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Direito Penal
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Prof Dr Juarez Cirino dos Santos Professor de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná DIREITO PENAL Parte Geral 5ª edição revista e ampliada Florianópolis 2012 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 1 242012 162751 Proibida a reprodução total ou parcial por qualquer meio ou processo A violação dos direitos autorais é punível como crime previsto no Código Penal e na Lei de direitos autorais Lei nº 9610 de 19021998 Copyright 2012 Impresso no Brasil Printed in Brazil Catalogação na Publicação Bibliotecária Cristina G de Amorim CRB14898 Rua Felipe Schmidt 321 sala 1003 Centro CEP 88010000 FlorianópolisSC Editorial Fone 48 32051300 editorialconceitojurcombr Comercial Fone 48 32401300 comercialconceitojurcombr wwwconceitojurcombr Editora CONCEITO EDITORIAL Conselho Editorial André Maia Adriana Mildart Aline de C M Maia Liberato Carlos Alberto P de Castro Cesar Luiz Pasold Diego Araujo Campos Edson Luiz Barbosa Fauzi Hassan Choukr Jacinto Coutinho Jerson Gonçalves C Junior João Batista Lazzari Jonas Machado Ramos José Antônio Peres Gediel José Antônio Savaris Lenio Luiz Streck Marcelo Alkmim Martonio MontAlverne B Lima Michel Mascarenhas Renata Elaine Silva Samantha Ribeiro Meyer Pflug Sérgio Ricardo F de Aquino Theodoro Vicente Agostinho Vicente Barreto Wagner Balera Presidente Salézio Costa Editor Chefe Salézio Costa Editores Orides Mezzaroba Valdemar P da Luz Assistentes Editoriais Rosimari Ouriques Capa Jonny M Prochnow Diagramação Rafael Simon S237d Santos Juarez Cirino dos Direito Penal Parte Geral Juarez Cirino dos Santos 5ed Florianópolis Conceito Editorial 2012 727 p ISBN 9788578742867 1 Direito Penal 2 Criminologia 3 Política Criminal I Título CDU 3431940 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 2 242012 162751 iii Nota do autor para a 5ª edição Apresentamos aos estudantes e professores de Direito Penal e aos profissionais do Sistema de Justiça Criminal a 5a edição do nosso Direito Penal Parte Geral revisada atualizada e com acréscimos em vários capítulos além de incluir novamente o capítulo sobre a Responsabilidade penal da pessoa jurídica reestruturado na forma e no conteúdo com novos argumentos contra a tese incorporada na lei Esta nova edição mantém as características científicas políticas e ideológicas que informam a ideia central do livro somente a demo cracia real pode reduzir a violência estrutural e institucional de uma sociedade desigual e injusta determinando redução proporcional da violência pessoal de indivíduos deformados por condições sociais adversas insuportáveis e insuperáveis pelas vias normais da relação capitaltrabalho assalariado A crescente acolhida do livro por acadêmicos e profissionais do controle social justifica o esforço de apresentar o estado atual da ciência do Crime e da Pena em sua relação crítica com as teorias políticas e sociais do capitalismo contemporâneo Curitiba fevereiro de 2012 Juarez Cirino dos Santos Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 3 242012 162751 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 4 242012 162751 v Sumário Primeira Parte teoria da Lei peNaL Capítulo 1 direito peNaL 3 I Conceito de Direito Penal 3 II Objetivos do Direito Penal 4 1 Objetivos declarados do discurso jurídico ofi cial 5 2 Objetivos reais do discurso jurídico crítico 6 21 Direito Penal e desigualdade social 10 22 Bem jurídico ainda um conceito necessário 14 Capítulo 2 priNcípioS do direito peNaL 19 I Princípio da legalidade 20 1 Proibição de retroatividade da lei penal 21 2 Proibição de analogia da lei penalin malam partem 21 3 Proibição do costume como fonte da lei penal 22 4 Proibição de indeterminação da lei penal 23 II Princípio da culpabilidade 24 III Princípio da lesividade 26 IV Princípio da proporcionalidade 27 V Princípio da humanidade 30 VI Princípio da responsabilidade penal pessoal 31 Capítulo 3 VaLidade da Lei peNaL 33 A VaLidade da Lei peNaL No eSpaço 34 I O critério da territorialidade34 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 5 242012 162751 vi 1 Conceito de território 35 2 Imunidades diplomáticas 36 3 Navios e aviões públicos e privados 37 4 Lugar do crime 39 II Critério da extraterritorialidade 40 1 Princípio da proteção 40 2 Princípio da personalidade 42 3 Princípio da competência universal 43 III Extradição 45 B VaLidade da Lei peNaL No tempo 47 I O critério geral princípio da legalidade 47 II O critério específico lei penal mais benigna 48 1 Leis penais em branco 50 2 Leis penais temporárias e excepcionais 51 3 Leis processuais penais 52 4 Lei de execução penal 53 5 Jurisprudência 54 Capítulo 4 iNterpretação da Lei peNaL 57 I O significado de norma jurídica 57 II A interpretação da norma penal 58 1 Técnicas de interpretação 59 2 Sujeitos da interpretação 60 3 Resultados da interpretação 61 4 Analogia e interpretação 61 41 Igualdade lógica entre interpretação e analogia 61 42 Teorias diferenciadoras 62 43 Analogia proibida e analogia permitida 63 431 Analogia a simile 63 432 Analogia a maiori ad minus 63 44 Necessidade da analogia 64 III O silogismo como lógica de subsunção jurídica 65 IV Fontes da norma penal 66 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 6 242012 162751 vii Segunda Parte teoria do Fato puNíVeL Capítulo 5 Fato puNíVeL 71 I Definições de crime 71 II Os sistemas de fato punível 73 1 Modelo bipartido de crime 73 2 Modelo tripartido de crime 75 3 O modelo de fato punível adotado 79 Capítulo 6 teoria da ação 81 I Introdução 81 II Definições do conceito de ação 82 1 Modelo causal de ação 82 2 Modelo final de ação85 3 Modelo social de ação 89 4 Modelo negativo de ação 92 5 Modelo pessoal de ação 94 III Funções do conceito de ação 96 IV Conclusão 99 Capítulo 7 teoria do tipo 101 I Conceito e funções do tipo 101 II Desenvolvimento do conceito de tipo 102 III Adequação social e exclusão de tipicidade 104 IV Elementos constitutivos do tipo legal elementos objetivos subjetivos descritivos e normativos 106 V Modalidades de tipos 106 1 Tipos de resultado e de simples atividade 107 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 7 242012 162752 viii 2 Tipos simples e compostos 107 3 Tipos de lesão e de perigo 107 4 Tipos instantâneos ou de estado e permanentes ou duráveis 109 5 Tipos gerais especiais e de mão própria 109 6 Tipo básico variações do tipo básico e tipos independentes 110 7 Tipos de ação e de omissão de ação 111 8 Tipos dolosos e imprudentes 111 Capítulo 8 o tipo de iNjuSto doLoSo de ação 113 I Introdução 113 II Tipo objetivo 114 1 Causação do resultado 115 11 Teoria da equivalência das condições 115 111 Conceitos centrais 115 112 Críticas ao método 116 113 Refutação das críticas 117 114 O critério na lei penal brasileira 118 12 Teoria da adequação 121 2 Imputação objetiva do resultado 122 21 A ação não cria risco do resultado 123 22 O risco criado pela ação não se realiza no resultado 124 III Tipo subjetivo 125 1 Dolo 126 11 Espécies de dolo 128 a dolo direto de 1º grau 130 b dolo direto de 2º grau 131 c dolo eventual 131 12 Dolo alternativo 141 13 A dimensão temporal do dolo 142 2 Erro de tipo 142 21 Erro de tipo e erro de subsunção 143 22 A intensidade de representação das circunstâncias de fato 145 3 Atribuição subjetiva do resultado em desvios causais 147 1 Desvios causais regulares 147 2 Aberratio ictus 148 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 8 242012 162752 ix 3 Troca de dolo 149 4 Dolo geral 150 5 Erro sobre o objeto 151 4 Elementos subjetivos especiais 152 Capítulo 9 o tipo de iNjuSto imprudeNte 157 I Introdução 157 II A capacidade individual como critério de definição de imprudência 158 III O tipo de injusto imprudente 161 1 O desvalor de ação lesão do dever de cuidado ou do risco per mitido 163 2 O desvalor de resultado lesão do bem jurídico protegido 169 21 Imputação do resultado ao autor 170 22 Exclusão da imputação do resultado 171 23 A previsibilidade e a previsão do resultado 178 IV Tipo objetivo e tipo subjetivo 184 V Crimes qualificados pelo resultado combinações doloimprudência 185 Capítulo 10 o tipo de iNjuSto de omiSSão de ação 189 I Introdução 189 II Ação e omissão de ação189 III Omissão de ação própria e imprópria 191 IV A omissão de ação imprópria e o princípio da legalidade 193 1 A proibição de analogia penal 193 2 A proibição de indeterminação penal 194 V Estrutura dos tipos de omissão de ação 197 1 Elementos comuns do tipo objetivo da omissão própria e imprópria 198 2 Elementos específicos do tipo objetivo da omissão de ação im própria 200 3 O tipo subjetivo da omissão de ação 206 VI Conhecimento do injusto e erro de mandado 208 VII Tentativa e desistência na omissão de ação 209 VIII A exigibilidade da ação mandada 210 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 9 242012 162752 x Capítulo 11 aNtijuridicidade e juStiFicação 213 I Teoria da antijuridicidade 213 1 Introdução 213 2 Fundamento das justificações 218 3 Conhecimento e erro nas justificações 219 4 Efeito das justificações 222 II Justificações 223 A Legítima deFeSa 223 1 Situação justificante 224 2 Ação justificada 227 21 Elementos subjetivos da ação de defesa 228 22 Elementos objetivos da ação de defesa 229 23 A permissibilidade da legítima defesa 231 3 Particularidades 234 a Legítima defesa de outrem 234 b Extensão da justificação 234 c Excesso de legítima defesa 235 B eStado de NeceSSidade 235 1 Situação justificante 236 2 Ação justificada 239 21 Elementos subjetivos da ação necessária 239 22 Elementos objetivos e normativos da ação necessária 240 3 Posições especiais de dever 245 C eStrito cumprimeNto de deVer LegaL 250 1 Situação justificante 251 2 Ação justificada 252 21 Ruptura dos limites do dever na aplicação da lei 252 22 Cumprimento de ordens antijurídicas 254 3 Elementos subjetivos do estrito cumprimento de dever legal 255 D exercício reguLar de direito 255 1 Situações justificantes 255 2 Ação justificada 257 3 Elementos subjetivos no exercício regular de direito 257 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 10 242012 162752 xi E coNSeNtimeNto do tituLar do bem jurídico 258 1 Consentimento real 260 11 Objeto do consentimento 260 12 A disciplina da Lei 943497 262 13 Capacidade e defeito de consentimento 264 14 Manifestação do consentimento 265 2 Consentimento presumido 266 3 O problema da eutanásia 267 31 Vontade real e presumida de morrer 268 32 Ajuda ativa e ajuda passiva do autor 268 321 Os deveres do médico 269 322 Os direitos do paciente 269 323 Princípios da lex artis médica 269 F juStiFicação NoS tipoS de imprudêNcia 270 Capítulo 12 cuLpabiLidade e excuLpação 273 I Conceito de culpabilidade 273 1 Desenvolvimento do conceito de culpabilidade 274 11 Conceito psicológico de culpabilidade 274 12 Conceito normativo de culpabilidade 275 2 Definições materiais do conceito normativo de culpabilidade 278 3 O princípio da alteridade como base da responsabilidade social 282 II Estrutura do conceito de culpabilidade 284 1 Capacidade de culpabilidade 284 11 Incapacidade de culpabilidade 286 12 Capacidade relativa de culpabilidade 289 13 Problemas políticocriminais especiais 291 2 Conhecimento do injusto e erro de proibição 295 21 Conhecimento do injusto 296 22 Consequências legais do erro de proibição 304 23 Natureza evitável ou inevitável do erro de proibição 305 24 Meios de conhecimento do injusto 306 25 Erro de proibição na lei penal brasileira 309 26 Espécies de erro de proibição na lei penal brasileira 315 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 11 242012 162752 xii 3 Exigibilidade de comportamento diverso 319 31 Normalidade das circunstâncias e exigibilidade jurídica 319 32 A inexigibilidade como fundamento geral de exculpação 320 33 As situações de exculpação321 331 Situações de exculpação legais 322 a Coação irresistível 322 b Obediência hierárquica 323 c Excesso de legítima defesa real por defeito emo cional 326 1 Excesso consciente e inconsciente 327 2 Excesso intensivo e extensivo 327 d Excesso de legítima defesa putativa por defeito emocional 329 332 Situações de exculpação supralegais 330 a Fato de consciência 330 b Provocação da situação de legítima defesa 332 c Desobediência civil 332 d Conflito de deveres 333 Capítulo 13 outraS coNdiçõeS de puNibiLidade 337 I Introdução 337 II Condições objetivas de punibilidade 338 III Fundamentos excludentes de pena 338 Capítulo 14 autoria e participação 341 I Introdução 341 II Conceito de autor 342 1 Teoria unitária de autor342 2 Conceito restritivo de autor 343 3 Teoria subjetiva de autor 344 4 Teoria do domínio do fato 345 III Formas de autoria 347 1 Autoria direta 347 2 Autoria mediata 348 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 12 242012 162752 xiii 21 Hipóteses de autoria mediata 349 22 Problemas especiais 350 3 Autoria coletiva ou coautoria 352 31 Decisão comum para o fato 353 32 Realização comum do fato 354 33 Distribuição da responsabilidade penal 354 331 Responsabilidade pelo excesso 355 332 Tentativa na coautoria 356 333 Coautoria por omissão de ação 357 334 Coautoria em tipos especiais próprios 357 IV Participação 358 1 Instigação 360 11 O dolo do instigador e a decisão do autor 361 12 O dolo do instigador e o fato do autor 362 13 Erro de tipo e erro de tipo permissivo 363 2 Cumplicidade 364 21 Natureza da ajuda material 365 22 O dolo do cúmplice e o fato principal 366 3 Concorrência de formas de participação 367 4 Participação necessária 367 5 Tentativa de participação 368 V Comunicabilidade das circunstâncias ou condições pessoais 368 Capítulo 15 teNtatiVa e coNSumação 371 I Introdução 371 II Teorias da tentativa 372 1 Teorias objetivas 373 11 Teoria objetiva formal 373 12 Teoria objetiva material 374 2 Teoria subjetiva 375 3 Teoria objetivosubjetiva ou objetiva individual 376 4 O tipo de tentativa 378 5 Consumação formal e material 380 6 Objeto da tentativa 380 7 Fundamento da punibilidade da tentativa 383 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 13 242012 162752 xiv 8 Tentativa inidônea 383 9 Delito de alucinação 386 III Desistência da tentativa 386 1 Teorias sobre desistência da tentativa387 2 Tentativa inacabada e acabada 388 3 Estrutura da desistência da tentativa 390 31 Desistência voluntária 390 32 Arrependimento eficaz 391 4 Tentativa falha 392 5 Extensão dos efeitos da desistência da tentativa 393 6 A desistência da tentativa no concurso de pessoas 394 61 Participação 394 62 Coautoria 395 7 Arrependimento posterior 395 Capítulo 16 uNidade e pLuraLidade de FatoS puNíVeiS 397 I Introdução 397 II Unidade e pluralidade de ações típicas 398 III Pluralidade material de fatos puníveis 400 IV Pluralidade formal de resultados típicos 401 V Unidade continuada de fatos típicos 405 VI A pena de multa na pluralidade de fatos puníveis 409 VII Limite das penas privativas de liberdade 410 VIII Pluralidade aparente de leis 411 1 Especialidade 411 2 Subsidiariedade 412 3 Consunção 414 4 Antefato e pósfato copunidos 415 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 14 242012 162752 xv Terceira Parte teoria da peNa Capítulo 17 poLítica crimiNaL e direito peNaL 419 I O discurso oficial da teoria jurídica da pena 421 1 A pena como retribuição de culpabilidade 421 2 A pena como prevenção especial 424 3 A pena como prevenção geral 426 4 As teorias unificadas a pena como retribuição e prevenção 428 II O discurso crítico da teoria criminológica da pena 430 A a crítica NegatiVaagNóStica da peNa crimiNaL 431 B a crítica materiaLiStadiaLética da peNa crimiNaL 435 1 A pena como retribuição equivalente do crime 435 2 A prevenção especial como garantia das relações sociais442 3 A prevenção geral como afirmação da ideologia dominante 447 4 Conclusão 452 Capítulo 18 priSão e coNtroLe SociaL 455 I Introdução 455 II A relação cárcerefábrica 458 III A origem da penitenciária459 IV O modelo filadelfiano de penitenciária 462 V O modelo auburniano de penitenciária 463 VI Indústria do encarceramento atualidade e perspectivas 466 VII A privatização de presídios no Brasil 469 Capítulo 19 o SiStema peNaL braSiLeiro 471 I A política penal brasileira 471 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 15 242012 162753 xvi II Penas criminais 473 1 Penas privativas de liberdade 473 11 Regimes de execução 474 111 Progressão e regressão de regimes 474 112 Espécies de regime 478 a Regime fechado 478 b Regime semiaberto 478 c Regime aberto 479 d Regime especial para as mulheres 480 12 Direitos e deveres do condenado 481 a Direitos do condenado 481 b Deveres do condenado 481 c Trabalho do condenado 482 d Remição penal 482 13 A disciplina penal 484 131 Faltas disciplinares 484 132 Sanções disciplinares e regime disciplinar diferen ciado 485 a Advertência verbal e repreensão 486 b Suspensão ou restrição dos direitos e isolamento celular 486 c Regime disciplinar diferenciado 486 14 Individualização da execução classificação e exame crimi nológico 487 141 Classificação dos condenados 488 142 Exame criminológico 488 15 Detração penal489 16 Limite das penas privativas de liberdade 490 2 Penas restritivas de direitos 491 21 Natureza 491 22 Pressupostos de aplicação das penas restritivas de direitos 491 221 Aplicação pela natureza do crime 492 222 Aplicação pela duração da pena 492 223 Condições limitadoras e excludentes 493 23 Espécies de penas restritivas de direitos 494 231 Prestação pecuniária 494 II Penas criminais 473 1 Penas privativas de liberdade 473 11 Regimes de execução 474 111 Progressão e regressão de regimes 474 112 Espécies de regime 478 a Regime fechado 478 b Regime semiaberto 478 c Regime aberto 479 d Regime especial para as mulheres 480 12 Direitos e deveres do condenado 481 a Direitos do condenado 481 b Deveres do condenado 481 c Trabalho do condenado 482 d Remição penal 482 13 A disciplina penal 484 131 Faltas disciplinares 484 132 Sanções disciplinares e regime disciplinar diferen ciado 485 a Advertência verbal e repreensão 486 b Suspensão ou restrição dos direitos e isolamento celular 486 c Regime disciplinar diferenciado 486 14 Individualização da execução classificação e exame crimi nológico 487 141 Classificação dos condenados 488 142 Exame criminológico 488 15 Detração penal489 16 Limite das penas privativas de liberdade 490 2 Penas restritivas de direitos 491 21 Natureza 491 22 Pressupostos de aplicação das penas restritivas de direitos 491 221 Aplicação pela natureza do crime 492 222 Aplicação pela duração da pena 492 223 Condições limitadoras e excludentes 493 23 Espécies de penas restritivas de direitos 494 231 Prestação pecuniária 494 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 16 242012 162753 xvii 232 Perda de bens e valores 495 233 Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas 496 234 Interdição temporária de direitos 497 235 Limitação de fim de semana 498 3 Pena de multa 499 31 Cominação da pena de multa 500 32 Aplicação da pena de multa 500 a A quantidade de diasmulta 500 b O valor do diamulta 501 33 Execução da pena de multa 502 4 Conversibilidade executiva das penas criminais 503 5 Cominação das penas criminais 504 51 Regras de cominação505 52 Cominação das penas de multa 506 Capítulo 20 apLicação daS peNaS crimiNaiS 509 I A sentença criminal 509 1 A sentença criminal absolutória 509 2 A sentença criminal condenatória 511 II O método legal de aplicação da pena 512 1 Definição da penabase circunstâncias judiciais1a fase 516 11 Elementos do agente 517 a Culpabilidade 517 b Antecedentes 520 c Conduta social 521 d Personalidade522 e Motivos 524 12 Elementos do fato 525 a Circunstâncias 525 b Consequências 525 13 Contribuição da vítima 526 2 Circunstâncias agravantes e atenuantes genéricas2a fase 527 21 Circunstâncias agravantes 529 a Reincidência 530 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 17 242012 162753 xviii b Motivo fútil ou torpe 534 c Facilitar ou assegurar a execução ocultação impunidade ou vantagem de outro crime 535 d Traição emboscada dissimulação ou outro recurso que dificulte ou impossibilite a defesa da vítima535 e Emprego de veneno fogo explosivo tortura ou outro meio insidioso ou cruel ou de que possa resultar perigo comum 536 f Vitimização de ascendente descendente irmão ou cônjuge 536 g Abuso de autoridade ou prevalecimento de relações domésticas de coabitação ou de hospitalidade ou com violência contra a mulher na forma da lei es pecífica 537 h Abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo ofício ministério ou profissão 539 i Vitimização de criança de maior de 60 anos de enfermo ou de mulher grávida 539 j Vítima sob imediata proteção da autoridade 540 l Ocasião de calamidade pública incêndio naufrágio inun dação etc ou de desgraça particular da vítima 541 m Embriaguez preordenada 541 22 Circunstâncias agravantes do concurso de pessoas 542 a Promover organizar ou dirigir a atividade criminosa coletiva 543 b Coagir ou induzir à execução material de crime 543 c Instigar ou determinar ao crime pessoa dependente ou impunível por condição ou qualidade pessoal 544 d Executar ou participar de crime mediante pagamento ou promessa de recompensa 544 23 Circunstâncias atenuantes 545 a Agente menor de 21 data do fato ou maior de 70 anos data da sentença 545 b Desconhecimento da lei 546 c Motivo de relevante valor social ou moral 548 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 18 242012 162753 xix d Ação espontânea imediata e eficiente para evitar ou reduzir as consequências do crime ou reparação do dano antes do julgamento 549 e Coação resistível cumprimento de ordem de autoridade superior ou violenta emoção provocada por ato injusto da vítima 550 f Confissão espontânea de autoria de crime perante au toridade 551 g Influência de multidão em tumulto não provocado 551 24 Circunstâncias atenuantes inominadas 552 25 Concurso de circunstâncias legais 553 26 Limites de agravação e de atenuação da pena 553 3 Alteradores especiais da pena causas especiais de aumento ou de diminuição da pena 555 III Efeitos da condenação 557 IV Reabilitação 560 Capítulo 21 SubStitutiVoS peNaiS 563 I Teoria dos substitutivos penais 563 1 Teorias tradicionais 564 11 Explicações humanitárias 564 12 Explicações científicas 564 2 Teorias críticas 565 21 Superlotação carcerária 565 22 Crise fiscal 567 23 Ampliação do controle social 568 3 Conclusão 569 II Os substitutivos penais da legislação brasileira 570 A SuSpeNSão coNdicioNaL da peNa 571 1 Pressupostos específicos 572 2 Pressuposto geral da suspensão condicional da pena 577 3 Condições legais de execução 577 4 Condições judiciais de execução 578 5 Modificação das condições de execução 579 6 Formalidades de concessão 580 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 19 242012 162753 xx 7 Revogação 580 8 Prorrogação do prazo 582 9 Extinção da pena 583 B LiVrameNto coNdicioNaL 583 1 Espécies de livramento condicional 584 2 Pressupostos do livramento condicional 585 21 Pressupostos gerais 585 22 Pressupostos específicos586 3 Condições de execução 588 4 Formalidades de concessão 589 5 Revogação 590 6 Efeitos da revogação591 7 Extinção da pena 592 C oS SubStitutiVoS peNaiS da Lei 909995 a transação penal e a suspensão condicional do processo 593 1 Transação penal 594 11 Conceito 594 12 Requisitos da transação penal 594 13 Consequências jurídicas da transação penal 598 2 Suspensão condicional do processo 598 21 Conceito 598 22 Pressupostos de concessão 599 23 Condições de execução 602 24 Revogação603 25 Extinção da pena 604 Capítulo 22 medidaS de SeguraNça 605 I As vias alternativas do Direito Penal brasileiro 605 II Crise das medidas de segurança 606 III Medidas de segurança na legislação penal brasileira 608 1 Pressupostos das medidas de segurança 610 11 A realização de fato previsto como crime 610 12 A periculosidade criminal do autor 612 2 Objetivos das medidas de segurança 613 3 Espécies de medidas de segurança 614 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 20 242012 162753 xxi 31 Hospital de custódia e tratamento psiquiátrico 615 32 Tratamento ambulatorial 616 4 Duração das medidas de segurança 617 5 A verificação de cessação da periculosidade criminal 619 6 Substituição e conversão das medidas de segurança 620 7 Prescrição das medidas de segurança 621 Capítulo 23 ação peNaL 623 I As limitações democráticas do poder de punir 623 II Os princípios constitucionais do processo penal 623 1 Princípios de formação do processo 624 2 Princípios da prova processual 627 III Ação penal 629 1 Ação penal pública 630 11 Ação penal pública incondicionada 631 12 Ação penal pública condicionada 632 13 Ação penal pública extensiva 633 2 Ação penal privada 634 21 Ação penal privada subsidiária da ação pública635 22 Transmissão do direito de queixa635 23 Extinção do direito de queixa 636 Capítulo 24 extiNção da puNibiLidade 639 I Morte do agente 639 II Anistia graça e indulto 640 III Descriminalização do fato 642 IV Prescrição decadência e perempção 643 1 Prescrição 643 11 Prescrição antes do trânsito em julgado da sentença criminal 644 12 Prescrição depois do trânsito em julgado da sentença con denatória 645 13 Prescrição pelos níveis de concretização da pena 646 14 Redução e aumento dos prazos de prescrição 648 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 21 242012 162753 xxii 15 Prescrição das penas restritivas de direito 650 16 Prescrição da pena de multa 651 17 Prescrição das medidas de segurança 651 18 Causas impeditivas da prescrição651 19 Causas interruptivas da prescrição 652 110 Prescrição das penas menos graves com as mais graves 654 2 Decadência 654 3 Perempção 654 V Renúncia e perdão 655 VI Retratação do agente 656 VII Perdão judicial 657 VIII A extinção da punibilidade nos tipos complexos nos tipos dependen tes de outros tipos nos tipos que pressupõem outros tipos nos tipos qualificados pelo resultado e nos tipos conexos 657 IX A extinção da punibilidade no concurso de crimes 658 Anexo Capítulo 25 a reSpoNSabiLidade peNaL da peSSoa jurídica 661 I Introdução 661 II A controvérsia constitucional662 III Problemas da responsabilidade penal da pessoa jurídica 667 1 A pessoa jurídica e o conceito de crime 669 11 A pessoa jurídica e o conceito de tipo injusto 671 12 A pessoa jurídica e o conceito de culpabilidade 676 13 O modelo francês de responsabilidade penal 680 14 Conclusão sobre a relação pessoa jurídicacrime 683 2 A pessoa jurídica e o conceito de pena 683 21 Lesão da técnica legislativa da lei penal 684 22 Lesão do princípio da personalidade da pena 686 23 Lesão do princípio da individualização da pena 689 24 Lesão das funções declaradas do discurso oficial da pena 690 25 Conclusão 691 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 22 242012 162753 xxiii bibLiograFia 693 íNdice aLFabético remiSSiVo 717 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 23 242012 162754 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 24 242012 162754 Primeira Parte teoria da Lei peNaL Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 1 242012 162754 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 2 242012 162754 3 Capítulo 1 direito peNaL I Conceito de Direito Penal 1 O Direito Penal é o setor do ordenamento jurídico que define cri mes comina penas e prevê medidas de segurança aplicáveis aos auto res das condutas incriminadas A definição de crimes se realiza pela descrição das condutas proibidas a cominação de penas e a previsão de medidas de segurança se realiza pela delimitação de escalas punitivas ou assecuratórias aplicáveis respectivamente aos autores imputáveis ou inimputáveis de fatos puníveis A descrição de condutas proibidas aparece em modelos abstratos de condutas comissivas ou omissivas com as escalas penais respectivas na par te especial do Código Penal as espécies e a duração das medidas de segurança são indicadas em capítulo próprio da parte geral do Código Penal 2 Assim definido o Direito Penal tem por objeto condutas humanas descritas em forma positiva ações ou em forma negativa omissão de ações de tipos legais de condutas proibidas O tipo legal descrito em forma positiva cria um dever jurídico de abstenção de ação por exemplo subtrair para si ou para outrem coisa alheia móvel art 155 CP o tipo legal descrito em forma negativa cria um dever jurídico de ação por exemplo deixar de prestar assistência quando possível fazêlo sem risco pessoal à criança abandonada ou extraviada ou à pessoa inválida ou ferida art 135 CP Logo a conduta humana objeto do Direito Penal pode consistir em ações ou em omissões de ação que constituem por sua vez os tipos de ação ou tipos comis sivos e os tipos de omissão de ação ou tipos omissivos descritos na Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 3 242012 162754 4 Teoria da Lei Penal Capítulo 1 parte especial do Código Penal ou em leis penais especiais A ação ou omissão de ação que realiza um tipo de injusto ação típica não justificada representa o objeto de reprovação no autor o que é re provado cuja integração com a culpabilidade juízo de reprovação do autor que representa o fundamento da reprovação do autor pela realização do tipo de injusto porque é reprovado constitui o con ceito de fato punível estudado na Teoria do Fato Punível segunda parte deste livro 3 O Código Penal estatuto legal que define crimes e prevê penas e medidas de segurança é o centro do programa de política penal do Estado para controle da criminalidade As penas criminais cons tituem o instrumento principal da política penal do Estado agru padas em três categorias a penas privativas de liberdade b penas restritivas de direito c penas de multa CP art 32 As medidas de segurança constituem instrumento secundário da política penal ofi cial agrupadas em duas categorias medidas de segurança detentivas e medidas de segurança não detentivas CP art 9699 As penas e as medidas de segurança conceito funções sistema aplicação substituição e extinção são estudadas na Teoria da Pena terceira parte deste livro II Objetivos do Direito Penal O Direito Penal possui objetivos declarados ou manifestos destacados pelo discurso oficial da teoria jurídica da pena e obje tivos reais ou latentes identificados pelo discurso crítico da teoria criminológica da pena correspondentes às dimensões de ilusão e de realidade de todos os fenômenos ideológicos das sociedades capita listas contemporâneas Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 4 242012 162754 5 Capítulo 1 Direito Penal 1 Objetivos declarados do discurso jurídico ofi cial 1 Os objetivos declarados do Direito Penal nas sociedades contempo râneas consistem na proteção de bens jurídicos ou seja na proteção de valores relevantes para a vida humana individual ou coletiva sob ameaça de pena1 Os bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal são selecionados por critérios políticocriminais fundados na Constitui ção o documento fundamental do moderno Estado Democrático de Direito realidades ou potencialidades necessárias ou úteis para a existência e desenvolvimento individual e social do ser humano2 por exemplo a vida a integridade e saúde corporais a honra a liberdade individual o patrimônio a sexualidade a família a incolumidade a paz a fé e a administração públicas constituem os bens jurídicos pro tegidos contra várias formas de lesão pelo Código Penal Como se vê os bens jurídicos mais importantes da vida humana individual ou coletiva são selecionados para proteção penal a lesão real ou ameaçada desses bens jurídicos pode desencadear as mais graves consequências previstas no ordenamento jurídico as penas criminais ou as medidas de segurança 2 Contudo a proteção de bens jurídicos realizada pelo Direito Penal é de natureza subsidiária e fragmentária e por isso dizse que o Direito Penal protege bens jurídicos apenas em ultima ratio por um lado proteção subsidiária porque supõe a atuação principal de meios de proteção mais efetivos do instrumental sociopolítico e jurídico do Estado por outro lado proteção fragmentária porque não protege todos os bens jurídicos definidos pela Constituição da República 1 A criação do conceito de bem jurídico é atribuída a BIRNBAUM Uber das Erfordernis einer Rechtsverletzung zum Begriff des Verbrechens mit besonderer Rucksicht auf den Begriff der Ehrenkränkung in Archiv des Criminalrechts Neue Folge v 15 1834 p 149 2 ROXIN Strafrecht 1997 p 15 n 9 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 5 242012 162754 6 Teoria da Lei Penal Capítulo 1 e protege apenas parcialmente os bens jurídicos selecionados para proteção penal3 A proteção de ultima ratio de bens jurídicos pelo Direito Penal é limitada pelo princípio da proporcionalidade que proíbe o emprego de sanções penais desnecessárias ou inadequadas em duas direções a primeiro lesões de bens jurídicos com mínimo desvalor de resultado não devem ser punidas com penas criminais mas constituir contraven ções ou permanecer na área da responsabilidade civil como pequenos furtos em lojas indústrias ou empresas em geral4 b segundo lesões de bens jurídicos com máximo desvalor de resultado não podem ser punidas com penas criminais absurdas ou cruéis como ocorre com os chamados crimes hediondos esse grotesco produto da imaginação punitiva do legislador brasileiro 2 Objetivos reais do discurso jurídico crítico 1 A definição dos objetivos reais do Direito Penal permite compre ender o significado político desse setor do ordenamento jurídico como centro da estratégia de controle social nas sociedades contem porâneas Nas formações sociais capitalistas estruturadas em classes sociais antagônicas diferenciadas pela posição respectiva nas relações de produção e de circulação da riqueza material em que os indivíduos se relacionam como proprietários do capital ou como possuidores de força de trabalho ou seja na posição de capitalistas ou na posição de assalariados todos os fenômenos sociais da base econômica e 3 Ver BARATTA Principi del diritto penal minimo Per una teoria dei diritti umani come oggetti e limiti della legge penale in Dei Delitti e delle Pene 1991 n 1 p 4445 também ROXIN Strafrecht 1997 p 1011 n 1 4 ROXIN Strafrecht 1997 p 25 n 3839 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 6 242012 162754 7 Capítulo 1 Direito Penal das instituições de controle jurídico e político do Estado devem ser estudados na perspectiva dessas classes sociais fundamentais e da luta de classes correspondente em que se manifestam as contradições e os antagonismos políticos que determinam ou condicionam o desenvol vimento da vida social5 2 Os sistemas jurídicos e políticos de controle social do Estado as formas jurídicas e os órgãos de poder do Estado instituem e garan tem as condições materiais fundamentais da vida social protegendo interesses e necessidades dos grupos sociais hegemônicos da formação econômicosocial com a correspondente exclusão ou redução dos interesses e necessidades dos grupos sociais subordinados Assim na perspectiva das classes sociais e da luta de classes correspondente o Direito Penal garante as estruturas materiais em que se baseia a exis tência das classes sociais o capital como propriedade privada dos meios de produção e de circulação da riqueza e o trabalho assalariado como energia produtora de valor superior ao seu preço de mercado assim como protege as formas jurídicas e políticas que disciplinam a luta de classes e instituem o domínio de uma classe sobre outra Se o Direito Penal garante uma ordem social desigual então garante a desigualdade social Mas o Direito e o Estado não se limitam às fun ções reais de instituição e reprodução das relações sociais exercendo também funções ilusórias de encobrimento da natureza dessas relações sociais em geral apresentadas sob forma diversa ou oposta pelo discurso jurídico oficial Por isso também o Direito Penal deve ser estudado do ponto de vista de seus objetivos declarados ou manifestos e de seus objetivos reais ou latentes nos quais se manifestam as dimensões de ilusão e de realidade dos fenômenos da vida social nas sociedades contemporâneas 3 Os objetivos declarados do Direito Penal produzem uma aparência de neutralidade do Sistema de Justiça Criminal promovida pela 5 MARXENGELS Manifesto do partido comunista Edições Sociais Textos 3 p 21 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 7 242012 162754 8 Teoria da Lei Penal Capítulo 1 limitação da pesquisa jurídica ao nível da lei penal única fonte formal do Direito Penal Essa aparência de neutralidade do Direito Penal é dissolvida pelo estudo das fontes materiais do ordenamen to jurídico enraizadas no modo de produção da vida material6 que fundamentam os interesses necessidades e valores das classes sociais dominantes das relações de produção e hegemônicas do poder político do Estado como indicam as teorias conflituais da Sociologia do Direito7 4 A mudança da fonte formal a lei para a fonte material o modo de produção do Direito significa trocar a lógica formal por uma lógica material ou lógica dialética utilizada pela Criminologia crítica como método de pensar o crime e o controle social nas sociedades contempo râneas embora a dogmática jurídica permaneça sob a égide da lógica formal como lógica jurídica clássica 5 O conceito de modo de produção da formação social formado pela articulação de forças produtivas em determinadas relações de produção da vida material permite identificar os objetivos reais do Direito em geral cuja existência é encoberta pelos objetivos declara dos do discurso jurídico oficial que revelam o significado político do Direito Penal como instituição de garantia e de reprodução da estrutura de classes da sociedade da desigualdade entre as classes sociais da exploração e da opressão das classes sociais subalternas pelas classes sociais hegemônicas nas sociedades contemporâneas esclarecendo complementarmente a formação econômica das classes sociais nas relações de produção e a luta política dessas classes sociais no terreno das ideologias por exemplo nos sistemas jurídicos e 6 Ver BOURJOL DUJARDIN GLEIZAL JEAMMAUD JEANTIN MIAILLE e MICHEL Pour une critique du Droit 1978 p 1360 também MIAILLE Une introduction critique au Droit 1976 7 Ver SABADELL Manual de sociologia jurídica introdução a uma leitura externa do Direito 2005 3ª edição p 139140 também DIMOULIS Manual de Introdução ao estudo do direito 2003 p 184 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 8 242012 162755 9 Capítulo 1 Direito Penal políticos de controle social rompendo assim a opacidade do real produzida pelo discurso jurídico oficial dos objetivos declarados do Direito Penal 6 O método de análise social fundado no modo de produção da vida material permite explicar o Direito ou seja as formas jurídicas de disciplina da vida social e o Estado ou seja a organização jurídica do poder político das classes hegemônicas da formação social pelas condições reais da sociedade civil cuja anatomia é constituída pelo conjunto das relações de produção ativadas pelas forças produtivas da vida social definíveis como a fonte material das formas jurídicas e políticas do Estado8 7 Sem dúvida a política de controle social instituída pelo Direito Penal e implementada pelo Sistema de Justiça Criminal inclui o conjunto do ordenamento jurídico e político do Estado além de outras instituições da sociedade civil como a empresa a família a escola a imprensa a Igreja os partidos políticos os sindicatos os meios de comunicação etc As formas jurídicas e políticas do Estado e as organizações da sociedade civil convergem na tarefa de instituir e reproduzir uma determinada formação econômicosocial histórica em que os homens se relacionam como integrantes de classes ou de categorias sociais estruturais da sociedade O Direito Penal e o Sistema de Justiça Criminal constituem no contexto dessa formação econômicosocial o centro gravitacional do controle social a pena criminal é o mais rigoroso instrumento de reação oficial contra as violações da ordem social econômica e política institucionalizada garantindo todos os sistemas e instituições particulares bem como a existência e continuidade do próprio sistema social como um todo9 8 Ver MARX Contribuição para a crítica da economia política Prefácio 1973 9 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 2000 2a edição p 209 s FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 244248 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 9 242012 162755 10 Teoria da Lei Penal Capítulo 1 21 Direito Penal e desigualdade social 1 Os objetivos declarados do Direito Penal legitimados pelo discurso jurídico da igualdade da liberdade do bem comum etc consistem na proteção de valores essenciais para a existência do indivíduo e da sociedade organizada definidos pelos bens jurídicos protegidos nos tipos legais10 Os pressupostos não questionados desses objetivos decla rados são as noções de unidade e não de divisão social de identidade e não de contradição de classes de igualdade e não de desigualdade real entre as classes sociais de liberdade e não de opressão individual de salário equivalente ao trabalho e não de expropriação de maisvalia como trabalho excedente não remunerado etc11 2 O significado político do controle social realizado pelo Direito Penal e pelo Sistema de Justiça Criminal aparece nas funções reais desse setor do Direito encobertas pelas funções declaradas do discurso oficial a criminalização primária realizada pelo Direito Penal definição legal de crimes e de penas e a criminalização secundária realizada pelo Sistema de Justiça Criminal constituído pela polícia justiça e prisão aplicação e execução de penas criminais garantem a existência e a reprodução da realidade social desigual das sociedades contemporâneas12 O Sistema de Justiça Criminal operacionalizado nos limites das matrizes legais do Direito Penal realiza a função declarada de garantir uma ordem social justa protegendo bens jurídicos gerais e assim promovendo o bem comum Essa função declarada é legitimada pelo discurso oficial da teoria jurídica do crime como critério de racionali dade construído com base na lei penal vigente e pelo discurso oficial 10 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 v I 11 I ns 46 admitem o bem jurídico como critério de criminalização mas não como objeto de proteção do Direito Penal que constituiria somente ato político de poder do Estado 11 CIRINO DOS SANTOS Direito Penal a nova parte geral 1985 p 23 12 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 2000 2ª edição p 173174 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 10 242012 162755 11 Capítulo 1 Direito Penal da teoria jurídica da pena fundado nas funções de retribuição de pre venção especial e de prevenção geral atribuídas à pena criminal 3 Assim através das definições legais de crimes e de penas o legis lador protege interesses e necessidades das classes e categorias sociais hegemônicas da formação social incriminando condutas lesivas das relações de produção e de circulação da riqueza material concentradas na criminalidade patrimonial comum característica das classes e cate gorias sociais subalternas privadas de meios materiais de subsistência animal as definições de crimes fundadas em bens jurídicos próprios das elites econômicas e políticas da formação social garantem os interesses e as condições necessárias à existência e reprodução dessas classes sociais Em consequência a proteção penal seletiva de bens jurídicos das classes e grupos sociais hegemônicos préseleciona os sujeitos estigmatizáveis pela sanção penal os indivíduos pertencentes às classes e grupos sociais subalternos especialmente os contingentes marginalizados do mercado de trabalho e do consumo social como sujeitos privados dos bens jurídicos econômicos e sociais protegidos na lei penal13 4 A proteção das relações de produção e de circulação materiais da vida social abrange a proteção das forças produtivas homens tecnologia e natureza e assim certos tipos penais parecem proteger bens jurídicos gerais ou comuns a todos os homens independentemente da posição social ou de classe respectiva como a vida a integridade física e psíqui ca a liberdade individual e sexual a honra a ecologia etc Entretanto a proteção desses valores gerais é desigual14 como demonstra qualquer pesquisa empírica15 a titulares desses bens jurídicos pertencentes às 13 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 2000 2ª edição p 164174 14 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 2000 2ª edição p 164 s 15 Ver MACHADO Vinícius Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada Dissertação de Mestrado UnB 2009 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 11 242012 162755 12 Teoria da Lei Penal Capítulo 1 classes ou categorias sociais hegemônicas são protegidos como seres humanos os verdadeiros sujeitos da formação econômicosocial b titulares desses bens jurídicos pertencentes às classes ou grupos sociais integrados nos processos de produçãocirculação material como força de trabalho assalariada são protegidos apenas como e enquanto objetos ou seja como energia necessária à ativação dos meios de produção circulação e capaz de produzir valor superior ao seu preço de mercado a maisvalia extraída do tempo de trabalho excedente c titulares desses bens jurídicos pertencentes aos contingentes marginalizados do mercado de trabalho sem função na reprodução do capital a força de trabalho excedente das necessidades do mercado não são protegidos nem como sujeitos nem como objetos são destruídos ou eliminados pela violência estrutural das relações de produção ou pela violência institucional do sistema de controle social sem consequências penais Assim se a criminalização primária ou abstrata parece neutra a cri minalização secundária ou concreta é diferenciada pela posição social dos sujeitos respectivos16 5 Por outro lado condutas criminosas próprias dos segmentos sociais hegemônicos que vitimizam o conjunto da sociedade ou amplos seto res da população são diferenciadas ao nível da criminalização primária tipos legais ou da criminalização secundária repressão penal17 no nível da criminalização primária ou não são definidas pelo legislador como crimes ou são definidas de modo impreciso e vago ou as penas cominadas são irrisórias no nível da criminalização secundária portan to ou frustram a repressão penal ou a natureza das penas cominadas transforma essas práticas criminosas em investimentos lucrativos18 A criminalização dessas condutas constitui o moderno Direito Penal simbólico crimes contra a ordem econômica a ordem tributária as 16 CIRINO DOS SANTOS Direito penal a nova parte geral 1985 p 2627 17 SUTHERLAND White collar crime the uncut versions 1983 p 240257 18 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição p 165167 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 12 242012 162755 13 Capítulo 1 Direito Penal relações de consumo o mercado de capitais o meio ambiente e outras formas da criminalidade das elites econômicas e políticas da formação social produzido para satisfação retórica da opinião pública como discurso encobridor das responsabilidades do capital financeiro in ternacional e das elites conservadoras dos países do Terceiro Mundo pela criação das condições criminogênicas estruturais do capitalismo neoliberal contemporâneo19 6 Seja como for é no processo de criminalização que a posição social dos sujeitos criminalizáveis revela sua função determinante do resultado de condenaçãoabsolvição criminal a variável decisiva da criminalização secundária é a posição social do autor integrada por indivíduos vulne ráveis selecionados por estereótipos preconceitos e outros mecanismos ideológicos dos agentes de controle social e não pela gravidade do crime ou pela extensão social do dano20 A criminalidade sistêmica econômica e financeira de autores pertencentes aos grupos sociais hegemônicos não produz consequências penais não gera processos de criminalização ou os processos de criminalização não geram conse quências penais ao contrário a criminalidade individual violenta ou fraudulenta de autores pertencentes aos segmentos sociais subalternos especialmente dos contingentes marginalizados do mercado de traba lho produz consequências penais gera processos de criminalização com consequências penais de rigor punitivo progressivo na relação direta das variáveis de subocupação desocupação e marginalização do mercado de trabalho21 7 Enfim o sistema penal representado pela prisão e instituições conexas consome os sujeitos criminalizados mediante supressão da liberdade 19 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 2930 20 Ver BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição p 165166 também ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 v I 2 III n 10 21 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição p 165166 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 13 242012 162755 14 Teoria da Lei Penal Capítulo 1 e outros direitos não especificados na condenação como direitos políticos sociais e individuais de dignidade sexualidade recreação informação etc A prisão justificada pelo discurso penal de retribuição e de prevenção do crime é um mecanismo expiatório que realiza a troca jurídica do crime em tempo de liberdade suprimida acoplado a um projeto técnicocorretivo de transformação individual22 com regimes diferenciados de execução penal O projeto técnicocorretivo da prisão cuja história registra 200 anos de fracasso reconhecido marcado pela reproposição reiterada do mesmo projeto fracassado o célebre isomorfismo reformista de FOUCAULT caracterizase por uma eficácia invertida com a reprodução ampliada da criminalidade pela introdução de condenados em carreiras criminosas23 O discurso crítico da teoria criminológica da pena mostra que a prisão não pode ser explicada pelos objetivos declarados de correção do criminoso e de prevenção da criminalidade mas pelos objetivos reais do sistema penal de gestão diferencial da criminalidade e de garantia das relações sociais desiguais da contradição capitaltrabalho assalariado das sociedades contemporâneas24 22 Bem jurídico ainda um conceito necessário 1 Juristas e criminólogos críticos pesquisam um referente material de definição de crime capaz de exprimir a negatividade social das situações conflituais da vida coletiva nas sociedades modernas25 e de indicar hipóteses merecedoras de criminalização legal admitindo 22 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 207223 23 Ver BECKER Outsiders studies in the sociology of deviance 1973 p 101 s também FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 239 24 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 228239 25 BARATTA Che cosa è la criminologia critica in Dei Delitti e delle Pene 1991 n 1 p 65 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 14 242012 162755 15 Capítulo 1 Direito Penal que o Direito Penal ainda é necessário para solução de determinados conflitos26 Nesse sentido a pesquisa crítica identifica na contradição capitaltrabalho assalariado que fundamenta o conflito de classes das sociedades atuais a base concreta de interesses universais cuja lesão constituiria a negatividade social capaz de configurar o referente material do conceito de crime Mas com uma diferença essencial em relação à teoria tradicional na dinâmica dessa contradição fundamental o trabalho assalariado é definido como portador de interesses comuns universalizáveis porque sua emancipação teria o significado de con duzir segundo a Weltanschauung marxiana ao objetivo ainda utópico de libertação de toda humanidade27 2 Enquanto isso o conceito de bem jurídico continua essencial para o Estado Democrático de Direito das formações sociais fundadas na relação capitaltrabalho assalariado do capitalismo neoliberal como critério de criminalização e como objeto de proteção do Direito Penal conforme reconhecem as teorias jurídica e criminológica mo dernas28 3 Não obstante respeitáveis penalistas latinoamericanos29 admitem o bem jurídico como critério de criminalização afirmando que toda lesão de bens jurídicos deve ser criminalizada o que é correto e negando que todo bem jurídico deva ser protegido por criminalização o que também é correto mas rejeitam o bem jurídico como objeto de proteção penal 26 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 p 260 27 Assim BARATTA Che cosa è la criminologia critica in Dei Delitti e delle Pene 1991 n 1 p 667 28 Em Direito Penal ROXIN Strafrecht 1997 2º IIXI ns 241 p 1127 JESCHECK WEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1966 1 III p 78 BUSTOS RAMÍREZ Manual de derecho penal español Ariel 1984 p 39 e 180183 em Criminologia por exemplo ALBRECHT Kriminologie 1999 p 5455 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 p 204 29 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 11 I 6 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 15 242012 162755 16 Teoria da Lei Penal Capítulo 1 porque no homicídio e no estupro por exemplo a pena criminal não protegeria a vida nem a sexualidade das vítimas30 Na verdade o bem jurídico é critério de criminalização porque constitui objeto de proteção penal afinal existe um núcleo duro de bens jurídicos individuais como a vida o corpo a liberdade e a sexualidade humanas que configuram a base de um Direito Penal mínimo e dependem de proteção penal ainda uma resposta legítima para certos problemas sociais31 e poderia ser aflitivo imaginar o que aconteceria com a vida e a sexualidade humanas se não constituíssem objeto de proteção penal mas de simples indenização por exemplo Assim evitar a criminalização da vontade do poder ou das expectativas normativas parece insuficiente para rejeitar o bem jurídico como obje to de proteção penal32 além disso admitir a proteção de bens jurídicos pela criminalização não exclui a necessidade de relevância do bem ju rídico para constituir objeto de proteção penal sempre subsidiária e fragmentária nem implica incluir todos os bens jurídicos como objeto de proteção penal Mais ainda se a fonte exclusiva de bens jurídicos selecionados para proteção penal é a Constituição da República o fundamento político do moderno Estado Democrático de Direito então a criminalização da vontade do poder ou de meras expectativas normativas parece remota ao contrário a rejeição do bem jurídico como objeto de proteção fragmentária e subsidiária da criminalização poderia criar um vazio legal preenchível pela vontade do poder ou pelas expectativas normativas como objetos de criminalização sem falar na incômoda proximidade com a teoria sistêmica de JAKOBS que despreza o bem jurídico tanto como objeto de proteção quanto como critério de criminalização33 30 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 11 I 4 31 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2ª edição p 260 32 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 11 I 6 33 JAKOBS Strafrecht 1993 ns 35 p 3538 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 16 242012 162756 17 Capítulo 1 Direito Penal Enfim a tese do bem jurídico como critério de criminalização e como objeto de proteção penal ainda que a concreta lesão do bem jurídico indique a ineficácia da proteção não só mostra o Direito Penal como garantia jurídicopolítica das formações sociais capitalistas mas mostra a própria sobrevivência das atuais sociedades desiguais pela proteção penal de seus valores fundamentais A tese central da Cri minologia Crítica pode ser assim enunciada o Direito Penal garante a desigualdade social fundada na relação capitaltrabalho assalariado das sociedades capitalistas contemporâneas34 Essa tese tem desdobramentos importantes o Direito Penal garante a propriedade privada dos meios de produção e do produto do trabalho social instituída pela Constituição e disciplinada pelo Direito Civil que permite a sobrevivência do trabalhador nos limites do trabalho assalariado portanto garante a extração de maisvalia como trabalho excedente não remunerado nos processos de produção e de circulação da riqueza material deixando ao trabalhador a alternativa de vender a força de trabalho pelo preço do salário legitimada pelo Direito do Trabalho correspondente ao tempo de trabalho necessário35 Em síntese a proteção de relações sociais desiguais mediante garantia da relação capitaltrabalho assalariado significa proteção dos processos sociais de produção e de circulação de bens materiais que determinam a concentração da riqueza e do poder no polo do capital e a generalização da miséria e da depen dência no polo do trabalho assalariado Se o objetivo real do Direito Penal consiste na proteção das condições fundamentais da sociedade de produção de mercadorias36 então o bem jurídico além de critério de criminalização constitui objeto de proteção penal 4 Na atualidade juristas e criminólogos críticos propõem reservar o conceito de bem jurídico para os direitos e garantias individuais do 34 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2ª edição p 207 35 MARX Crítica ao programa de Gotha Edições Sociais 1975 36 PASUKANIS A teoria geral do direito e o marxismo Lisboa Perspectiva Jurídica 1972 p 183 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 17 242012 162756 18 Teoria da Lei Penal Capítulo 1 ser humano excluindo a criminalização a da vontade do poder b de papéis sistêmicos c do risco abstrato d ou dos interesses difusos característicos de complexos funcionais como a economia a ecologia o sistema tributário etc37 Essa posição reafirma os princípios do Di reito Penal do fato como lesão do bem jurídico e da culpabilidade como limitação do poder de punir38 excluindo a estabilização das expectativas normativas das concepções autoritárias do funcionalismo de JAKOBS por exemplo39 Desse ponto de vista consideradas todas as limitações e críticas o conceito de bem jurídico como critério de criminalização e como objeto de proteção parece constituir garantia política irrenunciável do Direito Penal do Estado Democrático de Direito nas formações sociais estruturadas sobre a relação capitaltra balho assalariado em que se articulam as classes sociais fundamentais do neoliberalismo contemporâneo 37 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 5455 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 11 I 6 38 BARATTA IntegrationsPrävention Eine systemtheoretische Neubegrundung der Strafe 1984 p 115 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 5455 39 Assim ALBRECHT Kriminologie 1999 p 24 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 18 242012 162756 19 Capítulo 2 priNcípioS do direito peNaL O Direito Penal das sociedades contemporâneas é regido por princípios constitucionais sobre crimes penas e medidas de segu rança nos níveis de criminalização primária e de criminalização secundária indispen sáveis para garantir o indivíduo em face do poder punitivo do Estado A distinção entre regras e princípios jurídicos como espécies da categoria geral normas jurídicas é a base da teoria dos direitos fundamentais e a chave para resolver problemas centrais da dogmática penal constitu cional1 Normas jurídicas compreendem regras e princípios jurídicos componentes elementares do ordenamento jurídico que determinam o que é devido no mundo real as regras são normas de conduta realizadas ou não realizadas pelos seres humanos os princípios são normas jurídicas de otimização optimierungsgebote das possibilidades de realização jurídica dos mandados das proibições e das permissões na vida real2 Os princípios constitucionais mais relevantes para o Direito Penal são o princípio da legalidade o princípio da culpabilidade o princípio da lesividade o princípio da proporcionalidade o princípio da humanidade e o princípio da responsabilidade penal pessoal 1 ALEXY Theorie der Grundrechte 1994 2ª edição p 71 I e 72 I 1 2 Ver ALEXY Theorie der Grundrechte 1994 2ª edição p 75 I 2 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 19 242012 162756 20 Teoria da Lei Penal Capítulo 2 I Princípio da legalidade As Constituições dos Estados americanos de Virgínia e de Maryland 1776 instituíram pela primeira vez o princípio da lega lidade depois repetido na Constituição americana 1787 e mais tarde como norma fundamental do Estado de Direito foi inscrito na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão 1789 A primeira legislação penal a incorporar o princípio da legalidade foi o Código Penal da Bavária 1813 depois a Prússia 1851 e a Alemanha 1871 genera lizandose por todas as legislações penais ocidentais3 sob a fórmula latina do nullum crimen nulla poena sine lege inaugurada por FEUERBACH4 O princípio da legalidade é o mais importante instrumento constitucional de proteção individual no moderno Estado Demo crático de Direito porque proíbe a a retroatividade como crimina lização ou agravação da pena de fato anterior b o costume como fundamento ou agravação de crimes e penas c a analogia como método de criminalização ou de punição de condutas e d a inde terminação dos tipos legais e das sanções penais5 art 5º XXXIX CR O significado político do princípio da legalidade é expresso nas fórmulas de lex praevia de lex scripta de lex stricta e de lex certa incidentes sobre os crimes as penas e as medidas de segurança da legislação penal6 3 ROXIN Strafrecht 1997 p 99101 ns 1417 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 II 1 4 FEUERBACH Lehrbuch des gemeinen in Deutschland geltenden Peinlichen Rechts 1801 p 20 5 ROXIN Strafrecht 1997 p 98 ns 811 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1976 p 131142 GROPP Strafrecht 2001 p 45 n 23 6 Assim também ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 V 1 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 20 242012 162756 21 Capítulo 2 Princípios do Direito Penal 1 Proibição de retroatividade da lei penal A proibição de retroatividade da lei penal é o principal fun damento político do princípio da legalidade regido pela fórmula lex praevia que incide sobre a norma de conduta e sobre a sanção penal do tipo legal a no âmbito da norma de conduta proíbe to das as mudanças dos pressupostos de punibilidade prejudiciais ao réu compreendendo os tipos legais as justificações e as exculpações b no âmbito da sanção penal abrange as penas e as medidas de segurança os efeitos da condenação as condições objetivas de punibilidade as causas de extinção da punibilidade especialmente os prazos prescricionais os regimes de execução incluindo os cri térios de progressão e de regressão de regimes e todas as hipóteses de excarceração7 A única exceção à proibição de retroatividade da lei penal é representada pelo princípio da lei penal mais benigna igualmente previsto no art 5º XL da Constituição da República ver Validade da lei penal adiante 2 Proibição de analogia da lei penal in malam partem A analogia como método de pensamento comparativo de grupos de casos significa aplicação da lei penal a fatos não previs tos mas semelhantes aos fatos previstos8 O processo intelectual 7 Ver STRATENWERTH Strafrecht 2000 p 4951 n 712 também ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 V 1 8 KELSEN Allgemeine Theorie der Normen 1990 p 217 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 21 242012 162756 22 Teoria da Lei Penal Capítulo 2 de analogia fundado normalmente no chamado espírito da lei configura significado idiossincrático que um Juiz atribuiria e ou tro Juiz não atribuiria ao mesmo fato concreto A atribuição de significados fundados no espírito da lei encobre a criação judicial de direito novo mediante juízos de probabilidade da psicologia individual9 assim resolvidos no Direito Penal se o significado con creto representar prejuízo para o réu constitui analogia proibida se o significado concreto representar benefício para o réu constitui analogia permitida Hoje a analogia pode ser equacionada deste modo10 a a analo gia in malam partem analogia praepter legem e analogia contra legem como analogia prejudicial ao réu é absolutamente proibida pelo Direito Penal b a analogia in bonam partem analogia intra legem como analogia favorável ao réu é permitida pelo princípio da le galidade sem nenhuma restrição nas justificações nas exculpações e em qualquer hipótese de extinção ou de redução da punibilidade do comportamento humano11 3 Proibição do costume como fonte da lei penal O princípio da legalidade proíbe o costume como fundamento de criminalização e de punição de condutas porque exige lex scripta para os tipos legais e as sanções penais 9 CARNAP On inductive logic In Philosophy of Science 1945 v XII p 72 apud KELSEN Allgemeine Theorie der Normen 1990 p 218 10 MAYER Der allgermeine Teil des deutschen Strafrechts 1915 p 27 11 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 15 III n 2d p 136 MAURACHZIPF Strafrecht v 1 p 127128 ns 2122 ROXIN Strafrecht 1997 p 112114 ns 4044 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 III 46 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 22 242012 162756 23 Capítulo 2 Princípios do Direito Penal Mas assim como a analogia e a retroatividade da lei penal mais favorável são admitidas também o costume pode ser admitido in bonam partem para excluir ou reduzir a pena ou para descriminalizar o fato nas hipóteses indicadas pela sociologia jurídica de perda de eficácia da lei penal e com a perda de eficácia a perda de validade da lei penal12 a existência generalizada dos motéis aboliu na prática hoje também na lei o crime de casa de prostituição 4 Proibição de indeterminação da lei penal A proteção do cidadão contra o arbítrio exclui leis penais indefini das ou obscuras o maior perigo para o princípio da legalidade segundo WELZEL13 porque leis penais indefinidas ou obscuras favorecem interpretações judiciais idiossincráticas e impedem ou dificultam o conhecimento da proibição favorecendo a aplicação de penas com lesão do princípio da culpabilidade14 outro aspecto da relação entre os princípios formadores do conceito de crime O problema de toda lei penal parece ser a inevitabilidade de certo nível de indefinição as palavras da lei são objeto de interpre tações diferentes porque os juízos de valor enunciados não admitem descrições neutras e qualquer tentativa semelhante seria monótona ou ridícula como descrever o conceito de injúria por exemplo Seja como for o princípio da legalidade pressupõe um mínimo de determi nação das proibições ou comandos da lei penal em geral conhecido como princípio da taxatividade mas indissociável do princípio da 12 Ver KELSEN Allgemeine Theorie der Normen 1990 p 87 13 WELZEL Das deutsche Strafrecht 1969 5 II n 2 p 23 14 Ver ROXIN Strafrecht 1997 p 125 n 6768 No Brasil no sentido do texto FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 16a edição 2003 p 114116 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 23 242012 162756 24 Teoria da Lei Penal Capítulo 2 legalidade como exigência de certeza da lei cuja ausência impede o conhecimento das proibições e rompe a constitucionalidade da lei penal regida pela fórmula lex certa15 II Princípio da culpabilidade 1 A relação entre o princípio da legalidade e o princípio da culpabi lidade pode ser assim definida a a culpabilidade fundamentase no conhecimento real ou possível do tipo de injusto logo o princípio da culpabilidade pressupõe ou contém o princípio da legalidade como definição escrita prévia estrita e certa do tipo de injusto b existe uma relação de dependência do princípio da culpabilidade em face do princípio da legalidade porque a culpabilidade pressupõe tipo de injusto princípio da legalidade mas o tipo de injusto não pressupõe culpabilidade o juízo de culpabilidade não existe sem o tipo de injusto mas o tipo de injusto pode existir sem o juízo de culpabilidade 2 O princípio da culpabilidade expresso na fórmula nulla poena sine culpa é o segundo mais importante instrumento de proteção indivi dual no moderno Estado Democrático de Direito porque proíbe punir pessoas sem os requisitos do juízo de reprovação segundo o estágio atual da teoria da culpabilidade a saber a pessoas incapazes de saber o que fazem inimputáveis b pessoas imputáveis que realmente não sabem o que fazem porque estão em situação de erro de proibição inevitável c pessoas imputáveis com conhecimento da proibição do fato mas sem o poder de não fazer o que fazem porque realizam o tipo de injusto em contextos de anormalidade definíveis como situações de exculpação 15 STRATENWERTH Stafrecht 2000 p 5859 ns 2831 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 III 1 e IV 1 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 24 242012 162756 25 Capítulo 2 Princípios do Direito Penal 21 O princípio da culpabilidade proíbe punir pessoas inimputáveis porque são incapazes de compreender a norma ou de determinarse conforme a compreensão da norma mas não proíbe a aplicação de medidas de segurança fundadas na periculosidade criminal de autores inimputáveis de fatos puníveis a relação culpabilidadepena possui natureza subjetiva mas a relação periculosidade criminalmedida de segurança possui natureza objetiva de proteção do autor terapia e da sociedade neutralização segundo o discurso oficial da teoria jurídica das medidas de segurança 22 O princípio da culpabilidade proíbe punir pessoas imputáveis em situação de desconhecimento inevitável da proibição do fato porque o erro de proibição inevitável exclui a possibilidade de motivação con forme a norma jurídica que fundamenta o juízo de reprovação mas não proíbe punição em situação de erro evitável sobre a proibição da norma por insuficiente reflexão ou informação do autor 23 O princípio da culpabilidade proíbe punir pessoas imputáveis que realizam o tipo de injusto com conhecimento da proibição do fato mas sem o poder de não fazer o que fazem porque a realização do tipo de injusto em situações anormais exclui ou reduz a exigibilidade de comportamento diverso 3 Finalmente todos os resquícios atuais do velho versari in re illicita como os crimes qualificados pelo resultado16 e especialmente as versões coloniais da actio libera in causa17 são incompatíveis com o princípio da culpabilidade e por isso devem ser excluídos da legislação penal ou pelo menos banidos da praxis penal pela consciência democrática do Ministério Público e da Magistratura nacionais 16 ROXIN Strafrecht 1997 n 111 p 277 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1966 n 3 p 571 17 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 12 IV 6 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 25 242012 162756 26 Teoria da Lei Penal Capítulo 2 III Princípio da lesividade 1 O princípio da lesividade proíbe a cominação a aplicação e a execução de penas e de medidas de segurança em casos de lesões ir relevantes contra bens jurídicos protegidos na lei penal Em outras palavras o princípio da lesividade tem por objeto o bem jurídico determinante da criminalização em dupla dimensão do ponto de vista qualitativo tem por objeto a natureza do bem jurídico lesio nado do ponto de vista quantitativo tem por objeto a extensão da lesão do bem jurídico 2 Assim do ponto de vista qualitativo natureza do bem jurídico lesionado o princípio da lesividade impede criminalização primária ou secundária excludente ou redutora das liberdades constitucionais de pensamento de consciência e de crença de convicções filosóficas e políticas ou de expressão da atividade intelectual artística científica ou de comunicação garantidas pela Constituição da República acima de qualquer restrição da legislação penal18 Essas liberdades constitucionais individuais devem ser objeto da maior garantia positiva como critério de criminalização e inversamente da menor limitação negativa como objeto de criminalização por parte do Estado 3 Do ponto de vista quantitativo extensão da lesão do bem jurídico o princípio da lesividade exclui a criminalização primária ou secundá ria de lesões irrelevantes de bens jurídicos Nessa medida o princípio da lesividade é a expressão positiva do princípio da insignificância em Direito Penal lesões insignificantes de bens jurídicos protegidos como a integridade ou saúde corporal a honra a liberdade a propriedade a sexualidade etc não constituem crime 18 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 11 I 1 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 26 242012 162756 27 Capítulo 2 Princípios do Direito Penal IV Princípio da proporcionalidade 1 O princípio da proporcionalidade desenvolvido pela teoria cons titucional germânica o célebre Verhältnismässigkeitsgrundsatz é constituído por três princípios parciais o princípio da adequação Geeignetheit o princípio da necessidade Erforderlichkeit e o prin cípio da proporcionalidade em sentido estrito também chamado de princípio da avaliação Abwägungsgebote19 Esses princípios parciais têm aplicação sucessiva e complementar 2 O princípio da adequação e o princípio da necessidade têm por objeto a otimização das possibilidades da realidade do ponto de vista da adequação e da necessidade dos meios em relação aos fins propostos formulados em forma interrogativa a a pena criminal é um meio adequado entre outros para realizar o fim de proteger um bem jurídico b a pena criminal meio adequado entre outros é também meio necessário outros meios podem ser adequados mas não seriam necessários para realizar o fim de proteger um bem jurídico O princípio da proporcionalidade em sentido estrito ou princípio da avaliação tem por objeto a otimização das possibilidades jurídicas ao nível da criminalização primária e da criminalização secundária do ponto de vista da proporcionalidade dos meios pena criminal em relação aos fins propostos proteção de bens jurídicos também formulado em forma interrogativa a pena criminal cominada eou aplicada considerada meio adequado e necessário ao nível da reali dade é proporcional em relação à natureza e extensão da lesão abstrata eou concreta do bem jurídico 19 ALEXY Theorie der Grundrechte 1994 2ª edição p 100101 n 8 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 27 242012 162757 28 Teoria da Lei Penal Capítulo 2 Em síntese a otimização das possibilidades reais e jurídicas ob jeto do Verhältnismässigkeitsgrundsatz para continuar empregando a terminologia de ALEXY tem por objetivo integrar os princípios os meios e os fins em unidades jurídicas e reais coerentes20 ou seja harmonizar os meios e os fins da realidade com os princípios jurídicos fundamentais O princípio da proporcionalidade no Direito Penal coincide com análises da Criminologia Crítica como Sociologia do Direito Penal que estuda a adequação e a necessidade da pena crimi nal para proteção de bens jurídicos do ponto de vista dos princípios jurídicos do discurso punitivo 3 Assim o princípio da proporcionalidade implícito no art 5o caput da Constituição da República proíbe penas excessivas ou despropor cionais em face do desvalor de ação ou do desvalor de resultado do fato punível lesivas da função de retribuição equivalente do crime atribuída às penas criminais nas sociedades capitalistas21 O princípio da proporcionalidade desdobrase em uma dimensão abstrata e uma dimensão concreta com as seguintes consequências 31 O princípio da proporcionalidade abstrata dirigese ao legislador limita a criminalização primária às hipóteses de graves violações de direitos humanos ou seja exclui lesões insignificantes de bens jurídi cos e delimita a cominação de penas criminais conforme a natureza e extensão do dano social produzido pelo crime22 Nesse aspecto a proposta de hierarquização das lesões de bens jurídicos é essencial para adequar as escalas penais ao princípio da proporcionalidade abstrata por exemplo penas por lesões contra a propriedade não podem ser superiores às penas por lesões contra a vida como ocorre na lei penal brasileira23 20 ALEXY Theorie der Grundrechte 1994 2ª edição p 75 s 21 CIRINO DOS SANTOS Teoria da pena 2005 p 1924 22 BARATTA Principi del diritto penal minimo Per una teoria dei diritti umani come oggetti e limiti della legge penale in Dei Delitti e delle Pene 1991 n 1 p 452 23 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 11 II 2 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 28 242012 162757 29 Capítulo 2 Princípios do Direito Penal 32 O princípio da proporcionalidade concreta dirigese ao Juiz permite equacionar os custos individuais e sociais da criminalização secundária em relação à aplicação e execução da pena criminal Assim para usar um conceito do jargão econômico a aplicação e a execução das penas criminais mostram a enorme desproporção da relação custobenefício entre crime e pena além dos imensos custos sociais específicos para o condenado para a família do condenado e para a sociedade A relação custobenefício da equação crimepena indica que a pena criminal como troca jurídica do crime medida em tempo de liber dade suprimida constitui investimento deficitário da comunidade segundo a moderna Criminologia Os custos sociais específicos para a pessoa e a família do condenado assim como para a sociedade em geral são absurdos a a criminalização secundária somente agrava o conflito social representado pelo crime especialmente em casos de aborto de tó xicos de crimes patrimoniais e de toda a criminalidade de bagatela crimes de ação penal privada ou condicionados à representação crimes punidos com detenção crimes de menor potencial ofensivo etc b os custos sociais da criminalização secundária são maiores para a pessoa e a família de condenados de classes e categorias sociais inferiores a clientela preferencial do sistema de justiça criminal selecionada por estereótipos preconceitos idiossincra sias e outros mecanismos ideológicos dos agentes de controle social ativados por indicadores sociais negativos de pobreza marginalização do mercado de trabalho moradia em favelas etc24 4 Por isso o princípio da proporcionalidade concreta pode fundamentar critérios compensatórios das desigualdades sociais da criminalização secundária com o objetivo de neutralizar ou de reduzir a seletividade fundada em indicadores sociais negativos de pobreza desemprego favelização etc aplicáveis pelo Juiz no momento de estruturação dos processos intelectuais e afetivos do juízo de reprovação do crime e de 24 CIRINO DOS SANTOS Teoria da pena 2005 p 37 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 29 242012 162757 30 Teoria da Lei Penal Capítulo 2 aplicação da pena em especial no âmbito das circunstâncias judiciais art 59 CP e legais circunstâncias agravantes e atenuantes genéri cas de aplicação da lei penal incluindo a otimização do emprego dos substitutivos penais e dos regimes de execução da pena com generosa ampliação das hipóteses de regime aberto etc25 V Princípio da humanidade 1 O princípio da humanidade deduzido da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito art 1º III CR exclui a cominação aplicação e execução de pe nas a de morte b perpétuas c de trabalhos forçados d de banimento e cruéis como castrações mutilações esterilizações ou qualquer outra pena infamante ou degradante do ser humano art 5º XLVII CR 2 A garantia da integridade física e moral do ser humano preso im plícita no princípio da dignidade da pessoa humana definido como fundamento do Estado Democrático de Direito art 1º III CR é instituída por norma específica da Constituição da República art 5º XLIX e ratificada por disposições da lei penal art 38 CP e da lei de execução penal art 40 além de ser inferida da norma que assegura ao preso todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei art 3º LEP ou seja a lesão generalizada intensa e contínua da dignidade humana e dos direitos humanos de homens e mulheres presos nas cadeias públicas e penitenciárias do sistema penal brasileiro não ocorre por falta de princípios e de regras jurídicas 25 Comparar BARATTA Principi del diritto penal minimo Per una teoria dei diritti umani come oggetti e limiti della legge penale in Dei Delitti e delle Pene 1991 n 1 p 453454 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 30 242012 162757 31 Capítulo 2 Princípios do Direito Penal 3 Entretanto o princípio da humanidade não se limita a proibir a abstrata cominação e aplicação de penas cruéis ao cidadão livre mas proíbe também a concreta execução cruel de penas legais ao cidadão condenado por exemplo a as condições desumanas e indignas em geral de execução das penas na maioria absoluta das penitenciárias e cadeias públicas brasileiras26 b as condições desumanas e indignas em especial do execrável Regime Disciplinar Diferenciado cuja inconstitucionalidade deve ser declarada por arguição de inconstitucio nalidade da norma legal no caso concreto controle difuso por Juízes e Tribunais ou por ação direta de inconstitucionalidade controle concentrado pelo Supremo Tribunal Federal27 VI Princípio da responsabilidade penal pessoal 1 A definição de fato punível nas dimensões de tipo de injusto e de culpabilidade contém duas garantias fundamentais a limita a responsabilidade penal aos autores e partícipes do tipo de injusto com proibição constitucional de extensão da pena além da pessoa do condenado art 5º XLV CR28 b limita a responsabilidade penal aos seres humanos de carne e osso com exclusão conceitual da pessoa jurídica incapaz de culpabi lidade a proteção de direitos humanos contra violações produzidas 26 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 11 III 1 27 CIRINO DOS SANTOS Teoria da pena 2005 p 7778 28 Comparar BARATTA Principi del diritto penal minimo Per una teoria dei diritti umani come oggetti e limiti della legge penale in Dei Delitti e delle Pene 1991 n 1 p 459 também ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro Revan 2003 11 III 1 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 31 242012 162757 32 Teoria da Lei Penal Capítulo 2 por pessoas jurídicas deve ser feita por meios administrativos e civis adequados porque a responsabilidade penal da pessoa jurídica é in constitucional 2 Além desses limites negativos o princípio da responsabilidade penal pessoal tem objeto e fundamento constitucionais positivos relaciona dos com o princípio da legalidade e com o princípio da culpabilidade como se indica a o objeto da responsabilidade penal pessoal é o tipo de injusto como realização concreta do princípio nullum crimen nulla poena sine lege art 5º XXXIX CR que define o princípio da legalidade atribuído aos autores e partícipes do fato punível segundo as regras da imputação objetiva e subjetiva definidas pela ciência do Direito Penal somente o tipo de injusto pode ser objeto de responsabilidade penal b o fundamento da responsabilidade penal pessoal é a culpabili dade como expressão do princípio nulla poena sine culpa derivado do art 5o LVII CR que institui a presunção de inocência indicada pelas condições pessoais de saber e controlar o que faz imputabilidade de conhecimento real do que faz consciência da antijuridicidade e do poder concreto de não fazer o que faz exigibilidade de comportamento diverso que estruturam o juízo de reprovação do conceito normativo de culpabilidade somente a culpabilidade pode fundamentar a res ponsabilidade penal pessoal pela realização do tipo de injusto29 29 Comparar BARATTA Principi del diritto penal minimo Per una teoria dei diritti umani come oggetti e limiti della legge penale in Dei Delitti e delle Pene 1991 n 1 p 45946 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 32 242012 162757 33 Capítulo 3 VaLidade da Lei peNaL O comportamento humano se realiza em determinado espaço e tempo onde se enraízam suas condições e se projetam seus efeitos A validade das normas jurídicas que disciplinam o comportamento humano é delimitada pelas dimensões de espaço e de tempo em que se realizam os processos sociais históricos ou seja a relação da norma penal com o espaço e o tempo indica o âmbito espacial e temporal de validade da lei penal1 Nessas condições os limites espaciais e temporais de validade da lei penal são os seguintes a o espaço de validade da lei penal é definido pelo princípio da territorialidade que demarca os limites geopolíticos do território de jurisdição penal do Estado a exceção da extraterritorialidade é representada pelos princípios da proteção da personalidade e da competência penal universal b o tempo de validade da lei penal é definido pelo princípio da legalidade que demarca os limites cronológicos de leis sucessivas do ordenamento jurídico do Estado sobre fatos iguais a exceção é representada pela retroatividade de lei penal mais favorável 1 Comparar KELSEN Allgemeine Theorie der Normen 1990 p 116 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 33 242012 162757 34 Teoria da Lei Penal Capítulo 3 A Validade da lei penal no espaço A validade da lei penal no espaço é delimitada pela extensão do território do Estado como organização jurídica do poder político soberano do povo O Estado pessoa jurídica de direito internacional é constituído de população território e governo2 elementos indis pensáveis para a existência do Estado a soberania do Estado como poder exclusivo autônomo e com plenitude de competências legis lativa administrativa e judicial fundamenta o poder de decidir sobre investigação de fatos e sobre punição de pessoas nos limites do próprio território onde detém o monopólio do emprego legítimo da força3 A jurisdição penal dos Estados pode ser ampliada pela instituição de formas de cooperação penal internacional sobre controle e repressão de fatos puníveis de interesse comum como o tráfico de seres humanos de armas de drogas etc4 O Código Penal delimita a validade da lei penal no espaço segun do os critérios da territorialidade art 5º CP e da extraterritorialidade art 7º CP I O critério da territorialidade O critério da territorialidade fundado no conceito de território o elemento mais característico do Estado existente como corporação 2 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 13ª edição p 339 3 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 13ª edição p 349 comparar REZEK Direito internacional público 2000 8a edição p 153 4 STRATENWERTH Strafrecht 2000 p 61 n 3 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 34 242012 162757 35 Capítulo 3 Validade da Lei Penal territorial segundo o Direito Internacional Público5 é a principal forma de delimitação do espaço geopolítico de validade da lei penal na área das relações entre Estados soberanos A soberania do Estado expressão do princípio da igualdade soberana de todos os membros da comunidade internacional art 2º 1º Carta da ONU fundamenta o exercício de todas as competências sobre fatos puníveis realizados no território respectivo Art 5º CP Aplicase a lei brasileira sem prejuízo de convenções tratados e regras de direito internacional ao crime cometido no território nacional 1 Conceito de território O território é o espaço sobre o qual o Estado exerce a soberania política constituído pelas áreas a do solo como extensão de terra contínua ou descontínua com os rios lagos e mares existentes dentro do território b do subsolo como profundidade cônica do território em relação ao centro do Planeta c do mar territorial com a exten são de 12 doze milhas marítimas a partir do litoral brasileiro Lei 861793 d da plataforma continental com a extensão de 200 duzentas milhas marítimas a partir do litoral brasileiro ou 188 mi lhas deduzidas as 12 milhas do mar territorial como zona econômica exclusiva Lei 861793 que incorporou a Convenção da ONU de 1982 sobre o Direito do Mar e do espaço aéreo correspondente ao conjunto do território ainda regido pelas Convenções de Chicago 5 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 13ª edição p 351 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 35 242012 162757 36 Teoria da Lei Penal Capítulo 3 de 1944 e pela Convenção de Varsóvia de 1929 ambas sobre aviação civil internacional6 2 Imunidades diplomáticas As imunidades diplomáticas têm por objeto os agentes diplomá ticos e consistem em inviolabilidades e imunidades de jurisdição cri minal civil administrativa e tributária perante o Estado acreditador7 Os agentes diplomáticos são representantes do Chefe de Estado perante governos estrangeiros8 A inviolabilidade dos agentes diplomáticos abrange a Missão Diplomática e as residências particulares dos agentes diplomáticos compreendendo mobiliário arquivos correspondência meios de transporte e de comunicação a imunidade de jurisdição e de execução penal civil administrativa e tributária incide sobre o agente diplomático e sua família os adidos militares e o pessoal técnico e administrativo como secretárias criptógrafos etc9 Os cônsules são funcionários públicos de carreira cônsules missi ou honorários cônsules electi designados para o exercício de determinadas funções no exterior com imunidades e privilégios 6 Ver REZEK Direito internacional público 2000 8ª edição p 153154 296301 304306 e 318319 DIMOULIS Manual de introdução ao estudo do direito 2003 p 2212 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 133135 n 103 MAYRINK DA COSTA Direito Penal parte geral 2005 p 501504 MESTIERI Manual de direito penal 1999 p 79 7 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 p 1316 8 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 p 1309 9 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 p 13171320 REZEK Direito internacional público 2000 8ª edição p 161164 DIMOULIS Manual de introdução ao estudo do direito 2003 p 2212 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 149154 n 112 STRATENWERTH Strafrecht 2000 p 62 9 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 36 242012 162757 37 Capítulo 3 Validade da Lei Penal inferiores aos dos agentes diplomáticos por exemplo a imunidade penal é relativa e limitada aos atos de ofício outorga de passaportes falsos expedição de falsas guias de exportação etc podendo ser pro cessados e punidos por outros crimes10 O fundamento dos privilégios e imunidades diplomáticas é ainda objeto de controvérsia a a teoria da extraterritorialidade afirma que o espaço físico da Embaixada seria uma extensão do território do Estado acreditado atualmente em declínio na literatura e na jurisprudência b a teoria do interesse da função fundamenta os privilégios e imuni dades na necessidade de garantir o desempenho eficaz das funções das Missões Diplomáticas atualmente dominante na literatura e consagrada na jurisprudência internacional11 3 Navios e aviões públicos e privados 1 Os navios definidos como engenhos construídos para navegar no mar12 podem ser públicos e privados Os navios públicos por sua vez podem ser navios de guerra ou navios civis a os navios públicos de guerra pertencem à Marinha de um Estado e apresentam os sinais exteriores dos navios de guerra e de sua nacionalidade b os navios públicos civis exercem serviços públicos como navios alfandegários naviosfaróis navios de saúde e navios que transportam Chefes de Estado Os navios privados são utilizados para fins comerciais ou particulares13 10 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 p 13371340 REZEK Direito internacional público 2000 8ª edição p 161164 11 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 p 13151316 12 Convenção de Bruxelas de 1924 e Convenção de Genebra de 1924 13 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 p 12111212 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 37 242012 162757 38 Teoria da Lei Penal Capítulo 3 Os navios públicos de guerra e civis estão sob jurisdição exclusiva do Estado de origem com imunidade absoluta perante outros Estados mesmo em mar territorial ou atracados em portos estrangeiros Os na vios privados assim como os navios públicos destinados exclusivamen te a fins comerciais permanecem sob jurisdição do Estado de origem nas águas territoriais respectivas ou em altomar mas subordinamse à lei penal de outros Estados respeitado o direito de passagem inocente em águas territoriais ou em portos estrangeiros14 2 As aeronaves também podem ser públicas e privadas As aeronaves públicas também são militares ou civis a as aeronaves públicas mili tares pertencem às Forças Armadas ou são requisitadas para missões militares e b as aeronaves públicas civis exercem serviços públicos de natureza não militar por exemplo serviços de fiscalização alfan degária As aeronaves privadas ou civis são destinadas a atividades comerciais15 As aeronaves públicas militares ou civis podem sobrevoar no espaço aéreo do território do Estado respectivo ou no espaço aéreo internacional mas não possuem o direito de passagem inocente sobre o território de outros Estados como ocorre com os navios exceto mediante prévia autorização As aeronaves privadas ou civis de tráfe go internacional possuem a nacionalidade do Estado de registro ou de matrícula e são regidas por liberdades técnicas e comerciais a as liberdades técnicas compreendem o sobrevoo do território de outros Estados admitida a restrição de certas áreas por razões de segurança e a escala técnica nas hipóteses de pouso necessário b as liberdades comerciais geralmente asseguradas em tratados bilaterais compre endem o desembarque e o embarque de passageiros e de mercadorias provenientes do ou com destino ao Estado de matrícula podendose 14 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 p 12111212 REZEK Direito internacional público 2000 8ª edição p 295296 15 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 p 1247 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 38 242012 162757 39 Capítulo 3 Validade da Lei Penal admitir o desembarque e embarque de passageiros e de mercadorias de qualquer parte e para qualquer parte do mundo16 Art 5º CP 1º Para os efeitos penais consideramse como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem bem como as aeronaves e embarcações brasileiras mercantes ou de propriedade privada que se achem respectivamente no espaço aéreo correspondente ou em altomar 2o É também aplicável a lei brasileira aos crimes pra ticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada achandose aquelas em pouso no território nacional ou em voo no espaço aéreo correspon dente e estas em porto ou mar territorial do Brasil 4 Lugar do crime A lei penal brasileira adota a teoria da ubiquidade para definir lugar do crime o espaço físico em que foi realizada no todo ou em parte a ação ou a omissão de ação ou em que se produziu ou deveria produzirse o resultado17 Art 6º CP Considerase praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão no todo ou em parte bem como onde se produziu ou deveria produzirse o resultado 16 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 p 12471251 REZEK Direito internacional público 2000 8ª edição p 317321 17 MESTIERI Manual de direito penal 1999 p 84 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 39 242012 162757 40 Teoria da Lei Penal Capítulo 3 Logo as condutas definidas como crimes em leis penais brasilei ras realizadas no todo ou em parte no território do Estado brasileiro ou que produzam ou devam produzir o resultado nesse território são submetidas à jurisdição penal brasileira A definição do lugar do crime é necessária na hipótese de ações criminosas realizadas no espaço territorial de dois ou mais Estados por exemplo a ação se realiza no Brasil mas o resultado ocorre na Argentina ou no Uruguai ou viceversa18 Nessas hipóteses a duplici dade de punição é evitada por norma expressa da lei penal brasileira Art 8º CP A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime quando diversas ou nela é computada quando idênticas II Critério da extraterritorialidade O critério da extraterritorialidade compreende as exceções à regra da territorialidade definidas pelos princípios da proteção ou da defesa da personalidade ou da nacionalidade e da competência penal universal ou da cooperação penal internacional 1 Princípio da proteção O princípio da proteção ou da defesa permite submeter à jurisdição penal brasileira fatos puníveis cometidos no estrangeiro 18 Ver FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 138140 n 106 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 40 242012 162757 41 Capítulo 3 Validade da Lei Penal lesivos de bens jurídicos pertencentes ao Estado brasileiro art 7º I a b c CP compreendendo os crimes a contra a vida ou liber dade do Presidente da República b contra o patrimônio ou a fé pública da União Distrito Federal Estados e Municípios de em presa pública sociedade de economia mista autarquia ou fundação do Poder Público c contra a administração pública por autor a serviço público19 Art 7º CP Ficam sujeitos à lei brasileira embora cometidos no estrangeiro I os crimes a contra a vida ou a liberdade do Presidente da Re pública b contra o patrimônio ou a fé pública da União do Distrito Federal de Estado de Território de Mu nicípio de empresa pública sociedade de economia mista autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público c contra a administração pública por quem está a seu serviço Nesses casos a punição do agente pela lei brasileira independe de absolvição ou de condenação no estrangeiro Art 7º 1º CP Nos casos do inciso I o agente é punido segundo a lei brasileira ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro 19 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 13ª edição p 951 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 41 242012 162757 42 Teoria da Lei Penal Capítulo 3 2 Princípio da personalidade 1 O princípio da personalidade ou da nacionalidade permite submeter à lei penal brasileira os fatos puníveis praticados no estrangeiro a por autor brasileiro forma ativa ou b contra vítima brasileira forma passiva20 A personalidade ou a nacionalidade brasileira pode ser ad quirida pelo nascimento no território brasileiro ou pela naturalização de estrangeiro garantida a igualdade de direitos entre brasileiros natos e naturalizados exceto para o exercício de determinados cargos e fun ções públicas a propriedade de meios de comunicação e a extradição reservados a brasileiros natos a são brasileiros natos a1 os nascidos no território brasileiro ainda que de pais estrangeiros se não estiverem a serviço de seu País bem como a2 os nascidos no estrangeiro de pai ou mãe brasileiros a serviço do Brasil ou na hipótese contrária se vierem a residir no território nacional e optarem pela nacionalidade bra sileira b são brasileiros naturalizados os que adquirem a nacionali dade brasileira mediante requerimento preenchidas certas condições b1 imigrantes residentes no País por 15 anos consecutivos e sem condenação penal b2 súditos de países de língua portuguesa com idoneidade moral e residência ininterrupta de 1 ano no Brasil b3 demais casos exigência de 4 anos de residência no País idoneidade moral boa saúde e domínio do idioma21 2 O princípio da personalidade ou da nacionalidade conhece uma forma ativa e uma forma passiva assim disciplinadas pela lei penal 20 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 13ª edição p 950951 21 REZEK Direito internacional público 2000 8ª edição p 177180 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 42 242012 162757 43 Capítulo 3 Validade da Lei Penal a o princípio da personalidade ativa compreende os crimes praticados por brasileiros art 7º II b CP e os crimes de genocídio cometidos por agentes brasileiros art7º I d primeira parte CP em território estrangeiro Art 7º CP Ficam sujeitos à lei brasileira embora cometidos no estrangeiro I os crimes d de genocídio quando o agente for brasileiro II os crimes b praticados por brasileiro b o princípio da personalidade passiva permite aplicar a lei penal brasileira a crimes cometidos por autores estrangeiros contra vítimas brasileiras fora do País Art 7o 3o CP A lei brasileira aplicase também ao crime co metido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil se reunidas as condições previstas no parágrafo anterior a não foi pedida ou foi negada a extradição b houve requisição do Ministro da Justiça As condições previstas no parágrafo anterior são as condições objetivas de punibilidade do art 7o 2o CP adiante transcrito 3 Princípio da competência universal O princípio da competência penal universal é característico da co operação penal internacional porque todos os Estados da comunidade internacional podem punir todos os autores de determinados crimes segundo tratados ou convenções internacionais art 7º I d e II a e Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 43 242012 162757 44 Teoria da Lei Penal Capítulo 3 c CP por exemplo o genocídio o tráfico de drogas o comércio de seres humanos etc22 Art 7º CP Ficam sujeitos à lei brasileira embora cometidos no estrangeiro I os crimes d de genocídio quando o agente for domiciliado no Brasil II os crimes a que por tratado ou convenção o Brasil se obrigou a reprimir c praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras mercantes ou de propriedade privada quando em ter ritório estrangeiro e aí não sejam julgados Nessas hipóteses a aplicação da lei penal brasileira depende de determinadas condições objetivas de punibilidade expressamente indicadas na lei a ingresso do autor no território brasileiro b pu nibilidade do fato no Brasil e no país estrangeiro respectivo c fato punível pertencente à categoria dos crimes extraditáveis segundo a lei brasileira d ausência de absolvição ou de cumprimento de pena no estrangeiro e ausência de perdão no estrangeiro ou de extinção da punibilidade segundo a lei mais favorável Art 7º 2º CP Nos casos do inciso II a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições a entrar o agente no território nacional 22 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 13ª edição p 951 também MAYRINK DA COSTA Direito Penal parte geral 2005 p 509510 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 44 242012 162757 45 Capítulo 3 Validade da Lei Penal b ser o fato punível também no país em que foi pra ticado c estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição d não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena e não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou por outro motivo não estar extinta a punibilidade segundo a lei mais favorável III Extradição A extradição é o processo jurídicopolítico pelo qual um Estado entrega o autor de fato punível a outro Estado competente para apli car ou para executar a pena criminal respectiva fundado em tratado bilateral ou promessa de reciprocidade observadas determinadas condições art 76 Lei 68158023 1 Condições de concessão A concessão da extradição exige as se guintes condições cumulativas a competência jurisdicional do Estado requerente para aplicação e execução da pena b condenação à pena privativa de liberdade transitada em julgado ou prisão autorizada por Juiz Tribunal ou autoridade competente do Estado requerente art 78 I e II da Lei 681580 2 Compromissos do Estado requerente A entrega do extraditando é condicionada aos seguintes compromissos do Estado requerente art 91 Lei 681580 a não prender ou julgar o extraditando por 23 REZEK Direito internacional público 2000 8ª edição p 189 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 45 242012 162758 46 Teoria da Lei Penal Capítulo 3 fato diverso do pedido b computar o tempo de prisão no Brasil por causa da extradição no Brasil o extraditando aguarda preso a decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal sobre o pedido de extradição c comutar eventual pena de morte ou pena corporal em pena privativa de liberdade d não entregar o extraditando a outro Estado exceto com consentimento do Brasil e excluir agravação da pena por motivos políticos 3 Exclusão da extradição A extradição instituto jurídicopolítico reservado a estrangeiros é excluída nas seguintes hipóteses art 77 Lei 681580 a autor brasileiro do fato punível exceto brasileiro naturalizado por fato anterior à aquisição da nacionalidade ou por tráfico de drogas nesse caso art 5º LI CR b fato atípico segundo a lei penal brasileira ou do Estado requerente observação fato atípico do Estado requerente exclui a formulação do pedido de extradição c competência da justiça brasileira para julgar o fato objeto do pedido de extradição d fato punível com pena de prisão igual ou inferior a 1 ano pela lei penal brasileira e existência de processo criminal ou de anterior condenação ou absolvição criminal da justiça brasileira pelo fato objeto do pedido de extradição f extinção da punibilidade por prescrição segundo a lei mais favorável g crimes políticos ou de opinião nesse caso art 5º LII CR h julgamento por Tribunal ou Juízo de exceção no Estado requerente 4 Proibição de extradição dissimulada A legislação brasileira tam bém exclui a extradição dissimulada nas hipóteses em que a deportação art 63 Lei 861580 ou a expulsão art 75 I Lei 861580 de es trangeiro tenha o significado de extradição proibida como ocorre nos casos em que a alternativa compulsória do estrangeiro deportado ou expulso seja o ingresso no Estado de sua nacionalidade ou em outro Estado que concederia a extradição 5 Um caso histórico O cidadão britânico Ronald Arthur Biggs condenado a 30 anos de prisão pela Justiça inglesa por participar do roubo do trem postal GlasgowLondres no dia 8 de agosto de 1963 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 46 242012 162758 47 Capítulo 3 Validade da Lei Penal fugiu da prisão e ingressou no Brasil com o nome falso de Michael John Haynes24 No Brasil preso por ordem do Ministro da Justiça do Governo Militar em 1974 e por ausência de tratado bilateral de extradição entre Brasil e Inglaterra submetido a processo de deporta ção impetrou habeas corpus no antigo Tribunal Federal de Recursos HC 334574 TFR sob alegação de iminente paternidade de brasileiro e de extradição dissimulada sob a forma de deportação O Tribunal negou o habeas corpus mas reconheceu a possibilidade de extradição dissimulada excluindo a deportação para a Inglaterra ou para qualquer outro Estado de onde fosse possível extradição com o resultado da posterior libertação de Ronald Biggs pela óbvia impos sibilidade de execução da deportação Em 1997 após formalização de tratado bilateral de extradição entre Brasil e Inglaterra o Supremo Tribunal Federal negou pedido de extradição do governo britânico con tra Ronald Biggs Extradição 72197 STF fundado na extinção da punibilidade da pretensão executória segundo a lei penal brasileira B Validade da lei penal no tempo I O critério geral princípio da legalidade O critério geral de validade da lei penal no tempo é definido pelo princípio da legalidade na plenitude de suas dimensões constitucionais incidentes sobre crimes penas e medidas de segurança definidas como a lex praevia proibição de retroatividade da lei penal b 24 Enciclopédia da luta contra o crime Editor Victor Civita Abril Cultural São Paulo SP 1974 p 78 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 47 242012 162758 48 Teoria da Lei Penal Capítulo 3 lex scripta proibição do costume como fundamento de crimes ou de penas c lex stricta proibição da analogia como método de crimina lização ou de penalização de ações humanas e d lex certa proibição de indefinições nos tipos legais e nas sanções penais25 Art 5º XXXIX não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal A lei penal brasileira contém disposição idêntica que inaugura o Código Penal Art 1º Não há crime sem lei anterior que o defina Não há pena sem prévia cominação legal O princípio da legalidade somente é afastado pelo critério especí fico de retroatividade da lei penal mais favorável aplicável sem exceção em crimes penas e medidas de segurança independentemente do trânsito em julgado da decisão judicial ou da fase de execução da pena art 5o XL Constituição II O critério específico lei penal mais benigna 1 A proibição de retroatividade tem por objeto os crimes as penas e as medidas de segurança futuras mas com uma exceção fundamental a retroatividade da lei penal mais benigna inscrita na Constituição da República e na legislação ordinária A Constituição da República contém norma específica sobre a regra e a exceção assim redigida Art 5º XL a lei penal não retroagirá salvo para beneficiar o réu 25 ROXIN Strafrecht 1997 p 98 ns 811 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1976 p 131142 GROPP Strafrecht 2001 p 45 n 23 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 48 242012 162758 49 Capítulo 3 Validade da Lei Penal O Código Penal contém disposição mais detalhada sobre a re troatividade de lei penal mais favorável nestes termos Art 2º parágrafo único A lei posterior que de qualquer modo favorecer o agente aplicase aos fatos anteriores ainda que decididos por sentença condena tória transitada em julgado 2 A aplicação da lei penal mais favorável resolve conflitos de leis penais no tempo segundo os critérios de comparação de leis diferentes ou de combinação de leis sucessivas 21 A hipótese de comparação de leis diferentes trabalha com um critério concreto que inclui circunstâncias legais agravantes e atenuantes e causas especiais de aumento ou de diminuição de pena mediante um método de ensaioerro capaz de indicar o resultado mais favorável para o caso concreto definido como lex mitior a pena menor no caso de penas iguais b pena menos grave no caso de penas diferentes c substitutivos penais com prazo menor ou sob condições mais favoráveis d regime de execução menos rigoroso etc26 22 A hipótese de combinação de leis sucessivas é objeto de controvér sia a posição tradicional rejeita a combinação de leis sucessivas sob o argumento de construção de uma lex tertia proibida ao intérprete27 b posição moderna admite a combinação de leis sucessivas sob o ar gumento convincente de que a expressão de qualquer modo art 2º parágrafo único CP não conhece exceções28 26 ROXIN Strafrecht 1997 p 12224 ns 6265 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 V 2 27 Nesse sentido HUNGRIA Comentários ao Código Penal v 1 p 121 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral p 107 28 Assim ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 V 2 DOTTI Curso de direito penal 2001 p 271 MALHEIROS FIHO Direito intertemporal penal Possibilidade de combinação de leis o equívoco da lex tertia in RBCCRIM n 66 2007 p 374 também o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Separável as partes das normas em conflito possível é a aplicação do que nelas transpareça Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 49 242012 162758 50 Teoria da Lei Penal Capítulo 3 A retroatividade da lei penal mais favorável incide sobre todas as hipóteses leis penais em branco leis penais temporárias ou excep cionais leis processuais penais lei de execução penal e jurisprudência 1 Leis penais em branco As leis penais em branco são tipos legais com sanção penal determinada e preceito indeterminado dependente de complementação por outro ato legislativo ou administrativo por exemplo a identificação das doenças de notificação compulsória art 269 CP As leis penais em branco exprimem a tendência mo derna de administrativização do Direito Penal com transferência de poderes punitivos a funcionários do Poder Executivo ou a modalida des inferiores de atos normativos Decreto Resolução etc com os seguintes problemas a primeiro um problema político a transferência da competên cia legislativa de definição de crimes para o Poder Executivo ou para níveis inferiores de atos legislativos infringe o princípio da legalidade como afirma um setor avançado da literatura penal afinal o em prego instrumental do Direito Penal para realizar políticas públicas emergenciais é inconstitucional29 b segundo um problema prático decidir se o complemento posterior favorável ao autor por exemplo a doença foi excluída do catálogo é retroativo ao fato realizado na vigência de complemento anterior prejudicial ao autor na época do fato a doença constava do catálogo30 como mais benigno HC 69033SP rel Min MARCO AURÉLIO DJU 130392 p 2925 29 Ver ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 II 7 igualmente PIZZA PELUSO Retroatividade da lei penal benéfica a causa da diminuição de pena do art 33 4º da Lei n 1134306 Lei de Tóxicos in Boletim IBCCRIM ano 15 n 175 junho2007 p 23 30 A favor da retroatividade do complemento mais favorável CIRINO DOS SANTOS Direito penal a nova parte geral 1985 p 52 contra a retroatividade do com ple mento mais favorável MESTIERI Manual de direito penal parte geral 1999 p 75 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 50 242012 162758 51 Capítulo 3 Validade da Lei Penal Esse problema prático é resolvido pela retroatividade da lei penal mais benigna porque o complemento da lei penal em bran co é elemento do tipo objetivo e portanto integra a lei penal segundo a seguinte lógica se o tipo de injusto não existe sem o complemento legal ou administrativo e o Poder Legislativo independentemente da inconstitucionalidade da delegação de poderes autoriza a edição do complemento da lei penal por outra lei ou por ato administrativo então o complemento é elemento do tipo de injusto e na hipótese de complemento posterior mais favorável retroativo31 2 Leis penais temporárias e excepcionais As leis penais temporárias editadas para vigência durante tempo determinado e as leis penais excepcionais editadas para vigência durante acontecimento determi nado calamidades públicas como inundações terremotos epidemias etc estariam subtraídas da exceção de retroatividade da lei penal mais favorável porque teriam ultraatividade segundo norma específica da legislação penal Art 3º CP A lei excepcional ou temporária embo ra decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram aplicase ao fato praticado durante sua vigência Não obstante a eficácia dessa norma específica sobre a chamada ultraatividade da lei excepcional ou temporária é controvertida como indicam as seguintes teorias a teoria dominante admite a ultraatividade das leis penais temporárias ou excepcionais em prejuízo do réu sob o argumento uti litário de que inevitáveis dilações processuais impediriam a aplicação da lei durante o tempo ou o acontecimento determinados32 ou sob o 31 Nesse sentido STRATENWERTH Strafrecht 2000 p 50 n 8 32 HUNGRIAFRAGOSO Comentários ao Código Penal 1977 v 1 p 139 n 30 MAYRINK DA COSTA Direito Penal parte geral 2005 p 457459 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 51 242012 162758 52 Teoria da Lei Penal Capítulo 3 argumento técnico de que o tempo ou o acontecimento integrariam o tipo legal33 excluindo em ambas as hipóteses a retroatividade da lei penal mais favo rável b respeitável teoria minoritária rejeita o atributo de ultraati vidade das leis penais temporárias ou excepcionais em prejuízo do réu sob o argumento sistemático convincente da natureza incondicional da exceção constitucional de retroatividade da lei penal mais favorável art 5º XL com a invalidação do art 3º do Código Penal que não teria sido recepcionado pela Constituição da República de 198834 3 Leis processuais penais A submissão das leis processuais penais ao princípio constitucional da proibição de retroatividade da lei penal em prejuízo do réu também é controvertida a a teoria dominante exclui as leis processuais penais da proibição de retroatividade em prejuízo do réu porque seriam regidas pelo prin cípio tempus regit actum com aplicação da lei vigente no momento do ato processual respectivo e não da lei processual vigente ao tempo do fato punível objeto do processo penal35 b convincente teoria minoritária subordina as leis processuais pe nais à proibição de retroatividade em prejuízo do réu sob o argumento de que o princípio constitucional da lei penal mais favorável condiciona a legalidade processual penal sob dois pontos de vista b1 primeiro o primado do direito penal substancial determina a extensão das garantias do princípio da legalidade ao subsistema de imputação assim como aos subsistemas de indiciamento e de execução penal porque a coerção processual é a própria realização da coação punitiva36 b2 segundo o 33 MESTIERI Manual de direito penal 1999 p 74 34 Nesse sentido ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 V 5 também LUISI Os princípios constitucionais penais 1991 p 23 35 Por todos MARQUES Elementos de direito processual penal 1961 v I p 48 36 BARATTA Principi del diritto penal minimo Per una teoria dei diritti umani come oggetti e limiti della legge penale in Dei Delitti e delle Pene 1991 n 1 p 450 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 52 242012 162758 53 Capítulo 3 Validade da Lei Penal gênero lei penal abrange as espécies lei penal material e lei penal pro cessual regidas pelo mesmo princípio fundamental37 4 Lei de execução penal A lei de execução penal Lei 721084 também está submetida ao princípio constitucional da lei penal mais favorável ou da proibição de retroatividade em prejuízo do réu apesar de controvérsia insustentável a o argumento de que a ressocialização do condenado prevalece sobre o princípio constitucional da lei penal mais favorável é mora lizador repressivo e anticientífico ninguém pode ser ressocializado segundo critérios morais alheios a prevenção especial negativa repres são neutralizante é incompatível com a prevenção especial positiva execução ressocializante e por último a história do sistema penal indica o fracasso irreversível do projeto técnicocorretivo da prisão b ao contrário leis de execução penal são leis penais em sen tido estrito porque a execução da pena como objetivo concreto da cominação e da aplicação da pena é o centro nuclear do princípio da legalidade e seus incondicionais derivados constitucionais como a aplicação retroativa da lei penal mais favorável aos fatos anteriores ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado art 2º parágrafo único CP38 c finalmente o primado do direito penal substancial estende as garantias do princípio da legalidade ao subsistema de execução penal com a limitação dos poderes discricionários da prisão39 37 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 V 8 38 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 V 9 39 BARATTA Principi del diritto penal minimo Per una teoria dei diritti umani come oggetti e limiti della legge penale in Dei Delitti e delle Pene 1991 n 1 p 450 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 53 242012 162758 54 Teoria da Lei Penal Capítulo 3 5 Jurisprudência A literatura penal admite a extensão do princípio da legalidade e seus derivados constitucionais à jurisprudência dos Tribunais mas a opinião majoritária rejeita essa extensão40 A teoria majoritária rejeita subordinar a jurisprudência ao prin cípio da proibição de retroatividade em prejuízo do autor sob o argu mento de que a lei penal somente agora seria corretamente conhecida mas admite a possibilidade de erro de proibição inevitável fundado na confiança do cidadão na jurisprudência anterior41 A teoria minoritária define a aplicação da lei penal como ativi dade de construção da realidade social por juízos atributivos fundados em regras legais tipos de injusto e normas processuais e metarregras estereótipos e outros mecanismos inconscientes do psiquismo do intérprete que transformam o cidadão em criminoso com estigma tização social mudança de status e formação de carreiras criminosas definitivas42 e não como resultado ascético de regras lógicas de sub sunção Assim mudanças da jurisprudência em prejuízo do réu por exemplo inversão de posição absolutória para posição condenatória representam lesão do princípio da confiança nas manifestações dos Tribunais porque a jurisprudência é a lei do caso concreto com consequências para a vida real de seres humanos de carne e osso equivalentes à retroatividade da lei penal em prejuízo do réu proibida pela Constituição Afinal se manifestações do Poder Judiciário não são indiferentes ao homem do povo então a proibição de retroatividade inclui mudanças de jurisprudência dominante em prejuízo do autor 40 Ver STRATENWERTH Strafrecht 2001 4ª edição p 5859 ns 2831 também ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 VII 23 41 ROXIN Strafrecht 1997 p 122 n 61 STRATENWERTH Strafrecht 2001 4ª edição p 58 n 30 também ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 VII 23 42 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 2000 p 104106 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 4143 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 54 242012 162758 55 Capítulo 3 Validade da Lei Penal sob o argumento de que a confiança na jurisprudência equivale à con fiança na lei43 Por essa razão a alternativa da exculpação por erro de proibição inevitável admitida pela teoria majoritária deve perma necer como ratio subsidiária somente aplicável na ausência de lesão da proibição de retroatividade penal em prejuízo do réu por mudança de jurisprudência absolutória para condenatória44 43 Nesse sentido MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 8ª edição 12 II n 8 p 159 Mas existem casos de firme jurisprudência superior que tem função equivalente ou complementar da lei porque em tais casos a unitária jurisprudência superior preenche a mesma função de orientação da lei também aqui a proibição de retroatividade precisa ter lugar 44 Incisivo e esclarecedor ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 VII 23 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 55 242012 162758 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 56 242012 162758 57 Capítulo 4 iNterpretação da Lei peNaL A interpretação de normas jurídicas é exercício de lógica como método de pensamento A lógica do Direito pode ser específica lógica jurídica ou geral lógica formal a um setor da literatura afirma a existência de uma lógica jurídica específica empregada no raciocínio jurídico e prático em geral diferente da lógica empregada na ma temática ou na filosofia por exemplo1 b outro setor da literatura nega a existência de lógicas especiais lógica matemática filosófica jurídica etc mas reconhece aplicações particulares das regras gerais da lógica formal assim a lógica jurídica seria uma aplicação especial da lógica formal utilizada pelo operador do direito para construção de raciocínios jurídicos2 A norma penal deve ser examinada de quatro diferentes pontos de vista capazes de esclarecer as seguintes questões a o significado de norma jurídica b as técnicas de interpretação da norma penal c o si logismo de aplicação da norma jurídica d as fontes da norma penal I O significado de norma jurídica A palavra norma significa em latim esquadro assim como a palavra regra em latim regula significa medida origens epistemo 1 PERELMAN Logique formelle logique juridique 1969 p 230 2 KELSEN Allgemeine Theorie der Normen 1990 p 216 e 220 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 57 242012 162758 58 Teoria da Lei Penal Capítulo 4 lógicas que permitem precisar o conteúdo do conceito de norma ou de regra jurídica no Direito moderno3 A norma jurídica não descreve realidades do ser como proprie dades físicas de objetos naturais descritas pelas ciências da natureza ou tendências históricas de objetos sociais descritas pela sociologia ao contrário a norma jurídica prescreve imperativos do dever ser defi nidos sob a forma de proibições de mandados e de permissões de ações dirigidas aos seres humanos conforme determinações históricosociais Por isso podese dizer que as proibições mandados e permissões de ações prescritas pelas normas jurídicas pressupõem o poder dos seres humanos de configurar o futuro conforme planos finalidades ou objetivos individuais ou coletivos4 Logo como indica KELSEN a norma jurídica dirigese a um ser humano prescrevendo como devidas determinadas condutas5 II A interpretação da norma penal Interpretar a norma penal consiste em determinar o significado da lei penal A interpretação é o processo intelectual de conhecimen to da norma que tem por objeto a linguagem escrita da lei penal A linguagem é um instrumento de comunicação constituído de signos representados por palavras ou gestos portadores de conteúdos cujo sentido é comunicado através do discurso que exprime o conjunto de signos da linguagem no processo de comunicação social A lin guagem escrita da lei penal pode ser abordada sob três pontos de 3 DIMOULIS Manual de introdução ao estudo do direito 2003 p 6061 4 Ver WELZEL Das Deutsche Strafrecht 11ª edição 1969 8 II p 37 também EBERT Strafrecht 1994 p 2223 5 KELSEN Allgemeine Theorie der Normen 1979 p 7 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 58 242012 162758 59 Capítulo 4 Interpretação da Lei Penal vista a semântico que define o significado isolado das palavras da lei b sintático que define o significado conjunto das palavras nas frases empregadas na lei c pragmático que define a adequação prática do significado da lei6 1 Técnicas de interpretação A abordagem semântica sintática e pragmática da linguagem jurídica não evita problemas de ambiguidades ou polissemias no texto da lei que podem ser eliminadas ou reduzidas por técnicas tradicionais de interpretação da lei literal sistemática histórica e teleológica A interpretação literal é uma aplicação especial da abordagem semântica cujo objetivo é esclarecer o significado da linguagem escrita da lei que pode ser empregada em sentido comum ou em sentido técnico na norma jurídica a interpretação sistemática tem por objetivo esclarecer o significado da norma isolada no contexto do sistema de normas respectivo que estrutura os conceitos e os ins titutos jurídicos a interpretação histórica tem por objetivo esclarecer a intenção do legislador no processo de criação da norma jurídica mediante análise dos debates parlamentares dos anteprojetos de lei e das exposições de motivos que caracterizam o processo legislativo a interpretação teleológica tem por objetivo esclarecer a finalidade social da lei como realização de proibições mandados e permissões prescritas pelo legislador7 6 Ver DIMOULIS Manual de introdução ao estudo do direito 2003 p 149150 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 16a edição p 100103 7 DIMOULIS Manual de introdução ao estudo do direito 2003 p 159170 Comparar MAYRINK DA COSTA Direito Penal parte geral 2005 p 425428 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 59 242012 162758 60 Teoria da Lei Penal Capítulo 4 2 Sujeitos da interpretação A interpretação da norma jurídica pode ser realizada pelo Poder Legislativo pelo Poder Judiciário e por especialistas do Direito ou ju ristas originando três segmentos principais de interpretação segundo o sujeito respectivo interpretação autêntica interpretação judicial e interpretação científica do Direito8 A interpretação autêntica é produzida pelo legislador de dois modos principais a a interpretação autêntica contextual como de finições de conceitos empregados na lei aparece no próprio texto da lei por exemplo o conceito de causa definido no art 13 CP b a interpretação autêntica paralela como esclarecimento dos motivos e indicação dos propósitos do legislador aparece nas Exposições de Mo tivos que acompanham as leis penais mais importantes por exemplo a Exposição de Motivos do Código Penal A interpretação judicial é produzida por Juízes e Tribunais na decisão de casos concretos constituindo a jurisprudência criminal sob as formas de decisões isoladas jurisprudência dominante súmulas da jurisprudência dominante e atualmente também súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal A interpretação científica é produzida por especialistas da ciência jurídicopenal representados por autores de livros arti gos conferências e aulas de Direito Penal que definem categorias científicas necessárias ou úteis para a teoria e a prática do Direito Penal 8 Comparar MAYRINK DA COSTA Direito Penal parte geral 2005 p 424 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 60 242012 162758 61 Capítulo 4 Interpretação da Lei Penal 3 Resultados da interpretação A aplicação das técnicas de interpretação para esclarecer o sentido da lei produz resultados a declarativos b restritivos ou c extensi vos do significado da lei assim explicados a resultados declarativos indicam correspondência do significado com a linguagem da lei no sentido de que lex dixit quam voluit a lei disse o que queria dizer b resultados restritivos indicam redução do significado da linguagem da lei no sentido de que lex dixit plus quam voluit a lei disse mais do que queria dizer c resultados extensivos indicam ampliação do significado da linguagem da lei no sentido de que lex dixit minus quam voluit a lei disse menos do que queria dizer interpretação proibida pelo princípio da legalidade dos crimes e das penas9 4 Analogia e interpretação O conceito de analogia deve ser definido em comparação com o conceito de interpretação da lei penal para diferenciar entre inter pretação admissível e analogia proibida da lei penal10 41 Igualdade lógica entre interpretação e analogia A moderna teoria da lei penal afirma a igualdade lógica entre interpretação e ana logia no processo de conhecimento e aplicação do Direito Realmente interpretação e analogia têm por objeto grupos de casos previstos e não previstos pela lei penal portanto comparam grupos de casos a interpretação identifica grupos de casos previstos pela lei penal a 9 DIMOULIS Manual de introdução ao estudo do direito 2003 p 168170 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 16ª edição p 104 10 Assim ROXIN Strafrecht 1997 p 1045 n 26 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 61 242012 162759 62 Teoria da Lei Penal Capítulo 4 analogia identifica grupos de casos não previstos mas semelhantes aos casos previstos na lei penal11 O limite da interpretação da lei penal é determinado pelo sig nificado das palavras empregadas na linguagem da lei penal que não indicam quantidades expressas em números medidas ou pesos mas valores cujos sentidos devem ser determinados pelo intérprete por um lado o legislador define normas penais utilizando palavras para cons truir a lei penal por outro lado o Juiz decide casos concretos fundado no significado das palavras empregadas pelo legislador para definir a lei penal Como indicado as técnicas empregadas pelo intérprete para determinar o significado dos valores da lei penal literal sistemática histórica e teleológica pesquisam o significado das palavras da lei penal a função da norma isolada no sistema de normas penais as representações do legislador no processo legislativo de criação da lei penal e a finalidade social da lei penal12 Mas essa igualdade lógica não permite confundir os conceitos de interpretação e de analogia da lei penal a igualdade lógica dos processos cognitivos incide sobre objetos diferentes que definem os limites da interpretação permitida e da analogia proibida em Direito Penal 42 Teorias diferenciadoras As teorias desenvolvidas para definir os limites da interpretação permitida e da analogia proibida em Direito Penal são as seguintes a a teoria do sentido da lei penal o que está conforme ao sentido da lei penal é interpretação permitida o que está desconforme ao senti 11 Ver HAFT Strafrecht 1994 6a edição p 49 STRATENWERTH Stafrecht 2000 p 5859 n 31 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 III 46 12 Ver DIMOULIS Introdução ao estudo do direito 2003 p 159170 também ROXIN Strafrecht 1997 p 1056 n 28 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 62 242012 162759 63 Capítulo 4 Interpretação da Lei Penal do da lei penal é analogia proibida13 uma teoria problemática pela subjetividade do sentido atribuído à lei penal b a teoria da literalidade da lei penal o que está conforme à literalidade da lei penal constitui interpretação permitida o que está desconforme à literalidade da lei penal constitui analogia proibida14 uma teoria adequada ao princípio da legalidade do Estado Democrático de Direi to porque as palavras possuem significados objetivos responsáveis pela comunicação social A teoria da literalidade também resolve o dilema entre interpretação restritiva e interpretação extensiva da lei penal o princípio da legalidade proíbe qualquer interpretação extensiva da lei penal resolvendo todos os casos de dúvida conforme a interpretação restritiva da lei penal aliás a única compatível com o princípio in dubio pro reo hoje de aplicação universal no Direito Penal15 43 Analogia proibida e analogia permitida A analogia pode ser pen sada como argumento a simile e como argumento a maiori ad minus 431 Analogia a simile A analogia como argumento a simile significa aplicação da lei penal a fatos diferentes dos previstos mas semelhantes aos previstos16 Nesse sentido a analogia constitui um juízo de pro babilidade próprio da psicologia individual que não pertence nem à lógica clássicadedutiva nem à lógica modernaindutiva17 432 Analogia a maiori ad minus A analogia como argumento a maiori ad minus significa que a norma jurídica válida para uma classe geral de fatos é igualmente válida para fatos especiais da mes 13 STRATENWERTH Stafrecht 2000 p 59 n 31 JAKOBS Strafrecht 1993 437 SCHMIDHÄUSER Lehrbuch 1975 2a edição 24 14 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 p 159 ROXIN Strafrecht 1997 5 n 28 15 Assim ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 III 8 16 KELSEN Allgemeine Theorie der Normen 1990 p 217 17 CARNAP On inductive logic in Philosophy of Science 1945 v XII p 72 apud KELSEN Allgemeine Theorie der Normen 1990 p 218 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 63 242012 162759 64 Teoria da Lei Penal Capítulo 4 ma categoria Aqui a teoria da igualdade lógica entre interpretação e analogia da lei penal é decidida pelo significado da analogia para o caso concreto se o significado concreto representar prejuízo para o réu constitui analogia proibida se o significado concreto representar benefício para o réu constitui analogia ou interpretação permitida Essa teoria remonta à distinção de MAYER18 hoje generalizada na literatura penal que definiu as bases da analogia proibida e da analogia permitida em Direito Penal a a analogia in malam partem compreensiva da analogia praepter legem e da analogia contra legem é absolutamente proibida pelo Direito Penal a subsunção de ações ou de omissão de ações nos tipos legais e a aplicação ou agravação de sanções penais em casos concretos excluem a analogia em todas as hipóteses b a analogia in bonam partem a chamada analogia intra legem é permitida pelo princípio da legalidade sem nenhuma restrição nas justificações nas exculpações e em qualquer hipótese de extinção ou de redução da punibilidade do comportamento humano19 44 Necessidade da analogia A analogia é necessária para o funcio namento do ordenamento jurídico de determinados Estados nacionais assim como para a aplicação de alguns ramos do próprio ordenamen to jurídico brasileiro a nos países anglosaxônicos as decisões dos Tribunais em processos criminais são fundadas em analogias constru ídas com base nos precedentes legais o sistema do case law vigente na Inglaterra e nos Estados Unidos por exemplo20 b no Direito Civil brasileiro a analogia é expressamente admitida para solução de casos não disciplinados em lei 18 MAYER Der allgemeine Teil des deutschen Strafrechts 1915 p 27 19 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 15 III n 2d p 136 MAURACHZIPF Strafrecht 1992 p 127128 ns 2122 ROXIN Strafrecht 1997 p 112114 ns 4044 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 III 46 20 STRATENWERTH Strafrecht 2000 p 5859 n 31 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 64 242012 162759 65 Capítulo 4 Interpretação da Lei Penal III O silogismo como lógica de subsunção jurídica 1 O silogismo é o processo lógico de aplicação da lei penal constituí do de duas premissas uma maior e outra menor e de uma conclusão assim relacionadas se as premissas são verdadeiras e se a conclusão está implícita nas premissas então a conclusão é verdadeira21 Segundo KELSEN o silogismo é uma sequência de declarações pela qual a verdade do conteúdo da conclusão é extraída da verdade do conteúdo das premissas22 11 O silogismo clássico é assim formulado a todos os homens são mortais premissa maior b Sócrates é um homem premissa menor c Sócrates é mortal conclusão 12 O silogismo jurídico tem a mesma estrutura a homicídios são punidos com pena de reclusão de 6 a 20 anos premissa maior b Y praticou homicídio contra X premissa menor c a pena de reclusão de 6 a 20 anos é aplicável contra Y conclusão 2 A lógica do silogismo como lógica da subsunção jurídica está pre sente em toda decisão judicial Mas a lógica de subsunção jurídica do silogismo pode apresentar problemas relacionados com a subjetividade do julgador consistentes em duas espécies de erros incidentes sobre objetos diferentes a o erro de interpretação da norma jurídica é determinado por falhas ou defeitos de conhecimento científico do Direito b o erro de análise da prova dos autos é determinado por defeitos de representação do fato definido como silogismo regressivo23 21 Assim SUSAN STEBBING A modern elementary logic 1957 p 159 22 KELSEN Allgemeine Theorie der Normen 1990 p 181182 23 Assim BERGEL Methodologie juridique 2001 p 147 apud DIMOULIS Manual de Introdução ao estudo do direito 2003 p 93 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 65 242012 162759 66 Teoria da Lei Penal Capítulo 4 A Criminologia explica esses problemas como produtos de metarregras ou basic rules fenômenos psíquicos emocionais em geral inconscientes que determinam o significado concreto da decisão judi cial preconceitos estereótipos traumas e outras idiossincrasias pessoais ou distorções ideológicas que informam as percepções e atitudes do julgador desencadeados por indicadores sociais negativos de pobreza desemprego marginalização moradia em favelas etc responsáveis pela seletividade da clientela do sistema penal constituiriam as determinações emocionais decisivas do processo de criminalização conforme SACK24 IV Fontes da norma penal O Direito em geral possui fontes materiais e fontes formais inteiramente diferentes As fontes materiais do Direito são definidas conforme pressu postos ideológicos ou políticos de abordagem do fenômeno jurídico classificadas em dois grupos a as teorias consensuais indicam interes ses necessidades ou valores gerais da sociedade como fontes materiais do Direito b as teorias conflituais indicam interesses necessidades e valores das classes sociais proprietárias do capital e detentoras do poder do Estado como fontes materiais do Direito25 24 Ver SACK Neue Perspektiven in Kriminologie In Kriminalsoziologie organizado por R Konig e F Sack 1968 p 469 também CIRINO DOS SANTOS Teoria da pena 2005 p 2728 25 Ver SABADELL Manual de sociologia jurídica introdução a uma leitura externa do Direito 2002 p 6769 também DIMOULIS Manual de Introdução ao estudo do direito 2003 p 184 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 66 242012 162759 67 Capítulo 4 Interpretação da Lei Penal As fontes formais do Direito também são classificadas em dois grupos a as fontes escritas que compreendem a lei a jurisprudência e a doutrina b as fontes não escritas que compreendem os costumes os princípios gerais do direito e o poder negocial entre cidadãos26 O Direito Penal como sistema de normas constituídas de preceito e de sanção possui uma única e exclusiva fonte formal a lei penal nas dimensões características do princípio da legalidade como lex scripta proibição do costume lex praevia proibição de retroa tividade lex stricta proibição de analogia e lex certa proibição de indeterminação 26 Assim DIMOULIS Manual de Introdução ao estudo do direito 2003 p 184211 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 67 242012 162759 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 68 242012 162759 Segunda Parte teoria do Fato puNíVeL Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 69 242012 162759 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 70 242012 162759 71 Capítulo 5 Fato puNíVeL I Definições de crime A teoria do fato punível é o segmento principal da dogmática penal o sistema de conceitos construído para descrever o Direito Penal como setor do ordenamento jurídico que institui a política criminal rectius a política penal do Estado o programa oficial de retribuição e de prevenção da criminalidade Nesse sentido parece não haver contradição entre dogmática penal e política criminal que se comportam como as faces de uma só e mesma moeda integradas numa relação de recíproca complementação a dogmática penal é a sistematização de conceitos extraídos de um programa de política criminal formalizado em lei e todo programa legislado de política criminal depende de uma dogmática específica para racionalizar e disciplinar sua aplicação1 Uma teoria do fato punível deve começar pela definição de seu objeto de estudo o conceito de fato punível As definições de um conceito podem ter natureza real material formal ou operacional conforme mostrem a origem os efeitos a natureza ou os caracteres constitutivos da realidade conceituada2 1 Comparar ROXIN Strafrecht 1997 7 I n 1 p 145 e V ns 6970 p 174175 também GIMBERNAT ORDEIG Hat die Strafrechtsdogmatik eine Zukunft ZStW 82 1970 p 405 s 2 Ver SCHWENDINGER Defensores da ordem ou guardiães dos direitos humanos In Criminologia crítica de Ian Taylor Paul Walton e Jock Young editores 1980 p 144 tradução de Juarez Cirino dos Santos e Sérgio Tancredo Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 71 242012 162759 72 Teoria do Fato Punível Capítulo 5 Definições reais explicam a gênese da criminalidade importantes para delimitar o objeto da Criminologia hoje estudado conforme dois modelos diferentes a o modelo etiológico concebe a criminalidade como realidade ontológica préconstituída explicável por defeitos pessoais determinados por causas individuais teorias biológicas ge néticas instintivas etc ou por causas estruturais teorias sociológicas de desorganização social de aprendizagem multifatoriais etc b o modelo político concebe a criminalidade como criminalização mos trando o crime como fenômeno social criado pela lei penal o criminoso como sujeito estigmatizado pela Justiça criminal e a criminalidade como criminalização seletiva do oprimido nas sociedades fundadas na contradição capitaltrabalho assalariado Definições materiais mostram o fato punível como lesão do bem jurídico protegido no tipo legal por exemplo o homicídio como destruição da vida humana Definições formais mostram o fato punível como violação da norma legal ameaçada com pena por exemplo o homicídio como violação da norma não deves matar Definições operacionais mostram o fato punível como conceito analítico estruturado pelos componentes do tipo de injusto e da cul pabilidade por exemplo o homicídio como injusta produção da morte de alguém por um autor culpável A ciência do Direito Penal preocupase especialmente com defi nições operacionais de fato punível também denominadas definições analíticas do crime capazes de indicar os pressupostos de punibilidade das ações descritas na lei penal como crimes de funcionar como cri tério de racionalidade da jurisprudência criminal e acima de tudo de contribuir para a segurança jurídica do cidadão no Estado Democrático de Direito3 3 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 21 I 2 p 195 No Brasil ver FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 119 p 146147 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 72 242012 162759 73 Capítulo 5 Fato Punível A dogmática penal contemporânea trabalha com duas catego rias elementares do fato punível o tipo de injusto e a culpabilidade4 Essas categorias elementares concentram todos os elementos da definição analítica de fato punível mas a operacionalização da de finição analítica requer o desdobramento daquelas categorias gerais nas categorias mais simples que as constituem a o conceito de tipo de injusto constituído pela existência concreta de uma ação típica e antijurídica está na base da controvérsia entre os modelos bipartido e tripartido de crime b o conceito de culpabilidade alcançou um relativo consenso constituído de capacidade penal de conhecimento do injusto real ou potencial e de exigibilidade de comportamento diverso5 II Os sistemas de fato punível Na atualidade a literatura alemã está dividida entre o modelo bipartido e o modelo tripartido de crime no resto da Europa e na América Latina o modelo tripartido de fato punível é dominante 1 Modelo bipartido de crime O modelo bipartido de fato punível concebe o tipo de injusto como uma unidade conceitual formada pelo tipo legal e pela antijuridicidade que admitem operacionalização analítica separada mas não constituem categorias estruturais diferentes do fato punível o tipo legal é a descrição da lesão do bem jurídico e a 4 Assim por exemplo JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 39 I 1 p 194 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 5 III 1 n 23 p 46 5 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 39 I p 194195 ROXIN Strafrecht 1997 7 n 78 p 148 WESSELSBEUKE Strafrecht 1998 n 83 p 22 No Brasil FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 122 p 148151 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 105 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 73 242012 162759 74 Teoria do Fato Punível Capítulo 5 antijuridicidade é um juízo de valoração do comportamento descrito no tipo legal formando o conceito de tipo de injusto6 No mesmo sentido a teoria dos elementos negativos do tipo7 tipo legal e antijuridicidade são respectivamente as dimensões de descrição e de valoração do conceito de tipo global de injusto portanto as causas de justificação estariam separadas dos tipos legais apenas por motivos técnicos porque todo tipo de injusto deveria ser lido assim matar al guém exceto em legítima defesa em estado de necessidade etc A inclusão das justificações no tipo legal transforma os preceitos permissivos em elementos negativos do tipo de injusto enquanto o tipo legal descreve os elementos positivos do tipo de injusto8 um homicídio em legítima defesa seria uma ação atípica e não uma ação típica justificada9 Como se vê a teoria dos elementos negativos do tipo estrutura um sistema bi partido de fato punível o tipo de injusto e a culpabilidade O modelo bipartido de fato punível tem partidários de prestígio na dogmática moderna10 e parece lógico segundo vários argumentos o tipo legal apresenta cada vez mais elementos próprios da antijuri dicidade expressos em palavras como injusto irregular grave etc cuja ausência exclui o tipo por exemplo o caráter injusto do mal na ameaça além disso existem tipos legais que não admitem justifica 6 Ver OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 5o n 28 p 47 7 Concepção originária de ADOLF MERKEL Lehrbuch des deutschen Strafrechts 1889 p 82 8 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 14 p 231 No Brasil TAVARES Teoria do injusto penal 2000 p 165 s 9 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 5o n 24 p 46 10 ENGISCH Tatbestandsirrtum und Verbotsirrtum bei Rechtfertigungsgrunden ZStW 70 1958 p 56 ARTHUR KAUFMANN Tatbestand Rechtfertigungsgrunde und Irrtum JZ 1956 p 353 e 393 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 5 n 23 s p 46 s SCHUNEMANN Einfuhrung in das Strafrechtliche Systemdenken 1994 HERZBERG Erlaubnistatbestandsirrtum und Deliktsaufbau JA 1989 p 243 s No Brasil MACHADO Direito criminal parte geral 1987 p 119 REALE JR Instituições de direito penal parte geral 2002 p 139140 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 74 242012 162759 75 Capítulo 5 Fato Punível ção ou seja a realização do tipo determina a antijuridicidade por exemplo no estupro a tipicidade e a antijuridicidade se confundem11 os tipos legais de imprudência como lesão do dever de cuidado ou do risco permitido e de omissão de ação como lesão do dever de agir somente podem ser definidos com elementos da antijuridicidade 2 Modelo tripartido de crime O modelo tripartido de fato punível também admite os conceitos de tipo de injusto e de culpabilidade como categorias elementares do fato punível mas concebe o tipo de injusto como categoria formada por dois conceitos autônomos o tipo legal descrição de proibições abstratas e a antijuridicidade valoração ne gativa concreta excluída nas justificações de modo que a realização justificada de um tipo legal constitui ação típica justificada e não ação atípica O modelo tripartido de crime afirma que tipicidade e antijuri dicidade não se reduzem à tarefa de constituir o tipo de injusto mas realizam funções políticocriminais independentes com os seguintes argumentos o tipo legal descreve ações proibidas sob ameaça de pena e portanto representa realização técnica do princípio da legalidade a antijuridicidade define preceitos permissivos que excluem a contradição da ação típica com o ordenamento jurídico Mas a permissão concreta de realizar proibições abstratas não autoriza identificar ações atípicas com ações típicas justificadas matar alguém em legítima defesa não parece o mesmo que matar um inseto12 A validade do conceito de tipo de injusto como unidade superior compreensiva do tipo legal e da antijuridicidade não permite nivelar diferenças entre comportamentos justificados que devem ser suportados pela vítima e comportamen tos atípicos que podem variar desde ações insignificantes até ações antijurídicas13 11 HERZBERG Erlaubnistatbestandsirrtum und Deliktsaufbau JA 1989 p 245 12 Ver WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 14 I 1 p 81 13 ROXIN Strafrecht 1997 10 ns 1623 p 232236 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 75 242012 162759 76 Teoria do Fato Punível Capítulo 5 O sistema tripartido de fato punível ainda dominante na dog mática contemporânea14 define crime como ação típica antijurídica e culpável um conceito formado por um substantivo qualificado pelos atributos da adequação ao modelo legal da contradição aos preceitos proibitivos e permissivos e da reprovação de culpabilidade Na linha do sistema tripartido de fato punível a dogmática penal conhece três modelos sucessivos de fato punível o modelo clássico o modelo ne oclássico e o modelo finalista cujos traços essenciais podem ser assim enunciados 21 O modelo clássico de fato punível conhecido como modelo de LISZTBELINGRADBRUCH originário da filosofia naturalista do século 19 parece claro e simples a a ação é um movimento corporal causador de um resultado no mundo exterior b a tipicidade é a des crição objetiva do acontecimento15 c a antijuridicidade é a valoração de um acontecimento contrário às proibições e permissões do orde namento jurídico d a culpabilidade é um conceito psicológico sob as formas de dolo e imprudência que concentra todos os elementos subjetivos do fato punível16 22 O modelo neoclássico de fato punível é o produto da desintegração do modelo clássico de fato punível17 e de sua reorganização sistemática conforme novas concepções18 a a ação deixa de ser naturalista para 14 BAUMANNWEBERMITSCH Strafrecht 1995 16 n 14 25 BOCKELMANN VOLK Strafrecht 1987 10 DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch 1995 nota preliminar ao 13 n 8 JESCHEKWEIGEND Strafrecht 1996 25 I III p 244 s MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 24 I 2 p 333 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 16 s p 232 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 10 III p 52 s WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 129 p 38 No Brasil MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 106107 também ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 179189 p 390406 15 BELING Die Lehre vom Verbrechen 1906 p 178 s 16 LISZT Lehrbuch des Deutschen Strafrechts 1881 p 105 s 17 ROXIN Strafrecht 1997 7 III 145 p 151152 18 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 22 III p 204208 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 76 242012 162759 77 Capítulo 5 Fato Punível assumir significado valorativo redefinida como comportamento huma no voluntário19 b a tipicidade perde a natureza descritiva e livre de valor para admitir elementos normativos documento motivo torpe etc e subjetivos a intenção de apropriação no furto por exemplo20 c a antijuridicidade troca o significado formal de infração da norma jurídica pelo significado material de danosidade social admitindo graduação do injusto conforme a gravidade do interesse lesionado d a culpabilidade psicológica incorpora o significado normativo com reprovação do autor pela formação de vontade contrária ao dever se o comportamento proibido pode ser reprovado então pode ser atribuído à culpabilidade do autor21 23 O modelo finalista de fato punível desenvolvido por WELZEL na primeira metade do século 20 revolucionou todas as áreas do conceito de crime com base no seguinte princípio metodológico a ação é o conceito central do fato punível e a estrutura final da ação humana fundamenta as proibições e mandados das normas penais22 A ação humana é exercício de atividade final ou como objetivação da subjetividade realização do propósito o homem pode em certos limites por causa do saber causal controlar os acontecimentos e diri gir a ação para determinados fins conforme um plano23 A ação final compreende a proposição do fim a escolha dos meios de ação necessários 19 Assim MEZGER Moderne Wege der Strafrechtsdogmatik 1950 p 12 20 FISCHER Die Rechtswidrigkeit mit besonderer Berucksichtigung des Privatrechts 1911 p 138 HEGLER Die Merkmale des Verbrechens ZStW 36 1915 p 27 MEZGER Die subjektiven Unrechtselemente GS 89 1924 p 207 21 Nesse sentido FRANK Uber den Aufbau des Schuldbegriffs 1907 p 11 22 Ver ARTHUR KAUFMANN Die Ontologische Begrundung des Rechts 1965 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 22 V 1 p 210 No Brasil MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 112114 comparar também ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 198199 p 416419 23 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 p 33 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 77 242012 162759 78 Teoria do Fato Punível Capítulo 5 e a realização da ação no mundo real24 O conceito de ação final pro duziu as seguintes transformações no conceito de crime a introduziu o dolo e outros elementos subjetivos no tipo subjetivo dos delitos dolosos como vontade consciente de realização do fato b manteve a consciência do injusto como elemento central da culpabilidade que fundamenta a reprovação do autor pela formação defeituosa da von tade25 c instituiu nova disciplina do erro em correspondência com essas mudanças sistemáticas na área do tipo o erro de tipo excludente do dolo e por extensão excludente do tipo na área da culpabilidade o erro de proibição excludente ou redutor da reprovação de culpabi lidade26 d promoveu a subjetivação da antijuridicidade mediante a estruturação subjetiva e objetiva das justificações e reduziu a culpa bilidade a um conceito normativo como reprovação de um sujeito imputável pela realização não justificada de um tipo de crime com consciência do injusto real ou possível em situação de exigibilidade de comportamento diverso27 Complementarmente permitiu redefinir a omissão de ação como expectativa frustrada de ação28 e a imprudência como realização defeituosa de uma ação perigosa com lesão do dever de cuidado ou do risco permitido realizado no resultado de lesão do bem jurídico29 O modelo finalista de fato punível generalizouse na literatura e na jurisprudência contemporâneas com diferenças de detalhe que não afetam a estrutura do paradigma além de influenciar diretamente algumas legislações modernas como a reforma penal alemã 1975 e a nova parte geral do Código Penal brasileiro 1984 24 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 p 34 25 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 22 V 3 p 211212 26 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 22 V 3b p 212 27 Comparar ROXIN Strafrecht 1997 7 III 1720 p 152153 28 Ver ARMIN KAUFMANN Die Dogmatik der Unterlassungsdelikte 1959 p 92 s 29 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 22 V 4 p 212 MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 16 n 48 p 205 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 78 242012 162759 79 Capítulo 5 Fato Punível 3 O modelo de fato punível adotado O modelo de fato punível desenhado no texto é formado pelos conceitos de tipo de injusto e de culpabilidade cujos elementos constitutivos são assim distribuídos 31 O tipo de injusto compreende os seguintes elementos a a ação como realidade psicossomática do conceito de crime b a tipicidade como ação humana adequada ao tipo legal nas dimensões de 1 tipo objetivo constituído pela causação do resultado e pela imputação do resultado e de 2 tipo subjetivo formado pelas categorias do dolo e outros elementos subjetivos especiais e da imprudência c a anti juridicidade afirmada nas proibições e excluída nas permissões como categoria dogmática compreensiva das justificações estudadas nas dimensões correspondentes de situação justificante e de ação justificada subjetiva e objetiva 32 A culpabilidade como juízo de reprovação pela realização não justificada do tipo de injusto compreende 1 a imputabilidade excluída ou reduzida por menoridade e por doenças mentais 2 a consciência da antijuridicidade excluída ou reduzida em hipóteses de erro de proibição e 3 a exigibilidade de comportamento diverso excluída ou reduzida em situações de exculpação legais e supralegais 33 As categorias complementares de autoriaparticipação de ten tativaconsumação e de unidadepluralidade de fatos puníveis como desenvolvimentos da teoria do tipo são apresentadas em capítulos independentes Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 79 242012 162759 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 80 242012 162759 81 Capítulo 6 teoria da ação I Introdução A controvérsia sobre o conceito de ação continua intensa o cé lebre debate entre o modelo causal que define ação como modificação causal do mundo exterior e o modelo final que define ação como realização de atividade final dominou a primeira metade do século 20 na segunda metade do século o surgimento de outras definições de ação inviabilizou qualquer consenso sobre o tema o modelo social de ação uma espécie de tentativa de conciliação dos modelos causal e final define ação como comportamento humano socialmente relevante o modelo negativo de ação define ação como não evitação do compor tamento proibido o modelo pessoal de ação define ação como mani festação da personalidade humana Existem ainda outras definições de ação como o modelo lógicoanalítico que define ação como emprego de regras da experiência da lógica da linguagem etc1 e o modelo de ação intencional que define ação como atuação decisiva para o acon tecimento2 cujo interesse científico ainda restrito aos respectivos autores parece não exigir imediata tomada de posição Considerando que aqueles modelos estão vivos na literatura e na jurisprudência con temporâneas estruturando sistemas mais ou menos diferentes de fato punível é necessário descrever cada uma das definições do conceito de 1 Ver HRUSCHKA Strukturen der Zurechnung 1976 p 13 do mesmo Strafrecht nach logischanalytischer Methode 1988 2 KINDHÄUSER Intentionale Handlung 1980 p 202 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 81 242012 162800 82 Teoria do Fato Punível Capítulo 6 ação bem como mostrar a importância teórica e prática do conceito de ação para compreensão e aplicação do Direito Penal3 II Definições do conceito de ação 1 Modelo causal de ação O modelo causal de ação elaborado por LISZT BELING e RADBRUCH os fundadores do sistema clássico de fato punível uma construção teórica baseada nas categorias do mecanicismo do século 19 define ação como produção causal de um resultado no mundo exterior por um comportamento humano voluntário4 O modelo causal de ação possui estrutura objetiva a ação humana mutilada da vontade consciente do autor determinaria o resultado como uma forma sem conteúdo ou um fantasma sem sangue conforme expressão de BELING a voluntariedade da ação indica apenas ausência de coação física absoluta o resultado de modificação no mundo exterior é elemento do conceito de ação assim não existe ação sem resultado5 Como afirmaria mais tarde WELZEL a teoria causal da ação desconhece a função constitu tiva da vontade dirigente da ação e por isso transforma a ação 3 Para uma exposição crítica de alguns desses modelos ver TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 p 1330 4 LISZT Strafrecht 1891 p 128 5 Nesse sentido WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 III 2 p 3942 ROXIN Strafrecht 1997 8 n 1016 p 187189 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 82 242012 162800 83 Capítulo 6 Teoria da Ação em simples processo causal objetivo desencadeado por um ato de vontade qualquer6 O modelo causal de ação estrutura o sistema clássico de crime assim concebido a a dimensão objetiva da antijuridicidade típica é formada pelo processo causal exterior b a dimensão subjetiva da cul pabilidade é constituída pela relação psíquica do autor com o resultado sob as formas de dolo e imprudência Como se vê os elementos causais objetivos integram a antijuridicidade típica os elementos psíquicos subjetivos integram a culpabilidade7 O sistema clássico de crime desintegrase progressivamente a partir de descobertas científicas que revelam contradições metodo lógicas insanáveis a na teoria do tipo a necessidade do dolo para caracterizar a tentativa de qualquer crime doloso se presente na tentativa não pode desaparecer no fato consumado mostra que o tipo legal não pode conter somente elementos objetivos b na teoria da antijuridicidade a descoberta dos chamados elementos subjetivos do injusto hoje elementos subjetivos especiais como intenções tendências e atitudes especiais revela uma dimensão subjetiva no injusto então reservado exclusivamente aos elementos objetivos c na teoria da culpabilidade a ausência de relação psíquica do autor com o fato na imprudência inconsciente mostra uma falha no conceito psicológico de culpabilidade8 O sistema clássico de fato punível do modelo causal de ação evoluiu para o atual sistema neoclássico de fato punível9 um produto da reorganização teleológica do modelo causal de ação segundo fins 6 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 III 2 p 40 No Brasil ver a crítica de MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 111112 também ZAFFARONI PIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 203204 p 421427 7 Ver TAVARES Teorias do delito 1980 n 22 p 20 8 Ver WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 III 2 p 3940 9 ROXIN Strafrecht 1997 7 III 1415 p 1512 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 83 242012 162800 84 Teoria do Fato Punível Capítulo 6 e valores do Direito Penal10 a o conceito de ação deixa de ser apenas naturalista para ser também normativo redefinido como comporta mento humano voluntário11 b o tipo de injusto ou antijuridicidade típica perde a natureza livre de valor para incluir elementos normati vos como documento motivo torpe etc e elementos subjetivos como as intenções e tendências especiais de ação e até mesmo o dolo na tentativa12 c a culpabilidade estruturase como conceito psicológico normativo com a reprovação do autor pela formação de vontade contrária ao dever13 O sistema neoclássico de fato punível está presente em comen tários famosos da legislação penal como DREHERTRÖNDLE14 ou em autores modernos como NAUCKE15 por exemplo e na jurisprudência dominante dos tribunais alemães com resultados muito semelhantes aos demais modelos o que demonstra que não existem métodos certos ou errados apenas métodos melhores ou piores 10 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 22 III p 204208 No Brasil ver TAVARES Teorias do delito 1980 n 4245 p 4243 11 Assim MEZGER Moderne Wege der Strafrechtsdogmatik 1950 p 12 12 Na base dessas mudanças estão os trabalhos de FISCHER Die Rechtswidrigkeit mit besonderer Berucksichtigung des Privatrechts 1911 p 138 HEGLER Die Merkmale des Verbrechens ZStW 36 1915 p 27 MEZGER Die subjektiven Unrechtselemente GS 89 1924 p 207 13 Assim FRANK Uber den Aufbau des Schuldbegriffs 1907 p 11 No Brasil ver TAVARES Teorias do delito 1980 n 48 p 4546 14 DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch und Nebengesetze 1995 15 NAUCKE Strafrecht eine einfuhrung 2000 n 151161 p 258261 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 84 242012 162800 85 Capítulo 6 Teoria da Ação 2 Modelo final de ação O modelo final da ação desenvolvido por WELZEL com contribuições de MAURACH16 ARMIN KAUFMANN17 STRATENWERTH18 HIRSCH19 e outros surge como crítica ao modelo causal e define ação como realização de atividade final o saber causal adquirido pela experiência e preservado como ciência permite prever as consequências possíveis da ação propor diferentes fins e dirigir a atividade para realização do fim Assim na formulação clássica de WELZEL20 Ação humana é exercício de atividade final Ação é por isso acontecimento final não meramente causal A finalidade ou o sentido final da ação se baseia no poder humano de prever em determinados limites por força de seu saber causal os possíveis efeitos de sua atividade proporse diferentes fins e dirigir planificadamente sua atividade para realização destes fins Porque a finalidade se baseia na capacidade da vontade de prever em determinados limites as consequências da intervenção causal e através desta dirigila de modo planificado para a realização do fim a vontade cons ciente do fim que dirige o acontecer causal é a espinha dorsal da ação final 16 MAURACHZIPF Strafrecht I 1992 16 n 3842 p 201203 17 ARMIN KAUFMANN Zum Stand der Lehre vom Personalen Unrecht WelzelFS 1974 p 393 18 STRATENWERTH Strafrecht I 1981 n 140 19 HIRSCH Der Streit um Handlungs und Unrechtslehre ZStW 93 1981 p 831 20 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 I p 3334 No Brasil ver a excelente descrição do desenvolvimento do modelo final de ação em TAVARES Teorias do delito 1980 n 5764 p 5260 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 85 242012 162800 86 Teoria do Fato Punível Capítulo 6 O modelo final de ação parte da distinção entre fato natural e ação humana o fato natural é fenômeno determinado pela causalida de um produto mecânico de relações causais cegas a ação humana é acontecimento dirigido pela vontade consciente do fim21 Na ação humana a vontade é a energia produtora da ação enquanto a consci ência do fim é sua direção inteligente a finalidade dirige a causalidade para configurar o futuro conforme o plano do autor Na teoria de WELZEL a vontade consciente do fim é a espinha dorsal da ação22 enquanto o acontecimento causal é a resultante casual de componentes causais preexistentes A finalidade é por isso figurativamente falando vidente a causalidade cega23 A unidade subjetiva e objetiva da ação humana é o fundamento real da estrutura subjetiva e objetiva do tipo de injusto A homogenia entre teoria da ação substantivo e teoria da ação típica substantivo adjetivado é um dos méritos do modelo final de ação A dimensão subjetiva da ação ou projeto de realização cuja espinha dorsal é a vontade consciente do fim compreende 1 a proposição do fim como conteúdo principal da vontade consciente que unifica e estrutura a ação no tipo subjetivo constitui o dolo direto de primeiro grau 2 a seleção dos meios de ação para realizar o fim determinados regressivamente pela natureza do fim proposto no tipo subjetivo integram o dolo direto de segundo grau se configuram resultados típicos Como a utilização dos meios escolhidos pode determinar outros efeitos diversos do fim surge o problema da relação desses efeitos 21 Assim MAURACHZIPF 1992 Strafrecht I 16 n 41 p 202 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 I p 34 22 Ver WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 I p 34 MAURACHZIPF 1992 Strafrecht I 16 n 41 p 202 23 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 I p 33 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 86 242012 162800 87 Capítulo 6 Teoria da Ação colaterais ou secundários com a ação objetivamente em relação à natureza dos meios os efeitos colaterais podem ser necessários ou pos síveis subjetivamente em relação à vontade consciente do autor os efeitos colaterais podem ser a incluídos na vontade consciente b incluídos na consciência mas excluídos da vontade ou c excluídos da consciência e da vontade Assim a dimensão subjetiva da ação compreende secundariamente 3 a representação dos efeitos colaterais necessários ou possíveis ligados causalmente aos meios selecionados o autor pode dirigir a ação para incluir ou para excluir esses efeitos colaterais conforme as seguintes alternativas a os efeitos colaterais representados como necessários integram a vontade consciente do autor ainda que lastimados ou indesejados se o autor os representa como necessários e realiza a ação integram sua vontade consciente e portanto a ação no tipo subjetivo constituem o dolo direto de segundo grau b os efeitos colaterais representados como possíveis integram a consciência do autor mas dependem da atitude pessoal deste para integra rem a vontade b1 se o autor consente na produção dos efeitos colaterais representados como possíveis conformase ou concorda com eles então esses eventuais efeitos colaterais integram também a vontade do autor e por extensão a ação como acontecimento final no tipo subjetivo constituem dolo eventual b2 se o autor não consente na produção desses efeitos colaterais representados como possíveis não se conforma ou não concorda com eles ao contrário confia em sua não ocorrência ou espera honestamente poder evitálos pelo modo concreto de execução da ação então esses efeitos não integram a vontade do autor nem a ação como fenômeno estruturado pela finalidade podem ser atribuídos ao autor como imprudência consciente se existir o tipo respectivo Efeitos colaterais necessários ou possíveis não representados pelo sujeito não inte gram nenhuma vontade consciente do autor e assim estão excluídos da ação como realização do propósito podem ser atribuídos ao autor como imprudência inconsciente se existir o tipo respectivo Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 87 242012 162800 88 Teoria do Fato Punível Capítulo 6 A dimensão objetiva da ação ou realização do projeto representa sua materialização no mundo real a utilização dos meios selecionados para realizar o fim proposto com ou sem representação dos efeitos cola terais necessários ou possíveis24 constitui matéria do tipo objetivo A teoria final da ação contribuiu para identificar o fundamento psicossomático do conceito de crime a unidade subjetiva e objetiva da ação humana qualificada pelos atributos axiológicos do tipo de injusto e da culpabilidade como base real do conceito de fato punível Além disso a estrutura final da ação parece pressuposta na função atribuída às normas penais que se dirigem à vontade humana como proibições ou como determinações de ação a estrutura final da ação humana seria constitutiva para o Direito Penal cujas proibições ou mandados não se dirigem a processos causais cegos mas à vontade humana capaz de configurar o futuro25 A validade dessa tese é reconhecida por setores significativos da doutrina moderna MAURACHZIPF definem a estrutura final da ação humana como o componente antropológico da responsabilidade penal26 EBERT destaca a concordância entre o conceito final de ação e a função das normas penais como proibições e determinações de ação dirigidas à vontade humana acrescentando que a inclusão do conteúdo da vontade no conceito de ação permite compreender o seu significado como ação típica e como ação injusta27 Por último a crítica de que o modelo final cuja capacidade explicativa da ação dolosa é reconhecida teria dificuldades para explicar a ação imprudente e a omissão de ação28 parece incon sistente A ação imprudente é definível como execução defeituosa de ação permitida o defeito da ação reside no modo concreto de 24 Assim WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 I p 3435 25 Assim WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 II p 37 26 MAURACHZIPF 1992 Strafrecht I 16 n 48 p 205 27 EBERT Strafrecht 1994 p 223 28 Nesse sentido a crítica de JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 23 III 2b p 221 também ROXIN Strafrecht 1994 8 n 1825 p 185188 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 88 242012 162800 89 Capítulo 6 Teoria da Ação sua realização lesivo do dever de cuidado ou do risco permitido em ações socialmente perigosas porque o autor confia na evitação de consequências sociais indesejáveis ou simplesmente não pensa nelas29 A omissão de ação ao contrário da ação dolosa que não deveria ter sido realizada ou da ação imprudente que deveria ser realizada de outro modo deve ser pensada como ação mandada um acontecimento social construído pela finalidade de proteger bens jurídicos em situação de perigo a inexecução da ação mandada por um sujeito capaz de agir para impedir o resultado e proteger o bem jurídico caracteriza a omissão de ação Como se vê a teoria final da ação permite compreender as ações dolosas como execução de ações proibidas as ações imprudentes como execução defeituosa de ação permitida e a omissão de ação como inexecução de ação mandada dolosa ou imprudente30 3 Modelo social de ação O modelo social da ação fundado por EBERHARD SCHMIDT e desenvolvido por JESCHECK WESSELS e outros é uma posição de compromisso entre os modelos causal e final de ação e talvez por causa disso parece ser a mais difundida teoria da ação humana assim como apresenta os maiores problemas de definição de conceitos e de uniformização de linguagem Nesse sentido HAFT destaca as diversas 29 Ver MAURACHZIPF Strafrecht I 1992 16 n 4041 n 202 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 II p 3738 e 18 p 129 s No Brasil ver ZAFFARONI PIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 201 p 421 30 Ver WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 II p 38 No Brasil também assim CIRINO DOS SANTOS Teoria do Crime 1993 p 4142 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 113 ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 202 p 422 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 89 242012 162800 90 Teoria do Fato Punível Capítulo 6 definições do conceito social de ação ora apresentada como fenômeno social ora como comportamento humano socialmente relevante sem esclarecer em que consiste o fenômeno social ou a relevância social da ação31 Essa relativa imprecisão do conceito parece inevitável porque as teorias sociais da ação seriam teorias conciliadoras que não excluem mas incluem as teorias causal e final da ação32 Não é estranhável que as ênfases recaiam em polos diferentes desse conceito difuso com resultados às vezes divergentes como observa EBERT o modelo social da ação é uma moldura preenchível às vezes pelo conceito causal de ação como causação de resultados so cialmente relevantes e às vezes pelo conceito final de ação como fator formador de sentido da realidade social ambos incluídos no conceito social da ação33 Essa característica permanece em definições atuais com o acento sobre o componente final do conceito qualificado pela relevância social da ação como WESSELSBEULKE por exemplo a ação constitui comportamento socialmente relevante dominado ou dominável pela vontade humana um fator formador de sentido da realidade social com todos os seus aspectos pessoais finais causais e normativos34 JESCHECKWEIGEND mostram como o modelo social de ação surge da busca de um conceito unitário superior com preensivo da ação e da omissão de ação 31 TAVARES Teorias do delito 1980 n 100 p 92 já indicava os problemas do modelo 32 HAFT Strafrecht 1994 p 31 A teoria social da ação é hoje defendida por numerosos autores com ênfases diferenciadas pelas quais existem muitas definições parecidas geralmente não muito compreensíveis nas quais a ação por exemplo é definida como fenômeno social na sua produção de efeitos dentro da realidade social Eb Schmidt ou como comportamento humano socialmente relevante Jescheck pelas quais não se esclarece imediatamente o que se deve entender por fenômeno social ou por relevância social A coisa fica mais clara quando se compreende que as teorias sociais da ação são teorias conciliadoras que em conclusão não excluem mas incluem as teorias causal e final de ação Por este esforço de mediação resulta inevitável uma certa imprecisão de conceito 33 EBERT Strafrecht 1994 p 23 34 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 91 p 2425 e n 93 p 26 No Brasil TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 p 30 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 90 242012 162800 91 Capítulo 6 Teoria da Ação as formas em que se realiza o intercâmbio do homem com seu meio finalidade no atuar positivo e dirigibi lidade na omissão de ação não são unificáveis ao nível ontológico porque a omissão mesma não é final pois o emprego esperado da finalidade não existe nela Ação e omissão de ação podem contudo ser compreendidas em um conceito de ação unitário se conseguirmos encontrar um ponto de vista valorativo superior que unifique no âmbito normativo elementos não unificáveis no âmbito do ser Esta síntese deve ser procurada na relação do comportamento humano com seu meio Este é o sentido do conceito social de ação Ação é comportamento humano de relevância social 35 A relevância social introduzida como elemento valorativo superior para apreender ação e omissão de ação é um atributo axiológico do tipo de injusto responsável pela seleção de ações e de omissões de ação no tipo legal e não uma qualidade da ação Como afirma ROXIN o atributo de relevância social designa uma propriedade necessária para valorar o injusto porque existem ações socialmente relevantes e ações socialmente não relevantes ou seja a relevância social é uma proprie dade que a ação pode ter ou pode não ter e ausente essa propriedade não desaparece a ação mas somente sua significação social36 Não obstante juízos complacentes de que a imprecisão do mo delo social de ação deveria ser tolerada37 ou juízos críticos de que o modelo social de ação ainda não está definido como os modelos causal e final de ação38 alguns autores por exemplo EBERT são mais incisivos afirmando a existência de somente dois sistemas de fato 35 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 23 VI p 223 36 ROXIN Strafrecht 1997 8 n 32 p 196 No Brasil ver a crítica de ZAFFARONI PIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 206 p 429 37 Nesse sentido HAFT Strafrecht 1994 p 3233 38 Assim NAUCKE Strafrecht 1995 n 240 p 250 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 91 242012 162800 92 Teoria do Fato Punível Capítulo 6 punível o sistema causal e o sistema final porque o modelo social de ação não desenvolveu um sistema próprio vinculandose ora com o sistema causal ora com o sistema final39 Seja como for a única diferença entre os conceitos social e final de ação pelo menos em relação às definições de JESCHECKWEIGEND e de WESSELS BEULKE os mais prestigiados representantes da teoria social da ação na atualidade fica por conta daquela atribuída relevância social uma característica normativa incorporada como elemento superior unitário compreensivo da ação e da omissão de ação Na verdade não existe nenhuma razão científica para rejeitar o modelo social de ação que utiliza as mesmas categorias conceituais e adota os mesmos princípios metodológicos do modelo final de ação para construir o conceito de fato punível40 4 Modelo negativo de ação O modelo negativo de ação elaborado por HERZBERG41 BEHRENDT42 e outros cuja aplicação sistemática mais notável parece ser a obra de HARRO OTTO43 define o conceito de ação dentro da categoria do tipo de injusto rejeitando definições ontológicas ou préjurídicas como os modelos causal e final de ação Ação é a evitável não evitação do resultado na posição de garan tidor44 compreensível como omissão da contradireção mandada pelo 39 EBERT Strafrecht 1994 p 24 40 Ver por exemplo MAURACHZIPF Strafrecht I 1992 16 n 68 p 211 41 HERZBERG Die Unterlassung im Strafrecht und das Garantenprinzip 1972 42 BEHRENDT Die Unterlassung im Strafrecht 1979 43 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 IV n 3242 p 4851 44 HERZBERG Die Unterlassung im Strafrecht und das Garantenprinzip 1972 p 174 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 92 242012 162800 93 Capítulo 6 Teoria da Ação ordenamento jurídico45 em que o autor realiza o que não deve realizar ação ou não realiza o que deve realizar omissão de ação um re sultado é atribuível ao autor se o direito ordena sua evitação e o autor não o evita embora possa evitálo O fundamento do modelo negativo de ação é o princípio da evitabilidade do tipo de injusto definido no 13 do Código Penal alemão46 por um autor com o poder de evitar o tipo de injusto ou seja o autor tem o poder de influir sobre o curso causal concreto determinante do resultado mediante conduta dirigida pela vontade mas não evita o tipo de injusto47 A possibilidade de evitar o comportamento proibido constituiria o pressuposto da obrigatoriedade da norma penal independentemente de ser norma de proibição ou norma de comando48 ação e omissão de ação não seriam conceitos prétípicos elaborados por uma teoria pré jurídica ou ontológica da ação mas conceitos pertencentes ao tipo de injusto O ponto de partida do conceito negativo de ação portanto seria o exame da ação dentro do tipo de injusto para saber se o autor teria a possibilidade de influenciar o curso causal concreto conducente ao resultado mediante conduta dirigida pela vontade49 O modelo negativo de ação do ponto de vista teórico inverte o sinal da categoria positiva da ação substituída pela categoria negativa da omissão de ação a evitável não evitação do resultado do ponto de vista metodológico desloca a discussão de questões específicas do conceito préjurídico de ação para a categoria jurídica da ação típica concreta 45 BEHRENDT Die Unterlassung im Strafrecht 1979 p 143 46 13 Comissão por omissão Quem omite evitar um resultado que pertence ao tipo de uma lei penal somente é punível conforme esta lei se ele é juridicamente responsável pela não ocorrência do resultado e se a omissão corresponde à realização do tipo legal por um fazer 47 Ver OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 5 n 3940 p 50 48 Assim OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 5 n 39 p 50 49 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 5 n 40 p 50 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 93 242012 162800 94 Teoria do Fato Punível Capítulo 6 Essas inovações parecem criticáveis conceitualmente a existência da ação humana independe da existência do tipo de injusto metodolo gicamente é desaconselhável congestionar a área complexa do tipo de injusto com problemas ou questões de natureza extratípica Uma variante psicanalítica do modelo proposta por BEHRENDT50 relaciona o conceito da evitável não evitação do resultado com as mani festações da destrutividade humana que exprimem as pulsões instintivas do id sem o controle do superego Na verdade parece impróprio reduzir os conceitos fundamentais da Psicanálise aos limites funcionais do con ceito de ação ou de ação típica as categorias psicanalíticas contêm um potencial teóricoexplicativo de natureza criminológica que transcende os limites do conceito de ação ou de ação típica para tentar apreen der o sentido concreto das ações humanas na plenitude do significado incorporado por todos os atributos do conceito de crime Em conclusão o princípio da evitabilidade que fundamenta o con ceito negativo de ação integra todas as categorias do conceito de crime constituindo portanto um princípio geral de atribuição que não pode ser apresentado como característica específica do conceito de ação51 5 Modelo pessoal de ação O modelo pessoal de ação desenvolvido por ROXIN define ação como manifestação da personalidade um conceito capaz de abranger todo acontecimento atribuível ao centro de ação psíquicoespiritual do homem A definição de ação como manifestação da personalidade permitiria excluir todos os fenômenos somáticocorporais insuscetí 50 BEHRENDT Die Unterlassung im Strafrecht 1979 132 51 Ver a crítica de ROXIN Strafrecht 1997 8 n 40 p 200 Outros detalhes TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos Rio 1996 p 2326 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 94 242012 162800 95 Capítulo 6 Teoria da Ação veis de controle do ego e portanto não dominados ou não domináveis pela vontade humana força física absoluta convulsões movimentos reflexos etc não constituem manifestação da personalidade por outro lado exclui pensamentos e emoções encerrados na esfera psíquico espiritual do ser humano porque não representam manifestação da personalidade52 A ação como manifestação da personalidade constitui a mais geral definição do conceito de ação capaz de apreender todas as ob jetivações da personalidade como diz ARTHUR KAUFMANN53 mas parece excluir o traço humano específico que distingue a ação de qualquer fenômeno natural ou social a realização do propósito Em outras palavras a manifestação da personalidade como mera relação entre pensamentosemoções e acontecimentos exteriores parece ne gligenciar a natureza constitutiva dos atos psíquicos para a estrutura da ação humana conhecimento já incorporado à teoria científica da ação Além disso os limites incertos ou difusos do conceito de per sonalidade54 não permitem atribuir todos os fenômenos definíveis como suas manifestações ao controle do ego a instância perceptiva consciente que controla o comportamento conforme exigências do superego porque pulsões instintuais reprimidas do id podem assaltar o ego sob a forma de obsessões fobias e mesmo atos falhos ou sin tomáticos que são manifestações da personalidade independentes de controle do ego e indiferentes às conveniências do superego55 na dinâmica das relações entre os segmentos do aparelho psíquico que constituem a personalidade humana56 Em suma nem a persona 52 ROXIN Strafrecht 1997 8 n 44 p 202 No Brasil ver TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 p 2729 53 ARTHUR KAUFMANN Die ontologische Struktur der Handlung Skizze einer personalen Handlugnslehre H MayerFS 1966 p 79 54 Ver EYSENCK Crime and Personality 1977 p 19 55 Nesse sentido FREUD Inibições sintomas e ansiedade 1976 IMAGO v XX p 95200 56 Ver FREUD O Ego e o Id 1976 IMAGO v XIX p 2383 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 95 242012 162800 96 Teoria do Fato Punível Capítulo 6 lidade cujas manifestações constituem ação se reduz ao ego nem todas as manifestações atribuíveis à personalidade estão sob controle do ego a instância de governo psíquicoespiritual do homem57 como afirma ROXIN Não obstante é necessário reconhecer a simplicidade da definição de ação como manifestação da personalidade bem como a capacidade dessa definição para executar as funções atribuídas ao conceito de ação no âmbito do conceito de fato punível III Funções do conceito de ação O conceito de ação realiza no sistema de fato punível funções teóricas metodológicas e práticas de unificação de fundamentação e de delimitação das ações humanas que não podem ser cumpridas pelas categorias do conceito de crime58 1 A função teórica de unificação pretende compreender a ação e a omissão de ação dolosa e imprudente como espécies de comporta mentos humanos Em geral o conceito de conduta é empregado como gênero de ação e de omissão de ação mas esse conceito superior cuja busca engendrou o conceito social de ação por exemplo parece des necessário a ação realizada ou omitida é o núcleo positivo ou negativo de todos os tipos de crimes dolosos e imprudentes e portanto cons titui o objeto material exclusivo da pesquisa jurídicopenal De fato a pesquisa no processo penal não tem por objeto verificar a existência do gênero conduta mas a realização de uma ação proibida ou a omissão de uma ação mandada dolosa ou imprudente 57 ROXIN Strafrecht 1997 8 III 1 n 44 p 202 58 Assim JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 23 I 2 p 219 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 96 242012 162800 97 Capítulo 6 Teoria da Ação 2 A função metodológica de fundamentação consiste em configurar a base psicossomática real do conceito de crime como unidade subjetiva e objetiva qualificável pelos atributos de tipo de injusto objeto de reprovação e de culpabilidade juízo de reprovação a ação represen ta a substância capaz de portar os predicados do conceito analítico de crime como tipo de injusto realizado por um sujeito culpável Assim a teoria da ação é a chave para compreender a teoria do fato punível como ação dolosa ou imprudente proibida ou mandada descrita sob as formas positiva ou negativa do tipo legal 3 A função prática de delimitação consiste em identificar as ob jetivações da subjetividade humana que realizam o conceito de ação fenômeno exclusivo de pessoas naturais independente de idade ou saúde mental59 excluindo acontecimentos fenômenos movimentos ou comportamentos que não apresentam os caracteres desse conceito 31 As hipóteses que não atingem o status de ação conhecidas como ausência de ação na literatura são as seguintes a acontecimentos da natureza tais como terremotos inunda ções tempestades desabamentos raios etc b ataques de animais ferozes que podem contudo ser usados como instrumentos de agressão c atos de pessoas jurídicas somente as pessoas naturais como órgãos representativos das pessoas jurídicas podem realizar ações d pensamentos atitudes e emoções como atos psíquicos sem objetivação e movimentos do corpo como massa mecânica sem controle estados de inconsciência como desmaios delírios ou convulsões epi lépticas a mãe sufoca ou lesiona o filho na amamentação ao sofrer 59 Ver WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 94 p 2627 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 97 242012 162801 98 Teoria do Fato Punível Capítulo 6 desmaio ou convulsão epiléptica movimentos sob força física absoluta A empurra B sobre uma vitrine quebrandoa mas não sob força compulsiva que não exclui a ação B quebra a vitrine sob ameaça séria de agressão de A 32 Os movimentos reflexos as ações automatizadas as reações ins tintivas de afeto e as ações sob hipnose podem ser controvertidas a Movimentos reflexos motorista protege com a mão olho atingido por inseto em curva de rodovia perde o controle do veículo e pro duz acidente Ação segundo a teoria pessoal de ação movimento de proteção dirigido a finalidade psiquicamente intermediada constitui manifestação da personalidade60 ausência de ação conforme a teoria final da ação movimentos reflexos desencadeados por estímulos sen soriais ou fisiológicos a partir do sistema nervoso periférico em geral incorporados filogeneticamente como reações motoras de defesa ou autoproteção sem o concurso da vontade consciente do autor não constituem ação b Ações automatizadas ou de curtocircuito motorista de automóvel em velocidade de 90kmh vê animal do tamanho de cachorro 10 a 15 metros à frente do veículo gira o volante bate na proteção lateral de cimento e passageiro morre Disposições automatizadas aprendidas constituem ação independente de sua utilidade ou dano61 c Reações instintivas de afeto em movimento compulsivo vendedor beija e morde seios de mulher súbita e involuntariamente expostos próximos à sua boca durante ajuste de medidas de vestido na loja A satisfação de impulsos instintivos de afeto constitui ação segundo qualquer dos modelos d Ações sob hipnose cumprindo sugestão hipnótica hipnotizado realiza fato definido como crime A teoria dominante admite ação porque o 60 ROXIN Strafrecht 1997 8 n 66 p 211212 61 ROXIN Strafrecht 1997 8 n 67 p 212 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 98 242012 162801 99 Capítulo 6 Teoria da Ação hipnotizado não pode realizar ações reprovadas pela censura pessoal62 mas um segmento respeitável fala em ausência de ação63 A questão da hipnose pode ser esclarecida por FREUD iniciado na arte da su gestão hipnótica por JEANMARIE CHARCOT que descobriu as causas psicológicas de muitos distúrbios psíquicos e influenciado por HIPPOLYTE BERNHEIM cujas experiências sobre sugestão pós hipnótica lhe inspiraram a idéia de um inconsciente responsável pela maioria das ações humanas Na situação de hipnose o hipnotizado não tem consciência do mundo exterior apenas ouve e vê o hipnotizador acredita em suas palavras e obedece seus comandos de modo aluci nado Uma pessoa saudável pode ser induzida a ver o que não existe uma cobra ou a não ver o que existe uma pessoa a sentir o cheiro de uma rosa imaginária ou a morder uma batata indicada como pera mas existem limites uma jovem decente não será induzida a despirse em público assim como um cidadão educado não realiza a sugestão de furtar coisas A explicação é simples o ego do hipnotizado pode estar sob o poder alheio mas o superego continua ativo no papel de censura sobre as ações do ego sob a forma de resistências psíquicas contra ações censuráveis64 IV Conclusão Considerando as funções teóricas metodológicas e práticas do conceito de ação definido causalmente como causação de resultado exterior por comportamento humano voluntário finalisticamente 62 Assim MAURACHZIPF Strafrecht 1992 16 n 19 p 195 também ROXIN Strafrecht 1997 8 n 71 p 214 63 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 98 p 27 64 Ver FREUD Psichische Behandlung 1905 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 99 242012 162801 100 Teoria do Fato Punível Capítulo 6 como realização de atividade final socialmente como comportamento social relevante dominado ou dominável pela vontade negativamente como evitável não evitação do resultado na posição de garantidor e pessoalmente como manifestação da personalidade é possível concluir que a definição capaz de identificar o traço mais específico e ao mes mo tempo a característica mais geral da ação humana parece ser a definição do modelo final de ação A definição de ação como atividade dirigida pelo fim nobre ou abjeto altruísta ou egoísta legal ou criminoso destaca o traço que diferencia a ação de todos os demais fenômenos humanos ou naturais e permite delimitar a base real capaz de incorporar os atributos axioló gicos do conceito de crime como ação tipicamente injusta e culpável Ao contrário a exclusão da finalidade como propósito consciente que unifica os movimentos particulares em um conjunto significativo destrói a especificidade da ação como fenômeno exclusivamente hu mano Os critérios da causalidade da relevância social da evitável não evitação ou da manifestação da personalidade não parecem possuir o poder definidor próprio do critério da finalidade que permite integrar qualquer sequência de atos isolados na unidade psicossomática da ação humana A causalidade é uma lei geral da natureza a relevância social pode existir ou não existir na ação a evitável não evitação é um nó conceitual e a manifestação da personalidade parece transcender os limites do ego como personalidade consciente para incluir fenômenos do id e do superego dimensões inconscientes da personalidade cujas manifestações definem conflitos psíquicos incontroláveis Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 100 242012 162801 101 Capítulo 7 teoria do tipo I Conceito e funções do tipo O conceito de tipo introduzido por BELING na dogmática penal1 pode ser definido de três diferentes pontos de vista a como tipo legal constitui a descrição do comportamento proibido com to das suas características subjetivas objetivas descritivas e normativas realizada na parte especial do CP b como tipo de injusto compreende a realização não justificada do tipo legal com a presença dos elemen tos positivos descrição da conduta proibida e ausência dos elementos negativos justificações do tipo de injusto c como tipo de garantia realiza as funções políticocriminais atribuídas ao princípio da legali dade expresso na fórmula nullum crimen nulla poena sine lege e ao princípio da culpabilidade expresso na fórmula nullum crimen sine culpa compreendendo também as condições objetivas de punibili dade e os pressupostos processuais2 1 BELING Die Lehre von Verbrechen 1906 2 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 5 n 20 p 45 ROXIN Strafrecht 1997 10 I n 1 s p 225 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 117 p 35 No Brasil ver ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 210220 p 445447 TAVARES Teoria do injusto penal 2002 p 172 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 101 242012 162801 102 Teoria do Fato Punível Capítulo 7 II Desenvolvimento do conceito de tipo O conceito de tipo no sentido de Tatbestand situação de fato do modelo causal do século 19 é definido por BELING como ob jetivo e livre de valor objetivo porque todos os elementos subjetivos integrariam a culpabilidade livre de valor porque a tipicidade seria neutra e toda valoração legal pertenceria à antijuridicidade3 A descoberta de elementos subjetivos por FISCHER4 MAYER5 e outros mostra que o tipo de injusto pode depender do psiquismo do autor como se comprovou nos elementos subjetivos das justificações e depois no próprio tipo legal a intenção de apropriação nos crimes patrimoniais ou a tendência lasciva nos crimes sexuais6 Com o advento da teoria final da ação preparada por WEBER7 e GRAF ZU DOHNA8 e desenvolvida plenamente por WELZEL9 completase a subjetivação do conceito de tipo a vontade consciente de realizar os elementos objetivos do fato é retirada da culpabilidade para integrar a dimensão subjetiva do tipo legal como dolo de tipo Assim generalizase o modelo de compreensão dos tipos legais nas correspondentes dimensões sub jetiva e objetiva sob as designações simplificadas de tipo subjetivo e de tipo objetivo 3 BELING Die Lehre von Verbrechen 1906 p 112 e 147 No Brasil ver MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 118119 também ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 227229 p 452456 4 FISCHER Die Rechtswidrigkeit mit besonderer Berucksichtigung des Privatrechts 1911 5 M E MAYER Strafrecht 1915 p 185188 6 Assim ROXIN Strafrecht 1997 10 n 8 p 228 7 WEBER Zum Aufbau des Strafrechtssystems 1935 8 GRAF ZU DOHNA Der Aufbau de Verbrechenslehre 1936 9 WELZEL Das neue Bild des Strafrechtssystems 1961 4ª edição No Brasil ver MESTI ERI Manual de Direito Penal I 1999 p 119 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 102 242012 162801 103 Capítulo 7 Teoria do Tipo A identificação de elementos normativos no tipo legal por MAYER10 por exemplo o caráter alheio da coisa no furto desca racteriza a neutralidade do tipo livre de valor de BELING Os ele mentos normativos do tipo legal são elementos da antijuridicidade que integram a tipicidade porque devem constituir objeto do dolo11 e podem ser objeto do erro de tipo em conjunto com os elementos descritivos Os elementos normativos do tipo legal são numerosos conforme demonstrou WOLF12 mesmo supostos puros conceitos descritivos como homem ou coisa são também conceitos normativos porque exigem uma valoração jurídica orientada para a antijuridicidade por exemplo a extensão do conceito de coisa em relação aos animais e à energia assim como o juízo sobre a existência já ou ainda de um ser humano como objetos de proteção do Direito Penal não podem ser reduzidos a elementos meramente descritivos13 O tipo legal é uma complexa estrutura de elementos pertencentes às categorias neokan tianas do ser e do valor conforme demonstrou MEZGER14 O ato de criação legislativa do tipo contém imediatamente a declaração de antijuridicidade a fundamentação do injusto como injusto especialmente tipificado O legislador cria através da formação do tipo a antijuridicidade específica a tipicidade da ação não é de modo algum a mera ratio cognoscendi mas a própria ratio essendi da especial antijuridicidade A tipicidade transforma a ação em ação antijurídica sem dúvida não por si só mas em vinculação com a ausência de fundamentos especiais excludentes do injusto 10 M E MAYER Strafrecht 1915 p 182185 11 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 10 p 229 12 WOLF Die Typen der Tatbestandsmässigkeit 1931 p 5661 13 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 11 p 229 14 MEZGER Vom Sinn der strafrechtlichen Tatbestände 1926 p 187 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 103 242012 162801 104 Teoria do Fato Punível Capítulo 7 A concepção do tipo como ratio essendi da antijuridicidade e não simples ratio cognoscendi predominante na literatura brasileira é muito difundida na ciência moderna do Direito Penal e está vinculada à teoria dos elementos negativos do tipo bem como à discussão da autonomia da tipicidade em relação à antijuridicidade com as resultantes concepções bipartida e tripartida do sistema de fato punível15 A teoria dos elementos negativos do tipo unifica o tipo legal e a antijuridicidade como descrição e valoração da ação humana realizada ou omitida no conceito de tipo de injusto o tipo legal descreve as características positivas do tipo de injusto enquanto os preceitos permissivos constituem características negativas do tipo de injusto separadas dos tipos legais por motivos técnicos afinal seria impraticável ler o tipo de injusto desse modo matar alguém exceto em legítima defesa em estado de necessidade etc III Adequação social e exclusão de tipicidade A teoria da adequação social formulada por WELZEL exprime o pensamento de que ações realizadas no contexto da ordem social histó rica da vida16 são ações socialmente adequadas e portanto atípicas ainda que correspondam à descrição do tipo legal 15 Comparar ROXIN Strafrecht 1997 10 n 12 p 230 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 5 n 23 p 46 No Brasil apenas para exemplificar BRANDÃO Introdução ao Direito Penal 2002 p 115 entende que a tipicidade por ser portadora de uma valoração inicial conduz à antijuridicidade sendo o meio através do qual ela pode ser conhecida sua ratio cognoscendi também MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 119 admite apenas a função de ratio cognoscendi da tipicidade em relação à antijuridicidade Em posição contrária MACHADO Direito criminal parte geral 1987 p 9091 considera o tipo ratio essendi da antijuridicidade conforme a teoria dos elementos negativos do tipo igualmente REALE JR Instituições de Direito Penal parte geral 2002 v 1 p 139140 considera que o tipo não é apenas a ratio cognoscendi da antijuridicidade mas a sua ratio essendi 16 WELZEL Das Deutsches Strafrecht 1969 10 p 56 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 104 242012 162801 105 Capítulo 7 Teoria do Tipo As lesões corporais ou homicídios compreendidos nos limites do dever de cuidado ou do risco permitido na circulação de veícu los no funcionamento de indústrias ou na prática de esportes por exemplo não preenchem nenhum tipo legal de lesão por força de sua adequação social Igualmente ações abrangidas pelo princípio da insignificância Geringfugigkeitsprinzip não são típicas a entrega de pequenos presentes de final de ano a empregados em serviços públicos de coleta de lixo ou de correios em face de sua generalizada aprovação não constituem corrupção jogos de azar com pequenas perdas ou ganhos não são puníveis manifestações injuriosas ou difamatórias no âmbito familiar são atípicas17 Se o tipo legal des creve injustos penais então evidentemente não pode incluir ações socialmente adequadas A opinião dominante compreende a adequação social como hipótese de exclusão de tipicidade18 mas existem setores que a consideram como justificante19 como exculpante20 ou como prin cípio geral de interpretação da lei penal21 Sem dúvida a adequação social é um princípio geral que orienta a criação e a interpretação da lei penal mas sua atribuição à antijuridicidade pressupõe a ultrapassada concepção do tipo livre de valor e sua compreensão como exculpante pressupõe uma inaceitável identificação entre a adequação social de determinadas ações e a natureza proibida do injusto22 17 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 40 p 243 No Brasil comparar MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 138139 18 JESCHECKWEINGEND Strafrecht 25 IV p 251 s MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 17 n 23 p 222 HAFT Strafrecht 1994 p 53 19 SCHMIDHÄUSER Lehrbuch 1975 p 926 20 ROEDER Die Einhaltung des sozialadäquaten Risikos 1969 21 HIRSCH Soziale Adäquanz und Unrechtslehre ZStW 74 1962 DÖLLING Die Behandlung der Körperverletzung im Sport im System der Strafrechtlichen Sozialkontrole STsW 96 1984 p 55 22 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 36 p 241 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 105 242012 162801 106 Teoria do Fato Punível Capítulo 7 IV Elementos constitutivos do tipo legal elementos objetivos subjetivos descritivos e normativos O tipo de conduta proibida constitui uma unidade subjetiva e objetiva de elementos descritivos e normativos O estudo do tipo legal como tipo objetivo e tipo subjetivo integrado por componentes descritivos e normativos hoje generalizado na ciência do Direito Pe nal parece uma necessidade metodológica determinada por relações de congruência subjetiva e objetiva como dolo e erro de tipo por exemplo É importante saber que os elementos constitutivos do tipo se entrecruzam elementos objetivos podem ser descritivos coisa ou normativos alheia elementos subjetivos também podem ser descri tivos o dolo ou normativos a intenção de apropriação na expressão para si ou para outrem do furto Em alguns tipos legais as dimensões subjetiva e objetiva estão entrelaçadas assim o artifício ardil ou fraude no estelionato art 171 referem acontecimentos externos impensáveis sem a consciência interna do engano23 por outro lado elementos descritivos possuem também componentes normativos porque dependentes de valorações jurídicas o mencionado conceito de coisa por exemplo V Modalidades de tipos Além da organização dos tipos legais pela natureza do bem ju rídico protegido assim o Código Penal os tipos legais podem ser classificados conforme outros critérios 23 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 53 p 250 No Brasil ver BRANDÃO Introdução ao Direito Penal 2002 p 112117 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 106 242012 162801 107 Capítulo 7 Teoria do Tipo 1 Tipos de resultado e de simples atividade Segundo a relação entre ação e resultado os tipos podem ser assim classificados a tipos de resultado com separação espaçotemporal entre ação e resultado ligados por relação de causalidade homicídio furto estelionato etc uma categoria especial de tipos de resultado é formada pelos tipos qualificados pelo resultado hoje claramente inconstitucionais em que a realização de um tipobase lesão corporal simples roubo etc produz de modo causal resultados especialmente graves como a morte da vítima art 129 3º e art 157 3º b tipos de simples ati vidade em que a realização da ação não produz resultado independente a violação de domicílio art 150 o falso testemunho art 342 etc A distinção possui interesse prático porque relação de causalidade entre ação e resultado somente existe nos tipos de resultado não nos tipos de simples atividade24 2 Tipos simples e compostos Segundo a quantidade de bens jurí dicos protegidos os tipos podem ser simples e compostos a os tipos simples protegem apenas um bem jurídico como o homicídio vida a lesão corporal integridade ou saúde corporal o dano patrimônio etc b os tipos compostos protegem mais de um bem jurídico como o roubo a extorsão mediante sequestro etc que protegem o patrimônio e a liberdade individual assim como a integridade corporal e a vida nas modalidades qualificadas pelo resultado art 157 3º e 159 2º e 3º25 3 Tipos de lesão e de perigo Segundo o tipo descreva uma lesão do objeto de proteção ou um perigo para a integridade do objeto de proteção distinguese entre tipos de lesão e tipos de perigo a os tipos de lesão a maioria dos tipos legais caracterizamse pela lesão real do objeto da ação como o homicídio a lesão corporal etc b os tipos 24 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 4 n 810 p 40 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 102104 p 274 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 2224 p 7 25 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 125 p 282 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 107 242012 162801 108 Teoria do Fato Punível Capítulo 7 de perigo descrevem somente a produção de um perigo para o objeto de proteção distinguindose por sua vez em tipos de perigo concreto e tipos de perigo abstrato Os tipos de perigo concreto exigem a efetiva produção de peri go para o objeto de proteção de modo que a ausência de lesão do bem jurídico pareça meramente acidental como o perigo de con tágio venéreo art 130 o perigo para a vida ou a saúde de outrem art 132 o incêndio art 250 a explosão art 251 etc Segundo SCHUNEMANN o perigo concreto caracterizase pela ausência casual do resultado e a casualidade representa circunstância em cuja ocorrência não se pode confiar26 Os tipos de perigo abstrato presumem o perigo para o objeto de proteção ou seja independem da produção real de perigo para o bem jurídico protegido como o abandono de incapaz art 133 a difusão de doença ou praga art 259 etc27 Hoje afirmase a inconstitucio nalidade dos tipos de perigo abstrato GRAUL28 rejeita a presun ção de perigo dos crimes de perigo abstrato SCHRÖDER29 propôs admitir a prova da ausência de perigo CRAMER30 pretendeu redefinir o perigo abstrato como probabilidade de perigo concreto até JAKOBS31 afirmou a ilegitimidade da incriminação em áreas adjacentes à lesão do bem jurídico Em outra posição destacando a potencial proteção de bens jurídicos dos tipos de perigo abstrato aparentemente indissociáveis de políticas comprometidas com o equilíbrio ecológico o controle 26 SCHUNEMANN Moderne Tendenzen in der Dogmatik der Fahrlässigkeits und Gefährdungsdelikte JA 1975 p 793 s 27 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 122123 p 281 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 2530 p 7 28 GRAUL Abstrakte Gefährdungsdelikte und Präsumtionen im Strafrecht 1991 29 SCHRÖDER Die Gefährdungsdelikte im Strafrecht ZStW 81 1969 p 14 s 30 CRAMER Der Vollrauschtatbestand als abstraktes Gefährdungsdelikt 1962 p 67 s 31 JAKOBS Kriminalisierung im Vorfeld einer Rechtsgutsverletzung ZStW 97 1985 p 751 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 108 242012 162801 109 Capítulo 7 Teoria do Tipo das atividades econômicas HORN e BREHM32 propõem fundar a punibilidade do perigo abstrato na contrariedade ao dever como um perigo de resultado e não como um resultado de perigo e FRISCH33 pretende compreender os deli tos de perigo abstrato como delitos de aptidão Eignungs delikte fundado na aptidão concreta ex ante da conduta para produzir a consequência lesiva 4 Tipos instantâneos ou de estado e permanentes ou duráveis Segundo a conclusão imediata ou a manutenção temporal da situação típica os tipos podem ser instantâneos ou de estado e permanentes ou duráveis a os tipos instantâneos completamse com a produção de determinados estados como o homicídio art 121 a lesão corporal art 129 o dano art 163 b os tipos permanentes caracterizamse pela extensão no tempo da situação típica criada conforme a vontade do autor como o sequestro ou cárcere privado art 148 a violação de domicílio art 150 em que a consumação já ocorre com a re alização da ação típica mas permanece em estado de consumação enquanto dura a invasão da área protegida pelo tipo legal A distinção tem interesse prático nos tipos permanentes é possível a coautoria e a participação por cumplicidade após a consumação porque o tipo não está ainda terminado ou exaurido também durante a realização de um tipo permanente podem ser realizados tipos instantâneos em concurso material como por exemplo estupro da vítima do sequestro ou da violação de domicílio34 5 Tipos gerais especiais e de mão própria Segundo o círculo de autores os tipos classificamse em gerais e especiais a os tipos gerais podem ser realizados por qualquer pessoa como homicídio lesão corporal furto b os tipos especiais somente podem ser realizados 32 HORN Konkrete Gefährdungsdelikte 1973 p 28 s BREHM Zur Dogmatik des abstrakten Gefährdungsdelikts 1973 p 126 s 33 FRISCH An den Grenzen des Strafrechts StreeWesselsFS 1993 p 69 34 ROXIN Strafrecht 1997 n 106107 p 275 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 3133 p 8 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 109 242012 162801 110 Teoria do Fato Punível Capítulo 7 por sujeitos portadores de qualidades descritas ou pressupostas no tipo legal como a qualificação de funcionário público no peculato art 312 na concussão art 316 na corrupção passiva art 317 etc Complementarmente distinguemse os tipos especiais em pró prios e impróprios a tipo especial próprio se a qualidade especial do autor fundamenta a punibilidade os crimes do funcionário público contra a administração em geral b tipo especial impróprio se a qualidade especial do autor apenas agrava a punibilidade a qualidade de funcionário público na falsificação de documento público ou na falsidade ideológica35 Finalmente existem alguns tipos chamados de mão própria porque somente podem ser realizados por autoria direta como o falso testemunho art 342 e portanto constituem exceção à regra de que todos os tipos penais podem ser realizados por autoria direta ou mediata36 6 Tipo básico variações do tipo básico e tipos independentes Segundo descreva os pressupostos mínimos de punibilidade ou contenha detalhes qualificadores ou atenuadores do tipo de injusto os tipos podem ser assim agrupados a tipo básico que representa a forma fundamental do tipo de injusto lesão corporal furto etc b tipo privilegiado ou qualificado conforme indique caracteres liga dos ao modo de execução ao emprego de certos meios às relações entre autor e vítima ou a circunstâncias de tempo ou de lugar que atenuam ou agravam a punibilidade do fato por exemplo homicídio privilegiado ou qualificado em relação ao homicídio simples porque essas variações típicas constituem lex specialis em relação ao tipo bási co excluído como norma geral Em caso de existência simultânea de formas qualificadas e privilegiadas prevalecem as formas privilegiadas homicídio por motivo de relevante valor social ou moral art 121 35 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 4 n 1920 p 41 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 129130 p 283 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 3940 p 9 36 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 4 n 21 p 41 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 40 p 9 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 110 242012 162801 111 Capítulo 7 Teoria do Tipo 1º realizado com emprego de veneno art 121 2º37 Enfim os tipos independentes também chamados delictum sui generis possuem seu próprio conteúdo típico o roubo art 157 em relação ao furto art 155 e ao constrangimento ilegal art 146 contém as caracte rísticas desses últimos dois tipos mas pela combinação dessas caracte rísticas constitui um tipo legal independente também o infanticídio art 123 em relação ao homicídio art 12138 7 Tipos de ação e de omissão de ação Segundo as formas básicas do comportamento humano os tipos podem ser de ação ou de omissão de ação a os tipos de ação correspondem a comportamentos ativos descritos em forma positiva no tipo legal como o furto art 155 o estupro art 213 b os tipos de omissão de ação correspondem a com portamentos passivos que podem se apresentar como omissão própria ou como omissão imprópria b1 a omissão própria é descrita de forma negativa no tipo legal e caracterizase pela simples omissão da ação mandada que infringe o dever jurídico de agir como a omissão de socorro art 135 ou a omissão de notificação de doença art 269 b2 a omissão imprópria ou comissão por omissão constitui o reverso dos tipos de ação e caracterizase pela atribuição do resultado típico a sujeitos em posição de garantidor do bem jurídico que com infração do dever jurídico de agir omitem a ação mandada para impedir o resultado como o pai que podendo salvar o filho que caiu na piscina conscientemente não impede sua morte por afogamento39 8 Tipos dolosos e imprudentes Segundo a natureza do elemento subjetivo a ação e a omissão de ação podem ser classificadas em dolo sas e imprudentes a as ações e omissões dolosas são produzidas pela vontade consciente do autor b as ações e omissões imprudentes são 37 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 1312 p 284 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 107109 p 31 38 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 134 p 285 39 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 4 ns 37 p 39 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 34 s p 89 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 111 242012 162801 112 Teoria do Fato Punível Capítulo 7 produzidas pela lesão do dever de cuidado ou do risco permitido Essa classificação permite sistematizar os tipos legais em estruturas típicas compreensivas de todos os tipos de crimes a o tipo de injusto doloso de ação b o tipo de injusto imprudente c o tipo de injusto de omissão de ação doloso e imprudente Neste livro o estudo das estruturas típicas fundamentais do Direito Penal brasileiro segue esse sistema de classificação Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 112 242012 162802 113 Capítulo 8 o tipo de iNjuSto doLoSo de ação I Introdução Os crimes dolosos representam o segmento principal da cri minalidade compreendem a violência pessoal patrimonial e sexual e a fraude em geral que exprimem a imagem estereotipada de crime da psicologia social as formas de comportamentos imprudentes e omissivos não impressionam o sentimento popular e afinal são pu nidos por exceção O tipo de injusto doloso é estudado nas categorias de tipo ob jetivo e de tipo subjetivo introduzidas pelo finalismo na estrutura do fato punível Do ponto de vista da gênese da ação típica esse estudo deveria começar pelo tipo subjetivo porque o dolo representa a energia psíquica produtora da ação incriminada portanto o tipo subjetivo precede funcional e logicamente o tipo objetivo Contudo porque o crime manifesta sua existência como realidade objetivada cuja con figuração concreta é o ponto de partida da pesquisa empírica do fato criminoso o tipo objetivo constitui a base do processo analítico de reconstrução do conceito de crime1 1 Ver JAKOBS Strafrecht 1993 71 p 183 também WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 63 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 113 242012 162802 114 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 II Tipo objetivo Nos tipos dolosos de resultado a atribuição do tipo objetivo pressupõe dois momentos essenciais a causação do resultado explicada pela lógica da determinação causal e a imputação do resultado funda da no critério da realização do risco No tipo objetivo a reconstrução analítica tem por objeto o seguinte primeiro determinar a relação de causalidade entre ação e resultado segundo definir o resultado como realização do risco criado pelo autor portanto imputável ao autor como obra dele2 Nos tipos dolosos de simples atividade como a violação de domicílio por exemplo a tarefa de atribuição do tipo objetivo exaurese na subsunção da ação no tipo legal não existe re sultado exterior determinado pela causalidade Hoje não parece possível confundir questões de causalidade e questões de imputação do resultado a distinção entre causação do resultado processos naturais de determinação causal e imputação do resultado processos valorativos de atribuição típica está incorporada ao sistema conceitual da dogmática penal contemporânea A imputação do resultado fundada no critério da realização do risco segue os postu lados da teoria da elevação do risco Risikoerhöhungslehre de ROXIN3 cada vez mais difundida na moderna literatura jurídicopenal como critério de atribuição do tipo objetivo4 2 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 1 p 291 JAKOBS Strafrecht 1993 74b p 185 3 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 39136 p 310 s do mesmo Gedanken zur Problematik der Zurechnung im Strafrecht HonigFS 1970 Pflichtwidrigkeit und Erfolg bei fahrlässigen Delikten ZStW 74 1962 4 Ver entre outros BURGSTALLER Das Fahrlässigkeitsdelikt im Strafrecht 1974 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 6 p 52 s RUDOLPHI Vorhersehbarkeit und Schutzzweck der Norm in der strafrechtlichen Fahrlässigkeitslehre JuS 1969 SCHUNEMANN Moderne Tendenzen in der Dogmatik der Fahrlässigkeits und Gefährdungsdelikte JA 1975 STRATENWERTH Bemerkungen zum Prinzip der Risikoerhöhung GallasFS 1973 WOLTER Objektive und personale Zurechnung von Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 114 242012 162802 115 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação 1 Causação do resultado O conceito de causalidade foi abalado pela física quântica ao demonstrar que a emissão de elétrons no interior do átomo não é determinada por leis causais mas por leis estatísticas de natureza pro babilística pondo em xeque o conhecimento científico sobre relações de causa e efeito dos fenômenos naturais assim como a concepção filosófica kantiana pela qual a causalidade não seria mera determinação empírica do ser mas categoria apriorística do pensamento5 Todavia a controvérsia sobre leis causais ou probabilísticas da física nuclear não parece reduzir o poder explicativo do conceito de causalidade como categoria filosófica e científica necessária para compreender os fatos da vida diária6 No Direito Penal a teoria da equivalência das condições é o principal método para determinar relações causais mas um segmento da literatura adota a teoria da adequação ambas a seguir descritas 11 Teoria da equivalência das condições 111 Conceitos centrais A teoria da equivalência das condições7 dominante na literatura e jurisprudência contemporâneas pode ser reduzida a dois conceitos centrais a todas as condições determinantes Verhalten Gefahr und Verletzung in einem funktionalen Straftatssystem 1981 FRISCH Tatbestandsmässiges Verhalten und Zurechnung des Erfolgs 1988 no Brasil TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 p 5759 5 Ver a monografia clássica de WERNER HEISENBERG Quantentheorie und Philosophie 1979 p 6364 também TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 p 1518 6 Instrutivo ROXIN Strafrecht 1997 11 n 3 p 292 7 Fundada por JULIUS GLASER Abhandlungen aus dem Österreichischen Strafrecht 1858 e desenvolvida por MAXIMILIAN VON BURI Uber Causalität und deren Verantwortung 1873 No Brasil ver a excelente exposição de TAVARES Teoria do injusto penal 2002 p 256268 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 115 242012 162802 116 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 de um resultado são necessárias por isso são equivalentes no processo causal b causa é a condição que não pode ser excluída hipoteticamente sem excluir o resultado8 ou seja causa é a conditio sine qua non do resultado ou a condição sem a qual o resultado não pode existir se A entregou a B o veneno para matar C então as ações de A e de B são causas da morte de C em fatos dolosos se um motorista embriagado dirige na contramão e provoca uma colisão a ingestão de álcool deve ser definida como causa do acidente pois excluída mentalmente essa condição o motorista teria dirigido na correta mão de direção e o acidente não teria ocorrido em fatos imprudentes 112 Críticas ao método A teoria da equivalência das condições sofreu críticas contundentes mas sobreviveu a todas Primeiro o critério da exclusão hipotética seria excessivo produzindo um regresso ao infinito no exemplo referido também seriam definíveis como causas do acidente a vítima o fabricante e o comerciante do veneno os pais dos protagonistas etc porque excluídas essas condições o resultado tam bém seria excluído9 Segundo o método conduziria a erro em situações de causalidades hipotéticas ou de causalidades alternativas conforme exemplos históricos a em causalidades hipotéticas o argumento de médicos acusados da morte de doentes mentais em cumprimento de ordens superiores do regime nazista de que na hipótese de recusa pessoal de cumprir tais ordens outros médicos as teriam cumprido do mesmo modo conduziria a conclusões absurdas excluída a ação dos médicos acusados o resultado permaneceria igual pela ação hipotética dos médicos substitutos logo o comportamento daqueles não seria causa do resultado por outro lado como a ação hipotética dos mé dicos substitutos não teria sido causa de nenhum resultado a morte das vítimas teria sido sem causa b em causalidades alternativas se A e B adicionam independentemente um do outro doses igualmente 8 Ver por todos KUHL Strafrecht 1997 4 n 9 p 25 9 Mais detalhes ROXIN Strafrecht 1997 11 n 5 p 293 No Brasil ver TAVARES Teoria do injusto penal 2002 p 23 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 116 242012 162802 117 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação mortais de veneno na bebida de C o resultado não desaparece com a exclusão alternativa daquelas ações as doses individuais de veneno teriam eficácia real e isoladamente determinariam o resultado10 Terceiro a teoria seria inútil para pesquisa da causalidade porque pressupõe precisamente o que deveria demonstrar para saber por exemplo se o calmante Contergan ou Talidomida tomado durante a gravidez teria causado deformações no feto seria inútil excluir hi poteticamente a ingestão do medicamento e perguntar se o resultado então desapareceria para responder essa pergunta seria preciso saber se o medicamento é causador de deformações no feto e se já existe esse conhecimento a pergunta seria ociosa assim a fórmula da ex clusão hipotética parece pressupor o que somente através dela deveria ser pesquisado11 113 Refutação das críticas A crítica de ser excessiva originando um regresso ao infinito ou de ser insuficiente no caso das causalidades hipotéticas foram refutadas por SPENDEL12 e por WELZEL13 ao mostrarem que a teoria trabalha somente com condições concretamente realizadas14 nunca com hipóteses o resultado aparece como produto concreto de condições reais e não de condições hipotéticas possíveis ou prováveis que não são ações reais nem integram processos históricos concretos seja como for a alteração de qualquer condição implicaria mudança do resultado concreto que jamais seria igual como observa SCHLUCHTER15 sobre o exemplo de ENGISCH B utilizaria a arma 10 Ver ROXIN Strafrecht 1997 11 n 12 p 296 11 OXIN Strafrecht 1997 11 n 11 p 295296 que na área da causalidade trabalha com a teoria da equivalência TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 p 5354 12 SPENDEL Die Kausalitätsformel des Bedingungstheorie fur die Handlungsdelikte 1948 p 38 13 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 9 p 44 14 SPENDEL Die Kausalitätsformel des Bedingungstheorie fur die Handlungsdelikte 1948 p 38 15 SCHLUCHTER Grundfälle zur Lehre von der Kausalität 1976 p 518 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 117 242012 162802 118 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 de A se não tivesse utilizado a arma fornecida por C para agredir D Por outro lado a fórmula aperfeiçoada da teoria resolve o problema das causalidades alternativas como demonstrou também WELZEL16 se o resultado não desaparece com a exclusão alternativa mas desaparece com a exclusão cumulativa das condições então ambas as condições são causas do resultado Finalmente a crítica de ser inútil para pesquisa da causalidade é equivocada para demonstrar se determinado fator pode ser considerado causa concreta de um resultado é indispensável prévio conhecimento abstrato da eficácia causal geral desse fator de terminado pressuposto lógico da fórmula de pesquisa causal da teoria da equivalência que não se confunde com pesquisa de propriedades físicas ou químicas de elementos naturais 114 O critério na lei penal brasileira Na lei penal brasileira a fórmula da exclusão hipotética da condição para determinar a relação de causalidade embora critérios científicos não devam ser fixados na lei está inscrita no art 13 CP Art 13 O resultado de que depende a existência do crime somente é imputável a quem lhe deu causa Considerase causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido A moderna distinção entre causação do resultado e imputação do resultado correspondente aos processos de determinação causal e de imputação pessoal do resultado além de ajudar a resolver velhos problemas da teoria da equivalência das condições é inteiramente compatível com a legislação brasileira observados os seguintes princípios 1 O resultado é o produto real de todos os fatores que o constituem no limite a ação do médico que protela a morte inevitável do paciente é condição do resultado de morte deste porque influi na existência real 16 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 9 p 45 No Brasil ver TAVARES Teoria do injusto penal 2000 p 211212 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 118 242012 162802 119 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação do acontecimento concreto mas como a causalidade não é o único critério de atribuição do resultado a mera relação de causalidade não permite atribuir o resultado de morte ao médico17 2 A relação de causalidade somente é interrompida por curso causal posterior absolutamente independente que produz diretamente o re sultado anulando ou destruindo os efeitos do curso causal anterior antes de qualquer ação do veneno colocado por A na comida de B este morre em acidente de trânsito ao sair do restaurante ou varado pelo projétil disparado pela arma de C Essa independência do novo curso causal deve ser absoluta não basta independência relativa se o acidente ocorre por causa do malestar produzido pela ação do veneno então a ação de A é fator constitutivo do resultado concreto e desse modo causa do resultado Essa consequência decorre da separação entre cau sação e imputação do resultado que permite admitir sem necessidade de disfarces ou razões artificiosas relações causais realmente existentes como é o caso das hipóteses da chamada independência relativa deixando a questão da atribuição do resultado para ser decidida por outros critérios18 É importante notar que a lei brasileira considera a independência relativa do novo curso causal como excludente da imputação do resultado e não como excludente da relação de cau salidade admitindo portanto a moderna distinção entre causação e imputação do resultado Art 13 1º A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando por si só produziu o resultado os fatos anteriores entretanto imputamse a quem os praticou 3 Se a imputação do resultado depende da definição como realização do risco criado então podese reconhecer relação de causalidade nas seguintes hipóteses 17 Para uma análise abrangente ROXIN Strafrecht 1997 11 n 20 p 301 18 Instrutivo ROXIN Strafrecht 1997 11 n 29 p 305 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 119 242012 162802 120 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 a por encadeamentos anormais ou incomuns de condições 1 A fere B que morre no hospital por causa da anestesia de erro médico ou intoxicado pela fumaça de incêndio no hospital 2 A dá um murro em B que morre ao bater a cabeça fortuitamente contra o meiofio do passeio 3 A produz pequeno ferimento em B que morre por efeito de condição preexistente hemofilia ou posterior gangrena negligência da vítima19 b por ações dolosas ou imprudentes de terceiros entre a ação e o resul tado 1 se o marido mata a mulher com veneno entregue pela amante a ação dolosa daquele não interrompe a relação de causalidade entre a ação da amante e a morte da esposa mesmo que aquela desconheça a finalidade do veneno 2 se o hóspede entrega ao camareiro casaco com revólver no bolso e este mata o colega de serviço ao pressionar por brincadeira o gatilho da arma em direção deste a ação imprudente do camareiro não interrompe a relação de causalidade entre a ação do hóspede e a morte da vítima20 c por mediação do psiquismo de outrem entre ação e resultado como indicam as hipóteses de instigação ou de lesão patrimonial fraudulenta por erro da vítima independentemente do ponto de vista sobre determinação ou liberdade dos atos psíquicos a possibilidade de outra decisão que poderia ter existido mas que não existiu não exclui a causalidade porque a decisão concreta é sempre motivada por este ou por aquele fator21 Essa reformulação da teoria da equivalência das condições à luz da distinção entre causação e imputação do resultado conduz na prática a soluções semelhantes às da teoria seguida em texto anterior22 mas sob nova linguagem e com argumentos mais convincentes 19 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 26 p 303304 20 Mais exemplos ROXIN Strafrecht 1997 11 n 2728 p 304 21 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 30 p 305 22 Ver por exemplo CIRINO DOS SANTOS Teoria do Crime 1993 p 3132 que resolve esses problemas no âmbito do dolo como é próprio do finalismo Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 120 242012 162802 121 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação 12 Teoria da adequação A teoria da adequação23 considera causa a conduta adequada para produzir o resultado típico excluindo condutas que pro duzem o resultado por acidente A condição adequada eleva a possibilidade de produção do resultado segundo uma prognose objetiva posterior do ponto de vista de um observador inteligen te colocado antes do fato com os conhecimentos gerais de um homem informado pertencente ao círculo social do autor além dos conhecimentos especiais deste persuadir alguém a uma via gem de avião que cai no mar pela explosão de uma bomba não constitui condição adequada para a morte da vítima porque um observador inteligente consideraria esse evento antes da viagem como inteiramente improvável exceto se tivesse conhecimento da existência da bomba24 Contudo se causa é condição adequada para produzir o re sultado típico então a teoria da adequação pretenderia resolver simultaneamente questões de causalidade e questões de imputa ção afinal identificar a causa adequada para o resultado típico é também identificar o fundamento da atribuição do resultado ao autor como obra dele Como nota ROXIN25 a teoria da adequação seria mais do que uma teoria da causalidade mas não constitui ainda uma teoria da imputação típica 23 Fundada por JOHANNES VON KRIES Die Prinzipien der Warscheinlichkeitsrechnung 1886 muito influente no Direito Civil no Direito Penal seguida por autores importantes como ENGISCH Die Kausalität als Merkmal der strafrechtlichen Tatbestände e MAURACHZIPF Strafrecht 1992 18 p 240263 24 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 3435 p 308309 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 169 p 52 25 Mais detalhes em ROXIN Strafrecht 1997 11 n 3638 p 309310 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 121 242012 162802 122 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 2 Imputação objetiva do resultado A imputação do resultado constitui juízo de valoração realizado em dois níveis segundo critérios distintos primeiro a atribuição ob jetiva do resultado conforme o critério da realização do risco segundo a atribuição subjetiva do resultado conforme o critério da realização do plano especialmente relevante em relação aos desvios causais26 cf Atribuição subjetiva em desvios causais adiante A imputação objetiva do resultado consiste na atribuição do resul tado de lesão do bem jurídico ao autor como obra dele A imputação do resultado pressupõe a criação de risco para o bem jurídico pela ação do autor b realização do risco criado pelo autor no resultado de lesão do bem jurídico Em regra a relação de causalidade entre ação e resultado representa realização do risco criado pela ação do autor e constitui fun damento suficiente para atribuir o resultado ao autor como obra dele mesmo na hipótese de desvios causais que ampliam o risco de lesão do bem jurídico a a vítima é lançada do alto da ponte para se afogar nas águas do rio mas já morre ao esfacelar a cabeça no pilar da ponte b a vítima não morre por efeito dos disparos de arma de fogo mas por infecção determinada pela assepsia inadequada dos ferimentos Nessas hipóteses o resultado não é um produto acidental mas a realização normal do perigo criado pelo autor e portanto obra dele27 A imputação do resultado como realização de risco criado pelo autor tem a sua contrapartida teórica se a ação do autor não cria risco do resultado ou se o risco criado pelo autor não se realiza no resultado então o resultado não pode ser imputado ao autor 26 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 6 p 365366 e 12 n 144145 p 434435 JAKOBS Strafrecht 1993 74a p 184 No Brasil TAVARES Teoria do injusto penal 2002 p 252254 27 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 63 p 321322 No Brasil ver TAVARES Teoria do injusto penal 2002 p 279 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 122 242012 162802 123 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação 21 A ação não cria risco do resultado A hipótese de ausência de risco do resultado abrange as situações em que a ação do autor não cria risco do resultado ou reduz o risco preexistente de resultado assim exemplificadas a A convence B a passear na praia deserta durante tempestade na esperança de que um raio o fulmine a casual ocorrência do resultado não é definível como risco criado pelo autor porque acontecimentos casuais estão fora de controle humano portanto o resultado não é atribuível ao autor como obra dele embora causalmente relacionado à sua ação b B consegue desviar da cabeça para o ombro de A viga que despenca da parede de uma construção a ação do autor reduz o preexistente risco para a vítima portanto o resultado também não pode ser atribuído ao autor como obra dele embora causalmente relacionado à sua ação Segundo a literatura situações de redução de risco também podem ser resolvidas no âmbito da antijuridicidade justificadas pelo estado de necessidade ou pelo consentimento presu mido do ofendido mas esse procedimento pressupõe definir como típicas ações que melhoram a situação do bem jurídico protegido o que parece impróprio Hipóteses de redução do risco nos limites entre exclusão da atribuição típica e ação justificada aparecem nas situações de substituição de um perigo por outro menos danoso para a vítima o bombeiro lança a criança da janela superior da casa em chamas ferindoa gravemente mas salvandoa de morte certa pelo fogo28 28 Mais detalhes ROXIN Strafrecht 1997 11 n 4748 p 314315 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 123 242012 162803 124 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 22 O risco criado pela ação não se realiza no resultado Se a ação do autor cria risco do resultado mas o risco criado não se realiza no resultado então o resultado concreto não pode ser imputado ao autor embora exista relação de causalidade entre ação e resultado A literatura distingue duas situações principais a o resultado é produto de determinação diferente se A fere B com dolo de homicídio que morre em incêndio no hospital após bem sucedida intervenção cirúrgica então o resultado não pode ser atri buído ao autor como obra dele porque o risco criado pela ação não se realizou no resultado afinal como diz ROXIN a hipótese contrária indicaria que o ferimento da vítima teria aumentado o risco de morte em incêndio o que seria absurdo29 b o resultado é produto de substituição de um risco por outro ou seja um risco posterior substitui ou desloca o risco anterior 1 a vítima ferida pelo autor com dolo de homicídio morre com o crâ nio esmagado no célebre acidente de trânsito da ambulância que o transporta para o hospital 2 a vítima ferida com dolo de homicídio morre por erro médico na cirurgia hemorragia por incisão inadvertida de artéria administração de medicamento contraindicado parada cardíaca determinada pela anestesia etc em casos de erro médico é preciso distinguir a se o resultado é produto exclusivo do risco poste rior então é atribuído ao autor do risco posterior o responsável pela falha médica por exemplo b se o resultado é produto combinado de ambos os riscos as lesões da vítima e a falha médica então pode ser atribuído aos respectivos autores embora sob rubricas diversas dolo e imprudência30 Finalmente hipóteses de contribuição da vítima para o resultado são assim resolvidas pela teoria a se o resultado é realização exclusiva 29 ROXIN Strafrecht 1997 11 ns 3942 p 310312 e n 60 p 320 30 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 113 p 348 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 124 242012 162803 125 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação de risco criado pela vítima então é atribuível somente à vítima por exemplo resultado produzido pela troca despercebida de medicamen to b se o resultado é produto do desenvolvimento do risco criado pelo autor gangrena do ferimento por exemplo então é atribuível ao autor exceto em caso de conduta inteiramente irresponsável da vítima no caso da gangrena se a vítima recusa socorro médico apesar da evidência dos sintomas31 Na hipótese de resultado não definível como realização do risco criado pelo autor subsiste a responsabilidade penal por tentativa do resultado III Tipo subjetivo O elemento subjetivo geral dos tipos dolosos é o dolo a energia psí quica produtora da ação incriminada32 que normalmente preenche todo o tipo subjetivo às vezes aparecem ao lado do dolo elementos subjetivos especiais sob a forma de intenções ou de tendências especiais ou de atitudes pessoais necessárias para precisar a imagem do crime ou para qualificar ou privilegiar certas formas básicas de comportamentos criminosos que também integram o tipo subjetivo33 O estudo do tipo subjetivo dos crimes dolosos tem por objeto o dolo elemento subjetivo geral e as intenções tendências ou atitudes pessoais elementos subjetivos especiais existentes em conjunto com o dolo em determinados delitos 31 ROXIN Strafrecht 1997 11 ns 115117 p 349 32 MAURACHZIPF Strafrecht I 1992 n 51 p 317 33 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 30 IIII p 316321 MAURACHZIPF Strafrecht 1992 22 ns 5156 p 317319 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 7780 também CIRINO DOS SANTOS Teoria do Crime 1993 p 23 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 125 242012 162803 126 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 1 Dolo O dolo é a vontade consciente de realizar um crime ou mais tecnicamente a vontade consciente de realizar o tipo objetivo de um crime também definível como saber e querer em relação às circuns tâncias de fato do tipo legal Assim o dolo é composto de um elemento intelectual consciência ou representação psíquica e de um elemento volitivo vontade ou energia psíquica como fatores formadores da ação típica dolosa34 a Elemento intelectual O componente intelectual do dolo consiste no conhecimento atual das circunstâncias de fato do tipo objetivo como representação ou percepção real da ação típica não basta conhecimento potencial ou capaz de ser atualizado mas também não se exige um conhecimento refletido no sentido de conhecimento verbalizado35 Esse elemento intelectual do dolo pode ser deduzido da regra sobre o erro de tipo se o erro sobre os elementos objetivos do tipo legal exclui o dolo então o conhecimento das circunstâncias objetivas do tipo legal integra o dolo36 O conhecimento atual das circunstâncias de fato do tipo objetivo deve abranger os elementos presentes a vítima a coisa o documento etc e futuros o curso causal e o resultado do tipo objetivo A delimitação do objeto do conhecimento portanto do alcance do dolo requer alguns esclarecimentos a os elementos descritivos do tipo legal homem coisa etc existentes como realida des concretas perceptíveis pelos sentidos devem ser representados na forma de sua existência natural b os elementos normativos do tipo 34 Ver como representantes da teoria dominante JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 II 2 p 293 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 4 p 364 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 64 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 203 p 64 35 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 111 p 418 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 65 36 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 II 2 p 293 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 126 242012 162803 127 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação legal coisa alheia documento etc existentes como conceitos jurí dicos empregados pelo legislador devem ser representados conforme seu significado comum segundo uma valoração paralela ao nível do leigo e não no sentido da definição jurídica respectiva porque então somente juristas seriam capazes de dolo37 b Elemento volitivo O componente volitivo do dolo indicado na definição legal de crime doloso art 18 I CP consiste na vontade informada pelo conhecimento atual de realizar o tipo objetivo de um crime O verbo querer é um verbo auxiliar que necessita de um verbo principal para explicitar seu conteúdo querer matar ferir estuprar etc portanto o componente volitivo do dolo definese como que rer realizar o tipo objetivo de um crime38 A vontade definida como querer realizar o tipo objetivo de um crime deve apresentar duas características para constituir elemento do dolo a a vontade deve ser incondicionada como decisão de ação já definida se A pega uma arma sem saber se fere ou ameaça B não há ainda vontade de ferir ou de ameaçar um ser humano b a vontade deve ser capaz de influenciar o acontecimento real permitindo definir o resultado típico como obra do autor e não como mera esperança ou desejo deste se A envia B à floresta durante a formação de uma tempestade na esperança de que um raio o fulmine não existe vontade como elemento do dolo ainda que de fato B seja fulminado por um raio porque o acontecimento concreto situase além do poder de influência do autor39 A vontade definida formalmente como decisão incondicionada de realizar a ação típica representada pode ser concebida materialmente como projeção de energia psíquica dirigida à lesão de bens jurídicos protegidos no tipo legal 37 MEZGER Strafrecht 1949 p 328 também JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 II 3 p 295 MAURACHZIPF Strafrecht 1992 22 n 49 38 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 66 39 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 66 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 127 242012 162803 128 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 11 Espécies de dolo A lei penal brasileira define duas espécies de dolo dolo direto e dolo eventual art 18 I CP A definição legal de categorias científicas é inconveniente pelo risco de fixar conceitos em definições defeituosas ou superadas como é o caso da lei penal brasileira nem o dolo direto é definível pela expressão querer o resultado porque existem resultados que o agente não quer ou mesmo lamenta atribuíveis como dolo di reto nem a fórmula de assumir o risco de produzir o resultado parece adequada para definir o dolo eventual Art 18 Dizse o crime I doloso quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzilo Para começar a moderna teoria penal distingue três espécies de dolo a o dolus directus de 1º grau b o dolus directus de 2º grau c o dolus eventualis40 Em linhas gerais o dolo direto de 1o grau tem por objeto o que o autor quer realizar o dolo direto de 2o grau abrange as consequências típicas representadas como certas ou necessárias pelo autor o dolo eventual compreende as consequências típicas representadas como possíveis por um autor que consente em sua produção41 40 Nesse sentido JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III p 297304 JAKOBS Strafrecht 1993 81532 p 266278 MAURACHZIPF Strafrecht 1992 22 n 2340 ROXIN Strafrecht 1997 12 ns 120 p 366371 STRATENWERTH Strafrecht 1981 n 250 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 6768 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 ns 210230 p 6671 41 Ver por todos ROXIN Strafrecht 1997 12 n 2 p 364 No Brasil alguns autores como JESUS Direito Penal I 1999 p 286 e MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 143 distinguem por um lado dolo direto ou indeterminado e por outro lado dolo indireto ou indeterminado uma nomenclatura que pode engendrar equívocos porque o dolo mesmo como dolo eventual ou como dolo alternativo é sempre determinado no dolo eventual o autor aceita ou se conforma com a produção Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 128 242012 162803 129 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação Essa tríplice configuração do dolo constitui avanço da ciência do Direito Penal porque agrupa diferentes conteúdos da consciência e da vontade em distintas categorias dogmáticas conforme variações de intensidade dos elementos intelectual e volitivo do dolo portanto de comprometimento subjetivo do autor com o tipo de crime respectivo42 O fundamento metodológico dessa sistematização do dolo parece ser o modelo final de ação cuja estrutura destaca a base real daquelas categorias dogmáticas a proposição do fim como vontade consciente que dirige a ação a escolha dos meios para realizar o fim como fatores causais necessários determinados pelo fim e os efeitos secundários representados como necessários ou como possíveis em face dos meios empregados ou do fim proposto eis o substrato real das categorias do dolo direto de 1º grau dolo direto de 2º grau e dolo eventual Conceitos científicos incorporados na lei devem ser interpretados conforme o progresso da ciência o dolo direto indicado na expressão querer o resultado compreende as categorias de dolo direto de 1º grau e de dolo direto de 2º grau relevantes para aplicação da pena o dolo eventual indicado na fórmula assumir o risco de produzir o resultado pode ser interpretado no sentido de consentir na ou aceitar a produção do resultado típico representado como possível43 de determinado resultado representado como possível no dolo alternativo ambos os resultados representados pela consciência do autor são determinados apenas sua produção é alternativa ou seja reciprocamente excludente ver dolo eventual e também dolo alternativo adiante 42 Sobre a teoria da ação ver WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 p 33 s e 13 p 65 s 43 Nesse sentido também ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 265 p 502 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 129 242012 162803 130 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 a dolo direto de 1º grau O dolo direto de 1º grau tem por conteúdo o fim proposto pelo autor44 também definido como pretensão dirigida ao fim ou ao re sultado típico45 ou como pretensão de realizar a ação ou o resultado típico46 O fim constituído pela ação ou resultado típico pode ser re presentado pelo autor como certo ou como possível47 desde que exista uma chance mínima de produzilo48 excluídos resultados meramente acidentais existe dolo em disparar arma de fogo para matar alguém a grande distância mas dentro do alcance da arma não existe dolo em convencer alguém a passear na tempestade na esperança de vir a ser fulminado por um raio O fim ou resultado típico pode indiferentemente constituir o motivo da ação o fim último desta ou apenas um fim intermediário como meio para outros fins49 embora essas situações sejam conceitual mente distintas alguém ateia fogo na própria casa fim intermediário ou meio para outros fins para receber o valor do seguro fim último e desse modo resguardar a credibilidade financeira e evitar boatos de insolvência motivo50 44 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 67 45 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 7 p 366 46 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 n 1 p 297 47 Nesse sentido JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 n 1 p 297 ROXIN Strafrecht 1997 12 ns 78 p 366367 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 67 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 211 p 66 48 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 67 49 Ver por exemplo JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 n 1 p 297 ROXIN Strafrecht 1997 12 ns 1011 p 367 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 211 p 66 50 Comparar WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 211 p 66 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 130 242012 162803 131 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação b dolo direto de 2º grau O dolo direto de 2º grau compreende os meios de ação escolhi dos para realizar o fim e de modo especial os efeitos secundários representados como certos ou necessários51 ou as consequências e circunstâncias representadas como certas ou necessárias segundo ROXIN52 ou a existência de circunstâncias e a produção de outros resultados típicos considerados como certos ou prováveis confor me JESCHECKWEIGEND53 independentemente de serem esses efeitos ou resultados desejados ou indesejados pelo autor os efeitos secundários consequências circunstâncias ou resultados típicos da ação reconhecidos como certos ou necessários pelo autor são atribuíveis como dolo direto de 2º grau ainda que indesejados ou lamentados por este como demonstra o famoso caso Thomas Alexander Keith em Bremen 1875 decidiu explodir o próprio navio com o objetivo de fraudar o seguro apesar de representar como certa ou necessária a morte da tripulação e de passageiros Como se vê a fórmula querer o resultado não abrange todas as hi póteses de dolo direto c dolo eventual A definição do dolo eventual e sua distinção da imprudência consciente como conceitos simultaneamente excludentes e comple 51 Ilustrativo WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 67 52 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 18 p 371372 53 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III 2 p 298 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 131 242012 162803 132 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 mentares é uma das mais difíceis questões do Direito Penal54 por que depende de identificar atitudes fundadas em última instância na afetividade do autor De modo geral o dolo eventual constitui decisão pela possível lesão do bem jurídico protegido no tipo e a imprudência consciente representa leviana confiança na evitação do resultado de lesão do bem jurídico55 mas a definição das identidades e das diferenças entre dolo eventual e imprudência consciente requer a utilização de critérios mais precisos O setor dos efeitos secundários representados como possíveis pelo autor constitui a base empírica comum das teorias sobre dolo eventual e imprudência consciente elementos particulares das dimensões intelectual e emocional desses conceitos marcam a es pecificidade própria de cada teoria A controvérsia sobre a questão é a história inacabada da criação e do conflito desses critérios cujas diferenças na verdade são mais verbais do que reais e que representam afinal e apenas meras indicações da existência de uma decisão pela possível lesão do bem jurídico na precisa formulação de ROXIN56 Modelos úteis para discussão da matéria são as definições dos projetos oficial e alternativo da reforma penal alemã no projeto oficial o dolo eventual é definido pela atitude de conformarse com a realização do tipo legal representada como possível pelo autor no projeto alternativo o dolo eventual é definido pela atitude de aceitar a realização de uma situação típica representada seriamente como possível pelo autor57 54 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 68 No Brasil comparar a descrição das teorias sobre dolo eventual e imprudência consciente em TAVARES Teoria do injusto penal 2000 p 272290 55 ROXIN Strafrecht 1997 12 ns 2526 p 374 56 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 29 p 376 57 Comparar JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III 3 p 300301 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 29 p 376 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 132 242012 162803 133 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação A literatura contemporânea trabalha no setor dos efeitos secun dários colaterais ou paralelos típicos representados como possíveis com os seguintes conceitospares para definir dolo eventual e imprudência consciente58 a o dolo eventual caracterizase no nível intelectual por levar a sério a possível produção do resultado típico e no nível da atitude emocional por conformarse com a eventual produção desse resultado b a imprudência consciente caracterizase no nível in telectual pela representação da possível produção do resultado típico e no nível da atitude emocional por confiar na ausência ou evitação desse resultado pela habilidade atenção ou cuidado na realização concreta da ação O caráter complementarexcludente desses conceitos aparece nas seguintes correlações ao nível da atitude emocional quem se conforma com ou aceita o resultado típico possível não pode simultaneamente confiar em sua evitação ou ausência dolo eventual inversamente quem confia na evitação ou ausência do resultado típico possível não pode simultaneamente conformarse com ou aceitar sua produção imprudência consciente59 O casoparadigma da jurisprudência alemã sobre dolo even tual e imprudência consciente é o famoso Lederriemenfall de 1955 BGHSt 7365 cuja discussão permite esclarecer o significado daqueles conceitos X e Y decidem praticar roubo contra Z apertan do um cinto de couro no pescoço da vítima para fazêla desmaiar e cessar a resistência mas a representação da possível morte de Z com o emprego desse meio leva à substituição do cinto de couro por um pequeno saco de areia em tecido de pano e forma cilíndrica com que pretendem golpear a cabeça de Z com o mesmo objetivo Na 58 Ver ROXIN Strafrecht 1997 12 n 29 p 376 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III 3 p 299 59 Representativos da opinião dominante JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III 3c p 301 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 68 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 133 242012 162803 134 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 execução do plano alternativo rompese o saco de areia os autores retomam o plano original afivelando o cinto de couro no pescoço da vítima que cessa a resistência e permite a subtração dos valo res Os autores desafivelam o cinto do pescoço da vítima e tentam reanimála mas sem êxito conforme a hipótese representada como possível a vítima está morta No nível intelectual X e Y levam a sério a possível produção do resultado típico no nível emocional confiam na evitação do resulta do representado como possível o que exclui conformação com ou aceitação de sua eventual produção mas o retorno ao plano original indica mudança da atitude emocional mostrando conformação com o ou aceitação do resultado típico previsto como possível ainda que indesejável ou desagradável como revela o esforço de reanimação da vítima com lógica exclusão da atitude primitiva de confiança na evi tação do resultado se os autores executam o plano apesar de levarem a sério a possibilidade do resultado típico então conformamse com ou aceitam sua eventual produção decidindose pela possível lesão do bem jurídico que marca o dolo eventual Esse critério de definição do dolo eventual e imprudência cons ciente conhecido como teoria de levar a sério Ernstnahmetheorie a possível produção do resultado típico é dominante na jurisprudência e doutrina alemã contemporâneas60 mas não é único Existem várias teorias diferenciadoras fundadas na vontade ou na representação do autor até mesmo teorias unificadoras que propõem a abolição dos critérios diferenciadores A descrição dessas teorias justificase não só pelo interesse acadêmico de mostrar o estado atual de discussão da matéria mas pelo interesse científico em precisar o significado das categorias desenvolvidas para pensar a questão do dolo eventual e da imprudência consciente 60 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III 3a p 299300 ROXIN Strafrecht 1997 12 ns 2729 p 375376 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 134 242012 162803 135 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação 1 Entre as teorias que trabalham com critérios fundados na vontade estão a teoria do consentimento ou aprovação a teoria da indiferença e a teoria da vontade de evitação não comprovada a A teoria do consentimento elaborada por MEZGER61 define dolo eventual pela atitude de aprovação do resultado típico previsto como possível que deve agradar ao autor Assim não age com dolo eventual o médico que realiza intervenção cirúrgica indicada pela experiência profissional mas leva a sério a possibilidade de morte do paciente ou alguém que atira para salvar o amigo vítima de agressão e leva a sério a possibilidade de atingir o amigo Mas como demonstra a crítica a aprovação do resultado é própria do dolo direto e não do dolo even tual que pode compreender também resultados desagradáveis ou lamentados implicando portanto transformar o dolo eventual numa hipótese de dolo direto como afirmam JESCHECKWEIGEND62 segundo a teoria o caso do cinto de couro configuraria mera impru dência consciente por outro lado os exemplos citados seriam ações objetivamente conformes ao direito e subjetivamente realizadas sem dolo como mostra ROXIN63 A reelaboração moderna dessa teoria por BAUMANNWEBER64 e especialmente por MAURACHZIPF65 atribuindo à aprovação do resultado o sentido de inclusão deste na vontade do autor parece conferirlhe significado prático próximo à teoria dominante66 b A teoria da indiferença ao bem jurídico desenvolvida por ENGISCH67 identifica dolo eventual na atitude de indiferença do 61 MEZGER Strafrecht 1949 p 347 62 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III p 302303 63 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 34 p 379 64 BAUMANNWEBER Strafrecht 1985 p 402 65 MAURACHZIPF Strafrecht 1992 22 n 34 66 Ver ROXIN Strafrecht 1997 12 n 36 p 379380 67 ENGISCH Untersuchungen uber Vorsatz und Fahrlässigkeit im Strafrecht 1930 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 135 242012 162803 136 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 autor quanto a possíveis resultados colaterais típicos excluídos os resultados indesejados marcados pela expectativa de ausência Con tudo a crítica indica que a indesejabilidade do resultado não exclui o dolo eventual como mostra o caso do cinto de couro que a teoria da indiferença resolveria como hipótese de imprudência consciente68 além disso a ausência de representação do resultado própria da impru dência inconsciente pode indicar o mais elevado grau de indiferença em relação ao bem jurídico protegido69 c A teoria da não comprovada vontade de evitação do resultado também conhecida como teoria da objetivação da vontade de evitação do resul tado desenvolvida por ARMIN KAUFMANN70 em bases finalistas coloca o dolo eventual e a imprudência consciente na dependência da ativação de contrafatores para evitar o resultado representado como possível imprudência consciente se o autor ativa contrafatores dolo eventual se não ativa contrafatores para evitação do resultado A crítica indica que a não ativação de contrafatores pode também ser explicada pela leviandade humana de confiar na própria estrela e por outro lado a ativação de contrafatores não significa necessariamente confiança na evitação do resultado típico como mostra por exemplo o caso do cinto de couro em que os autores se esforçam concretamente para evitar o resultado71 2 Entre as teorias que trabalham com critérios fundados na represen tação hoje com prestígio crescente podem ser referidas a teoria da possibilidade a teoria da probabilidade a teoria do risco e a teoria do perigo protegido 68 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III p 303 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 37 p 380 69 Ilustrativo WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 70 70 ARMIN KAUFMANN Der dolus eventualis im Deliktsaufbau Die Auswirkungen der Handlungs und der Schuldlehre auf die Vorsatzgrenze ZStW 70 1958 p 73 71 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III p 302303 também ROXIN Strafrecht 1997 12 n 48 p 385 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 136 242012 162803 137 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação a A teoria da possibilidade simplifica o problema reduzindo a dis tinção entre dolo e imprudência ao conhecimento da possibilidade de ocorrência do resultado72 eliminando a categoria jurídica da imprudência consciente porque toda imprudência seria imprudência inconsciente73 a mera representação da possibilidade do resultado típico já constituiria dolo porque uma tal representação deveria inibir a realização da ação a não representação dessa possibilidade constituiria imprudência inconsciente A crítica fala do intelectu alismo da teoria que reduz o dolo ao componente intelectual sem qualquer conteúdo volitivo mas seus resultados práticos seriam semelhantes aos da teoria dominante74 embora mais rigorosos porque admite dolo eventual em situações definíveis como impru dência consciente b A teoria da probabilidade define dolo eventual variavelmente ou pela representação de um perigo concreto para o bem jurídico JOERDEN75 ou pela consciência de um quantum de fatores causais produtor de sério risco do resultado SCHUMANN76 ou como reconhecimento de um perigo qualificado para o bem jurí dico PUPPE77 para mencionar apenas suas formulações mais modernas A crítica aponta o caráter de prognose intelectual dessas definições78 um fenômeno de reflexão raro em eventos dominados pelas emoções como são os comportamentos criminosos capazes de servir como indícios da atitude pessoal de levar a sério o peri 72 Assim SCHMIDHÄUSER Strafrecht 1984 1089 s 73 Ver SCHRÖDER Aufbau und Grenzen des Vorsatzbegriffes SauerFS 1949 p 207 s 74 Comparar ROXIN Strafrecht 1997 12 ns 3940 p 381 75 JOERDEN Strukturen des Strafrechtlichen Verantwortlichkeitsbegriffes 1980 p 151 76 SCHUMANN Zur Wiederbelebung des voluntativen Vorsatzelement durch den BGH JZ 1989 p 433 77 PUPPE Der Vorstellungsinhalt des dolus eventualis ZStW 102 1991 1 s 78 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 43 p 382 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 137 242012 162803 138 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 go mas incapazes de funcionar como critério do dolo eventual79 WELZEL ora arrolado na teoria da probabilidade ROXIN80 ora incluído na teoria da possibilidade JESCHECKWEIGEND81 afirma que a teoria da probabilidade tem um aspecto positivo porque a representação da possibilidade de influenciar o resultado permite distinguir o simples desejar do verdadeiro querer e um aspecto negativo porque a vontade de realização não seria simples efeito do ato psíquico de representar a probabilidade do resultado mas de contar com a produção de resultado representado como pro vável confiar na evitação desse resultado constituiria imprudência consciente82 c A teoria do risco de FRISCH83 às vezes classificada como variante da teoria da possibilidade84 define dolo pelo conhecimento da conduta típica excluindo do objeto do dolo o resultado típico porque a ação de conhecer não pode ter por objeto realidades ainda inexistentes no momento da ação não obstante trabalha com o critério de tomar a sério o e de confiar na evitação do resultado típico para distinguir a decisão pela possível lesão do bem jurídico dolo eventual da mera imprudência consciente aproximandose por isso da teoria domi nante A crítica à teoria concentrase na questão do objeto do dolo a ausência do elemento volitivo tornaria artificiosa a atitude do autor depois seria inaceitável um dolo sem conhecimento das circunstâncias de fato especialmente do resultado típico definido pela teoria como mero prognóstico embora seja nesse sentido que o resultado típico constitui objeto do dolo85 79 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III p 302 80 ROXIN Strafrecht 1997 12 ns 4244 p 382383 81 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III p 302 82 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 70 83 FRISCH Vorsatz und Risiko l983 p 97 s 84 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III p 302 85 Ver sobretudo ROXIN Strafrecht 1997 12 ns 5455 p 387388 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 138 242012 162804 139 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação d A teoria do perigo desprotegido de HERZBERG86 classificada tam bém como variante da teoria da probabilidade87 igualmente retira o elemento volitivo do conteúdo do dolo a principal característica da teoria da representação e fundamenta a distinção entre dolo eventual e imprudência consciente com base na natureza do perigo definido como desprotegido protegido e desprotegido distante a o perigo desprotegido caracterizado pela dependência de meros fatores de sorteazar configura dolo eventual ainda que o autor confie na ausência do resultado como jogar roleta russa com risco de resultado na proporção de 15 ou praticar sexo com meninas de idade presumível inferior a 14 anos b o perigo protegido caracterizado pela evitação do possível resultado mediante cuidado ou atenção do autor da vítima potencial ou de terceiro confi gura imprudência consciente com homicídio imprudente em hipótese de resultado de morte nos seguintes exemplos o inexperiente servente de pedreiro cai de andaime de prédio em construção onde subira por ordem do mestre de obras sem usar qualquer dispositivo de segurança o professor permite aos alunos nadarem em rio perigoso apesar da placa de advertência do perigo e aluno morre afogado c o perigo desprotegido distante assemelhase ao perigo protegido excluindo o dolo o inquilino do apartamento joga objeto pesado pela janela consciente da possibili dade de atingir alguém a mãe deixa medicamento tóxico no armário consciente de que o filho poderia ingerilo A noção de perigo desprotegido pretende fundamentar uma construção objetiva da teoria subjetiva de levar a sério o perigo tratase de reconhecer um perigo digno de ser levado a sério e não de levar a sério um perigo reconhecido88 A crítica afirma não ser evidente que um perigo protegido exclua e um perigo desprotegido 86 HERZBERG Die Abgrenzung von Vorsatz und bewusster Fahrlässigkeit ein Problem des objektiven Tatbestandes JuS 1986 p 249 s também Das Wollen beim Vorsatzdelikt und dessen Unterscheidung vom bewussten fahrlässigen Verhalten JZ 1988 p 573 s 87 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III p 302 88 Ilustrativos HERZBERG Die Abgrenzung von Vorsatz und bewusster Fahrlässigkeit ein Problem des objektiven Tatbestandes JuS 1986 p 262 ROXIN Strafrecht 12 ns 5963 p 390392 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 139 242012 162804 140 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 constitua dolo eventual mas parece digno de aplauso o esforço de cons truir a base objetiva de critérios tradicionalmente subjetivos A proposta de eliminar o elemento volitivo do dolo própria das teorias da representação exclui o fundamento emocional distintivo das atitudes de levar a sério o ou de confiar na ausência do perigo que marca a teoria dominante contudo se o dolo não exige aprovação do resultado também não pode ser reduzido à atitude de indiferença absoluta em face desse resultado89 A exclusão do elemento volitivoemocional do dolo que HERZBERG define como elemento de prognose irracional reduz o dolo ao elemento intelectual e desse modo a desejável busca de critérios objetivos acaba por desfigurar o próprio fenômeno real90 3 Finalmente teorias igualitárias desenvolvidas por ESER91 e WEIGEND92 fundadas nas dificuldades práticas dos critérios dife renciadores propõem a unificação do dolo eventual e da imprudência consciente em uma terceira categoria subjetiva ou de culpabilidade situada entre o dolo e a imprudência A crítica reconhece certas vanta gens como a simplificação da aplicação do Direito Penal mas destaca desvantagens como a nivelação de diferenças qualitativas entre hipóteses de decisão contra o bem jurídico protegido dolo eventual e hipóteses de leviana confiança na evitação do resultado imprudência consciente93 89 Outros modernos opositores do elemento volitivo SCHMOLLER Das voluntative Vorsatzelement ÖJZ 1982 p 259 s KINDHÄUSER Der Vorsatz als Zurechnungskriterium ZStW 96 1984 p 1 s SCHUMANN Zur Wiederbelebung des voluntativen Vorsatzelement durch den BGH JZ 1989 p 427 Outros modernos defensores do elemento volitivo ZIEGERT Vorsatz Schuld und Vorverschulden 1987 SPENDEL Zum Begriff des Vorsatz LacknerFS 1987 p 167 s PRITTWITZ Die Ansteckungsgefahr bei AIDS JA 1988 p 427 s KUPPER Zum Verhältnis von dolus eventualis Gefährdungsvorsatz und bewusster Fahrlässigkeit ZStW 100 1988 p 758 HASSEMER Kennzeichen des Vorsatzes Arm KaufmannGS 1989 p 289 90 Instrutivo ROXIN Strafrecht 1997 12 ns 6667 p 393 91 ESER Strafrecht 1 1980 n 35 a 92 WEIGEND Zwischen Vorsatz und Fahrlässigkeit ZStW 93 1981 p 657 s 93 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 68 p 394 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 140 242012 162804 141 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação 12 Dolo alternativo Todas as espécies de dolo podem existir sob a forma de dolo alternativo caracterizado por uma ação com alternativas típicas ex cludentes Exemplos a A atira em B para matar ou simplesmente ferir b A atira para matar B ou pelo menos matar o cachorro de B c A atira para matar o cachorro de B mas consente na possibilidade prevista de matar B próximo do animal94 A controvérsia sobre dolo alternativo aparece na diversidade de soluções para as situações acima exemplificadas a punição somente pelo tipo realizado porque o autor pretende apenas um resultado típico95 com vários problemas se nenhum resultado é produzido não se sabe por qual crime punir no caso da letra c se o autor mata o cachorro a competência em matar o animal faz desaparecer a tentativa de homicídio b punição pelo tipo mais grave homicídio consumado ou tentado em todas as hipóteses96 a crítica inverte o argumento porque se o autor atirou no cachorro e matou o cachorro por que punir por homicídio tentado c punição em concurso formal por cada tipo alternativo tentado ou tentado e consumado97 solução dominante na literatura 94 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III p 304 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 72 No Brasil ver MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 132 95 Assim MEZGER Strafgesetzbuch 1957 59 96 Nesse sentido NOWAKOWSKI Der alternative Vorsatz JB1 1937 p 465 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 7 ns 2226 p 76 JOERDEN Der auf die Verwirklichung von zwei Tatbeständen gerichtete Vorsatz Zugleich eine Grundlegung zum Problem des dolus alternativus ZStW 95 1983 p 565 97 Ver entre outros WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 72 JAKOBS Strafrecht 1993 833 p 278279 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III 4 p 304 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 85 p 403 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 141 242012 162804 142 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 13 A dimensão temporal do dolo O dolo como programa subjetivo do crime deve existir durante a realização da ação típica o que não significa durante toda a realização da ação planejada mas durante a realização da ação que desencadeia o processo causal típico a bomba colocada no automóvel da vítima com dolo de homicídio somente explode quando o autor já está em casa dormindo Não existe dolo anterior nem dolo posterior à realização da ação típica as situações referidas como dolo antecedente a arma em punhada por B para ser usada contra A depois de prévia conversação dispara acidentalmente e mata a vítima ou como dolo subsequente ao reconhecer um inimigo na vítima de acidente de trânsito o autor se alegra com o resultado são hipóteses de fatos imprudentes98 2 Erro de tipo O conceito de dolo definido como conhecer e querer as circuns tâncias de fato do tipo legal está exposto à relação de exclusão lógica entre conhecimento e erro se o dolo exige conhecimento das circuns tâncias de fato do tipo legal então o erro sobre circunstâncias de fato do tipo legal exclui o dolo99 Em qualquer caso o erro de tipo significa defeito de conhecimento do tipo legal e assim exclui o dolo porque uma representação ausente ou incompleta não pode informar o dolo de tipo Mas é preciso distinguir o erro inevitável exclui o dolo e a imprudência o erro evitável exclui apenas o dolo admitindo punição por imprudência Essa regra está inscrita no Código Penal 98 ROXIN Strafrecht 1997 12 ns 8081 p 401 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 71 99 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 86 p 405 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 142 242012 162804 143 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação Art 20 CP O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo mas permite a punição por crime culposo se previsto em lei Aqui os problemas mais importantes são os seguintes a definir o conceito de erro de tipo distinguindo do simples erro de subsunção sem relevância penal b determinar a intensidade de representação das circunstâncias de fato necessária para configurar o conhecimento como elemento intelectual do dolo 21 Erro de tipo e erro de subsunção O tipo legal é um conceito constituído de elementos subjetivos e objetivos mas o erro de tipo só pode incidir sobre elementos objetivos do tipo legal um conceito menos abrangente do que elemento consti tutivo do tipo legal como diz a lei O erro de tipo representa defeito na formação intelectual do dolo que tem por objeto os elementos objetivos presentes e futuros do tipo legal a ação o objeto da ação o resultado a relação de causalidade etc Não podem ser objeto de erro a os ele mentos subjetivos do tipo o próprio dolo e as intenções tendências e atitudes especiais de ação b outros elementos que não pertencem ao tipo objetivo condições objetivas de punibilidade fundamentos pessoais de exclusão de pena e pressupostos processuais100 Em síntese conhecer as circunstâncias de fato formadoras do tipo objetivo significa representar a possibilidade de realização concreta do tipo legal logo o erro sobre as circunstâncias de fato do tipo objetivo exclui a representação dessa possibilidade e por isso configura erro de tipo como defeito de conhecimento das circunstâncias de fato do tipo objetivo 100 Com mais detalhes ROXIN Strafrecht 1997 12 ns 119120 p 423 e n 138 p 430 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 143 242012 162804 144 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 O erro de tipo pode ocorrer por falsa representação e por au sência de representação das circunstâncias de fato do tipo objetivo a no luscofusco do crepúsculo A dispara o revólver contra a figura de suposto espantalho na verdade contra a pessoa de B que pratica va tai chi chuan no pomar de residência rural falsa representação b C mantém relações sexuais com D menor de 14 anos mas com aparência de idade superior sem pensar na idade da moça ausência de representação O erro de tipo pode ter por objeto elemento descritivo ou elemento normativo do tipo objetivo Em ambos os casos é preciso distinguir o erro de tipo excludente do dolo do chamado erro de sub sunção penalmente irrelevante O erro de subsunção é mais comum nos elementos normativos do tipo porque o cidadão comum não pode conhecer todos os conceitos jurídicos empregados pelo legislador Nesse caso a chamada valoração paralela na esfera do leigo permitiria identificar os significados sociais ou culturais dos conceitos normativos que integram a cultura comum e orientam as decisões da vida diária como ocorre com o conceito de documento por exemplo os traços deixados pelo garçom no suporte de papelão do chope são sinais gráfi cos indicadores da quantidade consumida e se o consumidor apaga alguns desses traços para reduzir a conta age com dolo de falsificação de documento particular porque sua valoração paralela reproduz ao nível do leigo o conceito jurídico de documento a opinião de que documentos seriam escritos com forma predeterminada constituiria mero erro de subsunção sem relevância penal101 caso a hipótese não fosse abrangida pelo princípio da insignificância que descaracteriza o tipo de injusto Valorações jurídicas errôneas de elementos do tipo objetivo representam em regra erro de subsunção às vezes erro de proibição mas podem significar excepcionalmente erro de tipo como a subtração de coisa alheia representada como própria102 O 101 ROXIN Strafrecht 1997 12 ns 8991 p 407408 102 ROXIN Strafrecht 1997 12 ns 913 p 408409 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 144 242012 162804 145 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação erro de subsunção sobre elementos descritivos do tipo é mais raro se B esvazia o pneu do veículo de A convencido de que o dano exige destruição da substância da coisa incide em simples erro de subsunção sem prejuízo do dolo103 Formulações modernas tentam simplificar as dificuldades do tema DARNSTÄDT104 relaciona os elementos descritivos a realidades naturais representadas por situações ou propriedades físicas e os ele mentos normativos a realidades institucionais dotadas de características sociais ou comunitárias HAFT105 distingue erro sobre objeto e erro sobre conceito o erro sobre objeto constitui erro de tipo a apropriação de coisa alheia tomada como própria o erro sobre conceito constitui erro de subsunção negar o conceito de coisa aos animais furtados KUHLEN106 enfim propõe o retorno aos conceitos de erro de fato e erro de direito extrapenal o caráter alheio da coisa por exemplo como espécies de erro de tipo excludente do dolo e de erro de Direito Penal como modalidade de erro de subsunção penalmente irrelevante 22 A intensidade de representação das circunstâncias de fato A ação intelectual de conhecimento da realidade objetiva des critiva e normativa do tipo legal pressupõe certo nível de intensida de de representação psíquica antes do qual não se constitui como componente intelectual do dolo A dogmática penal moderna rejeita posições extremas que exigem conhecimento refletido ou aceitam 103 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 242 p 74 104 DARNSTÄDT Der Irrtum uber normative Tatbestandsmerkmale im Strafrecht Jus 1978 p 441 105 HAFT Strafrecht Fallrepetitorium zum Allgemeinen und Besonderen Teil 1996 ns 590 s p 113114 106 KUHLEN Die Unterscheindung von vorsatzausschliessendem und nichtvorsatzausschliessendem Irrtum 1987 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 145 242012 162804 146 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 conhecimento potencial das circunstâncias de fato do tipo objetivo107 um conhecimento refletido dos elementos objetivos coisa móvel por exemplo no sentido de pensar expressamente nisso parece contradizer a psicologia da vida cotidiana108 porque as ações humanas em espe cial as ações criminosas não são o resultado de refletida ponderação mas expressão irracional de instintos e emoções por outro lado um conhecimento potencial dos elementos objetivos do tipo no sentido de um conhecimento latente não atualizado é insuficiente109 o caçador que dispara a arma sobre um batedor porque esqueceu na emoção da caçada comunicação anterior sobre a presença desse batedor em determinado lugar não atua com dolo Hoje admitese que o conhecimento dos elementos objetivos do tipo pode existir como consciência implícita no contexto das repre sentações do autor segundo a fórmula da chamada coconsciência por exemplo no furto de mercadorias em lojas comerciais a consciência do caráter alheio da coisa permeia o conjunto das representações do autor o que é mais do que um conhecimento latente mas não chega a ser um conhecimento refletido o advogado que trai o dever profissional prejudicando interesse de cliente não precisa pensar especificamente em sua qualidade de advogado para agir com dolo etc Pesquisas so bre psicologia da linguagem110 costumam distinguir entre pensamento em coisas e pensamento em palavras apesar da crítica111 de que não existe pensamento sem palavras o conhecimento constitutivo do dolo poderia existir sob forma de pensamento em coisas ou sob forma de 107 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 II 2 p 293 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 111 p 418 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 64 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 ns 238240 p 73 108 SCHEWE Reflexbewegung Handlung Vorsatz Strafrechtsdogmatische Aspekte des Willensproblems aus medizinischpsychologischer Sicht 1972 p 85 109 PLATZGUMMER Die Bewusstseinsform des Vorsatzes 1964 p 4 e 83 110 SCHMIDHÄUSER Uber Aktualität und Potentialität des Unrechtsbewusstseins H MayerFS 1966 p 317 111 ARTHUR KAUFMANN Die Parallelwertung in der Laiensphäre 1982 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 146 242012 162804 147 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação linguagem reduzida em que um sinal linguístico evoca um complexo de significados112 sem necessidade de existir na forma de pensamento em palavras como por exemplo esta coisa é alheia no furto ou eu atuo como advogado no patrocínio infiel etc 3 Atribuição subjetiva do resultado em desvios causais Sob o conceito de desvios causais aparecem diversas formas de alteração ou mudança no curso de acontecimentos típicos cada qual com peculiaridades e critérios próprios classificáveis como desvios causais regulares situações de aberratio ictus hipóteses de troca de dolo o chamado dolo geral e casos de erro sobre o objeto assim regulados no Código Penal Art 20 3º O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena Não se conside ram neste caso as condições ou qualidades da vítima senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime 1 Desvios causais regulares O curso causal do acontecimento tí pico como uma circunstância de fato constitui elemento objetivo do tipo cuja atribuição ao dolo depende da previsibilidade de seu desenvolvimento113 conforme a experiência geral da vida constituem se A lança B da ponte para morrer afogado no rio mas B já morre ao esfacelar a cabeça no pilar da ponte existe homicídio doloso consumado porque o resultado concreto é consequência previsível do perigo criado atribuível ao autor como obra dele ao contrário 112 ROXIN Strafrecht 1997 12 nota 216 p 419 113 Representativo da opinião dominante WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 73 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 147 242012 162804 148 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 desvios causais imprevisíveis constituem cursos causais irregulares ou anormais não atribuíveis ao dolo do autor se B ferido por A com dolo de homicídio morre em incêndio do hospital após a cirurgia o imprevisível resultado concreto não é produto do perigo criado e não pode ser atribuído ao autor como obra dele114 Se o critério de atribuição do tipo objetivo é a realização do perigo o critério de atribuição do tipo subjetivo é a realização do plano no exemplo da ponte o possível e previsível resultado concreto realização do perigo corresponde à realização do plano dolo do autor porque a morte por afogamento ou a morte por esfacelamento do crânio são resultados equivalentes no caso do incêndio do hospital o imprevisível resultado concreto não representa realização do perigo criado nem corresponde à realização do plano do autor115 2 Aberratio ictus As hipóteses de aberratio ictus constituem casos especiais de desvio causal do objeto desejado para objeto diferente equacionados conforme a natureza típica do objeto o disparo de arma de fogo contra B atinge mortalmente C No caso de resultados típicos equivalentes a solução é repre sentada por duas teorias a para a teoria da concretização116 o dolo deve se concretizar em objeto determinado na hipótese tentativa de homicídio contra B e homicídio imprudente contra C b para a teoria da equivalência117 o dolo pode admitir resultado típico genérico na hipótese homicídio doloso consumado porque B e C são igualmente 114 ROXIN Strafrecht 1997 12 ns 140142 p 432 s WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 73 115 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 144 p 434 também WOLTER Objektive Zurechnung und modernes Strafrechtssystem 1995 116 Ver entre outros BAUMANNWEBER Strafrecht 1985 21 n 13 JAKOBS Strafrecht 1993 880 p 303 MAURACHZIPF Strafrecht 1992 23 n 30 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 7 VI ns 93 s STRATENWERTH Strafrecht 1991 n 284 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 250 p 76 117 Embora minoritária tem adeptos respeitáveis WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 7274 KUHLEN Die Unterscheindung von vorsatzausschliessendem Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 148 242012 162804 149 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação seres humanos teoria adotada pelo art 20 3º CP que engloba hipóteses de aberratio ictus e de erro sobre a pessoa Exceções ocorrem nas seguintes hipóteses a em caso de resultado imprevisível por curso causal anormal B erra o tiro contra A mas o projétil ricocheteia na parede do prédio e após bater no hidrômetro da calçada fere C que transitava em rua trans versal apenas tentativa de homicídio contra A porque a anormalidade do desvio torna imprevisível o resultado lesivo contra C excluindo atribuição de fato imprudente a regra do art 20 3º CP parece excessiva b em caso de objetos em situação jurídica distinta B atira contra A em legítima defesa mas atinge C sem justificação situado atrás de B tentativa justificada de homicídio contra A e homicídio imprudente contra C igualmente parece inadmissível a solução do art 20 3º CP porque a natureza antijurídica do excesso extensivo excluiria a justificação do homicídio imprudente c em caso de resultado trágico para o autor em briga de bar B atira sobre A e por infelicidade mata o próprio filho C que saltara sobre A para defender o pai apenas tentativa de homicídio contra A parece cruel a regra do art 20 3º CP que pune por crime consumado porque o autor mata o próprio filho e não o adversário Finalmente a hipótese de aberratio ictus sobre objetos típicos não equivalentes é incontroversa B joga pedra para destruir vaso de porcelana chinesa da loja de A mas atinge o empregado C postado ao lado do vaso tentativa de dano com lesão corporal imprudente 3 Troca de dolo A troca de dolo que pode ocorrer no curso da reali zação do tipo constitui geralmente situação de mudança de objeto do dolo A derruba a jovem B no parque para roubarlhe o relógio mas und nichtvorsatzausschliessendem Irrtum 1987 p 479 s No Brasil ver MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 137 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 149 242012 162804 150 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 prefere subtrair o valioso colar de pérolas descoberto durante o fato não há mudança no plano do fato apenas troca de objeto do dolo em geral irrelevante A situação seria relevante se a troca de objeto representasse mudança no plano do fato capaz de descaracterizar o dolo no exemplo citado enfeitiçado pela beleza do rosto da vítima o autor subtrai a carteira de identidade para admirar a fotografia da moça118 a mudança no plano do fato representa desistência voluntária do roubo tentado mas subsiste o constrangimento ilegal 4 Dolo geral O conceito de dolo geral tem por objeto acontecimen tos típicos realizados em dois atos no primeiro ato o autor supõe consumar o fato mas o fato se consuma no segundo ato realizado para encobrir o fato A com dolo de homicídio dispara o revólver contra B que cai ao chão inconsciente em seguida para ocultar o homicídio que pensa ter consumado A lança o suposto cadáver de B no rio determinando a morte da vítima Alguns autores resolvem a hipótese como tentativa de homicídio em concurso com homicídio imprudente porque o dolo deve existir ao tempo do fato119 Mas a te oria dominante define a hipótese como homicídio doloso consumado sob o argumento da natureza acidental do desvio causal abandonando o conceito de dolo geral porque a ausência de dolo de homicídio no segundo fato não é suprível pela extensão do dolo de homicídio do primeiro fato Contudo é preciso distinguir WELZEL120 exige dolo unitário abrangendo o primeiro e o segundo fato ROXIN121 condi ciona a solução à natureza do dolo do primeiro fato a se dolo direto o resultado corresponde ao plano do autor que certamente terá pensado no modo de se livrar do cadáver portanto o desvio causal 118 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 160 p 441442 119 Assim KUHL Strafrecht 1994 13 ns 4648 p 448 MAURACHZIPF Strafrecht 1992 23 n 33 entre outros 120 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 74 No Brasil MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 132 121 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 165 p 444 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 150 242012 162804 151 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação é irrelevante configurando homicídio doloso consumado A preten deu matar B e de fato matou B b se dolo eventual o resultado não parece corresponder ao plano do autor que certamente não deverá ter pensado no modo de se desfazer do cadáver portanto o desvio causal tornase relevante configurando homicídio doloso tentado em concurso com homicídio imprudente Casos assemelhados em que o autor pretende consumar o fato somente no segundo ato mas produz o resultado já na tentativa do primeiro ato também são resolvidos pelas regras do desvio causal A quer matar B somente depois de atordoálo com algumas pancadas na cabeça mas o resultado já ocorre por efeito das pancadas para atordoar A hipótese é de homicídio doloso consumado porque o resultado corresponde ao plano do autor e portanto o desvio causal é irrelevante desde que o resultado ocorra no âmbito da tentativa e não como efeito de meras ações preparatórias que produziria apenas fato imprudente a vítima morre de disparo acidental durante opera ção de limpeza da arma que o autor pretende usar depois contra a mesma vítima122 5 Erro sobre o objeto Os casos de erro sobre o objeto error in objeto vel persona constituem hipóteses de confusão do autor sobre o objeto do fato cuja solução depende da equivalência ou não equivalência típica do objeto a erro sobre objeto típico equivalente é irrelevante A pensando atirar contra B mata C confundido com B na escuridão da noite o dolo deve apreender o objeto do fato em gênero logo erro sobre a identidade concreta de objeto típico equivalente é irrelevante123 teoria adotada pelo art 20 3º CP que engloba hipóteses de erro sobre o objeto e de aberratio ictus 122 Ver MAURACHZIPF Strafrecht 1992 23 n 36 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 170 p 446 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 7475 123 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 174 p 448 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 151 242012 162804 152 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 b erro sobre objeto típico não equivalente é relevante A na escuridão da noite pensando atirar contra B mata o cão pastor des te confundido com B porque dormia na cama do dono a hipótese configura um erro de tipo invertido também definível como ausência de tipo ou situação de crime impossível124 porque representa na verdade erro sobre a natureza e não sobre a identidade do objeto art 17 CP 4 Elementos subjetivos especiais 1 O dolo é o elemento subjetivo geral dos fatos dolosos o programa psíquico que produz a ação típica mas não é o único componente subjetivo dos crimes dolosos O legislador penal contemporâneo inscreve frequentemente na dimensão subjetiva dos crimes dolosos determinadas características psíquicas complementares diferentes do dolo sob a forma de intenções ou de tendências especiais ou de atitudes pessoais necessárias para precisar a imagem do crime ou para qualificar ou privilegiar certas formas básicas de comportamentos criminosos125 Assim não há furto na subtração de coisa alheia móvel sem intenção de apropriação não há crime sexual se a ação típica não aparece im pregnada de libido como tendência interna voluptuosa etc Hoje não se discute a existência dessas características subjetivas especiais apenas sua inserção sistemática o debate atual é polarizado por autores que 124 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 181 p 452 CIRINO DOS SANTOS Teoria do Crime 1993 p 25 125 Nesse sentido embora com diferenças JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 30 IIII p 317321 MAURACHZIPF Strafrecht 1992 22 ns 516 p 317319 ROXIN Strafrecht 1997 10 ns 7086 p 257260 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 7780 No Brasil comparar ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 266268 p 502507 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 152 242012 162804 153 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação distribuem essas características entre o tipo subjetivo e a culpabilida de e autores que atribuem tais características exclusivamente ao tipo subjetivo JESCHECKWEIGEND126 e ROXIN127 por exemplo inserem no tipo subjetivo os componentes psíquicos relacionados com o bem jurídico protegido e na culpabilidade as características psíquicas rela cionadas aos motivos sentimentos e atitudes do autor que qualificam o fato típico Certas atitudes pessoais são ainda diferenciadas em autênticas por exemplo máfé motivo torpe etc que pertenceriam à culpabi lidade e não autênticas a crueldade por exemplo que pertenceriam ao tipo e à culpabilidade simultaneamente ao tipo o sofrimento da vítima à culpabilidade o sentimento desumano do autor WELZEL128 e MAURACHZIPF129 entre outros atribuem esses elementos psíquicos especiais ao tipo subjetivo sob o argumento de que realizam funções de fundamentação ou de reforço do desvalor social do fato as intenções e tendências especiais fundamentam o desvalor social do fato os motivos e as atitudes do autor como caracteres subjetivos qualificadores do dolo reforçam o desvalor social do fato Na verdade parece inconveniente implantar características subjetivas relacionadas ao conteúdo ou à gravidade da lesão do bem jurídico ou seja ao desvalor social do fato na culpabilidade porque tais características devem precisamente integrar o tipo de injusto para poderem cons tituir objeto do juízo de culpabilidade 2 A identificação dos tipos penais com características subjetivas espe ciais é tarefa de interpretação da parte especial do Código Penal mas como a execução dessa tarefa deve seguir princípios fixados na parte 126 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 30 I 3 p 318 127 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 71 p 258 128 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 77 129 MAURACHZIPF Strafrecht 1992 22 n 52 p 318 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 153 242012 162804 154 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 geral parece útil adotar um esquema utilizado por ROXIN130 e am pliado por JESCHECKWEIGEND131 que classifica os tipos penais com características subjetivas especiais em tipos penais de intenção de tendência de atitudes e de expressão 21 Os tipos penais de intenção ou de tendência interna transcendente caracterizamse por propósitos que ultrapassam o tipo objetivo fixan dose em resultados que não precisam se realizar concretamente mas que devem existir no psiquismo do autor Aqui é necessário distinguir entre a tipos de resultado cortado em que o resultado pretendido não exige uma ação complementar do autor a intenção de apropriação no furto e b tipos imperfeitos de dois atos em que o resultado preten dido exige uma ação complementar a falsificação do documento e a circulação do documento falsificado no tráfego jurídico A intenção como característica psíquica especial do tipo aparece geralmente nas conjunções subordinativas finais para a fim de com o fim de etc indicativas de finalidades transcendentes do tipo como ocorre com a maioria dos crimes patrimoniais 22 Os tipos penais de tendência caracterizamse por uma tendência afetiva do autor que impregna a ação típica nos crimes sexuais a tendência voluptuosa adere à ação típica atribuindo o caráter sexual ao comportamento do autor cuja ação aparece carregada de libido A presença dessas características psíquicas especiais decide sobre a defi nição jurídica de ações objetivamente idênticas agarrar com violência os seios de uma mulher no elevador pode constituir crime sexual se com tendência lasciva crime de injúria se com intenção de ofender a honra ou crime de lesões corporais se com dolo de ferir 23 Os tipos penais de atitudes caracterizamse pela existência de estados anímicos que informam a dimensão subjetiva do tipo e intensi ficam ou agravam o conteúdo do injusto mas não represen 130 ROXIN Strafrecht 1997 10 ns 83 87 p 263264 131 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 30 II p 319320 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 154 242012 162804 155 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação tam um desvalor social independente como a crueldade a máfé a traição etc132 24 Os tipos penais de expressão caracterizamse pela existência de um processo intelectual interno do autor como no falso testemunho a ação incriminada não se funda na correção ou incorreção objetiva da informação mas na desconformidade entre a informação e a convicção interna do autor133 132 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 30 II n 4 p 320 133 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 86 p 263264 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 155 242012 162805 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 156 242012 162805 157 Capítulo 9 o tipo de iNjuSto imprudeNte I Introdução Os crimes cometidos por imprudência constituem do ponto de vista da definição legal exceções à regra da criminalidade dolosa apare cendo na lei penal como hipóteses acessórias de menor significação se o homicídio é culposo art 121 3º se a lesão corporal é culposa art 129 6º etc Contudo do ponto de vista de sua frequência real crimes de homicídio e de lesão corporal imprudentes representam a grande maioria dos fatos puníveis1 e do ponto de vista dos bens jurídicos lesionados integram a criminalidade mais relevante assim a antiga exceção é atualmente a regra da criminalidade De fato as sociedades contemporâneas caracterizamse por intensa e generalizada produção de ações perigosas para a vida o corpo e a saúde do homem e para a integridade do meio ambiente destruição do solo flora e fauna e poluição do ar rios e mares com consequências catastróficas para o O substantivo culpa e o adjetivo culposo são inadequados por várias razões primeiro confundem culpa modalidade subjetiva do tipo com culpabilidade elemento do conceito de crime exigindo a distinção complementar de culpa em sentido estrito e culpa em sentido amplo o que é anticientífico segundo induzem perplexidade no cidadão comum para o qual crime culposo parece mais grave que crime doloso ampliando a incompreensão de conceitos jurídicos terceiro o substantivo imprudência e o adjetivo imprudente exprimem a ideia de lesão do dever de cuidado ou do risco permitido com maior precisão do que os correspondentes culpa e culposo quarto a dogmática alemã usa o termo Fahrlässigkeit que significa negligência ou imprudência mas a natureza da maioria absoluta dos fatos lesivos do dever de cuidado ou do risco permitido na circulação de veículos ou na indústria moderna parece melhor definível como imprudência 1 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 1 p 919 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 157 242012 162805 158 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 futuro da humanidade no planeta A tecnologia moderna especial mente na área do capital produtivo em relação com os acidentes do trabalho e a circulação de veículos automotores nas áreas urbanas e rurais em relação com os acidentes de trânsito são claros indicadores da extensão da violência imprudente que permeia as relações sociais2 Por essa razão a teoria dos crimes de imprudência se transformou na bela comparação de SCHUNEMANN3 de enteada em filha predileta do trabalho científico no Direito Penal A grande mudança na teoria da imprudência é representada pela deslocação de sua posição sistemática de forma de culpabilidade no modelo causal para tipo de injusto conforme a concepção moderna de crime Embora ENGISCH4 já tivesse observado que a inobservância do cuidado exigido que define o conceito de imprudência seria ca racterística do tipo o impulso decisivo da mudança viria do modelo finalista de fato punível com a teoria do injusto pessoal e a inserção do desvalor da ação como dolo ou imprudência no tipo de injusto5 II A capacidade individual como critério de definição de imprudência 1 Os tipos de imprudência pela variabilidade das condições ou circunstâncias de realização não podem ser descritos na lei penal 2 Ver CIRINO DOS SANTOS Teoria do crime 1993 p 35 também Direito Penal a nova parte geral 1985 p 165 e ainda As origens dos delitos de imprudência in Revista de Direito Penal 23 1977 p 5565 3 SCHUNEMANN Moderne Tendenzen in der Dogmatik der Fahrlässigkeits und Gefährdungsdelikte JA 1975 p 435 s 4 ENGISCH Untersuchungen uber Vorsatz und Fahrlässigkeit im Strafrecht 1930 5 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 4 p 9201 HAFT Strafrecht 1994 p 162 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 158 242012 162805 159 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente mas apenas indicados por sua natureza são tipos abertos que devem ser construídos concretamente mediante um processo de valoração judicial por isso não possuem o mesmo rigor de definição legal dos tipos dolosos6 Mas como o tipo objetivo do injusto de imprudência é idêntico ao tipo objetivo do injusto doloso correspondente e como os critérios de definição da imprudência se enraízam em normas ju rídicas regras profissionais e dados da experiência não parece haver lesão ao princípio constitucional da legalidade7 Afinal como observam JESCHECKWEIGEND o leigo é capaz de compreender melhor o comportamento imprudente do que alguns conceitos jurídicos como dolo eventual legítima defesa etc8 2 A definição de imprudência é fundada em critérios objetivos e pressu põe uma correspondência com a capacidade individual do ser humano A capacidade individual do cidadão pode concretamente ser inferior um motorista com visão fraca ou superior o motorista é um piloto de corridas à medida da definição judicial de imprudência A varia ção da capacidade individual concreta em relação à medida abstrata de definição da imprudência determinou a controvérsia sobre o lugar sistemático de avaliação dessas diferenças pessoais se as diferenças de capacidade individual devem ser consideradas somente na culpabili dade pelo critério da generalização ou se devem ser consideradas já no tipo de injusto pelo critério da individualização 6 Nesse sentido JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 54 I 3 p 564 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 131 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 87 p 950 No Brasil HEITOR COSTA JR Teoria dos delitos culposos 1988 p 55 ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 271 p 510511 em posição diferente TAVARES Direito Penal da negligência 1985 p 131133 afirma o caráter fechado do tipo de imprudência e admite sua inadequação ao princípio da legalidade 7 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 8788 p 951 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 54 I 3 p 564 8 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 54 I 3 p 564 BOCKELMANN Verkehrsrechtliche Aufsätze und Vorträge 1967 p 208 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 159 242012 162805 160 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 21 O critério da generalização ou critério duplo porque trabalha com uma combinação de tipo de imprudência e de culpabilidade de imprudência seguido por WELZEL JESCHECKWEIGEND HAFT etc generaliza a medida objetiva do tipo de injusto diferenças de capacidade individual não são consideradas no tipo de injusto mas avaliadas na culpabilidade conforme inteligência escolaridade habi lidades experiência de vida e posição social do autor9 desse modo a no nível superior da capacidade individual o autor é um pi loto de rally exige menos de quem pode mais do que a medida geral do tipo no caso o acidente só poderia ser evitado por um piloto de rally sob o argumento de que não seria exigível deste o que não é exigível de outros b no nível inferior da capacidade individual o autor é um motorista de idade avançada ou visão fraca exige mais de quem pode menos do que a medida geral do tipo um motorista idoso ou com vista fraca não evitaria o acidente sob o argumento de que a capacidade de agir conforme ao direito é problema de culpabilidade 22 O critério da individualização representado por STRATENWERTH e outros individualiza a medida objetiva do tipo de injusto considera no tipo de injusto as diferenças de capacidade individual inteligên cia escolaridade habilidades etc com as seguintes consequências práticas a se a capacidade individual é superior à medida do tipo de injusto então exige mais de quem pode mais considerando típicas ações atípicas pelo critério da generalização um piloto de rally deve empregar suas habilidades especiais para evitar um atropelamento o que seria impossível a um condutor comum um cirurgião de compe 9 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 18 I p 131 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 54 I 2 p 563 HAFT Strafrecht 1994 p 160161 No Brasil ver HEITOR COSTA JR Teoria dos delitos culposos 1988 p 58 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 160 242012 162805 161 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente tência reconhecida deve empregar sua capacidade especial para salvar uma vida o que está além do poder de um cirurgião comum etc b se a capacidade individual é inferior à medida do tipo de injusto por exemplo o motorista de visão fraca então exige menos de quem pode menos considerando atípicas ações típicas pelo critério da generalização10 3 Nessa controvérsia ROXIN11 combina o rigor dos critérios da gene ralização e da individualização porque exige mais de quem pode mais no limite superior e também exige mais de quem pode menos no limite inferior a se a capacidade individual é inferior à exigência geral do tipo de injusto prevalece a medida do tipo de injusto segundo o critério da generalização sob o argumento de que a incapacidade de agir diferente é um problema de culpabilidade b se a capacidade individual é superior à exigência geral do tipo de injusto o autor deve empregar essa maior capacidade segundo o princípio da individualização sob o argumento de que outra interpretação significaria vitimização des necessária de vidas humanas III O tipo de injusto imprudente A lei penal brasileira define o chamado crime culposo como re sultado causado por imprudência negligência ou imperícia art 18 II CP na verdade uma enumeração de hipóteses de comportamentos culposos herdada do modelo causal em contradição com os funda 10 JAKOBS Strafrecht 1993 95 p 318 s STRATENWERTH Zur Individualisierung der Sorgfaltsmasstabes beim Fahrlässigkeitsdelikte JescheckFS 1985 p 285 No Brasil HEITOR COSTA JR Teoria dos delitos culposos 1988 p 5859 manifestase a favor do critério da individualização 11 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 504 p 937939 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 161 242012 162805 162 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 mentos metodológicos do modelo final paradigma teórico da reforma da parte geral do Código Penal12 Art 18 Dizse o crime II culposo quando o agente deu causa ao resultado por imprudência negligência ou imperícia A literatura penal contemporânea trabalha com dois conceitos para definir imprudência a o conceito de dever de cuidado próprio da posição dominante desde WELZEL13 até JESCHECKWEIGEND14 que define imprudência como lesão do dever de cuidado objetivo exigi do15 b o conceito de risco permitido relacionado à teoria da elevação do risco desenvolvida por ROXIN16 que define imprudência como lesão do risco permitido As abordagens da imprudência promovidas por esses critérios são complementares e por isso a divergência é mais aparente do que real o conceito de dever de cuidado define imprudência do ponto de vista do autor individual e indica a atitude exigida para situar a conduta nos limites do risco permitido pelo ordenamento jurídico o conceito de risco permitido define imprudência do ponto de vista do ordenamento jurídico e indica os limites objetivos que condicionam o dever de cuidado do autor individual Assim podese dizer que o risco permitido definido pelo ordenamento jurídico constitui a moldura típica primária de adequação do dever de cuidado de modo que a le são do dever de cuidado sempre aparece sob a forma de criação ou de realização de risco não permitido Como se vê esses conceitos não se excluem mas se integram em uma unidade superior e sua utilização 12 CIRINO DOS SANTOS Teoria do crime 1993 p 36 13 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 18 I 1b p 134 s 14 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 I p 577 s 15 Critério dominante no Brasil HEITOR COSTA JR Teoria dos delitos culposos 1988 p 6064 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 189190 TAVARES Direito Penal da negligência 1985 p 138144 ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 275276 p 514517 16 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 14 p 924 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 162 242012 162805 163 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente combinada parece contribuir para melhor compreensão do conceito de imprudência Sob qualquer desses conceitos o tipo de injusto de imprudência é formado por dois elementos correlacionados a primeiro a lesão do dever de cuidado objetivo como criação de risco não permitido que defi ne o desvalor de ação b segundo o resultado de lesão do bem jurídico como produto da violação do dever de cuidado objetivo ou realização de risco não permitido que define o desvalor de resultado 1 O desvalor de ação lesão do dever de cuidado ou do risco permitido O dever de cuidado é delimitado principalmente por normas jurídicas que definem o risco permitido em ações perigosas para bens jurídicos na circulação de veículos na indústria no meio ambiente no esporte etc A legislação de trânsito brasileira Lei 950397 é a mais perfeita ilustração dessa tese primeiro institui o dever geral de atenção e cuidado na direção de veículo art 28 depois delimita esse dever de cuidado pelas normas jurídicas que definem o risco permitido na circulação de veículos arts 29 a 67 a circulação pelo lado direito as distâncias de segurança a preferência dos veículos em rotatórias ou procedentes da direita a prioridade livre circulação parada e estaciona mento de veículos de bombeiros polícia e ambulâncias o procedimento nos deslocamentos laterais retornos conversões à esquerda e nos cru zamentos os limites máximos de velocidade em vias urbanas e rurais a ultrapassagem pela esquerda as hipóteses de proibição de ultrapassagem e o comportamento do veículo ultrapassado os sinais de trânsito e a ordem de prioridade entre eles o uso do cinto de segurança e o lugar das crianças nos veículos as condições de circulação e de segurança dos veículos de duas rodas o princípio de responsabilidade decrescen Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 163 242012 162805 164 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 te de segurança no trânsito dos veículos maiores pelos menores dos motorizados pelos não motorizados e de todos pelo pedestre Em todas essas situações a definição do risco permitido delimita concretamente o dever de cuidado exigido para realizar a ação perigosa de dirigir veículo automotor em vias urbanas e rurais explicando o atributo de objetivo contido no conceito de dever de cuidado objetivo A infração de uma norma jurídica isolada constitui em regra criação de risco não permitido e assim caracteriza lesão do dever de cuidado mas excepcionalmente pode ser insuficiente para indicar lesão do risco permitido ou do dever de cuidado assim como a observação estrita da norma não garante conduta conforme ao cuidado objetivo ou nos limites do risco permitido se a observância concreta da regra eleva o perigo de um acidente por exemplo17 Por isso a jurisprudência e a pesquisa científica desenvolveram alguns conceitos e diretrizes úteis para caracterizar a lesão do dever de cuidado ou o que é a mesma coisa a criação de risco não permitido que definem o desvalor de ação nos crimes de imprudência como o modelo de homem prudente o princípio da confiança certas correlações de riscoutilidade etc a O modelo de homem prudente O conceito de homem prudente construído como modelo para determinar lesões do dever de cuidado ou do risco permitido18 é um referencial valioso para definir a natureza de comportamentos humanos Um homem prudente é capaz de reconhecer e avaliar situações de perigo para bens jurídicos protegidos mediante observação das condições de realização da ação e reflexão sobre os pro cessos subjacentes de criação e de realização do perigo um motorista prudente pode prever a possibilidade de crianças pedestres desatentos ou pessoas idosas ou deficientes ingressarem inesperadamente na pista de rolamento das vias urbanas e agir em conformidade com essa 17 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 1516 p 924 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 I 3d p 582 18 Ver BURGSTALLER Das Fahrlässigkeitsdelikt im Strafrecht 1974 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 164 242012 162805 165 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente previsão Esse modelo é construído perguntandose como agiria na situação concreta um homem prudente pertencente ao círculo social do autor e dotado dos conhecimentos especiais deste por exemplo sobre os perigos de determinado cruzamento ou sobre a presença de escolares na rua em determinados locais e horários etc se a construída ação do modelo divergir da ação real existe lesão do dever de cuidado ou do risco permitido19 O problema principal reside na dificuldade de definir o modelo adequado em geral influenciado pelas experiências e distorções subjetivas do intérprete evitando exigências excessivas por que ações socialmente perigosas são normais dentro de determinados limites e portanto lesões do dever de cuidado somente são admissíveis em casos de excesso do risco permitido20 se em condições normais o motorista urbano devesse sempre considerar a hipótese de pedestres invadirem a pista de rolamento o tráfego urbano seria impossível b O dever de informação sobre riscos e de abstenção de ações perigosas A realização de ações perigosas especialmente em certas áreas ou setores especializados das atividades humanas impõe o dever de informação sobre riscos para bens jurídicos21 com omissão da ação perigosa no caso de impossibilidade de informação de informação indicadora de risco excessivo ou de incapacidade pessoal de controle do risco dirigir veículo com defeito de visão dificuldade de movi mentos experiência insuficiente em estado de cansaço excessivo ou com informação deficiente sobre regras de circulação especialmente no estrangeiro realizar tratamento médico de doença grave sem ade quada informação sobre métodos de tratamento aplicar anestesia total sem prévio exame em paciente com indicações claras de problemas 19 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 I 2b p 578 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 32 p 931 WELZEL Das Deutsche Strafrechts 1969 18 I 1a p 132 No Brasil HEITOR COSTA JR Teoria dos delitos culposos 1988 p 60 TAVARES Direito Penal da negligência 2003 p 275276 rejeita o conceito de homem prudente e consciencioso porque seria equivalente ao conceito de homo medius 20 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 I 2b p 579 21 ENGISCH Untersuchungen uber Vorsatz und Fahrlässigkeit im Strafrecht 1930 p 306 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 165 242012 162805 166 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 cardíacos todas essas situações configuram lesões do dever de cuidado ou do risco não permitido subsumíveis na chamada culpa de empre endimento Ubernahmeverschulden regida pelo seguinte princípio quem não sabe deve se informar quem não pode deve se omitir22 c A correlação riscoutilidade na avaliação de ações perigosas As sociedades contemporâneas caracterizamse pela constante realização de ações perigosas o funcionamento de máquinas pesadas na indús tria a utilização de meios de transporte rápidos as pistas autorizadas de alta velocidade o uso de medicamentos tóxicos na medicina o generalizado emprego de defensivos agrícolas a crescente utilização da energia nuclear etc cujo funcionamento produção ou emprego deve observar o necessário cuidado controle ou vigilância para excluir ou minimizar os riscos correlacionados23 Contudo são autorizadas algumas ações fora dos limites normais do risco permitido por causa de sua significação social por exemplo a prioridade de trânsito e livre circulação de ambulâncias veículos de bombeiros ou carros de polícia no tráfego urbano cuja necessidade e utilidade social são indiscutí veis24 A permissibilidade de ações perigosas depende do significado da correlação riscoutilidade se o risco tem utilidade social então o maior risco pode ser permitido se o risco tem utilidade meramente individual então o menor risco é proibido Nesse sentido é interes sante o critério que classifica as ações perigosas em ações de luxo ou supérfluas cuja realização pode configurar risco não permitido e ações socialmente úteis ou necessárias normalmente abrangidas pelo risco permitido25 22 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 343346 p 932 também JESCHECK WEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 I 3 p 580 No Brasil TAVARES Direito Penal da negligência 2003 p 280283 23 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 I 3b p 580 24 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 37 p 933 25 BURGSTALLER Das Fahrlässigkeitsdelikt im Strafrecht 1974 p 58 também SCHUNEMANN Moderne Tendenzen in der Dogmatik der Fahrlässigkeits und Gefährdungsdelikte JA 1975 p 575 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 166 242012 162805 167 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente d O princípio da confiança A área de influência do princípio da confiança na construção dogmática do conceito de imprudência varia conforme sua definição como simples regra costumeira com plementar segundo JESCHECKWEIGEND26 ou como princípio de orientação capaz de indicar os limites do dever de cuidado ou do risco permitido no trânsito no trabalho cooperado e até mesmo em relação a possíveis fatos dolosos de terceiros conforme ROXIN27 Em geral o princípio da confiança significa a expectativa por quem se conduz nos limites do risco permitido de comportamentos alheios adequados ao dever de cuidado exceto indicações concretas em contrário28 Assim veículos com preferência de passagem em cruzamentos ou de circulação em rotatórias por exemplo podem confiar que outros condutores respeitarão a preferência sob pena de inviabilização do trá fego por subversão das regras que disciplinam a circulação de veículos Admitese ação em conformidade com o princípio da confiança mesmo na hipótese de pequenas lesões do risco permitido ou do dever de cui dado se a preferência de passagem pertence ao motorista alcoolizado A e o condutor B desrespeita essa preferência determinando um acidente de trânsito inevitável mesmo na hipótese de A não estar alcoolizado a punição de A somente poderia se fundar no inadmissível versari in re illicita29 Todavia o princípio da confiança não pode prevalecer contra crianças idosos ou doentes contra adolescentes com comportamentos 26 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 I 3d p 581 27 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 2130 p 926930 No Brasil TAVARES Direito Penal da negligência 2003 p 294 28 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 I 3d p 581 também ROXIN Strafrecht 1997 24 n 21 p 926 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 18 I 1a p 132134 No Brasil TAVARES Direito Penal da negligência 1985 p 148 HEITOR COSTA JR Teoria dos delitos culposos 1988 p 61 29 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 24 p 927928 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 167 242012 162805 168 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 estranhos contra pedestres evidentemente desorientados ou outras situações de injustificável expectativa de comportamentos adequados30 Igualmente o princípio da confiança exerce função relevante no trabalho cooperado ou de equipe com distribuição de tarefas integra das para realização de obra coletiva nas cirurgias médicas os superiores são responsáveis pela escolha direção e supervisão dos auxiliares os auxiliares devem observar as instruções recebidas cada especialista pode confiar no trabalho livre de falhas de outro especialista e em qualquer caso a correção de falhas alheias é sempre limitada pela necessidade de realização correta do próprio trabalho31 Enfim o princípio da confiança permite definir como adequa das ao dever de cuidado ou ao risco permitido ações que podem se relacionar com fatos dolosos de terceiros como a venda de armas de fogo de bebidas alcoólicas etc porque a exigência de omitir ações hipoteticamente relacionadas a crimes futuros teria igual efeito in viabilizador da vida social moderna que a renúncia à circulação de veículos por exemplo32 Exceções seriam as hipóteses de promoção de disposição reconhecível para fato doloso mediante contribuições causais imprudentes como entregar faca a partícipe de briga com a qual comete homicídio entregar veneno em condições suspeitas ao amante que envenena a esposa emprestar espingarda a amigo cujas intenções agressivas são reconhecíveis pela observação atenta de certas indicações que comete homicídio retirarse a mãe da casa durante parto de filha solteira sendo previsível infanticídio se a parturiente for deixada sozinha que mata o próprio filho em todas essas hipóteses o conceito unitário de autor de fato imprudente determina a punição 30 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 23 p 927 No Brasil TAVARES Direito Penal da negligência 2003 p 295 31 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 I 3de p 581582 também ROXIN Strafrecht 1997 24 n 25 p 928 32 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 26 p 928929 No Brasil TAVARES Direito Penal da negligência 2003 p 299300 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 168 242012 162805 169 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente por homicídio imprudente na última hipótese cometido por omis são e não por participação imprudente em fato doloso33 porque a ação não é coberta pelo princípio da confiança 2 O desvalor de resultado lesão do bem jurídico protegido O resultado nos crimes de imprudência é a lesão do bem jurídico protegido no tipo legal vida integridade ou saúde corporal do homem meio ambiente etc34 A regra dos crimes de imprudência é o resultado de dano como o homicídio ou a lesão corporal imprudentes arts 121 3º e 129 6º do Código Penal arts 302 e 303 do Código de Trânsito Brasileiro ou o incêndio culposo em mata ou floresta art 41 parágrafo único da Lei 960598 contudo no atual Direito Penal do risco as exceções de criminalização da imprudência com resultado de perigo são cada vez mais frequentes o tipo de injusto exaurese na ação lesiva do risco permitido ou do dever de cuidado por exemplo o crime de substâncias tóxicas à saúde humana ou meio ambiente art 56 3º da Lei 960598 O resultado nos crimes de imprudência é para a opinião domi nante elemento do tipo de injusto35 mas um segmento minoritário o define como condição objetiva de punibilidade fora do tipo de injusto sob o argumento de que a norma implícita no tipo legal somente pode 33 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 2630 p 928930 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 54 IV 2 p 573 34 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 II 1 p 582 No Brasil TAVARES Direito Penal da negligência 2003 p 301 35 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 II 1 p 582583 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 7 p 921 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 18 I 2 p 135 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 169 242012 162805 170 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 proibir ações nunca resultados típicos36 JESCHECKWEIGEND entre outros37 rejeitam essa teoria mostrando a ligação entre ação e resultado nos tipos de imprudência o dever de cuidado é definido para evitar determinados resultados típicos o resultado deve ser o produto específico da lesão do dever de cuidado o resultado deve ser previsível no momento da ação finalmente o resultado determina se porque e como o autor deve ser punido 21 Imputação do resultado ao autor A imputação do resultado ao autor a tem