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Ciências Contábeis ·
Ciências Políticas
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Brasília a 37 n 148 outdez 2000 167 1 Introdução O sentido de povo Na delimitação do tema proposto para exame importa considerar o homem na sua dimensão social na expressão política do povo e o quanto essa realidade coletiva re percute no dizer da sua concepção jurídica Nessa perspectiva de indagação nenhuma outra ambiência situacional é mais própria que o Estado enquanto expressão dessa vontade articulada Que seja esclarecida preliminarmente a impertinência de toda insinuação que pretenda a sobrevalência do Estado sobre a manifestação legítima da vontade determinada do povo na medida em que este é elemento e razão do Estado Estabelecidas as premissas analíticas porque fundamentais havemos de sempre relembrar que a partir da ilustração etimo lógica dos vocábulos República e Democra cia é realçada a riqueza significante eviden ciadora do elemento povo como expressão da vontade coletiva maior conformadora do Estado De então República de res publica res populi a coisa do populus o que é do povo1 Não menos eloqüente é o vocábulo também composto grego democracia empregado no Concepção jurídica de povo Estado do povo ou o povo do Estado Carlos Roberto M Pellegrino Carlos Roberto M Pellegrino Docteur dEtat é Professor Titular da Universidade de Brasília Sumário 1 Introdução O sentido de povo 2 O senti do social 3 O elemento pessoal do Estado o préEstado 4 Povo Estado e governo 5 Da soberania do povo à idéia de nação 6 A dinâ mica do povo e a coerência constitucional o Estado nacional em mudança 7 Aldeia global Revista de Informação Legislativa 168 referimento ao exercício da autoridade cra tos pelo povo demo Convém desde então assentarse a exata medida conceitual que se estabelece entre povo e população Na perspectiva de uma outra considera ção tributária da sociologia povo não se re duz a mera referência do coletivo de homem porquanto além desse elemento material existe o ânimo psicológico de comvivialida de cum vivere entre os indivíduos perten centes a um mesmo ambiente cultural Essa disposição comvivencial é o dado fundamen tal conformador do Estado O contínuo es vaziamento do sentido de povo causado pela banalização reducionista do termo leva muita vez ao menoscabo da importância do fator povo para a força constitutiva de sua organização social e política Sem critérios científicos rigorosos são de certo modo compreensíveis os motivos da sinonímia vulgar no emprego de povo e população sem maiores preocupações conotativas Contu do apesar da proximidade conceitual es ses termos possuem evidentes traços discri minantes como aliás distingue Costanti no Mortati O termo população encerra idéia menos ampla referindose mais particular mente aos cidadãos de uma comuna2 Dizer do povo é aludir ao conjunto de todas as pessoas Não há dúvida porém que no emprego de quaisquer das expressões é sem pre possível constatarse a repercussão ju rídica na medida em que se busque estabe lecer relação com um determinado tipo de instituição politicamente organizada seja a população de um município para efeito de estimativa de coeficiente eleitoral seja o povo brasileiro na expressão da legitimidade constitucional Autores há para quem o con ceito de população evoca princípios de natu reza demográfica ou econômica3 elementos esses insuficientes para a explicação do Es tado como ente político De qualquer modo é sempre imprestável confundirse povo com país nação Estado sociedade religião etc Cada uma dessas realidades há de sempre ser tomada em conta na especificidade con textual reveladora de aspectos mais ou me nos particulares4 Assim por não empres tar sentido unívoco o termo povo é sempre empregado para evidenciar conceitos ou realidades claramente delimitadas pela in tencionalidade implícita ou explícita do autor quando não convém o emprego de país nação Estado ou sociedade ou quando pre tenda em um só termo dois ou mais senti dos referenciais temporal ou espacialmen te com respeito a seus conteúdos seja de ordem econômica jurídica política religio sa ou cultural 2 O sentido social Como salientado nada é mais evidente que o sentido comvivencial humano para a expressão jurídicopolítica sem embargo do fator social da experiência comunitária cul turalmente estável forma ingrediente essen cial de nossa própria existência A manifestação existencial do homem nos moldes da vida objetivada5 com vista ao atendimento das necessidades organizase na expressão de caráter normativo formal para regular as ações coletivas ou sociais O fenômeno jurídico situase portanto na re lação conseqüente povoEstado Na visão de alguns dos filósofos como Locke Rousseau Hobbes ou até mesmo os teóricos anarquistas como Godwin Stirner Proudhon Bakunin Kropotkine a dinâmi ca do fenômeno relacional povoEstado encontra fundamento enquanto realização dos ideais de supremacia individual pelo consenso sendo que para outros estudio sos da vertente hegeliana de pensamento é incontestável a supremacia do Estado com o caráter de coerção legítima Weber sobre o povo Certo é contudo que na prática tais distinções confundemse quando não de saparecem6 Esse é também o quadro no con texto das relações públicas internacionais quando o Estado deixa de ser o órgão exclu sivo para dividir espaço com as organiza ções internacionais Uma vez rememorados esses aponta mentos teóricos importa reparar no momen to histórico atual as conseqüências do Brasília a 37 n 148 outdez 2000 169 surgimento de uma nova ordem mundial calcada na idéia em certos aspectos falaci osa da globalização A ação concertada no ambiente globali zado tem feito reafirmar certas tendências de vocação hegemônicas em detrimento das sociedades economicamente periféricas francamente incapazes por razões conjun turais de fazer frente à ofensiva dos centros mais fortes e com isso atender aos interes ses locais e hiperlocais Alterações como es sas do quadro econômico internacional ja mais observadas em período histórico tão curto expõem as conseqüências da rápida superação de algumas instituições jurídicas e conceitos do direito que se mostram ina daptados para as circunstâncias emergentes do processo de globalização Registrase por exemplo a peculiaridade da expansão das relações de natureza privada sem que acon teça em contrapartida uma contração do público com a constante intervenção tutelar do Estado7 A necessidade de constantes adaptações e diversificações parece ser mais aguda para os serviços públicos que dei xam de ser geridos pelo Estado para serem efetivamente por ele regulados 3 O elemento pessoal do Estado o préEstado No processo social da agregação huma na o momento préestatal antecedente à ple na caracterização do Estado tem repercus são meramente sociológica O complexo das identidades étnicas geográficas lingüísti cas religiosas e políticas somente ganha contornos definitivos nos moldes de estru tura estatal quando ocorre a positivação da ordem constitucional Nessa dimensão povo e Estado estabelecem definitivamente as con dições de correlação jurídicopolítica con seqüente De acordo com o registro de Kel sen não se pode compreender a essência de uma ordem jurídica nacional seu principium individuationis sem que se pressuponha a realidade social subjacente no Estado o povo sujeito de direito Um sistema de normas possui a unidade e a individualidade em virtude das quais merece o nome de ordem jurídica nacional unicamente porque numa ou noutra forma se acha referido a um Esta do institucional e a sua realidade social pre existente8 Somente depois de haver a coleti vidade humana estabelecido as bases insti tucionais do ordenamento político estável regido por normas de um direito público interno e em alguma medida a partir de disposições do direito internacional é que repercutem as conseqüências jurídicas Des se acervo regulamentar depende a coletivi dade para o desenvolvimento estável das suas relações de direito Abstraindose de certas construções ar tificiosas próprias à inteligência humana é permitido dizer que assim como o Estado não cria o seu povo tampouco o povo cria o Estado isso pela simples evidência do ca ráter de relação essencial dos três elemen tos imediatamente concorrentes para o sur gimento da organização estatal Do mesmo modo Estado povo e poder exercício da au toridade estatal se interferem reciprocamen te e são formados no mesmo instante por virtude do fato constitutivo do Estado9 4 Povo Estado e governo Conquanto concorrentes para o atendi mento do