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Psicologia ·

Psicologia Social

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139 Líbero São Paulo v 12 n 24 p 139152 dez de 2009 Cicilia M Krohling Peruzzo Marcelo de Oliveira Volpato Conceitos de comunidade local e região Conceitos de comunidade local e região interrelações e diferença Cicilia M Krohling Peruzzo Marcelo de Oliveira Volpato Introdução Em meio à intensidade da globalização eis que ressurge a tendência à valorização do local Paradoxalmente apesar do fascínio pela informação internacionalizada e pela aparente homogeneização de valores revita lizase o apreço pelo local pela comunidade pelo familiar Não se negam as vantagens do mundo globalizado entretanto o interesse pelas raízes inserese nessa complexidade a ponto de fazernos ver o mundo por meio das relações e articulações entre global e local e não mais apenas pela globalização Trata se da glocalização1 É a dinâmica global que interage com o local criando e recriando identidades globais e locais Alguns pesquisadores arriscam explicar esse processo social como Manuel Castells 199985 para quem a revitalização do local é uma reação defensiva ao atual contexto so cial da globalização da formação das redes e da flexibilidade de tempo e espaço Doutora em Ciências da Comunicação ECAUSP Professora de Pósgraduação da Umesp Email kperuzzouolcombr Mestrando em Comunicação Umesp Email volpatomarcelohotmailcom Resumo Este texto aborda os conceitos de comunidade local e região Parte de algumas definições clássicas e de suas reela borações com o objetivo de explicitar as noções básicas que caracterizam tais fenômenos além de ressaltar diferenças e proximidades que os mesmos contêm Mais especificamente procurase discutir o que caracteriza o local e a região no mun do atual Servese de pesquisa bibliográfica Constatase que os conceitos estão intrinsecamente relacionados principalmente no tocante ao local e regional pois cada um se relaciona com outras dimensões espaciais e são constituídos por fatores co muns os quais ao mesmo tempo são portadores de diferenças Palavraschave comunidade local região proximidade Conceptos de comunidad local y región relaciones y diferencias Resumen Este artículo discute los conceptos de comunidad lugar y región Su punto de partida son algunos conceptos clásicos y sus reelaboraciones con el objetivo de explicar las ideas básicas que caracterizan estos fenómenos y así resaltar las diferencias y proximidades que contienen Concretamente se aborda lo que caracteriza lo local y lo regional en el mundo de hoy Se hace uso de la investigación bibliográfica Los conceptos están intrínsecamente relacionados pues cada uno tiene que ver con las dimensiones del espacio y son constituidos por factores comunes que al mismo tiempo portan sus diferencias Palabras clave comunidad local región proximidad Concepts of community local and region interconnections and differences Abstract This paper deals about the concepts of community local and region It starts from some classical definitions and their reelaborations aiming to explaining the basic notions of these phenomena and indicates their differences and intercon nections More specifically discusses the characteristics of local and region today The paper is based on bibliographical rese arch and point out that these concepts are intrinsically linked particularly between local and region because as each one rela tes itself to other spatial dimensions and are made of common factors which at the same time have their differences Key words community local region proximity 1 Neologismo resultante das palavras globalização e lo calização 140 Líbero São Paulo v 12 n 24 p 139152 dez de 2009 Cicilia M Krohling Peruzzo Marcelo de Oliveira Volpato Conceitos de comunidade local e região Quando o mundo se torna grande demais para ser controlado os atores sociais passam a ter como objetivo fazêlo retornar ao ta manho compatível com o que podem con ceber Quando as redes dissolvem o tempo e o espaço as pessoas se agarram a espaços físicos recorrendo à sua memória histórica O local a comunidade a família por nos serem próximos tendem a representar segurança e proteção em um mundo apa rentemente instável de proporções globais etc Uma vez estruturados com base em har monia e solidariedade seriam espaços de abrigo e amparo em meio às turbulências da vida urbana Analisamos neste texto brevemente as pectos dos conceitos de comunidade lo cal e região Partimos de algumas aborda gens clássicas e identificamos reelaborações com o objetivo de explicitar as noções bási cas que caracterizam tais fenômenos além de ressaltar as diferenças e proximidades que os mesmos contêm Mais especificamente procuramos discutir o que caracteriza região e local no mundo atual Servimonos de pesquisa bibliográfica Tratase de trabalho em processo de constru ção e que por lidar com temas complexos e já altamente trabalhados a partir de expressi vas e contraditórias concepções está sujeito a complementações Mas mesmo sendo ainda aportes iniciais talvez possam contribuir com pistas para o embasamento teóricoconceitual de estudos sobre processos comunicacionais na perspectiva comunitária local e regional 1 Comunidade complexidade e reelaborações O termo comunitário vem sendo utili zado nos últimos tempos de forma desor denada o que contribui para uma confusão conceitual que esvazia seu significado Qual quer agrupamento tem sido chamado de co munidade sejam bairros vilas cidades seg mentos religiosos segmentos sociais redes de relacionamentos na internet etc Ultima mente a formação de grupos e redes online facilitada pela Comunicação Mediada por Computadores CMC tem contribuído ain da mais para desvios conceituais Por essa razão resgatamos brevemente neste trabalho os conceitos clássicos de co munidade além de tentarmos apanhálos em suas reelaborações e transformações Po rém parecenos pertinente indicarmos que há relações com as questões local e regional Muitos foram os pensadores a se debru çarem sobre o conceito comunidade Po deríamos a título de exemplo citar alguns clássicos como Ferdinand Tönnies 1973 1995 Max Weber 1973 Robert A Nisbet 1953 Martin Buber 1987 Talcott Parsons 1969 além de contribuições mais recentes como as de Zygmunt Bauman 2003 Gian ni Vattimo 2007 Roberto Espósito 2007 Davide Tarizzo 2007 Manuel Castells 1999 Marcos Palácios 2001 Raquel Re cuero 2003 além de Cicilia Peruzzo 2002 e Raquel Paiva 2003 entre outros que pro curam relacionar os conceitos de comuni dade à comunicação Entretanto partese de uma constatação de Palácios 20011 de que a idéia ou con ceito de Comunidade tão central na Socio logia Clássica é uma invenção da Moderni dade Com essa nova forma de organização social surgem teorizações que apresentam possíveis contraposições entre comunidade e sociedade Mas o que não há como negar é que a palavra comunidade evoca sensações de solidariedade vida em comum indepen dentemente de época ou de região Atual mente seria o lugar ideal onde se almejaria viver um esconderijo dos perigos da socie dade moderna Como nos mostra Bauman 20037 comunidade produz uma sen sação boa por causa dos significados que a palavra comunidade carrega é a segurança em meio à hostilidade Para compreendermos os aspectos fun damentais e essenciais do conceito resgata mos alguns breves aportes das contribuições teóricas de pensadores clássicos como Max Weber 1973140143 para quem a comu 141 Líbero São Paulo v 12 n 24 p 139152 dez de 2009 Cicilia M Krohling Peruzzo Marcelo de Oliveira Volpato Conceitos de comunidade local e região nidade é um conceito amplo que abrange situações heterogêneas mas que ao mesmo tempo apóiase em fundamentos afetivos emotivos e tradicionais O autor 1973140 chama de comunidade uma relação social quando a atitude na ação social no caso particular em termo médio ou no tipo puro inspirase no sentimento subjetivo afetivo ou tradicional dos partícipes da constitui ção de um todo Para Weber 1973141 assim como para Ferdinand Tönnies 1973 a maioria das relações sociais participa em parte da co munidade e em parte da sociedade Weber 1973140143 aponta que na comunida de os fins são racionalmente sustentados por grande parte de seus participantes e que o sentido comunitário contrapõese à idéia de luta Além disso registra o autor nem toda participação em determinadas quali dades da situação ou da conduta implica em comunidade Tampouco a idéia comu nitária pode ser definida simplesmente pela partilha de situação homogênea ou por um sentimento de situação comum de suas con seqüências e por uma mesma linguagem Em si isso não implica uma comunidade Comunidade só existe propriamente quan do sobre a base desse sentimento da situ ação comum a ação está reciprocamente referida não bastando a ação de todos e de cada um deles frente à mesma circuns tância e na medida em que esta referên cia traduz o sentimento de formar um todo Weber 1973142 Ferdinand Tönnies 1973104 além de trabalhar com as contraposições entre comu nidade e sociedade apóiase nas relações en tre mãe e filho entre esposos e entre irmãos e irmãs que se reconhecem filhos da mesma mãe para explicar um tipo de comunidade A existência de processos comunitários es taria ligada em primeiro lugar aos laços de sangue em segundo lugar à aproximação espacial e em terceiro lugar à aproximação espiritual Tönnies ainda relaciona comuni dade a uma vontade comum à compreensão ao direito natural à língua e à concórdia aonde quer