como pressuposto a relação de causalidade entre a ação lesiva do dever de cuidado ou do risco permitido e o resultado de lesão do bem jurídico e b tem como fundamento a realização do risco criado pela ação lesiva do dever de cuidado ou do risco permitido38 e c como condição pelo menos para um setor importante da teoria a previsibilidade do resultado39 1 Relação de causalidade A relação de causalidade entre ação e re sultado é regida pela teoria da equivalência das condições válida para os crimes dolosos e para os crimes imprudentes E assim como nos crimes dolosos a imputação do resultado ao autor exige mais do que a simples causalidade o resultado deve ser o produto específico da lesão 36 ARMIN KAUFMANN Das Fahrlässige Delikt ZfRv 1964 p 41 do mesmo Zum Stande der Lehre vom personalen Unrecht FS fur Welzel 1974 p 393 ZIELINSKI Handlungs und Erfolgsunwert im Unrechtsbegriff 1973 p 128 s e 200 s 37 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 II 1 p 583 também ROXIN Strafrecht 1997 24 n 7 p 921 No Brasil TAVARES Direito Penal da negligência 2003 p 302303 HEITOR COSTA JR Teoria dos delitos culposos 1988 p 6970 38 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 5 p 920 39 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 II 3 p 586587 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 18 I 2 p 136 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 667 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 170 242012 162806 171 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente do cuidado objetivo exigido40 ou a realização concreta de risco não permitido41 para ser definido como obra do autor e assim poder ser imputado ao autor 2 Realização do risco O fundamento jurídico da imputação do resul tado é a realização do risco criado pela ação lesiva do dever de cuidado ou do risco permitido O resultado somente é definível como realização do risco quando aparece como produto específico da lesão do dever de cuidado ou o que é a mesma coisa de outro ângulo como realização concreta de risco não permitido42 Assim a imputação do resultado exige primeiro a ação lesiva do dever de cuidado ou do risco permitido o desvalor de ação criador do perigo para o bem jurídico protegi do segundo o resultado de lesão do bem jurídico como realização da ação lesiva do dever de cuidado ou do risco permitido o desvalor de resultado como produto da lesão do dever de cuidado ou do risco permitido Assim a simples causalidade do resultado demonstrada pela exclusão hipotética da ação é insuficiente para imputar o resultado ao autor é necessário que o resultado seja o produto específico da ação lesiva do dever de cuidado ou do risco permitido 22 Exclusão da imputação do resultado A definição do resultado como realização do risco criado pela ação lesiva do dever de cuidado ou do risco permitido é excluída nas hipóteses a de fatalidade do resultado b de resultados incomuns c de resultados fora da área de proteção do tipo e d de resultados 40 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 II 2 p 583584 No Brasil TAVARES Direito Penal da negligência 2003 p 308310 HEITOR COSTA JR Teoria dos delitos culposos 1988 p 65 41 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 5 p 921 42 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 5 p 920 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 171 242012 162806 172 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 iguais em hipotéticas condutas conformes ao dever de cuidado ou risco permitido 1 Fatalidade do resultado Resultados de lesão do bem jurídico produzidos pela fatalidade de acontecimentos infelizes não podem ser definidos como realização do risco imputável ao autor Exemplo sob o impulso da força empregada para desprenderse das mãos da mãe a criança cai sobre veículo em movimento regular próximo ao meiofio sofrendo lesão corporal O mesmo ocorre no caso de pe destre que pula na frente de veículo em movimento nas vias urbanas mesmo comprovando excesso de velocidade anterior porque limites de velocidade não são estabelecidos para determinar o espaço que em certa unidade de tempo veículos e pedestres devem ocupar na circulação urbana ou para retardar o momento do encontro de ambos em determinado lugar43 2 Resultados incomuns Às vezes a lesão do dever de cuidado ou a ruptura do risco permitido pode influir no resultado mas a natureza incomum do acontecimento também não permite definilo como re alização do risco no sentido de produto de lesão do dever de cuidado ou do risco permitido Exemplo a vítima morre de colapso cardía co por causa de leve acidente de trânsito ou porque seu veículo foi fechado por outro em manobra de ultrapassagem irregular no trân sito O perigo de colapso cardíaco pode aumentar por tensões inespe radas ou por sustos resultantes de ações arriscadas de terceiros mas a elevação desse risco não parece suficiente para fundamentar a atribuição do resultado ao autor segundo WOLTER e ROXIN44 ou a forma 43 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 II 2 bb p 586 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 69 p 324 44 WOLTER Objektive und personale Zurechnung von Verhalten Gefahr und Verletzung in einem funktionalen Straftatssystem 1981 p 342 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 71 p 325 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 172 242012 162806 173 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente concreta do resultado estaria fora de qualquer previsibilidade como preferem JESCHECKWEIGEND WELZEL e WESSELS45 3 Resultados fora da proteção do tipo Existem hipóteses de resultados fora da área de proteção do tipo legal assim agrupadas a autoexposição a perigo b exposição consentida a perigo criado por outrem c perigos situados em área de responsabilidade alheia d danos psíquicoemocionais sobre terceiros e outras consequências danosas posteriores 31 A autoexposição a perigo define situações em que o resultado é atribuível à vítima e não ao colaborador da ação se aquela conhece o risco existente na ação mas é imputável se a vítima não percebe o significado de sua decisão neste caso o colaborador cria risco não coberto pela vontade daquela46 Exemplos a os motoqueiros A e B decidem disputar corrida de motos numa rodovia deserta na qual A morre em acidente causado por imperícia própria a atribuição de resultados evitáveis causados por lesão do dever de cuidado ou do risco permitido não se aplica a hipóteses de cooperação em ações intencionais autoperigosas de vítimas conhece doras do risco porque o resultado estaria fora da área de proteção do tipo47 b B dependente de drogas apesar de conhecer o perigo da ação morre após injetar em si mesmo heroína cedida por A o autor só responde pelo tipo correspondente da lei de drogas porque a auto exposição a perigo sob responsabilidade exclusiva da vítima impede a imputação do resultado a terceiro contudo é preciso distinguir o resultado não é atribuível se a vítima percebe o risco na mesma medida 45 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 II 3 p 586587 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 18 I 2 p 136 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 667 46 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 94 p 337 s 47 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 92 p 336 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 173 242012 162806 174 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 do colaborador mas é atribuível se a vítima não percebe o significado de sua decisão neste caso o colaborador cria risco não coberto pela vontade daquela48 c paciente morre após ingerir superdose de remédio de ação psicotrópica para emagrecimento receitado por médico a atribuição do resultado ao médico fundada no dever de garantia da vida do paciente é excluída pelo argumento de que o dever de proteção se limita à doença do paciente sem incluir incontroláveis autolesões intencionais com os meios de cura prescritos49 d B morre ao recusar por motivos religiosos necessária trans fusão de sangue após acidente de trânsito causado por A o autor responde somente por lesões corporais imprudentes porque a vítima se expõe à morte certa ou provável por decisão consciente própria50 32 A exposição consentida a perigo criado por outrem não é imputável ao autor se corresponder à autoexposição a perigo observado o se guinte o dano deve ser consequência do risco consentido e a vítima deve ter a mesma compreensão do e responsabilidade pelo perigo que o autor51 Exemplos a a vítima esclarecida pelo barqueiro sobre os perigos do mar agitado insiste no passeio de barco e morre afogada porque o barco emborca sob a violência das ondas b o passageiro morre em acidente de trânsito porque convence o motorista a dirigir em velocidade não permitida sob alegação de compromisso inadiável c apesar de enérgica recusa sob alegação da própria alcooliza ção proprietário de veículo é convencido por companheiro de festa 48 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 94 p 337 s 49 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 95 p 338 50 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 102103 p 341342 51 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 1058 p 342344 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 174 242012 162806 175 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente a darlhe carona o qual morre em acidente de trânsito relacionado à embriaguez do motorista Nesses casos a imputação do resultado é excluída porque a ví tima conhece o risco ao qual se expõe ao contrário o resultado seria imputável se o autor convence a vítima a enfrentar o mar minimiza os perigos da velocidade no trânsito ou disfarça o estado de embria guez porque então a vítima não poderia conhecer o perigo a que iria se expor e as hipóteses não mais equivaleriam à autoexposição a perigo52 Atualmente a exposição consentida a perigo criado por outrem abrange também casos de relações sexuais com portadores de AIDS equivalentes à autoexposição a perigo se ambos parceiros conhecem o risco de contaminação e são responsáveis pela ação comum ao con trário o resultado de infecção por HIV pode ser atribuído ao autor se este nega a contaminação se convence ou força a vítima à relação sexual etc53 33 Os perigos situados em área de responsabilidade alheia têm por objeto em geral funcionários públicos bombeiros policiais etc ou profissionais médicos por exemplo no âmbito de suas funções ou atividades e incidem sobre cursos causais preexistentes podendo excluir a atribuição do resultado ao autor de anterior lesão do risco permitido ou do cuidado objetivo Exemplo o bombeiro morre ao tentar extinguir incêndio pro vocado por imprudência do proprietário da residência Definir se o autor do incêndio responde por homicídio imprudente do bombeiro ou se esse resultado se situa em área de responsabilidade alheia é uma questão espinhosa a para a opinião dominante tratase de homicídio imprudente atribuível ao autor do incêndio porque o resultado rea 52 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 28 IV 4 p 288 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 107 p 343344 53 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 108 p 344345 FRISCH Die Fahrlässigkeitsdelikt und das Verhalten des Verletzten 1973 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 175 242012 162806 176 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 liza perigo não permitido compreendido no âmbito de proteção do tipo54 b para outro setor da literatura cujo ponto de vista interessa aqui considerar o resultado se situa em área de responsabilidade alheia fora do âmbito de proteção do tipo como indicam alguns ar gumentos i o risco funcional é livremente assumido com a escolha da função e o funcionário é remunerado precisamente pelo risco que assume ii a atribuição de resultados lesivos em ações de proteção e salvamento conflita com razões de política criminal porque o risco de novas incriminações induziria autores imprudentes de incêndios ou de outros eventos lesivos a deixar de pedir a proteção de bombeiros ou de policiais com consequências danosas certamente mais graves55 34 Os danos psíquicoemocionais sobre terceiros como distúrbios físicos ou mentais determinados por sofrimento ou sentimento de infelicidade resultante de morte ou lesões corporais graves de pessoa afetivamente próxima por lesão do dever de cuidado ou do risco permitido não podem ser atribuídos ao autor a proteção típica do homicídio ou das lesões corporais não inclui responsabilidades penais cumulativas por distúrbios físicos ou psíquicos relacionados a abalo emocional de terceiro ressalvado possível ressarcimento civil56 35 As outras consequências danosas posteriores não são imputadas ao autor se relacionadas à redução da resistência orgânica ou da capaci dade física determinadas por ação lesiva do dever de cuidado ou do risco permitido novo acidente relacionado à redução de movimentos pela amputação da perna de vítima de acidente anterior não pode ser atribuído ao responsável pelo primeiro fato57 mas danos posteriores relacionados causalmente à anterior ação lesiva do dever de cuidado 54 FRISCH Tatbestandsmässiges Verhalten und Zurechnung des Erfolgs 1988 p 472 também JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 28 IV 4 p 288 MAURACHGÖSSEL Strafrecht 1989 43 n 73 55 ROXIN Strafrecht 1997 11 ns 111114 p 347348 56 Ver ROXIN Strafrecht 1997 24 n 43 p 934 57 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 44 p 9345 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 176 242012 162806 177 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente ou do risco permitido independentemente do tempo decorrido são atribuíveis ao autor presentes outros pressupostos por exemplo a morte da vítima de acidente de trânsito depois de longo período de tratamento 4 Resultados iguais em condutas alternativas conformes ao dever de cuidado ou risco permitido A hipótese de resultado igual em conduta alternativa conforme ao direito exclui a imputação mas os critérios são controvertidos como mostra este exemplo sem obser var a distância necessária motorista de caminhão ultrapassa ciclista embriagado que numa reação de curtocircuito determinada pelo álcool puxa o guidão da bicicleta para a esquerda sendo esmaga do pelo rodado traseiro do caminhão JESCHECKWEIGEND58 excluem a imputação na hipótese de provável ou possível produção de igual resultado em hipotética conduta alternativa conforme ao dever de cuidado ROXIN59 admite excluir a imputação somente na hipótese de certa produção do resultado na hipótese de provável ou possível produção de resultado igual o resultado seria imputável ao autor porque a lesão do risco permitido eleva a possibilidade de sua produção e no exemplo citado a inobservância da distância correta teria reduzido a chance de preservação da vida do ciclista configu rando assim realização de risco não permitido igualmente rejeita aplicação do princípio in dubio pro reo porque se o autor transcende o risco permitido eleva o perigo tolerável pelo ordenamento jurídico criando risco proibido realizado no resultado concreto60 A posição de ROXIN parece excessiva primeiro a certeza é incompatível com cursos causais hipotéticos que somente admitem resultados prová veis ou possíveis segundo o princípio in dubio pro reo é a expressão processual do princípio constitucional da presunção de inocência que 58 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 II 2 p 584585 59 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 7678 p 327328 60 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 78 p 328 No Brasil TAVARES Direito Penal da negligência 2003 p 332333 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 177 242012 162806 178 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 exclui toda e qualquer forma de presunção de culpa inerente em condenações duvidosas 23 A previsibilidade e a previsão do resultado A teoria dominante considera a previsibilidade do resultado con dição para sua atribuição ao autor61 embora exista relativa imprecisão sobre o que é ou não previsível como demonstram esses exemplos contraditórios da jurisprudência a o resultado é previsível se a vítima levemente ferida em acidente de trânsito morre de embolia por causa de tendência à trombose ou morre de derrame cerebral por causa da excitação do acidente b o resultado não é previsível se a vítima morre de colapso cardíaco por causa de fechada abrupta ou de leve acidente de trânsito62 ROXIN substitui a previsibilidade pelos critérios de criação e de realização do perigo mandar a namorada passear na praia deserta em dia de tempestade para ser fulminada por um raio o que de fato ocorre não é imputável ao autor porque ninguém pode criar riscos que não controla e não porque o resultado é imprevisível se a vítima de acidente de trânsito morre em incêndio no hospital a imputação do resultado é excluída porque não constitui realização do perigo criado pelo autor e não por causa da imprevisibilidade do incêndio63 Mas fundamentar a imputação do resultado na criação ou na realização de risco criado pelo autor não afasta a categoria da previsi bilidade afinal a criação ou a realização do perigo é imputável porque 61 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 II 3 p 586587 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 I 2 p 136 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 ns 667 e 667 s 62 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 II p 586587 63 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 13 p 923924 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 178 242012 162806 179 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente o resultado é previsível e por isso controlável pelo autor Na verdade o conceito de risco do resultado de lesão pressupõe ou implica a previsibilidade objetiva do resultado sem a qual não pode ser definido A previsibilidade do resultado parece ser o fundamento mínimo de imputação da imprudência que unifica suas modalidades inconsciente e consciente na imprudência inconsciente o autor não prevê resultado previsível na imprudência consciente o autor prevê resultado previsível que confia poder evitar64 1 Imprudência inconsciente A imprudência inconsciente define se pela ausência de representação da lesão do dever de cuidado ou do risco permitido o autor não representa a possibilidade de realização do tipo e constitui a modalidade menos grave de imprudência a lesão do risco permitido ou do dever de cuidado é objetivamente idêntica mas a representação da possível lesão do risco permitido ou do dever de cuidado na imprudência consciente pode determinar outra atitude do autor o que não ocorre na imprudência inconsciente excepcionalmente a imprudência inconsciente pode ser mais grave no caso de grosseira desatenção do autor enquanto a imprudên cia consciente pode revelar extremo cuidado para evitar lesão de bem jurídico representada como possível65 Alguns autores como BOCKELMANN66 por exemplo propõem retirar o caráter culpável da imprudência inconsciente porque a ausência de representação do autor exclui a possibilidade de agir diferente Contra a proposta argumentase que a culpabilidade não se baseia somente no conhe cimento da lesão do bem jurídico mas também na possibilidade desse conhecimento resultante da consciência das circunstâncias fun damentadoras do perigo soltar cachorro agressivo que fere criança constitui ação imprudente independentemente do autor pensar ou não no resultado lesivo além disso a vida social contemporânea 64 Ver MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 191 65 ROXIN Strafrecht 1997 24 ns 5961 p 940941 66 BOCKELMANN Verkehrsstrafrechtliche Aufsätze und Vorträge 1967 p 213 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 179 242012 162806 180 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 exige cidadãos capazes de reconhecer e de controlar os perigos que criam67 2 Imprudência consciente A imprudência consciente configurase pela representação da possibilidade de lesão do risco permitido ou do dever de cuidado e pela confiança na evitação do resultado o autor representa a possibilidade de realização do tipo mas confia na au sência do resultado lesivo ou porque subestima o perigo ou porque superestima a capacidade pessoal ou porque acredita na sorte Não há consenso sobre o nível de intensidade da representação da possível realização do resultado típico representação mínima para a opinião dominante representação de perigo concreto para JESCHECK WEIGEND68 representação de perigo juridicamente relevante superior ao risco permitido para ROXIN69 Definir o conceito de imprudência consciente é relevante entre outras razões para fixar a linha diferenciadora do dolo eventual im prudência consciente e dolo eventual são conceitos simultaneamente excludentes e complementares e sua distinção constitui uma das mais difíceis questões do Direito Penal70 porque fundamentada na identifi cação de atitudes diferenciáveis em última instância pela afetividade do autor De modo geral o dolo constitui decisão de lesão do bem jurídico protegido no tipo e a imprudência consciente representa leviana confiança na exclusão do resultado de lesão71 mas a determina ção das identidades e das diferenças entre dolo eventual e imprudência consciente exige critérios mais precisos conforme demonstrado no estudo do dolo eventual 67 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 62 p 942 68 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 54 II p 568569 69 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 63 p 942 70 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 I 2 p 69 71 ROXIN Strafrecht 1997 11 ns 2527 p 374375 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 180 242012 162806 181 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente A área dos efeitos secundários representados como possíveis pelo autor parece constituir a base empírica comum das teorias sobre im prudência consciente e dolo eventual separáveis por detalhes nas dimen sões intelectual e emocional desses conceitos A literatura trabalha na área dos efeitos secundários típicos representados como possíveis com os seguintes conceitos para definir imprudência consciente e dolo even tual72 a imprudência consciente caracterizase no nível intelectual pela representação da possível produção do resultado típico e no nível da atitude emocional pela leviana confiança na ausência ou exclusão desse resultado por habilidade atenção cuidado etc na realização concreta da ação o dolo eventual caracterizase no nível intelectual por levar a sério a possível produção do resultado típico e no nível da atitude emocional por conformarse com a eventual produção desse resultado podendo variar para as situações respectivas de contar com o resultado típico possível cuja eventual produção o autor aceita O caráter complementarexcludente desses conceitos consiste no seguinte quem confia na exclusão ou ausência do resultado típico possível não pode simultaneamente conformarse com ou aceitar sua produção imprudência consciente quem se conforma com ou aceita o resultado típico possível não pode simultaneamente confiar em sua exclusão ou ausência dolo eventual73 É possível identificar em escala gradativa de intensidade dos elementos intelectual e emocional do tipo subjetivo todas as mo dalidades subjetivas de realização de ações típicas desde o nível de maior intensidade psíquica do dolo direto de 1o grau até o nível de menor intensidade psíquica da imprudência inconsciente em um só e mesmo tipo objetivo se A fere B ao responder cumprimento 72 Ver ROXIN Strafrecht 1997 11 n 29 p 376 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III 3 p 299230 73 Representativos da opinião dominante JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III 3c p 301 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 I 2 p 68 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 181 242012 162807 182 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 segurando um canivete na mão é admissível todo o leque de atitudes subjetivas do dolo direto dolo eventual imprudência consciente e imprudência inconsciente conforme exista intenção de ferir ou conformação com a produção do resultado típico representado como possível ou confiança na ausência do resultado típico repre sentado como possível pelo cuidado na ação de cumprimentar ou simplesmente ausência de representação desses efeitos colaterais possíveis74 Na hipótese de dúvida sobre o tipo subjetivo respectivo a solução é sempre indicada pelo princípio in dubio pro reo aplicável irrestritamente A intensidade da lesão do risco permitido ou do dever de cuida do também pode determinar variações de gravidade da imprudência consciente ou inconsciente que oscila da leviandade como o nível mais intenso até a pequena imprudência como o nível mais leve de imprudência A leviandade é constituída pela imprudência grosseira das situações de leviana desatenção na realização de ações socialmente perigosas ou de frívola desconsideração por bens jurídicos protegidos ou ainda de lesões especialmente sérias do risco permitido ou do dever de cuidado objetivo75 Por isso a leviandade pode justificar maior rigor repressivo mas sempre nos limites da imprudência que não deve jamais ser confundida com nem tratada como dolo eventual sob pena de se abolir a diferença entre dolo eventual e imprudência consciente conforme alguns equivocados e deprimentes julgados da jurisprudência brasileira referidos como modelos sem qualquer ressalva por um setor da literatura penal76 em casos de resultados imprudentes produzidos por grave lesão do risco permitido ou do dever de cuidado Sobre isso é importante dizer o seguinte o dolo eventual não pode ser definido de modo abstrato fundado exclusivamente em atitudes irresponsáveis do autor por exemplo a irresponsabilidade da velocidade excessiva no 74 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 70 p 944945 75 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 7576 p 946 76 Ver por exemplo MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 141 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 182 242012 162807 183 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente trânsito mas sempre de modo concreto em que a situação objetiva de probabilidadepossibilidade de lesão de bens jurídicos é precisamente representada pelo autor momento intelectual o qual consente na ou aceita a produção do resultado momento emocional representado como provávelpossível Em outras palavras é necessário que uma situação concreta objetivamente existente penetre no psiquismo do autor sob a forma de representação do real pelos mecanismos percep tivos conscientes conhecimento e em face dessa situação concreta representada a conformação no autor de uma atitude interna definível como consentimento no ou aceitação do resultado representado como provável ou possível vontade Fora disso a teoria do consentimento acolhida na legislação penal exclui o dolo eventual Por outro lado a pequena imprudência é constituída por leves descuidos presentes na vida dos cidadãos mais prudentes e por isso são fenômenos não elimináveis da experiência cotidiana cuja descri minalização representa exigência de política criminal antiga sob o fundamento da inutilidade da repressão de falhas individuais relacio nadas à natureza dos processos psíquicos e portanto ligadas à própria contingência humana sendo suficiente a existência de mecanismos civis compensatórios77 Propostas menos radicais de política criminal para a pequena imprudência sugerem despenalização das lesões do dever de cuidado produzidas no contexto de atividades socialmente admitidas e punição no âmbito de ações socialmente desaprovadas ou nos crimes qualificados pelo resultado78 neste caso se o resultado for previsível porque resultados imprevisíveis não podem ser imputados sob nenhuma hipótese 77 Nesse sentido ROXIN Strafrecht 1997 24 n 85 p 950 78 Ver por exemplo ARZT Leichtfertigkeit und recklessness SchröderGS 1978 p 119 BURGSTALLER Das Fahrlässigkeitsdelikt im Strafrecht 1974 p 201 STRATENWERTH Strafrecht 1981 n 1137 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 183 242012 162807 184 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 IV Tipo objetivo e tipo subjetivo Uma estrutura de tipo objetivo e tipo subjetivo nos crimes de imprudência homogênea à estrutura dos crimes dolosos é admissível na imprudência consciente mas é objeto de controvérsia na imprudência inconsciente A imprudência consciente possui um tipo objetivo constituído pela causação do resultado e pela imputação do resultado e um tipo subjetivo integrado pela representação das circunstâncias de fato e pela previsão do resultado no nível intelectual e pela confiança na ausência do resultado no nível emocional a contrapartida típica subjetiva em relação ao dolo eventual79 A imprudência inconsciente possui idênti co tipo objetivo mas a questão do tipo subjetivo é controvertida a opinião majoritária nega a existência de tipo subjetivo pela ausência de representação do tipo objetivo um segmento minoritário afirma a existência de tipo subjetivo consistente na previsibilidade de realização do tipo objetivo80 ou no conhecimento dos fatores formadores do risco81 nunca das circunstâncias de fato do tipo objetivo A crítica argumenta que o conhecimento dos fatores fundamentadores do risco pode ser frequente mas não é necessário como nos casos comuns de inconsciência do excesso de velocidade ou da invasão de sinal vermelho além das hipóteses de simples esquecimento82 Contudo a inconsciência ou o esquecimento de ações socialmente perigosas 79 Assim HAFT Strafrecht 1994 p 155 n 4 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 66 p 943 No Brasil MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 191192 também ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 277 p 517 Contra a distinção entre tipo subjetivo e tipo objetivo TAVARES Direito Penal da negligência 2003 p 278 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 p 231 n 210 HEITOR COSTA JR Teoria dos delitos culposos 1988 p 6972 80 HAFT Strafrecht 1994 p 155 n 4 81 STRUENSEE Objektives Risiko und subjektiver Tatbestand JZ 1987 p 53 s 82 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 68 p 944 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 184 242012 162807 185 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente são atos psíquicos que configuram uma atitude subjetiva em face da possibilidade representável mas não representada de lesão de bens jurídicos essa atitude subjetiva constitui um estado psíquico necessa riamente diferente da disposição psicológica e emocional do dolo e da imprudência consciente mas suscetível de ser definido como tipo subjetivo da imprudência inconsciente V Crimes qualificados pelo resultado combinações doloimprudência 1 Nos crimes qualificados pelo resultado a relação entre ação e re sultado também se desdobra em causação do resultado e imputação do resultado como em qualquer crime de resultado o resultado deve ser o efeito causal e o produto do risco criado pela ação dolosa do autor ROXIN ou a consequência previsível da ação do autor JESCHECKWEIGEND Entretanto os crimes qualificados pelo resultado cujo tipo mais característico é a lesão corporal com resultado de morte art 129 3º CP constituem resquício medieval do versari in re illici ta do Direito Canônico como responsabilidade penal sem culpa por consequências resultantes da realização de uma ação proibida como informa ROXIN83 Historicamente os delitos qualificados pelo resultado provêm da teoria da assim chamada versari in re illi cita equivalente a permanecer em coisa proibida desenvolvida no Direito Canônico por força da qual 83 ROXIN Strafrecht 1997 p 281 n 121 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 185 242012 162807 186 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 cada um responde ainda que sem culpa por todas as consequências que se originam de sua ação proibida 2 A crítica moderna propõe a abolição pura e simples dos crimes qualificados pelo resultado por causa de sua moldura penal excessiva lesiva dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da cul pabilidade84 Enquanto isso a literatura sugere limitações profundas na imputação do resultado mais grave somente admissíveis em ações levianas altamente perigosas para a vida definidas como intermediárias entre a simples imprudência e o dolo de homicídio como indica ROXIN85 Desta forma apenas ações altamente perigosas contra a vida seriam compreendidas como tipo fundamental doloso antecedente dos delitos qualificados pelo resul tado que representam um nível intermediário entre o simples homicídio imprudente e o homicídio doloso e assim justificam uma moldura penal especial Igualmente JESCHECKWEIGEND definem os crimes qualificados pelo resultado como resíduo do versari in re illicita afirmando sua compatibilidade duvidosa com o princípio da cul pabilidade cuja pena ultrapassa os limites da culpabilidade por imprudência86 3 Assim se a realização da ação típica dolosa antecedente contém implícita lesão do dever de cuidado ou do risco permitido a imprudên cia contida na ação típica dolosa antecedente não é suficiente para 84 ROXIN Strafrecht 1997 p 276 n 110 Os críticos que advogam por sua abolição censuram sobretudo a moldura penal excessivamente elevada que os mostra de certo modo como contrários ao princípio da culpabilidade ou ao princípio da igualdade e assim como inconstitucionais eles consideram que o conteúdo de desvalor de tais delitos pode ser plenamente preenchido com as regras da concorrência Esta crítica é em parte justificada 85 ROXIN Strafrecht 1977 p 277 n 111 86 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1966 p 571 III Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 186 242012 162807 187 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente imputação do resultado mais grave ao autor é necessário ainda a definição do resultado como produto do risco criado pelo autor ou a previsibilidade do resultado como consequência provável da ação A literatura contemporânea sobre os crimes qualificados pelo re sultado pode ser assim resumida ROXIN condiciona a imputação do resultado à sua definição como produto específico do risco criado pela ação dolosa fundamental87 OTTO indica o perigo específico do tipo base como critério limitador que permite definir o resultado como realização do perigo específico da ação dolosa precedente88 JESCHECK WEIGEND exigem previsibilidade do resultado mais grave além da lesão do cuidado da ação dolosa89 TRÖNDLEFISCHER afirmam ser necessária a previsibilidade do resultado e portanto a insuficiência da mera relação de causalidade entre ação e resultado90 Na literatura 87 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 114 p 278 porque todo delito até mesmo um furto pode conduzir a consequências graves atípicas por exemplo queda mortal na perseguição o legislador dispôs um resultado qualificador apenas em determinados delitos por causa de sua tendência geral à produção de consequências mais graves correspondendo à finalidade da lei aplicar o tipo legal apenas em resultados que provêm do perigo específico do delito fundamental Apenas tais resultados são compreendidos pela finalidade de proteção dos delitos qualificados pelo resultado 88 OTTO Grundkurs strafrecht De Gruyter 2000 11 n 9 p 195 A nova jurisprudência desprendeuse da exigência de imediação e agora exige que se tenha realizado no resultado especial precisamente um tal perigo que marca de modo específico a ação fática do tipo fundamental 89 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 54 III n 2 p 571 A imprudência indica a especificidade nas combinações próprias de doloimprudência de que a lesão do cuidado em relação ao resultado consiste já na ação dolosa de modo que em regra devese apenas perguntar se o resultado de perigo era também previsível Se contudo a produção do resultado permanece fora de qualquer probabilidade pode faltar no caso concreto a relação de imputação entre lesão do cuidado e produção do resultado 90 TRÖNDLEFISCHER Strafgesetzbuch und Nebengesetze 2001 227 ns 2 e 3 2 O resultado de morte precisa ter sido causado por lesão corporal que também pode consistir em uma omissão de ação Mas segundo a opinião dominante não é suficiente que exista uma relação de causalidade para o 227 ao contrário é pressuposta uma estreita relação entre fato e resultado mais grave 3 O resultado de morte precisa ser causado pelo menos por imprudência 18 E porque já na comissão do delito fundamental existe Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 187 242012 162807 188 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 brasileira HUNGRIAFRAGOSO se referem de modo semelhante sobre o art 129 3o CP afirmando a impossibilidade de atribuição de resultados imprevisíveis91 Conclusão nos crimes qualificados pelo resultado a imputação do resultado mais grave pressupõe além da imprudência implícita na ação dolosa antecedente a definição do resultado mais grave como produto específico do risco criado pela ação dolosa do autor ou a previsibilidade do resultado mais grave como consequência provável da ação sob pena de absoluta inconstitucionalidade uma lesão do cuidado aqui o critério da imprudência é somente a previsibilidade do resultado 91 HUNGRIAFRAGOSO Comentários ao Código Penal 1979 v 5 p 359 são enfáticos se o resultado não foi previsto nem podia ter sido previsto pelo agente constituindo em relação a este um mero caso fortuito o agente só responderá por lesão corporal simples ou por outro modo qualificada Assim via de regra o soco o pontapé a mordedura a cabeçada a bengalada etc Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 188 242012 162807 189 Capítulo 10 o tipo de iNjuSto de omiSSão de ação I Introdução O estudo do tipo de injusto de omissão de ação supõe duas distin ções fundamentais primeiro distinguir ação e omissão de ação concei tos aparentemente irredutíveis a um denominador comum segundo no âmbito do conceito de omissão de ação distinguir omissão de ação própria fundada no dever jurídico geral de agir atribuível a todas as pessoas e omissão de ação imprópria fundada no dever jurídico especial de agir atribuível exclusivamente a pessoas definíveis como garantidores de determinados bens jurídicos em situação de perigo II Ação e omissão de ação Ação e omissão de ação são conceitos contraditórios que se rela cionam segundo célebre distinção de RADBRUCH como A e não A1 se A significa realizar uma ação proibida não A significa omitir a realização de uma ação mandada A contradição entre ação e omissão de ação assume forma plástica em ENGISCH2 que define ação como 1 Ver HAFT Strafrecht 1994 p 167 também WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 26 I p 200 2 ENGISCH Tun und Unterlassen Festschrift fur Gallas 1973 p 170 JESCHECK WEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 58 II 1 p 601 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 189 242012 162807 190 Teoria do Fato Punível Capítulo 10 emprego de energia em determinada direção e omissão de ação como não emprego de energia em determinada direção Desse modo a ação seria uma realidade empírica conhecível pelos sentidos a omissão de ação não seria uma realidade empírica mas uma expectativa frustrada de ação somente conhecível por um juízo de valor3 Nesse sentido omitir uma ação não significa simplesmente não fazer nada mas não fazer algo determinado pelo direito4 Em geral parece não haver dificuldade para diferenciar ação e omissão de ação mas em hipóteses de ação ou de omissão de ação simultâneas ou sucessivas essa diferenciação pode ser problemática Por isso a teoria construiu alguns critérios para facilitar a distinção a o critério da causalidade pelo qual existe ação se há determinação causal do resultado existe omissão de ação se um juízo de valor indica que alguém deveria ter agido5 b o critério do risco pelo qual existe ação se há criação ou elevação de risco para o bem jurídico existe omissão de ação se não há criação ou elevação de risco para o bem jurídico6 Por exemplo nos crimes de imprudência existe simultaneidade entre ação e omissão de ação a ação lesiva do risco permitido ou do dever de cuidado corresponde à omissão de ação adequada ao dever de cuidado ou ao risco permitido mas a existência de determinação causal do resultado ou de criaçãoelevação de risco do resultado atribuível ao autor indica normalmente uma ação imprudente Ao contrário existe 3 HAFT Strafrecht 1994 p 167 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 Cap 2 p 598 4 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 708 p 225 falam em não realizar determinada atividade juridicamente exigida No Brasil a excelente monografia de TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 n 19 p 60 fundamenta a omissão de ação no critério axiológico do dever de agir geral ou especial 5 HAFT Strafrecht 1994 p 167169 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 58 II 2 p 603 No Brasil ver TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 n 14 p 4446 6 Ver OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 I 2 n 2 p 144145 No Brasil comparar TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 n 18 p 5759 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 190 242012 162807 191 Capítulo 10 O Tipo de Injusto de Omissão de Ação omissão de ação nos seguintes exemplos a a mulher busca o marido bêbado no bar mas por causa de uma discussão abandona o marido no meio do caminho e este morre afogado no córrego ao tentar seguir sozinho para casa b após servir grande quantidade de bebida alcoólica a motorista de caminhão o proprietário do bar não impede o prossegui mento da viagem daquele que morre em acidente ao reentrar na rodovia c proprietário entrega veículo a amigo bêbado que morre em acidente porque aquele não impediu o amigo de dirigir embriagado7 Entretanto hipóteses de intervenção em processos causais preexistentes podem ser controvertidas a aparelho de respiração de paciente em estado de coma irreversível é desligado 1 pelo médico que o ligou ou 2 por terceiro se pelo médico existe omissão de ação porque a relevância não residiria na ação de desligar o aparelho mas na omissão da ação de continuar o tratamento se por terceiro por exemplo a mulher do paciente a pedido deste existe ação b B lança corda para salvar C da areia movediça mas solta a corda e C morre se antes de C agarrar a corda existe omissão de ação pela ausência de criaçãoelevação de risco ou pela conclusão de que B deveria ter agido se depois de C agarrála existe ação por determinação causal do resultado ou por criaçãoelevação de risco do resultado8 III Omissão de ação própria e imprópria O Direito Penal utiliza duas técnicas diferentes para proteger bens jurídicos em regra a norma penal proíbe a realização de ações 7 Maiores detalhes HAFT Strafrecht 1994 p 168169 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 58 II 2 p 603 8 HAFT Strafrecht 1994 p 169 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 58 II 2 p 603 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 I 2 n 610 p 146 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 191 242012 162807 192 Teoria do Fato Punível Capítulo 10 lesivas de bens jurídicos por exceção a norma penal ordena a reali zação de ações protetoras de bens jurídicos A ordem de realizar ações protetoras de bens jurídicos pode estar explícita em tipos legais cuja descrição negativa indica os tipos de omissão de ação própria por exemplo art 135 CP deixar de prestar assistência à criança aban donada ou extraviada ou à pessoa inválida ou ferida ao desamparo ou em grave e iminente perigo etc ou pode estar implícita nos tipos legais de resultado cuja descrição positiva indica simultaneamente a regra da ação e a exceção da omissão de ação imprópria por exemplo art 121 CP matar alguém9 1 A omissão de ação própria corresponde inversamente aos tipos de simples atividade e tem por fundamento a solidariedade humana entre os membros da sociedade que engendra o dever jurídico geral de agir cuja lesão implica responsabilidade penal dolosa pela omissão da ação mandada o dever de agir é definido no tipo legal respecti vo como a omissão de socorro art 135 CP o abandono de incapaz art 133 CP etc10 2 A omissão de ação imprópria corresponde inversamente aos tipos de resultado e tem por fundamento a posição de garantidor do bem jurídico atribuída a determinados indivíduos que engendra o dever jurídico especial de agir cuja lesão implica responsabilidade penal pelo resultado doloso ou imprudente como se fosse cometido por ação se o pai não impede mas pode impedir o afogamento do filho menor na piscina doméstica responde pelo resultado de morte por dolo ou imprudência11 e não por simples omissão de socorro 9 Nesse sentido TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 n 12 p 36 10 Assim por exemplo JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 58 III 12 p 605606 HAFT Strafrecht 1994 p 167 No Brasil comparar TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 n 20 p 6364 11 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 58 III 2 p 605606 No Brasil TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 n 22 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 192 242012 162807 193 Capítulo 10 O Tipo de Injusto de Omissão de Ação IV A omissão de ação imprópria e o princípio da legalidade A omissão de ação imprópria parece em conflito com o princípio da legalidade nas suas dimensões de proibição de analogia e de proibição de indeterminação penal como indica a dogmática contemporânea12 Um setor importante da literatura afirma a inconstitucionalidade dos crimes de omissão de ação imprópria porque constituiriam analogia proibida pelo princípio da legalidade e ainda mais relevante porque violariam a proibição de indeterminação dos tipos legais13 1 A proibição de analogia penal Com a introdução legal do critério formal de definição da po sição de garantidor art 13 2º CP uma opção de leitura dos tipos de resultado por exemplo homicídio e lesão corporal pode esclare cer a questão da analogia da omissão de ação imprópria conforme as seguintes alternativas a se os tipos de resultado são lidos como descrição de ações produtoras do resultado então a omissão de ação imprópria configura necessa p 6670 corretamente considera insuficiente a fundamentação legal do dever de impedir o resultado em face do princípio da legalidade 12 Ver por exemplo ROXIN Strafrecht II Beck 2003 p 637638 13 Assim KÖHLER Strafrecht Springer 1997 p 213214 No Direito Penal alemão o delito de omissão do garantidor após o reconhecimento de seus fundamentos na Doutrina e na Jurisprudência foi disciplinado de modo geral através da 2a Lei de Reforma do Direito Penal no 13 do Código Penal Mas esta norma é em sua circularidade insuficientemente determinada daí ser incompatível com o princípio da determinação constitucional art 103 II da Constituição grifamos Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 193 242012 162808 194 Teoria do Fato Punível Capítulo 10 riamente analogia proibida pelo princípio da legalidade porque a lei penal não define a omissão de ação imprópria cuja existência seria ilegalmente deduzida dos tipos legais14 b se os tipos de resultado são lidos como descrição simultânea de ações e de omissões de ação produtoras do resultado por exemplo matar al guém por ação proibida ou por omissão de ação mandada na posição de garantidor do bem jurídico então a produção do resultado por ação e a não evitação do resultado por omissão de ação constituiriam equivalentes lesões de bens jurídicos15 igualmente compatíveis com o princípio da legalidade a posição de garantidor seria característica típica geral de autoria dos tipos de resultado art 13 2º CP que independe de repetição nas definições legais respectivas16 Como os tipos legais indicados admitem realização por ação e por omissão de ação a hipótese de analogia proibida parece excluída 2 A proibição de indeterminação penal Não obstante persistem tensões dogmáticas na omissão de ação imprópria relativas à extensão da responsabilidade penal e à relação de causalidade apesar da definição legal das fontes do dever de ga rantia a a lei penal define os fundamentos do dever de evitar o resultado art 13 2º CP mas não indica os resultados de lesão de bens ju 14 Ver H MAYER Strafrecht 1953 p 199 15 Ver OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 I 4 n 1920 p 148 16 Nesse sentido a tese de TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 n 12 p 37 sobre a impossibilidade de suficiente proteção de bens jurídicos se não considerarmos que a norma é proibitiva e mandamental ao mesmo tempo representa contribuição significativa Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 194 242012 162808 195 Capítulo 10 O Tipo de Injusto de Omissão de Ação rídicos atribuíveis ao garantidor sob aqueles fundamentos legais ou seja não indica os tipos de resultado de lesão atribuíveis ao garantidor do bem jurídico o que parece infringir a proibição de indeterminação legal do princípio da legalidade afinal todos os bens jurídicos dos tipos de resultado são atribuíveis ao garantidor ou apenas os bens jurídicos mais importantes e nesse caso quais e de que modo b a relação de causalidade entre ação omitida e resultado típico é hipotética portanto fundada em juízo de probabilidade de exclusão do resultado pela realização imaginária da ação mandada17 que pode ser um juízo próximo da certeza mas será apenas juízo e necessaria mente incerto18 21 O problema da indeterminação legal dos resultados de lesão de bens jurídicos atribuíveis ao garantidor afeta também outras legislações com críticas semelhantes Por exemplo idêntica lacuna do Código Penal alemão é objeto de crítica que questiona a compatibilidade do 13 com o princípio da determinação como diz ROXIN19 Pois a lei indica como pressupostos da punibilidade da omissão apenas os critérios do dever de garantir e da correspondência sem dizer quando se tem de garantir que o resultado não ocorra e quando a omissão corres ponde a um fazer Que a regulação legal sob o ponto de vista do princípio da determinação não é inquestionável é também afirmado frequentemente na literatura 17 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 58 IV 3 p 609 18 COSTA JÚNIOR Comentários ao código penal I 1989 p 134 fala em desrespeito aos princípios da certeza do direito e da legalidade sugerindo previsão legal dos tipos que admitem comissão por omissão 19 ROXIN Strafrecht Beck 2003 v II 31 IV n 32 p 637 Denn das Gesetz nennt als Voraussetzungen der Unterlassungsstrafbarkeit nur die Kriterien des Einstehenmussens und des Entsprechens ohne zu sagen wann man dafur einzustehen hat dass der Erfolg nicht eintritt und wann das Unterlassen dem Tun entspricht Dass die gesetzliche Regelung unter dem Gesichtspunkt des Bestimmtheitsgrundsatzes nicht unbedenklich ist wird denn auch in der Literatur vielfach betont Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 195 242012 162808 196 Teoria do Fato Punível Capítulo 10 No caso da lei penal brasileira a ausência da cláusula de corres pondência pela qual a não evitação do resultado deve corresponder à realização ativa do resultado respectivo pelo garantidor agrava a situação No Brasil após a reforma de 1984 a lei penal define os funda mentos do dever jurídico de evitar o resultado art 13 2º CP mas não determina os resultados de lesão dos bens jurídicos atribuíveis ao garantidor com fundamento nos deveres jurídicos definidos Nessas condições a única forma de conciliar a omissão de ação imprópria com a proibição de indeterminação do princípio da legali dade seria reduzir a responsabilidade penal do garantidor aos bens jurídicos individuais mais importantes como a vida e o corpo do sujeito garantido a extensão da garantia a todos os tipos de resultado de lesão incluindo o patrimônio a sexualidade ou ainda mais grave o sistema financeiro o meio ambiente etc embora tecnicamente admissível implicaria um dever jurídico indeterminável e excessivo incompatível com a Constituição da República20 22 A questão da chamada probabilidade próxima da certeza da cau salidade hipotética por isso também denominada quase causalidade parece representar critério de juízo determinado pela estrutura da omissão de ação imprópria a atribuição do resultado ao garantidor do bem jurídico não pode se basear em causalidade real presente na realização concreta da ação mandada e ausente na omissão de ação mas em causalidade hipotética fundada em juízo de probabilidade próxima da certeza de exclusão do resultado Se o controlador de trá fego ferroviário por exemplo não comunica a partida do trem e o motoqueiro é atropelado porque a cancela não foi fechada podese afirmar que a realização da ação mandada excluiria o resultado com probabilidade próxima da certeza segundo a teoria dominante21 20 Nesse sentido TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 p 8182 restringe o dever de garantia em todas as hipóteses de omissão de ação imprópria aos delitos contra a vida a integridade corporal e a liberdade 21 Ver entre outros HAFT Strafrecht 1994 p 172 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 196 242012 162808 197 Capítulo 10 O Tipo de Injusto de Omissão de Ação Alguns autores pretendem substituir esse juízo de probabilidade próxima da certeza por um juízo de possibilidade fática de evitar ou reduzir o resultado sob o argumento de que seria impossível ao leigo um juízo de probabilidade próxima da certeza sobre a eficácia de cirurgia médica em vítima de acidente de trânsito por exemplo22 Sem dúvida esse juízo de possibilidade fática pode informar a ação mandada para evitar ou reduzir o resultado mas somente um juízo de probabilidade próxima da certeza pode fundamentar a atribuição do resultado pelo julgador que pode ser esclarecido por perícias excluindo hipóteses em que a realização da ação mandada seria inútil V Estrutura dos tipos de omissão de ação A estrutura dos tipos de omissão de ação própria e imprópria é formada igualmente por dimensões objetiva e subjetiva23 e caracte rizase por uma correspondência assimétrica definida por elementos típicos comuns e por elementos típicos específicos da omissão de ação imprópria Os elementos típicos comuns do tipo objetivo da omissão de ação própria e imprópria são os seguintes a situação de perigo para o bem jurídico b poder concreto de agir c omissão da ação mandada adicionalmente os elementos típicos específicos do tipo objetivo da omissão de ação imprópria compreendem os seguintes d resultado típico e posição de garantidor do bem jurídico 22 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 IV 2 n 98101 p 16970 23 Assim MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 46 II ns 28107 p 188209 e III n 108120 p 209211 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 I 3 n 1314 p 147 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 16 II n 707732 p 225233 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 197 242012 162808 198 Teoria do Fato Punível Capítulo 10 O tipo subjetivo da omissão de ação também é assimétrico na omissão de ação própria somente dolo na omissão de ação imprópria dolo e imprudência 1 Elementos comuns do tipo objetivo da omissão própria e imprópria 11 Situação de perigo para o bem jurídico A realidade determi nante do dever de agir é a situação de perigo para o bem jurídico ou situação típica conforme a teoria dominante24 embora essa situação constitua apenas um dos componentes do tipo assim definível a na omissão de ação própria a situação de perigo para o bem jurídico aparece explícita no tipo legal deixar de prestar assistência à criança abandonada ou extraviada ou à pessoa inválida ou ferida ao desamparo ou em grave e iminente perigo etc art 135 CP b na omissão de ação imprópria a situação de perigo para o bem jurídico está implícita no resultado descrito no tipo legal matar alguém art 121 CP resultado de lesão de bem jurídico produzível por ação proibida ou por omissão de ação mandada Por exemplo a existência de um ciclista ferido na rodovia indica a situação de perigo pressuposta no dever jurídico de agir da omissão de ação em geral 12 Poder concreto de agir O poder concreto de agir exprime a capacidade de realizar a ação mandada definida pela natureza da ação e condições pessoais do autor a a ação mandada é determinada pelas circunstâncias objetivas da situação de perigo se o motorista 24 Ver por exemplo JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 I p 615 também WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 27 I 1 p 204 No Brasil TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 p 77 no sentido do texto CIRINO DOS SANTOS Teoria do crime 1993 p 4245 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 198 242012 162808 199 Capítulo 10 O Tipo de Injusto de Omissão de Ação não pode prestar auxílio direto ao ciclista ferido pode chamar um médico ou uma ambulância ou avisar a polícia etc b a realização da ação mandada deve ser pessoalmente possível excluída em hipóteses de impossibilidade objetiva se o motorista passeia em Curitiba não pode socorrer o ciclista ferido na Via Dutra e de incapacidade subjetiva relacionada à força física ao conhecimento técnico e ao potencial intelectual do autor sujeitos inconscientes algemados ou paralíticos incapacidade técnica de operar meios de ajuda como barcos extintores de incêndio escadas automáticas inexistência ou defeito dos meios de ajuda disponíveis etc25 A legislação brasileira consagra esse requisito no art 13 2º CP Art 13 2º A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado A redação da norma é defeituosa primeiro o dever pressupõe o poder de agir e portanto a ordem dos verbos está invertida segundo o dever jurídico de agir é um conceito normativo fundado na realidade concreta do poder ou capacidade de agir e portanto a referência ao dever seria desnecessária 13 Omissão da ação mandada A realização da ação mandada signi fica o cumprimento do dever jurídico de agir logo a não realização da ação de proteção do bem jurídico em situação de perigo por um autor concretamente capaz de agir significa o descumprimento do dever jurídico de agir que define a omissão de ação em geral26 No 25 HAFT Strafrecht 1994 p 173 fala em possibilidade de ação excluída em situações de incapacidade geral ou individual JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 II 2 p 616 falam em capacidade individual de ação WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 708 p 225 referemse à possibilidade físico real de agir No Brasil TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 p 75 fala em real possibilidade de atuar ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 294 p 540 referemse à conduta fisicamente possível 26 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 II 1 p 616 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 27 I 2 p 204 No Brasil comparar TAVARES As Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 199 242012 162808 200 Teoria do Fato Punível Capítulo 10 exemplo citado se o motorista não socorre diretamente o ciclista feri do nem chama um médico ou ambulância nem avisa a polícia está caracterizado o tipo objetivo da omissão de ação própria a omissão de ação imprópria exige ainda outros elementos independentemente de o ciclista ferido vir a ser socorrido por outra pessoa ou morrer por falta de socorro27 2 Elementos específicos do tipo objetivo da omissão de ação imprópria 21 Resultado típico O tipo de omissão de ação imprópria exige ainda a produção do resultado típico como consequência causal da omissão da ação mandada o ciclista ferido coincidentemente filho do motorista morre porque o motorista omite a realização da ação de proteção Nos crimes de omissão de ação imprópria o princípio da legalidade reduz a responsabilidade penal do garantidor aos resultados de lesão dos bens jurídicos mais importantes como a vida e o corpo do sujeito garantido excluindo outros tipos de resultado de lesão por exemplo nas áreas do patrimônio da sexualidade do sistema finan ceiro do meio ambiente etc e obviamente todos os crimes de perigo concreto ou de perigo abstrato realizáveis por simples atividade A relação de causalidade entre resultado e omissão da ação man dada é uma das questões problemáticas da omissão de ação imprópria a ausência de causalidade real na omissão de ação somente existe causalidade real na execução da ação mandada é suprida por uma causalidade hipotética portanto por uma construção psíquica do julgador A hipótese funciona assim se a realização da ação mandada controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 n 24 p 75 27 Ver OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 I 3 n 125 p 147 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 200 242012 162808 201 Capítulo 10 O Tipo de Injusto de Omissão de Ação tivesse evitado o resultado com probabilidade próxima da certeza então o resultado é atribuível ao autor em caso contrário o princípio in dubio pro reo impede a atribuição do resultado28 22 Posição de garantidor O Direito Penal utiliza duas técnicas para proteção de bens jurídicos por um lado proíbe ações lesivas de bens jurídicos por outro lado ordena ações protetoras de bens jurídicos porque a não evitação do resultado por omissão de ação mandada equivale à produção do resultado de lesão do bem jurídico por ação proibida A equivalência da não evitação do resultado por omissão de ação à produção do resultado por ação fundamentase no dever jurídico especial de agir para evitar o resultado atribuído ao garantidor do bem jurídico nos tipos de omissão de ação imprópria Assim a presença real do garantidor do bem jurídico na situação de perigo tem um du plo significado concreto a o titular do bem jurídico garantido pode exporse a perigos que de outro modo evitaria b todas as demais pessoas podem confiar na ação efetiva do garantidor do bem jurídico em situações concretas de perigo por isso estão liberadas do dever jurídico de impedir o resultado29 A posição de garantidor é elemento do tipo da omissão de ação imprópria portanto uma definição legal da posição de garantidor é exigência do princípio da legalidade30 A dogmática penal desenvolveu dois critérios para definir a posição de garantidor nos tipos de omissão de ação imprópria 28 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 III p 617620 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 ns 711712 p 226227 No Brasil TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 n 24 p 7879 29 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 IV 1 p 620 No Brasil TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 n 24 p 7879 30 Comparar TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 n 22 p 6670 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 201 242012 162808 202 Teoria do Fato Punível Capítulo 10 a o critério formal ou clássico considera a lei o contrato e a ação precedente perigosa como fontes do dever de garantia b o critério material ou moderno trabalha com duas fontes alternativas do dever de garantia 1 por um lado garantia de prote çãoguarda de pessoa determinada ou de bem jurídico determinado contra situações de perigo indeterminadas 2 por outro lado garantia de segurançavigilância de fontes de perigo determinadas para proteger pessoas indeterminadas ou bens jurídicos indeterminados31 O critério formal oferece segurança jurídica mas a rigidez das categorias explica seu desprestígio na literatura moderna por exemplo nem a lei mas a relação de confiança nem a validade do contrato mas a assunção fática da garantia determinam a posição de garanti dor por outro lado o critério material é abrangente e flexível e por isso dominante na literatura mas a natureza difusa das categorias conceituais que o estruturam reduz a segurança jurídica32 A legislação brasileira adotou o critério formal para definir a posição de garantidor desse modo Art 13 2º O dever de agir incumbe a quem a tenha por lei obrigação de cuidado proteção ou vigilância b de outra forma assumiu a responsabilidade de im pedir o resultado c com seu comportamento anterior criou o risco da ocorrência do resultado 31 HAFT Strafrecht 1994 p 176178 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 IV 25 p 621628 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 IIIII n 4886 154165 32 Ver por exemplo OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 I 4 n 2529 p 149150 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 202 242012 162808 203 Capítulo 10 O Tipo de Injusto de Omissão de Ação a Obrigação legal de cuidado proteção ou vigilância A lei como fonte mais geral da posição de garantidor abrange as hipóteses de obrigação de cuidado proteção ou vigilância em especial no âmbito das relações de família entre casais parentes em linha reta e irmãos33 Historicamente o dever jurídico de cuidado tem por objeto as relações recíprocas entre ascendentes e descendentes cônjuges e colaterais para excluir perigos contra a vida e o corpo do garantido mas não inclui os perigos criados pelo protegido contra terceiros agressões ou contra si mesmo suicídios se definíveis como ações livres de sujeitos capazes de compreensão Por outro lado o dever jurídico de proteção e vigilância é atribuído aos pais ou responsáveis em relação aos filhos menores dever de proteção contra perigos para a vida e o corpo dos filhos dever de vigilância dos filhos em relação a perigos destes contra a vida e corpo de terceiros34 Entretanto é necessário esclarecer dois pontos primeiro a exigência de lei como fonte da obrigação de cuidado proteção ou vigilância significa lei formal como ato do Poder Legislativo com exclusão de atos normativos inferiores decretos regulamentos re soluções instruções etc segundo o princípio da legalidade exige lei formal de natureza penal porque somente leis penais formais podem definir a punibilidade da omissão de ação imputável ao garantidor35 b Assunção da responsabilidade de impedir o resultado A responsabilidade de impedir o resultado pode ser assumida por ato de vontade contratual ou extracontratual do garantidor mas a assunção fática da proteção é decisiva porque a confiança na ação do garante cria relações de dependência e encoraja a exposição a riscos que de outro 33 Assim JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 IV 3a p 622 HAFT Strafrecht 1994 p 178 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 II 1 n 4855 p 154155 34 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 II 1 n 5660 e III 4 n 9293 35 ROXIN Strafrecht 2003 32 n 11 e 14 p 714715 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 203 242012 162808 204 Teoria do Fato Punível Capítulo 10 modo seriam evitados Essa fonte do dever de agir inclui as seguintes hipóteses a a livre assunção da proteção do médico em relação ao pa ciente do salvavidas em relação aos banhistas da babysitter em relação às crianças etc36 b as relações comunitárias estreitas sob a forma de comunidades de perigo o guia em relação aos turistas ou participantes de expedições ou de comunidades de vida o dono da casa em relação às pessoas acolhidas no âmbito da residência excluída a mera relação de coabitação em pensões ou repúblicas os professores em relação aos alunos no âmbito e durante o funcionamento da escola etc37 c Comportamento anterior criador do risco do resultado O conceito de comportamento compreende a ação e a omissão de ação precedente perigosa desde que o perigo de resultado seja objetivamente previsível38 A ação precedente perigosa fundada na proibição geral de lesão neminem laede deve ser antijurídica39 ou contrária ao dever40 se gundo a opinião dominante embora respeitável opinião minoritária também admita criação de perigo conforme ao direito porque ações nos limites do dever de cuidado ou do risco permitido não excluiriam o dever de segurança41 A hipótese mais importante de ação precedente perigosa como fonte da posição de garantidor consiste no perigo para vítimas de acidente de trânsito causado por lesão do risco permitido ou do dever de cuidado a morte da vítima de acidente de trânsito 36 HAFT Strafrecht 1994 p 178 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 IV 3c p 623 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 II 3 n 6466 37 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 IV 3b p 622623 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 II 1 n 4861 154157 e II 2 6263 p 157 38 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 III 1 n 7684 p 161164 39 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 725 p 231 40 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 IV 4a p 625 41 Assim por exemplo MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 46 ns 9599 p 204206 ver OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 III 1 n 7982 p 162164 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 204 242012 162809 205 Capítulo 10 O Tipo de Injusto de Omissão de Ação determinada por omissão da ação de proteção do autor da ação prece dente perigosa com consciência da possibilidade do resultado de morte daquela implica responsabilidade por homicídio doloso cometido por omissão porque constitui omissão de ação fundada na posição de garantidor42 e não simples homicídio imprudente com pena agravada art 121 4º CP Finalmente ações dentro dos limites do risco permitido ou conformes ao dever de cuidado assim como ações justificadas lesão corporal produzida no agressor em situação de legítima defesa não engendram o dever especial de garantia da omissão de ação imprópria segundo a literatura dominante43 mas não excluem o dever geral de socorro da omissão de ação própria44 Hipótese controvertida é a venda de bebidas alcoólicas em relação aos perigos criados pelo álcool para o bêbado ou do bêbado para terceiros a em relação aos perigos para o bêbado parece geral a tese de que o fornecimento de álcool cria o dever de garantia para o fornecedor proprietários de bares ou restaurantes se o estado de alcoolização do freguês é evidente b em relação aos perigos do bêbado para terceiros as opiniões variam entre a proposta de excluir a posição de garante do fornecedor45 e a proposta de condicionar essa exclusão ao estado de imputabilidade do bêbado46 A omissão de ação precedente perigosa como fonte da posição de garantidor tem por fundamento a confiança da comunidade na capacidade do garante de controlar perigos produzidos por pessoas submetidas ao seu poder ou de controlar perigos existentes em me canismos engenhos ou animais em áreas submetidas ao seu domínio 42 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 67 III 4 p 723 43 HAFT Strafrecht 1994 p 177 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 IV 4 p 626628 outra opinião OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 III 1 n 7981 p 162163 44 HAFT Strafrecht 1994 p 177 45 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 IV 4 p 626628 46 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 III 1 n 82 p 163164 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 205 242012 162809 206 Teoria do Fato Punível Capítulo 10 por exemplo a o proprietário não ilumina escada da residência e hóspede cai e quebra a perna ou não repara defeito do telhado e uma telha despenca sobre a cabeça de convidado b os perigos criados pela omissão de controle ou cuidado 1 do proprietário de animais ferozes em relação a danos sobre terceiros 2 dos responsáveis por obstáculos físicos em ruas rodovias e estradas em relação à sinalização de adver tência respectiva 3 do proprietário do veículo entregue a motorista não habilitado ou colocado em circulação sem condições de segurança em relação aos danos resultantes de acidentes de trânsito etc47 3 O tipo subjetivo da omissão de ação O tipo subjetivo da omissão de ação própria é o dolo e da omissão de ação imprópria o dolo e a imprudência Segundo a teo ria dominante o dolo não pre ci sa ser constituído de consciência e de vontade como nos tipos de ação em ambas modalidades de omissão de ação basta deixar as coisas correrem com conhecimento da situação típica de perigo para o bem jurídico e da capacidade de agir suficientes na omissão de ação própria mais o conhecimento do resultado e da posição de garante necessárias na omissão de ação imprópria porque dolo como vontade consciente de omitir a ação mandada constituiria exceção rara o médico decide recusar paciente em estado grave sob o argumento de inexistência de leito livre48 47 HAFT Strafrecht 1994 p 177178 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 IV 4ab p 626627 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 III 23 n 8591 p 165167 48 Ver entre outros JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 VI 1 p 630631 também HAFT Strafrecht 1994 p 181 No Brasil TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 p 9597 exige ao lado do elemento intelectual da consciência também o elemento emocional da vontade para constituir o dolo na omissão de ação Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 206 242012 162809 207 Capítulo 10 O Tipo de Injusto de Omissão de Ação Na legislação penal brasileira o conteúdo do dolo nos crimes de omissão de ação não pode ser diferente do conteúdo do dolo nos crimes de ação porque se a consciência é a direção típica inteligente a vontade é a energia psíquica que produz a ação e a omissão de ação típica dolosa aliás a única interpretação compatível com a definição do dolo no art 18 I CP 31 Espécies de dolo na omissão de ação O dolo nos crimes de omissão de ação existe sob as mesmas modalidades admitidas para os crimes de ação a dolo direto de 1º grau se o resultado típico coin cide com o fim proposto pelo autor b dolo direto de 2o grau se o resultado típico é representado como certo ou necessário pelo autor c dolo eventual se o autor consente na produção de resultado típico representado como possível efeito da ação omitida49 32 Objeto do dolo na omissão de ação O dolo na omissão própria e na omissão imprópria tem por objeto comum os seguintes elementos do tipo objetivo a a situação de perigo para o bem jurídico ou situação típica b o poder concreto de ação para proteger o bem jurídico em situação de perigo c a omissão da ação mandada para proteção do bem jurídico50 O dolo na omissão de ação imprópria tem por objeto específico os seguintes elementos adicionais característicos do tipo objetivo a o resultado de lesão do bem jurídico b a posição de garantidor do bem jurídico em perigo51 33 O erro de tipo na omissão de ação O dolo nos tipos de omissão de ação está exposto à mesma relação de lógica exclusão entre conheci mento e erro dos tipos dolosos de ação se o dolo exige conhecimento a da situação típica de perigo para o bem jurídico b do poder con creto de agir e c da omissão da ação mandada na omissão de ação 49 ROXIN Strafrecht II Beck 2003 p 684 50 ROXIN Strafrecht II Beck 2003 p 685 51 ROXIN Strafrecht II Beck 2003 p 685 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 207 242012 162809 208 Teoria do Fato Punível Capítulo 10 própria e imprópria e adicionalmente d do resultado típico e e da posição de garantidor na omissão de ação imprópria então o erro sobre qualquer desses elementos do tipo de omissão de ação própria e imprópria evitável ou inevitável exclui o dolo52 Defeitos de conhecimento por ausência ou insuficiência de repre sentação da realidade como desconhecimento dos elementos fáticos descritivos ou normativos do tipo legal excluem sempre o dolo na forma do art 20 CP mas na omissão de ação imprópria é preciso distinguir o erro inevitável exclui o dolo e a imprudência o erro evi tável exclui somente o dolo admitindo punição por imprudência se existente o tipo legal respectivo53 VI Conhecimento do injusto e erro de mandado O conhecimento do injusto como elemento central da culpa bilidade existe como conhecimento do dever jurídico geral de agir na omissão de ação própria e como conhecimento do dever jurídico especial de agir para evitar o resultado na omissão de ação imprópria O erro sobre o dever jurídico de realizar a ação mandada em ambas as modalidades de omissão de ação constitui erro sobre o dever jurídico de agir e portanto erro de mandado e não erro de proibição como ocorre nos crimes de ação Nos tipos de ação o dever de omitir a ação proibida é geral mente claro mas nos tipos de omissão de ação o dever de realizar a ação mandada é normalmente obscuro para o destinatário da norma penal especialmente em crimes omissivos próprios contra 52 ROXIN Strafrecht II Beck 2003 p 686 No Brasil TAVARES As controvérsias acerca dos crimes omissivos 1996 p 98 53 ROXIN Strafrecht II Beck 2003 p 687688 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 208 242012 162809 209 Capítulo 10 O Tipo de Injusto de Omissão de Ação a ordem econômica o meio ambiente ou outros setores do Direi to Penal especial e por esse motivo a evitabilidade do erro é menor54 determinando a exclusão ou a redução do juízo de repro vação Esse problema além da dificuldade ou da impossibilidade de distinguir erro de proibição e erro de tipo nessas áreas do Direito Penal especial está na origem de propostas de tratar o erro de mandado sobre deveres tributários por exemplo como erro de tipo excludente do dolo55 VII Tentativa e desistência na omissão de ação O argumento de que a tentativa de omissão de ação segundo WELZEL e ARMIN KAUFMANN só pode ser concebida como omissão da tentativa de realizar a ação mandada56 parece incontes tável contudo a opinião dominante afirma o seguinte na omissão de ação própria a tentativa é sempre inidônea na omissão de ação imprópria o problema é caracterizar o começo da tentativa porque o critério legal referese à ação e não à omissão de ação A moderna dogmática alemã identifica a tentativa de omissão de ação impró pria na criação ou ampliação de perigo para o objeto protegido57 consistente na perda da primeira possibilidade para realizar a ação mandada58 ou na perda do último momento para excluir o resulta 54 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 60 I p 636 55 Nesse sentido TAVARES As controvérsias acerca dos crimes omissivos 1996 p 99 56 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 27 IV p 206 também ARMIN KAUFMANN Unterlassungsdelikte p 204 57 JAKOBS Strafrecht 1993 29116118 p 853854 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 40 n 106 p 34 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 741 p 237 58 HERZBERG Der Versuch beim unecheten Unterlassungsdelikt MDR 1973 p 89 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 209 242012 162809 210 Teoria do Fato Punível Capítulo 10 do que marca a independência do processo causal em relação ao autor59 Ao contrário a desistência da tentativa de omitir a ação mandada somente se configura mediante uma atividade positiva o motorista retorna da fuga do local do acidente e conduz o ferido para o hospital60 Na legislação brasileira o critério objetivo do início de execução da definição legal de tentativa art 14 II CP tem por objeto exclusi vamente os crimes de ação logo o início de execução somente poderia existir na realização da ação mandada e portanto no cumprimento do dever jurídico de agir nunca na omissão de ação caracterizada pela ausência de qualquer processo executivo Assim do ponto de vista conceitual a tentativa de omissão de ação é impossível do ponto de vista do princípio da legalidade a punição da tentativa de omissão de ação própria ou imprópria é inconstitucional e qualquer solução diferente passa necessariamente pela mudança da definição legal61 VIII A exigibilidade da ação mandada A exigibilidade da ação mandada é uma característica do tipo de omissão de ação própria indicada pela possibilidade de realização da ação mandada A questão resultante é a seguinte a essa característica da omissão de ação própria é transferível para os tipos de omissão de 59 ARMIN KAUFMANN Unterlassungsdelikte p 210 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 28 IV p 221 60 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 60 II 3 p 639 61 TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 p 9394 rejeita tentativa na omissão própria mas admite tentativa na omissão imprópria fundado na perda da última ou da primeira oportunidade de realizar a ação mandada segundo o caso concreto Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 210 242012 162809 211 Capítulo 10 O Tipo de Injusto de Omissão de Ação ação imprópria b em caso positivo a inexigibilidade da ação mandada exclui o dever de agir nos tipos de omissão imprópria Não existe consenso na dogmática penal sobre a consequência jurídica da inexigibilidade da ação mandada na omissão de ação impró pria ou exclui o tipo62 ou exclui a antijuridicidade63 ou finalmente exclui a culpabilidade64 A questão poderia ser assim formulada se o ordenamento jurídico impõe ao garante comportamento conforme ao dever jurídico então a inexigibilidade exclui o próprio tipo de injusto se o ordenamento jurídico impõe ao garante comportamento ade quado às suas condições pessoais então a inexigibilidade exclui apenas a culpabilidade65 62 LACKNER Strafgesetzbuch 13 n 5 63 SCHMIDHÄUSER Strafrecht 16 n 84 64 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 VIII 3 p 635 65 Ver OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 IV 3 n 102103 p 170 No Brasil TAVARES As controvérsias acerca dos crimes omissivos 1996 p 100103 considera a inexigibilidade como cláusula geral de exculpação nos delitos de omissão de ação Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 211 242012 162809 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 212 242012 162809 213 Capítulo 11 aNtijuridicidade e juStiFicação I Teoria da antijuridicidade 1 Introdução Juridicidade e antijuridicidade são os conceitos mais gerais do ordenamento jurídico porque indicam conformidade e contradição ao Direito respectivamente Em Direito Penal a antijuridicidade é uma contradição entre a ação humana realizada ou omitida e o ordenamento jurídico no conjunto de suas proibições e permissões as proibições são os tipos legais como descrição de ações realizadas ou omitidas que indicam os elementos positivos do tipo de injusto as permissões são as justificações legais e supralegais como situações concretas que excluem as proibições portanto definem os elementos negativos do tipo de injusto O conceito de antijuridicidade preci sa ser examinado sob dois pontos de vista primeiro em relação ao conceito de tipicidade segundo quanto à diferença com o conceito de injusto 11 Antijuridicidade e tipicidade A relação entre antijuridicidade e tipicidade depende da natureza bipartida ou tripartida do con ceito de fato punível a para o conceito bipartido de fato punível tipicidade e antijuridicidade constituem o conceito unitário do tipo de injusto o tipo representa os elementos positivos as justificações representam os elementos negativos do tipo de injusto logo uma Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 213 242012 162809 214 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 ação justificada é uma ação atípica porque os elementos negativos excluem os elementos positivos do tipo de injusto b para o conceito tripartido de fato punível tipicidade e antijuridicidade são conceitos autônomos na categoria do tipo de injusto em que se relacionam como regra e exceção a tipicidade da ação indica a antijuridicidade do fato regra as justificações excluem a antijuridicidade do fato exceção1 logo toda ação típica é antijurídica exceto as ações típicas justificadas Em regra o legislador descreve nos tipos legais condutas con trárias ao Direito ou seja ações ou omissões de ação antijurídicas excepcionalmente permitidas nas situações concretas denominadas justificações como a legítima defesa o estado de necessidade etc Inde pendentemente da posição sobre a estrutura bipartida ou tripartida do conceito de crime a tipicidade parece constituir a própria ratio essendi da antijuridicidade e não simples ratio cognoscendi da antijuridici dade Por essa razão a antijuridicidade da ação típica é determinada por um critério negativo ausência de justificação A praticidade do critério explica sua adoção generalizada ausente justificação está caracterizada a antijuridicidade presente justificação está excluída a antijuridicidade2 12 Antijuridicidade e injusto A relação da antijuridicidade com o injusto é uma relação de diferenciação no mesmo estágio do fato punível a antijuridicidade representa uma qualidade invariável da ação típica expressa na contradição entre a ação ou omissão de ação e o conjunto das proibições e permissões do ordenamento jurídico ao contrário o injusto representa a própria ação típica e antijurídica concreta como grandeza variável ou graduável da realização não justificada de comportamentos típicos Os conceitos de antijuridi cidade invariável e de injusto variável estão na base da distinção 1 Ver entre outros HAFT Strafrecht 1994 p 69 2 CIRINO DOS SANTOS Teoria do Crime 1993 p 49 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 214 242012 162809 215 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação entre antijuridicidade formal e antijuridicidade material a antijuri dicidade formal exprime a contradição do comportamento concreto com o conjunto das proibições e permissões do ordenamento jurí dico como qualidade invariável de toda ação típica e antijurídica a antijuridicidade material exprime a lesão injusta do bem jurídico como dimensão graduável do tipo de injusto Por exemplo furto de coisa de pequeno valor possui a mesma antijuridicidade formal de furto de coisa de grande valor assim como a realização do tipo básico de um crime tem a mesma antijuridicidade formal de suas variações privilegiadas ou qualificadas porque são ações igualmente contrárias ao Direito mas a extensão variável da lesão de bens jurídicos em cada uma dessas hipóteses determina diferentes conteúdos de injusto e por tanto diversas antijuridicidades materiais por exemplo furto de coisa de grande valor tem maior conteúdo de injusto que furto de coisa de pequeno valor tipos qualificados possuem conteúdo de injusto maior que tipos básicos etc A distinção é importante por várias razões pri meiro indica diferenças conceituais entre antijuridicidade qualidade invariável que existe ou não existe na ação típica e injusto conteúdo variável da lesão do bem jurídico3 segundo por suas consequências práticas na aplicação da lei penal a antijuridicidade abstrata mera literalidade da lei pode ser desconsiderada em situações específicas de inexistência ou de insuficiência do injusto concreto como ocorre nas hipóteses de ações socialmente adequadas e de modo especial nos casos de bagatela abrangidos pelo princípio da insignificância por exemplo lesões corporais mínimas arranhões equimoses etc furto de coisas de pequeno valor injúrias no âmbito familiar jogos de azar com valores módicos doações ou presentes natalinos a funcionários públicos como carteiros lixeiros etc4 13 Antijuridicidade e vitimologia Além disso modernas pesquisas vitimológicas destacam a contribuição ou influência da vítima para 3 Assim HAFT Strafrecht 1994 p 70 4 Assim ROXIN Strafrecht 1997 14 n 48 p 503504 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 215 242012 162809 216 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 o fato criminoso indicando hipóteses em que o comportamento da vítima pode descaracterizar a tipicidade ou no setor da antijuridici dade reduzir o conteúdo de injusto da antijuridicidade material ou excluir a própria antijuridicidade formal da ação típica5 Nessa linha SCHUNEMANN6 destaca a perspectiva vitimológica do legislador e da jurisprudência para definir e interpretar tipos legais e hipóteses de redução do injusto ou de exclusão da antijuridicidade do fato típico por exemplo a tipicidade da falsificação de moeda exige fabricação de dinheiro com aparência de verdadeiro e portanto com potencial de vitimização na circulação financeira inexistente em casos de falsi ficações grosseiras o consentimento real do ofendido exclui a própria necessidade de proteção do bem jurídico como é o caso de lesões corporais em cirurgias esportes etc a autoexposição a perigo ou a exposição consentida a perigo de outrem impedem a atribuição do tipo objetivo enfim a provocação do agredido pode excluir ou de qualquer modo influenciar a legítima defesa contra o agressor etc7 14 Unidade e áreas livres do Direito Os conceitos opostos de ju ridicidade e de antijuridicidade relacionamse a alguns temas gerais como a questão da unidade do ordenamento jurídico e o problema da existência de áreas livres ou neutras no Direito A unidade do ordenamento jurídico parece constituir axioma do pensamento jurídico moderno a regra de que a juridicidade ou antijuridicidade de qualquer ação é válida para o Direito em geral excluiria hipóteses de antijuridicidades específicas eliminando as sim a possibilidade de contradições no Direito Entretanto autores mais antigos como ENGISCH8 indicam que essa tese não estaria 5 Ver HASSEMER Rucksichten auf das Verbrechensopfer KlugFS 1983 p 217 6 SCHUNEMANN Der Strafrechtliche Schutz von Privatgeheimnissen ZStW 90 1978 p 11 do mesmo Methodologische Prolegomena zur Rechtsfindung im Besonderen Teil des Strafrechts BockelmannFS 1979 p 117 7 ROXIN Strafrecht 1997 14 n 17 p 508 8 ENGISCH Die Einheit der Rechtsordnung 1935 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 216 242012 162809 217 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação definitivamente demonstrada e autores contemporâneos como GUNTHER9 por exemplo mostram a coexistência contraditória de juridicidade e de antijuridicidade na mesma ação o consentimento presumido de adolescente relativamente incapaz na realização de dano em objeto de sua propriedade não exclui a antijuridicidade civil e portanto obriga a indenizar mas pode justificar a ação típica de dano e portanto excluir a antijuridicidade penal10 A existência de áreas livres ou neutras em relação à juridicidade antijuridicidade também é controvertida a teoria dominante nega a existência de áreas jurídicas livres no âmbito das definições legais de crimes porque todo comportamento típico é ou antijurídico ou justi ficado mas estudos recentes indicam a possibilidade de uma terceira hipótese em conflitos relacionados com situações de perigo comum ou de colisão de deveres11 por exemplo o alpinista da parte superior corta a extensão inferior da corda precipitando o companheiro no abismo porque a mesma é incapaz de sustentar ambos ao mesmo tempo o pai somente pode salvar um dos dois filhos que simultaneamente estão se afogando morrendo o outro A teoria de áreas livres ou neutras no Direito teria como funda mento o modelo de democracia parlamentar cuja liberdade do cidadão é originária e não concessão do Estado o povo é o poder constituinte do Estado estruturado para o exercício das funções de proteção e de garantia da liberdade da paz e do bemestar geral12 Nessa perspectiva podese reconhecer que certas áreas prétípicas constitui riam espaços 9 GUNTHER Strafrechtswidrigkeit und Strafunrechtsausschluss 1983 10 Ver para mais detalhes ROXIN Strafrecht 1997 14 n 3036 p 513516 11 Nesse sentido ARTHUR KAUFMANN Rechtsfreier Raum und eigenverantwortliche Entscheidung Dargestellt am Problem des Schwangerschaftsabbruchs MaurachFS 1972 p 327 No Brasil ver MAYRINK DA COSTA Direito Penal parte geral 1998 v I t II p 877878 12 Assim HIRSCH Strafrecht und rechtsfreier Raum BockelmannFS 1979 p 89 ROXIN Strafrecht 1997 14 n 26 p 511 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 217 242012 162809 218 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 jurídicos livres mas no âmbito do injusto não existem áreas jurídicas livres porque o comportamento típico é valorado alternativamente a ou como justificado b ou como antijurídico mas exculpado c ou finalmente como antijurídico e culpável13 2 Fundamento das justificações A sistematização das justificações é dificultada por dois problemas correlacionados a a multiplicidade dos fundamentos justificantes representada por justificações escritas e não escritas b a diversidade dos setores do ordenamento jurídico de origem das justificações não limitadas pelo Direito Penal Existem hoje dois grupos principais de teorias sobre o fundamento das justificações as teorias monistas e as teorias pluralistas As teorias monistas apresentam a finalidade como princípio unitário fundamentador das justificações sob diversas modalidades a a teoria do meio adequado para fins reconhecidos como justos pelo legislador de LISZT14 b a teoria da maior utilidade do que dano de SAUER15 c a teoria da ponderação do valor de NOLL16 d a teoria do interesse preponderante de MEZGER17 As modernas teorias pluralistas identificam o fundamento das justificações em certos princípios sociais subjacentes na legítima defesa o princípio da proteção individual garante a possibilidade de 13 ROXIN Strafrecht 1997 14 n 2729 p 512513 14 LISZT Strafrecht 1919 3 15 SAUER Allgemeine Strafrechtlehre 1955 16 NOLL Tatbestand und Rechtswidrigkeit die Wertabwägung als Prinzip der Rechtfertigung ZstW 77 1965 p 1 17 MEZGER Strafrecht 1949 p 240 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 218 242012 162809 219 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação fazer a defesa necessária e o princípio da afirmação do direito autoriza a defesa mesmo na hipótese de meios alternativos de proteção como desviar a agressão ou chamar a polícia18 no estado de ne cessidade defensivo os princípios da proteção e da proporcionalidade e no estado de necessidade agressivo os princípios da avaliação de bens e da autonomia19 no consentimento do titular do bem jurídico o princípio da ausência de interesse na proteção do bem jurídico20 etc 3 Conhecimento e erro nas justificações A necessidade de elementos subjetivos nas justificações de ações típicas dolosas e na imprudência consciente negada pela dogmática causal e seu conceito objetivo de injusto da primeira metade do século XX e ainda hoje por alguns autores isolados como SPENDEL21 é reconhecida pela literatura e jurisprudência contemporâneas que discute apenas a natureza desses elementos22 As ações justificadas são constituídas de elementos subjetivos e objetivos como qualquer outra ação típica se a unidade subjetiva e objetiva da ação determina a estrutura subjetiva e objetiva da ação típica então a ação típica justificada contém necessariamente elementos subjetivos e objetivos23 Existe assim como refere HAFT24 uma 18 Ver ROXIN Strafrecht 1997 14 n 41 p 518 19 ROXIN Strafrecht 1997 14 n 41 p 518519 20 HAFT Strafrecht 1994 p 79 21 SPENDEL Gegen den Verteidigungswillen als Notwehrerfordernis BockelmannFS 1979 p 245 22 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 31 IV p 328331 ROXIN Strafrecht 1997 14 n 94100 p 539542 23 CIRINO DOS SANTOS Teoria do Crime 1993 p 50 24 HAFT Strafrecht 1994 p 77 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 219 242012 162810 220 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 relação de simetria entre tipos legais ou tipos de proibição e justi ficações ou tipos de permissão Como as justificações excluem não somente o desvalor do resultado mas o próprio desvalor da ação típica a ausência de elementos subjetivos nas justificações significa dolo não justificado de realização do injusto25 a mulher que pensando atirar no marido que retornava da orgia noturna atinge o ladrão armado tentando entrar na casa age com dolo não justificado de homicídio no caso impunível por ausência de desvalor de resultado segundo formulações modernas Os elementos subjetivos nas justificações têm por objeto a situa ção justificante por exemplo a agressão atual e injusta a bem jurídico na legítima defesa e toda discussão consiste em saber se é suficiente o conhecimento da situação justificante ou se é necessária também a vontade de defesa de proteção etc em conjunto com ou tros estados psíquicos para a ação justificada autores como KUHL OTTO e ROXIN afirmam ser suficiente o conhecimento da situação justificante embora com sentimentos de medo raiva ou vingança con tra o agressor26 ao contrário autores como WELZEL JESCHECK WEIGEND e MAURACHZIPF exigem além do conhecimento da situação justificante a vontade de defesa ou de proteção também com sentimentos de raiva ou vingança contra o agressor27 É possível admitir a suficiência do conhecimento ou consciência da situação justificante como limiar subjetivo mínimo das ações justificadas mas a vontade de defesa de proteção etc é sempre a energia emocional que mobiliza a ação de defesa ou de proteção informada pela esfera cognitiva do psiquismo individual 25 Ver entre outros ROXIN Strafrecht 1997 14 n 93 p 539 26 KUHL Strafrecht 1997 6 n 11 p 123 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 8 n 52 p 107 ROXIN Strafrecht 1997 14 n 93 p 539 27 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 14 I 3 p 834 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 31 n IV p 328331 MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 25 V ns 2429 p 348 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 220 242012 162810 221 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação Por outro lado o erro constitui fenômeno psíquico em oposição diametral ao conhecimento como sua antítese negativa e nas justifica ções igualmente tem por objeto a situação justificante também definida como pressuposto objetivo das justificações se a situação justificante é objeto do conhecimento nas justificações então é necessariamente objeto do erro respectivo porque conhecimento e erro são fenômenos psíquicos contrários e excludentes As principais teorias do erro sobre a situação justificante são a teoria limitada da culpabilidade a teoria rigorosa da culpabilidade e a teoria das características negativas do tipo a seguir sumariadas A teoria limitada da culpabilidade amplamente majoritária na dogmática contemporânea e incorporada na vigente legislação penal brasileira art 20 1º CP distingue entre erro de proibição incidente sobre a natureza proibida ou permitida do fato que pode excluir ou reduzir a culpabilidade e erro de tipo permissivo incidente sobre a verdade do fato excludente do dolo A crítica destaca a clareza políticocriminal da teoria limitada da culpabilidade que equipara o erro de tipo permissivo ao erro de tipo sob o argumento de que o autor quer agir conforme a norma jurídica e nessa medida a representa ção do autor coincide com a representação do legislador mas erra sobre a verdade do fato a representação da existência de situação jus tificante exclui o dolo que existiria como conhecimento da existência das circunstâncias do tipo legal e da inexistência de circunstâncias justificantes cuja errônea admissão significa que o autor não sabe o que faz ao contrário do erro de permissão em que o autor sabe o que faz28 A teoria rigorosa ou extrema da culpabilidade considera o erro sobre a situação justificante ou sobre pressupostos objetivos de uma causa de justificação como erro de proibição que exclui ou reduz a culpabilidade conforme seja inevitável ou evitável respectivamente e assim equipara erro sobre a realidade a erro sobre a juridicidade do 28 Nesse sentido ROXIN Strafrecht 1997 14 n 6268 p 526529 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 221 242012 162810 222 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 fato29 Finalmente a excitante teoria das características negativas do tipo30 resolve o problema do erro sobre a situação justificante como a teoria limitada da culpabilidade mas com fundamentos diferen tes considera os caracteres do tipo legal como elementos positivos e as justificações como elementos negativos do tipo de injusto e por consequência define o erro sobre a situação justificante como erro de tipo excludente do dolo e por extensão do tipo se inevitável admitindo imprudência se evitável31 ver Teorias sobre conhecimento do injusto e erro de proibição adiante 4 Efeito das justificações Ações típicas justificadas são ações conformes ao direito porque a excluem a antijuridicidade indicada no tipo legal teoria triparti da ou b excluem a tipicidade da ação teoria bipartida com duas consequências necessárias primeiro uma ação justificada exclui outra ação justificada contrária ou seja não há justificação contra justifi cação exceto no estado de necessidade segundo o agressor deve ou suportar a ação justificada ou escapar dela cessando de qualquer modo a agressão32 29 Comparar WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 III f p 168 s ROXIN Strafrecht 1997 14 n 63 p 527 30 Ver entre outros SCHROTH Die Annahme und das FurMöglichHalten von Umständem die einen anerkannten Rechtfertigungsgrund begrunden Arthur Kaufmann FS 1993 p 595 SCHUNEMANN Die deutschsprachige Strafrechtswissenschaft nach der Strafrechtsreform im Spiegel des Leipziger Kommentars und des Wiener Kommentars 1 Teil Tatbestands und Unrechtslehere GA 1985 p 341 31 ROXIN Strafrecht 1997 14 n 70 p 529 32 Assim HAFT Strafrecht 1994 p 7980 ROXIN Strafrecht 1997 14 n 104105 p 544 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 222 242012 162810 223 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação II Justificações O estudo das justificações pode ser simplificado pelo método de organizar seus elementos constitutivos nas categorias de situação justificante e de ação justificada a a situação justificante compreende os pressupostos objetivos das justificações por exemplo a agressão injusta atual ou iminente a direito próprio ou de terceiro na legítima defesa b a ação justificada de defesa ou necessária ou no exercício de direito ou em cumprimento de dever legal ou consentida pelo titular do bem jurídico contém elementos subjetivos e objetivos às vezes também elementos normativos como a permissibilidade da defesa na legítima defesa A Legítima defesa A legítima defesa é direito de proteção individual enraizado na consciência jurídica do povo explicada por dois princípios a o princípio da proteção individual para defesa de bens ou interesses e o princípio social da afirmação do direito em defesa da ordem jurídica O princípio da proteção individual justifica ações típicas necessárias para defesa de bens jurídicos individuais contra agressões antijurídicas atuais ou iminentes33 O princípio da afirmação do direito justifica defesas necessárias para prevenir ou repelir o injusto e preservar a or dem jurídica independentemente da existência de meios alternativos 33 Ver FRISTER Die Notwehr im System der Notrechte GA 1988 p 291 HAFT Strafrecht 1994 p 8284 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 1 p 550 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 223 242012 162810 224 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 de proteção34 porque o direito não precisa ceder ao injusto nem o agredido precisa fugir do agressor excetuados casos de agressões não dolosas de lesões insignificantes ou de ações de incapazes próprias da legítima defesa com limitações éticosociais35 1 Situação justificante A situação justificante da legítima defesa caracterizase pela existência de agressão injusta atual ou iminente a direito próprio ou alheio assim definida na lei penal Art 25 Entendese em legítima defesa quem usando moderadamente dos meios necessários repele injusta agressão atual ou iminente a direito seu ou de outrem O significado dos componentes elementares do conceito de legítima defesa pode ser assim explicado 1 Agressão é toda ação humana de violência real ou ameaçada dirigi da contra bens jurídicos do agredido ou de terceiro36 O conceito de agressão inclui a a omissão de ação porque não há exigência conceitual de um fazer ativo se a criança está ameaçada de morrer de fome por omissão de ação atribuível à mãe as alternativas são ou alimentar a criança ou obrigar a mãe a alimentar a criança37 assim como b a imprudência porque o conceito de agressão não é restrito à violência 34 Ver HAFT Strafrecht 1994 p 84 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 2 p 550551 SCHMIDHÄUSER Strafrecht Studienbuch 1984 651 35 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 2 p 5501 e n 4950 p 573574 36 CIRINO DOS SANTOS Teoria do Crime 1993 p 50 37 Nesse sentido ROXIN Strafrecht 1997 15 n 611 p 553555 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 224 242012 162810 225 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação dolosa o motorista que insiste em manobras imprudentes do veículo em parque repleto de crianças deve suportar a legítima intervenção de terceiro para impedir as manobras e se for o caso tomar tempo rariamente a chave do veículo38 mas exclui as chamadas não ações lesão de bens jurídicos relacionada a ataques epilépticos ou estados de inconsciência sono desmaio ou embriaguez comatosa que podem todavia fundamentar o estado de necessidade porque movimentos corporais meramente causais não constituem ações humanas39 2 Injusta é a agressão imotivada ou não provocada pelo agredido e nesse sentido marcada por desvalor de ação e de resultado40 o que exclui ações conformes ao dever de cuidado ou ao risco permitido e ações justificadas não há legítima defesa contra legítima defesa embora se admita exculpação supralegal em determinados casos de provocação da situação justificante41 3 Atual é a agressão em realização ou em continuação iminente é a agressão de realização imediata assim a legítima defesa pressupõe agressão em realização em continuação ou imediata42 O problema é definir os extremos desses conceitos agressão imediata e em con tinuação porque o conceito de agressão em realização situado entre 38 Assim por exemplo JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 32 II 1a p 338 No Brasil no mesmo sentido MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 147 em posição contrária mas inconvincente ZAFFARONI PIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 330 p 583 exigem agressão intencional excluindo a agressão culposa porque seria absurdo causar um dano sem proporção alguma com a magnitude do mal 39 Assim ROXIN Strafrecht 1997 15 n 8 p 553554 n 8 em posição contrária DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch und Nebengesetze 1995 32 n 4 também WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 14 II 1 p 8485 40 MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 26 n 821 p 355360 41 Assim HAFT Strafrecht 1994 p 84 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 14 p 556557 42 Ver entre outros JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 32 II 1 p 338 também WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 8 p 97 n 328 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 225 242012 162810 226 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 aqueles limites extremos não é problemática43 O conceito de imi nência é definido por duas teorias a a teoria do começo da tentativa de JAKOBS44 pressupõe a maior proximidade possível da consuma ção o que pode tornar a defesa ineficaz muito tarde ou a eficácia da defesa pode implicar lesões mais graves do agressor b a teoria da fase preparatória de SCHMID HÄUSER45 com problemas na dire ção contrária uma agressão anunciada para o dia seguinte pode estar em fase preparatória mas não é iminente muito menos atual nem constitui agressão46 Um critério intermediário proposto por KUHL e ROXIN47 define iminência como o momento final da preparação que integra o critério da defesa eficaz inseparável do conceito de le gítima defesa com o critério do desencadeamento imediato inerente ao conceito de tentativa a aproximação do agressor com um porrete na mão para agredir ou o movimento da mão do agressor em direção à arma não configuram ainda tentativa mas o último momento da fase preparatória suficiente para caracterizar a iminência da agressão e assim justificar a defesa O conceito de agressão em continuação é mais simples a conti nuação da agressão ocorre no intervalo entre a consumação formal e a consumação material do tipo de injusto como nos crimes de duração ou permanência sequestro violação de domicílio etc ou de estado o furto enquanto o ladrão foge com a coisa48 4 Direito próprio ou de outrem são os bens jurídicos as necessi dades ou interesses individuais ou sociais que recebem proteção do Direito O bem jurídico distinguese do objeto da ação precisamente 43 Ver ROXIN Strafrecht 1997 15 n 21 p 560 44 JAKOBS Strafrecht 1993 1223 p 389390 45 SCHMIDHÄUSER Strafrecht Studienbuch 1984 661 46 Para a crítica dessas teorias ver ROXIN Strafrecht 1997 15 n 2223 p 560561 47 KUHL Strafrecht 1997 7 n 41 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 2425 p 561562 48 Ver ROXIN Strafrecht 1997 15 n 28 p 563 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 226 242012 162810 227 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação como o conceito de interesse distinguese da coisa concreta em que se realiza a vida e a propriedade privada são bens jurídicos enquanto o homem concreto e a coisa respectiva constituem objetos de ação49 Todos os bens jurídicos individuais são suscetíveis de legítima defesa vida saúde liberdade honra propriedade etc mas existe controvér sia quanto aos bens jurídicos sociais a bens jurídicos da comunidade ordem pública paz social regularidade do tráfego de veículos etc são insuscetíveis de legítima defesa porque a ação violenta do particular produziria maior dano que utilidade e afinal parece inconveniente atribuir ao povo tarefas próprias da polícia50 embora alguns autores admitam a defesa do ser social ou comunitário pelo indivíduo51 b bens jurídicos do Estado como o patrimônio público destruição de cabines telefônicas danos em trens de metrô etc admitem legítima defesa do particular mas não a pessoa jurídica do Estado porque parece inadequado transformar o cidadão em guerreiro contra inimigos do Estado espiões ou traidores por exemplo52 2 Ação justificada A ação de defesa do agredido é a mesma unidade objetiva e subjetiva examinada como ação em seguida como ação típica e agora como ação típica justificada os adjetivos não modificam o substantivo 49 Nesse sentido HAFT Strafrecht 1994 p 7274 50 Assim ROXIN Strafrecht 1997 15 n 3639 p 566568 No Brasil ZAFFARONI PIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 334 p 588 51 Por exemplo MAURACHZIPF Strafrecht 1992 26 n 1213 p 357 SCHMIDHÄUSER Strafrecht Studienbuch 1984 680 52 Ver BLEI Strafrecht 1983 39 II 4 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 32 II 1b p 339340 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 4041 p 568569 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 227 242012 162810 228 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 A ação justificada de legítima defesa contém elementos subjetivos ele mentos objetivos e em casos especiais de legítima defesa com limitações éticosociais o elemento normativo da permissibilidade da defesa 21 Elementos subjetivos da ação de defesa Os elementos subjetivos da legítima defesa têm por objeto a situação justificante agressão injusta atual ou iminente a bem ju rídico próprio ou de terceiro e consistem no conhecimento da situ ação justificante para a teoria dominante53 representada por KUHL OTTO e ROXIN ou no conhecimento da situação justificante e na vontade de defesa para respeitável opinião minoritária54 representada por WELZEL JESCHECKWEIGEND e MAURACHZIPF em qualquer hipótese com outros componentes psíquicos e emocionais como medo raiva vingança etc O conhecimento ou consciência da situação justificante como limiar subjetivo mínimo da legítima defesa pode ser suficiente mas a vontade de defesa informada pelo conhecimento e condicionada pelas emoções do autor é a energia psíquica que mobiliza a ação de defesa A ausência do elemento subjetivo significa dolo não justificado de realização do injusto e reduz a legítima defesa à existência objetiva da situação justificante a mulher pensa atirar no marido de retorno da orgia noturna mas atinge o ladrão armado tentando entrar na casa com os seguintes desdobramentos a a ação típica dolosa não justifica 53 KUHL Strafrecht 1997 6 n 11 p 123 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 8 n 52 p 107 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 111112 p 604605 54 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 14 II 3 p 8384 n 3 JESCHECK WEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 31 n IV p 328331 MAURACH ZIPF Strafrecht 1 1992 25 V ns 2429 p 348349 No Brasil FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 164 p 193 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 145 ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 335 p 588 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 228 242012 162810 229 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação da representa desvalor de ação atribuível à mulher mas a existência da situação justificante elimina o desvalor do resultado e porque o desvalor de ação não pode se converter em desvalor de resultado a hipótese é definível como tentativa inidônea na legislação alemã punível b o desvalor de ação do comportamento típico doloso injustificado da mulher não permite ação justificada do agressor porque o com portamento do agressor constitui a situação justificante que exclui o desvalor do resultado na ação daquela55 22 Elementos objetivos da ação de defesa Os elementos objetivos da ação justificada consistem no emprego moderado de meios de defesa necessários contra o agressor eventual mente examinados do ponto de vista da permissibilidade da defesa 1 A necessidade dos meios de defesa é definida pelo poder de excluir a agressão com o menor dano possível no agressor defesa protetora em vez de agressiva ameaça de violência em vez de violência ferir em vez de matar56 Assim a necessidade da defesa pode ser redefinida do ponto de vista estático como necessidade dos meios de defesa em face dos meios de agressão e do ponto de vista dinâmico como em prego moderado dos meios de defesa necessários A definição da defesa necessária naquela dupla direção utiliza um critério objetivo ex ante conforme o juízo de um observador prudente57 não atirar contra o agressor se é suficiente empurrálo ou fechar a porta para fazer cessar a agressão Erros inevitáveis sobre a necessidade ou a moderação dos meios 55 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 111112 p 604605 56 HAFT Strafrecht 1994 p 8485 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 4243 p 569570 57 Comparar JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 32 II 2b p 343 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 46 p 572 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 14 II 2 p 86 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 229 242012 162810 230 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 de defesa não afetam esse juízo objetivo anterior e segundo difundida orientação políticocriminal devem ser interpretados contra o agressor existe legítima defesa real e não meramente putativa no disparo da vítima contra sequestrador que empunha arma descarregada porque o juízo objetivo ex ante de um observador prudente representaria a arma carregada58 Mas a defesa necessária não exige proporcionalidade entre meios de defesa e meios de agressão a proporcionalidade na legítima defesa não tem por objeto bens jurídicos ou correlações de dano ameaçado e produzido excluída pelo princípio da afirmação do direito é legítimo apunhalar agressor para evitar uma surra violenta até porque o direito não precisa ceder ao injusto não obstante a ideia de proporcionalidade entre meios de defesa e meios de agressão não pode ser inteiramente des cartada porque desproporcionalidades extremas são incompatíveis com o conceito de necessidade da defesa não é legítimo atirar em meninos que furtam laranjas no quintal da casa59 BERNSMANN60 fundado no dever do Estado de proteger a vida limita o direito de matar em legítima defesa às hipóteses de agressões contra a vida o corpo inclu ídas a tortura e as privações de liberdade duradouras e a sexualidade com exclusão de todas as outras hipóteses atirar no autor do furto por exemplo mesmo que seja o único meio de recuperar a coisa como ainda admite a opinião dominante não pode ser justificado pela legítima defesa A defesa necessária pode determinar alguns efeitos indesejados cuja justificação depende de sua adequação aos meios necessários efeitos indesejados adequados ao meio necessário são justificados um soco necessário pode quebrar alguns dentes do agressor efeitos indese 58 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 46 p 572 59 Assim HAFT Strafrecht 1994 p 8486 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 47 p 572573 No Brasil comparar MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 148 60 BERSMANN Uberlegungen zur tödlichen Notwehr bei nicht lebensbedrohlichen Angriffen ZStW 104 1992 p 326 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 230 242012 162810 231 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação jados inadequados ao meio necessário não são justificados a morte do agressor com um tiro de advertência descuidado61 Efeitos indesejados de dispositivos de proteção por exemplo a lesão de inocentes em armadilhas cercas eletrificadas etc são sempre atribuíveis ao autor e em qualquer hipótese o emprego de mecanismos de proteção mortais é injustificável62 2 A moderação no emprego de meios necessários é delimitada pela extensão da agressão enquanto persistir a agressão é moderado o uso dos meios necessários após cessada a agressão a continuidade do uso de meios definidos como necessários tornase imoderada configurando excesso de legítima defesa que pode admitir exculpação se determi nado por medo susto ou perturbação 23 A permissibilidade da legítima defesa O conceito de permissibilidade da defesa define limitações ético sociais excludentes ou restritivas do princípio social da afirmação do direito que fundamenta com o princípio individual da proteção de bens ou interesses a legítima defesa A literatura contemporânea re conhece hipóteses de defesas necessárias não permitidas por limitações éticosociais relacionadas ao autor da agressão às relações de garantia entre agressor e agredido ao comportamento do agredido e à natureza da agressão63 1 Agressões de incapazes crianças adolescentes doentes mentais ou mesmo bêbados sem sentido criam para o agredido um leque de atitudes alternativas prévias nas quais se concretizam as limi tações éticosociais da legítima defesa válidas para os demais casos 61 Ver ROXIN Strafrecht 1997 15 n 45 p 571572 62 Assim também ROXIN Strafrecht 1997 15 n 51 p 575 63 Conforme ROXIN Strafrecht 1997 15 n 5390 p 575594 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 231 242012 162810 232 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 primeiro desviar a agressão segundo empregar defesas sem dano terceiro pedir socorro aos pais professores polícia etc quarto as sumir o risco de pequenos danos quinto se nada disso for possível então mas somente então a defesa necessária pode também ser permitida64 2 Agressões entre pessoas ligadas por relações de garantia fundadas na afetividade no parentesco ou na convivência marido e mulher pais e filhos etc subordinam a legítima defesa às mesmas limita ções éticosociais mencionadas e em regra excluem resultados de morte ou de lesões graves exceto no caso de risco de lesões sérias a mulher usa faca para defesa contra agressão do marido com objeto contundente ou de maus tratos físicos duradouros ou continuados a repetição de agressões e surras do marido contra a mulher por exemplo65 3 Agressão provocada pelo agredido para agredir o agressor constitui agressão dolosa injustificada contra o agressor e exclui a legítima defesa mas para respeitável opinião minoritária não exclui a legí tima defesa ou porque não afeta a antijuridicidade da agressão66 ou porque o direito não pode criar situações sem saída de renúncia à vida ou integridade corporal por um lado e de punição por outro lado67 Entretanto agressão provocada pelo agredido sem finalidade de agredir o agressor condiciona a legítima defesa às limitações ético sociais indicadas mas é preciso distinguir a qualidade da provocação 64 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 5758 p 578 65 Assim GEILEN Eingeschränkte Notwehr unter Ehegatten JR 1976 p 314 MARXEN Die sozialethischen Grenzen der Notwehr 1979 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 8384 p 591 66 Assim BOCKELMANN Notwehr gegen verschuldete Angriffe HonigFS 1970 p 19 HILLENKAMP Vorsatztat und Opferverhalten 1981 67 Nesse sentido JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 32 III 2a p 346347 também SCHÖNCKESCHRÖDERLENCKNER Strafgesetzbuch Kommentar 1991 32 n 57 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 232 242012 162810 233 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação se constitui comportamento antijurídico como ocorre na maioria das situações de injúria vias de fato violação de domicílio dano etc a legítima defesa é em princípio excluída se constitui comportamento situado ainda no terreno jurídico como ocorre com gozações troças ou pilhérias lesivas de valores éticosociais mas de antijuridicidade menor indefinida ou inexistente subsiste a legítima defesa com as referidas limitações éticosociais68 4 Agressões irrelevantes mediante contravenções delitos de bagatela crimes de ação privada ou lesões de bens jurídicos sem proteção penal também condicionam a legítima defesa às limitações éticosociais refe ridas especialmente em relação à exclusão da morte ou de lesões graves no agressor corolário da necessidade de proteção da vida e de rejeição de desproporções extremas69 na justificação A legítima defesa em relação a coisas mostra a extensão do dissenso ideológico na dogmática penal para teóricos conservadores como SCHMIDHÄUSER70 nenhuma avaliação materialista de bens exclui a legítima defesa justificando a morte mesmo para proteger bagatelas por outro lado SCHROE DER71 afirma que a ideia de proporcionalidade na legítima defesa exclui a morte ou lesões graves na defesa de bagatelas ou de outras agressões irrelevantes 68 Ver MAURACHZIPF Strafrecht 1992 26 n 46 p 368369 OTTO Rechtsverteidigung und Rechtsmissbrauch im Strafrecht WurtembergerFS 1977 p 129 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 69 p 584 No Brasil nesse sentido FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 164 p 192 comparar também MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 147 ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 331 p 584585 69 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 79 p 589 70 SCHMIDHÄUSER Strafrecht Studienbuch 1984 675 71 SCHROEDER Die Notwehr als Indikator politischer Grundanschauungen Maurach FS 1972 p 139 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 233 242012 162810 234 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 3 Particularidades a Legítima defesa de outrem A legítima defesa de outrem depende da vontade de defesa do agredido só é possível legítima defesa de outrem se existe vontade de defesa do agredido A impossibilidade de defesa contra a vontade do agredido resulta do princípio da proteção individual porque o agredido pode por exemplo ser contra o uso de arma de fogo contra autores de furto temer represálias na hipótese de intervenção de terceiro em caso de sequestro por exemplo ou simplesmente não desejar a intromissão de terceiro como em brigas de casal com frequência para resolver problemas de relacionamento e reencontrar a harmonia afetiva72 Mas a vontade presumida do agredido autoriza a defesa de outrem independentemente da verificação negativa posterior que não deslegitima a ação de defesa já realizada como indica um exemplo de JAKOBS73 atua legitimamente quem salva vítima já inconsciente de tentativa de homicídio matando o agressor embora se esclareça depois que a vítima reconhecera seu filho como agressor e antes suportaria a própria morte do que a morte do filho b Extensão da justificação A justificação da legítima defesa alcança exclusivamente os bens jurídicos do agressor porque o princípio da proteção individual baseia se na correlação agressãodefesa e o princípio da afirmação do direito realizase sobre o agressor e não sobre terceiro estranho à agressão74 72 Nesse sentido ROXIN Strafrecht 1997 15 n 99 p 599 73 JAKOBS Strafrecht 1993 1263 p 408 74 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 106109 p 602603 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 234 242012 162811 235 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação c Excesso de legítima defesa O excesso intensivo de legítima defesa uso de meio desnecessá rio e o excesso extensivo de legítima defesa uso imoderado de meio necessário bem como a legítima defesa putativa não configuram situações de justificação mas hipóteses de exculpação legal ou de erro de tipo permissivo estudadas na categoria da culpabilidade ver Culpabilidade e exculpação adiante B Estado de necessidade Historicamente o estado de necessidade tem sido pensado a partir de três diferentes pontos de vista primeiro como espaço livre do direito fundado na impossibilidade do ordenamento jurídico discipli nar conflitos determinados pelo instinto de sobrevivência segundo como justificação de conduta típica fundada na preponderância ou equivalência do bem jurídico protegido terceiro como exculpação de conduta antijurídica fundada na inexigibilidade de comportamento conforme ao direito em hipóteses de bens jurídicos equivalentes75 Atualmente duas teorias definem a natureza jurídica do es tado de necessidade a a teoria diferenciadora disciplina o estado de necessidade segundo um sistema duplo como justificação para hipóteses de proteção de bem jurídico superior ao sacrificado e como exculpação para hipóteses de proteção de bem jurídico equivalente ao sacrificado teoria adotada pela legislação penal alemã por exemplo que define expressamente o estado de necessidade justificante 34 CP e o estado de necessidade exculpante 35 CP b a teoria uni 75 Ver HAFT Strafrecht 1994 p 88 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 235 242012 162811 236 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 tária disciplina o estado de necessidade segundo um sistema único ou como justificação ou como exculpação independentemente de superioridade ou equivalência do bem jurídico protegido em relação ao bem jurídico sacrificado teoria adotada pela lei penal brasileira que define o estado de necessidade exclusivamente como justificação no art 23 I CP76 1 Situação justificante A situação justificante do estado de necessidade caracterizase pela existência de perigo para o bem jurídico definido como atual involuntário e inevitável sem lesão de outro bem jurídico assim conceituada na lei penal Art 24 Considerase em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual que não provocou por sua vontade nem podia de outro modo evitar direito próprio ou alheio cujo sacrifício nas circunstâncias não era razoável exigirse a O conceito de perigo é definido pela probabilidade ou possibi lidade de lesão do bem jurídico ameaçado77 segundo um juízo objetivo ex ante de um observador inteligente combinado eventualmente com 76 Nesse sentido FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 167 p 195196 HEITOR COSTA JR Teoria dos delitos culposos 1988 p 81 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 149 TAVARES Direito Penal da negligência 2003 p 363 ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 337 p 591 77 Assim ROXIN Strafrecht 1997 16 n 13 p 615 também JAKOBS Strafrecht 1993 1312 p 415 SCHÖNCKESCHRÖDERLENCKNER Strafgesetzbuch Kommentar 1991 34 n 15 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 236 242012 162811 237 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação o juízo do especialista na área78 como propõe HIRSCH o observador inteligente é representado por cidadão do círculo social do autor com os conhecimentos e informações especiais deste o especialista sobre perigos por exemplo de fogo é o bombeiro de construções o en genheiro de doenças o médico etc O perigo pode ser determinado por acontecimentos naturais como naufrágios incêndios inundações por fenômenos sociais como distúrbios civis acidentes e também por outros comportamentos humanos desde que não constituam a agressão injusta da legítima defesa79 b A atualidade do perigo no estado de necessidade não se con funde com a atualidade da agressão na legítima defesa a atualidade do perigo justifica a proteção imediata mas não exige a existência de dano imediato porque o adiamento da proteção ou seria impossível ou determinaria maior risco ou dano como no aborto necessário por exemplo realizado no terceiro mês de gestação para evitar dano na época do parto igualmente pode ocorrer em perigos contínuos ou durá veis atualizáveis em dano a qualquer momento segundo aquele juízo objetivo ex ante como edifícios em ruína doentes mentais perigosos para a comunidade neste caso aguardar agressões antijurídicas para proteção justificada pela legítima defesa pode ser ineficaz ou implicar lesão maior na área dos bens jurídicos sacrificados etc80 c O perigo deve ser involuntário ou seja não pode ser provo cado intencionalmente pelo autor para proteção pessoal às custas da vítima mas admite produção imprudente porque a limitação legal restringese à vontade própria81 e a antiga sentença quem cria perigo 78 HIRSCH Gefahr und Gefährlichkeit Arthur KaufmannFS 1993 p 553 79 Nesse sentido ROXIN Strafrecht 1997 16 n 13 p 615 e 19 n 16 p 833 80 Ver ROXIN Strafrecht 1997 16 n 17 p 617 81 CIRINO DOS SANTOS Teoria do crime 1993 p 53 nesse sentido também FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 168 p 196 MESTIERI Manual de Direito Penal 1999 p 149 com restrições HEITOR COSTA JR Teoria dos delitos Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 237 242012 162811 238 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 morra por isso82 está ultrapassada o barqueiro não pode impedir salva ção de suicida arrependido em seu barco sob argumento de culpa na produção da situação de necessidade o motorista causador do acidente pode justificadamente fugir do local do fato para evitar perigo real de agressão das vítimas83 d Enfim o perigo deve ser inevitável de outro modo ou seja não pode ser evitado conforme ao direito ou não pode ser superado sem lesão do bem jurídico sacrificado ou ainda melhor que a lesão do bem jurídico é necessária para evitar o perigo84 O conceito de inevitabilidade de outro modo abrange as situações de estado de ne cessidade defensivo e agressivo no estado de necessidade defensivo caracterizado pelo conflito entre o sujeito ameaçado pelo perigo e o sujeito criador do perigo os interesses ou bens jurídicos do ame açado prevalecem sobre interesses ou bens jurídicos do criador do perigo A matadanifica o cachorro de B para evitar mordida no estado de necessidade agressivo caracterizado pelo conflito entre bens jurídicos do sujeito ameaçado pelo perigo e bens jurídicos de sujeitos estranhos ao perigo prevalece o interesse de proteção do perigo contra o interesse do titular de bens jurídicos estranhos ao perigo cuja destruiçãodano é necessária para evitar o perigo A destrói o valioso guardachuva de B para evitar a mordida do cachorro de C85 culposos 1988 p 8384 também TAVARES Direito Penal da negligência 1985 p 163 82 BINDING Handbuch des Strafrecht I 1885 p 775 83 Assim KUPER Der verschuldete rechtfertigende Notstand 1983 p 32 s 84 LENCKNER Das Merkmal der NichtandersAbwendbarkeit der Gefahr in den 34 35 StGB LacknerFS 1987 p 95 ROXIN Strafrecht 1997 19 n 18 p 834 85 WESSELSBEULKE Strafrecht CF Muller 2000 n 293 e 295 p 95 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 238 242012 162811 239 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação 2 Ação justificada A ação de proteção necessária também constitui a mesma unidade subjetiva e objetiva estudada como ação depois como ação típica e agora como ação típica justificada igualmente compreendendo ele mentos subjetivos objetivos e normativos 21 Elementos subjetivos da ação necessária Os elementos subjetivos do estado de necessidade têm por objeto a situação justificante perigo atual involuntário e inevitável de outro modo e consistem no conhecimento da situação justificante teoria dominante ou no conhecimento da situação justificante e vontade de proteção do bem jurídico teoria minoritária em qualquer hipótese admitem outros componentes psíquicos e emocionais como ambição pagamento busca da glória etc86 Assim como na legítima defesa o conhecimento ou consciência da situação justificante como limiar subjetivo mínimo do estado de necessidade pode ser suficiente mas a vontade de proteção informada pelo conhecimento e condicionada pelas emoções do autor é a energia psíquica que mobiliza a ação de proteção necessária 86 Ver entre outros KUHL Strafrecht 1997 8 n 183184 p 303 também ROXIN Strafrecht 1997 16 n 91 p 654 No Brasil pela necessidade de consciência e vontade de proteção FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 169 p 197 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 149 ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 342 p 597 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 239 242012 162811 240 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 22 Elementos objetivos e normativos da ação necessária A ação de proteção do bem jurídico deve ser a necessária para afastar ou excluir o perigo como se deduz da exigência de constituir o único modo de evitar o perigo e b apropriada para proteger o bem jurídico com a menor lesão em bens jurídicos alheios em outras pala vras o meio utilizado ou o fato praticado deve ser apropriado para evitar o perigo sem agressões inúteis a bens jurídicos alheios devendo o autor ao contrário da legítima defesa considerar as alternativas pos síveis para evitar o perigo inclusive a ajuda de terceiros87 Em síntese a evitação do perigo exige uma ação necessária determinada que deve ser apropriada para proteger o direito ameaçado sem lesões inúteis em bens jurídicos alheios conforme ponderação de todas as circunstâncias concretas ligadas aos bens jurídicos em conflito à natureza do perigo e à gravidade da pena88 221 O critério do bem jurídico A preponderância de certos valores em relação a outros pode ser decidida pelo critério do bem jurídico a a preponderância do perigo concreto em relação ao perigo abstrato ou em relação a outro perigo concreto transportar ferido grave para hos pital em velocidade excessiva art 311 CTB ou sob a influência do álcool ou de outra substância psicoativa que determina dependência art 306 CTB b a preponderância de valores da personalidade em relação a valores materiais tomar chave de motorista para evitar que dirija embriagado c a preponderância dos bens jurídicos do corpo e da vida perante todos os demais quebra de sigilo médico para evitar infecção por HIV em relações sexuais ou uso da mesma seringa entre dependentes de droga O critério do bem jurídico compreende si tuações controvertidas como a extração forçada de sangue do único portador do tipo sanguíneo adequado para salvar uma vida humana 87 Ver ROXIN Strafrecht 1997 16 n 19 p 6178 e 19 n 21 p 835 88 Nesse sentido ROXIN Strafrecht 1997 16 n 7 p 611612 e n 22 p 619620 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 240 242012 162811 241 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação para um setor da doutrina constitui injustificável lesão da dignidade humana para outro setor a salvação da vida humana prepondera sobre a lesão da dignidade humana especialmente em agressões corporais pequenas e não perigosas89 222 O critério da pena Em certas situações o critério da pena90 determinante na teoria da ponderação de bens pode ser importante como na extração não consentida de órgãos de cadáver para salvar vida humana ou na violação de domicílio para evitar estupro etc 3 O critério das relações autorvítima Situações de estado de necessidade defensivo podem ser engendradas pelas relações autorvítima a hipóteses de perigo criado por não ação da vítima lesão corporal leve em vítima sob ataque epiléptico para evitar destruição de vaso valioso mas não lesão corporal grave como fratura ou comoção cerebral lesão grave ou morte para proteger a vida ou saúde como a morte da criança no ventre materno para salvar a vida da mãe porque se ninguém é obrigado a suportar lesões sérias e se não é possível desviar ou pedir ajuda abrese aquele espaço livre do direito que admite ponderação de vida contra vida91 b hipóteses de legítima defesa preventiva proprietário de bar coloca narcótico na bebida de fregueses que ouvira combinarem assalto ao estabelecimento porque existe perigo atual mas não existe agressão iminente para permitir legítima defesa cuja proteção posterior ou seria impossível ou implicaria maior risco de morte ou lesão grave dos agressores92 4 O conflito de vida contra vida A questão crucial do estado de necessidade referese à ponderação de vida contra vida que parece 89 Assim BAUMANNMITSCH Strafrecht 1995 17 n 78 também JAKOBS Strafrecht 1993 1325 p 422423 ROXIN Strafrecht 1997 16 n 4345 p 629630 90 ROXIN Strafrecht 1997 16 n 23 p 620 91 Comparar ROXIN Strafrecht 1997 16 n 6870 p 642643 92 Ver ROXIN Strafrecht 1997 16 n 736 p 644645 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 241 242012 162811 242 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 não caber em fórmulas comuns porque entre vidas em conflito não existem diferenças de valor ou de quantidade a não existe diferença de valor entre vidas diferentes que au torize desligar aparelho de respiraçãocirculação artificial de paciente com menores chances de sobrevivência para ligálo em outro com maiores chances ou que permita matar paciente de pequeno tempo de sobrevivência para assegurar vida maior de outro com órgãos do cadáver daquele ou que justifique sacrificar vidas de valor inferior as chamadas vidas sem valor vital em proveito de vida de maior valor sacrificar doente mental em favor do prêmio Nobel ancião em favor do jovem criminoso em favor do cidadão socialmente útil93 b não existe diferença de quantidade que permita no conhe cido exemplo de WELZEL desviar um trem desgovernado da linha principal evitando a morte de muitos para uma linha secundária determinando a morte de poucos94 ou admitir a morte de uma pessoa como exigência de quadrilha para evitar a morte de vários reféns95 Situações de perigo comum extraídas da literatura podem ajudar a esclarecer a controvérsia a dois alpinistas ficam pendurados em corda capaz de sustentar apenas um deles e o alpinista da posição superior corta a corda abaixo dele precipitando o companheiro no abismo96 b dois homens em balão defeituoso capaz de sustentar apenas um deles e um lança o outro no espaço97 c barco com crianças em corredeira sob perigo de afundar por excesso de peso e o barqueiro joga algumas crianças na água para salvar a vida das demais98 d após 93 ROXIN Strafrecht 1997 16 n 29 p 622623 94 WELZEL Zum Notstandsproblem ZStW 63 1951 p 51 95 ROXIN Strafrecht 1997 16 n 30 p 623 96 MERKEL Die Kollision rechtmässiger Interessen und die Schadenersatzpflicht bei rechtmässigen Handlungen 1895 97 NEUBECKER Zwang und Notstand in rechtsvergleichender Darstellung Bd 1 1910 98 KLEFISCH Die nationalsozialistische Euthanasie im Blickfeld der Rechtsprechung und Rechtslehre MDR 1950 p 261 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 242 242012 162811 243 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação 20 dias de fome e sede em jangada com pedaços de tronco do barco naufragado o capitão e seu imediato sacrificam a vida do já enfra quecido grumete para sobreviver com seu sangue o famoso caso do iate inglês Mignonette99 41 A teoria diferenciadora que distingue entre estado de necessidade justificante e estado de necessidade exculpante admite apenas exculpação nas situações descritas afirmando ser injustificável qualquer pondera ção entre vidas humanas com os seguintes argumentos a uma ética racional do valor exclui cálculos avaliativos ou finalidades racionais em relação à vida humana segundo WELZEL100 b valores jurídicos não são valores utilitários mas fusão de convicções morais fundamentais da cultura conforme GALLAS101 c matar quem morrerá de qualquer modo representa do ponto de vista prático uma arbitrária redução da vida humana segundo KUPER102 e do ponto de vista teórico a morte matematicamente certa seria mera construção do pensamento porque ninguém pode conhecer com certeza acontecimentos futuros conforme ROXIN103 Não obstante respeitável opinião minoritária da própria teoria diferenciadora considera justificada a ação de reduzir um mal ine vitável com argumentos poderosos a primeiro o direito não pode proibir salvar uma vida humana se impossível salvar duas como dizia WEBER104 b segundo o princípio da usurpação de chance desen volvido por OTTO para casos semelhantes proíbe aniquilar chances de sobrevivência de vítimas escolhidas em grupo maior o barco com 99 PRÖCHEL Die Fälle des Notstands nach angloamerikanischem Strafrecht 1975 p 61 100 WELZEL Monatsschrift fur Deutsches Recht 1949 p 375 101 GALLAS Pflichtenkollision als Schuldausschliessungsgrund MezgerFS 1954 p 327 102 KUPER Grund und Grenzfragen der rechtfertigenden Pflichtenkollision im Strafrecht 1979 p 57 103 ROXIN Strafrecht 1997 16 n 3435 p 625 104 WEBER Das Notstandsproblem und seine Lösungen in den deutschen Strafgesetzentwurfen von 1919 und 1925 1925 p 30 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 243 242012 162811 244 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 crianças em corredeira por exemplo mas não se aplica a vítimas sem chance de sobrevivência previamente escolhidas pelo destino como no caso da corda dos alpinistas105 c enfim a irracionalidade de certas situações existenciais permite qualificar todo comportamento simul taneamente como certo e errado nos quais a decisão cabe à consciência de cada um como propõe MANGAKIS106 42 A teoria unitária da lei penal brasileira que define estado de ne cessidade exclusivamente como justificação admite todos os argumen tos da posição minoritária da teoria diferenciadora com os seguintes acréscimos a estudos recentes admitem áreas livres do direito em conflitos relacionados com situações de perigo comum ou de colisão de deveres portanto não podem ser injustas ações que estariam fora da disciplina jurídica b admitir na legislação brasileira a hipótese supralegal de estado de necessidade exculpante nos moldes da teoria diferenciadora da lei penal alemã significa mutilar a hipótese legal do estado de necessidade justificante da teoria unitária reduzindo o alcance de justificação legal em favor de hipotética exculpação supralegal em prejuízo do acusado107 5 Cláusula de razoabilidade A ação de proteção necessária de bem jurídico em perigo depende de condição definível como cláusula de ra zoabilidade a não razoável exigência ou a razoável exigibilidade de sacrifício do bem jurídico protegido nas circunstâncias art 24 CP 105 OTTO Pflichtenkollision und Rechtswidrigkeitsurteil 1978 p 29 106 MANGAKIS Die Pflichtenkollision als Grenzsituation des Strafrechts ZStW 84 1972 p 475 107 No sentido do texto COSTA JÚNIOR Comentários ao código penal I 1989 p 205 também MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 149150 e 187 em posição contrária reduzindo a justificação legal à hipótese de simples exculpação supralegal na linha da teoria diferenciadora da lei penal alemã FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 168 p 196 ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 340 p 594 e n 382383 p 654657 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 244 242012 162811 245 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação Art 24 2º Embora seja razoável exigirse o sacri fício do di rei to ameaçado a pena poderá ser reduzida de um a dois terços O conteúdo da cláusula de razoabilidade da lei penal brasileira não se confunde com o conteúdo da cláusula de apropriação da legis lação alemã mas é equivalente a não razoável exigência referese ao sacrifício do bem jurídico protegido e a apropriação do meio referese à capacidade da ação para excluir o perigo mas os dois casos representam critérios de valoração para definir a juridicidade da ação porque exis tem ações necessárias para proteção do bem jurídico que são injustas como a extração forçada de rim para transplante por exemplo em que seria razoável exigir o sacrifício do bem jurídico ameaçado ou em que o fato praticado constitui meio inapropriado para excluir o perigo A contrapartida da cláusula da não razoável exigência de sacrifício do bem jurídico ameaçado para a justificação do estado de necessidade é a razoável exigência de sacrifício do bem jurídico ameaçado para a simples redução de pena A crítica de que tais cláusulas seriam ociosas108 ou de que reali zariam mera função de controle109 não parece prejudicar sua utilidade embora alguns critérios alternativos ofereçam maior precisão como a exigência de não lesionar a dignidade humana por exemplo um valor absoluto vinculante de todos os critérios110 108 Assim SCHÖNKESCHRÖDERLENCKNER Strafgesetzbuch Kommentar 1991 34 n 45 109 Ver ESERBURKHARDT Strafrecht I 1992 n 3946 110 Nesse sentido ROXIN Strafrecht 1997 16 n 8386 p 650651 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 245 242012 162811 246 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 3 Posições especiais de dever As sociedades contemporâneas definem algumas posições especiais de dever que obrigam determinados funcionários públicos ou cidadãos comuns a assumir ou suportar o perigo a o dever jurídico de proteção da comunidade b o dever jurídico fundado na produção do perigo c o dever jurídico resultante da posição de garante d o dever jurídico de suportar perigos somente evitáveis com danos desproporcionais a terceiros Art 24 1º Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo 1 Dever jurídico de proteção à comunidade O dever jurídico especial de proteção à comunidade incumbe a certas categorias de funcionários públicos que têm o dever legal de enfrentar o perigo como bombeiros e policiais mas também se estende aos magis trados em geral que não estariam justificados a decidir deste ou daquele modo lesivo ao dever sob alegação de ameaça de morte por exemplo Atualmente esse dever legal de proteção à comu nidade inclui algumas profissões liberais como a medicina um médico não pode deixar de atender um doente sob alegação de perigo de contágio pessoal111 Os deveres de proteção à comunida de estão limitados aos perigos específicos da função ou profissão por exemplo o policial em relação aos perigos da perseguição do autor de um crime o médico em relação ao perigo de contágio de doenças etc Não obstante esse dever legal pode exigir estender o perigo à família do obrigado numa catástrofe o policial não pode deixar de proteger a comunidade para salvar a mulher ou filhos por exemplo112 111 Assim ROXIN Strafrecht 1997 16 n 5657 p 636637 e 19 n 40 p 843 No Brasil ver MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 150 112 Ver ROXIN Strafrecht 1997 22 n 4143 p 843844 e n 52 p 848 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 246 242012 162811 247 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação 2 Dever jurídico fundado na produção do perigo O dever jurí dico fundado na produção do perigo é objeto de controvérsia sobre os componentes objetivos e subjetivos do comportamento113 a pro dução do perigo deve ser objetivamente contrária ao dever segundo a opinião dominante114 ou deve ser objetiva e subjetivamente contrária ao dever segundo a minoria115 Segmento importante da literatura critica ambas posições o dever de suportar o perigo dependeria da previsibilidade da situação de necessidade resultante da produção do perigo afinal a simples autoexposição a perigo não pode ser proibida116 o companheiro convidado pelo autor para passeio de barco em mar agitado morre no naufrágio do barco porque o autor se apodera da única boia do barco para se salvar Problemas podem ocorrer nas situações em que a determinação e a exposição ao perigo relacionamse a pessoas diferentes o marido coloca a família em perigo e para proteger a família produz dano em terceiro ou em que a pessoa protegida determina o perigo a mulher do autor produz o perigo e este a protege com dano a terceiro nes ses casos a literatura reconhece a inexigibilidade do autor suportar o perigo logo o dever resultante da produção do perigo difere dos deveres legais especiais que exigem suportar o perigo117 3 Deveres jurídicos da posição de garante Os deveres jurídicos fundados na posição de garante relacionamse às comunidades de vida e de perigo a em comunidades de vida a posição de garante 113 ROXIN Strafrecht 1997 22 n 4546 p 845 114 Assim MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 34 n 5 também WESSELS BEULKE Strafrecht 1998 p 126 n 441 115 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 44 III 2a p 485486 SCHÖNKESCHRÖDERLENCKNER Strafgesetzbuch Kommentar 1991 35 n 20 116 ROXIN Strafrecht 1997 22 n 4546 p 845846 BAUMANNWEBER Strafrecht 1995 23 n 27 HRUSCHKA Strafrecht nach logischanalytischer Methode 1988 286 117 ROXIN Strafrecht 1997 22 n 5051 p 847848 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 247 242012 162812 248 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 do paimarido em catástrofes como incêndio naufrágio ou em acidentes de trânsito por exemplo exige suportar pessoalmente o perigo para proteger mulher e filhos o paimarido não pode deixar de proteger membro da família sob alegação de perigo para a saúde ou integridade corporal próprias118 exceto hipóteses de especial gravidade do perigo b em comunidades de perigo os deveres de cuidado ou vigilância do guia de expedição na selva ou nas montanhas em relação ao grupo ou do professor em relação aos alunos exigem proteger membro do grupo ou da turma suportando pessoalmente o perigo119 4 Dever jurídico de suportar perigos somente evitáveis com danos desproporcionais a terceiros O dever legal de evitar danos desproporcionais a terceiros para excluir perigos próprios pode ser assim equacionado a o autor não pode produzir a morte ou dano grave em inocente para evitar dano corporal reparável contudo parece justificada a morte de terceiro para evitar dano corporal grave ou a morte de vários para evitar a própria morte b situações de perigo para o corpo como ameaça de quebrar um braço ou sofrer uma contusão séria admitem evitação mediante dano equivalente mas excluem matar ou aleijar c situações de perigo consistentes em pequena probabilidade de perder a vida podem justificar lesão mas não a morte de terceiros120 5 Limites do dever jurídico ligado às posições especiais de dever O dever jurídico ligado às posições especiais de dever possui limites podendo ser excluído ou reduzido por situações de conflito a primeiro o dever legal de enfrentar o perigo não é absoluto ces sando em face de certeza ou de probabilidade de morte ou de lesão 118 SCHÖNKESCHRÖDERLENCKNER Strafgesetzbuch Kommentar 1991 34 n 34 119 Ver ROXIN Strafrecht 1997 22 n 54 p 849 120 Assim ROXIN Strafrecht 1997 22 n 5455 p 849850 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 248 242012 162812 249 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação grave porque o direito não pode exigir renúncia à vida ou aceitação de graves lesões à saúde ou ao corpo121 b segundo conflitos de deveres de ação podem constituir confor me a teoria dominante hipóteses de justificação122 o pai só pode salvar um dos dois filhos em perigo simultâneo de afogamento com perecimento do outro o médico só pode atender um de dois pacientes em simultâneo perigo de vida com morte do outro A opinião de que constituiriam meros casos de exculpação123 sob ale gação de que escolhas pessoais representariam arbitrário abandono de vidas humanas parece inconsistente a antijuridicidade supõe a possibilidade de comportamento jurídico alternativo e afinal existe diferença entre o esforço para salvar um e nenhum esforço para salvar nenhum124 c terceiro alguns critérios de justificação como a relação entre os deveres o valor do bem jurídico a gravidade do perigo etc podem ser decisivos 1 a relação entre os deveres se os deveres são desi guais prevalece o maior se iguais qualquer deles 2 o valor do bem jurídico em incêndio de museu a salvação da criança não do quadro valioso 3 a gravidade do perigo proteger a vítima de lesão grave não a vítima de lesão leve 4 relações entre dever es pecial de garantia e dever geral de solidariedade o pai deve salvar o filho e não a criança alheia na hipótese de perigo simultâneo de afogamento pela precedência do dever de garantia o pai deve 121 ROXIN Strafrecht 1997 16 n 56 p 636637 No Brasil ver MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 150151 122 JAKOBS Strafrecht 1993 15615 p 445449 ROXIN Strafrecht 1997 16 n 101105 p 658660 SCHÖNKESCHRÖDERLENCKNER Strafgesetzbuch Kommentar 1991 32 n 7 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 16 p 234235 ns 735737 123 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 33 V p 365368 HAFT Strafrecht 1994 p 101 124 ROXIN Strafrecht 1997 16 n 105106 p 660 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 249 242012 162812 250 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 salvar a criança alheia ferida gravemente e não o filho ferido leve mente pela precedência do valor do bem jurídico ameaçado em relação ao dever de garantia125 5 hipóteses de culpa na produção da situação de necessidade supondo igualdade do perigo são polêmicas o médico pode atender primeiro o culpado e depois a vítima ou viceversa indiferentemente126 o médico deve atender primeiro a vítima depois o culpado127 Em qualquer caso não há diferença qualitativa bommau novovelho inteligentebobo ou quantitativa salvar um na direção sul salvar dois na direção norte entre vidas humanas A lesão do dever jurídico de suportar o perigo determina re dução da pena em todas as hipóteses mencionadas embora alguns autores excluam hipóteses de lesão de deveres jurídicos especiais por razões de prevenção geral128 ou por ser incompatível com o princípio da culpabilidade129 C Estrito cumprimento de dever legal O estrito cumprimento de dever legal constitui justificação exclusiva do funcionário público compreende hipóteses de inter venção do funcionário público na esfera privada para assegurar o cumprimento da lei ou de ordens superiores da administração 125 Ver ROXIN Strafrecht 1997 16 n 109111 p 661662 126 SCHÖNKESCHRÖDERLENCKNER Strafgesetzbuch Kommentar 1991 32 n 74 127 BLEI Strafrecht 1983 88 I 4a 128 É a opinião de ROXIN Strafrecht 1997 19 n 56 p 850 129 Nesse sentido JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 44 IV 2 p 488 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 250 242012 162812 251 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação pública que podem determinar a realização justificada de tipos legais como coação privação de liberdade violação de domicílio lesão corporal etc 1 Situação justificante A situação justificante do estrito cumprimento de dever legal é constituída pela existência de lei em sentido amplo lei decreto regula mento etc ou de ordem de superior hierárquico determinantes de dever vinculante da conduta do funcionário público ou assemelhado130 O estrito cumprimento de dever determinado por lei exclui lesão de direitos humanos fundamentais definidos em tratados e convenções internacionais por exemplo homicídios dolosos para impedir fuga de presos de estabelecimento penal O estrito cumprimento de dever fundado em ordem superior pressupõe autoridade competente para emitir a ordem objeto lícito e forma adequada da ordem emitida segundo os requisitos de validade dos atos administrativos Não obstante e como é óbvio admite um restrito direito de crítica do subordinado cujo exercício é limitado exclusivamente à legalidade da ordem excluindo razões ou argumen tos relacionados a critérios de oportunidade de conveniência ou de justiça da ordem 130 Comparar CIRINO DOS SANTOS Teoria do Crime 1993 p 55 também MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 151152 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 251 242012 162812 252 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 2 Ação justificada A ação justificada pressupõe atuação do funcionário público nos estritos limites do dever criado por lei ou por ordem de superior hierárquico Nesse sentido rupturas dos limites do dever na aplicação da lei ou no cumprimento de ordens superiores excluem a justificação da conduta 21 Ruptura dos limites do dever na aplicação da lei A ruptura dos limites do dever na aplicação da lei pelo funcio nário público no emprego de coação ou na privação de liberdade por exemplo é frequente e inevitável do ponto de vista estatístico e pode determinar duas consequências imediatas primeiro excluir a justificação da conduta segundo permitir a legítima defesa do cidadão agredido131 Para resolver esses problemas a dogmática mo derna desenvolveu o conceito de uma antijuridicidade especial para o funcionário público cujos limites ampliados poderiam justificar ações que dentro dos limites comuns do conceito seriam antijurídicas132 Essa antijuridicidade especial do funcionário público teria alguns pressupostos objetivos a competência material e territorial para a ação com exclusão de ações fora das atribuições ou fora do território respectivo b forma prescrita em lei c observância dos princípios da necessidade e da proporcionalidade133 aliás princípios de difícil compreensão pelo funcionário público A juridicidade da ação não seria excluída por erros normais sobre tais pressupostos objetivos 131 Ver ROXIN Strafrecht 1997 17 n 12 p 667668 132 Assim LENZ Die Diensthandlung und ihre Rechtmässigkeit in 113 StGB Diss Bonn 1987 133 Nesse sentido HAFT Strafrecht 1994 p 113 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 252 242012 162812 253 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação ocorridos em exame da situação conforme ao dever por exemplo o oficial de justiça entra na casa errada para cumprir o mandado portanto somente erros graves indicadores de culpa grosseira seriam capazes de deslegitimar a ação134 Contudo a teoria de uma antijuridicidade especial parece criti cável primeiro o conceito de antijuridicidade especial está em contra dição com a dogmática penal que não trabalha com dois conceitos de antijuridicidade um normal para o comum dos mortais outro especial para o funcionário público segundo intervenções oficiais sem observância dos pressupostos legais não geram dever de tolerância terceiro a boafé do funcionário público não exclui a antijuridicidade da ação assim não faz o injusto virar justo135 quarto o sentimento de imunidade do funcionário público ampliaria práticas ilegais ou arbitrárias do poder136 quinto o Estado Democrático de Direito garante respeito às liberdades do cidadão exige estrita observância da legalidade pelo funcionário público e não atribui ao funcionário público o privilégio de errar137 Em conclusão podese dizer o seguinte o erro inevitável do funcionário público ocorrido em exame da situação conforme ao dever ou seja com o emprego do cuidado devido exclui o dolo e a imprudência portanto exclui o desvalor da ação impedindo o exercício da legítima defesa mas o erro evitável do funcionário público não exclui o desvalor da ação e autoriza o exercício da legítima defesa embora com as necessárias limitações éticosociais138 134 LACKNER Strafgesetezbuch mit Erläuterungen 1995 21a edição 113 n 12 135 ROXIN Strafrecht 1997 17 n 9 p 671 136 Ver THIELE Zum Rechtmässigkeitsbegriff bei 113 Abs 3 StGB JR 1975 p 353 137 Assim pensava JELLINEK Verwaltungsrecht 1931 p 373 138 Nesse sentido ROXIN Strafrecht 1997 17 n 1314 p 673674 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 253 242012 162812 254 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 22 Cumprimento de ordens antijurídicas O cumprimento de ordens superiores antijurídicas é resolvido conforme as alternativas de evidênciaou de não evidência da natureza típica da ordem a ordens superiores ilegais de evidente natureza típica não vinculam a conduta e não devem ser cumpridas pelo subordinado que responde pelo injusto praticado se cumpre a ordem a autoridade policial ordena ao subordinado espancar suspeito para obter confissão o superior hierárquico determina ao subordinado embriagado dirigir veículo automotor etc b ordens superiores ilegais de natureza típica oculta ou duvidosa vinculam a conduta e são obrigatórias para o subor dinado que não responde pelo injusto praticado se cumpre a ordem prisões processualmente admissíveis disparo sobre sequestradores para libertar reféns prisão de inocente fundado em forte suspeita etc139 O cumprimento de ordens superiores ilegais obrigatórias para o subordinado natureza típica oculta ou duvidosa é objeto de contro vérsia a constitui justificação sob o argumento de que a obrigação de cumprir a ordem é incompatível com a exposição do subordinado à legítima defesa140 b constitui exculpação porque o injusto não se transforma em justo e o que o superior não pode o inferior também não pode141 solução adotada pela lei penal brasileira art 22 CP que pune somente o autor da ordem ver Culpabilidade e exculpação adiante 139 HAFT Strafrecht 1994 p 113 140 JAKOBS Strafrecht 1993 1614 p 458459 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 35 II 3 p 394395 141 MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 29 n 7 p 408 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 254 242012 162812 255 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação 3 Elementos subjetivos do estrito cumprimento de dever legal Os elementos subjetivos do estrito cumprimento de dever legal consistem no conhecimento da situação justificante a existência de dever legal ou no conhecimento da situação justificante e vontade de cumprir o dever legal como prender coagir etc em qualquer hipótese com outros componentes psíquicos e emocionais como medo perturbação etc D Exercício regular de direito O exercício regular de direito justifica ações do cidadão comum definidas como direito e exercidas de modo regular pelo titular 1 Situações justificantes A dogmática moderna reconhece dois grupos de hipóteses como situações justificantes do exercício regular de direito a a atuação pro magistratu b o direito de castigo 1 Atuação pro magistratu A atuação pro magistratu compreende situações em que o cidadão é autorizado a agir porque a autoridade não pode atuar em tempo como as hipóteses de prisão em flagrante e de autoajuda Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 255 242012 162812 256 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 A prisão em flagrante realizada pelo cidadão comum requer deter minados requisitos sem os quais não pode ser efetuada a certeza142 ou forte suspeita143 de autoria b fato típico e antijurídico exclui ações preparatórias e justificadas c suspeita de fuga no caso concreto um juízo de probabilidade problemático mas normal em hipóteses de crimes graves e clandestinos ou impossibilidade de identificação como falta ou recusa de apresentação de documento exceto hipóteses de conhecimento da identidade pessoal144 A autoajuda parece melhor definível como hipótese de exercício regular de direito e compreende ações diretas sobre pessoas prender eliminar a resistência ou coisas tomar destruir fora dos casos de legítima defesa ou de prisão em flagrante após o furto o proprietá rio encontra o autor de posse da coisa furtada prendeo e recupera a posse da coisa145 2 Direito de castigo O direito de castigo tem por objeto a educação de crianças no âmbito da família compete exclusivamente aos titulares do poder familiar em relação aos filhos mas não se estende aos filhos alheios embora possa ser exercido dentro de limites estritos por professores e educadores no âmbito da escola com o consentimento expresso ou presumido dos responsáveis Alguns autores consideram que o direito de castigo com fins educativos exclui o próprio tipo146 mas para a opinião dominante 142 JAKOBS Strafrecht 1993 1616 p 459 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 35 IV 2 p 398 143 ROXIN Strafrecht 1997 17 n 24 p 679 144 Assim ROXIN Strafrecht 1997 17 n 27 p 681 145 ROXIN Strafrecht 1997 17 n 29 p 682 146 EB SCHMIDT Bemerkungen zur Rechtsprechung des Bundesgerichtshofs zur Frage des Zuchtigungsrechtes der Lehrer 1959 p 519 também KIENAPFEL Körperliche Zuchtigung und soziale Adäquanz im Strafrecht 1961 p 101 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 256 242012 162812 257 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação constitui justificação147 embora o castigo corporal como método de educação familiar não mereça aplausos 2 Ação justificada A ação justificada na prisão em flagrante e na autoajuda limitase às condutas típicas indispensáveis para conduzir o preso à autoridade ou para recuperar a posse da coisa furtada como lesão corporal leve privação da liberdade etc excluindo lesão corporal grave e emprego de armas148 A ação justificada no direito de castigo compreende igual mente ações típicas como lesões leves privação da liberdade coações etc excluindo sangramentos fraturas ou violências indignificantes dar pontapés deixar nu chicotear acorrentar etc que constituem em face da intangibilidade do direito à dignidade e à integridade corporal abuso não justificado do direito de castigo149 3 Elementos subjetivos no exercício regular de direito O elemento subjetivo do exercício regular de direito consiste no conhecimento da situação justificante prisão em flagrante autoajuda e direito de castigo ou no conhecimento da situação justificante e vontade de prender de recuperar a coisa ou de corrigir em qualquer 147 ROXIN Strafrecht 1997 17 n 34 p 684 148 Ver MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 152 149 HAFT Strafrecht 1994 p 115 também ROXIN Strafrecht 1997 17 n 35 p 684685 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 257 242012 162812 258 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 hipótese com outros componentes psíquicos e emocionais como raiva desgosto etc E Consentimento do titular do bem jurídico O consentimento do titular do bem jurídico ou consentimento do ofendido constitui causa supralegal de exclusão da antijuridicidade ou da própria tipicidade porque consiste na renúncia à proteção penal de bens jurídicos disponíveis150 ou seja todos os bens jurídicos individuais inclusive a vida em determinadas condições O consentimento do titular do bem jurídico pode ser real ou presumido com divergências na literatura sobre os efeitos do consentimento real mas consenso sobre a natureza justificante do consentimento presumido A opinião domi nante representada por JESCHECKWEIGEND MAURACHZIPF e outros baseada em distinção de GEERDS define o consentimento real de dois modos distintos a o consentimento real sob forma de concordância Einverständnis teria efeito excludente do tipo b o con sentimento real sob forma de consentimento Einwilligung teria efeito excludente da antijuridicidade151 A opinião minoritária representada por ROXIN atribui ao consentimento real exclusivo efeito excludente do tipo porque configura exercício de liberdade constitucional de ação do portador do bem jurídico152 se o consentimento real do portador do bem jurídico significa exercício de liberdade de ação então não pode significar ação típica com suas funções de ratio essendi ou de ratio 150 MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 17 III 1 n 36 p 227 151 Ver GEERDS Einwilligung und Einverständnis des Verletzten im Strafrecht in GA Goltdammers Archiv fur Strafrecht 1954 p 262 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 34 I p 372376 MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 17 III 1 n 32 p 225 152 Ver ROXIN Strafrecht 1997 13 n 12 p 462 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 258 242012 162812 259 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação cognoscendi da antijuridicidade apesar de excluída pela justificação do consentimento do ofendido Outros argumentos favoráveis à concepção do consentimento real como excludente do tipo seriam os seguintes a o consen timento real como renúncia à proteção penal de bens jurídicos disponíveis exclui o desvalor de resultado e por consequência a ação consentida não representa desvalor de ação descaracterizando o próprio tipo de crime b o consentimento real exprime desin teresse do titular na proteção do bem jurídico indicando situação de ausência de conflito ao contrário do sistema de justificações fundado na existência de situações de conflito c enfim o argu mento de que não existe diferença semântica entre concordância excludente do tipo e consentimento excludente da antijuridicidade por exemplo na injúria na privação de liberdade na revelação de segredos etc parece decisivo153 Na prática não há diferença entre efeito destipificante e efeito justificante do consentimento real porque o fundamento jurídico necessário para destipificar é o mesmo exigido para justificar a ação e porque a consequência jurídica da exclusão do tipo é idêntica à da exclusão da antijuridi cidade Mas além dos argumentos teóricos a própria economia dogmática aconselha atribuir ao consentimento real efeito excludente da tipicidade154 embora nada impeça atribuirlhe efeito de exclusão da antijuridicidade como causa supralegal de justificação 153 ROXIN Strafrecht 1997 13 n 1722 p 464467 154 Outra posição aqui modificada em CIRINO DOS SANTOS Teoria do Crime p 57 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 259 242012 162812 260 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 1 Consentimento real O consentimento real do titular de bem jurídico disponível tem eficácia excludente da tipicidade da ação porque o tipo legal protege a vontade do portador do bem jurídico cuja renúncia representa exer cício de liberdade constitucional de ação155 Todos os bens jurídicos individuais inclusive o corpo e a vida como mostra a prática de esportes marciais são disponíveis 11 Objeto do consentimento a Liberdade sexualidade e propriedade O consentimento do titular de bem jurídico individual disponível pode ter por objeto a liberdade pessoal no caso de sequestro ou cárcere privado consentido pressu posta a capacidade civil do titular do bem jurídico a liberdade sexual nas relações sexuais consentidas se o titular do bem jurídico possui a idade mínima de 14 anos exigida para excluir a violência presumida exceto hipóteses de absoluta incapacidade de decisão válida a proprie dade privada em subtrações ou apropriações consentidas de coisa alheia móvel etc156 se o titular é pelo menos relativamente capaz b Corpo humano saúde e integridade O poder de disposição de bens jurídicos relacionados ao corpo como a saúde ou integridade física pode depender da extensão da finalidade ou da adequação so cial da lesão respectiva a o consentimento real exclui a tipicidade de lesões corporais graves em esportes marciais regulamentados como 155 MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 17 III 1 n 36 p 227 ROXIN Strafrecht 1997 13 n 1114 p 461462 156 CIRINO DOS SANTOS Teoria do crime 1993 p 57 comparar FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 176 p 199100 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 152153 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 260 242012 162812 261 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação boxe caratê judô etc especialmente no gênero de competição co nhecido como valetudo apresentado ao vivo em televisão em redes internacionais em competições de valetudo embora não exclua a tipicidade de lesões corporais graves em brigas de rua b admitese efeito excludente da tipicidade em lesões sadomasoquistas consentidas entre adultos e sem dano social realizadas na esfera inviolável da vida privada da pessoa humana art 5o X CR A legislação penal alemã 226 a CP expressamente admite o consentimento da vítima como justificaçãoexclusão da tipicidade exceto em hipóteses contrárias aos bons costumes157 um conceito indeterminável sujeito a profundas distorções ideológicas No caso de lesão corporal consentida a liberdade de disposição do bem jurídico prevalece sobre o valor do bem jurídico protegido como esclarece a literatura o consentimento da vítima pode ter por objeto somente o risco para o corpo ou para a vida e não o resultado de lesão ou de morte porque esperase que tudo corra bem158 No Brasil a proibição legal de tratamento médico e de interven ções cirúrgicas contrárias à vontade do paciente art 15 CC mesmo em casos de risco de vida institui o consentimento real do titular do bem jurídico como fundamento excludente da tipicidade nas cirurgias médicas incluindo esterilizações extração de órgãos em pessoas vivas para transplante cirurgias corretivas de anomalias sexuais em indiví duos transexuais etc que constituem lesões corporais graves159 A lei civil brasileira proíbe a disposição do corpo em hipóteses de cirurgias corretivas causadoras de redução permanente da integridade física 157 Quem efetua uma lesão corporal com consentimento do lesionado somente atua de modo antijurídico se o fato apesar do consentimento contraria os bons costumes 226 a CP alemão 158 ARZTWEBER Strafrecht BT 2000 6o n 28 e 35 159 Ver ROXIN Strafrecht 1997 13 n 38 p 475 também SCHÖNKE SCHRÖDERSTREE Strafgesetzbuch Kommentar 1991 24a edição 226 a n 6 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 261 242012 162812 262 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 ou contrárias aos bons costumes art 13 CC Permite contudo a extração em vida de órgão duplo de parte de tecido ou partes do corpo para transplante em cônjuge ou parente consanguíneo até 4o grau obedecidos os requisitos da legislação especial Lei 943497 sobre capacidade do doador gratuidade da remoção necessidade terapêutica comprovada do receptor ausência de risco ou de mutilações ou de formações inaceitáveis para o doador e finalmente prévia autorização judicial exceto no caso de medula óssea A limitação representada pela exigência de conformidade aos bons costumes é inconstitucional por absoluta indeterminação do conceito o que são bons costumes e segundo quais princípios ou critérios devem ser definidos 12 A disciplina da Lei 943497 A remoção de órgãos tecidos ou partes do corpo humano em vida e post mortem para fins de transplante e tratamento é disciplinada pela Lei 943497 Entre as condições estabelecidas pela lei estão as seguintes a gratuidade da disposição de tecidos órgãos e partes do corpo humano art 10 b exames prévios do doador e diagnóstico de infecção e infestação exigidos pelo Ministério da Saúde art 2o único c realização por equipe cirúrgica de remoção e transplante autorizada pelo SUS em estabelecimento de saúde pública ou privada art 2o Além disso a lei estabelece condições para remoção de tecidos órgãos ou partes do corpo humano em vida e post mortem No caso de disposição de tecidos órgãos ou partes do corpo humano vivo para transplante ou tratamento a lei determina condições específicas relacionadas ao doador ao receptor e ao objeto de disposição assim definidas a capacidade jurídica do doador que pode revogar a doação a qualquer momento art 9o b o receptor deve ser cônjuge ou parente consanguíneo até o 4o grau do doador outras hipóteses somente com autorização judicial art 9o c o objeto de doação deve Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 262 242012 162813 263 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação constituir unidade de órgão duplo ou partes de órgãos tecidos ou corpo humano cuja retirada não impeça a vida do doador não crie risco para sua integridade não represente grave comprometimento de suas aptidões vitais e saúde mental e não cause mutilação ou defor mação inaceitável art 9o 3o d finalmente prova de necessidade terapêutica indispensável do receptor art 9o 3o Complementarmente a lei proíbe a publicidade de estabele cimento autorizado para transplantes e enxertos b apelo público de doação de tecidos órgãos ou partes do corpo humano para pessoas determinadas ou indeterminadas c apelo público para arrecadação de fundos para financiamento de transplantes ou enxertos Entre as ações criminalizadas com pena de reclusão pela lei estão as seguintes a remoção de tecidos órgãos ou partes do corpo humano vivo ou em cadáver contrária às normas legais art 14 b compra e venda de tecidos órgãos e partes do corpo humano art 15 c realização de transplante eou enxerto de tecidos órgãos ou partes do corpo humano contrárias à legislação art 16 d recolher guardar transportar distribuir partes do corpo humano contrários à legislação art 17 e realizar transplante ou enxerto contrário ao artigo 10 e art 18 Outras ações criminalizadas com pena de de tenção ou somente com pena de multa estão na área da criminalidade de bagatela artigos 19 e 20 Finalmente a remoção de tecidos órgãos ou partes do corpo humano post mortem está submetida às seguintes condições comple mentares a diagnóstico prévio de morte encefálica por 2 médicos diferentes dos responsáveis pelo transplantetratamento art 3o b autorização do cônjuge ou parente em linha reta ou colateral até o 2o grau da linha sucessória art 4o c recomposição condigna do cadáver para entrega aos parentes e sepultamento art 8o Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 263 242012 162813 264 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 13 Capacidade e defeito de consentimento O consentimento real pressupõe sujeito capaz de compreensão concreta do significado e da extensão da ação consentida ou seja da renúncia ao bem jurídico respectivo o que significa conhecimento concreto do risco consentido160 determinável como questão de fato independentemente da idade do portador do bem jurídico161 ou do critério de capacidade civil Não obstante a idade é o primeiro indicador da capacidade de consentimento excludente do tipo ou da antijuridicidade como demonstram os crimes sexuais em que a idade de 14 anos delimita a incapacidadecapacidade Além disso o consentimento real deve ser expressão de vontade livre do titular do bem jurídico o que significa exclusão do consen timento por defeitos de vontade determinados por engano erro ou violência O engano exclui o consentimento se determinar erro do ofendido sobre espécie e extensão do dano ao bem jurídico ou sobre intensidade do perigo para o bem jurídico B aplica injeção de tranqui lizante em A omitindo informação sobre efeito prejudicial à saúde o erro da vítima exclui o consentimento sempre que exprimir equívoco pessoal ou de engano provocado por terceiro enfim a violência real ou ameaçada exclui o consentimento porque bloqueia a vontade do titular do bem jurídico162 160 ARZTWEBER Strafrecht BT 2000 6 n 3435 HAFT Strafrecht 1994 p 102105 161 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 34 IV 4 p 382 ROXIN Strafrecht 1997 13 n 51 p 480 162 HAFT Strafrecht 1994 p 107108 ROXIN Strafrecht 1997 13 n 6872 p 488495 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 264 242012 162813 265 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação 14 Manifestação do consentimento A teoria da mediação psíquica principal teoria sobre manifesta ção do consentimento exige prévia comunicação do consentimento do titular do bem jurídico ao autor163 a comunicação do consenti mento é decisiva porque a ação consentida deve se conter nos limites do consentimento164 o que implica consentimento anterior ao fato consentimento posterior é irrelevante por outro lado assim como o consentimento deve ser manifestado antes do fato essa manifestação de consentimento também pode ser revogada a qualquer momento Enfim o consentimento do titular do bem jurídico pode ser expresso por palavras ou sinais ou pode ser simplesmente tácito dispensando o uso de palavras ou sinais na relação sexual por exemplo o con sentimento pode ser manifestado de qualquer modo como a reação positiva do portador do bem jurídico protegido165 Se o portador do bem jurídico é incapaz o consentimento pode ser manifestado pelos pais ou responsáveis como nas cirurgias em filhos menores na hipótese de recusa abusiva de consentimento dos pais em cirurgia necessária o consentimento pode ser suprido pelo Curador de Menores ou se impossível o próprio médico pode agir justificado pelo estado de necessidade na hipótese de conflito entre represen tante legal e adolescente relativamente capaz de consentir prevalece a vontade do adolescente que também deve ser a referência para a hipótese de consentimento presumido Mas o representante legal não pode consentir pelo portador do bem jurídico nas chamadas decisões existenciais como extração de órgãos para transplante ou relacionadas 163 Assim JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 34 IV 2 p 382 SCHÖNKESCHRÖDERLENCKNER Strafgesetzbuch Kommentar 1991 32 n 43 164 HAFT Strafrecht 1994 p 102105 165 ROXIN Strafrecht 1997 13 n 4550 p 478480 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 265 242012 162813 266 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 ao núcleo da personalidade como autorização para injúrias lesões corporais etc166 2 Consentimento presumido O consentimento presumido é construção normativa do psiquis mo do autor sobre a existência objetiva de consentimento do titular do bem jurídico que funciona como causa supralegal de justificação da ação típica167 ao contrário do consentimento real expressão de liberdade de ação do portador de bem jurídico disponível que exclui a tipicidade da ação Não há consenso sobre a natureza dessa cons trução normativa situase entre o consentimento real e o estado de necessidade168 constitui subespécie do estado de necessidade169 ou uma combinação do estado de necessidade do consentimento real e da gestão de negócios170 O consentimento presumido é subsidiário em relação ao consentimento real se o titular do bem jurídico mani festa consentimento real então não há o que presumir ao contrário se não existe consentimento real manifestado então a existência objetiva de consentimento pode ser presumida A ação com base no consentimento presumido do portador do bem jurídico é nor malmente ação no interesse alheio a hipótese de consentimento presumido justificador de ação no interesse próprio por exemplo colher frutas que apodrecem no quintal do vizinho que viajou em 166 Ver ROXIN Strafrecht 1997 13 n 633636 p 486488 167 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 34 VII p 3856 ROXIN Strafrecht 1997 18 n 34 p 697 168 ROXIN Strafrecht 1997 18 n 4 p 697 169 WELZEL Strafrecht 1969 14 V p 92 170 JAKOBS Strafrecht 1993 1517 p 451 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 266 242012 162813 267 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação férias é admitida pela opinião dominante171 mas rejeitada como risco excessivo pela minoria172 Enfim o consentimento presumido pode ser definido mediante duas hipóteses clarificadoras como mostra HAFT173 a o consentimento não foi obtido mas o titular do bem jurídi co consentiria se perguntado por exemplo cirurgia urgente em vítima inconsciente de acidente não obstante o consentimento não deve ser presumido se a manifestação de vontade do paciente pode sem prejuízo ser esperada b o consentimento do titu lar do bem jurídico poderia ser obtido mas é desnecessário ou mesmo absurdo por exemplo entrar na casa alheia para apagar incêndio contudo o consentimento não pode ser presumido se o autor conhece vontade contrária do portador do bem jurídico o proprietário não aceitaria por razões pessoais a entrada do autor na casa em nenhuma hipótese 3 O problema da eutanásia A discussão sobre eutanásia do grego eu boa thanatos morte como morte fundada no consentimento real ou presumido do titular do direito à vida começa na controvérsia sobre o suicídio 1 posição conservadora supõe um dever moral de viver a vida toda imposto pelo Direito natural a todos os seres humanos 2 posição 171 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 34 VII 1b 386387 ROXIN Strafrecht 1997 18 n 17 p 703 172 JAKOBS Strafrecht 1993 1518 p 451452 173 HAFT Strafrecht 1994 p 106 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 267 242012 162813 268 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 moderna afirma a liberdade de morrer em situações determinadas por exigências morais ou por razões de dignidade humana174 A decisão sobre eutanásia como homicídio por desejo da vítima um fato de pequena frequência estatística depende de uma ques tão crucial quem determina quem O estudo da eutanásia começa pelo exame da posição da vítima caracterizada pela vontade real ou presumida de morrer e termina pelo exame do comportamento do autor fundado na exclusiva vontade da vítima mediante ação ou ajuda ativa ou omissão de ação ou ajuda passiva 31 Vontade real e presumida de morrer A vontade real da vítima deve exprimir um desejo atual de morrer mediante clara comunica ção oral ou escrita a vontade presumida da vítima cuja relevância é limitada a situações de inconsciência pode ser inferida de indicadores reais anteriores relativos a hipóteses futuras indesejáveis por exemplo vida vegetativa paralisia etc175 32 Ajuda ativa e ajuda passiva do autor O papel do autor pode assumir uma forma ativa ação ou uma forma passiva omissão de ação na eutanásia A forma ativa de realização da vontade real ou presumida da vítima é criminalizada embora com redução de pena ou homicídio privilegiado art 121 1o CP ou participação em suicídio art 122 CP em outras palavras a extinção da vida por exigência da vítima mediante intervenção direta ou ativa colaboração do autor no suicí dio da vítima entrega de meios por exemplo é proibida de modo absoluto Em contrapartida a forma passiva de realização da vontade da vítima é objeto de interessante discussão na literatura especialmente na relação médicopaciente cujas linhas centrais são as seguintes 174 ARZTWEBER Strafrecht BT 2000 3 n 2 175 ARZTWEBER Strafrecht BT 2000 3 n 1112 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 268 242012 162813 269 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação 321 Os deveres do médico A posição do médico em relação ao paciente é definida por dois deveres principais o dever de prolongar a vida do paciente e o dever de evitarreduzir o sofrimento do paciente Esses deveres podem entrar em conflito quando a evitaçãoredução do sofrimento é incompatível com o prolongamento da vida ou inversamente quando o prolongamento da vida é incompatível com a evitaçãoredução do sofrimento Neste ponto surge uma hipótese interessante se tratamentos contra a vontade do paciente são proi bidos então nenhum paciente tem o dever de suportar intervenções médicas para manutenção da vida logo a ajuda passiva consentida em suicídio do paciente não pode ser proibida176 322 Os direitos do paciente A vontade real de pacientes capazes de manifestação ou a vontade presumida de pacientes incapazes de manifestação real sobre continuar ou interromper o tratamento mé dico merece respeito absoluto Assim posta a questão tratase de saber a extensão do direitodever do médico de prolongar situações de sofrimento indignas para o paciente porque ampliar um sofrimento indigno constitui tortura psíquica imposta ao paciente 323 Princípios da lex artis médica A relação médicopaciente é disciplinada por princípios relacionados à terapia médica e à vontade do paciente O princípio relacionado à terapia médica é definido pelos deve res de manutenção da vida e de redução do sofrimento já referidos e no caso de conflito entre esses deveres a prioridade compete à redução do sofrimento apesar do risco de redução da vida O princípio relacionado à vontade do paciente distingue o se guinte a em pacientes capazes de vontade declarada respeito absoluto à decisão de interromper ou reduzir o tratamento b em pacientes inconscientes ou incapazes de declarar a vontade respeito à vontade 176 ARZTWEBER Strafrecht BT 2000 3 n 6 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 269 242012 162813 270 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 presumida de interromper ou reduzir o tratamento Em nenhuma hipótese a terminação da vida admite intervenções diretas mediante ajuda ativa no suicídio do paciente No caso de pacientes terminais com lesões irreversíveis de ór gãos ou funções vitais admitese o seguinte a a omissão ou interrup ção de medidas de prolongamento da vida pressupõem concordância do paciente b na hipótese de certeza de breve morte do paciente por lesões irreversíveis de órgãos ou funções vitais é admissível a ajuda passiva para permitir morte com dignidade ainda que tecnicamente possível protelar a morte No caso de pacientes com prognóstico desfavorável mas ainda indefiníveis como pacientes terminais depende da vontade do pacien te a a decisão de mudança do tratamento considerando a evolução da doença e a redução do sofrimento b a decisão de manterprolongar a vida com medicina paliativa F Justificação nos tipos de imprudência O problema da justificação nos tipos de imprudência resulta da combinação de duas ordens de fatores primeiro o entrelaçamento ou interpenetração entre tipo e antijuridicidade é maior nos tipos de imprudência do que nos tipos dolosos segundo a construção judicial dos tipos abertos de imprudência leva em consideração a situação con creta que fundamenta as justificações177 Mas a literatura reconhece algumas justificações como a legítima defesa o estado de necessidade e o consentimento do titular do bem jurídico ofendido 177 Ver DONATSCH Sorgfaltsbemessung und Erfolg beim Fahrlässigkeitsdelikt 1987 p 76 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 270 242012 162813 271 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação 1 A legítima defesa nos tipos de imprudência tem por objeto efeitos não dolosos produzidos como riscos típicos dos meios empregados na legítima defesa dolosa Exemplos a o agressor é ferido por disparo acidental de pistola utilizada pelo agredido como objeto contundente contra o agressor b soco de defesa contra o braço atinge não in tencionalmente o queixo do agressor determinando lesão cerebral c o agressor é ferido acidentalmente por disparo de arma do agredido com finalidade de intimidação O fundamento da legítima defesa nessas hipóteses é indiscutível se o resultado não doloso da situação de legítima defesa seria justificado por dolo então com maior razão é justificado por imprudência178 A questão dos elementos subjetivos na legítima defesa impru dente não é clara segundo HAFT se o tipo de imprudência não tem elementos subjetivos então por relação de simetria as justificações e a antijuridicidade também não têm elementos subjetivos179 para ROXIN o elemento subjetivo da legítima defesa imprudente consiste na consciência da situação de legítima defesa e da necessidade da ação de defesa mas não do resultado indesejado porque excluiria a legítima defesa da imprudência inconsciente180 em que não há representação do resultado possível Um problema sério relacionase à ação impru dente objetivamente justa mas sem consciência da situação de legítima defesa a disparo em manejo imprudente de arma fere o agressor no momento da agressão sem consciência do agredido sobre a situação de agressão b em manobra lesiva do cuidado e sem consciência da situação de legítima defesa motorista atropela assaltante que simu lava acidente de trânsito para realizar assalto A teoria dominante diz o seguinte a ação imprudente não é justificada mas também não é 178 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 9394 p 951952 No Brasil no mesmo sentido TAVARES Direito Penal da negligência 2003 p 363 comparar HEITOR COSTA JR Teoria dos delitos culposos 1988 p 7880 179 HAFT Strafrecht 1994 p 78 180 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 95 p 953 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 271 242012 162813 272 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 punível porque não existe desvalor do resultado apenas o insuficiente desvalor de ação181 2 O estado de necessidade nos tipos de imprudência pode ocorrer em ações de proteção que lesionam proibição de perigo abstrato ou concreto ou de resultado a bêbado atropela pedestre ao conduzir acidentado grave para hospital evitando morte certa deste b ciclista desvia para o passeio ao perceber aproximação perigosa de carro no sentido contrário da ciclovia ferindo pedestre182 3 O consentimento do titular do bem jurídico nos fatos de impru dência também pode ser real ou presumido O consentimento real do ofendido em fatos de imprudência é raro porque não deve se limitar ao perigo criado pelo autor mas abranger o próprio resultado lesivo representado como possível e não exclui somente a antijuridicidade como afirma a opinião dominante mas a própria tipicidade da ação imprudente nos casos de exposição consentida a perigo criado por outrem a vítima esclarecida pelo barqueiro sobre os perigos do mar agitado insiste no passeio de barco e morre afogada porque de fato o barco emborca sob a violência das ondas ver O tipo dos crimes de imprudência acima O consentimento presumido do ofendido exclui a antijuridicidade da ação operação urgente no local do acidente neces sária para salvar a vida de vítima inconsciente mas com instrumental inadequado e medidas de cuidado insuficientes em que a concreta violação da lex artis determina danos à saúde do paciente183 181 Ver ROXIN Strafrecht 1997 24 n 96 p 953954 SCHÖNKESCHRÖDER LENCKNER Strafgesetzbuch Kommentar 1991 32 n 99 STRATENWERTH Strafrecht 1981 n 1121 182 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 9799 p 954 183 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 100101 p 955 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 272 242012 162813 273 Capítulo 12 cuLpabiLidade e excuLpação I Conceito de culpabilidade A dogmática penal contemporânea edifica o conceito de fato pu nível com base nas categorias elementares do tipo de injusto e da cul pabilidade que concentram todos os elementos da definição analítica de crime1 Essas categorias elementares do fato punível se relacionam como objeto de valoração e juízo de valoração segundo a conhecida fór mula de GRAF ZU DOHNA2 o injusto como objeto de valoração a culpabilidade como juízo de valoração3 A culpabilidade como juízo de reprovação tem por objeto o tipo de injusto e por fundamento a a imputabilidade como con junto de condições pessoais mínimas que capacitam o sujeito a saber e controlar o que faz excluída ou reduzida em hipóteses de menoridade ou de doenças e anomalias mentais incapacitantes b o conhecimento do injusto como conhecimento concreto do valor que permite ao autor 1 Ver por exemplo JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 39 I 1 p 425 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 5 III 1 n 23 p 46 2 GRAF ZU DOHNA Zum neuesten Stande der Schuldlehre ZStW 32 1911 p 323 3 No Brasil JESUS Direito Penal I 1999 p 454 bem como DOTTI Curso de Direito Penal parte geral 2001 p 336 não consideram a culpabilidade como elemento do crime mas como pressuposto da pena Esse conceito é incomum na dogmática contemporânea primeiro todos os requisitos ou elementos do crime são pressupostos da pena desde a ação típica até as condições objetivas de punibilidade e não parece existir qualquer razão para isolar a culpabilidade como único pressuposto da pena segundo a proposição confunde crime com tipo de injusto que em conjunto com a culpabilidade constitui o conceito de fato punível na moderna teoria do Direito Penal Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 273 242012 162813 274 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 imputável saber realmente o que faz excluído ou reduzido em casos de erro de proibição c a exigibilidade de conduta diversa como expressão de normalidade das circunstâncias do fato e concreta indicação do poder de não fazer o que fez excluído ou reduzido nas situações de exculpação Esse conceito de culpabilidade como juízo de reprovação do autor pela realização do tipo de injusto parece representar a expressão contemporânea dominante do conceito normativo de culpabilidade um juízo de reprovação sobre o sujeito quem é reprovado que tem por objeto a realização do tipo de injusto o que é reprovado e por fundamento a a capacidade geral de saber e controlar o que faz b o conhecimento concreto que permite ao sujeito saber realmente o que faz e c a normalidade das circunstâncias do fato que confere ao sujeito o poder de não fazer o que faz porque é reprovado 1 Desenvolvimento do conceito de culpabilidade O conceito normativo de culpabilidade é o produto de mais de um século de controvérsia sobre sua estrutura que começa com o con ceito psicológico de culpabilidade do século 19 evolui para o conceito psicológiconormativo no início do século 20 transformase em conceito exclusivamente normativo durante o século 20 e hoje no início do século 21 parece imerso em profunda crise 11 Conceito psicológico de culpabilidade A atribuição dos elementos objetivos do fato punível à antijuri dicidade típica como lesão causal do bem jurídico e a atribuição dos elementos subjetivos do fato punível à culpabilidade como relação psíquica do autor com o fato próprio do modelo causal de LISZT Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 274 242012 162813 275 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação BELINGRADBRUCH4 dominante na primeira metade do século 20 indica as duas bases do conceito de fato punível o injusto como dimensão objetiva e culpabilidade como dimensão subjetiva do fato punível5 O conceito psicológico de culpabilidade é formado por dois elementos a a capacidade de culpabilidade ou imputabilidade como capacidade geral ou abstrata de compreender o valor do fato e de querer conforme a compreensão do valor do fato excluída ou reduzida em si tuações de imperfeição imaturidade ou de defecção doença mental do aparelho psíquico b a relação psicológica do autor com o fato existente como consciência e vontade de realizar o fato ou como causação de um resultado típico por imprudência imperícia ou negligência Os defeitos do conceito psicológico de culpabilidade determina ram seu abandono a culpabilidade como relação psíquica do autor com o fato é incapaz de abranger a imprudência inconsciente em que não existe relação psicológica do autor com o fato além disso a estrutura psicológica do conceito é insuficiente para valorar situações de anormal motivação da vontade hoje definidas como hipóteses de inexigibilidade de comportamento diverso6 12 Conceito normativo de culpabilidade 121 Culpabilidade e reprovação A redefinição de culpabilidade como reprovabilidade proposta por FRANK em 1907 introduz um 4 LISZT Strafrechtliche Vorträge und Aufsätze 1905 BELING Die Lehre von Verbrechen 1906 p 112 s RADBRUCH Uber den Schuldbegriff ZStW 24 1904 p 333 5 BELING Die Lehre von Verbrechen 1906 p 112 s 6 Nesse sentido CIRINO DOS SANTOS Teoria do crime 1993 p 59 também FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 177 p 201203 MACHADO Direito criminal parte geral 1987 p 138139 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 157158 RODRIGUES Teoria da culpabilidade 2004 p 3137 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 275 242012 162813 276 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 componente normativo no conceito de culpabilidade sob o argumento de que um comportamento proibido só pode ser atribuído à culpabili dade de alguém se é possível reprovarlhe sua realização7 Em seguida GOLDSCHMIDT propõe a célebre distinção entre norma de direito Rechtsnorm como exigência objetiva de comportamento exterior e norma de dever Pflichtnorm como exigência subjetiva de atitude pessoal conforme a norma de direito8 o que permite reprovar o autor pela violação da norma de dever mas admite exculpar o autor por ine xigibilidade de motivação conforme a norma de dever 122 Inexigibilidade e exculpação No começo do século 20 FREU DENTHAL concebe o conceito de inexigibilidade como fundamento geral supralegal de exculpação sob um argumento poderoso se evitar fatos puníveis pressupõe uma capacidade de resistência inexigível do homem do povo então a incapacidade de agir conforme a norma de dever exclui a exigibilidade de comportamento diverso permitindo um juízo de exculpação9 Hoje a inexigibilidade como fundamento geral supralegal de exculpação é admitida nos crimes de imprudência e de omissão de ação10 mas ainda excluída dos crimes dolosos de ação sob alegação de criar insegurança jurídica11 A introdução do componente normativo no conceito de culpabili dade produziu o conceito psicológiconormativo de culpabilidade domi nante na primeira metade do século 20 assim definido a capacidade de culpabilidade b relação psicológica concreta do autor com o fato 7 FRANK Uber den Aufbau des Schuldbegriffs 1907 p 14 8 GOLDSCHMIDT Normativer Schuldbegriff FrankFS v I 1930 p 442 do mesmo Der Notstand ein Schuldproblem ÖstZStr 1913 p 129 9 FREUDENTHAL Schuld und Vorwurf im geltenden Strafrecht 1922 p 7 10 ROXIN Strafrecht 1997 19 n 13 p 730 11 Nesse sentido por exemplo SCHAFFSTEIN Die Nichtzumutbarkeit als allgemeiner ubergesetzlicher Schuldausschliessungsgrund 1933 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 276 242012 162814 277 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação sob as formas de dolo ou de imprudência c exigibilidade de compor tamento diverso fundada na normalidade das circunstâncias do fato12 123 Conceito normativo de culpabilidade Na segunda meta de do século 20 a teoria finalista e o conceito pessoal de injusto de WELZEL13 revolucionariam simultaneamente a teoria do tipo e a teoria da culpabilidade mediante deslocação do dolo consciência e vontade do fato e da imprudência lesão do cuidado objetivo exigido da cate goria da culpabilidade para a categoria do tipo de injusto subjetivo excluindo os componentes psicológicos da culpabilidade reduzida aos componentes normativos dos juízos de reprovação e de exculpação14 Assim o conceito normativo de culpabilidade inaugurado pela teoria finalista da ação caracterizase pela seguinte estrutura a capacidade de culpabilidade b conhecimento real ou possível do injusto c exi gibilidade de comportamento conforme a norma15 A universalidade dessa estrutura do conceito não é gratuita define culpabilidade como reprovação de um sujeito imputável o sujeito pode saber e controlar o que faz que realiza com consciência da antijuridicidade o sujeito sabe realmente o que faz e em condições de normalidade de circunstâncias o sujeito tem o poder de não fazer o que faz um tipo de injusto Todavia a redefinição de culpabilidade como reprovabilidade tem a natureza de uma definição formal com a substituição de uma palavra 12 Ver FRANK Uber den Aufbau des Schuldbegriffs 1907 p 14 No Brasil o conceito psicológiconormativo da culpabilidade dominante até a reforma da parte geral do Código Penal ainda possui defensores como por exemplo COSTA JÚNIOR Comentários ao código penal I 1989 p 170 13 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 140 14 MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 30 ns 2223 p 421422 15 Ver ROXIN Strafrecht 1997 19 n 1314 p 729730 No Brasil BRANDÃO Introdução ao Direito Penal 2002 p 141149 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 177 p 201203 MACHADO Direito criminal parte geral 1987 p 140 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 157159 RODRIGUES Teoria da culpabilidade 2004 p 3747 comparar ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 345348 p 605608 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 277 242012 162814 278 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 por outra palavra sem explicar porque o sujeito é culpável ou porque o sujeito é reprovável Explicar porque o sujeito é culpável ou porque é reprovável significa mostrar a gênese real do juízo de reprovação uma tarefa atribuída às definições materiais do conceito de culpabilidade 2 Definições materiais do conceito normativo de culpabilidade O fundamento material da culpabilidade também chamado fundamento ontológico da culpabilidade é definido pela capacidade de livre decisão do sujeito e aqui está o problema a tese da liberdade de vontade do conceito de culpabilidade é indemonstrável16 Se a pena cri minal pressupõe culpabilidade e se a reprovação de culpabilidade tem por fundamento um dado indemonstrável então a culpabilidade não pode servir de fundamento da pena Por essa razão o juízo de culpabilidade não pode ser um conceito ontológico que descreveria uma qualidade do sujeito mas um conceito normativo que atribui uma qualidade ao sujeito17 Hoje a tese da culpabilidade como fundamento da pena foi substituída pela tese da culpabilidade como limitação do poder de punir com a troca de uma função metafísica de legitimação da punição por uma função política de garantia da liberdade individual18 Essa substituição não representa simples variação terminológica mas uma mudança de 16 Ver BARATTA Imputación de responsabilidad en proceso penal in Capítulo Criminológico n 16 p 69 CIRINO DOS SANTOS Direito Penal 1985 p 161 ver também MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 161162 TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 p 100 17 SACK Neue Perspektiven in der Kriminologie in KÖNIG RSACK F Kriminalsoziologie 1968 p 469470 18 Ver ROXIN Strafrecht 1997 19 n 9 p 727 também WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 p 114 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 278 242012 162814 279 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação sinal no conceito de culpabilidade com consequências políticocriminais relevantes a culpabilidade como fundamento da pena legitima o poder do Estado contra o indivíduo a culpabilidade como limitação da pena garante a liberdade do cidadão contra o poder do Estado porque se não existe culpabilidade não pode existir pena nem intervenção estatal com fins exclusivamente preventivos19 A definição de culpabilidade como limitação do poder de punir contribui para redefinir a dogmática penal como sistema de garantias do indivíduo em face do poder punitivo do Estado capaz de excluir ou de reduzir a intervenção estatal na esfera de liberdade do cidadão As principais teorias construídas para definir o conceito material da culpabilidade são as seguintes a teoria do poder de agir diferente b teoria da atitude jurídica reprovada ou defeituosa c teoria da res ponsabilidade pelo próprio caráter d teoria do defeito de motivação jurídica e teoria da dirigibilidade normativa 21 A teoria do poder de agir diferente andershandelnkönnen de WEL ZEL ARTHUR KAUFMANN e outros dominante na literatura e na jurisprudência alemã fundamenta a reprovação de culpabilidade no poder atribuído ao sujeito de agir de outro modo20 o autor é reprovado porque se decidiu pelo injusto tendo o poder de se decidir pelo direito A base interna desse poder do autor reside na atribuída capacidade de livre decisão que assume como verdade a hipótese indemonstrável da liberdade de vontade21 de início em perspectiva concreta depois em perspectiva abstrata a na variante concreta o poder de agir diferente atribuído ao autor individual é simplesmente indemonstrável b na 19 Comparar ALBRECHT Kriminologie 1999 p 4950 20 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 138 ARTHUR KAUFMANN Das Schuldprinzip 1976 p 279 21 Ver entre outros a crítica de ROXIN Strafrecht 1997 19 n 2022 p 732734 também instrutivo HASSEMER Einfuhrung in die Grundlagen des Strafrechts 1990 p 226234 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 279 242012 162814 280 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 variante abstrata o poder de agir diferente é atribuído a uma pessoa imaginária colocada no lugar do autor real22 22 A teoria da atitude jurídica reprovada rechtlich missbilligte Gesin nung de JESCHECKWEIGEND23 ou da atitude defeituosa fehlerhaf te Einstellung de WESSELSBEULKE24 fundamentam a reprovação de culpabilidade na livre autodeterminação de uma atitude reprovada ou defeituosa do autor na realização do tipo de injusto Esse critério uma variante da teoria do poder de agir diferente também assume como verdade a hipótese indemonstrável da liberdade de vontade igualmente sem mostrar a gênese real do juízo de reprovação porque o autor é reprovado parecendo outra definição formal de culpabilidade por simples substituição de palavras atitudes defeituosas ou atitudes repro váveis podem descrever mas não podem explicar o conteúdo do juízo de culpabilidade25 23 A teoria da responsabilidade pelo próprio caráter Einstehenmussen fur den eigenen Charakter cujas bases deterministas remontam a SCHOPENHAUER26 fundamenta a a responsabilidade pelo compor tamento em características da personalidade b segundo ENGISCH27 a responsabilidade pelo caráter implica o dever de tolerar a pena c con forme HEINITZ28 todos respondem pelo que são independentemente da multiplicidade de fatores condicionantes O propósito louvável de excluir a base metafísica do juízo de reprovação não evita problemas em face do princípio da culpabilidade primeiro culpabilidade pelo caráter é cul 22 ROXIN Strafrecht 1997 19 n 22 p 733734 também CEREZO MIR Der materiele Schuldbegriff ZStW 108 1996 9 23 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 39 II p 426427 24 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 397 p 114 e n 401 p 115116 25 Ver ROXIN Strafrecht 1997 19 n 2324 p 734 26 SCHOPENHAUER Uber die Freiheit des Willens 1839 27 ENGISCH Die Lehre von der Willensfreiheit in der strafrechtsphilosophischen Doktrin der Gegenwart 1965 p 54 28 HEINITZ Strafzumessung und Persönlichkeit ZStW 63 1951 74 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 280 242012 162814 281 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação pabilidade sem culpa segundo culpabilidade pelo caráter parece supor um Direito Penal com finalidades preventivas terceiro punição com finalidades preventivas anula o significado político de garantia individual limitação do poder de punir atribuído ao princípio da culpabilidade29 24 A teoria da culpabilidade como defeito de motivação jurídica Manko an rechtlich Motivierung de JAKOBS30 vinculada ao sistema funcional de LUHMANN fundamenta o Direito Penal na prevenção geral positiva atribuída à pena criminal consistente na estabilização das expectativas normativas da comunidade obtida mediante punição exemplar de fatos puníveis O conceito de defeito de motivação jurídica parece próximo da teoria da atitude defeituosa de WESSELSBEULKE ou da teoria do poder de agir diferente de WELZEL igualmente sem explicar a gênese real da culpabilidade31 25 A teoria da dirigibilidade normativa normative Ansprechbarkeit cunhada por NOLL32 fundamenta a reprovação de culpabilidade a na normal determinabilidade através de motivos segundo LISZT33 ou b no estado psíquico disponível ao apelo da norma existente na maioria dos adultos saudáveis conforme a fórmula moderna de ALBRECHT34 ou c na capacidade de comportamento conforme a norma segundo ROXIN35 situações que constituiriam dados da experiência científica independentes da hipótese indemonstrável da liberdade e em princípio 29 Assim ROXIN Strafrecht 1997 19 n 2932 p 736737 30 JAKOBS Strafrecht 1993 1718 p 480481 31 Sobre esse aspecto ver ROXIN Strafrecht 1997 19 n 3435 p 739740 32 NOLL Schuld und Prävention unter dem Gesichtspunkt der Rationalisierung des Strafrechts H MayerFS 1966 219 33 LISZT Strafrechtliche Vorträge und Aufsätze 1905 43 s 34 ALBRECHT Unsicherheitszonen des Schuldstrafrechts GA 1983 p 193 35 ROXIN Strafrecht 1997 19 n 3646 p 740745 No Brasil TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 p 100 Na verdade o fundamento do juízo de censura da culpabilidade deve residir na capacidade de motivação do agente conforme às exigências da ordem jurídica e não no seu a priori indemonstrável poder agir de outro modo Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 281 242012 162814 282 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 aceitáveis por deterministas e indeterministas A culpabilidade seria um conceito formado pelo elemento empírico da capacidade de autodireção e pelo elemento normativo de autodireção conforme normas cumprindo as tarefas simultâneas de fundamento da responsabilidade pelo compor tamento social e de garantia política de limitação do poder punitivo no moderno Estado Democrático de Direito Mas existem críticas de ambas direções de deterministas sobre a identidade conceitual entre dirigibilidade normativa e liberdade de vontade36 de indeterministas porque a liberdade de vontade definida como capacidade de autodeter minação espiritual pode ser concretamente indemonstrável mas seria elemento de reconstrução comunitária da realidade37 acima de qualquer questionamento38 Não obstante a definição de culpabilidade como dirigibilidade normativa parece digna de registro preservaria a função de garantia política do princípio da culpabilidade como limitação do poder de punir e indicaria as bases empíricas e normativas da responsabilidade pessoal pelo comportamento social sem necessidade de pressupostos metafísicos indemonstráveis 3 O princípio da alteridade como base da responsabilidade social A responsabilidade pessoal pelo comportamento social e o reconhecimento do mérito por ações socialmente úteis parece im prescindível à sobrevivência da sociedade contemporânea mas juízos 36 FRISTER Die Struktur des voluntativen schuldelements 1993 p 99 s 37 SCHUNEMANN Die Funktion des Schuldprinzips im Präventionsstrafrecht in Schunemann Hrsg Grundfragen des modernen Strafrechtssystems 1984 163166 38 ARTHUR KAUFMANN Unzeitgemässe Betrachtungen zum Schuldgrundsatz im Strafrecht Jura 1986 p 226 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 282 242012 162814 283 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação de culpabilidade ou de reprovação fundados na liberdade de vontade perderam toda e qualquer base científica a ideia de livrearbítrio como expressão de absoluto indeterminismo foi excluída da Psicologia e da Sociologia modernas e representaria na melhor das hipóteses um senti mento pessoal segundo a Psicanálise39 Por outro lado a responsabilidade pelo próprio comportamento não pode ser uma questão metafísica dependente de pressupostos indemonstráveis porque é um problema prático ligado à realidade da vida social Na verdade o homem é responsável por suas ações porque vive em sociedade40 um lugar marcado pela existência do outro em que o sujeito é ao mesmo tempo ego e alter de modo que a sobrevivência do ego só é possível pelo respeito ao alter e não por causa do atributo da liberdade de vontade o princípio da alteridade e não a presunção de liberdade deve ser o fundamento material da responsabilidade social41 e portanto de qualquer juízo de reprovação pessoal pelo comportamento social O princípio da alteridade permitiria fundamentar a responsa bilidade pelo comportamento social na normalidade de formação da vontade do autor de um tipo de injusto em condições normais o sujeito imputável sabe o que faz conhecimento do injusto e em princípio tem o poder de não fazer o que faz exigibilidade de comportamento diverso logo condições anormais de formação da vontade concretizada no tipo de injusto podem excluir a consciência da antijuridicidade erro de proibição ou a exigibilidade de comportamento diverso situações de exculpação Em última instância o estudo da culpabilidade consiste 39 Ver por todos POTHAST Die Unzulänglichkeit der Freiheitsbeweise 1987 p 321 s 40 Assim FERRI Das Verbrechen als sociale Erscheinung 1896 p 297 41 Ver a feliz intuição de BATISTA Matrizes ibéricas do sistema penal brasileiro I 2000 p 22 Relações jurídicas são sempre relações entre mais de um sujeito A categoria da alteridade mereceria terse deslocado da metafísica de Aristóteles para um bairro central da filosofia do direito levando consigo a diferença que não a constitui mas a assimila e a diversidade que ao romper a identidade a inaugura até porque essa filosofia se construiu muito sobre o solo sempre intersubjetivo do direito privado um filosofar que principiava pelo Meu e pelo Teu como em Kant Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 283 242012 162814 284 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 na pesquisa de defeitos na formação da vontade antijurídica a na área da capacidade de vontade a pesquisa de defeitos orgânicos ou funcio nais do aparelho psíquico b na área do conhecimento do injusto a pesquisa de condições internas negativas do conhecimento real do fato expressas no erro de proibição c na área da exigibilidade a pesquisa de condições externas negativas do poder de não fazer o que faz as situações de exculpação produzidas por conflitos pressões perturbações medos etc42 II Estrutura do conceito de culpabilidade A estrutura do conceito de culpabilidade é constituída por um conjunto de elementos capazes de explicar porque o sujeito é reprovado primeiro a capacidade de culpabilidade ou imputabilidade excluída ou reduzida pela menoridade ou por doenças e anomalias mentais segundo o conhecimento do injusto excluído ou reduzido pelo erro de proibição e terceiro a exigibilidade de conduta diversa excluída ou reduzida por anormalidades configuradas nas situações de exculpação 1 Capacidade de culpabilidade O estudo do conceito de capacidade de culpabilidade ou impu tabilidade é necessário para esclarecer as situações de incapacidade de culpabilidade ou de capacidade relativa de culpabilidade bem como os problemas políticocriminais da emoção e da paixão e da chamada actio libera in causa 42 Ver CIRINO DOS SANTOS Teoria do Crime 1993 p 6667 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 284 242012 162814 285 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação A capacidade de culpabilidade é atributo jurídico de indivíduos com determinados níveis de desenvolvimento biológico e de normalidade psíquica necessários para compreender a natureza proibida de certas ações e orientar o comportamento conforme essa compreensão A lei penal brasileira exige a idade de 18 anos como marco de desenvolvi mento biológico mínimo para a capacidade de culpabilidade art 27 CP um critério cronológico empírico mas preciso em complemen to a lei penal pressupõe indivíduo portador de aparelho psíquico livre de defeitos funcionais ou constitucionais excludentes ou redutores da capacidade de compreender a natureza proibida de suas ações ou de orientar o comportamento de acordo com essa compreensão art 26 e parágrafo único CP um critério científico controvertido por causa do conflito da Psiquiatria sobre o conceito de doença mental43 Por esses critérios indivíduos com 18 anos de idade completos em condições de normalidade psíquica são portadores da capacidade geral ou abstrata de culpabilidade a capacidade penal é excluída ou reduzida em indivíduos portadores de psicopatologias constitucionais ou adquiridas determinantes da exclusão ou da redução da capacidade de compreender a proibição de ações ou de orientar o comportamento de acordo com essa compreensão Em conclusão a capacidade de cul pabilidade é presumida em indivíduos com 18 anos de idade e excluída ou reduzida em indivíduos portadores de psicopatologias excludentes ou redutoras da capacidade de compreensão da proibição ou de orientação correspondente Assim o critério legal para determinar a capacidade de culpabilidade é negativo funcionando como regraexceção o Estado presume a capacidade de culpabilidade de indivíduos maiores de 18 anos regra excluída ou reduzida em hipóteses de psicopatologias constitu cionais ou adquiridas exceção 43 Ver THOMAS S SZASZ The myth of mental illness Paladin 1975 p 37 No Brasil MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 169173 sobre limitações e insuficiências do conceito de doença mental Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 285 242012 162815 286 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 11 Incapacidade de culpabilidade A incapacidade de culpabilidade ou inimputabilidade penal como ausência das condições pessoais mínimas de desenvolvimento biológico e de sanidade psíquica ocorre nas seguintes hipóteses 1 Indivíduos menores de 18 anos não possuem o desenvolvimento biopsicológico e social necessário para compreender a natureza crimi nosa de suas ações ou para orientar o comportamento de acordo com essa compreensão Art 27 Os menores de 18 dezoito anos são penalmente inimputáveis ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial O critério políticocriminal do legislador é correto menores de 18 anos são capazes de compreender o injusto de crimes graves como homicídio lesões corporais roubo furto estupro por exemplo mas são incapazes de compreender o injusto da maioria dos crimes comuns definidos no Código Penal e praticamente de nenhum dos crimes definidos em leis especiais crimes contra o meio ambiente a ordem econômica e tributária as relações de consumo o sistema financeiro etc mais importante ainda em todas as hipóteses acima referidas são incapazes de comportamento conforme a eventual compreensão do injusto por insuficiente desenvolvimento do poder de controle dos instintos impulsos ou emoções44 2 Igualmente a doença mental e o desenvolvimento mental incompleto ou retardado determinantes de incapacidade de compreender o injusto do fato ou de agir conforme essa compreensão constituem hipóteses de exclusão da capacidade de culpabilidade Art 26 É isento de pena o agente que por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado era 44 Ver ROXIN Strafrecht 1997 20 n 52 p 780 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 286 242012 162815 287 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação ao tempo da ação ou da omissão inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinarse de acordo com esse entendimento A doença mental compreende as hipóteses de patologias consti tucionais ou adquiridas do aparelho psíquico definidas como psicoses exógenas e endógenas a as psicoses exógenas compreendem 1 as psicoses produzidas por traumas lesões e por tumores ou inflamações do órgão cerebral 2 a epilepsia e 3 a desagregação da personalidade por arteriosclerose ou atrofia cerebral b as psicoses endógenas compre endem fundamentalmente a esquizofrenia e a paranoia45 3 O desenvolvimento mental incompleto ou retardado compreende todas as hipóteses de oligofrenias como defeitos constitucionais do órgão cerebral a as debilidades mentais que admitem frequência a escolas especiais ou realização de atividades práticas mas não o exercício de profissões b as imbecilidades com exigência de cuidados especiais da família ou de instituições mas sem possibilidade de vida independente c as idiotias marcadas pela necessidade de custódia e frequentemente pela incapacidade de falar46 4 A embriaguez completa por caso fortuito ou força maior pelo álcool ou substâncias análogas também constitui estado psíquico patológico excludente da capacidade de culpabilidade Art 28 1o É isento de pena o agente que por em briaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior era ao tempo da ação ou da omissão inteira mente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinarse de acordo com esse entendimento 45 Ver WITTER Handbuch der forensischen Psychiatrie editado por Göppinger e Witter 1972 v I p 477 s e v II p 1039 46 Assim NEDOPIL Forensische Psychiatrie 1996 p 60 s No Brasil ver MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 173 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 287 242012 162815 288 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 5 Enfim a atual lei de drogas também considera o efeito fortuito ou de força maior de droga sobre o aparelho psíquico e a dependência de droga estados psíquicos de angústia pela privação da droga com pro fundas mudanças da personalidade como situações patológicas agudas ou crônicas excludentes da capacidade de culpabilidade Art 45 Lei 1134306 É isento de pena o agente que em razão da dependência ou sob o efeito proveniente de caso fortuito ou força maior de droga era ao tempo da ação ou da omissão qualquer que tenha sido a infração penal praticada inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinarse de acordo com esse entendimento Parágrafo único Quando absolver o agente reconhe cendo por força pericial que este apresentava à época do fato previsto neste artigo as condições referidas no caput deste artigo poderá determinar o juiz na sentença o seu encaminhamento para tratamento médico adequado A exclusão da capacidade de culpabilidade nas hipóteses a de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado b de embriaguez completa por caso fortuito ou força maior c de efeito fortuito ou por força maior de droga sobre o aparelho psíquico e d de dependência de droga pressupõe dois momentos primeiro identifica ção da patologia constitucional ou adquirida do aparelho psíquico ou de outro estado patológico crônico ou agudo produzido pelo álcool pela droga ou pela dependência da droga segundo verificação do efeito excludente da capacidade de compreender o injusto do fato ou de agir conforme essa compreensão produzido pela patologia constitucional ou adquirida respectiva pelo álcool pela droga ou pela dependência da droga Em teoria ocorre divisão de trabalho entre peritos e juízes os peritos identificam a patologia psíquica e verificam seu efeito sobre as funções de representação e de vontade do aparelho psíquico os juízes formulam um juízo definitivo sobre a capacidade de compreensão do Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 288 242012 162815 289 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação injusto e de controle do comportamento conforme essa compreensão47 na prática os peritos são verdadeiros juízes paralelos cujo poder reside no exercício de um saber especializado imune à crítica de leigos48 6 A consequência legal da incapacidade de culpabilidade por doença mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado é a apli cação de medida de segurança de internação em casa de custódia e de tratamento psiquiátrico ou de tratamento ambulatorial artigos 96 III e 97 CP no caso de incapacidade de culpabilidade por dependência de droga a consequência legal é o tratamento em regime de internação hospitalar ou em regime extrahospitalar art 52 parágrafo único da Lei 1134306 enfim na hipótese de incapacidade de culpabilidade por efeito do álcool ou de droga fortuito ou de força maior não há aplicação de nenhuma medida de segurança 12 Capacidade relativa de culpabilidade A capacidade relativa de culpabilidade indica redução da capacida de de compreender o injusto do fato ou de agir conforme essa compre ensão caracterizada pela maior ou menor dificuldade de dirigibilidade normativa e determinada a por perturbação da saúde mental art 26 parágrafo único CP e b por todas as demais hipóteses descritas no item 11 acima desenvolvimento mental incompleto ou retardado res trito aos casos leves de debilidade mental art 26 parágrafo único CP embriaguez pelo álcool ou análogos fortuita ou de força maior art 28 2º CP efeito de droga fortuito ou de força maior e dependência de droga art 46 da Lei 1134306 cuja reprodução é desnecessária 47 ROXIN Strafrecht 1997 20 n 27 p 768 48 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 2125 No Brasil ver o estudo crítico de GOMES DA SILVA Transtornos mentais e crime reflexões sobre o complexo diálogo entre a Psiquiatria e o Direito Penal in Direito e Sociedade Revista do Ministério Público do Estado do Paraná v 2 n 2 juldez 2001 p 81121 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 289 242012 162815 290 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 Art 26 Parágrafo único A pena pode ser reduzida de um a dois terços se o agente em virtude e perturbação da saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinarse de acordo com esse entendimento 1 O conceito de perturbação da saúde mental designa psicopatologias menos graves do que a doença mental como estados patológicos do apa relho psíquico constituídos por defeitos esquizofrênicos manifestações de demência senil arteriosclerose ou atrofia cerebral formas leves de epilepsia traumas cerebrais de efeitos psíquicos mínimos formas leves de debilidade mental psicopatias e neuroses49 2 A consequência legal da capacidade relativa de culpabilidade por perturbação da saúde mental ou por outros estados patológicos tran sitórios ou permanentes do aparelho psíquico é a redução da pena de um a dois terços a redução da pena é obrigatória pois se a pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade então a redução da capacidade de culpabilidade determina necessariamente a redução da pena50 Argumentos contrários à redução da pena são inconvincentes e desumanos a a reduzida sensibilidade à pena de psicopatas e débeis mentais aconselharia aplicação de pena integral b a reduzida capacidade de autocontrole de psicopatas e débeis mentais deveria ser compensada com circunstâncias de elevação da culpabilidade em casos de crueldade por exemplo A lógica do argumento é circular e contraditória porque o mesmo fator determinaria simultaneamente a redução da culpabi lidade psicopatias ou debilidades mentais explicariam a crueldade e a agravação da culpabilidade a crueldade do psicopata ou débil mental como fator de agravação da pena51 49 Ver ROXIN Strafrecht 1997 20 n 32 p 771 50 Ver BAUMANNWEBER Strafrecht 1995 19 n 25 também ROXIN Strafrecht 1997 20 n 36 p 773 STRATENWERTH Strafrecht 1981 n 546 51 ROXIN Strafrecht 1997 20 n 3842 p 774776 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 290 242012 162815 291 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação 13 Problemas políticocriminais especiais A disciplina jurídica da legislação penal brasileira sobre duas situa ções psíquicas anormais ligadas à capacidade de culpabilidade está para dizer o menos em relação de tensão com o princípio da culpabilidade Art 28 Não excluem a imputabilidade penal I a emoção e a paixão II a embriaguez voluntária ou culposa pelo álcool ou substância de efeitos análogos 131 Emoção e paixão A emoção e a paixão na lei penal brasileira não excluem a capacidade de culpabilidade mas podem privilegiar o tipo de injusto ou atenuar a pena A emoção define excitações psicossomáticas ligadas à sobrevivência individual produzidas por reações químico neurônicas complexas como impulsos instintos ou afetos que os gregos denominavam pathos e os romanos passio donde a popularização do termo paixão para indicar sentimento ou amor intensos As emoções ou sentimentos informam os pensamentos e as decisões da psicologia individual e coletiva como forças motoras primárias e mais ou menos inconscientes das ações humanas52 cuja inevitável influência nos atos psíquicos e na conduta social do ser humano precisa ser compatibiliza da com o princípio da culpabilidade nos programas políticocriminais contemporâneos Originalmente WUNDT classificou as emoções em 3 pares fundamentais prazerdesprazer excitaçãoinibição tensãosolução53 hoje existe uma lista adicional de 16 emoções distintas alegria tristeza raiva medo nojo gratidão vergonha amor orgulho compaixão ódio 52 Ver FREUD O ego e o id Imago v XIX p 2583 esp 8083 do mesmo Além do princípio do prazer Imago v XVIII p 1785 53 WUNDT Grundriss der Psychologie 2004 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 291 242012 162815 292 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 e susto e ainda algumas outras como satisfação alívio e sentimento de culpa54 Na verdade a dinâmica de formação agravação e descarga agres siva de emoções ou afetos representa grave perturbação psíquica não patológica que assim como outras situações extremas de esgotamento ou fadiga pode excluir ou reduzir a capacidade de culpabilidade como prevê por exemplo a legislação penal alemã55 Atitudes de repressão intransigente às pulsões fundamentais do homem parecem inadequa das as manifestações da afetividade humana devem ser avaliadas no contexto das aquisições da moderna psicologia que o sistema de justiça criminal não pode ignorar56 Por exemplo não é possível confundir afetos fortes ou estênicos fundados no instinto de destruição como ira ou ódio por um lado e afetos fracos ou astênicos fundados no instinto de sobrevivência como medo susto ou perturbação psíquica por outro lado cujo poder determinante das ações humanas não pode ser desconsiderado pelo Direito Penal 132 Actio libera in causa O conceito de actio libera in causa pres supõe capacidade de culpabilidade na ação precedente em que o autor se coloca em estado de incapacidade de culpabilidade com intenção de realizar dolo ou sendo previsível a possibilidade de realizar impru dência fato típico posterior determinado no caso de dolo o autor ingere 54 PRECHT Wer bin Ich und wenn ja wie viele Goldmann 2005 p 7484 55 Ver ROXIN Strafrecht 1997 20 n 1318 p 761764 também WESSELS BEULKE Strafrecht 1998 n 410 p 117118 56 Ver especialmente a crítica de MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 178 179 com esta magnífica conclusão Ora o problema como é bem de ver não se resolve pela simples desconsideração da emoção e da paixão negandoselhes eficácia no plano da imputabilidade se há dificuldades em estabelecer com maior precisão o conteúdo e natureza desses estados aprimorese a ciência Se por outro lado a pesquisa empírica judiciária é deficiente ou superficial permitindo absolvições inaceitáveis aprimorese o sistema a técnica judiciária Mas simplesmente negar efeitos a realidades tão importantes como a emoção e a paixão é comportarse como o avestruz diante de uma situação de perigo Aqui o perigo é a nossa ainda superlativa ignorância dos fenômenos da alma humana Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 292 242012 162815 293 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação grande quantidade de álcool para superar inibições e agredir a vítima no caso de imprudência o autor ingere grande quantidade de álcool sem representar a possibilidade de agredir alguém ou confiando levia namente na hipótese de não agredir ninguém57 Assim a actio libera in causa consiste na autoincapacitação temporária a com o propósito de praticar crime determinado ou b em situação de previsibilidade de praticar crime determinado ação anterior crime realmente praticado no estado subsequente de incapacitação temporária ação posterior58 Existem duas teorias sobre a actio libera in causa a a teoria da exceção considera a actio libera in causa uma exceção ao princípio da capacidade de culpabilidade no momento do fato justificada com base no direito costumeiro59 essa teoria parece incompatível com o princípio da legalidade que exclui o direito costumeiro como incriminação de condutas e com o princípio da culpabilidade porque dolo e imprudência não determinam o fato nem fundamentam a reprovação de culpabili dade60 b a teoria do tipo fundamenta a atribuição do resultado típico ao autor no momento de capacidade de culpabilidade anterior ao fato como determinação de resultado típico doloso ou imprudente e não no momento posterior de incapacidade de culpabilidade do fato e assim não abre exceção ao princípio da coincidência entre capacidade de culpabilidade e realização dolosa ou imprudente de um tipo de injusto61 a Em fatos imprudentes a teoria da actio libera in causa não encontra dificuldades pela identidade estrutural entre ambos os conceitos a lesão do dever de cuidado ou do risco permitido é anterior em relação à produ 57 Comparar ROXIN Strafrecht 1997 20 n 55 p 781 58 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 415 p 119120 59 HRUSCHKA Strafrecht nach logischanalytischer Methode 1988 p 39 s 60 Assim PUPPE Grundzuge der actio libera in causa JuS 1980 p 346 61 ROXIN Strafrecht 1997 20 n 56 p 782 para uma visão geral dos modelos NEUMANN Zurechnung und Vorverschulden 1985 p 24 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 293 242012 162815 294 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 ção do resultado típico62 Por exemplo se o marido encolerizado contra a mulher embriagase e a agride mas sem ter pensado previamente em agredir a mulher em estado de incapacidade de culpabilidade o ato de embriagarse representaria simples criação de risco não permitido contra a integridade física da mulher e nesse caso a agressão à mulher seria a realização do risco criado caracterizando o tipo de lesão corporal im prudente63 Aqui é necessário um esclarecimento da maior significação prática se o autor na ação precedente não tem o propósito dolo direto ou não admite a possibilidade dolo eventual de realizar determinado tipo de crime em estado de incapacidade de culpabilidade então o resul tado típico produzido na ação posterior não pode ser atribuído por dolo independentemente de ser intencional o sujeito quer se embriagar ou imprudente o sujeito se embriaga progressiva mas inadvertidamente o ato de se embriagar Por isso o princípio da culpabilidade determina a seguinte interpretação do art 28 II do Código Penal a embriaguez voluntária ou culposa não exclui a imputabilidade penal mas a imputa ção do resultado por dolo ou por imprudência depende necessariamente da existência real nunca presumida dos elementos do tipo subjetivo respectivo no comportamento do autor b Em fatos dolosos a teoria dominante da actio libera in causa diz o seguinte a o elemento intelectual do dolo deve representar as caracte rísticas de um tipo de crime determinado homicídio lesão corporal etc cujo resultado deve ser produzido em estado de incapacidade de culpabilidade embriaguez b o elemento emocional do dolo deve querer a realização de crime determinado dolo direto ou conformarse com a realização de crime determinado dolo eventual no estado pos terior de embriaguez no sentido de autocolocação em estado de inca pacidade temporária de culpabilidade Desse modo na ação precedente o dolo tem por objeto a autocolocação em estado de incapacidade de 62 HORN Actio libera in causa eine notwendige eine zulässige Rechstfigur GA 1969 p 289 s 63 Ver ROXIN Strafrecht 1997 20 n 58 p 783 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 294 242012 162816 295 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação culpabilidade e nesse estado a realização de fato determinado na ação posterior o autor realiza em estado de incapacidade de culpabilidade o fato determinado objeto do dolo64 Outra interpretação é incompatível com o princípio da culpabilidade 2 Conhecimento do injusto e erro de proibição A correlação conhecimento do injusto e erro de proibição na teoria da culpabilidade corresponde à correlação conhecimento do fato e erro de tipo na teoria do tipo porque conhecimento e erro constituem estados psíquicos em relação de lógica exclusão o conhecimento exclui o erro e o erro indica desconhecimento sobre objetos No Direito Penal exis tem duas espécies de erro o erro de tipo incidente sobre circunstâncias ou elementos objetivos fáticos ou normativos do tipo legal o erro de proibição incidente sobre a proibição do tipo de injusto no sentido de valoração jurídica geral Mas a moderna dogmática identifica uma terceira espécie de erro que participa simultaneamente da natureza do erro de tipo e do erro de proibição o chamado erro de tipo permissivo incidente sobre pressupostos objetivos de causa de justificação consis tente em errônea representação da situação justificante65 O estudo da matéria do conhecimento do injusto ou da consciência da antijuridicidade tem por fim identificar as situações negativas desse conhecimento representadas pelo erro de proibição direto pelo erro de 64 Assim JAKOBS Strafrecht 1993 176566 p 507508 também ROXIN Strafrecht 1997 20 n 6567 p 786788 SCHÖNCKESCHRÖDERLENCKNER Strafgesetzbuch Kommentar 1991 20 n 36 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 417418 p 120121 65 Comparar ROXIN Strafrecht 1997 21 n 12 p 793 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 457 p 133 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 295 242012 162816 296 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 proibição indireto e pelo erro de tipo permissivo segundo a teoria limitada da culpabilidade adotada pelo legislador 21 Conhecimento do injusto A legislação anterior à reforma penal de 1984 em conformidade com o modelo causal de crime distinguia entre erro de fato excludente do dolo e erro de direito sem relevância penal generalizado sob o brocardo error juris nocet A rigidez do critério seria atenuada por outra distinção no âmbito do erro de direito entre erro de direito penal igualmente irrelevante e erro de direito extrapenal por exemplo coisa alheia no furto com efeito excludente do dolo66 Os problemas desse sistema eram esses a dificuldades de diferenciação entre erro de direito penal e erro de direito extrapenal porque o conceito de coisa alheia por exemplo é igualmente de direito penal e de direito extrapenal b a relevância do erro de direito penal ou extrapenal dependeria de um fator acidental a posição do conceito respectivo dentro ou fora do Direito Penal67 c a tensão entre o caráter irrelevante do erro de direito penal inevitável e o princípio da culpabilidade68 211 Teorias sobre conhecimento do injusto e erro de proibição A posição sistemática do conhecimento do injusto ou da consciência da antijuridicidade como integrante do conceito de dolo ou como elemento do conceito de culpabilidade está na base respectivamente da teoria do dolo e da teoria da culpabilidade 1 A teoria do dolo considera o conhecimento do injusto elemento do dolo constituído pela consciência e vontade do fato e pela consciência e vontade do desvalor do fato com as seguintes consequências a a 66 Assim KOHLRAUSCH Irrtum und Schuldbegriff im Strafrecht 1903 p 118 67 FRANK Das Strafgesetzbuch fur das Deutsche Reich 1931 59 III 2 68 Ver ROXIN Strafrecht 1997 21 n 5 p 794 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 296 242012 162816 297 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação consciência e vontade do fato e do desvalor do fato configura o chamado dolus malus que fundamenta a definição do crime doloso como rebel dia contra o direito b o erro sobre o fato ou o desvalor do fato exclui o dolo não existe a correlação dicotômica a erro de fatoerro de direito e b erro de tipoerro de proibição69 2 A teoria da culpabilidade vinculada à teoria finalista da ação separa conhecimento do fato e conhecimento do injusto do fato desse modo a a consciência e vontade do fato constituem o dolo como elemento sub jetivo geral dos crimes dolosos b a consciência do injusto é o elemento especial da culpabilidade como fundamento concreto do juízo de reprovação A separação entre conhecimento do fato e conhecimento do injusto do fato determina a distinção entre erro de tipo que exclui o dolo e erro de proibição que exclui ou reduz a reprovação uma necessidade lógica da estrutura dos conceitos de dolo e de culpabilidade70 O erro de proibição como erro sobre injusto do fato tem por objeto a natureza proibida ou permitida da ação típica o autor sabe o que faz mas pensa erroneamente que é permitido ou por crença positiva na permissão do fato ou por falta de representação da proibição do fato71 A teoria da culpabilidade apresenta duas variantes a teoria rigorosa ou extrema da culpabilidade e a teoria limitada da culpabilidade 21 A teoria rigorosa da culpabilidade desenvolvida por WELZEL e predominante entre finalistas atribui as mesmas consequências a to das as modalidades de erro de proibição o erro de proibição inevitável 69 Partidários da teoria do dolo BINDING Die Normen und ihre Ubertretung v II 1916 125 BAUMANNWEBER Strafrecht 1985 p 424 SCHMIDHÄUSER Strafrecht Studienbuch 1984 789 s o grande defensor da teoria do dolo na atualidade 70 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 41 I 12 p 452453 71 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 41 II 1 p 456 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 297 242012 162816 298 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 exclui a reprovação de culpabilidade o erro de proibição evitável reduz a reprovação de culpabilidade na medida da evitabilidade do erro72 22 A teoria limitada da culpabilidade dominante na literatura e ju risprudência contemporâneas atribui consequências diferentes ao erro de proibição a o erro de proibição direto que tem por objeto a lei penal considerada do ponto de vista da existência da validade e do significado da norma exclui ou reduz a reprovação de culpabilidade b o erro de proibição indireto ou erro de permissão que tem por objeto os limites jurídicos de causa de justificação legal ou a existência de causa de jus tificação não prevista em lei também exclui ou reduz a reprovação de culpabilidade c o erro de tipo permissivo que tem por objeto os pres supostos objetivos de justificação legal portanto existe como errônea representação da situação justificante incide sobre a realidade do fato e por isso exclui o dolo e não apenas a reprovação de culpabilidade funcionando como verdadeiro erro de tipo com punição alternativa por imprudência se existir o tipo respectivo73 A equiparação do erro de tipo permissivo ao erro de tipo realizada pela teoria limitada da culpabilidade baseiase no argumento de que o autor quer agir conforme a norma jurídica e nessa medida a representação do autor coincide com a representação do legislador ou com o direito objetivo existente74 mas erra sobre a verdade do fato a representação errônea da situação justificante exclui o dolo como decisão fundada no conhecimento das circunstâncias do tipo legal e no desconhecimento da inexistência da situação justificante cuja errônea admissão significa 72 Assim WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 168 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht 2 44 n 61 p 165 comparar ROXIN Strafrecht 1997 21 n 6364 p 527 No Brasil ver RODRIGUES Teoria da culpabilidade 2004 p 95102 73 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 41 IIIV p 456467 ROXIN Strafrecht 1997 14 n 5455 p 523 e 21 n 2024 p 802804 também WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 469470 p 137138 e n 482 e 484 p 142143 No Brasil ver RODRIGUES Teoria da culpabilidade 2004 p 102112 74 Comparar JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 41 IV 1d p 464 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 298 242012 162816 299 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação que o autor não sabe o que faz ao contrário das outras espécies de erro de proibição cujo autor sabe o que faz mas erra sobre a juridicidade do fato75 Esse tratamento diferencial do erro de proibição é explicado por critérios objetivos de valoração do comportamento a se o comporta mento real do autor é orientado por critérios iguais aos do legislador os defeitos de representação do autor podem ter por objeto a situação típica erro de tipo ou a situação justificante erro de tipo permissivo ambas as hipóteses excluem o dolo e admitem a possibilidade de puni ção por imprudência b se o comportamento real do autor é orientado por critérios desiguais aos do legislador os defeitos de representação do autor somente podem ter por objeto a valoração jurídica geral do fato erro de proibição com o efeito de excluir ou de reduzir a reprovação de culpabilidade conforme a natureza inevitável ou evitável do erro76 Como esclarecimento complementar a teoria das características negativas do tipo77 resolve o problema do erro sobre a situação justi ficante do mesmo modo que a teoria limitada da culpabilidade mas com fundamentos diferentes considera os componentes do tipo legal como elementos positivos e as justificações como elementos negativos do tipo de injusto e por consequência define o erro sobre a situação justificante como erro de tipo excludente do dolo e por extensão do tipo de injusto se inevitável admitindo imprudência se evitável78 75 Nesse sentido ROXIN Strafrecht 1997 14 n 6268 p 526529 76 Nesse sentido JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 41 IIV p 452467 ROXIN Strafrecht 1997 21 n 8 p 796 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 471 p 138 77 Ver entre outros SCHROTH Die Annahme und das FurMöglichHalten von Umständem die einen anerkannten Rechtfertigungsgrund begrunden Arthur KaufmannFS 1993 p 595 SCHUNEMANN Die deutschsprachige Strafrechtswissenschaft nach der Strafrechtsreform im Spiegel des Leipziger Kommentars und des Wiener Kommentars 1 Teil Tatbestands und Unrechtslehere GA 1985 p 341 78 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 41 IV 1c p 464 ROXIN Strafrecht 1997 14 n 70 p 529 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 299 242012 162816 300 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 A legislação penal brasileira disciplina o erro de tipo art 20 CP o erro de tipo permissivo art 20 1º CP e o erro de proibição art 21 CP segundo os critérios da teoria limitada da culpabilidade ver Erro de proibição na lei penal brasileira adiante 212 Objeto da consciência do injusto Definir o objeto da consci ência do injusto permite responder a seguinte pergunta o que o autor deve saber para conhecer o injusto do fato Sem definir o objeto da consciência do injusto qualquer pesquisa sobre erro de proibição é inútil A definição do objeto da consciência do injusto ou seja do substrato psíquico mínimo de conhecimento do injusto necessário para configurar a consciência da antijuridicidade do fato é controvertida na literatura penal contemporânea distinguindose pelo menos três teorias a a teoria tradicional representada por JESCHECK WEIGEND79 indica a antijuridicidade material como objeto da cons ciência do injusto definida como conhecimento da contradição entre comportamento real e a ordem comunitária que permitiria ao leigo saber que seu comportamento infringe o ordenamento jurídico público civil penal etc ou moral independentemente de conhecer a lesão do bem jurídico lesionado ou a punibilidade do fato b a teoria moderna representada por OTTO80 apresenta a punibilidade do fato como objeto do conhecimento do injusto ou 79 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 41 I 3a p 453454 consciência do injusto significa conhecer que o comportamento contradiz as exigências da ordem comunitária e por esse motivo é juridicamente proibido ou seja é suficiente conhecer a antijuridicidade material como conhecimento leigo de lesionar uma norma jurídica penal civil ou pública sem necessidade de consciência da norma jurídica lesionada ou da punibilidade do fato no mesmo sentido WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 17 80 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 13 IV 1b n 41 p 203 conhecimento do injusto no sentido de conhecimento da antijuridicidade é conhecimento da punibilidade do comportamento através de uma norma legal penal positiva em que não é necessário o conhecimento preciso dos parágrafos da lei mas o conhecimento Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 300 242012 162816 301 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação seja consciência do injusto significa conhecimento da punibilidade do comportamento através de uma norma legal penal positiva e portan to consciência de infringir uma prescrição penal embora não exija conhecimento preciso dos parágrafos da lei infringidos c a teoria talvez dominante representada por ROXIN81 situase em posição intermediária sob a alegação de que conhecer a danosidade social ou a imoralidade do comportamento segundo a teoria tradicional seria insuficiente mas conhecer a punibilidade do fato conforme a teoria moderna seria desnecessário assim objeto da consciência do injusto seria a chamada antijuridicidade concreta como conhecimento da específica lesão do bem jurídico compreendido no tipo legal respectivo ou seja o co nhecimento da proibição concreta do tipo de injusto Na verdade a teoria dominante aproximase da teoria moderna porque conhecer a específica lesão do bem jurídico compreendido no tipo legal equivale ao conhecimento da punibilidade do fato e assim a teoria tradicional aparece em posição isolada e oposta em relação às outras A literatura brasileira geralmente não menciona a controvérsia sobre o objeto da consciência do injusto limitandose à difusão parcial da teoria tradicional82 cuja amplitude excede os limites do objeto do conhecimento do injusto assim essa literatura não apresenta a teoria dominante do conhecimento da lesão específica do bem jurídico com preendido no tipo legal e ignora a teoria moderna do conhecimento da de infringir uma prescrição penal grifado no original no mesmo sentido GROTHEGUT Norm und Verbotsunkenntnis 1993 17 p 111 também NEUMANN Der Verbotsirrtum 17 StGB JuS 1993 p 795 81 Ver ROXIN Strafrecht 1997 21 n 1216 p 798800 esp n 16 p 800 a antijuridicidade é objeto da consciência do injusto não como proibição abstrata mas apenas em relação com o injusto concreto do tipo respectivo Existe consciência do injusto se o autor conhece como injusto a específica lesão do bem jurídico compreendida no tipo legal considerado no mesmo sentido RUDOLPHI Unrechtsbewusstsein Verbotsirrtum und Vermeidbarkeit des Verbotsirrtums 1969 p 56 82 Ver por exemplo JESUS Direito Penal I 1999 p 485 MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 202 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 301 242012 162816 302 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 punibilidade do comportamento através de norma legal penal positiva ou seja do conhecimento de infringir uma prescrição penal e portanto do conhecimento da punibilidade do fato na verdade o conceito mais compatível com o princípio da culpabilidade que caracteriza o Direito Penal no moderno Estado Democrático de Direito 213 Divisibilidade e formas de conhecimento do injusto A cons ciência do injusto pode ser divisível em tipos que protegem diferentes bens jurídicos no roubo se o autor toma com violência coisa própria em poder do devedor em mora existe conhecimento do injusto relativo à violência do constrangimento ilegal mas pode existir erro de proibição em relação à subtração em tipos qualificados o autor pode conhecer o injusto do tipo básico mas encontrarse em erro de proibição quanto à circunstância qualificadora83 o problema subsistente é definir a na tureza evitável ou inevitável do erro Por outro lado reflexão específica sobre a antijuridicidade do comportamento durante a realização do fato punível é incomum porque autores de fatos puníveis raramente são atormentados por escrúpulos ou outros sentimentos altruístas Não obstante a consciência ou conheci mento do injusto deve ser atual sendo insuficiente conhecimento atu alizável embora esse conhecimento possa existir na forma da chamada coconsciência que também é suficiente para a consciência atual do dolo cuja defecção produz o erro de tipo Assim em crimes patrimoniais a consciência do autor pode não estar na proi bição do furto ou do roubo mas no sucesso da ação ou nas vantagens dela resultantes a chamada coconsciência consiste precisamente na influência desse conteúdo so bre a realização da ação através de cuidados ou precauções para evitar suspeitas ou especialmente a prisão84 83 Assim JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 41 I 3d p 455 também ROXIN Strafrecht 1997 21 n 16 p 800801 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 428 p 124 84 Nesse sentido PLATZGRUMMER Die Bewusstseinsform des Vorsatzes 1964 também SCHEWE Bewusstsein und Vorsatz 1967 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 302 242012 162816 303 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação 214 Conhecimento condicionado do injusto O conceito de conhe cimento condicionado do injusto adquiriu status científico na dogmática da culpabilidade porque em situação de dúvida sobre a antijuridicidade do comportamento o autor pode representar a permissão como provável e também admitir a proibição como possível Por exemplo atirar sobre o ladrão em fuga é autorizado pela legítima defesa Se existe dúvida sobre os limites jurídicos de causa de justificação então existe conheci mento condicionado do injusto concreto do tipo respectivo considerado suficiente para motivar o comportamento segundo a norma85 Curto e grosso a dúvida sobre a permissibilidade da ação é incompatível com o erro de proibição portanto no exemplo acima a vítima deve deixar o ladrão fugir A literatura tem procurado suavizar esse ponto de vista especialmente na área do Direito Penal especial condicionando a rejeição do erro de proibição à possibilidade de resolver a dúvida por consulta a advogado ou leitura de um comentário de legislação etc Hipótese diferente é a necessidade de escolha entre dois com portamentos igualmente puníveis o policial não sabe se deve ou não deve atirar sobre autor de crime prestes a cruzar a fronteira de outro país porque atirar significaria lesão corporal dolosa e não atirar poderia significar favorecimento pessoal Nesse caso o princípio da culpabilidade impede reprovar pela escolha da alternativa errada porque uma necessária consciência condicionada do injusto representaria hipótese de inevitável erro de proibição86 Critérios complementares para avaliar casos de conhecimento condicionado do injusto seriam os seguintes probabilidade de maior juridicidade da alternativa escolhida consideração dos interesses em 85 Ver ROXIN Strafrecht 1997 21 n 2833 p 806809 86 Assim ARMIN KAUFMANN Lebendiges und Totes in Bindings Normentheorie 1954 p 221 ROXIN Strafrecht 1997 21 n 30 p 806 RUDOLPHI Unrechtsbewusstsein Verbotsirrtum und Vermeidbarkeit des Verbotsirrtums 1969 p 139 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 303 242012 162816 304 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 jogo na situação danos resultantes da contemporização ou adiamento da decisão etc87 22 Consequências legais do erro de proibição As consequências legais do erro de proibição segundo o critério legislado da teoria limitada da culpabilidade são diferenciadas conforme a categoria do erro de proibição por sua vez determinada pelo objeto do erro respectivo 1 o erro de proibição direto que tem por objeto a lei penal e o erro de proibição indireto que tem por objeto a existência de justificação inexistente ou os limites jurídicos de justificação existente excluem ou reduzem a reprovação de culpabilidade porque o comportamento real do autor é orientado por critérios desiguais aos do legislador o erro inevitável exclui e o erro evitável reduz a reprovação de culpabilidade88 2 o erro de tipo permissivo que tem por objeto a situação justificante constitui exceção à regra o erro inevitável plenamente justificado pelas circunstâncias exclui o dolo e por extensão o crime e a pena o erro evi tável exclui o dolo mas admite a atribuição por imprudência se prevista em lei art 20 1º em ambos os casos porque o comportamento real do autor é orientado por critérios iguais aos do legislador Art 20 1º É isento de pena quem por erro plena mente justificado pelas circunstâncias supõe situação de fato que se existisse tornaria a ação legítima Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo 87 Ver STRATENWERTH Strafrecht 1981 n 586 88 ROXIN Strafrecht 1997 21 n 6970 p 824 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 304 242012 162816 305 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação 23 Natureza evitável ou inevitável do erro de proibição O erro de proibição evitável reduz a reprovação de culpabilidade no erro de proibição direto e no erro de proibição indireto e pode con duzir à punição por imprudência no erro de tipo permissivo porque se existe possibilidade de conhecer o injusto do fato mediante reflexão ou informação então o autor é alcançável pela determinação da norma e seria capaz de dirigibilidade normativa O erro de proibição inevitável exclui a reprovação de culpabilidade no erro de proibição direto e no erro de proibição indireto e exclui o dolo e a imprudência no erro de tipo permissivo porque se não existe possibi lidade de conhecer o injusto do fato mediante reflexão ou informação então o autor não é alcançável pela determinação da norma e não seria capaz de dirigibilidade normativa89 A possibilidade de conhecimento do injusto que indica a evita bilidade do erro de proibição depende de múltiplas variáveis como a posição social a capacidade individual as representações de valor do autor90 etc e deve ser medida por critérios normais de reflexão ou de in formação e não por critérios rigorosos incompatíveis com a vida social91 A certeza ou até mesmo a existência de fundamentos razoáveis sobre a permissibilidade do fato seriam argumentos suficientes para admitir a inevitabilidade do erro de proibição porque ninguém pode conhecer a infinidade das proibições da lei penal se o dolo de tipo em grande parte dos crimes dolosos do Direito Penal comum e na maioria dos crimes dolosos do Direito Penal especial aparece desacompanhado da 89 Assim ARMIN KAUFMANN Die Dogmatik der Unterlassungsdelikte 1959 p 144 e seguintes HORN Verbotsirrtum und Vorwerfbarkeit 1969 p 60 RUDOLPHI Unrechtsbewusstsein Verbotsirrtum und Vermeidbarkeit des Verbotsirrtums 1969 p 196 e seguintes 90 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 466 p 136 91 Ver JAKOBS Strafrecht 1993 1935 p 557558 também MAURACHZIPF Strafrecht 1992 38 n 37 p 549 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 305 242012 162816 306 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 consciência da antijuridicidade então a maioria dos casos de erro de proibição deve ser considerada inevitável e assim excluir a reprovação de culpabilidade92 Art 21 parágrafo único Considerase evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato quando lhe era possível nas circunstâncias ter ou atingir essa consciência 24 Meios de conhecimento do injusto 1 O método primitivo do esforço de consciência para conhecer o injusto do fato poderia na melhor das hipóteses permitir o conhecimento de violações morais mas era inadequado para conhecer o injusto de tipos penais aliás outro entendimento significaria reconhecer a inutilidade do estudo jurídico93 Hoje o método para conhecer o injusto de tipos penais é o da reflexão e informação a natureza evitável ou inevitável do erro de proibição dependem do nível de reflexão e de informação do autor sobre o injusto específico do tipo legal94 Esse método corres ponde à exigência da lei que define o erro evitável pela possibilidade de ter reflexão ou de atingir informação o conhecimento do injusto art 21 CP 2 Em regra a reflexão do autor no momento do fato é suficiente para conhecer a antijuridicidade concreta do injusto específico a lesão corporal grave produzida pelo pai no filho sob a convicção errônea de exercer direito de educação poderia ser evitada pela reflexão excepcionalmen te o conhecimento do injusto do fato pode depender de informações 92 Nesse sentido ROXIN Strafrecht 1997 21 n 3744 p 810812 assim também JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 41 II 2c p 459460 93 Ver BAUMANNWEBER Strafrecht 1995 21 n 60 94 ROXIN Strafrecht 1997 21 n 4551 p 813815 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 306 242012 162817 307 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação especializadas que devem ser obtidas anteriormente como as regras de tráfego por exemplo produzir acidente no tráfego urbano por falta de conhecimento anterior da regra de circulação violada configura erro de proibição evitável como reprovabilidade do fato ligada à lesão anterior do cuidado95 Algumas teorias sobre o exame da juridicidade da ação sustentam posições extremas ou são rigorosas demais exigindo exame antecipado da juridicidade de cada ação96 uma exigência irrealista capaz de pa ralisar a vida social ou são muito tolerantes ao excluir a possibilidade prática de informação no caso de ausência de dúvida sobre a proibição no psiquismo do autor97 Um critério intermediário parece razoável existiria motivo para exame da juridicidade da ação nas hipóteses a de dúvida sobre sua juridicidade concreta b de consciência de atuação em área regida por normas especiais e c de consciência da possibilidade de dano individual ou coletivo98 Na hipótese de dúvida sobre a juridi cidade a atitude de não levar a sério a dúvida ou de leviana admissão da juridicidade da ação é suficiente para configurar erro evitável na hipótese de atuação em áreas regidas por normas especiais crimes contra o meio ambiente o consumidor etc o erro de profissionais ou de empresários da área é normalmente evitável mas o erro do cidadão comum seria normalmente inevitável na hipótese de consciência da possibilidade de dano individual ou coletivo por exemplo a consciência de que determinada ação na esfera negocial poderá prejudicar número 95 Assim ROXIN Strafrecht 1997 21 n 4648 p 813814 96 É a posição do Bundesgerichtshof Supremo Tribunal Federal alemão 97 Assim HORN Verbotsirrtum und Vorwerfbarkeit 1969 p 105 também ZACZYK Der Verschuldete Verbotsirrtum JuS 1990 p 893 98 Assim ROXIN Strafrecht 1997 21 n 53 p 816 também STRATENWERTH Strafrecht 1981 n 585 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 307 242012 162817 308 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 indeterminado de pessoas qualquer lesão a normas sociais elementares configura erro evitável99 3 O erro de proibição inevitável é mais provável no Direito Penal especial em que o cidadão comum tem maior dificuldade de reco nhecer o injusto concreto do tipo respectivo e os próprios profissionais especializados não conhecem a totalidade das incriminações respectivas por outro lado o erro de proibição evitável é mais frequente no Direito Penal comum exceto quando não há motivo para exame da juridi cidade da ação como mostra um caso da jurisprudência alemã dois trabalhadores rurais foram absolvidos da acusação de relações sexuais consentidas com mulher doente mental por erro de proibição inevitável porque não tinham dúvida sobre a juridicidade da ação não tinham consciência de dano contra a mulher e finalmente o consentimento da mulher afastava qualquer motivo de preocupação sobre a juridicidade do comportamento100 4 A confiança em informações de jurisprudência ou de profissionais da área jurídica advogados professores de direito pode ser decisiva erro de proibição inevitável no caso de tipo de injusto realizado com base em jurisprudência unânime ou dominante dos tribunais e erro de proibição evitável no caso de divergência de tribunais de igual jurisdição igualmen te a confiança na orientação de advogados ou outros profissionais do direito pode fundamentar erro de proibição inevitável primeiro porque são profissionais legalmente habilitados para o exercício da profissão segundo porque o leigo não tem condição de avaliar a capacidade geral os conhecimentos específicos e a correção ou não das informações Entretanto a reflexão do cidadão comum não oferece o mesmo nível de confiabilidade por causa de uma contradição aparentemente insolúvel por um lado o leigo é incapaz de resolver questões jurídicas 99 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 41 II 2b p 458 ROXIN Strafrecht 1997 21 n 5357 p 816818 100 ROXIN Strafrecht 1997 n 59 p 818 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 308 242012 162817 309 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação que não conhece por outro a lei penal não pode ser inacessível à com preensão do homem do povo101 Por isso em sociedades com elevadas taxas de exclusão do mercado de trabalho e do sistema escolar ou seja marcadas pela pobreza e pela ignorância como é o caso da sociedade brasileira a frequência do erro de proibição e a imprecisão dos critérios de evitabilidadeinevitabilidade do erro reclamam atitudes democráticas na sua avaliação bitola larga para a inevitabilidade bitola estreita para a evitabilidade do erro de proibição 25 Erro de proibição na lei penal brasileira 1 A lei penal brasileira art 21 CP permite identificar as seguintes modalidades de erro de proibição segundo o critério da teoria limitada da culpabilidade a erro de proibição direto incidente sobre a exis tência validade e significado da lei penal b erro de proibição indireto ou erro de permissão incidente sobre justificação inexistente ou sobre limites jurídicos de justificação existente c erro de tipo permissivo incidente sobre a situação justificante ou pressupostos objetivos de justificação legal 2 Essa sistematização do erro de proibição na lei penal brasileira baseiase na premissa de que a regra da inescusabilidade do desconhecimento da lei art 21 CP primeira parte é limitada pelas exceções representadas pelo erro de proibição inevitável art 21 CP segunda parte o erro de proibição evitável apenas gradua a reprovação A compreensão de que a regra da inescusabilidade do desconhecimento da lei não prevalece sobre as exceções do erro de proibição inevitável permite superar a tensão entre uma equivocada posição de política criminal e o princípio da culpabilidade em matéria de erro de proibição direto sob a modalidade de desconheci mento da lei penal na literatura e jurisprudência brasileiras Afinal se o 101 Assim ROXIN Strafrecht 1997 21 n 6165 p 818821 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 309 242012 162817 310 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 Direito Penal do moderno Estado Democrático de Direito assenta no princípio da legalidade expresso na fórmula nullum crimen sine lege e no princípio da culpabilidade expresso na fórmula nullum crimen sine culpa então a lei ordinária não pode em nenhuma hipótese contrariar esses princípios e portanto o princípio da culpabilidade não pode ser cancelado para garantir a eficácia da lei penal como pretende um setor da literatura penal brasileira102 Não é o princípio da culpabilidade que deve se adequar à lei mas a lei que deve se adequar ao princípio da culpabilidade sob quaisquer critérios de interpretação103 Art 21 O desconhecimento da lei é inescusável O erro sobre a ilicitude do fato se inevitável isenta de pena se evitável poderá diminuíla de um sexto a um terço 102 Assim por exemplo JESUS Direito Penal 1999 p 485 considera inescusável o desconhecimento da lei que segundo diz não se confunde com a falta de consciência da ilicitude do fato atribuindolhe natureza de atenuante genérica e função de garantir a eficácia do sistema legal com implícito cancelamento do princípio da culpabilidade MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 202 afirma que o desconhecimento da lei é circunstância atenuante que não coincide perfeitamente com a ignorância da ilicitude REGIS PRADO Curso de Direito Penal brasileiro 1999 p 242 reproduz o conceito de que o desconhecimento da lei não se confunde com a falta de consciência da ilicitude sendo simples atenuante genérica e assim reduz a extensão do erro de proibição direto FLÁVIO GOMES Erro de tipo e erro de proibição 1999 p 134 afirma que a ignorância ou a má compreensão da lei não se confunde com erro de proibição constituindo no máximo circunstância atenuante p 132 e nota 147 103 Em posição de resistência teórica MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 182 deplora a orientação dominante em franca oposição ao moderno princípio da culpabilidade o qual exige não apenas o conhecimento da regra como a estruturação da vontade de maneira reprovável igualmente incisivo FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 193 p 212 reconhece a tendência de atribuir eficácia ao desconhecimento da lei tendo em vista que a solução adotada viola o princípio da culpabilidade à base de ficção intolerável MUNHOZ NETO A ignorância da antijuridicidade em matéria penal 1978 p 21 ainda na vigência da lei anterior já admitia que desconhecer a lei possa implicar em não saber da existência da norma que impõe ou proíbe determinado comportamento e se o autor não possuir conhecimento de que pela vontade do Direito Penal a conduta não poderia ter lugar este erro se invencível deverá revestirse de eficácia Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 310 242012 162817 311 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação 3 O equívoco da literatura penal doméstica sobre erro de proibição direto na modalidade de ignorância da lei nasce de arbitrária oposição dos con ceitos de desconhecimento do injusto e de desconhecimento da lei que não se recobrem reciprocamente mas também não se excluem inteiramente porque a ignorância da lei pode fundamentar a ignorância do injusto em tipos penais não coincidentes com direitos humanos fundamentais A pretensa oposição entre desconhecimento do injusto e desconhecimento da lei é assim formulada por TOLEDO104 o desconhecimento do injusto definido como conhecimento falso do injusto poderia constituir erro de proibição escusável o desconhecimento da lei como ignorância total da lei não constituiria erro de proibição nem seria escusável mas simples circunstância atenuante por causa da obrigatoriedadegeneralidade da lei penal como norma do poder legislativo do Estado105 Esse equívoco da literatura dominante pode ser demonstrado como segue 31 A obrigatoriedadegeneralidade da lei penal nada tem a ver com o erro de proibição direto a lei penal é geral e obrigatória em qualquer ordenamento jurídico e tais caracteres não impedem que a inevitável ignorância da lei penal ou representação da invalidade da lei penal ou interpretação falsaerrada da lei penal constituam modalidades de erro de proibição direto plenamente escusáveis na Alemanha e na Itália por exemplo donde concluise que brocardos do tipo ignorancia legis neminem excusat106 perderam todo prestígio em face do princípio da culpabilidade e não valem mais como economia de análise 104 Nesse sentido TOLEDO Erro de tipo e erro de proibição no projeto de reforma penal RT 578291 Só uma enorme confusão poderia identificar duas coisas diferentes como estas o desconhecimento do injusto e o desconhecimento da norma legal também citado por MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 202 105 Ver por exemplo MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 201202 utilizado como modelo da análise subsequente porque representativo da opinião dominante 106 Assim MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 201 também JESUS Direito Penal I 1999 p 485 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 311 242012 162817 312 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 32 Não é a ignorância total ou parcial da lei ou a representação falsa ou equivocada do injusto que determina a relevância ou irrelevância do erro de proibição mas sua natureza evitável ou inevitável erro de proibição inevitável exclui a reprovação erro de proibição evitável pode reduzir a reprovação em todas as hipóteses exceto no erro de tipo permissivo em que transforma o fato doloso em fato imprudente segundo a teoria limitada da culpabilidade art 20 1º Assim seria erro de proibição evitável a alegação simplória de não saber que é ilícito matar subtrair coisa alheia falsificar documento etc107 cuja proibição jurídica todos co nhecem segundo JESCHECKWEIGEND108 mas em crimes contra o meio ambiente ou outro setor do vasto Direito Penal especial o erro de proibição direto do cidadão comum na modalidade de ignorância da lei é normal e frequentemente inevitável por exemplo quem poderia saber que é crime ter em depósito ou guardar madeira lenha carvão e outros produtos de origem vegetal sem licença da autoridade competente art 46 parágrafo único da Lei 960598 33 Diferenciar conhecimento do injusto e conhecimento da lei para atribuir relevância ao desconhecimento do injusto penal e irrelevância ao desconhecimento da lei penal é ignorar que o injusto penal só pode existir como injusto tipificado na lei hoje generalizado sob o conceito de tipo de injusto que por força do princípio da legalidade aparece na lei penal sob a forma de tipo legal ou tipo penal como descrição do comportamento proibido Mais precisamente porque injusto penal e lei penal representam respectivamente as dimensões concreta e abstrata das proibições ou comandos do Direito Penal é possível no Direito Penal comum ter ou atingir o conhecimento da lei através do conhecimento do injusto mas no Direito Penal especial é frequentemente impossível ter ou atingir o conhecimento do injusto exceto através do conhecimento da lei penal 107 Ver MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 202 108 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 41 I 3b p 454 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 312 242012 162817 313 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação 34 Alguns autores109 para mostrar que ignorância da lei não constitui modalidade de erro de proibição direto tentam extrair da posição de JESCHECK sobre o conteúdo mínimo de conhecimento necessário para caracterizar a consciência do injusto o disparate lógico de que a ignorância da lei não seria modalidade de desconhecimento do injusto portanto não seria espécie de erro de proibição direto ver Objeto da consciência do injus to acima Ao contrário repelindo esse óbvio equívoco de interpretação o insigne jurista alemão afirma que este erro de proibição direto pode se basear no seguinte que a norma de proibição não é conhecida pelo autor ou que na verdade o autor a conhece mas a considera inválida ou a interpreta erroneamente e por isso não a considera aplicável110 Como se vê não é possível extrair da tese de JESCHECK sobre o conteúdo mínimo necessário para positivo conhecimento do injusto consciência da contradição entre comportamento e ordem comunitária a tese di ferente de que o inevitável desconhecimento da lei é inescusável sendo apenas circunstância atenuante Afinal se não é possível ter ou obter o conhecimento da lei especialmente em áreas de descoincidência entre tipos penais e ordem moral nas quais o conhecimento do injusto passa necessariamente pelo conhecimento da lei111 então existe erro de proibição direto na modalidade de inevitável desconhecimento da lei que exclui a reprovação de culpabilidade 109 Por exemplo MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 202 não pode escusar se o agente com a simples alegação formal de que não sabia haver lei estabelecendo punição para o fato 110 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 41 II 1 a p 456 Beruhen kann dieser Irrtum darauf dass die Verbotsnorm dem Täter nicht bekannt ist oder dass er sie zwar kennt aber als ungultig ansieht oder dass er sie falsch ausgelegt hat und deswegen nicht fur anwendbar hält grifei 111 MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 202 afirma que a intuição do que é proibido existente no indivíduo como membro da sociedade pode evitar crimes ou violações da ordem jurídica até na hipótese de descoincidência entre tipos penais e ordem moral por causa da exigência de informação sobre a regularidade jurídica dos próprios atos grifei Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 313 242012 162817 314 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 35 Se o legislador pretendia excluir o erro de proibição direto na mo dalidade de ignorância da lei do quadro do erro de proibição da teoria limitada da culpabilidade inserindo a regra da eficácia da lei penal ao lado das exceções do erro de proibição determinadas pelo princípio da culpabilidade então disse menos do que queria ou disse coisa diversa porque os conceitos correlacionados na lei penal comportamse como regraexceção apesar da intenção do legislador Em conclusão a regra da inescusabilidade do desconhecimento da lei como expressão da natureza geral e obrigatória da lei penal não tem o poder de suspender o princípio da culpabilidade expresso na exceção do erro de proibição direto na mo dalidade de desconhecimento inevitável sobre a existência da lei penal Um argumento definitivo vem da Corte Constitucional da Itália a regra do Código Penal italiano sobre ignorância da lei penal art 5 modelo da lei brasileira art 21 CP primeira parte foi declarada ilegítima pela Corte Constitucional da Itália Sentença 3641988 precisamente porque não admite a hipótese de lignoranza inevitabile112 36 Em conclusão não é possível utilizar critérios sobre o conteúdo da consciência do injusto representado por aquele limiar mínimo de conhecimento da danosidade social da ação ou da punibilidade do fato ou da antijuridicidade concreta do tipo de injusto para afirmar a irre levância do desconhecimento do injusto por ignorância da lei ou seja de desconhecimento do injusto em situações em que o conhecimento do 112 O Código Penal italiano art 5 sob a rubrica Ignoranza della legge penale diz o seguinte Nessuno puó invocare a propria scusa lignoranza della legge penale Dichiarato illegittimo dalla Corte Costituzionale nella parte in cui non esclude dallinescusabilitá dellignoranza della legge penale lignoraza inevitabile Sentenza 3641988 Tradução livre Ninguém pode invocar para própria escusa a ignorância da lei penal Declarado ilegítimo pela Corte Constitucional na parte em que não exclui da inescusabilidade da ignorância da lei penal a ignorância inevitável Sentença 3641988 No Brasil COSTA JÚNIOR Comentários ao código penal I 1989 p 191 já mencionava a decisão da Corte Constitucional da Itália que alterou sob fundamento de inconstitucionalidade a norma sobre inescusabilidade da ignorância da lei penal atribuindolhe a seguinte redação a ignorância da lei penal não escusa a menos que se trate de ignorância inevitável grifei Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 314 242012 162818 315 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação injusto depende do conhecimento da lei ou em que o desconhecimento da lei determina o desconhecimento do injusto As situações de ignorância da lei determinantes de inevitável ignorância do injusto próprias do Direito Penal especial em face da frequente descoincidência entre tipos legais e ordem moral ou melhor direitos humanos fundamentais não podem ser obscurecidas com situações próprias do Direito Penal co mum caracterizadas pela coincidência entre tipos legais e direitos humanos fundamentais por exemplo matar alguém furtar falsificar documento etc O artifício generalizado na literatura penal doméstica de utilizar situações de necessário conhecimento do injusto a proibição de matar alguém por exemplo para encobrir situações em que o conhecimento do injusto depende de conhecimento da lei penal a proibição de guardar lenha ou carvão sem licença da autoridade competente por exemplo criou um buraco negro no princípio da culpabilidade do Direito Penal brasileiro no qual estão desaparecendo todos os casos de condenação criminal em situação de ignorância da lei determinante de inevitável desconhecimento do injusto 26 Espécies de erro de proibição na lei penal brasileira 1 Erro de proibição direto O erro de proibição direto tem por objeto a lei penal e pode existir tanto em forma positiva de representação da juridicidade sexo consentido com débil mental representado como jurí dico como em forma negativa de não representação da antijuridicidade do comportamento o cidadão ingênuo que não pensa na juridicidade da ação113 O erro de proibição direto pode incidir sobre a existência sobre a validade e sobre o significado da lei penal 113 Nesse preciso sentido entre outros JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 41 II 1a p 456 ROXIN Strafrecht 1997 21 n 20 p 802 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 461 p 134 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 315 242012 162818 316 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 a O erro sobre a existência da lei penal é a modalidade mais co mum de erro de proibição com frequência inversamente proporcional ao nível cultural do povo quanto menor o nível de escolarização maior a frequência do erro caboclo da região do cerrado é preso em flagrante pela autoridade florestal ao retirar pedaços de casca de árvore em mata ciliar para preparar remédio para a esposa estudante holandês em via gem de férias pelas praias brasileiras traz na mochila pequena provisão de cannabis sativa adquirida para uso próprio no mercado regular de Amsterdã desconhecendo a proibição legal no Brasil ignorando a in criminação do estupro presumido o jovem roceiro e sua bela caipirinha de 13 anos de idade se unem em apaixonada relação sexual na véspera da partida daquele para o serviço militar sendo surpreendidos e levados à autoridade policial pelo padrasto da menina b O erro sobre a validade da lei penal supõe o conhecimento da proibição considerada inválida ou nula por contrariar direitos funda mentais o princípio da legalidade ou outros princípios jurídicos supe riores a invalidade da lei deve se basear em fundamentos reconhecidos pelo ordenamento jurídico e não em convicções pessoais políticas ou religiosas do autor114 o estudante de direito convencido pela doutrina ou pela jurisprudência da invalidade da incriminação da posse de drogas para uso próprio porque fere a garantia constitucional de privacidade e o princípio da legalidade o perigo de autolesão é impunível não pode ser reprovado pelo consumo de cannabis sativa na esfera privada da vida115 c O erro sobre o significado da lei penal também supõe o conhe cimento da proibição mas incide sobre a interpretação do tipo legal frequente em leis tributárias ou de tipos legais com conceitos normativos complicados na tergiversação ou patrocínio infiel o advogado interpreta erroneamente a existência de causas distintas e não da mesma causa 114 Assim por exemplo ROXIN Strafrecht 1997 21 n 24 p 804 115 Ver KARAM Penas delitos e fantasias 1991 p 121137 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 316 242012 162818 317 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação Nessas hipóteses a confiança em informações especializadas ou em decisões judiciais pode ser decisiva ainda que mais tarde se revelem erradas116 2 Erro de proibição indireto ou erro de permissão O erro de proibi ção indireto tem por objeto a existência de causa de justificação inexistente ou os limites jurídicos de causa de justificação existente no erro sobre a existência de justificação inexistente o autor supõe existir causa de justifi cação não reconhecida na lei castigar crianças alheias por grosserias no suposto exercício de direito de correção no erro sobre limites jurídicos de justificação existente o autor atribui à justificação limites diferentes dos atribuídos pelo legislador ao realizar prisão em flagrante o cidadão comum produz lesão corporal grave na pessoa do preso117 3 Erro de tipo permissivo O erro de tipo permissivo tem por objeto a situação justificante porque consiste em representação errônea dos pressupostos objetivos de justificação legal como ocorre na hipótese de legítima defesa putativa o autor toma por assaltante o transeunte apressado que pretende perguntar as horas e o derruba com violento golpe de caratê O erro de tipo permissivo constitui erro sobre a verdade do fato em que o autor não abandona a posição de fidelidade ao direito ao contrário quer agir segundo a determinação da norma mas erra sobre os pressupostos fáticos respectivos118 O erro sobre a situação justificante pode originar situações de ex cesso determinadas por defeito na dimensão intelectual ou por defeito na dimensão emocional das ações humanas 31 Excesso de legítima defesa por erro de representação O excesso por defeito na dimensão intelectual da conduta constitui erro de represen 116 ROXIN Strafrecht 1997 21 n 2223 p 803804 117 ROXIN Strafrecht 1997 21 n 21 p 803 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 482483 p 142 118 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 41 IV 1d p 464 No Brasil ver RODRIGUES Teoria da culpabilidade 2004 p 147162 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 317 242012 162818 318 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 tação pelo qual o sujeito representa como existente realidade inexistente por exemplo a continuação de agressão cessada configurando erro de tipo permissivo com imediata exclusão do dolo podendo excluir também a imprudência se plenamente justificado pelas circunstâncias art 20 1º CP e pode ocorrer na legítima defesa real e na legítima defesa putativa 311 O excesso de legítima defesa real por erro de representação pode ser intensivo ou extensivo no excesso intensivo de legítima defesa real o autor erra sobre a intensidade da agressão e por isso utiliza meio de defesa superior ao necessário disparo sobre o peito do agressor quando bastava atirar nas pernas no excesso extensivo de legítima defesa real o autor erra sobre a atualidade da agressão que ainda não é atual disparo sobre o agressor que se preparava para a agressão ou já não é mais atual pontapés em agressor caído e inconsciente 312 O excesso de legítima defesa putativa constitui hipótese de duplo erro o autor utiliza meio de defesa desnecessário por erro 1 sobre a atualidade da agressão e 2 sobre a intensidade da agressão se realmente existente logo após violenta discussão mulher atira no peito do marido intensidade da agressão ao vêlo entrar no quarto com um taco de beisebol na mão supondo que seria agredida atualidade da agressão119 32 Excesso de legítima defesa por defeito emocional Ao contrário o excesso de legítima defesa real ou putativa por defeito na dimensão emocional das ações humanas produzidos por medo susto ou perturbação os chamados afetos astênicos ou fracos determinantes de descontrole psicomotor do sujeito não constituem hipóteses de erro de proibição mas situações de exculpação legais por inexigibilidade de comportamento diverso ver Excesso de legítima defesa real e putativa por defeito emo cional adiante 119 Comparar entre outros HAFT Strafrecht 1994 p 135137 ROXIN Strafrecht 1997 21 n 5460 p 823825 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 484 485 p 143144 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 318 242012 162818 319 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação 3 Exigibilidade de comportamento diverso 31 Normalidade das circunstâncias e exigibilidade jurídica A normalidade das circunstâncias do fato é o fundamento con creto da exigibilidade de comportamento conforme ao direito como terceiro estágio do juízo de culpabilidade realizado conforme o seguinte procedimento sequencial a no momento do exame da normalidade das circunstâncias da ação ou da exigibilidade jurídica pressupõese a existência de um su jeito normal portador dos atributos pessoais de maturidade e sanidade psíquica necessários à constituição da capacidade de culpabilidade que permitem atribuir ao autor as consequências penais de suas ações b além disso nesse nível está demonstrado que o sujeito portador da capacidade de culpabilidade portanto imputável conhecia o injusto do fato concreto ou teve a possibilidade de conhecer o injusto do fato concreto o conhecimento concreto da proibição elimina a hipótese do erro de proibição inevitável excludente da reprovação de culpabilidade a alternativa do desconhecimento da proibição por erro de proibição evitável não exclui a reprovação de culpabilidade por causa da possibili dade de conhecimento do injusto por reflexão ou informação exceto na hipótese de erro de tipo permissivo c finalmente o último estágio da pesquisa do juízo de culpabili dade consiste no exame da normalidadeanormalidade das circunstâncias de realização do tipo de injusto por um autor capaz de culpabilidade com conhecimento real ou possível da proibição concreta circunstân cias normais fundamentam o juízo de exigibilidade de comportamento conforme ao direito circunstâncias anormais podem constituir situações de exculpação que excluem ou reduzem o juízo de exigibilidade de com portamento conforme ao direito o autor reprovável pela realização não justificada de um tipo de crime com conhecimento real ou possível da Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 319 242012 162818 320 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 proibição concreta é exculpado pela anormalidade das circunstâncias do fato que excluem ou reduzem a exigibilidade de conduta diversa 32 A inexigibilidade como fundamento geral de exculpação A inexigibilidade de comportamento diverso surge na dogmática jurídicopenal por proposta de FREUDENTHAL120 correlacionada ao conceito normativo de culpabilidade do início do século 20 produz grande impacto e discussões acaloradas durante décadas mas antes da Segunda Guerra Mundial é rejeitada como fundamento supralegal de exculpação Em 1949 EBERHARD SCHMIDT sugere a necessidade de despertar a inexigibilidade do sono de bela adormecida121 aparecendo mais recentemente propostas de retomada do conceito de inexigibilida de como cláusula geral de exculpação supralegal deduzida do princípio da culpabilidade122 ou do princípio de justiça do Estado de Direito123 A crítica acrescenta que o conceito de culpabilidade não pode abrigar a questão da renúncia à punição manifestada apesar da existência da reprovação de culpabilidade124 Entretanto o reconhecimento progressivo de novas situações de exculpação fundadas na anormalidade das circunstâncias do fato e no princípio geral de inexigibilidade de comportamento diverso parece tornar cada vez mais difícil negar à exigibilidade a natureza geral de funda mento supralegal de exculpação como categoria jurídica necessária ao 120 FREUDENTHAL Schuld und Vorwurf im geltenden Strafrecht 1922 p 7 121 EBERHARD SCHMIDT Suddeutsche Juristische Zeitung 1949 seção 568 122 Assim WITTIG Der ubergesetzliche Schuldausschliessungsgrund der Unzumutbarkeit in verfassungsrechtlicher Sicht JZ 1969 p 546 No Brasil MACHADO Direito Criminal parte geral 1987 p 146148 123 Nesse sentido LUCKE Der Allgemeine Schuldausschliessungsgrund der Unzumutbarkeit als methodisches und verfassungsrechtliches Problem JR 1975 p 55 124 ROXIN Strafrecht 1997 22 n 143 p 886 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 320 242012 162818 321 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação direito positivo vigente Seja como for mesmo na perspectiva da teoria dominante a anormalidade das circunstâncias do fato que fundamenta a inexigibilidade de comportamento diverso determinada pela anormalidade das circunstâncias do fato incide sobre situações de exculpação concretas nas quais atua um autor culpável ou reprovável que contudo deve ser ex ou desculpado porque o limite da exigibilidade jurídica é determi nado pelo limiar mínimo de dirigibilidade normativa ou de motivação conforme a norma excluída ou reduzida em situações de exculpação legais ou supralegais 33 As situações de exculpação Em primeiro lugar as situações de exculpação constituem hipóteses concretas de inexigibilidade de comportamento diverso porque podem excluir ou reduzir a dirigibilidade normativa como demonstram antigos argumentos de WELZEL a circunstâncias externas podem impedir a livre determinação da vontade a coação irresistível por exemplo b o instinto de conservação pode afetar a capacidade de agir conforme ao direito o excesso de legítima defesa por medo susto ou perturbação c pressões psíquicas excepcionais podem limitar o poder de motivação jurídica a obediência hierárquica125 Em segundo lugar as situações de exculpação constituem hipóteses de dupla redução da culpabilidade e do injusto conforme JESCHECK WEIGEND redução da culpabilidade por força da pressão psíquica do acontecimento concreto redução do injusto porque a lesão de um bem jurídico tem por objetivo proteger outro bem jurídico126 125 Ver WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 178179 126 Comparar JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 43 III 2b p 478 ROXIN Strafrecht 1997 22 ns 79 p 829830 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 321 242012 162818 322 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 Em terceiro lugar as situações de exculpação configuram casos de desnecessidade de prevenção geral ou especial segundo a teoria dos fins da pena de ROXIN127 De um modo geral a ideia de inexigibilidade de comportamento diverso pode fundamentar situações de exculpação legais e supralegais conforme previsão explícita ou implícita no ordenamento jurídico 331 Situações de exculpação legais As situações de exculpação legais compreendem a a coação irresistível b a obediência hierárquica e c o excesso de legítima defesa real e o excesso de legítima defesa putativa ambos determinados por medo susto ou perturbação a Coação irresistível A coação irresistível caracterizase pelo emprego de força ou de ameaça irresistível contra o coagido para realizar fato definido como crime O emprego de força também conhecida como vis compulsiva não se confunde com a chamada força absoluta ou vis absoluta que exclui a vontade e portanto a própria ação representa violência física capaz de influenciar o psiquismo da vítima como surras espancamentos torturas etc com o fim de obrigar à realização de um fato criminoso A ameaça é o anúncio de um mal para a vida ou o corpo do coagido ou de terceiro ameaça de morte contra o coagido parente amigo ou pessoa afetivamente próxima deste se não prestar falso testemunho em favor do coator por exemplo O perigo produzido pelo emprego de força ou pela realização da ameaça deve ser irresistível ou seja deve significar certo grau de dano temível alguns empurrões ou ameaça de simples maus tratos são insuficientes A irresistibilidade da coação deve ser avaliada do ponto 127 Ver ROXIN Strafrecht 1997 22 ns 711 p 829830 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 322 242012 162818 323 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação de vista objetivo e subjetivo capaz de medir a repercussão do potencial lesivo do emprego de força ou da ameaça no psiquismo do coagido128 Além disso a coação irresistível pressupõe perigo atual e inevitável de outro modo perigo atual compreende perigo imediato assim como perigo durável atualizável em dano a qualquer momento dentro de certo prazo perigo inevitável de outro modo significa ausência de proteção al ternativa razoável como por exemplo requerer proteção judicial contra a ameaça ou pedir proteção da polícia contra os espancamentos etc129 Art 22 Se o fato é cometido sob coação irresistível só é punível o autor da coação O fato punível praticado sob coação irresistível é antijurídico mas o autor é exculpado por se encontrar em situação de inexigibilidade de comportamento diverso capaz de excluir ou reduzir a dirigibilidade normativa ao contrário o fato é atribuível objetiva e subjetivamente ao coator como autor mediato que domina a realização do fato através do controle da vontade do coagido que atua sem liberdade130 b Obediência hierárquica A obediência hierárquica caracterizase pela relação de subordinação de direito público que institui competências ativas configuradas no poder de ordenar do funcionário público em posição de superior hierárquico 128 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 181 No Brasil ver FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 201 p 218 MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 2067 Ao contrário JESUS Direito Penal I 1999 p 491492 exclui o emprego de força admitindo apenas ameaça como fundamento da coação irresistível 129 Assim ROXIN Strafrecht 1997 22 n 711 p 829830 e n 18 p 832833 130 Ver WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 181 No Brasil ver MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 185186 MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 2067 também MACHADO Direito Criminal parte geral 1987 p 143 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 323 242012 162818 324 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 e competências passivas expressas no dever de obedecer do funcionário público subordinado Nesse sentido a ordem de superior hierárquico constitui manifestação de vontade expressa dirigida ao subordinado através de instruções ofícios ordens de serviço despachos decisões sentenças etc para realizar tarefas de interesse público131 Em regra ordens de superior hierárquico são legais emanam de autoridade competente têm forma adequada e objetivos lícitos e a execução dessas ordens pelo subordinado é justificada como estrito cumprimento de dever legal por exceção ordens de superior hierárquico podem ser ilegais quando têm por objeto a prática de fato definido como crime criando uma situação de conflito no subordinado pressionado entre dois deveres o dever de obedecer ordens superiores e o dever de omitir ações típicas não justificadas132 Nos casos excepcionais de ordem ilegal de superior hierárquico a questão decisiva é a natureza aparente ou oculta da ilegalidade da ordem como conduta típica e antijurídica a se o tipo de injusto que caracte riza a ilegalidade da ordem é aparente ou manifesto como diz a lei então a ordem de superior hierárquico não obriga o subordinado e no caso de cumprimento o subordinado não é exculpado pela obediência hierárquica delegado ordena subordinado espancar suspeito para obter confissão superior determina motorista embriagado dirigir veículo etc b se tipo de injusto que informa a ilegalidade da ordem é oculta ou mesmo se existe dúvida sobre a legalidade da ordem então a ordem é obrigatória e o cumprimento da ordem pelo subordinado é exculpado pela obediência hierárquica prisões processualmente admissíveis disparo 131 Ver KOERNER JR Obediência hierárquica 2003 p 97 também MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 209 132 Ver FRAGOSO Lições de Direito Penal I 1985 n 204 p 221222 MACHADO Direito criminal parte geral 1987 p 143 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 186 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 324 242012 162818 325 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação sobre sequestradores para libertar reféns prisão de inocente fundado em forte suspeita etc133 Em qualquer caso a obediência devida pelo funcionário público é circunscrita aos estritos limites da ordem respondendo o subordinado por excesso doloso ou imprudente O dever de obediência nos limites estritos da ordem de um lado e a responsabilidade por excesso doloso ou imprudente de outro fundamenta um restrito mas necessário direito de crítica da legalidade da ordem pelo funcionário público subor dinado O exercício desse direito sempre condicionado à preservação do princípio da autoridade não pode ter por objeto questões materiais de oportunidade de conveniência ou de justiça da ordem superior mas exclusivamente a contradição formal entre o fato concreto e o conjunto das proibições tipos legais e permissões justificações do ordenamento jurídico levando em conta a capacidade intelectual do subordinado delimitada pelo nível de inteligência e de cultura respectivos134 Art 22 Se o fato é cometido em estrita obediência à ordem não manifestamente ilegal de superior hierár quico só é punível o autor da ordem O fato punível praticado em situação de obediência hierárquica é antijurídico porque o injusto não se transforma em justo e o que o superior não pode o inferior também não pode135 mas o subordinado pode ser exculpado por se encontrar em situação de inexigibilidade de conduta diversa determinada pelo conflito entre sofrer um mal represen tado por sanções administrativas e penais e causar um mal representado pelo fato punível objeto da ordem136 nesse caso o fato é atribuível 133 KOERNER JR Obediência hierárquica 2003 p 98100 também HAFT Strafrecht 1994 p 113 134 Assim KOERNER JR Obediência hierárquica 2003 p 102 e 106 135 MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 29 n 7 p 408 136 Assim FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 204 p 221222 também MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 186 Ao contrário JESUS Direito Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 325 242012 162819 326 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 objetiva e subjetivamente ao superior hierárquico autor da ordem que domina a realização do fato pelo controle da vontade do subordinado que também atua sem liberdade c Excesso de legítima defesa real por defeito emocional O excesso de legítima defesa pode ser exculpado por defeito na dimensão emocional do tipo de injusto determinado por medo susto ou perturbação na pessoa do autor afetos astênicosfracos mas não por ódio ou ira afetos estênicosfortes segundo várias teorias a teoria da redução do controle da vontade de MAYER137 a teoria da situação psicológica excepcional de BLEY138 a teoria atualmente dominante da dupla redução do injusto e da culpabilidade defesa contra agressão an tijurídica e presença de afetos astênicos de JESCHECKWEIGEND e outros139 a teoria da desnecessidade de prevenção especial e geral autor socialmente integrado e ausência de estímulo à imitação de ROXIN140 Admitese coexistência em igualdade de condições de afetos fortes e fracos141 mas a opinião dominante exige superioridade dos afetos astê nicos142 Na verdade os estados afetivos de medo susto ou perturbação podem explicar a redução dos controles a anormalidade psicológica a Penal I 1999 p 496 fundamenta a exclusão da culpabilidade em erro de proibição no mesmo sentido MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 208 137 H MAYER Strafrecht 1967 p 101 138 BLEY Strafrecht 1983 62 139 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 45 II 2 p 491 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 446 p 128 140 ROXIN Strafrecht 1997 22 n 68 p 855 141 Ver OTTO Grenzen der straflosen uberschreitung der Notwehr 33 StGB Jura 1987 p 606 142 Nesse sentido DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch und Nebengeseteze 1995 33 n 3 também JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 45 II 2 p 491 MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 34 n 30 p 466 ROXIN Strafrecht 1997 22 n 80 p 860 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 326 242012 162819 327 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação redução da culpabilidade ou a desnecessidade de prevenção indicadas pelas diferentes teorias e assim como emoções insuscetíveis de controle consciente fundamentam a exculpação do excesso de legítima defesa independentemente de previsão legal mas estão previstas em legislações penais modernas como o 33 do CP alemão143 1 Excesso consciente e inconsciente O excesso de legítima defesa do ponto de vista subjetivo pode ser inconsciente ou consciente a teoria dominante admite tanto o excesso inconsciente como o consciente sob o argumento convincente da dificuldade de distinção entre dolo e impru dência em situações de necessidade de ação rápida em que a presença de emoções como medo susto ou perturbação pode excluir ou reduzir a capacidade de compreensão e de controle e portanto pode determinar excesso doloso ou imprudente144 a teoria minoritária só admite excesso inconsciente e portanto imprudente145 2 Excesso intensivo e extensivo O excesso de legítima defesa do ponto de vista objetivo pode ser intensivo ou extensivo O excesso in tensivo caracterizase pela utilização de meio de defesa desnecessário por exemplo o emprego dos punhos representa a defesa necessária mas o agredido utiliza arma de fogo contra o agressor Nesse caso pode ocorrer as seguintes alternativas a o excesso inconsciente e o excesso consciente determinado por afetos astênicos de medo susto ou perturbação isolados ou em conjunto com afetos estênicos de ira ou ódio são exculpáveis b o excesso consciente produzido por afetos astênicos e estênicos é igualmente exculpável c o excesso consciente e o excesso inconsciente produzido somente por afetos estênicos de ira ou ódio são puníveis146 143 O 33 do CP alemão dispõe Não é punível o autor que exceda os limites da legítima defesa por perturbação medo ou susto Uberschreitet der Täter die Grenzen der Notwehr aus Verwirrung Furcht oder Schrecken so wird er nicht bestraft 144 Assim SCHMIDHÄUSER Strafrecht 1984 8 n 31 SCHÖNCKE SCHRÖDERLENCKNER Strafgesetzbuch Kommentar 1991 33 n 6 145 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 14 II 5 146 ROXIN Strafrecht 1997 22 n 84 p 862 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 327 242012 162819 328 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 O excesso extensivo caracterizase pelo uso imoderado de meio necessário configurado na descoincidência temporal entre defesa e agressão nas seguintes situações defesa posterior à agressão novo disparo sobre o agressor caído incapaz de continuar a agressão de fesa anterior à agressão disparo sobre pugilista na fase preparatória de aquecimento dos músculos para agressão147 O excesso extensivo de legítima defesa objeto de grande controvérsia na dogmática contem porânea é rejeitado pela opinião majoritária com os seguintes argu mentos a conceitualmente a inexistência da situação justificante de legítima defesa exclui a possibilidade de excesso b agressões acabadas não produzem a pressão psicológica própria das situações traumáticas148 c agressões inexistentes ainda ou já não produzem a dupla redução do injusto e da culpabilidade149 Contudo respeitável opinião minori tária admite o excesso extensivo de legítima defesa afirmando inexistir diferença entre excesso intensivo e extensivo não há diferença entre dar um golpe duas vezes superior ao necessário excesso intensivo e dar outro golpe normal após cessada a agressão excesso extensivo Assim o mesmo fundamento do excesso intensivo seria válido para o excesso extensivo sob duas condições dano exclusivo contra o agressor igual influência dos afetos astênicos150 A lei penal brasileira ao exigir uso moderado dos meios necessários art 25 CP admite o excesso extensivo de legítima defesa caracterizado pelo uso imoderado de meio necessário especialmente claro no excesso extensivo posterior 147 Ver JAKOBS Strafrecht 1991 2031 p 584 ROXIN Strafrecht 1997 22 n 84 p 862 148 Assim GEILEN Notwehr und Notwehrexzess Jura 1981 149 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 45 II 4 p 493 MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 34 n 27 p 465 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 447 p 129 STRATENWERTH Strafrecht 1981 n 448 150 Assim BAUMANNWEBER Strafrecht 1995 23 n 42 JAKOBS Strafrecht 1991 2031 p 584 OTTO Strafrecht 1996 14 II 2a p 209 somente o excesso extensivo posterior ROXIN Strafrecht 1997 22 n 8889 p 863 SCHÖNCKE SCHRÖDERLENCKNER Strafgesetzbuch Kommentar 1991 33 n 7 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 328 242012 162819 329 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação Entretanto o excesso crasso de legítima defesa caracterizado pela desproporção absoluta entre defesa e agressão é punível o agredido mata o agressor com um tiro em defesa de um tapa Embora alguns autores admitam exculpação em hipótese de desproporção absoluta151 a opinião dominante a rejeita porque a desproporcionalidade absoluta exclui igualmente a justificação e a exculpação152 d Excesso de legítima defesa putativa por defeito emocional O excesso de legítima defesa putativa também pode ser exculpado por defeito na dimensão emocional do tipo de injusto determinado por medo susto ou perturbação na pessoa do autor afetos fracos mas não por ódio ou ira afetos fortes Na legítima defesa putativa não existe agressão real mas agressão imaginária determinada por erro de representação o autor representa a existência de agressão inexistente atual ou iminente a bem jurídico próprio ou de terceiro No excesso de legítima defesa putativa por defeito emocional determinado por afetos astênicos de medo susto ou pertur bação o autor a utiliza meio de defesa desnecessário se existente a agressão uso de arma sendo suficiente defesa com os braços se real a agressão ou b utiliza de forma imoderada meio de defesa necessário novo disparo sobre agressor caído incapaz de continuar a agressão se realmente existente153 A opinião dominante rejeita o excesso de legítima defesa putativa com o seguinte argumento se não existe a situação justificante de legíti ma defesa real então não existem limites suscetíveis de serem excedidos Essa posição é criticada por setores importantes da doutrina porque 151 Assim DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch und Nebengesetze 1995 33 n 3 152 Nesse sentido JAKOBS Strafrecht 1991 2029 p 583 ROXIN Strafrecht 1997 22 n 79 p 860 153 ROXIN Strafrecht 1997 22 n 94 p 866 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 329 242012 162819 330 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 representação errônea de agressão inexistente produz efeitos psíquicos iguais à representação correta de agressão existente154 se a vítima simula agressão contra o autor a representação errônea de agressão inexistente não impede a exculpação do excesso contra o falso agressor nunca porém contra terceiro porque agressão aparente equivale à agressão real no psiquismo do suposto agredido 332 Situações de exculpação supralegais As situações de exculpa ção supralegais compreendem a o fato de consciência b a provocação da situação de legítima defesa c a desobediência civil e d o conflito de deveres a Fato de consciência O fato de consciência tem por objeto decisões morais ou religiosas sentidas como deveres incondicionais vinculantes da conduta155 em geral garantidos pela liberdade de crença e de consciência da Constituição art 5º VI CR A norma constitucional protege a livre formação e manifestação de crença e de consciência limitadas somente por outros direitos fundamentais individuais vida liberdade integridade corporal etc ou coletivos paz interna existência do Estado etc mas não pela lei penal156 Assim o fato de consciência define a experiência existen cial de um sentimento interior de dever incondicional cuja proteção constitucional impede valoração como certo ou errado o julgamento 154 JAKOBS Strafrecht 1991 2033 p 585 ROXIN Strafrecht 1997 22 n 9596 p 866 155 ROXIN Strafrecht 1997 22 n 100 p 869 No Brasil no sentido do texto ver DOTTI Curso de Direito Penal parte geral 2001 p 427428 156 Ver BÖCKENFÖRDE Das Grundrecht der Gewissensfreiheit VVDStRL 28 1970 p 64 também RUDOLPHI Die Bedeutung eines Gewissensentscheides fur das Strafrecht WelzelFS 1974 p 628 EBERT Der Uberzeugungstäter in der neueren Rechtsentwicklung 1975 19 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 330 242012 162819 331 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação do fato de consciência deve se reduzir à correspondência entre conduta e mandamentos morais ou religiosos da personalidade limitados exclusi vamente por outros direitos fundamentais e coletivos Logo em tipos penais que protegem direitos humanos fundamen tais a exculpação do fato de consciência é condicionada à proteção do bem jurídico por uma alternativa neutra por exemplo a recusa do pai à necessária transfusão de sangue no filho menor por motivos religiosos é suprida por determinação do Curador de Menores ou pela ação do médico sob estado de necessidade a recusa do médico por motivo de consciência de realizar aborto necessário é suprida pela ação de outro médico etc Em nenhuma hipótese o fato de consciência exculpa a efetiva lesão de bens jurídicos individuais fundamentais como a vida por exemplo porque a omissão da ação protetora privaria a vítima de todos os direitos os pais deixam morrer o filho menor porque sua consciência religiosa impede transfusão de sangue o médico deixa morrer a paciente porque sua consciência pessoal não permite realizar aborto Exceções seriam as chamadas lesões periféricas de bens jurídicos que preservam a livre decisão da vítima o marido desaconselha a esposa por motivos religiosos a realizar transfusão de sangue157 O fundamento da isenção de pena do fato de consciência é contro vertido por um lado exclui a tipicidade se existe alternativa neutra de proteção do bem jurídico ou exclui a antijuridicidade porque o exercício de direitos fundamentais não pode ser antijurídico158 por outro lado não exclui a antijuridicidade porque decisões de consciência contrárias ao direito não podem ser jurídicas159 Na dogmática contemporânea atitudes contrárias ao direito expressão do princípio democrático da 157 ROXIN Strafrecht 1997 22 n 109111 p 872873 e n 115116 p 874875 158 Assim PETERS Bemerkungen zur Rechtsprechung der Oberlandesgerichte zur Wehrersatzdienstverweigerung aus Gewissensgrunden 1966 p 276 também RANFT Hilfspflicht und Glaubensfreiheit in strafrechtlicher Sicht SchwingeFS 1973 p 115 159 EBERT Der Uberzeugungstäter in der neueren Rechtsentwicklung 1975 p 49 s ROXIN Strafrecht 1997 22 n 121 p 877 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 331 242012 162819 332 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 maioria não são autorizadas mas podem ser exculpadas por situações anormais excludentes ou redutoras da dirigibilidade normativa160 b Provocação da situação de legítima defesa Em princípio a provocação da situação de legítima defesa exclui exculpações por motivos evidentes Mas a moderna teoria tem pro curado flexibilizar esse ponto argumentando com a impossibilidade de desvio da ação de defesa provocada se é impossível ao provocador desviar a ação de defesa do agredido por exemplo fugindo do local então seria admissível a exculpação do agressor por ações inevitáveis de proteção porque o Estado não pode exigir de ninguém a renúncia ao direito de viver161 nem criar situações sem saída em que as alternativas são ou deixarse matar ou sofrer pena rigorosa162 c Desobediência civil A desobediência civil tem por objeto ações ou demonstrações públicas de bloqueios ocupações etc realizadas em defesa do bem comum ou de questões vitais da população ou em lutas coletivas por direitos humanos fundamentais como greves de trabalhadores protestos de presos e no Brasil o Movimento dos Trabalhadores Rurais SemTerra MST desde que não constituam manifestações de resistência ativa ou violenta contra 160 EBERT Der Uberzeugungstäter in der neueren Rechtsentwicklung 1975 p 63 ROXIN Strafrecht 1997 22 n 123 p 877878 161 Nesse sentido ROXIN Strafrecht 1997 22 n 93 p 865 No Brasil ver DOTTI Curso de Direito Penal parte geral 2001 p 427428 162 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 32 III 2a p 346347 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 332 242012 162819 333 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação a ordem vigente exceto obstruções e danos limitados no tempo e apresentem relação reconhecível com os destinatários respectivos163 Autores de fatos definidos como desobediência civil são possuidores de dirigibilidade normativa portanto capazes de agir conforme ao direito mas a exculpação baseiase na existência objetiva de injusto mínimo e na existência subjetiva de motivação pública ou coletiva relevante além disso a punição é desnecessária porque os autores não são criminosos e as funções de retribuição e de prevenção atribuídas à pena criminal não resolvem conflitos sociais164 d Conflito de deveres Casos clássicos de conflito de deveres fundado na escolha do mal menor são os seguintes a o caso da eutanásia de doentes mentais durante o regime nazista em que o sacrifício de minoria selecionada de doentes mentais teria sido realizado para salvar a maioria porque a recusa radical de cumprir a ordem superior determinaria a morte de todos os doentes mentais por médicos substitutos fiéis ao regime b para evitar colisão com trem de passageiros determinando a morte de muitos funcionário da ferrovia desvia trem de carga desgovernado para trilho diferente causando a morte certa de alguns trabalhadores c médico substitui paciente com menores chances de sobrevivência por paciente com maiores chances de sobrevivência em máquina de respira çãocirculação artificial Nessas hipóteses o argumento da escolha do mal menor pode fundamentar a justificação do estado de necessidade ou a exculpação supralegal do conflito de deveres desse modo a se a lei não pode proibir a redução de um mal maior então a ação dos médicos seria justificada pelo estado de necessidade segundo a opinião minoritária165 163 Ver DOTTI Curso de Direito Penal parte geral 2001 p 428 164 Comparar ROXIN Strafrecht 1997 22 n 130133 p 880881 165 Assim OTTO Pflichtenkollision und Rechtswidrigkeitsurteil 1978 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 333 242012 162819 334 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 b se qualquer pessoa no lugar dos médicos escolheria o mal menor então a ação dos autores teria ocorrido em situação de exculpação supralegal por conflito de deveres conforme a opinião dominante166 Situações de conflito de deveres ainda mais relevantes são comuns no contexto de condições sociais adversas em que vive a maioria do povo brasileiro a máxima negação da normalidade da situação de fato pressuposta no juízo de exigibilidade nas quais trabalhadores margi nalizados do mercado de trabalho especialmente por efeito de políticas econômicas recessivas das áreas periféricas impostas pelos interesses hegemônicos da globalização do capital são constrangidos a romper vínculos normativos comunitários ou seja deveres jurídicos de omissão de ações proibidas para preservar valores concretamente superiores167 por exemplo o dever jurídico de garantir a vida saúde moradia alimen tação e escolarização dos filhos como indicam estatísticas crescentes de crimes patrimoniais cometidos por exempregados da indústria do comércio e da agricultura para impedir a desintegração da família a prostituição das filhas e a pivetização dos filhos depois de anos de frus tradas tentativas de reinserção no mercado de trabalho sob a tortura da fome da doença da insegurança da angústia do desespero168 Quando condições de existência social adversas deixam de ser a exceção transi tória para ser a regra constante da vida das massas miserabilizadas das sociedades fundadas na relação capitaltrabalho assalariado então o crime pode constituir resposta normal de sujeitos em situação social anormal Nessas condições os critérios normais de valoração do comportamento individual devem mudar utilizando pautas excepcionais de inexigibili dade para fundamentar hipóteses supralegais de exculpação por conflito 166 WELZEL Strafrecht 1969 p 184 167 SYKES and MATZA Techniques of neutralization a theory of delinquency in American Sociological Review 22 1957 p 664 168 Ver CIRINO DOS SANTOS As raízes do crime um estudo sobre as estruturas e as instituições da violência 1984 p 8696 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 334 242012 162819 335 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação de deveres porque afinal o direito é regra da vida169 O ser humano concreto expressão biopsíquicoemocional deformada de relações sociais desumanas reage contra a violência da estrutura econômica da sociedade instituída pelo Direito e garantida pelo poder do Estado utilizando a única alternativa real de sobrevivência animal disponível a violência individual A abertura do conceito de inexigibilidade para as condições reais de vida do povo parece alternativa capaz de contribuir para democratizar o Direito Penal reduzindo a injusta criminalização de sujeitos penalizados pelas condições de vida social Nesse ponto direito justo é direito desigual porque considera desigualmente sujeitos concretamente desiguais170 Hoje como valoração compensatória da responsabilidade de in divíduos inferiorizados por condições sociais adversas171 é admissível a tese da coculpabilidade da sociedade organizada172 responsável pela injustiça das condições sociais desfavoráveis da população marginalizada determinantes de anormal motivação da vontade nas decisões da vida Nas sociedades capitalistas as alternativas de comportamento individual seriam diretamente dependentes do status social de cada indivíduo com distribuição desigual das cotas pessoais de liberdade e determinação conforme a posição de classe na escala social indivíduos de status social superior maior liberdade indivíduos de status social inferior maior determinação Concluindo se a motivação anormal da vontade em condições sociais adversas insuportáveis e insuperáveis pelos meios convencionais pode configurar situação de conflito de deveres jurídicos então o conceito de inexigibilidade de comportamento diverso encontra 169 Ver CIRINO DOS SANTOS Teoria do crime 1993 p 71 170 MARX Crítica ao programa de Gotha in Textos 1 Edições Sociais 1975 171 Ver BARATTA La vida y el laboratorio del derecho a propósito de la imputación de responsabilidad en el proceso penal in Capítulo Criminólogico n 16 1988 p 6992 172 Assim ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1996 n 353 p 613 BUSTOS RAMÍREZ Manual de derecho penal español Ariel 1984 p 40 BATISTA Introdução crítica ao Direito Penal brasileiro 1999 p 105 RODRIGUES Teoria da culpabilidade 2004 p 2629 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 335 242012 162819 336 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 no flagelo real das condições sociais adversas que caracteriza a vida do povo das favelas e bairros pobres das áreas urbanas a base de uma nova hipótese de exculpação supralegal igualmente definível como escolha do mal menor até porque em situações sem alternativas não existe espaço para a culpabilidade173 173 LANGHINRICHSEN Epoché und Schuld Uber den von strafrechtlicher Schuld ausgeschlossenen Raum BärmannFS 1975 p 600 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 336 242012 162820 337 Capítulo 13 outraS coNdiçõeS de puNibiLidade I Introdução O conceito de fato punível é constituído pelas categorias gerais do tipo de injusto e da culpabilidade e em regra a presença dessas categorias é suficiente para determinar a punibilidade respectiva por exceção a punibilidade pode depender da existência de outros pres supostos ou circunstâncias conhecidos como condições objetivas de punibilidade e fundamentos excludentes de pena As condições objetivas de punibilidade e os fundamentos excludentes de pena são características que pertencem ao fato de modo que o autor pode decidir realizar ou não o tipo de injusto conforme a existência ou inexistência objetiva dessas características ao contrário dos chamados pressupostos processuais por exemplo a representação do ofendido a prescrição a anistia o indulto etc que não pertencem ao fato e por tanto não permitem ao autor confiar na ausência de punição fundado na existência ou inexistência dessas características1 1 Assim ROXIN Strafrecht 1997 23 n 5253 p 912913 também SCHMIDHÄUSER Objektive Strafbarkeitsbedingungen ZStW 71 1959 p 558 STRATENWERTH Objektive Strafbarkeitsbedingungen im Entwurf eines Strafgesetzbuchs 1959 ZStW 71 1959 p 558 No Brasil ver o excelente SÁNCHEZ RÍOS Das causas de extinção da punibilidade nos delitos econômicos 2003 p 92 e seguintes Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 337 242012 162820 338 Teoria do Fato Punível Capítulo 13 II Condições objetivas de punibilidade As chamadas condições objetivas de punibilidade consistem em determinados requisitos ou certos resultados cuja existência objetiva condiciona a punibilidade do fato A diferença fundamental entre os requisitos ou resultados objetivos definidos como condições objetivas de punibilidade e os elementos objetivos do tipo de injusto é a seguinte as condições objetivas de punibilidade não precisam ser apreendidas pelo dolo ou se relacionar com a imprudência do autor enquanto os elementos objetivos do tipo de injusto devem ser apreendidos pelo dolo ou se relacionar com a imprudência do autor2 São condições objetivas de punibilidade por exemplo a sentença declaratória de falência em relação aos crimes falimentares art 180 da Lei 1110105 o resul tado de morte ou de lesão corporal grave no induzimento instigação ou auxílio ao suicídio art 122 CP3 e de modo geral o ingresso do autor no território brasileiro nas hipóteses de crimes que por tratado ou convenção o Brasil se obrigou a reprimir ou de crimes praticados por brasileiro no exterior art 7º II a e b CP III Fundamentos excludentes de pena Os fundamentos excludentes de pena ou escusas absolutórias ao contrário das condições objetivas de punibilidade constituem circuns 2 Ver KRAUSE Die Objektiven Bedingungen der Strafbarkeit Jura 1980 p 449 ROXIN Strafrecht 1997 23 n 12 p 895896 e n 22 p 902 No Brasil FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 206 p 223226 3 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 206 p 225226 não considera o resultado de morte ou de lesão corporal grave como condição objetiva de punibilidade sob o argumento de que esses resultados devem ser apreendidos pelo dolo Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 338 242012 162820 339 Capítulo 13 Outras Condições de Punibilidade tâncias cuja presença exclui a punibilidade de fatos já caracterizados como tipo de injusto e culpabilidade Os fundamentos excludentes de pena podem existir sob duas categorias a fundamentos ou cir cunstâncias de isenção de pena b fundamentos ou circunstâncias de suspensão de pena 1 Os fundamentos ou circunstâncias de isenção de pena podem ser a de natureza pessoal e b de natureza objetiva4 A lei penal prevê como fundamentos ou circunstâncias de isenção de pena de natureza pessoal por exemplo a imunidade parlamentar por opiniões palavras e votos art 53 CR a relação de parentesco no favorecimento pessoal art 348 2o CP a relação de casamento ascendência ou descendência natural ou civil em face dos crimes contra o patrimônio art 181 CP Por outro lado prevê como fundamento ou circunstância