·

Direito ·

Direito Tributário

Send your question to AI and receive an answer instantly

Ask Question

Preview text

197 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de O Dever Fundamental de pagar legalmente Tributos Significado Alcance e Análise de Precedentes do Carf Revista Direito Tributário Atual nº 51 ano 40 p 197224 São Paulo IBDT 2º quadrimestre 2022 O Dever Fundamental de pagar legalmente Tributos Significado Alcance e Análise de Precedentes do Carf The Fundamental Duty to pay lawfully Taxes Significance Range and Analysis of Carfs Precedents Fredy José Gomes de Albuquerque Conselheiro Titular da 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 1ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais Carf Mestrando em Direito Constitucional e Especialista em Direito e Processo Tributários pela Universidade de Fortaleza Unifor MBA em Gestão de Tributos pela Trevisan ExConselheiro Titular do Contencioso Administrativo Tributário do Estado do Ceará Conat Membro da Academia Cearense de Letras Jurídicas da International Association of Tax Judges IATJ do Instituto Brasileiro de Direito Tributário IBDT da Associação Brasileira de Direito Financeiro ABDF e da International Fiscal Association IFA Advogado licenciado e professor convidado de cursos de Pósgraduação em Direito Processo e Planejamento Tributários Email fredymobilegmailcom Recebido em 272021 Aprovado em 1032022 httpsdoiorg10468012595628051820221209 Resumo O dever fundamental de pagar tributos tem sido utilizado como fundamento de algumas decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais Carf quando da análise de recursos de contribuintes em processos que impugnam autos de infração derivados de planejamentos tributários agressivos O pre sente estudo pretende analisar os limites objetivos da aplicação da teoria aos casos concretos apreciados no âmbito do processo administrativo tributário federal identificar sua utilização como fundamento jurídico de lançamentos tributários e aplicação de penalidades além de observar sua correlação com a norma geral antielisiva brasileira e atos e negócios jurídicos realizados para evitar o nascimento de obrigações tributárias tanto quanto nos demais casos de patologias jurídicas decorrentes de dolo fraude simulação ou abuso de direito Palavraschave dever legal de pagar legalmente tributos limites Carf Con selho Administrativo de Recursos Fiscais PAF processo administrativo tribu tário dolo fraude simulação abuso de direito planejamento tributário Abstract The fundamental duty to pay taxes has been used as the basis for some deci sions of the Administrative Council for Tax Appeals Carf when analyzing taxpayers appeals in lawsuits challenging tax assessment notices arising from aggressive tax planning The present study intends to analyze the objective limits of the application of the theory to specific cases considered in the scope REVISTA DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL nº 51 198 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de O Dever Fundamental de pagar legalmente Tributos Significado Alcance e Análise de Precedentes do Carf Revista Direito Tributário Atual nº 51 ano 40 p 197224 São Paulo IBDT 2º quadrimestre 2022 of the federal tax administrative process to identify its use as a legal basis for tax assessments and application of penalties in addition to observing its cor relation with the general Brazilian antiavoidance rule and legal acts and transactions carried out to avoid the birth of tax obligations as well as in other cases of legal pathologies resulting from deceit fraud simulation or abuse of rights Keywords legal duty to pay lawfully taxes limits Carf administrative coun cil of tax appeals PAF tax administrative process deceit fraud simulation abuse of law tax planning 1 Introdução O fenômeno tributário ainda guarda significativa controvérsia doutrinária e jurisprudencial quanto ao seu alcance e controle não apenas em razão da com plexidade do emaranhado de normas jurídicas a que Becker alude como manicô mio tributário1 mas por divergências quanto aos alicerces fundamentais que fa zem nascer o dever de pagar tributos e exigem submissão à imposição de penali dades Historicamente a visão clássica sobre a tributação procurou justificála em decorrência do poder de império do Estado que o autorizava a extrair dos parti culares outrora súditos hoje sujeitos passivos parcela de seu patrimônio para custear as despesas públicas Coube à Constituição frear o poder estatal de tribu tar os fatos econômicos através de mecanismos de controle elevados à categoria constitucional como limites à sanha arrecadatória daquele Estado Leviatã e como forma de preservar alguma parcela de libertarismo fiscal2 As normas e os princí 1 BECKER Alfredo Augusto Teoria geral do direito tributário 3 ed São Paulo Lejus 2002 Citese ainda a notável contribuição doutrinária do Prof Humberto Ávila ao discorrer sobre razões que impactam o adequado alcance da igualdade tributária A primeira referese à complexidade das normas tributárias Muitas vezes a idolatria do tratamento particularizado faz não só com que as leis tributárias fiquem repletas de regras específicas e excepcionais como que os regulamentos fiquem abarrotados de regras extremamente detalhadas O detalhamento traz consigo a comple xidade da legislação e essa é a sua dificuldade de compreensão Esse fenômeno tem se manifes tado com frequência com a edição de leis extremamente detalhadas repletas de regras excep cionais instituídas com a finalidade de regular casos particulares dos contribuinte ÁVILA Humberto Teoria da igualdade tributária 3 ed São Paulo Malheiros 2015 p 119 2 Temse em Ives Gandra da Silva Martins um dos maiores defensores do Libertarismo Fiscal Para o autor o tributo representa apenas um fantástico instrumento de domínio por parte dos gover nantes MARTINS Ives Gandra da Silva Uma teoria do tributo In MARTINS Ives Gandra da Silva coord O tributo reflexão multidisciplinar sobre sua natureza Rio de Janeiro Forense 2007 p 7 Em defesa ainda mais enfática assevera que Tem o Fisco o direito de brandir a es pada da imposição mas tem o contribuinte o direito de se defender com o escudo da lei É por tanto o sistema plasmado mais uma carta do contribuinte do que um Estatuto do Poder Tribu tante Tenho para mim como tantas vezes acentuei nos capítulos anteriores que o tributo é uma norma de rejeição social porque todos os contribuintes em todos os espaços geográficos pagam mais do que deveriam pagar para sustentar o governo MARTINS Ives Gandra da Silva Uma teoria do tributo São Paulo Quartier Latin 2005 p 330332 DOUTRINA NACIONAL 199 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de O Dever Fundamental de pagar legalmente Tributos Significado Alcance e Análise de Precedentes do Carf Revista Direito Tributário Atual nº 51 ano 40 p 197224 São Paulo IBDT 2º quadrimestre 2022 pios tributários insertos na Lei Fundamental teriam a finalidade de proteger o cidadão contra a administração tributária parametrizando e sistematizando as demais normas do sistema para afastar aquelas contrárias aos preceitos alberga dos pela Constituição Federal3 Diante do crescimento das necessidades públicas e em face da constatação de que os antigos Estados Patrimoniais custeados em grande parte pelos frutos diretos da exploração de seus vastos patrimônios deram lugar aos Estados Fis cais custeados pela própria comunidade através de tributos temse que o pensamento doutrinário evoluiu para romper a barreira das escolas clássicas pas sando a compreender que o fenômeno da tributação é inerente à existência da própria sociedade e da manutenção adequada do Estado de Direito As normas constitucionais tributárias não seriam freios ao agir estatal mas representariam o instrumento de realização de direitos sociais comunitários fazendo nascer para a admi nistração pública o direito de exigir tributos a fim de satisfazer as demandas so ciais gerais que conectam todas os pessoas físicas ou jurídicas em torno da solida riedade4 que as une ao par de justificar o agir estatal não mais pelo exercício do poder de império mas pelo dever de atendimento dos justos anseios públicos Nesse contexto surgiu na doutrina a teoria do Dever Fundamental de pagar Impostos5 capitaneada por José Casalta Nabais professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra que procurava justificar a tributação como um de ver fundamental ao qual o contribuinte está vinculado por força da Constituição 3 Citese as lições de Marco Aurélio Greco O produto final deste conjunto foi o surgimento de uma concepção do Direito Tributário com inúmeros defensores e que pode ser resumida como o conjunto de normas protetivas do patrimônio individual e limitadoras das investidas do Fisco Princípios constitucionais tributários nesse contexto eram as previsões que vedassem algo ao Fisco seja em termos de instrumento legalidade do objeto alcançado irretroatividade em relação ao momento da cobrança anterioridade ou à dimensão da exigência proibição do con fisco Princípios cuja formulação começava com um não não pode cobrar sem lei não pode cobrar em relação ao que já aconteceu não pode cobrar antes de certa data não pode confiscar etc Uma relação historicamente conflituosa como é a relação Fiscocontribuinte era vista da perspectiva da proteção ao cidadão viabilizada através de normas de bloqueio do exercício do poder Neste contexto a lei em sentido formal passou a ser o requisito indispensável para autori zar qualquer exigência pelo Fisco Iniciou o que se pode designar por idolatria da lei vista po rém como entidade virtual ou seja texto com vida própria que se destaca do contexto que levou à sua produção e daquele no qual será aplicada para assumir a condição de algo bastante em si Uma forte influência platônica e idealista GRECO Marco Aurélio Crise do formalismo no direito tributário brasileiro formalism crisis in Brazilian tax law Revista da PGFN ano I n 1 2011 p 11 4 GRECO Marco Aurélio Solidariedade social e tributação In GRECO Marco Aurélio GODOI Marciano Seabra de coord Solidariedade social e tributação São Paulo Dialética 2005 5 Para Nabais o dever fundamental de custear os direitos sociais da comunidade só é referível aos impostos pela sua natureza não vinculada e caráter não sinalagmático e não retributivo Contu do o dever geral de custeio das causas sociais gerais e reflexos dele decorrente independe da espécie tributária razão pela qual parece mais útil ao debate a expressão dever fundamental de pagar tributos Para aprofundamento do assunto NABAIS José Casalta O dever fundamental de pagar impostos Coimbra Almedina 1998 REVISTA DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL nº 51 200 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de O Dever Fundamental de pagar legalmente Tributos Significado Alcance e Análise de Precedentes do Carf Revista Direito Tributário Atual nº 51 ano 40 p 197224 São Paulo IBDT 2º quadrimestre 2022 Federal não sendo possível a ele pretender deixar de contribuir com o custeio das causas sociais Sob tal argumento vêse que alguns precedentes do Conselho Administrati vo de Recursos Fiscais têm citado o dever fundamental de pagar tributos como fundamento para desconstituir planejamentos tributários realizados pelos contri buintes no