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Saúde Pública

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191 História da educação em saúde no Brasil História da educação em saúde no Brasil Marcia Cavalcanti Raposo Lopes Ingrid Davilla Freire Pereira Cristina Massadar Morel E m nosso percurso até aqui temos conversado sobre educação suas relações com o funcionamento da nossa sociedade e as diferentes formas como podemos desenvolvêla Agora vamos nos aproximar da educação em saúde tema tão importante para a prática dos agentes co munitários de saúde ACSs Nosso caminho começa recuperando a história das práticas de edu cação em saúde no Brasil e sua relação com a história de nosso país Buscaremos conhecer como eram e como foram se transformando para que posteriormente possamos discutir e compreender melhor como construímos nossas práticas e que caminhos queremos seguir Assim neste texto apresentamos como em diferentes contextos históricos foram se desenvolvendo diferentes formas de educação em saúde em nosso país No final do século XIX e início do século XX o Brasil vivia um período de grandes transformações Com a abolição da escravatura o início do desenvolvimento da indústria e do comércio e a chegada maciça de imi grantes europeus as principais cidades do país cresciam desordenada mente sem qualquer infraestrutura Este contexto produziu condições sanitárias muito precárias e surtos epidêmicos Tudo isso prejudicava o desenvolvimento econômico do país como por exemplo a exportação do café uma das principais atividades econômicas da época Para combater estas epidemias nos grandes centros urbanos foram estruturadas pela primeira vez no país ações sanitárias Porém logo que as epidemias diminuíam tais ações perdiam força Ou seja repre sentavam alguma preocupação com a manutenção da saúde das classes 192 Educação em saúde material didático para formação técnica de agentes comunitários de saúde História da educação em saúde no Brasil Glossário O que é positivismo O positivismo é uma corrente filosófica que afirma que o conhecimento científico é a única forma de conhecimento verdadeiro e acredita que o progresso da humanidade depende exclusivamente dos avanços científicos Suas ideias se difundem na Europa na segunda metade do século XIX e no começo do XX período em que chegam ao Brasil populares mas ainda de forma residual Além disso os órgãos federais de saúde atendiam basicamente a capital federal Os serviços estadu ais com exceção de São Paulo onde era um pouco mais estruturado eram precários Isto levará os sanitaristas dos anos 19101920 através de algumas instâncias de representação como a Liga Prósaneamento de 1919 a pleitearem a montagem de uma estrutura centralizada de saúde dando origem ao Departamento Nacional de Saúde em 1920 Fo ram realizadas então as primeiras práticas sistemáticas de educação em saúde E como eram as práticas de atenção à saúde neste período Para pensarmos sobre elas vamos explorar um pouco mais o contex to da época Os valores positivistas e o desenvolvimento da ciência e especificamente da medicina na Europa traziam consigo o sonho da modernidade Em prol da saúde o Estado brasileiro se dava o direito de instituir medidas autoritárias que intervinham não só na organização dos espaços da cidade mas também no cotidiano da vida da população Em um momento em que uma parte importante da população pobre das grandes cidades se constituía de escravos recémlibertos as poucas atividades educativas relacionadas à saúde eram de caráter normativo com instruções a serem seguidas Propunhamse basicamente normas e medidas de saneamento consideradas científicas pelos técnicos e bu rocratas VASCONCELOS 2001 193 História da educação em saúde no Brasil Para saber mais Revolta da vacina Conhecer um pouco sobre a revolta da vacina nos ajuda a compreender um pouco como se estruturavam as ações de saúde pública no Brasil no início do século XX e também a lógica que permeava a educação em saúde na época Como vimos no início deste capítulo no começo do século XX o Brasil e em especial a cidade do Rio de Janeiro capital da república na época sofria com constantes epidemias devido às condições precárias de vida da população Preocupado com esta situação e com os problemas que ela causava para a economia brasileira o então presidente Rodrigues Alves colocou em prática um projeto de saneamento básico e reurbanização do centro da cidade O médico e sanitarista Oswaldo Cruz foi nomeado chefe do Departamento Nacional de Saúde Pública com o objetivo de melhorar as condições sanitárias da capital Leia como Souza e Jacobina 2009 descrevem estas atividades Como o objetivo das atividades educativas não era promover a autonomia a discordância era punida severamente pois interesses econômicos e da classe dominante estavam por trás das políticas de saúde Seu objetivo era fazer com que as pessoas aceitassem as intervenções do Estado e se sujeitassem às imperiosas leis da Higiene Ainda assim muitas pessoas se rebelaram como ocorreu com a famosa Revolta da Vacina p 620 Continua 194 Educação em saúde material didático para formação técnica de agentes comunitários de saúde História da educação em saúde no Brasil Entre as diferentes ações propostas por Osvaldo Cruz estava a campanha de vacinação obrigatória contra a varíola Sem qualquer preocupação em desenvolver um trabalho com a população para que ela pudesse entender o sentido da vacinação e ter respeitada suas crenças e sua autonomia a campanha foi desenvolvida de forma violenta e autoritária Por vezes os