não se pode prever o momento nem a forma como será proposto o problema Em alguns casos pais ateus mandam seus filhos a colégios religiosos e os fazem cumprir com determinadas exigências geralmente as mesmas que foram impostas aos pais quando estes eram crianças Nada se consegue explicando aos pais a confusão que surge na mente da criança pelas duas posições que lhe impõem ateísmo e religiosidade Esta contradição deverá ser solucionada pelo próprio paciente O início do tratamento se faz com as condições básicas estabelecidas previa mente Assim o terapeuta poderá atuar com a criança com a mesma liberdade com que trata um adulto sem necessitar de novas entrevistas com os pais O terceiro tema que é necessário esclarecer com os pais é a posição do tera peuta ante a procedência do filho adoção ilegitimidade etc A experiência de mui tos analistas levou a concluir que quando as crianças são adotadas sabem incons cientemente a sua verdadeira condição Mesmo naqueles casos em que a verdade foi ocultada cuidadosamente A análise levaos a tornar consciente essa situação Ao proporem o problema aos pais estes mais de uma vez se negaram a dizerlhes a verdade ou interromperam bruscamente o tratamento Atualmente se informa tudo isso aos pais e se inicia o tratamento com a condição de que estejam dispostos a esclarecer sua origem quando os filhos perguntarem Se não aceitam esta condição é impossível chegar ao êxito terapêutico Quando se vai aproximando o enfrenta mento com a real situação do filho os pais adotivos costumam pedir uma entrevis ta Ao iniciar a sessão seguinte comunicamos ao paciente o conteúdo daquela entrevista isso facilitará o esclarecimento aliviando além do mais a ansiedade dos pais que assim se sentem ajudados Em muitas outras situações onde um aspecto importante da verdade foi omi tido esta técnica de entrevista facilita o esclarecimento no momento em que a crian ça está realmente preparada para enfrentar e elaborar a realidade Não somente o paciente senão também os pais necessitam tempo para esclarecer essas situações pois precisam ser muito penosas para permanecer em segredo durante tanto tempo Trouxeram para consulta uma criança adotada que sofria de graves proble mas de aprendizagem um dos sintomas frequentes nesses casos Glória de nove anos expressava seus problemas desenhando edifícios Tinham normalmente nove Arminda Aberastury andares sua idade e o problema que propunha no desenho era o das portas fechadas do andar térreo seu primeiro ano de vida Nos primeiros andares tam bém as janelas estavam fechadas Em suas associações era evidente a preocupação de saber por onde se entrava no edifício O significado latente dessa pergunta era o de averiguar se tinha entrado pelos genitais de sua mãe a porta de entrada ou pela porta de entrada da casa em que habitava Se a porta permanecia fechada era porque lhe haviam negado este esclarecimento Quando o analista começou a interpretar este material falou com os pais para que eles confirmassem ã menina a verdade como não tinham sido advertidos se negaram determinantemente o que motivou a interrupção brusca do tratamento No caso de Pedrinho14 de quatorze anos de idade quando o tema da análise era a diferença de sexos e suas fantasias relacionadas com a vagina recebi um tele fonema da mãe que me comunicou ter consciência de sua inadequada atitude mas que fora levada por algo mais forte que sua vontade Ao voltar de uma sessão o menino perguntou à mãe se ela tinha pênis e ela respondeu Claro que sim Poder incluir na sessão seguinte este diálogo com a mãe não só permitiu esclarecer o conhecimento equívoco que o deixava numa confusão ainda maior sobre a diferença de sexos como ainda possibilitou a retificação da mãe sem demasiada angústia Durante a análise de Fanny uma menina de dez anos cujos pais e meio fami liar eram muito católicos estando portanto submetidos a repressões e prejuízos muito intensos propuseramme um problema similar que eu pude solucionar manejando a entrevista com os pais tal como indiquei O pai era médico e conhecia algo de psicanálise a mãe também profissional tinha conhecimento teórico do que podia ser o tratamento de sua filha e leu muito sobre este tema antes de decidirse Esses conhecimentos os familiarizaram com a idéia de que o esclarecimento sobre sexualidade era fundamental mas sendo eles mesmos muito inibidos não tinham se animado a responder as insistentes perguntas que a menina lhes fazia desde peque na Poucos meses depois de começar o tratamento incrementaramse as angústias genitais de minha paciente antes dos primeiros indícios de seu crescimento pube ral Por outra parte os sintomas mais incômodos tinham desaparecido motivo pelo qual os pais estavam aliviados e o expressavam Um dia pediram uma entrevista a qual lhes concedi após prévia consulta com minha paciente A mãe estava muito angustiada e atemorizada pois pensava que sua filha lhes criasse também no colégio sérias dificuldades já que falava dema siado em sexo em termos muito vulgares perseguindoos com seus conhecimen tos Concedi a entrevista fazendo previamente as advertências já comentadas Na sessão seguinte enquanto a menina abria a caixa e se dispunha a continuar um dese nho que fazia há várias sessões relatei integralmente a entrevista e lhe interpretei sua conduta Assustar os pais e os colegas era mostrar até onde ela estava assusta da com as novas sensações que sentia em seu corpo e pelo que ia conhecendo dele 14 PICHON RIVIÈRE Arminda Aberaitury lo La transferencia on el anállsls de nlftos en especial en los anállsls tempranos Rev de Pilcnandllili tomo IX n 3 p265 146 Psicanálise da Criança Apoieime para esta interpretação nos minuciosos detalhes do desenho Estava entusiasmada com os conhecimentos que vinha recebendo mas os considerava maus e proibidos ainda que fizesse alarde deles Por isso os formulava de forma vul gar e provocante procurando ser repreendida ou censurada Disselhe ainda que sua conduta tinha sido uma tentativa de fazer suspender o tratamento porque não podendo dominar o que acontecia em seu corpo crescimento de seus peitos e de outros aspectos que a faziam mulher e as sensações novas que a invadiam queria deter o conhecimento de sua mente numa tentativa de detêlos no seu corpo Tinha me enviado à mãe para que eu arrumasse essa confusão e colocava além disso à prova se sua conduta me tinha assustado e se eu com seus pais não res ponderia mais às suas necessidades de esclarecimento Continuei lhe dizendo que o desaparecimento de seus sintomas incômodos tinha modificado o relacionamento com os pais e que em certo sentido queria voltar ao passado preocupandoos com novos problemas O resultado dessa interpretação que foi elaborada pouco a pouco com a repetição dos fragmentos que acreditava útil foi a modificação de sua conduta O esclarecimento das causas mais profundas que a tinham motivado revelou se na transferência como repetição das situações originárias um material novo Desde pequena desejava a posse de um pênis e as modificações atuais de seu corpo reativaram essas fantasias o mais temido em sua relação comigo é que eu desse cumprimento a esse velho desejo seu Dissemos que na entrevista inicial vão se definindo claramente os papéis existe um terapeuta para uma criança que necessita de tratamento e existem os pais da criança e seu meio ambiente que vão receber os benefícios mas também os impactos de um tratamento psicanalítico Devem saber por exemplo que as dificul dades podem se incrementar em dado momento e a rápida melhoria pode ser seguida por uma recaída quando ao analisar uma criança se coloca em jogo todo um passado é possível que se apresentem momentos difíceis tanto a eles como ao filho Não é necessário nem adequado antecipar os resultados já que somente durante o tratamento podemos avaliar a gravidade do transtorno E tácito que se o terapeuta se encarrega da análise é porque acredita no método Geralmente os pais pedem que lhes indique a fórmula de ajudar a melhoria de seu filho e então con vém valorizar o esforço que farão em trazer a criança quatro ou cinco vezes por semana pontualmente por um período de um ano no mínimo Devese responder que cumprindo esta parte ajudam da melhor maneira possível o terapeuta Valorizase assim o esforço que fazem os pais ao enfrentarem um tratamento longo e caro no qual a pontualidade é muito importante e que muitas vezes limita a mobilidade da família para férias viagens passeios etc Essa posição se adapta mais à realidade e é a mais eficaz Em certo sentido a modificação técnica seguiu a mesma evolução que havia sofrido a própria psicanálise preocupandose em princípio com os fatos externos pelos traumas reais e focalizando em seguida seu interesse para os internos quase Arminda Aberastury 147 desvalorizando o externo e chegando finalmente ao interjogo da realidade interna e externa Agora sem desvalorizar o exterior real trabalhase com o interno a versão que da realidade se forma a criança unindoo aos dados da vida diária que nos fornecem os pais Da mesma maneira procedemos com os adultos quando nos relatam algo de outra pessoa e o referimos na sua relação transferencial Também na análise de adultos não tentamos modificar os objetos que rodeiam nosso pacien te Não temos entrevistas com seus familiares nem os aconselhamos ainda que muitas vezes vivam com eles relações de dependência tão extremas como a de uma criança com seus pais Levaremos o paciente a uma independência interna e se se consegue isso poderá ele desprenderse do objeto externo real na medida em que seja necessário Nossos descobrimentos nos levam também à conclusão de que a validade dos dados subministrados pelos pais é muito relativa e de que poderemos saber mais através da própria criança Uma criança por pequena que seja nos informa por si da evolução do tratamento Quando é necessário ela provoca consciente ou inconscientemente uma entrevista com os pais que completam o quadro do grupo familiar portanto não se justifica a entrevista para conhecer os efeitos do tratamen to Essa técnica tem a vantagem de manternos no nosso papel de terapeutas Assumimos de um modo total nosso lugar e confiamos apenas no nosso trabalho com a criança para solucionar seus problemas ou sintomas deixando aos pais um papel de pais sem perturbar a estrutura familiar com nossos conselhos Recapitulando unicamente concedo entrevista aos pais durante o tratamen to quando o paciente está de acordo O que foi falado se relata em todos os deta lhes à criança no início da sessão seguinte Tínhamos lhe dado a certeza de que o ocorrido no consultório ficaria tão hermeticamente em segredo como o conteúdo da caixa individual As vezes parecem não compreender o que lhe dissemos ou não interessarse em absoluto em seguida vemos que cada um dos detalhes penetrou na mente e é elaborado às vezes durante semanas ou meses Ainda que conside remos a unidade filhopais a interpretação deve dirigirse exclusivamente ao pa ciente5 15 Cf capitulo 5 No capítulo 9 mostrarei como se desenvolve a análise de duas meninas de seis e quatro anos com transtornos similares e como foram utilizados na interpretação os dados fornecidos pelos pais No capítulo 10 POLA I DE TOMAS expõe fragmentos da análise de um menino de três anos destacando como elaborou a morte do pai SUSANA FERRER descreve em conti nuação algumas sessões da segunda análise do mesmo paciente quando já contava dez anos em função do casamento e de nova gravidez da mãe reativaramse as mesmas ansie dades que o acompanharam no desaparecimento do pai e no tratamento pôde reelaborar o luto No capítulo II expõemse sessões de três crianças tratadas por MERCEDES DE GARBARINO JORGE ROVATTI e EDUARDO SALAS Os três pacientes têm diferentes idades e sintomas mas todos eles revivem uma mesma situação o trauma de nascimento No capítulo 12 ELISABETH G DE GARMA mostra em três crianças no período de latência um mecanismo similar o de reprimir e isolar um núcleo de sua instintividade perce bido como destrutivo e perigoso com o que adquiriam aparência de normalidade le mot loin detre le simple signe des objets et des significations habite les choses et véhicule les significations Phénoménologie de la perception M MERLEAUPONTY Nuestro primer hallazgo es el nacer Si se nace con los ojos cerrados y los punos rabiosamente voluntários es porque siempre se nace de quererlo Mundo de lo prometido agua Todo es posible en el agua Razón de amor PEDRO SAUNAS m Casos clínicos 1 a I Ilustrarei com fragmentos do caso de duas meninas com transtornos simila res algumas das afirmações técnicas que expressei nos capítulos 6 e 7 1 Na entrevista inicial os pais costumam esquecer por angústia deta lhes fundamentais da vida do filho que estiveram intimamente relacionados com o aparecimento da neurose 2 Durante a análise de crianças vão surgindo as situações traumáticas e se a ansiedade e a culpa dos pais diminuíram ao melhorar o filho eles costumam con firmarnos esses fatos e às vezes ampliálos com novos detalhes permitindonos assim reconstruir as circunstâncias nas quais se iniciou o problema ou o sintoma 3 Se durante o tratamento tinha entrevistas com os pais avisava a criança antes de concedêlas e estipulava com o paciente e com os pais as condições em que se desenvolveriam a não informaremos aos pais o que acontece durante as ses sões b tudo quanto falemos com os pais será transmitido à criança na sessão seguinte e utilizado para interpretação Nos dois casos que relatarei as meninas sofriam de marcado atraso de lin guagem sintoma que era consequência das profundas dificuldades de conexão com o mundo exterior No primeiro caso tratavase de uma menina de seis anos Patrícia irmã mais velha seguida por outras duas meninas de quatro e dois anos No segundo Verônica era a mais moça de quatro irmãos contando quatro anos e oito meses quando iniciou o tratamento Nos dois casos os irmãos eram sadios não havendo apresentado transtornos evolutivos 152 Psicanálise da Criança Patrícia Para a entrevista inicial apresentouse só a mãe O pai que era homem de negócios ocupavase pouco de suas filhas embora cuidasse de que tivessem todo o necessário e fosse generoso para oferecerlhes quanto desejassem Com o trata mento atuou da mesma forma facilitou a parte relacionada com os honorários e a assistência regular às sessões mas nunca acompanhou Patrícia mostrandose tam bém desinteressado por seus progressos Vivia com eles a avó materna mulher idosa e com débil desenvolvimento mental figura muito negativa para a adequada evolução emocional de Patrícia O motivo de consulta era um marcado atraso na linguagem Tinha seis anos e só dizia mamãe papai e atá contração de aqui e está está era utilizado para expressar o aparecimento e o retorno de objetos ou pessoas Usava as três palavras adequada mente e dispunha ademais de uma série de sons inarticulados com os quais parecia querer mencionar objetos ou situações mas que resultavam completamente incom preensíveis mesmo para seu meio ambiente Padecia também de uma anorexia séria e seu nível de jogo estava muito abaixo do esperado para sua idade Segundo a mãe Patrícia sofria por não poder expressarse notandoa com ciúmes das irmãs que falavam e brincavam normalmente Desde que Patrícia tinha três anos consultavam por causa deste sintoma mas o pediatra que a atendia não deu importância ao transtorno esperando sempre que se solucionasse com o tempo Foi a iminente entrada no colégio que levou o pedia tra a recorrer a um tratamento psicanalítico Patrícia foi uma filha desejada sendo que a gravidez e o parto parecem ter sido normais Sua mãe não recordava quantas horas depois de nascer a colocaram ao seio pela primeira vez nem o ritmo em que a alimentou mas esclareceu que se prendeu bem ao seio desde o primeiro momento A lactância desenvolveuse sem dificuldades até os sete meses época em que ocorreu bruscamente o desmame por ter a mãe ficado novamente grávida Inicialmente Patrícia não reagiu mal a esta perda brusca aceitando bem a mamadeira Paulatinamente foram aparecendo difi culdades crescentes com a comida terminando por apresentar uma anorexia séria A data em que se deteve o desenvolvimento da linguagem e o momento em que começou o controle esfincteriano também não foram recordados pela mãe Tinha a impressão de que não foi cedo agregando que ela não foi demasiado exi gente com a limpeza Todos os detalhes sobre este momento quando se iniciou o controle suas características e como foi vivido por Patrícia surgiram da análise da menina e foram depois confirmados pela mãe que agregou então dados importan tes lembrados naquele momento Patrícia caminhou com mais ou menos um ano e nesta época pronunciou suas prmeiras palavras Quando nasceu sua irmã tinha dezessete meses e sua lingua gem estava em plena evolução A mãe não recorda que tivesse demonstrado curio sidade durante as gestações e partos e nem de têla visto se masturbando O nível de jogo estava abaixo de sua idade a ponto de suas relações com as irmãs e com Arminda Aberastury 1 outras crianças estarem seriamente dificultadas a isto somavase a dificuldade na linguagem Seu sofrimento ciúmes e inveja eram muito evidentes assim como a diferença dela com as irmãs não somente melhor dotadas mas também mais boni tas Do seu caso farei especial referência à forma como expressou sua fantasia de enfermidade e cura e como me comunicou seus sentimentos durante o controle de esfíncteres e as circunstâncias em que foi realizado Depois da entrevista inicial com a mãe decidiuse pelo tratamento de Patrícia com a frequência de quatro sessões semanais Sobre uma mesa baixa tinha colocado autos alguns de corda outros não uma pequena garagem uma mesinha cubos lápis papel lápis de cor borracha tesouras cola barbante bonecos pratos xícaras e talheres Na mesma havia uma máquina para fazer ponta de lápis cujo depósito era transparente Patrícia era uma menina magra evidentemente inibida e com expressão muito triste Quando entrou no consultório demonstrou grande desconfiança mas aceitou separarse da mãe na condição de que a porta permanecesse aberta para poder vêla Depois de alguns minutos nos quais observou tudo quanto a rodeava tomou os autos e fazia com que entrassem e saíssem da garagem repetidas vezes Tomou depois um lápis e começou a apontálo com a máquina olhava com muita atenção o buraco no qual o lápis entrava Fez várias experiências de introduzir o lápis girar a manivela ver cair o grafite e a madeira esfarelada no depósito transpa rente da máquina que se enchia Depois com a massa de modelar tapou o buraco Tentou então meter os lápis no buraco tapado com a massa e mostroume com gestos que não podiam mais entrar Repetiu o jogo várias vezes1 Neste momento fiz a primeira interpretação Fechas o buraco da mamãe para impedir que as coisas entrem e saiam dela e por isso precisas também vigiála Negou com a cabeça mas enquanto negava esvaziou o conteúdo do depósito serragem e grafite pulveriza dos colocou tudo num pequeno papel fez um pacote bem apertado e reforçado com vários papéis e guardouo em sua caixa individual fechando com chave Começou então a examinar o consultório e a agarrar brinquedos Primeiro olhavaos atentamente depois me mostrava e por meio de sinais e sons inarticula dos ou com alguma de suas três palavras perguntavame o nome de cada um deles Observei que escolhia objetos muito conhecidos como por exemplo cama cadei ra etc e também os autos que tinha utilizado no começo da sessão O gesto inter rogativo tinha o sentido das perguntas que fazem as crianças porque sim sobre coi sas que já conhecem mas que esconde o desejo de saber algo que lhes é censura do ou que as angustia Interpretei que queria saber por que ela não podia falar e as outras crianças sim do mesmo modo que me mostrou autos com corda e autos sem ela e também porque sua màe a tinha feito assim Sem responder à minha interpre tação pediu para ir ao banheiro fazendo sinais de que queria urinar A mãe ao vê I Esta repetlçào foi denominada por Melanits Klein de ponto de urgência Cf KLEIN Melanlo El fisl coanállsls de nltloj Blbl de PilconnÁllil Ituenot Alia 1948 154 Psicanálise da Criança la sair acompanhoua e pude ouvir como a repreendia por haver sujado as mãos com lápis e massa de modelar Quando entrou novamente no consultório estava muito ansiosa fazendome sinais de que queria ir embora imediatamente Interpretei Queres ir porque tens medo que eu te transforme em uma pessoa má que ponha dentro de ti coisas más a sujeira nas mãos e que possa fazerte mal a reprimenda da mãe do mesmo modo que imaginas que são estas coisas más que a tua mãe colocou em ti as que te fizeram não poder falar 2 Enquanto lhe falava colocou a parte suja das mãos na boca e chupandoa olhavame interrogativamente Depois chupou a parte limpa das mãos estava sorri dente mas com expressão angustiada Faleilhe Aqui tu e eu vamos ver pouco a pouco por que não podes falar por que sorris mesmo quando estás triste e assus tada e por que tens medo de mim e da tua mãe Estávamos ao final de hora e antes de sair correu até o divã deulhe um beijo e se foi rapidamente sem olharme Expressou nesta primeira sessão seus sofrimentos e seus sintomas através do depósito que simbolizava o corpo da mãe e o seu próprio Fechar o buraco significa va além da interpretação feita que ela tinha fechado o seu buraco a boca por causa dos sofrimentos experimentados pela gravidez da sua mãe assim como teve que fechar seu buraco o ânus submetendose ao controle Em segundo lugar mostrou que suas dificuldades para a contenção urinária estavam ligadas à idéia de que ela se sentia destruída e incompleta foi urinar depois da interpretação sobre os autos com e sem corda Em terceiro lugar expressou a sua crença em que essas difi culdades deviamse a coisas más colocadas nela por sua mãe o produto do coito o grafite e a serragem do lápis ou que se transformaram em más por causa de suas fan tasias destrutivas quando ela chupou a parte suja das mãos Depois mostroume que precisava colocar coisas boas nela a parte limpa de suas mãos para curar suas dificuldades Finalmente expressou sua capacidade de amar e seu desejo de incor porar algo do terapeutamãe quando beijou o divã levando algo de mim3 o que podemos compreender se recordamos que sua lactância foi inicialmente boa Isto era possível pela projeção do seu amor em mim que em parte sentia que podia ajudála chupar o limpo de sua mão e beijar o divã Assim como na primeira relação de obje to a criança projeta em sua mãe amor e ódio e recebe dela satisfações e frustrações em sua relação comigo fizeramse evidentes a aceitação e a fé em que pudesse ser ajudada como também apareceram seu rechaço e sua desconfiança na minha pessoa Em sessões posteriores colocou dentro de pacotes hermeticamente fecha dos as substâncias que usou para simbolizar o interior do corpo e seus conteúdos Fechavaos com chave na sua caixa e em cada sessão realizava inspeções sobre os conteúdos destes pacotes manifestando a ansiedade paranoide de que podiam ter sido destruídos roubados ou danificados durante a sua ausência situações todas 2 Expressou assim sua fantasia inconsciente de enfermidade que se confirmou no transcurso do tra tamento 3 Mostra que desde a primeira sessão se projeta tanto o bom como o mau Cf KLEIN Melanie The origins of transference Int Journal of PslchoAnalysis vol 33 1952 Arminda Aberastury 1 SS interpretadas cada vez que apareciam Representavam para ela o produto das rela ções sexuais dos pais o que a mãe tinha dentro pênis e substâncias para fazer crian ças o que tinha colocado nela e nas irmãs Possibilitaram a simbolização da idéia de ser incompleta e insuficiente e dos ciúmes pelas irmãs mais favorecidas pela mãe Na transferência ao encerrar esses conteúdos em pacotinhos e inspecionálos cada vez para comprovar se não foram danificados ou roubados parcialmente expressa va o ciúme pelos outros pacientes e o temor de que eu não a defendesse dos ata ques e roubos que podiam fazerlhe Quando algo escapava dos pacotinhos e per dia o controle onipotente conseguindo através do encerramento hermético as menores partículas viviaas como perseguidoras Tentava limparse ou me pedia para que o fizesse Representou com essas substâncias a fantasia de seu mundo inte rior a como foi feita b sua imperfeição e c como queria nascer de novo íntegra e completa com corda Com o progresso de sua análise estas substâncias se enriqueceram agregan do outras que considerava positivas leite café Com elas representa a fantasia de nas cer de novo em outras condições brincando com uma grande panela de puchero onde colocara todas as substâncias disponíveis de sua caixa individual Colocava as substâncias o que considerava mau deixava fora enquanto o que era bom agregava cada vez em maior quantidade As substâncias boas eram por exemplo o açúcar que representava carinho e beleza e o café que significava ser grande etc Quando com o passar do tempo estes conteúdos chegaram a um ponto de bondade que ela considerou suficiente derramouos na sua caixa simbolizando que já era o momento de nascer Este jogo ampliouse posteriormente com outro onde enchia três panelas iguais e não se decidia sobre o que correspondia a cada uma delas Deste modo simbolizava as três gravidezes da mãe e seu desejo de que as três nascessem iguais Numa fase posterior da análise abandonou o jogo com substância e simbo lizou as mesmas situações com brinquedos que representavam continentes ao invés de conteúdos por exemplo coleções de tacinhas jarras panelas etc Selecionava os pela possibilidade ou impossibilidade de que se quebrassem e pudessem ou não ser consertados Manifestou através destes jogos suas fantasias e sua capacidade de reparação Numa última fase utilizou continentes com conteúdos por exemplo gran des sacolas cheias de brinquedos Estes variavam segundo as fantasias atuantes no momento O tema central era necessito ter um pênis dentro de mim para poder falar não sei se uma mulher pode ter um pênis quero que tu me dês um pênis que arrume meu interior e me cure Estes conteúdos tinham uma evidente característica de segredo semelhante à dos pacotes hermeticamente fechados do começo A importância do clima de segredo foi tão dominante que nos levou a situações extremas Assim enquanto brincava pretendia obrigarme a permanecer em uma sala contígua e não ver o jogo O isolamento a que me condenou durante este período de sua análise era a repetição na transferência do que lentlu com sua mãe quando os acontecimentos 156 Psicanálise da Criança exteriores aumentaram suas angústias e tendências destrutivas na época em que a mãe foi para o hospital ter a segunda irmã O jogo que realizava me fez compreender que o controle de esfíncteres começou na ausência da mãe Quando reviveu comigo essa iniciação expressou toda a angústia experimentada através de um jogo com uma boneca a quem alimentava e cuidava Escolheu para este jogo um bebê que além da boca aberta tinha outro ori fício por onde urinava Sua atitude de carinho e cuidado modificouse bruscamente depois de algumas sessões No começo o vestia e alimentava com carinho e antes de irse preocupavase com que ficasse na cama e bem abrigado Um dia começou a sujálo cobrilo com pintura tiroulhe a roupa submeteuo a fome e frio até con vertêlo num boneco sujo sem roupas e maltratado o qual abandonou no chão do banheiro Eu não devia fazer nada para defender o bebê desses maus tratos pois tinha que permanecer na sala ao lado não podendo interferir Davame o papel da mãe ausente que não vinha em sua ajuda quando foi maltratada por ser uma meni na suja Este isolamento ao qual me condenava e o não querer verme respondiam também à necessidade de não ver os fatos traumáticos e a raiva pela mãe que a tinha abandonado Neste jogo a boneca era ela malvada suja abandonada e cheia de por carias como se sentia no início da análise quando foi ao banheiro urinar e chupou a parte suja das mãos Ao mesmo tempo desempenhava o papel da babá flutuando continuamente entre a maldade que padeceu e a que fazia padecer Neste período mostrava curiosidade e ciúmes por todas as crianças que eu atendia querendo abrir as caixas para ver o que continham Como Patrícia expressou ao mesmo tempo sua solidão o ser maltratada a idéia de ser suja e na transferência a curiosidade e o ciúme pelas outras crianças suas irmãs pensei que o controle de esfíncteres tinha sido severo e iniciado concomitantemente ao nascimento da irmã Pedi uma entre vista à mãe e pergunteilhe Lembrouse então que quando ela foi internada para ter a segunda filha a babá forçou Patrícia a um controle muito severo Quando a mãe voltou do hospital oito dias depois Patrícia controlava urina e fezes Nesta mesma entrevista recordou com tristeza um acontecimento que ela associou com a detenção do desenvolvimento da linguagem Nos dias que se segui ram ao retorno do hospital Patrícia fazia grandes esforços para pronunciar o nome da irmã Um dia quando esta dormia no berço pronunciou pela primeira vez com voz muito estridente e eliminando o M inicial o nome da irmã Gritou Ônica em vez de Mônica A mãe chorou ao recordar que sua reação foi baterlhe nas mãos dizen dolhe que podia acordar a irmã ao invés de valorizar o progresso tão arduamente conseguido por Patrícia Também recordou que como o parto foi de noite Patrícia não soube de sua partida e ao acordar não a encontrou não recebendo nenhum tipo de explicação Esta entrevista com a mãe foi transmitida a Patrícia na sessão seguinte e na interpretação dos jogos mencionados agregaramse os acontecimentos traumáticos recordados pela mãe Uma vez mais comprovamos a interação entre a realidade externa maus tratos da babá e da mãe e a interna a desvalorização que Patrícia mostrou por seus conteúdos Arminda Aberastury Vimos desde a primeira sessão que Patrícia pensava que era diferente de suas irmãs que nasceu incompleta idéia simbolizada através de jogos com autos sem corda tendo que competir com outros equipados com corda suas irmãs que fala vam bem Pensava que sua mãe tivesse colocado nela coisas más e insuficientes Expressava essa fantasia com dois outros jogos Enchia três panelinhas ela e as irmãs mas enquanto na sua panela as coisas eram feias e tinham que ser jogadas fora estragavam etc nas outras duas as comidas ficavam ótimas Este jogo era acompanhado por crises de ansiedade aparecendo fantasias de roubar os conteú dos das outras panelas juntamente com idéias paranoides de ter sido roubada nos dias em que não vinha à sessão No outro jogo ia colocando numa grande panela o conteúdo de todas as panelas Este conteúdo era cuidadosamente colado separando as coisas considera das ruins até conseguir um interior perfeito Então brincava de renascimento que consistia em esvaziar sua caixa e colocar dentro o conteúdo da panela Outra de suas fantasias era a de esvaziar a mãe encherse com os conteúdos que seu pai lhe dava a sacola com aviões e autos Aparecia então o medo de mis turar o bom com o mau e o temor de tomar algo de sua mãe destruíla e não poder reparála Desde o momento em que começou a aparecer a confiança em sua capa cidade de restaurar os jogos com continentes brinquedos irrompíveis ou passíveis de arrumação as sacolas cheias de objetos começou a falar Se podia restaurar podia fazer coisas e encherse podia ser agressiva já que também podia refazer o que destruía Se estava cheia dos conteúdos do pai pensava que podia falar e ser inteligente Estas fantasias foram expressas a princípio nos seus jogos com substân cias e depois fabricando sacolas que enchia de autos e aviões e eram guardados hermeticamente fechados na caixa Ela e a mãe estariam cheias dos pênis do pai mas a sacola tinha que estar hermeticamente fechada para que ninguém pudesse roubálos Recapitularei agora como viveu ela as sucessivas frustrações que envolveram a gravidez da mãe e o desmame brusco I para ela a mãe a privou do seio para com isso fabricar sua segunda filha 2 para que nascesse a segunda filha abando noua ao ir ao hospital 3 na ausência da mãe foi obrigada a dar suas matérias fecais e foi tratada duramente 4 quando a mãe voltou do hospital ela tentou superar suas tendências destrutivas e recriar a irmã pronunciando seu nome a mãe bateu nela impedindoa de falar Este fato foi para ela a comprovação de que a mãe se havia transformado em má por todas as suas fantasias agressivas 5 ela não podia restaurar e não podia destruir o que a forçou a uma defesa excessiva e pre matura contra o sadismo impedindo o estabelecimento do contato com a realida de e inibindo o desenvolvimento do mundo da fantasia Não existindo posse e exploração sádica do corpo materno e do mundo exterior o corpo da mãe no sentido mais amplo cessa de forma quase total qual quer relação simbólica com as coisas e objetos que a representem e consequente mente o contato com seu ambiente e com a realidade em geral Esse afastamento forma a base da carência de afetos e de angústia que é um dos sintomas caracterís 158 Psicanálise da Criança ticos da demência precoce Essa enfermidade caracterizase assim por uma regres são direta à fase primitiva da evolução na qual a posse e destruição sádica do corpo materno como imagina a pessoa em suas fantasias e o estabelecimento de uma relação com a realidade foram impedidos ou freados devido à angústia4 Patrícia submeteuse ao dar suas matérias fecais mas guardou para ela as palavras que tinham o mesmo significado mágico de destruir e reparar eram fezes urina e crianças Ao mesmo tempo castigava sua mãe e expressava sua agressão ao meio ambiente com um sintoma que os angustiava e preocupava Os progressos no desenvolvimento da linguagem se evidenciavam a princípio somente durante as sessões Em casa mantinha sua incomunicação verbal Escondia as palavras porque queria esconder todos os maus pensamentos e agressões que na fantasia desejou que fossem destinados à mãe e às irmãs Com as palavras guardava seus segredos como nos pacotinhos fechados hermeticamente Por isso eralhe mais fácil falar comigo que em sua casa onde continuavam as situções reais de ansiedade provoca das pela inveja e pelo ciúme Seu primeiro jogo quando tapou o buraco da máquina de apontar lápis simbo lizava também fechar a boca fechar seu ânus assim como fechar a mãe e pude enten der mais tarde fechar seus próprios genitais para que não entrasse o pênis do pai Se falasse possibilitaria o conhecimento do seu interior Por isso quando recomeçou a falar pronunciava obscuramente as palavras Falar era revelar não só o mau mas também suas fantasias de incorporação do pai como objeto do amor Costumava pronunciar as palavras invertidas sendo este um modo de mascarar seu pensamento como também de representar a introjeção da palavra que depois pro jetava no mundo exterior A proibição de falar significou para ela a impossibilidade de expulsar a irmã mas também levoua a esconder que a tinha dentro de si Quando disse Onica eli minando o m de mamãe estava negando que era o produto da união com sua mãe Ela tinha que guardar no corpo as palavras que para seu inconsciente estavam equi paradas ao defecar urinar e gerar filhos A equiparação das substâncias corporais tantas vezes destacada por Melanie Klein foi muito evidente durante o tratamento desta menina As substâncias que manipulava representavam tanto matérias fecais como urina sangue menstrual leite da mãe ou leite do pai Pertenciam tanto à mãe como a ela própria e nos seus jogos o intercâmbio de substâncias de um pacote a outro de uma panela a outra significava misturar seu interior com o da mãe ou comer os produtos da mãe produtos de adultos para identificarse com ela Por isso agregava substâncias como o café que lhe era proibido em casa Estes jogos muitas vezes eram interrompidos quando aumentava a ansieda de proveniente do temor a destruir os alimentos e não poder reparálos ou que fosse despojada deles retalativamente 4 KLEIN Melanie The importance of symbolformation in the development of the ego 1930 Contributions to PsychoAnalysis The Hogarth Press Ltd London I948 Traduzido na Revista Uruguaya de Psicoanálisis tomo I n I 1956 n Arminda Aberastury 159 Quero esclarecer que se enfatizei a conduta da mãe e da babá durante a aprendizagem da limpeza nos dias prévios e posteriores ao parto do nascimento da irmã não foi por considerar que esta conduta por si só fosse capaz de produzir a detenção da linguagem e os outros sintomas mas porque no decurso da relação transferencial evidenciaram sua importância Creio que a situação interna de Patrícia naquele momento evolutivo fez com que esses acontecimentos fossem suficiente mente traumáticos para provocar sintomas tão sérios Patrícia tinha sete meses quando a mãe a desmamou bruscamente tendo como motivo a nova gravidez O que sabemos hoje sobre a evolução da criança confirmado cotidianamente pela experiência clínica permitenos compreender que o sadismo oral e uretral que predominam naquele momento foram aumentados pelo desmame brusco e pela gravidez da mãe Quando uma criança nasce estruturase a fase oral imprescindível para a sobrevivência do ser humano não somente pela necessidade de alimento mas tam bém pelos estímulos que lhe permitirão refazer um vínculo com a mãe através do qual possa superar o trauma do nascimento O aparecimento dos dentes na fase oralsádica por serem instrumentos que possibilitam a realização das fantasias de destruição que dominam esta fase determina o abandono do vínculo oral apare cendo a necessidade de refazêlo através de outra zona do corpo Neste momento da vida o descobrimento da vagina na menina e da necessidade de penetração no menino iniciam a etapa genital de tal forma que a união pênisvagina substituiria a da boca com o seio Esta etapa pode satisfazerse somente com fantasias e atos masturbatórios entre os quais incluímos toda atividade lúdica do lactente A impos sibilidade de uma satisfação total das necessidades deste período da vida forçam a uma regressão ao momento do nascimento quando se dispunha de tendências orais anais e genitais para unirse à mãe A seguir se estrutura uma nova fase a anal pri mária de expulsão coincidente na maioria das vezes com a bipedestação e com o interesse pela matéria fecal No caso de Patrícia a difícil relação com o seio deslocouse ao pênis e à figu ra total da mãe como possuidora dos pênis do pai fazendo com que esta fosse mais temida e odiada Na evolução normal o deslocamento da boca à vagina faz com que esta seja a depositária das angústias vinculadas ao seio O fato de que seu pai esti vesse psicologicamente ausente aumentou as dificuldades e inibições para receber do pênis o que tinha perdido do seio Esta interação de fatores internos e externos foi também evidente na aprendizagem da limpeza coincidindo com o parto da irmã Assim como foi realizado fizeramlhe sentir que estava impedida de ter uma iden tificação feminina que estava privada de ter seus próprios filhos fezes e urina A gravidez da mãe incrementou em Patrícia as fantasias de assalto esvaziamento e destruição dos seus conteúdos e provocou o temor à vingança do objeto atacado deste modo A exigência de limpeza no momento em que atuavam estas fantasias foi vivida com uma confirmação da possibilidade de realização de seus temores e refor çou sua necessidade de encerrar o guardar dentro de si algo próprio as palavras 160 Psicanálise da Criança como aconteceu na primeira sessão de análise e posteriormente quando guar dava os conteúdos em pacotes herméticos ou tapava o furo com massa de modelar A atitude da mãe quando Patrícia quis pronunciar o nome da irmã não seria traumática se não se somasse com as dificuldades anteriores adquirindo o conjun to o significado de realização de fantasias inconscientes muito temidas O incremen to da ansiedade depressiva produzida pelo aumento das fantasias de ataque a den tição mais a prova de realidade do temido desaparecimento da mãe ansiedade depressiva e o temido esvaziamento de seu corpo confirmado pelo controle brus co e severo ansiedade paranoide foram intoleráveis para seu ego Os fatos exte riores apareceram como mais traumáticos porque se somaram acumulandose e além disso porque foram a confirmação dos temores mais atuantes naquele momento evolutivo No caso de Patrícia a brusquidão e o entrecruzamento parecem ser as características dos traumas fundamentais O desmame realizouse bruscamente em consequência da gravidez da mãe a aprendizagem no controle esfincteriano foi rea lizada pela babá de forma brusca coincidindo com a ausência da mãe e com o nas cimento da irmã A ausência do pai dificultou ainda mais a elaboração normal da perda do seio pois não possibilitou sua substituição pelo pênis Duas experiências de perda o seio e o interior de seu corpo estão unidas em sua mente quando do nascimento da irmã mais intensamente do que costuma acontecer Os dois sintomas anorexia e inibição no desenvolvimento da linguagem eram a expressão de suas dificuldades com o mundo exterior seu rechaço e seu temor ao contato Mais profundamente era o rechaço a uma ligação genital que lhe possibilitaria superar a perda do vínculo oral Quando nasce a irmã perde a mãe A babá roubalhe violentamente os produtos do interior de seu corpo e quando tenta reparar a sua irmã refazendoa com a palavra é castigada pela mãe que lhe proíbe falar No seu mundo de fantasia a mãe lhe proibia a reparação da irmã mais pro