de isenção de pena de natureza objetiva por exemplo a prova da ver dade na calúnia ou difamação arts 138 3º e art 139 parágrafo único CP5 2 Finalmente fundamentos ou circunstâncias pessoais de suspensão de pena são por exemplo a desistência voluntária e o arrependimento eficaz dos fatos puníveis tentados ver Tentativa e consumação adiante 4 Assim ROXIN Strafrecht 1997 23 n 45 p 896897 também WESSELS BEULKE Strafrecht 1998 n 494 p 146147 5 Comparar FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 207 p 226 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 339 242012 162820 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 340 242012 162820 341 Capítulo 14 autoria e participação I Introdução A relação do sujeito ativo com a conduta descrita no tipo legal pelo legislador pode existir sob as formas de autoria ou de participa ção como categorias gerais que abrangem todas as modalidades de contribuições pessoais para o fato criminoso A definição do compor tamento humano como autoria do ou como participação no tipo de injusto parece decorrer das próprias estruturas básicas de organização das atividades humanas na produção da existência social e desse modo constituiriam formas estruturais de ação individual ou coletiva disciplinadas pelo legislador na lei penal1 Assim a autoria do tipo de injusto pode ser individual se o autor realiza pessoalmente todas as características do tipo legal pode ser mediata se o autor realiza o tipo de injusto utilizando outra pessoa como instrumento pode ser coletiva ou coautoria se vários autores realizam em comum o tipo de injusto Por outro lado a participação no tipo de injusto realizado pelos autores pode ocorrer sob as formas de instigação como de terminação dolosa a fato doloso de outrem e de cumplicidade como ajuda dolosa a fato doloso de outrem2 Excepcionalmente a autoria pode ser colateral se vários autores realizam independentemente um do outro o mesmo fato típico 1 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 61 I 3 p 644 2 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 61 I p 643644 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 341 242012 162820 342 Teoria do Fato Punível Capítulo 14 II Conceito de autor O esquema de compreensão da matéria como autoria indivi dual mediata e coletiva e participação instigação e cumplicidade representa o produto histórico do desenvolvimento de sucessivas teorias sobre a experiência judicial de imputação pessoal de fatos criminosos a teoria unitária de autor fundada na contribuição cau sal para o fato o conceito restritivo de autor que distingue autor de partícipe com base na realização da ação típica a teoria subjetiva de autor que diferencia autor e partícipe pelo critério do animus de autor ou de partícipe finalmente a moderna teoria do domínio do fato que conjuga critérios objetivos e subjetivos para definir autor e partícipe do tipo de injusto 1 Teoria unitária de autor A teoria unitária de autor é a mais antiga concepção sobre a rela ção do sujeito com o fato autor é quem produz qualquer contribuição causal para a realização do tipo de injusto Em sua fórmula original a teoria unitária de autor não distingue entre autor e partícipe as diferenças objetivas e subjetivas de contribuição dos autores não são matéria do tipo de injusto mas problema da aplicação da pena como medida da culpabilidade individual A simplicidade da teoria unitária de autor explica sua sobrevi vência em algumas legislações3 por exemplo na lei penal brasileira 3 O conceito unitário de autor ainda prevalece na Itália art 110 Código Penal de 1935 na Áustria 12 Código Penal de 1975 e pelo menos de modo formal no Brasil art 29 Código Penal de 1985 por exemplo Ver entre outros BITENCOURT Lições de Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 342 242012 162820 343 Capítulo 14 Autoria e Participação art 29 CP se todas as contribuições causais para o resultado tí pico são equivalentes então todos são autores do fato punível se as diferenças de contribuição subjetiva e objetiva são consideradas na pena como expressão da culpabilidade pessoal então a sanção penal aparece em íntima correlação com a personalidade do autor enfim se não existe diferença entre autores e partícipes então a aplicação do Direito Penal no caso concreto é bastante simplificada Mas as desvantagens da teoria unitária de autor parecem mais re levantes se as contribuições causais para o fato punível são equivalentes então a todos os sujeitos envolvidos no tipo de injusto são nivelados desaparecendo diferenças objetivas e subjetivas na produção do desva lor de ação e do desvalor de resultado que definem o tipo de injusto e b sujeitos não qualificados podem ser autores de delitos especiais por exemplo a qualidade de funcionário público no peculato ou de delitos de mão própria o falso testemunho o que representa um contrassenso A natureza grosseira da teoria unitária de autor explica seu abandono progressivo mesmo naquelas legislações como a bra sileira que por inércia ou comodismo ainda a adotam4 2 Conceito restritivo de autor O conceito restritivo de autor é a primeira tentativa científica de distinguir autor e partícipe com base no critério objetivoformal da ação típica o autor realiza a ação típica a ação de matar no homicídio a ação de subtrair no furto etc o partícipe realiza ação de instigação Direito Penal 1995 p 92 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 241 p 263 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 199200 4 Ver por exemplo JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 61 II p 645646 ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 451 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 506 p 150 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 343 242012 162820 344 Teoria do Fato Punível Capítulo 14 ou de ajuda extratípica para a realização do tipo de injusto punível por extensão da punibilidade da ação típica5 O mérito do conceito restritivo de autor reside em fundamen tar a distinção de autor e partícipe na produção do fato típico um critério formal rigoroso em todas as hipóteses de autoria direta do tipo de injusto mas tem o defeito de não explicar as hipóteses de autoria mediata o herdeiro entrega bombom envenenado à tia rica através do filho menor para apressar o recebimento da herança e de coautoria B distrai a atenção da tia rica para que A possa colocar veneno no café dela6 3 Teoria subjetiva de autor A teoria subjetiva distingue autor e partícipe pelo critério da vontade a o autor realiza com vontade de autor a contribuição causal para o tipo de injusto quer o fato como próprio ou age com animus auctoris mesmo sem realizar ação típica se A com ânimo de autor garante a segurança de B na ação de homicídio de C são ambos coautores b o partícipe realiza com vontade de partícipe a contribuição causal para o tipo de injusto quer o fato como alheio ou age com o chamado animus socii apesar de realizar ação típica 5 Ver KUHL Strafrecht 1997 20 n 24 p 670 6 Nesse sentido a crítica por exemplo de JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 61 III p 648649 KUHL Strafrecht 1997 20 n 24 p 670 No Brasil ver a excelente monografia de BATISTA Concurso de agentes 2004 2ª edição n 10 p 31 também ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 392 p 668 ao contrário MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 231 adota o critério objetivo formal do conceito restritivo de autor para todas as hipóteses de autoria e participação Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 344 242012 162820 345 Capítulo 14 Autoria e Participação homicídio realizado por incumbência da máfia ou do serviço secreto por exemplo7 A crítica aponta dois problemas principais da teoria subjetiva de autor critérios baseados em fenômenos psíquicos intelectuais ou emocionais como vontade ou ânimo de autor ou de partícipe não são determináveis diretamente e portanto são imprecisos em tipos que excluem autoria mediata delitos de mão própria por exemplo sujeitos não qualificados não podem ser autores e sujeitos qualificados não podem ser apenas partícipes por mais que queiram o fato como próprio ou como alheio respectivamente8 Apesar da crítica científica a teoria subjetiva do autor parece indicar estados psíquicos caracte rísticos de autores e de partícipes e por isso ainda hoje é dominante na jurisprudência alemã9 4 Teoria do domínio do fato A teoria do domínio do fato também chamada teoria objetiva material ou teoria objetivosubjetiva desenvolvida essencialmente por ROXIN10 embora anteriormente WELZEL tivesse falado em 7 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 61 IV p 649650 KUHL Strafrecht 1997 20 n 2223 p 669670 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 512 p 152 No Brasil comparar BATISTA Concurso de agentes 2004 2ª edição n 27 p 67 8 Comparar JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 61 n IV 3 p 651 KUHL Strafrecht 1997 20 n 23 p 670 ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 51 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 513 p 152 No Brasil ver BATISTA Concurso de agentes 2004 2ª edição n 28 p 68 9 Ver por todos JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 61 IV 2 p 650 10 Ver sobretudo ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 60 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 345 242012 162820 346 Teoria do Fato Punível Capítulo 14 domínio final do fato11 parte da premissa de que teorias somente objetivas ou somente subjetivas não oferecem critérios seguros para identificar autor e partícipe do fato punível A teoria do domínio do fato hoje dominante na dogmática penal integra o critério objetivo do conceito restritivo de autor que vincula o conceito de autor à ação do tipo legal com o critério subjetivo da teoria subjetiva de autor que incorpora a vontade como energia produtora do tipo de injusto mas supera os limites de ambas as teorias porque considera a ação na sua estrutura subjetiva e objetiva pressuposta no controle do tipo de injusto e necessária para mostrar o fato como obra do autor subjetiva mente o projeto de realização a vontade criadora do tipo de injusto objetivamente a magnitude das contribuições para realização do projeto de tipo de injusto12 A ideia básica da teoria do domínio do fato pode ser assim enunciada o autor domina a realização do tipo de injusto controlando a continuidade ou a paralisação da ação típica o partícipe não domina a realização do tipo de injusto não tem controle sobre a continuidade ou paralisação da ação típica A teoria do domínio do fato parece adequada para definir todas as formas de realização ou de contribuição para realização do tipo de injusto compreendidas nas categorias de autoria e de participação assim concebidas 1 autoria a direta como realização pessoal do tipo de injusto b mediata como utilização de outrem para realizar o tipo de injusto e c coletiva como decisão comum e realização comum do tipo de injusto 2 participação como contribuição acessória dolosa em fato principal doloso de outrem sob as formas a de instigação 11 WELZEL Studien zum System des Strafrechts ZStW 58 1939 p 491 12 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 61 V 1 p 6512 No Brasil ver BATISTA Concurso de agentes 2004 2ª edição n 2930 p 6971 também BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 9899 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 243 p 263264 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 202203 ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 394 p 670 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 346 242012 162820 347 Capítulo 14 Autoria e Participação como determinação dolosa a fato principal doloso de outrem e b de cumplicidade como ajuda dolosa a fato principal doloso de outrem A lei penal brasileira adota a princípio a teoria unitária de autor mas a introdução legal de critérios de distinção entre autor e partí cipe transforma na prática judicial o paradigma monístico da teoria unitária em paradigma diferenciador admitindo o emprego de teorias modernas sobre autoria e participação como por exemplo a teoria do domínio do fato cujos postulados são inteiramente compatíveis com a disciplina legal de autoria e participação no Código Penal aliás a Exposição de Motivos reconhece que o legislador decidiu optar na parte final do art 29 e em seus dois parágrafos por regras precisas que distinguem a autoria da participação reclamada pela doutrina por causa de decisões injustas13 Por essa razão autoria e participação devem ser estudadas se gundo os postulados da teoria do domínio do fato generalizados na literatura contemporânea como critérios de definição de autor e de partícipe III Formas de autoria 1 Autoria direta A autoria direta define a realização pessoal do tipo de injusto pelo autor que detém com exclusividade o domínio do fato realização in dividual da ação de matar de ofender a integridade ou a saúde corporal de outrem etc Os tipos legais descrevem em geral ações ou omissão 13 Por isso MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 200 fala com razão em teoria unitária temperada Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 347 242012 162820 348 Teoria do Fato Punível Capítulo 14 de ações individuais algumas das quais somente podem ser cometidas pelo indivíduo isolado como por exemplo o falso testemunho e na hipótese de realização individual do tipo de injusto a questão da autoria se reduz ao problema criminalístico de identificação da pessoa física do autor resolvida integralmente pelo conceito restritivo de autor absorvido pela teoria do domínio do fato14 2 Autoria mediata A autoria mediata define a realização do tipo de injusto com utilização de terceiro como instrumento que realiza o fato em posição subordinada ao controle do autor mediato Logo não existe autoria mediata a se o terceiro não é instrumento nas mãos do autor mediato mas coautor plenamente responsável b nos tipos de mão própria que exigem realização corporal da ação típica pelo autor c nos tipos especiais próprios que exigem autores com qualificação especial e d nos tipos de imprudência por ausência de vontade construtora do acontecimento e portanto de domínio do fato15 14 Comparar JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 61 V 12 p 651652 No Brasil ver BATISTA Concurso de agentes 2004 2ª edição n 31 p 77 78 também MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 202 ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 395 p 670671 15 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 62 I 2 p 664 também JAKOBS Strafrecht 1993 2178 p 637 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 48 I 2 p 258 No Brasil comparar BATISTA Concurso de agentes 2004 2ª edição n 5355 p 129133 BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 109 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 246 p 265266 ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 395 p 371374 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 348 242012 162821 349 Capítulo 14 Autoria e Participação 21 Hipóteses de autoria mediata As principais situações de autoria mediata aparecem nas hipóte ses em que o instrumento atua a em erro de tipo b conforme ao direito c sem capacidade de culpabilidade d em erro de proibição inevitável e sem liberdade por força de coação ou de obediência hierárquica f sem intenção especial Nas situações de autoria me diata a pena do autor mediato é agravada e o instrumento é impunível como se demonstra a o instrumento realiza ação típica ausência de dolo por erro de tipo induzido ou mantido pelo autor mediato o médico mata o paciente utilizando a inocente enfermeira como instrumento sem dolo para aplicar injeção mortal previamente preparada16 punição agravada do autor mediato conforme art 62 II CP b o instrumento realiza ação justificada por situação de justifica ção criada artificialmente pelo autor mediato o autor mediato induz doente mental a agredir o instrumento que mata o doente mental em legítima defesa como planejado pelo autor mediato17 punição agravada do autor mediato conforme art 62 III CP c o psiquismo defeituoso ou subdesenvolvido de instrumento incapaz de culpabilidade é utilizado pelo autor mediato doente men 16 Assim WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 15 p 102 KUHL Strafrecht 1997 20 n 52 p 683 também ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 170 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 537 p 160 Ao contrário MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 233 define a situação exemplificada como autoria mediata por meio de pessoa que atua sem culpabilidade 17 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 62 II 3 p 667668 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 537 p 160 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 48 n 68 73 p 2745 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 349 242012 162821 350 Teoria do Fato Punível Capítulo 14 tal produz incêndio por incumbência do autor mediato18 punição agravada do autor mediato conforme art 62 III CP d o instrumento atua em erro de proibição inevitável induzido ou mantido pelo autor mediato policial comete crime em cumprimento de ordem de superior hierárquico sem possibilidade de conhecimento da ilegalidade da ordem19 punição agravada do autor mediato con forme art 62 III CP e o instrumento atua sem liberdade em situações a de coação irresistível sob ameaça de morte o autor mediato obriga o instru mento a praticar falso testemunho20 e b de obediência hierárquica disparo sobre sequestrador para libertar refém ou prisão de inocente fundado em forte suspeita etc21 punição agravada do autor mediato conforme art 62 II CP f o instrumento atua sem a intenção especial exigida pelo tipo le gal por erro provocado pelo autor mediato o autor mediato apropria se de objeto alheio subtraído erroneamente pelo instrumento22 22 Problemas especiais 221 Erro O erro na autoria mediata pode ocorrer na pessoa do autor mediato e na pessoa do instrumento O erro do autor mediato 18 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 48 n 79 p 276 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 193 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 537 p 160 19 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 48 n 81 p 277 LACKNER Strafgesetzbuch 25 n 4 20 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 102 21 KOERNER JR Obediência hierárquica 2003 p 9497 HAFT Strafrecht 1994 p 113 22 DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch 25 n 3 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 48 n 59 s p 272 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 537 p 160 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 350 242012 162821 351 Capítulo 14 Autoria e Participação sobre características que fazem do autor imediato um instrumento nas mãos daquele exclui o domínio do fato e transforma o autor mediato em instigador o autor pensa incumbir doente mental de produzir incêndio mas o autor imediato é capaz de culpabilidade e portanto responsável pelo tipo de injusto como autor direto A hipótese inversa de erro sobre a capacidade de culpabilidade de pistoleiro contratado para realizar homicídio que sem conhecimento do contratante é doente mental constitui objetivamente autoria mediata mas o des conhecimento do domínio do fato pelo autor mediato mantém sua posição de instigador23 Por outro lado o erro do instrumento sobre o objeto da ação representa aberratio ictus para o autor mediato porque o instrumento é equiparado a simples mecanismo como uma arma que erra o alvo coagido sob ameaça de morte ao homicídio de Y o instrumento mata Z confundido com Y na escuridão da noite24 222 Excesso O excesso do instrumento por iniciativa própria ou por erro sobre as tarefas ou finalidades respectivas ao contrário não é atribuível ao autor mediato por ausência de controle sobre o excesso do instrumento25 223 Tentativa A tentativa na autoria mediata caracterizada pelo início de realização do tipo segundo o plano do fato é controvertida a para alguns autores a tentativa já ocorre no instante da liberação do instrumento para realizar o tipo de injusto sob controle do autor mediato26 uma teoria que inclui claramente atos preparatórios b 23 Assim JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 62 III 1 p 671 LACKNER Strafgesetzbuch 25 ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 267 24 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 62 III 1 p 671672 ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 215 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 550 p 165 25 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 62 III 3 p 672 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 48 n 45 p 268269 WESSELS BEULKE Strafrecht 1998 n 545 p 163 26 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 62 IV 1 p 672673 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 351 242012 162821 352 Teoria do Fato Punível Capítulo 14 para outros a tentativa somente ocorre no instante em que o instrumen to inicia a realização da ação típica27 uma interpretação compatível com o Direito Penal do tipo porque enquanto o instrumento como mecanismo submetido ao poder do autor mediato não cria perigo direto para o bem jurídico com o início da realização do tipo não pode haver tentativa 224 Omissão de ação A autoria mediata por omissão de ação é também controvertida responsável por instituição de tratamento psi quiátrico não impede agressão de doente mental sobre outro interno Um setor da teoria considera o garante autor mediato por omissão de ação28 outro setor rejeita autoria mediata por omissão de ação e na hipótese acima considera o garante autor direto por omissão de ação29 uma solução inteiramente conforme à lógica da dogmática da omissão de ação imprópria 3 Autoria coletiva ou coautoria A autoria coletiva ou coautoria é definida pelo domínio comum do tipo de injusto mediante divisão do trabalho entre os coautores a subjetivamente decisão comum de realizar com consciência e von tade tipo de injusto determinado que fundamenta a responsabilidade de cada coautor pelo fato típico comum integral b objetivamente realização comum do tipo de injusto mediante contribuições par 27 KUHL Strafrecht 1997 20 n 97 p 702 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 48 n 115 p 284 28 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 48 n 95 p 280 29 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 62 IV 2 p 673 ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 471 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 352 242012 162821 353 Capítulo 14 Autoria e Participação ciais no domínio comum do fato típico30 A convergência subjetiva e objetiva dos coautores exprime acordo de vontades expresso ou tácito para realizar tipo de injusto determinado 31 Decisão comum para o fato A decisão comum para o fato significa convergência de consciên cia e de vontade dos coautores para tipo de injusto determinado que fundamenta a atribuição conjunta do fato integral a decisão comum desencadeia a distribuição de tarefas individuais necessárias à produção do resultado comum por isso nos crimes de imprudência do ponto de vista conceitual a coautoria é impossível e do ponto de vista prático desnecessária porque na hipótese de comportamentos imprudentes si multâneos cada lesão do dever de cuidado ou do risco permitido funda menta a atribuição do resultado como autoria colateral independente O momento da decisão comum deve ocorrer antes da realização do tipo de injusto mas excepcionalmente pode ocorrer durante a realização até a terminação do tipo de injusto com responsabilidade penal do coautor pelos fatos anteriores conhecidos desde que a con tribuição do coautor promova sua realização posterior por exemplo na extorsão mediante sequestro com exceção de tipos de injusto independentes já concluídos31 30 Assim a opinião dominante JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 63 I 1 p 674675 ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 277 KUHL Strafrecht 1997 20 n 9899 p 703 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 49 n 5 p 288 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 107 WESSELS BEULKE Strafrecht 1998 n 5268 p 156157 No Brasil ver BATISTA Concurso de agentes 2004 2ª edição n 3738 p 101106 BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 99100 MESTIERI Manual de Direito Penal I p 202203 ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 396 p 674675 31 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 63 II p 678 KUHL Strafrecht 1997 20 n 126 p 716 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 353 242012 162821 354 Teoria do Fato Punível Capítulo 14 32 Realização comum do fato A realização comum do fato é constituída pelas contribuições objetivas de cada coautor para o acontecimento total que explicam o domínio funcional do tipo de injusto As contribuições objetivas para o fato comum podem consistir na realização integral das características do tipo de injusto na realização parcial dessas características ou mes mo na ausência de realização de qualquer dessas características desde que a ação atípica realizada pelo coautor seja necessária para realizar o tipo de injusto por exemplo na coautoria de roubo um coautor espera no carro com motor ligado para a fuga outro coautor desliga o alarme um terceiro coautor garante a retirada um quarto coautor controla as vítimas com a arma um quinto coautor apanha o dinheiro e ainda um sexto coautor pode ter planejado organizado ou dirigido a cooperação no fato comum32 cuja punição será agravada conforme o art 62 I CP A contribuição objetiva do coautor deve ser necessária para promover o tipo de injusto comum mas é suficiente contribuir para desenvolver o plano criminoso independentemente da presença física no local do crime embora a entrega de armas ou instrumentos para o fato seja por si só insuficiente para a coautoria33 33 Distribuição da responsabilidade penal A divisão funcional do trabalho na coautoria como em qualquer obra coletiva implica contribuições diferenciadas para a obra comum do ponto de vista subjetivo planejamento e objetivo execução do tipo de injusto o que coloca o problema da distribuição da responsa 32 Assim JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 63 II 1 p 679 ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 277 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 529 p 157 33 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 49 n 3435 p 295 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 354 242012 162821 355 Capítulo 14 Autoria e Participação bilidade penal entre os coautores A distribuição da responsabilidade penal depende das contribuições individuais para o fato comum logo a atribuição conjunta do fato integral fundada na decisão comum e realização comum de tipo de injusto determinado não pode ser igualitária mas diferenciada pela natureza das contribuições respec tivas para o tipo de injusto como objeto de valoração do juízo de culpabilidade Art 29 Quem de qualquer modo concorre para o crime incide nas penas a este cominadas na medida de sua culpabilidade Esse princípio geral aplicável à coautoria e à participação tem flexibilidade suficiente para abranger a diversidade de contribuições subjetivas e objetivas bem como as hipóteses de excesso de contribui ção ou de contribuições de menor importância para o tipo de injusto comum como se demonstra 331 Responsabilidade pelo excesso Em regra o excesso em re lação ao tipo de injusto objeto da decisão comum só é atribuível ao seu autor por exceção pode ser atribuído aos demais coautores ou partícipes na hipótese de previsibilidade do resultado mais grave na forma exclusiva de aumento até metade da pena do crime menos grave conforme a seguinte regra complementar igualmente aplicável à coautoria e à participação Art 29 2º Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave serlheá aplicada a pena deste essa pena será aumentada até metade na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave A aplicação da regra é facilitada por uma distinção entre excesso quantitativo e excesso qualitativo essencial para definir a previsibili dade do resultado mais grave a o excesso quantitativo é previsível e por isso determina o aumento da pena do crime menos grave objeto do dolo comum aos coautores e partícipes em decisão comum de lesão corporal o homicídio da vítima constitui excesso quantitativo Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 355 242012 162821 356 Teoria do Fato Punível Capítulo 14 atribuível exclusivamente ao autor do excesso mas a previsibilidade desse excesso permite aumentar a pena da lesão corporal imputável aos demais b o excesso qualitativo é imprevisível e portanto não é imputável aos coautores ou partícipes em decisão comum de furto em residência o estupro da vítima constitui excesso qualitativo imputável exclusivamente ao autor do excesso34 Em tipos qualificados pelo resultado a atribuição do resultado mais grave pressupõe no mínimo imprudência do coautor35 ou do partícipe uma resultante do princípio da culpabilidade que exclui qualquer responsabilidade penal objetiva 332 Tentativa na coautoria A tentativa de tipos de injusto em coau toria é definida por duas teorias a a teoria dominante Gesamtlösung propõe uma solução geral caracterizada pelo início de realização do programa típico comum por qualquer dos coautores36 b a teoria mi noritária Einzellösung propõe uma solução individual caracterizada pelo início de realização da contribuição típica de cada coautor respec tivo37 Os argumentos dessas teorias parecem igualmente relevantes se dois coautores projetam roubo em residência alheia a tentativa começa para ambos no momento em que qualquer deles soa a campainha da casa ou força a abertura da porta Gesamtlösung mas se um coautor deve falsificar um documento que outro coautor deverá colocar em circulação depois o início da falsificação do documento configura tentativa apenas para o primeiro coautor sendo mero ato preparatório 34 DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch 25 n 5 p 82 MAURACHGÖSSEL ZIPF Strafrecht II 1989 49 n 58 p 299300 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 531 p 158159 35 JAKOBS Strafrecht 1993 2146 p 619 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 49 n 61 p 300 ROXIN LKRoxin 1992 25 n 176 36 JAKOBS Strafrecht 1993 2161 p 629 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 63 IV 1 p 681 KUHL Strafrecht 1997 20 n 123 p 713714 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 49 n 100 p 308 37 Assim ROXIN LKRoxin 1992 25 n 199 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 356 242012 162821 357 Capítulo 14 Autoria e Participação para o segundo Einzellösung o que parece mostrar a necessidade de subordinar a solução do problema da tentativa à natureza da ação descrita no tipo legal ver Tentativa e consumação adiante 333 Coautoria por omissão de ação A possibilidade de coauto ria por omissão de ação é rejeitada por um setor minoritário38 mas admitida pelo setor dominante da literatura39 Exemplos omissão de ação comum do pai e da mãe em relação aos cuidados do filho recémnascido vários dirigentes de empresa omitem a retirada do mercado de produto nocivo à saúde da população Segundo a teoria dos delitos de dever na omissão de cuidados do pai e da mãe cada garante seria autor independente por omissão de ação e não coautor por omissão de ação entretanto no caso dos dirigentes de empresa atribuições estatutárias comuns poderiam caracterizar coautoria por omissão de ação40 Por outro lado hipóteses de atuação positiva de um coautor enquanto o outro de modo contrário ao dever omite a ação de impedir a atuação positiva do primeiro não seriam casos de coautoria mas de autoria e de participação pela posição subordina da do omitente em relação ao autor o vigia não impede o furto no estabelecimento vigiado41 334 Coautoria em tipos especiais próprios Em tipos que exigem qualidades especiais do autor a atribuição típica pressupõe coautor qualificado não existe coautoria ou participação em delitos de mão própria sem realização pessoal do tipo de injusto falso testemunho não existe coautoria ou participação em delitos especiais próprios sem coautores com as qualidades necessárias peculato concussão etc não existe coautoria ou participação em crimes patrimoniais 38 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 206 39 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 63 IV 1 MAURACH GÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 49 n 86 s p 306 ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 469 40 Nesse sentido ROXIN LKRoxin 1992 25 n 206 41 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 63 IV 2 p 682 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 357 242012 162821 358 Teoria do Fato Punível Capítulo 14 sem a intenção especial de apropriação etc furto roubo etc42 uma consequência do princípio da tipicidade que fundamenta a teoria do autor IV Participação A participação como contribuição dolosa a tipo de injusto doloso depende da existência do fato principal assim como a parte depende do todo A dependência da participação em face do tipo de injusto significa o seguinte primeiro a participação tem por objeto o tipo de injusto porque não tem conteúdo de injusto próprio e por isso assume o conteúdo de injusto do fato principal segundo a partici pação é acessória do tipo de injusto que existe como fato principal por essa razão a acessoriedade da participação é limitada ao tipo de injusto não se estende à culpabilidade do fato principal que não é objeto da participação A dependência da participação limitada ao tipo de injusto do fato principal constitui a chamada acessoriedade limita da da participação a antiga acessoriedade extrema hoje abandonada exigia também culpabilidade do fato principal43 42 DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch 25 n 6 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 530 p 158 43 Nesse sentido JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 63 VII 12 p 655656 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 53 n 854859 p 380 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 551554 p 165166 No Brasil BATISTA Concurso de agentes 2004 2ª edição n 67 p 161165 BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 104 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 247 p 266267 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 203 ZAFFARONI PIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 403 p 685686 curiosamente MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 232233 não menciona a natureza acessória da participação JESUS Direito Penal I 1999 p 413414 além da acessoriedade limitada e extrema distingue ainda uma acessoriedade mínima e uma hiperacessoriedade sem significação dogmática no moderno Direito Penal Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 358 242012 162821 359 Capítulo 14 Autoria e Participação A definição da participação como contribuição acessória de tipo de injusto doloso exclui a possibilidade de participação em crimes de imprudência na imprudência inconsciente não há previsão do resultado nem possibilidade de domínio do fato para distinguir entre autoria e participação na imprudência consciente existe previsão do resultado e pode ocorrer domínio do fato mas a punição não se fundamenta na distinção entre autor e partícipe e sim na lesão individual do dever de cuidado ou do risco permitido44 A hipótese da morte de pedestre por viga lançada na rua pela ação conjunta de dois operários de construção constitui autoria colateral independente de homicídio imprudente45 os operários cooperam na ação de lançar a viga mas a lesão do dever de cuidado ou do risco permitido é realizada individualmente por cada operário46 A dependência da participação expressa na natureza acessória da participação em face do tipo de injusto explica a ausência de domí nio do fato do partícipe com duas consequências importantes a o partícipe não pode cometer excesso em relação ao fato objeto do dolo comum porque excesso pressupõe domínio comum do fato e portan to coautoria b a participação delimita a área das contribuições de menor importância necessariamente incompatíveis com a existência do domínio do fato embora nem toda participação seja de menor importância e às vezes a participação seja tão importante quanto a autoria como ocorre em algumas situações de instigação homicídio mediante recompensa por exemplo 44 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 63 VI p 654655 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 99 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 47 n 102 p 251 45 Assim atualmente JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 61 VI p 655 46 MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 235 define essa hipótese como coautoria de crime culposo apesar de exigir para a coautoria p 229 um liame psicológico entre os vários autores ou seja a consciência de que cooperam numa ação comum portanto um conceito aplicável exclusivamente aos crimes dolosos Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 359 242012 162822 360 Teoria do Fato Punível Capítulo 14 Art 29 1º Se a participação for de menor impor tância a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço A natureza dependente da participação condiciona sua punibili dade à existência de tipo de injusto doloso consumado ou tentado Art 31 O ajuste a determinação ou instigação e o auxílio salvo disposição expressa em contrário não são puníveis se o crime não chega pelo menos a ser tentado Enfim a participação pode contribuir para o tipo de injusto doloso de dois modos mediante provocação do dolo do tipo de injusto no autor mediante apoio material para realização do tipo de injusto pelo autor47 Em suma a participação pode existir sob as formas de instigação para e de cumplicidade em tipo de injusto doloso 1 Instigação A instigação significa determinação dolosa do autor a realizar tipo de injusto doloso o instigador provoca a decisão do fato me diante influência psíquica sobre o autor mas não tem controle sobre a realização do fato reservado exclusivamente ao autor48 Os meios 47 Assim JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 64 I 2 p 685 KUHL Strafrecht 1997 20 n 132 p 718719 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 552 p 165 48 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 567570 p 169170 No Brasil ver BATISTA Concurso de agentes 2004 2ª edição n 76 p 181183 BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 106 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 248 p 267268 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 203204 ZAFFARONI PIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 412 p 695 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 360 242012 162822 361 Capítulo 14 Autoria e Participação de influência do instigador no psiquismo do autor são inúmeros persuasão pedidos presentes ameaças promessas de recompensa pagamentos até simples expressões de desejo podem constituir insti gação o pagamento e a promessa de recompensa agravam a pena do instigador e do autor na forma do art 62 IV CP A influência sobre o psiquismo do autor para determinar decisão de realizar um tipo de injusto parece pressupor ação excluindo a hipótese de instigação por omissão de ação49 O dolo do instigador caracterizase por um duplo objeto ime diatamente tem por objeto criar a decisão de realizar um tipo de injusto doloso no psiquismo do autor mediatamente tem por objeto a realização do tipo de injusto doloso pelo autor50 11 O dolo do instigador e a decisão do autor Sobre a relação entre dolo do instigador e decisão do fato no psiquismo do autor é preciso esclarecer alguns pontos a o objetivo do instigador é a consumação do tipo de injusto e não apenas tentativa se a instigação é realizada por agente provoca dor que quer a tentativa mas exclui a consumação do fato principal ou quer a própria consumação formal mas exclui a lesão material do bem jurídico então a instigação é impunível assim como o fato principal por absoluta impossibilidade de lesão do bem jurídico no flagrante preparado a hipótese de permanência da droga fornecida pelo traficante em poder do consumidor está excluída51 49 ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 484 50 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 64 II 2b p 687 também MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 51 n 19 p 346 51 Assim por exemplo JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 64 II 2b p 688 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 51 n 35 p 349350 No Brasil a favor da punição do agente provocador na hipótese de Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 361 242012 162822 362 Teoria do Fato Punível Capítulo 14 b o dolo do instigador direto ou eventual deve ser concreto no sentido de ter por objeto autor determinado e fato determinado um autor indeterminado para realizar o tipo de injusto ou um tipo de injusto indeterminado para ser realizado pelo autor com exceção de detalhes de tempo lugar ou outros dependentes do desenvolvimento posterior do fato não são compatíveis com a instigação52 c a ação de instigação deve determinar a decisão do autor para o fato autores inclinados para o fato podem ainda ser instigados mas autores já decididos não podem mais ser instigados admitindose entretanto cumplicidade psíquica como reforço de decisão já exis tente53 12 O dolo do instigador e o fato do autor Sobre a relação entre dolo do instigador e fato realizado pelo autor é preciso também esclarecer alguns pontos a a punibilidade da instigação também pressupõe tipo de injusto consumado ou tentado art 31 CP b fundamento de punibilidade da instigação é a correspondên cia entre dolo do instigador e tipo de injusto consumado ou tentado exceto detalhes de tempo lugar meio ou modo de execução neces sariamente deixados por conta do autor c o instigador não pode ser punido pelo excesso do autor con forme a regra do art 29 2o no excesso qualitativo o fato principal crime impossível sob o argumento de identidade entre o dolo do delito e o dolo da tentativa ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 414 p 697 52 Comparar JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 64 II 2b p 688 ROXIN LKRoxin 1992 25 n 46 53 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 64 II 2c p 689 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 362 242012 162822 363 Capítulo 14 Autoria e Participação diferente é atribuído exclusivamente ao autor instigado ao furto o autor realiza estupro contra a proprietária que dormia sozinha na residência no excesso quantitativo o fato principal maior é atribuí do ao autor e o fato menor da instigação é atribuído ao instigador54 instigado ao furto o autor realiza roubo a exceção da regra é re presentada pela hipótese de previsibilidade do resultado mais grave que determina aumento até metade da pena do crime menos grave art 29 2o segunda parte d nos delitos qualificados pelo resultado a atribuição do resul tado mais grave ao instigador pressupõe no mínimo imprudência deste fundada no critério de autoria colateral55 13 Erro de tipo e erro de tipo permissivo A exigência de dolo condiciona a possibilidade de erro de tipo e de erro de tipo permissivo na pessoa do instigador assim resolvido na literatura a o erro de tipo do instigador exclui o dolo como qualquer erro de tipo acreditando na palavra do parceiro de caça que no crepúsculo da tarde confundira um corpo escuro na floresta com um javali o caçador desfere certeiro tiro no pároco da vila que sentara na relva para descansar no seu passeio vespertino b o erro de tipo permissivo do instigador tem por objeto a si tuação justificante ou os pressupostos objetivos de causa de justifi cação para o autor resolvese pelas mesmas regras do erro de tipo 54 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 64 II 3 e 4 p 689 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 51 n 4458 p 351354 ROXIN LKRoxin 1992 25 n 89 55 ROXIN LKRoxin 1992 25 n 99 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 122 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 363 242012 162822 364 Teoria do Fato Punível Capítulo 14 como qualquer erro de tipo permissivo segundo a teoria limitadas da culpabilidade56 c o erro de execução do autor sobre o objeto da ação instigada A mata B confundido com C na escuridão resolvese pelas regras da aberratio ictus para o autor e para o instigador segundo a teoria da concretização dominante na literatura tentativa de homicídio contra C em concurso com homicídio imprudente de B57 segundo a teoria da equivalência genérica do resultado típico adotada na lei brasileira homicídio consumado art 20 3º CP 2 Cumplicidade A cumplicidade significa ajuda dolosa do cúmplice para tipo de injusto doloso do autor o cúmplice presta ajuda material para realiza ção de fato principal doloso e assim como o instigador também não controla a realização do fato punível poder exercido exclusivamente pelo autor58 56 SCHÖNCKESCHRÖDERCRAMER 26 n 15 ROXIN LKRoxin 1992 25 n 66 57 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 64 II 4 p 691 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 75 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 579 p 173 KUHL Strafrecht 1997 20 n 209 p 748 ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 288 58 Assim JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 64 III 1 p 691 No Brasil ver BATISTA Concurso de agentes 2004 2ª edição n 80 p 186 BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 106107 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 249 p 268269 MESTIERI Manual de Direito Penal I p 203204 ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 416 p 698 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 364 242012 162822 365 Capítulo 14 Autoria e Participação 21 Natureza da ajuda material a A ajuda material dolosa do cúmplice pode ser física ou técnica toda e qualquer contribuição para promoção ou realização de tipo de injusto doloso constitui cumplicidade como entregar armas ou ferra mentas garantir a segurança do autor mapear o local etc Contudo a forma intelectual ou psíquica de ajuda admitida na literatura como reforço do dolo do autor o autor não utiliza a ferramenta entregue pelo cúmplice porque a porta da casa já estava aberta mas a oferta do instrumento fortaleceria a decisão daquele59 parece exagerada afinal o cúmplice não contribuiu para o fato e o reforço do dolo constitui mera presunção60 b O momento da ajuda material é amplo pode ocorrer desde a preparação do fato entrega de chave da casa para o furto até a consumação material obtenção da vantagem na extorsão mediante sequestro por exemplo61 c A possibilidade de ajuda dolosa por omissão de ação é con trovertida um setor da literatura rejeita cumplicidade por omissão de ação62 outro setor admite cumplicidade por omissão de ação se o cúmplice é garantidor do bem jurídico63 uma terceira posição parece melhor porque considera o garante autor por omissão de ação impró pria e não simplesmente cúmplice funcionário responsável pelo trabalho externo de presos tolera a realização de furto proprietário de bar permite lesão corporal de freguês dentro do estabelecimento64 59 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 64 III 1 p 691 60 Posição aqui modificada nas edições anteriores conforme a literatura dominante 61 Assim DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch 27 n 3 ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 291 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 583 p 175 62 É a posição de WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 222 63 Por exemplo DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch 27 n 7 64 ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 476 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 365 242012 162822 366 Teoria do Fato Punível Capítulo 14 d A ação de ajuda material deve promover o fato principal no sentido de representar contribuição causal para o resultado65 ou de elevar o risco de produção do resultado66 venda de chave de parafuso por lojista sabendo de seu emprego para cometer determinado furto etc 22 O dolo do cúmplice e o fato principal Assim como o dolo do instigador o dolo do cúmplice caracteriza se por um duplo objeto o objeto imediato é a própria ação de ajuda ao autor o objeto mediato é a realização do fato principal doloso pelo autor67 Nesse sentido tem por objetivo a consumação do fato principal não apenas a tentativa e precisa ser concreto referindo se a autor determinado e fato determinado exceto detalhes também deixados por conta do autor Igualmente a punibilidade do cúmplice depende de fato princi pal consumado ou tentado art 31 CP pressupõe correspondência entre o conteúdo do dolo do cúmplice e o fato principal consumado ou tentado do autor e não abrange excessos qualitativos fato princi pal diferente ou quantitativos fato principal mais grave do autor68 valendo também para o cúmplice a regra do art 29 2º CP O erro de tipo e o erro de tipo permissivo do cúmplice são resolvi dos como no caso do instigador o erro de tipo exclui o dolo o erro de tipo permissivo incidente sobre pressupostos objetivos de justificação para o autor exclui o dolo69 65 Ver WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 582 p 174 66 Assim ROXIN LKRoxin 1992 25 n 5 e 17 67 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht 1989 52 n 3132 p 361 68 Ver por todos JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 64 III 24 p 695696 69 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 64 III 2d p 695 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 366 242012 162822 367 Capítulo 14 Autoria e Participação 3 Concorrência de formas de participação É possível a concorrência de várias formas de participação formando cadeias de instigação ou de cumplicidade compreendidas no conceito de cumplicidade mediata no tipo de injusto A cadeia de instigação é formada pela instigação à instigação ao tipo de injusto70 a cadeia de cumplicidade é formada pela instigação à ajuda ao tipo de injusto pela ajuda à instigação ao tipo de injusto e pela ajuda à ajuda ao tipo de injusto71 A reunião das posições de autor e de partícipe do tipo de injusto na mesma pessoa é frequente o autor do fato principal instiga terceiro à coautoria ou à participação no tipo de injusto e nesse caso a forma superior absorve a forma inferior instigação absorve cumplicidade autoria absorve instigação ou cumplicidade72 4 Participação necessária A participação necessária aparece em tipos legais cuja realização exige o concurso de várias pessoas como o homicídio piedoso a usura o favorecimento pessoal a receptação etc Os tipos legais nos quais a participação é necessária são agrupados em tipos de convergência e ti pos de encontro a nos tipos de convergência a atividade dos partícipes necessários alinhase do mesmo lado e orientase para o mesmo fim o motim de presos o furto em concurso de pessoas etc todos os partí 70 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 64 II 2a p 687 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht 1989 51 n 13 p 345 71 SCHÖNCKESCHRÖDERCRAMER 27 n 18 No Brasil BATISTA Concurso de agentes 2004 2ª edição n 73 p 187 72 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 64 IV 12 p 697 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 367 242012 162822 368 Teoria do Fato Punível Capítulo 14 cipes necessários são coautores b nos tipos de encontro a atividade dos partícipes necessários desenvolvese a partir de posições diferentes mas orientada para o mesmo fim o favorecimento pessoal o rufianismo etc em todas as hipóteses a punição incide sobre o autor nunca sobre o partícipe necessário ou porque o tipo protege o partícipe necessário rufianismo ou porque o partícipe necessário se encontra em posição de motivação compreensível favorecimento pessoal73 5 Tentativa de participação Na legislação penal brasileira a tentativa de participação não é punível pelo seguinte fundamento o conteúdo de injusto da participa ção não é próprio mas depende do tipo de injusto realizado pelo autor que o partícipe deve concretamente provocar ou ajudar contudo na tentativa de participação não existe nenhuma promoção do fato principal nem por instigação nem por cumplicidade74 V Comunicabilidade das circunstâncias ou condições pessoais A distribuição da responsabilidade penal na coautoria e na parti cipação depende segundo o princípio da culpabilidade art 29 CP 73 Ver MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 50 n 7 s p 315318 ROXIN LKRoxin 1992 25 n 38 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 507 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 587 p 176 74 Assim BATISTA Concurso de agentes 2004 2ª edição n 71 p 175 também FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 247 p 266 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 368 242012 162822 369 Capítulo 14 Autoria e Participação das contribuições subjetivas e objetivas de cada coautor para a obra comum ou de cada partícipe para o tipo de injusto dos autores75 mas a individualização da responsabilidade penal admite diferenciações complementares determinadas pela comunicabilidade de circunstân cias ou condições de caráter pessoal Art 30 Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal salvo quando elementares do crime As chamadas circunstâncias ou condições de caráter pessoal são características pessoais especiais cuja presença pode agravar a pena mo tivo fútil motivo torpe etc reduzir a pena primariedade motivo de relevante valor social ou moral ou excluir a pena desistência voluntá ria arrependimento eficaz etc no coautor ou partícipe respectivo76 A comunicabilidade de circunstâncias ou condições pessoais a outros coautores ou partícipes é regida pela seguinte regra caracterís ticas pessoais agravantes redutoras ou excludentes de pena somente se aplicam ao coautor ou partícipe respectivo e portanto não se comunicam aos demais77 de outro modo a responsabilidade penal não seria regida pelo princípio da culpabilidade a exceção dessa regra é representada por características pessoais que são também circuns tâncias ou condições elementares do tipo de crime salvo quando elementares do crime as quais se comunicam a todos os coautores ou partícipes por exemplo o estado puerperal no infanticídio78 75 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 49 n 112 p 310 ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 288 76 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 63 VII 4 p 657659 77 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 49 n 112 p 310 78 BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 115116 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 252 p 272273 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 204 ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 411 p 694695 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 369 242012 162822 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 370 242012 162822 371 Capítulo 15 teNtatiVa e coNSumação I Introdução Os tipos legais descrevem crimes em estado de consumação ca racterizados pela presença de todos os elementos constitutivos do fato criminoso mas a punibilidade dos tipos de injustos dolosos já pode ocorrer sob forma tentada e portanto antes do resultado típico exigido para consumação O problema é identificar no processo de realização da ação típica demarcado pelas fases de decisão preparação começo de execução e produção do resultado o momento de caracterização da tentativa que marca o início da punibilidade1 A determinação legal do começo da tentativa no processo de realização da ação típica é exigência do princípio da legalidade definida pelo critério do início de execução na lei penal brasileira Art 14 Dizse o crime II tentado quando iniciada a execução não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente A teoria da tentativa tem por objetivo esclarecer o conceito de iní cio de execução que marca o começo da punibilidade do tipo de injusto e indica a separação entre ações preparatórias ainda impuníveis por causa da indefinição de seu significado típico e ações executivas já puníveis pela definição de seu significado típico como tentativa de crime Assim como outras teorias sobre a ação humana as teorias para distinguir ações 1 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 3 p 509 WESSELS BEULKE Strafrecht 1998 n 590 p 177 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 371 242012 162823 372 Teoria do Fato Punível Capítulo 15 preparatórias impuníveis e ações executivas puníveis são teorias objetivas teorias subjetivas e teorias objetivosubjetivas ou mistas II Teorias da tentativa A estrutura subjetiva e objetiva do tipo de injusto está fundada nas dimensões psíquica e fática das ações humanas que fundamentam todas as modernas teorias sobre o fato punível como ocorre também com a teoria da tentativa integrada pelos elementos subjetivos do plano do fato e pelos elementos objetivos do início de execução do tipo de injusto apenas o resultado está ausente mas por fatores alheios à vontade do autor Na teoria da tentativa temos o seguinte a do ponto de vista subjetivo o dolo cumpre as funções de a caracterizar a tentativa de qualquer delito b identificar o tipo de qualquer delito tentado e c formar em conjunto com outros elementos subjetivos especiais o tipo subjetivo integral da tentativa logo qualquer teoria da tentativa deve ser integrada pelos elementos subjetivos do tipo de injusto com preendidos na categoria da representação do fato ou do plano do fato b do ponto de vista objetivo a tentativa de qualquer delito doloso deve se caracterizar a pelo início de execução da ação típica e b pela ausência do resultado típico independente da vontade do autor logo qualquer teoria da tentativa deve ser integrada pelos mesmos elementos objetivos dos delitos consumados menos o resultado Historicamente temos o seguinte assim como a teoria causal da ação e o correspondente modelo objetivo de tipo de injusto engendra ram as teorias objetivas da tentativa que distinguem ações preparatórias impuníveis e ações executivas puníveis a teoria final da ação e o corres pondente modelo objetivo e subjetivo de tipo de injusto engendraram as teorias objetivosubjetivas da tentativa fundadas no plano do fato ou na representação do autor como programa do fato delituoso Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 372 242012 162823 373 Capítulo 15 Tentativa e Consumação Em outras palavras o conceito de início de execução que carac teriza a tentativa dos delitos dolosos e separa ações preparatórias im puníveis e ações executivas puníveis antigamente definido pela pauta objetiva do modelo causal de crime hoje deve ser definido pela pauta objetivosubjetiva do modelo final de crime da lei penal2 Em conclu são uma teoria moderna da tentativa deve partir da representação do fato pelo autor e mostrar a que o plano do autor se manifesta no início de execução da ação típica e b que a ausência do resultado é independente da vontade do autor 1 Teorias objetivas O grande mérito das teorias objetivas da tentativa foi identifi car o início de execução como fundamento objetivo da tentativa de qualquer delito doloso inserida no seguinte processo de execução decisão preparação começo de execução e consumação do tipo de injusto Mas logo surgiria a pergunta inevitável início de execução do quê A resposta à pergunta originaria a variante formal e a variante material da teoria objetiva cujos critérios reaparecerão nas modernas orientações da teoria objetivosubjetiva da tentativa 11 Teoria objetiva formal A teoria objetiva formal define tentativa pelo início de execução da ação do tipo ações anteriores são preparatórias ações posteriores são 2 O texto marca mudança em relação à posição anterior ainda favorável à teoria objetiva formal para caracterizar a tentativa cf CIRINO DOS SANTOS Teoria do crime 1993 p 8082 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 373 242012 162823 374 Teoria do Fato Punível Capítulo 15 executivas Assim no homicídio com arma de fogo a ação de matar começa no acionamento do gatilho da arma carregada apontada para a vítima no furto com destreza a ação de furtar começa na introdução da mão no bolso da vítima etc3 O problema fundamental da teoria objetiva formal é a exclusão do dolo para caracterizar a tentativa sem o dolo é impossível distinguir ações de forma igual com conteúdo dife rente por exemplo somente o conteúdo da vontade do autor indica se o ferimento produzido na vítima constitui lesão corporal consumada ou homicídio tentado4 12 Teoria objetiva material A teoria objetiva material define tentativa na realização de ação imediata ao tipo legal integrante da ação típica segundo um juízo natural e produtora de perigo direto para o bem jurídico protegido no tipo5 Assim no homicídio com arma de fogo a ação de matar já começa no ato de apontar a arma carregada para a vítima ou mesmo na ação de empunhar a arma carregada e travada com o propósito ime diato de atirar na vítima e não apenas na ação de disparar a arma contra a vítima6 Além de excluir o dolo essencial para identificar o respectivo tipo de injusto doloso tentado ou consumado o critério do perigo direto para o bem jurídico criado por atividade imediatamente anterior à ação típica parece exposto às seguintes objeções primeiro antecipa o momento de punibilidade da tentativa recuando a linha de demarcação entre ações preparatórias e ações executivas para incluir 3 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 597 p 180 4 Ver MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 212 em posição de crítica à teoria ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 422 n 705706 5 Assim FRANK Strafgesetzbuch 1931 43 No Brasil BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 76 adota a teoria 6 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 49 II 1 p 513 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 374 242012 162823 375 Capítulo 15 Tentativa e Consumação ações exteriores ao tipo legal que seriam excluídas pelo critério da teoria objetiva formal7 segundo ações exteriores ou anteriores ao tipo legal não possuem potencialidade lesiva do bem jurídico no exemplo referido a potencialidade lesiva do bem jurídico depende ainda de um ato de vontade do autor a ação de acionar o gatilho e portan to a ausência do resultado não é explicável por circunstâncias alheias à vontade do agente art 14 II CP terceiro pretender suprir a falta de lesividade concreta da ação pelo perigo direto para o bem jurídico significa incluir na área de punibilidade ações que o legislador excluiu do tipo legal com lesão do princípio da legalidade 2 Teoria subjetiva A teoria subjetiva define tentativa pela representação do autor8 ações representadas como executivas no plano do autor caracterizam tentativa porque seriam portadoras de vontade hostil ao direito9 ações representadas como preparatórias no plano do autor não caracterizam tentativa É óbvio que a natureza preparatória ou executiva das ações re alizadas depende do plano do fato e portanto da representação do autor mas a ausência de parâmetros objetivos para identificar a representação do autor cria problemas insuperáveis amplia a tentativa punível na direção da tentativa inidônea e reduz o espaço das ações preparatórias permitindo por exemplo a punição da tentativa de aborto com meio ineficaz em mulher não grávida suficiente para configurar a vontade hostil ao direito contida na representação do autor10 7 Ver CIRINO DOS SANTOS Teoria do crime 1963 p 81 8 Comparar WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 597 p 180 9 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 49 II 2 p 513 10 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 49 II 2 p 513 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 375 242012 162823 376 Teoria do Fato Punível Capítulo 15 3 Teoria objetivosubjetiva ou objetiva individual A teoria objetivosubjetiva fundamenta a definição de tentativa na realização de vontade antijurídica a produtora de perigo para o bem jurídico segundo a teoria do autor11 cujo conteúdo destaca o papel de proteção de bens jurídicos atribuído ao Direito Penal no Esta do Democrático de Direito ou b produtora de abalo da confiança comunitária no Direito segundo a teoria da impressão12 cujas raízes remontam à função de estabilizar as expectativas normativas atribuída ao Direito Penal pelas teorias funcionalistas A formulação moderna da teoria objetivosubjetiva da ten tativa conhecida como teoria objetiva individual13 possui uma dimensão subjetiva consensual e uma dimensão objetiva contro vertida a a dimensão subjetiva do conceito constituída pela re presentação do fato ou plano do autor como elemento intelectual do dolo é o aspecto incontroverso da teoria objetiva individual b a dimensão objetiva do conceito constituída pela ação que de fine o começo da tentativa contém uma controvérsia representada por duas variantes 11 Assim ENGISCH Der Unrechtstatbestand im Strafrecht DJTFestschrift 1960 p 435 12 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 49 II 2 p 513 também MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht 1989 40 n 40 p 22 WESSELS BEULKE Strafrecht 1998 n 594 p 179 13 A teoria objetiva individual exprime o conceito legal de tentativa do Código Penal alemão 22 assim traduzível Tenta um fato punível quem segundo sua representação do fato se posiciona imediatamente para realização do tipo Eine Straftat versucht wer nach seiner Vorstellung von der Tat zur Verwirklichung des Tatbestandes unmittelbar ansetzt Assim adotar a teoria objetiva individual na variante dominante na dogmática alemã como critério para definir tentativa na lei penal brasileira significa disciplinar a tentativa no Brasil segundo o 22 do Strafgesetzbuch alemão e não pelo art 14 II do Código Penal brasileiro que exige início de execução do programa típico Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 376 242012 162823 377 Capítulo 15 Tentativa e Consumação a a variante dominante exige posição de imediata realização do tipo zur Verwirklichung des Tatbestandes unmittelbar ansetzt14 manifestada em atividade atípica ligada diretamente à ação do tipo segundo o plano do autor15 um critério que parece conjugar a teoria subjetiva com a teoria objetiva material b a variante minoritária exige comportamento típico manifes tado em ação de execução específica do tipo tatbestandsspezifische Ausführungshandlung segundo o plano do autor16 um critério que acopla a teoria subjetiva com a teoria objetiva formal A variante dominante da teoria objetiva individual admite as mesmas críticas da teoria objetiva material antecipa a punibi lidade da tentativa pelo recuo da linha que separa ações prepara tórias e ações executivas incluindo ações exteriores ou anteriores ao tipo legal com lesão do princípio da legalidade além disso ações exteriores ou anteriores ao tipo legal não têm potencialidade lesiva do bem jurídico cuja colocação em perigo depende de ação típica específica do autor se o resultado típico depende ainda da vontade do autor no exemplo a ação de pressionar o gatilho então a ausência do resultado não decorre de circunstâncias alheias à vontade do autor17 14 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 49 IV 13 p 519 15 Nesse sentido WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 598 p 180181 16 Assim VOGLER Der beginn des Versuchs Festschrift fur W Stree und J Wessels 1993 p 285 do mesmo LKVogler 1985 22 n 60 17 No Brasil JESUS Direito Penal I 1999 p 329 comunica ter abandonado as teorias material e formalobjetiva assumindo a teoria objetiva individual defendida por Welzel e Zaffaroni embora reconheça que na lei penal brasileira p 332 foi aceita a teoria objetiva exigindo um início típico de execução MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 157158 combina os critérios heterogêneos da teoria objetiva formal e da teoria objetiva material na variante dominante da teoria objetiva individual REGIS PRADO Curso de Direito Penal brasileiro 1999 p 253254 trabalha com a variante dominante da teoria objetiva individual assim também ZAFFARONI PIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 422 p 706707 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 377 242012 162823 378 Teoria do Fato Punível Capítulo 15 Ao contrário a variante minoritária da teoria objetiva indivi dual retoma o Direito Penal do tipo que limita a punibilidade pela legalidade e oferece um critério que permite definir tentativa como início de execução do tipo objetivo segundo o plano do autor ou seja como início de execução do programa típico manifestado em ação de execução específica do tipo como propõe VOGLER18 Assim consti tui tentativa de homicídio anestesiar criança para cortar as veias do pulso tentativa de roubo dar o sinal de luz que inicia o assalto ao veículo de transporte de valores tentativa de furto subir no estri bo do caminhão para furtálo se não possuir travas contra furto entretanto constituem meras ações preparatórias dirigirse para o local do furto ainda que portando armas montar o mecanismo de arrombamento no local do furto qualificado procurar médico para realizar aborto etc 4 O tipo de tentativa A tentativa é comportamento dirigido para realizar tipos penais concretos existe como tentativa de homicídio de furto de estupro etc É possível falar de um tipo de tentativa como generalização de características de toda tentativa constituído de três elementos a decisão de realizar o crime elemento subjetivo b ação de execução específica do tipo elemento objetivo c ausência de resultado elemento negativo19 18 VOGLER Der beginn des Versuchs Festschrift fur W Stree und J Wessels 1993 p 285 19 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 49 III p 515 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 595 p 179 No Brasil ver BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 7778 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 231 p 250 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 211213 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 378 242012 162823 379 Capítulo 15 Tentativa e Consumação 1 A decisão de realizar o crime ou seja o plano do fato ou programa típico é o elemento subjetivo da tentativa formado pelo dolo e às vezes por outros elementos subjetivos especiais do tipo exatamente igual ao delito consumado o dolo tem por objeto os elementos do tipo objetivo e pode ser direto ou eventual nesse caso se suficiente para o tipo de injusto respectivo porque decisão de ação típica dependente da ocorrência de condição é também dolo entrar na casa alheia com intenção de subtrair alguma coisa se encontrar algo de valor é tentativa de furto20 os elementos subjetivos especiais são tão importantes quanto o dolo para construção do tipo de crime respectivo por exemplo a intenção de apropriação no furto21 2 A ação de execução específica do tipo tem por objeto o comportamento típico segundo o plano do fato como concreta representação do acon tecimento típico pelo autor22 Ações estreitamente ligadas à ação típica23 ainda que imediatamente anteriores às características do tipo objetivo como propõe a versão dominante da teoria objetiva individual24 são insuficientes Em tipos qualificados pelo resultado a tentativa pode começar pela característica qualificadora a administração do veneno ou a asfixia da vítima na tentativa de homicídio qualificado pelo meio utilizado por exemplo25 3 A ausência do resultado típico deve ser independente da vontade do autor a consumação do tipo de injusto transforma a tentativa de lesão do bem jurídico situação de perigo concreto em resultado de lesão do bem jurídico 20 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht 1989 40 n 71 p 28 21 Assim JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 49 III 1 p 515516 22 VOGLER Der beginn des Versuchs Festschrift fur W Stree und J Wessels 1993 p 285 23 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 598 p 180181 24 BOCKELMANNVOLK Strafrecht 1987 p 208 25 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 49 III 2 p 516 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 379 242012 162824 380 Teoria do Fato Punível Capítulo 15 5 Consumação formal e material A consumação do tipo de injusto pode ser formal e material a consumação formal do fato punível suficiente para aplicação da pena integral ocorre com a realização de todos os elementos de sua defini ção legal art 14 I CP a consumação material do tipo de injusto também conhecida como término ou exaurimento do fato coincide normalmente com a consumação formal mas pode ser posterior na extorsão mediante sequestro a privação da liberdade da vítima com o fim de obter vantagem constitui consumação formal a obtenção da vantagem pretendida intenção especial do tipo constitui consumação material ou seja a consumação formal ocorre com a produção do resultado típico mas permanece em estado de consumação material enquanto dura a invasão da área protegida pelo tipo legal até a rea lização da intenção especial que informa a ação do autor A distinção tem interesse prático para a participação o concurso de crimes a atribuição de caracteres qualificadores possíveis no interregno entre a consumação formal e o término da consumação material bem como para a prescrição e a decadência cujo prazo começa a fluir a partir da consumação material26 6 Objeto da tentativa A definição de tentativa como início de execução do comporta mento típico manifestado em ação de execução específica do tipo segundo o plano do fato tem por objeto exclusivo os tipos de injustos dolosos de ação excluídos os tipos de imprudência e os tipos de omissão de ação 26 Assim JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 49 III 3 p 518 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 380 242012 162824 381 Capítulo 15 Tentativa e Consumação 1 Nos crimes de imprudência o resultado é elemento essencial do tipo o tipo de injusto depende do desvalor do resultado como realização concreta do desvalor de ação expresso na lesão do dever de cuidado ou do risco permitido27 2 Nos crimes de omissão de ação o argumento de que a tentativa de omissão só pode ser concebida como omissão da tentativa de realizar a ação mandada ou de impedir o resultado28 ainda não foi refutado Mas a teoria dominante diz o seguinte a a tentativa de omissão de ação própria é sempre tentativa inidônea que como qualquer tentativa inidônea no Direito Penal brasileiro é impunível art 17 CP b a tentativa de omissão de ação imprópria esbarra no problema de caracterizar o começo da tentativa o critério legal tem por objeto a ação e não a omissão de ação29 o que cria um obstáculo legal para a punição da tentativa de omissão de ação Por causa disso a literatura alemã dominante apesar da maior flexibilidade da definição legal de tentativa precisa reinterpretar o critério legal para imaginar a tentativa de omissão de ação a tentativa de omissão de ação se configuraria no momento da criação ou da elevação do perigo para o objeto protegido30 consistente na perda da primeira possibilidade para realizar a ação man dada31 ou na perda do último momento para impedir o resultado que marcaria a independência do processo causal em relação ao autor32 27 Nesse sentido BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 80 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 237 p 254 JESUS Direito Penal I 1999 p 334 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 216 28 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 206 ARMIN KAUFMANN Unterlassungsdelikte p 204 29 Assim também em relação à lei penal alemã JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 49 IV 5 p 521 30 JAKOBS Strafrecht 1993 29118 p 854855 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht 1989 40 n 106 p 34 654 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 741 p 237 31 HERZBERG Der Versuch beim unechten Unterlassungsdelikt MDR 1973 p 89 32 ARMIN KAUFMANN Die Dogmatik der Unterlassungsdelikte 1959 p 210 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 221 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 381 242012 162824 382 Teoria do Fato Punível Capítulo 15 Na legislação brasileira o critério do início de execução do programa típico art 14 II CP tem por objeto exclusivamente os tipos dolosos de ação os tipos de omissão de ação caracterizados pela ausência de qualquer processo executivo somente podem admitir início de execução da ação mandada que significa cumprimento do dever jurídico de agir Em conclusão do ponto de vista conceitual a tentativa de omissão de ação é impossível do ponto de vista da legalidade a punição da tentativa de omissão de ação é inconstitucional e qualquer solução diferente passa necessariamente pela prévia mudança da definição legal33 3 Por outro lado os tipos qualificados pelo resultado admitem tentativa nas seguintes situações a se o resultado qualificador imprudente é determinado pela realização da ação típica dolosa tentativa de estu pro determinante de resultado de morte da vítima sem realização da conjunção carnal art 213 e 223 parágrafo único b se o resultado qualificador doloso pretendido não é determinado pela realização da ação típica dolosa lesão corporal grave com o objetivo frustrado de inutilizar sentido ou função da vítima art 129 2o III34 4 Em tipos de simples atividade a tentativa parece excluída a tentativa de falso testemunho no começo do depoimento admitida pela variante dominante da teoria objetiva individual se a atividade não determina a consumação35 é rejeitada pela variante minoritária porque ou o comportamento típico ocorre na ação de execução específica da declaração falsa ou nada ocorre 33 No sentido do texto MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 217 TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 p 9394 admite tentativa de omissão imprópria pela perda da primeira ou da última chance também BITENCOURT Lições de Direito Penal 1996 p 81 JESUS Direito Penal I 1999 p 335 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 237 p 254 outra posição ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 414 p 707708 admitem tentativa na omissão de ação sem restrições 34 Assim BAUMANNWEBER Strafrecht 1985 p 486487 DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch 1995 47a edição 18 n 2 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 49 VII 2b p 525 35 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 49 VII 1 p 524 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 382 242012 162824 383 Capítulo 15 Tentativa e Consumação 7 Fundamento da punibilidade da tentativa O fundamento da punibilidade da tentativa depende dos ob jetivos atribuídos ao Direito Penal a se o Direito Penal tem por objetivo a proteção de bens jurídicos então a punibilidade da tentativa tem por fundamento o perigo para o bem jurídico protegido no tipo penal segundo a teoria do autor36 b se o Direito Penal tem por tarefa estabilizar as expectativas normativas da população então o fundamento da punibilidade da tentativa seria o abalo da confiança jurídica da co munidade segundo a teoria da impressão37 A pena da tentativa é igual à pena do crime consumado reduzida de um a dois terços Art 14 parágrafo único Salvo disposição em contrá rio punese a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado diminuída de um a dois terços As ações preparatórias são impuníveis porque a distância entre preparação e consumação não permite identificar o perigo para bens jurídicos protegidos na lei penal Mas por razões políticocriminais especiais ações preparatórias podem ser punidas como tipos indepen dentes como o crime de petrechos para fabricação de moeda art 291 ou de títulos e papéis públicos art 29438 8 Tentativa inidônea A tentativa como início de execução do tipo objetivo de um crime doloso supõe meio eficaz e objeto próprio para produção do 36 Assim ENGISCH Der Unrechtstatbestand im Strafrecht DJTFestschrift 1960 p 435 37 Comparar JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 49 V p 521 38 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 49 VI p 523 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 383 242012 162824 384 Teoria do Fato Punível Capítulo 15 resultado típico Ação com meio ineficaz ou sobre objeto impróprio para produzir o resultado configura tentativa inidônea ou crime impossível cuja disciplina legal varia conforme a teoria incorporada na legislação Na lei penal brasileira a tentativa idônea distinguese da tentativa inidônea pelo perigo objetivo para o bem jurídico pelo seguinte argumento se o resultado de lesão do bem jurídico é o fundamento da punibilidade do fato então a punibilidade da ten tativa exige ação capaz de produzir o resultado típico39 A exigência de perigo objetivo de lesão do bem jurídico teoria do autor sem o qual não pode existir início de execução do tipo objetivo representa correta decisão políticocriminal do legislador e por outro lado é compatível com a variante minoritária da teoria objetiva individual que exige comportamento típico manifestado em ação de execução específica do tipo Art 17 Não se pune a tentativa quando por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto é impossível consumarse o crime A tentativa inidônea por ineficácia absoluta do meio ocorre por exemplo nas seguintes hipóteses tentativa de aborto com analgési cos tentativa de homicídio com arma descarregada etc A tentativa inidônea por impropriedade absoluta do objeto ocorreria nas seguintes situações tentativa de homicídio sobre cadáver tentativa de furto sem conhecimento do prévio consentimento do proprietário na subtração da coisa etc40 É possível a concorrência simultânea de ineficácia absoluta do meio e de impropriedade absoluta do objeto no mesmo fato tentativa de aborto com analgésicos em mulher não 39 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 50 I 2 p 530 No Brasil ver BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 8586 JESUS Direito Penal I 1999 p 349 fala em teoria objetiva temperada MESTIERI Manual de Direito Penal 1999 p 222223 critica as teorias subjetivas MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 167 fala em teoria objetiva pura 40 Ver CIRINO DOS SANTOS Teoria do Crime 1993 p 83 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 384 242012 162824 385 Capítulo 15 Tentativa e Consumação grávida Mas a tentativa é punível em caso de relativa ineficácia do meio ou de relativa impropriedade do objeto por causa da potencial eficácia do meio ou potencial propriedade do objeto para produção do resultado típico veneno em quantidade inferior à necessária vítima de homicídio com vida meramente vegetativa41 Por fim admitese tentativa inidônea por ausência da qualidade de autor exigida no tipo legal erroneamente autoatribuída realização de de lito funcional sem conhecimento da nulidade do ato de nomeação como funcionário público42 A teoria da impressão própria da variante dominante da teoria objetiva individual pune a tentativa inidônea como manifesta ção de vontade hostil ao direito suficiente para abalar a confiança da comunidade no ordenamento jurídico mas admite a exclusão de pena da tentativa absolutamente inidônea no caso de grosseira insensatez do autor não por falsa representação da realidade mas por representações despropositadas de relações causais conhecidas por todos ou no caso de tentativas inteiramente irreais no primeiro caso tentar derrubar um avião com um tiro de pistola ou tentar praticar aborto com chá de camomila no segundo caso tentar matar o inimigo com métodos mágicos ou mediante imaginários pactos com o demônio43 Segundo a teoria nessas hipóteses a ten tativa inidônea não abalaria a confiança na inquebrantabilidade do Direito porque indivíduos normalmente instruídos não tomariam o fato a sério44 41 CIRINO DOS SANTOS Teoria do Crime 1993 p 83 42 DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch 1995 22 n 28 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 50 I p 529530 e III 1 p 534 43 Ver MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht 1989 40 n 91 p 31 44 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 50 I 5 p 531 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 385 242012 162824 386 Teoria do Fato Punível Capítulo 15 9 Delito de alucinação O chamado delito de alucinação designa a hipótese de repre sentação errônea da punibilidade de comportamento atípico45 favo recimento pessoal no auxílio à fuga de autor de contravenção penal crime em relações homossexuais consentidas acusado considera crime declaração falsa no interrogatório etc Na tentativa inidônea é impossí vel a consumação do crime porque existe um erro de tipo ao contrário o autor supõe a eficácia de ação ineficaz ou a propriedade de objeto impróprio no delito de alucinação é impossível a consumação do crime porque existe um erro de proibição ao contrário o sujeito imagina ser crime a ação atípica realizada46 O delito de alucinação também chamado delito de loucura não é punível porque a determinação da punibilidade depende da lei e não depende da representação do autor47 III Desistência da tentativa O conceito de desistência da tentativa é útil como categoria compreensiva das espécies de desistência voluntária e de arrependimento eficaz definidas como causas pessoais de extinção de pena no direito brasileiro 45 Assim JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 50 II 1 p 532 também WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 621 p 188 No Brasil ver MESTIERI Manual de Direito Penal 1999 p 223224 46 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht 1989 40 n 143 p 44 47 Assim MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht 1989 40 n 151 p 45 WELZEL Strafrecht 1969 p 194 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 386 242012 162825 387 Capítulo 15 Tentativa e Consumação 1 Teorias sobre desistência da tentativa Existem várias teorias para explicar a exclusão de pena da desis tência da tentativa como a teoria de política criminal a teoria da graça ou prêmio e a teoria dos fins da pena as duas últimas em relação de recíproca complementação 11 A teoria de política criminal formulada por FEUERBACH48 define a exclusão de pena da desistência da tentativa como ponte de ouro construída pelo legislador para retorno do autor à esfera do direito a promessa de exclusão de pena seria um estímulo ao autor para desistir da tentativa ou evitar o resultado A crítica tem várias objeções contra a teoria a a promessa de exclusão de pena não exerceria influência sobre a decisão do autor e em geral seria desconhecida da população49 b a prática judicial parece indicar que a desistência da tentativa pode ter todos os motivos possíveis menos suprimir uma pena já efetiva50 12 A teoria da graça considera a exclusão de pena da desistência da tentativa uma recompensa ao autor por suspender a execução ou evitar o resultado do tipo de injusto ou pelo menos se esforçar seriamente para evitar a supressão do perigo para o bem jurídico produzido pela tentativa justificaria a indulgência sobre o autor ou de outra forma a atitude do autor na realização do tipo de injusto seria compensada 48 FEUERBACH Kritik des Kleinschrodischen Entwurfs zu einem peinlichen Gesetzbuche fur die ChurPfalzBayerischen Staaten II 1804 p 102 No Brasil BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 82 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 238 p 256 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 219221 49 M E MAYER Der Allgemeine Teil des deutschen Strafrechts 1915 nota 7 p 370 50 Assim ULSENHEIMER Grundfragen des Rucktritts vom Versuch usw 1976 p 69 103 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 196 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 626 p 190 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 387 242012 162825 388 Teoria do Fato Punível Capítulo 15 pelo mérito da desistência ou da evitação do resultado desde que voluntária mas independente de motivos de valor ético51 13 A teoria dos fins da pena reconhece na desistência da tentativa uma insuficiente vontade antijurídica para prosseguir na execução do fato ou permitir a produção do resultado consequentemente a pena não se justificaria por motivo de prevenção geral ou especial nem por qualquer outra exigência de justiça52 2 Tentativa inacabada e acabada A distinção entre tentativa inacabada e tentativa acabada permite definir os conceitos correspondentes de desistência voluntária e de ar rependimento eficaz O critério para a distinção é subjetivo o plano do fato ou a representação do autor em outras palavras a representação do curso causal formulada pelo autor decide sobre a necessidade ou não de mais ações para consumar o fato53 Na tentativa inacabada as ações realizadas são representadas como insuficientes para o resultado ou seja o autor ainda não rea lizou todo o necessário para produção do resultado sendo suficiente a desistência das ações futuras facada no pescoço reconhecida como sem perigo para a vida da vítima 51 Ver DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch 1995 24 n 3 JESCHECK WEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 51 I 3 p 539 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 196 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 626 p 190 52 Assim KUHL Strafrecht 1997 16 n 5 p 517 53 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 51 II 1 p 540 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 631 p 193 No Brasil ver ZAFFARONI PIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 429 p 713 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 388 242012 162825 389 Capítulo 15 Tentativa e Consumação Na tentativa acabada as ações realizadas são representadas como suficientes para o resultado ou seja o autor já realizou todo o necessário para produção do resultado cuja ocorrência depende apenas da ação normal dos fatores causais postos pelo autor sendo necessária nova atividade para evitar o resultado a ação de estrangulamento é cessada porque o autor acredita que a vítima morrerá54 Art 15 O agente que voluntariamente desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza só responde pelos atos já praticados Podem ocorrer problemas de definição em hipóteses de variação da representação do autor entre os momentos do plano do fato e da execução do fato a no momento do plano do fato o autor representa a necessidade de apenas um golpe contra a vítima mas no momento da execução do fato verifica a necessidade de vários golpes facada no peito da vítima considerada no momento da execução do fato insu ficiente pelo autor b no momento do plano do fato o autor representa a necessidade de várias ações mas no momento da execução do fato interrompe a ação sem exaurir as possibilidades planejadas tiro na cabeça do inimigo abandonado no local para morrer Nessas hipóteses o critério deve mudar do plano do fato para o da representação do autor no momento da execução do fato se a produção do resultado depende de outras ações então tentativa inacabada permitindo desistência vo luntária se a produção do resultado independe de outras ações então tentativa acabada exigindo evitação do resultado pelo arrependimento eficaz55 54 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 51 II 1 p 540 também WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 631 p 193 No Brasil ver ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 429 p 713 55 Assim BAUMANNWEBER Strafrecht 1985 p 489 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 51 II 3 p 541542 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 389 242012 162825 390 Teoria do Fato Punível Capítulo 15 3 Estrutura da desistência da tentativa A desistência da tentativa inacabada deve existir como desistência voluntária de continuar a execução do fato art 15 primeira parte A desistência da tentativa acabada deve existir como arrependimento eficaz mediante evitação voluntária da consumação do fato art 15 segunda parte 31 Desistência voluntária A desistência voluntária possui componentes objetivos e subje tivos a do ponto de vista objetivo o autor deve paralisar a execução do fato b do ponto de vista subjetivo a desistência do autor deve ser voluntária Objetivamente a controvérsia entre desistência definitiva56 ou simples desistência concreta57 parece decidida em favor da última hipótese afinal se a lei exige apenas a atitude concreta da desistência parece excessivo exigir desistência definitiva colocando condição não prevista em lei para excluir a pena Além disso a desistência concreta é um fato real suscetível de prova enquanto a desistência definitiva é uma hipótese futura insuscetível de prova Subjetivamente o conceito de voluntariedade é representado por motivos autônomos excluindo motivos heterônomos ou causas obri 56 Nesse sentido JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 51 III 1 p 543 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 198 No Brasil FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 238 p 256 57 Nesse sentido a literatura mais recente KÖHLER Strafrecht 1997 p 475 KUHL Strafrecht 1997 16 n 43 p 533 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht 1989 41 n 47 p 67 com alguma restrição WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 641 p 196 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 390 242012 162825 391 Capítulo 15 Tentativa e Consumação gatórias de impedimento de prosseguir na execução em que o autor diz posso mas não quero conforme a célebre fórmula de FRANK58 Contudo segundo a representação do autor se a consumação é impossível se perdeu significado se representa desvantagem excessiva o autor desiste do estupro porque a vítima o reconheceu não exis te desistência voluntária mas simples tentativa falha Não obstante admitese a desistência voluntária de matar uma vítima para matar outra vítima no lugar da primeira Em suma a desistência é voluntária se fundada em dó ou piedade em motivo de consciência sentimento de vergonha medo da pena etc não se exige conteúdo de valor ético reconhecido a desistência é involuntária se ocorre para evitar o flagrante ou por receio de bloqueio das vias de fuga ou porque o fato foi descoberto etc59 32 Arrependimento eficaz O arrependimento eficaz possui também componentes obje tivos e subjetivos a do ponto de vista objetivo o autor deve ativar uma nova cadeia causal suficiente para excluir o resultado de lesão do bem jurídico b do ponto de vista subjetivo o arrependimento eficaz também deve ser voluntário Objetivamente o arrependimento deve ser eficaz para excluir o resultado neutralizando os efeitos da ação realizada o que significa ser insuficiente deixar a vítima em situação dependente da sorte ou do concurso de circunstâncias favoráveis60 por exemplo o autor deixa a 58 FRANK Strafgesetzbuch 1931 46 II 59 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 51 III 2 p 544 No Brasil ver SÁNCHEZ RÍOS Das causas de extinção da punibilidade nos delitos econômicos 2003 p 57 e seguintes 60 Nesse sentido DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch 1995 24 n 7 WESSELS BEULKE Strafrecht 1998 n 647 p 198199 No Brasil MESTIERI Manual de Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 391 242012 162825 392 Teoria do Fato Punível Capítulo 15 vítima ferida com dolo de homicídio na entrada lateral de hospital onde é encontrada desfalecida socorrida e salva o autor chama médico de urgência para atender vítima de envenenamento sem informar sobre a administração do veneno Subjetivamente o conceito de voluntariedade no arrependimento eficaz é menos problemático do que na desistência voluntária por causa do papel ativo do autor para evitar o resultado somente a descoberta do fato pode descaracterizar a voluntariedade do arrependimento eficaz mediante nova ação do autor para evitar o resultado Mas essa regra tem exceções nas hipóteses de crimes violentos em que o descobrimento do fato pela vítima é necessário bem como nos casos em que o autor ignora a descoberta do fato61 Finalmente o resultado deve ser excluído pelo autor diretamente ou com ajuda de terceiro a resultados evitados pela ação exclusiva da vítima ou de terceiro não isentam de pena exceto hipóteses de sério e intenso esforço do autor para evitar o resultado b se apesar da atividade do autor ocorre o resultado não há isenção de pena o arrependimento apesar de voluntário é ineficaz62 4 Tentativa falha A desistência da tentativa pressupõe a representação da possibili dade de consumação do fato se o autor representa a impossibilidade de consumação do fato ocorre a tentativa falha afinal se obstáculos impedem o autor de concluir a realização do dolo então a desistência Direito Penal I 1999 p 218 61 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 51 IV 13 p 546547 62 Comparar JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 51 IV 1 p 546 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 392 242012 162825 393 Capítulo 15 Tentativa e Consumação de realizar o dolo não é voluntária63 o autor quer roubar uma fortuna mas encontra quantidade mínima de dinheiro em poder da vítima o autor percebe a insuficiência do veneno administrado na vítima mas não possui outros meios para realizar o dolo de homicídio O critério para definir tentativa falha é o conhecimento do autor sobre obstáculos objetivos ou subjetivos para consumação do fato no final da ação executiva a arma nega fogo na tentativa de homicídio o autor perde o poder de ereção no esforço físico da tentativa de estupro64 Mas existe controvérsia sobre existência de tentativa falha ou de fato atípico na hipótese de alteração dos fundamentos jurídicos do fato típico respectivo o procedimento da vítima de tentativa de estupro convence o autor da existência de consentimento na relação sexual65 5 Extensão dos efeitos da desistência da tentativa A desistência voluntária e o arrependimento eficaz têm por efeito imediato a exclusão de pena A natureza jurídica da exclusão da pena é controvertida para a teoria dominante seria causa pessoal de suspensão ou de extinção da pena como recompensa ao mérito do autor66 para respeitável teoria minoritária seria causa de exculpação67 na verdade 63 Assim KUHL Strafrecht 1997 16 n 22 p 524 64 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 51 II 6 p 542543 65 Ver BOTTKE Misslungener oder fehlgeschlagener Vergewaltigungsversuch bei irrig angenommenem Einverständnis JZ 1994 p 75 também ULSENHEIMER Grundfragen des Rucktritts vom Versuch usw 1976 p 328 66 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 51 VI 1 p 548 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 626 p 190 67 ROXIN Uber den Rucktritt vom unbeendeten Versuch Festschrift fur E Heinitz 1972 p 273 ULSENHEIMER Grundfragen des Rucktritts vom Versuch usw 1976 p 90 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 393 242012 162826 394 Teoria do Fato Punível Capítulo 15 a pena é suspensa porque o mérito da desistência compensa o injusto da tentativa e assim fundamenta a exculpação do autor Os efeitos da desistência da tentativa alcançam o tipo objeto da tentativa desistida mas não alcançam os fatos típicos consumados art 15 parte final não podem ser desfeitos fatos típicos consuma dos na tentativa de realizar outro delito maior68 na tentativa de furto qualificado por destruição ou rompimento de obstáculo punição por dano e talvez violação de domicílio na tentativa de estupro puni ção pelas lesões corporais produzidas na tentativa de homicídio por envenenamento punição por lesão corporal grave etc Os tipos de perigo concreto produzidos dentro da tentativa desistida são abrangidos pela suspensão de pena porque constituem fase anterior necessária do delito de lesão respectivo69 6 A desistência da tentativa no concurso de pessoas A desistência da tentativa no concurso de pessoas deve distinguir as posições do partícipe e do coautor 61 Participação a no caso de participação por instigação só é possível o arrepen dimento eficaz mediante neutralização dos efeitos psíquicos produzidos sobre o autor ou sério esforço para evitação do fato b no caso de participação por cumplicidade o cúmplice deve voluntariamente a 68 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 51 VI 2 p 549 69 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 51 VI 2 MAURACH GÖSSELZIPF Strafrecht 1989 41 n 132 p 8889 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 394 242012 162826 395 Capítulo 15 Tentativa e Consumação omitir sua contribuição para o fato e b demover o autor do pro pósito de realizar o fato ou alternativamente impedir a produção do resultado gerando situação de tentativa inidônea ou falha ou se esforçar seriamente para impedir o resultado de modo que o fato concreto apareça como obra exclusiva do autor 62 Coautoria No caso de coautoria caracterizada pelo domínio comum do fato o coautor deve voluntariamente impedir o resultado ou al ternativamente se esforçar seriamente para evitar o fato além de a omitir sua contribuição causal para o fato comum e b comunicar a posição aos outros coautores antes da realização do fato comum de modo que o fato concreto apareça como exclusiva obra alheia70 7 Arrependimento posterior O arrependimento posterior constitui causa de redução de pena criada para estimular a voluntária reparação do dano ou a restituição da coisa nos crimes dolosos não violentos realizada até o recebimento da denúncia ou da queixa Art 16 Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa reparado o dano ou restituída a coisa até o recebimento da denúncia ou da queixa por ato voluntário do agente a pena será reduzida de um a dois terços 70 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 51 VI 3 p 549 LACKNER Strafgesetzbuch 1995 24 n 26 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 395 242012 162826 396 Teoria do Fato Punível Capítulo 15 Essa causa sui generis de redução de pena é aplicável a qualquer crime sem violência real ou ameaçada mas seu objeto privilegiado são os crimes patrimoniais dolosos não violentos71 O legislador afirma que a medida teria sido instituída menos em favor do agente do crime do que da vítima72 mas a exigência de voluntariedade indica criação de privilégio ao autor definível como simile anã do arrependimento eficaz abrangível pela teoria da graça como recompensa ao autor pelo mérito de arrependimento posterior concretizado em reparação do dano ou restituição da coisa ou alternativamente como espécie de ponte de juncos para o regresso parcial do autor à legalidade reduzindo a repro vação de culpabilidade e consequentemente a medida da pena73 71 Ver FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 238A p 257260 também MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 221222 72 Exposição de Motivos da Lei n 720984 n 15 73 Comparar ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 430 p 714 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 396 242012 162826 397 Capítulo 16 uNidade e pLuraLidade de FatoS puNíVeiS I Introdução O problema da unidade e da pluralidade de fatos puníveis no mesmo processo requer a operacionalização de variáveis descritivas e de variáveis normativas para determinar a qualidade e a quantidade da pena aplicável ao autor A literatura e a jurisprudência desenvolveram alguns princípios para atribuição de pluralidade de fatos puníveis ao autor no mesmo processo os princípios da cumulação de penas da exasperação da pena mais grave da absorção da pena menor pela pena maior e da combinação de várias penas diferentes em uma pena comum1 No Direito Penal moderno predominam três sistemas de atribui ção de pluralidade de fatos ou de resultados típicos a a pluralidade sucessiva de fatos típicos iguais ou distintos produzidos por sucessivas ações típicas independentes regida pelo princípio da cumulação das penas b a pluralidade simultânea de dois ou mais resultados típicos iguais ou distintos produzida por uma ação típica isolada regida pelo princípio da exasperação da pena c a pluralidade continuada de ações típicas em que uma sequência de fatos típicos de mesma espécie 1 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 Cap 5 p 707 No Brasil comparar BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 216 REGIS PRADO Curso de Direito Penal brasileiro 1999 p 279 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 397 242012 162826 398 Teoria do Fato Punível Capítulo 16 aparece como unidade de ação típica também regida pelo princípio da exasperação da pena2 No Direito Penal brasileiro a pluralidade sucessiva de fatos pu níveis chamase concurso material art 69 CP a pluralidade simul tânea de fatos puníveis denominase concurso formal art 70 CP e a pluralidade continuada de fatos puníveis aparece sob a designação de crime continuado art 71 CP II Unidade e pluralidade de ações típicas O comportamento humano pode ser representado como um continuum de atividades e de passividades psicossomáticas cuja deli mitação em unidades de ações típicas pressupõe simultaneamente o conceito de ação e o conceito de tipo legal Assim o tema da unidade e da pluralidade de tipos de injusto deve ser estudado a partir de seus elementos estruturantes a correlação entre ação como conteúdo determinante e tipo legal como forma determinada na formação do conceito de tipo de injusto 1 A literatura dominante trabalha apenas com o conceito de ação sob o argumento de que a unidade de decisão do conceito de ação unificaria a pluralidade de partes exteriores de um acontecimento constituindo uma unidade espaçotemporal significativa3 Assim existiria unidade de ação em situações a de pluralidade de ações sexuais violentas contra a vítima na mesma oportunidade b de pluralidade de disparos de arma de fogo sobre um grupo de pessoas na mesma ocasião c de pluralidade de ações de homicídio contra a mesma vítima apesar de 2 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 66 p 709 3 Nesse sentido BAUMANNWEBER Strafrecht 1985 p 653 também DREHER TRÖNDLE Strafgesetzbuch 1995 nota preliminar 2 52 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 398 242012 162826 399 Capítulo 16 Unidade e Pluralidade de Fatos Puníveis relativo espaçamento temporal d de pluralidade de meios de ação em crimes violentos se a substituição de um meio por outro ocorre na sequência da falha do meio substituído etc ao contrário existiria pluralidade de ação em situações a de pluralidade de ações de abor to na mesma mulher em momentos diferentes b de instigação ao furto e posterior receptação da coisa furtada c de roubo e estupro da vítima do crime patrimonial etc 2 A crítica ao uso exclusivo do conceito de ação parece consistente primeiro não existiriam unidades préjurídicas de ação como objetos préconstituídos de referência jurídica segundo o critério da unidade de decisão não excluiria pluralidade de ações furtar a arma matar a vítima e roubar um carro para a fuga por exemplo portanto se ria necessário o conceito complementar do tipo legal para delimitar ações e omissões de ação no continuum do comportamento humano4 Assim a fórmula adequada estaria na fusão dos conceitos de ação e de tipo legal integrados na unidade do conceito de tipo de injusto a identificação naquele continuum de unidades de tipos de injusto não pode ser realizada isoladamente nem pelo conceito de ação nem pelo conceito de tipo legal mas pelo conceito de tipo de injusto em que a ação aparece como conteúdo e o tipo legal como forma do tipo de injusto existente em pluralidade material formal ou continuada no Direito Penal5 3 Desse ponto de vista existe unidade de tipo de injusto a em tipos legais divisíveis em pluralidade de atos como o aborto6 b em tipos legais que pressupõem pluralidade de atos como o estupro violência e conjunção carnal e o roubo violência e subtração7 c em tipos legais 4 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 54 n 38 p 411 JESCHECK WEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 66 I 3 p 711 5 Nesse preciso sentido MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 54 n 39 p 412 6 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 66 II 1 p 711 7 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 54 n 47 p 416 WESSELS BEULKE Strafrecht 1998 n 760 p 243 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 399 242012 162827 400 Teoria do Fato Punível Capítulo 16 de duração caracterizados pela criação ou manutenção de situações antijurídicas como violação de domicílio ou dirigir veículo automotor em via pública sem habilitação ou em estado de embriaguez8 etc por outro lado existe também unidade de tipo de injusto em sentido am plo d em situações de repetição da ação típica em rápida sequência temporal prevista no tipo moeda falsa rixa etc ou não prevista no tipo remessa de escrito com várias injúrias furto mediante pluralidade de ações de subtração etc desde que a repetição constitua simples au mento quantitativo do tipo de injusto mas independente da natureza do bem jurídico podendo atingir bens jurídicos personalíssimos de diferentes portadores9 assim como finalmente e em situações de contínua realização da ação típica por atos sequenciais de aproximação progressiva do resultado como o tráfico de drogas por exemplo10 III Pluralidade material de fatos puníveis A pluralidade material de fatos puníveis existe em situações de sucessividade de tipos de injusto independentes iguais ou desiguais julgados no mesmo processo11 furto de veículo e lesão corporal impru dente dirigir embriagado e fugir do local do acidente etc Como se vê a pluralidade material de fatos puníveis tem os seguintes pressupostos a pluralidade de ações ou de omissões de ação típicas determinantes de pluralidade de resultados típicos b julgamento de vários fatos puníveis independentes no mesmo processo A consequência penal é 8 DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch 1995 nota preliminar 41 52 MAURACH GÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 54 n 55 p 418 9 DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch 1995 nota preliminar 2 52 STRATENWERTH Strafrecht II 1981 n 1214 10 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 66 III 2 p 713 11 Comparar JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 68 I 1 p 726 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 400 242012 162827 401 Capítulo 16 Unidade e Pluralidade de Fatos Puníveis regida pelo princípio da cumulação assim aplicado soma das penas privativas de liberdade simultaneidade ou sucessividade das penas restritivas de direito dependendo de sua compatibilidade ou não exceto se aplicada pena privativa de liberdade não suspensa a um dos crimes do concurso hipótese que impede a substituição da privação de liberdade por restrição de direitos12 Art 69 Quando o agente mediante mais de uma ação ou omissão pratica dois ou mais crimes idênticos ou não aplicamse cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido No caso de apli cação cumulativa de penas de reclusão e de detenção executase primeiro aquela 1º Na hipótese deste artigo quando ao agente tiver sido aplicada pena privativa de liberdade não suspen sa por um dos crimes para os demais será incabível a substituição de que trata o art 44 deste Código 2º Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos o condenado cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais IV Pluralidade formal de resultados típicos A pluralidade formal de resultados típicos ocorre em situações de unidade de ação com pluralidade de resultados típicos iguais ou desiguais de lesão ou de simples atividade13 12 Ver FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 355 p 365366 13 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 67 II 1 p 719720 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 401 242012 162827 402 Teoria do Fato Punível Capítulo 16 Art 70 Quando o agente mediante uma só ação ou omissão pratica dois ou mais crimes idênticos ou não aplicaselhe a mais grave das penas cabíveis ou se iguais somente uma delas mas aumentada em qualquer caso de um sexto até metade As penas aplicamse entretanto cumulativamente se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos consoante o disposto no artigo anterior 1 As teorias sobre a pluralidade formal de resultados típicos afirmam teses semelhantes de perspectivas diferentes segundo a teoria unitá ria uma única ação pode produzir apenas um fato punível apesar da pluralidade de resultados típicos14 segundo a teoria pluralista a realização de vários resultados típicos conduz à admissão de vários fatos puníveis apesar da existência exterior de uma única ação15 De qualquer ponto de vista os pressupostos do concurso formal são os seguintes a unidade de ação típica b pluralidade de resultados típicos c identidade parcial da ação executiva dos tipos objetivos res pectivos por exemplo roubo e extorsão com violência para subtrair valores e para constranger a vítima a entregar valores lesão corporal e resistência em agressão contra oficial de justiça em cumprimento de mandado judicial etc16 2 A pluralidade formal de resultados típicos aparece de duas maneiras a uma ação produz uma pluralidade de resultados típicos iguais po dendo atingir bens jurídicos personalíssimos corpo vida liberdade 14 Assim MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 54 n 2324 p 407408 15 DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch 1995 nota preliminar 4 52 16 É a opinião dominante MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 55 n 72 p 447 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 231 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 777 p 248 No Brasil comparar BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 217 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 356357 p 366367 REGIS PRADO Curso de Direito Penal brasileiro 1999 p 280 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 402 242012 162827 403 Capítulo 16 Unidade e Pluralidade de Fatos Puníveis etc ou patrimoniais um só disparo de arma de fogo produz morte e lesão corporal em pessoas diferentes uma só ofensa verbal constitui injúria contra duas pessoas b uma ação produz uma pluralidade de resultados típicos desiguais um disparo de arma de fogo determina os resultados típicos de homicídio e de dano17 A literatura destaca alguns casos especiais de unidade de ação com pluralidade de resultados típicos a unidade de ação simultaneamente dolosa e imprudente realização de dano doloso com simultânea lesão corporal imprudente18 ver n 5 abaixo b unidade de omissão de ação dolosa e imprudente guardião participa por omissão de ação dolosa de roubo de banco deixando de fechar a porta dos fundos do estabelecimento sem representar a possibilidade do incêndio impru dente ocorrido por causa do material e procedimentos utilizados para abertura do cofre19 Mas a opinião dominante exclui concurso formal entre tipos de ação e de omissão de ação porque atividade e passividade não se recobrem parcialmente20 por exemplo fuga do local do aci dente e homicídio doloso cometido por omissão da ação de proteção da vítima pelo autor do acidente na posição de garantidor do bem jurídico fundada na ação precedente perigosa21 3 A consequência penal do concurso formal é regida pelo princípio da exasperação com agravação da pena comum ou da pena mais grave de um sexto até metade a exceção é representada pelo falso concurso formal em que a pluralidade de resultados típicos é produzida por desígnios au tônomos pluralidade de fins mas em unidade de ação dolosa resolvida 17 Ver entre outros JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 67 II 1 p 720 18 Assim JAKOBS Strafrecht 1993 336 p 910 LACKNER Strafgesetzbuch 1995 52 n 7 19 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 67 III 4 p 723 20 Assim LACKNER Strafgesetzbuch 1995 52 n 7 STRATENWERTH Strafrecht II 1981 n 1245 21 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 67 III 4 p 723 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 403 242012 162827 404 Teoria do Fato Punível Capítulo 16 como concurso material art 70 segunda parte movida pelo ciúme C lança substância corrosiva para atingir simultaneamente os rostos de A e de B produzindo dano estético permanente em ambas as vítimas22 4 A majoração da pena determinada pelo princípio menos rigoroso da exasperação não pode exceder a que resultaria do princípio mais rigoroso da cumulação para evitar a seguinte consequência penal absurda no con curso de homicídio simples e lesão corporal o princípio da exasperação do concurso formal determinaria pena mínima de 7 anos ou seja 6 anos pelo homicídio mais 16 pela lesão corporal enquanto o princípio da cumulação do concurso material determinaria pena de 63 anos23 Art 70 parágrafo único Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art 69 deste Código 5 Hipóteses de aberratio ictus sobre objetos típicos iguais com desvio causal da pessoa visada para pessoa diferente erro sobre a pessoa são resolvidas como se não tivesse existido erro de execução art 20 3º CP homicídio doloso consumado no disparo de revólver contra B que atinge mortalmente C postado atrás daquele se a pessoa visada também é atingida configurase concurso formal de homicídio doloso tentado ou consumado e homicídio imprudente ver Atribuição subjetiva do resultado em desvios causais acima Art 73 Quando por acidente ou erro no uso dos meios de execução o agente ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender atinge pessoa diversa responde como se tivesse praticado o crime contra aquela atendendose ao disposto no 3o do art 20 deste Código No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender aplicase a regra do art 70 deste Código 22 Comparar BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 217 também REGIS PRADO Curso de Direito Penal brasileiro 1999 p 280 23 Ver FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 153 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 357 p 267 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 404 242012 162827 405 Capítulo 16 Unidade e Pluralidade de Fatos Puníveis Casos de aberratio ictus sobre objetos típicos diferentes com desvio causal do objeto visado para objeto diferente são atribuídos como crime imprudente se previsto em lei B atira pedra para destruir o vaso de porcelana chinesa pertencente a C mas erra o alvo e fere o proprietário atrás do vaso se o objeto visado também é atingido configurase concurso formal de dano doloso e lesão corporal imprudente ver Atribuição subjetiva do resultado em desvios causais acima Art 74 Fora dos casos do artigo anterior quando por acidente ou erro na execução do crime sobrevém resultado diverso do pretendido o agente responde por culpa se o fato é previsto como crime culposo se ocorre também o resultado pretendido aplicase a regra do art 70 deste Código V Unidade continuada de fatos típicos 1 A disciplina legal Situações de pluralidade de fatos típicos de igual espécie produzidos por pluralidade de ações ou de omissões de ação realizadas em condições de tempo lugar modo de execução e outras indicadoras de que os fatos típicos posteriores são continuação do primeiro configuram unidade continuada de tipo de injusto ou crime continuado regida pelo princípio de exasperação da pena Art 71 Quando o agente mediante mais de uma ação ou omissão pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e pelas condições de tempo lugar maneira de execução e outras semelhantes devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro aplicase lhe a pena de um só dos crimes se idênticas ou a mais grave se diversas aumentada em qualquer caso de um sexto a dois terços Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 405 242012 162827 406 Teoria do Fato Punível Capítulo 16 O legislador penal brasileiro instituiu também a possibilidade de continuação em tipos dolosos violentos contra vítimas diferentes Art 71 parágrafo único Nos crimes dolosos con tra vítimas diferentes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa poderá o juiz considerando a culpabilidade os antecedentes a conduta social e a personalidade do agente bem como os motivos e as circunstâncias aumentar a pena de um só dos crimes se idênticas ou a mais grave se diversas até o triplo observadas as regras do parágrafo único do art 70 e do art 75 deste Código Como se vê existem apenas dois requisitos legais para a unidade continuada de tipo de injusto a pluralidade de fatos típicos de igual espécie b relação de continuação entre a primeira e as posteriores ações típicas indicada por condições de tempo lugar modo de execução e outras Em suma qualquer tipo de injusto doloso por ação ou omissão de ação clandestina fraudulenta ou violenta lesivo de qualquer bem jurídico protegido na lei penal inclusive contra portadores diferentes pode aparecer sob a forma do crime continuado preenchidos os re quisitos legais e observada a diversidade de pena A diferença entre as duas regras sobre crime continuado é a seguinte o art 71 caput abrange todas as hipóteses de crime continuado menos a hipótese de crimes dolosos violentos contra vítimas diferentes o art 71 parágra fo único regula exclusivamente a relação de continuação em crimes dolosos violentos contra vítimas diferentes 2 O paradigma objetivosubjetivo do crime continuado Sob a égide do antigo paradigma causal de fato punível o critério do le gislador para determinar relação de continuidade delitiva deveria ser necessariamente objetivo ou seja a relação de continuação de ações típicas devia ser interpretada de um ponto de vista objetivo Adotado o sistema finalista como paradigma da parte geral do Código Penal a estrutura das ações típicas continuadas como aliás a estrutura Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 406 242012 162827 407 Capítulo 16 Unidade e Pluralidade de Fatos Puníveis de qualquer ação típica inclusive das ações típicas em concorrência material e formal é constituída de elementos objetivos e subjetivos cujo exame é necessário para determinar não só a existência de crimes da mesma espécie mas também para verificar a existência da relação de continuação da ação típica anterior através das ações típicas posteriores Em conclusão o novo modelo de estrutura do fato punível e portanto o novo paradigma objetivosubjetivo de construção e de interpretação da lei penal requer uma nova leitura dos critérios legais capaz de in tegrar as dimensões objetiva e subjetiva do fato punível no conceito de fato punível continuado independente da opinião do legislador em interpretação paralela obviamente equivocada sobre ausência de maiores inconvenientes da teoria objetiva do crime continuado24 Nessa perspectiva que rompe com o inexplicável objetivismo dominante na literatura penal finalista brasileira em matéria de crime continuado25 crimes de igual espécie constituem tipos de injusto equivalentes do ponto de vista do tipo objetivo e do tipo subjetivo 21 A equivalência de tipo objetivo é indicada pelas seguintes correlações a lesão de igual bem jurídico embora em diversos estágios de realização tentativa e consumação ou níveis distintos de proteção furto simples e qualificado ou mesmo protegido por diferentes tipos legais injúria e difamação furto e apropriação indébita definido como unidade de resultado injusto26 b ação típica igual por caracteres comuns de tempo durante a noite em determinados horários diurnos etc de lugar na residência ou no local de trabalho da vítima em estacionamento de veí 24 Ver n 59 da Exposição de Motivos da Lei n 720984 25 Assim por exemplo BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 220 afirma que a teoria objetiva é adotada pelo nosso Código Penal também REGIS PRADO Curso de Direito Penal brasileiro 1999 p 282 admite a despropositada interpretação paralela do legislador ao repetir que o critério da teoria puramente objetiva não revelou na prática maiores inconvenientes ao contrário ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 439 p 726729 exigem dolo unitário como fator psicológico ou fator final no crime continuado 26 Comparar JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 66 V 3b p 716 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 407 242012 162827 408 Teoria do Fato Punível Capítulo 16 culos em supermercados etc de modo de execução ação ou omissão de ação métodos de fraude de violência ou de clandestinidade da ação etc indicadores de continuidade objetiva da primeira através das posteriores ações típicas definidas em conjunto como unidade de ação injusta27 22 A equivalência de tipo subjetivo é indicada por um dolo unitário abrangente do conjunto das ações típicas em continuação com suas características comuns de tempo lugar modo de execução e outras semelhantes indispensável para integrar a pluralidade das ações típicas na unidade do crime continuado definido pela literatura como unidade de injusto pessoal28 haveria dolo de continuação no programa de realizar uma série mais ou menos determinável de estelionatos não porém no programa de realizar o maior número possível de estelionatos de de terminado modo contudo haveria dolo de continuação em programar o furto do maior número possível de bicicletas no estacionamento de uma fábrica por exemplo não porém no plano de furtar várias bicicletas em circunstâncias desconhecidas de tempo lugar modo de execução etc29 A necessidade de um dolo geral ou de continuação é determinada pela própria natureza do crime continuado a relação de continuação só pode existir no contexto de um programa ou projeto de realizar determinadas ações típicas em condições comuns de tempo lugar modo de execução etc A tese de que a relação de continuação supõe um projeto anterior que é evidentemente representado pelo dolo implica excluir a imprudência da área do crime continuado se a rela ção de continuação supõe um projeto anterior então a imprudência é conceitualmente incompatível com a categoria do crime continuado30 apesar de algumas opiniões importantes em contrário31 27 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 66 V 3 e 3b p 715716 28 Assim JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 66 V 3c p 716 29 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 66 V 3c p 717 30 Nesse sentido JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 66 V 3d p 717 LACKNER Strafgesetzbuch 1995 nota preliminar n 15 52 31 Assim MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 54 n 81 p 426 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 408 242012 162828 409 Capítulo 16 Unidade e Pluralidade de Fatos Puníveis 3 Unidade de injusto e unidade de pena A unidade do tipo de injusto continuado implica unidade de pena também regida pelo princípio da exasperação mas com diferenças no crime continuado comum art 71 CP agravação de um sexto a dois terços da pena comum se idêntica ou da mais grave se diversas no crime continu ado especial art 71 parágrafo único agravação até o triplo da pena comum se idêntica ou da pena mais grave se diversas observada a culpabilidade antecedentes conduta social personalidade do agente motivos e circunstâncias do crime continuado A unidade continuada de fatos puníveis produz também conse quências penais e processuais específicas cada tipo de injusto específico da relação de continuação deve ser provado porque determina a medida da pena a sentença abrange todos os tipos de injusto da continuação conhecidos ou desconhecidos a prescrição contudo segundo correta jurisprudência brasileira inicia em e incide sobre a pena de cada tipo de injusto isolado da relação de continuação32 VI A pena de multa na pluralidade de fatos puníveis A aplicação da pena de multa em qualquer hipótese de pluralida de de crimes material formal ou continuada é regida pelo princípio da cumulação aplicação integral Art 72 No concurso de crimes as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente 32 TRÖNDLEFISCHER Strafgesetzbuch 2000 78a nota 10 afirma que na unidade de fato corre para cada delito o prazo de prescrição previsto para o mesmo OTTO Grundkurs Strafrecht 2000 23 p 333 n 20 afirma que no crime continuado a prescrição começa em geral com o último ato parcial Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 409 242012 162828 410 Teoria do Fato Punível Capítulo 16 VII Limite das penas privativas de liberdade A lei penal fixa em 30 trinta anos o limite máximo de execução das penas privativas de liberdade Art 75 O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 trinta anos 1º Quando o agente for condenado a penas privati vas de liberdade cuja soma seja superior a 30 trinta anos devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo 2º Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena farseá nova unificação desprezandose para esse fim o período de pena já cumprido A aplicação de penas privativas de liberdade pode exceder o limite legal mas a execução das penas privativas de liberdade aplicadas não pode exceder o limite legal Em caso de pluralidade de penas a ade quação ao limite máximo permitido se faz pelo processo de unificação das penas A única exceção parcial dessa regra para desestimular outras infrações após atingido o limite máximo33 aparece na hipótese de condenação por fato punível posterior ao início de execução da pena já aplicada a reunificação para nova adequação ao limite legal exclui o tempo anterior de cumprimento de pena art 75 2º CP34 Finalmente no caso de pluralidade de condenações a execução das penas mais graves antecede as menos graves Art 76 No concurso de infrações executarseá pri meiramente a pena mais grave 33 Ver n 61 da Exposição de Motivos da Lei 720984 34 Assim CIRINO DOS SANTOS Teoria do crime 1993 p 92 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 410 242012 162828 411 Capítulo 16 Unidade e Pluralidade de Fatos Puníveis VIII Pluralidade aparente de leis Ao lado da autêntica concorrência material formal e continuada de fatos puníveis caracterizada por uma pluralidade real de tipos de injusto existe uma concorrência aparente de leis penais caracterizada por uma aparência de pluralidade de tipos de injusto A solução desse aparente conflito de leis é conduzida pela seguinte ideia fundamental o conteúdo de injusto de um tipo legal compreende o conteúdo de injusto de outro tipo legal e assim o tipo legal primário exclui o tipo legal secundário que não contribui para o injusto típico nem para a aplicação da pena35 Apesar de grande controvérsia na literatura contemporânea a opinião dominante coincide na utilização de alguns critérios para realizar a ideia daquele princípio geral e determinar o tipo legal adequável à ação concreta os critérios da especialidade da subsidiariedade e com restrições da consunção36 1 Especialidade 11 O critério da especialidade resolve o conflito aparente entre tipo especial e tipo geral em favor do tipo especial o tipo especial 35 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 69 I p 732 36 Nesse sentido DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch 1995 nota preliminar 18 52 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 69 II 13 p 733737 LACKNER Strafgesetzbuch 1995 nota preliminar n 25 52 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 234 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 787791 p 251253 JAKOBS Strafrecht 1993 311637 p 86980 embora admita esses critérios acaba absolutizando o critério da especialidade Contra o critério da consunção MAURACH GÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 55 n 51 p 442 No Brasil ver BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 62 REGIS PRADO Curso de Direito Penal brasileiro 1999 p 119 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 367 p 374 ZAFFARONI PIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 416 p 736739 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 411 242012 162828 412 Teoria do Fato Punível Capítulo 16 contém todos os caracteres do tipo geral e mais alguns caracteres especiais O tipo especial exclui o tipo geral por uma relação lógica entre continente e conteúdo o tipo especial contém o tipo geral mas o tipo geral não contém o tipo especial lex specialis derogat legi generali37 12 As variações de qualificação e de privilégio são especiais em rela ção ao tipo básico respectivo o homicídio qualificado ou privilegiado exclui o homicídio simples o furto qualificado exclui o furto simples etc igualmente os tipos independentes também chamados delictum sui generis são especiais em relação aos tipos elementares o roubo em relação ao furto e ao constrangimento ilegal o infanticídio em relação ao homicídio etc38 2 Subsidiariedade O critério da subsidiariedade resolve o conflito aparente entre tipo subsidiário e tipo principal em favor do tipo principal a aplicação do tipo subsidiário depende da não aplicação do tipo principal O tipo principal exclui o tipo subsidiário por uma relação de interferência ló gica ou de entrecruzamento estrutural porque diferentes normas penais protegem iguais bens jurídicos em diferentes estágios de agressão39 lex primaria derogat legi subsidiariae 37 Ver JAKOBS Strafrecht 1993 3116 p 869 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 69 II 1 p 733 38 Comparar JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 69 II 1 p 733734 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 55 n 20 p 436 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 788 p 251252 39 HONIG Straflose Vor und Nachtat 1927 p 113 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 412 242012 162828 413 Capítulo 16 Unidade e Pluralidade de Fatos Puníveis 21 A relação de subsidiariedade pode ser formal ou material a a subsidiariedade formal é expressa no texto da lei se o fato não cons titui elemento de crime mais grave etc entre outros artigos 238 239 337 CP b a subsidiariedade material é extraída da relação de sentido entre tipos legais existindo sob duas formas b1 tipos preparatórios para tipos de lesão o tipo legal de petrechos para fabri cação de moeda art 291 CP em relação ao tipo legal de moeda falsa art 289 CP b2 tipos de passagem de tipos legais de menor perigolesão para tipos legais de maior perigolesão do mesmo bem jurídico a subsidiariedade material dos tipos de perigo concreto em relação aos tipos de lesão a tentativa em face da consumação a lesão corporal em face do homicídio40 22 Além disso existe relação de subsidiariedade entre formas de autoria e de participação a cumplicidade é subsidiária da instigação instigador que ajuda a realização material do fato continua insti gador assim como a instigação é subsidiária da autoria autor que instiga outrem a participar do fato continua autor ou coautor41 Mais importante ainda o fato típico imprudente o atropelamento de um pedestre por exemplo é subsidiário do fato típico doloso o pedestre atropelado morre por falta de socorro do autor do atro pelamento responsável pela evitação do resultado na qualidade de garante do bem jurídico em perigo conforme o tipo de omissão de ação imprópria42 40 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 69 II 2 p 734735 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 55 n 18 p 435 WESSELS BEULKE Strafrecht 1998 n 790 p 252 41 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 69 II 2a p 735 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 55 n 18 p 435 WESSELS BEULKE Strafrecht 1998 n 790 p 252 42 Assim JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 69 II 2a p 735 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 413 242012 162829 414 Teoria do Fato Punível Capítulo 16 3 Consunção 31 O critério da consunção resolve o conflito aparente entre tipo consumidor e tipo consumido o conteúdo de injusto do tipo princi pal consome o conteúdo de injusto do tipo secundário porque o tipo consumido constitui meio regular não necessário de realização do tipo consumidor43 ou o tipo consumido não está em relação de necessidade lógica como na especialidade ou na subsidiariedade mas em relação de regularidade fenomenológica com o tipo consumidor44 lex consumens derogat legi consumptae 32 A consunção por relação de regularidade fenomenológica entre o tipo consumido e o tipo consumidor ocorre por exemplo em alguns fatos a lesão corporal em relação ao aborto o dano ou a violação de do micílio em relação ao furto qualificado por destruição ou rompimento de obstáculo ou emprego de chave falsa etc45 Na atualidade o critério da consunção está imerso em controvérsia irreversível e a tendência parece ser sua própria consunção por outros critérios especialmente pelo critério da especialidade e pelo antefato e pósfato copunidos a literatura contemporânea oscila entre posições de aceitação reticente46 e de rejeição absoluta47 do critério da consunção no conflito aparente de leis penais 43 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 69 II 3a p 736 44 ROXIN Strafrecht II 2003 p 8589 n 21315 45 ROXIN Strafrecht II 2003 p 85961 n 21620 46 Nesse sentido JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 69 II 3a p 735 KUHL Strafrecht 1997 21 n 60 p 795 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 791 p 253 47 Assim MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 55 n 51 p 442 para quem a chamada consunção não pode mais ser reconhecida Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 414 242012 162829 415 Capítulo 16 Unidade e Pluralidade de Fatos Puníveis 4 Antefato e pósfato copunidos O antefato e o pósfato copunidos estão geralmente em relação de consunção com o fato principal48 são punidos em conjunto com o fato principal Assim o porte ilegal de arma constitui antefato punido em conjunto com o homicídio praticado a apropriação o consumo ou a destruição da coisa furtada não constitui apropriação indébita ou dano mas pósfato punido no furto porque representa realização da vantagem objeto do elemento subjetivo especial do furto tipo consu midor49 igualmente a venda da coisa furtada a terceiro de boafé não constitui estelionato punível mas fato posterior punido em conjunto com o furto ainda que lesione novo bem jurídico50 a pena do furto abrange os atos próprios de apropriação inclusive a venda da coisa furtada e portanto punir pela realização da intenção especial do furto elemento subjetivo determinante do tipo de injusto significaria dupla punição pelo mesmo fato51 48 O texto representa mudança em relação à posição anterior cf CIRINO DOS SANTOS Teoria do crime 1993 p 93 49 Assim por exemplo WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 795 p 254 50 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 69 II 3a p 736 51 Assim FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 371 p 377 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 415 242012 162829 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 416 242012 162829 Terceira Parte teoria da peNa Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 417 242012 162829 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 418 242012 162829 419 Capítulo 17 poLítica crimiNaL e direito peNaL A Política Criminal constitui o programa oficial de controle do crime e da criminalidade uma definição comum em Criminologia1 o Direito Penal representa o sistema de normas que define crimes comina penas e estabelece os princípios de sua aplicação uma defi nição comum em Direito Penal2 No Brasil e nos países periféricos a política criminal do Estado não inclui políticas públicas de emprego salário digno escolarização moradia saúde e outras medidas comple mentares como programas oficiais capazes de alterar ou de reduzir as condições sociais adversas da população marginalizada do mercado de trabalho e dos direitos de cidadania definíveis como determinações estruturais do crime e da criminalidade por isso o que deveria ser uma política criminal positiva do Estado existe de fato como mera política penal negativa instituída pelo Código Penal e leis complementares a definição de crimes a aplicação de penas e a execução penal como níveis sucessivos da política penal do Estado representam a única resposta oficial para a questão criminal3 A política penal realizada pelo Direito Penal é legitimada pela teoria da pena construída pelos discursos de retribuição do crime e de prevenção geral e especial da criminalidade as funções atribuídas à pena criminal pela ideologia penal oficial4 A compreensão da Política 1 KAISER Kriminologie 1993 p 642643 2 Comparar ROXIN Strafrecht 1997 1 ns 12 p 1 3 Nesse sentido BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição p 203204 4 Ver BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição p 191 ROXIN Strafrecht 1997 3 n 132 p 4154 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 419 242012 162829 420 Teoria da Pena Capítulo 17 Criminal rectius política penal pressupõe o estudo das funções atribuídas à pena criminal como instrumento principal do programa oficial de controle do crime e da criminalidade Mas a análise da pena criminal não pode se limitar ao estudo das funções atribuídas pelo discurso oficial definidas como funções declaradas ou manifestas da pena criminal pelo contrário esse estudo deve rasgar o véu da aparência das funções declaradas da ideologia jurídica oficial para identificar as funções reais ou latentes da pena criminal que podem explicar sua existência aplicação e execução nas sociedades de classes sociais antagônicas fundadas na relação capital trabalho assalariado que define a separação força de trabalhomeios de produção das sociedades contemporâneas De modo geral as formas ideológicas de controle social possuem uma dimensão real pela qual cumprem a função de reproduzir a realidade e uma dimensão ilusória pela qual ocultam ou encobrem a natureza da realidade reproduzida5 No caso da pena criminal as funções declaradas constituem o discurso oficial da teoria jurídica da pena as funções reais encobertas pelas funções aparentes da pena criminal constituem o objeto de pesquisa da teoria criminológica da pena6 O estudo da relação entre Política Criminal e Direito Penal na perspectiva das funções declaradas ou manifestas e das funções reais ou 5 CIRINO DOS SANTOS A criminologia radical 2006 p 99100 O Direito ou a circulação é intermediário necessário da produção capitalista no qual nada ocorre mas pelo qual tudo ocorre a ideologia jurídica da proteção geral de sujeitos livres e iguais vigente na esfera do Direitocirculaçãomercado oculta a desigualdade das relações coletivas de produção relações de classes a coação das relações econômicas sobre o trabalhador e a exploração do trabalho pela apropriação de maisvalia como trabalho não remunerado Essa relação entre aparência liberdade e igualdade na esfera do Direitocirculação e realidade coação e exploração das relações de produção explica as funções de mistificação ou de representação ilusória e de reprodução das relações sociais realizada pela ideologia a aparência de igualdade e de liberdade do Direito circulação reproduz a realidade da coação e exploração das relações de produção que produzem aquela aparência 6 CIRINO DOS SANTOS A criminologia radical 2006 p 128 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 420 242012 162829 421 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal latentes da pena criminal também explica a esquizofrenia do programa oficial de Política Criminal realizado pelo Direito Penal nas sociedades atuais marcado pela contradição entre o discurso penal e a realidade da pena que seguem direções diametralmente opostas7 I O discurso oficial da teoria jurídica da pena 1 A pena como retribuição de culpabilidade 1 Conceito A pena como retribuição do crime representa a imposição de um mal justo contra o mal injusto do crime necessário para realizar justiça ou restabelecer o Direito8 segundo a fórmula de SENECA punitur quia peccatum est9 A sobrevivência histórica da pena retribu tiva a mais antiga e mais popular função atribuída à pena criminal parece inexplicável para o discurso oficial a pena como expiação de culpabilidade lembra suplícios e fogueiras medievais concebidos para purificar a alma do condenado a pena como compensação de culpabilidade atualiza o impulso de vingança do ser humano tão velho quanto o mundo10 A literatura penal possui várias explicações para a sobrevivência da função retributiva da pena criminal Primeiro a psicologia popular 7 CIRINO DOS SANTOS Política criminal realidades e ilusões do discurso penal in Discursos sediciosos crime direito e sociedade 2002 n 12 p 5357 8 Ver ALBRECHT Kriminologie 1999 p 48 GROPP Strafrecht 2001 p 32 n 101102 ROXIN Strafrecht 1997 3 n 2 p 41 No Brasil ver BRANDÃO Introdução ao direito penal 2002 p 152156 9 SENECA De ira Livro 1 16 21 punido porque pecou ver NAUCKE Strafrecht 2000 n 139 p 32 10 BRANDÃO Introdução ao direito penal 2002 p 21 a 29 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 421 242012 162829 422 Teoria da Pena Capítulo 17 evidentemente regida pelo talião poderia ser a base antropológica da pena retributiva a retaliação expressa no olho por olho dente por dente constitui mecanismo comum dos seres zoológicos e por isso atitude generalizada do homem esse zoon politikon11 Segundo a tradição religiosa judaicocristã ocidental apresenta uma imagem retributivo vingativa da justiça divina que talvez constitua a influência cultural mais poderosa sobre a disposição psíquica retributiva da psicologia popular portanto de origem mais social do que biológica12 Tercei ro a filosofia idealista ocidental é retributiva13 KANT 17241804 define a justiça retributiva como lei inviolável um imperativo cate górico pelo qual todo aquele que mata deve morrer para que cada um receba o valor de seu fato e a culpa do sangue não recaia sobre o povo que não puniu seus culpados14 HEGEL 17701831 define crime como negação do direito e pena como negação do crime portanto como reafirmação do direito e considera a justiça retributiva a única digna do ser humano criticou a teoria da coação psicológica de FEUERBACH 17751833 porque não tratava o homem como ser dotado de honra e liberdade mas como um cão ameaçado com um bastão15 Quarto o discurso retributivo baseiase na lei penal que consagra o princípio da retribuição o legislador determina ao juiz aplicar a pena conforme necessário e suficiente para reprovação do crime art 59 CP por essa via o discurso retributivo alcança 11 ROXIN Strafrecht 1997 3 n 2 p 41 12 Ver ROXIN Strafrecht 1997 3 n 5 p 43 13 Nesse sentido BRANDÃO Introdução ao direito penal 2002 p 156159 também BUSATOHUAPAYA Introdução ao direito penal fundamentos para um sistema penal democrático 2003 p 207209 14 KANT Methaphysik der Sitten 1797 p 331 Nessa passagem a célebre hipótese da dissolução da sociedade Mesmo se a comunidade de cidadãos com a concordância de todos os membros se dissolvesse o último assassino encontrado na prisão deveria ser previamente executado para que cada um receba o valor de seu fato e a culpa do sangue não pese sobre o povo que não insistiu na punição 15 HEGEL Rechtsphilosophie 1821 99 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 422 242012 162829 423 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal a jurisprudência criminal para a qual a pena criminal é retribuição através da imposição de um mal16 2 Crítica jurídica A crítica jurídica da função retributiva tem por objeto a natureza expiatória ou compensatória da pena criminal retribuir como método de expiar ou de compensar um mal o cri me com outro mal a pena pode corresponder a uma crença e nessa medida constituir um ato de fé mas não é democrático nem científico17 Não é democrático porque no Estado Democrático de Direito a o poder é exercido em nome do povo e não em nome de Deus e b o Direito Penal tem por objetivo proteger bens jurídicos e não realizar vinganças Por outro lado não é científico porque a retribuição do crime pressupõe um dado indemonstrável a liberdade de vontade do ser humano pressuposta no juízo de cul pabilidade presente em fórmulas famosas como o poder de agir de outro modo de WELZEL18 não admite prova empírica Assim a pena como retribuição do crime fundamentase num dado inde monstrável o mito de liberdade pressuposto na culpabilidade do autor A impossibilidade de demonstrar a liberdade pressuposta na culpabilidade determinou mudança na função atribuída à culpabili dade a culpabilidade perde a antiga função de fundamento da pena que legitima o poder punitivo do Estado em face do indivíduo para assumir a função atual de limitação da pena que garante o indivíduo contra o poder punitivo do Estado uma mudança de sinal dotada de importante significado político19 16 Nesse sentido também o Tribunal Federal Constitucional alemão 22 132 toda pena criminal é por natureza retribuição através da imposição de um mal in ROXIN Strafrecht 1997 3 n 6 p 43 17 ROXIN Strafrecht 1993 3 n 8 p 4344 18 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 138 19 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 4950 No Brasil CIRINO DOS SANTOS A moderna teoria do fato punível 2004 p 20915 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 423 242012 162829 424 Teoria da Pena Capítulo 17 2 A pena como prevenção especial 1 Conceito A função de prevenção especial da pena criminal domi nante nos séculos 19 e 20 é atribuição legal dos sujeitos da aplicação e da execução penal primeiro o programa de prevenção especial é defi nido pelo juiz no momento de aplicação da pena através da sentença criminal individualizada conforme necessário e suficiente para prevenir o crime art 59 CP segundo o programa de prevenção especial de finido na sentença criminal é realizado pelos técnicos da execução da pena criminal os chamados ortopedistas da moral na concepção de FOUCAULT20 com o objetivo de promover a harmônica integração social do condenado art 1º LEP A execução do programa de prevenção especial ocorre em dois processos simultâneos pelos quais o Estado espera evitar crimes futuros do condenado por um lado a prevenção especial negativa de neutralização ou inocuização do condenado consistente na incapacitação para praticar novos crimes durante a execução da pena21 por outro lado a prevenção especial positiva de correção ou ressocialização do condenado realizada pelo trabalho de psicólogos sociólogos assistentes sociais e outros funcionários da ortopedia moral do estabelecimento penitenciário segundo outra fórmula antiga punitur ne peccetur22 20 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 15 21 Ver NAUCKE Strafrecht 2000 p 3334 n 141 ROXIN Strafrecht 1997 3 n 7 p 43 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 5152 e 56 s GROPP Strafrecht 2001 p 104105 n 106 No Brasil comparar BUSATOHUAPAYA Introdução ao direito penal fundamentos para um sistema penal democrático 2003 p 2204 22 SENECA De ira Livro I XIX7 punido para que não peque referindo PLATÃO 427347 aC que por sua vez invocava PROTÁGORAS 485415 aC Nam ut Plato ait nemo prudens punit quia peccatum est sed ne peccetur Ver ROXIN Strafrecht 1997 n 11 p 4445 também ALBRECHT Kriminologie 1999 p 5152 e 56 s GROPP Strafrecht 2001 n 106 p 34 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 424 242012 162829 425 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal 2 Crítica jurídica A prevenção especial negativa de neutralização do condenado parece indiscutível a incapacitação seletiva de indivíduos considerados perigosos constitui efeito evidente da execução da pena porque impede a prática de crimes fora dos limites da prisão23 as sim a neutralização do condenado seria uma das funções declaradas cumpridas pela pena criminal A crítica jurídica da prevenção especial positiva fala da supressão de direitos não atingidos pela privação de liberdade da necessidade de respeitar a autonomia do preso e de limitar os programas de res socialização a casos individuais voluntários afinal o condenado não pode ser compelido ao tratamento penitenciário o Estado não tem o direito de melhorar pessoas segundo critérios morais próprios e enfim prender pessoas fundado na necessidade de melhoria terapêutica é injustificável24 O reconhecimento da ineficácia corretiva da prevenção especial positiva e dos efeitos nocivos da prevenção especial negativa atribuí dos à pena privativa de liberdade são diluídos segundo PILGRAM STEINERT25 por frequentes declarações simplistas de que ainda não temos nada melhor do que a prisão26 23 Ver KUNZ Kriminologie 1994 n 19 p 286 24 KUNZ Kriminologie 1994 n 40 p 294 Com isto a execução ressocializadora contém um novo fundamento além da finalidade de evitação da criminalidade através da melhoria do condenado Por um lado fica claro que o pensamento de ressocialização ligado à compensação dos danos colaterais da execução da pena não justifica como sempre se verifica manter pessoas presas fundado na necessidade de tratamento Por outro lado um tratamento custodial conforme uma terapia pseudomédica de melhoramento é excluída a execução terapêutica deve respeitar a autonomia pessoal do preso e se limitar à oferta de programas de ajuda com base em reivindicações voluntárias 25 PILGRAMSTEINERT Plädoyer fur bessere Grunde fur die Abschaffung der Gefängnisse in H Ortner Editor Freiheit statt Strafe Frankfurt a M 1981 p 133154 26 MAIR What works nothing or everything Measuring the effectiveness of sentencing in Research Bulletin 30 1991 p 38 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 425 242012 162830 426 Teoria da Pena Capítulo 17 3 A pena como prevenção geral 1 Conceito A função de prevenção geral atribuída à pena criminal igualmente tem por objetivo evitar crimes futuros mediante uma forma negativa antiga e uma forma positiva pósmoderna 11 A prevenção geral negativa aparece na forma tradicional de intimidação penal expressa na célebre teoria da coação psicológica de FEUERBACH 1775183327 o Estado espera que a ameaça da pena desestimule pessoas de praticarem crimes28 12 A prevenção geral positiva também chamada teoria da pre vençãointegração surge no final do século 20 e pretende repre sentar o novo fundamento do sistema penal A base sociológica da teoria foi desenvolvida por LUHMANN que atribui ao Direito as funções a de estabilização do sistema social b de orientação da ação e c de institucionalização de expectativas normativas Nessa linha aparecem duas variantes a ROXIN29 concebe a prevenção geral positiva no contexto de outras funções declaradas da pena criminal legitimada pela proteção de bens jurídicos de natureza subsidiária existem outros meios mais efetivos e fragmentária proteção parcial dos bens jurídicos selecionados b JAKOBS concebe a prevenção geral positiva de modo absoluto excluindo as funções declaradas de intimidação de correção e de retribuição do discurso punitivo a pena é afirmação da validade da norma penal violada definida como bem jurídicopenal30 categoria formal 27 FEUERBACH Lehrbuch des gemeinen in Deutschland geltenden peinlichen Rechts 1801 1966 p 38 28 Ver BRANDÃO Introdução ao direito penal 2002 p 160 BUSATOHUAPAYA Introdução ao direito penal fundamentos para um sistema penal democrático 2003 p 216217 29 ROXIN Strafrecht 1997 2 n 3839 p 25 30 JAKOBS Strafrecht 1993 n 5 p 3637 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 426 242012 162830 427 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal substitutiva da categoria real do bem jurídico aplicada com o objetivo de estabilizar as expectativas normativas e de restabelecer a confiança no Direito frustradas pelo crime31 2 Crítica jurídica A crítica jurídica tem por objeto a dimensão negativa e a dimensão positiva da função de prevenção geral da pena criminal 21 A crítica da prevenção geral negativa destaca a ineficácia da ame aça penal para inibir comportamentos criminosos conforme indicam a inutilidade das cruéis penas corporais medievais e a nocividade das penas privativas de liberdade do Direito Penal moderno Aliás afirmase que não é a gravidade da pena ou o rigor da execução penal mas a certeza ou a probabilidade da punição que pode desestimular o autor de praticar crimes uma velha teoria já enun ciada por BECCARIA 1738179432 sempre retomada como teoria moderna pelo discurso de teóricos do controle social Além disso a prevenção geral negativa possui dois defeitos graves primeiro a falta de critério limitador da pena transforma a ameaça penal em terrorismo estatal33 como indica a lei de crimes hediondos essa infeliz invenção do legislador brasileiro segundo a natureza exemplar da pena como prevenção geral negativa viola a dignidade humana porque acusados reais são punidos de forma exemplar para influenciar a conduta de acusados potenciais em outras palavras aumentase injustamente o sofrimento de acusados reais para desestimular o comportamento criminoso de acusados potenciais34 22 O caráter formalcerebrino do discurso de integraçãoprevenção parece descrever um mundo irreal a por exemplo a superposição de efeitos políticocriminais de ROXIN o efeito sociopedagógico de 31 JAKOBS Strafrecht 1993 ns 34 p 3536 s ns 78 p 3738 32 BECCARIA Dei delitti e delle pene 1764 1973 reimpressão p 73 33 ROXIN Strafrecht 1997 3 n 32 p 5253 34 ROXIN Strafrecht 1997 3 n 32 p 5253 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 427 242012 162830 428 Teoria da Pena Capítulo 17 exercício em fidelidade jurídica produzido pela atividade da justiça penal o efeito de aumento da confiança do cidadão no ordenamento jurídico pela percepção da imposição do Direito o efeito de pacifi cação social pela punição da violação do Direito e portanto solução do conflito com o autor35 b mais grave é o formalismo abstrato da linguagem hermética de JAKOBS a prevenção geral positiva como demonstração de validade da norma necessária para reafirmar as ex pectativas normativas frustradas pelo comportamento criminoso36 seria exercício de confiança na norma saber o que esperar na interação social de fidelidade jurídica reconhecimento da pena como efeito da contradição da norma e de aceitação das consequências jurídicas conexão do comportamento criminoso com o dever de suportar a pena37 na verdade postulados do contrato social do século 18 com aceitação das normas sociais na qualidade de membro da sociedade e aceitação da punição na qualidade de infrator das normas sociais38 4 As teorias unificadas a pena como retribuição e prevenção 1 Conceito As teorias unificadas da pena criminal conjugam as teo rias isoladas com o objetivo de superar as deficiências particulares de cada teoria mediante fusão das funções declaradas de retribuição de prevenção geral e de prevenção especial da pena criminal39 Então a pena representaria a retribuição do injusto realizado mediante compensação 35 ROXIN Strafrecht 1997 3 n 27 p 5051 36 JAKOBS Strafrecht 1993 n 6 p 7 37 JAKOBS Strafrecht 1993 ns 15 e 16 p 13 38 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 6976 39 EBERT Strafrecht 2001 p 235 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 428 242012 162830 429 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal ou expiação da culpabilidade b prevenção especial positiva mediante correção do autor pela ação pedagógica da execução penal além de prevenção especial negativa como segurança social pela neutralização do autor e finalmente c prevenção geral negativa através da intimi dação de criminosos potenciais pela ameaça penal e prevenção geral positiva como manutençãoreforço da confiança na ordem jurídica etc40 Atualmente as teorias unificadas predominam na legislação na jurisprudência e na literatura penal ocidental Por exemplo o CP alemão adota as teorias unificadas da pena criminal o 46 do Strafgesetzbuch define culpabilidade como fundamento da pena retribuição determinada conforme os efeitos esperados para a vida futura do autor na comunidade prevenção especial o 47 mencio na o objetivo de defesa da ordem jurídica prevenção geral41 nesse sentido o Tribunal Constitucional alemão atribui à pena criminal a função absoluta de retribuição da culpabilidade assim como as funções relativas de prevenção do crime e de ressocialização do delinquente42 No Brasil o CP consagra as teorias unificadas ao determinar a apli cação da pena conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime art 59 CP a reprovação exprime a ideia de retribuição da culpabilidade a prevenção do crime abrange as moda lidades de prevenção especial correção e neutralização do autor e de prevenção geral intimidação e manutençãoreforço da confiança na ordem jurídica atribuídas à pena criminal Em outra perspectiva essa tríplice função atribuída à pena criminal corresponderia aos três níveis de realização do Direito Pe nal a função de prevenção geral negativa corresponde à cominação da ameaça penal no tipo legal a função de retribuição e a função de 40 HASSEMER Einfuhrung in die Grundlagen des Strafrechts 1990 p 325 NAUCKE Strafrecht 2000 n 142 p 34 e ns 3343 p 5357 ns 3343 EBERT Strafrecht 2001 p 235 41 Ver WESSELSBEULKE Strafrecht 2000 30a edição 1 I 4 n 12 p 4 42 BUNDESVERFASSUNGSGERICHT Decisão 45 187 253 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 429 242012 162830 430 Teoria da Pena Capítulo 17 prevenção geral positiva correspondem à aplicação judicial da pena as funções de prevenção especial positiva e negativa correspondem à execução penal43 2 Crítica jurídica Os defeitos das teorias isoladas não desaparecem nas teorias unificadas da pena criminal com a reunião das funções a de compensar ou expiar a culpabilidade b de corrigir e neutralizar o criminoso e c de intimidar autores potenciais e de manterreforçar a confiança no Direito Por outro lado a admissão de diferentes fun ções da pena criminal mediante cumulação de teorias contraditórias e reciprocamente excludentes significa adotar uma pluralidade de discursos legitimantes capazes de racionalizar qualquer punição pela escolha da teoria mais adequada para o caso concreto44 A crítica pode ser sintetizada em dois argumentos primeiro o feixe de funções conflitantes das teorias unificadas não permite superar as debilidades específicas de cada função declarada da pena criminal ao contrário as teorias unificadas significam a soma dos defeitos das teorias particulares segundo não existe nenhum fundamento filosófico ou científico capaz de unificar concepções penais fundadas em teorias contraditórias com finalidades práticas reciprocamente excludentes45 II O discurso crítico da teoria criminológica da pena O discurso crítico da teoria criminológica da pena é produzido por duas teorias principais com propósitos comuns mas métodos 43 Ver por exemplo EBERT Strafrecht 2001 p 236 44 ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 2003 p 114 45 ROXIN Strafrecht 1997 3 n 35 p 54 comparar EBERT Strafrecht 2001 p 235 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 430 242012 162830 431 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal diferentes a a teoria negativaagnóstica da pena fundada na dicotomia estado de direitoestado de polícia elaborada pelo trabalho coletivo de RAÚL ZAFFARONI e NILO BATISTA46 com a contribuição atual de A ALAGIA e A SLOKAR b a teoria materialistadialética da pena fundada na distinção entre funções reais e funções ilusórias da ideologia penal nas sociedades capitalistas47 desenvolvida pela tradição marxista em criminologia formada por PASUKANIS48 RUSCHE KIRCHHEIMER49 MELOSSIPAVARINI50 e BARATTA51 para citar os mais conhecidos com a contribuição relevante do estrutu ralista FOUCAULT52 A A crítica negativaagnóstica da pena criminal 1 A teoria negativaagnóstica da pena criminal tem por fundamento modelos ideais de estado de polícia e de estado de direito coexistentes no 46 ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 2003 47 Ver CIRINO DOS SANTOS A criminologia radical 2006 p 128 A Criminologia Radical distingue objetivos ideológicos aparentes do sistema punitivo repressão da criminalidade controle e redução do crime e ressocialização do criminoso e objetivos reais ocultos do sistema punitivo reprodução das relações de produção e da massa criminalizada demonstrando que o fracasso histórico do sistema penal limitase aos objetivos ideológicos aparentes porque os objetivos reais ocultos do sistema punitivo representam êxito histórico absoluto desse aparelho de reprodução do poder econômico e político da sociedade capitalista 48 PASUKANIS Teoria geral do direito e o marxismo 1972 49 RUSCHEKIRCHHEIMER Punishment and social structure 1939 50 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica 1980 51 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 52 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 431 242012 162830 432 Teoria da Pena Capítulo 17 interior do Estado moderno em relação de exclusão recíproca53 assim sintetizados a o modelo ideal de estado de polícia caracterizase pelo exercício de poder vertical e autoritário e pela distribuição de justiça substancia lista de grupos ou classes sociais expressiva de direitos metahumanos paternalistas que suprime os conflitos humanos mediante as funções manifestas positivas de retribuição e de prevenção da pena criminal con forme a vontade hegemônica do grupo ou classe social no poder54 b o modelo ideal de estado de direito caracterizase pelo exercício de poder horizontaldemocrático e pela distribuição de justiça procedi mental da maioria expressiva de direitos humanos fraternos que resolve os conflitos humanos conforme regras democráticas estabelecidas com redução ou limitação do poder punitivo do estado de polícia55 2 Do ponto de vista científico a teoria negativaagnóstica da pena criminal é antes e acima de tudo uma teoria negativa das funções declaradas ou manifestas da pena criminal expressas no discurso oficial de retribuição e de prevenção geral e especial positivas e negativas rejeitadas como falsas pelos autores56 que recuperam conceito de TOBIAS BARRETO para definir pena criminal como ato de poder político correspondente ao fundamento jurídico da guerra57 em segun do lugar é uma teoria agnóstica das funções reais ou latentes da pena 53 ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 2003 p 9495 54 ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 2003 p 94 e 99 55 ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 2003 p 9495 e 100 56 ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 2003 p 99 e 108109 57 ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 2003 p 109 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 432 242012 162830 433 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal criminal porque renuncia à cognição dos objetivos ocultos da pena criminal que seriam múltiplos e heterogêneos58 3 Do ponto de vista políticocriminal a teoria negativaagnóstica da pena tem por objetivo ampliar a segurança jurídica de todos os habitantes mediante redução do poder punitivo do estado de polícia e correspondente ampliação do estado de direito pelo reforço do po der de decisão das agências jurídicas59 fundado em conceito ôntico limitador do sistema punitivo capazes de limitar mas incapazes de suprimir o estado de polícia cujo poder maior transcenderia a pena criminal para vigiar registrar e controlar ideias movimentos e dissidências60 4 O objetivo de conter o poder punitivo do estado de polícia intrínseco em todo estado de direito proposto pela teoria negativaagnóstica da pena criminal produzida pela inteligência criativa de EUGENIO RAÚL ZAFFARONI e de NILO BATISTA comprometidos com a democratização do sistema punitivo na periferia do sistema político econômico globalizado justifica a teoria negativaagnóstica da pena criminal como teoria crítica humanista e democrática do Direito Penal credenciada para influenciar projetos de política criminal e a prática jurídicopenal na América Latina Afinal definir pena como ato de poder político atribuir à pena o mesmo fundamento jurídico da guerra e rejeitar como falsas as funções manifestas ou declaradas da 58 ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 2003 p 99100 Tratase de um conceito de pena que é negativo por duas razões a não concede qualquer função positiva à pena b é obtido por exclusão É agnóstico quanto à sua função pois confessa não conhecêla 59 ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 2003 p 108109 e 110112 60 ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 2003 p 99103 e 108 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 433 242012 162830 434 Teoria da Pena Capítulo 17 pena criminal significa ruptura radical e definitiva com o discurso de lei e ordem do poder punitivo61 5 Assim a considerando o humanismo filosófico e os objetivos políticocriminais democráticos da teoria negativaagnóstica da pena criminal b agindo com a perspectiva declarada de ampliar a con vergência teórica e metodológica entre a teoria negativaagnóstica e a teoria materialistadialética da pena criminal e c levando em conta que nenhuma teoria científica nasce acabada do cérebro humano mas adquire status científico pelo debate crítico coletivo parece recomen dável fazer os seguintes comentários complementares 51 Do ponto de vista conceitual o componente negativo da teo ria negativaagnóstica da pena criminal como rejeição das funções declaradas ou manifestas atribuídas à pena pelo discurso oficial po deria ser assumido pela teoria materialistadialética da pena que pesquisa as dimensões de realidade e de ilusão da ideologia penal nas sociedades capitalistas porque tem por objeto a dimensão ilusória da ideologia penal mas o componente agnóstico do conceito como renúncia de cognição das funções reais ou latentes do sistema penal na medida em que indica desinteresse científico sobre realidades ocultas por detrás da aparência de instituições sociais parece romper com a tradição histórica da Criminologia Crítica nesse caso em contraste com a inegável natureza crítica do trabalho intelectual dos autores que explicam a repressão penal pela seletividade fundada em estereótipos desencadeados por indicadores sociais negativos de pobreza marginalização etc 52 Do ponto de vista metodológico a teoria negativaagnóstica da pena criminal descarta o conceito de modo de produção da vida social que define a articulação de forças produtivas materiais homens e tecnologia em determinadas relações de produção históricas no caso 61 ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 2003 p 98100 e 108109 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 434 242012 162830 435 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal a relação capitaltrabalho assalariado nas quais se manifesta a luta de classes da formação social como método de análise dos fenômenos sociais o que explicaria a relativa abstração dos conceitos de Esta do de poder político e de pena criminal carentes de determinações históricas concretas o Estado parece independente da estrutura de classes da sociedade civil mais no original argentino do que na versão brasileira em que o conceito de classe social é introduzido por NILO BATISTA o poder político do Estado parece isolado da luta de classes na estrutura econômica da relação capitaltrabalho assalariado aliás o conceito de luta de classes seria o melhor argumento para a analogia entre pena e guerra assumida pelos autores e a pena criminal parece diluída na coerção oficial mediante privação de direitos ou dor sem identificar a prisão como modalidade específica de punição das socie dades capitalistas 53 Finalmente do ponto de vista das formas jurídicas do poder político da relação capitaltrabalho assalariado a pura e simples nega ção das funções declaradas ou manifestas e a atitude agnóstica em face das funções reais ou latentes da pena criminal que definem a teoria negativaagnóstica da pena criminal parecem cancelar as dimensões de realidade e de ilusão das formas ideológicas de controle social das sociedades de classes sociais antagônicas com o abandono da crítica criminológica fundada na dialética das funções declaradas ou manifestas da ideologia penal que legitimam o discurso oficial sobre crime e controle social e das funções reais ou latentes do sistema penal que garantem as relações sociais fundadas na separação força de trabalho meios de produção das sociedades capitalistas62 62 CIRINO DOS SANTOS A criminologia radical 2006 p 129 A categoria geral explicativa do Direito capaz de esclarecer as relações entre a aparência e a realidade de suas funções é o conceito de modo de produção da vida material a proteção da igualdade na esfera de circulação esconde a dominação política e a exploração econômica de classe na esfera de produção O Direito como relação social objetiva realiza funções ideológicas aparentes de proteção da igualdade e da liberdade e funções reais ocultas de instituição e reprodução das relações sociais de produção a desigualdade das relações de classes Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 435 242012 162830 436 Teoria da Pena Capítulo 17 B A crítica materialistadialética da pena criminal 1 A pena como retribuição equivalente do crime 1 O discurso crítico da teoria materialistadialética pretende revelar a natureza real da pena criminal nas sociedades contemporâneas a retribuição equivalente contrariamente ao que pensa a crítica jurídica não representa resquício metafísico de expiação do mal injusto do crime pelo mal justo da pena como pretendem teóricos da preven ção nem se reduz ao argumento antropológico de sobrevivência da vingança retaliatória no psiquismo humano nem pode ser explicada por argumentos filosóficos do tipo imperativo categórico ou dignidade do ser humano assim como não se confina aos argumentos legais da pena necessária e suficiente para reprovação do crime A teoria cri minológica materialistadialética introduz uma explicação política da emergência histórica do conceito jurídicoeconômico da retribuição equivalente como fenômeno socioestrutural específico das socieda des capitalistas a função de retribuição equivalente da pena criminal corresponde aos fundamentos materiais e ideológicos das sociedades fundadas na relação capitaltrabalho assalariado porque existe como forma de equivalência jurídica fundada nas relações de produção das sociedades contemporâneas63 2 A teoria materialistadialética da história parte do princípio de que a produção e a circulação de mercadorias é o fundamento material exploração e a coação das relações econômicas dominação é o conteúdo instituído e reproduzido pela forma livre e igual do Direito 63 PASUKANIS Teoria geral do direito e o marxismo 1972 p 203 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 436 242012 162830 437 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal da ordem social capitalista64 A síntese do materialismo histórico foi formulada por MARX no célebre Prefácio de 1859 que apresenta o método de estudo das formações sociais modernas Segundo essa concepção o Direito e o Estado não podem ser compreendidos por si mesmos mas pelas relações da vida material da sociedade civil cuja anatomia é representada pela economia política Na produção da vida social os homens entram em relações de produção determinadas e ne cessárias cujo conjunto constitui a estrutura econômica da sociedade a base real sobre a qual se elevam superestruturas jurídicas e políticas e à qual correspondem determinadas formas de consciência social O modo de produção da vida material condiciona os processos da vida social política e intelectual em geral não é a consciência dos homens que determina o ser mas o ser social que determina a consciência O conceito de modo de produção contém a dialética de forças produtivas e relações de produção a princípio as relações sociais de produção ou relações de propriedade correspondem às forças produtivas mate riais homens tecnologia e natureza mas em determinado estágio de desenvolvimento as forças produtivas entram em contradição com as relações de produção que se transformam em entraves ao seu desenvolvimento abrindo um período histórico de revolução social Nesses períodos de transformação histórica devese distinguir a mu dança das condições econômicas de produção que permitem verificação científica rigorosa por um lado e a alteração das formas ideológicas jurídicas e políticas pelas quais os homens definem e disciplinam os conflitos sociais por outro lado Essas épocas históricas não podem ser avaliadas por sua consciência jurídica política ou filosófica mas pelas contradições da vida material constituídas pelo conflito entre forças produtivas e relações de produção65 3 A explicação materialista da retribuição equivalente da pena criminal com o emprego de categorias científicas desenvolvidas para explicar 64 MARX AntiDuhring 1876 p 78 65 MARX Contribuição para a crítica da economia política Prefácio 1973 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 437 242012 162830 438 Teoria da Pena Capítulo 17 a relação capitaltrabalho assalariado das sociedades capitalistas foi inaugurada por PASUKANIS em A teoria geral do direito e o marxismo 1924 que inicia uma tradição de pensamento crítico em teoria jurí dica e criminológica na qual se inserem contribuições fundamentais da teoria marxista sobre crime e controle social Nessa tradição crítica RUSCHEKIRCHHEIMER em Punishment and social structure 193966 formulam a tese de que todo sistema de produção tende a descobrir punições que correspondem às suas relações produtivas demonstrando a relação mercado de trabalho sistema de punição o trabalhador integrado no mercado de trabalho é controlado pela disciplina do capital enquanto o trabalhador fora do mercado de trabalho é controlado pela disciplina da prisão Igualmente FOUCAULT em Surveiller et punir 1975 define o sistema punitivo como fenômeno social concreto ligado ao processo de produção menos pelos efeitos negativos de repressão e mais pelos efeitos políticos positivos de dominaçãoexploração uma economia política do corpo programada para produzir corpos dóceis e úteis como disciplina da força de trabalho67 cujo êxito histórico aparece na gestão diferencial da criminalidade com repressão das camadas sociais subalternas e imunidade das elites de poder econômico e político da sociedade capitalista68 Na mesma época MELOSSIPAVARINI em Cárcere e fábrica 197769 defi nem a relação cárcerefábrica como a matriz histórica do capitalismo demonstrando que as relações de trabalho da fábrica principal insti tuição da estrutura social dependem da disciplina do sistema penal principal instituição de controle social do capitalismo para manter e reproduzir as relações sociais de dominaçãoexploração de classe a 66 RUSCHEKIRCHHEIMER Punishment and social structure 2003 p 5 Every system of production tends to discover punishments wich correspond to its productive relationships 67 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 2632 e 125152 68 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 244248 69 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 438 242012 162831 439 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal prisão produziria um novo tipo humano o chamado capital variável capaz de produzir um valor superior ao seu preço de mercado representado pelo trabalho assalariado70 Finalmente BARATTA em Criminologia crítica e crítica do direito penal 198671 integra as contri buições da tradição materialistadialética em uma concepção unitária de Criminologia Crítica para a sociedade capitalista mostra a função de reprodução social do sistema penal e propõe uma política criminal alternativa de redução do Direito Penal desigual e de ampliação da democracia real cujo significado político aparece na perspectiva de abolição do sistema penal condicionada à superação do capitalismo como modo de produção de classes 4 A estrutura material das relações econômicas do capitalismo baseia se no princípio da retribuição equivalente em todos os níveis da vida social do trabalho pelo salário na produção social de bens ou serviços apesar da expropriação de maisvalia da mercadoria pelo preço na distribuição social de bens ou serviços não obstante o lucro etc Logo as formas jurídicas das relações de poder da formação social instituem a retribuição equivalente no âmbito da responsabilidade civil por exemplo sob a forma do contrato da indenização etc no âmbito da responsabilidade penal a retribuição equivalente é insti tuída sob a forma da pena privativa de liberdade como valor de troca do crime medido pelo tempo de liberdade suprimida72 A retribuição equivalente como valor de troca do crime nas sociedades capitalistas está ligada ao critério geral do valor da mercadoria determinado pela quantidade de trabalho social necessário para sua produção o 70 MELOSSI Punishment and social structure in Crime and social justice 9 p 7385 71 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição 72 PASUKANIS Teoria geral do direito e o marxismo 1972 p 202 A pena proporcionada à culpabilidade representa fundamentalmente a mesma forma que a reparação proporcionada ao dano Esta forma está inconscientemente mas profundamente ligada à representação do homem abstrato e do trabalho humano abstrato mensurável pelo tempo Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 439 242012 162831 440 Teoria da Pena Capítulo 17 tempo médio de dispêndio de energia produtiva segundo MARX73 A importância da teoria de PASUKANIS está em situar a retribuição equivalente no fecho da transição histórica do sujeito zoológico da vingança de sangue para o sujeito jurídico da pena proporcional a troca igual exclui a vingança posterior primeiro pelo talião mais tarde pela composição e finalmente consolidase como retribuição equivalente medida pelo tempo de liberdade suprimida conforme o critério de valor da sociedade capitalista74 5 A concepção de pena como retribuição equivalente da sociedade capitalista no sentido de valor de troca que realiza o princípio da igualdade do Direito corresponde à lógica da troca de força de tra balho pelo equivalente salarial no mercado que reduz toda riqueza social ao trabalho abstrato medido pelo tempo o critério geral do valor na Economia e no Direito75 Por um lado a pena como retribuição equivalente representa o momento jurídico da igualdade formal que oculta a submissão total da instituição carcerária como aparelho dis ciplinar exaustivo para produzir sujeitos dóceis e úteis que configura 73 Ver CIRINO DOS SANTOS A criminologia radical 2006 p 87 A definição da pena como forma salário da privação de liberdade baseada no valor de troca do tempo formulada por Foucault e antes dele por Rusche e Kirchheimer aparece ainda mais claramente em Pasukanis ao indicar a medida de tempo como critério comum para determinar o valor do trabalho na economia e a privação de liberdade no Direito 74 PASUKANIS A teoria geral do direito e o marxismo 1972 p 202 Para que a ideia da possibilidade de reparar o delito através de um quantum de liberdade tenha podido nascer foi preciso que todas as formas concretas da riqueza social tivessem sido reduzidas à mais abstrata e mais simples das formas ao trabalho humano medido pelo tempo 75 Essa correlação foi observada por teóricos tradicionais como KELSEN Algemeine Theorie der Normen 1990 p 109110 a instituição de sanções é consequência do emprego do decisivo princípio da retribuição para a vida comunitária Pode ser assim formulado se um membro da comunidade se comporta de modo lesivo a interesses da comunidade deve ser punido ou seja deve serlhe imposto um mal se ele se comporta de modo a promover interesses da comunidade deve ser recompensado ou seja deve serlhe atribuído um bem O princípio da retribuição exprime o princípio de justiça da igualdade igual por igual bem por bem mal por mal Como o princípio do talião olho por olho dente por dente Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 440 242012 162831 441 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal o cárcere como fábrica de proletários por outro lado o salário como retribuição equivalente do trabalho na relação jurídica entre sujeitos livres e iguais no mercado oculta a desigualdade real do processo de produção em que a expropriação de maisvalia significa retribuição desigual e a subordinação do trabalhador ao capitalista significa de pendência real determinada pela coação das necessidades econômicas que configuram a fábrica como cárcere do operário76 6 A analogia da pena criminal com a mercadoria na sociedade capitalis ta pode incluir também a dimensão de valor de uso da mercadoria se o valor de troca da pena criminal existe na fórmula de PASUKANIS como retribuição equivalente do crime então o valor de uso da pena criminal existiria nas funções de prevenção especial e de prevenção geral no sentido de funções utilitárias declaradas atribuídas ao valor de troca da pena criminal medido pelo tempo de liberdade suprimida do condenado a a prevenção especial negativa de neutralização do condenado e a prevenção especial positiva de correção do condenado vinculam a retribuição equivalente da pena criminal às funções reaislatentes de disciplina da classe trabalhadora b a prevenção geral negativa de intimidação de criminosos potenciais e a prevenção geral positiva de integraçãoprevenção da pena criminal como afirmação da validade da norma na linha de JAKOBS ou como afirmação dos valores comunitários na linha de ROXIN vinculam a retribuição equivalente da pena criminal às fun ções reaislatentes de preservação da ordem social fundada na relação capitaltrabalho assalariado das sociedades contemporâneas Contudo se o valor de troca da retribuição equivalente caracteriza a função real da pena criminal o valor de uso atribuído às funções de prevenção especial e geral possui funções declaradas ineficazes mas 76 PASUKANIS Teoria geral do direito e o marxismo 1972 p 163183 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 441 242012 162831 442 Teoria da Pena Capítulo 17 funções reais eficazes de garantia das condições fundamentais da sociedade capitalista garantem a separação força de trabalhomeios de produção sobre a qual assenta o modo de produção fundado na con tradição capitaltrabalho assalariado Dito de outra maneira o valor de uso atribuído à pena criminal inútil do ponto de vista das funções declaradas do sistema penal é útil do ponto de vista das funções políticas reais da pena criminal precisamente porque a desigualdade social e a opressão de classe do capitalismo é garantida pelo discurso penal da correçãoneutralização individual e da intimidaçãoreforço da fidelidade jurídica do povo77 Conclusão se a pena constitui retribuição equivalente do crime medida pelo tempo de liberdade suprimida segundo a gravidade do crime realizado determinada pela conjunção de desvalor de ação e de desvalor de resultado então a pena como retribuição equivalente representa a forma de punição específica e característica da sociedade capitalista que deve perdurar enquanto subsistir a sociedade de pro dutores de mercadorias78 gostemos ou não disso 2 A prevenção especial como garantia das relações sociais 1 A prevenção especial negativa de neutralização do condenado me diante privação de liberdade a incapacitação seletiva de indivíduos considerados perigosos em princípio incontestável porque impede a 77 PASUKANIS A teoria geral do direito e o marxismo 1972 p 185 s 78 PASUKANIS Teoria geral do direito e o marxismo 1972 p 207 Enquanto a fórmula mercantil e a forma jurídica que dela resulta continuarem a imprimir à sociedade a sua marca a ideia de que a gravidade de cada delito pode ser calculada e expressa em meses ou anos de prisão conservará na prática judiciária a sua força e a sua significação reais Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 442 242012 162831 443 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal prática de crimes fora dos limites da prisão igualmente possui aspectos contraditórios como demonstra a crítica criminológica79 a a privação de liberdade produz maior reincidência portan to maior criminalidade determinada pelos reais efeitos nocivos da prisão b a privação de liberdade exerce influência negativa na vida real do condenado mediante desclassificação social objetiva redução das chances de futuro comportamento legal e formação subjetiva da autoimagem de criminoso portanto habituado à punição c a execução da pena privativa de liberdade representa a máxima desintegração social do condenado com a perda do lugar de trabalho a dissolução dos laços familiares afetivos e sociais a formação pessoal de atitudes de dependência determinadas pela regulamentação da vida prisional além do estigma social de excondenado d a subcultura da prisão produz deformações psíquicas e emo cionais no condenado que excluem a reintegração social e realizam a chamada self fulfilling prophecy como disposição aparentemente inevitável de carreiras criminosas e prognoses negativas fundadas em indicadores sociais desfavo ráveis como pobreza desemprego escolarização precária moradia em favelas etc desencadeiam estereótipos justificadores de criminalização para correção individual por penas privativas de liberdade cuja exe cução significa experiência subcultural de prisionalização deformação pessoal e ampliação de prognósticos negativos de futuras reinserções no sistema de controle f finalmente o grau de periculosidade criminal do condenado é proporcional à duração da pena privativa de liberdade quanto maior a 79 KUNZ Kriminologie 1994 ns 2124 p 286287 e ns 4246 p 295296 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 4147 e 6062 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição p 173 e s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 443 242012 162831 444 Teoria da Pena Capítulo 17 experiência do preso com a subcultura da prisão maior a reincidência e a formação de carreiras criminosas conforme demonstra o labeling approach80 2 A crítica criminológica da função de prevenção especial positiva da pena criminal baseada na noção de crime como problema individual e na concepção de pena como tratamento curativo81 demonstra o fracasso histórico do projeto técnicocorretivo da prisão82 caracteriza do pelo reconhecimento continuado do fracasso e pela reproposição reiterada do mesmo projeto fracassado segundo o célebre isomorfismo reformista de FOUCAULT83 A crise do projeto de reconstrução do condenado como força de trabalho útil sintetizada no famoso nothing works de MARTINSON84 está na origem da atual transformação da prisão em instrumento de pura deterrence reduzido à prevenção especial negativa de segurança e de incapacitação do preso As distorções do projeto técnicocorretivo de prevenção especial positiva abrangem os momentos de aplicação e de execução da pena criminal A crise da aplicação da pena reside na contradição entre o discurso do processo legal devido e a realidade do exercício seletivo do poder de punir a por um lado o discurso do processo legal devido regido pela dogmática como critério de racionalidade vê o crime como realidade ontológica préconstituída que o sistema de justiça criminal identifica e processa85 b por outro lado a realidade do exercício seletivo do poder de punir encoberta pelo discurso do processo legal devido 80 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 4147 e 6062 também KUNZ Kriminologie 1994 ns 2124 p 286287 81 KUNZ Kriminologie 1994 l 39 p 294 82 BARATTA Criminologia crítica e crítica do Direito Penal 1999 2a edição p 205 83 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 239 84 MARTINSON What Works Questions and answer about prison reform 1974 p 2254 85 Ver BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição p 10419 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 8283 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 444 242012 162831 445 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal permite a compreender o crime como realidade social construída pelo sistema de controle social b definir criminalização como um bem social negativo distribuído desigualmente pela posição social do autor e c identificar o sistema de justiça criminal como instituição ativa na transformação do cidadão em criminoso86 O crime como realidade social construída a criminalização como bem social negativo e o sistema de justiça criminal como instituição ativa na distribuição social da criminalização podem ser explicados pela lógica menos ou mais inconsciente das chamadas metarregras ou basic rules segun do CICOUREL87 mecanismos psíquicos de natureza emocional atuantes no cérebro do operador do Direito constituídos de estereó tipos preconceitos idiossincrasias e outras deformações ideológicas do intérprete88 definidos por SACK como o momento decisivo do 86 Comparar BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição p 15970 ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 1993 p 4953 87 CICOUREL Basic and normative rules in negotiation of status and roles in DREITZEL Editor 1970 p 445 88 Ver LOPES JR Introdução crítica ao processo penal 2004 p 7483 especialmente p 7678 com o seguinte trecho antológico Aqui está um outro grave problema o juiz que assume uma cultura subjacente de forte conotação de defesa social incrementada pela ação persistente dos meios de comunicação reclamando menos impunidade e maior rigor penal É aquele juiz que absorve esse discurso de limpeza social e assim passa a atuar colocandose no papel de defensor da lei e da ordem verdadeiro guardião da segurança pública e da paz social Esse juiz representa uma das maiores ameaças ao processo penal e à própria administração da justiça pois é presa fácil dos juízos apriorísticos de inverossimilitude das teses defensivas introjeta com facilidade os discursos de combate ao crime e transforma o processo numa encenação inútil pois desde o início já tem definida a hipótese acusatória como verdadeira Logo invocando uma vez mais CORDERO esse juiz ao eleger de início a hipótese verdadeira não faz no processo mais do que uma encenação destinada a mascarar a hábil alquimia de transformar os fatos em suporte da escolha inicial Ou seja não decide a partir dos fatos apresentados no processo senão da hipótese inicialmente eleita como verdadeira A decisão não foi construída a partir da prova pois ela já foi tomada de início É o prejuízo que decorre do préjuízo Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 445 242012 162831 446 Teoria da Pena Capítulo 17 processo de criminalização89 capazes de esclarecer a concentração da repressão penal em setores sociais marginalizados ou subalternos ou na área das drogas ou do patrimônio por exemplo e não nos crimes contra a economia a ordem tributária a ecologia etc próprios das elites de poder econômico e político da sociedade90 3 Enfim a crise da execução da pena como realização do projeto técnicocorretivo da prisão é irreversível E a explicação da crise é simples a prisão introduz o condenado em duplo processo de trans formação pessoal de desculturação pelo desaprendizado dos valores e normas de convivência social e de aculturação pelo aprendizado de valores e normas de sobrevivência na prisão91 a violência e a corrupção ou seja a prisão só ensina a viver na prisão Em poucas palavras a prisão prisionaliza o preso que depois de aprender a viver na prisão retorna para as mesmas condições sociais adversas que determinaram a criminalização anterior Em síntese o processo simultâneo de desculturação e de acultura ção descrito por BARATTA designa aqueles mecanismos de adaptação pessoal à subcultura da prisão desencadeados pela rotulação oficial do cidadão como criminoso que transformam a autoimagem e deformam a personalidade do condenado recondicionada como produto de nova reconstrução social orientada pelos valores e normas de sobrevivência na prisão como indica o labeling approach92 Cumprida a pena o re torno do condenado prisionalizado para as mesmas condições sociais adversas determinantes da criminalização anterior encontra um novo componente a atitude dos outros A expectativa da comunidade de 89 SACK Neue Perspektiven in der Kriminologie in Kriminalsoziologie organizado por R Konig e F Sack 1968 p 469 90 Ver BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição p 104109 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 8283 91 Ver BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição p 184 92 BECKER Outsiders Studies in the Sociology of Deviance 1963 p 814 análise ampla em BERGALLI La recaída en el delito modos de reaccionar contra ella 1980 p 215243 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 446 242012 162831 447 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal que o estigmatizado se comporte conforme o estigma ou seja que assuma o papel de criminoso praticando novos crimes fecha as supostas possibilidades de reinserção social e completa o modelo sequencial de formação de carreiras criminosas realizando a chamada self fulfilling prophecy em que o condenado assume as características do rótulo concretizando a previsão de autorrealização93 e confirmando a teoria da construção da personalidade no processo de interação social 4 Como visto o fracasso histórico da prisão referese à função de clarada de correção de ressocialização de reeducação etc em suma do que é definido como ideologia re94 do condenado atribuída à pena criminal pela ideologia do sistema punitivo porque a função real de controle seletivo da criminalidade fundado em indicadores sociais negativos e de garantia de relações sociais desiguais fundadas na relação capitaltrabalho assalariado constitui incontestável êxito histórico como assinala FOUCAULT95 3 A prevenção geral como afirmação da ideologia dominante 1 A prevenção geral negativa da ameaça penal pode ter efeito de sestimulante em crimes de reflexão crimes econômicos ecológicos tributários etc característicos do Direito Penal simbólico mas não teria efeito em crimes impulsivos violência pessoal ou sexual por exemplo96 próprios da criminalidade comum estampada nos meios de comunicação de massa Logo a inibição de impulsos antissociais pela 93 LEMERT Human Deviance Social Problems and Social Control 1972 p 6292 94 Ver ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 2003 p 116 95 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 244248 96 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 6465 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 447 242012 162831 448 Teoria da Pena Capítulo 17 ameaça penal somente seria relevante no Direito Penal simbólico um direito destituído de eficácia instrumental e instituído para legitimação retórica do poder punitivo do Estado mediante criaçãodifusão de imagens ilusórias de eficiência repressiva na psicologia do povo mas é absolutamente irrelevante no Direito Penal instrumental cujo objeto é delimitado pela criminalidade comum área de incidência exclusiva da repressão penal seletiva97 2 A prevenção geral positiva substitui a proteção de direitos individuais pela proteção de complexos funcionais finanças tributos ecologia energia etc ou seja substitui a proteção de bens jurídicos indivi duais pela proteção de funções sistêmicas98 A concepção do Direito como subsistema normativo de estabilização do sistema social mostra a natureza conservadora da teoria como discurso de reprodução conservação da realidade social construído com base no sistema de direito positivo Como sempre a resposta penal é uma reação sinto matológica ao nível da manifestação do conflito o fato criminoso e não ao nível da produção do conflito determinações estruturais da desigualdade social justificada pelos supostos efeitos de inte gração social e de aumento da confiança institucional desse modo encobre os reais efeitos negativos de desagregação social dos presos introduzidos em carreiras criminosas por um sistema penal desigual e seletivo99 Em poucas palavras enquanto o discurso da prevenção integração legitima a repressão seletiva das camadas subalternas e a imunidade das elites de poder econômico e político o discurso crítico revela a ligação da repressão seletiva dos marginalizados sociais com 97 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 7475 98 BARATTA Integrazioneprevenzione Una nuova fondazione della pena allinterno della teoria sistêmica in Dei delitti e delle pene 1984 n 1 p 13 99 BARATTA Integrazioneprevenzione Una nuova fondazione della pena allinterno della teoria sistêmica in Dei delitti e delle pene 1984 n 1 p 17 e s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 448 242012 162832 449 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal a reprodução das relações sociais desiguais precisamente mediante o processo de gestão diferencial do sistema penal100 3 A análise do discurso de JAKOBS a mais ortodoxa aplicação da teoria permite um diagnóstico claro primeiro definir crime como violação da norma significa reduzir crime à lesão da vontade do poder conforme indica o conceito de frustração das expectativas norma tivas que prescinde da lesão de bens jurídicos como fundamento constitucional de punibilidade101 segundo definir pena como reação contra a violação da norma ou seja como contradição à contradição da norma que reafirma e estabiliza a validade da norma violada às custas do competenteresponsável102 parece ter por objetivo garantir a fidelidade do cidadão à vontade do poder103 terceiro se a punição do criminoso aumenta a confiança no Direito reforçando a fidelidade jurídica do povo e ao contrário a não punição do criminoso diminui a confiança no Direito reduzindo a fidelidade jurídica do povo então a tarefa do Direito Penal seria satisfazer os impulsos punitivos da população um objetivo irracional substitutivo da proteção de bens jurídicos que atrela o Direito Penal à barbárie dos instintos primitivos quarto e paradoxalmente o crime como frustração das expectativas normativas e a pena como demonstração da validade da norma parecem concentrar todas as funções da pena criminal104 pressupõe a ameaça penal implica a aplicação e execução da pena como neutralização e correção do condenado e existe de fato como exercício comunitário 100 BARATTA Integrazioneprevenzione Una nuova fondazione della pena allinterno della teoria sistêmica in Dei delitti e delle pene 1984 n 1 p 22 e s 101 JAKOBS Strafrecht 1993 n 9 p 9 e ns 15 p 3537 102 JAKOBS Strafrecht 1993 n 9 p 910 103 JAKOBS Strafrecht 1993 ns 68 p 3738 104 JAKOBS Strafrecht 1993 ns 68 p 3738 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 449 242012 162832 450 Teoria da Pena Capítulo 17 de retribuição105 definida como necessária para restabelecer a confiança na norma e reforçar a fidelidade jurídica do cidadão106 4 Na verdade a função de prevenção geral positiva é fenômeno contemporâneo ao Direito Penal simbólico produzido pela pressão corporativista de sindicatos associações de classes partidos políticos organizações não governamentais etc representado pela crimina lização de situações sociais problemáticas nas áreas da economia da ecologia da genética e outras em que o Estado não parece interes sado em soluções sociais reais mas em soluções penais simbólicas com generalizada subordinação de direitos humanos a exigências de funcionalidade do sistema econômico tributário etc como denunciava BARATTA107 Como se sabe o Direito Penal realiza funções instrumentais de efetiva aplicação prática e funções simbólicas de projeção de imagens na psicologia popular mas o segmento legal conhecido como Direito Penal simbólico caracterizado pela criminalização do risco em áreas cada vez mais distantes do bem jurídico a pósmoderna criminaliza ção do perigo abstrato não tem função instrumental apenas função simbólica de legitimação do poder político Na área das situações sociais problemáticas o Direito Penal parece reduzido ao papel ideológico de criação de símbolos no imaginário popular com o objetivo oculto de legitimar o poder político do Estado e o próprio Direito Penal como instrumento de política social108 A legitimação do poder político do 105 Assim também FÖPPEL EL HIRECHE A função da pena na visão de Claus Roxin 2004 p 43 106 JAKOBS Strafrecht 1993 ns 1516 p 1314 em especial n 2225 p 4446 107 BARATTA Integrazioneprevenzione Una nuova fondazione della pena allinterno della teoria sistêmica in Dei delitti e delle pene 1984 n 1ALBRECHT Kriminologie 1999 p 6667 108 BATISTA Prezada senhora Viégas o anteprojeto de reforma no sistema de penas in Discursos sediciosos n 910 p 105 fala da constatada incapacidade do sistema penal para resolver conflitos que lhe são atirados por um legislador que oferece ao público uma solução simbólica a criminalização primária do conflito como se fora uma solução real Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 450 242012 162832 451 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal Estado ocorre pela criação de uma aparência de eficiência repressiva na chamada luta contra o crime definido como inimigo comum que garante a lealdade do eleitorado e de quebra reproduz o poder polí tico109 como por exemplo o lastimável apoio de partidos populares a projetos de leis repressivas no Brasil é explicável exclusivamente por sua conversibilidade em votos ou seja por seus efeitos políticos de conservaçãoreprodução do poder A legitimação do Direito Penal pela criação de símbolos no ima ginário popular é simbólica porque a penalização das situações proble máticas não significa solução social do problema mas solução penal para satisfação retórica da opinião pública110 não obstante possui efeito instrumental porque legitima o Direito Penal como programa desigual de controle social agora revigorado para a repressão seletiva contra favelas e bairros pobres das periferias urbanas especialmente contra a força de trabalho marginalizada do mercado sem função na reprodução do capi tal porque pelo menos no nível simbólico o Direito Penal seria igual para todos111 Aliás o discurso eficientista da prevenção geral positiva permite justificar a redução ou exclusão de garantias constitucionais de liberdade igualdade presunção de inocência e outras garantias do processo penal civilizado112 cuja constante supressão histórica mostra a existência simultânea de um Estado de Direito para as classes hege mônicas e de um Estado de Polícia para as camadas subalternas um pouco na linha de ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR113 109 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição p 207 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 7475 110 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 7475 111 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 6970 112 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 6880 113 ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 2003 p 41 Não há nenhum estado de direito puro o estado de direito não passa de uma barreira a represar o estado de polícia que invariavelmente sobrevive em seu interior O estado de direito é concebido como o que submete todos os habitantes à lei e opõese ao estado de polícia onde todos os habitantes estão subordinados ao poder daqueles que mandam Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 451 242012 162832 452 Teoria da Pena Capítulo 17 além de escamotear ou disfarçar a relação da criminalidade com a estrutura de desigualdade da sociedade contemporânea instituída pelo Direito e garantida pelo poder do Estado 5 Por último a função declarada de prevenção geral negativa intimi dação pela ameaça penal ou de prevenção geral positiva afirmação da validade da norma atribuídas pela ideologia do sistema penal à pena criminal é o discurso encobridor da função real da pena criminal de garantia da ordem social capitalista fundada na separação força de trabalhomeios de produção que institui e reproduz relações sociais desiguais e opressivas 4 Conclusão 1 O discurso crítico da teoria criminológica da pena define o Direito Penal como sistema dinâmico desigual em todos os níveis de suas fun ções a ao nível da definição de crimes constitui proteção seletiva de bens jurídicos representativos das necessidades e interesses das classes hegemônicas nas relações de produçãocirculação econômica e de po der político das sociedades capitalistas b ao nível da aplicação de penas constitui estigmatização seletiva de indivíduos excluídos das relações de produção e de poder político da formação social c ao nível da execução penal constitui repressão seletiva de marginalizados sociais do mercado de trabalho e portanto de sujeitos sem utilidade real nas relações de produçãodistribuição material embora com utilidade simbólica no processo de reprodução das condições sociais desiguais e opressivas do capitalismo114 114 Ver BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição p 161 também ALBRECHT Kriminologie 1999 p 4445 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 452 242012 162832 453 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal Essa concepção mostra o significado de conservação e de reprodu ção social realizado pelo programa desigual e seletivo do Direito Penal cujas sanções estigmatizantes realizam dupla função de um lado a fun ção política de garantir e reproduzir a escala social vertical como função real da ideologia penal de outro lado a função ideológica de encobrir imunizar comportamentos danosos das elites de poder econômico e político da sociedade como função ilusória da ideologia penal115 2 Nesse contexto a desigualdade do Direito Penal exprime a relação dos mecanismos seletivos do processo de criminalização com as leis de desenvolvimento histórico da formação econômica capitalista a ao nível da criminalização primária a ideologia da proteção de bens jurí dicos oculta a realidade da proteção seletiva de interesses e privilégios das classes sociais hegemônicas em duas direções criminalização de comportamentos típicos das classes sociais subalternas especialmente marginalizados sociais e exclusão dos comportamentos socialmente danosos das classes hegemônicas da formação social b ao nível da cri minalização secundária a posição social do acusado representa a variável decisiva do processo penal também em duas direções concentração da criminalização nos marginalizados sociais e no subproletariado com a posição precária no mercado de trabalho desocupação subocupação e trabalho não qualificado como variável interveniente e imunização penal das elites de poder econômico e político116 3 Em resumo a a pena criminal cumpre a função de retribuição equi valente do crime nas sociedades modernas precisamente mediante a neutralização de condenados reais durante a execução da pena even tualmente com a função complementar de intimidação de autores potenciais b as outras funções i de correção individual prevenção especial positiva destruída pela experiência histórica e arquivada pelo 115 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição p 167 116 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição p 165 167 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 453 242012 162832 454 Teoria da Pena Capítulo 17 labeling approach e ii de afirmação da validade da norma prevenção geral positiva em contradição com a correlação sistema penalmercado de trabalho constituem retórica encobridora das funções reais da pena crimi nal de garantia da desigualdade social e da opressão de classe da relação capitaltrabalho assalariado das sociedades contemporâneas 4 Por isso a função de retribuição equivalente do crime fundada no valor de troca medido pelo tempo a de trabalho social necessário na economia e b de liberdade pessoal suprimida no Direito legitima a pena segundo a lógica do capital produtora de um Direito Penal desigual como pro grama de criminalização seletiva de marginalizados sociais do mercado de trabalho orientado por indicadores sociais negativos pobreza desemprego etc que ativam estereótipos preconceitos idiossincrasias pessoais e todo o sistema ideológico dos agentes de controle social excluindo ou reduzindo a função de critério de racionalidade atribuída à dogmática penal117 5 Então por que fazer dogmática penal A dogmática penal depen de do critério que informa o trabalho científico em Direito Penal a produzir dogmática penal como critério de racionalidade do sistema punitivo significa assumir o ponto de vista do poder repressivo do Estado no processo de criminalização de marginalizados do mercado de trabalho e da pobreza social em geral b produzir dogmática penal como sistema de garantias do indivíduo em face do poder punitivo do Estado118 no sentido de construir conceitos capazes de excluir ou de reduzir o poder de intervenção do Estado na esfera da liberdade individual e portanto capazes de impedir ou de amenizar o sofrimento humano produzido pela desigualdade e pela seletividade do sistema penal constitui tarefa cien tífica de significado democrático nas sociedades contemporâneas119 117 Nesse sentido ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 2003 p 44 s 118 Comparar GIMBERNAT ORDEIG Hat die Strafrechtsdogmatik eine Zukunft ZStW 82 1970 p 405 s 119 Ver CIRINO DOS SANTOS Novas hipóteses de criminalização in ANAIS da XVIII Conferência Nacional dos Advogados 2002 v I p 937946 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 454 242012 162832 455 Capítulo 18 priSão e coNtroLe SociaL I Introdução A prisão é o aparelho disciplinar exaustivo da sociedade capita lista constituído para exercício do poder de punir mediante privação de liberdade em que o tempo exprime a relação crimepunição o tempo é o critério geral e abstrato do valor da mercadoria na economia assim como a medida de retribuição equivalente do crime no Direito1 Portanto esse dispositivo do poder disciplinar funciona como apa relho jurídico econômico que cobra a dívida do crime em tempo de liberdade suprimida e como aparelho técnico disciplinar programado para realizar a transformação individual do condenado2 O método de transformação individual da prisão é a disciplina a política de coerção exercida para dissociar a energia do corpo da vonta de pessoal do condenado com o objetivo de construir indivíduos dóceis e úteis que obedecem e produzem3 Os recursos do poder disciplinar são a vigilância hierárquica a sanção normalizadora e o exame confor me a célebre formulação de FOUCAULT a a vigilância hierárquica pela qual técnicas de ver produzem efeitos de poder é exercida por dispositivos que obrigam pelo olhar representados por redes verticais de relações de controle b a sanção normalizadora é constituída por uma ordem artificial de punições e recompensas disciplinares em 1 PASUKANIS A teoria geral do direito e o marxismo 1972 p 163 2 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 207 3 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 127 CIRINO DOS SANTOS A criminologia radical 2006 p 7778 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 455 242012 162833 456 Teoria da Pena Capítulo 18 que a identidade do modelo produz sujeitos homogêneos c o exame como controle normalizante e ritualizado fundado na vigilância e na sanção é uma tecnologia de dominação que constitui o indivíduo como objeto de saber e efeito de relações de poder4 O dispositivo do poder disciplinar é o panótico utilizado para controlar coletividades humanas em instituições de custódia instrução e trabalho caracteri zado pelo funcionamento automático do poder porque a consciência da vigilância gera a desnecessidade objetiva da vigilância5 Todavia nem a disciplina como método de reconstrução de in divíduos nem a prisão como dispositivo do poder disciplinar podem ser explicadas por si mesmas ou como produtos do desenvolvimento da imaginação punitiva do ser humano ao contrário a disciplina nasce da administração capitalista do trabalho na fábrica onde os trabalhadores são submetidos à autoridade do capitalista e se estende da fábrica para a sociedade onde funciona como núcleo ideológico das instituições de controle social da sociedade civil responsáveis pela formação de um novo tipo humano a força de trabalho dócil e útil à disposição do capital no mercado de trabalho6 igualmente a prisão nasce de exigências do mercado de trabalho o espaço social em que a força de trabalho existe à disposição do capital e funcio na como dispositivo do poder disciplinar instituído para adequar a força de trabalho às necessidades do capital segundo o princípio de RUSCHEKIRCHHEIMER de que todo sistema de produção tende a descobrir punições que correspondem às suas relações produtivas7 Nesse sentido a disciplina como método e o panótico como dispositivo do poder disciplinar caracterizam a prisão como a principal instituição 4 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 153 CIRINO DOS SANTOS A criminologia radical 2006 p 7879 5 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 173 6 MELOSSI Institutions of social control and capitalist organization of work in B Fine et al Editores Capitalism and the rule of law 1979 p 91 7 RUSCHEKIRCHHEIMER Punishment and social structure 2003 p 5 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 456 242012 162833 457 Capítulo 18 Prisão e Controle Social auxiliar da fábrica no interior da sociedade política portanto dentro do Estado por sua vez o mais poderoso veículo de controle social8 enquanto na sociedade civil funcionam outras instituições auxiliares do capital responsáveis pela constituição psicofísica e ideológica da força de trabalho como a família a escola a Igreja os sindicatos os meios de comunicação etc9 Assim depois de Punishment and social structure de RUSCHE e KIRCHHEIMER10 que descobre a relação mercado de trabalho prisão na gênese histórica da sociedade capitalista depois de Vigiar e Punir de FOUCAULT11 que mostra a disciplina como mecanismo de poder na produção de sujeitos dóceis e úteis na economia e no con trole social depois de Cárcere e fábrica de MELOSSI e PAVARINI12 que descobre as raízes da disciplina na contradição capitaltrabalho assalariado materializada nas relações de produção da fábrica enfim depois de Criminologia crítica e crítica do direito penal de BARATTA13 que demonstra a função de reprodução social do sistema penal e uni fica as contribuições críticas em uma concepção de política criminal alternativa fundada na ampliação da democracia real e na redução do poder penal depois desses momentos decisivos da história do Direito Penal e da Criminologia não é mais possível explicar a prisão pela ideologia penal expressa no discurso oficial da retribuição da prevenção especial e da prevenção geral do crime14 igualmente não é 8 Ver CIRINO DOS SANTOS A criminologia radical 2006 p 111 s também MELOSSI Institutions of social control and capitalist organization of work in B Fine et al Editores Capitalism and the rule of law 1979 p 99 9 Comparar CIRINO DOS SANTOS A criminologia radical 2006 p 111113 MELOSSI Institutions of social control and capitalist organization of work in B Fine et al Editores Capitalism and the rule of law 1979 p 9294 10 RUSCHEKIRCHHEIMER Punishment and social structure 1939 11 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 12 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 13 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 14 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 p 193 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 457 242012 162833 458 Teoria da Pena Capítulo 18 mais possível explicar a pena criminal pelo comportamento criminoso porque exprime a criminalização seletiva de marginalizados sociais excluídos dos processos de trabalho e de consumo social realizada pelo sistema de justiça criminal polícia justiça e prisão enfim também não é possível explicar o crime pela simples lesão de bens jurídicos porque exprime a proteção seletiva de valores do sistema de poder econômico e político da formação social Ao contrário somente a lógica contraditória da relação social fundamental capitaltrabalho assalariado pode explicar a proteção seletiva de bens jurídicos pelo legislador a criminalização seletiva de sujeitos com indicadores sociais negativos e finalmente a prisão como instituição central de controle social formal da sociedade capitalista II A relação cárcerefábrica A prisão aparelho de privação de liberdade do sistema de controle social e a fábrica aparelho de produção econômica da es trutura social são as instituições básicas das sociedades capitalistas contemporâneas15 em relação de dependência recíproca as relações de produção materiais fundadas na separação trabalhadormeios de produção e a disciplina do trabalho na fábrica organizada com obje tivo de lucro dependem diretamente da prisão principal instituição de controle social inversamente os fins retributivos e preventivos da prisão garantem as relações sociais baseadas na contradição capital trabalho assalariado enquanto o método punitivo da prisão objetiva transformar o sujeito real condenado em sujeito ideal trabalhador adaptado à disciplina do trabalho na fábrica principal instituição da 15 MELOSSI Institutions of social control and capitalist organization of work in Bob Fine et al Editores Capitalism and the rule of law 1979 p 999 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 458 242012 162833 459 Capítulo 18 Prisão e Controle Social estrutura social16 A correlação fábricacárcere ou de modo mais geral a correlação capital estrutura social e prisão controle social é a matriz histórica da sociedade capitalista17 que explica o apare cimento do aparelho carcerário nas primeiras sociedades industriais Holanda Inglaterra Estados Unidos e França além de explicar a origem e decadência dos múltiplos sistemas de exploração da força de trabalho carcerária III A origem da penitenciária A relação capitaltrabalho assalariado é a clave para compreender a instituição carcerária expropriados dos meios de produção e expulsos do campo o violento processo de acumulação primitiva do capital nos séculos 15 e 16 os camponeses se concentram nas cidades onde a insuficiente absorção de mão de obra pela manufatura e a inadaptação à disciplina do trabalho assalariado originam a formação de massas de desocupados urbanos18 Essa massa de desocupados forçados con vertida numa população de mendigos vagabundos ladrões e outros delinquentes dos centros urbanos um produto de determinações estruturais interpretado como expressão de atitudes individuais de feituosas19 é tangida para as workhouses uma invenção do século 16 16 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 207211 266 também BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal introdução à sociologia do direito penal 1999 2a edição p 173 17 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal introdução à sociologia do direito penal 1999 2a edição p 190196 18 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 2930 19 MARX O Capital 2005 20ª edição Livro 1 v 2 p 848 ver MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 31 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 459 242012 162833 460 Teoria da Pena Capítulo 18 para resolver problemas de exclusão social do capitalismo ascenden te casas de trabalho forçado de camponeses expropriados dos meios de subsistência material com a finalidade de disciplina e adequação pessoal para o trabalho assalariado A penitenciária moderna começa nas workhouses instituições de trabalho forçado do período de germi nação do capitalismo carente de mão de obra disposta ao trabalho assalariado20 criadas para a tarefa de disciplina da força de trabalho da manufatura e depois da indústria reforçando o papel da família da escola e de outras instituições sociais21 A estrutura celular de Rasphuis casa de trabalho forçado fundada em Amsterdam no início do século 17 seria o modelo de aparelho carcerário para disciplina da força de trabalho ociosa da Europa conti nental22 o modelo de Rasphuis cujo nome provém da ação de raspar madeira proveniente da América do Sul provavelmente o paubrasil para produzir tintura institui o trabalho obrigatório como método pedagógico para reconstruir o homo oeconomicus com duas exigências a exclusão de penas breves pela aprendizagem insuficiente b exclu são de penas perpétuas pelo desinteresse de aprender inaugurando as teorias da prevenção especial cujo objetivo de correção determina a duração das penas criminais23 O desenvolvimento de formações sociais capitalistas multiplica o modelo de Rasphuis na Europa mas os modelos clássicos de prisão somente surgirão nos Estados Unidos da América a formação social capitalista mais desenvolvida da modernidade o modelo de Filadélfia instituído na famosa prisão de Walnut Street 1790 e o modelo de 20 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 165166 21 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 3643 22 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 3233 23 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 107 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 460 242012 162833 461 Capítulo 18 Prisão e Controle Social Auburn em New York 181924 A instituição penitenciária moder na caracterizase por dois aspectos principais economia de custos e trabalho produtivo A estrutura arquitetônica do estabelecimento penitenciário adota o modelo panótico o dispositivo ideal do poder disciplinar constituído de torre central e anel periférico com distribui ção dos corpos conforme exigências de separação e visibilidade que reduzem a força política e aumentam a força útil dos condenados25 A prisão aparelho de punição por privação de liberdade característico das sociedades capitalistas baseiase no princípio de menor elegibilida de para desestimular comportamentos criminosos o nível de vida da prisão deve estar abaixo do nível de vida da classe trabalhadora mais inferior da população livre26 Na sociedade de produção de mercadorias a reprodução am pliada do capital pela expropriação de maisvalia da força de traba lho a energia produtiva capaz de produzir valor superior ao seu valor de troca salário exige o controle da classe trabalhadora na fábrica a coação das necessidades econômicas submete a força de trabalho à autoridade do capitalista fora da fábrica os trabalhadores marginalizados do mercado de trabalho a chamada superpopulação relativa sem função direta na reprodução do capital mas necessária para manter os salários em níveis adequados à máxima valorização do capital são controlados pelo cárcere que funciona como instituição auxiliar da fábrica27 Logo a disciplina como política de coerção do 24 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 107 e 110 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 179 25 FOUCAULT Vigiar e punir p 173199 comparar CIRINO DOS SANTOS Direito penal a nova parte geral 1985 p 279 26 RUSCHEKIRCHHEIMER Punishment and social structure 2003 p 108 The upper margin for the maintenance of the prisoners was thus determined by de necessity of keeping the prisoners living standard below the living standard of the lowest classes of the free population 27 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 6670 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 461 242012 162833 462 Teoria da Pena Capítulo 18 aparelho carcerário para produzir sujeitos dóceis e úteis na formulação de FOUCAULT descobre suas determinações materiais na relação capitaltrabalho assalariado porque existe como adestramento da força de trabalho para reproduzir o capital e portanto como fenômeno de economia política na definição de MELOSSIPAVARINI28 IV O modelo filadelfiano de penitenciária O modelo filadelfiano de instituição penitenciária do final do século 18 inspirado na concepção religiosa Quaker foi a alternativa para o trabalho carcerário no período da produção manufatureira de um lado o panótico de Bentham como arquitetura disciplinar da instituição penal de outro o confinamento em celas individuais para oração e trabalho como a nova pedagogia da correção A funcionalidade do panótico para instituições de controle logo também para escolas hospitais e fábricas e a redução de custos administrativos explica a rápida difusão do modelo filadelfiano de prisão no capitalismo primi tivo de pequeno capital fixo e reduzida produtividade29 Os principais sistemas de trabalho carcerário do modelo de Filadélfia em que o Estado organiza e controla os processos produtivos e exerce o poder disciplinar na instituição carcerária são os seguintes30 a o stateuse com emprego da força de trabalho na produção de manufaturas na prisão consumidas pela própria administração penitenciária e estatal com produtividade reduzida em relação ao 28 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 70 29 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 167169 30 Ver MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 176177 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 462 242012 162833 463 Capítulo 18 Prisão e Controle Social mercado livre mas sem oposição de sindicatos ou moralistas na verdade o sistema hoje predominante de trabalho carcerário na América Latina b o public work em que a força de trabalho é empregada em obras públicas na construção de estradas ferrovias prisões etc com eventual oposição de sindicatos pela concorrência no mercado de trabalho livre c o public account em que o sistema carcerário se converte em empresa pública o Estado compra a matériaprima organiza os processos produtivos e vende os produtos a preços competitivos no mercado com todas as vantagens do trabalho carcerário mas os reduzidos custos de produção determinados por salários inferiores e pela ausência de tributos desestimulam a concorrência externa e geram a oposição de entidades sociais sindicatos e partidos políticos Mas o modelo de Filadélfia entra em decadência na era da indus trialização pois a sociedade industrial exige uma política de controle baseada no trabalho produtivo do encarcerado O trabalho isolado em celas individuais justificado como instrumento terapêutico impede o trabalho coletivo necessário para industrializar a prisão com duas consequências negativas é antieconômico e priva o mercado de força de trabalho útil31 V O modelo auburniano de penitenciária A solução dos problemas econômicos do modelo de Filadélfia surge com o modelo de Auburn baseado no isolamento celular durante a noite e no trabalho comum durante o dia sob o sistema do silêncio 31 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 170172 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 463 242012 162833 464 Teoria da Pena Capítulo 18 silent system32 O modelo auburniano de penitenciária conhecido como o sistema penal americano introduz a exploração capitalista da força de trabalho encarcerada e organiza o trabalho na prisão igual ao trabalho na fábrica a durante o dia o trabalho coletivo em máquinas na prisão com a lei do silêncio para garantir a disciplina do trabalho em comum b durante a noite confinamento celular A dependência do sistema penitenciário em relação aos processos econômicos do mercado de trabalho social determina novos parâmetros de execução penal que orientam o modelo de Auburn menos para a correção pessoal e mais para o trabalho produtivo Dessa maneira se a manufatura determina o confinamento solitário do modelo de Filadélfia a indústria produz o trabalho comum do modelo de Auburn com o silent system garantindo a disciplina da fábrica dentro do cárcere e permitindo a introdução de máquinas para o trabalho coletivo na prisão abrindo novas possibilida des de exploração do trabalho carcerário por empresários privados33 Os principais sistemas de exploração do trabalho carcerário inventados pelo conluio entre capital privado e repressão pública próprios do modelo de Auburn são os seguintes a o contract considerado o sistema mais adequado submete a força de trabalho carcerária a duas autoridades o capitalista organiza a produção disciplina os processos de trabalho e vende a mercadoria no mer cado livre a preços altamente competitivos pela desenfreada e destruidora exploração da força de trabalho carcerária remunerada em níveis inferiores aos do mercado o Estado concede a exploração da força de trabalho car cerária e administra a instituição penitenciária garantindo a segurança e disciplina internas em troca de lucro sem risco econômico34 32 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 172173 33 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 179 34 MELOSSI PAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 177178 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 464 242012 162833 465 Capítulo 18 Prisão e Controle Social b o leasing submete a instituição penitenciária à autoridade exclusiva do capitalista que dirige a prisão organiza a produção e garante a disciplina da força de trabalho durante tempo determinado mediante pagamento de um preço fixo ao Estado livre de quaisquer custos os problemas são a redução do preso à condição de escravo os brutais castigos corporais por questões de disciplina ou de ritmo de trabalho e last but not least os acordos tácitos entre empresários da indústria carcerária e Poder Judiciário para transformar penas curtas em penas longas de prisão permitindo exploração mais lucrativa da força de trabalho encarcerada35 Não obstante a privatização de prisões inspirada no modelo de Auburn igualmente entra em crise dificuldades de renovação tecnológi ca dos processos industriais na prisão oposição crescente de sindicatos e organizações operárias contra a concorrência do trabalho carcerário exploração predatória da força de trabalho cativo para ampliar a taxa de maisvalia castigos desumanos por motivos disciplinares ou eco nômicos etc impediram a transformação da penitenciária em empresa produtiva Nos Estados Unidos da América o sistema de privatização de prisões foi banido em 1925 após o escândalo dos maus tratos da força de trabalho cativa nos estados sulinos com a reassunção pelo Estado das responsabilidades constitucionais de execução da pena cri minal36 Afinal como diz PAVARINI a penitenciária não é uma célula produtiva mas uma fábrica de homens instituída para transformar condenados em proletários uma máquina de mutação antropológica de sujeitos reais agressivos e violentos em sujeitos ideais disciplinados e mecânicos37 Em outras palavras o criminoso encarcerado representa 35 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 179 36 WACQUANT A ascensão do Estado penal nos EUA Discursos sediciosos crime direito e sociedade 2002 n 11 p 30 37 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 188190 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 465 242012 162833 466 Teoria da Pena Capítulo 18 o não proprietário encarcerado mostrando o cárcere como instituição coercitiva para transformar o criminoso não proprietário no proletário não perigoso aquele su jeito de necessidades reais adaptado à disciplina do trabalho assalariado38 VI Indústria do encarceramento atualidade e perspectivas A reconstrução histórica do sistema penitenciário e seus modelos de exploração da força de trabalho carcerária mostra algumas coisas importantes a o fracasso da penitenciária como célula produtiva no modelo da fábrica a prisão pode proporse segundo a ideologia oficial como mecanismo de produção de sujeitos ideais mas não é um aparelho de produção de mercadorias b a relação existente entre os modelos de trabalho na prisão e o nível de desenvolvimento dos processos de produção econômica do mercado livre a manufatura produziu o con finamento solitário do modelo de Filadélfia representado pelo public account a indústria engendrou o trabalho em comum do modelo de Auburn representado pelo contract e pelo leasing39 Os extremos do emprego da força de trabalho carcerária podem ser assim definidos a os sistemas de organização e disciplina do tra balho carcerário pela administração penitenciária caracterizamse por produtividade reduzida mas preservam a força de trabalho encarce rada ou seja os presos continuam seres humanos b os sistemas de organização e disciplina do trabalho carcerário pelo empresário priva 38 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 232 39 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 179 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 466 242012 162834 467 Capítulo 18 Prisão e Controle Social do aumentam a maisvalia pelo incremento da produtividade com destruição dos seres humanos encarcerados os presos são redefinidos como força de trabalho cativa40 A questão da exploração do trabalho carcerário por empresas privadas parece clara nenhuma empresa privada é constituída com fins humanitários mas com objetivos de lucro Existe uma contradição entre prisão pública e empresa privada todos os sistemas de exploração capitalista do trabalho carcerário produzem mudanças nos programas de educação e disciplina da prisão cancelando os parâmetros legais de execução penal A prioridade do trabalho produtivo origina pressões sobre o Poder Judiciário para aplicação de penas longas e introduz critérios econômicos para decisões judiciais sobre livramento con dicional progressão de regimes comutação ou redução de penas e outros direitos do preso Resumindo a prisão instituição de controle social não pode se transformar em empresa instituição econômica da estrutura social Mas o desastre histórico da exploração privada do trabalho car cerário não extinguiu projetos empresariais de valorização acelerada do capital aproveitando a chance de extrair gordas taxas de maisvalia da força de trabalho concentrada nas prisões repetindo o mesmo discurso utilitário para encobrir o objetivo real de lucro puro e simples Na atualidade a política americana de criminalização da pobreza determinada pelo desmonte do estado social e sua substituição pro gressiva pelo estado penal quintuplicou a população carcerária daquele país no período de vinte anos de 500 mil presos em 1980 para 25 milhões de presos em 2000 aproximadamente41 Por outro lado o eleitorado americano em geral entusiasmado com programas oficiais de guerra contra o crime e apesar de não encarar com simpatia os 40 CIRINO DOS SANTOS Direito penal a nova parte geral 1985 p 283 41 WACQUANT A ascensão do Estado penal nos EUA Discursos sediciosos crime direito e sociedade 2002 n 11 p 14 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 467 242012 162834 468 Teoria da Pena Capítulo 18 custos carcerários da crescente criminalização da pobreza no país que exigem a construção de uma nova prisão com 1000 vagas a cada 6 dias ignorou o fracasso histórico da exploração lucrativa do traba lho carcerário e paradoxalmente parece apoiar o programa oficial de prisõesempresas retomado em 1983 por novo conluio de governo e empresários americanos Desde então a indústria do encarceramento privado cresceu de 3100 presos em 1987 para 85000 presos em 1996 em 25 dos 50 estados americanos atingindo 276000 presos em 2001 nos EUA42 Atualmente as empresas desse recuperado ramo do mercado trabalham no sistema de fullscale management ou seja de gestão total do estabelecimento penitenciário e amplian do a área de reprodução do capital constroem as próprias prisões a exemplo das empresas privadas Correction Corporation of America com 68 prisões e 50 mil presos e a Wackenhut com 32 prisões e 22 mil presos43 aliás ambas cotadas no índice NASDAQ da Bolsa de Valores americana Também a Inglaterra hoje decidida imitadora das práticas políticas e penais americanas aderiu às prisões com fins lucrativos com quatro penitenciárias privadas em funcionamento e muitas outras em construção44 Em suma o desmonte do estado social produziu o estado penal com sua criminalização da pobreza e o indefectível sistema de fullscale management das prisões nos EUA e na Inglaterra E o mais inquie tante a relação cárcerefábrica de MELOSSIPAVARINI evoluiu para a simbiose fábricacárcere em que a fábrica é construída sob a forma de cárcere ou inversamente o cárcere assume a forma da fábrica configurando o ideal de exploração capitalista do trabalho humano 42 WACQUANT A ascensão do Estado penal nos EUA Discursos sediciosos crime direito e sociedade 2002 n 11 p 30 43 WACQUANT A ascensão do Estado penal nos EUA Discursos sediciosos crime direito e sociedade 2002 n 11 p 3031 44 WACQUANT A tentação penal na Europa Discursos sediciosos crime direito e sociedade 2002 n 11 p 9 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 468 242012 162834 469 Capítulo 18 Prisão e Controle Social que realiza o trágico vaticínio de PAVARINI os detidos devem ser trabalhadores os trabalhadores devem ser detidos45 VII A privatização de presídios no Brasil 1 A Lei 721084 Lei de Execução Penal define o trabalho do conde nado como dever social e condição de dignidade humana art 28 e LEP realizado sob gerência de fundação ou empresa pública e com o objetivo de formação profissional do condenado art 34 LEP o que parece excluir a privatização do trabalho carcerário porque se a gerência do trabalho carcerário é exclusividade de fundação ou empresa pública e está condicionado ao objetivo de formação profissional do condenado então nem empresários privados podem gerenciar o trabalho carcerário nem a força de trabalho encarcerada pode ser objeto de exploração lucrativa por empresas privadas Esse regime prevaleceu até dezembro de 2003 quando a Lei 1079203 acrescentou o atual 2º do art 34 da Lei de Execução Penal que admite convênios do poder público com a iniciativa privada para implantação de oficinas de trabalho em instituições penais permitindo a privatização de presídios no Brasil Não obstante o Poder Público brasileiro se antecipou à mu dança da legislação para implantar o sistema de prisões privadas no País mediante terceirização dos processos produtivos e da disciplina carcerária ao inaugurar a Penitenciária Industrial de Guarapuava no Estado do Paraná em 12 de novembro de 1999 com capacidade para 240 duzentos e quarenta condenados em regime fechado assim estruturada a a exploração da força de trabalho encarcerada é atri buída a empresa privada da área econômica b a segurança interna da prisão é atribuída a empresa privada da área de segurança c apenas 45 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 232 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 469 242012 162834 470 Teoria da Pena Capítulo 18 a direção e a fiscalização da segurança é exercida por funcionários públicos estaduais Atualmente existem 12 penitenciárias privatizadas no Brasil assim distribuídas 6 penitenciárias no Paraná 3 no Ceará 2 no Amazonas e 1 na Bahia 2 Entretanto a possibilidade de convênio com capitais privados para implantar oficinas de trabalho em instituições penais art 34 2º LEP não inclui a terceirização da disciplina carcerária porque o poder disciplinar no sistema penitenciário continua monopólio exclusivo do Estado no caso de faltas disciplinares médias ou leves a lei atribui o poder disciplinar à autoridade administrativa da prisão ou seja ao Poder Executivo art 47 LEP no caso de faltas disciplinares graves a lei atribui o poder de aplicar determinadas sanções ao juiz da execução penal ou seja ao Poder Judiciário art 48 parágrafo único LEP Logo sistemas de trabalho carcerário que submetam a força de trabalho encarcerada ao poder disciplinar de qualquer outra autoridade diferente do Estado por exemplo empresas privadas de segurança prisional são ilegais Além disso a própria privatização do traba lho carcerário por convênio com empresas privadas parece infringir o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana art 1º CR por uma razão elementar a força de trabalho encarcerada não tem o direito de rescindir o contrato de trabalho ou seja não possui a única liberdade real do trabalhador na relação de emprego e por isso a compulsória subordinação de seres humanos encarcerados a empresários privados não representa apenas simples dominação do homem pelo homem mas a própria institucionalização do trabalho escravo na prisão como a história da ascensão queda e ressurreição da privatização de presídios demonstra Se o programa de retribuição e de prevenção do crime é definido pelo Estado na aplicação da pena criminal pelo Poder Judiciário art 59 CP então a realização desse programa políticocriminal constitui dever indelegável do Poder Executivo vinculado ao objetivo de harmônica integração social do condenado art 1º LEP com exclusão de toda e qualquer forma de privatização da execução penal Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 470 242012 162834 471 Capítulo 19 o SiStema peNaL braSiLeiro I A política penal brasileira 1 Sistema dualista alternativo O sistema de medidas re pressivas da lei penal brasileira é estruturado pelo critério dualista alternativo expresso em dois binômios excludentes a culpabili dade pena b periculosidade criminal medida de segurança1 O critério dualista alternativo introduzido pela reforma penal de 1984 caracterizase pela aplicação alternativa de pena criminal ou de medida de segurança contra autores de tipos de injusto ou pena criminal fundada na culpabilidade ou medida de segurança fundada na periculosidade criminal excluída qualquer aplicação simultânea de pena criminal e de medida de segurança A legislação anterior adotava o critério dualista cumulativo ou sistema do duplo binário caracterizado pela cumulatividade ou pela alternativida de de aplicação de penas criminais eou de medidas de segurança contra autores de fatos definidos como tipos de injusto critério abandonado pelos problemas da aplicação cumulativa de penas e de medidas de segurança As penas criminais e as medidas de segurança possuem um funda mento comum e um fundamento específico a o fundamento comum é representado pelo tipo de injusto como ação típica e antijurídica 1 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 77 I p 802803 NAUCKE Strafrecht 2000 9a edição p 96 n 26 III também GROPP Strafrecht 2001 p 61 n 53 também WELZEL Strafrecht 1969 11a edição 32 III p 244 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 471 242012 162834 472 Teoria da Pena Capítulo 19 concreta b o fundamento específico da pena criminal é a culpabili dade do autor o fundamento específico da medida de segurança é a periculosidade criminal do autor inimputável2 2 Sistema de medidas repressivas O sistema de penas compre ende as seguintes espécies a penas privativas de liberdade b penas restritivas de direito c penas de multa art 32 I II e III CP O sistema de medidas de segurança compreende as seguintes espécies a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico b tratamento ambulatorial art 96 III CP objeto de capítu lo próprio ver Medidas de segurança na legislação penal brasileira adiante No sistema penal as penas privativas de liberdade constituem o centro da política penal e a forma principal de punição as penas restritivas de direitos funcionam simultaneamente como substitu tivas da privação de liberdade e impeditivas da ação criminógena do cárcere as penas de multa são em regra cominadas em forma cumulativa ou alternativa à privação de liberdade por exceção podem ser aplicadas em caráter substitutivo das penas privativas de liberdade art 60 2º CP Vêse que a pena privativa de liberdade é o centro de gravidade da política penal brasileira3 as penas restritivas de direitos representam a assimilação parcial de críticas à prisão como a violência a corrupção e a degradação pessoal e moral do preso sintetizadas no conceito de prisionalização4 2 EBERT Strafrecht 2001 p 246247 No Brasil CIRINO DOS SANTOS Direito penal a nova parte geral 1985 p 222 3 CIRINO DOS SANTOS Direito penal a nova parte geral 1985 p 222223 4 Exposição de Motivos do Código Penal n 37 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 472 242012 162834 473 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro II Penas criminais 1 Penas privativas de liberdade 1 A pena privativa de liberdade é a espinha dorsal do sistema penal5 existente nas formas de reclusão e de detenção A diferença principal entre reclusão e detenção referese aos regimes de execução a pena de reclusão cominada em crimes mais graves é executada nos regimes fechado semiaberto e aberto a pena de detenção cominada em crimes menos graves é executada nos regimes semiaberto e aberto o regime fechado é exceção determinada pela necessidade art 33 caput CP Diferenças secundárias significativas são as seguintes a a medida de segurança aplicada em crimes de reclusão é a de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico em crimes de detenção é a de tratamento ambulatorial b a fiança em crimes de reclusão somente pode ser concedida pelo juiz em crimes de detenção pode ser conce dida também pela autoridade policial etc6 Art 33 A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado semiaberto ou aberto A de detenção em regime semiaberto ou aberto salvo necessidade de transferência a regime fechado 2 A execução da pena privativa de liberdade sob forma de reclusão ou de detenção nos regimes fechado semiaberto ou aberto exige de finição dos regimes de execução e das formas de progressão e de regressão entre os regimes de execução instituído pela Lei de Execução Penal Lei 721084 que implantou o novo modelo jurisdicional de execução penal no Brasil7 5 JESCHECK Einfuhrung in Beck Strafgesetzbuch 2001 36a edição p XX 6 Ver BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição p 421422 7 CARVALHO Pena e garantias 2003 2a edição p 170 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 473 242012 162834 474 Teoria da Pena Capítulo 19 Art 33 1º Considerase a regime fechado a execução da pena em estabeleci mento de segurança máxima ou média b regime semiaberto a execução da pena em colônia agrícola industrial ou estabelecimento similar c regime aberto a execução da pena em casa de alber gado ou estabelecimento adequado Transitada em julgado a sentença criminal condenatória e expe dida a guia de recolhimento art 1057 LEP o condenado à privação de liberdade é submetido ao regime inicial de execução fixado provi soriamente na sentença judicial art 33 3º CP e art 110 LEP 11 Regimes de execução 111 Progressão e regressão de regimes 1 Os regimes de execução das penas privativas de liberdade são estru turados pelos critérios de progressividade regra ou de regressividade exceção instituídos com o objetivo explícito de humanizar a pena privativa de liberdade segundo duas variáveis o mérito do condenado e o tempo de execução da pena art 33 2º 3º e 4º CP O regime inicial de execução da pena privativa de liberdade é determinado na sentença criminal condenatória art 59 III CP o regime fechado depende exclusivamente da quantidade da pena aplicada o regime semiaberto e o regime aberto dependem da quantidade da pena aplicada e da primariedade do condenado8 Art 33 2º As penas privativas de liberdade de verão ser executadas em forma progressiva segundo o 8 Comparar BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição p 422423 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 474 242012 162834 475 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro mérito do condenado observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso a o condenado a pena superior a 8 oito anos deverá começar a cumprila em regime fechado b o condenado não reincidente cuja pena seja superior a 4 quatro anos e não exceda a 8 oito poderá desde o princípio cumprila em regime semiaberto c o condenado não reincidente cuja pena seja igual ou inferior a 4 quatro anos poderá desde o início cumprila em regime aberto 3º A determinação do regime inicial de cumprimento da pena farseá com observância dos critérios previstos no art 59 deste Código 2 O movimento de progressão ou de regressão do preso nos regimes de execução pressupõe verificação de condições específicas e depende de decisão judicial motivada precedida de manifestação do Ministério Público e da Defesa 21 A progressão representa a passagem do preso de regime de maior rigor para regime de menor rigor punitivo após cumprimento mínimo de 16 um sexto da pena no regime anterior e bom comportamento carcerário comprovado pelo Diretor do estabelecimento art 112 LEP mediante decisão judicial motivada precedida de manifestação do Ministério Público e da Defesa art 112 1º LEP 1º A decisão será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor A regra da progressividade fundada no tempo de execução e no comportamento do condenado admite mudanças em relação aos conde nados por crimes contra a administração pública art 33 4º CP e por crimes hediondos e equiparados art 2o da Lei 807290 Em crimes contra a administração pública a progressão de regime depende Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 475 242012 162835 476 Teoria da Pena Capítulo 19 da condição complementar de reparação do dano ou de devolução do produto do crime Art 33 4º O condenado por crime contra a ad ministração pública terá a progressão de regime do cumprimento da pena condicionada à reparação do dano que causou ou à devolução do produto do ilícito praticado com os acréscimos legais Em crimes hediondos e equiparados9 tortura tráfico ilícito de drogas e terrorismo a progressão de regime pressupõe o cumprimento de 25 da pena para o condenado primário e de 35 da pena para o condenado reincidente art 2º 1º da Lei 807290 ainda uma violação do princípio constitucional de igualdade perante a lei art 5º I CR porque representa discriminação fundada no tipo de autor 22 A regressão é o retorno do preso para regime anterior de maior rigor punitivo e pode ocorrer nas hipóteses a de prática de fato definido como crime doloso ou de falta grave e b de nova pena por crime anterior cuja soma determine incompatibilidade com o regime atual art 118 I e II 1º e 2º LEP Art 118 LEP A execução da pena privativa de liber dade ficará sujeita à forma regressiva com a transferên cia para qualquer dos regimes mais rigorosos quando o condenado I praticar fato definido como crime doloso ou falta grave II sofrer condenação por crime anterior cuja pena somada ao restante da pena em execução torne incabível o regime art 111 9 Em 23 de fevereiro de 2006 o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL reconheceu a inconstitucionalidade da proibição de progressão de regimes em crimes hediondos HC 82959 Rel Min MARCO AURÉLIO Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 476 242012 162835 477 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro 1º O condenado será transferido do regime aberto se além das hipóteses referidas nos incisos anteriores frustrar os fins da execução ou não pagar podendo a multa cumulativamente imposta 2º Nas hipóteses do inciso I e do parágrafo anterior deverá ser ouvido previamente o condenado É fundamental esclarecer duas coisas primeiro a falta de pa gamento da multa cumulativa art 118 1º LEP não determina regressão de regime mas resolvese em dívida de valor regida pelas normas da dívida ativa da Fazenda Pública art 51 CP com a redação da Lei 926896 segundo se a progressão de regime exige decisão judicial motivada precedida de manifestação do Ministério Público e da Defesa art 112 1º LEP então e com maior razão a re gressão de regime também deve ser determinada por decisão judicial motivada com prévia manifestação do Ministério Público e da Defesa sendo insuficiente a simples audiência do condenado art 118 2º LEP acima10 Vêse que os regimes de execução das penas privativas de liber dade foram concebidos para cumprir várias funções a condicionam a recuperação de cotas de liberdade suprimida segundo duas variáveis o tempo de prisão como variável quantitativa e o esforço do condenado como variável qualitativa art 33 2º CP b reforçam a justificação da privação de liberdade sob o argumento de maior adequação aos objetivos preventivos da pena criminal c finalmente revalorizam a atividade judicial vinculando o regime inicial de execução à senten ça criminal condenatória erigida em prognóstico de ressocialização art 33 3º CP 10 Nesse sentido decisão do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIçA HC 37164SC 6ª Turma DJ 22112004 Rel Min NILSON NAVES Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 477 242012 162835 478 Teoria da Pena Capítulo 19 112 Espécies de regime a Regime fechado O regime fechado de execução da pena privativa de liberdade é o mais rigoroso cumprido em estabelecimento de segurança máxima ou média destinase aos condenados a penas su periores a 8 anos art 33 2º a CP e se caracteriza pelo trabalho comum interno regra ou em obras públicas externas durante o dia exceção e pelo isolamento durante o repouso noturno art 34 1º 2º e 3º CP Art 34 O condenado será submetido no início do cumprimento da pena a exame criminológico de clas sificação para individualização da execução 1º O condenado fica sujeito a trabalho no período diurno e a isolamento durante o repouso noturno 2º O trabalho será em comum dentro do estabele cimento na conformidade das aptidões ou ocupações anteriores do condenado desde que compatíveis com a execução da pena 3º O trabalho externo é admissível no regime fecha do em serviços ou obras públicas A realidade carcerária do regime fechado constitui negação abso luta do programa do legislador o trabalho interno comum é privilégio de poucos condenados o trabalho externo em serviços ou obras públicas é raríssimo e o isolamento durante o repouso noturno é excluído pela superpopulação carcerária11 b Regime semiaberto O regime semiaberto de execução da pena privativa de liberdade possui rigor intermediário entre os regimes fechado e aberto cumprido em colônia agrícola industrial ou similar 11 Ver BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição p 423 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 478 242012 162835 479 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro e destinase imediatamente aos condenados primários a penas priva tivas de liberdade superiores a 4 e inferiores a 8 anos e mediatamente aos condenados submetidos ao regime fechado art 33 2º b CP pelo critério de progressividade dos regimes de execução O regime semiaberto caracterizase pelo trabalho comum interno ou externo durante o dia e pelo recolhimento noturno permitindo a frequência a cursos supletivos profissionalizantes de instrução de segundo grau ou superior art 35 1º e 2º CP Art 35 Aplicase a norma do art 34 deste Código caput ao condenado que inicie o cumprimento da pena em regime semiaberto 1º O condenado fica sujeito a trabalho em comum durante o período diurno em colônia agrícola indus trial ou estabelecimento similar 2º O trabalho externo é admissível bem como a frequência a cursos supletivos profissionalizantes de instrução de segundo grau ou superior c Regime aberto O regime aberto de execução da pena privativa de liberdade é o menos rigoroso deve ser cumprido em casa de albergado e destinase imediatamente aos condenados primários a penas iguais ou inferiores a 4 quatro anos e mediatamente aos condenados submetidos a outros regimes art 33 2º c CP segundo o critério da progressividade O regime aberto tem por fundamento a autodis ciplina e o senso de responsabilidade do condenado art 36 CP e caracterizase pela liberdade sem restrições para o trabalho externo frequência a cursos e outras atividades autorizadas durante o dia e pela liberdade restringida durante a noite e dias de folga mediante recolhi mento em casa de albergado ou na própria residência do condenado art 36 1º CP12 A permissão de recolhimento noturno e nos 12 Comparar BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição p 424425 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 479 242012 162835 480 Teoria da Pena Capítulo 19 dias de folga na própria casa do condenado aparece como alternativa prática necessária e justa para evitar os efeitos nocivos da prisão sobre a personalidade do preso em face da ausência generalizada de casas de albergado no Brasil Art 36 O regime aberto baseiase na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado 1º O condenado deverá fora do estabelecimento e sem vigilância trabalhar frequentar curso ou exercer outra atividade autorizada permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga 2º O condenado será transferido do regime aberto se praticar fato definido como crime doloso se frustrar os fins da execução ou se podendo não pagar a multa cumulativamente aplicada O ingresso no regime aberto pressupõe a condenado traba lhando ou em condições de trabalho imediato b possibilidade de ajustamento ao regime e c aceitação do programa e das condições impostas pelo juiz arts 113114 LEP As condições do regime aberto podem ser especiais determinadas pelo juiz e gerais obrigatórias que são as seguintes a permanência no local designado durante o repouso noturno e dias de folga b observância dos horários de saída e de retorno ao estabelecimento c não se ausentar da cidade sem autorização judicial d comparecimento em juízo para informar e justificar atividades art 115 LEP Por fim o condenado poderá ser transferido do regime aberto para regime mais rigoroso se a praticar fato definido como crime doloso ou b frustrar os fins da execução art 36 2º CP excluída a hipótese de não pagamento da pena de multa cumulativa à privação de liberdade aplicada por condenado solvente que agora se converte em dívida de valor e não em privação de liberdade art 51 CP modificado pela Lei 926896 d Regime especial para mulheres As mulheres cumprem pena pri vativa de liberdade em estabelecimento próprio com direitos e deveres Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 480 242012 162835 481 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro adequados à sua condição pessoal aplicandose as regras gerais dos re gimes de execução na medida de sua compatibilidade art 37 CP Art 37 As mulheres cumprem pena em estabelecimento próprio observandose os deveres e direitos inerentes à sua condição pessoal bem como no que couber o disposto neste Capítulo 12 Direitos e deveres do condenado a Direitos do condenado A lei penal brasileira assegura ao preso formalmente todos os direitos humanos não atingidos pela privação de liberdade especialmente o respeito à integridade física e moral do condenado art 38 CP embora continue imensa a distância entre lei e realidade na execução penal brasileira13 Art 38 O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade impondose a todas as autori dades o respeito à sua integridade física e moral b Deveres do condenado O condenado é submetido ao dever geral de obediência pessoal às normas de execução penal art 38 LEP especificado nos seguintes deveres particulares art 39 LEP a comportamento disciplinado b cumprimento fiel da sentença c obediência ao servidor público d respeito e urbanidade nas relações com outros condenados ou com qualquer pessoa e oposição pessoal a movimentos de fuga individual ou coletiva ou de subversão à ordem ou à disciplina f realização dos trabalhos tarefas e ordens g higiene e asseio pessoal e da cela ou alojamento h conservação de objetos de uso pessoal 13 Ver CARVALHO Pena e garantias 2003 2a edição p 170 Muito embora introduzido normativamente não se pode afirmar tenha ocorrido o câmbio esperado no que diz à concepção doutrinária e jurisprudencial quanto à natureza jurídica da execução penal Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 481 242012 162835 482 Teoria da Pena Capítulo 19 c Trabalho do condenado O trabalho do condenado art 39 CP definido como dever social e condição de dignidade humana realizado com objetivos educativos e produtivos art 28 LEP não é regido pelas normas da CLT mas a organização e os métodos de trabalho subordi namse às regras gerais de higiene e de segurança no trabalho Art 39 O trabalho do preso será sempre remunera do sendolhe garantidos os benefícios da previdência social Art 28 LEP O trabalho do condenado como dever social e condição de dignidade humana terá finalidade educativa e produtiva d Remição penal A remição como ato de resgatar dívida na exe cução penal significa a redução da pena privativa de liberdade pelo trabalho prisional art 126 e LEP na proporção de 3 dias de trabalho por 1 dia de pena Art 126 O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir pelo trabalho parte do tempo de execução da pena 1º A contagem do tempo para o fim deste artigo será feita à razão de 1 um dia de pena por 3 três dias de trabalho 2º O preso impossibilitado de prosseguir no trabalho por acidente continuará a beneficiarse com a remição 3º A remição será declarada pelo juiz da execução ouvido o Ministério Público A jurisprudência mais recente tem admitido a remição parcial da pena privativa de liberdade pela frequência a cursos supleti vos profissionalizantes de instrução de segundo grau ou superior art 35 2o CP mesmo sob a forma de telecurso fundada na analogia entre trabalho e estudo sob o argumento de que a educação é a mais eficaz forma de integração do indivíduo à sociedade aliás a Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 482 242012 162835 483 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro finalidade do instituto da remição segundo interpretação teleológica da norma legal14 Idêntica analogia deve existir entre trabalho produtivo e trabalho artesanal para efeito de remição parcial da pena na hipótese de ine xistência de trabalho produtivo na instituição penal afinal o direito ao trabalho não constitui faculdade ou privilégio do condenado mas dever social e condição de dignidade humana nos termos da definição legal art 28 LEP Por isso se o condenado pretende cumprir o dever social de trabalhar promovendo a própria dignidade humana então o direito de remir parcialmente a pena privativa de liberdade pelo trabalho não pode ser cassado ou denegado pela administração penitenciária sob alegação de inexistência de trabalho produtivo no estabelecimento penal Nessa hipótese parece suficiente a comprovação substitutiva de trabalho artesanal para remição de 1 dia de pena a cada sequência de 3 dias em que o condenado se apresentar para o trabalho produtivo porque a dignidade humana não é simples garantia legal mas um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito15 Para finalizar admitese a remição da pena para antecipar a progres são para regime menos rigoroso sob o seguinte argumento se o conde nado pode antecipar a liberdade definitiva ou condicional pela remição 14 Nesse sentido o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIçA no HC 30623SP Quinta Turma acórdão unânime de 15 de abril de 2004 Relator o Min GILSON DIPP igualmente no RESP 595858SP Sexta Turma acórdão unânime de 21 de outubro de 2004 Relator o Min HAMILTON CARVALHIDO 15 Ver MESTIERI Manual de direito penal 1999 v 1 p 269 Sendo o trabalho carcerário direito e dever do condenado e reconhecendose legalmente o efeito da remição da pena o fato de o Estado mostrarse cronicamente desaparelhado para atender à demanda de trabalho interno ou externo dos presos não pode e não deve redundar em prejuízo do interno e do reconhecimento da remição Nesse sentido a jurisprudência majoritária cf Boletim do IBCCRIM n 53 1997 p 189 in KUEHNE Lei de Execução Penal Anotada Juruá 2003 3a edição v I p 8889 Em posição contrária mas inconvincente BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 p 442 Concluindo somente terão direito à remição os condenados que efetivamente realizarem o trabalho prisional nos termos estabelecidos na legislação específica Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 483 242012 162835 484 Teoria da Pena Capítulo 19 parcial da pena então pode acelerar a progressão para regime menos rigoroso desde que comprovado o requisito subjetivo do bom compor tamento carcerário necessário para a progressão art 112 LEP16 13 A disciplina penal A disciplina penal é definida como dever geral do preso pro visório e do condenado à pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos consistente nas seguintes obrigações colaboração com a ordem obediência às determinações e desempenho no trabalho art 44 e parágrafo único LEP O princípio da legalidade exige pré via e expressa definição legal das faltas e das sanções disciplinares art 45 LEP com proibição específica de a sanções coletivas b celas escuras e c expor a perigo a integridade física e moral do condenado art 45 1º 2º e 3º LEP 131 Faltas disciplinares As faltas disciplinares são classificadas nas categorias de faltas leves médias e graves art 49 LEP as faltas leves e médias são definidas pela legislação estadual as faltas graves são defi nidas pela Lei de Execução Penal art 50 LEP conforme a natureza restritiva de direitos ou privativa de liberdade da pena aplicada a As faltas graves das penas restritivas de direito são as seguintes art 51 LEP a descumprir sem justificação a restrição de direitos aplicada b retardar sem justificação o cumprimento de obrigação im posta c violar os deveres de obediência ao servidor e respeito a outras pessoas d inexecução dos trabalhos tarefas e ordens recebidas b As faltas graves das penas privativas de liberdade são as seguintes art 50 LEP a incitar ou participar de movimentos de subversão à ordem ou à disciplina b fugir c posse indevida de instrumento 16 Assim a decisão do TARS Ag 296005044 Relator Juiz JOSÉ ANTÔNIO PAGANELLA BOSCHI in RT 729648 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 484 242012 162835 485 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro capaz de ferir a integridade corporal de outrem d provocar acidente de trabalho e violar os deveres de obediência ao servidor e respeito a outras pessoas e de execução dos trabalhos tarefas e ordens c A prática de fato definido como crime doloso constitui igual mente falta grave contudo se produzir o resultado de subversão da ordem ou da disciplina internas determina sem prejuízo da sanção penal correspondente a mais grave sanção disciplinar da Lei de Exe cução Penal brasileira a aplicação do regime disciplinar diferenciado instituído pela Lei 1079203 art 52 LEP 132 Sanções disciplinares e regime disciplinar diferenciado As sanções disciplinares são aplicadas considerando a a natureza os motivos as circunstâncias e consequências do fato b a pessoa do condenado e c o tempo de prisão art 57 LEP com garantia do direito de defesa e decisão motivada no procedimento disciplinar por falta grave durante o qual a lei admite isolamento celular preventivo no interesse da disciplina e da apuração do fato arts 59 e 60 LEP O poder disciplinar é exercido pelo diretor do estabelecimento penal em processo disciplinar contraditório art 47 e 54 LEP17 exceto em hipóteses de falta grave e de aplicação do regime disciplinar dife renciado submetidos à decisão judicial fundamentada e prévia com manifestação do Ministério Público e da Defesa do condenado art 54 1º e 2º LEP O poder disciplinar definido como ontologicamente inquisitorial por CARVALHO18 controla a população carcerária pela aplicação de sanções disciplinares consistentes em advertência verbal repreensão suspensão ou restrição de direitos isolamento celular e finalmente 17 CARVALHO Pena e garantias 2003 2a edição p 192 diz o seguinte Apesar de a LEP assegurar taxativamente algumas garantias no procedimento devido processo reserva legal direito de defesa motivação da decisão a lógica do sistema não corresponde à estrutura principiológica conformadora de um direito democrático gerando focos de ilegalidades toleradas 18 CARVALHO Pena e garantias 2003 2a edição p 184 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 485 242012 162835 486 Teoria da Pena Capítulo 19 esse novo produto da imaginação repressiva do legislador o regime disciplinar diferenciado art 53 LEP a seguir sumariados a Advertência verbal e repreensão A advertência verbal e a repreensão são sanções disciplinares aplicáveis em faltas leves e médias respecti vamente definidas pela legislação estadual b Suspensão ou restrição de direitos e isolamento celular A suspen são ou restrição de direitos e o isolamento celular são sanções disciplinares aplicáveis no caso de faltas graves observados o limite máximo de 30 trinta dias e no caso do isolamento celular a imediata comunicação ao juiz da execução art 58 e parágrafo único LEP c Regime disciplinar diferenciado O regime disciplinar diferenciado é aplicável a presos provisórios ou condenados nas hipóteses a de crime doloso que determine subversão da ordem ou da disciplina inter nas b de alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade e c de fundadas suspeitas de envolvimento ou participação em organizações criminosas quadrilha ou bando art 52 1º e 2º LEP As características do regime disciplinar diferenciado são as se guintes a duração máxima de 360 trezentos e sessenta dias sem prejuízo de repetição da sanção disciplinar no caso de falta grave de mesma espécie até o limite de 16 um sexto da pena aplicada b cumprimento da sanção disciplinar em cela individual c visi tas semanais de 2 pessoas mais crianças com duração de 2 horas d saída para banho de sol por 2 horas diárias art 52 IIV LEP O regime disciplinar diferenciado é aplicado em procedimento disciplinar instaurado por requerimento circunstanciado do diretor do estabelecimento ou outra autoridade administrativa com manifes tação do Ministério Público e garantia do direito de defesa mediante decisão fundamentada e prévia do juiz competente no prazo de 15 dias art 54 1º e 2º e art 59 LEP Por exceção a autoridade administrativa pode decretar até o máximo de 10 dias o isolamento preventivo do preso mas a inclusão do preso no regime disciplinar Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 486 242012 162835 487 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro diferenciado depende de despacho do juiz competente fundado no interesse da disciplina e da averiguação do fato garantido o cômputo do tempo de isolamento preventivo no período de cumprimento da sanção disciplinar definitiva art 60 parágrafo único LEP O regime disciplinar diferenciado de isolamento em cela individual até 1 ano renovável por mais 1 ano até o limite de 16 um sexto da pena é inconstitucional por várias razões a constitui violação da dignidade da pessoa humana um dos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito definido no art 1º da Constituição da Repúbli ca b representa instituição de pena cruel expressamente excluída pelo art 5º XLVII letra e da Constituição da República c a indeterminação das hipóteses de aplicação do regime disciplinar diferenciado infringe o princípio da legalidade art 5º XXXIX da Constituição da República porque subordina a aplicação da sanção disciplinar a critérios judiciais subjetivos e idiossincráticos primeiro é indeterminável a quantidade de alteração da normalidade necessária para configurar o conceito de subversão da ordem ou da disciplina art 52 LEP segundo é indetermi nável a quantidade de risco definível como alto para a ordem e segurança da prisão ou da sociedade art 52 1º LEP terceiro é indefinível o conceito de fundadas suspeitas de envolvimento ou participação em organizações criminosas quadrilha ou bando art 52 2º LEP 14 Individualização da execução classificação e exame criminológico O programa de individualização da execução penal art 6º LEP compete à Comissão Técnica de Classificação presidida pelo diretor do estabelecimento e integrado por dois chefes de serviço um psiquiatra um psicólogo e um assistente social art 7º LEP19 19 Ver CARVALHO Pena e garantias 2003 2a edição p 185 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 487 242012 162835 488 Teoria da Pena Capítulo 19 141 Classificação dos condenados Os condenados a penas priva tivas de liberdade são classificados conforme os seguintes critérios pri meiro com base nos antecedentes e na personalidade do condenado para orientar a individualização da execução penal art 5º LEP segundo com base em exame criminológico do condenado realizado para adequar a classificação e a individualização da execução art 8º LEP 142 Exame criminológico O exame criminológico designa o con junto de exames clínicos morfológicos neurológicos psicológicos psiquiátricos e sociais do condenado20 realizados para adequar a clas sificação do condenado e precisar a individualização da execução penal art 8º LEP Nesse sentido o exame criminológico é a operacionali zação de procedimentos técnicos da criminologia etiológica individual para testar a capacidade criminogênica de condenados a penas privativas de liberdade O exame criminológico como diagnóstico para formular prognósticos comportamentais representa juízo de probabilidade refra tário à verificação científica e por isso constitui avaliação inquisitória insuscetível de refutação jurídica no contraditório processual21 Após o advento da Lei 1079203 o exame criminológico para progressão de regime foi substituído por atestado de bom comporta mento carcerário expedido pelo diretor da instituição reduzindo a psi quiatrização da execução penal22 pela qual a decisão do juiz de execução acabava transferida para funcionários da ortopedia moral psiquiatras psicólogos e assistentes sociais do sistema penal cujos prognósticos moralistas e segregadores23 costumavam ressuscitar excrescências po sitivistas do tipo personalidade voltada para o crime cujo primitivismo lombrosiano ainda depõe contra a ciência penal brasileira 20 PITOMBO Os regimes de cumprimento de pena e o exame criminológico in Revista dos Tribunais n 583 p 315 21 CARVALHO Pena e garantias 2003 2a edição p 187 22 Ver CARVALHO Pena e garantias 2003 2a edição p 190 23 MALAGUTTI BATISTA O proclamado e o escondido a violência da neutralidade técnica in Discursos sediciosos n 3 1997 p 7786 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 488 242012 162835 489 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro Apesar da inconfiabilidade científica de prognósticos sobre comportamento futuro24 afinal nenhum método científico permite prever o comportamento futuro de ninguém o exame criminológico continua obrigatório para classificar e individualizar a execução penal de condenados em regime fechado facultativo para condenados em regime semiaberto a norma geral do art 35 CP que indica exame obrigatório é excluída pela norma especial do art 8º parágrafo único LEP que indica exame facultativo e desnecessário para condenados em regime aberto art 8º e parágrafo único LEP25 15 Detração penal A detração penal art 42 CP significa o ato judicial de reduzir a da pena privativa de liberdade aplicada o tempo de prisão provisória prisão em flagrante temporária preventiva por sentença de pronún cia e por sentença condenatória recorrível ou de prisão administrativa cumprida pelo condenado ou b da medida de segurança o tempo de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou em outro estabelecimento adequado art 41 CP26 Art 42 Computamse na pena privativa de liberdade e na medida de segurança o tempo de prisão provisória 24 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 77 I p 805 também FRISCH Prognoseentscheidungen in der strafrechtlichem Praxis 1994 p 34 s KAISER Befinden sich die kriminalrechtlichen Massregeln in der Krise 1990 p 16 do mesmo Kriminologie 1993 9a edição 71 p 555570 25 O conflito entre a norma geral do CP art 35 que indica exame criminológico obrigatório e a norma especial da LEP art 8o parágrafo único que indica exame criminológico facultativo é resolvido pelo princípio da especialidade a norma especial prevalece sobre a norma geral Em posição contrária BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição p 438440 que considera obrigatório o exame criminológico em condenados sob regime semiaberto 26 Comparar BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição p 440441 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 489 242012 162836 490 Teoria da Pena Capítulo 19 no Brasil ou no estrangeiro o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior Por outro lado nada impede a detração penal na hipótese de pena privativa de liberdade aplicada em novo processo mediante subtração do tempo de prisão provisória decretada em processo anterior de que resultou absolvição do acusado27 16 Limite das penas privativas de liberdade A aplicação de penas privativas de liberdade é limitada exclu sivamente pela qualidade e quantidade de fatos puníveis realizados mas a execução de penas privativas de liberdade é limitada a 30 trinta anos Assim na hipótese de aplicação de penas privativas de liberdade cuja soma ultrapasse o limite legal de execução as penas aplicadas são unificadas em 30 trinta anos como tempo máximo de execução de penas privativas de liberdade Art 75 O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 trinta anos 1º Quando o agente for condenado a penas privati vas de liberdade cuja soma seja superior a 30 trinta anos devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo O limite máximo de 30 trinta anos decorre da proibição cons titucional de penas perpétuas art 5º XLVII b CR A única exceção ocorre na hipótese de condenação por fato punível cometido após o início da execução da pena em que a reunificação determinada pela nova pena aplicada desconsidera o tempo de pena já cumprido 27 Ver FRAGOSO Lições de direito penal 2003 16a edição 76 p 3 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 490 242012 162836 491 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro Art 75 2º Sobrevindo condenação por fato poste rior ao início do cumprimento da pena farseá nova unificação desprezandose para esse fim o período de pena já cumprido 2 Penas restritivas de direitos A maior inovação da reforma penal de 1984 foi a introdução das penas restritivas de direitos que criam obrigações limitam direitos e reduzem a liberdade do condenado temporariamente 21 Natureza As penas restritivas de direitos possuem tríplice caráter arts 44 e 54 CP a são autônomas porque existem de modo independente em conjunto com as penas privativas de liberdade e a pena de multa e sua execução extingue a pena privativa de liberdade aplicada b são substitutivas porque ocupam o lugar da pena privativa de liberdade aplicada a única exceção é a interdição de direitos nos crimes com violação de deveres de profissão atividade ofício cargo ou função em que a pena restritiva de direitos atua como autêntica pena acessó ria c são reversíveis porque admitem em determinadas hipóteses reaplicação da pena privativa de liberdade substituída como garantia de eficácia da pena restritiva de direitos aplicada 22 Pressupostos de aplicação das penas restritivas de direitos Após o advento da Lei 971498 a substituição das penas pri vativas de liberdade por penas restritivas de direitos é determinada pela Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 491 242012 162836 492 Teoria da Pena Capítulo 19 natureza do crime cometido e pela duração da pena aplicada assim equacionados 221 Aplicação pela natureza do crime A aplicação da pena restriti va de direitos fundada na natureza do crime ocorre em três hipóteses a em crimes dolosos cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa com pena privativa de liberdade inferior ou igual a 4 anos art 44 I CP b em crimes imprudentes independente da duração da pena privativa de liberdade aplicada art 44 I CP c em crimes dolosos cometidos com violência ou grave ameaça à pes soa com pena privativa de liberdade inferior a 1 ano art 54 CP Art 44 As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade quando I aplicada pena privativa de liberdade não superior a 4 quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou qualquer que seja a pena aplicada se o crime for culposo II o réu não for reincidente em crime doloso III a culpabilidade os antecedentes a conduta social e a personalidade do condenado bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente Art 54 As penas restritivas de direitos são aplicáveis independentemente de cominação na parte especial em substituição à pena privativa de liberdade fixada em quantidade inferior a 1 um ano ou nos crimes culposos 222 Aplicação pela duração da pena A aplicação da pena restritiva de direitos fundada na natureza do crime ocorre em duas hipóteses Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 492 242012 162836 493 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro a no caso de pena privativa de liberdade igual ou inferior a 1 ano possibilidade de substituição por multa ou por uma pena restritiva de direitos art 44 2º CP b no caso de pena privativa de liberdade superior a 1 ano possibi lidade de substituição por pena restritiva de direitos e multa ou por duas penas restritivas de direitos art 44 2º CP Art 44 2º Na condenação igual ou inferior a 1 um ano a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos se superior a 1 um ano a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos 223 Condições limitadoras e excludentes A aplicação da pena restritiva de direitos pode ser limitada ou excluída em determinadas hipóteses a a reincidência em crime doloso impede a aplicação de pena restritiva de direitos art 44 II CP exceto em hipótese de reincidência genérica e de substituição socialmente recomendável da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos art 44 3º CP b são indicadores judiciais de suficiência para aplicação de pena restritiva de direitos a culpabilidade os antecedentes a conduta so cial a personalidade os motivos do agente e as circunstâncias do fato art 44 III CP Art 44 3º Se o condenado for reincidente o juiz poderá aplicar a substituição desde que em face de condenação anterior a medida seja socialmente reco mendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime c o tráfico de drogas e crimes assemelhados excluem pe nas restritivas de direitos art 33 caput e 1º e 34 a 37 da Lei 1134306 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 493 242012 162836 494 Teoria da Pena Capítulo 19 23 Espécies de penas restritivas de direitos A legislação penal brasileira prevê 5 cinco espécies de penas restritivas de direitos a saber a prestação pecuniária b perda de bens e valores c prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas d interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana art 43 IIIIII CP 231 Prestação pecuniária A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima ou descendentes ou a entidade pública ou privada com destinação social de um valor fixado pelo juiz entre o mínimo de 1 e o máximo de 360 salários mínimos como reparação do dano resultante do crime art 45 1º e 2º CP Art 45 1º A prestação pecuniária consiste no pa gamento em dinheiro à vítima a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social de importância fixada pelo juiz não inferior a 1 um salário mínimo nem superior a 360 trezentos e sessen ta salários mínimos O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil se coincidentes os beneficiários A lei prevê a possibilidade de reparação do dano de outra forma como por exemplo a dação em pagamento art 356 CC se o beneficiário consentir e obviamente o condenado requerer Prestações de outra natureza não ferem o princípio da legalidade das penas como afirma um setor da literatura28 por duas razões principais primeiro 28 Por exemplo BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição p 464 Essa prestação de outra natureza é na verdade uma pena inominada e pena inominada é pena indeterminada que viola o princípio da reserva legal igualmente REGIS PRADO Curso de direito penal brasileiro parte geral 2004 4a edição p 569 A denominada prestação pecuniária inominada é exemplo de inconteste violação ao princípio da legalidade dos delitos e das penas Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 494 242012 162836 495 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro porque substituem a pena privativa de liberdade aplicada regida pelo princípio nulla poena sine lege segundo porque beneficiam o conde nado logo não podem ser excluídas pelo princípio da legalidade instituído para proteção do acusado 2o No caso do parágrafo anterior se houver aceitação do beneficiário a prestação pecuniária pode consistir em prestação de outra natureza 232 Perda de bens e valores A perda de bens e valores tem por objeto o patrimônio do condenado tem por limite o valor maior ou do prejuízo causado ou do provento obtido com a prática do crime e se destina ao Fundo Penitenciário Nacional exceto disposição legal em contrário art 45 3º CP Art 45 3º A perda de bens e valores pertencentes aos condenados darseá ressalvada a legislação especial em favor do Fundo Penitenciário Nacional e seu valor terá como teto o que for maior o montante do pre juízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por terceiro em consequência da prática do crime A literatura dominante define a perda de bens e valores como simples pena de confisco banida do moderno Direito Penal29 mas é necessário distinguir as hipóteses respectivas a perda de bens e valores até o limite do prejuízo causado com o crime em favor do Fundo Penitenciário Nacional constitui realmente confisco de bens e valores do condenado porque não possui natureza de indenização ou ressarci mento da vítima mas a perda de bens e valores até o limite do provento obtido com o crime não significa confisco porque bens e valores obtidos mediante prática de crime não integram o patrimônio do condenado e portanto não podem ser objeto de confisco 29 Nesse sentido BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição p 462463 REGIS PRADO Curso de direito penal brasileiro parte geral 2004 4a edição p 569570 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 495 242012 162836 496 Teoria da Pena Capítulo 19 233 Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é apli cável em condenações superiores a 6 meses de privação de liberdade art 46 CP e consiste em tarefas gratuitas atribuídas conforme as aptidões do condenado e distribuídas à razão de 1 hora de trabalho por dia de condenação sem prejuízo da jornada normal de trabalho em entidades assistenciais hospitais escolas orfanatos e instituições congêneres em programas comunitários ou estatais art 46 e 1º 2º e 3º CP Na hipótese de condenação superior a 1 ano a pena substitutiva pode ser cumprida em tempo menor do que a pena subs tituída respeitada a metade da pena privativa de liberdade aplicada art 46 4º CP Art 46 A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às condenações superiores a 6 seis meses de privação de liberdade 1º A prestação de serviços à comunidade ou a enti dades públicas consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado 2º A prestação de serviços à comunidade darseá em entidades assistenciais hospitais escolas orfanatos e outros estabelecimentos congêneres em programas comunitários ou estatais 3º As tarefas a que se refere o 1o serão atribuídas conforme as aptidões do condenado devendo ser cum pridas à razão de 1 uma hora de tarefa por dia de condenação fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho 4º Se a pena substituída for superior a 1 um ano é facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo art 55 nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade aplicada Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 496 242012 162836 497 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro Compete ao juiz designar a instituição de trabalho gratuito do condenado comunicandolhe dias e horários de cumprimento da pena cuja execução se inicia no dia do primeiro comparecimento art 149 e parágrafos LEP As entidades beneficiárias apresentarão relatórios mensais das atividades e comunicarão ausências ou faltas disciplinares ao juízo da execução art 153 LEP A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas re presenta a mais adequada e generosa modalidade de pena restritiva de direitos concebida para substituir a pena privativa de liberdade mas sua aplicação é dificultada por lamentáveis obstáculos comunitários ou oficiais nem a comunidade representada por entidades assisten ciais hospitais escolas orfanatos etc nem as entidades públicas representadas pelos órgãos dos poderes da União dos Estados e dos Municípios parecem demonstrar interesse ou receptividade à ideia de admitir a prestação de serviços substitutiva da privação da liberdade de indivíduos estigmatizados por sentenças condenatórias do sistema de justiça criminal 234 Interdição temporária de direitos A interdição temporária de direitos consiste nas seguintes proibições 1 proibição do exercício de cargo função ou atividade pública bem como de mandato eletivo art 47 I CP 2 proibição do exercício de profissão atividade ou ofício que dependam de habilitação especial de licença ou autorização do poder público art 47 II CP 3 suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo art 47 III 4 proibição de frequentar determinados lugares art 47 IV CP Art 47 As penas de interdição temporária de direitos são I proibição do exercício de cargo função ou atividade pública bem como de mandato eletivo II proibição do exercício de profissão atividade ou ofício que dependam de habilitação especial de licença ou autorização do poder público Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 497 242012 162836 498 Teoria da Pena Capítulo 19 III suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo IV proibição de frequentar determinados lugares Na hipótese a de proibição do exercício de cargo função atividade pública ou mandato eletivo art 47 I CP a autoridade judicial comunicará a pena aplicada à autoridade competente que baixará ato iniciando a execução art 154 1º LEP na hipótese b de proibição do exercício de profissão atividade ou ofício de pendentes de habilitação licença ou autorização do poder público ou de suspensão de autorização para dirigir veículo art 47 II e III CP a autoridade judicial determina a apreensão dos documentos relativos ao exercício do direito interditado art 154 2º LEP As autoridades administrativas deverão e qualquer prejudicado poderá comunicar ao juízo da execução o descumprimento da pena aplicada art 155 LEP 235 Limitação de fim de semana A limitação de fim de semana assemelhase parcialmente ao regime aberto de execução da pena privativa de liberdade e consiste na obrigação de permanência aos sábados e domingos durante 5 horas diárias em casa de albergado se não houver casa de albergado então na própria residência do conde nado segundo a jurisprudência com possibilidade de participar de cursos palestras e outras atividades educativas art 48 parágrafo único CP Art 48 A limitação de fim de semana consiste na obrigação de permanecer aos sábados e domingos por 5 cinco horas diárias em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado Parágrafo único Durante a permanência poderão ser ministrados ao condenado cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 498 242012 162836 499 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro O juízo da execução cientificará ao condenado local dias e horários de cumprimento da pena cuja execução se inicia também no primeiro comparecimento art 151 LEP O estabelecimento designado apresentará relatórios mensais e comunicará ausências ou faltas disciplinares ao juízo da execução art 153 LEP 3 Pena de multa A pena de multa instituída para impedir penas privativas de li berdade de curta duração a criminalidade média e leve é a sanção penal mais frequente dos sistemas punitivos modernos30 O quantum da pena de multa é determinado pelo sistema de diasmulta uma criação original do Código Criminal do Império do Brasil 183031 hoje generalizado nas legislações penais As vantagens da pena de multa são evidentes a o condenado preserva os contatos familiares e sociais garante a continuidade das relações de trabalho e evita os efeitos nocivos da prisão b o Estado economiza custos de execução penal e garante recursos financeiros para o sistema penitenciário32 sem prejuízo da eficácia retributiva e preventiva da pena As desvantagens são desprezíveis eventual redução da capacidade de indenizar a vítima pelo dano do crime e incerteza sobre a identidade real do pagador33 30 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 5a edição 73 I 1 p 767768 No ano de 1991 foram aplicadas penas de multa em 84 de todos os condenados 31 ZAFFARONI Derecho penal parte general 2002 2a edição 63 n 2 p 974 63 n 2 No Brasil BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8ª edição p 533 32 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 5a edição 73 I 4 p 769 33 Comparar JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 5a edição 73 I 4 p 769 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 499 242012 162836 500 Teoria da Pena Capítulo 19 31 Cominação da pena de multa A pena de multa é cominada de modo indeterminado nos tipos legais de crime aplicada conforme critérios definidos na parte geral do Código Penal de forma alternativa ou cumulativa com penas privativas de liberdade e se destina ao Fundo Penitenciário art 49 CP Existem duas exceções de aplicação de pena de multa indepen dente de cominação na parte especial art 58 parágrafo único CP a hipótese de pena de multa isolada substitutiva de pena privativa de liberdade igual ou inferior a 1 ano art 44 2º CP primeira parte e não art 44 parágrafo único como erroneamente diz a lei ou de pena de multa cumulada com pena restritiva de direitos substitutiva de pena privativa de liberdade superior a 1 ano art 44 2º CP segunda parte34 32 Aplicação da pena de multa A pena de multa é aplicada conforme duas variáveis primeiro a determinação da quantidade de diasmulta definida conforme o tipo de injusto e a culpabilidade do autor segundo a determinação do valor do diamulta definido conforme a capacidade econômico financeira do autor35 A pena de multa aplicada é o produto aritmético da multiplicação da quantidade de diasmulta art 49 CP pelo valor do diamulta art 49 1º CP atualizável pelos índices de correção monetária na época da execução art 49 2º CP a A quantidade de diasmulta A quantidade de diasmulta varia entre o mínimo de 10 e o máximo de 360 diasmulta conforme o tipo de injusto e a culpabilidade do autor medida pelas circunstâncias 34 Comparar BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição p 458 35 Assim também no sistema alemão cf EBERT Strafrecht 2000 3a edição p 241 KÖHLER Strafrecht 1997 p 626627 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 500 242012 162836 501 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro judiciais art 59 CP circunstâncias legais arts 61 62 e 65 CP e causas especiais de aumento ou de diminuição de pena que compõem o processo trifásico de aplicação da pena Art 49 A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em diasmulta Será no mínimo de 10 dez e no máximo de 360 trezentos e sessenta diasmulta b O valor do diamulta O valor do diamulta é calculado com base no maior salário mínimo da época do fato dentro dos seguintes limites mínimo de 130 um trigésimo do maior salário mínimo e máximo de 5 vezes o maior salário mínimo da época do fato determinado conforme a capacidade econômicofinanceira do condenado Art 49 1o O valor do diamulta será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato nem superior a 5 cinco vezes esse salário A situação econômica do réu art 60 CP autoriza ampliar a pena de multa até o triplo da cominação máxima se a aplicação do máximo da pena de multa cominada parecer ineficaz art 60 1º CP Nesse sentido a pena de multa seria modalidade punitiva de finível como pena igual porque considera desigualmente indivíduos concretamente desiguais na prática a seletividade do processo de cri minalização concentrada na população pobre e excluída do mercado de trabalho e das relações de consumo frustra a aplicação igualitária da pena de multa Art 60 Na fixação da pena de multa o juiz deve aten der principalmente à situação econômica do réu 1º A multa pode ser aumentada até o triplo se o juiz considerar que em virtude da situação econômica do réu é ineficaz embora aplicada no máximo Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 501 242012 162836 502 Teoria da Pena Capítulo 19 33 Execução da pena de multa A pena de multa é executada pelo pagamento no prazo de 10 dias do trânsito em julgado da sentença condenatória art 50 primeira parte CP ou em qualquer tempo depois desse prazo O pagamento pode ser feito em parcelas mensais se o condenado requerer e as circunstâncias indicarem sua conveniência art 50 segunda parte CP Admitese desconto nos vencimentos ou sa lários do condenado se a pena de multa é aplicada isoladamente ou cumulativamente com pena restritiva de direitos ou com pena privativa de liberdade suspensa condicionalmente art 50 1º e alíneas CP o desconto é limitado pela necessidade de preservar recursos indispensáveis ao sustento do condenado e de sua família art 50 2º CP no caso de aplicação cumulativa com pena privativa de liberdade não suspensa condicionalmente o juiz pode determinar desconto proporcional aos salários do condenado art 170 LEP A pena de multa após o trânsito em julgado da sentença con denatória transformase em dívida de valor aplicadas as normas sobre dívida ativa da Fazenda Pública inclusive quanto à suspensão e interrupção da prescrição art 51 CP e constitui título executivo judicial art 164 LEP Art 51 Transitada em julgado a sentença condenatória a multa será considerada dívida de valor aplicandose lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição Em caso de mora no pagamento da pena de multa a Fazenda Pública pode requerer a citação do condenado para pagar o valor da multa ou nomear bens à penhora no prazo de 10 dias admitindose o pagamento parcelado em prestações mensais iguais e sucessivas se o condenado não pagar a pena de multa ou não nomear bens à penhora Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 502 242012 162836 503 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro no prazo legal serão penhorados bens do condenado suficientes para garantir a execução prosseguindose na ação conforme a legislação processual civil art 164 2º LEP36 Art 50 A multa deve ser paga dentro de 10 dez dias depois de transitada em julgado a sentença A reque rimento do condenado e conforme as circunstâncias o juiz pode permitir que o pagamento se realize em parcelas mensais 1º A cobrança da multa pode efetuarse median te desconto no vencimento ou salário do condenado quando a aplicada isoladamente b aplicada cumulativamente com pena restritiva de direitos c concedida a suspensão condicional da pena 2º O desconto não deve incidir sobre os recursos indis pensáveis ao sustento do condenado e de sua família 4 Conversibilidade executiva das penas criminais A conversão executiva de penas criminais é o processo judicial de transformação de uma pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade no caso de descumprimento injustificado da restrição aplicada art 44 4o CP 36 O art 164 da LEP atribui ao Ministério Público mas a jurisprudência atribui à Fazenda Pública a legitimidade para cobrança da pena de multa STJ REsp 397985 SP DJ 07042003 Rel Min FELIX FISCHER Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 503 242012 162837 504 Teoria da Pena Capítulo 19 Art 44 4º A pena restritiva de direitos convertese em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos respeitado o saldo mínimo de 30 trinta dias de detenção ou de reclusão O critério legal da dedução do tempo cumprido da pena restritiva de direitos assim como da observação do saldo mínimo de 30 dias de detenção ou de reclusão na conversão da pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade somente é aplicável nos casos de penas restritivas de direitos determinadas por tempo a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas a limitação de fim de semana e a interdição temporária de direitos mas não pode ser aplicado nos casos de penas restritivas de direitos definidas por valores a prestação pecuniária e a perda de bens e valores instituídos pela Lei 971498 por lesionar o princípio da legalidade Excluída a conversão em penas privativas de liberdade na hi pótese de descumprimento injustificado de penas restritivas de direitos definidas por valores a prestação pecuniária e a perda de bens e valores deve ser aplicado o mesmo critério da inadimplência da pena de multa por analogia in bonam partem a pena restritiva de direitos definida em valores após o trânsito em julgado da sentença condenatória transformase igualmente em dívida de valor com aplicação das nor mas sobre dívida ativa da Fazenda Pública art 51 CP legitimada para a ação de execução civil competente 5 Cominação das penas criminais As penas privativas de liberdade cominadas nos limites míni mo e máximo pelo legislador independem de regras de cominação art 53 CP e a referência a seus limites legais é ociosa Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 504 242012 162837 505 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro Art 53 As penas privativas de liberdade têm seus limites estabelecidos na sanção correspondente a cada tipo legal de crime Mas a função substitutiva atribuída às penas restritivas de direitos e a cominação indeterminada das penas de multa explicam as regras de cominação 51 Regras de cominação As regras de cominação das penas restritivas de direitos são as seguintes a a aplicação judicial de pena restritiva de direitos independe de co minação específica ao lado de cada tipo de crime art 54 CP b a aplicação de pena restritiva de direitos é determinada pela pena privativa de liberdade aplicada conforme os seguintes critérios b1 no caso de pena privativa de liberdade inferior a l ano aplicase pena restritiva de direitos isolada tanto em crimes dolosos como em crimes imprudentes art 44 2º CP acima b2 no caso de pena privativa de liberdade igual ou superior a l ano aplicase pena restri tiva de direitos somente em crimes imprudentes mas com aplicação cumulativa de pena de multa ou de outra pena restritiva de direitos art 54 CP Art 54 As penas restritivas de direitos são aplicáveis independentemente de cominação na parte especial em substituição à pena privativa de liberdade fixada em quantidade inferior a 1 um ano ou nos crimes culposos c a duração das penas restritivas de direitos é igual à duração das penas privativas de liberdade substituídas nas hipóteses de penas restritivas de direitos determinadas por tempo incisos IV V e VI do art 43 CP com exceção do art 46 4o CP Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 505 242012 162837 506 Teoria da Pena Capítulo 19 Art 55 As penas restritivas de direitos referidas nos incisos III IV V e VI do art 43 terão a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída ressalvado o disposto no 4o do art 46 d a aplicação da pena de interdição temporária de direitos art 47 IIII CP é obrigatória nas hipóteses a de violação de deveres em crimes cometidos no exercício de profissão atividade ofício cargo ou função em que pode funcionar como pena acessória art 56 CP e b de crimes culposos de trânsito art 57 CP Art 56 As penas de interdição previstas nos incisos I e II do art 47 deste Código aplicamse para todo o crime cometido no exercício de profissão atividade ofício cargo ou função sempre que houver violação dos deveres que lhes são inerentes Art 57 A pena de interdição prevista no inciso III do art 47 deste Código aplicase aos crimes culposos de trânsito 52 Cominação das penas de multa As penas de multa cujos limites legais são fixados em lei art 49 1º e 2º CP são cominadas de modo indeterminado nos tipos legais respectivos Art 58 A multa prevista em cada tipo legal de crime tem os limites fixados no art 49 e seus parágrafos deste Código Parágrafo único A multa prevista no parágrafo único do art 44 e no 2o do art 60 deste Código aplicase independentemente de cominação na parte especial Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 506 242012 162837 507 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro Exceções à regra de cominação indeterminada da pena de multa nos tipos legais aparecem nos seguintes casos aplicação da pena de multa substitutiva da pena privativa de liberdade art 58 parágrafo único CP de forma isolada no caso de aplicação de pena privativa de liberdade igual ou inferior a 1 ano art 44 2º CP primeira parte e não art 44 parágrafo único como erroneamente diz a lei ou de forma cumulada com pena restritiva de direitos no caso de aplicação de pena privativa de liberdade superior a 1 ano art 44 2º CP segunda parte37 Portanto a norma do art 60 2º CP que prevê substituição de pena privativa de liberdade igual ou inferior a 6 seis meses por pena de multa está derrogada pela norma do art 44 2º CP primeira parte introduzida pela Lei 971498 como disposição posterior mais favorável ao acusado atualmente a pena de multa pode substituir pena privativa de liberdade igual ou inferior a 1 ano sem necessidade dos requisitos de primariedade e dos indicadores de suficiência retributiva e preventiva da pena exigidos pela disposição derrogada38 37 Comparar BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição p 458 38 Ver BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição p 458459 REGIS PRADO Curso de direito penal brasileiro parte geral 2004 4a edição p 610611 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 507 242012 162837 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 508 242012 162837 509 Capítulo 20 apLicação daS peNaS crimiNaiS I A sentença criminal A sentença criminal pode absolver o acusado da imputação de fato criminoso ou condenar o acusado às sanções penais aplicáveis ao fato imputado Em regra a sentença criminal absolutória fundamenta se na exclusão do conceito de crime por ausência de tipo de injusto ou por ausência de culpabilidade por exceção a sentença criminal absolutória pode ter por fundamento pressupostos relativos ao fato ou relativos ao processo Ao contrário a sentença criminal condenatória fundamentase na existência de crime observados os pressupostos do fato e do processo 1 A sentença criminal absolutória 1 A sentença criminal absolutória por exclusão do conceito de crime pode ter os seguintes fundamentos a a ação realizada ou omitida não é típica 1 porque no âmbito do tipo objetivo não há causação do resultado como relação de causalidade entre a ação realizada ou omitida e o resultado ou não há imputação do resultado como criação ou realização do risco criado ou 2 porque no âmbito do tipo subjetivo a não existe dolo por defeito de consciência erro de tipo ou por ausência de vontade exceto em caso de incriminação legal da imprudência ou b não Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 509 242012 162837 510 Teoria da Pena Capítulo 20 existem elementos subjetivos especiais intenções tendências ou atitudes especiais b a ação típica realizada ou omitida é justificada por legítima defesa estado de necessidade exercício regular de direito estrito cumprimento de dever legal ou consentimento do titular do bem jurídico c a ação típica e antijurídica realizada ou omitida não é culpável porque realizada por agente inimputável menoridade ou anormalidade psíquica ou por agente em situação de erro de proibição inevitável excludente do conhecimento do injusto ou por agente em situação de inexigibilidade de comportamento diverso configurada nas hipóteses legais e supralegais de exculpação 2 A sentença criminal absolutória fundada em pressupostos relativos ao fato ou ao processo pode ter os seguintes fundamentos a a ação típica antijurídica e culpável não é punível por pressupostos relacionados ao fato assim sistematizados 1 existên cia de fundamentos excludentes de pena nas hipóteses a de isenções pessoais de pena imunidades parlamentares relações naturais ou civis de casamento ascendência ou descendência em crimes patrimoniais b de isenções objetivas de pena prova da verdade na calúnia e na difamação e c de suspensão de pena na hipótese de desistência da tentativa desistência voluntária e arrependimento eficaz 2 ausência de condições objetivas de punibilidade o ingresso do autor no território nacional por exemplo b a ação típica antijurídica e culpável não é punível por pressupostos relacionados ao processo em hipóteses de necessida de de representação para a ação penal pública condicionada ou de ocorrência de prescrição decadência ou perempção do direito de ação penal privada Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 510 242012 162837 511 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais 2 A sentença criminal condenatória A sentença criminal condenatória deve do ponto de vista do Direito Penal ter por fundamento a existência de crime na ação realizada ou omitida pelo acusado como conceito constituído de tipo de injusto e de culpabilidade além dos pressupostos relativos ao fato e ao processo penal acima indicados Esse fundamento material é necessário mas não é suficiente para condenação criminal porque inúmeras ilegalidades ou nulidades ligadas ao processo legal devido como violações de garantias constitucionais e legais do acusado no processo penal podem impedir a condenação criminal A natureza subsidiária do Direito Penal concebido como instrumento de ultima ratio da política social mostra que a sentença criminal condenatória deve ser o produto da exclusão de todas as hipóteses a de absolvição do acusado por não se caracterizar o conceito de crime por inexistência dos pressupostos relativos ao fato e ao processo ou por ausência de prova suficiente para condenação ou b de invalidação do processo penal por ilegalidades ou nulidades vinculadas ao princípio geral do processo legal devido No momento de formação da sentença criminal condenatória anterior ao processo intelectual de aplicação da pena criminal aparece o seguinte quadro no aparelho psíquico do julgador a a dimensão de tipo de injusto do fato punível como ação típica e antijurídica concreta constitui conceito demonstrado pela prova b a dimensão de culpabilidade do fato punível como reprovação do autor pela realização do tipo de injusto existe somente como qualidade do fato punível ou seja ainda não existe como quantidade de reprovação isto é como medida da pena criminal1 apenas determinável no processo intelectual trifásico de aplicação da pena com base nas circunstâncias 1 TRÖNDLEFISCHER Strafgesetzbuch und Nebengesetze 2001 50a edição 46 n 5 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 511 242012 162837 512 Teoria da Pena Capítulo 20 judiciais nas circunstâncias legais e nas causas especiais de aumento ou de redução da pena II O método legal de aplicação da pena A aplicação da pena criminal é ato judicial de determinação das consequências jurídicas do fato punível compreendendo a escolha da pena aplicável a quantificação da pena escolhida2 e em caso de pena privativa de liberdade a decisão sobre regime inicial de execução ou a substituição da pena aplicada por pena restritiva de direitos art 59 CP ou alternativamente a suspensão condicional da execução da pena aplicada Art 59 O juiz atendendo à culpabilidade aos ante cedentes à conduta social à personalidade do agente aos motivos às circunstâncias e consequências do crime bem como ao comportamento da vítima estabelecerá conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime I as penas aplicáveis dentre as cominadas II a quantidade de pena aplicável dentro dos limites previstos III o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade IV a substituição da pena privativa da liberdade aplicada por outra espécie de pena se cabível 2 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 5a edição 82 I p 871 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 512 242012 162837 513 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais Essa norma exprime a concepção políticocriminal fundamental do Direito Penal brasileiro implementada pelo juiz através da sentença criminal condenatória que define a necessidade e a suficiência da pena como retribuição equivalente da culpabilidade e como prevenção especial e geral do crime e da criminalidade 1 Culpabilidade qualitativa e quantitativa A atividade intelectual de aplicação da pena criminal tem por objetivo estabelecer a pena necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime conforme o seguinte método art 68 CP a definição da penabase fundada nas circunstâncias judiciais art 59 CP b agravação ou atenuação da penabase fundada nas circunstâncias legais arts 61 62 e 65 CP c fixação da pena definitiva fundada nas causas especiais de dimi nuição eou de aumento da pena da parte geral e da parte especial do Código Penal3 Nesse quadro o juízo qualitativo da culpabilidade como cate goria do crime transformase no juízo quantitativo da culpabilidade como medida da pena garantia individual excludente de excessos punitivos fundados em prevenção geral ou especial4 2 Objetivos de reprovação e prevenção do crime Os objetivos de reprovar e de prevenir o crime atribuídos pelo legislador ao juiz criminal art 59 CP são realizados pelas funções de retribuição da culpabilida de e de prevenção da criminalidade atribuídas à pena criminal logo especulações judiciais sobre teorias penais estão excluídas da sentença criminal a lei penal brasileira assume explicitamente as teorias unifica das da pena criminal porque o objetivo de reprovação é medido pela retribuição equivalente por um lado e o objetivo de prevenção abrange a prevenção especial nas dimensões de correção e de neutralização do 3 TRÖNDLEFISCHER Strafgesetzbuch und Nebengesetze 2001 50a edição 46 n 13 4 MAURACHZIPF Strafrecht 1989 727 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 82 IV 6 TRÖNDLEFISCHER Strafgesetzbuch und Nebengesetze 2001 50a edição 46 n 16 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 513 242012 162837 514 Teoria da Pena Capítulo 20 condenado e a prevenção geral nas dimensões de intimidação e de reafirmação da ordem jurídica por outro lado5 3 Pena necessária e suficiente A necessidade e a suficiência da pena são determinadas pelos objetivos de reprovar e de prevenir o crime atribuídos à pena criminal O significado dos conceitos de necessidade e de suficiência da pena pode ser assim definido a a necessidade da pena referese à natureza da pena aplicada pena privativa de liber dade pena restritiva de direitos ou pena de multa b a suficiência da pena referese à extensão da pena considerada necessária para reprovar ou prevenir o crime a duração da pena privativa de liberdade com substituição ou não por pena restritiva de direitos e o valor da pena de multa 31 A primeira indicação legal para o juiz aplicar a pena necessária e suficiente para reprovar e prevenir o crime é a moldura penal do tipo de injusto realizado o mínimo e o máximo da pena cominada são limites legais de uma escala contínua de gravidade predefinida pelo legislador6 32 A segunda indicação legal para o juiz aplicar a pena necessária e suficiente para reprovar e prevenir o crime referese ao conteúdo da moldura legal do tipo de injusto as circunstâncias judiciais as cir cunstâncias legais e as causas especiais de aumento e de diminuição de pena Art 68 A penabase será fixada atendendose ao cri tério do art 59 deste Código em seguida serão consi deradas as circunstâncias atenuantes e agravantes por último as causas de diminuição e de aumento 5 Em relação ao Direito Penal alemão ver KAISER Lenckner FS 1988 p 781 6 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 82 II n 1 p 872 TRÖNDLEFISCHER Strafgesetzbuch und Nebengesetze 2001 50a edição 46 n 16 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 514 242012 162837 515 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais Parágrafo único No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial pode o juiz limitarse a um só aumento ou a uma só diminuição prevalecendo todavia a causa que mais aumente ou diminua 4 Os processos intelectuais e emocionais do julgador A delimitação da moldura penal e a indicação do método legal de preenchimento da moldura penal não podem determinar a pena necessária e suficiente para reprovar e prevenir o crime segundo a ideologia penal nem existem fórmulas matemáticas para determinar a pena criminal Somente os processos intelectuais e emocionais do juiz criminal podem empregar o método legal para definir o conteúdo criminal da moldura penal determinando a pena necessária e suficiente para reprovar e prevenir o crime conforme o programa oficial a em primeiro lugar a reprovação do crime é realizada pela retri buição de culpabilidade medida pela pena criminal aplicada b em segundo lugar a prevenção do crime deve ser realizada pela função de correção e de neutralização atribuída à prevenção especial e secundariamente pela função de intimidação e de reafirmação da ordem jurídica atribuída à prevenção geral7 Esse é o discurso oficial da teoria jurídica da pena Mas o dis curso oficial expresso na técnica de aplicação da pena não cancela o conflito entre objetivos declarados e objetivos reais do sistema penal nas sociedades contemporâneas8 A prevenção da criminalidade é refuta da pela experiência histórica da prisão e a pena criminal se reduz à função de retribuição equivalente medida pelo tempo de supressão da liberdade pessoal 7 Ilustrativo JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 82 II III IV p 872882 8 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 82 IV 4 p 878879 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 515 242012 162837 516 Teoria da Pena Capítulo 20 1 Definição da penabase circunstâncias judiciais 1a fase A definição da penabase como produto de operacionalização das circunstâncias judiciais do art 59 CP começa com a fixação do ponto de partida do processo intelectual de determinação da pena crimi nal A fixação do ponto de partida desse processo intelectual é definida por dois critérios a critério antigo fundado em lógica matemática propõe a média entre o mínimo e o máximo da pena cominada9 b critério moderno fundado em razões humanitárias propõe a pena mínima10 A decisão sobre os critérios é simples se o critério antigo determina aplicação de pena maior e inversamente o critério moderno determina aplicação de pena menor então o argumento humanitário prevalece sobre o argumento matemático outra atitude viola o prin cípio da culpabilidade que proíbe aplicação ou agravação de penas sem fundamento empírico concreto11 Conclusão o ponto de partida para fixação da penabase deve ser o mínimo legal da pena cominada conforme democrática prática judicial contemporânea As circunstâncias judiciais definidas no art 59 do CP são objeto de arbítrio exclusivo do juiz12 e compreendem elementos do agente culpabilidade antecedentes conduta social personalidade e moti vos do fato circunstâncias e consequências do crime e da vítima comportamento da vítima 9 HUNGRIA Aplicação da pena in Revista Forense 90525 10 FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 64 11 FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 65 Com tal demonstração fica claro que o método do termo médio embora racional prejudica o réu E como a lei em momento algum disse qual seria o método a ser adotado penso que o juiz não pode fazer uma interpretação extensiva escolhendo um método que venha prejudicar o réu embora até mais lógico e racional 12 Nesse sentido FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 70 também JESCHECK WEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 82 II 1 p 871 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 516 242012 162837 517 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais A definição da penabase deveria ser regida desse modo a regra penabase no mínimo legal porque exprime o desvalor normal do fato b exceção penabase superior ao mínimo legal em casos de desvalor adicional do fato Contudo pesquisa empírica sobre aplicação da pena cujas constatações principais serão refe ridas neste Capítulo indica o contrário a penabase superior ao mínimo legal em 61 dos casos b penabase no mínimo legal em 38 dos casos13 11 Elementos do agente Os elementos do agente são os componentes mais importantes das circunstâncias judiciais art 59 CP definindo quase toda a pena base como segue a Culpabilidade 1 A culpabilidade constitui circunstância judicial introduzida pela reforma penal de 1984 em substituição ao critério da intensidade do dolo ou grau de culpa da lei anterior mas em posição incômoda a culpabilidade do autor pela realização do tipo de injusto não é mero elemento informador do juízo de reprovação mas o próprio juízo de reprovação pela realização do tipo de injusto o que é reprovado no autor cujos fundamentos são a imputabilidade a consciência do injusto e a exigibilidade de comportamento 13 Ver MACHADO Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada 156 f Dissertação Mestrado em Direito Estado e Constituição Faculdade de Direito Universidade de Brasília Orientadora Profa Dra Ela Wiecko Volkmer de Castilho Brasília 2009 p 89 Pesquisa empírica realizada em 20067 em 36 Varas criminais de Brasília sobre amostra aleatória de 943 processos de um universo de 21881 processos de competência de Juiz singular Júri entorpecentes e trânsito Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 517 242012 162837 518 Teoria da Pena Capítulo 20 diverso porque o autor é reprovado14 A inclusão da culpabilidade como circunstância judicial de formulação do juízo de reprovação constitui impro priedade metodológica porque o juízo de culpabilidade como elemento do conceito de crime não pode ser ao mesmo tempo simples circunstância judicial de informação do juízo de culpabilidade15 Além disso o truísmo do legislador Exposição de Motivos n 50 de que graduável é a censura parece desconhecer que objeto da censura é a atitude do agente definível em dois momentos a no tipo de injusto como dolo energia psíquica produtora do tipo de injusto ou imprudência atitude defeituosa em ações socialmente perigosas integrantes do objeto de reprovação o que é reprovado b na culpa bilidade como imputabilidade o autor é capaz de saber e controlar o que faz como consciência do injusto o autor sabe realmente o que faz e como exigência de comportamento diverso o autor tem o poder de não fazer o que faz integrantes do juízo de reprovação porque o autor é reprovado cuja conjugada intensidade variável determina o nível de reprovação pessoal do autor ou seja a graduação da censura A crítica é válida para todas as situações em que o conceito de culpa bilidade funciona como elemento de orientação de decisões judiciais no concurso de pessoas art 29 CP nas penas restritivas de direitos art 43 III CP no crime continuado art 71 parágrafo único CP na suspensão condicional da pena art 77 2º CP etc Não obstante ou apesar disso a transformação da culpabi lidade ainda existente como qualidade do fato punível isto é como reprovação do autor pela realização do tipo de injusto em culpabilidade como quantidade de reprovação isto é como medida da pena crimi nal16 pressupõe as determinações psíquicas e emocionais do cérebro do juiz conforme os seguintes parâmetros 14 CIRINO DOS SANTOS Direito penal a nova parte geral 1985 p 239 15 Ver FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 7980 16 TRÖNDLEFISCHER Strafgesetzbuch und Nebengesetze 2001 50a edição 46 n 5 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 518 242012 162837 519 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais a o nível de consciência do injusto no psiquismo do autor varia numa escala graduável entre os extremos de pleno conhecimento do injusto que define plena reprovação e de erro de proibição inevitável que define ausência de reprovação passando por todos os níveis intermediários das gradações de evitabilidade do erro de proibição necessariamente mensuradas na reprovabilidade do autor e expressas na medida da pena17 b o grau de exigibilidade de comportamento diverso de autor consciente do tipo de injusto varia numa escala graduável entre o extremo de plena normalidade das circunstâncias do tipo de injusto que define a plena dirigibilidade normativa como máximo poder pessoal de não fazer o que faz e o extremo de plena anormalidade das circunstâncias do tipo de injusto que define ausência de di rigibilidade normativa como inexistência do poder pessoal de não fazer o que faz expressa nas situações de exculpação legais e supra legais passando por todos os graus intermediários das gradações de normalidadeanormalidade do tipo de injusto que reduzem o poder pessoal de não fazer o que faz necessariamente mensuradas na exigibilidade de comportamento diverso e portanto expressas na medida da pena18 Esse conceito de culpabilidade constitui em conjunto com o conceito de tipo de injusto o conceito de fato punível e por essa razão não é redutível a simples circunstância judicial equivalente a outros elementos informadores da penabase como os antecedentes a conduta social a personalidade e os motivos do autor ou como circunstâncias ou consequências do fato ou ainda como o comportamento da vítima de valor evidentemente inferior19 17 CIRINO DOS SANTOS A moderna teoria do fato punível 2004 p 227229 18 CIRINO DOS SANTOS A moderna teoria do fato punível 2004 p 202204 e 248250 19 Posição diferente aqui reformulada em CIRINO DOS SANTOS Direito penal a nova parte geral 1985 p 238239 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 519 242012 162838 520 Teoria da Pena Capítulo 20 2 Pesquisa empírica mostra que a culpabilidade é a circunstância judi cial mais frequente determinando penabase superior ao mínimo legal em 765 dos casos com frequente fundamentação inerente ao tipo um método ilegal consistente na repetição do tipo legal imputado no furto porque o autor subtraiu o bem de outra pessoa no homicídio porque o autor tirou a vida de alguém etc20 b Antecedentes 1 Os antecedentes são acontecimentos anteriores ao fato relevantes como indicadores positivos ou negativos da vida do autor e capazes de influenciar a aplicação da penabase com exceção da reincidência cri minal definida como circunstância agravante Nessa matéria a prática judicial brasileira adotava duas posições 1 uma posição repressiva considerava maus antecedentes a existência de inquéritos instaurados de processos criminais em curso de absolvições por insuficiência de provas de extinção do processo por prescrição abstrata retroativa