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Olhares antropológicos sobre a família contemporânea Claudia Fonseca Antropologia UFRGS É com muito prazer que venho integrar essa mesa interdisciplinar sobre novas tendências de pesquisa sobre a família Através de uma consulta à bibliografia atual proponho trazer aqui uma colaboração da Antropologia ao mesmo tempo que elaboro uma inquietação surgida de minhas próprias pesquisas Trabalho normalmente em bairros da periferia urbana onde lanço mão do método etnográfico para pensar a especificidade de valores e práticas nesse contexto Contudo muitas vezes ao destacar entre os sujeitos de meu estudo dinâmicas familiares que divergem do modelo conjugal típico do meu contexto tenho a impressão de reforçar antes do que combater estereótipos do senso comum Qualquer desvio de padrões hegemônicos é freqüentemente visto pela platéia como sintoma de inferioridade desorganização social ou atraso Na melhor das hipóteses dinâmicas alternativas em grupos populares seriam vistas como uma adaptação funcional à pobreza estratégias de sobrevivência Embora essa última noção aponte para aspectos importantes da realidade arrisca ser usada de forma simplista reduzindo tudo que é específico a uma questão econômica como se pobres tivessem estratégia de sobrevivência em vez de cultura Nesse artigo procuro aproveitar a literatura atual sobre relações familiares para esboçar um modelo analítico que combate perspectivas reducionistas deste tipo Agrupo as pesquisas que nos interessam em duas grandes linhas por um lado a que enfoca o indivíduo enquanto valor fundamental da modernidade e que tem provocado uma resignificação da própria noção de família e por outro a que resgata a dinâmica Da família ao parentesco em sociedades complexas Participação na Mesa Redonda O lugar da família na ciência contemporânea desafios e tendências na pesquisa Congresso Internacional Pesquisando a Família Florianopolis 2426 de abril 2002 Publicado em In Pesquisando a família olhares contemporâneos Coleta Rinaldi Althoff Ingrid Elsen Rosane G Nitschke orgs Florianópolis Papalivro editora social das relações familiares ressaltando a importância das redes extensas de parentesco1 Sugiro que entre essas diferentes linhas de analise é possível encontrar conceitos que possam ser aplicados a um grande leque de circunstâncias sem engessar a realidade em modelos preestabelecidos O declínio dos modelos hegemônicos nas análises científicas De início devemos lembrar que frente à incrível diversidade de formas familiares constatadas hoje muitos pesquisadores questionam o sentido de falar em a família Certamente a imagem de família com a qual pessoas de minha geração foram criadas já foi amplamente desmistificada Aquela família nuclear com um casal heterossexual unido pelo casamento e criando todos seus filhos biológicos parece cada vez menos pertinente tanto em termos estatísticos quanto em termos normativos Consideremos o exemplo dos países do hemisfério norte onde mudanças recentes foram bem documentadas De 1965 para cá a taxa de casamento assim como a taxa de fecundidade caiu por trinta a quarenta por cento Para muitos jovens parece que o casamento legal tornouse uma formalidade antes do que uma obrigação moral de forma que em diversos países entre um terço e um quarto dos nascimentos são ilegítimos ver Tabela 1 O divórcio deu um salto triplicando e até em certos países quadruplicando nesse mesmo período ver Tabela 2 Esse quadro faz com que não é surpreendente encontrar como nos Estados Unidos uma taxa muito grande de crianças vivendo com apenas um dos seus pais biológicos ou como na França um contingente desproporcional de pessoas vivendo sozinhas Em termos estatísticos a unidade doméstica calcada na família nuclear não se manifesta com a mesma freqüência que cinqüenta anos atrás e em termos normativos não exerce mais a hegemonia de outrora2 1 Uma terceira grande linha tratando do impacto das novas tecnologias reprodutivas sobre crenças ligadas às fronteiras entre cultura e natureza é descrita em outro lugar Fonseca 2002 2 J Stacey 1992 nos lembra que nos EUA de acordo com um censo de 1986 apenas 7 das famílias correspondem ao modelo nuclear clássico de família um pai provedor de família e uma mãe em tempo integral morando junto com todas suas crianças com menos de 18 anos M Segalen e F Zonabend A família vem portanto se revelando como algo bem mais complicado do que imaginávamos E tendo reconhecido essa complexidade temos dificuldade em aceitar as receitas teóricas clássicas que nos ofereciam modelos simplificados Assim o modelo patriarcal elaborado por Gilberto Freyre no início dos anos trinta no âmbito da casa grande nordestina deixou de ser visto como matriz da família brasileira tradicional Sabemos hoje que a sociedade colonial não se reduzia a apenas duas camadas senhores e escravos e que conforme as circunstâncias históricas de cada região as formas familiares são múltiplas Existia por exemplo uma enorme população de brancos e pardos pobres em que a unidade doméstica média era pequena freqüentemente chefiada por uma mulher sozinha e contendo diversos agregados Samara 1983 Correa 1982 Volpi este volume Em outras palavras para a compreensão da complexa realidade que enfrentamos no Brasil contemporâneo a noção da família patriarcal extensa tal como foi descrita por Freyre é vista como sendo de relevância limitada Outro grande teórico que durante três décadas parecia nos dar todas as respostas é Talcott Parsons Lá onde Freyre nos explicava o tradicional Parsons 1955 esclarecia tudo que queríamos saber sobre a família moderna As análises dele baseadas na observação de famílias de camadas médias americanas na década de 50 serviram para impor na consciência de toda uma geração de pesquisadores a família nuclear e conjugal como sine qua non da modernidade Ao destacarem a normalidade no sentido estatístico desse modelo as análises deslizavam facilmente para julgamentos morais Essa família de um casal monogâmico e todos seus filhos menores parecia brotar diretamente da natureza humana sendo vista como necessária para o desenvolvimento sadio de todo e qualquer pessoa Ora mais uma vez a proliferação de pesquisas antropológicas nas últimas décadas do século vinte mostrou que existe no seio da modernidade uma enorme diversidade de dinâmicas familiares Comportamentos que divergem do modelo dito moderno se 1986 consideram a família nuclear como um construto ideológico típico do período do pósguerra cuja validade foi paulatinamente erodida tanto por um questionamento intelectual e antropológico como por uma encontram não somente nos continentes exóticos África e Ásia e nas regiões subdesenvolvidas mas dentro dos países vistos como protótipos da modernidade na Europa e nos Estados Unidos O mito da grande convergência que as práticas familiares imensamente diversas da época premoderna fossem coincidir em torno de um único modelo nuclear e conjugal foi explodido Segalen 1995 Apesar de verificarem tendências contemporâneas muito difundidas o aumento da expectativa de vida por exemplo que vem modificar a relação entre gerações adultas da família e o aumento do divórcio pesquisadores concordam hoje que não existe padrão universal de evolução familiar Encontrámonos portanto sem as nossas antigas crenças consoladoras sobre a evolução da família sem mito de origem sobre o tradicional de antigamente e sem crença num destino fixo sobre um único modelo homogêneo da modernidade Onde que tudo isso deixa os pesquisadores Diante da constatação da diversidade empírica e do declínio de modelos analíticos clássicos como que analistas estariam definindo a família Há pesquisadores que tomam a própria falta de modelo como traço característico da família chamada pósmoderna J Stacey por exemplo a partir de seu estudo de mulheres das camadas médias baixas morando num subúrbio de Los Angeles chega à conclusão que é impossível caracterizar a família contemporânea