·

Direito ·

Direito Penal

Envie sua pergunta para a IA e receba a resposta na hora

Fazer Pergunta

Texto de pré-visualização

Professor na Universidade Federal de Minas Gerais O DIREITO PENAL SOB A PERSPECTIVA FUNCIONAL REDUTORA DE EUGENIO RAUL ZAFFARONI Luís Augusto sAnzo Brodt RESUMO A concepção funcional redutora do direito penal fruto do labor de Eugenio Raul Zaffaroni ao longo das últimas duas décadas está a reclamar por sua importância e originalidade atenção mais detida e debate mais intenso por parte da doutrina brasileira No presente artigo com o intuito de favorecer a difusão das ideias de Zaffaroni entre nós temse o propósito de examinar as bases da construção teórica do funcionalismo redutor Especialmen te visase a analisar as categorias da teoria do delito sob a ótica redutora Outrossim em questões fundamentais não se deixará de comparar o entendimento atual de Zaffaroni com o anterior ao advento da concepção redutoraNa medida do possível também se buscará apontar o estádio em que se encontra a doutrina brasileira em relação à recepção do pensamento de ZaffaroniO trabalho será encerrado com uma avaliação a respeito da pertinência das propostas de Zaffaroni PALAVRAS CHAVE teoria do direito penal funcionalismo redutor O DIREITO PENAL SOB A PERSPECTIVA FUNCIONAL REDUTORA 98 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 SUMÁRIO 1Introdução 2A função do Di reito Penal Redutor 3A teoria do delito sob a perspectiva funcional redutora40 conceito de conduta 5A tipicidade conceito de tipo penal 51Tipos dolosos 511Tipo objetivo sistemá tico e conglobante 512Função redutora da tipicidade conglobante 513O domínio do fato como pressuposto da tipicidade objetiva 52Tipos culposos53Tipos omissivos6A ilicitude7A cul pabilidade 8Considerações finais 9Referências Bibliográficas Escrito em homenagem ao ProfDrAriosvaldo de Campos Pires in memorian voz e talento a serviço da causa da liberdade 1INTRODUÇÃO A concepção funcional redutora do direito penal tratase de mais uma via de desenvolvimento da teoria do delitoElaborada por Eugenio Raul Zaffaroni a partir do ensaio Em busca das penas perdidas cujo advento deuse ainda no século passadoano de mil novecentos e oitenta e nove 1 foi desenvolvida em trabalhos posteriores entre os quais destacamse Derecho PenalParte General2 e Direito Penal Brasileiro3 vindos à lume já nos anos dois mil 1 En busca de las penas perdidas teve a sua primeira edição publicada na Argentina pela Editora Ediar no ano de 1989Em 1991 a Editora Revan publicou a obra no BrasilA tradução esteve sob a responsabilidade de Vania Romano Pedrosa e Amir Lopez da ConceiçãoA apresentação foi de Nilo Batista 2 CfZAFFARONI ERaúlALAGIA AlejandroSLOKAR AlejandroDerecho penalParte general1ª edBuenos Aires Ediar 2000 3 Cf BATISTA Nilo ZAFFARONI Eugenio Raúl ALAGIA Alejandro SLOKAR AlejandroDireito penal brasileiroRio de Janeiro Revan 2003 LUÍS AUGUSTO SANZO BRODT 99 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 No trabalho em coautoria com Alejandro Slokar e Alejandro Alagia Zaffaroni4 destaca que a concepção funcional redutora não significa uma ruptura metodológica em relação às teorias anterio res Ao neokantismo reconhece o adestramento necessário à fina construção sistemática da teoria do delito Ao finalismo o mérito de advertir os dogmatas sobre a necessidade de respeito aos limites impostos pelo mundo e seus dados à elaboração dos conceitos ju rídicos E ao funcionalismo a importância de assumir claramente a funcionalidade política dos conceitos jurídicos Do mesmo modo que acontece no funcionalismo alemão5 Zaffaroni busca lançar uma ponte construtiva entre o funcionalismo redutor e a sociologia Entretanto diferentemente de Roxin e Jakobs que o fazem no âmbito da sociologia sistêmica Zaffaroni valese para tanto das teorias sociais do conflito associadas à concepção agnóstica da pena Afastandose dessa forma das mencionadas vertentes No presente artigo temse por propósito examinar as bases da construção teórica do funcionalismo redutor Especialmente visase a analisar as categorias da teoria do delito sob a ótica re dutora Outrossim em questões fundamentais não se deixará de comparar o entendimento atual de Zaffaroni com o anterior ao 4 CfZAFFARONI ERaúlALAGIA Alejandro SLOKAR AlejandroDere cho penalParte general2ª edBuenos Aires Ediar 2002 p388 e 389 5 Desde os anos setenta do século passado a partir da Alemanha tem sido de senvolvido importante esforço no sentido de construir e desenvolver um novo sistema do direito penal racionalfinalou teleológicoApesar de muitas diferenças os defensores dessa orientação de acordo com o que assinala Claus Roxin pretendem todos refutar o ponto de partida do sistema finalista con sideram que a elaboração do sistema penal não pode vincularse a realidades ontológicas prévias mas devem guiarse exclusivamente pelas finalidades do direito penal ROXIN ClausDerecho penalParte generalFundamentosLa estructura de la teoria del delitoTraducción y notas DiegoManuel Luzón Peña Miguel Diaz y Garcia Conlledo e Javier de Vicente RemesalMadrid Civitas tomo I p203 O DIREITO PENAL SOB A PERSPECTIVA FUNCIONAL REDUTORA 100 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 advento da concepção redutoraNa medida do possível também se buscará apontar o estádio em que se encontra a doutrina brasileira em relação à recepção do pensamento de ZaffaroniO trabalho será encerrado com uma avaliação a respeito da importância e pertinência de suas propostas 2A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL REDUTOR A funcionalidade entendida como relação entre conceitos jurídicos e seus efeitos políticos mais precisamente como efeito político dos conceitos jurídicos é considerada por Zaffaroni como um dado ôntico dos conceitos jurídicos6Assim afirma que o di reito penal ao elaborar os seus conceitos não pode desconhecer que ainda quando não o faça teleologicamente esses cumprem uma função política e por isso não resta outra alternativa que os orientar politicamente sob pena de construirse conceitos jurídicos perversos7 O direito penal conforme Zaffaroni deve ser construido de maneira muito parecida com o direito humanitário Pois tal como esse último tratase de um ramo do direito que deve programar o exercício de um poder que está legitimado na medida em que contém limita ou reduz o exercício de outro poder que não está legitimado8 6 CfZAFFARONI ERaúlALAGIA Alejandro SLOKAR AlejandroDere cho penalParte general2ª ed p386 7 Ibidem p387 8 Ibidem p52 A ideia de que a pena tem semelhança com a guerra segun do Zaffaroni não é novaAfirma que a mesma foi sustentada por Tobias Barreto a quem considera um dos penalistas mais criativos do século XIX Ibidem p53Efetivamente o professor da Faculdade do Recife afirma ex pressamente La pena constituye un medio extremo como tal es también considerada la guerraEn la fuente em que cualquier dichoso pudiera gloriarse de beber la razón filosófica de una encontraria igualmente el fundamento de la outraCfBARRETO TobiasIntroduccion al estudio del derecho penal TradPablo de VegaBuenos Aires Hammurabi 2009 p54 LUÍS AUGUSTO SANZO BRODT 101 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 A pena para Zaffaroni é uma manifestação de poder que o poder dos juristas pode limitar ou conter porém não eliminar Portanto somente resulta racional uma teoria do direito penal que o programe para reduzir o poder punitivo até o limite do poder de decisão dos juízes9 Zaffaroni argumenta que as principais teorias que têm sido propostas para indicar a finalidade da penateorias positivas da pena ou são falsasteoria da prevenção especial10 ou pelo menos é falsa a sua generalizaçãoteoria da prevenção geral negativa11 Assim em termos realísticos o único conceito de pena pos sível seria o agnóstico Pois pressupõe a incorporação de dados ônticos Segundo a concepção agnóstica da pena o referido conceito passa a ter as seguintes características a é uma coerção b que impõe uma privação de direitos ou uma dor c que não repara nem restitui e d nem tão pouco detém as lesões em curso ou neutraliza os perigos iminentesTratase de um conceito de pena que é negativo por duas razões a não assinala nenhuma função positiva à pena b é obtido por exclusãoé a coação estatal que não entra no modelo reparador nem no administrativoÉ agnóstico quanto a sua função porque parte de seu desconhecimentoEsta teoria negativa e agnóstica da pena segundo Zaffaroni é o único caminho que permite incorporar ao horizonte do direito penal e com isso 9 CfZAFFARONI ERaúlALAGIA Alejandro SLOKAR AlejandroDere cho penalParte general2ª ed p52 e 53 10 A falsidade da pretensão de ressocializar o homem por meio da pena privativa de liberdade está fartamente comprovada pela experiência Ibidem p62 e 63 11 A prevenção geral negativa pode eventualmente funcionar em relação a um número pequeno de pessoas e crimesEntretanto na maior parte das vezes a pessoa na realidade não deixa de praticar crimes pela