ou intercorrente e de condenação criminal sem trânsito em julgado ou que não constituíssem reincidência21 2 uma posição crítica consi derava maus antecedentes somente condenações criminais anteriores definitivas que não configurassem reincidência criminal excluindo todas as outras hipóteses na verdade a única teoria compatível com o princípio constitucional da presunção de inocência como observa SUANNES22 Hoje o critério da posição crítica foi assumido pela 20 MACHADO Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada 156 f Dissertação Mestrado em Direito Estado e Constituição Faculdade de Direito Universidade de Brasília Orientadora Profa Dra Ela Wiecko Volkmer de Castilho Brasília 2009 p 92 21 Ver FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 8385 22 SUANNES Os fundamentos éticos do devido processo legal 1999 p 235 igualmente BUENO DE CARVALHO e CARVALHO Aplicação da pena e garantismo 2002 2a edição p 4950 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 520 242012 162838 521 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais Súmula n 444 do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIçA que proíbe agravar a pena base com fundamento em inquéritos policiais ou em ações penais em curso23 Em posição semelhante a moderna teoria alemã orientase no sentido de considerar maus antecedentes somente a existência de penas criminais anteriores e portanto ausência de penas criminais significaria bons antecedentes com efeito redutor da pena24 Em qualquer hipótese a teoria e a jurisprudência modernas condicionam a validade dos antecedentes ao prazo de 5 cinco anos por aplicação analógica do prazo de validade da reincidência art 64 I CP25 2 Pesquisa empírica mostra que os antecedentes determinam pena base superior ao mínimo legal em 484 dos casos com frequentes referências genéricas o acusado registra maus antecedentes ou os ante cedentes são desabonadores etc26 c Conduta social 1 O conceito de conduta social como conjunto de comportamentos relevantes eou significativos da vida do autor parece em conflito com o conceito tradicional de antecedentes compreensivo de inquéritos policiais de processos criminais de absolvições por insuficiência de provas27 etc mas não com o conceito crítico restrito a condenações 23 STJ Súmula n 444 É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais para agravar a pena base 24 TRÖNDLEFISCHER Strafgesetzbuch und Nebengesetze 2001 50a edição 46 n 37 25 Assim BOSCHI Das penas e seus critérios de aplicação 2000 p 208 BUENO DE CARVALHO e CARVALHO Aplicação da pena e garantismo 2002 2a edição p 4950 26 MACHADO Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada 156 f Dissertação Mestrado em Direito Estado e Constituição Faculdade de Direito Universidade de Brasília Orientadora Profa Dra Ela Wiecko Volkmer de Castilho Brasília 2009 p 91 27 CIRINO DOS SANTOS Direito Penal a nova parte geral 1985 p 240 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 521 242012 162838 522 Teoria da Pena Capítulo 20 criminais definitivas A jurisprudência brasileira resolveu o conflito atribuindo ao conceito de conduta social o significado de comporta mento do autor nos papéis de paimãe maridoesposa filho aluno membro da comunidade profissional cidadão etc28 Não obstante o conceito é criticável pela contradição com o direito penal do fato julgar o homem pelo que é e não pelo que fez reintroduz o proscrito direito penal do autor29 2 Dados empíricos mostram que a conduta social determina penabase superior ao mínimo legal apenas em 174 dos casos30 d Personalidade 1 O conceito de personalidade é objeto de enorme controvérsia em Psicologia ou Psiquiatria modernas por seus limites imprecisos ou difusos Não há consenso sobre as seguintes questões a personalidade a seria delimitada pelo ego como o perceptivoconsciente responsável pelas decisões e ações da vida diária b abrangeria o superego como instância de controle ou censura pessoal c enfim incluiria as pulsões instintuais do id como fonte inconsciente da energia psíquica regida pelo princípio do prazer Em geral os operadores do sistema de justiça criminal carecem de formação acadêmica em Psicologia ou Psiquiatria para decidir sobre o complexo conteúdo do conceito de personalidade e por essa 28 FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 8586 29 MACHADO Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada 156 f Dissertação Mestrado em Direito Estado e Constituição Faculdade de Direito Universidade de Brasília Orientadora Profa Dra Ela Wiecko Volkmer de Castilho Brasília 2009 p 100 30 MACHADO Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada 156 f Dissertação Mestrado em Direito Estado e Constituição Faculdade de Direito Universidade de Brasília Orientadora Profa Dra Ela Wiecko Volkmer de Castilho Brasília 2009 p 101 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 522 242012 162838 523 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais razão a jurisprudência brasileira tem atribuído um significado leigo ao conceito como conjunto de sentimentosemoções pessoais distribuídos entre os polos de emotividadeestabilidade ou de atitudesreações indi viduais na escala sociabilidadeagressividade que pouco indicam sobre a personalidade do condenado hoje com a introdução do princípio da identidade física do juiz no processo penal foram eliminados os efeitos desastrosos do sistema anterior em que o interrogatório podia ser realizado por um e a sentença podia ser proferida por outro juiz criminal31 A legislação e jurisprudência alemãs destacam a atitude concreta do autor na realização do fato punível indicadora de rudeza ou de brutalidade de máfé ou de perfídia de infâmia ou de abjeção de desconsideração ou de crueldade por exemplo capazes de revelar traços significativos da personalidade indetermináveis pelo emprego direto da categoria abstrata representada pelo conceito de personalidade32 Finalmente a personalidade como natureza concreta de sujeitos reais é um produto histórico em processo de constante formação transformação e deformação de modo que eventuais traços de caráter constituem cortes simplificados imprecisos e transitórios da natureza humana como produto biopsiquicossocial do conjunto das relações históricas concretas do indivíduo 2 Pesquisa empírica mostra que a personalidade determina penabase superior ao mínimo legal em 477 dos casos na maioria das vezes com fórmulas vazias o acusado possui personalidade voltada para o crime ou apresenta personalidade distorcida ou tem personalidade comprometida com a prática de delitos etc33 31 FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 8890 32 Ver TRÖNDLEFISCHER Strafgesetzbuch und Nebengesetze 2001 50a edição 46 n 28 33 MACHADO Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada 156 f Dissertação Mestrado em Direito Estado e Constituição Faculdade de Direito Universidade de Brasília Orientadora Profa Dra Ela Wiecko Volkmer de Castilho Brasília 2009 p 1023 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 523 242012 162838 524 Teoria da Pena Capítulo 20 e Motivos 1 O motivo no sentido de móbil do crime designa o aspecto dinâmico de pulsões instintuais do id atualizadas em estímulos internos deter minados34 de egoísmo cólera prepotência luxúria ganância avidez cobiça vingança etc que conferem qualidades negativas à conduta ou alternativamente de gratidão sentimento de honra revolta contra injustiças etc que indicam qualidades positivas da conduta relevantes para a fixação da penabase35 Os motivos como raízes psíquicoafetivas do fato também podem constituir circunstâncias agravantes ou atenu antes genéricas ou fundamentos qualificadores ou privilegiantes do tipo básico de crime motivo torpe motivo fútil motivo de relevante valor social ou moral etc Nessas hipóteses são regidos pela proibição de dupla valoração motivos que integram as características do tipo de injusto ou que são previstos como circunstâncias agravantes ou atenuantes genéricas não podem ser considerados para fixação da penabase36 2 Dados empíricos mostram que os motivos determinam penabase acima do mínimo legal em 342 dos casos com frequente funda mentação inerente ao tipo por exemplo no furto a motivação de obter lucro fácil37 34 LAPLANCHEPONTALIS Vocabulário da psicanálise 1986 p 363364 35 FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 91 36 TRÖNDLEFISCHER Strafgesetzbuch und Nebengesetze 2001 50a edição 46 n 77 37 MACHADO Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada 156 f Dissertação Mestrado em Direito Estado e Constituição Faculdade de Direito Universidade de Brasília Orientadora Profa Dra Ela Wiecko Volkmer de Castilho Brasília 2009 p 95 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 524 242012 162838 525 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais 12 Elementos do fato Os elementos de orientação judicial relativos ao fato são previstos normalmente como circunstâncias agravantes ou atenuantes genéricas mas o juízo de reprovação pode ser informado por outras particularida des do fato não previstas legalmente como circunstâncias agravantes ou atenuantes mas importantes para formação da penabase a Circunstâncias 1 A incorporação legal do critério trifásico de aplicação da pena art 68 CP resolveu a controvérsia sobre o conteúdo desse elemento de orientação judicial as circunstâncias referidas como circunstâncias judiciais do art 59 do CP são circunstâncias diversas das genéricas circunstâncias agravantes ou circunstâncias atenuantes arts 61 e 65 CP como por exemplo o lugar do fato o modo de execução do fato as relações do autor com a vítima etc que podem influir na formação da penabase38 2 Dados empíricos mostram que as circunstâncias determinam pena base acima do mínimo legal em 287 dos casos39 b Consequências 1 As consequências do fato designam outros resultados de natureza pessoal afetiva moral social econômica ou política produzidos pelo 38 No sentido do texto FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 92 39 MACHADO Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada 156 f Dissertação Mestrado em Direito Estado e Constituição Faculdade de Direito Universidade de Brasília Orientadora Profa Dra Ela Wiecko Volkmer de Castilho Brasília 2009 p 91 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 525 242012 162838 526 Teoria da Pena Capítulo 20 crime dotados de significação para o juízo de reprovação mas incon fundíveis com o resultado do próprio tipo de crime o efeito de penúria da vítima em crimes patrimoniais o sofrimento material e moral da vítima ou de seus dependentes em crimes violentos a extensão social dos danos pessoais ou patrimoniais da criminalidade estrutural ou sistêmica etc40 Todavia o princípio da culpabilidade exige previsão ou pelo menos previsibilidade do autor para considerar as conse quências extratípicas do fato na medida da pena em outras palavras a atribuição por imprudência constitui condição mínima de inclusão de consequências extratípicas na medida da pena41 2 Dados empíricos mostram que as consequências determinam pena base superior ao mínimo legal em 345 dos casos com fundamen tação inerente ao tipo ou tautológica no furto porque a vítima teria sido privada do bem furtado42 13 Contribuição da vítima 1 A vítima como titular do bem jurídico lesionado contribui neces sariamente para a existência do crime afinal o fato punível é reali zado por um sujeito ativo autor contra um sujeito passivo vítima Contudo o elemento de orientação judicial relativo ao comportamento da vítima limitase às hipóteses de contribuições efetivas conscientes 40 TRÖNDLEFISCHER Strafgesetzbuch und Nebengesetze 2001 50a edição 46 n 34 No Brasil ver FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 9294 41 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht 1989 7a edição 63 I n 37 Uma pura responsabilização pelas consequências no âmbito da medição da pena pertence definitivamente ao passado desde a decisão legislativa de considerar somente efeitos culpáveis do fato 42 MACHADO Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada 156 f Dissertação Mestrado em Direito Estado e Constituição Faculdade de Direito Universidade de Brasília Orientadora Profa Dra Ela Wiecko Volkmer de Castilho Brasília 2009 p 95 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 526 242012 162838 527 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais ou inconscientes da vítima para a realização do crime reduzindo ou excluindo o tipo de injusto ou a reprovação do autor mediante provocação estímulo negligência facilitação etc A contribuição da vítima para o crime pode ser nenhuma no caso de vítimas inocentes pode ser parcial no caso de vítimas ingênuas em crimes sexuais ou de vítimas descuidadas em crimes patrimoniais pode ser equivalente à contribuição do autor no caso de provoca ção em crimes violentos e pode finalmente ser total ou absoluta no caso da situação justificante da legítima defesa por exemplo43 A inclusão do comportamento da vítima entre as circunstâncias judiciais formaliza legalmente um elemento de orientação judicial incorporado à prática judiciária nos crimes sexuais por exemplo e reconhecido expressamente em hipóteses de crimes privilegiados violenta emoção provocada por ato injusto da vítima ou de situações justificantes ou exculpantes 2 Dados empíricos mostram que o comportamento da vítima determina penabase superior ao mínimo legal em 142 dos casos44 2 Circunstâncias agravantes e atenuantes genéricas 2a fase A atividade judicial de fixação da penabase representa a primei ra fase do processo de aplicação da pena criminal art 68 primeira parte CP A conclusão do processo judicial de individualização da 43 Ver FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 99 44 MACHADO Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada 156 f Dissertação Mestrado em Direito Estado e Constituição Faculdade de Direito Universidade de Brasília Orientadora Profa Dra Ela Wiecko Volkmer de Castilho Brasília 2009 p 91 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 527 242012 162838 528 Teoria da Pena Capítulo 20 pena depende da operacionalização das fases seguintes influentes na mensuração da pena a segunda fase representada pelo exame das cir cunstâncias agravantes e atenuantes genéricas art 68 segunda parte CP a terceira fase representada pela verificação das causas especiais de diminuição ou de aumento de pena art 68 parte final CP a Natureza das circunstâncias As circunstâncias agravantes arts 61 e 62 CP e circunstâncias atenuantes arts 65 e 66 CP previstas na parte geral possuem duas características fundamentais a são genéricas porque aplicáveis a todos os fatos puníveis b são obrigatórias porque devem agravar ou atenuar a pena se verificadas concretamente exceto se constituem qualificam ou privilegiam o tipo de injusto hipóteses em que o próprio legislador prevê a ampliação ou redução da pena no tipo legal de crime excluindo a agravação ou atenuação judicial Por isso as circunstâncias agravantes ou atenuantes genéricas ou circunstâncias legais caracterizam a especificidade concreta do fato como acontecimento histórico ampliando ou reduzindo o conteúdo do tipo de injusto eou a reprovação de culpabilidade do autor ex pressas na pena criminal aplicada b Valor das circunstâncias Finalmente é necessário esclarecer o valor atribuído às circunstâncias legais no cálculo da pena o valor das circunstâncias legais na dosimetria da pena do fato punível consistente em quantidades de agravação ou de atenuação da penabase já definida pelas circunstâncias judiciais é determinado exclusivamente pelo arbítrio do juiz mas depende de fundamentação concreta como toda decisão judicial art 93 IX CR A prática judicial tem atribuído um valor que oscila entre 15 um quinto e 16 um sexto da penabase para cada circunstância genérica45 45 FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 101102 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 528 242012 162838 529 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais 21 Circunstâncias agravantes A lei penal brasileira define as seguintes circunstâncias agravantes genéricas art 61 CP Art 61 São circunstâncias que sempre agravam a pena quando não constituem ou qualificam o crime I a reincidência II ter o agente cometido o crime a por motivo fútil ou torpe b para facilitar ou assegurar a execução a ocultação a impunidade ou vantagem de outro crime c à traição de emboscada ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido d com emprego de veneno fogo explosivo tortura ou outro meio insidioso ou cruel ou de que podia resultar perigo comum e contra ascendente descendente irmão ou cônjuge f com abuso de autoridade ou prevalecendose de relações domésticas de coabitação ou de hospitalidade ou com violência contra a mulher na forma da lei específica g com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo ofício ministério ou profissão h contra criança maior de 60 sessenta anos enfermo ou mulher grávida i quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 529 242012 162838 530 Teoria da Pena Capítulo 20 j em ocasião de incêndio naufrágio inundação ou qualquer calamidade pública ou de desgraça particular do ofendido l em estado de embriaguez preordenada a Reincidência 1 Conceito A reincidência significa prática de novo crime depois do trânsito em julgado de sentença criminal condenatória anterior art 63 CP Assim a reincidência pressupõe a condenação por crime anterior portanto qualquer pena aplicada excluída a contravenção b trânsito em julgado da condenação anterior portanto imutabilidade da decisão por esgotamento ou preclusão de recursos c prática de novo crime após transitar em julgado a condenação anterior portanto a nova conduta criminosa deve ser posterior ao trânsito em julgado da condenação criminal anterior Art 63 Verificase a reincidência quando o agente comete novo crime depois de transitar em julgado a sentença que no País ou no estrangeiro o tenha con denado por crime anterior Art 64 Para efeito de reincidência I não prevalece a condenação anterior se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração poste rior tiver decorrido período de tempo superior a 5 cinco anos computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional se não ocorre revogação II não se consideram os crimes militares próprios e políticos 2 Reincidência ficta e reincidência real A definição legal de rein cidência descreve hipótese formal irrelevante e escamoteia situação Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 530 242012 162838 531 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais real relevante a descreve a hipótese formal irrelevante da reincidência ficta porque o trânsito em julgado de condenação anterior indicaria presunção de periculosidade um conceito carente de conteúdo científi co b escamoteia a experiência concreta relevante da reincidência real porque o novo crime é produto da ação deformadora da prisão sobre o condenado através da execução da pena do crime anterior 3 Crítica O reconhecimento oficial da ação criminógena do cárcere EM n 26 demonstrada pela pesquisa criminológica universal exige redefinição do conceito de reincidência criminal excluindo a hipótese formal irrelevante da reincidência ficta incapaz de indicar a indefinível presunção de periculosidade e definindo a situação concreta relevante da reincidência real como produto da ação criminógena da execução da pena e do processo de criminalização sobre o condenado por falha do projeto técnicocorretivo da prisão A questão é simples se a prevenção especial positiva de correção do condenado é ineficaz e se a prevenção espe cial negativa de neutralização do condenado funciona realmente como prisionalização deformadora da personalidade do condenado então a reincidência real não pode constituir circunstância agravante46 É necessário reconhecer a se novo crime é cometido após a passagem do agente pelo sistema formal de controle social com efetivo cumprimento da pena criminal o processo de deformação e embrute cimento pessoal do sistema penitenciário deveria induzir o legislador a incluir a reincidência real entre as circunstâncias atenuantes como produto específico da atuação deficiente e predatória do Estado sobre sujeitos criminalizados b se novo crime é cometido após simples formalidade do trânsito em julgado de condenação anterior a reinci dência ficta não indica qualquer presunção de periculosidade capaz de fundamentar circunstância agravante Em conclusão nenhuma das hipóteses de reincidência real ou de reincidência ficta indica situação de rebeldia contra a ordem social garantida pelo Direito Penal a rein 46 CIRINO DOS SANTOS Direito Penal a nova parte geral 1985 p 244246 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 531 242012 162838 532 Teoria da Pena Capítulo 20 cidência real deveria ser circunstância atenuante e a reincidência ficta é de fato um indiferente penal Além disso a reincidência ficta ou real significa dupla punição do crime anterior a primeira punição é a pena aplicada ao crime an terior a segunda punição é o quantum de acréscimo obrigatório da pena do crime posterior por força da reincidência47 A literatura e jurisprudência brasileiras dominantes apesar de reconhecer a maioria desses problemas agravam a pena com base na reincidência considerando alguns pressupostos para determinar o quantum da agravação a execução da pena anterior o espaço de tempo entre o crime anterior e o novo crime respeitada a prescrição da reincidência a relação de gravidade entre os crimes etc48 4 Área de influência Dados empíricos indicam que a reincidência é a circunstância agravante mais frequente incidente em 9737 dos casos49 A influência irracional da reincidência criminal exclui reduz ou afeta de modo inconstitucional ou ilegal muitos direitos individuais a constitui circunstância agravante obrigatória art 61 I CP b determina regime inicial fechado para execução da pena pri vativa de liberdade art 33 2º b dados de pesquisa indicam esse efeito em 339 dos casos50 47 FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 107 48 Ver FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 110111 49 MACHADO Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada 156 f Dissertação Mestrado em Direito Estado e Constituição Faculdade de Direito Universidade de Brasília Orientadora Profa Dra Ela Wiecko Volkmer de Castilho Brasília 2009 p 108 50 MACHADO Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada 156 f Dissertação Mestrado em Direito Estado e Constituição Faculdade de Direito Universidade de Brasília Orientadora Profa Dra Ela Wiecko Volkmer de Castilho Brasília 2009 p 1112 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 532 242012 162838 533 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais c determina regime inicial semiaberto em hipóteses de regime aberto art 33 2o c dados de pesquisa indicam esse efeito em 435 dos casos51 d exclui a suspensão condicional da pena em crimes dolosos art 77 I e impede a substituição de pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos ou multa art 44 II e 62 2º esse efeito desastroso ocorre em 855 dos casos segundo dados empíricos52 f constitui circunstância preponderante na concorrência de circunstâncias agravantes e atenuantes art 67 g amplia os prazos do livramento condicional art 83 e da prescrição da pretensão executória art 110 h interrompe o prazo da prescrição art 117 VI i determina a revogação da reabilitação j exclui privilégios legais especiais art 155 2º k exclui o perdão judicial na receptação culposa art 180 3º l cancela o direito de apelar em liberdade art 594 CPP m exclui a fiança em crimes dolosos art 323 III CPP n exclui a transação penal e a suspensão condicional do processo da Lei 909995 51 MACHADO Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada 156 f Dissertação Mestrado em Direito Estado e Constituição Faculdade de Direito Universidade de Brasília Orientadora Profa Dra Ela Wiecko Volkmer de Castilho Brasília 2009 p 1112 52 MACHADO Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada 156 f Dissertação Mestrado em Direito Estado e Constituição Faculdade de Direito Universidade de Brasília Orientadora Profa Dra Ela Wiecko Volkmer de Castilho Brasília 2009 p 112 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 533 242012 162838 534 Teoria da Pena Capítulo 20 5 Prova da reincidência A reincidência é demonstrada por certidão de trânsito em julgado da condenação anterior e se extingue pelo decurso do prazo de 5 anos entre o cumprimento ou extinção da pena do crime anterior e o novo crime incluído o prazo de suspensão ou livramento condicional não revogados art 64 I CP Por fim são desconsiderados para efeito de reincidência os crimes militares próprios definidos no Código Penal Militar e os crimes políticos art 64 II CP b Motivo fútil ou torpe Os motivos do fato punível como estímulos internos que realizam o aspecto dinâmico das pulsões do id são destacados pelo legislador nos extremos de irrelevância absoluta e de reprovação máxima 1 o motivo fútil designa o móbil insignificante do crime de natureza irrelevante para explicar o fato criminoso equiparável à ausência de motivo homicídio ou lesão corporal grave determi nado por pilhérias ou pequenas ofensas53 2 o motivo torpe indica o móbil mais reprovável do fato criminoso caracterizado pela na tureza repugnante repulsiva ou abjeta do estímulo ao crime capaz de produzir repúdio generalizado o homicídio mercenário ou praticado para satisfação de taras sexuais etc54 Igualmente por força da proibição de dupla valoração motivos previstos como cir cunstâncias agravantes ou atenuantes não podem ser considerados na fixação da penabase55 53 Assim FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 419420 n 324 também MESTIERI Manual de direito penal parte geral 1999 v I p 286287 54 Nesse sentido FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 111112 também FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 420 n 324 55 TRÖNDLEFISCHER Strafgesetzbuch und Nebengesetze 2001 50a edição 46 n 77 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 534 242012 162838 535 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais c Facilitar ou assegurar a execução ocultação impunidade ou vantagem de outro crime A circunstância agravante designa a prática de um crime com a finalidade de facilitar ou assegurar a a execução de outro crime como ameaça ou constrangimento ilegal sobre terceiros em certos crimes sexuais b a ocultação de outro crime como ameaças contra testemunhas c a impunidade de outro crime como alteração falsi ficação ou destruição de provas ou coação sobre testemunhas etc e d a vantagem de outro crime como ameaças contra testemunhas56 d Traição emboscada dissimulação ou outro recurso que dificulte ou impossibilite a defesa da vítima As situações indicadas como circunstância agravante designam modos de execução de fatos puníveis que excluem ou reduzem as possi bilidades de defesa da vítima como exprime a referência a outro recurso que dificulte ou impossibilite a defesa da vítima a a traição significa toda forma de violação da confiança como a deslealdade a perfídia a aleivosia etc b a emboscada designa a ação de ocultação do autor em determinados locais para surpreender a vítima c a dissimulação define comportamentos marcados pelo disfarce ou encobrimento das intenções reais57 56 FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 112 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 420 57 Comparar FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 112114 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 535 242012 162839 536 Teoria da Pena Capítulo 20 e Emprego de veneno fogo explosivo tortura ou outro meio insidioso ou cruel ou de que possa resultar perigo comum A circunstância agravante destaca determinados meios de ação escolhidos pelo autor para realizar o fato punível definíveis como a insidiosos caracterizados por ação imperceptível ou inevitável o veneno por exemplo b cruéis caracterizados pela produção de sofrimento intenso excessivo ou desnecessário à vítima o fogo os explosivos a tortura etc e finalmente c capazes de produzir perigo comum definido pela possibilidade de dano generalizado a bens jurí dicos coletivos ou sociais indeterminados58 f Vitimização de ascendente descendente irmão ou cônjuge A circunstância agravante tem por objeto a relação de parentesco natural entre ascendentesdescendentes e irmãos por um lado e a relação de casamento civil entre os cônjuges por outro lado a a relação de parentesco natural entre ascendentes descendentes e irmãos fundamenta se na consanguinidade com exclusão de outras formas de parentesco civil como a adoção por exemplo porque a legalidade penal proíbe a analogia in malam partem59 b os vínculos afetivos entre cônjuges fundamentamse no casamento civil ou com efeitos civis enquanto durar a sociedade conjugal com exclusão de outras formas de união 58 FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 114 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 421 59 Contra FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 115116 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 422423 n 329 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 536 242012 162839 537 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais estável como companheiros amásios concubinos etc também porque a legalidade penal exclui a analogia in malam partem60 g Abuso de autoridade ou prevalecimento de relações domésticas de coabitação ou de hospitalidade ou com violência contra a mulher na forma da lei específica O conceito de autoridade responsável pelo abuso ou a natureza das relações objeto de prevalecimento pertencem ao Direito Civil a autoridade produtora do abuso e as relações referidas são de natureza privada circunscritas ao âmbito domiciliar ou residencial como local de intercâmbio regido pelo Direito de Família pelo Direito do Trabalho ou outros ramos do direito privado como locais de moradia conjunta coabitação ou espaços físicos caracterizados por certos poderesdeveres nas relações de hospitalidade residência de traba lho empresa ou de vida escola como empregadores professores tutores curadores etc61 A Lei 1134006 que instituiu os Juizados de Violência Do méstica e Familiar contra a Mulher editada nos termos do art 226 8º da CR da Convenção sobre Eliminação da Discriminação con tra Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher introduziu no Direito Penal um amplo conceito de violência com algumas hipóteses de difícil ou impossível determinação 1 O conceito de violência contra a mulher compreende ações e omis sões de ação determinantes de morte lesão corporal sofrimento físico sexual e psicológico dano moral e patrimonial art 5º apesar da nor 60 Nesse sentido FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 422 n 328 FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 115116 REGIS PRADO Curso de direito penal brasileiro 2004 p 492 61 Nesse sentido FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 116 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 537 242012 162839 538 Teoria da Pena Capítulo 20 ma o dano patrimonial clandestino ou fraudulento ou produzido sem constrangimento pessoal não pode integrar o conceito de violência 2 O âmbito de violência contra a mulher compreende os espaços a doméstico como local de convívio permanente de pessoas com ou sem vínculo familiar incluindo agregados b familiar como ambiente formado por comunidades de indivíduos aparentados ou assim considerados por laços naturais de afinidade ou de vontade expressa e c de relações íntimas de afeto com convívio atual ou anterior independente de coabitação art 5º IIII 3 A violência contra a mulher pode assumir forma física psicológica sexual patrimonial e moral assim definidas a a violência física ofensa à integridade ou saúde corporal art 7º I b a violência psicológica produzir dano emocional com redução da autoestima prejudicar ou perturbar o pleno desenvolvimento degradar ou controlar ações comportamentos crenças ou decisões mediante ameaça de constrangimento humilhações isolamento vigilância constante perseguição contumaz insulto chantagem ridicularização exploração limitação do direito de locomoção ou qualquer meio determinante de prejuízo à saúde psicológica e à au todeterminação art 7º II c a violência sexual constranger a presenciar manter ou participar de relação sexual indesejada mediante intimidação ameaça ou uso de força induzir a comercializar ou a utilizar de qualquer modo a sexua lidade impedir a utilização de qualquer método contraceptivo forçar ao matrimônio gravidez aborto ou prostituição mediante coação chantagem suborno ou manipulação limitar ou anular o exercício de direitos sexuais ou reprodutivos art 7º III d a violência patrimonial reter subtrair ou destruir total ou par cialmente objetos instrumentos de trabalho documentos pessoais bens valores direitos e recursos econômicos incluindo os destinados Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 538 242012 162839 539 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais à satisfação de necessidades art 7º IV como é óbvio a violência dessas condutas pressupõe sua natureza dolosa e a violência moral ações definidas como calúnia difamação e injúria art 7º V h Abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo ofício ministério ou profissão O conceito de poder objeto de abuso e de dever objeto de vio lação depende da natureza jurídica das atividades descritas o cargo e o ofício definem atividades ou funções públicas exercidas mediante concurso público regidas pelo Direito Administrativo eou pelo Direito Constitucional com poderes e deveres oficiais cujo abuso ou violação constituem circunstância agravante se não constituírem ou qualificarem o crime o ministério designa atividades religiosas profissionais com poderes e deveres de natureza mística atribuídos pela religiosidade po pular a padres pastores e guias espirituais em geral como a confissão a penitência e o perdão dos pecados a unção de enfermos etc a profissão designa atividades legalmente reconhecidas cujo exercício depende de habilitação especial ou de licença ou de autorização do poder público como advogados médicos engenheiros enfermeiros etc62 i Vitimização de criança de maior de 60 anos de enfermo ou de mulher grávida A circunstância agravante fundamentase na maior vulnera bilidade fragilidade ou incapacidade de resistência ou de defesa 62 TRÖNDLEFISCHER Strafgesetzbuch und Nebengesetze 2001 50a edição 46 n 29 No Brasil FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 117 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 423 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 539 242012 162839 540 Teoria da Pena Capítulo 20 de criança de pessoa maior de 60 anos de enfermo ou de mulher grávida assim definidos a criança é todo ser humano até a idade de 12 anos incompletos nos termos do art 2º da Lei 806990 Estatuto da Criança e do Adolescente b maior de 60 anos indica o marco cronológico que define a pessoa considerada idosa na forma do art 1º da Lei 1074103 Estatuto do Idoso que determinou o piso etário da circunstância agravante no Código Penal c enfermos são indivíduos portadores de patologias orgânicas ou psíquicas crônicas ou agudas temporárias ou permanentes determinantes de sofrimento físico ou psíquico ou de reduçãocessação de funções orgânicas fisiológicas ou psicológicas em geral d mulher grávida designa o estado de prenhez da mulher durante a gestação iniciada com a nidificação ou fixação do ovo ou zigoto no útero materno e encerrada com a ruptura da bolsa amniótica que marca o início do processo de parto63 j Vítima sob imediata proteção da autoridade A circunstância agravante tem por objeto a violação de garantias legais explícitas ou implícitas de agentes do poder público a pes soas sob imediata proteção da autoridade pública mediante guarda o cidadão sob prisão temporária ou definitiva ou custódia o doente mental internado em hospitais públicos ou outras formas de proteção que ampliam ou reforçam a confiança da vítima na inviolabilidade de direitos protegidos pela lei penal64 63 Comparar FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 117119 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 424 n 331 64 No sentido do texto FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 119 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 419420 n 324 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 540 242012 162839 541 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais l Ocasião de calamidade pública incêndio naufrágio inundação etc ou de desgraça particular da vítima Situações de calamidade pública como incêndios inundações ou mesmo naufrágios ou de desgraça particular como acidentes de trânsito representam condições concretas adversas que reduzem ou excluem a capacidade de proteção pessoal ou patrimonial das vítimas aumentando a reprovabilidade de ações lesivas de bens jurídicos pe nalmente protegidos65 m Embriaguez preordenada A embriaguez preordenada define hipóteses de embriaguez propo sitada ou intencional para realizar crime doloso determinado dolo a hipótese principal da actio libera in causa porque inibe a censura pessoal do superego liberando impulsos agressivos ou destruidores do id por um lado e amplia a sensação de coragem pessoal do ego capaz de superar os debilitados bloqueios inibidores do superego por outro lado Esses efeitos resultam da ação inibidora do álcool ou substância equivalente sobre os mecanismos psíquicos de autocontrole e de censura pessoal liberando a agressividade contida ou sublimada pela socialização individual Além disso a embriaguez preordenada distinguese da embriaguez voluntária ou culposa e da embriaguez fortuita ou resultante de força maior pelo seguinte a a embriaguez voluntária ou culposa consiste na progressiva intoxicação pelo álcool ou substância equivalente sem propósitos agressivos ou destruidores não exclui a responsabilidade penal preservando a imputabilidade pelo artifício da actio libera in causa art 28 II CP que desloca a inimputabilidade do momento 65 FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 119120 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 424425 n 333 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 541 242012 162839 542 Teoria da Pena Capítulo 20 posterior de prática do crime para o momento anterior ao processo de embriaguez ainda caracterizado pelo poder de livre disposição da vontade consciente em relação a ações criminosas futuras não previs tas mas previsíveis e nesse caso somente puníveis por imprudência segundo o princípio da culpabilidade b a embriaguez fortuita ou acidental assim como a proveniente de força maior pode isentar de pena o autor de fatos puníveis art 28 1º CP ou reduzir a pena aplicada art 28 2º CP conforme exclua ou reduza a a capaci dade de compreender o caráter ilícito do fato ou b de determinarse de acordo com essa compreensão que definem a imputabilidade66 22 Circunstâncias agravantes do concurso de pessoas A lei penal prevê também circunstâncias agravantes no concurso de pessoas art 62 CP relacionadas às hipóteses de coautoria de partici pação e de autoria mediata porque as contribuições individuais em fatos puníveis coletivos são diferenciadas quer no nível do tipo de injusto quer no nível da culpabilidade e consequentemente a sentença criminal deve distribuir a responsabilidade penal conforme a extensão e o significado das contribuições individuais subjetivas e objetivas para o fato comum a no tipo de injusto o domínio comum do fato típico é diferenciado pela natureza dos papéis individuais na divisão do trabalho coletivo b no juízo de culpabilidade a responsabilidade individual é diferenciada no nível da imputabilidade como capacidade de saber o que faz excluído ou reduzido nas situações de inimputabilidade ou de semiimputabilidade no nível da consciência da antijuridicidade como conhecimento real do que faz excluído ou reduzido no erro de proibição no nível da exigibilidade de comportamento diverso como poder de não fazer o que faz excluído ou 66 Ilustrativo FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 120126 comparar FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 425 n 334 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 542 242012 162839 543 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais reduzido nas situações de exculpação legais e supralegais As circunstâncias agravantes do concurso de pessoas na lei penal brasileira são as seguintes a Promover organizar ou dirigir a atividade criminosa coletiva O legislador destaca o papel de liderança no concurso de pessoas exercido através da ação de promover de organizar ou de dirigir a ati vidade coletiva na realização de fatos puníveis 1 promover significa causar gerar fomentar ou impulsionar o fato punível 2 organizar significa constituir ou integrar as funções dos indivíduos na atividade coletiva 3 dirigir significa governar comandar ou coordenar a ativi dade coletiva no fato punível67 b Coagir ou induzir à execução material de crime A coação como ação de constranger ou forçar alguém à realização material de um crime indica o poder de pressão física ou psicológica do coator sobre o coagido mas as consequências penais são diferenciadas pela natureza da coação a a hipótese de coação resistível determina distribuição diferenciada da responsabilidade penal maior para o coator e menor para o coagido b a hipótese de coação irresistível configura a situação de exculpação legal do art 22 do CP em que é punido somente o coator sob forma de autoria mediata porque o autor imediato atua sem liberdade68 A indução como ação de instigar incitar ou persuadir alguém à realização material de um crime indica o poder de conven cimento do indutor sobre o induzido mediante pedidos conselhos ou 67 Ver FRAGOSO Lições de direito penal 2003 16a edição p 321 MESTIERI Manual de direito penal parte geral 1999 v I p 289290 68 Nesse sentido FRAGOSO Lições de direito penal 2003 16a edição p 321 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 543 242012 162839 544 Teoria da Pena Capítulo 20 promessas com distribuição diferenciada da responsabilidade penal maior para o indutor e menor para o induzido c Instigar ou determinar ao crime pessoa dependente ou impunível por condição ou qualidade pessoal A ação de instigar significa incitar estimular ou induzir enquanto a ação de determinar significa causar ou ordenar a realização de fato pu nível por pessoa submetida à autoridade de quem instiga ou determina por exemplo fatos puníveis realizados por filhos menores instigados ou determinados pelos pais ou por pessoa impunível por condição ou qualidade pessoal por exemplo instigar ou determinar a realização de crimes patrimoniais contra ascendente descendente ou cônjuge na constância da sociedade conjugal na forma do art 181 do CP69 d Executar ou participar de crime mediante pagamento ou promessa de recompensa A autoria de fato punível por instigação de partícipe mediante pagamento ou promessa de recompensa caracteriza a torpeza do motivo mercenário disposição ociosa em face do disposto no art 61 II a segunda parte CP70 por outro lado a participação no fato punível do autor por instigação ou cumplicidade caracteriza a pusilanimidade de quem se acoberta na ação de outrem 69 FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 128 70 Assim FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 128 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 544 242012 162839 545 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais 23 Circunstâncias atenuantes As circunstâncias atenuantes genéricas podem ser expressas art 65 CP e não expressas art 66 CP A lei penal brasileira define as circunstâncias atenuantes expressas desse modo Art 65 São circunstâncias que sempre atenuam a pena I ser o agente menor de 21 vinte e um na data do fato ou maior de 70 setenta anos na data da sentença II o desconhecimento da lei III ter o agente a cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral b procurado por sua espontânea vontade e com eficiên cia logo após o crime evitarlhe ou minorarlhe as con sequências ou ter antes do julgamento reparado o dano c cometido o crime sob coação a que podia resistir ou em cumprimento de ordem de autoridade superior ou sob a influência de violenta emoção provocada por ato injusto da vítima d confessado espontaneamente perante a autoridade a autoria do crime e cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto se não o provocou a Agente menor de 21 data do fato ou maior de 70 anos data da sentença O fundamento da circunstância atenuante é o insuficiente de senvolvimento psicossocial de agente menor de 21 anos na data do Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 545 242012 162839 546 Teoria da Pena Capítulo 20 fato ou a degeneração psíquica de agente maior de 70 anos na data da sentença Mas existem duas questões novas relativas às faixas etá rias referidas na circunstância atenuante que exigem esclarecimento adequado Primeiro a definição legal da capacidade civil aos 18 anos art 5o caput Código Civil não exclui a circunstância atenuante para agentes menores de 21 anos a atenuação da pena tem por fundamento idade inferior a 21 anos não a antiga incapacidade civil do agente71 Além disso decisões do legislador civil não podem invalidar critérios do legislador penal Igualmente é irrelevante a antecipação da maioridade civil por emancipação casamento exercício de emprego público con clusão de curso superior estabelecimento civil ou comercial ou relação de emprego art 5º IVI Código Civil não excluem a circunstância atenuante do menor de 21 anos nem antecipam a imputabilidade penal para idade inferior a 18 anos Segundo o fundamento legal que determinou a adoção da idade de 60 anos definida no art 1º da Lei 1074103 Estatuto do Idoso para caracterizar a circunstância agravante do art 61 II h do Código Penal com maior razão permite considerar a idade de 60 anos e não a idade de 70 anos referida na lei para caracterizar a circunstância atenuante do art 65 I CP porque a analogia in bonam partem é in teiramente compatível com o princípio da legalidade penal b Desconhecimento da lei A atenuante do desconhecimento da lei é um remanescente es clerosado do sistema causal do Código Penal de 1940 ainda fundado 71 Em posição contrária REGIS PRADO Curso de direito penal brasileiro 2004 4a edição p 498 para quem o marco etário 18 anos da responsabilidade civil exclui a circunstância atenuante para o menor de 21 anos no sentido do texto FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 16a edição p 428 n 339 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 546 242012 162839 547 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais na dicotomia erro de fatoerro de direito e regido pelo princípio igno rantia legis neminem excusat se o erro de direito é irrelevante então o desconhecimento da lei seria atenuante Mas a reforma de 1984 intro duziu a dicotomia erro de tipoerro de proibição regido pelo princípio da culpabilidade e fundado na relevância do erro de proibição direto existência validade e significado da lei penal indireto existência de justificação inexistente e limites jurídicos de justificação existente e de tipo permissivo representação errônea de situação justificante com os seguintes efeitos se inevitável exclui a culpabilidade e a pena se evitável pode reduzir a culpabilidade em todas as hipóteses exceto no erro de tipo permissivo em que o erro evitável exclui a forma dolosa e permite punição por imprudência se previsto em lei segundo a teoria da culpabilidade limitada adotada pelo legislador72 Logo o princípio da culpabilidade determina a seguinte disciplina do erro de proibição direto na modalidade de desconhecimento da lei a se inevitável isenta de pena apesar do inconvincente discurso repressivo sobre eficácia da lei penal73 b se evitável reduz a pena nessa hipótese poderia constituir circunstância atenuante mas razões metodológicas exigem sua valoração como causa especial de diminuição de pena Afinal não é o princípio da culpabilidade que deve se adaptar à norma isolada do desconhecimento da lei mas esse resíduo esclerosado do sistema causal que deve se adaptar ao princípio da culpabilidade como indica qualquer interpretação sistemática da lei penal A literatura brasileira mais escla recida ainda sob influência de brocardos antigos do tipo ignorantia legis neminem excusat admite a racionalidade do argumento mas não ousa 72 Ver CIRINO DOS SANTOS A moderna teoria do fato punível 2004 3a edição p 237246 73 JESUS Direito penal 1999 p 485 igualmente MIRABETE Manual de direito penal 2000 p 202 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 547 242012 162839 548 Teoria da Pena Capítulo 20 romper com a irracional tradição repressiva sacrificando o princípio da culpabilidade a supostas exigências de eficácia da lei penal74 c Motivo de relevante valor social ou moral A circunstância atenuante do motivo de relevante valor social ou moral como aspecto dinâmico de pulsões instintuais do id tem por objeto determinações primárias da conduta humana fundadas em interesses de significação objetiva para a vida da comunidade ou do Estado por exemplo danificar experimento rural de produção de sementes trans gênicas capazes de danos indiscriminados à ecologia e à saúde humana configura ação por motivo de relevante valor social se não constituir ação justificada estado de necessidade ou situação de exculpação supralegal fato de consciência ou ações fundadas em sentimentos de nobreza de altruísmo ou de indignação pessoal de significação subjetiva para o indivíduo por exemplo o sequestro do estuprador pelo pai da vítima da ação de estupro configura ação por motivo de relevante valor moral75 74 Por exemplo FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 132 Quando o erro se dá por ignorância da lei essa circunstância também não deveria excluir a culpabilidade A princípio a resposta só poderia ser positiva Entretanto a adoção de um entendimento assim poderia trazer sérias consequências à existência do Estado A vida social depende da observância das regras de conduta sendo necessário para estabilização das relações sociais que as normas jurídicas sejam rigorosamente cumpridas Daí quase todas as legislações terem adotado o princípio nemo consentur ignorare legem ou ignorantia legis non excusat isto é a lei se aplica aos que a conhecem e aos que a ignoram a ignorância da lei não escusa igualmente MESTIERI Manual de direito penal parte geral 1999 v I p 290 Estudamos ser o desconhecimento da lei inescusável na atual sistemática do Código art 21 CP muito embora tal postura esteja em contraste com um conceito realmente normativofinalista da culpabilidade também FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 16a edição p 429430 n 340 75 Ver FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 133 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 16a edição p 430 n 341 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 548 242012 162839 549 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais d Ação espontânea imediata e eficiente para evitar ou reduzir as consequências do crime ou reparação do dano antes do julgamento A circunstância atenuante tem por objeto duas situações distintas relacionadas à vítima a ação de natureza espontânea do autor do fato ou seja ação fundada em motivo autônomo de iniciativa própria ou não forçada do agente imediata ação realizada sem intervalo ou logo após o crime e eficiente ação realmente eficaz de proteção da vítima realizada com o objetivo de evitar ou de reduzir os efeitos de crime consumado a área de incidência da atenuante que a distingue do arrependimento eficaz causa de isenção de pena da tentativa acabada em que o crime ainda não está consumado76 b reparação do dano pelo pagamento ou qualquer outra forma de indenização antes da sentença exceto nos crimes de menor potencial ofensivo da Lei 909995 com pena máxima abstrata privativa de liberdade até 2 anos após a Lei 1025901 em que a reparação do dano possui eficácia maior a composição civil dos danos da conciliação judicial extingue a punibilidade a reparação dos danos da transação penal entre Ministério Público e autor constitui substitutivo penal cujo cumprimento também extingue a punibilidade77 76 TRÖNDLEFISCHER Strafgesetzbuch und Nebengesetze 2001 50a edição 46 ns 4648 77 Assim FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 16a edição p 430431 n 342 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 549 242012 162839 550 Teoria da Pena Capítulo 20 e Coação resistível cumprimento de ordem de autoridade superior ou violenta emoção provocada por ato injusto da vítima A lei descreve três hipóteses distintas de circunstâncias atenuantes analisadas isoladamente a a coação resistível representa em relação à situação de excul pação legal da coação irresistível nível inferior de potencialidade lesiva e menor intensidade de repercussão psíquica sobre o coagido a natu reza resistível da coação determinável concretamente pelas condições objetivas da violência real surras espancamentos etc ou ameaçada anúncio de mal injusto e grave e pelas condições subjetivas de co ator e coagido decidem sobre sua eficácia exculpante ou meramente atenuante78 b o cumprimento de ordem de autoridade superior descreve nível inferior de obediência devida em face da situação de exculpação da obediência hierárquica art 22 CP a natureza evidente ou oculta da ilegalidade da ordem de superior hierárquico decide sobre a eficácia exculpante ou simplesmente atenuante da obediência hierárquica no âmbito das relações de subordinação funcional do Direito Adminis trativo79 c a emoção violenta constitui alteração intensa da estabilidade afetiva do autor como impulso agressivo produzido por ato injusto não motivado sem explicação razoável etc da vítima situado em nível inferior ao da agressão injusta da legítima defesa a natureza da ação da vítima como simples ato injusto ou como agressão injusta e atual ou iminente a bem jurídico decide sobre sua eficácia justificante ou atenuante80 78 No sentido do texto FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 135 79 Ver FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 135 KOERNER JR Obediência hierárquica 2003 p 139 s 80 Assim FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 16a edição p 432 n 344 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 550 242012 162839 551 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais f Confissão espontânea de autoria de crime perante autoridade A confissão espontânea de autoria de crime ou de participa ção em crime realizada perante autoridade constitui circunstân cia atenuante porque indica admissão de responsabilidade pelo fato aceitação de suas consequências jurídicas e eventualmente arrependimento do autor ou partícipe A lei exige apenas duas condições a a confissão deve ser espontânea ou seja fundada em decisão autônoma do autor independente da natureza da motivação egoísmo altruísmo nobreza etc o que exclui determinações heterônomas como confissões obtidas por pressão ou em face de provas irrefutáveis mas admitese confissão espontânea em caso de prisão em flagrante81 b a confissão deve ocorrer perante auto ridade em sentido amplo incluindo além da autoridade judicial e policial também o Ministério Público82 g Influência de multidão em tumulto não provocado Situações de multidão em tumulto podem liberar instintos agres sivos individuais normalmente contidos pela ação controladora do superego estimulados pela pressão da massa e pelo anonimato pessoal que reduzem o poder de controle sobre o comportamento e por isso funcionam como circunstância atenuante se o agente não provocou o tumulto83 81 Ver FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 16a edição p 432433 n 345 82 Comparar FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 136137 contra FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 16a edição p 432433 n 345 para quem autoridade significa autoridade policial 83 No sentido do texto FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 137138 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 16a edição p 433 n 346 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 551 242012 162839 552 Teoria da Pena Capítulo 20 24 Circunstâncias atenuantes inominadas Finalmente as circunstâncias atenuantes não expressas admiti das textualmente no art 66 do CP constituem outras características relevantes do fato anteriores ou posteriores ao crime não previstas legalmente mas capazes de influir no juízo de reprovação do autor pela realização do tipo de injusto Desse modo crimes realizados no contexto de condições sociais adversas por sujeitos marginalizados do mercado de trabalho e do processo de consumo insuficientes para configurar o conflito de deveres como situação de exculpação podem caracterizar a circunstância atenuante inominada do art 66 porque exprimiriam hipóteses de coculpabilidade da sociedade organizada no poder do Estado pela sonegação de iguais oportu nidades sociais84 Art 66 A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante anterior ou posterior ao crime embora não prevista expressamente em lei 84 Nesse sentido propõem os excelentes BUENO DE CARVALHO e CARVALHO Aplicação da pena e garantismo 2002 p 74 s Pelos motivos expostos até o momento objetivaremos nossa hipótese de trabalho na seguinte afirmação a precária situação econômica do imputado deve ser priorizada como circunstância atenuante obrigatória no momento da cominação da pena Apesar de não estar prevista no rol das circunstâncias atenuantes do art 65 do Código Penal brasileiro a norma do art 66 atenuantes inominadas possibilita a recepção do princípio da coculpabilidade pois demonstra o caráter não taxativo das causas de atenuação O Código Penal ao permitir a diminuição da pena em razão de circunstância relevante anterior ou posterior ao crime embora não prevista em lei já fornece um mecanismo para a implementação deste instrumento de igualização e justiça social Igualmente RODRIGUES Teorias da culpabilidade 2004 p 2729 É possível visualizar a tese da coculpabilidade dentro da nossa própria legislação através da utilização de aspectos supralegais na fixação da pena como o presente no artigo 66 do Código Penal que instituiu a circunstância atenuante genérica Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 552 242012 162840 553 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais 25 Concurso de circunstâncias legais O fato punível pode conter várias circunstâncias legais agravan tes ou atenuantes configurando um concurso de circunstâncias legais art 67 CP com as seguintes consequências a se as circunstâncias legais agravantes e atenuantes são de igual natureza objetiva ou de igual natureza subjetiva as circunstâncias agravantes são compensadas com as circunstâncias atenuantes b se as circunstâncias legais agravantes e atenuantes são de natureza desigual preponderam as circunstâncias subjetivas sobre as objetivas assim consideradas as circunstâncias relacionadas aos motivos do crime à personalidade do agente e à reincidência Art 67 No concurso de agravantes e atenuantes a pena deve aproximarse do limite indicado pelas cir cunstâncias preponderantes entendendose como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime da personalidade do agente e da reincidência Na hipótese de várias circunstâncias qualificadoras relacionadas aos motivos aos meios aos modos ou aos fins do fato punível por exemplo homicídio qualificado art 121 2º IV CP igualmente definidas como circunstâncias agravantes apenas uma das circunstâncias qualificadoras é considerada para efeito de qualificar o crime enquanto as restantes funcionam como circunstâncias agravantes genéricas85 26 Limites de agravação e de atenuação da pena A dogmática penal e a jurisprudência dos tribunais têm a seguinte posição sobre limites de agravação e de atenuação da pena as circuns 85 FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 139 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 16a edição p 435 n 349 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 553 242012 162840 554 Teoria da Pena Capítulo 20 tâncias legais agravantes ou atenuantes não podem exceder os limites máximo e mínimo da pena cominada ao tipo legal86 Mas qualquer posição sobre o tema pressupõe o esclarecimento de algumas questões 1 O limite de agravação da pena por circunstâncias legais é incontro verso o princípio da legalidade proíbe que as circunstâncias agravantes excedam o limite máximo da pena cominada no tipo legal 2 O limite de atenuação da pena por circunstâncias legais é contro vertido pois existem duas posições diferentes a a posição dominante na literatura e na jurisprudência brasileira condensada em súmula do STJ87 adota como limite de atenuação da pena o mínimo da pena privativa de liberdade cominada no tipo legal88 b não obstante crescente posição minoritária admite atenuação da pena abaixo do mínimo da pena cominada por duas razões principais primeiro não existe nenhuma proibição legal contra atenuar a pena abaixo do mínimo legal porque o princípio da legalidade garante a liberdade do indivíduo contra o poder punitivo do Estado e não o poder punitivo do Estado contra a liberdade do indivíduo89 segundo o critério dominante quebra o princípio da igualdade legal no concurso de pessoas o coréu menor de 21 anos é prejudicado pela fixação da pena no mínimo legal com base nas circunstâncias judiciais porque 86 Ver por exemplo FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 103 Resumindo em razão de circunstâncias legais o juiz não pode diminuir a pena aquém do mínimo ou aumentála além do máximo legal porque com isto estaria burlando o princípio da legalidade 87 Superior Tribunal de Justiça A incidência de circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal Súmula 231 88 Na linha da posição dominante contra atenuação da pena abaixo do mínimo legal FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 102104 89 Na posição minoritária a favor de atenuação da pena abaixo do mínimo legal Acórdão da 5ª Câmara Criminal do TJRS Apelaçãocrime 700107351812005 Rel Des AMILTON BUENO DE CARVALHO no mesmo sentido com análise da jurisprudência GERARDO DE OLIVEIRA Pena aquém do mínimo legal circunstância atenuante in Revista da Ordem dos Advogados do Brasil n 72 p 3749 2001 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 554 242012 162840 555 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais direitos definidos em lei não podem ser suprimidos por aplicação invertida do princípio da legalidade90 Aliás a proibição de reduzir a pena abaixo do limite mínimo cominado na hipótese de circuns tâncias atenuantes obrigatórias constitui analogia in malam partem fundada na proibição de circunstâncias agravantes excederem o li mite máximo da pena cominada precisamente aquele processo de integração do Direito Penal proibido pelo princípio da legalidade Mais não é preciso dizer 3 Alteradores especiais da pena causas especiais de aumento ou de diminuição da pena Além das circunstâncias legais agravantes e atenuantes existem outras situações especiais de alteração da pena chamadas causas espe ciais de aumento ou de diminuição da pena previstas na parte geral e na parte especial do Código Penal cuja computação no cálculo da pena representa a terceira e última fase da sua aplicação As causas especiais de aumento ou de diminuição de pena da parte geral do Código Penal são aplicáveis a todos os crimes como se indica a a tentativa art 14 II CP b o arrependimento pos terior art 16 CP c o erro evitável sobre a ilicitude do fato art 21 parte final CP d a redução da pena no estado de necessidade art 24 2º CP e a semiimputabilidade art 26 parágrafo único CP f a semiimputabilidade fortuita ou forçada art 28 2º CP g a participação de menor importância art 29 1º CP h a previsibilidade do resultado mais grave na participação em crime menos grave art 29 2º CP i a situação econômica do réu na 90 Nesse sentido TUBENCHLAK Atenuantes pena abaixo do mínimo in James Tubenchlak Tribunal do Júri contradições e soluções 1990 p 285289 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 555 242012 162840 556 Teoria da Pena Capítulo 20 aplicação da pena de multa art 60 e 1º CP j o concurso material art 69 CP l o concurso formal art 70 CP m o crime continuado art 71 CP91 As causas especiais de aumento ou de diminuição de pena previstas na parte especial do Código Penal possuem caráter de es pecificidade e estão previstas ao lado dos tipos penais respectivos art 121 1º e 4º art 122 parágrafo único art 127 art 129 4º e 7º art 155 1º e 2º art 157 2º art 158 1º e outras hipóteses menores As causas especiais de aumento ou de redução da pena na parte geral e na parte especial do Código Penal são identificadas por aumentos ou reduções em quantidades fixas por exemplo um sexto da pena um terço da pena ou metade da pena ou variáveis por exemplo de um a dois terços da pena de um sexto até metade da pena O aumento ou a redução da pena determinado por essas causas especiais deve ser fundamentado concretamente alusões genéricas são inconstitucionais art 93 IX CR Por outro lado os aumentos ou reduções da pena previstos nessas causas especiais são obrigatórios apesar do legislador utilizar o verbo poderá em relação às hipóteses de redução da pena e utilizar o verbo será em relação às hipóteses de aumento da pena92 Os limites mínimo e máximo da pena cominada no tipo legal podem ser excedidos pelas causas especiais de aumento ou de dimi nuição da pena A verificação da existência dessas causas conclui o processo de aplicação da pena criminal 91 Comparar FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 141143 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 16a edição p 435437 n 350 92 Ver FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 143 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 556 242012 162840 557 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais III Efeitos da condenação A sentença criminal condenatória produz além dos efeitos penais específicos outros efeitos de natureza civil ou administrativa chama dos efeitos da condenação Esses efeitos da condenação distribuemse em duas categorias legais a efeitos genéricos independentes de declaração judicial ou automáticos b efeitos específicos dependentes de decla ração judicial ou motivados na sentença 1 Efeitos genéricos Os efeitos genéricos da sentença condenatória in dependem de declaração judicial art 91 CP resultando diretamente da condenação criminal a Obrigação de indenizar o dano produzido A lesão do bem ju rídico protegido na lei penal produz geralmente danos materiais e ou morais cuja reparação exige indenização A condenação criminal transitada em julgado torna certa a obrigação de indenizar o dano re sultante do crime limitando a controvérsia exclusivamente à liquidez do valor do dano indenizável art 91 I CP b Perda dos instrumentos do crime cuja fabricação alienação uso porte ou detenção constitua fato ilícito art 91 II a CP e do produto do crime ou outros bens ou valores que constituam vantagens resultantes da prática do crime em favor da União art 91 II b CP a exceção é representada pelos direitos do lesado ou de terceiro de boafé cuja proteção é prioritária art 91 II segunda parte CP Art 91 São efeitos da condenação I tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime II a perda em favor da União ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boafé a dos instrumentos do crime desde que consistam em coisas cujo fabrico alienação uso porte ou detenção constituam fato ilícito Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 557 242012 162840 558 Teoria da Pena Capítulo 20 b do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso 2 Efeitos específicos Os efeitos específicos da sentença condenatória dependem de declaração judicial art 92 CP devendo ser motivados na decisão judicial São dependentes de declaração judicial os seguintes efeitos a Perda de cargo função pública ou mandato eletivo Os efeitos de perda de cargo função pública ou mandato eletivo podem ocorrer em duas situações previstas em lei a1 na hipótese de aplicação de pena privativa de liberdade igual ou superior a 1 ano em crimes contra a administração pública praticados com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo função pública ou mandato eletivo art 92 I a CP a2 na hipótese de aplicação de pena privativa de liberdade superior a 4 quatro anos em todos os outros casos art 92 I b CP O conceito de funcionário público definido no art 327 do CP possui sentido amplo toda pessoa que exerce cargo emprego ou função pública independentemente de transitoriedade ou remuneração Art 327 Considerase funcionário público para os efeitos penais quem embora transitoriamente ou sem remuneração exerce cargo emprego ou função pública A lei equipara a funcionário público quem exerce cargo emprego ou função em entidade paraestatal ou trabalha em empresa contratada ou conveniada para execução de atividade típica da administração pública art 327 1º CP A perda de cargo função pública ou mandato eletivo como efeito secundário da sentença condenatória admite reabilitação do condenado art 93 CP preenchidos os requi Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 558 242012 162840 559 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais sitos legais somente para futuros cargo emprego ou função pública sem reintegração na situação anterior art 93 parágrafo único CP93 b Incapacitação para o pátrio poder tutela ou curatela Os efeitos de incapacitação para o exercício do pátrio poder hoje redefinido como poder familiar pelo Código Civil tutela ou curatela dependem dos requisitos cumulativos de a crime doloso b pena de reclusão cominada no tipo legal e c contra vítima filho tutelado ou curatelado do autor art 92 II CP A incapacitação para exercer o poder familiar a tutela ou a curatela admite reabilitação do condenado art 93 CP preenchidos os requisitos legais mas somente para filhos tutelados ou curatelados futuros igualmente sem reintegração na situação anterior art 93 parágrafo único CP94 c Inabilitação para dirigir veículo O efeito de inabilitação para dirigir veículo ocorre nas hipóteses de utilização de veículo automotor como meio para realizar crime doloso art 92 III CP A inabilitação para dirigir veículo como efeito específico declarado na sentença con denatória é definitiva mas pode ser restabelecida pela reabilitação do condenado art 93 CP preenchidos os requisitos legais do instituto e realizados novos exames técnicos e psicotécnicos95 Finalmente a declaração desses efeitos na sentença criminal con denatória depende para prevenir direitos e garantias individuais de específica e concreta motivação judicial art 92 parágrafo único CP Art 92 São também efeitos da condenação I a perda de cargo função pública ou mandato eletivo a quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a 1 um ano nos crimes pra 93 Assim também BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8a edição p 674 FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 220221 94 Ver BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8a edição p 674 95 Comparar FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 222223 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 559 242012 162840 560 Teoria da Pena Capítulo 20 ticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública b quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 quatro anos nos demais casos II a incapacidade para o exercício do pátrio poder tutela ou curatela nos crimes dolosos sujeitos à pena de reclusão cometidos contra filho tutelado ou curatelado III a inabilitação para dirigir veículo quando utili zado como meio para a prática de crime doloso Parágrafo único Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos devendo ser motivadamente declarados na sentença IV Reabilitação 1 Conceito A reabilitação é providência judicial suspensiva de de terminados efeitos da sentença condenatória que podem eventu almente ser restabelecidos e não causa de extinção desses efeitos como as causas de extinção da punibilidade entre as quais constava na legislação penal anterior que produzem efeitos irreversíveis 2 Objeto e objetivos A reabilitação tem por objeto qualquer pena aplicada em sentença definitiva art 93 CP mas incide exclusiva mente sobre alguns de seus efeitos secundários ou acessórios Nesse sentido o objetivo da reabilitação é garantir o sigilo dos registros do processo e da condenação criminal restabelecer determinados direitos do conde nado e desse modo contribuir para sua reintegração na vida social96 complementarmente o objetivo pode ser cancelar o efeito 96 JESCHECKWEIGEND Strafrecht 1996 5a edição 86 n 6 p 918 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 560 242012 162840 561 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais de inabilitação para direção de veículo art 93 parágrafo único CP quando utilizado para prática de crime doloso97 Art 93 A reabilitação alcança quaisquer penas aplica das em sentença definitiva assegurando ao condenado o sigilo dos registros sobre seu processo e condenação Parágrafo único A reabilitação poderá também atingir os efeitos da condenação previstos no art 92 deste Código vedada reintegração na situação anterior nos casos dos incisos I e II do mesmo artigo 3 Requisitos O pedido de reabilitação pressupõe reparação do dano ou comprovação de impossibilidade absoluta de reparação ou renúncia da vítima ou novação da dívida art 94 IIII CP e além disso exige decurso de 2 anos em relação a cada uma das seguintes hipóteses a de extinção da pena por qualquer causa ou do término de sua execução computado o tempo de suspensão ou de livramento condicional não revogados b de efetivo domicílio no país c de efetiva demonstração permanente de bom comportamento público e privado Em caso de indeferimento da reabilitação o pedido pode ser renovado em qualquer tempo comprovados os requisitos exigidos Art 94 A reabilitação poderá ser requerida decorridos 2 dois anos do dia em que for extinta de qualquer modo a pena ou terminar sua execução computandose o perí odo de prova da suspensão e do livramento condicional se não sobrevier revogação desde que o condenado I tenha tido domicílio no País no prazo acima referido II tenha dado durante esse tempo demonstração efetiva e constante de bom comportamento público e privado 97 Ver BITENCOURT Tratado de Direito Penal parte geral 2003 8a edição p 674677 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 561 242012 162840 562 Teoria da Pena Capítulo 20 III tenha ressarcido o dano causado pelo crime ou demonstre absoluta impossibilidade de o fazer até o dia do pedido ou exiba documento que comprove a renúncia da vítima ou novação da dívida Parágrafo único Negada a reabilitação poderá ser requerida a qualquer tempo desde que o pedido seja instruído com novos elementos comprobatórios dos re quisitos necessários Assim a reabilitação significa declaração judicial de cumpri mento ou de execução da pena aplicada de bom comportamento do reabilitando pelo período de 2 anos de ressarcimento do dano ou de desobrigação do reabilitando por impossibilidade de pagamento por renúncia da vítima ou por novação da dívida cuja eficácia social consiste na eliminação de restrições ao exercício pleno de direitos individuais 4 Revogação A revogação da reabilitação resulta de condenação definitiva como reincidente a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos art 95 CP e pode ocorrer por iniciativa do juiz ou do Ministério Público Art 95 A reabilitação será revogada de ofício ou a requeri mento do Ministério Público se o reabilitado for condenado como reincidente por decisão definitiva a pena que não seja de multa Revogada a reabilitação a suspensão dos efeitos da sentença con denatória é cancelada restabelecendose todos os registros anteriormente suspensos As condições da revogação são óbvias condenação como rein cidente significa prática de novo crime após o trânsito em julgado da sen tença condenatória anterior art 63 CP exceto extinção da reincidência por decurso do prazo de 5 anos art 64 I CP e crimes militares próprios ou políticos art 64 II CP condenação por decisão definitiva significa trânsito em julgado da nova condenação afinal decisões recorríveis podem ser mudadas finalmente a exclusão da pena de multa significa exigência de certa gravidade mínima do crime objeto da nova condenação Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 562 242012 162840 563 Capítulo 21 SubStitutiVoS peNaiS Os substitutivos penais constituem estratégias de política criminal formuladas com o objetivo de evitar ou reduzir os efeitos negativos do processo de criminalização ou de execução penal mediante substi tuição de mecanismos formais por mecanismos informais de controle social de fatos puníveis de leve ou média gravidade a exceção é o livramento condicional extraordinário realizados por autores conside rados não perigosos sob o fundamento de que a intervenção judicial produz maior dano do que utilidade1 I Teoria dos substitutivos penais As teorias sobre substitutivos penais podem ser agrupadas em teorias tradicionais ligadas às funções manifestas ou declaradas das penas criminais e teorias críticas vinculadas às funções latentes ou re ais das penas criminais cada uma delas compreendendo abordagens específicas fundadas em argumentos distintos 1 KAISER Diversion in Kleines Kriminologisches Wörterbuch KAISERKERNER SACKSCHELLHOSS Editores 1993 p 8889 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 563 242012 162840 564 Teoria da Pena Capítulo 21 1 Teorias tradicionais As teorias tradicionais desenvolvidas nos limites da ideologia jurídica dominante nos Estados ocidentais compreendem explicações humanitárias e explicações científicas dos substitutivos penais 11 Explicações humanitárias As explicações humanitárias fundamentam os substitutivos penais nos sentimentos naturais de piedade do ser humano propenso a perdoar e esquecer que deplora a desumanidade da prisão e suas con sequências para o preso sujeito a violências humilhações e degradação humana em geral e para a família do preso submetida a privações materiais e afetivas prostituição marginalização e delinquência em suma um conjunto de efeitos danosos evitados ou reduzidos pelos substitutivos penais que poderiam explicar sua adoção generalizada nas legislações contemporâneas2 12 Explicações científicas As explicações científicas fundamentam os substitutivos penais nas críticas de penalistas liberais sobre as inconveniências práticas morais sociais e jurídicas da execução de penas privativas de liberdade sensibilizando políticos e legisladores para a necessidade de métodos alternativos ou substitutivos da prisão Assim os substitutivos penais seriam consequência do trabalho científico de penalistas e criminólo gos em congressos conferências e textos indicando os malefícios da pena carcerária como a supressão de direitos não compreendidos na 2 Ver CIRINO DOS SANTOS Direito penal a nova parte geral 1985 p 294 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 564 242012 162840 565 Capítulo 21 Substitutivos Penais privação da liberdade b instituição da ociosidade programada o trabalho apesar de obrigação legal é privilégio pessoal com remune ração irrisória c efeitos embrutecedores do isolamento celular d violências contra a dignidade e sexualidade do preso em celas coletivas superlotadas e privação dos direitos à intimidade e à vida sexual regular f suspensão dos direitos políticos de votar e ser votado g precariedade de assistência médica jurídica e social etc3 As explicações humanitárias provenientes do coração humano e as explicações científicas provenientes de pesquisas empíricas não podem ser descartadas como ideologia ilusória porque refletem realidades subjetivas razões humanitárias e objetivas razões científicas incontestáveis mas existem outras explicações fundadas em outros argumentos que pare cem constituir a explicação real ou latente dos substitutivos penais 2 Teorias críticas As teorias críticas desenvolvidas pela moderna teoria jurídica e criminológica sobre crime e pena produziram abordagens fundadas em outros argumentos como por exemplo as explicações dos subs titutivos penais baseadas em a superlotação carcerária b crise fiscal e c ampliação do controle social 21 Superlotação carcerária A tese da superlotação carcerária explica os substitutivos penais com base em argumento óbvio ou seja o excesso de presos nos 3 SCULL Decarceration 1977 CIRINO DOS SANTOS Direito penal a nova parte geral 1985 p 294295 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 565 242012 162840 566 Teoria da Pena Capítulo 21 estabelecimentos prisionais e penitenciários dos países ocidentais No Brasil a população carcerária excede o dobro da capacidade de penitenciárias e prisões públicas sendo a segunda maior população carcerária do continente americano com 513802 presos em regime fechado semiaberto e em prisão provisória no sistema penitenciário e nas Delegacias de Polícia4 A superlotação carcerária agrava todos os inconvenientes indicados pela explicação científica dos substitutivos penais especialmente os problemas de disciplina de vigilância e de violência interna dos guardas contra os presos e dos presos entre si5 De fato as condições insuportavelmente desumanas da super lotação carcerária parecem legitimar a violência ilegal das rotineiras e inevitáveis revoltas de presos nas prisões e penitenciárias públicas uma forma desesperada e extrema de correção de distorções do processo de criminalização e de penalização seletiva de margina lizados do mercado de trabalho e da sociedade de consumidores funcionando como válvula de alívio das tensões crescentes da super população encarcerada nas instituições oficiais Por outro lado a soma da superpopulação carcerária com a superpopulação encarcerável no Brasil representada por centenas de milhares de mandados de prisão expedidos e não cumpridos por inexistência de vagas em Delegacias de Polícia Prisões e Penitenciárias do Estado produz números ab surdos que reforçam a tese da superlotação carcerária como origem dos substitutivos penais 4 Dados do DEPEN Departamento Penitenciário Nacional relativos a junho2011 Disponível em httpwwwmjgovbr 5 Ver CARVALHO Pena e garantias 2003 2a edição p 245258 esp p 250 Motins rebeliões e fugas realizados conscientemente contra situações injustas como superlotação falta de assistência material e atraso injustificado da prestação jurisdicional que inviabilizam o gozo de direitos públicos subjetivos não podem ser qualificados como delitos em decorrência da causa supralegal da resistência à opressão Na atual situação dos presídios brasileiros os conflitos prisionais adquirem feição de ato político reivindicatório e assim como foram as greves na década de setenta adquirem a característica da licitude Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 566 242012 162840 567 Capítulo 21 Substitutivos Penais 22 Crise fiscal A tese da crise fiscal explica os substitutivos penais por relações de custobenefício fundada no argumento da incapacidade financeira do Estado para arcar com o custo do preso durante a execução penal Na verdade o custo do preso é elevado inclui além das despesas de consu mo individual alimentação vestuário alojamento higiene etc e de serviços pessoais assistência médica dentária jurídica etc também o conjunto dos salários do pessoal técnicoadministrativo assisten cial e de segurança interna dos estabelecimentos penais mais a verba consumida com reformas ampliações reconstruções e construções de novas prisões cuja soma constitui a dotação orçamentária do sistema penitenciário obtendose o custo do preso mediante divisão desse valor pela quantidade total de encarcerados do sistema penal Mas somadas as despesas do Sistema de Justiça Criminal com as despesas do legislador penal e da Justiça Criminal em primeiro plano das Polícias estaduais e federal e do conjunto dos serviços de assistência ao egresso o custo do preso é ainda maior Em situações conjunturais de recessão econômica com retração do capital produtivo e financeiro e queda na receita tributária aumentam os cortes orçamentários nos setores ligados às atividades não produtivas como o Sistema de Justiça Criminal formado pela Polícia Justiça e Prisão privados de poder político para influenciar nas decisões orçamentárias do Estado A tese da crise fiscal chama atenção para as transformações dos me canismos repressivos do Estado na era da internacionalização do capital financeiro e das relações econômicas e comerciais entre países centrais e países periféricos do sistema econômicofinanceiro globalizado mos trando duas tendências sucessivas em primeiro lugar o deslocamento do controle social de setores não produtivos do Estado para setores produtivos da indústria e do comércio expandindo a área do controle social não institucionalizado com a utilização intensiva de penas alter nativas e de hipóteses legais de execução penal desinstitucionalizada a Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 567 242012 162840 568 Teoria da Pena Capítulo 21 ampliação da descriminalização e da despenalização de condutas que marcou a política criminal do estágio final do welfare state nos países centrais do capitalismo contemporâneo e ainda caracteriza a política criminal dos países periféricos do sistema econômicofinanceiro glo balizado6 em segundo lugar o abandono das penas alternativas e da política de desinstitucionalização descriminalização e despenalização do Estado do bemestar social substituída pela política de tolerância zero do Estado penal dos países centrais do capitalismo contemporâneo com seu complemento empresarialpenal estruturado para absorver os contingentes humanos provenientes da desenfreada criminalização da pobreza o sistema penal privatizado uma tendência que começa a contaminar os países periféricos do sistema de poder econômico e político do neoliberalismo contemporâneo 23 Ampliação do controle social A tese da ampliação do controle social fundamenta a explicação dos substitutivos penais em aspectos contraditórios encobertos pelas explicações tradicionais a primeiro a necessidade de supervisão da conduta do con denado beneficiário do substitutivo penal expande os mecanismos de controle institucionais do Estado para áreas do mercado de trabalho e portanto de setores não produtivos para setores produtivos como indica a tese da crise fiscal do capitalismo monopolista b segundo a redução do tempo de passagem de sujeitos crimi nalizados pelo sistema penitenciário abre novos espaços no sistema de controle institucionalizado cujo imediato preenchimento sempre em regime de superlotação carcerária coloca maior quantidade de pessoas em contato com a prisão o núcleo do sistema formal de con 6 SCULL Decarceration 1977 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 568 242012 162841 569 Capítulo 21 Substitutivos Penais trole a redução dos malefícios da privação de liberdade em relação ao beneficiário do substitutivo penal significa a ampliação dos malefícios da prisão em relação aos novos encarcerados Logo a aceleração da passagem pelo sistema formal de controle como maior rapidez na substituição de indivíduos presos representa uma expansão a do controle social carcerário com maior quantidade de encarcerados no mesmo espaço de tempo e b do controle social extracarcerário com maior quantidade de desencarcerados sob controle das instituições anexas do sistema penitenciário patronatos serviço social etc ampliando e diversificando a rede formal e informal de controles o fenômeno conhecido como netwidening efeito cujo centro continua sendo a prisão7 3 Conclusão A concentração dos substitutivos penais em crimes de menor gravidade parece revigorar a instituição da prisão em duas direções principais a a prisão como ultima ratio para os chamados casos mais duros ou seja o sistema de controle social ampliado mais pessoas controladas e diversificado maior quantidade de instituições auxiliares de controle é reforçado pela possibilidade de reconversão dos substitutivos penais em futuros reencarceramentos b a prisão como instituição indispensável à eficácia dos substitutivos penais legitimada como centro do arquipélago carcerário com novas estratégias e métodos que controlam de forma mais intensa e mais generalizada a população marginalizada do mercado de trabalho e do consumo social 7 SCULL Decarceration 1977 também KAISER Diversion in Kleines Kriminologisches Wörterbuch KAISERKERNERSACKSCHELLHOSS Editores 1993 p 9091 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 569 242012 162841 570 Teoria da Pena Capítulo 21 Por isso os substitutivos penais não enfraquecem a prisão mas a revigoram não diminuem sua necessidade mas a reforçam não anu lam sua legitimidade mas a ratificam são instituições tentaculares cuja eficácia depende da existência revigorada da prisão o centro nevrálgico que estende o poder de controle sobre as massas miserabilizadas do capitalismo neoliberal contemporâneo com possibilidades de novos reencarceramentos se a expectativa comportamental em relação aos controlados não confirmar o prognóstico dos controladores do sistema penal O aparelho carcerário instituição central de controle social nas sociedades contemporâneas responsável pela gênese e reprodução his tórica do capitalismo como relação social dominante nas sociedades ocidentais permite explicar os substitutivos penais como mecanismos de reforço da prisão e de legitimação do rigor carcerário porque cede aos substitutivos penais as finalidades chamadas terapêuticas ou pe dagógicas da pena mas preservase como instrumento de terror para os casos mais duros encerrados em instituições de segurança máxima do sistema penal II Os substitutivos penais da legislação brasileira A legislação penal brasileira prevê dois substitutivos penais tra dicionais a suspensão condicional da pena e o livramento condicional ambos disciplinados no Código Penal e na Lei de Execução Penal e dois substitutivos penais novos a transação penal e a suspensão condi cional do processo criados pela Lei 909995 que instituiu os Juizados Especiais Criminais Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 570 242012 162841 571 Capítulo 21 Substitutivos Penais A Suspensão condicional da pena A suspensão condicional da pena é substitutivo penal constituído para impedir a execução institucionalizada da pena privativa de liber dade e após expirado o prazo de suspensão extinguir a pena privativa de liberdade aplicada8 De fato o instituto jurídico da suspensão con dicional da pena vincula a força simbólica da sentença condenatória com a desistência de execução da pena privativa de liberdade apli cada frequentemente dessocializadora como dizem JESCHECK WEIGEND9 A lei penal brasileira instituiu quatro modalidades diferentes de suspensão condicional da pena comum especial etária e humanitária10 A aplicação judicial de qualquer dessas espécies de suspensão condicional da pena ou sursis tem por objetivo específico evitar os malefícios da prisão por essa razão as penas restritivas de direitos e as penas de multa não podem ser objeto de suspensão con dicional art 80 CP Art 80 A suspensão não se estende às penas restritivas de direitos nem à multa A concessão judicial do sursis em cada uma das modalidades referidas requer a presença de certos pressupostos de concessão exige o cumprimento de determinadas condições de execução cujo des cumprimento pode causar a revogação obrigatória ou facultativa do benefício o período de prova pode ser eventualmente prorrogado até o máximo e finalmente o cumprimento normal do substitutivo penal extingue a pena 8 CIRINO DOS SANTOS Direito penal a nova parte geral 1985 p 295296 9 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1997 79 I p 833 10 No sentido do texto BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8a edição p 629631 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 571 242012 162841 572 Teoria da Pena Capítulo 21 1 Pressupostos específicos Os pressupostos de concessão da suspensão condicional da pena classificamse em objetivos e subjetivos com pequenas variações con forme a modalidade do sursis considerado a Sursis comum A suspensão condicional comum da pena carac terizada pelo cumprimento cumulativo de pena restritiva de direitos durante o período de suspensão constitui a modalidade mais rigorosa de sursis com os seguintes pressupostos específicos 1 pressuposto objetivo pena aplicada igual ou inferior a 2 anos de privação de liberdade em correspondência com a extensão da pena aplicada o prazo da suspensão condicional pode variar entre 2 a 4 anos art 77 CP 156 LEP 2 pressupostos subjetivos a primariedade do agente em crime doloso art 77 I CP exceto se a condenação anterior for somente a pena de multa art 77 1º CP b a culpabilidade os antecedentes a conduta social a personalidade e os motivos do agente bem como as circunstâncias do fato devem indicar a conveniência da medida art 77 II CP nesse caso a chamada prognose favorável sobre os efeitos políticocriminais do sursis é decidida pelo princípio in dubio pro reo que autoriza a concessão do benefício mesmo em face de incerteza sobre o comportamento futuro do beneficiário pois a execução da pena seria alternativa certamente pior11 Art 77 A execução da pena privativa de liberdade não superior a 2 dois anos poderá ser suspensa por 2 dois a 4 quatro anos desde que I o condenado não seja reincidente em crime doloso 11 Nesse sentido FRISCH Prognoseentscheidungen im Strafrecht 1983 p 4953 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1997 79 I n 4c p 836837 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 572 242012 162841 573 Capítulo 21 Substitutivos Penais II a culpabilidade os antecedentes a conduta social e personalidade do agente bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício III não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art 44 deste Código 1º A condenação anterior a pena de multa não impede a concessão do benefício b Sursis especial A suspensão condicional especial da pena caracteri zada pela desobrigação do cumprimento cumulativo de pena restritiva de direitos durante o prazo da suspensão constitui a modalidade menos rigorosa de sursis com os seguintes pressupostos específicos 1 pressupostos objetivos a pena aplicada igual ou inferior a 2 anos de privação de liberdade em correspondência com a extensão da pena aplicada o prazo da suspensão condicional pode variar entre 2 a 4 anos art 77 CP 156 LEP b reparação do dano resultante do crime exceto impossibilidade material art 78 2º CP 2 pressupostos subjetivos a primariedade em crime doloso art 77 I CP b indicadores do art 77 II CP inteiramente favo ráveis sob a seguinte interpretação autêntica paralela12 culpabili dade mínima antecedentes irretocáveis incluída a conduta social personalidade de boa índole motivos relevantes e circunstâncias do fato favoráveis capazes de permitir a substituição da pena restritiva de direitos pela aplicação cumulativa de a proibição de frequentar determinados lugares b proibição de ausentarse da comarca sem autorização judicial e c obrigação pessoal de comparecimento mensal em juízo para informar e justificar as atividades realizadas art 78 2º CP13 12 Exposição de Motivos do Código Penal n 66 13 Ver BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8a edição p 630 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 573 242012 162841 574 Teoria da Pena Capítulo 21 Art 78 2º Se o condenado houver reparado o dano salvo impossibilidade de fazêlo e se as circuns tâncias do art 59 deste Código lhe forem inteiramente favoráveis o juiz poderá substituir a exigência do parágrafo anterior pelas seguintes condições aplicadas cumulativamente a proibição de frequentar determinados lugares b proibição de ausentarse da comarca onde reside sem autorização do juiz c comparecimento pessoal e obrigatório a juízo men salmente para informar e justificar suas atividades c Sursis etário A suspensão condicional etária da pena caracteri zada pela maior extensão da pena aplicada e do prazo de suspensão é concedida a condenado maior de 70 anos de idade com os seguintes pressupostos específicos 1 pressuposto objetivo pena privativa de liberdade aplicada até 4 anos em correspondência com a extensão da pena aplicada o prazo da suspensão condicional é ampliado para prazo variável entre 4 e 6 anos art 77 2º CP 2 pressupostos subjetivos a primariedade em crimes dolosos art 77 I CP b culpabilidade antecedentes conduta social per sonalidade e motivos do agente bem como as circunstâncias do fato indicarem a conveniência da medida art 77 II CP c condenado maior de 70 setenta anos No caso do sursis etário parece indispensável fazer o seguinte co mentário na forma do art 1º da Lei 1074103 Estatuto do Idoso o limite etário de 70 anos deve ser reduzido para 60 anos pela mesma razão que determinou a fixação desse marco etário para definir o ser humano como idoso alterando expressamente a circunstância agravante do art 61 h CP na hipótese de ser vítima de crime e por extensão a circunstância atenuante do art 65 I CP na hipótese de ser autor Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 574 242012 162841 575 Capítulo 21 Substitutivos Penais de crime a analogia in bonam partem é autorizada pelo princípio da legalidade penal e portanto constitui direito do réu14 d Sursis por razões de saúde A suspensão condicional da pena por razões de saúde também chamado sursis humanitário igualmente caracterizada pela maior extensão da pena aplicada e do prazo de sus pensão possui os seguintes pressupostos específicos 1 pressuposto objetivo pena privativa de liberdade aplicada até 4 anos em correspondência com a extensão da pena aplicada o prazo da suspensão condicional é ampliado para prazo variável entre 4 e 6 anos art 77 2º CP 2 pressupostos subjetivos a primariedade em crimes dolo sos art 77 I CP b culpabilidade antecedentes conduta social personalidade e motivos do agente bem como as circunstâncias do fato indicarem a conveniência da medida art 77 II CP c razões de saúde justificantes do substitutivo penal15 No caso do sursis por razões de saúde parece igualmente ne cessário fazer o seguinte comentário a concessão da suspensão con dicional da pena por razões de saúde depende do exame do conceito de saúde definido como completo estado de bemestar físico psíquico e social pela Organização Mundial da Saúde16 Essa definição de saúde permite alguns desdobramentos importantes a o bemestar físico é alterado por doenças corporais em geral sendo suficiente o efeito de reduzir o estado de completude da saúde corporal segundo 14 A literatura brasileira ainda persiste no critério antigo do maior de 70 setenta anos como por exemplo REGIS PRADO Curso de Direito Penal Brasileiro 2004 4a edição v 1 p 645 15 Assim em linhas gerais BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8a edição p 631 16 Ver PEREIRA GOMES Reflexões relativas à suspensão condicional da pena alterações introduzidas pela Lei 971498 in Boletim do IBCCRIM n 75 encarte especial p IV também SILVA FRANCO Código penal e sua interpretação jurisprudencial 2001 7a edição p 1435 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 575 242012 162841 576 Teoria da Pena Capítulo 21 critério judicial de avaliação direta ou mediante perícia médica facul tativa porque a lei não exige sérios problemas de saúde17 não diz ser necessário constituir doença grave18 e menos ainda doença terminal19 e finalmente não exige perícia médica20 como afirmam setores da literatura b o bemestar psíquico é alterado imediatamente por perturbações mentais ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado determinantes do estado de semiimputabilidade penal do condenado com redução de um a dois terços da pena aplicada art 22 parágrafo único CP e mediatamente por qualquer alte ração funcional ou orgânica do aparelho psíquico capaz de reduzir o estado de completude da saúde mental c o bemestar social é afetado por condições sociais adversas de existência do condenado em hipóteses extremas as condições sociais adversas podem excluir ou reduzir a dirigibilidade normativa funcionando como situa ções de exculpação em outras hipóteses podem ser consideradas para efeito de concessão do sursis humanitário como expressão de patologia social Art 77 2º A execução da pena privativa de liberda de não superior a 4 quatro anos poderá ser suspensa por 4 quatro a 6 seis anos desde que o condenado seja maior de 70 setenta anos de idade ou razões de saúde justifiquem a suspensão 17 Sobre isso de modo correto BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8a edição p 631 Contudo condenação superior a quatro anos ainda que o condenado apresente sérios problemas de saúde não será fundamento suficiente por essa previsão legal para concessão de sursis por essa razão 18 Em sentido contrário DOTTI Curso de direito penal parte geral 2001 p 585 19 CAPEZ Curso de direito penal 2002 v 1 p 420 fala em doença terminal 20 DOTTI Curso de direito penal parte geral 2001 p 585 exige perícia médica Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 576 242012 162841 577 Capítulo 21 Substitutivos Penais 2 Pressuposto geral da suspensão condicional da pena Pressuposto geral de concessão da suspensão condicional da pena é a impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade aplicada por penas restritivas de direitos consideradas penas substitu tivas de menor rigor repressivo e portanto de aplicação preferencial art 77 III CP Verificados a princípio os pressupostos de concessão da suspen são condicional da pena juízes e tribunais são obrigados a se pronun ciar motivadamente sobre a concessão ou denegação do benefício art 93 IX CR e art 157 LEP porque o sursis constitui direito subje tivo público do condenado21 sem ignorar a influência do princípio in dubio pro reo pois a certeza dos efeitos danosos da execução da pena prevalece sobre a incerteza do comportamento futuro do beneficiário22 Exceções são as hipóteses de tráfico de drogas e crimes assemelhados art 44 da Lei 1134306 que o legislador excluiu do benefício 3 Condições legais de execução As condições de execução da suspensão condicional da pena são especificadas na sentença criminal concessiva da medida art 78 CP e dependem da natureza do benefício concedido a No sursis comum o beneficiário deve cumprir durante o primeiro ano de execução alternativamente ou a restrição de direitos de pres 21 Assim BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8a edição p 622 também FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 459 n 377 22 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1997 79 I n 4c p 836837 FRISCH Prognoseentscheidungen im Strafrecht 1983 p 4953 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 577 242012 162841 578 Teoria da Pena Capítulo 21 tação de serviços à comunidade ou a de limitação de fim de semana art 78 1º CP art 158 1º LEP Art 78 Durante o prazo da suspensão o condenado ficará sujeito à observação e ao cumprimento das con dições estabelecidas pelo juiz 1º No primeiro ano do prazo deverá o condenado prestar serviços à comunidade art 46 ou submeterse à limitação de fim de semana art 48 b No sursis especial em substituição da prestação de serviços à comunidade ou da limitação de fim de semana do sursis comum o beneficiário deve cumprir as obrigações cumulativas a de proibição de frequentar determinados lugares b de proibição de ausentar se da comarca sem autorização judicial e c de comparecimento mensal em juízo para informar e justificar as atividades realizadas art 78 2º CP c No sursis etário e no sursis por razões de saúde o beneficiário também está sujeito às condições obrigatórias do sursis comum art 78 1º CP ou alternativamente do sursis especial se presentes os pressupostos legais art 78 2º CP além das condições facultativas determinadas pelo juiz art 79 CP obviamente adequadas à situação pessoal do condenado 4 Condições judiciais de execução A suspensão condicional da pena admite condições judiciais de execução determinadas pelo prudente arbítrio do juiz considerando as finalidades políticocriminais do substitutivo penal e a adequação das condições à natureza do fato e à situação pessoal do condenado art 79 CP Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 578 242012 162841 579 Capítulo 21 Substitutivos Penais Art 79 A sentença poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do condenado 5 Modificação das condições de execução As condições de execução da suspensão condicional da pena podem ser modificadas pelo juiz da execução de ofício a reque rimento do Ministério Público ou por proposta do Conselho Pe nitenciário com prévia audiência do condenado art 158 2º LEP A fiscalização do cumprimento das condições da suspensão condicional da pena é atribuição do Serviço Social Penitenciário de Patronatos ou de Conselhos de Comunidade ou ainda das instituições de cumprimento das restrições de direitos no caso de aplicação concreta art 158 3º LEP O beneficiário deverá comparecer à entidade fiscalizadora para comprovar o cumprimento das condições a ocupação e os salários ou proventos de subsistên cia e por seu turno a entidade fiscalizadora comunicará ao juízo da execução todo ato capaz de determinar revogação prorrogação ou modificação das condições da suspensão condicional da pena art 158 4º e 5º LEP Na hipótese de concessão da suspensão condicional da pena ou de modificação das condições anteriores pelo tribunal as condições respectivas ou as novas condições serão fixadas pelo próprio tribu nal que poderá atribuir sua fixação ao juízo da execução responsável pela realização em qualquer hipótese da audiência admonitória do beneficiário art 159 e parágrafos LEP Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 579 242012 162841 580 Teoria da Pena Capítulo 21 6 Formalidades de concessão Transitada em julgado a sentença criminal condenatória con cessiva da suspensão da pena realizase a audiência admonitória com a leitura da sentença condenatória ao condenado a especificação das condições de suspensão da execução da pena e a advertência do beneficiário sobre as consequências de nova infração penal ou de des cumprimento das condições de execução do substitutivo penal Além disso a sentença condenatória com nota específica sobre a suspensão da pena será registrada em livro especial do juízo da execução com averbações marginais sobre revogação do substitutivo ou extinção da pena substituída observado o sigilo do registro e das averbações art 163 LEP Finalmente a eficácia da suspensão condicional da pena depende de aceitação das condições obrigatórias e facultativas da sentença judi cial pelo beneficiário do substitutivo penal Por isso se o condenado regularmente intimado injustificadamente deixar de comparecer à audiência admonitória a suspensão condicional da pena ficará sem efeito e a pena privativa de liberdade será executada art 161 LEP 7 Revogação A revogação da suspensão condicional da pena pode ser obriga tória ou facultativa dependendo do motivo da revogação 1 A revogação obrigatória da suspensão condicional da pena art 81 CP é decretada nas hipóteses a de condenação irrecorrível por crime doloso b de injustificada frustração da pena de multa ou da repara ção do dano e c de descumprimento das obrigações alternativas de prestação de serviços à comunidade ou de limitação de fim de semana Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 580 242012 162841 581 Capítulo 21 Substitutivos Penais Art 81 A suspensão será revogada se no curso do prazo o beneficiário I é condenado em sentença irrecorrível por crime doloso II frustra embora solvente a execução de pena de multa ou não efetua sem motivo justificado a repa ração do dano III descumpre a condição do 1o do art 78 deste Código As hipóteses referidas nos incisos I e II do art 81 CP requerem alguns esclarecimentos a no caso do inciso I a condenação do beneficiário a pena de multa ainda que irrecorrível e por crime doloso não determina a revogação do sursis pois se a condenação a pena de multa não exclui a concessão então não pode determinar a revogação da suspensão con dicional da pena23 b no caso do inciso II apenas a injustificada falta de reparação do dano por beneficiário solvente determina a revogação obrigatória do sursis porque a pena de multa após o trânsito em julgado da sentença condenatória transformase em dívida de valor art 51 CP com a redação da Lei 926896 e como tal é objeto exclusivo de ação de execução civil a pena de multa perdeu a anterior capacidade direta de conversão em privação de liberdade e portanto não pode ter o efeito indireto de conversão em prisão por revogação obrigatória da suspensão condicional da pena24 23 Assim também BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8ª edição p 634 24 Nesse sentido também FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 465 n 381 BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8ª edição p 634 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 581 242012 162841 582 Teoria da Pena Capítulo 21 2 A revogação facultativa da suspensão condicional da pena art 81 1º CP pode ocorrer nas hipóteses a de descumprimento de outras condições especificadas na sentença condenatória conces siva do sursis e b de condenação irrecorrível a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos por crime imprudente ou por contravenção Art 81 1º A suspensão poderá ser revogada se o condenado descumpre qualquer outra condição imposta ou é irrecorrivelmente condenado por crime culposo ou por contravenção a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos 8 Prorrogação do prazo O prazo de execução da suspensão condicional da pena é prorroga do obrigatoriamente até decisão final definitiva na hipótese de processo criminal ou contravencional contra o beneficiário art 81 2º CP Art 81 2º Se o beneficiário está sendo proces sado por outro crime ou contravenção considerase prorrogado o prazo da suspensão até o julgamento definitivo Alternativamente a prorrogação do prazo de execução até o máximo se não fixado anteriormente pode evitar a revogação fa cultativa da suspensão condicional da pena Art 81 3º Quando facultativa a revogação o juiz pode ao invés de decretála prorrogar o período de prova até o máximo se este não foi o fixado Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 582 242012 162841 583 Capítulo 21 Substitutivos Penais 9 Extinção da pena A extinção da pena privativa de liberdade substituída é a con sequência do cumprimento da suspensão condicional da pena nas condições especificadas e dentro do prazo determinado com a reali zação dos objetivos políticocriminais esperados de excluir os efeitos negativos da prisão e contribuir para a integração social do condenado art 82 CP Art 82 Expirado o prazo sem que tenha havido revogação considerase extinta a pena privativa de liberdade B Livramento condicional O livramento condicional constitui a fase final não institu cionalizada de execução da pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 anos com o objetivo de reduzir os malefícios da prisão e promover a reinserção social do condenado concedido pelo juiz da execução penal em decisão motivada precedida de manifes tação do Ministério Público e da Defesa art 81 CP e art 112 1º LEP25 Assim o livramento condicional introduz mudanças na execução da pena consistentes na transição da execução insti tucionalizada para a execução em liberdade da pena privativa de liberdade aplicada26 25 Ver BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8a edição p 641 26 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1997 79 II n 1 p 849 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 583 242012 162841 584 Teoria da Pena Capítulo 21 1 Espécies de livramento condicional A lei penal brasileira prevê três modalidades de livramento con dicional determinadas pelo tempo de execução da pena privativa de liberdade aplicada art 83 I II e V CP a o livramento condicional especial após execução de um terço da pena aplicada b o livramento condicional ordinário após execução de metade da pena aplicada c o livramento condicional extraordinário após execução de dois terços da pena aplicada Art 83 O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 dois anos desde que I cumprida mais de um terço da pena se o condenado não for reincidente em crime doloso e tiver bons antecedentes II cumprida mais da metade se o condenado for rein cidente em crime doloso III comprovado comportamento satisfatório durante a execução da pena bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e aptidão para própria subsistência mediante trabalho honesto IV tenha reparado salvo efetiva impossibilidade de fazêlo o dano causado pela infração V cumprido mais de dois terços da pena nos casos de condenação por crime hediondo prática da tortura trá fico ilícito de entorpecentes e drogas afins e terrorismo se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 584 242012 162841 585 Capítulo 21 Substitutivos Penais Parágrafo único Para o condenado por crime doloso cometido com violência ou grave ameaça à pessoa a concessão do livramento ficará também subordinada à constatação de condições pessoais que façam presumir que o liberado não voltará a delinquir 2 Pressupostos do livramento condicional Vêse que a concessão do livramento condicional depende de pressupostos gerais e de pressupostos específicos definidos na lei penal 21 Pressupostos gerais Os pressupostos gerais do livramento condicional podem ser objetivos e subjetivos como indicado a os pressupostos gerais objetivos são os seguintes 1 aplicação de pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 anos art 83 CP 2 reparação do dano produzido pelo crime exceto impossibilidade pessoal art 83 IV CP b os pressupostos gerais subjetivos são os seguintes 1 compor tamento satisfatório durante a execução institucionalizada da pena 2 bom desempenho no trabalho atribuído 3 capacidade de subsis tência em atividade lícita no mercado de trabalho art 83 III CP 4 no caso de condenado por crime realizado com violência pessoal real ou ameaçada comprovação complementar de condições pessoais justificadoras da presunção negativa de reincidência O comportamento satisfatório e o bom desempenho no trabalho durante a execução institucionalizada da pena são duplamente subjeti Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 585 242012 162842 586 Teoria da Pena Capítulo 21 vos subjetivos em relação ao beneficiário sujeito do comportamento e do desempenho no trabalho e subjetivos em relação à autoridade da prisão sujeito da avaliação do comportamento satisfatório e do bom desempenho no trabalho durante a execução da pena na prática uma fonte de arbítrio incontrolável No caso de condenados por crime realizado com violência pesso al real ou ameaçada a concessão do livramento condicional depende de prognose de comportamento legal futuro do beneficiário como presunção negativa de reincidência criminal Mas é preciso lembrar que a prognose de comportamento legal não significa nenhum juízo de elevada probabilidade de comportamento futuro livre de crimes nem exige exame criminológico hoje mera faculdade judicial27 ao contrário a doutrina atual aconselha a concessão do benefício fundada em razões de prevenção especial mesmo na hipótese de dúvida sobre a possibilidade de reincidência com plena aplicação do princípio in dubio pro reo pois a certeza dos efeitos danosos da prisão prevalece sobre inevitáveis dúvidas em relação ao comportamento futuro do beneficiário28 22 Pressupostos específicos Os pressupostos específicos do livramento condicional têm por objeto as espécies de livramento condicional assim indicados a o livramento condicional especial pressupõe 1 execução de um terço da pena privativa de liberdade aplicada 2 primariedade em crime doloso e 3 bons antecedentes 27 Assim decisão do Superior Tribunal de Justiça RHC 15263PR 5ª Turma DJ 07062004 Rel Min FELIX FISCHER 28 Nesse sentido JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1997 79 I n 4c p 836837 e II n 4 p 851 FRISCH Dogmatische Grundlagen der bedingten Entlassung ZStW 102 1990 p 721 e 736739 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 586 242012 162842 587 Capítulo 21 Substitutivos Penais b o livramento condicional ordinário pressupõe 1 execução de metade da pena privativa de liberdade aplicada e 2 reincidência em crime doloso c o livramento condicional extraordinário pressupõe 1 exe cução de dois terços da pena 2 condenação por crime hediondo prática de tortura tráfico de drogas e terrorismo e 3 ausência de reincidência específica nesses crimes 1 Os conceitos de primariedade e de reincidência possuem estrutura técnica precisa mas o conceito de bons antecedentes do livramento con dicional especial também precisa ser analisado na ótica das alternativas da prática judicial a a posição tradicional considera maus anteceden tes a existência de inquéritos de processos criminais de absolvições por falta de provas de extinção do processo por prescrição abstrata retroativa ou intercorrente e de condenação criminal sem trânsito em julgado29 b a posição crítica considera maus antecedentes somente condenações criminais definitivas anteriores que não configurem rein cidência excluindo outras hipóteses a teoria mais compatível com o princípio da presunção de inocência art 5o LVII CR30 2 Por outro lado a literatura é imprecisa sobre o momento de existência dos bons antecedentes exigidos pela lei a deveriam ser contemporâneos ao crime e reconhecidos na sentença segundo FRAGOSO31 b pode riam ser posteriores ao crime mas anteriores ao início da pena segundo BITENCOURT32 Ambas posições parecem criticáveis porque o 29 Comparar FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 8385 30 Nesse sentido BOSCHI Das penas e seus critérios de aplicação 2000 p 208 BUENO DE CARVALHO e CARVALHO Aplicação da pena e garantismo 2002 2a edição p 4950 31 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 16a edição p 477 n 389 Os bons antecedentes que a lei exige devem ter ocorrido na época do crime e devem estar reconhecidos pela sentença 32 BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8a edição p 649 Devem ser considerados antecedentes para essa finalidade aqueles fatos ocorridos antes do início do cumprimento da pena mesmo que tenham ocorrido após o fato delituoso que deu origem à prisão Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 587 242012 162842 588 Teoria da Pena Capítulo 21 conceito de antecedentes tem por objeto de referência o fato punível e portanto segundo o Direito Penal do fato designa exclusivamente acontecimentos anteriores ao crime 3 A validade de maus antecedentes é limitada ao prazo de 5 anos por aplicação analógica do prazo de validade da reincidência art 64 I CP afinal seria inconcebível limitar o prazo de validade da reincidência e atribuir validade ilimitada aos maus antecedentes33 4 Na hipótese de penas privativas de liberdade por infrações penais diversas admitese a soma das penas para concessão do benefício Art 84 As penas que correspondem a infrações diversas devem somarse para efeito do livramento 5 O livramento condicional também constitui direito subjetivo público do condenado obrigando o juiz da execução penal a se pronunciar motivadamente sobre a concessão ou denegação do benefício caracteri zados seus pressupostos legais34 igualmente sem ignorar a influência decisiva do princípio in dubio pro reo pois nenhuma incerteza sobre o comportamento futuro do beneficiário pode prevalecer sobre a certeza dos efeitos danosos da prisão35 3 Condições de execução As condições de execução do livramento condicional são fixadas pelo juiz da execução na decisão concessiva do benefício art 85 CP 33 Assim BOSCHI Das penas e seus critérios de aplicação 2000 p 208 BUENO DE CARVALHO e CARVALHO Aplicação da pena e garantismo 2002 2a edição p 4950 34 Nesse sentido também FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 16a edição p 481 n 391 35 FRISCH Dogmatische Grundlagen der bedingten Entlassung in ZStW 102 1990 p 721 e 736739 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1997 79 I n 4c p 836837 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 588 242012 162842 589 Capítulo 21 Substitutivos Penais e art 132 LEP e podem ser classificadas em obrigatórias e facultativas assim definidas 1 As condições obrigatórias do livramento condicional são as seguintes a obter em prazo razoável ocupação lícita b comunicar ao juiz da execução periodicamente a ocupação c não se mudar do território da comarca da execução do livramento condicional sem autorização judicial art 132 1o LEP 2 As condições facultativas do livramento condicional são as seguintes a não mudar de residência sem comunicação ao juiz da execução e à autoridade responsável pela observação cautelar e proteção b re colhimento à habitação em horário fixado c não frequentar lugares determinados na decisão concessiva art 132 2 LEP Art 85 A sentença especificará as condições a que fica subordinado o livramento As condições de execução do livramento condicional podem ser modificadas pelo juiz da execução de ofício a requerimento do Mi nistério Público ou representação do Conselho Penitenciário ouvido o liberado art 144 LEP Durante o prazo do livramento condicional o condenado é submetido à observação cautelar e proteção do Serviço Social Penitenciário de Patronatos ou de Conselhos de Comunidade com a finalidade explícita de garantir o cumprimento das condições e de proteger o liberado através de orientação e auxílio art 139 LEP 4 Formalidades de concessão A concessão do livramento condicional ocorre em solenidade no estabelecimento de execução da pena com a leitura da sentença concessiva perante o liberando e demais condenados enfatizandose as condições de execução especificadas na sentença que deverão ser Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 589 242012 162842 590 Teoria da Pena Capítulo 21 formalmente aceitas pelo beneficiário lavrandose termo em livro próprio subscrito pelo presidente da cerimônia e pelo liberando com a expedição final da carta de livramento com cópia integral da sentença respectiva arts 136 e 137 LEP Em seguida o liberando recebe o saldo do pecúlio seus pertences pessoais e a caderneta de libe rado condicional com sua identificação o texto impresso do capítulo sobre o livramento condicional as condições impostas na sentença concessiva e espaço para registro do cumprimento das condições art 138 LEP 5 Revogação O livramento condicional pode ser revogado pelo juiz da execu ção de ofício a requerimento do Ministério Público ou representação do Conselho Penitenciário ouvido o liberado art 143 LEP A lei penal define condutas ou fatos determinantes de revogação obrigatória ou facultativa do benefício dependendo da natureza do fundamento da revogação 1 A revogação obrigatória do livramento condicional ocorre na hi pótese de condenação irrecorrível a pena privativa de liberdade por crime cometido durante ou anterior ao livramento condicional com as seguintes consequências art 86 III CP a se por crime anterior ao livramento condicional o período de prova é computado no tempo de cumprimento da pena com a possibilidade de soma das penas para nova concessão do benefício art 141 LEP b se por crime cometido durante o livramento condicional o período de prova não é computado no tempo de cumprimento da pena privativa de liberdade e não é possível nova concessão do benefício pela mesma pena art 142 LEP Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 590 242012 162842 591 Capítulo 21 Substitutivos Penais Art 86 Revogase o livramento se o liberado vem a ser condenado a pena privativa de liberdade em sentença irrecorrível I por crime cometido durante a vigência do benefício II por crime anterior observado o disposto no art 84 deste Código 2 A revogação facultativa do livramento condicional pode ocorrer nas hipóteses a de descumprimento de condições da sentença concessiva do livramento e b de condenação irrecorrível a pena não privativa de liberdade por crime ou contravenção art 87 CP Nesses casos se o juiz da execução não revogar o livramento condicional poderá advertir o liberado ou agravar as condições do livramento condicional art 140 parágrafo único LEP Art 87 O juiz poderá também revogar o livramento se o liberado deixar de cumprir qualquer das obrigações constantes da sentença ou for irrecorrivelmente conde nado por crime ou contravenção a pena que não seja privativa de liberdade 6 Efeitos da revogação A revogação obrigatória ou facultativa do livramento condicional com exceção de revogação por crime anterior à concessão do bene fício art 86 II CP exclui nova concessão do substitutivo penal e impede a computação do período de prova no tempo de cumprimento da pena aplicada com a consequência de execução institucionalizada integral da pena privativa de liberdade art 88 CP Art 88 Revogado o livramento não poderá ser nova mente concedido e salvo quando a revogação resulta de Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 591 242012 162842 592 Teoria da Pena Capítulo 21 condenação por outro crime anterior àquele benefício não se desconta na pena o tempo em que esteve solto o condenado Contudo na hipótese de infração penal cometida durante o período de execução do livramento condicional admitese a suspensão do benefício ouvido o Conselho Penitenciário e o Ministério Público com a revogação subordinada ao trânsito em julgado da decisão final no processo respectivo antes da qual não poderá ser declarada extinta a pena art 89 CP art 145 LEP Art 89 O juiz não poderá declarar extinta a pena enquanto não passar em julgado a sentença em processo a que responde o liberado por crime cometido durante a vigência do livramento 7 Extinção da pena Expirado sem revogação o prazo do livramento condicional extinguese a pena privativa de liberdade aplicada cumprindose os objetivos políticocriminais explícitos do substitutivo penal A declara ção judicial de extinção da pena é de competência do juiz da execução de ofício ou por iniciativa do interessado do Ministério Público ou do Conselho Penitenciário art 90 CP art 146 LEP Art 90 Se até o seu término o livramento não é revogado considerase extinta a pena privativa de liberdade Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 592 242012 162842 593 Capítulo 21 Substitutivos Penais C Os substitutivos penais da Lei 909995 a transação penal e a suspensão condicional do processo A Lei 909995 instituiu os Juizados Especiais Criminais com competência para julgar contravenções e crimes com pena máxima abstrata privativa de liberdade até 2 anos após o advento da Lei 1025901 criando uma causa de extinção da punibilidade e dois substitutivos penais assim definidos a a conciliação judicial entre autor e vítima nas hipóteses de ação penal privada ou de ação penal pública condicionada à represen tação constitui causa de extinção da punibilidade do fato arts 7274 da Lei 909995 b a transação penal entre Ministério Público e autor nas hipó teses de ação penal pública condicionada ou incondicionada constitui substitutivo penal art 76 e parágrafos da Lei 909995 c a suspensão condicional do processo em crimes com pena mínima cominada até 1 ano de privação de liberdade dentro ou fora da competência dos Juizados Especiais Criminais também constitui substitutivo penal art 89 e parágrafos da Lei 909995 Assim a conciliação entre autor e vítima em ações penais pri vadas ou ações penais públicas condicionadas à representação com composição dos danos civis homologada pelo juiz não é simples substitutivo penal mas sentença irrecorrível com eficácia de título executável no juízo cível art 74 da Lei 909995 determinando renúncia ao direito de queixa ou de representação art 74 pará grafo único da Lei 909995 logo extingue a punibilidade da infração penal Todavia a transação penal e a suspensão condicional do processo constituem verdadeiros substitutivos penais a seguir estudados Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 593 242012 162842 594 Teoria da Pena Capítulo 21 1 Transação penal 11 Conceito A transação penal é o ato jurídico processual pelo qual o Minis tério Público em hipóteses de ação penal pública condicionada após frustrada a conciliação ou de ação penal pública incondicionada e se não for caso de arquivamento propõe ao autor da infração e seu defensor a imediata aplicação de pena restritiva de direitos ou multa de natureza substitutiva da pena privativa de liberdade abstrata até 2 anos art 76 e parágrafos da Lei 909995 Art 76 Havendo representação ou tratandose de crime de ação penal pública incondicionada não sendo caso de arquivamento o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas a ser especificada na proposta 12 Requisitos da transação penal Os requisitos exigidos para a transação penal são de natureza penal e processual penal e podem ser classificados em positivos e negativos conforme admitam ou excluam o substitutivo penal 121 Requisitos positivos Os requisitos positivos da transação penal têm por objeto a extensão da pena privativa de liberdade cominada ao crime e a natureza da ação penal assim definidos a pena máxima cominada até 2 anos de privação de liberdade b crime de ação penal pública condicionada ou incondicionada a Pena máxima cominada até 2 anos de privação de liber dade A pena máxima cominada igual ou inferior a 2 anos de pri vação de liberdade define as infrações de menor potencial ofensivo de Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 594 242012 162842 595 Capítulo 21 Substitutivos Penais competência dos Juizados Especiais Criminais instituídos pela Lei 909995 e ampliados pela Lei 1025901 que podem ser objeto de transação penal b Crime de ação penal pública O crime objeto da transação penal deve ser de natureza pública incondicionada ou condicionada nesse caso com a necessária representação da vítima ou representante legal Não obstante a jurisprudência tem admitido transação penal em ações penais privadas 122 Requisitos negativos Os requisitos negativos da transação penal determinam a exclusão do substitutivo penal com imediata proposição da ação penal e estão expressamente definidos em lei a Condenação definitiva do autor a pena privativa de liber dade por crime A exigência legal desdobrase em três aspectos prin cipais 1 a sentença condenatória anterior deve ser definitiva ou seja não pode mais ser modificada por meio de recursos 2 a condenação deve ser a pena privativa de liberdade ou seja a pena de multa ou a substituição da pena privativa de liberdade aplicada por pena restritiva de direitos não exclui a transação penal 3 a condenação anterior deve ser por crime e portanto condenação por contravenção não exclui a transação penal Em qualquer caso a condenação definitiva anterior a pena privativa de liberdade por crime não exclui o benefício após o decurso do prazo de 5 anos entre o cumprimento ou extinção da pena e o crime objeto de transação porque se a reincidência prescreve em 5 anos art 64 I CP então obstáculo fundado na reincidência não pode prevalecer após esse prazo b Obtenção de igual benefício nos últimos 5 anos pelo acusado O prazo de 5 anos definido pelo legislador como prazo de prescrição da reincidência criminal art 64 CP também exclui os efeitos impeditivos da transação penal anterior c Os antecedentes a conduta social e a personalidade do autor além dos motivos e circunstâncias do fato contraindicarem a necessidade e suficiência da medida A transação penal não exige Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 595 242012 162842 596 Teoria da Pena Capítulo 21 que os antecedentes a conduta social a personalidade do agente os motivos e circunstâncias do fato indiquem a necessidade e suficiência da medida no sentido de fundamentarem uma prognose favorável à transação penal pelo contrário basta a neutralidade desses elemen tos de modo que a exclusão da transação penal pressupõe prognose desfavorável fundada naqueles elementos ou seja aqueles elemen tos devem contraindicar a necessidade e a suficiência da medida para excluir a transação penal Por outro lado o conteúdo desses conceitos deve ser definido na ótica crítica descrita no capítulo sobre aplicação da pena por exemplo somente podem ser considerados maus antecedentes as condenações cri minais definitivas anteriores que não configurem reincidência porque o princípio da presunção de inocência exclui todas as outras hipóteses art 5º LVII CR36 Finalmente e de novo contrariando tendência repressiva da literatura penal brasileira37 a avaliação dos antecedentes da conduta social da personalidade do agente dos motivos e das circunstâncias do fato na transação penal que devem fundamentar prognose desfa vorável para excluir o substitutivo penal é decidida pelo princípio in dubio pro reo que autoriza a transação penal mesmo em face de incerteza sobre o comportamento futuro do acusado com maior razão ainda do que no sursis benefício fundado em prognose favorável daquelas circunstâncias38 36 Assim BOSCHI Das penas e seus critérios de aplicação 2000 p 208 BUENO DE CARVALHO e CARVALHO Aplicação da pena e garantismo 2002 2a edição p 4950 37 Ver por exemplo BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8a edição p 586 No entanto considerando o grande alcance desse novo instituto deve se agir com mais cautela na análise desse requisito como aconselha Jescheck o risco a assumir nessas hipóteses deve ser prudencial e diante de sérias dúvidas recomenda sua não concessão 38 Nesse sentido FRISCH Prognoseentscheidungen im Strafrecht 1983 p 4953 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1997 79 I n 4c p 836837 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 596 242012 162842 597 Capítulo 21 Substitutivos Penais d Rejeição da transação pelo acusado ou defensor A transação penal constitui ato jurídico processual de negociação entre o Ministério Público e o autor da infração penal cuja validade é excluída por quais quer vícios ou defeitos que determinam nulidade ou anulabilidade dos atos jurídicos em geral O ato consensual da transação penal pressupõe a aceitação do acusado e do defensor do acusado como manifestação de vontade livre e consciente de ambos no sentido de vontade não viciada por erro dolo coação simulação ou fraude 2º art 76 Não se admitirá a proposta se ficar comprovado I ter sido o autor da infração condenado pela prática de crime a pena privativa de liberdade por sentença definitiva II ter sido o agente beneficiado anteriormente no prazo de 5 cinco anos pela aplicação de pena restritiva ou multa nos termos deste artigo III não indicarem os antecedentes a conduta social e a personalidade do agente bem como os motivos e as circunstâncias ser necessária e suficiente a adoção da medida 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor será submetida à apreciação do juiz 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração o juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa que não importará em reincidên cia sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de 5 cinco anos Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 597 242012 162842 598 Teoria da Pena Capítulo 21 13 Consequências jurídicas da transação penal Cumprida a pena restritiva de direitos ou paga a pena de multa aplicadas na transação em substituição da pena privativa de liberdade abstrata até 2 anos extinguese a punibilidade da infração penal Mas existe controvérsia sobre as consequências do descumprimento da pena restritiva de direitos ou da falta de pagamento da pena de multa aplicadas na transação com duas posições na prática forense a a posição dominante opta pela revogação do benefício e ofe recimento de denúncia em atenção ao princípio do devido processo legal em especial aos princípios do contraditório e da ampla defesa conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal b a posição minoritária opta pela imediata conversão em priva ção de liberdade orientação inconstitucional pois não existe pena privativa de liberdade aplicada segundo o processo legal devido ou seja com observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa além disso na hipótese de revogação por falta de pagamento da pena de multa o art 51 CP com a redação da Lei 926896 considera a pena de multa após trânsito em julgado da sentença condenatória mera dívida de valor excluindo a antiga conversão legal em privação da liberdade e portanto revogando o art 85 da Lei 909995 2 Suspensão condicional do processo 21 Conceito A suspensão condicional do processo é o ato jurídico processual pelo qual o Ministério Público no momento de oferecimento da denúncia segundo a literalidade da lei ou até a publicação da sentença segundo a prática forense generalizada após frustradas a tentativa Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 598 242012 162842 599 Capítulo 21 Substitutivos Penais de conciliação extintiva da punibilidade e a tentativa de transação substitutiva da pena propõe a suspensão condicional do processo pelo prazo de 2 a 4 anos em crimes com pena mínima cominada até 1 ano dentro ou fora da competência dos Juizados Especiais Criminais art 89 da Lei 90999539 A suspensão condicional do processo tem pressupostos de con cessão condições de execução e causas de revogação obrigatórias e facultativas 22 Pressupostos de concessão Os pressupostos de concessão da suspensão condicional do pro cesso examinados isoladamente a seguir são definidos pela lei art 89 e parágrafo único da Lei 909995 a crimes com pena mínima cominada igual ou inferior a 1 ano b ausência de processo criminal ou de condenação por outro crime c requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena d aceitação da suspensão condicional do processo pelo acusado e seu defensor art 89 da Lei 909995 a Crimes com pena mínima cominada igual ou inferior a 1 ano O substitutivo penal é generoso pois abrange a maioria dos fatos puníveis definidos na lei penal cuja pena mínima abstrata é igual ou inferior a 1 ano incluindo homicídio culposo exceto na direção de veículo automotor definido no CTB lesões corporais graves omissão de socorro furto simples estelionato apropriação indébita falsidade ideológica prevaricação etc No caso de tentativa ainda pode atingir crimes com pena mínima superior a 1 ano se a redução máxima de 23 dois terços permitida pela tentativa determinar pena mínima abstrata dentro do limite legal de 1 ano 39 Ver MESTIERI Manual de direito penal parte geral 1999 v 1 p 297298 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 599 242012 162842 600 Teoria da Pena Capítulo 21 A suspensão condicional do processo constitui instrumento redutor da predação social inútil promovida pela pena criminal beneficiando especialmente segmentos subalternos e humildes da população bra sileira valoriza a constatação criminológica de que as vítimas dessa criminalidade miúda estão mais interessadas em ressarcimento do dano do que em punições resolve conflitos humanos pela técnica civilizada do consenso evitando a repressão institucional de sujeitos punidos por condições sociais adversas contribui para despenalizar conflitos sociais através da desprocessualização de litígios humanos enfim realiza parcialmente o ideal do Direito Penal mínimo mediante necessária despenalização que deve ser estimulada e não temida40 na senda utópica de descobrir qualquer coisa melhor do que o Direito Penal segundo RADBRUCH41 b Ausência de processo criminal ou de condenação por outro crime contra o acusado Aqui é preciso esclarecer o seguinte pri meiro a condição legal não fere a presunção de inocência porque ser acusado ou condenado não é idêntico a ser considerado culpado vedado pelo princípio segundo o verbo no particípio passado não esteja sendo processado contém implícito o adjetivo criminal pela vinculação por conjunção alternativa com a segunda parte da oração ou não tenha sido condenado por outro crime art 89 da Lei 909995 terceiro a eficácia da condenação por outro crime não pode ultrapassar o prazo de 5 anos de prescrição da reincidência criminal Logo dúvidas da literatura sobre essas questões parecem inconsistentes42 40 É injustificada a preocupação com despenalização maciça expressa por penalistas de incontestável orientação democrática como BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8a edição p 600601 41 RADBRUCH Filosofia do direito Coimbra Armênio Amado Editor 1961 v II p 97 42 Comparar BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8a edição p 601603 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 600 242012 162842 601 Capítulo 21 Substitutivos Penais c Requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena A maioria dos requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena é inaplicável à suspensão condicional do processo por contradição direta com seus pressupostos43 e portanto deve ser desconsiderada conforme demonstrado 1 a suspensão condicional da pena tem por objeto penas pri vativas de liberdade aplicadas até 2 anos enquanto a suspensão condicional do processo tem por objeto crimes com pena mínima privativa de liberdade cominada até 1 ano 2 a exigência de beneficiário não reincidente em crime doloso da suspensão condicional da pena é menor do que o pressuposto de ausência de processo criminal ou de condenação por outro crime da suspensão condicional do processo 3 a possibilidade de aplicação de pena restritiva de direitos exclui a suspensão condicional da pena porque é mais favorável ao condenado mas constitui pena criminal mais grave do que a suspensão condicional do processo que exclui a aplicação de qualquer pena 4 finalmente o único requisito da suspensão condicional da pena aplicável à suspensão condicional do processo a culpabilidade os antecedentes a personalidade a conduta social os motivos e as circunstâncias do fato mas o conteúdo desses conceitos deve ser definido na perspectiva crítica desenhada no estudo das circunstâncias judiciais no processo de aplicação da pena ver Aplicação da pena aci ma A questão dos antecedentes precisa ser especialmente examinada na ótica das alternativas da prática judicial a a posição tradicional considera maus antecedentes a existência de inquéritos de processos criminais de absolvições por falta de provas de extinção do processo por prescrição abstrata retroativa ou intercorrente e de condenação criminal sem trânsito em julgado b a posição crítica considera maus 43 Ver a crítica de BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8a edição p 605608 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 601 242012 162843 602 Teoria da Pena Capítulo 21 antecedentes somente condenações criminais definitivas anteriores que não configurem reincidência excluindo outras hipóteses a teoria mais compatível com o princípio da presunção de inocência art 5º LVII CR que informa todas as situações processuais anteriores ao trânsito em julgado de sentença criminal condenatória44 Art 89 Nos crimes em que a pena mínima comina da for igual ou inferior a 1 um ano abrangidas ou não por esta Lei o Ministério Público ao oferecer a denúncia poderá propor a suspensão do processo por 2 dois a 4 quatro anos desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime presentes os demais requisitos que au torizariam a suspensão condicional da pena art 77 do Código Penal 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo o processo prosseguirá em seus ulteriores termos 23 Condições de execução As condições de execução da suspensão condicional do processo podem ser legais e judiciais conforme sejam determinadas pela lei ou especificadas pelo juiz a As condições de execução legais são as seguintes a reparação do dano resultante do crime salvo impossibilidade b proibição de frequen tar determinados lugares c proibição de ausentarse da comarca de resi 44 Nesse sentido BOSCHI Das penas e seus critérios de aplicação 2000 p 208 também BUENO DE CARVALHO e CARVALHO Aplicação da pena e garantismo 2002 2a edição p 4950 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 602 242012 162843 603 Capítulo 21 Substitutivos Penais dência sem autorização judicial d informação e justificação pessoal e mensal das atividades em juízo art 89 1º da Lei 909995 Art 89 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu de fensor na presença do juiz este recebendo a denúncia poderá suspender o processo submetendo o acusado a período de prova sob as seguintes condições I reparação do dano salvo impossibilidade de fazêlo II proibição de frequentar determinados lugares III proibição de ausentarse da comarca onde reside sem autorização do juiz IV comparecimento pessoal e obrigatório a juízo men salmente para informar e justificar suas atividades b As condições de execução judiciais são especificadas pelo juiz na suspensão condicional do processo e devem ser adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado art 89 2º da Lei 909995 Art 89 2º O juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão desde que adequa das ao fato e à situação pessoal do acusado 24 Revogação A revogação da suspensão condicional do processo assim como ocorre com outros substitutivos penais pode ser obrigatória ou fa cultativa 1 A revogação obrigatória ocorre nas hipóteses a de processo por outro crime no curso do prazo de execução e b de injustificada falta de reparação do dano resultante do crime art 89 3º da Lei 909995 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 603 242012 162843 604 Teoria da Pena Capítulo 21 Art 89 3º A suspensão será revogada se no curso do prazo o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar sem motivo justificado a repa ração do dano 2 A revogação facultativa pode ocorrer nas hipóteses a de processo por contravenção no curso do prazo de execução e b de descum primento de qualquer outra condição de execução imposta art 89 4º da Lei 909995 Art 89 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado no curso do prazo por contravenção ou descumprir qualquer outra condição imposta 25 Extinção da pena A extinção da punibilidade por suspensão condicional do processo ocorre pelo decurso do período de prova sem revogação do substitutivo penal mediante declaração judicial art 89 5º da Lei 909995 Art 89 5º Expirado o prazo sem revogação o juiz declarará extinta a punibilidade Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 604 242012 162843 605 Capítulo 22 medidaS de SeguraNça I As vias alternativas do Direito Penal brasileiro O Estado pretende cumprir a tarefa de proteger a comunidade e o cidadão contra fatos puníveis utilizando instrumentos legais al ternativos a penas criminais fundadas na culpabilidade do autor b medidas de segurança fundadas na periculosidade do autor1 A utilização alternativa de penas criminais ou de medidas de segurança para controle social de fatos definidos como crimes constitui o sistema dualista alter nativo do Direito Penal2 ou penas criminais ou medidas de segurança excluída a aplicação simultânea de penas criminais e de medidas de segurança própria do sistema dualista cumulativo também conhecido como sistema do duplo binário vigente na lei penal anterior3 Ao contrário da natureza retributiva das penas criminais fun dadas na culpabilidade do fato passado as medidas de segurança con cebidas como instrumentos de proteção social e de terapia individual ou como medidas de natureza preventiva e assistencial segundo a interpretação paralela do legislador4 são fundadas na periculosidade de autores inimputáveis de fatos definidos como crimes com o obje 1 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 77 I p 802803 WELZEL Strafrecht 1969 11a edição 32 III p 244 2 Ver NAUCKE Strafrecht 2000 9a edição p 96 n 26 III também GROPP Strafrecht 2001 n 53 p 61 3 Comparar FÖPPEL EL HIRECHE A função da pena na visão de Claus Roxin 2004 p 9194 4 Ver Exposição de Motivos do Código Penal n 87 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 605 242012 162843 606 Teoria da Pena Capítulo 22 tivo de prevenir a prática de fatos puníveis futuros5 Assim a estrutura dualista alternativa do Direito Penal erigese sobre duas correlações a a correlação culpabilidadepena fundada no passado b a correlação periculosidademedida de segurança dirigida para o futuro6 Entretanto os sistemas dualistas alternativos e cumulativos parecem imersos em crise irremediável e não somente nem princi palmente por causa da correlação culpabilidadepena do conceito de fato punível II Crise das medidas de segurança As medidas de segurança detentivas ou estacionárias e restriti vas ou ambulantes possuem idênticos fundamentos metodológicos a previsão de crimes futuros fundada na periculosidade do autor b eficácia das medidas de segurança para evitar crimes futuros A crise das medidas de segurança decorre da inconsistência desses fundamentos primeiro nenhum método científico permite prever o comportamento futuro de ninguém segundo a capacidade da medida de segurança para transformar condutas antissociais de inimputáveis em condutas ajustadas de imputáveis não está demonstrada7 O problema começa com a falta de credibilidade do prognós tico de periculosidade criminal se a medida de segurança pressupõe prognóstico de comportamento criminoso futuro então inconfiáveis 5 WELZEL Strafrecht 1969 11a edição 32 III p 263 6 NAUCKE Strafrecht 2000 9a edição n 26 III p 96 7 Nesse sentido JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 77 I p 805 FRISCH Prognoseentscheidungen in der strafrechtlichem Praxis 1994 p 34 s KAISER Befinden sich die kriminalrechtlichen Massregeln in der Krise 1990 p 16 do mesmo Kriminologie 1993 9a edição p 555570 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 606 242012 162843 607 Capítulo 22 Medidas de Segurança prognósticos psiquiátricos produzem consequências destruidoras porque podem determinar internações perpétuas em condições gerais ainda piores do que as da execução penal8 Na verdade parece comprovada a tendência de supervalorização da periculosidade criminal no exame psiquiátrico com inevitável prognóstico negativo do inimputável9 assim como por outro lado parece óbvia a confiança ingênua dos operadores jurídicos na capacidade do psiquiatra de prever comporta mentos futuros de pessoas consideradas inimputáveis ou de determinar e quantificar a periculosidade de seres humanos10 Em resumo a crise das medidas de segurança estacionárias é a crise da prognose de periculosidade e da eficácia da internação para transformar condutas ilegais de inimputáveis em condutas legais de imputáveis A inconsistência desses pressupostos explica a convicção generalizada sobre a necessidade de redução radical das medidas de segurança estacionárias11 Assim por exemplo a prognose de crimes de bagatela ou de crimes patrimoniais não violentos não justificaria a aplicação de medida de segurança privativa de liberdade12 igualmen te a prognose de crimes futuros indeterminados ou de crimes futuros possíveis não legitimaria a internação compulsória em instituições psiquiátricas13 Em todos esses casos a aplicação de medida de segu rança estacionária infringe o princípio da proporcionalidade porque não têm relação nem com o tipo de injusto realizado nem com a objetividade da prognose de fatos criminosos futuros14 ao contrário somente a probabilidade de fatos puníveis relevantes caracterizados por violência 8 KAISER Kriminologie 1993 9a edição p 569 9 KAISER Kriminologie 1993 9a edição p 569 10 KAISER Kriminologie 1993 9a edição p 569 11 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 77 I p 805 12 Nesse sentido a jurisprudência atual dos Tribunais alemães cf JESCHECK WEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 77 I nota 16 p 805 13 DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch und Nebengesetze 1995 47a edição 61 3 14 Ver WELZEL Strafrecht 1969 11a edição 35 p 263 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 607 242012 162843 608 Teoria da Pena Capítulo 22 ou ameaça de violência contra a pessoa poderia justificar a aplicação de medidas de segurança privativas de liberdade contra inimputáveis15 III Medidas de segurança na legislação penal brasileira No Direito Penal contemporâneo a subordinação das medidas de segurança ao princípio da legalidade é parcial pois apenas as dimen sões de lex scripta proibição do costume de lex stricta proibição de analogia e de lex certa proibição de indeterminação são admitidas mas parece geral a exclusão da dimensão de lex praevia proibição de retroatividade Na Alemanha por exemplo as medidas de segurança são regidas pelo princípio da proporcionalidade com subordinação limitada às dimensões de lei escrita de lei estrita e de lei certa do prin cípio da legalidade excluída a dimensão de lei prévia característica do tipo de injusto16 No Brasil a literatura dominante rejeita essa submissão parcial e propõe a subordinação integral das medidas de segurança ao princípio da legalidade para reduzir lesões de direitos individuais vinculadas à sua aplicação17 O argumento geral pode ser assim resumido o 15 Nesse sentido JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 77 I nota 16 p 805 afirma que os Tribunais alemães desde muito tempo deixaram de aplicar medidas de segurança detentiva por delitos de bagatela 16 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 77 I 5 p 804 STRATENWERTH Strafrecht 2000 n 12 p 51 17 Assim FLÁVIO GOMES Duração das medidas de segurança in Revista dos Tribunais 701268 também BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 p 681682 DOTTI Direito penal parte geral 2003 p 627 n 15 MESTIERI Manual de direito penal parte geral 1999 v 1 p 310 REGIS PRADO Curso de direito penal brasileiro 2004 v 1 p 691 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 608 242012 162843 609 Capítulo 22 Medidas de Segurança princípio da legalidade a como lex praevia proíbe aplicação retroa tiva de medida de segurança contra autores inimputáveis de tipos de injusto b como lex scripta proíbe aplicação de medida de segurança fundada no costume c como lex stricta proíbe aplicação de medida de segurança fundada em analogia prejudicial ao autor e d como lex certa proíbe a existência de medidas de segurança indeterminadas ou indefinidas Não há dúvida a legalidade das medidas de segurança como consequência jurídica da prognose de periculosidade criminal de autor inimputável é tão importante quanto a legalidade das penas como consequência jurídica da realização de tipo de injusto por autor im putável por outro lado a legalidade do pressuposto de tipo de injusto para aplicação de medidas de segurança a autores inimputáveis é idêntica à legalidade do pressuposto do tipo de injusto para aplicação de penas a autores imputáveis ou seja a realização de ação típica e antijurídica concreta Mas a posição da literatura brasileira constitui na melhor das hipóteses a expressão de sentimentos pessoais não existe nenhuma norma que vincule as medidas de segurança ao princípio da legalidade na lei penal brasileira como existe em relação a crimes e penas por exemplo Mais do que isso a disciplina legal das medidas de segurança na lei penal brasileira é deficiente a primeiro as medidas de segu rança não são formalmente subordinadas ao princípio da legalidade b segundo os pressupostos de aplicação das medidas de segurança não são definidos em lei a realização do tipo de injusto e a periculosidade criminal do autor Por exemplo sabese que pressuposto da medida de segurança é fato previsto como crime por dedução do teor do art 97 segunda parte se todavia o fato previsto como crime for punível com detenção poderá o juiz e sabese que periculosidade é outro pressuposto da medida de segurança por inferência do art 97 1º A internação ou tratamento ambulatorial será por tempo indetermina do perdurando enquanto não for averiguada mediante perícia médica a cessação da periculosidade Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 609 242012 162843 610 Teoria da Pena Capítulo 22 Não obstante e por óbvias e indiscutíveis razões políticas e práticas parece indispensável pressupor a plena regência do princípio da legalidade sobre as medidas de segurança tomando como modelo os crimes e as penas na linha proposta pela literatura dominante 1 Pressupostos das medidas de segurança A aplicação de medidas de segurança depende da existência de dois pressupostos legais cuja existência simultânea constitui garantia individual a a realização de fato previsto como crime b a periculosidade criminal do autor por inimputabilidade penal18 11 A realização de fato previsto como crime O pressuposto de fato previsto como crime significa tipo de in justo como ação típica e antijurídica concreta que em conjunto com o conceito de culpabilidade integra o conceito de fato punível19 Parece necessário identificar o significado de fato previsto como crime com o conceito de tipo de injusto porque o inimputável pode realizar ações típicas justificadas por legítima defesa estado de necessidade ou outra causa de exclusão da antijuridicidade cuja presença desca racteriza o tipo de injusto e assim exclui o pressuposto das medidas 18 Ver BUSATOHUAPAYA Introdução ao direito penal fundamentos para um sistema penal democrático 2003 p 258 As mais modernas legislações jurídico penais estabelecem sua referência à realização de um injusto típico e à periculosidade criminal respectivamente como pressupostos e como fundamentos das medidas de segurança 19 CIRINO DOS SANTOS A moderna teoria do fato punível 2004 p 199 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 610 242012 162843 611 Capítulo 22 Medidas de Segurança de segurança20 Sobre essa questão existe controvérsia um segmento da literatura brasileira exclui medidas de segurança em hipóteses de erro de proibição inevitável ou de inexigibilidade de comportamento diverso de autores inimputáveis sob o mesmo argumento de isenção de pena de autores imputáveis21 Não obstante a pergunta sobre a capacidade de autor inimputável atuar em erro de proibição ou em situações de exculpação parece ter resposta negativa se o defeito do aparelho psíquico do inimputável significa incapacidade intelectual de entender o caráter ilícito do fato ou incapacidade volitiva de determinarse de acordo com esse entendimento então o inimputável não pode ter conhecimento da proibição ou não pode determinarse pelo conhecimento da proibição estados psíquicos pressupostos no erro de proibição nem pode possuir dirigibilidade normativa es tado psíquico pressuposto na exigibilidade de comportamento diverso excluído ou reduzido nas situações de exculpação Logo autores inim putáveis por incapacidade penal determinada por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado não podem atuar em erro de proibição excludente ou redutor da culpabilidade nem agir em situações de exculpação excludentes ou redutoras da dirigibilida de normativa que fundamenta a exigibilidade de comportamento diverso22 20 Comparar BUSATOHUAPAYA Introdução ao direito penal fundamentos para um sistema penal democrático 2003 p 258260 21 Nesse sentido BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8ª edição p 682 É indispensável que o sujeito tenha praticado um ilícito típico Assim deixará de existir esse primeiro requisito se houver por exemplo excludentes de criminalidade excludentes de culpabilidade como erro de proibição invencível coação irresistível e obediência hierárquica embriaguez completa fortuita ou por força maior com exceção da imputabilidade ou ainda se não houver prova do crime ou da autoria etc Resumindo a presença de excludentes de criminalidade ou de culpabilidade e a ausência de prova impedem a aplicação de medida de segurança 22 Ver CIRINO DOS SANTOS A moderna teoria do fato punível 2004 p 213216 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 611 242012 162843 612 Teoria da Pena Capítulo 22 12 A periculosidade criminal do autor A periculosidade criminal do autor como fundamento das me didas de segurança23 pode ser o resultado de presunção legal arts 26 e 97 CP ou de determinação judicial arts 26 parágrafo único e 98 CP a A presunção legal de periculosidade criminal A presunção legal de periculosidade criminal de autores inimputáveis de tipo de injusto exprime o prognóstico de futura realização de fato previsto como crime por indivíduos portadores de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado excludente da capacidade de conhecer o caráter ilícito do fato ou de determinarse conforme esse conheci mento art 26 CP Art 26 É isento de pena o agente que por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado era ao tempo da ação ou da omissão intei ramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinarse de acordo com esse entendimento b A determinação judicial de periculosidade criminal A determina ção judicial de periculosidade criminal exprime o prognóstico de futura realização de fatos previstos como crimes por autores semiimputáveis de tipos de injusto portadores de perturbação da saúde mental ou desenvol vimento mental incompleto ou retardado condicionante de incapacidade parcial de conhecer o caráter ilícito do fato ou de determinarse conforme esse conhecimento art 26 parágrafo único CP considerados como necessitados de especial tratamento curativo art 98 CP Art 26 parágrafo único A pena pode ser reduzida de um a dois terços se o agente em virtude de pertur 23 Nesse sentido BUSATOHUAPAYA Introdução ao direito penal fundamentos para um sistema penal democrático 2003 p 260261 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 612 242012 162843 613 Capítulo 22 Medidas de Segurança bação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinarse de acordo com esse entendimento Em regra os semiimputáveis possuem capacidade penal são penalmente responsáveis e puníveis com redução de um a dois terços da pena por exceção na hipótese de necessidade de especial tratamento curativo art 98 CP a pena privativa de liberdade pode ser substituída por medida de segurança hipótese de aplicação do sistema vicariante no direito brasileiro caracterizado pela substituição recíproca entre penas e medidas de segurança Art 98 Na hipótese do parágrafo único do art 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação ou tratamento ambula torial pelo prazo mínimo de 1 um a 3 três anos nos termos do artigo anterior e respectivos 1º a 4º 2 Objetivos das medidas de segurança As medidas de segurança são instituídas para realizar os objeti vos explícitos a de tratamento psiquiátrico compulsório de autores inimputáveis de tipos de injusto portadores de periculosidade criminal presumida art 26 e parágrafo único CP com exceção da hipótese de determinação judicial art 98 CP e b de segurança social de natureza estacionária internação em hospital de custódia e trata mento psiquiátrico ou ambulante tratamento ambulatorial desses autores Por isso as medidas de segurança teriam por objetivo possibili tar ações ou intervenções psiquiátricas ao nível do sistema límbico da Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 613 242012 162843 614 Teoria da Pena Capítulo 22 personalidade de autores inimputáveis como centro das emoções e da vida afetiva individual segundo a Psiquiatria ou ao nível do ego e do superego do aparelho psíquico segundo a Psicanálise a no interesse do autor para ampliar o controle das pulsões instintuais do id como energia psíquica regida pelo princípio do prazer e b no interesse da sociedade para impedir ações antissociais de autores inimputáveis de fato previsto como crime mediante internação hospitalar ou tratamento ambulatorial compulsórios 3 Espécies de medidas de segurança A legislação penal brasileira define duas espécies de medidas de segurança aplicáveis aos autores inimputáveis de tipos de injusto portadores de periculosidade criminal presumida regra ou aos semi imputáveis considerados perigosos por determinação judicial exceção a a medida de segurança estacionária de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico art 96 I CP b a medida de segurança ambulante de tratamento ambulatorial art 96 II CP Art 96 As medidas de segurança são I internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou à falta em outro estabelecimento adequado II sujeição a tratamento ambulatorial A distribuição de autores inimputáveis ou semiimputáveis necessitados de tratamento curativo de fato previsto como crime pelas duas espécies de medidas de segurança depende da natureza da pena cominada no tipo de injusto realizado conforme as seguintes correla ções legais art 97 CP a reclusão determina internação b detenção determina tratamento ambulatorial Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 614 242012 162843 615 Capítulo 22 Medidas de Segurança Art 97 Se o agente for inimputável o juiz determinará sua internação art 26 Se todavia o fato previsto como crime for punível com detenção poderá o juiz submetêlo a tratamento ambulatorial 31 Hospital de custódia e tratamento psiquiátrico A internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico tem por objetivo a proteger a sociedade contra ações antissociais futuras de doentes mentais graves autores de fato previsto como crime e b submeter o portador de doença mental internado a tratamento psiquiátrico compulsório24 Todavia a medida de segurança estacionária de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico deve se fundar em prognóstico de fatos puníveis com violência grave ou ameaça de violência é insuficiente a cominação de pena de reclusão no tipo de injusto realizado porque o prognóstico de crimes de bagatela ou de crimes patrimoniais como furto e estelionato por exemplo não justifica aplicação de medida de segurança estacionária na linha da melhor doutrina contemporânea25 Na verdade a crise da medida de segurança estacionária não se limita à inconsistência da prognose de comportamentos antissociais futuros nem à ineficácia do tratamento psiquiátrico para transformar o comportamento antissocial futuro de inimputáveis em comportamento ajustado mas envolve o próprio con ceito de doença mental que engendrou a Psiquiatria como especialidade científica existe profundo dissenso na Psiquiatria sobre o conceito de 24 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 77 II n 1 p 806 25 Assim FRISCH Die Massregeln der Besserung und Sicherung im strafrechtlichen Rechtsfolgensystem in ZStW 102 1990 p 384386 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 77 I n 5b p 805 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 615 242012 162843 616 Teoria da Pena Capítulo 22 doença mental ou sobre os estados de anormalidade psíquica definíveis como doença mental26 Além disso o problema dos direitos humanos nas instituições psiquiátricas ainda mais grave do que nas instituições penitenciárias explica a angústia da literatura penal contemporânea expressa na questão de JESCHECKWEIGEND27 se a internação de autores de fatos puníveis portadores de doença mental ou de anormalidade psíqui ca em instituições apropriadas pensese especialmente nos psicopatas que integram o conceito de outras graves anomalias psíquicas não produziria melhores resultados do que a internação em hospitais psiqui átricos 32 Tratamento ambulatorial A medida de segurança de tratamento ambulatorial também tem por objetivo a proteger a sociedade contra ações antissociais futuras de autores inimputáveis de fato previsto como crime mas com a dife rença essencial b de realizar tratamento psiquiátrico ambulante do portador de doença mental com óbvias vantagens para o interessado e para a sociedade Aqui é preciso enfatizar a cominação legal de pena de detenção no tipo de injusto realizado é fundamento suficiente para aplicar medida de segurança ambulante ao portador de doença mental por todas as razões indicadas Afinal a cominação de pena de detenção indica pre cisamente aquela criminalidade de bagatela cuja prognose não autoriza a aplicação de medida de segurança estacionária conforme a doutrina mais autorizada Além disso nenhuma disposição legal impõe critérios subjetivos adicionais para aplicar a medida de segurança de tratamento 26 Ver SZASZ The myth of menthal illness 1975 p 12 27 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 77 I p 807 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 616 242012 162844 617 Capítulo 22 Medidas de Segurança ambulatorial como condições pessoais ou prévia compatibilidade do agente etc sugeridos por prestigiados penalistas28 A questão é simples a pena de detenção determina o tratamento ambulatorial art 97 CP depois durante a execução do tratamento ambulatorial poderá o juiz determinar a internação se necessário para fins curativos art 97 4º CP ou em caso de incompatibilidade com a medida art 184 LEP 4 Duração das medidas de segurança O prazo de duração mínimo das medidas de segurança de inter nação ou de tratamento ambulatorial é de 1 a 3 anos art 97 1º CP a desinternação na medida de segurança estacionária ou a liberação na medida de segurança ambulante dependem da cessação do estado de periculosidade criminal verificado por perícia médica art 97 2º CP um acontecimento futuro e imprevisível Por essa razão o prazo de duração máximo das medidas de segurança estacionária ou ambulante é indeterminado Art 97 1º A internação ou tratamento ambu latorial será por tempo indeterminado perdurando enquanto não for averiguada mediante perícia médica a cessação de periculosidade O prazo mínimo deverá ser de 1 um a 3 três anos 28 Assim por exemplo BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8ª edição p 683684 O tratamento ambulatorial é apenas uma possibilidade que as circunstâncias pessoais e fáticas indicarão ou não a sua conveniência A punibilidade com pena de detenção por si só não é suficiente para determinar a conversão da internação em tratamento ambulatorial É necessário examinar as condições pessoais do agente para constatar a sua compatibilidade ou incompatibilidade com a medida mais liberal Claro se tais condições forem favoráveis a substituição se impõe Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 617 242012 162844 618 Teoria da Pena Capítulo 22 A duração indeterminada das medidas de segurança estacioná rias significa frequentemente privação de liberdade perpétua de seres humanos o que representa violação da dignidade humana e lesão do princípio da proporcionalidade pois não existe correlação possível entre a perpetuidade da internação e a inconfiabilidade do prognóstico de periculosidade criminal do exame psiquiátrico Esse problema é geral na Alemanha por exemplo a principal medida de segurança estacio nária precisamente a internação em hospital psiquiátrico 63 CP alemão tem prazo ilimitado de duração Hoje a lesão de direitos e garantias individuais resultante da indeterminação das medidas de segurança estacionárias é reconhecida até mesmo pela Criminologia etiológica por exemplo KAISER29 Assim como a medida da pena é limitada pelo princípio da culpabilidade a imposição de medida de segurança somente é permitida na proporção em que o sofrimento ligado a ela não está fora de relação com a periculosidade do autor No Brasil a literatura especializada30 bem como projetos de re forma da legislação penal31 fundados nos princípios constitucionais da dignidade humana e da proporcionalidade vinculam a duração máxima das medidas de segurança aplicadas ao máximo da pena privativa de liberdade cominada ao fato punível praticado Contudo jurispru dência recente adota critério melhor o limite máximo da medida de segurança aplicada deve coincidir com a pena criminal aplicável no caso concreto se o autor fosse imputável32 Afinal é preciso arrancar do portal do manicômio judiciário hoje com a denominação eufemística 29 KAISER Kriminologie 1993 9ª edição p 611 30 FLÁVIO GOMES Duração das medidas de segurança in Revista dos Tribunais 701268 BUSATOHUAPAYA Introdução ao direito penal fundamentos para um sistema penal democrático 2003 p 262 31 Assim o Projeto de reforma da parte geral do Código Penal Art 98 O tempo de duração da medida de segurança não será superior à pena máxima cominada ao tipo legal de crime 32 Assim a democrática 5ª Câmara Criminal do TJRS Apelaçãocrime 700108177242005 Rel Des AMILTON BUENO DE CARVALHO Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 618 242012 162844 619 Capítulo 22 Medidas de Segurança de hospital de custódia e tratamento psiquiátrico o aviso colocado por Dante na entrada do Inferno lasciate ogni speranza voi chentrate33 A verificação de existência da periculosidade criminal como fundamento de aplicação da medida de segurança ou de persistência da periculosidade criminal como condição de continuidade ou de cessação da periculosidade criminal como condição de extinção da medida de segurança é realizada por perícia médica art 97 1º CP em três momentos distintos primeiro no curso do processo criminal para determinar a inimputabilidade penal depois no final do prazo mínimo de 1 a 3 anos enfim anualmente na hipótese normal de persistência da periculosidade ou em qualquer tempo se determinada pelo juiz art 97 2º CP Art 97 2º A perícia médica realizarseá ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano ou a qualquer tempo se o determinar o juiz da execução 5 A verificação de cessação da periculosidade criminal Em regra o exame de verificação de cessação da periculosidade criminal realizado no final do prazo mínimo observa o seguinte pro cedimento a a autoridade administrativa remete ao juiz da execução com antecedência de 1 mês da expiração do prazo relatório instruído com laudo psiquiátrico para decisão sobre revogação ou permanência da medida de segurança b a decisão judicial precedida de audiência 33 ALIGHIERI La Divina Commedia Canto Terzo 9 Milano Ulrico Hoepli Editore Libraio Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 619 242012 162844 620 Teoria da Pena Capítulo 22 do Ministério Público e do curador ou defensor do interessado deve ser proferida dentro de 15 dias art 175 IVI LEP Por exceção o exame de periculosidade criminal pode ser realiza do durante o prazo mínimo mediante requerimento fundamentado do Ministério Público ou do interessado observado idêntico procedimen to também válido para exames sucessivos arts 176177 LEP Finalmente a desinternação hospitalar ou a liberação do trata mento ambulatorial por cessação do estado de periculosidade criminal determinante da medida de segurança é condicional durante o prazo de 1 ano após a desinternação hospitalar ou a liberação ambulatorial a realização de fato indicativo da persistência da periculosidade criminal durante esse prazo determina a reaplicação da medida de segurança ex tinta art 97 3º CP com restabelecimento da situação anterior Art 97 3º A desinternação ou a liberação será sempre condicional devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente antes do decurso de 1 um ano pratica fato indicativo de persistência de sua periculo sidade 6 Substituição e conversão das medidas de segurança As penas privativas de liberdade podem ser substituídas por me didas de segurança de ofício a requerimento do Ministério Público ou de autoridade administrativa na hipótese de superveniência de doença mental ou de perturbação da saúde mental do condenado art 41 CP art 183 LEP Art 41 O condenado a quem sobrevém doença mental deve ser recolhido a hospital de custódia e tratamento psi quiátrico ou à falta a outro estabelecimento adequado Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 620 242012 162844 621 Capítulo 22 Medidas de Segurança A medida de segurança de tratamento ambulatorial pode ser convertida em internação institucional pelo prazo mínimo de l ano se necessário para fins curativos art 97 4º ou se o agente revelar incompatibilidade com a medida art 184 LEP Art 97 4º Em qualquer fase do tratamento ambula torial poderá o juiz determinar a internação do agente se essa providência for necessária para fins curativos 7 Prescrição das medidas de segurança A extinção da punibilidade do fato previsto como crime realizado pelo inimputável ou pelo semiimputável no caso do art 98 CP exclui a aplicação de medida de segurança ou extingue a medida de segurança aplicada art 96 parágrafo único independentemente da causa de extinção respectiva anistia graça indulto descriminalização prescrição etc Art 96 parágrafo único Extinta a punibilidade não se impõe medida de segurança nem subsiste a que tenha sido imposta Na hipótese de extinção da punibilidade por prescrição a regra é a prescrição pela pena abstrata regida pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime art 109 CP porque o inimputá vel autor de fato descrito como crime não é condenado mas absolvido com aplicação de medida de segurança a exceção ocorre com o semi imputável necessitado de especial tratamento curativo art 98 CP porque a prescrição é regida pela pena aplicada art 110 1º CP substituída por medida de segurança estacionária ou ambulante pelo prazo mínimo de 1 a 3 anos34 34 Comparar BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8ª edição p 685 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 621 242012 162844 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 622 242012 162844 623 Capítulo 23 ação peNaL I As limitações democráticas do poder de punir O monopólio estatal do poder de punir exclui a vingança privada nas sociedades modernas com alguns desdobramentos necessários Primeiro o monopólio do poder de punir atribui ao Estado a tarefa de proteger os cidadãos contra fatos criminosos mediante normas legais materiais e processuais de definição de crimes e de punição dos autores Segundo o monopólio estatal do poder punitivo reduz a in segurança social mas aumenta o risco de condenar acusados inocentes ou adversários políticos do poder Por último a proteção de inocentes contra abusos do poder punitivo do Estado pressupõe a criação de garantias constitucionais e legais sintetizadas no conceito de processo legal devido do moderno Estado Democrático de Direito1 II Os princípios constitucionais do processo penal O processo penal não constitui processo de partes livres e iguais como o processo civil por exemplo dominado pela liberdade de partes em situação de igualdade processual mas uma relação de poder instituída pelo Estado com a finalidade de descobrir a verdade 1 ROXIN Strafverfahrensrecht 1995 24a edição 1o B I n 2 p 2 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 623 242012 162844 624 Teoria da Pena Capítulo 23 de fatos criminosos e punir os autores considerados culpados2 Como a chamada verdade material não pode ser obtida a qualquer preço pelo Estado por exemplo confissões mediante tortura uso de prova ilícita etc mas deve ser demonstrada em conformidade com princípios garantidores da liberdade e da dignidade do ser humano o processo penal do Estado Democrático de Direito é regido por alguns princípios constitucionais expressos em ou deduzidos de normas específicas por exemplo princípio da oficialidade princípio da acusação princípio da legalidade princípio da oportunidade princípio da investigação ou da verdade material princípio da livre valoração da prova princípio in dubio pro reo etc3 A natureza dos princípios do processo penal permite sua siste matização em dois grupos principais a princípios de formação do processo princípio da oficialidade princípio da acusação princípio da legalidade princípio da oportunidade e princípio da investigação b princípios da prova processual princípio da livre valoração da prova e princípio in dubio pro reo4 1 Princípios de formação do processo 1 Princípio da oficialidade O princípio da oficialidade exprime a regra do monopólio estatal na perseguição penal exercida através do Ministério Público dos Estados e da União por oposição ao princípio da acusação privada Mas a regra do monopólio da persegui ção penal oficial admite exceções em crimes de menor importância5 2 PFEIFFER Grundzuge des Strafverfahrensrechts 1991 2a edição n 1 p 2 3 ROXIN Strafverfahrensrecht 1995 24a edição 1o B I n 4 p 3 4 Comparar ROXIN Strafverfahrensrecht 1995 24a edição 11 I p 67 5 Ver SCHROEDER Strafprozessrecht 1993 8o n 60 p 35 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 624 242012 162844 625 Capítulo 23 Ação Penal primeiro a representação da vítima ou representante legal nas ações penais públicas condicionadas sem a qual o Ministério Público não pode propor ação penal segundo a ação penal privada promovida pela vítima ou representante legal através de advogado com poderes especiais6 2 Princípio da acusação O princípio da acusação expresso na fórmula nemo judex sine actore determina a separação das tarefas de acusar e de julgar atribuindo a tarefa de acusar a um órgão do Estado Mi nistério Público por exceção ao ofendido ou representante legal nos crimes de ação penal privada e a tarefa de julgar a outro órgão do Estado Poder Judiciário separando as funções de acusação e de julgamento outrora concentradas na pessoa do juiz pelo princípio inquisitório do processo medieval7 3 Princípio da legalidade processual O princípio da legalidade processual também denominado princípio da obrigatoriedade ou da indisponibilidade da ação penal define o dever do Ministério Público de apresentar acusação formal em caso de prova de existência de fato punível e de indicações suficientes de autoria em inquéritos policiais ou outros documentos recebidos8 e portanto cumpre a função constitucional de excluir a arbitrariedade no processo penal9 Hoje por força da frequência das exceções ao princípio da legalidade processual no âmbito da pequena e da média criminalidade predomina o princípio da oportunidade examinado a seguir denominações aliás 6 ROXIN Strafverfahrensrecht 1995 24a edição 13 n 6 p 72 SCHROEDER Strafprozessrecht 1993 44 p 225 n 344 PFEIFFER Grundzuge des Strafverfahrensrechts 1991 2a edição II 1 p 2 7 ROXIN Strafverfahrensrecht 1995 24a edição 13 n 19 p 7576 SCHROEDER Strafprozessrecht 1993 8o n 57 p 3233 e 44 n 344 p 225 No Brasil ver LOPES JR Introdução crítica ao processo penal 2004 p 150174 esp p 154 8 ROXIN Strafverfahrensrecht 1995 24a edição 13 A 1 p 78 e B 1 p 79 PFEIFFER Grundzuge des Strafverfahrensrechts 1991 2a edição I 3 p 3 9 SCHROEDER Strafprozessrecht 1993 9o n 62 p 36 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 625 242012 162844 626 Teoria da Pena Capítulo 23 inadequadas porque o princípio da legalidade processual é confundido com o princípio da legalidade penal e o princípio da oportunidade embora aplicado em hipóteses legais estritas parece exprimir critério discricionário10 4 Princípio da oportunidade O princípio da oportunidade define exceções à regra do princípio da legalidade processual com renúncia do Ministério Público de apresentar acusações formais em hipóteses concretas na área da pequena ou da média criminalidade11 fundadas no princípio da insignificância ou na ausência de interesse público na perseguição penal por razões de prevenção geral ou especial12 ou em políticas criminais específicas para a criminalidade de menor potencial ofensivo por exemplo a transação penal ou a suspensão condicional do processo A frequência crescente de hipóteses subme tidas ao princípio da oportunidade como exceções ao princípio da legalidade processual reduz o âmbito de obrigatoriedade da acusação penal pública13 5 Princípio da instrução O princípio da instrução também denomi nado princípio da verdade material do processo penal por oposição ao princípio da verdade formal do processo civil exprime o poder judicial de investigação pessoal do objeto da imputação processual sem vinculação às afirmações de acusação e de defesa à confissão do acusado ou aos meios de prova propostos14 10 SCHROEDER Strafprozessrecht 1993 9o n 63 p 3637 11 PFEIFFER Grundzuge des Strafverfahrensrechts 1991 2a edição II 4 p 23 12 SCHROEDER Strafprozessrecht 1993 9o n 63 p 37 13 ROXIN Strafverfahrensrecht 1995 24a edição 13 n 6 p 79 PFEIFFER Grundzuge des Strafverfahrensrechts 1991 2a edição II 4 p 23 14 ROXIN Strafverfahrensrecht 1995 24a edição 15 A 1 p 88 PFEIFFER Grundzuge des Strafverfahrensrechts 1991 2a edição II 5 p 4 SCHROEDER Strafprozessrecht 1993 27 n 237 p 144 e 44 n 345 p 225 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 626 242012 162844 627 Capítulo 23 Ação Penal 2 Princípios da prova processual 1 Princípio da livre valoração da prova O princípio da livre valoração da prova significa avaliação da prova segundo a convicção subjetiva do juiz por oposição à regra das provas legais do processo medieval mas condicionada a parâmetros objetivos a convicção judicial é suficiente para a sentença criminal mas pressupõe a necessidade de correspondência com as indicações objetivas da prova15 A correspon dência entre a convicção subjetiva do juiz e as indicações objetivas da prova define a objetividade da livre valoração da prova determinada entre outras razões pelo princípio in dubio pro reo que seria cancelado pelo subjetivismo da livre convicção judicial 2 Princípio in dubio pro reo O princípio in dubio pro reo deduzido da garantia constitucional da presunção de inocência art 5º LVII CR por rejeição à presunção de culpa indica a regra fundamental da prova no processo penal a dúvida sobre a realidade do fato deter mina a absolvição do acusado O princípio in dubio pro reo contém desdobramentos importantes no Estado Democrático de Direito assim definidos a primeiro o acusado não precisa provar o alibi apresentado ou seja que não estava no lugar do crime ou que não participou do fato imputado ao contrário a acusação deve provar que o acusado realizou ou participou do fato imputado com a dúvida determinando absolvição b segundo dúvidas sobre justificações legítima defesa estado de necessidade etc sobre exculpações erro de proibição obediência hierárquica conflito de deveres etc ou sobre outras isenções de pena 15 ROXIN Strafverfahrensrecht 1995 24ª edição 15 A 1 p 9091 n 13 SCHROEDER Strafprozessrecht 1993 30 n 270 p 167 s e 44 n 345 p 225 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 627 242012 162845 628 Teoria da Pena Capítulo 23 desistência da tentativa por exemplo não podem fundamentar con denações ou seja também determinam absolvição16 c terceiro dúvidas sobre a natureza do fato como tipo básico ou qualificado tentativa ou consumação autoria ou participação tipo doloso ou imprudente devem ser decididas em favor do acusado ou seja segundo a hipótese menos grave17 A orientação ainda dominante na jurisprudência e literatura brasileiras pela qual a prova da tipicidade do fato incumbe à acusação enquanto a prova das excludentes de antijuridicidade e de culpabili dade incumbe à defesa é uma consequência desastrosa da indevida extensão ao processo penal dos princípios do processo civil em que a prova do fato constitutivo do direito incumbe ao autor enquanto a prova de fato impeditivo modificativo ou extintivo do direito incumbe ao réu art 333 CPC Mas é preciso esclarecer o princípio in dubio pro reo é limitado à prova de fatos sem influência na interpretação da lei regida pelos princípios de interpretação definidos pelas técnicas literal sistemática histórica teleológica e excepcionalmente pela analogia in bonam partem18 16 ROXIN Strafverfahrensrecht 1995 24a edição 15 n 32 p 9798 No Brasil ver o excelente LOPES JR Introdução crítica ao processo penal 2004 p 179180 que diz Ao lado da presunção de inocência como critério pragmático de solução de incerteza dúvida judicial o princípio in dubio pro reo corrobora a atribuição da carga probatória ao acusador Isso significa que incumbe ao acusador provar a presença de todos os elementos que integram a tipicidade a ilicitude e a culpabilidade e logicamente a inexistência das causas de justificação Assim também TAVARES Teoria do injusto penal 2002 p 116 e 310 destacando os efeitos processuais do princípio da presunção de inocência 17 Assim SCHROEDER Strafprozessrecht 1993 30 n 274 p 170 18 ROXIN Strafverfahrensrecht 1995 24a edição 15 n 41 p 100 SCHROEDER Strafprozessrecht 1993 30 n 274 p 170 e 44 n 345 p 225 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 628 242012 162845 629 Capítulo 23 Ação Penal III Ação penal A ação penal constitui a forma específica de manifestação do poder punitivo do Estado classificada em duas categorias relaciona das como regra e exceção a a regra é a ação penal pública aplicada à maioria absoluta dos crimes b a exceção é a ação penal privada aplicada a uma pequena minoria de crimes em que o Estado delega ao particular o exercício do poder punitivo em hipóteses expressamente indicadas na lei penal Art 100 A ação penal é pública salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido O exercício da ação penal definido como direito abstrato de agir ou seja como direito à jurisdição penal pressupõe a existência de determinadas condições de ação tema controvertido no processo penal contemporâneo a a teoria tradicional fundada na premissa de uma teoria geral do processo propõe para o processo penal as mesmas condições de ação do processo civil interesse de agir legitimação para a causa e possibilidade jurídica do pedido b a teoria moderna fundada na especificidade do processo penal em que não existe liberdade de partes o MP é vinculado pelo princípio da legalidade processual e o acusado não pode subtrairse por ato de vontade ao processo penal e não existe igualdade entre as partes o MP representa o poder punitivo do Estado em face do impotente acusado submetido ao poder do Estado queira ou não propõe condições de ação específicas deduzidas do art 43 do CPP definidas como 1 tipicidade aparente 2 punibilidade concreta 3 legitimidade de parte e 4 justa causa19 19 No Brasil ver a posição pioneira de MIRANDA COUTINHO A lide e o conteúdo do processo penal 1989 p 142146 desenvolvida a partir dos trabalhos dos juristas Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 629 242012 162845 630 Teoria da Pena Capítulo 23 Nesse conceito a tipicidade aparente designa o tipo de injusto excluindo ações atípicas e justificadas20 a legitimidade de parte tem por objeto a divisão entre ações públicas e privadas a punibilidade concreta exclui as hipóteses de extinção da punibilidade e a justa cau sa tem por fundamento a prova da materialidade do fato e indícios suficientes de autoria A óbvia superioridade dessa teoria não evita conflitos que só o debate crítico coletivo pode resolver como por exemplo entre tipicidade aparente e justa causa por um lado situações de ausência de tipo de injusto são também situações de falta de justa causa por outro lado a justa causa como categoria compreensiva da materialidade e dos indícios de autoria tem por objeto elementos do tipo de injusto a prova da materialidade indica o resultado típico e os indícios de autoria indicam o sujeito ativo produtor do dolo e da imprudência materializados no resultado típico e assim a justa causa parece uma condição desnecessária porque seus elementos já estariam contidos no aparente tipo de injusto 1 Ação penal pública A ação penal de natureza pública é promovida pelo órgão do Ministério Público dos Estados ou da União princípio da oficiali dade sob a forma de denúncia dirigida ao Poder Judiciário estadual paranaenses FOWLER Anotações em torno da ação penal pública no projeto de reforma in Revista do Ministério Público do Paraná n 7 1977 e BREDA Efeitos da declaração de nulidade no processo penal in Revista do Ministério Público do Paraná n 9 1980 Para detalhes NUNES DA SILVEIRA A tipicidade e o juízo de admissibilidade da acusação 2005 p 55 s 20 NUNES DA SILVEIRA A tipicidade e o juízo de admissibilidade da acusação 2005 p 6773 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 630 242012 162845 631 Capítulo 23 Ação Penal ou federal princípio da acusação segundo critérios de competência jurisdicional definidos em lei A denúncia é o ato formal de acusação em crimes de ação penal pública com identificação do autor descrição do fato criminoso indicação do tipo de crime realizado e pedido de condenação do autor às penas criminais cominadas art 41 CPP A ação penal pública caracterizase pela indisponibilidade da ação penal pelo Ministério Público no sentido de obrigatoriedade do exercício da pretensão punitiva presentes as condições de ação respectivas princípio da legalidade processual21 A ação penal pública compreende três categorias diferentes a ação penal pública incondicionada a ação penal pública condicionada e a ação penal pública extensiva 11 Ação penal pública incondicionada A ação penal pública incondicionada é a regra dos crimes de ação penal pública porque a proposição da denúncia pelo Ministé rio Público contra o autor de fato criminoso independe de qualquer condição art 100 primeira parte CP a verificação da existência de crime de ação pública e de indícios suficientes de autoria determina a necessidade de promoção da ação penal princípio da legalidade pro cessual como ocorre na maioria dos crimes dolosos violentos contra a pessoa o patrimônio etc Art 100 1º A ação penal pública é promovida pelo Ministério Público dependendo quando a lei o exige de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça 21 BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição v 1 p 692693 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 631 242012 162845 632 Teoria da Pena Capítulo 23 12 Ação penal pública condicionada A ação penal pública pode subordinarse a determinadas con dições estabelecidas expressamente pelo legislador no interesse do ofendido ou do titular do bem jurídico lesionado é a ação penal pú blica condicionada referida na parte final do dispositivo acima citado art 100 1º segunda parte CP A condição exigida pela lei para exercício da ação penal pública pode consistir a em representação do ofendido ou b em requisição do Ministro da Justiça exceções ao princípio da oficialidade 1 A representação do ofendido ou de quem tenha qualidade para representálo constitui ato formal de manifestação de vontade do titular do bem jurídico lesionado autorizando a proposição da ação penal pública condicionada pelo Ministério Público A representação como manifestação formal de vontade do titular do bem jurídico le sionado depende do interesse do ofendido podendo ser apresentada ou retirada conforme conveniências exclusivas daquele Mas a retirada da representação pelo titular do bem jurídico lesionado definida como retratação do ofendido tem um limite processual intransponível de pois do qual a representação é irretratável o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público art 102 CP22 Art 102 A representação será irretratável depois de oferecida a denúncia O critério do oferecimento da denúncia e não o do recebimento da denúncia pelo juiz adotado no sistema anterior à reforma de 1984 como limite processual da retratação da representação é impreciso é impossível saber se significa a entrega da denúncia em cartório ou b apresentação da denúncia ao juiz para recebimento ou rejeição além disso a hipótese de rejeição de denúncia inepta gera outras controvérsias23 22 Comparar REGIS PRADO Curso de direito penal brasileiro 2004 4a edição v 1 p 754758 23 Ver BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição v 1 p 696 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 632 242012 162845 633 Capítulo 23 Ação Penal Por outro lado o exercício do direito de representação pelo ofen dido ou representante legal como formalidade condicionante da ação penal pública é limitado no tempo o direito de representação deve ser exercido no prazo de 6 seis meses a partir da data de conhecimento da identidade do autor do crime pelo ofendido ou representante legal sob pena de decadência do direito de representação ou seja de perda definitiva do direito de representação pois os prazos decadenciais são contínuos e fatais fluindo sem interrupção ou suspensão Art 103 Salvo disposição expressa em contrário o ofendido decai do direito de queixa ou de representação se não o exerce dentro do prazo de 6 seis meses contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime ou no caso do 3o do art 100 deste Código do dia em que se esgota o prazo para oferecimento da denúncia 2 A requisição do Ministro da Justiça constitui ato formal de autori zação do Poder Executivo Federal dirigida ao Ministério Público para exercício da ação penal pública condicionada em hipóteses específicas art 7º I c e 3º CP Em Direito Administrativo o verbo requisitar significa exigir mas nesse caso possui o significado de pedir porque o Ministério Público preserva a exclusiva titularidade da ação penal pública cujo exercício depende da presença da referida condição legal de procedibilidade24 A requisição do Ministro da Justiça ao contrário da representação do ofendido não está sujeita à decadência podendo ser apresentada enquanto não extinta a punibilidade do crime25 13 Ação penal pública extensiva A ação penal pública extensiva ocorre em hipóteses de crimes de ação penal privada compostos de elementos ou circunstâncias típicas 24 BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição v 1 p 696 25 REGIS PRADO Curso de direito penal brasileiro 2004 4a edição v 1 p 758 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 633 242012 162845 634 Teoria da Pena Capítulo 23 que constituem independentemente crimes de ação penal pública art 101 CP A ação penal pública do crime elementar constitutivo do tipo de crime de ação penal privada fundamenta a extensão da ação penal pública ao tipo de crime de ação penal privada por exemplo os resultados qualificadores de lesão corporal grave ou de morte no estupro contra pessoa maior de 18 anos e não vulnerável determinam a extensão da ação penal pública incondicionada dos tipos elementares ao tipo complexo de estupro art 213 CP de ação penal pública condicionada à representação art 225 CP Art 101 Quando a lei considera como elemento ou circunstâncias do tipo legal fatos que por si mesmos constituem crimes cabe ação penal pública em relação àquele desde que em relação a qualquer destes se deva proceder por iniciativa do Ministério Público 2 Ação penal privada A ação penal de natureza privada é promovida pelo ofendido ou representante legal nos casos expressamente previstos em lei art 100 segunda parte CP sob a forma de queixa art 100 2º CP A queixa é o ato formal de acusação em crimes de ação penal privada com os mesmos requisitos da denúncia identificação do autor descrição do fato criminoso indicação do tipo de crime realizado e pedido de condenação às penas cominadas A ação penal privada ao contrário da ação penal pública caracterizase pela disponibilidade de seu exercício pelo ofendido ou representante Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 634 242012 162845 635 Capítulo 23 Ação Penal legal subordinandose a regras especiais exceção ao princípio da oficialidade26 21 Ação penal privada subsidiária da ação pública A ação penal privada pode ser exercida em caráter subsidiário da ação penal pública na hipótese de não ter sido oferecida denúncia pelo Ministério Público no prazo legal Art 100 3º A ação de iniciativa privada pode intentarse nos crimes de ação pública se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal 22 Transmissão do direito de queixa O direito de queixa pode ser transmitido ao cônjuge ascendente descendente ou irmão nas hipóteses de morte ou de declaração judicial de ausência do ofendido ou de seu representante legal é a chamada substi tuição processual da titularidade para o exercício da ação penal privada Art 100 4º No caso de morte do ofendido ou de ter sido declarado ausente por declaração judicial o direito de oferecer queixa ou de prosseguir na ação passa ao cônjuge ascendente descendente ou irmão 26 Ver BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição v 1 p 693694 REGIS PRADO Curso de direito penal brasileiro 2004 4a edição v 1 p 759761 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 635 242012 162845 636 Teoria da Pena Capítulo 23 23 Extinção do direito de queixa O direito de queixa pode ser extinto pela ocorrência de vários fatos especificados em lei como a decadência do direito de queixa a renúncia ao exercício da ação penal e o perdão do ofendido inexisten tes nos crimes de ação penal pública exceto a decadência que pode ocorrer em crimes de ação penal pública condicionada à representação do ofendido27 1 A decadência do direito de queixa ou de representação significa perda do direito de ação pelo decurso do prazo legal de 6 meses de natureza contínua e peremptória excluindo suspensão ou interrupção art 103 CP contado a da data do conhecimento da autoria do fato criminoso ou b da expiração do prazo para oferecimento da denúncia no caso de ação penal privada subsidiária da ação penal pública28 Art 103 CP Salvo disposição expressa em contrário o ofendido decai do direito de queixa ou de representação se não o exerce dentro do prazo de 6 seis meses contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime ou no caso do 3o do art 100 deste Código do dia em que se esgota o prazo para oferecimento da denúncia 2 A renúncia ao exercício do direito de queixa significa desistência do ofendido ou representante legal de exercer a pretensão punitiva contra o autor de crimes de ação penal privada portanto deve ser exercida antes do início da ação penal29 e pode ser expressa ou tácita art 104 parágrafo único CP 27 Ver BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição v 1 p 697 28 BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição v 1 p 697 29 Assim também BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição v 1 p 698 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 636 242012 162845 637 Capítulo 23 Ação Penal a a renúncia expressa é a declaração formal e válida de recusa ao exercício do direito de queixa independente dos motivos do ofendido ou de seu representante legal excluída a renúncia obtida mediante violência ou fraude b a renúncia tácita significa a prática de ato incompatível com a vontade de exercer o direito de queixa como a manutenção de rela ções de amizade de convívio ou de coabitação consentida entre autor e vítima mas o recebimento de indenização não significa renúncia tácita ao direito de queixa A renúncia expressa ou tácita é necessa riamente anterior ao exercício do direito de queixa Art 104 O direito de queixa não pode ser exercido quando renunciado expressa ou tacitamente Parágrafo único Importa renúncia tácita ao direito de queixa a prática de ato incompatível com a vontade de exercêlo não a implica todavia o fato de receber o ofendido a indenização do dano causado pelo crime 3 O perdão do ofendido é ato de magnanimidade pessoal do que relante que extingue a ação penal privada se aceito pelo querelado art 105 CP ou seja a recusa do perdão pelo querelado impede a extinção da ação penal privada art 106 III CP30 por duas razões primeiro a aceitação do perdão implica admissão de prática do crime segundo constitui direito de todo acusado demonstrar sua inocência no processo penal Art 105 O perdão do ofendido nos crimes em que somente se procede mediante queixa obsta ao prosse guimento da ação O perdão do ofendido assim como a renúncia ao direito de queixa pode ser expresso ou tácito arts 105 e 106 CP a o per dão expresso é a declaração formal e válida do ofendido exculpando 30 Ver BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição v 1 p 702 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 637 242012 162845 638 Teoria da Pena Capítulo 23 o ofensor e declinando do direito de prosseguir no exercício da ação penal privada iniciada b o perdão tácito é representado pela prática de ato incompatível com o prosseguimento da ação penal relações de amizade de convívio etc Na hipótese de vários ofensores o perdão concedido a um deles aproveita a todos art 106 I CP na hipótese de vários ofendidos o perdão concedido por um deles não prejudica o direito dos demais de prosseguir na ação penal artigo 106 II CP Finalmente o limite processual de admissibilidade do perdão é indicado pelo trânsito em julgado da sentença penal condenatória art 106 2º CP até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória é possível o perdão depois desse momento o perdão perde o poder extintivo da ação penal privada porque o Estado se reincorpora na titularidade do poder repressivo cujo exercício por exceção em consideração a especiais razões de natureza pessoal foi atribuído ao particular ofendido31 Art 106 O perdão no processo ou fora dele expresso ou tácito I se concedido a qualquer dos querelados a todos aproveita II se concedido por um dos ofendidos não prejudica o direito dos outros III se o querelado o recusa não produz efeito 1o Perdão tácito é o que resulta da prática de ato incompatível com a vontade de prosseguir na ação 2o Não é admissível o perdão depois que passa em julgado a sentença condenatória 31 No mesmo sentido BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição v 1 p 702703 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 638 242012 162845 639 Capítulo 24 extiNção da puNibiLidade A extinção da punibilidade significa o desaparecimento do poder de punir do Estado em relação a fatos definidos como crimes pela ocorrência de eventos situações ou acontecimentos determinados na lei como causas de extinção da punibilidade art 107 CP Art 107 Extinguese a punibilidade I pela morte do agente II pela anistia graça ou indulto III pela retroatividade de lei que não mais considera o fato criminoso IV pela prescrição decadência ou perempção V pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito nos crimes de ação privada VI pela retratação do agente nos casos em que a lei a admite VII Revogado pela Lei 1110605 VIII Revogado pela Lei 1110605 IX pelo perdão judicial nos casos previstos em lei I Morte do agente A morte do agente extingue a punibilidade de fatos puníveis art 107 I CP por força do princípio constitucional da persona Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 639 242012 162845 640 Teoria da Pena Capítulo 24 lidade da pena art 5º XLV CR segundo o qual nenhuma pena passará da pessoa do condenado mas a natureza pessoal dessa causa de extinção da punibilidade não altera a punibilidade de coautores ou de partícipes Provada a morte do agente por certidão de óbito art 62 CPP extinguese a pretensão punitiva ou a pretensão exe cutória conforme ocorra antes ou depois do trânsito em julgado da sentença criminal condenatória A morte presumida por declaração judicial em casos de ausência art 6º CC ou de extrema proba bilidade de morte de pessoas em perigo de vida art 7º I CC ou de prisioneiros ou desaparecidos em campanha não encontrados até 2 anos após o término da guerra art 7º II CC produz o mesmo efeito extintivo da punibilidade1 O término comprovado ou declarado da existência da pessoa natural extingue todas as penas criminais cominadas aplicadas ou em execução independentemente de sua natureza penas privativas de liberdade penas restritivas de direitos ou penas de multa Mas não extingue a obrigação civil de reparar o dano causado pelo crime nem exclui o perdimento de bens transmissíveis aos sucessores até o limite do valor do patrimônio transferido art 5º XLV CR II Anistia graça e indulto A anistia a graça e o indulto são estudados sob o conceito de direito de graça compreensivo de atos de competência do Poder Le gislativo no caso da anistia ou do Poder Executivo no caso do indulto e da graça dotados de eficácia extintiva da punibilidade de 1 Ver FRAGOSO Lições de direito penal 2003 16a edição n 416 p 5096 Em posição contrária REGIS PRADO Curso de direito penal brasileiro 2004 4a edição v 1 p 719 A presunção legal de morte art 6o CC é inadmissível na esfera penal Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 640 242012 162846 641 Capítulo 24 Extinção da Punibilidade fatos criminosos art 107 II CP Na hipótese de anistia o poder político criminalizador descriminaliza o fato e assim não existe lesão do princípio constitucional da separação de poderes nas hipóteses de indulto e de graça o cancelamento concreto da criminalização secundária do Poder Judiciário e por extensão da criminalização primária do Poder Legislativo realizada por ato do Poder Executivo é permitido pelo art 84 XII da Constituição da República excluindo lesão do princípio de separação de poderes 1 A anistia do grego amnestía que significa esquecimento ou amnésia constitui ato de competência do Poder Legislativo tem por objeto fatos definidos como crimes políticos militares ou eleitorais portanto não abrange fatos definidos como crimes comuns e por objetivo beneficiar uma coletividade de autores desses fatos sendo con cedida sob forma de lei descriminalizadora anulando todos os efeitos penais da criminalização2 exceto os efeitos civis A anistia pode ser geral ou parcial conforme compreenda ou não todos os fatos e autores respectivos e independe de consentimento dos anistiados exceto no caso de anistia condicional A significação jurídicoconstitucional e política da anistia aparece em tempos de crise social aguda como revoluções guerras civis ou outros conflitos políticos internos em que funciona como elemento indispensável de pacificação social3 mediante correção de injustiças produzidas pela criminalização ou punição de determinados fatos4 2 A graça constitui ato de competência do Presidente da República tem por objeto crimes comuns com sentença condenatória transitada 2 Nesse sentido JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 5a edição 88 I p 923 3 Ver KÖHLER Strafrecht 1997 p 693 também DIMOULIS Die Begnadigung in vergleichender Perspektive Rechtsphilosophische verfassungs und strafrechtliche Probleme 1996 4 Ver SWENSON JR Problemas de validade da lei de anistia brasileira lei n 668379 UNIMEP dissertação de mestrado 2006 especialmente p 87 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 641 242012 162846 642 Teoria da Pena Capítulo 24 em julgado e por objetivo beneficiar pessoa determinada mediante a extinção ou a comutação da pena aplicada corrigindo injustiças ou o rigor excessivo na aplicação da lei5 3 O indulto constitui igualmente ato de competência do Presidente da República tem por objeto crimes comuns e por objetivo beneficiar uma coletividade de condenados selecionados pela natureza do crime realizado ou pela quantidade da pena aplicada com exigências com plementares facultativas geralmente relacionadas ao cumprimento parcial da pena finalmente também tem por efeito extinguir ou co mutar a pena aplicada exceto no indulto sob condições que podem ser recusadas pelo indultado O indulto pode excepcionalmente ser individual mas depende de petição do condenado ou do Ministério Público ou de autoridade administrativa da execução penal devidamente instruída e enca minhada ao Ministério da Justiça para despacho do Presidente da República arts 188192 LEP III Descriminalização do fato O advento de lei descriminalizadora do fato extingue a punibili dade independente da fase do processo de criminalização ou do trânsito em julgado da sentença criminal condenatória igualmente o advento de lei penal mais favorável segundo o critério concreto da aplicação da pena incluindo circunstâncias legais agravantes e atenuantes bem como causas especiais de aumento ou de diminuição de pena aplicase 5 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 5a edição 88 I p 923 também WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 11a edição p 263 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 642 242012 162846 643 Capítulo 24 Extinção da Punibilidade retroativamente aos fatos anteriores inclusive com decisão transitada em julgado art 5º XL CR6 IV Prescrição decadência e perempção 1 Prescrição A prescrição determina a perda do direito de exercer a ação penal por fatos puníveis ou de executar a pena criminal aplicada contra autores de fatos puníveis pelo decurso do tempo a a perda do direito de exercer a ação penal significa a prescrição da pretensão punitiva do Estado b a perda do direito de executar a pena criminal concretamente aplicada significa a prescrição da pretensão executória do Estado O fundamento jurídico da prescrição reside na dificuldade de prova do fato imputado no caso de prescrição da ação penal ou na progressiva dissolução da necessidade de pena contra o autor no caso de prescrição da pena criminal aplicada o que confere à prescrição natureza processual impedimento de persecução e material extinção da pena7 A legislação brasileira sistematiza a complexa matéria da pres crição tomando como referência a sentença criminal considerada nas seguintes perspectivas a a prescrição antes do trânsito em julgado da sentença criminal b a prescrição depois do trânsito em julgado da sentença criminal condenatória Fundada nesse critério a prescrição está assim regulada na lei penal brasileira 6 ROXIN Strafrecht 1997 5 n 6265 p 122124 7 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 11a edição p 261262 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 643 242012 162846 644 Teoria da Pena Capítulo 24 11 Prescrição antes do trânsito em julgado da sentença criminal A prescrição antes do trânsito em julgado da sentença criminal representa a prescrição da ação penal ou da pretensão punitiva e regula se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime nos seguintes prazos Art 109 A prescrição antes de transitar em julgado a sentença final salvo o disposto no 1o do art 110 deste Código regulase pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime verificandose I em 20 vinte anos se o máximo da pena é superior a 12 doze II em 16 dezesseis anos se o máximo da pena é superior a 8 oito e não excede a 12 doze III em 12 doze anos se o máximo da pena é superior a 4 quatro e não excede a 8 oito IV em 8 oito anos se o máximo da pena é superior a 2 dois e não excede a 4 quatro V em 4 quatro anos se o máximo da pena é igual a 1 um ano ou sendo superior não excede a 2 dois VI em 3 três anos se o máximo da pena é inferior a 1 um ano O prazo de prescrição antes do trânsito em julgado da sentença criminal como prescrição da ação penal ou da pretensão punitiva começa a fluir no dia a da consumação do crime b da cessação da tentativa c da cessação da permanência nos crimes de duração d do conhecimento do fato nos crimes de bigamia de falsificação ou de alteração de registro civil Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 644 242012 162846 645 Capítulo 24 Extinção da Punibilidade Art 111 A prescrição antes de transitar em julgado a sentença final começa a correr I do dia em que o crime se consumou II no caso de tentativa do dia em que cessou a ativi dade criminosa III nos crimes permanentes do dia em que cessou a permanência Vêse que o prazo de prescrição da pretensão punitiva começa a fluir no momento do resultado formal ou material do fato punível com a exceção óbvia da hipótese de tentativa em que flui a partir do término da ação criminosa porque na tentativa existe tudo o que existe no crime consumado menos o resultado 12 Prescrição depois do trânsito em julgado da sentença condenatória A prescrição depois do trânsito em julgado da sentença penal condenatória representa a prescrição da pretensão executória e regula se pela pena aplicada regida pelos mesmos prazos de prescrição da pena abstrata art 109 CP aumentado de um terço para condenados reincidentes Art 110 A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regulase pela pena aplicada e verificase nos prazos fixados no artigo anterior os quais se aumentam de um terço se o condenado é reincidente O prazo de prescrição depois do trânsito em julgado da sentença penal condenatória como prescrição da pretensão executória começa a Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 645 242012 162846 646 Teoria da Pena Capítulo 24 fluir do dia a do trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação ou para a acusação e defesa b da revogação da suspen são condicional da pena ou do livramento condicional no caso do livramento condicional o prazo é regulado pelo tempo restante da pena c da interrupção da execução da pena exceto se computável na pena nos casos de doença mental superveniente d da evasão do condenado também regulado pelo tempo restante da pena Art 112 No caso do art 110 deste Código a prescrição começa a correr I do dia em que transita em julgado a sentença conde natória para a acusação ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional II do dia em que se interrompe a execução salvo quando o tempo da interrupção deva computarse na pena Art 113 No caso de evadirse o condenado ou de revogarse o livramento condicional a prescrição é regulada pelo tempo que resta da pena 13 Prescrição conforme os níveis de concretização da pena A sistematização da prescrição fundada no critério antes e depois do trânsito em julgado da sentença criminal não permite identificar todas as hipóteses de prescrição Um critério baseado em níveis de concretização da pena parece ser mais compreensivo porque permite identificar todas as hipóteses a a prescrição da pena cominada b a prescrição intercorrente da pena aplicada c a prescrição retroativa da pena aplicada d a prescrição da pretensão executória da pena 131 Prescrição da pena cominada A prescrição da pena cominada define a prescrição da ação penal ou prescrição da pretensão puni tiva regida pelo máximo da pena abstrata do tipo legal art 109 CP Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 646 242012 162846 647 Capítulo 24 Extinção da Punibilidade 132 Prescrição intercorrente da pena aplicada A hipótese de pena aplicada sem trânsito em julgado da sentença condenatória fun damenta a prescrição intercorrente regida pela pena concretizada na sentença criminal 133 Prescrição retroativa da pena aplicada A hipótese de pena aplicada com trânsito em julgado para a acusação ou depois de im provido recurso da acusação fundamenta a prescrição retroativa uma criação original da jurisprudência brasileira regida pela pena concretizada na sentença e contada retrospectivamente até a denúncia como causa de interrupção anterior Art 110 1º A prescrição depois da sentença conde natória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso regulase pela pena aplicada não podendo em nenhuma hipótese ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa A Lei n 1223410 editada com a finalidade explícita de excluir a prescrição retroativa art 1o mediante proibição inserida no final do 1o e revogação do 2o do art 110 CP na verdade eliminou somente a prescrição retroativa antecipada ou prescrição pela pena virtual ou pena em perspectiva mantendo parcialmente a prescrição retroativa como se demonstra a antes a interpretação dominante da prescrição retroativa ori ginalmente fundada na Súmula 146 do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL admitia dois períodos prescricionais retroativos a o período entre o dia do fato e a data do recebimento da denúncia b o período entre a data do recebimento da denúncia e a data da sentença condenatória b agora a proibição legal de que a prescrição tenha por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa 1o com a expressa revo gação do 2o que permitia a hipótese proibida exclui o primeiro período de prescrição retroativa dia do fato data do recebimento da denúncia mas deixa intacto o segundo período de prescrição Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 647 242012 162846 648 Teoria da Pena Capítulo 24 retroativa data do recebimento da denúncia data da sentença condenatória que continua inteiramente aplicável A mudança da disciplina legal da prescrição retroativa é criticável se a pena concretizada na sentença com trânsito em julgado para a acusação pode prescrever retroativamente no período entre a data do recebimento da denúncia e a data da sentença condenatória então a exclusão da prescrição retroativa entre a data do fato e a data do re cebimento da denúncia parece inexplicável porque as situações são idênticas Afinal em ambos os casos a prescrição pela pena concre tizada na sentença ocorre antes do evento processual interruptor do prazo prescricional a sentença ou a denúncia logo se a sentença não pode interromper prescrição consumada segundo a pena concretizada então a denúncia também não pode produzir esse efeito 134 Prescrição da pretensão executória A hipótese de pena aplicada com trânsito em julgado para acusação e defesa fundamenta a prescrição da pretensão executória igualmente regida pela pena concretizada na sentença 14 Redução e aumento dos prazos de prescrição Os prazos de prescrição são reduzidos de metade no caso de autor menor de 21 anos na época do fato ou maior de 70 anos na data da sentença Art 115 São reduzidos de metade os prazos de prescri ção quando o criminoso era ao tempo do crime menor de 21 vinte e um anos ou na data da sentença maior de 70 setenta anos 141 Aqui continuam válidos os argumentos sobre os conceitos a de menor de 21 anos e b de cidadão idoso o fundamento da redução dos prazos de prescrição é o insuficiente desenvolvimento psicossocial de agente menor de 21 anos na data do fato ou a degeneração psíquica Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 648 242012 162846 649 Capítulo 24 Extinção da Punibilidade de agente maior de 70 anos na data da sentença Mas é necessário retomar a argumentação para evitar a generalização de tendências repressivas da literatura penal brasileira Primeiro a definição legal da capacidade civil aos 18 anos art 5o caput Código Civil não exclui a redução dos prazos de prescrição para agentes menores de 21 anos a redução dos prazos prescricionais tem por fundamento idade inferior a 21 anos não a incapacidade civil do agente na data do fato8 Além disso decisões do legislador civil não podem invalidar critérios do legislador penal e qualquer outra interpretação representaria analogia in malam partem proibida pelo princípio da legalidade penal Segundo na forma do art 1º da Lei 1074103 Estatuto do Idoso o limite etário de 70 anos na data da sentença como funda mento para redução dos prazos prescricionais deve ser alterado para 60 anos pela mesma razão que determinou a fixação desse marco etário para definir o cidadão idoso alterando expressamente a circunstância agravante do art 61 h CP na hipótese de ser vítima de crime a ana logia in bonam partem é autorizada pelo princípio da legalidade penal e portanto constitui direito do réu9 142 Na hipótese de reincidência o prazo da prescrição depois do trânsito em julgado da sentença condenatória art 110 final CP é ampliado em 13 um terço Art 110 A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regulase pela pena aplicada e verificase nos prazos fixados no artigo anterior os 8 Em posição contrária REGIS PRADO Curso de direito penal brasileiro 2004 4a edição p 731 De conformidade com o art 5o do Código Civil não tem mais sentido a redução do prazo prescricional para o menor de 21 anos 9 No sentido do texto REGIS PRADO Curso de direito penal brasileiro 2004 4ª edição p 731 No que se refere ao marco etário de 70 setenta anos passa ele a ser de 60 sessenta anos para efeitos de prescrição da pretensão punitiva Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 649 242012 162846 650 Teoria da Pena Capítulo 24 quais se aumentam de um terço se o condenado é reincidente Outra vez os argumentos contra a reincidência como circuns tância agravante na aplicação da pena também são válidos contra a reincidência como ampliação dos prazos prescricionais na extinção da punibilidade a primeiro a lei não esclarece se considera a hipótese irrelevante da reincidência ficta trabalhando com a ideia positivista de presunção de periculosidade ou a hipótese da reincidência real admitindo a ideia da ação deformadora do cárcere sobre o condenado na linha da Ex posição de Motivos do Código Penal n 26 b segundo excluída a reincidência ficta pela inadmissível presun ção de periculosidade o reconhecimento oficial da ação criminógena do cárcere EM n 26 exige redefinição do conceito de reincidência real como produto da ação criminógena da pena e como falha do projeto técnicocorretivo da prisão se a prevenção especial positiva de correção do condenado é ineficaz e se a prevenção especial negativa de neutralização do condenado existe de fato como prisionalização defor madora da personalidade do condenado então a reincidência real não pode agravar penas criminais nem ampliar prazos prescricionais 15 Prescrição das penas restritivas de direito A prescrição das penas restritivas de direito verificase nos mesmos prazos das penas privativas de liberdade substituídas Art 109 parágrafo único Aplicamse às penas restritivas de direito os mesmos prazos previstos para as privativas de liberdade Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 650 242012 162846 651 Capítulo 24 Extinção da Punibilidade 16 Prescrição da pena de multa A pena de multa pode prescrever em prazo fixo ou prazo variável dependendo de sua cominação ou aplicação isolada alternativa ou cumulativa com penas privativas de liberdade a prazo fixo de 2 anos se cominada ou aplicada de forma isolada b prazo variável conforme o prazo de prescrição da pena privativa de liberdade se cominada de forma alternativa ou cumulativa com pena privativa de liberdade ou se aplicada de forma cumulativa com pena privativa de liberdade Art 114 A prescrição da pena de multa ocorrerá I em 2 dois anos quando a multa for a única co minada ou aplicada II no mesmo prazo estabelecido para prescrição da pena privativa de liberdade quando a multa for alternativa ou cumulativamente cominada ou cumulativamente aplicada 17 Prescrição das medidas de segurança A aplicação ou execução de medidas de segurança prescreve com a prescrição da pretensão punitiva ou da pretensão executória do Estado em relação ao tipo de injusto pressuposto na medida de segurança10 18 Causas impeditivas da prescrição As causas impeditivas da prescrição são constituídas por pressu postos ou acontecimentos necessários para decidir sobre a existência do 10 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 11a edição p 262 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 651 242012 162846 652 Teoria da Pena Capítulo 24 crime ou sobre a aplicação da pena cuja existência impede o curso do prazo prescricional As causas impeditivas da prescrição são classificadas com base no trânsito em julgado da sentença criminal a causas impeditivas da prescrição antes do trânsito em julgado da sentença criminal são a as questões prejudiciais por exemplo decisão sobre a validade do casamento anterior em processo por bi gamia e b o cumprimento de pena no estrangeiro b causa impeditiva da prescrição depois do trânsito em julgado da sentença condenatória é uma só a prisão do condenado por outro motivo Art 116 Antes de transitar em julgado a sentença final a prescrição não corre I enquanto não resolvida em outro processo questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime II enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro Parágrafo único Depois de passada em julgado a sentença condenatória a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro mo tivo 19 Causas interruptivas da prescrição As causas interruptivas da prescrição são representadas por acon tecimentos processuais ou pessoais que interrompem o curso do prazo prescricional iniciado cancelam o prazo de prescrição decorrido e de terminam o início de novo prazo prescricional integral a partir do dia da interrupção exceto na hipótese de continuação do cumprimento de pena art 117 V CP segunda hipótese em que a prescrição é regulada pelo tempo restante da pena arts 113 e 117 2º CP Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 652 242012 162847 653 Capítulo 24 Extinção da Punibilidade As causas interruptivas da prescrição são expressamente indicadas na lei art 117 IVI CP a recebimento da denúncia ou queixa b pronúncia c confirmação da pronúncia d sentença condena tória recorrível e início ou continuação do cumprimento da pena f reincidência Enfim nos crimes conexos objeto do mesmo processo por exemplo em caso de concurso formal a interrupção da prescrição em relação a um deles generalizase a todos os demais art 117 1º segunda parte CP Art 117 O curso da prescrição interrompese I pelo recebimento da denúncia ou da queixa II pela pronúncia III pela decisão confirmatória da pronúncia IV pela sentença condenatória recorrível V pelo início ou continuação do cumprimento da pena VI pela reincidência 1º Excetuados os casos dos incisos V e VI deste artigo a interrupção da prescrição produz efeitos relativamente a todos os autores do crime Nos crimes conexos que sejam objeto do mesmo processo estendese ao demais a interrupção relativa a qualquer deles 2º Interrompida a prescrição salvo a hipótese do inciso V deste artigo todo o prazo começa a correr novamente do dia da interrupção Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 653 242012 162847 654 Teoria da Pena Capítulo 24 110 Prescrição das penas menos graves com as mais graves A regra de que as penas mais leves prescrevem com as mais graves parece supérflua art 118 CP se pretensões punitivas ou executórias de penas mais graves estão prescritas por decurso de tempo maior então pretensões punitivas ou executórias de penas mais leves estão necessariamente prescritas por prévio decurso de tempo menor Art 118 As penas mais leves prescrevem com as mais graves 2 Decadência A decadência significa perda do direito de ação penal privada pelo decurso do prazo contínuo e peremptório de 6 meses contado a da data do conhecimento da autoria do fato criminoso ou b da expiração do prazo para oferecimento da denúncia no caso de ação penal privada subsidiária da pública art 103 CP 3 Perempção A perempção constitui fenômeno processual extintivo da pu nibilidade em ações penais de iniciativa privada caracterizado pela inatividade pela omissão ou pela negligência do autor na realização de atos processuais específicos enumerados no art 60 do Código de Pro cesso Penal a deixar de promover o andamento de ação penal privada iniciada durante 30 dias b ausência de substituição processual no prazo de 60 dias na hipótese de falecimento ou incapacitação do quere Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 654 242012 162847 655 Capítulo 24 Extinção da Punibilidade lante c ausência injustificada a ato processual a que deva comparecer d deixar de pedir a condenação do querelado nas alegações finais11 V Renúncia e perdão 1 Renúncia A renúncia do direito de queixa significa a desistência do ofendido ou representante legal de exercer a pretensão punitiva contra o autor de crimes de ação penal privada e pode ser expressa ou tácita art 104 parágrafo único CP a a renúncia expressa é a declaração formal de recusa ao exercício do direito de queixa independentemente dos motivos do ofendido ou de seu representante legal b a renúncia tácita significa a prática de ato incompatível com a vontade de exercer o direito de queixa como a manutenção de relações de amizade de convívio ou de coabitação consentida entre autor e vítima 2 Perdão O perdão significa ato de magnanimidade pessoal do ofendido de exculpação do autor de crimes de ação penal priva da mas sua eficácia extintiva da punibilidade do fato depende de aceitação pelo ofensor Igualmente o perdão pode ser expresso ou tácito a o perdão expresso é a declaração formal do ofendido exculpando o ofensor pela prática de crime de ação penal privada b o perdão tácito é representado pela prática de ato incompatível com o prosseguimento da ação penal como a continuação de relações de amizade de convívio etc 11 Ver MESTIERI Manual de direito penal parte geral 1999 p 324325 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 655 242012 162847 656 Teoria da Pena Capítulo 24 O perdão é admissível até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória art 106 2º CP quando o Estado se reincorpora na titularidade do poder repressivo e o perdão perde o poder extintivo da punibilidade VI Retratação do agente A retratação é o ato pelo qual o autor de declaração incriminada desdiz o que disse por escrito próprio ou termo nos autos com o objetivo de desfazer lesões típicas de bens jurídicos o autor retifica o conteúdo ou corrige o significado de declaração constitutiva de crime portanto co metido pela palavra falada ou escrita cuja formalização processual até a publicação da sentença condenatória extingue a punibilidade do fato Os crimes contra a honra são casos específicos de admissibilidade da retratação extintiva da punibilidade a retratação extingue a punibi lidade da calúnia e da difamação pois pode desfazer o dano à imagem pública ou ao conceito social do ofendido mas não é admitida na in júria porque a ofensa ao sentimento da própria dignidade ou decoro da vítima é irretratável art 143 CP Alguns crimes comuns cometidos através da palavra falada ou escrita como o falso testemunho ou a falsa perícia também admitem a retratação do agente até a publicação da sentença condenatória art 342 3º CP12 12 Comparar MESTIERI Manual de direito penal parte geral 1999 p 326 BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição v 1 p 708 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 656 242012 162847 657 Capítulo 24 Extinção da Punibilidade VII Perdão judicial O perdão judicial tem por objeto hipóteses legais de exclusão ju dicial da pena determinada por circunstâncias condições resultados ou consequências especiais do fato Assim por exemplo a gravidade das consequências para o autor no homicídio e na lesão corporal imprudentes art 121 5º e 129 6º CP a provocação repro vável da injúria e a injúria como retorsão imediata de outra injúria art 140 1º CP a primariedade do agente na receptação presumida art 180 3º e 5º CP etc A sentença concessiva do perdão não produz nenhum dos efeitos da sentença condenatória como a reincidência e a certeza da obrigação de indenizar art 120 CP13 Art 120 A sentença que conceder perdão judicial não será considerada para efeitos de reincidência VIII A extinção da punibilidade nos tipos complexos nos tipos dependentes de outros tipos nos tipos que pressupõem outros tipos nos tipos qualificados pelo resultado e nos tipos conexos Nos tipos complexos como tipos compostos de outros tipos o roubo constituído pelo constrangimento ilegal e pelo furto nos tipos dependentes de outros tipos ou que pressupõem outros tipos a receptação em relação ao furto ou ao roubo e nos tipos qualificados por outros tipos 13 Ver BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição v 1 p 711 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 657 242012 162847 658 Teoria da Pena Capítulo 24 o furto qualificado pelo dano na subtração da coisa em todos esses casos a extinção da punibilidade do tipo elementar nos tipos complexos do tipo pressuposto em outro tipo ou do tipo qualificador de outro tipo não extingue a punibilidade do tipo complexo do tipo que pressupõe outro tipo ou do tipo qualificado por outro tipo segundo a regra da primeira parte do art 108 do CP Nos tipos conexos como tipos vinculados por certas relações ou fins por exemplo o homicídio da testemunha para ocultar outro crime a extinção da punibilidade de um deles não impede a agravação da pena dos demais tipos relacionados por conexão na forma da segunda parte do art 108 do CP14 Art 108 A extinção da punibilidade de crime que é pressuposto elemento constitutivo ou circunstância agra vante de outro não se estende a este Nos crimes conexos a extinção da punibilidade de um deles não impede quanto aos outros a agravação da pena resultante da conexão IX A extinção da punibilidade no concurso de crimes Nas hipóteses de concurso formal material ou continuado de fa tos puníveis a extinção da punibilidade incide sobre cada fato punível isolado da relação de pluralidade formal material ou continuada art 119 CP Art 119 No caso de concurso de crimes a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um isoladamente 14 MESTIERI Manual de direito penal parte geral 1999 p 327 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 658 242012 162847 aNexo Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 659 242012 162847 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 660 242012 162847 661 Capítulo 25 a reSpoNSabiLidade peNaL da peSSoa jurídica I Introdução Existem duas posições antagônicas na área internacional sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica a os Estados regidos pela common law como Inglaterra e Estados Unidos por exemplo admi tem a responsabilidade penal da pessoa jurídica os precedentes legais que fundamentam seus sistemas de justiça criminal não criam obstáculos metodológicos ou científicos relevantes b os Estados regidos por sis temas legais codificados como os da Europa continental e da América Latina rejeitam a responsabilidade penal da pessoa jurídica os sistemas de conceitos fundados na unidade orgânica de instituições e normas jurí dicas escritas criam obstáculos metodológicos e científicos insuperáveis1 Não obstante a França instituiu a responsabilidade penal da pessoa jurídica para as infrações penais em geral com exceções óbvias como homicídio doloso estupro etc o Brasil adotou o modelo francês de responsabilidade penal da pessoa jurídica mas somente para crimes contra o meio ambiente Lei 960598 No caso brasileiro o direito do povo ao meio ambiente ecologi camente equilibrado garantido na Constituição art 225 deve ser protegido por todos os meios jurídicos necessários inclusive com o 1 Ver TIEDEMANN Responsabilidad penal de personas jurídicas y empresas en el derecho comparado in Responsabilidade penal da pessoa jurídica e Medidas provisórias e Direito Penal 1999 p 2728 cuja enumeração de modelos parece diluir o antagonismo entre os sistemas Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 661 242012 162847 662 Anexo Capítulo 25 emprego do Direito Penal observados os princípios de intervenção mínima e de ultima ratio da repressão criminal no Estado Democrático de Direito Não obstante instituir a responsabilidade penal da pessoa jurídica para proteger o meio ambiente parece desnecessário e equivo cado desnecessário porque existem meios jurídicos e administrativos mais simples e eficazes do que a pena criminal aliás o instrumento menos eficaz de política social equivocado porque somente a orga nização psicossomática do ser humano pode praticar fatos definidos como crimes e ser responsabilizado por esses fatos mediante a apli cação de penas portanto as determinações do ser constituem limite intransponível do dever ser jurídicopenal excluindo a criminalização ou a penalização de entidades fictícias ou abstratas II A controvérsia constitucional No Brasil a questão da responsabilidade penal da pessoa jurídi ca tem origem em duas normas constitucionais sobre as quais existe grande controvérsia na literatura e na jurisprudência brasileiras 1 Em primeiro lugar a norma do art 173 5º determina ao legislador ordinário instituir a responsabilidade da pessoa jurídica assim como a responsabilidade individual de seus dirigentes por atos contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular nestes termos Art 173 5º CF A lei sem prejuízo da responsa bilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica estabelecerá a responsabilidade desta sujeitandoa às punições compatíveis com sua natureza nos atos prati cados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 662 242012 162847 663 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica Alguns constitucionalistas2 afirmam que onde a Constituição fala de responsabilidade quer dizer na verdade responsabilidade penal da pessoa jurídica por causa da expressa referência a punições com patíveis com sua natureza Não obstante especialistas em Direito Penal3 afirmam que onde a Constituição fala de responsabilidade quer dizer simplesmente respon sabilidade sem adjetivos a a atribuição de responsabilidade na norma constitucional define um conceito jurídico geral inconfundível com a atribuição de responsabilidade penal como conceito jurídico espe cial b além disso o conceito jurídico de punição não é exclusivo do Direito Penal como parecem pensar os constitucionalistas abrange também sanções administrativas com fins retributivos e preventivos semelhantes às sanções penais e às vezes como no caso das multas administrativas da Lei 960598 com poder aflitivo e portanto retributivo muito superior ao das penas criminais substituídas por penas restritivas de direito ou com início de execução em regime aberto por exemplo E ainda mais importante a norma constitucional sobre respon sabilidade sempre sem adjetivos da pessoa jurídica e das pessoas físicas dirigentes da pessoa jurídica tem por objeto exclusivamente 2 Assim por exemplo RIBEIRO BASTOS e GANDRA MARTINS Comentários à Constituição do Brasil 1990 v 7 p 103 s também AFONSO DA SILVA Curso de direito constitucional positivo 1994 p 718 3 Nesse sentido CERNICCHIARO Direito penal na Constituição 1995 p 155 BITENCOURT Reflexões sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica in Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica e Medidas Provisórias RT 1999 p 51 71 esp p 68 DOTTI A incapacidade criminal da pessoa jurídica uma perspectiva do direito brasileiro RBCCRIM 11 1995 p 184 s PRADO Crimes contra o ambiente RT 1998 p 2023 REALE JR A lei de crimes ambientais RF n 345 p 121 SIRVINSKAS Tutela penal do meio ambiente 1998 p 23 Exceções entre penalistas seriam ARAÚJO JR Societas delinquere potest in Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica e Medidas Provisórias RT 1999 p 7294 e SHECAIRA Responsabilidade penal da pessoa jurídica 1999 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 663 242012 162847 664 Anexo Capítulo 25 atos contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular a norma do art 173 5º da Constituição da República não inclui o meio ambiente O argumento de alguns constitucionalistas4 de que a norma incluiria o meio ambiente porque a defesa do meio ambiente constitui um princípio geral da atividade econômica art 170 VI CR é precário afinal se a norma constitucional inclui o meio ambiente por causa de sua natureza de princípio geral da atividade econômica então deveria incluir também e com maior razão a propriedade privada a livre concorrência a defesa do consumidor etc igualmente referidos como princípios gerais da atividade econômica art 170 III IV V da Constituição da República o que seria absurdo Curto e grosso nenhum legislador aboliria o princípio consti tucional da responsabilidade penal pessoal de modo tão camuflado ou hermético como se a Carta Constitucional fosse uma carta enigmática decifrável somente por iluminados Ao contrário se o constituinte tivesse pretendido instituir exceções à regra secular da responsabilidade penal pessoal teria utilizado linguagem clara e inequívoca tanto sobre a natureza penal dessa responsabilidade quanto sobre as áreas de in cidência dessa excepcional responsabilidade penal redigindo a norma do art 173 5o CF deste modo por exemplo A lei sem prejuízo da responsabilidade penal indi vidual dos dirigentes da pessoa jurídica estabelecerá a responsabilidade penal desta sujeitandoa às punições compatíveis com sua natureza nos crimes praticados contra a ordem econômica e financeira contra a econo mia popular e contra o meio ambiente5 4 Nesse sentido AFONSO DA SILVA Curso de direito constitucional positivo 1994 p 718 5 Observação as palavras em negrito foram acrescentadas ao texto legal com exceção da palavra crimes que substitui a palavra atos Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 664 242012 162847 665 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica Mas a norma constitucional não está assim redigida a Consti tuição fala em responsabilidade e não em responsabilidade penal a Constituição fala de atos e não de crimes finalmente a Constituição delimita as áreas de incidência da responsabilidade pela prática desses atos exclusivamente à ordem econômica e financeira e à economia po pular não inclui o meio ambiente Em síntese a se a Constituição fala em responsabilidade então o intérprete não pode ler responsabilidade penal nem o legislador ordinário está autorizado a instituir responsabilidades penais da pessoa jurídica b se a constituição fala em atos então nem o intérprete nem o legislador ordinário podem ler crimes c se a Constituição circunscreve as exceções às áreas da ordem econômica e financeira e da economia popular então nem o intérprete nem o legislador ordinário podem incluir outras exceções como o meio ambiente por exemplo alegando que sua defesa constitui princípio geral da atividade econômica porque deveria incluir outros princípios gerais da atividade econômica a propriedade privada a livre concorrência etc como mencionado 2 Em segundo lugar a norma do art 225 3º da Constituição estruturada em conceitos pares claramente correlacionados prevê sanções penais e administrativas contra pessoas físicas ou jurídicas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente deste modo Art 225 3º CR As condutas e atividades conside radas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores pessoas físicas ou jurídicas a sanções penais e adminis trativas independentemente da obrigação de reparar os danos causados De novo constitucionalistas e ambientalistas6 proclamam a ruptura do princípio constitucional da responsabilidade penal pes soal mediante interpretação que suprime as diferenças semânticas 6 Exceção notável é CRETELLA JR Comentários à Constituição de 1988 1993 v 8 p 4045 cuja opinião neste aspecto coincide com a dos penalistas Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 665 242012 162847 666 Anexo Capítulo 25 das palavras condutas e atividades7 arbitrariamente consideradas sinônimos aplicáveis indiferentemente às pessoas físicas e jurídicas8 também arbitrariamente consideradas passíveis de iguais sanções penais e administrativas Em contraposição especialistas em Direito Penal9 rejeitam a pretendida ruptura do princípio constitucional da responsabilidade penal pessoal fundados nas diferenças semânticas das palavras condutas e atividades do texto legal que estruturam as seguintes correlações lógicas a as condutas de pessoas físicas sujeitarão os infratores a san ções penais b as atividades de pessoas jurídicas sujeitarão os infratores a sanções administrativas Como se vê aquela leitura considera como sinônimos palavras de conteúdos semânticos diversos esta leitura atribui diferentes significados semânticos a diferentes palavras da lei Afinal a lei não contém palavras inúteis e o emprego de sinônimos seria uma inutilidade incompatível com a técnica legislativa e com a inteligência do Legislador A análise mais elementar do texto constitucional mostra que a responsabilidade penal continua pessoal no Brasil a Constitui ção não instituiu a exceção da responsabilidade penal impessoal da pessoa jurídica10 A tese da responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais parece resultar de leitura apressada das normas constitucionais não raro influenciada pelo fenômeno psíquico de projeção dos desejos pessoais do intérprete da lei 7 Por exemplo PINTO FERREIRA Comentários à Constituição Brasileira 1995 v 7 p 302 8 Assim SHECAIRA Responsabilidade penal da pessoa jurídica 1999 p 119 para quem os vocábulos conduta e atividade foram empregados como sinônimos 9 Exceções novamente entre penalistas ARAÚJO JR Societas delinquere potest in Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica e Medidas Provisórias RT São Paulo 1999 p 7294 SHECAIRA Responsabilidade penal da pessoa jurídica 1999 10 Assim também CERNICCHIARO Direito penal na Constituição 1995 p 144 DOTTI A incapacidade criminal da pessoa jurídica in Revista brasileira de ciências criminais 1995 n 11 p 187 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 666 242012 162847 667 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica Logo a criminalização da pessoa jurídica realizada pelo Legis lador ordinário em crimes ambientais Lei 960598 como forma de responsabilidade penal impessoal é inconstitucional as normas do art 173 5º e do art 225 3º da Constituição não instituíram nem autorizaram o Legislador a instituir a exceção da responsabilidade penal da pessoa jurídica 3 Seja como for é necessário demonstrar que a estrutura legal da pessoa jurídica não suporta as categorias conceituais da responsabilidade penal pessoal de seres humanos por um lado colide com os princípios cons titucionais da legalidade e da culpabilidade que definem o conceito de crime por outro lado colide com os princípios constitucionais da personalidade e da individualização da pena que informam o conceito de pena Essa demonstração é importante para desfazer a ilusão de que a pessoa jurídica pode cometer crimes e assim superar a tese absurda da responsabilidade penal da pessoa jurídica III Problemas da responsabilidade penal da pessoa jurídica A Lei 960598 instituiu um sistema duplo de responsabilidade administrativa civil e penal por crimes ambientais a a responsabilida de da pessoa jurídica em casos de infração cometida por decisão de representante legal ou contratual ou de órgão colegiado no interesse ou benefício da entidade art 3o b a responsabilidade das pessoas físicas isolada ou cumulativa na qualidade de autoras coautoras ou partícipes do mesmo fato Parágrafo único Art 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 667 242012 162847 668 Anexo Capítulo 25 ou de seu órgão colegiado no interesse ou benefício da sua entidade Parágrafo único A responsabilidade das pessoas jurí dicas não exclui a das pessoas físicas autoras coautoras ou partícipes do mesmo fato Assim do ponto de vista descritivo a imputação de crime à pessoa jurídica pressupõe a realização de infração penal b relação causal entre a infração e decisão de representante legal ou contratual ou de órgão colegiado da pessoa jurídica c existência de interesse ou benefício da pessoa jurídica na infração Esses elementos típicos podem ser sumariados como segue 1 O conceito de infração é um gênero que compreende fatos dolo sos e imprudentes realizados por ação ou por omissão de ação mas definidos necessariamente na Lei de crimes ambientais a única que fala de responsabilidade penal da pessoa jurídica 2 A relação de causalidade entre a decisão de representante legal ou contratual ou de órgão colegiado da pessoa jurídica e a infração significa o seguinte a o tipo objetivo de um crime ambiental pode ser realizado por qualquer órgão da pessoa jurídica empregados geren tes diretores proprietários etc b o tipo subjetivo do crime como dolo decisão de realizar uma ação proibida pela lei penal ou como imprudência decisão de realizar uma ação permitida com lesão do dever de cuidado ou do risco permitido deve ser atribuído ao repre sentante legal ou contratual ou órgão colegiado da pessoa jurídica 21 A decisão de representante legal ou contratual tomada na quali dade de pessoa física individualizada pode ser determinada de modo preciso nos seus conteúdos de dolo e de imprudência como qualquer caso de autoria individual ou de autoria coletiva de fatos puníveis Nesses casos a responsabilidade da pessoa jurídica administrativa civil e penal poderia ser admitida mas é preciso esclarecer somente como efeito da condenação de pessoa física individualizada na qualidade de autora individual ou coletiva de crime ambiental Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 668 242012 162847 669 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica 22 Contudo a decisão de órgão colegiado como ocorre em grandes empresas especialmente sociedades por ações em que as deliberações são tomadas por coletividades ou assembléias de acionistas com votações inominadas divididas ou fragmentadas não pode ser abordada pelas categorias analíticas do fato punível por razões evidentes a a autoria da decisão é indeterminável b o tipo de injusto é indemonstrável em especial nas dimensões subjetivas do dolo e da imprudência c a culpabilidade como juízo de reprovação pela realização do tipo de injusto é impossível A razão é simples a pessoa jurídica é incapaz de ação tipo de injusto e incapaz de culpabilidade juízo de reprovação 3 Por último a infração causada por decisão de representante ou de órgãos da pessoa jurídica deve ter sido realizada no interesse ou em benefício da pessoa jurídica como finalidades específicas atribuídas ao tipo de injusto elemento subjetivo especial O conteúdo semântico de interesse significa o que é importante útil ou vantajoso do ponto de vista material social ou moral11 o conteúdo semântico de benefício significa proveito vantagem ou direito econômico financeiro publicitário etc12 1 A pessoa jurídica e o conceito de crime A definição do conceito de pessoa jurídica é condição de qualquer proposta de criminalização necessária para poder identificar o modo e os meios pelos quais tal entidade praticaria crimes A lei brasileira instituiu a responsabilidade penal da pessoa jurídica mas não definiu o conceito de pessoa jurídica para fundamentar a imputação de fatos puníveis Como se sabe esse conceito é definido por duas teorias a teoria da ficção de SAVIGNY e a teoria da realidade de GIERKE 11 Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa verbete interesse 12 Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa verbete benefício Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 669 242012 162848 670 Anexo Capítulo 25 A teoria da ficção considera a pessoa jurídica uma criação da lei à qual atribui simples vontade reflexa formada no aparelho psíquico de pessoas físicas e imputada à pessoa jurídica como responsabilidade subsequente ou seja como efeito da condenação das pessoas físicas A teoria da realidade considera a pessoa jurídica um ser autônomo portador de uma vontade real formada pelo encontro de vontades indi viduais em reuniões deliberações e votos13 Uma tomada de posição em face dessas teorias é importante porque permitiria desvendar muitas coisas obscuras por exemplo a sede do dolo e da imprudência tipo de injusto ou o fundamento do juízo de reprovação culpabilidade ou seja as bases fáticas e normativas da instituída responsabilidade penal das empresas Logo a primeira coisa a esclarecer seria esta pergunta o substrato psicossomático do tipo de injusto e da culpabilidade existe na pessoa física conforme a teoria da ficção ou existe na pessoa jurídica segundo a teoria da realidade a Segundo a teoria da ficção as dimensões subjetivas do tipo de injusto consciência e vontade de realizar o fato e da culpabilidade consciência e vontade de realizar o desvalor do fato somente podem existir na pessoa física nunca podendo existir na estrutura incorpórea da pessoa jurídica uma criação legal não dispõe da estrutura biológica e psíquica do ser humano necessária para decisões dolosas ou im prudentes em condições de reprovação pessoal de culpabilidade14 b Segundo a teoria da realidade as dimensões subjetivas do tipo de injusto e da culpabilidade podem se realizar na pessoa jurídica portadora de vontade coletiva produzida em reuniões delibe rações ou votos uma espécie de vontade pragmática que dirige a ação 13 CONTE e MAISTRE DU CHAMBOM Droit pénal général 2000 p 198 n 369 também ZAFFARONI in Parecer para o Mandado de Segurança n 200102010466368 do Tribunal Regional Federal da 2a Região impetrado por PETRÓLEO BRASILEIRO SA PETROBRAS 14 Ver CONTE e MAISTRE DU CHAMBOM Droit pénal général 2000 p 198 n 369 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 670 242012 162848 671 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica da empresa15 Assim a capacidade de ação da pessoa jurídica teria por fundamento a vontade coletiva sedimentada em reuniões deliberações e votos produtora da chamada ação institucional um conceito de natureza sociológica com o qual se pretende inaugurar uma perspec tiva dicotômica de dupla imputação no Direito Penal i imputação de ação humana às pessoas físicas ii imputação de ação institucional às pessoas jurídicas16 Não obstante como todos sabem essa vontade coletiva ou pragmática produtora da ação institucional da pessoa jurídica não se confunde com a vontade consciente do conceito de ação da pessoa física a vontade coletiva da ação institucional não contém os requisitos internos da ação humana como base psicossomática do conceito de crime que fundamentam a natureza pessoal da responsabilidade penal17 11 A pessoa jurídica e o conceito de tipo de injusto O conceito de tipo de injusto como ação típica e antijurídica concreta é inviabilizado pela raiz a incapacidade de ação da pessoa jurídica impede a realização do tipo de injusto 111 A incapacidade de ação A ação fundamento psicossomático do crime ou substantivo qualificado pelos adjetivos do tipo de injusto e da culpabilidade designa fenômeno exclusivamente humano in confundível com o conceito de ação institucional atribuído à pessoa jurídica como indica a teoria da ação a no modelo causal a ação 15 SHECAIRA in Responsabilidade penal da pessoa jurídica 1999 p 95 16 Assim os conceitos e a linguagem de SHECAIRA in Responsabilidade penal da pessoa jurídica 1999 p 95 17 Igualmente DOTTI A incapacidade criminal da pessoa jurídica in Revista brasileira de ciências criminais 1995 n 11 p 191 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 671 242012 162848 672 Anexo Capítulo 25 seria comportamento humano voluntário18 b no modelo final a ação é acontecimento dirigido pela vontade consciente do fim19 c no modelo social a ação é comportamento humano de relevância social dominado ou dominável pela vontade20 d no modelo pessoal a ação é manifestação da personalidade21 etc Em poucas palavras se a ação como fundamento psicossomático do conceito de crime é fenômeno exclusivamente humano então a pessoa jurídica um ente jurídico constituído por seres humanos mas inconfundível com os seres humanos constituintes é incapaz de ação Por isso qualquer manual de Direito Penal define os atos ou a ativida de das pessoas jurídicas como situações de ausência de ação22 Logo a incapacidade de ação no sentido de ação realizada ou de ação omitida as modalidades concretas das proibições ou comandos instituídos pela norma penal para proteção de bens jurídicos é o primeiro obstáculo insuperável da proposta de criminalização da pessoa jurídica Em sentido contrário um argumento usado para demonstrar a capacidade de ação da pessoa jurídica difundido na literatura pela autoridade de TIEDEMANN23 e assumido como axioma por adeptos da criminalização da pessoa jurídica24 é capcioso se a pessoa jurídica pode realizar a ação de contratar por exemplo um contrato de compra 18 LISZT Strafrecht 1891 p 128 19 MAURACHZIPF Strafrecht I 1992 16 n 41 p 202 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 I p 34 20 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 23 VI p 223 21 ROXIN Strafrecht 1997 8 n 44 p 202 22 Ver Teoria da ação Cap 6 p 71 23 Assim TIEDEMANN Responsabilidad penal de personas jurídicas y empresas en el derecho comparado in Responsabilidade penal da pessoa jurídica e Medidas provisórias e Direito Penal 1999 p 3637 24 Ver por exemplo ARAÚJO JR Societas delinquere potest in Responsabilidade penal da pessoa jurídica e Medidas provisórias e Direito Penal 1999 p 89 também SHECAIRA Responsabilidade penal da pessoa jurídica 1999 p 88 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 672 242012 162848 673 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica e venda então poderia também realizar uma ação criminosa diz o argumento O defeito desse argumento reside em equiparar os fun damentos jurídicos da responsabilidade civil que podem ser somente objetivos com os fundamentos jurídicos da responsabilidade penal que são objetivos e subjetivos a atribuição do tipo objetivo se fundamen ta na realização do risco e a atribuição do tipo subjetivo se fundamenta na realização do plano nos crimes dolosos ou na lesão do dever de cuidado ou do risco permitido nos crimes imprudentes25 Como se vê a ação de contratar de natureza civil e a ação criminosa de natureza penal são conceitos que não se recobrem Na verdade o sofisma da capacidade da pessoa jurídica para a ação de contratar como demonstração de capaci dade para ações criminosas mostra que a tese da responsabilidade penal impessoal da pessoa jurídica racha de alto a baixo o conceito de crime mutilando os componentes psíquicofenomenológicos da estrutura do tipo de injusto e da culpabilidade suprime o componente psicossocial do Direito Penal em suas dimensões de representação e de vontade do fato e de representação da proibição do fato 112 O conceito de tipo de injusto O tipo de injusto como ação típica e antijurídica concreta composto de um tipo objetivo configu rado pela realização do risco e de um tipo subjetivo configurado pela realização do plano também é incompatível com a pessoa jurídica quer definida como ficção quer definida como realidade 26 1121 O tipo de injusto doloso Nos crimes dolosos o tipo subjetivo é constituído por funções específicas do aparelho psíquico do ser hu mano um órgão capaz de consciência representação do mundo e de vontade ação sobre o mundo reais que não existe na pessoa jurídica Por exemplo a teoria da ficção excluise por si mesma se é fictícia não é real e a teoria da realidade não pode explicar de que modo a vontade coletiva da pessoa jurídica manifestada em reuniões deliberações ou 25 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 144 p 434 26 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 144148 p 434437 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 673 242012 162848 674 Anexo Capítulo 25 votos produziria os fenômenos psíquicos da consciência e da vontade dolo de realizar um crime De fato a chamada vontade coletiva da pessoa jurídica é incapaz de dolo como vontade consciente de realizar um crime se a vontade é energia psíquica individual produtora da ação típica e se a consciência é direção inteligente daquela energia psíqui ca individual então esses componentes não podem existir no vazio psíquico da impessoal vontade coletiva da pessoa jurídica Em direta correlação com a incapacidade de dolo a vontade coletiva da pessoa jurídica é incapaz de erro de tipo fenômeno psíquico negativo do dolo como defeito de representação de elementos ou circunstâncias objetivas do tipo legal A incapacidade de dolo e de erro de tipo da vontade coletiva ou pragmática da pessoa jurídica decorre do mesmo defeito de constituição o aparelho psíquico produtor do dolo e pas sível de erro de tipo defeito intelectual na formação do dolo não é órgão da pessoa jurídica mas órgão da pessoa física A existência real de aparelho psíquico como sede do dolo e contexto do erro de tipo explica o princípio da coincidência temporal entre a formação do dolo ou do erro de tipo e a realização da ação típica uma relação ini maginável na vontade coletiva atribuída à pessoa jurídica definida em reuniões deliberações e votos ou de qualquer outro modo imaginável27 1122 O tipo de injusto imprudente A vontade coletiva ou pragmá tica da pessoa jurídica também é incapaz de imprudência fenômeno fundado na capacidade individual pelo sistema da generalização de JESCHECKWEIGEND ou pelo sistema da individualização de STRATENWERTH o critério da capacidade individual utilizado para definir o tipo de injusto imprudente como lesão do dever de cuidado ou do risco permitido é inaplicável à pessoa jurídica e não 27 Ver O tipo de injusto doloso de ação Cap 8 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 4 p 364 n 801 p 401 n 86 p 405 e 20 n 56 p 782 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 II 2 p 293 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 203 p 64 DOTTI A incapacidade criminal da pessoa jurídica in Revista brasileira de ciências criminais 1995 n 11 p 194 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 674 242012 162848 675 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica pode ser substituído por critérios análogos como o da capacidade empresarial por exemplo Mais a lesão do dever de cuidado ou do risco permitido supõe o modelo contrário de homem prudente capaz de observação da e reflexão sobre a criaçãorealização do risco o modelo do homem prudente parâmetro social para definir o comportamento imprudente é inaplicável à pessoa jurídica e igualmente insubstituível por modelos análogos como o de empresa prudente por exemplo Enfim a previsibilidade do resultado limiar mínimo de impu tação do resultado nos crimes de imprudência é fenômeno exclusivo do aparelho psíquico individual quer como imprudência inconsciente imprevisão de resultado típico previsível quer como imprudência consciente confiança de evitar resultado típico previsto28 1123 O tipo de injusto omissivo Igualmente a vontade coletiva ou pragmática da mencionada ação institucional é incapaz de omissão de ação se a pessoa jurídica é incapaz de ação como fundamento psicossomático do conceito de crime então é necessariamente incapaz de omissão de ação cujo pressuposto lógico é a capacidade concreta de ação definida na literatura como capacidade individual de ação ou como possibilidade físicoreal de agir29 inexistente na ação institucional produzida pela indefinível vontade pragmática da pessoa jurídica se a pessoa jurídica não pode realizar ação então também não pode omitir ação 113 Conclusão se a pessoa jurídica é incapaz de realizar o tipo de injusto doloso imprudente e omissivo então a criminalização da 28 Ver O tipo de injusto imprudente Cap 9 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 II 3 p 586587 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 667 29 Ver O tipo de injusto de omissão de ação Cap 10 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 II 2 p 616 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 708 p 225 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 675 242012 162848 676 Anexo Capítulo 25 pessoa jurídica infringe a dimensão material do princípio da legalidade expressa na fórmula nullum crimen sine lege art 5º XXXIX CR 12 A pessoa jurídica e o conceito de culpabilidade Assim como a pessoa jurídica é incapaz de ação pela mesma razão é incapaz de culpabilidade se a pessoa jurídica não pode agir também não tem o poder de agir de outro modo que fundamenta o juízo de reprovação O princípio da culpabilidade popularizado na fórmula nullum crimen sine culpa possui uma estrutura universal assim de finida a a capacidade de culpabilidade indica se o sujeito é capaz de saber e de controlar o que faz excluída ou reduzida nas hipóteses de menoridade ou de insanidade psíquica b o conhecimento do injusto indica se o sujeito sabe realmente o que faz excluído ou reduzido nas hipóteses de erro de proibição c a exigibilidade de comportamento diverso fundada na normalidade das circunstâncias da ação indica se o sujeito teria tido o poder de não fazer o que fez excluído ou reduzido em situações de exculpação específicas30 Esse conceito de culpabilidade como juízo de reprovação de um sujeito imputável o sujeito é capaz de saber e de controlar o que faz que realiza um tipo de crime com consciência do injusto o sujeito sabe realmente o que faz em condições de normalidade de circunstâncias o sujeito tem o poder de não fazer o que faz exprime o poder de agir de outro modo do conceito normativo de culpabilidade atribuível ao ser humano mas impossível de ser atribuído à pessoa jurídica como se demonstra 121 Primeiro a pessoa jurídica não tem capacidade de culpabilidade porque as condições pessoais de maturidade e de sanidade mental dos seres humanos não existem na entidade incorpórea da pessoa jurí 30 Ver Culpabilidade e exculpação Cap 12 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 676 242012 162848 677 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica dica a despeito da alegada vontade coletiva ou pragmática produzida em reuniões deliberações ou votos a capacidade de culpabilidade não pode ser suprida pelo tempo de registro do contrato social da pessoa jurídica na Junta Comercial por exemplo e estados psíquicos anormais como psicoses doença mental ou oligofrenias desenvolvimento men tal incompleto ou retardado não podem ser diagnosticados naquela vontade coletiva ou pragmática das reuniões etc Neste ponto a hipótese de uma vontade coletiva deliberada em reunião de pessoa jurídica formada por 2 sócios inimputáveis por doença mental digamos um é paranóico outro é esquizofrênico conduziria a situações de delírio jurídico a se a responsabilidade penal da pessoa jurídica é independente da responsabilidade penal das pessoas físicas dos sócios art 3º parágrafo único Lei 960598 então é preciso explicar de que modo pessoas físicas inimputáveis ou seja incapazes de vontade válida podem produzir uma vontade coletiva válida imputável à pessoa jurídica b ao contrário se a responsabili dade penal da pessoa jurídica é dependente da responsabilidade penal da pessoa física dos sócios a situação ainda fica pior então é preciso explicar em que consiste essa vontade coletiva ou pragmática deliberada em reuniões da pessoa jurídica na linha da teoria da realidade 122 Segundo o conhecimento do injusto como conhecimento da antijuridicidade concreta conforme a teoria dominante31 ou da puni bilidade do fato conforme uma teoria moderna32 que permite dizer que o sujeito sabe realmente o que faz só pode existir no aparelho psíquico individual de pessoas físicas a suposta psique coletiva forma dora da vontade pragmática das reuniões deliberações ou votos é uma ficção incorpórea sem existência real incapaz de representar a natureza proibida do tipo de injusto por nenhuma daquelas teorias 31 Assim ROXIN Strafrecht 1997 21 n 1216 p 798800 32 Ver OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 13 IV 1b n 41 p 203 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 677 242012 162848 678 Anexo Capítulo 25 Neste ponto temos o seguinte problema se no tipo subjetivo objeto de conhecimento é o fato descrito no tipo de injusto na cul pabilidade objeto de conhecimento é a proibição do fato descrito no tipo de injusto a fragmentada psique coletiva produtora da vontade pragmática da pessoa jurídica não existe como aparelho psíquico capaz de empregar reflexão ou utilizar informações para conhecer o injusto do fato concreto Daqui seguem desdobramentos importantes a a impossibilidade da psique coletiva funcionar como unidade orgânica capaz de reflexão e de informação exclui a possibilidade de erro de proibição como fenômeno psíquico negativo do conhecimento do injusto consistente em defeito de representação da natureza proibida do fato por reflexão insuficiente ou informação deficiente b a falta de aparelho psíquico como órgão do conhecimento do injusto e do erro de proibição impede a verificação do princípio da coincidência entre a formação da consciência do injusto ou a ocorrência do erro de proibição e a realização do tipo de injusto um fenômeno psíquico impossível na chamada vontade coletiva ou prag mática definida em reuniões deliberações ou votos da pessoa jurídica c a impossibilidade de decidir sobre a natureza evitável ou inevi tável do erro de proibição uma decisão dependente de componentes intelectuais e emocionais do autor no momento de realização do fato na incorpórea psique coletiva dessa vontade pragmática da pessoa jurídica no caso de vontade coletiva deliberada em reunião de pessoa jurídica constituída por 2 sócios em situação individual de erro de proibição inevitável por exemplo transporte de lenha sem licença da autori dade competente art 46 da Lei 960598 teríamos outra situação delirante a se o erro de proibição inevitável das pessoas físicas exclui a reprovação da pessoa jurídica seria necessário explicar a autonomia processual da responsabilidade penal da pessoa jurídica em relação à responsabilidade penal das pessoas físicas dos sócios b se o erro de proibição inevitável das pessoas físicas não exclui a reprovação da pessoa jurídica seria necessário explicar de que modo um erro de proibição Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 678 242012 162848 679 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica inevitável dos sócios pode produzir uma vontade coletiva reprovável da pessoa jurídica que pressupõe conhecimento real ou possível do injusto 123 Terceiro as situações de exculpação fundadas na anormalidade das circunstâncias do fato que realizam a ideia de inexigibilidade de comportamento diverso o traço característico do conceito normativo de culpabilidade são inaplicáveis à pessoa jurídica a psique coletiva portadora da vontade pragmática da pessoa jurídica em qualquer acepção da teoria da realidade é inteiramente imune ou refratária a pressões ou perturbações emocionais excludentes ou redutoras da dirigibilidade normativa como se denomina hoje a capacidade de agir conforme ao direito próprias das situações de exculpação concretas admitidas pela legislação penal Esses argumentos indicam que o chamado modelo analógico de culpabilidade proposto por TIEDEMAN para a pessoa jurídica33 é pura ficção afinal os defeitos ou falhas de organização que fundamentariam a culpabilidade de empresa não seriam atribuíveis à pessoa jurídica como pretende o modelo mas às pessoas físicas dirigentes desta34 Em resumo o conceito de culpabilidade também é incompatível com o conceito de pessoa jurídica 33 TIEDEMANN Strafrecht in der Marktwirtschaft 1993 p 527 ver também Responsabilidad penal de personas jurídicas y empresas en el derecho comparado in Responsabilidade penal da pessoa jurídica e Medidas provisórias e Direito Penal 1999 p 3841 34 Nesse sentido ROXIN Strafrecht 1997 8 n 62 p 209 também JESCHECK WEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 p 227 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 679 242012 162848 680 Anexo Capítulo 25 13 O modelo francês de responsabilidade penal 131 O art 1212 do Código Penal francês35 instituiu com expres sa exclusão do Estado a responsabilidade penal das pessoas morais por infrações cometidas por sua conta através de seus órgãos ou representantes sem excluir a responsabilidade penal das pessoas físicas autoras ou cúmplices dos mesmos fatos Na França com as exceções normais de homicídio doloso estupro etc as pessoas morais podem ser declaradas penalmente responsáveis por quase todas as infrações penais desde que expressamente previsto na de finição legal da infração por exemplo a crimes e delitos contra a nação o Estado ou a paz pública terrorismo corrupção tráfico de influência moeda falsa quadrilha etc b crimes e delitos contra as pessoas crimes contra a humanidade proxenetismo homicídio e lesão corporal imprudente poluição tráfico de drogas etc c crimes e delitos contra os bens furto extorsão chantagem fraudes abuso de confiança receptação lavagem de dinheiro delitos eletrônicos etc36 132 Na literatura francesa os argumentos favoráveis à crimina lização das pessoas morais parecem triviais se comparados com os argumentos contrários ou conforme dizem CONTE e MAISTRE DU CHAMBON37 não são suficientes para fazer esquecer os numerosos inconvenientes da solução como se pode verificar 1321 Os argumentos favoráveis alegando que não se discute a imputabilidade da pessoa jurídica mas a imputação de infrações à pessoa jurídica a resolvem a controvérsia teórica assumindo que a pessoa 35 Essa forma de numeração significa art 1o Cap 1 Titulo 2 do Livro 1 lêse de traz para diante 36 Ver LARGUIER Droit Penal Paris Dalloz 2001 18a edição p 1189 SOYER Droit Pénal et Procédure Penal Paris LGDJ 2000 15a edição p 130 37 CONTE e MAISTRE DU CHAMBON Droit Pénal General Paris Dalloz 2000 p 198 n 369 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 680 242012 162848 681 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica jurídica não é uma ficção mas uma realidade capaz de responsabili dade penal b descobrem a existência de sanções penais adequadas às empresas a dissolução da empresa equivaleria à pena de morte por exemplo e c atribuem às pessoas jurídicas responsáveis pela produção e circulação da riqueza no século 20 as formas modernas de infrações econômicas ecológicas etc cuja repressão e prevenção requer sanções penais38 1322 Os argumentos contrários afirmam a que o Direito Penal não se funda em princípios utilitários capazes de enfrentar a criminalidade moderna mas em princípios éticos garantidores da dignidade huma na b que infrações penais não podem ser imputadas diretamente às pessoas jurídicas incapazes de consciência e de ação mas somente às pessoas físicas como dirigentes ou assalariados das pessoas jurídicas c que a criminalização da pessoa jurídica não é compatível com os fundamentos da responsabilidade penal nem com as funções atribu ídas à pena criminal d que a punição de pessoas jurídicas apresenta problemas mais graves do que a punição de pessoas físicas contrariam o princípio da personalidade da pena atingem dirigentes e sócios que não participaram da decisão as penas patrimoniais são repassadas ao consumidor a dissolução da empresa produz desemprego etc39 133 E o mais importante a literatura penal francesa reconhece que a pessoa jurídica é incapaz de cometer crimes intencionais admitin do que a lei instituiu um mecanismo de responsabilidade penal da pessoa jurídica por ricochete da pessoa física ou ainda melhor por empréstimo da pessoa física como afirma SOYER40 38 Assim CONTE e MAISTRE DU CHAMBON Droit Pénal General Paris Dalloz 2000 p 198 n 369 39 Em síntese essas são as conclusões de CONTE e MAISTRE DU CHAMBON Droit Pénal General Paris Dalloz 2000 p 198 n 369 40 SOYER Droit Pénal et Procédure Penal Paris LGDJ 2000 15a edição p 131 Le mécanisme é celui de lemprunt de criminalité Une personne morale étant dépourvue dintention nest pas capable de perpétrer une infraction intentionnelle Cette infraction Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 681 242012 162848 682 Anexo Capítulo 25 285 O mecanismo é aquele do empréstimo da crimi nalidade Uma pessoa moral estando desprovida de intenção não é capaz de perpetrar uma infração intencional Esta infração necessariamente é cometida por uma pessoa física autor principal A responsabilidade da pessoa moral não pode pois se explicar senão por um empréstimo de responsabilidade feito da pessoa física pela pessoa moral Logo a hipótese seguinte é indiscutível se a a pessoa moral é desprovida de intenção e portanto não é capaz de perpetrar uma infra ção intencional que somente pode ser cometida por uma pessoa física e se b a responsabilidade da pessoa moral só pode ser explicada como um empréstimo de responsabilidade da pessoa física pela pessoa moral então está claro também para os franceses que a a pessoa moral não pode praticar crimes somente a pessoa física e que b a pessoa moral não é capaz de responsabilidade penal somente a pessoa física explicandose a responsabilidade penal por um mecanismo de empréstimo da pessoa física para a pessoa jurídica nada mais Finalmente se é assim e de fato assim é então todo o problema consiste em ter sido definido indevidamente como respon sabilidade penal da pessoa jurídica o que realmente não constitui responsabilidade penal mas simples efeito da condenação de pessoas físicas por infrações cometidas por conta da pessoa jurídica como seus órgãos ou representantes nécessairement ést commise par une personne physique auteur principal La responsabilité de la personne morale ne peut donc sexpliquer que par un emprunt de criminalité fait à la personne physique par la personne morale Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 682 242012 162848 683 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica 14 Conclusão sobre a relação pessoa jurídicacrime A demonstração da impossibilidade científica e metodológica de aplicação do conceito de crime ao conceito de pessoa jurídica pode ser assim formulada o conceito de crime representado pelas categorias do tipo de injusto e da culpabilidade construído exclusivamente para o ser humano organização biopsíquica capaz de representação e de vontade a do fato dolo excluído pelo erro de tipo e b do des valor do fato conhecimento do injusto excluído ou reduzido pelo erro de proibição não pode ser aplicado à pessoa jurídica nem como definida pela teoria da realidade ou seja entidade portadora de vontade coletiva ou pragmática produtora da chamada ação institucio nal nem como definida pela teoria da ficção ou seja entidade sem existência real por absoluta incapacidade de produzir os fenômenos psicológicos e emocionais exclusivos da pessoa física 2 A pessoa jurídica e o conceito de pena Além dos problemas relacionados ao conceito de crime a sobre a incapacidade de ação que impede a configuração do tipo de injusto dos crimes dolosos dos crimes imprudentes e dos crimes omissivos e b sobre a incapacidade de culpabilidade determinada pela impossível configuração dos elementos constitutivos do conceito a criminalização da pessoa jurídica apresenta em relação ao conceito de pena problemas igualmente insuperáveis Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 683 242012 162848 684 Anexo Capítulo 25 21 Lesão da técnica legislativa da lei penal Como se sabe a lei penal é constituída de dois elementos ne cessários de modo que a ausência de qualquer deles descaracteriza a produção legislativa como lei penal a o tipo legal como descrição da proibição ou do comando contido no preceito expresso na fórmula nullum crimen sine lege b a sanção penal como determinação da consequência jurídica da culpável violação do preceito expressa na fórmula nulla poena sine lege41 211 A técnica legislativa utilizada pelo Legislador brasileiro no as pecto específico da penalização da pessoa jurídica pela Lei 960598 é defeituosa a as normas penais são perfeitas para pessoas físicas porque contêm preceito e sanção dirigidos a seres humanos como toda lei penal b as normas penais são imperfeitas para pessoas jurí dicas porque contêm preceito mas não contêm sanção aplicável às pessoas jurídicas Logo não possuem o status constitucional de lei penal e portanto não são leis penais para pessoas jurídicas A verificação do defeito é simples as penas de multa de restrição de direitos e de prestação de serviços à comunidade referidas no art 21 da Lei 960598 são genéricas e indeterminadas portanto não apresentam os requisitos de sanção penal no sentido do Princípio da Legalidade a são penas genéricas porque a lei penal não especifica os tipos legais para os quais comina as penas respectivas de modo que ninguém sabe qual pena se aplica a qual tipo penal b são penas indeterminadas porque a lei não determina os limites mínimos e máximos de aplicação das penas cominadas 212 Sobre isso a diferença entre a lei francesa modelo do legis lador brasileiro e a lei brasileira é imensa Por exemplo o Código Penal francês a instituiu a responsabilidade penal das pessoas 41 Ver entre outros JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts Allgemeiner Teil 1996 5a edição 7 1 p 49 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 684 242012 162849 685 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica jurídicas art 1212 b indicou as penas criminais correcionais e contravencionais aplicáveis às pessoas jurídicas art 13137 a 131 49 c especificou os tipos legais aplicáveis às pessoas jurídicas e d determinou os limites legais das penas aplicáveis às pessoas jurídicas 13138 13139 e 131391 Ao contrário a lei brasileira se limitou a instituir a responsabilidade penal das pessoas jurídicas art 3º e a indicar as penas de multa de restrição de direitos e de prestação de serviços à comunidade aplicáveis às pessoas jurídicas art 21 e nada mais exceto referir as espécies das penas restritivas de direitos no art 22 e as hipóteses de prestação de serviços à comunidade no art 23 além da inútil menção à aplicação subsidiária do Código Penal no art 79 deste modo Art 21 As penas aplicáveis isolada cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas de acordo com o disposto no art 3o são I multa II restritivas de direitos III prestação de serviços à comunidade 213 Em resumo o Legislador brasileiro mutilou o modelo adotado omitindo duas determinações essenciais primeiro não especificou os tipos legais aplicáveis às pessoas jurídicas como faz a lei francesa segundo não determinou os limites legais das penas cominadas às pessoas jurídicas como também faz a lei francesa Esse não é um problema formal mas um problema político real vinculado às garantias constitucionais do Estado Democrático de Di reito a especificação dos tipos legais nos quais são cominadas penas criminais e a determinação dos limites legais das penas cominadas são tarefas constitucionais exclusivas do Legislador Em outras palavras nenhum Juiz ou Tribunal pode especificar os tipos legais aos quais se aplicam as genéricas penas cominadas nem determinar os limites penais da cominação legal genérica sem violentar o sistema constitucional de separação de poderes do Estado42 42 Comparar SIRVINKAS Tutela penal do meio ambiente 1998 p 2326 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 685 242012 162849 686 Anexo Capítulo 25 A generalidade e a indeterminação das penas cominadas infringe o princípio da legalidade expresso na fórmula nulla poena sine lege afinal se a lei atribui responsabilidade penal à pessoa jurídica então a pessoa jurídica teria o direito constitucional de conhecer a natureza e a quantidade das penas cominadas pela violação do preceito um conhecimento impossibilitado pela generalidade e indeterminação das penas criminais na legislação brasileira 214 O defeito da lei penal não pode ser corrigido pela aplicação subsidiária às pessoas jurídicas das regras do Código Penal instituídas para pessoas físicas art 79 da Lei 960598 por uma razão simples o artifício da aplicação subsidiária das regras do Código Penal ultrapassa os limites da interpretação da lei penal para constituir integração analógica praeter legem in malam partem realizada por um Juiz que funciona também como Legislador o que é ilegal43 Conclusão a aplicação de sanção penal às pessoas jurídicas pelo emprego subsidiário de princípios gerais exclusivos das pessoas físicas representa integração analógica praeter legem in malam partem com infração do princípio da legalidade 22 Lesão do princípio da personalidade da pena 221 O princípio constitucional da personalidade da pena segundo o qual nenhuma pena passará da pessoa do condenado art 5º XLV CR se realiza no processo penal através dos conceitos de autoria e de participação somente autores e partícipes do fato punível são passíveis de pena criminal Assim em face do princípio constitucio nal da personalidade da pena a questão consiste em saber se a pessoa 43 Assim ZAFFARONI in Parecer para o Mandado de Segurança n 200102010466368 do Tribunal Regional Federal da 2a Região impetrado por PETRÓLEO BRASILEIRO SA PETROBRAS Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 686 242012 162849 687 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica jurídica pode ser autor ou partícipe de fatos puníveis Exceto práticas primitivas de punição de animais o princípio da personalidade da pena concretizado nos conceitos de autor e de partícipe do fato punível nunca foi problemático objeto da pena criminal é o ser humano O conceito de pessoa jurídica definido pela teoria da ficção SAVIGNY ou pela teoria da realidade GIERKE não se confunde com o conceito de pessoa física logo não preenche o conceito de personalidade do princípio constitucional nem pode realizar o conceito de autor ou de partícipe do processo penal pessoas jurídicas não podem realizar fatos puníveis nem por autoria direta mediata ou coletiva nem por participação instigação e cumplicidade44 O princípio da personalidade da pena garantia individual contra a extensão do poder punitivo do Estado a pessoas diversas do autor ou do partícipe do fato punível art 5º XLV CR ou inver samente garantia política de exercício do poder punitivo do Estado exclusivamente sobre autores e partícipes de fatos puníveis pressupõe seres humanos de carne e osso e se realiza no processo penal através dos conceitos de autoria e de participação estruturados com base no comportamento de pessoas naturais ou seja de indivíduos por tadores dos caracteres psicossomáticos do homem Aliás a teoria do domínio do fato define autores e partícipes pelo poder de controlar a realização do tipo de injusto um critério fundado na integração das dimensões objetiva e subjetiva do comportamento humano Nesse sentido o pronome indefinido quem do art 29 do Código Penal e do art 2º da Lei 960598 tem significado semântico inequívoco designa seres humanos Art 29 CP Quem de qualquer modo concorre para o crime incide nas penas a este cominadas na medida de sua culpabilidade 44 Não obstante SHECAIRA Responsabilidade penal da pessoa jurídica 1999 p 130 formula o conceito híbrido de coautoria necessária por autoria mediata em que a empresa seria o autor mediato e a pessoa natural o instrumento Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 687 242012 162849 688 Anexo Capítulo 25 Em suma se a o conceito de pessoa jurídica não se confunde com o conceito de pessoa natural b não preenche o conceito de per sonalidade do princípio constitucional c nem configura o conceito de autor ou de partícipe do processo penal então pessoas jurídicas não podem realizar fatos puníveis nem por autoria em qualquer de suas formas nem por participação como demonstrado Mais se os dois únicos modos pelos quais alguém concorre para o crime art 29 CP são representados pela ação e pela omissão de ação o que recoloca a problemática da incapacidade de ação da pessoa jurídica então a pessoa jurídica não pode de nenhum modo concorrer para crime porque não é capaz de ação nem de omissão de ação fenômenos exclusivamente humanos 222 Além disso a aplicação de pena criminal à pessoa jurídica também determina lesão do princípio da personalidade da pena como demonstra a seguinte hipótese acionistas minoritários vencidos em as sembléias gerais ou sócios que não participaram da decisão no âmbito da pessoa jurídica são atingidos pela pena criminal do mesmo modo que acionistas majoritários ou sócios que participaram da decisão Esse argumento é banalizado por partidários da criminalização da pessoa jurídica alegando que penas criminais também atingem terceiros como a família ou dependentes do réu45 Essa alegação confunde aplicação ou execução de pena criminal com efeitos socioeconômicos de penas criminais sobre a família do condenado A pena de privação de liberdade do réu não significa privação de liberdade da família ou de dependentes do condenado assim como restrições de direitos do réu não significam penas restritivas de direitos da família ou de 45 Assim SHECAIRA Responsabilidade penal da pessoa jurídica 1999 p 8990 Podem se analisar esses argumentos iniciando pelo principio da personalidade das penas A Parte Geral do Código Penal prevê penas privativas de liberdade restritivas de direitos e multa Nenhuma delas deixa de ao menos indiretamente atingir terceiros Quando há uma privação de liberdade de um chefe de família sua mulher e filhos se vêem privados daquele que mais contribui no sustento do lar Idêntico inconveniente ocorreria se a pena fosse de interdição de direitos O mesmo argumento é válido para a multa Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 688 242012 162849 689 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica dependentes do condenado etc Os efeitos socioeconômicos da privação de liberdade sobre a família e dependentes do réu seriam os mesmos no caso de desemprego doença ou morte do paimarido e portanto não representam exceções ao princípio da personalidade da pena presente em todas as constituições modernas 23 Lesão do princípio da individualização da pena A garantia constitucional da individualização da pena art 5o XLVI CR realizada segundo conteúdos e métodos definidos pela legislação penal arts 5968 CP também é inviabilizada pela inca pacidade de culpabilidade da pessoa jurídica Primeiro o conceito de culpabilidade não se caracteriza como qualidade do fato punível ou seja como elemento do conceito de crime porque a entidade incorpórea da pessoa jurídica é desprovida de aparelho psíquico capaz de saber e de controlar o que faz do ponto de vista abstrato imputabilidade e do ponto de vista concreto conheci mento do injusto ou de consubstanciar o poder de não fazer o que faz exigibilidade pressuposto no conceito normativo de culpabilidade Segundo o conceito de culpabilidade não pode funcionar como critério de quantidade da pena criminal da pessoa jurídica a ausência dos atributos graduáveis de capacidade de culpabilidade de conhecimento do injusto e de exigibilidade de comportamento diverso que informam a culpabilidade exclui a mais importante circunstância judicial de mensuração da penabase art 59 CP decisiva para o processo de individualização da pena criminal Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 689 242012 162849 690 Anexo Capítulo 25 24 Lesão das funções declaradas do discurso oficial da pena As funções atribuídas à pena criminal pelo discurso oficial da teoria jurídica da pena de reprovação da culpabilidade e de prevenção geral e especial da criminalidade art 59 CP são inaplicáveis à pes soa jurídica a ficção legal ou a massa patrimonial da pessoa jurídica é incapaz das emoções ou dos sentimentos humanos que fundamentam as funções atribuídas à pena criminal pelo discurso oficial 241 Em primeiro lugar a reprovação do crime medida pela pena retributiva de culpabilidade não pode incidir sobre a vontade coletiva ou pragmática da pessoa jurídica porque a psique impessoal e incorpó rea da pessoa jurídica é incapaz de sofrimento ou de arrependimento estados afetivos exclusivos do ser humano pressupostos na função de retribuição penal do discurso oficial 242 Em segundo lugar a prevenção geral negativa de desestímulo da criminalidade pela intimidação de criminosos potenciais46 não pode atuar sobre a empresa a vontade coletiva transpsíquica ou interpessoal da pessoa jurídica não é sensível à função de intimidação atribuída pelo discurso oficial Por causa disso os partidários da criminalização da pessoa jurídica destacam a função de prevenção geral positiva da pena criminal de reforço dos valores comunitários ou de estabilização das expectativas normativas desestabilizadas pelo crime etc47 neste caso ignorando que a dimensão positiva não pode existir sem a dimensão negativa de intimidação do criminoso potencial afinal o conteúdo aflitivo da pena é pressuposto das funções de confirmação da validade da norma ou de contradição da negação da norma às custas do autor etc 46 ROXIN Strafrecht 1997 3 n 25 p 50 47 ROXIN Strafrecht 1997 3 n 26 p 50 JAKOBS Strafrecht 1993 n 1 p 35 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 690 242012 162849 691 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica 243 Por último a prevenção especial negativa de neutralização do condenado mediante privação da liberdade pessoal é impensável nas pessoas jurídicas empresas não podem ser encarceradas Mais uma vez os partidários da criminalização da pessoa jurídica enfatizam a pre venção especial positiva como ressocialização do condenado de novo ignorando que a prevenção geral positiva de correção do condenado pela execução da pena48 constitui programa pedagógico jamais realiza do na pessoa física e impossível de ser realizado na pessoa jurídica49 25 Conclusão As conclusões sobre a relação entre a instituição legal da pessoa jurídica e o conceito de pena criminal podem ser assim resumidas 251 O conceito de lei penal estruturado pela descrição do tipo legal nullum crimen sine lege e pela previsão da sanção penal nulla poena sine lege não está caracterizado na lei que instituiu a responsabilida de penal das pessoas jurídicas por generalidade e indeterminação das penas cominadas defeito constitucional não suprível pela aplicação subsidiária das regras instituídas para pessoas físicas art 79 da Lei 960598 porque constituiria integração analógica praeter legem in malam partem com infração do princípio da legalidade 252 O conceito de pena representado pelos objetivos de retribuição da culpabilidade e de prevenção da criminalidade segundo o discur so oficial da teoria jurídica da pena desenvolvido para atuar sobre 48 ROXIN Strafrecht 1997 3 n 11 p 4445 49 O discurso de SHECAIRA Responsabilidade penal da pessoa jurídica 1999 p 107 de que a pena se justifica como retribuição com objetivos preventivos ignora a diferença irredutível entre retribuição e prevenção por outro lado a proposta de combinar prevenção geral positiva com prevenção especial não marcada pelo retributivismo é irreal a prevenção geral positiva depende da negativa e nenhuma retórica consegue encobrir o fracasso histórico da prevenção especial Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 691 242012 162849 692 Anexo Capítulo 25 o complexo de afetos emoções ou sentimentos da psique humana organização biopsíquica capaz de sofrimento de arrependimento de intimidação e de aprendizagem não pode incidir sobre a psique impes soal e incorpórea da pessoa jurídica insuscetível de produzir qualquer das atitudes dos estados ou dos sentimentos humanos pressupostos no discurso oficial da teoria jurídica da pena criminal 253 Enfim se os objetivos atribuídos à pena criminal são incompa tíveis com a pessoa jurídica parece lícito perguntar por que instituir a responsabilidade penal da pessoa jurídica Afinal não seria mais simples promover a responsabilidade penal de pessoas físicas com po der de representação das pessoas jurídicas diretores administradores gerentes etc e na hipótese de condenação por infrações cometidas no interesse ou benefício da pessoa jurídica aplicar as sanções de extinção interdição suspensão multas ou outras quaisquer do arsenal jurídico como efeito da condenação das pessoas físicas dirigentes Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 692 242012 162849 693 Bibliografia AFONSO DA SILVA José Curso de direito constitucional positivo 1994 ALBRECHT PeterAlexis Kriminologie Beck 1999 ALBUQUERQUE MELLO Celso Duvivier Curso de direito internacio nal público Forense 2001 ALEXY Robert Theorie der Grundrecbte Suhrkamp 1994 ALIGHIERI Dante La Divina Commedia Canto Terzo 9 Ulrico Hoepli Editore Libraio ANDRADE Vera Regina Pereira de Sistema penal máximo x cidadania mínima Livraria do Advogado 2003 ANIYAR DE CASTRO Lola Criminología de la reacción social Mara caibo 1977 ARAÚJO JÚNIOR João Marcelo Societas delinquere potest In Responsa bilidade penal da pessoa jurídica e Medidas provisórias e Direito penal 1999 ARZT G Leichtfertigkeit und recklessness In SchröderGedächtnisschrift 1978 BARATTA Alessandro Criminologia crítica e 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EDIÇÃOindd 704 242012 162850 705 Bibliografia KRAUSE FriedrichWilhelm Die Objektiven Bedingungen der Straf barkeit In Jura Juristische Ausbildung 1980 KREY Volker Examensklausur Strafrecht Fall zu Problemen des rechtfertigenden und entschuldigenden Notstandes In Jura Juristische Ausbildung 1979 KRIES Johannes von Die Prinzipien der Warscheinlichkeitsrechnung Mohr 1886 KUEHNE Maurício Lei de execução penal anotada Juruá 2003 KÜHL Kristian Strafrecht Allgemeiner Teil Vahlen 1997 KUHLEN Lothar Die Unterscheindung von vorsatzausschliessendem und nichtvorsatzausschliessendem Irrtum 1987 KÜPPER Georg Grund und Grenzfragen der rechtfertigenden Pflichtenkollision im Strafrecht 1979 Der verschuldete rechtfertigende Notstand 1983 Zum Verhältnis von dolus eventualis Gefährdungsvorsatz und bewusster Fahrlässigkeit In ZStW Zeitschrift für die gesamte Strafrechtswis senschaft 100 1988 LACKNER Karl Strafgesetzbuch mit Erläuterungen Beck 1995 Prävention und Schuldunfähigkeit In KleinknechtFestschrift 1985 LANGHINRICHSEN Dietrich Epoché und Schuld Über den von stra frechtlicher Schuld ausgeschlossenen Raum In BärmannFestschrift 1975 LAPLANCHE Jean PONTALIS JeanBertrand Vocabulário da psica nálise Martins Fontes 1986 LARGUIER Jean Droit pénal general 2001 LEIPZIGER KOMMENTAR Strafgesetzbuch 197989 1992 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 705 242012 162850 706 Bibliografia LEMERT Edwin Human Deviance Social Problems and Social Control PrenticeHall 1972 LENCKNER Theodor Das Merkmal der Nichtanders Abwendbarkeit der Gefahr in den 34 35 StGB In Lackner Festschrift 1987 LENZ Robert A Die Diensthandlung und ihre Rechtmässigkeit in 113 StGB Diss Bonn 1987 LISZT Franz von Lehrbuch des Deutschen Strafrechts 1881 Strafrecht 1919 Der Zweckgedanke im Strafrecht 1905 Strafrechtliche Vorträge und Aufsätze 1905 SCHMIDT Eberhard Lehrbuch des Deutschen Strafrechts 1932 LOPES JR Aury Introdução crítica ao processo penal fundamentos da instrumentalidade garantista Liber Juris 2004 LÜCKE Der Allgemeine Schuldausschliessungsgrund der Unzumut barkeit als methodisches und verfassungsrechtliches Problem In JR Juristische Rundschau 1975 LUISI Luiz Os princípios constitucionais penais Fabris 1991 MACHADO Luiz Alberto Direito Criminal parte geral RT 1987 MAIR Georg What works nothing or everything Measuring the effec tiveness of sentencing In Research Bulletin 30 1991 MALAGUTTI BATISTA Vera O proclamado e o escondido a violência da neutralidade técnica In Discursos sediciosos n 3 1997 MALHEIROS FILHO Arnaldo Direito penal intertemporal Possibili dade de combinação de leis o equívoco da Lex tertia in RBCCRIM n 66 2007 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 706 242012 162850 707 Bibliografia MANGAKIS Georgios Alexandros Die Pflichtenkollision als Grenzsituation des Strafrechts In ZStW Zeitschrift für die gesamte Strafrechtswissenschaft 84 1972 MARQUES José Frederico Elementos de direito processual penal Forense 1961 v I MARX Karl AntiDühring 1876 Contribuição para a crítica da economia política Prefácio Lisboa Editorial Estampa 1973 Crítica ao programa de Gotha Edições Sociais 1975 ENGELS Friedrich Manifesto do partido comunista Edições Sociais 1975 MARXEN Klaus Die sozialethischen Grenzen der Notwehr 1979 MAURACH Reinhart GÖSSEL Karl Heinz ZIPF Heinz Strafrecht Allgemeiner Teil 1989 ZIPF Heinz Strafrecht Allgemeiner Teil 1992 MAYER Max Ernst Der allgemeine Teil des deutschen Strafrechts 1915 MAYER Hellmuth Strafrecht Allgemeiner Teil Grundriss 1967 Strafrecht Allgemeiner Teil Lehrbuch 1953 MAYRINK DA COSTA Álvaro Direito Penal parte geral Forense 2005 MELOSSI Dario Institutions of social control and capitalist organiza tion of work In Bob Fine et al Editores Capitalism and the rule of law Hutchinson 1979 PAVARINI Massimo Cárcel y Fábrica los orígenes del sistema penitenciario Siglo XXI 1980 MERKEL Adolf Kollision rechtmässiger Interessen und die Schadenersatzpflicht bei rechtmässigen Handlungen 1895 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 707 242012 162850 708 Bibliografia Lehrbuch des deutschen Strafrechts 1889 MESTIERI João Manual de direito penal parte geral Forense 1999 Teoria Elementar do Direito Criminal Forense 1990 MEZGER Edmund Die subjektiven Unrechtselemente In GerS Der Gerichtssaal 89 1924 Strafrecht 1949 Moderne Wege der Strafrechtsdogmatik 1950 MIAILLE Michel Une introduction critique au Droit François Maspero 1976 MIRABETE Julio Fabrini Manual de Direito Penal Atlas 2000 MIRANDA COUTINHO Jacinto Nelson A lide e o conteúdo do processo penal Juruá 1989 MUNHOZ NETTO Alcides A ignorância da antijuridicidade em matéria penal Forense 1978 NAUCKE Wolfgang Strafrecht Luchterhand 2000 NEDOPIL Norbert Forensische Psychiatrie 1996 NEUBECKER Friedrich Karl Zwang und Notstand in rechtsvergleichender Darstellung 1910 NEUMANN Ulfrid Der Verbotsirrtum 17 StGB In JuS Juristische Schulung 1993 Zurechnung und Vorverschulden Duncker Humblot 1985 NIESE Werner Finalität Vorsatz und Fahrlässigkeit 1951 NOLL Peter Schuld und Prävention unter dem Gesichtspunkt der Rationalisierung des Strafrechts In H MayerFestschrift 1966 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 708 242012 162850 709 Bibliografia Tatbestand und Rechtswidrigkeit die Wertabwägung als Prinzip der Rechtfertigung In ZstW Zeitschrift für die gesamte Strafrechtswissenschaft 77 1965 NOWAKOWSKI Friedrich Der alternative Vorsatz In JBl Juristische Blätter 1937 NUNES DA SILVEIRA Marco Aurélio A tipicidade e o juízo de admis sibilidade da acusação Lumen Juris 2005 OTTO Harro Grundkurs Strafrecht De Gruyter 1996 Pflichtenkollision und Rechtswidrigkeitsurteil De Gruyter 1978 PASUKANIS Evgeny Teoria geral do direito e o marxismo Perspectiva Jurídica 1972 PEREIRA GOMES Celeste Leite dos Santos Reflexões relativas à sus pensão condicional da pena alterações introduzidas pela Lei 971488 In Boletim do IBCCRIM n 75 PERELMAN Chaïm Logique formelle logique juridique Bruxelas 1969 PETERS Karl Bemerkungen zur Rechtsprechung der Oberlandesge richte zur Wehrersatzdienstverweigerung aus Gewissensgründen In JZ Juristenzeitung 1966 PFEIFFER Gerd Grundzüge des Strafverfahrensrechts Beck 1991 PILGRAM Arno STEINERT Heins Plädoyer für bessere Gründe für die Abschaffung der Gefängnisse In H Ortner Editor Freiheit statt Strafe Frankfurt a M 1981 PINTO FERREIRA Comentários à Constituição Brasileira 1995 PIZA PELUSO Vinicius de Toledo Retroatividade da lei penal benéfica a causa de diminuição de pena do art 33 4º da lei n 1134306 Lei de Tóxicos In Boletim IBCCRIM ano 15 n 175 jun 2007 PLATZGUMMER Winfried Die Bewusstseinsform des Vorsatzes 1964 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 709 242012 162850 710 Bibliografia POTHAST Ulrich Die Unzulänglichkeit der Freiheitsbeweise Frankfurt 1987 PRADO Luiz Regis Curso de Direito Penal Brasileiro RT 2004 Crimes contra o ambiente RT 1998 PRECHT Richard David Wer bin Ich und wenn ja wie viele Gold mann 2005 PRITTWITZ Cornelius Die Ansteckungsgefahr bei AIDS In JA Ju ristische Arbeitsblätter 1988 PRÖCHEL WolfDietmar Die Fälle des Notstands nach angloamerika nischem Strafrecht 1975 PUPPE Ingeborg Der Vorstellungsinhalt des dolus eventualis In ZStW Zeitschrift für die gesamte Strafrechtswissenschaft 102 1991 Grundzüge der actio libera in causa In JuS Juristische Schulung 1980 RADBRUCH Gustav Filosofia do direito Coimbra Armênio Amado 1961 Über den Schuldbegriff In ZStW Zeitschrift für die gesamte Strafrechtswissenschaft 24 1904 RANFT Otfried Hilfspflicht und Glaubensfreiheit in strafrechtlicher Sicht SchwingeFestschrift 1973 REALE JR Miguel Instituições de Direito Penal parte geral 2002 v I A lei de crimes ambientais RF n 345 REZEK Francisco Direito internacional público Saraiva 2000 RODRIGUES Cristiano Teorias da culpabilidade Lumen Juris 2004 ROEDER Hermann Die Einhaltung des sozialadäquaten Risikos und ihr systematischer Standort in Verbrechensaufbau Duncker Humblot 1969 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 710 242012 162850 711 Bibliografia ROXIN Claus Strafrecht Allgemeiner Teil I 1997 Strafrecht Allgemeiner Teil II 2003 LK Leipziger KommentarRoxin 1992 Täterschaft una Taherrschaft Beck 1994 Strafverfahrensrecht Beck 1995 RUSCHE Georg KIRCHHEIMER Otto Punishment and Social Structure Transaction Publishers 2003 RUDOLPHI Hans Joachin Die Bedeutung eines Gewissensentscheides für das Strafrecht In WelzelFestschrift 1974 Unrechtsbewusstsein Verbotsirrtum und Vermeidbarkeit des Ver botsirrtums 1969 Vorhersehbarkeit und Schutzzweck der Norm in der strafrechtlichen Fahrlässigkeitslehre In JuS Juristische Schulung Beck 1969 SABADELL Ana Lúcia Manual de sociologia jurídica introdução a uma leitura externa do Direito RT 2005 SACK Fritz Neue Perspektiven in der Kriminologie In KONIG R SACK F Editores Kriminalsoziologie 1968 SAMSON Erich Hypothetische Kausalverläufe im Strafrecht 1972 SÁNCHEZ RÍOS Rodrigo Das causas de extinção da punibilidade nos delitos econômicos 2003 SAUER Wilhem Allgemeine Strafrechtlehre 1955 SCHAFFSTEIN Friedrich Die Nichtzumutbarkeit als allgemeiner über gesetzlicher Schuldausschliessungsgrund 1933 SCHEWE Günter Bewusstsein und Vorsatz 1967 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 711 242012 162850 712 Bibliografia Reflexbewegung Handlung Vorsatz Strafrechtsdogmatische Aspekte des Willensproblems aus medizinischpsychologischer Sicht 1972 SCHLÜCHTER Ellen Grundfälle zur Lehre von der Kausalität 1976 SCHMIDHÄUSER Eberhard Strafrecht Allgemeiner Teil Studienbuch 1984 Strafrecht Allgemeiner Teil Lehrbuch 1975 Objektive Strafbarkeitsbedingungen In ZStW Zeitschrift für die gesamte Strafrechtswissenschaft 71 1959 Über Aktualität und Potentialität der Unrechtsbewusstseins In H MayerFestschrift 1966 SCHMOLLER Das voluntative Vorsatzelement In ÖJZ Österreichische Juristenzeitung 1982 SCHÖNCKE Adolf SCHRÖDER Horst LENCKNER Theodor Strafgesetzbuch Kommentar 1991 CRAMER Peter Strafgesetzbuch Kommentar 1991 SCHOPENHAUER Arthur Über 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Goltdammers Archif für Strafrecht 1985 Die Funktion des Schuldprinzips im Präventionsstrafrecht In Schünemann Hrsg Grundfragen des modernen Strafrechtssystems 1984 Einführung in das Strafrechtliche Systemdenken 1994 Grundfragen des modernen Strafrechtssystems 1984 Moderne Tendenzen in der Dogmatik der Fahrlässigkeits und Gefährdungsdelikte In JA Juristische Arbeitsblätter 1975 SCHWENDINGER Herman e Julia Defensores da ordem ou guardiães dos direitos humanos In TAYLOR Ian WALTON Paulo YOUNG Jock Criminologia crítica Tradução de Juarez Cirino dos Santos e Sérgio Tancredo Rio de Janeiro 1980 SCULL Andrew Decarceration Community Treatment and the Deviant A Radical View New Jersey PrenticeHall 1977 SENECA De ira Livro 1 16 SHECAIRA Salomão Responsabilidade penal da pessoa jurídica 1999 SILVA FRANCO Alberto Código penal e sua interpretação jurispruden cial RT 2001 SIRVINSKAS Tutela penal do meio ambiente 1998 SOYER JeanClaude Droit Pénal et Procédure Pénal 2000 SPENDEL Günter Die Kausalitätsformel des Bedingungstheorie für die Handlungsdelikte 1948 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 713 242012 162850 714 Bibliografia Gegen den Verteidigungswillen as Notwehrerfordernis In Bockel mannFestschrift 1979 Zum Begriff des Vorsatz In LacknerFestschrift 1987 STEBBING Susan A modern elementary logic Londres 1957 STRATENWERTH Günter Bemerkungen zum Prinzip der Risikoerhöhung In GallasFestschrift 1973 Objektive Strafbarkeitsbedingungen im Entwurf eines Strafgesetzbuchs 1959 In ZStW Zeitschrift für die gesamte Strafrechtswissenschaft 71 1959 Strafrecht Allgemeiner Teil Carl Heymanns Verlag 2000 Zur Individualisierung der Sorgfaltsmasstabes beim Fahrlässigkeitsdelikt In JescheckFestschrift 1985 STRUENSEE Eberhard Objektives Risiko und subjektiver Tatbestand In JZ Juristenzeitung 1987 SUANNES Adauto Os fundamentos éticos do devido processo legal RT 1999 SUTHERLAND Edwin White collar crime the uncut versions Yale University Press 1983 SWENSON JR Lauro Joppert Problemas de validade da lei de anistia brasileira Lei 668379 Dissertação de Mestrado UNIMEP 2006 SYKES Gresham MATZA David Techniques of neutralization a theory of delinquency In American Sociological Review 22 1957 SZASZ Thomas The myth of menthal illness Paladin 1975 TAVARES Juarez As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 Direito Penal da negligência uma contribuição à Teoria do Crime Culposo Lumen Juris 2003 Teorias do delito RT 1980 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 714 242012 162850 715 Bibliografia Teoria do injusto penal Del Rey 2002 THIELE Zum Rechtmässigkeitsbegriff bei 113 Abs 3 StGB In JR Juristische Rundschau 1975 TIEDEMANN Claus Responsabilidad penal de personas jurídicas y empresas en el derecho comparado In Responsabilidade penal da pessoa jurídica e Medidas provisórias e Direito penal 1999 TRÖNDLE Herbert FISCHER Thomas Strafgesetzbuch und Nebengesetze Beck 1995 TUBENCHLAK James Atenuantes pena abaixo do mínimo In TU BENCHLAK James Tribunal do Júri contradições e soluções Forense 1990 ULSENHEIMER Klaus Grundfragen des Rücktritts vom Versuch usw 1976 VOGLER Theo Der beginn des Versuchs In Festschrift für W Stree und J Wessels 1993 LK Leipziger KommentarVogler 1985 WACQUANT Loïc A ascensão do Estado penal nos EUA In Discursos sediciosos 2002 WEBER Helmuth Das Notstandsproblem und seine Lösungen in den deutschen Strafgesetzentwürfen von 1919 und 1925 1925 Zum Aufbau des Strafrechtssystems 1935 WEIGEND Thomas Zwischen Vorsatz und Fahrlässigkeit In ZStW Zeitschrift für die gesamte Strafrechtswissenschaft 93 1981 WELZEL Hans Das Deutsche Strafrecht De Gruyter 1969 Das neue Bild des Strafrechtssystems 1961 Monatsschrift für Deutsches Recht 1949 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 715 242012 162850 716 Bibliografia Studien zum System des Strafrechts ZStW Zeitschrift für die gesamte Strafrechtswissenschaft 58 1939 Zum Notstandsproblem In ZStW Zeitschrift für die gesamte Strafrechtswissenschaft 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Os algarismos arábicos em negrito indicam capítulos os algarismos romanos indicam seções e os algarismos arábicos normais indicam itens AÇÃO PENAL 23 ação penal 23 III ação penal privada 23 III 2 ação penal privada subsidiária 23 III 21 extinção do direito de queixa 23 III 23 transmissão do direito de queixa 23 III 22 ação penal pública 23 III 1 ação penal pública condicionada 23 III 12 ação penal pública extensiva 23 III 13 ação penal pública incondicionada 23 III 11 limitações democráticas do poder de punir 23 I princípios constitucionais do processo penal 23 II princípios da prova processual 23 II 2 princípio da livre valoração da prova 23 II 2 a princípio in dubio pro reo 23 II 2 b princípios de formação do processo 23 II 1 princípio da acusação 23 II 1 b princípio da instrução 23 II 1 e princípio da legalidade 23 II 1 c princípio da oficialidade 23 II 1 a princípio da oportunidade 23 II 1 d ANTIJURIDICIDADE E JUSTIFICA ÇÃO 11 justificações 11 II consentimento do titular do bem jurí dico 11 II E consentimento presumido 11 II E 2 consentimento real 11 II E 1 capacidade e defeito do consenti mento 11 II E 1 13 disciplina da Lei 943497 11 II E 1 12 manifestação do consentimento 11 II E 1 14 objeto do conhecimento 11 II E 1 11 problema da eutanásia 11 II E 3 ajuda ativa e ajuda passiva do autor 11 II E 32 deveres do médico 11 II E 321 direitos do paciente 11 II E 322 princípios da lex artis médica 11 II E 322 vontade real e presumida de morrer 11 II E 31 estado de necessidade 11 II B ação justificada 11 II B 2 elementos subjetivos da ação 11 II B 21 elementos objetivos e normativos da ação necessária 11 II B 22 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 717 242012 162850 718 Índice Alfabético Remissivo posições especiais de dever 11 II B 3 situação justificante 11 II B 1 estrito cumprimento de dever legal 11 II C ação justificada 11 II C 2 cumprimento de ordens antijurídi cas 11 II C 22 ruptura dos limites do dever 11 II C 21 elementos subjetivos 11 II C 3 situação justificante 11 II C 1 exercício regular de direito 11 II D ação justificada 11 II D 2 elementos subjetivos 11 II D 3 situações justificantes 11 II D 1 atuação pro magistratu 11 II D 1 1 direito de castigo 11 II D 1 2 justificações nos tipos de imprudência 11 II F consentimento do titular do bem jurídico 11 II F 3 estado de necessidade 11 II F 2 legítima defesa 11 II F 1 legítima defesa 11 II A ação justificada 11 II A 2 elementos subjetivos 11 II A 21 moderação no emprego dos meios necessários A 22 2 necessidade dos meios de defesa 11 II A 211 permissibilidade da legítma defe sa 11 II A 23 elementos objetivos 11 II A 22 particularidades 11 II A 3 excesso de legítima defesa 11 II A 3 c extensão da justificação 11 II A 3 b legítima defesa de outrem 11 II A 3 a situação justificante 11 II A 1 teoria da antijuridicidade 11 I introdução 11 I 1 conhecimento e erro nas justificações 11 I 3 efeito das justificações 11 I 4 fundamento das justificações 11 I 2 APLICAÇÃO DAS PENAS CRIMI NAIS 20 efeitos da condenação 20 III efeitos específicos 20 III 2 inabilitação para dirigir veículo 20 III 2 c incapacitação para pátrio poder tutela ou curatela 20 III 2 b perda de cargo função pública ou mandato eletivo 20 III 2 a efeitos genéricos 20 III 1 método legal de aplicação da pena 20 II causas especiais de aumento ou de diminuição da pena 20 II 3 circunstâncias agravantes e atenuantes 20 II 2 circunstâncias agravantes 20 II 21 abuso de autoridade ou prevale cimento de relações domésticas etc 20 II 21 g abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo oficio etc 20 II 21 h embriaguez preordenada 20 II 21 m emprego de veneno fogo etc ou outro meio insidioso ou cruel 20 II 21 e facilitar ou assegurar a execução ocultação etc de outro crime 20 II 21 c motivo fútil ou torpe 20 II 21 b ocasião de calamidade pública ou de desgraça da vítima 20 II 21 l reincidência 20 II 21 a Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 718 242012 162851 719 Índice Alfabético Remissivo traição emboscada dissimulação ou outro recurso que dificulte impossibilite defesa da vítima 20 II 21 d vítima sob imediata proteção da autoridade 20 II 21 j vitimização de ascendente des cendente irmão ou cônjuge 20 II 21 f vitimização de criança maior de 60 anos enfermo ou mulher grávida 20 II 21 i circunstâncias agravantes do con curso de pessoas 20 II 22 coagir ou induzir à execução de crime 20 II 22 b executar ou participar de crime mediante pagamento etc 20 II 22 d instigar ou determinar ao crime pessoa dependente ou impunível 20 II 22 c promover organizar ou dirigir a atividade criminosa coletiva 20 II 22 a circunstâncias atenuantes 20 II 23 ação espontânea para evitar reduzir consequências do crime etc 20 II 23 d agente menor de 21 ou maior de 70 anos 20 II 23 a coação resistível cumprimento de ordem ou violenta emoção etc 20 II 23 e confissão de autoria de crime perante autoridade 20 II 23 f desconhecimento da lei 20 II 23 b influência de multidão em tumul to não provocado 20 II 23 g motivo de relevante valor social ou moral 20 II 23 c circunstâncias atenuantes inomina das 20 II 24 concurso de circunstâncias legais 20 II 25 limites de agravação e de atenuação da pena 20 II 26 pena base circunstâncias judiciais 20 II 1 contribuição da vítima 20 II 13 elementos do agente 20 II 11 antecedentes 20 II 11 b conduta social 20 II 11 c culpabilidade 20 II 11 a motivos 20 II 11 e personalidade 20 II 11 d elementos do fato 20 II 12 circunstâncias 20 II 12 a consequências 20 II 12 b reabilitação 20 IV conceito 20 IV 1 objeto e objetivos 20 IV 2 requisitos 20 IV 3 revogação 20 IV 4 sentença criminal 20 I sentença criminal absolutória 20 I 1 sentença criminal condenatória 20 I 2 AUTORIA E PARTICIPAÇÃO 14 comunicabilidade das circunstâncias ou condições pessoais 14 5 conceito de autor 14 II conceito restritivo 14 II 2 teoria do domínio do fato 14 II 4 teoria subjetiva 14 II 3 teoria unitária 14 II 1 formas de autoria 14 III autoria direta 14 III 1 autoria coletiva ou coautoria 14 III 3 decisão comum 14 III 31 distribuição da responsabilidade penal 14 III 33 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 719 242012 162851 720 Índice Alfabético Remissivo coautoria em tipos especiais pró prios 14 III 334 coautoria por omissão de ação 14 III 333 responsabilidade pelo excesso 14 III 331 tentativas na coautoria 14 III 332 realização comum 14 III 32 autoria mediata 14 III 2 hipóteses 14 III 21 problemas especiais 14 III 22 participação 14 IV concorrência de formas de participa ção 14 IV 3 cumplicidade 14 IV 2 dolo do cúmplice e fato principal 14 IV 22 natureza da ajuda material 14 IV 21 instigação 14 IV 1 dolo do instigador e decisão do autor 14 IV 11 dolo do instigador e fato do autor 14 IV 12 erro de tipo e erro de tipo permis sivo 14 IV 13 participação necessária 14 IV 4 tentativa de participação 14 IV 5 CULPABILIDADE E EXCULPAÇÃO 12 conceito 12 I desenvolvimento 12 I 1 conceito psicológico 12 I 11 conceito normativo 12 I 12 definições materiais 12 I 2 princípio da alteridade 12 I 3 estrutura 12 II capacidade de culpabilidade 12 II 1 capacidade relativa de culpabilidade 12 II 12 incapacidade de culpabilidade 12 II 11 problemas políticocriminais 12 II 13 actio libera in causa 12 II 132 emoção e paixão 12 II 131 conhecimento do injusto e erro de proibição 12 II 2 conhecimento do injusto 12 II 21 conhecimento condicionado 12 II 214 divisibilidade e formas de conhe cimento 12 II 213 objeto 12 II 212 teorias 12 II 211 consequências legais do erro de proibição 12 II 22 erro de proibição evitável e inevitá vel 12 II 23 erro de proibição na lei penal bra sileira 12 II 25 espécies de erro de proibição 12 II 26 erro de proibição ou erro de permissão 12 II 26 2 erro de proibição direto 12 II 26 1 erro de tipo permissivo 12 II 26 3 meios de conhecimento 12 II 24 exigibilidade de comportamento diverso 12 II 3 inexigibilidade como fundamento geral de exculpação 12 II 32 normalidade das circunstâncias 12 II 31 situações de exculpação 12 II 33 situações de exculpação legais 12 II 331 coação irresistível 12 II 331 a excesso de legítima defesa pu tativa 12 II 331 d Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 720 242012 162851 721 Índice Alfabético Remissivo excesso de legitima defesa real 12 II 331 c obediência hierárquica 12 II 331 b situações de exculpação suprale gais 12 II 332 conflito de deveres 12 II 332 d desobediência civil 12 II 332 c fato de consciência 12 II 332 a provocação da legítima defesa 12 II 332 b DIREITO PENAL 1 conceito 1 I objetivos 1 II objetivos declarados 1 II 1 objetivos reais 1 II 2 direito penal e desigualdade social 1 II 21 bem jurídico 1 II 22 EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE 24 anistia graça e indulto 24 II crimes complexos dependentes de ou tros crimes etc 24 VIII descriminalização do fato 24 III extinção da punibilidade no concurso de crimes 24 IX morte do agente 24 I perdão judicial 24 VII prescrição decadência e perempção 24 IV decadência 24 IV 2 perempção 24 IV 3 prescrição 24 IV 1 antes do trânsito em julgado 24 IV 11 causas impeditivas 24 IV 18 causas interruptivas 24 IV 19 depois do trânsito em julgado 24 IV 12 pelos níveis de concretização da pena 24 IV 13 medidas de segurança 24 IV 17 pena de multa 24 IV 16 penas menos graves 24 IV 110 penas restritivas de direito 24 IV 15 redução e aumento dos prazos 24 IV 14 renúncia e perdão 24 V perdão 24 V 2 renúncia 24 V 1 retratação do agente 24 VI FATO PUNÍVEL 5 definições 5 I sistemas 5 II modelo bipartido 5 II 1 modelo tripartido 5 II 2 modelo clássico 5 II 21 modelo finalista 5 II 23 modelo neoclássico 5 II 22 modelo de fato punível adotado 5 II 3 INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL 4 analogia e interpretação 4 II 4 fontes da norma penal 4 IV interpretação da norma penal 4 II necessidade da analogia 4 II 5 resultados da interpretação 4 III 3 significado de norma jurídica 4 I silogismo como lógica de subsunção 4 III sujeitos da interpretação 4 II 2 técnicas de interpretação 4 II 1 MEDIDAS DE SEGURANÇA 22 crise das medidas de segurança 22 II medidas de segurança na legislação Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 721 242012 162851 722 Índice Alfabético Remissivo penal brasileira 22 III duração 22 III 4 espécies 22 III 3 hospital de custódia e tratamento psiquiátrico 22 III 31 tratamento ambulatorial 22 III 32 objetivos 22 III 2 prescrição 22 III 7 pressupostos 22 III 1 periculosidade criminal do autor 22 III 12 determinação judicial 22 III 12 b presunção legal 22 III 12 a realização de fato previsto como crime 22 III 11 substituição e conversão 22 III 6 verificação de cessação da periculosi dade criminal 22 III 5 vias alternativas 22 I OUTRAS CONDIÇÕES DE PUNIBI LIDADE 13 condições objetivas de punibilidade 13 II fundamento excludentes de penas 13 III introdução 13 I POLÍTICA CRIMINAL E DIREITO PENAL 17 discurso crítico da teoria criminológica da pena 17 II crítica materialista dialética 17 II B pena como retribuição equivalente 17 II B 1 prevenção especial como garantia das relações sociais 17 II B 2 prevenção geral como afirmação da ideologia dominante 17 II B 3 teorias unificadas como integração das funções manifestas ou declara das 17 II B 4 crítica negativaagnóstica 17 II A discurso oficial da teoria jurídica da pena 17 I prevenção especial 17 I 2 prevenção geral 17 I 3 retribuição de culpabilidade 17 I 1 teorias unificadas pena como retri buição e prevenção 17 I 4 PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL 2 princípio da culpabilidade 2 II princípio da humanidade 2 V princípio da legalidade 2 I e proibição de analogia 2 I 2 e proibição do costume 2 I 3 e proibição de indeterminação 2 I 4 e proibição de retroatividade 2 I 1 princípio da lesividade 2 III princípio da proporcionalidade 2 IV princípio da responsabilidade penal pessoal 2 VI PRISÃO E CONTROLE SOCIAL 18 indústria do encarceramento 18 VI modelo auburniano de penitenciária 18 V modelo filadelfiano de penitenciária 18 IV origem da penitenciária 18 III privatização de presídios no Brasil 18 VII relação cárcerefábrica 18 II RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA 25 controvérsia constitucional 25 II introdução 25 I problemas da responsabilidade penal da pessoa jurídica 25 III a pessoa jurídica e o conceito de crime 25 III 1 a pessoa jurídica e o conceito de culpabilidade 25 III 12 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 722 242012 162851 723 Índice Alfabético Remissivo a pessoa jurídica e o conceito de tipo de injusto 25 III 11 a incapacidade de ação 25 III 111 o conceito de tipo de injusto 25 III 112 o tipo de injusto doloso 25 III 1121 o tipo de injusto imprudente 25 III 1122 o tipo de injusto omissivo 25 III 1123 conclusão sobre a relação pessoa jurídicacrime 25 III 14 o modelo francês de responsabi lidade penal 25 III 13 a pessoa jurídica e o conceito de pena 25 III 2 conclusão 25 III 25 lesão da técnica legislativa da lei penal 25 III 21 lesão do princípio da personalidade da pena 25 III 22 lesão do princípio da individuali zação da pena 25 III 23 lesão das funções declaradas do discurso oficial da pena 25 III 24 SISTEMA PENAL BRASILEIRO 19 penas criminais 19 II cominação das penas criminais 19 II 5 conversibilidade executiva das penas criminais 19 II 4 pena de multa 19 II 3 aplicação 19 II 32 quantidade de diasmulta 19 II 32 a valor do diamulta 19 II 32 b cominação 19 II 31 execução 19 II 33 pena privativa de liberdade 19 II 1 detração penal 19 II 15 direitos e deveres do condenado 19 II 12 deveres do condenado 19 II 12 b direitos do condenado 19 II 12 a remição penal 19 II 12 d trabalho do condenado 19 II 12 c disciplina penal 19 II 13 faltas disciplinares 19 II 131 sanções disciplinares e regime disciplinar diferenciado 19 II 132 advertência verbal e repreensão 19 II 132 a regime disciplinar diferenciado 19 II 132 c suspensão ou restrição de direi tos e isolamento celular 19 II 132 b individualização da execução 19 II 14 classificação dos condenados 19 II 141 exame criminológico 19 II 142 limite das penas privativas de liber dade 19 II 16 regimes de execução 19 II 11 regime aberto 19 II 112 c regime especial para mulheres 19 II 112 d regime fechado 19 II 112 a regime semiaberto 19 II 112 b penas restritivas de direito 19 II 2 espécies 19 II 23 interdição temporária de direitos 19 II 234 limitação de fim de semana 19 II 235 perda de bens e valores 19 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 723 242012 162851 724 Índice Alfabético Remissivo II 232 prestação de serviços à comuni dade ou entidades publicas 19 II 223 prestação pecuniária 19 II 231 natureza 19 II 21 pressupostos de aplicação 19 II 22 política penal brasileira 19 I SUBSTITUTIVOS PENAIS 21 substitutivos penais da legislação brasileira 21 II livramento condicional 21 II B condições de execução 21 II B 3 efeitos da revogação 21 II B 6 espécies 21 II B 1 pressupostos específicos 21 II B 22 pressupostos gerais 21 II B 21 extinção da pena 21 II B 7 formalidades de concessão 21 II B 4 revogação 21 II B 5 substitutivos penais da Lei 909995 21 II C suspensão condicional do processo 21 II C 2 conceito 21 II C 21 condições de execução 21 II C 23 extinção da pena 21 II C 25 pressupostos de concessão 21 II C 22 ausência de processo ou de condenação por outro crime 21 II C 22 b crimes com pena mínima co minada igualinferior a 1 ano 21 II C 22 a requisitos exigidos para suspen são condicional da pena 21 II C 22 c revogação 21 II C 24 transação penal 21 II C 1 conceito 21 II C 11 consequências jurídicas 21 II C 13 requisitos 21 II C 12 requisitos negativos 21 II C 122 condenação definitiva a pri vação de liberdade por crime 21 II C 122 a contraindicação dos ante cedentes conduta social etc 21 II C 122 c obtenção de igual benefício nos últimos 5 anos 21 II C 122 b rejeição pelo acusado ou defensor 21 II C 122 d requisitos positivos 21 II C 121 crime de ação penal pública 21 II C 121 b pena máxima cominada até 2 anos 21 II C 121 a suspensão condicional da pena 21 II A condições judiciais 21 II A 4 condições legais de execução 21 II A 3 extinção da pena 21 II A 9 formalidades de concessão 21 II A 6 modificação das condições de exe cução 21 II A 5 pressupostos específico 21 II A 1 sursis comum 21 II A 1 a sursis especial 21 II A 1 b sursis etário 21 II A 1 c sursis por razões de saúde 21 II A 1 d Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 724 242012 162851 725 Índice Alfabético Remissivo pressuposto geral 21 II A 2 prorrogação do prazo 21 II A 8 revogação 21 II A 7 teoria 21 I conclusão 21 I 3 teorias críticas 21 I 2 ampliação do controle social 21 I 2 c crise fiscal 21 I 22 superlotação carcerária 21 I 21 teorias tradicionais 21 I 1 explicações científicas 21 I 12 explicações humanitárias 21 I 11 TENTATIVA E CONSUMAÇÃO 15 desistência da tentativa 15 III arrependimento posterior 15 III 7 estrutura 15 III 3 arrependimento eficaz 15 III 3 32 desistência voluntária 15 III 3 31 extensão dos efeitos 15 III 5 tentativa falha 15 III 4 tentativa inacabada e acabada 15 III 2 teorias 15 III 1 introdução 15 I teorias da tentativa 15 II consumação formal e material 15 II 5 delito de alucinação 15 II 9 objeto da tentativa 15 II 6 punibilidade da tentativa 15 II 7 tentativa inidônea 15 II 8 teorias objetivas 15 II 1 teoria objetiva formal 15 II 11 teoria objetiva material 15 II 12 teoria objetivosubjetiva ou objetiva individual 15 II 3 teoria subjetiva 15 II 2 tipo de tentativa 15 II 4 TEORIA DA AÇÃO 6 conclusões 6 IV definições de ação 6 II modelo causal 6 II 1 modelo final 6 II 2 modelo negativo 6 II 4 modelo pessoal 6 II 5 modelo social 6 II 3 funções da ação 6 III delimitação 6 III 3 fundamentação 6 III 2 unificação 6 III 1 introdução 6 I TEORIA DO TIPO 7 adequação social 7 III conceito 7 I desenvolvimento 7 II elementos constitutivos 7 IV elementos descritivos 7 IV elementos normativos 7 IV elementos objetivos 7 IV elementos subjetivos 7 IV funções 7 I modalidades de tipos 7 V tipo básico variações do tipo básico e tipos independentes 7 V 6 tipos de ação e de omissão de ação 7 V 7 tipos de resultado e de simples ativi dade 7 V 1 tipos dolosos e imprudentes 7 V 8 tipos gerais especial e de mãoprópria 7 V 5 tipos instantâneos e permanentes 7 V 4 tipos simples e compostos 7 V 2 TIPOS DE INJUSTO DOLOSOS DE AÇÃO 8 introdução 8 I tipo objetivo 8 II Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 725 242012 162851 726 Índice Alfabético Remissivo causação do resultado 8 II 1 adequação 8 II 12 equivalência das condições 8 II 11 imputação do resultado 8 II 2 ação não cria risco do resultado 8 II 21 risco não realizado no resultado 8 II 22 tipo subjetivo 8 III dolo 8 III 1 dimensão temporal do dolo 8 III 13 dolo alternativo 8 III 12 dolo direto de 1º grau 8 III 11 a dolo direto de 2º grau 8 III 11 b dolo eventual 8 III 11 c espécies de dolo 8 III 11 erro de tipo 8 III 2 e erro de subsunção 8 III 21 e intensidade de representação 8 III 22 desvios causais 8 III 3 aberratio ictus 8 III 3 2 desvios regulares 8 III 3 1 dolo geral 8 III 3 4 erro sobre objeto 8 III 3 5 troca de dolo 8 III 3 3 elementos subjetivos especiais 8 III 4 TIPO DE INJUSTO IMPRUDENTE 9 capacidade individual como critério de classificação de imprudência 9 II crimes qualificados pelo resultado combinações dolo imprudência 9 V tipo de injusto imprudente 9 III imputação do resultado 9 III 3 21 ausência de lesão do risco permitido ou do dever de cuidado 9 III 31 resultados fora da proteção do tipo 9 III 223 autoexposição a perigo 9 III 2231 consequências danosas posterio res 9 III 2235 danos psíquicoemocionais sobre terceiros 9 III 2234 exposição consentida a perigo de outrem 9 III 2232 perigos em áreas de responsabili dade alheia 9 III 2233 previsibilidade e previsão do resul tado 9 III 23 imprudência consciente 9 III 231 imprudência inconsciente 9 III 232 resultados iguais em condutas con formes ao direito 9 III 33 ação lesiva do dever de cuidado ou do risco permitido 9 III 1 correlação riscoutilidade 9 III 1 c dever de informação sobre riscos 9 III 1 b modelo de homem prudente 9 III 1 a princípio da confiança 9 III 1 d resultado de lesão do bem jurídico 9 III 2 tipo objetivo e subjetivo 9 IV TIPO DE INJUSTO DE OMISSÃO DE AÇÃO 10 ação e omissão de ação 10 II consciência do injusto e erro de man dado 10 VI estrutura dos tipos de omissão de ação 10 V omissão de ação imprórpia e o princípio da legalidade 10 IV a proibição de analogia penal 10 IV 1 a proibição de indeterminação penal 10 IV 2 elementos comuns do tipo objetivo Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 726 242012 162851 727 Índice Alfabético Remissivo 10 V 1 omissão de ação mandada 10 V 13 poder concreto de agir 10 V 12 situação de perigo para o bem jurí dico 10 V 11 elementos específicos da omissão de ação imprópria 10 V 2 posição de garantidor 10 V 22 assunção da responsabilidade de impedir o resultado 10 V 2 b comportamento anterior criador do risco do resultado 10 V 2 c obrigação legal de cuidado pro teção e vigilância 10 V 2 a resultado típico 10 V 21 tipo subjetivo da omissão de ação 10 V 3 exigibilidade da ação mandada 10 VIII omissão de ação própria e imprópria 10 III tentativa e desistência 10 VII UNIDADE E PLURALIDADE DE FATOS PUNÍVEIS 16 limite das penas privativas de liberdade 16 VII multa na pluralidade de fatos puníveis 16 VI pluralidade aparente de leis 16 VIII antefato e pósfato copunidos 16 VIII 4 consunção 16 VIII 3 especialidade 16 VIII 1 subsidiariedade 16 VIII 2 pluralidade formal de resultados típicos 16 IV pluralidade material de fatos puníveis 16 III unidade continuada de fatos típicos 16 V unidade e pluralidade de ações típicas 16 II VALIDADE DA LEI PENAL 3 Validade da Lei Penal no Espaço 3 A extradição 3 A III extraterritorialidade 3 A II imunidades diplomáticas 3 A I 2 lugar do crime 3 A I 4 navios e aviões públicos e privados 3 A I 3 princípio da competência universal 3 A II 3 princípio da personalidade 3 A II 2 princípio da proteção 3 A II 1 territorialidade 3 A I território 3 A I 1 Validade da Lei Penal no Tempo 3 B lei penal mais benigna critério espe cífico 3 B II e comparação de leis diferentes 3 B II 21 e combinação de leis sucessivas 3 B II 22 e jurisprudência 3 B II 5 e lei de execução penal 3 B II 4 e leis penais em branco 3 B II 1 e leis penais temporárias e excep cionais 3 B II 2 e leis processuais penais 3 B II 3 princípio da legalidade critério geral 3 B I Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 727 242012 162852