fundamente fazer ela mesma um filho condenandoa a viver num mundo destruí do e a guardar as palavras em seu interior A anorexia explicase pelo incremento de ansiedades paranoides mas tam bém pelo temor a incorporar coisas boas e transformálas em más e destrutivas fezes e urina pelo deslocamento da vagina à boca Nesta situação de angústia e decepção frente à mãe a figura do pai podia têla ajudado a vencer a depressão mas neste caso se tratou de um pai psicologicamente ausente que não a ajudou a elabo rar a perda da mãe Além disso não existia no meio ambiente outra figura masculi na substituta e Patrícia identificouse com a pessoa mais ligada à mãe sua avó reforçando suas limitações intelectuais e seu sentimento de invalidez A inibição no desenvolvimento da linguagem deuse por um deslocamento do corporal ao mental Conservar os conteúdos mentais era sua forma de compen sar a falta de conteúdos materiais fezes urina e filhos Quando através da situa ção transferencial pude incorporar algo positivo meu peito e em consequência disso o pênis foi capaz de pronunciar palavras e continuar o desenvolvimento da lin guagem Arminda Aberastury 161 Para confirmálo diremos que as primeiras palavras que agregou a seu voca bulário durante o tratamento foram não e sim que surgiram da interpretação de seu vínculo transferencial O não significava seu rechaço às palavras que saíam de mim assim como um rechaço aos conteúdos da mãe repetindo a situação originária Expressava a situação de rechaço geral ao mundo seu submetimento às situações traumáticas mencionadas Dizer sim significou mudar de posição frente ao mundo externo era receber minhas palavras incorporar meu peito e meu pênis cena pri mária o que lhe permitiu a estruturação de um mundo interno novo Podia dizer que esta incorporação que se expressou no sm verbalizado anunciou o processo de cura Freud no seu artigo sobre a negação5 interpreta o sim como aceitar engo lir assimilar incorporar e o não como cuspir como o rechaço à vida expressando os instintos de vida e morte respectivamente Quando Patrícia pronunciou o seu pri meiro sim decidiu viver no mundo Pareceme importante destacar como exemplo do que significa a caixa individual para a criança que antes de pronunciar as primeiras palavras o anun ciou deixandoa aberta e desfazendo os pequenos pacotes que havia fechado her meticamente durante a primeira hora Representava tanto a boca que fala como a vagina que recebe o pênis assim como a mãe que concebe um filho Claro que essa atitude de abrirse a mim de entregar e receber sofreu retrocessos e avanços durante o tratamento e muitas vezes regressou a sua atitude de isolamento e clau sura total para sair deles com novas conquistas O refúgio de seu mundo interno e de suas dificuldades na formação de símbolos evidenciaramse em jogos com subs tâncias que não correspondiam a sua idade Todo o mundo externo era para ela ima gem e semelhança de seu mundo interno constituído por urina e fezes Dissemos antes que ela pensava ser diferente e incompleta simbolizando esta sensação através de diversos jogos Imaginava que sua imperfeição e esvazia mento deviamse às más coisas que sua mãe colocou nela assim como à falta de incorporação do pênis paterno Como fantasia de cura aparecia seu desejo de encherse com as substâncias de sua mãe e minhas mas somente a diminuição da ansiedade e a culpa assim como a fusão das imagens extremamente boas e perse guidoras permitiramlhe esta realização mediante o vínculo transferencial e uma melhor relação com o mundo Durante suas sessões analíticas raras vezes jogava com brinquedos Preferia manipular substâncias como grafite serragem lápis farinha água etc Com isso simbolizava os conteúdos da mãe dela mesma a confusão do seu interior com o da mãe sua avidez pelo interior desta e sua identificação com ela Posteriormente diferenciou as substâncias que fantasiava terem os adultos e das que atribuía às crianças Expressou seus temores persecutórios e sua culpa roubando e danificando os adultos como nesta segunda etapa da análise quando brincava com a minha 5 FREUD Sigmund La negndón vol Il p 1042 Obras completas Ed Biblioteca Nueva Madrid 1940 162 Psicanálise da Criança bolsa apoderandose de todos os seus conteúdos Às vezes vendiaos por preços exorbitantes outras vezes enganavame porque após receber o pagamento não entregava a mercadoria vendida Estes jogos eram seguidos por crises de ansiedade e de raiva ou fugas do consultório de crianças como se me temesse Fabricou depois pacotes que enchia de autos e aviões mantendoos hermeticamente fecha dos e de reserva amontoados dentro de sua caixa expressando sempre temores de ser roubada ou que alguém os danificasse O progresso na simbolização aumentou sua possibilidade de contato com o mundo externo esta modificação se produziu para ela ao analisarse e modificar seu mundo interno Foi capaz de relacionarse melhor com as irmãs e com algumas amigas Devo esclarecer que neste caso as circunstâncias na vida familiar tornaram se muito difíceis em função de situações externas reais e não foi aconselhada nenhu ma modificação para melhorálas O progresso de sua adaptação à realidade foi o resultado da análise de seu mundo interno e aprendeu a movimentarse melhor den tro do ambiente familiar e de um modo progressivamente mais adequado no seu meio escolar embora não pudesse ser considerada ainda como uma menina total mente normal Verônica Verônica era a filha mais moça de pais aparentemente sadios e de bom rela cionamento como casal os filhos pareciam ser normais O fato de ter encontrado semelhanças entre Verônica e o caso anteriormente exposto fez com que o pedia tra que recomendou o tratamento6 pensasse que este podia serlhe de grande ajuda A entrevista inicial vieram o pai e a mãe Pareciam muito preocupados pelas dificuldades da filha Respondiam com facilidades às perguntas e informaram deta lhadamente sobre o motivo da consulta Recordaram muito pouco da história da menina A descrição de sua vida diária de como passava os sábados e os domingos e como eram festejados os aniversários foi muito resumida Por momentos pare ciam entender a gravidade dos transtornos da filha especialmente alguns dos sinto mas que os levava a superprotegêla e a tratála como um bebê por momentos negavam a gravidade referindose aos sintomas como sendo transtornos de condu ta ou caprichos Quando fui consultada os irmãos tinham treze e doze anos e a irmã dez sendo os três aparentemente sadios Segundo os pais não apresentaram distúrbios evolutivos e suas escolaridades eram normais Queriam que Verônica fosse analisa da porque a consideravam impossível de educar Explicaram que Verônica tinha um atraso na linguagem pois as palavras que aprendeu aos dois anos foi perdendo 6 Prof F Bamatter da Clinica Universitária de Pediatria de Genebra Arminda Aberastury pouco a pouco Eles a compreendiam mas as outras pessoas do meio ambiente não podiam reconhecer como palavras os sons que emitia Além disso embora acredi tando compreendêla percebiam às vezes uma falta de relação entre os objetos e as situações expressas Descreviam Verônica como muito nervosa sofrendo crises de raiva e de choro especialmente quando não a compreendiam o que acontecia com muita frequência Com estranhos esta sintomatologia se agravava ficando incô moda e descontrolada Destacaram que as fobias mais intensas eram às flores e aos cachorros o que impossibilitava sua adaptação ao meio ambiente já que estando no campo lhes era muito difícil evitálos Agregaram que parecia sempre atemori zada que não olhava de frente costumando observar as mãos das pessoas Ao entardecer ficava retraída esperando a chegada da lua a escuridão a aterrorizava e quando se aproximava a noite tinha verdadeiras crises de terror Apesar disso ia docilmente para a cama sem pedir companhia Tinham por momentos a impres são de não serem reconhecidos e diferenciados dos estranhos Verônica foi uma criança desejada e a gravidez transcorreu sem inconvenien tes O parto foi rápido uma hora e segundo a mãe totalmente normal Três horas depois ofereceramlhe peito e succionou muito bem A lactância materna durou três meses e com desmame gradual começou com a alimentação mista Comia bem embora não recordassem detalhes de horários e ritmos da alimenta ção Sempre foi pouco ativa e de escassa habilidade motora recordavamna como um bebê tranquilo que nunca protestava ou pedia algo Teve transtornos durante a aprendizagem do caminhar tendo medo de cair seus primeiros passos foram muito inseguros Não lembraram quando os deu mas supunham que seria ao finalizar o primeiro ano Como o processo foi muito lento caminhou bem aos dois anos A partir de então não teve tendência a cair ou machucarse As primeiras palavras foram pronunciadas aos dois anos segundo os pais aos três pela informação do pediatra mas perdeuas progressivamente Recordava fragmentos de canções em francês que cantarolava por não articular bem tendo uma notável afinação ao fazêlo Desde essa época costumavam encontrála sozinha falando consigo mesma e começou ao entardecer a esperar deslumbrada a chegada da lua As poucas pala vras que pronunciava nesses momentos não tinham relação nem com a sua atitude nem com o que parecia estar esperando Os pais a comparavam a um doble copiando ou imitando as pessoas sem ser nunca ela mesma Nunca tinha pronunciado uma frase ou palavra adequada Seus pais e irmãos falavam francês e espanhol as empregadas e alguns amigos falavam somente espanhol Não recordavam nada sobre a dentição pensando que a evolu ção foi sem transtornos Com relação ao controle de esfíncteres disseram que foi conseguido facilmente e sem castigos corporais pensavam que foi especialmente cedo embora não recordassem a data exata em que o começaram O informe do pediatra assinalava algumas perdas Isoladas do controle urinário O sono fora per turbado em certo período que também nSo podiam precisar relatando que atual mente dormia bem embora nâo mal de dnco ou seis horas 164 Psicanálise da Criança Nunca havia manifestado algum tipo de curiosidade sexual não a tinham visto masturbarse nem ter jogo algum desta índole com os irmãos Nesta segunda parte da entrevista conhecemos muito mais do transtorno de Verônica e muitos dos detalhes agregados foram de especial interesse para nós O dia de vida foi relatado de um modo muito sintético Acordava cedo tomava café da manhã sozinha tomava desde pequena o leite no copo sem derramar Não pude ram lembrar quando tinha abandonado a mamadeira e o bico Depois do desjejum brincava sozinha não conseguindo sair do jardim pelas fobias mencionadas Quando perguntei quais eram os jogos de Verônica relataramme os dois brinquedos Um consistia em tomar nos braços uma boneca largála e retomála novamente o outro era de introduzir objetos na boca especialmente de metal Como podemos ver os dois jogos têm as mesmas características e podiam ser de um bebê ao finalizar o primeiro ano da vida As vezes tentava brincar com cubos mas ficava impaciente e abandonavaos facilmente destruindo o pouco que tinha construído Rechaçava geralmente os brinquedos quebrandoos ou ignorandoos Almoçava ao meiodia com toda a família e parecia adaptada ao ritmo fami liar Raras vezes dormia a sesta Tomava o chá com os irmãos ficando depois com eles embora em realidade não brincando nem relacionandose com ninguém Ao chegar a noite embora o escuro lhe produzisse temor ia para a cama sozinha e docilmente sem protestar De manhã também não exigia companhia apesar de des pertarse muito cedo Esperava com paciência a chegada de alguém que a levantas se e vestisse Em um momento da sua evolução que não lembraram exatamente des pertavase de noite atemorizada Atualmente isto não acontecia Aos sábados e domingos a vida mudava muito pouco iam à casa de amigos ou os recebiam em sua casa Como isso transtornava tanto Verônica evitavamno cada vez mais Os aniversários não eram especialmente festejados já que não mani festava interesse por nada inclusive podiase dizer o contrário que os estímulos novos a excitavam Não tinha resposta afetiva positiva a nenhum estímulo e por momentos a mãe tinha a impressão de não ser reconhecida Tinha inesperadas cri ses de raiva gritando sem que ninguém pudesse compreendêla ou acalmála Como não tinha habilidade motora a mãe a vestia e desvestia como também era obrigada a banhála como se fosse um bebê Contudo não havia tentado que o fizesse sozinha por julgála incapaz Não recordavam enfermidades ou traumatismos Ao finalizar a primeira entrevista com os pais ficou decidido o tratamento Como não moravam em Buenos Aires era necessário encontrar uma solução ade quada que possibilitasse o tratamento sem perturbar demasiadamente a organiza ção familiar Pela gravidade do caso e pelo tipo de transtorno estava completamen te contraindicado separála da família Por outro lado a gravidade do caso exigia um tratamento de muitos anos Se a mãe ficasse em Buenos Aires para acompanhála desmembraria também a família separandoa do marido e dos outros filhos Propus que tivéssemos períodos de tratamento escolhendo os meses que considerassem como menos prejudiciais para a relação familiar Arminda Aberastury 165 Escolheram para o tratamento os períodos em que os filhos maiores estuda vam internos em escolas ficando livres os meses de férias Estas resoluções foram tomadas por eles antes de iniciar o tratamento Não foi modificada a rotina diária Propus seis sessões semanais antecipando que a análise duraria anos e que os resul tados eram imprevisíveis7 Advertios de que durante o tratamento se sentiriam mais de uma vez sem esperanças ou com dúvidas e que nem então lhes poderia dar informações sobre a análise nem aconselhálos apesar de entender que pudessem ser momentos difí ceis Que continuassem com sua modalidade educativa e que eles mesmos adequa riam sua conduta às modificações de Verônica na medida em que sentissem neces sário8 O primeiro período de análise transcorreu sem que tivéssemos entrevistas salvo no dia da despedida quando a mãe me falou sobre algumas modificações que tinha notado na filha combinamos a data de reinicio do tratamento Pouco depois recebi uma longa carta do pai que transcrevo mais adiante quando comento como utilizei essas informações O primeiro período da análise durou quatro meses e foi realizado sempre com seis sessões semanais Após uma interrupção de um mês reiniciamos por cinco meses Interrompeuse depois em função das férias de verão reiniciando no ano seguinte até novembro sem interrupção quando demos por terminada a primeira etapa do tratamento Resolvemos que ficaria sem análise por um tempo como prova decidi mos assim por considerar uma vez mais o sacrifício que significava para os pais o tra tamento e também porque se havia conseguido progressos mais rapidamente do que o esperado Se tivesse alguma dificuldade especial ou retrocesso repensaría mos a decisão Como a mãe tinha dificuldades externas e internas para dedicar a sua filha o tempo e o contato que lhe eram imprescindíveis foi viver com eles uma moça que se ocupava exclusivamente de Verônica9 Era uma pessoa bem dotada que com preendeu que devia ser apoio nas suas conquistas mas sem forçála As atividades de Verônica incluíam exercícios e jogos visando a favorecer o desenvolvimento motor um mínimo de aprendizagem escolar consistente no ensinamento de letras e números alternado com desenhos livres10 e o ensinamento de pequenos trabalhos manuais e domésticos como pôr a mesa fazer sobremesas costurar e bordar Verônica gostava e chegou a mostrar grande habilidade nessas atividades femininas 7 Apesar dos progressos da filha quando meses depois me entrevistei com eles novamente não agre garam nada de novo ao já exposto 8 Cf capítulo 8 9 Embora Verônica tivesse melhorado estava ainda multo abaixo da evolução normal de sua Idade e como a mãe não se sentia em condlçôe de darlhe a atenção necessária recorreu a este melo 10 Com as letras teve a mesma dificuldade que com as palavras podia reproduzilas mas não com preendia seu significado Em tem dtianhoi repetia sempre um tema um bebê deitado num berço Psicanálise da Criança alcançando nível adequado à sua idade Como resultado desse período pôde ingres sar numa escola de campanha como ouvinte no primeiro ano inferior Observou se certa melhora no seu contato afetivo com as outras crianças pois realizava com elas alguns jogos Com seus irmãos a relação era excelente Durante esse período a vi em duas oportunidades e tive notícias dela pelos pais Os progressos se mantêm e diria que continua progredindo Lamento não poder oferecer uma série de fotografias presente dos pais onde se vê a progressi va melhoria de seu aspecto desde uma cara inexpressiva dramática no dia em que a conheci até a de uma menina alegre quase normal Seu tratamento continuará por muitos anos e talvez através dele possamos esclarecer a origem do seu sintoma e levála a uma melhora nas relações com o mundo Ainda é uma criança que apesar de falar bem francês e espanhol adaptan dose às exigências ambientais brinca pouco sendo sua aprendizagem escolar muito precária A mesma dificuldade que apresentou para o uso das palavras apare ceu agora no uso dos números e letras E capaz de repetilos e copiálos mas sem compreender seu significado Passarei a relatar o primeiro período de tratamento Embora me descreves sem Verônica como uma menina muito estranha principalmente no informe do pediatra seu aspecto me impressionou assim como seus alaridos de raiva e medo Tinha quatro anos e oito meses Era magra alta para sua idade com olhar inexpres sivo Em seu rosto havia algo dramático e tosco um estranho contraste entre o olhar inexpressivo e um rito que imprimia em sua boca algo parecido a um sorriso Suas mãos de dedos finos estavam sempre frias Quando a mãe a apresentou deume sua mão fazendo uma pequena reve rência de modo automático e entrou na sala de jogos sem evidenciar angústia como se ignorasse a separação com a mãe que ficou na sala de espera12 Numa mesa baixa tinha colocado taças pratos talheres cubos vários bone cos alguns pedaços de pano lã para tecer e cola Não sei se poderei reproduzir a monotonia e a dificuldade que transcorreu nos primeiros meses do tratamento mas tentarei I I Transcreveremos um fragmento do informe do pediatra Não foram encontrados na menina indí cios de uma afecção de tipo encefalopático congênito devido a traumatismos obstétricos ou a lesões em sua infância Também não temos motivos para diagnosticar uma enfermidade hereditá riodegenerativa que atinja especialmente o cérebro Quanto à hipótese de uma embriopatia fal tamnos elementos na anamnese para sustentála por outro lado as manifestações que apresenta a menina não são de tipo embriopático Os transtornos que sofre são essencialmente de natureza psíquica comprovandose falhas no sis tema de associação Propomos basear as futuras medidas psicopedagógicas sobre este terreno por sorte não desprovido de possibilidades para oferecer à menina ocasião de progredir em seus conhecimentos seja no domínio de seu vocabulário como no de atividades manuais e sociais rodeandoa de pessoas experientes na matéria de pediatria mental 12 Reação típica de crianças autistas Arminda Aberastury Na primeira sessão sem olhar nada do que a rodeava dirigiuse à torneira abriua colocando as mãos em contato com a água13 Parecia alucinada e ria ou gri tava aterrorizada quando se molhava as mudanças de expressão eram rápidas e imprevistas Sussurrava algo dirigindose à água como se fosse habitada por um personagem invisível As modificações eram súbitas e extremas Quando parecia mais assustada atirava água fora da pia ficando paralisada principalmente quando esta tocava seus pés e pernas Interpretei essas modificações em suas reações quando estava em contato com a água como aspectos extremamente bons ou maus de seu contato comigo como uma repetição do que sentia com sua mãe que me falava para fazerme boa ou má e quando não se realizavam seus desejos ou não se sentia compreendida ati rava água fora e se assustava ficando paralisada Pareceu não entender a interpre tação mas abriu a porta e olhou à mãe Longe dela deixandoa sozinha sentiase má assustandose enquanto que eu ali com ela tentando entendêla e acompanhá la era como a água para quem ela sorria Interpretei que essas ordens que dava à água dirigiamse a sua mãe e a mim tentando dispor de nós à sua vontade separan donos ou afastandonos dela Se não respondíamos a seus desejos ou não a enten díamos ficava braba e nos atirava fora mas uma vez fora tinha medo que a perse guíssemos causando danos Por isso ficava paralisada paralisandonos dentro dela Sua limitada relação com o mundo expressavase no consultório na relação exclusiva com a água O desconhecimento e rechaço de tudo o que a rodeava e dos conteúdos da sua caixa que só olhava mostravanos qual era sua posição frente ao mundo exterior Interpretei a água como aspectos da mãe e meus que ela fazia bons ou maus falando Se não respondiam a seu mando se assustava e a jogava fora Mas fora a assustava ainda mais pensava que podiam machucála e ficava paralisada paralisan 13 A água é um dos elementos mais utilizados pelas crianças durante suas sessões principalmente no início do tratamento psicanalítico Além do significado simbólico que adquire segundo a situação global é interessante assinalar que a idéia da água como princípio primordial deriva das mais antigas teogonias e cosmogonias do Oriente É frequente encontrar nelas o mito de um caos aquoso primordial de onde teria nascido o cosmos e a vida Transcreveremos a seguir um fragmento de antigos papiros egípcios fragmento que figura na Histoire ancienne des peuples de orient de Maspero citado por R Mondolfo em El pensamiento antiguo I tomo p 14 Editorial Losada 1952 Ao princípio era Nun massa liquida primordial em cujas infinitas profundidades flutuavam confu sos os germes de todas as coisas Quando começou a brilhar o sol a terra foi aplanada e as águas separadas em duas massas diferentes uma engendrou os rios e o Oceano a outra suspensa no ar formou as águas do alto nas quais astro e deuses transportados por uma corrente eterna come çaram a navegar Estes mitos se transmitem à Grécia e a Investigação científica e filosófica se inicia em Jônla com Tales de Mileto que afirma que a Agua é o principio dos seres Segundo a explicação dada por Aristóteles Metafísica 13 m u concepção derivaria da observação de que a umidade é a nutri ção de todas as coisas n que ti o calor o engendra na Agua e vive Conclui que Isto do qual se engendram todas as colmi é pracliMrmnta o principio de todas elas 170 Psicanálise da Criança precoce de esfíncteres e o fato de que ela guardasse as palavras que tinham adqui rido o significado de substâncias que desprende por submetimento e medo Principalmente se a aprendizagem se iniciou na segunda metade do primeiro ano as palavras teriam o significado de produtos da união genital e estariam em estreita relação com a cena primária Uma regressão que sofreu no terceiro período de análise quando perdeu durante as sessões a capacidade de andar e a linguagem adquirida no tratamento confirmou minha hipótese Nessa regressão manifestouse um sintoma que os pais reconheceram como a repetição de outro que Verônica padeceu aos nove meses Era uma espécie de ruído com a garganta acompanhado de um espasmo algo como um soluço A dentição o caminhar e o som desarticulado apareceram então intima mente relacionados Durante o primeiro período depois das sessões em que ia ao banheiro urinar e defecar e das interpretações expostas sua reação era no senti do de prolongar muito o ato Sorria às vezes com uma expressão de triunfo inter pretado por mim como uma negação maníaca onipotente encobridora do temor de estar vazia e abandonada enquanto os pais copulavam Voltou a brincar na pia repetindo os primeiros jogos Parecia tão alucinada como a princípio Interpretei dessa vez principalmente os aspectos dissociados de sua relação comigo sem marcar a diferença entre a mãe e eu e sim a dissociação entre a mãepeito e a mãegenital Agreguei que tudo isso estava sentindo comigo mãe e pai unidos a mulher com pênis e que se assustava da possibilidade de que tudo isso acontecesse dentro dela e também fora Verteu a água da pia urinouse e quis sair da sala Disselhe que eu estava ali como uma pessoa além de estar na sua mente assim como a água estava dentro e fora da sua mente ao mesmo tempo Olhou então a caixa de brinquedos que nunca tinha tocado Interpretei que o conteúdo dessa caixa que não tocava e que agora me apontava com os olhos era como todas as coisas que ela ignorava Deixando tudo dentro da sua mente não ver os brinquedos na caixa não colocava as coisas para fora Podia fazêlo com a água que era como o peito e o leite que ela conhecia podendo colocar dentro ou fora dela à vontade Tinha medo de que todas essas coi sas saíssem de sua mente estivessem fora escapando de seu domínio não sendo ela capaz de transformálas à sua vontade como fazia com a água Que essas coisas representavam também a mim e tudo o que de mim ignorava e não se animava a investigar a mãe genital e a aceitar que existiam fora de sua mente e de sua von tade Que ela na sala de jogos era ela dentro do ventre da mãe curiosa mas com medo de ver outra coisa que não o peito com leite água que já conhecia Não ver as outras coisas que a mãe e eu tínhamos o pipi do pai cocô crianças era como não ver os conteúdos da caixa A água que aparece e desaparece de acordo com a sua vontade7 era o peito com quem jogava a têlo fora e dentro de acordo com a sua necessidade introjeção 17 FREUD Sigmund Más allá dei principio dei placer tomo II Una teoria sexual y otros cnsayos p285 Arminda Aberastury 171 projeção As coisas que não explorava eram perigosas pois não as conhecia tinha medo porque não sabia usálas por isso recorria à negação matava as percepções O JOGO COM O DISCO Na sessão seguinte trouxeme um disco Parecia muito exaltada e a mãe con tou que foi impossível tirálo dela Quando entrou colocou um lápis no orifício cen tral do disco fazendoo girar com movimentos rápidos e nervosos Colocava a unha do dedo indicador sobre a parte sulcada e aproximava o ouvido fazendo como se escutasse Em continuação tomou minha mão e com meu dedo indicador atritava como ela mesma tinha feito obtendo dessa forma um som que atentamente escu tava Fezme escutar escutando ela outra vez depois Em seguida fez o mesmo movimento com minha unha sobre a parte lisa do disco que ao não ter sulcos per maneceu sem ruídos Interpretei que mostrava que em seu corpo havia ruídos pala vras que eu devia procurar arrancar zonas que falavam e que eu devia encontrar Interpretei que como esse disco ela tinha sons encerrados e queria que eu encon trasse a forma de colocálos para fora Fez girar então com força o disco de tal forma que caiu no chão fazendose em pedaços Recolhendoos mostravame muito ansiosa as partes cortantes os fios e as pontas fincandoos na minha mão como para fazer ver que doíam Interpretei que esses pedaços quebrados eram dentro dela as palavras que a machucavam que a faziam sofrer e não podia arran cálas para fora Eram como idéias que não podiam localizarse em palavras com toda a dor que essa dificuldade de expressão significava Mostroume como sentia que suas palavras eram pedaços quebrados que fincavam feriam e que ela sozinha não os podia juntar Representavam também os dentes que cortam as palavras quando gritava punha para fora esses cacos e a sua dor Assim como o disco que brado já não reproduz música ela não fazia palavras porque estava em pedaços Sentia que tudo estava irreparavelmente destruído dentro cortandoa e fincando fora dela também tudo estava despedaçado como o disco Em resposta a minha interpretação aproximouse tocandome o peito com expressão muito ansiosa Interpretei que tinha medo que meu peito também estivesse quebrado e que não pudesse curálo fazendoo falar Procurou cola na caixa que me entregou junta mente com os pedaços do disco Interpretei que um pouco de confiança tinha recu perado ao sentir que meu peito estava ali não tinha desaparecido e que podia então colar com meu leite os pedaços de palavras para fazêlas soar Aproximouse de mim apoiando todo o seu corpo no meu Interpretei que queria entrar toda ela dentro de mim e não somente suas palavras queria estar dentro de mim com as palavras inteiras que eu pronunciava Agreguei que agora animavase a olhar e a meterse dentro de mim porque tinha recobrado a fé no leite bom fazendo men ção à água que usou nas primeiras sessões e ao meu seio Também interpretei que a fusão comigo era ter meu selo e meu leite ter minhas palavras e não sofrer de ciúmes e de raiva contra mim e contra todos os que falavam 172 Psicanálise da Criança Retornou ao jogo com água parecendo alucinada Interpretei que agora eu era como a água se a entendo e a quero me sente bem dentro e fora dela se não a compreendo e não lhe dou o que necessita sou má e terrível sou eu quem lhe rouba as palavras Mergulhou as mãos na água olhando o que fazia com uma expressão exta siada Interpretei que colocava dentro dela a água o leite palavras banhandose com elas possuindoas É importante assinalar que o disco em pedaços foi guardado por ela dentro da caixa representando para Verônica algo similar ao que para Patrícia representa va o grafite e a serragem do lápis guardados nos pacotinhos Em muitos momentos interrompia seu jogo com a água para aproximarse e afastarse de meu corpo Inspecionavanos atentamente a mim e à água como se esperasse que algo em nós modificasse de acordo com o que ocorria com ela Interpretei que observava se a água a cola e seu contato com meu corpo tinham conseguido colar os pedaços e que se fosse assim estaria certa de que as palavras se tinham colado dentro dela e poderia falar Também interpretei que esses peda ços quebrados dentro da caixa eram ela quebrada em pedaços dentro da mamãe antes de nascer e que procurava uma forma de colar e arrumar a barriga da mamãe com os pedaços para sair bem dessa vez Agarrou o frasco de cola e espalhoua nas mãos nos pedaços de discos e nas paredes Interpretei que agora todo o quarto era minha barriga com ela dentro e que tentava arrumar a mim e a ela simbolizando a barriga da mãe com ela dentro Na sessão seguinte entrou dizendo com voz clara e tom interrogativo Senhora Interpretei que perguntava como tinha ficado eu no consultório enquanto ela não estava comigo a mãe externa e que me mostrava como den tro dela a mãe interna me havia colado e estava completa já que podia nomear me Que na sua solidão tinha conseguido refazerme dentro dela Também que com seu tom interrogativo perguntava a si mesma e a mim se essa palavra colada fora dela significava que dentro estaria colada e tudo arrumado Procurou os pedaços do disco dentro da caixa tentando fazer soar cada pedaço Depois os colou um ao lado do outro sem poder unilos Interpretei que tinha medo de que algo continuas se quebrado dentro dela e de mim como o disco que somente eu dentro dela a palavra senhora estava arrumada mas que ainda tinha muitos pedaços quebrados como papai e mamãe quando estão juntos Fiz esta interpretação tentando incluir os pais no nomento da concepção mas sua falta de resposta mostroume que em sua mente não estava nesse instante o casal de pais mas ela e a mãe ou eu e ela Pensava que ver o pai e a mãe unidos na casa ao voltar era a penúltima sessão tinha que significar algo já que os separou para vir a Buenos Aires e continuar o tratamento Mais tarde compreendi que nela esta vam confundidos tempo e espaço e que a idéia da viagem e da união dos pais não esta vam interrelacionados como também não estavam o passado o presente e o futuro No dia da última sessão trouxe um ramo de flores e disse Cest pour vous madame Parecia muito emocionada mas falou claramente Chamoume a atenção Arminda Aberastury que manifestava muito afeto neste olhar que ao começo do tratamento era tão inexpressivo Interpretei que antes de ir me mostrava que eu estava dentro dela que podia tirarme para fora e colocarme para dentro como essas palavras que tirava de dentro e saíam por sua boca Que levarme dentro permitialhe vencer o medo às flores e que as trazia para que eu compreendesse que necessitava levarme com flores dentro para enfrentar la campagne cheia de flores tão temidas antes Estas flores que foram objeto de sua fobia simbolizavam os campos dos pais o encontro com eles com os irmãos com todos os seus problemas e longe de mim Durante a sessão deume várias vezes as flores jogo que interpretei como tentati va de vencer pouco a pouco os medos de aproximarse delas Antes de sair pediu para levar um frasco de plástico inquebrável e de fechamento hermético com que tinha brincado muito nas últimas sessões Significava sua segurança de que não se quebraria nosso vínculo quando me necessitasse teria um objeto real que me personalizava e a ajudaria a enfrentar suas dificuldades Era a expressão de sua necessidade de levarme dentro e fora Quando me despedia a mãe comentou que era impressionante a vontade com que ensaiou toda a manhã esta pequena frase e o gesto de agarrar as flores e entregarme 0 que já foi exposto do material de Verônica nos dá uma idéia de como evo luiu seu mundo interno Agora veremos como essas modificações se refletiram no mundo externo para o qual nada melhor que trancrever fragmentos da carta que mandou o pai um mês depois de ela estar novamente em casa FRAGMENTOS DA CARTA DO PAI 1 Maneja as coisas com cuidado e habilidade o relógio de pulso o acende dor copos giz etc Procura desarmar sua caixinha de música com a intenção de conhecer o seu conteúdo e em seguida a traz para que a consertemos 2 Fala muito e capta quase tudo às vezes diz palavras que nos surpreen dem Sabe o que quer e busca os meios de conseguilo Faz pequenos serviços como recolher coisas do chão e colocar no lugar levar a cesta de papéis quando é solicitada procurar o pano de chão e secar se derrama água Pode procurar um brinquedo definido sua caixa sua boneca sua caixa de música um livro 3 Põe e tira a roupa sozinha e vai para a cama sem companhia quando se sente cansada Quando lhe preparam o banho tira a roupa e se lava Não gosta de ter os sapatos desatados e pede para que alguém os arrume 4 Entretémse desenhando ou recordando No momento em que escrevo a ouço dizer On va manger e efetivamente é a hora Reconhece as pessoas inclu sive as que há muito tempo não vê Quando está entretida por exemplo com o meu isqueiro ou relógio peçoo e me entrega facilmente Gosta de determinadas comidas se sabe nomeálas entra na cozinha e pede Sintoniza o rádio nos progra mas de que mais gosta mas tem pouca paciência e constância para escutar ou para 174 Psicanálise da Criança vencer qualquer dificuldade desanima com facilidade Pouco depois de chegar depois do tratamento não se evidenciaram esses progressos mas em seguida começaram a aparecer as modificações Assim como parecia ignorar a mãe agora é muito carinhosa com ela e exige vêla Continua dormindo pouco não parecendo necessitar mais Se analisarmos essas modificações que o pai assinala o mais importante é o que se refere à atitude com a mãe e ao tratamento que dá aos objetos Recordaremos que na primeira hora de tratamento separouse da mãe sem mani festar nenhum afeto e que os pais diziam que parecia não interessarse por coisa alguma Em seus jogos expressou o motivo desta anestesia afetiva Surgia destas imagens aterradoras que ela era incapaz de confrontar com a realidade por negá la A imagem dissociada da mãe era consequência da falta de fusão entre os instin tos de vida e morte que a levavam a posições extremas e afastadas da realidade Nesta forma de vínculo os mecanismos de defesa a que o ego recorre como a paralisação a expulsão violenta a negação a idealização e a onipotência fazem com que do objeto real nada seja visível Os sentidos são negados pelo temor a que se reproduzam as características do objeto interno Provocavam uma verdadeira rup tura da percepção O cuidado pelo objeto indicava um grande progresso na relação com o mundo e um primeiro passo na elaboração da fase depressiva a diminuição do sadis mo para preservar o objeto As tendências de reparação que se observam em seus progressos na higiene e no seu interesse em arrumar as coisas também significavam um avanço na elabo ração da depressão A caixa de música que desarmava era a representação de si mesma O pai tomava ali o papel de terapeuta assim como no seu retorno eu tive que tomar o papel de pai e brincar com a caixa de música Sua curiosidade pelo interior dos objetos corpo da mãe antes tão reprimi do agora era expressa mais livremente com a caixa de música Era prova da diminui ção das tendências agressivas enfatizando assim o primeiro progresso comentado Não existindo a posse e exploração sádica do corpo da mãe do mundo exterior cessa quase que totalmente qualquer relação simbólica com as coisas e objetos que os representem impedindo consequentemente o contato com o mundo exterior Como Marta Verônica submeteuse deu suas matérias fecais e urinárias recordar a aprendizagem precoce e fácil mas guardou as palavras que têm o valor mágico Também o progresso em sua linguagem fazia pensar que em parte a depressão tinha sido dobrada melhorando a comunicação com o mundo Sabe o que quer e busca os meios para conseguilo Este período do tratamento durou quatro meses com seis sessões semanais Na segunda fase da análise brincou durante muitas sessões de conduzir o elevador18 Interpretei este jogo como uma tentativa de elaborar as separações que 18 Este elevador estava multo perto do consultório onde se realizaram as sessões na minha casa Arminda Aberastury a obrigavam ao tratamento Tentava elaborar através da relação entre um andar e outro a que existe entre espaço e tempo Assim a passagem do térreo ao primeiro andar representava para seu inconsciente a viagem do campo até Buenos Aires para encontrarme também em sentido contrário de Buenos Aires ao campo onde encontraria os pais e os irmãos Este jogo teve múltiplas variações As vezes preten dia que eu entrasse ficando ela do lado de fora da grade outras vezes era ela quem entrava Além de interpretar o significado de abandono e de clausura provenientes de suas dificuldades de contato impedi ativamente que ela ficasse sozinha dentro do elevador com a grade fechada porque podia provocar uma situação de perigo Também não aceitei entrar no elevador No seu jogo subir ao segundo andar representava o progresso realizado no segundo período de análise Simbolizava os retrocessos pelas descidas ao térreo ir até a porta de saída significa interrupções e o retrocesso do tratamento Expressava na união tempoespaço a percepção dos períodos de tratamento e o espaço percor rido para reencontrarme ou reencontrar o pai Interpretei que ela queria fazerme aparecer e desaparecer a sua vontade além disso colocava qualquer objeto que me representasse ao invés de minha pes soa Neste segundo período elaborou progressivamente a diferença entre mundo externo e interno manifestando esforços por estabelecer uma relação entre o tempo e o espaço Evidenciouse que confundia o tempo hoje com ontem e o espaço querendo ir para um andar alto oprimia um botão que a levava para baixo Com relação à linguagem tinha progredido Adquiriu novas palavras utilizavaas corretamente nomeando as coisas como correspondia Dizia por exemplo Senhora e me agarrava a mão para que a ajudasse a procurar sua mãe a quem dizia mamãe já não era como na primeira etapa quando nos confundia Agora aceitava a existên cia de uma mãe real e de uma terapeuta que era para ela como uma mãe Numa sessão fingiu escutar algo que pelos movimentos que fazia com seu corpo parecia música Mas este modo de fingir era muito diferente do primeiro período e suas alu cinações A diferença estava em que agora ela podia evocar uma imagem interna fazendoa aparecer ou desaparecer Isto significava o começo do controle sobre seus objetos internos de um modo mais adequado à realidade Como os pais informaram que quando escutava a caixa de música costuma va dizer Senhora interpretei que escutar música e aproximarse de mim para que escutasse era como estar com seu pai escutando com ele a boîte à musique Que parecia ter sofrido muito por não me ter junto com ela na casa dos pais19 Que agora comigo ao fazer música era como se o pai ela e eu estivéssemos unidos para não sentir a tristeza pelas separações como para não aceitar que seu pai esta va longe e que para me ver e curarse tinha que separarse dele Com a música nos juntava dentro dela vernos separados a entristecia e assustava conseguia assim 19 Ao terminar o primeiro período da tratumanto quli levar um frasco de plástico que fechava her meticamente utilizado por ela nm multai nom A mia contoume que nSo se separava dele 176 Psicanálise da Criança ternos dentro Interpretei isso também em relação ao pai e à mãe a quem também separava quando vinha A música neste momento da análise representou o que no primeiro período simbolizava a cola isto é a união dentro de si dos fragmentos de palavras Seguidamente tocava nos pedaços de disco Quando a unha passava nos sulcos fingia escutar música dizendo la boîte à musique Quando Verônica numa sessão trouxe tesouras para recortar fiz uma longa retrospectiva sobre o seu processo de