ameaça da pena mas por questões éticas jurídicas e afetivas Ibidem p58 O DIREITO PENAL SOB A PERSPECTIVA FUNCIONAL REDUTORA 102 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 tornar matéria do mesmo as leis penais latentes e eventuais ao mesmo tempo que desautoriza os elementos discursivos negativos do direito penal dominante12 O direito penal acatada uma perspectiva agnóstica da pena deve desempenhar em relação ao poder punitivo uma função cor retiva redutora que se leva a cabo por meio da interpretação das leis penais manifestasO saber penal deve operar como um dique de contenção das águas mais turbulentas e caóticas do estado de polícia para impedir que atinjam o estado de direito A função do direito penal é evitar que as águas do poder pu nitivo invadam o dique porém ao mesmo tempo precisa impedir a contenção de uma quantidade tão enorme de água que provoque o seu rompimentoPor isso deve operar seletivamente filtrando somente as águas mais sujas e reduzindo sua turbulência valendose de um complexo sistema de comportas que impeçam a perfuração de qualquer delas e que para o caso de produzirse disponham de outras que as reasseguremDaí que se o poder punitivo exerce sua violência seletivamente a contenção redutora que deve opor o direito penal também deve ser seletiva13 No contexto dessa perspectiva funcional redutora do direito penal pressupõese duas grandes divisões de comportas seletivas a a primeira delas é a teoria do delitoNela se verifica se estão dados os pressupostos para requerer da agência judicial uma resposta que habilita o exercício do poder punitivo b a segunda é a teoria da 12 Ibidem p45 e 46 13 CfZAFFARONI Eugenio RaulALAGIA AlejandroSLOKAR Alejandro Ibidemp 372A atividade seletiva do direito penal segundo Zaffaroni deve guiarse pelos seguintes princípios princípio da limitação máxima da resposta contingente princípio da lesividade princípio da mínima proporcionalidade princípio do respeito mínimo à humanidade princípio da idoneidade relativa princípio limitador da lesividade da vítima e o princípio da transcendência mínima da intervenção punitiva CfZAFFARONI Eugenio RaúlEm busca das penas perdidasA perda de legitimidade do sistema penalcitp240 a 243 LUÍS AUGUSTO SANZO BRODT 103 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 pena Onde o sistema se pergunta como a agência jurídica deve responder a esse requerimento14 As comportas não poderiam operar a mencionada seleção se não se combinassem em forma de sistema entendido como unidade de diversos conhecimentos sob uma determinada ideia ou seja conforme o ensinado por KantO direito penal redutor construido sem o auxílio da medologia da dogmática penal acabaria convertido em um discurso político juridicamente oco15 3 A TEORIA DO DELITO SOB A PERSPECTIVA FUNCIONAL REDUTORA Adiante será examinado como Zaffaroni faz a análise da teoria do delito sob a persperctiva funcional redutora O ponto de partida é a concepção da teoria do delito como ação típicia ilícita e culpávelCada uma das mencionadas categorias seriam filtros que permitem fazerse sucessivas interrogações sobre uma resposta habilitante do poder punitivo por parte das agências judiciais16 O poder punitivo é um fato político de força irracional e o direito penal deve ceder somente a parte desse que menos comprometa a sua racionalidade a seleção penal deve ser racional para compensar até onde possa a violência seletiva do poder punitivo17 O conceito de ação base da concepção estraficada da teoria do delito constituise no primeiro dos filtros que o acontecimento deve transpor a fim de ser considerado crime Assim tal como as demais categorias deve atuar de modo funcional à redução do poder punitivo 14 CfZAFFARONI Eugenio RaulALAGIA AlejandroSLOKAR Alejandro Derecho PenalParte Generalp 372 e 373 15 Ibidemp 376 16 Ibidemp 372 e 373 17 Ibidemp 376 O DIREITO PENAL SOB A PERSPECTIVA FUNCIONAL REDUTORA 104 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 A história e a realidade do exercício do poder punitivo demonstram que este sempre esforçase por incidir sobre pessoas selecionadas em atenção a certos esteriótipos historicamente condi cionadaos conforme sua natureza essencialmente discriminatória Por conseguinte a função desse primeiro filtro de contenção do poder punitivo haverá de ser impedir tanto quanto seja possível o desconhecimento desse primeiro nível de racionalidade impos to pelo direito penalPara tanto há que se construir um conceito jurídicopenal de ação que seja anterior à análise da tipicidadepré típico como válvula de segurança do nullum crimen sine lege na forma de nullum crimen sine conducta de modo a conter o impulso seletivo pessoal do poder punitivo18 4 O CONCEITO DE CONDUTA Para Zaffaroni19 o conceito jurídico penal de ação pode ser sintetizado nos seguintes termos un comportamiento humanopor ende conforme a sentido que se exterioriza con efectos en cierto contexto mundano Vejamos as características de tal conceito Em primeiro lugar tratase de um conceito normativo ainda que prétípico O direito penal deve construir o conceito de ação procedendo por abstração dos dados da realidadeDa mesma forma como o fazem quaisquer ciências que se ocupam da conduta humanaNão há um conceito de ação real mas uma realidade que é a conduta humana Cada saber conforme o seu interesse abstrai o que entende útil para seu conceito de ação20 O conceito jurídico penal de ação entretanto como qualquer outro conceito do direito penal não pode inventar o que no mundo não existe 18 Ibidemp 399 19 Ibidem p 421 20 Ibidem p 413 e 414 LUÍS AUGUSTO SANZO BRODT 105 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 O sistema deve admitir que quando o legislador se refere a algum dado do mundo não pode inventálo deve respeitar elementarmente a sua onticidadeO que é impossível pouco importa que o seja por razões físicas ou sociais não se pode considerar juridicamente possível sob pena de incorrer em um autismo discursivo ou em uma falsidade apelidada de ficcção21 Em síntese para Zaffaroni o ser da conduta não impõe nenhum conceito de ação para o direito penalEntretanto impõe limites para a construção abstrata dos conceitos científicos pois não resta outro recurso que abstrair aspectos da conduta humana para elaborálos sem que isso implique necessariamente que possa inventar o que resta e o que se abstrai Devese pescar recortar pedaços do ser porém não se pode recortar o que não existeNão há pois um conceito ôntico de ação porém há limites ônticos à construção jurídico penal do conceito de ação22 Outrossim o conceito jurídico penal de ação sob a perspectiva redutora é prétípicoPois a identificação do conceito de ação com a ação realizadora do tipoação típica tem o sério inconveniente segundo Zaffaroni de permitir ao legislador penal que disfarce como ações dados que não o são A ação seria o que os tipos individualizam como tal o que provoca a derrocada do nullum crimen sine conducta23 O mesmo axioma exige um conceito prétípico de ação que por império constitucional e internacional deve imporse inclusive ao poder criminalizante primárioSe para construílo tomase por fundamento os tipos atos de criminalização primária o refúgio não será outra coisa que uma jaula de leões24 21 Ibidem p94 e 95 22 Ibidem p415 23 Ibidemp409 24 Ibidemp414 O DIREITO PENAL SOB A PERSPECTIVA FUNCIONAL REDUTORA 106 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 Em segundo lugar o conceito de ação formulado por Zaffaroni no âmbito da teologia redutora tem como elemento a finalidade que se exterioriza em um determinado contexto A integração da finalidade ao mencionado conceito atende à funcionalidade redutora que ao mesmo cabe desempenharPois quanto mais elementos se tomem da realidade da conduta para a construção do conceito jurídico penal mais estreito o mesmo seráE desse modo menos acontecimentos estarão aptos a satisfazêlo A inclusão da finalidade no conceito de conduta de maneira análoga à teoria finalista da ação segundo Zaffaroni é útil para precisar e por fim limitar o seu conceito jurídico e garantir de maneira mais efetiva o nullum crimen sine conducta25 Por outro lado Zaffaroni explica que a medida que a Constituição consagra o princípio da ofensividade os tipos obrigatoriamente terão de abarcar apenas ações conflitivas ou seja situações em que alguém lesione outremEm decorrência disso é elementar que tenham um sentido que se exteriorize no mundo Pois caso contrário não se poderia produzir um conflitolesão26 Assim em qualquer conceito jurídico penal de ação a exteriorização da mesma que é fenômeno que nem sempre a integra porém que necessariamente a acompanha deve ocupar uma posição sistemática prétípica pois do contrário o tipo abrangeria o vazio o que seria o mesmo que criar uma exteriorização Contudo é evidente que esses efeitos não podem ser analisados no nível prétípico porque se trata de uma função jurídica de definição do conflito que é apenas realizável mediante o emprego