por um conjunto coerente de termos descritivos A família pósmoderna não é um novo modelo de vida familiar equivalente ao da família moderna não é o novo estágio de uma progressão ordenada da história da família mas sim o estágio nesta história onde a crença numa progressão lógica de estágios se desmancha Rompendo com a teleologia das narrativas modernizantes que retratam uma história evolucionária da família e incorporando tanto elementos inequívoca proliferação de novos padrões de conduta experimentais como nostálgicos a família pósmoderna avança e recua para dentro de um futuro incerto 1992 943 Acontece que apesar dessa indefinição as relações familiares de uma forma ou outra parecem continuar ocupando um lugar de destaque na maneira em que a maioria de nós vemos e vivemos o mundo Falar de família é evocar um conjunto de valores que dota os indivíduos de uma identidade e a vida de um sentido Além dessa função simbólica a noção de família ligada à organização da vida cotidiana ainda desempenha um papel pragmático na formulação de políticas públicas Precisamos portanto de uma linguagem para falar desse conjunto de valores e práticas familiares sem cair no erro do passado de imaginar um modelo homogêneo coerente hegemônico Procuramos por conseguintes instrumentos para pensar as diferentes formas familiares numa perspectiva comparativa perspectiva essa que recusa hierarquias etnocêntricas famílias avançadas versus famílias atrasadas etc e ao mesmo tempo resgata a especificidade de cada configuração O individual um acento na idéia de ESCOLHA Historiadores descrevem como especialmente a partir da revolução industrial o afeto começa a ser considerado como a base da vida familiar Os filhos encarados na época prémoderna como mãodeobra para a empresa familiar segurança na velhice ou meio de perpetuação da linhagem passam a possuir um valor antes de tudo afetivo Da mesma forma o amor romântico torna a caracterizar o matrimônio ideal ditando a necessidade da livre escolha do cônjuge Aqui o valor central não é mais a linhagem ou o nome da família a serem protegidos a qualquer custo mediante o sacrifício quando necessário dos membros mas sim a felicidade dos indivíduos Ariès 1981 MacFarlane 1986 Muitos pesquisadores vêem as recentes mudanças nas dinâmicas familiares das camadas médias na Europa e na América de Norte como extensão desse ideário moderno 3 As citações de artigos em língua estrangeira foram traduzidas do original pela autora Sugerem que a medida que as convenções morais de outrora iam cedendo a valores modernos centrados na autorealização e satisfação emocional as relações conjugais tanto no seu início quanto no seu final tornaramse abertas à negociação Se a afeição é vista como elemento constituinte da relação de casal a separação conjugal aparece não como uma ruptura problemática mas antes como um acontecimento lógico naqueles casos onde o amor romântico definhou Théry 1993 Sob esse ponto de vista a família é vista como funcional na medida em que proporciona a cada um de seus membros as condições para seu desenvolvimento pessoal ver Segalen 1995 Singly 2000 Seguindo esta linha de raciocínio deveremos notar que a atual ênfase na escolha e afeição não somente fez do término de certas relações familiares algo mais lógico mas também permitiu a legitimação de formas familiares que até recentemente não eram aceitas O relacionamento entre pais e filhos adotivos perdeu algo de sua aura infame e a filiação adotiva que historicamente era estigmatizada por ser associada com o vergonhoso status de ilegitimidade foi levantada por certos entusiastas como bandeira da verdadeira família Na retórica destes as crianças adotadas enquanto filhos escolhidos podem ser considerados como de alguma maneira mais valiosas do que aquelas que são simplesmente nascidas dos seus pais Modell 1994 Da mesma forma parceiros do mesmo sexo ganharam um espaço importante se a afeição é a verdadeira base do relacionamento por que o casal seria limitado a um relacionamento heterossexual centrado em torno da reprodução biológica Heilborn 1995 A possibilidade de aceitação institucional destas várias opções foi demonstrada num recente anúncio publicado num jornal canadense pelos serviços estatais para a proteção da infância e adolescência à procura de famílias substitutas A Criança da Semana Procurase pais substitutos com diversas características Nunca existe um número suficiente de famílias substitutas para fornecer lugares apropriados para todas as crianças no sistema Isto significa que as famílias substitutas que já existem estão sobrecarregadas e infelizmente as crianças são frequentemente deslocadas de uma família para outra Pais substitutos atribuem um alto valor às crianças compreendem suas necessidades e ficam sensibilizadas pela fase triste e difícil que estão vivendo Amam crianças e querem ajudálas dando estabilidade e apoio Procurase pais substitutos de todos os níveis sócioeconômicos e de todas as origens étnicas raciais e culturais Contemplamse casais ou solteiros heterossexuais ou homossexuais com ou sem crianças trabalhando fora de casa ou não Enviem já sua aplicação Para mais informações sobre este programa e suas exigências telefone para Homes for Children ou venha nos visitar a The Gazette Montreal Quebec abril 2000 Certamente ninguém imagina que essas novas atitudes tenham alcançado um status hegemônico É evidente que existem muitas pessoas leigas e profissionais que continuam a prever problemas nos filhos de pais divorciados e a considerar a adoção como na melhor das hipóteses uma imitação da natureza No caso de pais do mesmo sexo os obstáculos sociais e institucionais são incontáveis Ainda por cima a maioria de pesquisadores mantêm uma perspectiva crítica diante dessa família de escolha apresentandoa não como um avanço mas antes tal como qualquer outra forma familiar como algo que faz sentido dentro de um determinado contexto acompanhado de uma constelação específica de valores Certos analistas questionam a grande valorização da idéia de escolha sugerindo que ela seja inspirada em atitudes individualistas típicas da sociedade capitalista e consumista Strathern 1992 Outros lembram que para muitas pessoas o abandono do modelo nuclear de família não é tanto uma questão de escolha quanto a conseqüência indesejada de fatores externos antes de tudo da pobreza Sejam quais forem as objeções é evidente que as concepções modernas da família com a ênfase crescente na afeição e escolha revolucionaram concepções tradicionais da família conjugal O social A rede familiar Ao imaginarem que a família nuclear e conjugal era a única adequada à vida moderna muitos pesquisadores ainda pouco tempo atrás interpretavam as mudanças que descrevemos baixa de natalidade aumento de divórcio etc como sinal de crise ou até de um declínio geral das relações familiares4 Hoje desgarrando suas análises da unidade nuclear começam a ver as coisas de outra forma A socióloga francesa Martine Segalen por exemplo critica a tendência acadêmica de tomar a família como mola mestre das 4 Tal ótica é típica da escola de Frankfurt ver por exemplo os textos de Adorno e Horkheimer em Canevacci 1981 e outros pesquisadores particularmente da Alemanha sociedades contemporâneas e considerar o parentesco algo útil apenas para sociedades tradicionais ou tribais Formula uma definição de parentesco bem adaptada ao contexto moderno O parentesco pode ser visto como um conjunto de pessoas ligadas pelo sangue ou por casamento ou por um laço de pseudocasamento que se reconhecem não em função de ancestrais mitos ou territórios em comum mas sim em função de direitos de deveres recíprocos criados principalmente pela presença de crianças nascidas ou criadas por elasSegalen 1995 1516 E ao aplicar a noção de parentesco no quadro europeu Segalen assim como outros pesquisadores descobrem que as relações familiares longe de definharem estão ganhando nova vida Essa nova vida pode ser vista em parte