simbolização Primeiro usou a água que foi substituída pelo disco depois o contato direto do seu corpo com o meu posterior mente substituído pela cola esta depois deu lugar à música ou seja uma simboliza ção de contato psíquico de pensamento Agreguei que agora podia separar os peda ços porque sentia que também era capaz de unilos Com o mesmo significado enquanto dava corda e fazia soar sua caixa de música mordia desesperadamente qualquer objeto Se a música parava deixava de morder Interpretei que agora podia desgarrar com os dentes porque contava com a segurança de ter algo que incondi cionalmente simbolizava união a música Ao terminar esse período que durou cinco meses com seis sessões sema nais a mãe me disse que tinha notado que Verônica era capaz de prever as conse quências de seus atos Como exemplo contou que ao início do tratamento era impossível mantêla numa fila quando esperavam condução atualmente era capaz de integrarse sem mostrar impaciência Contou também que cada vez falava mais e melhor que reconhecia formas e seguia os contornos com os dedos fato que interpretei como um importante passo para a abstração Disseme que começava a reconhecer as cores e que isso aconteceu posteriormente ao reconhecimento das formas Que brincando insistia em denominar objetos e cores fazendoos de forma adequada Assinaloume também que conhecia todas as pessoas de seu meio ambiente chamandoas por seus nomes As crises de raiva eram menos frequentes adaptandose mais facilmente às exigências diárias da realidade Que a reconheciam como afetuosa coerente em suas reações capaz de obedecer mas que seu nível de jogo era ainda muito baixo e sofria frequentes depressões Verônica iniciou seu terceiro período de análise depois de um intervalo de seis meses O intervalo se prolongou mais que o previsto os quatro meses de férias em função de dificuldades deles e minhas Em sua primeira sessão relateilhe o que os pais me contaram sobre ela Contrastando com todos os progressos encontreime com uma menina quase muda que me olhava como se eu fosse uma estranha Seu aspecto físico era exce lente Tinha crescido muito estava com aspecto saudável e não se encontravam ras tros da criança inexpressiva do começo do tratamento Seu olhar atual incluía raiva e ressentimento Titubeou antes de entrar no consultório observou tudo com grande aten ção realizando uma cuidadosa inspeção na sua caixa interpretei como desconfian ça e medo de que durante todo esse tempo as coisas tivessem se modificado nela em mim e em nossa relação Penso que esse retrocesso foi consequência da longa separação assim como da raiva que lhe causara ter de separarse de novo do pai Arminda Aberastury 17 Negava minha existência quando entrava no consultório para não ver sua enfermi dade que a obrigava a essa separação Ao sair do consultório ficava como perdida e hesitava em voltar ã sala Observei que tinha a mesma expressão de quando saía da sala para ir ao quarto contíguo que ela designava como quarto do pai Neste período seu caminhar era cambaleante e as crises de ansiedade eram tão agudas que tínhamos às vezes que interromper as sessões antes de terminados os cin quenta minutos A mãe parecia muito angustiada Relatoume por telefone que não entendia por que a filha durante todo o dia esperava a hora de ir ao consultório mas quan do chegava a minha casa parecia atemorizada Contou também que falava muito do pai e queria voltar ao campo Transmiti a Verônica essas palavras da mãe e agreguei minha interpretação de que estava em parte braba comigo porque para analisarse necessitava estar sepa rada do pai Eu a separava como quando pequena pensava que sua mãe não a dei xava aproximarse dele Que eu e as coisas quebradas do consultório o disco a obrigávamos a pensar no que ainda não estava arrumado os dentes que cortam e que pensava que por isso era castigada Que queria fugir de mim e do que comi go via como quando iniciou seu tratamento Praticamente não falava e notei nela tal dificuldade para caminhar que por momentos pensei na possibilidade de algum transtorno neurológico que escapara às investigações prévias Faleilhe sobre seu caminhar cambaleante agregando que pediria a sua mãe que a levasse ao médico que a atendia desde que estava em Buenos Aires Sua expressão era de grande sofrimento e concordou com gesto agradecido O exame médico confirmou total normalidade do ponto de vista orgânico Paralelamente a este caminhar cambaleante Verônica começou a fazer com a gar ganta um ruído que às vezes parecia falta de ar e outras vezes um tique Relatoume a mãe que essa dificuldade em andar aparecia somente comigo que fora do consul tório corria e brincava como sempre o mesmo quanto à linguagem fora falava fran cês e espanhol adquirindo novas palavras dia a dia era como se fosse duas meninas diferentes Transmiti isso a Verônica interpretandolhe que estava tentando mostrarme alguma coisa que aconteceu quando ela era muito pequena e começava a caminhar naquela época não podia falar e sofria muito Nas sessões costumava ter crises de choro Tentava mantêla no consultório e para isso acertamos Verônica eu e a mãe que ela não ficaria na sala de espera mas viria buscála quando terminasse a hora Depois desse período e da interpretação cotidiana de suas situações de ansiedade começou a ficar de pé e a experimentar movimentos As palavras que dizia eram papai e mamãe mamãe dirigindose a mim Num desses dias entrou com seu andar cambaleante atirouse ao chão e ficou imóvel olhando para o teto com os braços junto ao corpo emitindo a inter valos um pequeno ronco parecido com soluço acompanhado de espasmos respira tórios Eu estava sentada ao lado de Verônica e quando ela me estendeu seus bra Psicanálise da Criança ços a recebi nos meus Senti necessário continuar a experiência20 Interpretei que se sentia como um bebê nos braços da mãe que recordava o que tinha acontecido naquele momento da sua vida quando o espasmo a deixava sem respiração que não podia falar nem moverse e se sentia desesperada Sua atitude nos meus braços era a de um bebê de no máximo três meses Trouxe para o consultório uma cadeira de balanço e tomeia em meus bra ços respondendo da forma como ela se comportava entre eles Chorou em deses pero parecia alucinada e lutando contra inúmeros agressores Seu corpo era às vezes tão tenso que chegava a ser rígido passando depois a um total amolecimen to que me fazia pensar que se nestes momentos eu a colocasse no chão de pé cai ria Interpretei outra vez que se sentia como quando era bebê nos braços de sua mãe Mas agora mostrava quanto medo tinha como sofria por não poder ficar de pé nem caminhar nem falar e como sentia insatisfeitas as suas necessidades por que não podia fazerse compreender nem valerse por si mesma Essas interpreta ções foram feitas repetidas vezes e em detalhes correspondentes às suas atitudes e posturas nos meus braços relacionando sempre com seu vínculo materno do pas sado Assinaleilhe que já não se mostrava como o bebê tranquilo daquela época como a mãe havia descrito mas que expressava toda sua hostilidade e o medo de ser atacada Agora podia pedir ajuda porque confiava em mim e sentiame dentro dela protegendoa Saiu do consultório foi à sala contígua e disse papai Interpretei que estáva mos com o pai em la campagne e neste momento eu era para ela a mãe que lhe per mitia estar com o pai Ao contrário quando a retinha no consultório eu era a dou tora que a separava do pai Os conflitos criados pelas viagens para vir ao tratamen to elaborados com o material do elevador apareciam agora num novo aspecto a minha maldade ao separála do pai e mais profundamente a sua própria maldade ao separarse dos pais Depois da interpretação voltou ao consultório procurou o disco quebrado e quis sair novamente Interpretei que nesses meses longe de mim eu tinha sido a doutora boa frasco de plástico inquebrável que levou e agora ao retornar ao consultório eu era a doutora má que a obrigava a estar com discos quebrados que lhe deram medo como dentes que rebentam e espetam Essa situa ção se manteve por várias sessões Viajava de uma sala para a outra e somente como exceção conseguia mantêla no consultório durante os cinquenta minutos Interpretei que no meu consultório escapava dos perigos de dentes que rebentam e destroem e na outra sala escapava ao perigo de receber o seu pai dentro dela A medida que era interpretado este material fezse claro que I representava sua relação com o peito destruído de sua mãe os discos quebrados eu na transfe rência 2 a relação com o pai pênisvagina A modificação de situação originária a mãe proibindolhe aproximarse do pai através da transferência fezse clara através de sua crescente confiança ao ficar comigo e evocar a recordação do pai 20 Não aconselho a Iniciantes seguir esta conduta Arminda Aberastury 179 Ao entrar e sair de cada uma dessas duas salas ficava abstraída como se não reco nhecesse o lugar Compreendi que não podia unir a memória dos acontecimentos que envolviam o pai com as recordações dos momentos passados comigo Era como se fossem duas Verônicas que ela não podia unir a que estava no campo com o pai e a que estava agora comigo para continuar o tratamento a mãe que a separava do pai Interpretei este jogo como uma tentativa de elaborar a distância que se criava entre o pai e ela separação que era vivida como a repetição da separação imposta pela imagem interna da mãe quando Verônica pretendeu substituíla e sentiuo proibido esta angústia deslocouse às flores e aos cachorros2 A busca do pai que se permitia no tratamento comprovava a modificação daquela situação original Agora podia pedir a ele seu pênis reparador como no período da regressão pôde permitirse expressar na transferência necessidades orais e de contato Compreendi também que em sua mente tempo e espaço esta vam confundidos A distância real que a separava do pai quando vinha ao tratamen to haviase transformado numa distância entre os momentos passados e os presen tes não podendo unilos na memória Essa interpretação a impressionou profunda mente e com expressão abstraída olhando ao vazio disse Image Interpretei que me dizia que agora podia numa imagem recordar momentos de união com o pai e a mãe o pai e eu ela e eu e conservarnos juntos em sua cabeça e em seu coração Que agora sentia que uma mesma Verônica queria e recordava o pai e a mim a mãe e o pai o campo e a cidade que era a mesma que vivia com os pais e a que se tra tava comigo no consultório Essa possibilidade de recuperar em imagens momen tos perdidos significou um enorme progresso em sua vida mental No caso de Patrícia vimos como durante o tratamento foi surgindo a lem brança de situações traumáticas ocorridas na vida real corroboradas pela mãe que nos permitiram compreender a origem dos sintomas No caso de Verônica apesar de não aparecerem recordações através da intensa regressão transferencial com repetição dos sintomas podemos reconstruir que sua neurose eclodiu aos nove meses coincidindo com o aparecimento dos den tes e o começo do caminhar com fobias múltiplas o estranho ronco e a dificuldade respiratória É possível que uma análise futura possibilite o surgimento na memória como no caso de Patrícia dos fatos exteriores ocorridos neste período de sua vida 21 Expressava assim dois aipactoi poiltlvo o nngit Ivo do seu genital feminino V onflitos na elaboração do 11 I I H 11 1 1111 1111111 P if I Sä H w BH wSh w Hö ö w Bä h h IIÖ H hH BhHSH1 PRIMEIRA PARTE POLA I DE TOMAS A morte do pai provoca na criança conflitos intensos entre os quais apare cem sentimentos de culpa temor dor e saudade A análise demonstrounos que quanto menos idade tem a criança mais grave e maiores consequências têm a perda O equilíbrio mental prévio às circunstâncias da morte a atitude dos familia res com relação ao fato e à forma como é comunicado são fatores que entorpece rão ou facilitarão a elaboração do luto processo por si só difícil e doloroso de rea lizar Jorge foi trazido pela mãe à consulta seis meses depois da morte do pai Era motivada por uma série de sintomas que desenvolveu pelo falecimento e que aumentavam com o passar do tempo Quando Jorge tinha três anos e três meses de idade o pai sofreu um ataque cardíaco Aquela manhã como fazia habitualmente despediuse do filho com um beijo Esse foi o último contato com o pai Horas mais tarde quando telefonaram para dar a notícia da morte Jorge estava em casa mas a mãe pensou que ele não a tinha entendido Imediatamente e sem lhe dar explicações foi levado à casa de tios onde permaneceu até o final do enterro Quando voltou encontrou a mãe de luto chorando A mãe tentou justificar a ausência do pai dizendolhe que havia viajado por longo tempo No transcorrer dos dias Jorge não satisfeito com as explicações Parte do trabalho que com o mesmo titulo foi apresentado na Asociación Psicoanalítica Argentina no dia 14 de abril de 1956 Arminda Aberastury 181 recebidas começou a perseguir a mãe com perguntas recebendo toda classe de respostas menos a verdadeira A situação chegou a ser insustentável e então a mãe embora não fosse religiosa decidiu dizerlhe que seu pai fora para o céu e não vol taria mais Jorge longe de tranquilizarse deu mostras de uma angústia e confusão crescentes que se manifestaram através de um interrogatório incessante não só dirigido à mãe mas a todos os familiares Que é o Céu Onde fica o Céu Que faz papai no Céu No Céu se faz pipi e cocô Comem De avião se pode chegar ao Céu Papai está sempre no Céu Por que se podem ver os aviões no Céu e eu não posso ver o meu pai Quando vai voltar o papai Finalmente a mãe considerou conveniente dizerlhe que seu pai havia mor rido pronunciando pela primeira vez esta palavra Que é morrer pergunta Jorge Morrer é como dormir mas sem acordar mais responde a mãe A par tir desse momento teve dificuldades para conciliar o sono transtorno que foi pau latinamente aumentando e complicandose Apareceram temores noturnos e mui tas vezes acordava chorando Um dia perguntou se a carne era de um animal morto e a partir deste momento negouse a comêla Pouco a pouco essa atitude de rechaço deslocouse a outros alimentos chegando a sofrer de grave anorexia A mãe acrescentou é conveniente comentar que Jorge nunca demonstrou ciúmes por seu único irmão Carlos nascido dois meses após a morte do pai Além disso nos últimos tempos tinha perdido todo o interesse por seus brinquedos A relação com a mãe sofreu uma modificação depois da morte do pai A prin cípio assumiu uma atitude algo fria para passar depois a agarrarse na minha saia segundo suas próprias palavras e a exercer constante controle sobre todos os atos dela Jorge foi uma criança aparentemente desejada pelos progenitores que pare ciam haver tido uma vida matrimonial feliz Segundo a mãe a gravidez transcorreu sem transtornos e o parto realizouse com anestesia Foi criado pela mãe até um mês Desde o começo teve dificuldade em prenderse ao seio Tinha tendência a dormir enquanto mamava fato que a mãe atribuía ao cansaço que lhe produzia suc cionar e obter pouco leite Aceitou bem a alimentação mista e o desmame realiza do aos três meses Mas o fato de que a partir da idade de um ano fosse alérgico a todos os produtos lácteos mostra que elaborou só aparentemente bem a perda do seio Aos quinze dias foi circuncisado Relata a mãe que embora Jorge conheces se crianças não circuncisadas nunca fez perguntas sobre a diferença de seu pênis com o dos outros mas quando da circuncisão do irmão perguntou por que tinha o pipi tão vermelho A mãe respondeu que se devia ao fato de Carlos urinarse e que isso lhe produzia irritação Da origem das crianças por outro lado a mãe rela ta haver dito a verdade A relação do menino com os pais parecia ter sido boa e a partir da gravidez da mãe tlnhase aproximado mais do pai Desde o início da entrevista com a mãe era evidente a gravidade dos confli tos do menino e o fracasso na elaboração normal do luto pelo qual se aconselhou sem perda de tempo um tratamanto psicanalítico Jorge anallsouse durante um ano 1 Psicanálise da Criança e meio com quatro sessões por semana Seu tratamento foi interrompido então por motivos econômicos Nessa ocasião esclareceuse à mãe embora a maior parte dos sintomas tivesse desaparecido ainda não se podia considerar terminada a análise Naquela época Jorge tinha voltado a ser um menino alegre interessado nos seus jogos e tinha conseguido substituir a figura do pai pela de um tio político muito carinhoso em quem podia apoiarse Neste fragmento de seu caso exporei e analisarei somente uma parte do material relacionado com a morte do pai sublinhando os fatores internos e exter nos que dificultaram a elaboração normal do luto Na primeira hora de jogo a primeira de seu tratamento o menino simbo lizou através da atividade lúdica seu conflito com a morte do pai Como é habitual nesses casos Jorge foi informado do motivo pelo qual se submetia ao tratamento2 Sua mãe explicoulhe que eu era uma pessoa muito boa que o ajudaria a resolver suas complicações Chegou acompanhado pela mãe e insistia que esta entrasse no consultório Uma vez dentro a mãe sentouse ao lado dedicandose a 1er e o menino pareceu desinteressarse dela Observou atentamente a sala e os brinquedos dando a impressão de grande desconfiança Sentouse perto dos brinquedos mas sem tocá los permanecendo em silêncio por um longo tempo e olhandome sempre Então lhe interpretei Queres conhecer os brinquedos que eu te dou para saber se são bons ou maus se sou boa ou má Tens medo que sejamos maus por isso não te ani mas a brincar comigo A esta altura da sessão ainda era impossível saber as causas internas que determinavam a atitude desconfiada de Jorge mas era lógico supor que colocaria em dúvida minha bondade como me definiu a mãe já que ela como vimos men tiulhe em outras oportunidades Por outro lado sua atitude também estava deter minada pelo temor de que eu repetisse as más condutas de seus pais3 Depois da interpretação animouse a revisar os brinquedos escolhendo em primeiro lugar o avião Deixouo de lado para agarrar dois barquinhos de diferen tes tamanhos Colocouos a flutuar na água brincando em silêncio de navegar A mãe ao vêlo absorvido pelo brinquedo disselhe que sairia para esperálo lá fora o que despertou em Jorge uma grande angústia Começou a chorar pedindo que não fosse embora Somente quando teve certeza de que não sairia retornou ao jogo Tens medo disselhe eu que a tua mamãe te deixe sozinho que vá embora e não volte mais como aconteceu com o teu papai por isso te assustas tanto e choras Essa interpretação atuou diminuindo seus temores como pude comprovar quando Jorge depois de um tempo permitiu espontaneamente que a 1 Cf capítulo 7 2 Cf capítulo 5 3 Cf capítulo 7 Arminda Aberastury 183 mãe abandonasse o consultório Apesar disso a necessidade de reasseguramento sobre o destino da mãe e seu retorno manifestouse por uma série de perguntas que lhe formulou onde o esperaria que faria enquanto isso quanto tempo ficaria na sala de espera voltaria quando ele chamasse Evidentemente o abandono imprevisto e a insegurança sobre o que pudes se acontecer à mãe não estando ele presente o angustiavam temeroso da repeti ção do trauma original1 Jorge continuou seu jogo contandome que em sua casa não tinha barcos mas sim dois cisnes de plástico que flutuavam na água Os barcos e os cisnes tinham como elemento comum o flutuar poder navegar era o que Jorge esperava de sua análise Disse ele O cisne maior quebrou a cabeça mas eu não tenho culpa a culpa é de Oscar Não também não quem tem culpa são as paredes Interpretei consi derando este como o momento de máxima urgência dentro da sessão As vezes quiseste quebrar a cabeçapipi do cisnepapai e agora que o teu papai está morto te sentes muito mal pensas que a tua raiva o matou e tens medo de que tua mamãe e eu fiquemos brabas contigo e não te queiramos mais Com esta interpretação expressei tanto o medo a perder o carinho da mãe como também o meu pois Jorge ao falar dos dois cisnes e dos dois barcos a casa e o consultório a mãe e o analista induziume a fazêlo A culpa expressa neste jogo provocou no mínimo fortes ansiedades persecutórias levandoo a projetálas em Oscar e nas paredes negandoa assim frente a mim por temor pois na minha pessoa tinha projetado certos aspectos de seu superego Eu representava principal mente o pai destruído cisne com a cabeça quebrada convertido na presente situação em seu principal perseguidor por ter sido objeto da agressão do mesmo Também representava sua mãe furiosa pela perda do pai e parcialmente enten deu a intenção dela de sair do consultório abandonandoo como vingança Em última instância o que tentou projetar sobre Oscar e sobre as paredes foram seus impulsos destrutivos dirigidos ao pai cisne com a cabeça quebrada numa tenta tiva a mais de negar a morte deste e a culpa que o fato lhe produzia enquanto sen tia que ele a havia determinado No decorrer da análise pude compreender total mente a fantasia dos cisnes quando estabeleci a identidade de Oscar que terminou por ser um primo de Jorge extremamente brigão e agressivo a quem Jorge imitava Essas características fizeram de Oscar a figura ideal para serem projetados os impul sos destrutivos Mas na medida em que Jorge também se identificava introjetiva mente com ele a defesa fracassava sendo necessário buscar um segundo elemento para projetar muito mais afastado de si mesmo as paredes A interpretação referente aos seus desejos de morte do pai e a consequen te culpa determinou uma modificação no jogo Jorge agarrou um pedaço de massa de modelar e tentando amolecêla solicitou minha ajuda Trabalhava calado amas sando o material de forma torpe Com grande dificuldade fez três cobrinhas de dife rentes tamanhos e as colocou sobre a mesa uma ao lado da outra na seguinte 4 Cf capitulo 7 184 Psicanálise da Criança ordem a melhor e a média nas extremidades e a maior no meio Finalmente esti cou a menor até convertêla na mais comprida Sentias interpreteilhe que a cobrinhapapai te separava da cobrinha mamãe e por isso às vezes desejaste que teu papai morresse Querias ser como teu papai e ter um pipi ainda maior que o dele cobrinha pequena que passa a ser a maior mas como isso não acontecia ficaste muito brabo e quiseste que o pipi do teu papai se quebrasse cisne com a cabeça quebrada Através desse jogo Jorge expressou a situação triangular e o conflito edípico que tentou solucionar desejando a morte do pai fantasia que neste caso coincidiu com a realidade Simbolizou além disso a ereção do seu pênis com a cena primá ria cobrinha que se alonga e os desejos de voltar a dar vida ao pai destruído moti vo pelo qual escolheu o jogo no qual tinha que contruir fazer cobras como antíte se do destruir Mas a torpeza e a dificuldade com que trabalhava evidenciavam o intenso conflito entre seu amor e seu ódio Mencionar abertamente em minhas interpretações a morte do pai não repe tindo a atitude da mãe e dos familiares permitiu a Jorge ter a primeira vivência de retificação do fato interna e externamente através da análise Quando anunciei o fim da hora manifestou desejos de voltar novamente Essa primeira sessão foi seguida por um período em que Jorge realizou com pequenas variações um mesmo jogo denominado por ele fazer provas difíceis Colocava os móveis do consultório um em cima do outro subia neles fazendo toda sorte de piruetas expondose continuamente a uma queda Eu devia contemplálo entusiasmada e aplaudir cada vez que concluía uma prova com êxito Além de interpretar a conduta masoquista de Jorge tomei sempre as medi das necessárias para evitar que não se machucasse seriamente5 Apesar disso e das interpretações fazia coisas tão arriscadas que chegava a cair Dizia então contendo as lágrimas Não dói nada ou Não me dói porque sou muito forte ou Homem não chora Falava frequentemente em ser grande e forte o pai ao mesmo tempo que me tratava como se eu fosse pequeninho ele mesmo ou o irmão dependen do das circunstâncias e do papel em que ele me colocava assumindo uma atitude verdadeiramente paternal para comigo Coincidiu esta conduta evidenciada durante a análise com uma de sua casa quando seu brinquedo preferido era calçar os sapa tos do pai dizendo ser ele Outras vezes não se limitava a realizar as provas mas subia até o mais alto dos móveis tentando tocar no teto com a mão alcançar o pai no céu O pai tinha sido um homem forte e amante dos esportes Aos domingos costumava ir com Jorge a um clube onde praticava uma série de esportes provas que despertavam a admiração do menino Através desses jogos Jorge expressava sua necessidade de identificarse introjetivamente com o pai esportista sinônimo de pai vivo e forte para negar tanto a perda do objeto amado como seu próprio temor à morte Ao 5 Cf capitulo S Arminda Aberastury 18 mesmo tempo sua culpa o levava a seguir o destino do pai expondose ele mesmo à morte mediante as quedas pequenos suicídios6 Não chorava para poder ser como o pai homem não chora e também por que chorar por ele supunha aceitar sua morte Quando na realização das provas necessitava de minha ajuda para levantar ou arrastar algum móvel mais pesado fica va furioso O fracasso da defesa maníaca imposta pelo juízo de realidade não tinha a força do pai enfrentavao uma vez mais com sua culpa do que agora se defendia transformandoa em agressão fúria Ter que ocupar o lugar do pai o que aparentemente o agradava na suposição de realizar seus desejos edípicos produzialhe no fundo uma grande angústia enquanto era uma imposição de seu superego pois considerando sua idade e situa ção real não se encontrava em condições de realizálo7 Esse jogo considerando o contexto da sessão em que aparecia foi utilizado por Jorge para simbolizar além dos aspectos interpretados seu desejo de conquistarme através do êxito de suas provas difíceis potência Usava este mesmo jogo tanto para expressar fantasias edípicas como para mostrar sua necessidade masoquista de destruirse Não era estranho que assim acontecesse pois como se demonstrou no transcurso da análise para Jorge as relações sexuais eram frequentemente ligadas com a morte do homem O traumático que foi para Jorge o caráter repentino da morte de seu pai além do fato em si foi simbolizado por ele durante várias sessões através de um jogo rea lizado com a persiana do consultório Consistia em baixála lentamente enquanto dizia Vejote pouco agora te vejo menos agora já não te vejo às vezes agregava Onde estás Depois de conseguir obscuridade completa abriaa outra vez O núcleo central deste jogo que demonstrou ser análogo ao do carretel des crito por Freud8 era fazer desaparecer e reaparecer ativamente o objeto o que para o inconsciente do menino representava perdêlo e recuperálo Mas nesse jogo ao lado da necessidade de seguir negando a morte através do sentir em si mesmo a capacidade de ressuscitar o objeto fazer a luz aparecia o primeiro indí cio de aceitação da morte obscuridade Jorge começava a elaborar mais normal mente a morte ao aceitar a perda apoiandose na situação transferencial analista 6 A tendência das crianças a queixarse e o hábito de cair e machucarse devem ser considerados como a expressão de diversos medos e sentimento de culpa A análise de crianças nos convenceu de que estes repetidos acidentes e às vezes outros mais sérios são substituições de autodestrui ções mais graves e podem simbolizar tentativas de suicídio com meios insuficientes Em multas crianças especialmente meninos uma extrema sensibilidade à dor é substituída muito cedo por uma exagerada indiferença que segundo considero não passa de uma defesa elaborada contra a ansie dade e uma modificação da mesma Melanie Klein El pslcoanálisis de ninos parte I cap VI Neurosis en los ninos p I 14 Ed Asociación Psicoanalítica Argentina Buenos Aires 1948 tradu zido por Arminda Aberastury de Plchon Rivière 7 Quando morreu seu marido a mãe levou Jorge que até então dormia em quarto separado a com partir com ela a cama matrimonial Este fato além de sobreestimular o menino reforçou seu man dato Imposto pelo superego ocupar o lugar do pnl 8 FREUD Sigmund Más allá dei principio dei pincer tomo II Una teoria sexual y otros ensayos p 285 186 Psicanálise da Criança pai que desaparecia na obscuridade Tudo tinha que ser feito pouco a pouco e não rapidamente como ocorreu na realidade Frequentemente aparecia no material de Jorge a vivência de que seus impul sos destrutivos nascidos da situação edípica tinham destruído o pai o que deter minou a necessidade de reprimilos que pôde ser interpretada quando foi revivida na situação transferencial Costumávamos brincar de corrida com carrinhos ou aviões Entre seus brin quedos tinha um carrinho amarelo que o representava e que sempre ganhava mesmo chegando em segundo lugar e outro prateado que me representava Em nosso jogo usávamos como pista o divã relacionado com a cama de seus pais e com a cena primária Jorge se colocava na cabeceira largada e eu devia ficar nos pés do divã chegada para evitar que os carros caíssem Devíamos limitar a pista e os car ros da mesma forma como ele tentava limitar certos impulsos seus por temor a per der o controle Durante uma das corridas impulsionou com grande violência meu carrinho que geralmente era o vencedor fazendo com que se desviasse da rota e caísse ao chão Que desastre exclamou e a partir desse momento só demonstrava entusiasmo se o seu carro e o meu chegassem empatados Interpretei então O carrinho amarelo Jorge queria ganhar do carrinho prateado analistapapai e como não pôde quis que o carrinhopapai tivesse um desastre Quando o teu papai mor reu de verdade te assustaste muito do desastre Não gostarias que isso aconteces se também comigo por isso queres que nossos carrinhos empatem assim não acon tece nada As vezes quando não conseguia empatar os carros obrigavame a determi nar o ganhador Deste modo ao não nomear ele o vencedor evitava magicamente o desastre morte do pai rival ao mesmo tempo que descarregava a responsabili dade dos seus atos sobre mim Neste caso o tratamento será seguido por uma segunda análise de Jorge que foi determinada pelos seguintes motivos com o tempo a mãe que casou de novo engravidou pela terceira vez Quando chegou ao sexto mês época da morte do pai de Jorge na gravidez anterior apareceram novamente uma série de sintomas9 No material que segue veremos como o menino durante a primeira análise asso ciava a morte do pai à cena primária e a suas consequências a gravidez Toda a primeira época do tratamento caracterizouse pelo aparecimento através de diferentes jogos do sentimento de culpa pela morte do pai A interpre tação reiterada da mesma trouxe além de sua diminuição e alívio da culpa o apa recimento de uma fantasia angustiante para o menino Esta tinha permanecido 9 Neste momento tão traumático a mãe recorreu a Arminda Aberastury a mesma analista que fez a orientação de tratamento para seu filho quando da primeira vez Esta lhe disse que ao estar no mesmo mês da gravidez em que se encontrava quando morreu seu primeiro marido temia que ao segundo pudesse acontecer o mesmo e que este mesmo medo era o que na criança provocava o aparecimento dos novos sintomas Isto a ajudou a decidirse a procurar novo tratamento para o filho ao mesmo tempo que entrava em um grupo de orientação de maes 1 0 Arminda Aberastury io muito tempo reprimida que sua mãe tinha matado o pai Mostrarei em continua ção como um erro meu não interpretar a tempo esse problema com a mãe levou Jorge a faltar a cinco sessões seguidas Dentro do consultório havia uma caixa de material de jogo diferente das demais Referindose a ela Jorge me disse um dia Eu sei que para este menino escolheste tu a caixa considerando o material anterior que permitia supôlo e como Jorge tenha reclamado que eu não lhe comprava giz relacionei as duas situa ções e interpretei Aqui te acontece como na tua casa Tens medo que eu dê mais a outras crianças que a ti como antes tinhas medo que a tua mamãe desse mais a teu papai e agora ao teu irmão Interrompeume dizendo Eu não penso em crianças penso em meu papai que está morto Com essa resposta mostravame sua necessidade de negar a gravidez da mãe Eu não penso em crianças por temor que ela tivesse causado a morte do pai Dentro dessa sessão o ponto de máxima urgência a interpretar possivelmente fosse o temor de que a terapeutamãe escolhesse a caixaataúde ou seja que matava É evidente que não ter mostrado oportunamente a projeção na analista da figura da mãe que mata fez com que Jorge se defendesse mediante a dissociação da imagem materna colocando na mãe real todo o bom e em mim todo o mau e perigoso Com certeza uma interpretação des sas fantasias e temores feita a tempo evitaria que faltasse ao tratamento durante as cinco sessões consecutivas10 Passados esses dias Jorge retornou e imediatamente explicou que tinha dei xado de vir porque segundo ele eu sempre dizia que as mulheres tinham pipi Manifestou que nessa ocasião tinha decidido voltar porque sua mãe lhe prometeu que eu não lhe diria mais essas porcarias Era claro que para enfrentarse com a mãe perigosa projetada em mim no momento foi obrigado a buscar o apoio pro messa da mãe boa representada neste caso pela mãe real Demonstrou então grande preocupação em averiguar se sua chave estaria ainda no cadeado que fechou sua caixa de brinquedos Queria saber o que tinha feito eu mãe com seu pênis da chave que ele tinha colocado na minha vagina cadeado o temor de não encontrá la estava intimamente relacionado com as fantasias da mãe fálica As mulheres com pipi representavam a analistamãe que tinha tirado o pênis do pai durante o coito e em parte também dele através da circuncisão Evidentemente em Jorge como em toda criança a periculosidade das rela ções sexuais e da gravidez estava em parte representada pela projeção dos senti mentos de raiva e inveja nascidos frente à cena primária O fato de que sua mãe estivesse grávida ao morrer o pai levouo a reforçar sua velha imagem de mãe má que destrói e que na realidade correspondia à mãe que o amamentou deficiente mente Como agravante da situação recordemos que a circuncisão coincidiu com a época em que recebeu pouco leite 10 Quando uma criança resiste a vir A m iÔM podeso o se devo pedir ajuda aos pals para trazêla mas não se pode contar Incondicionalmente com essa ajuda E necessário que a Interpretação resolva a resistência Cf El pMlcoaiirillili ilv ninai de Melanle Klein 188 Psicanálise da Criança Quando através das interpretações nos termos expostos as relações sexuais e a gravidez como causa de morte para o homem perderam o seu perigo apareceu simbolizada por diversos jogos a fantasia edípica de fazer crianças comigo Brincávamos de fazer juntos moldezinhos de areia crianças ou de misturar com aquela as cores primárias para obter uma nova cor filho Anteriormente já havia aparecido muito material com conteúdo edípico mas com mais intensidade nessa época e através dos jogos mencionados demonstrou não só suas fantasias sexuais com a analistamãe mas também seus desejos de fazer crianças com ela Isso deno tava que Jorge tinha podido retificar seu conceito de que o coito especialmente aquele que engendrava filhos era mortal podendo então aceitar sua própria potên cia e o desejo de converterse em homem O fato de que a análise fosse interrompida quando se tinha elaborado a morte do pai mas não totalmente os conflitos em relação com a mãe explica que ao se apresentar uma situação similar à traumática original Jorge apresentasse novos sintomas Confirmando isso um dos sintomas que não desapareceram com o primeiro tratamento foi sua alergia a alimentos lácteos relacionada com seus pro blemas frente ao seio A má elaboração do primitivo luto pelo seio foi a base de suas dificuldades para elaborar a perda ulterior do pai à que se uniram certas circuns tâncias externas principalmente as mentiras da mãe que fizeram com que perdes se a confiança nela num momento em que necessitava de seu máximo apoio SEGUNDA PARTE SUSANA L DE FERRER Jorge reiniciou sua análise cinco anos depois da interrupção do primeiro trata mento Sua analista anterior havia viajado ao exterior razão pela qual me encarreguei de atendêlo Nesse meio tempo entre o término de um tratamento e o início do outro aconteceram fatos muito importantes na vida do menino Por ter podido elaborar o luto pela morte do pai na forma descrita pela analista anterior Jorge reiniciou sua atividade lúdica voltou a frequentar o colégio e mostrou uma atividade mais desinibida Aos cinco anos de idade Jorge começou a padecer de uma leve asma brôn quica e acentuouse sua alergia já aparecida depois do primeiro ano de idade rela cionada especialmente com a ingestão de produtos lácteos Isso foi comentado na primeira exposição através da qual podemos compreender que pela interrupção prematura da análise não foi possível a resolução desses transtornos Ao mesmo I I KLEIN Melanie El duelo y su relación con los estados maníacodepresivos Rev de Psicoanálisis tomo VII n 3 p I45 Fragmento do trabalho apresentado na Sociedad de Psicologia Médica Psicoanálisis y Medicina Psicosomátlca no ano de 1958 sob o titulo Reelaboración dei duelo en un nino de 10 afios Arminda Aberastury tempo foi diagnosticada a existência de parasitas intestinais que traziam sérios incômodos ao menino A mãe não pensou que essa sintomatologia somática pudes se estar relacionada com os conflitos emocionais do filho motivo pelo qual procu rou um pediatra que periodicamente combatia com medicamentos as somatiza ções de Jorge E interessante assinalar que o pai tinha sido uma pessoa alérgica que apresentara reiteradamente acessos asmáticos e que a identificação com o objeto perdido fazia apresentar esses sintomas Tendo Jorge nove anos a mãe casou outra vez Isso permitiu ao nosso paciente substituir a figura do tio que se ocupou muito dele depois da morte do pai e de quem se fala no primeiro relato pela figura de um pai que podia encarregarse de forma completa dele Além de pai ocuparia o lugar de companheiro da mãe permitindo a Jorge renunciar à exigência superegoica que sentia de cumprir esse papel para o qual evidentemente não estava em condições Estando a mãe no sexto mês de sua terceira gravidez fruto de suas segundas núpcias eclodiu no menino uma crise de mal asmático impossível de ser controla da Depois do fracasso reiterado de medicação específica e depois de serem usados hormônios em doses excessivas Jorge foi encaminhado a mim sua segunda analis ta Quero destacar aqui a diferença que existe entre asma brônquica e o mal asmá tico o segundo referese a acessos bruscos e muito intensos de dispnéias que colo cam em perigo a vida do paciente Através deles Jorge expressava a exigência que inconscientemente sentia de ter que seguir o destino do pai morto Já na primeira entrevista com a mãe foi possível entender que o início da difí cil situação atual de Jorge coincidia com a época na qual na gravidez anterior seis meses tinha falecido bruscamente o pai Compreendemos que era a ansiedade frente à reminiscência de tão traumática situação como o temor que voltasse a acontecer o que levou o menino a apresentar a crise Resolvemos um rápido e intensivo reinicio de seu tratamento psicanalítico com quatro sessões semanais Jorge tinha dez anos e cursava o quarto ano do colégio primário Era uma criança de altura média com expressão um tanto triste mas inteligente e de agra dável aparência Já na primeira entrevista conhecia a finalidade do nosso encontro Apesar disso foi grande o seu assombro embora o tivesse prevenido quando se encontrou comigo e não com a sua anterior terapeuta da mesma maneira como se encontrava atualmente com um pai que não era o mesmo que aquele que vivia durante a primeira parte da segunda gravidez da mãe Compreendemos mais tarde através de seu material que essa contradição levarao a inferir dois fatos contradi tórios em si Por um lado que nessa nova gravidez e parto da mãe tudo seria dife rente do que foi na oportunidade anterior ou seja que nem o pai nem ele deveriam morrer Ao mesmo tempo a evidência da ausência da sua primeira analista o fazia identificar seu destino com o do pai morto o que reavivava sua dor A primeira hora de jogo que foi ao mesmo tempo sua primeira sessão de aná lise desenvolveuse num solene silêncio que falava do conteúdo latente da mesma Tomou posse da caixa de brinquedos que lhe foi destinada segundo a técnica habi tual de jogos Esta continha os brinquedos que se costuma colocar para um menino de dez anos de idade estando Incluído além disso uma pistola uma espingarda 190 Psicanálise da Criança muitos lápis aquarela e massa de modelar por apontar a mãe esses elementos entre seus brinquedos preferidos Diante da caixa aberta por mim Jorge mostrou grande desconfiança Quero esclarecer aqui que habitualmente procedia de maneira diferente abrindo a caixa e arrumando os brinquedos em cima da mesa do consultório principalmente quando se tratava da primeira sessão de uma criança sem experiência psicanalítica Inconscientemente deve ter atuado em mim ao conhecer a história de Jorge a con vicção da importância dessa atitude Jorge permaneceu sentado numa cadeira com os cotovelos apoiados na mesa olhandome Passado certo tempo interpreteilhe que os conteúdos da caixa ao representarem seus próprios conteúdos internos pensamentos fantasias e sen timentos despertavam nele muito temor pela