exercício de suas atividades sob a premissa de que a pretensão de re duzir o pagamento de tributos autorizaria a administração tributária a desconsi derar ou desconstituir tais operações e autuar o sujeito passivo pela fecha do abuso de direito deles decorrente mesmo em situações de planejamento tributá rio lícito sejam brandos ou agressivos Os objetivos deste trabalho consistem em a descortinar parte dos mitos criados em torno do desconhecimento da teoria do dever fundamental de pagar tributos b apresentar impressões sobre o seu possível alcance e limites e c ana lisar precedentes do Carf com base em suas premissas de forma a concluir com uma proposta hermenêutica potencialmente útil ao desenvolvimento do debate acadêmico sobre o tema 2 Possíveis incompreensões sobre o dever fundamental de pagar tributos Importa registrar que a maioria das divergências acadêmicas em torno da teoria que pugna pelo dever fundamental de pagar tributos revela muito mais incompreensões interpretativas do que verdadeiras diferenças de pensamentos A teoria popularizada pelo professor português José Casalta Nabais decorre da compreensão de que o imposto não pode ser encarado nem como um mero poder para o estado nem simplesmente como simples sacrifício para os cidadãos mas antes como o contributo indispensável a uma vida em comum e próspera de todos os membros da comunidade organizada em estado6 Notese que a proposta teórica consiste em admitir que a tributação diante do agigantamento das relações sociais que exigem ampla atuação estatal não se justifica como mero ato imperial de poder estatal desproporcional poder de im pério como um fim em si mesmo e nem pode colocar o contribuinte como súdito sacrificado pela submissão ao jus imperium mas representa uma premissa da ade quada convivência comunitária e da própria existência e manutenção de um Es tado organizado longevo e assegurador de direitos sociais comuns Muito provavelmente a denominação dada à teoria tenha causado estranho arrepio à comunidade acadêmica diante do espanto em se admitir que os direitos fundamentais do contribuinte e os limites constitucionais ao poder de tributar pos sam caminhar juntos com algo denominado dever fundamental de pagar tributos É bem verdade que tal teoria utilizada inadequadamente pode levar o in térprete apressado a pressupor que sendo fundamental o dever do contribuinte 6 NABAIS José Casalta O dever fundamental de pagar impostos Coimbra Almedina 1998 p 185 DOUTRINA NACIONAL 201 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de O Dever Fundamental de pagar legalmente Tributos Significado Alcance e Análise de Precedentes do Carf Revista Direito Tributário Atual nº 51 ano 40 p 197224 São Paulo IBDT 2º quadrimestre 2022 de pagar tributo deve o mesmo organizar seus negócios de forma a sujeitarse à opção tributária mais onerosa Por exemplo e aqui vai um mero argumento re tórico para deixar claro o equívoco do pensamento havendo duas opções que permitam à pessoa jurídica escolher a tributação mais favorável como entre a tributação pelo lucro real ou o lucro presumido o intérprete desavisado entende ria que o dever fundamental de pagar tributo compele o contribuinte a escolher a opção que leve ao maior pagamento da exação Ora se pagar é um dever tudo aquilo que fosse contrário ao pagamento seria ilegal reiterese que é um argu mento hipotético e equivocado Tratase de equívoco interpretativo até porque não é isso que a teoria prega Não se pode conceber um livro pela capa ou uma teoria pelo título No Brasil há grandes professores que defendem o dever de pagar tributos como algo ínsito às sociedades modernas a exemplo do professores Ricardo Lobo Torres7 Marcus Abraham8 Marco Aurélio Greco9 Marciano Seabra de Godoi10 Sergio André Rocha11 Carlos Alexandre de Azevedo Campos12 Klaus Tipke13 Douglas Yamashita14 dentre outros Uma das vozes mais eficientes na contextualização da teoria exsurge das li ções do Prof Sergio André Rocha o qual reconhece ser o dever fundamental de pagar tributos provavelmente o mais controverso da literatura tributaria de lín gua portuguesa15 mas isso é fruto muito mais de desconhecimento do que de incompreensão Esclarece as premissas para a adequada concepção do tema 7 TORRES Ricardo Lobo Solidariedade e justiça fiscal In TORRES Ricardo Lobo coord Es tudos de direito tributário homenagem à memória de Gilberto de Ulhôa Canto Rio de Janeiro Forense 1998 TORRES Ricardo Lobo Sistemas constitucionais tributários In BALEEIRO Aliomar org Tratado de direito tributário brasileiro T II Rio de Janeiro Forense 1986 v II 8 ABRAHAM Marcus Curso de direito tributário brasileiro Rio de Janeiro Forense 2018 9 GRECO Marco Aurélio Do poder à função tributária In FERRAZ Roberto coord Princípios e limites da tributação 2 São Paulo Quartier Latin 2009 10 GODOI Marciano Seabra de ROCHA Sergio André org O dever fundamental de pagar impostos Belo Horizonte DPlácido 2017 GODOI Marciano Seabra de Tributo e solidariedade social In GRECO Marco Aurélio GODOI Marciano Seabra de coord Solidariedade social e tributação São Paulo Dialética 2005 p 158 11 ROCHA Sergio André Fundamentos do direito tributário brasileiro Belo Horizonte Casa do Direi to 2020 12 CAMPOS Carlos Alexandre de Azevedo Interpretação e elusão legislativa da constituição do crédito tributário In CAMPOS Carlos Alexandre de Azevedo OLIVEIRA Gustavo da Gama Vital de MACEDO Marco Antonio Ferreira coord Direitos fundamentais e estado fiscal estudos em homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres Salvador JusPodivm 2019 13 TIPKE Klaus YAMASHITA Douglas Justiça fiscal e princípio da capacidade contributiva São Pau lo Malheiros 2002 14 TIPKE Klaus YAMASHITA Douglas Justiça fiscal e princípio da capacidade contributiva São Pau lo Malheiros 2002 15 ROCHA Sergio André O dever fundamental de pagar impostos direito fundamental a uma tributação justa In GODOI Marciano Seabra de ROCHA Sergio André org O dever funda REVISTA DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL nº 51 202 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de O Dever Fundamental de pagar legalmente Tributos Significado Alcance e Análise de Precedentes do Carf Revista Direito Tributário Atual nº 51 ano 40 p 197224 São Paulo IBDT 2º quadrimestre 2022 Agora o dever fundamental de pagar impostos não é e não pode ser visto como um instrumento de maximização da tributação Não pode levar a uma visão de ampliação da incidência pela via hermenêutica numa espécie de in dubio pro fiscum Não faz sentido dessa maneira ao julgar a procedência ou improcedência de um auto de infração de Imposto de Renda por exemplo alegarse que o fundamento da incidência é o dever fundamental de contri buir A fundamentação deve ser a interpretação da legislação do Imposto de Renda nos marcos do pluralismo metodológico sem buscarse ampliar ou reduzir a incidência fiscal com base em argumentos axiológicos16 É dizer a teoria do dever fundamental de pagar tributos nunca justificou opção pela ilegalidade excesso desproporção ou injustiça na cobrança de tribu tos assim como não serve de parâmetro nem justifica qualquer tentativa de ma ximização de arrecadação nem impõe ao contribuinte o exercício de escolha à tributação mais onerosa Repitase o livro é bem mais que a capa Talvez as críticas da doutrina sejam fruto mesmo da incompreensão das ra zões até aqui apontadas mas também decorrem de um excesso de dogmatismo jurídico em torno da análise do fenômeno tributário encoberto por véus inter pretativos que tendem a obstacularizar a evolução da ciência jurídica e limitam o alcance da investigação à observação das normas jurídicas positivadas Em verda de os estudos de epistemologia revelam que O direito se exprime através de normas mas não se limita a elas não sendo também por isso correto afirmar que o seu estudo se limita a descrevêlas como dogmas17 O intérprete que realiza recorte parcial da realidade ou do fenômeno jurídi co descontextualizado do cenário teórico proposto incorre em equívoco na cons trução de premissas não fundamentadas verdadeiras frases sem texto explici tada pela lição de Mantovanni Colares Cavalcante com críticas deveras relevan tes Segundo o magistrado cearense Esse é o perigo da frase sem texto Ela se torna autônoma desligada de um possível contexto ou seja é um elemento abs trato da linguística a gerar inúmeras leituras sem o devido cuidado atenção reflexão que brota da leitura silenciosa de todo o texto Essa enunciação afori zante secundária a que destaca uma frase de um texto resulta numa amplifica ção soberana A frase circula sozinha a partir do seu destacamento tornase um produto ou no dizer de Maingueneau um enunciado autossuficiente18 mental de pagar impostos o que realmente significa e como vem influenciando nossa jurisprudên cia Belo Horizonte DPlácido 2007 p 15 16 ROCHA Sergio André Fundamentos do direito tributário brasileiro Belo Horizonte Casa do Direi to 2020 p 27 17 MACHADO SEGUNDO Hugo de Brito Por que dogmática jurídica Rio de Janeiro Forense 2008 p 45 18 CAVALCANTE Mantovanni Colares Frases sem texto a utilização de precedentes a partir de ementas In CARVALHO Paulo de Barros coord Texto e contexto no direito brasileiro XVII Congresso Nacional de Direito Tributário São Paulo Noeses 2020 p 889 DOUTRINA NACIONAL 203 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de O Dever Fundamental de pagar legalmente Tributos Significado Alcance e Análise de Precedentes do Carf Revista Direito Tributário Atual nº 51 ano 40 p 197224 São Paulo IBDT 2º quadrimestre 2022 O dever fundamental de pagar tributos na perspectiva de seus proponen tes não é um enunciado autossuficiente nem representa um fim em si mesmo em direito nada é mas se trata de comando normativo que cria um dever jurí dico com aptidão para conectar o direito à liberdade econômica de todos com a responsabilidade coletiva de manutenção dos interesses sociais Por exemplo o cidadão que não tem carro não pode se negar a pagar tributos porque não preci sa custear estradas ou a remuneração de servidores públicos dos Departamento de Trânsito As pessoas jurídicas não podem se negar a pagar as contribuições para o custeio da seguridade social sob o argumento de que os gastos com saúde previdência e assistência social deveriam ser pagos por quem delas se beneficie diretamente Os moradores de uma cidade não podem pretender deixar de pagar contribuição de iluminação pública por entenderem que a iluminação de sua rua é insuficiente Em todas essas hipóteses o dever de corresponsabilidade social é inerente à coexistência em comunidade fruto da escolha do legislador constituinte em dar efetividade a direitos sociais conectados e referíveis a todos surgindo daí a solida riedade19 de pessoas físicas e jurídicas com o desenvolvimento do Estado20 É exa tamente isso que defende Carlos Alexandre de Azevedo Campos em precisa con clusão No Estado Democrático Fiscal caracterizado pela liberdade econômica do indivíduo como pela responsabilidade do cidadão solidário direitos e deve res devem conviver em equilíbrio em uma relação de implicações recíprocas Isso significa de um lado que o Estado não pode exercer o poder de tributar de forma arbitrária de outro que o particular não possui a faculdade libertária de não con tribuir ao custeio das tarefas gerais e sociais do