que os seres humanos estejam ligados de forma orgânica pela vontade e se afirmem reciprocamente encontrase algu ma espécie de comunidade 1995239 ou seja a vida em comunidade baseiase em re lações sociais A teoria da comunidade se deduz segundo as determinações da unidade completa das vontades humanas de um estado primiti vo e natural que apesar de uma separação empírica e que se conserva através desta caracterizase diversamente segundo a na tureza das relações necessárias e determina das entre os diferentes indivíduos que de pendem uns dos outros Tönnies 197398 Ainda em Tönnies 1995239 encontra mos que a comunidade de sangue unidade de existência tende a se desenvolver como comunidade de lugar fundamentada na habitação comum que conseqüentemen te desdobrase em comunidade de espírito baseada em atividade comum A comuni dade de pensamento que se expressa pelo conjunto coerente de vida mental seria para o autor a mais elevada forma de comunida de Em outras palavras a base da vida comu nitária estaria na comunhão de pensamento e de ideais Tönnies Idem239 considera que as características da comunidade podem estar relacionadas a três gêneros de comunidades a parentesco b vizinhança e c amizade O parentesco relacionase aos laços de sangue e à vida comum em uma mesma casa mas O estudo da alteridade cultural deve ser guia do pela semioética livre da autoproteção e das culpas impostas às mídias por seu moralismo superficial 142 Líbero São Paulo v 12 n 24 p 139152 dez de 2009 Cicilia M Krohling Peruzzo Marcelo de Oliveira Volpato Conceitos de comunidade local e região podem não se limitar à proximidade física Esse sentimento pode existir por si mesmo com o afastamento físico entretanto as pes soas sempre estarão à procura da presença física e real da família do parentesco A vizi nhança caracterizase pela vida em comum entre pessoas próximas da qual nasce um sentimento mútuo de confiança de favores etc Dificilmente isso se mantém sem a pro ximidade física A amizade está ligada aos la ços criados nas condições de trabalho ou no modo de pensar Nasce das preferências entre profissionais de uma mesma área ou daque les que partilham da mesma fé trabalham pela mesma causa e reconhecemse entre si Nessa perspectiva o autor parece reco nhecer a existência de comunidades na vida urbana Inclusive para ele a vida urbana pode ser representada pela comunidade de vizinhança Tratase da tendência de Tön nies de apanhar a comunidade sempre em relação à vida em grupos coesos e unidos por interesses em comum Tentando ir além da perspectiva de Fer dinand Tönnies Martin Buber 198734 expressa uma visão de comunidade ide al em que homens maduros já possuídos por uma serena plenitude sintam que não podem crescer e viver de outro modo ex ceto entrando como membros em fluxo de doação e entrega criativa em razão de uma liberdade maior A nova comunidade tem por finalidade a Vida Não esta vida ou aque la vidas dominadas em última análise por delimitações injustificáveis mas a vida que liberta de limites e conceitos Para ele co munidade e Vida são uma só coisa Continuando Buber 198734 acrescenta A comunidade que imaginamos é somen te uma expressão de transbordante anseio pela Vida em sua totalidade Toda Vida nas ce de comunidades e aspira a comunidades A comunidade é fim e fonte de Vida Nossos sentimentos de vida os que nos mostram o parentesco e a comunidade de toda a vida do mundo não podem ser exercitados to talmente a não ser em comunidade E em uma comunidade pura nada podemos criar que não intensifique o poder o sentido e o valor da Vida Vida e comunidade são os dois lados de um mesmo ser E temos o privilégio de tomar e oferecer a ambos de modo claro vida por anseio à vida comu nidade por anseio à comunidade Importante registrar ainda que para Bu ber 198739 a humanidade se originou de uma comunidade primitiva passou pela es cravidão da sociedade e chegará a uma nova comunidade que diferentemente da primei ra não terá mais como base laços de sangue mas laços de escolha Nesse sentido o autor já reconhecia e antecipava que as noções de parentesco e de território não seriam condi ção essencial e obrigatória para se caracterizar uma comunidade Sêlaia a comunhão de es colhas a vontade comum a partilha de um mesmo ideal noções atualmente primordiais para se entender as comunidades virtuais2 Robert E Park e Ernest W Burgess 1973148 defendem que uma comunidade deve ser considerada a partir da distribui ção geográfica dos indivíduos e instituições de que são compostos Trabalhando na pers pectiva de Tönnies para os autores toda comunidade é uma sociedade mas nem toda sociedade é uma comunidade Autores como R M MacIver e Charles Page 1973122123 já disseram que a noção do territorial específico não é condição sine Devido às interrelações entre comunidade local e região há dificuldades em se estabelecer fron teiras entre esses espa ços o que pode criar confusões conceituais 2 Sobre comunidades virtuais ver The virtual communi ty de Howard Rheingold versão eletrônica disponível em httpwwwrheingoldcomvcbook acesso em 1º1009 e Ra quel Recuero 2003 143 Líbero São Paulo v 12 n 24 p 139152 dez de 2009 Cicilia M Krohling Peruzzo Marcelo de Oliveira Volpato Conceitos de comunidade local e região qua non para a existência de vida comunitá ria mas sim a participação na vida comum da comunidade E no mundo atual o que pode ser consi derado comunidade Ao discutir as formas de organização social na sociedade contemporânea Mar cos Palácios 20014 defende que alguns elementos fundamentais caracterizam uma comunidade na atualidade a sentimento de pertencimento b sentimento de comu nidade c permanência em contraposição à efemeridade d territorialidade real ou simbólica e forma própria de comunica ção entre seus membros por meio de veícu los específicos Para ele a questão da territo rialidade assume novo sentido O sentimento de pertencimento elemento fundamental para a definição de uma Co munidade desencaixase da localização é possível pertencer à distância Evidente mente isso não implica a pura e simples substituição de um tipo de relação face aface por outro a distância mas possi bilita a coexistência de ambas as formas com o sentimento de pertencimento sendo comum às duas Palácios 20017 Nesse sentido a territorialidade pode assu mir caráter físico ou simbólico A localidade geográfica passa a não ser considerada caracte rística intrínseca de uma comunidade porque mesmo à distância podese se sentir parte Não é que o território não possua mais valor para a comunidade Ocorre que agora esse território pode ser físicogeográfico ou simbólico Assim adquire relevância o senti mento de pertença já que se pode pertencer à distância O que está em jogo é a vontade e os interesses dos membros Para José Marques de Melo 198158 co munidade é um fenômeno social inexistente no Brasil ao menos em áreas urbanizadas e alfabetizadas já que A nossa estrutura política autoritária e desmobilizante não tem permitido a dis seminação dos ideais democráticos indis pensáveis a qualquer aglutinação comuni tária Talvez as experiências propriamente comunitárias no Brasil além das socieda des tribais isoladas da sociedade nacional sejam aquelas que encontram na miséria um fator de aglutinação nas favelas das grandes cidades e nos povoados das áreas rurais constituídas respectivamente por migrantes e imigrantes potenciais Essas reflexões de Marques de Melo datam do início da década de 1980 época do regi me militar no Brasil contexto social de re pressão política e social Atualmente vivese outra conjuntura marcada por globalização e democracia mas as condições apontadas em parte persistem como o acirramento de tendências individualistas por exemplo embora outras sejam agregadas haja vista o aumento da violência E ao mesmo tempo surgem sinais agregadores e de revitalização das identidades locais e de laços comunitá rios os mais diferentes Segundo Manuel Castells 199979 é justamente nas condições globalizantes do mundo que as pessoas resistem ao processo de individualização e atomização tendendo a agruparse em organizações comunitárias que ao longo do tempo geram um senti mento de pertença e em última análise em muitos casos uma identidade cultural co munal A hipótese do autor é a de que por meio de um processo de mobilização social as pessoas participem de movimentos ur banos defendendo interesses em comum Tratase de uma dinâmica de fortalecimento de identidades como mostrou Stuart Hall 200685 O fortalecimento de identidades locais pode ser visto na forte reação defen siva daqueles membros dos grupos étnicos dominantes que se sentem ameaçados pela presença de outras culturas São movimentos de construção de iden tidades como ressalta Castells 199924 a identidade legitimadora representada pelas instituições dominantes interessadas em expandir sua dominação b identidade de resistência representada pelas pessoas em condições desvalorizadas e resistentes à dominação c identidade de projeto ocor re quando as pessoas se mobilizam criando 144 Líbero São Paulo v 12 n 24 p 139152 dez de 2009 Cicilia M Krohling Peruzzo Marcelo de Oliveira Volpato Conceitos de comunidade local e região uma identidade capaz de buscar a transfor mação social Ainda de acordo com Castells 199984 no mundo atual as comunidades são cons truídas a partir dos interesses e anseios de seus membros o que faz delas fontes espe cíficas de identidades Essas identidades po dem nascer da intenção em manter o status quo ou de resistir aos processos