do tipo como instrumento O conjunto de infinitos efeitos possíveis de uma ação ex teriorizada não é abarcável pelo conhecimento humano Conse quentemente tão pouco pode interessar ao tipo penal segundo 25 Ibidem p416 26 Ibidem p416 e 417 LUÍS AUGUSTO SANZO BRODT 107 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 um mínimo de racionalidadePorém a lei penal não somente não pode proibir efeitos que não são abrangívies nem controláveis pelo sujeito de uma ação como é elementar que somente lhe interessam os efeitos que modificam o mundo de maneira lesiva para alguém ou para todos e que possam vincularemse a ação como obra do autorA ação e a obra constituem o pragma conflitivo que é o que o tipo capta certo pragma conflitivo certa ação que reconfigura o mundo de certa maneira conflitiva27 Na obra intitulada Teoria del delito28 datada da década de setenta Zaffaroni pronunciavase em conformidade com uma postura rigidamente finalistaAssim defendia a existência de um só conceito de açãoônticoontológico com o qual inevitavelmente deveria coincidir o conceito penal se é que o direito pretendesse lograr o seu objetivo29 A ideia de inexistência de um conceito jurídico penal de ação devido a completa identidade entre o conceito ônticoontológico de ação e o jurídicopenal de conduta está presente também no trabalho intitulado Manual de Direito Penal brasileiro 30Entre tanto cabe enfatizar que os autores no prólogo à referida edição inaugural31 advertiam que não se tratava de um labor estático Trabalhos parciais dos últimos anos anunciam mudanças de perspectivas que clamam por modificações estruturais num futuro próximo 27 Ibidem p 417 28 CfZAFFARONI Eugenio RaulTeoria del delitoBuenos Aires Ediar 1973 No presente artigo importanos também notar as alterações significativas que se processaram no pensamento de Zaffaroni quanto a maneira de compreender as diferentes categorias do delito a partir da elaboração da concepção funcional redutora 29 Ibidem p82 30 Inclusive em sua mais nova ediçãoCfZAFFARONI Eugenio Raúl e PIE RANGELI José HenriqueManual de Direito Penal Brasileiro9ª edSão Paulo Revista dos Tribunais 2011 p364 e 365 31 Tal trabalho desenvolvido em parceria com José Henrique Pierangeli teve sua primeira edição publicada no ano de mil novecentos e noventa e sete O DIREITO PENAL SOB A PERSPECTIVA FUNCIONAL REDUTORA 108 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 Já em Direito Penal Brasileiro obra em coautoria com Nilo Batista Alejandro Slokar e Alejandro Alagia encontrase a mais fiel manifestação na doutrina brasileira do atual entendimento de Zaffaroni sobre o conceito jurídico penal de ação não há um conceito ôntico de ação mas há limites ônticos à construção jurídico penal do conceito de ação 32 5A TIPICIDADE CONCEITO DE TIPO PENAL O plano da tipicidade constitui o segundo filtro a que se deve submeter o comportamento a fim de aferirse sua crimi nalidade Os tipos segundo Zaffaroni33 são fórmulas que a lei usa para assinalar os pragmas conflitivos cujas ações ameaça com penaPara o poder punitivo é a formalização da criminalização primária que habilita seu exercício em leis com função punitiva manifestaDe antemão se sabe que esta habilitação formalizada pelas agências políticas competentes dará em poucos casos lugar a um efetivo exercício do poder punitivo como criminalização secundária esgotada em uma pena porém de qualquer modo será um novo motivo para a vigilânciapoder punitivo configurador e para criminalizações secundárias não esgotadasdetenções prisões preventivas interrogatórios etcEssas últimas também se sabe que operam seletivamente em razão da vulnerabilidade do criminalizadoAinda que pareça curioso o tipo é uma fórmula textual de seleção de ações porém o poder punitivo a usa para selecionar pessoas por suas características Daí se deduz que o direito penal como instrumento de realização do estado de direito deve prover um sistema interpre 32 Cf BATISTA NiloZAFFARONI Eugenio RaúlSLOKAR Alejandro e ALAGIA AlejandroDireito Penal BrasileiroSegundo volumeTeoria do delitoRio de Janeiro Revan 2010 p100 e 101 33 CfZAFFARONI Eugenio RaulALAGIA AlejandroSLOKAR Alejandro Derecho PenalParte General p 432 e 433 LUÍS AUGUSTO SANZO BRODT 109 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 tativo limitador do âmbito de ações típicas quanto mais idônea seja uma doutrina penal para reduzir interpretativamente os tipos penais menor será o poder punitivo de seleção pessoal que estará habilitado em uma determinada sociedade Tratase de uma tarefa de redução da seleção de ações necessária para a redução da se leção criminalizante por características pessoaisvulnerabilidade Porém esta tarefa que é a função interpretativa redutora do direito penal a respeito dos tipos penais deve ser levada a cabo de modo racional ou seja de forma que nem toda redução pode ser consi derada idônea para cumprir esta funçãoUma redução arbitrária não teria outro efeito a não ser gerar o risco de uma seleção mais arbitráriaDaí a necessidade de uma análise sistemática dos tipos penais e de uma cuidadosa elaboração sistemática da tipicidade duas arbitrariedades seletivas longe de reduzir a arbitrariedade a pontecializariam somente a neutralização racional da arbitrarie dade seletiva mais grosseira pode reduzila Assim de acordo com Zaffaroni34 o plano da tipicidade deve ser entendido como um terreno de conflito onde colidem o poder punitivo e o direito penalO primeiro luta pela maior habilitação de seu exercício o segundo por sua maior limitação racional Por conseguinte o conceito de tipo tem dupla face para o poder punitivo é instrumento habilitante de seu exercício para o direito penal o é de sua limitação Em suma o tipo penal não é uma fórmula que define o proibido mas uma fórmula necessária para que o direito penal possa interpretála em forma redutora dos âmbitos das hipóteses de proibiçãoA redução abstrata das hipóteses não esgota a tarefa do direito penal mas é o pressuposto necessário para o juízo de valor acerca da proibição das ações concretas que se submetem à decisão jurídicaEsse juízo é o que esgota a função limitadora do direito penal pois é a verdadeira atividade redutora35 34 Ibidem p 433 35 Ibidem p 434 O DIREITO PENAL SOB A PERSPECTIVA FUNCIONAL REDUTORA 110 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 Zaffaroni36 em consonância com a doutrina dominante reconhece o dolo e a culpa a ação e a omissão como diferentes modalidades ou estruturas típicasO conceito redutor de conduta jurídico penal é mencionado como caráter genérico comum a todas as estruturas típicas 37 51 TIPOS DOLOSOS Em relação aos tipos dolosos Zaffaroni 38 os considera como complexos abarcando um aspecto objetivo e outro subjetivo Ao tipo objetivo Zaffaroni39 atribui duas funções a siste mática consiste em prover todos os componentes objetivos que emergem da análise isolada do tipoTratase de uma função de fixação primária ou elementar do objeto da proibição que propor ciona o espaço problemático de discussão da tipicidade objetiva bconglobante verificação do caráter conflitivo do pragma que inclui tanto a investigação da sua lesividade como da possibilidade de que o mesmo seja imputado ao agente como próprio 511 TIPO OBJETIVO SISTEMÁTICO E CONGLOBAN TE Para o cumprimento de ambas as funções Zaffaroni40 divide o tipo objetivo em tipo objetivo sistemático e tipo objetivo congloban te Não se trata de duas tipicidades objetivas independentes mas de uma consideração diferenciada dos elementos do tipo objetivo 36 Ibidemp 444 37 Ibidem 38 Ibidem p 455 39 IbidemAmbas as mencionadas funções do tipo objetivosistemática e con globantesão referidas na obra de Zaffaroni em coatoria com Nilo Batista Alejandro Slokar e Alejandro AlagiaCf BATISTA NiloZAFFARONI Eugenio RaúlSLOKAR AlejandroALAGIA AlejandroDireito Penal Bra sileiroSegundo VolumeTeoria do delito introdução histórica e metodologia ação e tipicidadeRio de Janeiro Revan p149 a 260 40 Ibidem LUÍS AUGUSTO SANZO BRODT 111 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 No tipo objetivo sistemático comprovase a mutação física operada no mundo exterior como efeito da ação elementos par ticulares exigidos por alguns tipos e o nexo de causação entre a mutação física e a açãoEm realidade o tipo objetivo sistemático também cumpre certa função indicativa da lesividade e de sua imputação porém esta é rudimentar ou indiciária uma vez que se limita a abrir o espaço problemático da discussão dado que ocorre com um agente que opera como causante e com uma lesividade emergente de uma norma deduzida de modo muito primário pois resulta do alcance semântico do tipo isolado Já no tipo conglobante reconsiderase o alcance da norma deduzida do tipo mediante sua conglobação no universo de normas deduzidas de outros tipos e estabelecidas por outras leis penais e não penais conforme o princípio geral da coerência ou não con tradição o que compreende as limitações proibitivasinterferência de