Estado O contribuinte tem o dever fundamental de pagar impostos que sejam justos e democraticamente instituídos Surge o dever tributário legítimo e fundamental quando estabelecido na for ma e nos limites previstos nas constituições democráticas21 Destacouse 19 Neste sentido defende Ricardo Lobo Torres se a solidariedade exibe primordialmente a di mensão do dever seguese que não encontra melhor campo de aplicação do que o direito tribu tário que regula o dever fundamental de pagar tributo TORRES Ricardo Lobo Solidariedade e justiça fiscal In TORRES Ricardo Lobo coord Estudos de direito tributário homenagem à memória de Gilberto de Ulhôa Canto Rio de Janeiro Forense 1998 p 301 20 Marco Aurélio Greco insere a capacidade contributiva como elemento que complementa a solida riedade social para justificar o dever legal de pagar tributo Segundo o autor o fundamento do tributo é o dever social ou cívico de solidariedade que se atende pelo ato de contribuir para as despesas públicas de acordo com a capacidade contributiva manifestada Fundamento não é o poder do estado mas a situação de convívio em sociedade que faz nascer o dever de solidarieda de GRECO Marco Aurélio Do poder à função tributária In FERRAZ Roberto coord Prin cípios e limites da tributação 2 São Paulo Quartier Latin 2009 p 174 21 CAMPOS Carlos Alexandre de Azevedo Interpretação e elusão legislativa da constituição do crédito tributário In CAMPOS Carlos Alexandre de Azevedo OLIVEIRA Gustavo da Gama Vital de MACEDO Marco Antonio Ferreira coord Direitos fundamentais e estado fiscal estudos em homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres Salvador JusPodivm 2019 p 621 REVISTA DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL nº 51 204 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de O Dever Fundamental de pagar legalmente Tributos Significado Alcance e Análise de Precedentes do Carf Revista Direito Tributário Atual nº 51 ano 40 p 197224 São Paulo IBDT 2º quadrimestre 2022 Notese que os defensores da teoria do dever fundamental de pagar tributos não afastam em nenhuma hipótese todos os limites e travas do ordenamento jurídico ao exercício do poder de tributar22 O próprio Prof José Casalta Nabais dedica grande parte de sua obra para advertir que as limitações constitucionais e legais protetivas do contribuinte não são afetadas pelo reconhecimento desse de ver coletivo Não há dever fundamental de pagar ilegalmente tributo tanto quanto inexis te dever fundamental do contribuinte de sujeitarse a excessos ou a qualquer exi gência que não esteja objetivamente parametrizada pela licitude Exatamente por isso propõese aqui um novo olhar hermenêutico que afas te as amarras interpretativas sobre a teoria passando a concebêla não apenas sob a égide do dever fundamental de pagar tributos mas sob a compreensão do dever fundamental de pagar legalmente tributos Essa proposta autoriza admitir que todos estão conectados às demandas so ciais exigidas pela solidariedade comunitária ínsita ao Estado Fiscal exigindo de pessoas físicas e jurídicas o cumprimento do dever colaborativo tributário po rém reforça que o dever fundamental de pagar tributo nunca nascerá da ilegali dade em quaisquer de suas modalidades Outrossim nas circunstâncias em que licitamente o contribuinte realizar ato jurídico que importe em economia tribu tária válida sem mácula ou vício previsto no ordenamento jurídico ou seja sem patologia de forma de vontade de intenção ou ocultação terseá como inválida a exigência da exação que dele decorra inexistindo dever fundamental de pagar ilicitamente tributos23 Tratase da realização do princípio da tributação conforme a lei24 em última instância o princípio da legalidade como elemento basilar do ordenamento jurídico cuja aplicação conjunta torna possível o reconhecimento do dever jurídico em apreço 22 Citese o Professor Marciano Seabra de Godoi também um dos grandes defensores da teoria para quem a afirmação das íntimas relações entre solidariedade e tributo e o reconhecimento da existência de um dever fundamental de pagar impostos poderão causar espécie e ser mal com preendidos Poderseia pensar que o reconhecimento de um dever fundamental de pagar impos tos credenciaria o Estado a exigir dos contribuintes qualquer tipo de prestações tributárias en fraquecendo os limites formais e materiais do poder de tributar De outra parte poderseia concluir que a vinculação do tributo com a solidariedade constitui uma desculpa ou um pretex to para justificar a cobrança de exações com graves violações das limitações constitucionais do poder de tributar GODOI Marciano Seabra de Tributo e solidariedade social In GRECO Marco Aurélio GODOI Marciano Seabra de coord Solidariedade social e tributação São Paulo Dialética 2005 p 158 23 Essa proposta salvo melhor juízo parece mais adequada do que a defesa de parte da doutrina do dever fundamental de não pagar tributo porquanto admitir que alguém possa não se submeter à tributação por força de um direito fundamental reconhecido pela Constituição Federal descons titui os parâmetros de solidariedade até aqui expostos 24 PONTES Helenilson Cunha Revisitando o tema da obrigação tributária In SCHOUERI Luís Eduardo Direito tributário homenagem a Alcides Jorge Costa São Paulo Quartier Latin 2003 v I DOUTRINA NACIONAL 205 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de O Dever Fundamental de pagar legalmente Tributos Significado Alcance e Análise de Precedentes do Carf Revista Direito Tributário Atual nº 51 ano 40 p 197224 São Paulo IBDT 2º quadrimestre 2022 Admitindose esse novo olhar há de se indagar o alcance do dever funda mental de pagar legalmente tributos ou seja em que medida esse dever afeta a exigência tributária os planejamentos tributários e os casos complexos 3 Limites à teoria do dever fundamental de pagar legalmente tributos As incompreensões e resistências de parte da doutrina à aceitação da teoria do dever de pagar legalmente tributos advêm da preocupação em municiar o Estado com um cheque em branco para justificar a eventual cobrança indevida de exações fiscais Com efeito a complexa e potencialmente conflitante relação de interesses historicamente havida entre fisco e contribuinte admite tal preocupação ainda que os defensores do tema não propaguem nenhum tipo de excesso ou exclusão de direitos do contribuinte Devese atentar porém que a defesa do dever fundamental de pagar legal mente tributo não tem a aptidão de afastar limitar ou inviabilizar outros princí pios e regras que integram a ordem constitucional e validam juridicamente o fe nômeno da tributação sobretudo as limitações constitucionais ao poder de tribu tar e os direitos fundamentais do contribuinte Em circunstâncias que desafiem o intérprete à derrotabilidade defeasibility25 de algum deles o dever fundamental de pagar legalmente tributos não terá ascendência sobre os demais sugerindo se a solução a partir do sobreprincípio da proporcionalidade e da técnica do ba lanceamento balancing a fim de alcançar solução verdadeiramente justa servin do de freios e contrapesos do próprio ordenamento jurídico Sobre esse tema citese trabalho em que se analisou a aparente colisão de princípios e a solução aos casos difíceis dela decorrentes Não obstante há diversas situações em que a colisão se dá diretamente entre princípios que estão em patamares constitucionais idênticos devendo o intér prete nesse caso valerse de um sobreprincípio que busque sopesálos em proteção do próprio ordenamento jurídico alcançando um balanceamento possível entre ambos balancing e por meio do critério da ponderação pro mover a adequada aplicação daquele que em sendo privilegiado faça menos mal ao outro Assim a concepção da proporcionalidade como princípio norteador dos de mais princípios e como garantia constitucional para a proteção de direitos fundamentais permite ao intérprete aplicar adequadamente a legislação in fraconstitucional inclusive em âmbito tributário para validar ou afastar as 25 HART Herbert Lionel Adolphus The ascription of responsibility and rights proceedings of the Aristotelian society Londres XLIX 1948 p 171194 REVISTA DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL nº 51 206 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de O Dever Fundamental de pagar legalmente Tributos Significado Alcance e Análise de Precedentes do Carf Revista Direito Tributário Atual nº 51 ano 40 p 197224 São Paulo IBDT 2º quadrimestre 2022 normas jurídicas desafiadas por meio da subsunção às exigências da propor cionalidade ALBUQUERQUE 202026 Ao analisar a teoria do dever fundamental de pagar legalmente tributos vêse que ela possui um limite bastante claro não há como se confundir o objeto de um dever jurídico geral com a natureza e o alcance das obrigações tributárias propriamente ditas pois se tratam de categorias jurídicas diversas com cargas de eficácia diferentes inconfundíveis de forma que as consequências do reconheci mento de um dever plasmado em uma norma constitucional jamais se confunde com a obrigação decorrente da aplicação de outra norma infraconstitucional ain da que complementares Um dever jurídico geral é um fato jurídico decorrente de um comando nor mativo que vincula seu destinatário a uma norma jurídica subsidiária da qual resulta o nascimento da obrigação se e quando materializado o suporte fático nela previsto Observese por exemplo o dever geral de proteção ao meio am biente Para além de um princípio constitucional consubstancia uma norma geral que faz nascer um dever jurídico do qual nenhuma pessoa física ou jurídica pode afastar seu âmbito de incidência ou pretender negar cumprimento porém prescinde de norma subsidiária que preveja o nascimento objetivo de relações jurídicas próprias que façam nascer direitos subjetivos ou que imponham pena lidade pelo descumprimento de tal dever São exemplos de deveres jurídicos gerais o dever de votar o dever de absten ção de condutas criminosas o dever de assegurar direitos sociais o dever de proteção à infância ao patrimônio histórico a defesa da saúde etc Em todas essas hipóteses os deveres alcançam diretamente os destinatários mas demandam a criação de norma subsidiária que faça nascer o vínculo obrigacional que a eles subjaz exsurgindo daí os respectivos direitos subjetivos a cada um referíveis Notese que uma coisa é o dever jurídico inserido na norma outra é o bem jurídico protegido outra é o direito reflexo do descumprimento do dever Exemplificando para melhor entendimento consta no texto constitucional o dever jurídico de observância aos direitos sociais dentre eles o direito à mora dia27 Seria admissível a qualquer cidadão com base nesse dispositivo propor ação contra a União Estados eou Municípios para exigir recebimento de imóvel sem que haja norma subsidiária que objetivamente preveja tal hipótese e lhe asse gure o benefício A resposta há de ser negativa 26 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de A proporcionalidade e os limites ao poder sancionador tributário In VIANA FILHO Jefferson de Paula CELESTINO JUNIOR José Osmar FIL GUEIRAS Ingrid Baltazar Ribeiro GOMES Pryscilla Régia de Oliveira coord Novos tempos do direito tributário Curitiba Íthala 2020 p 7173 27 Art 6º São direitos sociais a educação a saúde a alimentação o trabalho a moradia o transpor te o lazer a