bem comum do ponto de vista téc nicojurídico povo Estado e governo mos tramse conceitualmente díspares Do paralelismo que se estabelece entre as noções de povo e governo emergem com exatidão os contornos elementares que com põem a realidade organizacional do Esta do Partindose da constatação do Estado projeção de uma realidade política esta en contra fundamento na solidariedade do gru po social povo fixada por vínculos cultu rais gestados nos limites da porção territo rial precisamente delimitada É certo que nem mesmo na visão doutri nária clássica encontrase unanimidade quanto aos elementos que concorrem para o surgimento do Estado Para alguns estudi Revista de Informação Legislativa 170 osos da questão tudo se resume à pretensa simplicidade conceitual da soberania e da territorialidade Santi Romano É suficien te que se constate o império soberano de uma ordem nacional sobre um território para que haja o Estado Outros Ataliba Nogueira entendem ser necessário acrescer às três ex pressões de herança clássica o povo territó rio e soberania aí compreendidos o poder e a autoridade um quarto elemento o poder Sem pretender espichar a polêmica até porque inócua temos que o poder é intrínseco ao exercício da soberania daí o seu destaque injustificado Na expressão de sentido político povo são as pessoas indivíduos que comvivem em um determinado espaço físico sob um sistema de organização política e adminis trativa Dessa interação de individualida des na força de sua manifestação coletiva sobrelevam os cidadãos que são os titulares de direito público subjetivo que lhes asse gura o direito de interferir no processo deci sório da organização política ius honorum Essa ação concertada no agir responsável e livremente expressado pelo exercício pleno da soberania nacional é decisiva para o aten dimento das necessidades comuns da soci edade A coparticipação das responsabilidades nacionais ganha disciplina tanto ao nível do reconhecimento de uma tábua de direi tos e deveres individuais quanto de parte daqueles que recebem do povo a mani festação da legitimidade da representação política fazendose institucionalmente go verno A isso resulta o Estado de Direito O submetimento da administração ao direito uma das formas mais originárias de garantia dos direitos do povo foi incorpora do pelo Estado constitucional de Direito como expressão particular de alguns de seus princípios constitucionais a supremacia constitucional e a rigorosa sujeição do Esta do ao direito O imperativo de que o poder se expresse mediante leis genéricas abstra tas e vinculantes para o povo também é váli do para os poderes públicos Assim como o povo não pode desatender às determinações constitucionais também as instituições go vernamentais não podem a nenhum pre texto desatender ao que manda o direito ignorando os legítimos anseios do povo Este o elemento significativo e preponderante do valor do povo sentido que não pode ser vul garizado porque tributária a idéia de Esta do De ser frisado com a visão kelseniana que o povo constituise no âmbito pessoal de aplicação do direito do Estado10 ou seja o conjunto dos destinatários por excelên cia da ordem jurídica estadual11 Do quan to se viu resta que para conceituar o Esta do é necessário estabelecer referência às re lações políticas mantidas entre os homens Desde o ponto de vista tanto da ciência po lítica e da filosofia política quanto do direi to constitucional a população aqui toma da no sentido amplo de povo compõese de indivíduos Esse enfoque conduz a filosofia política a estudar os direitos que o homem deve ter frente ao Estado Ao direito cons titucional comporta o exame das caracterís ticas formais dos direitos e deveres consa grados no acervo normativo estatal À ciên cia política toca indagar como a ação con certada do homem é determinante para o exercício do poder ou é por ele afetado Mas também a filosofia política a ciência políti ca e o direito constitucional referemse ao homem participante de um grupo mais am plo Surgem então as diversas possibilida des metodológicas acerca da caracterização dos grupos sociais O emprego generalizado e comum pe los cientistas sociais do designativo povo enquanto idéia de nação não encontra mais cabimento científico porque dado absoluta mente dispensável à concepção de modelos analíticos de verificação empírica A ênfase atual deslocase para a consideração da re alidade interativa das classes ou grupos de interesse pressão classificadores da popula ção esses sim próprios para efeitos de aná lise política A distinção possível de ser estabelecida entre o povo elemento essencial de titulari Brasília a 37 n 148 outdez 2000 171 dade da soberania e o Estado realidade política juridicamente organizada que se manifesta pelos seus órgãos habituais le gislativo executivo e judiciário encontra fundamento para a determinação da estru tura básica da positividade constitucional especialmente na legitimação das ações administrativas e suas características es truturais da organização estatal12 Nos Es tados ocidentais salvo algumas raras exce ções Cuba a Constituição resulta do exercício de um direito subjetivo e sobe rano imanente ao povo soberano para dar molde a uma expressão política com efei tos jurídicos É certo que o Estado não existe em si e por si a sua porção de autonomia reflete o grau de autonomia de seu povo que de acor do com sua tendência ideológica estabele ce livremente os princípios reitores de sua organização política e escolhe seus repre sentantes Esse processo eletivo feito de modo a assegurar livre participação do povo em geral e com igual peso participativo chama mos democracia Governantes e governados povo têm qua lidades específicas na separação de funções ainda que os governantes tenham origem no povo governados Os governantes gover nam na conformidade disposta na Cons tituição e nas leis às quais devem estrita observância O elemento democrático do estamento governamental se encontra no exercício da dúplice virtude governar mediante estatu to ditado pela Constituição e igualdade dos governantes aos outros cidadãos de onde aliás provêm O Poder é atributo de mando outorgado aos governantes por ordem dos governados o povo 5 Da soberania do povo à idéia de nação Sendo possível falar do Estado em ter mos de organização política e inclusive de tipo de autoridade ou legitimidade sobre o conceito de nação o mesmo não acontece Categoria descritiva denominase nação brasileira o conjunto daqueles que recebe ram do Estado essa nacionalidade A coleti vidade dos cidadãos é conjunto tão particu lar que a palavra nação não se aplica generalizadamente à população de todos os estados outros de expressão cultural di versa A nação se define como fundadora do Estado em vez de ser constituída por ele Na perspectiva da moderna observação sociológica conceitos antigos ganham novo tratamento descritivo embora seu conteú do permaneça inalterado Assim pode ser avaliado o posicionamento de Alain Tou raine 1996 que sem embargo da perspicá cia e agudeza de espírito justifica o fenôme no sóciopolítico na relação Estadonação mas não chega a explicálo em termos de superação conceitual Em outros termos mudamse os ângulos de visão mas os su jeitos permanecem os mesmos As questões são as mesmas embora vestidas de novas cores De acordo com o conceito clássico de nação expressão do coletivo político e cultu ral essa figura está associada não somente à atividade instrumental de realização do bem comum mas também a uma identida de cultural ao constituirse em espaço de li berdade Essa concepção básica de moldes tradicionais caiu em franco descrédito na medida em que a realidade da ambiência política é sempre fortemente marcada pela determinante ideológica e por forças mobi lizadoras da opinião pública desvirtuan do inteiramente o verdadeiro sentido de na ção como expressão da identidade cultural do povo Na realidade a idéia de nação mos trase tão estreitamente associada àquela de Estado que já não se pode distinguir com princípios de certeza um e outro O Estado ao mesmo tempo em que manifesta o poder da nação pela ação de sua força militar pelo complexo administrativo a implementação de sua política educacional tem no elemen to populacional povo nação população uma de suas características físicas Países como a França e os Estados Uni dos da América tendem a considerar na Revista de Informação Legislativa 172 proclamação de suas Constituições que a nação é a expressão de valores universais de modo que o interesse superior do Estado deve corresponder ao conjunto dos interes ses particulares