criminalização primária derivadas de normas de superior hierarquiaconstitucionais e internacionais e do geral sentido de todas elas que também pressupõe que o pragma possa ser imputado como obra de uma pessoa A exigência de coerência ou não contradição segundo Zaffaroni41 não é prélegal nem se deduz de nenhuma afirmação presunção ou ficcção de racionalidade ou não contradição do legislador ou do estado mas é parte da imposição de exercer racionalmente o poder de juris dicere que o art1º da CNprincípio republicano de governo42 dirige a todo juizA exigência de que um pragma não seja imputado a uma pessoa quando não possa ser considerado como próprio dela é depreendida do mesmo princípio republicano e também do fundamento do princípio da legalidade se a ninguém pode imputarse um pragma que não seja doloso ou culposo o tipo objetivo deve excluir de sua abrangência todo evento 41 Ibidemp 456 42 O princípio republicano de governo também é consagrado no art1º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 O DIREITO PENAL SOB A PERSPECTIVA FUNCIONAL REDUTORA 112 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 não apto para alguma dessas imputaçõesno caso do tipo doloso ativo corresponde excluirse do mesmo apenas as condutas não aptas para serem dolosas Zaffaroni assinala ainda que a teoria da tipicidade conglo bante em sua versão originária operava como critério corretivo das tipicidades objetiva e subjetivaOs requisitos atribuídos à tipicidade conglobante na primeira fase da mesma teoria devem ser transferidos em boa parte para a tipicidade objetiva a fim de resolver os problemas de redução da proibição de maneira prévia à tipicidade subjetiva porque sem o cumprimento de tais requisitos imputativos objetivos a pergunta sobre qualquer outra ulteridade careceria de sentido43 Na obra Teoria del delito quanto à tipicidade conglobante Zaffaroni limitávase a mencionar a necessidade de verificação de uma manifestação típica da vontade uma mutação físicaresultado material a relação de causalidade afetação do objeto de interesse sujeitos e elementos normativos44 Na tese de doutorado Do estrito cumprimento de dever legal fezse na doutrina nacional referência à teoria da tipi cidade conglobante conforme primitivamente concebida por Zaffaroni45 A versão original da teoria da tipicidade conglobante ainda hoje é encontrada na obra que Zaffaroni escreveu juntamente com Pierangeli A função deste segundo passo do juízo de tipicidade penal será pois reduzila à verdadeira dimensão daquilo que a norma proíbe deixando fora da tipicidade penal aquelas condutas que somente são 43 Ibidem p 485 44 CfZAFFARONI Eugenio RaulTeoria do delitoBuenos Aires Ediar 1973 p229 a 254 45 CfBRODT Luís Augusto SanzoDo estrito cumprimento de dever legalPorto Alegre Fabris p82 LUÍS AUGUSTO SANZO BRODT 113 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 alcançadas pela tipicidade legal mas que a ordem normativa não quer proibir precisamente porque as ordena ou as fomentaNos capítulos XIX a XXIII nos ocuparemos da tipicidade legal e no capítulo XXIV trataremos da tipicidade conglobanteA tipicidade penal da conduta surge da conjugação de ambas46 Na doutrina brasileira a concepção mais atualizada sobre a tipicidade conglobante é referida de maneira integral na obra conjunta de Zaffaroni Nilo Batista Alejandro Slokar e Alejandro Alagia47 Zaffaroni ao construir sua própria concepção a respeito da tipicidade objetiva afastase das elaborações produzidas no âmbito do funcionalismo que vem sendo construída na Alemanha Ambas as correntes do funcionalismo preventivista procuram ensaiar verdadeiras teorias da tipicidade objetiva com um único fundamento imputativo válido para todas as formas típicasUma delasRoxin afirma que a função do poder punitivo é a prevenção de riscos para os bens jurídicos e que para tanto aspira a fundar a imputação objetiva em todas as formas típicas na produção ou aumento desses riscos e na realização deles no resultado típicoA outraJakobsafirma que a função do poder punitivo é o reforço do sistema mediante a certeza na interação conforme a papéisNão interessa rigorosamente a capacidade individual do agente sendo o determinante a sua condição de portador de um papelPor papel entendese um sistema de posições definidas de modo normativo que pode estar ocupado por diferentes indivíduos A principal contradição dessas teorias segundo Zaffaroni reside em que ao fundamentaremse em critérios preventivistas 46 CfZAFFARONI Eugenio Raúl e PIERANGELI José HenriqueManual de direito penal brasileiroCitp400 47 CfBATISTA Nilo ZAFFARONI Eugenio RaúlSLOKAR Alejandro ALAGIA AlejandroDireito Penal BrasileiroSegundo VolumeCitp212 a 260 O DIREITO PENAL SOB A PERSPECTIVA FUNCIONAL REDUTORA 114 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 legitimam o poder punitivo e por conseguinte apesar de que algumas soluções sejam corretas deixam aberta a porta para uma ampliação do poder punitivoBasta pensar na imensa projeção de fórmulas básicas tais como o papel do bom cidadão ou o aumento do risco para perceber claramente que o âmbito de proibição que surge das mesmas é muito mais amplo do que por exemplo referências como o não matarás48 Na tipicidade dolosa não pode negarse que sejam estranhos quaisquer dos critérios do funcionalismo preventivista não se ajusta à realidade afirmar que introduziu um risco quem causa direta mente um resultado que haja querido Em um marco minimamente realista não é possível afirmar que quem lançou uma bomba sobre Hiroshima introduziu um risco quando em realidade causou uma hecatombe49 Imputar um resultado conforme a criação de um risco é retomar o modelo ex ante da tentativa por ignorância de que não há tentativas no vaziopara nada porque os cursos das ações somente adquirem sentido quando frustrados abandonados ou dialeticamente negados pela consumação do projeto final50 Por outro lado para Zaffaroni a teoria da tipicidade conglo bante em sua última conformação tratase de uma construção que permite resolver os problemas da lesividade e da imputação objetiva sem cair nos postulados preventivistas próprios do fun cionalismo alemão51 48 Cf ZAFFARONI Eugenio RaulALAGIA AlejandroSLOKAR Alejandro Derecho PenalParte Generalp 469 49 Ibidem 50 Ibidem p 469 e 470 51 Ibidem p 484 LUÍS AUGUSTO SANZO BRODT 115 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 512 FUNÇÃO REDUTORA DA TIPICIDADE CONGLO BANTE A tipicidade conglobante cumpre sua função redutora veri ficando a existência de um conflitocaráter conflitivo do compor tamento o que implica uma lesividade objetivamente imputável a um agentedominabilidadeEm outras palavras mediante a função conglobante do tipo objetivo se estabelece a existência mesma do conflito que para tanto requer a comprovação tanto da sua lesividade quanto da sua dominabilidade por um sujeitoOs conflitos penalizados somente são concebidos quando na interação humana importam lesões produzidas a outrosart19 da CN52 de modo que não há conflito quando não há ações que lesionem alguém nem tão pouco há quando não é possível tratálas como pertencentes a alguém53 A consideração conglobada da norma que se deduz do tipo limita seu alcance em função de outras normas do universo ou or dem normativa de que faz parte excluindose a lesividade quando a não haja afetação do bem jurídico ou esta não seja significativa b a exteriorização da conduta do agente enquadrase objetiva mente no que tinha o dever jurídico de fazer nas circunstâncias em que atuou c ou no modelo de ações que o direito fomenta d medie um acordo ou assunção de risco por parte do sujeito passivo e o resultado não exceda o marco da realização de um risco não proibido54 Esses pressupostos tratamse de um conjunto de requisitos de mínima racionalidade cuja violação excede o marco da irracionalidade geral ou habitualmente tolerada no poder punitivo e o torna insuportável ou inadmissível 52 O princípio da ofensividade ainda que de maneira implícita pode ser depre endido do art1 III e art5º caput da Constituição Federal de 1988 53 ZAFFARONI Eugenio RaulALAGIA AlejandroSLOKAR Alejandro Derecho PenalParte Generalp 456 54 Ibidem p 485 O DIREITO PENAL SOB A PERSPECTIVA FUNCIONAL REDUTORA 116 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 O conceito de bem jurídico concebido por Zaffaroni como a relação de disponibilidade de um sujeito para com um objeto é considerado indispensável para fazer efetivo o princípio da lesivi dade Entretanto Zaffaroni adverte para que não se confunda o uso limitativo do conceito de bem jurídico com seu uso legitimante Pois esse último acaba conduzindo a um conceito legitimante diferen ciado de bem jurídico que é o pretendido bem jurídico tutelado O conceito legitimante de bem jurídicobem jurídico tute lado é produto de uma confusão incompatível com o carácter fragmentário da legislação penal e com o caráter sancionador da mesma a legislação penal não cria bens jurídicos mas os mesmos são criados pela