dominantes e às efemeridades do mundo globalizado ou ainda de buscar a transformação da estrutu ra social Em todas elas existem processos de identidade objetivos e interesses em comum bem como a participação em prol desse obje tivo e o sentimento de pertença oriundo da identidade em questão Talvez nessas idéias de Castells 1999 e Hall 2006 haja pistas para se entender os processos comunitários da contemporaneidade algumas presentes desde as abordagens originárias Em perspectiva correlata já demonstra mos Peruzzo 2002288292 que entre as várias formas de agregação solidária no con texto da mobilização popular no Brasil nas últimas décadas estão aquelas de caráter co munitário inovador capitaneadas por redes de movimentos sociais associações comuni tárias territoriais associações de ajuda mú tua cooperativas populares grupos religio sos grupos étnicos entre milhares de outras manifestações Nesse nível desenvolvemse práticas coletivas e de organização comuni tária além de elementos de uma nova cultu ra política na qual passa a existir a busca pela justiça social e participação do cidadão Esse tipo de mobilização e articulação popular se diferencia das concepções tradicionais de comunidade porque constrói características comunitaristas inovadoras e sem o sentido de perfeição atribuído àquelas que podem ser percebidas na Passagem de ações individualistas para ações de interesse coletivo desenvolvimen to de processos de interação a confluência em torno de ações tendo em vista alguns objetivos comuns constituição de iden tidades culturais em torno do desenvol vimento de aptidões associativas em prol do interesse público participação popular ativa e direta e maior conscientização das pessoas sobre a realidade em que estão in seridas Peruzzo 2002290 2 A questão local A complexidade da questão advém da impossibilidade de se delimitar a locali dade estabelecer limites e demarcações Primeiro porque se trata de um espaço no qual estão em jogo não apenas aspectos ge ográficoterritoriais mas também elemen tos de ordem cultural histórica lingüística política jurídica de fluxo informacional e econômico etc Devido às interrelações entre comunidade local e região há ainda dificuldades em se estabelecer fronteiras en tre esses espaços o que pode criar algumas confusões conceituais Além disso na práti ca as características desses espaços acabam se misturando principalmente entre o local e o comunitário Neste sentido Bourdin 200113 esclare ce que As delimitações da localidade são múlti plas e contingentes A vizinhança o bair ro a cidade ou a região urbana constituem pontos de referência relativamente estáveis mas conforme os contextos estes níveis se definem diferentemente e muitas coisas ou quase nada pode ocorrer aí Primeiramente devese considerar que não existem territórios imutáveis e com demarcações absolutas como já disseram Bourdin 2001 e Peruzzo 2006 Os con tornos do local são efêmeros transitórios passíveis de mudanças e muitas vezes vagos Assim vales montanhas rios etc tornam se fronteiras relativas que não dão conta de definir localidades Restanos então em conformidade com Bourdin 200120 apa nhar essa questão nas suas relações e inter relações entre os diferentes segmentos do contexto e da estrutura social como o eco nômico jurídico político de intercomuni cabilidade os poderes de aglomeração e des centralização 145 Líbero São Paulo v 12 n 24 p 139152 dez de 2009 Cicilia M Krohling Peruzzo Marcelo de Oliveira Volpato Conceitos de comunidade local e região Nesse mesmo sentido parecem caminhar as idéias de Milton Santos 200638 quando chama o espaço de Um conjunto de fixos e fluxos Os elementos fixos fixados em cada lugar permitem ações que modificam o próprio lugar fluxos no vos ou renovados que recriam as condições ambientais e as condições sociais e redefi nem cada lugar Os fluxos são um resultado direto ou indireto das ações e atravessam ou se instalam nos fixos modificando a sua sig nificação e o seu valor ao mesmo tempo em que também se modificam Podese perceber que o local é um espaço que apresenta certa unidade certa especificida de mas que pode se modificar como também se modificam seus fluxos ou seja eles possuem características que podem ser transitórias em dado momento apresentam uma unicidade em outro momento não mais Na prática a América Latina pode ser tomada como uma comunidade localidade região continente Nessa perspectiva podese compreender o local pelos contrastes entre o aqui e o alhu res o próximo e o distante o concidadão e o estrangeiro o autêntico e o apócrifo E ainda apanhálo nas relações dicotômicas entre o local e a comunidade o local e o regional o local e o nacional o local e o global Para Ortiz 19996061 basta entender as interrelações entre cada entidade espacial uma vez que nas palavras de Milton Santos 2006218 a localidade se opõe à globalidade mas tam bém se confunde com ela O Mundo todavia é nosso estranho Entretanto se pela sua es sência ele pode esconderse não pode fazê lo pela sua existência que se dá nos lugares ou seja o global e o local fazem parte de um mesmo processo social com características sinérgicas no qual cada dimensão espacial é transformada uma pelas outras Tornase evidente que o local implica também um espaço com características pe culiares que evoca sentimentos de familiari dade e vizinhança congrega certa identida de e história hábitos e linguagem comuns como demonstrou de modo exageradamente implacável Renato Ortiz 199959 Um espaço restrito bem delimitado no interior do qual se desenrola a vida de um grupo ou de um conjunto de pessoas Ele possui um contorno preciso a ponto de se tornar baliza territorial para os hábitos co tidianos O local se confunde assim com o que nos circunda está realmente presen te em nossas vidas Ele nos reconforta com sua proximidade nos acolhe com sua fa miliaridade Talvez por isso pelo contraste em relação ao distante ao que se encontra à parte o associemos quase que natural mente à idéia de autêntico Importa dizer que devido às relações so ciais econômicas e políticas às configura ções midiáticas às novas tecnologias e aos processos comunicativos delas decorrentes contornos físicogeográficos precisos não se prestam como regra universal para caracteri zação de uma localidade ou região ver Peru zzo 2006 Talvez possam ter validade para situações específicas entretanto não é o caso de abandonar as fronteiras físicas nem tam pouco limitarse a elas Bourdin 200125 ao discutir o lugar da dimensão local na sociedade contemporânea por meio de um paradigma do local propõe pensar que A localidade às vezes não passa de uma circunscrição projetada por uma auto ridade em razão de princípios que vão desde a história a critérios puramente técnicos Em outros casos ela exprime a proximidade o encontro diário em ou tro ainda a existência de um conjunto de especificidades sociais culturais bem partilhadas O local implica um espaço com caracterís ticas peculiares que evoca sentimentos de familiaridade e vizinhança congrega identidade e história 146 Líbero São Paulo v 12 n 24 p 139152 dez de 2009 Cicilia M Krohling Peruzzo Marcelo de Oliveira Volpato Conceitos de comunidade local e região A noção de local engloba desde aspectos técnicos como os limites físicos rios ocea nos lagos montanhas diferenças climáticas características de solo aspectos políticoeco nômicos até diversidade sóciocultural histórica de identidade lingüística de tradi ções e valores etc ou seja estão em jogo as várias singularidades nas quais se constroem as práticas sociais Em Molina Argandoña e Soleto Selum 20027 encontramos que em geral o lo cal se associa à proximidade física quase cotidiana entre pessoas e grupos e destes com processos organizações instituições e um território concreto3 Os autores 20028 também definem o local a partir do encontro permanente entre os indivíduos e da possi bilidade de estes assistirem com a própria carne cara a cara às decisões políticas A nosso ver como já discutimos proxi midade física e territórios concretos não são encarados como característica universal do local pois com o avanço da tecnologia e das redes de comunicação é possível existir pro ximidade mesmo com as distâncias físicas além da proximidade de identidades já que os sentimentos de pertença e proximidade independem de recortes físicogeográficos Na perspectiva de Peruzzo 2006144 O local se caracteriza como um espaço determinado um lugar específico de uma região no qual a pessoa se sente inserida e partilha sentidos É o espaço que lhe é familiar que lhe diz respeito mais direta mente muito embora as demarcações ter ritoriais não lhe sejam determinantes Bourdin 20012557 por sua vez acre dita que a vulgata localista pode ser apanhada em três dimensões a o local necessário b o local herdado c o local construído O local necessário é caracterizado pelo sentimento de pertença a um grupo comunitário que poderia ser caracterizado pelos vínculos de sangue da língua e do território Para o autor esse vínculo comunitário estaria apoiado em uma antropologia localista que é composta por fatores históricos etnológicos e pelo que o autor chamou de evidência de falta A evidência da falta nos é oferecida pelas diásporas contemporâneas ainda quando a situação de uma minoria emigrada é satis fatória o sentimento de exílio a nostalgia o desejo de encontrar novamente sua terra de estar na própria casa muitas vezes se afir mam Eles se exprimem facilmente numa reivindicação nacional particularmente entre as