como resultado do recuo da família conjugal Antropólogos clássicos apontam para a tensão inerente a qualquer sistema familiar entre o princípio de aliança isto é matrimônio e o princípio de consangüinidade RadcliffeBrown 1965 Podemos visualizar essa tensão ao imaginar o indivíduo obrigado a escolher como passar o almoço dominical na intimidade do lar conjugal com seu esposo ou entregue à sociabilidade do clã na casa dos pais A antropóloga francesa Françoise Héritier 1975 sugere que há sociedades em que os parentes consangüíneos recebem prioridade sistemática deixando o laço conjugal na sombra e outras em que a relação conjugal prima ditando distanciamento em relação à família de sangue No Brasil há indicações que a rede consangüínea nunca deixou de ser relevante A importância da parentela extensa aparece com nitidez em grupos populares onde diante das difíceis condições de vida e freqüente separação conjugal as redes de ajuda mútua tornamse indispensáveis Scott 1990 Sarti 1995 Porém mesmo nas camadas médias onde em princípio o ideário individualista é mais destacada Salem 1989 Duarte 1995 a falta de equipamentos públicos creche escola em tempo integral obriga o jovem casal a onde depois da Segunda Guerra Mundial houve uma rejeição en masse da família tradicional associada ao fascismo ver Schultheis 1995 depender dos pais tios primos e irmãos para cuidar dos filhos e amparar nas demais rotinas do diaadia Abreu Filho 1980 Barros 1987 Bilac 1995 Em todo caso estudos mostram que até na Europa as redes familiares estão assumindo novo destaque É evidente que existe um aspecto prático a essas novas solidariedades Na França por exemplo os jovens tendo dificuldade em achar um emprego querendo se aplicar nos estudos superiores e casando mais tarde tendem a sair da casa dos pais mais tarde do que em gerações anteriores Quando findam seus arranjos conjugais voltamse para os parentes consangüíneos procurando abrigo empréstimos financeiros ou ajuda no cuidado com os filhos AttiasDonfut e Segalen 1998 No entanto pesquisadores olhando para a Europa insistem que as relações de parentesco servem muito mais do que para fins utilitaristas funções essas que naquele contexto têm sido preenchidas em grande medida pelos serviços do Estado Os parentes estão se mostrando igualmente importantes para a organização do lazer Sugerese que no cenário atual mulheres das quais muitas trabalham fora não têm mais tempo para cultivar a amizade de vizinhos e acabam portanto se apoiando em parentes e eventualmente colegas de trabalho para garantir uma vida social Boas estradas encurtaram as distâncias e o telefone facilitou a comunicação tornando possível a cultivação da intimidade à distância com avós tios e primos A prosperidade da pósguerra que em certos países permitiu a toda uma geração adquirir casa própria forneceu as condições físicas para organizar festas ou mesmo férias em que reúnemse diversas gerações do grupo familiar Essa moradia assume seu lugar ao lado das tradicionais casas da alta burguesia e aristocracia como âncora de identidade de quem a freqüenta A geração mais velha vivendo cada dia mais e gozando de melhores condições de saúde se torna central na organização dos encontros da família e feriados de verão Leonardo 1992 Gaunt 1995 Vemos então ressurgir através dessa rede familiar um novo tipo de clã agrupando sobretudo os parentes consangüíneos e seus respectivos companheiros do momento O velho adágio o sangue é mais espesso do que a água tão central ao modo euro americano de pensar as relações de parentesco ver Schneider 1984 se impõe com força renovada Hoje como atesta o negócio emergente das árvores genealógicas de família assim como a popularidade crescente das reuniões de família que juntam pessoas que nada têm em comum além de um determinado sobrenome a idéia de descendência genealógica parece ter perdido nada do seu apelo Assim mais do que nunca as pessoas fugindo de seu status de cidadão anônimo procuram nas relações familiares a chave de seu pertencimento social Segalen 1995 Seria contudo um erro associar a descendência genealógica automaticamente a uma questão de reprodução biológica Héritier destaca entre os valores universais que governam as relações humanas a natureza eminentemente social da relação entre pais e filhos A filiação ela nos garante não é nunca um simples derivativo do engendramento 1985 9 Para reforçar essa idéia podemos citar um caso tirado de um filme brasileiro bem conhecido Eu Tu e Eles Tratase de uma história supostamente verídica de uma mulher interiorana que tendo intuído a esterilidade de seu marido gera três filhos com três homens diferentes No decorrer do filme enquanto cada novo companheiro vai se instalando na casa ao lado dos outros vemos delinear um grupo de parentesco tal como foi descrito por Segalen um conjunto de pessoas ligadas pelo sangue pelo casamento e pseudocasamento que se reconhecem como parentes em função de direitos de deveres recíprocos criados principalmente pela presença de crianças nascidas ou criadas por elas 1995 1516 O mais interessante é como na cena final do filme é justamente o marido que não gerou nenhum dos filhos que os leva para fazer registro de nascimento no seu nome É evidente que ele não age assim para encobrir a realidade pois as relações extramaritais de sua mulher são de notoriedade pública A atitude carinhosa do homem leva o espectador a minimizar também a hipótese de violência patriarcal Leva a crer antes que apesar dos fatos biológicos esse homem se sente e também é visto socialmente como pai daqueles meninos No atual cenário os termos moderno e arcaico parecem perder sentido inviabilizando a hierarquização de formas familiares Essa constatação não significa contudo que não existam diferenças Pelo contrário A falta de um modelo claramente hegemônico acompanha a proliferação de dinâmicas familiares específicas a determinados contextos tal como vemos nos exemplos que seguem Dois exemplos para contemplar O primeiro exemplo traz ao palco Volnir um economista muito bem pago próximo dos seus 50 anos Embora tenha se casado oficialmente apenas uma vez teve três relacionamentos duradouros em convivências que produziram ao todo cinco crianças Agora em seu quarto relacionamento e desempenhando o papel de pai substituto para os filhos de sua namorada atual ele em suas próprias palavras fechou a torneira através de uma vasectomia cirúrgica Sempre zeloso em seu papel paternal participou ativamente na criação de seus filhos que fosse enquanto esposo ou pai solteiro Em quaisquer circunstância sua casa permanece como uma opção em aberto para seus filhos As ex companheiras todas com educação superior têm empregos de bom nível Mesmo assim Volnir tem renda suficiente para pagar uma pensão alimentícia a cada uma nunca tendo enfrentado maiores problemas com esta questão financeira O interessante a respeito deste caso e que o diferencia de histórias similares do passado os senhores da casa grande por exemplo de G Freyre é que as pessoas das diversas etapas da história familiar de Volnir parecem manter boas relações De fato ele faz questão de organizar reuniões anuais nas quais suas diferentes exesposas seus respectivos companheiros5 e as crianças de todos se encontram na casa de veraneio de Volnir numa remota praia do nordeste Ele enviame fotografias da sua atual namorada tomando banho de sol ao lado de suas exmulheres e se compraz em me contar como a sua filha mais nova hoje com quatro anos de idade vai de um lado a outro desta família estendida perguntando às pessoas você é o quê meu Nosso segundo exemplo introduz pessoas com nível de vida radicalmente diversa do da família de Volnei Encontramos agora uma mulher Dona Maria que durante boa parte de sua vida vivia em condições tão precárias que perdeu nove de seus dezessete nenés nascidos prematuros ou subnutridos Já que seus diversos excompanheiros nunca pagaram pensão alimentícia ela teve que procurar meios alternativos além