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Prof Dr Juarez Cirino dos Santos Professor de Direito Penal da Universidade Federal do Paraná DIREITO PENAL Parte Geral 5ª edição revista e ampliada Florianópolis 2012 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 1 242012 162751 Proibida a reprodução total ou parcial por qualquer meio ou processo A violação dos direitos autorais é punível como crime previsto no Código Penal e na Lei de direitos autorais Lei nº 9610 de 19021998 Copyright 2012 Impresso no Brasil Printed in Brazil Catalogação na Publicação Bibliotecária Cristina G de Amorim CRB14898 Rua Felipe Schmidt 321 sala 1003 Centro CEP 88010000 FlorianópolisSC Editorial Fone 48 32051300 editorialconceitojurcombr Comercial Fone 48 32401300 comercialconceitojurcombr wwwconceitojurcombr Editora CONCEITO EDITORIAL Conselho Editorial André Maia Adriana Mildart Aline de C M Maia Liberato Carlos Alberto P de Castro Cesar Luiz Pasold Diego Araujo Campos Edson Luiz Barbosa Fauzi Hassan Choukr Jacinto Coutinho Jerson Gonçalves C Junior João Batista Lazzari Jonas Machado Ramos José Antônio Peres Gediel José Antônio Savaris Lenio Luiz Streck Marcelo Alkmim Martonio MontAlverne B Lima Michel Mascarenhas Renata Elaine Silva Samantha Ribeiro Meyer Pflug Sérgio Ricardo F de Aquino Theodoro Vicente Agostinho Vicente Barreto Wagner Balera Presidente Salézio Costa Editor Chefe Salézio Costa Editores Orides Mezzaroba Valdemar P da Luz Assistentes Editoriais Rosimari Ouriques Capa Jonny M Prochnow Diagramação Rafael Simon S237d Santos Juarez Cirino dos Direito Penal Parte Geral Juarez Cirino dos Santos 5ed Florianópolis Conceito Editorial 2012 727 p ISBN 9788578742867 1 Direito Penal 2 Criminologia 3 Política Criminal I Título CDU 3431940 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 2 242012 162751 iii Nota do autor para a 5ª edição Apresentamos aos estudantes e professores de Direito Penal e aos profissionais do Sistema de Justiça Criminal a 5a edição do nosso Direito Penal Parte Geral revisada atualizada e com acréscimos em vários capítulos além de incluir novamente o capítulo sobre a Responsabilidade penal da pessoa jurídica reestruturado na forma e no conteúdo com novos argumentos contra a tese incorporada na lei Esta nova edição mantém as características científicas políticas e ideológicas que informam a ideia central do livro somente a demo cracia real pode reduzir a violência estrutural e institucional de uma sociedade desigual e injusta determinando redução proporcional da violência pessoal de indivíduos deformados por condições sociais adversas insuportáveis e insuperáveis pelas vias normais da relação capitaltrabalho assalariado A crescente acolhida do livro por acadêmicos e profissionais do controle social justifica o esforço de apresentar o estado atual da ciência do Crime e da Pena em sua relação crítica com as teorias políticas e sociais do capitalismo contemporâneo Curitiba fevereiro de 2012 Juarez Cirino dos Santos Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 3 242012 162751 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 4 242012 162751 v Sumário Primeira Parte teoria da Lei peNaL Capítulo 1 direito peNaL 3 I Conceito de Direito Penal 3 II Objetivos do Direito Penal 4 1 Objetivos declarados do discurso jurídico ofi cial 5 2 Objetivos reais do discurso jurídico crítico 6 21 Direito Penal e desigualdade social 10 22 Bem jurídico ainda um conceito necessário 14 Capítulo 2 priNcípioS do direito peNaL 19 I Princípio da legalidade 20 1 Proibição de retroatividade da lei penal 21 2 Proibição de analogia da lei penalin malam partem 21 3 Proibição do costume como fonte da lei penal 22 4 Proibição de indeterminação da lei penal 23 II Princípio da culpabilidade 24 III Princípio da lesividade 26 IV Princípio da proporcionalidade 27 V Princípio da humanidade 30 VI Princípio da responsabilidade penal pessoal 31 Capítulo 3 VaLidade da Lei peNaL 33 A VaLidade da Lei peNaL No eSpaço 34 I O critério da territorialidade34 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 5 242012 162751 vi 1 Conceito de território 35 2 Imunidades diplomáticas 36 3 Navios e aviões públicos e privados 37 4 Lugar do crime 39 II Critério da extraterritorialidade 40 1 Princípio da proteção 40 2 Princípio da personalidade 42 3 Princípio da competência universal 43 III Extradição 45 B VaLidade da Lei peNaL No tempo 47 I O critério geral princípio da legalidade 47 II O critério específico lei penal mais benigna 48 1 Leis penais em branco 50 2 Leis penais temporárias e excepcionais 51 3 Leis processuais penais 52 4 Lei de execução penal 53 5 Jurisprudência 54 Capítulo 4 iNterpretação da Lei peNaL 57 I O significado de norma jurídica 57 II A interpretação da norma penal 58 1 Técnicas de interpretação 59 2 Sujeitos da interpretação 60 3 Resultados da interpretação 61 4 Analogia e interpretação 61 41 Igualdade lógica entre interpretação e analogia 61 42 Teorias diferenciadoras 62 43 Analogia proibida e analogia permitida 63 431 Analogia a simile 63 432 Analogia a maiori ad minus 63 44 Necessidade da analogia 64 III O silogismo como lógica de subsunção jurídica 65 IV Fontes da norma penal 66 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 6 242012 162751 vii Segunda Parte teoria do Fato puNíVeL Capítulo 5 Fato puNíVeL 71 I Definições de crime 71 II Os sistemas de fato punível 73 1 Modelo bipartido de crime 73 2 Modelo tripartido de crime 75 3 O modelo de fato punível adotado 79 Capítulo 6 teoria da ação 81 I Introdução 81 II Definições do conceito de ação 82 1 Modelo causal de ação 82 2 Modelo final de ação85 3 Modelo social de ação 89 4 Modelo negativo de ação 92 5 Modelo pessoal de ação 94 III Funções do conceito de ação 96 IV Conclusão 99 Capítulo 7 teoria do tipo 101 I Conceito e funções do tipo 101 II Desenvolvimento do conceito de tipo 102 III Adequação social e exclusão de tipicidade 104 IV Elementos constitutivos do tipo legal elementos objetivos subjetivos descritivos e normativos 106 V Modalidades de tipos 106 1 Tipos de resultado e de simples atividade 107 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 7 242012 162752 viii 2 Tipos simples e compostos 107 3 Tipos de lesão e de perigo 107 4 Tipos instantâneos ou de estado e permanentes ou duráveis 109 5 Tipos gerais especiais e de mão própria 109 6 Tipo básico variações do tipo básico e tipos independentes 110 7 Tipos de ação e de omissão de ação 111 8 Tipos dolosos e imprudentes 111 Capítulo 8 o tipo de iNjuSto doLoSo de ação 113 I Introdução 113 II Tipo objetivo 114 1 Causação do resultado 115 11 Teoria da equivalência das condições 115 111 Conceitos centrais 115 112 Críticas ao método 116 113 Refutação das críticas 117 114 O critério na lei penal brasileira 118 12 Teoria da adequação 121 2 Imputação objetiva do resultado 122 21 A ação não cria risco do resultado 123 22 O risco criado pela ação não se realiza no resultado 124 III Tipo subjetivo 125 1 Dolo 126 11 Espécies de dolo 128 a dolo direto de 1º grau 130 b dolo direto de 2º grau 131 c dolo eventual 131 12 Dolo alternativo 141 13 A dimensão temporal do dolo 142 2 Erro de tipo 142 21 Erro de tipo e erro de subsunção 143 22 A intensidade de representação das circunstâncias de fato 145 3 Atribuição subjetiva do resultado em desvios causais 147 1 Desvios causais regulares 147 2 Aberratio ictus 148 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 8 242012 162752 ix 3 Troca de dolo 149 4 Dolo geral 150 5 Erro sobre o objeto 151 4 Elementos subjetivos especiais 152 Capítulo 9 o tipo de iNjuSto imprudeNte 157 I Introdução 157 II A capacidade individual como critério de definição de imprudência 158 III O tipo de injusto imprudente 161 1 O desvalor de ação lesão do dever de cuidado ou do risco per mitido 163 2 O desvalor de resultado lesão do bem jurídico protegido 169 21 Imputação do resultado ao autor 170 22 Exclusão da imputação do resultado 171 23 A previsibilidade e a previsão do resultado 178 IV Tipo objetivo e tipo subjetivo 184 V Crimes qualificados pelo resultado combinações doloimprudência 185 Capítulo 10 o tipo de iNjuSto de omiSSão de ação 189 I Introdução 189 II Ação e omissão de ação189 III Omissão de ação própria e imprópria 191 IV A omissão de ação imprópria e o princípio da legalidade 193 1 A proibição de analogia penal 193 2 A proibição de indeterminação penal 194 V Estrutura dos tipos de omissão de ação 197 1 Elementos comuns do tipo objetivo da omissão própria e imprópria 198 2 Elementos específicos do tipo objetivo da omissão de ação im própria 200 3 O tipo subjetivo da omissão de ação 206 VI Conhecimento do injusto e erro de mandado 208 VII Tentativa e desistência na omissão de ação 209 VIII A exigibilidade da ação mandada 210 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 9 242012 162752 x Capítulo 11 aNtijuridicidade e juStiFicação 213 I Teoria da antijuridicidade 213 1 Introdução 213 2 Fundamento das justificações 218 3 Conhecimento e erro nas justificações 219 4 Efeito das justificações 222 II Justificações 223 A Legítima deFeSa 223 1 Situação justificante 224 2 Ação justificada 227 21 Elementos subjetivos da ação de defesa 228 22 Elementos objetivos da ação de defesa 229 23 A permissibilidade da legítima defesa 231 3 Particularidades 234 a Legítima defesa de outrem 234 b Extensão da justificação 234 c Excesso de legítima defesa 235 B eStado de NeceSSidade 235 1 Situação justificante 236 2 Ação justificada 239 21 Elementos subjetivos da ação necessária 239 22 Elementos objetivos e normativos da ação necessária 240 3 Posições especiais de dever 245 C eStrito cumprimeNto de deVer LegaL 250 1 Situação justificante 251 2 Ação justificada 252 21 Ruptura dos limites do dever na aplicação da lei 252 22 Cumprimento de ordens antijurídicas 254 3 Elementos subjetivos do estrito cumprimento de dever legal 255 D exercício reguLar de direito 255 1 Situações justificantes 255 2 Ação justificada 257 3 Elementos subjetivos no exercício regular de direito 257 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 10 242012 162752 xi E coNSeNtimeNto do tituLar do bem jurídico 258 1 Consentimento real 260 11 Objeto do consentimento 260 12 A disciplina da Lei 943497 262 13 Capacidade e defeito de consentimento 264 14 Manifestação do consentimento 265 2 Consentimento presumido 266 3 O problema da eutanásia 267 31 Vontade real e presumida de morrer 268 32 Ajuda ativa e ajuda passiva do autor 268 321 Os deveres do médico 269 322 Os direitos do paciente 269 323 Princípios da lex artis médica 269 F juStiFicação NoS tipoS de imprudêNcia 270 Capítulo 12 cuLpabiLidade e excuLpação 273 I Conceito de culpabilidade 273 1 Desenvolvimento do conceito de culpabilidade 274 11 Conceito psicológico de culpabilidade 274 12 Conceito normativo de culpabilidade 275 2 Definições materiais do conceito normativo de culpabilidade 278 3 O princípio da alteridade como base da responsabilidade social 282 II Estrutura do conceito de culpabilidade 284 1 Capacidade de culpabilidade 284 11 Incapacidade de culpabilidade 286 12 Capacidade relativa de culpabilidade 289 13 Problemas políticocriminais especiais 291 2 Conhecimento do injusto e erro de proibição 295 21 Conhecimento do injusto 296 22 Consequências legais do erro de proibição 304 23 Natureza evitável ou inevitável do erro de proibição 305 24 Meios de conhecimento do injusto 306 25 Erro de proibição na lei penal brasileira 309 26 Espécies de erro de proibição na lei penal brasileira 315 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 11 242012 162752 xii 3 Exigibilidade de comportamento diverso 319 31 Normalidade das circunstâncias e exigibilidade jurídica 319 32 A inexigibilidade como fundamento geral de exculpação 320 33 As situações de exculpação321 331 Situações de exculpação legais 322 a Coação irresistível 322 b Obediência hierárquica 323 c Excesso de legítima defesa real por defeito emo cional 326 1 Excesso consciente e inconsciente 327 2 Excesso intensivo e extensivo 327 d Excesso de legítima defesa putativa por defeito emocional 329 332 Situações de exculpação supralegais 330 a Fato de consciência 330 b Provocação da situação de legítima defesa 332 c Desobediência civil 332 d Conflito de deveres 333 Capítulo 13 outraS coNdiçõeS de puNibiLidade 337 I Introdução 337 II Condições objetivas de punibilidade 338 III Fundamentos excludentes de pena 338 Capítulo 14 autoria e participação 341 I Introdução 341 II Conceito de autor 342 1 Teoria unitária de autor342 2 Conceito restritivo de autor 343 3 Teoria subjetiva de autor 344 4 Teoria do domínio do fato 345 III Formas de autoria 347 1 Autoria direta 347 2 Autoria mediata 348 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 12 242012 162752 xiii 21 Hipóteses de autoria mediata 349 22 Problemas especiais 350 3 Autoria coletiva ou coautoria 352 31 Decisão comum para o fato 353 32 Realização comum do fato 354 33 Distribuição da responsabilidade penal 354 331 Responsabilidade pelo excesso 355 332 Tentativa na coautoria 356 333 Coautoria por omissão de ação 357 334 Coautoria em tipos especiais próprios 357 IV Participação 358 1 Instigação 360 11 O dolo do instigador e a decisão do autor 361 12 O dolo do instigador e o fato do autor 362 13 Erro de tipo e erro de tipo permissivo 363 2 Cumplicidade 364 21 Natureza da ajuda material 365 22 O dolo do cúmplice e o fato principal 366 3 Concorrência de formas de participação 367 4 Participação necessária 367 5 Tentativa de participação 368 V Comunicabilidade das circunstâncias ou condições pessoais 368 Capítulo 15 teNtatiVa e coNSumação 371 I Introdução 371 II Teorias da tentativa 372 1 Teorias objetivas 373 11 Teoria objetiva formal 373 12 Teoria objetiva material 374 2 Teoria subjetiva 375 3 Teoria objetivosubjetiva ou objetiva individual 376 4 O tipo de tentativa 378 5 Consumação formal e material 380 6 Objeto da tentativa 380 7 Fundamento da punibilidade da tentativa 383 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 13 242012 162752 xiv 8 Tentativa inidônea 383 9 Delito de alucinação 386 III Desistência da tentativa 386 1 Teorias sobre desistência da tentativa387 2 Tentativa inacabada e acabada 388 3 Estrutura da desistência da tentativa 390 31 Desistência voluntária 390 32 Arrependimento eficaz 391 4 Tentativa falha 392 5 Extensão dos efeitos da desistência da tentativa 393 6 A desistência da tentativa no concurso de pessoas 394 61 Participação 394 62 Coautoria 395 7 Arrependimento posterior 395 Capítulo 16 uNidade e pLuraLidade de FatoS puNíVeiS 397 I Introdução 397 II Unidade e pluralidade de ações típicas 398 III Pluralidade material de fatos puníveis 400 IV Pluralidade formal de resultados típicos 401 V Unidade continuada de fatos típicos 405 VI A pena de multa na pluralidade de fatos puníveis 409 VII Limite das penas privativas de liberdade 410 VIII Pluralidade aparente de leis 411 1 Especialidade 411 2 Subsidiariedade 412 3 Consunção 414 4 Antefato e pósfato copunidos 415 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 14 242012 162752 xv Terceira Parte teoria da peNa Capítulo 17 poLítica crimiNaL e direito peNaL 419 I O discurso oficial da teoria jurídica da pena 421 1 A pena como retribuição de culpabilidade 421 2 A pena como prevenção especial 424 3 A pena como prevenção geral 426 4 As teorias unificadas a pena como retribuição e prevenção 428 II O discurso crítico da teoria criminológica da pena 430 A a crítica NegatiVaagNóStica da peNa crimiNaL 431 B a crítica materiaLiStadiaLética da peNa crimiNaL 435 1 A pena como retribuição equivalente do crime 435 2 A prevenção especial como garantia das relações sociais442 3 A prevenção geral como afirmação da ideologia dominante 447 4 Conclusão 452 Capítulo 18 priSão e coNtroLe SociaL 455 I Introdução 455 II A relação cárcerefábrica 458 III A origem da penitenciária459 IV O modelo filadelfiano de penitenciária 462 V O modelo auburniano de penitenciária 463 VI Indústria do encarceramento atualidade e perspectivas 466 VII A privatização de presídios no Brasil 469 Capítulo 19 o SiStema peNaL braSiLeiro 471 I A política penal brasileira 471 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 15 242012 162753 xvi II Penas criminais 473 1 Penas privativas de liberdade 473 11 Regimes de execução 474 111 Progressão e regressão de regimes 474 112 Espécies de regime 478 a Regime fechado 478 b Regime semiaberto 478 c Regime aberto 479 d Regime especial para as mulheres 480 12 Direitos e deveres do condenado 481 a Direitos do condenado 481 b Deveres do condenado 481 c Trabalho do condenado 482 d Remição penal 482 13 A disciplina penal 484 131 Faltas disciplinares 484 132 Sanções disciplinares e regime disciplinar diferen ciado 485 a Advertência verbal e repreensão 486 b Suspensão ou restrição dos direitos e isolamento celular 486 c Regime disciplinar diferenciado 486 14 Individualização da execução classificação e exame crimi nológico 487 141 Classificação dos condenados 488 142 Exame criminológico 488 15 Detração penal489 16 Limite das penas privativas de liberdade 490 2 Penas restritivas de direitos 491 21 Natureza 491 22 Pressupostos de aplicação das penas restritivas de direitos 491 221 Aplicação pela natureza do crime 492 222 Aplicação pela duração da pena 492 223 Condições limitadoras e excludentes 493 23 Espécies de penas restritivas de direitos 494 231 Prestação pecuniária 494 II Penas criminais 473 1 Penas privativas de liberdade 473 11 Regimes de execução 474 111 Progressão e regressão de regimes 474 112 Espécies de regime 478 a Regime fechado 478 b Regime semiaberto 478 c Regime aberto 479 d Regime especial para as mulheres 480 12 Direitos e deveres do condenado 481 a Direitos do condenado 481 b Deveres do condenado 481 c Trabalho do condenado 482 d Remição penal 482 13 A disciplina penal 484 131 Faltas disciplinares 484 132 Sanções disciplinares e regime disciplinar diferen ciado 485 a Advertência verbal e repreensão 486 b Suspensão ou restrição dos direitos e isolamento celular 486 c Regime disciplinar diferenciado 486 14 Individualização da execução classificação e exame crimi nológico 487 141 Classificação dos condenados 488 142 Exame criminológico 488 15 Detração penal489 16 Limite das penas privativas de liberdade 490 2 Penas restritivas de direitos 491 21 Natureza 491 22 Pressupostos de aplicação das penas restritivas de direitos 491 221 Aplicação pela natureza do crime 492 222 Aplicação pela duração da pena 492 223 Condições limitadoras e excludentes 493 23 Espécies de penas restritivas de direitos 494 231 Prestação pecuniária 494 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 16 242012 162753 xvii 232 Perda de bens e valores 495 233 Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas 496 234 Interdição temporária de direitos 497 235 Limitação de fim de semana 498 3 Pena de multa 499 31 Cominação da pena de multa 500 32 Aplicação da pena de multa 500 a A quantidade de diasmulta 500 b O valor do diamulta 501 33 Execução da pena de multa 502 4 Conversibilidade executiva das penas criminais 503 5 Cominação das penas criminais 504 51 Regras de cominação505 52 Cominação das penas de multa 506 Capítulo 20 apLicação daS peNaS crimiNaiS 509 I A sentença criminal 509 1 A sentença criminal absolutória 509 2 A sentença criminal condenatória 511 II O método legal de aplicação da pena 512 1 Definição da penabase circunstâncias judiciais1a fase 516 11 Elementos do agente 517 a Culpabilidade 517 b Antecedentes 520 c Conduta social 521 d Personalidade522 e Motivos 524 12 Elementos do fato 525 a Circunstâncias 525 b Consequências 525 13 Contribuição da vítima 526 2 Circunstâncias agravantes e atenuantes genéricas2a fase 527 21 Circunstâncias agravantes 529 a Reincidência 530 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 17 242012 162753 xviii b Motivo fútil ou torpe 534 c Facilitar ou assegurar a execução ocultação impunidade ou vantagem de outro crime 535 d Traição emboscada dissimulação ou outro recurso que dificulte ou impossibilite a defesa da vítima535 e Emprego de veneno fogo explosivo tortura ou outro meio insidioso ou cruel ou de que possa resultar perigo comum 536 f Vitimização de ascendente descendente irmão ou cônjuge 536 g Abuso de autoridade ou prevalecimento de relações domésticas de coabitação ou de hospitalidade ou com violência contra a mulher na forma da lei es pecífica 537 h Abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo ofício ministério ou profissão 539 i Vitimização de criança de maior de 60 anos de enfermo ou de mulher grávida 539 j Vítima sob imediata proteção da autoridade 540 l Ocasião de calamidade pública incêndio naufrágio inun dação etc ou de desgraça particular da vítima 541 m Embriaguez preordenada 541 22 Circunstâncias agravantes do concurso de pessoas 542 a Promover organizar ou dirigir a atividade criminosa coletiva 543 b Coagir ou induzir à execução material de crime 543 c Instigar ou determinar ao crime pessoa dependente ou impunível por condição ou qualidade pessoal 544 d Executar ou participar de crime mediante pagamento ou promessa de recompensa 544 23 Circunstâncias atenuantes 545 a Agente menor de 21 data do fato ou maior de 70 anos data da sentença 545 b Desconhecimento da lei 546 c Motivo de relevante valor social ou moral 548 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 18 242012 162753 xix d Ação espontânea imediata e eficiente para evitar ou reduzir as consequências do crime ou reparação do dano antes do julgamento 549 e Coação resistível cumprimento de ordem de autoridade superior ou violenta emoção provocada por ato injusto da vítima 550 f Confissão espontânea de autoria de crime perante au toridade 551 g Influência de multidão em tumulto não provocado 551 24 Circunstâncias atenuantes inominadas 552 25 Concurso de circunstâncias legais 553 26 Limites de agravação e de atenuação da pena 553 3 Alteradores especiais da pena causas especiais de aumento ou de diminuição da pena 555 III Efeitos da condenação 557 IV Reabilitação 560 Capítulo 21 SubStitutiVoS peNaiS 563 I Teoria dos substitutivos penais 563 1 Teorias tradicionais 564 11 Explicações humanitárias 564 12 Explicações científicas 564 2 Teorias críticas 565 21 Superlotação carcerária 565 22 Crise fiscal 567 23 Ampliação do controle social 568 3 Conclusão 569 II Os substitutivos penais da legislação brasileira 570 A SuSpeNSão coNdicioNaL da peNa 571 1 Pressupostos específicos 572 2 Pressuposto geral da suspensão condicional da pena 577 3 Condições legais de execução 577 4 Condições judiciais de execução 578 5 Modificação das condições de execução 579 6 Formalidades de concessão 580 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 19 242012 162753 xx 7 Revogação 580 8 Prorrogação do prazo 582 9 Extinção da pena 583 B LiVrameNto coNdicioNaL 583 1 Espécies de livramento condicional 584 2 Pressupostos do livramento condicional 585 21 Pressupostos gerais 585 22 Pressupostos específicos586 3 Condições de execução 588 4 Formalidades de concessão 589 5 Revogação 590 6 Efeitos da revogação591 7 Extinção da pena 592 C oS SubStitutiVoS peNaiS da Lei 909995 a transação penal e a suspensão condicional do processo 593 1 Transação penal 594 11 Conceito 594 12 Requisitos da transação penal 594 13 Consequências jurídicas da transação penal 598 2 Suspensão condicional do processo 598 21 Conceito 598 22 Pressupostos de concessão 599 23 Condições de execução 602 24 Revogação603 25 Extinção da pena 604 Capítulo 22 medidaS de SeguraNça 605 I As vias alternativas do Direito Penal brasileiro 605 II Crise das medidas de segurança 606 III Medidas de segurança na legislação penal brasileira 608 1 Pressupostos das medidas de segurança 610 11 A realização de fato previsto como crime 610 12 A periculosidade criminal do autor 612 2 Objetivos das medidas de segurança 613 3 Espécies de medidas de segurança 614 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 20 242012 162753 xxi 31 Hospital de custódia e tratamento psiquiátrico 615 32 Tratamento ambulatorial 616 4 Duração das medidas de segurança 617 5 A verificação de cessação da periculosidade criminal 619 6 Substituição e conversão das medidas de segurança 620 7 Prescrição das medidas de segurança 621 Capítulo 23 ação peNaL 623 I As limitações democráticas do poder de punir 623 II Os princípios constitucionais do processo penal 623 1 Princípios de formação do processo 624 2 Princípios da prova processual 627 III Ação penal 629 1 Ação penal pública 630 11 Ação penal pública incondicionada 631 12 Ação penal pública condicionada 632 13 Ação penal pública extensiva 633 2 Ação penal privada 634 21 Ação penal privada subsidiária da ação pública635 22 Transmissão do direito de queixa635 23 Extinção do direito de queixa 636 Capítulo 24 extiNção da puNibiLidade 639 I Morte do agente 639 II Anistia graça e indulto 640 III Descriminalização do fato 642 IV Prescrição decadência e perempção 643 1 Prescrição 643 11 Prescrição antes do trânsito em julgado da sentença criminal 644 12 Prescrição depois do trânsito em julgado da sentença con denatória 645 13 Prescrição pelos níveis de concretização da pena 646 14 Redução e aumento dos prazos de prescrição 648 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 21 242012 162753 xxii 15 Prescrição das penas restritivas de direito 650 16 Prescrição da pena de multa 651 17 Prescrição das medidas de segurança 651 18 Causas impeditivas da prescrição651 19 Causas interruptivas da prescrição 652 110 Prescrição das penas menos graves com as mais graves 654 2 Decadência 654 3 Perempção 654 V Renúncia e perdão 655 VI Retratação do agente 656 VII Perdão judicial 657 VIII A extinção da punibilidade nos tipos complexos nos tipos dependen tes de outros tipos nos tipos que pressupõem outros tipos nos tipos qualificados pelo resultado e nos tipos conexos 657 IX A extinção da punibilidade no concurso de crimes 658 Anexo Capítulo 25 a reSpoNSabiLidade peNaL da peSSoa jurídica 661 I Introdução 661 II A controvérsia constitucional662 III Problemas da responsabilidade penal da pessoa jurídica 667 1 A pessoa jurídica e o conceito de crime 669 11 A pessoa jurídica e o conceito de tipo injusto 671 12 A pessoa jurídica e o conceito de culpabilidade 676 13 O modelo francês de responsabilidade penal 680 14 Conclusão sobre a relação pessoa jurídicacrime 683 2 A pessoa jurídica e o conceito de pena 683 21 Lesão da técnica legislativa da lei penal 684 22 Lesão do princípio da personalidade da pena 686 23 Lesão do princípio da individualização da pena 689 24 Lesão das funções declaradas do discurso oficial da pena 690 25 Conclusão 691 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 22 242012 162753 xxiii bibLiograFia 693 íNdice aLFabético remiSSiVo 717 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 23 242012 162754 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 24 242012 162754 Primeira Parte teoria da Lei peNaL Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 1 242012 162754 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 2 242012 162754 3 Capítulo 1 direito peNaL I Conceito de Direito Penal 1 O Direito Penal é o setor do ordenamento jurídico que define cri mes comina penas e prevê medidas de segurança aplicáveis aos auto res das condutas incriminadas A definição de crimes se realiza pela descrição das condutas proibidas a cominação de penas e a previsão de medidas de segurança se realiza pela delimitação de escalas punitivas ou assecuratórias aplicáveis respectivamente aos autores imputáveis ou inimputáveis de fatos puníveis A descrição de condutas proibidas aparece em modelos abstratos de condutas comissivas ou omissivas com as escalas penais respectivas na par te especial do Código Penal as espécies e a duração das medidas de segurança são indicadas em capítulo próprio da parte geral do Código Penal 2 Assim definido o Direito Penal tem por objeto condutas humanas descritas em forma positiva ações ou em forma negativa omissão de ações de tipos legais de condutas proibidas O tipo legal descrito em forma positiva cria um dever jurídico de abstenção de ação por exemplo subtrair para si ou para outrem coisa alheia móvel art 155 CP o tipo legal descrito em forma negativa cria um dever jurídico de ação por exemplo deixar de prestar assistência quando possível fazêlo sem risco pessoal à criança abandonada ou extraviada ou à pessoa inválida ou ferida art 135 CP Logo a conduta humana objeto do Direito Penal pode consistir em ações ou em omissões de ação que constituem por sua vez os tipos de ação ou tipos comis sivos e os tipos de omissão de ação ou tipos omissivos descritos na Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 3 242012 162754 4 Teoria da Lei Penal Capítulo 1 parte especial do Código Penal ou em leis penais especiais A ação ou omissão de ação que realiza um tipo de injusto ação típica não justificada representa o objeto de reprovação no autor o que é re provado cuja integração com a culpabilidade juízo de reprovação do autor que representa o fundamento da reprovação do autor pela realização do tipo de injusto porque é reprovado constitui o con ceito de fato punível estudado na Teoria do Fato Punível segunda parte deste livro 3 O Código Penal estatuto legal que define crimes e prevê penas e medidas de segurança é o centro do programa de política penal do Estado para controle da criminalidade As penas criminais cons tituem o instrumento principal da política penal do Estado agru padas em três categorias a penas privativas de liberdade b penas restritivas de direito c penas de multa CP art 32 As medidas de segurança constituem instrumento secundário da política penal ofi cial agrupadas em duas categorias medidas de segurança detentivas e medidas de segurança não detentivas CP art 9699 As penas e as medidas de segurança conceito funções sistema aplicação substituição e extinção são estudadas na Teoria da Pena terceira parte deste livro II Objetivos do Direito Penal O Direito Penal possui objetivos declarados ou manifestos destacados pelo discurso oficial da teoria jurídica da pena e obje tivos reais ou latentes identificados pelo discurso crítico da teoria criminológica da pena correspondentes às dimensões de ilusão e de realidade de todos os fenômenos ideológicos das sociedades capita listas contemporâneas Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 4 242012 162754 5 Capítulo 1 Direito Penal 1 Objetivos declarados do discurso jurídico ofi cial 1 Os objetivos declarados do Direito Penal nas sociedades contempo râneas consistem na proteção de bens jurídicos ou seja na proteção de valores relevantes para a vida humana individual ou coletiva sob ameaça de pena1 Os bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal são selecionados por critérios políticocriminais fundados na Constitui ção o documento fundamental do moderno Estado Democrático de Direito realidades ou potencialidades necessárias ou úteis para a existência e desenvolvimento individual e social do ser humano2 por exemplo a vida a integridade e saúde corporais a honra a liberdade individual o patrimônio a sexualidade a família a incolumidade a paz a fé e a administração públicas constituem os bens jurídicos pro tegidos contra várias formas de lesão pelo Código Penal Como se vê os bens jurídicos mais importantes da vida humana individual ou coletiva são selecionados para proteção penal a lesão real ou ameaçada desses bens jurídicos pode desencadear as mais graves consequências previstas no ordenamento jurídico as penas criminais ou as medidas de segurança 2 Contudo a proteção de bens jurídicos realizada pelo Direito Penal é de natureza subsidiária e fragmentária e por isso dizse que o Direito Penal protege bens jurídicos apenas em ultima ratio por um lado proteção subsidiária porque supõe a atuação principal de meios de proteção mais efetivos do instrumental sociopolítico e jurídico do Estado por outro lado proteção fragmentária porque não protege todos os bens jurídicos definidos pela Constituição da República 1 A criação do conceito de bem jurídico é atribuída a BIRNBAUM Uber das Erfordernis einer Rechtsverletzung zum Begriff des Verbrechens mit besonderer Rucksicht auf den Begriff der Ehrenkränkung in Archiv des Criminalrechts Neue Folge v 15 1834 p 149 2 ROXIN Strafrecht 1997 p 15 n 9 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 5 242012 162754 6 Teoria da Lei Penal Capítulo 1 e protege apenas parcialmente os bens jurídicos selecionados para proteção penal3 A proteção de ultima ratio de bens jurídicos pelo Direito Penal é limitada pelo princípio da proporcionalidade que proíbe o emprego de sanções penais desnecessárias ou inadequadas em duas direções a primeiro lesões de bens jurídicos com mínimo desvalor de resultado não devem ser punidas com penas criminais mas constituir contraven ções ou permanecer na área da responsabilidade civil como pequenos furtos em lojas indústrias ou empresas em geral4 b segundo lesões de bens jurídicos com máximo desvalor de resultado não podem ser punidas com penas criminais absurdas ou cruéis como ocorre com os chamados crimes hediondos esse grotesco produto da imaginação punitiva do legislador brasileiro 2 Objetivos reais do discurso jurídico crítico 1 A definição dos objetivos reais do Direito Penal permite compre ender o significado político desse setor do ordenamento jurídico como centro da estratégia de controle social nas sociedades contem porâneas Nas formações sociais capitalistas estruturadas em classes sociais antagônicas diferenciadas pela posição respectiva nas relações de produção e de circulação da riqueza material em que os indivíduos se relacionam como proprietários do capital ou como possuidores de força de trabalho ou seja na posição de capitalistas ou na posição de assalariados todos os fenômenos sociais da base econômica e 3 Ver BARATTA Principi del diritto penal minimo Per una teoria dei diritti umani come oggetti e limiti della legge penale in Dei Delitti e delle Pene 1991 n 1 p 4445 também ROXIN Strafrecht 1997 p 1011 n 1 4 ROXIN Strafrecht 1997 p 25 n 3839 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 6 242012 162754 7 Capítulo 1 Direito Penal das instituições de controle jurídico e político do Estado devem ser estudados na perspectiva dessas classes sociais fundamentais e da luta de classes correspondente em que se manifestam as contradições e os antagonismos políticos que determinam ou condicionam o desenvol vimento da vida social5 2 Os sistemas jurídicos e políticos de controle social do Estado as formas jurídicas e os órgãos de poder do Estado instituem e garan tem as condições materiais fundamentais da vida social protegendo interesses e necessidades dos grupos sociais hegemônicos da formação econômicosocial com a correspondente exclusão ou redução dos interesses e necessidades dos grupos sociais subordinados Assim na perspectiva das classes sociais e da luta de classes correspondente o Direito Penal garante as estruturas materiais em que se baseia a exis tência das classes sociais o capital como propriedade privada dos meios de produção e de circulação da riqueza e o trabalho assalariado como energia produtora de valor superior ao seu preço de mercado assim como protege as formas jurídicas e políticas que disciplinam a luta de classes e instituem o domínio de uma classe sobre outra Se o Direito Penal garante uma ordem social desigual então garante a desigualdade social Mas o Direito e o Estado não se limitam às fun ções reais de instituição e reprodução das relações sociais exercendo também funções ilusórias de encobrimento da natureza dessas relações sociais em geral apresentadas sob forma diversa ou oposta pelo discurso jurídico oficial Por isso também o Direito Penal deve ser estudado do ponto de vista de seus objetivos declarados ou manifestos e de seus objetivos reais ou latentes nos quais se manifestam as dimensões de ilusão e de realidade dos fenômenos da vida social nas sociedades contemporâneas 3 Os objetivos declarados do Direito Penal produzem uma aparência de neutralidade do Sistema de Justiça Criminal promovida pela 5 MARXENGELS Manifesto do partido comunista Edições Sociais Textos 3 p 21 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 7 242012 162754 8 Teoria da Lei Penal Capítulo 1 limitação da pesquisa jurídica ao nível da lei penal única fonte formal do Direito Penal Essa aparência de neutralidade do Direito Penal é dissolvida pelo estudo das fontes materiais do ordenamen to jurídico enraizadas no modo de produção da vida material6 que fundamentam os interesses necessidades e valores das classes sociais dominantes das relações de produção e hegemônicas do poder político do Estado como indicam as teorias conflituais da Sociologia do Direito7 4 A mudança da fonte formal a lei para a fonte material o modo de produção do Direito significa trocar a lógica formal por uma lógica material ou lógica dialética utilizada pela Criminologia crítica como método de pensar o crime e o controle social nas sociedades contempo râneas embora a dogmática jurídica permaneça sob a égide da lógica formal como lógica jurídica clássica 5 O conceito de modo de produção da formação social formado pela articulação de forças produtivas em determinadas relações de produção da vida material permite identificar os objetivos reais do Direito em geral cuja existência é encoberta pelos objetivos declara dos do discurso jurídico oficial que revelam o significado político do Direito Penal como instituição de garantia e de reprodução da estrutura de classes da sociedade da desigualdade entre as classes sociais da exploração e da opressão das classes sociais subalternas pelas classes sociais hegemônicas nas sociedades contemporâneas esclarecendo complementarmente a formação econômica das classes sociais nas relações de produção e a luta política dessas classes sociais no terreno das ideologias por exemplo nos sistemas jurídicos e 6 Ver BOURJOL DUJARDIN GLEIZAL JEAMMAUD JEANTIN MIAILLE e MICHEL Pour une critique du Droit 1978 p 1360 também MIAILLE Une introduction critique au Droit 1976 7 Ver SABADELL Manual de sociologia jurídica introdução a uma leitura externa do Direito 2005 3ª edição p 139140 também DIMOULIS Manual de Introdução ao estudo do direito 2003 p 184 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 8 242012 162755 9 Capítulo 1 Direito Penal políticos de controle social rompendo assim a opacidade do real produzida pelo discurso jurídico oficial dos objetivos declarados do Direito Penal 6 O método de análise social fundado no modo de produção da vida material permite explicar o Direito ou seja as formas jurídicas de disciplina da vida social e o Estado ou seja a organização jurídica do poder político das classes hegemônicas da formação social pelas condições reais da sociedade civil cuja anatomia é constituída pelo conjunto das relações de produção ativadas pelas forças produtivas da vida social definíveis como a fonte material das formas jurídicas e políticas do Estado8 7 Sem dúvida a política de controle social instituída pelo Direito Penal e implementada pelo Sistema de Justiça Criminal inclui o conjunto do ordenamento jurídico e político do Estado além de outras instituições da sociedade civil como a empresa a família a escola a imprensa a Igreja os partidos políticos os sindicatos os meios de comunicação etc As formas jurídicas e políticas do Estado e as organizações da sociedade civil convergem na tarefa de instituir e reproduzir uma determinada formação econômicosocial histórica em que os homens se relacionam como integrantes de classes ou de categorias sociais estruturais da sociedade O Direito Penal e o Sistema de Justiça Criminal constituem no contexto dessa formação econômicosocial o centro gravitacional do controle social a pena criminal é o mais rigoroso instrumento de reação oficial contra as violações da ordem social econômica e política institucionalizada garantindo todos os sistemas e instituições particulares bem como a existência e continuidade do próprio sistema social como um todo9 8 Ver MARX Contribuição para a crítica da economia política Prefácio 1973 9 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 2000 2a edição p 209 s FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 244248 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 9 242012 162755 10 Teoria da Lei Penal Capítulo 1 21 Direito Penal e desigualdade social 1 Os objetivos declarados do Direito Penal legitimados pelo discurso jurídico da igualdade da liberdade do bem comum etc consistem na proteção de valores essenciais para a existência do indivíduo e da sociedade organizada definidos pelos bens jurídicos protegidos nos tipos legais10 Os pressupostos não questionados desses objetivos decla rados são as noções de unidade e não de divisão social de identidade e não de contradição de classes de igualdade e não de desigualdade real entre as classes sociais de liberdade e não de opressão individual de salário equivalente ao trabalho e não de expropriação de maisvalia como trabalho excedente não remunerado etc11 2 O significado político do controle social realizado pelo Direito Penal e pelo Sistema de Justiça Criminal aparece nas funções reais desse setor do Direito encobertas pelas funções declaradas do discurso oficial a criminalização primária realizada pelo Direito Penal definição legal de crimes e de penas e a criminalização secundária realizada pelo Sistema de Justiça Criminal constituído pela polícia justiça e prisão aplicação e execução de penas criminais garantem a existência e a reprodução da realidade social desigual das sociedades contemporâneas12 O Sistema de Justiça Criminal operacionalizado nos limites das matrizes legais do Direito Penal realiza a função declarada de garantir uma ordem social justa protegendo bens jurídicos gerais e assim promovendo o bem comum Essa função declarada é legitimada pelo discurso oficial da teoria jurídica do crime como critério de racionali dade construído com base na lei penal vigente e pelo discurso oficial 10 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 v I 11 I ns 46 admitem o bem jurídico como critério de criminalização mas não como objeto de proteção do Direito Penal que constituiria somente ato político de poder do Estado 11 CIRINO DOS SANTOS Direito Penal a nova parte geral 1985 p 23 12 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 2000 2ª edição p 173174 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 10 242012 162755 11 Capítulo 1 Direito Penal da teoria jurídica da pena fundado nas funções de retribuição de pre venção especial e de prevenção geral atribuídas à pena criminal 3 Assim através das definições legais de crimes e de penas o legis lador protege interesses e necessidades das classes e categorias sociais hegemônicas da formação social incriminando condutas lesivas das relações de produção e de circulação da riqueza material concentradas na criminalidade patrimonial comum característica das classes e cate gorias sociais subalternas privadas de meios materiais de subsistência animal as definições de crimes fundadas em bens jurídicos próprios das elites econômicas e políticas da formação social garantem os interesses e as condições necessárias à existência e reprodução dessas classes sociais Em consequência a proteção penal seletiva de bens jurídicos das classes e grupos sociais hegemônicos préseleciona os sujeitos estigmatizáveis pela sanção penal os indivíduos pertencentes às classes e grupos sociais subalternos especialmente os contingentes marginalizados do mercado de trabalho e do consumo social como sujeitos privados dos bens jurídicos econômicos e sociais protegidos na lei penal13 4 A proteção das relações de produção e de circulação materiais da vida social abrange a proteção das forças produtivas homens tecnologia e natureza e assim certos tipos penais parecem proteger bens jurídicos gerais ou comuns a todos os homens independentemente da posição social ou de classe respectiva como a vida a integridade física e psíqui ca a liberdade individual e sexual a honra a ecologia etc Entretanto a proteção desses valores gerais é desigual14 como demonstra qualquer pesquisa empírica15 a titulares desses bens jurídicos pertencentes às 13 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 2000 2ª edição p 164174 14 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 2000 2ª edição p 164 s 15 Ver MACHADO Vinícius Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada Dissertação de Mestrado UnB 2009 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 11 242012 162755 12 Teoria da Lei Penal Capítulo 1 classes ou categorias sociais hegemônicas são protegidos como seres humanos os verdadeiros sujeitos da formação econômicosocial b titulares desses bens jurídicos pertencentes às classes ou grupos sociais integrados nos processos de produçãocirculação material como força de trabalho assalariada são protegidos apenas como e enquanto objetos ou seja como energia necessária à ativação dos meios de produção circulação e capaz de produzir valor superior ao seu preço de mercado a maisvalia extraída do tempo de trabalho excedente c titulares desses bens jurídicos pertencentes aos contingentes marginalizados do mercado de trabalho sem função na reprodução do capital a força de trabalho excedente das necessidades do mercado não são protegidos nem como sujeitos nem como objetos são destruídos ou eliminados pela violência estrutural das relações de produção ou pela violência institucional do sistema de controle social sem consequências penais Assim se a criminalização primária ou abstrata parece neutra a cri minalização secundária ou concreta é diferenciada pela posição social dos sujeitos respectivos16 5 Por outro lado condutas criminosas próprias dos segmentos sociais hegemônicos que vitimizam o conjunto da sociedade ou amplos seto res da população são diferenciadas ao nível da criminalização primária tipos legais ou da criminalização secundária repressão penal17 no nível da criminalização primária ou não são definidas pelo legislador como crimes ou são definidas de modo impreciso e vago ou as penas cominadas são irrisórias no nível da criminalização secundária portan to ou frustram a repressão penal ou a natureza das penas cominadas transforma essas práticas criminosas em investimentos lucrativos18 A criminalização dessas condutas constitui o moderno Direito Penal simbólico crimes contra a ordem econômica a ordem tributária as 16 CIRINO DOS SANTOS Direito penal a nova parte geral 1985 p 2627 17 SUTHERLAND White collar crime the uncut versions 1983 p 240257 18 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição p 165167 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 12 242012 162755 13 Capítulo 1 Direito Penal relações de consumo o mercado de capitais o meio ambiente e outras formas da criminalidade das elites econômicas e políticas da formação social produzido para satisfação retórica da opinião pública como discurso encobridor das responsabilidades do capital financeiro in ternacional e das elites conservadoras dos países do Terceiro Mundo pela criação das condições criminogênicas estruturais do capitalismo neoliberal contemporâneo19 6 Seja como for é no processo de criminalização que a posição social dos sujeitos criminalizáveis revela sua função determinante do resultado de condenaçãoabsolvição criminal a variável decisiva da criminalização secundária é a posição social do autor integrada por indivíduos vulne ráveis selecionados por estereótipos preconceitos e outros mecanismos ideológicos dos agentes de controle social e não pela gravidade do crime ou pela extensão social do dano20 A criminalidade sistêmica econômica e financeira de autores pertencentes aos grupos sociais hegemônicos não produz consequências penais não gera processos de criminalização ou os processos de criminalização não geram conse quências penais ao contrário a criminalidade individual violenta ou fraudulenta de autores pertencentes aos segmentos sociais subalternos especialmente dos contingentes marginalizados do mercado de traba lho produz consequências penais gera processos de criminalização com consequências penais de rigor punitivo progressivo na relação direta das variáveis de subocupação desocupação e marginalização do mercado de trabalho21 7 Enfim o sistema penal representado pela prisão e instituições conexas consome os sujeitos criminalizados mediante supressão da liberdade 19 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 2930 20 Ver BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição p 165166 também ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 v I 2 III n 10 21 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição p 165166 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 13 242012 162755 14 Teoria da Lei Penal Capítulo 1 e outros direitos não especificados na condenação como direitos políticos sociais e individuais de dignidade sexualidade recreação informação etc A prisão justificada pelo discurso penal de retribuição e de prevenção do crime é um mecanismo expiatório que realiza a troca jurídica do crime em tempo de liberdade suprimida acoplado a um projeto técnicocorretivo de transformação individual22 com regimes diferenciados de execução penal O projeto técnicocorretivo da prisão cuja história registra 200 anos de fracasso reconhecido marcado pela reproposição reiterada do mesmo projeto fracassado o célebre isomorfismo reformista de FOUCAULT caracterizase por uma eficácia invertida com a reprodução ampliada da criminalidade pela introdução de condenados em carreiras criminosas23 O discurso crítico da teoria criminológica da pena mostra que a prisão não pode ser explicada pelos objetivos declarados de correção do criminoso e de prevenção da criminalidade mas pelos objetivos reais do sistema penal de gestão diferencial da criminalidade e de garantia das relações sociais desiguais da contradição capitaltrabalho assalariado das sociedades contemporâneas24 22 Bem jurídico ainda um conceito necessário 1 Juristas e criminólogos críticos pesquisam um referente material de definição de crime capaz de exprimir a negatividade social das situações conflituais da vida coletiva nas sociedades modernas25 e de indicar hipóteses merecedoras de criminalização legal admitindo 22 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 207223 23 Ver BECKER Outsiders studies in the sociology of deviance 1973 p 101 s também FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 239 24 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 228239 25 BARATTA Che cosa è la criminologia critica in Dei Delitti e delle Pene 1991 n 1 p 65 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 14 242012 162755 15 Capítulo 1 Direito Penal que o Direito Penal ainda é necessário para solução de determinados conflitos26 Nesse sentido a pesquisa crítica identifica na contradição capitaltrabalho assalariado que fundamenta o conflito de classes das sociedades atuais a base concreta de interesses universais cuja lesão constituiria a negatividade social capaz de configurar o referente material do conceito de crime Mas com uma diferença essencial em relação à teoria tradicional na dinâmica dessa contradição fundamental o trabalho assalariado é definido como portador de interesses comuns universalizáveis porque sua emancipação teria o significado de con duzir segundo a Weltanschauung marxiana ao objetivo ainda utópico de libertação de toda humanidade27 2 Enquanto isso o conceito de bem jurídico continua essencial para o Estado Democrático de Direito das formações sociais fundadas na relação capitaltrabalho assalariado do capitalismo neoliberal como critério de criminalização e como objeto de proteção do Direito Penal conforme reconhecem as teorias jurídica e criminológica mo dernas28 3 Não obstante respeitáveis penalistas latinoamericanos29 admitem o bem jurídico como critério de criminalização afirmando que toda lesão de bens jurídicos deve ser criminalizada o que é correto e negando que todo bem jurídico deva ser protegido por criminalização o que também é correto mas rejeitam o bem jurídico como objeto de proteção penal 26 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 p 260 27 Assim BARATTA Che cosa è la criminologia critica in Dei Delitti e delle Pene 1991 n 1 p 667 28 Em Direito Penal ROXIN Strafrecht 1997 2º IIXI ns 241 p 1127 JESCHECK WEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1966 1 III p 78 BUSTOS RAMÍREZ Manual de derecho penal español Ariel 1984 p 39 e 180183 em Criminologia por exemplo ALBRECHT Kriminologie 1999 p 5455 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 p 204 29 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 11 I 6 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 15 242012 162755 16 Teoria da Lei Penal Capítulo 1 porque no homicídio e no estupro por exemplo a pena criminal não protegeria a vida nem a sexualidade das vítimas30 Na verdade o bem jurídico é critério de criminalização porque constitui objeto de proteção penal afinal existe um núcleo duro de bens jurídicos individuais como a vida o corpo a liberdade e a sexualidade humanas que configuram a base de um Direito Penal mínimo e dependem de proteção penal ainda uma resposta legítima para certos problemas sociais31 e poderia ser aflitivo imaginar o que aconteceria com a vida e a sexualidade humanas se não constituíssem objeto de proteção penal mas de simples indenização por exemplo Assim evitar a criminalização da vontade do poder ou das expectativas normativas parece insuficiente para rejeitar o bem jurídico como obje to de proteção penal32 além disso admitir a proteção de bens jurídicos pela criminalização não exclui a necessidade de relevância do bem ju rídico para constituir objeto de proteção penal sempre subsidiária e fragmentária nem implica incluir todos os bens jurídicos como objeto de proteção penal Mais ainda se a fonte exclusiva de bens jurídicos selecionados para proteção penal é a Constituição da República o fundamento político do moderno Estado Democrático de Direito então a criminalização da vontade do poder ou de meras expectativas normativas parece remota ao contrário a rejeição do bem jurídico como objeto de proteção fragmentária e subsidiária da criminalização poderia criar um vazio legal preenchível pela vontade do poder ou pelas expectativas normativas como objetos de criminalização sem falar na incômoda proximidade com a teoria sistêmica de JAKOBS que despreza o bem jurídico tanto como objeto de proteção quanto como critério de criminalização33 30 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 11 I 4 31 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2ª edição p 260 32 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 11 I 6 33 JAKOBS Strafrecht 1993 ns 35 p 3538 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 16 242012 162756 17 Capítulo 1 Direito Penal Enfim a tese do bem jurídico como critério de criminalização e como objeto de proteção penal ainda que a concreta lesão do bem jurídico indique a ineficácia da proteção não só mostra o Direito Penal como garantia jurídicopolítica das formações sociais capitalistas mas mostra a própria sobrevivência das atuais sociedades desiguais pela proteção penal de seus valores fundamentais A tese central da Cri minologia Crítica pode ser assim enunciada o Direito Penal garante a desigualdade social fundada na relação capitaltrabalho assalariado das sociedades capitalistas contemporâneas34 Essa tese tem desdobramentos importantes o Direito Penal garante a propriedade privada dos meios de produção e do produto do trabalho social instituída pela Constituição e disciplinada pelo Direito Civil que permite a sobrevivência do trabalhador nos limites do trabalho assalariado portanto garante a extração de maisvalia como trabalho excedente não remunerado nos processos de produção e de circulação da riqueza material deixando ao trabalhador a alternativa de vender a força de trabalho pelo preço do salário legitimada pelo Direito do Trabalho correspondente ao tempo de trabalho necessário35 Em síntese a proteção de relações sociais desiguais mediante garantia da relação capitaltrabalho assalariado significa proteção dos processos sociais de produção e de circulação de bens materiais que determinam a concentração da riqueza e do poder no polo do capital e a generalização da miséria e da depen dência no polo do trabalho assalariado Se o objetivo real do Direito Penal consiste na proteção das condições fundamentais da sociedade de produção de mercadorias36 então o bem jurídico além de critério de criminalização constitui objeto de proteção penal 4 Na atualidade juristas e criminólogos críticos propõem reservar o conceito de bem jurídico para os direitos e garantias individuais do 34 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2ª edição p 207 35 MARX Crítica ao programa de Gotha Edições Sociais 1975 36 PASUKANIS A teoria geral do direito e o marxismo Lisboa Perspectiva Jurídica 1972 p 183 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 17 242012 162756 18 Teoria da Lei Penal Capítulo 1 ser humano excluindo a criminalização a da vontade do poder b de papéis sistêmicos c do risco abstrato d ou dos interesses difusos característicos de complexos funcionais como a economia a ecologia o sistema tributário etc37 Essa posição reafirma os princípios do Di reito Penal do fato como lesão do bem jurídico e da culpabilidade como limitação do poder de punir38 excluindo a estabilização das expectativas normativas das concepções autoritárias do funcionalismo de JAKOBS por exemplo39 Desse ponto de vista consideradas todas as limitações e críticas o conceito de bem jurídico como critério de criminalização e como objeto de proteção parece constituir garantia política irrenunciável do Direito Penal do Estado Democrático de Direito nas formações sociais estruturadas sobre a relação capitaltra balho assalariado em que se articulam as classes sociais fundamentais do neoliberalismo contemporâneo 37 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 5455 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 11 I 6 38 BARATTA IntegrationsPrävention Eine systemtheoretische Neubegrundung der Strafe 1984 p 115 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 5455 39 Assim ALBRECHT Kriminologie 1999 p 24 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 18 242012 162756 19 Capítulo 2 priNcípioS do direito peNaL O Direito Penal das sociedades contemporâneas é regido por princípios constitucionais sobre crimes penas e medidas de segu rança nos níveis de criminalização primária e de criminalização secundária indispen sáveis para garantir o indivíduo em face do poder punitivo do Estado A distinção entre regras e princípios jurídicos como espécies da categoria geral normas jurídicas é a base da teoria dos direitos fundamentais e a chave para resolver problemas centrais da dogmática penal constitu cional1 Normas jurídicas compreendem regras e princípios jurídicos componentes elementares do ordenamento jurídico que determinam o que é devido no mundo real as regras são normas de conduta realizadas ou não realizadas pelos seres humanos os princípios são normas jurídicas de otimização optimierungsgebote das possibilidades de realização jurídica dos mandados das proibições e das permissões na vida real2 Os princípios constitucionais mais relevantes para o Direito Penal são o princípio da legalidade o princípio da culpabilidade o princípio da lesividade o princípio da proporcionalidade o princípio da humanidade e o princípio da responsabilidade penal pessoal 1 ALEXY Theorie der Grundrechte 1994 2ª edição p 71 I e 72 I 1 2 Ver ALEXY Theorie der Grundrechte 1994 2ª edição p 75 I 2 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 19 242012 162756 20 Teoria da Lei Penal Capítulo 2 I Princípio da legalidade As Constituições dos Estados americanos de Virgínia e de Maryland 1776 instituíram pela primeira vez o princípio da lega lidade depois repetido na Constituição americana 1787 e mais tarde como norma fundamental do Estado de Direito foi inscrito na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão 1789 A primeira legislação penal a incorporar o princípio da legalidade foi o Código Penal da Bavária 1813 depois a Prússia 1851 e a Alemanha 1871 genera lizandose por todas as legislações penais ocidentais3 sob a fórmula latina do nullum crimen nulla poena sine lege inaugurada por FEUERBACH4 O princípio da legalidade é o mais importante instrumento constitucional de proteção individual no moderno Estado Demo crático de Direito porque proíbe a a retroatividade como crimina lização ou agravação da pena de fato anterior b o costume como fundamento ou agravação de crimes e penas c a analogia como método de criminalização ou de punição de condutas e d a inde terminação dos tipos legais e das sanções penais5 art 5º XXXIX CR O significado político do princípio da legalidade é expresso nas fórmulas de lex praevia de lex scripta de lex stricta e de lex certa incidentes sobre os crimes as penas e as medidas de segurança da legislação penal6 3 ROXIN Strafrecht 1997 p 99101 ns 1417 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 II 1 4 FEUERBACH Lehrbuch des gemeinen in Deutschland geltenden Peinlichen Rechts 1801 p 20 5 ROXIN Strafrecht 1997 p 98 ns 811 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1976 p 131142 GROPP Strafrecht 2001 p 45 n 23 6 Assim também ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 V 1 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 20 242012 162756 21 Capítulo 2 Princípios do Direito Penal 1 Proibição de retroatividade da lei penal A proibição de retroatividade da lei penal é o principal fun damento político do princípio da legalidade regido pela fórmula lex praevia que incide sobre a norma de conduta e sobre a sanção penal do tipo legal a no âmbito da norma de conduta proíbe to das as mudanças dos pressupostos de punibilidade prejudiciais ao réu compreendendo os tipos legais as justificações e as exculpações b no âmbito da sanção penal abrange as penas e as medidas de segurança os efeitos da condenação as condições objetivas de punibilidade as causas de extinção da punibilidade especialmente os prazos prescricionais os regimes de execução incluindo os cri térios de progressão e de regressão de regimes e todas as hipóteses de excarceração7 A única exceção à proibição de retroatividade da lei penal é representada pelo princípio da lei penal mais benigna igualmente previsto no art 5º XL da Constituição da República ver Validade da lei penal adiante 2 Proibição de analogia da lei penal in malam partem A analogia como método de pensamento comparativo de grupos de casos significa aplicação da lei penal a fatos não previs tos mas semelhantes aos fatos previstos8 O processo intelectual 7 Ver STRATENWERTH Strafrecht 2000 p 4951 n 712 também ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 V 1 8 KELSEN Allgemeine Theorie der Normen 1990 p 217 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 21 242012 162756 22 Teoria da Lei Penal Capítulo 2 de analogia fundado normalmente no chamado espírito da lei configura significado idiossincrático que um Juiz atribuiria e ou tro Juiz não atribuiria ao mesmo fato concreto A atribuição de significados fundados no espírito da lei encobre a criação judicial de direito novo mediante juízos de probabilidade da psicologia individual9 assim resolvidos no Direito Penal se o significado con creto representar prejuízo para o réu constitui analogia proibida se o significado concreto representar benefício para o réu constitui analogia permitida Hoje a analogia pode ser equacionada deste modo10 a a analo gia in malam partem analogia praepter legem e analogia contra legem como analogia prejudicial ao réu é absolutamente proibida pelo Direito Penal b a analogia in bonam partem analogia intra legem como analogia favorável ao réu é permitida pelo princípio da le galidade sem nenhuma restrição nas justificações nas exculpações e em qualquer hipótese de extinção ou de redução da punibilidade do comportamento humano11 3 Proibição do costume como fonte da lei penal O princípio da legalidade proíbe o costume como fundamento de criminalização e de punição de condutas porque exige lex scripta para os tipos legais e as sanções penais 9 CARNAP On inductive logic In Philosophy of Science 1945 v XII p 72 apud KELSEN Allgemeine Theorie der Normen 1990 p 218 10 MAYER Der allgermeine Teil des deutschen Strafrechts 1915 p 27 11 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 15 III n 2d p 136 MAURACHZIPF Strafrecht v 1 p 127128 ns 2122 ROXIN Strafrecht 1997 p 112114 ns 4044 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 III 46 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 22 242012 162756 23 Capítulo 2 Princípios do Direito Penal Mas assim como a analogia e a retroatividade da lei penal mais favorável são admitidas também o costume pode ser admitido in bonam partem para excluir ou reduzir a pena ou para descriminalizar o fato nas hipóteses indicadas pela sociologia jurídica de perda de eficácia da lei penal e com a perda de eficácia a perda de validade da lei penal12 a existência generalizada dos motéis aboliu na prática hoje também na lei o crime de casa de prostituição 4 Proibição de indeterminação da lei penal A proteção do cidadão contra o arbítrio exclui leis penais indefini das ou obscuras o maior perigo para o princípio da legalidade segundo WELZEL13 porque leis penais indefinidas ou obscuras favorecem interpretações judiciais idiossincráticas e impedem ou dificultam o conhecimento da proibição favorecendo a aplicação de penas com lesão do princípio da culpabilidade14 outro aspecto da relação entre os princípios formadores do conceito de crime O problema de toda lei penal parece ser a inevitabilidade de certo nível de indefinição as palavras da lei são objeto de interpre tações diferentes porque os juízos de valor enunciados não admitem descrições neutras e qualquer tentativa semelhante seria monótona ou ridícula como descrever o conceito de injúria por exemplo Seja como for o princípio da legalidade pressupõe um mínimo de determi nação das proibições ou comandos da lei penal em geral conhecido como princípio da taxatividade mas indissociável do princípio da 12 Ver KELSEN Allgemeine Theorie der Normen 1990 p 87 13 WELZEL Das deutsche Strafrecht 1969 5 II n 2 p 23 14 Ver ROXIN Strafrecht 1997 p 125 n 6768 No Brasil no sentido do texto FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 16a edição 2003 p 114116 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 23 242012 162756 24 Teoria da Lei Penal Capítulo 2 legalidade como exigência de certeza da lei cuja ausência impede o conhecimento das proibições e rompe a constitucionalidade da lei penal regida pela fórmula lex certa15 II Princípio da culpabilidade 1 A relação entre o princípio da legalidade e o princípio da culpabi lidade pode ser assim definida a a culpabilidade fundamentase no conhecimento real ou possível do tipo de injusto logo o princípio da culpabilidade pressupõe ou contém o princípio da legalidade como definição escrita prévia estrita e certa do tipo de injusto b existe uma relação de dependência do princípio da culpabilidade em face do princípio da legalidade porque a culpabilidade pressupõe tipo de injusto princípio da legalidade mas o tipo de injusto não pressupõe culpabilidade o juízo de culpabilidade não existe sem o tipo de injusto mas o tipo de injusto pode existir sem o juízo de culpabilidade 2 O princípio da culpabilidade expresso na fórmula nulla poena sine culpa é o segundo mais importante instrumento de proteção indivi dual no moderno Estado Democrático de Direito porque proíbe punir pessoas sem os requisitos do juízo de reprovação segundo o estágio atual da teoria da culpabilidade a saber a pessoas incapazes de saber o que fazem inimputáveis b pessoas imputáveis que realmente não sabem o que fazem porque estão em situação de erro de proibição inevitável c pessoas imputáveis com conhecimento da proibição do fato mas sem o poder de não fazer o que fazem porque realizam o tipo de injusto em contextos de anormalidade definíveis como situações de exculpação 15 STRATENWERTH Stafrecht 2000 p 5859 ns 2831 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 III 1 e IV 1 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 24 242012 162756 25 Capítulo 2 Princípios do Direito Penal 21 O princípio da culpabilidade proíbe punir pessoas inimputáveis porque são incapazes de compreender a norma ou de determinarse conforme a compreensão da norma mas não proíbe a aplicação de medidas de segurança fundadas na periculosidade criminal de autores inimputáveis de fatos puníveis a relação culpabilidadepena possui natureza subjetiva mas a relação periculosidade criminalmedida de segurança possui natureza objetiva de proteção do autor terapia e da sociedade neutralização segundo o discurso oficial da teoria jurídica das medidas de segurança 22 O princípio da culpabilidade proíbe punir pessoas imputáveis em situação de desconhecimento inevitável da proibição do fato porque o erro de proibição inevitável exclui a possibilidade de motivação con forme a norma jurídica que fundamenta o juízo de reprovação mas não proíbe punição em situação de erro evitável sobre a proibição da norma por insuficiente reflexão ou informação do autor 23 O princípio da culpabilidade proíbe punir pessoas imputáveis que realizam o tipo de injusto com conhecimento da proibição do fato mas sem o poder de não fazer o que fazem porque a realização do tipo de injusto em situações anormais exclui ou reduz a exigibilidade de comportamento diverso 3 Finalmente todos os resquícios atuais do velho versari in re illicita como os crimes qualificados pelo resultado16 e especialmente as versões coloniais da actio libera in causa17 são incompatíveis com o princípio da culpabilidade e por isso devem ser excluídos da legislação penal ou pelo menos banidos da praxis penal pela consciência democrática do Ministério Público e da Magistratura nacionais 16 ROXIN Strafrecht 1997 n 111 p 277 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1966 n 3 p 571 17 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 12 IV 6 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 25 242012 162756 26 Teoria da Lei Penal Capítulo 2 III Princípio da lesividade 1 O princípio da lesividade proíbe a cominação a aplicação e a execução de penas e de medidas de segurança em casos de lesões ir relevantes contra bens jurídicos protegidos na lei penal Em outras palavras o princípio da lesividade tem por objeto o bem jurídico determinante da criminalização em dupla dimensão do ponto de vista qualitativo tem por objeto a natureza do bem jurídico lesio nado do ponto de vista quantitativo tem por objeto a extensão da lesão do bem jurídico 2 Assim do ponto de vista qualitativo natureza do bem jurídico lesionado o princípio da lesividade impede criminalização primária ou secundária excludente ou redutora das liberdades constitucionais de pensamento de consciência e de crença de convicções filosóficas e políticas ou de expressão da atividade intelectual artística científica ou de comunicação garantidas pela Constituição da República acima de qualquer restrição da legislação penal18 Essas liberdades constitucionais individuais devem ser objeto da maior garantia positiva como critério de criminalização e inversamente da menor limitação negativa como objeto de criminalização por parte do Estado 3 Do ponto de vista quantitativo extensão da lesão do bem jurídico o princípio da lesividade exclui a criminalização primária ou secundá ria de lesões irrelevantes de bens jurídicos Nessa medida o princípio da lesividade é a expressão positiva do princípio da insignificância em Direito Penal lesões insignificantes de bens jurídicos protegidos como a integridade ou saúde corporal a honra a liberdade a propriedade a sexualidade etc não constituem crime 18 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 11 I 1 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 26 242012 162756 27 Capítulo 2 Princípios do Direito Penal IV Princípio da proporcionalidade 1 O princípio da proporcionalidade desenvolvido pela teoria cons titucional germânica o célebre Verhältnismässigkeitsgrundsatz é constituído por três princípios parciais o princípio da adequação Geeignetheit o princípio da necessidade Erforderlichkeit e o prin cípio da proporcionalidade em sentido estrito também chamado de princípio da avaliação Abwägungsgebote19 Esses princípios parciais têm aplicação sucessiva e complementar 2 O princípio da adequação e o princípio da necessidade têm por objeto a otimização das possibilidades da realidade do ponto de vista da adequação e da necessidade dos meios em relação aos fins propostos formulados em forma interrogativa a a pena criminal é um meio adequado entre outros para realizar o fim de proteger um bem jurídico b a pena criminal meio adequado entre outros é também meio necessário outros meios podem ser adequados mas não seriam necessários para realizar o fim de proteger um bem jurídico O princípio da proporcionalidade em sentido estrito ou princípio da avaliação tem por objeto a otimização das possibilidades jurídicas ao nível da criminalização primária e da criminalização secundária do ponto de vista da proporcionalidade dos meios pena criminal em relação aos fins propostos proteção de bens jurídicos também formulado em forma interrogativa a pena criminal cominada eou aplicada considerada meio adequado e necessário ao nível da reali dade é proporcional em relação à natureza e extensão da lesão abstrata eou concreta do bem jurídico 19 ALEXY Theorie der Grundrechte 1994 2ª edição p 100101 n 8 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 27 242012 162757 28 Teoria da Lei Penal Capítulo 2 Em síntese a otimização das possibilidades reais e jurídicas ob jeto do Verhältnismässigkeitsgrundsatz para continuar empregando a terminologia de ALEXY tem por objetivo integrar os princípios os meios e os fins em unidades jurídicas e reais coerentes20 ou seja harmonizar os meios e os fins da realidade com os princípios jurídicos fundamentais O princípio da proporcionalidade no Direito Penal coincide com análises da Criminologia Crítica como Sociologia do Direito Penal que estuda a adequação e a necessidade da pena crimi nal para proteção de bens jurídicos do ponto de vista dos princípios jurídicos do discurso punitivo 3 Assim o princípio da proporcionalidade implícito no art 5o caput da Constituição da República proíbe penas excessivas ou despropor cionais em face do desvalor de ação ou do desvalor de resultado do fato punível lesivas da função de retribuição equivalente do crime atribuída às penas criminais nas sociedades capitalistas21 O princípio da proporcionalidade desdobrase em uma dimensão abstrata e uma dimensão concreta com as seguintes consequências 31 O princípio da proporcionalidade abstrata dirigese ao legislador limita a criminalização primária às hipóteses de graves violações de direitos humanos ou seja exclui lesões insignificantes de bens jurídi cos e delimita a cominação de penas criminais conforme a natureza e extensão do dano social produzido pelo crime22 Nesse aspecto a proposta de hierarquização das lesões de bens jurídicos é essencial para adequar as escalas penais ao princípio da proporcionalidade abstrata por exemplo penas por lesões contra a propriedade não podem ser superiores às penas por lesões contra a vida como ocorre na lei penal brasileira23 20 ALEXY Theorie der Grundrechte 1994 2ª edição p 75 s 21 CIRINO DOS SANTOS Teoria da pena 2005 p 1924 22 BARATTA Principi del diritto penal minimo Per una teoria dei diritti umani come oggetti e limiti della legge penale in Dei Delitti e delle Pene 1991 n 1 p 452 23 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 11 II 2 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 28 242012 162757 29 Capítulo 2 Princípios do Direito Penal 32 O princípio da proporcionalidade concreta dirigese ao Juiz permite equacionar os custos individuais e sociais da criminalização secundária em relação à aplicação e execução da pena criminal Assim para usar um conceito do jargão econômico a aplicação e a execução das penas criminais mostram a enorme desproporção da relação custobenefício entre crime e pena além dos imensos custos sociais específicos para o condenado para a família do condenado e para a sociedade A relação custobenefício da equação crimepena indica que a pena criminal como troca jurídica do crime medida em tempo de liber dade suprimida constitui investimento deficitário da comunidade segundo a moderna Criminologia Os custos sociais específicos para a pessoa e a família do condenado assim como para a sociedade em geral são absurdos a a criminalização secundária somente agrava o conflito social representado pelo crime especialmente em casos de aborto de tó xicos de crimes patrimoniais e de toda a criminalidade de bagatela crimes de ação penal privada ou condicionados à representação crimes punidos com detenção crimes de menor potencial ofensivo etc b os custos sociais da criminalização secundária são maiores para a pessoa e a família de condenados de classes e categorias sociais inferiores a clientela preferencial do sistema de justiça criminal selecionada por estereótipos preconceitos idiossincra sias e outros mecanismos ideológicos dos agentes de controle social ativados por indicadores sociais negativos de pobreza marginalização do mercado de trabalho moradia em favelas etc24 4 Por isso o princípio da proporcionalidade concreta pode fundamentar critérios compensatórios das desigualdades sociais da criminalização secundária com o objetivo de neutralizar ou de reduzir a seletividade fundada em indicadores sociais negativos de pobreza desemprego favelização etc aplicáveis pelo Juiz no momento de estruturação dos processos intelectuais e afetivos do juízo de reprovação do crime e de 24 CIRINO DOS SANTOS Teoria da pena 2005 p 37 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 29 242012 162757 30 Teoria da Lei Penal Capítulo 2 aplicação da pena em especial no âmbito das circunstâncias judiciais art 59 CP e legais circunstâncias agravantes e atenuantes genéri cas de aplicação da lei penal incluindo a otimização do emprego dos substitutivos penais e dos regimes de execução da pena com generosa ampliação das hipóteses de regime aberto etc25 V Princípio da humanidade 1 O princípio da humanidade deduzido da dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito art 1º III CR exclui a cominação aplicação e execução de pe nas a de morte b perpétuas c de trabalhos forçados d de banimento e cruéis como castrações mutilações esterilizações ou qualquer outra pena infamante ou degradante do ser humano art 5º XLVII CR 2 A garantia da integridade física e moral do ser humano preso im plícita no princípio da dignidade da pessoa humana definido como fundamento do Estado Democrático de Direito art 1º III CR é instituída por norma específica da Constituição da República art 5º XLIX e ratificada por disposições da lei penal art 38 CP e da lei de execução penal art 40 além de ser inferida da norma que assegura ao preso todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei art 3º LEP ou seja a lesão generalizada intensa e contínua da dignidade humana e dos direitos humanos de homens e mulheres presos nas cadeias públicas e penitenciárias do sistema penal brasileiro não ocorre por falta de princípios e de regras jurídicas 25 Comparar BARATTA Principi del diritto penal minimo Per una teoria dei diritti umani come oggetti e limiti della legge penale in Dei Delitti e delle Pene 1991 n 1 p 453454 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 30 242012 162757 31 Capítulo 2 Princípios do Direito Penal 3 Entretanto o princípio da humanidade não se limita a proibir a abstrata cominação e aplicação de penas cruéis ao cidadão livre mas proíbe também a concreta execução cruel de penas legais ao cidadão condenado por exemplo a as condições desumanas e indignas em geral de execução das penas na maioria absoluta das penitenciárias e cadeias públicas brasileiras26 b as condições desumanas e indignas em especial do execrável Regime Disciplinar Diferenciado cuja inconstitucionalidade deve ser declarada por arguição de inconstitucio nalidade da norma legal no caso concreto controle difuso por Juízes e Tribunais ou por ação direta de inconstitucionalidade controle concentrado pelo Supremo Tribunal Federal27 VI Princípio da responsabilidade penal pessoal 1 A definição de fato punível nas dimensões de tipo de injusto e de culpabilidade contém duas garantias fundamentais a limita a responsabilidade penal aos autores e partícipes do tipo de injusto com proibição constitucional de extensão da pena além da pessoa do condenado art 5º XLV CR28 b limita a responsabilidade penal aos seres humanos de carne e osso com exclusão conceitual da pessoa jurídica incapaz de culpabi lidade a proteção de direitos humanos contra violações produzidas 26 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 11 III 1 27 CIRINO DOS SANTOS Teoria da pena 2005 p 7778 28 Comparar BARATTA Principi del diritto penal minimo Per una teoria dei diritti umani come oggetti e limiti della legge penale in Dei Delitti e delle Pene 1991 n 1 p 459 também ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro Revan 2003 11 III 1 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 31 242012 162757 32 Teoria da Lei Penal Capítulo 2 por pessoas jurídicas deve ser feita por meios administrativos e civis adequados porque a responsabilidade penal da pessoa jurídica é in constitucional 2 Além desses limites negativos o princípio da responsabilidade penal pessoal tem objeto e fundamento constitucionais positivos relaciona dos com o princípio da legalidade e com o princípio da culpabilidade como se indica a o objeto da responsabilidade penal pessoal é o tipo de injusto como realização concreta do princípio nullum crimen nulla poena sine lege art 5º XXXIX CR que define o princípio da legalidade atribuído aos autores e partícipes do fato punível segundo as regras da imputação objetiva e subjetiva definidas pela ciência do Direito Penal somente o tipo de injusto pode ser objeto de responsabilidade penal b o fundamento da responsabilidade penal pessoal é a culpabili dade como expressão do princípio nulla poena sine culpa derivado do art 5o LVII CR que institui a presunção de inocência indicada pelas condições pessoais de saber e controlar o que faz imputabilidade de conhecimento real do que faz consciência da antijuridicidade e do poder concreto de não fazer o que faz exigibilidade de comportamento diverso que estruturam o juízo de reprovação do conceito normativo de culpabilidade somente a culpabilidade pode fundamentar a res ponsabilidade penal pessoal pela realização do tipo de injusto29 29 Comparar BARATTA Principi del diritto penal minimo Per una teoria dei diritti umani come oggetti e limiti della legge penale in Dei Delitti e delle Pene 1991 n 1 p 45946 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 32 242012 162757 33 Capítulo 3 VaLidade da Lei peNaL O comportamento humano se realiza em determinado espaço e tempo onde se enraízam suas condições e se projetam seus efeitos A validade das normas jurídicas que disciplinam o comportamento humano é delimitada pelas dimensões de espaço e de tempo em que se realizam os processos sociais históricos ou seja a relação da norma penal com o espaço e o tempo indica o âmbito espacial e temporal de validade da lei penal1 Nessas condições os limites espaciais e temporais de validade da lei penal são os seguintes a o espaço de validade da lei penal é definido pelo princípio da territorialidade que demarca os limites geopolíticos do território de jurisdição penal do Estado a exceção da extraterritorialidade é representada pelos princípios da proteção da personalidade e da competência penal universal b o tempo de validade da lei penal é definido pelo princípio da legalidade que demarca os limites cronológicos de leis sucessivas do ordenamento jurídico do Estado sobre fatos iguais a exceção é representada pela retroatividade de lei penal mais favorável 1 Comparar KELSEN Allgemeine Theorie der Normen 1990 p 116 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 33 242012 162757 34 Teoria da Lei Penal Capítulo 3 A Validade da lei penal no espaço A validade da lei penal no espaço é delimitada pela extensão do território do Estado como organização jurídica do poder político soberano do povo O Estado pessoa jurídica de direito internacional é constituído de população território e governo2 elementos indis pensáveis para a existência do Estado a soberania do Estado como poder exclusivo autônomo e com plenitude de competências legis lativa administrativa e judicial fundamenta o poder de decidir sobre investigação de fatos e sobre punição de pessoas nos limites do próprio território onde detém o monopólio do emprego legítimo da força3 A jurisdição penal dos Estados pode ser ampliada pela instituição de formas de cooperação penal internacional sobre controle e repressão de fatos puníveis de interesse comum como o tráfico de seres humanos de armas de drogas etc4 O Código Penal delimita a validade da lei penal no espaço segun do os critérios da territorialidade art 5º CP e da extraterritorialidade art 7º CP I O critério da territorialidade O critério da territorialidade fundado no conceito de território o elemento mais característico do Estado existente como corporação 2 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 13ª edição p 339 3 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 13ª edição p 349 comparar REZEK Direito internacional público 2000 8a edição p 153 4 STRATENWERTH Strafrecht 2000 p 61 n 3 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 34 242012 162757 35 Capítulo 3 Validade da Lei Penal territorial segundo o Direito Internacional Público5 é a principal forma de delimitação do espaço geopolítico de validade da lei penal na área das relações entre Estados soberanos A soberania do Estado expressão do princípio da igualdade soberana de todos os membros da comunidade internacional art 2º 1º Carta da ONU fundamenta o exercício de todas as competências sobre fatos puníveis realizados no território respectivo Art 5º CP Aplicase a lei brasileira sem prejuízo de convenções tratados e regras de direito internacional ao crime cometido no território nacional 1 Conceito de território O território é o espaço sobre o qual o Estado exerce a soberania política constituído pelas áreas a do solo como extensão de terra contínua ou descontínua com os rios lagos e mares existentes dentro do território b do subsolo como profundidade cônica do território em relação ao centro do Planeta c do mar territorial com a exten são de 12 doze milhas marítimas a partir do litoral brasileiro Lei 861793 d da plataforma continental com a extensão de 200 duzentas milhas marítimas a partir do litoral brasileiro ou 188 mi lhas deduzidas as 12 milhas do mar territorial como zona econômica exclusiva Lei 861793 que incorporou a Convenção da ONU de 1982 sobre o Direito do Mar e do espaço aéreo correspondente ao conjunto do território ainda regido pelas Convenções de Chicago 5 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 13ª edição p 351 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 35 242012 162757 36 Teoria da Lei Penal Capítulo 3 de 1944 e pela Convenção de Varsóvia de 1929 ambas sobre aviação civil internacional6 2 Imunidades diplomáticas As imunidades diplomáticas têm por objeto os agentes diplomá ticos e consistem em inviolabilidades e imunidades de jurisdição cri minal civil administrativa e tributária perante o Estado acreditador7 Os agentes diplomáticos são representantes do Chefe de Estado perante governos estrangeiros8 A inviolabilidade dos agentes diplomáticos abrange a Missão Diplomática e as residências particulares dos agentes diplomáticos compreendendo mobiliário arquivos correspondência meios de transporte e de comunicação a imunidade de jurisdição e de execução penal civil administrativa e tributária incide sobre o agente diplomático e sua família os adidos militares e o pessoal técnico e administrativo como secretárias criptógrafos etc9 Os cônsules são funcionários públicos de carreira cônsules missi ou honorários cônsules electi designados para o exercício de determinadas funções no exterior com imunidades e privilégios 6 Ver REZEK Direito internacional público 2000 8ª edição p 153154 296301 304306 e 318319 DIMOULIS Manual de introdução ao estudo do direito 2003 p 2212 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 133135 n 103 MAYRINK DA COSTA Direito Penal parte geral 2005 p 501504 MESTIERI Manual de direito penal 1999 p 79 7 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 p 1316 8 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 p 1309 9 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 p 13171320 REZEK Direito internacional público 2000 8ª edição p 161164 DIMOULIS Manual de introdução ao estudo do direito 2003 p 2212 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 149154 n 112 STRATENWERTH Strafrecht 2000 p 62 9 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 36 242012 162757 37 Capítulo 3 Validade da Lei Penal inferiores aos dos agentes diplomáticos por exemplo a imunidade penal é relativa e limitada aos atos de ofício outorga de passaportes falsos expedição de falsas guias de exportação etc podendo ser pro cessados e punidos por outros crimes10 O fundamento dos privilégios e imunidades diplomáticas é ainda objeto de controvérsia a a teoria da extraterritorialidade afirma que o espaço físico da Embaixada seria uma extensão do território do Estado acreditado atualmente em declínio na literatura e na jurisprudência b a teoria do interesse da função fundamenta os privilégios e imuni dades na necessidade de garantir o desempenho eficaz das funções das Missões Diplomáticas atualmente dominante na literatura e consagrada na jurisprudência internacional11 3 Navios e aviões públicos e privados 1 Os navios definidos como engenhos construídos para navegar no mar12 podem ser públicos e privados Os navios públicos por sua vez podem ser navios de guerra ou navios civis a os navios públicos de guerra pertencem à Marinha de um Estado e apresentam os sinais exteriores dos navios de guerra e de sua nacionalidade b os navios públicos civis exercem serviços públicos como navios alfandegários naviosfaróis navios de saúde e navios que transportam Chefes de Estado Os navios privados são utilizados para fins comerciais ou particulares13 10 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 p 13371340 REZEK Direito internacional público 2000 8ª edição p 161164 11 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 p 13151316 12 Convenção de Bruxelas de 1924 e Convenção de Genebra de 1924 13 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 p 12111212 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 37 242012 162757 38 Teoria da Lei Penal Capítulo 3 Os navios públicos de guerra e civis estão sob jurisdição exclusiva do Estado de origem com imunidade absoluta perante outros Estados mesmo em mar territorial ou atracados em portos estrangeiros Os na vios privados assim como os navios públicos destinados exclusivamen te a fins comerciais permanecem sob jurisdição do Estado de origem nas águas territoriais respectivas ou em altomar mas subordinamse à lei penal de outros Estados respeitado o direito de passagem inocente em águas territoriais ou em portos estrangeiros14 2 As aeronaves também podem ser públicas e privadas As aeronaves públicas também são militares ou civis a as aeronaves públicas mili tares pertencem às Forças Armadas ou são requisitadas para missões militares e b as aeronaves públicas civis exercem serviços públicos de natureza não militar por exemplo serviços de fiscalização alfan degária As aeronaves privadas ou civis são destinadas a atividades comerciais15 As aeronaves públicas militares ou civis podem sobrevoar no espaço aéreo do território do Estado respectivo ou no espaço aéreo internacional mas não possuem o direito de passagem inocente sobre o território de outros Estados como ocorre com os navios exceto mediante prévia autorização As aeronaves privadas ou civis de tráfe go internacional possuem a nacionalidade do Estado de registro ou de matrícula e são regidas por liberdades técnicas e comerciais a as liberdades técnicas compreendem o sobrevoo do território de outros Estados admitida a restrição de certas áreas por razões de segurança e a escala técnica nas hipóteses de pouso necessário b as liberdades comerciais geralmente asseguradas em tratados bilaterais compre endem o desembarque e o embarque de passageiros e de mercadorias provenientes do ou com destino ao Estado de matrícula podendose 14 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 p 12111212 REZEK Direito internacional público 2000 8ª edição p 295296 15 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 p 1247 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 38 242012 162757 39 Capítulo 3 Validade da Lei Penal admitir o desembarque e embarque de passageiros e de mercadorias de qualquer parte e para qualquer parte do mundo16 Art 5º CP 1º Para os efeitos penais consideramse como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem bem como as aeronaves e embarcações brasileiras mercantes ou de propriedade privada que se achem respectivamente no espaço aéreo correspondente ou em altomar 2o É também aplicável a lei brasileira aos crimes pra ticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada achandose aquelas em pouso no território nacional ou em voo no espaço aéreo correspon dente e estas em porto ou mar territorial do Brasil 4 Lugar do crime A lei penal brasileira adota a teoria da ubiquidade para definir lugar do crime o espaço físico em que foi realizada no todo ou em parte a ação ou a omissão de ação ou em que se produziu ou deveria produzirse o resultado17 Art 6º CP Considerase praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão no todo ou em parte bem como onde se produziu ou deveria produzirse o resultado 16 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 p 12471251 REZEK Direito internacional público 2000 8ª edição p 317321 17 MESTIERI Manual de direito penal 1999 p 84 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 39 242012 162757 40 Teoria da Lei Penal Capítulo 3 Logo as condutas definidas como crimes em leis penais brasilei ras realizadas no todo ou em parte no território do Estado brasileiro ou que produzam ou devam produzir o resultado nesse território são submetidas à jurisdição penal brasileira A definição do lugar do crime é necessária na hipótese de ações criminosas realizadas no espaço territorial de dois ou mais Estados por exemplo a ação se realiza no Brasil mas o resultado ocorre na Argentina ou no Uruguai ou viceversa18 Nessas hipóteses a duplici dade de punição é evitada por norma expressa da lei penal brasileira Art 8º CP A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime quando diversas ou nela é computada quando idênticas II Critério da extraterritorialidade O critério da extraterritorialidade compreende as exceções à regra da territorialidade definidas pelos princípios da proteção ou da defesa da personalidade ou da nacionalidade e da competência penal universal ou da cooperação penal internacional 1 Princípio da proteção O princípio da proteção ou da defesa permite submeter à jurisdição penal brasileira fatos puníveis cometidos no estrangeiro 18 Ver FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 138140 n 106 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 40 242012 162757 41 Capítulo 3 Validade da Lei Penal lesivos de bens jurídicos pertencentes ao Estado brasileiro art 7º I a b c CP compreendendo os crimes a contra a vida ou liber dade do Presidente da República b contra o patrimônio ou a fé pública da União Distrito Federal Estados e Municípios de em presa pública sociedade de economia mista autarquia ou fundação do Poder Público c contra a administração pública por autor a serviço público19 Art 7º CP Ficam sujeitos à lei brasileira embora cometidos no estrangeiro I os crimes a contra a vida ou a liberdade do Presidente da Re pública b contra o patrimônio ou a fé pública da União do Distrito Federal de Estado de Território de Mu nicípio de empresa pública sociedade de economia mista autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público c contra a administração pública por quem está a seu serviço Nesses casos a punição do agente pela lei brasileira independe de absolvição ou de condenação no estrangeiro Art 7º 1º CP Nos casos do inciso I o agente é punido segundo a lei brasileira ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro 19 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 13ª edição p 951 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 41 242012 162757 42 Teoria da Lei Penal Capítulo 3 2 Princípio da personalidade 1 O princípio da personalidade ou da nacionalidade permite submeter à lei penal brasileira os fatos puníveis praticados no estrangeiro a por autor brasileiro forma ativa ou b contra vítima brasileira forma passiva20 A personalidade ou a nacionalidade brasileira pode ser ad quirida pelo nascimento no território brasileiro ou pela naturalização de estrangeiro garantida a igualdade de direitos entre brasileiros natos e naturalizados exceto para o exercício de determinados cargos e fun ções públicas a propriedade de meios de comunicação e a extradição reservados a brasileiros natos a são brasileiros natos a1 os nascidos no território brasileiro ainda que de pais estrangeiros se não estiverem a serviço de seu País bem como a2 os nascidos no estrangeiro de pai ou mãe brasileiros a serviço do Brasil ou na hipótese contrária se vierem a residir no território nacional e optarem pela nacionalidade bra sileira b são brasileiros naturalizados os que adquirem a nacionali dade brasileira mediante requerimento preenchidas certas condições b1 imigrantes residentes no País por 15 anos consecutivos e sem condenação penal b2 súditos de países de língua portuguesa com idoneidade moral e residência ininterrupta de 1 ano no Brasil b3 demais casos exigência de 4 anos de residência no País idoneidade moral boa saúde e domínio do idioma21 2 O princípio da personalidade ou da nacionalidade conhece uma forma ativa e uma forma passiva assim disciplinadas pela lei penal 20 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 13ª edição p 950951 21 REZEK Direito internacional público 2000 8ª edição p 177180 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 42 242012 162757 43 Capítulo 3 Validade da Lei Penal a o princípio da personalidade ativa compreende os crimes praticados por brasileiros art 7º II b CP e os crimes de genocídio cometidos por agentes brasileiros art7º I d primeira parte CP em território estrangeiro Art 7º CP Ficam sujeitos à lei brasileira embora cometidos no estrangeiro I os crimes d de genocídio quando o agente for brasileiro II os crimes b praticados por brasileiro b o princípio da personalidade passiva permite aplicar a lei penal brasileira a crimes cometidos por autores estrangeiros contra vítimas brasileiras fora do País Art 7o 3o CP A lei brasileira aplicase também ao crime co metido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil se reunidas as condições previstas no parágrafo anterior a não foi pedida ou foi negada a extradição b houve requisição do Ministro da Justiça As condições previstas no parágrafo anterior são as condições objetivas de punibilidade do art 7o 2o CP adiante transcrito 3 Princípio da competência universal O princípio da competência penal universal é característico da co operação penal internacional porque todos os Estados da comunidade internacional podem punir todos os autores de determinados crimes segundo tratados ou convenções internacionais art 7º I d e II a e Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 43 242012 162757 44 Teoria da Lei Penal Capítulo 3 c CP por exemplo o genocídio o tráfico de drogas o comércio de seres humanos etc22 Art 7º CP Ficam sujeitos à lei brasileira embora cometidos no estrangeiro I os crimes d de genocídio quando o agente for domiciliado no Brasil II os crimes a que por tratado ou convenção o Brasil se obrigou a reprimir c praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras mercantes ou de propriedade privada quando em ter ritório estrangeiro e aí não sejam julgados Nessas hipóteses a aplicação da lei penal brasileira depende de determinadas condições objetivas de punibilidade expressamente indicadas na lei a ingresso do autor no território brasileiro b pu nibilidade do fato no Brasil e no país estrangeiro respectivo c fato punível pertencente à categoria dos crimes extraditáveis segundo a lei brasileira d ausência de absolvição ou de cumprimento de pena no estrangeiro e ausência de perdão no estrangeiro ou de extinção da punibilidade segundo a lei mais favorável Art 7º 2º CP Nos casos do inciso II a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições a entrar o agente no território nacional 22 ALBUQUERQUE MELLO Curso de direito internacional público 2001 13ª edição p 951 também MAYRINK DA COSTA Direito Penal parte geral 2005 p 509510 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 44 242012 162757 45 Capítulo 3 Validade da Lei Penal b ser o fato punível também no país em que foi pra ticado c estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição d não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena e não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou por outro motivo não estar extinta a punibilidade segundo a lei mais favorável III Extradição A extradição é o processo jurídicopolítico pelo qual um Estado entrega o autor de fato punível a outro Estado competente para apli car ou para executar a pena criminal respectiva fundado em tratado bilateral ou promessa de reciprocidade observadas determinadas condições art 76 Lei 68158023 1 Condições de concessão A concessão da extradição exige as se guintes condições cumulativas a competência jurisdicional do Estado requerente para aplicação e execução da pena b condenação à pena privativa de liberdade transitada em julgado ou prisão autorizada por Juiz Tribunal ou autoridade competente do Estado requerente art 78 I e II da Lei 681580 2 Compromissos do Estado requerente A entrega do extraditando é condicionada aos seguintes compromissos do Estado requerente art 91 Lei 681580 a não prender ou julgar o extraditando por 23 REZEK Direito internacional público 2000 8ª edição p 189 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 45 242012 162758 46 Teoria da Lei Penal Capítulo 3 fato diverso do pedido b computar o tempo de prisão no Brasil por causa da extradição no Brasil o extraditando aguarda preso a decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal sobre o pedido de extradição c comutar eventual pena de morte ou pena corporal em pena privativa de liberdade d não entregar o extraditando a outro Estado exceto com consentimento do Brasil e excluir agravação da pena por motivos políticos 3 Exclusão da extradição A extradição instituto jurídicopolítico reservado a estrangeiros é excluída nas seguintes hipóteses art 77 Lei 681580 a autor brasileiro do fato punível exceto brasileiro naturalizado por fato anterior à aquisição da nacionalidade ou por tráfico de drogas nesse caso art 5º LI CR b fato atípico segundo a lei penal brasileira ou do Estado requerente observação fato atípico do Estado requerente exclui a formulação do pedido de extradição c competência da justiça brasileira para julgar o fato objeto do pedido de extradição d fato punível com pena de prisão igual ou inferior a 1 ano pela lei penal brasileira e existência de processo criminal ou de anterior condenação ou absolvição criminal da justiça brasileira pelo fato objeto do pedido de extradição f extinção da punibilidade por prescrição segundo a lei mais favorável g crimes políticos ou de opinião nesse caso art 5º LII CR h julgamento por Tribunal ou Juízo de exceção no Estado requerente 4 Proibição de extradição dissimulada A legislação brasileira tam bém exclui a extradição dissimulada nas hipóteses em que a deportação art 63 Lei 861580 ou a expulsão art 75 I Lei 861580 de es trangeiro tenha o significado de extradição proibida como ocorre nos casos em que a alternativa compulsória do estrangeiro deportado ou expulso seja o ingresso no Estado de sua nacionalidade ou em outro Estado que concederia a extradição 5 Um caso histórico O cidadão britânico Ronald Arthur Biggs condenado a 30 anos de prisão pela Justiça inglesa por participar do roubo do trem postal GlasgowLondres no dia 8 de agosto de 1963 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 46 242012 162758 47 Capítulo 3 Validade da Lei Penal fugiu da prisão e ingressou no Brasil com o nome falso de Michael John Haynes24 No Brasil preso por ordem do Ministro da Justiça do Governo Militar em 1974 e por ausência de tratado bilateral de extradição entre Brasil e Inglaterra submetido a processo de deporta ção impetrou habeas corpus no antigo Tribunal Federal de Recursos HC 334574 TFR sob alegação de iminente paternidade de brasileiro e de extradição dissimulada sob a forma de deportação O Tribunal negou o habeas corpus mas reconheceu a possibilidade de extradição dissimulada excluindo a deportação para a Inglaterra ou para qualquer outro Estado de onde fosse possível extradição com o resultado da posterior libertação de Ronald Biggs pela óbvia impos sibilidade de execução da deportação Em 1997 após formalização de tratado bilateral de extradição entre Brasil e Inglaterra o Supremo Tribunal Federal negou pedido de extradição do governo britânico con tra Ronald Biggs Extradição 72197 STF fundado na extinção da punibilidade da pretensão executória segundo a lei penal brasileira B Validade da lei penal no tempo I O critério geral princípio da legalidade O critério geral de validade da lei penal no tempo é definido pelo princípio da legalidade na plenitude de suas dimensões constitucionais incidentes sobre crimes penas e medidas de segurança definidas como a lex praevia proibição de retroatividade da lei penal b 24 Enciclopédia da luta contra o crime Editor Victor Civita Abril Cultural São Paulo SP 1974 p 78 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 47 242012 162758 48 Teoria da Lei Penal Capítulo 3 lex scripta proibição do costume como fundamento de crimes ou de penas c lex stricta proibição da analogia como método de crimina lização ou de penalização de ações humanas e d lex certa proibição de indefinições nos tipos legais e nas sanções penais25 Art 5º XXXIX não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal A lei penal brasileira contém disposição idêntica que inaugura o Código Penal Art 1º Não há crime sem lei anterior que o defina Não há pena sem prévia cominação legal O princípio da legalidade somente é afastado pelo critério especí fico de retroatividade da lei penal mais favorável aplicável sem exceção em crimes penas e medidas de segurança independentemente do trânsito em julgado da decisão judicial ou da fase de execução da pena art 5o XL Constituição II O critério específico lei penal mais benigna 1 A proibição de retroatividade tem por objeto os crimes as penas e as medidas de segurança futuras mas com uma exceção fundamental a retroatividade da lei penal mais benigna inscrita na Constituição da República e na legislação ordinária A Constituição da República contém norma específica sobre a regra e a exceção assim redigida Art 5º XL a lei penal não retroagirá salvo para beneficiar o réu 25 ROXIN Strafrecht 1997 p 98 ns 811 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1976 p 131142 GROPP Strafrecht 2001 p 45 n 23 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 48 242012 162758 49 Capítulo 3 Validade da Lei Penal O Código Penal contém disposição mais detalhada sobre a re troatividade de lei penal mais favorável nestes termos Art 2º parágrafo único A lei posterior que de qualquer modo favorecer o agente aplicase aos fatos anteriores ainda que decididos por sentença condena tória transitada em julgado 2 A aplicação da lei penal mais favorável resolve conflitos de leis penais no tempo segundo os critérios de comparação de leis diferentes ou de combinação de leis sucessivas 21 A hipótese de comparação de leis diferentes trabalha com um critério concreto que inclui circunstâncias legais agravantes e atenuantes e causas especiais de aumento ou de diminuição de pena mediante um método de ensaioerro capaz de indicar o resultado mais favorável para o caso concreto definido como lex mitior a pena menor no caso de penas iguais b pena menos grave no caso de penas diferentes c substitutivos penais com prazo menor ou sob condições mais favoráveis d regime de execução menos rigoroso etc26 22 A hipótese de combinação de leis sucessivas é objeto de controvér sia a posição tradicional rejeita a combinação de leis sucessivas sob o argumento de construção de uma lex tertia proibida ao intérprete27 b posição moderna admite a combinação de leis sucessivas sob o ar gumento convincente de que a expressão de qualquer modo art 2º parágrafo único CP não conhece exceções28 26 ROXIN Strafrecht 1997 p 12224 ns 6265 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 V 2 27 Nesse sentido HUNGRIA Comentários ao Código Penal v 1 p 121 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral p 107 28 Assim ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 V 2 DOTTI Curso de direito penal 2001 p 271 MALHEIROS FIHO Direito intertemporal penal Possibilidade de combinação de leis o equívoco da lex tertia in RBCCRIM n 66 2007 p 374 também o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Separável as partes das normas em conflito possível é a aplicação do que nelas transpareça Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 49 242012 162758 50 Teoria da Lei Penal Capítulo 3 A retroatividade da lei penal mais favorável incide sobre todas as hipóteses leis penais em branco leis penais temporárias ou excep cionais leis processuais penais lei de execução penal e jurisprudência 1 Leis penais em branco As leis penais em branco são tipos legais com sanção penal determinada e preceito indeterminado dependente de complementação por outro ato legislativo ou administrativo por exemplo a identificação das doenças de notificação compulsória art 269 CP As leis penais em branco exprimem a tendência mo derna de administrativização do Direito Penal com transferência de poderes punitivos a funcionários do Poder Executivo ou a modalida des inferiores de atos normativos Decreto Resolução etc com os seguintes problemas a primeiro um problema político a transferência da competên cia legislativa de definição de crimes para o Poder Executivo ou para níveis inferiores de atos legislativos infringe o princípio da legalidade como afirma um setor avançado da literatura penal afinal o em prego instrumental do Direito Penal para realizar políticas públicas emergenciais é inconstitucional29 b segundo um problema prático decidir se o complemento posterior favorável ao autor por exemplo a doença foi excluída do catálogo é retroativo ao fato realizado na vigência de complemento anterior prejudicial ao autor na época do fato a doença constava do catálogo30 como mais benigno HC 69033SP rel Min MARCO AURÉLIO DJU 130392 p 2925 29 Ver ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 II 7 igualmente PIZZA PELUSO Retroatividade da lei penal benéfica a causa da diminuição de pena do art 33 4º da Lei n 1134306 Lei de Tóxicos in Boletim IBCCRIM ano 15 n 175 junho2007 p 23 30 A favor da retroatividade do complemento mais favorável CIRINO DOS SANTOS Direito penal a nova parte geral 1985 p 52 contra a retroatividade do com ple mento mais favorável MESTIERI Manual de direito penal parte geral 1999 p 75 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 50 242012 162758 51 Capítulo 3 Validade da Lei Penal Esse problema prático é resolvido pela retroatividade da lei penal mais benigna porque o complemento da lei penal em bran co é elemento do tipo objetivo e portanto integra a lei penal segundo a seguinte lógica se o tipo de injusto não existe sem o complemento legal ou administrativo e o Poder Legislativo independentemente da inconstitucionalidade da delegação de poderes autoriza a edição do complemento da lei penal por outra lei ou por ato administrativo então o complemento é elemento do tipo de injusto e na hipótese de complemento posterior mais favorável retroativo31 2 Leis penais temporárias e excepcionais As leis penais temporárias editadas para vigência durante tempo determinado e as leis penais excepcionais editadas para vigência durante acontecimento determi nado calamidades públicas como inundações terremotos epidemias etc estariam subtraídas da exceção de retroatividade da lei penal mais favorável porque teriam ultraatividade segundo norma específica da legislação penal Art 3º CP A lei excepcional ou temporária embo ra decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram aplicase ao fato praticado durante sua vigência Não obstante a eficácia dessa norma específica sobre a chamada ultraatividade da lei excepcional ou temporária é controvertida como indicam as seguintes teorias a teoria dominante admite a ultraatividade das leis penais temporárias ou excepcionais em prejuízo do réu sob o argumento uti litário de que inevitáveis dilações processuais impediriam a aplicação da lei durante o tempo ou o acontecimento determinados32 ou sob o 31 Nesse sentido STRATENWERTH Strafrecht 2000 p 50 n 8 32 HUNGRIAFRAGOSO Comentários ao Código Penal 1977 v 1 p 139 n 30 MAYRINK DA COSTA Direito Penal parte geral 2005 p 457459 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 51 242012 162758 52 Teoria da Lei Penal Capítulo 3 argumento técnico de que o tempo ou o acontecimento integrariam o tipo legal33 excluindo em ambas as hipóteses a retroatividade da lei penal mais favo rável b respeitável teoria minoritária rejeita o atributo de ultraati vidade das leis penais temporárias ou excepcionais em prejuízo do réu sob o argumento sistemático convincente da natureza incondicional da exceção constitucional de retroatividade da lei penal mais favorável art 5º XL com a invalidação do art 3º do Código Penal que não teria sido recepcionado pela Constituição da República de 198834 3 Leis processuais penais A submissão das leis processuais penais ao princípio constitucional da proibição de retroatividade da lei penal em prejuízo do réu também é controvertida a a teoria dominante exclui as leis processuais penais da proibição de retroatividade em prejuízo do réu porque seriam regidas pelo prin cípio tempus regit actum com aplicação da lei vigente no momento do ato processual respectivo e não da lei processual vigente ao tempo do fato punível objeto do processo penal35 b convincente teoria minoritária subordina as leis processuais pe nais à proibição de retroatividade em prejuízo do réu sob o argumento de que o princípio constitucional da lei penal mais favorável condiciona a legalidade processual penal sob dois pontos de vista b1 primeiro o primado do direito penal substancial determina a extensão das garantias do princípio da legalidade ao subsistema de imputação assim como aos subsistemas de indiciamento e de execução penal porque a coerção processual é a própria realização da coação punitiva36 b2 segundo o 33 MESTIERI Manual de direito penal 1999 p 74 34 Nesse sentido ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 V 5 também LUISI Os princípios constitucionais penais 1991 p 23 35 Por todos MARQUES Elementos de direito processual penal 1961 v I p 48 36 BARATTA Principi del diritto penal minimo Per una teoria dei diritti umani come oggetti e limiti della legge penale in Dei Delitti e delle Pene 1991 n 1 p 450 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 52 242012 162758 53 Capítulo 3 Validade da Lei Penal gênero lei penal abrange as espécies lei penal material e lei penal pro cessual regidas pelo mesmo princípio fundamental37 4 Lei de execução penal A lei de execução penal Lei 721084 também está submetida ao princípio constitucional da lei penal mais favorável ou da proibição de retroatividade em prejuízo do réu apesar de controvérsia insustentável a o argumento de que a ressocialização do condenado prevalece sobre o princípio constitucional da lei penal mais favorável é mora lizador repressivo e anticientífico ninguém pode ser ressocializado segundo critérios morais alheios a prevenção especial negativa repres são neutralizante é incompatível com a prevenção especial positiva execução ressocializante e por último a história do sistema penal indica o fracasso irreversível do projeto técnicocorretivo da prisão b ao contrário leis de execução penal são leis penais em sen tido estrito porque a execução da pena como objetivo concreto da cominação e da aplicação da pena é o centro nuclear do princípio da legalidade e seus incondicionais derivados constitucionais como a aplicação retroativa da lei penal mais favorável aos fatos anteriores ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado art 2º parágrafo único CP38 c finalmente o primado do direito penal substancial estende as garantias do princípio da legalidade ao subsistema de execução penal com a limitação dos poderes discricionários da prisão39 37 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 V 8 38 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 V 9 39 BARATTA Principi del diritto penal minimo Per una teoria dei diritti umani come oggetti e limiti della legge penale in Dei Delitti e delle Pene 1991 n 1 p 450 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 53 242012 162758 54 Teoria da Lei Penal Capítulo 3 5 Jurisprudência A literatura penal admite a extensão do princípio da legalidade e seus derivados constitucionais à jurisprudência dos Tribunais mas a opinião majoritária rejeita essa extensão40 A teoria majoritária rejeita subordinar a jurisprudência ao prin cípio da proibição de retroatividade em prejuízo do autor sob o argu mento de que a lei penal somente agora seria corretamente conhecida mas admite a possibilidade de erro de proibição inevitável fundado na confiança do cidadão na jurisprudência anterior41 A teoria minoritária define a aplicação da lei penal como ativi dade de construção da realidade social por juízos atributivos fundados em regras legais tipos de injusto e normas processuais e metarregras estereótipos e outros mecanismos inconscientes do psiquismo do intérprete que transformam o cidadão em criminoso com estigma tização social mudança de status e formação de carreiras criminosas definitivas42 e não como resultado ascético de regras lógicas de sub sunção Assim mudanças da jurisprudência em prejuízo do réu por exemplo inversão de posição absolutória para posição condenatória representam lesão do princípio da confiança nas manifestações dos Tribunais porque a jurisprudência é a lei do caso concreto com consequências para a vida real de seres humanos de carne e osso equivalentes à retroatividade da lei penal em prejuízo do réu proibida pela Constituição Afinal se manifestações do Poder Judiciário não são indiferentes ao homem do povo então a proibição de retroatividade inclui mudanças de jurisprudência dominante em prejuízo do autor 40 Ver STRATENWERTH Strafrecht 2001 4ª edição p 5859 ns 2831 também ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 VII 23 41 ROXIN Strafrecht 1997 p 122 n 61 STRATENWERTH Strafrecht 2001 4ª edição p 58 n 30 também ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 VII 23 42 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 2000 p 104106 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 4143 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 54 242012 162758 55 Capítulo 3 Validade da Lei Penal sob o argumento de que a confiança na jurisprudência equivale à con fiança na lei43 Por essa razão a alternativa da exculpação por erro de proibição inevitável admitida pela teoria majoritária deve perma necer como ratio subsidiária somente aplicável na ausência de lesão da proibição de retroatividade penal em prejuízo do réu por mudança de jurisprudência absolutória para condenatória44 43 Nesse sentido MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 8ª edição 12 II n 8 p 159 Mas existem casos de firme jurisprudência superior que tem função equivalente ou complementar da lei porque em tais casos a unitária jurisprudência superior preenche a mesma função de orientação da lei também aqui a proibição de retroatividade precisa ter lugar 44 Incisivo e esclarecedor ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 VII 23 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 55 242012 162758 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 56 242012 162758 57 Capítulo 4 iNterpretação da Lei peNaL A interpretação de normas jurídicas é exercício de lógica como método de pensamento A lógica do Direito pode ser específica lógica jurídica ou geral lógica formal a um setor da literatura afirma a existência de uma lógica jurídica específica empregada no raciocínio jurídico e prático em geral diferente da lógica empregada na ma temática ou na filosofia por exemplo1 b outro setor da literatura nega a existência de lógicas especiais lógica matemática filosófica jurídica etc mas reconhece aplicações particulares das regras gerais da lógica formal assim a lógica jurídica seria uma aplicação especial da lógica formal utilizada pelo operador do direito para construção de raciocínios jurídicos2 A norma penal deve ser examinada de quatro diferentes pontos de vista capazes de esclarecer as seguintes questões a o significado de norma jurídica b as técnicas de interpretação da norma penal c o si logismo de aplicação da norma jurídica d as fontes da norma penal I O significado de norma jurídica A palavra norma significa em latim esquadro assim como a palavra regra em latim regula significa medida origens epistemo 1 PERELMAN Logique formelle logique juridique 1969 p 230 2 KELSEN Allgemeine Theorie der Normen 1990 p 216 e 220 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 57 242012 162758 58 Teoria da Lei Penal Capítulo 4 lógicas que permitem precisar o conteúdo do conceito de norma ou de regra jurídica no Direito moderno3 A norma jurídica não descreve realidades do ser como proprie dades físicas de objetos naturais descritas pelas ciências da natureza ou tendências históricas de objetos sociais descritas pela sociologia ao contrário a norma jurídica prescreve imperativos do dever ser defi nidos sob a forma de proibições de mandados e de permissões de ações dirigidas aos seres humanos conforme determinações históricosociais Por isso podese dizer que as proibições mandados e permissões de ações prescritas pelas normas jurídicas pressupõem o poder dos seres humanos de configurar o futuro conforme planos finalidades ou objetivos individuais ou coletivos4 Logo como indica KELSEN a norma jurídica dirigese a um ser humano prescrevendo como devidas determinadas condutas5 II A interpretação da norma penal Interpretar a norma penal consiste em determinar o significado da lei penal A interpretação é o processo intelectual de conhecimen to da norma que tem por objeto a linguagem escrita da lei penal A linguagem é um instrumento de comunicação constituído de signos representados por palavras ou gestos portadores de conteúdos cujo sentido é comunicado através do discurso que exprime o conjunto de signos da linguagem no processo de comunicação social A lin guagem escrita da lei penal pode ser abordada sob três pontos de 3 DIMOULIS Manual de introdução ao estudo do direito 2003 p 6061 4 Ver WELZEL Das Deutsche Strafrecht 11ª edição 1969 8 II p 37 também EBERT Strafrecht 1994 p 2223 5 KELSEN Allgemeine Theorie der Normen 1979 p 7 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 58 242012 162758 59 Capítulo 4 Interpretação da Lei Penal vista a semântico que define o significado isolado das palavras da lei b sintático que define o significado conjunto das palavras nas frases empregadas na lei c pragmático que define a adequação prática do significado da lei6 1 Técnicas de interpretação A abordagem semântica sintática e pragmática da linguagem jurídica não evita problemas de ambiguidades ou polissemias no texto da lei que podem ser eliminadas ou reduzidas por técnicas tradicionais de interpretação da lei literal sistemática histórica e teleológica A interpretação literal é uma aplicação especial da abordagem semântica cujo objetivo é esclarecer o significado da linguagem escrita da lei que pode ser empregada em sentido comum ou em sentido técnico na norma jurídica a interpretação sistemática tem por objetivo esclarecer o significado da norma isolada no contexto do sistema de normas respectivo que estrutura os conceitos e os ins titutos jurídicos a interpretação histórica tem por objetivo esclarecer a intenção do legislador no processo de criação da norma jurídica mediante análise dos debates parlamentares dos anteprojetos de lei e das exposições de motivos que caracterizam o processo legislativo a interpretação teleológica tem por objetivo esclarecer a finalidade social da lei como realização de proibições mandados e permissões prescritas pelo legislador7 6 Ver DIMOULIS Manual de introdução ao estudo do direito 2003 p 149150 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 16a edição p 100103 7 DIMOULIS Manual de introdução ao estudo do direito 2003 p 159170 Comparar MAYRINK DA COSTA Direito Penal parte geral 2005 p 425428 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 59 242012 162758 60 Teoria da Lei Penal Capítulo 4 2 Sujeitos da interpretação A interpretação da norma jurídica pode ser realizada pelo Poder Legislativo pelo Poder Judiciário e por especialistas do Direito ou ju ristas originando três segmentos principais de interpretação segundo o sujeito respectivo interpretação autêntica interpretação judicial e interpretação científica do Direito8 A interpretação autêntica é produzida pelo legislador de dois modos principais a a interpretação autêntica contextual como de finições de conceitos empregados na lei aparece no próprio texto da lei por exemplo o conceito de causa definido no art 13 CP b a interpretação autêntica paralela como esclarecimento dos motivos e indicação dos propósitos do legislador aparece nas Exposições de Mo tivos que acompanham as leis penais mais importantes por exemplo a Exposição de Motivos do Código Penal A interpretação judicial é produzida por Juízes e Tribunais na decisão de casos concretos constituindo a jurisprudência criminal sob as formas de decisões isoladas jurisprudência dominante súmulas da jurisprudência dominante e atualmente também súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal A interpretação científica é produzida por especialistas da ciência jurídicopenal representados por autores de livros arti gos conferências e aulas de Direito Penal que definem categorias científicas necessárias ou úteis para a teoria e a prática do Direito Penal 8 Comparar MAYRINK DA COSTA Direito Penal parte geral 2005 p 424 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 60 242012 162758 61 Capítulo 4 Interpretação da Lei Penal 3 Resultados da interpretação A aplicação das técnicas de interpretação para esclarecer o sentido da lei produz resultados a declarativos b restritivos ou c extensi vos do significado da lei assim explicados a resultados declarativos indicam correspondência do significado com a linguagem da lei no sentido de que lex dixit quam voluit a lei disse o que queria dizer b resultados restritivos indicam redução do significado da linguagem da lei no sentido de que lex dixit plus quam voluit a lei disse mais do que queria dizer c resultados extensivos indicam ampliação do significado da linguagem da lei no sentido de que lex dixit minus quam voluit a lei disse menos do que queria dizer interpretação proibida pelo princípio da legalidade dos crimes e das penas9 4 Analogia e interpretação O conceito de analogia deve ser definido em comparação com o conceito de interpretação da lei penal para diferenciar entre inter pretação admissível e analogia proibida da lei penal10 41 Igualdade lógica entre interpretação e analogia A moderna teoria da lei penal afirma a igualdade lógica entre interpretação e ana logia no processo de conhecimento e aplicação do Direito Realmente interpretação e analogia têm por objeto grupos de casos previstos e não previstos pela lei penal portanto comparam grupos de casos a interpretação identifica grupos de casos previstos pela lei penal a 9 DIMOULIS Manual de introdução ao estudo do direito 2003 p 168170 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 16ª edição p 104 10 Assim ROXIN Strafrecht 1997 p 1045 n 26 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 61 242012 162759 62 Teoria da Lei Penal Capítulo 4 analogia identifica grupos de casos não previstos mas semelhantes aos casos previstos na lei penal11 O limite da interpretação da lei penal é determinado pelo sig nificado das palavras empregadas na linguagem da lei penal que não indicam quantidades expressas em números medidas ou pesos mas valores cujos sentidos devem ser determinados pelo intérprete por um lado o legislador define normas penais utilizando palavras para cons truir a lei penal por outro lado o Juiz decide casos concretos fundado no significado das palavras empregadas pelo legislador para definir a lei penal Como indicado as técnicas empregadas pelo intérprete para determinar o significado dos valores da lei penal literal sistemática histórica e teleológica pesquisam o significado das palavras da lei penal a função da norma isolada no sistema de normas penais as representações do legislador no processo legislativo de criação da lei penal e a finalidade social da lei penal12 Mas essa igualdade lógica não permite confundir os conceitos de interpretação e de analogia da lei penal a igualdade lógica dos processos cognitivos incide sobre objetos diferentes que definem os limites da interpretação permitida e da analogia proibida em Direito Penal 42 Teorias diferenciadoras As teorias desenvolvidas para definir os limites da interpretação permitida e da analogia proibida em Direito Penal são as seguintes a a teoria do sentido da lei penal o que está conforme ao sentido da lei penal é interpretação permitida o que está desconforme ao senti 11 Ver HAFT Strafrecht 1994 6a edição p 49 STRATENWERTH Stafrecht 2000 p 5859 n 31 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 III 46 12 Ver DIMOULIS Introdução ao estudo do direito 2003 p 159170 também ROXIN Strafrecht 1997 p 1056 n 28 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 62 242012 162759 63 Capítulo 4 Interpretação da Lei Penal do da lei penal é analogia proibida13 uma teoria problemática pela subjetividade do sentido atribuído à lei penal b a teoria da literalidade da lei penal o que está conforme à literalidade da lei penal constitui interpretação permitida o que está desconforme à literalidade da lei penal constitui analogia proibida14 uma teoria adequada ao princípio da legalidade do Estado Democrático de Direi to porque as palavras possuem significados objetivos responsáveis pela comunicação social A teoria da literalidade também resolve o dilema entre interpretação restritiva e interpretação extensiva da lei penal o princípio da legalidade proíbe qualquer interpretação extensiva da lei penal resolvendo todos os casos de dúvida conforme a interpretação restritiva da lei penal aliás a única compatível com o princípio in dubio pro reo hoje de aplicação universal no Direito Penal15 43 Analogia proibida e analogia permitida A analogia pode ser pen sada como argumento a simile e como argumento a maiori ad minus 431 Analogia a simile A analogia como argumento a simile significa aplicação da lei penal a fatos diferentes dos previstos mas semelhantes aos previstos16 Nesse sentido a analogia constitui um juízo de pro babilidade próprio da psicologia individual que não pertence nem à lógica clássicadedutiva nem à lógica modernaindutiva17 432 Analogia a maiori ad minus A analogia como argumento a maiori ad minus significa que a norma jurídica válida para uma classe geral de fatos é igualmente válida para fatos especiais da mes 13 STRATENWERTH Stafrecht 2000 p 59 n 31 JAKOBS Strafrecht 1993 437 SCHMIDHÄUSER Lehrbuch 1975 2a edição 24 14 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 p 159 ROXIN Strafrecht 1997 5 n 28 15 Assim ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 III 8 16 KELSEN Allgemeine Theorie der Normen 1990 p 217 17 CARNAP On inductive logic in Philosophy of Science 1945 v XII p 72 apud KELSEN Allgemeine Theorie der Normen 1990 p 218 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 63 242012 162759 64 Teoria da Lei Penal Capítulo 4 ma categoria Aqui a teoria da igualdade lógica entre interpretação e analogia da lei penal é decidida pelo significado da analogia para o caso concreto se o significado concreto representar prejuízo para o réu constitui analogia proibida se o significado concreto representar benefício para o réu constitui analogia ou interpretação permitida Essa teoria remonta à distinção de MAYER18 hoje generalizada na literatura penal que definiu as bases da analogia proibida e da analogia permitida em Direito Penal a a analogia in malam partem compreensiva da analogia praepter legem e da analogia contra legem é absolutamente proibida pelo Direito Penal a subsunção de ações ou de omissão de ações nos tipos legais e a aplicação ou agravação de sanções penais em casos concretos excluem a analogia em todas as hipóteses b a analogia in bonam partem a chamada analogia intra legem é permitida pelo princípio da legalidade sem nenhuma restrição nas justificações nas exculpações e em qualquer hipótese de extinção ou de redução da punibilidade do comportamento humano19 44 Necessidade da analogia A analogia é necessária para o funcio namento do ordenamento jurídico de determinados Estados nacionais assim como para a aplicação de alguns ramos do próprio ordenamen to jurídico brasileiro a nos países anglosaxônicos as decisões dos Tribunais em processos criminais são fundadas em analogias constru ídas com base nos precedentes legais o sistema do case law vigente na Inglaterra e nos Estados Unidos por exemplo20 b no Direito Civil brasileiro a analogia é expressamente admitida para solução de casos não disciplinados em lei 18 MAYER Der allgemeine Teil des deutschen Strafrechts 1915 p 27 19 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 15 III n 2d p 136 MAURACHZIPF Strafrecht 1992 p 127128 ns 2122 ROXIN Strafrecht 1997 p 112114 ns 4044 ZAFFARONI BATISTA ALAGIA e SLOKAR Direito penal brasileiro 2003 10 III 46 20 STRATENWERTH Strafrecht 2000 p 5859 n 31 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 64 242012 162759 65 Capítulo 4 Interpretação da Lei Penal III O silogismo como lógica de subsunção jurídica 1 O silogismo é o processo lógico de aplicação da lei penal constituí do de duas premissas uma maior e outra menor e de uma conclusão assim relacionadas se as premissas são verdadeiras e se a conclusão está implícita nas premissas então a conclusão é verdadeira21 Segundo KELSEN o silogismo é uma sequência de declarações pela qual a verdade do conteúdo da conclusão é extraída da verdade do conteúdo das premissas22 11 O silogismo clássico é assim formulado a todos os homens são mortais premissa maior b Sócrates é um homem premissa menor c Sócrates é mortal conclusão 12 O silogismo jurídico tem a mesma estrutura a homicídios são punidos com pena de reclusão de 6 a 20 anos premissa maior b Y praticou homicídio contra X premissa menor c a pena de reclusão de 6 a 20 anos é aplicável contra Y conclusão 2 A lógica do silogismo como lógica da subsunção jurídica está pre sente em toda decisão judicial Mas a lógica de subsunção jurídica do silogismo pode apresentar problemas relacionados com a subjetividade do julgador consistentes em duas espécies de erros incidentes sobre objetos diferentes a o erro de interpretação da norma jurídica é determinado por falhas ou defeitos de conhecimento científico do Direito b o erro de análise da prova dos autos é determinado por defeitos de representação do fato definido como silogismo regressivo23 21 Assim SUSAN STEBBING A modern elementary logic 1957 p 159 22 KELSEN Allgemeine Theorie der Normen 1990 p 181182 23 Assim BERGEL Methodologie juridique 2001 p 147 apud DIMOULIS Manual de Introdução ao estudo do direito 2003 p 93 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 65 242012 162759 66 Teoria da Lei Penal Capítulo 4 A Criminologia explica esses problemas como produtos de metarregras ou basic rules fenômenos psíquicos emocionais em geral inconscientes que determinam o significado concreto da decisão judi cial preconceitos estereótipos traumas e outras idiossincrasias pessoais ou distorções ideológicas que informam as percepções e atitudes do julgador desencadeados por indicadores sociais negativos de pobreza desemprego marginalização moradia em favelas etc responsáveis pela seletividade da clientela do sistema penal constituiriam as determinações emocionais decisivas do processo de criminalização conforme SACK24 IV Fontes da norma penal O Direito em geral possui fontes materiais e fontes formais inteiramente diferentes As fontes materiais do Direito são definidas conforme pressu postos ideológicos ou políticos de abordagem do fenômeno jurídico classificadas em dois grupos a as teorias consensuais indicam interes ses necessidades ou valores gerais da sociedade como fontes materiais do Direito b as teorias conflituais indicam interesses necessidades e valores das classes sociais proprietárias do capital e detentoras do poder do Estado como fontes materiais do Direito25 24 Ver SACK Neue Perspektiven in Kriminologie In Kriminalsoziologie organizado por R Konig e F Sack 1968 p 469 também CIRINO DOS SANTOS Teoria da pena 2005 p 2728 25 Ver SABADELL Manual de sociologia jurídica introdução a uma leitura externa do Direito 2002 p 6769 também DIMOULIS Manual de Introdução ao estudo do direito 2003 p 184 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 66 242012 162759 67 Capítulo 4 Interpretação da Lei Penal As fontes formais do Direito também são classificadas em dois grupos a as fontes escritas que compreendem a lei a jurisprudência e a doutrina b as fontes não escritas que compreendem os costumes os princípios gerais do direito e o poder negocial entre cidadãos26 O Direito Penal como sistema de normas constituídas de preceito e de sanção possui uma única e exclusiva fonte formal a lei penal nas dimensões características do princípio da legalidade como lex scripta proibição do costume lex praevia proibição de retroa tividade lex stricta proibição de analogia e lex certa proibição de indeterminação 26 Assim DIMOULIS Manual de Introdução ao estudo do direito 2003 p 184211 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 67 242012 162759 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 68 242012 162759 Segunda Parte teoria do Fato puNíVeL Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 69 242012 162759 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 70 242012 162759 71 Capítulo 5 Fato puNíVeL I Definições de crime A teoria do fato punível é o segmento principal da dogmática penal o sistema de conceitos construído para descrever o Direito Penal como setor do ordenamento jurídico que institui a política criminal rectius a política penal do Estado o programa oficial de retribuição e de prevenção da criminalidade Nesse sentido parece não haver contradição entre dogmática penal e política criminal que se comportam como as faces de uma só e mesma moeda integradas numa relação de recíproca complementação a dogmática penal é a sistematização de conceitos extraídos de um programa de política criminal formalizado em lei e todo programa legislado de política criminal depende de uma dogmática específica para racionalizar e disciplinar sua aplicação1 Uma teoria do fato punível deve começar pela definição de seu objeto de estudo o conceito de fato punível As definições de um conceito podem ter natureza real material formal ou operacional conforme mostrem a origem os efeitos a natureza ou os caracteres constitutivos da realidade conceituada2 1 Comparar ROXIN Strafrecht 1997 7 I n 1 p 145 e V ns 6970 p 174175 também GIMBERNAT ORDEIG Hat die Strafrechtsdogmatik eine Zukunft ZStW 82 1970 p 405 s 2 Ver SCHWENDINGER Defensores da ordem ou guardiães dos direitos humanos In Criminologia crítica de Ian Taylor Paul Walton e Jock Young editores 1980 p 144 tradução de Juarez Cirino dos Santos e Sérgio Tancredo Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 71 242012 162759 72 Teoria do Fato Punível Capítulo 5 Definições reais explicam a gênese da criminalidade importantes para delimitar o objeto da Criminologia hoje estudado conforme dois modelos diferentes a o modelo etiológico concebe a criminalidade como realidade ontológica préconstituída explicável por defeitos pessoais determinados por causas individuais teorias biológicas ge néticas instintivas etc ou por causas estruturais teorias sociológicas de desorganização social de aprendizagem multifatoriais etc b o modelo político concebe a criminalidade como criminalização mos trando o crime como fenômeno social criado pela lei penal o criminoso como sujeito estigmatizado pela Justiça criminal e a criminalidade como criminalização seletiva do oprimido nas sociedades fundadas na contradição capitaltrabalho assalariado Definições materiais mostram o fato punível como lesão do bem jurídico protegido no tipo legal por exemplo o homicídio como destruição da vida humana Definições formais mostram o fato punível como violação da norma legal ameaçada com pena por exemplo o homicídio como violação da norma não deves matar Definições operacionais mostram o fato punível como conceito analítico estruturado pelos componentes do tipo de injusto e da cul pabilidade por exemplo o homicídio como injusta produção da morte de alguém por um autor culpável A ciência do Direito Penal preocupase especialmente com defi nições operacionais de fato punível também denominadas definições analíticas do crime capazes de indicar os pressupostos de punibilidade das ações descritas na lei penal como crimes de funcionar como cri tério de racionalidade da jurisprudência criminal e acima de tudo de contribuir para a segurança jurídica do cidadão no Estado Democrático de Direito3 3 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 21 I 2 p 195 No Brasil ver FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 119 p 146147 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 72 242012 162759 73 Capítulo 5 Fato Punível A dogmática penal contemporânea trabalha com duas catego rias elementares do fato punível o tipo de injusto e a culpabilidade4 Essas categorias elementares concentram todos os elementos da definição analítica de fato punível mas a operacionalização da de finição analítica requer o desdobramento daquelas categorias gerais nas categorias mais simples que as constituem a o conceito de tipo de injusto constituído pela existência concreta de uma ação típica e antijurídica está na base da controvérsia entre os modelos bipartido e tripartido de crime b o conceito de culpabilidade alcançou um relativo consenso constituído de capacidade penal de conhecimento do injusto real ou potencial e de exigibilidade de comportamento diverso5 II Os sistemas de fato punível Na atualidade a literatura alemã está dividida entre o modelo bipartido e o modelo tripartido de crime no resto da Europa e na América Latina o modelo tripartido de fato punível é dominante 1 Modelo bipartido de crime O modelo bipartido de fato punível concebe o tipo de injusto como uma unidade conceitual formada pelo tipo legal e pela antijuridicidade que admitem operacionalização analítica separada mas não constituem categorias estruturais diferentes do fato punível o tipo legal é a descrição da lesão do bem jurídico e a 4 Assim por exemplo JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 39 I 1 p 194 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 5 III 1 n 23 p 46 5 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 39 I p 194195 ROXIN Strafrecht 1997 7 n 78 p 148 WESSELSBEUKE Strafrecht 1998 n 83 p 22 No Brasil FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 122 p 148151 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 105 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 73 242012 162759 74 Teoria do Fato Punível Capítulo 5 antijuridicidade é um juízo de valoração do comportamento descrito no tipo legal formando o conceito de tipo de injusto6 No mesmo sentido a teoria dos elementos negativos do tipo7 tipo legal e antijuridicidade são respectivamente as dimensões de descrição e de valoração do conceito de tipo global de injusto portanto as causas de justificação estariam separadas dos tipos legais apenas por motivos técnicos porque todo tipo de injusto deveria ser lido assim matar al guém exceto em legítima defesa em estado de necessidade etc A inclusão das justificações no tipo legal transforma os preceitos permissivos em elementos negativos do tipo de injusto enquanto o tipo legal descreve os elementos positivos do tipo de injusto8 um homicídio em legítima defesa seria uma ação atípica e não uma ação típica justificada9 Como se vê a teoria dos elementos negativos do tipo estrutura um sistema bi partido de fato punível o tipo de injusto e a culpabilidade O modelo bipartido de fato punível tem partidários de prestígio na dogmática moderna10 e parece lógico segundo vários argumentos o tipo legal apresenta cada vez mais elementos próprios da antijuri dicidade expressos em palavras como injusto irregular grave etc cuja ausência exclui o tipo por exemplo o caráter injusto do mal na ameaça além disso existem tipos legais que não admitem justifica 6 Ver OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 5o n 28 p 47 7 Concepção originária de ADOLF MERKEL Lehrbuch des deutschen Strafrechts 1889 p 82 8 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 14 p 231 No Brasil TAVARES Teoria do injusto penal 2000 p 165 s 9 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 5o n 24 p 46 10 ENGISCH Tatbestandsirrtum und Verbotsirrtum bei Rechtfertigungsgrunden ZStW 70 1958 p 56 ARTHUR KAUFMANN Tatbestand Rechtfertigungsgrunde und Irrtum JZ 1956 p 353 e 393 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 5 n 23 s p 46 s SCHUNEMANN Einfuhrung in das Strafrechtliche Systemdenken 1994 HERZBERG Erlaubnistatbestandsirrtum und Deliktsaufbau JA 1989 p 243 s No Brasil MACHADO Direito criminal parte geral 1987 p 119 REALE JR Instituições de direito penal parte geral 2002 p 139140 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 74 242012 162759 75 Capítulo 5 Fato Punível ção ou seja a realização do tipo determina a antijuridicidade por exemplo no estupro a tipicidade e a antijuridicidade se confundem11 os tipos legais de imprudência como lesão do dever de cuidado ou do risco permitido e de omissão de ação como lesão do dever de agir somente podem ser definidos com elementos da antijuridicidade 2 Modelo tripartido de crime O modelo tripartido de fato punível também admite os conceitos de tipo de injusto e de culpabilidade como categorias elementares do fato punível mas concebe o tipo de injusto como categoria formada por dois conceitos autônomos o tipo legal descrição de proibições abstratas e a antijuridicidade valoração ne gativa concreta excluída nas justificações de modo que a realização justificada de um tipo legal constitui ação típica justificada e não ação atípica O modelo tripartido de crime afirma que tipicidade e antijuri dicidade não se reduzem à tarefa de constituir o tipo de injusto mas realizam funções políticocriminais independentes com os seguintes argumentos o tipo legal descreve ações proibidas sob ameaça de pena e portanto representa realização técnica do princípio da legalidade a antijuridicidade define preceitos permissivos que excluem a contradição da ação típica com o ordenamento jurídico Mas a permissão concreta de realizar proibições abstratas não autoriza identificar ações atípicas com ações típicas justificadas matar alguém em legítima defesa não parece o mesmo que matar um inseto12 A validade do conceito de tipo de injusto como unidade superior compreensiva do tipo legal e da antijuridicidade não permite nivelar diferenças entre comportamentos justificados que devem ser suportados pela vítima e comportamen tos atípicos que podem variar desde ações insignificantes até ações antijurídicas13 11 HERZBERG Erlaubnistatbestandsirrtum und Deliktsaufbau JA 1989 p 245 12 Ver WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 14 I 1 p 81 13 ROXIN Strafrecht 1997 10 ns 1623 p 232236 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 75 242012 162759 76 Teoria do Fato Punível Capítulo 5 O sistema tripartido de fato punível ainda dominante na dog mática contemporânea14 define crime como ação típica antijurídica e culpável um conceito formado por um substantivo qualificado pelos atributos da adequação ao modelo legal da contradição aos preceitos proibitivos e permissivos e da reprovação de culpabilidade Na linha do sistema tripartido de fato punível a dogmática penal conhece três modelos sucessivos de fato punível o modelo clássico o modelo ne oclássico e o modelo finalista cujos traços essenciais podem ser assim enunciados 21 O modelo clássico de fato punível conhecido como modelo de LISZTBELINGRADBRUCH originário da filosofia naturalista do século 19 parece claro e simples a a ação é um movimento corporal causador de um resultado no mundo exterior b a tipicidade é a des crição objetiva do acontecimento15 c a antijuridicidade é a valoração de um acontecimento contrário às proibições e permissões do orde namento jurídico d a culpabilidade é um conceito psicológico sob as formas de dolo e imprudência que concentra todos os elementos subjetivos do fato punível16 22 O modelo neoclássico de fato punível é o produto da desintegração do modelo clássico de fato punível17 e de sua reorganização sistemática conforme novas concepções18 a a ação deixa de ser naturalista para 14 BAUMANNWEBERMITSCH Strafrecht 1995 16 n 14 25 BOCKELMANN VOLK Strafrecht 1987 10 DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch 1995 nota preliminar ao 13 n 8 JESCHEKWEIGEND Strafrecht 1996 25 I III p 244 s MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 24 I 2 p 333 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 16 s p 232 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 10 III p 52 s WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 129 p 38 No Brasil MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 106107 também ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 179189 p 390406 15 BELING Die Lehre vom Verbrechen 1906 p 178 s 16 LISZT Lehrbuch des Deutschen Strafrechts 1881 p 105 s 17 ROXIN Strafrecht 1997 7 III 145 p 151152 18 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 22 III p 204208 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 76 242012 162759 77 Capítulo 5 Fato Punível assumir significado valorativo redefinida como comportamento huma no voluntário19 b a tipicidade perde a natureza descritiva e livre de valor para admitir elementos normativos documento motivo torpe etc e subjetivos a intenção de apropriação no furto por exemplo20 c a antijuridicidade troca o significado formal de infração da norma jurídica pelo significado material de danosidade social admitindo graduação do injusto conforme a gravidade do interesse lesionado d a culpabilidade psicológica incorpora o significado normativo com reprovação do autor pela formação de vontade contrária ao dever se o comportamento proibido pode ser reprovado então pode ser atribuído à culpabilidade do autor21 23 O modelo finalista de fato punível desenvolvido por WELZEL na primeira metade do século 20 revolucionou todas as áreas do conceito de crime com base no seguinte princípio metodológico a ação é o conceito central do fato punível e a estrutura final da ação humana fundamenta as proibições e mandados das normas penais22 A ação humana é exercício de atividade final ou como objetivação da subjetividade realização do propósito o homem pode em certos limites por causa do saber causal controlar os acontecimentos e diri gir a ação para determinados fins conforme um plano23 A ação final compreende a proposição do fim a escolha dos meios de ação necessários 19 Assim MEZGER Moderne Wege der Strafrechtsdogmatik 1950 p 12 20 FISCHER Die Rechtswidrigkeit mit besonderer Berucksichtigung des Privatrechts 1911 p 138 HEGLER Die Merkmale des Verbrechens ZStW 36 1915 p 27 MEZGER Die subjektiven Unrechtselemente GS 89 1924 p 207 21 Nesse sentido FRANK Uber den Aufbau des Schuldbegriffs 1907 p 11 22 Ver ARTHUR KAUFMANN Die Ontologische Begrundung des Rechts 1965 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 22 V 1 p 210 No Brasil MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 112114 comparar também ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 198199 p 416419 23 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 p 33 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 77 242012 162759 78 Teoria do Fato Punível Capítulo 5 e a realização da ação no mundo real24 O conceito de ação final pro duziu as seguintes transformações no conceito de crime a introduziu o dolo e outros elementos subjetivos no tipo subjetivo dos delitos dolosos como vontade consciente de realização do fato b manteve a consciência do injusto como elemento central da culpabilidade que fundamenta a reprovação do autor pela formação defeituosa da von tade25 c instituiu nova disciplina do erro em correspondência com essas mudanças sistemáticas na área do tipo o erro de tipo excludente do dolo e por extensão excludente do tipo na área da culpabilidade o erro de proibição excludente ou redutor da reprovação de culpabi lidade26 d promoveu a subjetivação da antijuridicidade mediante a estruturação subjetiva e objetiva das justificações e reduziu a culpa bilidade a um conceito normativo como reprovação de um sujeito imputável pela realização não justificada de um tipo de crime com consciência do injusto real ou possível em situação de exigibilidade de comportamento diverso27 Complementarmente permitiu redefinir a omissão de ação como expectativa frustrada de ação28 e a imprudência como realização defeituosa de uma ação perigosa com lesão do dever de cuidado ou do risco permitido realizado no resultado de lesão do bem jurídico29 O modelo finalista de fato punível generalizouse na literatura e na jurisprudência contemporâneas com diferenças de detalhe que não afetam a estrutura do paradigma além de influenciar diretamente algumas legislações modernas como a reforma penal alemã 1975 e a nova parte geral do Código Penal brasileiro 1984 24 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 p 34 25 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 22 V 3 p 211212 26 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 22 V 3b p 212 27 Comparar ROXIN Strafrecht 1997 7 III 1720 p 152153 28 Ver ARMIN KAUFMANN Die Dogmatik der Unterlassungsdelikte 1959 p 92 s 29 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 22 V 4 p 212 MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 16 n 48 p 205 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 78 242012 162759 79 Capítulo 5 Fato Punível 3 O modelo de fato punível adotado O modelo de fato punível desenhado no texto é formado pelos conceitos de tipo de injusto e de culpabilidade cujos elementos constitutivos são assim distribuídos 31 O tipo de injusto compreende os seguintes elementos a a ação como realidade psicossomática do conceito de crime b a tipicidade como ação humana adequada ao tipo legal nas dimensões de 1 tipo objetivo constituído pela causação do resultado e pela imputação do resultado e de 2 tipo subjetivo formado pelas categorias do dolo e outros elementos subjetivos especiais e da imprudência c a anti juridicidade afirmada nas proibições e excluída nas permissões como categoria dogmática compreensiva das justificações estudadas nas dimensões correspondentes de situação justificante e de ação justificada subjetiva e objetiva 32 A culpabilidade como juízo de reprovação pela realização não justificada do tipo de injusto compreende 1 a imputabilidade excluída ou reduzida por menoridade e por doenças mentais 2 a consciência da antijuridicidade excluída ou reduzida em hipóteses de erro de proibição e 3 a exigibilidade de comportamento diverso excluída ou reduzida em situações de exculpação legais e supralegais 33 As categorias complementares de autoriaparticipação de ten tativaconsumação e de unidadepluralidade de fatos puníveis como desenvolvimentos da teoria do tipo são apresentadas em capítulos independentes Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 79 242012 162759 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 80 242012 162759 81 Capítulo 6 teoria da ação I Introdução A controvérsia sobre o conceito de ação continua intensa o cé lebre debate entre o modelo causal que define ação como modificação causal do mundo exterior e o modelo final que define ação como realização de atividade final dominou a primeira metade do século 20 na segunda metade do século o surgimento de outras definições de ação inviabilizou qualquer consenso sobre o tema o modelo social de ação uma espécie de tentativa de conciliação dos modelos causal e final define ação como comportamento humano socialmente relevante o modelo negativo de ação define ação como não evitação do compor tamento proibido o modelo pessoal de ação define ação como mani festação da personalidade humana Existem ainda outras definições de ação como o modelo lógicoanalítico que define ação como emprego de regras da experiência da lógica da linguagem etc1 e o modelo de ação intencional que define ação como atuação decisiva para o acon tecimento2 cujo interesse científico ainda restrito aos respectivos autores parece não exigir imediata tomada de posição Considerando que aqueles modelos estão vivos na literatura e na jurisprudência con temporâneas estruturando sistemas mais ou menos diferentes de fato punível é necessário descrever cada uma das definições do conceito de 1 Ver HRUSCHKA Strukturen der Zurechnung 1976 p 13 do mesmo Strafrecht nach logischanalytischer Methode 1988 2 KINDHÄUSER Intentionale Handlung 1980 p 202 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 81 242012 162800 82 Teoria do Fato Punível Capítulo 6 ação bem como mostrar a importância teórica e prática do conceito de ação para compreensão e aplicação do Direito Penal3 II Definições do conceito de ação 1 Modelo causal de ação O modelo causal de ação elaborado por LISZT BELING e RADBRUCH os fundadores do sistema clássico de fato punível uma construção teórica baseada nas categorias do mecanicismo do século 19 define ação como produção causal de um resultado no mundo exterior por um comportamento humano voluntário4 O modelo causal de ação possui estrutura objetiva a ação humana mutilada da vontade consciente do autor determinaria o resultado como uma forma sem conteúdo ou um fantasma sem sangue conforme expressão de BELING a voluntariedade da ação indica apenas ausência de coação física absoluta o resultado de modificação no mundo exterior é elemento do conceito de ação assim não existe ação sem resultado5 Como afirmaria mais tarde WELZEL a teoria causal da ação desconhece a função constitu tiva da vontade dirigente da ação e por isso transforma a ação 3 Para uma exposição crítica de alguns desses modelos ver TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 p 1330 4 LISZT Strafrecht 1891 p 128 5 Nesse sentido WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 III 2 p 3942 ROXIN Strafrecht 1997 8 n 1016 p 187189 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 82 242012 162800 83 Capítulo 6 Teoria da Ação em simples processo causal objetivo desencadeado por um ato de vontade qualquer6 O modelo causal de ação estrutura o sistema clássico de crime assim concebido a a dimensão objetiva da antijuridicidade típica é formada pelo processo causal exterior b a dimensão subjetiva da cul pabilidade é constituída pela relação psíquica do autor com o resultado sob as formas de dolo e imprudência Como se vê os elementos causais objetivos integram a antijuridicidade típica os elementos psíquicos subjetivos integram a culpabilidade7 O sistema clássico de crime desintegrase progressivamente a partir de descobertas científicas que revelam contradições metodo lógicas insanáveis a na teoria do tipo a necessidade do dolo para caracterizar a tentativa de qualquer crime doloso se presente na tentativa não pode desaparecer no fato consumado mostra que o tipo legal não pode conter somente elementos objetivos b na teoria da antijuridicidade a descoberta dos chamados elementos subjetivos do injusto hoje elementos subjetivos especiais como intenções tendências e atitudes especiais revela uma dimensão subjetiva no injusto então reservado exclusivamente aos elementos objetivos c na teoria da culpabilidade a ausência de relação psíquica do autor com o fato na imprudência inconsciente mostra uma falha no conceito psicológico de culpabilidade8 O sistema clássico de fato punível do modelo causal de ação evoluiu para o atual sistema neoclássico de fato punível9 um produto da reorganização teleológica do modelo causal de ação segundo fins 6 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 III 2 p 40 No Brasil ver a crítica de MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 111112 também ZAFFARONI PIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 203204 p 421427 7 Ver TAVARES Teorias do delito 1980 n 22 p 20 8 Ver WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 III 2 p 3940 9 ROXIN Strafrecht 1997 7 III 1415 p 1512 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 83 242012 162800 84 Teoria do Fato Punível Capítulo 6 e valores do Direito Penal10 a o conceito de ação deixa de ser apenas naturalista para ser também normativo redefinido como comporta mento humano voluntário11 b o tipo de injusto ou antijuridicidade típica perde a natureza livre de valor para incluir elementos normati vos como documento motivo torpe etc e elementos subjetivos como as intenções e tendências especiais de ação e até mesmo o dolo na tentativa12 c a culpabilidade estruturase como conceito psicológico normativo com a reprovação do autor pela formação de vontade contrária ao dever13 O sistema neoclássico de fato punível está presente em comen tários famosos da legislação penal como DREHERTRÖNDLE14 ou em autores modernos como NAUCKE15 por exemplo e na jurisprudência dominante dos tribunais alemães com resultados muito semelhantes aos demais modelos o que demonstra que não existem métodos certos ou errados apenas métodos melhores ou piores 10 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 22 III p 204208 No Brasil ver TAVARES Teorias do delito 1980 n 4245 p 4243 11 Assim MEZGER Moderne Wege der Strafrechtsdogmatik 1950 p 12 12 Na base dessas mudanças estão os trabalhos de FISCHER Die Rechtswidrigkeit mit besonderer Berucksichtigung des Privatrechts 1911 p 138 HEGLER Die Merkmale des Verbrechens ZStW 36 1915 p 27 MEZGER Die subjektiven Unrechtselemente GS 89 1924 p 207 13 Assim FRANK Uber den Aufbau des Schuldbegriffs 1907 p 11 No Brasil ver TAVARES Teorias do delito 1980 n 48 p 4546 14 DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch und Nebengesetze 1995 15 NAUCKE Strafrecht eine einfuhrung 2000 n 151161 p 258261 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 84 242012 162800 85 Capítulo 6 Teoria da Ação 2 Modelo final de ação O modelo final da ação desenvolvido por WELZEL com contribuições de MAURACH16 ARMIN KAUFMANN17 STRATENWERTH18 HIRSCH19 e outros surge como crítica ao modelo causal e define ação como realização de atividade final o saber causal adquirido pela experiência e preservado como ciência permite prever as consequências possíveis da ação propor diferentes fins e dirigir a atividade para realização do fim Assim na formulação clássica de WELZEL20 Ação humana é exercício de atividade final Ação é por isso acontecimento final não meramente causal A finalidade ou o sentido final da ação se baseia no poder humano de prever em determinados limites por força de seu saber causal os possíveis efeitos de sua atividade proporse diferentes fins e dirigir planificadamente sua atividade para realização destes fins Porque a finalidade se baseia na capacidade da vontade de prever em determinados limites as consequências da intervenção causal e através desta dirigila de modo planificado para a realização do fim a vontade cons ciente do fim que dirige o acontecer causal é a espinha dorsal da ação final 16 MAURACHZIPF Strafrecht I 1992 16 n 3842 p 201203 17 ARMIN KAUFMANN Zum Stand der Lehre vom Personalen Unrecht WelzelFS 1974 p 393 18 STRATENWERTH Strafrecht I 1981 n 140 19 HIRSCH Der Streit um Handlungs und Unrechtslehre ZStW 93 1981 p 831 20 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 I p 3334 No Brasil ver a excelente descrição do desenvolvimento do modelo final de ação em TAVARES Teorias do delito 1980 n 5764 p 5260 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 85 242012 162800 86 Teoria do Fato Punível Capítulo 6 O modelo final de ação parte da distinção entre fato natural e ação humana o fato natural é fenômeno determinado pela causalida de um produto mecânico de relações causais cegas a ação humana é acontecimento dirigido pela vontade consciente do fim21 Na ação humana a vontade é a energia produtora da ação enquanto a consci ência do fim é sua direção inteligente a finalidade dirige a causalidade para configurar o futuro conforme o plano do autor Na teoria de WELZEL a vontade consciente do fim é a espinha dorsal da ação22 enquanto o acontecimento causal é a resultante casual de componentes causais preexistentes A finalidade é por isso figurativamente falando vidente a causalidade cega23 A unidade subjetiva e objetiva da ação humana é o fundamento real da estrutura subjetiva e objetiva do tipo de injusto A homogenia entre teoria da ação substantivo e teoria da ação típica substantivo adjetivado é um dos méritos do modelo final de ação A dimensão subjetiva da ação ou projeto de realização cuja espinha dorsal é a vontade consciente do fim compreende 1 a proposição do fim como conteúdo principal da vontade consciente que unifica e estrutura a ação no tipo subjetivo constitui o dolo direto de primeiro grau 2 a seleção dos meios de ação para realizar o fim determinados regressivamente pela natureza do fim proposto no tipo subjetivo integram o dolo direto de segundo grau se configuram resultados típicos Como a utilização dos meios escolhidos pode determinar outros efeitos diversos do fim surge o problema da relação desses efeitos 21 Assim MAURACHZIPF 1992 Strafrecht I 16 n 41 p 202 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 I p 34 22 Ver WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 I p 34 MAURACHZIPF 1992 Strafrecht I 16 n 41 p 202 23 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 I p 33 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 86 242012 162800 87 Capítulo 6 Teoria da Ação colaterais ou secundários com a ação objetivamente em relação à natureza dos meios os efeitos colaterais podem ser necessários ou pos síveis subjetivamente em relação à vontade consciente do autor os efeitos colaterais podem ser a incluídos na vontade consciente b incluídos na consciência mas excluídos da vontade ou c excluídos da consciência e da vontade Assim a dimensão subjetiva da ação compreende secundariamente 3 a representação dos efeitos colaterais necessários ou possíveis ligados causalmente aos meios selecionados o autor pode dirigir a ação para incluir ou para excluir esses efeitos colaterais conforme as seguintes alternativas a os efeitos colaterais representados como necessários integram a vontade consciente do autor ainda que lastimados ou indesejados se o autor os representa como necessários e realiza a ação integram sua vontade consciente e portanto a ação no tipo subjetivo constituem o dolo direto de segundo grau b os efeitos colaterais representados como possíveis integram a consciência do autor mas dependem da atitude pessoal deste para integra rem a vontade b1 se o autor consente na produção dos efeitos colaterais representados como possíveis conformase ou concorda com eles então esses eventuais efeitos colaterais integram também a vontade do autor e por extensão a ação como acontecimento final no tipo subjetivo constituem dolo eventual b2 se o autor não consente na produção desses efeitos colaterais representados como possíveis não se conforma ou não concorda com eles ao contrário confia em sua não ocorrência ou espera honestamente poder evitálos pelo modo concreto de execução da ação então esses efeitos não integram a vontade do autor nem a ação como fenômeno estruturado pela finalidade podem ser atribuídos ao autor como imprudência consciente se existir o tipo respectivo Efeitos colaterais necessários ou possíveis não representados pelo sujeito não inte gram nenhuma vontade consciente do autor e assim estão excluídos da ação como realização do propósito podem ser atribuídos ao autor como imprudência inconsciente se existir o tipo respectivo Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 87 242012 162800 88 Teoria do Fato Punível Capítulo 6 A dimensão objetiva da ação ou realização do projeto representa sua materialização no mundo real a utilização dos meios selecionados para realizar o fim proposto com ou sem representação dos efeitos cola terais necessários ou possíveis24 constitui matéria do tipo objetivo A teoria final da ação contribuiu para identificar o fundamento psicossomático do conceito de crime a unidade subjetiva e objetiva da ação humana qualificada pelos atributos axiológicos do tipo de injusto e da culpabilidade como base real do conceito de fato punível Além disso a estrutura final da ação parece pressuposta na função atribuída às normas penais que se dirigem à vontade humana como proibições ou como determinações de ação a estrutura final da ação humana seria constitutiva para o Direito Penal cujas proibições ou mandados não se dirigem a processos causais cegos mas à vontade humana capaz de configurar o futuro25 A validade dessa tese é reconhecida por setores significativos da doutrina moderna MAURACHZIPF definem a estrutura final da ação humana como o componente antropológico da responsabilidade penal26 EBERT destaca a concordância entre o conceito final de ação e a função das normas penais como proibições e determinações de ação dirigidas à vontade humana acrescentando que a inclusão do conteúdo da vontade no conceito de ação permite compreender o seu significado como ação típica e como ação injusta27 Por último a crítica de que o modelo final cuja capacidade explicativa da ação dolosa é reconhecida teria dificuldades para explicar a ação imprudente e a omissão de ação28 parece incon sistente A ação imprudente é definível como execução defeituosa de ação permitida o defeito da ação reside no modo concreto de 24 Assim WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 I p 3435 25 Assim WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 II p 37 26 MAURACHZIPF 1992 Strafrecht I 16 n 48 p 205 27 EBERT Strafrecht 1994 p 223 28 Nesse sentido a crítica de JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 23 III 2b p 221 também ROXIN Strafrecht 1994 8 n 1825 p 185188 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 88 242012 162800 89 Capítulo 6 Teoria da Ação sua realização lesivo do dever de cuidado ou do risco permitido em ações socialmente perigosas porque o autor confia na evitação de consequências sociais indesejáveis ou simplesmente não pensa nelas29 A omissão de ação ao contrário da ação dolosa que não deveria ter sido realizada ou da ação imprudente que deveria ser realizada de outro modo deve ser pensada como ação mandada um acontecimento social construído pela finalidade de proteger bens jurídicos em situação de perigo a inexecução da ação mandada por um sujeito capaz de agir para impedir o resultado e proteger o bem jurídico caracteriza a omissão de ação Como se vê a teoria final da ação permite compreender as ações dolosas como execução de ações proibidas as ações imprudentes como execução defeituosa de ação permitida e a omissão de ação como inexecução de ação mandada dolosa ou imprudente30 3 Modelo social de ação O modelo social da ação fundado por EBERHARD SCHMIDT e desenvolvido por JESCHECK WESSELS e outros é uma posição de compromisso entre os modelos causal e final de ação e talvez por causa disso parece ser a mais difundida teoria da ação humana assim como apresenta os maiores problemas de definição de conceitos e de uniformização de linguagem Nesse sentido HAFT destaca as diversas 29 Ver MAURACHZIPF Strafrecht I 1992 16 n 4041 n 202 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 II p 3738 e 18 p 129 s No Brasil ver ZAFFARONI PIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 201 p 421 30 Ver WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 II p 38 No Brasil também assim CIRINO DOS SANTOS Teoria do Crime 1993 p 4142 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 113 ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 202 p 422 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 89 242012 162800 90 Teoria do Fato Punível Capítulo 6 definições do conceito social de ação ora apresentada como fenômeno social ora como comportamento humano socialmente relevante sem esclarecer em que consiste o fenômeno social ou a relevância social da ação31 Essa relativa imprecisão do conceito parece inevitável porque as teorias sociais da ação seriam teorias conciliadoras que não excluem mas incluem as teorias causal e final da ação32 Não é estranhável que as ênfases recaiam em polos diferentes desse conceito difuso com resultados às vezes divergentes como observa EBERT o modelo social da ação é uma moldura preenchível às vezes pelo conceito causal de ação como causação de resultados so cialmente relevantes e às vezes pelo conceito final de ação como fator formador de sentido da realidade social ambos incluídos no conceito social da ação33 Essa característica permanece em definições atuais com o acento sobre o componente final do conceito qualificado pela relevância social da ação como WESSELSBEULKE por exemplo a ação constitui comportamento socialmente relevante dominado ou dominável pela vontade humana um fator formador de sentido da realidade social com todos os seus aspectos pessoais finais causais e normativos34 JESCHECKWEIGEND mostram como o modelo social de ação surge da busca de um conceito unitário superior com preensivo da ação e da omissão de ação 31 TAVARES Teorias do delito 1980 n 100 p 92 já indicava os problemas do modelo 32 HAFT Strafrecht 1994 p 31 A teoria social da ação é hoje defendida por numerosos autores com ênfases diferenciadas pelas quais existem muitas definições parecidas geralmente não muito compreensíveis nas quais a ação por exemplo é definida como fenômeno social na sua produção de efeitos dentro da realidade social Eb Schmidt ou como comportamento humano socialmente relevante Jescheck pelas quais não se esclarece imediatamente o que se deve entender por fenômeno social ou por relevância social A coisa fica mais clara quando se compreende que as teorias sociais da ação são teorias conciliadoras que em conclusão não excluem mas incluem as teorias causal e final de ação Por este esforço de mediação resulta inevitável uma certa imprecisão de conceito 33 EBERT Strafrecht 1994 p 23 34 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 91 p 2425 e n 93 p 26 No Brasil TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 p 30 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 90 242012 162800 91 Capítulo 6 Teoria da Ação as formas em que se realiza o intercâmbio do homem com seu meio finalidade no atuar positivo e dirigibi lidade na omissão de ação não são unificáveis ao nível ontológico porque a omissão mesma não é final pois o emprego esperado da finalidade não existe nela Ação e omissão de ação podem contudo ser compreendidas em um conceito de ação unitário se conseguirmos encontrar um ponto de vista valorativo superior que unifique no âmbito normativo elementos não unificáveis no âmbito do ser Esta síntese deve ser procurada na relação do comportamento humano com seu meio Este é o sentido do conceito social de ação Ação é comportamento humano de relevância social 35 A relevância social introduzida como elemento valorativo superior para apreender ação e omissão de ação é um atributo axiológico do tipo de injusto responsável pela seleção de ações e de omissões de ação no tipo legal e não uma qualidade da ação Como afirma ROXIN o atributo de relevância social designa uma propriedade necessária para valorar o injusto porque existem ações socialmente relevantes e ações socialmente não relevantes ou seja a relevância social é uma proprie dade que a ação pode ter ou pode não ter e ausente essa propriedade não desaparece a ação mas somente sua significação social36 Não obstante juízos complacentes de que a imprecisão do mo delo social de ação deveria ser tolerada37 ou juízos críticos de que o modelo social de ação ainda não está definido como os modelos causal e final de ação38 alguns autores por exemplo EBERT são mais incisivos afirmando a existência de somente dois sistemas de fato 35 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 23 VI p 223 36 ROXIN Strafrecht 1997 8 n 32 p 196 No Brasil ver a crítica de ZAFFARONI PIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 206 p 429 37 Nesse sentido HAFT Strafrecht 1994 p 3233 38 Assim NAUCKE Strafrecht 1995 n 240 p 250 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 91 242012 162800 92 Teoria do Fato Punível Capítulo 6 punível o sistema causal e o sistema final porque o modelo social de ação não desenvolveu um sistema próprio vinculandose ora com o sistema causal ora com o sistema final39 Seja como for a única diferença entre os conceitos social e final de ação pelo menos em relação às definições de JESCHECKWEIGEND e de WESSELS BEULKE os mais prestigiados representantes da teoria social da ação na atualidade fica por conta daquela atribuída relevância social uma característica normativa incorporada como elemento superior unitário compreensivo da ação e da omissão de ação Na verdade não existe nenhuma razão científica para rejeitar o modelo social de ação que utiliza as mesmas categorias conceituais e adota os mesmos princípios metodológicos do modelo final de ação para construir o conceito de fato punível40 4 Modelo negativo de ação O modelo negativo de ação elaborado por HERZBERG41 BEHRENDT42 e outros cuja aplicação sistemática mais notável parece ser a obra de HARRO OTTO43 define o conceito de ação dentro da categoria do tipo de injusto rejeitando definições ontológicas ou préjurídicas como os modelos causal e final de ação Ação é a evitável não evitação do resultado na posição de garan tidor44 compreensível como omissão da contradireção mandada pelo 39 EBERT Strafrecht 1994 p 24 40 Ver por exemplo MAURACHZIPF Strafrecht I 1992 16 n 68 p 211 41 HERZBERG Die Unterlassung im Strafrecht und das Garantenprinzip 1972 42 BEHRENDT Die Unterlassung im Strafrecht 1979 43 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 IV n 3242 p 4851 44 HERZBERG Die Unterlassung im Strafrecht und das Garantenprinzip 1972 p 174 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 92 242012 162800 93 Capítulo 6 Teoria da Ação ordenamento jurídico45 em que o autor realiza o que não deve realizar ação ou não realiza o que deve realizar omissão de ação um re sultado é atribuível ao autor se o direito ordena sua evitação e o autor não o evita embora possa evitálo O fundamento do modelo negativo de ação é o princípio da evitabilidade do tipo de injusto definido no 13 do Código Penal alemão46 por um autor com o poder de evitar o tipo de injusto ou seja o autor tem o poder de influir sobre o curso causal concreto determinante do resultado mediante conduta dirigida pela vontade mas não evita o tipo de injusto47 A possibilidade de evitar o comportamento proibido constituiria o pressuposto da obrigatoriedade da norma penal independentemente de ser norma de proibição ou norma de comando48 ação e omissão de ação não seriam conceitos prétípicos elaborados por uma teoria pré jurídica ou ontológica da ação mas conceitos pertencentes ao tipo de injusto O ponto de partida do conceito negativo de ação portanto seria o exame da ação dentro do tipo de injusto para saber se o autor teria a possibilidade de influenciar o curso causal concreto conducente ao resultado mediante conduta dirigida pela vontade49 O modelo negativo de ação do ponto de vista teórico inverte o sinal da categoria positiva da ação substituída pela categoria negativa da omissão de ação a evitável não evitação do resultado do ponto de vista metodológico desloca a discussão de questões específicas do conceito préjurídico de ação para a categoria jurídica da ação típica concreta 45 BEHRENDT Die Unterlassung im Strafrecht 1979 p 143 46 13 Comissão por omissão Quem omite evitar um resultado que pertence ao tipo de uma lei penal somente é punível conforme esta lei se ele é juridicamente responsável pela não ocorrência do resultado e se a omissão corresponde à realização do tipo legal por um fazer 47 Ver OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 5 n 3940 p 50 48 Assim OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 5 n 39 p 50 49 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 5 n 40 p 50 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 93 242012 162800 94 Teoria do Fato Punível Capítulo 6 Essas inovações parecem criticáveis conceitualmente a existência da ação humana independe da existência do tipo de injusto metodolo gicamente é desaconselhável congestionar a área complexa do tipo de injusto com problemas ou questões de natureza extratípica Uma variante psicanalítica do modelo proposta por BEHRENDT50 relaciona o conceito da evitável não evitação do resultado com as mani festações da destrutividade humana que exprimem as pulsões instintivas do id sem o controle do superego Na verdade parece impróprio reduzir os conceitos fundamentais da Psicanálise aos limites funcionais do con ceito de ação ou de ação típica as categorias psicanalíticas contêm um potencial teóricoexplicativo de natureza criminológica que transcende os limites do conceito de ação ou de ação típica para tentar apreen der o sentido concreto das ações humanas na plenitude do significado incorporado por todos os atributos do conceito de crime Em conclusão o princípio da evitabilidade que fundamenta o con ceito negativo de ação integra todas as categorias do conceito de crime constituindo portanto um princípio geral de atribuição que não pode ser apresentado como característica específica do conceito de ação51 5 Modelo pessoal de ação O modelo pessoal de ação desenvolvido por ROXIN define ação como manifestação da personalidade um conceito capaz de abranger todo acontecimento atribuível ao centro de ação psíquicoespiritual do homem A definição de ação como manifestação da personalidade permitiria excluir todos os fenômenos somáticocorporais insuscetí 50 BEHRENDT Die Unterlassung im Strafrecht 1979 132 51 Ver a crítica de ROXIN Strafrecht 1997 8 n 40 p 200 Outros detalhes TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos Rio 1996 p 2326 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 94 242012 162800 95 Capítulo 6 Teoria da Ação veis de controle do ego e portanto não dominados ou não domináveis pela vontade humana força física absoluta convulsões movimentos reflexos etc não constituem manifestação da personalidade por outro lado exclui pensamentos e emoções encerrados na esfera psíquico espiritual do ser humano porque não representam manifestação da personalidade52 A ação como manifestação da personalidade constitui a mais geral definição do conceito de ação capaz de apreender todas as ob jetivações da personalidade como diz ARTHUR KAUFMANN53 mas parece excluir o traço humano específico que distingue a ação de qualquer fenômeno natural ou social a realização do propósito Em outras palavras a manifestação da personalidade como mera relação entre pensamentosemoções e acontecimentos exteriores parece ne gligenciar a natureza constitutiva dos atos psíquicos para a estrutura da ação humana conhecimento já incorporado à teoria científica da ação Além disso os limites incertos ou difusos do conceito de per sonalidade54 não permitem atribuir todos os fenômenos definíveis como suas manifestações ao controle do ego a instância perceptiva consciente que controla o comportamento conforme exigências do superego porque pulsões instintuais reprimidas do id podem assaltar o ego sob a forma de obsessões fobias e mesmo atos falhos ou sin tomáticos que são manifestações da personalidade independentes de controle do ego e indiferentes às conveniências do superego55 na dinâmica das relações entre os segmentos do aparelho psíquico que constituem a personalidade humana56 Em suma nem a persona 52 ROXIN Strafrecht 1997 8 n 44 p 202 No Brasil ver TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 p 2729 53 ARTHUR KAUFMANN Die ontologische Struktur der Handlung Skizze einer personalen Handlugnslehre H MayerFS 1966 p 79 54 Ver EYSENCK Crime and Personality 1977 p 19 55 Nesse sentido FREUD Inibições sintomas e ansiedade 1976 IMAGO v XX p 95200 56 Ver FREUD O Ego e o Id 1976 IMAGO v XIX p 2383 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 95 242012 162800 96 Teoria do Fato Punível Capítulo 6 lidade cujas manifestações constituem ação se reduz ao ego nem todas as manifestações atribuíveis à personalidade estão sob controle do ego a instância de governo psíquicoespiritual do homem57 como afirma ROXIN Não obstante é necessário reconhecer a simplicidade da definição de ação como manifestação da personalidade bem como a capacidade dessa definição para executar as funções atribuídas ao conceito de ação no âmbito do conceito de fato punível III Funções do conceito de ação O conceito de ação realiza no sistema de fato punível funções teóricas metodológicas e práticas de unificação de fundamentação e de delimitação das ações humanas que não podem ser cumpridas pelas categorias do conceito de crime58 1 A função teórica de unificação pretende compreender a ação e a omissão de ação dolosa e imprudente como espécies de comporta mentos humanos Em geral o conceito de conduta é empregado como gênero de ação e de omissão de ação mas esse conceito superior cuja busca engendrou o conceito social de ação por exemplo parece des necessário a ação realizada ou omitida é o núcleo positivo ou negativo de todos os tipos de crimes dolosos e imprudentes e portanto cons titui o objeto material exclusivo da pesquisa jurídicopenal De fato a pesquisa no processo penal não tem por objeto verificar a existência do gênero conduta mas a realização de uma ação proibida ou a omissão de uma ação mandada dolosa ou imprudente 57 ROXIN Strafrecht 1997 8 III 1 n 44 p 202 58 Assim JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 23 I 2 p 219 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 96 242012 162800 97 Capítulo 6 Teoria da Ação 2 A função metodológica de fundamentação consiste em configurar a base psicossomática real do conceito de crime como unidade subjetiva e objetiva qualificável pelos atributos de tipo de injusto objeto de reprovação e de culpabilidade juízo de reprovação a ação represen ta a substância capaz de portar os predicados do conceito analítico de crime como tipo de injusto realizado por um sujeito culpável Assim a teoria da ação é a chave para compreender a teoria do fato punível como ação dolosa ou imprudente proibida ou mandada descrita sob as formas positiva ou negativa do tipo legal 3 A função prática de delimitação consiste em identificar as ob jetivações da subjetividade humana que realizam o conceito de ação fenômeno exclusivo de pessoas naturais independente de idade ou saúde mental59 excluindo acontecimentos fenômenos movimentos ou comportamentos que não apresentam os caracteres desse conceito 31 As hipóteses que não atingem o status de ação conhecidas como ausência de ação na literatura são as seguintes a acontecimentos da natureza tais como terremotos inunda ções tempestades desabamentos raios etc b ataques de animais ferozes que podem contudo ser usados como instrumentos de agressão c atos de pessoas jurídicas somente as pessoas naturais como órgãos representativos das pessoas jurídicas podem realizar ações d pensamentos atitudes e emoções como atos psíquicos sem objetivação e movimentos do corpo como massa mecânica sem controle estados de inconsciência como desmaios delírios ou convulsões epi lépticas a mãe sufoca ou lesiona o filho na amamentação ao sofrer 59 Ver WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 94 p 2627 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 97 242012 162801 98 Teoria do Fato Punível Capítulo 6 desmaio ou convulsão epiléptica movimentos sob força física absoluta A empurra B sobre uma vitrine quebrandoa mas não sob força compulsiva que não exclui a ação B quebra a vitrine sob ameaça séria de agressão de A 32 Os movimentos reflexos as ações automatizadas as reações ins tintivas de afeto e as ações sob hipnose podem ser controvertidas a Movimentos reflexos motorista protege com a mão olho atingido por inseto em curva de rodovia perde o controle do veículo e pro duz acidente Ação segundo a teoria pessoal de ação movimento de proteção dirigido a finalidade psiquicamente intermediada constitui manifestação da personalidade60 ausência de ação conforme a teoria final da ação movimentos reflexos desencadeados por estímulos sen soriais ou fisiológicos a partir do sistema nervoso periférico em geral incorporados filogeneticamente como reações motoras de defesa ou autoproteção sem o concurso da vontade consciente do autor não constituem ação b Ações automatizadas ou de curtocircuito motorista de automóvel em velocidade de 90kmh vê animal do tamanho de cachorro 10 a 15 metros à frente do veículo gira o volante bate na proteção lateral de cimento e passageiro morre Disposições automatizadas aprendidas constituem ação independente de sua utilidade ou dano61 c Reações instintivas de afeto em movimento compulsivo vendedor beija e morde seios de mulher súbita e involuntariamente expostos próximos à sua boca durante ajuste de medidas de vestido na loja A satisfação de impulsos instintivos de afeto constitui ação segundo qualquer dos modelos d Ações sob hipnose cumprindo sugestão hipnótica hipnotizado realiza fato definido como crime A teoria dominante admite ação porque o 60 ROXIN Strafrecht 1997 8 n 66 p 211212 61 ROXIN Strafrecht 1997 8 n 67 p 212 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 98 242012 162801 99 Capítulo 6 Teoria da Ação hipnotizado não pode realizar ações reprovadas pela censura pessoal62 mas um segmento respeitável fala em ausência de ação63 A questão da hipnose pode ser esclarecida por FREUD iniciado na arte da su gestão hipnótica por JEANMARIE CHARCOT que descobriu as causas psicológicas de muitos distúrbios psíquicos e influenciado por HIPPOLYTE BERNHEIM cujas experiências sobre sugestão pós hipnótica lhe inspiraram a idéia de um inconsciente responsável pela maioria das ações humanas Na situação de hipnose o hipnotizado não tem consciência do mundo exterior apenas ouve e vê o hipnotizador acredita em suas palavras e obedece seus comandos de modo aluci nado Uma pessoa saudável pode ser induzida a ver o que não existe uma cobra ou a não ver o que existe uma pessoa a sentir o cheiro de uma rosa imaginária ou a morder uma batata indicada como pera mas existem limites uma jovem decente não será induzida a despirse em público assim como um cidadão educado não realiza a sugestão de furtar coisas A explicação é simples o ego do hipnotizado pode estar sob o poder alheio mas o superego continua ativo no papel de censura sobre as ações do ego sob a forma de resistências psíquicas contra ações censuráveis64 IV Conclusão Considerando as funções teóricas metodológicas e práticas do conceito de ação definido causalmente como causação de resultado exterior por comportamento humano voluntário finalisticamente 62 Assim MAURACHZIPF Strafrecht 1992 16 n 19 p 195 também ROXIN Strafrecht 1997 8 n 71 p 214 63 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 98 p 27 64 Ver FREUD Psichische Behandlung 1905 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 99 242012 162801 100 Teoria do Fato Punível Capítulo 6 como realização de atividade final socialmente como comportamento social relevante dominado ou dominável pela vontade negativamente como evitável não evitação do resultado na posição de garantidor e pessoalmente como manifestação da personalidade é possível concluir que a definição capaz de identificar o traço mais específico e ao mes mo tempo a característica mais geral da ação humana parece ser a definição do modelo final de ação A definição de ação como atividade dirigida pelo fim nobre ou abjeto altruísta ou egoísta legal ou criminoso destaca o traço que diferencia a ação de todos os demais fenômenos humanos ou naturais e permite delimitar a base real capaz de incorporar os atributos axioló gicos do conceito de crime como ação tipicamente injusta e culpável Ao contrário a exclusão da finalidade como propósito consciente que unifica os movimentos particulares em um conjunto significativo destrói a especificidade da ação como fenômeno exclusivamente hu mano Os critérios da causalidade da relevância social da evitável não evitação ou da manifestação da personalidade não parecem possuir o poder definidor próprio do critério da finalidade que permite integrar qualquer sequência de atos isolados na unidade psicossomática da ação humana A causalidade é uma lei geral da natureza a relevância social pode existir ou não existir na ação a evitável não evitação é um nó conceitual e a manifestação da personalidade parece transcender os limites do ego como personalidade consciente para incluir fenômenos do id e do superego dimensões inconscientes da personalidade cujas manifestações definem conflitos psíquicos incontroláveis Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 100 242012 162801 101 Capítulo 7 teoria do tipo I Conceito e funções do tipo O conceito de tipo introduzido por BELING na dogmática penal1 pode ser definido de três diferentes pontos de vista a como tipo legal constitui a descrição do comportamento proibido com to das suas características subjetivas objetivas descritivas e normativas realizada na parte especial do CP b como tipo de injusto compreende a realização não justificada do tipo legal com a presença dos elemen tos positivos descrição da conduta proibida e ausência dos elementos negativos justificações do tipo de injusto c como tipo de garantia realiza as funções políticocriminais atribuídas ao princípio da legali dade expresso na fórmula nullum crimen nulla poena sine lege e ao princípio da culpabilidade expresso na fórmula nullum crimen sine culpa compreendendo também as condições objetivas de punibili dade e os pressupostos processuais2 1 BELING Die Lehre von Verbrechen 1906 2 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 5 n 20 p 45 ROXIN Strafrecht 1997 10 I n 1 s p 225 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 117 p 35 No Brasil ver ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 210220 p 445447 TAVARES Teoria do injusto penal 2002 p 172 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 101 242012 162801 102 Teoria do Fato Punível Capítulo 7 II Desenvolvimento do conceito de tipo O conceito de tipo no sentido de Tatbestand situação de fato do modelo causal do século 19 é definido por BELING como ob jetivo e livre de valor objetivo porque todos os elementos subjetivos integrariam a culpabilidade livre de valor porque a tipicidade seria neutra e toda valoração legal pertenceria à antijuridicidade3 A descoberta de elementos subjetivos por FISCHER4 MAYER5 e outros mostra que o tipo de injusto pode depender do psiquismo do autor como se comprovou nos elementos subjetivos das justificações e depois no próprio tipo legal a intenção de apropriação nos crimes patrimoniais ou a tendência lasciva nos crimes sexuais6 Com o advento da teoria final da ação preparada por WEBER7 e GRAF ZU DOHNA8 e desenvolvida plenamente por WELZEL9 completase a subjetivação do conceito de tipo a vontade consciente de realizar os elementos objetivos do fato é retirada da culpabilidade para integrar a dimensão subjetiva do tipo legal como dolo de tipo Assim generalizase o modelo de compreensão dos tipos legais nas correspondentes dimensões sub jetiva e objetiva sob as designações simplificadas de tipo subjetivo e de tipo objetivo 3 BELING Die Lehre von Verbrechen 1906 p 112 e 147 No Brasil ver MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 118119 também ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 227229 p 452456 4 FISCHER Die Rechtswidrigkeit mit besonderer Berucksichtigung des Privatrechts 1911 5 M E MAYER Strafrecht 1915 p 185188 6 Assim ROXIN Strafrecht 1997 10 n 8 p 228 7 WEBER Zum Aufbau des Strafrechtssystems 1935 8 GRAF ZU DOHNA Der Aufbau de Verbrechenslehre 1936 9 WELZEL Das neue Bild des Strafrechtssystems 1961 4ª edição No Brasil ver MESTI ERI Manual de Direito Penal I 1999 p 119 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 102 242012 162801 103 Capítulo 7 Teoria do Tipo A identificação de elementos normativos no tipo legal por MAYER10 por exemplo o caráter alheio da coisa no furto desca racteriza a neutralidade do tipo livre de valor de BELING Os ele mentos normativos do tipo legal são elementos da antijuridicidade que integram a tipicidade porque devem constituir objeto do dolo11 e podem ser objeto do erro de tipo em conjunto com os elementos descritivos Os elementos normativos do tipo legal são numerosos conforme demonstrou WOLF12 mesmo supostos puros conceitos descritivos como homem ou coisa são também conceitos normativos porque exigem uma valoração jurídica orientada para a antijuridicidade por exemplo a extensão do conceito de coisa em relação aos animais e à energia assim como o juízo sobre a existência já ou ainda de um ser humano como objetos de proteção do Direito Penal não podem ser reduzidos a elementos meramente descritivos13 O tipo legal é uma complexa estrutura de elementos pertencentes às categorias neokan tianas do ser e do valor conforme demonstrou MEZGER14 O ato de criação legislativa do tipo contém imediatamente a declaração de antijuridicidade a fundamentação do injusto como injusto especialmente tipificado O legislador cria através da formação do tipo a antijuridicidade específica a tipicidade da ação não é de modo algum a mera ratio cognoscendi mas a própria ratio essendi da especial antijuridicidade A tipicidade transforma a ação em ação antijurídica sem dúvida não por si só mas em vinculação com a ausência de fundamentos especiais excludentes do injusto 10 M E MAYER Strafrecht 1915 p 182185 11 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 10 p 229 12 WOLF Die Typen der Tatbestandsmässigkeit 1931 p 5661 13 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 11 p 229 14 MEZGER Vom Sinn der strafrechtlichen Tatbestände 1926 p 187 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 103 242012 162801 104 Teoria do Fato Punível Capítulo 7 A concepção do tipo como ratio essendi da antijuridicidade e não simples ratio cognoscendi predominante na literatura brasileira é muito difundida na ciência moderna do Direito Penal e está vinculada à teoria dos elementos negativos do tipo bem como à discussão da autonomia da tipicidade em relação à antijuridicidade com as resultantes concepções bipartida e tripartida do sistema de fato punível15 A teoria dos elementos negativos do tipo unifica o tipo legal e a antijuridicidade como descrição e valoração da ação humana realizada ou omitida no conceito de tipo de injusto o tipo legal descreve as características positivas do tipo de injusto enquanto os preceitos permissivos constituem características negativas do tipo de injusto separadas dos tipos legais por motivos técnicos afinal seria impraticável ler o tipo de injusto desse modo matar alguém exceto em legítima defesa em estado de necessidade etc III Adequação social e exclusão de tipicidade A teoria da adequação social formulada por WELZEL exprime o pensamento de que ações realizadas no contexto da ordem social histó rica da vida16 são ações socialmente adequadas e portanto atípicas ainda que correspondam à descrição do tipo legal 15 Comparar ROXIN Strafrecht 1997 10 n 12 p 230 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 5 n 23 p 46 No Brasil apenas para exemplificar BRANDÃO Introdução ao Direito Penal 2002 p 115 entende que a tipicidade por ser portadora de uma valoração inicial conduz à antijuridicidade sendo o meio através do qual ela pode ser conhecida sua ratio cognoscendi também MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 119 admite apenas a função de ratio cognoscendi da tipicidade em relação à antijuridicidade Em posição contrária MACHADO Direito criminal parte geral 1987 p 9091 considera o tipo ratio essendi da antijuridicidade conforme a teoria dos elementos negativos do tipo igualmente REALE JR Instituições de Direito Penal parte geral 2002 v 1 p 139140 considera que o tipo não é apenas a ratio cognoscendi da antijuridicidade mas a sua ratio essendi 16 WELZEL Das Deutsches Strafrecht 1969 10 p 56 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 104 242012 162801 105 Capítulo 7 Teoria do Tipo As lesões corporais ou homicídios compreendidos nos limites do dever de cuidado ou do risco permitido na circulação de veícu los no funcionamento de indústrias ou na prática de esportes por exemplo não preenchem nenhum tipo legal de lesão por força de sua adequação social Igualmente ações abrangidas pelo princípio da insignificância Geringfugigkeitsprinzip não são típicas a entrega de pequenos presentes de final de ano a empregados em serviços públicos de coleta de lixo ou de correios em face de sua generalizada aprovação não constituem corrupção jogos de azar com pequenas perdas ou ganhos não são puníveis manifestações injuriosas ou difamatórias no âmbito familiar são atípicas17 Se o tipo legal des creve injustos penais então evidentemente não pode incluir ações socialmente adequadas A opinião dominante compreende a adequação social como hipótese de exclusão de tipicidade18 mas existem setores que a consideram como justificante19 como exculpante20 ou como prin cípio geral de interpretação da lei penal21 Sem dúvida a adequação social é um princípio geral que orienta a criação e a interpretação da lei penal mas sua atribuição à antijuridicidade pressupõe a ultrapassada concepção do tipo livre de valor e sua compreensão como exculpante pressupõe uma inaceitável identificação entre a adequação social de determinadas ações e a natureza proibida do injusto22 17 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 40 p 243 No Brasil comparar MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 138139 18 JESCHECKWEINGEND Strafrecht 25 IV p 251 s MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 17 n 23 p 222 HAFT Strafrecht 1994 p 53 19 SCHMIDHÄUSER Lehrbuch 1975 p 926 20 ROEDER Die Einhaltung des sozialadäquaten Risikos 1969 21 HIRSCH Soziale Adäquanz und Unrechtslehre ZStW 74 1962 DÖLLING Die Behandlung der Körperverletzung im Sport im System der Strafrechtlichen Sozialkontrole STsW 96 1984 p 55 22 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 36 p 241 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 105 242012 162801 106 Teoria do Fato Punível Capítulo 7 IV Elementos constitutivos do tipo legal elementos objetivos subjetivos descritivos e normativos O tipo de conduta proibida constitui uma unidade subjetiva e objetiva de elementos descritivos e normativos O estudo do tipo legal como tipo objetivo e tipo subjetivo integrado por componentes descritivos e normativos hoje generalizado na ciência do Direito Pe nal parece uma necessidade metodológica determinada por relações de congruência subjetiva e objetiva como dolo e erro de tipo por exemplo É importante saber que os elementos constitutivos do tipo se entrecruzam elementos objetivos podem ser descritivos coisa ou normativos alheia elementos subjetivos também podem ser descri tivos o dolo ou normativos a intenção de apropriação na expressão para si ou para outrem do furto Em alguns tipos legais as dimensões subjetiva e objetiva estão entrelaçadas assim o artifício ardil ou fraude no estelionato art 171 referem acontecimentos externos impensáveis sem a consciência interna do engano23 por outro lado elementos descritivos possuem também componentes normativos porque dependentes de valorações jurídicas o mencionado conceito de coisa por exemplo V Modalidades de tipos Além da organização dos tipos legais pela natureza do bem ju rídico protegido assim o Código Penal os tipos legais podem ser classificados conforme outros critérios 23 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 53 p 250 No Brasil ver BRANDÃO Introdução ao Direito Penal 2002 p 112117 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 106 242012 162801 107 Capítulo 7 Teoria do Tipo 1 Tipos de resultado e de simples atividade Segundo a relação entre ação e resultado os tipos podem ser assim classificados a tipos de resultado com separação espaçotemporal entre ação e resultado ligados por relação de causalidade homicídio furto estelionato etc uma categoria especial de tipos de resultado é formada pelos tipos qualificados pelo resultado hoje claramente inconstitucionais em que a realização de um tipobase lesão corporal simples roubo etc produz de modo causal resultados especialmente graves como a morte da vítima art 129 3º e art 157 3º b tipos de simples ati vidade em que a realização da ação não produz resultado independente a violação de domicílio art 150 o falso testemunho art 342 etc A distinção possui interesse prático porque relação de causalidade entre ação e resultado somente existe nos tipos de resultado não nos tipos de simples atividade24 2 Tipos simples e compostos Segundo a quantidade de bens jurí dicos protegidos os tipos podem ser simples e compostos a os tipos simples protegem apenas um bem jurídico como o homicídio vida a lesão corporal integridade ou saúde corporal o dano patrimônio etc b os tipos compostos protegem mais de um bem jurídico como o roubo a extorsão mediante sequestro etc que protegem o patrimônio e a liberdade individual assim como a integridade corporal e a vida nas modalidades qualificadas pelo resultado art 157 3º e 159 2º e 3º25 3 Tipos de lesão e de perigo Segundo o tipo descreva uma lesão do objeto de proteção ou um perigo para a integridade do objeto de proteção distinguese entre tipos de lesão e tipos de perigo a os tipos de lesão a maioria dos tipos legais caracterizamse pela lesão real do objeto da ação como o homicídio a lesão corporal etc b os tipos 24 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 4 n 810 p 40 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 102104 p 274 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 2224 p 7 25 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 125 p 282 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 107 242012 162801 108 Teoria do Fato Punível Capítulo 7 de perigo descrevem somente a produção de um perigo para o objeto de proteção distinguindose por sua vez em tipos de perigo concreto e tipos de perigo abstrato Os tipos de perigo concreto exigem a efetiva produção de peri go para o objeto de proteção de modo que a ausência de lesão do bem jurídico pareça meramente acidental como o perigo de con tágio venéreo art 130 o perigo para a vida ou a saúde de outrem art 132 o incêndio art 250 a explosão art 251 etc Segundo SCHUNEMANN o perigo concreto caracterizase pela ausência casual do resultado e a casualidade representa circunstância em cuja ocorrência não se pode confiar26 Os tipos de perigo abstrato presumem o perigo para o objeto de proteção ou seja independem da produção real de perigo para o bem jurídico protegido como o abandono de incapaz art 133 a difusão de doença ou praga art 259 etc27 Hoje afirmase a inconstitucio nalidade dos tipos de perigo abstrato GRAUL28 rejeita a presun ção de perigo dos crimes de perigo abstrato SCHRÖDER29 propôs admitir a prova da ausência de perigo CRAMER30 pretendeu redefinir o perigo abstrato como probabilidade de perigo concreto até JAKOBS31 afirmou a ilegitimidade da incriminação em áreas adjacentes à lesão do bem jurídico Em outra posição destacando a potencial proteção de bens jurídicos dos tipos de perigo abstrato aparentemente indissociáveis de políticas comprometidas com o equilíbrio ecológico o controle 26 SCHUNEMANN Moderne Tendenzen in der Dogmatik der Fahrlässigkeits und Gefährdungsdelikte JA 1975 p 793 s 27 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 122123 p 281 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 2530 p 7 28 GRAUL Abstrakte Gefährdungsdelikte und Präsumtionen im Strafrecht 1991 29 SCHRÖDER Die Gefährdungsdelikte im Strafrecht ZStW 81 1969 p 14 s 30 CRAMER Der Vollrauschtatbestand als abstraktes Gefährdungsdelikt 1962 p 67 s 31 JAKOBS Kriminalisierung im Vorfeld einer Rechtsgutsverletzung ZStW 97 1985 p 751 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 108 242012 162801 109 Capítulo 7 Teoria do Tipo das atividades econômicas HORN e BREHM32 propõem fundar a punibilidade do perigo abstrato na contrariedade ao dever como um perigo de resultado e não como um resultado de perigo e FRISCH33 pretende compreender os deli tos de perigo abstrato como delitos de aptidão Eignungs delikte fundado na aptidão concreta ex ante da conduta para produzir a consequência lesiva 4 Tipos instantâneos ou de estado e permanentes ou duráveis Segundo a conclusão imediata ou a manutenção temporal da situação típica os tipos podem ser instantâneos ou de estado e permanentes ou duráveis a os tipos instantâneos completamse com a produção de determinados estados como o homicídio art 121 a lesão corporal art 129 o dano art 163 b os tipos permanentes caracterizamse pela extensão no tempo da situação típica criada conforme a vontade do autor como o sequestro ou cárcere privado art 148 a violação de domicílio art 150 em que a consumação já ocorre com a re alização da ação típica mas permanece em estado de consumação enquanto dura a invasão da área protegida pelo tipo legal A distinção tem interesse prático nos tipos permanentes é possível a coautoria e a participação por cumplicidade após a consumação porque o tipo não está ainda terminado ou exaurido também durante a realização de um tipo permanente podem ser realizados tipos instantâneos em concurso material como por exemplo estupro da vítima do sequestro ou da violação de domicílio34 5 Tipos gerais especiais e de mão própria Segundo o círculo de autores os tipos classificamse em gerais e especiais a os tipos gerais podem ser realizados por qualquer pessoa como homicídio lesão corporal furto b os tipos especiais somente podem ser realizados 32 HORN Konkrete Gefährdungsdelikte 1973 p 28 s BREHM Zur Dogmatik des abstrakten Gefährdungsdelikts 1973 p 126 s 33 FRISCH An den Grenzen des Strafrechts StreeWesselsFS 1993 p 69 34 ROXIN Strafrecht 1997 n 106107 p 275 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 3133 p 8 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 109 242012 162801 110 Teoria do Fato Punível Capítulo 7 por sujeitos portadores de qualidades descritas ou pressupostas no tipo legal como a qualificação de funcionário público no peculato art 312 na concussão art 316 na corrupção passiva art 317 etc Complementarmente distinguemse os tipos especiais em pró prios e impróprios a tipo especial próprio se a qualidade especial do autor fundamenta a punibilidade os crimes do funcionário público contra a administração em geral b tipo especial impróprio se a qualidade especial do autor apenas agrava a punibilidade a qualidade de funcionário público na falsificação de documento público ou na falsidade ideológica35 Finalmente existem alguns tipos chamados de mão própria porque somente podem ser realizados por autoria direta como o falso testemunho art 342 e portanto constituem exceção à regra de que todos os tipos penais podem ser realizados por autoria direta ou mediata36 6 Tipo básico variações do tipo básico e tipos independentes Segundo descreva os pressupostos mínimos de punibilidade ou contenha detalhes qualificadores ou atenuadores do tipo de injusto os tipos podem ser assim agrupados a tipo básico que representa a forma fundamental do tipo de injusto lesão corporal furto etc b tipo privilegiado ou qualificado conforme indique caracteres liga dos ao modo de execução ao emprego de certos meios às relações entre autor e vítima ou a circunstâncias de tempo ou de lugar que atenuam ou agravam a punibilidade do fato por exemplo homicídio privilegiado ou qualificado em relação ao homicídio simples porque essas variações típicas constituem lex specialis em relação ao tipo bási co excluído como norma geral Em caso de existência simultânea de formas qualificadas e privilegiadas prevalecem as formas privilegiadas homicídio por motivo de relevante valor social ou moral art 121 35 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 4 n 1920 p 41 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 129130 p 283 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 3940 p 9 36 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 4 n 21 p 41 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 40 p 9 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 110 242012 162801 111 Capítulo 7 Teoria do Tipo 1º realizado com emprego de veneno art 121 2º37 Enfim os tipos independentes também chamados delictum sui generis possuem seu próprio conteúdo típico o roubo art 157 em relação ao furto art 155 e ao constrangimento ilegal art 146 contém as caracte rísticas desses últimos dois tipos mas pela combinação dessas caracte rísticas constitui um tipo legal independente também o infanticídio art 123 em relação ao homicídio art 12138 7 Tipos de ação e de omissão de ação Segundo as formas básicas do comportamento humano os tipos podem ser de ação ou de omissão de ação a os tipos de ação correspondem a comportamentos ativos descritos em forma positiva no tipo legal como o furto art 155 o estupro art 213 b os tipos de omissão de ação correspondem a com portamentos passivos que podem se apresentar como omissão própria ou como omissão imprópria b1 a omissão própria é descrita de forma negativa no tipo legal e caracterizase pela simples omissão da ação mandada que infringe o dever jurídico de agir como a omissão de socorro art 135 ou a omissão de notificação de doença art 269 b2 a omissão imprópria ou comissão por omissão constitui o reverso dos tipos de ação e caracterizase pela atribuição do resultado típico a sujeitos em posição de garantidor do bem jurídico que com infração do dever jurídico de agir omitem a ação mandada para impedir o resultado como o pai que podendo salvar o filho que caiu na piscina conscientemente não impede sua morte por afogamento39 8 Tipos dolosos e imprudentes Segundo a natureza do elemento subjetivo a ação e a omissão de ação podem ser classificadas em dolo sas e imprudentes a as ações e omissões dolosas são produzidas pela vontade consciente do autor b as ações e omissões imprudentes são 37 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 1312 p 284 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 107109 p 31 38 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 134 p 285 39 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 4 ns 37 p 39 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 34 s p 89 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 111 242012 162801 112 Teoria do Fato Punível Capítulo 7 produzidas pela lesão do dever de cuidado ou do risco permitido Essa classificação permite sistematizar os tipos legais em estruturas típicas compreensivas de todos os tipos de crimes a o tipo de injusto doloso de ação b o tipo de injusto imprudente c o tipo de injusto de omissão de ação doloso e imprudente Neste livro o estudo das estruturas típicas fundamentais do Direito Penal brasileiro segue esse sistema de classificação Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 112 242012 162802 113 Capítulo 8 o tipo de iNjuSto doLoSo de ação I Introdução Os crimes dolosos representam o segmento principal da cri minalidade compreendem a violência pessoal patrimonial e sexual e a fraude em geral que exprimem a imagem estereotipada de crime da psicologia social as formas de comportamentos imprudentes e omissivos não impressionam o sentimento popular e afinal são pu nidos por exceção O tipo de injusto doloso é estudado nas categorias de tipo ob jetivo e de tipo subjetivo introduzidas pelo finalismo na estrutura do fato punível Do ponto de vista da gênese da ação típica esse estudo deveria começar pelo tipo subjetivo porque o dolo representa a energia psíquica produtora da ação incriminada portanto o tipo subjetivo precede funcional e logicamente o tipo objetivo Contudo porque o crime manifesta sua existência como realidade objetivada cuja con figuração concreta é o ponto de partida da pesquisa empírica do fato criminoso o tipo objetivo constitui a base do processo analítico de reconstrução do conceito de crime1 1 Ver JAKOBS Strafrecht 1993 71 p 183 também WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 63 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 113 242012 162802 114 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 II Tipo objetivo Nos tipos dolosos de resultado a atribuição do tipo objetivo pressupõe dois momentos essenciais a causação do resultado explicada pela lógica da determinação causal e a imputação do resultado funda da no critério da realização do risco No tipo objetivo a reconstrução analítica tem por objeto o seguinte primeiro determinar a relação de causalidade entre ação e resultado segundo definir o resultado como realização do risco criado pelo autor portanto imputável ao autor como obra dele2 Nos tipos dolosos de simples atividade como a violação de domicílio por exemplo a tarefa de atribuição do tipo objetivo exaurese na subsunção da ação no tipo legal não existe re sultado exterior determinado pela causalidade Hoje não parece possível confundir questões de causalidade e questões de imputação do resultado a distinção entre causação do resultado processos naturais de determinação causal e imputação do resultado processos valorativos de atribuição típica está incorporada ao sistema conceitual da dogmática penal contemporânea A imputação do resultado fundada no critério da realização do risco segue os postu lados da teoria da elevação do risco Risikoerhöhungslehre de ROXIN3 cada vez mais difundida na moderna literatura jurídicopenal como critério de atribuição do tipo objetivo4 2 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 1 p 291 JAKOBS Strafrecht 1993 74b p 185 3 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 39136 p 310 s do mesmo Gedanken zur Problematik der Zurechnung im Strafrecht HonigFS 1970 Pflichtwidrigkeit und Erfolg bei fahrlässigen Delikten ZStW 74 1962 4 Ver entre outros BURGSTALLER Das Fahrlässigkeitsdelikt im Strafrecht 1974 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 6 p 52 s RUDOLPHI Vorhersehbarkeit und Schutzzweck der Norm in der strafrechtlichen Fahrlässigkeitslehre JuS 1969 SCHUNEMANN Moderne Tendenzen in der Dogmatik der Fahrlässigkeits und Gefährdungsdelikte JA 1975 STRATENWERTH Bemerkungen zum Prinzip der Risikoerhöhung GallasFS 1973 WOLTER Objektive und personale Zurechnung von Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 114 242012 162802 115 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação 1 Causação do resultado O conceito de causalidade foi abalado pela física quântica ao demonstrar que a emissão de elétrons no interior do átomo não é determinada por leis causais mas por leis estatísticas de natureza pro babilística pondo em xeque o conhecimento científico sobre relações de causa e efeito dos fenômenos naturais assim como a concepção filosófica kantiana pela qual a causalidade não seria mera determinação empírica do ser mas categoria apriorística do pensamento5 Todavia a controvérsia sobre leis causais ou probabilísticas da física nuclear não parece reduzir o poder explicativo do conceito de causalidade como categoria filosófica e científica necessária para compreender os fatos da vida diária6 No Direito Penal a teoria da equivalência das condições é o principal método para determinar relações causais mas um segmento da literatura adota a teoria da adequação ambas a seguir descritas 11 Teoria da equivalência das condições 111 Conceitos centrais A teoria da equivalência das condições7 dominante na literatura e jurisprudência contemporâneas pode ser reduzida a dois conceitos centrais a todas as condições determinantes Verhalten Gefahr und Verletzung in einem funktionalen Straftatssystem 1981 FRISCH Tatbestandsmässiges Verhalten und Zurechnung des Erfolgs 1988 no Brasil TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 p 5759 5 Ver a monografia clássica de WERNER HEISENBERG Quantentheorie und Philosophie 1979 p 6364 também TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 p 1518 6 Instrutivo ROXIN Strafrecht 1997 11 n 3 p 292 7 Fundada por JULIUS GLASER Abhandlungen aus dem Österreichischen Strafrecht 1858 e desenvolvida por MAXIMILIAN VON BURI Uber Causalität und deren Verantwortung 1873 No Brasil ver a excelente exposição de TAVARES Teoria do injusto penal 2002 p 256268 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 115 242012 162802 116 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 de um resultado são necessárias por isso são equivalentes no processo causal b causa é a condição que não pode ser excluída hipoteticamente sem excluir o resultado8 ou seja causa é a conditio sine qua non do resultado ou a condição sem a qual o resultado não pode existir se A entregou a B o veneno para matar C então as ações de A e de B são causas da morte de C em fatos dolosos se um motorista embriagado dirige na contramão e provoca uma colisão a ingestão de álcool deve ser definida como causa do acidente pois excluída mentalmente essa condição o motorista teria dirigido na correta mão de direção e o acidente não teria ocorrido em fatos imprudentes 112 Críticas ao método A teoria da equivalência das condições sofreu críticas contundentes mas sobreviveu a todas Primeiro o critério da exclusão hipotética seria excessivo produzindo um regresso ao infinito no exemplo referido também seriam definíveis como causas do acidente a vítima o fabricante e o comerciante do veneno os pais dos protagonistas etc porque excluídas essas condições o resultado tam bém seria excluído9 Segundo o método conduziria a erro em situações de causalidades hipotéticas ou de causalidades alternativas conforme exemplos históricos a em causalidades hipotéticas o argumento de médicos acusados da morte de doentes mentais em cumprimento de ordens superiores do regime nazista de que na hipótese de recusa pessoal de cumprir tais ordens outros médicos as teriam cumprido do mesmo modo conduziria a conclusões absurdas excluída a ação dos médicos acusados o resultado permaneceria igual pela ação hipotética dos médicos substitutos logo o comportamento daqueles não seria causa do resultado por outro lado como a ação hipotética dos mé dicos substitutos não teria sido causa de nenhum resultado a morte das vítimas teria sido sem causa b em causalidades alternativas se A e B adicionam independentemente um do outro doses igualmente 8 Ver por todos KUHL Strafrecht 1997 4 n 9 p 25 9 Mais detalhes ROXIN Strafrecht 1997 11 n 5 p 293 No Brasil ver TAVARES Teoria do injusto penal 2002 p 23 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 116 242012 162802 117 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação mortais de veneno na bebida de C o resultado não desaparece com a exclusão alternativa daquelas ações as doses individuais de veneno teriam eficácia real e isoladamente determinariam o resultado10 Terceiro a teoria seria inútil para pesquisa da causalidade porque pressupõe precisamente o que deveria demonstrar para saber por exemplo se o calmante Contergan ou Talidomida tomado durante a gravidez teria causado deformações no feto seria inútil excluir hi poteticamente a ingestão do medicamento e perguntar se o resultado então desapareceria para responder essa pergunta seria preciso saber se o medicamento é causador de deformações no feto e se já existe esse conhecimento a pergunta seria ociosa assim a fórmula da ex clusão hipotética parece pressupor o que somente através dela deveria ser pesquisado11 113 Refutação das críticas A crítica de ser excessiva originando um regresso ao infinito ou de ser insuficiente no caso das causalidades hipotéticas foram refutadas por SPENDEL12 e por WELZEL13 ao mostrarem que a teoria trabalha somente com condições concretamente realizadas14 nunca com hipóteses o resultado aparece como produto concreto de condições reais e não de condições hipotéticas possíveis ou prováveis que não são ações reais nem integram processos históricos concretos seja como for a alteração de qualquer condição implicaria mudança do resultado concreto que jamais seria igual como observa SCHLUCHTER15 sobre o exemplo de ENGISCH B utilizaria a arma 10 Ver ROXIN Strafrecht 1997 11 n 12 p 296 11 OXIN Strafrecht 1997 11 n 11 p 295296 que na área da causalidade trabalha com a teoria da equivalência TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 p 5354 12 SPENDEL Die Kausalitätsformel des Bedingungstheorie fur die Handlungsdelikte 1948 p 38 13 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 9 p 44 14 SPENDEL Die Kausalitätsformel des Bedingungstheorie fur die Handlungsdelikte 1948 p 38 15 SCHLUCHTER Grundfälle zur Lehre von der Kausalität 1976 p 518 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 117 242012 162802 118 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 de A se não tivesse utilizado a arma fornecida por C para agredir D Por outro lado a fórmula aperfeiçoada da teoria resolve o problema das causalidades alternativas como demonstrou também WELZEL16 se o resultado não desaparece com a exclusão alternativa mas desaparece com a exclusão cumulativa das condições então ambas as condições são causas do resultado Finalmente a crítica de ser inútil para pesquisa da causalidade é equivocada para demonstrar se determinado fator pode ser considerado causa concreta de um resultado é indispensável prévio conhecimento abstrato da eficácia causal geral desse fator de terminado pressuposto lógico da fórmula de pesquisa causal da teoria da equivalência que não se confunde com pesquisa de propriedades físicas ou químicas de elementos naturais 114 O critério na lei penal brasileira Na lei penal brasileira a fórmula da exclusão hipotética da condição para determinar a relação de causalidade embora critérios científicos não devam ser fixados na lei está inscrita no art 13 CP Art 13 O resultado de que depende a existência do crime somente é imputável a quem lhe deu causa Considerase causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido A moderna distinção entre causação do resultado e imputação do resultado correspondente aos processos de determinação causal e de imputação pessoal do resultado além de ajudar a resolver velhos problemas da teoria da equivalência das condições é inteiramente compatível com a legislação brasileira observados os seguintes princípios 1 O resultado é o produto real de todos os fatores que o constituem no limite a ação do médico que protela a morte inevitável do paciente é condição do resultado de morte deste porque influi na existência real 16 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 9 p 45 No Brasil ver TAVARES Teoria do injusto penal 2000 p 211212 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 118 242012 162802 119 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação do acontecimento concreto mas como a causalidade não é o único critério de atribuição do resultado a mera relação de causalidade não permite atribuir o resultado de morte ao médico17 2 A relação de causalidade somente é interrompida por curso causal posterior absolutamente independente que produz diretamente o re sultado anulando ou destruindo os efeitos do curso causal anterior antes de qualquer ação do veneno colocado por A na comida de B este morre em acidente de trânsito ao sair do restaurante ou varado pelo projétil disparado pela arma de C Essa independência do novo curso causal deve ser absoluta não basta independência relativa se o acidente ocorre por causa do malestar produzido pela ação do veneno então a ação de A é fator constitutivo do resultado concreto e desse modo causa do resultado Essa consequência decorre da separação entre cau sação e imputação do resultado que permite admitir sem necessidade de disfarces ou razões artificiosas relações causais realmente existentes como é o caso das hipóteses da chamada independência relativa deixando a questão da atribuição do resultado para ser decidida por outros critérios18 É importante notar que a lei brasileira considera a independência relativa do novo curso causal como excludente da imputação do resultado e não como excludente da relação de cau salidade admitindo portanto a moderna distinção entre causação e imputação do resultado Art 13 1º A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando por si só produziu o resultado os fatos anteriores entretanto imputamse a quem os praticou 3 Se a imputação do resultado depende da definição como realização do risco criado então podese reconhecer relação de causalidade nas seguintes hipóteses 17 Para uma análise abrangente ROXIN Strafrecht 1997 11 n 20 p 301 18 Instrutivo ROXIN Strafrecht 1997 11 n 29 p 305 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 119 242012 162802 120 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 a por encadeamentos anormais ou incomuns de condições 1 A fere B que morre no hospital por causa da anestesia de erro médico ou intoxicado pela fumaça de incêndio no hospital 2 A dá um murro em B que morre ao bater a cabeça fortuitamente contra o meiofio do passeio 3 A produz pequeno ferimento em B que morre por efeito de condição preexistente hemofilia ou posterior gangrena negligência da vítima19 b por ações dolosas ou imprudentes de terceiros entre a ação e o resul tado 1 se o marido mata a mulher com veneno entregue pela amante a ação dolosa daquele não interrompe a relação de causalidade entre a ação da amante e a morte da esposa mesmo que aquela desconheça a finalidade do veneno 2 se o hóspede entrega ao camareiro casaco com revólver no bolso e este mata o colega de serviço ao pressionar por brincadeira o gatilho da arma em direção deste a ação imprudente do camareiro não interrompe a relação de causalidade entre a ação do hóspede e a morte da vítima20 c por mediação do psiquismo de outrem entre ação e resultado como indicam as hipóteses de instigação ou de lesão patrimonial fraudulenta por erro da vítima independentemente do ponto de vista sobre determinação ou liberdade dos atos psíquicos a possibilidade de outra decisão que poderia ter existido mas que não existiu não exclui a causalidade porque a decisão concreta é sempre motivada por este ou por aquele fator21 Essa reformulação da teoria da equivalência das condições à luz da distinção entre causação e imputação do resultado conduz na prática a soluções semelhantes às da teoria seguida em texto anterior22 mas sob nova linguagem e com argumentos mais convincentes 19 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 26 p 303304 20 Mais exemplos ROXIN Strafrecht 1997 11 n 2728 p 304 21 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 30 p 305 22 Ver por exemplo CIRINO DOS SANTOS Teoria do Crime 1993 p 3132 que resolve esses problemas no âmbito do dolo como é próprio do finalismo Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 120 242012 162802 121 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação 12 Teoria da adequação A teoria da adequação23 considera causa a conduta adequada para produzir o resultado típico excluindo condutas que pro duzem o resultado por acidente A condição adequada eleva a possibilidade de produção do resultado segundo uma prognose objetiva posterior do ponto de vista de um observador inteligen te colocado antes do fato com os conhecimentos gerais de um homem informado pertencente ao círculo social do autor além dos conhecimentos especiais deste persuadir alguém a uma via gem de avião que cai no mar pela explosão de uma bomba não constitui condição adequada para a morte da vítima porque um observador inteligente consideraria esse evento antes da viagem como inteiramente improvável exceto se tivesse conhecimento da existência da bomba24 Contudo se causa é condição adequada para produzir o re sultado típico então a teoria da adequação pretenderia resolver simultaneamente questões de causalidade e questões de imputa ção afinal identificar a causa adequada para o resultado típico é também identificar o fundamento da atribuição do resultado ao autor como obra dele Como nota ROXIN25 a teoria da adequação seria mais do que uma teoria da causalidade mas não constitui ainda uma teoria da imputação típica 23 Fundada por JOHANNES VON KRIES Die Prinzipien der Warscheinlichkeitsrechnung 1886 muito influente no Direito Civil no Direito Penal seguida por autores importantes como ENGISCH Die Kausalität als Merkmal der strafrechtlichen Tatbestände e MAURACHZIPF Strafrecht 1992 18 p 240263 24 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 3435 p 308309 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 169 p 52 25 Mais detalhes em ROXIN Strafrecht 1997 11 n 3638 p 309310 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 121 242012 162802 122 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 2 Imputação objetiva do resultado A imputação do resultado constitui juízo de valoração realizado em dois níveis segundo critérios distintos primeiro a atribuição ob jetiva do resultado conforme o critério da realização do risco segundo a atribuição subjetiva do resultado conforme o critério da realização do plano especialmente relevante em relação aos desvios causais26 cf Atribuição subjetiva em desvios causais adiante A imputação objetiva do resultado consiste na atribuição do resul tado de lesão do bem jurídico ao autor como obra dele A imputação do resultado pressupõe a criação de risco para o bem jurídico pela ação do autor b realização do risco criado pelo autor no resultado de lesão do bem jurídico Em regra a relação de causalidade entre ação e resultado representa realização do risco criado pela ação do autor e constitui fun damento suficiente para atribuir o resultado ao autor como obra dele mesmo na hipótese de desvios causais que ampliam o risco de lesão do bem jurídico a a vítima é lançada do alto da ponte para se afogar nas águas do rio mas já morre ao esfacelar a cabeça no pilar da ponte b a vítima não morre por efeito dos disparos de arma de fogo mas por infecção determinada pela assepsia inadequada dos ferimentos Nessas hipóteses o resultado não é um produto acidental mas a realização normal do perigo criado pelo autor e portanto obra dele27 A imputação do resultado como realização de risco criado pelo autor tem a sua contrapartida teórica se a ação do autor não cria risco do resultado ou se o risco criado pelo autor não se realiza no resultado então o resultado não pode ser imputado ao autor 26 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 6 p 365366 e 12 n 144145 p 434435 JAKOBS Strafrecht 1993 74a p 184 No Brasil TAVARES Teoria do injusto penal 2002 p 252254 27 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 63 p 321322 No Brasil ver TAVARES Teoria do injusto penal 2002 p 279 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 122 242012 162802 123 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação 21 A ação não cria risco do resultado A hipótese de ausência de risco do resultado abrange as situações em que a ação do autor não cria risco do resultado ou reduz o risco preexistente de resultado assim exemplificadas a A convence B a passear na praia deserta durante tempestade na esperança de que um raio o fulmine a casual ocorrência do resultado não é definível como risco criado pelo autor porque acontecimentos casuais estão fora de controle humano portanto o resultado não é atribuível ao autor como obra dele embora causalmente relacionado à sua ação b B consegue desviar da cabeça para o ombro de A viga que despenca da parede de uma construção a ação do autor reduz o preexistente risco para a vítima portanto o resultado também não pode ser atribuído ao autor como obra dele embora causalmente relacionado à sua ação Segundo a literatura situações de redução de risco também podem ser resolvidas no âmbito da antijuridicidade justificadas pelo estado de necessidade ou pelo consentimento presu mido do ofendido mas esse procedimento pressupõe definir como típicas ações que melhoram a situação do bem jurídico protegido o que parece impróprio Hipóteses de redução do risco nos limites entre exclusão da atribuição típica e ação justificada aparecem nas situações de substituição de um perigo por outro menos danoso para a vítima o bombeiro lança a criança da janela superior da casa em chamas ferindoa gravemente mas salvandoa de morte certa pelo fogo28 28 Mais detalhes ROXIN Strafrecht 1997 11 n 4748 p 314315 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 123 242012 162803 124 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 22 O risco criado pela ação não se realiza no resultado Se a ação do autor cria risco do resultado mas o risco criado não se realiza no resultado então o resultado concreto não pode ser imputado ao autor embora exista relação de causalidade entre ação e resultado A literatura distingue duas situações principais a o resultado é produto de determinação diferente se A fere B com dolo de homicídio que morre em incêndio no hospital após bem sucedida intervenção cirúrgica então o resultado não pode ser atri buído ao autor como obra dele porque o risco criado pela ação não se realizou no resultado afinal como diz ROXIN a hipótese contrária indicaria que o ferimento da vítima teria aumentado o risco de morte em incêndio o que seria absurdo29 b o resultado é produto de substituição de um risco por outro ou seja um risco posterior substitui ou desloca o risco anterior 1 a vítima ferida pelo autor com dolo de homicídio morre com o crâ nio esmagado no célebre acidente de trânsito da ambulância que o transporta para o hospital 2 a vítima ferida com dolo de homicídio morre por erro médico na cirurgia hemorragia por incisão inadvertida de artéria administração de medicamento contraindicado parada cardíaca determinada pela anestesia etc em casos de erro médico é preciso distinguir a se o resultado é produto exclusivo do risco poste rior então é atribuído ao autor do risco posterior o responsável pela falha médica por exemplo b se o resultado é produto combinado de ambos os riscos as lesões da vítima e a falha médica então pode ser atribuído aos respectivos autores embora sob rubricas diversas dolo e imprudência30 Finalmente hipóteses de contribuição da vítima para o resultado são assim resolvidas pela teoria a se o resultado é realização exclusiva 29 ROXIN Strafrecht 1997 11 ns 3942 p 310312 e n 60 p 320 30 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 113 p 348 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 124 242012 162803 125 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação de risco criado pela vítima então é atribuível somente à vítima por exemplo resultado produzido pela troca despercebida de medicamen to b se o resultado é produto do desenvolvimento do risco criado pelo autor gangrena do ferimento por exemplo então é atribuível ao autor exceto em caso de conduta inteiramente irresponsável da vítima no caso da gangrena se a vítima recusa socorro médico apesar da evidência dos sintomas31 Na hipótese de resultado não definível como realização do risco criado pelo autor subsiste a responsabilidade penal por tentativa do resultado III Tipo subjetivo O elemento subjetivo geral dos tipos dolosos é o dolo a energia psí quica produtora da ação incriminada32 que normalmente preenche todo o tipo subjetivo às vezes aparecem ao lado do dolo elementos subjetivos especiais sob a forma de intenções ou de tendências especiais ou de atitudes pessoais necessárias para precisar a imagem do crime ou para qualificar ou privilegiar certas formas básicas de comportamentos criminosos que também integram o tipo subjetivo33 O estudo do tipo subjetivo dos crimes dolosos tem por objeto o dolo elemento subjetivo geral e as intenções tendências ou atitudes pessoais elementos subjetivos especiais existentes em conjunto com o dolo em determinados delitos 31 ROXIN Strafrecht 1997 11 ns 115117 p 349 32 MAURACHZIPF Strafrecht I 1992 n 51 p 317 33 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 30 IIII p 316321 MAURACHZIPF Strafrecht 1992 22 ns 5156 p 317319 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 7780 também CIRINO DOS SANTOS Teoria do Crime 1993 p 23 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 125 242012 162803 126 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 1 Dolo O dolo é a vontade consciente de realizar um crime ou mais tecnicamente a vontade consciente de realizar o tipo objetivo de um crime também definível como saber e querer em relação às circuns tâncias de fato do tipo legal Assim o dolo é composto de um elemento intelectual consciência ou representação psíquica e de um elemento volitivo vontade ou energia psíquica como fatores formadores da ação típica dolosa34 a Elemento intelectual O componente intelectual do dolo consiste no conhecimento atual das circunstâncias de fato do tipo objetivo como representação ou percepção real da ação típica não basta conhecimento potencial ou capaz de ser atualizado mas também não se exige um conhecimento refletido no sentido de conhecimento verbalizado35 Esse elemento intelectual do dolo pode ser deduzido da regra sobre o erro de tipo se o erro sobre os elementos objetivos do tipo legal exclui o dolo então o conhecimento das circunstâncias objetivas do tipo legal integra o dolo36 O conhecimento atual das circunstâncias de fato do tipo objetivo deve abranger os elementos presentes a vítima a coisa o documento etc e futuros o curso causal e o resultado do tipo objetivo A delimitação do objeto do conhecimento portanto do alcance do dolo requer alguns esclarecimentos a os elementos descritivos do tipo legal homem coisa etc existentes como realida des concretas perceptíveis pelos sentidos devem ser representados na forma de sua existência natural b os elementos normativos do tipo 34 Ver como representantes da teoria dominante JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 II 2 p 293 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 4 p 364 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 64 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 203 p 64 35 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 111 p 418 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 65 36 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 II 2 p 293 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 126 242012 162803 127 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação legal coisa alheia documento etc existentes como conceitos jurí dicos empregados pelo legislador devem ser representados conforme seu significado comum segundo uma valoração paralela ao nível do leigo e não no sentido da definição jurídica respectiva porque então somente juristas seriam capazes de dolo37 b Elemento volitivo O componente volitivo do dolo indicado na definição legal de crime doloso art 18 I CP consiste na vontade informada pelo conhecimento atual de realizar o tipo objetivo de um crime O verbo querer é um verbo auxiliar que necessita de um verbo principal para explicitar seu conteúdo querer matar ferir estuprar etc portanto o componente volitivo do dolo definese como que rer realizar o tipo objetivo de um crime38 A vontade definida como querer realizar o tipo objetivo de um crime deve apresentar duas características para constituir elemento do dolo a a vontade deve ser incondicionada como decisão de ação já definida se A pega uma arma sem saber se fere ou ameaça B não há ainda vontade de ferir ou de ameaçar um ser humano b a vontade deve ser capaz de influenciar o acontecimento real permitindo definir o resultado típico como obra do autor e não como mera esperança ou desejo deste se A envia B à floresta durante a formação de uma tempestade na esperança de que um raio o fulmine não existe vontade como elemento do dolo ainda que de fato B seja fulminado por um raio porque o acontecimento concreto situase além do poder de influência do autor39 A vontade definida formalmente como decisão incondicionada de realizar a ação típica representada pode ser concebida materialmente como projeção de energia psíquica dirigida à lesão de bens jurídicos protegidos no tipo legal 37 MEZGER Strafrecht 1949 p 328 também JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 II 3 p 295 MAURACHZIPF Strafrecht 1992 22 n 49 38 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 66 39 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 66 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 127 242012 162803 128 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 11 Espécies de dolo A lei penal brasileira define duas espécies de dolo dolo direto e dolo eventual art 18 I CP A definição legal de categorias científicas é inconveniente pelo risco de fixar conceitos em definições defeituosas ou superadas como é o caso da lei penal brasileira nem o dolo direto é definível pela expressão querer o resultado porque existem resultados que o agente não quer ou mesmo lamenta atribuíveis como dolo di reto nem a fórmula de assumir o risco de produzir o resultado parece adequada para definir o dolo eventual Art 18 Dizse o crime I doloso quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzilo Para começar a moderna teoria penal distingue três espécies de dolo a o dolus directus de 1º grau b o dolus directus de 2º grau c o dolus eventualis40 Em linhas gerais o dolo direto de 1o grau tem por objeto o que o autor quer realizar o dolo direto de 2o grau abrange as consequências típicas representadas como certas ou necessárias pelo autor o dolo eventual compreende as consequências típicas representadas como possíveis por um autor que consente em sua produção41 40 Nesse sentido JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III p 297304 JAKOBS Strafrecht 1993 81532 p 266278 MAURACHZIPF Strafrecht 1992 22 n 2340 ROXIN Strafrecht 1997 12 ns 120 p 366371 STRATENWERTH Strafrecht 1981 n 250 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 6768 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 ns 210230 p 6671 41 Ver por todos ROXIN Strafrecht 1997 12 n 2 p 364 No Brasil alguns autores como JESUS Direito Penal I 1999 p 286 e MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 143 distinguem por um lado dolo direto ou indeterminado e por outro lado dolo indireto ou indeterminado uma nomenclatura que pode engendrar equívocos porque o dolo mesmo como dolo eventual ou como dolo alternativo é sempre determinado no dolo eventual o autor aceita ou se conforma com a produção Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 128 242012 162803 129 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação Essa tríplice configuração do dolo constitui avanço da ciência do Direito Penal porque agrupa diferentes conteúdos da consciência e da vontade em distintas categorias dogmáticas conforme variações de intensidade dos elementos intelectual e volitivo do dolo portanto de comprometimento subjetivo do autor com o tipo de crime respectivo42 O fundamento metodológico dessa sistematização do dolo parece ser o modelo final de ação cuja estrutura destaca a base real daquelas categorias dogmáticas a proposição do fim como vontade consciente que dirige a ação a escolha dos meios para realizar o fim como fatores causais necessários determinados pelo fim e os efeitos secundários representados como necessários ou como possíveis em face dos meios empregados ou do fim proposto eis o substrato real das categorias do dolo direto de 1º grau dolo direto de 2º grau e dolo eventual Conceitos científicos incorporados na lei devem ser interpretados conforme o progresso da ciência o dolo direto indicado na expressão querer o resultado compreende as categorias de dolo direto de 1º grau e de dolo direto de 2º grau relevantes para aplicação da pena o dolo eventual indicado na fórmula assumir o risco de produzir o resultado pode ser interpretado no sentido de consentir na ou aceitar a produção do resultado típico representado como possível43 de determinado resultado representado como possível no dolo alternativo ambos os resultados representados pela consciência do autor são determinados apenas sua produção é alternativa ou seja reciprocamente excludente ver dolo eventual e também dolo alternativo adiante 42 Sobre a teoria da ação ver WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 p 33 s e 13 p 65 s 43 Nesse sentido também ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 265 p 502 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 129 242012 162803 130 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 a dolo direto de 1º grau O dolo direto de 1º grau tem por conteúdo o fim proposto pelo autor44 também definido como pretensão dirigida ao fim ou ao re sultado típico45 ou como pretensão de realizar a ação ou o resultado típico46 O fim constituído pela ação ou resultado típico pode ser re presentado pelo autor como certo ou como possível47 desde que exista uma chance mínima de produzilo48 excluídos resultados meramente acidentais existe dolo em disparar arma de fogo para matar alguém a grande distância mas dentro do alcance da arma não existe dolo em convencer alguém a passear na tempestade na esperança de vir a ser fulminado por um raio O fim ou resultado típico pode indiferentemente constituir o motivo da ação o fim último desta ou apenas um fim intermediário como meio para outros fins49 embora essas situações sejam conceitual mente distintas alguém ateia fogo na própria casa fim intermediário ou meio para outros fins para receber o valor do seguro fim último e desse modo resguardar a credibilidade financeira e evitar boatos de insolvência motivo50 44 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 67 45 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 7 p 366 46 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 n 1 p 297 47 Nesse sentido JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 n 1 p 297 ROXIN Strafrecht 1997 12 ns 78 p 366367 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 67 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 211 p 66 48 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 67 49 Ver por exemplo JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 n 1 p 297 ROXIN Strafrecht 1997 12 ns 1011 p 367 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 211 p 66 50 Comparar WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 211 p 66 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 130 242012 162803 131 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação b dolo direto de 2º grau O dolo direto de 2º grau compreende os meios de ação escolhi dos para realizar o fim e de modo especial os efeitos secundários representados como certos ou necessários51 ou as consequências e circunstâncias representadas como certas ou necessárias segundo ROXIN52 ou a existência de circunstâncias e a produção de outros resultados típicos considerados como certos ou prováveis confor me JESCHECKWEIGEND53 independentemente de serem esses efeitos ou resultados desejados ou indesejados pelo autor os efeitos secundários consequências circunstâncias ou resultados típicos da ação reconhecidos como certos ou necessários pelo autor são atribuíveis como dolo direto de 2º grau ainda que indesejados ou lamentados por este como demonstra o famoso caso Thomas Alexander Keith em Bremen 1875 decidiu explodir o próprio navio com o objetivo de fraudar o seguro apesar de representar como certa ou necessária a morte da tripulação e de passageiros Como se vê a fórmula querer o resultado não abrange todas as hi póteses de dolo direto c dolo eventual A definição do dolo eventual e sua distinção da imprudência consciente como conceitos simultaneamente excludentes e comple 51 Ilustrativo WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 67 52 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 18 p 371372 53 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III 2 p 298 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 131 242012 162803 132 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 mentares é uma das mais difíceis questões do Direito Penal54 por que depende de identificar atitudes fundadas em última instância na afetividade do autor De modo geral o dolo eventual constitui decisão pela possível lesão do bem jurídico protegido no tipo e a imprudência consciente representa leviana confiança na evitação do resultado de lesão do bem jurídico55 mas a definição das identidades e das diferenças entre dolo eventual e imprudência consciente requer a utilização de critérios mais precisos O setor dos efeitos secundários representados como possíveis pelo autor constitui a base empírica comum das teorias sobre dolo eventual e imprudência consciente elementos particulares das dimensões intelectual e emocional desses conceitos marcam a es pecificidade própria de cada teoria A controvérsia sobre a questão é a história inacabada da criação e do conflito desses critérios cujas diferenças na verdade são mais verbais do que reais e que representam afinal e apenas meras indicações da existência de uma decisão pela possível lesão do bem jurídico na precisa formulação de ROXIN56 Modelos úteis para discussão da matéria são as definições dos projetos oficial e alternativo da reforma penal alemã no projeto oficial o dolo eventual é definido pela atitude de conformarse com a realização do tipo legal representada como possível pelo autor no projeto alternativo o dolo eventual é definido pela atitude de aceitar a realização de uma situação típica representada seriamente como possível pelo autor57 54 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 68 No Brasil comparar a descrição das teorias sobre dolo eventual e imprudência consciente em TAVARES Teoria do injusto penal 2000 p 272290 55 ROXIN Strafrecht 1997 12 ns 2526 p 374 56 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 29 p 376 57 Comparar JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III 3 p 300301 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 29 p 376 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 132 242012 162803 133 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação A literatura contemporânea trabalha no setor dos efeitos secun dários colaterais ou paralelos típicos representados como possíveis com os seguintes conceitospares para definir dolo eventual e imprudência consciente58 a o dolo eventual caracterizase no nível intelectual por levar a sério a possível produção do resultado típico e no nível da atitude emocional por conformarse com a eventual produção desse resultado b a imprudência consciente caracterizase no nível in telectual pela representação da possível produção do resultado típico e no nível da atitude emocional por confiar na ausência ou evitação desse resultado pela habilidade atenção ou cuidado na realização concreta da ação O caráter complementarexcludente desses conceitos aparece nas seguintes correlações ao nível da atitude emocional quem se conforma com ou aceita o resultado típico possível não pode simultaneamente confiar em sua evitação ou ausência dolo eventual inversamente quem confia na evitação ou ausência do resultado típico possível não pode simultaneamente conformarse com ou aceitar sua produção imprudência consciente59 O casoparadigma da jurisprudência alemã sobre dolo even tual e imprudência consciente é o famoso Lederriemenfall de 1955 BGHSt 7365 cuja discussão permite esclarecer o significado daqueles conceitos X e Y decidem praticar roubo contra Z apertan do um cinto de couro no pescoço da vítima para fazêla desmaiar e cessar a resistência mas a representação da possível morte de Z com o emprego desse meio leva à substituição do cinto de couro por um pequeno saco de areia em tecido de pano e forma cilíndrica com que pretendem golpear a cabeça de Z com o mesmo objetivo Na 58 Ver ROXIN Strafrecht 1997 12 n 29 p 376 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III 3 p 299 59 Representativos da opinião dominante JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III 3c p 301 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 68 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 133 242012 162803 134 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 execução do plano alternativo rompese o saco de areia os autores retomam o plano original afivelando o cinto de couro no pescoço da vítima que cessa a resistência e permite a subtração dos valo res Os autores desafivelam o cinto do pescoço da vítima e tentam reanimála mas sem êxito conforme a hipótese representada como possível a vítima está morta No nível intelectual X e Y levam a sério a possível produção do resultado típico no nível emocional confiam na evitação do resulta do representado como possível o que exclui conformação com ou aceitação de sua eventual produção mas o retorno ao plano original indica mudança da atitude emocional mostrando conformação com o ou aceitação do resultado típico previsto como possível ainda que indesejável ou desagradável como revela o esforço de reanimação da vítima com lógica exclusão da atitude primitiva de confiança na evi tação do resultado se os autores executam o plano apesar de levarem a sério a possibilidade do resultado típico então conformamse com ou aceitam sua eventual produção decidindose pela possível lesão do bem jurídico que marca o dolo eventual Esse critério de definição do dolo eventual e imprudência cons ciente conhecido como teoria de levar a sério Ernstnahmetheorie a possível produção do resultado típico é dominante na jurisprudência e doutrina alemã contemporâneas60 mas não é único Existem várias teorias diferenciadoras fundadas na vontade ou na representação do autor até mesmo teorias unificadoras que propõem a abolição dos critérios diferenciadores A descrição dessas teorias justificase não só pelo interesse acadêmico de mostrar o estado atual de discussão da matéria mas pelo interesse científico em precisar o significado das categorias desenvolvidas para pensar a questão do dolo eventual e da imprudência consciente 60 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III 3a p 299300 ROXIN Strafrecht 1997 12 ns 2729 p 375376 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 134 242012 162803 135 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação 1 Entre as teorias que trabalham com critérios fundados na vontade estão a teoria do consentimento ou aprovação a teoria da indiferença e a teoria da vontade de evitação não comprovada a A teoria do consentimento elaborada por MEZGER61 define dolo eventual pela atitude de aprovação do resultado típico previsto como possível que deve agradar ao autor Assim não age com dolo eventual o médico que realiza intervenção cirúrgica indicada pela experiência profissional mas leva a sério a possibilidade de morte do paciente ou alguém que atira para salvar o amigo vítima de agressão e leva a sério a possibilidade de atingir o amigo Mas como demonstra a crítica a aprovação do resultado é própria do dolo direto e não do dolo even tual que pode compreender também resultados desagradáveis ou lamentados implicando portanto transformar o dolo eventual numa hipótese de dolo direto como afirmam JESCHECKWEIGEND62 segundo a teoria o caso do cinto de couro configuraria mera impru dência consciente por outro lado os exemplos citados seriam ações objetivamente conformes ao direito e subjetivamente realizadas sem dolo como mostra ROXIN63 A reelaboração moderna dessa teoria por BAUMANNWEBER64 e especialmente por MAURACHZIPF65 atribuindo à aprovação do resultado o sentido de inclusão deste na vontade do autor parece conferirlhe significado prático próximo à teoria dominante66 b A teoria da indiferença ao bem jurídico desenvolvida por ENGISCH67 identifica dolo eventual na atitude de indiferença do 61 MEZGER Strafrecht 1949 p 347 62 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III p 302303 63 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 34 p 379 64 BAUMANNWEBER Strafrecht 1985 p 402 65 MAURACHZIPF Strafrecht 1992 22 n 34 66 Ver ROXIN Strafrecht 1997 12 n 36 p 379380 67 ENGISCH Untersuchungen uber Vorsatz und Fahrlässigkeit im Strafrecht 1930 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 135 242012 162803 136 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 autor quanto a possíveis resultados colaterais típicos excluídos os resultados indesejados marcados pela expectativa de ausência Con tudo a crítica indica que a indesejabilidade do resultado não exclui o dolo eventual como mostra o caso do cinto de couro que a teoria da indiferença resolveria como hipótese de imprudência consciente68 além disso a ausência de representação do resultado própria da impru dência inconsciente pode indicar o mais elevado grau de indiferença em relação ao bem jurídico protegido69 c A teoria da não comprovada vontade de evitação do resultado também conhecida como teoria da objetivação da vontade de evitação do resul tado desenvolvida por ARMIN KAUFMANN70 em bases finalistas coloca o dolo eventual e a imprudência consciente na dependência da ativação de contrafatores para evitar o resultado representado como possível imprudência consciente se o autor ativa contrafatores dolo eventual se não ativa contrafatores para evitação do resultado A crítica indica que a não ativação de contrafatores pode também ser explicada pela leviandade humana de confiar na própria estrela e por outro lado a ativação de contrafatores não significa necessariamente confiança na evitação do resultado típico como mostra por exemplo o caso do cinto de couro em que os autores se esforçam concretamente para evitar o resultado71 2 Entre as teorias que trabalham com critérios fundados na represen tação hoje com prestígio crescente podem ser referidas a teoria da possibilidade a teoria da probabilidade a teoria do risco e a teoria do perigo protegido 68 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III p 303 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 37 p 380 69 Ilustrativo WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 70 70 ARMIN KAUFMANN Der dolus eventualis im Deliktsaufbau Die Auswirkungen der Handlungs und der Schuldlehre auf die Vorsatzgrenze ZStW 70 1958 p 73 71 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III p 302303 também ROXIN Strafrecht 1997 12 n 48 p 385 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 136 242012 162803 137 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação a A teoria da possibilidade simplifica o problema reduzindo a dis tinção entre dolo e imprudência ao conhecimento da possibilidade de ocorrência do resultado72 eliminando a categoria jurídica da imprudência consciente porque toda imprudência seria imprudência inconsciente73 a mera representação da possibilidade do resultado típico já constituiria dolo porque uma tal representação deveria inibir a realização da ação a não representação dessa possibilidade constituiria imprudência inconsciente A crítica fala do intelectu alismo da teoria que reduz o dolo ao componente intelectual sem qualquer conteúdo volitivo mas seus resultados práticos seriam semelhantes aos da teoria dominante74 embora mais rigorosos porque admite dolo eventual em situações definíveis como impru dência consciente b A teoria da probabilidade define dolo eventual variavelmente ou pela representação de um perigo concreto para o bem jurídico JOERDEN75 ou pela consciência de um quantum de fatores causais produtor de sério risco do resultado SCHUMANN76 ou como reconhecimento de um perigo qualificado para o bem jurí dico PUPPE77 para mencionar apenas suas formulações mais modernas A crítica aponta o caráter de prognose intelectual dessas definições78 um fenômeno de reflexão raro em eventos dominados pelas emoções como são os comportamentos criminosos capazes de servir como indícios da atitude pessoal de levar a sério o peri 72 Assim SCHMIDHÄUSER Strafrecht 1984 1089 s 73 Ver SCHRÖDER Aufbau und Grenzen des Vorsatzbegriffes SauerFS 1949 p 207 s 74 Comparar ROXIN Strafrecht 1997 12 ns 3940 p 381 75 JOERDEN Strukturen des Strafrechtlichen Verantwortlichkeitsbegriffes 1980 p 151 76 SCHUMANN Zur Wiederbelebung des voluntativen Vorsatzelement durch den BGH JZ 1989 p 433 77 PUPPE Der Vorstellungsinhalt des dolus eventualis ZStW 102 1991 1 s 78 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 43 p 382 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 137 242012 162803 138 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 go mas incapazes de funcionar como critério do dolo eventual79 WELZEL ora arrolado na teoria da probabilidade ROXIN80 ora incluído na teoria da possibilidade JESCHECKWEIGEND81 afirma que a teoria da probabilidade tem um aspecto positivo porque a representação da possibilidade de influenciar o resultado permite distinguir o simples desejar do verdadeiro querer e um aspecto negativo porque a vontade de realização não seria simples efeito do ato psíquico de representar a probabilidade do resultado mas de contar com a produção de resultado representado como pro vável confiar na evitação desse resultado constituiria imprudência consciente82 c A teoria do risco de FRISCH83 às vezes classificada como variante da teoria da possibilidade84 define dolo pelo conhecimento da conduta típica excluindo do objeto do dolo o resultado típico porque a ação de conhecer não pode ter por objeto realidades ainda inexistentes no momento da ação não obstante trabalha com o critério de tomar a sério o e de confiar na evitação do resultado típico para distinguir a decisão pela possível lesão do bem jurídico dolo eventual da mera imprudência consciente aproximandose por isso da teoria domi nante A crítica à teoria concentrase na questão do objeto do dolo a ausência do elemento volitivo tornaria artificiosa a atitude do autor depois seria inaceitável um dolo sem conhecimento das circunstâncias de fato especialmente do resultado típico definido pela teoria como mero prognóstico embora seja nesse sentido que o resultado típico constitui objeto do dolo85 79 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III p 302 80 ROXIN Strafrecht 1997 12 ns 4244 p 382383 81 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III p 302 82 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 70 83 FRISCH Vorsatz und Risiko l983 p 97 s 84 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III p 302 85 Ver sobretudo ROXIN Strafrecht 1997 12 ns 5455 p 387388 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 138 242012 162804 139 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação d A teoria do perigo desprotegido de HERZBERG86 classificada tam bém como variante da teoria da probabilidade87 igualmente retira o elemento volitivo do conteúdo do dolo a principal característica da teoria da representação e fundamenta a distinção entre dolo eventual e imprudência consciente com base na natureza do perigo definido como desprotegido protegido e desprotegido distante a o perigo desprotegido caracterizado pela dependência de meros fatores de sorteazar configura dolo eventual ainda que o autor confie na ausência do resultado como jogar roleta russa com risco de resultado na proporção de 15 ou praticar sexo com meninas de idade presumível inferior a 14 anos b o perigo protegido caracterizado pela evitação do possível resultado mediante cuidado ou atenção do autor da vítima potencial ou de terceiro confi gura imprudência consciente com homicídio imprudente em hipótese de resultado de morte nos seguintes exemplos o inexperiente servente de pedreiro cai de andaime de prédio em construção onde subira por ordem do mestre de obras sem usar qualquer dispositivo de segurança o professor permite aos alunos nadarem em rio perigoso apesar da placa de advertência do perigo e aluno morre afogado c o perigo desprotegido distante assemelhase ao perigo protegido excluindo o dolo o inquilino do apartamento joga objeto pesado pela janela consciente da possibili dade de atingir alguém a mãe deixa medicamento tóxico no armário consciente de que o filho poderia ingerilo A noção de perigo desprotegido pretende fundamentar uma construção objetiva da teoria subjetiva de levar a sério o perigo tratase de reconhecer um perigo digno de ser levado a sério e não de levar a sério um perigo reconhecido88 A crítica afirma não ser evidente que um perigo protegido exclua e um perigo desprotegido 86 HERZBERG Die Abgrenzung von Vorsatz und bewusster Fahrlässigkeit ein Problem des objektiven Tatbestandes JuS 1986 p 249 s também Das Wollen beim Vorsatzdelikt und dessen Unterscheidung vom bewussten fahrlässigen Verhalten JZ 1988 p 573 s 87 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III p 302 88 Ilustrativos HERZBERG Die Abgrenzung von Vorsatz und bewusster Fahrlässigkeit ein Problem des objektiven Tatbestandes JuS 1986 p 262 ROXIN Strafrecht 12 ns 5963 p 390392 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 139 242012 162804 140 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 constitua dolo eventual mas parece digno de aplauso o esforço de cons truir a base objetiva de critérios tradicionalmente subjetivos A proposta de eliminar o elemento volitivo do dolo própria das teorias da representação exclui o fundamento emocional distintivo das atitudes de levar a sério o ou de confiar na ausência do perigo que marca a teoria dominante contudo se o dolo não exige aprovação do resultado também não pode ser reduzido à atitude de indiferença absoluta em face desse resultado89 A exclusão do elemento volitivoemocional do dolo que HERZBERG define como elemento de prognose irracional reduz o dolo ao elemento intelectual e desse modo a desejável busca de critérios objetivos acaba por desfigurar o próprio fenômeno real90 3 Finalmente teorias igualitárias desenvolvidas por ESER91 e WEIGEND92 fundadas nas dificuldades práticas dos critérios dife renciadores propõem a unificação do dolo eventual e da imprudência consciente em uma terceira categoria subjetiva ou de culpabilidade situada entre o dolo e a imprudência A crítica reconhece certas vanta gens como a simplificação da aplicação do Direito Penal mas destaca desvantagens como a nivelação de diferenças qualitativas entre hipóteses de decisão contra o bem jurídico protegido dolo eventual e hipóteses de leviana confiança na evitação do resultado imprudência consciente93 89 Outros modernos opositores do elemento volitivo SCHMOLLER Das voluntative Vorsatzelement ÖJZ 1982 p 259 s KINDHÄUSER Der Vorsatz als Zurechnungskriterium ZStW 96 1984 p 1 s SCHUMANN Zur Wiederbelebung des voluntativen Vorsatzelement durch den BGH JZ 1989 p 427 Outros modernos defensores do elemento volitivo ZIEGERT Vorsatz Schuld und Vorverschulden 1987 SPENDEL Zum Begriff des Vorsatz LacknerFS 1987 p 167 s PRITTWITZ Die Ansteckungsgefahr bei AIDS JA 1988 p 427 s KUPPER Zum Verhältnis von dolus eventualis Gefährdungsvorsatz und bewusster Fahrlässigkeit ZStW 100 1988 p 758 HASSEMER Kennzeichen des Vorsatzes Arm KaufmannGS 1989 p 289 90 Instrutivo ROXIN Strafrecht 1997 12 ns 6667 p 393 91 ESER Strafrecht 1 1980 n 35 a 92 WEIGEND Zwischen Vorsatz und Fahrlässigkeit ZStW 93 1981 p 657 s 93 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 68 p 394 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 140 242012 162804 141 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação 12 Dolo alternativo Todas as espécies de dolo podem existir sob a forma de dolo alternativo caracterizado por uma ação com alternativas típicas ex cludentes Exemplos a A atira em B para matar ou simplesmente ferir b A atira para matar B ou pelo menos matar o cachorro de B c A atira para matar o cachorro de B mas consente na possibilidade prevista de matar B próximo do animal94 A controvérsia sobre dolo alternativo aparece na diversidade de soluções para as situações acima exemplificadas a punição somente pelo tipo realizado porque o autor pretende apenas um resultado típico95 com vários problemas se nenhum resultado é produzido não se sabe por qual crime punir no caso da letra c se o autor mata o cachorro a competência em matar o animal faz desaparecer a tentativa de homicídio b punição pelo tipo mais grave homicídio consumado ou tentado em todas as hipóteses96 a crítica inverte o argumento porque se o autor atirou no cachorro e matou o cachorro por que punir por homicídio tentado c punição em concurso formal por cada tipo alternativo tentado ou tentado e consumado97 solução dominante na literatura 94 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III p 304 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 72 No Brasil ver MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 132 95 Assim MEZGER Strafgesetzbuch 1957 59 96 Nesse sentido NOWAKOWSKI Der alternative Vorsatz JB1 1937 p 465 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 7 ns 2226 p 76 JOERDEN Der auf die Verwirklichung von zwei Tatbeständen gerichtete Vorsatz Zugleich eine Grundlegung zum Problem des dolus alternativus ZStW 95 1983 p 565 97 Ver entre outros WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 72 JAKOBS Strafrecht 1993 833 p 278279 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III 4 p 304 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 85 p 403 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 141 242012 162804 142 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 13 A dimensão temporal do dolo O dolo como programa subjetivo do crime deve existir durante a realização da ação típica o que não significa durante toda a realização da ação planejada mas durante a realização da ação que desencadeia o processo causal típico a bomba colocada no automóvel da vítima com dolo de homicídio somente explode quando o autor já está em casa dormindo Não existe dolo anterior nem dolo posterior à realização da ação típica as situações referidas como dolo antecedente a arma em punhada por B para ser usada contra A depois de prévia conversação dispara acidentalmente e mata a vítima ou como dolo subsequente ao reconhecer um inimigo na vítima de acidente de trânsito o autor se alegra com o resultado são hipóteses de fatos imprudentes98 2 Erro de tipo O conceito de dolo definido como conhecer e querer as circuns tâncias de fato do tipo legal está exposto à relação de exclusão lógica entre conhecimento e erro se o dolo exige conhecimento das circuns tâncias de fato do tipo legal então o erro sobre circunstâncias de fato do tipo legal exclui o dolo99 Em qualquer caso o erro de tipo significa defeito de conhecimento do tipo legal e assim exclui o dolo porque uma representação ausente ou incompleta não pode informar o dolo de tipo Mas é preciso distinguir o erro inevitável exclui o dolo e a imprudência o erro evitável exclui apenas o dolo admitindo punição por imprudência Essa regra está inscrita no Código Penal 98 ROXIN Strafrecht 1997 12 ns 8081 p 401 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 71 99 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 86 p 405 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 142 242012 162804 143 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação Art 20 CP O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo mas permite a punição por crime culposo se previsto em lei Aqui os problemas mais importantes são os seguintes a definir o conceito de erro de tipo distinguindo do simples erro de subsunção sem relevância penal b determinar a intensidade de representação das circunstâncias de fato necessária para configurar o conhecimento como elemento intelectual do dolo 21 Erro de tipo e erro de subsunção O tipo legal é um conceito constituído de elementos subjetivos e objetivos mas o erro de tipo só pode incidir sobre elementos objetivos do tipo legal um conceito menos abrangente do que elemento consti tutivo do tipo legal como diz a lei O erro de tipo representa defeito na formação intelectual do dolo que tem por objeto os elementos objetivos presentes e futuros do tipo legal a ação o objeto da ação o resultado a relação de causalidade etc Não podem ser objeto de erro a os ele mentos subjetivos do tipo o próprio dolo e as intenções tendências e atitudes especiais de ação b outros elementos que não pertencem ao tipo objetivo condições objetivas de punibilidade fundamentos pessoais de exclusão de pena e pressupostos processuais100 Em síntese conhecer as circunstâncias de fato formadoras do tipo objetivo significa representar a possibilidade de realização concreta do tipo legal logo o erro sobre as circunstâncias de fato do tipo objetivo exclui a representação dessa possibilidade e por isso configura erro de tipo como defeito de conhecimento das circunstâncias de fato do tipo objetivo 100 Com mais detalhes ROXIN Strafrecht 1997 12 ns 119120 p 423 e n 138 p 430 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 143 242012 162804 144 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 O erro de tipo pode ocorrer por falsa representação e por au sência de representação das circunstâncias de fato do tipo objetivo a no luscofusco do crepúsculo A dispara o revólver contra a figura de suposto espantalho na verdade contra a pessoa de B que pratica va tai chi chuan no pomar de residência rural falsa representação b C mantém relações sexuais com D menor de 14 anos mas com aparência de idade superior sem pensar na idade da moça ausência de representação O erro de tipo pode ter por objeto elemento descritivo ou elemento normativo do tipo objetivo Em ambos os casos é preciso distinguir o erro de tipo excludente do dolo do chamado erro de sub sunção penalmente irrelevante O erro de subsunção é mais comum nos elementos normativos do tipo porque o cidadão comum não pode conhecer todos os conceitos jurídicos empregados pelo legislador Nesse caso a chamada valoração paralela na esfera do leigo permitiria identificar os significados sociais ou culturais dos conceitos normativos que integram a cultura comum e orientam as decisões da vida diária como ocorre com o conceito de documento por exemplo os traços deixados pelo garçom no suporte de papelão do chope são sinais gráfi cos indicadores da quantidade consumida e se o consumidor apaga alguns desses traços para reduzir a conta age com dolo de falsificação de documento particular porque sua valoração paralela reproduz ao nível do leigo o conceito jurídico de documento a opinião de que documentos seriam escritos com forma predeterminada constituiria mero erro de subsunção sem relevância penal101 caso a hipótese não fosse abrangida pelo princípio da insignificância que descaracteriza o tipo de injusto Valorações jurídicas errôneas de elementos do tipo objetivo representam em regra erro de subsunção às vezes erro de proibição mas podem significar excepcionalmente erro de tipo como a subtração de coisa alheia representada como própria102 O 101 ROXIN Strafrecht 1997 12 ns 8991 p 407408 102 ROXIN Strafrecht 1997 12 ns 913 p 408409 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 144 242012 162804 145 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação erro de subsunção sobre elementos descritivos do tipo é mais raro se B esvazia o pneu do veículo de A convencido de que o dano exige destruição da substância da coisa incide em simples erro de subsunção sem prejuízo do dolo103 Formulações modernas tentam simplificar as dificuldades do tema DARNSTÄDT104 relaciona os elementos descritivos a realidades naturais representadas por situações ou propriedades físicas e os ele mentos normativos a realidades institucionais dotadas de características sociais ou comunitárias HAFT105 distingue erro sobre objeto e erro sobre conceito o erro sobre objeto constitui erro de tipo a apropriação de coisa alheia tomada como própria o erro sobre conceito constitui erro de subsunção negar o conceito de coisa aos animais furtados KUHLEN106 enfim propõe o retorno aos conceitos de erro de fato e erro de direito extrapenal o caráter alheio da coisa por exemplo como espécies de erro de tipo excludente do dolo e de erro de Direito Penal como modalidade de erro de subsunção penalmente irrelevante 22 A intensidade de representação das circunstâncias de fato A ação intelectual de conhecimento da realidade objetiva des critiva e normativa do tipo legal pressupõe certo nível de intensida de de representação psíquica antes do qual não se constitui como componente intelectual do dolo A dogmática penal moderna rejeita posições extremas que exigem conhecimento refletido ou aceitam 103 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 242 p 74 104 DARNSTÄDT Der Irrtum uber normative Tatbestandsmerkmale im Strafrecht Jus 1978 p 441 105 HAFT Strafrecht Fallrepetitorium zum Allgemeinen und Besonderen Teil 1996 ns 590 s p 113114 106 KUHLEN Die Unterscheindung von vorsatzausschliessendem und nichtvorsatzausschliessendem Irrtum 1987 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 145 242012 162804 146 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 conhecimento potencial das circunstâncias de fato do tipo objetivo107 um conhecimento refletido dos elementos objetivos coisa móvel por exemplo no sentido de pensar expressamente nisso parece contradizer a psicologia da vida cotidiana108 porque as ações humanas em espe cial as ações criminosas não são o resultado de refletida ponderação mas expressão irracional de instintos e emoções por outro lado um conhecimento potencial dos elementos objetivos do tipo no sentido de um conhecimento latente não atualizado é insuficiente109 o caçador que dispara a arma sobre um batedor porque esqueceu na emoção da caçada comunicação anterior sobre a presença desse batedor em determinado lugar não atua com dolo Hoje admitese que o conhecimento dos elementos objetivos do tipo pode existir como consciência implícita no contexto das repre sentações do autor segundo a fórmula da chamada coconsciência por exemplo no furto de mercadorias em lojas comerciais a consciência do caráter alheio da coisa permeia o conjunto das representações do autor o que é mais do que um conhecimento latente mas não chega a ser um conhecimento refletido o advogado que trai o dever profissional prejudicando interesse de cliente não precisa pensar especificamente em sua qualidade de advogado para agir com dolo etc Pesquisas so bre psicologia da linguagem110 costumam distinguir entre pensamento em coisas e pensamento em palavras apesar da crítica111 de que não existe pensamento sem palavras o conhecimento constitutivo do dolo poderia existir sob forma de pensamento em coisas ou sob forma de 107 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 II 2 p 293 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 111 p 418 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 64 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 ns 238240 p 73 108 SCHEWE Reflexbewegung Handlung Vorsatz Strafrechtsdogmatische Aspekte des Willensproblems aus medizinischpsychologischer Sicht 1972 p 85 109 PLATZGUMMER Die Bewusstseinsform des Vorsatzes 1964 p 4 e 83 110 SCHMIDHÄUSER Uber Aktualität und Potentialität des Unrechtsbewusstseins H MayerFS 1966 p 317 111 ARTHUR KAUFMANN Die Parallelwertung in der Laiensphäre 1982 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 146 242012 162804 147 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação linguagem reduzida em que um sinal linguístico evoca um complexo de significados112 sem necessidade de existir na forma de pensamento em palavras como por exemplo esta coisa é alheia no furto ou eu atuo como advogado no patrocínio infiel etc 3 Atribuição subjetiva do resultado em desvios causais Sob o conceito de desvios causais aparecem diversas formas de alteração ou mudança no curso de acontecimentos típicos cada qual com peculiaridades e critérios próprios classificáveis como desvios causais regulares situações de aberratio ictus hipóteses de troca de dolo o chamado dolo geral e casos de erro sobre o objeto assim regulados no Código Penal Art 20 3º O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena Não se conside ram neste caso as condições ou qualidades da vítima senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime 1 Desvios causais regulares O curso causal do acontecimento tí pico como uma circunstância de fato constitui elemento objetivo do tipo cuja atribuição ao dolo depende da previsibilidade de seu desenvolvimento113 conforme a experiência geral da vida constituem se A lança B da ponte para morrer afogado no rio mas B já morre ao esfacelar a cabeça no pilar da ponte existe homicídio doloso consumado porque o resultado concreto é consequência previsível do perigo criado atribuível ao autor como obra dele ao contrário 112 ROXIN Strafrecht 1997 12 nota 216 p 419 113 Representativo da opinião dominante WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 73 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 147 242012 162804 148 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 desvios causais imprevisíveis constituem cursos causais irregulares ou anormais não atribuíveis ao dolo do autor se B ferido por A com dolo de homicídio morre em incêndio do hospital após a cirurgia o imprevisível resultado concreto não é produto do perigo criado e não pode ser atribuído ao autor como obra dele114 Se o critério de atribuição do tipo objetivo é a realização do perigo o critério de atribuição do tipo subjetivo é a realização do plano no exemplo da ponte o possível e previsível resultado concreto realização do perigo corresponde à realização do plano dolo do autor porque a morte por afogamento ou a morte por esfacelamento do crânio são resultados equivalentes no caso do incêndio do hospital o imprevisível resultado concreto não representa realização do perigo criado nem corresponde à realização do plano do autor115 2 Aberratio ictus As hipóteses de aberratio ictus constituem casos especiais de desvio causal do objeto desejado para objeto diferente equacionados conforme a natureza típica do objeto o disparo de arma de fogo contra B atinge mortalmente C No caso de resultados típicos equivalentes a solução é repre sentada por duas teorias a para a teoria da concretização116 o dolo deve se concretizar em objeto determinado na hipótese tentativa de homicídio contra B e homicídio imprudente contra C b para a teoria da equivalência117 o dolo pode admitir resultado típico genérico na hipótese homicídio doloso consumado porque B e C são igualmente 114 ROXIN Strafrecht 1997 12 ns 140142 p 432 s WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 73 115 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 144 p 434 também WOLTER Objektive Zurechnung und modernes Strafrechtssystem 1995 116 Ver entre outros BAUMANNWEBER Strafrecht 1985 21 n 13 JAKOBS Strafrecht 1993 880 p 303 MAURACHZIPF Strafrecht 1992 23 n 30 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 7 VI ns 93 s STRATENWERTH Strafrecht 1991 n 284 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 250 p 76 117 Embora minoritária tem adeptos respeitáveis WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 7274 KUHLEN Die Unterscheindung von vorsatzausschliessendem Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 148 242012 162804 149 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação seres humanos teoria adotada pelo art 20 3º CP que engloba hipóteses de aberratio ictus e de erro sobre a pessoa Exceções ocorrem nas seguintes hipóteses a em caso de resultado imprevisível por curso causal anormal B erra o tiro contra A mas o projétil ricocheteia na parede do prédio e após bater no hidrômetro da calçada fere C que transitava em rua trans versal apenas tentativa de homicídio contra A porque a anormalidade do desvio torna imprevisível o resultado lesivo contra C excluindo atribuição de fato imprudente a regra do art 20 3º CP parece excessiva b em caso de objetos em situação jurídica distinta B atira contra A em legítima defesa mas atinge C sem justificação situado atrás de B tentativa justificada de homicídio contra A e homicídio imprudente contra C igualmente parece inadmissível a solução do art 20 3º CP porque a natureza antijurídica do excesso extensivo excluiria a justificação do homicídio imprudente c em caso de resultado trágico para o autor em briga de bar B atira sobre A e por infelicidade mata o próprio filho C que saltara sobre A para defender o pai apenas tentativa de homicídio contra A parece cruel a regra do art 20 3º CP que pune por crime consumado porque o autor mata o próprio filho e não o adversário Finalmente a hipótese de aberratio ictus sobre objetos típicos não equivalentes é incontroversa B joga pedra para destruir vaso de porcelana chinesa da loja de A mas atinge o empregado C postado ao lado do vaso tentativa de dano com lesão corporal imprudente 3 Troca de dolo A troca de dolo que pode ocorrer no curso da reali zação do tipo constitui geralmente situação de mudança de objeto do dolo A derruba a jovem B no parque para roubarlhe o relógio mas und nichtvorsatzausschliessendem Irrtum 1987 p 479 s No Brasil ver MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 137 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 149 242012 162804 150 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 prefere subtrair o valioso colar de pérolas descoberto durante o fato não há mudança no plano do fato apenas troca de objeto do dolo em geral irrelevante A situação seria relevante se a troca de objeto representasse mudança no plano do fato capaz de descaracterizar o dolo no exemplo citado enfeitiçado pela beleza do rosto da vítima o autor subtrai a carteira de identidade para admirar a fotografia da moça118 a mudança no plano do fato representa desistência voluntária do roubo tentado mas subsiste o constrangimento ilegal 4 Dolo geral O conceito de dolo geral tem por objeto acontecimen tos típicos realizados em dois atos no primeiro ato o autor supõe consumar o fato mas o fato se consuma no segundo ato realizado para encobrir o fato A com dolo de homicídio dispara o revólver contra B que cai ao chão inconsciente em seguida para ocultar o homicídio que pensa ter consumado A lança o suposto cadáver de B no rio determinando a morte da vítima Alguns autores resolvem a hipótese como tentativa de homicídio em concurso com homicídio imprudente porque o dolo deve existir ao tempo do fato119 Mas a te oria dominante define a hipótese como homicídio doloso consumado sob o argumento da natureza acidental do desvio causal abandonando o conceito de dolo geral porque a ausência de dolo de homicídio no segundo fato não é suprível pela extensão do dolo de homicídio do primeiro fato Contudo é preciso distinguir WELZEL120 exige dolo unitário abrangendo o primeiro e o segundo fato ROXIN121 condi ciona a solução à natureza do dolo do primeiro fato a se dolo direto o resultado corresponde ao plano do autor que certamente terá pensado no modo de se livrar do cadáver portanto o desvio causal 118 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 160 p 441442 119 Assim KUHL Strafrecht 1994 13 ns 4648 p 448 MAURACHZIPF Strafrecht 1992 23 n 33 entre outros 120 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 74 No Brasil MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 132 121 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 165 p 444 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 150 242012 162804 151 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação é irrelevante configurando homicídio doloso consumado A preten deu matar B e de fato matou B b se dolo eventual o resultado não parece corresponder ao plano do autor que certamente não deverá ter pensado no modo de se desfazer do cadáver portanto o desvio causal tornase relevante configurando homicídio doloso tentado em concurso com homicídio imprudente Casos assemelhados em que o autor pretende consumar o fato somente no segundo ato mas produz o resultado já na tentativa do primeiro ato também são resolvidos pelas regras do desvio causal A quer matar B somente depois de atordoálo com algumas pancadas na cabeça mas o resultado já ocorre por efeito das pancadas para atordoar A hipótese é de homicídio doloso consumado porque o resultado corresponde ao plano do autor e portanto o desvio causal é irrelevante desde que o resultado ocorra no âmbito da tentativa e não como efeito de meras ações preparatórias que produziria apenas fato imprudente a vítima morre de disparo acidental durante opera ção de limpeza da arma que o autor pretende usar depois contra a mesma vítima122 5 Erro sobre o objeto Os casos de erro sobre o objeto error in objeto vel persona constituem hipóteses de confusão do autor sobre o objeto do fato cuja solução depende da equivalência ou não equivalência típica do objeto a erro sobre objeto típico equivalente é irrelevante A pensando atirar contra B mata C confundido com B na escuridão da noite o dolo deve apreender o objeto do fato em gênero logo erro sobre a identidade concreta de objeto típico equivalente é irrelevante123 teoria adotada pelo art 20 3º CP que engloba hipóteses de erro sobre o objeto e de aberratio ictus 122 Ver MAURACHZIPF Strafrecht 1992 23 n 36 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 170 p 446 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 7475 123 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 174 p 448 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 151 242012 162804 152 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 b erro sobre objeto típico não equivalente é relevante A na escuridão da noite pensando atirar contra B mata o cão pastor des te confundido com B porque dormia na cama do dono a hipótese configura um erro de tipo invertido também definível como ausência de tipo ou situação de crime impossível124 porque representa na verdade erro sobre a natureza e não sobre a identidade do objeto art 17 CP 4 Elementos subjetivos especiais 1 O dolo é o elemento subjetivo geral dos fatos dolosos o programa psíquico que produz a ação típica mas não é o único componente subjetivo dos crimes dolosos O legislador penal contemporâneo inscreve frequentemente na dimensão subjetiva dos crimes dolosos determinadas características psíquicas complementares diferentes do dolo sob a forma de intenções ou de tendências especiais ou de atitudes pessoais necessárias para precisar a imagem do crime ou para qualificar ou privilegiar certas formas básicas de comportamentos criminosos125 Assim não há furto na subtração de coisa alheia móvel sem intenção de apropriação não há crime sexual se a ação típica não aparece im pregnada de libido como tendência interna voluptuosa etc Hoje não se discute a existência dessas características subjetivas especiais apenas sua inserção sistemática o debate atual é polarizado por autores que 124 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 181 p 452 CIRINO DOS SANTOS Teoria do Crime 1993 p 25 125 Nesse sentido embora com diferenças JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 30 IIII p 317321 MAURACHZIPF Strafrecht 1992 22 ns 516 p 317319 ROXIN Strafrecht 1997 10 ns 7086 p 257260 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 7780 No Brasil comparar ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 266268 p 502507 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 152 242012 162804 153 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação distribuem essas características entre o tipo subjetivo e a culpabilida de e autores que atribuem tais características exclusivamente ao tipo subjetivo JESCHECKWEIGEND126 e ROXIN127 por exemplo inserem no tipo subjetivo os componentes psíquicos relacionados com o bem jurídico protegido e na culpabilidade as características psíquicas rela cionadas aos motivos sentimentos e atitudes do autor que qualificam o fato típico Certas atitudes pessoais são ainda diferenciadas em autênticas por exemplo máfé motivo torpe etc que pertenceriam à culpabi lidade e não autênticas a crueldade por exemplo que pertenceriam ao tipo e à culpabilidade simultaneamente ao tipo o sofrimento da vítima à culpabilidade o sentimento desumano do autor WELZEL128 e MAURACHZIPF129 entre outros atribuem esses elementos psíquicos especiais ao tipo subjetivo sob o argumento de que realizam funções de fundamentação ou de reforço do desvalor social do fato as intenções e tendências especiais fundamentam o desvalor social do fato os motivos e as atitudes do autor como caracteres subjetivos qualificadores do dolo reforçam o desvalor social do fato Na verdade parece inconveniente implantar características subjetivas relacionadas ao conteúdo ou à gravidade da lesão do bem jurídico ou seja ao desvalor social do fato na culpabilidade porque tais características devem precisamente integrar o tipo de injusto para poderem cons tituir objeto do juízo de culpabilidade 2 A identificação dos tipos penais com características subjetivas espe ciais é tarefa de interpretação da parte especial do Código Penal mas como a execução dessa tarefa deve seguir princípios fixados na parte 126 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 30 I 3 p 318 127 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 71 p 258 128 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 p 77 129 MAURACHZIPF Strafrecht 1992 22 n 52 p 318 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 153 242012 162804 154 Teoria do Fato Punível Capítulo 8 geral parece útil adotar um esquema utilizado por ROXIN130 e am pliado por JESCHECKWEIGEND131 que classifica os tipos penais com características subjetivas especiais em tipos penais de intenção de tendência de atitudes e de expressão 21 Os tipos penais de intenção ou de tendência interna transcendente caracterizamse por propósitos que ultrapassam o tipo objetivo fixan dose em resultados que não precisam se realizar concretamente mas que devem existir no psiquismo do autor Aqui é necessário distinguir entre a tipos de resultado cortado em que o resultado pretendido não exige uma ação complementar do autor a intenção de apropriação no furto e b tipos imperfeitos de dois atos em que o resultado preten dido exige uma ação complementar a falsificação do documento e a circulação do documento falsificado no tráfego jurídico A intenção como característica psíquica especial do tipo aparece geralmente nas conjunções subordinativas finais para a fim de com o fim de etc indicativas de finalidades transcendentes do tipo como ocorre com a maioria dos crimes patrimoniais 22 Os tipos penais de tendência caracterizamse por uma tendência afetiva do autor que impregna a ação típica nos crimes sexuais a tendência voluptuosa adere à ação típica atribuindo o caráter sexual ao comportamento do autor cuja ação aparece carregada de libido A presença dessas características psíquicas especiais decide sobre a defi nição jurídica de ações objetivamente idênticas agarrar com violência os seios de uma mulher no elevador pode constituir crime sexual se com tendência lasciva crime de injúria se com intenção de ofender a honra ou crime de lesões corporais se com dolo de ferir 23 Os tipos penais de atitudes caracterizamse pela existência de estados anímicos que informam a dimensão subjetiva do tipo e intensi ficam ou agravam o conteúdo do injusto mas não represen 130 ROXIN Strafrecht 1997 10 ns 83 87 p 263264 131 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 30 II p 319320 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 154 242012 162804 155 Capítulo 8 O Tipo de Injusto Doloso de Ação tam um desvalor social independente como a crueldade a máfé a traição etc132 24 Os tipos penais de expressão caracterizamse pela existência de um processo intelectual interno do autor como no falso testemunho a ação incriminada não se funda na correção ou incorreção objetiva da informação mas na desconformidade entre a informação e a convicção interna do autor133 132 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 30 II n 4 p 320 133 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 86 p 263264 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 155 242012 162805 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 156 242012 162805 157 Capítulo 9 o tipo de iNjuSto imprudeNte I Introdução Os crimes cometidos por imprudência constituem do ponto de vista da definição legal exceções à regra da criminalidade dolosa apare cendo na lei penal como hipóteses acessórias de menor significação se o homicídio é culposo art 121 3º se a lesão corporal é culposa art 129 6º etc Contudo do ponto de vista de sua frequência real crimes de homicídio e de lesão corporal imprudentes representam a grande maioria dos fatos puníveis1 e do ponto de vista dos bens jurídicos lesionados integram a criminalidade mais relevante assim a antiga exceção é atualmente a regra da criminalidade De fato as sociedades contemporâneas caracterizamse por intensa e generalizada produção de ações perigosas para a vida o corpo e a saúde do homem e para a integridade do meio ambiente destruição do solo flora e fauna e poluição do ar rios e mares com consequências catastróficas para o O substantivo culpa e o adjetivo culposo são inadequados por várias razões primeiro confundem culpa modalidade subjetiva do tipo com culpabilidade elemento do conceito de crime exigindo a distinção complementar de culpa em sentido estrito e culpa em sentido amplo o que é anticientífico segundo induzem perplexidade no cidadão comum para o qual crime culposo parece mais grave que crime doloso ampliando a incompreensão de conceitos jurídicos terceiro o substantivo imprudência e o adjetivo imprudente exprimem a ideia de lesão do dever de cuidado ou do risco permitido com maior precisão do que os correspondentes culpa e culposo quarto a dogmática alemã usa o termo Fahrlässigkeit que significa negligência ou imprudência mas a natureza da maioria absoluta dos fatos lesivos do dever de cuidado ou do risco permitido na circulação de veículos ou na indústria moderna parece melhor definível como imprudência 1 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 1 p 919 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 157 242012 162805 158 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 futuro da humanidade no planeta A tecnologia moderna especial mente na área do capital produtivo em relação com os acidentes do trabalho e a circulação de veículos automotores nas áreas urbanas e rurais em relação com os acidentes de trânsito são claros indicadores da extensão da violência imprudente que permeia as relações sociais2 Por essa razão a teoria dos crimes de imprudência se transformou na bela comparação de SCHUNEMANN3 de enteada em filha predileta do trabalho científico no Direito Penal A grande mudança na teoria da imprudência é representada pela deslocação de sua posição sistemática de forma de culpabilidade no modelo causal para tipo de injusto conforme a concepção moderna de crime Embora ENGISCH4 já tivesse observado que a inobservância do cuidado exigido que define o conceito de imprudência seria ca racterística do tipo o impulso decisivo da mudança viria do modelo finalista de fato punível com a teoria do injusto pessoal e a inserção do desvalor da ação como dolo ou imprudência no tipo de injusto5 II A capacidade individual como critério de definição de imprudência 1 Os tipos de imprudência pela variabilidade das condições ou circunstâncias de realização não podem ser descritos na lei penal 2 Ver CIRINO DOS SANTOS Teoria do crime 1993 p 35 também Direito Penal a nova parte geral 1985 p 165 e ainda As origens dos delitos de imprudência in Revista de Direito Penal 23 1977 p 5565 3 SCHUNEMANN Moderne Tendenzen in der Dogmatik der Fahrlässigkeits und Gefährdungsdelikte JA 1975 p 435 s 4 ENGISCH Untersuchungen uber Vorsatz und Fahrlässigkeit im Strafrecht 1930 5 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 4 p 9201 HAFT Strafrecht 1994 p 162 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 158 242012 162805 159 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente mas apenas indicados por sua natureza são tipos abertos que devem ser construídos concretamente mediante um processo de valoração judicial por isso não possuem o mesmo rigor de definição legal dos tipos dolosos6 Mas como o tipo objetivo do injusto de imprudência é idêntico ao tipo objetivo do injusto doloso correspondente e como os critérios de definição da imprudência se enraízam em normas ju rídicas regras profissionais e dados da experiência não parece haver lesão ao princípio constitucional da legalidade7 Afinal como observam JESCHECKWEIGEND o leigo é capaz de compreender melhor o comportamento imprudente do que alguns conceitos jurídicos como dolo eventual legítima defesa etc8 2 A definição de imprudência é fundada em critérios objetivos e pressu põe uma correspondência com a capacidade individual do ser humano A capacidade individual do cidadão pode concretamente ser inferior um motorista com visão fraca ou superior o motorista é um piloto de corridas à medida da definição judicial de imprudência A varia ção da capacidade individual concreta em relação à medida abstrata de definição da imprudência determinou a controvérsia sobre o lugar sistemático de avaliação dessas diferenças pessoais se as diferenças de capacidade individual devem ser consideradas somente na culpabili dade pelo critério da generalização ou se devem ser consideradas já no tipo de injusto pelo critério da individualização 6 Nesse sentido JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 54 I 3 p 564 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 131 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 87 p 950 No Brasil HEITOR COSTA JR Teoria dos delitos culposos 1988 p 55 ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 271 p 510511 em posição diferente TAVARES Direito Penal da negligência 1985 p 131133 afirma o caráter fechado do tipo de imprudência e admite sua inadequação ao princípio da legalidade 7 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 8788 p 951 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 54 I 3 p 564 8 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 54 I 3 p 564 BOCKELMANN Verkehrsrechtliche Aufsätze und Vorträge 1967 p 208 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 159 242012 162805 160 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 21 O critério da generalização ou critério duplo porque trabalha com uma combinação de tipo de imprudência e de culpabilidade de imprudência seguido por WELZEL JESCHECKWEIGEND HAFT etc generaliza a medida objetiva do tipo de injusto diferenças de capacidade individual não são consideradas no tipo de injusto mas avaliadas na culpabilidade conforme inteligência escolaridade habi lidades experiência de vida e posição social do autor9 desse modo a no nível superior da capacidade individual o autor é um pi loto de rally exige menos de quem pode mais do que a medida geral do tipo no caso o acidente só poderia ser evitado por um piloto de rally sob o argumento de que não seria exigível deste o que não é exigível de outros b no nível inferior da capacidade individual o autor é um motorista de idade avançada ou visão fraca exige mais de quem pode menos do que a medida geral do tipo um motorista idoso ou com vista fraca não evitaria o acidente sob o argumento de que a capacidade de agir conforme ao direito é problema de culpabilidade 22 O critério da individualização representado por STRATENWERTH e outros individualiza a medida objetiva do tipo de injusto considera no tipo de injusto as diferenças de capacidade individual inteligên cia escolaridade habilidades etc com as seguintes consequências práticas a se a capacidade individual é superior à medida do tipo de injusto então exige mais de quem pode mais considerando típicas ações atípicas pelo critério da generalização um piloto de rally deve empregar suas habilidades especiais para evitar um atropelamento o que seria impossível a um condutor comum um cirurgião de compe 9 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 18 I p 131 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 54 I 2 p 563 HAFT Strafrecht 1994 p 160161 No Brasil ver HEITOR COSTA JR Teoria dos delitos culposos 1988 p 58 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 160 242012 162805 161 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente tência reconhecida deve empregar sua capacidade especial para salvar uma vida o que está além do poder de um cirurgião comum etc b se a capacidade individual é inferior à medida do tipo de injusto por exemplo o motorista de visão fraca então exige menos de quem pode menos considerando atípicas ações típicas pelo critério da generalização10 3 Nessa controvérsia ROXIN11 combina o rigor dos critérios da gene ralização e da individualização porque exige mais de quem pode mais no limite superior e também exige mais de quem pode menos no limite inferior a se a capacidade individual é inferior à exigência geral do tipo de injusto prevalece a medida do tipo de injusto segundo o critério da generalização sob o argumento de que a incapacidade de agir diferente é um problema de culpabilidade b se a capacidade individual é superior à exigência geral do tipo de injusto o autor deve empregar essa maior capacidade segundo o princípio da individualização sob o argumento de que outra interpretação significaria vitimização des necessária de vidas humanas III O tipo de injusto imprudente A lei penal brasileira define o chamado crime culposo como re sultado causado por imprudência negligência ou imperícia art 18 II CP na verdade uma enumeração de hipóteses de comportamentos culposos herdada do modelo causal em contradição com os funda 10 JAKOBS Strafrecht 1993 95 p 318 s STRATENWERTH Zur Individualisierung der Sorgfaltsmasstabes beim Fahrlässigkeitsdelikte JescheckFS 1985 p 285 No Brasil HEITOR COSTA JR Teoria dos delitos culposos 1988 p 5859 manifestase a favor do critério da individualização 11 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 504 p 937939 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 161 242012 162805 162 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 mentos metodológicos do modelo final paradigma teórico da reforma da parte geral do Código Penal12 Art 18 Dizse o crime II culposo quando o agente deu causa ao resultado por imprudência negligência ou imperícia A literatura penal contemporânea trabalha com dois conceitos para definir imprudência a o conceito de dever de cuidado próprio da posição dominante desde WELZEL13 até JESCHECKWEIGEND14 que define imprudência como lesão do dever de cuidado objetivo exigi do15 b o conceito de risco permitido relacionado à teoria da elevação do risco desenvolvida por ROXIN16 que define imprudência como lesão do risco permitido As abordagens da imprudência promovidas por esses critérios são complementares e por isso a divergência é mais aparente do que real o conceito de dever de cuidado define imprudência do ponto de vista do autor individual e indica a atitude exigida para situar a conduta nos limites do risco permitido pelo ordenamento jurídico o conceito de risco permitido define imprudência do ponto de vista do ordenamento jurídico e indica os limites objetivos que condicionam o dever de cuidado do autor individual Assim podese dizer que o risco permitido definido pelo ordenamento jurídico constitui a moldura típica primária de adequação do dever de cuidado de modo que a le são do dever de cuidado sempre aparece sob a forma de criação ou de realização de risco não permitido Como se vê esses conceitos não se excluem mas se integram em uma unidade superior e sua utilização 12 CIRINO DOS SANTOS Teoria do crime 1993 p 36 13 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 18 I 1b p 134 s 14 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 I p 577 s 15 Critério dominante no Brasil HEITOR COSTA JR Teoria dos delitos culposos 1988 p 6064 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 189190 TAVARES Direito Penal da negligência 1985 p 138144 ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 275276 p 514517 16 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 14 p 924 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 162 242012 162805 163 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente combinada parece contribuir para melhor compreensão do conceito de imprudência Sob qualquer desses conceitos o tipo de injusto de imprudência é formado por dois elementos correlacionados a primeiro a lesão do dever de cuidado objetivo como criação de risco não permitido que defi ne o desvalor de ação b segundo o resultado de lesão do bem jurídico como produto da violação do dever de cuidado objetivo ou realização de risco não permitido que define o desvalor de resultado 1 O desvalor de ação lesão do dever de cuidado ou do risco permitido O dever de cuidado é delimitado principalmente por normas jurídicas que definem o risco permitido em ações perigosas para bens jurídicos na circulação de veículos na indústria no meio ambiente no esporte etc A legislação de trânsito brasileira Lei 950397 é a mais perfeita ilustração dessa tese primeiro institui o dever geral de atenção e cuidado na direção de veículo art 28 depois delimita esse dever de cuidado pelas normas jurídicas que definem o risco permitido na circulação de veículos arts 29 a 67 a circulação pelo lado direito as distâncias de segurança a preferência dos veículos em rotatórias ou procedentes da direita a prioridade livre circulação parada e estaciona mento de veículos de bombeiros polícia e ambulâncias o procedimento nos deslocamentos laterais retornos conversões à esquerda e nos cru zamentos os limites máximos de velocidade em vias urbanas e rurais a ultrapassagem pela esquerda as hipóteses de proibição de ultrapassagem e o comportamento do veículo ultrapassado os sinais de trânsito e a ordem de prioridade entre eles o uso do cinto de segurança e o lugar das crianças nos veículos as condições de circulação e de segurança dos veículos de duas rodas o princípio de responsabilidade decrescen Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 163 242012 162805 164 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 te de segurança no trânsito dos veículos maiores pelos menores dos motorizados pelos não motorizados e de todos pelo pedestre Em todas essas situações a definição do risco permitido delimita concretamente o dever de cuidado exigido para realizar a ação perigosa de dirigir veículo automotor em vias urbanas e rurais explicando o atributo de objetivo contido no conceito de dever de cuidado objetivo A infração de uma norma jurídica isolada constitui em regra criação de risco não permitido e assim caracteriza lesão do dever de cuidado mas excepcionalmente pode ser insuficiente para indicar lesão do risco permitido ou do dever de cuidado assim como a observação estrita da norma não garante conduta conforme ao cuidado objetivo ou nos limites do risco permitido se a observância concreta da regra eleva o perigo de um acidente por exemplo17 Por isso a jurisprudência e a pesquisa científica desenvolveram alguns conceitos e diretrizes úteis para caracterizar a lesão do dever de cuidado ou o que é a mesma coisa a criação de risco não permitido que definem o desvalor de ação nos crimes de imprudência como o modelo de homem prudente o princípio da confiança certas correlações de riscoutilidade etc a O modelo de homem prudente O conceito de homem prudente construído como modelo para determinar lesões do dever de cuidado ou do risco permitido18 é um referencial valioso para definir a natureza de comportamentos humanos Um homem prudente é capaz de reconhecer e avaliar situações de perigo para bens jurídicos protegidos mediante observação das condições de realização da ação e reflexão sobre os pro cessos subjacentes de criação e de realização do perigo um motorista prudente pode prever a possibilidade de crianças pedestres desatentos ou pessoas idosas ou deficientes ingressarem inesperadamente na pista de rolamento das vias urbanas e agir em conformidade com essa 17 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 1516 p 924 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 I 3d p 582 18 Ver BURGSTALLER Das Fahrlässigkeitsdelikt im Strafrecht 1974 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 164 242012 162805 165 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente previsão Esse modelo é construído perguntandose como agiria na situação concreta um homem prudente pertencente ao círculo social do autor e dotado dos conhecimentos especiais deste por exemplo sobre os perigos de determinado cruzamento ou sobre a presença de escolares na rua em determinados locais e horários etc se a construída ação do modelo divergir da ação real existe lesão do dever de cuidado ou do risco permitido19 O problema principal reside na dificuldade de definir o modelo adequado em geral influenciado pelas experiências e distorções subjetivas do intérprete evitando exigências excessivas por que ações socialmente perigosas são normais dentro de determinados limites e portanto lesões do dever de cuidado somente são admissíveis em casos de excesso do risco permitido20 se em condições normais o motorista urbano devesse sempre considerar a hipótese de pedestres invadirem a pista de rolamento o tráfego urbano seria impossível b O dever de informação sobre riscos e de abstenção de ações perigosas A realização de ações perigosas especialmente em certas áreas ou setores especializados das atividades humanas impõe o dever de informação sobre riscos para bens jurídicos21 com omissão da ação perigosa no caso de impossibilidade de informação de informação indicadora de risco excessivo ou de incapacidade pessoal de controle do risco dirigir veículo com defeito de visão dificuldade de movi mentos experiência insuficiente em estado de cansaço excessivo ou com informação deficiente sobre regras de circulação especialmente no estrangeiro realizar tratamento médico de doença grave sem ade quada informação sobre métodos de tratamento aplicar anestesia total sem prévio exame em paciente com indicações claras de problemas 19 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 I 2b p 578 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 32 p 931 WELZEL Das Deutsche Strafrechts 1969 18 I 1a p 132 No Brasil HEITOR COSTA JR Teoria dos delitos culposos 1988 p 60 TAVARES Direito Penal da negligência 2003 p 275276 rejeita o conceito de homem prudente e consciencioso porque seria equivalente ao conceito de homo medius 20 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 I 2b p 579 21 ENGISCH Untersuchungen uber Vorsatz und Fahrlässigkeit im Strafrecht 1930 p 306 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 165 242012 162805 166 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 cardíacos todas essas situações configuram lesões do dever de cuidado ou do risco não permitido subsumíveis na chamada culpa de empre endimento Ubernahmeverschulden regida pelo seguinte princípio quem não sabe deve se informar quem não pode deve se omitir22 c A correlação riscoutilidade na avaliação de ações perigosas As sociedades contemporâneas caracterizamse pela constante realização de ações perigosas o funcionamento de máquinas pesadas na indús tria a utilização de meios de transporte rápidos as pistas autorizadas de alta velocidade o uso de medicamentos tóxicos na medicina o generalizado emprego de defensivos agrícolas a crescente utilização da energia nuclear etc cujo funcionamento produção ou emprego deve observar o necessário cuidado controle ou vigilância para excluir ou minimizar os riscos correlacionados23 Contudo são autorizadas algumas ações fora dos limites normais do risco permitido por causa de sua significação social por exemplo a prioridade de trânsito e livre circulação de ambulâncias veículos de bombeiros ou carros de polícia no tráfego urbano cuja necessidade e utilidade social são indiscutí veis24 A permissibilidade de ações perigosas depende do significado da correlação riscoutilidade se o risco tem utilidade social então o maior risco pode ser permitido se o risco tem utilidade meramente individual então o menor risco é proibido Nesse sentido é interes sante o critério que classifica as ações perigosas em ações de luxo ou supérfluas cuja realização pode configurar risco não permitido e ações socialmente úteis ou necessárias normalmente abrangidas pelo risco permitido25 22 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 343346 p 932 também JESCHECK WEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 I 3 p 580 No Brasil TAVARES Direito Penal da negligência 2003 p 280283 23 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 I 3b p 580 24 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 37 p 933 25 BURGSTALLER Das Fahrlässigkeitsdelikt im Strafrecht 1974 p 58 também SCHUNEMANN Moderne Tendenzen in der Dogmatik der Fahrlässigkeits und Gefährdungsdelikte JA 1975 p 575 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 166 242012 162805 167 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente d O princípio da confiança A área de influência do princípio da confiança na construção dogmática do conceito de imprudência varia conforme sua definição como simples regra costumeira com plementar segundo JESCHECKWEIGEND26 ou como princípio de orientação capaz de indicar os limites do dever de cuidado ou do risco permitido no trânsito no trabalho cooperado e até mesmo em relação a possíveis fatos dolosos de terceiros conforme ROXIN27 Em geral o princípio da confiança significa a expectativa por quem se conduz nos limites do risco permitido de comportamentos alheios adequados ao dever de cuidado exceto indicações concretas em contrário28 Assim veículos com preferência de passagem em cruzamentos ou de circulação em rotatórias por exemplo podem confiar que outros condutores respeitarão a preferência sob pena de inviabilização do trá fego por subversão das regras que disciplinam a circulação de veículos Admitese ação em conformidade com o princípio da confiança mesmo na hipótese de pequenas lesões do risco permitido ou do dever de cui dado se a preferência de passagem pertence ao motorista alcoolizado A e o condutor B