Essa concepção muito pró xima à da economia liberal desde Adam Smith até Bentham está fundada na corres pondência do interesse particular e interes se geral ou o bem comum graças à ação de uma mão invisível Como sociedades políti cas esses países correspondem completa mente a essa ideologia que traz em si um risco de estatismo republicano Em qualquer dos sentidos que se possa emprestar à noção o povo é não apenas in dispensável mas essencial para a existên cia e compreensão do Estado na medida em que este é a realização da vontade coletiva dos indivíduos13 De modo geral podese conceituar povo como o conjunto de indivídu os convivendo em um determinado território sob o comando de um governo próprio organizado em um ordenamento jurídico originário ubi so cietas ibi ius Toda sociedade requer um di reito normas e instituições mas a consciên cia de um povo enquanto magnitude jurí dicopolítica dáse predominantemente no marco estatal No âmbito do Estado o elemento perso nalista humano povo manifestase como titular do poder constituinte cujo exercício dessa autoridade soberana se dá mediante procedimentos e critérios democráticos no sentido rigoroso do designativo grego pre conizados numa Constituição Senhor ex clusivo de seu destino expressão legítima de todo poder e autoridade o povo estabele ce os contornos institucionais de sua orga nização política por meio de representantes Preâmbulo da Constituição brasileira Nós representantes do povo brasileiro O povo não se resume portanto à simples referência conceitual descritiva mas é su jeito operacional14 credor único e insubsti tuível dos benefícios alcançados pela comu nidade estatal e objeto de toda proteção Na observação de Konder Comparato 1998 p 14 Não se trata de designar com esse termo uma realidade definida e incon fundível da vida social para efeito de classificação sociológica por exemplo mas sim de encontrar um sujeito para a atribuição de certas prerrogativas e responsabilidades coletivas no uni verso jurídicopolítico Ainda no século XIII influenciado pelo neoaristotelismo que à época influencia va nos círculos do pensamento vivo Marsí lio de Pádua cerca de 12751342 anteci pandose em alguns séculos os argumentos rousseaunianos ensina que a autoridade política fundamental não é do governo mas do povo o legislador humano o conjunto dos cidadãos que detém o poder soberano para estabelecer as regras de convivência política e social No Defensor Minor CapXII Marsílio prescreve que O supremo legislador humano desde a época de Cristo e talvez mes mo há algum tempo antes até hoje foi é e deve ser o conjunto de todos os homens ou sua parte mais relevante em cada uma das regiões e provínci as os quais têm de estar subordina dos aos preceitos coercitivos da lei15 Na constatação de Rousseau a respeito do povo na perspectiva de sua inserção no Estado antes pois de examinar o ato pelo qual um povo elege um rei conviria examinar o ato pelo qual um povo é povo pois esse ato sendo necessaria mente anterior ao outro constitui o ver dadeiro fundamento da sociedade16 Depois de consideradas as condicionan tes sociais e políticas acerca de povo e Esta do sobreleva pela oportunidade do momen to histórico a indagação prospectiva de Fri edrich Müller 1998 quem é este povo e qual a sua participação nos atos do Estado em face do fenômeno da globalização Respostas a tais perguntas constituem se sem dúvida graves desafios para os es tudiosos de uma Teoria do Estado no portal do novo século Mesmo os teóricos do Direito Brasília a 37 n 148 outdez 2000 173 Constitucional procuram explicações em face da dogmática constitucional de diver sos países que na literalidade da determi nação de suas Cartas fundamentais reme tem ao povo a titularidade do poder estatal inaugurando assim um Estado constituci onal de Direito A referência a essa titulari dade como também lembrada por Friedrich Müller 1998 p 4753 vem entre outras Constituições na do Brasil e na Lei Funda mental de Bonn de 1949 Na condição fundamental para a defini ção do Estado o elemento povo consolida do titular do poder estatal sempre exerceu fascínio no contexto científico da Teoria do Estado Ora se efetivamente o povo detém a titularidade do poder e o Estado Moderno exerceo sob as condições e limites conven cionados numa Constituição entendese melhor o Estado constitucional de Direito a partir do fundamento da segurança jurídi ca e da previsibilidade das ações estatais como lembra Geraldo Ataliba 1985 p 144 152 um dos pilares da submissão do Esta do ao Direito Contudo a incidência e destaque dou trinários acerca do fenômeno da globaliza ção notadamente da econômica sugerem novas reflexões acerca dos elementos carac terísticos do Estado contemporâneo com especial ênfase ao atributo da soberania en quanto manifestação do poder estatal o qual é exercido em nome do povo sob sua legiti mação e delegação Qualquer ensaio tenden te à descaracterização da soberania estatal como elemento essencial na definição do Es tado não parece correto mesmo em virtude das conseqüências admitidas como inexo ráveis resultantes dos destemperos cometi dos a pretexto da globalização Não se per ca de vista que a manifestação da soberania de um Estado decorre de sua Constituição feita pelo povo instrumento por excelência de legitimação das ações estatais e o que somente poderá ser retirado de um povo pela violência das armas com a instalação da tirania significado antinômico do Estado de Direito 6 A dinâmica do povo e a coerência constitucional o Estado nacional em mudança Sendo a soberania um poder absoluto supremo na ordem interna e não subjugado na ordem externa é fácil perceber que não podem coexistir dois poderes no mesmo ter ritório ao mesmo tempo pois apenas aquele que tiver capacidade de impor suas deci sões será realmente um poder soberano não o outro Dessa forma como há incompatibi lidade entre o poder do Estado nacional e o poder do bloco regional apenas um deve prevalecer Como o Estado nacional baseiase em vínculos muito mais fortes e duradouros até porque naturais que os vínculos que agregam os blocos regionais é notório que o poder soberano deve ser titularizado pelos Estados nacionais não pelos blocos regio nais pois sua força é momentânea lastrea da em fatores dinâmicos e frágeis não resis tindo ao confronto com os sentimentos na cionais Ademais além do Estado nacional ser um imperativo natural pois as nações são muito deferentes umas das outras e tendem a preservar seus costumes e tradições a manutenção do Estado nacional representa uma questão democrática uma vez que o povo pode escolher os comandantes dos Estados mas jamais escolherá os diretores de empresas razão pela qual o estabeleci mento de uma ordem global baseada no poder econômico jamais será uma ordem democrática Aliás Claude Raffestin 1993 p 155 bem observou que a grande diferença en tre malha política e malha econômica está no fato de que a primeira resulta de uma decisão de um poder ratificado legitimado enquanto a segunda resulta de um poder de fato De concluir que não existe soberania que seja estranha à realidade nacional do Estado Colhese de estudos recentes que a efici ência de um Estado homogêneo universa Revista de Informação Legislativa 174 lista compreendendo um povo que se expres sa no mesmo idioma com tradições comuns e um território definido que não experimen ta situações como aquela dos povos maias que vivem no sul do México e no norte da Guatemala ou dos mais de duzentos e cin qüenta grupos lingüísticos que situamse no território de Ruanda Burundi Zâmbia e Congo parece desgastada inoperante Tam bém o conceito de soberania tanto na sua manifestação interna autonomia suprema de decisões no seu território quanto na ex terna independência e igualdade em rela ção aos outros Estados parece enfrentar uma crise de identidade E não é sem motivo Conseqüência do processo da globaliza ção acontece o fenômeno da desterritoriali zação e a fragmentação do poder estatal en quanto reflexo da progressiva e maciça in fluência do capital externo empresa e enti dades internacionais com repercussão di reta e imediata no quadros políticos naci onais A soberania alvo de críticas e acomo dações conceituais tem sido objeto de cons tantes tentativas de relativização que embora ainda tida como um elemento do Estado suas características são cada vez mais discutíveis e discutidas e sua aplica ção limitada por temperamentos de conve niência Os Estados sobretudo os periféri cos das grandes potências longe de serem uma realidade unívoca em sua dinâmica estrutural apresentamse no contexto