segurança a previdência social a proteção à maternidade e à infância a assistência aos desamparados na forma desta Constituição DOUTRINA NACIONAL 207 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de O Dever Fundamental de pagar legalmente Tributos Significado Alcance e Análise de Precedentes do Carf Revista Direito Tributário Atual nº 51 ano 40 p 197224 São Paulo IBDT 2º quadrimestre 2022 A diferenciação entre os alcances das normas jurídicas que estipulam deve res jurídicos e obrigações encontra amparo na doutrina de Eros Grau inclusive naquilo que repercute no Direito Tributário a saber Insisto em que inteiramente diversas destas são as situações em que se colo cam sujeitos vinculados por dever dever legal ou por obrigação dever obrigacio nal Toda a gente está juridicamente compelida a não turbar a propriedade alheia aí um dever Quem quer que contrate com outrem estando na situa ção de devedor está juridicamente compelido a cumprir o objeto da obriga ção quem quer que desenvolva atividade econômica sujeita a tributação está juridicamente compelido a pagar imposto a partir da formalização do lança mento consequente à verificação do fato gerador aqui nestes dois últimos casos a obrigação contratual e tributária O mesmo também ocorre na hi pótese de obrigação tributária que tenha por objeto o pagamento de taxa Nela o sujeito deve usar um determinado serviço público mesmo porque os remunerados por taxa são serviços públicos compulsórios ou desenvolve atividade sujeita a poder de polícia Caracterizado aquele uso ou o exercício de tal atividade surge a obrigação de pagamento da taxa Os sujeitos em questão em todas essas hipóteses vinculados por dever ou obrigação estão juridicamente compelidos ao cumprimento de seus respectivos objetos28 Concebida a diferenciação entre dever legal e obrigação em matéria tribu tária o dever fundamental de pagar legalmente tributos prescinde de catego rias normativas complementares para irradiar os efeitos jurídicos dele pretendi dos Observese o imposto sobre grandes fortunas previsto no art 153 VII da Constitucional Federal cuja competência tributária ainda não foi exercida pela União Os destinatários que a norma pretende alcançar quais sejam os detento res de grandes fortunas estão vinculados ao dever fundamental de pagar legal mente imposto sobre grandes fortunas mas tal dever jurídico só materializará efeitos ao par da criação de norma jurídica específica que preveja a hipótese de incidência da qual nascerá a respectiva obrigação tributária Não se admite portanto que o dever fundamental de pagar legalmente tributos seja um fim em si mesmo por isso mesmo não é capaz de modificar os elementos do fato jurídico tributário não autoriza a desconstituição de atos ou negócios jurídicos não valida lançamento tributário nem imposição de penalida de assim como não serve ao socorro ou convalidação de ato administrativo nulo ou inservível aos fins aos quais se destina Assim como os demais deveres fundamentais justificam o agir estatal para a criação de normas subsidiárias que licitamente façam nascer relações jurídicas que gerem cargas de conteúdo obrigacional as quais autorizam o lançamento de tributos e a cobrança de penalidades 28 GRAU Eros Roberto 1982 Nota sobre a distinção entre obrigação dever e ônus Revista da Fa culdade de Direito São Paulo Universidade de São Paulo 1977 p 180 Disponível em httpswww revistasuspbrrfdusparticleview6695069560 Acesso em 04 jun 2021 REVISTA DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL nº 51 208 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de O Dever Fundamental de pagar legalmente Tributos Significado Alcance e Análise de Precedentes do Carf Revista Direito Tributário Atual nº 51 ano 40 p 197224 São Paulo IBDT 2º quadrimestre 2022 Não é um fim em si mesmo29 e seu reconhecimento como uma realidade normativa não autoriza o intérprete a pretender extrair efeitos jurídicos irreais tampouco pode servir de motivação ou justificativa ao exercício do lançamento tributário Por isso mesmo o próprio Prof José Casalta Nabais ressalta a inaptidão do dever fundamental de pagar legalmente tributos para criar direito subjetivo correlato e que dele seja reflexo a saber posições subjectivamente imputadas ao indivíduo pela própria constitui ção e não posições fundamentalmente objectivas resultantes da consagração cons titucional dos poderes e competências estaduais e das condições de validade do seu exercício condições estas que muito embora desencadeiem por via de regra indirecta e reflexamente efeitos subjectivos na esfera dos indivíduos traduzidos em vínculos ou limitações desta mesma esfera não visam de maneira imediata os indivíduos determinando ou tornando determinável materialmente o seu comportamento projectado numa dimensão essencialmente intersubjectiva É o que se passa segundo cremos com os chamados deveres de tolerância ou de suportar deveres de pati Duldungspflichten cujo traço caracterizador reside em pressuporem uma actividade de intervenção na vida liberdade integridade física ou propriedade das pessoas e uma correspondente passivi dade por parte destas e entre os quais sobressai o frequentemente mencio nado pela doutrina dever de suportar expropriações por utilidade pública consagrado constitucionalmente a propósito do direito ou instituto da pro priedade30 Destacouse No mesmo sentido Canotilho traz importantes luzes para demonstrar que Os deveres fundamentais ou melhor as normas da constituição que consagram deveres fundamentais só excepcionalmente têm a natureza e estrutura de direi to diretamente aplicável a generalidade dos deveres fundamentais pressupõe uma interpositiva legislativa necessária para a criação de esquemas organizató rios procedimentais e processuais definidores e reguladores do cumprimento de deveres31 29 Neste sentido observese a doutrina de autora espanhola Cristina Pauner Chulvi La construc ción del Estado Social y democrático de Derecho ha supuesto un cambio em la fundamentación de los deberes constitucionales Se comprobó anteriormente cómo la evolucion estatal implicaba la aparición de nuevos deberes que comenzaron exigiéndose a los súbditos y se ampliaron plasmán dose em requerimentos dirigidos al Estado La introdución de estos deberes respondia a nuevas finalidades u objetivos estatales Pero así como el reconocimiento constitucional de algunos dere chos se produce porque el derecho en cuestión se considera un bien jurídico protegible en sí mismo los deberes no constituyen um fin en sí mismos sino que tienen um carácter meramente instrumental es decir asegurar la protección de bienes que se consideran valiosos CHULVI Cristina Pauner El deber constitucional de contribuir al sostenimiento de los gastos públicos Madrid Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales 2001 p 56 30 NABAIS José Casalta O dever fundamental de pagar impostos Coimbra Almedina 1998 p 6768 31 CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito constitucional e teoria da constituição 7 ed 6ª reimp Coimbra Almedina 2003 p 535 DOUTRINA NACIONAL 209 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de O Dever Fundamental de pagar legalmente Tributos Significado Alcance e Análise de Precedentes do Carf Revista Direito Tributário Atual nº 51 ano 40 p 197224 São Paulo IBDT 2º quadrimestre 2022 Assim o dever fundamental de pagar legalmente tributos está diretamente condicionado à existência e à validade de outras normas jurídicas do ordenamen to jurídico que permitam nascer a obrigação tributária É dizer o fato jurídico tributário não nasce isoladamente do dever geral a que todos estão vinculados mas é reflexo da relação obrigacional que por força de regra jurídica tributária decorrente vincula o sujeito passivo ao dever de adimplir a obrigação tributária Sem lei tributária válida o Estado não poderá exigir tributos com fundamento ape nas no dever fundamental geral pois faltará o elemento da licitude à exigência sendo equivocada a pretensão fazendária que parametrize seu agir com base uni camente nesse dever fundamental Essa constatação traz proposta conclusiva de alcance da utilização prática da teoria tanto pela administração tributária quanto por órgãos de julgamento de processos administrativos fiscais parametrizada pela constatação de que o dever fundamental de pagar legalmente tributos a não fundamenta nem justifica isoladamente o lançamento tributário e não socorre nem convalida ato administrativo nulo ou inservível aos fins aos quais se destina b não pode convalidar ato administrativo nulo ou anulável c não faz nascer a obrigação tributária pois esta depende da existência e validade de norma jurídica diversa que crie direito subjetivo em favor do Estado para exigir a exação o cumprimento de obrigações acessórias ou imposição de penalidade por fatos infracionais d cria dever jurídico cujos efeitos práticos estão condicionados à existên cia de norma jurídica subsidiária que o complemente e determine os con tornos obrigacionais da relação jurídica pretendida com o sujeito passivo d não serve de parâmetro de fundamento único para a desconstituição de atos ou negócios jurídicos realizados pelo sujeito passivo Registrese a interessante colaboração de Jeferson Teodorovicz no sentido de assegurar a preservação de equilíbrio entre o agir estatal e a segurança jurídi cotributária a saber O conceito de segurança jurídicotributária não difere do conceito geral de segurança jurídica apenas enfatiza e realça o caráter eminentemente protetor que a segurança assume nesse âmbito normativo em virtude da existência de nor mas tributárias que instituem uma perspectiva defensiva dos direitos funda mentais dos contribuintes porém em equilíbrio com uma moderada atuação estatal no exercício do poder de tributar Logo a segurança jurídica possuindo status de princípio que fundamenta diversos outros enquanto princípio geral ou sobreprincípio refletese em todos os meandros do ordenamento jurídico No que tange ao direito tributário não poderia ser diferente como é o caso da legalidade genérica e tributária da irre troatividade da lei tributária da anterioridade tributária da vedação do efeito REVISTA DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL nº 51 210 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de O Dever Fundamental de pagar legalmente Tributos Significado Alcance e Análise de Precedentes do Carf Revista Direito Tributário Atual nº 51 ano 40 p 197224 São Paulo IBDT 2º quadrimestre 2022 confiscatório da tipicidade em matéria tributária etc Princípios esses que encon tram fundamento na segurança jurídica32 É importante registrar que o Poder Judiciário tem se debruçado sobre a análise de situações em que o dever fundamental de pagar legalmente tributos é utilizado como elemento que justifica o agir estatal O caso paradigmático e que bem representa os limites ao alcance dessa teoria em circunstâncias concretas decorre da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o acesso do Fisco a in formações bancárias de contribuintes como se vê do Recurso Extraordinário n 601314 de relatoria do Min Edson Fachin julgado em 24 de fevereiro de 2016 julgado sob o regime de repercussão geral da qual resultou o tema 225 Na oca sião a Corte Suprema analisava entre outras coisas a alegação de pretensa in constitucionalidade