desrespeita essa preferência determinando um acidente de trânsito inevitável mesmo na hipótese de A não estar alcoolizado a punição de A somente poderia se fundar no inadmissível versari in re illicita29 Todavia o princípio da confiança não pode prevalecer contra crianças idosos ou doentes contra adolescentes com comportamentos 26 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 I 3d p 581 27 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 2130 p 926930 No Brasil TAVARES Direito Penal da negligência 2003 p 294 28 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 I 3d p 581 também ROXIN Strafrecht 1997 24 n 21 p 926 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 18 I 1a p 132134 No Brasil TAVARES Direito Penal da negligência 1985 p 148 HEITOR COSTA JR Teoria dos delitos culposos 1988 p 61 29 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 24 p 927928 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 167 242012 162805 168 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 estranhos contra pedestres evidentemente desorientados ou outras situações de injustificável expectativa de comportamentos adequados30 Igualmente o princípio da confiança exerce função relevante no trabalho cooperado ou de equipe com distribuição de tarefas integra das para realização de obra coletiva nas cirurgias médicas os superiores são responsáveis pela escolha direção e supervisão dos auxiliares os auxiliares devem observar as instruções recebidas cada especialista pode confiar no trabalho livre de falhas de outro especialista e em qualquer caso a correção de falhas alheias é sempre limitada pela necessidade de realização correta do próprio trabalho31 Enfim o princípio da confiança permite definir como adequa das ao dever de cuidado ou ao risco permitido ações que podem se relacionar com fatos dolosos de terceiros como a venda de armas de fogo de bebidas alcoólicas etc porque a exigência de omitir ações hipoteticamente relacionadas a crimes futuros teria igual efeito in viabilizador da vida social moderna que a renúncia à circulação de veículos por exemplo32 Exceções seriam as hipóteses de promoção de disposição reconhecível para fato doloso mediante contribuições causais imprudentes como entregar faca a partícipe de briga com a qual comete homicídio entregar veneno em condições suspeitas ao amante que envenena a esposa emprestar espingarda a amigo cujas intenções agressivas são reconhecíveis pela observação atenta de certas indicações que comete homicídio retirarse a mãe da casa durante parto de filha solteira sendo previsível infanticídio se a parturiente for deixada sozinha que mata o próprio filho em todas essas hipóteses o conceito unitário de autor de fato imprudente determina a punição 30 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 23 p 927 No Brasil TAVARES Direito Penal da negligência 2003 p 295 31 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 I 3de p 581582 também ROXIN Strafrecht 1997 24 n 25 p 928 32 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 26 p 928929 No Brasil TAVARES Direito Penal da negligência 2003 p 299300 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 168 242012 162805 169 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente por homicídio imprudente na última hipótese cometido por omis são e não por participação imprudente em fato doloso33 porque a ação não é coberta pelo princípio da confiança 2 O desvalor de resultado lesão do bem jurídico protegido O resultado nos crimes de imprudência é a lesão do bem jurídico protegido no tipo legal vida integridade ou saúde corporal do homem meio ambiente etc34 A regra dos crimes de imprudência é o resultado de dano como o homicídio ou a lesão corporal imprudentes arts 121 3º e 129 6º do Código Penal arts 302 e 303 do Código de Trânsito Brasileiro ou o incêndio culposo em mata ou floresta art 41 parágrafo único da Lei 960598 contudo no atual Direito Penal do risco as exceções de criminalização da imprudência com resultado de perigo são cada vez mais frequentes o tipo de injusto exaurese na ação lesiva do risco permitido ou do dever de cuidado por exemplo o crime de substâncias tóxicas à saúde humana ou meio ambiente art 56 3º da Lei 960598 O resultado nos crimes de imprudência é para a opinião domi nante elemento do tipo de injusto35 mas um segmento minoritário o define como condição objetiva de punibilidade fora do tipo de injusto sob o argumento de que a norma implícita no tipo legal somente pode 33 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 2630 p 928930 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 54 IV 2 p 573 34 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 II 1 p 582 No Brasil TAVARES Direito Penal da negligência 2003 p 301 35 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 II 1 p 582583 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 7 p 921 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 18 I 2 p 135 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 169 242012 162805 170 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 proibir ações nunca resultados típicos36 JESCHECKWEIGEND entre outros37 rejeitam essa teoria mostrando a ligação entre ação e resultado nos tipos de imprudência o dever de cuidado é definido para evitar determinados resultados típicos o resultado deve ser o produto específico da lesão do dever de cuidado o resultado deve ser previsível no momento da ação finalmente o resultado determina se porque e como o autor deve ser punido 21 Imputação do resultado ao autor A imputação do resultado ao autor a tem como pressuposto a relação de causalidade entre a ação lesiva do dever de cuidado ou do risco permitido e o resultado de lesão do bem jurídico e b tem como fundamento a realização do risco criado pela ação lesiva do dever de cuidado ou do risco permitido38 e c como condição pelo menos para um setor importante da teoria a previsibilidade do resultado39 1 Relação de causalidade A relação de causalidade entre ação e re sultado é regida pela teoria da equivalência das condições válida para os crimes dolosos e para os crimes imprudentes E assim como nos crimes dolosos a imputação do resultado ao autor exige mais do que a simples causalidade o resultado deve ser o produto específico da lesão 36 ARMIN KAUFMANN Das Fahrlässige Delikt ZfRv 1964 p 41 do mesmo Zum Stande der Lehre vom personalen Unrecht FS fur Welzel 1974 p 393 ZIELINSKI Handlungs und Erfolgsunwert im Unrechtsbegriff 1973 p 128 s e 200 s 37 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 II 1 p 583 também ROXIN Strafrecht 1997 24 n 7 p 921 No Brasil TAVARES Direito Penal da negligência 2003 p 302303 HEITOR COSTA JR Teoria dos delitos culposos 1988 p 6970 38 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 5 p 920 39 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 II 3 p 586587 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 18 I 2 p 136 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 667 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 170 242012 162806 171 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente do cuidado objetivo exigido40 ou a realização concreta de risco não permitido41 para ser definido como obra do autor e assim poder ser imputado ao autor 2 Realização do risco O fundamento jurídico da imputação do resul tado é a realização do risco criado pela ação lesiva do dever de cuidado ou do risco permitido O resultado somente é definível como realização do risco quando aparece como produto específico da lesão do dever de cuidado ou o que é a mesma coisa de outro ângulo como realização concreta de risco não permitido42 Assim a imputação do resultado exige primeiro a ação lesiva do dever de cuidado ou do risco permitido o desvalor de ação criador do perigo para o bem jurídico protegi do segundo o resultado de lesão do bem jurídico como realização da ação lesiva do dever de cuidado ou do risco permitido o desvalor de resultado como produto da lesão do dever de cuidado ou do risco permitido Assim a simples causalidade do resultado demonstrada pela exclusão hipotética da ação é insuficiente para imputar o resultado ao autor é necessário que o resultado seja o produto específico da ação lesiva do dever de cuidado ou do risco permitido 22 Exclusão da imputação do resultado A definição do resultado como realização do risco criado pela ação lesiva do dever de cuidado ou do risco permitido é excluída nas hipóteses a de fatalidade do resultado b de resultados incomuns c de resultados fora da área de proteção do tipo e d de resultados 40 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 II 2 p 583584 No Brasil TAVARES Direito Penal da negligência 2003 p 308310 HEITOR COSTA JR Teoria dos delitos culposos 1988 p 65 41 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 5 p 921 42 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 5 p 920 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 171 242012 162806 172 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 iguais em hipotéticas condutas conformes ao dever de cuidado ou risco permitido 1 Fatalidade do resultado Resultados de lesão do bem jurídico produzidos pela fatalidade de acontecimentos infelizes não podem ser definidos como realização do risco imputável ao autor Exemplo sob o impulso da força empregada para desprenderse das mãos da mãe a criança cai sobre veículo em movimento regular próximo ao meiofio sofrendo lesão corporal O mesmo ocorre no caso de pe destre que pula na frente de veículo em movimento nas vias urbanas mesmo comprovando excesso de velocidade anterior porque limites de velocidade não são estabelecidos para determinar o espaço que em certa unidade de tempo veículos e pedestres devem ocupar na circulação urbana ou para retardar o momento do encontro de ambos em determinado lugar43 2 Resultados incomuns Às vezes a lesão do dever de cuidado ou a ruptura do risco permitido pode influir no resultado mas a natureza incomum do acontecimento também não permite definilo como re alização do risco no sentido de produto de lesão do dever de cuidado ou do risco permitido Exemplo a vítima morre de colapso cardía co por causa de leve acidente de trânsito ou porque seu veículo foi fechado por outro em manobra de ultrapassagem irregular no trân sito O perigo de colapso cardíaco pode aumentar por tensões inespe radas ou por sustos resultantes de ações arriscadas de terceiros mas a elevação desse risco não parece suficiente para fundamentar a atribuição do resultado ao autor segundo WOLTER e ROXIN44 ou a forma 43 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 II 2 bb p 586 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 69 p 324 44 WOLTER Objektive und personale Zurechnung von Verhalten Gefahr und Verletzung in einem funktionalen Straftatssystem 1981 p 342 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 71 p 325 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 172 242012 162806 173 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente concreta do resultado estaria fora de qualquer previsibilidade como preferem JESCHECKWEIGEND WELZEL e WESSELS45 3 Resultados fora da proteção do tipo Existem hipóteses de resultados fora da área de proteção do tipo legal assim agrupadas a autoexposição a perigo b exposição consentida a perigo criado por outrem c perigos situados em área de responsabilidade alheia d danos psíquicoemocionais sobre terceiros e outras consequências danosas posteriores 31 A autoexposição a perigo define situações em que o resultado é atribuível à vítima e não ao colaborador da ação se aquela conhece o risco existente na ação mas é imputável se a vítima não percebe o significado de sua decisão neste caso o colaborador cria risco não coberto pela vontade daquela46 Exemplos a os motoqueiros A e B decidem disputar corrida de motos numa rodovia deserta na qual A morre em acidente causado por imperícia própria a atribuição de resultados evitáveis causados por lesão do dever de cuidado ou do risco permitido não se aplica a hipóteses de cooperação em ações intencionais autoperigosas de vítimas conhece doras do risco porque o resultado estaria fora da área de proteção do tipo47 b B dependente de drogas apesar de conhecer o perigo da ação morre após injetar em si mesmo heroína cedida por A o autor só responde pelo tipo correspondente da lei de drogas porque a auto exposição a perigo sob responsabilidade exclusiva da vítima impede a imputação do resultado a terceiro contudo é preciso distinguir o resultado não é atribuível se a vítima percebe o risco na mesma medida 45 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 II 3 p 586587 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 18 I 2 p 136 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 667 46 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 94 p 337 s 47 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 92 p 336 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 173 242012 162806 174 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 do colaborador mas é atribuível se a vítima não percebe o significado de sua decisão neste caso o colaborador cria risco não coberto pela vontade daquela48 c paciente morre após ingerir superdose de remédio de ação psicotrópica para emagrecimento receitado por médico a atribuição do resultado ao médico fundada no dever de garantia da vida do paciente é excluída pelo argumento de que o dever de proteção se limita à doença do paciente sem incluir incontroláveis autolesões intencionais com os meios de cura prescritos49 d B morre ao recusar por motivos religiosos necessária trans fusão de sangue após acidente de trânsito causado por A o autor responde somente por lesões corporais imprudentes porque a vítima se expõe à morte certa ou provável por decisão consciente própria50 32 A exposição consentida a perigo criado por outrem não é imputável ao autor se corresponder à autoexposição a perigo observado o se guinte o dano deve ser consequência do risco consentido e a vítima deve ter a mesma compreensão do e responsabilidade pelo perigo que o autor51 Exemplos a a vítima esclarecida pelo barqueiro sobre os perigos do mar agitado insiste no passeio de barco e morre afogada porque o barco emborca sob a violência das ondas b o passageiro morre em acidente de trânsito porque convence o motorista a dirigir em velocidade não permitida sob alegação de compromisso inadiável c apesar de enérgica recusa sob alegação da própria alcooliza ção proprietário de veículo é convencido por companheiro de festa 48 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 94 p 337 s 49 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 95 p 338 50 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 102103 p 341342 51 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 1058 p 342344 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 174 242012 162806 175 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente a darlhe carona o qual morre em acidente de trânsito relacionado à embriaguez do motorista Nesses casos a imputação do resultado é excluída porque a ví tima conhece o risco ao qual se expõe ao contrário o resultado seria imputável se o autor convence a vítima a enfrentar o mar minimiza os perigos da velocidade no trânsito ou disfarça o estado de embria guez porque então a vítima não poderia conhecer o perigo a que iria se expor e as hipóteses não mais equivaleriam à autoexposição a perigo52 Atualmente a exposição consentida a perigo criado por outrem abrange também casos de relações sexuais com portadores de AIDS equivalentes à autoexposição a perigo se ambos parceiros conhecem o risco de contaminação e são responsáveis pela ação comum ao con trário o resultado de infecção por HIV pode ser atribuído ao autor se este nega a contaminação se convence ou força a vítima à relação sexual etc53 33 Os perigos situados em área de responsabilidade alheia têm por objeto em geral funcionários públicos bombeiros policiais etc ou profissionais médicos por exemplo no âmbito de suas funções ou atividades e incidem sobre cursos causais preexistentes podendo excluir a atribuição do resultado ao autor de anterior lesão do risco permitido ou do cuidado objetivo Exemplo o bombeiro morre ao tentar extinguir incêndio pro vocado por imprudência do proprietário da residência Definir se o autor do incêndio responde por homicídio imprudente do bombeiro ou se esse resultado se situa em área de responsabilidade alheia é uma questão espinhosa a para a opinião dominante tratase de homicídio imprudente atribuível ao autor do incêndio porque o resultado rea 52 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 28 IV 4 p 288 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 107 p 343344 53 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 108 p 344345 FRISCH Die Fahrlässigkeitsdelikt und das Verhalten des Verletzten 1973 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 175 242012 162806 176 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 liza perigo não permitido compreendido no âmbito de proteção do tipo54 b para outro setor da literatura cujo ponto de vista interessa aqui considerar o resultado se situa em área de responsabilidade alheia fora do âmbito de proteção do tipo como indicam alguns ar gumentos i o risco funcional é livremente assumido com a escolha da função e o funcionário é remunerado precisamente pelo risco que assume ii a atribuição de resultados lesivos em ações de proteção e salvamento conflita com razões de política criminal porque o risco de novas incriminações induziria autores imprudentes de incêndios ou de outros eventos lesivos a deixar de pedir a proteção de bombeiros ou de policiais com consequências danosas certamente mais graves55 34 Os danos psíquicoemocionais sobre terceiros como distúrbios físicos ou mentais determinados por sofrimento ou sentimento de infelicidade resultante de morte ou lesões corporais graves de pessoa afetivamente próxima por lesão do dever de cuidado ou do risco permitido não podem ser atribuídos ao autor a proteção típica do homicídio ou das lesões corporais não inclui responsabilidades penais cumulativas por distúrbios físicos ou psíquicos relacionados a abalo emocional de terceiro ressalvado possível ressarcimento civil56 35 As outras consequências danosas posteriores não são imputadas ao autor se relacionadas à redução da resistência orgânica ou da capaci dade física determinadas por ação lesiva do dever de cuidado ou do risco permitido novo acidente relacionado à redução de movimentos pela amputação da perna de vítima de acidente anterior não pode ser atribuído ao responsável pelo primeiro fato57 mas danos posteriores relacionados causalmente à anterior ação lesiva do dever de cuidado 54 FRISCH Tatbestandsmässiges Verhalten und Zurechnung des Erfolgs 1988 p 472 também JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 28 IV 4 p 288 MAURACHGÖSSEL Strafrecht 1989 43 n 73 55 ROXIN Strafrecht 1997 11 ns 111114 p 347348 56 Ver ROXIN Strafrecht 1997 24 n 43 p 934 57 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 44 p 9345 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 176 242012 162806 177 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente ou do risco permitido independentemente do tempo decorrido são atribuíveis ao autor presentes outros pressupostos por exemplo a morte da vítima de acidente de trânsito depois de longo período de tratamento 4 Resultados iguais em condutas alternativas conformes ao dever de cuidado ou risco permitido A hipótese de resultado igual em conduta alternativa conforme ao direito exclui a imputação mas os critérios são controvertidos como mostra este exemplo sem obser var a distância necessária motorista de caminhão ultrapassa ciclista embriagado que numa reação de curtocircuito determinada pelo álcool puxa o guidão da bicicleta para a esquerda sendo esmaga do pelo rodado traseiro do caminhão JESCHECKWEIGEND58 excluem a imputação na hipótese de provável ou possível produção de igual resultado em hipotética conduta alternativa conforme ao dever de cuidado ROXIN59 admite excluir a imputação somente na hipótese de certa produção do resultado na hipótese de provável ou possível produção de resultado igual o resultado seria imputável ao autor porque a lesão do risco permitido eleva a possibilidade de sua produção e no exemplo citado a inobservância da distância correta teria reduzido a chance de preservação da vida do ciclista configu rando assim realização de risco não permitido igualmente rejeita aplicação do princípio in dubio pro reo porque se o autor transcende o risco permitido eleva o perigo tolerável pelo ordenamento jurídico criando risco proibido realizado no resultado concreto60 A posição de ROXIN parece excessiva primeiro a certeza é incompatível com cursos causais hipotéticos que somente admitem resultados prová veis ou possíveis segundo o princípio in dubio pro reo é a expressão processual do princípio constitucional da presunção de inocência que 58 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 II 2 p 584585 59 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 7678 p 327328 60 ROXIN Strafrecht 1997 11 n 78 p 328 No Brasil TAVARES Direito Penal da negligência 2003 p 332333 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 177 242012 162806 178 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 exclui toda e qualquer forma de presunção de culpa inerente em condenações duvidosas 23 A previsibilidade e a previsão do resultado A teoria dominante considera a previsibilidade do resultado con dição para sua atribuição ao autor61 embora exista relativa imprecisão sobre o que é ou não previsível como demonstram esses exemplos contraditórios da jurisprudência a o resultado é previsível se a vítima levemente ferida em acidente de trânsito morre de embolia por causa de tendência à trombose ou morre de derrame cerebral por causa da excitação do acidente b o resultado não é previsível se a vítima morre de colapso cardíaco por causa de fechada abrupta ou de leve acidente de trânsito62 ROXIN substitui a previsibilidade pelos critérios de criação e de realização do perigo mandar a namorada passear na praia deserta em dia de tempestade para ser fulminada por um raio o que de fato ocorre não é imputável ao autor porque ninguém pode criar riscos que não controla e não porque o resultado é imprevisível se a vítima de acidente de trânsito morre em incêndio no hospital a imputação do resultado é excluída porque não constitui realização do perigo criado pelo autor e não por causa da imprevisibilidade do incêndio63 Mas fundamentar a imputação do resultado na criação ou na realização de risco criado pelo autor não afasta a categoria da previsi bilidade afinal a criação ou a realização do perigo é imputável porque 61 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 II 3 p 586587 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 I 2 p 136 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 ns 667 e 667 s 62 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 II p 586587 63 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 13 p 923924 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 178 242012 162806 179 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente o resultado é previsível e por isso controlável pelo autor Na verdade o conceito de risco do resultado de lesão pressupõe ou implica a previsibilidade objetiva do resultado sem a qual não pode ser definido A previsibilidade do resultado parece ser o fundamento mínimo de imputação da imprudência que unifica suas modalidades inconsciente e consciente na imprudência inconsciente o autor não prevê resultado previsível na imprudência consciente o autor prevê resultado previsível que confia poder evitar64 1 Imprudência inconsciente A imprudência inconsciente define se pela ausência de representação da lesão do dever de cuidado ou do risco permitido o autor não representa a possibilidade de realização do tipo e constitui a modalidade menos grave de imprudência a lesão do risco permitido ou do dever de cuidado é objetivamente idêntica mas a representação da possível lesão do risco permitido ou do dever de cuidado na imprudência consciente pode determinar outra atitude do autor o que não ocorre na imprudência inconsciente excepcionalmente a imprudência inconsciente pode ser mais grave no caso de grosseira desatenção do autor enquanto a imprudên cia consciente pode revelar extremo cuidado para evitar lesão de bem jurídico representada como possível65 Alguns autores como BOCKELMANN66 por exemplo propõem retirar o caráter culpável da imprudência inconsciente porque a ausência de representação do autor exclui a possibilidade de agir diferente Contra a proposta argumentase que a culpabilidade não se baseia somente no conhe cimento da lesão do bem jurídico mas também na possibilidade desse conhecimento resultante da consciência das circunstâncias fun damentadoras do perigo soltar cachorro agressivo que fere criança constitui ação imprudente independentemente do autor pensar ou não no resultado lesivo além disso a vida social contemporânea 64 Ver MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 191 65 ROXIN Strafrecht 1997 24 ns 5961 p 940941 66 BOCKELMANN Verkehrsstrafrechtliche Aufsätze und Vorträge 1967 p 213 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 179 242012 162806 180 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 exige cidadãos capazes de reconhecer e de controlar os perigos que criam67 2 Imprudência consciente A imprudência consciente configurase pela representação da possibilidade de lesão do risco permitido ou do dever de cuidado e pela confiança na evitação do resultado o autor representa a possibilidade de realização do tipo mas confia na au sência do resultado lesivo ou porque subestima o perigo ou porque superestima a capacidade pessoal ou porque acredita na sorte Não há consenso sobre o nível de intensidade da representação da possível realização do resultado típico representação mínima para a opinião dominante representação de perigo concreto para JESCHECK WEIGEND68 representação de perigo juridicamente relevante superior ao risco permitido para ROXIN69 Definir o conceito de imprudência consciente é relevante entre outras razões para fixar a linha diferenciadora do dolo eventual im prudência consciente e dolo eventual são conceitos simultaneamente excludentes e complementares e sua distinção constitui uma das mais difíceis questões do Direito Penal70 porque fundamentada na identifi cação de atitudes diferenciáveis em última instância pela afetividade do autor De modo geral o dolo constitui decisão de lesão do bem jurídico protegido no tipo e a imprudência consciente representa leviana confiança na exclusão do resultado de lesão71 mas a determina ção das identidades e das diferenças entre dolo eventual e imprudência consciente exige critérios mais precisos conforme demonstrado no estudo do dolo eventual 67 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 62 p 942 68 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 54 II p 568569 69 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 63 p 942 70 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 I 2 p 69 71 ROXIN Strafrecht 1997 11 ns 2527 p 374375 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 180 242012 162806 181 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente A área dos efeitos secundários representados como possíveis pelo autor parece constituir a base empírica comum das teorias sobre im prudência consciente e dolo eventual separáveis por detalhes nas dimen sões intelectual e emocional desses conceitos A literatura trabalha na área dos efeitos secundários típicos representados como possíveis com os seguintes conceitos para definir imprudência consciente e dolo even tual72 a imprudência consciente caracterizase no nível intelectual pela representação da possível produção do resultado típico e no nível da atitude emocional pela leviana confiança na ausência ou exclusão desse resultado por habilidade atenção cuidado etc na realização concreta da ação o dolo eventual caracterizase no nível intelectual por levar a sério a possível produção do resultado típico e no nível da atitude emocional por conformarse com a eventual produção desse resultado podendo variar para as situações respectivas de contar com o resultado típico possível cuja eventual produção o autor aceita O caráter complementarexcludente desses conceitos consiste no seguinte quem confia na exclusão ou ausência do resultado típico possível não pode simultaneamente conformarse com ou aceitar sua produção imprudência consciente quem se conforma com ou aceita o resultado típico possível não pode simultaneamente confiar em sua exclusão ou ausência dolo eventual73 É possível identificar em escala gradativa de intensidade dos elementos intelectual e emocional do tipo subjetivo todas as mo dalidades subjetivas de realização de ações típicas desde o nível de maior intensidade psíquica do dolo direto de 1o grau até o nível de menor intensidade psíquica da imprudência inconsciente em um só e mesmo tipo objetivo se A fere B ao responder cumprimento 72 Ver ROXIN Strafrecht 1997 11 n 29 p 376 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III 3 p 299230 73 Representativos da opinião dominante JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 III 3c p 301 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 13 I 2 p 68 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 181 242012 162807 182 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 segurando um canivete na mão é admissível todo o leque de atitudes subjetivas do dolo direto dolo eventual imprudência consciente e imprudência inconsciente conforme exista intenção de ferir ou conformação com a produção do resultado típico representado como possível ou confiança na ausência do resultado típico repre sentado como possível pelo cuidado na ação de cumprimentar ou simplesmente ausência de representação desses efeitos colaterais possíveis74 Na hipótese de dúvida sobre o tipo subjetivo respectivo a solução é sempre indicada pelo princípio in dubio pro reo aplicável irrestritamente A intensidade da lesão do risco permitido ou do dever de cuida do também pode determinar variações de gravidade da imprudência consciente ou inconsciente que oscila da leviandade como o nível mais intenso até a pequena imprudência como o nível mais leve de imprudência A leviandade é constituída pela imprudência grosseira das situações de leviana desatenção na realização de ações socialmente perigosas ou de frívola desconsideração por bens jurídicos protegidos ou ainda de lesões especialmente sérias do risco permitido ou do dever de cuidado objetivo75 Por isso a leviandade pode justificar maior rigor repressivo mas sempre nos limites da imprudência que não deve jamais ser confundida com nem tratada como dolo eventual sob pena de se abolir a diferença entre dolo eventual e imprudência consciente conforme alguns equivocados e deprimentes julgados da jurisprudência brasileira referidos como modelos sem qualquer ressalva por um setor da literatura penal76 em casos de resultados imprudentes produzidos por grave lesão do risco permitido ou do dever de cuidado Sobre isso é importante dizer o seguinte o dolo eventual não pode ser definido de modo abstrato fundado exclusivamente em atitudes irresponsáveis do autor por exemplo a irresponsabilidade da velocidade excessiva no 74 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 70 p 944945 75 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 7576 p 946 76 Ver por exemplo MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 141 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 182 242012 162807 183 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente trânsito mas sempre de modo concreto em que a situação objetiva de probabilidadepossibilidade de lesão de bens jurídicos é precisamente representada pelo autor momento intelectual o qual consente na ou aceita a produção do resultado momento emocional representado como provávelpossível Em outras palavras é necessário que uma situação concreta objetivamente existente penetre no psiquismo do autor sob a forma de representação do real pelos mecanismos percep tivos conscientes conhecimento e em face dessa situação concreta representada a conformação no autor de uma atitude interna definível como consentimento no ou aceitação do resultado representado como provável ou possível vontade Fora disso a teoria do consentimento acolhida na legislação penal exclui o dolo eventual Por outro lado a pequena imprudência é constituída por leves descuidos presentes na vida dos cidadãos mais prudentes e por isso são fenômenos não elimináveis da experiência cotidiana cuja descri minalização representa exigência de política criminal antiga sob o fundamento da inutilidade da repressão de falhas individuais relacio nadas à natureza dos processos psíquicos e portanto ligadas à própria contingência humana sendo suficiente a existência de mecanismos civis compensatórios77 Propostas menos radicais de política criminal para a pequena imprudência sugerem despenalização das lesões do dever de cuidado produzidas no contexto de atividades socialmente admitidas e punição no âmbito de ações socialmente desaprovadas ou nos crimes qualificados pelo resultado78 neste caso se o resultado for previsível porque resultados imprevisíveis não podem ser imputados sob nenhuma hipótese 77 Nesse sentido ROXIN Strafrecht 1997 24 n 85 p 950 78 Ver por exemplo ARZT Leichtfertigkeit und recklessness SchröderGS 1978 p 119 BURGSTALLER Das Fahrlässigkeitsdelikt im Strafrecht 1974 p 201 STRATENWERTH Strafrecht 1981 n 1137 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 183 242012 162807 184 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 IV Tipo objetivo e tipo subjetivo Uma estrutura de tipo objetivo e tipo subjetivo nos crimes de imprudência homogênea à estrutura dos crimes dolosos é admissível na imprudência consciente mas é objeto de controvérsia na imprudência inconsciente A imprudência consciente possui um tipo objetivo constituído pela causação do resultado e pela imputação do resultado e um tipo subjetivo integrado pela representação das circunstâncias de fato e pela previsão do resultado no nível intelectual e pela confiança na ausência do resultado no nível emocional a contrapartida típica subjetiva em relação ao dolo eventual79 A imprudência inconsciente possui idênti co tipo objetivo mas a questão do tipo subjetivo é controvertida a opinião majoritária nega a existência de tipo subjetivo pela ausência de representação do tipo objetivo um segmento minoritário afirma a existência de tipo subjetivo consistente na previsibilidade de realização do tipo objetivo80 ou no conhecimento dos fatores formadores do risco81 nunca das circunstâncias de fato do tipo objetivo A crítica argumenta que o conhecimento dos fatores fundamentadores do risco pode ser frequente mas não é necessário como nos casos comuns de inconsciência do excesso de velocidade ou da invasão de sinal vermelho além das hipóteses de simples esquecimento82 Contudo a inconsciência ou o esquecimento de ações socialmente perigosas 79 Assim HAFT Strafrecht 1994 p 155 n 4 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 66 p 943 No Brasil MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 191192 também ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 277 p 517 Contra a distinção entre tipo subjetivo e tipo objetivo TAVARES Direito Penal da negligência 2003 p 278 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 p 231 n 210 HEITOR COSTA JR Teoria dos delitos culposos 1988 p 6972 80 HAFT Strafrecht 1994 p 155 n 4 81 STRUENSEE Objektives Risiko und subjektiver Tatbestand JZ 1987 p 53 s 82 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 68 p 944 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 184 242012 162807 185 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente são atos psíquicos que configuram uma atitude subjetiva em face da possibilidade representável mas não representada de lesão de bens jurídicos essa atitude subjetiva constitui um estado psíquico necessa riamente diferente da disposição psicológica e emocional do dolo e da imprudência consciente mas suscetível de ser definido como tipo subjetivo da imprudência inconsciente V Crimes qualificados pelo resultado combinações doloimprudência 1 Nos crimes qualificados pelo resultado a relação entre ação e re sultado também se desdobra em causação do resultado e imputação do resultado como em qualquer crime de resultado o resultado deve ser o efeito causal e o produto do risco criado pela ação dolosa do autor ROXIN ou a consequência previsível da ação do autor JESCHECKWEIGEND Entretanto os crimes qualificados pelo resultado cujo tipo mais característico é a lesão corporal com resultado de morte art 129 3º CP constituem resquício medieval do versari in re illici ta do Direito Canônico como responsabilidade penal sem culpa por consequências resultantes da realização de uma ação proibida como informa ROXIN83 Historicamente os delitos qualificados pelo resultado provêm da teoria da assim chamada versari in re illi cita equivalente a permanecer em coisa proibida desenvolvida no Direito Canônico por força da qual 83 ROXIN Strafrecht 1997 p 281 n 121 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 185 242012 162807 186 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 cada um responde ainda que sem culpa por todas as consequências que se originam de sua ação proibida 2 A crítica moderna propõe a abolição pura e simples dos crimes qualificados pelo resultado por causa de sua moldura penal excessiva lesiva dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da cul pabilidade84 Enquanto isso a literatura sugere limitações profundas na imputação do resultado mais grave somente admissíveis em ações levianas altamente perigosas para a vida definidas como intermediárias entre a simples imprudência e o dolo de homicídio como indica ROXIN85 Desta forma apenas ações altamente perigosas contra a vida seriam compreendidas como tipo fundamental doloso antecedente dos delitos qualificados pelo resul tado que representam um nível intermediário entre o simples homicídio imprudente e o homicídio doloso e assim justificam uma moldura penal especial Igualmente JESCHECKWEIGEND definem os crimes qualificados pelo resultado como resíduo do versari in re illicita afirmando sua compatibilidade duvidosa com o princípio da cul pabilidade cuja pena ultrapassa os limites da culpabilidade por imprudência86 3 Assim se a realização da ação típica dolosa antecedente contém implícita lesão do dever de cuidado ou do risco permitido a imprudên cia contida na ação típica dolosa antecedente não é suficiente para 84 ROXIN Strafrecht 1997 p 276 n 110 Os críticos que advogam por sua abolição censuram sobretudo a moldura penal excessivamente elevada que os mostra de certo modo como contrários ao princípio da culpabilidade ou ao princípio da igualdade e assim como inconstitucionais eles consideram que o conteúdo de desvalor de tais delitos pode ser plenamente preenchido com as regras da concorrência Esta crítica é em parte justificada 85 ROXIN Strafrecht 1977 p 277 n 111 86 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1966 p 571 III Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 186 242012 162807 187 Capítulo 9 O Tipo de Injusto Imprudente imputação do resultado mais grave ao autor é necessário ainda a definição do resultado como produto do risco criado pelo autor ou a previsibilidade do resultado como consequência provável da ação A literatura contemporânea sobre os crimes qualificados pelo re sultado pode ser assim resumida ROXIN condiciona a imputação do resultado à sua definição como produto específico do risco criado pela ação dolosa fundamental87 OTTO indica o perigo específico do tipo base como critério limitador que permite definir o resultado como realização do perigo específico da ação dolosa precedente88 JESCHECK WEIGEND exigem previsibilidade do resultado mais grave além da lesão do cuidado da ação dolosa89 TRÖNDLEFISCHER afirmam ser necessária a previsibilidade do resultado e portanto a insuficiência da mera relação de causalidade entre ação e resultado90 Na literatura 87 ROXIN Strafrecht 1997 10 n 114 p 278 porque todo delito até mesmo um furto pode conduzir a consequências graves atípicas por exemplo queda mortal na perseguição o legislador dispôs um resultado qualificador apenas em determinados delitos por causa de sua tendência geral à produção de consequências mais graves correspondendo à finalidade da lei aplicar o tipo legal apenas em resultados que provêm do perigo específico do delito fundamental Apenas tais resultados são compreendidos pela finalidade de proteção dos delitos qualificados pelo resultado 88 OTTO Grundkurs strafrecht De Gruyter 2000 11 n 9 p 195 A nova jurisprudência desprendeuse da exigência de imediação e agora exige que se tenha realizado no resultado especial precisamente um tal perigo que marca de modo específico a ação fática do tipo fundamental 89 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 54 III n 2 p 571 A imprudência indica a especificidade nas combinações próprias de doloimprudência de que a lesão do cuidado em relação ao resultado consiste já na ação dolosa de modo que em regra devese apenas perguntar se o resultado de perigo era também previsível Se contudo a produção do resultado permanece fora de qualquer probabilidade pode faltar no caso concreto a relação de imputação entre lesão do cuidado e produção do resultado 90 TRÖNDLEFISCHER Strafgesetzbuch und Nebengesetze 2001 227 ns 2 e 3 2 O resultado de morte precisa ter sido causado por lesão corporal que também pode consistir em uma omissão de ação Mas segundo a opinião dominante não é suficiente que exista uma relação de causalidade para o 227 ao contrário é pressuposta uma estreita relação entre fato e resultado mais grave 3 O resultado de morte precisa ser causado pelo menos por imprudência 18 E porque já na comissão do delito fundamental existe Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 187 242012 162807 188 Teoria do Fato Punível Capítulo 9 brasileira HUNGRIAFRAGOSO se referem de modo semelhante sobre o art 129 3o CP afirmando a impossibilidade de atribuição de resultados imprevisíveis91 Conclusão nos crimes qualificados pelo resultado a imputação do resultado mais grave pressupõe além da imprudência implícita na ação dolosa antecedente a definição do resultado mais grave como produto específico do risco criado pela ação dolosa do autor ou a previsibilidade do resultado mais grave como consequência provável da ação sob pena de absoluta inconstitucionalidade uma lesão do cuidado aqui o critério da imprudência é somente a previsibilidade do resultado 91 HUNGRIAFRAGOSO Comentários ao Código Penal 1979 v 5 p 359 são enfáticos se o resultado não foi previsto nem podia ter sido previsto pelo agente constituindo em relação a este um mero caso fortuito o agente só responderá por lesão corporal simples ou por outro modo qualificada Assim via de regra o soco o pontapé a mordedura a cabeçada a bengalada etc Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 188 242012 162807 189 Capítulo 10 o tipo de iNjuSto de omiSSão de ação I Introdução O estudo do tipo de injusto de omissão de ação supõe duas distin ções fundamentais primeiro distinguir ação e omissão de ação concei tos aparentemente irredutíveis a um denominador comum segundo no âmbito do conceito de omissão de ação distinguir omissão de ação própria fundada no dever jurídico geral de agir atribuível a todas as pessoas e omissão de ação imprópria fundada no dever jurídico especial de agir atribuível exclusivamente a pessoas definíveis como garantidores de determinados bens jurídicos em situação de perigo II Ação e omissão de ação Ação e omissão de ação são conceitos contraditórios que se rela cionam segundo célebre distinção de RADBRUCH como A e não A1 se A significa realizar uma ação proibida não A significa omitir a realização de uma ação mandada A contradição entre ação e omissão de ação assume forma plástica em ENGISCH2 que define ação como 1 Ver HAFT Strafrecht 1994 p 167 também WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 26 I p 200 2 ENGISCH Tun und Unterlassen Festschrift fur Gallas 1973 p 170 JESCHECK WEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 58 II 1 p 601 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 189 242012 162807 190 Teoria do Fato Punível Capítulo 10 emprego de energia em determinada direção e omissão de ação como não emprego de energia em determinada direção Desse modo a ação seria uma realidade empírica conhecível pelos sentidos a omissão de ação não seria uma realidade empírica mas uma expectativa frustrada de ação somente conhecível por um juízo de valor3 Nesse sentido omitir uma ação não significa simplesmente não fazer nada mas não fazer algo determinado pelo direito4 Em geral parece não haver dificuldade para diferenciar ação e omissão de ação mas em hipóteses de ação ou de omissão de ação simultâneas ou sucessivas essa diferenciação pode ser problemática Por isso a teoria construiu alguns critérios para facilitar a distinção a o critério da causalidade pelo qual existe ação se há determinação causal do resultado existe omissão de ação se um juízo de valor indica que alguém deveria ter agido5 b o critério do risco pelo qual existe ação se há criação ou elevação de risco para o bem jurídico existe omissão de ação se não há criação ou elevação de risco para o bem jurídico6 Por exemplo nos crimes de imprudência existe simultaneidade entre ação e omissão de ação a ação lesiva do risco permitido ou do dever de cuidado corresponde à omissão de ação adequada ao dever de cuidado ou ao risco permitido mas a existência de determinação causal do resultado ou de criaçãoelevação de risco do resultado atribuível ao autor indica normalmente uma ação imprudente Ao contrário existe 3 HAFT Strafrecht 1994 p 167 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 Cap 2 p 598 4 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 708 p 225 falam em não realizar determinada atividade juridicamente exigida No Brasil a excelente monografia de TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 n 19 p 60 fundamenta a omissão de ação no critério axiológico do dever de agir geral ou especial 5 HAFT Strafrecht 1994 p 167169 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 58 II 2 p 603 No Brasil ver TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 n 14 p 4446 6 Ver OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 I 2 n 2 p 144145 No Brasil comparar TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 n 18 p 5759 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 190 242012 162807 191 Capítulo 10 O Tipo de Injusto de Omissão de Ação omissão de ação nos seguintes exemplos a a mulher busca o marido bêbado no bar mas por causa de uma discussão abandona o marido no meio do caminho e este morre afogado no córrego ao tentar seguir sozinho para casa b após servir grande quantidade de bebida alcoólica a motorista de caminhão o proprietário do bar não impede o prossegui mento da viagem daquele que morre em acidente ao reentrar na rodovia c proprietário entrega veículo a amigo bêbado que morre em acidente porque aquele não impediu o amigo de dirigir embriagado7 Entretanto hipóteses de intervenção em processos causais preexistentes podem ser controvertidas a aparelho de respiração de paciente em estado de coma irreversível é desligado 1 pelo médico que o ligou ou 2 por terceiro se pelo médico existe omissão de ação porque a relevância não residiria na ação de desligar o aparelho mas na omissão da ação de continuar o tratamento se por terceiro por exemplo a mulher do paciente a pedido deste existe ação b B lança corda para salvar C da areia movediça mas solta a corda e C morre se antes de C agarrar a corda existe omissão de ação pela ausência de criaçãoelevação de risco ou pela conclusão de que B deveria ter agido se depois de C agarrála existe ação por determinação causal do resultado ou por criaçãoelevação de risco do resultado8 III Omissão de ação própria e imprópria O Direito Penal utiliza duas técnicas diferentes para proteger bens jurídicos em regra a norma penal proíbe a realização de ações 7 Maiores detalhes HAFT Strafrecht 1994 p 168169 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 58 II 2 p 603 8 HAFT Strafrecht 1994 p 169 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 58 II 2 p 603 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 I 2 n 610 p 146 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 191 242012 162807 192 Teoria do Fato Punível Capítulo 10 lesivas de bens jurídicos por exceção a norma penal ordena a reali zação de ações protetoras de bens jurídicos A ordem de realizar ações protetoras de bens jurídicos pode estar explícita em tipos legais cuja descrição negativa indica os tipos de omissão de ação própria por exemplo art 135 CP deixar de prestar assistência à criança aban donada ou extraviada ou à pessoa inválida ou ferida ao desamparo ou em grave e iminente perigo etc ou pode estar implícita nos tipos legais de resultado cuja descrição positiva indica simultaneamente a regra da ação e a exceção da omissão de ação imprópria por exemplo art 121 CP matar alguém9 1 A omissão de ação própria corresponde inversamente aos tipos de simples atividade e tem por fundamento a solidariedade humana entre os membros da sociedade que engendra o dever jurídico geral de agir cuja lesão implica responsabilidade penal dolosa pela omissão da ação mandada o dever de agir é definido no tipo legal respecti vo como a omissão de socorro art 135 CP o abandono de incapaz art 133 CP etc10 2 A omissão de ação imprópria corresponde inversamente aos tipos de resultado e tem por fundamento a posição de garantidor do bem jurídico atribuída a determinados indivíduos que engendra o dever jurídico especial de agir cuja lesão implica responsabilidade penal pelo resultado doloso ou imprudente como se fosse cometido por ação se o pai não impede mas pode impedir o afogamento do filho menor na piscina doméstica responde pelo resultado de morte por dolo ou imprudência11 e não por simples omissão de socorro 9 Nesse sentido TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 n 12 p 36 10 Assim por exemplo JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 58 III 12 p 605606 HAFT Strafrecht 1994 p 167 No Brasil comparar TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 n 20 p 6364 11 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 58 III 2 p 605606 No Brasil TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 n 22 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 192 242012 162807 193 Capítulo 10 O Tipo de Injusto de Omissão de Ação IV A omissão de ação imprópria e o princípio da legalidade A omissão de ação imprópria parece em conflito com o princípio da legalidade nas suas dimensões de proibição de analogia e de proibição de indeterminação penal como indica a dogmática contemporânea12 Um setor importante da literatura afirma a inconstitucionalidade dos crimes de omissão de ação imprópria porque constituiriam analogia proibida pelo princípio da legalidade e ainda mais relevante porque violariam a proibição de indeterminação dos tipos legais13 1 A proibição de analogia penal Com a introdução legal do critério formal de definição da po sição de garantidor art 13 2º CP uma opção de leitura dos tipos de resultado por exemplo homicídio e lesão corporal pode esclare cer a questão da analogia da omissão de ação imprópria conforme as seguintes alternativas a se os tipos de resultado são lidos como descrição de ações produtoras do resultado então a omissão de ação imprópria configura necessa p 6670 corretamente considera insuficiente a fundamentação legal do dever de impedir o resultado em face do princípio da legalidade 12 Ver por exemplo ROXIN Strafrecht II Beck 2003 p 637638 13 Assim KÖHLER Strafrecht Springer 1997 p 213214 No Direito Penal alemão o delito de omissão do garantidor após o reconhecimento de seus fundamentos na Doutrina e na Jurisprudência foi disciplinado de modo geral através da 2a Lei de Reforma do Direito Penal no 13 do Código Penal Mas esta norma é em sua circularidade insuficientemente determinada daí ser incompatível com o princípio da determinação constitucional art 103 II da Constituição grifamos Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 193 242012 162808 194 Teoria do Fato Punível Capítulo 10 riamente analogia proibida pelo princípio da legalidade porque a lei penal não define a omissão de ação imprópria cuja existência seria ilegalmente deduzida dos tipos legais14 b se os tipos de resultado são lidos como descrição simultânea de ações e de omissões de ação produtoras do resultado por exemplo matar al guém por ação proibida ou por omissão de ação mandada na posição de garantidor do bem jurídico então a produção do resultado por ação e a não evitação do resultado por omissão de ação constituiriam equivalentes lesões de bens jurídicos15 igualmente compatíveis com o princípio da legalidade a posição de garantidor seria característica típica geral de autoria dos tipos de resultado art 13 2º CP que independe de repetição nas definições legais respectivas16 Como os tipos legais indicados admitem realização por ação e por omissão de ação a hipótese de analogia proibida parece excluída 2 A proibição de indeterminação penal Não obstante persistem tensões dogmáticas na omissão de ação imprópria relativas à extensão da responsabilidade penal e à relação de causalidade apesar da definição legal das fontes do dever de ga rantia a a lei penal define os fundamentos do dever de evitar o resultado art 13 2º CP mas não indica os resultados de lesão de bens ju 14 Ver H MAYER Strafrecht 1953 p 199 15 Ver OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 I 4 n 1920 p 148 16 Nesse sentido a tese de TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 n 12 p 37 sobre a impossibilidade de suficiente proteção de bens jurídicos se não considerarmos que a norma é proibitiva e mandamental ao mesmo tempo representa contribuição significativa Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 194 242012 162808 195 Capítulo 10 O Tipo de Injusto de Omissão de Ação rídicos atribuíveis ao garantidor sob aqueles fundamentos legais ou seja não indica os tipos de resultado de lesão atribuíveis ao garantidor do bem jurídico o que parece infringir a proibição de indeterminação legal do princípio da legalidade afinal todos os bens jurídicos dos tipos de resultado são atribuíveis ao garantidor ou apenas os bens jurídicos mais importantes e nesse caso quais e de que modo b a relação de causalidade entre ação omitida e resultado típico é hipotética portanto fundada em juízo de probabilidade de exclusão do resultado pela realização imaginária da ação mandada17 que pode ser um juízo próximo da certeza mas será apenas juízo e necessaria mente incerto18 21 O problema da indeterminação legal dos resultados de lesão de bens jurídicos atribuíveis ao garantidor afeta também outras legislações com críticas semelhantes Por exemplo idêntica lacuna do Código Penal alemão é objeto de crítica que questiona a compatibilidade do 13 com o princípio da determinação como diz ROXIN19 Pois a lei indica como pressupostos da punibilidade da omissão apenas os critérios do dever de garantir e da correspondência sem dizer quando se tem de garantir que o resultado não ocorra e quando a omissão corres ponde a um fazer Que a regulação legal sob o ponto de vista do princípio da determinação não é inquestionável é também afirmado frequentemente na literatura 17 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 58 IV 3 p 609 18 COSTA JÚNIOR Comentários ao código penal I 1989 p 134 fala em desrespeito aos princípios da certeza do direito e da legalidade sugerindo previsão legal dos tipos que admitem comissão por omissão 19 ROXIN Strafrecht Beck 2003 v II 31 IV n 32 p 637 Denn das Gesetz nennt als Voraussetzungen der Unterlassungsstrafbarkeit nur die Kriterien des Einstehenmussens und des Entsprechens ohne zu sagen wann man dafur einzustehen hat dass der Erfolg nicht eintritt und wann das Unterlassen dem Tun entspricht Dass die gesetzliche Regelung unter dem Gesichtspunkt des Bestimmtheitsgrundsatzes nicht unbedenklich ist wird denn auch in der Literatur vielfach betont Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 195 242012 162808 196 Teoria do Fato Punível Capítulo 10 No caso da lei penal brasileira a ausência da cláusula de corres pondência pela qual a não evitação do resultado deve corresponder à realização ativa do resultado respectivo pelo garantidor agrava a situação No Brasil após a reforma de 1984 a lei penal define os funda mentos do dever jurídico de evitar o resultado art 13 2º CP mas não determina os resultados de lesão dos bens jurídicos atribuíveis ao garantidor com fundamento nos deveres jurídicos definidos Nessas condições a única forma de conciliar a omissão de ação imprópria com a proibição de indeterminação do princípio da legali dade seria reduzir a responsabilidade penal do garantidor aos bens jurídicos individuais mais importantes como a vida e o corpo do sujeito garantido a extensão da garantia a todos os tipos de resultado de lesão incluindo o patrimônio a sexualidade ou ainda mais grave o sistema financeiro o meio ambiente etc embora tecnicamente admissível implicaria um dever jurídico indeterminável e excessivo incompatível com a Constituição da República20 22 A questão da chamada probabilidade próxima da certeza da cau salidade hipotética por isso também denominada quase causalidade parece representar critério de juízo determinado pela estrutura da omissão de ação imprópria a atribuição do resultado ao garantidor do bem jurídico não pode se basear em causalidade real presente na realização concreta da ação mandada e ausente na omissão de ação mas em causalidade hipotética fundada em juízo de probabilidade próxima da certeza de exclusão do resultado Se o controlador de trá fego ferroviário por exemplo não comunica a partida do trem e o motoqueiro é atropelado porque a cancela não foi fechada podese afirmar que a realização da ação mandada excluiria o resultado com probabilidade próxima da certeza segundo a teoria dominante21 20 Nesse sentido TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 p 8182 restringe o dever de garantia em todas as hipóteses de omissão de ação imprópria aos delitos contra a vida a integridade corporal e a liberdade 21 Ver entre outros HAFT Strafrecht 1994 p 172 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 196 242012 162808 197 Capítulo 10 O Tipo de Injusto de Omissão de Ação Alguns autores pretendem substituir esse juízo de probabilidade próxima da certeza por um juízo de possibilidade fática de evitar ou reduzir o resultado sob o argumento de que seria impossível ao leigo um juízo de probabilidade próxima da certeza sobre a eficácia de cirurgia médica em vítima de acidente de trânsito por exemplo22 Sem dúvida esse juízo de possibilidade fática pode informar a ação mandada para evitar ou reduzir o resultado mas somente um juízo de probabilidade próxima da certeza pode fundamentar a atribuição do resultado pelo julgador que pode ser esclarecido por perícias excluindo hipóteses em que a realização da ação mandada seria inútil V Estrutura dos tipos de omissão de ação A estrutura dos tipos de omissão de ação própria e imprópria é formada igualmente por dimensões objetiva e subjetiva23 e caracte rizase por uma correspondência assimétrica definida por elementos típicos comuns e por elementos típicos específicos da omissão de ação imprópria Os elementos típicos comuns do tipo objetivo da omissão de ação própria e imprópria são os seguintes a situação de perigo para o bem jurídico b poder concreto de agir c omissão da ação mandada adicionalmente os elementos típicos específicos do tipo objetivo da omissão de ação imprópria compreendem os seguintes d resultado típico e posição de garantidor do bem jurídico 22 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 IV 2 n 98101 p 16970 23 Assim MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 46 II ns 28107 p 188209 e III n 108120 p 209211 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 I 3 n 1314 p 147 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 16 II n 707732 p 225233 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 197 242012 162808 198 Teoria do Fato Punível Capítulo 10 O tipo subjetivo da omissão de ação também é assimétrico na omissão de ação própria somente dolo na omissão de ação imprópria dolo e imprudência 1 Elementos comuns do tipo objetivo da omissão própria e imprópria 11 Situação de perigo para o bem jurídico A realidade determi nante do dever de agir é a situação de perigo para o bem jurídico ou situação típica conforme a teoria dominante24 embora essa situação constitua apenas um dos componentes do tipo assim definível a na omissão de ação própria a situação de perigo para o bem jurídico aparece explícita no tipo legal deixar de prestar assistência à criança abandonada ou extraviada ou à pessoa inválida ou ferida ao desamparo ou em grave e iminente perigo etc art 135 CP b na omissão de ação imprópria a situação de perigo para o bem jurídico está implícita no resultado descrito no tipo legal matar alguém art 121 CP resultado de lesão de bem jurídico produzível por ação proibida ou por omissão de ação mandada Por exemplo a existência de um ciclista ferido na rodovia indica a situação de perigo pressuposta no dever jurídico de agir da omissão de ação em geral 12 Poder concreto de agir O poder concreto de agir exprime a capacidade de realizar a ação mandada definida pela natureza da ação e condições pessoais do autor a a ação mandada é determinada pelas circunstâncias objetivas da situação de perigo se o motorista 24 Ver por exemplo JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 I p 615 também WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 27 I 1 p 204 No Brasil TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 p 77 no sentido do texto CIRINO DOS SANTOS Teoria do crime 1993 p 4245 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 198 242012 162808 199 Capítulo 10 O Tipo de Injusto de Omissão de Ação não pode prestar auxílio direto ao ciclista ferido pode chamar um médico ou uma ambulância ou avisar a polícia etc b a realização da ação mandada deve ser pessoalmente possível excluída em hipóteses de impossibilidade objetiva se o motorista passeia em Curitiba não pode socorrer o ciclista ferido na Via Dutra e de incapacidade subjetiva relacionada à força física ao conhecimento técnico e ao potencial intelectual do autor sujeitos inconscientes algemados ou paralíticos incapacidade técnica de operar meios de ajuda como barcos extintores de incêndio escadas automáticas inexistência ou defeito dos meios de ajuda disponíveis etc25 A legislação brasileira consagra esse requisito no art 13 2º CP Art 13 2º A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado A redação da norma é defeituosa primeiro o dever pressupõe o poder de agir e portanto a ordem dos verbos está invertida segundo o dever jurídico de agir é um conceito normativo fundado na realidade concreta do poder ou capacidade de agir e portanto a referência ao dever seria desnecessária 13 Omissão da ação mandada A realização da ação mandada signi fica o cumprimento do dever jurídico de agir logo a não realização da ação de proteção do bem jurídico em situação de perigo por um autor concretamente capaz de agir significa o descumprimento do dever jurídico de agir que define a omissão de ação em geral26 No 25 HAFT Strafrecht 1994 p 173 fala em possibilidade de ação excluída em situações de incapacidade geral ou individual JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 II 2 p 616 falam em capacidade individual de ação WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 708 p 225 referemse à possibilidade físico real de agir No Brasil TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 p 75 fala em real possibilidade de atuar ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 294 p 540 referemse à conduta fisicamente possível 26 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 II 1 p 616 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 27 I 2 p 204 No Brasil comparar TAVARES As Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 199 242012 162808 200 Teoria do Fato Punível Capítulo 10 exemplo citado se o motorista não socorre diretamente o ciclista feri do nem chama um médico ou ambulância nem avisa a polícia está caracterizado o tipo objetivo da omissão de ação própria a omissão de ação imprópria exige ainda outros elementos independentemente de o ciclista ferido vir a ser socorrido por outra pessoa ou morrer por falta de socorro27 2 Elementos específicos do tipo objetivo da omissão de ação imprópria 21 Resultado típico O tipo de omissão de ação imprópria exige ainda a produção do resultado típico como consequência causal da omissão da ação mandada o ciclista ferido coincidentemente filho do motorista morre porque o motorista omite a realização da ação de proteção Nos crimes de omissão de ação imprópria o princípio da legalidade reduz a responsabilidade penal do garantidor aos resultados de lesão dos bens jurídicos mais importantes como a vida e o corpo do sujeito garantido excluindo outros tipos de resultado de lesão por exemplo nas áreas do patrimônio da sexualidade do sistema finan ceiro do meio ambiente etc e obviamente todos os crimes de perigo concreto ou de perigo abstrato realizáveis por simples atividade A relação de causalidade entre resultado e omissão da ação man dada é uma das questões problemáticas da omissão de ação imprópria a ausência de causalidade real na omissão de ação somente existe causalidade real na execução da ação mandada é suprida por uma causalidade hipotética portanto por uma construção psíquica do julgador A hipótese funciona assim se a realização da ação mandada controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 n 24 p 75 27 Ver OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 I 3 n 125 p 147 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 200 242012 162808 201 Capítulo 10 O Tipo de Injusto de Omissão de Ação tivesse evitado o resultado com probabilidade próxima da certeza então o resultado é atribuível ao autor em caso contrário o princípio in dubio pro reo impede a atribuição do resultado28 22 Posição de garantidor O Direito Penal utiliza duas técnicas para proteção de bens jurídicos por um lado proíbe ações lesivas de bens jurídicos por outro lado ordena ações protetoras de bens jurídicos porque a não evitação do resultado por omissão de ação mandada equivale à produção do resultado de lesão do bem jurídico por ação proibida A equivalência da não evitação do resultado por omissão de ação à produção do resultado por ação fundamentase no dever jurídico especial de agir para evitar o resultado atribuído ao garantidor do bem jurídico nos tipos de omissão de ação imprópria Assim a presença real do garantidor do bem jurídico na situação de perigo tem um du plo significado concreto a o titular do bem jurídico garantido pode exporse a perigos que de outro modo evitaria b todas as demais pessoas podem confiar na ação efetiva do garantidor do bem jurídico em situações concretas de perigo por isso estão liberadas do dever jurídico de impedir o resultado29 A posição de garantidor é elemento do tipo da omissão de ação imprópria portanto uma definição legal da posição de garantidor é exigência do princípio da legalidade30 A dogmática penal desenvolveu dois critérios para definir a posição de garantidor nos tipos de omissão de ação imprópria 28 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 III p 617620 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 ns 711712 p 226227 No Brasil TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 n 24 p 7879 29 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 IV 1 p 620 No Brasil TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 n 24 p 7879 30 Comparar TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 n 22 p 6670 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 201 242012 162808 202 Teoria do Fato Punível Capítulo 10 a o critério formal ou clássico considera a lei o contrato e a ação precedente perigosa como fontes do dever de garantia b o critério material ou moderno trabalha com duas fontes alternativas do dever de garantia 1 por um lado garantia de prote çãoguarda de pessoa determinada ou de bem jurídico determinado contra situações de perigo indeterminadas 2 por outro lado garantia de segurançavigilância de fontes de perigo determinadas para proteger pessoas indeterminadas ou bens jurídicos indeterminados31 O critério formal oferece segurança jurídica mas a rigidez das categorias explica seu desprestígio na literatura moderna por exemplo nem a lei mas a relação de confiança nem a validade do contrato mas a assunção fática da garantia determinam a posição de garanti dor por outro lado o critério material é abrangente e flexível e por isso dominante na literatura mas a natureza difusa das categorias conceituais que o estruturam reduz a segurança jurídica32 A legislação brasileira adotou o critério formal para definir a posição de garantidor desse modo Art 13 2º O dever de agir incumbe a quem a tenha por lei obrigação de cuidado proteção ou vigilância b de outra forma assumiu a responsabilidade de im pedir o resultado c com seu comportamento anterior criou o risco da ocorrência do resultado 31 HAFT Strafrecht 1994 p 176178 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 IV 25 p 621628 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 IIIII n 4886 154165 32 Ver por exemplo OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 I 4 n 2529 p 149150 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 202 242012 162808 203 Capítulo 10 O Tipo de Injusto de Omissão de Ação a Obrigação legal de cuidado proteção ou vigilância A lei como fonte mais geral da posição de garantidor abrange as hipóteses de obrigação de cuidado proteção ou vigilância em especial no âmbito das relações de família entre casais parentes em linha reta e irmãos33 Historicamente o dever jurídico de cuidado tem por objeto as relações recíprocas entre ascendentes e descendentes cônjuges e colaterais para excluir perigos contra a vida e o corpo do garantido mas não inclui os perigos criados pelo protegido contra terceiros agressões ou contra si mesmo suicídios se definíveis como ações livres de sujeitos capazes de compreensão Por outro lado o dever jurídico de proteção e vigilância é atribuído aos pais ou responsáveis em relação aos filhos menores dever de proteção contra perigos para a vida e o corpo dos filhos dever de vigilância dos filhos em relação a perigos destes contra a vida e corpo de terceiros34 Entretanto é necessário esclarecer dois pontos primeiro a exigência de lei como fonte da obrigação de cuidado proteção ou vigilância significa lei formal como ato do Poder Legislativo com exclusão de atos normativos inferiores decretos regulamentos re soluções instruções etc segundo o princípio da legalidade exige lei formal de natureza penal porque somente leis penais formais podem definir a punibilidade da omissão de ação imputável ao garantidor35 b Assunção da responsabilidade de impedir o resultado A responsabilidade de impedir o resultado pode ser assumida por ato de vontade contratual ou extracontratual do garantidor mas a assunção fática da proteção é decisiva porque a confiança na ação do garante cria relações de dependência e encoraja a exposição a riscos que de outro 33 Assim JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 IV 3a p 622 HAFT Strafrecht 1994 p 178 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 II 1 n 4855 p 154155 34 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 II 1 n 5660 e III 4 n 9293 35 ROXIN Strafrecht 2003 32 n 11 e 14 p 714715 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 203 242012 162808 204 Teoria do Fato Punível Capítulo 10 modo seriam evitados Essa fonte do dever de agir inclui as seguintes hipóteses a a livre assunção da proteção do médico em relação ao pa ciente do salvavidas em relação aos banhistas da babysitter em relação às crianças etc36 b as relações comunitárias estreitas sob a forma de comunidades de perigo o guia em relação aos turistas ou participantes de expedições ou de comunidades de vida o dono da casa em relação às pessoas acolhidas no âmbito da residência excluída a mera relação de coabitação em pensões ou repúblicas os professores em relação aos alunos no âmbito e durante o funcionamento da escola etc37 c Comportamento anterior criador do risco do resultado O conceito de comportamento compreende a ação e a omissão de ação precedente perigosa desde que o perigo de resultado seja objetivamente previsível38 A ação precedente perigosa fundada na proibição geral de lesão neminem laede deve ser antijurídica39 ou contrária ao dever40 se gundo a opinião dominante embora respeitável opinião minoritária também admita criação de perigo conforme ao direito porque ações nos limites do dever de cuidado ou do risco permitido não excluiriam o dever de segurança41 A hipótese mais importante de ação precedente perigosa como fonte da posição de garantidor consiste no perigo para vítimas de acidente de trânsito causado por lesão do risco permitido ou do dever de cuidado a morte da vítima de acidente de trânsito 36 HAFT Strafrecht 1994 p 178 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 IV 3c p 623 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 II 3 n 6466 37 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 IV 3b p 622623 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 II 1 n 4861 154157 e II 2 6263 p 157 38 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 III 1 n 7684 p 161164 39 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 725 p 231 40 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 IV 4a p 625 41 Assim por exemplo MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 46 ns 9599 p 204206 ver OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 III 1 n 7982 p 162164 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 204 242012 162809 205 Capítulo 10 O Tipo de Injusto de Omissão de Ação determinada por omissão da ação de proteção do autor da ação prece dente perigosa com consciência da possibilidade do resultado de morte daquela implica responsabilidade por homicídio doloso cometido por omissão porque constitui omissão de ação fundada na posição de garantidor42 e não simples homicídio imprudente com pena agravada art 121 4º CP Finalmente ações dentro dos limites do risco permitido ou conformes ao dever de cuidado assim como ações justificadas lesão corporal produzida no agressor em situação de legítima defesa não engendram o dever especial de garantia da omissão de ação imprópria segundo a literatura dominante43 mas não excluem o dever geral de socorro da omissão de ação própria44 Hipótese controvertida é a venda de bebidas alcoólicas em relação aos perigos criados pelo álcool para o bêbado ou do bêbado para terceiros a em relação aos perigos para o bêbado parece geral a tese de que o fornecimento de álcool cria o dever de garantia para o fornecedor proprietários de bares ou restaurantes se o estado de alcoolização do freguês é evidente b em relação aos perigos do bêbado para terceiros as opiniões variam entre a proposta de excluir a posição de garante do fornecedor45 e a proposta de condicionar essa exclusão ao estado de imputabilidade do bêbado46 A omissão de ação precedente perigosa como fonte da posição de garantidor tem por fundamento a confiança da comunidade na capacidade do garante de controlar perigos produzidos por pessoas submetidas ao seu poder ou de controlar perigos existentes em me canismos engenhos ou animais em áreas submetidas ao seu domínio 42 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 67 III 4 p 723 43 HAFT Strafrecht 1994 p 177 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 IV 4 p 626628 outra opinião OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 III 1 n 7981 p 162163 44 HAFT Strafrecht 1994 p 177 45 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 IV 4 p 626628 46 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 III 1 n 82 p 163164 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 205 242012 162809 206 Teoria do Fato Punível Capítulo 10 por exemplo a o proprietário não ilumina escada da residência e hóspede cai e quebra a perna ou não repara defeito do telhado e uma telha despenca sobre a cabeça de convidado b os perigos criados pela omissão de controle ou cuidado 1 do proprietário de animais ferozes em relação a danos sobre terceiros 2 dos responsáveis por obstáculos físicos em ruas rodovias e estradas em relação à sinalização de adver tência respectiva 3 do proprietário do veículo entregue a motorista não habilitado ou colocado em circulação sem condições de segurança em relação aos danos resultantes de acidentes de trânsito etc47 3 O tipo subjetivo da omissão de ação O tipo subjetivo da omissão de ação própria é o dolo e da omissão de ação imprópria o dolo e a imprudência Segundo a teo ria dominante o dolo não pre ci sa ser constituído de consciência e de vontade como nos tipos de ação em ambas modalidades de omissão de ação basta deixar as coisas correrem com conhecimento da situação típica de perigo para o bem jurídico e da capacidade de agir suficientes na omissão de ação própria mais o conhecimento do resultado e da posição de garante necessárias na omissão de ação imprópria porque dolo como vontade consciente de omitir a ação mandada constituiria exceção rara o médico decide recusar paciente em estado grave sob o argumento de inexistência de leito livre48 47 HAFT Strafrecht 1994 p 177178 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 IV 4ab p 626627 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 III 23 n 8591 p 165167 48 Ver entre outros JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 VI 1 p 630631 também HAFT Strafrecht 1994 p 181 No Brasil TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 p 9597 exige ao lado do elemento intelectual da consciência também o elemento emocional da vontade para constituir o dolo na omissão de ação Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 206 242012 162809 207 Capítulo 10 O Tipo de Injusto de Omissão de Ação Na legislação penal brasileira o conteúdo do dolo nos crimes de omissão de ação não pode ser diferente do conteúdo do dolo nos crimes de ação porque se a consciência é a direção típica inteligente a vontade é a energia psíquica que produz a ação e a omissão de ação típica dolosa aliás a única interpretação compatível com a definição do dolo no art 18 I CP 31 Espécies de dolo na omissão de ação O dolo nos crimes de omissão de ação existe sob as mesmas modalidades admitidas para os crimes de ação a dolo direto de 1º grau se o resultado típico coin cide com o fim proposto pelo autor b dolo direto de 2o grau se o resultado típico é representado como certo ou necessário pelo autor c dolo eventual se o autor consente na produção de resultado típico representado como possível efeito da ação omitida49 32 Objeto do dolo na omissão de ação O dolo na omissão própria e na omissão imprópria tem por objeto comum os seguintes elementos do tipo objetivo a a situação de perigo para o bem jurídico ou situação típica b o poder concreto de ação para proteger o bem jurídico em situação de perigo c a omissão da ação mandada para proteção do bem jurídico50 O dolo na omissão de ação imprópria tem por objeto específico os seguintes elementos adicionais característicos do tipo objetivo a o resultado de lesão do bem jurídico b a posição de garantidor do bem jurídico em perigo51 33 O erro de tipo na omissão de ação O dolo nos tipos de omissão de ação está exposto à mesma relação de lógica exclusão entre conheci mento e erro dos tipos dolosos de ação se o dolo exige conhecimento a da situação típica de perigo para o bem jurídico b do poder con creto de agir e c da omissão da ação mandada na omissão de ação 49 ROXIN Strafrecht II Beck 2003 p 684 50 ROXIN Strafrecht II Beck 2003 p 685 51 ROXIN Strafrecht II Beck 2003 p 685 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 207 242012 162809 208 Teoria do Fato Punível Capítulo 10 própria e imprópria e adicionalmente d do resultado típico e e da posição de garantidor na omissão de ação imprópria então o erro sobre qualquer desses elementos do tipo de omissão de ação própria e imprópria evitável ou inevitável exclui o dolo52 Defeitos de conhecimento por ausência ou insuficiência de repre sentação da realidade como desconhecimento dos elementos fáticos descritivos ou normativos do tipo legal excluem sempre o dolo na forma do art 20 CP mas na omissão de ação imprópria é preciso distinguir o erro inevitável exclui o dolo e a imprudência o erro evi tável exclui somente o dolo admitindo punição por imprudência se existente o tipo legal respectivo53 VI Conhecimento do injusto e erro de mandado O conhecimento do injusto como elemento central da culpa bilidade existe como conhecimento do dever jurídico geral de agir na omissão de ação própria e como conhecimento do dever jurídico especial de agir para evitar o resultado na omissão de ação imprópria O erro sobre o dever jurídico de realizar a ação mandada em ambas as modalidades de omissão de ação constitui erro sobre o dever jurídico de agir e portanto erro de mandado e não erro de proibição como ocorre nos crimes de ação Nos tipos de ação o dever de omitir a ação proibida é geral mente claro mas nos tipos de omissão de ação o dever de realizar a ação mandada é normalmente obscuro para o destinatário da norma penal especialmente em crimes omissivos próprios contra 52 ROXIN Strafrecht II Beck 2003 p 686 No Brasil TAVARES As controvérsias acerca dos crimes omissivos 1996 p 98 53 ROXIN Strafrecht II Beck 2003 p 687688 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 208 242012 162809 209 Capítulo 10 O Tipo de Injusto de Omissão de Ação a ordem econômica o meio ambiente ou outros setores do Direi to Penal especial e por esse motivo a evitabilidade do erro é menor54 determinando a exclusão ou a redução do juízo de repro vação Esse problema além da dificuldade ou da impossibilidade de distinguir erro de proibição e erro de tipo nessas áreas do Direito Penal especial está na origem de propostas de tratar o erro de mandado sobre deveres tributários por exemplo como erro de tipo excludente do dolo55 VII Tentativa e desistência na omissão de ação O argumento de que a tentativa de omissão de ação segundo WELZEL e ARMIN KAUFMANN só pode ser concebida como omissão da tentativa de realizar a ação mandada56 parece incontes tável contudo a opinião dominante afirma o seguinte na omissão de ação própria a tentativa é sempre inidônea na omissão de ação imprópria o problema é caracterizar o começo da tentativa porque o critério legal referese à ação e não à omissão de ação A moderna dogmática alemã identifica a tentativa de omissão de ação impró pria na criação ou ampliação de perigo para o objeto protegido57 consistente na perda da primeira possibilidade para realizar a ação mandada58 ou na perda do último momento para excluir o resulta 54 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 60 I p 636 55 Nesse sentido TAVARES As controvérsias acerca dos crimes omissivos 1996 p 99 56 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 27 IV p 206 também ARMIN KAUFMANN Unterlassungsdelikte p 204 57 JAKOBS Strafrecht 1993 29116118 p 853854 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 40 n 106 p 34 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 741 p 237 58 HERZBERG Der Versuch beim unecheten Unterlassungsdelikt MDR 1973 p 89 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 209 242012 162809 210 Teoria do Fato Punível Capítulo 10 do que marca a independência do processo causal em relação ao autor59 Ao contrário a desistência da tentativa de omitir a ação mandada somente se configura mediante uma atividade positiva o motorista retorna da fuga do local do acidente e conduz o ferido para o hospital60 Na legislação brasileira o critério objetivo do início de execução da definição legal de tentativa art 14 II CP tem por objeto exclusi vamente os crimes de ação logo o início de execução somente poderia existir na realização da ação mandada e portanto no cumprimento do dever jurídico de agir nunca na omissão de ação caracterizada pela ausência de qualquer processo executivo Assim do ponto de vista conceitual a tentativa de omissão de ação é impossível do ponto de vista do princípio da legalidade a punição da tentativa de omissão de ação própria ou imprópria é inconstitucional e qualquer solução diferente passa necessariamente pela mudança da definição legal61 VIII A exigibilidade da ação mandada A exigibilidade da ação mandada é uma característica do tipo de omissão de ação própria indicada pela possibilidade de realização da ação mandada A questão resultante é a seguinte a essa característica da omissão de ação própria é transferível para os tipos de omissão de 59 ARMIN KAUFMANN Unterlassungsdelikte p 210 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 28 IV p 221 60 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 60 II 3 p 639 61 TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 p 9394 rejeita tentativa na omissão própria mas admite tentativa na omissão imprópria fundado na perda da última ou da primeira oportunidade de realizar a ação mandada segundo o caso concreto Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 210 242012 162809 211 Capítulo 10 O Tipo de Injusto de Omissão de Ação ação imprópria b em caso positivo a inexigibilidade da ação mandada exclui o dever de agir nos tipos de omissão imprópria Não existe consenso na dogmática penal sobre a consequência jurídica da inexigibilidade da ação mandada na omissão de ação impró pria ou exclui o tipo62 ou exclui a antijuridicidade63 ou finalmente exclui a culpabilidade64 A questão poderia ser assim formulada se o ordenamento jurídico impõe ao garante comportamento conforme ao dever jurídico então a inexigibilidade exclui o próprio tipo de injusto se o ordenamento jurídico impõe ao garante comportamento ade quado às suas condições pessoais então a inexigibilidade exclui apenas a culpabilidade65 62 LACKNER Strafgesetzbuch 13 n 5 63 SCHMIDHÄUSER Strafrecht 16 n 84 64 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 VIII 3 p 635 65 Ver OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 9 IV 3 n 102103 p 170 No Brasil TAVARES As controvérsias acerca dos crimes omissivos 1996 p 100103 considera a inexigibilidade como cláusula geral de exculpação nos delitos de omissão de ação Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 211 242012 162809 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 212 242012 162809 213 Capítulo 11 aNtijuridicidade e juStiFicação I Teoria da antijuridicidade 1 Introdução Juridicidade e antijuridicidade são os conceitos mais gerais do ordenamento jurídico porque indicam conformidade e contradição ao Direito respectivamente Em Direito Penal a antijuridicidade é uma contradição entre a ação humana realizada ou omitida e o ordenamento jurídico no conjunto de suas proibições e permissões as proibições são os tipos legais como descrição de ações realizadas ou omitidas que indicam os elementos positivos do tipo de injusto as permissões são as justificações legais e supralegais como situações concretas que excluem as proibições portanto definem os elementos negativos do tipo de injusto O conceito de antijuridicidade preci sa ser examinado sob dois pontos de vista primeiro em relação ao conceito de tipicidade segundo quanto à diferença com o conceito de injusto 11 Antijuridicidade e tipicidade A relação entre antijuridicidade e tipicidade depende da natureza bipartida ou tripartida do con ceito de fato punível a para o conceito bipartido de fato punível tipicidade e antijuridicidade constituem o conceito unitário do tipo de injusto o tipo representa os elementos positivos as justificações representam os elementos negativos do tipo de injusto logo uma Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 213 242012 162809 214 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 ação justificada é uma ação atípica porque os elementos negativos excluem os elementos positivos do tipo de injusto b para o conceito tripartido de fato punível tipicidade e antijuridicidade são conceitos autônomos na categoria do tipo de injusto em que se relacionam como regra e exceção a tipicidade da ação indica a antijuridicidade do fato regra as justificações excluem a antijuridicidade do fato exceção1 logo toda ação típica é antijurídica exceto as ações típicas justificadas Em regra o legislador descreve nos tipos legais condutas con trárias ao Direito ou seja ações ou omissões de ação antijurídicas excepcionalmente permitidas nas situações concretas denominadas justificações como a legítima defesa o estado de necessidade etc Inde pendentemente da posição sobre a estrutura bipartida ou tripartida do conceito de crime a tipicidade parece constituir a própria ratio essendi da antijuridicidade e não simples ratio cognoscendi da antijuridici dade Por essa razão a antijuridicidade da ação típica é determinada por um critério negativo ausência de justificação A praticidade do critério explica sua adoção generalizada ausente justificação está caracterizada a antijuridicidade presente justificação está excluída a antijuridicidade2 12 Antijuridicidade e injusto A relação da antijuridicidade com o injusto é uma relação de diferenciação no mesmo estágio do fato punível a antijuridicidade representa uma qualidade invariável da ação típica expressa na contradição entre a ação ou omissão de ação e o conjunto das proibições e permissões do ordenamento jurídico ao contrário o injusto representa a própria ação típica e antijurídica concreta como grandeza variável ou graduável da realização não justificada de comportamentos típicos Os conceitos de antijuridi cidade invariável e de injusto variável estão na base da distinção 1 Ver entre outros HAFT Strafrecht 1994 p 69 2 CIRINO DOS SANTOS Teoria do Crime 1993 p 49 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 214 242012 162809 215 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação entre antijuridicidade formal e antijuridicidade material a antijuri dicidade formal exprime a contradição do comportamento concreto com o conjunto das proibições e permissões do ordenamento jurí dico como qualidade invariável de toda ação típica e antijurídica a antijuridicidade material exprime a lesão injusta do bem jurídico como dimensão graduável do tipo de injusto Por exemplo furto de coisa de pequeno valor possui a mesma antijuridicidade formal de furto de coisa de grande valor assim como a realização do tipo básico de um crime tem a mesma antijuridicidade formal de suas variações privilegiadas ou qualificadas porque são ações igualmente contrárias ao Direito mas a extensão variável da lesão de bens jurídicos em cada uma dessas hipóteses determina diferentes conteúdos de injusto e por tanto diversas antijuridicidades materiais por exemplo furto de coisa de grande valor tem maior conteúdo de injusto que furto de coisa de pequeno valor tipos qualificados possuem conteúdo de injusto maior que tipos básicos etc A distinção é importante por várias razões pri meiro indica diferenças conceituais entre antijuridicidade qualidade invariável que existe ou não existe na ação típica e injusto conteúdo variável da lesão do bem jurídico3 segundo por suas consequências práticas na aplicação da lei penal a antijuridicidade abstrata mera literalidade da lei pode ser desconsiderada em situações específicas de inexistência ou de insuficiência do injusto concreto como ocorre nas hipóteses de ações socialmente adequadas e de modo especial nos casos de bagatela abrangidos pelo princípio da insignificância por exemplo lesões corporais mínimas arranhões equimoses etc furto de coisas de pequeno valor injúrias no âmbito familiar jogos de azar com valores módicos doações ou presentes natalinos a funcionários públicos como carteiros lixeiros etc4 13 Antijuridicidade e vitimologia Além disso modernas pesquisas vitimológicas destacam a contribuição ou influência da vítima para 3 Assim HAFT Strafrecht 1994 p 70 4 Assim ROXIN Strafrecht 1997 14 n 48 p 503504 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 215 242012 162809 216 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 o fato criminoso indicando hipóteses em que o comportamento da vítima pode descaracterizar a tipicidade ou no setor da antijuridici dade reduzir o conteúdo de injusto da antijuridicidade material ou excluir a própria antijuridicidade formal da ação típica5 Nessa linha SCHUNEMANN6 destaca a perspectiva vitimológica do legislador e da jurisprudência para definir e interpretar tipos legais e hipóteses de redução do injusto ou de exclusão da antijuridicidade do fato típico por exemplo a tipicidade da falsificação de moeda exige fabricação de dinheiro com aparência de verdadeiro e portanto com potencial de vitimização na circulação financeira inexistente em casos de falsi ficações grosseiras o consentimento real do ofendido exclui a própria necessidade de proteção do bem jurídico como é o caso de lesões corporais em cirurgias esportes etc a autoexposição a perigo ou a exposição consentida a perigo de outrem impedem a atribuição do tipo objetivo enfim a provocação do agredido pode excluir ou de qualquer modo influenciar a legítima defesa contra o agressor etc7 14 Unidade e áreas livres do Direito Os conceitos opostos de ju ridicidade e de antijuridicidade relacionamse a alguns temas gerais como a questão da unidade do ordenamento jurídico e o problema da existência de áreas livres ou neutras no Direito A unidade do ordenamento jurídico parece constituir axioma do pensamento jurídico moderno a regra de que a juridicidade ou antijuridicidade de qualquer ação é válida para o Direito em geral excluiria hipóteses de antijuridicidades específicas eliminando as sim a possibilidade de contradições no Direito Entretanto autores mais antigos como ENGISCH8 indicam que essa tese não estaria 5 Ver HASSEMER Rucksichten auf das Verbrechensopfer KlugFS 1983 p 217 6 SCHUNEMANN Der Strafrechtliche Schutz von Privatgeheimnissen ZStW 90 1978 p 11 do mesmo Methodologische Prolegomena zur Rechtsfindung im Besonderen Teil des Strafrechts BockelmannFS 1979 p 117 7 ROXIN Strafrecht 1997 14 n 17 p 508 8 ENGISCH Die Einheit der Rechtsordnung 1935 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 216 242012 162809 217 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação definitivamente demonstrada e autores contemporâneos como GUNTHER9 por exemplo mostram a coexistência contraditória de juridicidade e de antijuridicidade na mesma ação o consentimento presumido de adolescente relativamente incapaz na realização de dano em objeto de sua propriedade não exclui a antijuridicidade civil e portanto obriga a indenizar mas pode justificar a ação típica de dano e portanto excluir a antijuridicidade penal10 A existência de áreas livres ou neutras em relação à juridicidade antijuridicidade também é controvertida a teoria dominante nega a existência de áreas jurídicas livres no âmbito das definições legais de crimes porque todo comportamento típico é ou antijurídico ou justi ficado mas estudos recentes indicam a possibilidade de uma terceira hipótese em conflitos relacionados com situações de perigo comum ou de colisão de deveres11 por exemplo o alpinista da parte superior corta a extensão inferior da corda precipitando o companheiro no abismo porque a mesma é incapaz de sustentar ambos ao mesmo tempo o pai somente pode salvar um dos dois filhos que simultaneamente estão se afogando morrendo o outro A teoria de áreas livres ou neutras no Direito teria como funda mento o modelo de democracia parlamentar cuja liberdade do cidadão é originária e não concessão do Estado o povo é o poder constituinte do Estado estruturado para o exercício das funções de proteção e de garantia da liberdade da paz e do bemestar geral12 Nessa perspectiva podese reconhecer que certas áreas prétípicas constitui riam espaços 9 GUNTHER Strafrechtswidrigkeit und Strafunrechtsausschluss 1983 10 Ver para mais detalhes ROXIN Strafrecht 1997 14 n 3036 p 513516 11 Nesse sentido ARTHUR KAUFMANN Rechtsfreier Raum und eigenverantwortliche Entscheidung Dargestellt am Problem des Schwangerschaftsabbruchs MaurachFS 1972 p 327 No Brasil ver MAYRINK DA COSTA Direito Penal parte geral 1998 v I t II p 877878 12 Assim HIRSCH Strafrecht und rechtsfreier Raum BockelmannFS 1979 p 89 ROXIN Strafrecht 1997 14 n 26 p 511 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 217 242012 162809 218 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 jurídicos livres mas no âmbito do injusto não existem áreas jurídicas livres porque o comportamento típico é valorado alternativamente a ou como justificado b ou como antijurídico mas exculpado c ou finalmente como antijurídico e culpável13 2 Fundamento das justificações A sistematização das justificações é dificultada por dois problemas correlacionados a a multiplicidade dos fundamentos justificantes representada por justificações escritas e não escritas b a diversidade dos setores do ordenamento jurídico de origem das justificações não limitadas pelo Direito Penal Existem hoje dois grupos principais de teorias sobre o fundamento das justificações as teorias monistas e as teorias pluralistas As teorias monistas apresentam a finalidade como princípio unitário fundamentador das justificações sob diversas modalidades a a teoria do meio adequado para fins reconhecidos como justos pelo legislador de LISZT14 b a teoria da maior utilidade do que dano de SAUER15 c a teoria da ponderação do valor de NOLL16 d a teoria do interesse preponderante de MEZGER17 As modernas teorias pluralistas identificam o fundamento das justificações em certos princípios sociais subjacentes na legítima defesa o princípio da proteção individual garante a possibilidade de 13 ROXIN Strafrecht 1997 14 n 2729 p 512513 14 LISZT Strafrecht 1919 3 15 SAUER Allgemeine Strafrechtlehre 1955 16 NOLL Tatbestand und Rechtswidrigkeit die Wertabwägung als Prinzip der Rechtfertigung ZstW 77 1965 p 1 17 MEZGER Strafrecht 1949 p 240 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 218 242012 162809 219 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação fazer a defesa necessária e o princípio da afirmação do direito autoriza a defesa mesmo na hipótese de meios alternativos de proteção como desviar a agressão ou chamar a polícia18 no estado de ne cessidade defensivo os princípios da proteção e da proporcionalidade e no estado de necessidade agressivo os princípios da avaliação de bens e da autonomia19 no consentimento do titular do bem jurídico o princípio da ausência de interesse na proteção do bem jurídico20 etc 3 Conhecimento e erro nas justificações A necessidade de elementos subjetivos nas justificações de ações típicas dolosas e na imprudência consciente negada pela dogmática causal e seu conceito objetivo de injusto da primeira metade do século XX e ainda hoje por alguns autores isolados como SPENDEL21 é reconhecida pela literatura e jurisprudência contemporâneas que discute apenas a natureza desses elementos22 As ações justificadas são constituídas de elementos subjetivos e objetivos como qualquer outra ação típica se a unidade subjetiva e objetiva da ação determina a estrutura subjetiva e objetiva da ação típica então a ação típica justificada contém necessariamente elementos subjetivos e objetivos23 Existe assim como refere HAFT24 uma 18 Ver ROXIN Strafrecht 1997 14 n 41 p 518 19 ROXIN Strafrecht 1997 14 n 41 p 518519 20 HAFT Strafrecht 1994 p 79 21 SPENDEL Gegen den Verteidigungswillen als Notwehrerfordernis BockelmannFS 1979 p 245 22 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 31 IV p 328331 ROXIN Strafrecht 1997 14 n 94100 p 539542 23 CIRINO DOS SANTOS Teoria do Crime 1993 p 50 24 HAFT Strafrecht 1994 p 77 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 219 242012 162810 220 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 relação de simetria entre tipos legais ou tipos de proibição e justi ficações ou tipos de permissão Como as justificações excluem não somente o desvalor do resultado mas o próprio desvalor da ação típica a ausência de elementos subjetivos nas justificações significa dolo não justificado de realização do injusto25 a mulher que pensando atirar no marido que retornava da orgia noturna atinge o ladrão armado tentando entrar na casa age com dolo não justificado de homicídio no caso impunível por ausência de desvalor de resultado segundo formulações modernas Os elementos subjetivos nas justificações têm por objeto a situa ção justificante por exemplo a agressão atual e injusta a bem jurídico na legítima defesa e toda discussão consiste em saber se é suficiente o conhecimento da situação justificante ou se é necessária também a vontade de defesa de proteção etc em conjunto com ou tros estados psíquicos para a ação justificada autores como KUHL OTTO e ROXIN afirmam ser suficiente o conhecimento da situação justificante embora com sentimentos de medo raiva ou vingança con tra o agressor26 ao contrário autores como WELZEL JESCHECK WEIGEND e MAURACHZIPF exigem além do conhecimento da situação justificante a vontade de defesa ou de proteção também com sentimentos de raiva ou vingança contra o agressor27 É possível admitir a suficiência do conhecimento ou consciência da situação justificante como limiar subjetivo mínimo das ações justificadas mas a vontade de defesa de proteção etc é sempre a energia emocional que mobiliza a ação de defesa ou de proteção informada pela esfera cognitiva do psiquismo individual 25 Ver entre outros ROXIN Strafrecht 1997 14 n 93 p 539 26 KUHL Strafrecht 1997 6 n 11 p 123 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 8 n 52 p 107 ROXIN Strafrecht 1997 14 n 93 p 539 27 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 14 I 3 p 834 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 31 n IV p 328331 MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 25 V ns 2429 p 348 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 220 242012 162810 221 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação Por outro lado o erro constitui fenômeno psíquico em oposição diametral ao conhecimento como sua antítese negativa e nas justifica ções igualmente tem por objeto a situação justificante também definida como pressuposto objetivo das justificações se a situação justificante é objeto do conhecimento nas justificações então é necessariamente objeto do erro respectivo porque conhecimento e erro são fenômenos psíquicos contrários e excludentes As principais teorias do erro sobre a situação justificante são a teoria limitada da culpabilidade a teoria rigorosa da culpabilidade e a teoria das características negativas do tipo a seguir sumariadas A teoria limitada da culpabilidade amplamente majoritária na dogmática contemporânea e incorporada na vigente legislação penal brasileira art 20 1º CP distingue entre erro de proibição incidente sobre a natureza proibida ou permitida do fato que pode excluir ou reduzir a culpabilidade e erro de tipo permissivo incidente sobre a verdade do fato excludente do dolo A crítica destaca a clareza políticocriminal da teoria limitada da culpabilidade que equipara o erro de tipo permissivo ao erro de tipo sob o argumento de que o autor quer agir conforme a norma jurídica e nessa medida a representa ção do autor coincide com a representação do legislador mas erra sobre a verdade do fato a representação da existência de situação jus tificante exclui o dolo que existiria como conhecimento da existência das circunstâncias do tipo legal e da inexistência de circunstâncias justificantes cuja errônea admissão significa que o autor não sabe o que faz ao contrário do erro de permissão em que o autor sabe o que faz28 A teoria rigorosa ou extrema da culpabilidade considera o erro sobre a situação justificante ou sobre pressupostos objetivos de uma causa de justificação como erro de proibição que exclui ou reduz a culpabilidade conforme seja inevitável ou evitável respectivamente e assim equipara erro sobre a realidade a erro sobre a juridicidade do 28 Nesse sentido ROXIN Strafrecht 1997 14 n 6268 p 526529 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 221 242012 162810 222 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 fato29 Finalmente a excitante teoria das características negativas do tipo30 resolve o problema do erro sobre a situação justificante como a teoria limitada da culpabilidade mas com fundamentos diferen tes considera os caracteres do tipo legal como elementos positivos e as justificações como elementos negativos do tipo de injusto e por consequência define o erro sobre a situação justificante como erro de tipo excludente do dolo e por extensão do tipo se inevitável admitindo imprudência se evitável31 ver Teorias sobre conhecimento do injusto e erro de proibição adiante 4 Efeito das justificações Ações típicas justificadas são ações conformes ao direito porque a excluem a antijuridicidade indicada no tipo legal teoria triparti da ou b excluem a tipicidade da ação teoria bipartida com duas consequências necessárias primeiro uma ação justificada exclui outra ação justificada contrária ou seja não há justificação contra justifi cação exceto no estado de necessidade segundo o agressor deve ou suportar a ação justificada ou escapar dela cessando de qualquer modo a agressão32 29 Comparar WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 III f p 168 s ROXIN Strafrecht 1997 14 n 63 p 527 30 Ver entre outros SCHROTH Die Annahme und das FurMöglichHalten von Umständem die einen anerkannten Rechtfertigungsgrund begrunden Arthur Kaufmann FS 1993 p 595 SCHUNEMANN Die deutschsprachige Strafrechtswissenschaft nach der Strafrechtsreform im Spiegel des Leipziger Kommentars und des Wiener Kommentars 1 Teil Tatbestands und Unrechtslehere GA 1985 p 341 31 ROXIN Strafrecht 1997 14 n 70 p 529 32 Assim HAFT Strafrecht 1994 p 7980 ROXIN Strafrecht 1997 14 n 104105 p 544 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 222 242012 162810 223 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação II Justificações O estudo das justificações pode ser simplificado pelo método de organizar seus elementos constitutivos nas categorias de situação justificante e de ação justificada a a situação justificante compreende os pressupostos objetivos das justificações por exemplo a agressão injusta atual ou iminente a direito próprio ou de terceiro na legítima defesa b a ação justificada de defesa ou necessária ou no exercício de direito ou em cumprimento de dever legal ou consentida pelo titular do bem jurídico contém elementos subjetivos e objetivos às vezes também elementos normativos como a permissibilidade da defesa na legítima defesa A Legítima defesa A legítima defesa é direito de proteção individual enraizado na consciência jurídica do povo explicada por dois princípios a o princípio da proteção individual para defesa de bens ou interesses e o princípio social da afirmação do direito em defesa da ordem jurídica O princípio da proteção individual justifica ações típicas necessárias para defesa de bens jurídicos individuais contra agressões antijurídicas atuais ou iminentes33 O princípio da afirmação do direito justifica defesas necessárias para prevenir ou repelir o injusto e preservar a or dem jurídica independentemente da existência de meios alternativos 33 Ver FRISTER Die Notwehr im System der Notrechte GA 1988 p 291 HAFT Strafrecht 1994 p 8284 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 1 p 550 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 223 242012 162810 224 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 de proteção34 porque o direito não precisa ceder ao injusto nem o agredido precisa fugir do agressor excetuados casos de agressões não dolosas de lesões insignificantes ou de ações de incapazes próprias da legítima defesa com limitações éticosociais35 1 Situação justificante A situação justificante da legítima defesa caracterizase pela existência de agressão injusta atual ou iminente a direito próprio ou alheio assim definida na lei penal Art 25 Entendese em legítima defesa quem usando moderadamente dos meios necessários repele injusta agressão atual ou iminente a direito seu ou de outrem O significado dos componentes elementares do conceito de legítima defesa pode ser assim explicado 1 Agressão é toda ação humana de violência real ou ameaçada dirigi da contra bens jurídicos do agredido ou de terceiro36 O conceito de agressão inclui a a omissão de ação porque não há exigência conceitual de um fazer ativo se a criança está ameaçada de morrer de fome por omissão de ação atribuível à mãe as alternativas são ou alimentar a criança ou obrigar a mãe a alimentar a criança37 assim como b a imprudência porque o conceito de agressão não é restrito à violência 34 Ver HAFT Strafrecht 1994 p 84 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 2 p 550551 SCHMIDHÄUSER Strafrecht Studienbuch 1984 651 35 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 2 p 5501 e n 4950 p 573574 36 CIRINO DOS SANTOS Teoria do Crime 1993 p 50 37 Nesse sentido ROXIN Strafrecht 1997 15 n 611 p 553555 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 224 242012 162810 225 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação dolosa o motorista que insiste em manobras imprudentes do veículo em parque repleto de crianças deve suportar a legítima intervenção de terceiro para impedir as manobras e se for o caso tomar tempo rariamente a chave do veículo38 mas exclui as chamadas não ações lesão de bens jurídicos relacionada a ataques epilépticos ou estados de inconsciência sono desmaio ou embriaguez comatosa que podem todavia fundamentar o estado de necessidade porque movimentos corporais meramente causais não constituem ações humanas39 2 Injusta é a agressão imotivada ou não provocada pelo agredido e nesse sentido marcada por desvalor de ação e de resultado40 o que exclui ações conformes ao dever de cuidado ou ao risco permitido e ações justificadas não há legítima defesa contra legítima defesa embora se admita exculpação supralegal em determinados casos de provocação da situação justificante41 3 Atual é a agressão em realização ou em continuação iminente é a agressão de realização imediata assim a legítima defesa pressupõe agressão em realização em continuação ou imediata42 O problema é definir os extremos desses conceitos agressão imediata e em con tinuação porque o conceito de agressão em realização situado entre 38 Assim por exemplo JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 32 II 1a p 338 No Brasil no mesmo sentido MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 147 em posição contrária mas inconvincente ZAFFARONI PIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 330 p 583 exigem agressão intencional excluindo a agressão culposa porque seria absurdo causar um dano sem proporção alguma com a magnitude do mal 39 Assim ROXIN Strafrecht 1997 15 n 8 p 553554 n 8 em posição contrária DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch und Nebengesetze 1995 32 n 4 também WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 14 II 1 p 8485 40 MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 26 n 821 p 355360 41 Assim HAFT Strafrecht 1994 p 84 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 14 p 556557 42 Ver entre outros JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 32 II 1 p 338 também WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 8 p 97 n 328 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 225 242012 162810 226 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 aqueles limites extremos não é problemática43 O conceito de imi nência é definido por duas teorias a a teoria do começo da tentativa de JAKOBS44 pressupõe a maior proximidade possível da consuma ção o que pode tornar a defesa ineficaz muito tarde ou a eficácia da defesa pode implicar lesões mais graves do agressor b a teoria da fase preparatória de SCHMID HÄUSER45 com problemas na dire ção contrária uma agressão anunciada para o dia seguinte pode estar em fase preparatória mas não é iminente muito menos atual nem constitui agressão46 Um critério intermediário proposto por KUHL e ROXIN47 define iminência como o momento final da preparação que integra o critério da defesa eficaz inseparável do conceito de le gítima defesa com o critério do desencadeamento imediato inerente ao conceito de tentativa a aproximação do agressor com um porrete na mão para agredir ou o movimento da mão do agressor em direção à arma não configuram ainda tentativa mas o último momento da fase preparatória suficiente para caracterizar a iminência da agressão e assim justificar a defesa O conceito de agressão em continuação é mais simples a conti nuação da agressão ocorre no intervalo entre a consumação formal e a consumação material do tipo de injusto como nos crimes de duração ou permanência sequestro violação de domicílio etc ou de estado o furto enquanto o ladrão foge com a coisa48 4 Direito próprio ou de outrem são os bens jurídicos as necessi dades ou interesses individuais ou sociais que recebem proteção do Direito O bem jurídico distinguese do objeto da ação precisamente 43 Ver ROXIN Strafrecht 1997 15 n 21 p 560 44 JAKOBS Strafrecht 1993 1223 p 389390 45 SCHMIDHÄUSER Strafrecht Studienbuch 1984 661 46 Para a crítica dessas teorias ver ROXIN Strafrecht 1997 15 n 2223 p 560561 47 KUHL Strafrecht 1997 7 n 41 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 2425 p 561562 48 Ver ROXIN Strafrecht 1997 15 n 28 p 563 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 226 242012 162810 227 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação como o conceito de interesse distinguese da coisa concreta em que se realiza a vida e a propriedade privada são bens jurídicos enquanto o homem concreto e a coisa respectiva constituem objetos de ação49 Todos os bens jurídicos individuais são suscetíveis de legítima defesa vida saúde liberdade honra propriedade etc mas existe controvér sia quanto aos bens jurídicos sociais a bens jurídicos da comunidade ordem pública paz social regularidade do tráfego de veículos etc são insuscetíveis de legítima defesa porque a ação violenta do particular produziria maior dano que utilidade e afinal parece inconveniente atribuir ao povo tarefas próprias da polícia50 embora alguns autores admitam a defesa do ser social ou comunitário pelo indivíduo51 b bens jurídicos do Estado como o patrimônio público destruição de cabines telefônicas danos em trens de metrô etc admitem legítima defesa do particular mas não a pessoa jurídica do Estado porque parece inadequado transformar o cidadão em guerreiro contra inimigos do Estado espiões ou traidores por exemplo52 2 Ação justificada A ação de defesa do agredido é a mesma unidade objetiva e subjetiva examinada como ação em seguida como ação típica e agora como ação típica justificada os adjetivos não modificam o substantivo 49 Nesse sentido HAFT Strafrecht 1994 p 7274 50 Assim ROXIN Strafrecht 1997 15 n 3639 p 566568 No Brasil ZAFFARONI PIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 334 p 588 51 Por exemplo MAURACHZIPF Strafrecht 1992 26 n 1213 p 357 SCHMIDHÄUSER Strafrecht Studienbuch 1984 680 52 Ver BLEI Strafrecht 1983 39 II 4 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 32 II 1b p 339340 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 4041 p 568569 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 227 242012 162810 228 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 A ação justificada de legítima defesa contém elementos subjetivos ele mentos objetivos e em casos especiais de legítima defesa com limitações éticosociais o elemento normativo da permissibilidade da defesa 21 Elementos subjetivos da ação de defesa Os elementos subjetivos da legítima defesa têm por objeto a situação justificante agressão injusta atual ou iminente a bem ju rídico próprio ou de terceiro e consistem no conhecimento da situ ação justificante para a teoria dominante53 representada por KUHL OTTO e ROXIN ou no conhecimento da situação justificante e na vontade de defesa para respeitável opinião minoritária54 representada por WELZEL JESCHECKWEIGEND e MAURACHZIPF em qualquer hipótese com outros componentes psíquicos e emocionais como medo raiva vingança etc O conhecimento ou consciência da situação justificante como limiar subjetivo mínimo da legítima defesa pode ser suficiente mas a vontade de defesa informada pelo conhecimento e condicionada pelas emoções do autor é a energia psíquica que mobiliza a ação de defesa A ausência do elemento subjetivo significa dolo não justificado de realização do injusto e reduz a legítima defesa à existência objetiva da situação justificante a mulher pensa atirar no marido de retorno da orgia noturna mas atinge o ladrão armado tentando entrar na casa com os seguintes desdobramentos a a ação típica dolosa não justifica 53 KUHL Strafrecht 1997 6 n 11 p 123 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 8 n 52 p 107 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 111112 p 604605 54 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 14 II 3 p 8384 n 3 JESCHECK WEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 31 n IV p 328331 MAURACH ZIPF Strafrecht 1 1992 25 V ns 2429 p 348349 No Brasil FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 164 p 193 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 145 ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 335 p 588 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 228 242012 162810 229 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação da representa desvalor de ação atribuível à mulher mas a existência da situação justificante elimina o desvalor do resultado e porque o desvalor de ação não pode se converter em desvalor de resultado a hipótese é definível como tentativa inidônea na legislação alemã punível b o desvalor de ação do comportamento típico doloso injustificado da mulher não permite ação justificada do agressor porque o com portamento do agressor constitui a situação justificante que exclui o desvalor do resultado na ação daquela55 22 Elementos objetivos da ação de defesa Os elementos objetivos da ação justificada consistem no emprego moderado de meios de defesa necessários contra o agressor eventual mente examinados do ponto de vista da permissibilidade da defesa 1 A necessidade dos meios de defesa é definida pelo poder de excluir a agressão com o menor dano possível no agressor defesa protetora em vez de agressiva ameaça de violência em vez de violência ferir em vez de matar56 Assim a necessidade da defesa pode ser redefinida do ponto de vista estático como necessidade dos meios de defesa em face dos meios de agressão e do ponto de vista dinâmico como em prego moderado dos meios de defesa necessários A definição da defesa necessária naquela dupla direção utiliza um critério objetivo ex ante conforme o juízo de um observador prudente57 não atirar contra o agressor se é suficiente empurrálo ou fechar a porta para fazer cessar a agressão Erros inevitáveis sobre a necessidade ou a moderação dos meios 55 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 111112 p 604605 56 HAFT Strafrecht 1994 p 8485 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 4243 p 569570 57 Comparar JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 32 II 2b p 343 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 46 p 572 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 14 II 2 p 86 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 229 242012 162810 230 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 de defesa não afetam esse juízo objetivo anterior e segundo difundida orientação políticocriminal devem ser interpretados contra o agressor existe legítima defesa real e não meramente putativa no disparo da vítima contra sequestrador que empunha arma descarregada porque o juízo objetivo ex ante de um observador prudente representaria a arma carregada58 Mas a defesa necessária não exige proporcionalidade entre meios de defesa e meios de agressão a proporcionalidade na legítima defesa não tem por objeto bens jurídicos ou correlações de dano ameaçado e produzido excluída pelo princípio da afirmação do direito é legítimo apunhalar agressor para evitar uma surra violenta até porque o direito não precisa ceder ao injusto não obstante a ideia de proporcionalidade entre meios de defesa e meios de agressão não pode ser inteiramente des cartada porque desproporcionalidades extremas são incompatíveis com o conceito de necessidade da defesa não é legítimo atirar em meninos que furtam laranjas no quintal da casa59 BERNSMANN60 fundado no dever do Estado de proteger a vida limita o direito de matar em legítima defesa às hipóteses de agressões contra a vida o corpo inclu ídas a tortura e as privações de liberdade duradouras e a sexualidade com exclusão de todas as outras hipóteses atirar no autor do furto por exemplo mesmo que seja o único meio de recuperar a coisa como ainda admite a opinião dominante não pode ser justificado pela legítima defesa A defesa necessária pode determinar alguns efeitos indesejados cuja justificação depende de sua adequação aos meios necessários efeitos indesejados adequados ao meio necessário são justificados um soco necessário pode quebrar alguns dentes do agressor efeitos indese 58 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 46 p 572 59 Assim HAFT Strafrecht 1994 p 8486 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 47 p 572573 No Brasil comparar MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 148 60 BERSMANN Uberlegungen zur tödlichen Notwehr bei nicht lebensbedrohlichen Angriffen ZStW 104 1992 p 326 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 230 242012 162810 231 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação jados inadequados ao meio necessário não são justificados a morte do agressor com um tiro de advertência descuidado61 Efeitos indesejados de dispositivos de proteção por exemplo a lesão de inocentes em armadilhas cercas eletrificadas etc são sempre atribuíveis ao autor e em qualquer hipótese o emprego de mecanismos de proteção mortais é injustificável62 2 A moderação no emprego de meios necessários é delimitada pela extensão da agressão enquanto persistir a agressão é moderado o uso dos meios necessários após cessada a agressão a continuidade do uso de meios definidos como necessários tornase imoderada configurando excesso de legítima defesa que pode admitir exculpação se determi nado por medo susto ou perturbação 23 A permissibilidade da legítima defesa O conceito de permissibilidade da defesa define limitações ético sociais excludentes ou restritivas do princípio social da afirmação do direito que fundamenta com o princípio individual da proteção de bens ou interesses a legítima defesa A literatura contemporânea re conhece hipóteses de defesas necessárias não permitidas por limitações éticosociais relacionadas ao autor da agressão às relações de garantia entre agressor e agredido ao comportamento do agredido e à natureza da agressão63 1 Agressões de incapazes crianças adolescentes doentes mentais ou mesmo bêbados sem sentido criam para o agredido um leque de atitudes alternativas prévias nas quais se concretizam as limi tações éticosociais da legítima defesa válidas para os demais casos 61 Ver ROXIN Strafrecht 1997 15 n 45 p 571572 62 Assim também ROXIN Strafrecht 1997 15 n 51 p 575 63 Conforme ROXIN Strafrecht 1997 15 n 5390 p 575594 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 231 242012 162810 232 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 primeiro desviar a agressão segundo empregar defesas sem dano terceiro pedir socorro aos pais professores polícia etc quarto as sumir o risco de pequenos danos quinto se nada disso for possível então mas somente então a defesa necessária pode também ser permitida64 2 Agressões entre pessoas ligadas por relações de garantia fundadas na afetividade no parentesco ou na convivência marido e mulher pais e filhos etc subordinam a legítima defesa às mesmas limita ções éticosociais mencionadas e em regra excluem resultados de morte ou de lesões graves exceto no caso de risco de lesões sérias a mulher usa faca para defesa contra agressão do marido com objeto contundente ou de maus tratos físicos duradouros ou continuados a repetição de agressões e surras do marido contra a mulher por exemplo65 3 Agressão provocada pelo agredido para agredir o agressor constitui agressão dolosa injustificada contra o agressor e exclui a legítima defesa mas para respeitável opinião minoritária não exclui a legí tima defesa ou porque não afeta a antijuridicidade da agressão66 ou porque o direito não pode criar situações sem saída de renúncia à vida ou integridade corporal por um lado e de punição por outro lado67 Entretanto agressão provocada pelo agredido sem finalidade de agredir o agressor condiciona a legítima defesa às limitações ético sociais indicadas mas é preciso distinguir a qualidade da provocação 64 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 5758 p 578 65 Assim GEILEN Eingeschränkte Notwehr unter Ehegatten JR 1976 p 314 MARXEN Die sozialethischen Grenzen der Notwehr 1979 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 8384 p 591 66 Assim BOCKELMANN Notwehr gegen verschuldete Angriffe HonigFS 1970 p 19 HILLENKAMP Vorsatztat und Opferverhalten 1981 67 Nesse sentido JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 32 III 2a p 346347 também SCHÖNCKESCHRÖDERLENCKNER Strafgesetzbuch Kommentar 1991 32 n 57 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 232 242012 162810 233 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação se constitui comportamento antijurídico como ocorre na maioria das situações de injúria vias de fato violação de domicílio dano etc a legítima defesa é em princípio excluída se constitui comportamento situado ainda no terreno jurídico como ocorre com gozações troças ou pilhérias lesivas de valores éticosociais mas de antijuridicidade menor indefinida ou inexistente subsiste a legítima defesa com as referidas limitações éticosociais68 4 Agressões irrelevantes mediante contravenções delitos de bagatela crimes de ação privada ou lesões de bens jurídicos sem proteção penal também condicionam a legítima defesa às limitações éticosociais refe ridas especialmente em relação à exclusão da morte ou de lesões graves no agressor corolário da necessidade de proteção da vida e de rejeição de desproporções extremas69 na justificação A legítima defesa em relação a coisas mostra a extensão do dissenso ideológico na dogmática penal para teóricos conservadores como SCHMIDHÄUSER70 nenhuma avaliação materialista de bens exclui a legítima defesa justificando a morte mesmo para proteger bagatelas por outro lado SCHROE DER71 afirma que a ideia de proporcionalidade na legítima defesa exclui a morte ou lesões graves na defesa de bagatelas ou de outras agressões irrelevantes 68 Ver MAURACHZIPF Strafrecht 1992 26 n 46 p 368369 OTTO Rechtsverteidigung und Rechtsmissbrauch im Strafrecht WurtembergerFS 1977 p 129 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 69 p 584 No Brasil nesse sentido FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 164 p 192 comparar também MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 147 ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 331 p 584585 69 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 79 p 589 70 SCHMIDHÄUSER Strafrecht Studienbuch 1984 675 71 SCHROEDER Die Notwehr als Indikator politischer Grundanschauungen Maurach FS 1972 p 139 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 233 242012 162810 234 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 3 Particularidades a Legítima defesa de outrem A legítima defesa de outrem depende da vontade de defesa do agredido só é possível legítima defesa de outrem se existe vontade de defesa do agredido A impossibilidade de defesa contra a vontade do agredido resulta do princípio da proteção individual porque o agredido pode por exemplo ser contra o uso de arma de fogo contra autores de furto temer represálias na hipótese de intervenção de terceiro em caso de sequestro por exemplo ou simplesmente não desejar a intromissão de terceiro como em brigas de casal com frequência para resolver problemas de relacionamento e reencontrar a harmonia afetiva72 Mas a vontade presumida do agredido autoriza a defesa de outrem independentemente da verificação negativa posterior que não deslegitima a ação de defesa já realizada como indica um exemplo de JAKOBS73 atua legitimamente quem salva vítima já inconsciente de tentativa de homicídio matando o agressor embora se esclareça depois que a vítima reconhecera seu filho como agressor e antes suportaria a própria morte do que a morte do filho b Extensão da justificação A justificação da legítima defesa alcança exclusivamente os bens jurídicos do agressor porque o princípio da proteção individual baseia se na correlação agressãodefesa e o princípio da afirmação do direito realizase sobre o agressor e não sobre terceiro estranho à agressão74 72 Nesse sentido ROXIN Strafrecht 1997 15 n 99 p 599 73 JAKOBS Strafrecht 1993 1263 p 408 74 ROXIN Strafrecht 1997 15 n 106109 p 602603 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 234 242012 162811 235 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação c Excesso de legítima defesa O excesso intensivo de legítima defesa uso de meio desnecessá rio e o excesso extensivo de legítima defesa uso imoderado de meio necessário bem como a legítima defesa putativa não configuram situações de justificação mas hipóteses de exculpação legal ou de erro de tipo permissivo estudadas na categoria da culpabilidade ver Culpabilidade e exculpação adiante B Estado de necessidade Historicamente o estado de necessidade tem sido pensado a partir de três diferentes pontos de vista primeiro como espaço livre do direito fundado na impossibilidade do ordenamento jurídico discipli nar conflitos determinados pelo instinto de sobrevivência segundo como justificação de conduta típica fundada na preponderância ou equivalência do bem jurídico protegido terceiro como exculpação de conduta antijurídica fundada na inexigibilidade de comportamento conforme ao direito em hipóteses de bens jurídicos equivalentes75 Atualmente duas teorias definem a natureza jurídica do es tado de necessidade a a teoria diferenciadora disciplina o estado de necessidade segundo um sistema duplo como justificação para hipóteses de proteção de bem jurídico superior ao sacrificado e como exculpação para hipóteses de proteção de bem jurídico equivalente ao sacrificado teoria adotada pela legislação penal alemã por exemplo que define expressamente o estado de necessidade justificante 34 CP e o estado de necessidade exculpante 35 CP b a teoria uni 75 Ver HAFT Strafrecht 1994 p 88 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 235 242012 162811 236 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 tária disciplina o estado de necessidade segundo um sistema único ou como justificação ou como exculpação independentemente de superioridade ou equivalência do bem jurídico protegido em relação ao bem jurídico sacrificado teoria adotada pela lei penal brasileira que define o estado de necessidade exclusivamente como justificação no art 23 I CP76 1 Situação justificante A situação justificante do estado de necessidade caracterizase pela existência de perigo para o bem jurídico definido como atual involuntário e inevitável sem lesão de outro bem jurídico assim conceituada na lei penal Art 24 Considerase em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual que não provocou por sua vontade nem podia de outro modo evitar direito próprio ou alheio cujo sacrifício nas circunstâncias não era razoável exigirse a O conceito de perigo é definido pela probabilidade ou possibi lidade de lesão do bem jurídico ameaçado77 segundo um juízo objetivo ex ante de um observador inteligente combinado eventualmente com 76 Nesse sentido FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 167 p 195196 HEITOR COSTA JR Teoria dos delitos culposos 1988 p 81 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 149 TAVARES Direito Penal da negligência 2003 p 363 ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 337 p 591 77 Assim ROXIN Strafrecht 1997 16 n 13 p 615 também JAKOBS Strafrecht 1993 1312 p 415 SCHÖNCKESCHRÖDERLENCKNER Strafgesetzbuch Kommentar 1991 34 n 15 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 236 242012 162811 237 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação o juízo do especialista na área78 como propõe HIRSCH o observador inteligente é representado por cidadão do círculo social do autor com os conhecimentos e informações especiais deste o especialista sobre perigos por exemplo de fogo é o bombeiro de construções o en genheiro de doenças o médico etc O perigo pode ser determinado por acontecimentos naturais como naufrágios incêndios inundações por fenômenos sociais como distúrbios civis acidentes e também por outros comportamentos humanos desde que não constituam a agressão injusta da legítima defesa79 b A atualidade do perigo no estado de necessidade não se con funde com a atualidade da agressão na legítima defesa a atualidade do perigo justifica a proteção imediata mas não exige a existência de dano imediato porque o adiamento da proteção ou seria impossível ou determinaria maior risco ou dano como no aborto necessário por exemplo realizado no terceiro mês de gestação para evitar dano na época do parto igualmente pode ocorrer em perigos contínuos ou durá veis atualizáveis em dano a qualquer momento segundo aquele juízo objetivo ex ante como edifícios em ruína doentes mentais perigosos para a comunidade neste caso aguardar agressões antijurídicas para proteção justificada pela legítima defesa pode ser ineficaz ou implicar lesão maior na área dos bens jurídicos sacrificados etc80 c O perigo deve ser involuntário ou seja não pode ser provo cado intencionalmente pelo autor para proteção pessoal às custas da vítima mas admite produção imprudente porque a limitação legal restringese à vontade própria81 e a antiga sentença quem cria perigo 78 HIRSCH Gefahr und Gefährlichkeit Arthur KaufmannFS 1993 p 553 79 Nesse sentido ROXIN Strafrecht 1997 16 n 13 p 615 e 19 n 16 p 833 80 Ver ROXIN Strafrecht 1997 16 n 17 p 617 81 CIRINO DOS SANTOS Teoria do crime 1993 p 53 nesse sentido também FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 168 p 196 MESTIERI Manual de Direito Penal 1999 p 149 com restrições HEITOR COSTA JR Teoria dos delitos Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 237 242012 162811 238 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 morra por isso82 está ultrapassada o barqueiro não pode impedir salva ção de suicida arrependido em seu barco sob argumento de culpa na produção da situação de necessidade o motorista causador do acidente pode justificadamente fugir do local do fato para evitar perigo real de agressão das vítimas83 d Enfim o perigo deve ser inevitável de outro modo ou seja não pode ser evitado conforme ao direito ou não pode ser superado sem lesão do bem jurídico sacrificado ou ainda melhor que a lesão do bem jurídico é necessária para evitar o perigo84 O conceito de inevitabilidade de outro modo abrange as situações de estado de ne cessidade defensivo e agressivo no estado de necessidade defensivo caracterizado pelo conflito entre o sujeito ameaçado pelo perigo e o sujeito criador do perigo os interesses ou bens jurídicos do ame açado prevalecem sobre interesses ou bens jurídicos do criador do perigo A matadanifica o cachorro de B para evitar mordida no estado de necessidade agressivo caracterizado pelo conflito entre bens jurídicos do sujeito ameaçado pelo perigo e bens jurídicos de sujeitos estranhos ao perigo prevalece o interesse de proteção do perigo contra o interesse do titular de bens jurídicos estranhos ao perigo cuja destruiçãodano é necessária para evitar o perigo A destrói o valioso guardachuva de B para evitar a mordida do cachorro de C85 culposos 1988 p 8384 também TAVARES Direito Penal da negligência 1985 p 163 82 BINDING Handbuch des Strafrecht I 1885 p 775 83 Assim KUPER Der verschuldete rechtfertigende Notstand 1983 p 32 s 84 LENCKNER Das Merkmal der NichtandersAbwendbarkeit der Gefahr in den 34 35 StGB LacknerFS 1987 p 95 ROXIN Strafrecht 1997 19 n 18 p 834 85 WESSELSBEULKE Strafrecht CF Muller 2000 n 293 e 295 p 95 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 238 242012 162811 239 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação 2 Ação justificada A ação de proteção necessária também constitui a mesma unidade subjetiva e objetiva estudada como ação depois como ação típica e agora como ação típica justificada igualmente compreendendo ele mentos subjetivos objetivos e normativos 21 Elementos subjetivos da ação necessária Os elementos subjetivos do estado de necessidade têm por objeto a situação justificante perigo atual involuntário e inevitável de outro modo e consistem no conhecimento da situação justificante teoria dominante ou no conhecimento da situação justificante e vontade de proteção do bem jurídico teoria minoritária em qualquer hipótese admitem outros componentes psíquicos e emocionais como ambição pagamento busca da glória etc86 Assim como na legítima defesa o conhecimento ou consciência da situação justificante como limiar subjetivo mínimo do estado de necessidade pode ser suficiente mas a vontade de proteção informada pelo conhecimento e condicionada pelas emoções do autor é a energia psíquica que mobiliza a ação de proteção necessária 86 Ver entre outros KUHL Strafrecht 1997 8 n 183184 p 303 também ROXIN Strafrecht 1997 16 n 91 p 654 No Brasil pela necessidade de consciência e vontade de proteção FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 169 p 197 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 149 ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 342 p 597 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 239 242012 162811 240 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 22 Elementos objetivos e normativos da ação necessária A ação de proteção do bem jurídico deve ser a necessária para afastar ou excluir o perigo como se deduz da exigência de constituir o único modo de evitar o perigo e b apropriada para proteger o bem jurídico com a menor lesão em bens jurídicos alheios em outras pala vras o meio utilizado ou o fato praticado deve ser apropriado para evitar o perigo sem agressões inúteis a bens jurídicos alheios devendo o autor ao contrário da legítima defesa considerar as alternativas pos síveis para evitar o perigo inclusive a ajuda de terceiros87 Em síntese a evitação do perigo exige uma ação necessária determinada que deve ser apropriada para proteger o direito ameaçado sem lesões inúteis em bens jurídicos alheios conforme ponderação de todas as circunstâncias concretas ligadas aos bens jurídicos em conflito à natureza do perigo e à gravidade da pena88 221 O critério do bem jurídico A preponderância de certos valores em relação a outros pode ser decidida pelo critério do bem jurídico a a preponderância do perigo concreto em relação ao perigo abstrato ou em relação a outro perigo concreto transportar ferido grave para hos pital em velocidade excessiva art 311 CTB ou sob a influência do álcool ou de outra substância psicoativa que determina dependência art 306 CTB b a preponderância de valores da personalidade em relação a valores materiais tomar chave de motorista para evitar que dirija embriagado c a preponderância dos bens jurídicos do corpo e da vida perante todos os demais quebra de sigilo médico para evitar infecção por HIV em relações sexuais ou uso da mesma seringa entre dependentes de droga O critério do bem jurídico compreende si tuações controvertidas como a extração forçada de sangue do único portador do tipo sanguíneo adequado para salvar uma vida humana 87 Ver ROXIN Strafrecht 1997 16 n 19 p 6178 e 19 n 21 p 835 88 Nesse sentido ROXIN Strafrecht 1997 16 n 7 p 611612 e n 22 p 619620 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 240 242012 162811 241 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação para um setor da doutrina constitui injustificável lesão da dignidade humana para outro setor a salvação da vida humana prepondera sobre a lesão da dignidade humana especialmente em agressões corporais pequenas e não perigosas89 222 O critério da pena Em certas situações o critério da pena90 determinante na teoria da ponderação de bens pode ser importante como na extração não consentida de órgãos de cadáver para salvar vida humana ou na violação de domicílio para evitar estupro etc 3 O critério das relações autorvítima Situações de estado de necessidade defensivo podem ser engendradas pelas relações autorvítima a hipóteses de perigo criado por não ação da vítima lesão corporal leve em vítima sob ataque epiléptico para evitar destruição de vaso valioso mas não lesão corporal grave como fratura ou comoção cerebral lesão grave ou morte para proteger a vida ou saúde como a morte da criança no ventre materno para salvar a vida da mãe porque se ninguém é obrigado a suportar lesões sérias e se não é possível desviar ou pedir ajuda abrese aquele espaço livre do direito que admite ponderação de vida contra vida91 b hipóteses de legítima defesa preventiva proprietário de bar coloca narcótico na bebida de fregueses que ouvira combinarem assalto ao estabelecimento porque existe perigo atual mas não existe agressão iminente para permitir legítima defesa cuja proteção posterior ou seria impossível ou implicaria maior risco de morte ou lesão grave dos agressores92 4 O conflito de vida contra vida A questão crucial do estado de necessidade referese à ponderação de vida contra vida que parece 89 Assim BAUMANNMITSCH Strafrecht 1995 17 n 78 também JAKOBS Strafrecht 1993 1325 p 422423 ROXIN Strafrecht 1997 16 n 4345 p 629630 90 ROXIN Strafrecht 1997 16 n 23 p 620 91 Comparar ROXIN Strafrecht 1997 16 n 6870 p 642643 92 Ver ROXIN Strafrecht 1997 16 n 736 p 644645 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 241 242012 162811 242 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 não caber em fórmulas comuns porque entre vidas em conflito não existem diferenças de valor ou de quantidade a não existe diferença de valor entre vidas diferentes que au torize desligar aparelho de respiraçãocirculação artificial de paciente com menores chances de sobrevivência para ligálo em outro com maiores chances ou que permita matar paciente de pequeno tempo de sobrevivência para assegurar vida maior de outro com órgãos do cadáver daquele ou que justifique sacrificar vidas de valor inferior as chamadas vidas sem valor vital em proveito de vida de maior valor sacrificar doente mental em favor do prêmio Nobel ancião em favor do jovem criminoso em favor do cidadão socialmente útil93 b não existe diferença de quantidade que permita no conhe cido exemplo de WELZEL desviar um trem desgovernado da linha principal evitando a morte de muitos para uma linha secundária determinando a morte de poucos94 ou admitir a morte de uma pessoa como exigência de quadrilha para evitar a morte de vários reféns95 Situações de perigo comum extraídas da literatura podem ajudar a esclarecer a controvérsia a dois alpinistas ficam pendurados em corda capaz de sustentar apenas um deles e o alpinista da posição superior corta a corda abaixo dele precipitando o companheiro no abismo96 b dois homens em balão defeituoso capaz de sustentar apenas um deles e um lança o outro no espaço97 c barco com crianças em corredeira sob perigo de afundar por excesso de peso e o barqueiro joga algumas crianças na água para salvar a vida das demais98 d após 93 ROXIN Strafrecht 1997 16 n 29 p 622623 94 WELZEL Zum Notstandsproblem ZStW 63 1951 p 51 95 ROXIN Strafrecht 1997 16 n 30 p 623 96 MERKEL Die Kollision rechtmässiger Interessen und die Schadenersatzpflicht bei rechtmässigen Handlungen 1895 97 NEUBECKER Zwang und Notstand in rechtsvergleichender Darstellung Bd 1 1910 98 KLEFISCH Die nationalsozialistische Euthanasie im Blickfeld der Rechtsprechung und Rechtslehre MDR 1950 p 261 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 242 242012 162811 243 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação 20 dias de fome e sede em jangada com pedaços de tronco do barco naufragado o capitão e seu imediato sacrificam a vida do já enfra quecido grumete para sobreviver com seu sangue o famoso caso do iate inglês Mignonette99 41 A teoria diferenciadora que distingue entre estado de necessidade justificante e estado de necessidade exculpante admite apenas exculpação nas situações descritas afirmando ser injustificável qualquer pondera ção entre vidas humanas com os seguintes argumentos a uma ética racional do valor exclui cálculos avaliativos ou finalidades racionais em relação à vida humana segundo WELZEL100 b valores jurídicos não são valores utilitários mas fusão de convicções morais fundamentais da cultura conforme GALLAS101 c matar quem morrerá de qualquer modo representa do ponto de vista prático uma arbitrária redução da vida humana segundo KUPER102 e do ponto de vista teórico a morte matematicamente certa seria mera construção do pensamento porque ninguém pode conhecer com certeza acontecimentos futuros conforme ROXIN103 Não obstante respeitável opinião minoritária da própria teoria diferenciadora considera justificada a ação de reduzir um mal ine vitável com argumentos poderosos a primeiro o direito não pode proibir salvar uma vida humana se impossível salvar duas como dizia WEBER104 b segundo o princípio da usurpação de chance desen volvido por OTTO para casos semelhantes proíbe aniquilar chances de sobrevivência de vítimas escolhidas em grupo maior o barco com 99 PRÖCHEL Die Fälle des Notstands nach angloamerikanischem Strafrecht 1975 p 61 100 WELZEL Monatsschrift fur Deutsches Recht 1949 p 375 101 GALLAS Pflichtenkollision als Schuldausschliessungsgrund MezgerFS 1954 p 327 102 KUPER Grund und Grenzfragen der rechtfertigenden Pflichtenkollision im Strafrecht 1979 p 57 103 ROXIN Strafrecht 1997 16 n 3435 p 625 104 WEBER Das Notstandsproblem und seine Lösungen in den deutschen Strafgesetzentwurfen von 1919 und 1925 1925 p 30 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 243 242012 162811 244 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 crianças em corredeira por exemplo mas não se aplica a vítimas sem chance de sobrevivência previamente escolhidas pelo destino como no caso da corda dos alpinistas105 c enfim a irracionalidade de certas situações existenciais permite qualificar todo comportamento simul taneamente como certo e errado nos quais a decisão cabe à consciência de cada um como propõe MANGAKIS106 42 A teoria unitária da lei penal brasileira que define estado de ne cessidade exclusivamente como justificação admite todos os argumen tos da posição minoritária da teoria diferenciadora com os seguintes acréscimos a estudos recentes admitem áreas livres do direito em conflitos relacionados com situações de perigo comum ou de colisão de deveres portanto não podem ser injustas ações que estariam fora da disciplina jurídica b admitir na legislação brasileira a hipótese supralegal de estado de necessidade exculpante nos moldes da teoria diferenciadora da lei penal alemã significa mutilar a hipótese legal do estado de necessidade justificante da teoria unitária reduzindo o alcance de justificação legal em favor de hipotética exculpação supralegal em prejuízo do acusado107 5 Cláusula de razoabilidade A ação de proteção necessária de bem jurídico em perigo depende de condição definível como cláusula de ra zoabilidade a não razoável exigência ou a razoável exigibilidade de sacrifício do bem jurídico protegido nas circunstâncias art 24 CP 105 OTTO Pflichtenkollision und Rechtswidrigkeitsurteil 1978 p 29 106 MANGAKIS Die Pflichtenkollision als Grenzsituation des Strafrechts ZStW 84 1972 p 475 107 No sentido do texto COSTA JÚNIOR Comentários ao código penal I 1989 p 205 também MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 149150 e 187 em posição contrária reduzindo a justificação legal à hipótese de simples exculpação supralegal na linha da teoria diferenciadora da lei penal alemã FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 168 p 196 ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 340 p 594 e n 382383 p 654657 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 244 242012 162811 245 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação Art 24 2º Embora seja razoável exigirse o sacri fício do di rei to ameaçado a pena poderá ser reduzida de um a dois terços O conteúdo da cláusula de razoabilidade da lei penal brasileira não se confunde com o conteúdo da cláusula de apropriação da legis lação alemã mas é equivalente a não razoável exigência referese ao sacrifício do bem jurídico protegido e a apropriação do meio referese à capacidade da ação para excluir o perigo mas os dois casos representam critérios de valoração para definir a juridicidade da ação porque exis tem ações necessárias para proteção do bem jurídico que são injustas como a extração forçada de rim para transplante por exemplo em que seria razoável exigir o sacrifício do bem jurídico ameaçado ou em que o fato praticado constitui meio inapropriado para excluir o perigo A contrapartida da cláusula da não razoável exigência de sacrifício do bem jurídico ameaçado para a justificação do estado de necessidade é a razoável exigência de sacrifício do bem jurídico ameaçado para a simples redução de pena A crítica de que tais cláusulas seriam ociosas108 ou de que reali zariam mera função de controle109 não parece prejudicar sua utilidade embora alguns critérios alternativos ofereçam maior precisão como a exigência de não lesionar a dignidade humana por exemplo um valor absoluto vinculante de todos os critérios110 108 Assim SCHÖNKESCHRÖDERLENCKNER Strafgesetzbuch Kommentar 1991 34 n 45 109 Ver ESERBURKHARDT Strafrecht I 1992 n 3946 110 Nesse sentido ROXIN Strafrecht 1997 16 n 8386 p 650651 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 245 242012 162811 246 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 3 Posições especiais de dever As sociedades contemporâneas definem algumas posições especiais de dever que obrigam determinados funcionários públicos ou cidadãos comuns a assumir ou suportar o perigo a o dever jurídico de proteção da comunidade b o dever jurídico fundado na produção do perigo c o dever jurídico resultante da posição de garante d o dever jurídico de suportar perigos somente evitáveis com danos desproporcionais a terceiros Art 24 1º Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo 1 Dever jurídico de proteção à comunidade O dever jurídico especial de proteção à comunidade incumbe a certas categorias de funcionários públicos que têm o dever legal de enfrentar o perigo como bombeiros e policiais mas também se estende aos magis trados em geral que não estariam justificados a decidir deste ou daquele modo lesivo ao dever sob alegação de ameaça de morte por exemplo Atualmente esse dever legal de proteção à comu nidade inclui algumas profissões liberais como a medicina um médico não pode deixar de atender um doente sob alegação de perigo de contágio pessoal111 Os deveres de proteção à comunida de estão limitados aos perigos específicos da função ou profissão por exemplo o policial em relação aos perigos da perseguição do autor de um crime o médico em relação ao perigo de contágio de doenças etc Não obstante esse dever legal pode exigir estender o perigo à família do obrigado numa catástrofe o policial não pode deixar de proteger a comunidade para salvar a mulher ou filhos por exemplo112 111 Assim ROXIN Strafrecht 1997 16 n 5657 p 636637 e 19 n 40 p 843 No Brasil ver MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 150 112 Ver ROXIN Strafrecht 1997 22 n 4143 p 843844 e n 52 p 848 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 246 242012 162811 247 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação 2 Dever jurídico fundado na produção do perigo O dever jurí dico fundado na produção do perigo é objeto de controvérsia sobre os componentes objetivos e subjetivos do comportamento113 a pro dução do perigo deve ser objetivamente contrária ao dever segundo a opinião dominante114 ou deve ser objetiva e subjetivamente contrária ao dever segundo a minoria115 Segmento importante da literatura critica ambas posições o dever de suportar o perigo dependeria da previsibilidade da situação de necessidade resultante da produção do perigo afinal a simples autoexposição a perigo não pode ser proibida116 o companheiro convidado pelo autor para passeio de barco em mar agitado morre no naufrágio do barco porque o autor se apodera da única boia do barco para se salvar Problemas podem ocorrer nas situações em que a determinação e a exposição ao perigo relacionamse a pessoas diferentes o marido coloca a família em perigo e para proteger a família produz dano em terceiro ou em que a pessoa protegida determina o perigo a mulher do autor produz o perigo e este a protege com dano a terceiro nes ses casos a literatura reconhece a inexigibilidade do autor suportar o perigo logo o dever resultante da produção do perigo difere dos deveres legais especiais que exigem suportar o perigo117 3 Deveres jurídicos da posição de garante Os deveres jurídicos fundados na posição de garante relacionamse às comunidades de vida e de perigo a em comunidades de vida a posição de garante 113 ROXIN Strafrecht 1997 22 n 4546 p 845 114 Assim MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 34 n 5 também WESSELS BEULKE Strafrecht 1998 p 126 n 441 115 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 44 III 2a p 485486 SCHÖNKESCHRÖDERLENCKNER Strafgesetzbuch Kommentar 1991 35 n 20 116 ROXIN Strafrecht 1997 22 n 4546 p 845846 BAUMANNWEBER Strafrecht 1995 23 n 27 HRUSCHKA Strafrecht nach logischanalytischer Methode 1988 286 117 ROXIN Strafrecht 1997 22 n 5051 p 847848 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 247 242012 162812 248 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 do paimarido em catástrofes como incêndio naufrágio ou em acidentes de trânsito por exemplo exige suportar pessoalmente o perigo para proteger mulher e filhos o paimarido não pode deixar de proteger membro da família sob alegação de perigo para a saúde ou integridade corporal próprias118 exceto hipóteses de especial gravidade do perigo b em comunidades de perigo os deveres de cuidado ou vigilância do guia de expedição na selva ou nas montanhas em relação ao grupo ou do professor em relação aos alunos exigem proteger membro do grupo ou da turma suportando pessoalmente o perigo119 4 Dever jurídico de suportar perigos somente evitáveis com danos desproporcionais a terceiros O dever legal de evitar danos desproporcionais a terceiros para excluir perigos próprios pode ser assim equacionado a o autor não pode produzir a morte ou dano grave em inocente para evitar dano corporal reparável contudo parece justificada a morte de terceiro para evitar dano corporal grave ou a morte de vários para evitar a própria morte b situações de perigo para o corpo como ameaça de quebrar um braço ou sofrer uma contusão séria admitem evitação mediante dano equivalente mas excluem matar ou aleijar c situações de perigo consistentes em pequena probabilidade de perder a vida podem justificar lesão mas não a morte de terceiros120 5 Limites do dever jurídico ligado às posições especiais de dever O dever jurídico ligado às posições especiais de dever possui limites podendo ser excluído ou reduzido por situações de conflito a primeiro o dever legal de enfrentar o perigo não é absoluto ces sando em face de certeza ou de probabilidade de morte ou de lesão 118 SCHÖNKESCHRÖDERLENCKNER Strafgesetzbuch Kommentar 1991 34 n 34 119 Ver ROXIN Strafrecht 1997 22 n 54 p 849 120 Assim ROXIN Strafrecht 1997 22 n 5455 p 849850 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 248 242012 162812 249 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação grave porque o direito não pode exigir renúncia à vida ou aceitação de graves lesões à saúde ou ao corpo121 b segundo conflitos de deveres de ação podem constituir confor me a teoria dominante hipóteses de justificação122 o pai só pode salvar um dos dois filhos em perigo simultâneo de afogamento com perecimento do outro o médico só pode atender um de dois pacientes em simultâneo perigo de vida com morte do outro A opinião de que constituiriam meros casos de exculpação123 sob ale gação de que escolhas pessoais representariam arbitrário abandono de vidas humanas parece inconsistente a antijuridicidade supõe a possibilidade de comportamento jurídico alternativo e afinal existe diferença entre o esforço para salvar um e nenhum esforço para salvar nenhum124 c terceiro alguns critérios de justificação como a relação entre os deveres o valor do bem jurídico a gravidade do perigo etc podem ser decisivos 1 a relação entre os deveres se os deveres são desi guais prevalece o maior se iguais qualquer deles 2 o valor do bem jurídico em incêndio de museu a salvação da criança não do quadro valioso 3 a gravidade do perigo proteger a vítima de lesão grave não a vítima de lesão leve 4 relações entre dever es pecial de garantia e dever geral de solidariedade o pai deve salvar o filho e não a criança alheia na hipótese de perigo simultâneo de afogamento pela precedência do dever de garantia o pai deve 121 ROXIN Strafrecht 1997 16 n 56 p 636637 No Brasil ver MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 150151 122 JAKOBS Strafrecht 1993 15615 p 445449 ROXIN Strafrecht 1997 16 n 101105 p 658660 SCHÖNKESCHRÖDERLENCKNER Strafgesetzbuch Kommentar 1991 32 n 7 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 16 p 234235 ns 735737 123 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 33 V p 365368 HAFT Strafrecht 1994 p 101 124 ROXIN Strafrecht 1997 16 n 105106 p 660 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 249 242012 162812 250 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 salvar a criança alheia ferida gravemente e não o filho ferido leve mente pela precedência do valor do bem jurídico ameaçado em relação ao dever de garantia125 5 hipóteses de culpa na produção da situação de necessidade supondo igualdade do perigo são polêmicas o médico pode atender primeiro o culpado e depois a vítima ou viceversa indiferentemente126 o médico deve atender primeiro a vítima depois o culpado127 Em qualquer caso não há diferença qualitativa bommau novovelho inteligentebobo ou quantitativa salvar um na direção sul salvar dois na direção norte entre vidas humanas A lesão do dever jurídico de suportar o perigo determina re dução da pena em todas as hipóteses mencionadas embora alguns autores excluam hipóteses de lesão de deveres jurídicos especiais por razões de prevenção geral128 ou por ser incompatível com o princípio da culpabilidade129 C Estrito cumprimento de dever legal O estrito cumprimento de dever legal constitui justificação exclusiva do funcionário público compreende hipóteses de inter venção do funcionário público na esfera privada para assegurar o cumprimento da lei ou de ordens superiores da administração 125 Ver ROXIN Strafrecht 1997 16 n 109111 p 661662 126 SCHÖNKESCHRÖDERLENCKNER Strafgesetzbuch Kommentar 1991 32 n 74 127 BLEI Strafrecht 1983 88 I 4a 128 É a opinião de ROXIN Strafrecht 1997 19 n 56 p 850 129 Nesse sentido JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 44 IV 2 p 488 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 250 242012 162812 251 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação pública que podem determinar a realização justificada de tipos legais como coação privação de liberdade violação de domicílio lesão corporal etc 1 Situação justificante A situação justificante do estrito cumprimento de dever legal é constituída pela existência de lei em sentido amplo lei decreto regula mento etc ou de ordem de superior hierárquico determinantes de dever vinculante da conduta do funcionário público ou assemelhado130 O estrito cumprimento de dever determinado por lei exclui lesão de direitos humanos fundamentais definidos em tratados e convenções internacionais por exemplo homicídios dolosos para impedir fuga de presos de estabelecimento penal O estrito cumprimento de dever fundado em ordem superior pressupõe autoridade competente para emitir a ordem objeto lícito e forma adequada da ordem emitida segundo os requisitos de validade dos atos administrativos Não obstante e como é óbvio admite um restrito direito de crítica do subordinado cujo exercício é limitado exclusivamente à legalidade da ordem excluindo razões ou argumen tos relacionados a critérios de oportunidade de conveniência ou de justiça da ordem 130 Comparar CIRINO DOS SANTOS Teoria do Crime 1993 p 55 também MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 151152 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 251 242012 162812 252 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 2 Ação justificada A ação justificada pressupõe atuação do funcionário público nos estritos limites do dever criado por lei ou por ordem de superior hierárquico Nesse sentido rupturas dos limites do dever na aplicação da lei ou no cumprimento de ordens superiores excluem a justificação da conduta 21 Ruptura dos limites do dever na aplicação da lei A ruptura dos limites do dever na aplicação da lei pelo funcio nário público no emprego de coação ou na privação de liberdade por exemplo é frequente e inevitável do ponto de vista estatístico e pode determinar duas consequências imediatas primeiro excluir a justificação da conduta segundo permitir a legítima defesa do cidadão agredido131 Para resolver esses problemas a dogmática mo derna desenvolveu o conceito de uma antijuridicidade especial para o funcionário público cujos limites ampliados poderiam justificar ações que dentro dos limites comuns do conceito seriam antijurídicas132 Essa antijuridicidade especial do funcionário público teria alguns pressupostos objetivos a competência material e territorial para a ação com exclusão de ações fora das atribuições ou fora do território respectivo b forma prescrita em lei c observância dos princípios da necessidade e da proporcionalidade133 aliás princípios de difícil compreensão pelo funcionário público A juridicidade da ação não seria excluída por erros normais sobre tais pressupostos objetivos 131 Ver ROXIN Strafrecht 1997 17 n 12 p 667668 132 Assim LENZ Die Diensthandlung und ihre Rechtmässigkeit in 113 StGB Diss Bonn 1987 133 Nesse sentido HAFT Strafrecht 1994 p 113 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 252 242012 162812 253 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação ocorridos em exame da situação conforme ao dever por exemplo o oficial de justiça entra na casa errada para cumprir o mandado portanto somente erros graves indicadores de culpa grosseira seriam capazes de deslegitimar a ação134 Contudo a teoria de uma antijuridicidade especial parece criti cável primeiro o conceito de antijuridicidade especial está em contra dição com a dogmática penal que não trabalha com dois conceitos de antijuridicidade um normal para o comum dos mortais outro especial para o funcionário público segundo intervenções oficiais sem observância dos pressupostos legais não geram dever de tolerância terceiro a boafé do funcionário público não exclui a antijuridicidade da ação assim não faz o injusto virar justo135 quarto o sentimento de imunidade do funcionário público ampliaria práticas ilegais ou arbitrárias do poder136 quinto o Estado Democrático de Direito garante respeito às liberdades do cidadão exige estrita observância da legalidade pelo funcionário público e não atribui ao funcionário público o privilégio de errar137 Em conclusão podese dizer o seguinte o erro inevitável do funcionário público ocorrido em exame da situação conforme ao dever ou seja com o emprego do cuidado devido exclui o dolo e a imprudência portanto exclui o desvalor da ação impedindo o exercício da legítima defesa mas o erro evitável do funcionário público não exclui o desvalor da ação e autoriza o exercício da legítima defesa embora com as necessárias limitações éticosociais138 134 LACKNER Strafgesetezbuch mit Erläuterungen 1995 21a edição 113 n 12 135 ROXIN Strafrecht 1997 17 n 9 p 671 136 Ver THIELE Zum Rechtmässigkeitsbegriff bei 113 Abs 3 StGB JR 1975 p 353 137 Assim pensava JELLINEK Verwaltungsrecht 1931 p 373 138 Nesse sentido ROXIN Strafrecht 1997 17 n 1314 p 673674 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 253 242012 162812 254 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 22 Cumprimento de ordens antijurídicas O cumprimento de ordens superiores antijurídicas é resolvido conforme as alternativas de evidênciaou de não evidência da natureza típica da ordem a ordens superiores ilegais de evidente natureza típica não vinculam a conduta e não devem ser cumpridas pelo subordinado que responde pelo injusto praticado se cumpre a ordem a autoridade policial ordena ao subordinado espancar suspeito para obter confissão o superior hierárquico determina ao subordinado embriagado dirigir veículo automotor etc b ordens superiores ilegais de natureza típica oculta ou duvidosa vinculam a conduta e são obrigatórias para o subor dinado que não responde pelo injusto praticado se cumpre a ordem prisões processualmente admissíveis disparo sobre sequestradores para libertar reféns prisão de inocente fundado em forte suspeita etc139 O cumprimento de ordens superiores ilegais obrigatórias para o subordinado natureza típica oculta ou duvidosa é objeto de contro vérsia a constitui justificação sob o argumento de que a obrigação de cumprir a ordem é incompatível com a exposição do subordinado à legítima defesa140 b constitui exculpação porque o injusto não se transforma em justo e o que o superior não pode o inferior também não pode141 solução adotada pela lei penal brasileira art 22 CP que pune somente o autor da ordem ver Culpabilidade e exculpação adiante 139 HAFT Strafrecht 1994 p 113 140 JAKOBS Strafrecht 1993 1614 p 458459 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 35 II 3 p 394395 141 MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 29 n 7 p 408 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 254 242012 162812 255 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação 3 Elementos subjetivos do estrito cumprimento de dever legal Os elementos subjetivos do estrito cumprimento de dever legal consistem no conhecimento da situação justificante a existência de dever legal ou no conhecimento da situação justificante e vontade de cumprir o dever legal como prender coagir etc em qualquer hipótese com outros componentes psíquicos e emocionais como medo perturbação etc D Exercício regular de direito O exercício regular de direito justifica ações do cidadão comum definidas como direito e exercidas de modo regular pelo titular 1 Situações justificantes A dogmática moderna reconhece dois grupos de hipóteses como situações justificantes do exercício regular de direito a a atuação pro magistratu b o direito de castigo 1 Atuação pro magistratu A atuação pro magistratu compreende situações em que o cidadão é autorizado a agir porque a autoridade não pode atuar em tempo como as hipóteses de prisão em flagrante e de autoajuda Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 255 242012 162812 256 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 A prisão em flagrante realizada pelo cidadão comum requer deter minados requisitos sem os quais não pode ser efetuada a certeza142 ou forte suspeita143 de autoria b fato típico e antijurídico exclui ações preparatórias e justificadas c suspeita de fuga no caso concreto um juízo de probabilidade problemático mas normal em hipóteses de crimes graves e clandestinos ou impossibilidade de identificação como falta ou recusa de apresentação de documento exceto hipóteses de conhecimento da identidade pessoal144 A autoajuda parece melhor definível como hipótese de exercício regular de direito e compreende ações diretas sobre pessoas prender eliminar a resistência ou coisas tomar destruir fora dos casos de legítima defesa ou de prisão em flagrante após o furto o proprietá rio encontra o autor de posse da coisa furtada prendeo e recupera a posse da coisa145 2 Direito de castigo O direito de castigo tem por objeto a educação de crianças no âmbito da família compete exclusivamente aos titulares do poder familiar em relação aos filhos mas não se estende aos filhos alheios embora possa ser exercido dentro de limites estritos por professores e educadores no âmbito da escola com o consentimento expresso ou presumido dos responsáveis Alguns autores consideram que o direito de castigo com fins educativos exclui o próprio tipo146 mas para a opinião dominante 142 JAKOBS Strafrecht 1993 1616 p 459 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 35 IV 2 p 398 143 ROXIN Strafrecht 1997 17 n 24 p 679 144 Assim ROXIN Strafrecht 1997 17 n 27 p 681 145 ROXIN Strafrecht 1997 17 n 29 p 682 146 EB SCHMIDT Bemerkungen zur Rechtsprechung des Bundesgerichtshofs zur Frage des Zuchtigungsrechtes der Lehrer 1959 p 519 também KIENAPFEL Körperliche Zuchtigung und soziale Adäquanz im Strafrecht 1961 p 101 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 256 242012 162812 257 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação constitui justificação147 embora o castigo corporal como método de educação familiar não mereça aplausos 2 Ação justificada A ação justificada na prisão em flagrante e na autoajuda limitase às condutas típicas indispensáveis para conduzir o preso à autoridade ou para recuperar a posse da coisa furtada como lesão corporal leve privação da liberdade etc excluindo lesão corporal grave e emprego de armas148 A ação justificada no direito de castigo compreende igual mente ações típicas como lesões leves privação da liberdade coações etc excluindo sangramentos fraturas ou violências indignificantes dar pontapés deixar nu chicotear acorrentar etc que constituem em face da intangibilidade do direito à dignidade e à integridade corporal abuso não justificado do direito de castigo149 3 Elementos subjetivos no exercício regular de direito O elemento subjetivo do exercício regular de direito consiste no conhecimento da situação justificante prisão em flagrante autoajuda e direito de castigo ou no conhecimento da situação justificante e vontade de prender de recuperar a coisa ou de corrigir em qualquer 147 ROXIN Strafrecht 1997 17 n 34 p 684 148 Ver MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 152 149 HAFT Strafrecht 1994 p 115 também ROXIN Strafrecht 1997 17 n 35 p 684685 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 257 242012 162812 258 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 hipótese com outros componentes psíquicos e emocionais como raiva desgosto etc E Consentimento do titular do bem jurídico O consentimento do titular do bem jurídico ou consentimento do ofendido constitui causa supralegal de exclusão da antijuridicidade ou da própria tipicidade porque consiste na renúncia à proteção penal de bens jurídicos disponíveis150 ou seja todos os bens jurídicos individuais inclusive a vida em determinadas condições O consentimento do titular do bem jurídico pode ser real ou presumido com divergências na literatura sobre os efeitos do consentimento real mas consenso sobre a natureza justificante do consentimento presumido A opinião domi nante representada por JESCHECKWEIGEND MAURACHZIPF e outros baseada em distinção de GEERDS define o consentimento real de dois modos distintos a o consentimento real sob forma de concordância Einverständnis teria efeito excludente do tipo b o con sentimento real sob forma de consentimento Einwilligung teria efeito excludente da antijuridicidade151 A opinião minoritária representada por ROXIN atribui ao consentimento real exclusivo efeito excludente do tipo porque configura exercício de liberdade constitucional de ação do portador do bem jurídico152 se o consentimento real do portador do bem jurídico significa exercício de liberdade de ação então não pode significar ação típica com suas funções de ratio essendi ou de ratio 150 MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 17 III 1 n 36 p 227 151 Ver GEERDS Einwilligung und Einverständnis des Verletzten im Strafrecht in GA Goltdammers Archiv fur Strafrecht 1954 p 262 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 34 I p 372376 MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 17 III 1 n 32 p 225 152 Ver ROXIN Strafrecht 1997 13 n 12 p 462 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 258 242012 162812 259 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação cognoscendi da antijuridicidade apesar de excluída pela justificação do consentimento do ofendido Outros argumentos favoráveis à concepção do consentimento real como excludente do tipo seriam os seguintes a o consen timento real como renúncia à proteção penal de bens jurídicos disponíveis exclui o desvalor de resultado e por consequência a ação consentida não representa desvalor de ação descaracterizando o próprio tipo de crime b o consentimento real exprime desin teresse do titular na proteção do bem jurídico indicando situação de ausência de conflito ao contrário do sistema de justificações fundado na existência de situações de conflito c enfim o argu mento de que não existe diferença semântica entre concordância excludente do tipo e consentimento excludente da antijuridicidade por exemplo na injúria na privação de liberdade na revelação de segredos etc parece decisivo153 Na prática não há diferença entre efeito destipificante e efeito justificante do consentimento real porque o fundamento jurídico necessário para destipificar é o mesmo exigido para justificar a ação e porque a consequência jurídica da exclusão do tipo é idêntica à da exclusão da antijuridi cidade Mas além dos argumentos teóricos a própria economia dogmática aconselha atribuir ao consentimento real efeito excludente da tipicidade154 embora nada impeça atribuirlhe efeito de exclusão da antijuridicidade como causa supralegal de justificação 153 ROXIN Strafrecht 1997 13 n 1722 p 464467 154 Outra posição aqui modificada em CIRINO DOS SANTOS Teoria do Crime p 57 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 259 242012 162812 260 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 1 Consentimento real O consentimento real do titular de bem jurídico disponível tem eficácia excludente da tipicidade da ação porque o tipo legal protege a vontade do portador do bem jurídico cuja renúncia representa exer cício de liberdade constitucional de ação155 Todos os bens jurídicos individuais inclusive o corpo e a vida como mostra a prática de esportes marciais são disponíveis 11 Objeto do consentimento a Liberdade sexualidade e propriedade O consentimento do titular de bem jurídico individual disponível pode ter por objeto a liberdade pessoal no caso de sequestro ou cárcere privado consentido pressu posta a capacidade civil do titular do bem jurídico a liberdade sexual nas relações sexuais consentidas se o titular do bem jurídico possui a idade mínima de 14 anos exigida para excluir a violência presumida exceto hipóteses de absoluta incapacidade de decisão válida a proprie dade privada em subtrações ou apropriações consentidas de coisa alheia móvel etc156 se o titular é pelo menos relativamente capaz b Corpo humano saúde e integridade O poder de disposição de bens jurídicos relacionados ao corpo como a saúde ou integridade física pode depender da extensão da finalidade ou da adequação so cial da lesão respectiva a o consentimento real exclui a tipicidade de lesões corporais graves em esportes marciais regulamentados como 155 MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 17 III 1 n 36 p 227 ROXIN Strafrecht 1997 13 n 1114 p 461462 156 CIRINO DOS SANTOS Teoria do crime 1993 p 57 comparar FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 176 p 199100 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 152153 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 260 242012 162812 261 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação boxe caratê judô etc especialmente no gênero de competição co nhecido como valetudo apresentado ao vivo em televisão em redes internacionais em competições de valetudo embora não exclua a tipicidade de lesões corporais graves em brigas de rua b admitese efeito excludente da tipicidade em lesões sadomasoquistas consentidas entre adultos e sem dano social realizadas na esfera inviolável da vida privada da pessoa humana art 5o X CR A legislação penal alemã 226 a CP expressamente admite o consentimento da vítima como justificaçãoexclusão da tipicidade exceto em hipóteses contrárias aos bons costumes157 um conceito indeterminável sujeito a profundas distorções ideológicas No caso de lesão corporal consentida a liberdade de disposição do bem jurídico prevalece sobre o valor do bem jurídico protegido como esclarece a literatura o consentimento da vítima pode ter por objeto somente o risco para o corpo ou para a vida e não o resultado de lesão ou de morte porque esperase que tudo corra bem158 No Brasil a proibição legal de tratamento médico e de interven ções cirúrgicas contrárias à vontade do paciente art 15 CC mesmo em casos de risco de vida institui o consentimento real do titular do bem jurídico como fundamento excludente da tipicidade nas cirurgias médicas incluindo esterilizações extração de órgãos em pessoas vivas para transplante cirurgias corretivas de anomalias sexuais em indiví duos transexuais etc que constituem lesões corporais graves159 A lei civil brasileira proíbe a disposição do corpo em hipóteses de cirurgias corretivas causadoras de redução permanente da integridade física 157 Quem efetua uma lesão corporal com consentimento do lesionado somente atua de modo antijurídico se o fato apesar do consentimento contraria os bons costumes 226 a CP alemão 158 ARZTWEBER Strafrecht BT 2000 6o n 28 e 35 159 Ver ROXIN Strafrecht 1997 13 n 38 p 475 também SCHÖNKE SCHRÖDERSTREE Strafgesetzbuch Kommentar 1991 24a edição 226 a n 6 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 261 242012 162812 262 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 ou contrárias aos bons costumes art 13 CC Permite contudo a extração em vida de órgão duplo de parte de tecido ou partes do corpo para transplante em cônjuge ou parente consanguíneo até 4o grau obedecidos os requisitos da legislação especial Lei 943497 sobre capacidade do doador gratuidade da remoção necessidade terapêutica comprovada do receptor ausência de risco ou de mutilações ou de formações inaceitáveis para o doador e finalmente prévia autorização judicial exceto no caso de medula óssea A limitação representada pela exigência de conformidade aos bons costumes é inconstitucional por absoluta indeterminação do conceito o que são bons costumes e segundo quais princípios ou critérios devem ser definidos 12 A disciplina da Lei 943497 A remoção de órgãos tecidos ou partes do corpo humano em vida e post mortem para fins de transplante e tratamento é disciplinada pela Lei 943497 Entre as condições estabelecidas pela lei estão as seguintes a gratuidade da disposição de tecidos órgãos e partes do corpo humano art 10 b exames prévios do doador e diagnóstico de infecção e infestação exigidos pelo Ministério da Saúde art 2o único c realização por equipe cirúrgica de remoção e transplante autorizada pelo SUS em estabelecimento de saúde pública ou privada art 2o Além disso a lei estabelece condições para remoção de tecidos órgãos ou partes do corpo humano em vida e post mortem No caso de disposição de tecidos órgãos ou partes do corpo humano vivo para transplante ou tratamento a lei determina condições específicas relacionadas ao doador ao receptor e ao objeto de disposição assim definidas a capacidade jurídica do doador que pode revogar a doação a qualquer momento art 9o b o receptor deve ser cônjuge ou parente consanguíneo até o 4o grau do doador outras hipóteses somente com autorização judicial art 9o c o objeto de doação deve Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 262 242012 162813 263 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação constituir unidade de órgão duplo ou partes de órgãos tecidos ou corpo humano cuja retirada não impeça a vida do doador não crie risco para sua integridade não represente grave comprometimento de suas aptidões vitais e saúde mental e não cause mutilação ou defor mação inaceitável art 9o 3o d finalmente prova de necessidade terapêutica indispensável do receptor art 9o 3o Complementarmente a lei proíbe a publicidade de estabele cimento autorizado para transplantes e enxertos b apelo público de doação de tecidos órgãos ou partes do corpo humano para pessoas determinadas ou indeterminadas c apelo público para arrecadação de fundos para financiamento de transplantes ou enxertos Entre as ações criminalizadas com pena de reclusão pela lei estão as seguintes a remoção de tecidos órgãos ou partes do corpo humano vivo ou em cadáver contrária às normas legais art 14 b compra e venda de tecidos órgãos e partes do corpo humano art 15 c realização de transplante eou enxerto de tecidos órgãos ou partes do corpo humano contrárias à legislação art 16 d recolher guardar transportar distribuir partes do corpo humano contrários à legislação art 17 e realizar transplante ou enxerto contrário ao artigo 10 e art 18 Outras ações criminalizadas com pena de de tenção ou somente com pena de multa estão na área da criminalidade de bagatela artigos 19 e 20 Finalmente a remoção de tecidos órgãos ou partes do corpo humano post mortem está submetida às seguintes condições comple mentares a diagnóstico prévio de morte encefálica por 2 médicos diferentes dos responsáveis pelo transplantetratamento art 3o b autorização do cônjuge ou parente em linha reta ou colateral até o 2o grau da linha sucessória art 4o c recomposição condigna do cadáver para entrega aos parentes e sepultamento art 8o Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 263 242012 162813 264 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 13 Capacidade e defeito de consentimento O consentimento real pressupõe sujeito capaz de compreensão concreta do significado e da extensão da ação consentida ou seja da renúncia ao bem jurídico respectivo o que significa conhecimento concreto do risco consentido160 determinável como questão de fato independentemente da idade do portador do bem jurídico161 ou do critério de capacidade civil Não obstante a idade é o primeiro indicador da capacidade de consentimento excludente do tipo ou da antijuridicidade como demonstram os crimes sexuais em que a idade de 14 anos delimita a incapacidadecapacidade Além disso o consentimento real deve ser expressão de vontade livre do titular do bem jurídico o que significa exclusão do consen timento por defeitos de vontade determinados por engano erro ou violência O engano exclui o consentimento se determinar erro do ofendido sobre espécie e extensão do dano ao bem jurídico ou sobre intensidade do perigo para o bem jurídico B aplica injeção de tranqui lizante em A omitindo informação sobre efeito prejudicial à saúde o erro da vítima exclui o consentimento sempre que exprimir equívoco pessoal ou de engano provocado por terceiro enfim a violência real ou ameaçada exclui o consentimento porque bloqueia a vontade do titular do bem jurídico162 160 ARZTWEBER Strafrecht BT 2000 6 n 3435 HAFT Strafrecht 1994 p 102105 161 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 34 IV 4 p 382 ROXIN Strafrecht 1997 13 n 51 p 480 162 HAFT Strafrecht 1994 p 107108 ROXIN Strafrecht 1997 13 n 6872 p 488495 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 264 242012 162813 265 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação 14 Manifestação do consentimento A teoria da mediação psíquica principal teoria sobre manifesta ção do consentimento exige prévia comunicação do consentimento do titular do bem jurídico ao autor163 a comunicação do consenti mento é decisiva porque a ação consentida deve se conter nos limites do consentimento164 o que implica consentimento anterior ao fato consentimento posterior é irrelevante por outro lado assim como o consentimento deve ser manifestado antes do fato essa manifestação de consentimento também pode ser revogada a qualquer momento Enfim o consentimento do titular do bem jurídico pode ser expresso por palavras ou sinais ou pode ser simplesmente tácito dispensando o uso de palavras ou sinais na relação sexual por exemplo o con sentimento pode ser manifestado de qualquer modo como a reação positiva do portador do bem jurídico protegido165 Se o portador do bem jurídico é incapaz o consentimento pode ser manifestado pelos pais ou responsáveis como nas cirurgias em filhos menores na hipótese de recusa abusiva de consentimento dos pais em cirurgia necessária o consentimento pode ser suprido pelo Curador de Menores ou se impossível o próprio médico pode agir justificado pelo estado de necessidade na hipótese de conflito entre represen tante legal e adolescente relativamente capaz de consentir prevalece a vontade do adolescente que também deve ser a referência para a hipótese de consentimento presumido Mas o representante legal não pode consentir pelo portador do bem jurídico nas chamadas decisões existenciais como extração de órgãos para transplante ou relacionadas 163 Assim JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 34 IV 2 p 382 SCHÖNKESCHRÖDERLENCKNER Strafgesetzbuch Kommentar 1991 32 n 43 164 HAFT Strafrecht 1994 p 102105 165 ROXIN Strafrecht 1997 13 n 4550 p 478480 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 265 242012 162813 266 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 ao núcleo da personalidade como autorização para injúrias lesões corporais etc166 2 Consentimento presumido O consentimento presumido é construção normativa do psiquis mo do autor sobre a existência objetiva de consentimento do titular do bem jurídico que funciona como causa supralegal de justificação da ação típica167 ao contrário do consentimento real expressão de liberdade de ação do portador de bem jurídico disponível que exclui a tipicidade da ação Não há consenso sobre a natureza dessa cons trução normativa situase entre o consentimento real e o estado de necessidade168 constitui subespécie do estado de necessidade169 ou uma combinação do estado de necessidade do consentimento real e da gestão de negócios170 O consentimento presumido é subsidiário em relação ao consentimento real se o titular do bem jurídico mani festa consentimento real então não há o que presumir ao contrário se não existe consentimento real manifestado então a existência objetiva de consentimento pode ser presumida A ação com base no consentimento presumido do portador do bem jurídico é nor malmente ação no interesse alheio a hipótese de consentimento presumido justificador de ação no interesse próprio por exemplo colher frutas que apodrecem no quintal do vizinho que viajou em 166 Ver ROXIN Strafrecht 1997 13 n 633636 p 486488 167 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 34 VII p 3856 ROXIN Strafrecht 1997 18 n 34 p 697 168 ROXIN Strafrecht 1997 18 n 4 p 697 169 WELZEL Strafrecht 1969 14 V p 92 170 JAKOBS Strafrecht 1993 1517 p 451 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 266 242012 162813 267 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação férias é admitida pela opinião dominante171 mas rejeitada como risco excessivo pela minoria172 Enfim o consentimento presumido pode ser definido mediante duas hipóteses clarificadoras como mostra HAFT173 a o consentimento não foi obtido mas o titular do bem jurídi co consentiria se perguntado por exemplo cirurgia urgente em vítima inconsciente de acidente não obstante o consentimento não deve ser presumido se a manifestação de vontade do paciente pode sem prejuízo ser esperada b o consentimento do titu lar do bem jurídico poderia ser obtido mas é desnecessário ou mesmo absurdo por exemplo entrar na casa alheia para apagar incêndio contudo o consentimento não pode ser presumido se o autor conhece vontade contrária do portador do bem jurídico o proprietário não aceitaria por razões pessoais a entrada do autor na casa em nenhuma hipótese 3 O problema da eutanásia A discussão sobre eutanásia do grego eu boa thanatos morte como morte fundada no consentimento real ou presumido do titular do direito à vida começa na controvérsia sobre o suicídio 1 posição conservadora supõe um dever moral de viver a vida toda imposto pelo Direito natural a todos os seres humanos 2 posição 171 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 34 VII 1b 386387 ROXIN Strafrecht 1997 18 n 17 p 703 172 JAKOBS Strafrecht 1993 1518 p 451452 173 HAFT Strafrecht 1994 p 106 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 267 242012 162813 268 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 moderna afirma a liberdade de morrer em situações determinadas por exigências morais ou por razões de dignidade humana174 A decisão sobre eutanásia como homicídio por desejo da vítima um fato de pequena frequência estatística depende de uma ques tão crucial quem determina quem O estudo da eutanásia começa pelo exame da posição da vítima caracterizada pela vontade real ou presumida de morrer e termina pelo exame do comportamento do autor fundado na exclusiva vontade da vítima mediante ação ou ajuda ativa ou omissão de ação ou ajuda passiva 31 Vontade real e presumida de morrer A vontade real da vítima deve exprimir um desejo atual de morrer mediante clara comunica ção oral ou escrita a vontade presumida da vítima cuja relevância é limitada a situações de inconsciência pode ser inferida de indicadores reais anteriores relativos a hipóteses futuras indesejáveis por exemplo vida vegetativa paralisia etc175 32 Ajuda ativa e ajuda passiva do autor O papel do autor pode assumir uma forma ativa ação ou uma forma passiva omissão de ação na eutanásia A forma ativa de realização da vontade real ou presumida da vítima é criminalizada embora com redução de pena ou homicídio privilegiado art 121 1o CP ou participação em suicídio art 122 CP em outras palavras a extinção da vida por exigência da vítima mediante intervenção direta ou ativa colaboração do autor no suicí dio da vítima entrega de meios por exemplo é proibida de modo absoluto Em contrapartida a forma passiva de realização da vontade da vítima é objeto de interessante discussão na literatura especialmente na relação médicopaciente cujas linhas centrais são as seguintes 174 ARZTWEBER Strafrecht BT 2000 3 n 2 175 ARZTWEBER Strafrecht BT 2000 3 n 1112 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 268 242012 162813 269 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação 321 Os deveres do médico A posição do médico em relação ao paciente é definida por dois deveres principais o dever de prolongar a vida do paciente e o dever de evitarreduzir o sofrimento do paciente Esses deveres podem entrar em conflito quando a evitaçãoredução do sofrimento é incompatível com o prolongamento da vida ou inversamente quando o prolongamento da vida é incompatível com a evitaçãoredução do sofrimento Neste ponto surge uma hipótese interessante se tratamentos contra a vontade do paciente são proi bidos então nenhum paciente tem o dever de suportar intervenções médicas para manutenção da vida logo a ajuda passiva consentida em suicídio do paciente não pode ser proibida176 322 Os direitos do paciente A vontade real de pacientes capazes de manifestação ou a vontade presumida de pacientes incapazes de manifestação real sobre continuar ou interromper o tratamento mé dico merece respeito absoluto Assim posta a questão tratase de saber a extensão do direitodever do médico de prolongar situações de sofrimento indignas para o paciente porque ampliar um sofrimento indigno constitui tortura psíquica imposta ao paciente 323 Princípios da lex artis médica A relação médicopaciente é disciplinada por princípios relacionados à terapia médica e à vontade do paciente O princípio relacionado à terapia médica é definido pelos deve res de manutenção da vida e de redução do sofrimento já referidos e no caso de conflito entre esses deveres a prioridade compete à redução do sofrimento apesar do risco de redução da vida O princípio relacionado à vontade do paciente distingue o se guinte a em pacientes capazes de vontade declarada respeito absoluto à decisão de interromper ou reduzir o tratamento b em pacientes inconscientes ou incapazes de declarar a vontade respeito à vontade 176 ARZTWEBER Strafrecht BT 2000 3 n 6 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 269 242012 162813 270 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 presumida de interromper ou reduzir o tratamento Em nenhuma hipótese a terminação da vida admite intervenções diretas mediante ajuda ativa no suicídio do paciente No caso de pacientes terminais com lesões irreversíveis de ór gãos ou funções vitais admitese o seguinte a a omissão ou interrup ção de medidas de prolongamento da vida pressupõem concordância do paciente b na hipótese de certeza de breve morte do paciente por lesões irreversíveis de órgãos ou funções vitais é admissível a ajuda passiva para permitir morte com dignidade ainda que tecnicamente possível protelar a morte No caso de pacientes com prognóstico desfavorável mas ainda indefiníveis como pacientes terminais depende da vontade do pacien te a a decisão de mudança do tratamento considerando a evolução da doença e a redução do sofrimento b a decisão de manterprolongar a vida com medicina paliativa F Justificação nos tipos de imprudência O problema da justificação nos tipos de imprudência resulta da combinação de duas ordens de fatores primeiro o entrelaçamento ou interpenetração entre tipo e antijuridicidade é maior nos tipos de imprudência do que nos tipos dolosos segundo a construção judicial dos tipos abertos de imprudência leva em consideração a situação con creta que fundamenta as justificações177 Mas a literatura reconhece algumas justificações como a legítima defesa o estado de necessidade e o consentimento do titular do bem jurídico ofendido 177 Ver DONATSCH Sorgfaltsbemessung und Erfolg beim Fahrlässigkeitsdelikt 1987 p 76 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 270 242012 162813 271 Capítulo 11 Antijuridicidade e Justificação 1 A legítima defesa nos tipos de imprudência tem por objeto efeitos não dolosos produzidos como riscos típicos dos meios empregados na legítima defesa dolosa Exemplos a o agressor é ferido por disparo acidental de pistola utilizada pelo agredido como objeto contundente contra o agressor b soco de defesa contra o braço atinge não in tencionalmente o queixo do agressor determinando lesão cerebral c o agressor é ferido acidentalmente por disparo de arma do agredido com finalidade de intimidação O fundamento da legítima defesa nessas hipóteses é indiscutível se o resultado não doloso da situação de legítima defesa seria justificado por dolo então com maior razão é justificado por imprudência178 A questão dos elementos subjetivos na legítima defesa impru dente não é clara segundo HAFT se o tipo de imprudência não tem elementos subjetivos então por relação de simetria as justificações e a antijuridicidade também não têm elementos subjetivos179 para ROXIN o elemento subjetivo da legítima defesa imprudente consiste na consciência da situação de legítima defesa e da necessidade da ação de defesa mas não do resultado indesejado porque excluiria a legítima defesa da imprudência inconsciente180 em que não há representação do resultado possível Um problema sério relacionase à ação impru dente objetivamente justa mas sem consciência da situação de legítima defesa a disparo em manejo imprudente de arma fere o agressor no momento da agressão sem consciência do agredido sobre a situação de agressão b em manobra lesiva do cuidado e sem consciência da situação de legítima defesa motorista atropela assaltante que simu lava acidente de trânsito para realizar assalto A teoria dominante diz o seguinte a ação imprudente não é justificada mas também não é 178 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 9394 p 951952 No Brasil no mesmo sentido TAVARES Direito Penal da negligência 2003 p 363 comparar HEITOR COSTA JR Teoria dos delitos culposos 1988 p 7880 179 HAFT Strafrecht 1994 p 78 180 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 95 p 953 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 271 242012 162813 272 Teoria do Fato Punível Capítulo 11 punível porque não existe desvalor do resultado apenas o insuficiente desvalor de ação181 2 O estado de necessidade nos tipos de imprudência pode ocorrer em ações de proteção que lesionam proibição de perigo abstrato ou concreto ou de resultado a bêbado atropela pedestre ao conduzir acidentado grave para hospital evitando morte certa deste b ciclista desvia para o passeio ao perceber aproximação perigosa de carro no sentido contrário da ciclovia ferindo pedestre182 3 O consentimento do titular do bem jurídico nos fatos de impru dência também pode ser real ou presumido O consentimento real do ofendido em fatos de imprudência é raro porque não deve se limitar ao perigo criado pelo autor mas abranger o próprio resultado lesivo representado como possível e não exclui somente a antijuridicidade como afirma a opinião dominante mas a própria tipicidade da ação imprudente nos casos de exposição consentida a perigo criado por outrem a vítima esclarecida pelo barqueiro sobre os perigos do mar agitado insiste no passeio de barco e morre afogada porque de fato o barco emborca sob a violência das ondas ver O tipo dos crimes de imprudência acima O consentimento presumido do ofendido exclui a antijuridicidade da ação operação urgente no local do acidente neces sária para salvar a vida de vítima inconsciente mas com instrumental inadequado e medidas de cuidado insuficientes em que a concreta violação da lex artis determina danos à saúde do paciente183 181 Ver ROXIN Strafrecht 1997 24 n 96 p 953954 SCHÖNKESCHRÖDER LENCKNER Strafgesetzbuch Kommentar 1991 32 n 99 STRATENWERTH Strafrecht 1981 n 1121 182 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 9799 p 954 183 ROXIN Strafrecht 1997 24 n 100101 p 955 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 272 242012 162813 273 Capítulo 12 cuLpabiLidade e excuLpação I Conceito de culpabilidade A dogmática penal contemporânea edifica o conceito de fato pu nível com base nas categorias elementares do tipo de injusto e da cul pabilidade que concentram todos os elementos da definição analítica de crime1 Essas categorias elementares do fato punível se relacionam como objeto de valoração e juízo de valoração segundo a conhecida fór mula de GRAF ZU DOHNA2 o injusto como objeto de valoração a culpabilidade como juízo de valoração3 A culpabilidade como juízo de reprovação tem por objeto o tipo de injusto e por fundamento a a imputabilidade como con junto de condições pessoais mínimas que capacitam o sujeito a saber e controlar o que faz excluída ou reduzida em hipóteses de menoridade ou de doenças e anomalias mentais incapacitantes b o conhecimento do injusto como conhecimento concreto do valor que permite ao autor 1 Ver por exemplo JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 39 I 1 p 425 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 5 III 1 n 23 p 46 2 GRAF ZU DOHNA Zum neuesten Stande der Schuldlehre ZStW 32 1911 p 323 3 No Brasil JESUS Direito Penal I 1999 p 454 bem como DOTTI Curso de Direito Penal parte geral 2001 p 336 não consideram a culpabilidade como elemento do crime mas como pressuposto da pena Esse conceito é incomum na dogmática contemporânea primeiro todos os requisitos ou elementos do crime são pressupostos da pena desde a ação típica até as condições objetivas de punibilidade e não parece existir qualquer razão para isolar a culpabilidade como único pressuposto da pena segundo a proposição confunde crime com tipo de injusto que em conjunto com a culpabilidade constitui o conceito de fato punível na moderna teoria do Direito Penal Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 273 242012 162813 274 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 imputável saber realmente o que faz excluído ou reduzido em casos de erro de proibição c a exigibilidade de conduta diversa como expressão de normalidade das circunstâncias do fato e concreta indicação do poder de não fazer o que fez excluído ou reduzido nas situações de exculpação Esse conceito de culpabilidade como juízo de reprovação do autor pela realização do tipo de injusto parece representar a expressão contemporânea dominante do conceito normativo de culpabilidade um juízo de reprovação sobre o sujeito quem é reprovado que tem por objeto a realização do tipo de injusto o que é reprovado e por fundamento a a capacidade geral de saber e controlar o que faz b o conhecimento concreto que permite ao sujeito saber realmente o que faz e c a normalidade das circunstâncias do fato que confere ao sujeito o poder de não fazer o que faz porque é reprovado 1 Desenvolvimento do conceito de culpabilidade O conceito normativo de culpabilidade é o produto de mais de um século de controvérsia sobre sua estrutura que começa com o con ceito psicológico de culpabilidade do século 19 evolui para o conceito psicológiconormativo no início do século 20 transformase em conceito exclusivamente normativo durante o século 20 e hoje no início do século 21 parece imerso em profunda crise 11 Conceito psicológico de culpabilidade A atribuição dos elementos objetivos do fato punível à antijuri dicidade típica como lesão causal do bem jurídico e a atribuição dos elementos subjetivos do fato punível à culpabilidade como relação psíquica do autor com o fato próprio do modelo causal de LISZT Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 274 242012 162813 275 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação BELINGRADBRUCH4 dominante na primeira metade do século 20 indica as duas bases do conceito de fato punível o injusto como dimensão objetiva e culpabilidade como dimensão subjetiva do fato punível5 O conceito psicológico de culpabilidade é formado por dois elementos a a capacidade de culpabilidade ou imputabilidade como capacidade geral ou abstrata de compreender o valor do fato e de querer conforme a compreensão do valor do fato excluída ou reduzida em si tuações de imperfeição imaturidade ou de defecção doença mental do aparelho psíquico b a relação psicológica do autor com o fato existente como consciência e vontade de realizar o fato ou como causação de um resultado típico por imprudência imperícia ou negligência Os defeitos do conceito psicológico de culpabilidade determina ram seu abandono a culpabilidade como relação psíquica do autor com o fato é incapaz de abranger a imprudência inconsciente em que não existe relação psicológica do autor com o fato além disso a estrutura psicológica do conceito é insuficiente para valorar situações de anormal motivação da vontade hoje definidas como hipóteses de inexigibilidade de comportamento diverso6 12 Conceito normativo de culpabilidade 121 Culpabilidade e reprovação A redefinição de culpabilidade como reprovabilidade proposta por FRANK em 1907 introduz um 4 LISZT Strafrechtliche Vorträge und Aufsätze 1905 BELING Die Lehre von Verbrechen 1906 p 112 s RADBRUCH Uber den Schuldbegriff ZStW 24 1904 p 333 5 BELING Die Lehre von Verbrechen 1906 p 112 s 6 Nesse sentido CIRINO DOS SANTOS Teoria do crime 1993 p 59 também FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 177 p 201203 MACHADO Direito criminal parte geral 1987 p 138139 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 157158 RODRIGUES Teoria da culpabilidade 2004 p 3137 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 275 242012 162813 276 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 componente normativo no conceito de culpabilidade sob o argumento de que um comportamento proibido só pode ser atribuído à culpabili dade de alguém se é possível reprovarlhe sua realização7 Em seguida GOLDSCHMIDT propõe a célebre distinção entre norma de direito Rechtsnorm como exigência objetiva de comportamento exterior e norma de dever Pflichtnorm como exigência subjetiva de atitude pessoal conforme a norma de direito8 o que permite reprovar o autor pela violação da norma de dever mas admite exculpar o autor por ine xigibilidade de motivação conforme a norma de dever 122 Inexigibilidade e exculpação No começo do século 20 FREU DENTHAL concebe o conceito de inexigibilidade como fundamento geral supralegal de exculpação sob um argumento poderoso se evitar fatos puníveis pressupõe uma capacidade de resistência inexigível do homem do povo então a incapacidade de agir conforme a norma de dever exclui a exigibilidade de comportamento diverso permitindo um juízo de exculpação9 Hoje a inexigibilidade como fundamento geral supralegal de exculpação é admitida nos crimes de imprudência e de omissão de ação10 mas ainda excluída dos crimes dolosos de ação sob alegação de criar insegurança jurídica11 A introdução do componente normativo no conceito de culpabili dade produziu o conceito psicológiconormativo de culpabilidade domi nante na primeira metade do século 20 assim definido a capacidade de culpabilidade b relação psicológica concreta do autor com o fato 7 FRANK Uber den Aufbau des Schuldbegriffs 1907 p 14 8 GOLDSCHMIDT Normativer Schuldbegriff FrankFS v I 1930 p 442 do mesmo Der Notstand ein Schuldproblem ÖstZStr 1913 p 129 9 FREUDENTHAL Schuld und Vorwurf im geltenden Strafrecht 1922 p 7 10 ROXIN Strafrecht 1997 19 n 13 p 730 11 Nesse sentido por exemplo SCHAFFSTEIN Die Nichtzumutbarkeit als allgemeiner ubergesetzlicher Schuldausschliessungsgrund 1933 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 276 242012 162814 277 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação sob as formas de dolo ou de imprudência c exigibilidade de compor tamento diverso fundada na normalidade das circunstâncias do fato12 123 Conceito normativo de culpabilidade Na segunda meta de do século 20 a teoria finalista e o conceito pessoal de injusto de WELZEL13 revolucionariam simultaneamente a teoria do tipo e a teoria da culpabilidade mediante deslocação do dolo consciência e vontade do fato e da imprudência lesão do cuidado objetivo exigido da cate goria da culpabilidade para a categoria do tipo de injusto subjetivo excluindo os componentes psicológicos da culpabilidade reduzida aos componentes normativos dos juízos de reprovação e de exculpação14 Assim o conceito normativo de culpabilidade inaugurado pela teoria finalista da ação caracterizase pela seguinte estrutura a capacidade de culpabilidade b conhecimento real ou possível do injusto c exi gibilidade de comportamento conforme a norma15 A universalidade dessa estrutura do conceito não é gratuita define culpabilidade como reprovação de um sujeito imputável o sujeito pode saber e controlar o que faz que realiza com consciência da antijuridicidade o sujeito sabe realmente o que faz e em condições de normalidade de circunstâncias o sujeito tem o poder de não fazer o que faz um tipo de injusto Todavia a redefinição de culpabilidade como reprovabilidade tem a natureza de uma definição formal com a substituição de uma palavra 12 Ver FRANK Uber den Aufbau des Schuldbegriffs 1907 p 14 No Brasil o conceito psicológiconormativo da culpabilidade dominante até a reforma da parte geral do Código Penal ainda possui defensores como por exemplo COSTA JÚNIOR Comentários ao código penal I 1989 p 170 13 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 140 14 MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 30 ns 2223 p 421422 15 Ver ROXIN Strafrecht 1997 19 n 1314 p 729730 No Brasil BRANDÃO Introdução ao Direito Penal 2002 p 141149 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 177 p 201203 MACHADO Direito criminal parte geral 1987 p 140 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 157159 RODRIGUES Teoria da culpabilidade 2004 p 3747 comparar ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 345348 p 605608 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 277 242012 162814 278 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 por outra palavra sem explicar porque o sujeito é culpável ou porque o sujeito é reprovável Explicar porque o sujeito é culpável ou porque é reprovável significa mostrar a gênese real do juízo de reprovação uma tarefa atribuída às definições materiais do conceito de culpabilidade 2 Definições materiais do conceito normativo de culpabilidade O fundamento material da culpabilidade também chamado fundamento ontológico da culpabilidade é definido pela capacidade de livre decisão do sujeito e aqui está o problema a tese da liberdade de vontade do conceito de culpabilidade é indemonstrável16 Se a pena cri minal pressupõe culpabilidade e se a reprovação de culpabilidade tem por fundamento um dado indemonstrável então a culpabilidade não pode servir de fundamento da pena Por essa razão o juízo de culpabilidade não pode ser um conceito ontológico que descreveria uma qualidade do sujeito mas um conceito normativo que atribui uma qualidade ao sujeito17 Hoje a tese da culpabilidade como fundamento da pena foi substituída pela tese da culpabilidade como limitação do poder de punir com a troca de uma função metafísica de legitimação da punição por uma função política de garantia da liberdade individual18 Essa substituição não representa simples variação terminológica mas uma mudança de 16 Ver BARATTA Imputación de responsabilidad en proceso penal in Capítulo Criminológico n 16 p 69 CIRINO DOS SANTOS Direito Penal 1985 p 161 ver também MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 161162 TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 p 100 17 SACK Neue Perspektiven in der Kriminologie in KÖNIG RSACK F Kriminalsoziologie 1968 p 469470 18 Ver ROXIN Strafrecht 1997 19 n 9 p 727 também WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 p 114 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 278 242012 162814 279 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação sinal no conceito de culpabilidade com consequências políticocriminais relevantes a culpabilidade como fundamento da pena legitima o poder do Estado contra o indivíduo a culpabilidade como limitação da pena garante a liberdade do cidadão contra o poder do Estado porque se não existe culpabilidade não pode existir pena nem intervenção estatal com fins exclusivamente preventivos19 A definição de culpabilidade como limitação do poder de punir contribui para redefinir a dogmática penal como sistema de garantias do indivíduo em face do poder punitivo do Estado capaz de excluir ou de reduzir a intervenção estatal na esfera de liberdade do cidadão As principais teorias construídas para definir o conceito material da culpabilidade são as seguintes a teoria do poder de agir diferente b teoria da atitude jurídica reprovada ou defeituosa c teoria da res ponsabilidade pelo próprio caráter d teoria do defeito de motivação jurídica e teoria da dirigibilidade normativa 21 A teoria do poder de agir diferente andershandelnkönnen de WEL ZEL ARTHUR KAUFMANN e outros dominante na literatura e na jurisprudência alemã fundamenta a reprovação de culpabilidade no poder atribuído ao sujeito de agir de outro modo20 o autor é reprovado porque se decidiu pelo injusto tendo o poder de se decidir pelo direito A base interna desse poder do autor reside na atribuída capacidade de livre decisão que assume como verdade a hipótese indemonstrável da liberdade de vontade21 de início em perspectiva concreta depois em perspectiva abstrata a na variante concreta o poder de agir diferente atribuído ao autor individual é simplesmente indemonstrável b na 19 Comparar ALBRECHT Kriminologie 1999 p 4950 20 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 138 ARTHUR KAUFMANN Das Schuldprinzip 1976 p 279 21 Ver entre outros a crítica de ROXIN Strafrecht 1997 19 n 2022 p 732734 também instrutivo HASSEMER Einfuhrung in die Grundlagen des Strafrechts 1990 p 226234 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 279 242012 162814 280 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 variante abstrata o poder de agir diferente é atribuído a uma pessoa imaginária colocada no lugar do autor real22 22 A teoria da atitude jurídica reprovada rechtlich missbilligte Gesin nung de JESCHECKWEIGEND23 ou da atitude defeituosa fehlerhaf te Einstellung de WESSELSBEULKE24 fundamentam a reprovação de culpabilidade na livre autodeterminação de uma atitude reprovada ou defeituosa do autor na realização do tipo de injusto Esse critério uma variante da teoria do poder de agir diferente também assume como verdade a hipótese indemonstrável da liberdade de vontade igualmente sem mostrar a gênese real do juízo de reprovação porque o autor é reprovado parecendo outra definição formal de culpabilidade por simples substituição de palavras atitudes defeituosas ou atitudes repro váveis podem descrever mas não podem explicar o conteúdo do juízo de culpabilidade25 23 A teoria da responsabilidade pelo próprio caráter Einstehenmussen fur den eigenen Charakter cujas bases deterministas remontam a SCHOPENHAUER26 fundamenta a a responsabilidade pelo compor tamento em características da personalidade b segundo ENGISCH27 a responsabilidade pelo caráter implica o dever de tolerar a pena c con forme HEINITZ28 todos respondem pelo que são independentemente da multiplicidade de fatores condicionantes O propósito louvável de excluir a base metafísica do juízo de reprovação não evita problemas em face do princípio da culpabilidade primeiro culpabilidade pelo caráter é cul 22 ROXIN Strafrecht 1997 19 n 22 p 733734 também CEREZO MIR Der materiele Schuldbegriff ZStW 108 1996 9 23 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 39 II p 426427 24 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 397 p 114 e n 401 p 115116 25 Ver ROXIN Strafrecht 1997 19 n 2324 p 734 26 SCHOPENHAUER Uber die Freiheit des Willens 1839 27 ENGISCH Die Lehre von der Willensfreiheit in der strafrechtsphilosophischen Doktrin der Gegenwart 1965 p 54 28 HEINITZ Strafzumessung und Persönlichkeit ZStW 63 1951 74 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 280 242012 162814 281 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação pabilidade sem culpa segundo culpabilidade pelo caráter parece supor um Direito Penal com finalidades preventivas terceiro punição com finalidades preventivas anula o significado político de garantia individual limitação do poder de punir atribuído ao princípio da culpabilidade29 24 A teoria da culpabilidade como defeito de motivação jurídica Manko an rechtlich Motivierung de JAKOBS30 vinculada ao sistema funcional de LUHMANN fundamenta o Direito Penal na prevenção geral positiva atribuída à pena criminal consistente na estabilização das expectativas normativas da comunidade obtida mediante punição exemplar de fatos puníveis O conceito de defeito de motivação jurídica parece próximo da teoria da atitude defeituosa de WESSELSBEULKE ou da teoria do poder de agir diferente de WELZEL igualmente sem explicar a gênese real da culpabilidade31 25 A teoria da dirigibilidade normativa normative Ansprechbarkeit cunhada por NOLL32 fundamenta a reprovação de culpabilidade a na normal determinabilidade através de motivos segundo LISZT33 ou b no estado psíquico disponível ao apelo da norma existente na maioria dos adultos saudáveis conforme a fórmula moderna de ALBRECHT34 ou c na capacidade de comportamento conforme a norma segundo ROXIN35 situações que constituiriam dados da experiência científica independentes da hipótese indemonstrável da liberdade e em princípio 29 Assim ROXIN Strafrecht 1997 19 n 2932 p 736737 30 JAKOBS Strafrecht 1993 1718 p 480481 31 Sobre esse aspecto ver ROXIN Strafrecht 1997 19 n 3435 p 739740 32 NOLL Schuld und Prävention unter dem Gesichtspunkt der Rationalisierung des Strafrechts H MayerFS 1966 219 33 LISZT Strafrechtliche Vorträge und Aufsätze 1905 43 s 34 ALBRECHT Unsicherheitszonen des Schuldstrafrechts GA 1983 p 193 35 ROXIN Strafrecht 1997 19 n 3646 p 740745 No Brasil TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 p 100 Na verdade o fundamento do juízo de censura da culpabilidade deve residir na capacidade de motivação do agente conforme às exigências da ordem jurídica e não no seu a priori indemonstrável poder agir de outro modo Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 281 242012 162814 282 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 aceitáveis por deterministas e indeterministas A culpabilidade seria um conceito formado pelo elemento empírico da capacidade de autodireção e pelo elemento normativo de autodireção conforme normas cumprindo as tarefas simultâneas de fundamento da responsabilidade pelo compor tamento social e de garantia política de limitação do poder punitivo no moderno Estado Democrático de Direito Mas existem críticas de ambas direções de deterministas sobre a identidade conceitual entre dirigibilidade normativa e liberdade de vontade36 de indeterministas porque a liberdade de vontade definida como capacidade de autodeter minação espiritual pode ser concretamente indemonstrável mas seria elemento de reconstrução comunitária da realidade37 acima de qualquer questionamento38 Não obstante a definição de culpabilidade como dirigibilidade normativa parece digna de registro preservaria a função de garantia política do princípio da culpabilidade como limitação do poder de punir e indicaria as bases empíricas e normativas da responsabilidade pessoal pelo comportamento social sem necessidade de pressupostos metafísicos indemonstráveis 3 O princípio da alteridade como base da responsabilidade social A responsabilidade pessoal pelo comportamento social e o reconhecimento do mérito por ações socialmente úteis parece im prescindível à sobrevivência da sociedade contemporânea mas juízos 36 FRISTER Die Struktur des voluntativen schuldelements 1993 p 99 s 37 SCHUNEMANN Die Funktion des Schuldprinzips im Präventionsstrafrecht in Schunemann Hrsg Grundfragen des modernen Strafrechtssystems 1984 163166 38 ARTHUR KAUFMANN Unzeitgemässe Betrachtungen zum Schuldgrundsatz im Strafrecht Jura 1986 p 226 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 282 242012 162814 283 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação de culpabilidade ou de reprovação fundados na liberdade de vontade perderam toda e qualquer base científica a ideia de livrearbítrio como expressão de absoluto indeterminismo foi excluída da Psicologia e da Sociologia modernas e representaria na melhor das hipóteses um senti mento pessoal segundo a Psicanálise39 Por outro lado a responsabilidade pelo próprio comportamento não pode ser uma questão metafísica dependente de pressupostos indemonstráveis porque é um problema prático ligado à realidade da vida social Na verdade o homem é responsável por suas ações porque vive em sociedade40 um lugar marcado pela existência do outro em que o sujeito é ao mesmo tempo ego e alter de modo que a sobrevivência do ego só é possível pelo respeito ao alter e não por causa do atributo da liberdade de vontade o princípio da alteridade e não a presunção de liberdade deve ser o fundamento material da responsabilidade social41 e portanto de qualquer juízo de reprovação pessoal pelo comportamento social O princípio da alteridade permitiria fundamentar a responsa bilidade pelo comportamento social na normalidade de formação da vontade do autor de um tipo de injusto em condições normais o sujeito imputável sabe o que faz conhecimento do injusto e em princípio tem o poder de não fazer o que faz exigibilidade de comportamento diverso logo condições anormais de formação da vontade concretizada no tipo de injusto podem excluir a consciência da antijuridicidade erro de proibição ou a exigibilidade de comportamento diverso situações de exculpação Em última instância o estudo da culpabilidade consiste 39 Ver por todos POTHAST Die Unzulänglichkeit der Freiheitsbeweise 1987 p 321 s 40 Assim FERRI Das Verbrechen als sociale Erscheinung 1896 p 297 41 Ver a feliz intuição de BATISTA Matrizes ibéricas do sistema penal brasileiro I 2000 p 22 Relações jurídicas são sempre relações entre mais de um sujeito A categoria da alteridade mereceria terse deslocado da metafísica de Aristóteles para um bairro central da filosofia do direito levando consigo a diferença que não a constitui mas a assimila e a diversidade que ao romper a identidade a inaugura até porque essa filosofia se construiu muito sobre o solo sempre intersubjetivo do direito privado um filosofar que principiava pelo Meu e pelo Teu como em Kant Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 283 242012 162814 284 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 na pesquisa de defeitos na formação da vontade antijurídica a na área da capacidade de vontade a pesquisa de defeitos orgânicos ou funcio nais do aparelho psíquico b na área do conhecimento do injusto a pesquisa de condições internas negativas do conhecimento real do fato expressas no erro de proibição c na área da exigibilidade a pesquisa de condições externas negativas do poder de não fazer o que faz as situações de exculpação produzidas por conflitos pressões perturbações medos etc42 II Estrutura do conceito de culpabilidade A estrutura do conceito de culpabilidade é constituída por um conjunto de elementos capazes de explicar porque o sujeito é reprovado primeiro a capacidade de culpabilidade ou imputabilidade excluída ou reduzida pela menoridade ou por doenças e anomalias mentais segundo o conhecimento do injusto excluído ou reduzido pelo erro de proibição e terceiro a exigibilidade de conduta diversa excluída ou reduzida por anormalidades configuradas nas situações de exculpação 1 Capacidade de culpabilidade O estudo do conceito de capacidade de culpabilidade ou impu tabilidade é necessário para esclarecer as situações de incapacidade de culpabilidade ou de capacidade relativa de culpabilidade bem como os problemas políticocriminais da emoção e da paixão e da chamada actio libera in causa 42 Ver CIRINO DOS SANTOS Teoria do Crime 1993 p 6667 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 284 242012 162814 285 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação A capacidade de culpabilidade é atributo jurídico de indivíduos com determinados níveis de desenvolvimento biológico e de normalidade psíquica necessários para compreender a natureza proibida de certas ações e orientar o comportamento conforme essa compreensão A lei penal brasileira exige a idade de 18 anos como marco de desenvolvi mento biológico mínimo para a capacidade de culpabilidade art 27 CP um critério cronológico empírico mas preciso em complemen to a lei penal pressupõe indivíduo portador de aparelho psíquico livre de defeitos funcionais ou constitucionais excludentes ou redutores da capacidade de compreender a natureza proibida de suas ações ou de orientar o comportamento de acordo com essa compreensão art 26 e parágrafo único CP um critério científico controvertido por causa do conflito da Psiquiatria sobre o conceito de doença mental43 Por esses critérios indivíduos com 18 anos de idade completos em condições de normalidade psíquica são portadores da capacidade geral ou abstrata de culpabilidade a capacidade penal é excluída ou reduzida em indivíduos portadores de psicopatologias constitucionais ou adquiridas determinantes da exclusão ou da redução da capacidade de compreender a proibição de ações ou de orientar o comportamento de acordo com essa compreensão Em conclusão a capacidade de cul pabilidade é presumida em indivíduos com 18 anos de idade e excluída ou reduzida em indivíduos portadores de psicopatologias excludentes ou redutoras da capacidade de compreensão da proibição ou de orientação correspondente Assim o critério legal para determinar a capacidade de culpabilidade é negativo funcionando como regraexceção o Estado presume a capacidade de culpabilidade de indivíduos maiores de 18 anos regra excluída ou reduzida em hipóteses de psicopatologias constitu cionais ou adquiridas exceção 43 Ver THOMAS S SZASZ The myth of mental illness Paladin 1975 p 37 No Brasil MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 169173 sobre limitações e insuficiências do conceito de doença mental Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 285 242012 162815 286 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 11 Incapacidade de culpabilidade A incapacidade de culpabilidade ou inimputabilidade penal como ausência das condições pessoais mínimas de desenvolvimento biológico e de sanidade psíquica ocorre nas seguintes hipóteses 1 Indivíduos menores de 18 anos não possuem o desenvolvimento biopsicológico e social necessário para compreender a natureza crimi nosa de suas ações ou para orientar o comportamento de acordo com essa compreensão Art 27 Os menores de 18 dezoito anos são penalmente inimputáveis ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial O critério políticocriminal do legislador é correto menores de 18 anos são capazes de compreender o injusto de crimes graves como homicídio lesões corporais roubo furto estupro por exemplo mas são incapazes de compreender o injusto da maioria dos crimes comuns definidos no Código Penal e praticamente de nenhum dos crimes definidos em leis especiais crimes contra o meio ambiente a ordem econômica e tributária as relações de consumo o sistema financeiro etc mais importante ainda em todas as hipóteses acima referidas são incapazes de comportamento conforme a eventual compreensão do injusto por insuficiente desenvolvimento do poder de controle dos instintos impulsos ou emoções44 2 Igualmente a doença mental e o desenvolvimento mental incompleto ou retardado determinantes de incapacidade de compreender o injusto do fato ou de agir conforme essa compreensão constituem hipóteses de exclusão da capacidade de culpabilidade Art 26 É isento de pena o agente que por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado era 44 Ver ROXIN Strafrecht 1997 20 n 52 p 780 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 286 242012 162815 287 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação ao tempo da ação ou da omissão inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinarse de acordo com esse entendimento A doença mental compreende as hipóteses de patologias consti tucionais ou adquiridas do aparelho psíquico definidas como psicoses exógenas e endógenas a as psicoses exógenas compreendem 1 as psicoses produzidas por traumas lesões e por tumores ou inflamações do órgão cerebral 2 a epilepsia e 3 a desagregação da personalidade por arteriosclerose ou atrofia cerebral b as psicoses endógenas compre endem fundamentalmente a esquizofrenia e a paranoia45 3 O desenvolvimento mental incompleto ou retardado compreende todas as hipóteses de oligofrenias como defeitos constitucionais do órgão cerebral a as debilidades mentais que admitem frequência a escolas especiais ou realização de atividades práticas mas não o exercício de profissões b as imbecilidades com exigência de cuidados especiais da família ou de instituições mas sem possibilidade de vida independente c as idiotias marcadas pela necessidade de custódia e frequentemente pela incapacidade de falar46 4 A embriaguez completa por caso fortuito ou força maior pelo álcool ou substâncias análogas também constitui estado psíquico patológico excludente da capacidade de culpabilidade Art 28 1o É isento de pena o agente que por em briaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior era ao tempo da ação ou da omissão inteira mente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinarse de acordo com esse entendimento 45 Ver WITTER Handbuch der forensischen Psychiatrie editado por Göppinger e Witter 1972 v I p 477 s e v II p 1039 46 Assim NEDOPIL Forensische Psychiatrie 1996 p 60 s No Brasil ver MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 173 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 287 242012 162815 288 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 5 Enfim a atual lei de drogas também considera o efeito fortuito ou de força maior de droga sobre o aparelho psíquico e a dependência de droga estados psíquicos de angústia pela privação da droga com pro fundas mudanças da personalidade como situações patológicas agudas ou crônicas excludentes da capacidade de culpabilidade Art 45 Lei 1134306 É isento de pena o agente que em razão da dependência ou sob o efeito proveniente de caso fortuito ou força maior de droga era ao tempo da ação ou da omissão qualquer que tenha sido a infração penal praticada inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinarse de acordo com esse entendimento Parágrafo único Quando absolver o agente reconhe cendo por força pericial que este apresentava à época do fato previsto neste artigo as condições referidas no caput deste artigo poderá determinar o juiz na sentença o seu encaminhamento para tratamento médico adequado A exclusão da capacidade de culpabilidade nas hipóteses a de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado b de embriaguez completa por caso fortuito ou força maior c de efeito fortuito ou por força maior de droga sobre o aparelho psíquico e d de dependência de droga pressupõe dois momentos primeiro identifica ção da patologia constitucional ou adquirida do aparelho psíquico ou de outro estado patológico crônico ou agudo produzido pelo álcool pela droga ou pela dependência da droga segundo verificação do efeito excludente da capacidade de compreender o injusto do fato ou de agir conforme essa compreensão produzido pela patologia constitucional ou adquirida respectiva pelo álcool pela droga ou pela dependência da droga Em teoria ocorre divisão de trabalho entre peritos e juízes os peritos identificam a patologia psíquica e verificam seu efeito sobre as funções de representação e de vontade do aparelho psíquico os juízes formulam um juízo definitivo sobre a capacidade de compreensão do Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 288 242012 162815 289 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação injusto e de controle do comportamento conforme essa compreensão47 na prática os peritos são verdadeiros juízes paralelos cujo poder reside no exercício de um saber especializado imune à crítica de leigos48 6 A consequência legal da incapacidade de culpabilidade por doença mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado é a apli cação de medida de segurança de internação em casa de custódia e de tratamento psiquiátrico ou de tratamento ambulatorial artigos 96 III e 97 CP no caso de incapacidade de culpabilidade por dependência de droga a consequência legal é o tratamento em regime de internação hospitalar ou em regime extrahospitalar art 52 parágrafo único da Lei 1134306 enfim na hipótese de incapacidade de culpabilidade por efeito do álcool ou de droga fortuito ou de força maior não há aplicação de nenhuma medida de segurança 12 Capacidade relativa de culpabilidade A capacidade relativa de culpabilidade indica redução da capacida de de compreender o injusto do fato ou de agir conforme essa compre ensão caracterizada pela maior ou menor dificuldade de dirigibilidade normativa e determinada a por perturbação da saúde mental art 26 parágrafo único CP e b por todas as demais hipóteses descritas no item 11 acima desenvolvimento mental incompleto ou retardado res trito aos casos leves de debilidade mental art 26 parágrafo único CP embriaguez pelo álcool ou análogos fortuita ou de força maior art 28 2º CP efeito de droga fortuito ou de força maior e dependência de droga art 46 da Lei 1134306 cuja reprodução é desnecessária 47 ROXIN Strafrecht 1997 20 n 27 p 768 48 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 2125 No Brasil ver o estudo crítico de GOMES DA SILVA Transtornos mentais e crime reflexões sobre o complexo diálogo entre a Psiquiatria e o Direito Penal in Direito e Sociedade Revista do Ministério Público do Estado do Paraná v 2 n 2 juldez 2001 p 81121 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 289 242012 162815 290 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 Art 26 Parágrafo único A pena pode ser reduzida de um a dois terços se o agente em virtude e perturbação da saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinarse de acordo com esse entendimento 1 O conceito de perturbação da saúde mental designa psicopatologias menos graves do que a doença mental como estados patológicos do apa relho psíquico constituídos por defeitos esquizofrênicos manifestações de demência senil arteriosclerose ou atrofia cerebral formas leves de epilepsia traumas cerebrais de efeitos psíquicos mínimos formas leves de debilidade mental psicopatias e neuroses49 2 A consequência legal da capacidade relativa de culpabilidade por perturbação da saúde mental ou por outros estados patológicos tran sitórios ou permanentes do aparelho psíquico é a redução da pena de um a dois terços a redução da pena é obrigatória pois se a pena não pode ultrapassar a medida da culpabilidade então a redução da capacidade de culpabilidade determina necessariamente a redução da pena50 Argumentos contrários à redução da pena são inconvincentes e desumanos a a reduzida sensibilidade à pena de psicopatas e débeis mentais aconselharia aplicação de pena integral b a reduzida capacidade de autocontrole de psicopatas e débeis mentais deveria ser compensada com circunstâncias de elevação da culpabilidade em casos de crueldade por exemplo A lógica do argumento é circular e contraditória porque o mesmo fator determinaria simultaneamente a redução da culpabi lidade psicopatias ou debilidades mentais explicariam a crueldade e a agravação da culpabilidade a crueldade do psicopata ou débil mental como fator de agravação da pena51 49 Ver ROXIN Strafrecht 1997 20 n 32 p 771 50 Ver BAUMANNWEBER Strafrecht 1995 19 n 25 também ROXIN Strafrecht 1997 20 n 36 p 773 STRATENWERTH Strafrecht 1981 n 546 51 ROXIN Strafrecht 1997 20 n 3842 p 774776 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 290 242012 162815 291 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação 13 Problemas políticocriminais especiais A disciplina jurídica da legislação penal brasileira sobre duas situa ções psíquicas anormais ligadas à capacidade de culpabilidade está para dizer o menos em relação de tensão com o princípio da culpabilidade Art 28 Não excluem a imputabilidade penal I a emoção e a paixão II a embriaguez voluntária ou culposa pelo álcool ou substância de efeitos análogos 131 Emoção e paixão A emoção e a paixão na lei penal brasileira não excluem a capacidade de culpabilidade mas podem privilegiar o tipo de injusto ou atenuar a pena A emoção define excitações psicossomáticas ligadas à sobrevivência individual produzidas por reações químico neurônicas complexas como impulsos instintos ou afetos que os gregos denominavam pathos e os romanos passio donde a popularização do termo paixão para indicar sentimento ou amor intensos As emoções ou sentimentos informam os pensamentos e as decisões da psicologia individual e coletiva como forças motoras primárias e mais ou menos inconscientes das ações humanas52 cuja inevitável influência nos atos psíquicos e na conduta social do ser humano precisa ser compatibiliza da com o princípio da culpabilidade nos programas políticocriminais contemporâneos Originalmente WUNDT classificou as emoções em 3 pares fundamentais prazerdesprazer excitaçãoinibição tensãosolução53 hoje existe uma lista adicional de 16 emoções distintas alegria tristeza raiva medo nojo gratidão vergonha amor orgulho compaixão ódio 52 Ver FREUD O ego e o id Imago v XIX p 2583 esp 8083 do mesmo Além do princípio do prazer Imago v XVIII p 1785 53 WUNDT Grundriss der Psychologie 2004 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 291 242012 162815 292 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 e susto e ainda algumas outras como satisfação alívio e sentimento de culpa54 Na verdade a dinâmica de formação agravação e descarga agres siva de emoções ou afetos representa grave perturbação psíquica não patológica que assim como outras situações extremas de esgotamento ou fadiga pode excluir ou reduzir a capacidade de culpabilidade como prevê por exemplo a legislação penal alemã55 Atitudes de repressão intransigente às pulsões fundamentais do homem parecem inadequa das as manifestações da afetividade humana devem ser avaliadas no contexto das aquisições da moderna psicologia que o sistema de justiça criminal não pode ignorar56 Por exemplo não é possível confundir afetos fortes ou estênicos fundados no instinto de destruição como ira ou ódio por um lado e afetos fracos ou astênicos fundados no instinto de sobrevivência como medo susto ou perturbação psíquica por outro lado cujo poder determinante das ações humanas não pode ser desconsiderado pelo Direito Penal 132 Actio libera in causa O conceito de actio libera in causa pres supõe capacidade de culpabilidade na ação precedente em que o autor se coloca em estado de incapacidade de culpabilidade com intenção de realizar dolo ou sendo previsível a possibilidade de realizar impru dência fato típico posterior determinado no caso de dolo o autor ingere 54 PRECHT Wer bin Ich und wenn ja wie viele Goldmann 2005 p 7484 55 Ver ROXIN Strafrecht 1997 20 n 1318 p 761764 também WESSELS BEULKE Strafrecht 1998 n 410 p 117118 56 Ver especialmente a crítica de MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 178 179 com esta magnífica conclusão Ora o problema como é bem de ver não se resolve pela simples desconsideração da emoção e da paixão negandoselhes eficácia no plano da imputabilidade se há dificuldades em estabelecer com maior precisão o conteúdo e natureza desses estados aprimorese a ciência Se por outro lado a pesquisa empírica judiciária é deficiente ou superficial permitindo absolvições inaceitáveis aprimorese o sistema a técnica judiciária Mas simplesmente negar efeitos a realidades tão importantes como a emoção e a paixão é comportarse como o avestruz diante de uma situação de perigo Aqui o perigo é a nossa ainda superlativa ignorância dos fenômenos da alma humana Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 292 242012 162815 293 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação grande quantidade de álcool para superar inibições e agredir a vítima no caso de imprudência o autor ingere grande quantidade de álcool sem representar a possibilidade de agredir alguém ou confiando levia namente na hipótese de não agredir ninguém57 Assim a actio libera in causa consiste na autoincapacitação temporária a com o propósito de praticar crime determinado ou b em situação de previsibilidade de praticar crime determinado ação anterior crime realmente praticado no estado subsequente de incapacitação temporária ação posterior58 Existem duas teorias sobre a actio libera in causa a a teoria da exceção considera a actio libera in causa uma exceção ao princípio da capacidade de culpabilidade no momento do fato justificada com base no direito costumeiro59 essa teoria parece incompatível com o princípio da legalidade que exclui o direito costumeiro como incriminação de condutas e com o princípio da culpabilidade porque dolo e imprudência não determinam o fato nem fundamentam a reprovação de culpabili dade60 b a teoria do tipo fundamenta a atribuição do resultado típico ao autor no momento de capacidade de culpabilidade anterior ao fato como determinação de resultado típico doloso ou imprudente e não no momento posterior de incapacidade de culpabilidade do fato e assim não abre exceção ao princípio da coincidência entre capacidade de culpabilidade e realização dolosa ou imprudente de um tipo de injusto61 a Em fatos imprudentes a teoria da actio libera in causa não encontra dificuldades pela identidade estrutural entre ambos os conceitos a lesão do dever de cuidado ou do risco permitido é anterior em relação à produ 57 Comparar ROXIN Strafrecht 1997 20 n 55 p 781 58 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 415 p 119120 59 HRUSCHKA Strafrecht nach logischanalytischer Methode 1988 p 39 s 60 Assim PUPPE Grundzuge der actio libera in causa JuS 1980 p 346 61 ROXIN Strafrecht 1997 20 n 56 p 782 para uma visão geral dos modelos NEUMANN Zurechnung und Vorverschulden 1985 p 24 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 293 242012 162815 294 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 ção do resultado típico62 Por exemplo se o marido encolerizado contra a mulher embriagase e a agride mas sem ter pensado previamente em agredir a mulher em estado de incapacidade de culpabilidade o ato de embriagarse representaria simples criação de risco não permitido contra a integridade física da mulher e nesse caso a agressão à mulher seria a realização do risco criado caracterizando o tipo de lesão corporal im prudente63 Aqui é necessário um esclarecimento da maior significação prática se o autor na ação precedente não tem o propósito dolo direto ou não admite a possibilidade dolo eventual de realizar determinado tipo de crime em estado de incapacidade de culpabilidade então o resul tado típico produzido na ação posterior não pode ser atribuído por dolo independentemente de ser intencional o sujeito quer se embriagar ou imprudente o sujeito se embriaga progressiva mas inadvertidamente o ato de se embriagar Por isso o princípio da culpabilidade determina a seguinte interpretação do art 28 II do Código Penal a embriaguez voluntária ou culposa não exclui a imputabilidade penal mas a imputa ção do resultado por dolo ou por imprudência depende necessariamente da existência real nunca presumida dos elementos do tipo subjetivo respectivo no comportamento do autor b Em fatos dolosos a teoria dominante da actio libera in causa diz o seguinte a o elemento intelectual do dolo deve representar as caracte rísticas de um tipo de crime determinado homicídio lesão corporal etc cujo resultado deve ser produzido em estado de incapacidade de culpabilidade embriaguez b o elemento emocional do dolo deve querer a realização de crime determinado dolo direto ou conformarse com a realização de crime determinado dolo eventual no estado pos terior de embriaguez no sentido de autocolocação em estado de inca pacidade temporária de culpabilidade Desse modo na ação precedente o dolo tem por objeto a autocolocação em estado de incapacidade de 62 HORN Actio libera in causa eine notwendige eine zulässige Rechstfigur GA 1969 p 289 s 63 Ver ROXIN Strafrecht 1997 20 n 58 p 783 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 294 242012 162816 295 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação culpabilidade e nesse estado a realização de fato determinado na ação posterior o autor realiza em estado de incapacidade de culpabilidade o fato determinado objeto do dolo64 Outra interpretação é incompatível com o princípio da culpabilidade 2 Conhecimento do injusto e erro de proibição A correlação conhecimento do injusto e erro de proibição na teoria da culpabilidade corresponde à correlação conhecimento do fato e erro de tipo na teoria do tipo porque conhecimento e erro constituem estados psíquicos em relação de lógica exclusão o conhecimento exclui o erro e o erro indica desconhecimento sobre objetos No Direito Penal exis tem duas espécies de erro o erro de tipo incidente sobre circunstâncias ou elementos objetivos fáticos ou normativos do tipo legal o erro de proibição incidente sobre a proibição do tipo de injusto no sentido de valoração jurídica geral Mas a moderna dogmática identifica uma terceira espécie de erro que participa simultaneamente da natureza do erro de tipo e do erro de proibição o chamado erro de tipo permissivo incidente sobre pressupostos objetivos de causa de justificação consis tente em errônea representação da situação justificante65 O estudo da matéria do conhecimento do injusto ou da consciência da antijuridicidade tem por fim identificar as situações negativas desse conhecimento representadas pelo erro de proibição direto pelo erro de 64 Assim JAKOBS Strafrecht 1993 176566 p 507508 também ROXIN Strafrecht 1997 20 n 6567 p 786788 SCHÖNCKESCHRÖDERLENCKNER Strafgesetzbuch Kommentar 1991 20 n 36 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 417418 p 120121 65 Comparar ROXIN Strafrecht 1997 21 n 12 p 793 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 457 p 133 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 295 242012 162816 296 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 proibição indireto e pelo erro de tipo permissivo segundo a teoria limitada da culpabilidade adotada pelo legislador 21 Conhecimento do injusto A legislação anterior à reforma penal de 1984 em conformidade com o modelo causal de crime distinguia entre erro de fato excludente do dolo e erro de direito sem relevância penal generalizado sob o brocardo error juris nocet A rigidez do critério seria atenuada por outra distinção no âmbito do erro de direito entre erro de direito penal igualmente irrelevante e erro de direito extrapenal por exemplo coisa alheia no furto com efeito excludente do dolo66 Os problemas desse sistema eram esses a dificuldades de diferenciação entre erro de direito penal e erro de direito extrapenal porque o conceito de coisa alheia por exemplo é igualmente de direito penal e de direito extrapenal b a relevância do erro de direito penal ou extrapenal dependeria de um fator acidental a posição do conceito respectivo dentro ou fora do Direito Penal67 c a tensão entre o caráter irrelevante do erro de direito penal inevitável e o princípio da culpabilidade68 211 Teorias sobre conhecimento do injusto e erro de proibição A posição sistemática do conhecimento do injusto ou da consciência da antijuridicidade como integrante do conceito de dolo ou como elemento do conceito de culpabilidade está na base respectivamente da teoria do dolo e da teoria da culpabilidade 1 A teoria do dolo considera o conhecimento do injusto elemento do dolo constituído pela consciência e vontade do fato e pela consciência e vontade do desvalor do fato com as seguintes consequências a a 66 Assim KOHLRAUSCH Irrtum und Schuldbegriff im Strafrecht 1903 p 118 67 FRANK Das Strafgesetzbuch fur das Deutsche Reich 1931 59 III 2 68 Ver ROXIN Strafrecht 1997 21 n 5 p 794 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 296 242012 162816 297 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação consciência e vontade do fato e do desvalor do fato configura o chamado dolus malus que fundamenta a definição do crime doloso como rebel dia contra o direito b o erro sobre o fato ou o desvalor do fato exclui o dolo não existe a correlação dicotômica a erro de fatoerro de direito e b erro de tipoerro de proibição69 2 A teoria da culpabilidade vinculada à teoria finalista da ação separa conhecimento do fato e conhecimento do injusto do fato desse modo a a consciência e vontade do fato constituem o dolo como elemento sub jetivo geral dos crimes dolosos b a consciência do injusto é o elemento especial da culpabilidade como fundamento concreto do juízo de reprovação A separação entre conhecimento do fato e conhecimento do injusto do fato determina a distinção entre erro de tipo que exclui o dolo e erro de proibição que exclui ou reduz a reprovação uma necessidade lógica da estrutura dos conceitos de dolo e de culpabilidade70 O erro de proibição como erro sobre injusto do fato tem por objeto a natureza proibida ou permitida da ação típica o autor sabe o que faz mas pensa erroneamente que é permitido ou por crença positiva na permissão do fato ou por falta de representação da proibição do fato71 A teoria da culpabilidade apresenta duas variantes a teoria rigorosa ou extrema da culpabilidade e a teoria limitada da culpabilidade 21 A teoria rigorosa da culpabilidade desenvolvida por WELZEL e predominante entre finalistas atribui as mesmas consequências a to das as modalidades de erro de proibição o erro de proibição inevitável 69 Partidários da teoria do dolo BINDING Die Normen und ihre Ubertretung v II 1916 125 BAUMANNWEBER Strafrecht 1985 p 424 SCHMIDHÄUSER Strafrecht Studienbuch 1984 789 s o grande defensor da teoria do dolo na atualidade 70 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 41 I 12 p 452453 71 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 41 II 1 p 456 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 297 242012 162816 298 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 exclui a reprovação de culpabilidade o erro de proibição evitável reduz a reprovação de culpabilidade na medida da evitabilidade do erro72 22 A teoria limitada da culpabilidade dominante na literatura e ju risprudência contemporâneas atribui consequências diferentes ao erro de proibição a o erro de proibição direto que tem por objeto a lei penal considerada do ponto de vista da existência da validade e do significado da norma exclui ou reduz a reprovação de culpabilidade b o erro de proibição indireto ou erro de permissão que tem por objeto os limites jurídicos de causa de justificação legal ou a existência de causa de jus tificação não prevista em lei também exclui ou reduz a reprovação de culpabilidade c o erro de tipo permissivo que tem por objeto os pres supostos objetivos de justificação legal portanto existe como errônea representação da situação justificante incide sobre a realidade do fato e por isso exclui o dolo e não apenas a reprovação de culpabilidade funcionando como verdadeiro erro de tipo com punição alternativa por imprudência se existir o tipo respectivo73 A equiparação do erro de tipo permissivo ao erro de tipo realizada pela teoria limitada da culpabilidade baseiase no argumento de que o autor quer agir conforme a norma jurídica e nessa medida a representação do autor coincide com a representação do legislador ou com o direito objetivo existente74 mas erra sobre a verdade do fato a representação errônea da situação justificante exclui o dolo como decisão fundada no conhecimento das circunstâncias do tipo legal e no desconhecimento da inexistência da situação justificante cuja errônea admissão significa 72 Assim WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 168 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht 2 44 n 61 p 165 comparar ROXIN Strafrecht 1997 21 n 6364 p 527 No Brasil ver RODRIGUES Teoria da culpabilidade 2004 p 95102 73 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 41 IIIV p 456467 ROXIN Strafrecht 1997 14 n 5455 p 523 e 21 n 2024 p 802804 também WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 469470 p 137138 e n 482 e 484 p 142143 No Brasil ver RODRIGUES Teoria da culpabilidade 2004 p 102112 74 Comparar JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 41 IV 1d p 464 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 298 242012 162816 299 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação que o autor não sabe o que faz ao contrário das outras espécies de erro de proibição cujo autor sabe o que faz mas erra sobre a juridicidade do fato75 Esse tratamento diferencial do erro de proibição é explicado por critérios objetivos de valoração do comportamento a se o comporta mento real do autor é orientado por critérios iguais aos do legislador os defeitos de representação do autor podem ter por objeto a situação típica erro de tipo ou a situação justificante erro de tipo permissivo ambas as hipóteses excluem o dolo e admitem a possibilidade de puni ção por imprudência b se o comportamento real do autor é orientado por critérios desiguais aos do legislador os defeitos de representação do autor somente podem ter por objeto a valoração jurídica geral do fato erro de proibição com o efeito de excluir ou de reduzir a reprovação de culpabilidade conforme a natureza inevitável ou evitável do erro76 Como esclarecimento complementar a teoria das características negativas do tipo77 resolve o problema do erro sobre a situação justi ficante do mesmo modo que a teoria limitada da culpabilidade mas com fundamentos diferentes considera os componentes do tipo legal como elementos positivos e as justificações como elementos negativos do tipo de injusto e por consequência define o erro sobre a situação justificante como erro de tipo excludente do dolo e por extensão do tipo de injusto se inevitável admitindo imprudência se evitável78 75 Nesse sentido ROXIN Strafrecht 1997 14 n 6268 p 526529 76 Nesse sentido JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 41 IIV p 452467 ROXIN Strafrecht 1997 21 n 8 p 796 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 471 p 138 77 Ver entre outros SCHROTH Die Annahme und das FurMöglichHalten von Umständem die einen anerkannten Rechtfertigungsgrund begrunden Arthur KaufmannFS 1993 p 595 SCHUNEMANN Die deutschsprachige Strafrechtswissenschaft nach der Strafrechtsreform im Spiegel des Leipziger Kommentars und des Wiener Kommentars 1 Teil Tatbestands und Unrechtslehere GA 1985 p 341 78 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 41 IV 1c p 464 ROXIN Strafrecht 1997 14 n 70 p 529 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 299 242012 162816 300 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 A legislação penal brasileira disciplina o erro de tipo art 20 CP o erro de tipo permissivo art 20 1º CP e o erro de proibição art 21 CP segundo os critérios da teoria limitada da culpabilidade ver Erro de proibição na lei penal brasileira adiante 212 Objeto da consciência do injusto Definir o objeto da consci ência do injusto permite responder a seguinte pergunta o que o autor deve saber para conhecer o injusto do fato Sem definir o objeto da consciência do injusto qualquer pesquisa sobre erro de proibição é inútil A definição do objeto da consciência do injusto ou seja do substrato psíquico mínimo de conhecimento do injusto necessário para configurar a consciência da antijuridicidade do fato é controvertida na literatura penal contemporânea distinguindose pelo menos três teorias a a teoria tradicional representada por JESCHECK WEIGEND79 indica a antijuridicidade material como objeto da cons ciência do injusto definida como conhecimento da contradição entre comportamento real e a ordem comunitária que permitiria ao leigo saber que seu comportamento infringe o ordenamento jurídico público civil penal etc ou moral independentemente de conhecer a lesão do bem jurídico lesionado ou a punibilidade do fato b a teoria moderna representada por OTTO80 apresenta a punibilidade do fato como objeto do conhecimento do injusto ou 79 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 41 I 3a p 453454 consciência do injusto significa conhecer que o comportamento contradiz as exigências da ordem comunitária e por esse motivo é juridicamente proibido ou seja é suficiente conhecer a antijuridicidade material como conhecimento leigo de lesionar uma norma jurídica penal civil ou pública sem necessidade de consciência da norma jurídica lesionada ou da punibilidade do fato no mesmo sentido WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 17 80 OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 13 IV 1b n 41 p 203 conhecimento do injusto no sentido de conhecimento da antijuridicidade é conhecimento da punibilidade do comportamento através de uma norma legal penal positiva em que não é necessário o conhecimento preciso dos parágrafos da lei mas o conhecimento Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 300 242012 162816 301 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação seja consciência do injusto significa conhecimento da punibilidade do comportamento através de uma norma legal penal positiva e portan to consciência de infringir uma prescrição penal embora não exija conhecimento preciso dos parágrafos da lei infringidos c a teoria talvez dominante representada por ROXIN81 situase em posição intermediária sob a alegação de que conhecer a danosidade social ou a imoralidade do comportamento segundo a teoria tradicional seria insuficiente mas conhecer a punibilidade do fato conforme a teoria moderna seria desnecessário assim objeto da consciência do injusto seria a chamada antijuridicidade concreta como conhecimento da específica lesão do bem jurídico compreendido no tipo legal respectivo ou seja o co nhecimento da proibição concreta do tipo de injusto Na verdade a teoria dominante aproximase da teoria moderna porque conhecer a específica lesão do bem jurídico compreendido no tipo legal equivale ao conhecimento da punibilidade do fato e assim a teoria tradicional aparece em posição isolada e oposta em relação às outras A literatura brasileira geralmente não menciona a controvérsia sobre o objeto da consciência do injusto limitandose à difusão parcial da teoria tradicional82 cuja amplitude excede os limites do objeto do conhecimento do injusto assim essa literatura não apresenta a teoria dominante do conhecimento da lesão específica do bem jurídico com preendido no tipo legal e ignora a teoria moderna do conhecimento da de infringir uma prescrição penal grifado no original no mesmo sentido GROTHEGUT Norm und Verbotsunkenntnis 1993 17 p 111 também NEUMANN Der Verbotsirrtum 17 StGB JuS 1993 p 795 81 Ver ROXIN Strafrecht 1997 21 n 1216 p 798800 esp n 16 p 800 a antijuridicidade é objeto da consciência do injusto não como proibição abstrata mas apenas em relação com o injusto concreto do tipo respectivo Existe consciência do injusto se o autor conhece como injusto a específica lesão do bem jurídico compreendida no tipo legal considerado no mesmo sentido RUDOLPHI Unrechtsbewusstsein Verbotsirrtum und Vermeidbarkeit des Verbotsirrtums 1969 p 56 82 Ver por exemplo JESUS Direito Penal I 1999 p 485 MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 202 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 301 242012 162816 302 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 punibilidade do comportamento através de norma legal penal positiva ou seja do conhecimento de infringir uma prescrição penal e portanto do conhecimento da punibilidade do fato na verdade o conceito mais compatível com o princípio da culpabilidade que caracteriza o Direito Penal no moderno Estado Democrático de Direito 213 Divisibilidade e formas de conhecimento do injusto A cons ciência do injusto pode ser divisível em tipos que protegem diferentes bens jurídicos no roubo se o autor toma com violência coisa própria em poder do devedor em mora existe conhecimento do injusto relativo à violência do constrangimento ilegal mas pode existir erro de proibição em relação à subtração em tipos qualificados o autor pode conhecer o injusto do tipo básico mas encontrarse em erro de proibição quanto à circunstância qualificadora83 o problema subsistente é definir a na tureza evitável ou inevitável do erro Por outro lado reflexão específica sobre a antijuridicidade do comportamento durante a realização do fato punível é incomum porque autores de fatos puníveis raramente são atormentados por escrúpulos ou outros sentimentos altruístas Não obstante a consciência ou conheci mento do injusto deve ser atual sendo insuficiente conhecimento atu alizável embora esse conhecimento possa existir na forma da chamada coconsciência que também é suficiente para a consciência atual do dolo cuja defecção produz o erro de tipo Assim em crimes patrimoniais a consciência do autor pode não estar na proi bição do furto ou do roubo mas no sucesso da ação ou nas vantagens dela resultantes a chamada coconsciência consiste precisamente na influência desse conteúdo so bre a realização da ação através de cuidados ou precauções para evitar suspeitas ou especialmente a prisão84 83 Assim JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 41 I 3d p 455 também ROXIN Strafrecht 1997 21 n 16 p 800801 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 428 p 124 84 Nesse sentido PLATZGRUMMER Die Bewusstseinsform des Vorsatzes 1964 também SCHEWE Bewusstsein und Vorsatz 1967 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 302 242012 162816 303 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação 214 Conhecimento condicionado do injusto O conceito de conhe cimento condicionado do injusto adquiriu status científico na dogmática da culpabilidade porque em situação de dúvida sobre a antijuridicidade do comportamento o autor pode representar a permissão como provável e também admitir a proibição como possível Por exemplo atirar sobre o ladrão em fuga é autorizado pela legítima defesa Se existe dúvida sobre os limites jurídicos de causa de justificação então existe conheci mento condicionado do injusto concreto do tipo respectivo considerado suficiente para motivar o comportamento segundo a norma85 Curto e grosso a dúvida sobre a permissibilidade da ação é incompatível com o erro de proibição portanto no exemplo acima a vítima deve deixar o ladrão fugir A literatura tem procurado suavizar esse ponto de vista especialmente na área do Direito Penal especial condicionando a rejeição do erro de proibição à possibilidade de resolver a dúvida por consulta a advogado ou leitura de um comentário de legislação etc Hipótese diferente é a necessidade de escolha entre dois com portamentos igualmente puníveis o policial não sabe se deve ou não deve atirar sobre autor de crime prestes a cruzar a fronteira de outro país porque atirar significaria lesão corporal dolosa e não atirar poderia significar favorecimento pessoal Nesse caso o princípio da culpabilidade impede reprovar pela escolha da alternativa errada porque uma necessária consciência condicionada do injusto representaria hipótese de inevitável erro de proibição86 Critérios complementares para avaliar casos de conhecimento condicionado do injusto seriam os seguintes probabilidade de maior juridicidade da alternativa escolhida consideração dos interesses em 85 Ver ROXIN Strafrecht 1997 21 n 2833 p 806809 86 Assim ARMIN KAUFMANN Lebendiges und Totes in Bindings Normentheorie 1954 p 221 ROXIN Strafrecht 1997 21 n 30 p 806 RUDOLPHI Unrechtsbewusstsein Verbotsirrtum und Vermeidbarkeit des Verbotsirrtums 1969 p 139 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 303 242012 162816 304 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 jogo na situação danos resultantes da contemporização ou adiamento da decisão etc87 22 Consequências legais do erro de proibição As consequências legais do erro de proibição segundo o critério legislado da teoria limitada da culpabilidade são diferenciadas conforme a categoria do erro de proibição por sua vez determinada pelo objeto do erro respectivo 1 o erro de proibição direto que tem por objeto a lei penal e o erro de proibição indireto que tem por objeto a existência de justificação inexistente ou os limites jurídicos de justificação existente excluem ou reduzem a reprovação de culpabilidade porque o comportamento real do autor é orientado por critérios desiguais aos do legislador o erro inevitável exclui e o erro evitável reduz a reprovação de culpabilidade88 2 o erro de tipo permissivo que tem por objeto a situação justificante constitui exceção à regra o erro inevitável plenamente justificado pelas circunstâncias exclui o dolo e por extensão o crime e a pena o erro evi tável exclui o dolo mas admite a atribuição por imprudência se prevista em lei art 20 1º em ambos os casos porque o comportamento real do autor é orientado por critérios iguais aos do legislador Art 20 1º É isento de pena quem por erro plena mente justificado pelas circunstâncias supõe situação de fato que se existisse tornaria a ação legítima Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo 87 Ver STRATENWERTH Strafrecht 1981 n 586 88 ROXIN Strafrecht 1997 21 n 6970 p 824 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 304 242012 162816 305 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação 23 Natureza evitável ou inevitável do erro de proibição O erro de proibição evitável reduz a reprovação de culpabilidade no erro de proibição direto e no erro de proibição indireto e pode con duzir à punição por imprudência no erro de tipo permissivo porque se existe possibilidade de conhecer o injusto do fato mediante reflexão ou informação então o autor é alcançável pela determinação da norma e seria capaz de dirigibilidade normativa O erro de proibição inevitável exclui a reprovação de culpabilidade no erro de proibição direto e no erro de proibição indireto e exclui o dolo e a imprudência no erro de tipo permissivo porque se não existe possibi lidade de conhecer o injusto do fato mediante reflexão ou informação então o autor não é alcançável pela determinação da norma e não seria capaz de dirigibilidade normativa89 A possibilidade de conhecimento do injusto que indica a evita bilidade do erro de proibição depende de múltiplas variáveis como a posição social a capacidade individual as representações de valor do autor90 etc e deve ser medida por critérios normais de reflexão ou de in formação e não por critérios rigorosos incompatíveis com a vida social91 A certeza ou até mesmo a existência de fundamentos razoáveis sobre a permissibilidade do fato seriam argumentos suficientes para admitir a inevitabilidade do erro de proibição porque ninguém pode conhecer a infinidade das proibições da lei penal se o dolo de tipo em grande parte dos crimes dolosos do Direito Penal comum e na maioria dos crimes dolosos do Direito Penal especial aparece desacompanhado da 89 Assim ARMIN KAUFMANN Die Dogmatik der Unterlassungsdelikte 1959 p 144 e seguintes HORN Verbotsirrtum und Vorwerfbarkeit 1969 p 60 RUDOLPHI Unrechtsbewusstsein Verbotsirrtum und Vermeidbarkeit des Verbotsirrtums 1969 p 196 e seguintes 90 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 466 p 136 91 Ver JAKOBS Strafrecht 1993 1935 p 557558 também MAURACHZIPF Strafrecht 1992 38 n 37 p 549 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 305 242012 162816 306 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 consciência da antijuridicidade então a maioria dos casos de erro de proibição deve ser considerada inevitável e assim excluir a reprovação de culpabilidade92 Art 21 parágrafo único Considerase evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato quando lhe era possível nas circunstâncias ter ou atingir essa consciência 24 Meios de conhecimento do injusto 1 O método primitivo do esforço de consciência para conhecer o injusto do fato poderia na melhor das hipóteses permitir o conhecimento de violações morais mas era inadequado para conhecer o injusto de tipos penais aliás outro entendimento significaria reconhecer a inutilidade do estudo jurídico93 Hoje o método para conhecer o injusto de tipos penais é o da reflexão e informação a natureza evitável ou inevitável do erro de proibição dependem do nível de reflexão e de informação do autor sobre o injusto específico do tipo legal94 Esse método corres ponde à exigência da lei que define o erro evitável pela possibilidade de ter reflexão ou de atingir informação o conhecimento do injusto art 21 CP 2 Em regra a reflexão do autor no momento do fato é suficiente para conhecer a antijuridicidade concreta do injusto específico a lesão corporal grave produzida pelo pai no filho sob a convicção errônea de exercer direito de educação poderia ser evitada pela reflexão excepcionalmen te o conhecimento do injusto do fato pode depender de informações 92 Nesse sentido ROXIN Strafrecht 1997 21 n 3744 p 810812 assim também JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 41 II 2c p 459460 93 Ver BAUMANNWEBER Strafrecht 1995 21 n 60 94 ROXIN Strafrecht 1997 21 n 4551 p 813815 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 306 242012 162817 307 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação especializadas que devem ser obtidas anteriormente como as regras de tráfego por exemplo produzir acidente no tráfego urbano por falta de conhecimento anterior da regra de circulação violada configura erro de proibição evitável como reprovabilidade do fato ligada à lesão anterior do cuidado95 Algumas teorias sobre o exame da juridicidade da ação sustentam posições extremas ou são rigorosas demais exigindo exame antecipado da juridicidade de cada ação96 uma exigência irrealista capaz de pa ralisar a vida social ou são muito tolerantes ao excluir a possibilidade prática de informação no caso de ausência de dúvida sobre a proibição no psiquismo do autor97 Um critério intermediário parece razoável existiria motivo para exame da juridicidade da ação nas hipóteses a de dúvida sobre sua juridicidade concreta b de consciência de atuação em área regida por normas especiais e c de consciência da possibilidade de dano individual ou coletivo98 Na hipótese de dúvida sobre a juridi cidade a atitude de não levar a sério a dúvida ou de leviana admissão da juridicidade da ação é suficiente para configurar erro evitável na hipótese de atuação em áreas regidas por normas especiais crimes contra o meio ambiente o consumidor etc o erro de profissionais ou de empresários da área é normalmente evitável mas o erro do cidadão comum seria normalmente inevitável na hipótese de consciência da possibilidade de dano individual ou coletivo por exemplo a consciência de que determinada ação na esfera negocial poderá prejudicar número 95 Assim ROXIN Strafrecht 1997 21 n 4648 p 813814 96 É a posição do Bundesgerichtshof Supremo Tribunal Federal alemão 97 Assim HORN Verbotsirrtum und Vorwerfbarkeit 1969 p 105 também ZACZYK Der Verschuldete Verbotsirrtum JuS 1990 p 893 98 Assim ROXIN Strafrecht 1997 21 n 53 p 816 também STRATENWERTH Strafrecht 1981 n 585 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 307 242012 162817 308 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 indeterminado de pessoas qualquer lesão a normas sociais elementares configura erro evitável99 3 O erro de proibição inevitável é mais provável no Direito Penal especial em que o cidadão comum tem maior dificuldade de reco nhecer o injusto concreto do tipo respectivo e os próprios profissionais especializados não conhecem a totalidade das incriminações respectivas por outro lado o erro de proibição evitável é mais frequente no Direito Penal comum exceto quando não há motivo para exame da juridi cidade da ação como mostra um caso da jurisprudência alemã dois trabalhadores rurais foram absolvidos da acusação de relações sexuais consentidas com mulher doente mental por erro de proibição inevitável porque não tinham dúvida sobre a juridicidade da ação não tinham consciência de dano contra a mulher e finalmente o consentimento da mulher afastava qualquer motivo de preocupação sobre a juridicidade do comportamento100 4 A confiança em informações de jurisprudência ou de profissionais da área jurídica advogados professores de direito pode ser decisiva erro de proibição inevitável no caso de tipo de injusto realizado com base em jurisprudência unânime ou dominante dos tribunais e erro de proibição evitável no caso de divergência de tribunais de igual jurisdição igualmen te a confiança na orientação de advogados ou outros profissionais do direito pode fundamentar erro de proibição inevitável primeiro porque são profissionais legalmente habilitados para o exercício da profissão segundo porque o leigo não tem condição de avaliar a capacidade geral os conhecimentos específicos e a correção ou não das informações Entretanto a reflexão do cidadão comum não oferece o mesmo nível de confiabilidade por causa de uma contradição aparentemente insolúvel por um lado o leigo é incapaz de resolver questões jurídicas 99 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 41 II 2b p 458 ROXIN Strafrecht 1997 21 n 5357 p 816818 100 ROXIN Strafrecht 1997 n 59 p 818 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 308 242012 162817 309 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação que não conhece por outro a lei penal não pode ser inacessível à com preensão do homem do povo101 Por isso em sociedades com elevadas taxas de exclusão do mercado de trabalho e do sistema escolar ou seja marcadas pela pobreza e pela ignorância como é o caso da sociedade brasileira a frequência do erro de proibição e a imprecisão dos critérios de evitabilidadeinevitabilidade do erro reclamam atitudes democráticas na sua avaliação bitola larga para a inevitabilidade bitola estreita para a evitabilidade do erro de proibição 25 Erro de proibição na lei penal brasileira 1 A lei penal brasileira art 21 CP permite identificar as seguintes modalidades de erro de proibição segundo o critério da teoria limitada da culpabilidade a erro de proibição direto incidente sobre a exis tência validade e significado da lei penal b erro de proibição indireto ou erro de permissão incidente sobre justificação inexistente ou sobre limites jurídicos de justificação existente c erro de tipo permissivo incidente sobre a situação justificante ou pressupostos objetivos de justificação legal 2 Essa sistematização do erro de proibição na lei penal brasileira baseiase na premissa de que a regra da inescusabilidade do desconhecimento da lei art 21 CP primeira parte é limitada pelas exceções representadas pelo erro de proibição inevitável art 21 CP segunda parte o erro de proibição evitável apenas gradua a reprovação A compreensão de que a regra da inescusabilidade do desconhecimento da lei não prevalece sobre as exceções do erro de proibição inevitável permite superar a tensão entre uma equivocada posição de política criminal e o princípio da culpabilidade em matéria de erro de proibição direto sob a modalidade de desconheci mento da lei penal na literatura e jurisprudência brasileiras Afinal se o 101 Assim ROXIN Strafrecht 1997 21 n 6165 p 818821 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 309 242012 162817 310 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 Direito Penal do moderno Estado Democrático de Direito assenta no princípio da legalidade expresso na fórmula nullum crimen sine lege e no princípio da culpabilidade expresso na fórmula nullum crimen sine culpa então a lei ordinária não pode em nenhuma hipótese contrariar esses princípios e portanto o princípio da culpabilidade não pode ser cancelado para garantir a eficácia da lei penal como pretende um setor da literatura penal brasileira102 Não é o princípio da culpabilidade que deve se adequar à lei mas a lei que deve se adequar ao princípio da culpabilidade sob quaisquer critérios de interpretação103 Art 21 O desconhecimento da lei é inescusável O erro sobre a ilicitude do fato se inevitável isenta de pena se evitável poderá diminuíla de um sexto a um terço 102 Assim por exemplo JESUS Direito Penal 1999 p 485 considera inescusável o desconhecimento da lei que segundo diz não se confunde com a falta de consciência da ilicitude do fato atribuindolhe natureza de atenuante genérica e função de garantir a eficácia do sistema legal com implícito cancelamento do princípio da culpabilidade MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 202 afirma que o desconhecimento da lei é circunstância atenuante que não coincide perfeitamente com a ignorância da ilicitude REGIS PRADO Curso de Direito Penal brasileiro 1999 p 242 reproduz o conceito de que o desconhecimento da lei não se confunde com a falta de consciência da ilicitude sendo simples atenuante genérica e assim reduz a extensão do erro de proibição direto FLÁVIO GOMES Erro de tipo e erro de proibição 1999 p 134 afirma que a ignorância ou a má compreensão da lei não se confunde com erro de proibição constituindo no máximo circunstância atenuante p 132 e nota 147 103 Em posição de resistência teórica MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 182 deplora a orientação dominante em franca oposição ao moderno princípio da culpabilidade o qual exige não apenas o conhecimento da regra como a estruturação da vontade de maneira reprovável igualmente incisivo FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 193 p 212 reconhece a tendência de atribuir eficácia ao desconhecimento da lei tendo em vista que a solução adotada viola o princípio da culpabilidade à base de ficção intolerável MUNHOZ NETO A ignorância da antijuridicidade em matéria penal 1978 p 21 ainda na vigência da lei anterior já admitia que desconhecer a lei possa implicar em não saber da existência da norma que impõe ou proíbe determinado comportamento e se o autor não possuir conhecimento de que pela vontade do Direito Penal a conduta não poderia ter lugar este erro se invencível deverá revestirse de eficácia Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 310 242012 162817 311 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação 3 O equívoco da literatura penal doméstica sobre erro de proibição direto na modalidade de ignorância da lei nasce de arbitrária oposição dos con ceitos de desconhecimento do injusto e de desconhecimento da lei que não se recobrem reciprocamente mas também não se excluem inteiramente porque a ignorância da lei pode fundamentar a ignorância do injusto em tipos penais não coincidentes com direitos humanos fundamentais A pretensa oposição entre desconhecimento do injusto e desconhecimento da lei é assim formulada por TOLEDO104 o desconhecimento do injusto definido como conhecimento falso do injusto poderia constituir erro de proibição escusável o desconhecimento da lei como ignorância total da lei não constituiria erro de proibição nem seria escusável mas simples circunstância atenuante por causa da obrigatoriedadegeneralidade da lei penal como norma do poder legislativo do Estado105 Esse equívoco da literatura dominante pode ser demonstrado como segue 31 A obrigatoriedadegeneralidade da lei penal nada tem a ver com o erro de proibição direto a lei penal é geral e obrigatória em qualquer ordenamento jurídico e tais caracteres não impedem que a inevitável ignorância da lei penal ou representação da invalidade da lei penal ou interpretação falsaerrada da lei penal constituam modalidades de erro de proibição direto plenamente escusáveis na Alemanha e na Itália por exemplo donde concluise que brocardos do tipo ignorancia legis neminem excusat106 perderam todo prestígio em face do princípio da culpabilidade e não valem mais como economia de análise 104 Nesse sentido TOLEDO Erro de tipo e erro de proibição no projeto de reforma penal RT 578291 Só uma enorme confusão poderia identificar duas coisas diferentes como estas o desconhecimento do injusto e o desconhecimento da norma legal também citado por MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 202 105 Ver por exemplo MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 201202 utilizado como modelo da análise subsequente porque representativo da opinião dominante 106 Assim MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 201 também JESUS Direito Penal I 1999 p 485 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 311 242012 162817 312 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 32 Não é a ignorância total ou parcial da lei ou a representação falsa ou equivocada do injusto que determina a relevância ou irrelevância do erro de proibição mas sua natureza evitável ou inevitável erro de proibição inevitável exclui a reprovação erro de proibição evitável pode reduzir a reprovação em todas as hipóteses exceto no erro de tipo permissivo em que transforma o fato doloso em fato imprudente segundo a teoria limitada da culpabilidade art 20 1º Assim seria erro de proibição evitável a alegação simplória de não saber que é ilícito matar subtrair coisa alheia falsificar documento etc107 cuja proibição jurídica todos co nhecem segundo JESCHECKWEIGEND108 mas em crimes contra o meio ambiente ou outro setor do vasto Direito Penal especial o erro de proibição direto do cidadão comum na modalidade de ignorância da lei é normal e frequentemente inevitável por exemplo quem poderia saber que é crime ter em depósito ou guardar madeira lenha carvão e outros produtos de origem vegetal sem licença da autoridade competente art 46 parágrafo único da Lei 960598 33 Diferenciar conhecimento do injusto e conhecimento da lei para atribuir relevância ao desconhecimento do injusto penal e irrelevância ao desconhecimento da lei penal é ignorar que o injusto penal só pode existir como injusto tipificado na lei hoje generalizado sob o conceito de tipo de injusto que por força do princípio da legalidade aparece na lei penal sob a forma de tipo legal ou tipo penal como descrição do comportamento proibido Mais precisamente porque injusto penal e lei penal representam respectivamente as dimensões concreta e abstrata das proibições ou comandos do Direito Penal é possível no Direito Penal comum ter ou atingir o conhecimento da lei através do conhecimento do injusto mas no Direito Penal especial é frequentemente impossível ter ou atingir o conhecimento do injusto exceto através do conhecimento da lei penal 107 Ver MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 202 108 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 41 I 3b p 454 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 312 242012 162817 313 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação 34 Alguns autores109 para mostrar que ignorância da lei não constitui modalidade de erro de proibição direto tentam extrair da posição de JESCHECK sobre o conteúdo mínimo de conhecimento necessário para caracterizar a consciência do injusto o disparate lógico de que a ignorância da lei não seria modalidade de desconhecimento do injusto portanto não seria espécie de erro de proibição direto ver Objeto da consciência do injus to acima Ao contrário repelindo esse óbvio equívoco de interpretação o insigne jurista alemão afirma que este erro de proibição direto pode se basear no seguinte que a norma de proibição não é conhecida pelo autor ou que na verdade o autor a conhece mas a considera inválida ou a interpreta erroneamente e por isso não a considera aplicável110 Como se vê não é possível extrair da tese de JESCHECK sobre o conteúdo mínimo necessário para positivo conhecimento do injusto consciência da contradição entre comportamento e ordem comunitária a tese di ferente de que o inevitável desconhecimento da lei é inescusável sendo apenas circunstância atenuante Afinal se não é possível ter ou obter o conhecimento da lei especialmente em áreas de descoincidência entre tipos penais e ordem moral nas quais o conhecimento do injusto passa necessariamente pelo conhecimento da lei111 então existe erro de proibição direto na modalidade de inevitável desconhecimento da lei que exclui a reprovação de culpabilidade 109 Por exemplo MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 202 não pode escusar se o agente com a simples alegação formal de que não sabia haver lei estabelecendo punição para o fato 110 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 41 II 1 a p 456 Beruhen kann dieser Irrtum darauf dass die Verbotsnorm dem Täter nicht bekannt ist oder dass er sie zwar kennt aber als ungultig ansieht oder dass er sie falsch ausgelegt hat und deswegen nicht fur anwendbar hält grifei 111 MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 202 afirma que a intuição do que é proibido existente no indivíduo como membro da sociedade pode evitar crimes ou violações da ordem jurídica até na hipótese de descoincidência entre tipos penais e ordem moral por causa da exigência de informação sobre a regularidade jurídica dos próprios atos grifei Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 313 242012 162817 314 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 35 Se o legislador pretendia excluir o erro de proibição direto na mo dalidade de ignorância da lei do quadro do erro de proibição da teoria limitada da culpabilidade inserindo a regra da eficácia da lei penal ao lado das exceções do erro de proibição determinadas pelo princípio da culpabilidade então disse menos do que queria ou disse coisa diversa porque os conceitos correlacionados na lei penal comportamse como regraexceção apesar da intenção do legislador Em conclusão a regra da inescusabilidade do desconhecimento da lei como expressão da natureza geral e obrigatória da lei penal não tem o poder de suspender o princípio da culpabilidade expresso na exceção do erro de proibição direto na mo dalidade de desconhecimento inevitável sobre a existência da lei penal Um argumento definitivo vem da Corte Constitucional da Itália a regra do Código Penal italiano sobre ignorância da lei penal art 5 modelo da lei brasileira art 21 CP primeira parte foi declarada ilegítima pela Corte Constitucional da Itália Sentença 3641988 precisamente porque não admite a hipótese de lignoranza inevitabile112 36 Em conclusão não é possível utilizar critérios sobre o conteúdo da consciência do injusto representado por aquele limiar mínimo de conhecimento da danosidade social da ação ou da punibilidade do fato ou da antijuridicidade concreta do tipo de injusto para afirmar a irre levância do desconhecimento do injusto por ignorância da lei ou seja de desconhecimento do injusto em situações em que o conhecimento do 112 O Código Penal italiano art 5 sob a rubrica Ignoranza della legge penale diz o seguinte Nessuno puó invocare a propria scusa lignoranza della legge penale Dichiarato illegittimo dalla Corte Costituzionale nella parte in cui non esclude dallinescusabilitá dellignoranza della legge penale lignoraza inevitabile Sentenza 3641988 Tradução livre Ninguém pode invocar para própria escusa a ignorância da lei penal Declarado ilegítimo pela Corte Constitucional na parte em que não exclui da inescusabilidade da ignorância da lei penal a ignorância inevitável Sentença 3641988 No Brasil COSTA JÚNIOR Comentários ao código penal I 1989 p 191 já mencionava a decisão da Corte Constitucional da Itália que alterou sob fundamento de inconstitucionalidade a norma sobre inescusabilidade da ignorância da lei penal atribuindolhe a seguinte redação a ignorância da lei penal não escusa a menos que se trate de ignorância inevitável grifei Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 314 242012 162818 315 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação injusto depende do conhecimento da lei ou em que o desconhecimento da lei determina o desconhecimento do injusto As situações de ignorância da lei determinantes de inevitável ignorância do injusto próprias do Direito Penal especial em face da frequente descoincidência entre tipos legais e ordem moral ou melhor direitos humanos fundamentais não podem ser obscurecidas com situações próprias do Direito Penal co mum caracterizadas pela coincidência entre tipos legais e direitos humanos fundamentais por exemplo matar alguém furtar falsificar documento etc O artifício generalizado na literatura penal doméstica de utilizar situações de necessário conhecimento do injusto a proibição de matar alguém por exemplo para encobrir situações em que o conhecimento do injusto depende de conhecimento da lei penal a proibição de guardar lenha ou carvão sem licença da autoridade competente por exemplo criou um buraco negro no princípio da culpabilidade do Direito Penal brasileiro no qual estão desaparecendo todos os casos de condenação criminal em situação de ignorância da lei determinante de inevitável desconhecimento do injusto 26 Espécies de erro de proibição na lei penal brasileira 1 Erro de proibição direto O erro de proibição direto tem por objeto a lei penal e pode existir tanto em forma positiva de representação da juridicidade sexo consentido com débil mental representado como jurí dico como em forma negativa de não representação da antijuridicidade do comportamento o cidadão ingênuo que não pensa na juridicidade da ação113 O erro de proibição direto pode incidir sobre a existência sobre a validade e sobre o significado da lei penal 113 Nesse preciso sentido entre outros JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 41 II 1a p 456 ROXIN Strafrecht 1997 21 n 20 p 802 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 461 p 134 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 315 242012 162818 316 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 a O erro sobre a existência da lei penal é a modalidade mais co mum de erro de proibição com frequência inversamente proporcional ao nível cultural do povo quanto menor o nível de escolarização maior a frequência do erro caboclo da região do cerrado é preso em flagrante pela autoridade florestal ao retirar pedaços de casca de árvore em mata ciliar para preparar remédio para a esposa estudante holandês em via gem de férias pelas praias brasileiras traz na mochila pequena provisão de cannabis sativa adquirida para uso próprio no mercado regular de Amsterdã desconhecendo a proibição legal no Brasil ignorando a in criminação do estupro presumido o jovem roceiro e sua bela caipirinha de 13 anos de idade se unem em apaixonada relação sexual na véspera da partida daquele para o serviço militar sendo surpreendidos e levados à autoridade policial pelo padrasto da menina b O erro sobre a validade da lei penal supõe o conhecimento da proibição considerada inválida ou nula por contrariar direitos funda mentais o princípio da legalidade ou outros princípios jurídicos supe riores a invalidade da lei deve se basear em fundamentos reconhecidos pelo ordenamento jurídico e não em convicções pessoais políticas ou religiosas do autor114 o estudante de direito convencido pela doutrina ou pela jurisprudência da invalidade da incriminação da posse de drogas para uso próprio porque fere a garantia constitucional de privacidade e o princípio da legalidade o perigo de autolesão é impunível não pode ser reprovado pelo consumo de cannabis sativa na esfera privada da vida115 c O erro sobre o significado da lei penal também supõe o conhe cimento da proibição mas incide sobre a interpretação do tipo legal frequente em leis tributárias ou de tipos legais com conceitos normativos complicados na tergiversação ou patrocínio infiel o advogado interpreta erroneamente a existência de causas distintas e não da mesma causa 114 Assim por exemplo ROXIN Strafrecht 1997 21 n 24 p 804 115 Ver KARAM Penas delitos e fantasias 1991 p 121137 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 316 242012 162818 317 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação Nessas hipóteses a confiança em informações especializadas ou em decisões judiciais pode ser decisiva ainda que mais tarde se revelem erradas116 2 Erro de proibição indireto ou erro de permissão O erro de proibi ção indireto tem por objeto a existência de causa de justificação inexistente ou os limites jurídicos de causa de justificação existente no erro sobre a existência de justificação inexistente o autor supõe existir causa de justifi cação não reconhecida na lei castigar crianças alheias por grosserias no suposto exercício de direito de correção no erro sobre limites jurídicos de justificação existente o autor atribui à justificação limites diferentes dos atribuídos pelo legislador ao realizar prisão em flagrante o cidadão comum produz lesão corporal grave na pessoa do preso117 3 Erro de tipo permissivo O erro de tipo permissivo tem por objeto a situação justificante porque consiste em representação errônea dos pressupostos objetivos de justificação legal como ocorre na hipótese de legítima defesa putativa o autor toma por assaltante o transeunte apressado que pretende perguntar as horas e o derruba com violento golpe de caratê O erro de tipo permissivo constitui erro sobre a verdade do fato em que o autor não abandona a posição de fidelidade ao direito ao contrário quer agir segundo a determinação da norma mas erra sobre os pressupostos fáticos respectivos118 O erro sobre a situação justificante pode originar situações de ex cesso determinadas por defeito na dimensão intelectual ou por defeito na dimensão emocional das ações humanas 31 Excesso de legítima defesa por erro de representação O excesso por defeito na dimensão intelectual da conduta constitui erro de represen 116 ROXIN Strafrecht 1997 21 n 2223 p 803804 117 ROXIN Strafrecht 1997 21 n 21 p 803 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 482483 p 142 118 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 41 IV 1d p 464 No Brasil ver RODRIGUES Teoria da culpabilidade 2004 p 147162 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 317 242012 162818 318 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 tação pelo qual o sujeito representa como existente realidade inexistente por exemplo a continuação de agressão cessada configurando erro de tipo permissivo com imediata exclusão do dolo podendo excluir também a imprudência se plenamente justificado pelas circunstâncias art 20 1º CP e pode ocorrer na legítima defesa real e na legítima defesa putativa 311 O excesso de legítima defesa real por erro de representação pode ser intensivo ou extensivo no excesso intensivo de legítima defesa real o autor erra sobre a intensidade da agressão e por isso utiliza meio de defesa superior ao necessário disparo sobre o peito do agressor quando bastava atirar nas pernas no excesso extensivo de legítima defesa real o autor erra sobre a atualidade da agressão que ainda não é atual disparo sobre o agressor que se preparava para a agressão ou já não é mais atual pontapés em agressor caído e inconsciente 312 O excesso de legítima defesa putativa constitui hipótese de duplo erro o autor utiliza meio de defesa desnecessário por erro 1 sobre a atualidade da agressão e 2 sobre a intensidade da agressão se realmente existente logo após violenta discussão mulher atira no peito do marido intensidade da agressão ao vêlo entrar no quarto com um taco de beisebol na mão supondo que seria agredida atualidade da agressão119 32 Excesso de legítima defesa por defeito emocional Ao contrário o excesso de legítima defesa real ou putativa por defeito na dimensão emocional das ações humanas produzidos por medo susto ou perturbação os chamados afetos astênicos ou fracos determinantes de descontrole psicomotor do sujeito não constituem hipóteses de erro de proibição mas situações de exculpação legais por inexigibilidade de comportamento diverso ver Excesso de legítima defesa real e putativa por defeito emo cional adiante 119 Comparar entre outros HAFT Strafrecht 1994 p 135137 ROXIN Strafrecht 1997 21 n 5460 p 823825 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 484 485 p 143144 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 318 242012 162818 319 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação 3 Exigibilidade de comportamento diverso 31 Normalidade das circunstâncias e exigibilidade jurídica A normalidade das circunstâncias do fato é o fundamento con creto da exigibilidade de comportamento conforme ao direito como terceiro estágio do juízo de culpabilidade realizado conforme o seguinte procedimento sequencial a no momento do exame da normalidade das circunstâncias da ação ou da exigibilidade jurídica pressupõese a existência de um su jeito normal portador dos atributos pessoais de maturidade e sanidade psíquica necessários à constituição da capacidade de culpabilidade que permitem atribuir ao autor as consequências penais de suas ações b além disso nesse nível está demonstrado que o sujeito portador da capacidade de culpabilidade portanto imputável conhecia o injusto do fato concreto ou teve a possibilidade de conhecer o injusto do fato concreto o conhecimento concreto da proibição elimina a hipótese do erro de proibição inevitável excludente da reprovação de culpabilidade a alternativa do desconhecimento da proibição por erro de proibição evitável não exclui a reprovação de culpabilidade por causa da possibili dade de conhecimento do injusto por reflexão ou informação exceto na hipótese de erro de tipo permissivo c finalmente o último estágio da pesquisa do juízo de culpabili dade consiste no exame da normalidadeanormalidade das circunstâncias de realização do tipo de injusto por um autor capaz de culpabilidade com conhecimento real ou possível da proibição concreta circunstân cias normais fundamentam o juízo de exigibilidade de comportamento conforme ao direito circunstâncias anormais podem constituir situações de exculpação que excluem ou reduzem o juízo de exigibilidade de com portamento conforme ao direito o autor reprovável pela realização não justificada de um tipo de crime com conhecimento real ou possível da Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 319 242012 162818 320 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 proibição concreta é exculpado pela anormalidade das circunstâncias do fato que excluem ou reduzem a exigibilidade de conduta diversa 32 A inexigibilidade como fundamento geral de exculpação A inexigibilidade de comportamento diverso surge na dogmática jurídicopenal por proposta de FREUDENTHAL120 correlacionada ao conceito normativo de culpabilidade do início do século 20 produz grande impacto e discussões acaloradas durante décadas mas antes da Segunda Guerra Mundial é rejeitada como fundamento supralegal de exculpação Em 1949 EBERHARD SCHMIDT sugere a necessidade de despertar a inexigibilidade do sono de bela adormecida121 aparecendo mais recentemente propostas de retomada do conceito de inexigibilida de como cláusula geral de exculpação supralegal deduzida do princípio da culpabilidade122 ou do princípio de justiça do Estado de Direito123 A crítica acrescenta que o conceito de culpabilidade não pode abrigar a questão da renúncia à punição manifestada apesar da existência da reprovação de culpabilidade124 Entretanto o reconhecimento progressivo de novas situações de exculpação fundadas na anormalidade das circunstâncias do fato e no princípio geral de inexigibilidade de comportamento diverso parece tornar cada vez mais difícil negar à exigibilidade a natureza geral de funda mento supralegal de exculpação como categoria jurídica necessária ao 120 FREUDENTHAL Schuld und Vorwurf im geltenden Strafrecht 1922 p 7 121 EBERHARD SCHMIDT Suddeutsche Juristische Zeitung 1949 seção 568 122 Assim WITTIG Der ubergesetzliche Schuldausschliessungsgrund der Unzumutbarkeit in verfassungsrechtlicher Sicht JZ 1969 p 546 No Brasil MACHADO Direito Criminal parte geral 1987 p 146148 123 Nesse sentido LUCKE Der Allgemeine Schuldausschliessungsgrund der Unzumutbarkeit als methodisches und verfassungsrechtliches Problem JR 1975 p 55 124 ROXIN Strafrecht 1997 22 n 143 p 886 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 320 242012 162818 321 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação direito positivo vigente Seja como for mesmo na perspectiva da teoria dominante a anormalidade das circunstâncias do fato que fundamenta a inexigibilidade de comportamento diverso determinada pela anormalidade das circunstâncias do fato incide sobre situações de exculpação concretas nas quais atua um autor culpável ou reprovável que contudo deve ser ex ou desculpado porque o limite da exigibilidade jurídica é determi nado pelo limiar mínimo de dirigibilidade normativa ou de motivação conforme a norma excluída ou reduzida em situações de exculpação legais ou supralegais 33 As situações de exculpação Em primeiro lugar as situações de exculpação constituem hipóteses concretas de inexigibilidade de comportamento diverso porque podem excluir ou reduzir a dirigibilidade normativa como demonstram antigos argumentos de WELZEL a circunstâncias externas podem impedir a livre determinação da vontade a coação irresistível por exemplo b o instinto de conservação pode afetar a capacidade de agir conforme ao direito o excesso de legítima defesa por medo susto ou perturbação c pressões psíquicas excepcionais podem limitar o poder de motivação jurídica a obediência hierárquica125 Em segundo lugar as situações de exculpação constituem hipóteses de dupla redução da culpabilidade e do injusto conforme JESCHECK WEIGEND redução da culpabilidade por força da pressão psíquica do acontecimento concreto redução do injusto porque a lesão de um bem jurídico tem por objetivo proteger outro bem jurídico126 125 Ver WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 178179 126 Comparar JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 43 III 2b p 478 ROXIN Strafrecht 1997 22 ns 79 p 829830 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 321 242012 162818 322 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 Em terceiro lugar as situações de exculpação configuram casos de desnecessidade de prevenção geral ou especial segundo a teoria dos fins da pena de ROXIN127 De um modo geral a ideia de inexigibilidade de comportamento diverso pode fundamentar situações de exculpação legais e supralegais conforme previsão explícita ou implícita no ordenamento jurídico 331 Situações de exculpação legais As situações de exculpação legais compreendem a a coação irresistível b a obediência hierárquica e c o excesso de legítima defesa real e o excesso de legítima defesa putativa ambos determinados por medo susto ou perturbação a Coação irresistível A coação irresistível caracterizase pelo emprego de força ou de ameaça irresistível contra o coagido para realizar fato definido como crime O emprego de força também conhecida como vis compulsiva não se confunde com a chamada força absoluta ou vis absoluta que exclui a vontade e portanto a própria ação representa violência física capaz de influenciar o psiquismo da vítima como surras espancamentos torturas etc com o fim de obrigar à realização de um fato criminoso A ameaça é o anúncio de um mal para a vida ou o corpo do coagido ou de terceiro ameaça de morte contra o coagido parente amigo ou pessoa afetivamente próxima deste se não prestar falso testemunho em favor do coator por exemplo O perigo produzido pelo emprego de força ou pela realização da ameaça deve ser irresistível ou seja deve significar certo grau de dano temível alguns empurrões ou ameaça de simples maus tratos são insuficientes A irresistibilidade da coação deve ser avaliada do ponto 127 Ver ROXIN Strafrecht 1997 22 ns 711 p 829830 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 322 242012 162818 323 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação de vista objetivo e subjetivo capaz de medir a repercussão do potencial lesivo do emprego de força ou da ameaça no psiquismo do coagido128 Além disso a coação irresistível pressupõe perigo atual e inevitável de outro modo perigo atual compreende perigo imediato assim como perigo durável atualizável em dano a qualquer momento dentro de certo prazo perigo inevitável de outro modo significa ausência de proteção al ternativa razoável como por exemplo requerer proteção judicial contra a ameaça ou pedir proteção da polícia contra os espancamentos etc129 Art 22 Se o fato é cometido sob coação irresistível só é punível o autor da coação O fato punível praticado sob coação irresistível é antijurídico mas o autor é exculpado por se encontrar em situação de inexigibilidade de comportamento diverso capaz de excluir ou reduzir a dirigibilidade normativa ao contrário o fato é atribuível objetiva e subjetivamente ao coator como autor mediato que domina a realização do fato através do controle da vontade do coagido que atua sem liberdade130 b Obediência hierárquica A obediência hierárquica caracterizase pela relação de subordinação de direito público que institui competências ativas configuradas no poder de ordenar do funcionário público em posição de superior hierárquico 128 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 181 No Brasil ver FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 201 p 218 MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 2067 Ao contrário JESUS Direito Penal I 1999 p 491492 exclui o emprego de força admitindo apenas ameaça como fundamento da coação irresistível 129 Assim ROXIN Strafrecht 1997 22 n 711 p 829830 e n 18 p 832833 130 Ver WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 181 No Brasil ver MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 185186 MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 2067 também MACHADO Direito Criminal parte geral 1987 p 143 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 323 242012 162818 324 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 e competências passivas expressas no dever de obedecer do funcionário público subordinado Nesse sentido a ordem de superior hierárquico constitui manifestação de vontade expressa dirigida ao subordinado através de instruções ofícios ordens de serviço despachos decisões sentenças etc para realizar tarefas de interesse público131 Em regra ordens de superior hierárquico são legais emanam de autoridade competente têm forma adequada e objetivos lícitos e a execução dessas ordens pelo subordinado é justificada como estrito cumprimento de dever legal por exceção ordens de superior hierárquico podem ser ilegais quando têm por objeto a prática de fato definido como crime criando uma situação de conflito no subordinado pressionado entre dois deveres o dever de obedecer ordens superiores e o dever de omitir ações típicas não justificadas132 Nos casos excepcionais de ordem ilegal de superior hierárquico a questão decisiva é a natureza aparente ou oculta da ilegalidade da ordem como conduta típica e antijurídica a se o tipo de injusto que caracte riza a ilegalidade da ordem é aparente ou manifesto como diz a lei então a ordem de superior hierárquico não obriga o subordinado e no caso de cumprimento o subordinado não é exculpado pela obediência hierárquica delegado ordena subordinado espancar suspeito para obter confissão superior determina motorista embriagado dirigir veículo etc b se tipo de injusto que informa a ilegalidade da ordem é oculta ou mesmo se existe dúvida sobre a legalidade da ordem então a ordem é obrigatória e o cumprimento da ordem pelo subordinado é exculpado pela obediência hierárquica prisões processualmente admissíveis disparo 131 Ver KOERNER JR Obediência hierárquica 2003 p 97 também MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 209 132 Ver FRAGOSO Lições de Direito Penal I 1985 n 204 p 221222 MACHADO Direito criminal parte geral 1987 p 143 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 186 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 324 242012 162818 325 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação sobre sequestradores para libertar reféns prisão de inocente fundado em forte suspeita etc133 Em qualquer caso a obediência devida pelo funcionário público é circunscrita aos estritos limites da ordem respondendo o subordinado por excesso doloso ou imprudente O dever de obediência nos limites estritos da ordem de um lado e a responsabilidade por excesso doloso ou imprudente de outro fundamenta um restrito mas necessário direito de crítica da legalidade da ordem pelo funcionário público subor dinado O exercício desse direito sempre condicionado à preservação do princípio da autoridade não pode ter por objeto questões materiais de oportunidade de conveniência ou de justiça da ordem superior mas exclusivamente a contradição formal entre o fato concreto e o conjunto das proibições tipos legais e permissões justificações do ordenamento jurídico levando em conta a capacidade intelectual do subordinado delimitada pelo nível de inteligência e de cultura respectivos134 Art 22 Se o fato é cometido em estrita obediência à ordem não manifestamente ilegal de superior hierár quico só é punível o autor da ordem O fato punível praticado em situação de obediência hierárquica é antijurídico porque o injusto não se transforma em justo e o que o superior não pode o inferior também não pode135 mas o subordinado pode ser exculpado por se encontrar em situação de inexigibilidade de conduta diversa determinada pelo conflito entre sofrer um mal represen tado por sanções administrativas e penais e causar um mal representado pelo fato punível objeto da ordem136 nesse caso o fato é atribuível 133 KOERNER JR Obediência hierárquica 2003 p 98100 também HAFT Strafrecht 1994 p 113 134 Assim KOERNER JR Obediência hierárquica 2003 p 102 e 106 135 MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 29 n 7 p 408 136 Assim FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 204 p 221222 também MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 186 Ao contrário JESUS Direito Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 325 242012 162819 326 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 objetiva e subjetivamente ao superior hierárquico autor da ordem que domina a realização do fato pelo controle da vontade do subordinado que também atua sem liberdade c Excesso de legítima defesa real por defeito emocional O excesso de legítima defesa pode ser exculpado por defeito na dimensão emocional do tipo de injusto determinado por medo susto ou perturbação na pessoa do autor afetos astênicosfracos mas não por ódio ou ira afetos estênicosfortes segundo várias teorias a teoria da redução do controle da vontade de MAYER137 a teoria da situação psicológica excepcional de BLEY138 a teoria atualmente dominante da dupla redução do injusto e da culpabilidade defesa contra agressão an tijurídica e presença de afetos astênicos de JESCHECKWEIGEND e outros139 a teoria da desnecessidade de prevenção especial e geral autor socialmente integrado e ausência de estímulo à imitação de ROXIN140 Admitese coexistência em igualdade de condições de afetos fortes e fracos141 mas a opinião dominante exige superioridade dos afetos astê nicos142 Na verdade os estados afetivos de medo susto ou perturbação podem explicar a redução dos controles a anormalidade psicológica a Penal I 1999 p 496 fundamenta a exclusão da culpabilidade em erro de proibição no mesmo sentido MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 208 137 H MAYER Strafrecht 1967 p 101 138 BLEY Strafrecht 1983 62 139 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 45 II 2 p 491 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 446 p 128 140 ROXIN Strafrecht 1997 22 n 68 p 855 141 Ver OTTO Grenzen der straflosen uberschreitung der Notwehr 33 StGB Jura 1987 p 606 142 Nesse sentido DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch und Nebengeseteze 1995 33 n 3 também JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 45 II 2 p 491 MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 34 n 30 p 466 ROXIN Strafrecht 1997 22 n 80 p 860 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 326 242012 162819 327 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação redução da culpabilidade ou a desnecessidade de prevenção indicadas pelas diferentes teorias e assim como emoções insuscetíveis de controle consciente fundamentam a exculpação do excesso de legítima defesa independentemente de previsão legal mas estão previstas em legislações penais modernas como o 33 do CP alemão143 1 Excesso consciente e inconsciente O excesso de legítima defesa do ponto de vista subjetivo pode ser inconsciente ou consciente a teoria dominante admite tanto o excesso inconsciente como o consciente sob o argumento convincente da dificuldade de distinção entre dolo e impru dência em situações de necessidade de ação rápida em que a presença de emoções como medo susto ou perturbação pode excluir ou reduzir a capacidade de compreensão e de controle e portanto pode determinar excesso doloso ou imprudente144 a teoria minoritária só admite excesso inconsciente e portanto imprudente145 2 Excesso intensivo e extensivo O excesso de legítima defesa do ponto de vista objetivo pode ser intensivo ou extensivo O excesso in tensivo caracterizase pela utilização de meio de defesa desnecessário por exemplo o emprego dos punhos representa a defesa necessária mas o agredido utiliza arma de fogo contra o agressor Nesse caso pode ocorrer as seguintes alternativas a o excesso inconsciente e o excesso consciente determinado por afetos astênicos de medo susto ou perturbação isolados ou em conjunto com afetos estênicos de ira ou ódio são exculpáveis b o excesso consciente produzido por afetos astênicos e estênicos é igualmente exculpável c o excesso consciente e o excesso inconsciente produzido somente por afetos estênicos de ira ou ódio são puníveis146 143 O 33 do CP alemão dispõe Não é punível o autor que exceda os limites da legítima defesa por perturbação medo ou susto Uberschreitet der Täter die Grenzen der Notwehr aus Verwirrung Furcht oder Schrecken so wird er nicht bestraft 144 Assim SCHMIDHÄUSER Strafrecht 1984 8 n 31 SCHÖNCKE SCHRÖDERLENCKNER Strafgesetzbuch Kommentar 1991 33 n 6 145 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 14 II 5 146 ROXIN Strafrecht 1997 22 n 84 p 862 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 327 242012 162819 328 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 O excesso extensivo caracterizase pelo uso imoderado de meio necessário configurado na descoincidência temporal entre defesa e agressão nas seguintes situações defesa posterior à agressão novo disparo sobre o agressor caído incapaz de continuar a agressão de fesa anterior à agressão disparo sobre pugilista na fase preparatória de aquecimento dos músculos para agressão147 O excesso extensivo de legítima defesa objeto de grande controvérsia na dogmática contem porânea é rejeitado pela opinião majoritária com os seguintes argu mentos a conceitualmente a inexistência da situação justificante de legítima defesa exclui a possibilidade de excesso b agressões acabadas não produzem a pressão psicológica própria das situações traumáticas148 c agressões inexistentes ainda ou já não produzem a dupla redução do injusto e da culpabilidade149 Contudo respeitável opinião minori tária admite o excesso extensivo de legítima defesa afirmando inexistir diferença entre excesso intensivo e extensivo não há diferença entre dar um golpe duas vezes superior ao necessário excesso intensivo e dar outro golpe normal após cessada a agressão excesso extensivo Assim o mesmo fundamento do excesso intensivo seria válido para o excesso extensivo sob duas condições dano exclusivo contra o agressor igual influência dos afetos astênicos150 A lei penal brasileira ao exigir uso moderado dos meios necessários art 25 CP admite o excesso extensivo de legítima defesa caracterizado pelo uso imoderado de meio necessário especialmente claro no excesso extensivo posterior 147 Ver JAKOBS Strafrecht 1991 2031 p 584 ROXIN Strafrecht 1997 22 n 84 p 862 148 Assim GEILEN Notwehr und Notwehrexzess Jura 1981 149 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 45 II 4 p 493 MAURACHZIPF Strafrecht 1 1992 34 n 27 p 465 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 447 p 129 STRATENWERTH Strafrecht 1981 n 448 150 Assim BAUMANNWEBER Strafrecht 1995 23 n 42 JAKOBS Strafrecht 1991 2031 p 584 OTTO Strafrecht 1996 14 II 2a p 209 somente o excesso extensivo posterior ROXIN Strafrecht 1997 22 n 8889 p 863 SCHÖNCKE SCHRÖDERLENCKNER Strafgesetzbuch Kommentar 1991 33 n 7 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 328 242012 162819 329 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação Entretanto o excesso crasso de legítima defesa caracterizado pela desproporção absoluta entre defesa e agressão é punível o agredido mata o agressor com um tiro em defesa de um tapa Embora alguns autores admitam exculpação em hipótese de desproporção absoluta151 a opinião dominante a rejeita porque a desproporcionalidade absoluta exclui igualmente a justificação e a exculpação152 d Excesso de legítima defesa putativa por defeito emocional O excesso de legítima defesa putativa também pode ser exculpado por defeito na dimensão emocional do tipo de injusto determinado por medo susto ou perturbação na pessoa do autor afetos fracos mas não por ódio ou ira afetos fortes Na legítima defesa putativa não existe agressão real mas agressão imaginária determinada por erro de representação o autor representa a existência de agressão inexistente atual ou iminente a bem jurídico próprio ou de terceiro No excesso de legítima defesa putativa por defeito emocional determinado por afetos astênicos de medo susto ou pertur bação o autor a utiliza meio de defesa desnecessário se existente a agressão uso de arma sendo suficiente defesa com os braços se real a agressão ou b utiliza de forma imoderada meio de defesa necessário novo disparo sobre agressor caído incapaz de continuar a agressão se realmente existente153 A opinião dominante rejeita o excesso de legítima defesa putativa com o seguinte argumento se não existe a situação justificante de legíti ma defesa real então não existem limites suscetíveis de serem excedidos Essa posição é criticada por setores importantes da doutrina porque 151 Assim DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch und Nebengesetze 1995 33 n 3 152 Nesse sentido JAKOBS Strafrecht 1991 2029 p 583 ROXIN Strafrecht 1997 22 n 79 p 860 153 ROXIN Strafrecht 1997 22 n 94 p 866 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 329 242012 162819 330 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 representação errônea de agressão inexistente produz efeitos psíquicos iguais à representação correta de agressão existente154 se a vítima simula agressão contra o autor a representação errônea de agressão inexistente não impede a exculpação do excesso contra o falso agressor nunca porém contra terceiro porque agressão aparente equivale à agressão real no psiquismo do suposto agredido 332 Situações de exculpação supralegais As situações de exculpa ção supralegais compreendem a o fato de consciência b a provocação da situação de legítima defesa c a desobediência civil e d o conflito de deveres a Fato de consciência O fato de consciência tem por objeto decisões morais ou religiosas sentidas como deveres incondicionais vinculantes da conduta155 em geral garantidos pela liberdade de crença e de consciência da Constituição art 5º VI CR A norma constitucional protege a livre formação e manifestação de crença e de consciência limitadas somente por outros direitos fundamentais individuais vida liberdade integridade corporal etc ou coletivos paz interna existência do Estado etc mas não pela lei penal156 Assim o fato de consciência define a experiência existen cial de um sentimento interior de dever incondicional cuja proteção constitucional impede valoração como certo ou errado o julgamento 154 JAKOBS Strafrecht 1991 2033 p 585 ROXIN Strafrecht 1997 22 n 9596 p 866 155 ROXIN Strafrecht 1997 22 n 100 p 869 No Brasil no sentido do texto ver DOTTI Curso de Direito Penal parte geral 2001 p 427428 156 Ver BÖCKENFÖRDE Das Grundrecht der Gewissensfreiheit VVDStRL 28 1970 p 64 também RUDOLPHI Die Bedeutung eines Gewissensentscheides fur das Strafrecht WelzelFS 1974 p 628 EBERT Der Uberzeugungstäter in der neueren Rechtsentwicklung 1975 19 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 330 242012 162819 331 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação do fato de consciência deve se reduzir à correspondência entre conduta e mandamentos morais ou religiosos da personalidade limitados exclusi vamente por outros direitos fundamentais e coletivos Logo em tipos penais que protegem direitos humanos fundamen tais a exculpação do fato de consciência é condicionada à proteção do bem jurídico por uma alternativa neutra por exemplo a recusa do pai à necessária transfusão de sangue no filho menor por motivos religiosos é suprida por determinação do Curador de Menores ou pela ação do médico sob estado de necessidade a recusa do médico por motivo de consciência de realizar aborto necessário é suprida pela ação de outro médico etc Em nenhuma hipótese o fato de consciência exculpa a efetiva lesão de bens jurídicos individuais fundamentais como a vida por exemplo porque a omissão da ação protetora privaria a vítima de todos os direitos os pais deixam morrer o filho menor porque sua consciência religiosa impede transfusão de sangue o médico deixa morrer a paciente porque sua consciência pessoal não permite realizar aborto Exceções seriam as chamadas lesões periféricas de bens jurídicos que preservam a livre decisão da vítima o marido desaconselha a esposa por motivos religiosos a realizar transfusão de sangue157 O fundamento da isenção de pena do fato de consciência é contro vertido por um lado exclui a tipicidade se existe alternativa neutra de proteção do bem jurídico ou exclui a antijuridicidade porque o exercício de direitos fundamentais não pode ser antijurídico158 por outro lado não exclui a antijuridicidade porque decisões de consciência contrárias ao direito não podem ser jurídicas159 Na dogmática contemporânea atitudes contrárias ao direito expressão do princípio democrático da 157 ROXIN Strafrecht 1997 22 n 109111 p 872873 e n 115116 p 874875 158 Assim PETERS Bemerkungen zur Rechtsprechung der Oberlandesgerichte zur Wehrersatzdienstverweigerung aus Gewissensgrunden 1966 p 276 também RANFT Hilfspflicht und Glaubensfreiheit in strafrechtlicher Sicht SchwingeFS 1973 p 115 159 EBERT Der Uberzeugungstäter in der neueren Rechtsentwicklung 1975 p 49 s ROXIN Strafrecht 1997 22 n 121 p 877 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 331 242012 162819 332 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 maioria não são autorizadas mas podem ser exculpadas por situações anormais excludentes ou redutoras da dirigibilidade normativa160 b Provocação da situação de legítima defesa Em princípio a provocação da situação de legítima defesa exclui exculpações por motivos evidentes Mas a moderna teoria tem pro curado flexibilizar esse ponto argumentando com a impossibilidade de desvio da ação de defesa provocada se é impossível ao provocador desviar a ação de defesa do agredido por exemplo fugindo do local então seria admissível a exculpação do agressor por ações inevitáveis de proteção porque o Estado não pode exigir de ninguém a renúncia ao direito de viver161 nem criar situações sem saída em que as alternativas são ou deixarse matar ou sofrer pena rigorosa162 c Desobediência civil A desobediência civil tem por objeto ações ou demonstrações públicas de bloqueios ocupações etc realizadas em defesa do bem comum ou de questões vitais da população ou em lutas coletivas por direitos humanos fundamentais como greves de trabalhadores protestos de presos e no Brasil o Movimento dos Trabalhadores Rurais SemTerra MST desde que não constituam manifestações de resistência ativa ou violenta contra 160 EBERT Der Uberzeugungstäter in der neueren Rechtsentwicklung 1975 p 63 ROXIN Strafrecht 1997 22 n 123 p 877878 161 Nesse sentido ROXIN Strafrecht 1997 22 n 93 p 865 No Brasil ver DOTTI Curso de Direito Penal parte geral 2001 p 427428 162 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 32 III 2a p 346347 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 332 242012 162819 333 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação a ordem vigente exceto obstruções e danos limitados no tempo e apresentem relação reconhecível com os destinatários respectivos163 Autores de fatos definidos como desobediência civil são possuidores de dirigibilidade normativa portanto capazes de agir conforme ao direito mas a exculpação baseiase na existência objetiva de injusto mínimo e na existência subjetiva de motivação pública ou coletiva relevante além disso a punição é desnecessária porque os autores não são criminosos e as funções de retribuição e de prevenção atribuídas à pena criminal não resolvem conflitos sociais164 d Conflito de deveres Casos clássicos de conflito de deveres fundado na escolha do mal menor são os seguintes a o caso da eutanásia de doentes mentais durante o regime nazista em que o sacrifício de minoria selecionada de doentes mentais teria sido realizado para salvar a maioria porque a recusa radical de cumprir a ordem superior determinaria a morte de todos os doentes mentais por médicos substitutos fiéis ao regime b para evitar colisão com trem de passageiros determinando a morte de muitos funcionário da ferrovia desvia trem de carga desgovernado para trilho diferente causando a morte certa de alguns trabalhadores c médico substitui paciente com menores chances de sobrevivência por paciente com maiores chances de sobrevivência em máquina de respira çãocirculação artificial Nessas hipóteses o argumento da escolha do mal menor pode fundamentar a justificação do estado de necessidade ou a exculpação supralegal do conflito de deveres desse modo a se a lei não pode proibir a redução de um mal maior então a ação dos médicos seria justificada pelo estado de necessidade segundo a opinião minoritária165 163 Ver DOTTI Curso de Direito Penal parte geral 2001 p 428 164 Comparar ROXIN Strafrecht 1997 22 n 130133 p 880881 165 Assim OTTO Pflichtenkollision und Rechtswidrigkeitsurteil 1978 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 333 242012 162819 334 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 b se qualquer pessoa no lugar dos médicos escolheria o mal menor então a ação dos autores teria ocorrido em situação de exculpação supralegal por conflito de deveres conforme a opinião dominante166 Situações de conflito de deveres ainda mais relevantes são comuns no contexto de condições sociais adversas em que vive a maioria do povo brasileiro a máxima negação da normalidade da situação de fato pressuposta no juízo de exigibilidade nas quais trabalhadores margi nalizados do mercado de trabalho especialmente por efeito de políticas econômicas recessivas das áreas periféricas impostas pelos interesses hegemônicos da globalização do capital são constrangidos a romper vínculos normativos comunitários ou seja deveres jurídicos de omissão de ações proibidas para preservar valores concretamente superiores167 por exemplo o dever jurídico de garantir a vida saúde moradia alimen tação e escolarização dos filhos como indicam estatísticas crescentes de crimes patrimoniais cometidos por exempregados da indústria do comércio e da agricultura para impedir a desintegração da família a prostituição das filhas e a pivetização dos filhos depois de anos de frus tradas tentativas de reinserção no mercado de trabalho sob a tortura da fome da doença da insegurança da angústia do desespero168 Quando condições de existência social adversas deixam de ser a exceção transi tória para ser a regra constante da vida das massas miserabilizadas das sociedades fundadas na relação capitaltrabalho assalariado então o crime pode constituir resposta normal de sujeitos em situação social anormal Nessas condições os critérios normais de valoração do comportamento individual devem mudar utilizando pautas excepcionais de inexigibili dade para fundamentar hipóteses supralegais de exculpação por conflito 166 WELZEL Strafrecht 1969 p 184 167 SYKES and MATZA Techniques of neutralization a theory of delinquency in American Sociological Review 22 1957 p 664 168 Ver CIRINO DOS SANTOS As raízes do crime um estudo sobre as estruturas e as instituições da violência 1984 p 8696 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 334 242012 162819 335 Capítulo 12 Culpabilidade e Exculpação de deveres porque afinal o direito é regra da vida169 O ser humano concreto expressão biopsíquicoemocional deformada de relações sociais desumanas reage contra a violência da estrutura econômica da sociedade instituída pelo Direito e garantida pelo poder do Estado utilizando a única alternativa real de sobrevivência animal disponível a violência individual A abertura do conceito de inexigibilidade para as condições reais de vida do povo parece alternativa capaz de contribuir para democratizar o Direito Penal reduzindo a injusta criminalização de sujeitos penalizados pelas condições de vida social Nesse ponto direito justo é direito desigual porque considera desigualmente sujeitos concretamente desiguais170 Hoje como valoração compensatória da responsabilidade de in divíduos inferiorizados por condições sociais adversas171 é admissível a tese da coculpabilidade da sociedade organizada172 responsável pela injustiça das condições sociais desfavoráveis da população marginalizada determinantes de anormal motivação da vontade nas decisões da vida Nas sociedades capitalistas as alternativas de comportamento individual seriam diretamente dependentes do status social de cada indivíduo com distribuição desigual das cotas pessoais de liberdade e determinação conforme a posição de classe na escala social indivíduos de status social superior maior liberdade indivíduos de status social inferior maior determinação Concluindo se a motivação anormal da vontade em condições sociais adversas insuportáveis e insuperáveis pelos meios convencionais pode