de um processo político dialético cujos momentos resultam na acomodação ou justaposição de interesses díspares mas de forte conotação multinacional 7 Aldeia gloal Do ponto de vista da organização esta tal a distinção entre os indivíduos nacionais e os estrangeiros encontra justificativa ape nas para caracterização do que Friedrich Müller 1998 p 5558 chama de povo ativo ou seja o conjunto dos indivíduos titulares de direitos e deveres perante a ordem jurídi ca interna fundada nos direitos e garantias constitucionais como os direitos políticos os relativos à seguridade social enfim aque les que são intrínsecos ao exercício constan te da cidadania perante o Estado beneficia dos pelas ações estatais posto que são des tinatários naturais destas Ao contrário os estrangeiros provisoriamente albergados pela tutela de um outro Estado que não o seu de origem porém sob as vistas da or dem internacional ainda não gozam ple namente das mesmas prerrogativas dos ci dadãos nacionais do país Essa constata ção é sem dúvida preocupante sobretudo nesse quadro da história A tipificação conceitual do povo como sujeito de dominação decorre da idéia de consentimento surgida na Inglaterra no século XII em período próximo à edição da Magna Carta com a eleição pelo povo ou parcela significativa deste pelo menos dos representantes para comporem o Parlamen to os quais tinham a função que guardam ainda hoje de deliberar sobre as relações sociais e limitar as ações estatais pelos cri térios da legalidade da moralidade e da probidade estatais Essa participação do povo na definição dos fins do Estado não se restringe apenas a eleição de seus representantes para o ór gão legislativo mas também como destina tários dessas mesmas deliberações legisla tivas normas jurídicas Nesse raciocínio não estão excluídos os nãoeleitores ou seja os indivíduos que têm direitos políticos re lativos de elegerem ou serem eleitos repre sentantes do povo Last but not least se a Teoria Geral do Di reito observa que as normas jurídicas são genéricas e abstratas vedandose destaques individualizadores e direcionamento man damental sob a ótica do plano estático da norma essa generalidade é entendida como sendo a destinação a todos os indivíduos tutelados pela ordem jurídica vigente no Estado Ao se pretender a eficiência do Estado contemporâneo sucessor do modelo liberal Brasília a 37 n 148 outdez 2000 175 do agonizante Estado Moderno não há fu gir da constatação de que o povo vem tri lhando um caminho ainda tortuoso na con quista de sua autodeterminação como soci edade civil organizada e detentora do po der estatal Mas de toda análise resulta a certeza de que ínsito ao conceito de Estado o povo no sentido amplo da expressão ou como querem outros a nação a comunidade ou simplesmente os cidadãos mantémse como fundamento sólido de toda sociedade soberana frente ao ordenamento jurídico in ternacional quanto mais a um processo de globalização das relações entre os Estados Na perspectiva da globalização dos mei os de produção e informação à exclusão de toda extensão que se pretenda com a so berania dos Estados é crescente a relação de intersubjetividade entre indivíduos de diversos Estados soberanos Desse fato é inegável que a expressão povo começa a ga nhar nova dimensão em conseqüência dos efeitos jurídicos mais abrangentes na me dida em que os direitos e garantias consti tucionais inerentes à pessoa humana como assegurados pelas ordens nacionais são progressivamente estendidos aos indivídu os de origem estrangeira momentaneamen te presentes no território do Estado hospe deiro Ao menos do ponto de vista dos direi tos humanos o momento da globalização terá significado incontestavelmente positi vo a consagração efetiva dos direitos huma nos como preconizado pelo ordenamento jurídico internacional Notas 1 Cicero DE RE PUBLICA I XXV respubli ca res populi populus autem non omnis hominium coe tus quoquo modo congregatus sed coetus multitudinis iuris consensu et utilitatis communione societatus A república coisa do povo considerando tal não todos os homens de qualquer modo congregados mas a reunião que tem seu fundamento no consen timento jurídico e na utilidade comum tradu ção por Amador Cisneiros São Paulo Ed Abril 1973 p 155 Coleção Os Pensadores 2 b Laltro elemento costitutivo è dato dalla popo lazione cioè da quei cittadini italiani i quali risiedono stabilmente nem comune sono perciò iscritti nei suoi registri anagrafici e si chiamano comunisti o cittadini comunali Mortati 1976 p 996 3 Caetano 1983 p 123 4 Caetano 1983 manifesta sua preferência à palavra Povo para designar a colectividade hu mana que a fim de realizar um ideal próprio de justiça segurança e bemestar reivindica a institui ção de um poder político privativo que lhe garanta o direito adequado às suas necessidades e aspirações Interessa ainda transcrever trecho do pensa mento sempre lúcido do neotomista Jacques Mari tain para quem no que toca à própria noção de povo diria eu que o conceito moderno de povo tem uma longa história derivando de uma singular di versidade de significados que se fundam entre si Considerando todavia apenas o significado polí tico da palavra bastanos dizer que o povo é a multidão de pessoas humanas que reunida sob o império de leis justas por uma mútua amizade e para o bem comum de sua existência humana cons titui uma sociedade política ou um corpo político A noção de corpo político significa a unidade total composta pelo próprio povo A noção de povo sig nifica o conjunto de membros organicamente uni dos que compõem o corpo político MARITAIN 1966 p 32 5 Cf Ricasens Siches 1952 passim 6 Mesmo que a autoridade do Estado reine de modo absoluto tipificando uma relação de superi oridade tramitação entre Estado e sociedade civil envolve uma certa dosagem recíproca de interes ses Wolkmer 1983 p 39 7 Moreira Neto 1995 p 28 8 Kelsen 1969 p 216 9 Miranda 1973 p 206 10 El pueblo del Estado son los individuos cuya conducta se encuentra regulada por el orden jurídico nacional trátase del ámbito personal de validez de di cho ordem Kelsen 1969 p 276 11 Miranda 1973 p 211 12 Gordillo 1984 p 45 e ss 13 Canotilho p 105 14 Cf Comparato 1998 15 No mesmo sentido escreve em Defensor Pacis parte primeira CapXIII A autoridade para instituir leis e dar preceito coativo pertence unicamente à totali dade dos cidadãos ou a sua parte mais relevante como a sua causa eficiente ou àquele ou àqueles que os cidadãos autorizarem para tal Cf Pádua 1989 Pádua 1991 16 Avant donc que dexaminer lacte par lequel un peuple élit un roi il seroit bon dexaminer lacte par lequel un peuple est un peuple car cet acte étant nécessairemente antérieur à lautre est le vrai fonde ment de la societé Ile contract social Livre I chapV francês da época NA Revista de Informação Legislativa 176 Bibliografia ATALIBA Geraldo República e constituição São Paulo Revista dos Tribunais 1985 CANOTILHO J J Gomes Direito constitucional 5 ed Coimbra Almedina sd CAETANO Marcello Manual de Ciência Política e Direito Constitucional Tomo 1 6 ed Coimbra Almedina 1983 COMPARATO Fábio Konder Prefácio In MÜL LER Friedrich Quem é povo Tradução por Peter Naumann São Paulo Max Limonard 1998 GORDILLO Agustín A Teoria general del derecho administrativo Madrid Instituto de Estudios de Administración Local 1984 JACQUES Maritain O Homem e o Estado Tradu ção por Alceu Amoroso Lima 4 ed Rio de Janeiro Agir 1966 KELSEN Hans Teoria General del Derecho y del Estado Tradução por Eduardo Garcia Maynez 3 ed México UNAM 1969 p 216 MIRANDA Jorge Sobre a noção de povo em direi to costitucional In Estudos de direito público em honra do professor Marcello Caetano Lisboa Áti ca 1973 MOREIRA NETO Diogo de Figueiredo O Estado brasileiro no processo de globalização In Re vista da Faculdade de Direito Cândido Mendes Cândido Mendes Imprensa Universitária a 1 n 1 1995 Nova Série MORTATI Constantino Istituzioni di Diritto Publi co 6 ed Tomo 2 Padova CEDAM 1976 MÜLLER Friedrich Quem é povo Tradução por Peter Naumann São Paulo Max Limonard 1998 PÁDUA Marsílio El defensor de la paz Madrid Tecnos 1989 PÁDUA Marsílio Defensor menor Petrópolis Vo zes 1991 REFFESTIN Claude Por uma geografia do poder Tradução por Maria Cecília França São Paulo Ática 1993 RICASENS SICHES Luis Vida humana sociedad y derecho México Ed Porrua 1952 TOURAINE Alain Podremos vivir juntos el des tino del hombre en la aldeia global Tradução por Horácio Pons México Fondo de Cultura Econômica 1996 WOLKMER Antônio Carlos Sociedade Estado e o Direito In Revista de Ciência Política Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas n 26 v 3 setdez 1983 p 39