agentes sanitários invadiam as casas e vacinavam as pessoas à força provocando revolta nas pessoas Ainda que o objetivo final da campanha fosse a prevenção de doenças Esta campanha acontecia em meio a condições de vida difíceis com alto custo de vida e grande desemprego e ao mesmo tempo em que o movimento de reforma urbana dirigido pelo Estado derrubava cortiços e habitações simples do centro da cidade para que a população pobre não permanecesse ali Este contexto faz com que manifestações populares e conflitos espalhemse pelas ruas da capital brasileira A desordem propagase pela cidade e se é contornada com a revogação da lei de vacinação obrigatória e a intervenção da polícia e do exército Este evento pode ser considerado emblemático para a saúde pública Ele aponta a complexidade das ações sanitárias e seu papel muitas vezes autoritário e violento em especial com as camadas mais pobres da população Se você se interessar sobre estas e outras ações de saúde pública na história do Brasil pode ler o livro de Carlos Fidelis e Ialê Faleiros Na corda bamba de sombrinha a saúde no fio da história Ele está disponível em http wwwepsjvfiocruzbrpublicacaolivronacordabamba desombrinhaasaudenofiodahistoria Continuação Para saber mais Revolta da vacina 195 História da educação em saúde no Brasil É preciso notar que as descobertas científicas da época que aponta vam para a necessidade da higiene para prevenir os perigos do contágio de determinadas doenças acabaram por atribuir aos indivíduos a respon sabilidade por seu adoecimento culpabilização da vítima Ao considerar apressadamente que a maior incidência de doenças e mortalidade infantil ocorria na classe trabalhadora pela falta de cuidados pessoais ou que esta situação era devido à ignorância desta população os higienistas negavam praticamente a diferença de recursos necessários à preservação da saúde em decorrência da diferença entre classes sociais E assim entendendo o melhor encaminhamento era propor ao Estado educar esta população Educação que se dirigia aos pobres não para mudanças das condições de vida geradoras de doença mas para mostrar que eles eram os únicos res ponsáveis pelas doenças que sofriam Souza e Jacobina p 621 Glossário O que é higienismo No fim do século XIX e início do XX a ocorrência sucessiva de surtos epidêmicos impulsionou um conjunto de reflexões sobre as razões de sua ocorrência por médicos e sanitaristas da época Originase então uma linha de pensamento denominada higienismo que pregava padrões e comportamentos sociais que deveriam ser adotados em nome da saúde As ações de saúde pública no Brasil nesta época se apropriam deste discurso usandoo para legitimar intervenções autoritárias nas formas de habitação e estilos de vida da população Para maiores aprofundamentos sobre o movimento higienista no Brasil naquela época e hoje sugerimos o texto Descontinuidades e continuidades do movimento higienista no Brasil do século XX de Gois Junior e Lovisolo disponível em httprevistacbceorgbrindex phpRBCEarticleview172 196 Educação em saúde material didático para formação técnica de agentes comunitários de saúde História da educação em saúde no Brasil A expansão urbana das primeiras décadas do século XX acaba por propiciar o surgimento de uma classe média nas grandes cidades do país o que favorece o surgimento de propostas de intervenção um pouco menos autoritárias no campo da saúde pública Investe se no que à época nomeouse educação sanitária incluindoa no cotidiano das escolas O esclarecimento e a persuasão da popula ção substituem os métodos extremamente repressivos próprios das campanhas sanitárias Embora menos opressoras estas prá ticas ainda se constituíam segundo relações verticais nas quais a população tinha um papel essencialmente passivo A partir de 1930 os investimentos na área da saúde voltamse para expansão da assistência médica individual especialmente para cate gorias de trabalhadores mais organizados e com presença nos setores econômicos do país As ações de educação e saúde ficam ainda mais restritas a programas e serviços destinados a populações excluídas dos processos econômicos centrais do país Durante a Segunda Guerra Mundial a crise na produção mun dial de borracha e manganês torna o incentivo de sua extração no Brasil uma questão militarmente estratégica Neste contexto Leia agora como Vasconcelos 2001 descreve as práticas de educação em saúde nesta época Suas práticas eram normativas os técnicos tinham um saber científico que deveria ser incorporado e aplicado pela população ignorante Se já não se via mais o povo como culpado pela situação de desenvolvimento ele continuava porém sendo visto como vítima incapaz de iniciativas criativas enquanto não melhorasse sua situação de saúde pela adoção das medidas proclamadas p 26 197 História da educação em saúde no Brasil organizase o Serviço Especial de Saúde Pública Sesp com base em interesses estratégicos militares relacionados a esta guerra Visando à proteção dos trabalhadores envolvidos na extração da borracha e de minério as ações do Sesp acabam por trazer novas técnicas educacionais na área da saúde São introduzidas como inovações metodológicas para a difusão da informação a educação de grupos os recursos audiovisuais e o trabalho com a comuni dade Este processo entretanto não traz uma mudança na forma como se vê a população no conjunto das práticas educativas Ela permanece sendo olhada como uma massa de pessoas passivas e incapazes de iniciativas próprias SILVA et al 2010 Após a Segunda Guerra Mundial ganha força a noção