minorias em perigo mas também na dolorosa ausência de um emcasa no lar no bairro na aldeia Bourdin 200132 Em última instância é a busca pelas ra ízes por satisfazer o sentimento de perten ça que existe no âmago dos indivíduos de viverjunto da vida em família do pertencer a um nós O local herdado relacionase aos aspectos históricos e representa o peso que o passado pode ter sobre o presente portanto leva em conta a genealogia e suas relações familia res o local é pois um lugar privilegiado de manifestação delas se admitirmos que as es truturas antropológicas são principalmente um conjunto de representações e de códigos transmitidos pela prática como os mitos se exprimem nos ritos Bourdin 200143 São locais herdados de fatores históricos e de identidade local que podem estar ma nifestados nos bens culturais e no conjunto de regras comuns vividas por seus membros e expressos na religião na cultura na etnia 3 Tradução dos autores lo local se asocia con la cercanía física casi cotidiana entre personas o grupos y de estos con procesos organizaciones instituciones y un territorio concreto Com o avanço da tecnologia e das redes de comuni cação é possível existir proximidade além da proximidade de identidades 147 Líbero São Paulo v 12 n 24 p 139152 dez de 2009 Cicilia M Krohling Peruzzo Marcelo de Oliveira Volpato Conceitos de comunidade local e região 4 Sobre esse processo de tradução cultural o autor ressalta Este conceito descreve aquelas formações de identidade que atravessam e intersectam as fronteiras naturais compostas por pessoas que foram dispersadas para sempre de sua terra natal Essas pessoas retêm fortes vínculos com seus lugares de origem e suas tradições mas sem a ilusão de um retorno ao passado Elas são obrigadas a negociar com as novas culturas em que vivem sem simplesmente serem assimiladas por elas e sem perder completamente suas identidades Hall 200688 Nesse caso a palavra tradução deve ser encarada como transferir transportar entre fronteiras etc Como bem disse Castells 1999 são re fúgios de identidade construídos como rea ção defensiva contra a desordem e a incons tância global Por fim o local construído é visto como Uma forma social que constitui um nível de integração das ações e dos atores dos grupos e das trocas Essa forma é caracteri zada pela relação privilegiada com um lu gar que varia em sua intensidade e em seu conteúdo A questão se desloca então da definição substancial do local à articulação dos diferentes lugares de integração à sua importância à riqueza de seu conteúdo Bourdin 200156 Carlos Camponez 200235 defende que por mais que se fale que a globaliza ção trouxe o fim das fronteiras e a abolição dos limites geográficos o local ainda possui a sua geometria o principal efeito da glo balização é o de criar uma nova gramáti ca do espaço já que tal globalização tende ser uma idéia um tanto metafísica É essa gramática do espaço que dá novos signifi cados ao local ao espaço Para Camponez Idem50 a noção de marco geodésico fica profundamente perturbada o centro está aqui e está em todo o lado Nesse sentido as distâncias espaciais podem desaparecer tor nando possível uma proximidade por con fluência de identidades independentemente de uma proximidade física Ou seja o local não é mais o pólo oposto ao global porque o que se opõe à globalização não é o território é a exclusão Camponez Idem ibidem os infoexcluídos aqueles que estão à mar gem do acesso à informação e os que estão à margem da informação de qualidade Convém ainda abordar dois erros que se gundo Camponez Idem59 devem ser evi tados na abordagem da questão globallocal O primeiro seria entender a globalização como um processo capaz de promover a ho mogeneização cultural de forma global O se gundo seria limitar o local às relações de face a face em um território específico Essa falsa antinomia teria a função ideológica de conter as tensões contraditórias do sistema mundial Sobre a questão da homogeneização cul tural há que se recorrer a Hall 200677 para quem essa visão parece exageradamen te simplista Ele propõe pensar a partir das novas articulações entre o global e o local e não a partir do eclipse do local pelo global o que implica o fortalecimento das identidades locais e a produção de identidades híbridas originadas do processo de tradução cultu ral4 pertencese a mais de uma identida de falase mais de uma linguagem cultural Hall 200689 Fazse oportuna uma reflexão sobre a comunidade já que esta tangencia algumas características do local pois como dissemos o local relacionase com outras dimensões espaciais Contudo didaticamente podese dizer que a comunidade está inserida em um espaço local assim como o local faz parte de um espaço regional Na comunidade os laços são mais fortes e apresentam maior coesão entre seus membros quando comparados ao local enquanto que o espaço local por sua vez apresenta características mais uniformes se colocado em contraste com a região ver Peruzzo 2006146 Tal relação é apenas um recurso didático pois as delimitações desses espaços são múl tiplas e flexíveis Na opinião de Milton San tos 20061089 A distinção entre lugar e região passa a ser menos relevante do que antes quando se trabalhava com uma concepção hierárqui ca e geométrica onde o lugar devia ocupar uma extensão do espaço geográfico menor que a região Na realidade a região pode ser considerada como um lugar desde que a regra da unidade e da continuidade do acontecer histórico se verifique E os luga 148 Líbero São Paulo v 12 n 24 p 139152 dez de 2009 Cicilia M Krohling Peruzzo Marcelo de Oliveira Volpato Conceitos de comunidade local e região 5 Falase até na existência do nãolugar e da negação da idéia de região Santos 2006165 entretanto é por meio da região e do lugar que o mundo se dá empiricamente Santos 2006108 res vejase o exemplo das cidades grandes também podem ser regiões Essa complexidade das interconexões en tre dimensões espaciais foi também por nós discutida Peruzzo 2006145 na tentativa de compreender sua forma relacional Qualquer uma das dimensões de espaço só se realiza sob o ponto de vista de suas fronteiras ou melhor das pseudofrontei ras se colocada em contraposição com o seu contrário O local só existe enquanto tal se tomado em relação ao regional ao nacional ou ao universal Na outra ponta o global como parâmetro de referência pre cisa se tornar local para se realizar Afinal o ato de consumir é local A indústria de tênis da marca x só aumenta seu fatura mento se o calçado for consumido aqui e ali ou seja em localidades concretas 3 A Região A mesma complexidade advinda da im possibilidade de se delimitar o local ocorre na questão regional haja vista sua relatividade e a efemeridade de suas demarcações Além disso os termos região e regional assim como comunidade comunitário e local têm sido usados pelo senso comum com sig nificados dos mais variados o que contribui para um esvaziamento conceitual ou seja faz com que os tais conceitos percam sua força explicativa e seus significados essenciais Poderíamos tomar como ponto de par tida as idéias trazidas pela Enciclopédia Ei naudi 1986161 que de início afirma que a noção de região é imprecisa é uma pa lavra usada para designar um dos níveis por vezes vários dentro duma taxonomia O inconveniente está no fato de a posição hierárquica poder variar de disciplina para disciplina A complexidade e relatividade do termo ficam também evidentes no seguinte concei to Pode ser aplicada a uma fração de um estado ou de uma nação como a um agru pamento de estados ou de nações próximos pelas características econômicas políticas ou culturais e geralmente pela situação geográ fica Enciclopédia Einaudi 1986161 Na Enciclopédia Einaudi 1986163175 encontrase uma classificação do conceito em a região natural b região homogênea c região polarizada ou funcional A região natural seria aquela que considera a paisa gem física suas características geográficas como topografia vegetação etc Entretan to é a idéia mais forte a mais consistente e resistente às críticas e à erosão das teorias 1986163 Já a região homogênea é aquela que leva em conta o grupo humano como organização regional e depende das especi ficidades humanas Por fim a região po larizada ou funcional é caracterizada pela uniformidade de trocas e fluxos que unem os vários elementos do mercado Nessa perspectiva evidenciase o cará ter abstrato e incerto dos princípios de uma região principalmente se tomados apenas pelas especificidades geográficoterritoriais Devese apanhála sobretudo como um es paço contraditório e incerto que se relacio na com outras dimensões espaciais mas que possui certa contigüidade histórica de fluxos de informações econômicos etc de fixos elementos físicos sóciocultural e demais singularidades simbólicas como a proximi dade simbólica e não só a territorial ligada ao sentimento de pertença à questão dos in teresses uma vez que a região e o lugar não têm existência própria5 Nada mais são que uma abstração se os considerarmos à parte da totalidade Santos 2006108 Recorrese ainda a Richardson 1975221 222 para quem o conceito está envolto em ambigüidades o tamanho de uma região pode variar desde um pequeno centro po pulacional e seus arredores até uma grande subregião dentro de um continente depen dendo da escala e tipo de questões estudadas Ou ainda pode decorrer da contigüidade uma vez que ao dividir a economia nacional 149 Líbero São Paulo v 12 n 24 p 139152 dez de 2009 Cicilia M Krohling Peruzzo Marcelo de Oliveira Volpato