possibilidade de reencontrar lem branças muito tristes e dolorosas Sem responderme levantouse e dirigindose à caixa de brinquedos agarrou da caixa a massa de modelar sem levar em contra os demais elementos reclinoulhe a tampa como quem não quer saber de nada mais do que está dentro e começou a trabalhar com agilidade e decisão Fez a cara de um homem à qual acrescentou uma barba paulatinamente foi acrescentando o dorso os braços as pernas configurando aos poucos o corpo de modo muito rígi do ao utilizar os já préformados bastões de massa de modelar tal como se apre sentava no desenho da caixa original Foi intensíssimo o impacto contratransferencial que essa atividade lúdica teve sobre mim ao observar a criação de uma figura que sem dúvida representava o anterior e velho pai a barba para se referir não ao seu pai atual e vivo senão àquele já morto que vivia dentro dele nessas circunstâncias tão especiais de sua vida Detiveme na interpretação por sentir que ainda não era o momento útil para formulála Aproximandose a hora em que devia terminar a sessão disselhe que já estava finalizando Jorge teve então o impulso de guardar os restos da massa de modelar dentro da caixa Titubeou contudo diante da figura de massa Com expressão dramática e comovedora como se me perguntasse se teria que voltar ou não à caixa da qual ele o tinha tirado simbolicamente Decidiu envolvêlo num papel que retirou da caixa e colocou o boneco assim envolto dentro da mesma Ao que rer fechar com chave como é habitual apoderouse dele uma grande crise de pâni co olhoume com terror e os seus olhos se encheram de lágrimas Disseme Vou leválo Antes que eu pudesse formularlhe a interpretação correspondente saiu correndo do consultório em direção à sala de espera onde a mãe o aguardava Tirou dessa compulsivamente a bolsa abriua e colocou dentro o bonequinho dizendolhe Guarda ele para mim e Vamos Creio que é importante assinalar a forma como a criança expressou sua dor latente durante essa primeira sessão que adquiriu uma dramaticidade notória Creio que poderia ter interpretado já nesse primeiro momento da análise a neces sidade da criança de dar outra vez vida a seu pai morto e de negarse a colocálo num frio caixão de madeira onde em realidade sabia que já estava alojado e não poder deixálo sozinho pretendendo que sua mãe cuidasse dele que devia colocá Arminda Aberastury lo na sua bolsa assim como tinha colocado as suas crianças no seu ventre preser vandoas de acontecimentos dramáticos e dolorosos Na sessão seguinte à qual chegou com toda pontualidade trouxe o boneco sempre enrolado em papel mas ao retirálo do seu bolso desprendeuse a cabeça Olhoume muito assustado Disselhe então que pareciame que ele tinha resolvido ver comigo o que acontecia com o seu pai morto agora quando as circunstâncias se assemelhavam tanto à opor tunidade em que tinha acontecido aquela desgraça E bom recordar que na primei ra sessão de sua primeira análise tinha simbolizado a morte do pai e o acúmulo de sentimentos que isso havia despertado nele através de um cisne com a cabeça que brada Aqui comigo tinha usado uma expressão muito similar para traduzir a mesma situação e os afetos concomitantes Deixou desarmado o boneco e tirou o papel lápis e caneta e começou a desenhar figura I Nesta figura mostrava no lado direito três hortas fechadas A B e C e em aumento gradativo No lado esquerdo aparecem três árvores D E e F que se suce dem em tamanho decrescente No fundo aparece uma casa de frente na qual se encontram os moinhos de água um totalmente localizado na terra e o outro com a metade na terra e a metade no céu Ao lado dessa casa vemos outra menor onde está atado um cachorro que dá as costas para a horta O céu é uma estreita franja azul celeste que se distingue no horizonte As hortas fechadas de tamanho crescen te representam as três gravidezes da mãe e também a atual gravidez já que Jorge podia observar muito bem o paulatino crescimento do ventre dela Reavivase nele a ansiedade da gravidez anterior o que se manifesta através do céu muito estreito que simboliza sua dificuldade respitarória ela está representada pelo cachorro que dá as costas à horta A a gravidez menor ou atual de sua mãe mas não podia deixar de ver as três árvores sem folhas D E e F que representavam a mãe ele e seu irmão assim como tinha ficado depois da morte do pai No fundo a casa com dois moinhos de água representava a mãe com seus dois esposos enquanto que ele excluído representandose por um cachorrinho viase atado a uma casa muito pequena iso lado dos demais Observase que dos dois moinhos de água um tem sua roda pró pria ocupando todo o fundo verde símbolo da vida enquanto que o outro carece de roda outra vez a decapitação evidenciada através da cabeça quebrada do cisne e do boneco quebrado de massa de modelar e está situado metade na terra e meta de no céu onde primitivamente se fez crer a Jorge que se encontrava seu pai morto A insistência de Jorge em localizar o trauma na cabeça levounos a revisar os dados obtidos antes de iniciar o primeiro tratamento como também os relatados antes de iniciar o segundo A mãe tinha contado em ambas as oportunidades que o pai falecera bruscamente de uma síncope cardíaca Foi possível comprovar que isso constituiu um modo de expressão para traduzir uma morte brusca enquanto que na realidade tinha ocorrido uma hemorragia cerebral fulminante12 12 É mais uma confirmação do quo ai criança eitao atontas a tudo quanto acontece a sua volta A rniie tinha falado do um ataque cardíaco ma no material a criança mostrava que a lesfto tinha sido na cabeça o que foi posteriormente confirmado pelo médico Figura 1 Arminda Aberastury 193 A resposta às interpretações formuladas durante essa sessão foi um desenho realizado na entrevista seguinte figura 2 Nesta figura se representa um campo No centro uma figura masculina que representa um ceifeiro com uma foice na mão direita à direita do ceifeiro uma parte de um monte de palha A cortada e atada à esquerda um monte de palha aparentemente não concluído e sem atar B O céu é muito mais amplo que na figura anterior Interpretamos a figura do pai dividido em duas partes a direita com a foice simbolizando a morte pai morto e a esquerda muito mais débil que a primeira representando seu pai atual Ambas as figuras tinham se reforçado nele e podia ocu parse delas colocandoas como estavam entre suas duas análises representadas pelos dois montes de palha A interrompido mas concluído e atado e B recém iniciado O céu se mostrava já muito mais amplo que no primeiro desenho fato que coincidia com a realidade da diminuição de seus acessos de asma Inclusive já fora suspensa toda medicação Sua análise prosseguiu com a elaboração da morte de seu pai real e na medi da em que fazia consciente a ansiedade que nele despertava a gravidez da mãe e o reviver da situação dramática a sintomatologia asmática desaparecia totalmente Dez dias antes da data anunciada para o parto da mãe ou seja quase três meses depois de iniciar o tratamento comigo Jorge fez o seguinte desenho figura 3 um edifício de seis andares que está em chamas A à direita outro edifício de seis andares apenas insinuado B e do outro lado uma loja de sombrinhas que têm duas vitrines e uma imagem feminina no centro C Um sol bastante luminoso ilu mina esta parte do desenho Na rua D vêse uma ambulância E e um caminhão de bombeiros F que vão em socorro do edifício que está em chamas Através deste desenho podese compreender que o edifício de seis andares representa os seis meses de gravidez da mãe momento em que se produz a fixação da situação traumática a morte do pai O edifício estava em chamas anunciandonos a proxi midade do parto que em realidade aconteceu no dia seguinte dez dias antes do esperado Frente a esta circunstância alarmante Jorge faz com que a ambulância da cruz vermelha e o caminhão de bombeiros aparecessem em socorro A escada deste coincidia também com a escada que Jorge tentava obter no seu tratamento anterior quando colocando cadeiras sobre a mesa tentando tocar o teto expres sando seu desejo de chegar até o céu onde acreditava estar seu pai Na parte do desenho onde arde o edifício o céu é novamente estreito manifestando sua ansie dade respiratória não é assim na outra metade ocupada pela casa das sombrinhas o tratamento analítico Frequentemente os chapéus ou uma casa de chapéus como também o cabeleireiro ou a cabeleireira simbolizam nos sonhos e jogos o psicanalista já que este também se ocupa da cabeça As vitrinas assim como os montes de palha da figura 2 representam seus dois tratamentos psicanalíticos o da direita cortado e o da esquerda relacionado à sua situação atual a iminência do parto Ambos realizados por analistas mulheres como coloca manifestamente a figura feminina no centro olhando no passado seu tratamento anterior O céu nesta parte do desenho ainda iir sombrio lom um grande sol que representa o Figura 2 196 Psicanálise da Criança calor transferencial que nestes momentos sente em relação a mim que ao analisar suas ansiedades de morte o estou ajudando a obter um espaço de ar mais amplo ou seja uma maior capacidade respiratória assim como ocorreu no seu tratamen to anterior Um dia depois da realização desse desenho a mãe deu à luz Nasceu uma menina que foi bem recebida por Jorge que não respondeu com nenhum sintoma orgânico a este transcendental acontecimento Como comentou a analista anterior Jorge continuava entretanto suscetível ao leite reagindo com alergia de tal forma que sua ingestão eralhe totalmente proibida Reforçada pela lactância da irmã esta situação começou a mobilizarse quando pouco tempo depois do nascimento desta fez o desenho da figura 4 vemos uma sucessão de montanhas verdes em seus vales e com picos áridos e nus o céu sombrio e novamente bastante estreito alberga um sol triste e apagado Através das associações de Jorge enquanto desenhava contan dome como chorava e mamava a sua irmã da forma como o fazia do modo como a mãe a segurava e as suposições que ele fazia em relação a sua própria lactância segundo ele não teria podido succionar o peito mas que teria tomado leite com a colher e a taça pude compreender que as montanhas representavam os peitos da mãe os mesmos que agora eram oferecidos a sua irmã Ele revivia sua própria lac tância como uma vivência muito frustrante representada através dos cumes áridos Jorge tinha mamado somente três meses e o tinha feito mal já que não podia satis fazer sua fome por ter a mãe muito pouco leite Além disso a cor desses cumes demonstrava que em sua fantasia inconsciente os peitos estavam cheios de cocô e por isso eram tão tóxicos para ele Isso explicava sua persistente alergia ao leite O sol ainda que pálido e sombrio demonstrava esperança de que a análise modificas se essa vivência íntima Interpretada a situação nos termos mencionados modificou a atividade lúdi ca sendo o desenho substituído por brinquedos com água e outros elementos líqui dos e pegajosos A análise de Jorge continuou de forma muito satisfatória e viuse que lenta mente os significados de seus jogos que tendiam a representar o leite materno expressavam também a ansiedade frente a suas próprias modificações corporais como a masturbação seu pênis e suas fantasias genitais A fantasia de que poderia fluir leite de seu próprio corpo e de seu pênis dessa maneira substituindo a vivên cia frustrante de sua mais remota infância em relação à lactância parecia tranquili zálo Ao completar um ano de tratamento livre de asma e alergia tendo aumen tado mais de seis quilos com uma dieta sem restrição Jorge começou a desenhar da forma como ilustram as figuras 5 6 7 e 8 Nelas aparecem claramente elementos que representam as características genitais Na figura 5 os paus A o peixe típico símbolo fálico B cruzado com riscos que também aparecem no círculo C e em todo desenho Na figura 6 há serpentes A e B símbolos do pênis com sua língua para fora ou seja com a glande descoberta como também um caracol C com suas duas casinhas simbolizando os dois testículos e o corpo emergindo com um Figura 4 Figura 5 Arminda Aberastury 199 pênis capaz de modificar seu tamanho Também o pássaro D tem idêntico signifi cado Aparecem riscos entrecruzados em diferentes partes do desenho represen tando a fantasia dos incipientes pelos que constituem sua barba e seu pêlo pubiano Nessas figuras podese ver claramente a preocupação de Jorge pelo aparecimento dos caracteres sexuais secundários modificação da voz crescimento do pênis apa recimento do esperma a barba o pelo das axilas o pelo pubiano Jorge tinha onze anos Na figura 7 repetemse nos setores A e B os pontos e os riscos com igual simbolismo mas acrescentase o uso de aquarelas elemento líquido que represen tava seu tão desejado e ao mesmo tempo temido leite No setor C expressa a ambivalência frente à permissibilidade dessas modificações através das palavras mal e bem expressando a dúvida de que se está certo ou errado que ele tivesse essas modificações Ao mesmo tempo perguntavanos se lhe era permitido elaborar sua dor de não poder ter recebido bastante leite através do fato de têlo agora no seu próprio organismo A figura 8 mostra como as anteriores elementos que poderiam muito bem representar uma condensação dos peitos da mãe A e B com a imagem do seu pró prio pênis emergindo dos pelos pubianos C é uma magnífica ilustração dos vestí gios da fase genital prévia As dúvidas com respeito à permissibilidade do ser homem culminaram em sua expressão gráfica com a figura 9 Nesta representa um soldado A com seu uni forme e enfeites B tendo este também uma espada C que está pendurada na sua cintura Esta figura está cruzada na parte inferior do corpo com o cabo de uma pis tola D cuja ponta não chegou a entrar na margem do papel pênis circuncisado A criança designou o personagem desenhado verbalmente com o nome de Napoleão Bonaparte apesar de indicar com uma longa flecha E o nome de Napoleão Malaparte mostrando através deste lapso que censurava esta parte do desenho como a má parte e a parte esquerda com manifesto conteúdo fálico espada pistola e flecha No dorso desta folha figura IO desenhou rostos sem barba A com barba B pássaros grandes C e pássaros pequenos D formas que expressavam sua ansiedade frente às fantasias de modificação no esquema corporal Este material foi explicitamente interpretado sendo a figura 11 o resultado do efeito das interpreta ções e sua concomitante elaboração dos conflitos Nela vemos uma casa A muito diferente da casa do cachorro da figura I que ali o representava um céu amplo signo da liberdade respiratória janelas transparentes fechadas mas bem colocadas e o mais significativo uma chaminé que soltava fumaça demonstrava seu maior equi líbrio e capacidade de comunicação com o mundo externo tanto através da comu nicação verbal como da respiratória Novamente o sol representava sua situação transferencial comigo Das duas árvores B e C representava o pai morto a árvo re B com suas formas quase que totalmente encobertas e seu pai atual a árvore C também as duas árvores representavam os dois tratamentos psicanalíticos O pri meiro B já passado e encoberto e o sogundo C atual e presente Seguiramse VABIEM MABIEM RIHMAI MABIE MARBENMES NAPOLEON MALPARTE 206 Psicanálise da Criança sessões onde se manifestava o alívio das ansiedades de Jorge assim podemos ver na figura 12 o céu amplo um sol luminoso colocado entre as nuvens brancas com pai sagens de montanhas e água no qual cada elemento ocupa o lugar que lhe corres ponde Acalmada a sintomatologia orgânica e encaminhada a criança para uma esco laridade satisfatória bom contato com os amigos etc a mãe acreditou novamente na conveniência da interrupção do tratamento depois de um ano e meio de análi se assim como tinha acontecido também prematuramente no tratamento anterior Ao saber disso Jorge foi acometido de uma grande ansiedade Numa ilustração expressou seu conflito e a forma como pensava enfrentálo ao considerarse inca paz de modificar o rumo da decisão implacável da mãe figura 13 O veleiro representavao com suas velas ou seja seus dois tratamentos psi canalíticos o mastro é o seu pênis erguido signo de sua potência e equilíbrio e a âncora demonstrava entretanto que a interrupção brusca o levava a ficar amarra do a mim porque seu vínculo transferencial não foi suficientemente resolvido como para permitir uma boa separação A mãe repetia na interrupção de ambos os trata mentos a forma brusca da morte do pai Como Jorge não podia obter o seguimen to de suas sessões combinou manter contato periódico comigo e exigiume que mantivesse a sua caixa de jogo em igual estado como ele a deixava ao separarse de mim Um ano depois de interromper o tratamento e sem que reaparecessem os sintomas que motivaram sua iniciação Jorge telefonoume pedindo uma entrevista Durante a mesma desenhou e coloriu a figura 14 Estava em dúvida com respeito ao colégio se devia ou não fazer um exame para ingressar no secundário No fundo do desenho como tantas vezes aparecem seus dois tratamentos psicanalíticos entre ambos um sol apagado pela proibição de continuar nas suas relações comigo Ele representado pela figura humana do desenho com aspecto muito afeminado com duas mãos grandes uma das quais amarrada como em atitude de parar Estava frente a uma água intransponível e com aspecto de poucas esperanças Segundo foi possível compreender através das associações expressava a incomodidade produzi da pela interrupção de sua análise e a dor que lhe provocava sentir que de alguma maneira se aproximava do colégio secundário deixando de ser um menino e deven do aceitar sua maior separação da mãe para poder encarregarse dos seus atributos masculinos próprios da adolescência Nessas associações que fazia enquanto dese nhava ao falarme de seus estudos da mudança de colégio sua análise comigo a qual considerava verde ainda como indica o montinho A com a árvore B apenas insinuando sua raiz compreendemos que tanto ele como eu coniderávamos o tra tamento prematuramente interrompido certamente provocado por situações inconscientes da mãe que não podemos compreender E importante notar que ambos os tratamentos do menino foram suspendidos depois de um ano e meio de terem sido iniciados De qualquer modo penso que Jorge conseguiu através de seu segundo tra tamento psicanalítico a passagem a uma etapa muito mais madura do seu desenvol Fig 12 Fig 13 210 Psicanálise da Criança vimento e que no momento da segunda interrupção primavam as ansiedades depressivas sobre as ansiedades paranoides como podemos ver no último desenho figura I4 Tive a intenção de fazer a exposição deste caso clínico da forma mais ilustra da possível passando da reelaboração da perda à resolução de sua sintomatologia orgânica angustiante a alergia e a asma e à aceitação da puberdade obtendo por conseguinte uma relação muito mais integrada com o mundo externo e interno Os progressos escolares se mantiveram estáveis e as crises asmáticas não se repetiram Isso foi comprovado pelo material transmitido pela mãe em um grupo de orienta ção do qual se encontrava Tornouse evidente também quão difícil lhe era aceitar os êxitos do filho Com frequência por exemplo iniciava as sessões dizendo que seu filho estava igual e se as outras integrantes do grupo ou a terapeuta a interroga vam sobre os sintomas costumava responder Bem igual não mas ontem espir rou Se a pressionavam para que explicasse por que negava a melhoria repetia às vezes Asma não voltou a ter está melhor mas quando tosse uma vez me parece que lhe voltam todos os sintomas Um dos conflitos que conscientizou foi sua difi culdade em aceitar a virilidade o crescimento do filho e penso que não pode ser a causa da suspensão do tratamento as alegadas dificuldades econômicas num momento em que as tendências genitais de seu filho se solidificavam MARTA Os pais de Marta menina de quatro anos consultaram uma analista por causa da enurese e dos transtornos de caráter que apresentava sua filha Relataram que era muito desobediente que não tolerava frustrações e não podia suportar as pessoas desconhecidas escondendose delas e manifestando sua agressão Tinha tendência a comportarse como um bebê exigindo que sua mãe a carregasse no colo de um lugar a outro Tinha além disso excessivo pudor em mostrar seus pés e seus genitais Por todos esses motivos decidiuse submetêla a um tratamento Durante os primeiros meses não quis separarse de sua mãe e a analista teve que Interpretar enquanto a menina permanecia sentada no colo da mãe dando as cos tas à terapeuta Como não falava nem brincava as interpretações se baseavam nos movimentos e na modificação de posição Marta reagia enroscandose ou imobili zandose progressivamente até terminar numa atitude fetal O sintoma principal sua rejeição do mundo fezse evidente numa rejeição ao terapeuta e suas interpre tações Defendiase diminuindo de tamanho no colo de sua mãe adotando a posi ção de feto Com um mês de tratamento a mãe entrou no consultório e anunciou à tera peuta que tinha feito um trato com a filha e que a menina tinha prometido entrar sozinha nas próximas sessões Imediatamente depois desses comentários da mãe Marta aproximouse dela apoiando seus braços e a cabeça e largando depois o corpo como para cair no chão Interpretouse esse movimento como a fantasia de nascimento e desprendimento como a separação da mãe Entrar sozinha no consul I Mercedes G de Garbarlno 212 Psicanálise da Criança tório equivalia a perdêla como ao nascer Enquanto escutava a voz da terapeuta voltou ao colo da mãe Foi interpretado então que a voz era algo do mundo exte rior que a colocava na realidade que tanto temia não podia suportar separarse da mãe e voltava por isso a introduzirse nela Aceitar a voz humana teria sido aceitar a evidência de um mundo exterior Essa mesma situação se repetiu com algumas variações Por exemplo deu alguns passos pelo consultório procurando tocar as coisas com os pés e tentando por momentos um contato com a terapeuta indo em direção a ela Interpretouse seu desejo de comunicarse Outra vez subiu no colo da mãe e acocorouse como no princípio Durante mais um mês apesar das interpretações e do propósito consciente de entrar sem a mãe no consultório Marta não pôde fazêlo Frente a esse fato a terapeuta decidiu adotar a técnica de forçála a entrar sozinha sabendo que provo caria uma carga de ansiedade equivalente ao do nascimento cortando deste modo o cordão que a unia à mãe2 Esta medida foi comunicada à mãe e à filha advertin doas de que se procederia assim na próxima sessão Descreveremos agora a rea ção de Marta frente ao anúncio e logo como atuou durante a separação Quando a terapeuta explicitou a decisão a menina reagiu com grande angústia Repetiu então os movimentos realizados quando a mãe comunicou que Marta tinha aceitado entrar sem ela A analista compreendeu que durante esses dois meses anteriores ela a paciente e mãe tinham evitado enfrentar a angústia do nascimento Atuando por outro lado ativamente separando Marta da mãe e levandoa sozinha ao consultó rio mundo cortavam bruscamente o cordão repetindo a manobra do obstetra que agiu assim quando ajudou Marta a nascer Tinha nascido em realidade dupla circular de cordão ao redor do pescoço e por baixo dos braços pelo qual foi neces sário cortar o cordão antes de a menina sair totalmente ao exterior Este corte colocandoa no mundo antes de estar biologicamente preparada para isso contri buiu para as dificuldades de adaptação à vida pósnatal Relataremos agora como dramatizou seu nascimento Quando a terapeuta anunciou a nova medida técnica Marta acocorouse novamente no colo da mãe Depois de algum tempo lentamente foi estendendo a perna e levoua até o chão em seguida fez o mesmo com a outra deixou cair lentamente o corpo ficando só sua cabeça presa entre as pernas da mãe succionando e chupandolhe as roupas Enquanto Marta realizava com muita lentidão esses movimentos a terapeuta inter pretou passo a passo seu novo nascimento e também que agora seu primeiro con tato era efetuado com os pés procurando assim aproximarse da terapeuta e que esta forma vinculação pelos pés e não pela boca lhe permitia seguir unida à mãe Baseou essa interpretação na atitude que Marta vinha tendo com a mãe durante todo esse primeiro período quando permanecia acocorada no colo Nessas opor tunidades chupava e mordia os dedos ou as roupas de sua mãe um botão o umbi go ou a ponta do cinto o cordão umbilical Mantendo pela boca o vínculo com ela podiase explorar o mundo exterior através de outras zonas No momento em que 2 Cf capítulo 8 Arminda Aberastury terminou a interpretação e a voz da terapeuta desapareceu Marta levantou e foi outra vez para o colo da mãe Ao ser interpretada novamente reaparecendo assim a voz a paciente reiniciou o movimento descrito Interpretoulhe a analista que estimulada assim pelo anúncio da separação mostrava à terapeuta que necessitava de uma ajuda mais concreta para conseguilo e que a voz devia realizar o trabalho de um obstetra e também assegurarlhe o alimento incondicional vozleite que necessitava receber para desprenderse da mãe O fato de permanecer pendurada na mãe pela cabeça posição que voltou a assumir com maior nitidez nas sessões posteriores foi interpretado em dois sentidos ficar unida a ela e repetir o que sen tiu quando apesar de empurrar não conseguia sair do útero sentindose desse modo retida pelo cordão Na sessão seguinte Marta pendurouse no encosto do sofá sustentandose com seus braços e balançandose sem chegar a desprender se simbolizava outra vez o que viveu quando o cordão a oprimia impedindoa de separarse da mãe sofá Na segunda sessão depois do corte simbólico permaneceu junto à porta gri tando e chorando enquanto chupava e mordia os dedos babando como um bebê A mucosidade nasal caíalhe pelo rosto até as roupas sem que ela tentasse impedir de tal forma que ao terminar a sessão estava envolta numa mistura de saliva mucosida de e lágrimas Parecia querer assim recuperar todas as substâncias que a tinham envol vido dentro da mãe Interpretouse que a terapeuta cortando o cordão umbilical a tinha retirado do ventre da mãe e que em desesperada tentativa de negar essa sepa ração aferravase à porta do consultório como se esta fosse sua mãe Na sessão seguinte tendo já diminuído a ansiedade Marta tentou virarse e olhar a terapeuta não pôde fazêlo completamente Olhoua só com o canto dos olhos indo depois para a porta com a intenção de abrila A terapeuta faloulhe de dificuldade de olhar para ela e para tudo o que a rodeava porque se sentia como recémnascida que teme o desconhecido No consultório havia um pequeno umbral de mármore junto à porta sendo o resto do chão de madeira Marta colocou um pé sobre o pequeno mármore mantendoo ali por um longo tempo depois colocou o outro Alternava o contato de cada um deles com o mármore até chegar a colocar um diante do outro única forma para conseguir que os dois pisassem ao mesmo tempo Fazendo esses movimentos embora ainda agarrada à porta mãe enfren tavase com o consultório mundo externo Com um dos pés roçou o chão de madeira voltando a colocálo sobre o mármore Depois de várias tentativas apoiou totalmente o pé na madeira Interpretoulhe a analista que estava tateando o mundo exterior e a sua terapeuta e que necessitava fazêlo aos poucos porque tinha muito medo O frio do mundo exterior estava simbolizado pela frieza do mármore Na realidade este mundo exterior foi pouco acolhedor para Marta pelas característi cas do parto como comentamos e porque os primeiros contatos com sua mãe foram deficitários Depois de interpretarlhe levantouse apoiou a cabeça contra a porta e olhou para cima recorrendo lentamente com os olhos a parte alta das paredes e o teto 214 Psicanálise da Criança Tentaremos expressar o que era para Marta a fantasia inconsciente de enfer midade e como havia condicionado seu sintoma o retraimento do mundo Por causa do trauma de nascimento e de suas primeiras experiências negativas com o mundo tudo quanto significasse mudança provocava nela medo ao rechaço e ao desconhe cido A mãe lembrou nessa época que nunca havia tomado Marta nos seus braços Além disso estava acostumada a deixála chorar sendo que numa oportunidade quando tinha oito dias permitiu que sua filha chorasse uma noite inteira sem acu dir para acalmála Lembrou também que a amamentação prolongouse até os dezoito meses quando nasceu o irmão Marta foi então desmamada e retirada do quarto dos pais Nesse período começou a caminhar e tinha tendências para cair Sofria além disso perdas de consciência para as quais nunca se encontrou uma causa orgânica Durante o tratamento repetiramse com a terapeuta todas essas dificulda des Como ao expor este material estava interessada em mostrar especialmente a forma como Marta simbolizou o trauma de nascimento limiteime a relatar frag mentos das sessões onde estes conteúdos eram mais evidentes Quero entretanto destacar que no material posterior se viu que a situação de chupar o botão umbi go e o cinto cordão umbilical de sua mãe correspondia à tentativa de manter com ela um vínculo oral e com a terapeuta um vínculo genital dissociando a imagem materna em uma mãe real peito e em uma mãe genital a terapeuta O pé simbo lizava o genital masculino fantasiado mediante o qual tentava unirse à mãe genital terapeuta Esta interpretação nos permitiu compreender um dos seus sintomas o excessivo pudor frente a seus genitais e a seus pés DANIEL Daniel de quatro anos e dez meses foi trazido para tratamento3 por apre sentar transtornos de conduta e pavores noturnos Tinha a tendência a somatizar e a um ano e meio durante um episódio febril teve convulsões acompanhadas de ausências Na entrevista inicial vieram ambos os pais Disseram que foi um filho desejado mas que a mãe esteve muito ansiosa durante a gestação e temeu não poder ter um filho sadio Nasceu com fórceps depois de um parto com anestesia prolongada e complicações causadas por uma circular de cordão Colocaramno ao peito 48 horas após o nascimento O menino estava ávido por mamar mas como a mãe tinha muito pouco leite tiveram que completar a alimentação com mamadeira A dentição foi aos sete meses e meio e aos onze começou a caminhar mos trando em princípio tendência a cair Com um ano e oito meses tinha conseguido o controle esfincteriano diurno mas recém aos dois anos e cinco meses conseguiu o noturno da matéria fecal 3 Com Jorge Rovattl Arminda Aberastury 21 b Quando tinha um ano os pais fizeram uma viagem de um mês ao estrangei ro Não a comunicaram a Daniel por considerálo muito pequeno Nessa época articulou sua primeira palavra que foi seu próprio nome Com um ano e meio inscreveramno num jardimdeinfância mas não pôde comparecer porque adoeceu Quando tinha três anos sofreu uma queda que lhe produziu a ruptura de dois dentes coincidentemente a uma nova gravidez da mãe Surgiram nessa época dois episódios de sonambulismo que se somaram aos seus pavores noturnos Depois da primeira entrevista com os pais decidiuse pelo tratamento psica nalítico à razão de quatro sessões semanais Neste caso também nos limitaremos a expor parte do material de uma ses são em que apareceu como tema central o trauma de nascimento Previamente seus jogos tinham se concentrado em torno de suas fantasias relativas à cena primária e à gravidez Depois da interpretação de toda essa situa ção Daniel dirigiuse para um armário de consultório que habitualmente se manti nha fechado e expressou seus desejos de abrilo O terapeuta compreendendo as necessidades da criança de incluílo no seu jogo como elemento de simbolização aceitou abrir o armário Daniel entrou no armário e pediu que fechasse a porta e que depois a abrisse Ao fazêlo encontrouo sentado de cócoras com os olhos fechados e os braços cruzados sobre o peito em posição fetal Interpretoulhe então baseando se em material anterior que frente a todos os perigos e medos que sentia necessi tava voltar ao interior do terapeutamãearmário como quando tinha estado den tro da mãe antes de nascer mas podendo agora ordenar que a porta se abrisse e fechasse de acordo com seus desejos Tentava assim elaborar a situação traumática da circular de cordão e do fórceps Daniel encontrou um novelo de linha dentro do armário e pediu para usálo Interpretouse que necessitava voltar a estabelecer com o terapeuta o vínculo que o havia unido à sua mãe mediante o cordão umbilical novelo de linha Pediu então que o analista fechasse novamente a porta do armário mas quando este começou a fazêlo Daniel teve uma crise de ansiedade e disse E se depois não podes abrir acrescentando Quando terminar a hora posso sair Agarrou logo uma frigideria de lata placenta e retorceu o cabo cordão de tal modo que lhe deu um aspecto semelhante ao cordão umbilical depois do nascimento Seguiu retorcendo o cabo e disse Quando tudo esteja retorcido é a hora e que não se veja nada de luz Interpretouse que o momento em que estava por sair da barriga da mãe o cordão se retorceu circular do cordão e não o deixou nascer não ver a luz Daniel agarrou o novelo de linha e disse Era este me atas E o terapeuta intepretou que necessitava agora recuperar esse cordãozinho mas sem repetir a situação traumática originada circular de cordão e a retenção consequen te retificandoa assim através de sua análise Na sessão seguinte Daniel voltou a simbolizar o cordão umbilical mas atra vés de novo elemento Utilizou um chiclete esticou e retorceu tentando Imitar um 216 Psicanálise da Criança cabo da frigideira Depois comeuo Por meio desse ato expressou a necessidade de separarse da mãe cortando o cordão com os dentes comêlo e ao mesmo tempo mostrou sua necessidade de introjetála para poder separarse dela na reali dade DIEGO Diego é um menino de nove anos de aspecto agradável filho do meio de um casal jovem aparentemente bem sucedido nasceu no oitavo mês de gravidez e o parto foi rápido Os pais não lembravam quanto tempo depois prendeuse ao peito mas dis seram que a lactância materna durou até os sete meses com ajuda da mamadeira No começo resistiu à alimentação sólida aceitandoa depois sem maiores problemas Começou a caminhar aos 17 meses mostrando dificuldade na coordenação dos movimentos e recém aos três anos seu caminhar foi normal Também falou muito tarde pronunciando as primeiras palavras aos quatro anos Quando tinha seis sendo seu rendimento escolar muito baixo consultaramme para ver se confirmava o diagnóstico de oligofrenia que lhe tinham feito Depois de uma cuidadosa explo ração da criança descartei essa possibilidade e aconselhei o tratamento psicanalíti co que se iniciou imediatamente Durou um ano e meio com cinco sessões sema nais vendose forçado a uma interrupção quando o terapeuta se ausentou do país4 Os progressos nesta primeira análise foram notáveis não acontecendo o mesmo nas duas seguintes que se interromperam por diferentes motivos e durante os quais se mantiveram os progressos do primeiro tratamento Pouco antes de iniciar esta última análise da qual exporei alguns fragmentos onde se simbolizava o trauma de nascimento os pais me consultaram novamente Tinham anunciado a Diego que viajariam ao estrangeiro por dois meses e desde este momento começou a retroceder tanto na sua aprendizagem escolar como na adap tação ao meio ambiente Os fragmentos que transcreveremos correspondem às duas primeiras sessões do quarto tratamento que se iniciou imediatamente depois da entrevista que tiveram comigo na qual compreenderam que Diego tinha ligado a viagem de seu primeiro terapeuta que foi seu abandono definitivo com a que eles iam realizar nesse momento Recordeilhes também que quando se interrom peu a primeira análise disseram ao menino que o terapeuta voltaria aceitando os tratamentos que seguiram de forma transitória e que quando a ausência foi decla rada definitiva ninguém a esclareceu ao menino Isto explica seu temor atual a que o lapso de dois meses anunciado se transformasse também em ausência definitiva O terapeuta5 me esclareceu que na primeira sessão Diego mostrara uma grande rejeição a estabelecer uma boa relação transferencial a desconfiança habi tual ao começar qualquer tratamento viuse reforçada nela pelas sucessivas perdas e fracassos Foilhe mostrado tudo isso com o máximo de detalhes assim como sua 4 Emílio Rodrigué 5 Eduardo Salas Arminda Aberastury angústia ante a próxima viagem dos pais Na segunda sessão Diego expressou que aceitava separarse dos pais e reproduziu o trauma do nascimento Disse que no estacionamento do qual já tinha falado no começo da sessão quando estava andan do de bicicleta e esta começou a descer vertiginosamente não conseguindo freála as rodas giravam muito ligeiro e teve que desviar de algumas plantas que encontrou no caminho dando voltas para finalmente cair sobre o asfalto Enquanto relatava esse acontecimento mexeu primeiro a cabeça e depois o corpo fazendoo girar com movimentos rotativos sobre si mesmo Lembramos que Diego nasceu no oita vo mês de gravidez e que o trabalho de parto foi muito rápido o obstetra segun do a mãe dissera Quase que a criança cai no chão O material associativo da sessão e o conhecimento da história do paciente justificaram amplamente a interpretação do terapeuta Diego expressava seu nasci mento rápido vivido com uma queda brusca que terminou num baque A rotação dentro do canal do parto simbolizoua na sua descrição das voltas que dava com a bicicleta enquanto que a dificuldade para passar entre as plantas simbolizava a pas sagem entre os pelos pubianos da mãe A vertigem produzida no feto ao dar a volta dentro do canal do parto expressoua quando disse como giravam as rodas da bici cleta Foi interpretado também de acordo com o material inicial que a criança atri buía em parte sua debilidade mental à forma como tinha nascido O terapeuta com pletou essa interpretação dizendo que temia a repetição dessas situações na sua nova experiência analítica e a criança com uma expressão inteligente e de alívio respondeu que sim Pegou depois um autinho cuja marca disse desconhecer comentou que não tinha bancos mas que deveria têlos e concluiu que o carro não estava terminado Com isso simbolizou seu sentimento de que faltavam coisas que não estava termina do pois dentro do ventre da mãe alguma coisa tinha ficado por ser feita O terapeu ta interpretou isso acrescentando que necessitava refazer essa experiência com ele terapeuta para completarse completando também os tratamentos que tinham fica do sem terminar Simbolizou essa situação em sessões posteriores de maneira clara sentandose no colo da mãe ou dando cabeçadas no ventre do terapeuta Como resposta a essa interpretação agarra com sua mão direita um aponta dor e na esquerda um lápis com a ponta quebrada Apesar de ter na sua mão o apontador pede um ao terapeuta sendo que o terapeuta interpretalhe que o meni no percebe que estão nas mãos do terapeuta as possibilidades de se curar o apon tador mas que sozinho ele não pode fazêlo e pede ajuda Diego utiliza o apontador com tão pouca habilidade que não consegue realizar o que se propõe O terapeuta lhe diz que Diego se sente inibido para utilizar suas capacidades Nesse momento um imperceptível movimento no braço do analista faz com que Diego se distancie muito assustado e com expressão de sofrimento diz Cortei o dedo Fantasia que não se justificava de maneira alguma nesse momento da sessão Esse menino foi clr cuncisado no décimo quinto dia após o seu nascimento O terapeuta interpretou que pensava que este trauma tinha influído no seu sofrimento faltavalhe algo no plpilápls Nas sessões posteriores repetiu o jogo do apontador foi interpretada a 218 Psicanálise da Criança necessidade de refazer a situação originaria para recuperar o prepúcio perdido e a reação de medo que demonstrou ao terapeuta deviase ao temor a que todos esses acontecimentos dolorosos tinham provocado sua enfermidade Associou o despren dimento do prepúcio com o desprendimento de seu primeiro analista e com o medo a que se repetissem nesse novo tratamento todas as perdas já mencionadas SÍLVIA E GRACIELA A mãe das gêmeas Sílvia e Graciela de cinco anos entrou num grupo de orientação6 porque suas filhas ainda chupavam o dedo polegar Queria que lhe aconselhassem a maneira adequada de corrigir este hábito único sintoma que a preocupava Foilhe explicado que no grupo de orientação não se davam conselhos mas sim que se tratava de compreender o porquê dos transtornos Enquanto ela nos falasse dos sintomas veríamos paulatinamente como eles tinham surgido e como evoluiriam na medida em que os compreendêssemos Em seguida esclareceuse que o verdadeiro motivo da entrada ao grupo era a necessidade de elaborar o terrível impacto que significou para ela ter tido gêmeas sem qualquer advertência prévia de parte do obstetra Ao iniciar negava toda a angústia que o acontecimento lhe provocou assim como negava o grande esforço que fez para criálas adaptarse à situação de ter duas filhas satisfazêlas com igualdade darlhe o seio até os nove meses e realizar ao mesmo tempo todo o trabalho a casa Lembrou em seguida que no quarto mês de gravidez o médico lhe tinha perguntado se havia na família caso de gêmeos Mesmo tendo respondido afir mativamente o médico não a avisou sobre a possibilidade de têlos Interpretouselhe que já aí negara o conhecimento do que levava no seu ven tre pois a pergunta do médico era em si um