de seu trabalho de faxineira para garantir o sustento de seus filhos Um foi entregue à avó paterna dois foram 5 Invertendo a conotação tradicionalmente pejorativa Volnir insiste que os maridos de suas ex mulheres também lhe são aparentados como comborços criados por uma velha senhora que nunca tivera filhos próprios outro fugiu de casa quando tinha pouco mais de oito anos e ficou rolando por aí O que impressiona nesse quadro é que apesar da dispersão das crianças a rede familiar se manteve basicamente intata Quando conheci Dona Maria ela residia com seu companheiro de então e as três filhas deles numa casa ao lado de dois filhos casados incluindo o que fugira de casa Reinando como avó orgulhosa dessa família extensa era a senhora agora realmente anciã que servira como mãe substituta para parte da prole Que essa senhora não possuísse qualquer laço consangüíneo com os outros moradores do terreno não parecia incomodar ninguém Maria não mantinha pessoalmente contato com seus excompanheiros mas seus sete filhos se reuniam periodicamente os que não moravam perto vinham para churrascos na casa da mãe e em certos casos incluíam os parentes paternos de seus meioirmãos nas suas redes sociais Seria absurdo sugerir que nos dois casos descritos aqui os significados atribuídos às diversas relações sejam exatamente os mesmos Já destaquei em outro lugar a noção particular de mãe nos grupos populares que estudei onde muitas pessoas tal como seus próprios pais se criaram entre diferentes casas chamando duas ou três mulheres de mãe Fonseca 1995 Não encontro nem esperaria encontrar o mesmo uso de termo mãe entre os filhos de Volnir As famílias de Volnir e Maria são herdeiras de tradições diversas ele filho da burguesia cearense ela filha de trabalhadores agrícolas do interior gaúcho Sofreram influências ideológicas educação religião política diferentes Em função do lugar que ocupam na sociedade travaram estratégias e tiveram experiências de família também diferentes Contudo nos dois casos encontramos dinâmicas que só se tornam visíveis quando a análise vai além da unidade doméstica isolada e o momento presente para vislumbrar a lógica de um sistema mais amplo de parentesco Não cabe nesse curto espaço aprofundar a análise da lógica específica a cada contexto Aqui a justaposição dos dois casos visa simplesmente desencadear um processo reflexivo Pesquisadores parecem aceitar com relativa facilidade aplicar novos parâmetros da família pósmoderna quando tratam nos seus dados de camadas abastadas Falam então de produção independente descasamento Théry 1993 família de escolha etc Famílias dos setores mais pobres da sociedade contudo devem em geral se contentar com rótulos mais antigos que na maioria dos casos carregam conotações pejorativas mães solteiras famílias desestruturadas filhos abandonados e assim por diante Procurar alguns conceitos analíticos que sirvam para pensar os dois casos mais uma vez não implica no achatamento da diversidade Serve antes para resistir à tentação de erguer um tipo familiar em modelo avaliando todos os outros em função dele Sugere enfim que existem conceitos mais ágeis do que a família para explorar as diversas formas familiares típicas da época atual BIBLIOGRAFIA ABREU FILHO Ovídio de 1982 Parentesco e identidade social Anuário Antropológico 80 95118 ARIES Philippe 1981 História social da criança e da família SP Zahar ATTIASDONFUT Claudine e Martine Segalen 1998 Grandsparents la famille à travers les générations Paris Editions Odile Jacob BARROS Miriam Lins de Autoridade e afeto avós filhos e netos na família brasileira Rio de Janeiro Zahar 1987 BILAC Elisabete Dória 1995 Família algumas inquietações In A família contemporânea em debate Maria do Carmo Brant de Carvalho org São Paulo EDUC CANEVACCI Massimo 1981 Dialética da família gênese estrutura e dinâmica de uma instituição repressiva São Paulo Brasiliense CORREA Mariza 1982 Repensando a família patriarcal brasileira In Colcha de retalhos estudos sobre a família no Brasil Säo Paulo Brasiliense DUARTE LFD 1995 Horizontes do indivíduo e da ética no crepúsculo da família In Família e Sociedade Brasileira Desafios nos Processos Contemporâneos Ivete Ribeiro org Rio de Janeiro Fundação João XXIII FONSECA Claudia 1999 Quando cada caso NÃO é um caso pesquisa etnográfica e educação Revista Brasileira de Educação Sao Paulo 10 5878 FONSECA Claudia 2002 A vingança de Capitu DNA escolha e destina na família brasileira contemporânea In Gênero Democracia e Sociedade Brasileira Cristina Bruschini e Sandra Unbehaum orgs São Paulo Editora 34 FREYRE Gilberto 1978 Casa grande e senzala formaçäo da família brasileira sob o regime da economia patriarcal Rio de Janeiro José Olympio Introdução à terceira edição e cap GAUNT David 1995 Esprit de clan dans les villes suédoises In La famille en Europe parenté et perpétuation familiale Marianne Gullestad et Martine Segalen orgs Editions La Découverte HEILBORN Maria Luiza 1995 O que faz um casal casal Conjugalidade igualitarismo e identidade sexual em camadas médias urbanas In Família em processos contemporâneos Inovações culturais na sociedade brasileira Ivete Ribeiro e Ana Clara T Ribeiro orgs São Paulo Loyola HERITIER Françoise 1975 Les dogmes ne meurent pas Autrement 3 150162 LEGALL Didier e Claude Martin 1995 Construire un nouveau lien familial beaux parents et beauxgrandsparents In La famille en Europe parenté et perpétuation familiale Marianne Gullestad et Martine Segalen orgs Editions La Découverte LEONARDO Micaela de 1992 The female world of cards and holidays women families and the work of kinship In Rethinking the family some feminist questions Barrie Thorn e Marilyn Yalom orgs Boston Northeastern Univ Press MACFARLANE Alan 1986 História do casamento e do amor Inglaterra 1300 1840 São Paulo Companhia das Letras Segunda Parte O valor dos filhos especialmente cap5 e 6 MARTIAL Agnès 1998 Partages et fraternité dans les familles recomposées In Adoptions Ethnologie des parentés choisies A Fine org Paris Editions de la Maison des sciences de lhomme MODELL Judith S 1994 Kinship with strangers adoption and interpretations of kinship in American Culture Berkeley University of California Press PARSONS Talcott and Robert F Bales 1955 The American Family in Family socialization and the interaction process Parson and Bales coord RADCLIFFEBROWN 1965 On joking relationships e A further note on joking relationships In Structure and function in primitive society New York Free press SALEM Tania l989 O casal igualitário princípios e impasses Revista Brasileira de Ciências Sociais 93 2437 SAMARA Eni de Mesquita 1983 A familia brasileira Sao Paulo Brasiliense SARTI C 1995 A família como espelho São Paulo Editoras Reunidas SCHNEIDER David 1984 A critique of the study of kinship Ann Arbor Univ of Michigal Press SCHULTHEIS Franz 1995 Le maillon manquant mémoire et identité familiales en Allemagne In La famille en Europe parenté et perpétuation familiale Marianne Gullestad et Martine Segalen orgs Editions La Découverte SCOTT Russel Parry 1990 O homem na matrifocalidade gênero percepção e experiências do domínio doméstico Cadernos de Pesquisa São Paulo 73 3847 SEGALEN Martine 1995 Introduction In La famille en Europe parenté et perpétuation familiale Marianne Gullestad et Martine Segalen orgs Editions La Découverte SEGALEN M e Francoise Zonabend 1986 Familles en France In Histoire de la famille vol3 Le choc des modernités Paris Armand Colin SINGLY François de 2000 O nascimento do indivíduo individualizado e seus efeitos na vida conjugal e familiar In Família e individualização Clarice E Peixoto F de Singly e V Cicchelli orgs Rio de Janeiro Editora FGV STACEY Judith 1992 Backward toward the postmodern family reflections on gender kinship and class in the Silicon Valley In Rethinking the family some feminist questions B Thorne e Marilyn Yalom eds Boston Northeastern University Press STRATHERN Marilyn 1992 Enterprising kinship consumer choice and the new reproductive technologies IN Reproducing the future anthropology kinship and the new reproductive technologies New York Routledge THÉRY Irène Le démariage Paris O Jacob1993 Tabela 1 Nascimentos fora do casamento País 1980 1999 Dinamarca 332 468 Suécia 397 504 Holanda 41 131 Noruega 145 444 Suíça 47 63 Portugal 92 170 Espanha 39 108 Franca 114 349 Fonte Les nouvelles familles en France Gabriel Langouët org p 99 Tabela 2 Índice de divórcio 1965 1970 1975 1980 1985 1990 Inglaterra 107 161 321 393 438 417 Dinamarca 182 251 367 393 452 44 Suécia 178 234 50 422 455 441 Holanda 72 11 20 257 344 281 Noruega 102 134 207 251 326 429 Suíça 127 155 209 273 287 33 Franca 107 12 156 222 304 315 Fonte Histoire de la Famille A Burguière C KlapischZuber M Segalen e F Zonabend orgs p 518