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Brasília a 37 n 148 outdez 2000 167 1 Introdução O sentido de povo Na delimitação do tema proposto para exame importa considerar o homem na sua dimensão social na expressão política do povo e o quanto essa realidade coletiva re percute no dizer da sua concepção jurídica Nessa perspectiva de indagação nenhuma outra ambiência situacional é mais própria que o Estado enquanto expressão dessa vontade articulada Que seja esclarecida preliminarmente a impertinência de toda insinuação que pretenda a sobrevalência do Estado sobre a manifestação legítima da vontade determinada do povo na medida em que este é elemento e razão do Estado Estabelecidas as premissas analíticas porque fundamentais havemos de sempre relembrar que a partir da ilustração etimo lógica dos vocábulos República e Democra cia é realçada a riqueza significante eviden ciadora do elemento povo como expressão da vontade coletiva maior conformadora do Estado De então República de res publica res populi a coisa do populus o que é do povo1 Não menos eloqüente é o vocábulo também composto grego democracia empregado no Concepção jurídica de povo Estado do povo ou o povo do Estado Carlos Roberto M Pellegrino Carlos Roberto M Pellegrino Docteur dEtat é Professor Titular da Universidade de Brasília Sumário 1 Introdução O sentido de povo 2 O senti do social 3 O elemento pessoal do Estado o préEstado 4 Povo Estado e governo 5 Da soberania do povo à idéia de nação 6 A dinâ mica do povo e a coerência constitucional o Estado nacional em mudança 7 Aldeia global Revista de Informação Legislativa 168 referimento ao exercício da autoridade cra tos pelo povo demo Convém desde então assentarse a exata medida conceitual que se estabelece entre povo e população Na perspectiva de uma outra considera ção tributária da sociologia povo não se re duz a mera referência do coletivo de homem porquanto além desse elemento material existe o ânimo psicológico de comvivialida de cum vivere entre os indivíduos perten centes a um mesmo ambiente cultural Essa disposição comvivencial é o dado fundamen tal conformador do Estado O contínuo es vaziamento do sentido de povo causado pela banalização reducionista do termo leva muita vez ao menoscabo da importância do fator povo para a força constitutiva de sua organização social e política Sem critérios científicos rigorosos são de certo modo compreensíveis os motivos da sinonímia vulgar no emprego de povo e população sem maiores preocupações conotativas Contu do apesar da proximidade conceitual es ses termos possuem evidentes traços discri minantes como aliás distingue Costanti no Mortati O termo população encerra idéia menos ampla referindose mais particular mente aos cidadãos de uma comuna2 Dizer do povo é aludir ao conjunto de todas as pessoas Não há dúvida porém que no emprego de quaisquer das expressões é sem pre possível constatarse a repercussão ju rídica na medida em que se busque estabe lecer relação com um determinado tipo de instituição politicamente organizada seja a população de um município para efeito de estimativa de coeficiente eleitoral seja o povo brasileiro na expressão da legitimidade constitucional Autores há para quem o con ceito de população evoca princípios de natu reza demográfica ou econômica3 elementos esses insuficientes para a explicação do Es tado como ente político De qualquer modo é sempre imprestável confundirse povo com país nação Estado sociedade religião etc Cada uma dessas realidades há de sempre ser tomada em conta na especificidade con textual reveladora de aspectos mais ou me nos particulares4 Assim por não empres tar sentido unívoco o termo povo é sempre empregado para evidenciar conceitos ou realidades claramente delimitadas pela in tencionalidade implícita ou explícita do autor quando não convém o emprego de país nação Estado ou sociedade ou quando pre tenda em um só termo dois ou mais senti dos referenciais temporal ou espacialmen te com respeito a seus conteúdos seja de ordem econômica jurídica política religio sa ou cultural 2 O sentido social Como salientado nada é mais evidente que o sentido comvivencial humano para a expressão jurídicopolítica sem embargo do fator social da experiência comunitária cul turalmente estável forma ingrediente essen cial de nossa própria existência A manifestação existencial do homem nos moldes da vida objetivada5 com vista ao atendimento das necessidades organizase na expressão de caráter normativo formal para regular as ações coletivas ou sociais O fenômeno jurídico situase portanto na re lação conseqüente povoEstado Na visão de alguns dos filósofos como Locke Rousseau Hobbes ou até mesmo os teóricos anarquistas como Godwin Stirner Proudhon Bakunin Kropotkine a dinâmi ca do fenômeno relacional povoEstado encontra fundamento enquanto realização dos ideais de supremacia individual pelo consenso sendo que para outros estudio sos da vertente hegeliana de pensamento é incontestável a supremacia do Estado com o caráter de coerção legítima Weber sobre o povo Certo é contudo que na prática tais distinções confundemse quando não de saparecem6 Esse é também o quadro no con texto das relações públicas internacionais quando o Estado deixa de ser o órgão exclu sivo para dividir espaço com as organiza ções internacionais Uma vez rememorados esses aponta mentos teóricos importa reparar no momen to histórico atual as conseqüências do Brasília a 37 n 148 outdez 2000 169 surgimento de uma nova ordem mundial calcada na idéia em certos aspectos falaci osa da globalização A ação concertada no ambiente globali zado tem feito reafirmar certas tendências de vocação hegemônicas em detrimento das sociedades economicamente periféricas francamente incapazes por razões conjun turais de fazer frente à ofensiva dos centros mais fortes e com isso atender aos interes ses locais e hiperlocais Alterações como es sas do quadro econômico internacional ja mais observadas em período histórico tão curto expõem as conseqüências da rápida superação de algumas instituições jurídicas e conceitos do direito que se mostram ina daptados para as circunstâncias emergentes do processo de globalização Registrase por exemplo a peculiaridade da expansão das relações de natureza privada sem que acon teça em contrapartida uma contração do público com a constante intervenção tutelar do Estado7 A necessidade de constantes adaptações e diversificações parece ser mais aguda para os serviços públicos que dei xam de ser geridos pelo Estado para serem efetivamente por ele regulados 3 O elemento pessoal do Estado o préEstado No processo social da agregação huma na o momento préestatal antecedente à ple na caracterização do Estado tem repercus são meramente sociológica O complexo das identidades étnicas geográficas lingüísti cas religiosas e políticas somente ganha contornos definitivos nos moldes de estru tura estatal quando ocorre a positivação da ordem constitucional Nessa dimensão povo e Estado estabelecem definitivamente as con dições de correlação jurídicopolítica con seqüente De acordo com o registro de Kel sen não se pode compreender a essência de uma ordem jurídica nacional seu principium individuationis sem que se pressuponha a realidade social subjacente no Estado o povo sujeito de direito Um sistema de normas possui a unidade e a individualidade em virtude das quais merece o nome de ordem jurídica nacional unicamente porque numa ou noutra forma se acha referido a um Esta do institucional e a sua realidade social pre existente8 Somente depois de haver a coleti vidade humana estabelecido as bases insti tucionais do ordenamento político estável regido por normas de um direito público interno e em alguma medida a partir de disposições do direito internacional é que repercutem as conseqüências jurídicas Des se acervo regulamentar depende a coletivi dade para o desenvolvimento estável das suas relações de direito Abstraindose de certas construções ar tificiosas próprias à inteligência humana é permitido dizer que assim como o Estado não cria o seu povo tampouco o povo cria o Estado isso pela simples evidência do ca ráter de relação essencial dos três elemen tos imediatamente concorrentes para o sur gimento da organização estatal Do mesmo modo Estado povo e poder exercício da au toridade estatal se interferem reciprocamen te e são formados no mesmo instante por virtude do fato constitutivo do Estado9 4 Povo Estado e governo Conquanto concorrentes para o atendi mento do bem comum do ponto de vista téc nicojurídico