alerta sobre essa possibilidade Recusou a interpretação respondendo que quando no mês seguinte perguntara ao médico se poderiam ser gêmeos e este lhe dissera que não sentiuse muito decepcionada Dois dias antes do parto ainda lhe tinham dito que teria um filho homem e que seria muito grande Nasceram duas meninas primeiro Sílvia e dez minutos depois Graciela Permaneceram em incubadora durante cinco dias período em que a mãe permane ceu no hospital Depois criouas dandolhes o seio até o início do sexto mês ajudan do com mamadeira O desmame efetuouse aos nove meses Não lhes deu bico e começaram ambas o hábito de chupar o polegar desde o primeiro mês de vida Notouse no grupo sua decepção por não ter tido um menino e a rejeição inicial a suas filhas sentimento que tinha reprimido completamente O tema com o qual trabalhei mais nas interpretações foi a proibição que sentia em aceitar que tudo o que fazia considerandose sempre culpada do rechaço inicial dos cinco primeiros dias de falta de contato e da restrição na sucção Não podia reconhecer sua bonda de e carinho negando tudo o que dava às suas filhas Por tudo que contava delas 6 Com Arminda Aberastury como terapeuta Arminda Aberastury 13 viase que Sílvia era empreendedora mandona e Graciela por sua vez que nasceu em segundo lugar era retraída e tinha tendência a desvalorizarse Pudemos com preender que a mãe apoiava as características de Sílvia repetindo a diferença inicial privilegiada criada no dia do nascimento Quando modificou sua conduta começa ram a surgir notáveis modificações pois os papéis antes tão nitidamente diferencia dos iam mudando Melhorou também o hábito de chupar o polegar limitandose ao momento de dormir Em uma sessão depois dessa melhora a mãe contou que havia acontecido algo estranho no jardimdeinfância que ela relacionava com a forma como nasce ram suas filhas Durante a festa de fim de ano festa de nascimento foram esco lhidas para representar o papel de bonecas para o que foram vestidas como tais e colocadas dentro de uma caixa Em determinado momento da representação Pinóquio lhes dava corda e em seguida uma fada ao som de uma música tocava lhes a cabeça com uma varinha para que elas saíssem caminhando isto é faziaas nascer Enquanto Pinóquio lhes dava corda Sílvia esperava pacientemente quieta na sua caixa e Graciela aparecia continuamente para ver que acontecia lá fora Quando a fada as tocou com sua varinha Sílvia saiu imediatamente de sua caixa mas Graciela permaneceu indecisa e não se animou a sair fazendoo só depois de alguns instantes Com essa forma de atuar repetiram o que ocorrera no nascimento Esses fatos pareceram mais interessantes ainda quando na semana seguinte a mãe contou que depois da representação as gêmeas amanheceram com febre e um eczema que foi intenso em Graciela a nascida em segundo lugar e muito leve em Sílvia Este sintoma era similar ao que tinham sofrido no quinto mês quando se iniciou o desmame e receberam a primeira mamadeira naquela oportunidade tam bém foi mais intenso em Graciela O que estava reprimido na mãe e que lhe provocava uma culpa tão intensa foi seu rechaço inicial motivado principalmente pela decepção ao não nascer um menino Este conflito favoreceu em Sílvia as características que ela considerava mas culinas além de apoiálas tinhalhe preferência Ao fazer consciente a culpa sua conduta se tornou mais livre e permitiu que suas filhas não dependessem tanto dela notandose além dessa independência o desaparecimento do hábito de chupar o polegar durante o dia recorrendo a ele às vezes antes de dormir Os papéis que ambas desempenhavam que antes eram tão rígidos fizeram se mais maleáveis e deixaram de ser duas meninas que formavam uma só para ser cada uma delas uma menina mas possuindo algumas características em comum Foi nessa etapa da evolução depois de um ano de tratamento da mãe durante a repre sentação no jardimdeinfância que ocorreu o fato anteriormente relatado Com essa representação as crianças reproduziram as duas separações que tiveram da mãe o nascimento e o desmame Graças às modificações ocorridas na mãe pude ram repetir as experiências de nascimento e de desmame porque as condições mais favoráveis para continuar progredindo no processo evolutivo era nascer e começar o desmame outra vez Necessitavam reviver essas situações traumáticas para modl flcálas e conseguir assim estabelecer uma nova relação com sua mãe Surgimento de ansiedades analsadomasoquistas enquistadas por fracassos na lactância ELIZABETH G DE GARMA Com certa frequência crianças que chegaram a apresentar um quadro psí quico de aparente ou relativa normalidade com bom relacionamento fracassam rotundamente em dado momento frente a uma exigência na vida um pouco maior do que o comum Por exemplo na entrada ao colégio ou quando se enfrentam com um ambiente novo Nesses momentos de fracasso parece derrubarse completa mente parte da personalidade dessas crianças e desmoronar a adaptação psíquica que aparentemente tinham conseguido Chamamos boa adaptação psíquica o fato de ter superado os estágios pré genitais sem restos neuróticos além de ter vivido e elaborado uma posição edípica positiva Outras crianças chegam a fazer uma adaptação parcial à realidade que lhes permite desenvolverse relativamente bem ainda que tenham algumas característi cas neuróticas fortes Quando chega o momento do fracasso perdem toda a possi bilidade de continuar com a relativa adaptação que haviam conseguido Na análise dessas crianças descobrimos que a estrutura psíquica não era tão sólida como parecia ser mas que existiam sérias ansiedades prégenitais anucleadas das quais tinham procurado escapar por meio de uma progressão à genitalidade Dito núcleo reprimido de ansiedades analsadomasoquistas é percebido pela crian ça como um centro de destrutividade sumamente potente que deve ser isolado e reprimido a todo custo já que de outro modo destruiria a ela e seus objetos Mas inconscientemente a criança fantasia que contém no seu interior um núcleo de excrementos sujos e repulsivos Geralmente a fuga à genitalidade é favorecida pelo Este trabalho foi apresentado na Asociación Psicoanalltica Argentina no dia 29 de abril do 1958 Arminda Aberastury 221 meio ambiente propício que aplaude o menino varonil ou a mulherzinha feminina com manifestações edípicas claras Mas quando ocorrem repressões ou transtornos nas primeiras manifestações das tendências edípicas reativase ou condicionam uma fixação muito maior nas fantasias e ansiedades analsadomasoquistas dificultando um estabelecimento posterior adequado da organização genital Relatarei material de dois casos nos quais a análise das ansiedades prégeni tais sobretudo anais permitiu o desenvolvimento da organização genital sã De forma breve também exporei o caso de outra criança cujo ambiente não permitiu sequer a fuga progressiva à genitalidade e que permaneceu fixada nas etapas ante riores O curso da análise desses três casos foi idêntico quanto à técnica e à respos ta a dita técnica por estarem as três crianças no período de lactância e por terem utilizado as três os mesmos mecanismos de isolar e reprimir o núcleo de sua ins tintividade percebido como destrutivo e perigoso Entretanto no terceiro caso o paciente não pôde fazer a fuga progressiva à genitalidade e chegar a uma posição genital fictícia como o fizeram os dois primeiros São casos nos quais houve enquistamento do complexo prégenital dentro da analidade Seu conteúdo era fantasiado inconscientemente como uma massa destru tiva e suja no interior do corpo Nesses casos este enquistamento passa desperce bido até que se chega a uma situação na vida que traz consigo um fracasso na posi ção genital fictícia e portanto a criança é obrigada a fazer uma regressão Como durante a análise se fazem conscientes esses conteúdos produzse uma sensação análoga àquela que se provoca quando se abre um abscesso purulen to cuja eliminação angustia num primeiro momento mas que alivia rapidamente o indivíduo Esses casos são muito demonstrativos do que descreve Melanie Klein sobre a modificação brusca do jogo como consequência da interpretação correta justa mente pelo surgimento brusco dos conteúdos terroríficos enquistados que obrigam a criança a encontrar uma nova atividade para expressarse Também ao serem ana lisados esses conteúdos em cada caso houve uma nova modificação brusca do jogo não regressiva como quando surgiram os conteúdos terroríficos senão em um nível libidinoso progressivo genital já sobre uma base sólida e sadia Expressar esquematicamente o transcurso da análise desses casos consistiu primeiramente em destapar o complexo análogo mediante interpretações dirigidas contra os conteúdos e as defesas que haviam levado ao seu isolamento e enquista mento Em segundo lugar satisfazer em certo grau e parcialmente as fantasias que surgem mediante a expressão progressiva delas em jogos desenhos ou expressões verbais paralelamente à análise sistemática e completa delas na transferência Para essa satisfação é necessário que a analista faça sentir à criança que não só tolera senão que participa e está identificada com ela na expressão de suas fan tasias Às vezes tive que suspender a interpretação quando a criança por sua ansie dade e sentimento de culpa a sentiu por mais cuidadosamente que se formularam como uma proibição ou uma rejeição de sua necessidade de sujar produzir maus 222 Psicanálise da Criança odores fazer explosões etc Isso foi algo que num dado momento ocorreu nesses casos Concluídas essas duas etapas ocorreu o progresso da organização anal para a organização genital mas dessa vez sobre bases mais firmes Ao entrar na organi zação genital as crianças procuraram esclarecimentos sobre temas sexuais aproxi mandose de seus pais para isso Em nenhum caso fiz esclarecimentos já que con sidero isso contraindicado Limiteime a analisar os comentários sobre os assuntos sexuais que as crianças me apresentaram E interessante notar que embora os pais dessas crianças houvessem dado explicações sexuais muito antes somente ao chegar a essa altura da análise se inte ressaram por esses conhecimentos e as aceitaram sem deformações analsadoma soquistas E importante sublinhar a enorme importância de interpretar sempre em relação com a transferência já que a análise fracassaria se um material tão angus tiante escapasse prematuramente da transferência aos objetos reais CASO I Ernesto de nove anos era um menino que tinha chegado a fazer uma adap tação bastante boa à realidade Sua escolaridade foi satisfatória sendo brilhante nos seus estudos musicais Foi quando teve que esforçarse para um curso especial no qual fracassou em sua adaptação e apresentou um quadro neurótico com marcados aspectos paranoides A mãe dizia que ele estava sempre na lua Tinha uma condu ta desatinada no colégio com seus colegas o que provocava risadas e burlas cons tantes Isso o deprimia e o fazia sofrer intensamente levandoo a fugir da realidade e fechandose dentro de seu mundo interior Com frequência viamno ensimesma do fazendo algum pequeno movimento ou caminhando de um lado a outro compul sivamente falando sozinho em voz alta e de modo imcompreensível Devido a esses transtornos seu rendimento intelectual tornouse sumamente irregular Conseguia reprimir e encobrir suas angústias brigando com os colegas ou através de brincadei ras Ao começar a análise surgiram de novo suas ansiedades de maneira clara como por exemplo provocava o pai constantemente frente à mãe conseguindo que esta o apoiasse causando assim discussões constantes entre os dois Também rivalizava com o irmão para conseguir a atenção da mãe Quando pequeno havia sofrido uma leve criptorquidia que desapareceu espontaneamente aos oito anos embora tivesse muita importância na elaboração da sua ansiedade de castração e na repressão genital encoberta Também sofria ataques periódicos de asma Além disso era sumamente exi gente em relação aos alimentos manifestando desconfiança extrema às comidas novas comia verduras massas arroz e doces rejeitando com nojo queijo mantei ga leite e carne Arminda Aberastury 223 Quando fez dois anos em plena fase anal nasceu um irmãozinho Como era de saúde delicada requeria desde o princípio atenção e cuidados constantes dos pais Foi um fator desencadeante da neurose de Ernesto Além disso sentia então a perda não só da mãe mas também do pai Entraram em jogo fortes sentimentos de culpa por suas fantasias sádicoanais provenientes dos ciúmes pela gravidez da mãe e pelo nascimento do irmão Seguindo os pensamentos da Dra Arminda Aberastury de Pichón Rivière a segunda gravidez da mãe ocorreu na época mais angustiante para Ernesto já que correspondia à sua primeira estruturação genital O estado deli cado do irmão menor confirmava a Ernesto a efetividade de seus impulsos e fanta sias sádicoanais e o alcance de sua capacidade de destruição interior Isso intervi nha na origem de seu terror ao que ele imaginava dos conteúdos do seu corpo e por projeção dos conteúdos da mãe Esses foram os motivos principais de sua ati tude paranoide em relação à comida e ao centro das fantasias que o dominavam cada vez mais levandoo a isolarse do mundo e convertendoo em objeto de burla de seus colegas Também estavam ligados à gênese de sua asma tema de que não me ocuparei neste trabalho Todos esses aspectos de sua personalidade puderam ser analisados atravé de jogos com equipamento de química usados por ele durante mais ou menos trin ta sessões Nas duas ou três primeiras sessões de análise Ernesto me explicou seus con flitos no colégio queixandose amargamente da injustiça que sofria e pedindome ajuda para modificálo Parece engraçado para eles o que eu digo ou faço e riem se dizia mas sempre sou eu o que paga o pato Sempre põem de castigo a mim Essa atitude paranoide repetiuse na construção de uma casa1 a qual devidc a suas dúvidas e modificações constantes demorou duas sessões para completar casa era de um andar com muitas divisões interiores Sua maior preocupação esta va nas portas de entrada Também teve muitas dúvidas sobre se deveria fazer fachada simétrica ou incluir um vestíbulo falso onde faria uma armadilha par ladrões Finalmente decidiu ficar com o último acrescentando outros detalhes d segurança como a construção de uma sacada em cima da porta dos fundos par poder vigiar quem saía Suas dúvidas intensas que o inibiam no prosseguimento da construção su compulsão à simetria suas tendências a derramar sujar ou apagar bem como ansie dades provocadas por essas tendências eram indícios claros de uma neurose obses siva incipiente que constituía uma defesa contra suas enormes ansiedades depres sivas e principalmente paranoides A interpretação das ansiedades que produziam suas preocupações pelo fun cionamento do interior de seu corpo como as coisas entravam e saíam dele si eram boas ou perigosas a suposta criminalidade de seu interior tudo isso o moti vou para que se dedicasse plenamente ao tratamento Disse que um amigo tinha ur I ABERASTURY Arminda Íioiío illi conitrur ctiifli Su Interpretación y valor dlannóstlco Ed Paldó 224 Psicanálise da Criança equipamento de química que com isso se podiam fazer experiências interessantes e perguntou se ele podia fazer experiências químicas nas suas sessões Ao ver o equipamento de química que lhe proporcionei separou em segui da dois elementos cloreto de potássio e salicilato de potássio e me entregou para que os guardasse em lugar mais seguro já que segundo ele eram explosivos muito perigosos representavam a sua parte criminal incontrolável Começou logo a fazer suas experiências de misturar sem discriminação diferentes substâncias químicas algumas vezes fervendo a mistura mas sempre obtendo o mesmo resultado um líquido preto que segundo ele era uma grande invenção sua um explosivo potentíssimo muito mais forte do que a bomba atômi ca ou de hidrogênio ou qualquer outro explosivo atual Pulava de alegria quando considerava acabado seu experimento e ao finalizar a sessão tínhamos que guardar o tubo de ensaio com muito cuidado para que não explodisse na sua ausência A primeira coisa que fazia ao voltar na sessão seguinte era verificar se seu explosivo estava igual Tinha medo de que durante sua ausência evaporasse algo do líquido Podese ver como através dessa série de experiências procurava transfe rencialmente ter certeza de que podia dominar sua destrutividade interior e que ele não era culpado de ter destruído o interior da mãe e do seu irmão tão delicado Nessa época eu representava sua mãe seu irmão e também um superego capaz e protetor do qual se valia para ir fortalecendo seu ego para o uso adequado da agressividade Assim eu devia guardar os explosivos muito perigosos segurar o tubo de ensaio sobre a chama acender os fósforos etc Pouco a pouco à média que diminuíam suas ansiedades que surgiam das fantasias sádicoanais de destruição com explosivos pôde chegar a fazêlo sozinho com toda a tranquilidade O alívio e a alegria que sentia ao fantasiar que o explosivo inventado era muito superior a qualquer outro representam o alívio que significava o fantasiar de que ele podia dominar com suas forças superiores as ansiedades que lhe produzia a idéia de coito entre os pais Estava completamente reprimido na época do jogo mas percebia inconscientemente o coito como ataque como uma explosão e destruição mútua Os pais eram simbolizados não somente pela bomba atômica e de hidrogê nio mas também pela fusão dos dois elementos tão perigosos que me deu para guardálos Isto é o coito dos pais estava simbolizado de uma forma totalmente anal Nessa altura o que mais o interessava era inventar líquidos que desprendes sem gases Misturava elementos com um pouco de água em um tubo de ensaio agi tava e escutava o ruído da fervura numa mescla de angústia e de imenso prazer Eu também devia escutar e confirmar que ele tinha fabricado um gás potente Era uma arma com o significado de pênis em sua regressão anal Esse aspecto de seu jogo de experiências representava a repetição de sua vivência auditiva precoce do coito dos pais e de suas fantasias edípicas reprimidas Também representava os próprios gases intestinais Quando ele podia controlar sen tiase onipotente do contrário sentia que o dominavam Surgia então nele um terror aos conteúdos do interior do corpo O ruído dos gases eram os sons que provinham Arminda Aberastury 225 do quarto dos pais e que ele escutava angustiado foi ao redor dos dois anos quando segundo sua mãe dormia mal e começaram as manifestações de seus sintomas O gás potente lhe causava tanto prazer por estar ligado à fantasia onipo tente de vencer o pai e ocupar o seu lugar na relação com a mãe Isto é que a posi ção de franco terror frente às fantasias de expulsão e destruição mútua no coito haviam dado lugar à fantasia onipotente de superar a sua angústia tendo ele mais potência e êxito do que o pai primeiro com explosivos superiores e depois com o gás tão potente Seu conceito sádico da genitalidade carregado de qualidades regressivas somado à criptorquidia que sofreu até os oito anos reforçada pela impaciência e irritabilidade de seu pai real era ulceroso intensificaram o complexo de castração do menino e o levaram a buscar uma identificação com a mãe Por exemplo incons cientemente imitava seus gestos fantasiava conseguir a mesma profissão dela e sua conduta com o pai era de uma provocação masoquista para conseguir a atenção constante dele ainda que em forma de gritos e reprimendas Mas sua identificação feminina aumentoulhe a ansiedade de castração cau sando uma regressão ao nível analsádico onde já estava fortemente fixado Além disso por sua situação de fracasso e devido às enormes ansiedades estava impossi bilitado de aceitar as tendências genitais e suas fantasias edípicas tanto negativas quanto positivas levandoo a um retraimento narcisístico que originou a atitude de rejeição aos colegas e sua tendência a isolarse e fecharse em si mesmo Eram ten dências presentes já antes dos três anos quando ia ao jardimdeinfância Naquela época se negava a brincar com os outros meninos e passava o dia num canto sozi nho desenhando Também se tornou evidente desde muito cedo em Ernesto uma intensa mobilidade difusa que Melanie Klein2 considera precursora ou substituta do tique onde também intervêm concepções regressivas analsádicas do coito Por exemplo se tinha que esperar alguns minutos para sua sessão caminhava de um lado para outro dava saltinhos atirava seu gorro para o ar e em suas sessões cons tantemente se movimentava batia o pé a mão etc Esta mobilidade difusa diminuiu com a análise do jogo de química A medida que analisávamos suas fantasias relacionadas com a cena primária diminuiu sua angústia do pênis terrorífico e destruidor do pai podendo identificar se já com ele diminuiu assim sua angústia de castração Isso permitiu o aparecimen to de uma fantasia através das experiências químicas que consistiu na invenção de uma cola fantástica unir representando o coito que insistiu em levar para casa a fim de provála Foi uma tentativa mágica onipotente construtora de reparar ou construir baseada na aceitação da união genital dos pais A cola fantástica unia os dois pais Começava a libertarse de sua fixação anal Prosseguindo com suas fantasias nesse nível pediume o cloreto de potássio e o sulfato de potássio que no primeiro momento tive que guardar tão cuidadosa 2 KLEIN Melanie A contribution to th piychognlll of tlci 1925 Contributions to psychoanaly sis p 134 The Hogarth Pieu London 1951 226 Psicanálise da Criança mente e com eles fabricou petardos Com evidente prazer os explodia Dizendo que faziam ruído mas que em realidade não eram perigosos Expressava assim que o coito não era tão perigoso como acreditava antes nem tampouco o era o irmãozi nho que foi produto dele O que permitiu surgir as fantasias edípicas de Ernesto foi a interpretação sis temática das fantasias anais sádicas e masoquistas assim como dos terrores paranoi des correspondentes A análise de todas essas fantasias constituiu o ponto central das interpretações e efetuou a liberação dos sintomas incômodos da criança Desapareceram os conflitos no colégio melhoraram suas relações no lar como tam bém a asma e aceitou comidas novas As fantasias dramatizadas no jogo de química eram predominantemente anais ou analdigestivas intervindo muito menos as oraldigestivas Isto se confirmava não só pelo fato de que sempre resultava negro o líquido inventado como também era importante o olor que podia ter Além disso o que derramava do seu jogo sujava a mesa o chão as paredes suas mãos pernas e às vezes suas roupas Essa situação o angustiava e tinha que lavarse caprichosamente antes de ir para casa E importan te considerar que sempre durante as sessões desse jogo pedia para ir ao banheiro defecar Ernesto vertia um pouco de água num tubo de ensaio e acrescentava com grande expectativa uma substância química atrás da outra Cuidado advertia quando coloco isso quem sabe o que vai acontecer Continuava acrescentando com certa ansiedade e agitando escutava o gás O tubo de ensaio era ele mesmo que se sentia cheio de sujeira explosivos e gases A expectativa ansiosa era a que o dominava constantemente ao ingerir alimentos e ao defecar como quando introje tava e projetava psiquicamente objetos palavras pensamentos etc Como sublinha Melanie Klein a ansiedade paranoide de que os objetos destruídos sadicamente sejam em si uma fonte de veneno e perigo dentro do corpo do sujeito faz com que ele desconfie profundamente dos objetos apesar de seguir incorporandoos3 Ao acrescentar novos elementos químicos à sua mistura num tubo de ensaio e ao escutar o ruído do gás fantasiava a trajetória que os alimentos ou o ar ingeridos faziam por seus tubos digestivo e respiratório Perguntavase onde se colocariam e o que fariam acreditando que os ruídos eram devidos às lutas e à des truição dentro dele Sua desconfiança e seu terror do que ocorria em seu interior eram temores pela segurança do seu ego o qual estava em perigo cada vez que introjetava obje tos suspeitos para ele e temia sua incapacidade de albergar objetos íntegros e bons Ao prosseguir com seu jogo de química junto a essas interpretações das ansiedades paranoides pôde abandonar suas fantasias terroríficas Surgiu então a curiosidade pelos conteúdos reais do corpo assessorandose acerca das funções de todos os órgãos 3 KLEIN Melanie Psychoanalysis of maniac depressive states Contributions to psychoanalysis p284 The Hogarth Press London 1951 Arminda Aberastury 22 Isto é seu corpo já não continha uma série de objetos desconhecidos e peri gosos mas continha órgãos bons que o faziam funcionar bem Foi ao finalizar esta parte de sua análise que Ernesto concluiu seu jogo com o equipamento de química com o invento da cola fantástica e a fabricação da explosão prazenteira dos petar dos A análise continuou com um jogo de batalhas o que significava já um pro gresso claro em relação à posição genital Ernesto repartia igualmente entre ele e eu soldadinhos armamentos e cubos para construir as defesas que devíamos colo car ao longo de fronteiras Depois devíamos bombardearnos e ir conquistando o terreno Foi o jogo mediante o qual pôde elaborar suas tendências e desejos edípi cos positivos e suas ansiedades de castração Essa ansiedade surgiu com clareza por que já tinha superado parcialmente a repressão de sua genitalidade Nas primeiras sessões com esse jogo Ernesto demorava tanto projetando e construindo as forti ficações que não sobrava tempo para a batalha em si ou seja a intensidade de suas angústias de castração lhe faziam titubear e aumentar as defesas antes de arriscar se na luta edípica com seu pai Fantasiava ter defesas tão fortes que não perderia um só soldado Essa defesa excessiva ocultava seu sentimento de culpa e temor ao castigo do pai e do irmão por desejar ter a mãe exclusivamente para ele Nessa época da análise tornouse muito ciumento comigo enfurecendose se via entrar ou sair de minha casa outra criança ou repreendendo o chofer se o trazia minutos tarde à ses são Com o jogo das batalhas compreendi que meus terrenos representavam a mãe e os três fortes que eu devia construir um grande central e dois pequenos laterais simbolizavam seu pai seu irmão e ele próprio compartilhando a mãe A interpretação de seu conflito frente à mãe com seus temores de destruir e ser des truído genitalmente diminuiu sua ansiedade de modo que no jogo e na fantasia pôde já empreender a luta contra seu pai e seu irmão pela posse da mãe Tornou se então mais agressivo em seus bombardeios e mais audaz em seus avanços para dentro do meu terreno ainda que no começo o angustiasse bombardearme pos teriormente começou a atacar meus fortes com mais eficiência e mais pontaria Depois pôde fazer consquistas totais sem que isso lhe provocasse ansiedade nem procurasse simbolicamente a repreensão pelos desejos genitais Ao conquistar todos os meus terrenos satisfazia as fantasias de conservação da mãe já que passa vam a ser protetorados seus Dessa forma cumpria suas fantasias de substituir o pai frente à mãe com um mínimo de culpabilidade pois ele o tinha vencido heroicamen te defendendose com valentia dos ataques daquele dentro do terreno materno esperava como recompensa que seus novos protetorados ou seja a mãe se con vertessem em aliados e o protegessem Ao conquistar todos os terrenos finalmen te integrava a mãe já que não precisava dividila com o pai e o irmão os três for tes com batalhões que eu devia perder como defesas Essas idéias de reparação e Integração fizeram com que tolerasse mais suas fantasias genitais e que surgisse cla ramente à sua consciência a curiosidade sexual reprimida até então 228 Psicanálise da Criança Assim nos dias subsequentes foi exigindo de seus pais o esclarecimento sexual completo tema jamais tocado antes Comentava nas suas sessões o resul tado das conversas com eles CASO 2 O mesmo processo de regressão a uma fixação analsadomasoquista enquis tada por abandono da posição genital decorrente de um fracasso deu lugar ao sin toma de não falar no colégio Era uma menina de seis anos que se permitia expres sões de genitalidade edípica positiva por sentir que seus pais viam isso com simpa tia Mas tinha uma fixação reprimida a aspectos prégenitais da sexualidade Suas fantasias inconscientes eram como fezes e substitutivamente com palavras feias sendo que outras eram fantasias fálicas carregadas de grande inveja do pênis Todas elas a deixavam com grande sentimento de culpa por sentilas muito sujas e proibi das por seus pais Como no anterior também neste caso chegouse à normalidade através da insistente interpretação dos conflitos analsadomasoquistas Mônica foi trazida à análise porque desde que tinha ingressado no colégio cinco meses antes tinha se negado a falar ali Não tinha nenhuma dificuldade de aprendizagem mas sua inibição a levaria a um fracasso escolar certo já de que não abria a boca nem para cumprimentar a professora e as colegas muito menos para 1er e responder perguntas Fora do colégio aparentemente seguia no nível genital Era uma menina de conduta normal inteligente e muito conversadora Em todas as partes inclusive no colégio a queriam a mimavam chamandoa de Princesinha por sua graça e beleza Mas ao transcorrer o ano escolar a menina se angustiava cada vez mais por causa de sua inibição que não podia superar apesar das atenções carinhosas e da preocu pação de seus pais e professores Quase todo o tempo de sua curta análise durou aproximadamente trinta sessões foi empregado em desenhar e pintar Selecionei material gráfico que nos permite ver quais eram as ansiedades que a levaram ao sintoma escolar A primeira sessão estava algo coibida mas desenhou uma menina que vai ao colégio figura I E seu problema atual Ir ao colégio foi o fator desencadeante de sua neurose não somente porque era sua primeira atividade séria e de responsabi lidade onde devia fazerse valer por seus próprios méritos mas porque o colégio e as professoras eram objetos propícios para projetar seus objetos terroríficos e per seguidores reprimidos até então O começo de sua vida escolar significoulhe um esforço que debilitou momentaneamente seu ego fazendo fracassar a repressão eclodindo assim as necessidades reprimidas A menina do desenho está bastante completa com certa insistência na roupa detalhe que surgirá mais adiante e ao qual dava muita importância Ela era muito bonita e vaidosa e a admiração que provocava lhe servia para compensar o terror que tinha de ser suja e feia por dentro O colégio no desenho parece mais Fig 14 230 Psicanálise da Criança uma cara grotesca com uma boca severa e cheia de dentes Ainda que não tivesse motivo real para verse assim Mônica percebe o colégio e a professora como algo hostil frente ao qual deve defenderse e não manifestar nada que lhe possam criticar Na sessão seguinte repete o mesmo tema algo modificado figura 2 O colé gio já não era uma cara hostil ainda que possa ser considerado perigoso e agressi vo já que está pintado com traços fortes e vermelhos Tinha perdido sua hostilida de porque Mônica encontrou a solução do conflito se não tem boca nada sujo ou feio poderá escapar do seu interior e a verão graciosa e bonita como sempre A falta de mãos nesta questão nos indica por seu simbolismo comum nos desenhos de crianças que um de seus comportamentos que considera feios é a masturbação juntamente com as fantasias relacionadas Como resposta às interpretações desses dois desenhos faz um terceiro onde mostra qual foi a representação genital que influiu na regressão às fantasias e tendências analsadomasoquistas e também que outros fatores intervieram nessa regressão e na manifestação do mudismo ao começar o colégio No desenho intitulado mamãe Mônica e papai as figuras femininas estão representadas por um círculo a cabeça e uma linha vertical que o sustenta o corpo enquanto que o pai está bastante completo inclusive vestido e provido de um grande pênis Evidentemente opera nela uma grande inveja do pênis e vive com muita culpa seu desejo de possuir um como o do seu primo com quem tem jogos sexuais Sente que as mulheres da casa ela e a mãe são pobres e incompletas quan do comparadas com o pai apesar de toda a admiração dedicada pelos pais e pelos demais por seus encantos femininos Possivelmente a ênfase que puseram os pais na feminilidade de Mônica o pra zer que experimentavam ao vêla tão mulherzinha inibiu a manifestação normal na época adequada de suas tendências viris Então reprimiu esses desejos e tendências considerandoos maus e feios mas o conflito continuou operando em seu inconsciente Além disso na época anterior ao começo das aulas a menina estava lutando para superar o complexo de Edipo Também reprimia seus desejos edípicos positi vos de ter o pênis bom do pai dentro dela Tudo isso favoreceu uma regressão libi dinosa que a levou a acentuar a onipotência das fezes o que está intimamente liga do aos mecanismos paranoides Disse Melanie Klein4 Até onde pude ver a vida sexual da menina e seu ego são influenciados mais intensa e permanentemente no desenvolvimento que a do menino por esse sentimento de onipotência das funções do intestino e da bexiga No desencadeamento do mudismo teve importância um jogo sexual chama do Juanita cagada Consistia em colocarse na cama debaixo dos cobertores com seu primo e gritar Juanita cagada isso lhe dava enorme prazer Este jogo foi ini ciado poucos meses antes do começo do ano escolar e me informei dele pelo primo que se analisava comigo na época Aumentou a inveja do pênis em Mônica intensificando seus sentimentos de culpa Esse brinquedo considerando que o 4 KLEIN Melanie El psicoanálisls dc nrios p217 Figura 2 232 Psicanálise da Criança primo tinha o pênis que ela invejava e ela era a cagada ajudou a reprimir ainda mais seus impulsos fálicos facilitando a repressão e intensificando a fixação anal com todas as fantasias sadomasoquistas e os mecanismos paranoides desse nível do desenvolvimento libidinoso Essas fantasias e terrores começaram a manifestarse nos desenhos figuras 3 e 4 meu quarto e chuva sobre a terra No primeiro pintou uma cadeira um rádio e depois a cama que apagou tapou justificando que saiu uma porcaria era tudo uma porcaria Quer dizer que ela sentia todo o seu interior como uma porcaria devido à intensa culpa pelos jogos sexuais anais com seu primo sua com pulsão a espiar a vida íntima de seus pais e sua masturbação com fantasias sadoanais e uretrais relacionadas com o coito dos pais Tudo isso encontrou expressão nos desenhos como veremos a seguir Se Mônica tinha chegado a uma posição genital essa era em realidade fictícia ainda que lhe dava a aparência de normalidade Todo o genital era sentido em termos fálicos e anais causandolhe muita culpa Por exem plo pela análise do desenho a chuva sobre a terra figura 4 compreendemos que a representava numa identificação masculina fálica frente à sua mãe mas vivendo o coito como um ataque com jatos de urina e fezes Viuse na análise que o terror aos conteúdos maus de seu próprio corpo era o que mais influía no fracasso parcial de uma das primeiras sublimações o falar Outro fator era o deslocamento à professora da imagem materna má mais terrorí fica agora devido à regressão Mônica a sentia tão má como sentia maus e proibidos sua inveja e desejos de ter um pênis Sua ida ao colégio que era um ambiente pura mente feminino separavaa do primo com quem satisfazia seu desejo de possuir um pênis através dos jogos sexuais com ele pois fantasiava que ela o possuía Ir ao colégio significava separarse do pênis que fantasiava como seu e no qual se apoia va e portanto o fracasso de sua fantasia fálica satisfatória Segundo Melanie Klein o falar e o prazer no movimento sempre possuem cargas libidinosas de natureza genital simbólica Isso se dá através da identificação bem cedo do pênis ou da vagina com o pé a mão a língua a cabeça e o corpo Daí que a atividade desses membros adquiriam significado de coito5 A contribuição que faz o componente feminino à sublimação provavelmente sempre esteja ligada à receptividade e à compreensão que são partes importantes de toda a atividade Entretanto a parte executiva que é a que constitui realmente toda a atividade encontra a sua origem na sublimação da potência masculina6 Para Mônica a língua simbolizava seu pênis cuja atividade considerava proibida e suja Esse deslocamen to intensificou mais ainda a rejeição que ela supunha de parte de seus pais ao seu desejo de ter um pênis como o do primo O conflito de Mônica com o componente masculino de sua genitalidade repercutiu regressivamente e o que era uma forma precoce de sublimação a pala 5 KLEIN Melanie Infant analysis Contributions to psychoanalysis p 104 6 KLEIN Melanie The role on the school in the libidinal development Obra citada traduzida na Revista de Pslroanálkk vr1 v n t a on Figura 3 Figura 4 Arminda Aberastury 235 vra inibiuse parcialmente A parte ativa isto é o falar ficou inibida na situação angustiante que para ela representava a necessidade de expressar seu pensamento à professora imagem materna má e perseguidora Os desenhos seguintes constituíram uma série feita sobre papel preto O pri meiro deles representa as fantasias dos pais em coito sua excitação e masturbação com grande sentimento de culpa considerandoos sumamente sujos e que deve ocultar tapar Com essa pintura Mônica associa E um circo não um quadro Tem que estar todo tapado Fui ao circo de noite E durante a noite papel preto que surgem com mais intensidade seus impulsos e suas fantasias genitais que considera sujos Também é de noite que supõe que os pais fazem as mesmas porcarias A seguir também em papel preto desenhou pauzinhos apagouos e disse São árvores caídas um policial as derrubou Nessas fantasias evidencia uma iden tificação masculina e sentese castrada pela falta de pênis as árvores caídas O poli cial simboliza os pais e seus substitutos como a babá e mesmo eu que ela supõe proibindo sua fantasia de ter pênis A interpretação de seus impulsos masculinos que regressivamente eram porcarias tão grandes deu lugar a que fizesse uma série de quadros representando lugares e situações reais que para ela eram fontes de curiosidade e de excitação sexual como o cachorro vagabundo aludindo às práti cas excrementícias e genitais dos cachorros nas ruas a praça o cisne o zoológico Em seguida pinta um elefante Associa rindo Tem a tromba na bunda Aqui temos sua curiosidade com respeito ao pênis grande do pai visto já desde sua posi ção feminina frente a ele e que também deve reprimir no colégio Mas em seguida apaga o elefante e diz Tenho que tapar para que fique mais lindo Outro fator importante de sua conduta anterior era que na escola devia ocul tar seus lindos vestidos com um avental branco o que para ela significava reprimir mais ainda sua feminilidade Seus vestidos bonitos representavam a manifestação de sua posição edipiana feminina o que ela sentia como permitida na sua casa e que devia reprimir no colégio Isto é ela devia tapar e apagar toda a sua excitação e fan tasias sexuais sobretudo no colégio para não ficar linda e bonita como sua mãe ainda que esta também faça suas porcarias com a tromba de elefante do pai Ao interpretarlhe todo esse material mudou bruscamente de atividade dei xando a pintura e recorrendo à massa de modelar essa é uma conduta típica das crianças quando a interpretação é correta O jogo com a massa de modelar ocupoulhe dez sessões começou dizendo que faria comida Fez compridos rolos e cortouos em pedacinhos que segundo ela pareciam cocozinhos o que lhe dá sumo prazer Depois dá nome aos cocozl nhos Machina e Matada Repete esses nomes com muita insistência rindose e exigindo que eu também os repita A escolha desses dois nomes devese a que con densavam uma série de pensamentos proibidos por ela mas que agora podia expressar Ela sentiuse cochina por seus jogos e impulsos sexuais e também era ela a Joanita cagada que brincava na cama com seu primo bem tapada Eu havia Cochliw espanhol cochlni porca iu 236 Psicanálise da Criança aceitado suas fantasias acerca da vida íntima de sua mãe a mãe ia para a cama com o pai e brincava com o pênis dele Então a mãe também era cochina e cagada e o poder de expressar esse pensamento tão horrível para ela proporcionoulhe o alí vio manifestado na alegria e na risada quando repetia essas palavras Satisfeitas e analisadas essas fantasias nas sessões seguintes junta os pedaci nhos da massa de modelar e os converte num regador que enche de água Passa longos momentos regando o consultório para limpar e fazer crescer as plantas Temos que guardar cuidadosamente o regador de uma sessão a outra E um jogo que satisfaz fantasias fálicouretrais de forma positiva Já não são os jatos de urina destrutivos como os jatos do desenho chuva na terra e sim consequências de uma genitalidade sublimada Volta ao desenho novamente em papel branco E pinta seu primo em forma de cachorro com algo assim como um falo que lhe sai por entre as patas dianteiras sua cara já tinha boca Significa que já tolera a sexualidade livre do primo como a dos cachorros na rua e sua sublimação ao falar Depois produz duas pinturas seguidas um piano que faz como se o tocasse e Matada figura 5 que representa a ela e que também tem boca Isto é agora não teme confiarme os seus impulsos de masturbação tocar o piano ainda que se