do art 6º da LC n 1052001 que autoriza o acesso de autori dades fazendárias a dados bancários dos sujeitos passivos que se encontrem em procedimento de fiscalização33 com decisão assim ementada destacouse Recurso extraordinário Repercussão geral Direito tributário Direito ao si gilo bancário Dever de pagar impostos Requisição de informação da Receita Federal às instituições financeiras Art 6º da Lei Complementar 10501 Me canismos fiscalizatórios Apuração de créditos relativos a tributos distintos da CPMF Princípio da irretroatividade da norma tributária Lei 1017401 4 Verificase que o Poder Legislativo não desbordou dos parâmetros consti tucionais ao exercer sua relativa liberdade de conformação da ordem jurídi ca na medida em que estabeleceu requisitos objetivos para a requisição de informa ção pela Administração Tributária às instituições financeiras assim como manteve o sigilo dos dados a respeito das transações financeiras do contribuinte observandose um translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal 5 A alteração na ordem jurídica promovida pela Lei 1017401 não atrai a aplicação do princípio da irretroatividade das leis tributárias uma vez que aquela se encerra na atribuição de competência administrativa à Secretaria da Receita Federal o que evidencia o caráter instrumental da norma em questão Aplicase portanto o artigo 144 1º do Código Tributário Nacio nal 6 Fixação de tese em relação ao item a do Tema 225 da sistemática da reper cussão geral O art 6º da Lei Complementar 10501 não ofende o direito ao sigilo bancário pois realiza a igualdade em relação aos cidadãos por meio do princípio da 32 TEODOROVICZ Jeferson Segurança jurídica em direito tributário modulação de efeitos e o artigo 927 do Código de Processo Civil Lei 131052015 RFD Revista da Faculdade de Direito da UERJ n 38 Rio de Janeiro 2020 p 264 33 Art 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos livros e registros de instituições finan ceiras inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras quando houver pro cesso administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considera dos indispensáveis pela autoridade administrativa competente DOUTRINA NACIONAL 211 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de O Dever Fundamental de pagar legalmente Tributos Significado Alcance e Análise de Precedentes do Carf Revista Direito Tributário Atual nº 51 ano 40 p 197224 São Paulo IBDT 2º quadrimestre 2022 capacidade contributiva bem como estabelece requisitos objetivos e o translado do dever de sigilo da esfera bancária para a fiscal 7 Fixação de tese em relação ao item b do Tema 225 da sistemática da re percussão geral A Lei 1017401 não atrai a aplicação do princípio da irretroati vidade das leis tributárias tendo em vista o caráter instrumental da norma nos termos do artigo 144 1º do CTN De notar que o dever jurídico analisado pela Corte Suprema consiste no dever de prestação de informações pessoais do sujeito passivo da relação tributá ria sendo essa a matéria subjacente ao mérito da controvérsia jurídica controver tida Ou seja não se discutia o dever fundamental de pagar licitamente tributos Naquela ocasião confirmouse a validade da norma jurídica secundária de natu reza obrigacional prestar informações ao Fisco para que se permita o regular exercício do poder de polícia Ou seja o foco do debate foi definido sob âmbito da fiscalização não do dever fundamental de pagar legalmente tributos tendo sido declarada a consti tucionalidade da norma controvertida na medida em que busca impedir que entre a ocorrência do fato gerador e o efetivo pagamento das obrigações tributá rias essa ideiaforça que dá sustentação ao sistema tributário seja corroída por práticas como a sonegação a evasão e a fraude fiscal inexistindo óbice constitu cional ao fato de se conferir à Administração Tributária instrumentos eficazes de combate à fuga ilegítima da tributação potencializam a ideia de justiça fiscal e ajudam a impedir que o ônus do custeio do Estado fique desequilibrado recain do essencialmente e de forma absolutamente iníqua sobre aqueles contribuintes que cumprem de forma regular suas obrigações34 Se por um lado o dever jurídico encontrase plasmado na decisão como obter dicitum a ratio decidendi que justifica o reconhecimento da constitucionalida de da norma em questão reside na constatação de que o Poder Legislativo não desbordou dos parâmetros constitucionais ao exercer sua relativa liberdade de conformação da ordem jurídica na medida em que estabeleceu requisitos objeti vos para a requisição de informação pela Administração Tributária às instituições financeiras assim como manteve o sigilo dos dados a respeito das transações fi nanceiras do contribuinte observandose um translado do dever de sigilo da es fera bancária para a fiscal Seria equivocado data venia o entendimento de que o dever fundamental de pagar legalmente tributos autoriza o acesso a informações bancárias do contri buinte O bem jurídico protegido pela decisão foi o dever de submissão ao poder de polícia e o dever de prestação de informações fiscais Declarouse a constitucio nalidade de norma jurídica subsidiária permitindo o acesso a informações como forma de instrumentalizar a fiscalização exercida pela administração tributária 34 Voto do Min Luís Roberto Barroso REVISTA DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL nº 51 212 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de O Dever Fundamental de pagar legalmente Tributos Significado Alcance e Análise de Precedentes do Carf Revista Direito Tributário Atual nº 51 ano 40 p 197224 São Paulo IBDT 2º quadrimestre 2022 Portanto é ilógico pretender invocar um dever jurídico geral como justifica tiva única à pretensão de exigir tributos e aplicar penalidades não havendo na ordem jurídica constitucional nada que ampare tal pretensão Sem lei específica não há obrigação de pagar tributo e o dever geral não gera consequências obriga cionais principais ou acessórias Sem os instrumentos normativos subsidiários o dever jurídico geral não faz nascer direitos subjetivos específicos Consideradas tais premissas resta analisar onde e em que medida o Conse lho Administrativo de Recursos Fiscais Carf tem aplicado a teoria como forma de contribuir com a construção de um pensamento propositivo sobre o tema 4 Análise da aplicação da teoria do dever fundamental de pagar legalmente tributos no âmbito do Carf A aplicação da teoria do dever fundamental de pagar legalmente tributos é relativamente recente no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais O lea ding case que inaugurou o debate no Egrégio Colegiado ocorreu nos autos do Processo n 12448737118201269 do qual resultou o Acórdão n 120100113635 da 1ª Seção 2ª Câmara 1ª Turma Ordinária julgado em 26 de novembro de 2014 com a seguinte ementa naquilo que importa ao tema em análise com des taques aqui inseridos Norma geral antielisiva Eficácia O art 116 parágrafo único do CTN requer com vistas a sua plena eficácia que lei ordinária estabeleça os procedimentos a serem observados pelas auto ridades tributárias dos diversos entes da federação ao desconsiderarem atos ou negócios jurídicos abusivamente praticados pelos sujeitos passivos No que concerne à União há na doutrina nacional aqueles que afirmam ser ineficaz a referida norma geral antielisiva sob o argumento de que a lei ordinária regulamenta dora ainda não foi trazida ao mundo jurídico Por outro lado há aqueles que afirmam ser plenamente eficaz a referida norma sob o argumento de que o Decreto nº 7023572 que foi recepcionado pela Constituição de 1988 com força de lei ordinária regulamenta o procedimento fiscal Dentre as duas interpretações juridicamente possíveis deve ser adotada aque la que afirma a eficácia imediata da norma geral antielisiva pois esta interpre tação é a que melhor se harmoniza com a nova ordem constitucional em es pecial com o dever fundamental de pagar tributos com o princípio da capacida de contributiva e com o valor de repúdio a práticas abusivas Ato jurídico Abusividade Revelase abusiva e portanto deve ser desconsiderada para fins tributários a transferência de participação societária feita i a outra pessoa jurídica do mesmo grupo econômico residente em jurisdição que não tributa a renda na 35 Disponível em httpscarffazendagovbrsinconpublicpagesConsultarJurisprudencialistaJu risprudenciajsfidAcordao6091624 DOUTRINA NACIONAL 213 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de O Dever Fundamental de pagar legalmente Tributos Significado Alcance e Análise de Precedentes do Carf Revista Direito Tributário Atual nº 51 ano 40 p 197224 São Paulo IBDT 2º quadrimestre 2022 operações com o exterior ii por um valor muitíssimo inferior ao que essa mesma participação foi posteriormente alienada a terceiros e iii sem propó sito negocial crível exceto o de evitar a ocorrência dos fatos geradores do IRPJ e da CSLL incidentes sobre o ganho de capital auferido na alienação daquela participação societária a terceiros Observese que o Carf julgava caso em que a controvérsia girava em torno de planejamento tributário pretensamente abusivo sem propósito negocial à luz de norma geral considerada antielisiva parágrafo único do art 116 do CTN que fora contestada pelo contribuinte como inaplicável ao caso concreto pela ausên cia de lei que estabelecesse as condições objetivas que autorizariam o agir estatal neste sentido36 Debatiase portanto a utilização de norma antielisiva para desconstituir negócios jurídicos contudo não se pretendia justificar a cobrança de exação tri butária pelo dever fundamental de cobrar legalmente tributos a que o contri buinte estava vinculado Mais uma vez temse mero obter dicitum que poderia ou não ter sido citado como complemento da ratio decidendi tratandose de mera enun ciação aforizante secundária a que alude Maingueneau37 verdadeira frase sem texto que não causa reflexos jurídicos diretos Para que o leitor possa tirar suas próprias conclusões basta observar o rela to do agente autuante que consta do próprio auto de infração inserido no proces so citado no relatório do acórdão com evidente esforço de demonstrar a alegada simulação da operação e pretensa abusividade do sujeito passivo a saber com destaques Constatação fiscal Após detalhada análise dos documentos fiscais utilizados pela Fiscalização constatamos a prática de simulação perpetrada mediante a articulação de operações com o intuito de evitar a ocorrência do fato gerador do IRPJ Imposto de Renda Pessoa Jurídica e da CSLL Contribuição Social sobre o Lucro Líquido com omissão de ganhos de capital na alienação de participação societária com infração ao artigo 418 do Regulamento do Im posto de Renda Decreto nº 3000 de 26031999 36 As teorias relacionadas à aplicação automática do parágrafo único do art 116 do Código Tribu tário Nacional não representam o objeto do presente estudo razão pela qual não serão controver tidas Não obstante registrese que os contribuintes costumam controverter a matéria partindo do pressuposto de que o dispositivo legal não tem aplicação até que seja promulgada lei ordinária que estabeleça os procedimentos e o alcance da desconstituição de seus negócios porquanto a norma citada assim o exige a saber A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária observados os procedi mentos a serem estabelecidos em lei ordinária 37 CAVALCANTE Mantovanni Colares Frases sem texto a utilização de precedentes a partir de ementas In CARVALHO Paulo de Barros coord Texto e contexto no direito brasileiro XVII Congresso Nacional de Direito Tributário São Paulo NoesesIBET 2020 REVISTA DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL nº 51 214 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de O Dever Fundamental de pagar legalmente Tributos Significado Alcance e Análise de Precedentes do Carf Revista Direito Tributário Atual nº 51 ano 40 p 197224 São Paulo IBDT 2º quadrimestre 2022 O planejamento tributário utilizado não se refere a negócios empresariais a única finalidade foi de através de diversos atos constitutivos praticar simulação perpe trada mediante a articulação de operações com o intuito de evitar a ocorrên cia do fato gerador do imposto Conclusão 1 Basta criar um fundo investidor no exterior e alienar os bens ativos através deste fundo e ficar livre da tributação 2 Basta dar roupagem de subscrição de ações com ágio a uma operação de compra e venda de ativos para que esta não seja alcançada pela incidência do imposto Se assim fosse não haveria tributação dos ganhos de capital nas alienações de participações societárias Os criadores desse planejamento tiveram tanta certeza da impunidade que não ob servaram para o fato de que a estratégia utilizada é uma fórmula forjada fraudulen ta simulada que não tem poderes para elidir a tributação O que se constatou foi que o grupo econômico recorrendo às operações de reorganização societária elaborou formas jurídicas aparentemente válidas que dissi mularam o fato gerador do crédito tributário A conclusão é pela ocorrência de abuso de formas jurídicas em atos que visaram impedir o crédito tributário No ordenamento infraconstitucional destacase a previsão do parágrafo úni co do artigo 116 do Código Tributário Nacional CTN Lei 517266 segundo o qual a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gera dor do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tribu tária bem como no artigo 149 VII do mesmo CTN o lançamento é efetua do e revisto de ofício pela autoridade administrativa quando se comprove que o sujeito passivo ou terceiro em benefício daquele agiu com dolo fraude ou simulação É bem verdade que o Conselheiro Relator contextualizou a teoria do dever fundamental de pagar legalmente tributos em seu voto porém a controvérsia de fundo materializada em suas razões de decidir vinculavamse à abusividade das formas de forma que o fundamento jurídico extraído da ratio decidendi do citado leading case consistia no combate às práticas tidas como abusivas e dissimuladas as quais encontram solução jurídica no art 149 VII38 que disciplina as conse quências de atos praticados com dolo fraude ou simulação A decisão paradigma do presente debate ao citar o dever legal de pagar legalmente tributo contro verteo como fundamento periférico enquanto o pano de fundo do planejamento tributário ali combatido asseverava a existência de uma ilegalidade não havendo de se justificar com uma teoria que pressupõe a prática de atos lícitos 38 Art 149 O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguin tes casos VII quando se comprove que o sujeito passivo ou terceiro em benefício daquele agiu com dolo fraude ou simulação DOUTRINA NACIONAL 215 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de O Dever Fundamental de pagar legalmente Tributos Significado Alcance e Análise de Precedentes do Carf Revista Direito Tributário Atual nº 51 ano 40 p 197224 São Paulo IBDT 2º quadrimestre 2022 A partir de então aquele leading case que é de 2014 foi submetido a julga mento de Recurso Especial na Egrégia Câmara Superior de Recursos Fiscais conforme Acórdão n 9101003447 da 1ª Turma da CSRF de 6 de março de 2018 onde foi mantida a autuação pelos mesmos argumentos controvertendose uni camente a abusividade do planejamento tributário e a aplicação imediata da nor ma antielisiva sem maiores considerações sobre o dever fundamental de pagar legalmente tributos conforme se vê da ementa Norma geral antielisiva Eficácia Perfeita a decisão recorrida ao discorrer que o art 116 parágrafo único do CTN requer com vistas a sua plena eficácia que lei ordinária estabeleça os procedimentos a serem observados pelas autoridades tributárias dos diversos entes da federação ao desconsiderarem atos ou negócios jurídicos abusivamente praticados pelos sujeitos passivos Na esfera federal há na doutrina nacional aqueles que afirmam ser ineficaz a referida norma geral antielisiva sob o argu mento de que a lei ordinária regulamentadora ainda não foi trazida ao mun do jurídico Por outro lado há aqueles que afirmam ser plenamente eficaz a referida norma sob o argumento de que o Decreto nº 7023572 que foi re cepcionado pela Constituição de 1988 com força de lei ordinária regulamen ta o procedimento fiscal Dentre as duas interpretações juridicamente possí veis deve ser adotada aquela que afirma a eficácia imediata da norma geral antielisiva pois esta interpretação é a que melhor se harmoniza com a nova ordem constitucional em especial com o dever fundamental de pagar tributos com o princípio da capacidade contributiva e com o valor de repúdio a práticas abusivas No mesmo sentido precedente na 1ª Turma da CSRF Ac 9101002953 Destacouse Eis os fatos a controvérsia originada no âmbito do Carf salvo melhor juízo não se baseava no dever fundamental de pagar legalmente tributo mas se justi ficava no combate a abusos que os julgadores consideraram ilegais por ofensa ao art 149 VII cc o art 116 parágrafo único do CTN Como complemento argumentativo devese registrar entendimento contrá rio favorável ao contribuinte manejado pelo Conselheiro Relator Luís Flávio Neto39 que fora vencido na Câmara Superior de Recursos Fiscais mas trouxe importantes ensinamentos sobre as questões relacionadas à controversa abusivi dade dos negócios praticados pelo sujeito passivo e mais uma vez sem parame trizar sua decisão no dever fundamental de pagar legalmente tributos nos seguintes termos A exigência de lei para a desconsideração de planejamentos tributários não encontra fundamento apenas no princípio da legalidade em matéria tributária art 5º 39 Posicionamento também manifestado pelo mesmo Conselheiro no âmbito da Câmara Superior de Recursos Fiscais do Carf nos autos do Processo n 11080723307201206 Acórdão n 9101002429 1ª Turma julgado em 18 de agosto de 2016 REVISTA DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL nº 51 216 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de O Dever Fundamental de pagar legalmente Tributos Significado Alcance e Análise de Precedentes do Carf Revista Direito Tributário Atual nº 51 ano 40 p 197224 São Paulo IBDT 2º quadrimestre 2022 e art 150 I da Constituição mas também nas normas de Direito Econômico presentes no texto constitucional arts 170 e seg da Constituição O Estado por meio da tributação deve participar dos bemsucedidos resulta dos econômicos dos particulares a ele conectados a fim de obter receitas derivadas suficientes a fazer frente às necessidades públicas Conforme o princípio da legalidade o legislador deve eleger dentro de seu respectivo âmbito de competência tributária fatos geradores que captem capacidades contributivas conforme uma dosagem adequada à divisão do custo estatal Essa competência tributária também confere ao legislador ordinário a aptidão para a enunciação de normas de reação a planejamentos tributários específi cos chamadas comumente de SAAR como referência a special anti avoidan ce rules Por sua vez ao prescrever que compete à lei complementar estabelecer nor mas gerais sobre a ocorrência do fato gerador apuração da obrigação tribu tária entre outros elementos conferiuse ao legislador a aptidão privativa para enunciar norma geral de reação ao planejamento tributário GAAR como referência a general anti avoidance rules Notese que compete ao legislador complementar regular o planejamento tributário por meio de norma geral mas não lhe é permitido tornar absolutamen te ilícita a sua prática Se há limites ao exercício da liberdade o Estado de Di reito também pressupõe limites ao legislador para a sua restrição pois con forme salutar preocupação de Tércio Sampaio Ferraz Júnior a liberdade pode ser disciplinada mas não pode ser eliminada Não poderia o Estado uti lizar mecanismos de coerção para compelir o contribuinte à prática de determinados atos e assim à ocorrência de hipóteses de incidência de tributos ou seja de intervenção no patrimônio particular Assim ocorrendo como adverte Luís Eduardo Schoueri estarseia atentando de modo inadmissível contra a proi bição ao confisco e o Direito à propriedade Nos demais casos mais posteriores em que o Carf analisou o tema com pro fundidade relevante também no âmbito da Primeira Seção as conclusões do Conselheiro responsável pelo voto condutor Efigênio de Freitas Junior mantive ram a autuação e se baseavam na constatação de que uma vez comprovado que houve simulação fraude ou conluio no pagamento de algumas das hipóteses previstas no art 61 da Lei 8981 de 1995 a multa qualificada deve ser aplicada40 Mesma conclusão indicada em processo diverso assim ementado41 Simulação Multa qualificada No cenário em que há cumprimento formal da lei emissão de nota fiscal e respectiva contabilização se analisados os fatos sob a lente restritiva do Di 40 Processo n 10600720098201685 Acórdão n 1201003130 1ª Seção de Julgamento 2ª Câma ra 1ª Turma Ordinária julgado em 1792019 Conselheiro Designado Efigênio de Freitas Junior voto vencedor 41 Processo n 15504723875201141 Acórdão n 1201003195 1ª Seção de Julgamento 2ª Câmara 1ª Turma Ordinária julgado em 15102019 Conselheiro Relator Efigênio de Freitas Junior DOUTRINA NACIONAL 217 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de O Dever Fundamental de pagar legalmente Tributos Significado Alcance e Análise de Precedentes do Carf Revista Direito Tributário Atual nº 51 ano 40 p 197224 São Paulo IBDT 2º quadrimestre 2022 reito Privado não há falarse em simulação afinal seguiuse a letra da lei a despeito da artificialidade Analisar o conceito de simulação sob essa lente restritiva significa por via indireta restringir a atuação do fisco permitir que o sujeito passivo a despeito do exercício de atividade empresarial cubra se com o manto da isenção O que além de ilegal vai de encontro ao princí pio da livre concorrência e ao cumprimento do dever fundamental de pagar tributos Arranjo tributário simulado artificioso com vistas a transparecer para o fisco ino corrência de ilegalidade ou descumprimento dos requisitos previstos no artigo 14 do CTN e artigo 12 e parágrafos da Lei nº 9532 de 1997 Agir com consciên cia e vontade e modificar características essenciais da ocorrência do fato gerador as quais impactam na redução do montante devido de tributo é conduta que atrai a incidência da multa qualificada prevista no art 44 1º da Lei 9430 de 1996 cc art 72 da Lei nº 4502 de 1964 Destacouse À toda evidência a aplicação da norma geral antielisiva ou o lançamento de ofício justificado por atos simulados fraudulentos ou dolosos não decorrem dire tamente do dever fundamental de pagar legalmente tributos pois esse justifica a criação de regras válidas