Conceitos de comunidade local e região Apesar de estar envolto em ambigüidades e subjetividades o conceito de região não se baseia apenas na geografia mas na inter secção entre as ciências em regiões toda a área do país tem que ser incluída dentro de uma ou outra região O autor aborda a região sob três aspec tos 1975224227 a regiões uniformes ou homogêneas fundamentase na idéia de que unidades espaciais separadas podem ser aglutinadas por apresentarem certa unifor midade e como características possui es truturas de produção semelhantes padrões homogêneos de consumo fatores geográfi cos atitudes sociais semelhantes identida de concepção política etc b regiões nodais ou polarizadas leva em conta a interdepen dência dos componentes dentro da região e não de suas relações com outras regiões Leva em conta os fluxos de população bens serviços comunicações tráfego etc c re gião de planejamento ou de programação é definida em relação à unidade dos proces sos de tomada de decisões Segundo o autor 1975227 estas devem coincidir com as regiões nodais Há que se considerar também a efemeri dade e a contínua transformação das regiões Ao mesmo tempo que uma dada região se apresenta com determinados contornos ela pode ter seus limites alterados e uma nova região pode ser formada Vejase o caso do continente Americano que pode conforme as circunstâncias e os interesses assumir os contornos continentais eou sulamericanos norteamericanos latinoamericanos meso americano hispanoamericano iberoame ricanos além da região do Mercosul da Área de Livre Comércio das Américas ALCA etc Nos dizeres de Santos 2006165166 As condições atuais fazem com que as re giões se transformem continuamente le gando portanto uma menor duração ao edifício regional Mas isso não suprime a região apenas ela muda de conteúdo A es pessura do acontecer é aumentada diante do maior volume de eventos por unidade de espaço e por unidade de tempo A região continua a existir mas com nível de com plexidade jamais visto pelo homem Devido a essa instabilidade de conteúdos e contornos região adquire caráter abstra to que se for apanhado de forma descon textualizada pode não representar nenhum significado Como no caso da localidade a região deve ser apanhada dentro de um contexto relacional isto é da região com o global da região com o local em suma do regional com outras dimensões espaciais Assim a regionalização também pode ser uma reação ao processo de globalização como a criação de regiões ou comunidades regionais de livre comércio entre países vizinhos a exemplo do já citado Mercosul ou da União Européia que institucionalizou uma moeda própria São novas organizações ou reorganizações resultantes das atuais necessidades econômicas Nesse caso para a criação dessa região o que está em jogo são os interesses mercadológicos e políticos e não a proximidade físicogeográfica A Suí ça por exemplo é um país com proximidade territorial que não integra a União Européia Esses agrupamentos podem ocorrer em di versos níveis sejam internacionais interesta duais intermunicipais e até interregionais As regiões não são apenas resultantes de interesses econômicos Questões de toda sorte como por exemplo processos his tóricos tradições e costumes dependência de serviços públicos semelhanças culturais e lingüísticas etc são consideradas nesse processo complexo de agrupamentos e re agrupamentos espaciais A região hispano americana por exemplo referese a países que falam a língua espanhola já a região latinoamericana não congrega países com 150 Líbero São Paulo v 12 n 24 p 139152 dez de 2009 Cicilia M Krohling Peruzzo Marcelo de Oliveira Volpato Conceitos de comunidade local e região As delimitações físico geográficas não se prestam a entender os espaços em questão no mundo contempo râneo ao menos não como critérios únicos singularidade lingüística mas aqueles que apresentam certa contigüidade histórico social e cultural Entretanto há que se dizer que essas regiões não são homogêneas Ao mesmo tempo que apresentam proximida de em alguns aspectos em outros podem ser totalmente diferentes Isso todavia não exclui essas regiões Elas continuam a existir mas de forma bastante complexa e abstrata As regiões se definem então por um jogo de oposições e contraposições de inúmeros fatores Na concepção de Pedro Coelho 200236 a região um território definido possui de terminados traços identificadores a língua a história a cultura a economia um mesmo projeto para o futuro em suma uma iden tidade6 própria Esse território é dominado pelas relações que se geram entre as pessoas Miguel de Moragas Spá apud Coelho 200236 pontua que as regiões na Europa são fruto apenas de definições geográficas ou administrativas elas são o resultado de grandes processos históricos de herança de estruturas de origem feudal e até de épocas anteriores à romanização tudo isso determi nou profundas diferenças e traços de identi dade entre as regiões do continente No caso brasileiro por extensão poder seia dizer que as regiões resultam de proces sos históricos tão remotos quanto a coloni zação do continente americano e do Brasil No entanto talvez não faça sentido afirmar a existência de precisos contornos regionais tendo por base as regiões geográficas for malmente estabelecidas Norte Nordeste Sudeste CentroOeste Sul uma vez que as peculiaridades e os recortes territoriais não são determinantes das relações entre elas nem suas configurações são inconfundíveis Além de que a proximidade já não se mede em metros Camponez 2002129 as inter relações econômicas comunicacionais as apropriações culturais e as interdependên cias políticas de segurança etc contribuem para diluir fronteiras Sobre essa questão recorremos a Pierre Bourdieu 2004114115 que afirma A fronteira nunca é mais do que o produto de uma divisão a que se atribuirá maior ou menor fundamento na realidade segundo os elementos que ela reúne tenham entre si semelhanças mais ou menos numerosas e mais ou menos fortes Cada um está de acordo em notar que as regiões delimita das em função de diferentes critérios con cebíveis língua habitat tamanho da terra etc nunca coincidem perfeitamente Mas não é tudo a realidade neste caso é so cial de parte a parte e as classificações mais naturais apóiamse em características que nada têm de natural e que são em grande parte produto de uma imposição arbitrá ria quer dizer de um estado anterior da relação de forças no campo das lutas pela delimitação legítima Apesar de estar envolto em ambigüidades e subjetividades o conceito de região não se baseia apenas na geografia mas na inter secção entre as ciências pois está ligado ba sicamente à noção de diferenciação de áreas Além disso há que se considerar a importân cia dos espaços sejam aqueles com contor nos comunitários locais ou regionais afinal place counts Santos 200610 parece ser a expressão da ordem ou seja o lugar tem importância 6 Para o autor 200235 identidade pode ser entendida pelo conjunto de fatores intrínsecos da comunidade como a raça a língua a história e principalmente a cultura Se gundo ele as regiões com identidade comunitária sólida sabem quem são São elas que por várias razões adquirem um forte poder reivindicativo ou seja de mobilização em prol de um mesmo objetivo 151 Líbero São Paulo v 12 n 24 p 139152 dez de 2009 Cicilia M Krohling Peruzzo Marcelo de Oliveira Volpato Conceitos de comunidade local e região Considerações À guisa de conclusão poderseia consi derar que as dimensões espaciais seja a co munidade o local e a região relacionamse entre si e por isso para compreendêlas há que se levar em conta as relações e as interde pendências históricas econômicas políticas comunicacionais sociais entre elas sem me nosprezar é claro as especificidades Em ou tras palavras as delimitações físicogeográfi cas não se prestam a entender os espaços em questão no mundo contemporâneo ao me nos não como critérios únicos Comunidade e região estão inseridas numa complexidade social que não abandona as delimitações físi cas mas também não se limita a elas Na era da sociedade em rede e também em outros tempos além de a proximidade física com partilhar do seu ambiente com a afinidade de identidades outros fatores históricos natu rais econômicos comunicacionais culturais etc conferem a elas peculiaridades ao mes mo tempo que as diluem Os meios de comunicação como suportes tecnológicos e de informação acompanham os processos sociológicos em um movimento sinérgico no qual interagem com as dimen sões sócioespaciais influenciandoas ao mesmo tempo que são influenciados por elas A tendência social de valorização do es paço local e comunitário como uma pos sível resposta a algumas características da globalização tais como o individualismo e a homogeneização é por extensão observa da nos meios de comunicação por meio de um interesse da população por informações de proximidade veiculada principalmente pela mídia local e comunitária As mídias acompanham também ca racterísticas societárias no que tange à sua programação e conteúdos As comunitárias tendem a se relacionar com os agentes so ciais em laços mais fortes nos quais o senti mento de pertença aparece como elemento fundamental na sua formação Não trazem a perfeição das concepções clássicas de co munidade mas apresentam características comunitaristas inovadoras como se buscou traçar As mídias locais e regionais por sua vez evocam sentimentos peculiares e incor poram certa identidade mas não de forma intensa como no caso das comunitárias Entretanto é