Constituição pelo direito internacional e pelo restante da legislaçãoNesses âmbitos tratase de bens jurídicos tuteladospela respectiva norma que o manifestaA leI penal somente eventualmente individualiza alguma ação que o afeta de certo modo particular porém nunca pode conferirlhe uma tutela ampla ou plena dada sua natureza fragmentaria e excepcional55 O conceito limitativo de bem jurídico serve para exigir como pressuposto do poder punitivo a afetação de um bem ju ridicamente tutelado pelo direitoconstitucional internacional civil etcSustentar a existência de um bem jurídicopenalmente tutelado importa reconhecer uma função constitutiva à lei penal e logo abrir caminho a uma aspiração completivanão fragmentária da intervenção penal56 Já a antinormatividade não se comprova com o mero choque da ação com a norma deduzida do tipo mas requer a consideração conglobada dessa com as deduzidas de outros tipos penais 55 Ibidem p 486 e 487 56 Ibidem p 487 LUÍS AUGUSTO SANZO BRODT 117 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 A luz dessa ordem normativa estabelecese a antinormatividade e somente então abrese o caminho lógico para analisar em um passo posterior a antijuridicidadeproibição porque de uma conflitividade lesiva imputável ao agenteantinormatividade não surge ainda um proibição57 Em um segundo momento a tipicidade conglobante operará redutivamente excluindo do âmbito da tipicidade objetiva as ações que não têm condições objetivas para dominar o curso dos fatos 513 O DOMÍNIO DO FATO COMO PRESSUPOSTO DA TIPICIDADE OBJETIVA Somente é possível atribuir um fato como próprio do autor a título doloso quando o autor projeta um plano racional conforme o qual calculou que se desenvolveria a causalidade e colocou uma condição necessária para o seu êxito sem a qual o plano não poderia realizarseEssas condições são indispensáveis para que a tipicidade conglobante cumpra a função imputativa permitindo considerar a um agente como eventual autor doloso pela circunstância de que haja podido ser senhordominus do fato ou seja porque haja podido ter o domínio do fato58 A previsibilidade é um pressuposto necessário da dominabili dade de um curso causal porém não é suficiente pois nem sempre que um curso causal seja previsível é domináveluma inundação é previsível mas não dominável59 57 Ibidem p 497 58 Ibidem p507 e 508Originariamente conforme ainda se aponta na obra Manual de direito penal brasileiro Zaffaroni defendia a limitação da causa lidade nos crimes dolosos conforme o indicado pelo finalismo ou seja por meio da verificação de dolo Mediante a causalidade é possível determinar o limite mínimo da responsabilidadeMas dado que toda causalidade implica responsabilidade no delito doloso os limites da causalidade tipicamente re levante serão fixados pelo tipo subjetivo somente é relevante a causalidade material dirigida a um fimCfZAFFARONI Eugenio Raúl e PIERANGELI José HenriqueManual de direito penal brasileiro p411 e 412 59 CfZAFFARONI Eugenio RaulALAGIA AlejandroSLOKAR Alejandro O DIREITO PENAL SOB A PERSPECTIVA FUNCIONAL REDUTORA 118 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 A renúncia ao domínio do fato para distinguir autoria de participação importa ampliar o conceito de autor e gerar uma nova teoria do autor amplo60 O empenho na busca de um novo critério imputativo que substitua a velha causalidade lisztiana válido para todas as formas típicas obriga a negar qualquer diferença imputativa entre elas e por consequência a reconstruir um conceito de autor único que faz um século era o causante e agora se pretende que seja o não evitanteA negação da categoria do domínio do fato no autor do loso nesta perspectiva se impõe porque do contrário não poderia buscar parificar imputativamente todas as formas típicas61 A tipicidade objetiva pressupõe a existência de um sujeito com a possibilidade objetiva de dominar o fatodominabilidade pois de maneira contrária não pode conceberse uma autoria dolosaIsso implica que um observador asserveraria a existência de um plano concreto que se dirige a produção do resultadoEvidentemente a existência efetiva desse curso causal como planodomínio somente pode afirmarse no tipo subjetivo A primeira regra que surge desse princípio é que os cursos causais que no atual estado da ciência e da técnica não podem ser dominados por ninguém não eliminam o dolo mas que sequer tem sentido perguntarse pelo dolo dado que no tipo objetivo não apa rece um curso causal capaz de ser dirigido em medida humana62 O caso do parente enviado ao monte com a esperança de que venha a morrer pela queda de um raio não se deve resolver por ausência de dolo mas por ausência de tipicidade objetiva dado que não existe uma causalidade domininável como requisito básico do Derecho PenalParte Generalcitp 508 60 Ibidem p 508 e 509 61 Ibidem 62 Ibidem p 509 LUÍS AUGUSTO SANZO BRODT 119 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 tipo objetivo e nenhum terceiro observador poderia dizer ex ante que se deduz a existência de um plano de matarPor consequência falta o pressuposto indispensável para uma autoria dolosa posto que ninguém pode aspirar a dominar o fato63 A segunda regra deduzível do princípio geral da dominabilidade está referida aos cursos causais que são humanamente domináveis Esses cursos causais devem distinguiremse entre os que são domináveis por qualquer pessoa e que por consequência não oferecem problema e os que somente são domináveis por quem tem conhecimento ou treinamento especialTradicionalmente se afirma que esses conhecimentos ou treinamentos especiais não podem ser considerados como parte da tipicidade objetivaApenas poderiam ser analisados quando do exame do doloComo parte da tipicidade objetiva os consideram alguns porém limitados somente aos que são abarcados pelo papel sendo os restantes meros conhecimentos especiais irrelevantes que podem dar lugar a uma omissão de auxílio Em realidade isso se funda na confusão dos conhecimentos efetivos e atuais que requer o dolo e que por consequência são dados eminentementes subjetivos com as qualidade objetiváveis que habilitam a possibilidade de domínioA condição de engenheiro eletrônico é tão objetivável como a de pessoas analfabetas e para o primeiro pode afirmarse no tipo objetivo a possibilidade de dominar um curso causaldominabilidade que teve lugar mediante a operação de um computador como que para o segundo seria tão absurdo quanto perguntarse pelo dolo no caso do pariente na tormenta sem prejuízo de que seja possível que o engenheiro em lugar de exercer o domínio de que é capaz haja acionado o mecanismo de um movimento brusco para evitar que se derrame café sobre a máquina questão que haverá de ser analisada na tipicidade subjetiva64 63 Ibidem 64 Ibidem p 510 O DIREITO PENAL SOB A PERSPECTIVA FUNCIONAL REDUTORA 120 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 A circunstância de que alguém tenha sido informado sobre um possível curso causal ao camarero que hajam avisado que servia um prato envenenado é tão objetivável como que seja li censiado em biologia e o que importa é a possibilidade objetiva do doloPara que haja dolo quer dizer para que o fato objetivamente típico seja também subjetivamente imputável como doloso será necessário que o camarero acredite na seriedade do aviso que se lhe faz que o haja registrado em sua memória e que o tenha atualizado no momento do atuar questões todas correspondentes à análise do dolo no tipo subjetivoPara que o camarero biólogo atue com dolo será necessário que haja aplicado efetivamente seus conhecimentos que haja reparado na fruta que servia que a haja identificado etc A condição de biólogo não faz mais que indicar a possibilidade de seu doloPretender que ao camarero biólogo não se lhe imputa porque não atuava como biólogo como resultado da normativização de papéis é tanto como reduzir a interação a um jogo de dramaturgia jurídica65 A terceira regra afirma que também não há possibilidade de domínio do fato quando a ação resulta irracional à luz de um juízo de congruência entre meios e fins ou seja que não há domi nabilidade quando os meios são notoriamente inadequados para realizar os fins66 A quarta regra estabelece que quando não há dominabilidade não é possível imputar objetivamente no delito doloso mas nada exclui a possibilidade de tipicidade culposa da ação67 65 Ibidem p 510 e 511 66 Ibidem p 511 67 Ibidem LUÍS AUGUSTO SANZO BRODT 121 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 52TIPOS CULPOSOS Nos crimes culposos quanto à tipicidade objetiva Zaffaroni68 também se refere às funções sistemática e conglobanteA tipicidade objetiva sistemática aparece particularmente débil nos crimes culposos integrase apenas pelo comportamento que tenha causado um resultado típicoPor isso a necessidade e importância dos efeitos da tipicidade conglobante adquirem ainda mais relevância nos crimes culposos Na culpa a dominabilidade opera como critério limitador da imputação