para exigir o pagamento de exações por força da so lidariedade da vida comunitária que demanda de todos o esforço necessário para custear os gastos sociais que são fruto da escolha constitucional de se manter um Estado Fiscal Outra coisa totalmente diferente é a necessidade de se combater atos ilícitos mediante elementos de controle ou de fiscalização que demandem do ente tribu tante afastar do mundo jurídico atos jurídicos eivados da pecha do dolo fraude simulação ou abuso Em todos esses casos o fundamento da desconstituição do ato pressupõe uma contrariedade objetiva à norma vigente e se justifica no dever geral de vedação à evasão ilícita42 Se é adequado conceber que o contribuinte não pode evitar a obrigação tributária recorrendo à manipulação ou à concatenação manifestamente artificiosa inadequada e descontextualizada de atos ou negócios jurídicos43 tal constatação não decorre de um dever jurídico de pagar legalmente tributos mas da análise do caso concreto que torne possível identificar o defeito do ato ou negócio jurídico por patologia invencível seja por defeito formal seja por vício da manifestação da vontade posto que não há soluções prévias genericamente aplicáveis a um nú 42 SANTI Eurico Marcos Diniz de Planejamento tributário e estado de direito fraude à lei recons truindo conceitos entre metáforas e buracos no direito Evasão elusão elisão ou ilusão NEF Núcleo de Estudos Fiscais da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas Direito GV Disponível em httpwwwfiscosoftcombra5x00planejamentotributarioeestadodedireito fraudealei20reconstruindoconceitosentremetaforaseburacosnodireitoevasaoelusaoe lisaoouilusaoeuricomarcosdinizdesanti Acesso em 04 jun 2021 43 GODOI Marciano Seabra de Planejamento tributário In MACHADO Hugo de Brito org Planejamento tributário São Paulo Malheiros 2016 v 1 p 449 REVISTA DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL nº 51 218 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de O Dever Fundamental de pagar legalmente Tributos Significado Alcance e Análise de Precedentes do Carf Revista Direito Tributário Atual nº 51 ano 40 p 197224 São Paulo IBDT 2º quadrimestre 2022 mero indeterminado de situações mas respostas construídas individualmente à luz de cada caso concreto44 Mas não se diga que o dever geral que subjaz ao controle de atos praticados com fraude simulação ou dolo repousa no dever fundamental de pagar legal mente tributos Em verdade tratase de categoria jurídica diversa qual seja o dever de vedação à obtenção de enriquecimento ilícito ou dever de vedação à evasão fiscal Mundos diferentes Bem diferentes Ressaltese ainda diversamente do que pensam alguns que a doutrina de Marco Aurélio Greco em torno do tema do planejamento tributário guarda con teúdo lógico com a salvaguarda de direitos do contribuinte sim muitas críticas da doutrina ao pensamento do notável professor também são fruto de incom preensão e de evidentes exageros Sua teoria acadêmica procura compreender os limites à prática de planejamentos tributários mesmo que parametrizados por atos lícitos sem patologias porém com a intenção exclusiva de obter economia tributária Apesar de sua análise ao modelo o ilustre Professor afasta a possibilida de de desconsideração dos negócios jurídicos sob o entendimento de que o CTN impõe a necessidade de promulgação de lei ordinária que fixe os limites ao agir estatal nos seguintes termos Ou seja na medida em que o CTN neste parágrafo único do artigo 116 prevê a necessidade de uma lei ordinária para disciplinar os procedimentos de aplicação do dispositivo está determinando que a competência em questão não pode ser exercida de modo e sob forma livremente escolhidos pela Administração Tributária A desconsideração só poderá ocorrer nos termos que vierem a ser previstos em lei como corolário da garantia individual do devido processo legal Em suma o CTN deferiu à lei ordinária a disciplina indispensável de caráter procedimental e não de direito material para que a norma possa ser aplica da Com isto não veiculou uma norma de eficácia plena mas uma norma de eficá cia limitada na medida em que a plenitude da eficácia somente será obtida após a edição da lei ordinária dispondo sobre tais procedimentos Vale dizer antes da mencionada lei ordinária o conteúdo preceptivo do dispositivo não comporta aplicação Isso significa que enquanto não for devidamente editada a lei ordinária dispondo a respeito falta um elemento essencial à aplicabilidade do parágrafo examinado sendo ilegal o ato administrativo fiscal que nesse interregno pretender nele apoiar se Enquanto não vier a ser editada a lei ordinária prevista no dispositivo falta ao dispositivo a plenitude da produção dos seus efeitos e por consequên cia a autoridade administrativa não pode praticar ato de desconsideração nele fundamentado o que não impede porém as reações já examinadas nos casos de abuso ou fraude à lei45 44 GRECO Marco Aurélio Planejamento tributário 3 ed São Paulo Dialética 2011 p 372 45 GRECO Marco Aurélio Planejamento tributário 3 ed São Paulo Dialética 2011 p 568 DOUTRINA NACIONAL 219 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de O Dever Fundamental de pagar legalmente Tributos Significado Alcance e Análise de Precedentes do Carf Revista Direito Tributário Atual nº 51 ano 40 p 197224 São Paulo IBDT 2º quadrimestre 2022 Notese que os hard cases surgem das circunstâncias em que o contribuin te realiza atos lícitos sem nenhum tipo de ocultação com o objetivo de reduzir sua carga tributária e maximizar o lucro Parte da doutrina conceitua tal circunstân cia como elusão fiscal fruto de abuso de direito a exemplo de Ricardo Lodi Ribei ro para quem o abuso de direito é obtido por meio da dissimulação dos negócios jurídicos que é um conceito que abriga não apenas os atos ilícitos como o dolo a fraude e a simulação mas todas as condutas que embora formalmente lícitas denotam o exercício abusivo do ato revelado pelo descompasso entre a sua motivação econô mica a forma e os efeitos por ele produzidos com o intuito único ou preponde rante de obter uma economia de imposto em violação à isonomia e à capacidade contributiva46 Tal proposta interpretativa é combatida pelo Prof Luís Eduardo Schoueri para quem não há lei que obrigue alguém a incorrer em fato jurídico tributário Ao contrário sob pena de caracterização de confisco a hipótese tributária não pode ser conduta obrigatória Ora se ao particular é assegurado o direito de incorrer ou não naquela hipótese então não se pode considerar fraudulenta a decisão do planejamento tributário SCHOUERI Luís Eduardo Planejamento tributário limites à norma antiabuso Revista Direito Tributário Atual v 24 São Paulo Dialé tica e IBDT 2010 p 355 O debate toma relevo ainda mais agudo no âmbito do Direito Tributário Internacional porquanto a OCDE Organização para a Cooperação e Desenvol vimento e o G20 a partir do esforço mundial para alcançar métodos multinacio nais de combate à evasão fiscal em 135 países expressamente recomenda a cria ção de regras comuns intituladas Actions a fim de impedir a prática do assim denominado planejamento tributário agressivo como um dos elementos estruturais do projeto BEPS Base Erosion and Profit Shifting47 46 RIBEIRO Ricardo Lodi A elisão fiscal e a cláusula geral antielisiva Temas de direito constitucional tributário Rio de Janeiro Lumen Juris 2009 p 293 No mesmo sentido leiase Heleno Tôrres É imperioso registrar contudo que o termo elisão não poderia ser usado para significar a pos tura lícita do contribuinte na economia de tributos devendo por rigor linguístico ser abandona do Para evitar confusões no uso da linguagem e por melhor representar as condutas enfocadas preferimos o termo elusão Elisão do latim elisione significa ato ou efeito de elidir eliminação supressão Eludir do latim eludere significa evitar ou esquivarse com destreza furtarse com habilidade ou astúcia ao poder ou influência de outrem Elusivo é aquele que tende a escapulir a furtarse em geral por meio de argúcia que se mostra arisco esquivo evasivo Assim cogitamos da elusão tributária como sendo o fenômeno pelo qual o contribuinte usa de meios dolosos para evitar a subsunção do negócio praticado ao conceito normativo do fato típico e a respectiva imputação dos efeitos jurídicos de constituição da obrigação tributária tal como previsto em lei TÔRRES Heleno Direito tributário e direito privado autonomia privada simulação elusão tributária São Paulo RT 2003 p 277 47 Segundo a própria OCDE o projeto BEPS referese a estratégias de planejamento tributário usadas por empresas multinacionais que exploram lacunas e incompatibilidades nas regras tribu tárias para evitar o pagamento de imposto REVISTA DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL nº 51 220 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de O Dever Fundamental de pagar legalmente Tributos Significado Alcance e Análise de Precedentes do Carf Revista Direito Tributário Atual nº 51 ano 40 p 197224 São Paulo IBDT 2º quadrimestre 2022 E onde fica o dever fundamental de pagar legalmente tributos em meio a essa controvérsia Fica onde o intérprete desejar pois não há referência direta entre o dever de solidariedade social e desconstituição de planejamentos tributá rios tidos por abusivos mercê da aplicação da norma geral antielisiva prevista no parágrafo único do art 116 do CTN seja ela adequada ou não A defesa desse dever jurídico não justifica nenhuma das duas posturas her menêuticas seja porque a justificativa para desconstituir atos jurídicos por abuso de direito está fundamentada no dever geral de vedação ao enriquecimento ilíci to e em regras jurídicas positivadas das quais se pretenda extrair efeitos jurídicos próprios seja porque não é permitida a exigência do tributo que não decorra de obrigação tributária fundada no nascimento de fato jurídico licitamente consti tuído Convidase o leitor a escolher o caminho interpretativo que seu pensamento lógico aceitar Em ambos o dever fundamental ou não de pagar tributo pressu põe outras coisas que não o dever pelo dever a teoria pela teoria o óbvio pelo ululante 5 Conclusões O dever fundamental de pagar licitamente tributos não é um enunciado autossuficiente nem representa um fim em si mesmo Admitilo como uma reali dade jurídica não pressupõe que a administração tributária possa utilizálo como instrumento de maximização da tributação e como justificativa para afastar direi tos e garantias asseguradas constitucionalmente que limitem o exercício ao po der de tributar ou que validem juridicamente o fenômeno da tributação Não há dever fundamental de pagar tributo que não esteja emoldurado pela legalidade e demais princípios norteadores da tributação assim como inexiste de ver fundamental do contribuinte de sujeitarse à ilegalidade ao excesso ou a qual quer exigência que não decorra objetivamente de norma jurídica válida Nesse contexto propõese novo olhar hermenêutico que conceba tal teoria sob a égide do dever fundamental de pagar legalmente tributos como decorrência lógica da solidariedade comunitária norteadora da realização de demandas sociais gerais Constitui limite implícito à teoria do dever fundamental de pagar legal mente tributos a constatação de que não se misturam e são inconfundíveis a o dever jurídico geral que o compõe e