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Antropologia Social

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Resenha - O que faz o Brasil Brasil - Roteiro e Normas ABNT

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Etnia Etnicidade Etnocentrismo - Reflexões sobre o Nós e o Eles

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Olhares antropológicos sobre a família contemporânea Claudia Fonseca Antropologia UFRGS É com muito prazer que venho integrar essa mesa interdisciplinar sobre novas tendências de pesquisa sobre a família Através de uma consulta à bibliografia atual proponho trazer aqui uma colaboração da Antropologia ao mesmo tempo que elaboro uma inquietação surgida de minhas próprias pesquisas Trabalho normalmente em bairros da periferia urbana onde lanço mão do método etnográfico para pensar a especificidade de valores e práticas nesse contexto Contudo muitas vezes ao destacar entre os sujeitos de meu estudo dinâmicas familiares que divergem do modelo conjugal típico do meu contexto tenho a impressão de reforçar antes do que combater estereótipos do senso comum Qualquer desvio de padrões hegemônicos é freqüentemente visto pela platéia como sintoma de inferioridade desorganização social ou atraso Na melhor das hipóteses dinâmicas alternativas em grupos populares seriam vistas como uma adaptação funcional à pobreza estratégias de sobrevivência Embora essa última noção aponte para aspectos importantes da realidade arrisca ser usada de forma simplista reduzindo tudo que é específico a uma questão econômica como se pobres tivessem estratégia de sobrevivência em vez de cultura Nesse artigo procuro aproveitar a literatura atual sobre relações familiares para esboçar um modelo analítico que combate perspectivas reducionistas deste tipo Agrupo as pesquisas que nos interessam em duas grandes linhas por um lado a que enfoca o indivíduo enquanto valor fundamental da modernidade e que tem provocado uma resignificação da própria noção de família e por outro a que resgata a dinâmica Da família ao parentesco em sociedades complexas Participação na Mesa Redonda O lugar da família na ciência contemporânea desafios e tendências na pesquisa Congresso Internacional Pesquisando a Família Florianopolis 2426 de abril 2002 Publicado em In Pesquisando a família olhares contemporâneos Coleta Rinaldi Althoff Ingrid Elsen Rosane G Nitschke orgs Florianópolis Papalivro editora social das relações familiares ressaltando a importância das redes extensas de parentesco1 Sugiro que entre essas diferentes linhas de analise é possível encontrar conceitos que possam ser aplicados a um grande leque de circunstâncias sem engessar a realidade em modelos preestabelecidos O declínio dos modelos hegemônicos nas análises científicas De início devemos lembrar que frente à incrível diversidade de formas familiares constatadas hoje muitos pesquisadores questionam o sentido de falar em a família Certamente a imagem de família com a qual pessoas de minha geração foram criadas já foi amplamente desmistificada Aquela família nuclear com um casal heterossexual unido pelo casamento e criando todos seus filhos biológicos parece cada vez menos pertinente tanto em termos estatísticos quanto em termos normativos Consideremos o exemplo dos países do hemisfério norte onde mudanças recentes foram bem documentadas De 1965 para cá a taxa de casamento assim como a taxa de fecundidade caiu por trinta a quarenta por cento Para muitos jovens parece que o casamento legal tornouse uma formalidade antes do que uma obrigação moral de forma que em diversos países entre um terço e um quarto dos nascimentos são ilegítimos ver Tabela 1 O divórcio deu um salto triplicando e até em certos países quadruplicando nesse mesmo período ver Tabela 2 Esse quadro faz com que não é surpreendente encontrar como nos Estados Unidos uma taxa muito grande de crianças vivendo com apenas um dos seus pais biológicos ou como na França um contingente desproporcional de pessoas vivendo sozinhas Em termos estatísticos a unidade doméstica calcada na família nuclear não se manifesta com a mesma freqüência que cinqüenta anos atrás e em termos normativos não exerce mais a hegemonia de outrora2 1 Uma terceira grande linha tratando do impacto das novas tecnologias reprodutivas sobre crenças ligadas às fronteiras entre cultura e natureza é descrita em outro lugar Fonseca 2002 2 J Stacey 1992 nos lembra que nos EUA de acordo com um censo de 1986 apenas 7 das famílias correspondem ao modelo nuclear clássico de família um pai provedor de família e uma mãe em tempo integral morando junto com todas suas crianças com menos de 18 anos M Segalen e F Zonabend A família vem portanto se revelando como algo bem mais complicado do que imaginávamos E tendo reconhecido essa complexidade temos dificuldade em aceitar as receitas teóricas clássicas que nos ofereciam modelos simplificados Assim o modelo patriarcal elaborado por Gilberto Freyre no início dos anos trinta no âmbito da casa grande nordestina deixou de ser visto como matriz da família brasileira tradicional Sabemos hoje que a sociedade colonial não se reduzia a apenas duas camadas senhores e escravos e que conforme as circunstâncias históricas de cada região as formas familiares são múltiplas Existia por exemplo uma enorme população de brancos e pardos pobres em que a unidade doméstica média era pequena freqüentemente chefiada por uma mulher sozinha e contendo diversos agregados Samara 1983 Correa 1982 Volpi este volume Em outras palavras para a compreensão da complexa realidade que enfrentamos no Brasil contemporâneo a noção da família patriarcal extensa tal como foi descrita por Freyre é vista como sendo de relevância limitada Outro grande teórico que durante três décadas parecia nos dar todas as respostas é Talcott Parsons Lá onde Freyre nos explicava o tradicional Parsons 1955 esclarecia tudo que queríamos saber sobre a família moderna As análises dele baseadas na observação de famílias de camadas médias americanas na década de 50 serviram para impor na consciência de toda uma geração de pesquisadores a família nuclear e conjugal como sine qua non da modernidade Ao destacarem a normalidade no sentido estatístico desse modelo as análises deslizavam facilmente para julgamentos morais Essa família de um casal monogâmico e todos seus filhos menores parecia brotar diretamente da natureza humana sendo vista como necessária para o desenvolvimento sadio de todo e qualquer pessoa Ora mais uma vez a proliferação de pesquisas antropológicas nas últimas décadas do século vinte mostrou que existe no seio da modernidade uma enorme diversidade de dinâmicas familiares Comportamentos que divergem do modelo dito moderno se 1986 consideram a família nuclear como um construto ideológico típico do período do pósguerra cuja validade foi paulatinamente erodida tanto por um questionamento intelectual e antropológico como por uma encontram não somente nos continentes exóticos África e Ásia e nas regiões subdesenvolvidas mas dentro dos países vistos como protótipos da modernidade na Europa e nos Estados Unidos O mito da grande convergência que as práticas familiares imensamente diversas