somente em sua modalidade temeráriaQuanto às demais hipóteses devese considerar o aumento proibido do perigo como critério delimitador da imputação A chamada conexão de antijuridicidade ou relação de determinação entre a violação do dever de cuidado e o resultado é outro limite que a tipicidade conglobante impõe à tipicidade sistemática além de todos os que se referem à lesividade que com algumas variáveis são os mesmos referidos nos tipos dolosos69 68 Ibidem p 552Na obra intulada Teoria del delito Zaffaroni concebe a tipici dade culposa de maneira bem mais simplificada atipo objetivo que a ação cause o resultado típico b que a causalidade haja sido defeituosamente pro gramada ou seja que a seleção dos meios tenha sido descuidada de maneira violatória de um dever de cuidado determinado pela lei ou seu defeito remete a pautas sociais de conduta c que entre a violação do dever de cuidado e o resultado medie uma relação de determinação ou seja que supondo uma programação que não viole o dever de cuidado conforme a uma figura imaginadaem concreto e abstrato o tipo desapareça dtipo subjetivo que o resultado típico não seja abrangido pela vontade realizadora da açãofim ou abarcandoo o faça com uma causalidade diferente da programadaNa obra de Zaffaroni em parceria com Nilo Batista Alejandro Slokar e Alejan dro Alagia recepcionouse na doutrina brasileira a concepção de tipicidade culposa referida no texto Cf BATISTA Nilo ZAFFARONI Eugenio Raúl SLOKAR AlejandroALAGIA AlejandroDireito Penal BrasileiroSegundo VolumeCitp309 a 339 69 CfZAFFARONI Eugenio RaulALAGIA AlejandroSLOKAR Alejandro O DIREITO PENAL SOB A PERSPECTIVA FUNCIONAL REDUTORA 122 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 53 TIPOS OMISSIVOS Os tipos omissivos da mesma forma que os tipos comisivos apresentam um aspecto objetivo e outro subjetivo ambos com ca racterísticas particulares provenientes de sua própria estrutura O tipo objetivo sistemático deve captar antes de tudo uma situação objetiva ou seja uma situação típicaA realização da ação indicada no tipo é devida somente na situação típica dado que todos os tipos omissivos são circunstanciados Dessa circuns tâcia depende a vigência da norma imperativa deduzida O núcleo do tipo objetivo é a exteriorização de uma conduta distinta da ordenadaEm todos os casos de omissão há uma conduta ordenadaSe demanda a existência de uma conduta que não se dirija ao fim ordenadoÉ indiferente que o fim seja alcançadoPois se existe una conduta com o fim ordenadoa evitação da produção da afetação ao bem jurídico não haverá omissão dolosa não se afastando a possibilidade de que haja omissão culposa O sujeito ativo por sua vez deve ter a efetiva possibilidade de realizar a conduta ordenada pois do contrário sua conduta distinta da ordenadaaliud agere será atípica70 Tudo que quando da análise dos tipos comissivos foi dito sobre a tipicidade conglobante em princípio também é válido para os crimes omissivosA particularidade aqui reside em que nos ti pos omissivos a possibilidade física de realização da ação ordenada não é mais que um pressuposto mínimo da objetividade típica que ademais requer que a conduta ordenada tivesse a possibilidade comprovada de interferir na causalidade evitando o resultado Essa é a característica particular que apresenta a dominabilidade na estrutura típica omissivaPode pensarse que o sobrinho que é curador do tio e não o impede de ir ao monte de onde um raio vem Derecho PenalParte Generalp 552 e 553 70 Ibidem p 570 a 575 LUÍS AUGUSTO SANZO BRODT 123 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 a matálo atuaria atipicamente porque não existiria a situação típicaPorém ainda que se pensasse que a situação existisse porque o monte é sempre um lugar perigoso para um incapaz sua conduta seria objetivamente típicatipicidade sistemática porque existiria o nexo de evitação toda vez que a ação devidaimpedir que o tio incapaz vá ao monte houvesse feito desaparacer o resultadoNão obstante aqui da mesma forma que no tipo ativo não poderia afirmarse a dominabilidade do fato porque não existiria no caso poder humano que o permitisse dominálo até a produção desse resultado71 6 A ILICITUDE Desde a perspectiva redutora a antijuridicidadejuízo aca bado de proibição ou de mandato terceiro filtro da teoria do delito é o reverso ou o recorte das permissões em geral derivados do princípio da reserva legalFrente a um indício de proibição a antijuridicidade não interroga sobre a ausência de uma permissão mas ao contrário o juízo de antijuridicidade pergunta se a per missão constitucional mantemse por meio de uma permissão legal que caso se afirme deixa a ação imune a qualquer interferência da norma de coerçãopor proibição ou mandato e impede que se habilite o exercício de poder punitivo sobre o agenteDeste modo a relação tensional entre tipicidade e antijuridicidde se coloca como dilema entre um âmbito de licitude que luta por consolidarse e evitar o progresso da criminalização secundária e um âmbito de ilicitude fixado como indício do tipo penal que tende a negar a vigência do permitido ou geral licitude72 71 Ibidem p582 e 583 A concepção de tipicidade omissiva supra referida é a mesma tratada na obra de Zaffaroni em parceria com Nilo Batista Alejandro Slokar e Alejandro AlagiaCfBATISTA NiloZAFFARONI Eugenio Raúl SLOKAR AlejandroALAGIA AlejandroDireito Penal BrasileiroSegundo VolumeCitp343 a 375 72 CfZAFFARONI Eugenio RaulALAGIA AlejandroSLOKAR Alejandro Derecho PenalParte General citp 594 O DIREITO PENAL SOB A PERSPECTIVA FUNCIONAL REDUTORA 124 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 Os preceitos permissivos73 causas de justificação ou de licitude e a tensão entre tipicidade e causas de justificação cons tituem um segundo capítulo dialético dentro da teoria do injusto imposto pela inevitável necessidade legislativa de circunstanciar o antinormativo para evitar que se converta em proibição quando esta afetaria a liberdade de modo irracionalDesse modo o estado de direito reforça mediante as causas de justificação a exclusão das manifestações irracionais do poder punitivoNão se trata de um jogo de regras e exceções pois essa é uma questão empírica sem contar que o preceito permissivo ao preservar o espaço geral da liberdade humana garantido na Constituição é confirmatório de uma regra simplesmente a norma e o preceito encaixamse como engrenagens em um mecanismo indispensável para evitar que a norma derivada de um instrumento necessariamente abstrato conduza ao campo do proibido condutas que a violam para exercer direitos que não podem ser negados sem incorrer em grosseira irracionalidade74 A diferença entre a licitude por atipicidade e por justificação se baseia em que a licitude da primeira se descarta com a mera consideração da norma deduzida do tipo enquanto que a segunda é descartada com a de um preceito permissivo cuja análise somente se justifica se a ação é antinormativa A célebre afirmação de que não é o mesmo matar um ser humano em legítima defesa e ma tar um mosquito é equivocada e pode ser falsa compartilham a mesma natureza essencial ambas as ações pois ambas dão lugar a fatos lícitos e fundamentamse no mesmo substrato de liberdade Não obstante é verdadeira na medida em que é racional que se exija uma atenção particular e uma síntese posterior à luz de um 73 Da legislação não somente se deduzem normas proibitivas mas também pre ceitos permissivos a interpretação não contraditória das primeiras a que devem responder as decisões jurisdicionais é a ordem normativa a ordem normativa com o jogo harmônico dos preceitos permissivos é a ordem jurídica Ibidemp589 74 Ibidemp 589 e 590 LUÍS AUGUSTO SANZO BRODT 125 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 preceito permissivo circunstanciado quando o exercício de um direito consiste precisamente na realização de uma ação típica75 Quanto à vetusta discussão acerca da natureza objetiva ou subjetiva da antijuridicidade e do injusto Zaffaroni defende que a antijuridicidade é objetiva em dois sentidos a em princípio a antijuridicidade de uma conduta concreta se determina conforme a um juízo predominantemente fático e não valorativo o juízo subjetivovalorativo vem feito pela leiem cujo conceito por óbvio abarcase a Constituição que se limita a concretalo com a der rogação de um âmbito de liberdade constitucional e a conseguinte afirmação definitva da proibição por ausência de uma permissão legal que mantenha esse originário status normativoDeste modo o juiz realiza um juízo objetivocom predomínio fático o legislador realizou um prévio juízo subjetivovalorativo b Em outro sentido a antijuridicidade é objetiva porque não toma em conta a possibi lidade exigível ao sujeito de realizar outra conduta motivandose segundo a norma que dizer o que pertence à culpabilidadeDaí que a afirmação da antijuridicidade objetiva seja verdadeira sem se querer fazer referência a sua materialidade e que seja falsa se alude a seu