configurar situação de conflito de deveres jurídicos então o conceito de inexigibilidade de comportamento diverso encontra 169 Ver CIRINO DOS SANTOS Teoria do crime 1993 p 71 170 MARX Crítica ao programa de Gotha in Textos 1 Edições Sociais 1975 171 Ver BARATTA La vida y el laboratorio del derecho a propósito de la imputación de responsabilidad en el proceso penal in Capítulo Criminólogico n 16 1988 p 6992 172 Assim ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1996 n 353 p 613 BUSTOS RAMÍREZ Manual de derecho penal español Ariel 1984 p 40 BATISTA Introdução crítica ao Direito Penal brasileiro 1999 p 105 RODRIGUES Teoria da culpabilidade 2004 p 2629 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 335 242012 162819 336 Teoria do Fato Punível Capítulo 12 no flagelo real das condições sociais adversas que caracteriza a vida do povo das favelas e bairros pobres das áreas urbanas a base de uma nova hipótese de exculpação supralegal igualmente definível como escolha do mal menor até porque em situações sem alternativas não existe espaço para a culpabilidade173 173 LANGHINRICHSEN Epoché und Schuld Uber den von strafrechtlicher Schuld ausgeschlossenen Raum BärmannFS 1975 p 600 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 336 242012 162820 337 Capítulo 13 outraS coNdiçõeS de puNibiLidade I Introdução O conceito de fato punível é constituído pelas categorias gerais do tipo de injusto e da culpabilidade e em regra a presença dessas categorias é suficiente para determinar a punibilidade respectiva por exceção a punibilidade pode depender da existência de outros pres supostos ou circunstâncias conhecidos como condições objetivas de punibilidade e fundamentos excludentes de pena As condições objetivas de punibilidade e os fundamentos excludentes de pena são características que pertencem ao fato de modo que o autor pode decidir realizar ou não o tipo de injusto conforme a existência ou inexistência objetiva dessas características ao contrário dos chamados pressupostos processuais por exemplo a representação do ofendido a prescrição a anistia o indulto etc que não pertencem ao fato e por tanto não permitem ao autor confiar na ausência de punição fundado na existência ou inexistência dessas características1 1 Assim ROXIN Strafrecht 1997 23 n 5253 p 912913 também SCHMIDHÄUSER Objektive Strafbarkeitsbedingungen ZStW 71 1959 p 558 STRATENWERTH Objektive Strafbarkeitsbedingungen im Entwurf eines Strafgesetzbuchs 1959 ZStW 71 1959 p 558 No Brasil ver o excelente SÁNCHEZ RÍOS Das causas de extinção da punibilidade nos delitos econômicos 2003 p 92 e seguintes Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 337 242012 162820 338 Teoria do Fato Punível Capítulo 13 II Condições objetivas de punibilidade As chamadas condições objetivas de punibilidade consistem em determinados requisitos ou certos resultados cuja existência objetiva condiciona a punibilidade do fato A diferença fundamental entre os requisitos ou resultados objetivos definidos como condições objetivas de punibilidade e os elementos objetivos do tipo de injusto é a seguinte as condições objetivas de punibilidade não precisam ser apreendidas pelo dolo ou se relacionar com a imprudência do autor enquanto os elementos objetivos do tipo de injusto devem ser apreendidos pelo dolo ou se relacionar com a imprudência do autor2 São condições objetivas de punibilidade por exemplo a sentença declaratória de falência em relação aos crimes falimentares art 180 da Lei 1110105 o resul tado de morte ou de lesão corporal grave no induzimento instigação ou auxílio ao suicídio art 122 CP3 e de modo geral o ingresso do autor no território brasileiro nas hipóteses de crimes que por tratado ou convenção o Brasil se obrigou a reprimir ou de crimes praticados por brasileiro no exterior art 7º II a e b CP III Fundamentos excludentes de pena Os fundamentos excludentes de pena ou escusas absolutórias ao contrário das condições objetivas de punibilidade constituem circuns 2 Ver KRAUSE Die Objektiven Bedingungen der Strafbarkeit Jura 1980 p 449 ROXIN Strafrecht 1997 23 n 12 p 895896 e n 22 p 902 No Brasil FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 206 p 223226 3 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 206 p 225226 não considera o resultado de morte ou de lesão corporal grave como condição objetiva de punibilidade sob o argumento de que esses resultados devem ser apreendidos pelo dolo Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 338 242012 162820 339 Capítulo 13 Outras Condições de Punibilidade tâncias cuja presença exclui a punibilidade de fatos já caracterizados como tipo de injusto e culpabilidade Os fundamentos excludentes de pena podem existir sob duas categorias a fundamentos ou cir cunstâncias de isenção de pena b fundamentos ou circunstâncias de suspensão de pena 1 Os fundamentos ou circunstâncias de isenção de pena podem ser a de natureza pessoal e b de natureza objetiva4 A lei penal prevê como fundamentos ou circunstâncias de isenção de pena de natureza pessoal por exemplo a imunidade parlamentar por opiniões palavras e votos art 53 CR a relação de parentesco no favorecimento pessoal art 348 2o CP a relação de casamento ascendência ou descendência natural ou civil em face dos crimes contra o patrimônio art 181 CP Por outro lado prevê como fundamento ou circunstância de isenção de pena de natureza objetiva por exemplo a prova da ver dade na calúnia ou difamação arts 138 3º e art 139 parágrafo único CP5 2 Finalmente fundamentos ou circunstâncias pessoais de suspensão de pena são por exemplo a desistência voluntária e o arrependimento eficaz dos fatos puníveis tentados ver Tentativa e consumação adiante 4 Assim ROXIN Strafrecht 1997 23 n 45 p 896897 também WESSELS BEULKE Strafrecht 1998 n 494 p 146147 5 Comparar FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 207 p 226 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 339 242012 162820 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 340 242012 162820 341 Capítulo 14 autoria e participação I Introdução A relação do sujeito ativo com a conduta descrita no tipo legal pelo legislador pode existir sob as formas de autoria ou de participa ção como categorias gerais que abrangem todas as modalidades de contribuições pessoais para o fato criminoso A definição do compor tamento humano como autoria do ou como participação no tipo de injusto parece decorrer das próprias estruturas básicas de organização das atividades humanas na produção da existência social e desse modo constituiriam formas estruturais de ação individual ou coletiva disciplinadas pelo legislador na lei penal1 Assim a autoria do tipo de injusto pode ser individual se o autor realiza pessoalmente todas as características do tipo legal pode ser mediata se o autor realiza o tipo de injusto utilizando outra pessoa como instrumento pode ser coletiva ou coautoria se vários autores realizam em comum o tipo de injusto Por outro lado a participação no tipo de injusto realizado pelos autores pode ocorrer sob as formas de instigação como de terminação dolosa a fato doloso de outrem e de cumplicidade como ajuda dolosa a fato doloso de outrem2 Excepcionalmente a autoria pode ser colateral se vários autores realizam independentemente um do outro o mesmo fato típico 1 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 61 I 3 p 644 2 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 61 I p 643644 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 341 242012 162820 342 Teoria do Fato Punível Capítulo 14 II Conceito de autor O esquema de compreensão da matéria como autoria indivi dual mediata e coletiva e participação instigação e cumplicidade representa o produto histórico do desenvolvimento de sucessivas teorias sobre a experiência judicial de imputação pessoal de fatos criminosos a teoria unitária de autor fundada na contribuição cau sal para o fato o conceito restritivo de autor que distingue autor de partícipe com base na realização da ação típica a teoria subjetiva de autor que diferencia autor e partícipe pelo critério do animus de autor ou de partícipe finalmente a moderna teoria do domínio do fato que conjuga critérios objetivos e subjetivos para definir autor e partícipe do tipo de injusto 1 Teoria unitária de autor A teoria unitária de autor é a mais antiga concepção sobre a rela ção do sujeito com o fato autor é quem produz qualquer contribuição causal para a realização do tipo de injusto Em sua fórmula original a teoria unitária de autor não distingue entre autor e partícipe as diferenças objetivas e subjetivas de contribuição dos autores não são matéria do tipo de injusto mas problema da aplicação da pena como medida da culpabilidade individual A simplicidade da teoria unitária de autor explica sua sobrevi vência em algumas legislações3 por exemplo na lei penal brasileira 3 O conceito unitário de autor ainda prevalece na Itália art 110 Código Penal de 1935 na Áustria 12 Código Penal de 1975 e pelo menos de modo formal no Brasil art 29 Código Penal de 1985 por exemplo Ver entre outros BITENCOURT Lições de Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 342 242012 162820 343 Capítulo 14 Autoria e Participação art 29 CP se todas as contribuições causais para o resultado tí pico são equivalentes então todos são autores do fato punível se as diferenças de contribuição subjetiva e objetiva são consideradas na pena como expressão da culpabilidade pessoal então a sanção penal aparece em íntima correlação com a personalidade do autor enfim se não existe diferença entre autores e partícipes então a aplicação do Direito Penal no caso concreto é bastante simplificada Mas as desvantagens da teoria unitária de autor parecem mais re levantes se as contribuições causais para o fato punível são equivalentes então a todos os sujeitos envolvidos no tipo de injusto são nivelados desaparecendo diferenças objetivas e subjetivas na produção do desva lor de ação e do desvalor de resultado que definem o tipo de injusto e b sujeitos não qualificados podem ser autores de delitos especiais por exemplo a qualidade de funcionário público no peculato ou de delitos de mão própria o falso testemunho o que representa um contrassenso A natureza grosseira da teoria unitária de autor explica seu abandono progressivo mesmo naquelas legislações como a bra sileira que por inércia ou comodismo ainda a adotam4 2 Conceito restritivo de autor O conceito restritivo de autor é a primeira tentativa científica de distinguir autor e partícipe com base no critério objetivoformal da ação típica o autor realiza a ação típica a ação de matar no homicídio a ação de subtrair no furto etc o partícipe realiza ação de instigação Direito Penal 1995 p 92 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 241 p 263 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 199200 4 Ver por exemplo JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 61 II p 645646 ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 451 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 506 p 150 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 343 242012 162820 344 Teoria do Fato Punível Capítulo 14 ou de ajuda extratípica para a realização do tipo de injusto punível por extensão da punibilidade da ação típica5 O mérito do conceito restritivo de autor reside em fundamen tar a distinção de autor e partícipe na produção do fato típico um critério formal rigoroso em todas as hipóteses de autoria direta do tipo de injusto mas tem o defeito de não explicar as hipóteses de autoria mediata o herdeiro entrega bombom envenenado à tia rica através do filho menor para apressar o recebimento da herança e de coautoria B distrai a atenção da tia rica para que A possa colocar veneno no café dela6 3 Teoria subjetiva de autor A teoria subjetiva distingue autor e partícipe pelo critério da vontade a o autor realiza com vontade de autor a contribuição causal para o tipo de injusto quer o fato como próprio ou age com animus auctoris mesmo sem realizar ação típica se A com ânimo de autor garante a segurança de B na ação de homicídio de C são ambos coautores b o partícipe realiza com vontade de partícipe a contribuição causal para o tipo de injusto quer o fato como alheio ou age com o chamado animus socii apesar de realizar ação típica 5 Ver KUHL Strafrecht 1997 20 n 24 p 670 6 Nesse sentido a crítica por exemplo de JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 61 III p 648649 KUHL Strafrecht 1997 20 n 24 p 670 No Brasil ver a excelente monografia de BATISTA Concurso de agentes 2004 2ª edição n 10 p 31 também ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 392 p 668 ao contrário MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 231 adota o critério objetivo formal do conceito restritivo de autor para todas as hipóteses de autoria e participação Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 344 242012 162820 345 Capítulo 14 Autoria e Participação homicídio realizado por incumbência da máfia ou do serviço secreto por exemplo7 A crítica aponta dois problemas principais da teoria subjetiva de autor critérios baseados em fenômenos psíquicos intelectuais ou emocionais como vontade ou ânimo de autor ou de partícipe não são determináveis diretamente e portanto são imprecisos em tipos que excluem autoria mediata delitos de mão própria por exemplo sujeitos não qualificados não podem ser autores e sujeitos qualificados não podem ser apenas partícipes por mais que queiram o fato como próprio ou como alheio respectivamente8 Apesar da crítica científica a teoria subjetiva do autor parece indicar estados psíquicos caracte rísticos de autores e de partícipes e por isso ainda hoje é dominante na jurisprudência alemã9 4 Teoria do domínio do fato A teoria do domínio do fato também chamada teoria objetiva material ou teoria objetivosubjetiva desenvolvida essencialmente por ROXIN10 embora anteriormente WELZEL tivesse falado em 7 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 61 IV p 649650 KUHL Strafrecht 1997 20 n 2223 p 669670 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 512 p 152 No Brasil comparar BATISTA Concurso de agentes 2004 2ª edição n 27 p 67 8 Comparar JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 61 n IV 3 p 651 KUHL Strafrecht 1997 20 n 23 p 670 ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 51 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 513 p 152 No Brasil ver BATISTA Concurso de agentes 2004 2ª edição n 28 p 68 9 Ver por todos JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 61 IV 2 p 650 10 Ver sobretudo ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 60 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 345 242012 162820 346 Teoria do Fato Punível Capítulo 14 domínio final do fato11 parte da premissa de que teorias somente objetivas ou somente subjetivas não oferecem critérios seguros para identificar autor e partícipe do fato punível A teoria do domínio do fato hoje dominante na dogmática penal integra o critério objetivo do conceito restritivo de autor que vincula o conceito de autor à ação do tipo legal com o critério subjetivo da teoria subjetiva de autor que incorpora a vontade como energia produtora do tipo de injusto mas supera os limites de ambas as teorias porque considera a ação na sua estrutura subjetiva e objetiva pressuposta no controle do tipo de injusto e necessária para mostrar o fato como obra do autor subjetiva mente o projeto de realização a vontade criadora do tipo de injusto objetivamente a magnitude das contribuições para realização do projeto de tipo de injusto12 A ideia básica da teoria do domínio do fato pode ser assim enunciada o autor domina a realização do tipo de injusto controlando a continuidade ou a paralisação da ação típica o partícipe não domina a realização do tipo de injusto não tem controle sobre a continuidade ou paralisação da ação típica A teoria do domínio do fato parece adequada para definir todas as formas de realização ou de contribuição para realização do tipo de injusto compreendidas nas categorias de autoria e de participação assim concebidas 1 autoria a direta como realização pessoal do tipo de injusto b mediata como utilização de outrem para realizar o tipo de injusto e c coletiva como decisão comum e realização comum do tipo de injusto 2 participação como contribuição acessória dolosa em fato principal doloso de outrem sob as formas a de instigação 11 WELZEL Studien zum System des Strafrechts ZStW 58 1939 p 491 12 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 61 V 1 p 6512 No Brasil ver BATISTA Concurso de agentes 2004 2ª edição n 2930 p 6971 também BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 9899 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 243 p 263264 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 202203 ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 394 p 670 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 346 242012 162820 347 Capítulo 14 Autoria e Participação como determinação dolosa a fato principal doloso de outrem e b de cumplicidade como ajuda dolosa a fato principal doloso de outrem A lei penal brasileira adota a princípio a teoria unitária de autor mas a introdução legal de critérios de distinção entre autor e partí cipe transforma na prática judicial o paradigma monístico da teoria unitária em paradigma diferenciador admitindo o emprego de teorias modernas sobre autoria e participação como por exemplo a teoria do domínio do fato cujos postulados são inteiramente compatíveis com a disciplina legal de autoria e participação no Código Penal aliás a Exposição de Motivos reconhece que o legislador decidiu optar na parte final do art 29 e em seus dois parágrafos por regras precisas que distinguem a autoria da participação reclamada pela doutrina por causa de decisões injustas13 Por essa razão autoria e participação devem ser estudadas se gundo os postulados da teoria do domínio do fato generalizados na literatura contemporânea como critérios de definição de autor e de partícipe III Formas de autoria 1 Autoria direta A autoria direta define a realização pessoal do tipo de injusto pelo autor que detém com exclusividade o domínio do fato realização in dividual da ação de matar de ofender a integridade ou a saúde corporal de outrem etc Os tipos legais descrevem em geral ações ou omissão 13 Por isso MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 200 fala com razão em teoria unitária temperada Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 347 242012 162820 348 Teoria do Fato Punível Capítulo 14 de ações individuais algumas das quais somente podem ser cometidas pelo indivíduo isolado como por exemplo o falso testemunho e na hipótese de realização individual do tipo de injusto a questão da autoria se reduz ao problema criminalístico de identificação da pessoa física do autor resolvida integralmente pelo conceito restritivo de autor absorvido pela teoria do domínio do fato14 2 Autoria mediata A autoria mediata define a realização do tipo de injusto com utilização de terceiro como instrumento que realiza o fato em posição subordinada ao controle do autor mediato Logo não existe autoria mediata a se o terceiro não é instrumento nas mãos do autor mediato mas coautor plenamente responsável b nos tipos de mão própria que exigem realização corporal da ação típica pelo autor c nos tipos especiais próprios que exigem autores com qualificação especial e d nos tipos de imprudência por ausência de vontade construtora do acontecimento e portanto de domínio do fato15 14 Comparar JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 61 V 12 p 651652 No Brasil ver BATISTA Concurso de agentes 2004 2ª edição n 31 p 77 78 também MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 202 ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 395 p 670671 15 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 62 I 2 p 664 também JAKOBS Strafrecht 1993 2178 p 637 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 48 I 2 p 258 No Brasil comparar BATISTA Concurso de agentes 2004 2ª edição n 5355 p 129133 BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 109 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 246 p 265266 ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 395 p 371374 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 348 242012 162821 349 Capítulo 14 Autoria e Participação 21 Hipóteses de autoria mediata As principais situações de autoria mediata aparecem nas hipóte ses em que o instrumento atua a em erro de tipo b conforme ao direito c sem capacidade de culpabilidade d em erro de proibição inevitável e sem liberdade por força de coação ou de obediência hierárquica f sem intenção especial Nas situações de autoria me diata a pena do autor mediato é agravada e o instrumento é impunível como se demonstra a o instrumento realiza ação típica ausência de dolo por erro de tipo induzido ou mantido pelo autor mediato o médico mata o paciente utilizando a inocente enfermeira como instrumento sem dolo para aplicar injeção mortal previamente preparada16 punição agravada do autor mediato conforme art 62 II CP b o instrumento realiza ação justificada por situação de justifica ção criada artificialmente pelo autor mediato o autor mediato induz doente mental a agredir o instrumento que mata o doente mental em legítima defesa como planejado pelo autor mediato17 punição agravada do autor mediato conforme art 62 III CP c o psiquismo defeituoso ou subdesenvolvido de instrumento incapaz de culpabilidade é utilizado pelo autor mediato doente men 16 Assim WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 15 p 102 KUHL Strafrecht 1997 20 n 52 p 683 também ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 170 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 537 p 160 Ao contrário MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 233 define a situação exemplificada como autoria mediata por meio de pessoa que atua sem culpabilidade 17 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 62 II 3 p 667668 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 537 p 160 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 48 n 68 73 p 2745 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 349 242012 162821 350 Teoria do Fato Punível Capítulo 14 tal produz incêndio por incumbência do autor mediato18 punição agravada do autor mediato conforme art 62 III CP d o instrumento atua em erro de proibição inevitável induzido ou mantido pelo autor mediato policial comete crime em cumprimento de ordem de superior hierárquico sem possibilidade de conhecimento da ilegalidade da ordem19 punição agravada do autor mediato con forme art 62 III CP e o instrumento atua sem liberdade em situações a de coação irresistível sob ameaça de morte o autor mediato obriga o instru mento a praticar falso testemunho20 e b de obediência hierárquica disparo sobre sequestrador para libertar refém ou prisão de inocente fundado em forte suspeita etc21 punição agravada do autor mediato conforme art 62 II CP f o instrumento atua sem a intenção especial exigida pelo tipo le gal por erro provocado pelo autor mediato o autor mediato apropria se de objeto alheio subtraído erroneamente pelo instrumento22 22 Problemas especiais 221 Erro O erro na autoria mediata pode ocorrer na pessoa do autor mediato e na pessoa do instrumento O erro do autor mediato 18 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 48 n 79 p 276 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 193 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 537 p 160 19 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 48 n 81 p 277 LACKNER Strafgesetzbuch 25 n 4 20 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 102 21 KOERNER JR Obediência hierárquica 2003 p 9497 HAFT Strafrecht 1994 p 113 22 DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch 25 n 3 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 48 n 59 s p 272 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 537 p 160 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 350 242012 162821 351 Capítulo 14 Autoria e Participação sobre características que fazem do autor imediato um instrumento nas mãos daquele exclui o domínio do fato e transforma o autor mediato em instigador o autor pensa incumbir doente mental de produzir incêndio mas o autor imediato é capaz de culpabilidade e portanto responsável pelo tipo de injusto como autor direto A hipótese inversa de erro sobre a capacidade de culpabilidade de pistoleiro contratado para realizar homicídio que sem conhecimento do contratante é doente mental constitui objetivamente autoria mediata mas o des conhecimento do domínio do fato pelo autor mediato mantém sua posição de instigador23 Por outro lado o erro do instrumento sobre o objeto da ação representa aberratio ictus para o autor mediato porque o instrumento é equiparado a simples mecanismo como uma arma que erra o alvo coagido sob ameaça de morte ao homicídio de Y o instrumento mata Z confundido com Y na escuridão da noite24 222 Excesso O excesso do instrumento por iniciativa própria ou por erro sobre as tarefas ou finalidades respectivas ao contrário não é atribuível ao autor mediato por ausência de controle sobre o excesso do instrumento25 223 Tentativa A tentativa na autoria mediata caracterizada pelo início de realização do tipo segundo o plano do fato é controvertida a para alguns autores a tentativa já ocorre no instante da liberação do instrumento para realizar o tipo de injusto sob controle do autor mediato26 uma teoria que inclui claramente atos preparatórios b 23 Assim JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 62 III 1 p 671 LACKNER Strafgesetzbuch 25 ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 267 24 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 62 III 1 p 671672 ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 215 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 550 p 165 25 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 62 III 3 p 672 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 48 n 45 p 268269 WESSELS BEULKE Strafrecht 1998 n 545 p 163 26 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 62 IV 1 p 672673 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 351 242012 162821 352 Teoria do Fato Punível Capítulo 14 para outros a tentativa somente ocorre no instante em que o instrumen to inicia a realização da ação típica27 uma interpretação compatível com o Direito Penal do tipo porque enquanto o instrumento como mecanismo submetido ao poder do autor mediato não cria perigo direto para o bem jurídico com o início da realização do tipo não pode haver tentativa 224 Omissão de ação A autoria mediata por omissão de ação é também controvertida responsável por instituição de tratamento psi quiátrico não impede agressão de doente mental sobre outro interno Um setor da teoria considera o garante autor mediato por omissão de ação28 outro setor rejeita autoria mediata por omissão de ação e na hipótese acima considera o garante autor direto por omissão de ação29 uma solução inteiramente conforme à lógica da dogmática da omissão de ação imprópria 3 Autoria coletiva ou coautoria A autoria coletiva ou coautoria é definida pelo domínio comum do tipo de injusto mediante divisão do trabalho entre os coautores a subjetivamente decisão comum de realizar com consciência e von tade tipo de injusto determinado que fundamenta a responsabilidade de cada coautor pelo fato típico comum integral b objetivamente realização comum do tipo de injusto mediante contribuições par 27 KUHL Strafrecht 1997 20 n 97 p 702 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 48 n 115 p 284 28 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 48 n 95 p 280 29 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 62 IV 2 p 673 ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 471 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 352 242012 162821 353 Capítulo 14 Autoria e Participação ciais no domínio comum do fato típico30 A convergência subjetiva e objetiva dos coautores exprime acordo de vontades expresso ou tácito para realizar tipo de injusto determinado 31 Decisão comum para o fato A decisão comum para o fato significa convergência de consciên cia e de vontade dos coautores para tipo de injusto determinado que fundamenta a atribuição conjunta do fato integral a decisão comum desencadeia a distribuição de tarefas individuais necessárias à produção do resultado comum por isso nos crimes de imprudência do ponto de vista conceitual a coautoria é impossível e do ponto de vista prático desnecessária porque na hipótese de comportamentos imprudentes si multâneos cada lesão do dever de cuidado ou do risco permitido funda menta a atribuição do resultado como autoria colateral independente O momento da decisão comum deve ocorrer antes da realização do tipo de injusto mas excepcionalmente pode ocorrer durante a realização até a terminação do tipo de injusto com responsabilidade penal do coautor pelos fatos anteriores conhecidos desde que a con tribuição do coautor promova sua realização posterior por exemplo na extorsão mediante sequestro com exceção de tipos de injusto independentes já concluídos31 30 Assim a opinião dominante JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 63 I 1 p 674675 ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 277 KUHL Strafrecht 1997 20 n 9899 p 703 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 49 n 5 p 288 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 107 WESSELS BEULKE Strafrecht 1998 n 5268 p 156157 No Brasil ver BATISTA Concurso de agentes 2004 2ª edição n 3738 p 101106 BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 99100 MESTIERI Manual de Direito Penal I p 202203 ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 396 p 674675 31 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 63 II p 678 KUHL Strafrecht 1997 20 n 126 p 716 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 353 242012 162821 354 Teoria do Fato Punível Capítulo 14 32 Realização comum do fato A realização comum do fato é constituída pelas contribuições objetivas de cada coautor para o acontecimento total que explicam o domínio funcional do tipo de injusto As contribuições objetivas para o fato comum podem consistir na realização integral das características do tipo de injusto na realização parcial dessas características ou mes mo na ausência de realização de qualquer dessas características desde que a ação atípica realizada pelo coautor seja necessária para realizar o tipo de injusto por exemplo na coautoria de roubo um coautor espera no carro com motor ligado para a fuga outro coautor desliga o alarme um terceiro coautor garante a retirada um quarto coautor controla as vítimas com a arma um quinto coautor apanha o dinheiro e ainda um sexto coautor pode ter planejado organizado ou dirigido a cooperação no fato comum32 cuja punição será agravada conforme o art 62 I CP A contribuição objetiva do coautor deve ser necessária para promover o tipo de injusto comum mas é suficiente contribuir para desenvolver o plano criminoso independentemente da presença física no local do crime embora a entrega de armas ou instrumentos para o fato seja por si só insuficiente para a coautoria33 33 Distribuição da responsabilidade penal A divisão funcional do trabalho na coautoria como em qualquer obra coletiva implica contribuições diferenciadas para a obra comum do ponto de vista subjetivo planejamento e objetivo execução do tipo de injusto o que coloca o problema da distribuição da responsa 32 Assim JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 63 II 1 p 679 ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 277 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 529 p 157 33 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 49 n 3435 p 295 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 354 242012 162821 355 Capítulo 14 Autoria e Participação bilidade penal entre os coautores A distribuição da responsabilidade penal depende das contribuições individuais para o fato comum logo a atribuição conjunta do fato integral fundada na decisão comum e realização comum de tipo de injusto determinado não pode ser igualitária mas diferenciada pela natureza das contribuições respec tivas para o tipo de injusto como objeto de valoração do juízo de culpabilidade Art 29 Quem de qualquer modo concorre para o crime incide nas penas a este cominadas na medida de sua culpabilidade Esse princípio geral aplicável à coautoria e à participação tem flexibilidade suficiente para abranger a diversidade de contribuições subjetivas e objetivas bem como as hipóteses de excesso de contribui ção ou de contribuições de menor importância para o tipo de injusto comum como se demonstra 331 Responsabilidade pelo excesso Em regra o excesso em re lação ao tipo de injusto objeto da decisão comum só é atribuível ao seu autor por exceção pode ser atribuído aos demais coautores ou partícipes na hipótese de previsibilidade do resultado mais grave na forma exclusiva de aumento até metade da pena do crime menos grave conforme a seguinte regra complementar igualmente aplicável à coautoria e à participação Art 29 2º Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave serlheá aplicada a pena deste essa pena será aumentada até metade na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave A aplicação da regra é facilitada por uma distinção entre excesso quantitativo e excesso qualitativo essencial para definir a previsibili dade do resultado mais grave a o excesso quantitativo é previsível e por isso determina o aumento da pena do crime menos grave objeto do dolo comum aos coautores e partícipes em decisão comum de lesão corporal o homicídio da vítima constitui excesso quantitativo Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 355 242012 162821 356 Teoria do Fato Punível Capítulo 14 atribuível exclusivamente ao autor do excesso mas a previsibilidade desse excesso permite aumentar a pena da lesão corporal imputável aos demais b o excesso qualitativo é imprevisível e portanto não é imputável aos coautores ou partícipes em decisão comum de furto em residência o estupro da vítima constitui excesso qualitativo imputável exclusivamente ao autor do excesso34 Em tipos qualificados pelo resultado a atribuição do resultado mais grave pressupõe no mínimo imprudência do coautor35 ou do partícipe uma resultante do princípio da culpabilidade que exclui qualquer responsabilidade penal objetiva 332 Tentativa na coautoria A tentativa de tipos de injusto em coau toria é definida por duas teorias a a teoria dominante Gesamtlösung propõe uma solução geral caracterizada pelo início de realização do programa típico comum por qualquer dos coautores36 b a teoria mi noritária Einzellösung propõe uma solução individual caracterizada pelo início de realização da contribuição típica de cada coautor respec tivo37 Os argumentos dessas teorias parecem igualmente relevantes se dois coautores projetam roubo em residência alheia a tentativa começa para ambos no momento em que qualquer deles soa a campainha da casa ou força a abertura da porta Gesamtlösung mas se um coautor deve falsificar um documento que outro coautor deverá colocar em circulação depois o início da falsificação do documento configura tentativa apenas para o primeiro coautor sendo mero ato preparatório 34 DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch 25 n 5 p 82 MAURACHGÖSSEL ZIPF Strafrecht II 1989 49 n 58 p 299300 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 531 p 158159 35 JAKOBS Strafrecht 1993 2146 p 619 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 49 n 61 p 300 ROXIN LKRoxin 1992 25 n 176 36 JAKOBS Strafrecht 1993 2161 p 629 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 63 IV 1 p 681 KUHL Strafrecht 1997 20 n 123 p 713714 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 49 n 100 p 308 37 Assim ROXIN LKRoxin 1992 25 n 199 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 356 242012 162821 357 Capítulo 14 Autoria e Participação para o segundo Einzellösung o que parece mostrar a necessidade de subordinar a solução do problema da tentativa à natureza da ação descrita no tipo legal ver Tentativa e consumação adiante 333 Coautoria por omissão de ação A possibilidade de coauto ria por omissão de ação é rejeitada por um setor minoritário38 mas admitida pelo setor dominante da literatura39 Exemplos omissão de ação comum do pai e da mãe em relação aos cuidados do filho recémnascido vários dirigentes de empresa omitem a retirada do mercado de produto nocivo à saúde da população Segundo a teoria dos delitos de dever na omissão de cuidados do pai e da mãe cada garante seria autor independente por omissão de ação e não coautor por omissão de ação entretanto no caso dos dirigentes de empresa atribuições estatutárias comuns poderiam caracterizar coautoria por omissão de ação40 Por outro lado hipóteses de atuação positiva de um coautor enquanto o outro de modo contrário ao dever omite a ação de impedir a atuação positiva do primeiro não seriam casos de coautoria mas de autoria e de participação pela posição subordina da do omitente em relação ao autor o vigia não impede o furto no estabelecimento vigiado41 334 Coautoria em tipos especiais próprios Em tipos que exigem qualidades especiais do autor a atribuição típica pressupõe coautor qualificado não existe coautoria ou participação em delitos de mão própria sem realização pessoal do tipo de injusto falso testemunho não existe coautoria ou participação em delitos especiais próprios sem coautores com as qualidades necessárias peculato concussão etc não existe coautoria ou participação em crimes patrimoniais 38 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 206 39 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 63 IV 1 MAURACH GÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 49 n 86 s p 306 ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 469 40 Nesse sentido ROXIN LKRoxin 1992 25 n 206 41 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 63 IV 2 p 682 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 357 242012 162821 358 Teoria do Fato Punível Capítulo 14 sem a intenção especial de apropriação etc furto roubo etc42 uma consequência do princípio da tipicidade que fundamenta a teoria do autor IV Participação A participação como contribuição dolosa a tipo de injusto doloso depende da existência do fato principal assim como a parte depende do todo A dependência da participação em face do tipo de injusto significa o seguinte primeiro a participação tem por objeto o tipo de injusto porque não tem conteúdo de injusto próprio e por isso assume o conteúdo de injusto do fato principal segundo a partici pação é acessória do tipo de injusto que existe como fato principal por essa razão a acessoriedade da participação é limitada ao tipo de injusto não se estende à culpabilidade do fato principal que não é objeto da participação A dependência da participação limitada ao tipo de injusto do fato principal constitui a chamada acessoriedade limita da da participação a antiga acessoriedade extrema hoje abandonada exigia também culpabilidade do fato principal43 42 DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch 25 n 6 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 530 p 158 43 Nesse sentido JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 63 VII 12 p 655656 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 53 n 854859 p 380 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 551554 p 165166 No Brasil BATISTA Concurso de agentes 2004 2ª edição n 67 p 161165 BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 104 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 247 p 266267 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 203 ZAFFARONI PIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 403 p 685686 curiosamente MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 232233 não menciona a natureza acessória da participação JESUS Direito Penal I 1999 p 413414 além da acessoriedade limitada e extrema distingue ainda uma acessoriedade mínima e uma hiperacessoriedade sem significação dogmática no moderno Direito Penal Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 358 242012 162821 359 Capítulo 14 Autoria e Participação A definição da participação como contribuição acessória de tipo de injusto doloso exclui a possibilidade de participação em crimes de imprudência na imprudência inconsciente não há previsão do resultado nem possibilidade de domínio do fato para distinguir entre autoria e participação na imprudência consciente existe previsão do resultado e pode ocorrer domínio do fato mas a punição não se fundamenta na distinção entre autor e partícipe e sim na lesão individual do dever de cuidado ou do risco permitido44 A hipótese da morte de pedestre por viga lançada na rua pela ação conjunta de dois operários de construção constitui autoria colateral independente de homicídio imprudente45 os operários cooperam na ação de lançar a viga mas a lesão do dever de cuidado ou do risco permitido é realizada individualmente por cada operário46 A dependência da participação expressa na natureza acessória da participação em face do tipo de injusto explica a ausência de domí nio do fato do partícipe com duas consequências importantes a o partícipe não pode cometer excesso em relação ao fato objeto do dolo comum porque excesso pressupõe domínio comum do fato e portan to coautoria b a participação delimita a área das contribuições de menor importância necessariamente incompatíveis com a existência do domínio do fato embora nem toda participação seja de menor importância e às vezes a participação seja tão importante quanto a autoria como ocorre em algumas situações de instigação homicídio mediante recompensa por exemplo 44 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 63 VI p 654655 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 99 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 47 n 102 p 251 45 Assim atualmente JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 61 VI p 655 46 MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 235 define essa hipótese como coautoria de crime culposo apesar de exigir para a coautoria p 229 um liame psicológico entre os vários autores ou seja a consciência de que cooperam numa ação comum portanto um conceito aplicável exclusivamente aos crimes dolosos Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 359 242012 162822 360 Teoria do Fato Punível Capítulo 14 Art 29 1º Se a participação for de menor impor tância a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço A natureza dependente da participação condiciona sua punibili dade à existência de tipo de injusto doloso consumado ou tentado Art 31 O ajuste a determinação ou instigação e o auxílio salvo disposição expressa em contrário não são puníveis se o crime não chega pelo menos a ser tentado Enfim a participação pode contribuir para o tipo de injusto doloso de dois modos mediante provocação do dolo do tipo de injusto no autor mediante apoio material para realização do tipo de injusto pelo autor47 Em suma a participação pode existir sob as formas de instigação para e de cumplicidade em tipo de injusto doloso 1 Instigação A instigação significa determinação dolosa do autor a realizar tipo de injusto doloso o instigador provoca a decisão do fato me diante influência psíquica sobre o autor mas não tem controle sobre a realização do fato reservado exclusivamente ao autor48 Os meios 47 Assim JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 64 I 2 p 685 KUHL Strafrecht 1997 20 n 132 p 718719 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 552 p 165 48 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 567570 p 169170 No Brasil ver BATISTA Concurso de agentes 2004 2ª edição n 76 p 181183 BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 106 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 248 p 267268 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 203204 ZAFFARONI PIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 412 p 695 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 360 242012 162822 361 Capítulo 14 Autoria e Participação de influência do instigador no psiquismo do autor são inúmeros persuasão pedidos presentes ameaças promessas de recompensa pagamentos até simples expressões de desejo podem constituir insti gação o pagamento e a promessa de recompensa agravam a pena do instigador e do autor na forma do art 62 IV CP A influência sobre o psiquismo do autor para determinar decisão de realizar um tipo de injusto parece pressupor ação excluindo a hipótese de instigação por omissão de ação49 O dolo do instigador caracterizase por um duplo objeto ime diatamente tem por objeto criar a decisão de realizar um tipo de injusto doloso no psiquismo do autor mediatamente tem por objeto a realização do tipo de injusto doloso pelo autor50 11 O dolo do instigador e a decisão do autor Sobre a relação entre dolo do instigador e decisão do fato no psiquismo do autor é preciso esclarecer alguns pontos a o objetivo do instigador é a consumação do tipo de injusto e não apenas tentativa se a instigação é realizada por agente provoca dor que quer a tentativa mas exclui a consumação do fato principal ou quer a própria consumação formal mas exclui a lesão material do bem jurídico então a instigação é impunível assim como o fato principal por absoluta impossibilidade de lesão do bem jurídico no flagrante preparado a hipótese de permanência da droga fornecida pelo traficante em poder do consumidor está excluída51 49 ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 484 50 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 64 II 2b p 687 também MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 51 n 19 p 346 51 Assim por exemplo JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 64 II 2b p 688 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 51 n 35 p 349350 No Brasil a favor da punição do agente provocador na hipótese de Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 361 242012 162822 362 Teoria do Fato Punível Capítulo 14 b o dolo do instigador direto ou eventual deve ser concreto no sentido de ter por objeto autor determinado e fato determinado um autor indeterminado para realizar o tipo de injusto ou um tipo de injusto indeterminado para ser realizado pelo autor com exceção de detalhes de tempo lugar ou outros dependentes do desenvolvimento posterior do fato não são compatíveis com a instigação52 c a ação de instigação deve determinar a decisão do autor para o fato autores inclinados para o fato podem ainda ser instigados mas autores já decididos não podem mais ser instigados admitindose entretanto cumplicidade psíquica como reforço de decisão já exis tente53 12 O dolo do instigador e o fato do autor Sobre a relação entre dolo do instigador e fato realizado pelo autor é preciso também esclarecer alguns pontos a a punibilidade da instigação também pressupõe tipo de injusto consumado ou tentado art 31 CP b fundamento de punibilidade da instigação é a correspondên cia entre dolo do instigador e tipo de injusto consumado ou tentado exceto detalhes de tempo lugar meio ou modo de execução neces sariamente deixados por conta do autor c o instigador não pode ser punido pelo excesso do autor con forme a regra do art 29 2o no excesso qualitativo o fato principal crime impossível sob o argumento de identidade entre o dolo do delito e o dolo da tentativa ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 414 p 697 52 Comparar JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 64 II 2b p 688 ROXIN LKRoxin 1992 25 n 46 53 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 64 II 2c p 689 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 362 242012 162822 363 Capítulo 14 Autoria e Participação diferente é atribuído exclusivamente ao autor instigado ao furto o autor realiza estupro contra a proprietária que dormia sozinha na residência no excesso quantitativo o fato principal maior é atribuí do ao autor e o fato menor da instigação é atribuído ao instigador54 instigado ao furto o autor realiza roubo a exceção da regra é re presentada pela hipótese de previsibilidade do resultado mais grave que determina aumento até metade da pena do crime menos grave art 29 2o segunda parte d nos delitos qualificados pelo resultado a atribuição do resul tado mais grave ao instigador pressupõe no mínimo imprudência deste fundada no critério de autoria colateral55 13 Erro de tipo e erro de tipo permissivo A exigência de dolo condiciona a possibilidade de erro de tipo e de erro de tipo permissivo na pessoa do instigador assim resolvido na literatura a o erro de tipo do instigador exclui o dolo como qualquer erro de tipo acreditando na palavra do parceiro de caça que no crepúsculo da tarde confundira um corpo escuro na floresta com um javali o caçador desfere certeiro tiro no pároco da vila que sentara na relva para descansar no seu passeio vespertino b o erro de tipo permissivo do instigador tem por objeto a si tuação justificante ou os pressupostos objetivos de causa de justifi cação para o autor resolvese pelas mesmas regras do erro de tipo 54 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 64 II 3 e 4 p 689 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 51 n 4458 p 351354 ROXIN LKRoxin 1992 25 n 89 55 ROXIN LKRoxin 1992 25 n 99 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 122 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 363 242012 162822 364 Teoria do Fato Punível Capítulo 14 como qualquer erro de tipo permissivo segundo a teoria limitadas da culpabilidade56 c o erro de execução do autor sobre o objeto da ação instigada A mata B confundido com C na escuridão resolvese pelas regras da aberratio ictus para o autor e para o instigador segundo a teoria da concretização dominante na literatura tentativa de homicídio contra C em concurso com homicídio imprudente de B57 segundo a teoria da equivalência genérica do resultado típico adotada na lei brasileira homicídio consumado art 20 3º CP 2 Cumplicidade A cumplicidade significa ajuda dolosa do cúmplice para tipo de injusto doloso do autor o cúmplice presta ajuda material para realiza ção de fato principal doloso e assim como o instigador também não controla a realização do fato punível poder exercido exclusivamente pelo autor58 56 SCHÖNCKESCHRÖDERCRAMER 26 n 15 ROXIN LKRoxin 1992 25 n 66 57 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 64 II 4 p 691 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 75 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 579 p 173 KUHL Strafrecht 1997 20 n 209 p 748 ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 288 58 Assim JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 64 III 1 p 691 No Brasil ver BATISTA Concurso de agentes 2004 2ª edição n 80 p 186 BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 106107 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 249 p 268269 MESTIERI Manual de Direito Penal I p 203204 ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 416 p 698 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 364 242012 162822 365 Capítulo 14 Autoria e Participação 21 Natureza da ajuda material a A ajuda material dolosa do cúmplice pode ser física ou técnica toda e qualquer contribuição para promoção ou realização de tipo de injusto doloso constitui cumplicidade como entregar armas ou ferra mentas garantir a segurança do autor mapear o local etc Contudo a forma intelectual ou psíquica de ajuda admitida na literatura como reforço do dolo do autor o autor não utiliza a ferramenta entregue pelo cúmplice porque a porta da casa já estava aberta mas a oferta do instrumento fortaleceria a decisão daquele59 parece exagerada afinal o cúmplice não contribuiu para o fato e o reforço do dolo constitui mera presunção60 b O momento da ajuda material é amplo pode ocorrer desde a preparação do fato entrega de chave da casa para o furto até a consumação material obtenção da vantagem na extorsão mediante sequestro por exemplo61 c A possibilidade de ajuda dolosa por omissão de ação é con trovertida um setor da literatura rejeita cumplicidade por omissão de ação62 outro setor admite cumplicidade por omissão de ação se o cúmplice é garantidor do bem jurídico63 uma terceira posição parece melhor porque considera o garante autor por omissão de ação impró pria e não simplesmente cúmplice funcionário responsável pelo trabalho externo de presos tolera a realização de furto proprietário de bar permite lesão corporal de freguês dentro do estabelecimento64 59 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 64 III 1 p 691 60 Posição aqui modificada nas edições anteriores conforme a literatura dominante 61 Assim DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch 27 n 3 ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 291 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 583 p 175 62 É a posição de WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 222 63 Por exemplo DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch 27 n 7 64 ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 476 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 365 242012 162822 366 Teoria do Fato Punível Capítulo 14 d A ação de ajuda material deve promover o fato principal no sentido de representar contribuição causal para o resultado65 ou de elevar o risco de produção do resultado66 venda de chave de parafuso por lojista sabendo de seu emprego para cometer determinado furto etc 22 O dolo do cúmplice e o fato principal Assim como o dolo do instigador o dolo do cúmplice caracteriza se por um duplo objeto o objeto imediato é a própria ação de ajuda ao autor o objeto mediato é a realização do fato principal doloso pelo autor67 Nesse sentido tem por objetivo a consumação do fato principal não apenas a tentativa e precisa ser concreto referindo se a autor determinado e fato determinado exceto detalhes também deixados por conta do autor Igualmente a punibilidade do cúmplice depende de fato princi pal consumado ou tentado art 31 CP pressupõe correspondência entre o conteúdo do dolo do cúmplice e o fato principal consumado ou tentado do autor e não abrange excessos qualitativos fato princi pal diferente ou quantitativos fato principal mais grave do autor68 valendo também para o cúmplice a regra do art 29 2º CP O erro de tipo e o erro de tipo permissivo do cúmplice são resolvi dos como no caso do instigador o erro de tipo exclui o dolo o erro de tipo permissivo incidente sobre pressupostos objetivos de justificação para o autor exclui o dolo69 65 Ver WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 582 p 174 66 Assim ROXIN LKRoxin 1992 25 n 5 e 17 67 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht 1989 52 n 3132 p 361 68 Ver por todos JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 64 III 24 p 695696 69 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 64 III 2d p 695 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 366 242012 162822 367 Capítulo 14 Autoria e Participação 3 Concorrência de formas de participação É possível a concorrência de várias formas de participação formando cadeias de instigação ou de cumplicidade compreendidas no conceito de cumplicidade mediata no tipo de injusto A cadeia de instigação é formada pela instigação à instigação ao tipo de injusto70 a cadeia de cumplicidade é formada pela instigação à ajuda ao tipo de injusto pela ajuda à instigação ao tipo de injusto e pela ajuda à ajuda ao tipo de injusto71 A reunião das posições de autor e de partícipe do tipo de injusto na mesma pessoa é frequente o autor do fato principal instiga terceiro à coautoria ou à participação no tipo de injusto e nesse caso a forma superior absorve a forma inferior instigação absorve cumplicidade autoria absorve instigação ou cumplicidade72 4 Participação necessária A participação necessária aparece em tipos legais cuja realização exige o concurso de várias pessoas como o homicídio piedoso a usura o favorecimento pessoal a receptação etc Os tipos legais nos quais a participação é necessária são agrupados em tipos de convergência e ti pos de encontro a nos tipos de convergência a atividade dos partícipes necessários alinhase do mesmo lado e orientase para o mesmo fim o motim de presos o furto em concurso de pessoas etc todos os partí 70 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 64 II 2a p 687 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht 1989 51 n 13 p 345 71 SCHÖNCKESCHRÖDERCRAMER 27 n 18 No Brasil BATISTA Concurso de agentes 2004 2ª edição n 73 p 187 72 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 64 IV 12 p 697 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 367 242012 162822 368 Teoria do Fato Punível Capítulo 14 cipes necessários são coautores b nos tipos de encontro a atividade dos partícipes necessários desenvolvese a partir de posições diferentes mas orientada para o mesmo fim o favorecimento pessoal o rufianismo etc em todas as hipóteses a punição incide sobre o autor nunca sobre o partícipe necessário ou porque o tipo protege o partícipe necessário rufianismo ou porque o partícipe necessário se encontra em posição de motivação compreensível favorecimento pessoal73 5 Tentativa de participação Na legislação penal brasileira a tentativa de participação não é punível pelo seguinte fundamento o conteúdo de injusto da participa ção não é próprio mas depende do tipo de injusto realizado pelo autor que o partícipe deve concretamente provocar ou ajudar contudo na tentativa de participação não existe nenhuma promoção do fato principal nem por instigação nem por cumplicidade74 V Comunicabilidade das circunstâncias ou condições pessoais A distribuição da responsabilidade penal na coautoria e na parti cipação depende segundo o princípio da culpabilidade art 29 CP 73 Ver MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 50 n 7 s p 315318 ROXIN LKRoxin 1992 25 n 38 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 507 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 587 p 176 74 Assim BATISTA Concurso de agentes 2004 2ª edição n 71 p 175 também FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 247 p 266 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 368 242012 162822 369 Capítulo 14 Autoria e Participação das contribuições subjetivas e objetivas de cada coautor para a obra comum ou de cada partícipe para o tipo de injusto dos autores75 mas a individualização da responsabilidade penal admite diferenciações complementares determinadas pela comunicabilidade de circunstân cias ou condições de caráter pessoal Art 30 Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal salvo quando elementares do crime As chamadas circunstâncias ou condições de caráter pessoal são características pessoais especiais cuja presença pode agravar a pena mo tivo fútil motivo torpe etc reduzir a pena primariedade motivo de relevante valor social ou moral ou excluir a pena desistência voluntá ria arrependimento eficaz etc no coautor ou partícipe respectivo76 A comunicabilidade de circunstâncias ou condições pessoais a outros coautores ou partícipes é regida pela seguinte regra caracterís ticas pessoais agravantes redutoras ou excludentes de pena somente se aplicam ao coautor ou partícipe respectivo e portanto não se comunicam aos demais77 de outro modo a responsabilidade penal não seria regida pelo princípio da culpabilidade a exceção dessa regra é representada por características pessoais que são também circuns tâncias ou condições elementares do tipo de crime salvo quando elementares do crime as quais se comunicam a todos os coautores ou partícipes por exemplo o estado puerperal no infanticídio78 75 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 49 n 112 p 310 ROXIN Täterschaft und Tatherrschaft 1994 p 288 76 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 63 VII 4 p 657659 77 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 49 n 112 p 310 78 BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 115116 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 252 p 272273 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 204 ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 411 p 694695 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 369 242012 162822 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 370 242012 162822 371 Capítulo 15 teNtatiVa e coNSumação I Introdução Os tipos legais descrevem crimes em estado de consumação ca racterizados pela presença de todos os elementos constitutivos do fato criminoso mas a punibilidade dos tipos de injustos dolosos já pode ocorrer sob forma tentada e portanto antes do resultado típico exigido para consumação O problema é identificar no processo de realização da ação típica demarcado pelas fases de decisão preparação começo de execução e produção do resultado o momento de caracterização da tentativa que marca o início da punibilidade1 A determinação legal do começo da tentativa no processo de realização da ação típica é exigência do princípio da legalidade definida pelo critério do início de execução na lei penal brasileira Art 14 Dizse o crime II tentado quando iniciada a execução não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente A teoria da tentativa tem por objetivo esclarecer o conceito de iní cio de execução que marca o começo da punibilidade do tipo de injusto e indica a separação entre ações preparatórias ainda impuníveis por causa da indefinição de seu significado típico e ações executivas já puníveis pela definição de seu significado típico como tentativa de crime Assim como outras teorias sobre a ação humana as teorias para distinguir ações 1 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 3 p 509 WESSELS BEULKE Strafrecht 1998 n 590 p 177 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 371 242012 162823 372 Teoria do Fato Punível Capítulo 15 preparatórias impuníveis e ações executivas puníveis são teorias objetivas teorias subjetivas e teorias objetivosubjetivas ou mistas II Teorias da tentativa A estrutura subjetiva e objetiva do tipo de injusto está fundada nas dimensões psíquica e fática das ações humanas que fundamentam todas as modernas teorias sobre o fato punível como ocorre também com a teoria da tentativa integrada pelos elementos subjetivos do plano do fato e pelos elementos objetivos do início de execução do tipo de injusto apenas o resultado está ausente mas por fatores alheios à vontade do autor Na teoria da tentativa temos o seguinte a do ponto de vista subjetivo o dolo cumpre as funções de a caracterizar a tentativa de qualquer delito b identificar o tipo de qualquer delito tentado e c formar em conjunto com outros elementos subjetivos especiais o tipo subjetivo integral da tentativa logo qualquer teoria da tentativa deve ser integrada pelos elementos subjetivos do tipo de injusto com preendidos na categoria da representação do fato ou do plano do fato b do ponto de vista objetivo a tentativa de qualquer delito doloso deve se caracterizar a pelo início de execução da ação típica e b pela ausência do resultado típico independente da vontade do autor logo qualquer teoria da tentativa deve ser integrada pelos mesmos elementos objetivos dos delitos consumados menos o resultado Historicamente temos o seguinte assim como a teoria causal da ação e o correspondente modelo objetivo de tipo de injusto engendra ram as teorias objetivas da tentativa que distinguem ações preparatórias impuníveis e ações executivas puníveis a teoria final da ação e o corres pondente modelo objetivo e subjetivo de tipo de injusto engendraram as teorias objetivosubjetivas da tentativa fundadas no plano do fato ou na representação do autor como programa do fato delituoso Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 372 242012 162823 373 Capítulo 15 Tentativa e Consumação Em outras palavras o conceito de início de execução que carac teriza a tentativa dos delitos dolosos e separa ações preparatórias im puníveis e ações executivas puníveis antigamente definido pela pauta objetiva do modelo causal de crime hoje deve ser definido pela pauta objetivosubjetiva do modelo final de crime da lei penal2 Em conclu são uma teoria moderna da tentativa deve partir da representação do fato pelo autor e mostrar a que o plano do autor se manifesta no início de execução da ação típica e b que a ausência do resultado é independente da vontade do autor 1 Teorias objetivas O grande mérito das teorias objetivas da tentativa foi identifi car o início de execução como fundamento objetivo da tentativa de qualquer delito doloso inserida no seguinte processo de execução decisão preparação começo de execução e consumação do tipo de injusto Mas logo surgiria a pergunta inevitável início de execução do quê A resposta à pergunta originaria a variante formal e a variante material da teoria objetiva cujos critérios reaparecerão nas modernas orientações da teoria objetivosubjetiva da tentativa 11 Teoria objetiva formal A teoria objetiva formal define tentativa pelo início de execução da ação do tipo ações anteriores são preparatórias ações posteriores são 2 O texto marca mudança em relação à posição anterior ainda favorável à teoria objetiva formal para caracterizar a tentativa cf CIRINO DOS SANTOS Teoria do crime 1993 p 8082 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 373 242012 162823 374 Teoria do Fato Punível Capítulo 15 executivas Assim no homicídio com arma de fogo a ação de matar começa no acionamento do gatilho da arma carregada apontada para a vítima no furto com destreza a ação de furtar começa na introdução da mão no bolso da vítima etc3 O problema fundamental da teoria objetiva formal é a exclusão do dolo para caracterizar a tentativa sem o dolo é impossível distinguir ações de forma igual com conteúdo dife rente por exemplo somente o conteúdo da vontade do autor indica se o ferimento produzido na vítima constitui lesão corporal consumada ou homicídio tentado4 12 Teoria objetiva material A teoria objetiva material define tentativa na realização de ação imediata ao tipo legal integrante da ação típica segundo um juízo natural e produtora de perigo direto para o bem jurídico protegido no tipo5 Assim no homicídio com arma de fogo a ação de matar já começa no ato de apontar a arma carregada para a vítima ou mesmo na ação de empunhar a arma carregada e travada com o propósito ime diato de atirar na vítima e não apenas na ação de disparar a arma contra a vítima6 Além de excluir o dolo essencial para identificar o respectivo tipo de injusto doloso tentado ou consumado o critério do perigo direto para o bem jurídico criado por atividade imediatamente anterior à ação típica parece exposto às seguintes objeções primeiro antecipa o momento de punibilidade da tentativa recuando a linha de demarcação entre ações preparatórias e ações executivas para incluir 3 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 597 p 180 4 Ver MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 212 em posição de crítica à teoria ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 422 n 705706 5 Assim FRANK Strafgesetzbuch 1931 43 No Brasil BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 76 adota a teoria 6 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 49 II 1 p 513 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 374 242012 162823 375 Capítulo 15 Tentativa e Consumação ações exteriores ao tipo legal que seriam excluídas pelo critério da teoria objetiva formal7 segundo ações exteriores ou anteriores ao tipo legal não possuem potencialidade lesiva do bem jurídico no exemplo referido a potencialidade lesiva do bem jurídico depende ainda de um ato de vontade do autor a ação de acionar o gatilho e portan to a ausência do resultado não é explicável por circunstâncias alheias à vontade do agente art 14 II CP terceiro pretender suprir a falta de lesividade concreta da ação pelo perigo direto para o bem jurídico significa incluir na área de punibilidade ações que o legislador excluiu do tipo legal com lesão do princípio da legalidade 2 Teoria subjetiva A teoria subjetiva define tentativa pela representação do autor8 ações representadas como executivas no plano do autor caracterizam tentativa porque seriam portadoras de vontade hostil ao direito9 ações representadas como preparatórias no plano do autor não caracterizam tentativa É óbvio que a natureza preparatória ou executiva das ações re alizadas depende do plano do fato e portanto da representação do autor mas a ausência de parâmetros objetivos para identificar a representação do autor cria problemas insuperáveis amplia a tentativa punível na direção da tentativa inidônea e reduz o espaço das ações preparatórias permitindo por exemplo a punição da tentativa de aborto com meio ineficaz em mulher não grávida suficiente para configurar a vontade hostil ao direito contida na representação do autor10 7 Ver CIRINO DOS SANTOS Teoria do crime 1963 p 81 8 Comparar WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 597 p 180 9 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 49 II 2 p 513 10 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 49 II 2 p 513 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 375 242012 162823 376 Teoria do Fato Punível Capítulo 15 3 Teoria objetivosubjetiva ou objetiva individual A teoria objetivosubjetiva fundamenta a definição de tentativa na realização de vontade antijurídica a produtora de perigo para o bem jurídico segundo a teoria do autor11 cujo conteúdo destaca o papel de proteção de bens jurídicos atribuído ao Direito Penal no Esta do Democrático de Direito ou b produtora de abalo da confiança comunitária no Direito segundo a teoria da impressão12 cujas raízes remontam à função de estabilizar as expectativas normativas atribuída ao Direito Penal pelas teorias funcionalistas A formulação moderna da teoria objetivosubjetiva da ten tativa conhecida como teoria objetiva individual13 possui uma dimensão subjetiva consensual e uma dimensão objetiva contro vertida a a dimensão subjetiva do conceito constituída pela re presentação do fato ou plano do autor como elemento intelectual do dolo é o aspecto incontroverso da teoria objetiva individual b a dimensão objetiva do conceito constituída pela ação que de fine o começo da tentativa contém uma controvérsia representada por duas variantes 11 Assim ENGISCH Der Unrechtstatbestand im Strafrecht DJTFestschrift 1960 p 435 12 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 49 II 2 p 513 também MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht 1989 40 n 40 p 22 WESSELS BEULKE Strafrecht 1998 n 594 p 179 13 A teoria objetiva individual exprime o conceito legal de tentativa do Código Penal alemão 22 assim traduzível Tenta um fato punível quem segundo sua representação do fato se posiciona imediatamente para realização do tipo Eine Straftat versucht wer nach seiner Vorstellung von der Tat zur Verwirklichung des Tatbestandes unmittelbar ansetzt Assim adotar a teoria objetiva individual na variante dominante na dogmática alemã como critério para definir tentativa na lei penal brasileira significa disciplinar a tentativa no Brasil segundo o 22 do Strafgesetzbuch alemão e não pelo art 14 II do Código Penal brasileiro que exige início de execução do programa típico Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 376 242012 162823 377 Capítulo 15 Tentativa e Consumação a a variante dominante exige posição de imediata realização do tipo zur Verwirklichung des Tatbestandes unmittelbar ansetzt14 manifestada em atividade atípica ligada diretamente à ação do tipo segundo o plano do autor15 um critério que parece conjugar a teoria subjetiva com a teoria objetiva material b a variante minoritária exige comportamento típico manifes tado em ação de execução específica do tipo tatbestandsspezifische Ausführungshandlung segundo o plano do autor16 um critério que acopla a teoria subjetiva com a teoria objetiva formal A variante dominante da teoria objetiva individual admite as mesmas críticas da teoria objetiva material antecipa a punibi lidade da tentativa pelo recuo da linha que separa ações prepara tórias e ações executivas incluindo ações exteriores ou anteriores ao tipo legal com lesão do princípio da legalidade além disso ações exteriores ou anteriores ao tipo legal não têm potencialidade lesiva do bem jurídico cuja colocação em perigo depende de ação típica específica do autor se o resultado típico depende ainda da vontade do autor no exemplo a ação de pressionar o gatilho então a ausência do resultado não decorre de circunstâncias alheias à vontade do autor17 14 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 49 IV 13 p 519 15 Nesse sentido WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 598 p 180181 16 Assim VOGLER Der beginn des Versuchs Festschrift fur W Stree und J Wessels 1993 p 285 do mesmo LKVogler 1985 22 n 60 17 No Brasil JESUS Direito Penal I 1999 p 329 comunica ter abandonado as teorias material e formalobjetiva assumindo a teoria objetiva individual defendida por Welzel e Zaffaroni embora reconheça que na lei penal brasileira p 332 foi aceita a teoria objetiva exigindo um início típico de execução MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 157158 combina os critérios heterogêneos da teoria objetiva formal e da teoria objetiva material na variante dominante da teoria objetiva individual REGIS PRADO Curso de Direito Penal brasileiro 1999 p 253254 trabalha com a variante dominante da teoria objetiva individual assim também ZAFFARONI PIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 422 p 706707 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 377 242012 162823 378 Teoria do Fato Punível Capítulo 15 Ao contrário a variante minoritária da teoria objetiva indivi dual retoma o Direito Penal do tipo que limita a punibilidade pela legalidade e oferece um critério que permite definir tentativa como início de execução do tipo objetivo segundo o plano do autor ou seja como início de execução do programa típico manifestado em ação de execução específica do tipo como propõe VOGLER18 Assim consti tui tentativa de homicídio anestesiar criança para cortar as veias do pulso tentativa de roubo dar o sinal de luz que inicia o assalto ao veículo de transporte de valores tentativa de furto subir no estri bo do caminhão para furtálo se não possuir travas contra furto entretanto constituem meras ações preparatórias dirigirse para o local do furto ainda que portando armas montar o mecanismo de arrombamento no local do furto qualificado procurar médico para realizar aborto etc 4 O tipo de tentativa A tentativa é comportamento dirigido para realizar tipos penais concretos existe como tentativa de homicídio de furto de estupro etc É possível falar de um tipo de tentativa como generalização de características de toda tentativa constituído de três elementos a decisão de realizar o crime elemento subjetivo b ação de execução específica do tipo elemento objetivo c ausência de resultado elemento negativo19 18 VOGLER Der beginn des Versuchs Festschrift fur W Stree und J Wessels 1993 p 285 19 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 49 III p 515 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 595 p 179 No Brasil ver BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 7778 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 231 p 250 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 211213 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 378 242012 162823 379 Capítulo 15 Tentativa e Consumação 1 A decisão de realizar o crime ou seja o plano do fato ou programa típico é o elemento subjetivo da tentativa formado pelo dolo e às vezes por outros elementos subjetivos especiais do tipo exatamente igual ao delito consumado o dolo tem por objeto os elementos do tipo objetivo e pode ser direto ou eventual nesse caso se suficiente para o tipo de injusto respectivo porque decisão de ação típica dependente da ocorrência de condição é também dolo entrar na casa alheia com intenção de subtrair alguma coisa se encontrar algo de valor é tentativa de furto20 os elementos subjetivos especiais são tão importantes quanto o dolo para construção do tipo de crime respectivo por exemplo a intenção de apropriação no furto21 2 A ação de execução específica do tipo tem por objeto o comportamento típico segundo o plano do fato como concreta representação do acon tecimento típico pelo autor22 Ações estreitamente ligadas à ação típica23 ainda que imediatamente anteriores às características do tipo objetivo como propõe a versão dominante da teoria objetiva individual24 são insuficientes Em tipos qualificados pelo resultado a tentativa pode começar pela característica qualificadora a administração do veneno ou a asfixia da vítima na tentativa de homicídio qualificado pelo meio utilizado por exemplo25 3 A ausência do resultado típico deve ser independente da vontade do autor a consumação do tipo de injusto transforma a tentativa de lesão do bem jurídico situação de perigo concreto em resultado de lesão do bem jurídico 20 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht 1989 40 n 71 p 28 21 Assim JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 49 III 1 p 515516 22 VOGLER Der beginn des Versuchs Festschrift fur W Stree und J Wessels 1993 p 285 23 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 598 p 180181 24 BOCKELMANNVOLK Strafrecht 1987 p 208 25 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 49 III 2 p 516 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 379 242012 162824 380 Teoria do Fato Punível Capítulo 15 5 Consumação formal e material A consumação do tipo de injusto pode ser formal e material a consumação formal do fato punível suficiente para aplicação da pena integral ocorre com a realização de todos os elementos de sua defini ção legal art 14 I CP a consumação material do tipo de injusto também conhecida como término ou exaurimento do fato coincide normalmente com a consumação formal mas pode ser posterior na extorsão mediante sequestro a privação da liberdade da vítima com o fim de obter vantagem constitui consumação formal a obtenção da vantagem pretendida intenção especial do tipo constitui consumação material ou seja a consumação formal ocorre com a produção do resultado típico mas permanece em estado de consumação material enquanto dura a invasão da área protegida pelo tipo legal até a rea lização da intenção especial que informa a ação do autor A distinção tem interesse prático para a participação o concurso de crimes a atribuição de caracteres qualificadores possíveis no interregno entre a consumação formal e o término da consumação material bem como para a prescrição e a decadência cujo prazo começa a fluir a partir da consumação material26 6 Objeto da tentativa A definição de tentativa como início de execução do comporta mento típico manifestado em ação de execução específica do tipo segundo o plano do fato tem por objeto exclusivo os tipos de injustos dolosos de ação excluídos os tipos de imprudência e os tipos de omissão de ação 26 Assim JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 49 III 3 p 518 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 380 242012 162824 381 Capítulo 15 Tentativa e Consumação 1 Nos crimes de imprudência o resultado é elemento essencial do tipo o tipo de injusto depende do desvalor do resultado como realização concreta do desvalor de ação expresso na lesão do dever de cuidado ou do risco permitido27 2 Nos crimes de omissão de ação o argumento de que a tentativa de omissão só pode ser concebida como omissão da tentativa de realizar a ação mandada ou de impedir o resultado28 ainda não foi refutado Mas a teoria dominante diz o seguinte a a tentativa de omissão de ação própria é sempre tentativa inidônea que como qualquer tentativa inidônea no Direito Penal brasileiro é impunível art 17 CP b a tentativa de omissão de ação imprópria esbarra no problema de caracterizar o começo da tentativa o critério legal tem por objeto a ação e não a omissão de ação29 o que cria um obstáculo legal para a punição da tentativa de omissão de ação Por causa disso a literatura alemã dominante apesar da maior flexibilidade da definição legal de tentativa precisa reinterpretar o critério legal para imaginar a tentativa de omissão de ação a tentativa de omissão de ação se configuraria no momento da criação ou da elevação do perigo para o objeto protegido30 consistente na perda da primeira possibilidade para realizar a ação man dada31 ou na perda do último momento para impedir o resultado que marcaria a independência do processo causal em relação ao autor32 27 Nesse sentido BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 80 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 237 p 254 JESUS Direito Penal I 1999 p 334 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 216 28 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 206 ARMIN KAUFMANN Unterlassungsdelikte p 204 29 Assim também em relação à lei penal alemã JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 49 IV 5 p 521 30 JAKOBS Strafrecht 1993 29118 p 854855 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht 1989 40 n 106 p 34 654 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 741 p 237 31 HERZBERG Der Versuch beim unechten Unterlassungsdelikt MDR 1973 p 89 32 ARMIN KAUFMANN Die Dogmatik der Unterlassungsdelikte 1959 p 210 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 221 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 381 242012 162824 382 Teoria do Fato Punível Capítulo 15 Na legislação brasileira o critério do início de execução do programa típico art 14 II CP tem por objeto exclusivamente os tipos dolosos de ação os tipos de omissão de ação caracterizados pela ausência de qualquer processo executivo somente podem admitir início de execução da ação mandada que significa cumprimento do dever jurídico de agir Em conclusão do ponto de vista conceitual a tentativa de omissão de ação é impossível do ponto de vista da legalidade a punição da tentativa de omissão de ação é inconstitucional e qualquer solução diferente passa necessariamente pela prévia mudança da definição legal33 3 Por outro lado os tipos qualificados pelo resultado admitem tentativa nas seguintes situações a se o resultado qualificador imprudente é determinado pela realização da ação típica dolosa tentativa de estu pro determinante de resultado de morte da vítima sem realização da conjunção carnal art 213 e 223 parágrafo único b se o resultado qualificador doloso pretendido não é determinado pela realização da ação típica dolosa lesão corporal grave com o objetivo frustrado de inutilizar sentido ou função da vítima art 129 2o III34 4 Em tipos de simples atividade a tentativa parece excluída a tentativa de falso testemunho no começo do depoimento admitida pela variante dominante da teoria objetiva individual se a atividade não determina a consumação35 é rejeitada pela variante minoritária porque ou o comportamento típico ocorre na ação de execução específica da declaração falsa ou nada ocorre 33 No sentido do texto MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 217 TAVARES As controvérsias em torno dos crimes omissivos 1996 p 9394 admite tentativa de omissão imprópria pela perda da primeira ou da última chance também BITENCOURT Lições de Direito Penal 1996 p 81 JESUS Direito Penal I 1999 p 335 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 237 p 254 outra posição ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 414 p 707708 admitem tentativa na omissão de ação sem restrições 34 Assim BAUMANNWEBER Strafrecht 1985 p 486487 DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch 1995 47a edição 18 n 2 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 49 VII 2b p 525 35 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 49 VII 1 p 524 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 382 242012 162824 383 Capítulo 15 Tentativa e Consumação 7 Fundamento da punibilidade da tentativa O fundamento da punibilidade da tentativa depende dos ob jetivos atribuídos ao Direito Penal a se o Direito Penal tem por objetivo a proteção de bens jurídicos então a punibilidade da tentativa tem por fundamento o perigo para o bem jurídico protegido no tipo penal segundo a teoria do autor36 b se o Direito Penal tem por tarefa estabilizar as expectativas normativas da população então o fundamento da punibilidade da tentativa seria o abalo da confiança jurídica da co munidade segundo a teoria da impressão37 A pena da tentativa é igual à pena do crime consumado reduzida de um a dois terços Art 14 parágrafo único Salvo disposição em contrá rio punese a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado diminuída de um a dois terços As ações preparatórias são impuníveis porque a distância entre preparação e consumação não permite identificar o perigo para bens jurídicos protegidos na lei penal Mas por razões políticocriminais especiais ações preparatórias podem ser punidas como tipos indepen dentes como o crime de petrechos para fabricação de moeda art 291 ou de títulos e papéis públicos art 29438 8 Tentativa inidônea A tentativa como início de execução do tipo objetivo de um crime doloso supõe meio eficaz e objeto próprio para produção do 36 Assim ENGISCH Der Unrechtstatbestand im Strafrecht DJTFestschrift 1960 p 435 37 Comparar JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 49 V p 521 38 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 49 VI p 523 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 383 242012 162824 384 Teoria do Fato Punível Capítulo 15 resultado típico Ação com meio ineficaz ou sobre objeto impróprio para produzir o resultado configura tentativa inidônea ou crime impossível cuja disciplina legal varia conforme a teoria incorporada na legislação Na lei penal brasileira a tentativa idônea distinguese da tentativa inidônea pelo perigo objetivo para o bem jurídico pelo seguinte argumento se o resultado de lesão do bem jurídico é o fundamento da punibilidade do fato então a punibilidade da ten tativa exige ação capaz de produzir o resultado típico39 A exigência de perigo objetivo de lesão do bem jurídico teoria do autor sem o qual não pode existir início de execução do tipo objetivo representa correta decisão políticocriminal do legislador e por outro lado é compatível com a variante minoritária da teoria objetiva individual que exige comportamento típico manifestado em ação de execução específica do tipo Art 17 Não se pune a tentativa quando por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto é impossível consumarse o crime A tentativa inidônea por ineficácia absoluta do meio ocorre por exemplo nas seguintes hipóteses tentativa de aborto com analgési cos tentativa de homicídio com arma descarregada etc A tentativa inidônea por impropriedade absoluta do objeto ocorreria nas seguintes situações tentativa de homicídio sobre cadáver tentativa de furto sem conhecimento do prévio consentimento do proprietário na subtração da coisa etc40 É possível a concorrência simultânea de ineficácia absoluta do meio e de impropriedade absoluta do objeto no mesmo fato tentativa de aborto com analgésicos em mulher não 39 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 50 I 2 p 530 No Brasil ver BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 8586 JESUS Direito Penal I 1999 p 349 fala em teoria objetiva temperada MESTIERI Manual de Direito Penal 1999 p 222223 critica as teorias subjetivas MIRABETE Manual de Direito Penal 2000 p 167 fala em teoria objetiva pura 40 Ver CIRINO DOS SANTOS Teoria do Crime 1993 p 83 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 384 242012 162824 385 Capítulo 15 Tentativa e Consumação grávida Mas a tentativa é punível em caso de relativa ineficácia do meio ou de relativa impropriedade do objeto por causa da potencial eficácia do meio ou potencial propriedade do objeto para produção do resultado típico veneno em quantidade inferior à necessária vítima de homicídio com vida meramente vegetativa41 Por fim admitese tentativa inidônea por ausência da qualidade de autor exigida no tipo legal erroneamente autoatribuída realização de de lito funcional sem conhecimento da nulidade do ato de nomeação como funcionário público42 A teoria da impressão própria da variante dominante da teoria objetiva individual pune a tentativa inidônea como manifesta ção de vontade hostil ao direito suficiente para abalar a confiança da comunidade no ordenamento jurídico mas admite a exclusão de pena da tentativa absolutamente inidônea no caso de grosseira insensatez do autor não por falsa representação da realidade mas por representações despropositadas de relações causais conhecidas por todos ou no caso de tentativas inteiramente irreais no primeiro caso tentar derrubar um avião com um tiro de pistola ou tentar praticar aborto com chá de camomila no segundo caso tentar matar o inimigo com métodos mágicos ou mediante imaginários pactos com o demônio43 Segundo a teoria nessas hipóteses a ten tativa inidônea não abalaria a confiança na inquebrantabilidade do Direito porque indivíduos normalmente instruídos não tomariam o fato a sério44 41 CIRINO DOS SANTOS Teoria do Crime 1993 p 83 42 DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch 1995 22 n 28 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 50 I p 529530 e III 1 p 534 43 Ver MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht 1989 40 n 91 p 31 44 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 50 I 5 p 531 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 385 242012 162824 386 Teoria do Fato Punível Capítulo 15 9 Delito de alucinação O chamado delito de alucinação designa a hipótese de repre sentação errônea da punibilidade de comportamento atípico45 favo recimento pessoal no auxílio à fuga de autor de contravenção penal crime em relações homossexuais consentidas acusado considera crime declaração falsa no interrogatório etc Na tentativa inidônea é impossí vel a consumação do crime porque existe um erro de tipo ao contrário o autor supõe a eficácia de ação ineficaz ou a propriedade de objeto impróprio no delito de alucinação é impossível a consumação do crime porque existe um erro de proibição ao contrário o sujeito imagina ser crime a ação atípica realizada46 O delito de alucinação também chamado delito de loucura não é punível porque a determinação da punibilidade depende da lei e não depende da representação do autor47 III Desistência da tentativa O conceito de desistência da tentativa é útil como categoria compreensiva das espécies de desistência voluntária e de arrependimento eficaz definidas como causas pessoais de extinção de pena no direito brasileiro 45 Assim JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 50 II 1 p 532 também WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 621 p 188 No Brasil ver MESTIERI Manual de Direito Penal 1999 p 223224 46 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht 1989 40 n 143 p 44 47 Assim MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht 1989 40 n 151 p 45 WELZEL Strafrecht 1969 p 194 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 386 242012 162825 387 Capítulo 15 Tentativa e Consumação 1 Teorias sobre desistência da tentativa Existem várias teorias para explicar a exclusão de pena da desis tência da tentativa como a teoria de política criminal a teoria da graça ou prêmio e a teoria dos fins da pena as duas últimas em relação de recíproca complementação 11 A teoria de política criminal formulada por FEUERBACH48 define a exclusão de pena da desistência da tentativa como ponte de ouro construída pelo legislador para retorno do autor à esfera do direito a promessa de exclusão de pena seria um estímulo ao autor para desistir da tentativa ou evitar o resultado A crítica tem várias objeções contra a teoria a a promessa de exclusão de pena não exerceria influência sobre a decisão do autor e em geral seria desconhecida da população49 b a prática judicial parece indicar que a desistência da tentativa pode ter todos os motivos possíveis menos suprimir uma pena já efetiva50 12 A teoria da graça considera a exclusão de pena da desistência da tentativa uma recompensa ao autor por suspender a execução ou evitar o resultado do tipo de injusto ou pelo menos se esforçar seriamente para evitar a supressão do perigo para o bem jurídico produzido pela tentativa justificaria a indulgência sobre o autor ou de outra forma a atitude do autor na realização do tipo de injusto seria compensada 48 FEUERBACH Kritik des Kleinschrodischen Entwurfs zu einem peinlichen Gesetzbuche fur die ChurPfalzBayerischen Staaten II 1804 p 102 No Brasil BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 82 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 238 p 256 MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 219221 49 M E MAYER Der Allgemeine Teil des deutschen Strafrechts 1915 nota 7 p 370 50 Assim ULSENHEIMER Grundfragen des Rucktritts vom Versuch usw 1976 p 69 103 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 196 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 626 p 190 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 387 242012 162825 388 Teoria do Fato Punível Capítulo 15 pelo mérito da desistência ou da evitação do resultado desde que voluntária mas independente de motivos de valor ético51 13 A teoria dos fins da pena reconhece na desistência da tentativa uma insuficiente vontade antijurídica para prosseguir na execução do fato ou permitir a produção do resultado consequentemente a pena não se justificaria por motivo de prevenção geral ou especial nem por qualquer outra exigência de justiça52 2 Tentativa inacabada e acabada A distinção entre tentativa inacabada e tentativa acabada permite definir os conceitos correspondentes de desistência voluntária e de ar rependimento eficaz O critério para a distinção é subjetivo o plano do fato ou a representação do autor em outras palavras a representação do curso causal formulada pelo autor decide sobre a necessidade ou não de mais ações para consumar o fato53 Na tentativa inacabada as ações realizadas são representadas como insuficientes para o resultado ou seja o autor ainda não rea lizou todo o necessário para produção do resultado sendo suficiente a desistência das ações futuras facada no pescoço reconhecida como sem perigo para a vida da vítima 51 Ver DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch 1995 24 n 3 JESCHECK WEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 51 I 3 p 539 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 196 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 626 p 190 52 Assim KUHL Strafrecht 1997 16 n 5 p 517 53 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 51 II 1 p 540 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 631 p 193 No Brasil ver ZAFFARONI PIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 429 p 713 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 388 242012 162825 389 Capítulo 15 Tentativa e Consumação Na tentativa acabada as ações realizadas são representadas como suficientes para o resultado ou seja o autor já realizou todo o necessário para produção do resultado cuja ocorrência depende apenas da ação normal dos fatores causais postos pelo autor sendo necessária nova atividade para evitar o resultado a ação de estrangulamento é cessada porque o autor acredita que a vítima morrerá54 Art 15 O agente que voluntariamente desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza só responde pelos atos já praticados Podem ocorrer problemas de definição em hipóteses de variação da representação do autor entre os momentos do plano do fato e da execução do fato a no momento do plano do fato o autor representa a necessidade de apenas um golpe contra a vítima mas no momento da execução do fato verifica a necessidade de vários golpes facada no peito da vítima considerada no momento da execução do fato insu ficiente pelo autor b no momento do plano do fato o autor representa a necessidade de várias ações mas no momento da execução do fato interrompe a ação sem exaurir as possibilidades planejadas tiro na cabeça do inimigo abandonado no local para morrer Nessas hipóteses o critério deve mudar do plano do fato para o da representação do autor no momento da execução do fato se a produção do resultado depende de outras ações então tentativa inacabada permitindo desistência vo luntária se a produção do resultado independe de outras ações então tentativa acabada exigindo evitação do resultado pelo arrependimento eficaz55 54 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 51 II 1 p 540 também WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 631 p 193 No Brasil ver ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 429 p 713 55 Assim BAUMANNWEBER Strafrecht 1985 p 489 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 51 II 3 p 541542 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 389 242012 162825 390 Teoria do Fato Punível Capítulo 15 3 Estrutura da desistência da tentativa A desistência da tentativa inacabada deve existir como desistência voluntária de continuar a execução do fato art 15 primeira parte A desistência da tentativa acabada deve existir como arrependimento eficaz mediante evitação voluntária da consumação do fato art 15 segunda parte 31 Desistência voluntária A desistência voluntária possui componentes objetivos e subje tivos a do ponto de vista objetivo o autor deve paralisar a execução do fato b do ponto de vista subjetivo a desistência do autor deve ser voluntária Objetivamente a controvérsia entre desistência definitiva56 ou simples desistência concreta57 parece decidida em favor da última hipótese afinal se a lei exige apenas a atitude concreta da desistência parece excessivo exigir desistência definitiva colocando condição não prevista em lei para excluir a pena Além disso a desistência concreta é um fato real suscetível de prova enquanto a desistência definitiva é uma hipótese futura insuscetível de prova Subjetivamente o conceito de voluntariedade é representado por motivos autônomos excluindo motivos heterônomos ou causas obri 56 Nesse sentido JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 51 III 1 p 543 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 198 No Brasil FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 238 p 256 57 Nesse sentido a literatura mais recente KÖHLER Strafrecht 1997 p 475 KUHL Strafrecht 1997 16 n 43 p 533 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht 1989 41 n 47 p 67 com alguma restrição WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 641 p 196 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 390 242012 162825 391 Capítulo 15 Tentativa e Consumação gatórias de impedimento de prosseguir na execução em que o autor diz posso mas não quero conforme a célebre fórmula de FRANK58 Contudo segundo a representação do autor se a consumação é impossível se perdeu significado se representa desvantagem excessiva o autor desiste do estupro porque a vítima o reconheceu não exis te desistência voluntária mas simples tentativa falha Não obstante admitese a desistência voluntária de matar uma vítima para matar outra vítima no lugar da primeira Em suma a desistência é voluntária se fundada em dó ou piedade em motivo de consciência sentimento de vergonha medo da pena etc não se exige conteúdo de valor ético reconhecido a desistência é involuntária se ocorre para evitar o flagrante ou por receio de bloqueio das vias de fuga ou porque o fato foi descoberto etc59 32 Arrependimento eficaz O arrependimento eficaz possui também componentes obje tivos e subjetivos a do ponto de vista objetivo o autor deve ativar uma nova cadeia causal suficiente para excluir o resultado de lesão do bem jurídico b do ponto de vista subjetivo o arrependimento eficaz também deve ser voluntário Objetivamente o arrependimento deve ser eficaz para excluir o resultado neutralizando os efeitos da ação realizada o que significa ser insuficiente deixar a vítima em situação dependente da sorte ou do concurso de circunstâncias favoráveis60 por exemplo o autor deixa a 58 FRANK Strafgesetzbuch 1931 46 II 59 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 51 III 2 p 544 No Brasil ver SÁNCHEZ RÍOS Das causas de extinção da punibilidade nos delitos econômicos 2003 p 57 e seguintes 60 Nesse sentido DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch 1995 24 n 7 WESSELS BEULKE Strafrecht 1998 n 647 p 198199 No Brasil MESTIERI Manual de Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 391 242012 162825 392 Teoria do Fato Punível Capítulo 15 vítima ferida com dolo de homicídio na entrada lateral de hospital onde é encontrada desfalecida socorrida e salva o autor chama médico de urgência para atender vítima de envenenamento sem informar sobre a administração do veneno Subjetivamente o conceito de voluntariedade no arrependimento eficaz é menos problemático do que na desistência voluntária por causa do papel ativo do autor para evitar o resultado somente a descoberta do fato pode descaracterizar a voluntariedade do arrependimento eficaz mediante nova ação do autor para evitar o resultado Mas essa regra tem exceções nas hipóteses de crimes violentos em que o descobrimento do fato pela vítima é necessário bem como nos casos em que o autor ignora a descoberta do fato61 Finalmente o resultado deve ser excluído pelo autor diretamente ou com ajuda de terceiro a resultados evitados pela ação exclusiva da vítima ou de terceiro não isentam de pena exceto hipóteses de sério e intenso esforço do autor para evitar o resultado b se apesar da atividade do autor ocorre o resultado não há isenção de pena o arrependimento apesar de voluntário é ineficaz62 4 Tentativa falha A desistência da tentativa pressupõe a representação da possibili dade de consumação do fato se o autor representa a impossibilidade de consumação do fato ocorre a tentativa falha afinal se obstáculos impedem o autor de concluir a realização do dolo então a desistência Direito Penal I 1999 p 218 61 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 51 IV 13 p 546547 62 Comparar JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 51 IV 1 p 546 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 392 242012 162825 393 Capítulo 15 Tentativa e Consumação de realizar o dolo não é voluntária63 o autor quer roubar uma fortuna mas encontra quantidade mínima de dinheiro em poder da vítima o autor percebe a insuficiência do veneno administrado na vítima mas não possui outros meios para realizar o dolo de homicídio O critério para definir tentativa falha é o conhecimento do autor sobre obstáculos objetivos ou subjetivos para consumação do fato no final da ação executiva a arma nega fogo na tentativa de homicídio o autor perde o poder de ereção no esforço físico da tentativa de estupro64 Mas existe controvérsia sobre existência de tentativa falha ou de fato atípico na hipótese de alteração dos fundamentos jurídicos do fato típico respectivo o procedimento da vítima de tentativa de estupro convence o autor da existência de consentimento na relação sexual65 5 Extensão dos efeitos da desistência da tentativa A desistência voluntária e o arrependimento eficaz têm por efeito imediato a exclusão de pena A natureza jurídica da exclusão da pena é controvertida para a teoria dominante seria causa pessoal de suspensão ou de extinção da pena como recompensa ao mérito do autor66 para respeitável teoria minoritária seria causa de exculpação67 na verdade 63 Assim KUHL Strafrecht 1997 16 n 22 p 524 64 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 51 II 6 p 542543 65 Ver BOTTKE Misslungener oder fehlgeschlagener Vergewaltigungsversuch bei irrig angenommenem Einverständnis JZ 1994 p 75 também ULSENHEIMER Grundfragen des Rucktritts vom Versuch usw 1976 p 328 66 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 51 VI 1 p 548 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 626 p 190 67 ROXIN Uber den Rucktritt vom unbeendeten Versuch Festschrift fur E Heinitz 1972 p 273 ULSENHEIMER Grundfragen des Rucktritts vom Versuch usw 1976 p 90 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 393 242012 162826 394 Teoria do Fato Punível Capítulo 15 a pena é suspensa porque o mérito da desistência compensa o injusto da tentativa e assim fundamenta a exculpação do autor Os efeitos da desistência da tentativa alcançam o tipo objeto da tentativa desistida mas não alcançam os fatos típicos consumados art 15 parte final não podem ser desfeitos fatos típicos consuma dos na tentativa de realizar outro delito maior68 na tentativa de furto qualificado por destruição ou rompimento de obstáculo punição por dano e talvez violação de domicílio na tentativa de estupro puni ção pelas lesões corporais produzidas na tentativa de homicídio por envenenamento punição por lesão corporal grave etc Os tipos de perigo concreto produzidos dentro da tentativa desistida são abrangidos pela suspensão de pena porque constituem fase anterior necessária do delito de lesão respectivo69 6 A desistência da tentativa no concurso de pessoas A desistência da tentativa no concurso de pessoas deve distinguir as posições do partícipe e do coautor 61 Participação a no caso de participação por instigação só é possível o arrepen dimento eficaz mediante neutralização dos efeitos psíquicos produzidos sobre o autor ou sério esforço para evitação do fato b no caso de participação por cumplicidade o cúmplice deve voluntariamente a 68 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 51 VI 2 p 549 69 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 51 VI 2 MAURACH GÖSSELZIPF Strafrecht 1989 41 n 132 p 8889 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 394 242012 162826 395 Capítulo 15 Tentativa e Consumação omitir sua contribuição para o fato e b demover o autor do pro pósito de realizar o fato ou alternativamente impedir a produção do resultado gerando situação de tentativa inidônea ou falha ou se esforçar seriamente para impedir o resultado de modo que o fato concreto apareça como obra exclusiva do autor 62 Coautoria No caso de coautoria caracterizada pelo domínio comum do fato o coautor deve voluntariamente impedir o resultado ou al ternativamente se esforçar seriamente para evitar o fato além de a omitir sua contribuição causal para o fato comum e b comunicar a posição aos outros coautores antes da realização do fato comum de modo que o fato concreto apareça como exclusiva obra alheia70 7 Arrependimento posterior O arrependimento posterior constitui causa de redução de pena criada para estimular a voluntária reparação do dano ou a restituição da coisa nos crimes dolosos não violentos realizada até o recebimento da denúncia ou da queixa Art 16 Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa reparado o dano ou restituída a coisa até o recebimento da denúncia ou da queixa por ato voluntário do agente a pena será reduzida de um a dois terços 70 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 51 VI 3 p 549 LACKNER Strafgesetzbuch 1995 24 n 26 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 395 242012 162826 396 Teoria do Fato Punível Capítulo 15 Essa causa sui generis de redução de pena é aplicável a qualquer crime sem violência real ou ameaçada mas seu objeto privilegiado são os crimes patrimoniais dolosos não violentos71 O legislador afirma que a medida teria sido instituída menos em favor do agente do crime do que da vítima72 mas a exigência de voluntariedade indica criação de privilégio ao autor definível como simile anã do arrependimento eficaz abrangível pela teoria da graça como recompensa ao autor pelo mérito de arrependimento posterior concretizado em reparação do dano ou restituição da coisa ou alternativamente como espécie de ponte de juncos para o regresso parcial do autor à legalidade reduzindo a repro vação de culpabilidade e consequentemente a medida da pena73 71 Ver FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 238A p 257260 também MESTIERI Manual de Direito Penal I 1999 p 221222 72 Exposição de Motivos da Lei n 720984 n 15 73 Comparar ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 430 p 714 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 396 242012 162826 397 Capítulo 16 uNidade e pLuraLidade de FatoS puNíVeiS I Introdução O problema da unidade e da pluralidade de fatos puníveis no mesmo processo requer a operacionalização de variáveis descritivas e de variáveis normativas para determinar a qualidade e a quantidade da pena aplicável ao autor A literatura e a jurisprudência desenvolveram alguns princípios para atribuição de pluralidade de fatos puníveis ao autor no mesmo processo os princípios da cumulação de penas da exasperação da pena mais grave da absorção da pena menor pela pena maior e da combinação de várias penas diferentes em uma pena comum1 No Direito Penal moderno predominam três sistemas de atribui ção de pluralidade de fatos ou de resultados típicos a a pluralidade sucessiva de fatos típicos iguais ou distintos produzidos por sucessivas ações típicas independentes regida pelo princípio da cumulação das penas b a pluralidade simultânea de dois ou mais resultados típicos iguais ou distintos produzida por uma ação típica isolada regida pelo princípio da exasperação da pena c a pluralidade continuada de ações típicas em que uma sequência de fatos típicos de mesma espécie 1 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 Cap 5 p 707 No Brasil comparar BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 216 REGIS PRADO Curso de Direito Penal brasileiro 1999 p 279 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 397 242012 162826 398 Teoria do Fato Punível Capítulo 16 aparece como unidade de ação típica também regida pelo princípio da exasperação da pena2 No Direito Penal brasileiro a pluralidade sucessiva de fatos pu níveis chamase concurso material art 69 CP a pluralidade simul tânea de fatos puníveis denominase concurso formal art 70 CP e a pluralidade continuada de fatos puníveis aparece sob a designação de crime continuado art 71 CP II Unidade e pluralidade de ações típicas O comportamento humano pode ser representado como um continuum de atividades e de passividades psicossomáticas cuja deli mitação em unidades de ações típicas pressupõe simultaneamente o conceito de ação e o conceito de tipo legal Assim o tema da unidade e da pluralidade de tipos de injusto deve ser estudado a partir de seus elementos estruturantes a correlação entre ação como conteúdo determinante e tipo legal como forma determinada na formação do conceito de tipo de injusto 1 A literatura dominante trabalha apenas com o conceito de ação sob o argumento de que a unidade de decisão do conceito de ação unificaria a pluralidade de partes exteriores de um acontecimento constituindo uma unidade espaçotemporal significativa3 Assim existiria unidade de ação em situações a de pluralidade de ações sexuais violentas contra a vítima na mesma oportunidade b de pluralidade de disparos de arma de fogo sobre um grupo de pessoas na mesma ocasião c de pluralidade de ações de homicídio contra a mesma vítima apesar de 2 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 66 p 709 3 Nesse sentido BAUMANNWEBER Strafrecht 1985 p 653 também DREHER TRÖNDLE Strafgesetzbuch 1995 nota preliminar 2 52 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 398 242012 162826 399 Capítulo 16 Unidade e Pluralidade de Fatos Puníveis relativo espaçamento temporal d de pluralidade de meios de ação em crimes violentos se a substituição de um meio por outro ocorre na sequência da falha do meio substituído etc ao contrário existiria pluralidade de ação em situações a de pluralidade de ações de abor to na mesma mulher em momentos diferentes b de instigação ao furto e posterior receptação da coisa furtada c de roubo e estupro da vítima do crime patrimonial etc 2 A crítica ao uso exclusivo do conceito de ação parece consistente primeiro não existiriam unidades préjurídicas de ação como objetos préconstituídos de referência jurídica segundo o critério da unidade de decisão não excluiria pluralidade de ações furtar a arma matar a vítima e roubar um carro para a fuga por exemplo portanto se ria necessário o conceito complementar do tipo legal para delimitar ações e omissões de ação no continuum do comportamento humano4 Assim a fórmula adequada estaria na fusão dos conceitos de ação e de tipo legal integrados na unidade do conceito de tipo de injusto a identificação naquele continuum de unidades de tipos de injusto não pode ser realizada isoladamente nem pelo conceito de ação nem pelo conceito de tipo legal mas pelo conceito de tipo de injusto em que a ação aparece como conteúdo e o tipo legal como forma do tipo de injusto existente em pluralidade material formal ou continuada no Direito Penal5 3 Desse ponto de vista existe unidade de tipo de injusto a em tipos legais divisíveis em pluralidade de atos como o aborto6 b em tipos legais que pressupõem pluralidade de atos como o estupro violência e conjunção carnal e o roubo violência e subtração7 c em tipos legais 4 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 54 n 38 p 411 JESCHECK WEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 66 I 3 p 711 5 Nesse preciso sentido MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 54 n 39 p 412 6 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 66 II 1 p 711 7 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 54 n 47 p 416 WESSELS BEULKE Strafrecht 1998 n 760 p 243 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 399 242012 162827 400 Teoria do Fato Punível Capítulo 16 de duração caracterizados pela criação ou manutenção de situações antijurídicas como violação de domicílio ou dirigir veículo automotor em via pública sem habilitação ou em estado de embriaguez8 etc por outro lado existe também unidade de tipo de injusto em sentido am plo d em situações de repetição da ação típica em rápida sequência temporal prevista no tipo moeda falsa rixa etc ou não prevista no tipo remessa de escrito com várias injúrias furto mediante pluralidade de ações de subtração etc desde que a repetição constitua simples au mento quantitativo do tipo de injusto mas independente da natureza do bem jurídico podendo atingir bens jurídicos personalíssimos de diferentes portadores9 assim como finalmente e em situações de contínua realização da ação típica por atos sequenciais de aproximação progressiva do resultado como o tráfico de drogas por exemplo10 III Pluralidade material de fatos puníveis A pluralidade material de fatos puníveis existe em situações de sucessividade de tipos de injusto independentes iguais ou desiguais julgados no mesmo processo11 furto de veículo e lesão corporal impru dente dirigir embriagado e fugir do local do acidente etc Como se vê a pluralidade material de fatos puníveis tem os seguintes pressupostos a pluralidade de ações ou de omissões de ação típicas determinantes de pluralidade de resultados típicos b julgamento de vários fatos puníveis independentes no mesmo processo A consequência penal é 8 DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch 1995 nota preliminar 41 52 MAURACH GÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 54 n 55 p 418 9 DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch 1995 nota preliminar 2 52 STRATENWERTH Strafrecht II 1981 n 1214 10 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 66 III 2 p 713 11 Comparar JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 68 I 1 p 726 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 400 242012 162827 401 Capítulo 16 Unidade e Pluralidade de Fatos Puníveis regida pelo princípio da cumulação assim aplicado soma das penas privativas de liberdade simultaneidade ou sucessividade das penas restritivas de direito dependendo de sua compatibilidade ou não exceto se aplicada pena privativa de liberdade não suspensa a um dos crimes do concurso hipótese que impede a substituição da privação de liberdade por restrição de direitos12 Art 69 Quando o agente mediante mais de uma ação ou omissão pratica dois ou mais crimes idênticos ou não aplicamse cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido No caso de apli cação cumulativa de penas de reclusão e de detenção executase primeiro aquela 1º Na hipótese deste artigo quando ao agente tiver sido aplicada pena privativa de liberdade não suspen sa por um dos crimes para os demais será incabível a substituição de que trata o art 44 deste Código 2º Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos o condenado cumprirá simultaneamente as que forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais IV Pluralidade formal de resultados típicos A pluralidade formal de resultados típicos ocorre em situações de unidade de ação com pluralidade de resultados típicos iguais ou desiguais de lesão ou de simples atividade13 12 Ver FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 355 p 365366 13 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 67 II 1 p 719720 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 401 242012 162827 402 Teoria do Fato Punível Capítulo 16 Art 70 Quando o agente mediante uma só ação ou omissão pratica dois ou mais crimes idênticos ou não aplicaselhe a mais grave das penas cabíveis ou se iguais somente uma delas mas aumentada em qualquer caso de um sexto até metade As penas aplicamse entretanto cumulativamente se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos consoante o disposto no artigo anterior 1 As teorias sobre a pluralidade formal de resultados típicos afirmam teses semelhantes de perspectivas diferentes segundo a teoria unitá ria uma única ação pode produzir apenas um fato punível apesar da pluralidade de resultados típicos14 segundo a teoria pluralista a realização de vários resultados típicos conduz à admissão de vários fatos puníveis apesar da existência exterior de uma única ação15 De qualquer ponto de vista os pressupostos do concurso formal são os seguintes a unidade de ação típica b pluralidade de resultados típicos c identidade parcial da ação executiva dos tipos objetivos res pectivos por exemplo roubo e extorsão com violência para subtrair valores e para constranger a vítima a entregar valores lesão corporal e resistência em agressão contra oficial de justiça em cumprimento de mandado judicial etc16 2 A pluralidade formal de resultados típicos aparece de duas maneiras a uma ação produz uma pluralidade de resultados típicos iguais po dendo atingir bens jurídicos personalíssimos corpo vida liberdade 14 Assim MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 54 n 2324 p 407408 15 DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch 1995 nota preliminar 4 52 16 É a opinião dominante MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 55 n 72 p 447 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 231 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 777 p 248 No Brasil comparar BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 217 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 356357 p 366367 REGIS PRADO Curso de Direito Penal brasileiro 1999 p 280 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 402 242012 162827 403 Capítulo 16 Unidade e Pluralidade de Fatos Puníveis etc ou patrimoniais um só disparo de arma de fogo produz morte e lesão corporal em pessoas diferentes uma só ofensa verbal constitui injúria contra duas pessoas b uma ação produz uma pluralidade de resultados típicos desiguais um disparo de arma de fogo determina os resultados típicos de homicídio e de dano17 A literatura destaca alguns casos especiais de unidade de ação com pluralidade de resultados típicos a unidade de ação simultaneamente dolosa e imprudente realização de dano doloso com simultânea lesão corporal imprudente18 ver n 5 abaixo b unidade de omissão de ação dolosa e imprudente guardião participa por omissão de ação dolosa de roubo de banco deixando de fechar a porta dos fundos do estabelecimento sem representar a possibilidade do incêndio impru dente ocorrido por causa do material e procedimentos utilizados para abertura do cofre19 Mas a opinião dominante exclui concurso formal entre tipos de ação e de omissão de ação porque atividade e passividade não se recobrem parcialmente20 por exemplo fuga do local do aci dente e homicídio doloso cometido por omissão da ação de proteção da vítima pelo autor do acidente na posição de garantidor do bem jurídico fundada na ação precedente perigosa21 3 A consequência penal do concurso formal é regida pelo princípio da exasperação com agravação da pena comum ou da pena mais grave de um sexto até metade a exceção é representada pelo falso concurso formal em que a pluralidade de resultados típicos é produzida por desígnios au tônomos pluralidade de fins mas em unidade de ação dolosa resolvida 17 Ver entre outros JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 67 II 1 p 720 18 Assim JAKOBS Strafrecht 1993 336 p 910 LACKNER Strafgesetzbuch 1995 52 n 7 19 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 67 III 4 p 723 20 Assim LACKNER Strafgesetzbuch 1995 52 n 7 STRATENWERTH Strafrecht II 1981 n 1245 21 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 67 III 4 p 723 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 403 242012 162827 404 Teoria do Fato Punível Capítulo 16 como concurso material art 70 segunda parte movida pelo ciúme C lança substância corrosiva para atingir simultaneamente os rostos de A e de B produzindo dano estético permanente em ambas as vítimas22 4 A majoração da pena determinada pelo princípio menos rigoroso da exasperação não pode exceder a que resultaria do princípio mais rigoroso da cumulação para evitar a seguinte consequência penal absurda no con curso de homicídio simples e lesão corporal o princípio da exasperação do concurso formal determinaria pena mínima de 7 anos ou seja 6 anos pelo homicídio mais 16 pela lesão corporal enquanto o princípio da cumulação do concurso material determinaria pena de 63 anos23 Art 70 parágrafo único Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art 69 deste Código 5 Hipóteses de aberratio ictus sobre objetos típicos iguais com desvio causal da pessoa visada para pessoa diferente erro sobre a pessoa são resolvidas como se não tivesse existido erro de execução art 20 3º CP homicídio doloso consumado no disparo de revólver contra B que atinge mortalmente C postado atrás daquele se a pessoa visada também é atingida configurase concurso formal de homicídio doloso tentado ou consumado e homicídio imprudente ver Atribuição subjetiva do resultado em desvios causais acima Art 73 Quando por acidente ou erro no uso dos meios de execução o agente ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender atinge pessoa diversa responde como se tivesse praticado o crime contra aquela atendendose ao disposto no 3o do art 20 deste Código No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender aplicase a regra do art 70 deste Código 22 Comparar BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 217 também REGIS PRADO Curso de Direito Penal brasileiro 1999 p 280 23 Ver FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 153 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 357 p 267 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 404 242012 162827 405 Capítulo 16 Unidade e Pluralidade de Fatos Puníveis Casos de aberratio ictus sobre objetos típicos diferentes com desvio causal do objeto visado para objeto diferente são atribuídos como crime imprudente se previsto em lei B atira pedra para destruir o vaso de porcelana chinesa pertencente a C mas erra o alvo e fere o proprietário atrás do vaso se o objeto visado também é atingido configurase concurso formal de dano doloso e lesão corporal imprudente ver Atribuição subjetiva do resultado em desvios causais acima Art 74 Fora dos casos do artigo anterior quando por acidente ou erro na execução do crime sobrevém resultado diverso do pretendido o agente responde por culpa se o fato é previsto como crime culposo se ocorre também o resultado pretendido aplicase a regra do art 70 deste Código V Unidade continuada de fatos típicos 1 A disciplina legal Situações de pluralidade de fatos típicos de igual espécie produzidos por pluralidade de ações ou de omissões de ação realizadas em condições de tempo lugar modo de execução e outras indicadoras de que os fatos típicos posteriores são continuação do primeiro configuram unidade continuada de tipo de injusto ou crime continuado regida pelo princípio de exasperação da pena Art 71 Quando o agente mediante mais de uma ação ou omissão pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e pelas condições de tempo lugar maneira de execução e outras semelhantes devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro aplicase lhe a pena de um só dos crimes se idênticas ou a mais grave se diversas aumentada em qualquer caso de um sexto a dois terços Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 405 242012 162827 406 Teoria do Fato Punível Capítulo 16 O legislador penal brasileiro instituiu também a possibilidade de continuação em tipos dolosos violentos contra vítimas diferentes Art 71 parágrafo único Nos crimes dolosos con tra vítimas diferentes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa poderá o juiz considerando a culpabilidade os antecedentes a conduta social e a personalidade do agente bem como os motivos e as circunstâncias aumentar a pena de um só dos crimes se idênticas ou a mais grave se diversas até o triplo observadas as regras do parágrafo único do art 70 e do art 75 deste Código Como se vê existem apenas dois requisitos legais para a unidade continuada de tipo de injusto a pluralidade de fatos típicos de igual espécie b relação de continuação entre a primeira e as posteriores ações típicas indicada por condições de tempo lugar modo de execução e outras Em suma qualquer tipo de injusto doloso por ação ou omissão de ação clandestina fraudulenta ou violenta lesivo de qualquer bem jurídico protegido na lei penal inclusive contra portadores diferentes pode aparecer sob a forma do crime continuado preenchidos os re quisitos legais e observada a diversidade de pena A diferença entre as duas regras sobre crime continuado é a seguinte o art 71 caput abrange todas as hipóteses de crime continuado menos a hipótese de crimes dolosos violentos contra vítimas diferentes o art 71 parágra fo único regula exclusivamente a relação de continuação em crimes dolosos violentos contra vítimas diferentes 2 O paradigma objetivosubjetivo do crime continuado Sob a égide do antigo paradigma causal de fato punível o critério do le gislador para determinar relação de continuidade delitiva deveria ser necessariamente objetivo ou seja a relação de continuação de ações típicas devia ser interpretada de um ponto de vista objetivo Adotado o sistema finalista como paradigma da parte geral do Código Penal a estrutura das ações típicas continuadas como aliás a estrutura Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 406 242012 162827 407 Capítulo 16 Unidade e Pluralidade de Fatos Puníveis de qualquer ação típica inclusive das ações típicas em concorrência material e formal é constituída de elementos objetivos e subjetivos cujo exame é necessário para determinar não só a existência de crimes da mesma espécie mas também para verificar a existência da relação de continuação da ação típica anterior através das ações típicas posteriores Em conclusão o novo modelo de estrutura do fato punível e portanto o novo paradigma objetivosubjetivo de construção e de interpretação da lei penal requer uma nova leitura dos critérios legais capaz de in tegrar as dimensões objetiva e subjetiva do fato punível no conceito de fato punível continuado independente da opinião do legislador em interpretação paralela obviamente equivocada sobre ausência de maiores inconvenientes da teoria objetiva do crime continuado24 Nessa perspectiva que rompe com o inexplicável objetivismo dominante na literatura penal finalista brasileira em matéria de crime continuado25 crimes de igual espécie constituem tipos de injusto equivalentes do ponto de vista do tipo objetivo e do tipo subjetivo 21 A equivalência de tipo objetivo é indicada pelas seguintes correlações a lesão de igual bem jurídico embora em diversos estágios de realização tentativa e consumação ou níveis distintos de proteção furto simples e qualificado ou mesmo protegido por diferentes tipos legais injúria e difamação furto e apropriação indébita definido como unidade de resultado injusto26 b ação típica igual por caracteres comuns de tempo durante a noite em determinados horários diurnos etc de lugar na residência ou no local de trabalho da vítima em estacionamento de veí 24 Ver n 59 da Exposição de Motivos da Lei n 720984 25 Assim por exemplo BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 220 afirma que a teoria objetiva é adotada pelo nosso Código Penal também REGIS PRADO Curso de Direito Penal brasileiro 1999 p 282 admite a despropositada interpretação paralela do legislador ao repetir que o critério da teoria puramente objetiva não revelou na prática maiores inconvenientes ao contrário ZAFFARONIPIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 439 p 726729 exigem dolo unitário como fator psicológico ou fator final no crime continuado 26 Comparar JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 66 V 3b p 716 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 407 242012 162827 408 Teoria do Fato Punível Capítulo 16 culos em supermercados etc de modo de execução ação ou omissão de ação métodos de fraude de violência ou de clandestinidade da ação etc indicadores de continuidade objetiva da primeira através das posteriores ações típicas definidas em conjunto como unidade de ação injusta27 22 A equivalência de tipo subjetivo é indicada por um dolo unitário abrangente do conjunto das ações típicas em continuação com suas características comuns de tempo lugar modo de execução e outras semelhantes indispensável para integrar a pluralidade das ações típicas na unidade do crime continuado definido pela literatura como unidade de injusto pessoal28 haveria dolo de continuação no programa de realizar uma série mais ou menos determinável de estelionatos não porém no programa de realizar o maior número possível de estelionatos de de terminado modo contudo haveria dolo de continuação em programar o furto do maior número possível de bicicletas no estacionamento de uma fábrica por exemplo não porém no plano de furtar várias bicicletas em circunstâncias desconhecidas de tempo lugar modo de execução etc29 A necessidade de um dolo geral ou de continuação é determinada pela própria natureza do crime continuado a relação de continuação só pode existir no contexto de um programa ou projeto de realizar determinadas ações típicas em condições comuns de tempo lugar modo de execução etc A tese de que a relação de continuação supõe um projeto anterior que é evidentemente representado pelo dolo implica excluir a imprudência da área do crime continuado se a rela ção de continuação supõe um projeto anterior então a imprudência é conceitualmente incompatível com a categoria do crime continuado30 apesar de algumas opiniões importantes em contrário31 27 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 66 V 3 e 3b p 715716 28 Assim JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 66 V 3c p 716 29 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 66 V 3c p 717 30 Nesse sentido JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 66 V 3d p 717 LACKNER Strafgesetzbuch 1995 nota preliminar n 15 52 31 Assim MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 54 n 81 p 426 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 408 242012 162828 409 Capítulo 16 Unidade e Pluralidade de Fatos Puníveis 3 Unidade de injusto e unidade de pena A unidade do tipo de injusto continuado implica unidade de pena também regida pelo princípio da exasperação mas com diferenças no crime continuado comum art 71 CP agravação de um sexto a dois terços da pena comum se idêntica ou da mais grave se diversas no crime continu ado especial art 71 parágrafo único agravação até o triplo da pena comum se idêntica ou da pena mais grave se diversas observada a culpabilidade antecedentes conduta social personalidade do agente motivos e circunstâncias do crime continuado A unidade continuada de fatos puníveis produz também conse quências penais e processuais específicas cada tipo de injusto específico da relação de continuação deve ser provado porque determina a medida da pena a sentença abrange todos os tipos de injusto da continuação conhecidos ou desconhecidos a prescrição contudo segundo correta jurisprudência brasileira inicia em e incide sobre a pena de cada tipo de injusto isolado da relação de continuação32 VI A pena de multa na pluralidade de fatos puníveis A aplicação da pena de multa em qualquer hipótese de pluralida de de crimes material formal ou continuada é regida pelo princípio da cumulação aplicação integral Art 72 No concurso de crimes as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente 32 TRÖNDLEFISCHER Strafgesetzbuch 2000 78a nota 10 afirma que na unidade de fato corre para cada delito o prazo de prescrição previsto para o mesmo OTTO Grundkurs Strafrecht 2000 23 p 333 n 20 afirma que no crime continuado a prescrição começa em geral com o último ato parcial Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 409 242012 162828 410 Teoria do Fato Punível Capítulo 16 VII Limite das penas privativas de liberdade A lei penal fixa em 30 trinta anos o limite máximo de execução das penas privativas de liberdade Art 75 O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 trinta anos 1º Quando o agente for condenado a penas privati vas de liberdade cuja soma seja superior a 30 trinta anos devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo 2º Sobrevindo condenação por fato posterior ao início do cumprimento da pena farseá nova unificação desprezandose para esse fim o período de pena já cumprido A aplicação de penas privativas de liberdade pode exceder o limite legal mas a execução das penas privativas de liberdade aplicadas não pode exceder o limite legal Em caso de pluralidade de penas a ade quação ao limite máximo permitido se faz pelo processo de unificação das penas A única exceção parcial dessa regra para desestimular outras infrações após atingido o limite máximo33 aparece na hipótese de condenação por fato punível posterior ao início de execução da pena já aplicada a reunificação para nova adequação ao limite legal exclui o tempo anterior de cumprimento de pena art 75 2º CP34 Finalmente no caso de pluralidade de condenações a execução das penas mais graves antecede as menos graves Art 76 No concurso de infrações executarseá pri meiramente a pena mais grave 33 Ver n 61 da Exposição de Motivos da Lei 720984 34 Assim CIRINO DOS SANTOS Teoria do crime 1993 p 92 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 410 242012 162828 411 Capítulo 16 Unidade e Pluralidade de Fatos Puníveis VIII Pluralidade aparente de leis Ao lado da autêntica concorrência material formal e continuada de fatos puníveis caracterizada por uma pluralidade real de tipos de injusto existe uma concorrência aparente de leis penais caracterizada por uma aparência de pluralidade de tipos de injusto A solução desse aparente conflito de leis é conduzida pela seguinte ideia fundamental o conteúdo de injusto de um tipo legal compreende o conteúdo de injusto de outro tipo legal e assim o tipo legal primário exclui o tipo legal secundário que não contribui para o injusto típico nem para a aplicação da pena35 Apesar de grande controvérsia na literatura contemporânea a opinião dominante coincide na utilização de alguns critérios para realizar a ideia daquele princípio geral e determinar o tipo legal adequável à ação concreta os critérios da especialidade da subsidiariedade e com restrições da consunção36 1 Especialidade 11 O critério da especialidade resolve o conflito aparente entre tipo especial e tipo geral em favor do tipo especial o tipo especial 35 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 69 I p 732 36 Nesse sentido DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch 1995 nota preliminar 18 52 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 69 II 13 p 733737 LACKNER Strafgesetzbuch 1995 nota preliminar n 25 52 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 234 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 787791 p 251253 JAKOBS Strafrecht 1993 311637 p 86980 embora admita esses critérios acaba absolutizando o critério da especialidade Contra o critério da consunção MAURACH GÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 55 n 51 p 442 No Brasil ver BITENCOURT Lições de Direito Penal 1995 p 62 REGIS PRADO Curso de Direito Penal brasileiro 1999 p 119 FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 367 p 374 ZAFFARONI PIERANGELI Manual de Direito Penal brasileiro 1997 n 416 p 736739 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 411 242012 162828 412 Teoria do Fato Punível Capítulo 16 contém todos os caracteres do tipo geral e mais alguns caracteres especiais O tipo especial exclui o tipo geral por uma relação lógica entre continente e conteúdo o tipo especial contém o tipo geral mas o tipo geral não contém o tipo especial lex specialis derogat legi generali37 12 As variações de qualificação e de privilégio são especiais em rela ção ao tipo básico respectivo o homicídio qualificado ou privilegiado exclui o homicídio simples o furto qualificado exclui o furto simples etc igualmente os tipos independentes também chamados delictum sui generis são especiais em relação aos tipos elementares o roubo em relação ao furto e ao constrangimento ilegal o infanticídio em relação ao homicídio etc38 2 Subsidiariedade O critério da subsidiariedade resolve o conflito aparente entre tipo subsidiário e tipo principal em favor do tipo principal a aplicação do tipo subsidiário depende da não aplicação do tipo principal O tipo principal exclui o tipo subsidiário por uma relação de interferência ló gica ou de entrecruzamento estrutural porque diferentes normas penais protegem iguais bens jurídicos em diferentes estágios de agressão39 lex primaria derogat legi subsidiariae 37 Ver JAKOBS Strafrecht 1993 3116 p 869 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 69 II 1 p 733 38 Comparar JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 69 II 1 p 733734 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 55 n 20 p 436 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 788 p 251252 39 HONIG Straflose Vor und Nachtat 1927 p 113 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 412 242012 162828 413 Capítulo 16 Unidade e Pluralidade de Fatos Puníveis 21 A relação de subsidiariedade pode ser formal ou material a a subsidiariedade formal é expressa no texto da lei se o fato não cons titui elemento de crime mais grave etc entre outros artigos 238 239 337 CP b a subsidiariedade material é extraída da relação de sentido entre tipos legais existindo sob duas formas b1 tipos preparatórios para tipos de lesão o tipo legal de petrechos para fabri cação de moeda art 291 CP em relação ao tipo legal de moeda falsa art 289 CP b2 tipos de passagem de tipos legais de menor perigolesão para tipos legais de maior perigolesão do mesmo bem jurídico a subsidiariedade material dos tipos de perigo concreto em relação aos tipos de lesão a tentativa em face da consumação a lesão corporal em face do homicídio40 22 Além disso existe relação de subsidiariedade entre formas de autoria e de participação a cumplicidade é subsidiária da instigação instigador que ajuda a realização material do fato continua insti gador assim como a instigação é subsidiária da autoria autor que instiga outrem a participar do fato continua autor ou coautor41 Mais importante ainda o fato típico imprudente o atropelamento de um pedestre por exemplo é subsidiário do fato típico doloso o pedestre atropelado morre por falta de socorro do autor do atro pelamento responsável pela evitação do resultado na qualidade de garante do bem jurídico em perigo conforme o tipo de omissão de ação imprópria42 40 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 69 II 2 p 734735 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 55 n 18 p 435 WESSELS BEULKE Strafrecht 1998 n 790 p 252 41 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 69 II 2a p 735 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 55 n 18 p 435 WESSELS BEULKE Strafrecht 1998 n 790 p 252 42 Assim JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 69 II 2a p 735 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 413 242012 162829 414 Teoria do Fato Punível Capítulo 16 3 Consunção 31 O critério da consunção resolve o conflito aparente entre tipo consumidor e tipo consumido o conteúdo de injusto do tipo princi pal consome o conteúdo de injusto do tipo secundário porque o tipo consumido constitui meio regular não necessário de realização do tipo consumidor43 ou o tipo consumido não está em relação de necessidade lógica como na especialidade ou na subsidiariedade mas em relação de regularidade fenomenológica com o tipo consumidor44 lex consumens derogat legi consumptae 32 A consunção por relação de regularidade fenomenológica entre o tipo consumido e o tipo consumidor ocorre por exemplo em alguns fatos a lesão corporal em relação ao aborto o dano ou a violação de do micílio em relação ao furto qualificado por destruição ou rompimento de obstáculo ou emprego de chave falsa etc45 Na atualidade o critério da consunção está imerso em controvérsia irreversível e a tendência parece ser sua própria consunção por outros critérios especialmente pelo critério da especialidade e pelo antefato e pósfato copunidos a literatura contemporânea oscila entre posições de aceitação reticente46 e de rejeição absoluta47 do critério da consunção no conflito aparente de leis penais 43 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 69 II 3a p 736 44 ROXIN Strafrecht II 2003 p 8589 n 21315 45 ROXIN Strafrecht II 2003 p 85961 n 21620 46 Nesse sentido JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 69 II 3a p 735 KUHL Strafrecht 1997 21 n 60 p 795 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 791 p 253 47 Assim MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht II 1989 55 n 51 p 442 para quem a chamada consunção não pode mais ser reconhecida Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 414 242012 162829 415 Capítulo 16 Unidade e Pluralidade de Fatos Puníveis 4 Antefato e pósfato copunidos O antefato e o pósfato copunidos estão geralmente em relação de consunção com o fato principal48 são punidos em conjunto com o fato principal Assim o porte ilegal de arma constitui antefato punido em conjunto com o homicídio praticado a apropriação o consumo ou a destruição da coisa furtada não constitui apropriação indébita ou dano mas pósfato punido no furto porque representa realização da vantagem objeto do elemento subjetivo especial do furto tipo consu midor49 igualmente a venda da coisa furtada a terceiro de boafé não constitui estelionato punível mas fato posterior punido em conjunto com o furto ainda que lesione novo bem jurídico50 a pena do furto abrange os atos próprios de apropriação inclusive a venda da coisa furtada e portanto punir pela realização da intenção especial do furto elemento subjetivo determinante do tipo de injusto significaria dupla punição pelo mesmo fato51 48 O texto representa mudança em relação à posição anterior cf CIRINO DOS SANTOS Teoria do crime 1993 p 93 49 Assim por exemplo WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 795 p 254 50 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 69 II 3a p 736 51 Assim FRAGOSO Lições de Direito Penal 1985 n 371 p 377 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 415 242012 162829 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 416 242012 162829 Terceira Parte teoria da peNa Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 417 242012 162829 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 418 242012 162829 419 Capítulo 17 poLítica crimiNaL e direito peNaL A Política Criminal constitui o programa oficial de controle do crime e da criminalidade uma definição comum em Criminologia1 o Direito Penal representa o sistema de normas que define crimes comina penas e estabelece os princípios de sua aplicação uma defi nição comum em Direito Penal2 No Brasil e nos países periféricos a política criminal do Estado não inclui políticas públicas de emprego salário digno escolarização moradia saúde e outras medidas comple mentares como programas oficiais capazes de alterar ou de reduzir as condições sociais adversas da população marginalizada do mercado de trabalho e dos direitos de cidadania definíveis como determinações estruturais do crime e da criminalidade por isso o que deveria ser uma política criminal positiva do Estado existe de fato como mera política penal negativa instituída pelo Código Penal e leis complementares a definição de crimes a aplicação de penas e a execução penal como níveis sucessivos da política penal do Estado representam a única resposta oficial para a questão criminal3 A política penal realizada pelo Direito Penal é legitimada pela teoria da pena construída pelos discursos de retribuição do crime e de prevenção geral e especial da criminalidade as funções atribuídas à pena criminal pela ideologia penal oficial4 A compreensão da Política 1 KAISER Kriminologie 1993 p 642643 2 Comparar ROXIN Strafrecht 1997 1 ns 12 p 1 3 Nesse sentido BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição p 203204 4 Ver BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição p 191 ROXIN Strafrecht 1997 3 n 132 p 4154 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 419 242012 162829 420 Teoria da Pena Capítulo 17 Criminal rectius política penal pressupõe o estudo das funções atribuídas à pena criminal como instrumento principal do programa oficial de controle do crime e da criminalidade Mas a análise da pena criminal não pode se limitar ao estudo das funções atribuídas pelo discurso oficial definidas como funções declaradas ou manifestas da pena criminal pelo contrário esse estudo deve rasgar o véu da aparência das funções declaradas da ideologia jurídica oficial para identificar as funções reais ou latentes da pena criminal que podem explicar sua existência aplicação e execução nas sociedades de classes sociais antagônicas fundadas na relação capital trabalho assalariado que define a separação força de trabalhomeios de produção das sociedades contemporâneas De modo geral as formas ideológicas de controle social possuem uma dimensão real pela qual cumprem a função de reproduzir a realidade e uma dimensão ilusória pela qual ocultam ou encobrem a natureza da realidade reproduzida5 No caso da pena criminal as funções declaradas constituem o discurso oficial da teoria jurídica da pena as funções reais encobertas pelas funções aparentes da pena criminal constituem o objeto de pesquisa da teoria criminológica da pena6 O estudo da relação entre Política Criminal e Direito Penal na perspectiva das funções declaradas ou manifestas e das funções reais ou 5 CIRINO DOS SANTOS A criminologia radical 2006 p 99100 O Direito ou a circulação é intermediário necessário da produção capitalista no qual nada ocorre mas pelo qual tudo ocorre a ideologia jurídica da proteção geral de sujeitos livres e iguais vigente na esfera do Direitocirculaçãomercado oculta a desigualdade das relações coletivas de produção relações de classes a coação das relações econômicas sobre o trabalhador e a exploração do trabalho pela apropriação de maisvalia como trabalho não remunerado Essa relação entre aparência liberdade e igualdade na esfera do Direitocirculação e realidade coação e exploração das relações de produção explica as funções de mistificação ou de representação ilusória e de reprodução das relações sociais realizada pela ideologia a aparência de igualdade e de liberdade do Direito circulação reproduz a realidade da coação e exploração das relações de produção que produzem aquela aparência 6 CIRINO DOS SANTOS A criminologia radical 2006 p 128 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 420 242012 162829 421 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal latentes da pena criminal também explica a esquizofrenia do programa oficial de Política Criminal realizado pelo Direito Penal nas sociedades atuais marcado pela contradição entre o discurso penal e a realidade da pena que seguem direções diametralmente opostas7 I O discurso oficial da teoria jurídica da pena 1 A pena como retribuição de culpabilidade 1 Conceito A pena como retribuição do crime representa a imposição de um mal justo contra o mal injusto do crime necessário para realizar justiça ou restabelecer o Direito8 segundo a fórmula de SENECA punitur quia peccatum est9 A sobrevivência histórica da pena retribu tiva a mais antiga e mais popular função atribuída à pena criminal parece inexplicável para o discurso oficial a pena como expiação de culpabilidade lembra suplícios e fogueiras medievais concebidos para purificar a alma do condenado a pena como compensação de culpabilidade atualiza o impulso de vingança do ser humano tão velho quanto o mundo10 A literatura penal possui várias explicações para a sobrevivência da função retributiva da pena criminal Primeiro a psicologia popular 7 CIRINO DOS SANTOS Política criminal realidades e ilusões do discurso penal in Discursos sediciosos crime direito e sociedade 2002 n 12 p 5357 8 Ver ALBRECHT Kriminologie 1999 p 48 GROPP Strafrecht 2001 p 32 n 101102 ROXIN Strafrecht 1997 3 n 2 p 41 No Brasil ver BRANDÃO Introdução ao direito penal 2002 p 152156 9 SENECA De ira Livro 1 16 21 punido porque pecou ver NAUCKE Strafrecht 2000 n 139 p 32 10 BRANDÃO Introdução ao direito penal 2002 p 21 a 29 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 421 242012 162829 422 Teoria da Pena Capítulo 17 evidentemente regida pelo talião poderia ser a base antropológica da pena retributiva a retaliação expressa no olho por olho dente por dente constitui mecanismo comum dos seres zoológicos e por isso atitude generalizada do homem esse zoon politikon11 Segundo a tradição religiosa judaicocristã ocidental apresenta uma imagem retributivo vingativa da justiça divina que talvez constitua a influência cultural mais poderosa sobre a disposição psíquica retributiva da psicologia popular portanto de origem mais social do que biológica12 Tercei ro a filosofia idealista ocidental é retributiva13 KANT 17241804 define a justiça retributiva como lei inviolável um imperativo cate górico pelo qual todo aquele que mata deve morrer para que cada um receba o valor de seu fato e a culpa do sangue não recaia sobre o povo que não puniu seus culpados14 HEGEL 17701831 define crime como negação do direito e pena como negação do crime portanto como reafirmação do direito e considera a justiça retributiva a única digna do ser humano criticou a teoria da coação psicológica de FEUERBACH 17751833 porque não tratava o homem como ser dotado de honra e liberdade mas como um cão ameaçado com um bastão15 Quarto o discurso retributivo baseiase na lei penal que consagra o princípio da retribuição o legislador determina ao juiz aplicar a pena conforme necessário e suficiente para reprovação do crime art 59 CP por essa via o discurso retributivo alcança 11 ROXIN Strafrecht 1997 3 n 2 p 41 12 Ver ROXIN Strafrecht 1997 3 n 5 p 43 13 Nesse sentido BRANDÃO Introdução ao direito penal 2002 p 156159 também BUSATOHUAPAYA Introdução ao direito penal fundamentos para um sistema penal democrático 2003 p 207209 14 KANT Methaphysik der Sitten 1797 p 331 Nessa passagem a célebre hipótese da dissolução da sociedade Mesmo se a comunidade de cidadãos com a concordância de todos os membros se dissolvesse o último assassino encontrado na prisão deveria ser previamente executado para que cada um receba o valor de seu fato e a culpa do sangue não pese sobre o povo que não insistiu na punição 15 HEGEL Rechtsphilosophie 1821 99 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 422 242012 162829 423 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal a jurisprudência criminal para a qual a pena criminal é retribuição através da imposição de um mal16 2 Crítica jurídica A crítica jurídica da função retributiva tem por objeto a natureza expiatória ou compensatória da pena criminal retribuir como método de expiar ou de compensar um mal o cri me com outro mal a pena pode corresponder a uma crença e nessa medida constituir um ato de fé mas não é democrático nem científico17 Não é democrático porque no Estado Democrático de Direito a o poder é exercido em nome do povo e não em nome de Deus e b o Direito Penal tem por objetivo proteger bens jurídicos e não realizar vinganças Por outro lado não é científico porque a retribuição do crime pressupõe um dado indemonstrável a liberdade de vontade do ser humano pressuposta no juízo de cul pabilidade presente em fórmulas famosas como o poder de agir de outro modo de WELZEL18 não admite prova empírica Assim a pena como retribuição do crime fundamentase num dado inde monstrável o mito de liberdade pressuposto na culpabilidade do autor A impossibilidade de demonstrar a liberdade pressuposta na culpabilidade determinou mudança na função atribuída à culpabili dade a culpabilidade perde a antiga função de fundamento da pena que legitima o poder punitivo do Estado em face do indivíduo para assumir a função atual de limitação da pena que garante o indivíduo contra o poder punitivo do Estado uma mudança de sinal dotada de importante significado político19 16 Nesse sentido também o Tribunal Federal Constitucional alemão 22 132 toda pena criminal é por natureza retribuição através da imposição de um mal in ROXIN Strafrecht 1997 3 n 6 p 43 17 ROXIN Strafrecht 1993 3 n 8 p 4344 18 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 p 138 19 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 4950 No Brasil CIRINO DOS SANTOS A moderna teoria do fato punível 2004 p 20915 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 423 242012 162829 424 Teoria da Pena Capítulo 17 2 A pena como prevenção especial 1 Conceito A função de prevenção especial da pena criminal domi nante nos séculos 19 e 20 é atribuição legal dos sujeitos da aplicação e da execução penal primeiro o programa de prevenção especial é defi nido pelo juiz no momento de aplicação da pena através da sentença criminal individualizada conforme necessário e suficiente para prevenir o crime art 59 CP segundo o programa de prevenção especial de finido na sentença criminal é realizado pelos técnicos da execução da pena criminal os chamados ortopedistas da moral na concepção de FOUCAULT20 com o objetivo de promover a harmônica integração social do condenado art 1º LEP A execução do programa de prevenção especial ocorre em dois processos simultâneos pelos quais o Estado espera evitar crimes futuros do condenado por um lado a prevenção especial negativa de neutralização ou inocuização do condenado consistente na incapacitação para praticar novos crimes durante a execução da pena21 por outro lado a prevenção especial positiva de correção ou ressocialização do condenado realizada pelo trabalho de psicólogos sociólogos assistentes sociais e outros funcionários da ortopedia moral do estabelecimento penitenciário segundo outra fórmula antiga punitur ne peccetur22 20 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 15 21 Ver NAUCKE Strafrecht 2000 p 3334 n 141 ROXIN Strafrecht 1997 3 n 7 p 43 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 5152 e 56 s GROPP Strafrecht 2001 p 104105 n 106 No Brasil comparar BUSATOHUAPAYA Introdução ao direito penal fundamentos para um sistema penal democrático 2003 p 2204 22 SENECA De ira Livro I XIX7 punido para que não peque referindo PLATÃO 427347 aC que por sua vez invocava PROTÁGORAS 485415 aC Nam ut Plato ait nemo prudens punit quia peccatum est sed ne peccetur Ver ROXIN Strafrecht 1997 n 11 p 4445 também ALBRECHT Kriminologie 1999 p 5152 e 56 s GROPP Strafrecht 2001 n 106 p 34 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 424 242012 162829 425 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal 2 Crítica jurídica A prevenção especial negativa de neutralização do condenado parece indiscutível a incapacitação seletiva de indivíduos considerados perigosos constitui efeito evidente da execução da pena porque impede a prática de crimes fora dos limites da prisão23 as sim a neutralização do condenado seria uma das funções declaradas cumpridas pela pena criminal A crítica jurídica da prevenção especial positiva fala da supressão de direitos não atingidos pela privação de liberdade da necessidade de respeitar a autonomia do preso e de limitar os programas de res socialização a casos individuais voluntários afinal o condenado não pode ser compelido ao tratamento penitenciário o Estado não tem o direito de melhorar pessoas segundo critérios morais próprios e enfim prender pessoas fundado na necessidade de melhoria terapêutica é injustificável24 O reconhecimento da ineficácia corretiva da prevenção especial positiva e dos efeitos nocivos da prevenção especial negativa atribuí dos à pena privativa de liberdade são diluídos segundo PILGRAM STEINERT25 por frequentes declarações simplistas de que ainda não temos nada melhor do que a prisão26 23 Ver KUNZ Kriminologie 1994 n 19 p 286 24 KUNZ Kriminologie 1994 n 40 p 294 Com isto a execução ressocializadora contém um novo fundamento além da finalidade de evitação da criminalidade através da melhoria do condenado Por um lado fica claro que o pensamento de ressocialização ligado à compensação dos danos colaterais da execução da pena não justifica como sempre se verifica manter pessoas presas fundado na necessidade de tratamento Por outro lado um tratamento custodial conforme uma terapia pseudomédica de melhoramento é excluída a execução terapêutica deve respeitar a autonomia pessoal do preso e se limitar à oferta de programas de ajuda com base em reivindicações voluntárias 25 PILGRAMSTEINERT Plädoyer fur bessere Grunde fur die Abschaffung der Gefängnisse in H Ortner Editor Freiheit statt Strafe Frankfurt a M 1981 p 133154 26 MAIR What works nothing or everything Measuring the effectiveness of sentencing in Research Bulletin 30 1991 p 38 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 425 242012 162830 426 Teoria da Pena Capítulo 17 3 A pena como prevenção geral 1 Conceito A função de prevenção geral atribuída à pena criminal igualmente tem por objetivo evitar crimes futuros mediante uma forma negativa antiga e uma forma positiva pósmoderna 11 A prevenção geral negativa aparece na forma tradicional de intimidação penal expressa na célebre teoria da coação psicológica de FEUERBACH 1775183327 o Estado espera que a ameaça da pena desestimule pessoas de praticarem crimes28 12 A prevenção geral positiva também chamada teoria da pre vençãointegração surge no final do século 20 e pretende repre sentar o novo fundamento do sistema penal A base sociológica da teoria foi desenvolvida por LUHMANN que atribui ao Direito as funções a de estabilização do sistema social b de orientação da ação e c de institucionalização de expectativas normativas Nessa linha aparecem duas variantes a ROXIN29 concebe a prevenção geral positiva no contexto de outras funções declaradas da pena criminal legitimada pela proteção de bens jurídicos de natureza subsidiária existem outros meios mais efetivos e fragmentária proteção parcial dos bens jurídicos selecionados b JAKOBS concebe a prevenção geral positiva de modo absoluto excluindo as funções declaradas de intimidação de correção e de retribuição do discurso punitivo a pena é afirmação da validade da norma penal violada definida como bem jurídicopenal30 categoria formal 27 FEUERBACH Lehrbuch des gemeinen in Deutschland geltenden peinlichen Rechts 1801 1966 p 38 28 Ver BRANDÃO Introdução ao direito penal 2002 p 160 BUSATOHUAPAYA Introdução ao direito penal fundamentos para um sistema penal democrático 2003 p 216217 29 ROXIN Strafrecht 1997 2 n 3839 p 25 30 JAKOBS Strafrecht 1993 n 5 p 3637 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 426 242012 162830 427 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal substitutiva da categoria real do bem jurídico aplicada com o objetivo de estabilizar as expectativas normativas e de restabelecer a confiança no Direito frustradas pelo crime31 2 Crítica jurídica A crítica jurídica tem por objeto a dimensão negativa e a dimensão positiva da função de prevenção geral da pena criminal 21 A crítica da prevenção geral negativa destaca a ineficácia da ame aça penal para inibir comportamentos criminosos conforme indicam a inutilidade das cruéis penas corporais medievais e a nocividade das penas privativas de liberdade do Direito Penal moderno Aliás afirmase que não é a gravidade da pena ou o rigor da execução penal mas a certeza ou a probabilidade da punição que pode desestimular o autor de praticar crimes uma velha teoria já enun ciada por BECCARIA 1738179432 sempre retomada como teoria moderna pelo discurso de teóricos do controle social Além disso a prevenção geral negativa possui dois defeitos graves primeiro a falta de critério limitador da pena transforma a ameaça penal em terrorismo estatal33 como indica a lei de crimes hediondos essa infeliz invenção do legislador brasileiro segundo a natureza exemplar da pena como prevenção geral negativa viola a dignidade humana porque acusados reais são punidos de forma exemplar para influenciar a conduta de acusados potenciais em outras palavras aumentase injustamente o sofrimento de acusados reais para desestimular o comportamento criminoso de acusados potenciais34 22 O caráter formalcerebrino do discurso de integraçãoprevenção parece descrever um mundo irreal a por exemplo a superposição de efeitos políticocriminais de ROXIN o efeito sociopedagógico de 31 JAKOBS Strafrecht 1993 ns 34 p 3536 s ns 78 p 3738 32 BECCARIA Dei delitti e delle pene 1764 1973 reimpressão p 73 33 ROXIN Strafrecht 1997 3 n 32 p 5253 34 ROXIN Strafrecht 1997 3 n 32 p 5253 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 427 242012 162830 428 Teoria da Pena Capítulo 17 exercício em fidelidade jurídica produzido pela atividade da justiça penal o efeito de aumento da confiança do cidadão no ordenamento jurídico pela percepção da imposição do Direito o efeito de pacifi cação social pela punição da violação do Direito e portanto solução do conflito com o autor35 b mais grave é o formalismo abstrato da linguagem hermética de JAKOBS a prevenção geral positiva como demonstração de validade da norma necessária para reafirmar as ex pectativas normativas frustradas pelo comportamento criminoso36 seria exercício de confiança na norma saber o que esperar na interação social de fidelidade jurídica reconhecimento da pena como efeito da contradição da norma e de aceitação das consequências jurídicas conexão do comportamento criminoso com o dever de suportar a pena37 na verdade postulados do contrato social do século 18 com aceitação das normas sociais na qualidade de membro da sociedade e aceitação da punição na qualidade de infrator das normas sociais38 4 As teorias unificadas a pena como retribuição e prevenção 1 Conceito As teorias unificadas da pena criminal conjugam as teo rias isoladas com o objetivo de superar as deficiências particulares de cada teoria mediante fusão das funções declaradas de retribuição de prevenção geral e de prevenção especial da pena criminal39 Então a pena representaria a retribuição do injusto realizado mediante compensação 35 ROXIN Strafrecht 1997 3 n 27 p 5051 36 JAKOBS Strafrecht 1993 n 6 p 7 37 JAKOBS Strafrecht 1993 ns 15 e 16 p 13 38 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 6976 39 EBERT Strafrecht 2001 p 235 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 428 242012 162830 429 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal ou expiação da culpabilidade b prevenção especial positiva mediante correção do autor pela ação pedagógica da execução penal além de prevenção especial negativa como segurança social pela neutralização do autor e finalmente c prevenção geral negativa através da intimi dação de criminosos potenciais pela ameaça penal e prevenção geral positiva como manutençãoreforço da confiança na ordem jurídica etc40 Atualmente as teorias unificadas predominam na legislação na jurisprudência e na literatura penal ocidental Por exemplo o CP alemão adota as teorias unificadas da pena criminal o 46 do Strafgesetzbuch define culpabilidade como fundamento da pena retribuição determinada conforme os efeitos esperados para a vida futura do autor na comunidade prevenção especial o 47 mencio na o objetivo de defesa da ordem jurídica prevenção geral41 nesse sentido o Tribunal Constitucional alemão atribui à pena criminal a função absoluta de retribuição da culpabilidade assim como as funções relativas de prevenção do crime e de ressocialização do delinquente42 No Brasil o CP consagra as teorias unificadas ao determinar a apli cação da pena conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime art 59 CP a reprovação exprime a ideia de retribuição da culpabilidade a prevenção do crime abrange as moda lidades de prevenção especial correção e neutralização do autor e de prevenção geral intimidação e manutençãoreforço da confiança na ordem jurídica atribuídas à pena criminal Em outra perspectiva essa tríplice função atribuída à pena criminal corresponderia aos três níveis de realização do Direito Pe nal a função de prevenção geral negativa corresponde à cominação da ameaça penal no tipo legal a função de retribuição e a função de 40 HASSEMER Einfuhrung in die Grundlagen des Strafrechts 1990 p 325 NAUCKE Strafrecht 2000 n 142 p 34 e ns 3343 p 5357 ns 3343 EBERT Strafrecht 2001 p 235 41 Ver WESSELSBEULKE Strafrecht 2000 30a edição 1 I 4 n 12 p 4 42 BUNDESVERFASSUNGSGERICHT Decisão 45 187 253 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 429 242012 162830 430 Teoria da Pena Capítulo 17 prevenção geral positiva correspondem à aplicação judicial da pena as funções de prevenção especial positiva e negativa correspondem à execução penal43 2 Crítica jurídica Os defeitos das teorias isoladas não desaparecem nas teorias unificadas da pena criminal com a reunião das funções a de compensar ou expiar a culpabilidade b de corrigir e neutralizar o criminoso e c de intimidar autores potenciais e de manterreforçar a confiança no Direito Por outro lado a admissão de diferentes fun ções da pena criminal mediante cumulação de teorias contraditórias e reciprocamente excludentes significa adotar uma pluralidade de discursos legitimantes capazes de racionalizar qualquer punição pela escolha da teoria mais adequada para o caso concreto44 A crítica pode ser sintetizada em dois argumentos primeiro o feixe de funções conflitantes das teorias unificadas não permite superar as debilidades específicas de cada função declarada da pena criminal ao contrário as teorias unificadas significam a soma dos defeitos das teorias particulares segundo não existe nenhum fundamento filosófico ou científico capaz de unificar concepções penais fundadas em teorias contraditórias com finalidades práticas reciprocamente excludentes45 II O discurso crítico da teoria criminológica da pena O discurso crítico da teoria criminológica da pena é produzido por duas teorias principais com propósitos comuns mas métodos 43 Ver por exemplo EBERT Strafrecht 2001 p 236 44 ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 2003 p 114 45 ROXIN Strafrecht 1997 3 n 35 p 54 comparar EBERT Strafrecht 2001 p 235 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 430 242012 162830 431 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal diferentes a a teoria negativaagnóstica da pena fundada na dicotomia estado de direitoestado de polícia elaborada pelo trabalho coletivo de RAÚL ZAFFARONI e NILO BATISTA46 com a contribuição atual de A ALAGIA e A SLOKAR b a teoria materialistadialética da pena fundada na distinção entre funções reais e funções ilusórias da ideologia penal nas sociedades capitalistas47 desenvolvida pela tradição marxista em criminologia formada por PASUKANIS48 RUSCHE KIRCHHEIMER49 MELOSSIPAVARINI50 e BARATTA51 para citar os mais conhecidos com a contribuição relevante do estrutu ralista FOUCAULT52 A A crítica negativaagnóstica da pena criminal 1 A teoria negativaagnóstica da pena criminal tem por fundamento modelos ideais de estado de polícia e de estado de direito coexistentes no 46 ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 2003 47 Ver CIRINO DOS SANTOS A criminologia radical 2006 p 128 A Criminologia Radical distingue objetivos ideológicos aparentes do sistema punitivo repressão da criminalidade controle e redução do crime e ressocialização do criminoso e objetivos reais ocultos do sistema punitivo reprodução das relações de produção e da massa criminalizada demonstrando que o fracasso histórico do sistema penal limitase aos objetivos ideológicos aparentes porque os objetivos reais ocultos do sistema punitivo representam êxito histórico absoluto desse aparelho de reprodução do poder econômico e político da sociedade capitalista 48 PASUKANIS Teoria geral do direito e o marxismo 1972 49 RUSCHEKIRCHHEIMER Punishment and social structure 1939 50 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica 1980 51 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 52 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 431 242012 162830 432 Teoria da Pena Capítulo 17 interior do Estado moderno em relação de exclusão recíproca53 assim sintetizados a o modelo ideal de estado de polícia caracterizase pelo exercício de poder vertical e autoritário e pela distribuição de justiça substancia lista de grupos ou classes sociais expressiva de direitos metahumanos paternalistas que suprime os conflitos humanos mediante as funções manifestas positivas de retribuição e de prevenção da pena criminal con forme a vontade hegemônica do grupo ou classe social no poder54 b o modelo ideal de estado de direito caracterizase pelo exercício de poder horizontaldemocrático e pela distribuição de justiça procedi mental da maioria expressiva de direitos humanos fraternos que resolve os conflitos humanos conforme regras democráticas estabelecidas com redução ou limitação do poder punitivo do estado de polícia55 2 Do ponto de vista científico a teoria negativaagnóstica da pena criminal é antes e acima de tudo uma teoria negativa das funções declaradas ou manifestas da pena criminal expressas no discurso oficial de retribuição e de prevenção geral e especial positivas e negativas rejeitadas como falsas pelos autores56 que recuperam conceito de TOBIAS BARRETO para definir pena criminal como ato de poder político correspondente ao fundamento jurídico da guerra57 em segun do lugar é uma teoria agnóstica das funções reais ou latentes da pena 53 ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 2003 p 9495 54 ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 2003 p 94 e 99 55 ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 2003 p 9495 e 100 56 ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 2003 p 99 e 108109 57 ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 2003 p 109 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 432 242012 162830 433 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal criminal porque renuncia à cognição dos objetivos ocultos da pena criminal que seriam múltiplos e heterogêneos58 3 Do ponto de vista políticocriminal a teoria negativaagnóstica da pena tem por objetivo ampliar a segurança jurídica de todos os habitantes mediante redução do poder punitivo do estado de polícia e correspondente ampliação do estado de direito pelo reforço do po der de decisão das agências jurídicas59 fundado em conceito ôntico limitador do sistema punitivo capazes de limitar mas incapazes de suprimir o estado de polícia cujo poder maior transcenderia a pena criminal para vigiar registrar e controlar ideias movimentos e dissidências60 4 O objetivo de conter o poder punitivo do estado de polícia intrínseco em todo estado de direito proposto pela teoria negativaagnóstica da pena criminal produzida pela inteligência criativa de EUGENIO RAÚL ZAFFARONI e de NILO BATISTA comprometidos com a democratização do sistema punitivo na periferia do sistema político econômico globalizado justifica a teoria negativaagnóstica da pena criminal como teoria crítica humanista e democrática do Direito Penal credenciada para influenciar projetos de política criminal e a prática jurídicopenal na América Latina Afinal definir pena como ato de poder político atribuir à pena o mesmo fundamento jurídico da guerra e rejeitar como falsas as funções manifestas ou declaradas da 58 ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 2003 p 99100 Tratase de um conceito de pena que é negativo por duas razões a não concede qualquer função positiva à pena b é obtido por exclusão É agnóstico quanto à sua função pois confessa não conhecêla 59 ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 2003 p 108109 e 110112 60 ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 2003 p 99103 e 108 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 433 242012 162830 434 Teoria da Pena Capítulo 17 pena criminal significa ruptura radical e definitiva com o discurso de lei e ordem do poder punitivo61 5 Assim a considerando o humanismo filosófico e os objetivos políticocriminais democráticos da teoria negativaagnóstica da pena criminal b agindo com a perspectiva declarada de ampliar a con vergência teórica e metodológica entre a teoria negativaagnóstica e a teoria materialistadialética da pena criminal e c levando em conta que nenhuma teoria científica nasce acabada do cérebro humano mas adquire status científico pelo debate crítico coletivo parece recomen dável fazer os seguintes comentários complementares 51 Do ponto de vista conceitual o componente negativo da teo ria negativaagnóstica da pena criminal como rejeição das funções declaradas ou manifestas atribuídas à pena pelo discurso oficial po deria ser assumido pela teoria materialistadialética da pena que pesquisa as dimensões de realidade e de ilusão da ideologia penal nas sociedades capitalistas porque tem por objeto a dimensão ilusória da ideologia penal mas o componente agnóstico do conceito como renúncia de cognição das funções reais ou latentes do sistema penal na medida em que indica desinteresse científico sobre realidades ocultas por detrás da aparência de instituições sociais parece romper com a tradição histórica da Criminologia Crítica nesse caso em contraste com a inegável natureza crítica do trabalho intelectual dos autores que explicam a repressão penal pela seletividade fundada em estereótipos desencadeados por indicadores sociais negativos de pobreza marginalização etc 52 Do ponto de vista metodológico a teoria negativaagnóstica da pena criminal descarta o conceito de modo de produção da vida social que define a articulação de forças produtivas materiais homens e tecnologia em determinadas relações de produção históricas no caso 61 ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 2003 p 98100 e 108109 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 434 242012 162830 435 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal a relação capitaltrabalho assalariado nas quais se manifesta a luta de classes da formação social como método de análise dos fenômenos sociais o que explicaria a relativa abstração dos conceitos de Esta do de poder político e de pena criminal carentes de determinações históricas concretas o Estado parece independente da estrutura de classes da sociedade civil mais no original argentino do que na versão brasileira em que o conceito de classe social é introduzido por NILO BATISTA o poder político do Estado parece isolado da luta de classes na estrutura econômica da relação capitaltrabalho assalariado aliás o conceito de luta de classes seria o melhor argumento para a analogia entre pena e guerra assumida pelos autores e a pena criminal parece diluída na coerção oficial mediante privação de direitos ou dor sem identificar a prisão como modalidade específica de punição das socie dades capitalistas 53 Finalmente do ponto de vista das formas jurídicas do poder político da relação capitaltrabalho assalariado a pura e simples nega ção das funções declaradas ou manifestas e a atitude agnóstica em face das funções reais ou latentes da pena criminal que definem a teoria negativaagnóstica da pena criminal parecem cancelar as dimensões de realidade e de ilusão das formas ideológicas de controle social das sociedades de classes sociais antagônicas com o abandono da crítica criminológica fundada na dialética das funções declaradas ou manifestas da ideologia penal que legitimam o discurso oficial sobre crime e controle social e das funções reais ou latentes do sistema penal que garantem as relações sociais fundadas na separação força de trabalho meios de produção das sociedades capitalistas62 62 CIRINO DOS SANTOS A criminologia radical 2006 p 129 A categoria geral explicativa do Direito capaz de esclarecer as relações entre a aparência e a realidade de suas funções é o conceito de modo de produção da vida material a proteção da igualdade na esfera de circulação esconde a dominação política e a exploração econômica de classe na esfera de produção O Direito como relação social objetiva realiza funções ideológicas aparentes de proteção da igualdade e da liberdade e funções reais ocultas de instituição e reprodução das relações sociais de produção a desigualdade das relações de classes Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 435 242012 162830 436 Teoria da Pena Capítulo 17 B A crítica materialistadialética da pena criminal 1 A pena como retribuição equivalente do crime 1 O discurso crítico da teoria materialistadialética pretende revelar a natureza real da pena criminal nas sociedades contemporâneas a retribuição equivalente contrariamente ao que pensa a crítica jurídica não representa resquício metafísico de expiação do mal injusto do crime pelo mal justo da pena como pretendem teóricos da preven ção nem se reduz ao argumento antropológico de sobrevivência da vingança retaliatória no psiquismo humano nem pode ser explicada por argumentos filosóficos do tipo imperativo categórico ou dignidade do ser humano assim como não se confina aos argumentos legais da pena necessária e suficiente para reprovação do crime A teoria cri minológica materialistadialética introduz uma explicação política da emergência histórica do conceito jurídicoeconômico da retribuição equivalente como fenômeno socioestrutural específico das socieda des capitalistas a função de retribuição equivalente da pena criminal corresponde aos fundamentos materiais e ideológicos das sociedades fundadas na relação capitaltrabalho assalariado porque existe como forma de equivalência jurídica fundada nas relações de produção das sociedades contemporâneas63 2 A teoria materialistadialética da história parte do princípio de que a produção e a circulação de mercadorias é o fundamento material exploração e a coação das relações econômicas dominação é o conteúdo instituído e reproduzido pela forma livre e igual do Direito 63 PASUKANIS Teoria geral do direito e o marxismo 1972 p 203 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 436 242012 162830 437 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal da ordem social capitalista64 A síntese do materialismo histórico foi formulada por MARX no célebre Prefácio de 1859 que apresenta o método de estudo das formações sociais modernas Segundo essa concepção o Direito e o Estado não podem ser compreendidos por si mesmos mas pelas relações da vida material da sociedade civil cuja anatomia é representada pela economia política Na produção da vida social os homens entram em relações de produção determinadas e ne cessárias cujo conjunto constitui a estrutura econômica da sociedade a base real sobre a qual se elevam superestruturas jurídicas e políticas e à qual correspondem determinadas formas de consciência social O modo de produção da vida material condiciona os processos da vida social política e intelectual em geral não é a consciência dos homens que determina o ser mas o ser social que determina a consciência O conceito de modo de produção contém a dialética de forças produtivas e relações de produção a princípio as relações sociais de produção ou relações de propriedade correspondem às forças produtivas mate riais homens tecnologia e natureza mas em determinado estágio de desenvolvimento as forças produtivas entram em contradição com as relações de produção que se transformam em entraves ao seu desenvolvimento abrindo um período histórico de revolução social Nesses períodos de transformação histórica devese distinguir a mu dança das condições econômicas de produção que permitem verificação científica rigorosa por um lado e a alteração das formas ideológicas jurídicas e políticas pelas quais os homens definem e disciplinam os conflitos sociais por outro lado Essas épocas históricas não podem ser avaliadas por sua consciência jurídica política ou filosófica mas pelas contradições da vida material constituídas pelo conflito entre forças produtivas e relações de produção65 3 A explicação materialista da retribuição equivalente da pena criminal com o emprego de categorias científicas desenvolvidas para explicar 64 MARX AntiDuhring 1876 p 78 65 MARX Contribuição para a crítica da economia política Prefácio 1973 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 437 242012 162830 438 Teoria da Pena Capítulo 17 a relação capitaltrabalho assalariado das sociedades capitalistas foi inaugurada por PASUKANIS em A teoria geral do direito e o marxismo 1924 que inicia uma tradição de pensamento crítico em teoria jurí dica e criminológica na qual se inserem contribuições fundamentais da teoria marxista sobre crime e controle social Nessa tradição crítica RUSCHEKIRCHHEIMER em Punishment and social structure 193966 formulam a tese de que todo sistema de produção tende a descobrir punições que correspondem às suas relações produtivas demonstrando a relação mercado de trabalho sistema de punição o trabalhador integrado no mercado de trabalho é controlado pela disciplina do capital enquanto o trabalhador fora do mercado de trabalho é controlado pela disciplina da prisão Igualmente FOUCAULT em Surveiller et punir 1975 define o sistema punitivo como fenômeno social concreto ligado ao processo de produção menos pelos efeitos negativos de repressão e mais pelos efeitos políticos positivos de dominaçãoexploração uma economia política do corpo programada para produzir corpos dóceis e úteis como disciplina da força de trabalho67 cujo êxito histórico aparece na gestão diferencial da criminalidade com repressão das camadas sociais subalternas e imunidade das elites de poder econômico e político da sociedade capitalista68 Na mesma época MELOSSIPAVARINI em Cárcere e fábrica 197769 defi nem a relação cárcerefábrica como a matriz histórica do capitalismo demonstrando que as relações de trabalho da fábrica principal insti tuição da estrutura social dependem da disciplina do sistema penal principal instituição de controle social do capitalismo para manter e reproduzir as relações sociais de dominaçãoexploração de classe a 66 RUSCHEKIRCHHEIMER Punishment and social structure 2003 p 5 Every system of production tends to discover punishments wich correspond to its productive relationships 67 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 2632 e 125152 68 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 244248 69 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 438 242012 162831 439 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal prisão produziria um novo tipo humano o chamado capital variável capaz de produzir um valor superior ao seu preço de mercado representado pelo trabalho assalariado70 Finalmente BARATTA em Criminologia crítica e crítica do direito penal 198671 integra as contri buições da tradição materialistadialética em uma concepção unitária de Criminologia Crítica para a sociedade capitalista mostra a função de reprodução social do sistema penal e propõe uma política criminal alternativa de redução do Direito Penal desigual e de ampliação da democracia real cujo significado político aparece na perspectiva de abolição do sistema penal condicionada à superação do capitalismo como modo de produção de classes 4 A estrutura material das relações econômicas do capitalismo baseia se no princípio da retribuição equivalente em todos os níveis da vida social do trabalho pelo salário na produção social de bens ou serviços apesar da expropriação de maisvalia da mercadoria pelo preço na distribuição social de bens ou serviços não obstante o lucro etc Logo as formas jurídicas das relações de poder da formação social instituem a retribuição equivalente no âmbito da responsabilidade civil por exemplo sob a forma do contrato da indenização etc no âmbito da responsabilidade penal a retribuição equivalente é insti tuída sob a forma da pena privativa de liberdade como valor de troca do crime medido pelo tempo de liberdade suprimida72 A retribuição equivalente como valor de troca do crime nas sociedades capitalistas está ligada ao critério geral do valor da mercadoria determinado pela quantidade de trabalho social necessário para sua produção o 70 MELOSSI Punishment and social structure in Crime and social justice 9 p 7385 71 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição 72 PASUKANIS Teoria geral do direito e o marxismo 1972 p 202 A pena proporcionada à culpabilidade representa fundamentalmente a mesma forma que a reparação proporcionada ao dano Esta forma está inconscientemente mas profundamente ligada à representação do homem abstrato e do trabalho humano abstrato mensurável pelo tempo Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 439 242012 162831 440 Teoria da Pena Capítulo 17 tempo médio de dispêndio de energia produtiva segundo MARX73 A importância da teoria de PASUKANIS está em situar a retribuição equivalente no fecho da transição histórica do sujeito zoológico da vingança de sangue para o sujeito jurídico da pena proporcional a troca igual exclui a vingança posterior primeiro pelo talião mais tarde pela composição e finalmente consolidase como retribuição equivalente medida pelo tempo de liberdade suprimida conforme o critério de valor da sociedade capitalista74 5 A concepção de pena como retribuição equivalente da sociedade capitalista no sentido de valor de troca que realiza o princípio da igualdade do Direito corresponde à lógica da troca de força de tra balho pelo equivalente salarial no mercado que reduz toda riqueza social ao trabalho abstrato medido pelo tempo o critério geral do valor na Economia e no Direito75 Por um lado a pena como retribuição equivalente representa o momento jurídico da igualdade formal que oculta a submissão total da instituição carcerária como aparelho dis ciplinar exaustivo para produzir sujeitos dóceis e úteis que configura 73 Ver CIRINO DOS SANTOS A criminologia radical 2006 p 87 A definição da pena como forma salário da privação de liberdade baseada no valor de troca do tempo formulada por Foucault e antes dele por Rusche e Kirchheimer aparece ainda mais claramente em Pasukanis ao indicar a medida de tempo como critério comum para determinar o valor do trabalho na economia e a privação de liberdade no Direito 74 PASUKANIS A teoria geral do direito e o marxismo 1972 p 202 Para que a ideia da possibilidade de reparar o delito através de um quantum de liberdade tenha podido nascer foi preciso que todas as formas concretas da riqueza social tivessem sido reduzidas à mais abstrata e mais simples das formas ao trabalho humano medido pelo tempo 75 Essa correlação foi observada por teóricos tradicionais como KELSEN Algemeine Theorie der Normen 1990 p 109110 a instituição de sanções é consequência do emprego do decisivo princípio da retribuição para a vida comunitária Pode ser assim formulado se um membro da comunidade se comporta de modo lesivo a interesses da comunidade deve ser punido ou seja deve serlhe imposto um mal se ele se comporta de modo a promover interesses da comunidade deve ser recompensado ou seja deve serlhe atribuído um bem O princípio da retribuição exprime o princípio de justiça da igualdade igual por igual bem por bem mal por mal Como o princípio do talião olho por olho dente por dente Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 440 242012 162831 441 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal o cárcere como fábrica de proletários por outro lado o salário como retribuição equivalente do trabalho na relação jurídica entre sujeitos livres e iguais no mercado oculta a desigualdade real do processo de produção em que a expropriação de maisvalia significa retribuição desigual e a subordinação do trabalhador ao capitalista significa de pendência real determinada pela coação das necessidades econômicas que configuram a fábrica como cárcere do operário76 6 A analogia da pena criminal com a mercadoria na sociedade capitalis ta pode incluir também a dimensão de valor de uso da mercadoria se o valor de troca da pena criminal existe na fórmula de PASUKANIS como retribuição equivalente do crime então o valor de uso da pena criminal existiria nas funções de prevenção especial e de prevenção geral no sentido de funções utilitárias declaradas atribuídas ao valor de troca da pena criminal medido pelo tempo de liberdade suprimida do condenado a a prevenção especial negativa de neutralização do condenado e a prevenção especial positiva de correção do condenado vinculam a retribuição equivalente da pena criminal às funções reaislatentes de disciplina da classe trabalhadora b a prevenção geral negativa de intimidação de criminosos potenciais e a prevenção geral positiva de integraçãoprevenção da pena criminal como afirmação da validade da norma na linha de JAKOBS ou como afirmação dos valores comunitários na linha de ROXIN vinculam a retribuição equivalente da pena criminal às fun ções reaislatentes de preservação da ordem social fundada na relação capitaltrabalho assalariado das sociedades contemporâneas Contudo se o valor de troca da retribuição equivalente caracteriza a função real da pena criminal o valor de uso atribuído às funções de prevenção especial e geral possui funções declaradas ineficazes mas 76 PASUKANIS Teoria geral do direito e o marxismo 1972 p 163183 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 441 242012 162831 442 Teoria da Pena Capítulo 17 funções reais eficazes de garantia das condições fundamentais da sociedade capitalista garantem a separação força de trabalhomeios de produção sobre a qual assenta o modo de produção fundado na con tradição capitaltrabalho assalariado Dito de outra maneira o valor de uso atribuído à pena criminal inútil do ponto de vista das funções declaradas do sistema penal é útil do ponto de vista das funções políticas reais da pena criminal precisamente porque a desigualdade social e a opressão de classe do capitalismo é garantida pelo discurso penal da correçãoneutralização individual e da intimidaçãoreforço da fidelidade jurídica do povo77 Conclusão se a pena constitui retribuição equivalente do crime medida pelo tempo de liberdade suprimida segundo a gravidade do crime realizado determinada pela conjunção de desvalor de ação e de desvalor de resultado então a pena como retribuição equivalente representa a forma de punição específica e característica da sociedade capitalista que deve perdurar enquanto subsistir a sociedade de pro dutores de mercadorias78 gostemos ou não disso 2 A prevenção especial como garantia das relações sociais 1 A prevenção especial negativa de neutralização do condenado me diante privação de liberdade a incapacitação seletiva de indivíduos considerados perigosos em princípio incontestável porque impede a 77 PASUKANIS A teoria geral do direito e o marxismo 1972 p 185 s 78 PASUKANIS Teoria geral do direito e o marxismo 1972 p 207 Enquanto a fórmula mercantil e a forma jurídica que dela resulta continuarem a imprimir à sociedade a sua marca a ideia de que a gravidade de cada delito pode ser calculada e expressa em meses ou anos de prisão conservará na prática judiciária a sua força e a sua significação reais Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 442 242012 162831 443 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal prática de crimes fora dos limites da prisão igualmente possui aspectos contraditórios como demonstra a crítica criminológica79 a a privação de liberdade produz maior reincidência portan to maior criminalidade determinada pelos reais efeitos nocivos da prisão b a privação de liberdade exerce influência negativa na vida real do condenado mediante desclassificação social objetiva redução das chances de futuro comportamento legal e formação subjetiva da autoimagem de criminoso portanto habituado à punição c a execução da pena privativa de liberdade representa a máxima desintegração social do condenado com a perda do lugar de trabalho a dissolução dos laços familiares afetivos e sociais a formação pessoal de atitudes de dependência determinadas pela regulamentação da vida prisional além do estigma social de excondenado d a subcultura da prisão produz deformações psíquicas e emo cionais no condenado que excluem a reintegração social e realizam a chamada self fulfilling prophecy como disposição aparentemente inevitável de carreiras criminosas e prognoses negativas fundadas em indicadores sociais desfavo ráveis como pobreza desemprego escolarização precária moradia em favelas etc desencadeiam estereótipos justificadores de criminalização para correção individual por penas privativas de liberdade cuja exe cução significa experiência subcultural de prisionalização deformação pessoal e ampliação de prognósticos negativos de futuras reinserções no sistema de controle f finalmente o grau de periculosidade criminal do condenado é proporcional à duração da pena privativa de liberdade quanto maior a 79 KUNZ Kriminologie 1994 ns 2124 p 286287 e ns 4246 p 295296 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 4147 e 6062 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição p 173 e s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 443 242012 162831 444 Teoria da Pena Capítulo 17 experiência do preso com a subcultura da prisão maior a reincidência e a formação de carreiras criminosas conforme demonstra o labeling approach80 2 A crítica criminológica da função de prevenção especial positiva da pena criminal baseada na noção de crime como problema individual e na concepção de pena como tratamento curativo81 demonstra o fracasso histórico do projeto técnicocorretivo da prisão82 caracteriza do pelo reconhecimento continuado do fracasso e pela reproposição reiterada do mesmo projeto fracassado segundo o célebre isomorfismo reformista de FOUCAULT83 A crise do projeto de reconstrução do condenado como força de trabalho útil sintetizada no famoso nothing works de MARTINSON84 está na origem da atual transformação da prisão em instrumento de pura deterrence reduzido à prevenção especial negativa de segurança e de incapacitação do preso As distorções do projeto técnicocorretivo de prevenção especial positiva abrangem os momentos de aplicação e de execução da pena criminal A crise da aplicação da pena reside na contradição entre o discurso do processo legal devido e a realidade do exercício seletivo do poder de punir a por um lado o discurso do processo legal devido regido pela dogmática como critério de racionalidade vê o crime como realidade ontológica préconstituída que o sistema de justiça criminal identifica e processa85 b por outro lado a realidade do exercício seletivo do poder de punir encoberta pelo discurso do processo legal devido 80 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 4147 e 6062 também KUNZ Kriminologie 1994 ns 2124 p 286287 81 KUNZ Kriminologie 1994 l 39 p 294 82 BARATTA Criminologia crítica e crítica do Direito Penal 1999 2a edição p 205 83 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 239 84 MARTINSON What Works Questions and answer about prison reform 1974 p 2254 85 Ver BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição p 10419 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 8283 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 444 242012 162831 445 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal permite a compreender o crime como realidade social construída pelo sistema de controle social b definir criminalização como um bem social negativo distribuído desigualmente pela posição social do autor e c identificar o sistema de justiça criminal como instituição ativa na transformação do cidadão em criminoso86 O crime como realidade social construída a criminalização como bem social negativo e o sistema de justiça criminal como instituição ativa na distribuição social da criminalização podem ser explicados pela lógica menos ou mais inconsciente das chamadas metarregras ou basic rules segun do CICOUREL87 mecanismos psíquicos de natureza emocional atuantes no cérebro do operador do Direito constituídos de estereó tipos preconceitos idiossincrasias e outras deformações ideológicas do intérprete88 definidos por SACK como o momento decisivo do 86 Comparar BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição p 15970 ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 1993 p 4953 87 CICOUREL Basic and normative rules in negotiation of status and roles in DREITZEL Editor 1970 p 445 88 Ver LOPES JR Introdução crítica ao processo penal 2004 p 7483 especialmente p 7678 com o seguinte trecho antológico Aqui está um outro grave problema o juiz que assume uma cultura subjacente de forte conotação de defesa social incrementada pela ação persistente dos meios de comunicação reclamando menos impunidade e maior rigor penal É aquele juiz que absorve esse discurso de limpeza social e assim passa a atuar colocandose no papel de defensor da lei e da ordem verdadeiro guardião da segurança pública e da paz social Esse juiz representa uma das maiores ameaças ao processo penal e à própria administração da justiça pois é presa fácil dos juízos apriorísticos de inverossimilitude das teses defensivas introjeta com facilidade os discursos de combate ao crime e transforma o processo numa encenação inútil pois desde o início já tem definida a hipótese acusatória como verdadeira Logo invocando uma vez mais CORDERO esse juiz ao eleger de início a hipótese verdadeira não faz no processo mais do que uma encenação destinada a mascarar a hábil alquimia de transformar os fatos em suporte da escolha inicial Ou seja não decide a partir dos fatos apresentados no processo senão da hipótese inicialmente eleita como verdadeira A decisão não foi construída a partir da prova pois ela já foi tomada de início É o prejuízo que decorre do préjuízo Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 445 242012 162831 446 Teoria da Pena Capítulo 17 processo de criminalização89 capazes de esclarecer a concentração da repressão penal em setores sociais marginalizados ou subalternos ou na área das drogas ou do patrimônio por exemplo e não nos crimes contra a economia a ordem tributária a ecologia etc próprios das elites de poder econômico e político da sociedade90 3 Enfim a crise da execução da pena como realização do projeto técnicocorretivo da prisão é irreversível E a explicação da crise é simples a prisão introduz o condenado em duplo processo de trans formação pessoal de desculturação pelo desaprendizado dos valores e normas de convivência social e de aculturação pelo aprendizado de valores e normas de sobrevivência na prisão91 a violência e a corrupção ou seja a prisão só ensina a viver na prisão Em poucas palavras a prisão prisionaliza o preso que depois de aprender a viver na prisão retorna para as mesmas condições sociais adversas que determinaram a criminalização anterior Em síntese o processo simultâneo de desculturação e de acultura ção descrito por BARATTA designa aqueles mecanismos de adaptação pessoal à subcultura da prisão desencadeados pela rotulação oficial do cidadão como criminoso que transformam a autoimagem e deformam a personalidade do condenado recondicionada como produto de nova reconstrução social orientada pelos valores e normas de sobrevivência na prisão como indica o labeling approach92 Cumprida a pena o re torno do condenado prisionalizado para as mesmas condições sociais adversas determinantes da criminalização anterior encontra um novo componente a atitude dos outros A expectativa da comunidade de 89 SACK Neue Perspektiven in der Kriminologie in Kriminalsoziologie organizado por R Konig e F Sack 1968 p 469 90 Ver BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição p 104109 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 8283 91 Ver BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição p 184 92 BECKER Outsiders Studies in the Sociology of Deviance 1963 p 814 análise ampla em BERGALLI La recaída en el delito modos de reaccionar contra ella 1980 p 215243 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 446 242012 162831 447 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal que o estigmatizado se comporte conforme o estigma ou seja que assuma o papel de criminoso praticando novos crimes fecha as supostas possibilidades de reinserção social e completa o modelo sequencial de formação de carreiras criminosas realizando a chamada self fulfilling prophecy em que o condenado assume as características do rótulo concretizando a previsão de autorrealização93 e confirmando a teoria da construção da personalidade no processo de interação social 4 Como visto o fracasso histórico da prisão referese à função de clarada de correção de ressocialização de reeducação etc em suma do que é definido como ideologia re94 do condenado atribuída à pena criminal pela ideologia do sistema punitivo porque a função real de controle seletivo da criminalidade fundado em indicadores sociais negativos e de garantia de relações sociais desiguais fundadas na relação capitaltrabalho assalariado constitui incontestável êxito histórico como assinala FOUCAULT95 3 A prevenção geral como afirmação da ideologia dominante 1 A prevenção geral negativa da ameaça penal pode ter efeito de sestimulante em crimes de reflexão crimes econômicos ecológicos tributários etc característicos do Direito Penal simbólico mas não teria efeito em crimes impulsivos violência pessoal ou sexual por exemplo96 próprios da criminalidade comum estampada nos meios de comunicação de massa Logo a inibição de impulsos antissociais pela 93 LEMERT Human Deviance Social Problems and Social Control 1972 p 6292 94 Ver ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 2003 p 116 95 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 244248 96 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 6465 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 447 242012 162831 448 Teoria da Pena Capítulo 17 ameaça penal somente seria relevante no Direito Penal simbólico um direito destituído de eficácia instrumental e instituído para legitimação retórica do poder punitivo do Estado mediante criaçãodifusão de imagens ilusórias de eficiência repressiva na psicologia do povo mas é absolutamente irrelevante no Direito Penal instrumental cujo objeto é delimitado pela criminalidade comum área de incidência exclusiva da repressão penal seletiva97 2 A prevenção geral positiva substitui a proteção de direitos individuais pela proteção de complexos funcionais finanças tributos ecologia energia etc ou seja substitui a proteção de bens jurídicos indivi duais pela proteção de funções sistêmicas98 A concepção do Direito como subsistema normativo de estabilização do sistema social mostra a natureza conservadora da teoria como discurso de reprodução conservação da realidade social construído com base no sistema de direito positivo Como sempre a resposta penal é uma reação sinto matológica ao nível da manifestação do conflito o fato criminoso e não ao nível da produção do conflito determinações estruturais da desigualdade social justificada pelos supostos efeitos de inte gração social e de aumento da confiança institucional desse modo encobre os reais efeitos negativos de desagregação social dos presos introduzidos em carreiras criminosas por um sistema penal desigual e seletivo99 Em poucas palavras enquanto o discurso da prevenção integração legitima a repressão seletiva das camadas subalternas e a imunidade das elites de poder econômico e político o discurso crítico revela a ligação da repressão seletiva dos marginalizados sociais com 97 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 7475 98 BARATTA Integrazioneprevenzione Una nuova fondazione della pena allinterno della teoria sistêmica in Dei delitti e delle pene 1984 n 1 p 13 99 BARATTA Integrazioneprevenzione Una nuova fondazione della pena allinterno della teoria sistêmica in Dei delitti e delle pene 1984 n 1 p 17 e s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 448 242012 162832 449 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal a reprodução das relações sociais desiguais precisamente mediante o processo de gestão diferencial do sistema penal100 3 A análise do discurso de JAKOBS a mais ortodoxa aplicação da teoria permite um diagnóstico claro primeiro definir crime como violação da norma significa reduzir crime à lesão da vontade do poder conforme indica o conceito de frustração das expectativas norma tivas que prescinde da lesão de bens jurídicos como fundamento constitucional de punibilidade101 segundo definir pena como reação contra a violação da norma ou seja como contradição à contradição da norma que reafirma e estabiliza a validade da norma violada às custas do competenteresponsável102 parece ter por objetivo garantir a fidelidade do cidadão à vontade do poder103 terceiro se a punição do criminoso aumenta a confiança no Direito reforçando a fidelidade jurídica do povo e ao contrário a não punição do criminoso diminui a confiança no Direito reduzindo a fidelidade jurídica do povo então a tarefa do Direito Penal seria satisfazer os impulsos punitivos da população um objetivo irracional substitutivo da proteção de bens jurídicos que atrela o Direito Penal à barbárie dos instintos primitivos quarto e paradoxalmente o crime como frustração das expectativas normativas e a pena como demonstração da validade da norma parecem concentrar todas as funções da pena criminal104 pressupõe a ameaça penal implica a aplicação e execução da pena como neutralização e correção do condenado e existe de fato como exercício comunitário 100 BARATTA Integrazioneprevenzione Una nuova fondazione della pena allinterno della teoria sistêmica in Dei delitti e delle pene 1984 n 1 p 22 e s 101 JAKOBS Strafrecht 1993 n 9 p 9 e ns 15 p 3537 102 JAKOBS Strafrecht 1993 n 9 p 910 103 JAKOBS Strafrecht 1993 ns 68 p 3738 104 JAKOBS Strafrecht 1993 ns 68 p 3738 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 449 242012 162832 450 Teoria da Pena Capítulo 17 de retribuição105 definida como necessária para restabelecer a confiança na norma e reforçar a fidelidade jurídica do cidadão106 4 Na verdade a função de prevenção geral positiva é fenômeno contemporâneo ao Direito Penal simbólico produzido pela pressão corporativista de sindicatos associações de classes partidos políticos organizações não governamentais etc representado pela crimina lização de situações sociais problemáticas nas áreas da economia da ecologia da genética e outras em que o Estado não parece interes sado em soluções sociais reais mas em soluções penais simbólicas com generalizada subordinação de direitos humanos a exigências de funcionalidade do sistema econômico tributário etc como denunciava BARATTA107 Como se sabe o Direito Penal realiza funções instrumentais de efetiva aplicação prática e funções simbólicas de projeção de imagens na psicologia popular mas o segmento legal conhecido como Direito Penal simbólico caracterizado pela criminalização do risco em áreas cada vez mais distantes do bem jurídico a pósmoderna criminaliza ção do perigo abstrato não tem função instrumental apenas função simbólica de legitimação do poder político Na área das situações sociais problemáticas o Direito Penal parece reduzido ao papel ideológico de criação de símbolos no imaginário popular com o objetivo oculto de legitimar o poder político do Estado e o próprio Direito Penal como instrumento de política social108 A legitimação do poder político do 105 Assim também FÖPPEL EL HIRECHE A função da pena na visão de Claus Roxin 2004 p 43 106 JAKOBS Strafrecht 1993 ns 1516 p 1314 em especial n 2225 p 4446 107 BARATTA Integrazioneprevenzione Una nuova fondazione della pena allinterno della teoria sistêmica in Dei delitti e delle pene 1984 n 1ALBRECHT Kriminologie 1999 p 6667 108 BATISTA Prezada senhora Viégas o anteprojeto de reforma no sistema de penas in Discursos sediciosos n 910 p 105 fala da constatada incapacidade do sistema penal para resolver conflitos que lhe são atirados por um legislador que oferece ao público uma solução simbólica a criminalização primária do conflito como se fora uma solução real Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 450 242012 162832 451 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal Estado ocorre pela criação de uma aparência de eficiência repressiva na chamada luta contra o crime definido como inimigo comum que garante a lealdade do eleitorado e de quebra reproduz o poder polí tico109 como por exemplo o lastimável apoio de partidos populares a projetos de leis repressivas no Brasil é explicável exclusivamente por sua conversibilidade em votos ou seja por seus efeitos políticos de conservaçãoreprodução do poder A legitimação do Direito Penal pela criação de símbolos no ima ginário popular é simbólica porque a penalização das situações proble máticas não significa solução social do problema mas solução penal para satisfação retórica da opinião pública110 não obstante possui efeito instrumental porque legitima o Direito Penal como programa desigual de controle social agora revigorado para a repressão seletiva contra favelas e bairros pobres das periferias urbanas especialmente contra a força de trabalho marginalizada do mercado sem função na reprodução do capi tal porque pelo menos no nível simbólico o Direito Penal seria igual para todos111 Aliás o discurso eficientista da prevenção geral positiva permite justificar a redução ou exclusão de garantias constitucionais de liberdade igualdade presunção de inocência e outras garantias do processo penal civilizado112 cuja constante supressão histórica mostra a existência simultânea de um Estado de Direito para as classes hege mônicas e de um Estado de Polícia para as camadas subalternas um pouco na linha de ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR113 109 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição p 207 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 7475 110 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 7475 111 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 6970 112 ALBRECHT Kriminologie 1999 p 6880 113 ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 2003 p 41 Não há nenhum estado de direito puro o estado de direito não passa de uma barreira a represar o estado de polícia que invariavelmente sobrevive em seu interior O estado de direito é concebido como o que submete todos os habitantes à lei e opõese ao estado de polícia onde todos os habitantes estão subordinados ao poder daqueles que mandam Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 451 242012 162832 452 Teoria da Pena Capítulo 17 além de escamotear ou disfarçar a relação da criminalidade com a estrutura de desigualdade da sociedade contemporânea instituída pelo Direito e garantida pelo poder do Estado 5 Por último a função declarada de prevenção geral negativa intimi dação pela ameaça penal ou de prevenção geral positiva afirmação da validade da norma atribuídas pela ideologia do sistema penal à pena criminal é o discurso encobridor da função real da pena criminal de garantia da ordem social capitalista fundada na separação força de trabalhomeios de produção que institui e reproduz relações sociais desiguais e opressivas 4 Conclusão 1 O discurso crítico da teoria criminológica da pena define o Direito Penal como sistema dinâmico desigual em todos os níveis de suas fun ções a ao nível da definição de crimes constitui proteção seletiva de bens jurídicos representativos das necessidades e interesses das classes hegemônicas nas relações de produçãocirculação econômica e de po der político das sociedades capitalistas b ao nível da aplicação de penas constitui estigmatização seletiva de indivíduos excluídos das relações de produção e de poder político da formação social c ao nível da execução penal constitui repressão seletiva de marginalizados sociais do mercado de trabalho e portanto de sujeitos sem utilidade real nas relações de produçãodistribuição material embora com utilidade simbólica no processo de reprodução das condições sociais desiguais e opressivas do capitalismo114 114 Ver BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição p 161 também ALBRECHT Kriminologie 1999 p 4445 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 452 242012 162832 453 Capítulo 17 Política Criminal e Direito Penal Essa concepção mostra o significado de conservação e de reprodu ção social realizado pelo programa desigual e seletivo do Direito Penal cujas sanções estigmatizantes realizam dupla função de um lado a fun ção política de garantir e reproduzir a escala social vertical como função real da ideologia penal de outro lado a função ideológica de encobrir imunizar comportamentos danosos das elites de poder econômico e político da sociedade como função ilusória da ideologia penal115 2 Nesse contexto a desigualdade do Direito Penal exprime a relação dos mecanismos seletivos do processo de criminalização com as leis de desenvolvimento histórico da formação econômica capitalista a ao nível da criminalização primária a ideologia da proteção de bens jurí dicos oculta a realidade da proteção seletiva de interesses e privilégios das classes sociais hegemônicas em duas direções criminalização de comportamentos típicos das classes sociais subalternas especialmente marginalizados sociais e exclusão dos comportamentos socialmente danosos das classes hegemônicas da formação social b ao nível da cri minalização secundária a posição social do acusado representa a variável decisiva do processo penal também em duas direções concentração da criminalização nos marginalizados sociais e no subproletariado com a posição precária no mercado de trabalho desocupação subocupação e trabalho não qualificado como variável interveniente e imunização penal das elites de poder econômico e político116 3 Em resumo a a pena criminal cumpre a função de retribuição equi valente do crime nas sociedades modernas precisamente mediante a neutralização de condenados reais durante a execução da pena even tualmente com a função complementar de intimidação de autores potenciais b as outras funções i de correção individual prevenção especial positiva destruída pela experiência histórica e arquivada pelo 115 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição p 167 116 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 2a edição p 165 167 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 453 242012 162832 454 Teoria da Pena Capítulo 17 labeling approach e ii de afirmação da validade da norma prevenção geral positiva em contradição com a correlação sistema penalmercado de trabalho constituem retórica encobridora das funções reais da pena crimi nal de garantia da desigualdade social e da opressão de classe da relação capitaltrabalho assalariado das sociedades contemporâneas 4 Por isso a função de retribuição equivalente do crime fundada no valor de troca medido pelo tempo a de trabalho social necessário na economia e b de liberdade pessoal suprimida no Direito legitima a pena segundo a lógica do capital produtora de um Direito Penal desigual como pro grama de criminalização seletiva de marginalizados sociais do mercado de trabalho orientado por indicadores sociais negativos pobreza desemprego etc que ativam estereótipos preconceitos idiossincrasias pessoais e todo o sistema ideológico dos agentes de controle social excluindo ou reduzindo a função de critério de racionalidade atribuída à dogmática penal117 5 Então por que fazer dogmática penal A dogmática penal depen de do critério que informa o trabalho científico em Direito Penal a produzir dogmática penal como critério de racionalidade do sistema punitivo significa assumir o ponto de vista do poder repressivo do Estado no processo de criminalização de marginalizados do mercado de trabalho e da pobreza social em geral b produzir dogmática penal como sistema de garantias do indivíduo em face do poder punitivo do Estado118 no sentido de construir conceitos capazes de excluir ou de reduzir o poder de intervenção do Estado na esfera da liberdade individual e portanto capazes de impedir ou de amenizar o sofrimento humano produzido pela desigualdade e pela seletividade do sistema penal constitui tarefa cien tífica de significado democrático nas sociedades contemporâneas119 117 Nesse sentido ZAFFARONIBATISTAALAGIASLOKAR Direito penal brasileiro 2003 p 44 s 118 Comparar GIMBERNAT ORDEIG Hat die Strafrechtsdogmatik eine Zukunft ZStW 82 1970 p 405 s 119 Ver CIRINO DOS SANTOS Novas hipóteses de criminalização in ANAIS da XVIII Conferência Nacional dos Advogados 2002 v I p 937946 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 454 242012 162832 455 Capítulo 18 priSão e coNtroLe SociaL I Introdução A prisão é o aparelho disciplinar exaustivo da sociedade capita lista constituído para exercício do poder de punir mediante privação de liberdade em que o tempo exprime a relação crimepunição o tempo é o critério geral e abstrato do valor da mercadoria na economia assim como a medida de retribuição equivalente do crime no Direito1 Portanto esse dispositivo do poder disciplinar funciona como apa relho jurídico econômico que cobra a dívida do crime em tempo de liberdade suprimida e como aparelho técnico disciplinar programado para realizar a transformação individual do condenado2 O método de transformação individual da prisão é a disciplina a política de coerção exercida para dissociar a energia do corpo da vonta de pessoal do condenado com o objetivo de construir indivíduos dóceis e úteis que obedecem e produzem3 Os recursos do poder disciplinar são a vigilância hierárquica a sanção normalizadora e o exame confor me a célebre formulação de FOUCAULT a a vigilância hierárquica pela qual técnicas de ver produzem efeitos de poder é exercida por dispositivos que obrigam pelo olhar representados por redes verticais de relações de controle b a sanção normalizadora é constituída por uma ordem artificial de punições e recompensas disciplinares em 1 PASUKANIS A teoria geral do direito e o marxismo 1972 p 163 2 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 207 3 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 127 CIRINO DOS SANTOS A criminologia radical 2006 p 7778 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 455 242012 162833 456 Teoria da Pena Capítulo 18 que a identidade do modelo produz sujeitos homogêneos c o exame como controle normalizante e ritualizado fundado na vigilância e na sanção é uma tecnologia de dominação que constitui o indivíduo como objeto de saber e efeito de relações de poder4 O dispositivo do poder disciplinar é o panótico utilizado para controlar coletividades humanas em instituições de custódia instrução e trabalho caracteri zado pelo funcionamento automático do poder porque a consciência da vigilância gera a desnecessidade objetiva da vigilância5 Todavia nem a disciplina como método de reconstrução de in divíduos nem a prisão como dispositivo do poder disciplinar podem ser explicadas por si mesmas ou como produtos do desenvolvimento da imaginação punitiva do ser humano ao contrário a disciplina nasce da administração capitalista do trabalho na fábrica onde os trabalhadores são submetidos à autoridade do capitalista e se estende da fábrica para a sociedade onde funciona como núcleo ideológico das instituições de controle social da sociedade civil responsáveis pela formação de um novo tipo humano a força de trabalho dócil e útil à disposição do capital no mercado de trabalho6 igualmente a prisão nasce de exigências do mercado de trabalho o espaço social em que a força de trabalho existe à disposição do capital e funcio na como dispositivo do poder disciplinar instituído para adequar a força de trabalho às necessidades do capital segundo o princípio de RUSCHEKIRCHHEIMER de que todo sistema de produção tende a descobrir punições que correspondem às suas relações produtivas7 Nesse sentido a disciplina como método e o panótico como dispositivo do poder disciplinar caracterizam a prisão como a principal instituição 4 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 153 CIRINO DOS SANTOS A criminologia radical 2006 p 7879 5 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 173 6 MELOSSI Institutions of social control and capitalist organization of work in B Fine et al Editores Capitalism and the rule of law 1979 p 91 7 RUSCHEKIRCHHEIMER Punishment and social structure 2003 p 5 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 456 242012 162833 457 Capítulo 18 Prisão e Controle Social auxiliar da fábrica no interior da sociedade política portanto dentro do Estado por sua vez o mais poderoso veículo de controle social8 enquanto na sociedade civil funcionam outras instituições auxiliares do capital responsáveis pela constituição psicofísica e ideológica da força de trabalho como a família a escola a Igreja os sindicatos os meios de comunicação etc9 Assim depois de Punishment and social structure de RUSCHE e KIRCHHEIMER10 que descobre a relação mercado de trabalho prisão na gênese histórica da sociedade capitalista depois de Vigiar e Punir de FOUCAULT11 que mostra a disciplina como mecanismo de poder na produção de sujeitos dóceis e úteis na economia e no con trole social depois de Cárcere e fábrica de MELOSSI e PAVARINI12 que descobre as raízes da disciplina na contradição capitaltrabalho assalariado materializada nas relações de produção da fábrica enfim depois de Criminologia crítica e crítica do direito penal de BARATTA13 que demonstra a função de reprodução social do sistema penal e uni fica as contribuições críticas em uma concepção de política criminal alternativa fundada na ampliação da democracia real e na redução do poder penal depois desses momentos decisivos da história do Direito Penal e da Criminologia não é mais possível explicar a prisão pela ideologia penal expressa no discurso oficial da retribuição da prevenção especial e da prevenção geral do crime14 igualmente não é 8 Ver CIRINO DOS SANTOS A criminologia radical 2006 p 111 s também MELOSSI Institutions of social control and capitalist organization of work in B Fine et al Editores Capitalism and the rule of law 1979 p 99 9 Comparar CIRINO DOS SANTOS A criminologia radical 2006 p 111113 MELOSSI Institutions of social control and capitalist organization of work in B Fine et al Editores Capitalism and the rule of law 1979 p 9294 10 RUSCHEKIRCHHEIMER Punishment and social structure 1939 11 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 12 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 13 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 14 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal 1999 p 193 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 457 242012 162833 458 Teoria da Pena Capítulo 18 mais possível explicar a pena criminal pelo comportamento criminoso porque exprime a criminalização seletiva de marginalizados sociais excluídos dos processos de trabalho e de consumo social realizada pelo sistema de justiça criminal polícia justiça e prisão enfim também não é possível explicar o crime pela simples lesão de bens jurídicos porque exprime a proteção seletiva de valores do sistema de poder econômico e político da formação social Ao contrário somente a lógica contraditória da relação social fundamental capitaltrabalho assalariado pode explicar a proteção seletiva de bens jurídicos pelo legislador a criminalização seletiva de sujeitos com indicadores sociais negativos e finalmente a prisão como instituição central de controle social formal da sociedade capitalista II A relação cárcerefábrica A prisão aparelho de privação de liberdade do sistema de controle social e a fábrica aparelho de produção econômica da es trutura social são as instituições básicas das sociedades capitalistas contemporâneas15 em relação de dependência recíproca as relações de produção materiais fundadas na separação trabalhadormeios de produção e a disciplina do trabalho na fábrica organizada com obje tivo de lucro dependem diretamente da prisão principal instituição de controle social inversamente os fins retributivos e preventivos da prisão garantem as relações sociais baseadas na contradição capital trabalho assalariado enquanto o método punitivo da prisão objetiva transformar o sujeito real condenado em sujeito ideal trabalhador adaptado à disciplina do trabalho na fábrica principal instituição da 15 MELOSSI Institutions of social control and capitalist organization of work in Bob Fine et al Editores Capitalism and the rule of law 1979 p 999 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 458 242012 162833 459 Capítulo 18 Prisão e Controle Social estrutura social16 A correlação fábricacárcere ou de modo mais geral a correlação capital estrutura social e prisão controle social é a matriz histórica da sociedade capitalista17 que explica o apare cimento do aparelho carcerário nas primeiras sociedades industriais Holanda Inglaterra Estados Unidos e França além de explicar a origem e decadência dos múltiplos sistemas de exploração da força de trabalho carcerária III A origem da penitenciária A relação capitaltrabalho assalariado é a clave para compreender a instituição carcerária expropriados dos meios de produção e expulsos do campo o violento processo de acumulação primitiva do capital nos séculos 15 e 16 os camponeses se concentram nas cidades onde a insuficiente absorção de mão de obra pela manufatura e a inadaptação à disciplina do trabalho assalariado originam a formação de massas de desocupados urbanos18 Essa massa de desocupados forçados con vertida numa população de mendigos vagabundos ladrões e outros delinquentes dos centros urbanos um produto de determinações estruturais interpretado como expressão de atitudes individuais de feituosas19 é tangida para as workhouses uma invenção do século 16 16 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 207211 266 também BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal introdução à sociologia do direito penal 1999 2a edição p 173 17 BARATTA Criminologia crítica e crítica do direito penal introdução à sociologia do direito penal 1999 2a edição p 190196 18 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 2930 19 MARX O Capital 2005 20ª edição Livro 1 v 2 p 848 ver MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 31 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 459 242012 162833 460 Teoria da Pena Capítulo 18 para resolver problemas de exclusão social do capitalismo ascenden te casas de trabalho forçado de camponeses expropriados dos meios de subsistência material com a finalidade de disciplina e adequação pessoal para o trabalho assalariado A penitenciária moderna começa nas workhouses instituições de trabalho forçado do período de germi nação do capitalismo carente de mão de obra disposta ao trabalho assalariado20 criadas para a tarefa de disciplina da força de trabalho da manufatura e depois da indústria reforçando o papel da família da escola e de outras instituições sociais21 A estrutura celular de Rasphuis casa de trabalho forçado fundada em Amsterdam no início do século 17 seria o modelo de aparelho carcerário para disciplina da força de trabalho ociosa da Europa conti nental22 o modelo de Rasphuis cujo nome provém da ação de raspar madeira proveniente da América do Sul provavelmente o paubrasil para produzir tintura institui o trabalho obrigatório como método pedagógico para reconstruir o homo oeconomicus com duas exigências a exclusão de penas breves pela aprendizagem insuficiente b exclu são de penas perpétuas pelo desinteresse de aprender inaugurando as teorias da prevenção especial cujo objetivo de correção determina a duração das penas criminais23 O desenvolvimento de formações sociais capitalistas multiplica o modelo de Rasphuis na Europa mas os modelos clássicos de prisão somente surgirão nos Estados Unidos da América a formação social capitalista mais desenvolvida da modernidade o modelo de Filadélfia instituído na famosa prisão de Walnut Street 1790 e o modelo de 20 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 165166 21 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 3643 22 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 3233 23 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 107 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 460 242012 162833 461 Capítulo 18 Prisão e Controle Social Auburn em New York 181924 A instituição penitenciária moder na caracterizase por dois aspectos principais economia de custos e trabalho produtivo A estrutura arquitetônica do estabelecimento penitenciário adota o modelo panótico o dispositivo ideal do poder disciplinar constituído de torre central e anel periférico com distribui ção dos corpos conforme exigências de separação e visibilidade que reduzem a força política e aumentam a força útil dos condenados25 A prisão aparelho de punição por privação de liberdade característico das sociedades capitalistas baseiase no princípio de menor elegibilida de para desestimular comportamentos criminosos o nível de vida da prisão deve estar abaixo do nível de vida da classe trabalhadora mais inferior da população livre26 Na sociedade de produção de mercadorias a reprodução am pliada do capital pela expropriação de maisvalia da força de traba lho a energia produtiva capaz de produzir valor superior ao seu valor de troca salário exige o controle da classe trabalhadora na fábrica a coação das necessidades econômicas submete a força de trabalho à autoridade do capitalista fora da fábrica os trabalhadores marginalizados do mercado de trabalho a chamada superpopulação relativa sem função direta na reprodução do capital mas necessária para manter os salários em níveis adequados à máxima valorização do capital são controlados pelo cárcere que funciona como instituição auxiliar da fábrica27 Logo a disciplina como política de coerção do 24 FOUCAULT Vigiar e punir 1977 p 107 e 110 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 179 25 FOUCAULT Vigiar e punir p 173199 comparar CIRINO DOS SANTOS Direito penal a nova parte geral 1985 p 279 26 RUSCHEKIRCHHEIMER Punishment and social structure 2003 p 108 The upper margin for the maintenance of the prisoners was thus determined by de necessity of keeping the prisoners living standard below the living standard of the lowest classes of the free population 27 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 6670 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 461 242012 162833 462 Teoria da Pena Capítulo 18 aparelho carcerário para produzir sujeitos dóceis e úteis na formulação de FOUCAULT descobre suas determinações materiais na relação capitaltrabalho assalariado porque existe como adestramento da força de trabalho para reproduzir o capital e portanto como fenômeno de economia política na definição de MELOSSIPAVARINI28 IV O modelo filadelfiano de penitenciária O modelo filadelfiano de instituição penitenciária do final do século 18 inspirado na concepção religiosa Quaker foi a alternativa para o trabalho carcerário no período da produção manufatureira de um lado o panótico de Bentham como arquitetura disciplinar da instituição penal de outro o confinamento em celas individuais para oração e trabalho como a nova pedagogia da correção A funcionalidade do panótico para instituições de controle logo também para escolas hospitais e fábricas e a redução de custos administrativos explica a rápida difusão do modelo filadelfiano de prisão no capitalismo primi tivo de pequeno capital fixo e reduzida produtividade29 Os principais sistemas de trabalho carcerário do modelo de Filadélfia em que o Estado organiza e controla os processos produtivos e exerce o poder disciplinar na instituição carcerária são os seguintes30 a o stateuse com emprego da força de trabalho na produção de manufaturas na prisão consumidas pela própria administração penitenciária e estatal com produtividade reduzida em relação ao 28 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 70 29 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 167169 30 Ver MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 176177 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 462 242012 162833 463 Capítulo 18 Prisão e Controle Social mercado livre mas sem oposição de sindicatos ou moralistas na verdade o sistema hoje predominante de trabalho carcerário na América Latina b o public work em que a força de trabalho é empregada em obras públicas na construção de estradas ferrovias prisões etc com eventual oposição de sindicatos pela concorrência no mercado de trabalho livre c o public account em que o sistema carcerário se converte em empresa pública o Estado compra a matériaprima organiza os processos produtivos e vende os produtos a preços competitivos no mercado com todas as vantagens do trabalho carcerário mas os reduzidos custos de produção determinados por salários inferiores e pela ausência de tributos desestimulam a concorrência externa e geram a oposição de entidades sociais sindicatos e partidos políticos Mas o modelo de Filadélfia entra em decadência na era da indus trialização pois a sociedade industrial exige uma política de controle baseada no trabalho produtivo do encarcerado O trabalho isolado em celas individuais justificado como instrumento terapêutico impede o trabalho coletivo necessário para industrializar a prisão com duas consequências negativas é antieconômico e priva o mercado de força de trabalho útil31 V O modelo auburniano de penitenciária A solução dos problemas econômicos do modelo de Filadélfia surge com o modelo de Auburn baseado no isolamento celular durante a noite e no trabalho comum durante o dia sob o sistema do silêncio 31 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 170172 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 463 242012 162833 464 Teoria da Pena Capítulo 18 silent system32 O modelo auburniano de penitenciária conhecido como o sistema penal americano introduz a exploração capitalista da força de trabalho encarcerada e organiza o trabalho na prisão igual ao trabalho na fábrica a durante o dia o trabalho coletivo em máquinas na prisão com a lei do silêncio para garantir a disciplina do trabalho em comum b durante a noite confinamento celular A dependência do sistema penitenciário em relação aos processos econômicos do mercado de trabalho social determina novos parâmetros de execução penal que orientam o modelo de Auburn menos para a correção pessoal e mais para o trabalho produtivo Dessa maneira se a manufatura determina o confinamento solitário do modelo de Filadélfia a indústria produz o trabalho comum do modelo de Auburn com o silent system garantindo a disciplina da fábrica dentro do cárcere e permitindo a introdução de máquinas para o trabalho coletivo na prisão abrindo novas possibilida des de exploração do trabalho carcerário por empresários privados33 Os principais sistemas de exploração do trabalho carcerário inventados pelo conluio entre capital privado e repressão pública próprios do modelo de Auburn são os seguintes a o contract considerado o sistema mais adequado submete a força de trabalho carcerária a duas autoridades o capitalista organiza a produção disciplina os processos de trabalho e vende a mercadoria no mer cado livre a preços altamente competitivos pela desenfreada e destruidora exploração da força de trabalho carcerária remunerada em níveis inferiores aos do mercado o Estado concede a exploração da força de trabalho car cerária e administra a instituição penitenciária garantindo a segurança e disciplina internas em troca de lucro sem risco econômico34 32 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 172173 33 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 179 34 MELOSSI PAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 177178 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 464 242012 162833 465 Capítulo 18 Prisão e Controle Social b o leasing submete a instituição penitenciária à autoridade exclusiva do capitalista que dirige a prisão organiza a produção e garante a disciplina da força de trabalho durante tempo determinado mediante pagamento de um preço fixo ao Estado livre de quaisquer custos os problemas são a redução do preso à condição de escravo os brutais castigos corporais por questões de disciplina ou de ritmo de trabalho e last but not least os acordos tácitos entre empresários da indústria carcerária e Poder Judiciário para transformar penas curtas em penas longas de prisão permitindo exploração mais lucrativa da força de trabalho encarcerada35 Não obstante a privatização de prisões inspirada no modelo de Auburn igualmente entra em crise dificuldades de renovação tecnológi ca dos processos industriais na prisão oposição crescente de sindicatos e organizações operárias contra a concorrência do trabalho carcerário exploração predatória da força de trabalho cativo para ampliar a taxa de maisvalia castigos desumanos por motivos disciplinares ou eco nômicos etc impediram a transformação da penitenciária em empresa produtiva Nos Estados Unidos da América o sistema de privatização de prisões foi banido em 1925 após o escândalo dos maus tratos da força de trabalho cativa nos estados sulinos com a reassunção pelo Estado das responsabilidades constitucionais de execução da pena cri minal36 Afinal como diz PAVARINI a penitenciária não é uma célula produtiva mas uma fábrica de homens instituída para transformar condenados em proletários uma máquina de mutação antropológica de sujeitos reais agressivos e violentos em sujeitos ideais disciplinados e mecânicos37 Em outras palavras o criminoso encarcerado representa 35 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 179 36 WACQUANT A ascensão do Estado penal nos EUA Discursos sediciosos crime direito e sociedade 2002 n 11 p 30 37 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 188190 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 465 242012 162833 466 Teoria da Pena Capítulo 18 o não proprietário encarcerado mostrando o cárcere como instituição coercitiva para transformar o criminoso não proprietário no proletário não perigoso aquele su jeito de necessidades reais adaptado à disciplina do trabalho assalariado38 VI Indústria do encarceramento atualidade e perspectivas A reconstrução histórica do sistema penitenciário e seus modelos de exploração da força de trabalho carcerária mostra algumas coisas importantes a o fracasso da penitenciária como célula produtiva no modelo da fábrica a prisão pode proporse segundo a ideologia oficial como mecanismo de produção de sujeitos ideais mas não é um aparelho de produção de mercadorias b a relação existente entre os modelos de trabalho na prisão e o nível de desenvolvimento dos processos de produção econômica do mercado livre a manufatura produziu o con finamento solitário do modelo de Filadélfia representado pelo public account a indústria engendrou o trabalho em comum do modelo de Auburn representado pelo contract e pelo leasing39 Os extremos do emprego da força de trabalho carcerária podem ser assim definidos a os sistemas de organização e disciplina do tra balho carcerário pela administração penitenciária caracterizamse por produtividade reduzida mas preservam a força de trabalho encarce rada ou seja os presos continuam seres humanos b os sistemas de organização e disciplina do trabalho carcerário pelo empresário priva 38 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 232 39 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 179 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 466 242012 162834 467 Capítulo 18 Prisão e Controle Social do aumentam a maisvalia pelo incremento da produtividade com destruição dos seres humanos encarcerados os presos são redefinidos como força de trabalho cativa40 A questão da exploração do trabalho carcerário por empresas privadas parece clara nenhuma empresa privada é constituída com fins humanitários mas com objetivos de lucro Existe uma contradição entre prisão pública e empresa privada todos os sistemas de exploração capitalista do trabalho carcerário produzem mudanças nos programas de educação e disciplina da prisão cancelando os parâmetros legais de execução penal A prioridade do trabalho produtivo origina pressões sobre o Poder Judiciário para aplicação de penas longas e introduz critérios econômicos para decisões judiciais sobre livramento con dicional progressão de regimes comutação ou redução de penas e outros direitos do preso Resumindo a prisão instituição de controle social não pode se transformar em empresa instituição econômica da estrutura social Mas o desastre histórico da exploração privada do trabalho car cerário não extinguiu projetos empresariais de valorização acelerada do capital aproveitando a chance de extrair gordas taxas de maisvalia da força de trabalho concentrada nas prisões repetindo o mesmo discurso utilitário para encobrir o objetivo real de lucro puro e simples Na atualidade a política americana de criminalização da pobreza determinada pelo desmonte do estado social e sua substituição pro gressiva pelo estado penal quintuplicou a população carcerária daquele país no período de vinte anos de 500 mil presos em 1980 para 25 milhões de presos em 2000 aproximadamente41 Por outro lado o eleitorado americano em geral entusiasmado com programas oficiais de guerra contra o crime e apesar de não encarar com simpatia os 40 CIRINO DOS SANTOS Direito penal a nova parte geral 1985 p 283 41 WACQUANT A ascensão do Estado penal nos EUA Discursos sediciosos crime direito e sociedade 2002 n 11 p 14 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 467 242012 162834 468 Teoria da Pena Capítulo 18 custos carcerários da crescente criminalização da pobreza no país que exigem a construção de uma nova prisão com 1000 vagas a cada 6 dias ignorou o fracasso histórico da exploração lucrativa do traba lho carcerário e paradoxalmente parece apoiar o programa oficial de prisõesempresas retomado em 1983 por novo conluio de governo e empresários americanos Desde então a indústria do encarceramento privado cresceu de 3100 presos em 1987 para 85000 presos em 1996 em 25 dos 50 estados americanos atingindo 276000 presos em 2001 nos EUA42 Atualmente as empresas desse recuperado ramo do mercado trabalham no sistema de fullscale management ou seja de gestão total do estabelecimento penitenciário e amplian do a área de reprodução do capital constroem as próprias prisões a exemplo das empresas privadas Correction Corporation of America com 68 prisões e 50 mil presos e a Wackenhut com 32 prisões e 22 mil presos43 aliás ambas cotadas no índice NASDAQ da Bolsa de Valores americana Também a Inglaterra hoje decidida imitadora das práticas políticas e penais americanas aderiu às prisões com fins lucrativos com quatro penitenciárias privadas em funcionamento e muitas outras em construção44 Em suma o desmonte do estado social produziu o estado penal com sua criminalização da pobreza e o indefectível sistema de fullscale management das prisões nos EUA e na Inglaterra E o mais inquie tante a relação cárcerefábrica de MELOSSIPAVARINI evoluiu para a simbiose fábricacárcere em que a fábrica é construída sob a forma de cárcere ou inversamente o cárcere assume a forma da fábrica configurando o ideal de exploração capitalista do trabalho humano 42 WACQUANT A ascensão do Estado penal nos EUA Discursos sediciosos crime direito e sociedade 2002 n 11 p 30 43 WACQUANT A ascensão do Estado penal nos EUA Discursos sediciosos crime direito e sociedade 2002 n 11 p 3031 44 WACQUANT A tentação penal na Europa Discursos sediciosos crime direito e sociedade 2002 n 11 p 9 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 468 242012 162834 469 Capítulo 18 Prisão e Controle Social que realiza o trágico vaticínio de PAVARINI os detidos devem ser trabalhadores os trabalhadores devem ser detidos45 VII A privatização de presídios no Brasil 1 A Lei 721084 Lei de Execução Penal define o trabalho do conde nado como dever social e condição de dignidade humana art 28 e LEP realizado sob gerência de fundação ou empresa pública e com o objetivo de formação profissional do condenado art 34 LEP o que parece excluir a privatização do trabalho carcerário porque se a gerência do trabalho carcerário é exclusividade de fundação ou empresa pública e está condicionado ao objetivo de formação profissional do condenado então nem empresários privados podem gerenciar o trabalho carcerário nem a força de trabalho encarcerada pode ser objeto de exploração lucrativa por empresas privadas Esse regime prevaleceu até dezembro de 2003 quando a Lei 1079203 acrescentou o atual 2º do art 34 da Lei de Execução Penal que admite convênios do poder público com a iniciativa privada para implantação de oficinas de trabalho em instituições penais permitindo a privatização de presídios no Brasil Não obstante o Poder Público brasileiro se antecipou à mu dança da legislação para implantar o sistema de prisões privadas no País mediante terceirização dos processos produtivos e da disciplina carcerária ao inaugurar a Penitenciária Industrial de Guarapuava no Estado do Paraná em 12 de novembro de 1999 com capacidade para 240 duzentos e quarenta condenados em regime fechado assim estruturada a a exploração da força de trabalho encarcerada é atri buída a empresa privada da área econômica b a segurança interna da prisão é atribuída a empresa privada da área de segurança c apenas 45 MELOSSIPAVARINI Cárcel y fábrica los orígenes del sistema penitenciario 1980 p 232 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 469 242012 162834 470 Teoria da Pena Capítulo 18 a direção e a fiscalização da segurança é exercida por funcionários públicos estaduais Atualmente existem 12 penitenciárias privatizadas no Brasil assim distribuídas 6 penitenciárias no Paraná 3 no Ceará 2 no Amazonas e 1 na Bahia 2 Entretanto a possibilidade de convênio com capitais privados para implantar oficinas de trabalho em instituições penais art 34 2º LEP não inclui a terceirização da disciplina carcerária porque o poder disciplinar no sistema penitenciário continua monopólio exclusivo do Estado no caso de faltas disciplinares médias ou leves a lei atribui o poder disciplinar à autoridade administrativa da prisão ou seja ao Poder Executivo art 47 LEP no caso de faltas disciplinares graves a lei atribui o poder de aplicar determinadas sanções ao juiz da execução penal ou seja ao Poder Judiciário art 48 parágrafo único LEP Logo sistemas de trabalho carcerário que submetam a força de trabalho encarcerada ao poder disciplinar de qualquer outra autoridade diferente do Estado por exemplo empresas privadas de segurança prisional são ilegais Além disso a própria privatização do traba lho carcerário por convênio com empresas privadas parece infringir o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana art 1º CR por uma razão elementar a força de trabalho encarcerada não tem o direito de rescindir o contrato de trabalho ou seja não possui a única liberdade real do trabalhador na relação de emprego e por isso a compulsória subordinação de seres humanos encarcerados a empresários privados não representa apenas simples dominação do homem pelo homem mas a própria institucionalização do trabalho escravo na prisão como a história da ascensão queda e ressurreição da privatização de presídios demonstra Se o programa de retribuição e de prevenção do crime é definido pelo Estado na aplicação da pena criminal pelo Poder Judiciário art 59 CP então a realização desse programa políticocriminal constitui dever indelegável do Poder Executivo vinculado ao objetivo de harmônica integração social do condenado art 1º LEP com exclusão de toda e qualquer forma de privatização da execução penal Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 470 242012 162834 471 Capítulo 19 o SiStema peNaL braSiLeiro I A política penal brasileira 1 Sistema dualista alternativo O sistema de medidas re pressivas da lei penal brasileira é estruturado pelo critério dualista alternativo expresso em dois binômios excludentes a culpabili dade pena b periculosidade criminal medida de segurança1 O critério dualista alternativo introduzido pela reforma penal de 1984 caracterizase pela aplicação alternativa de pena criminal ou de medida de segurança contra autores de tipos de injusto ou pena criminal fundada na culpabilidade ou medida de segurança fundada na periculosidade criminal excluída qualquer aplicação simultânea de pena criminal e de medida de segurança A legislação anterior adotava o critério dualista cumulativo ou sistema do duplo binário caracterizado pela cumulatividade ou pela alternativida de de aplicação de penas criminais eou de medidas de segurança contra autores de fatos definidos como tipos de injusto critério abandonado pelos problemas da aplicação cumulativa de penas e de medidas de segurança As penas criminais e as medidas de segurança possuem um funda mento comum e um fundamento específico a o fundamento comum é representado pelo tipo de injusto como ação típica e antijurídica 1 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 77 I p 802803 NAUCKE Strafrecht 2000 9a edição p 96 n 26 III também GROPP Strafrecht 2001 p 61 n 53 também WELZEL Strafrecht 1969 11a edição 32 III p 244 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 471 242012 162834 472 Teoria da Pena Capítulo 19 concreta b o fundamento específico da pena criminal é a culpabili dade do autor o fundamento específico da medida de segurança é a periculosidade criminal do autor inimputável2 2 Sistema de medidas repressivas O sistema de penas compre ende as seguintes espécies a penas privativas de liberdade b penas restritivas de direito c penas de multa art 32 I II e III CP O sistema de medidas de segurança compreende as seguintes espécies a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico b tratamento ambulatorial art 96 III CP objeto de capítu lo próprio ver Medidas de segurança na legislação penal brasileira adiante No sistema penal as penas privativas de liberdade constituem o centro da política penal e a forma principal de punição as penas restritivas de direitos funcionam simultaneamente como substitu tivas da privação de liberdade e impeditivas da ação criminógena do cárcere as penas de multa são em regra cominadas em forma cumulativa ou alternativa à privação de liberdade por exceção podem ser aplicadas em caráter substitutivo das penas privativas de liberdade art 60 2º CP Vêse que a pena privativa de liberdade é o centro de gravidade da política penal brasileira3 as penas restritivas de direitos representam a assimilação parcial de críticas à prisão como a violência a corrupção e a degradação pessoal e moral do preso sintetizadas no conceito de prisionalização4 2 EBERT Strafrecht 2001 p 246247 No Brasil CIRINO DOS SANTOS Direito penal a nova parte geral 1985 p 222 3 CIRINO DOS SANTOS Direito penal a nova parte geral 1985 p 222223 4 Exposição de Motivos do Código Penal n 37 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 472 242012 162834 473 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro II Penas criminais 1 Penas privativas de liberdade 1 A pena privativa de liberdade é a espinha dorsal do sistema penal5 existente nas formas de reclusão e de detenção A diferença principal entre reclusão e detenção referese aos regimes de execução a pena de reclusão cominada em crimes mais graves é executada nos regimes fechado semiaberto e aberto a pena de detenção cominada em crimes menos graves é executada nos regimes semiaberto e aberto o regime fechado é exceção determinada pela necessidade art 33 caput CP Diferenças secundárias significativas são as seguintes a a medida de segurança aplicada em crimes de reclusão é a de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico em crimes de detenção é a de tratamento ambulatorial b a fiança em crimes de reclusão somente pode ser concedida pelo juiz em crimes de detenção pode ser conce dida também pela autoridade policial etc6 Art 33 A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado semiaberto ou aberto A de detenção em regime semiaberto ou aberto salvo necessidade de transferência a regime fechado 2 A execução da pena privativa de liberdade sob forma de reclusão ou de detenção nos regimes fechado semiaberto ou aberto exige de finição dos regimes de execução e das formas de progressão e de regressão entre os regimes de execução instituído pela Lei de Execução Penal Lei 721084 que implantou o novo modelo jurisdicional de execução penal no Brasil7 5 JESCHECK Einfuhrung in Beck Strafgesetzbuch 2001 36a edição p XX 6 Ver BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição p 421422 7 CARVALHO Pena e garantias 2003 2a edição p 170 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 473 242012 162834 474 Teoria da Pena Capítulo 19 Art 33 1º Considerase a regime fechado a execução da pena em estabeleci mento de segurança máxima ou média b regime semiaberto a execução da pena em colônia agrícola industrial ou estabelecimento similar c regime aberto a execução da pena em casa de alber gado ou estabelecimento adequado Transitada em julgado a sentença criminal condenatória e expe dida a guia de recolhimento art 1057 LEP o condenado à privação de liberdade é submetido ao regime inicial de execução fixado provi soriamente na sentença judicial art 33 3º CP e art 110 LEP 11 Regimes de execução 111 Progressão e regressão de regimes 1 Os regimes de execução das penas privativas de liberdade são estru turados pelos critérios de progressividade regra ou de regressividade exceção instituídos com o objetivo explícito de humanizar a pena privativa de liberdade segundo duas variáveis o mérito do condenado e o tempo de execução da pena art 33 2º 3º e 4º CP O regime inicial de execução da pena privativa de liberdade é determinado na sentença criminal condenatória art 59 III CP o regime fechado depende exclusivamente da quantidade da pena aplicada o regime semiaberto e o regime aberto dependem da quantidade da pena aplicada e da primariedade do condenado8 Art 33 2º As penas privativas de liberdade de verão ser executadas em forma progressiva segundo o 8 Comparar BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição p 422423 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 474 242012 162834 475 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro mérito do condenado observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso a o condenado a pena superior a 8 oito anos deverá começar a cumprila em regime fechado b o condenado não reincidente cuja pena seja superior a 4 quatro anos e não exceda a 8 oito poderá desde o princípio cumprila em regime semiaberto c o condenado não reincidente cuja pena seja igual ou inferior a 4 quatro anos poderá desde o início cumprila em regime aberto 3º A determinação do regime inicial de cumprimento da pena farseá com observância dos critérios previstos no art 59 deste Código 2 O movimento de progressão ou de regressão do preso nos regimes de execução pressupõe verificação de condições específicas e depende de decisão judicial motivada precedida de manifestação do Ministério Público e da Defesa 21 A progressão representa a passagem do preso de regime de maior rigor para regime de menor rigor punitivo após cumprimento mínimo de 16 um sexto da pena no regime anterior e bom comportamento carcerário comprovado pelo Diretor do estabelecimento art 112 LEP mediante decisão judicial motivada precedida de manifestação do Ministério Público e da Defesa art 112 1º LEP 1º A decisão será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor A regra da progressividade fundada no tempo de execução e no comportamento do condenado admite mudanças em relação aos conde nados por crimes contra a administração pública art 33 4º CP e por crimes hediondos e equiparados art 2o da Lei 807290 Em crimes contra a administração pública a progressão de regime depende Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 475 242012 162835 476 Teoria da Pena Capítulo 19 da condição complementar de reparação do dano ou de devolução do produto do crime Art 33 4º O condenado por crime contra a ad ministração pública terá a progressão de regime do cumprimento da pena condicionada à reparação do dano que causou ou à devolução do produto do ilícito praticado com os acréscimos legais Em crimes hediondos e equiparados9 tortura tráfico ilícito de drogas e terrorismo a progressão de regime pressupõe o cumprimento de 25 da pena para o condenado primário e de 35 da pena para o condenado reincidente art 2º 1º da Lei 807290 ainda uma violação do princípio constitucional de igualdade perante a lei art 5º I CR porque representa discriminação fundada no tipo de autor 22 A regressão é o retorno do preso para regime anterior de maior rigor punitivo e pode ocorrer nas hipóteses a de prática de fato definido como crime doloso ou de falta grave e b de nova pena por crime anterior cuja soma determine incompatibilidade com o regime atual art 118 I e II 1º e 2º LEP Art 118 LEP A execução da pena privativa de liber dade ficará sujeita à forma regressiva com a transferên cia para qualquer dos regimes mais rigorosos quando o condenado I praticar fato definido como crime doloso ou falta grave II sofrer condenação por crime anterior cuja pena somada ao restante da pena em execução torne incabível o regime art 111 9 Em 23 de fevereiro de 2006 o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL reconheceu a inconstitucionalidade da proibição de progressão de regimes em crimes hediondos HC 82959 Rel Min MARCO AURÉLIO Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 476 242012 162835 477 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro 1º O condenado será transferido do regime aberto se além das hipóteses referidas nos incisos anteriores frustrar os fins da execução ou não pagar podendo a multa cumulativamente imposta 2º Nas hipóteses do inciso I e do parágrafo anterior deverá ser ouvido previamente o condenado É fundamental esclarecer duas coisas primeiro a falta de pa gamento da multa cumulativa art 118 1º LEP não determina regressão de regime mas resolvese em dívida de valor regida pelas normas da dívida ativa da Fazenda Pública art 51 CP com a redação da Lei 926896 segundo se a progressão de regime exige decisão judicial motivada precedida de manifestação do Ministério Público e da Defesa art 112 1º LEP então e com maior razão a re gressão de regime também deve ser determinada por decisão judicial motivada com prévia manifestação do Ministério Público e da Defesa sendo insuficiente a simples audiência do condenado art 118 2º LEP acima10 Vêse que os regimes de execução das penas privativas de liber dade foram concebidos para cumprir várias funções a condicionam a recuperação de cotas de liberdade suprimida segundo duas variáveis o tempo de prisão como variável quantitativa e o esforço do condenado como variável qualitativa art 33 2º CP b reforçam a justificação da privação de liberdade sob o argumento de maior adequação aos objetivos preventivos da pena criminal c finalmente revalorizam a atividade judicial vinculando o regime inicial de execução à senten ça criminal condenatória erigida em prognóstico de ressocialização art 33 3º CP 10 Nesse sentido decisão do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIçA HC 37164SC 6ª Turma DJ 22112004 Rel Min NILSON NAVES Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 477 242012 162835 478 Teoria da Pena Capítulo 19 112 Espécies de regime a Regime fechado O regime fechado de execução da pena privativa de liberdade é o mais rigoroso cumprido em estabelecimento de segurança máxima ou média destinase aos condenados a penas su periores a 8 anos art 33 2º a CP e se caracteriza pelo trabalho comum interno regra ou em obras públicas externas durante o dia exceção e pelo isolamento durante o repouso noturno art 34 1º 2º e 3º CP Art 34 O condenado será submetido no início do cumprimento da pena a exame criminológico de clas sificação para individualização da execução 1º O condenado fica sujeito a trabalho no período diurno e a isolamento durante o repouso noturno 2º O trabalho será em comum dentro do estabele cimento na conformidade das aptidões ou ocupações anteriores do condenado desde que compatíveis com a execução da pena 3º O trabalho externo é admissível no regime fecha do em serviços ou obras públicas A realidade carcerária do regime fechado constitui negação abso luta do programa do legislador o trabalho interno comum é privilégio de poucos condenados o trabalho externo em serviços ou obras públicas é raríssimo e o isolamento durante o repouso noturno é excluído pela superpopulação carcerária11 b Regime semiaberto O regime semiaberto de execução da pena privativa de liberdade possui rigor intermediário entre os regimes fechado e aberto cumprido em colônia agrícola industrial ou similar 11 Ver BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição p 423 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 478 242012 162835 479 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro e destinase imediatamente aos condenados primários a penas priva tivas de liberdade superiores a 4 e inferiores a 8 anos e mediatamente aos condenados submetidos ao regime fechado art 33 2º b CP pelo critério de progressividade dos regimes de execução O regime semiaberto caracterizase pelo trabalho comum interno ou externo durante o dia e pelo recolhimento noturno permitindo a frequência a cursos supletivos profissionalizantes de instrução de segundo grau ou superior art 35 1º e 2º CP Art 35 Aplicase a norma do art 34 deste Código caput ao condenado que inicie o cumprimento da pena em regime semiaberto 1º O condenado fica sujeito a trabalho em comum durante o período diurno em colônia agrícola indus trial ou estabelecimento similar 2º O trabalho externo é admissível bem como a frequência a cursos supletivos profissionalizantes de instrução de segundo grau ou superior c Regime aberto O regime aberto de execução da pena privativa de liberdade é o menos rigoroso deve ser cumprido em casa de albergado e destinase imediatamente aos condenados primários a penas iguais ou inferiores a 4 quatro anos e mediatamente aos condenados submetidos a outros regimes art 33 2º c CP segundo o critério da progressividade O regime aberto tem por fundamento a autodis ciplina e o senso de responsabilidade do condenado art 36 CP e caracterizase pela liberdade sem restrições para o trabalho externo frequência a cursos e outras atividades autorizadas durante o dia e pela liberdade restringida durante a noite e dias de folga mediante recolhi mento em casa de albergado ou na própria residência do condenado art 36 1º CP12 A permissão de recolhimento noturno e nos 12 Comparar BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição p 424425 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 479 242012 162835 480 Teoria da Pena Capítulo 19 dias de folga na própria casa do condenado aparece como alternativa prática necessária e justa para evitar os efeitos nocivos da prisão sobre a personalidade do preso em face da ausência generalizada de casas de albergado no Brasil Art 36 O regime aberto baseiase na autodisciplina e senso de responsabilidade do condenado 1º O condenado deverá fora do estabelecimento e sem vigilância trabalhar frequentar curso ou exercer outra atividade autorizada permanecendo recolhido durante o período noturno e nos dias de folga 2º O condenado será transferido do regime aberto se praticar fato definido como crime doloso se frustrar os fins da execução ou se podendo não pagar a multa cumulativamente aplicada O ingresso no regime aberto pressupõe a condenado traba lhando ou em condições de trabalho imediato b possibilidade de ajustamento ao regime e c aceitação do programa e das condições impostas pelo juiz arts 113114 LEP As condições do regime aberto podem ser especiais determinadas pelo juiz e gerais obrigatórias que são as seguintes a permanência no local designado durante o repouso noturno e dias de folga b observância dos horários de saída e de retorno ao estabelecimento c não se ausentar da cidade sem autorização judicial d comparecimento em juízo para informar e justificar atividades art 115 LEP Por fim o condenado poderá ser transferido do regime aberto para regime mais rigoroso se a praticar fato definido como crime doloso ou b frustrar os fins da execução art 36 2º CP excluída a hipótese de não pagamento da pena de multa cumulativa à privação de liberdade aplicada por condenado solvente que agora se converte em dívida de valor e não em privação de liberdade art 51 CP modificado pela Lei 926896 d Regime especial para mulheres As mulheres cumprem pena pri vativa de liberdade em estabelecimento próprio com direitos e deveres Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 480 242012 162835 481 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro adequados à sua condição pessoal aplicandose as regras gerais dos re gimes de execução na medida de sua compatibilidade art 37 CP Art 37 As mulheres cumprem pena em estabelecimento próprio observandose os deveres e direitos inerentes à sua condição pessoal bem como no que couber o disposto neste Capítulo 12 Direitos e deveres do condenado a Direitos do condenado A lei penal brasileira assegura ao preso formalmente todos os direitos humanos não atingidos pela privação de liberdade especialmente o respeito à integridade física e moral do condenado art 38 CP embora continue imensa a distância entre lei e realidade na execução penal brasileira13 Art 38 O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade impondose a todas as autori dades o respeito à sua integridade física e moral b Deveres do condenado O condenado é submetido ao dever geral de obediência pessoal às normas de execução penal art 38 LEP especificado nos seguintes deveres particulares art 39 LEP a comportamento disciplinado b cumprimento fiel da sentença c obediência ao servidor público d respeito e urbanidade nas relações com outros condenados ou com qualquer pessoa e oposição pessoal a movimentos de fuga individual ou coletiva ou de subversão à ordem ou à disciplina f realização dos trabalhos tarefas e ordens g higiene e asseio pessoal e da cela ou alojamento h conservação de objetos de uso pessoal 13 Ver CARVALHO Pena e garantias 2003 2a edição p 170 Muito embora introduzido normativamente não se pode afirmar tenha ocorrido o câmbio esperado no que diz à concepção doutrinária e jurisprudencial quanto à natureza jurídica da execução penal Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 481 242012 162835 482 Teoria da Pena Capítulo 19 c Trabalho do condenado O trabalho do condenado art 39 CP definido como dever social e condição de dignidade humana realizado com objetivos educativos e produtivos art 28 LEP não é regido pelas normas da CLT mas a organização e os métodos de trabalho subordi namse às regras gerais de higiene e de segurança no trabalho Art 39 O trabalho do preso será sempre remunera do sendolhe garantidos os benefícios da previdência social Art 28 LEP O trabalho do condenado como dever social e condição de dignidade humana terá finalidade educativa e produtiva d Remição penal A remição como ato de resgatar dívida na exe cução penal significa a redução da pena privativa de liberdade pelo trabalho prisional art 126 e LEP na proporção de 3 dias de trabalho por 1 dia de pena Art 126 O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir pelo trabalho parte do tempo de execução da pena 1º A contagem do tempo para o fim deste artigo será feita à razão de 1 um dia de pena por 3 três dias de trabalho 2º O preso impossibilitado de prosseguir no trabalho por acidente continuará a beneficiarse com a remição 3º A remição será declarada pelo juiz da execução ouvido o Ministério Público A jurisprudência mais recente tem admitido a remição parcial da pena privativa de liberdade pela frequência a cursos supleti vos profissionalizantes de instrução de segundo grau ou superior art 35 2o CP mesmo sob a forma de telecurso fundada na analogia entre trabalho e estudo sob o argumento de que a educação é a mais eficaz forma de integração do indivíduo à sociedade aliás a Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 482 242012 162835 483 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro finalidade do instituto da remição segundo interpretação teleológica da norma legal14 Idêntica analogia deve existir entre trabalho produtivo e trabalho artesanal para efeito de remição parcial da pena na hipótese de ine xistência de trabalho produtivo na instituição penal afinal o direito ao trabalho não constitui faculdade ou privilégio do condenado mas dever social e condição de dignidade humana nos termos da definição legal art 28 LEP Por isso se o condenado pretende cumprir o dever social de trabalhar promovendo a própria dignidade humana então o direito de remir parcialmente a pena privativa de liberdade pelo trabalho não pode ser cassado ou denegado pela administração penitenciária sob alegação de inexistência de trabalho produtivo no estabelecimento penal Nessa hipótese parece suficiente a comprovação substitutiva de trabalho artesanal para remição de 1 dia de pena a cada sequência de 3 dias em que o condenado se apresentar para o trabalho produtivo porque a dignidade humana não é simples garantia legal mas um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito15 Para finalizar admitese a remição da pena para antecipar a progres são para regime menos rigoroso sob o seguinte argumento se o conde nado pode antecipar a liberdade definitiva ou condicional pela remição 14 Nesse sentido o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIçA no HC 30623SP Quinta Turma acórdão unânime de 15 de abril de 2004 Relator o Min GILSON DIPP igualmente no RESP 595858SP Sexta Turma acórdão unânime de 21 de outubro de 2004 Relator o Min HAMILTON CARVALHIDO 15 Ver MESTIERI Manual de direito penal 1999 v 1 p 269 Sendo o trabalho carcerário direito e dever do condenado e reconhecendose legalmente o efeito da remição da pena o fato de o Estado mostrarse cronicamente desaparelhado para atender à demanda de trabalho interno ou externo dos presos não pode e não deve redundar em prejuízo do interno e do reconhecimento da remição Nesse sentido a jurisprudência majoritária cf Boletim do IBCCRIM n 53 1997 p 189 in KUEHNE Lei de Execução Penal Anotada Juruá 2003 3a edição v I p 8889 Em posição contrária mas inconvincente BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 p 442 Concluindo somente terão direito à remição os condenados que efetivamente realizarem o trabalho prisional nos termos estabelecidos na legislação específica Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 483 242012 162835 484 Teoria da Pena Capítulo 19 parcial da pena então pode acelerar a progressão para regime menos rigoroso desde que comprovado o requisito subjetivo do bom compor tamento carcerário necessário para a progressão art 112 LEP16 13 A disciplina penal A disciplina penal é definida como dever geral do preso pro visório e do condenado à pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos consistente nas seguintes obrigações colaboração com a ordem obediência às determinações e desempenho no trabalho art 44 e parágrafo único LEP O princípio da legalidade exige pré via e expressa definição legal das faltas e das sanções disciplinares art 45 LEP com proibição específica de a sanções coletivas b celas escuras e c expor a perigo a integridade física e moral do condenado art 45 1º 2º e 3º LEP 131 Faltas disciplinares As faltas disciplinares são classificadas nas categorias de faltas leves médias e graves art 49 LEP as faltas leves e médias são definidas pela legislação estadual as faltas graves são defi nidas pela Lei de Execução Penal art 50 LEP conforme a natureza restritiva de direitos ou privativa de liberdade da pena aplicada a As faltas graves das penas restritivas de direito são as seguintes art 51 LEP a descumprir sem justificação a restrição de direitos aplicada b retardar sem justificação o cumprimento de obrigação im posta c violar os deveres de obediência ao servidor e respeito a outras pessoas d inexecução dos trabalhos tarefas e ordens recebidas b As faltas graves das penas privativas de liberdade são as seguintes art 50 LEP a incitar ou participar de movimentos de subversão à ordem ou à disciplina b fugir c posse indevida de instrumento 16 Assim a decisão do TARS Ag 296005044 Relator Juiz JOSÉ ANTÔNIO PAGANELLA BOSCHI in RT 729648 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 484 242012 162835 485 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro capaz de ferir a integridade corporal de outrem d provocar acidente de trabalho e violar os deveres de obediência ao servidor e respeito a outras pessoas e de execução dos trabalhos tarefas e ordens c A prática de fato definido como crime doloso constitui igual mente falta grave contudo se produzir o resultado de subversão da ordem ou da disciplina internas determina sem prejuízo da sanção penal correspondente a mais grave sanção disciplinar da Lei de Exe cução Penal brasileira a aplicação do regime disciplinar diferenciado instituído pela Lei 1079203 art 52 LEP 132 Sanções disciplinares e regime disciplinar diferenciado As sanções disciplinares são aplicadas considerando a a natureza os motivos as circunstâncias e consequências do fato b a pessoa do condenado e c o tempo de prisão art 57 LEP com garantia do direito de defesa e decisão motivada no procedimento disciplinar por falta grave durante o qual a lei admite isolamento celular preventivo no interesse da disciplina e da apuração do fato arts 59 e 60 LEP O poder disciplinar é exercido pelo diretor do estabelecimento penal em processo disciplinar contraditório art 47 e 54 LEP17 exceto em hipóteses de falta grave e de aplicação do regime disciplinar dife renciado submetidos à decisão judicial fundamentada e prévia com manifestação do Ministério Público e da Defesa do condenado art 54 1º e 2º LEP O poder disciplinar definido como ontologicamente inquisitorial por CARVALHO18 controla a população carcerária pela aplicação de sanções disciplinares consistentes em advertência verbal repreensão suspensão ou restrição de direitos isolamento celular e finalmente 17 CARVALHO Pena e garantias 2003 2a edição p 192 diz o seguinte Apesar de a LEP assegurar taxativamente algumas garantias no procedimento devido processo reserva legal direito de defesa motivação da decisão a lógica do sistema não corresponde à estrutura principiológica conformadora de um direito democrático gerando focos de ilegalidades toleradas 18 CARVALHO Pena e garantias 2003 2a edição p 184 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 485 242012 162835 486 Teoria da Pena Capítulo 19 esse novo produto da imaginação repressiva do legislador o regime disciplinar diferenciado art 53 LEP a seguir sumariados a Advertência verbal e repreensão A advertência verbal e a repreensão são sanções disciplinares aplicáveis em faltas leves e médias respecti vamente definidas pela legislação estadual b Suspensão ou restrição de direitos e isolamento celular A suspen são ou restrição de direitos e o isolamento celular são sanções disciplinares aplicáveis no caso de faltas graves observados o limite máximo de 30 trinta dias e no caso do isolamento celular a imediata comunicação ao juiz da execução art 58 e parágrafo único LEP c Regime disciplinar diferenciado O regime disciplinar diferenciado é aplicável a presos provisórios ou condenados nas hipóteses a de crime doloso que determine subversão da ordem ou da disciplina inter nas b de alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade e c de fundadas suspeitas de envolvimento ou participação em organizações criminosas quadrilha ou bando art 52 1º e 2º LEP As características do regime disciplinar diferenciado são as se guintes a duração máxima de 360 trezentos e sessenta dias sem prejuízo de repetição da sanção disciplinar no caso de falta grave de mesma espécie até o limite de 16 um sexto da pena aplicada b cumprimento da sanção disciplinar em cela individual c visi tas semanais de 2 pessoas mais crianças com duração de 2 horas d saída para banho de sol por 2 horas diárias art 52 IIV LEP O regime disciplinar diferenciado é aplicado em procedimento disciplinar instaurado por requerimento circunstanciado do diretor do estabelecimento ou outra autoridade administrativa com manifes tação do Ministério Público e garantia do direito de defesa mediante decisão fundamentada e prévia do juiz competente no prazo de 15 dias art 54 1º e 2º e art 59 LEP Por exceção a autoridade administrativa pode decretar até o máximo de 10 dias o isolamento preventivo do preso mas a inclusão do preso no regime disciplinar Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 486 242012 162835 487 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro diferenciado depende de despacho do juiz competente fundado no interesse da disciplina e da averiguação do fato garantido o cômputo do tempo de isolamento preventivo no período de cumprimento da sanção disciplinar definitiva art 60 parágrafo único LEP O regime disciplinar diferenciado de isolamento em cela individual até 1 ano renovável por mais 1 ano até o limite de 16 um sexto da pena é inconstitucional por várias razões a constitui violação da dignidade da pessoa humana um dos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito definido no art 1º da Constituição da Repúbli ca b representa instituição de pena cruel expressamente excluída pelo art 5º XLVII letra e da Constituição da República c a indeterminação das hipóteses de aplicação do regime disciplinar diferenciado infringe o princípio da legalidade art 5º XXXIX da Constituição da República porque subordina a aplicação da sanção disciplinar a critérios judiciais subjetivos e idiossincráticos primeiro é indeterminável a quantidade de alteração da normalidade necessária para configurar o conceito de subversão da ordem ou da disciplina art 52 LEP segundo é indetermi nável a quantidade de risco definível como alto para a ordem e segurança da prisão ou da sociedade art 52 1º LEP terceiro é indefinível o conceito de fundadas suspeitas de envolvimento ou participação em organizações criminosas quadrilha ou bando art 52 2º LEP 14 Individualização da execução classificação e exame criminológico O programa de individualização da execução penal art 6º LEP compete à Comissão Técnica de Classificação presidida pelo diretor do estabelecimento e integrado por dois chefes de serviço um psiquiatra um psicólogo e um assistente social art 7º LEP19 19 Ver CARVALHO Pena e garantias 2003 2a edição p 185 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 487 242012 162835 488 Teoria da Pena Capítulo 19 141 Classificação dos condenados Os condenados a penas priva tivas de liberdade são classificados conforme os seguintes critérios pri meiro com base nos antecedentes e na personalidade do condenado para orientar a individualização da execução penal art 5º LEP segundo com base em exame criminológico do condenado realizado para adequar a classificação e a individualização da execução art 8º LEP 142 Exame criminológico O exame criminológico designa o con junto de exames clínicos morfológicos neurológicos psicológicos psiquiátricos e sociais do condenado20 realizados para adequar a clas sificação do condenado e precisar a individualização da execução penal art 8º LEP Nesse sentido o exame criminológico é a operacionali zação de procedimentos técnicos da criminologia etiológica individual para testar a capacidade criminogênica de condenados a penas privativas de liberdade O exame criminológico como diagnóstico para formular prognósticos comportamentais representa juízo de probabilidade refra tário à verificação científica e por isso constitui avaliação inquisitória insuscetível de refutação jurídica no contraditório processual21 Após o advento da Lei 1079203 o exame criminológico para progressão de regime foi substituído por atestado de bom comporta mento carcerário expedido pelo diretor da instituição reduzindo a psi quiatrização da execução penal22 pela qual a decisão do juiz de execução acabava transferida para funcionários da ortopedia moral psiquiatras psicólogos e assistentes sociais do sistema penal cujos prognósticos moralistas e segregadores23 costumavam ressuscitar excrescências po sitivistas do tipo personalidade voltada para o crime cujo primitivismo lombrosiano ainda depõe contra a ciência penal brasileira 20 PITOMBO Os regimes de cumprimento de pena e o exame criminológico in Revista dos Tribunais n 583 p 315 21 CARVALHO Pena e garantias 2003 2a edição p 187 22 Ver CARVALHO Pena e garantias 2003 2a edição p 190 23 MALAGUTTI BATISTA O proclamado e o escondido a violência da neutralidade técnica in Discursos sediciosos n 3 1997 p 7786 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 488 242012 162835 489 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro Apesar da inconfiabilidade científica de prognósticos sobre comportamento futuro24 afinal nenhum método científico permite prever o comportamento futuro de ninguém o exame criminológico continua obrigatório para classificar e individualizar a execução penal de condenados em regime fechado facultativo para condenados em regime semiaberto a norma geral do art 35 CP que indica exame obrigatório é excluída pela norma especial do art 8º parágrafo único LEP que indica exame facultativo e desnecessário para condenados em regime aberto art 8º e parágrafo único LEP25 15 Detração penal A detração penal art 42 CP significa o ato judicial de reduzir a da pena privativa de liberdade aplicada o tempo de prisão provisória prisão em flagrante temporária preventiva por sentença de pronún cia e por sentença condenatória recorrível ou de prisão administrativa cumprida pelo condenado ou b da medida de segurança o tempo de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou em outro estabelecimento adequado art 41 CP26 Art 42 Computamse na pena privativa de liberdade e na medida de segurança o tempo de prisão provisória 24 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 77 I p 805 também FRISCH Prognoseentscheidungen in der strafrechtlichem Praxis 1994 p 34 s KAISER Befinden sich die kriminalrechtlichen Massregeln in der Krise 1990 p 16 do mesmo Kriminologie 1993 9a edição 71 p 555570 25 O conflito entre a norma geral do CP art 35 que indica exame criminológico obrigatório e a norma especial da LEP art 8o parágrafo único que indica exame criminológico facultativo é resolvido pelo princípio da especialidade a norma especial prevalece sobre a norma geral Em posição contrária BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição p 438440 que considera obrigatório o exame criminológico em condenados sob regime semiaberto 26 Comparar BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição p 440441 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 489 242012 162836 490 Teoria da Pena Capítulo 19 no Brasil ou no estrangeiro o de prisão administrativa e o de internação em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior Por outro lado nada impede a detração penal na hipótese de pena privativa de liberdade aplicada em novo processo mediante subtração do tempo de prisão provisória decretada em processo anterior de que resultou absolvição do acusado27 16 Limite das penas privativas de liberdade A aplicação de penas privativas de liberdade é limitada exclu sivamente pela qualidade e quantidade de fatos puníveis realizados mas a execução de penas privativas de liberdade é limitada a 30 trinta anos Assim na hipótese de aplicação de penas privativas de liberdade cuja soma ultrapasse o limite legal de execução as penas aplicadas são unificadas em 30 trinta anos como tempo máximo de execução de penas privativas de liberdade Art 75 O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 trinta anos 1º Quando o agente for condenado a penas privati vas de liberdade cuja soma seja superior a 30 trinta anos devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo O limite máximo de 30 trinta anos decorre da proibição cons titucional de penas perpétuas art 5º XLVII b CR A única exceção ocorre na hipótese de condenação por fato punível cometido após o início da execução da pena em que a reunificação determinada pela nova pena aplicada desconsidera o tempo de pena já cumprido 27 Ver FRAGOSO Lições de direito penal 2003 16a edição 76 p 3 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 490 242012 162836 491 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro Art 75 2º Sobrevindo condenação por fato poste rior ao início do cumprimento da pena farseá nova unificação desprezandose para esse fim o período de pena já cumprido 2 Penas restritivas de direitos A maior inovação da reforma penal de 1984 foi a introdução das penas restritivas de direitos que criam obrigações limitam direitos e reduzem a liberdade do condenado temporariamente 21 Natureza As penas restritivas de direitos possuem tríplice caráter arts 44 e 54 CP a são autônomas porque existem de modo independente em conjunto com as penas privativas de liberdade e a pena de multa e sua execução extingue a pena privativa de liberdade aplicada b são substitutivas porque ocupam o lugar da pena privativa de liberdade aplicada a única exceção é a interdição de direitos nos crimes com violação de deveres de profissão atividade ofício cargo ou função em que a pena restritiva de direitos atua como autêntica pena acessó ria c são reversíveis porque admitem em determinadas hipóteses reaplicação da pena privativa de liberdade substituída como garantia de eficácia da pena restritiva de direitos aplicada 22 Pressupostos de aplicação das penas restritivas de direitos Após o advento da Lei 971498 a substituição das penas pri vativas de liberdade por penas restritivas de direitos é determinada pela Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 491 242012 162836 492 Teoria da Pena Capítulo 19 natureza do crime cometido e pela duração da pena aplicada assim equacionados 221 Aplicação pela natureza do crime A aplicação da pena restriti va de direitos fundada na natureza do crime ocorre em três hipóteses a em crimes dolosos cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa com pena privativa de liberdade inferior ou igual a 4 anos art 44 I CP b em crimes imprudentes independente da duração da pena privativa de liberdade aplicada art 44 I CP c em crimes dolosos cometidos com violência ou grave ameaça à pes soa com pena privativa de liberdade inferior a 1 ano art 54 CP Art 44 As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade quando I aplicada pena privativa de liberdade não superior a 4 quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou qualquer que seja a pena aplicada se o crime for culposo II o réu não for reincidente em crime doloso III a culpabilidade os antecedentes a conduta social e a personalidade do condenado bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente Art 54 As penas restritivas de direitos são aplicáveis independentemente de cominação na parte especial em substituição à pena privativa de liberdade fixada em quantidade inferior a 1 um ano ou nos crimes culposos 222 Aplicação pela duração da pena A aplicação da pena restritiva de direitos fundada na natureza do crime ocorre em duas hipóteses Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 492 242012 162836 493 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro a no caso de pena privativa de liberdade igual ou inferior a 1 ano possibilidade de substituição por multa ou por uma pena restritiva de direitos art 44 2º CP b no caso de pena privativa de liberdade superior a 1 ano possibi lidade de substituição por pena restritiva de direitos e multa ou por duas penas restritivas de direitos art 44 2º CP Art 44 2º Na condenação igual ou inferior a 1 um ano a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos se superior a 1 um ano a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos 223 Condições limitadoras e excludentes A aplicação da pena restritiva de direitos pode ser limitada ou excluída em determinadas hipóteses a a reincidência em crime doloso impede a aplicação de pena restritiva de direitos art 44 II CP exceto em hipótese de reincidência genérica e de substituição socialmente recomendável da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos art 44 3º CP b são indicadores judiciais de suficiência para aplicação de pena restritiva de direitos a culpabilidade os antecedentes a conduta so cial a personalidade os motivos do agente e as circunstâncias do fato art 44 III CP Art 44 3º Se o condenado for reincidente o juiz poderá aplicar a substituição desde que em face de condenação anterior a medida seja socialmente reco mendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime c o tráfico de drogas e crimes assemelhados excluem pe nas restritivas de direitos art 33 caput e 1º e 34 a 37 da Lei 1134306 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 493 242012 162836 494 Teoria da Pena Capítulo 19 23 Espécies de penas restritivas de direitos A legislação penal brasileira prevê 5 cinco espécies de penas restritivas de direitos a saber a prestação pecuniária b perda de bens e valores c prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas d interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana art 43 IIIIII CP 231 Prestação pecuniária A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima ou descendentes ou a entidade pública ou privada com destinação social de um valor fixado pelo juiz entre o mínimo de 1 e o máximo de 360 salários mínimos como reparação do dano resultante do crime art 45 1º e 2º CP Art 45 1º A prestação pecuniária consiste no pa gamento em dinheiro à vítima a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social de importância fixada pelo juiz não inferior a 1 um salário mínimo nem superior a 360 trezentos e sessen ta salários mínimos O valor pago será deduzido do montante de eventual condenação em ação de reparação civil se coincidentes os beneficiários A lei prevê a possibilidade de reparação do dano de outra forma como por exemplo a dação em pagamento art 356 CC se o beneficiário consentir e obviamente o condenado requerer Prestações de outra natureza não ferem o princípio da legalidade das penas como afirma um setor da literatura28 por duas razões principais primeiro 28 Por exemplo BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição p 464 Essa prestação de outra natureza é na verdade uma pena inominada e pena inominada é pena indeterminada que viola o princípio da reserva legal igualmente REGIS PRADO Curso de direito penal brasileiro parte geral 2004 4a edição p 569 A denominada prestação pecuniária inominada é exemplo de inconteste violação ao princípio da legalidade dos delitos e das penas Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 494 242012 162836 495 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro porque substituem a pena privativa de liberdade aplicada regida pelo princípio nulla poena sine lege segundo porque beneficiam o conde nado logo não podem ser excluídas pelo princípio da legalidade instituído para proteção do acusado 2o No caso do parágrafo anterior se houver aceitação do beneficiário a prestação pecuniária pode consistir em prestação de outra natureza 232 Perda de bens e valores A perda de bens e valores tem por objeto o patrimônio do condenado tem por limite o valor maior ou do prejuízo causado ou do provento obtido com a prática do crime e se destina ao Fundo Penitenciário Nacional exceto disposição legal em contrário art 45 3º CP Art 45 3º A perda de bens e valores pertencentes aos condenados darseá ressalvada a legislação especial em favor do Fundo Penitenciário Nacional e seu valor terá como teto o que for maior o montante do pre juízo causado ou do provento obtido pelo agente ou por terceiro em consequência da prática do crime A literatura dominante define a perda de bens e valores como simples pena de confisco banida do moderno Direito Penal29 mas é necessário distinguir as hipóteses respectivas a perda de bens e valores até o limite do prejuízo causado com o crime em favor do Fundo Penitenciário Nacional constitui realmente confisco de bens e valores do condenado porque não possui natureza de indenização ou ressarci mento da vítima mas a perda de bens e valores até o limite do provento obtido com o crime não significa confisco porque bens e valores obtidos mediante prática de crime não integram o patrimônio do condenado e portanto não podem ser objeto de confisco 29 Nesse sentido BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição p 462463 REGIS PRADO Curso de direito penal brasileiro parte geral 2004 4a edição p 569570 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 495 242012 162836 496 Teoria da Pena Capítulo 19 233 Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é apli cável em condenações superiores a 6 meses de privação de liberdade art 46 CP e consiste em tarefas gratuitas atribuídas conforme as aptidões do condenado e distribuídas à razão de 1 hora de trabalho por dia de condenação sem prejuízo da jornada normal de trabalho em entidades assistenciais hospitais escolas orfanatos e instituições congêneres em programas comunitários ou estatais art 46 e 1º 2º e 3º CP Na hipótese de condenação superior a 1 ano a pena substitutiva pode ser cumprida em tempo menor do que a pena subs tituída respeitada a metade da pena privativa de liberdade aplicada art 46 4º CP Art 46 A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às condenações superiores a 6 seis meses de privação de liberdade 1º A prestação de serviços à comunidade ou a enti dades públicas consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado 2º A prestação de serviços à comunidade darseá em entidades assistenciais hospitais escolas orfanatos e outros estabelecimentos congêneres em programas comunitários ou estatais 3º As tarefas a que se refere o 1o serão atribuídas conforme as aptidões do condenado devendo ser cum pridas à razão de 1 uma hora de tarefa por dia de condenação fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho 4º Se a pena substituída for superior a 1 um ano é facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo art 55 nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade aplicada Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 496 242012 162836 497 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro Compete ao juiz designar a instituição de trabalho gratuito do condenado comunicandolhe dias e horários de cumprimento da pena cuja execução se inicia no dia do primeiro comparecimento art 149 e parágrafos LEP As entidades beneficiárias apresentarão relatórios mensais das atividades e comunicarão ausências ou faltas disciplinares ao juízo da execução art 153 LEP A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas re presenta a mais adequada e generosa modalidade de pena restritiva de direitos concebida para substituir a pena privativa de liberdade mas sua aplicação é dificultada por lamentáveis obstáculos comunitários ou oficiais nem a comunidade representada por entidades assisten ciais hospitais escolas orfanatos etc nem as entidades públicas representadas pelos órgãos dos poderes da União dos Estados e dos Municípios parecem demonstrar interesse ou receptividade à ideia de admitir a prestação de serviços substitutiva da privação da liberdade de indivíduos estigmatizados por sentenças condenatórias do sistema de justiça criminal 234 Interdição temporária de direitos A interdição temporária de direitos consiste nas seguintes proibições 1 proibição do exercício de cargo função ou atividade pública bem como de mandato eletivo art 47 I CP 2 proibição do exercício de profissão atividade ou ofício que dependam de habilitação especial de licença ou autorização do poder público art 47 II CP 3 suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo art 47 III 4 proibição de frequentar determinados lugares art 47 IV CP Art 47 As penas de interdição temporária de direitos são I proibição do exercício de cargo função ou atividade pública bem como de mandato eletivo II proibição do exercício de profissão atividade ou ofício que dependam de habilitação especial de licença ou autorização do poder público Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 497 242012 162836 498 Teoria da Pena Capítulo 19 III suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo IV proibição de frequentar determinados lugares Na hipótese a de proibição do exercício de cargo função atividade pública ou mandato eletivo art 47 I CP a autoridade judicial comunicará a pena aplicada à autoridade competente que baixará ato iniciando a execução art 154 1º LEP na hipótese b de proibição do exercício de profissão atividade ou ofício de pendentes de habilitação licença ou autorização do poder público ou de suspensão de autorização para dirigir veículo art 47 II e III CP a autoridade judicial determina a apreensão dos documentos relativos ao exercício do direito interditado art 154 2º LEP As autoridades administrativas deverão e qualquer prejudicado poderá comunicar ao juízo da execução o descumprimento da pena aplicada art 155 LEP 235 Limitação de fim de semana A limitação de fim de semana assemelhase parcialmente ao regime aberto de execução da pena privativa de liberdade e consiste na obrigação de permanência aos sábados e domingos durante 5 horas diárias em casa de albergado se não houver casa de albergado então na própria residência do conde nado segundo a jurisprudência com possibilidade de participar de cursos palestras e outras atividades educativas art 48 parágrafo único CP Art 48 A limitação de fim de semana consiste na obrigação de permanecer aos sábados e domingos por 5 cinco horas diárias em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado Parágrafo único Durante a permanência poderão ser ministrados ao condenado cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 498 242012 162836 499 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro O juízo da execução cientificará ao condenado local dias e horários de cumprimento da pena cuja execução se inicia também no primeiro comparecimento art 151 LEP O estabelecimento designado apresentará relatórios mensais e comunicará ausências ou faltas disciplinares ao juízo da execução art 153 LEP 3 Pena de multa A pena de multa instituída para impedir penas privativas de li berdade de curta duração a criminalidade média e leve é a sanção penal mais frequente dos sistemas punitivos modernos30 O quantum da pena de multa é determinado pelo sistema de diasmulta uma criação original do Código Criminal do Império do Brasil 183031 hoje generalizado nas legislações penais As vantagens da pena de multa são evidentes a o condenado preserva os contatos familiares e sociais garante a continuidade das relações de trabalho e evita os efeitos nocivos da prisão b o Estado economiza custos de execução penal e garante recursos financeiros para o sistema penitenciário32 sem prejuízo da eficácia retributiva e preventiva da pena As desvantagens são desprezíveis eventual redução da capacidade de indenizar a vítima pelo dano do crime e incerteza sobre a identidade real do pagador33 30 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 5a edição 73 I 1 p 767768 No ano de 1991 foram aplicadas penas de multa em 84 de todos os condenados 31 ZAFFARONI Derecho penal parte general 2002 2a edição 63 n 2 p 974 63 n 2 No Brasil BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8ª edição p 533 32 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 5a edição 73 I 4 p 769 33 Comparar JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 5a edição 73 I 4 p 769 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 499 242012 162836 500 Teoria da Pena Capítulo 19 31 Cominação da pena de multa A pena de multa é cominada de modo indeterminado nos tipos legais de crime aplicada conforme critérios definidos na parte geral do Código Penal de forma alternativa ou cumulativa com penas privativas de liberdade e se destina ao Fundo Penitenciário art 49 CP Existem duas exceções de aplicação de pena de multa indepen dente de cominação na parte especial art 58 parágrafo único CP a hipótese de pena de multa isolada substitutiva de pena privativa de liberdade igual ou inferior a 1 ano art 44 2º CP primeira parte e não art 44 parágrafo único como erroneamente diz a lei ou de pena de multa cumulada com pena restritiva de direitos substitutiva de pena privativa de liberdade superior a 1 ano art 44 2º CP segunda parte34 32 Aplicação da pena de multa A pena de multa é aplicada conforme duas variáveis primeiro a determinação da quantidade de diasmulta definida conforme o tipo de injusto e a culpabilidade do autor segundo a determinação do valor do diamulta definido conforme a capacidade econômico financeira do autor35 A pena de multa aplicada é o produto aritmético da multiplicação da quantidade de diasmulta art 49 CP pelo valor do diamulta art 49 1º CP atualizável pelos índices de correção monetária na época da execução art 49 2º CP a A quantidade de diasmulta A quantidade de diasmulta varia entre o mínimo de 10 e o máximo de 360 diasmulta conforme o tipo de injusto e a culpabilidade do autor medida pelas circunstâncias 34 Comparar BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição p 458 35 Assim também no sistema alemão cf EBERT Strafrecht 2000 3a edição p 241 KÖHLER Strafrecht 1997 p 626627 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 500 242012 162836 501 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro judiciais art 59 CP circunstâncias legais arts 61 62 e 65 CP e causas especiais de aumento ou de diminuição de pena que compõem o processo trifásico de aplicação da pena Art 49 A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em diasmulta Será no mínimo de 10 dez e no máximo de 360 trezentos e sessenta diasmulta b O valor do diamulta O valor do diamulta é calculado com base no maior salário mínimo da época do fato dentro dos seguintes limites mínimo de 130 um trigésimo do maior salário mínimo e máximo de 5 vezes o maior salário mínimo da época do fato determinado conforme a capacidade econômicofinanceira do condenado Art 49 1o O valor do diamulta será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato nem superior a 5 cinco vezes esse salário A situação econômica do réu art 60 CP autoriza ampliar a pena de multa até o triplo da cominação máxima se a aplicação do máximo da pena de multa cominada parecer ineficaz art 60 1º CP Nesse sentido a pena de multa seria modalidade punitiva de finível como pena igual porque considera desigualmente indivíduos concretamente desiguais na prática a seletividade do processo de cri minalização concentrada na população pobre e excluída do mercado de trabalho e das relações de consumo frustra a aplicação igualitária da pena de multa Art 60 Na fixação da pena de multa o juiz deve aten der principalmente à situação econômica do réu 1º A multa pode ser aumentada até o triplo se o juiz considerar que em virtude da situação econômica do réu é ineficaz embora aplicada no máximo Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 501 242012 162836 502 Teoria da Pena Capítulo 19 33 Execução da pena de multa A pena de multa é executada pelo pagamento no prazo de 10 dias do trânsito em julgado da sentença condenatória art 50 primeira parte CP ou em qualquer tempo depois desse prazo O pagamento pode ser feito em parcelas mensais se o condenado requerer e as circunstâncias indicarem sua conveniência art 50 segunda parte CP Admitese desconto nos vencimentos ou sa lários do condenado se a pena de multa é aplicada isoladamente ou cumulativamente com pena restritiva de direitos ou com pena privativa de liberdade suspensa condicionalmente art 50 1º e alíneas CP o desconto é limitado pela necessidade de preservar recursos indispensáveis ao sustento do condenado e de sua família art 50 2º CP no caso de aplicação cumulativa com pena privativa de liberdade não suspensa condicionalmente o juiz pode determinar desconto proporcional aos salários do condenado art 170 LEP A pena de multa após o trânsito em julgado da sentença con denatória transformase em dívida de valor aplicadas as normas sobre dívida ativa da Fazenda Pública inclusive quanto à suspensão e interrupção da prescrição art 51 CP e constitui título executivo judicial art 164 LEP Art 51 Transitada em julgado a sentença condenatória a multa será considerada dívida de valor aplicandose lhe as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição Em caso de mora no pagamento da pena de multa a Fazenda Pública pode requerer a citação do condenado para pagar o valor da multa ou nomear bens à penhora no prazo de 10 dias admitindose o pagamento parcelado em prestações mensais iguais e sucessivas se o condenado não pagar a pena de multa ou não nomear bens à penhora Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 502 242012 162836 503 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro no prazo legal serão penhorados bens do condenado suficientes para garantir a execução prosseguindose na ação conforme a legislação processual civil art 164 2º LEP36 Art 50 A multa deve ser paga dentro de 10 dez dias depois de transitada em julgado a sentença A reque rimento do condenado e conforme as circunstâncias o juiz pode permitir que o pagamento se realize em parcelas mensais 1º A cobrança da multa pode efetuarse median te desconto no vencimento ou salário do condenado quando a aplicada isoladamente b aplicada cumulativamente com pena restritiva de direitos c concedida a suspensão condicional da pena 2º O desconto não deve incidir sobre os recursos indis pensáveis ao sustento do condenado e de sua família 4 Conversibilidade executiva das penas criminais A conversão executiva de penas criminais é o processo judicial de transformação de uma pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade no caso de descumprimento injustificado da restrição aplicada art 44 4o CP 36 O art 164 da LEP atribui ao Ministério Público mas a jurisprudência atribui à Fazenda Pública a legitimidade para cobrança da pena de multa STJ REsp 397985 SP DJ 07042003 Rel Min FELIX FISCHER Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 503 242012 162837 504 Teoria da Pena Capítulo 19 Art 44 4º A pena restritiva de direitos convertese em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos respeitado o saldo mínimo de 30 trinta dias de detenção ou de reclusão O critério legal da dedução do tempo cumprido da pena restritiva de direitos assim como da observação do saldo mínimo de 30 dias de detenção ou de reclusão na conversão da pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade somente é aplicável nos casos de penas restritivas de direitos determinadas por tempo a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas a limitação de fim de semana e a interdição temporária de direitos mas não pode ser aplicado nos casos de penas restritivas de direitos definidas por valores a prestação pecuniária e a perda de bens e valores instituídos pela Lei 971498 por lesionar o princípio da legalidade Excluída a conversão em penas privativas de liberdade na hi pótese de descumprimento injustificado de penas restritivas de direitos definidas por valores a prestação pecuniária e a perda de bens e valores deve ser aplicado o mesmo critério da inadimplência da pena de multa por analogia in bonam partem a pena restritiva de direitos definida em valores após o trânsito em julgado da sentença condenatória transformase igualmente em dívida de valor com aplicação das nor mas sobre dívida ativa da Fazenda Pública art 51 CP legitimada para a ação de execução civil competente 5 Cominação das penas criminais As penas privativas de liberdade cominadas nos limites míni mo e máximo pelo legislador independem de regras de cominação art 53 CP e a referência a seus limites legais é ociosa Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 504 242012 162837 505 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro Art 53 As penas privativas de liberdade têm seus limites estabelecidos na sanção correspondente a cada tipo legal de crime Mas a função substitutiva atribuída às penas restritivas de direitos e a cominação indeterminada das penas de multa explicam as regras de cominação 51 Regras de cominação As regras de cominação das penas restritivas de direitos são as seguintes a a aplicação judicial de pena restritiva de direitos independe de co minação específica ao lado de cada tipo de crime art 54 CP b a aplicação de pena restritiva de direitos é determinada pela pena privativa de liberdade aplicada conforme os seguintes critérios b1 no caso de pena privativa de liberdade inferior a l ano aplicase pena restritiva de direitos isolada tanto em crimes dolosos como em crimes imprudentes art 44 2º CP acima b2 no caso de pena privativa de liberdade igual ou superior a l ano aplicase pena restri tiva de direitos somente em crimes imprudentes mas com aplicação cumulativa de pena de multa ou de outra pena restritiva de direitos art 54 CP Art 54 As penas restritivas de direitos são aplicáveis independentemente de cominação na parte especial em substituição à pena privativa de liberdade fixada em quantidade inferior a 1 um ano ou nos crimes culposos c a duração das penas restritivas de direitos é igual à duração das penas privativas de liberdade substituídas nas hipóteses de penas restritivas de direitos determinadas por tempo incisos IV V e VI do art 43 CP com exceção do art 46 4o CP Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 505 242012 162837 506 Teoria da Pena Capítulo 19 Art 55 As penas restritivas de direitos referidas nos incisos III IV V e VI do art 43 terão a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída ressalvado o disposto no 4o do art 46 d a aplicação da pena de interdição temporária de direitos art 47 IIII CP é obrigatória nas hipóteses a de violação de deveres em crimes cometidos no exercício de profissão atividade ofício cargo ou função em que pode funcionar como pena acessória art 56 CP e b de crimes culposos de trânsito art 57 CP Art 56 As penas de interdição previstas nos incisos I e II do art 47 deste Código aplicamse para todo o crime cometido no exercício de profissão atividade ofício cargo ou função sempre que houver violação dos deveres que lhes são inerentes Art 57 A pena de interdição prevista no inciso III do art 47 deste Código aplicase aos crimes culposos de trânsito 52 Cominação das penas de multa As penas de multa cujos limites legais são fixados em lei art 49 1º e 2º CP são cominadas de modo indeterminado nos tipos legais respectivos Art 58 A multa prevista em cada tipo legal de crime tem os limites fixados no art 49 e seus parágrafos deste Código Parágrafo único A multa prevista no parágrafo único do art 44 e no 2o do art 60 deste Código aplicase independentemente de cominação na parte especial Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 506 242012 162837 507 Capítulo 19 O Sistema Penal Brasileiro Exceções à regra de cominação indeterminada da pena de multa nos tipos legais aparecem nos seguintes casos aplicação da pena de multa substitutiva da pena privativa de liberdade art 58 parágrafo único CP de forma isolada no caso de aplicação de pena privativa de liberdade igual ou inferior a 1 ano art 44 2º CP primeira parte e não art 44 parágrafo único como erroneamente diz a lei ou de forma cumulada com pena restritiva de direitos no caso de aplicação de pena privativa de liberdade superior a 1 ano art 44 2º CP segunda parte37 Portanto a norma do art 60 2º CP que prevê substituição de pena privativa de liberdade igual ou inferior a 6 seis meses por pena de multa está derrogada pela norma do art 44 2º CP primeira parte introduzida pela Lei 971498 como disposição posterior mais favorável ao acusado atualmente a pena de multa pode substituir pena privativa de liberdade igual ou inferior a 1 ano sem necessidade dos requisitos de primariedade e dos indicadores de suficiência retributiva e preventiva da pena exigidos pela disposição derrogada38 37 Comparar BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição p 458 38 Ver BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição p 458459 REGIS PRADO Curso de direito penal brasileiro parte geral 2004 4a edição p 610611 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 507 242012 162837 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 508 242012 162837 509 Capítulo 20 apLicação daS peNaS crimiNaiS I A sentença criminal A sentença criminal pode absolver o acusado da imputação de fato criminoso ou condenar o acusado às sanções penais aplicáveis ao fato imputado Em regra a sentença criminal absolutória fundamenta se na exclusão do conceito de crime por ausência de tipo de injusto ou por ausência de culpabilidade por exceção a sentença criminal absolutória pode ter por fundamento pressupostos relativos ao fato ou relativos ao processo Ao contrário a sentença criminal condenatória fundamentase na existência de crime observados os pressupostos do fato e do processo 1 A sentença criminal absolutória 1 A sentença criminal absolutória por exclusão do conceito de crime pode ter os seguintes fundamentos a a ação realizada ou omitida não é típica 1 porque no âmbito do tipo objetivo não há causação do resultado como relação de causalidade entre a ação realizada ou omitida e o resultado ou não há imputação do resultado como criação ou realização do risco criado ou 2 porque no âmbito do tipo subjetivo a não existe dolo por defeito de consciência erro de tipo ou por ausência de vontade exceto em caso de incriminação legal da imprudência ou b não Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 509 242012 162837 510 Teoria da Pena Capítulo 20 existem elementos subjetivos especiais intenções tendências ou atitudes especiais b a ação típica realizada ou omitida é justificada por legítima defesa estado de necessidade exercício regular de direito estrito cumprimento de dever legal ou consentimento do titular do bem jurídico c a ação típica e antijurídica realizada ou omitida não é culpável porque realizada por agente inimputável menoridade ou anormalidade psíquica ou por agente em situação de erro de proibição inevitável excludente do conhecimento do injusto ou por agente em situação de inexigibilidade de comportamento diverso configurada nas hipóteses legais e supralegais de exculpação 2 A sentença criminal absolutória fundada em pressupostos relativos ao fato ou ao processo pode ter os seguintes fundamentos a a ação típica antijurídica e culpável não é punível por pressupostos relacionados ao fato assim sistematizados 1 existên cia de fundamentos excludentes de pena nas hipóteses a de isenções pessoais de pena imunidades parlamentares relações naturais ou civis de casamento ascendência ou descendência em crimes patrimoniais b de isenções objetivas de pena prova da verdade na calúnia e na difamação e c de suspensão de pena na hipótese de desistência da tentativa desistência voluntária e arrependimento eficaz 2 ausência de condições objetivas de punibilidade o ingresso do autor no território nacional por exemplo b a ação típica antijurídica e culpável não é punível por pressupostos relacionados ao processo em hipóteses de necessida de de representação para a ação penal pública condicionada ou de ocorrência de prescrição decadência ou perempção do direito de ação penal privada Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 510 242012 162837 511 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais 2 A sentença criminal condenatória A sentença criminal condenatória deve do ponto de vista do Direito Penal ter por fundamento a existência de crime na ação realizada ou omitida pelo acusado como conceito constituído de tipo de injusto e de culpabilidade além dos pressupostos relativos ao fato e ao processo penal acima indicados Esse fundamento material é necessário mas não é suficiente para condenação criminal porque inúmeras ilegalidades ou nulidades ligadas ao processo legal devido como violações de garantias constitucionais e legais do acusado no processo penal podem impedir a condenação criminal A natureza subsidiária do Direito Penal concebido como instrumento de ultima ratio da política social mostra que a sentença criminal condenatória deve ser o produto da exclusão de todas as hipóteses a de absolvição do acusado por não se caracterizar o conceito de crime por inexistência dos pressupostos relativos ao fato e ao processo ou por ausência de prova suficiente para condenação ou b de invalidação do processo penal por ilegalidades ou nulidades vinculadas ao princípio geral do processo legal devido No momento de formação da sentença criminal condenatória anterior ao processo intelectual de aplicação da pena criminal aparece o seguinte quadro no aparelho psíquico do julgador a a dimensão de tipo de injusto do fato punível como ação típica e antijurídica concreta constitui conceito demonstrado pela prova b a dimensão de culpabilidade do fato punível como reprovação do autor pela realização do tipo de injusto existe somente como qualidade do fato punível ou seja ainda não existe como quantidade de reprovação isto é como medida da pena criminal1 apenas determinável no processo intelectual trifásico de aplicação da pena com base nas circunstâncias 1 TRÖNDLEFISCHER Strafgesetzbuch und Nebengesetze 2001 50a edição 46 n 5 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 511 242012 162837 512 Teoria da Pena Capítulo 20 judiciais nas circunstâncias legais e nas causas especiais de aumento ou de redução da pena II O método legal de aplicação da pena A aplicação da pena criminal é ato judicial de determinação das consequências jurídicas do fato punível compreendendo a escolha da pena aplicável a quantificação da pena escolhida2 e em caso de pena privativa de liberdade a decisão sobre regime inicial de execução ou a substituição da pena aplicada por pena restritiva de direitos art 59 CP ou alternativamente a suspensão condicional da execução da pena aplicada Art 59 O juiz atendendo à culpabilidade aos ante cedentes à conduta social à personalidade do agente aos motivos às circunstâncias e consequências do crime bem como ao comportamento da vítima estabelecerá conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime I as penas aplicáveis dentre as cominadas II a quantidade de pena aplicável dentro dos limites previstos III o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade IV a substituição da pena privativa da liberdade aplicada por outra espécie de pena se cabível 2 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 5a edição 82 I p 871 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 512 242012 162837 513 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais Essa norma exprime a concepção políticocriminal fundamental do Direito Penal brasileiro implementada pelo juiz através da sentença criminal condenatória que define a necessidade e a suficiência da pena como retribuição equivalente da culpabilidade e como prevenção especial e geral do crime e da criminalidade 1 Culpabilidade qualitativa e quantitativa A atividade intelectual de aplicação da pena criminal tem por objetivo estabelecer a pena necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime conforme o seguinte método art 68 CP a definição da penabase fundada nas circunstâncias judiciais art 59 CP b agravação ou atenuação da penabase fundada nas circunstâncias legais arts 61 62 e 65 CP c fixação da pena definitiva fundada nas causas especiais de dimi nuição eou de aumento da pena da parte geral e da parte especial do Código Penal3 Nesse quadro o juízo qualitativo da culpabilidade como cate goria do crime transformase no juízo quantitativo da culpabilidade como medida da pena garantia individual excludente de excessos punitivos fundados em prevenção geral ou especial4 2 Objetivos de reprovação e prevenção do crime Os objetivos de reprovar e de prevenir o crime atribuídos pelo legislador ao juiz criminal art 59 CP são realizados pelas funções de retribuição da culpabilida de e de prevenção da criminalidade atribuídas à pena criminal logo especulações judiciais sobre teorias penais estão excluídas da sentença criminal a lei penal brasileira assume explicitamente as teorias unifica das da pena criminal porque o objetivo de reprovação é medido pela retribuição equivalente por um lado e o objetivo de prevenção abrange a prevenção especial nas dimensões de correção e de neutralização do 3 TRÖNDLEFISCHER Strafgesetzbuch und Nebengesetze 2001 50a edição 46 n 13 4 MAURACHZIPF Strafrecht 1989 727 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 82 IV 6 TRÖNDLEFISCHER Strafgesetzbuch und Nebengesetze 2001 50a edição 46 n 16 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 513 242012 162837 514 Teoria da Pena Capítulo 20 condenado e a prevenção geral nas dimensões de intimidação e de reafirmação da ordem jurídica por outro lado5 3 Pena necessária e suficiente A necessidade e a suficiência da pena são determinadas pelos objetivos de reprovar e de prevenir o crime atribuídos à pena criminal O significado dos conceitos de necessidade e de suficiência da pena pode ser assim definido a a necessidade da pena referese à natureza da pena aplicada pena privativa de liber dade pena restritiva de direitos ou pena de multa b a suficiência da pena referese à extensão da pena considerada necessária para reprovar ou prevenir o crime a duração da pena privativa de liberdade com substituição ou não por pena restritiva de direitos e o valor da pena de multa 31 A primeira indicação legal para o juiz aplicar a pena necessária e suficiente para reprovar e prevenir o crime é a moldura penal do tipo de injusto realizado o mínimo e o máximo da pena cominada são limites legais de uma escala contínua de gravidade predefinida pelo legislador6 32 A segunda indicação legal para o juiz aplicar a pena necessária e suficiente para reprovar e prevenir o crime referese ao conteúdo da moldura legal do tipo de injusto as circunstâncias judiciais as cir cunstâncias legais e as causas especiais de aumento e de diminuição de pena Art 68 A penabase será fixada atendendose ao cri tério do art 59 deste Código em seguida serão consi deradas as circunstâncias atenuantes e agravantes por último as causas de diminuição e de aumento 5 Em relação ao Direito Penal alemão ver KAISER Lenckner FS 1988 p 781 6 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 82 II n 1 p 872 TRÖNDLEFISCHER Strafgesetzbuch und Nebengesetze 2001 50a edição 46 n 16 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 514 242012 162837 515 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais Parágrafo único No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial pode o juiz limitarse a um só aumento ou a uma só diminuição prevalecendo todavia a causa que mais aumente ou diminua 4 Os processos intelectuais e emocionais do julgador A delimitação da moldura penal e a indicação do método legal de preenchimento da moldura penal não podem determinar a pena necessária e suficiente para reprovar e prevenir o crime segundo a ideologia penal nem existem fórmulas matemáticas para determinar a pena criminal Somente os processos intelectuais e emocionais do juiz criminal podem empregar o método legal para definir o conteúdo criminal da moldura penal determinando a pena necessária e suficiente para reprovar e prevenir o crime conforme o programa oficial a em primeiro lugar a reprovação do crime é realizada pela retri buição de culpabilidade medida pela pena criminal aplicada b em segundo lugar a prevenção do crime deve ser realizada pela função de correção e de neutralização atribuída à prevenção especial e secundariamente pela função de intimidação e de reafirmação da ordem jurídica atribuída à prevenção geral7 Esse é o discurso oficial da teoria jurídica da pena Mas o dis curso oficial expresso na técnica de aplicação da pena não cancela o conflito entre objetivos declarados e objetivos reais do sistema penal nas sociedades contemporâneas8 A prevenção da criminalidade é refuta da pela experiência histórica da prisão e a pena criminal se reduz à função de retribuição equivalente medida pelo tempo de supressão da liberdade pessoal 7 Ilustrativo JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 82 II III IV p 872882 8 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 82 IV 4 p 878879 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 515 242012 162837 516 Teoria da Pena Capítulo 20 1 Definição da penabase circunstâncias judiciais 1a fase A definição da penabase como produto de operacionalização das circunstâncias judiciais do art 59 CP começa com a fixação do ponto de partida do processo intelectual de determinação da pena crimi nal A fixação do ponto de partida desse processo intelectual é definida por dois critérios a critério antigo fundado em lógica matemática propõe a média entre o mínimo e o máximo da pena cominada9 b critério moderno fundado em razões humanitárias propõe a pena mínima10 A decisão sobre os critérios é simples se o critério antigo determina aplicação de pena maior e inversamente o critério moderno determina aplicação de pena menor então o argumento humanitário prevalece sobre o argumento matemático outra atitude viola o prin cípio da culpabilidade que proíbe aplicação ou agravação de penas sem fundamento empírico concreto11 Conclusão o ponto de partida para fixação da penabase deve ser o mínimo legal da pena cominada conforme democrática prática judicial contemporânea As circunstâncias judiciais definidas no art 59 do CP são objeto de arbítrio exclusivo do juiz12 e compreendem elementos do agente culpabilidade antecedentes conduta social personalidade e moti vos do fato circunstâncias e consequências do crime e da vítima comportamento da vítima 9 HUNGRIA Aplicação da pena in Revista Forense 90525 10 FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 64 11 FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 65 Com tal demonstração fica claro que o método do termo médio embora racional prejudica o réu E como a lei em momento algum disse qual seria o método a ser adotado penso que o juiz não pode fazer uma interpretação extensiva escolhendo um método que venha prejudicar o réu embora até mais lógico e racional 12 Nesse sentido FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 70 também JESCHECK WEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 82 II 1 p 871 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 516 242012 162837 517 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais A definição da penabase deveria ser regida desse modo a regra penabase no mínimo legal porque exprime o desvalor normal do fato b exceção penabase superior ao mínimo legal em casos de desvalor adicional do fato Contudo pesquisa empírica sobre aplicação da pena cujas constatações principais serão refe ridas neste Capítulo indica o contrário a penabase superior ao mínimo legal em 61 dos casos b penabase no mínimo legal em 38 dos casos13 11 Elementos do agente Os elementos do agente são os componentes mais importantes das circunstâncias judiciais art 59 CP definindo quase toda a pena base como segue a Culpabilidade 1 A culpabilidade constitui circunstância judicial introduzida pela reforma penal de 1984 em substituição ao critério da intensidade do dolo ou grau de culpa da lei anterior mas em posição incômoda a culpabilidade do autor pela realização do tipo de injusto não é mero elemento informador do juízo de reprovação mas o próprio juízo de reprovação pela realização do tipo de injusto o que é reprovado no autor cujos fundamentos são a imputabilidade a consciência do injusto e a exigibilidade de comportamento 13 Ver MACHADO Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada 156 f Dissertação Mestrado em Direito Estado e Constituição Faculdade de Direito Universidade de Brasília Orientadora Profa Dra Ela Wiecko Volkmer de