importante resgatar a idéia de que esses elos ocorrem muito mais pelas re lações de interesse e sentimento de perten cimento e de identidades do que por razões geográficoterritoriais Pelo que foi demonstrado inferese que as identidades são construídas numa íntima relação com as condições em que as pessoas vivem Portanto são históricas e transitórias permanecem e se renovam no contexto das interrelações estabelecidas no local e na co nectividade estabelecida no mundo 152 Líbero São Paulo v 12 n 24 p 139152 dez de 2009 Cicilia M Krohling Peruzzo Marcelo de Oliveira Volpato Conceitos de comunidade local e região BAUMAN Z Comunidade a busca por segurança no mundo atual Rio de Janeiro Jorge Zajar 2003 BOURDIEU P O poder simbólico 7ed Rio de Janeiro Ber trand Brasil 2004 BOURDIN A A questão local Rio de Janeiro DPA 2001 BUBER M Sobre comunidade São Paulo Perspectiva 1987 CAMPONEZ C Jornalismo de proximidade Coimbra Mi nerva Coimbra 2002 CASTELLS M O poder da identidade A era da informação economia sociedade e cultura São Paulo Paz e Terra v2 1999 COELHO P A Europa da proximidade Observatório Revis ta do Obercom Observatório da Comunicação n 2 Lisboa Obercom 2002 p 3548 ENCICLOPÉDIA EINAUDI v 8 Região Imprensa Nacional Casa da Moeda 1986 ESPOSITO R Niilismo e Comunidade In PAIVA R Org O retorno da comunidade os novos caminhos do social Rio de Janeiro Mauad X 2007 p 1530 HALL S A identidade cultural na pósmodernidade 11ed Rio de Janeiro DPA 2006 MARQUES DE MELO J Comunicação e libertação Petrópo lis Vozes 1981 MACIVER R M PAGE C H Comunidade e sociedade como níveis de organização dwa vida social In FERNANDES F Org Comunidade e sociedade leituras sobre problemas conceituais metodológicos e de aplicação São Paulo Editora Nacional e Editora da USP 1973 p 117131 MOLINA ARGADOÑA W SOLETO SELUM W Sociedad local y municipios en el Beni La Paz PIEB 2002 NISBET R A The question of community Nova York Oxford Univ Press 1953 ORTIZ R Um outro território In BOLAÑO C R S Org Globalização e regionalização das comunicações São Paulo EducEditora da UFSIntercom 1999 p 2972 PAIVA R O espírito comum comunidade mídia e globalis mo 2ed Rio de Janeiro Mauad 2003 PALÁCIOS M O medo do vazio comunicação socialidade e novas tribos In RUBIM A A Org Idade mídia Salvador UFBA 2001 PARK R E BURGESS E W Comunidade e sociedade como conceitos analíticos In FERNANDES F Org Comunidade e sociedade leituras sobre problemas conceituais metodoló gicos e de aplicação São Paulo Editora Nacional e Editora da USP 1973 p 144152 PARSON T Las estructuras principales de La comunidad un punto de vista sociologico In FRIEDRICH C J Org La comunidad México Roble 1969 p 155178 PERUZZO C M K Comunidades em tempo de redes In Comunicação e movimentos populares quais redes São Leo poldo Ed Unisinos 2002 p 275298 Mídia local e suas interfaces com a mídia comunitá ria no Brasil Anuário Internacional de comunicação Lusófo na v 4 n 1 2006 p 141169 RECUERO R Comunidade virtuais uma abordagem teórica Trabalho apresentado no V Seminário Internacional de Comu nicação PUCRS 2003 Disponível em httpwwwboccubi ptpagrecueroraquelcomunidadesvirtuaispdf Acesso em 1º808 RICHARDSON H W Economia regional teoria da localiza ção estrutura urbana e crescimento regional Rio de Janeiro Zahar 1975 SANTOS M A natureza do espaço técnica e tempo razão e emoção 4ed 2 reimpr São Paulo Editora da USP 2006 TARIZZO D Filósofos em comunidade Nancy Espósito Agam ben In PAIVA R Org O retorno da comunidade os novos caminhos do social Rio de Janeiro Mauad X 2007 p 3162 TÖNNIES F Comunidade e sociedade como entidades típico ideais In FERNANDES F Org Comunidade e sociedade leituras sobre problemas conceituais metodológicos e de apli cação São Paulo Editora Nacional e Editora da USP 1973 p 96116 Comunidade e sociedade textos selecionados In MI RANDA O Org Para ler Ferdinand Tönnies São Paulo Editora da USP 1995 p 231342 VATTIMO G O belo como experiência comunitária In PAI VA R Org O retorno da comunidade os novos caminhos do social Rio de Janeiro Mauad X 2007 p 6368 WEBER M Comunidade e sociedade como estruturas de so cialização In FERNANDES F Org Comunidade e socie dade leituras sobre problemas conceituais metodológicos e de aplicação São Paulo Editora Nacional e Editora da USP 1973 p 140143 Referências 98 REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS v 39 n 1 2008 A R T I G O INTRODUÇÃO Um dos grandes expoen tes e pioneiros da ciência social alemã da última metade do século XIX e início do XX cuja produção sem dúvida deixara sua marca em autores seminais como Max Weber e Georg Sim mel Ferdinand Tönnies aparece nos anais da sociologia muitas vezes como um daqueles anô nimos autores menores cuja existência restringirseia a ali mentar a imaginação de pesqui sadores que cultivam alguma ordem de excentricidade teó rica Salvo raríssimas exceções seu nome está invariavelmente relacionado aos trabalhos de investigadores ligados à escola sociológica de Chicago 1915 1940 notadamente durante a constituição do corpus teórico metodológico que levaria o nome de Ecologia Humana Sua magnum opus Co munidade e Sociedade Ge meinschaft und Gesellschaft foi publicada em 1887 Trata se de um esforço de grande envergadura analítica1 articu lando princípios gerais para a edifi cação de uma teoria da estrutura social curiosamente sem se abdicar em formular uma percepção bem particular de uma teoria da ação baseada esta última na idéia de vontade social MIRANDA 1995 Sua mirada percorre portanto desde os marcos conceituais que lidam com os níveis mais elementares das relações sociais até as macroestruturas numa verve infl uenciada por pensa dores de grande estatura teórica como Karl Marx2 e Thomas Hobbes3 Estas considerações em bora salutares não pretendem transitar no sentido de contri buir com algum tipo de reabili tação de sua esquecida fi gura Não se trata de encontrar para ele um lugar no ilustre pedestal dos clássicos da sociologia O objetivo deste artigo é pon tual e modesto reconstruir criticamente através de um sucinto inventário dos princi pais conceitos utilizados por Tönnies em sua mais conhecida obra seu modelo de carac terização análise e descrição dos arranjos de sociabilidade consolidado como constructo conceitual norteador do jargão sociológico através da oposição binária ComunidadeSociedade O que não implica por sua vez ignorar tacitamente um desdobramento quase natural dessa empreitada estimular a refl exão sobre os instrumentos teóricos da ciência social que buscam dar conta das possíveis confi gurações de sociabilidade nas sociedades modernas COMUNIDADE SOCIEDADE E SOCIABILIDADE REVISITANDO FERDINAND TÖNNIES Con el lugar y condiciones de su vida coti diana modifi can los hombres su tempera mento F TÖNNIES CASSIO BRANCALEONE RESUMO Um dos pioneiros da ciência social alemã da última metade do século XIX e início do XX Ferdinand Tönnies aparece nos anais da sociologia moderna como mais um daqueles anônimos autores menores Paradoxalmente é autor de uma fecunda contribuição que lançou importante base para a institucionalização científica da disciplina e seus principais conceitos se encontram hoje cristalizados e naturalizados como parte do típico jargão sociológico Este artigo pretende realizar um resgate pontual de duas categorias presentes na mais conhecida obra de Tönnies Comunidade e Sociedade ressaltando a importância de se retomar a reflexão sobre elas para a elaboração de modelos teóricos e descritivos que tenham os arranjos de sociabilidade como unidade de análise ABSTRACT Despite his role as one of the pioneers of sociology in Germany in the late nineteenth and early twentieth century Ferdinand Tönnies appears in the annals of modern sociology as a lesser almost anonymous figure Paradoxically he is the author of important contributions which made way for the institutionalization of sociology as a scientific discipline and is also the author of important concepts which today have been incorporated and crystallized by sociological jargon In this article I bring back to the fore two categories put forth in his most wellknown writing Community and Society My aim is to emphasize the importance of reflecting upon these concepts in order to elaborate theoretical and descriptive models focused on arrangements of sociability Pesquisador do Centro de Estudos Direito e Sociedade CEDES e doutorando em sociologia pelo IUPERJ Email cassiobrancaleoneiuperjbr 99 I O HOMEM FEITO VONTADE NATURAL E VONTADE ARBITRÁRIA Se pudéssemos lançar mão da adaptação de algu ma assertiva genealógica para começar talvez numa redução grosseira da teoria de Tönnies mas nem por isso menos verossímil valeria então aludir no início havia a interação Este me parece o ponto de partida de nosso autor Tönnies se referia em seus escritos ao processo permanente de interações humanas através do termo vontade Os agentes atualizando para as categorias de nosso tempo são vontades humanas em múltiplas relações vontades realizadas eou sofridas conservando eou destruindo outras vontades Que fi que claro que vontades não seriam necessariamente e em princípio indivíduos pelo menos no sentido cultural moderno enquanto atores monádicos refl e xivos mas antes de tudo unidades biológicas dirigidas por instintos orientadas por motivações de origem orgânica como a nutrição a autopreservação e a reprodução A vontade humana assim nesse estado mais bruto equivalente psicológico do corpo foi designada por ele como vontade natural Tönnies comunga da noção