objeto de valoração com conceitos físicos e psíquicos76 Já sobre os chamados elementos subjetivos da justificação Zaffaroni discorda dos que afirmam que o rechaço dos elementos subjetivos da justificação é inevitável pra quem postula um tipo ob jetivo enquanto que a admissão de um injusto complexoobjetivo subjetivo levaria necessariamente a incorporação desses elemen tos77 75 Ibidemp 591 76 Ibidemp 601 77 Ibidem p 601 e 602A matéria é tratada de maneira substancialmente diver sa na já referida obra Manual de Direito Penal Brasileiro Desde que se sustente uma teoria complexa do injusto não resta outra alternativa senão a de afirmar que o injusto é pessoal e que a antijuridicidade de uma conduta depende tanto de características e dados objetivos como subjetivos sendo O DIREITO PENAL SOB A PERSPECTIVA FUNCIONAL REDUTORA 126 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 Pois segundo Zaffaroni quando se constrói o conceito de antijuridicidade como juízo que verifica que um preceito permis sivo confirma a vigência de um âmbito de licitude ou liberdade a exigência de qualquer elemento subjetivo na justificação aparece como totalmente desnecessária e inclusive aberrante em um estado de direito ninguém tem por que conhecer em que circunstâncias atua quando está exercendo um direitopois o exercício dos direitos não depende de que o titular saiba ou não saiba o que está fazen doRigorosamente o que se imagina estar cometendo um injusto quando em realidade está exercendo um direito somente incorre em um delito em sua imaginação porque não haverá nunca um injusto realA impunidade do delito putativo ou imaginário não é discutível e por conseguinte não pode pensarse em excluir a justificação quando esta existe78 Se bem os pretendidos elementos subjetivos da justificação sejam componentes do ânimo sem relevância limitante cabe perguntarse se não são úteis para ampliar o âmbito do exercício do dieito de justificação o que seria constitucionalmente admissível Não obstante tão pouco são necessários para esse efeitoPensouse que poderiam cumprir uma função limitativa nos casos de justifi cação frustrada porém no atual estado não podem passarse por alto as consequências dessa tese em relação às justificaçõesBasta comparar as consequências da ditinção entre justificações exitosas arbitrária a retirada dos dados objetivos do campo da antijuridicidadeDois sujeitos numa mesma situação subjetiva pode um agir antijuridicamente e o outro agir conforme o direito dependendo de suas respectivas intenções e qualidadesÉ também perfeitamente admissível que um sujeito possa realizar uma conduta típica e antijurídica valendose de um instrumento que age conforme ao direito como no caso daquele que denuncia falsamente que se vale do juiz e da polícia para privar o outro de sua liberdade pessoal CfZAFFARONI Eugenio Raúl e PIERANGELI José HenriqueManual de direito penal brasileiro p496497 e 498 78 Cf ZAFFARONI Eugenio RaulALAGIA AlejandroSLOKAR Alejandro Derecho PenalParte Generalp 602 LUÍS AUGUSTO SANZO BRODT 127 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 e frustradas e a exigência de elementos de ânimo nas últimas com as que podem obterse de um critério de delimitação objetivo para concluir na enorme vantagem que representa considerar que o tipo de justificação ou de permissãoem si mesmo não tem aspecto sub jetivo salvo que se considerem tais os elementos do tipo subjetivo proibitivodolo e elementos subjetivos do dolo ainda nos casos de justificação frustrada79 7 A CULPABILIDADE A culpabilidade quarto e último dos filtros erguidos pela perspectiva funcional redutora à irracionalidade do poder punitivo é o juizo que permite vincular em forma personalizada o injusto a seu autor e deste modo operar como o principal indicador que desde a teoria do delito condiciona a magnitude do poder punitivo que se pode exercer sobre esteDado que a teoria do delito é um sistema de filtros que serve para que somente possa superálo o poder punitivo que apresenta características de menor irracionalidade a mera existência de um conflito criminalizado o injustonão é suficiente para afirmar a existência do delito quando não possa vincularse a um autor de maneira personalizada posto que a criminalização secundária sempre o é de uma pessoa80 A culpabilidadeentendida como o juízo que permite vincular em forma personalizada o injusto ao seu autor e em caso de operar essa vinculação projetarse desde a teoria do delito como principal indicador do máximo da magnitude do poder punitivo que pode filtrarse sobre ele tomando em conta o dado da seletividade e constatando que o poder punitivo seleciona conforme a vulnera bilidade81 do sujeito e não a sua autodeterminação deve impedir 79 Ibidem p 605 80 Ibidemp 650 81 A Ideia de culpabilidade pela vulnerabilidade já era mencionada no ensaio Em busca das penas perdidas Desta maneira a culpabilidade pelo injusto se converte em uma parte mais ampla e mais abrangente da colocação da O DIREITO PENAL SOB A PERSPECTIVA FUNCIONAL REDUTORA 128 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 que esse se exerça na magnitude que supere a reprovação que possa formularse ao agente do esforço pessoal que haja realizado para alcançar a situação concreta de vulnerabilidadePara isso deve ter em conta os seguintes conceitos a o vínculo pessoal do injusto com o autor se estabelece tendo em conta a forma em que opera a perigosidade dos sistema penal que pode ser definida como a maior ou menor probabilidade de criminalização secundária que recai sobre a pessoa b o grau de perigosidade do sistema penal para cada pessoa está dado em princípio pelos componentes do estado de vulnerabilidade dessa para o direito penal c o estado de vulnerabilidade se integra com os dados que se referem a seu estado social classe categoria laboral ou profissional renda esteriótipo que se aplica etcquer dizer por sua posição dentro da escala so cial dNão obstante se bem geralmente a relação entre poder e vulnerabilidade para o poder punitivo é inversa posto que o poder opera como garantia da cobertura frenta ao sistema penal o poder punitivo não se distribui somente pelo estado de vulnerabilidade porque se bem todas as pessoas que compartilhem um mesmo es tado de vulnerabilidade padecem semelhante frequência do risco de criminalização o poder punitivo também seleciona entre elas a quem criminalizarAssim é possível afirmar em geral que entre as pessoas de maiores rendas e mais próximas do poder o risco de culpabilidade pela vulnerabilidade é incobrávelColocada a agência judicial diante da necessidade de responder não pode fazêlo em função dessa ordem de fatores mas do que constituem o esforço pessoal para a vulnerabilidade que por outro lado são os que constituem a essência da contribuição dada pela pessoa para sustentar o exercício de poder que a seleciona e criminaliza Seu poder redutor da violência seletiva atinge esse limite diante do qual deve deterse pois não lhe sobra espaço para avançar maisTratase do limite má ximo de violência tolerável no qual pode basear sua resposta definitiva e que de certa forma é alimentado e sustentado por todos os anteriores limites ou requisitos limitadoresCfZAFFARONI Eugenio RaulEm busca das penas perdidas citp270 e 271Entretanto não há registro da mesma no Manual de Direito Penal BrasileiroCfZAFFARONI Eugenio Raul e PIERANGELI José HenriqueManual de Direito Penal Brasileirocitp562 LUÍS AUGUSTO SANZO BRODT 129 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 criminalização é escassobaixo estado de vulnerabilidade ou alta coberturaNão obstante alguns dos primeiros são selecionados se bem que se selecione com muito menor frequência e entre os segundos se bem que se seleciona com muito maior frequência sempre se trata de uma ínfima minoria82 A constatação de que a perigosidade do sistema penal não se concretiza em criminalização somente pelo estado de vulnerabilida de do sujeito está indicando que algo deve poder o sujeito para ser criminalizadoEsse algo é o que cobre a distância entre a probabili dade de criminalização que indica seu estado de vulnerabilidade e a concretização em uma criminalização secundária que tem lugar em uma determinada situação de vulnerabilidadeEsse é o esforço pela vulnerabilidadeou mais propriamente o esforço pessoal do sujeito para alcançar a situação concreta de vulnerabilidade83 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante de tudo quanto até aqui foi expostos podese afir mar A concepção redutora de Zaffaroni inserese no contexto das vertentes pósfinalistas da teoria do delito Tal afirmação restanos evidente pelos seguintes fatores Zaffaroni critica o finalismo pelo desconhecimento da fun cionalidade dos conceitos penais Convenir en que lo más inteligente es reconocerlo y dotar de intencionalidad a la sistemática que se elabore no implica crear la funcionalidad sino sólo descubrirla y orientarlaEn este sentido puede afirmarse que fue el finalismo el que