considerasse suja por isso Continua me dizendo Agora pinto uma cegonha não um cachorro não titubeia e se ruboriza Depois do aparecimento da anali dade podem surgir e me confia agora seus conhecimentos e fantasias genitais Este animal também tinha boca isto é ela também se permite expressar agora sua curio sidade sobre a origem das crianças ainda que lhe dê vergonha Ruborizase também porque ainda que ela esteja perfeitamente consciente da origem real das crianças e da intimidade genital às vezes duvida se não lhe convém a mentira da cegonha e assim negar a genitalidade que lhe tem causado tantos conflitos Devemos recordar também que a menina já tinha entrado no período de lactância e a idéia da cegonha é mais aceitável nessa etapa Depois na figura 6 pinta uma menina mas diz que lhe saiu mal é uma cara com um jato sujo saindo da boca Está confirmando que este era o terror que não lhe permitia falar isto é o terror de abrir a boca e que saíssem jatos de porcarias Isto nos recorda o conto de Grimm das duas irmãs a boa e a má A boa encon trase com uma anciã pobre e a trata muito bem ajudandoa com paciência muito carinhosamente A anciã era uma fada disfarçada e compensa a menina boa fazen do com que cada vez que fale caiam pérolas e jóias de sua boca Ao contrário a irmã má trata mal a anciã e como castigo a fada faz com que cada vez que fale lhe saiam da boca sapos víboras e porcarias Sua última pintura intitulada Cascuela resume Na escola pensariam que sou um cocô Correspondia ao terror do que pensassem e dissessem dela um ter ror a ser vista como um cocô seu interior e não como uma princesinha seu aspec Cascuela caca cocô fezes escuda escola Nota da tradução Arminda Aberastury to exterior genital fictício o que a levou a escolher o sintoma de não abrir a boca no colégio CASO 3 Jaime foi criado quase que exclusivamente pela avó materna já que sua mãe trabalhava fora de casa e seu pai viajava continuamente tendo pouco contato pes soal com o menino A avó foi severa com ele no controle dos esfíncteres e no asseio pessoal Não fomentava o contato com outras crianças Como por outro lado sua amamentação tinha sido muito boa aos quatro anos apresentava um quadro de menino submisso solitário com transtornos intestinais e com o ideal de uma mãe que o amamentasse Nessa época seu pai sofreu uma lesão no ânus e a mãe lhe fazia os curati vos Jaime projetou sua própria situação interior no pai ficando convencido de que as matérias fecais ao saírem o haviam lesionado Fez então o desenho de uma gran de explosão causando vítimas e muito sangue com um carro de bombeiros que acudia para apagar o incêndio Essas fantasias persistiam muito intensas quando começou sua análise aos dez anos Quando Jaime tinha cinco anos sua mãe engravidou Nesse período faleceu a avó materna e pouco depois de dar à luz a mãe teve uma crise psicótica deven do ser internada Com essas situações tão dramáticas as débeis fantasias edipianas de Jaime foram abandonadas por serem demasiado perigosas O menino procurou refugiarse não na genitalidade como nos casos anteriores mas em fantasias de onipotência anal sadomasoquista e a consolarse com doces e comidas de fácil digestão como purê de batatas representantes de uma mãe ideal nutritiva Como para a criança a mãe tam bém era muito má devido às suas ausências de casa em função do trabalho depois por repetir as internações e além disso pelo ambiente terrível que se criava em casa por sua psicose o conflito de Jaime com ela manifestouse através de obesidade e constipação intestinal persistente Apesar desses sintomas psicossomáticos o menino pôde manterse bem relacionado com seus colegas e com uma escolaridade também muito boa até a idade de dez anos Aproximavase a puberdade e os colegas falavam de temas sexuais o que Jaime tentava reprimir totalmente Sentiase além disso diminuído perante eles por não poder competir em atletismo devido a sua obesidade Portanto separouse dos companheiros e tornouse solitário novamente Ao mesmo tempo sua mãe sofria outra crise que a levou a uma nova internação tendo o meni no presenciado cenas muito violentas e penosas entre os pais Tudo isso contribuiu para que se produzisse um precipício psíquico chegando a apresentar quadro de autis mo Sofreu grave depressão perdendo todo o interesse pelo colégio Passava os dias dormindo ou deitado na cama fantasiando com superhomens e aventuras no espaço 240 Psicanálise da Criança Começou sua análise apresentando essas fantasias por meio de desenhos como por exemplo conquistas de outros planetas por homens do espaço figura 7 Suas idéias fantásticas foram interpretadas como tentativa mágica e onipotente de fazer um progresso libidinoso em direção às conquistas edípicas para fugir de um complexo regressivo terrorífico Na fantasia procedia como não podia proceder na realidade já que em nenhum momento havia conseguido manifestar tendências edí picas positivas ou negativas devido ao fato de sua genitalidade estar não apenas muito debilmente desenvolvida como também reprimida Ao interpretarlhe suas fantasias onipotentes como defesa de suas angústias conscientes e de suas angústias mais terroríficas e inconscientes em seus desenhos e pinturas surgiram conteúdos completamente diferentes eram expressões gráficas do que ele supunha ter em seu interior Não só sentia que tinha destruição dentro de si devido a ataques externos figura 8 senão que se sentia perseguido por seu superego a polícia era evidente a forte depressão figuras 9 e 10 justamente por sentirse destruído interiormente A figura 8 representa uma bomba atômica explodindo no meio de uma cida de Para seu inconsciente são os traumatismos recebidos do exterior que junta mente com suas ansiedades relacionadas com a fixação analsadomasoquista tive ram a capacidade de destruir e desagregarlhe o ego os edifícios que se destroem no centro da cidade E para evitar essa explosão que Jaime recorreu à solução de enquistar e reprimir esse conjunto de ansiedades Recordemos também as fantasias que teve aos cinco anos de idade quando supôs que as fezes haviam lesionado o ânus de seu pai em seu desenho a explosão e o incêndio aparecem como conteú do manifesto de suas fantasias sobre a passagem pelo ânus da matéria fecal Essa angústia que se fez consciente durante a análise tinha muita importância em sua constipação intestinal Chegou a entender que tinha terror da idéia de permitir a passagem de sua matéria fecal pois esta explodiria e destruiria seu ânus causando também a destruição de seus objetos e do ambiente Reter suas fezes era a tradu ção orgânica de sua necessidade psíquica de enquistar suas ansiedades sadomaso quistas para evitar o aniquilamento próprio e do mundo que o rodeava Desenha um homem em que cravaram um punhal e que sangra não só na ferida do peito como em todos os orifícios do rosto Além de outros aspectos que não analiso aqui vêse também a angústia de Jaime de estar destruído em seu inte rior não somente sangra na ferida do punhal como também do olho do nariz e da boca Ocorre nele algo como se a bomba atômica do seu desenho explodisse em todas as direções e lugares A figura 9 mostra um assaltante que leva seu nome Jaime ele com sua avi dez que satisfaz oralmente e que lhe cria culpabilidade perseguido pela polícia seu superego Expressa com cicatrizes na cara do assaltante a capacidade destrutiva e a destruição que ele supõe exista no seu interior O ácido que fere representa seu suco gástrico que o fere e corrói por dentro mas que considera também capaz de ferir seu mundo exterior representado pelo rosto do assaltante Comete um lapso ao escrever chillo em lugar de cuchillo Devese à fantasia de sentir o cilindro de Figura 8 BUSCADO SEÑAS CICATRIZ DE CUCHILLO Y CICATRIZ DE ÁCIDO EN LA CARA Arminda Aberastury 245 matéria fecal endurecido devido à constipação como um falo agressivo e cortante simbolizado por uma faca em seu ânus Omite a sílaba cu por reprimir as fantasias relacionadas com el cutillo en mi culo Esta fantasia está mais reprimida ainda devido ao temor ante seu prazer masoquista feminino obtido através da constipa ção Cada vez que perdia sua mãe e na sua transferência a mim fazia sua identifi cação masoquista com o objeto perdido e intensificava a prisão de ventre passando até dez dias sem defecar As cores que escolheu para sua pintura indicavam uma vez mais sua fixação anal já que são as cores das fezes Na análise atreveuse a liberar esses conteúdos terroríficos que antes sentia que podia dominar melhor enquistan doos e reprimindoos A figura 10 representa um jovem derrubado por uma avalanche de rochas e pedras e também a chegada da morte E ele destruído por sua matéria fecal retida representa as ansiedades terroríficas prégenitais enquistadas e reprimidas que já não pode dominar que se desencadeiam como uma avalanche dentro dele e pelo qual a morte o persegue No desenho veemse claramente as massas de fezes aper tandoo e fazendoo sangrar Quando já tinha conscientizado essas fantasias mediante uma análise siste mática de todos os conteúdos prégenitais e sadomasoquistas enquistados e quan do estava completamente seguro de que ao fazer consciente e permitir a saída dos conteúdos que o aterrorizavam não se destruía nem destruía a mim como repre sentante transferencial do seu mundo e dos seus objetos externos modificou brus camente sua atitude e seu jogo Sua conduta de menino cansado e passivo transfor mouse e como Ernesto o menino do primeiro caso pediume um equipamento de química Em linhas gerais a análise de Jaime seguiu então mais ou menos o curso da de Ernesto Sua preocupação maior era a de fazer misturas para produzir gases potentes Logo escutava os ruidinhos que produziam ao escaparem dos tubos de ensaio Depois esclareceu como funcionava o corpo e quais eram seus conteúdos interiores reais Paralelamente pôde começar a analisar suas relações com os obje tos exteriores sobretudo com sua mãe através da análise transferencial na relação comigo Depois começaram a surgir curiosidades e temas genitais jamais abordados antes ainda que seu pai houvesse querido fazer esclarecimento em várias oportuni dades anteriores Posteriormente frente a uma situação angustiante relacionada com a possí vel saída da mãe do sanatório reagiu interessandose e aprendendo jogos de mági ca e ilusionismo o que era uma tentativa onipotente de manipular e dominar suas ansiedades de forma muito mais sublimada Vemos neste jogo o aparecimento de seu componente feminino seguindo seus mecanismos de identificação com a mãe frente a um conflito com ela já que se ocupa maternalmente de seu irmão e das crianças do bairro fazendo sessões de mágica para entretêlas Em espanhol cuchlllo faca fai ogo de palavras com cuo ânus Nota da tradução JOHN MAYER BUSCADO POR ASALTO Psicanálise da Criança Muitas crianças aparentemente normais e com uma adaptação ambiental bas tante boa conseguem somente uma posição genital fictícia devido a ansiedades anal sadomasoquistas contra as quais se defenderam mediante enquistamentos Este complexo enquistado passa inadvertido até que situações exteriores que exijam das crianças um esforço maior provocam o fracasso de sua organização genital fictícia Desmoronase a adaptação ambiental como consequência de uma intensificação regressiva de suas ansiedades enquistadas São casos diferentes das neuroses correntes que se vão desenvolvendo gra dualmente A técnica desse tratamento é a interpretação sistemática e ativa dirigida contra o enquistamento de suas ansiedades sadoanais Com isso as crianças depois de elaborarem psicanaliticamente e além disso satisfazer essas tendências que em análise de adultos constituiriam uma espécie de acting out dentro das ses sões analíticas liberamse de suas ansiedades e progridem sadiamente para sua organização genital Minha idéia de realizar grupos de orientação de mães surgiu da convicção de que uni camente poderia melhorarse o vínculo com o filho fazendoas compreender mediante a interpretação quais eram os conflitos que dificultavam a relação A compreensão e a satis fação das necessidades do bebê no primeiro ano de vida é a melhor profilaxia da enfermida de mental Figura 10 Desde que iniciei meu trabalho com as crianças preocupoume a busca de um método que fosse eficaz para a orientação psicanalítica do lactante Consultaramme mães com o desejo consciente de pedir orientações e realizavam esforços para fazêlo mas seus conflitos ou limitações afetivas não permitiam que dessem aos seus filhos todo o carinho que genuinamente possuíam As primeiras tentativas de ajudálas orientando a educação da criança com conselhos fracassaram relativamente enquanto durava minha influência sobre elas se me viam com frequência modificavam suas condutas mas nada que aceitassem num plano consciente chegava a ser genuíno nelas Compreendi que se sua situação interna não se modificasse previamente pela compreensão e interpretação do con flito todo conselho era eficaz apenas transitoriamente Dois fatos me pareceram evidentes necessitavam verme com frequência e não era o conselho que modificava as mães senão o apoio que de mim recebiam mas descobri o perigo dessa relação quando comprovei que me idealizavam e viviam numa extrema dependência comigo suportando mal as frustrações Surgiram assim inesperados ressentimentos e a tendência era sentiremse perseguidas pela tera peuta Era necessário elaborar uma técnica que possibilitasse consultas regulares e frequentes mas que fosse possível interpretar usando a transferência tanto positi va quanto negativa e analisar os confitos com o filho em vez de dar conselhos suge rindo só excepcionalmente alguma indicação para a vida diária A terapia de grupo ofereceume essas condições ideais Comecei com o primeiro grupo de mães em 1958 grupo que com algumas modificações funciona até hoje o segundo em 1959 e o terceiro em I960 O mate rial que exporei se referirá aos três grupos Com o primeiro compreendi que antes de tudo era necessário trabalhar sistematicamente com a Interpretação do senti 250 Psicanálise da Criança mento de culpa se quisesse liberar o amor reprimido de uma mãe ao seu filho O fato de que uma das integrantes do grupo se vira obrigada a fazer um aborto quan do recém se iniciara o grupo levoua a enfrentarse subitamente com um conflito entre o amor e o ódio dar a vida e tirála o que neste caso era manifesto mas foi aparecendo no conteúdo latente de muitos dos conflitos diários Os outros grupos me foram mais úteis para aperfeiçoar a técnica a manejar as situações práticas orientandoas de maneira a evitar na medida do possível o conselho Se o dava seguia de uma observação detalhada das reações da mãe e do filho no intervalo de uma sessão para outra para interpretálas de imediato Compreendi que algumas atitudes básicas das integrantes do grupo iam fazendo cada vez mais desnecessário o meu conselho Na primeira sessão dou o que considero a regra fundamental Digolhes que é um grupo dirigido que nos ocuparemos da relação de cada uma delas com seus filhos e que tratem de propor os problemas e conflitos com o máximo de detalhes enquanto eu orientarei o grupo mediante a interpretação ou orientação que julgue necessária Costumamos dizer que o conselho dos pais tem um limite que é sua pró pria neurose Um conselho poderia ser útil se o pai ou a mãe estivessem em condi ções internas de aceitálo e cumprilo mas não acontece sempre assim Por exem plo se um pai necessita castigar seu filho e deixa de fazêlo por conselho do tera peuta se não solucionou ou compreendeu sua conduta voltará a fazêlo posterior mente aumentando sua culpa não somente quanto ao filho mas também frente ao terapeuta Esse sentimento de culpa o levará por sua vez a atuar pior buscando mais castigo Comprovei que se a mãe cumpria a indicação mas seus atos não cor respondiam aos seus afetos o menino percebia o inautêntico de sua conduta Ainda que seus afetos se mantenham mascarados por uma conduta ou uma verbalização que indiquem o contrário eles captam o autêntico estado subjacente em minha experiência isso é assim tanto para o ódio como para o amor Comprovei além disso que os filhos percebem todas as situações que os adultos consciente ou inconscientemente tentam ocultarlhes Através da análise de crianças tinha com provado em muitos casos mas a experiência com os grupos de mães levoume muito além de minhas primeiras conclusões Relatarei como Ana menina de 18 meses percebeu uma situação que seus pais pensavam ocultarlhe Como não falava ainda expressou com gestos e com o auxílio de um quadro que representava seu conflito Sua mãe integrava o terceiro dos grupos mencionados e tinha ingressado nele quando já estava formado Era uma jovem profissional inteligente ainda que muito descuidada com seu aspecto Disse que sua primeira filha Ana tinha se desenvolvido bem e não lhe dava nenhum trabalho Esperava que tampouco lhe desse seu segundo filho que iria nascer den tro de pouco tempo Comentou que vinha ao grupo para ver como era porque lhe haviam falado que ali se fazia isso mas não porque tivesse algum problema I Tratase da mesma menina que tem sua primeira hora de ogo relatada no capitulo 7 Arminda Aberastury 251 Interpretei sua reação inicial como de desconfiança e temor Viuse por sua resposta até que ponto se sentia rejeitada pelo grupo e por mim a quem via fria e distante Disse que o grupo já estava formado e que ela seria uma estranha Interpretei que revivia comigo e com o grupo situações onde se sentia muito rejei tada pelos seus pais e familiares Negou energicamente ter tido qualquer conflito em sua infância e pareceume estar desgostosa Seus relatos sobre si mesma às vezes dramáticos às vezes simpaticamente humorísticos tinham sempre uma tônica impessoal quase diria que quando falava sobre si mesma falava de uma terceira pessoa Relatou que não tinha empregada no momento e que além da filha tinha de cuidar de quatro sobrinhos cujos pais esta vam no estrangeiro que fazia tudo na casa atendia o marido sua profissão e que fazia tudo com prazer e sem muitos esforços Muitas vezes impressionoume uma marcada desproporção entre a expressão triste e cansada de seu rosto e o tom jocoso e o sorriso que acompanhava o seu relato Parecia entenderse muito bem com o marido tinham feito juntos a faculdade e sempre foram muito companhei ros Acrescentou que nos últimos tempos por carinho ao marido cuidava do sogro homem de idade e doente que necessitava de uma especial atenção Ao cabo de várias sessões anunciou que lhe haviam diagnosticado gêmeos As objeções e aos lamentos de suas companheiras respondeu que ela sempre se ajeitava muito bem e que não haveria problema Disse logo que queria consultar por sua filha Ana que a preocupava por se mostrar ciumenta de todos Pensava que a forma como ela cui dava dos sobrinhos esforçandose para que não se notasse diferença nem entre eles nem com sua filha era dura para Ana mas não queria modificar a situação porque era necessário ser justa e boa com os que estavam sem mãe Interpretei que Ana era ela mesma triste e queixosa por não receber a aten ção especial que esperava nesse momento Queria que a cuidassem muito e não como uma integrante de um grupo de um modo impessoal que não estava certa de que pudessem querêla e cuidála como não se sentiu cuidada e querida pela mãe Acrescentei que temia que o grupo não permitisse que eu fizesse diferenças com ela ou exigisse que fosse justa e boa por igual Uma das integrantes disse que sabia que devia cuidála e tratála de um modo especial e que o merecia Interpretei que ela assumia a voz do grupo e que este permitia que eu fizesse diferenças pois era necessário e justo fazêlo com os que estão sem mãe repetindo assim suas pró prias palavras Depois dessa sessão seu marido avisoume por telefone que havia se adian tado o parto quando faltava poucos dias para entrar no sétimo mês tinham nascido gêmeos Um deles morreu ao nascer e o outro sobrevivia com dificuldade Informoume o que haviam feito os médicos no hospital puseramno em uma incu badora e recomendaram que fizessem tudo para que pudesse sobreviver Falavame porque necessitava saber se devia ocultar ou não os fatos a sua filha Ana Já haviam passado 24 horas do parto Ana estava em casa com a babá e com o pai que este ve com ela pela noite e várias horas durante o dia Pergunteilhe se não tinha nota do algo de diferente na menina se seus jogos tinham modificado se tinha algum 252 Psicanálise da Criança indício de que sofria o impacto dessa situação tão dramática Disseme que não tinha observado nada que tinha seguido a rotina e que ele e a babá se haviam esfor çado para mostrarse especialmente alegres e animados Pedilhe que me descre vesse os jogos que havia observado nesses dias e lembrou então logo algo novo na conduta de sua filha Na casa havia um quadro que representava a Virgem com o Menino nos bra ços ao que até então Ana não havia prestado atenção e de dois dias para cá quando o via levava o pai pela mão até o quadro e o apontava com a mãozinha com uma expressão interrogativa lhe perguntava Mamãe O pai compreendeu enquanto relatava isso que sua filha lhe estava interrogando sobre o destino da mãe e do menino Disse ignorar por que não valorizou antes essa atitude da menina que era tão evidente nesses dias e que agora entendia Em função disso decidiu levála ao hospital e tratar de relatarlhe a verdade Quando me pediu conselho sobre como fazêlo disselhe que se deixasse levar pelo que sentia e que atuasse por si mesmo Telefonei à mãe de Ana e esta me pediu que fosse vêla Encontreia tranqui la comendo e disseme o quanto era bom o seu esposo A única referência que fez sobre os acontecimentos era a de que não conseguia chorar e que ignorava a causa disso Poucos dias depois retornou ao grupo Contou que já estava em casa e que o bebê tinha ficado na incubadoura aos cuidados do pessoal do hospital Ela não o via mas por outro lado tirava o leite todos os dias e o mandava à clínica para que as enfermeiras o alimentassem Parecia tranquila sua expressão continuava sendo ale gremente resignada e falou de seu bebê como se nada tivesse acontecido com o que faleceu e como se o sobrevivente fosse uma criança nascida a termo e normal Interpreteilhe que continuava ignorando as dificuldades e perigos que a rodeavam que falava de seu filho como se fosse uma criança nascida normalmente e que era sua forma de não enfrentar a realidade para eludir o sofrimento Essa interpretação lhe despertou muita angústia e grande hostilidade comigo e disse que não tinha sen tido seguir no grupo Interpreteilhe que se sentia triste pela perda e pela situação do filho e que eu ao mostrarlhe essa realidade transformavame em uma acusa dora e por isso ia abandonar o grupo Pensava que eu como sua mãe a censuraría mos mas que essa idéia encobria a censura que ela fazia a mim a mãe e ao grupo ter lhe feito perder um filho e ter outro em situações tão difíceis Que ela tinha chegado ao grupo com uma boa gravidez e sem preocupações que tinha uma filha criada sem dificuldades e que a entrada no grupo foi acompanhada de uma série de calamidades que eu tinha provocado todos esses desastres ou que pelo menos tinha sido incapaz de evitálos Relatou então que as enfermeiras não lhe permitiam aproximarse do filho pois podia infectálo ao que uma companheira perguntou como se aproximavam as enfermeiras Disse que elas tinham equipamentos especiais de assepsia para não causarem dano à criança Mostreilhe que ela como profissional também podia tê lo pedido e não o fez por sentlrse sem direito de aproximarse do filho Interpretei Arminda Aberastury 253 essa atitude como um desejo de conservar o filho e não como rejeição Acrescentei que ter preferido tirar o leite e que a enfermeira o desse significava que queria o melhor dela mesma sem o perigo de contaminálo e que também queria deixar o grupo para não contaminarnos com a sua pena Não se animava a expressar até que ponto temia que fora seu ventre que tinha matado a primeira criança e enfermado a segunda mas que o sentia já que nem com equipamento especial de assepsia se atrevia a tocálo Essa nova interpretação a impressionou bastante e escaparamlhe algumas lágrimas que secou com fastio Sua grande ansiedade e a falta de confiança que me inspiravam as normas que segundo me disse reagiam no hospital e talvez no meu desejo de ajudála melhor fizeramme indicarlhe uma pediatra que tinha trabalha do na Suíça numa sala de crianças prematuras2 Sabia por minha experiência com lactentes que o contato com o corpo da mãe é fundamental para o desenvolvimen to do recémnascido e que no caso de uma criança prematura essa necessidade devia realizarse ainda mais estritamente Também sabia que Marcos recebia gran des doses de medicamentos e o leite da mãe a horários indicados mas carecia total mente de um dedicado cuidado maternal ou de uma enfermeira que a substituísse A mãe de Marcos seguiu minhas indicações e nesse mesmo dia pediu a con sulta Mas uma vez mais tive de aceitar que se os conflitos não estavam elaborados o conselho ou a intervenção externa são inoperantes Essa mãe conscientemente queria cuidar de seu filho e por isso foi à consulta mas estava totalmente incapaci tada de cumprir as indicações dadas A única vantagem para ela foi que assumiu o conflito que tinha em seu interior entre o amor e o ódio pelo filho entre o desejo consciente de darlhe a vida e o inconsciente de negála Foi esse o conflito deter minante do parto prematuro da morte de um dos gêmeos e do destino ulterior do sobrevivente Depois de relatar a consulta e a luta de sentimentos disse que era muito penoso ver este bracinho tão magro que nem parecia de uma criança dessa vez os afetos se traduziam na sua voz e seu rosto correspondia ao relato Descreveu seu filho com tantos detalhes angustiantes que as outras componentes do grupo não puderam reprimir um certo horror diante das imagens apresentadas Ao sentir a rejeição do grupo pelo seu filho que interessou tanto por esse seu sentimento surgiu nela o genuíno amor que estava escondido e pela primeira vez disse Mas tem uma linda carinha De sessão a sessão podiase notar um grande progresso na relação com o filho não obstante as recaídas em conduta de desafeto e rejeição primavam sempre pequenas conquistas em seu carinho para com ele Foise animando por exemplo a têlo em seus braços a brigar com as enfermeiras para que o deixassem longo tempo mesmo que ainda não se sentisse capaz de darlhe o peito não obstante ter multo leite e o seguia enviando todas as manhãs para que o dessem as enfermeiras 2 Susann L de Ferrer 254 Psicanálise da Criança Entusiasmada com minhas interpretações e pela intervenção das demais inte grantes do grupo se propôs a dar o peito e também nesse novo contato com o filho foram observados os mesmos altos e baixos de permissibilidade e proibição Por exemplo se em uma sessão dizia que devia reconhecer que tínhamos razão e que o bebê gozava do contato do seio se punha mais rosado e bonito na sessão seguinte dizia ser tão aborrecido e escravizante ter que dar tantas horas de peito decidindo de repente que não o daria mais O conflito se agravou quando autorizaram leválo para casa Então mesmo que conscientemente parecesse contente pois preparou um quarto especial isolado e confortável no qual pudesse estar junto com ele sua conduta foi de grande rejei ção e desapego Estava descontente fugia ao contato com a criança seguia negando todo o esforço e a pena que sentia Sua rejeição incrementouse quando tendo des pedido a enfermeira que a acompanhava durante os primeiros dias teve de encarre garse totalmente da criança e também de Ana Disse que a menina estava insupor tável e não sabia o que fazer Soube que na última sessão do grupo combinou com as outras mães de modo que eu não a ouvisse que tomaria uma enfermeira à noite para ter um pouco de liberdade e sair Eram seus próprios conflitos que a faziam verme como uma pessoa que a culpava por não ocuparse bem de seu filho Nessa ocasião tinha dito que sua filha maior tivera medo de noite e que dor mira muito mal Seguindo a técnica habitual nesses casos pedi que me relatasse como havia sido o pavor noturno e perguntei se durante o dia anterior acontecera algo que pudesse têla assustado essa pergunta me permitia avaliar a gravidade do sintoma Recordou com estranheza que durante o dia Ana se assustara muito quan do vira que ela esmagava com o pé uma barata e ficara aterrorizada olhando essa coisa branca que saía de dentro de noite durante o pavor sua cara expressava o mesmo medo Interpretei que Ana estava assustada pela morte do irmão e que esse temor à morte da barata era um deslocamento da morte dele pensando que ele poderia ter sido morto da mesma forma Embora não incluísse na interpretação o temor pela morte de Marcos senti que esse temor fazia parte da fantasia da meni na e que seguramente temia que não sobrevivesse Nessa noite Marcos morreu asfixiado Dessa vez foi a mãe quem me telefo nou dizendo que nessa noite ao retirarse a enfermeira o bebê dormira depois de tomar a mamadeira Despertou em minutos parecendo estar incômodo A mãe sentiuse muito cansada e lembrou que lhe haviam dito que os bebês de barriga para baixo costumam aliviarse e colocouo nessa posição no berço Possivelmente uma posição inadequada que somandose à pouca vitalidade do bebê para defenderse fizeram com que morresse asfixiado Enquanto escutava o relato lembrei imediatamente o alarido de Ana quando viu a barata ser esmagada pela mãe e o terror durante a noite Ficou claro que o transtorno do sono estava motivado pela morte de seu outro irmão pelo medo por Marcos e por si mesma Esta menina percebia que não obstante os esforços de sua mãe para comportarse afetuosamente com o filho algo havia como uma força alheia a ela que a impedia e temia sofrer o mesmo destino do irmão Arminda Aberastury 255 Já nos referimos ao material inicial do grupo quando uma mãe expôs a angústia de desejar o filho de têlo concebido e ter que abortálo Num plano mais encoberto mas não menos dramático esse episódio mostrou ser o resultado de um problema similar Muitas são as conclusões que podem surgir de tal episódio mas falaremos primeiro da menina e como repercutiu nela Relatei como em sua forma de comunicação préverbal encontrou um modo de perguntar ao pai o que acontecera com a mãe e o bebê enquanto os adultos pensavam que Ana ignorasse que sua mãe estava no hospital indo mais além inter rogava como estavam ambos mãe e filho Sua conduta mostrou entretanto que sabia muito bem por que a mãe não estava em casa e que estava preocupada Também foi evidente que percebeu que o ato de sua mãe aparentemente banal de matar uma barata encerrava uma violência e uma capacidade de matar que vincu lou com as possibilidades de morte de seus irmãos e com a sua própria Quando a mãe me relatou o episódio enfatizou a expressão de terror de Ana ao olhar o líquido branco e leitoso da barata esmagada detalhe que seguramente não foi alheio ao seu pavor o peito da mãe achatado e morto atacandoa e matandoa Houve muitos elementos que me fizeram supor o temor de Ana pelo seu irmão e pensou que morreria esmagado Além disso em outras ocasiões a criança foi posta nessa posição e como dor mia no mesmo quarto devia verlhe o esforço para não afogarse e temeu por ele O pai sofria de asma e mais de uma vez foi testemunha de suas crises quan do como vira em muitos casos Ana temia que ele se afogasse Soube também que o pai discutira com a mãe em presença de Ana por deixar o bebê em situações perigosas por exemplo na borda do catre ou da mesa enquanto ia preparar a mamadeira Além disso de ser testemunha dessas discussões Ana percebia a situa ção de perigo das atitudes de sua mãe para com seus filhos Depois da morte do irmão seus pais pediram que fizesse uma hora de jogo para que elaborasse a perda e para saber se sua angústia justificava fazêla analisar Essa hora de jogo revelou que sua maior preocupação era preservar um bebê colo candoo na mão do terapeuta simbolizando a sua teoria que o bebê se salvaria se o colocassem outra vez no ventre da mãe no qual se supõe ausência de perigo Depois mostrou que se o deixa cair o parto prematuro há grave perigo e parti cipação ativa daquele que o deixa cair Durante essa primeira hora a temática foi salvar o bebê pois tinha que devolvêlo à mãe Representou um parto prematuro com o deixar cair e o aborto com o não ligar Em toda a sessão o tema foi sempre o medo da morte Passaremos agora a analisar o que aconteceu com o casal e o grupo depois da morte de Marcos Até este momento a mãe costumava dizer em suas sessões de grupo que ia abandonar o tratamento e sempre surgia como razão fundamental o fato de sentirse incômoda comigo por minha frialdade e falta de afeto mas o mesmo não acontecia com suas companheiras de grupo que para seu inconsciente eram as suas Irmãs que não tivera e às quais dava vida 256 Psicanálise da Criança O grupo era constituído por uma mulher divorciada que voltara a se casar e cujo marido tinha conflitos com os filhos de seu primeiro casamento por uma mulher com uma filha de oito meses nascida de um matrimônio feliz e ansiosa para fazer tudo bem com a criança propósito que conseguia por uma mãe de um bebê recémnascido que tinha dificuldades de entendimento com o filho pelo que se identificou com a nossa paciente por uma mulher com duas filhas uma de quatro anos e outra de onze meses da qual não se animava a tirar o bico e por uma mulher jovem com uma filha epiléptica e um bebê de três meses Minha paciente sentia que eu a rejeitava além disso estava sempre distante das outras Cada vez que na interpretação incluía sua mãe incomodavase muito e rejeitava minha interpretação Enfrentava com a morte dos filhos a acusação do marido por têlos colocado em situação de perigo Chorou pela primeira vez e teve um típico sentimento de desamparo frente a sua mãe real Pediu amparo a mim e ao grupo e relatou a pobreza afetiva em que transcorreu sua infância Pediu um terapeuta para ela porque temia não saber elaborar sozinha algo tão doloroso e achava impossível esperar os oito dias que separavam as sessões Pela primeira vez contou ser filha única que sua mãe era uma mulher muito fria e que nunca a apoia ra Tinhamlhe contado que depois de seu nascimento ficara grávida novamente e abortara por considerar que com ela tinha o bastante Este tinha sido outro moti vo do fracasso de sua segunda gravidez eralhe muito difícil superar a mãe Em todo esse episódio tinha realmente uma mãe cruel que dentro dela lhe destroçava um filho tal como Ana percebia que podia acontecer com ela própria Podemos enriquecer ainda mais a compreensão do caso conhecendo a situa ção familiar do pai Era um dos três sobreviventes de dez irmãos e no seu incons ciente a imagem da mãe era a de uma assassina os irmãos mortos ou de alguém que mata ou afoga a asma bronquial A morte de seu filho afogado reativou a situa ção infantil em que viu morrer seus irmãos e o temor a seguir o destino deles em consequência dos sufocos e manifestou esta situação em sua esposa acusandoa pela morte de seus filhos A análise de todo esse episódio deu a essa mulher uma ânsia de viver que não recordava ter sentido nunca Fluíram dela sentimentos de amor por sua filha e de felicidade por têla consigo O darlhe de imediato um tratamento assim como pla nejar o melhor modo de confortála pela morte de seus irmãos foi o primeiro resul tado desse sentimento liberado Ela e o marido iniciaram uma análise individual e compreenderam que estavam sufocados por seus conflitos apesar disso continuou vindo ao grupo Veremos agora como evoluiu este depois do episódio que acabamos de rela tar Partiremos da situação inicial o parto prematuro com a morte de um dos gêmeos a negação da dor pela morte ou enfermidade de um bebê prematuro que se lhe apresentaram Neste mesmo grupo estava uma mãe de uma menina epilépti ca à qual nos referimos muitas vezes essa mulher entrou no grupo depois de ter colocado em tratamento individual sua filha e conhecendo a gravidade da doença de Arminda Aberastury numa criança o que na realidade eram sintomas graves Interpreteilhe muitas vezes que sabia que eram sintomas mas que lhe custava aceitar até que ponto estava enferma sua filha e que por isso relatava sintomas como se fossem caprichos passa geiros e que reagia como se sua filha fosse uma criança mal criada mas não enfer ma Rejeitava completamente essa interpretação e costumava me perguntar com expressão muito infantil se realmente era muito enferma sua filha Quando a mãe de Ana falou de seu bebê de sete meses e da incubadoura como de um bebê nascido a termo forte são e sem problemas foi ela que inter pretou que agora compreendia o que se passava com sua filha Em outra pessoa poderia ver claramente que era um bebê em perigo e a mãe o pintava como urr bebê normal e com sua filha tinha custado muito aceitálo Nessa mesma sessão em que o tema do filho tarado ou que pode tararse foi o centro da ansiedade recordou muito assombrada as características da primeira gravidez seguida de abor to que se relatará mais adiante Recordou também que no terceiro mês da gravidez da qual nasceu sua filh teve perdas O médico aconselhou interrompêla porque se a levasse a cabo cor reria o perigo de nascer um filho tarado Quando pequena brincava de boneca e seu jogo preferido era ter filhas taradas que ela cuidava e curava Ao prognos ticarlhe o médico o provável destino de sua filha recordou a situação infantil prometeu que nunca seria como na sua infância e que sua filha seria sã Veremo como submetêla às suas fantasias infantis contribuiu inconscientemente para enfer mála e como começava a repetir a mesma conduta com sua segunda filha qu tinha três meses Suas associações a levaram inesperadamente ao relato das moléstias qui sofria a segunda filha Resultou que um dos problemas que queria trazer ao grup era o de não saber defender a menor das agressões da maior Essas agressões incon troladas em que brincava com um pau ou com o que tinha na mão e batia era un dos chamados caprichos a que a mãe se referia Seguindo a regra do grupo pedi lhe que relatasse uma situação concreta se era possível recente assim veríamo como atuavam ela e suas filhas Disse que a maior brincava com um pai e que si aproximava do berço do bebê ameaçando matála e que ela lhe disse muitas veze que não a batesse mas seguiu fazendoo O que mais a assustava era que a maio podia fazer mal à pequena na cabeça e deixála com sequelas Interpreteilhe que sua angústia era tão grande porque sentia que apesar d a menina executar o golpe era ela quem o dava por isso não freava a ação Reagi com muita rejeição Alguém do grupo lhe disse E se não é assim por que não lhe tiraste o pau Insisti na minha interpretação e acrescentei que estava atuando como quando er pequena tendo filhas taradas às quais em seguida devolvia a saúde Sua dificuldí de de controlar a agressão de sua filha maior era sua própria dificuldade de aceití que essa agressão incontrolável era parte da enfermidade da menina e não um capr cho e em segundo lugar não preservava a menor para padecer novamente Arminda Aberastury Outro grupo viuse obrigado a elaborar desde o começo o conflito entre dar e tirar a vida através do aborto de uma das integrantes do grupo Foi o que mais rapi damente se integrou como grupo podendose valorizar o progresso ao analisar um ano depois uma situação similar Na primeira ocasião projetaram a culpa em mim e me acusaram de ter matado ou deixado matar o menino quando a finalidade pela qual ingressaram no grupo era precisamente a de receber minha ajuda para preser var os filhos Na segunda ocasião quando se repetiu a mesma situação de aborto en outra das integrantes do grupo vimos os intentos de todas para que fosse evitado Quando compreenderam que era inevitável compartilharam a culpa entre todas incluindome e fazendome participar da dor e da pena que isso lhes causava Nesse grupo a elaboração do aborto levou outra integrante a perguntar por que depois do parto há uma depressão tão intensa referindose ao nascimento de um bebê como um desprendimento e perda que sempre resulta penosa Interpretei que ela representava o sentimento do grupo Ser mãe significa va perder a situação de amparo e o papel de filha e aqui comigo sentiam o mesmc temor à perda Ao serem mães sentiramse separadas de mim a mesma mulher que tinha dito por que havia tanta depressão logo após o nascimento de um bebé comentou que sua mãe recriminavaa por toda a espécie de atividade que não fosse cuidar do seu filho e de sua casa reaparecendo a imagem de uma mãe tradicional mente burguesa que mascarava a imagem da mãepeito o oposto da mãeassassi na mãe genital que apoiou as relações ilegais da integrante do grupo e a perdi do filho na primeira ocasião Uma das integrantes que chegou no grupo grávida e que tinha tido muita dificuldades de elaborar a relação com sua mãe disse que havia querido aproximar se de mim numa conferência mas que tinha tanta gente ao meu redor que temei não conseguir chegar Impôsse um esforço para fazêlo mas teve medo de rolar a escadas e abortar ela também Mostrava assim seu conflito comigo sentia que eu não lhe permitia ser mãe 6 pensava que era incompatível ser filha e chegar a ser mãe ou ser querida pela su mãe O grupo chegou à conclusão de que o maior problema era o da perda e c que