Castilho Brasília 2009 p 89 Pesquisa empírica realizada em 20067 em 36 Varas criminais de Brasília sobre amostra aleatória de 943 processos de um universo de 21881 processos de competência de Juiz singular Júri entorpecentes e trânsito Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 517 242012 162837 518 Teoria da Pena Capítulo 20 diverso porque o autor é reprovado14 A inclusão da culpabilidade como circunstância judicial de formulação do juízo de reprovação constitui impro priedade metodológica porque o juízo de culpabilidade como elemento do conceito de crime não pode ser ao mesmo tempo simples circunstância judicial de informação do juízo de culpabilidade15 Além disso o truísmo do legislador Exposição de Motivos n 50 de que graduável é a censura parece desconhecer que objeto da censura é a atitude do agente definível em dois momentos a no tipo de injusto como dolo energia psíquica produtora do tipo de injusto ou imprudência atitude defeituosa em ações socialmente perigosas integrantes do objeto de reprovação o que é reprovado b na culpa bilidade como imputabilidade o autor é capaz de saber e controlar o que faz como consciência do injusto o autor sabe realmente o que faz e como exigência de comportamento diverso o autor tem o poder de não fazer o que faz integrantes do juízo de reprovação porque o autor é reprovado cuja conjugada intensidade variável determina o nível de reprovação pessoal do autor ou seja a graduação da censura A crítica é válida para todas as situações em que o conceito de culpa bilidade funciona como elemento de orientação de decisões judiciais no concurso de pessoas art 29 CP nas penas restritivas de direitos art 43 III CP no crime continuado art 71 parágrafo único CP na suspensão condicional da pena art 77 2º CP etc Não obstante ou apesar disso a transformação da culpabi lidade ainda existente como qualidade do fato punível isto é como reprovação do autor pela realização do tipo de injusto em culpabilidade como quantidade de reprovação isto é como medida da pena crimi nal16 pressupõe as determinações psíquicas e emocionais do cérebro do juiz conforme os seguintes parâmetros 14 CIRINO DOS SANTOS Direito penal a nova parte geral 1985 p 239 15 Ver FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 7980 16 TRÖNDLEFISCHER Strafgesetzbuch und Nebengesetze 2001 50a edição 46 n 5 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 518 242012 162837 519 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais a o nível de consciência do injusto no psiquismo do autor varia numa escala graduável entre os extremos de pleno conhecimento do injusto que define plena reprovação e de erro de proibição inevitável que define ausência de reprovação passando por todos os níveis intermediários das gradações de evitabilidade do erro de proibição necessariamente mensuradas na reprovabilidade do autor e expressas na medida da pena17 b o grau de exigibilidade de comportamento diverso de autor consciente do tipo de injusto varia numa escala graduável entre o extremo de plena normalidade das circunstâncias do tipo de injusto que define a plena dirigibilidade normativa como máximo poder pessoal de não fazer o que faz e o extremo de plena anormalidade das circunstâncias do tipo de injusto que define ausência de di rigibilidade normativa como inexistência do poder pessoal de não fazer o que faz expressa nas situações de exculpação legais e supra legais passando por todos os graus intermediários das gradações de normalidadeanormalidade do tipo de injusto que reduzem o poder pessoal de não fazer o que faz necessariamente mensuradas na exigibilidade de comportamento diverso e portanto expressas na medida da pena18 Esse conceito de culpabilidade constitui em conjunto com o conceito de tipo de injusto o conceito de fato punível e por essa razão não é redutível a simples circunstância judicial equivalente a outros elementos informadores da penabase como os antecedentes a conduta social a personalidade e os motivos do autor ou como circunstâncias ou consequências do fato ou ainda como o comportamento da vítima de valor evidentemente inferior19 17 CIRINO DOS SANTOS A moderna teoria do fato punível 2004 p 227229 18 CIRINO DOS SANTOS A moderna teoria do fato punível 2004 p 202204 e 248250 19 Posição diferente aqui reformulada em CIRINO DOS SANTOS Direito penal a nova parte geral 1985 p 238239 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 519 242012 162838 520 Teoria da Pena Capítulo 20 2 Pesquisa empírica mostra que a culpabilidade é a circunstância judi cial mais frequente determinando penabase superior ao mínimo legal em 765 dos casos com frequente fundamentação inerente ao tipo um método ilegal consistente na repetição do tipo legal imputado no furto porque o autor subtraiu o bem de outra pessoa no homicídio porque o autor tirou a vida de alguém etc20 b Antecedentes 1 Os antecedentes são acontecimentos anteriores ao fato relevantes como indicadores positivos ou negativos da vida do autor e capazes de influenciar a aplicação da penabase com exceção da reincidência cri minal definida como circunstância agravante Nessa matéria a prática judicial brasileira adotava duas posições 1 uma posição repressiva considerava maus antecedentes a existência de inquéritos instaurados de processos criminais em curso de absolvições por insuficiência de provas de extinção do processo por prescrição abstrata retroativa ou intercorrente e de condenação criminal sem trânsito em julgado ou que não constituíssem reincidência21 2 uma posição crítica consi derava maus antecedentes somente condenações criminais anteriores definitivas que não configurassem reincidência criminal excluindo todas as outras hipóteses na verdade a única teoria compatível com o princípio constitucional da presunção de inocência como observa SUANNES22 Hoje o critério da posição crítica foi assumido pela 20 MACHADO Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada 156 f Dissertação Mestrado em Direito Estado e Constituição Faculdade de Direito Universidade de Brasília Orientadora Profa Dra Ela Wiecko Volkmer de Castilho Brasília 2009 p 92 21 Ver FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 8385 22 SUANNES Os fundamentos éticos do devido processo legal 1999 p 235 igualmente BUENO DE CARVALHO e CARVALHO Aplicação da pena e garantismo 2002 2a edição p 4950 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 520 242012 162838 521 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais Súmula n 444 do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIçA que proíbe agravar a pena base com fundamento em inquéritos policiais ou em ações penais em curso23 Em posição semelhante a moderna teoria alemã orientase no sentido de considerar maus antecedentes somente a existência de penas criminais anteriores e portanto ausência de penas criminais significaria bons antecedentes com efeito redutor da pena24 Em qualquer hipótese a teoria e a jurisprudência modernas condicionam a validade dos antecedentes ao prazo de 5 cinco anos por aplicação analógica do prazo de validade da reincidência art 64 I CP25 2 Pesquisa empírica mostra que os antecedentes determinam pena base superior ao mínimo legal em 484 dos casos com frequentes referências genéricas o acusado registra maus antecedentes ou os ante cedentes são desabonadores etc26 c Conduta social 1 O conceito de conduta social como conjunto de comportamentos relevantes eou significativos da vida do autor parece em conflito com o conceito tradicional de antecedentes compreensivo de inquéritos policiais de processos criminais de absolvições por insuficiência de provas27 etc mas não com o conceito crítico restrito a condenações 23 STJ Súmula n 444 É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais para agravar a pena base 24 TRÖNDLEFISCHER Strafgesetzbuch und Nebengesetze 2001 50a edição 46 n 37 25 Assim BOSCHI Das penas e seus critérios de aplicação 2000 p 208 BUENO DE CARVALHO e CARVALHO Aplicação da pena e garantismo 2002 2a edição p 4950 26 MACHADO Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada 156 f Dissertação Mestrado em Direito Estado e Constituição Faculdade de Direito Universidade de Brasília Orientadora Profa Dra Ela Wiecko Volkmer de Castilho Brasília 2009 p 91 27 CIRINO DOS SANTOS Direito Penal a nova parte geral 1985 p 240 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 521 242012 162838 522 Teoria da Pena Capítulo 20 criminais definitivas A jurisprudência brasileira resolveu o conflito atribuindo ao conceito de conduta social o significado de comporta mento do autor nos papéis de paimãe maridoesposa filho aluno membro da comunidade profissional cidadão etc28 Não obstante o conceito é criticável pela contradição com o direito penal do fato julgar o homem pelo que é e não pelo que fez reintroduz o proscrito direito penal do autor29 2 Dados empíricos mostram que a conduta social determina penabase superior ao mínimo legal apenas em 174 dos casos30 d Personalidade 1 O conceito de personalidade é objeto de enorme controvérsia em Psicologia ou Psiquiatria modernas por seus limites imprecisos ou difusos Não há consenso sobre as seguintes questões a personalidade a seria delimitada pelo ego como o perceptivoconsciente responsável pelas decisões e ações da vida diária b abrangeria o superego como instância de controle ou censura pessoal c enfim incluiria as pulsões instintuais do id como fonte inconsciente da energia psíquica regida pelo princípio do prazer Em geral os operadores do sistema de justiça criminal carecem de formação acadêmica em Psicologia ou Psiquiatria para decidir sobre o complexo conteúdo do conceito de personalidade e por essa 28 FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 8586 29 MACHADO Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada 156 f Dissertação Mestrado em Direito Estado e Constituição Faculdade de Direito Universidade de Brasília Orientadora Profa Dra Ela Wiecko Volkmer de Castilho Brasília 2009 p 100 30 MACHADO Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada 156 f Dissertação Mestrado em Direito Estado e Constituição Faculdade de Direito Universidade de Brasília Orientadora Profa Dra Ela Wiecko Volkmer de Castilho Brasília 2009 p 101 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 522 242012 162838 523 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais razão a jurisprudência brasileira tem atribuído um significado leigo ao conceito como conjunto de sentimentosemoções pessoais distribuídos entre os polos de emotividadeestabilidade ou de atitudesreações indi viduais na escala sociabilidadeagressividade que pouco indicam sobre a personalidade do condenado hoje com a introdução do princípio da identidade física do juiz no processo penal foram eliminados os efeitos desastrosos do sistema anterior em que o interrogatório podia ser realizado por um e a sentença podia ser proferida por outro juiz criminal31 A legislação e jurisprudência alemãs destacam a atitude concreta do autor na realização do fato punível indicadora de rudeza ou de brutalidade de máfé ou de perfídia de infâmia ou de abjeção de desconsideração ou de crueldade por exemplo capazes de revelar traços significativos da personalidade indetermináveis pelo emprego direto da categoria abstrata representada pelo conceito de personalidade32 Finalmente a personalidade como natureza concreta de sujeitos reais é um produto histórico em processo de constante formação transformação e deformação de modo que eventuais traços de caráter constituem cortes simplificados imprecisos e transitórios da natureza humana como produto biopsiquicossocial do conjunto das relações históricas concretas do indivíduo 2 Pesquisa empírica mostra que a personalidade determina penabase superior ao mínimo legal em 477 dos casos na maioria das vezes com fórmulas vazias o acusado possui personalidade voltada para o crime ou apresenta personalidade distorcida ou tem personalidade comprometida com a prática de delitos etc33 31 FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 8890 32 Ver TRÖNDLEFISCHER Strafgesetzbuch und Nebengesetze 2001 50a edição 46 n 28 33 MACHADO Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada 156 f Dissertação Mestrado em Direito Estado e Constituição Faculdade de Direito Universidade de Brasília Orientadora Profa Dra Ela Wiecko Volkmer de Castilho Brasília 2009 p 1023 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 523 242012 162838 524 Teoria da Pena Capítulo 20 e Motivos 1 O motivo no sentido de móbil do crime designa o aspecto dinâmico de pulsões instintuais do id atualizadas em estímulos internos deter minados34 de egoísmo cólera prepotência luxúria ganância avidez cobiça vingança etc que conferem qualidades negativas à conduta ou alternativamente de gratidão sentimento de honra revolta contra injustiças etc que indicam qualidades positivas da conduta relevantes para a fixação da penabase35 Os motivos como raízes psíquicoafetivas do fato também podem constituir circunstâncias agravantes ou atenu antes genéricas ou fundamentos qualificadores ou privilegiantes do tipo básico de crime motivo torpe motivo fútil motivo de relevante valor social ou moral etc Nessas hipóteses são regidos pela proibição de dupla valoração motivos que integram as características do tipo de injusto ou que são previstos como circunstâncias agravantes ou atenuantes genéricas não podem ser considerados para fixação da penabase36 2 Dados empíricos mostram que os motivos determinam penabase acima do mínimo legal em 342 dos casos com frequente funda mentação inerente ao tipo por exemplo no furto a motivação de obter lucro fácil37 34 LAPLANCHEPONTALIS Vocabulário da psicanálise 1986 p 363364 35 FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 91 36 TRÖNDLEFISCHER Strafgesetzbuch und Nebengesetze 2001 50a edição 46 n 77 37 MACHADO Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada 156 f Dissertação Mestrado em Direito Estado e Constituição Faculdade de Direito Universidade de Brasília Orientadora Profa Dra Ela Wiecko Volkmer de Castilho Brasília 2009 p 95 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 524 242012 162838 525 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais 12 Elementos do fato Os elementos de orientação judicial relativos ao fato são previstos normalmente como circunstâncias agravantes ou atenuantes genéricas mas o juízo de reprovação pode ser informado por outras particularida des do fato não previstas legalmente como circunstâncias agravantes ou atenuantes mas importantes para formação da penabase a Circunstâncias 1 A incorporação legal do critério trifásico de aplicação da pena art 68 CP resolveu a controvérsia sobre o conteúdo desse elemento de orientação judicial as circunstâncias referidas como circunstâncias judiciais do art 59 do CP são circunstâncias diversas das genéricas circunstâncias agravantes ou circunstâncias atenuantes arts 61 e 65 CP como por exemplo o lugar do fato o modo de execução do fato as relações do autor com a vítima etc que podem influir na formação da penabase38 2 Dados empíricos mostram que as circunstâncias determinam pena base acima do mínimo legal em 287 dos casos39 b Consequências 1 As consequências do fato designam outros resultados de natureza pessoal afetiva moral social econômica ou política produzidos pelo 38 No sentido do texto FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 92 39 MACHADO Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada 156 f Dissertação Mestrado em Direito Estado e Constituição Faculdade de Direito Universidade de Brasília Orientadora Profa Dra Ela Wiecko Volkmer de Castilho Brasília 2009 p 91 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 525 242012 162838 526 Teoria da Pena Capítulo 20 crime dotados de significação para o juízo de reprovação mas incon fundíveis com o resultado do próprio tipo de crime o efeito de penúria da vítima em crimes patrimoniais o sofrimento material e moral da vítima ou de seus dependentes em crimes violentos a extensão social dos danos pessoais ou patrimoniais da criminalidade estrutural ou sistêmica etc40 Todavia o princípio da culpabilidade exige previsão ou pelo menos previsibilidade do autor para considerar as conse quências extratípicas do fato na medida da pena em outras palavras a atribuição por imprudência constitui condição mínima de inclusão de consequências extratípicas na medida da pena41 2 Dados empíricos mostram que as consequências determinam pena base superior ao mínimo legal em 345 dos casos com fundamen tação inerente ao tipo ou tautológica no furto porque a vítima teria sido privada do bem furtado42 13 Contribuição da vítima 1 A vítima como titular do bem jurídico lesionado contribui neces sariamente para a existência do crime afinal o fato punível é reali zado por um sujeito ativo autor contra um sujeito passivo vítima Contudo o elemento de orientação judicial relativo ao comportamento da vítima limitase às hipóteses de contribuições efetivas conscientes 40 TRÖNDLEFISCHER Strafgesetzbuch und Nebengesetze 2001 50a edição 46 n 34 No Brasil ver FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 9294 41 MAURACHGÖSSELZIPF Strafrecht 1989 7a edição 63 I n 37 Uma pura responsabilização pelas consequências no âmbito da medição da pena pertence definitivamente ao passado desde a decisão legislativa de considerar somente efeitos culpáveis do fato 42 MACHADO Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada 156 f Dissertação Mestrado em Direito Estado e Constituição Faculdade de Direito Universidade de Brasília Orientadora Profa Dra Ela Wiecko Volkmer de Castilho Brasília 2009 p 95 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 526 242012 162838 527 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais ou inconscientes da vítima para a realização do crime reduzindo ou excluindo o tipo de injusto ou a reprovação do autor mediante provocação estímulo negligência facilitação etc A contribuição da vítima para o crime pode ser nenhuma no caso de vítimas inocentes pode ser parcial no caso de vítimas ingênuas em crimes sexuais ou de vítimas descuidadas em crimes patrimoniais pode ser equivalente à contribuição do autor no caso de provoca ção em crimes violentos e pode finalmente ser total ou absoluta no caso da situação justificante da legítima defesa por exemplo43 A inclusão do comportamento da vítima entre as circunstâncias judiciais formaliza legalmente um elemento de orientação judicial incorporado à prática judiciária nos crimes sexuais por exemplo e reconhecido expressamente em hipóteses de crimes privilegiados violenta emoção provocada por ato injusto da vítima ou de situações justificantes ou exculpantes 2 Dados empíricos mostram que o comportamento da vítima determina penabase superior ao mínimo legal em 142 dos casos44 2 Circunstâncias agravantes e atenuantes genéricas 2a fase A atividade judicial de fixação da penabase representa a primei ra fase do processo de aplicação da pena criminal art 68 primeira parte CP A conclusão do processo judicial de individualização da 43 Ver FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 99 44 MACHADO Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada 156 f Dissertação Mestrado em Direito Estado e Constituição Faculdade de Direito Universidade de Brasília Orientadora Profa Dra Ela Wiecko Volkmer de Castilho Brasília 2009 p 91 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 527 242012 162838 528 Teoria da Pena Capítulo 20 pena depende da operacionalização das fases seguintes influentes na mensuração da pena a segunda fase representada pelo exame das cir cunstâncias agravantes e atenuantes genéricas art 68 segunda parte CP a terceira fase representada pela verificação das causas especiais de diminuição ou de aumento de pena art 68 parte final CP a Natureza das circunstâncias As circunstâncias agravantes arts 61 e 62 CP e circunstâncias atenuantes arts 65 e 66 CP previstas na parte geral possuem duas características fundamentais a são genéricas porque aplicáveis a todos os fatos puníveis b são obrigatórias porque devem agravar ou atenuar a pena se verificadas concretamente exceto se constituem qualificam ou privilegiam o tipo de injusto hipóteses em que o próprio legislador prevê a ampliação ou redução da pena no tipo legal de crime excluindo a agravação ou atenuação judicial Por isso as circunstâncias agravantes ou atenuantes genéricas ou circunstâncias legais caracterizam a especificidade concreta do fato como acontecimento histórico ampliando ou reduzindo o conteúdo do tipo de injusto eou a reprovação de culpabilidade do autor ex pressas na pena criminal aplicada b Valor das circunstâncias Finalmente é necessário esclarecer o valor atribuído às circunstâncias legais no cálculo da pena o valor das circunstâncias legais na dosimetria da pena do fato punível consistente em quantidades de agravação ou de atenuação da penabase já definida pelas circunstâncias judiciais é determinado exclusivamente pelo arbítrio do juiz mas depende de fundamentação concreta como toda decisão judicial art 93 IX CR A prática judicial tem atribuído um valor que oscila entre 15 um quinto e 16 um sexto da penabase para cada circunstância genérica45 45 FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 101102 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 528 242012 162838 529 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais 21 Circunstâncias agravantes A lei penal brasileira define as seguintes circunstâncias agravantes genéricas art 61 CP Art 61 São circunstâncias que sempre agravam a pena quando não constituem ou qualificam o crime I a reincidência II ter o agente cometido o crime a por motivo fútil ou torpe b para facilitar ou assegurar a execução a ocultação a impunidade ou vantagem de outro crime c à traição de emboscada ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido d com emprego de veneno fogo explosivo tortura ou outro meio insidioso ou cruel ou de que podia resultar perigo comum e contra ascendente descendente irmão ou cônjuge f com abuso de autoridade ou prevalecendose de relações domésticas de coabitação ou de hospitalidade ou com violência contra a mulher na forma da lei específica g com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo ofício ministério ou profissão h contra criança maior de 60 sessenta anos enfermo ou mulher grávida i quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 529 242012 162838 530 Teoria da Pena Capítulo 20 j em ocasião de incêndio naufrágio inundação ou qualquer calamidade pública ou de desgraça particular do ofendido l em estado de embriaguez preordenada a Reincidência 1 Conceito A reincidência significa prática de novo crime depois do trânsito em julgado de sentença criminal condenatória anterior art 63 CP Assim a reincidência pressupõe a condenação por crime anterior portanto qualquer pena aplicada excluída a contravenção b trânsito em julgado da condenação anterior portanto imutabilidade da decisão por esgotamento ou preclusão de recursos c prática de novo crime após transitar em julgado a condenação anterior portanto a nova conduta criminosa deve ser posterior ao trânsito em julgado da condenação criminal anterior Art 63 Verificase a reincidência quando o agente comete novo crime depois de transitar em julgado a sentença que no País ou no estrangeiro o tenha con denado por crime anterior Art 64 Para efeito de reincidência I não prevalece a condenação anterior se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração poste rior tiver decorrido período de tempo superior a 5 cinco anos computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional se não ocorre revogação II não se consideram os crimes militares próprios e políticos 2 Reincidência ficta e reincidência real A definição legal de rein cidência descreve hipótese formal irrelevante e escamoteia situação Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 530 242012 162838 531 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais real relevante a descreve a hipótese formal irrelevante da reincidência ficta porque o trânsito em julgado de condenação anterior indicaria presunção de periculosidade um conceito carente de conteúdo científi co b escamoteia a experiência concreta relevante da reincidência real porque o novo crime é produto da ação deformadora da prisão sobre o condenado através da execução da pena do crime anterior 3 Crítica O reconhecimento oficial da ação criminógena do cárcere EM n 26 demonstrada pela pesquisa criminológica universal exige redefinição do conceito de reincidência criminal excluindo a hipótese formal irrelevante da reincidência ficta incapaz de indicar a indefinível presunção de periculosidade e definindo a situação concreta relevante da reincidência real como produto da ação criminógena da execução da pena e do processo de criminalização sobre o condenado por falha do projeto técnicocorretivo da prisão A questão é simples se a prevenção especial positiva de correção do condenado é ineficaz e se a prevenção espe cial negativa de neutralização do condenado funciona realmente como prisionalização deformadora da personalidade do condenado então a reincidência real não pode constituir circunstância agravante46 É necessário reconhecer a se novo crime é cometido após a passagem do agente pelo sistema formal de controle social com efetivo cumprimento da pena criminal o processo de deformação e embrute cimento pessoal do sistema penitenciário deveria induzir o legislador a incluir a reincidência real entre as circunstâncias atenuantes como produto específico da atuação deficiente e predatória do Estado sobre sujeitos criminalizados b se novo crime é cometido após simples formalidade do trânsito em julgado de condenação anterior a reinci dência ficta não indica qualquer presunção de periculosidade capaz de fundamentar circunstância agravante Em conclusão nenhuma das hipóteses de reincidência real ou de reincidência ficta indica situação de rebeldia contra a ordem social garantida pelo Direito Penal a rein 46 CIRINO DOS SANTOS Direito Penal a nova parte geral 1985 p 244246 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 531 242012 162838 532 Teoria da Pena Capítulo 20 cidência real deveria ser circunstância atenuante e a reincidência ficta é de fato um indiferente penal Além disso a reincidência ficta ou real significa dupla punição do crime anterior a primeira punição é a pena aplicada ao crime an terior a segunda punição é o quantum de acréscimo obrigatório da pena do crime posterior por força da reincidência47 A literatura e jurisprudência brasileiras dominantes apesar de reconhecer a maioria desses problemas agravam a pena com base na reincidência considerando alguns pressupostos para determinar o quantum da agravação a execução da pena anterior o espaço de tempo entre o crime anterior e o novo crime respeitada a prescrição da reincidência a relação de gravidade entre os crimes etc48 4 Área de influência Dados empíricos indicam que a reincidência é a circunstância agravante mais frequente incidente em 9737 dos casos49 A influência irracional da reincidência criminal exclui reduz ou afeta de modo inconstitucional ou ilegal muitos direitos individuais a constitui circunstância agravante obrigatória art 61 I CP b determina regime inicial fechado para execução da pena pri vativa de liberdade art 33 2º b dados de pesquisa indicam esse efeito em 339 dos casos50 47 FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 107 48 Ver FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 110111 49 MACHADO Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada 156 f Dissertação Mestrado em Direito Estado e Constituição Faculdade de Direito Universidade de Brasília Orientadora Profa Dra Ela Wiecko Volkmer de Castilho Brasília 2009 p 108 50 MACHADO Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada 156 f Dissertação Mestrado em Direito Estado e Constituição Faculdade de Direito Universidade de Brasília Orientadora Profa Dra Ela Wiecko Volkmer de Castilho Brasília 2009 p 1112 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 532 242012 162838 533 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais c determina regime inicial semiaberto em hipóteses de regime aberto art 33 2o c dados de pesquisa indicam esse efeito em 435 dos casos51 d exclui a suspensão condicional da pena em crimes dolosos art 77 I e impede a substituição de pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos ou multa art 44 II e 62 2º esse efeito desastroso ocorre em 855 dos casos segundo dados empíricos52 f constitui circunstância preponderante na concorrência de circunstâncias agravantes e atenuantes art 67 g amplia os prazos do livramento condicional art 83 e da prescrição da pretensão executória art 110 h interrompe o prazo da prescrição art 117 VI i determina a revogação da reabilitação j exclui privilégios legais especiais art 155 2º k exclui o perdão judicial na receptação culposa art 180 3º l cancela o direito de apelar em liberdade art 594 CPP m exclui a fiança em crimes dolosos art 323 III CPP n exclui a transação penal e a suspensão condicional do processo da Lei 909995 51 MACHADO Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada 156 f Dissertação Mestrado em Direito Estado e Constituição Faculdade de Direito Universidade de Brasília Orientadora Profa Dra Ela Wiecko Volkmer de Castilho Brasília 2009 p 1112 52 MACHADO Entre números cálculos e humanidade o princípio constitucional da individualização da pena e o mito da punição humanizada 156 f Dissertação Mestrado em Direito Estado e Constituição Faculdade de Direito Universidade de Brasília Orientadora Profa Dra Ela Wiecko Volkmer de Castilho Brasília 2009 p 112 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 533 242012 162838 534 Teoria da Pena Capítulo 20 5 Prova da reincidência A reincidência é demonstrada por certidão de trânsito em julgado da condenação anterior e se extingue pelo decurso do prazo de 5 anos entre o cumprimento ou extinção da pena do crime anterior e o novo crime incluído o prazo de suspensão ou livramento condicional não revogados art 64 I CP Por fim são desconsiderados para efeito de reincidência os crimes militares próprios definidos no Código Penal Militar e os crimes políticos art 64 II CP b Motivo fútil ou torpe Os motivos do fato punível como estímulos internos que realizam o aspecto dinâmico das pulsões do id são destacados pelo legislador nos extremos de irrelevância absoluta e de reprovação máxima 1 o motivo fútil designa o móbil insignificante do crime de natureza irrelevante para explicar o fato criminoso equiparável à ausência de motivo homicídio ou lesão corporal grave determi nado por pilhérias ou pequenas ofensas53 2 o motivo torpe indica o móbil mais reprovável do fato criminoso caracterizado pela na tureza repugnante repulsiva ou abjeta do estímulo ao crime capaz de produzir repúdio generalizado o homicídio mercenário ou praticado para satisfação de taras sexuais etc54 Igualmente por força da proibição de dupla valoração motivos previstos como cir cunstâncias agravantes ou atenuantes não podem ser considerados na fixação da penabase55 53 Assim FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 419420 n 324 também MESTIERI Manual de direito penal parte geral 1999 v I p 286287 54 Nesse sentido FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 111112 também FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 420 n 324 55 TRÖNDLEFISCHER Strafgesetzbuch und Nebengesetze 2001 50a edição 46 n 77 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 534 242012 162838 535 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais c Facilitar ou assegurar a execução ocultação impunidade ou vantagem de outro crime A circunstância agravante designa a prática de um crime com a finalidade de facilitar ou assegurar a a execução de outro crime como ameaça ou constrangimento ilegal sobre terceiros em certos crimes sexuais b a ocultação de outro crime como ameaças contra testemunhas c a impunidade de outro crime como alteração falsi ficação ou destruição de provas ou coação sobre testemunhas etc e d a vantagem de outro crime como ameaças contra testemunhas56 d Traição emboscada dissimulação ou outro recurso que dificulte ou impossibilite a defesa da vítima As situações indicadas como circunstância agravante designam modos de execução de fatos puníveis que excluem ou reduzem as possi bilidades de defesa da vítima como exprime a referência a outro recurso que dificulte ou impossibilite a defesa da vítima a a traição significa toda forma de violação da confiança como a deslealdade a perfídia a aleivosia etc b a emboscada designa a ação de ocultação do autor em determinados locais para surpreender a vítima c a dissimulação define comportamentos marcados pelo disfarce ou encobrimento das intenções reais57 56 FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 112 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 420 57 Comparar FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 112114 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 535 242012 162839 536 Teoria da Pena Capítulo 20 e Emprego de veneno fogo explosivo tortura ou outro meio insidioso ou cruel ou de que possa resultar perigo comum A circunstância agravante destaca determinados meios de ação escolhidos pelo autor para realizar o fato punível definíveis como a insidiosos caracterizados por ação imperceptível ou inevitável o veneno por exemplo b cruéis caracterizados pela produção de sofrimento intenso excessivo ou desnecessário à vítima o fogo os explosivos a tortura etc e finalmente c capazes de produzir perigo comum definido pela possibilidade de dano generalizado a bens jurí dicos coletivos ou sociais indeterminados58 f Vitimização de ascendente descendente irmão ou cônjuge A circunstância agravante tem por objeto a relação de parentesco natural entre ascendentesdescendentes e irmãos por um lado e a relação de casamento civil entre os cônjuges por outro lado a a relação de parentesco natural entre ascendentes descendentes e irmãos fundamenta se na consanguinidade com exclusão de outras formas de parentesco civil como a adoção por exemplo porque a legalidade penal proíbe a analogia in malam partem59 b os vínculos afetivos entre cônjuges fundamentamse no casamento civil ou com efeitos civis enquanto durar a sociedade conjugal com exclusão de outras formas de união 58 FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 114 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 421 59 Contra FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 115116 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 422423 n 329 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 536 242012 162839 537 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais estável como companheiros amásios concubinos etc também porque a legalidade penal exclui a analogia in malam partem60 g Abuso de autoridade ou prevalecimento de relações domésticas de coabitação ou de hospitalidade ou com violência contra a mulher na forma da lei específica O conceito de autoridade responsável pelo abuso ou a natureza das relações objeto de prevalecimento pertencem ao Direito Civil a autoridade produtora do abuso e as relações referidas são de natureza privada circunscritas ao âmbito domiciliar ou residencial como local de intercâmbio regido pelo Direito de Família pelo Direito do Trabalho ou outros ramos do direito privado como locais de moradia conjunta coabitação ou espaços físicos caracterizados por certos poderesdeveres nas relações de hospitalidade residência de traba lho empresa ou de vida escola como empregadores professores tutores curadores etc61 A Lei 1134006 que instituiu os Juizados de Violência Do méstica e Familiar contra a Mulher editada nos termos do art 226 8º da CR da Convenção sobre Eliminação da Discriminação con tra Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher introduziu no Direito Penal um amplo conceito de violência com algumas hipóteses de difícil ou impossível determinação 1 O conceito de violência contra a mulher compreende ações e omis sões de ação determinantes de morte lesão corporal sofrimento físico sexual e psicológico dano moral e patrimonial art 5º apesar da nor 60 Nesse sentido FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 422 n 328 FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 115116 REGIS PRADO Curso de direito penal brasileiro 2004 p 492 61 Nesse sentido FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 116 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 537 242012 162839 538 Teoria da Pena Capítulo 20 ma o dano patrimonial clandestino ou fraudulento ou produzido sem constrangimento pessoal não pode integrar o conceito de violência 2 O âmbito de violência contra a mulher compreende os espaços a doméstico como local de convívio permanente de pessoas com ou sem vínculo familiar incluindo agregados b familiar como ambiente formado por comunidades de indivíduos aparentados ou assim considerados por laços naturais de afinidade ou de vontade expressa e c de relações íntimas de afeto com convívio atual ou anterior independente de coabitação art 5º IIII 3 A violência contra a mulher pode assumir forma física psicológica sexual patrimonial e moral assim definidas a a violência física ofensa à integridade ou saúde corporal art 7º I b a violência psicológica produzir dano emocional com redução da autoestima prejudicar ou perturbar o pleno desenvolvimento degradar ou controlar ações comportamentos crenças ou decisões mediante ameaça de constrangimento humilhações isolamento vigilância constante perseguição contumaz insulto chantagem ridicularização exploração limitação do direito de locomoção ou qualquer meio determinante de prejuízo à saúde psicológica e à au todeterminação art 7º II c a violência sexual constranger a presenciar manter ou participar de relação sexual indesejada mediante intimidação ameaça ou uso de força induzir a comercializar ou a utilizar de qualquer modo a sexua lidade impedir a utilização de qualquer método contraceptivo forçar ao matrimônio gravidez aborto ou prostituição mediante coação chantagem suborno ou manipulação limitar ou anular o exercício de direitos sexuais ou reprodutivos art 7º III d a violência patrimonial reter subtrair ou destruir total ou par cialmente objetos instrumentos de trabalho documentos pessoais bens valores direitos e recursos econômicos incluindo os destinados Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 538 242012 162839 539 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais à satisfação de necessidades art 7º IV como é óbvio a violência dessas condutas pressupõe sua natureza dolosa e a violência moral ações definidas como calúnia difamação e injúria art 7º V h Abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo ofício ministério ou profissão O conceito de poder objeto de abuso e de dever objeto de vio lação depende da natureza jurídica das atividades descritas o cargo e o ofício definem atividades ou funções públicas exercidas mediante concurso público regidas pelo Direito Administrativo eou pelo Direito Constitucional com poderes e deveres oficiais cujo abuso ou violação constituem circunstância agravante se não constituírem ou qualificarem o crime o ministério designa atividades religiosas profissionais com poderes e deveres de natureza mística atribuídos pela religiosidade po pular a padres pastores e guias espirituais em geral como a confissão a penitência e o perdão dos pecados a unção de enfermos etc a profissão designa atividades legalmente reconhecidas cujo exercício depende de habilitação especial ou de licença ou de autorização do poder público como advogados médicos engenheiros enfermeiros etc62 i Vitimização de criança de maior de 60 anos de enfermo ou de mulher grávida A circunstância agravante fundamentase na maior vulnera bilidade fragilidade ou incapacidade de resistência ou de defesa 62 TRÖNDLEFISCHER Strafgesetzbuch und Nebengesetze 2001 50a edição 46 n 29 No Brasil FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 117 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 423 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 539 242012 162839 540 Teoria da Pena Capítulo 20 de criança de pessoa maior de 60 anos de enfermo ou de mulher grávida assim definidos a criança é todo ser humano até a idade de 12 anos incompletos nos termos do art 2º da Lei 806990 Estatuto da Criança e do Adolescente b maior de 60 anos indica o marco cronológico que define a pessoa considerada idosa na forma do art 1º da Lei 1074103 Estatuto do Idoso que determinou o piso etário da circunstância agravante no Código Penal c enfermos são indivíduos portadores de patologias orgânicas ou psíquicas crônicas ou agudas temporárias ou permanentes determinantes de sofrimento físico ou psíquico ou de reduçãocessação de funções orgânicas fisiológicas ou psicológicas em geral d mulher grávida designa o estado de prenhez da mulher durante a gestação iniciada com a nidificação ou fixação do ovo ou zigoto no útero materno e encerrada com a ruptura da bolsa amniótica que marca o início do processo de parto63 j Vítima sob imediata proteção da autoridade A circunstância agravante tem por objeto a violação de garantias legais explícitas ou implícitas de agentes do poder público a pes soas sob imediata proteção da autoridade pública mediante guarda o cidadão sob prisão temporária ou definitiva ou custódia o doente mental internado em hospitais públicos ou outras formas de proteção que ampliam ou reforçam a confiança da vítima na inviolabilidade de direitos protegidos pela lei penal64 63 Comparar FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 117119 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 424 n 331 64 No sentido do texto FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 119 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 419420 n 324 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 540 242012 162839 541 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais l Ocasião de calamidade pública incêndio naufrágio inundação etc ou de desgraça particular da vítima Situações de calamidade pública como incêndios inundações ou mesmo naufrágios ou de desgraça particular como acidentes de trânsito representam condições concretas adversas que reduzem ou excluem a capacidade de proteção pessoal ou patrimonial das vítimas aumentando a reprovabilidade de ações lesivas de bens jurídicos pe nalmente protegidos65 m Embriaguez preordenada A embriaguez preordenada define hipóteses de embriaguez propo sitada ou intencional para realizar crime doloso determinado dolo a hipótese principal da actio libera in causa porque inibe a censura pessoal do superego liberando impulsos agressivos ou destruidores do id por um lado e amplia a sensação de coragem pessoal do ego capaz de superar os debilitados bloqueios inibidores do superego por outro lado Esses efeitos resultam da ação inibidora do álcool ou substância equivalente sobre os mecanismos psíquicos de autocontrole e de censura pessoal liberando a agressividade contida ou sublimada pela socialização individual Além disso a embriaguez preordenada distinguese da embriaguez voluntária ou culposa e da embriaguez fortuita ou resultante de força maior pelo seguinte a a embriaguez voluntária ou culposa consiste na progressiva intoxicação pelo álcool ou substância equivalente sem propósitos agressivos ou destruidores não exclui a responsabilidade penal preservando a imputabilidade pelo artifício da actio libera in causa art 28 II CP que desloca a inimputabilidade do momento 65 FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 119120 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 424425 n 333 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 541 242012 162839 542 Teoria da Pena Capítulo 20 posterior de prática do crime para o momento anterior ao processo de embriaguez ainda caracterizado pelo poder de livre disposição da vontade consciente em relação a ações criminosas futuras não previs tas mas previsíveis e nesse caso somente puníveis por imprudência segundo o princípio da culpabilidade b a embriaguez fortuita ou acidental assim como a proveniente de força maior pode isentar de pena o autor de fatos puníveis art 28 1º CP ou reduzir a pena aplicada art 28 2º CP conforme exclua ou reduza a a capaci dade de compreender o caráter ilícito do fato ou b de determinarse de acordo com essa compreensão que definem a imputabilidade66 22 Circunstâncias agravantes do concurso de pessoas A lei penal prevê também circunstâncias agravantes no concurso de pessoas art 62 CP relacionadas às hipóteses de coautoria de partici pação e de autoria mediata porque as contribuições individuais em fatos puníveis coletivos são diferenciadas quer no nível do tipo de injusto quer no nível da culpabilidade e consequentemente a sentença criminal deve distribuir a responsabilidade penal conforme a extensão e o significado das contribuições individuais subjetivas e objetivas para o fato comum a no tipo de injusto o domínio comum do fato típico é diferenciado pela natureza dos papéis individuais na divisão do trabalho coletivo b no juízo de culpabilidade a responsabilidade individual é diferenciada no nível da imputabilidade como capacidade de saber o que faz excluído ou reduzido nas situações de inimputabilidade ou de semiimputabilidade no nível da consciência da antijuridicidade como conhecimento real do que faz excluído ou reduzido no erro de proibição no nível da exigibilidade de comportamento diverso como poder de não fazer o que faz excluído ou 66 Ilustrativo FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 120126 comparar FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 425 n 334 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 542 242012 162839 543 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais reduzido nas situações de exculpação legais e supralegais As circunstâncias agravantes do concurso de pessoas na lei penal brasileira são as seguintes a Promover organizar ou dirigir a atividade criminosa coletiva O legislador destaca o papel de liderança no concurso de pessoas exercido através da ação de promover de organizar ou de dirigir a ati vidade coletiva na realização de fatos puníveis 1 promover significa causar gerar fomentar ou impulsionar o fato punível 2 organizar significa constituir ou integrar as funções dos indivíduos na atividade coletiva 3 dirigir significa governar comandar ou coordenar a ativi dade coletiva no fato punível67 b Coagir ou induzir à execução material de crime A coação como ação de constranger ou forçar alguém à realização material de um crime indica o poder de pressão física ou psicológica do coator sobre o coagido mas as consequências penais são diferenciadas pela natureza da coação a a hipótese de coação resistível determina distribuição diferenciada da responsabilidade penal maior para o coator e menor para o coagido b a hipótese de coação irresistível configura a situação de exculpação legal do art 22 do CP em que é punido somente o coator sob forma de autoria mediata porque o autor imediato atua sem liberdade68 A indução como ação de instigar incitar ou persuadir alguém à realização material de um crime indica o poder de conven cimento do indutor sobre o induzido mediante pedidos conselhos ou 67 Ver FRAGOSO Lições de direito penal 2003 16a edição p 321 MESTIERI Manual de direito penal parte geral 1999 v I p 289290 68 Nesse sentido FRAGOSO Lições de direito penal 2003 16a edição p 321 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 543 242012 162839 544 Teoria da Pena Capítulo 20 promessas com distribuição diferenciada da responsabilidade penal maior para o indutor e menor para o induzido c Instigar ou determinar ao crime pessoa dependente ou impunível por condição ou qualidade pessoal A ação de instigar significa incitar estimular ou induzir enquanto a ação de determinar significa causar ou ordenar a realização de fato pu nível por pessoa submetida à autoridade de quem instiga ou determina por exemplo fatos puníveis realizados por filhos menores instigados ou determinados pelos pais ou por pessoa impunível por condição ou qualidade pessoal por exemplo instigar ou determinar a realização de crimes patrimoniais contra ascendente descendente ou cônjuge na constância da sociedade conjugal na forma do art 181 do CP69 d Executar ou participar de crime mediante pagamento ou promessa de recompensa A autoria de fato punível por instigação de partícipe mediante pagamento ou promessa de recompensa caracteriza a torpeza do motivo mercenário disposição ociosa em face do disposto no art 61 II a segunda parte CP70 por outro lado a participação no fato punível do autor por instigação ou cumplicidade caracteriza a pusilanimidade de quem se acoberta na ação de outrem 69 FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 128 70 Assim FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 128 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 544 242012 162839 545 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais 23 Circunstâncias atenuantes As circunstâncias atenuantes genéricas podem ser expressas art 65 CP e não expressas art 66 CP A lei penal brasileira define as circunstâncias atenuantes expressas desse modo Art 65 São circunstâncias que sempre atenuam a pena I ser o agente menor de 21 vinte e um na data do fato ou maior de 70 setenta anos na data da sentença II o desconhecimento da lei III ter o agente a cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral b procurado por sua espontânea vontade e com eficiên cia logo após o crime evitarlhe ou minorarlhe as con sequências ou ter antes do julgamento reparado o dano c cometido o crime sob coação a que podia resistir ou em cumprimento de ordem de autoridade superior ou sob a influência de violenta emoção provocada por ato injusto da vítima d confessado espontaneamente perante a autoridade a autoria do crime e cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto se não o provocou a Agente menor de 21 data do fato ou maior de 70 anos data da sentença O fundamento da circunstância atenuante é o insuficiente de senvolvimento psicossocial de agente menor de 21 anos na data do Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 545 242012 162839 546 Teoria da Pena Capítulo 20 fato ou a degeneração psíquica de agente maior de 70 anos na data da sentença Mas existem duas questões novas relativas às faixas etá rias referidas na circunstância atenuante que exigem esclarecimento adequado Primeiro a definição legal da capacidade civil aos 18 anos art 5o caput Código Civil não exclui a circunstância atenuante para agentes menores de 21 anos a atenuação da pena tem por fundamento idade inferior a 21 anos não a antiga incapacidade civil do agente71 Além disso decisões do legislador civil não podem invalidar critérios do legislador penal Igualmente é irrelevante a antecipação da maioridade civil por emancipação casamento exercício de emprego público con clusão de curso superior estabelecimento civil ou comercial ou relação de emprego art 5º IVI Código Civil não excluem a circunstância atenuante do menor de 21 anos nem antecipam a imputabilidade penal para idade inferior a 18 anos Segundo o fundamento legal que determinou a adoção da idade de 60 anos definida no art 1º da Lei 1074103 Estatuto do Idoso para caracterizar a circunstância agravante do art 61 II h do Código Penal com maior razão permite considerar a idade de 60 anos e não a idade de 70 anos referida na lei para caracterizar a circunstância atenuante do art 65 I CP porque a analogia in bonam partem é in teiramente compatível com o princípio da legalidade penal b Desconhecimento da lei A atenuante do desconhecimento da lei é um remanescente es clerosado do sistema causal do Código Penal de 1940 ainda fundado 71 Em posição contrária REGIS PRADO Curso de direito penal brasileiro 2004 4a edição p 498 para quem o marco etário 18 anos da responsabilidade civil exclui a circunstância atenuante para o menor de 21 anos no sentido do texto FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 16a edição p 428 n 339 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 546 242012 162839 547 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais na dicotomia erro de fatoerro de direito e regido pelo princípio igno rantia legis neminem excusat se o erro de direito é irrelevante então o desconhecimento da lei seria atenuante Mas a reforma de 1984 intro duziu a dicotomia erro de tipoerro de proibição regido pelo princípio da culpabilidade e fundado na relevância do erro de proibição direto existência validade e significado da lei penal indireto existência de justificação inexistente e limites jurídicos de justificação existente e de tipo permissivo representação errônea de situação justificante com os seguintes efeitos se inevitável exclui a culpabilidade e a pena se evitável pode reduzir a culpabilidade em todas as hipóteses exceto no erro de tipo permissivo em que o erro evitável exclui a forma dolosa e permite punição por imprudência se previsto em lei segundo a teoria da culpabilidade limitada adotada pelo legislador72 Logo o princípio da culpabilidade determina a seguinte disciplina do erro de proibição direto na modalidade de desconhecimento da lei a se inevitável isenta de pena apesar do inconvincente discurso repressivo sobre eficácia da lei penal73 b se evitável reduz a pena nessa hipótese poderia constituir circunstância atenuante mas razões metodológicas exigem sua valoração como causa especial de diminuição de pena Afinal não é o princípio da culpabilidade que deve se adaptar à norma isolada do desconhecimento da lei mas esse resíduo esclerosado do sistema causal que deve se adaptar ao princípio da culpabilidade como indica qualquer interpretação sistemática da lei penal A literatura brasileira mais escla recida ainda sob influência de brocardos antigos do tipo ignorantia legis neminem excusat admite a racionalidade do argumento mas não ousa 72 Ver CIRINO DOS SANTOS A moderna teoria do fato punível 2004 3a edição p 237246 73 JESUS Direito penal 1999 p 485 igualmente MIRABETE Manual de direito penal 2000 p 202 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 547 242012 162839 548 Teoria da Pena Capítulo 20 romper com a irracional tradição repressiva sacrificando o princípio da culpabilidade a supostas exigências de eficácia da lei penal74 c Motivo de relevante valor social ou moral A circunstância atenuante do motivo de relevante valor social ou moral como aspecto dinâmico de pulsões instintuais do id tem por objeto determinações primárias da conduta humana fundadas em interesses de significação objetiva para a vida da comunidade ou do Estado por exemplo danificar experimento rural de produção de sementes trans gênicas capazes de danos indiscriminados à ecologia e à saúde humana configura ação por motivo de relevante valor social se não constituir ação justificada estado de necessidade ou situação de exculpação supralegal fato de consciência ou ações fundadas em sentimentos de nobreza de altruísmo ou de indignação pessoal de significação subjetiva para o indivíduo por exemplo o sequestro do estuprador pelo pai da vítima da ação de estupro configura ação por motivo de relevante valor moral75 74 Por exemplo FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 132 Quando o erro se dá por ignorância da lei essa circunstância também não deveria excluir a culpabilidade A princípio a resposta só poderia ser positiva Entretanto a adoção de um entendimento assim poderia trazer sérias consequências à existência do Estado A vida social depende da observância das regras de conduta sendo necessário para estabilização das relações sociais que as normas jurídicas sejam rigorosamente cumpridas Daí quase todas as legislações terem adotado o princípio nemo consentur ignorare legem ou ignorantia legis non excusat isto é a lei se aplica aos que a conhecem e aos que a ignoram a ignorância da lei não escusa igualmente MESTIERI Manual de direito penal parte geral 1999 v I p 290 Estudamos ser o desconhecimento da lei inescusável na atual sistemática do Código art 21 CP muito embora tal postura esteja em contraste com um conceito realmente normativofinalista da culpabilidade também FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 16a edição p 429430 n 340 75 Ver FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 133 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 16a edição p 430 n 341 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 548 242012 162839 549 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais d Ação espontânea imediata e eficiente para evitar ou reduzir as consequências do crime ou reparação do dano antes do julgamento A circunstância atenuante tem por objeto duas situações distintas relacionadas à vítima a ação de natureza espontânea do autor do fato ou seja ação fundada em motivo autônomo de iniciativa própria ou não forçada do agente imediata ação realizada sem intervalo ou logo após o crime e eficiente ação realmente eficaz de proteção da vítima realizada com o objetivo de evitar ou de reduzir os efeitos de crime consumado a área de incidência da atenuante que a distingue do arrependimento eficaz causa de isenção de pena da tentativa acabada em que o crime ainda não está consumado76 b reparação do dano pelo pagamento ou qualquer outra forma de indenização antes da sentença exceto nos crimes de menor potencial ofensivo da Lei 909995 com pena máxima abstrata privativa de liberdade até 2 anos após a Lei 1025901 em que a reparação do dano possui eficácia maior a composição civil dos danos da conciliação judicial extingue a punibilidade a reparação dos danos da transação penal entre Ministério Público e autor constitui substitutivo penal cujo cumprimento também extingue a punibilidade77 76 TRÖNDLEFISCHER Strafgesetzbuch und Nebengesetze 2001 50a edição 46 ns 4648 77 Assim FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 16a edição p 430431 n 342 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 549 242012 162839 550 Teoria da Pena Capítulo 20 e Coação resistível cumprimento de ordem de autoridade superior ou violenta emoção provocada por ato injusto da vítima A lei descreve três hipóteses distintas de circunstâncias atenuantes analisadas isoladamente a a coação resistível representa em relação à situação de excul pação legal da coação irresistível nível inferior de potencialidade lesiva e menor intensidade de repercussão psíquica sobre o coagido a natu reza resistível da coação determinável concretamente pelas condições objetivas da violência real surras espancamentos etc ou ameaçada anúncio de mal injusto e grave e pelas condições subjetivas de co ator e coagido decidem sobre sua eficácia exculpante ou meramente atenuante78 b o cumprimento de ordem de autoridade superior descreve nível inferior de obediência devida em face da situação de exculpação da obediência hierárquica art 22 CP a natureza evidente ou oculta da ilegalidade da ordem de superior hierárquico decide sobre a eficácia exculpante ou simplesmente atenuante da obediência hierárquica no âmbito das relações de subordinação funcional do Direito Adminis trativo79 c a emoção violenta constitui alteração intensa da estabilidade afetiva do autor como impulso agressivo produzido por ato injusto não motivado sem explicação razoável etc da vítima situado em nível inferior ao da agressão injusta da legítima defesa a natureza da ação da vítima como simples ato injusto ou como agressão injusta e atual ou iminente a bem jurídico decide sobre sua eficácia justificante ou atenuante80 78 No sentido do texto FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 135 79 Ver FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 135 KOERNER JR Obediência hierárquica 2003 p 139 s 80 Assim FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 16a edição p 432 n 344 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 550 242012 162839 551 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais f Confissão espontânea de autoria de crime perante autoridade A confissão espontânea de autoria de crime ou de participa ção em crime realizada perante autoridade constitui circunstân cia atenuante porque indica admissão de responsabilidade pelo fato aceitação de suas consequências jurídicas e eventualmente arrependimento do autor ou partícipe A lei exige apenas duas condições a a confissão deve ser espontânea ou seja fundada em decisão autônoma do autor independente da natureza da motivação egoísmo altruísmo nobreza etc o que exclui determinações heterônomas como confissões obtidas por pressão ou em face de provas irrefutáveis mas admitese confissão espontânea em caso de prisão em flagrante81 b a confissão deve ocorrer perante auto ridade em sentido amplo incluindo além da autoridade judicial e policial também o Ministério Público82 g Influência de multidão em tumulto não provocado Situações de multidão em tumulto podem liberar instintos agres sivos individuais normalmente contidos pela ação controladora do superego estimulados pela pressão da massa e pelo anonimato pessoal que reduzem o poder de controle sobre o comportamento e por isso funcionam como circunstância atenuante se o agente não provocou o tumulto83 81 Ver FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 16a edição p 432433 n 345 82 Comparar FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 136137 contra FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 16a edição p 432433 n 345 para quem autoridade significa autoridade policial 83 No sentido do texto FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 137138 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 16a edição p 433 n 346 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 551 242012 162839 552 Teoria da Pena Capítulo 20 24 Circunstâncias atenuantes inominadas Finalmente as circunstâncias atenuantes não expressas admiti das textualmente no art 66 do CP constituem outras características relevantes do fato anteriores ou posteriores ao crime não previstas legalmente mas capazes de influir no juízo de reprovação do autor pela realização do tipo de injusto Desse modo crimes realizados no contexto de condições sociais adversas por sujeitos marginalizados do mercado de trabalho e do processo de consumo insuficientes para configurar o conflito de deveres como situação de exculpação podem caracterizar a circunstância atenuante inominada do art 66 porque exprimiriam hipóteses de coculpabilidade da sociedade organizada no poder do Estado pela sonegação de iguais oportu nidades sociais84 Art 66 A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante anterior ou posterior ao crime embora não prevista expressamente em lei 84 Nesse sentido propõem os excelentes BUENO DE CARVALHO e CARVALHO Aplicação da pena e garantismo 2002 p 74 s Pelos motivos expostos até o momento objetivaremos nossa hipótese de trabalho na seguinte afirmação a precária situação econômica do imputado deve ser priorizada como circunstância atenuante obrigatória no momento da cominação da pena Apesar de não estar prevista no rol das circunstâncias atenuantes do art 65 do Código Penal brasileiro a norma do art 66 atenuantes inominadas possibilita a recepção do princípio da coculpabilidade pois demonstra o caráter não taxativo das causas de atenuação O Código Penal ao permitir a diminuição da pena em razão de circunstância relevante anterior ou posterior ao crime embora não prevista em lei já fornece um mecanismo para a implementação deste instrumento de igualização e justiça social Igualmente RODRIGUES Teorias da culpabilidade 2004 p 2729 É possível visualizar a tese da coculpabilidade dentro da nossa própria legislação através da utilização de aspectos supralegais na fixação da pena como o presente no artigo 66 do Código Penal que instituiu a circunstância atenuante genérica Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 552 242012 162840 553 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais 25 Concurso de circunstâncias legais O fato punível pode conter várias circunstâncias legais agravan tes ou atenuantes configurando um concurso de circunstâncias legais art 67 CP com as seguintes consequências a se as circunstâncias legais agravantes e atenuantes são de igual natureza objetiva ou de igual natureza subjetiva as circunstâncias agravantes são compensadas com as circunstâncias atenuantes b se as circunstâncias legais agravantes e atenuantes são de natureza desigual preponderam as circunstâncias subjetivas sobre as objetivas assim consideradas as circunstâncias relacionadas aos motivos do crime à personalidade do agente e à reincidência Art 67 No concurso de agravantes e atenuantes a pena deve aproximarse do limite indicado pelas cir cunstâncias preponderantes entendendose como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime da personalidade do agente e da reincidência Na hipótese de várias circunstâncias qualificadoras relacionadas aos motivos aos meios aos modos ou aos fins do fato punível por exemplo homicídio qualificado art 121 2º IV CP igualmente definidas como circunstâncias agravantes apenas uma das circunstâncias qualificadoras é considerada para efeito de qualificar o crime enquanto as restantes funcionam como circunstâncias agravantes genéricas85 26 Limites de agravação e de atenuação da pena A dogmática penal e a jurisprudência dos tribunais têm a seguinte posição sobre limites de agravação e de atenuação da pena as circuns 85 FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 139 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 16a edição p 435 n 349 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 553 242012 162840 554 Teoria da Pena Capítulo 20 tâncias legais agravantes ou atenuantes não podem exceder os limites máximo e mínimo da pena cominada ao tipo legal86 Mas qualquer posição sobre o tema pressupõe o esclarecimento de algumas questões 1 O limite de agravação da pena por circunstâncias legais é incontro verso o princípio da legalidade proíbe que as circunstâncias agravantes excedam o limite máximo da pena cominada no tipo legal 2 O limite de atenuação da pena por circunstâncias legais é contro vertido pois existem duas posições diferentes a a posição dominante na literatura e na jurisprudência brasileira condensada em súmula do STJ87 adota como limite de atenuação da pena o mínimo da pena privativa de liberdade cominada no tipo legal88 b não obstante crescente posição minoritária admite atenuação da pena abaixo do mínimo da pena cominada por duas razões principais primeiro não existe nenhuma proibição legal contra atenuar a pena abaixo do mínimo legal porque o princípio da legalidade garante a liberdade do indivíduo contra o poder punitivo do Estado e não o poder punitivo do Estado contra a liberdade do indivíduo89 segundo o critério dominante quebra o princípio da igualdade legal no concurso de pessoas o coréu menor de 21 anos é prejudicado pela fixação da pena no mínimo legal com base nas circunstâncias judiciais porque 86 Ver por exemplo FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 103 Resumindo em razão de circunstâncias legais o juiz não pode diminuir a pena aquém do mínimo ou aumentála além do máximo legal porque com isto estaria burlando o princípio da legalidade 87 Superior Tribunal de Justiça A incidência de circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal Súmula 231 88 Na linha da posição dominante contra atenuação da pena abaixo do mínimo legal FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 102104 89 Na posição minoritária a favor de atenuação da pena abaixo do mínimo legal Acórdão da 5ª Câmara Criminal do TJRS Apelaçãocrime 700107351812005 Rel Des AMILTON BUENO DE CARVALHO no mesmo sentido com análise da jurisprudência GERARDO DE OLIVEIRA Pena aquém do mínimo legal circunstância atenuante in Revista da Ordem dos Advogados do Brasil n 72 p 3749 2001 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 554 242012 162840 555 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais direitos definidos em lei não podem ser suprimidos por aplicação invertida do princípio da legalidade90 Aliás a proibição de reduzir a pena abaixo do limite mínimo cominado na hipótese de circuns tâncias atenuantes obrigatórias constitui analogia in malam partem fundada na proibição de circunstâncias agravantes excederem o li mite máximo da pena cominada precisamente aquele processo de integração do Direito Penal proibido pelo princípio da legalidade Mais não é preciso dizer 3 Alteradores especiais da pena causas especiais de aumento ou de diminuição da pena Além das circunstâncias legais agravantes e atenuantes existem outras situações especiais de alteração da pena chamadas causas espe ciais de aumento ou de diminuição da pena previstas na parte geral e na parte especial do Código Penal cuja computação no cálculo da pena representa a terceira e última fase da sua aplicação As causas especiais de aumento ou de diminuição de pena da parte geral do Código Penal são aplicáveis a todos os crimes como se indica a a tentativa art 14 II CP b o arrependimento pos terior art 16 CP c o erro evitável sobre a ilicitude do fato art 21 parte final CP d a redução da pena no estado de necessidade art 24 2º CP e a semiimputabilidade art 26 parágrafo único CP f a semiimputabilidade fortuita ou forçada art 28 2º CP g a participação de menor importância art 29 1º CP h a previsibilidade do resultado mais grave na participação em crime menos grave art 29 2º CP i a situação econômica do réu na 90 Nesse sentido TUBENCHLAK Atenuantes pena abaixo do mínimo in James Tubenchlak Tribunal do Júri contradições e soluções 1990 p 285289 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 555 242012 162840 556 Teoria da Pena Capítulo 20 aplicação da pena de multa art 60 e 1º CP j o concurso material art 69 CP l o concurso formal art 70 CP m o crime continuado art 71 CP91 As causas especiais de aumento ou de diminuição de pena previstas na parte especial do Código Penal possuem caráter de es pecificidade e estão previstas ao lado dos tipos penais respectivos art 121 1º e 4º art 122 parágrafo único art 127 art 129 4º e 7º art 155 1º e 2º art 157 2º art 158 1º e outras hipóteses menores As causas especiais de aumento ou de redução da pena na parte geral e na parte especial do Código Penal são identificadas por aumentos ou reduções em quantidades fixas por exemplo um sexto da pena um terço da pena ou metade da pena ou variáveis por exemplo de um a dois terços da pena de um sexto até metade da pena O aumento ou a redução da pena determinado por essas causas especiais deve ser fundamentado concretamente alusões genéricas são inconstitucionais art 93 IX CR Por outro lado os aumentos ou reduções da pena previstos nessas causas especiais são obrigatórios apesar do legislador utilizar o verbo poderá em relação às hipóteses de redução da pena e utilizar o verbo será em relação às hipóteses de aumento da pena92 Os limites mínimo e máximo da pena cominada no tipo legal podem ser excedidos pelas causas especiais de aumento ou de dimi nuição da pena A verificação da existência dessas causas conclui o processo de aplicação da pena criminal 91 Comparar FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 141143 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 16a edição p 435437 n 350 92 Ver FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 143 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 556 242012 162840 557 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais III Efeitos da condenação A sentença criminal condenatória produz além dos efeitos penais específicos outros efeitos de natureza civil ou administrativa chama dos efeitos da condenação Esses efeitos da condenação distribuemse em duas categorias legais a efeitos genéricos independentes de declaração judicial ou automáticos b efeitos específicos dependentes de decla ração judicial ou motivados na sentença 1 Efeitos genéricos Os efeitos genéricos da sentença condenatória in dependem de declaração judicial art 91 CP resultando diretamente da condenação criminal a Obrigação de indenizar o dano produzido A lesão do bem ju rídico protegido na lei penal produz geralmente danos materiais e ou morais cuja reparação exige indenização A condenação criminal transitada em julgado torna certa a obrigação de indenizar o dano re sultante do crime limitando a controvérsia exclusivamente à liquidez do valor do dano indenizável art 91 I CP b Perda dos instrumentos do crime cuja fabricação alienação uso porte ou detenção constitua fato ilícito art 91 II a CP e do produto do crime ou outros bens ou valores que constituam vantagens resultantes da prática do crime em favor da União art 91 II b CP a exceção é representada pelos direitos do lesado ou de terceiro de boafé cuja proteção é prioritária art 91 II segunda parte CP Art 91 São efeitos da condenação I tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime II a perda em favor da União ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boafé a dos instrumentos do crime desde que consistam em coisas cujo fabrico alienação uso porte ou detenção constituam fato ilícito Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 557 242012 162840 558 Teoria da Pena Capítulo 20 b do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso 2 Efeitos específicos Os efeitos específicos da sentença condenatória dependem de declaração judicial art 92 CP devendo ser motivados na decisão judicial São dependentes de declaração judicial os seguintes efeitos a Perda de cargo função pública ou mandato eletivo Os efeitos de perda de cargo função pública ou mandato eletivo podem ocorrer em duas situações previstas em lei a1 na hipótese de aplicação de pena privativa de liberdade igual ou superior a 1 ano em crimes contra a administração pública praticados com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo função pública ou mandato eletivo art 92 I a CP a2 na hipótese de aplicação de pena privativa de liberdade superior a 4 quatro anos em todos os outros casos art 92 I b CP O conceito de funcionário público definido no art 327 do CP possui sentido amplo toda pessoa que exerce cargo emprego ou função pública independentemente de transitoriedade ou remuneração Art 327 Considerase funcionário público para os efeitos penais quem embora transitoriamente ou sem remuneração exerce cargo emprego ou função pública A lei equipara a funcionário público quem exerce cargo emprego ou função em entidade paraestatal ou trabalha em empresa contratada ou conveniada para execução de atividade típica da administração pública art 327 1º CP A perda de cargo função pública ou mandato eletivo como efeito secundário da sentença condenatória admite reabilitação do condenado art 93 CP preenchidos os requi Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 558 242012 162840 559 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais sitos legais somente para futuros cargo emprego ou função pública sem reintegração na situação anterior art 93 parágrafo único CP93 b Incapacitação para o pátrio poder tutela ou curatela Os efeitos de incapacitação para o exercício do pátrio poder hoje redefinido como poder familiar pelo Código Civil tutela ou curatela dependem dos requisitos cumulativos de a crime doloso b pena de reclusão cominada no tipo legal e c contra vítima filho tutelado ou curatelado do autor art 92 II CP A incapacitação para exercer o poder familiar a tutela ou a curatela admite reabilitação do condenado art 93 CP preenchidos os requisitos legais mas somente para filhos tutelados ou curatelados futuros igualmente sem reintegração na situação anterior art 93 parágrafo único CP94 c Inabilitação para dirigir veículo O efeito de inabilitação para dirigir veículo ocorre nas hipóteses de utilização de veículo automotor como meio para realizar crime doloso art 92 III CP A inabilitação para dirigir veículo como efeito específico declarado na sentença con denatória é definitiva mas pode ser restabelecida pela reabilitação do condenado art 93 CP preenchidos os requisitos legais do instituto e realizados novos exames técnicos e psicotécnicos95 Finalmente a declaração desses efeitos na sentença criminal con denatória depende para prevenir direitos e garantias individuais de específica e concreta motivação judicial art 92 parágrafo único CP Art 92 São também efeitos da condenação I a perda de cargo função pública ou mandato eletivo a quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a 1 um ano nos crimes pra 93 Assim também BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8a edição p 674 FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 220221 94 Ver BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8a edição p 674 95 Comparar FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 222223 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 559 242012 162840 560 Teoria da Pena Capítulo 20 ticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública b quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 quatro anos nos demais casos II a incapacidade para o exercício do pátrio poder tutela ou curatela nos crimes dolosos sujeitos à pena de reclusão cometidos contra filho tutelado ou curatelado III a inabilitação para dirigir veículo quando utili zado como meio para a prática de crime doloso Parágrafo único Os efeitos de que trata este artigo não são automáticos devendo ser motivadamente declarados na sentença IV Reabilitação 1 Conceito A reabilitação é providência judicial suspensiva de de terminados efeitos da sentença condenatória que podem eventu almente ser restabelecidos e não causa de extinção desses efeitos como as causas de extinção da punibilidade entre as quais constava na legislação penal anterior que produzem efeitos irreversíveis 2 Objeto e objetivos A reabilitação tem por objeto qualquer pena aplicada em sentença definitiva art 93 CP mas incide exclusiva mente sobre alguns de seus efeitos secundários ou acessórios Nesse sentido o objetivo da reabilitação é garantir o sigilo dos registros do processo e da condenação criminal restabelecer determinados direitos do conde nado e desse modo contribuir para sua reintegração na vida social96 complementarmente o objetivo pode ser cancelar o efeito 96 JESCHECKWEIGEND Strafrecht 1996 5a edição 86 n 6 p 918 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 560 242012 162840 561 Capítulo 20 Aplicação das Penas Criminais de inabilitação para direção de veículo art 93 parágrafo único CP quando utilizado para prática de crime doloso97 Art 93 A reabilitação alcança quaisquer penas aplica das em sentença definitiva assegurando ao condenado o sigilo dos registros sobre seu processo e condenação Parágrafo único A reabilitação poderá também atingir os efeitos da condenação previstos no art 92 deste Código vedada reintegração na situação anterior nos casos dos incisos I e II do mesmo artigo 3 Requisitos O pedido de reabilitação pressupõe reparação do dano ou comprovação de impossibilidade absoluta de reparação ou renúncia da vítima ou novação da dívida art 94 IIII CP e além disso exige decurso de 2 anos em relação a cada uma das seguintes hipóteses a de extinção da pena por qualquer causa ou do término de sua execução computado o tempo de suspensão ou de livramento condicional não revogados b de efetivo domicílio no país c de efetiva demonstração permanente de bom comportamento público e privado Em caso de indeferimento da reabilitação o pedido pode ser renovado em qualquer tempo comprovados os requisitos exigidos Art 94 A reabilitação poderá ser requerida decorridos 2 dois anos do dia em que for extinta de qualquer modo a pena ou terminar sua execução computandose o perí odo de prova da suspensão e do livramento condicional se não sobrevier revogação desde que o condenado I tenha tido domicílio no País no prazo acima referido II tenha dado durante esse tempo demonstração efetiva e constante de bom comportamento público e privado 97 Ver BITENCOURT Tratado de Direito Penal parte geral 2003 8a edição p 674677 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 561 242012 162840 562 Teoria da Pena Capítulo 20 III tenha ressarcido o dano causado pelo crime ou demonstre absoluta impossibilidade de o fazer até o dia do pedido ou exiba documento que comprove a renúncia da vítima ou novação da dívida Parágrafo único Negada a reabilitação poderá ser requerida a qualquer tempo desde que o pedido seja instruído com novos elementos comprobatórios dos re quisitos necessários Assim a reabilitação significa declaração judicial de cumpri mento ou de execução da pena aplicada de bom comportamento do reabilitando pelo período de 2 anos de ressarcimento do dano ou de desobrigação do reabilitando por impossibilidade de pagamento por renúncia da vítima ou por novação da dívida cuja eficácia social consiste na eliminação de restrições ao exercício pleno de direitos individuais 4 Revogação A revogação da reabilitação resulta de condenação definitiva como reincidente a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos art 95 CP e pode ocorrer por iniciativa do juiz ou do Ministério Público Art 95 A reabilitação será revogada de ofício ou a requeri mento do Ministério Público se o reabilitado for condenado como reincidente por decisão definitiva a pena que não seja de multa Revogada a reabilitação a suspensão dos efeitos da sentença con denatória é cancelada restabelecendose todos os registros anteriormente suspensos As condições da revogação são óbvias condenação como rein cidente significa prática de novo crime após o trânsito em julgado da sen tença condenatória anterior art 63 CP exceto extinção da reincidência por decurso do prazo de 5 anos art 64 I CP e crimes militares próprios ou políticos art 64 II CP condenação por decisão definitiva significa trânsito em julgado da nova condenação afinal decisões recorríveis podem ser mudadas finalmente a exclusão da pena de multa significa exigência de certa gravidade mínima do crime objeto da nova condenação Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 562 242012 162840 563 Capítulo 21 SubStitutiVoS peNaiS Os substitutivos penais constituem estratégias de política criminal formuladas com o objetivo de evitar ou reduzir os efeitos negativos do processo de criminalização ou de execução penal mediante substi tuição de mecanismos formais por mecanismos informais de controle social de fatos puníveis de leve ou média gravidade a exceção é o livramento condicional extraordinário realizados por autores conside rados não perigosos sob o fundamento de que a intervenção judicial produz maior dano do que utilidade1 I Teoria dos substitutivos penais As teorias sobre substitutivos penais podem ser agrupadas em teorias tradicionais ligadas às funções manifestas ou declaradas das penas criminais e teorias críticas vinculadas às funções latentes ou re ais das penas criminais cada uma delas compreendendo abordagens específicas fundadas em argumentos distintos 1 KAISER Diversion in Kleines Kriminologisches Wörterbuch KAISERKERNER SACKSCHELLHOSS Editores 1993 p 8889 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 563 242012 162840 564 Teoria da Pena Capítulo 21 1 Teorias tradicionais As teorias tradicionais desenvolvidas nos limites da ideologia jurídica dominante nos Estados ocidentais compreendem explicações humanitárias e explicações científicas dos substitutivos penais 11 Explicações humanitárias As explicações humanitárias fundamentam os substitutivos penais nos sentimentos naturais de piedade do ser humano propenso a perdoar e esquecer que deplora a desumanidade da prisão e suas con sequências para o preso sujeito a violências humilhações e degradação humana em geral e para a família do preso submetida a privações materiais e afetivas prostituição marginalização e delinquência em suma um conjunto de efeitos danosos evitados ou reduzidos pelos substitutivos penais que poderiam explicar sua adoção generalizada nas legislações contemporâneas2 12 Explicações científicas As explicações científicas fundamentam os substitutivos penais nas críticas de penalistas liberais sobre as inconveniências práticas morais sociais e jurídicas da execução de penas privativas de liberdade sensibilizando políticos e legisladores para a necessidade de métodos alternativos ou substitutivos da prisão Assim os substitutivos penais seriam consequência do trabalho científico de penalistas e criminólo gos em congressos conferências e textos indicando os malefícios da pena carcerária como a supressão de direitos não compreendidos na 2 Ver CIRINO DOS SANTOS Direito penal a nova parte geral 1985 p 294 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 564 242012 162840 565 Capítulo 21 Substitutivos Penais privação da liberdade b instituição da ociosidade programada o trabalho apesar de obrigação legal é privilégio pessoal com remune ração irrisória c efeitos embrutecedores do isolamento celular d violências contra a dignidade e sexualidade do preso em celas coletivas superlotadas e privação dos direitos à intimidade e à vida sexual regular f suspensão dos direitos políticos de votar e ser votado g precariedade de assistência médica jurídica e social etc3 As explicações humanitárias provenientes do coração humano e as explicações científicas provenientes de pesquisas empíricas não podem ser descartadas como ideologia ilusória porque refletem realidades subjetivas razões humanitárias e objetivas razões científicas incontestáveis mas existem outras explicações fundadas em outros argumentos que pare cem constituir a explicação real ou latente dos substitutivos penais 2 Teorias críticas As teorias críticas desenvolvidas pela moderna teoria jurídica e criminológica sobre crime e pena produziram abordagens fundadas em outros argumentos como por exemplo as explicações dos subs titutivos penais baseadas em a superlotação carcerária b crise fiscal e c ampliação do controle social 21 Superlotação carcerária A tese da superlotação carcerária explica os substitutivos penais com base em argumento óbvio ou seja o excesso de presos nos 3 SCULL Decarceration 1977 CIRINO DOS SANTOS Direito penal a nova parte geral 1985 p 294295 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 565 242012 162840 566 Teoria da Pena Capítulo 21 estabelecimentos prisionais e penitenciários dos países ocidentais No Brasil a população carcerária excede o dobro da capacidade de penitenciárias e prisões públicas sendo a segunda maior população carcerária do continente americano com 513802 presos em regime fechado semiaberto e em prisão provisória no sistema penitenciário e nas Delegacias de Polícia4 A superlotação carcerária agrava todos os inconvenientes indicados pela explicação científica dos substitutivos penais especialmente os problemas de disciplina de vigilância e de violência interna dos guardas contra os presos e dos presos entre si5 De fato as condições insuportavelmente desumanas da super lotação carcerária parecem legitimar a violência ilegal das rotineiras e inevitáveis revoltas de presos nas prisões e penitenciárias públicas uma forma desesperada e extrema de correção de distorções do processo de criminalização e de penalização seletiva de margina lizados do mercado de trabalho e da sociedade de consumidores funcionando como válvula de alívio das tensões crescentes da super população encarcerada nas instituições oficiais Por outro lado a soma da superpopulação carcerária com a superpopulação encarcerável no Brasil representada por centenas de milhares de mandados de prisão expedidos e não cumpridos por inexistência de vagas em Delegacias de Polícia Prisões e Penitenciárias do Estado produz números ab surdos que reforçam a tese da superlotação carcerária como origem dos substitutivos penais 4 Dados do DEPEN Departamento Penitenciário Nacional relativos a junho2011 Disponível em httpwwwmjgovbr 5 Ver CARVALHO Pena e garantias 2003 2a edição p 245258 esp p 250 Motins rebeliões e fugas realizados conscientemente contra situações injustas como superlotação falta de assistência material e atraso injustificado da prestação jurisdicional que inviabilizam o gozo de direitos públicos subjetivos não podem ser qualificados como delitos em decorrência da causa supralegal da resistência à opressão Na atual situação dos presídios brasileiros os conflitos prisionais adquirem feição de ato político reivindicatório e assim como foram as greves na década de setenta adquirem a característica da licitude Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 566 242012 162840 567 Capítulo 21 Substitutivos Penais 22 Crise fiscal A tese da crise fiscal explica os substitutivos penais por relações de custobenefício fundada no argumento da incapacidade financeira do Estado para arcar com o custo do preso durante a execução penal Na verdade o custo do preso é elevado inclui além das despesas de consu mo individual alimentação vestuário alojamento higiene etc e de serviços pessoais assistência médica dentária jurídica etc também o conjunto dos salários do pessoal técnicoadministrativo assisten cial e de segurança interna dos estabelecimentos penais mais a verba consumida com reformas ampliações reconstruções e construções de novas prisões cuja soma constitui a dotação orçamentária do sistema penitenciário obtendose o custo do preso mediante divisão desse valor pela quantidade total de encarcerados do sistema penal Mas somadas as despesas do Sistema de Justiça Criminal com as despesas do legislador penal e da Justiça Criminal em primeiro plano das Polícias estaduais e federal e do conjunto dos serviços de assistência ao egresso o custo do preso é ainda maior Em situações conjunturais de recessão econômica com retração do capital produtivo e financeiro e queda na receita tributária aumentam os cortes orçamentários nos setores ligados às atividades não produtivas como o Sistema de Justiça Criminal formado pela Polícia Justiça e Prisão privados de poder político para influenciar nas decisões orçamentárias do Estado A tese da crise fiscal chama atenção para as transformações dos me canismos repressivos do Estado na era da internacionalização do capital financeiro e das relações econômicas e comerciais entre países centrais e países periféricos do sistema econômicofinanceiro globalizado mos trando duas tendências sucessivas em primeiro lugar o deslocamento do controle social de setores não produtivos do Estado para setores produtivos da indústria e do comércio expandindo a área do controle social não institucionalizado com a utilização intensiva de penas alter nativas e de hipóteses legais de execução penal desinstitucionalizada a Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 567 242012 162840 568 Teoria da Pena Capítulo 21 ampliação da descriminalização e da despenalização de condutas que marcou a política criminal do estágio final do welfare state nos países centrais do capitalismo contemporâneo e ainda caracteriza a política criminal dos países periféricos do sistema econômicofinanceiro glo balizado6 em segundo lugar o abandono das penas alternativas e da política de desinstitucionalização descriminalização e despenalização do Estado do bemestar social substituída pela política de tolerância zero do Estado penal dos países centrais do capitalismo contemporâneo com seu complemento empresarialpenal estruturado para absorver os contingentes humanos provenientes da desenfreada criminalização da pobreza o sistema penal privatizado uma tendência que começa a contaminar os países periféricos do sistema de poder econômico e político do neoliberalismo contemporâneo 23 Ampliação do controle social A tese da ampliação do controle social fundamenta a explicação dos substitutivos penais em aspectos contraditórios encobertos pelas explicações tradicionais a primeiro a necessidade de supervisão da conduta do con denado beneficiário do substitutivo penal expande os mecanismos de controle institucionais do Estado para áreas do mercado de trabalho e portanto de setores não produtivos para setores produtivos como indica a tese da crise fiscal do capitalismo monopolista b segundo a redução do tempo de passagem de sujeitos crimi nalizados pelo sistema penitenciário abre novos espaços no sistema de controle institucionalizado cujo imediato preenchimento sempre em regime de superlotação carcerária coloca maior quantidade de pessoas em contato com a prisão o núcleo do sistema formal de con 6 SCULL Decarceration 1977 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 568 242012 162841 569 Capítulo 21 Substitutivos Penais trole a redução dos malefícios da privação de liberdade em relação ao beneficiário do substitutivo penal significa a ampliação dos malefícios da prisão em relação aos novos encarcerados Logo a aceleração da passagem pelo sistema formal de controle como maior rapidez na substituição de indivíduos presos representa uma expansão a do controle social carcerário com maior quantidade de encarcerados no mesmo espaço de tempo e b do controle social extracarcerário com maior quantidade de desencarcerados sob controle das instituições anexas do sistema penitenciário patronatos serviço social etc ampliando e diversificando a rede formal e informal de controles o fenômeno conhecido como netwidening efeito cujo centro continua sendo a prisão7 3 Conclusão A concentração dos substitutivos penais em crimes de menor gravidade parece revigorar a instituição da prisão em duas direções principais a a prisão como ultima ratio para os chamados casos mais duros ou seja o sistema de controle social ampliado mais pessoas controladas e diversificado maior quantidade de instituições auxiliares de controle é reforçado pela possibilidade de reconversão dos substitutivos penais em futuros reencarceramentos b a prisão como instituição indispensável à eficácia dos substitutivos penais legitimada como centro do arquipélago carcerário com novas estratégias e métodos que controlam de forma mais intensa e mais generalizada a população marginalizada do mercado de trabalho e do consumo social 7 SCULL Decarceration 1977 também KAISER Diversion in Kleines Kriminologisches Wörterbuch KAISERKERNERSACKSCHELLHOSS Editores 1993 p 9091 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 569 242012 162841 570 Teoria da Pena Capítulo 21 Por isso os substitutivos penais não enfraquecem a prisão mas a revigoram não diminuem sua necessidade mas a reforçam não anu lam sua legitimidade mas a ratificam são instituições tentaculares cuja eficácia depende da existência revigorada da prisão o centro nevrálgico que estende o poder de controle sobre as massas miserabilizadas do capitalismo neoliberal contemporâneo com possibilidades de novos reencarceramentos se a expectativa comportamental em relação aos controlados não confirmar o prognóstico dos controladores do sistema penal O aparelho carcerário instituição central de controle social nas sociedades contemporâneas responsável pela gênese e reprodução his tórica do capitalismo como relação social dominante nas sociedades ocidentais permite explicar os substitutivos penais como mecanismos de reforço da prisão e de legitimação do rigor carcerário porque cede aos substitutivos penais as finalidades chamadas terapêuticas ou pe dagógicas da pena mas preservase como instrumento de terror para os casos mais duros encerrados em instituições de segurança máxima do sistema penal II Os substitutivos penais da legislação brasileira A legislação penal brasileira prevê dois substitutivos penais tra dicionais a suspensão condicional da pena e o livramento condicional ambos disciplinados no Código Penal e na Lei de Execução Penal e dois substitutivos penais novos a transação penal e a suspensão condi cional do processo criados pela Lei 909995 que instituiu os Juizados Especiais Criminais Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 570 242012 162841 571 Capítulo 21 Substitutivos Penais A Suspensão condicional da pena A suspensão condicional da pena é substitutivo penal constituído para impedir a execução institucionalizada da pena privativa de liber dade e após expirado o prazo de suspensão extinguir a pena privativa de liberdade aplicada8 De fato o instituto jurídico da suspensão con dicional da pena vincula a força simbólica da sentença condenatória com a desistência de execução da pena privativa de liberdade apli cada frequentemente dessocializadora como dizem JESCHECK WEIGEND9 A lei penal brasileira instituiu quatro modalidades diferentes de suspensão condicional da pena comum especial etária e humanitária10 A aplicação judicial de qualquer dessas espécies de suspensão condicional da pena ou sursis tem por objetivo específico evitar os malefícios da prisão por essa razão as penas restritivas de direitos e as penas de multa não podem ser objeto de suspensão con dicional art 80 CP Art 80 A suspensão não se estende às penas restritivas de direitos nem à multa A concessão judicial do sursis em cada uma das modalidades referidas requer a presença de certos pressupostos de concessão exige o cumprimento de determinadas condições de execução cujo des cumprimento pode causar a revogação obrigatória ou facultativa do benefício o período de prova pode ser eventualmente prorrogado até o máximo e finalmente o cumprimento normal do substitutivo penal extingue a pena 8 CIRINO DOS SANTOS Direito penal a nova parte geral 1985 p 295296 9 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1997 79 I p 833 10 No sentido do texto BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8a edição p 629631 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 571 242012 162841 572 Teoria da Pena Capítulo 21 1 Pressupostos específicos Os pressupostos de concessão da suspensão condicional da pena classificamse em objetivos e subjetivos com pequenas variações con forme a modalidade do sursis considerado a Sursis comum A suspensão condicional comum da pena carac terizada pelo cumprimento cumulativo de pena restritiva de direitos durante o período de suspensão constitui a modalidade mais rigorosa de sursis com os seguintes pressupostos específicos 1 pressuposto objetivo pena aplicada igual ou inferior a 2 anos de privação de liberdade em correspondência com a extensão da pena aplicada o prazo da suspensão condicional pode variar entre 2 a 4 anos art 77 CP 156 LEP 2 pressupostos subjetivos a primariedade do agente em crime doloso art 77 I CP exceto se a condenação anterior for somente a pena de multa art 77 1º CP b a culpabilidade os antecedentes a conduta social a personalidade e os motivos do agente bem como as circunstâncias do fato devem indicar a conveniência da medida art 77 II CP nesse caso a chamada prognose favorável sobre os efeitos políticocriminais do sursis é decidida pelo princípio in dubio pro reo que autoriza a concessão do benefício mesmo em face de incerteza sobre o comportamento futuro do beneficiário pois a execução da pena seria alternativa certamente pior11 Art 77 A execução da pena privativa de liberdade não superior a 2 dois anos poderá ser suspensa por 2 dois a 4 quatro anos desde que I o condenado não seja reincidente em crime doloso 11 Nesse sentido FRISCH Prognoseentscheidungen im Strafrecht 1983 p 4953 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1997 79 I n 4c p 836837 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 572 242012 162841 573 Capítulo 21 Substitutivos Penais II a culpabilidade os antecedentes a conduta social e personalidade do agente bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício III não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art 44 deste Código 1º A condenação anterior a pena de multa não impede a concessão do benefício b Sursis especial A suspensão condicional especial da pena caracteri zada pela desobrigação do cumprimento cumulativo de pena restritiva de direitos durante o prazo da suspensão constitui a modalidade menos rigorosa de sursis com os seguintes pressupostos específicos 1 pressupostos objetivos a pena aplicada igual ou inferior a 2 anos de privação de liberdade em correspondência com a extensão da pena aplicada o prazo da suspensão condicional pode variar entre 2 a 4 anos art 77 CP 156 LEP b reparação do dano resultante do crime exceto impossibilidade material art 78 2º CP 2 pressupostos subjetivos a primariedade em crime doloso art 77 I CP b indicadores do art 77 II CP inteiramente favo ráveis sob a seguinte interpretação autêntica paralela12 culpabili dade mínima antecedentes irretocáveis incluída a conduta social personalidade de boa índole motivos relevantes e circunstâncias do fato favoráveis capazes de permitir a substituição da pena restritiva de direitos pela aplicação cumulativa de a proibição de frequentar determinados lugares b proibição de ausentarse da comarca sem autorização judicial e c obrigação pessoal de comparecimento mensal em juízo para informar e justificar as atividades realizadas art 78 2º CP13 12 Exposição de Motivos do Código Penal n 66 13 Ver BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8a edição p 630 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 573 242012 162841 574 Teoria da Pena Capítulo 21 Art 78 2º Se o condenado houver reparado o dano salvo impossibilidade de fazêlo e se as circuns tâncias do art 59 deste Código lhe forem inteiramente favoráveis o juiz poderá substituir a exigência do parágrafo anterior pelas seguintes condições aplicadas cumulativamente a proibição de frequentar determinados lugares b proibição de ausentarse da comarca onde reside sem autorização do juiz c comparecimento pessoal e obrigatório a juízo men salmente para informar e justificar suas atividades c Sursis etário A suspensão condicional etária da pena caracteri zada pela maior extensão da pena aplicada e do prazo de suspensão é concedida a condenado maior de 70 anos de idade com os seguintes pressupostos específicos 1 pressuposto objetivo pena privativa de liberdade aplicada até 4 anos em correspondência com a extensão da pena aplicada o prazo da suspensão condicional é ampliado para prazo variável entre 4 e 6 anos art 77 2º CP 2 pressupostos subjetivos a primariedade em crimes dolosos art 77 I CP b culpabilidade antecedentes conduta social per sonalidade e motivos do agente bem como as circunstâncias do fato indicarem a conveniência da medida art 77 II CP c condenado maior de 70 setenta anos No caso do sursis etário parece indispensável fazer o seguinte co mentário na forma do art 1º da Lei 1074103 Estatuto do Idoso o limite etário de 70 anos deve ser reduzido para 60 anos pela mesma razão que determinou a fixação desse marco etário para definir o ser humano como idoso alterando expressamente a circunstância agravante do art 61 h CP na hipótese de ser vítima de crime e por extensão a circunstância atenuante do art 65 I CP na hipótese de ser autor Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 574 242012 162841 575 Capítulo 21 Substitutivos Penais de crime a analogia in bonam partem é autorizada pelo princípio da legalidade penal e portanto constitui direito do réu14 d Sursis por razões de saúde A suspensão condicional da pena por razões de saúde também chamado sursis humanitário igualmente caracterizada pela maior extensão da pena aplicada e do prazo de sus pensão possui os seguintes pressupostos específicos 1 pressuposto objetivo pena privativa de liberdade aplicada até 4 anos em correspondência com a extensão da pena aplicada o prazo da suspensão condicional é ampliado para prazo variável entre 4 e 6 anos art 77 2º CP 2 pressupostos subjetivos a primariedade em crimes dolo sos art 77 I CP b culpabilidade antecedentes conduta social personalidade e motivos do agente bem como as circunstâncias do fato indicarem a conveniência da medida art 77 II CP c razões de saúde justificantes do substitutivo penal15 No caso do sursis por razões de saúde parece igualmente ne cessário fazer o seguinte comentário a concessão da suspensão con dicional da pena por razões de saúde depende do exame do conceito de saúde definido como completo estado de bemestar físico psíquico e social pela Organização Mundial da Saúde16 Essa definição de saúde permite alguns desdobramentos importantes a o bemestar físico é alterado por doenças corporais em geral sendo suficiente o efeito de reduzir o estado de completude da saúde corporal segundo 14 A literatura brasileira ainda persiste no critério antigo do maior de 70 setenta anos como por exemplo REGIS PRADO Curso de Direito Penal Brasileiro 2004 4a edição v 1 p 645 15 Assim em linhas gerais BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8a edição p 631 16 Ver PEREIRA GOMES Reflexões relativas à suspensão condicional da pena alterações introduzidas pela Lei 971498 in Boletim do IBCCRIM n 75 encarte especial p IV também SILVA FRANCO Código penal e sua interpretação jurisprudencial 2001 7a edição p 1435 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 575 242012 162841 576 Teoria da Pena Capítulo 21 critério judicial de avaliação direta ou mediante perícia médica facul tativa porque a lei não exige sérios problemas de saúde17 não diz ser necessário constituir doença grave18 e menos ainda doença terminal19 e finalmente não exige perícia médica20 como afirmam setores da literatura b o bemestar psíquico é alterado imediatamente por perturbações mentais ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado determinantes do estado de semiimputabilidade penal do condenado com redução de um a dois terços da pena aplicada art 22 parágrafo único CP e mediatamente por qualquer alte ração funcional ou orgânica do aparelho psíquico capaz de reduzir o estado de completude da saúde mental c o bemestar social é afetado por condições sociais adversas de existência do condenado em hipóteses extremas as condições sociais adversas podem excluir ou reduzir a dirigibilidade normativa funcionando como situa ções de exculpação em outras hipóteses podem ser consideradas para efeito de concessão do sursis humanitário como expressão de patologia social Art 77 2º A execução da pena privativa de liberda de não superior a 4 quatro anos poderá ser suspensa por 4 quatro a 6 seis anos desde que o condenado seja maior de 70 setenta anos de idade ou razões de saúde justifiquem a suspensão 17 Sobre isso de modo correto BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8a edição p 631 Contudo condenação superior a quatro anos ainda que o condenado apresente sérios problemas de saúde não será fundamento suficiente por essa previsão legal para concessão de sursis por essa razão 18 Em sentido contrário DOTTI Curso de direito penal parte geral 2001 p 585 19 CAPEZ Curso de direito penal 2002 v 1 p 420 fala em doença terminal 20 DOTTI Curso de direito penal parte geral 2001 p 585 exige perícia médica Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 576 242012 162841 577 Capítulo 21 Substitutivos Penais 2 Pressuposto geral da suspensão condicional da pena Pressuposto geral de concessão da suspensão condicional da pena é a impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade aplicada por penas restritivas de direitos consideradas penas substitu tivas de menor rigor repressivo e portanto de aplicação preferencial art 77 III CP Verificados a princípio os pressupostos de concessão da suspen são condicional da pena juízes e tribunais são obrigados a se pronun ciar motivadamente sobre a concessão ou denegação do benefício art 93 IX CR e art 157 LEP porque o sursis constitui direito subje tivo público do condenado21 sem ignorar a influência do princípio in dubio pro reo pois a certeza dos efeitos danosos da execução da pena prevalece sobre a incerteza do comportamento futuro do beneficiário22 Exceções são as hipóteses de tráfico de drogas e crimes assemelhados art 44 da Lei 1134306 que o legislador excluiu do benefício 3 Condições legais de execução As condições de execução da suspensão condicional da pena são especificadas na sentença criminal concessiva da medida art 78 CP e dependem da natureza do benefício concedido a No sursis comum o beneficiário deve cumprir durante o primeiro ano de execução alternativamente ou a restrição de direitos de pres 21 Assim BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8a edição p 622 também FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 459 n 377 22 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1997 79 I n 4c p 836837 FRISCH Prognoseentscheidungen im Strafrecht 1983 p 4953 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 577 242012 162841 578 Teoria da Pena Capítulo 21 tação de serviços à comunidade ou a de limitação de fim de semana art 78 1º CP art 158 1º LEP Art 78 Durante o prazo da suspensão o condenado ficará sujeito à observação e ao cumprimento das con dições estabelecidas pelo juiz 1º No primeiro ano do prazo deverá o condenado prestar serviços à comunidade art 46 ou submeterse à limitação de fim de semana art 48 b No sursis especial em substituição da prestação de serviços à comunidade ou da limitação de fim de semana do sursis comum o beneficiário deve cumprir as obrigações cumulativas a de proibição de frequentar determinados lugares b de proibição de ausentar se da comarca sem autorização judicial e c de comparecimento mensal em juízo para informar e justificar as atividades realizadas art 78 2º CP c No sursis etário e no sursis por razões de saúde o beneficiário também está sujeito às condições obrigatórias do sursis comum art 78 1º CP ou alternativamente do sursis especial se presentes os pressupostos legais art 78 2º CP além das condições facultativas determinadas pelo juiz art 79 CP obviamente adequadas à situação pessoal do condenado 4 Condições judiciais de execução A suspensão condicional da pena admite condições judiciais de execução determinadas pelo prudente arbítrio do juiz considerando as finalidades políticocriminais do substitutivo penal e a adequação das condições à natureza do fato e à situação pessoal do condenado art 79 CP Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 578 242012 162841 579 Capítulo 21 Substitutivos Penais Art 79 A sentença poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do condenado 5 Modificação das condições de execução As condições de execução da suspensão condicional da pena podem ser modificadas pelo juiz da execução de ofício a reque rimento do Ministério Público ou por proposta do Conselho Pe nitenciário com prévia audiência do condenado art 158 2º LEP A fiscalização do cumprimento das condições da suspensão condicional da pena é atribuição do Serviço Social Penitenciário de Patronatos ou de Conselhos de Comunidade ou ainda das instituições de cumprimento das restrições de direitos no caso de aplicação concreta art 158 3º LEP O beneficiário deverá comparecer à entidade fiscalizadora para comprovar o cumprimento das condições a ocupação e os salários ou proventos de subsistên cia e por seu turno a entidade fiscalizadora comunicará ao juízo da execução todo ato capaz de determinar revogação prorrogação ou modificação das condições da suspensão condicional da pena art 158 4º e 5º LEP Na hipótese de concessão da suspensão condicional da pena ou de modificação das condições anteriores pelo tribunal as condições respectivas ou as novas condições serão fixadas pelo próprio tribu nal que poderá atribuir sua fixação ao juízo da execução responsável pela realização em qualquer hipótese da audiência admonitória do beneficiário art 159 e parágrafos LEP Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 579 242012 162841 580 Teoria da Pena Capítulo 21 6 Formalidades de concessão Transitada em julgado a sentença criminal condenatória con cessiva da suspensão da pena realizase a audiência admonitória com a leitura da sentença condenatória ao condenado a especificação das condições de suspensão da execução da pena e a advertência do beneficiário sobre as consequências de nova infração penal ou de des cumprimento das condições de execução do substitutivo penal Além disso a sentença condenatória com nota específica sobre a suspensão da pena será registrada em livro especial do juízo da execução com averbações marginais sobre revogação do substitutivo ou extinção da pena substituída observado o sigilo do registro e das averbações art 163 LEP Finalmente a eficácia da suspensão condicional da pena depende de aceitação das condições obrigatórias e facultativas da sentença judi cial pelo beneficiário do substitutivo penal Por isso se o condenado regularmente intimado injustificadamente deixar de comparecer à audiência admonitória a suspensão condicional da pena ficará sem efeito e a pena privativa de liberdade será executada art 161 LEP 7 Revogação A revogação da suspensão condicional da pena pode ser obriga tória ou facultativa dependendo do motivo da revogação 1 A revogação obrigatória da suspensão condicional da pena art 81 CP é decretada nas hipóteses a de condenação irrecorrível por crime doloso b de injustificada frustração da pena de multa ou da repara ção do dano e c de descumprimento das obrigações alternativas de prestação de serviços à comunidade ou de limitação de fim de semana Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 580 242012 162841 581 Capítulo 21 Substitutivos Penais Art 81 A suspensão será revogada se no curso do prazo o beneficiário I é condenado em sentença irrecorrível por crime doloso II frustra embora solvente a execução de pena de multa ou não efetua sem motivo justificado a repa ração do dano III descumpre a condição do 1o do art 78 deste Código As hipóteses referidas nos incisos I e II do art 81 CP requerem alguns esclarecimentos a no caso do inciso I a condenação do beneficiário a pena de multa ainda que irrecorrível e por crime doloso não determina a revogação do sursis pois se a condenação a pena de multa não exclui a concessão então não pode determinar a revogação da suspensão con dicional da pena23 b no caso do inciso II apenas a injustificada falta de reparação do dano por beneficiário solvente determina a revogação obrigatória do sursis porque a pena de multa após o trânsito em julgado da sentença condenatória transformase em dívida de valor art 51 CP com a redação da Lei 926896 e como tal é objeto exclusivo de ação de execução civil a pena de multa perdeu a anterior capacidade direta de conversão em privação de liberdade e portanto não pode ter o efeito indireto de conversão em prisão por revogação obrigatória da suspensão condicional da pena24 23 Assim também BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8ª edição p 634 24 Nesse sentido também FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 p 465 n 381 BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8ª edição p 634 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 581 242012 162841 582 Teoria da Pena Capítulo 21 2 A revogação facultativa da suspensão condicional da pena art 81 1º CP pode ocorrer nas hipóteses a de descumprimento de outras condições especificadas na sentença condenatória conces siva do sursis e b de condenação irrecorrível a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos por crime imprudente ou por contravenção Art 81 1º A suspensão poderá ser revogada se o condenado descumpre qualquer outra condição imposta ou é irrecorrivelmente condenado por crime culposo ou por contravenção a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos 8 Prorrogação do prazo O prazo de execução da suspensão condicional da pena é prorroga do obrigatoriamente até decisão final definitiva na hipótese de processo criminal ou contravencional contra o beneficiário art 81 2º CP Art 81 2º Se o beneficiário está sendo proces sado por outro crime ou contravenção considerase prorrogado o prazo da suspensão até o julgamento definitivo Alternativamente a prorrogação do prazo de execução até o máximo se não fixado anteriormente pode evitar a revogação fa cultativa da suspensão condicional da pena Art 81 3º Quando facultativa a revogação o juiz pode ao invés de decretála prorrogar o período de prova até o máximo se este não foi o fixado Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 582 242012 162841 583 Capítulo 21 Substitutivos Penais 9 Extinção da pena A extinção da pena privativa de liberdade substituída é a con sequência do cumprimento da suspensão condicional da pena nas condições especificadas e dentro do prazo determinado com a reali zação dos objetivos políticocriminais esperados de excluir os efeitos negativos da prisão e contribuir para a integração social do condenado art 82 CP Art 82 Expirado o prazo sem que tenha havido revogação considerase extinta a pena privativa de liberdade B Livramento condicional O livramento condicional constitui a fase final não institu cionalizada de execução da pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 anos com o objetivo de reduzir os malefícios da prisão e promover a reinserção social do condenado concedido pelo juiz da execução penal em decisão motivada precedida de manifes tação do Ministério Público e da Defesa art 81 CP e art 112 1º LEP25 Assim o livramento condicional introduz mudanças na execução da pena consistentes na transição da execução insti tucionalizada para a execução em liberdade da pena privativa de liberdade aplicada26 25 Ver BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8a edição p 641 26 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1997 79 II n 1 p 849 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 583 242012 162841 584 Teoria da Pena Capítulo 21 1 Espécies de livramento condicional A lei penal brasileira prevê três modalidades de livramento con dicional determinadas pelo tempo de execução da pena privativa de liberdade aplicada art 83 I II e V CP a o livramento condicional especial após execução de um terço da pena aplicada b o livramento condicional ordinário após execução de metade da pena aplicada c o livramento condicional extraordinário após execução de dois terços da pena aplicada Art 83 O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 dois anos desde que I cumprida mais de um terço da pena se o condenado não for reincidente em crime doloso e tiver bons antecedentes II cumprida mais da metade se o condenado for rein cidente em crime doloso III comprovado comportamento satisfatório durante a execução da pena bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e aptidão para própria subsistência mediante trabalho honesto IV tenha reparado salvo efetiva impossibilidade de fazêlo o dano causado pela infração V cumprido mais de dois terços da pena nos casos de condenação por crime hediondo prática da tortura trá fico ilícito de entorpecentes e drogas afins e terrorismo se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 584 242012 162841 585 Capítulo 21 Substitutivos Penais Parágrafo único Para o condenado por crime doloso cometido com violência ou grave ameaça à pessoa a concessão do livramento ficará também subordinada à constatação de condições pessoais que façam presumir que o liberado não voltará a delinquir 2 Pressupostos do livramento condicional Vêse que a concessão do livramento condicional depende de pressupostos gerais e de pressupostos específicos definidos na lei penal 21 Pressupostos gerais Os pressupostos gerais do livramento condicional podem ser objetivos e subjetivos como indicado a os pressupostos gerais objetivos são os seguintes 1 aplicação de pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 anos art 83 CP 2 reparação do dano produzido pelo crime exceto impossibilidade pessoal art 83 IV CP b os pressupostos gerais subjetivos são os seguintes 1 compor tamento satisfatório durante a execução institucionalizada da pena 2 bom desempenho no trabalho atribuído 3 capacidade de subsis tência em atividade lícita no mercado de trabalho art 83 III CP 4 no caso de condenado por crime realizado com violência pessoal real ou ameaçada comprovação complementar de condições pessoais justificadoras da presunção negativa de reincidência O comportamento satisfatório e o bom desempenho no trabalho durante a execução institucionalizada da pena são duplamente subjeti Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 585 242012 162842 586 Teoria da Pena Capítulo 21 vos subjetivos em relação ao beneficiário sujeito do comportamento e do desempenho no trabalho e subjetivos em relação à autoridade da prisão sujeito da avaliação do comportamento satisfatório e do bom desempenho no trabalho durante a execução da pena na prática uma fonte de arbítrio incontrolável No caso de condenados por crime realizado com violência pesso al real ou ameaçada a concessão do livramento condicional depende de prognose de comportamento legal futuro do beneficiário como presunção negativa de reincidência criminal Mas é preciso lembrar que a prognose de comportamento legal não significa nenhum juízo de elevada probabilidade de comportamento futuro livre de crimes nem exige exame criminológico hoje mera faculdade judicial27 ao contrário a doutrina atual aconselha a concessão do benefício fundada em razões de prevenção especial mesmo na hipótese de dúvida sobre a possibilidade de reincidência com plena aplicação do princípio in dubio pro reo pois a certeza dos efeitos danosos da prisão prevalece sobre inevitáveis dúvidas em relação ao comportamento futuro do beneficiário28 22 Pressupostos específicos Os pressupostos específicos do livramento condicional têm por objeto as espécies de livramento condicional assim indicados a o livramento condicional especial pressupõe 1 execução de um terço da pena privativa de liberdade aplicada 2 primariedade em crime doloso e 3 bons antecedentes 27 Assim decisão do Superior Tribunal de Justiça RHC 15263PR 5ª Turma DJ 07062004 Rel Min FELIX FISCHER 28 Nesse sentido JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1997 79 I n 4c p 836837 e II n 4 p 851 FRISCH Dogmatische Grundlagen der bedingten Entlassung ZStW 102 1990 p 721 e 736739 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 586 242012 162842 587 Capítulo 21 Substitutivos Penais b o livramento condicional ordinário pressupõe 1 execução de metade da pena privativa de liberdade aplicada e 2 reincidência em crime doloso c o livramento condicional extraordinário pressupõe 1 exe cução de dois terços da pena 2 condenação por crime hediondo prática de tortura tráfico de drogas e terrorismo e 3 ausência de reincidência específica nesses crimes 1 Os conceitos de primariedade e de reincidência possuem estrutura técnica precisa mas o conceito de bons antecedentes do livramento con dicional especial também precisa ser analisado na ótica das alternativas da prática judicial a a posição tradicional considera maus anteceden tes a existência de inquéritos de processos criminais de absolvições por falta de provas de extinção do processo por prescrição abstrata retroativa ou intercorrente e de condenação criminal sem trânsito em julgado29 b a posição crítica considera maus antecedentes somente condenações criminais definitivas anteriores que não configurem rein cidência excluindo outras hipóteses a teoria mais compatível com o princípio da presunção de inocência art 5o LVII CR30 2 Por outro lado a literatura é imprecisa sobre o momento de existência dos bons antecedentes exigidos pela lei a deveriam ser contemporâneos ao crime e reconhecidos na sentença segundo FRAGOSO31 b pode riam ser posteriores ao crime mas anteriores ao início da pena segundo BITENCOURT32 Ambas posições parecem criticáveis porque o 29 Comparar FERREIRA Aplicação da pena 1995 p 8385 30 Nesse sentido BOSCHI Das penas e seus critérios de aplicação 2000 p 208 BUENO DE CARVALHO e CARVALHO Aplicação da pena e garantismo 2002 2a edição p 4950 31 FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 16a edição p 477 n 389 Os bons antecedentes que a lei exige devem ter ocorrido na época do crime e devem estar reconhecidos pela sentença 32 BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8a edição p 649 Devem ser considerados antecedentes para essa finalidade aqueles fatos ocorridos antes do início do cumprimento da pena mesmo que tenham ocorrido após o fato delituoso que deu origem à prisão Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 587 242012 162842 588 Teoria da Pena Capítulo 21 conceito de antecedentes tem por objeto de referência o fato punível e portanto segundo o Direito Penal do fato designa exclusivamente acontecimentos anteriores ao crime 3 A validade de maus antecedentes é limitada ao prazo de 5 anos por aplicação analógica do prazo de validade da reincidência art 64 I CP afinal seria inconcebível limitar o prazo de validade da reincidência e atribuir validade ilimitada aos maus antecedentes33 4 Na hipótese de penas privativas de liberdade por infrações penais diversas admitese a soma das penas para concessão do benefício Art 84 As penas que correspondem a infrações diversas devem somarse para efeito do livramento 5 O livramento condicional também constitui direito subjetivo público do condenado obrigando o juiz da execução penal a se pronunciar motivadamente sobre a concessão ou denegação do benefício caracteri zados seus pressupostos legais34 igualmente sem ignorar a influência decisiva do princípio in dubio pro reo pois nenhuma incerteza sobre o comportamento futuro do beneficiário pode prevalecer sobre a certeza dos efeitos danosos da prisão35 3 Condições de execução As condições de execução do livramento condicional são fixadas pelo juiz da execução na decisão concessiva do benefício art 85 CP 33 Assim BOSCHI Das penas e seus critérios de aplicação 2000 p 208 BUENO DE CARVALHO e CARVALHO Aplicação da pena e garantismo 2002 2a edição p 4950 34 Nesse sentido também FRAGOSO Lições de direito penal parte geral 2003 16a edição p 481 n 391 35 FRISCH Dogmatische Grundlagen der bedingten Entlassung in ZStW 102 1990 p 721 e 736739 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1997 79 I n 4c p 836837 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 588 242012 162842 589 Capítulo 21 Substitutivos Penais e art 132 LEP e podem ser classificadas em obrigatórias e facultativas assim definidas 1 As condições obrigatórias do livramento condicional são as seguintes a obter em prazo razoável ocupação lícita b comunicar ao juiz da execução periodicamente a ocupação c não se mudar do território da comarca da execução do livramento condicional sem autorização judicial art 132 1o LEP 2 As condições facultativas do livramento condicional são as seguintes a não mudar de residência sem comunicação ao juiz da execução e à autoridade responsável pela observação cautelar e proteção b re colhimento à habitação em horário fixado c não frequentar lugares determinados na decisão concessiva art 132 2 LEP Art 85 A sentença especificará as condições a que fica subordinado o livramento As condições de execução do livramento condicional podem ser modificadas pelo juiz da execução de ofício a requerimento do Mi nistério Público ou representação do Conselho Penitenciário ouvido o liberado art 144 LEP Durante o prazo do livramento condicional o condenado é submetido à observação cautelar e proteção do Serviço Social Penitenciário de Patronatos ou de Conselhos de Comunidade com a finalidade explícita de garantir o cumprimento das condições e de proteger o liberado através de orientação e auxílio art 139 LEP 4 Formalidades de concessão A concessão do livramento condicional ocorre em solenidade no estabelecimento de execução da pena com a leitura da sentença concessiva perante o liberando e demais condenados enfatizandose as condições de execução especificadas na sentença que deverão ser Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 589 242012 162842 590 Teoria da Pena Capítulo 21 formalmente aceitas pelo beneficiário lavrandose termo em livro próprio subscrito pelo presidente da cerimônia e pelo liberando com a expedição final da carta de livramento com cópia integral da sentença respectiva arts 136 e 137 LEP Em seguida o liberando recebe o saldo do pecúlio seus pertences pessoais e a caderneta de libe rado condicional com sua identificação o texto impresso do capítulo sobre o livramento condicional as condições impostas na sentença concessiva e espaço para registro do cumprimento das condições art 138 LEP 5 Revogação O livramento condicional pode ser revogado pelo juiz da execu ção de ofício a requerimento do Ministério Público ou representação do Conselho Penitenciário ouvido o liberado art 143 LEP A lei penal define condutas ou fatos determinantes de revogação obrigatória ou facultativa do benefício dependendo da natureza do fundamento da revogação 1 A revogação obrigatória do livramento condicional ocorre na hi pótese de condenação irrecorrível a pena privativa de liberdade por crime cometido durante ou anterior ao livramento condicional com as seguintes consequências art 86 III CP a se por crime anterior ao livramento condicional o período de prova é computado no tempo de cumprimento da pena com a possibilidade de soma das penas para nova concessão do benefício art 141 LEP b se por crime cometido durante o livramento condicional o período de prova não é computado no tempo de cumprimento da pena privativa de liberdade e não é possível nova concessão do benefício pela mesma pena art 142 LEP Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 590 242012 162842 591 Capítulo 21 Substitutivos Penais Art 86 Revogase o livramento se o liberado vem a ser condenado a pena privativa de liberdade em sentença irrecorrível I por crime cometido durante a vigência do benefício II por crime anterior observado o disposto no art 84 deste Código 2 A revogação facultativa do livramento condicional pode ocorrer nas hipóteses a de descumprimento de condições da sentença concessiva do livramento e b de condenação irrecorrível a pena não privativa de liberdade por crime ou contravenção art 87 CP Nesses casos se o juiz da execução não revogar o livramento condicional poderá advertir o liberado ou agravar as condições do livramento condicional art 140 parágrafo único LEP Art 87 O juiz poderá também revogar o livramento se o liberado deixar de cumprir qualquer das obrigações constantes da sentença ou for irrecorrivelmente conde nado por crime ou contravenção a pena que não seja privativa de liberdade 6 Efeitos da revogação A revogação obrigatória ou facultativa do livramento condicional com exceção de revogação por crime anterior à concessão do bene fício art 86 II CP exclui nova concessão do substitutivo penal e impede a computação do período de prova no tempo de cumprimento da pena aplicada com a consequência de execução institucionalizada integral da pena privativa de liberdade art 88 CP Art 88 Revogado o livramento não poderá ser nova mente concedido e salvo quando a revogação resulta de Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 591 242012 162842 592 Teoria da Pena Capítulo 21 condenação por outro crime anterior àquele benefício não se desconta na pena o tempo em que esteve solto o condenado Contudo na hipótese de infração penal cometida durante o período de execução do livramento condicional admitese a suspensão do benefício ouvido o Conselho Penitenciário e o Ministério Público com a revogação subordinada ao trânsito em julgado da decisão final no processo respectivo antes da qual não poderá ser declarada extinta a pena art 89 CP art 145 LEP Art 89 O juiz não poderá declarar extinta a pena enquanto não passar em julgado a sentença em processo a que responde o liberado por crime cometido durante a vigência do livramento 7 Extinção da pena Expirado sem revogação o prazo do livramento condicional extinguese a pena privativa de liberdade aplicada cumprindose os objetivos políticocriminais explícitos do substitutivo penal A declara ção judicial de extinção da pena é de competência do juiz da execução de ofício ou por iniciativa do interessado do Ministério Público ou do Conselho Penitenciário art 90 CP art 146 LEP Art 90 Se até o seu término o livramento não é revogado considerase extinta a pena privativa de liberdade Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 592 242012 162842 593 Capítulo 21 Substitutivos Penais C Os substitutivos penais da Lei 909995 a transação penal e a suspensão condicional do processo A Lei 909995 instituiu os Juizados Especiais Criminais com competência para julgar contravenções e crimes com pena máxima abstrata privativa de liberdade até 2 anos após o advento da Lei 1025901 criando uma causa de extinção da punibilidade e dois substitutivos penais assim definidos a a conciliação judicial entre autor e vítima nas hipóteses de ação penal privada ou de ação penal pública condicionada à represen tação constitui causa de extinção da punibilidade do fato arts 7274 da Lei 909995 b a transação penal entre Ministério Público e autor nas hipó teses de ação penal pública condicionada ou incondicionada constitui substitutivo penal art 76 e parágrafos da Lei 909995 c a suspensão condicional do processo em crimes com pena mínima cominada até 1 ano de privação de liberdade dentro ou fora da competência dos Juizados Especiais Criminais também constitui substitutivo penal art 89 e parágrafos da Lei 909995 Assim a conciliação entre autor e vítima em ações penais pri vadas ou ações penais públicas condicionadas à representação com composição dos danos civis homologada pelo juiz não é simples substitutivo penal mas sentença irrecorrível com eficácia de título executável no juízo cível art 74 da Lei 909995 determinando renúncia ao direito de queixa ou de representação art 74 pará grafo único da Lei 909995 logo extingue a punibilidade da infração penal Todavia a transação penal e a suspensão condicional do processo constituem verdadeiros substitutivos penais a seguir estudados Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 593 242012 162842 594 Teoria da Pena Capítulo 21 1 Transação penal 11 Conceito A transação penal é o ato jurídico processual pelo qual o Minis tério Público em hipóteses de ação penal pública condicionada após frustrada a conciliação ou de ação penal pública incondicionada e se não for caso de arquivamento propõe ao autor da infração e seu defensor a imediata aplicação de pena restritiva de direitos ou multa de natureza substitutiva da pena privativa de liberdade abstrata até 2 anos art 76 e parágrafos da Lei 909995 Art 76 Havendo representação ou tratandose de crime de ação penal pública incondicionada não sendo caso de arquivamento o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas a ser especificada na proposta 12 Requisitos da transação penal Os requisitos exigidos para a transação penal são de natureza penal e processual penal e podem ser classificados em positivos e negativos conforme admitam ou excluam o substitutivo penal 121 Requisitos positivos Os requisitos positivos da transação penal têm por objeto a extensão da pena privativa de liberdade cominada ao crime e a natureza da ação penal assim definidos a pena máxima cominada até 2 anos de privação de liberdade b crime de ação penal pública condicionada ou incondicionada a Pena máxima cominada até 2 anos de privação de liber dade A pena máxima cominada igual ou inferior a 2 anos de pri vação de liberdade define as infrações de menor potencial ofensivo de Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 594 242012 162842 595 Capítulo 21 Substitutivos Penais competência dos Juizados Especiais Criminais instituídos pela Lei 909995 e ampliados pela Lei 1025901 que podem ser objeto de transação penal b Crime de ação penal pública O crime objeto da transação penal deve ser de natureza pública incondicionada ou condicionada nesse caso com a necessária representação da vítima ou representante legal Não obstante a jurisprudência tem admitido transação penal em ações penais privadas 122 Requisitos negativos Os requisitos negativos da transação penal determinam a exclusão do substitutivo penal com imediata proposição da ação penal e estão expressamente definidos em lei a Condenação definitiva do autor a pena privativa de liber dade por crime A exigência legal desdobrase em três aspectos prin cipais 1 a sentença condenatória anterior deve ser definitiva ou seja não pode mais ser modificada por meio de recursos 2 a condenação deve ser a pena privativa de liberdade ou seja a pena de multa ou a substituição da pena privativa de liberdade aplicada por pena restritiva de direitos não exclui a transação penal 3 a condenação anterior deve ser por crime e portanto condenação por contravenção não exclui a transação penal Em qualquer caso a condenação definitiva anterior a pena privativa de liberdade por crime não exclui o benefício após o decurso do prazo de 5 anos entre o cumprimento ou extinção da pena e o crime objeto de transação porque se a reincidência prescreve em 5 anos art 64 I CP então obstáculo fundado na reincidência não pode prevalecer após esse prazo b Obtenção de igual benefício nos últimos 5 anos pelo acusado O prazo de 5 anos definido pelo legislador como prazo de prescrição da reincidência criminal art 64 CP também exclui os efeitos impeditivos da transação penal anterior c Os antecedentes a conduta social e a personalidade do autor além dos motivos e circunstâncias do fato contraindicarem a necessidade e suficiência da medida A transação penal não exige Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 595 242012 162842 596 Teoria da Pena Capítulo 21 que os antecedentes a conduta social a personalidade do agente os motivos e circunstâncias do fato indiquem a necessidade e suficiência da medida no sentido de fundamentarem uma prognose favorável à transação penal pelo contrário basta a neutralidade desses elemen tos de modo que a exclusão da transação penal pressupõe prognose desfavorável fundada naqueles elementos ou seja aqueles elemen tos devem contraindicar a necessidade e a suficiência da medida para excluir a transação penal Por outro lado o conteúdo desses conceitos deve ser definido na ótica crítica descrita no capítulo sobre aplicação da pena por exemplo somente podem ser considerados maus antecedentes as condenações cri minais definitivas anteriores que não configurem reincidência porque o princípio da presunção de inocência exclui todas as outras hipóteses art 5º LVII CR36 Finalmente e de novo contrariando tendência repressiva da literatura penal brasileira37 a avaliação dos antecedentes da conduta social da personalidade do agente dos motivos e das circunstâncias do fato na transação penal que devem fundamentar prognose desfa vorável para excluir o substitutivo penal é decidida pelo princípio in dubio pro reo que autoriza a transação penal mesmo em face de incerteza sobre o comportamento futuro do acusado com maior razão ainda do que no sursis benefício fundado em prognose favorável daquelas circunstâncias38 36 Assim BOSCHI Das penas e seus critérios de aplicação 2000 p 208 BUENO DE CARVALHO e CARVALHO Aplicação da pena e garantismo 2002 2a edição p 4950 37 Ver por exemplo BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8a edição p 586 No entanto considerando o grande alcance desse novo instituto deve se agir com mais cautela na análise desse requisito como aconselha Jescheck o risco a assumir nessas hipóteses deve ser prudencial e diante de sérias dúvidas recomenda sua não concessão 38 Nesse sentido FRISCH Prognoseentscheidungen im Strafrecht 1983 p 4953 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1997 79 I n 4c p 836837 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 596 242012 162842 597 Capítulo 21 Substitutivos Penais d Rejeição da transação pelo acusado ou defensor A transação penal constitui ato jurídico processual de negociação entre o Ministério Público e o autor da infração penal cuja validade é excluída por quais quer vícios ou defeitos que determinam nulidade ou anulabilidade dos atos jurídicos em geral O ato consensual da transação penal pressupõe a aceitação do acusado e do defensor do acusado como manifestação de vontade livre e consciente de ambos no sentido de vontade não viciada por erro dolo coação simulação ou fraude 2º art 76 Não se admitirá a proposta se ficar comprovado I ter sido o autor da infração condenado pela prática de crime a pena privativa de liberdade por sentença definitiva II ter sido o agente beneficiado anteriormente no prazo de 5 cinco anos pela aplicação de pena restritiva ou multa nos termos deste artigo III não indicarem os antecedentes a conduta social e a personalidade do agente bem como os motivos e as circunstâncias ser necessária e suficiente a adoção da medida 3º Aceita a proposta pelo autor da infração e seu defensor será submetida à apreciação do juiz 4º Acolhendo a proposta do Ministério Público aceita pelo autor da infração o juiz aplicará a pena restritiva de direitos ou multa que não importará em reincidên cia sendo registrada apenas para impedir novamente o mesmo benefício no prazo de 5 cinco anos Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 597 242012 162842 598 Teoria da Pena Capítulo 21 13 Consequências jurídicas da transação penal Cumprida a pena restritiva de direitos ou paga a pena de multa aplicadas na transação em substituição da pena privativa de liberdade abstrata até 2 anos extinguese a punibilidade da infração penal Mas existe controvérsia sobre as consequências do descumprimento da pena restritiva de direitos ou da falta de pagamento da pena de multa aplicadas na transação com duas posições na prática forense a a posição dominante opta pela revogação do benefício e ofe recimento de denúncia em atenção ao princípio do devido processo legal em especial aos princípios do contraditório e da ampla defesa conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal b a posição minoritária opta pela imediata conversão em priva ção de liberdade orientação inconstitucional pois não existe pena privativa de liberdade aplicada segundo o processo legal devido ou seja com observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa além disso na hipótese de revogação por falta de pagamento da pena de multa o art 51 CP com a redação da Lei 926896 considera a pena de multa após trânsito em julgado da sentença condenatória mera dívida de valor excluindo a antiga conversão legal em privação da liberdade e portanto revogando o art 85 da Lei 909995 2 Suspensão condicional do processo 21 Conceito A suspensão condicional do processo é o ato jurídico processual pelo qual o Ministério Público no momento de oferecimento da denúncia segundo a literalidade da lei ou até a publicação da sentença segundo a prática forense generalizada após frustradas a tentativa Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 598 242012 162842 599 Capítulo 21 Substitutivos Penais de conciliação extintiva da punibilidade e a tentativa de transação substitutiva da pena propõe a suspensão condicional do processo pelo prazo de 2 a 4 anos em crimes com pena mínima cominada até 1 ano dentro ou fora da competência dos Juizados Especiais Criminais art 89 da Lei 90999539 A suspensão condicional do processo tem pressupostos de con cessão condições de execução e causas de revogação obrigatórias e facultativas 22 Pressupostos de concessão Os pressupostos de concessão da suspensão condicional do pro cesso examinados isoladamente a seguir são definidos pela lei art 89 e parágrafo único da Lei 909995 a crimes com pena mínima cominada igual ou inferior a 1 ano b ausência de processo criminal ou de condenação por outro crime c requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena d aceitação da suspensão condicional do processo pelo acusado e seu defensor art 89 da Lei 909995 a Crimes com pena mínima cominada igual ou inferior a 1 ano O substitutivo penal é generoso pois abrange a maioria dos fatos puníveis definidos na lei penal cuja pena mínima abstrata é igual ou inferior a 1 ano incluindo homicídio culposo exceto na direção de veículo automotor definido no CTB lesões corporais graves omissão de socorro furto simples estelionato apropriação indébita falsidade ideológica prevaricação etc No caso de tentativa ainda pode atingir crimes com pena mínima superior a 1 ano se a redução máxima de 23 dois terços permitida pela tentativa determinar pena mínima abstrata dentro do limite legal de 1 ano 39 Ver MESTIERI Manual de direito penal parte geral 1999 v 1 p 297298 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 599 242012 162842 600 Teoria da Pena Capítulo 21 A suspensão condicional do processo constitui instrumento redutor da predação social inútil promovida pela pena criminal beneficiando especialmente segmentos subalternos e humildes da população bra sileira valoriza a constatação criminológica de que as vítimas dessa criminalidade miúda estão mais interessadas em ressarcimento do dano do que em punições resolve conflitos humanos pela técnica civilizada do consenso evitando a repressão institucional de sujeitos punidos por condições sociais adversas contribui para despenalizar conflitos sociais através da desprocessualização de litígios humanos enfim realiza parcialmente o ideal do Direito Penal mínimo mediante necessária despenalização que deve ser estimulada e não temida40 na senda utópica de descobrir qualquer coisa melhor do que o Direito Penal segundo RADBRUCH41 b Ausência de processo criminal ou de condenação por outro crime contra o acusado Aqui é preciso esclarecer o seguinte pri meiro a condição legal não fere a presunção de inocência porque ser acusado ou condenado não é idêntico a ser considerado culpado vedado pelo princípio segundo o verbo no particípio passado não esteja sendo processado contém implícito o adjetivo criminal pela vinculação por conjunção alternativa com a segunda parte da oração ou não tenha sido condenado por outro crime art 89 da Lei 909995 terceiro a eficácia da condenação por outro crime não pode ultrapassar o prazo de 5 anos de prescrição da reincidência criminal Logo dúvidas da literatura sobre essas questões parecem inconsistentes42 40 É injustificada a preocupação com despenalização maciça expressa por penalistas de incontestável orientação democrática como BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8a edição p 600601 41 RADBRUCH Filosofia do direito Coimbra Armênio Amado Editor 1961 v II p 97 42 Comparar BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8a edição p 601603 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 600 242012 162842 601 Capítulo 21 Substitutivos Penais c Requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena A maioria dos requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena é inaplicável à suspensão condicional do processo por contradição direta com seus pressupostos43 e portanto deve ser desconsiderada conforme demonstrado 1 a suspensão condicional da pena tem por objeto penas pri vativas de liberdade aplicadas até 2 anos enquanto a suspensão condicional do processo tem por objeto crimes com pena mínima privativa de liberdade cominada até 1 ano 2 a exigência de beneficiário não reincidente em crime doloso da suspensão condicional da pena é menor do que o pressuposto de ausência de processo criminal ou de condenação por outro crime da suspensão condicional do processo 3 a possibilidade de aplicação de pena restritiva de direitos exclui a suspensão condicional da pena porque é mais favorável ao condenado mas constitui pena criminal mais grave do que a suspensão condicional do processo que exclui a aplicação de qualquer pena 4 finalmente o único requisito da suspensão condicional da pena aplicável à suspensão condicional do processo a culpabilidade os antecedentes a personalidade a conduta social os motivos e as circunstâncias do fato mas o conteúdo desses conceitos deve ser definido na perspectiva crítica desenhada no estudo das circunstâncias judiciais no processo de aplicação da pena ver Aplicação da pena aci ma A questão dos antecedentes precisa ser especialmente examinada na ótica das alternativas da prática judicial a a posição tradicional considera maus antecedentes a existência de inquéritos de processos criminais de absolvições por falta de provas de extinção do processo por prescrição abstrata retroativa ou intercorrente e de condenação criminal sem trânsito em julgado b a posição crítica considera maus 43 Ver a crítica de BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8a edição p 605608 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 601 242012 162843 602 Teoria da Pena Capítulo 21 antecedentes somente condenações criminais definitivas anteriores que não configurem reincidência excluindo outras hipóteses a teoria mais compatível com o princípio da presunção de inocência art 5º LVII CR que informa todas as situações processuais anteriores ao trânsito em julgado de sentença criminal condenatória44 Art 89 Nos crimes em que a pena mínima comina da for igual ou inferior a 1 um ano abrangidas ou não por esta Lei o Ministério Público ao oferecer a denúncia poderá propor a suspensão do processo por 2 dois a 4 quatro anos desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime presentes os demais requisitos que au torizariam a suspensão condicional da pena art 77 do Código Penal 7º Se o acusado não aceitar a proposta prevista neste artigo o processo prosseguirá em seus ulteriores termos 23 Condições de execução As condições de execução da suspensão condicional do processo podem ser legais e judiciais conforme sejam determinadas pela lei ou especificadas pelo juiz a As condições de execução legais são as seguintes a reparação do dano resultante do crime salvo impossibilidade b proibição de frequen tar determinados lugares c proibição de ausentarse da comarca de resi 44 Nesse sentido BOSCHI Das penas e seus critérios de aplicação 2000 p 208 também BUENO DE CARVALHO e CARVALHO Aplicação da pena e garantismo 2002 2a edição p 4950 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 602 242012 162843 603 Capítulo 21 Substitutivos Penais dência sem autorização judicial d informação e justificação pessoal e mensal das atividades em juízo art 89 1º da Lei 909995 Art 89 1º Aceita a proposta pelo acusado e seu de fensor na presença do juiz este recebendo a denúncia poderá suspender o processo submetendo o acusado a período de prova sob as seguintes condições I reparação do dano salvo impossibilidade de fazêlo II proibição de frequentar determinados lugares III proibição de ausentarse da comarca onde reside sem autorização do juiz IV comparecimento pessoal e obrigatório a juízo men salmente para informar e justificar suas atividades b As condições de execução judiciais são especificadas pelo juiz na suspensão condicional do processo e devem ser adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado art 89 2º da Lei 909995 Art 89 2º O juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão desde que adequa das ao fato e à situação pessoal do acusado 24 Revogação A revogação da suspensão condicional do processo assim como ocorre com outros substitutivos penais pode ser obrigatória ou fa cultativa 1 A revogação obrigatória ocorre nas hipóteses a de processo por outro crime no curso do prazo de execução e b de injustificada falta de reparação do dano resultante do crime art 89 3º da Lei 909995 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 603 242012 162843 604 Teoria da Pena Capítulo 21 Art 89 3º A suspensão será revogada se no curso do prazo o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar sem motivo justificado a repa ração do dano 2 A revogação facultativa pode ocorrer nas hipóteses a de processo por contravenção no curso do prazo de execução e b de descum primento de qualquer outra condição de execução imposta art 89 4º da Lei 909995 Art 89 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado no curso do prazo por contravenção ou descumprir qualquer outra condição imposta 25 Extinção da pena A extinção da punibilidade por suspensão condicional do processo ocorre pelo decurso do período de prova sem revogação do substitutivo penal mediante declaração judicial art 89 5º da Lei 909995 Art 89 5º Expirado o prazo sem revogação o juiz declarará extinta a punibilidade Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 604 242012 162843 605 Capítulo 22 medidaS de SeguraNça I As vias alternativas do Direito Penal brasileiro O Estado pretende cumprir a tarefa de proteger a comunidade e o cidadão contra fatos puníveis utilizando instrumentos legais al ternativos a penas criminais fundadas na culpabilidade do autor b medidas de segurança fundadas na periculosidade do autor1 A utilização alternativa de penas criminais ou de medidas de segurança para controle social de fatos definidos como crimes constitui o sistema dualista alter nativo do Direito Penal2 ou penas criminais ou medidas de segurança excluída a aplicação simultânea de penas criminais e de medidas de segurança própria do sistema dualista cumulativo também conhecido como sistema do duplo binário vigente na lei penal anterior3 Ao contrário da natureza retributiva das penas criminais fun dadas na culpabilidade do fato passado as medidas de segurança con cebidas como instrumentos de proteção social e de terapia individual ou como medidas de natureza preventiva e assistencial segundo a interpretação paralela do legislador4 são fundadas na periculosidade de autores inimputáveis de fatos definidos como crimes com o obje 1 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 77 I p 802803 WELZEL Strafrecht 1969 11a edição 32 III p 244 2 Ver NAUCKE Strafrecht 2000 9a edição p 96 n 26 III também GROPP Strafrecht 2001 n 53 p 61 3 Comparar FÖPPEL EL HIRECHE A função da pena na visão de Claus Roxin 2004 p 9194 4 Ver Exposição de Motivos do Código Penal n 87 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 605 242012 162843 606 Teoria da Pena Capítulo 22 tivo de prevenir a prática de fatos puníveis futuros5 Assim a estrutura dualista alternativa do Direito Penal erigese sobre duas correlações a a correlação culpabilidadepena fundada no passado b a correlação periculosidademedida de segurança dirigida para o futuro6 Entretanto os sistemas dualistas alternativos e cumulativos parecem imersos em crise irremediável e não somente nem princi palmente por causa da correlação culpabilidadepena do conceito de fato punível II Crise das medidas de segurança As medidas de segurança detentivas ou estacionárias e restriti vas ou ambulantes possuem idênticos fundamentos metodológicos a previsão de crimes futuros fundada na periculosidade do autor b eficácia das medidas de segurança para evitar crimes futuros A crise das medidas de segurança decorre da inconsistência desses fundamentos primeiro nenhum método científico permite prever o comportamento futuro de ninguém segundo a capacidade da medida de segurança para transformar condutas antissociais de inimputáveis em condutas ajustadas de imputáveis não está demonstrada7 O problema começa com a falta de credibilidade do prognós tico de periculosidade criminal se a medida de segurança pressupõe prognóstico de comportamento criminoso futuro então inconfiáveis 5 WELZEL Strafrecht 1969 11a edição 32 III p 263 6 NAUCKE Strafrecht 2000 9a edição n 26 III p 96 7 Nesse sentido JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 77 I p 805 FRISCH Prognoseentscheidungen in der strafrechtlichem Praxis 1994 p 34 s KAISER Befinden sich die kriminalrechtlichen Massregeln in der Krise 1990 p 16 do mesmo Kriminologie 1993 9a edição p 555570 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 606 242012 162843 607 Capítulo 22 Medidas de Segurança prognósticos psiquiátricos produzem consequências destruidoras porque podem determinar internações perpétuas em condições gerais ainda piores do que as da execução penal8 Na verdade parece comprovada a tendência de supervalorização da periculosidade criminal no exame psiquiátrico com inevitável prognóstico negativo do inimputável9 assim como por outro lado parece óbvia a confiança ingênua dos operadores jurídicos na capacidade do psiquiatra de prever comporta mentos futuros de pessoas consideradas inimputáveis ou de determinar e quantificar a periculosidade de seres humanos10 Em resumo a crise das medidas de segurança estacionárias é a crise da prognose de periculosidade e da eficácia da internação para transformar condutas ilegais de inimputáveis em condutas legais de imputáveis A inconsistência desses pressupostos explica a convicção generalizada sobre a necessidade de redução radical das medidas de segurança estacionárias11 Assim por exemplo a prognose de crimes de bagatela ou de crimes patrimoniais não violentos não justificaria a aplicação de medida de segurança privativa de liberdade12 igualmen te a prognose de crimes futuros indeterminados ou de crimes futuros possíveis não legitimaria a internação compulsória em instituições psiquiátricas13 Em todos esses casos a aplicação de medida de segu rança estacionária infringe o princípio da proporcionalidade porque não têm relação nem com o tipo de injusto realizado nem com a objetividade da prognose de fatos criminosos futuros14 ao contrário somente a probabilidade de fatos puníveis relevantes caracterizados por violência 8 KAISER Kriminologie 1993 9a edição p 569 9 KAISER Kriminologie 1993 9a edição p 569 10 KAISER Kriminologie 1993 9a edição p 569 11 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 77 I p 805 12 Nesse sentido a jurisprudência atual dos Tribunais alemães cf JESCHECK WEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 77 I nota 16 p 805 13 DREHERTRÖNDLE Strafgesetzbuch und Nebengesetze 1995 47a edição 61 3 14 Ver WELZEL Strafrecht 1969 11a edição 35 p 263 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 607 242012 162843 608 Teoria da Pena Capítulo 22 ou ameaça de violência contra a pessoa poderia justificar a aplicação de medidas de segurança privativas de liberdade contra inimputáveis15 III Medidas de segurança na legislação penal brasileira No Direito Penal contemporâneo a subordinação das medidas de segurança ao princípio da legalidade é parcial pois apenas as dimen sões de lex scripta proibição do costume de lex stricta proibição de analogia e de lex certa proibição de indeterminação são admitidas mas parece geral a exclusão da dimensão de lex praevia proibição de retroatividade Na Alemanha por exemplo as medidas de segurança são regidas pelo princípio da proporcionalidade com subordinação limitada às dimensões de lei escrita de lei estrita e de lei certa do prin cípio da legalidade excluída a dimensão de lei prévia característica do tipo de injusto16 No Brasil a literatura dominante rejeita essa submissão parcial e propõe a subordinação integral das medidas de segurança ao princípio da legalidade para reduzir lesões de direitos individuais vinculadas à sua aplicação17 O argumento geral pode ser assim resumido o 15 Nesse sentido JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 77 I nota 16 p 805 afirma que os Tribunais alemães desde muito tempo deixaram de aplicar medidas de segurança detentiva por delitos de bagatela 16 Ver JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 77 I 5 p 804 STRATENWERTH Strafrecht 2000 n 12 p 51 17 Assim FLÁVIO GOMES Duração das medidas de segurança in Revista dos Tribunais 701268 também BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 p 681682 DOTTI Direito penal parte geral 2003 p 627 n 15 MESTIERI Manual de direito penal parte geral 1999 v 1 p 310 REGIS PRADO Curso de direito penal brasileiro 2004 v 1 p 691 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 608 242012 162843 609 Capítulo 22 Medidas de Segurança princípio da legalidade a como lex praevia proíbe aplicação retroa tiva de medida de segurança contra autores inimputáveis de tipos de injusto b como lex scripta proíbe aplicação de medida de segurança fundada no costume c como lex stricta proíbe aplicação de medida de segurança fundada em analogia prejudicial ao autor e d como lex certa proíbe a existência de medidas de segurança indeterminadas ou indefinidas Não há dúvida a legalidade das medidas de segurança como consequência jurídica da prognose de periculosidade criminal de autor inimputável é tão importante quanto a legalidade das penas como consequência jurídica da realização de tipo de injusto por autor im putável por outro lado a legalidade do pressuposto de tipo de injusto para aplicação de medidas de segurança a autores inimputáveis é idêntica à legalidade do pressuposto do tipo de injusto para aplicação de penas a autores imputáveis ou seja a realização de ação típica e antijurídica concreta Mas a posição da literatura brasileira constitui na melhor das hipóteses a expressão de sentimentos pessoais não existe nenhuma norma que vincule as medidas de segurança ao princípio da legalidade na lei penal brasileira como existe em relação a crimes e penas por exemplo Mais do que isso a disciplina legal das medidas de segurança na lei penal brasileira é deficiente a primeiro as medidas de segu rança não são formalmente subordinadas ao princípio da legalidade b segundo os pressupostos de aplicação das medidas de segurança não são definidos em lei a realização do tipo de injusto e a periculosidade criminal do autor Por exemplo sabese que pressuposto da medida de segurança é fato previsto como crime por dedução do teor do art 97 segunda parte se todavia o fato previsto como crime for punível com detenção poderá o juiz e sabese que periculosidade é outro pressuposto da medida de segurança por inferência do art 97 1º A internação ou tratamento ambulatorial será por tempo indetermina do perdurando enquanto não for averiguada mediante perícia médica a cessação da periculosidade Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 609 242012 162843 610 Teoria da Pena Capítulo 22 Não obstante e por óbvias e indiscutíveis razões políticas e práticas parece indispensável pressupor a plena regência do princípio da legalidade sobre as medidas de segurança tomando como modelo os crimes e as penas na linha proposta pela literatura dominante 1 Pressupostos das medidas de segurança A aplicação de medidas de segurança depende da existência de dois pressupostos legais cuja existência simultânea constitui garantia individual a a realização de fato previsto como crime b a periculosidade criminal do autor por inimputabilidade penal18 11 A realização de fato previsto como crime O pressuposto de fato previsto como crime significa tipo de in justo como ação típica e antijurídica concreta que em conjunto com o conceito de culpabilidade integra o conceito de fato punível19 Parece necessário identificar o significado de fato previsto como crime com o conceito de tipo de injusto porque o inimputável pode realizar ações típicas justificadas por legítima defesa estado de necessidade ou outra causa de exclusão da antijuridicidade cuja presença desca racteriza o tipo de injusto e assim exclui o pressuposto das medidas 18 Ver BUSATOHUAPAYA Introdução ao direito penal fundamentos para um sistema penal democrático 2003 p 258 As mais modernas legislações jurídico penais estabelecem sua referência à realização de um injusto típico e à periculosidade criminal respectivamente como pressupostos e como fundamentos das medidas de segurança 19 CIRINO DOS SANTOS A moderna teoria do fato punível 2004 p 199 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 610 242012 162843 611 Capítulo 22 Medidas de Segurança de segurança20 Sobre essa questão existe controvérsia um segmento da literatura brasileira exclui medidas de segurança em hipóteses de erro de proibição inevitável ou de inexigibilidade de comportamento diverso de autores inimputáveis sob o mesmo argumento de isenção de pena de autores imputáveis21 Não obstante a pergunta sobre a capacidade de autor inimputável atuar em erro de proibição ou em situações de exculpação parece ter resposta negativa se o defeito do aparelho psíquico do inimputável significa incapacidade intelectual de entender o caráter ilícito do fato ou incapacidade volitiva de determinarse de acordo com esse entendimento então o inimputável não pode ter conhecimento da proibição ou não pode determinarse pelo conhecimento da proibição estados psíquicos pressupostos no erro de proibição nem pode possuir dirigibilidade normativa es tado psíquico pressuposto na exigibilidade de comportamento diverso excluído ou reduzido nas situações de exculpação Logo autores inim putáveis por incapacidade penal determinada por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado não podem atuar em erro de proibição excludente ou redutor da culpabilidade nem agir em situações de exculpação excludentes ou redutoras da dirigibilida de normativa que fundamenta a exigibilidade de comportamento diverso22 20 Comparar BUSATOHUAPAYA Introdução ao direito penal fundamentos para um sistema penal democrático 2003 p 258260 21 Nesse sentido BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8ª edição p 682 É indispensável que o sujeito tenha praticado um ilícito típico Assim deixará de existir esse primeiro requisito se houver por exemplo excludentes de criminalidade excludentes de culpabilidade como erro de proibição invencível coação irresistível e obediência hierárquica embriaguez completa fortuita ou por força maior com exceção da imputabilidade ou ainda se não houver prova do crime ou da autoria etc Resumindo a presença de excludentes de criminalidade ou de culpabilidade e a ausência de prova impedem a aplicação de medida de segurança 22 Ver CIRINO DOS SANTOS A moderna teoria do fato punível 2004 p 213216 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 611 242012 162843 612 Teoria da Pena Capítulo 22 12 A periculosidade criminal do autor A periculosidade criminal do autor como fundamento das me didas de segurança23 pode ser o resultado de presunção legal arts 26 e 97 CP ou de determinação judicial arts 26 parágrafo único e 98 CP a A presunção legal de periculosidade criminal A presunção legal de periculosidade criminal de autores inimputáveis de tipo de injusto exprime o prognóstico de futura realização de fato previsto como crime por indivíduos portadores de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado excludente da capacidade de conhecer o caráter ilícito do fato ou de determinarse conforme esse conheci mento art 26 CP Art 26 É isento de pena o agente que por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado era ao tempo da ação ou da omissão intei ramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinarse de acordo com esse entendimento b A determinação judicial de periculosidade criminal A determina ção judicial de periculosidade criminal exprime o prognóstico de futura realização de fatos previstos como crimes por autores semiimputáveis de tipos de injusto portadores de perturbação da saúde mental ou desenvol vimento mental incompleto ou retardado condicionante de incapacidade parcial de conhecer o caráter ilícito do fato ou de determinarse conforme esse conhecimento art 26 parágrafo único CP considerados como necessitados de especial tratamento curativo art 98 CP Art 26 parágrafo único A pena pode ser reduzida de um a dois terços se o agente em virtude de pertur 23 Nesse sentido BUSATOHUAPAYA Introdução ao direito penal fundamentos para um sistema penal democrático 2003 p 260261 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 612 242012 162843 613 Capítulo 22 Medidas de Segurança bação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinarse de acordo com esse entendimento Em regra os semiimputáveis possuem capacidade penal são penalmente responsáveis e puníveis com redução de um a dois terços da pena por exceção na hipótese de necessidade de especial tratamento curativo art 98 CP a pena privativa de liberdade pode ser substituída por medida de segurança hipótese de aplicação do sistema vicariante no direito brasileiro caracterizado pela substituição recíproca entre penas e medidas de segurança Art 98 Na hipótese do parágrafo único do art 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação ou tratamento ambula torial pelo prazo mínimo de 1 um a 3 três anos nos termos do artigo anterior e respectivos 1º a 4º 2 Objetivos das medidas de segurança As medidas de segurança são instituídas para realizar os objeti vos explícitos a de tratamento psiquiátrico compulsório de autores inimputáveis de tipos de injusto portadores de periculosidade criminal presumida art 26 e parágrafo único CP com exceção da hipótese de determinação judicial art 98 CP e b de segurança social de natureza estacionária internação em hospital de custódia e trata mento psiquiátrico ou ambulante tratamento ambulatorial desses autores Por isso as medidas de segurança teriam por objetivo possibili tar ações ou intervenções psiquiátricas ao nível do sistema límbico da Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 613 242012 162843 614 Teoria da Pena Capítulo 22 personalidade de autores inimputáveis como centro das emoções e da vida afetiva individual segundo a Psiquiatria ou ao nível do ego e do superego do aparelho psíquico segundo a Psicanálise a no interesse do autor para ampliar o controle das pulsões instintuais do id como energia psíquica regida pelo princípio do prazer e b no interesse da sociedade para impedir ações antissociais de autores inimputáveis de fato previsto como crime mediante internação hospitalar ou tratamento ambulatorial compulsórios 3 Espécies de medidas de segurança A legislação penal brasileira define duas espécies de medidas de segurança aplicáveis aos autores inimputáveis de tipos de injusto portadores de periculosidade criminal presumida regra ou aos semi imputáveis considerados perigosos por determinação judicial exceção a a medida de segurança estacionária de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico art 96 I CP b a medida de segurança ambulante de tratamento ambulatorial art 96 II CP Art 96 As medidas de segurança são I internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou à falta em outro estabelecimento adequado II sujeição a tratamento ambulatorial A distribuição de autores inimputáveis ou semiimputáveis necessitados de tratamento curativo de fato previsto como crime pelas duas espécies de medidas de segurança depende da natureza da pena cominada no tipo de injusto realizado conforme as seguintes correla ções legais art 97 CP a reclusão determina internação b detenção determina tratamento ambulatorial Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 614 242012 162843 615 Capítulo 22 Medidas de Segurança Art 97 Se o agente for inimputável o juiz determinará sua internação art 26 Se todavia o fato previsto como crime for punível com detenção poderá o juiz submetêlo a tratamento ambulatorial 31 Hospital de custódia e tratamento psiquiátrico A internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico tem por objetivo a proteger a sociedade contra ações antissociais futuras de doentes mentais graves autores de fato previsto como crime e b submeter o portador de doença mental internado a tratamento psiquiátrico compulsório24 Todavia a medida de segurança estacionária de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico deve se fundar em prognóstico de fatos puníveis com violência grave ou ameaça de violência é insuficiente a cominação de pena de reclusão no tipo de injusto realizado porque o prognóstico de crimes de bagatela ou de crimes patrimoniais como furto e estelionato por exemplo não justifica aplicação de medida de segurança estacionária na linha da melhor doutrina contemporânea25 Na verdade a crise da medida de segurança estacionária não se limita à inconsistência da prognose de comportamentos antissociais futuros nem à ineficácia do tratamento psiquiátrico para transformar o comportamento antissocial futuro de inimputáveis em comportamento ajustado mas envolve o próprio con ceito de doença mental que engendrou a Psiquiatria como especialidade científica existe profundo dissenso na Psiquiatria sobre o conceito de 24 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 77 II n 1 p 806 25 Assim FRISCH Die Massregeln der Besserung und Sicherung im strafrechtlichen Rechtsfolgensystem in ZStW 102 1990 p 384386 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 77 I n 5b p 805 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 615 242012 162843 616 Teoria da Pena Capítulo 22 doença mental ou sobre os estados de anormalidade psíquica definíveis como doença mental26 Além disso o problema dos direitos humanos nas instituições psiquiátricas ainda mais grave do que nas instituições penitenciárias explica a angústia da literatura penal contemporânea expressa na questão de JESCHECKWEIGEND27 se a internação de autores de fatos puníveis portadores de doença mental ou de anormalidade psíqui ca em instituições apropriadas pensese especialmente nos psicopatas que integram o conceito de outras graves anomalias psíquicas não produziria melhores resultados do que a internação em hospitais psiqui átricos 32 Tratamento ambulatorial A medida de segurança de tratamento ambulatorial também tem por objetivo a proteger a sociedade contra ações antissociais futuras de autores inimputáveis de fato previsto como crime mas com a dife rença essencial b de realizar tratamento psiquiátrico ambulante do portador de doença mental com óbvias vantagens para o interessado e para a sociedade Aqui é preciso enfatizar a cominação legal de pena de detenção no tipo de injusto realizado é fundamento suficiente para aplicar medida de segurança ambulante ao portador de doença mental por todas as razões indicadas Afinal a cominação de pena de detenção indica pre cisamente aquela criminalidade de bagatela cuja prognose não autoriza a aplicação de medida de segurança estacionária conforme a doutrina mais autorizada Além disso nenhuma disposição legal impõe critérios subjetivos adicionais para aplicar a medida de segurança de tratamento 26 Ver SZASZ The myth of menthal illness 1975 p 12 27 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 77 I p 807 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 616 242012 162844 617 Capítulo 22 Medidas de Segurança ambulatorial como condições pessoais ou prévia compatibilidade do agente etc sugeridos por prestigiados penalistas28 A questão é simples a pena de detenção determina o tratamento ambulatorial art 97 CP depois durante a execução do tratamento ambulatorial poderá o juiz determinar a internação se necessário para fins curativos art 97 4º CP ou em caso de incompatibilidade com a medida art 184 LEP 4 Duração das medidas de segurança O prazo de duração mínimo das medidas de segurança de inter nação ou de tratamento ambulatorial é de 1 a 3 anos art 97 1º CP a desinternação na medida de segurança estacionária ou a liberação na medida de segurança ambulante dependem da cessação do estado de periculosidade criminal verificado por perícia médica art 97 2º CP um acontecimento futuro e imprevisível Por essa razão o prazo de duração máximo das medidas de segurança estacionária ou ambulante é indeterminado Art 97 1º A internação ou tratamento ambu latorial será por tempo indeterminado perdurando enquanto não for averiguada mediante perícia médica a cessação de periculosidade O prazo mínimo deverá ser de 1 um a 3 três anos 28 Assim por exemplo BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8ª edição p 683684 O tratamento ambulatorial é apenas uma possibilidade que as circunstâncias pessoais e fáticas indicarão ou não a sua conveniência A punibilidade com pena de detenção por si só não é suficiente para determinar a conversão da internação em tratamento ambulatorial É necessário examinar as condições pessoais do agente para constatar a sua compatibilidade ou incompatibilidade com a medida mais liberal Claro se tais condições forem favoráveis a substituição se impõe Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 617 242012 162844 618 Teoria da Pena Capítulo 22 A duração indeterminada das medidas de segurança estacioná rias significa frequentemente privação de liberdade perpétua de seres humanos o que representa violação da dignidade humana e lesão do princípio da proporcionalidade pois não existe correlação possível entre a perpetuidade da internação e a inconfiabilidade do prognóstico de periculosidade criminal do exame psiquiátrico Esse problema é geral na Alemanha por exemplo a principal medida de segurança estacio nária precisamente a internação em hospital psiquiátrico 63 CP alemão tem prazo ilimitado de duração Hoje a lesão de direitos e garantias individuais resultante da indeterminação das medidas de segurança estacionárias é reconhecida até mesmo pela Criminologia etiológica por exemplo KAISER29 Assim como a medida da pena é limitada pelo princípio da culpabilidade a imposição de medida de segurança somente é permitida na proporção em que o sofrimento ligado a ela não está fora de relação com a periculosidade do autor No Brasil a literatura especializada30 bem como projetos de re forma da legislação penal31 fundados nos princípios constitucionais da dignidade humana e da proporcionalidade vinculam a duração máxima das medidas de segurança aplicadas ao máximo da pena privativa de liberdade cominada ao fato punível praticado Contudo jurispru dência recente adota critério melhor o limite máximo da medida de segurança aplicada deve coincidir com a pena criminal aplicável no caso concreto se o autor fosse imputável32 Afinal é preciso arrancar do portal do manicômio judiciário hoje com a denominação eufemística 29 KAISER Kriminologie 1993 9ª edição p 611 30 FLÁVIO GOMES Duração das medidas de segurança in Revista dos Tribunais 701268 BUSATOHUAPAYA Introdução ao direito penal fundamentos para um sistema penal democrático 2003 p 262 31 Assim o Projeto de reforma da parte geral do Código Penal Art 98 O tempo de duração da medida de segurança não será superior à pena máxima cominada ao tipo legal de crime 32 Assim a democrática 5ª Câmara Criminal do TJRS Apelaçãocrime 700108177242005 Rel Des AMILTON BUENO DE CARVALHO Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 618 242012 162844 619 Capítulo 22 Medidas de Segurança de hospital de custódia e tratamento psiquiátrico o aviso colocado por Dante na entrada do Inferno lasciate ogni speranza voi chentrate33 A verificação de existência da periculosidade criminal como fundamento de aplicação da medida de segurança ou de persistência da periculosidade criminal como condição de continuidade ou de cessação da periculosidade criminal como condição de extinção da medida de segurança é realizada por perícia médica art 97 1º CP em três momentos distintos primeiro no curso do processo criminal para determinar a inimputabilidade penal depois no final do prazo mínimo de 1 a 3 anos enfim anualmente na hipótese normal de persistência da periculosidade ou em qualquer tempo se determinada pelo juiz art 97 2º CP Art 97 2º A perícia médica realizarseá ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano ou a qualquer tempo se o determinar o juiz da execução 5 A verificação de cessação da periculosidade criminal Em regra o exame de verificação de cessação da periculosidade criminal realizado no final do prazo mínimo observa o seguinte pro cedimento a a autoridade administrativa remete ao juiz da execução com antecedência de 1 mês da expiração do prazo relatório instruído com laudo psiquiátrico para decisão sobre revogação ou permanência da medida de segurança b a decisão judicial precedida de audiência 33 ALIGHIERI La Divina Commedia Canto Terzo 9 Milano Ulrico Hoepli Editore Libraio Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 619 242012 162844 620 Teoria da Pena Capítulo 22 do Ministério Público e do curador ou defensor do interessado deve ser proferida dentro de 15 dias art 175 IVI LEP Por exceção o exame de periculosidade criminal pode ser realiza do durante o prazo mínimo mediante requerimento fundamentado do Ministério Público ou do interessado observado idêntico procedimen to também válido para exames sucessivos arts 176177 LEP Finalmente a desinternação hospitalar ou a liberação do trata mento ambulatorial por cessação do estado de periculosidade criminal determinante da medida de segurança é condicional durante o prazo de 1 ano após a desinternação hospitalar ou a liberação ambulatorial a realização de fato indicativo da persistência da periculosidade criminal durante esse prazo determina a reaplicação da medida de segurança ex tinta art 97 3º CP com restabelecimento da situação anterior Art 97 3º A desinternação ou a liberação será sempre condicional devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente antes do decurso de 1 um ano pratica fato indicativo de persistência de sua periculo sidade 6 Substituição e conversão das medidas de segurança As penas privativas de liberdade podem ser substituídas por me didas de segurança de ofício a requerimento do Ministério Público ou de autoridade administrativa na hipótese de superveniência de doença mental ou de perturbação da saúde mental do condenado art 41 CP art 183 LEP Art 41 O condenado a quem sobrevém doença mental deve ser recolhido a hospital de custódia e tratamento psi quiátrico ou à falta a outro estabelecimento adequado Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 620 242012 162844 621 Capítulo 22 Medidas de Segurança A medida de segurança de tratamento ambulatorial pode ser convertida em internação institucional pelo prazo mínimo de l ano se necessário para fins curativos art 97 4º ou se o agente revelar incompatibilidade com a medida art 184 LEP Art 97 4º Em qualquer fase do tratamento ambula torial poderá o juiz determinar a internação do agente se essa providência for necessária para fins curativos 7 Prescrição das medidas de segurança A extinção da punibilidade do fato previsto como crime realizado pelo inimputável ou pelo semiimputável no caso do art 98 CP exclui a aplicação de medida de segurança ou extingue a medida de segurança aplicada art 96 parágrafo único independentemente da causa de extinção respectiva anistia graça indulto descriminalização prescrição etc Art 96 parágrafo único Extinta a punibilidade não se impõe medida de segurança nem subsiste a que tenha sido imposta Na hipótese de extinção da punibilidade por prescrição a regra é a prescrição pela pena abstrata regida pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime art 109 CP porque o inimputá vel autor de fato descrito como crime não é condenado mas absolvido com aplicação de medida de segurança a exceção ocorre com o semi imputável necessitado de especial tratamento curativo art 98 CP porque a prescrição é regida pela pena aplicada art 110 1º CP substituída por medida de segurança estacionária ou ambulante pelo prazo mínimo de 1 a 3 anos34 34 Comparar BITENCOURT Tratado de direito penal parte geral 2003 8ª edição p 685 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 621 242012 162844 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 622 242012 162844 623 Capítulo 23 ação peNaL I As limitações democráticas do poder de punir O monopólio estatal do poder de punir exclui a vingança privada nas sociedades modernas com alguns desdobramentos necessários Primeiro o monopólio do poder de punir atribui ao Estado a tarefa de proteger os cidadãos contra fatos criminosos mediante normas legais materiais e processuais de definição de crimes e de punição dos autores Segundo o monopólio estatal do poder punitivo reduz a in segurança social mas aumenta o risco de condenar acusados inocentes ou adversários políticos do poder Por último a proteção de inocentes contra abusos do poder punitivo do Estado pressupõe a criação de garantias constitucionais e legais sintetizadas no conceito de processo legal devido do moderno Estado Democrático de Direito1 II Os princípios constitucionais do processo penal O processo penal não constitui processo de partes livres e iguais como o processo civil por exemplo dominado pela liberdade de partes em situação de igualdade processual mas uma relação de poder instituída pelo Estado com a finalidade de descobrir a verdade 1 ROXIN Strafverfahrensrecht 1995 24a edição 1o B I n 2 p 2 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 623 242012 162844 624 Teoria da Pena Capítulo 23 de fatos criminosos e punir os autores considerados culpados2 Como a chamada verdade material não pode ser obtida a qualquer preço pelo Estado por exemplo confissões mediante tortura uso de prova ilícita etc mas deve ser demonstrada em conformidade com princípios garantidores da liberdade e da dignidade do ser humano o processo penal do Estado Democrático de Direito é regido por alguns princípios constitucionais expressos em ou deduzidos de normas específicas por exemplo princípio da oficialidade princípio da acusação princípio da legalidade princípio da oportunidade princípio da investigação ou da verdade material princípio da livre valoração da prova princípio in dubio pro reo etc3 A natureza dos princípios do processo penal permite sua siste matização em dois grupos principais a princípios de formação do processo princípio da oficialidade princípio da acusação princípio da legalidade princípio da oportunidade e princípio da investigação b princípios da prova processual princípio da livre valoração da prova e princípio in dubio pro reo4 1 Princípios de formação do processo 1 Princípio da oficialidade O princípio da oficialidade exprime a regra do monopólio estatal na perseguição penal exercida através do Ministério Público dos Estados e da União por oposição ao princípio da acusação privada Mas a regra do monopólio da persegui ção penal oficial admite exceções em crimes de menor importância5 2 PFEIFFER Grundzuge des Strafverfahrensrechts 1991 2a edição n 1 p 2 3 ROXIN Strafverfahrensrecht 1995 24a edição 1o B I n 4 p 3 4 Comparar ROXIN Strafverfahrensrecht 1995 24a edição 11 I p 67 5 Ver SCHROEDER Strafprozessrecht 1993 8o n 60 p 35 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 624 242012 162844 625 Capítulo 23 Ação Penal primeiro a representação da vítima ou representante legal nas ações penais públicas condicionadas sem a qual o Ministério Público não pode propor ação penal segundo a ação penal privada promovida pela vítima ou representante legal através de advogado com poderes especiais6 2 Princípio da acusação O princípio da acusação expresso na fórmula nemo judex sine actore determina a separação das tarefas de acusar e de julgar atribuindo a tarefa de acusar a um órgão do Estado Mi nistério Público por exceção ao ofendido ou representante legal nos crimes de ação penal privada e a tarefa de julgar a outro órgão do Estado Poder Judiciário separando as funções de acusação e de julgamento outrora concentradas na pessoa do juiz pelo princípio inquisitório do processo medieval7 3 Princípio da legalidade processual O princípio da legalidade processual também denominado princípio da obrigatoriedade ou da indisponibilidade da ação penal define o dever do Ministério Público de apresentar acusação formal em caso de prova de existência de fato punível e de indicações suficientes de autoria em inquéritos policiais ou outros documentos recebidos8 e portanto cumpre a função constitucional de excluir a arbitrariedade no processo penal9 Hoje por força da frequência das exceções ao princípio da legalidade processual no âmbito da pequena e da média criminalidade predomina o princípio da oportunidade examinado a seguir denominações aliás 6 ROXIN Strafverfahrensrecht 1995 24a edição 13 n 6 p 72 SCHROEDER Strafprozessrecht 1993 44 p 225 n 344 PFEIFFER Grundzuge des Strafverfahrensrechts 1991 2a edição II 1 p 2 7 ROXIN Strafverfahrensrecht 1995 24a edição 13 n 19 p 7576 SCHROEDER Strafprozessrecht 1993 8o n 57 p 3233 e 44 n 344 p 225 No Brasil ver LOPES JR Introdução crítica ao processo penal 2004 p 150174 esp p 154 8 ROXIN Strafverfahrensrecht 1995 24a edição 13 A 1 p 78 e B 1 p 79 PFEIFFER Grundzuge des Strafverfahrensrechts 1991 2a edição I 3 p 3 9 SCHROEDER Strafprozessrecht 1993 9o n 62 p 36 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 625 242012 162844 626 Teoria da Pena Capítulo 23 inadequadas porque o princípio da legalidade processual é confundido com o princípio da legalidade penal e o princípio da oportunidade embora aplicado em hipóteses legais estritas parece exprimir critério discricionário10 4 Princípio da oportunidade O princípio da oportunidade define exceções à regra do princípio da legalidade processual com renúncia do Ministério Público de apresentar acusações formais em hipóteses concretas na área da pequena ou da média criminalidade11 fundadas no princípio da insignificância ou na ausência de interesse público na perseguição penal por razões de prevenção geral ou especial12 ou em políticas criminais específicas para a criminalidade de menor potencial ofensivo por exemplo a transação penal ou a suspensão condicional do processo A frequência crescente de hipóteses subme tidas ao princípio da oportunidade como exceções ao princípio da legalidade processual reduz o âmbito de obrigatoriedade da acusação penal pública13 5 Princípio da instrução O princípio da instrução também denomi nado princípio da verdade material do processo penal por oposição ao princípio da verdade formal do processo civil exprime o poder judicial de investigação pessoal do objeto da imputação processual sem vinculação às afirmações de acusação e de defesa à confissão do acusado ou aos meios de prova propostos14 10 SCHROEDER Strafprozessrecht 1993 9o n 63 p 3637 11 PFEIFFER Grundzuge des Strafverfahrensrechts 1991 2a edição II 4 p 23 12 SCHROEDER Strafprozessrecht 1993 9o n 63 p 37 13 ROXIN Strafverfahrensrecht 1995 24a edição 13 n 6 p 79 PFEIFFER Grundzuge des Strafverfahrensrechts 1991 2a edição II 4 p 23 14 ROXIN Strafverfahrensrecht 1995 24a edição 15 A 1 p 88 PFEIFFER Grundzuge des Strafverfahrensrechts 1991 2a edição II 5 p 4 SCHROEDER Strafprozessrecht 1993 27 n 237 p 144 e 44 n 345 p 225 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 626 242012 162844 627 Capítulo 23 Ação Penal 2 Princípios da prova processual 1 Princípio da livre valoração da prova O princípio da livre valoração da prova significa avaliação da prova segundo a convicção subjetiva do juiz por oposição à regra das provas legais do processo medieval mas condicionada a parâmetros objetivos a convicção judicial é suficiente para a sentença criminal mas pressupõe a necessidade de correspondência com as indicações objetivas da prova15 A correspon dência entre a convicção subjetiva do juiz e as indicações objetivas da prova define a objetividade da livre valoração da prova determinada entre outras razões pelo princípio in dubio pro reo que seria cancelado pelo subjetivismo da livre convicção judicial 2 Princípio in dubio pro reo O princípio in dubio pro reo deduzido da garantia constitucional da presunção de inocência art 5º LVII CR por rejeição à presunção de culpa indica a regra fundamental da prova no processo penal a dúvida sobre a realidade do fato deter mina a absolvição do acusado O princípio in dubio pro reo contém desdobramentos importantes no Estado Democrático de Direito assim definidos a primeiro o acusado não precisa provar o alibi apresentado ou seja que não estava no lugar do crime ou que não participou do fato imputado ao contrário a acusação deve provar que o acusado realizou ou participou do fato imputado com a dúvida determinando absolvição b segundo dúvidas sobre justificações legítima defesa estado de necessidade etc sobre exculpações erro de proibição obediência hierárquica conflito de deveres etc ou sobre outras isenções de pena 15 ROXIN Strafverfahrensrecht 1995 24ª edição 15 A 1 p 9091 n 13 SCHROEDER Strafprozessrecht 1993 30 n 270 p 167 s e 44 n 345 p 225 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 627 242012 162845 628 Teoria da Pena Capítulo 23 desistência da tentativa por exemplo não podem fundamentar con denações ou seja também determinam absolvição16 c terceiro dúvidas sobre a natureza do fato como tipo básico ou qualificado tentativa ou consumação autoria ou participação tipo doloso ou imprudente devem ser decididas em favor do acusado ou seja segundo a hipótese menos grave17 A orientação ainda dominante na jurisprudência e literatura brasileiras pela qual a prova da tipicidade do fato incumbe à acusação enquanto a prova das excludentes de antijuridicidade e de culpabili dade incumbe à defesa é uma consequência desastrosa da indevida extensão ao processo penal dos princípios do processo civil em que a prova do fato constitutivo do direito incumbe ao autor enquanto a prova de fato impeditivo modificativo ou extintivo do direito incumbe ao réu art 333 CPC Mas é preciso esclarecer o princípio in dubio pro reo é limitado à prova de fatos sem influência na interpretação da lei regida pelos princípios de interpretação definidos pelas técnicas literal sistemática histórica teleológica e excepcionalmente pela analogia in bonam partem18 16 ROXIN Strafverfahrensrecht 1995 24a edição 15 n 32 p 9798 No Brasil ver o excelente LOPES JR Introdução crítica ao processo penal 2004 p 179180 que diz Ao lado da presunção de inocência como critério pragmático de solução de incerteza dúvida judicial o princípio in dubio pro reo corrobora a atribuição da carga probatória ao acusador Isso significa que incumbe ao acusador provar a presença de todos os elementos que integram a tipicidade a ilicitude e a culpabilidade e logicamente a inexistência das causas de justificação Assim também TAVARES Teoria do injusto penal 2002 p 116 e 310 destacando os efeitos processuais do princípio da presunção de inocência 17 Assim SCHROEDER Strafprozessrecht 1993 30 n 274 p 170 18 ROXIN Strafverfahrensrecht 1995 24a edição 15 n 41 p 100 SCHROEDER Strafprozessrecht 1993 30 n 274 p 170 e 44 n 345 p 225 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 628 242012 162845 629 Capítulo 23 Ação Penal III Ação penal A ação penal constitui a forma específica de manifestação do poder punitivo do Estado classificada em duas categorias relaciona das como regra e exceção a a regra é a ação penal pública aplicada à maioria absoluta dos crimes b a exceção é a ação penal privada aplicada a uma pequena minoria de crimes em que o Estado delega ao particular o exercício do poder punitivo em hipóteses expressamente indicadas na lei penal Art 100 A ação penal é pública salvo quando a lei expressamente a declara privativa do ofendido O exercício da ação penal definido como direito abstrato de agir ou seja como direito à jurisdição penal pressupõe a existência de determinadas condições de ação tema controvertido no processo penal contemporâneo a a teoria tradicional fundada na premissa de uma teoria geral do processo propõe para o processo penal as mesmas condições de ação do processo civil interesse de agir legitimação para a causa e possibilidade jurídica do pedido b a teoria moderna fundada na especificidade do processo penal em que não existe liberdade de partes o MP é vinculado pelo princípio da legalidade processual e o acusado não pode subtrairse por ato de vontade ao processo penal e não existe igualdade entre as partes o MP representa o poder punitivo do Estado em face do impotente acusado submetido ao poder do Estado queira ou não propõe condições de ação específicas deduzidas do art 43 do CPP definidas como 1 tipicidade aparente 2 punibilidade concreta 3 legitimidade de parte e 4 justa causa19 19 No Brasil ver a posição pioneira de MIRANDA COUTINHO A lide e o conteúdo do processo penal 1989 p 142146 desenvolvida a partir dos trabalhos dos juristas Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 629 242012 162845 630 Teoria da Pena Capítulo 23 Nesse conceito a tipicidade aparente designa o tipo de injusto excluindo ações atípicas e justificadas20 a legitimidade de parte tem por objeto a divisão entre ações públicas e privadas a punibilidade concreta exclui as hipóteses de extinção da punibilidade e a justa cau sa tem por fundamento a prova da materialidade do fato e indícios suficientes de autoria A óbvia superioridade dessa teoria não evita conflitos que só o debate crítico coletivo pode resolver como por exemplo entre tipicidade aparente e justa causa por um lado situações de ausência de tipo de injusto são também situações de falta de justa causa por outro lado a justa causa como categoria compreensiva da materialidade e dos indícios de autoria tem por objeto elementos do tipo de injusto a prova da materialidade indica o resultado típico e os indícios de autoria indicam o sujeito ativo produtor do dolo e da imprudência materializados no resultado típico e assim a justa causa parece uma condição desnecessária porque seus elementos já estariam contidos no aparente tipo de injusto 1 Ação penal pública A ação penal de natureza pública é promovida pelo órgão do Ministério Público dos Estados ou da União princípio da oficiali dade sob a forma de denúncia dirigida ao Poder Judiciário estadual paranaenses FOWLER Anotações em torno da ação penal pública no projeto de reforma in Revista do Ministério Público do Paraná n 7 1977 e BREDA Efeitos da declaração de nulidade no processo penal in Revista do Ministério Público do Paraná n 9 1980 Para detalhes NUNES DA SILVEIRA A tipicidade e o juízo de admissibilidade da acusação 2005 p 55 s 20 NUNES DA SILVEIRA A tipicidade e o juízo de admissibilidade da acusação 2005 p 6773 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 630 242012 162845 631 Capítulo 23 Ação Penal ou federal princípio da acusação segundo critérios de competência jurisdicional definidos em lei A denúncia é o ato formal de acusação em crimes de ação penal pública com identificação do autor descrição do fato criminoso indicação do tipo de crime realizado e pedido de condenação do autor às penas criminais cominadas art 41 CPP A ação penal pública caracterizase pela indisponibilidade da ação penal pelo Ministério Público no sentido de obrigatoriedade do exercício da pretensão punitiva presentes as condições de ação respectivas princípio da legalidade processual21 A ação penal pública compreende três categorias diferentes a ação penal pública incondicionada a ação penal pública condicionada e a ação penal pública extensiva 11 Ação penal pública incondicionada A ação penal pública incondicionada é a regra dos crimes de ação penal pública porque a proposição da denúncia pelo Ministé rio Público contra o autor de fato criminoso independe de qualquer condição art 100 primeira parte CP a verificação da existência de crime de ação pública e de indícios suficientes de autoria determina a necessidade de promoção da ação penal princípio da legalidade pro cessual como ocorre na maioria dos crimes dolosos violentos contra a pessoa o patrimônio etc Art 100 1º A ação penal pública é promovida pelo Ministério Público dependendo quando a lei o exige de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça 21 BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição v 1 p 692693 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 631 242012 162845 632 Teoria da Pena Capítulo 23 12 Ação penal pública condicionada A ação penal pública pode subordinarse a determinadas con dições estabelecidas expressamente pelo legislador no interesse do ofendido ou do titular do bem jurídico lesionado é a ação penal pú blica condicionada referida na parte final do dispositivo acima citado art 100 1º segunda parte CP A condição exigida pela lei para exercício da ação penal pública pode consistir a em representação do ofendido ou b em requisição do Ministro da Justiça exceções ao princípio da oficialidade 1 A representação do ofendido ou de quem tenha qualidade para representálo constitui ato formal de manifestação de vontade do titular do bem jurídico lesionado autorizando a proposição da ação penal pública condicionada pelo Ministério Público A representação como manifestação formal de vontade do titular do bem jurídico le sionado depende do interesse do ofendido podendo ser apresentada ou retirada conforme conveniências exclusivas daquele Mas a retirada da representação pelo titular do bem jurídico lesionado definida como retratação do ofendido tem um limite processual intransponível de pois do qual a representação é irretratável o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público art 102 CP22 Art 102 A representação será irretratável depois de oferecida a denúncia O critério do oferecimento da denúncia e não o do recebimento da denúncia pelo juiz adotado no sistema anterior à reforma de 1984 como limite processual da retratação da representação é impreciso é impossível saber se significa a entrega da denúncia em cartório ou b apresentação da denúncia ao juiz para recebimento ou rejeição além disso a hipótese de rejeição de denúncia inepta gera outras controvérsias23 22 Comparar REGIS PRADO Curso de direito penal brasileiro 2004 4a edição v 1 p 754758 23 Ver BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição v 1 p 696 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 632 242012 162845 633 Capítulo 23 Ação Penal Por outro lado o exercício do direito de representação pelo ofen dido ou representante legal como formalidade condicionante da ação penal pública é limitado no tempo o direito de representação deve ser exercido no prazo de 6 seis meses a partir da data de conhecimento da identidade do autor do crime pelo ofendido ou representante legal sob pena de decadência do direito de representação ou seja de perda definitiva do direito de representação pois os prazos decadenciais são contínuos e fatais fluindo sem interrupção ou suspensão Art 103 Salvo disposição expressa em contrário o ofendido decai do direito de queixa ou de representação se não o exerce dentro do prazo de 6 seis meses contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime ou no caso do 3o do art 100 deste Código do dia em que se esgota o prazo para oferecimento da denúncia 2 A requisição do Ministro da Justiça constitui ato formal de autori zação do Poder Executivo Federal dirigida ao Ministério Público para exercício da ação penal pública condicionada em hipóteses específicas art 7º I c e 3º CP Em Direito Administrativo o verbo requisitar significa exigir mas nesse caso possui o significado de pedir porque o Ministério Público preserva a exclusiva titularidade da ação penal pública cujo exercício depende da presença da referida condição legal de procedibilidade24 A requisição do Ministro da Justiça ao contrário da representação do ofendido não está sujeita à decadência podendo ser apresentada enquanto não extinta a punibilidade do crime25 13 Ação penal pública extensiva A ação penal pública extensiva ocorre em hipóteses de crimes de ação penal privada compostos de elementos ou circunstâncias típicas 24 BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição v 1 p 696 25 REGIS PRADO Curso de direito penal brasileiro 2004 4a edição v 1 p 758 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 633 242012 162845 634 Teoria da Pena Capítulo 23 que constituem independentemente crimes de ação penal pública art 101 CP A ação penal pública do crime elementar constitutivo do tipo de crime de ação penal privada fundamenta a extensão da ação penal pública ao tipo de crime de ação penal privada por exemplo os resultados qualificadores de lesão corporal grave ou de morte no estupro contra pessoa maior de 18 anos e não vulnerável determinam a extensão da ação penal pública incondicionada dos tipos elementares ao tipo complexo de estupro art 213 CP de ação penal pública condicionada à representação art 225 CP Art 101 Quando a lei considera como elemento ou circunstâncias do tipo legal fatos que por si mesmos constituem crimes cabe ação penal pública em relação àquele desde que em relação a qualquer destes se deva proceder por iniciativa do Ministério Público 2 Ação penal privada A ação penal de natureza privada é promovida pelo ofendido ou representante legal nos casos expressamente previstos em lei art 100 segunda parte CP sob a forma de queixa art 100 2º CP A queixa é o ato formal de acusação em crimes de ação penal privada com os mesmos requisitos da denúncia identificação do autor descrição do fato criminoso indicação do tipo de crime realizado e pedido de condenação às penas cominadas A ação penal privada ao contrário da ação penal pública caracterizase pela disponibilidade de seu exercício pelo ofendido ou representante Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 634 242012 162845 635 Capítulo 23 Ação Penal legal subordinandose a regras especiais exceção ao princípio da oficialidade26 21 Ação penal privada subsidiária da ação pública A ação penal privada pode ser exercida em caráter subsidiário da ação penal pública na hipótese de não ter sido oferecida denúncia pelo Ministério Público no prazo legal Art 100 3º A ação de iniciativa privada pode intentarse nos crimes de ação pública se o Ministério Público não oferece denúncia no prazo legal 22 Transmissão do direito de queixa O direito de queixa pode ser transmitido ao cônjuge ascendente descendente ou irmão nas hipóteses de morte ou de declaração judicial de ausência do ofendido ou de seu representante legal é a chamada substi tuição processual da titularidade para o exercício da ação penal privada Art 100 4º No caso de morte do ofendido ou de ter sido declarado ausente por declaração judicial o direito de oferecer queixa ou de prosseguir na ação passa ao cônjuge ascendente descendente ou irmão 26 Ver BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição v 1 p 693694 REGIS PRADO Curso de direito penal brasileiro 2004 4a edição v 1 p 759761 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 635 242012 162845 636 Teoria da Pena Capítulo 23 23 Extinção do direito de queixa O direito de queixa pode ser extinto pela ocorrência de vários fatos especificados em lei como a decadência do direito de queixa a renúncia ao exercício da ação penal e o perdão do ofendido inexisten tes nos crimes de ação penal pública exceto a decadência que pode ocorrer em crimes de ação penal pública condicionada à representação do ofendido27 1 A decadência do direito de queixa ou de representação significa perda do direito de ação pelo decurso do prazo legal de 6 meses de natureza contínua e peremptória excluindo suspensão ou interrupção art 103 CP contado a da data do conhecimento da autoria do fato criminoso ou b da expiração do prazo para oferecimento da denúncia no caso de ação penal privada subsidiária da ação penal pública28 Art 103 CP Salvo disposição expressa em contrário o ofendido decai do direito de queixa ou de representação se não o exerce dentro do prazo de 6 seis meses contado do dia em que veio a saber quem é o autor do crime ou no caso do 3o do art 100 deste Código do dia em que se esgota o prazo para oferecimento da denúncia 2 A renúncia ao exercício do direito de queixa significa desistência do ofendido ou representante legal de exercer a pretensão punitiva contra o autor de crimes de ação penal privada portanto deve ser exercida antes do início da ação penal29 e pode ser expressa ou tácita art 104 parágrafo único CP 27 Ver BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição v 1 p 697 28 BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição v 1 p 697 29 Assim também BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição v 1 p 698 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 636 242012 162845 637 Capítulo 23 Ação Penal a a renúncia expressa é a declaração formal e válida de recusa ao exercício do direito de queixa independente dos motivos do ofendido ou de seu representante legal excluída a renúncia obtida mediante violência ou fraude b a renúncia tácita significa a prática de ato incompatível com a vontade de exercer o direito de queixa como a manutenção de rela ções de amizade de convívio ou de coabitação consentida entre autor e vítima mas o recebimento de indenização não significa renúncia tácita ao direito de queixa A renúncia expressa ou tácita é necessa riamente anterior ao exercício do direito de queixa Art 104 O direito de queixa não pode ser exercido quando renunciado expressa ou tacitamente Parágrafo único Importa renúncia tácita ao direito de queixa a prática de ato incompatível com a vontade de exercêlo não a implica todavia o fato de receber o ofendido a indenização do dano causado pelo crime 3 O perdão do ofendido é ato de magnanimidade pessoal do que relante que extingue a ação penal privada se aceito pelo querelado art 105 CP ou seja a recusa do perdão pelo querelado impede a extinção da ação penal privada art 106 III CP30 por duas razões primeiro a aceitação do perdão implica admissão de prática do crime segundo constitui direito de todo acusado demonstrar sua inocência no processo penal Art 105 O perdão do ofendido nos crimes em que somente se procede mediante queixa obsta ao prosse guimento da ação O perdão do ofendido assim como a renúncia ao direito de queixa pode ser expresso ou tácito arts 105 e 106 CP a o per dão expresso é a declaração formal e válida do ofendido exculpando 30 Ver BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição v 1 p 702 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 637 242012 162845 638 Teoria da Pena Capítulo 23 o ofensor e declinando do direito de prosseguir no exercício da ação penal privada iniciada b o perdão tácito é representado pela prática de ato incompatível com o prosseguimento da ação penal relações de amizade de convívio etc Na hipótese de vários ofensores o perdão concedido a um deles aproveita a todos art 106 I CP na hipótese de vários ofendidos o perdão concedido por um deles não prejudica o direito dos demais de prosseguir na ação penal artigo 106 II CP Finalmente o limite processual de admissibilidade do perdão é indicado pelo trânsito em julgado da sentença penal condenatória art 106 2º CP até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória é possível o perdão depois desse momento o perdão perde o poder extintivo da ação penal privada porque o Estado se reincorpora na titularidade do poder repressivo cujo exercício por exceção em consideração a especiais razões de natureza pessoal foi atribuído ao particular ofendido31 Art 106 O perdão no processo ou fora dele expresso ou tácito I se concedido a qualquer dos querelados a todos aproveita II se concedido por um dos ofendidos não prejudica o direito dos outros III se o querelado o recusa não produz efeito 1o Perdão tácito é o que resulta da prática de ato incompatível com a vontade de prosseguir na ação 2o Não é admissível o perdão depois que passa em julgado a sentença condenatória 31 No mesmo sentido BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição v 1 p 702703 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 638 242012 162845 639 Capítulo 24 extiNção da puNibiLidade A extinção da punibilidade significa o desaparecimento do poder de punir do Estado em relação a fatos definidos como crimes pela ocorrência de eventos situações ou acontecimentos determinados na lei como causas de extinção da punibilidade art 107 CP Art 107 Extinguese a punibilidade I pela morte do agente II pela anistia graça ou indulto III pela retroatividade de lei que não mais considera o fato criminoso IV pela prescrição decadência ou perempção V pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito nos crimes de ação privada VI pela retratação do agente nos casos em que a lei a admite VII Revogado pela Lei 1110605 VIII Revogado pela Lei 1110605 IX pelo perdão judicial nos casos previstos em lei I Morte do agente A morte do agente extingue a punibilidade de fatos puníveis art 107 I CP por força do princípio constitucional da persona Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 639 242012 162845 640 Teoria da Pena Capítulo 24 lidade da pena art 5º XLV CR segundo o qual nenhuma pena passará da pessoa do condenado mas a natureza pessoal dessa causa de extinção da punibilidade não altera a punibilidade de coautores ou de partícipes Provada a morte do agente por certidão de óbito art 62 CPP extinguese a pretensão punitiva ou a pretensão exe cutória conforme ocorra antes ou depois do trânsito em julgado da sentença criminal condenatória A morte presumida por declaração judicial em casos de ausência art 6º CC ou de extrema proba bilidade de morte de pessoas em perigo de vida art 7º I CC ou de prisioneiros ou desaparecidos em campanha não encontrados até 2 anos após o término da guerra art 7º II CC produz o mesmo efeito extintivo da punibilidade1 O término comprovado ou declarado da existência da pessoa natural extingue todas as penas criminais cominadas aplicadas ou em execução independentemente de sua natureza penas privativas de liberdade penas restritivas de direitos ou penas de multa Mas não extingue a obrigação civil de reparar o dano causado pelo crime nem exclui o perdimento de bens transmissíveis aos sucessores até o limite do valor do patrimônio transferido art 5º XLV CR II Anistia graça e indulto A anistia a graça e o indulto são estudados sob o conceito de direito de graça compreensivo de atos de competência do Poder Le gislativo no caso da anistia ou do Poder Executivo no caso do indulto e da graça dotados de eficácia extintiva da punibilidade de 1 Ver FRAGOSO Lições de direito penal 2003 16a edição n 416 p 5096 Em posição contrária REGIS PRADO Curso de direito penal brasileiro 2004 4a edição v 1 p 719 A presunção legal de morte art 6o CC é inadmissível na esfera penal Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 640 242012 162846 641 Capítulo 24 Extinção da Punibilidade fatos criminosos art 107 II CP Na hipótese de anistia o poder político criminalizador descriminaliza o fato e assim não existe lesão do princípio constitucional da separação de poderes nas hipóteses de indulto e de graça o cancelamento concreto da criminalização secundária do Poder Judiciário e por extensão da criminalização primária do Poder Legislativo realizada por ato do Poder Executivo é permitido pelo art 84 XII da Constituição da República excluindo lesão do princípio de separação de poderes 1 A anistia do grego amnestía que significa esquecimento ou amnésia constitui ato de competência do Poder Legislativo tem por objeto fatos definidos como crimes políticos militares ou eleitorais portanto não abrange fatos definidos como crimes comuns e por objetivo beneficiar uma coletividade de autores desses fatos sendo con cedida sob forma de lei descriminalizadora anulando todos os efeitos penais da criminalização2 exceto os efeitos civis A anistia pode ser geral ou parcial conforme compreenda ou não todos os fatos e autores respectivos e independe de consentimento dos anistiados exceto no caso de anistia condicional A significação jurídicoconstitucional e política da anistia aparece em tempos de crise social aguda como revoluções guerras civis ou outros conflitos políticos internos em que funciona como elemento indispensável de pacificação social3 mediante correção de injustiças produzidas pela criminalização ou punição de determinados fatos4 2 A graça constitui ato de competência do Presidente da República tem por objeto crimes comuns com sentença condenatória transitada 2 Nesse sentido JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 5a edição 88 I p 923 3 Ver KÖHLER Strafrecht 1997 p 693 também DIMOULIS Die Begnadigung in vergleichender Perspektive Rechtsphilosophische verfassungs und strafrechtliche Probleme 1996 4 Ver SWENSON JR Problemas de validade da lei de anistia brasileira lei n 668379 UNIMEP dissertação de mestrado 2006 especialmente p 87 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 641 242012 162846 642 Teoria da Pena Capítulo 24 em julgado e por objetivo beneficiar pessoa determinada mediante a extinção ou a comutação da pena aplicada corrigindo injustiças ou o rigor excessivo na aplicação da lei5 3 O indulto constitui igualmente ato de competência do Presidente da República tem por objeto crimes comuns e por objetivo beneficiar uma coletividade de condenados selecionados pela natureza do crime realizado ou pela quantidade da pena aplicada com exigências com plementares facultativas geralmente relacionadas ao cumprimento parcial da pena finalmente também tem por efeito extinguir ou co mutar a pena aplicada exceto no indulto sob condições que podem ser recusadas pelo indultado O indulto pode excepcionalmente ser individual mas depende de petição do condenado ou do Ministério Público ou de autoridade administrativa da execução penal devidamente instruída e enca minhada ao Ministério da Justiça para despacho do Presidente da República arts 188192 LEP III Descriminalização do fato O advento de lei descriminalizadora do fato extingue a punibili dade independente da fase do processo de criminalização ou do trânsito em julgado da sentença criminal condenatória igualmente o advento de lei penal mais favorável segundo o critério concreto da aplicação da pena incluindo circunstâncias legais agravantes e atenuantes bem como causas especiais de aumento ou de diminuição de pena aplicase 5 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 5a edição 88 I p 923 também WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 11a edição p 263 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 642 242012 162846 643 Capítulo 24 Extinção da Punibilidade retroativamente aos fatos anteriores inclusive com decisão transitada em julgado art 5º XL CR6 IV Prescrição decadência e perempção 1 Prescrição A prescrição determina a perda do direito de exercer a ação penal por fatos puníveis ou de executar a pena criminal aplicada contra autores de fatos puníveis pelo decurso do tempo a a perda do direito de exercer a ação penal significa a prescrição da pretensão punitiva do Estado b a perda do direito de executar a pena criminal concretamente aplicada significa a prescrição da pretensão executória do Estado O fundamento jurídico da prescrição reside na dificuldade de prova do fato imputado no caso de prescrição da ação penal ou na progressiva dissolução da necessidade de pena contra o autor no caso de prescrição da pena criminal aplicada o que confere à prescrição natureza processual impedimento de persecução e material extinção da pena7 A legislação brasileira sistematiza a complexa matéria da pres crição tomando como referência a sentença criminal considerada nas seguintes perspectivas a a prescrição antes do trânsito em julgado da sentença criminal b a prescrição depois do trânsito em julgado da sentença criminal condenatória Fundada nesse critério a prescrição está assim regulada na lei penal brasileira 6 ROXIN Strafrecht 1997 5 n 6265 p 122124 7 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 11a edição p 261262 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 643 242012 162846 644 Teoria da Pena Capítulo 24 11 Prescrição antes do trânsito em julgado da sentença criminal A prescrição antes do trânsito em julgado da sentença criminal representa a prescrição da ação penal ou da pretensão punitiva e regula se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime nos seguintes prazos Art 109 A prescrição antes de transitar em julgado a sentença final salvo o disposto no 1o do art 110 deste Código regulase pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime verificandose I em 20 vinte anos se o máximo da pena é superior a 12 doze II em 16 dezesseis anos se o máximo da pena é superior a 8 oito e não excede a 12 doze III em 12 doze anos se o máximo da pena é superior a 4 quatro e não excede a 8 oito IV em 8 oito anos se o máximo da pena é superior a 2 dois e não excede a 4 quatro V em 4 quatro anos se o máximo da pena é igual a 1 um ano ou sendo superior não excede a 2 dois VI em 3 três anos se o máximo da pena é inferior a 1 um ano O prazo de prescrição antes do trânsito em julgado da sentença criminal como prescrição da ação penal ou da pretensão punitiva começa a fluir no dia a da consumação do crime b da cessação da tentativa c da cessação da permanência nos crimes de duração d do conhecimento do fato nos crimes de bigamia de falsificação ou de alteração de registro civil Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 644 242012 162846 645 Capítulo 24 Extinção da Punibilidade Art 111 A prescrição antes de transitar em julgado a sentença final começa a correr I do dia em que o crime se consumou II no caso de tentativa do dia em que cessou a ativi dade criminosa III nos crimes permanentes do dia em que cessou a permanência Vêse que o prazo de prescrição da pretensão punitiva começa a fluir no momento do resultado formal ou material do fato punível com a exceção óbvia da hipótese de tentativa em que flui a partir do término da ação criminosa porque na tentativa existe tudo o que existe no crime consumado menos o resultado 12 Prescrição depois do trânsito em julgado da sentença condenatória A prescrição depois do trânsito em julgado da sentença penal condenatória representa a prescrição da pretensão executória e regula se pela pena aplicada regida pelos mesmos prazos de prescrição da pena abstrata art 109 CP aumentado de um terço para condenados reincidentes Art 110 A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regulase pela pena aplicada e verificase nos prazos fixados no artigo anterior os quais se aumentam de um terço se o condenado é reincidente O prazo de prescrição depois do trânsito em julgado da sentença penal condenatória como prescrição da pretensão executória começa a Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 645 242012 162846 646 Teoria da Pena Capítulo 24 fluir do dia a do trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação ou para a acusação e defesa b da revogação da suspen são condicional da pena ou do livramento condicional no caso do livramento condicional o prazo é regulado pelo tempo restante da pena c da interrupção da execução da pena exceto se computável na pena nos casos de doença mental superveniente d da evasão do condenado também regulado pelo tempo restante da pena Art 112 No caso do art 110 deste Código a prescrição começa a correr I do dia em que transita em julgado a sentença conde natória para a acusação ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional II do dia em que se interrompe a execução salvo quando o tempo da interrupção deva computarse na pena Art 113 No caso de evadirse o condenado ou de revogarse o livramento condicional a prescrição é regulada pelo tempo que resta da pena 13 Prescrição conforme os níveis de concretização da pena A sistematização da prescrição fundada no critério antes e depois do trânsito em julgado da sentença criminal não permite identificar todas as hipóteses de prescrição Um critério baseado em níveis de concretização da pena parece ser mais compreensivo porque permite identificar todas as hipóteses a a prescrição da pena cominada b a prescrição intercorrente da pena aplicada c a prescrição retroativa da pena aplicada d a prescrição da pretensão executória da pena 131 Prescrição da pena cominada A prescrição da pena cominada define a prescrição da ação penal ou prescrição da pretensão puni tiva regida pelo máximo da pena abstrata do tipo legal art 109 CP Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 646 242012 162846 647 Capítulo 24 Extinção da Punibilidade 132 Prescrição intercorrente da pena aplicada A hipótese de pena aplicada sem trânsito em julgado da sentença condenatória fun damenta a prescrição intercorrente regida pela pena concretizada na sentença criminal 133 Prescrição retroativa da pena aplicada A hipótese de pena aplicada com trânsito em julgado para a acusação ou depois de im provido recurso da acusação fundamenta a prescrição retroativa uma criação original da jurisprudência brasileira regida pela pena concretizada na sentença e contada retrospectivamente até a denúncia como causa de interrupção anterior Art 110 1º A prescrição depois da sentença conde natória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso regulase pela pena aplicada não podendo em nenhuma hipótese ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa A Lei n 1223410 editada com a finalidade explícita de excluir a prescrição retroativa art 1o mediante proibição inserida no final do 1o e revogação do 2o do art 110 CP na verdade eliminou somente a prescrição retroativa antecipada ou prescrição pela pena virtual ou pena em perspectiva mantendo parcialmente a prescrição retroativa como se demonstra a antes a interpretação dominante da prescrição retroativa ori ginalmente fundada na Súmula 146 do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL admitia dois períodos prescricionais retroativos a o período entre o dia do fato e a data do recebimento da denúncia b o período entre a data do recebimento da denúncia e a data da sentença condenatória b agora a proibição legal de que a prescrição tenha por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa 1o com a expressa revo gação do 2o que permitia a hipótese proibida exclui o primeiro período de prescrição retroativa dia do fato data do recebimento da denúncia mas deixa intacto o segundo período de prescrição Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 647 242012 162846 648 Teoria da Pena Capítulo 24 retroativa data do recebimento da denúncia data da sentença condenatória que continua inteiramente aplicável A mudança da disciplina legal da prescrição retroativa é criticável se a pena concretizada na sentença com trânsito em julgado para a acusação pode prescrever retroativamente no período entre a data do recebimento da denúncia e a data da sentença condenatória então a exclusão da prescrição retroativa entre a data do fato e a data do re cebimento da denúncia parece inexplicável porque as situações são idênticas Afinal em ambos os casos a prescrição pela pena concre tizada na sentença ocorre antes do evento processual interruptor do prazo prescricional a sentença ou a denúncia logo se a sentença não pode interromper prescrição consumada segundo a pena concretizada então a denúncia também não pode produzir esse efeito 134 Prescrição da pretensão executória A hipótese de pena aplicada com trânsito em julgado para acusação e defesa fundamenta a prescrição da pretensão executória igualmente regida pela pena concretizada na sentença 14 Redução e aumento dos prazos de prescrição Os prazos de prescrição são reduzidos de metade no caso de autor menor de 21 anos na época do fato ou maior de 70 anos na data da sentença Art 115 São reduzidos de metade os prazos de prescri ção quando o criminoso era ao tempo do crime menor de 21 vinte e um anos ou na data da sentença maior de 70 setenta anos 141 Aqui continuam válidos os argumentos sobre os conceitos a de menor de 21 anos e b de cidadão idoso o fundamento da redução dos prazos de prescrição é o insuficiente desenvolvimento psicossocial de agente menor de 21 anos na data do fato ou a degeneração psíquica Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 648 242012 162846 649 Capítulo 24 Extinção da Punibilidade de agente maior de 70 anos na data da sentença Mas é necessário retomar a argumentação para evitar a generalização de tendências repressivas da literatura penal brasileira Primeiro a definição legal da capacidade civil aos 18 anos art 5o caput Código Civil não exclui a redução dos prazos de prescrição para agentes menores de 21 anos a redução dos prazos prescricionais tem por fundamento idade inferior a 21 anos não a incapacidade civil do agente na data do fato8 Além disso decisões do legislador civil não podem invalidar critérios do legislador penal e qualquer outra interpretação representaria analogia in malam partem proibida pelo princípio da legalidade penal Segundo na forma do art 1º da Lei 1074103 Estatuto do Idoso o limite etário de 70 anos na data da sentença como funda mento para redução dos prazos prescricionais deve ser alterado para 60 anos pela mesma razão que determinou a fixação desse marco etário para definir o cidadão idoso alterando expressamente a circunstância agravante do art 61 h CP na hipótese de ser vítima de crime a ana logia in bonam partem é autorizada pelo princípio da legalidade penal e portanto constitui direito do réu9 142 Na hipótese de reincidência o prazo da prescrição depois do trânsito em julgado da sentença condenatória art 110 final CP é ampliado em 13 um terço Art 110 A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regulase pela pena aplicada e verificase nos prazos fixados no artigo anterior os 8 Em posição contrária REGIS PRADO Curso de direito penal brasileiro 2004 4a edição p 731 De conformidade com o art 5o do Código Civil não tem mais sentido a redução do prazo prescricional para o menor de 21 anos 9 No sentido do texto REGIS PRADO Curso de direito penal brasileiro 2004 4ª edição p 731 No que se refere ao marco etário de 70 setenta anos passa ele a ser de 60 sessenta anos para efeitos de prescrição da pretensão punitiva Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 649 242012 162846 650 Teoria da Pena Capítulo 24 quais se aumentam de um terço se o condenado é reincidente Outra vez os argumentos contra a reincidência como circuns tância agravante na aplicação da pena também são válidos contra a reincidência como ampliação dos prazos prescricionais na extinção da punibilidade a primeiro a lei não esclarece se considera a hipótese irrelevante da reincidência ficta trabalhando com a ideia positivista de presunção de periculosidade ou a hipótese da reincidência real admitindo a ideia da ação deformadora do cárcere sobre o condenado na linha da Ex posição de Motivos do Código Penal n 26 b segundo excluída a reincidência ficta pela inadmissível presun ção de periculosidade o reconhecimento oficial da ação criminógena do cárcere EM n 26 exige redefinição do conceito de reincidência real como produto da ação criminógena da pena e como falha do projeto técnicocorretivo da prisão se a prevenção especial positiva de correção do condenado é ineficaz e se a prevenção especial negativa de neutralização do condenado existe de fato como prisionalização defor madora da personalidade do condenado então a reincidência real não pode agravar penas criminais nem ampliar prazos prescricionais 15 Prescrição das penas restritivas de direito A prescrição das penas restritivas de direito verificase nos mesmos prazos das penas privativas de liberdade substituídas Art 109 parágrafo único Aplicamse às penas restritivas de direito os mesmos prazos previstos para as privativas de liberdade Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 650 242012 162846 651 Capítulo 24 Extinção da Punibilidade 16 Prescrição da pena de multa A pena de multa pode prescrever em prazo fixo ou prazo variável dependendo de sua cominação ou aplicação isolada alternativa ou cumulativa com penas privativas de liberdade a prazo fixo de 2 anos se cominada ou aplicada de forma isolada b prazo variável conforme o prazo de prescrição da pena privativa de liberdade se cominada de forma alternativa ou cumulativa com pena privativa de liberdade ou se aplicada de forma cumulativa com pena privativa de liberdade Art 114 A prescrição da pena de multa ocorrerá I em 2 dois anos quando a multa for a única co minada ou aplicada II no mesmo prazo estabelecido para prescrição da pena privativa de liberdade quando a multa for alternativa ou cumulativamente cominada ou cumulativamente aplicada 17 Prescrição das medidas de segurança A aplicação ou execução de medidas de segurança prescreve com a prescrição da pretensão punitiva ou da pretensão executória do Estado em relação ao tipo de injusto pressuposto na medida de segurança10 18 Causas impeditivas da prescrição As causas impeditivas da prescrição são constituídas por pressu postos ou acontecimentos necessários para decidir sobre a existência do 10 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 11a edição p 262 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 651 242012 162846 652 Teoria da Pena Capítulo 24 crime ou sobre a aplicação da pena cuja existência impede o curso do prazo prescricional As causas impeditivas da prescrição são classificadas com base no trânsito em julgado da sentença criminal a causas impeditivas da prescrição antes do trânsito em julgado da sentença criminal são a as questões prejudiciais por exemplo decisão sobre a validade do casamento anterior em processo por bi gamia e b o cumprimento de pena no estrangeiro b causa impeditiva da prescrição depois do trânsito em julgado da sentença condenatória é uma só a prisão do condenado por outro motivo Art 116 Antes de transitar em julgado a sentença final a prescrição não corre I enquanto não resolvida em outro processo questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime II enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro Parágrafo único Depois de passada em julgado a sentença condenatória a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro mo tivo 19 Causas interruptivas da prescrição As causas interruptivas da prescrição são representadas por acon tecimentos processuais ou pessoais que interrompem o curso do prazo prescricional iniciado cancelam o prazo de prescrição decorrido e de terminam o início de novo prazo prescricional integral a partir do dia da interrupção exceto na hipótese de continuação do cumprimento de pena art 117 V CP segunda hipótese em que a prescrição é regulada pelo tempo restante da pena arts 113 e 117 2º CP Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 652 242012 162847 653 Capítulo 24 Extinção da Punibilidade As causas interruptivas da prescrição são expressamente indicadas na lei art 117 IVI CP a recebimento da denúncia ou queixa b pronúncia c confirmação da pronúncia d sentença condena tória recorrível e início ou continuação do cumprimento da pena f reincidência Enfim nos crimes conexos objeto do mesmo processo por exemplo em caso de concurso formal a interrupção da prescrição em relação a um deles generalizase a todos os demais art 117 1º segunda parte CP Art 117 O curso da prescrição interrompese I pelo recebimento da denúncia ou da queixa II pela pronúncia III pela decisão confirmatória da pronúncia IV pela sentença condenatória recorrível V pelo início ou continuação do cumprimento da pena VI pela reincidência 1º Excetuados os casos dos incisos V e VI deste artigo a interrupção da prescrição produz efeitos relativamente a todos os autores do crime Nos crimes conexos que sejam objeto do mesmo processo estendese ao demais a interrupção relativa a qualquer deles 2º Interrompida a prescrição salvo a hipótese do inciso V deste artigo todo o prazo começa a correr novamente do dia da interrupção Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 653 242012 162847 654 Teoria da Pena Capítulo 24 110 Prescrição das penas menos graves com as mais graves A regra de que as penas mais leves prescrevem com as mais graves parece supérflua art 118 CP se pretensões punitivas ou executórias de penas mais graves estão prescritas por decurso de tempo maior então pretensões punitivas ou executórias de penas mais leves estão necessariamente prescritas por prévio decurso de tempo menor Art 118 As penas mais leves prescrevem com as mais graves 2 Decadência A decadência significa perda do direito de ação penal privada pelo decurso do prazo contínuo e peremptório de 6 meses contado a da data do conhecimento da autoria do fato criminoso ou b da expiração do prazo para oferecimento da denúncia no caso de ação penal privada subsidiária da pública art 103 CP 3 Perempção A perempção constitui fenômeno processual extintivo da pu nibilidade em ações penais de iniciativa privada caracterizado pela inatividade pela omissão ou pela negligência do autor na realização de atos processuais específicos enumerados no art 60 do Código de Pro cesso Penal a deixar de promover o andamento de ação penal privada iniciada durante 30 dias b ausência de substituição processual no prazo de 60 dias na hipótese de falecimento ou incapacitação do quere Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 654 242012 162847 655 Capítulo 24 Extinção da Punibilidade lante c ausência injustificada a ato processual a que deva comparecer d deixar de pedir a condenação do querelado nas alegações finais11 V Renúncia e perdão 1 Renúncia A renúncia do direito de queixa significa a desistência do ofendido ou representante legal de exercer a pretensão punitiva contra o autor de crimes de ação penal privada e pode ser expressa ou tácita art 104 parágrafo único CP a a renúncia expressa é a declaração formal de recusa ao exercício do direito de queixa independentemente dos motivos do ofendido ou de seu representante legal b a renúncia tácita significa a prática de ato incompatível com a vontade de exercer o direito de queixa como a manutenção de relações de amizade de convívio ou de coabitação consentida entre autor e vítima 2 Perdão O perdão significa ato de magnanimidade pessoal do ofendido de exculpação do autor de crimes de ação penal priva da mas sua eficácia extintiva da punibilidade do fato depende de aceitação pelo ofensor Igualmente o perdão pode ser expresso ou tácito a o perdão expresso é a declaração formal do ofendido exculpando o ofensor pela prática de crime de ação penal privada b o perdão tácito é representado pela prática de ato incompatível com o prosseguimento da ação penal como a continuação de relações de amizade de convívio etc 11 Ver MESTIERI Manual de direito penal parte geral 1999 p 324325 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 655 242012 162847 656 Teoria da Pena Capítulo 24 O perdão é admissível até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória art 106 2º CP quando o Estado se reincorpora na titularidade do poder repressivo e o perdão perde o poder extintivo da punibilidade VI Retratação do agente A retratação é o ato pelo qual o autor de declaração incriminada desdiz o que disse por escrito próprio ou termo nos autos com o objetivo de desfazer lesões típicas de bens jurídicos o autor retifica o conteúdo ou corrige o significado de declaração constitutiva de crime portanto co metido pela palavra falada ou escrita cuja formalização processual até a publicação da sentença condenatória extingue a punibilidade do fato Os crimes contra a honra são casos específicos de admissibilidade da retratação extintiva da punibilidade a retratação extingue a punibi lidade da calúnia e da difamação pois pode desfazer o dano à imagem pública ou ao conceito social do ofendido mas não é admitida na in júria porque a ofensa ao sentimento da própria dignidade ou decoro da vítima é irretratável art 143 CP Alguns crimes comuns cometidos através da palavra falada ou escrita como o falso testemunho ou a falsa perícia também admitem a retratação do agente até a publicação da sentença condenatória art 342 3º CP12 12 Comparar MESTIERI Manual de direito penal parte geral 1999 p 326 BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição v 1 p 708 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 656 242012 162847 657 Capítulo 24 Extinção da Punibilidade VII Perdão judicial O perdão judicial tem por objeto hipóteses legais de exclusão ju dicial da pena determinada por circunstâncias condições resultados ou consequências especiais do fato Assim por exemplo a gravidade das consequências para o autor no homicídio e na lesão corporal imprudentes art 121 5º e 129 6º CP a provocação repro vável da injúria e a injúria como retorsão imediata de outra injúria art 140 1º CP a primariedade do agente na receptação presumida art 180 3º e 5º CP etc A sentença concessiva do perdão não produz nenhum dos efeitos da sentença condenatória como a reincidência e a certeza da obrigação de indenizar art 120 CP13 Art 120 A sentença que conceder perdão judicial não será considerada para efeitos de reincidência VIII A extinção da punibilidade nos tipos complexos nos tipos dependentes de outros tipos nos tipos que pressupõem outros tipos nos tipos qualificados pelo resultado e nos tipos conexos Nos tipos complexos como tipos compostos de outros tipos o roubo constituído pelo constrangimento ilegal e pelo furto nos tipos dependentes de outros tipos ou que pressupõem outros tipos a receptação em relação ao furto ou ao roubo e nos tipos qualificados por outros tipos 13 Ver BITENCOURT Tratado de direito penal 2003 8a edição v 1 p 711 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 657 242012 162847 658 Teoria da Pena Capítulo 24 o furto qualificado pelo dano na subtração da coisa em todos esses casos a extinção da punibilidade do tipo elementar nos tipos complexos do tipo pressuposto em outro tipo ou do tipo qualificador de outro tipo não extingue a punibilidade do tipo complexo do tipo que pressupõe outro tipo ou do tipo qualificado por outro tipo segundo a regra da primeira parte do art 108 do CP Nos tipos conexos como tipos vinculados por certas relações ou fins por exemplo o homicídio da testemunha para ocultar outro crime a extinção da punibilidade de um deles não impede a agravação da pena dos demais tipos relacionados por conexão na forma da segunda parte do art 108 do CP14 Art 108 A extinção da punibilidade de crime que é pressuposto elemento constitutivo ou circunstância agra vante de outro não se estende a este Nos crimes conexos a extinção da punibilidade de um deles não impede quanto aos outros a agravação da pena resultante da conexão IX A extinção da punibilidade no concurso de crimes Nas hipóteses de concurso formal material ou continuado de fa tos puníveis a extinção da punibilidade incide sobre cada fato punível isolado da relação de pluralidade formal material ou continuada art 119 CP Art 119 No caso de concurso de crimes a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um isoladamente 14 MESTIERI Manual de direito penal parte geral 1999 p 327 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 658 242012 162847 aNexo Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 659 242012 162847 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 660 242012 162847 661 Capítulo 25 a reSpoNSabiLidade peNaL da peSSoa jurídica I Introdução Existem duas posições antagônicas na área internacional sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica a os Estados regidos pela common law como Inglaterra e Estados Unidos por exemplo admi tem a responsabilidade penal da pessoa jurídica os precedentes legais que fundamentam seus sistemas de justiça criminal não criam obstáculos metodológicos ou científicos relevantes b os Estados regidos por sis temas legais codificados como os da Europa continental e da América Latina rejeitam a responsabilidade penal da pessoa jurídica os sistemas de conceitos fundados na unidade orgânica de instituições e normas jurí dicas escritas criam obstáculos metodológicos e científicos insuperáveis1 Não obstante a França instituiu a responsabilidade penal da pessoa jurídica para as infrações penais em geral com exceções óbvias como homicídio doloso estupro etc o Brasil adotou o modelo francês de responsabilidade penal da pessoa jurídica mas somente para crimes contra o meio ambiente Lei 960598 No caso brasileiro o direito do povo ao meio ambiente ecologi camente equilibrado garantido na Constituição art 225 deve ser protegido por todos os meios jurídicos necessários inclusive com o 1 Ver TIEDEMANN Responsabilidad penal de personas jurídicas y empresas en el derecho comparado in Responsabilidade penal da pessoa jurídica e Medidas provisórias e Direito Penal 1999 p 2728 cuja enumeração de modelos parece diluir o antagonismo entre os sistemas Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 661 242012 162847 662 Anexo Capítulo 25 emprego do Direito Penal observados os princípios de intervenção mínima e de ultima ratio da repressão criminal no Estado Democrático de Direito Não obstante instituir a responsabilidade penal da pessoa jurídica para proteger o meio ambiente parece desnecessário e equivo cado desnecessário porque existem meios jurídicos e administrativos mais simples e eficazes do que a pena criminal aliás o instrumento menos eficaz de política social equivocado porque somente a orga nização psicossomática do ser humano pode praticar fatos definidos como crimes e ser responsabilizado por esses fatos mediante a apli cação de penas portanto as determinações do ser constituem limite intransponível do dever ser jurídicopenal excluindo a criminalização ou a penalização de entidades fictícias ou abstratas II A controvérsia constitucional No Brasil a questão da responsabilidade penal da pessoa jurídi ca tem origem em duas normas constitucionais sobre as quais existe grande controvérsia na literatura e na jurisprudência brasileiras 1 Em primeiro lugar a norma do art 173 5º determina ao legislador ordinário instituir a responsabilidade da pessoa jurídica assim como a responsabilidade individual de seus dirigentes por atos contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular nestes termos Art 173 5º CF A lei sem prejuízo da responsa bilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica estabelecerá a responsabilidade desta sujeitandoa às punições compatíveis com sua natureza nos atos prati cados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 662 242012 162847 663 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica Alguns constitucionalistas2 afirmam que onde a Constituição fala de responsabilidade quer dizer na verdade responsabilidade penal da pessoa jurídica por causa da expressa referência a punições com patíveis com sua natureza Não obstante especialistas em Direito Penal3 afirmam que onde a Constituição fala de responsabilidade quer dizer simplesmente respon sabilidade sem adjetivos a a atribuição de responsabilidade na norma constitucional define um conceito jurídico geral inconfundível com a atribuição de responsabilidade penal como conceito jurídico espe cial b além disso o conceito jurídico de punição não é exclusivo do Direito Penal como parecem pensar os constitucionalistas abrange também sanções administrativas com fins retributivos e preventivos semelhantes às sanções penais e às vezes como no caso das multas administrativas da Lei 960598 com poder aflitivo e portanto retributivo muito superior ao das penas criminais substituídas por penas restritivas de direito ou com início de execução em regime aberto por exemplo E ainda mais importante a norma constitucional sobre respon sabilidade sempre sem adjetivos da pessoa jurídica e das pessoas físicas dirigentes da pessoa jurídica tem por objeto exclusivamente 2 Assim por exemplo RIBEIRO BASTOS e GANDRA MARTINS Comentários à Constituição do Brasil 1990 v 7 p 103 s também AFONSO DA SILVA Curso de direito constitucional positivo 1994 p 718 3 Nesse sentido CERNICCHIARO Direito penal na Constituição 1995 p 155 BITENCOURT Reflexões sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica in Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica e Medidas Provisórias RT 1999 p 51 71 esp p 68 DOTTI A incapacidade criminal da pessoa jurídica uma perspectiva do direito brasileiro RBCCRIM 11 1995 p 184 s PRADO Crimes contra o ambiente RT 1998 p 2023 REALE JR A lei de crimes ambientais RF n 345 p 121 SIRVINSKAS Tutela penal do meio ambiente 1998 p 23 Exceções entre penalistas seriam ARAÚJO JR Societas delinquere potest in Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica e Medidas Provisórias RT 1999 p 7294 e SHECAIRA Responsabilidade penal da pessoa jurídica 1999 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 663 242012 162847 664 Anexo Capítulo 25 atos contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular a norma do art 173 5º da Constituição da República não inclui o meio ambiente O argumento de alguns constitucionalistas4 de que a norma incluiria o meio ambiente porque a defesa do meio ambiente constitui um princípio geral da atividade econômica art 170 VI CR é precário afinal se a norma constitucional inclui o meio ambiente por causa de sua natureza de princípio geral da atividade econômica então deveria incluir também e com maior razão a propriedade privada a livre concorrência a defesa do consumidor etc igualmente referidos como princípios gerais da atividade econômica art 170 III IV V da Constituição da República o que seria absurdo Curto e grosso nenhum legislador aboliria o princípio consti tucional da responsabilidade penal pessoal de modo tão camuflado ou hermético como se a Carta Constitucional fosse uma carta enigmática decifrável somente por iluminados Ao contrário se o constituinte tivesse pretendido instituir exceções à regra secular da responsabilidade penal pessoal teria utilizado linguagem clara e inequívoca tanto sobre a natureza penal dessa responsabilidade quanto sobre as áreas de in cidência dessa excepcional responsabilidade penal redigindo a norma do art 173 5o CF deste modo por exemplo A lei sem prejuízo da responsabilidade penal indi vidual dos dirigentes da pessoa jurídica estabelecerá a responsabilidade penal desta sujeitandoa às punições compatíveis com sua natureza nos crimes praticados contra a ordem econômica e financeira contra a econo mia popular e contra o meio ambiente5 4 Nesse sentido AFONSO DA SILVA Curso de direito constitucional positivo 1994 p 718 5 Observação as palavras em negrito foram acrescentadas ao texto legal com exceção da palavra crimes que substitui a palavra atos Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 664 242012 162847 665 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica Mas a norma constitucional não está assim redigida a Consti tuição fala em responsabilidade e não em responsabilidade penal a Constituição fala de atos e não de crimes finalmente a Constituição delimita as áreas de incidência da responsabilidade pela prática desses atos exclusivamente à ordem econômica e financeira e à economia po pular não inclui o meio ambiente Em síntese a se a Constituição fala em responsabilidade então o intérprete não pode ler responsabilidade penal nem o legislador ordinário está autorizado a instituir responsabilidades penais da pessoa jurídica b se a constituição fala em atos então nem o intérprete nem o legislador ordinário podem ler crimes c se a Constituição circunscreve as exceções às áreas da ordem econômica e financeira e da economia popular então nem o intérprete nem o legislador ordinário podem incluir outras exceções como o meio ambiente por exemplo alegando que sua defesa constitui princípio geral da atividade econômica porque deveria incluir outros princípios gerais da atividade econômica a propriedade privada a livre concorrência etc como mencionado 2 Em segundo lugar a norma do art 225 3º da Constituição estruturada em conceitos pares claramente correlacionados prevê sanções penais e administrativas contra pessoas físicas ou jurídicas por condutas e atividades lesivas ao meio ambiente deste modo Art 225 3º CR As condutas e atividades conside radas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores pessoas físicas ou jurídicas a sanções penais e adminis trativas independentemente da obrigação de reparar os danos causados De novo constitucionalistas e ambientalistas6 proclamam a ruptura do princípio constitucional da responsabilidade penal pes soal mediante interpretação que suprime as diferenças semânticas 6 Exceção notável é CRETELLA JR Comentários à Constituição de 1988 1993 v 8 p 4045 cuja opinião neste aspecto coincide com a dos penalistas Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 665 242012 162847 666 Anexo Capítulo 25 das palavras condutas e atividades7 arbitrariamente consideradas sinônimos aplicáveis indiferentemente às pessoas físicas e jurídicas8 também arbitrariamente consideradas passíveis de iguais sanções penais e administrativas Em contraposição especialistas em Direito Penal9 rejeitam a pretendida ruptura do princípio constitucional da responsabilidade penal pessoal fundados nas diferenças semânticas das palavras condutas e atividades do texto legal que estruturam as seguintes correlações lógicas a as condutas de pessoas físicas sujeitarão os infratores a san ções penais b as atividades de pessoas jurídicas sujeitarão os infratores a sanções administrativas Como se vê aquela leitura considera como sinônimos palavras de conteúdos semânticos diversos esta leitura atribui diferentes significados semânticos a diferentes palavras da lei Afinal a lei não contém palavras inúteis e o emprego de sinônimos seria uma inutilidade incompatível com a técnica legislativa e com a inteligência do Legislador A análise mais elementar do texto constitucional mostra que a responsabilidade penal continua pessoal no Brasil a Constitui ção não instituiu a exceção da responsabilidade penal impessoal da pessoa jurídica10 A tese da responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais parece resultar de leitura apressada das normas constitucionais não raro influenciada pelo fenômeno psíquico de projeção dos desejos pessoais do intérprete da lei 7 Por exemplo PINTO FERREIRA Comentários à Constituição Brasileira 1995 v 7 p 302 8 Assim SHECAIRA Responsabilidade penal da pessoa jurídica 1999 p 119 para quem os vocábulos conduta e atividade foram empregados como sinônimos 9 Exceções novamente entre penalistas ARAÚJO JR Societas delinquere potest in Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica e Medidas Provisórias RT São Paulo 1999 p 7294 SHECAIRA Responsabilidade penal da pessoa jurídica 1999 10 Assim também CERNICCHIARO Direito penal na Constituição 1995 p 144 DOTTI A incapacidade criminal da pessoa jurídica in Revista brasileira de ciências criminais 1995 n 11 p 187 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 666 242012 162847 667 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica Logo a criminalização da pessoa jurídica realizada pelo Legis lador ordinário em crimes ambientais Lei 960598 como forma de responsabilidade penal impessoal é inconstitucional as normas do art 173 5º e do art 225 3º da Constituição não instituíram nem autorizaram o Legislador a instituir a exceção da responsabilidade penal da pessoa jurídica 3 Seja como for é necessário demonstrar que a estrutura legal da pessoa jurídica não suporta as categorias conceituais da responsabilidade penal pessoal de seres humanos por um lado colide com os princípios cons titucionais da legalidade e da culpabilidade que definem o conceito de crime por outro lado colide com os princípios constitucionais da personalidade e da individualização da pena que informam o conceito de pena Essa demonstração é importante para desfazer a ilusão de que a pessoa jurídica pode cometer crimes e assim superar a tese absurda da responsabilidade penal da pessoa jurídica III Problemas da responsabilidade penal da pessoa jurídica A Lei 960598 instituiu um sistema duplo de responsabilidade administrativa civil e penal por crimes ambientais a a responsabilida de da pessoa jurídica em casos de infração cometida por decisão de representante legal ou contratual ou de órgão colegiado no interesse ou benefício da entidade art 3o b a responsabilidade das pessoas físicas isolada ou cumulativa na qualidade de autoras coautoras ou partícipes do mesmo fato Parágrafo único Art 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 667 242012 162847 668 Anexo Capítulo 25 ou de seu órgão colegiado no interesse ou benefício da sua entidade Parágrafo único A responsabilidade das pessoas jurí dicas não exclui a das pessoas físicas autoras coautoras ou partícipes do mesmo fato Assim do ponto de vista descritivo a imputação de crime à pessoa jurídica pressupõe a realização de infração penal b relação causal entre a infração e decisão de representante legal ou contratual ou de órgão colegiado da pessoa jurídica c existência de interesse ou benefício da pessoa jurídica na infração Esses elementos típicos podem ser sumariados como segue 1 O conceito de infração é um gênero que compreende fatos dolo sos e imprudentes realizados por ação ou por omissão de ação mas definidos necessariamente na Lei de crimes ambientais a única que fala de responsabilidade penal da pessoa jurídica 2 A relação de causalidade entre a decisão de representante legal ou contratual ou de órgão colegiado da pessoa jurídica e a infração significa o seguinte a o tipo objetivo de um crime ambiental pode ser realizado por qualquer órgão da pessoa jurídica empregados geren tes diretores proprietários etc b o tipo subjetivo do crime como dolo decisão de realizar uma ação proibida pela lei penal ou como imprudência decisão de realizar uma ação permitida com lesão do dever de cuidado ou do risco permitido deve ser atribuído ao repre sentante legal ou contratual ou órgão colegiado da pessoa jurídica 21 A decisão de representante legal ou contratual tomada na quali dade de pessoa física individualizada pode ser determinada de modo preciso nos seus conteúdos de dolo e de imprudência como qualquer caso de autoria individual ou de autoria coletiva de fatos puníveis Nesses casos a responsabilidade da pessoa jurídica administrativa civil e penal poderia ser admitida mas é preciso esclarecer somente como efeito da condenação de pessoa física individualizada na qualidade de autora individual ou coletiva de crime ambiental Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 668 242012 162847 669 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica 22 Contudo a decisão de órgão colegiado como ocorre em grandes empresas especialmente sociedades por ações em que as deliberações são tomadas por coletividades ou assembléias de acionistas com votações inominadas divididas ou fragmentadas não pode ser abordada pelas categorias analíticas do fato punível por razões evidentes a a autoria da decisão é indeterminável b o tipo de injusto é indemonstrável em especial nas dimensões subjetivas do dolo e da imprudência c a culpabilidade como juízo de reprovação pela realização do tipo de injusto é impossível A razão é simples a pessoa jurídica é incapaz de ação tipo de injusto e incapaz de culpabilidade juízo de reprovação 3 Por último a infração causada por decisão de representante ou de órgãos da pessoa jurídica deve ter sido realizada no interesse ou em benefício da pessoa jurídica como finalidades específicas atribuídas ao tipo de injusto elemento subjetivo especial O conteúdo semântico de interesse significa o que é importante útil ou vantajoso do ponto de vista material social ou moral11 o conteúdo semântico de benefício significa proveito vantagem ou direito econômico financeiro publicitário etc12 1 A pessoa jurídica e o conceito de crime A definição do conceito de pessoa jurídica é condição de qualquer proposta de criminalização necessária para poder identificar o modo e os meios pelos quais tal entidade praticaria crimes A lei brasileira instituiu a responsabilidade penal da pessoa jurídica mas não definiu o conceito de pessoa jurídica para fundamentar a imputação de fatos puníveis Como se sabe esse conceito é definido por duas teorias a teoria da ficção de SAVIGNY e a teoria da realidade de GIERKE 11 Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa verbete interesse 12 Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa verbete benefício Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 669 242012 162848 670 Anexo Capítulo 25 A teoria da ficção considera a pessoa jurídica uma criação da lei à qual atribui simples vontade reflexa formada no aparelho psíquico de pessoas físicas e imputada à pessoa jurídica como responsabilidade subsequente ou seja como efeito da condenação das pessoas físicas A teoria da realidade considera a pessoa jurídica um ser autônomo portador de uma vontade real formada pelo encontro de vontades indi viduais em reuniões deliberações e votos13 Uma tomada de posição em face dessas teorias é importante porque permitiria desvendar muitas coisas obscuras por exemplo a sede do dolo e da imprudência tipo de injusto ou o fundamento do juízo de reprovação culpabilidade ou seja as bases fáticas e normativas da instituída responsabilidade penal das empresas Logo a primeira coisa a esclarecer seria esta pergunta o substrato psicossomático do tipo de injusto e da culpabilidade existe na pessoa física conforme a teoria da ficção ou existe na pessoa jurídica segundo a teoria da realidade a Segundo a teoria da ficção as dimensões subjetivas do tipo de injusto consciência e vontade de realizar o fato e da culpabilidade consciência e vontade de realizar o desvalor do fato somente podem existir na pessoa física nunca podendo existir na estrutura incorpórea da pessoa jurídica uma criação legal não dispõe da estrutura biológica e psíquica do ser humano necessária para decisões dolosas ou im prudentes em condições de reprovação pessoal de culpabilidade14 b Segundo a teoria da realidade as dimensões subjetivas do tipo de injusto e da culpabilidade podem se realizar na pessoa jurídica portadora de vontade coletiva produzida em reuniões delibe rações ou votos uma espécie de vontade pragmática que dirige a ação 13 CONTE e MAISTRE DU CHAMBOM Droit pénal général 2000 p 198 n 369 também ZAFFARONI in Parecer para o Mandado de Segurança n 200102010466368 do Tribunal Regional Federal da 2a Região impetrado por PETRÓLEO BRASILEIRO SA PETROBRAS 14 Ver CONTE e MAISTRE DU CHAMBOM Droit pénal général 2000 p 198 n 369 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 670 242012 162848 671 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica da empresa15 Assim a capacidade de ação da pessoa jurídica teria por fundamento a vontade coletiva sedimentada em reuniões deliberações e votos produtora da chamada ação institucional um conceito de natureza sociológica com o qual se pretende inaugurar uma perspec tiva dicotômica de dupla imputação no Direito Penal i imputação de ação humana às pessoas físicas ii imputação de ação institucional às pessoas jurídicas16 Não obstante como todos sabem essa vontade coletiva ou pragmática produtora da ação institucional da pessoa jurídica não se confunde com a vontade consciente do conceito de ação da pessoa física a vontade coletiva da ação institucional não contém os requisitos internos da ação humana como base psicossomática do conceito de crime que fundamentam a natureza pessoal da responsabilidade penal17 11 A pessoa jurídica e o conceito de tipo de injusto O conceito de tipo de injusto como ação típica e antijurídica concreta é inviabilizado pela raiz a incapacidade de ação da pessoa jurídica impede a realização do tipo de injusto 111 A incapacidade de ação A ação fundamento psicossomático do crime ou substantivo qualificado pelos adjetivos do tipo de injusto e da culpabilidade designa fenômeno exclusivamente humano in confundível com o conceito de ação institucional atribuído à pessoa jurídica como indica a teoria da ação a no modelo causal a ação 15 SHECAIRA in Responsabilidade penal da pessoa jurídica 1999 p 95 16 Assim os conceitos e a linguagem de SHECAIRA in Responsabilidade penal da pessoa jurídica 1999 p 95 17 Igualmente DOTTI A incapacidade criminal da pessoa jurídica in Revista brasileira de ciências criminais 1995 n 11 p 191 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 671 242012 162848 672 Anexo Capítulo 25 seria comportamento humano voluntário18 b no modelo final a ação é acontecimento dirigido pela vontade consciente do fim19 c no modelo social a ação é comportamento humano de relevância social dominado ou dominável pela vontade20 d no modelo pessoal a ação é manifestação da personalidade21 etc Em poucas palavras se a ação como fundamento psicossomático do conceito de crime é fenômeno exclusivamente humano então a pessoa jurídica um ente jurídico constituído por seres humanos mas inconfundível com os seres humanos constituintes é incapaz de ação Por isso qualquer manual de Direito Penal define os atos ou a ativida de das pessoas jurídicas como situações de ausência de ação22 Logo a incapacidade de ação no sentido de ação realizada ou de ação omitida as modalidades concretas das proibições ou comandos instituídos pela norma penal para proteção de bens jurídicos é o primeiro obstáculo insuperável da proposta de criminalização da pessoa jurídica Em sentido contrário um argumento usado para demonstrar a capacidade de ação da pessoa jurídica difundido na literatura pela autoridade de TIEDEMANN23 e assumido como axioma por adeptos da criminalização da pessoa jurídica24 é capcioso se a pessoa jurídica pode realizar a ação de contratar por exemplo um contrato de compra 18 LISZT Strafrecht 1891 p 128 19 MAURACHZIPF Strafrecht I 1992 16 n 41 p 202 WELZEL Das Deutsche Strafrecht 1969 8 I p 34 20 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 23 VI p 223 21 ROXIN Strafrecht 1997 8 n 44 p 202 22 Ver Teoria da ação Cap 6 p 71 23 Assim TIEDEMANN Responsabilidad penal de personas jurídicas y empresas en el derecho comparado in Responsabilidade penal da pessoa jurídica e Medidas provisórias e Direito Penal 1999 p 3637 24 Ver por exemplo ARAÚJO JR Societas delinquere potest in Responsabilidade penal da pessoa jurídica e Medidas provisórias e Direito Penal 1999 p 89 também SHECAIRA Responsabilidade penal da pessoa jurídica 1999 p 88 s Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 672 242012 162848 673 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica e venda então poderia também realizar uma ação criminosa diz o argumento O defeito desse argumento reside em equiparar os fun damentos jurídicos da responsabilidade civil que podem ser somente objetivos com os fundamentos jurídicos da responsabilidade penal que são objetivos e subjetivos a atribuição do tipo objetivo se fundamen ta na realização do risco e a atribuição do tipo subjetivo se fundamenta na realização do plano nos crimes dolosos ou na lesão do dever de cuidado ou do risco permitido nos crimes imprudentes25 Como se vê a ação de contratar de natureza civil e a ação criminosa de natureza penal são conceitos que não se recobrem Na verdade o sofisma da capacidade da pessoa jurídica para a ação de contratar como demonstração de capaci dade para ações criminosas mostra que a tese da responsabilidade penal impessoal da pessoa jurídica racha de alto a baixo o conceito de crime mutilando os componentes psíquicofenomenológicos da estrutura do tipo de injusto e da culpabilidade suprime o componente psicossocial do Direito Penal em suas dimensões de representação e de vontade do fato e de representação da proibição do fato 112 O conceito de tipo de injusto O tipo de injusto como ação típica e antijurídica concreta composto de um tipo objetivo configu rado pela realização do risco e de um tipo subjetivo configurado pela realização do plano também é incompatível com a pessoa jurídica quer definida como ficção quer definida como realidade 26 1121 O tipo de injusto doloso Nos crimes dolosos o tipo subjetivo é constituído por funções específicas do aparelho psíquico do ser hu mano um órgão capaz de consciência representação do mundo e de vontade ação sobre o mundo reais que não existe na pessoa jurídica Por exemplo a teoria da ficção excluise por si mesma se é fictícia não é real e a teoria da realidade não pode explicar de que modo a vontade coletiva da pessoa jurídica manifestada em reuniões deliberações ou 25 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 144 p 434 26 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 144148 p 434437 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 673 242012 162848 674 Anexo Capítulo 25 votos produziria os fenômenos psíquicos da consciência e da vontade dolo de realizar um crime De fato a chamada vontade coletiva da pessoa jurídica é incapaz de dolo como vontade consciente de realizar um crime se a vontade é energia psíquica individual produtora da ação típica e se a consciência é direção inteligente daquela energia psíqui ca individual então esses componentes não podem existir no vazio psíquico da impessoal vontade coletiva da pessoa jurídica Em direta correlação com a incapacidade de dolo a vontade coletiva da pessoa jurídica é incapaz de erro de tipo fenômeno psíquico negativo do dolo como defeito de representação de elementos ou circunstâncias objetivas do tipo legal A incapacidade de dolo e de erro de tipo da vontade coletiva ou pragmática da pessoa jurídica decorre do mesmo defeito de constituição o aparelho psíquico produtor do dolo e pas sível de erro de tipo defeito intelectual na formação do dolo não é órgão da pessoa jurídica mas órgão da pessoa física A existência real de aparelho psíquico como sede do dolo e contexto do erro de tipo explica o princípio da coincidência temporal entre a formação do dolo ou do erro de tipo e a realização da ação típica uma relação ini maginável na vontade coletiva atribuída à pessoa jurídica definida em reuniões deliberações e votos ou de qualquer outro modo imaginável27 1122 O tipo de injusto imprudente A vontade coletiva ou pragmá tica da pessoa jurídica também é incapaz de imprudência fenômeno fundado na capacidade individual pelo sistema da generalização de JESCHECKWEIGEND ou pelo sistema da individualização de STRATENWERTH o critério da capacidade individual utilizado para definir o tipo de injusto imprudente como lesão do dever de cuidado ou do risco permitido é inaplicável à pessoa jurídica e não 27 Ver O tipo de injusto doloso de ação Cap 8 ROXIN Strafrecht 1997 12 n 4 p 364 n 801 p 401 n 86 p 405 e 20 n 56 p 782 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 29 II 2 p 293 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 203 p 64 DOTTI A incapacidade criminal da pessoa jurídica in Revista brasileira de ciências criminais 1995 n 11 p 194 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 674 242012 162848 675 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica pode ser substituído por critérios análogos como o da capacidade empresarial por exemplo Mais a lesão do dever de cuidado ou do risco permitido supõe o modelo contrário de homem prudente capaz de observação da e reflexão sobre a criaçãorealização do risco o modelo do homem prudente parâmetro social para definir o comportamento imprudente é inaplicável à pessoa jurídica e igualmente insubstituível por modelos análogos como o de empresa prudente por exemplo Enfim a previsibilidade do resultado limiar mínimo de impu tação do resultado nos crimes de imprudência é fenômeno exclusivo do aparelho psíquico individual quer como imprudência inconsciente imprevisão de resultado típico previsível quer como imprudência consciente confiança de evitar resultado típico previsto28 1123 O tipo de injusto omissivo Igualmente a vontade coletiva ou pragmática da mencionada ação institucional é incapaz de omissão de ação se a pessoa jurídica é incapaz de ação como fundamento psicossomático do conceito de crime então é necessariamente incapaz de omissão de ação cujo pressuposto lógico é a capacidade concreta de ação definida na literatura como capacidade individual de ação ou como possibilidade físicoreal de agir29 inexistente na ação institucional produzida pela indefinível vontade pragmática da pessoa jurídica se a pessoa jurídica não pode realizar ação então também não pode omitir ação 113 Conclusão se a pessoa jurídica é incapaz de realizar o tipo de injusto doloso imprudente e omissivo então a criminalização da 28 Ver O tipo de injusto imprudente Cap 9 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 55 II 3 p 586587 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 667 29 Ver O tipo de injusto de omissão de ação Cap 10 JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 59 II 2 p 616 WESSELSBEULKE Strafrecht 1998 n 708 p 225 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 675 242012 162848 676 Anexo Capítulo 25 pessoa jurídica infringe a dimensão material do princípio da legalidade expressa na fórmula nullum crimen sine lege art 5º XXXIX CR 12 A pessoa jurídica e o conceito de culpabilidade Assim como a pessoa jurídica é incapaz de ação pela mesma razão é incapaz de culpabilidade se a pessoa jurídica não pode agir também não tem o poder de agir de outro modo que fundamenta o juízo de reprovação O princípio da culpabilidade popularizado na fórmula nullum crimen sine culpa possui uma estrutura universal assim de finida a a capacidade de culpabilidade indica se o sujeito é capaz de saber e de controlar o que faz excluída ou reduzida nas hipóteses de menoridade ou de insanidade psíquica b o conhecimento do injusto indica se o sujeito sabe realmente o que faz excluído ou reduzido nas hipóteses de erro de proibição c a exigibilidade de comportamento diverso fundada na normalidade das circunstâncias da ação indica se o sujeito teria tido o poder de não fazer o que fez excluído ou reduzido em situações de exculpação específicas30 Esse conceito de culpabilidade como juízo de reprovação de um sujeito imputável o sujeito é capaz de saber e de controlar o que faz que realiza um tipo de crime com consciência do injusto o sujeito sabe realmente o que faz em condições de normalidade de circunstâncias o sujeito tem o poder de não fazer o que faz exprime o poder de agir de outro modo do conceito normativo de culpabilidade atribuível ao ser humano mas impossível de ser atribuído à pessoa jurídica como se demonstra 121 Primeiro a pessoa jurídica não tem capacidade de culpabilidade porque as condições pessoais de maturidade e de sanidade mental dos seres humanos não existem na entidade incorpórea da pessoa jurí 30 Ver Culpabilidade e exculpação Cap 12 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 676 242012 162848 677 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica dica a despeito da alegada vontade coletiva ou pragmática produzida em reuniões deliberações ou votos a capacidade de culpabilidade não pode ser suprida pelo tempo de registro do contrato social da pessoa jurídica na Junta Comercial por exemplo e estados psíquicos anormais como psicoses doença mental ou oligofrenias desenvolvimento men tal incompleto ou retardado não podem ser diagnosticados naquela vontade coletiva ou pragmática das reuniões etc Neste ponto a hipótese de uma vontade coletiva deliberada em reunião de pessoa jurídica formada por 2 sócios inimputáveis por doença mental digamos um é paranóico outro é esquizofrênico conduziria a situações de delírio jurídico a se a responsabilidade penal da pessoa jurídica é independente da responsabilidade penal das pessoas físicas dos sócios art 3º parágrafo único Lei 960598 então é preciso explicar de que modo pessoas físicas inimputáveis ou seja incapazes de vontade válida podem produzir uma vontade coletiva válida imputável à pessoa jurídica b ao contrário se a responsabili dade penal da pessoa jurídica é dependente da responsabilidade penal da pessoa física dos sócios a situação ainda fica pior então é preciso explicar em que consiste essa vontade coletiva ou pragmática deliberada em reuniões da pessoa jurídica na linha da teoria da realidade 122 Segundo o conhecimento do injusto como conhecimento da antijuridicidade concreta conforme a teoria dominante31 ou da puni bilidade do fato conforme uma teoria moderna32 que permite dizer que o sujeito sabe realmente o que faz só pode existir no aparelho psíquico individual de pessoas físicas a suposta psique coletiva forma dora da vontade pragmática das reuniões deliberações ou votos é uma ficção incorpórea sem existência real incapaz de representar a natureza proibida do tipo de injusto por nenhuma daquelas teorias 31 Assim ROXIN Strafrecht 1997 21 n 1216 p 798800 32 Ver OTTO Grundkurs Strafrecht 1996 13 IV 1b n 41 p 203 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 677 242012 162848 678 Anexo Capítulo 25 Neste ponto temos o seguinte problema se no tipo subjetivo objeto de conhecimento é o fato descrito no tipo de injusto na cul pabilidade objeto de conhecimento é a proibição do fato descrito no tipo de injusto a fragmentada psique coletiva produtora da vontade pragmática da pessoa jurídica não existe como aparelho psíquico capaz de empregar reflexão ou utilizar informações para conhecer o injusto do fato concreto Daqui seguem desdobramentos importantes a a impossibilidade da psique coletiva funcionar como unidade orgânica capaz de reflexão e de informação exclui a possibilidade de erro de proibição como fenômeno psíquico negativo do conhecimento do injusto consistente em defeito de representação da natureza proibida do fato por reflexão insuficiente ou informação deficiente b a falta de aparelho psíquico como órgão do conhecimento do injusto e do erro de proibição impede a verificação do princípio da coincidência entre a formação da consciência do injusto ou a ocorrência do erro de proibição e a realização do tipo de injusto um fenômeno psíquico impossível na chamada vontade coletiva ou prag mática definida em reuniões deliberações ou votos da pessoa jurídica c a impossibilidade de decidir sobre a natureza evitável ou inevi tável do erro de proibição uma decisão dependente de componentes intelectuais e emocionais do autor no momento de realização do fato na incorpórea psique coletiva dessa vontade pragmática da pessoa jurídica no caso de vontade coletiva deliberada em reunião de pessoa jurídica constituída por 2 sócios em situação individual de erro de proibição inevitável por exemplo transporte de lenha sem licença da autori dade competente art 46 da Lei 960598 teríamos outra situação delirante a se o erro de proibição inevitável das pessoas físicas exclui a reprovação da pessoa jurídica seria necessário explicar a autonomia processual da responsabilidade penal da pessoa jurídica em relação à responsabilidade penal das pessoas físicas dos sócios b se o erro de proibição inevitável das pessoas físicas não exclui a reprovação da pessoa jurídica seria necessário explicar de que modo um erro de proibição Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 678 242012 162848 679 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica inevitável dos sócios pode produzir uma vontade coletiva reprovável da pessoa jurídica que pressupõe conhecimento real ou possível do injusto 123 Terceiro as situações de exculpação fundadas na anormalidade das circunstâncias do fato que realizam a ideia de inexigibilidade de comportamento diverso o traço característico do conceito normativo de culpabilidade são inaplicáveis à pessoa jurídica a psique coletiva portadora da vontade pragmática da pessoa jurídica em qualquer acepção da teoria da realidade é inteiramente imune ou refratária a pressões ou perturbações emocionais excludentes ou redutoras da dirigibilidade normativa como se denomina hoje a capacidade de agir conforme ao direito próprias das situações de exculpação concretas admitidas pela legislação penal Esses argumentos indicam que o chamado modelo analógico de culpabilidade proposto por TIEDEMAN para a pessoa jurídica33 é pura ficção afinal os defeitos ou falhas de organização que fundamentariam a culpabilidade de empresa não seriam atribuíveis à pessoa jurídica como pretende o modelo mas às pessoas físicas dirigentes desta34 Em resumo o conceito de culpabilidade também é incompatível com o conceito de pessoa jurídica 33 TIEDEMANN Strafrecht in der Marktwirtschaft 1993 p 527 ver também Responsabilidad penal de personas jurídicas y empresas en el derecho comparado in Responsabilidade penal da pessoa jurídica e Medidas provisórias e Direito Penal 1999 p 3841 34 Nesse sentido ROXIN Strafrecht 1997 8 n 62 p 209 também JESCHECK WEIGEND Lehrbuch des Strafrechts 1996 p 227 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 679 242012 162848 680 Anexo Capítulo 25 13 O modelo francês de responsabilidade penal 131 O art 1212 do Código Penal francês35 instituiu com expres sa exclusão do Estado a responsabilidade penal das pessoas morais por infrações cometidas por sua conta através de seus órgãos ou representantes sem excluir a responsabilidade penal das pessoas físicas autoras ou cúmplices dos mesmos fatos Na França com as exceções normais de homicídio doloso estupro etc as pessoas morais podem ser declaradas penalmente responsáveis por quase todas as infrações penais desde que expressamente previsto na de finição legal da infração por exemplo a crimes e delitos contra a nação o Estado ou a paz pública terrorismo corrupção tráfico de influência moeda falsa quadrilha etc b crimes e delitos contra as pessoas crimes contra a humanidade proxenetismo homicídio e lesão corporal imprudente poluição tráfico de drogas etc c crimes e delitos contra os bens furto extorsão chantagem fraudes abuso de confiança receptação lavagem de dinheiro delitos eletrônicos etc36 132 Na literatura francesa os argumentos favoráveis à crimina lização das pessoas morais parecem triviais se comparados com os argumentos contrários ou conforme dizem CONTE e MAISTRE DU CHAMBON37 não são suficientes para fazer esquecer os numerosos inconvenientes da solução como se pode verificar 1321 Os argumentos favoráveis alegando que não se discute a imputabilidade da pessoa jurídica mas a imputação de infrações à pessoa jurídica a resolvem a controvérsia teórica assumindo que a pessoa 35 Essa forma de numeração significa art 1o Cap 1 Titulo 2 do Livro 1 lêse de traz para diante 36 Ver LARGUIER Droit Penal Paris Dalloz 2001 18a edição p 1189 SOYER Droit Pénal et Procédure Penal Paris LGDJ 2000 15a edição p 130 37 CONTE e MAISTRE DU CHAMBON Droit Pénal General Paris Dalloz 2000 p 198 n 369 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 680 242012 162848 681 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica jurídica não é uma ficção mas uma realidade capaz de responsabili dade penal b descobrem a existência de sanções penais adequadas às empresas a dissolução da empresa equivaleria à pena de morte por exemplo e c atribuem às pessoas jurídicas responsáveis pela produção e circulação da riqueza no século 20 as formas modernas de infrações econômicas ecológicas etc cuja repressão e prevenção requer sanções penais38 1322 Os argumentos contrários afirmam a que o Direito Penal não se funda em princípios utilitários capazes de enfrentar a criminalidade moderna mas em princípios éticos garantidores da dignidade huma na b que infrações penais não podem ser imputadas diretamente às pessoas jurídicas incapazes de consciência e de ação mas somente às pessoas físicas como dirigentes ou assalariados das pessoas jurídicas c que a criminalização da pessoa jurídica não é compatível com os fundamentos da responsabilidade penal nem com as funções atribu ídas à pena criminal d que a punição de pessoas jurídicas apresenta problemas mais graves do que a punição de pessoas físicas contrariam o princípio da personalidade da pena atingem dirigentes e sócios que não participaram da decisão as penas patrimoniais são repassadas ao consumidor a dissolução da empresa produz desemprego etc39 133 E o mais importante a literatura penal francesa reconhece que a pessoa jurídica é incapaz de cometer crimes intencionais admitin do que a lei instituiu um mecanismo de responsabilidade penal da pessoa jurídica por ricochete da pessoa física ou ainda melhor por empréstimo da pessoa física como afirma SOYER40 38 Assim CONTE e MAISTRE DU CHAMBON Droit Pénal General Paris Dalloz 2000 p 198 n 369 39 Em síntese essas são as conclusões de CONTE e MAISTRE DU CHAMBON Droit Pénal General Paris Dalloz 2000 p 198 n 369 40 SOYER Droit Pénal et Procédure Penal Paris LGDJ 2000 15a edição p 131 Le mécanisme é celui de lemprunt de criminalité Une personne morale étant dépourvue dintention nest pas capable de perpétrer une infraction intentionnelle Cette infraction Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 681 242012 162848 682 Anexo Capítulo 25 285 O mecanismo é aquele do empréstimo da crimi nalidade Uma pessoa moral estando desprovida de intenção não é capaz de perpetrar uma infração intencional Esta infração necessariamente é cometida por uma pessoa física autor principal A responsabilidade da pessoa moral não pode pois se explicar senão por um empréstimo de responsabilidade feito da pessoa física pela pessoa moral Logo a hipótese seguinte é indiscutível se a a pessoa moral é desprovida de intenção e portanto não é capaz de perpetrar uma infra ção intencional que somente pode ser cometida por uma pessoa física e se b a responsabilidade da pessoa moral só pode ser explicada como um empréstimo de responsabilidade da pessoa física pela pessoa moral então está claro também para os franceses que a a pessoa moral não pode praticar crimes somente a pessoa física e que b a pessoa moral não é capaz de responsabilidade penal somente a pessoa física explicandose a responsabilidade penal por um mecanismo de empréstimo da pessoa física para a pessoa jurídica nada mais Finalmente se é assim e de fato assim é então todo o problema consiste em ter sido definido indevidamente como respon sabilidade penal da pessoa jurídica o que realmente não constitui responsabilidade penal mas simples efeito da condenação de pessoas físicas por infrações cometidas por conta da pessoa jurídica como seus órgãos ou representantes nécessairement ést commise par une personne physique auteur principal La responsabilité de la personne morale ne peut donc sexpliquer que par un emprunt de criminalité fait à la personne physique par la personne morale Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 682 242012 162848 683 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica 14 Conclusão sobre a relação pessoa jurídicacrime A demonstração da impossibilidade científica e metodológica de aplicação do conceito de crime ao conceito de pessoa jurídica pode ser assim formulada o conceito de crime representado pelas categorias do tipo de injusto e da culpabilidade construído exclusivamente para o ser humano organização biopsíquica capaz de representação e de vontade a do fato dolo excluído pelo erro de tipo e b do des valor do fato conhecimento do injusto excluído ou reduzido pelo erro de proibição não pode ser aplicado à pessoa jurídica nem como definida pela teoria da realidade ou seja entidade portadora de vontade coletiva ou pragmática produtora da chamada ação institucio nal nem como definida pela teoria da ficção ou seja entidade sem existência real por absoluta incapacidade de produzir os fenômenos psicológicos e emocionais exclusivos da pessoa física 2 A pessoa jurídica e o conceito de pena Além dos problemas relacionados ao conceito de crime a sobre a incapacidade de ação que impede a configuração do tipo de injusto dos crimes dolosos dos crimes imprudentes e dos crimes omissivos e b sobre a incapacidade de culpabilidade determinada pela impossível configuração dos elementos constitutivos do conceito a criminalização da pessoa jurídica apresenta em relação ao conceito de pena problemas igualmente insuperáveis Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 683 242012 162848 684 Anexo Capítulo 25 21 Lesão da técnica legislativa da lei penal Como se sabe a lei penal é constituída de dois elementos ne cessários de modo que a ausência de qualquer deles descaracteriza a produção legislativa como lei penal a o tipo legal como descrição da proibição ou do comando contido no preceito expresso na fórmula nullum crimen sine lege b a sanção penal como determinação da consequência jurídica da culpável violação do preceito expressa na fórmula nulla poena sine lege41 211 A técnica legislativa utilizada pelo Legislador brasileiro no as pecto específico da penalização da pessoa jurídica pela Lei 960598 é defeituosa a as normas penais são perfeitas para pessoas físicas porque contêm preceito e sanção dirigidos a seres humanos como toda lei penal b as normas penais são imperfeitas para pessoas jurí dicas porque contêm preceito mas não contêm sanção aplicável às pessoas jurídicas Logo não possuem o status constitucional de lei penal e portanto não são leis penais para pessoas jurídicas A verificação do defeito é simples as penas de multa de restrição de direitos e de prestação de serviços à comunidade referidas no art 21 da Lei 960598 são genéricas e indeterminadas portanto não apresentam os requisitos de sanção penal no sentido do Princípio da Legalidade a são penas genéricas porque a lei penal não especifica os tipos legais para os quais comina as penas respectivas de modo que ninguém sabe qual pena se aplica a qual tipo penal b são penas indeterminadas porque a lei não determina os limites mínimos e máximos de aplicação das penas cominadas 212 Sobre isso a diferença entre a lei francesa modelo do legis lador brasileiro e a lei brasileira é imensa Por exemplo o Código Penal francês a instituiu a responsabilidade penal das pessoas 41 Ver entre outros JESCHECKWEIGEND Lehrbuch des Strafrechts Allgemeiner Teil 1996 5a edição 7 1 p 49 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 684 242012 162849 685 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica jurídicas art 1212 b indicou as penas criminais correcionais e contravencionais aplicáveis às pessoas jurídicas art 13137 a 131 49 c especificou os tipos legais aplicáveis às pessoas jurídicas e d determinou os limites legais das penas aplicáveis às pessoas jurídicas 13138 13139 e 131391 Ao contrário a lei brasileira se limitou a instituir a responsabilidade penal das pessoas jurídicas art 3º e a indicar as penas de multa de restrição de direitos e de prestação de serviços à comunidade aplicáveis às pessoas jurídicas art 21 e nada mais exceto referir as espécies das penas restritivas de direitos no art 22 e as hipóteses de prestação de serviços à comunidade no art 23 além da inútil menção à aplicação subsidiária do Código Penal no art 79 deste modo Art 21 As penas aplicáveis isolada cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas de acordo com o disposto no art 3o são I multa II restritivas de direitos III prestação de serviços à comunidade 213 Em resumo o Legislador brasileiro mutilou o modelo adotado omitindo duas determinações essenciais primeiro não especificou os tipos legais aplicáveis às pessoas jurídicas como faz a lei francesa segundo não determinou os limites legais das penas cominadas às pessoas jurídicas como também faz a lei francesa Esse não é um problema formal mas um problema político real vinculado às garantias constitucionais do Estado Democrático de Di reito a especificação dos tipos legais nos quais são cominadas penas criminais e a determinação dos limites legais das penas cominadas são tarefas constitucionais exclusivas do Legislador Em outras palavras nenhum Juiz ou Tribunal pode especificar os tipos legais aos quais se aplicam as genéricas penas cominadas nem determinar os limites penais da cominação legal genérica sem violentar o sistema constitucional de separação de poderes do Estado42 42 Comparar SIRVINKAS Tutela penal do meio ambiente 1998 p 2326 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 685 242012 162849 686 Anexo Capítulo 25 A generalidade e a indeterminação das penas cominadas infringe o princípio da legalidade expresso na fórmula nulla poena sine lege afinal se a lei atribui responsabilidade penal à pessoa jurídica então a pessoa jurídica teria o direito constitucional de conhecer a natureza e a quantidade das penas cominadas pela violação do preceito um conhecimento impossibilitado pela generalidade e indeterminação das penas criminais na legislação brasileira 214 O defeito da lei penal não pode ser corrigido pela aplicação subsidiária às pessoas jurídicas das regras do Código Penal instituídas para pessoas físicas art 79 da Lei 960598 por uma razão simples o artifício da aplicação subsidiária das regras do Código Penal ultrapassa os limites da interpretação da lei penal para constituir integração analógica praeter legem in malam partem realizada por um Juiz que funciona também como Legislador o que é ilegal43 Conclusão a aplicação de sanção penal às pessoas jurídicas pelo emprego subsidiário de princípios gerais exclusivos das pessoas físicas representa integração analógica praeter legem in malam partem com infração do princípio da legalidade 22 Lesão do princípio da personalidade da pena 221 O princípio constitucional da personalidade da pena segundo o qual nenhuma pena passará da pessoa do condenado art 5º XLV CR se realiza no processo penal através dos conceitos de autoria e de participação somente autores e partícipes do fato punível são passíveis de pena criminal Assim em face do princípio constitucio nal da personalidade da pena a questão consiste em saber se a pessoa 43 Assim ZAFFARONI in Parecer para o Mandado de Segurança n 200102010466368 do Tribunal Regional Federal da 2a Região impetrado por PETRÓLEO BRASILEIRO SA PETROBRAS Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 686 242012 162849 687 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica jurídica pode ser autor ou partícipe de fatos puníveis Exceto práticas primitivas de punição de animais o princípio da personalidade da pena concretizado nos conceitos de autor e de partícipe do fato punível nunca foi problemático objeto da pena criminal é o ser humano O conceito de pessoa jurídica definido pela teoria da ficção SAVIGNY ou pela teoria da realidade GIERKE não se confunde com o conceito de pessoa física logo não preenche o conceito de personalidade do princípio constitucional nem pode realizar o conceito de autor ou de partícipe do processo penal pessoas jurídicas não podem realizar fatos puníveis nem por autoria direta mediata ou coletiva nem por participação instigação e cumplicidade44 O princípio da personalidade da pena garantia individual contra a extensão do poder punitivo do Estado a pessoas diversas do autor ou do partícipe do fato punível art 5º XLV CR ou inver samente garantia política de exercício do poder punitivo do Estado exclusivamente sobre autores e partícipes de fatos puníveis pressupõe seres humanos de carne e osso e se realiza no processo penal através dos conceitos de autoria e de participação estruturados com base no comportamento de pessoas naturais ou seja de indivíduos por tadores dos caracteres psicossomáticos do homem Aliás a teoria do domínio do fato define autores e partícipes pelo poder de controlar a realização do tipo de injusto um critério fundado na integração das dimensões objetiva e subjetiva do comportamento humano Nesse sentido o pronome indefinido quem do art 29 do Código Penal e do art 2º da Lei 960598 tem significado semântico inequívoco designa seres humanos Art 29 CP Quem de qualquer modo concorre para o crime incide nas penas a este cominadas na medida de sua culpabilidade 44 Não obstante SHECAIRA Responsabilidade penal da pessoa jurídica 1999 p 130 formula o conceito híbrido de coautoria necessária por autoria mediata em que a empresa seria o autor mediato e a pessoa natural o instrumento Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 687 242012 162849 688 Anexo Capítulo 25 Em suma se a o conceito de pessoa jurídica não se confunde com o conceito de pessoa natural b não preenche o conceito de per sonalidade do princípio constitucional c nem configura o conceito de autor ou de partícipe do processo penal então pessoas jurídicas não podem realizar fatos puníveis nem por autoria em qualquer de suas formas nem por participação como demonstrado Mais se os dois únicos modos pelos quais alguém concorre para o crime art 29 CP são representados pela ação e pela omissão de ação o que recoloca a problemática da incapacidade de ação da pessoa jurídica então a pessoa jurídica não pode de nenhum modo concorrer para crime porque não é capaz de ação nem de omissão de ação fenômenos exclusivamente humanos 222 Além disso a aplicação de pena criminal à pessoa jurídica também determina lesão do princípio da personalidade da pena como demonstra a seguinte hipótese acionistas minoritários vencidos em as sembléias gerais ou sócios que não participaram da decisão no âmbito da pessoa jurídica são atingidos pela pena criminal do mesmo modo que acionistas majoritários ou sócios que participaram da decisão Esse argumento é banalizado por partidários da criminalização da pessoa jurídica alegando que penas criminais também atingem terceiros como a família ou dependentes do réu45 Essa alegação confunde aplicação ou execução de pena criminal com efeitos socioeconômicos de penas criminais sobre a família do condenado A pena de privação de liberdade do réu não significa privação de liberdade da família ou de dependentes do condenado assim como restrições de direitos do réu não significam penas restritivas de direitos da família ou de 45 Assim SHECAIRA Responsabilidade penal da pessoa jurídica 1999 p 8990 Podem se analisar esses argumentos iniciando pelo principio da personalidade das penas A Parte Geral do Código Penal prevê penas privativas de liberdade restritivas de direitos e multa Nenhuma delas deixa de ao menos indiretamente atingir terceiros Quando há uma privação de liberdade de um chefe de família sua mulher e filhos se vêem privados daquele que mais contribui no sustento do lar Idêntico inconveniente ocorreria se a pena fosse de interdição de direitos O mesmo argumento é válido para a multa Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 688 242012 162849 689 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica dependentes do condenado etc Os efeitos socioeconômicos da privação de liberdade sobre a família e dependentes do réu seriam os mesmos no caso de desemprego doença ou morte do paimarido e portanto não representam exceções ao princípio da personalidade da pena presente em todas as constituições modernas 23 Lesão do princípio da individualização da pena A garantia constitucional da individualização da pena art 5o XLVI CR realizada segundo conteúdos e métodos definidos pela legislação penal arts 5968 CP também é inviabilizada pela inca pacidade de culpabilidade da pessoa jurídica Primeiro o conceito de culpabilidade não se caracteriza como qualidade do fato punível ou seja como elemento do conceito de crime porque a entidade incorpórea da pessoa jurídica é desprovida de aparelho psíquico capaz de saber e de controlar o que faz do ponto de vista abstrato imputabilidade e do ponto de vista concreto conheci mento do injusto ou de consubstanciar o poder de não fazer o que faz exigibilidade pressuposto no conceito normativo de culpabilidade Segundo o conceito de culpabilidade não pode funcionar como critério de quantidade da pena criminal da pessoa jurídica a ausência dos atributos graduáveis de capacidade de culpabilidade de conhecimento do injusto e de exigibilidade de comportamento diverso que informam a culpabilidade exclui a mais importante circunstância judicial de mensuração da penabase art 59 CP decisiva para o processo de individualização da pena criminal Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 689 242012 162849 690 Anexo Capítulo 25 24 Lesão das funções declaradas do discurso oficial da pena As funções atribuídas à pena criminal pelo discurso oficial da teoria jurídica da pena de reprovação da culpabilidade e de prevenção geral e especial da criminalidade art 59 CP são inaplicáveis à pes soa jurídica a ficção legal ou a massa patrimonial da pessoa jurídica é incapaz das emoções ou dos sentimentos humanos que fundamentam as funções atribuídas à pena criminal pelo discurso oficial 241 Em primeiro lugar a reprovação do crime medida pela pena retributiva de culpabilidade não pode incidir sobre a vontade coletiva ou pragmática da pessoa jurídica porque a psique impessoal e incorpó rea da pessoa jurídica é incapaz de sofrimento ou de arrependimento estados afetivos exclusivos do ser humano pressupostos na função de retribuição penal do discurso oficial 242 Em segundo lugar a prevenção geral negativa de desestímulo da criminalidade pela intimidação de criminosos potenciais46 não pode atuar sobre a empresa a vontade coletiva transpsíquica ou interpessoal da pessoa jurídica não é sensível à função de intimidação atribuída pelo discurso oficial Por causa disso os partidários da criminalização da pessoa jurídica destacam a função de prevenção geral positiva da pena criminal de reforço dos valores comunitários ou de estabilização das expectativas normativas desestabilizadas pelo crime etc47 neste caso ignorando que a dimensão positiva não pode existir sem a dimensão negativa de intimidação do criminoso potencial afinal o conteúdo aflitivo da pena é pressuposto das funções de confirmação da validade da norma ou de contradição da negação da norma às custas do autor etc 46 ROXIN Strafrecht 1997 3 n 25 p 50 47 ROXIN Strafrecht 1997 3 n 26 p 50 JAKOBS Strafrecht 1993 n 1 p 35 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 690 242012 162849 691 Capítulo 25 A Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica 243 Por último a prevenção especial negativa de neutralização do condenado mediante privação da liberdade pessoal é impensável nas pessoas jurídicas empresas não podem ser encarceradas Mais uma vez os partidários da criminalização da pessoa jurídica enfatizam a pre venção especial positiva como ressocialização do condenado de novo ignorando que a prevenção geral positiva de correção do condenado pela execução da pena48 constitui programa pedagógico jamais realiza do na pessoa física e impossível de ser realizado na pessoa jurídica49 25 Conclusão As conclusões sobre a relação entre a instituição legal da pessoa jurídica e o conceito de pena criminal podem ser assim resumidas 251 O conceito de lei penal estruturado pela descrição do tipo legal nullum crimen sine lege e pela previsão da sanção penal nulla poena sine lege não está caracterizado na lei que instituiu a responsabilida de penal das pessoas jurídicas por generalidade e indeterminação das penas cominadas defeito constitucional não suprível pela aplicação subsidiária das regras instituídas para pessoas físicas art 79 da Lei 960598 porque constituiria integração analógica praeter legem in malam partem com infração do princípio da legalidade 252 O conceito de pena representado pelos objetivos de retribuição da culpabilidade e de prevenção da criminalidade segundo o discur so oficial da teoria jurídica da pena desenvolvido para atuar sobre 48 ROXIN Strafrecht 1997 3 n 11 p 4445 49 O discurso de SHECAIRA Responsabilidade penal da pessoa jurídica 1999 p 107 de que a pena se justifica como retribuição com objetivos preventivos ignora a diferença irredutível entre retribuição e prevenção por outro lado a proposta de combinar prevenção geral positiva com prevenção especial não marcada pelo retributivismo é irreal a prevenção geral positiva depende da negativa e nenhuma retórica consegue encobrir o fracasso histórico da prevenção especial Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 691 242012 162849 692 Anexo Capítulo 25 o complexo de afetos emoções ou sentimentos da psique humana organização biopsíquica capaz de sofrimento de arrependimento de intimidação e de aprendizagem não pode incidir sobre a psique impes soal e incorpórea da pessoa jurídica insuscetível de produzir qualquer das atitudes dos estados ou dos sentimentos humanos pressupostos no discurso oficial da teoria jurídica da pena criminal 253 Enfim se os objetivos atribuídos à pena criminal são incompa tíveis com a pessoa jurídica parece lícito perguntar por que instituir a responsabilidade penal da pessoa jurídica Afinal não seria mais simples promover a responsabilidade penal de pessoas físicas com po der de representação das pessoas jurídicas diretores administradores gerentes etc e na hipótese de condenação por infrações cometidas no interesse ou benefício da pessoa jurídica aplicar as sanções de extinção interdição suspensão multas ou outras quaisquer do arsenal jurídico como efeito da condenação das pessoas físicas dirigentes Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 692 242012 162849 693 Bibliografia AFONSO DA SILVA José Curso de direito constitucional positivo 1994 ALBRECHT PeterAlexis Kriminologie Beck 1999 ALBUQUERQUE MELLO Celso Duvivier Curso de direito internacio nal público Forense 2001 ALEXY Robert Theorie der Grundrecbte Suhrkamp 1994 ALIGHIERI Dante La Divina Commedia Canto Terzo 9 Ulrico Hoepli Editore Libraio ANDRADE Vera Regina Pereira de Sistema penal máximo x cidadania mínima Livraria do Advogado 2003 ANIYAR DE CASTRO Lola Criminología de la reacción social Mara caibo 1977 ARAÚJO JÚNIOR João Marcelo Societas delinquere potest In Responsa bilidade penal da pessoa jurídica e Medidas provisórias e Direito penal 1999 ARZT G Leichtfertigkeit und recklessness In SchröderGedächtnisschrift 1978 BARATTA Alessandro Criminologia crítica e 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Santos5 EDIÇÃOindd 710 242012 162850 711 Bibliografia ROXIN Claus Strafrecht Allgemeiner Teil I 1997 Strafrecht Allgemeiner Teil II 2003 LK Leipziger KommentarRoxin 1992 Täterschaft una Taherrschaft Beck 1994 Strafverfahrensrecht Beck 1995 RUSCHE Georg KIRCHHEIMER Otto Punishment and Social Structure Transaction Publishers 2003 RUDOLPHI Hans Joachin Die Bedeutung eines Gewissensentscheides für das Strafrecht In WelzelFestschrift 1974 Unrechtsbewusstsein Verbotsirrtum und Vermeidbarkeit des Ver botsirrtums 1969 Vorhersehbarkeit und Schutzzweck der Norm in der strafrechtlichen Fahrlässigkeitslehre In JuS Juristische Schulung Beck 1969 SABADELL Ana Lúcia Manual de sociologia jurídica introdução a uma leitura externa do Direito RT 2005 SACK Fritz Neue Perspektiven in der Kriminologie In KONIG R SACK F Editores Kriminalsoziologie 1968 SAMSON Erich Hypothetische Kausalverläufe im Strafrecht 1972 SÁNCHEZ RÍOS Rodrigo Das causas de extinção da punibilidade nos delitos econômicos 2003 SAUER 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Goltdammers Archif für Strafrecht 1985 Die Funktion des Schuldprinzips im Präventionsstrafrecht In Schünemann Hrsg Grundfragen des modernen Strafrechtssystems 1984 Einführung in das Strafrechtliche Systemdenken 1994 Grundfragen des modernen Strafrechtssystems 1984 Moderne Tendenzen in der Dogmatik der Fahrlässigkeits und Gefährdungsdelikte In JA Juristische Arbeitsblätter 1975 SCHWENDINGER Herman e Julia Defensores da ordem ou guardiães dos direitos humanos In TAYLOR Ian WALTON Paulo YOUNG Jock Criminologia crítica Tradução de Juarez Cirino dos Santos e Sérgio Tancredo Rio de Janeiro 1980 SCULL Andrew Decarceration Community Treatment and the Deviant A Radical View New Jersey PrenticeHall 1977 SENECA De ira Livro 1 16 SHECAIRA Salomão Responsabilidade penal da pessoa jurídica 1999 SILVA FRANCO Alberto Código penal e sua interpretação jurispruden cial RT 2001 SIRVINSKAS Tutela penal do meio ambiente 1998 SOYER JeanClaude Droit Pénal et Procédure Pénal 2000 SPENDEL Günter Die Kausalitätsformel des Bedingungstheorie für die Handlungsdelikte 1948 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 713 242012 162850 714 Bibliografia Gegen den Verteidigungswillen as Notwehrerfordernis In Bockel mannFestschrift 1979 Zum Begriff des Vorsatz In LacknerFestschrift 1987 STEBBING Susan A modern elementary logic Londres 1957 STRATENWERTH Günter Bemerkungen zum Prinzip der Risikoerhöhung In GallasFestschrift 1973 Objektive Strafbarkeitsbedingungen im Entwurf eines Strafgesetzbuchs 1959 In ZStW Zeitschrift für die gesamte Strafrechtswissenschaft 71 1959 Strafrecht Allgemeiner Teil Carl Heymanns Verlag 2000 Zur Individualisierung der Sorgfaltsmasstabes beim Fahrlässigkeitsdelikt In JescheckFestschrift 1985 STRUENSEE Eberhard Objektives Risiko und subjektiver Tatbestand In JZ Juristenzeitung 1987 SUANNES Adauto Os fundamentos éticos do devido processo legal RT 1999 SUTHERLAND Edwin White collar crime the uncut versions Yale University Press 1983 SWENSON JR Lauro 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Os algarismos arábicos em negrito indicam capítulos os algarismos romanos indicam seções e os algarismos arábicos normais indicam itens AÇÃO PENAL 23 ação penal 23 III ação penal privada 23 III 2 ação penal privada subsidiária 23 III 21 extinção do direito de queixa 23 III 23 transmissão do direito de queixa 23 III 22 ação penal pública 23 III 1 ação penal pública condicionada 23 III 12 ação penal pública extensiva 23 III 13 ação penal pública incondicionada 23 III 11 limitações democráticas do poder de punir 23 I princípios constitucionais do processo penal 23 II princípios da prova processual 23 II 2 princípio da livre valoração da prova 23 II 2 a princípio in dubio pro reo 23 II 2 b princípios de formação do processo 23 II 1 princípio da acusação 23 II 1 b princípio da instrução 23 II 1 e princípio da legalidade 23 II 1 c princípio da oficialidade 23 II 1 a princípio da oportunidade 23 II 1 d ANTIJURIDICIDADE E JUSTIFICA ÇÃO 11 justificações 11 II consentimento do titular do bem jurí dico 11 II E consentimento presumido 11 II E 2 consentimento real 11 II E 1 capacidade e defeito do consenti mento 11 II E 1 13 disciplina da Lei 943497 11 II E 1 12 manifestação do consentimento 11 II E 1 14 objeto do conhecimento 11 II E 1 11 problema da eutanásia 11 II E 3 ajuda ativa e ajuda passiva do autor 11 II E 32 deveres do médico 11 II E 321 direitos do paciente 11 II E 322 princípios da lex artis médica 11 II E 322 vontade real e presumida de morrer 11 II E 31 estado de necessidade 11 II B ação justificada 11 II B 2 elementos subjetivos da ação 11 II B 21 elementos objetivos e normativos da ação necessária 11 II B 22 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 717 242012 162850 718 Índice Alfabético Remissivo posições especiais de dever 11 II B 3 situação justificante 11 II B 1 estrito cumprimento de dever legal 11 II C ação justificada 11 II C 2 cumprimento de ordens antijurídi cas 11 II C 22 ruptura dos limites do dever 11 II C 21 elementos subjetivos 11 II C 3 situação justificante 11 II C 1 exercício regular de direito 11 II D ação justificada 11 II D 2 elementos subjetivos 11 II D 3 situações justificantes 11 II D 1 atuação pro magistratu 11 II D 1 1 direito de castigo 11 II D 1 2 justificações nos tipos de imprudência 11 II F consentimento do titular do bem jurídico 11 II F 3 estado de necessidade 11 II F 2 legítima defesa 11 II F 1 legítima defesa 11 II A ação justificada 11 II A 2 elementos subjetivos 11 II A 21 moderação no emprego dos meios necessários A 22 2 necessidade dos meios de defesa 11 II A 211 permissibilidade da legítma defe sa 11 II A 23 elementos objetivos 11 II A 22 particularidades 11 II A 3 excesso de legítima defesa 11 II A 3 c extensão da justificação 11 II A 3 b legítima defesa de outrem 11 II A 3 a situação justificante 11 II A 1 teoria da antijuridicidade 11 I introdução 11 I 1 conhecimento e erro nas justificações 11 I 3 efeito das justificações 11 I 4 fundamento das justificações 11 I 2 APLICAÇÃO DAS PENAS CRIMI NAIS 20 efeitos da condenação 20 III efeitos específicos 20 III 2 inabilitação para dirigir veículo 20 III 2 c incapacitação para pátrio poder tutela ou curatela 20 III 2 b perda de cargo função pública ou mandato eletivo 20 III 2 a efeitos genéricos 20 III 1 método legal de aplicação da pena 20 II causas especiais de aumento ou de diminuição da pena 20 II 3 circunstâncias agravantes e atenuantes 20 II 2 circunstâncias agravantes 20 II 21 abuso de autoridade ou prevale cimento de relações domésticas etc 20 II 21 g abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo oficio etc 20 II 21 h embriaguez preordenada 20 II 21 m emprego de veneno fogo etc ou outro meio insidioso ou cruel 20 II 21 e facilitar ou assegurar a execução ocultação etc de outro crime 20 II 21 c motivo fútil ou torpe 20 II 21 b ocasião de calamidade pública ou de desgraça da vítima 20 II 21 l reincidência 20 II 21 a Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 718 242012 162851 719 Índice Alfabético Remissivo traição emboscada dissimulação ou outro recurso que dificulte impossibilite defesa da vítima 20 II 21 d vítima sob imediata proteção da autoridade 20 II 21 j vitimização de ascendente des cendente irmão ou cônjuge 20 II 21 f vitimização de criança maior de 60 anos enfermo ou mulher grávida 20 II 21 i circunstâncias agravantes do con curso de pessoas 20 II 22 coagir ou induzir à execução de crime 20 II 22 b executar ou participar de crime mediante pagamento etc 20 II 22 d instigar ou determinar ao crime pessoa dependente ou impunível 20 II 22 c promover organizar ou dirigir a atividade criminosa coletiva 20 II 22 a circunstâncias atenuantes 20 II 23 ação espontânea para evitar reduzir consequências do crime etc 20 II 23 d agente menor de 21 ou maior de 70 anos 20 II 23 a coação resistível cumprimento de ordem ou violenta emoção etc 20 II 23 e confissão de autoria de crime perante autoridade 20 II 23 f desconhecimento da lei 20 II 23 b influência de multidão em tumul to não provocado 20 II 23 g motivo de relevante valor social ou moral 20 II 23 c circunstâncias atenuantes inomina das 20 II 24 concurso de circunstâncias legais 20 II 25 limites de agravação e de atenuação da pena 20 II 26 pena base circunstâncias judiciais 20 II 1 contribuição da vítima 20 II 13 elementos do agente 20 II 11 antecedentes 20 II 11 b conduta social 20 II 11 c culpabilidade 20 II 11 a motivos 20 II 11 e personalidade 20 II 11 d elementos do fato 20 II 12 circunstâncias 20 II 12 a consequências 20 II 12 b reabilitação 20 IV conceito 20 IV 1 objeto e objetivos 20 IV 2 requisitos 20 IV 3 revogação 20 IV 4 sentença criminal 20 I sentença criminal absolutória 20 I 1 sentença criminal condenatória 20 I 2 AUTORIA E PARTICIPAÇÃO 14 comunicabilidade das circunstâncias ou condições pessoais 14 5 conceito de autor 14 II conceito restritivo 14 II 2 teoria do domínio do fato 14 II 4 teoria subjetiva 14 II 3 teoria unitária 14 II 1 formas de autoria 14 III autoria direta 14 III 1 autoria coletiva ou coautoria 14 III 3 decisão comum 14 III 31 distribuição da responsabilidade penal 14 III 33 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 719 242012 162851 720 Índice Alfabético Remissivo coautoria em tipos especiais pró prios 14 III 334 coautoria por omissão de ação 14 III 333 responsabilidade pelo excesso 14 III 331 tentativas na coautoria 14 III 332 realização comum 14 III 32 autoria mediata 14 III 2 hipóteses 14 III 21 problemas especiais 14 III 22 participação 14 IV concorrência de formas de participa ção 14 IV 3 cumplicidade 14 IV 2 dolo do cúmplice e fato principal 14 IV 22 natureza da ajuda material 14 IV 21 instigação 14 IV 1 dolo do instigador e decisão do autor 14 IV 11 dolo do instigador e fato do autor 14 IV 12 erro de tipo e erro de tipo permis sivo 14 IV 13 participação necessária 14 IV 4 tentativa de participação 14 IV 5 CULPABILIDADE E EXCULPAÇÃO 12 conceito 12 I desenvolvimento 12 I 1 conceito psicológico 12 I 11 conceito normativo 12 I 12 definições materiais 12 I 2 princípio da alteridade 12 I 3 estrutura 12 II capacidade de culpabilidade 12 II 1 capacidade relativa de culpabilidade 12 II 12 incapacidade de culpabilidade 12 II 11 problemas políticocriminais 12 II 13 actio libera in causa 12 II 132 emoção e paixão 12 II 131 conhecimento do injusto e erro de proibição 12 II 2 conhecimento do injusto 12 II 21 conhecimento condicionado 12 II 214 divisibilidade e formas de conhe cimento 12 II 213 objeto 12 II 212 teorias 12 II 211 consequências legais do erro de proibição 12 II 22 erro de proibição evitável e inevitá vel 12 II 23 erro de proibição na lei penal bra sileira 12 II 25 espécies de erro de proibição 12 II 26 erro de proibição ou erro de permissão 12 II 26 2 erro de proibição direto 12 II 26 1 erro de tipo permissivo 12 II 26 3 meios de conhecimento 12 II 24 exigibilidade de comportamento diverso 12 II 3 inexigibilidade como fundamento geral de exculpação 12 II 32 normalidade das circunstâncias 12 II 31 situações de exculpação 12 II 33 situações de exculpação legais 12 II 331 coação irresistível 12 II 331 a excesso de legítima defesa pu tativa 12 II 331 d Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 720 242012 162851 721 Índice Alfabético Remissivo excesso de legitima defesa real 12 II 331 c obediência hierárquica 12 II 331 b situações de exculpação suprale gais 12 II 332 conflito de deveres 12 II 332 d desobediência civil 12 II 332 c fato de consciência 12 II 332 a provocação da legítima defesa 12 II 332 b DIREITO PENAL 1 conceito 1 I objetivos 1 II objetivos declarados 1 II 1 objetivos reais 1 II 2 direito penal e desigualdade social 1 II 21 bem jurídico 1 II 22 EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE 24 anistia graça e indulto 24 II crimes complexos dependentes de ou tros crimes etc 24 VIII descriminalização do fato 24 III extinção da punibilidade no concurso de crimes 24 IX morte do agente 24 I perdão judicial 24 VII prescrição decadência e perempção 24 IV decadência 24 IV 2 perempção 24 IV 3 prescrição 24 IV 1 antes do trânsito em julgado 24 IV 11 causas impeditivas 24 IV 18 causas interruptivas 24 IV 19 depois do trânsito em julgado 24 IV 12 pelos níveis de concretização da pena 24 IV 13 medidas de segurança 24 IV 17 pena de multa 24 IV 16 penas menos graves 24 IV 110 penas restritivas de direito 24 IV 15 redução e aumento dos prazos 24 IV 14 renúncia e perdão 24 V perdão 24 V 2 renúncia 24 V 1 retratação do agente 24 VI FATO PUNÍVEL 5 definições 5 I sistemas 5 II modelo bipartido 5 II 1 modelo tripartido 5 II 2 modelo clássico 5 II 21 modelo finalista 5 II 23 modelo neoclássico 5 II 22 modelo de fato punível adotado 5 II 3 INTERPRETAÇÃO DA LEI PENAL 4 analogia e interpretação 4 II 4 fontes da norma penal 4 IV interpretação da norma penal 4 II necessidade da analogia 4 II 5 resultados da interpretação 4 III 3 significado de norma jurídica 4 I silogismo como lógica de subsunção 4 III sujeitos da interpretação 4 II 2 técnicas de interpretação 4 II 1 MEDIDAS DE SEGURANÇA 22 crise das medidas de segurança 22 II medidas de segurança na legislação Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 721 242012 162851 722 Índice Alfabético Remissivo penal brasileira 22 III duração 22 III 4 espécies 22 III 3 hospital de custódia e tratamento psiquiátrico 22 III 31 tratamento ambulatorial 22 III 32 objetivos 22 III 2 prescrição 22 III 7 pressupostos 22 III 1 periculosidade criminal do autor 22 III 12 determinação judicial 22 III 12 b presunção legal 22 III 12 a realização de fato previsto como crime 22 III 11 substituição e conversão 22 III 6 verificação de cessação da periculosi dade criminal 22 III 5 vias alternativas 22 I OUTRAS CONDIÇÕES DE PUNIBI LIDADE 13 condições objetivas de punibilidade 13 II fundamento excludentes de penas 13 III introdução 13 I POLÍTICA CRIMINAL E DIREITO PENAL 17 discurso crítico da teoria criminológica da pena 17 II crítica materialista dialética 17 II B pena como retribuição equivalente 17 II B 1 prevenção especial como garantia das relações sociais 17 II B 2 prevenção geral como afirmação da ideologia dominante 17 II B 3 teorias unificadas como integração das funções manifestas ou declara das 17 II B 4 crítica negativaagnóstica 17 II A discurso oficial da teoria jurídica da pena 17 I prevenção especial 17 I 2 prevenção geral 17 I 3 retribuição de culpabilidade 17 I 1 teorias unificadas pena como retri buição e prevenção 17 I 4 PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL 2 princípio da culpabilidade 2 II princípio da humanidade 2 V princípio da legalidade 2 I e proibição de analogia 2 I 2 e proibição do costume 2 I 3 e proibição de indeterminação 2 I 4 e proibição de retroatividade 2 I 1 princípio da lesividade 2 III princípio da proporcionalidade 2 IV princípio da responsabilidade penal pessoal 2 VI PRISÃO E CONTROLE SOCIAL 18 indústria do encarceramento 18 VI modelo auburniano de penitenciária 18 V modelo filadelfiano de penitenciária 18 IV origem da penitenciária 18 III privatização de presídios no Brasil 18 VII relação cárcerefábrica 18 II RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA 25 controvérsia constitucional 25 II introdução 25 I problemas da responsabilidade penal da pessoa jurídica 25 III a pessoa jurídica e o conceito de crime 25 III 1 a pessoa jurídica e o conceito de culpabilidade 25 III 12 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 722 242012 162851 723 Índice Alfabético Remissivo a pessoa jurídica e o conceito de tipo de injusto 25 III 11 a incapacidade de ação 25 III 111 o conceito de tipo de injusto 25 III 112 o tipo de injusto doloso 25 III 1121 o tipo de injusto imprudente 25 III 1122 o tipo de injusto omissivo 25 III 1123 conclusão sobre a relação pessoa jurídicacrime 25 III 14 o modelo francês de responsabi lidade penal 25 III 13 a pessoa jurídica e o conceito de pena 25 III 2 conclusão 25 III 25 lesão da técnica legislativa da lei penal 25 III 21 lesão do princípio da personalidade da pena 25 III 22 lesão do princípio da individuali zação da pena 25 III 23 lesão das funções declaradas do discurso oficial da pena 25 III 24 SISTEMA PENAL BRASILEIRO 19 penas criminais 19 II cominação das penas criminais 19 II 5 conversibilidade executiva das penas criminais 19 II 4 pena de multa 19 II 3 aplicação 19 II 32 quantidade de diasmulta 19 II 32 a valor do diamulta 19 II 32 b cominação 19 II 31 execução 19 II 33 pena privativa de liberdade 19 II 1 detração penal 19 II 15 direitos e deveres do condenado 19 II 12 deveres do condenado 19 II 12 b direitos do condenado 19 II 12 a remição penal 19 II 12 d trabalho do condenado 19 II 12 c disciplina penal 19 II 13 faltas disciplinares 19 II 131 sanções disciplinares e regime disciplinar diferenciado 19 II 132 advertência verbal e repreensão 19 II 132 a regime disciplinar diferenciado 19 II 132 c suspensão ou restrição de direi tos e isolamento celular 19 II 132 b individualização da execução 19 II 14 classificação dos condenados 19 II 141 exame criminológico 19 II 142 limite das penas privativas de liber dade 19 II 16 regimes de execução 19 II 11 regime aberto 19 II 112 c regime especial para mulheres 19 II 112 d regime fechado 19 II 112 a regime semiaberto 19 II 112 b penas restritivas de direito 19 II 2 espécies 19 II 23 interdição temporária de direitos 19 II 234 limitação de fim de semana 19 II 235 perda de bens e valores 19 Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 723 242012 162851 724 Índice Alfabético Remissivo II 232 prestação de serviços à comuni dade ou entidades publicas 19 II 223 prestação pecuniária 19 II 231 natureza 19 II 21 pressupostos de aplicação 19 II 22 política penal brasileira 19 I SUBSTITUTIVOS PENAIS 21 substitutivos penais da legislação brasileira 21 II livramento condicional 21 II B condições de execução 21 II B 3 efeitos da revogação 21 II B 6 espécies 21 II B 1 pressupostos específicos 21 II B 22 pressupostos gerais 21 II B 21 extinção da pena 21 II B 7 formalidades de concessão 21 II B 4 revogação 21 II B 5 substitutivos penais da Lei 909995 21 II C suspensão condicional do processo 21 II C 2 conceito 21 II C 21 condições de execução 21 II C 23 extinção da pena 21 II C 25 pressupostos de concessão 21 II C 22 ausência de processo ou de condenação por outro crime 21 II C 22 b crimes com pena mínima co minada igualinferior a 1 ano 21 II C 22 a requisitos exigidos para suspen são condicional da pena 21 II C 22 c revogação 21 II C 24 transação penal 21 II C 1 conceito 21 II C 11 consequências jurídicas 21 II C 13 requisitos 21 II C 12 requisitos negativos 21 II C 122 condenação definitiva a pri vação de liberdade por crime 21 II C 122 a contraindicação dos ante cedentes conduta social etc 21 II C 122 c obtenção de igual benefício nos últimos 5 anos 21 II C 122 b rejeição pelo acusado ou defensor 21 II C 122 d requisitos positivos 21 II C 121 crime de ação penal pública 21 II C 121 b pena máxima cominada até 2 anos 21 II C 121 a suspensão condicional da pena 21 II A condições judiciais 21 II A 4 condições legais de execução 21 II A 3 extinção da pena 21 II A 9 formalidades de concessão 21 II A 6 modificação das condições de exe cução 21 II A 5 pressupostos específico 21 II A 1 sursis comum 21 II A 1 a sursis especial 21 II A 1 b sursis etário 21 II A 1 c sursis por razões de saúde 21 II A 1 d Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 724 242012 162851 725 Índice Alfabético Remissivo pressuposto geral 21 II A 2 prorrogação do prazo 21 II A 8 revogação 21 II A 7 teoria 21 I conclusão 21 I 3 teorias críticas 21 I 2 ampliação do controle social 21 I 2 c crise fiscal 21 I 22 superlotação carcerária 21 I 21 teorias tradicionais 21 I 1 explicações científicas 21 I 12 explicações humanitárias 21 I 11 TENTATIVA E CONSUMAÇÃO 15 desistência da tentativa 15 III arrependimento posterior 15 III 7 estrutura 15 III 3 arrependimento eficaz 15 III 3 32 desistência voluntária 15 III 3 31 extensão dos efeitos 15 III 5 tentativa falha 15 III 4 tentativa inacabada e acabada 15 III 2 teorias 15 III 1 introdução 15 I teorias da tentativa 15 II consumação formal e material 15 II 5 delito de alucinação 15 II 9 objeto da tentativa 15 II 6 punibilidade da tentativa 15 II 7 tentativa inidônea 15 II 8 teorias objetivas 15 II 1 teoria objetiva formal 15 II 11 teoria objetiva material 15 II 12 teoria objetivosubjetiva ou objetiva individual 15 II 3 teoria subjetiva 15 II 2 tipo de tentativa 15 II 4 TEORIA DA AÇÃO 6 conclusões 6 IV definições de ação 6 II modelo causal 6 II 1 modelo final 6 II 2 modelo negativo 6 II 4 modelo pessoal 6 II 5 modelo social 6 II 3 funções da ação 6 III delimitação 6 III 3 fundamentação 6 III 2 unificação 6 III 1 introdução 6 I TEORIA DO TIPO 7 adequação social 7 III conceito 7 I desenvolvimento 7 II elementos constitutivos 7 IV elementos descritivos 7 IV elementos normativos 7 IV elementos objetivos 7 IV elementos subjetivos 7 IV funções 7 I modalidades de tipos 7 V tipo básico variações do tipo básico e tipos independentes 7 V 6 tipos de ação e de omissão de ação 7 V 7 tipos de resultado e de simples ativi dade 7 V 1 tipos dolosos e imprudentes 7 V 8 tipos gerais especial e de mãoprópria 7 V 5 tipos instantâneos e permanentes 7 V 4 tipos simples e compostos 7 V 2 TIPOS DE INJUSTO DOLOSOS DE AÇÃO 8 introdução 8 I tipo objetivo 8 II Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 725 242012 162851 726 Índice Alfabético Remissivo causação do resultado 8 II 1 adequação 8 II 12 equivalência das condições 8 II 11 imputação do resultado 8 II 2 ação não cria risco do resultado 8 II 21 risco não realizado no resultado 8 II 22 tipo subjetivo 8 III dolo 8 III 1 dimensão temporal do dolo 8 III 13 dolo alternativo 8 III 12 dolo direto de 1º grau 8 III 11 a dolo direto de 2º grau 8 III 11 b dolo eventual 8 III 11 c espécies de dolo 8 III 11 erro de tipo 8 III 2 e erro de subsunção 8 III 21 e intensidade de representação 8 III 22 desvios causais 8 III 3 aberratio ictus 8 III 3 2 desvios regulares 8 III 3 1 dolo geral 8 III 3 4 erro sobre objeto 8 III 3 5 troca de dolo 8 III 3 3 elementos subjetivos especiais 8 III 4 TIPO DE INJUSTO IMPRUDENTE 9 capacidade individual como critério de classificação de imprudência 9 II crimes qualificados pelo resultado combinações dolo imprudência 9 V tipo de injusto imprudente 9 III imputação do resultado 9 III 3 21 ausência de lesão do risco permitido ou do dever de cuidado 9 III 31 resultados fora da proteção do tipo 9 III 223 autoexposição a perigo 9 III 2231 consequências danosas posterio res 9 III 2235 danos psíquicoemocionais sobre terceiros 9 III 2234 exposição consentida a perigo de outrem 9 III 2232 perigos em áreas de responsabili dade alheia 9 III 2233 previsibilidade e previsão do resul tado 9 III 23 imprudência consciente 9 III 231 imprudência inconsciente 9 III 232 resultados iguais em condutas con formes ao direito 9 III 33 ação lesiva do dever de cuidado ou do risco permitido 9 III 1 correlação riscoutilidade 9 III 1 c dever de informação sobre riscos 9 III 1 b modelo de homem prudente 9 III 1 a princípio da confiança 9 III 1 d resultado de lesão do bem jurídico 9 III 2 tipo objetivo e subjetivo 9 IV TIPO DE INJUSTO DE OMISSÃO DE AÇÃO 10 ação e omissão de ação 10 II consciência do injusto e erro de man dado 10 VI estrutura dos tipos de omissão de ação 10 V omissão de ação imprórpia e o princípio da legalidade 10 IV a proibição de analogia penal 10 IV 1 a proibição de indeterminação penal 10 IV 2 elementos comuns do tipo objetivo Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 726 242012 162851 727 Índice Alfabético Remissivo 10 V 1 omissão de ação mandada 10 V 13 poder concreto de agir 10 V 12 situação de perigo para o bem jurí dico 10 V 11 elementos específicos da omissão de ação imprópria 10 V 2 posição de garantidor 10 V 22 assunção da responsabilidade de impedir o resultado 10 V 2 b comportamento anterior criador do risco do resultado 10 V 2 c obrigação legal de cuidado pro teção e vigilância 10 V 2 a resultado típico 10 V 21 tipo subjetivo da omissão de ação 10 V 3 exigibilidade da ação mandada 10 VIII omissão de ação própria e imprópria 10 III tentativa e desistência 10 VII UNIDADE E PLURALIDADE DE FATOS PUNÍVEIS 16 limite das penas privativas de liberdade 16 VII multa na pluralidade de fatos puníveis 16 VI pluralidade aparente de leis 16 VIII antefato e pósfato copunidos 16 VIII 4 consunção 16 VIII 3 especialidade 16 VIII 1 subsidiariedade 16 VIII 2 pluralidade formal de resultados típicos 16 IV pluralidade material de fatos puníveis 16 III unidade continuada de fatos típicos 16 V unidade e pluralidade de ações típicas 16 II VALIDADE DA LEI PENAL 3 Validade da Lei Penal no Espaço 3 A extradição 3 A III extraterritorialidade 3 A II imunidades diplomáticas 3 A I 2 lugar do crime 3 A I 4 navios e aviões públicos e privados 3 A I 3 princípio da competência universal 3 A II 3 princípio da personalidade 3 A II 2 princípio da proteção 3 A II 1 territorialidade 3 A I território 3 A I 1 Validade da Lei Penal no Tempo 3 B lei penal mais benigna critério espe cífico 3 B II e comparação de leis diferentes 3 B II 21 e combinação de leis sucessivas 3 B II 22 e jurisprudência 3 B II 5 e lei de execução penal 3 B II 4 e leis penais em branco 3 B II 1 e leis penais temporárias e excep cionais 3 B II 2 e leis processuais penais 3 B II 3 princípio da legalidade critério geral 3 B I Final Direito Penal Juarez Cirino dos Santos5 EDIÇÃOindd 727 242012 162852