desconoció el dato óntico de que no 82 CfZAFFARONI Eugenio RaulALAGIA AlejandroSLOKAR Alejandro Derecho PenalParte Generalcitp 654 83 Ibidem p 654 O DIREITO PENAL SOB A PERSPECTIVA FUNCIONAL REDUTORA 130 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 hay conceptos jurídicopenales que no sean politicamente funcionales porque se producen en agencias que ejercen poder sobre ellas y sobre otras agencias do sistema penal84 Há dissemelhanças quanto à construção das categorias da teoria do delito No conceito jurídicopenal de ação por exemplo Zaffaroni enfatiza o seu caráter normativo considerandoo próprio do direito penalRompendodessa forma com entendimento manifestado anteriormente quando vinculandose nitidamente à concepção finalista da teoria do delito sustentava que ao direito penal caberia simplesmente reconhecer o conceito ônticoontológico de ação No plano da tipicidade diferentemente de Welzel e outros importantes finalistas Zaffaroni estabele o critério da dominabili dade do fato como apto a nos crimes dolosos estabelecer o limite imprescindível à teoria da conditio sine qua nonO que lhe permite antecipar ao nível da tipicidade objetiva a limitação que na siste mática finalista somente é obtida pela investigação do dolo Quanto à ilicitude Zaffaroni reconhece o seu caráter ob jetivo embora adote o conceito complexo do injusto Nas causas de jusitificação pronunciase contrariamente à exigência de ele mentos subjetivos Tais opções como se sabe estão em manifesta contradição com os preceitos finalistas tradicionais Já em relação à culpabilidade Zaffaroni fundamentaa no esforço pessoal do sujeito para alcançar a situação concreta de vul nerabilidade O que se não nega propriamente a teoria normativa pura da culpabilidade apresenta em relação a mesma importantes particularidades Por outro lado Zaffaroni aceita expressamente a funciona lidade política dos conceitos jurídicos característica que menciona como dado ôntico desses mesmos conceitosAssim como a preten são de construir as categorias do delito teleologicamente orientadas 84 Ibidem p 386 LUÍS AUGUSTO SANZO BRODT 131 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 à contensão do poder punitivoO estabelecimento de um vínculo entre a construção sistemática e a sociologiaos conceitos devem ser funcionais à dinâmica de uma sociedade onde se verifica a presença de grupos em permanente conflito e concorrênciaTudo isso está a indicar que não há inconveniente algum em reconhecer como funcional também a concepção redutora de Zaffaroni Tratase contudo de uma concepção funcional própria o funcioanlismo redutorAfastase do finalismo pelos motivos recém expostosMas também não se confunde com o funcionalismo alemão em qualquer de suas vertentes Ao funcionalismo alemão Zaffaroni atribui o mérito de afirmar a inafastável teleologia política dos conceitos jurídico penaisPorém diferentemente das duas mais imporantes concepções funcionalistas elaboradas na Alemanha não acolhe a sociologia sistêmica para fazer o elo entre o direito penal e as ciências sociais não comportilha da pretensão de construir os conceitos jurídico penais com elementos puramente normativosexcluindose por conseguinte referências a dados ônticosAlém disso não aceita pelas razões já expendidas os critérios normativos que no âmbito do funcionalismo alemão têm sido propostos a fim de buscar um critérios único para a imputação objetiva 2 Neste alvorescer do milênio a construção sistemática do Direito Penal labor de cuja necessidade permanecese abso lutamente convencido não se pode fazer sem a contribuição de noções elaboradas pelas diferenções concepções teóricas já construídas a respeito do direito penal conforme indicado por Zaffaroni Não se trata portanto de buscar atingir um novo modelo que negue ou se contraponha a todas ou em particular a qualquer uma das concepções até aqui propostas Mas de perseguir um refinamento da elaboração conceitual da teoria O DIREITO PENAL SOB A PERSPECTIVA FUNCIONAL REDUTORA 132 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 do delito de maneira a que se possa superar as dificuldade do que até o momento ficou assentado Para tanto acreditase útil e inevitável o reconhecimento do caráter político funcional dos conceitos jurídicopenais Não se pode todavia incidir em erro talvez ainda mais grave cair em um discurso político juridicamente ocopara utilizar as palavras de ZaffaroniEm outros termos elaborar uma dogmática sem consequências 3 A intencionalidade redutora relevase preferível às demais concepcionais funcionais que têm sido formuladas O reconhecimento de limites ônticos à construção dos conceitos normativos cinge a atuação do legislador aos pa râmetros fixados pela realidadeO funcionalismo alemão à medida que se vincula a teorias essencialmente idealistas do direito e organicistas da sociedade confere ao legislador uma perigosa onipotência O acolhimento da proposta de construção do direito penal sob uma perspectiva funcional redutora não obriga entre tanto a aceitação cega de todos os postulados formulados por ZaffaroniNem mesmo nos impele a rechaçar compulso riamente soluções sistemáticas pontuais elaboradas no âmbito das demais concepções funcionais O entendimento de que o direito penal se legitima à medi da em que se contenha nos estreitos limites indicados pelo princípio da intervenção mínima e a ideia de que a pena se justifica como instrumento de garantia dos direitos funda mentais pois permite submeter aos parâmetros constitucio nais o exercício da força pelo estado e contém a violência que advirira do emprego generalizado da vingança privada parece apto a independentemente de se acatar a teoria agnóstica da pena fundamentar uma concepção do direito penal também limitadora do poder punitivo LUÍS AUGUSTO SANZO BRODT 133 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 4 Na doutrina brasileira a obra Direito Penal Brasileiro elaborada por Zaffaroni em coautoria com Nilo Batista Ale jandro Slokar e Alejandro Alagia é aquela que melhor reflete o atual pensamento do Ministro da Suprema Corte da Nação ArgentinaA obra Manual de Direito Penal Brasileiro escrita por Zaffaroni em coautoria com José Henrique Pierangeli embora conte com sucessivos edições requer uma revisão a fim de adaptala às inovações introduzidas pela concepção funcional redutoraCaso contrário passará a representar o pensamento de somente um dos autores O DIREITO PENAL SOB A PERSPECTIVA FUNCIONAL REDUTORA 134 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 CRIMINAL LAW FROM THE REDUCTIONIST FUNCTIONAL PERSPECTIVE OF EUGENIO RAUL ZAFFARONI ABSTRACT The reductionist functional conception of criminal law fruit of the labor of Eugenio Raul Zaffaroni during the last two decades due to its importance and originality demands further attention and more intense debate from the point of view of Brazilian doctrine In order to aid the spread of Zaffaronis ideas among us the objective of this article is to examine the basis of the theoretical construction of reductionist functionalism In particular the aim is to analyze the categories of crime theory from the reductionist point of view Furthermore Zaffaronis current understanding will be compared in essential questions to the previous one from the beginning of the reductionist conception To the extent possible there will be an attempt to define the current stage of Brazilian doctrine in relation to receptivity to Zaffaronis thinking The work will conclude with an evaluation of the relevance of Zaffaronis proposals KEY WORDS CRIMINAL LAW THEORY REDUCTIONIST FUNCTIONALISM LUÍS AUGUSTO SANZO BRODT 135 Revista Brasileira de Estudos Políticos Belo Horizonte n 101 p 97136 juldez 2010 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARRETO TobiasIntroducción al estudio del derecho penalTrad Pablo de VegaBuenos Aires Hammurabi 2009 BRODT Luís Augusto SanzoDo estrito cumprimento de dever legalPorto Alegre Fabris 2005 ROXIN ClausDerecho penalParte GeneralFundamentosLa estructura de la teoria del delitoTradDiegoManuel Luzón Peña Miguel Díaz y García ConlledoJavier de Vicente RemesalMadrid Civitas 1997 ZAFFARONI Eugenio RaulTeoria del delitoBuenos Aires Ediar 1973 ZAFFARONI Eugenio RaúlEm busca das penas perdidasA perda de legitimidade do direito penalTradVânia Romano Pedrosa e Amir Lopes da ConceiçãoRio de Janeira Revan 1991 ZAFFARONI Eugenio RaúlPIERANGELI José HenriqueMa nual de direito penal brasileiroParte geralSão Paulo Revista dos Tribunais 2011 ZAFFARONI Eugenio Raul SLOKAR AlejandroALAGIA Alejandro Derecho PenalParte General2ªediçãoBuenos Aires Ediar 2002 ZAFFARONI Eugenio RaulBATISTA NiloSLOKAR Alejandro ALAGIA Alejandro Direito Penal Brasileiro primeiro volume Teoria Geral do Direito Penal Rio de Janeiro Revan 2003 ZAFFARONI Eugenio RaulBATISTA NiloSLOKAR Alejandro ALAGIA Alejandro Direito Penal Brasileiro segundo volume Teoria do Delito introdução histórica e metodológica ação e tipicidadeRio de Janeiro Revan 2010