mais custava a aceitar era que o filho se desprendia da mãe não era tanto c aborto que as assustava senão que eram mulheres grandes que se sentiam desam paradas como crianças sem mães Outra integrante começou a falar de modo muito frívolo do assunto empre gadas que era muito difícil conseguilas e que pedia e dava endereços de agência de empregadas Interpretei que tinha transferido o temor à perda da terapeutamáe à situação das empregadas por serem tão facilmente substituídas Sentiamse escra vizadas e atadas a mim para cuidarem de seus filhos como se sentiam escravizada e atadas à mãe submetimento que lhes trazia dificuldades no relacionamento corr seus filhos Considero que no grupo de mães é necessário enfocar imediatamente os con flitrte h á c ir n c m io c n rn rtm m n lh o r n u n n H r t n r n a m n c r iA n t n n n c c ih lllH n H H n Hai 258 Psicanálise da Criança Relacionei sua atitude com a que teve na outra ocasião com a menor Relatara no grupo que esta tinha muitas dificuldades intestinais e que era terrivel mente constipada e se não lhe dava laxantes e supositórios não movia o ventre Como este tinha sido um dos sintomas da maior quando consultou pela primeira vez temeu que a menor se enfermasse da mesma forma Quando descreveu o dis túrbio intestinal de sua filha disseramlhe no grupo que não podia saber se era real mente constipada ou não porque tinha dito que todas as manhãs lhe colocava um supositório antes de saber se moveria ou não o ventre Tivemos aqui uma evidên cia a mais de como se pode inventar os sintomas de uma criança Seu conflito infan til tão alheio a sua consciência obrigavaa a repetir a mesma situação e foi preciso que se conscientizasse de seus desejos para que pudesse modificar sua conduta Compreendeu que suas filhas eram para ela as bonecas que devia curar e que por outro lado sua função era preserválas e que não chegassem a tararse Outra das vantagens do grupo é o fato de que muitas das integrantes colabo ram na função terapêutica por exemplo a que lhe perguntou por que não lhe tira ra o pau ajudoua a elaborar a interpretação que no primeiro momento tinha recu sado Outra integrante do grupo representante de uma boa relação com o filho também favoreceu o desejo de alcançar sua maternidade identificandose com ela O que sentiu com ela própria e com a mãe de Ana permitiulhe esclarecer o meca nismo pelo qual até agora não havia aceitado a gravidade da doença de sua filha sem o que não podia o grupo resultar operante para ela do mesmo modo como numa análise individual enquanto não se aceita a enfermidade não se busca a curar O que ela não podia ver em si mesma pareceu evidente na sua companheira de grupo por outro lado esta demorou muitos meses para tomar consciência de sua situação Nesse mesmo grupo havia uma mulher com um bebê recémnascido Como estava rodeada por pessoas analisadas e ela mesma estava em análise conheci em linhas gerais qual era a conduta em relação ao filho e pudemos ver que também nesse caso o conhecimento não ajudava em nada pelo contrário transformavase num superego acusador que a levava a agir de forma cada vez pior com seu filho Por exemplo davalhe de mamar olhando televisão sem nenhum contato afetivo com ele O bebê chorava continuamente e manifestava inquietação não obstante ter a mãe muito leite e darlhe o peito a intervalos regulares Relatou que lhe ficava muito pesado dar o peito a cada três horas mas como sabia que era bom para seu filho mas ela se aborrecia tinha encontrado uma diversão pois enquanto o bebê mamava ela via televisão Por sua falta de contato não percebia que além de estar psicologicamente ausente os ruídos geralmente estridentes e a música das audições que via eram estí mulos tão maus que contaminavam e arruinavam o bom que lhe dava com o leite O grupo identificou essa rejeição com a da mãe de Marcos Através dela e da mãe de Ana pôde aceitar as interpretações e fazer consciente a rejeição afetiva para com sua filha compreender a contínua negação a que recorria para não aceitar a enfermidade Aceitála significava também conhecer e aceitar sua participação assim como a mãe de Ana se sentiu diante ria mnrto Hnc fílhnc Arminda Aberastury 261 e como parecia entenderme quando a levei ao seu quarto e a deitei em sua cama apaguei a luz como todas as noites com a diferença de que não lhe entreguei o bico que ela não me pediu o que estranhei bastante Enrolouse para dormir e começoi a gemer como nunca havia escutado era um lamento como o que sentia nos veló rios suave e cadenciado mas desgarrador Acerqueime dela e enquanto lhe acari ciava a cabeça falava suavemente dizendolhe que sabia o que sentia mas que já se acostumaria Quando chorou mais forte levanteia tivea em meus braços acendi a luz tireia do quarto e leveia ao living onde ajudada por meu marido fizemos todc o possível para distraíla mas quando o sono a vencia começava a chorar desconso lada terminou dormindo em meus braços acordandose várias vezes durante essa noite No dia seguinte a diarréia havia desaparecido Seguiu dormindo nos meus bra ços durante várias noites mas cada vez melhorava mais dormindo bem de noite 0 único inconveniente que teve foi um resfriado Quando levei esse problema ac grupo intepretaram que chorava pelo nariz Várias vezes por dia durante a primeira semana agarrava sua boneca nos braços e choramingava mas pouco a pouco deixou de fazêlo Justamente na mesma data em que tínhamos eliminado o bico quebrou seu carrinho de passeio e esteve vários dias em conserto quando o trouxeram a vi exageradamente entusiasmada e desde esse dia estava continuamente ao lado dele permanecendo sentada nele durante horas e mostrandoo a todas as pessoas que encontrava A terapeuta interpretoume que Lucy temia que se passasse o mesmc que acontecera com o seu bico que desaparecesse para não voltar mais Terminava a carta3 dizendome que lhe parecia que Lucy de repente deixava de ser bebê e que ela estava como que entristecida por isso Foi evidente que a diarréia gomosa foi a forma como Lucy mostrou a sua mãe que seu organismo esta va preparado para o desprendimento e que era necessário eliminálo para deixar de ser um bebê como antes destroçara e rasgara os bicos com seus dentes Ela por outro lado ainda que se propôs a fazêlo falou com sua filha e sen tiase preparada para o desprendimento e inclusive viao necessário não pôde tirar lhe o bico Interpretamos que o que ela chamava de morte do bico encobria a morte de sua filha como forma de compensar a morte dela mesma como filha Ela estava exageradamente fixada a sua mãe e era ela a que ainda não se sentia em condições de deixar o bico Essa mãe que em geral tinha um excelente relacionamento com a filha que a observava e dirigia com inteligência e afeto deume uma corroboração importan te para minha afirmação de que existe uma fase genital prévia à organização anal Observou que Lucy entre os oito e dez meses distraíase em meter os dedos nos orifícios da cara daquele que estivesse perto e que se brincava com algum choca lho ou bico levavaos à boca ou aos genitais e dali novamente à boca Quando ter minava de comer podiase encontrar em suas calcinhas restos de todos os alimen 260 Psicanálise da Criança a vida ou de tirála tendo de defenderse da tendência que a arrasta a matar o filho para não perder a mãe Esses problemas podem apresentarse abertamente como no caso do aborto ou dos sentimentos que morreram mas que com frequência apa recem mascarados sob a forma de um transtorno passageiro ou de uma dificuldade no manejo das crianças Diria que isso é especialmente evidente nos conflitos que provoca na mãe o desmame a perda definitiva do bico os transtornos do sonho e a aprendizagem do controle dos esfíncteres A primeira e a última são experiências de desprendimento e o sonho uma situação que costuma equipararse à morte Darei um exemplo de algumas dessas situações para logo referirme à posi ção da mãe frente à sexualidade da criança as dificuldades que tem para aceitar essa expressão de vida dificuldade que é consequência das limitações que ela mesma impõe no seu amor ao filho Já me referi a uma das integrantes do grupo que tinha uma filha de poucos meses e cuja maternidade lhe era satisfatória e alegre Quando a filha completou 15 meses apresentou no grupo sua dificuldade para lhe tirar o bico disse que cons cientemente compreendia que fazia tempo que deveria têlo feito e que sua filha quase não o pedia e a sentia disposta a abandonálo mas que ela a mãe sentiase surpresa ao comprovar que lhe custava tanto fazêlo que nem o tinha manifestado no grupo O grupo respondeu acusandoa e exigindo que cumprisse o que acredita va necessário já que era ela que manejava bem seu filho e não lhe permitiriam que se enganasse idealização que encobria a perseguição e a aconselharam recor dando outros casos a forma como devia atuar Quando chegou à sessão seguinte disse que toda a semana sua filha estivera sofrendo de uma diarréia gomosa e que os medicamentos que lhe dera o pediatra porque não se atreveu a chamarme tinham sido totalmente ineficazes Para relatar o episódio usarei as palavras da mãe transcrevendo uma carta que me mandou quando conseguiu solucionar o problema e logo farei os comentá rios Pelo conteúdo da carta e pela atitude de trazêla tornouse evidente que não era apenas um presente como ela me disse mas também o próprio bico que dei xava em minhas mãos Quando decidi tirar o bico de Lucy tinha já 15 meses e lhe dava somente para dormir Disselhe que tinha deixado de ser um bebê que teria que acostumar se a dormir sem ele e que eu ajudaria muito já que compreendia que lhe iria ser doloroso e que estava certa de poder ajudála Desde essa noite ainda que conti nuasse succionando o bico começou a tratálo de forma agressiva e durante os dias que se seguiram destroçou três bicos puxandoos e mordendoos Ao dia seguinte notei que estava com colite o que trouxe uma série de complicações porque se assou a bundinha e esteve de mau humor e eu não sabia como enfrentar a nova situa ção Conscientemente tinha me proposto tirarlhe o bico e anunciei que o faria mas não o cumpri Passou uma semana sem melhorar apesar dos medicamentos e das indicações do médico Foi então que me interpretaram que a diarréia gomosa expressava a necessidade de eliminar o bico e decidi enfrentar o problema Recordeilhe tudo o aue tinha falado na sem ana antfrinr rpnntiiho Arminda Aberastury 263 Disse que depois ela e o marido se acordaram muito penalizados porque na noite anterior não tinham ouvido o relógio como sempre acontecia às duas horas da manhã Como o grupo não compreendia o motivo da sua conduta perguntaram por que punha o despertador e ela esclareceu que Dorita dormia muito desabrigada e se resfriava e por isso eles levantavamse durante a noite para tapála Compreendeu logo que ainda que procurasse dar motivos racionais para jus tificarse por não colocar a roupa abrigada as outras integrantes do grupo rebate riam todos os argumentos e então viuse forçada a pensar por que Dorita dormia com uma camisola decotada para logo ter de levantarse para tapála Interpretei que dessa forma como em outras ocasiões expressava a pena de ver Dorita crescer e tornarse independente que também teve conflitos com sua filha quando esta começou a caminhar e a dar sinais de independência Mostreilhe que sua conduta durante a noite buscava mantêla ligada a ela como fazia quando era um bebê levantandose de noite para alimentála interpre tei a dor de Dorita e o fato de que tinha amanhecido com o pescoço torcido como vinculado ao movimento que costumava fazer enquanto dormia e esperava que os pais chegassem Como não apareceram moveuse em direção a eles e ficou espe rando Depois dessa interpretação disse que compreendia algo muito diferente que havia sentido naquela semana Via Dorita brincar tão feliz e independente longe dela e lhe deu tanta pena que tirou um bico que tinha guardado desde a época em que ela era bebezinha e colocouo na boca ficando embelezada na sua camisola com o bico como quando era pequenina Essa lembrança associada a minha interpretação justificava plenamente o sentido de que eu tinha dado à dor de Dorita Maria mãe de um menino da mesma idade relatou o estranho jogo que seu filho fazia com as bonecas Perfurandoas na zona esquerda da cabeça escavavaas mas faziao somente com as bonecas vestidas de meninos Como o pai tinha sido operado nessa mesma zona antes de nascer o meni no interpretei que este mostrava que conhecia a operação de seu pai e jogando ela borava a angústia que esta lhe causava Maria ficou muito aterrorizada e disse que seu filho ultimamente fazia outro jogo com as bonecas que consistia em arrancarlhes as pernas mas também somen te aos vestidos de meninos O pai deste menino cujo nível mental era muito bom tinha fracassado sem pre na vida por conflitos neuróticos graves e uma patológica dependência a sua mãe com a qual viviam Na sessão anterior Maria contou que seu marido tinha empreendido um nove trabalho fazia corretagem de livros para isso tinha que caminhar muito e chegava de noite extenuado dizendo que parecia ter as pernas quebradas de tanto trabalhar Através desse caso vemos que esse menino de quinze meses compreendia tudo o que se passava em seu ambiente Angustiavase ao sentir as queixas do pai rnm nroonH onrlft rui flnha nup farpr um fra h a lh n nup n Avífinunva ft niifi fira rnnsfi 262 Psicanálise da Criança tos que havia ingerido e que também tinha intentado dar à sua vagina Quando se banhava colocava água na boca a tirava dela passandoa por seus genitais nessa época durante muito tempo para dormir fazia o mesmo com o bico tiravao da boca e colocavao nos genitais Relatarei outras experiências em que é muito evidente a compreensão e a capacidade de expressão das crianças muito pequenas e como pode modificar a ati tude interna de uma mãe quando a compreende Quando Dorita tinha oito meses sua mãe em geral paciente e carinhosa começou a ter dificuldade para compreendêla e a repreendia com frequência Esclareceu também que era notável como se movia engatinhava e trepava por todas as partes Interpreteilhe sua dificuldade em aceitar o crescimento da filha que ao moverse por seus próprios meios separavase dela Nessa mesma época mostravase impaciente com a empregada e terminou despedindoa ainda que razoavelmente compreendesse que a necessitava muito e que Dorita sofreria com essa perda Quando relatou isso no grupo pediramlhe que detalhasse a atitude e as cir cunstâncias que haviam provocado a despedida da empregada e a resposta afetiva de Dorita Respondeu que a menina se manifestou muito braba ela tinha falado muito mal da empregada sentindose muito incomodada ao comprovar que sua filha a queria tanto e sentia saudades dela Interpretamos a relação entre sua impaciência pelo crescimento de Dorita e o fato de ter despedido a empregada compreendendo que tinha transferido à empregada seus desejos de despedir a filha como se dissesse Já que quer se afastar de mim que vá Na sessão seguinte relatou que tinha falado com a menina e que ficara impressionada ao comprovar com o fato de Dorita de apenas oito meses com preendia tudo o que lhe dissesse ao voltar à casa depois da sessão anterior tratou Dorita como se fosse uma pessoa maior disselhe que compreendia que havia agido mal despedindo Josefa que esta não era má como dissera durante todos esses dias e que a chamaria de volta Dorita depois de escutála atentamente deulhe um beijo e ficou dormindo nos seus braços Uma vez mais comprovamos a eficácia do trabalho em grupo a mãe se conscientizou dos motivos da rejeição à filha e de sua atitude impulsiva de despedir a empregada o que lhe permitiu modificar sua atitude Além disso mostrou mais uma vez como um bebê de oito meses entende a linguagem dos adultos A mesma menina ao atingir os quinze meses amanheceu com uma forte dor no pescoço e um pouco torcida para o lado esquerdo Quando a mãe relatou isso no grupo pergunteilhe se pela disposição da casa seria possível que a cabecinha de Dorita se voltasse para a direção do quarto dos pais a mãe duvidou e comprovou assombrada que assim era e acrescentou Era como se tivesse girado o pescoço para chegar ao nosso quarto Arminda Aberastury Relataremos agora algumas das normas técnicas que usamos nas distinta situações Já destacamos o uso da interpretação As mães apresentam no grupo o que chamaríamos de situações básicas frente ao filho e estas são interpretadas tambérr consultam sobre problemas diários Se pedem conselhos frente a um problema real pedeselhes que relatem com o máximo de detalhes e interpretase sua conduta Geralmente as integrantes do grupo também fazem interpretações o que permite sem darlhes diretamente o conselho propor a observação das modificações d semana entre uma sessão e outra se ela modifica sua conduta Por exemplo se i mãe ainda que compreenda conscientemente o significado negativo de sua condu ta como por exemplo colocar a criança na sua cama relata que reincidiu em fazê lo além de lhe interpretar se mostra a necessidade de tirálo de sua cama e que analise logo o que experimenta quando se vê submetida a essa privação seguindo se a observação durante o tempo necessário nunca julgando a conduta mas sirr interpretando a agressão subjacente a uma atitude aparentemente de muito cari nho como no caso do bico As vezes uma mãe pede orientação sobre o material de jogo ou sobre as ati vidades que convém a seu filho de acordo com as etapas de seu desenvolvimento Com frequência ela e o grupo vão decidindo normas ou sugerindo atividades mas no caso de não conseguilo eu como terapeuta além de interpretar indico ati vidades cujos resultados podem ser observados durante a semana Com técnicí similar se procede quando perguntam sobre como explicar temas vinculados ac sexo Tratase de que todos intervenham e formulem a explicação que dariam a sei filho Este foi um dos grandes ensinamentos que obtive dos grupos de mães porque ainda que soubesse que os pais tinham dificuldades para responder as perguntas pois não aceitavam a sexualidade de seu filho nunca pensei que essas fossem tãc intensas como pude observar Por exemplo quando dez mulheres entre 25 e 4C anos se envergonhavam ou se angustiavam como uma criança frente a sua mãe quando lhes pedia que falassem livremente sobre como explicariam isso a seu filhos nesses grupos nenhuma das dez respostas dadas por esses adultos corres pondiam à realidade Minha idéia de realizar grupos de orientação de mães surgiu unicamente d convicção de que poderia melhorar seu vínculo com a criança fazendo consciente mediante interpretação quais eram os conflitos que dificultavam essa relação 264 Psicanálise da Criança quência da operação da cabeça Fazia isso com seus bonecos operavalhes a cabe ça e depois amputavalhes as pernas Também nessa época relatou a mãe que tinha tendências a brincar com brin quedos perigosos que acabava machucando a cabeça viase assim como sua iden tidade com o pai o levava a imporse a mesma mutilação que esse sofreu No capítulo 9 relatamos o caso de Verônica a menina de seis anos que não falava Pudemos ver que na origem de sua enfermidade estava a proibição para aproximarse de seu pai Dissemos então que até o momento do tratamento que relatamos não con seguimos encontrar traumas reais que explicassem esse conflito mas existia e era muito intenso Relataremos agora como a mãe se sentiu impelida a separar a filha de nove meses de seu pai e como ao tornar consciente essa conduta e o que significava pôde modificála Tereza entrou no grupo com uma gravidez de oito meses dizendo buscar ajuda porque havia perdido o primeiro filho e tinha muito medo de perder o segun do Relatou as dramáticas circunstâncias que rodearam o parto e a morte de seu filho Em todo seu material associativo viuse uma forte proibição da mãe para que ela mesma chegasse a sêlo e como buscava em mim uma terapeuta que se dedica va às mães que contrastasse essa mágoa interna que lhe proibia a maternidade Um mês e meio depois nasceu uma menina a qual criou muito bem dedi candolhe a maior parte de sua vida com cuidados eficazes e inteligentes Inês tinha nove meses quando a mãe disse pela primeira vez que tinha dificuldades para mane jála que dormia mal e que havia perdido a boa relação com ela Perguntavase aonde havia ido sua paciência e a angústia que lhe causava ao saber que internamente rejeitava sua filha ainda que em aparência sua conduta não houvesse mudado em nada Relatou que por motivos especiais vivia com ela a sogra à qual tinha cedido seu quarto matrimonial para que estivesse melhor acomodada Disse que agora a sogra era boa e carinhosa para com ela mas que no início havia se oposto muito ao casamento e que mais de uma vez dissera que não descansaria enquanto não os separasse Interpreteilhe que já não via mais nela a Inês mas sim sua sogra separando a do marido submetiase a ela deixandolhe a cama matrimonial mas logo sentia raiva e rechaço por se ter submetido Disse logo que o pai frente ao conflito que havia se criado quase não apa recia em casa e que pensava que o malestar de Inesinha era em parte por haver perdido seu pai Essa menina estava em pleno desenvolvimento genital prévio e evidenciava o carinho pelo pai e viase de repente separada dele e rejeitada por sua mãe Se não se modificasse a conduta da mãe e se tivesse continuado essa situação por muito tempo o desenvolvimento de Inês teria sido seriamente perturbado Arminda Aberastury 267 uma forma de fazer chegar esse conhecimento às mães forma que se alcançou com os grupos de orientação Neles vimos que o sentimento de estranheza ante o filho se manifesta em cada mãe em uma ou em várias inabilidades na rotina da criação de um bebê Essas inabilidades ao serem analisadas nos grupos de orientação mostra ram terem profundas raízes em situações infantis ou na relação com suas próprias mães Era comum a todas a luta estéril por resgatar um genuíno amor pelo filho que estava impedido por forças incontroláveis e também o sofrimento em que assumiam essa luta O êxito do terapeuta nos grupos não exige que a mãe conheça o filho e logo aplique esse conhecimento ao filho senão em devolverlhe uma maternidade feliz fonte de prazer para o filho e para ela própria onde o amor flua na mesma liberda de que o leite do seio que amamenta bem e onde a gratificação possa ser regulada e não obedeça a impulsos ou exigências momentâneas Sendo fundamental a forma como se estabelece a relação mãefilho imedia tamente depois do nascimento é mais indicado que uma mãe entre no grupo quan do está grávida Nele conhecerá através de suas companheiras de grupo muito dos problemas que se apresentarão mais tarde e o que é mais importante ainda apren derá a ser totalmente tolerante com seus erros a conhecer a vida de um bebê e a compartilhar muitos de seus sentimentos Ao nascer seu filho poderá analisar em grupo seus temores e angústias frente a ele e será mais eficaz ao enfrentar qualquer dificuldade que se apresentar O parto sem dor liberou a mulher de grande parte de seus sofrimentos e aproximoua de vivêlo de modo natural e os grupos de orientação de mães ao preparálas para essa relação com o filho mediante análise de suas dificuldades e o conhecimento da realidade cumprem uma função similar Permitemlhe lutar eficaz mente contra hábitos ou crenças muito enraizadas e que contrariam as necessida des básicas de ambos As mesmas limitações que tem a mãe para entender o que seu filho necessi ta as têm com frequência os adultos que tratam com crianças como por exemplo os que imediatamente após o parto separam a mãe de seu filho mandandoo a um berçário ou buscando distanciálo de qualquer modo dela Obedecem assim à idéia consciente de que é necessário que ela descanse e esquecem por outro lado o que para a mãe e o bebê significa a ruptura brusca de uma íntima relação que durou nove meses e cujas características não se voltarão a repetir na vida do sujeito mas sentirá permanentemente saudade dela Quando um bebê nasce seu ego está empenhado na complicadíssima tarefa de elaborar o trauma do nascimento sendo muitos os autores que têm estudado a vida uterina e o trauma do nascimento Entre nós Arnaldo Rascovsky2 e o seu grupo têm estudado o psiquismo fetal Todo esse conhecimento nos leva a pensar que o feto ao ser separado de sua mãe necessita restabelecer o quanto antes o intenso R A Ç r n V Q I Í V A m i M n E l D1 ORIENTAÇÃO PSICANALÍTICA DO LACTANTE A espera de um filho reativa na mulher as necessidades que sente desde pequena em relação ao interior de seu corpo1 O filho será a prova de realidade que lhe dá certeza de sua integridade e plenitude se este nasce são Os temores fre quentes nas grávidas de ter um filho defeituoso ou de não levar a bom termo a gra videz são consequência dessas angústias Por isso também o filho toma as caracte rísticas desse desconhecido interior tão temido e que atua com ele dando prova de uma ignorância que vai muito além do que conscientemente chamaríamos de falta de experiência Os animais sabem como alimentar e criar seus filhos e consideramos uma deformidade da natureza os que matam abandonam ou não sabem cuidar de sua cria A mãe sã deveria saber por si só como cuidar e atender seu filho mas as deformações que padecemos como seres humanos fazem com que isso tão genuí no seja ensinado O caminho pelo qual temos chegado a esse conhecimento é simi lar ao que nos permitirá transmitilo e vai do patológico ao normal Durante a aná lise de neuróticos e psicóticos fomos estudando os fatores patogênicos sua com preensão junto com a investigação do desenvolvimento primitivo nos tem levado a saber o que é um bebê quais são suas necessidades e de que forma devem ser satis feitas para que possam ter uma evolução normal Apesar de que isso tenha repre sentado um grande progresso para a profilaxia da neurose infantil faltava encontrar I Melanie Klein era de opinião de que o complexo de castração feminino é diferente ao do homem Consiste principalmente do temor da menina a que sua mãe tenha destruído seu interior rouban dolhe os conteúdos Cf Melanie Klein El psicoanálisis de nirios em especial nas pielnas 40 e 101 268 Psicanálise da Criança vínculo que mantém com ela e recuperar ainda que seja parcialmente o contato com o seu corpo para o qual deve permanecer muitas horas junto a ela nos primei ros dias e adequarse paulatinamente à separação As experiências com lactantes mostram que a boca é a zona mais adequada para estabelecer seu primeiro contato com o mundo já que necessita alimentarse para sobreviver mas não basta a boca nem ser apenas alimentado3 Ajudamolo a vencer sua angústia de separação se imediatamente após o nascimento o colocamos em contato com a mãe e favorecemos a iniciação da sucção Na medida em que o peito que se oferece à criança satisfaz suas necessidades e alivia suas tensões o mundo exterior irá significando algo de prazer inteiro para o qual se dirigem seus interesses Também necessita o calor da sua mãe sua voz sua companhia seu con tato e o de roupas adequadas4 essas precisam ser demasiadamente estudadas para que não passe demasiado calor ou demasiado frio e seja assim ajudado na sua tare fa de termorregulação Durante vários anos pensouse que a criança não alimentada pela mãe teria graves transtornos no seu desenvolvimento ulterior Atualmente sabemos que com a alimentação artificial dada com bom contato afetivo em situações físicas que se aproximem o mais possível do amamento buraco do bico adequado têlo nos bra ços e bem amparado e que sua alimentação dure o mesmo tempo necessário para mamar a criança desenvolvese normalmente Também sabemos que um seio com suficiente leite pode ser introjetado pela criança como um peito não tão bom se não é acompanhado do contato afetivo adequado e de uma manifestação suave O primeiro caso do qual tirei grande ensinamento foi de uma menina cuja mãe a havia alimentado até os nove meses e que apresentava sérios conflitos vincu lados à alimentação e na sua relação global com a mãe Teoricamente a lactância foi perfeita mas soube logo que essa mãe que sofria de asma muito intensa alimentou sua filha num período em que os acessos eram quase diários Compreendi logo que o peito que esta menina mamou estava cheio do terror que lhe inspirou essa mãe sempre enferma sufocada que recordava perigo de morte 3 As experiências com lactantes especialmente as realizadas em 1944 por M Ribble relatadas em Infantile experience in relation to personality development Personality and behavior disorders vol II cap 20 Ronald Press Co mostram a importância do contato afetivo e corporal com a mâe ou sua substituta Demonstrou que uma lactância artificial realizada através de um bom contato com a mãe ou sua substituta era tão boa como a lactância materna Na minha experiência comprovei a exatidão de suas observações e a importância da voz da mãe sua estabilidade seu contato afetivo e corporal e a compreensão das necessidades do bebê Tudo isso juntamente com a satisfação oral condiciona a formação de uma boa imagem materna A satis fação oral isoladamente embora necessária não é suficiente para isso Uma recente experiência com macacos recémnascidos efetuada por Harry F Harlow e um grupo de investigadores do labo ratório Primates da Universidade de Wisconsin Scientific American unho 1959 vol 20 n 6 demonstrou a importância fundamental do contato corporal com a mãe para um bom desenvolvi mento e vinculo com o mundo 4 GARMA Anael El orlaen do los veitldo Rnvíjrn o i 1 Arminda Aberastury 269 Dissemos antes que a boca e o contato oral da criança com a mãe não são tudo e veremos agora que nem o leite é tudo para que o seio seja introjetado como uma boa imagem para o bebê Consultaramme por uma criança que chorava continuamente e manifestava grande inquietação não obstante a mãe ter muito leite e darlhe o peito a interva los regulares Quando falei com ela relatoume que resultava muito pesado para ela darlhe o peito a cada três horas mas como sabia que era bom para seu filho e ela se aborrecia tinha encontrado uma boa distração pois enquanto o bebê mamava via televisão Este caso nos ajuda a compreender a falta de contato e as consequências que isso acarreta Este bebê recebia leite de uma mãe ausente que lhe deixava o seio e psico logicamente se afastava Além disso essa falta de contato impedia o bebê de compreender os ruídos geralmente desagradáveis e a música às vezes estridente das audições eram estí mulos tão doentios que contaminavam e lhe deformavam o bom que lhe dava com o leite Tudo que envolve a primeira relação com o filho é fundamental para seu desenvolvimento ulterior e voltando agora à situação inicial diremos que quando separam uma mãe de seu filho logo depois do parto algo se perde definitivamente no contato com ele Quando após vinte e quatro horas lhe trazem o bebê algo do calor que a ligava a ele no seu interior já se extinguiu Se pelo contrário colocam o bebê em seguida com a mãe poderão encontrar ambos algo da relação íntima que tinham através do cordão umbilical Uma vez restabelecido o contato com a mãe este deve repetirse a interva los regulares A primeira semana deve ser de cuidadosa observação para estabele cer qual é o intervalo que cada bebê suporta sem comer que flutua entre duas horas e meia e três horas e meia Depois de uma semana já saberemos qual é o ritmo que mais convém às suas necessidades cada bebê de acordo com as condições em que nasceu suporta pior ou melhor a frustração e isso se deve estudar cuidadosamen te porque uma das primeiras e mais difíceis tarefas que realiza o ego é enfrentarse com a ansiedade Se as circunstâncias exteriores são boas se fortalecerá gradual mente mas se incrementa sua ansiedade com frustrações seguidas a luta do ego se torna mais difícil por isso é necessário saber quais as necessidades do bebê no momento de nascer e quais as que paulatinamente deixam de ser importantes para dar lugar a novas necessidades e a novos estímulos Quando se estabeleceu o ritmo da alimentação diurna onde tem que con siderar de quinze a vinte minutos de sucção em cada mamada ou mamadeira á poderemos saber se o bebê necessita ou não de bico Não devemos adiantarnos e darlhe antes de sabermos se é necessário Se com um intervalo de alimentação de três horas e mela e dispondo cada vez do tempo Indicado de sucção manifesta ansiedade entre as horas malestar e choro continuo podese pensar na necesslda Arminda Aberastury A necessidade do contato com a mãe se fará paulatinamente muito menor na medida em que o desenvolvimento gradual das funções do ego lhe deem nova fonte de prazer na sua relação com o mundo Isso coincidirá com o crescente bemestar da mãe e sua reconexão gradual com os interesses que perdeu durante esses últi mos tempos principalmente a união com seu marido e através dela com todo o mundo do adulto Na medida em que ambos mãe e filho se permitem um contato inicial mais profundo mais facilmente irão se separando A primeira semana na clínica ou no hospital deve ser amplamente aproveita da para esse íntimo contato com o filho é por isso que o berçário é tão contraindi cado Um bebê de quinze dias pode ficar algumas horas sozinho durante o dia mas não pode sem risco de empobrecimento ficar sozinho num berçário ao nascer nem as vinte e quatro horas ou as quarenta e oito horas após o nascimento Quando uma criança nasce ela e a mãe necessitam de intimidade proteção e cuidado É o pior momento para que uma mãe se esforce em estabelecer conta to com outras pessoas Se o faz grande parte da carga afetiva que seu filho neces sita irá perderse e quando o tragam o contato de algum modo estará já perturba do mais ainda quando se empenha em dar o peito ou a mamadeira rodeada de estí mulos que a distanciam do filho e ele dela Um momento difícil para a mãe é a chegada em sua casa depois de uma semana na clínica Ainda que conscientemente tenha ânsia de fazêlo a realidade que encontra costuma desanimála e desiludila Na clínica principalmente se acei ta o horário das visitas de seus familiares e amigos transformase no lugar ideal no qual os outros se ocupam do bebê não se familiarizando ela com seu cuidado diário e as visitas alimentam um clima maníaco de evasão Em casa enfrentará com total responsabilidade o cuidado com o filho sem as frequentes oportunidades de afastamento é comum que a mãe especialmente depois da ajuda de uma enfermeira sintase a princípio muito confusa Se por outro lado teve na clínica um íntimo contato com seu filho foi pouco a pouco familiari zandose com ele a chegada em casa ainda que seja sempre difícil terá um menor grau de dificuldade É então muito importante que tenha em conta a hora inicial e o horário do dia e da noite para as refeições e para a rotina diária não só porque a ansiedade do bebê vai se dominando quando se estabelece a periodicidade senão porque ela sabe quais são as suas horas livres e também se sentirá mais capaz de elaborar o peso da maternidade Na medida em que se permite o prazer dessa relação a impressão de escra vidão desaparece ainda que esteja muito consciente da responsabilidade e da entre ga que lhe exige O peito é sentido pelo recémnascido como fonte de alimento e de vida e o fato de haver formado a unidade prénatal com a mãe cria nele o sentimento nato de que existe um objeto que lhe dará tudo o que necessita e deseja Depois do trauma do nascimento todos os esforços do recémnascido serãc tonfatluac nn snntlrln Hn fa ïfir f i a iinidarif nrAnatal 5fm ronsficm ln Sftntfi r 270 Psicanálise da Criança Cada criança nasce com determinada situação de necessidade e essa sucção suplementar pode ser útil não para substituir a outra senão para satisfazer o rema nescente de ansiedade que parece ter ficado Mas nem sempre é por fome ou falta de sucção que o bebê chora Temos destacado que precisa alimentarse para viver e que a boca ocupa uma importância fundamental nesse período mas não há que pensar que é o único aspecto importante Muitas vezes chora e está descontente sendo suficiente falarlhe suavemente ou levantálo um minuto ou trocálo de posi ção para que se restabeleça seu bemestar Só quando tivermos esgotado todos os recursos é que devemos darlhe o bico ou quando por circunstâncias da organiza ção familiar não se dispõe de tempo necessário para estudar suas necessidades A psicanálise nos familiarizou com o significado das dificuldades de aprendi zagem e das inibições em geral Nos grupos vimos que quando o bebê chora e a mãe não compreende o que necessita e mais ainda se sente incapaz de raciocinar sobre o que pode necessitar de tão paralisada que está pela sua angústia podemos falar da inibição de uma função Esta inibição pode alcançar graus extremos ou ser apenas passageira E frequente por exemplo que quando um bebê chora a mãe pense sempre que o faz por fome quando lhe oferece comida e este não a aceita atua como se seu filho fosse apenas uma boca e não sabe lhe oferecer outra coisa E frequente o bebê que está placidamente instalado succionando o peito deixe bruscamente o mamilo e chore desconsoladamente situação em que a mãe costuma sentirse tão atemorizada quanto um bebê lendo um bom contato com o filho o deixará chorar um momento o agarrará contra si não o forçando a comer e esperará que se acalme para oferecerlhe novamente o seio Se pertence por outro lado ao tipo de mãe a qual não compreendeu esse conflito se empenhará em colocar novamente o peito na boca sem pensar que nesse momento este pode significar para a criança algo que a afoga ou que teme engolir algo aterrorizador Com essa atitude pode a mãe criar um novo problema para o filho pois tendoo forçado a comer nessas circunstâncias vomitará o que lhe deram Tudo quanto faça acertadamente com o bebê no seu primeiro ano de vida é a melhor garantia para sua futura independência e para a de seus pais mas são varia das as necessidades do bebê e a sensibilidade dos pais para satisfazêlas Vimos que o vínculo estreito que une a criança à sua mãe na vida intrauteri na e a satisfação incondicional de suas necessidades tornam necessário que o des prendimento dessa situação especial seja gradual e durante esse desprendimento devese ajudála a receber o que necessita e ainda não consegue por si só Esse cui dado deve sempre adequarse ao que cada mãe pode fazer uma norma de condu ta que se afastasse das exigências reais da vida dos pais estaria sempre destinada ao fracasso A vida de uma criança não pode anular a dos pais e tão perigoso quanto o abandono é submeter a vida inteira ao cuidado obsessivo e ansioso do bebê Desse tipo de relação só pode resultar ressentimento As normas do bebê não devem inva dir a vida dos pais senão numa medida razoável e necessária 272 Psicanálise da Criança necessidade de um peito sempre presente que o livre da ansiedade persecutória mas este tampouco existe e a realidade necessariamente o frustra mas pode aju darlhe a imagem de um peito real que o satisfaz a intervalos regulares ainda que desapareça por algumas horas Quando se atua assim ele elabora a perda e pode esperar Os horários de sono também devem ser muito respeitados o bebê está em condições de dormir em quarto contíguo se já gozou de contato suficiente com a mãe na clínica e se foi se separando gradualmente dela a mãe necessita dormir e saber quantas e quais serão suas horas de sono é bom não só para ela como tam bém para o bemestar do casal Um bebê bem atendido durante o dia pode dormir de seis a sete horas sem alimentarse depois da segunda semana Pouco a pouco esse intervalo pode chegar a oito horas um bebê de um mês pode dormir e deixar dormir seus pais Na medi da em que se respeita o sono da noite mais horas estará desperto durante o dia e os estímulos e interesses do mundo lhe facilitarão o desprendimento do vínculo único com a mãe O quarto do bebê deve se possível estar ao lado do da mãe e deve prefe rivelmente dormir sozinho Mães muito ansiosas ou com muitas exigências de saí das noturnas costumam necessitar que uma babá esteja com o bebê A angústia ou necessidade de evasão da mãe que delega suas funções a uma babá não é modificá vel através de conselhos Muitas mães se perguntam sobre o que fazer com o bebê que chora duran te a noite A única solução é atendêlo mas a forma como se atende é decisiva para a evolução dessa dificuldade Já temos experiência suficiente através do material obtido nos grupos para afirmar que se o pai ou a mãe acodem aos chamados dispostos a compreender o que está passando é possível que o choro pare e que a criança não volte a despertarse durante toda a noite Quando se decide atender uma criança que acorda durante a noite há que reservar o tempo necessário quando se pretende solucionar rapida mente o conflito só se conseguirá aumentálo provocandolhe maior angústia Uma criança pequena pode sonhar com algo que a assusta pode se acordar sobressaltada em consequência de algo que aconteceu durante o dia e pode sentir se só temendo estar abandonada A simples aparição da mãe sorridente e tranquila permitelhe dormir ime diatamente Se os chamados prosseguem não obstante a atitude tranquila dos pais devese pensar em algum sintoma e consultarse para saber qual é o conflito que produziu o transtorno solucionandoo Em bebês qualquer medicamento para dormir não só é contraindicado mas também ineficaz Se uma criança não dorme bem há algo que está errado