de participa ção popular A ideia era mobilizar a comunidade para atuar na busca de superação em alguma medida das condições precárias de vida das populações marginalizadas Na saúde a promoção da participação po pular muitas vezes estava ligada ao recrutamento e treinamento para o trabalho voluntário aumentando os programas comunitários que empregavam mão de obra gratuita em mutirão para o saneamento básico e a construção de postos de saúde Dessa forma esta noção era utilizada para determinados programas que podiam prescindir de maiores investimentos públicos contando com a força do trabalho da comunidade Foi possível assim a extensão da cobertura de serviços Leia agora como Vasconcelos 2001 define todo este período de desenvolvimento da educação em saúde que vai até os anos 1970 Até 1970 a educação em saúde no Brasil foi basicamente uma iniciativa das elites políticas e econômicas e portanto subordinada a seus interesses Voltavase para a imposição de normas e comportamentos por elas considerados adequados Para os grupos populares que conquistaram maior força política as ações de educação e saúde foram esvaziadas em favor da expansão da assistência médica individualizada p 27 198 Educação em saúde material didático para formação técnica de agentes comunitários de saúde História da educação em saúde no Brasil básicos de saúde sem entretanto garantir a qualidade e a resolutivi dade dos serviços prestados SILVA et al 2010 Iniciado em meados da década de 1960 o regime militar cria pa radoxalmente as condições para a emergência de uma série de expe riências comunitárias nas áreas sociais dentre elas a da saúde que acabam por impulsionar a constituição de rupturas com este modelo Nos movimentos sociais que foram se constituindo no processo de luta por melhores condições de vida e pela redemocratização durante os anos 1970 começam a surgir experiências de serviços comunitá rios de saúde inspirados nas discussões sobre medicina comunitária e cuidados primários em saúde que vinham se difundindo no mundo A vivência nestes serviços permite que profissionais de saúde aprendam a se relacionar com os grupos populares começando a esboçar ten tativas de organização de ações de saúde integradas à dinâmica social local VASCONCELOS 2001 p 28 Este processo acaba não só por possibilitar uma interação diferen te entre profissionais de saúde e população mas também por propi ciar tensionamentos com a forma tradicional de assistência à saúde A maneira de trabalhar com a educação em saúde se constitui de forma muito diferente das experiências anteriormente abordadas Nesta época a proposta de educação problematizadora sistematizada por Paulo Freire e que você já pôde conhecer neste material tornase uma espécie de referência para a relação entre profissionais de saúde e as classes populares Constituise então a possibilidade de novas abordagens para as atividades de educação em saúde Estas aborda gens eram baseadas numa relação dialógica entre o conhecimento técnicocientífico e a sabedoria popular bem como na possibilidade da população refletir sobre suas condições de vida e saúde Com a abertura política e a criação do Sistema Único de Saúde SUS no final da década de 1980 estas experiências servem de base para a 199 História da educação em saúde no Brasil instituição do Programa de Agentes Comunitários de Saúde PACS e posteriormente do Programa Saúde da Família PSF e da Estratégia Saúde da Família ESF Neste processo muito de sua força instituinte vai se perdendo e seu formato vai ficando cada vez mais atravessado pe las características do modelo biomédico1 e pela lógica gerencialista Assim embora a experiência vivida e relatada por diferentes pro fissionais de saúde e líderes populares tenham deixado marcas e se instituído em diferentes políticas públicas as práticas de educação em saúde hoje quase sempre acabam por repetir muitas características da educação normativa do início do século XX Vamos explorar um pouco mais as diferentes características destas práticas em saúde nos próxi mos capítulos 1 No capítulo Cultura e saúde algumas reflexões você encontrará um box para sa ber mais sobre modelo biomédico Glossário O que é lógica gerencialista A lógica gerencialista se caracteriza por imprimir uma racionalidade econômica aos serviços privilegiando a eficácia e a eficiência a análise do custo benefício acima de outros valores públicos Para aprofundar seus estudos Você pode ler sobre este tema também no texto NESPOLI Grasiele Da educação sanitária à educação popular em saúde In BORNSTEIN Vera Joana et al Curso de Aperfeiçoamento em Educação Popular em Saúde textos de apoio Rio de Janeiro EPSJV 2016 p 4751 200 Educação em saúde material didático para formação técnica de agentes comunitários de saúde História da educação em saúde no Brasil Atividade Como vimos nos anos 1970 cresceu um novo trabalho nas comunidades com agentes de saúde Ele se institucionalizou com o nome de Movimento Popular em Saúde Mops Que tal pesquisarmos como era este trabalho Você vê características semelhantes entre as ações do Mops e o trabalho dos ACSs Referências SILVA Cristiane Maria da Costa et al Educação em saúde uma reflexão histórica de suas práticas Ciência e Saúde Coletiva Rio de Janeiro v 15 n 5 p 25392550 ago 2010 SOUZA Isabela Pilar Moraes Alves JACOBINA Ronaldo Ribeiro Edu cação em saúde e suas versões na história brasileira Revista Baiana Saú de Pública Salvador v 33 n 4 p 618627 outdez 2009 VASCONCELOS Eymard Mourão Educação popular e a atenção à saúde da família São Paulo Hucitec 2001