povo Estado e governo mos tramse conceitualmente díspares Do paralelismo que se estabelece entre as noções de povo e governo emergem com exatidão os contornos elementares que com põem a realidade organizacional do Esta do Partindose da constatação do Estado projeção de uma realidade política esta en contra fundamento na solidariedade do gru po social povo fixada por vínculos cultu rais gestados nos limites da porção territo rial precisamente delimitada É certo que nem mesmo na visão doutri nária clássica encontrase unanimidade quanto aos elementos que concorrem para o surgimento do Estado Para alguns estudi Revista de Informação Legislativa 170 osos da questão tudo se resume à pretensa simplicidade conceitual da soberania e da territorialidade Santi Romano É suficien te que se constate o império soberano de uma ordem nacional sobre um território para que haja o Estado Outros Ataliba Nogueira entendem ser necessário acrescer às três ex pressões de herança clássica o povo territó rio e soberania aí compreendidos o poder e a autoridade um quarto elemento o poder Sem pretender espichar a polêmica até porque inócua temos que o poder é intrínseco ao exercício da soberania daí o seu destaque injustificado Na expressão de sentido político povo são as pessoas indivíduos que comvivem em um determinado espaço físico sob um sistema de organização política e adminis trativa Dessa interação de individualida des na força de sua manifestação coletiva sobrelevam os cidadãos que são os titulares de direito público subjetivo que lhes asse gura o direito de interferir no processo deci sório da organização política ius honorum Essa ação concertada no agir responsável e livremente expressado pelo exercício pleno da soberania nacional é decisiva para o aten dimento das necessidades comuns da soci edade A coparticipação das responsabilidades nacionais ganha disciplina tanto ao nível do reconhecimento de uma tábua de direi tos e deveres individuais quanto de parte daqueles que recebem do povo a mani festação da legitimidade da representação política fazendose institucionalmente go verno A isso resulta o Estado de Direito O submetimento da administração ao direito uma das formas mais originárias de garantia dos direitos do povo foi incorpora do pelo Estado constitucional de Direito como expressão particular de alguns de seus princípios constitucionais a supremacia constitucional e a rigorosa sujeição do Esta do ao direito O imperativo de que o poder se expresse mediante leis genéricas abstra tas e vinculantes para o povo também é váli do para os poderes públicos Assim como o povo não pode desatender às determinações constitucionais também as instituições go vernamentais não podem a nenhum pre texto desatender ao que manda o direito ignorando os legítimos anseios do povo Este o elemento significativo e preponderante do valor do povo sentido que não pode ser vul garizado porque tributária a idéia de Esta do De ser frisado com a visão kelseniana que o povo constituise no âmbito pessoal de aplicação do direito do Estado10 ou seja o conjunto dos destinatários por excelên cia da ordem jurídica estadual11 Do quan to se viu resta que para conceituar o Esta do é necessário estabelecer referência às re lações políticas mantidas entre os homens Desde o ponto de vista tanto da ciência po lítica e da filosofia política quanto do direi to constitucional a população aqui toma da no sentido amplo de povo compõese de indivíduos Esse enfoque conduz a filosofia política a estudar os direitos que o homem deve ter frente ao Estado Ao direito cons titucional comporta o exame das caracterís ticas formais dos direitos e deveres consa grados no acervo normativo estatal À ciên cia política toca indagar como a ação con certada do homem é determinante para o exercício do poder ou é por ele afetado Mas também a filosofia política a ciência políti ca e o direito constitucional referemse ao homem participante de um grupo mais am plo Surgem então as diversas possibilida des metodológicas acerca da caracterização dos grupos sociais O emprego generalizado e comum pe los cientistas sociais do designativo povo enquanto idéia de nação não encontra mais cabimento científico porque dado absoluta mente dispensável à concepção de modelos analíticos de verificação empírica A ênfase atual deslocase para a consideração da re alidade interativa das classes ou grupos de interesse pressão classificadores da popula ção esses sim próprios para efeitos de aná lise política A distinção possível de ser estabelecida entre o povo elemento essencial de titulari Brasília a 37 n 148 outdez 2000 171 dade da soberania e o Estado realidade política juridicamente organizada que se manifesta pelos seus órgãos habituais le gislativo executivo e judiciário encontra fundamento para a determinação da estru tura básica da positividade constitucional especialmente na legitimação das ações administrativas e suas características es truturais da organização estatal12 Nos Es tados ocidentais salvo algumas raras exce ções Cuba a Constituição resulta do exercício de um direito subjetivo e sobe rano imanente ao povo soberano para dar molde a uma expressão política com efei tos jurídicos É certo que o Estado não existe em si e por si a sua porção de autonomia reflete o grau de autonomia de seu povo que de acor do com sua tendência ideológica estabele ce livremente os princípios reitores de sua organização política e escolhe seus repre sentantes Esse processo eletivo feito de modo a assegurar livre participação do povo em geral e com igual peso participativo chama mos democracia Governantes e governados povo têm qua lidades específicas na separação de funções ainda que os governantes tenham origem no povo governados Os governantes gover nam na conformidade disposta na Cons tituição e nas leis às quais devem estrita observância O elemento democrático do estamento governamental se encontra no exercício da dúplice virtude governar mediante estatu to ditado pela Constituição e igualdade dos governantes aos outros cidadãos de onde aliás provêm O Poder é atributo de mando outorgado aos governantes por ordem dos governados o povo 5 Da soberania do povo à idéia de nação Sendo possível falar do Estado em ter mos de organização política e inclusive de tipo de autoridade ou legitimidade sobre o conceito de nação o mesmo não acontece Categoria descritiva denominase nação brasileira o conjunto daqueles que recebe ram do Estado essa nacionalidade A coleti vidade dos cidadãos é conjunto tão particu lar que a palavra nação não se aplica generalizadamente à população de todos os estados outros de expressão cultural di versa A nação se define como fundadora do Estado em vez de ser constituída por ele Na perspectiva da moderna observação sociológica conceitos antigos ganham novo tratamento descritivo embora seu conteú do permaneça inalterado Assim pode ser avaliado o posicionamento de Alain Tou raine 1996 que sem embargo da perspicá cia e agudeza de espírito justifica o fenôme no sóciopolítico na relação Estadonação mas não chega a explicálo em termos de superação conceitual Em outros termos mudamse os ângulos de visão mas os su jeitos permanecem os mesmos As questões são as mesmas embora vestidas de novas cores De acordo com o conceito clássico de nação expressão do coletivo político e cultu ral essa figura está associada não somente à atividade instrumental de realização do bem comum mas também a uma identida de cultural ao constituirse em espaço de li berdade Essa concepção básica de moldes tradicionais caiu em franco descrédito na medida em que a realidade da ambiência política é sempre fortemente marcada pela determinante ideológica e por forças mobi lizadoras da opinião pública desvirtuan do inteiramente o verdadeiro sentido de na ção como expressão da identidade cultural do povo Na realidade a idéia de nação mos trase tão estreitamente associada àquela de Estado que já não se pode distinguir com princípios de certeza um e outro O Estado ao mesmo tempo em que manifesta o poder da nação pela ação de sua força militar pelo complexo administrativo a implementação de sua política educacional tem no elemen to populacional povo nação população uma de suas características físicas Países como a França e os Estados Uni dos da América tendem a considerar na Revista de Informação Legislativa 172 proclamação de suas Constituições que a nação é a expressão de valores universais de modo que o interesse superior do Estado deve corresponder ao conjunto dos interes ses particulares Essa concepção muito pró xima à da economia