b o conteúdo obrigacional da norma tribu tária tratandose de categorias distintas com objetos diferentes não se admitin do pressupor que o alcance da regra jurídica que cria o dever geral possa limitar a validade ou modificar o alcance das demais normas jurídicas que compõem o sistema tributário Não se concebe que o conteúdo do dever fundamental de pagar legalmente tributos modifique o fato jurídico relacionado ao fenômeno tributário seja para alargálo ou para reduzir as opções lícitas de escolha do sujeito passivo de forma que esse dever jurídico geral não se aplica isoladamente para desconstituir unila DOUTRINA NACIONAL 221 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de O Dever Fundamental de pagar legalmente Tributos Significado Alcance e Análise de Precedentes do Carf Revista Direito Tributário Atual nº 51 ano 40 p 197224 São Paulo IBDT 2º quadrimestre 2022 teralmente atos ou negócios jurídicos assim como não serve à validação de lança mento tributário à imposição de penalidade nem socorre ou convalida ato admi nistrativo nulo ou inservível aos fins aos quais se destina não se autorizando à administração tributária pretender extrair efeitos jurídicos que tal dever não tem aptidão de gerar tampouco pode servir de motivação ou justificativa ao exercício do lançamento tributário O dever jurídico de pagar legalmente tributos não se confunde com o de ver geral de vedação ao enriquecimento ilícito razão pela qual não se concebe justificar a aplicação de norma antielisiva sob fundamento na solidariedade social e nas demandas de custeio do Estado Os precedentes do Carf sobre o assunto são insipientes e controvertem o dever fundamental de pagar licitamente tributos como obter dictum de decisões que pautam sua verdadeira ratio decidendi sob a análise de patologias jurídicas de planejamentos tributários havidos mediante prática de atos simulados frauda dos abusivos ou dolosos com aplicação de regras do CTN que objetivamente reconhecem a ilegalidade da prática do ato complementados pela incidência de norma geral antielisiva que ainda não foi regulamentada pela lei ordinária Em todos os casos analisados reconheceuse a patologia do ato praticado pelo sujeito passivo razão pela qual é possível concluir que o dever fundamental de pagar licitamente tributo não é diretamente útil a justificar diretamente o lançamento tributário e não tem parametrizado a razão de decidir dos julgamen tos no Carf cujas análises têm como cerne a aplicação da norma geral antielisiva e os defeitos de atos e negócios jurídicos praticados pelo contribuinte sob a pecha da simulação fraude abuso de direito ou dolo com evidente foco no combate a atos ilícitos fortalecimento do controle de fraudes e vedação à evasão fiscal Bibliografia ABRAHAM Marcus Curso de direito tributário brasileiro Rio de Janeiro Forense 2018 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de A proporcionalidade e os limites ao poder sancionador tributário In VIANA FILHO Jefferson de Paula CELES TINO JUNIOR José Osmar FILGUEIRAS Ingrid Baltazar Ribeiro GO MES Pryscilla Régia de Oliveira coord Novos tempos do direito tributário Curitiba Íthala 2020 AMARO Luciano Direito tributário brasileiro 23 ed São Paulo Saraivajur 2019 ÁVILA Humberto Teoria da igualdade tributária 3 ed São Paulo Malheiros 2015 BECKER Alfredo Augusto Teoria geral do direito tributário 3 ed São Paulo Le jus 2002 CAMPOS Carlos Alexandre de Azevedo Interpretação e elusão legislativa da constituição do crédito tributário In CAMPOS Carlos Alexandre de Azeve do OLIVEIRA Gustavo da Gama Vital de MACEDO Marco Antonio Ferrei REVISTA DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL nº 51 222 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de O Dever Fundamental de pagar legalmente Tributos Significado Alcance e Análise de Precedentes do Carf Revista Direito Tributário Atual nº 51 ano 40 p 197224 São Paulo IBDT 2º quadrimestre 2022 ra coord Direitos fundamentais e Estado Fiscal estudos em homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres Salvador JusPodivm 2019 CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito constitucional e teoria da Constituição 7 ed 6ª reimpressão Coimbra Almedina 2003 CAVALCANTE Mantovanni Colares Frases sem texto a utilização de preceden tes a partir de ementas In CARVALHO Paulo de Barros coord Texto e contexto no direito brasileiro XVII Congresso Nacional de Direito Tributário São Paulo NoesesIBET 2020 CHULVI Cristina Pauner El deber constitucional de contribuir al sostenimiento de los gastos públicos Madrid Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales 2001 DERZI Misabel Abreu Machado O planejamento tributário e o buraco do real contraste entre a completabilidade do direito civil e a vedação da completude no direito tributário In FERREIRA Eduardo Paz TÔRRES Heleno Tavei ra PALMA Clotilde Celorico org Estudos em homenagem ao Professor Doutor Alberto Xavier Coimbra Almedina 2013 GODOI Marciano Seabra de Tributo e solidariedade social In GRECO Marco Aurélio GODOI Marciano Seabra de coord Solidariedade social e tributação São Paulo Dialética 2005 GODOI Marciano Seabra de Planejamento tributário In MACHADO Hugo de Brito org Planejamento tributário São Paulo Malheiros 2016 v 1 GODOI Marciano Seabra de O que está em jogo com a afirmação de que o pa gamento de tributos é um dever fundamental In GODOI Marciano Seabra de ROCHA Sergio André coord Dever fundamental de pagar impostos o que realmente significa e como vem influenciando nossa jurisprudência Belo Ho rizonte DPlácido 2017 GODOI Marciano Seabra de ROCHA Sergio André org O dever fundamental de pagar impostos Belo Horizonte DPlácido 2017 GRAU Eros Roberto 1982 Nota sobre a distinção entre obrigação dever e ônus Revista da Faculdade de Direito São Paulo Universidade de São Paulo 1977 Disponível em httpswwwrevistasuspbrrfdusparticleview6695069560 Acesso em 04 jun 2021 GRECO Marco Aurélio Crise do formalismo no direito tributário brasileiro formalism crisis in Brazilian tax law Revista da PGFN ano I n 1 2011 GRECO Marco Aurélio Do poder à função tributária In FERRAZ Roberto coord Princípios e limites da tributação 2 São Paulo Quartier Latin 2009 GRECO Marco Aurélio Solidariedade social e tributação In GRECO Marco Aurélio GODOI Marciano Seabra de coord Solidariedade social e tributação São Paulo Dialética 2005 GRECO Marco Aurélio Planejamento tributário 3 ed São Paulo Dialética 2011 HART Herbert Lionel Adolphus The ascription of responsibility and rights procee dings of the Aristotelian society Londres XLIX 1948 DOUTRINA NACIONAL 223 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de O Dever Fundamental de pagar legalmente Tributos Significado Alcance e Análise de Precedentes do Carf Revista Direito Tributário Atual nº 51 ano 40 p 197224 São Paulo IBDT 2º quadrimestre 2022 IVO Gabriel Aportes acerca das relações entre o direito tributário e o orçamento público direito financeiro In CARVALHO Paulo de Barros coord Texto e contexto no direito brasileiro XVII Congresso Nacional de Direito Tributário São Paulo NoesesIBET 2020 LEÃO Martha Toribio O direito fundamental de economizar tributos entre legalida de liberdade e solidariedade São Paulo Malheiros 2018 MACHADO Hugo de Brito Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988 6 ed rev e atual São Paulo Malheiros 2019 MACHADO SEGUNDO Hugo de Brito Por que dogmática jurídica Rio de Janei ro Forense 2008 MARTINS Ives Gandra da Silva Uma teoria do tributo In MARTINS Ives Gandra da Silva coord O tributo reflexão multidisciplinar sobre sua natu reza Rio de Janeiro Forense 2007 MARTINS Ives Gandra da Silva Uma teoria do tributo São Paulo Quartier Latin 2005 MARINS James A instituição e a regulamentação da norma geral antielisão a MP nº 66 fr 29082002 In SCHOUERI Luís Eduardo coord Direito tribu tário homenagem a Alcides Jorge Costa São Paulo Quartier Latin 2003 v II NABAIS José Casalta O dever fundamental de pagar impostos Coimbra Almedina 1998 OECDG20 Base Erosion and Profit Shifting Project Mandatory Disclosure Rules Action 12 2015 Final Report Disponível em httpswwwoecdilibraryorgdo cserver9789264241442enpdfexpires1622845598ididaccnamegues tchecksum9624EC30F93AAA00A4B76B430A8762AB Acesso em 04 jun 2021 PONTES Helenilson Cunha Revisitando o tema da obrigação tributária In SCHOUERI Luís Eduardo coord Direito tributário homenagem a Alcides Jorge Costa São Paulo Quartier Latin 2003 v I QUEIROZ Mary Elbe Do lançamento tributário execução e controle São Paulo Dialética 1999 RIBEIRO Ricardo Lodi A elisão fiscal e a cláusula geral antielisiva Temas de di reito constitucional tributário Rio de Janeiro Lumen Juris 2009 ROCHA Sergio André Fundamentos do direito tributário brasileiro Belo Horizonte Casa do Direito 2020 ROCHA Sergio André O dever fundamental de pagar impostos direito funda mental a uma tributação justa In GODOI Marciano Seabra de ROCHA Sergio André org O dever fundamental de pagar impostos o que realmente significa e como vem influenciando nossa jurisprudência Belo Horizonte DPlácido 2007 SANTI Eurico Marcos Diniz de Planejamento tributário e estado de direito fraude à lei reconstruindo conceitos entre metáforas e buracos no direito REVISTA DIREITO TRIBUTÁRIO ATUAL nº 51 224 ALBUQUERQUE Fredy José Gomes de O Dever Fundamental de pagar legalmente Tributos Significado Alcance e Análise de Precedentes do Carf Revista Direito Tributário Atual nº 51 ano 40 p 197224 São Paulo IBDT 2º quadrimestre 2022 evasão elusão elisão ou ilusão NEF Núcleo de Estudos Fiscais da Esco la de Direito da Fundação Getulio Vargas Disponível em httpwwwfiscosoft combra5x00planejamentotributarioeestadodedireitofraudealei20 reconstruindoconceitosentremetaforaseburacosnodireitoevasaoelu saoelisaoouilusaoeuricomarcosdinizdesanti Acesso em 04 jun 2021 SCHOUERI Luís Eduardo Direito tributário 9 ed São Paulo Saraiva 2019 SCHOUERI Luís Eduardo Planejamento tributário limites à norma antiabuso Revista Direito Tributário Atual v 24 São Paulo Dialética e IBDT 2010 SCHOUERI Luís Eduardo MOSQUERA Roberto Quiroga Manual da tributa ção da renda São Paulo IBDT 2020 SCHOUERI Luís Eduardo coord FREITAS Rodrigo de org Planejamento tributário e o propósito negocial São Paulo Quartier Latin 2010 TEODOROVICZ Jeferson Segurança jurídica em direito tributário modulação de efeitos e o artigo 927 do Código de Processo Civil Lei 131052015 RFD Revista da Faculdade de Direito da UERJ n 38 Rio de Janeiro 2020 TIPKE Klaus YAMASHITA Douglas Justiça fiscal e princípio da capacidade con tributiva São Paulo Malheiros 2002 TÔRRES Heleno Direito tributário e direito privado autonomia privada simula ção elusão tributária São Paulo RT 2003 TORRES Ricardo Lobo A legitimação da capacidade contributiva e dos direitos fundamentais do contribuinte In SCHOUERI Luís Eduardo coord Direito tributário homenagem a Alcides Jorge Costa São Paulo Quartier Latin 2003 v I TORRES Ricardo Lobo Solidariedade e justiça fiscal In TORRES Ricardo Lobo coord Estudos de direito tributário homenagem à memória de Gilberto de Ulhôa Canto Rio de Janeiro Forense 1998 TORRES Ricardo Lobo Sistemas constitucionais tributários In BALEEIRO Aliomar org Tratado de direito tributário brasileiro T II Rio de Janeiro Fo rense 1986 v II XAVIER Alberto Tipicidade da tributação simulação e norma antielisiva São Paulo Dialética 2001