da época premoderna fossem coincidir em torno de um único modelo nuclear e conjugal foi explodido Segalen 1995 Apesar de verificarem tendências contemporâneas muito difundidas o aumento da expectativa de vida por exemplo que vem modificar a relação entre gerações adultas da família e o aumento do divórcio pesquisadores concordam hoje que não existe padrão universal de evolução familiar Encontrámonos portanto sem as nossas antigas crenças consoladoras sobre a evolução da família sem mito de origem sobre o tradicional de antigamente e sem crença num destino fixo sobre um único modelo homogêneo da modernidade Onde que tudo isso deixa os pesquisadores Diante da constatação da diversidade empírica e do declínio de modelos analíticos clássicos como que analistas estariam definindo a família Há pesquisadores que tomam a própria falta de modelo como traço característico da família chamada pósmoderna J Stacey por exemplo a partir de seu estudo de mulheres das camadas médias baixas morando num subúrbio de Los Angeles chega à conclusão que é impossível caracterizar a família contemporânea por um conjunto coerente de termos descritivos A família pósmoderna não é um novo modelo de vida familiar equivalente ao da família moderna não é o novo estágio de uma progressão ordenada da história da família mas sim o estágio nesta história onde a crença numa progressão lógica de estágios se desmancha Rompendo com a teleologia das narrativas modernizantes que retratam uma história evolucionária da família e incorporando tanto elementos inequívoca proliferação de novos padrões de conduta experimentais como nostálgicos a família pósmoderna avança e recua para dentro de um futuro incerto 1992 943 Acontece que apesar dessa indefinição as relações familiares de uma forma ou outra parecem continuar ocupando um lugar de destaque na maneira em que a maioria de nós vemos e vivemos o mundo Falar de família é evocar um conjunto de valores que dota os indivíduos de uma identidade e a vida de um sentido Além dessa função simbólica a noção de família ligada à organização da vida cotidiana ainda desempenha um papel pragmático na formulação de políticas públicas Precisamos portanto de uma linguagem para falar desse conjunto de valores e práticas familiares sem cair no erro do passado de imaginar um modelo homogêneo coerente hegemônico Procuramos por conseguintes instrumentos para pensar as diferentes formas familiares numa perspectiva comparativa perspectiva essa que recusa hierarquias etnocêntricas famílias avançadas versus famílias atrasadas etc e ao mesmo tempo resgata a especificidade de cada configuração O individual um acento na idéia de ESCOLHA Historiadores descrevem como especialmente a partir da revolução industrial o afeto começa a ser considerado como a base da vida familiar Os filhos encarados na época prémoderna como mãodeobra para a empresa familiar segurança na velhice ou meio de perpetuação da linhagem passam a possuir um valor antes de tudo afetivo Da mesma forma o amor romântico torna a caracterizar o matrimônio ideal ditando a necessidade da livre escolha do cônjuge Aqui o valor central não é mais a linhagem ou o nome da família a serem protegidos a qualquer custo mediante o sacrifício quando necessário dos membros mas sim a felicidade dos indivíduos Ariès 1981 MacFarlane 1986 Muitos pesquisadores vêem as recentes mudanças nas dinâmicas familiares das camadas médias na Europa e na América de Norte como extensão desse ideário moderno 3 As citações de artigos em língua estrangeira foram traduzidas do original pela autora Sugerem que a medida que as convenções morais de outrora iam cedendo a valores modernos centrados na autorealização e satisfação emocional as relações conjugais tanto no seu início quanto no seu final tornaramse abertas à negociação Se a afeição é vista como elemento constituinte da relação de casal a separação conjugal aparece não como uma ruptura problemática mas antes como um acontecimento lógico naqueles casos onde o amor romântico definhou Théry 1993 Sob esse ponto de vista a família é vista como funcional na medida em que proporciona a cada um de seus membros as condições para seu desenvolvimento pessoal ver Segalen 1995 Singly 2000 Seguindo esta linha de raciocínio deveremos notar que a atual ênfase na escolha e afeição não somente fez do término de certas relações familiares algo mais lógico mas também permitiu a legitimação de formas familiares que até recentemente não eram aceitas O relacionamento entre pais e filhos adotivos perdeu algo de sua aura infame e a filiação adotiva que historicamente era estigmatizada por ser associada com o vergonhoso status de ilegitimidade foi levantada por certos entusiastas como bandeira da verdadeira família Na retórica destes as crianças adotadas enquanto filhos escolhidos podem ser considerados como de alguma maneira mais valiosas do que aquelas que são simplesmente nascidas dos seus pais Modell 1994 Da mesma forma parceiros do mesmo sexo ganharam um espaço importante se a afeição é a verdadeira base do relacionamento por que o casal seria limitado a um relacionamento heterossexual centrado em torno da reprodução biológica Heilborn 1995 A possibilidade de aceitação institucional destas várias opções foi demonstrada num recente anúncio publicado num jornal canadense pelos serviços estatais para a proteção da infância e adolescência à procura de famílias substitutas A Criança da Semana Procurase pais substitutos com diversas características Nunca existe um número suficiente de famílias substitutas para fornecer lugares apropriados para todas as crianças no sistema Isto significa que as famílias substitutas que já existem estão sobrecarregadas e infelizmente as crianças são frequentemente deslocadas de uma família para outra Pais substitutos atribuem um alto valor às crianças compreendem suas necessidades e ficam sensibilizadas pela fase triste e difícil que estão vivendo Amam crianças e querem ajudálas dando estabilidade e apoio Procurase pais substitutos de todos os níveis sócioeconômicos e de todas as origens étnicas raciais e culturais Contemplamse casais ou solteiros heterossexuais ou homossexuais com ou sem crianças trabalhando fora de casa ou não Enviem já sua aplicação Para mais informações sobre este programa e suas exigências telefone para Homes for Children ou venha nos visitar a The Gazette Montreal Quebec abril 2000 Certamente ninguém imagina que essas novas atitudes tenham alcançado um status hegemônico É evidente que existem muitas pessoas leigas e profissionais que continuam a prever problemas nos filhos de pais divorciados e a considerar a adoção como na melhor das hipóteses uma imitação da natureza No caso de pais do mesmo sexo os obstáculos sociais e institucionais são incontáveis Ainda por cima a maioria de pesquisadores mantêm uma perspectiva crítica diante dessa família de escolha apresentandoa não como um avanço mas antes tal como qualquer outra forma familiar como algo que faz sentido dentro de um determinado contexto acompanhado de uma constelação específica de valores Certos analistas questionam a grande valorização da idéia de escolha sugerindo que ela seja inspirada em atitudes individualistas típicas da sociedade capitalista e consumista Strathern 1992 Outros lembram que para muitas pessoas o abandono do modelo nuclear de família não é tanto uma questão de escolha quanto a conseqüência indesejada de fatores externos antes de tudo da pobreza Sejam quais forem as objeções é evidente que as concepções modernas da família com a ênfase crescente na afeição e escolha revolucionaram concepções tradicionais da família conjugal O social A rede familiar Ao imaginarem que a família nuclear e conjugal era a única adequada à vida moderna muitos pesquisadores ainda pouco tempo atrás interpretavam as mudanças que descrevemos baixa de natalidade aumento de divórcio etc como sinal de crise ou até de um declínio geral das relações familiares4 Hoje desgarrando suas