liberal desde Adam Smith até Bentham está fundada na corres pondência do interesse particular e interes se geral ou o bem comum graças à ação de uma mão invisível Como sociedades políti cas esses países correspondem completa mente a essa ideologia que traz em si um risco de estatismo republicano Em qualquer dos sentidos que se possa emprestar à noção o povo é não apenas in dispensável mas essencial para a existên cia e compreensão do Estado na medida em que este é a realização da vontade coletiva dos indivíduos13 De modo geral podese conceituar povo como o conjunto de indivídu os convivendo em um determinado território sob o comando de um governo próprio organizado em um ordenamento jurídico originário ubi so cietas ibi ius Toda sociedade requer um di reito normas e instituições mas a consciên cia de um povo enquanto magnitude jurí dicopolítica dáse predominantemente no marco estatal No âmbito do Estado o elemento perso nalista humano povo manifestase como titular do poder constituinte cujo exercício dessa autoridade soberana se dá mediante procedimentos e critérios democráticos no sentido rigoroso do designativo grego pre conizados numa Constituição Senhor ex clusivo de seu destino expressão legítima de todo poder e autoridade o povo estabele ce os contornos institucionais de sua orga nização política por meio de representantes Preâmbulo da Constituição brasileira Nós representantes do povo brasileiro O povo não se resume portanto à simples referência conceitual descritiva mas é su jeito operacional14 credor único e insubsti tuível dos benefícios alcançados pela comu nidade estatal e objeto de toda proteção Na observação de Konder Comparato 1998 p 14 Não se trata de designar com esse termo uma realidade definida e incon fundível da vida social para efeito de classificação sociológica por exemplo mas sim de encontrar um sujeito para a atribuição de certas prerrogativas e responsabilidades coletivas no uni verso jurídicopolítico Ainda no século XIII influenciado pelo neoaristotelismo que à época influencia va nos círculos do pensamento vivo Marsí lio de Pádua cerca de 12751342 anteci pandose em alguns séculos os argumentos rousseaunianos ensina que a autoridade política fundamental não é do governo mas do povo o legislador humano o conjunto dos cidadãos que detém o poder soberano para estabelecer as regras de convivência política e social No Defensor Minor CapXII Marsílio prescreve que O supremo legislador humano desde a época de Cristo e talvez mes mo há algum tempo antes até hoje foi é e deve ser o conjunto de todos os homens ou sua parte mais relevante em cada uma das regiões e provínci as os quais têm de estar subordina dos aos preceitos coercitivos da lei15 Na constatação de Rousseau a respeito do povo na perspectiva de sua inserção no Estado antes pois de examinar o ato pelo qual um povo elege um rei conviria examinar o ato pelo qual um povo é povo pois esse ato sendo necessaria mente anterior ao outro constitui o ver dadeiro fundamento da sociedade16 Depois de consideradas as condicionan tes sociais e políticas acerca de povo e Esta do sobreleva pela oportunidade do momen to histórico a indagação prospectiva de Fri edrich Müller 1998 quem é este povo e qual a sua participação nos atos do Estado em face do fenômeno da globalização Respostas a tais perguntas constituem se sem dúvida graves desafios para os es tudiosos de uma Teoria do Estado no portal do novo século Mesmo os teóricos do Direito Brasília a 37 n 148 outdez 2000 173 Constitucional procuram explicações em face da dogmática constitucional de diver sos países que na literalidade da determi nação de suas Cartas fundamentais reme tem ao povo a titularidade do poder estatal inaugurando assim um Estado constituci onal de Direito A referência a essa titulari dade como também lembrada por Friedrich Müller 1998 p 4753 vem entre outras Constituições na do Brasil e na Lei Funda mental de Bonn de 1949 Na condição fundamental para a defini ção do Estado o elemento povo consolida do titular do poder estatal sempre exerceu fascínio no contexto científico da Teoria do Estado Ora se efetivamente o povo detém a titularidade do poder e o Estado Moderno exerceo sob as condições e limites conven cionados numa Constituição entendese melhor o Estado constitucional de Direito a partir do fundamento da segurança jurídi ca e da previsibilidade das ações estatais como lembra Geraldo Ataliba 1985 p 144 152 um dos pilares da submissão do Esta do ao Direito Contudo a incidência e destaque dou trinários acerca do fenômeno da globaliza ção notadamente da econômica sugerem novas reflexões acerca dos elementos carac terísticos do Estado contemporâneo com especial ênfase ao atributo da soberania en quanto manifestação do poder estatal o qual é exercido em nome do povo sob sua legiti mação e delegação Qualquer ensaio tenden te à descaracterização da soberania estatal como elemento essencial na definição do Es tado não parece correto mesmo em virtude das conseqüências admitidas como inexo ráveis resultantes dos destemperos cometi dos a pretexto da globalização Não se per ca de vista que a manifestação da soberania de um Estado decorre de sua Constituição feita pelo povo instrumento por excelência de legitimação das ações estatais e o que somente poderá ser retirado de um povo pela violência das armas com a instalação da tirania significado antinômico do Estado de Direito 6 A dinâmica do povo e a coerência constitucional o Estado nacional em mudança Sendo a soberania um poder absoluto supremo na ordem interna e não subjugado na ordem externa é fácil perceber que não podem coexistir dois poderes no mesmo ter ritório ao mesmo tempo pois apenas aquele que tiver capacidade de impor suas deci sões será realmente um poder soberano não o outro Dessa forma como há incompatibi lidade entre o poder do Estado nacional e o poder do bloco regional apenas um deve prevalecer Como o Estado nacional baseiase em vínculos muito mais fortes e duradouros até porque naturais que os vínculos que agregam os blocos regionais é notório que o poder soberano deve ser titularizado pelos Estados nacionais não pelos blocos regio nais pois sua força é momentânea lastrea da em fatores dinâmicos e frágeis não resis tindo ao confronto com os sentimentos na cionais Ademais além do Estado nacional ser um imperativo natural pois as nações são muito deferentes umas das outras e tendem a preservar seus costumes e tradições a manutenção do Estado nacional representa uma questão democrática uma vez que o povo pode escolher os comandantes dos Estados mas jamais escolherá os diretores de empresas razão pela qual o estabeleci mento de uma ordem global baseada no poder econômico jamais será uma ordem democrática Aliás Claude Raffestin 1993 p 155 bem observou que a grande diferença en tre malha política e malha econômica está no fato de que a primeira resulta de uma decisão de um poder ratificado legitimado enquanto a segunda resulta de um poder de fato De concluir que não existe soberania que seja estranha à realidade nacional do Estado Colhese de estudos recentes que a efici ência de um Estado homogêneo universa Revista de Informação Legislativa 174 lista compreendendo um povo que se expres sa no mesmo idioma com tradições comuns e um território definido que não experimen ta situações como aquela dos povos maias que vivem no sul do México e no norte da Guatemala ou dos mais de duzentos e cin qüenta grupos lingüísticos que situamse no território de Ruanda Burundi Zâmbia e Congo parece desgastada inoperante Tam bém o conceito de soberania tanto na sua manifestação interna autonomia suprema de decisões no seu território quanto na ex terna independência e igualdade em rela ção aos outros Estados parece enfrentar uma crise de identidade E não é sem motivo Conseqüência do processo da globaliza ção acontece o fenômeno da desterritoriali zação e a fragmentação do poder estatal en quanto reflexo da progressiva e maciça in fluência do capital externo empresa e enti dades internacionais com repercussão di reta e imediata no quadros políticos naci onais A soberania alvo de críticas e acomo dações conceituais tem sido objeto de cons tantes tentativas de relativização que embora ainda tida como um elemento do Estado suas características são cada vez mais discutíveis e discutidas e sua aplica ção limitada por temperamentos de conve niência Os Estados sobretudo os periféri cos das grandes potências longe de serem uma realidade unívoca em sua dinâmica estrutural apresentamse no contexto de um processo político dialético cujos