aristotélica do homem como animal gregário de modo que as ações oriundas das vontades e suas forças quando no sentido de conservação e podem sêlo em ou tro no de destruição formariam uma união Esta quando confi gurada predominantemente pela von tade natural seria caracterizada como comunidade gemeinschaft A vontade humana pode entretanto ser guiada por outros móbiles transcendendo os determinantes do orgânico partindo de representações ideais e artifi ciais sobre os homens e o mundo ao seu redor Quando ela assume caráter deliberativo propositivo e racional se manifesta como vontade arbitrária Assim uma união de homens edifi cada predominantemente pela vontade arbitrária por sua vez seria denominada como sociedade gesellschaft Pela vontade natural as relações entre os homens teriam valor por si mesmas sendo intrínsecas não dependendo de propósitos exteriores ou ulteriores a elas Já a vontade arbitrária se pautaria na diferença entre meios e fi ns sendo racional e motivada por fi nalidades exteriores às re lações estabelecidas socialmente O tipo de vontade predominante tem por sua vez um papel simbólico e imaginário precioso na construção das represen tações coletivas do grupo Quando orientado pelo primeiro tipo de vontade o grupo social a união seria concebido pelos agentes em interação como entidade natural e durável Quando pela segunda como entidade artifi cial e mutável submetida aos interesses individuais Para Tönnies portanto é fundamental antes de se estabelecer uma descrição hipotética dos padrões de sociabilidade desvelar a que tipo de inclinações os agentes estariam sujeitos Em seu modelo explicativo o tipo de vontade dominante seria um dos elementos mais importantes na determinação da confi guração das relações sociais apontando as tendências de organização institucional moral e morfológica dos agregados humanos De tal modo parecia sugerir um esquema do ponto de vista lógico linear e evolutivo onde a vontade social se transformaria no processo natural e ordinário de orientação da intervenção humana no mundo com o desenvolvimento das sociedades se realizando basicamente através de duas matrizes morfológicas de sociabilidades ou dois imperativos organizacionais de coletividades relativamente opos tos as relações comunitárias e as societárias II O COLETIVO REALIZADO GEMEINSCHAFT E GESELLSCHAFT Por relações comunitárias gemeinschft Tönnies entendia toda vida social de conjunto íntima interior e exclusiva As relações societárias gesellschaft ao contrário se constituiriam justamente como a so ciabilidade do domínio público do mundo exterior TÖNNIES 1947 20 Um corpo comunitário existi ria muito antes da constituição social de indivíduos e seus fi ns ainda que isso não implique sua restrição a tais condições sóciogenéticas Estas relações seriam primordialmente sustentadas por elementos de uma cultura holista por hombres que se sienten y saben como perteneciéndose unos a otros fundados en la proximidad natural de sus espíritus TÖNNIES 1942 45 De modo que as relações comunitárias pres cindiriam pelo menos a priori da necessidade de igualdade e liberdade das vontades Em grande me dida se constituiriam por razões de determinadas BRANCALEONE C Comunidade sociedade e sociabilidade revisitando p 98 104 100 REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS v 39 n 2 2008 desigualdades naturais como aquelas encontradas entre sexos idades ou forças físicas e morais distintas como se dão nas condições materiais de existência Sua origem repousaria na consciência da dependência mútua determinada pelas condições de vida comum pelo espaço compartilhado e pelo parentesco por isso se realizaria como comunidade de bens e males esperanças e temores amigos e inimigos mobilizada pela energia liberada por sentimentos envolvidos como afeto amor e devoção ibidem 39 Para Tönnies uma teoria da comunidade teria que adensar fundamentalmente sua raiz nas dispo sições gregárias estimuladas pelos laços de consan güinidade e afinidade sejam relações verticais entre pais e fi lhos ou horizontais entre irmãos e vizinhos se caracterizando pela inclinação emocio nal recíproca comum e unitária pelo consenso e o mútuo conhecimento íntimo Postulou assim o que seriam suas leis principais a parentes cônjuges vizinhos e amigos se gostam reciprocamente b entre os que se gostam há consenso c os que se gostam se entendem convivem e permanecem juntos ordenam sua vida em comum TÖNNIES 1947 41 Partindo destes princípios de convivialidade registrou a existência de três padrões de sociabili dade comunitária os laços de consangüinidade de coabitação territorial e de afi nidade espiritual cada qual convergindo para um respectivo ordenamento interativo como comunidade de sangue parentesco lugar vizinhança e espírito amizade ibidem 33 Apesar de argumentar que tais dimensões estariam em grande maioria interconectadas Tönnies por vezes se referia a elas como elementos de um mesmo plano de desenvolvimento cadenciado um surgindo como conseqüência e desdobramento natural de seu antecessor Ele ainda classifi cou as relações comunitárias segundo sua forma em três tipos a as relações auto ritárias de modo geral predominantes repousando na desigualdade de poder e querer de força e autoridade o modelo ideal seria a relação entre pais e fi lhos b as relações de companheirismo com origem na isono mia geracional relação entre irmãos c e as relações mistas que combinariam as duas formas relação entre cônjuges TÖNNIES 1942 5475 Interessante que para as comunidades de sangue e lugar atribuiu a constituição de vínculos de natureza própria da vida animal enquanto a comunidade de espírito por sua vez articularia vínculos típicos da vida mental Isso explica a idéia forte presente em seu argumento de alto corte biologista segundo a qual níveis mais primários de comunidade existiriam entre todos os seres orgânicos TÖNNIES 1947 45 questão depois apropriada a seu modo pela ecologia humana Esses padrões de relações comunitárias se realizariam territorialmente através de três núcleos espaciais a casa a aldeiavila e a cidade Ainda que se possa ponderar a predominância da sociabilidade de família na casa de vizinhança na vila e de afi nidade espiritual na cidade enquanto formas comunitárias de sociabilidade Tönnies imaginava os três padrões imbricados em cada uma de suas extensões espaciais de maneira que a cidade enquanto o possível locus mais evoluído desse esquema compartilharia a seu modo de todos os elementos das formações sócio espaciais precedentes pelo menos em um primeiro momento e em uma morfologia mais rudimentar Po rém admitia que na cidade a irmandade profi ssional seria a mais alta expressão da idéia de comunidade ibidem 43 Na passagem do modo de vida rural para o urbano teríamos o desencadeamento de uma rup tura na organização desses núcleos de sociabilidade Quanto mais se multiplicava a vida da cidade ou seja à medida que o mercado estimulava o desenvol vimento hipercefálico da urbe mais perdiam forças os círculos de parentesco e vizinhança como motivos de sentimentos e atividades comunitários Enquanto o chefe de família seja citadino ou camponês teria seu olhar voltado para dentro para o interior da comunidade os novos atores despertos pelas potências do mercado urbano como a classe de comerciantes por sua vez dirigiriam sua atenção para fora para transpor territórios Esse processo Tönnies descreveu esquematicamente como a tran sição da predominância social da vontade natural para a vontade arbitrária que em termos espaciais se deu como a submissão do campo ou da pequena cidade à dinâmica da vida metropolitana e pode também ser traduzido em termos de sociabilidade 101 como enfraquecimento das relações mediadas pela consangüinidade os costumes e a tradição por aquelas mediadas pela razão o cálculo e o interesse Aqui nosso autor se baseia sobremaneira numa perspec tiva do argumento marxista de acordo com a qual a história econômica da sociedade moderna e por decorrência o motor dessas transformações residiria no movimento de oposição crescente entre cidade e campo ibidem 316 Nestes termos Tönnies formulou sua teoria da sociedade e da comunidade se na comunidade os homens permanecem unidos apesar de todas as sepa rações na sociedade permaneceriam separados não obstante todas as uniões ibidem 65 Na sociedade cada vontade seria reconhecida socialmente como unidade subjetiva moralmente autônoma inde pendente e autosufi ciente estando para si em um estado permanente de tensão com as demais sendo as intromissões de outras vontades na maioria das vezes aludida como ato de hostilidade No circuito das relações societárias Tönnies denominou por vontade arbitrária aquilo que é pro duto da sociabilidade mercantil orientada em grande medida pelo cálculo o tráfi co e o contrato Indivíduos autoconscientes de seus interesses entrariam em re lação uns com os outros instrumentalizando meios que lhes estivessem ao alcance considerando pura fria e simplesmente regras estabelecidas no plano contratual É o domínio da racionalidade como ates tava sociedad no es otra cosa que la razón abstracta ibidem 72 A característica dessa sociabilidade é dada fundamentalmente pelo registro dos efeitos do co mércio como ocupação econômica de maior peso e visibilidade sóciocultural sendo el intercambio de palabras y favores en el que parece que todos estén a la disposici ón de todos y que cada cual considere como iguales suyos a los demás cuando en reali dad cada cual piensa en sí mismo y procura