análises da unidade nuclear começam a ver as coisas de outra forma A socióloga francesa Martine Segalen por exemplo critica a tendência acadêmica de tomar a família como mola mestre das 4 Tal ótica é típica da escola de Frankfurt ver por exemplo os textos de Adorno e Horkheimer em Canevacci 1981 e outros pesquisadores particularmente da Alemanha sociedades contemporâneas e considerar o parentesco algo útil apenas para sociedades tradicionais ou tribais Formula uma definição de parentesco bem adaptada ao contexto moderno O parentesco pode ser visto como um conjunto de pessoas ligadas pelo sangue ou por casamento ou por um laço de pseudocasamento que se reconhecem não em função de ancestrais mitos ou territórios em comum mas sim em função de direitos de deveres recíprocos criados principalmente pela presença de crianças nascidas ou criadas por elasSegalen 1995 1516 E ao aplicar a noção de parentesco no quadro europeu Segalen assim como outros pesquisadores descobrem que as relações familiares longe de definharem estão ganhando nova vida Essa nova vida pode ser vista em parte como resultado do recuo da família conjugal Antropólogos clássicos apontam para a tensão inerente a qualquer sistema familiar entre o princípio de aliança isto é matrimônio e o princípio de consangüinidade RadcliffeBrown 1965 Podemos visualizar essa tensão ao imaginar o indivíduo obrigado a escolher como passar o almoço dominical na intimidade do lar conjugal com seu esposo ou entregue à sociabilidade do clã na casa dos pais A antropóloga francesa Françoise Héritier 1975 sugere que há sociedades em que os parentes consangüíneos recebem prioridade sistemática deixando o laço conjugal na sombra e outras em que a relação conjugal prima ditando distanciamento em relação à família de sangue No Brasil há indicações que a rede consangüínea nunca deixou de ser relevante A importância da parentela extensa aparece com nitidez em grupos populares onde diante das difíceis condições de vida e freqüente separação conjugal as redes de ajuda mútua tornamse indispensáveis Scott 1990 Sarti 1995 Porém mesmo nas camadas médias onde em princípio o ideário individualista é mais destacada Salem 1989 Duarte 1995 a falta de equipamentos públicos creche escola em tempo integral obriga o jovem casal a onde depois da Segunda Guerra Mundial houve uma rejeição en masse da família tradicional associada ao fascismo ver Schultheis 1995 depender dos pais tios primos e irmãos para cuidar dos filhos e amparar nas demais rotinas do diaadia Abreu Filho 1980 Barros 1987 Bilac 1995 Em todo caso estudos mostram que até na Europa as redes familiares estão assumindo novo destaque É evidente que existe um aspecto prático a essas novas solidariedades Na França por exemplo os jovens tendo dificuldade em achar um emprego querendo se aplicar nos estudos superiores e casando mais tarde tendem a sair da casa dos pais mais tarde do que em gerações anteriores Quando findam seus arranjos conjugais voltamse para os parentes consangüíneos procurando abrigo empréstimos financeiros ou ajuda no cuidado com os filhos AttiasDonfut e Segalen 1998 No entanto pesquisadores olhando para a Europa insistem que as relações de parentesco servem muito mais do que para fins utilitaristas funções essas que naquele contexto têm sido preenchidas em grande medida pelos serviços do Estado Os parentes estão se mostrando igualmente importantes para a organização do lazer Sugerese que no cenário atual mulheres das quais muitas trabalham fora não têm mais tempo para cultivar a amizade de vizinhos e acabam portanto se apoiando em parentes e eventualmente colegas de trabalho para garantir uma vida social Boas estradas encurtaram as distâncias e o telefone facilitou a comunicação tornando possível a cultivação da intimidade à distância com avós tios e primos A prosperidade da pósguerra que em certos países permitiu a toda uma geração adquirir casa própria forneceu as condições físicas para organizar festas ou mesmo férias em que reúnemse diversas gerações do grupo familiar Essa moradia assume seu lugar ao lado das tradicionais casas da alta burguesia e aristocracia como âncora de identidade de quem a freqüenta A geração mais velha vivendo cada dia mais e gozando de melhores condições de saúde se torna central na organização dos encontros da família e feriados de verão Leonardo 1992 Gaunt 1995 Vemos então ressurgir através dessa rede familiar um novo tipo de clã agrupando sobretudo os parentes consangüíneos e seus respectivos companheiros do momento O velho adágio o sangue é mais espesso do que a água tão central ao modo euro americano de pensar as relações de parentesco ver Schneider 1984 se impõe com força renovada Hoje como atesta o negócio emergente das árvores genealógicas de família assim como a popularidade crescente das reuniões de família que juntam pessoas que nada têm em comum além de um determinado sobrenome a idéia de descendência genealógica parece ter perdido nada do seu apelo Assim mais do que nunca as pessoas fugindo de seu status de cidadão anônimo procuram nas relações familiares a chave de seu pertencimento social Segalen 1995 Seria contudo um erro associar a descendência genealógica automaticamente a uma questão de reprodução biológica Héritier destaca entre os valores universais que governam as relações humanas a natureza eminentemente social da relação entre pais e filhos A filiação ela nos garante não é nunca um simples derivativo do engendramento 1985 9 Para reforçar essa idéia podemos citar um caso tirado de um filme brasileiro bem conhecido Eu Tu e Eles Tratase de uma história supostamente verídica de uma mulher interiorana que tendo intuído a esterilidade de seu marido gera três filhos com três homens diferentes No decorrer do filme enquanto cada novo companheiro vai se instalando na casa ao lado dos outros vemos delinear um grupo de parentesco tal como foi descrito por Segalen um conjunto de pessoas ligadas pelo sangue pelo casamento e pseudocasamento que se reconhecem como parentes em função de direitos de deveres recíprocos criados principalmente pela presença de crianças nascidas ou criadas por elas 1995 1516 O mais interessante é como na cena final do filme é justamente o marido que não gerou nenhum dos filhos que os leva para fazer registro de nascimento no seu nome É evidente que ele não age assim para encobrir a realidade pois as relações extramaritais de sua mulher são de notoriedade pública A atitude carinhosa do homem leva o espectador a minimizar também a hipótese de violência patriarcal Leva a crer antes que apesar dos fatos biológicos esse homem se sente e também é visto socialmente como pai daqueles meninos No atual cenário os termos moderno e arcaico parecem perder sentido inviabilizando a hierarquização de formas familiares Essa constatação não significa contudo que não existam diferenças Pelo contrário A falta de um modelo claramente hegemônico acompanha a proliferação de dinâmicas familiares específicas a determinados contextos tal como vemos nos exemplos que seguem Dois exemplos para contemplar O primeiro exemplo traz ao palco Volnir um economista muito bem pago próximo dos seus 50 anos Embora tenha se casado oficialmente apenas uma vez teve três relacionamentos duradouros em convivências que produziram ao todo cinco crianças Agora em seu quarto relacionamento e desempenhando o papel de pai substituto para os filhos de sua namorada atual ele em suas próprias palavras fechou a torneira através de uma vasectomia cirúrgica Sempre zeloso em seu papel paternal participou ativamente na criação de seus filhos que fosse enquanto esposo ou pai solteiro Em quaisquer circunstância sua casa permanece como uma opção em aberto para seus filhos As ex companheiras todas com educação superior têm empregos de bom nível Mesmo assim Volnir tem renda suficiente para pagar uma pensão alimentícia a cada uma nunca tendo enfrentado maiores problemas com esta questão financeira O interessante a respeito