e é pre ciso descobrilo Pode suceder que a alimentação comece a ser insuficiente e que tenha fome ou que seu ritmo de vida não seja o adequado para seu desenvolvimen to Só uma paciente observação pode levarnos a encontrar a rausa nn a Arminda Aberastury 273 diária da criança e a descrição de sua atitude com ela costumamos encontrar o motivo do transtorno do sono e sua modificação na conduta o soluciona Se o motivo é a alimentação insuficiente a mãe consultará o pediatra que lhe indicará sua adequação É frequente que a criança que mamou recuse as primeiras mamadeiras por que o olor do seio da mãe lhe faz menos apetecível o novo alimento Há mães que pretendem solucionar isso delegando a uma babá a função de alimentar o filho Só a insistência paciente da mãe fará com que triunfe o desejo de comer e se unam em sua mente a representação da mamadeira que lhe alivia a fome com as boas recordações que tem do seio A criança configura assim a ima gem do peito em relação a suas fantasias inconscientes Estas são anteriores à reali dade mas posteriormente a esta realidade as modifica existindo sempre uma inte ração entre a realidade interna e a externa E necessário permitirlhe experiências totais se é interrompida não pode começar e terminar a experiência de acordo com as suas necessidades Neste como em todos os casos forçálo a aceitar algo é contraproducente ao contrário a atitude paciente e compreensiva da mãe é a única que ajuda a vencer qualquer obstáculo 0 passo para a alimentação mais sólida ou para a inclusão da carne nas comi das pode ser difícil a princípio e a rejeição a mastigar e a engolir frequente nos bebês é indício de inadequado manejo da agressão Na relação com o alimento pode suceder que a criança tenha uma boa rela ção com a comida e uma má relação com a mãe ou o contrário Se a relação com a mãe e a comida é boa tratase de uma boa alimentação Se é má a relação com a mãe e com a comida tratase de uma má relação que a conduz à anorexia até mesmo mental Na rejeição à comida ou na falta de prazer ao comer podem atuar 1 o medo de ser envenenado 2 a rejeição do mundo exterior negativismo 3 a inibição do sadismo que a leva a não comer para preservar o peito o que explica que o mesmo problema comer tem significados muito diferentes como também diferentes soluções tal como vemos comumente nos grupos O movimento e o jogo são necessidades tão básicas como as da alimentação Ao redor dos três ou quatro meses o bebê brinca com os sons laleio e também com os seus lençóis ou com suas mãos Os mecanismos psicológicos que regem a aparição destes jogos são os mes mos que temos notado na atividade lúdica das crianças maiores O primeiro jogo que a criança realiza é o de esconderse ou o laleio e neles se vê claramente o significado de perder e reencontrar A atividade do jogo se torna possível por um processo mental que acontece na criança em torno do terceiro mês e é uma das consequências da elaboração de sua fase depressiva a função simbólica Se o bebè não tivesse a capacidade de sim hftllTar n3ft nrHrla n rn la ta r ne cím h nlne nre n h ia in e a aflulHaH An Ionn 274 Psicanálise da Criança É muito significativo que o primeiro brinquedo em quase todas as civiliza ções seja o chocalho5 que ao ser movido produz sons que desaparecem para depois reaparecerem Melanie Klein descobriu fantasias de masturbação subjacentes às atividades lúdicas Pude observar que sob a ansiedade que ativa a capacidade de jogar estão as necessidades genitais insatisfeitas que surgem da fase genital prévia quando ao aparecer seu primeiro dente deve abandonar seu vínculo oral com a mãe e busca um vínculo genital O bebê deseja morder antes que apareçam as peças dentárias e sua aparição marca uma fase importante em seu desenvolvimento o que até esse momento pode ser uma fantasia de morder e rasgar transformase em realidade A alimentação com sólidos é por isso imprescindível nesse momento não só como alimento senão para satisfazer sua necessidade de morder e canalizar normalmente o alimento Também o movimento é uma necessidade corporal e psicológica que nesse momento lhe serve para exploração e conhecimento do mundo exterior aliviando desse modo a ansiedade Quando o bebê mostra necessidade de movimento e faz força para incorporarse tentando tomar os objetos próximos a ele é necessário satisfazer essa necessidade Esta pode apresentarse antes num bebê do que em outro e é a observação de suas reações que nos dará a pauta do estímulo que necessita Já na segunda metade do primeiro ano a criança necessita explorar o mundo e além disso distanciarse da mãe para preservála dos seus impulsos de destruíla com os dentes unhas e todos os meios que são inerentes ao seu desenvolvimento corporal e normais a essa idade Distribuindo sua agressão ânsia e culpa de repara ção dos outros objetos pode estabelecer uma boa relação com a mãe Se não se cumprem essas necessidades surgem transtornos o mais frequen te é a insônia Outra conquista que o ajuda aliviando sua ansiedade é a aquisição da lingua gem Também no final do primeiro ano o bebê adquire a capacidade de falar as primeiras palavras O laleio significou um jogo com sons que lhe permite elaborar situações de perda e a palavra que é em princípio a reconstrução do objeto da sua mente facilitalhe a elaboração de sucessivas perdas Quando a criança caminha movese livremente e já diz algumas palavras está em condições de elaborar a aprendizagem do controle de esfíncteres Não só porque este desenvolvimento o facilita senão porque se modifica o significado que para ele tem a urina e as matérias fecais Até esse momento a necessidade de sujar se satisfaz com as matérias fecais e a urina que são para seu inconsciente além disso os instrumentos de sua onipotência sádicodestrutiva Outros movimentos e necessidades os substituirão lentamente 5 ALVAREZ DE TOLEDO Lulsa G de e PICHON RIVIÈRE Arminda Aberastury de La música y los Instrumentos musicales Revista de Psicoanállsls tomo I p 185200 Arminda Aberastury 275 Na experiência de psiquiatras e psicanalistas de crianças toda a criança com enurese teve controle de esfíncteres precoce que 1 a priva da necessidade instintiva 2 aumenta sua noção de maldade interior 3 angustia pela insegurança que a postura e a aprendizagem no urinol exi gem dele quando ainda não tem um controle muscular suficiente Em linhas gerais podemos dizer que quando uma mãe educa seu filho trata de desenvolver nele uma série de atos que confrontam com suas necessidades mul tas dessas exigências são imprescindíveis para a adaptação da criança à realidade se são exigidas no momento apropriado e se lhe for dado o tempo necessário para conseguila não se produzirão transtornos Se a aprendizagem do controle de esfíncteres coincidir com a exigência interna de limpeza que só é possível quando se instalam as defesas obsessivas se fará facilmente elaborandose sem dor O primeiro ano de vida especialmente o período que compreende a segun da metade desse e o começo do segundo ano caracterizamse por um aprendizado múltiplo e convergente com a realização de conquistas que conduzem a uma modi ficação fundamental frente ao mundo externo modificação tão significativa como o nascer a criança se põe de pé caminha fala produzindose o desmame O desmame é a consequência de todo um processo de desprendimento cujo motor essencial e último é a intensificação da ansiedade depressiva intensificação produzida pela aparição dos dentes instrumentos que tornam possível a realização concreta das fantasias destrutivas 0 desmame determina na criança 1 a necessidade de separarse da mãe para preservála perdendo em parte a comunicação conseguida 2 a necessidade de buscar novas formas de conexão com ela 3 a estruturação de uma primeira fase genital prévia à anal e à polimorfa As fantasias de um vínculo genital com o objeto expressas pelo penetrar e ser penetrado se apóiam nas atividades orais que lhe servem como modelo surge a fantasia de algo que se introduz e que nutrese de uma cavidade que pode rece ber esse algo criando a equivalência entre peito e boca e pênis e vagina Suas fantasias de união genital perigosa com um objeto carregam a imagem de seus pais de uma destrutividade especial e é essa uma das razões do perigo com que a criança vive a cena primária nesse período de sua vida O incremento das necessidades orais e genitais pelo processo descrito pro duz a necessidade de organização para expulsála Termina por estruturar a primei ra fase anal que serve para a conservação do vínculo por um mecanismo similar ao que na primeira relação com a mãe cumpre a projeção ao atuar junto com a intro jeção Ainda que as tendências orais anais e genitais atuem desde o momento de nascer organizase e estruturase a fase oral porque é a que permite à criança superar o trauma do nascimento e assim sobreviver Penso que auando os dentes Arminda Aberastury 271 A locomoção e a aquisição de novas simbolizações ao permitir repartir des fazer e elaborar essas ansiedades facilita a boa relação com a mãe Nesse período de desenvolvimento poderia se dizer que ela mesma se prc jeta no mundo externo destruindo a parte má de si mesma e da mãe para salva ambas Quanto mais consciência adquire da capacidade de suas armas destrutivas dentes músculos e habilidade crescente dos movimentos mais medo tem de des truir a mãe como objeto total e mais necessidade tem de dividir e descarregar sua fantasias sobre os objetos do mundo exterior que representam por identificaçã projetiva os fragmentos maus de seus objetos pai e mãe Os movimentos e jogos com brinquedos utilizados na aprendizagem da rei lidade e das funções corporais tornamse indispensáveis para impedir acúmulo d fantasias destrutivas que podem dirigirse sobre a figura da mãe se a criança est imóvel As ansiedades paranóicas levamno a realizar uma exploração do mund exterior a fim de comprovar a realidade dos perigos de que se sente rodeada Quando as necessidades de movimentação de exploração e de jogos nã encontram satisfação a criança sente aumentar seus impulsos agressivos e iss aumenta as ansiedades depressivas e paranóicas No desenvolvimento normal criança sente a ansiedade de desfazer esses efeitos e ansiedades sobre objetos cad vez mais afastados dela e creio que a necessidade de distanciarse da mãe para nã destruíla é o que o leva a engatinhar caminhar trepar e brincar As observações clínicas dos lactentes cujas mães não compreendiam i necessidades do filho e os obrigavam a um regime de imobilidade e de falta de est mulos mostram que invariavelmente tinham transtornos neuróticos Estudei em especial um deles a insônia Um regime caracterizado pela imc bilidade e falta de estímulos é o que encontramos nesses casos Isso condenava criança a matar seus objetos oriundos da fantasia sem ter podido dividir nem repc tir as experiências e consequentemente a temer a repetição do ataque contra el imóvel e indefeso O caminhar não só lhe serve para superar a posição depressiva permitindc lhe recuperar ou encontrar novos objetos mas também representa a realizaçã motriz de uma das técnicas de defesa mais características dessa fase distanciars do objeto de amor No desenvolvimento normal isto é seguido pela restituição dc objetos mediante as palavras utilizando o mecanismo de reparação para superar ansiedade Penso que quando o bebê entra na fase depressiva laleia como uma das pr meiras tentativas de vencer a situação depressiva criando ruídos que simbolizai algo que sai do seu corpo soa fora e através do qual se ocultam fantasias e lembrar ças como mais tarde acontece com a palavra num sentido cada vez mais explicit A continuidade genética e a identidade originária entre os sons e as palavr parecem cada vez mais evidentes A palavra é para a criança a recriação dos objetos no seu mundo interni pode guardálos ou lançálos ao mundo exterior para o estabelecimento de um vit ru in m in rn m e rn u sonrlo interno e term in a n o r ser extern o 276 Psicanálise da Criança fazem a sua aparição e o vínculo oral com o objeto deve ser abandonado tentase uma recuperação através dos órgãos genitais A linguagem ao permitir a reconstrução mágica dos objetos servelhe para elaborar a ansiedade depressiva intensificada pela dentição O pronunciamento da primeira palavra significa para a criança a reparação do objeto amado e odiado que reconstrói dentro e lança ao mundo exterior Secundariamente experimenta que a palavra o coloca em contato com o mundo e que é um meio de comunicação Quando nasce o dente da criança experimenta que algo duro e cortante penetra em algo mais mole triturandoo e rasga peito alimento sólido Essa experiência está no núcleo de sua ansiedade quando começa a comer sólidos em especial carne A criança pode verificar na realidade sua capacidade de destruir com os den tes O chocalho mordido a folha de papel destroçada e a comida sólida que rasga simbolizam partes dele mesmo e da mãe Confronta assim os efeitos reais de sua destrutividade e segundo o grau desta incrementamse tanto as ansiedades depres sivas como as paranoides O desenvolvimento da locomoção e o aumento da capacidade de manipula ção e apreensão dos objetos reforçam por um lado as ansiedades depressivas mas ao mesmo tempo servem para elaborálas e são empregadas como o caminhar e a linguagem com o mesmo significado e fins A bipedestação e o caminhar surgem de uma necessidade imperiosa da crian ça de separarse da mãe para não destruíla e esses mesmos ganhos servem depois à sua necessidade de recuperála Resumindo a organização genital ao fracassar na sua função de reconexão com o objeto põe em atividade por regressão como sucedeu na ruptura provoca da pelo nascimento sistemas de comunicação para reestruturar o vínculo com os diferentes objetos parciais orais anais e genitais fase polimorfa Para poder pre servar o vínculo com um objeto bom estruturase a fase anal primária de expulsão mantendo os elos orais e genitais em atividade Estas teses apóiam as descobertas de Melanie Klein sobre os estágios prema turos do complexo de Edipo com o aparecimento dos sintomas genitais na segun da metade do primeiro ano Tento explicar por que surge a parte genital e o porquê do seu fracasso como organização O mecanismo de expulsão a serviço da conservação do objeto é o que susten to atuar no impulso de movimentarse e caminhar A criança que caminha conserva a mãe distanciandose dela para preservála e aproximandose quando dela necessita Em estreita relação com a fase anal quero descrever uma experiência que aparece na criança quando se põe de pé Enquanto está deitada envolta em fraldas a matéria fecal e a urina constituem um conjunto com as fraldas Quando se põe de pé compreende que a matéria fecal e a urina se desprendem de seu corpo e a experiência de desprendimento de perda vivida nessas circunstâncias contribui para aumentar a ansiedade da separação ansiedade depressiva na qual se repe te uma experiência iá vivida por ela auando se desDrenderam as m em hrannc fptak Arminda Aberastury 279 Nora chegou à consulta com diagnóstico de epilepsia numa menina oligofrê nica A terapeuta que a estudou Suzana L de Ferrer com as técnicas da entrevista inicial e a observação de horas de jogo que apresentamos nos capítulos cinco e sete chegou à conclusão de que o diagnóstico não era correto e orientou o tra tamento de acordo com seu enfoque aconselhou analisar a criança e recomendou a mãe para um grupo de orientação suprimindo radicalmente toda medicação As três terapeutas a que fez o diagnóstico a que tratava individualmente a criança e eu que tratava a mãe no grupo formávamos parte de um grupo de estu do onde comentávamos a evolução e pudemos confrontar passo a passo o material oferecido por ambas mãe e filha com as primerias observações realizadas duran te o diagnóstico Podemos ver que neste caso se cumpre o que expuséramos sobre a revisão dos dados fornecidos pelos pais na primeira entrevista e sua confrontação com os que surgem quando a criança melhora e a culpa se alivia Nora era a filha mais velha de um casal jovem e conforme os dados forneci dos pela mãe na primeira entrevista foi desejada por ambos sendo a gravidez o parto e lactância normais Como se verá no decorrer desse caso os dados eram apenas parcialmente exatos Segundo a mãe a criança se desenvolveu bem até os três meses quando se evidenciou a luxação congênita bilateral das cadeiras O médico indicou a imobilização da parte inferior do corpo pélvis e perna e uma placa ad hoc que apesar de ser removível deveria ficar fixa a maior parte do tempo possível Essa indicação mante vese até os oito meses mas a mãe não pôde por sua angústia aproveitar a liber dade que lhe deu o médico e a placa não foi removida durante todo esse tempo Nessa época devido às crises de ansiedade de Nora davamlhe calmantes dois a três por dia o que diminuía manifestamente suas reações vitais sem modifi car sua angústia nem o transtorno do sono que se apresentou depois Quando tinha um ano conforme declaração da mãe na primeira entrevista e aos nove meses segundo informação posterior enquanto lhe dava banho e lhe lavava a cabeça Nora perdeu os sentidos durante dois ou três minutos não empa lideceu seguiu respirando de forma normal e se observou um ligeiro desvio dos olhos recuperandose com uma simples massagem com álcool Julgamos importante um antecedente dado pela mãe a menina teve sempre exagerada ansiedade ao reclinar a cabeça para trás para lavála pudemos logo rela cionar este aspecto com a circunstância difícil de seu parto6 Tendo um ano e dois meses repetiu o episódio mas dessa vez com maior gravidade já que a perda de sentidos foi mais demorada e acompanhouse de con vulsão hemilateral Esse episódio foi relatado pela mãe dizendo que enquanto a carregava caiulhe um pacote e para recolhêlo abaixou bruscamente a menina Foi nesse momento que Nora perdeu os sentidos Levaramna ao hospital onde reall 6 D lflcu ld u lm ro m a rnfif in Ha ra h n ra 278 Psicanálise da Criança A ansiedade que surge na criança quando começa a falar é enorme e se deve ao fato de que seu mundo se enriqueceu de modo desproporcional a sua capacida de de expressão verbal Não está seguro da eficácia de seu novo instrumento de reparação Pronunciar a primeira palavra significa para a criança 1 o reaparecimento do objeto amado 2 a experiência de que a palavra o coloca em contato com o mundo e que é um meio de comunicação Na realidade é a recriação de um vínculo com o objeto interno que exter naliza e reexternaliza durante o jogo verbal Essa linguagem egocêntrica se transfor ma num contato com o mundo exterior e pela aprendizagem em linguagem social servindo pouco a pouco à criança para a construção de seus sistemas de comunica ção A aparição do objeto nomeado quando ele o chama a experiência de que a palavra o vincula com o objeto assim como a reação emocional do ambiente ante seus avanços de linguagem fortificam e ratificam sua crença na capacidade mágica da palavra Estas conclusões teóricas são o resultado das observações realizadas duran te o tratamento analítico de crianças e durante os grupos de orientação de mães Na medida em que as mães conhecem as necessidades de seus filhos e as satisfazem estes se desenvolvem normalmente A importância do primeiro ano de vida revelouse ser transcendental seus primeiros passos serão a pauta de seus pri meiros passos no mundo e todas as suas primeiras experiências marcarão seu desenvolvimento posterior O NOVO ENFOQUE DA TERAPIA E DA PROFILAXIA DAS NEUROSES INFANTIS os grupos de orientação de mães e a psicanálise de crianças sua interrelação Destaquei muitas vezes que a análise de crianças bem como a de adultos deve ser uma relação bipessoal e que na técnica que exponho não se concedem entrevistas com os pais a não ser em circunstâncias especiais e estipulando previa mente as condições Esclareci também que crianças pequenas também são capazes de adaptarse ao ambiente ou modificálo e que considerava inútil toda a técnica que incluísse con selhos ou modifcações ambientais Mostrarei através de um caso como o grupo de mães ao permitir sem interferência a ação conjunta sobre a criança e sobre a mãe facilitou o tratamento e serviu de profilaxia para o segundo filho A mãe sofria de uma compulsão a des truir para depois reparar e repetia com a filha menor a conduta destrutiva que con tribuía à enfermidade da maior Exporei fragmentos da análise de uma criança de três anos a filha maior e H a c c p c ç n p ç H f a r i m r rli m ã o n a c n m i c c o â a nrrír tx n i n f o r n r n n r v r A Í I l i f l r i n n ir 280 Psicanálise da Criança zaram uma série de exames entre eles uma punção lombar uma ventriculografia um eletroencefalograma e um exame de fundo de olho Os resultados foram nega tivos e se descartou a suspeita de algum grande mal não revelando hematoma nem lesão traumática alguma aconselhouse repetir o eletroencefalograma no ano seguinte Como tratamento indicouse Epamin e tranquilizantes diários em grandes doses No dia seguinte a esse episódio começou uma coqueluche que durou muito mais tempo que o habitual Com um ano e oito meses estando a mãe grávida e tendose acentuado seu sintoma de irritabilidade anorexia e constipação levaramna a um hospital onde depois de uma série de testes se informou à mãe que Nora revelava 60 do nível mental correspondente à sua idade cronológica e que por sua epilepsia seria neces sário duplicar a doses de sedativos e de Epamin Aconselharam a mãe a que voltas se dentro de um ano para repetir os exames Com dois anos e dois meses ao nascer sua irmã o atraso afetivo e intelectual era evidente quase não falava babava continuamente recusava alimentos sólidos e sofria de constipação que se alternava com enormes evacuações Através do que relatou a mãe pudemos ver que Nora reagiu ao nascimento de sua irmã com aumen to da agressão a qual foi reprimida pelo meio ambiente Disse por exemplo que no dia em que chegaram do hospital com a irmã bateu numa de suas primas o que levou a que a fechassem num quarto escuro Na madrugada desse mesmo dia depois de um choro prolongado tremeu pronunciou gritos estridentes ficando em seguida imóvel e nas primeiras horas da tarde começou a subir a febre alcançando 40 Durante essa crise virava os olhos para cima e atiravase para trás gritando Estou caindo Poucas horas depois apresentou um quadro de rigidez e de vômitos Ao acordar na manhã seguinte tentou várias vezes descer da cama caindo todas as vezes Depois entrou numa etapa de prostração sonolenta acompanhada de vômi tos de sangue coagulado e de uma grave desidratação sintomas que causaram sua internação num serviço hospitalar Deuse como diagnóstico encefalite fezse uma punção lombar e iniciouse a administração de soros e medicação específica Esteve internada quatro dias e o diagnóstico e o tratamento foram de encefalite A mãe observava que há muito tempo os sedativos especialmente o Epamin que davam à Nora lhe faziam mal Insistiu na necessidade da realização de uma análi se de urina a qual revelou intoxicação por drogas7 Suspenderam o Epamin e o calman te observandose ao mesmo tempo uma evidente melhora Dois meses depois desse quadro um médico do hospital a pedido da mãe encaminhoua ao analista8 mencio nado anteriormente Quando chegou à consulta analítica o diagnóstico era Epilepsia em menina oligofrênica e o tratamento que lhe receitaram era o seguinte 7 Uma vez mais quando tudo estava perdido surgiu na mãe a capacidade para salvar a sua filha orien tando os médicos 8 Eduardo Kallna Arminda Aberastury 281 Rp Luminaletas 2 no café da manhã 2 ao jantar Epamin 003 no café da manhã Foi a preocupação da mãe sobre o estado de sua filha que a levou a consul tar com um familiar e exigir a análise da criança Quero aqui lembrar que quando esta mãe era menina brincava de bonecas estas eram sempre filhos tarados que ela salvava no último momento Com Nora repetiu sempre a mesma situação quando tudo parecia perdido seu amor pela filha salvavaa A entrevista com a mãe e a observação de uma hora de jogo diagnóstica revelaram um quadro mais otimista do que se poderia deduzir pelos antecedentes Penso que a aparente gravidade se deveu ao fato de ter sido coartada na sua motilidade na segunda metade do primeiro ano de vida o que somado a fortes doses de sedativos provocou um bloqueio da agressão tendo como resultado con sequente não só os sintomas orgânicos como também uma inibição na sublimação Neste como em outros casos o fracasso na simbolização produz sintomas que podem ser confundidos facilmente com atraso mental Foi indicada a suspensão dos medicamentos e iniciouse imediatamente o tratamento analítico da menina com quatro horas semanais A mãe ingressou no mesmo dia em um grupo de orientação de mães Os dados sobre a gravidez parto e imobilização foram relembrados por ela em uma das sessões de grupo que comentei no capítulo anterior Veremos em seguida como a comparação dos dois tratamentos permitiu o esclarecimento do caso e sua recuperação relativamente rápida Nosso conheci mento sobre o desenvolvimento de uma criança nos permitiu constatar que se esta imobilização foi tão traumática foi porque aconteceu entre o terceiro e o quarto meses momento evolutivo em que a criança passa da posição esquizoparanoide à etapa depressiva que é crucial no seu desenvolvimento Nesse momento iniciase também sua necessidade de movimentos livres que lhe permitem quando já cami nha separarse de sua mãe9 A imobilização que durou até os nove meses fez com que a fase genital prévia se iniciasse nessas condições nas quais a masturbação não só se viu interrompida como também foi vivida como proibida A mãe compreen deu o porquê de sua conduta por exemplo a imobilização naquela idade e não Tranquilizante muito conhecido na Argentina Nota da tradução 9 Quando li meu trabalho sobre a dentição o caminhar e a linguagem na Asociación Pslcoanalltlca Argentina em 1957 ao falar sobre o significado do caminhar expressei a opinião de que a posIçSo depressiva descrita por Melanie Klein devia ser a repetição de uma situação similar vivida no perío do intrauterino e que reaparecia com o inicio da mobilidade As afirmações de Gessel em seu livro Embriologia de la conducta Ed Paidós 1946 revelam a importância deste fator em tal período Diz Gessei na p 104 Este mês o quarto termina por ser o mais notável na embriologia da condu ta pois o foto exibe embora ainda sem domínio um repertório extremamente variado de modall dades genéticas elementares braços e pernas exibem maior mobilidade a nlvel de todai as articulações e efetuam Incursões a novos setores do espaço Ver também p65 66 101 105 o 106 da obra citada 282 Psicanálise da Criança antes nem depois Significava repetir a imobilização que ela mãe se impôs entre os três e nove meses de gravidez quando lhe disseram que pelas perdas que tinha sofrido corria o risco de abortar Nora começou seu tratamento quando tinha 28 meses Era uma menina fisi camente atrativa com aspecto agradável um olhar inquieto e investigador que fazia contraste com a parte inferior de seu rosto onde a baba saía continuamente de sua boca e corria até a roupa sem reação alguma nem sequer tratando de limparse O fato de se limpar foi um dos primeiros indícios de sua melhora Entrou com a mãe e observou tudo dentro do consultório sem manifestar angústia quando a mãe foi para a sala de espera Estando sozinha com a terapeuta aproximouse da mesa onde estavam os brinquedos e sua caixa individual Eram bonecas animais taças pratos talheres uma bola alguns autos aviões papel fio tesouras lápis de cor massa de modelar e cubos Agarrou a massa de modelar e deua à terapeuta dizendo Tina E interes sante esclarecer em relação a sua inibição na simbolização que seu jogo inicial se realizou só com substâncias massa de modelar10 sem utilizar brinquedos como teria feito uma criança de sua idade com desenvolvimento normal do ego Nessas primeiras horas demonstrou sua fantasia inconsciente da enfermida de quando mostrou no antebraço uma pequena mancha a qual chamou nana para depois bater o braço na nuca Em seguida pronunciou uma série de ruídos que denominou rádio com os quais descrevia o que sentia dentro de sua cabeça Vinculou seu dodói com sua cabeça e os ruídos dentro dela Começou um jogo no qual comparava os dois braços do terapeuta num tinha um relógio e no outro uma pulseira sendo os dois objetos muito parecidos e feitos com o mesmo material Nora mostrava assim uma diferença entre a terapeuta e a mãe A semelhança e a diferença dos dois objetos que despertavam sua ansiedade simbolizavam a novida de da relação terapêutica Também simbolizava a desconfiança latente de que o ana lista repetisse a conduta de sua mãe Durante o tempo restante dessa sessão pediu à terapeuta que fizesse para ela uma série de tetinhas bolinhas de massa de mode lar que depois transformou numa série de patinhos No último deles com o lápis fez um furo abaixo do rabo o qual encheu de novas bolinhas denominandoas cocozinhos Queremos lembrar que havia sido feita em Nora uma punção lombrar depois da convulsão e que evacuava o intestino com o uso diário de supositórios Neste brinquedo expressou como se sentia agredida e cheia de cocô até ficar doente Em sessões posteriores dramatizou mais claramente a punção lombar pedindo que lhe fizesse injeções na coluna depois de um jogo no qual batia a cabe ça e caía repetindo a situação originária que determinou a internação e que na transferência significava o medo a que também comigo recebesse o tratamento 10 Cf os dois casos do capitulo 9 Arminda Aberastury 283 daquela oportunidade A hipermobilidade que mostrava nas sessões foi interpreta da como movimento perpétuo para negar por meio deste a paralisação e como defesa ante o temor de que a terapeuta também a imobilizasse A angústia de Nora ao lembrar o aprisionamento da parte inferior de seu corpo fezse notória quando ao entrar nas sessões tirava os sapatos e baixava a cal cinha temendo que acontecesse na situação transferencial o mesmo aprisionamen to da situação originária Desde que começou o tratamento progrediu notavelmente na sua lingua gem já pronunciava as palavras mais claramente formulava bem as frases quase não babava e quando o fazia tratava de controlála aspirando e tragando a saliva ou secandose Sua constipação desaparecera e a alimentação e sono já eram normais A mãe declarou que atualmente quando a vê brincar com outras crianças se espanta cada vez ao ver seu aspecto de normalidade Pensamos que se conseguiu uma melhora tão rápida é porque junto com a interpretação e resoluções dos conflitos estavam as modificações da conduta da mãe quando compreendeu de que maneira ela mantinha a doença da filha A melho ra ocorrida aliviou o sentimento de culpa da mãe e permitiulhe tomar consciência de quão grave era o estado anterior de sua filha Essa melhora também permitiu recordar fragmentos da história de sua filha que estavam totalmente reprimidos na primeira entrevista tal como já relatamos e que eram fundamentais para com preender a gênese da enfermidade Antes da gravidez de Nora que foi consignada pela mãe como a primeira teve outra que resultou em aborto espontâneo no terceiro mês As características desse aborto fizeram com que o médico lhe dissesse que seria difícil ela reter um filho Quando estava no terceiro mês da segunda gravidez teve fortes perdas sendo aconselhada pelo médico a interrompêla porque considerava que não teria garan tias de que chegasse a bom termo e se isso acontecesse a criança poderia ser doente Essa ameaça de um possível filho enfermo angustioua profundamente pois seria a realização de uma antiga fantasia que a fazia retornar a sua infância quando brincando com bonecas demonstrava que temia ter filhos tarados Apesar de o índi ce de probabilidade que lhe dera o médico ser de um entre cem de que sua filha nascesse sã decidiu conservar a gravidez e fez completo repouso do terceiro ao nono mês tal como se imobilizou Nora para curála de uma tara congênita Nas primeiras sessões apesar de que conscientemente fizesse o relato da enfermidade da filha os atos de Nora que evidenciavam sua doença eram conside rados pela mãe como maldades ou caprichos Um dos problemas que trouxe ao grupo foi o de sua impossibilidade de impedir que Nora batesse na sua irmã que nesse momento tinha três meses Batialhe frequentemente na cabeça o que lhe despertava o medo de que também sua segunda filha ficasse tarada Tomou cons ciência de que não só não sabia parar a agressão de Nora como também a utiliza 284 Psicanálise da Criança va como instrumento de sua própria agressão do mesmo modo como tinha utiliza do os médicos e suas indicações para agredir Nora levada por sua antiga necessida de e temor de que seus filhos primeiros se tarassem para que ela depois os curas se A compulsão a transformar a segunda filha também num doente se manifestou ao não poder deter as batidas de Nora na cabeça da irmã e a curava de uma supos ta constipação colocandolhe supositórios todas as manhãs Até que não com preendeu o conflito entre o amor e o ódio que a estimulavam a destruir para depois reparar não desapareceu o problema das pancadas e graças a sua evolução sua segunda filha viuse livre de supositórios e medicamentos Em dada oportunidade quando voltou a repetir um ataque contra ela imobilizoua com uma cinta este durou um só dia pois ao compreendêlo substituiu a cinta pelos seus braços para ensinar sua filha a caminhar Se não tivesse compreendido seus conflitos não teria compreendido e modificado sua conduta tão rapidamente Este caso nos ilustra sobre as perspectivas que os grupos de mães abrem para a compreensão das neu roses infantis e para a profilaxia de futuros transtornos Adolfo I 16 117 I 18 Alba 102 Amanda 38 Ana I 19 120 250 a 258 Beatriz 132 133 139 Carlos 50 181 Daniel 214 a 215 Diego 216 a 2 17 Dorita 262 263 Elena 95 Ema 126 a 128 Emilia 38 Ernâni I 15 Ernesto 222 a 227 245 Este I a 44 Estêvão 101 Fanny 145 Fernando 130 Geraldo 134 Glória 144 Graciela 218 219 Henrique 38 Inès 264 Jaime 239 a 245 Joäo 50 Joâozlnho 15 17 22 a 32 34 60 75 loaaulm 49 Jorge 180 a 214 José 51 Josefa 262 Júlia 49 Lucy 260 261 Luis 35 Luisa 120 Marcos 253 a 258 Maria 38 263 Maribel 553 55 Mário I 10 Marta 174 21 I a 214 Miguel 136 Mônica 228 a 235 Nora 138 279 a 284 Patricia 90 151 152 a 162 172 179 Paula 38 Pedro 50 Raul 9 1 Roberto 113 Rodolfo 56 Silvia 218 219 Susana 102 Teodoro 38 Verônica 98 100 105 151 162 a 179 264 Virginia 121 a 125 TEXTOS CONSULTADOS ABERASTURY Arminda Ver também PICHON RIVIÈRE Arminda A de El juego de construir casas su interpretación y valor diagnóstico Buenos Aires Paidós 1961 La dentición su significado e sus consecuencias en el desarrollo Boletín de la Asociación Argentina de Odontologia para Ninos v I n 4 Buenos Aires 1961 ALVAREZ DE TOLEDO Luisa G de e PICHON RIVIÈRE Arminda A de La Música y los instrumen tos musicales Revista de Psicoanálisis t I p 185200 Buenos Aires ERICSON Milton On the possible occurrence of a dream in an eight monthold infant The Psychoanalytic Quarterly v 10 n 3 1941 FREUD Anna Psicoanálisis del niho 1927 Buenos Aires Imán 1949 El yo y los mecanismos de defensa Buenos Aires Paidós 1949 FREUD Sigmund Obras completas Buenos Aires Americana 1943 Obras completas Buenos Aires Biblioteca Nueva 1948 Obras completas Buenos Aires Santiago Rueda 1956 GARMA Angel Psicoanálisis de los suenos Buenos Aires Nova 1948 El origen de los vestidos Revista de Psicoanálisis t 7 n 2 1949 GESELL Arnaldo Embriologia de la conducta Buenos Aires Paidós 1946 GOODENOUGH Florence Test de inteligencia infantil por medio del dibujo de la figura humana Buenos Aires 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interpretación Revista de Psicoanálisis t 14 n 12 El juego de construir casas su interpretación y valor diagnóstico Buenos Aires Biblioteca de Psicoanálisis Nova 1958 RAMBERT Madeleine Une nouvelle technique en psychanalyse infantile le jeu des guignols Revue Française de Psychanalyse v 10 1938 RANK Otto The trauma of birth Nova Iorque Robert Brunner 1952 RASCOVSKY Arnaldo El psiquismo fetal Buenos Aires Paidós 1960 RIBBLE Margaret A Infantile experience in relation to personality development Personality and the behaviour disorders v 2 cap 20 Ronald Press Co SCHILDER Paul Imogen y apariencia del cuerpo humano Buenos Aires Paidós 1958 SEGAL Anna Some aspects of the analysis of a Schizophrenie Int Journal of PsychoAnalysis t31 1950 TEXTOS CITADOS CAMPO Alberto J La interpretación y la acción en el análisis de los ninos Revista de Psicoanálisis t 14 n 12 CAMPO Vera La interpretación de la entrevista con los padres en el análisis de los ninos Revista de Psicoanálisis t 14 n 12 La introducción dei elemento traumático Revista de Psicoanálisis t 14 n 12 1958 CHAIO José Algunos aspectos de la actuación de las interpretaciones en el desarrollo de insight y en la reestructuración mental del nino Revista de Psicoanálisis t 14 n 12 1958 EVELSON Elena Una experiencia psicoanalítica análisis simultâneo de hermanos mellizos Revista de Psicoanálisis t I 2 1958 GARBARINO Mercedes F de Dramatización de un ataque epiléptico Revista de Psicoanálisis t 15 n 12 1958 GARCIA REINOSO Diego Reacción de una interpretación incompleta en el análisis de un nlfto psicó tico NflWJta de Psicoanálisis t 10 n4 288 Psicanálise da Criança GARMA Elizabeth G de ver também GOODE Elizabeth Aspectos de la interpretation en el psi coanálisis de ninos Revista de Psicoanálisis t7 n2 Un cuento en el análisis de un nino Revista de Psicoanálisis t7 n3 GRINBERG Rebeca Evolución de la fantasia de enfermedad a través de la construcciôn de casas Revista de Psicoanálisis t 15 n I 2 1958 JARAST Sara G de El duelo en relación con el aprendizaje Revista de Psicoanálisis t 15 n I 2 1958 LAMANA Isabel L de La asunciôn del roi sexual de una melliza univitelina Revista de Psicoanálisis 115 n 12 1958 MORERA Maria Esther Fantasias heterosexuales subyacentes a una histeria de conversion Revista de Psicoanálisis t 15 n 12 1958 PERESTRELLO Marialzira Consideraciones sobre un caso de esquizofrenia infantil Revista de Psicoanálisis t 7 n 4 PICHON RIVIERE Arminda A de Cómo repercute en los ninos la conducta de los padres con sus animales preferidos Revista de Psicoanálisis t 8 n 5 Una nueva psicologia del nino a la luz de los descubrimientos de Freud Revista de Psicoanálisis t 8 n4 RACKER Genevieve T de El cajón de juguetes dei nino y el cajón de fantasias dei adulto medios de actuación juego frente a la realidad angustiosa interna transferencia ReWsta de Psicoanálisis t 15 n 12 1958 RASCOVSKY Arnaldo Consideraciones psicosomâticas sobre la evolución sexual del nino Revista de Psicoanálisis t I n 2 RASCOVSKY Arnaldo PICHON RIVIÈRE Enrique e SALZMAN J Elementos constitutivos del síndro me adiposo prepuberal en el varón Archivo Argentino de Pediatria out 1940 RASCOVSKY Arnaldo e RASCOVSKY Luis Consideraciones psicoanaliticas sobre la situación actual estimulante en I 16 casos de epilepsia infantil Revista de Psicoanálisis t2 n4 RASCOVSKY Arnaldo e SALZMAN J Estúdio de los factores ambientales en el síndrome adiposo genital en el varón Archivo Argentino de Pediatria ano I I n6 t 14 ROLLA Edgardo H Análisis contemporâneo de un padre y un hijo Revista de Psicoanálisis t 15 n I 2 1958 SAZ Carmen Comunicación y destrucción Revista de Psicoanálisis t 15 n 12 1958 SCOLNI Flora Psicoanálisis de un nino de 12 anos Revista de Psicoanálisis t4 n4 Artmed Editora S A Av Jarônlmo da Ornalii 70 90040340 Porto Alagra RS Brail Fona 51 30277000 Fa 11 101771 FLEITH ALENCAR Cols Desenvolvlmanti talentos e altas habilidades GREIG P A criança e seu desenho o naidmi arte e da escrita HARRISON M O primeiro livro do adolascani amor sexo e AIDS LA TAILLE Moral e ética dimensões Intalacti afetivas MAHLER M O nascimento psicológico di MARCELLI D Manual de pslcopatologla da I de Ajuriaguerra MARCELLI BRACONNIER Adolescência a psicopatologia 6ed MARTINEZ REGUERA M Crianças da nlngu crianças de rua MELILLO SUÁREZ OJEDA Reslllêncla OLSON TORRANCE Educação e desenvi lv humano PAPALIA Desenvolvimento humano 8ed ROGOFF B A natureza cultural do dasanvolv humano ROHDE BENCZIK Transtorno de déficit da atençãohiperatividade o que é Como ajuda ROHDE MATTOS Cols Prlndplos a prátli TDAH ROSSETTIFERREIRA Cols Rede de tlgnlf e o estudo do desenvolvimento humano STRASSBURGER Os adolescentes a a mldla impacto psicológico STUARTHAMILTON A psicologia do anvalhai VIGOTSKI L S Psicologia pedagógica WERTSCH DEL RIO ALVAREZ Estudoi socioculturais da mente WINNER E Crianças superdotadas mito rai WINNICOTT DW O ambiente e os proi vs maturação WINNICOTT DW Pensando sobra erlang ARMINDA ABERASTURY Psicanálise da Ciàhç3 teoria e técnica ta Psicanálise da criança já se tornou uma obra clássica e mantémse indispensável para todos os estudantes e profissionais da área de saúde mental especialmente para os que dedicam seu trabalho às crianças e aos adolescentes O livro apresenta de forma direta e dinâmica os conhecimentos de Arminda Aberastury psicanalista argentina de renome internacional Tratase da essência da abordagem psicanalítica à infância oferecendo as bases para o entendimento e o tratamento dos problemas emocionais enfrentados pelos mais jovens ISBN 9788573076615 9 7 8 8 5 7 3 0 7 6 6 1 5 artmed E D IT O R A RESPEITO PELO CONHECIMENTO wwwartmedcombr