momentos resultam na acomodação ou justaposição de interesses díspares mas de forte conotação multinacional 7 Aldeia gloal Do ponto de vista da organização esta tal a distinção entre os indivíduos nacionais e os estrangeiros encontra justificativa ape nas para caracterização do que Friedrich Müller 1998 p 5558 chama de povo ativo ou seja o conjunto dos indivíduos titulares de direitos e deveres perante a ordem jurídi ca interna fundada nos direitos e garantias constitucionais como os direitos políticos os relativos à seguridade social enfim aque les que são intrínsecos ao exercício constan te da cidadania perante o Estado beneficia dos pelas ações estatais posto que são des tinatários naturais destas Ao contrário os estrangeiros provisoriamente albergados pela tutela de um outro Estado que não o seu de origem porém sob as vistas da or dem internacional ainda não gozam ple namente das mesmas prerrogativas dos ci dadãos nacionais do país Essa constata ção é sem dúvida preocupante sobretudo nesse quadro da história A tipificação conceitual do povo como sujeito de dominação decorre da idéia de consentimento surgida na Inglaterra no século XII em período próximo à edição da Magna Carta com a eleição pelo povo ou parcela significativa deste pelo menos dos representantes para comporem o Parlamen to os quais tinham a função que guardam ainda hoje de deliberar sobre as relações sociais e limitar as ações estatais pelos cri térios da legalidade da moralidade e da probidade estatais Essa participação do povo na definição dos fins do Estado não se restringe apenas a eleição de seus representantes para o ór gão legislativo mas também como destina tários dessas mesmas deliberações legisla tivas normas jurídicas Nesse raciocínio não estão excluídos os nãoeleitores ou seja os indivíduos que têm direitos políticos re lativos de elegerem ou serem eleitos repre sentantes do povo Last but not least se a Teoria Geral do Di reito observa que as normas jurídicas são genéricas e abstratas vedandose destaques individualizadores e direcionamento man damental sob a ótica do plano estático da norma essa generalidade é entendida como sendo a destinação a todos os indivíduos tutelados pela ordem jurídica vigente no Estado Ao se pretender a eficiência do Estado contemporâneo sucessor do modelo liberal Brasília a 37 n 148 outdez 2000 175 do agonizante Estado Moderno não há fu gir da constatação de que o povo vem tri lhando um caminho ainda tortuoso na con quista de sua autodeterminação como soci edade civil organizada e detentora do po der estatal Mas de toda análise resulta a certeza de que ínsito ao conceito de Estado o povo no sentido amplo da expressão ou como querem outros a nação a comunidade ou simplesmente os cidadãos mantémse como fundamento sólido de toda sociedade soberana frente ao ordenamento jurídico in ternacional quanto mais a um processo de globalização das relações entre os Estados Na perspectiva da globalização dos mei os de produção e informação à exclusão de toda extensão que se pretenda com a so berania dos Estados é crescente a relação de intersubjetividade entre indivíduos de diversos Estados soberanos Desse fato é inegável que a expressão povo começa a ga nhar nova dimensão em conseqüência dos efeitos jurídicos mais abrangentes na me dida em que os direitos e garantias consti tucionais inerentes à pessoa humana como assegurados pelas ordens nacionais são progressivamente estendidos aos indivídu os de origem estrangeira momentaneamen te presentes no território do Estado hospe deiro Ao menos do ponto de vista dos direi tos humanos o momento da globalização terá significado incontestavelmente positi vo a consagração efetiva dos direitos huma nos como preconizado pelo ordenamento jurídico internacional Notas 1 Cicero DE RE PUBLICA I XXV respubli ca res populi populus autem non omnis hominium coe tus quoquo modo congregatus sed coetus multitudinis iuris consensu et utilitatis communione societatus A república coisa do povo considerando tal não todos os homens de qualquer modo congregados mas a reunião que tem seu fundamento no consen timento jurídico e na utilidade comum tradu ção por Amador Cisneiros São Paulo Ed Abril 1973 p 155 Coleção Os Pensadores 2 b Laltro elemento costitutivo è dato dalla popo lazione cioè da quei cittadini italiani i quali risiedono stabilmente nem comune sono perciò iscritti nei suoi registri anagrafici e si chiamano comunisti o cittadini comunali Mortati 1976 p 996 3 Caetano 1983 p 123 4 Caetano 1983 manifesta sua preferência à palavra Povo para designar a colectividade hu mana que a fim de realizar um ideal próprio de justiça segurança e bemestar reivindica a institui ção de um poder político privativo que lhe garanta o direito adequado às suas necessidades e aspirações Interessa ainda transcrever trecho do pensa mento sempre lúcido do neotomista Jacques Mari tain para quem no que toca à própria noção de povo diria eu que o conceito moderno de povo tem uma longa história derivando de uma singular di versidade de significados que se fundam entre si Considerando todavia apenas o significado polí tico da palavra bastanos dizer que o povo é a multidão de pessoas humanas que reunida sob o império de leis justas por uma mútua amizade e para o bem comum de sua existência humana cons titui uma sociedade política ou um corpo político A noção de corpo político significa a unidade total composta pelo próprio povo A noção de povo sig nifica o conjunto de membros organicamente uni dos que compõem o corpo político MARITAIN 1966 p 32 5 Cf Ricasens Siches 1952 passim 6 Mesmo que a autoridade do Estado reine de modo absoluto tipificando uma relação de superi oridade tramitação entre Estado e sociedade civil envolve uma certa dosagem recíproca de interes ses Wolkmer 1983 p 39 7 Moreira Neto 1995 p 28 8 Kelsen 1969 p 216 9 Miranda 1973 p 206 10 El pueblo del Estado son los individuos cuya conducta se encuentra regulada por el orden jurídico nacional trátase del ámbito personal de validez de di cho ordem Kelsen 1969 p 276 11 Miranda 1973 p 211 12 Gordillo 1984 p 45 e ss 13 Canotilho p 105 14 Cf Comparato 1998 15 No mesmo sentido escreve em Defensor Pacis parte primeira CapXIII A autoridade para instituir leis e dar preceito coativo pertence unicamente à totali dade dos cidadãos ou a sua parte mais relevante como a sua causa eficiente ou àquele ou àqueles que os cidadãos autorizarem para tal Cf Pádua 1989 Pádua 1991 16 Avant donc que dexaminer lacte par lequel un peuple élit un roi il seroit bon dexaminer lacte par lequel un peuple est un peuple car cet acte étant nécessairemente antérieur à lautre est le vrai fonde ment de la societé Ile contract social Livre I chapV francês da época NA Revista de Informação Legislativa 176 Bibliografia ATALIBA Geraldo República e constituição São Paulo Revista dos Tribunais 1985 CANOTILHO J J Gomes Direito constitucional 5 ed Coimbra Almedina sd CAETANO Marcello Manual de Ciência Política e Direito Constitucional Tomo 1 6 ed Coimbra Almedina 1983 COMPARATO Fábio Konder Prefácio In MÜL LER Friedrich Quem é povo Tradução por Peter Naumann São Paulo Max Limonard 1998 GORDILLO Agustín A Teoria general del derecho administrativo Madrid Instituto de Estudios de Administración Local 1984 JACQUES Maritain O Homem e o Estado Tradu ção por Alceu Amoroso Lima 4 ed Rio de Janeiro Agir 1966 KELSEN Hans Teoria General del Derecho y del Estado Tradução por Eduardo Garcia Maynez 3 ed México UNAM 1969 p 216 MIRANDA Jorge Sobre a noção de povo em direi to costitucional In Estudos de direito público em honra do professor Marcello Caetano Lisboa Áti ca 1973 MOREIRA NETO Diogo de Figueiredo O Estado brasileiro no processo de globalização In Re vista da Faculdade de Direito Cândido Mendes Cândido Mendes Imprensa Universitária a 1 n 1 1995 Nova Série MORTATI Constantino Istituzioni di Diritto Publi co 6 ed Tomo 2 Padova CEDAM 1976 MÜLLER Friedrich Quem é povo Tradução por Peter Naumann São Paulo Max Limonard 1998 PÁDUA Marsílio El defensor de la paz Madrid Tecnos 1989 PÁDUA Marsílio Defensor menor Petrópolis Vo zes 1991 REFFESTIN Claude Por uma geografia do poder Tradução por Maria Cecília França São Paulo Ática 1993 RICASENS SICHES Luis Vida humana sociedad y derecho México Ed Porrua 1952 TOURAINE Alain Podremos vivir juntos el des tino del hombre en la aldeia global Tradução por Horácio Pons México Fondo de Cultura Econômica 1996 WOLKMER Antônio Carlos Sociedade Estado e o Direito In Revista de Ciência Política Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas n 26 v 3 setdez 1983 p 39