deste caso e que o diferencia de histórias similares do passado os senhores da casa grande por exemplo de G Freyre é que as pessoas das diversas etapas da história familiar de Volnir parecem manter boas relações De fato ele faz questão de organizar reuniões anuais nas quais suas diferentes exesposas seus respectivos companheiros5 e as crianças de todos se encontram na casa de veraneio de Volnir numa remota praia do nordeste Ele enviame fotografias da sua atual namorada tomando banho de sol ao lado de suas exmulheres e se compraz em me contar como a sua filha mais nova hoje com quatro anos de idade vai de um lado a outro desta família estendida perguntando às pessoas você é o quê meu Nosso segundo exemplo introduz pessoas com nível de vida radicalmente diversa do da família de Volnei Encontramos agora uma mulher Dona Maria que durante boa parte de sua vida vivia em condições tão precárias que perdeu nove de seus dezessete nenés nascidos prematuros ou subnutridos Já que seus diversos excompanheiros nunca pagaram pensão alimentícia ela teve que procurar meios alternativos além de seu trabalho de faxineira para garantir o sustento de seus filhos Um foi entregue à avó paterna dois foram 5 Invertendo a conotação tradicionalmente pejorativa Volnir insiste que os maridos de suas ex mulheres também lhe são aparentados como comborços criados por uma velha senhora que nunca tivera filhos próprios outro fugiu de casa quando tinha pouco mais de oito anos e ficou rolando por aí O que impressiona nesse quadro é que apesar da dispersão das crianças a rede familiar se manteve basicamente intata Quando conheci Dona Maria ela residia com seu companheiro de então e as três filhas deles numa casa ao lado de dois filhos casados incluindo o que fugira de casa Reinando como avó orgulhosa dessa família extensa era a senhora agora realmente anciã que servira como mãe substituta para parte da prole Que essa senhora não possuísse qualquer laço consangüíneo com os outros moradores do terreno não parecia incomodar ninguém Maria não mantinha pessoalmente contato com seus excompanheiros mas seus sete filhos se reuniam periodicamente os que não moravam perto vinham para churrascos na casa da mãe e em certos casos incluíam os parentes paternos de seus meioirmãos nas suas redes sociais Seria absurdo sugerir que nos dois casos descritos aqui os significados atribuídos às diversas relações sejam exatamente os mesmos Já destaquei em outro lugar a noção particular de mãe nos grupos populares que estudei onde muitas pessoas tal como seus próprios pais se criaram entre diferentes casas chamando duas ou três mulheres de mãe Fonseca 1995 Não encontro nem esperaria encontrar o mesmo uso de termo mãe entre os filhos de Volnir As famílias de Volnir e Maria são herdeiras de tradições diversas ele filho da burguesia cearense ela filha de trabalhadores agrícolas do interior gaúcho Sofreram influências ideológicas educação religião política diferentes Em função do lugar que ocupam na sociedade travaram estratégias e tiveram experiências de família também diferentes Contudo nos dois casos encontramos dinâmicas que só se tornam visíveis quando a análise vai além da unidade doméstica isolada e o momento presente para vislumbrar a lógica de um sistema mais amplo de parentesco Não cabe nesse curto espaço aprofundar a análise da lógica específica a cada contexto Aqui a justaposição dos dois casos visa simplesmente desencadear um processo reflexivo Pesquisadores parecem aceitar com relativa facilidade aplicar novos parâmetros da família pósmoderna quando tratam nos seus dados de camadas abastadas Falam então de produção independente descasamento Théry 1993 família de escolha etc Famílias dos setores mais pobres da sociedade contudo devem em geral se contentar com rótulos mais antigos que na maioria dos casos carregam conotações pejorativas mães solteiras famílias desestruturadas filhos abandonados e assim por diante Procurar alguns conceitos analíticos que sirvam para pensar os dois casos mais uma vez não implica no achatamento da diversidade Serve antes para resistir à tentação de erguer um tipo familiar em modelo avaliando todos os outros em função dele Sugere enfim que existem conceitos mais ágeis do que a família para explorar as diversas formas familiares típicas da época atual BIBLIOGRAFIA ABREU FILHO Ovídio de 1982 Parentesco e identidade social Anuário Antropológico 80 95118 ARIES Philippe 1981 História social da criança e da família SP Zahar ATTIASDONFUT Claudine e Martine Segalen 1998 Grandsparents la famille à travers les générations Paris Editions Odile Jacob BARROS Miriam Lins de Autoridade e afeto avós filhos e netos na família brasileira Rio de Janeiro Zahar 1987 BILAC Elisabete Dória 1995 Família algumas inquietações In A família contemporânea em debate Maria do Carmo Brant de Carvalho org São Paulo EDUC CANEVACCI Massimo 1981 Dialética da família gênese estrutura e dinâmica de uma instituição repressiva São Paulo Brasiliense CORREA Mariza 1982 Repensando a família patriarcal brasileira In Colcha de retalhos estudos sobre a família no Brasil Säo Paulo Brasiliense DUARTE LFD 1995 Horizontes do indivíduo e da ética no crepúsculo da família In Família e Sociedade Brasileira Desafios nos Processos Contemporâneos Ivete Ribeiro org Rio de Janeiro Fundação João XXIII FONSECA Claudia 1999 Quando cada caso NÃO é um caso pesquisa etnográfica e educação Revista Brasileira de Educação Sao Paulo 10 5878 FONSECA Claudia 2002 A vingança de Capitu DNA escolha e destina na família brasileira contemporânea In Gênero Democracia e Sociedade Brasileira Cristina Bruschini e Sandra Unbehaum orgs São Paulo Editora 34 FREYRE Gilberto 1978 Casa grande e senzala formaçäo da família brasileira sob o regime da economia patriarcal Rio de Janeiro José Olympio Introdução à terceira edição e cap GAUNT David 1995 Esprit de clan dans les villes suédoises In La famille en Europe parenté et perpétuation familiale Marianne Gullestad et Martine Segalen orgs Editions La Découverte HEILBORN Maria Luiza 1995 O que faz um casal casal Conjugalidade igualitarismo e identidade sexual em camadas médias urbanas In Família em processos contemporâneos Inovações culturais na sociedade brasileira Ivete Ribeiro e Ana Clara T Ribeiro orgs São Paulo Loyola HERITIER Françoise 1975 Les dogmes ne meurent pas Autrement 3 150162 LEGALL Didier e Claude Martin 1995 Construire un nouveau lien familial beaux parents et beauxgrandsparents In La famille en Europe parenté et perpétuation familiale Marianne Gullestad et Martine Segalen orgs Editions La Découverte LEONARDO Micaela de 1992 The female world of cards and holidays women families and the work of kinship In Rethinking the family some feminist questions Barrie Thorn e Marilyn Yalom orgs Boston Northeastern Univ Press MACFARLANE Alan 1986 História do casamento e do amor Inglaterra 1300 1840 São Paulo Companhia das Letras Segunda Parte O valor dos filhos especialmente cap5 e 6 MARTIAL Agnès 1998 Partages et fraternité dans les familles recomposées In Adoptions Ethnologie des parentés choisies A Fine org Paris Editions de la Maison des sciences de lhomme MODELL Judith S 1994 Kinship with 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technologies New York Routledge THÉRY Irène Le démariage Paris O Jacob1993 Tabela 1 Nascimentos fora do casamento País 1980 1999 Dinamarca 332 468 Suécia 397 504 Holanda 41 131 Noruega 145 444 Suíça 47 63 Portugal 92 170 Espanha 39 108 Franca 114 349 Fonte Les nouvelles familles en France Gabriel Langouët org p 99 Tabela 2 Índice de divórcio 1965 1970 1975 1980 1985 1990 Inglaterra 107 161 321 393 438 417 Dinamarca 182 251 367 393 452 44 Suécia 178 234 50 422 455 441 Holanda 72 11 20 257 344 281 Noruega 102 134 207 251 326 429 Suíça 127 155 209 273 287 33 Franca 107 12 156 222 304 315 Fonte Histoire de la Famille A Burguière C KlapischZuber M Segalen e F Zonabend orgs p 518

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