imponer su importancia y ventajas en oposi ción con todos los demás ibidem 81 O dinheiro como equivalente geral é um ele mento importante na estruturação dessa sociabilidade societária e urbana pois aprofunda um estado de isonomia social sem precedentes podendo ser tudo e todos pessoas lugares objetos posições de prestígio por ele cambiáveis A sociedade na argüição de Tönnies e na esteira de Marx se constituiu essencialmente sob a hege monia dos capitalistas e para a sua plena realização enquanto classe A cidade é desta maneira o berço da burguesia e o lugar por excelência da exploração da classe trabalhadora4 Entretanto o mesmo fenômeno que deposita no coração do homem urbanizado o interesse e a razão instrumental como móbiles da interação entre seus pares diagnosticado pela hegemonia da sociabilidade mercantil também seria indissociável da emergência da vida e do pensamento livres pelo menos destituído de toda ordem de coerções estamentais Tal inter pretação não fez Tönnies deixar de reconhecer que a vivência efetiva dessas liberdades prenunciadas pela sociabilidade societária e urbana seria condicionada pela posição ocupada pelos indivíduos nas condições sociais de produção da vida material Se temos de um lado um movimento de trans formação dos padrões de sociabilidade comunitário para societário com o desenvolvimento da sociedade urbana a força gravitacional que a grande cidade exerce sobre os demais núcleos urbanos e rurais provoca por sua vez um movimento expansivo do gesellschaft para as demais espacialidades e territórios em relação a ela satelitizados atestando a força ex pansiva da dinâmica de vida da metrópole ungida por suas propriedades e potencialidade para centralizar as grandes instituições econômicas e as esferas de poder De forma que quanto mais se realiza o estado de sociedade em um país mais ele se assemelharia a uma grande cidade ibidem 307 BRANCALEONE C Comunidade sociedade e sociabilidade revisitando p 98 104 102 REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS v 39 n 2 2008 E sendo na opinião de Tönnies a comunidade mais uma relação de corpos de caráter orgânico a sociedade estaria por sua vez intrinsecamente vin culada à existência do Estado como espírito humano projetado exacerbando portanto suas características mais abstratas e artifi ciais Isto é corroborado aludin dose suas duas respectivas ordenações normativas de convivência aquilo que o costume e a religião re presentariam para uma suposta idade comunitária a legislação a ciência e a opinião pública assumiriam para uma idade societária Talvez possamos compreender melhor o senti do dessa dualidade quando de sua explicitação por Tönnies em termos da oposição entre uma cultura de povo folk versus uma civilização de Estado ibidem 304 ressaltando o poder das relações comunitárias em orientar a constituição de identidades locais ou seja de participar das dinâmicas da sociabilidade que levam em consideração o aspecto do singular em de corrência da força das relações societárias em articular identidades extralocais exacerbando com isso a relação da sociabilidade com o tema do universal do cosmopolita e por derivação a sua importância para a consolidação de uma ideal de humanidade5 Assim a medida que se desarrolla lo artifi cial aumenta costas de lo natural pues cada vez adquiere mayor importancia y participación lo especifi camente humano y particulamente la fuerza mental de la voluntad hasta que acaba formándose con relativa libertad de su base natural y hasta poniéndose en opo sición con ésta Así hay que entender todo derecho comunal como producto del espíri tu humano pensador um sistema de ideas reglas normas comparable como tal a un órgano o obra surgido por la reiterada acti vidad correspondiente de si mismo por ejer cício como modifi cación de un substancial de la misma índole ya anteriormente exis tente progresando de lo general al especial De esta suerte és fi n de sí mismo aunque en relación necesaria con aquel todo a que pertenece y donde procede que es él mismo manifestándose de modo peculiar Con ello se presupone una humanidad unida como existencia natural y necesaria es más se presupone un protoplasma de derecho como producto originario y necesario de la vida y pensamiento conjuntos de la humanidad TÖNNIES 1947 2012 Apesar de todo um conjunto de transformações entre algumas apresentadas neste artigo apontar para a tendência de uma progressiva transição da huma nidade de uma suposta idade comunitária para uma idade societária conforme categoria lançada pelo próprio Tönnies em algumas passagens de seus textos nosso autor tem clareza de que quer com isso nada mais do que acentuar a preponderância de certos pa drões de sociabilidade nos modernos agrupamentos sociais e em sua leitura o registra através da categoria gesellschaft e vontade social arbitrária Esta ressalva se faz necessária pois assim se pode compreender que padrões de sociabilidade comunitária continuam a existir na sociedade urbana e capitalista marginal e residualmente na maioria dos casos segundo esta perspectiva e possibilitando a articulação até mesmo de outras sociabilidades híbridas O melhor exemplo notifi cado por Tönnies foi o fenômeno do cooperati vismo entre o movimento de trabalhadores produ zindo uma nova cultura de comunidade em meio a padrões societários de convivência ibidem 313 Na expectativa de visualizar o modelo comu nidadesociedade de Tönnies tendo em vista suas potencialidades em nossa leitura dos arranjos de sociabilidade podemos apresentálo de um modo sucinto e resumido como neste esquema de acordo com o que já foi tratado ao longo desta seção 103 III REVISITANDO TÖNNIES O MODELO COMUNIDADESOCIEDADE ENTRE UMA TEORIA DA MUDANÇA SOCIAL E UM MAPA ANALÍTICO DAS SOCIABILIDADES Não chega a ser complicado para o leitor pouco versado em Tönnies apontar as características mais marcantes no conjunto de suas refl exões A começar por sua própria sociogênese a curiosa recusa do historicismo caro aos intelectuais alemães de seu tempo e a tenacidade ao tomar partido pelo outro lado assumindo o compromisso de buscar leis e in variantes sociológicas universais Depois a infl uência e reverberação do processo político alemão em sua epistemologia até que ponto o movimento de passa gem do gemeinschaft ao gesellschaft não respondia às afl ições coletivas e pessoais em relação aos desafi os de um povo pulverizado que buscava se articular em EstadoNação para concretizar um projeto de unidade geopolítica Além do mais determinismo evolucionismo organicismo e holismo são outros destes apelidos politicamente incorretos mas não necessariamente destituídos de alguma razão atri buídos a sua teoria Como advertido não sendo meu objetivo reali zar nenhuma reabilitação de sua fi gura por se situar fora do escopo deste trabalho não me deterei nesse problema Basta assinalar que a maior contribuição de Tönnies à sociologia de um modo geral talvez te nha sido a de estimular uma refl exão importante em uma certa geração de cientistas sociais preocupados com a questão mais elementar de nossa episteme a formulação de uma leitura muito singular sobre o ca nônico mal de origem da sociologia o permanente tensionamento entre agência e estrutura social Mas também não foi esse o mote privilegiado por esse trabalho para a aproximação com sua sociologia Penso que no núcleo de sua teoria existem peças elaboradas de modo minimamente satisfatório para sustentar algo que possa ser ou servir ao mesmo tempo à composição de uma teoria da mudança social e de um mapa analítico das sociabilidades duas fer ramentas heurísticas que parecem ser fundamentais para se levar adiante algum projeto de interpretação dos processos e fenômenos que teriam dado à luz na eou através da cidade moderna a certas confi gurações de sociabilidades Isso porque seu modelo ao mesmo tempo em que contribui para organizar conceitual mente as possíveis confi gurações das relações sociais em sua dimensão histórica lida também de modo ori ginal e fecundo com a morfologização e espacialização dos processos interativos conferindolhes inteligibili dade para variadas formas de manipulação analítica COMUNIDADE SOCIEDADE Modo de união afetivo Modo de união objetivocontratual Convivência externa Tipo de ocupação e tendência dominante de orientação espiritual Convivência externa Tipo de ocupação e tendência dominante de orientação espiritual Vida de família hábitos Economia doméstica Vida na metrópole convenção Comércio contrato Vida de aldeia costumes Agricultura Vida nacional políticaEstado Indústria planejamento Vida urbana religião Arte Vida cosmopolita opinião pública Ciência imprensaopinião pública O MODELO COMUNIDADESOCIEDADE Fonte Baseado em Tönnies F 1947 3135 BRANCALEONE C Comunidade sociedade e sociabilidade revisitando p 98 104 104 REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS v 39 n 2 2008 Certamente que com toda uma camada de problemas a serem solucionados ou minimizados desde os já apontados àqueles que podem ser levantados Se boa parte das categorias de Tönnies foi forjada para lançar as bases da sociologia enquanto disciplina científi ca fundamentando uma teoria da estrutura social e da agência sua utilização pelo autor não se furtou de ser realizada diacronicamente Aliás ainda que seu esquema seja amarrado em um agrupamen to dual de conceitos contrastantes de modo algum Tönnies os pensava de maneira estanque isolada e estática e sim apontando as dinâmicas de longo prazo que eles representavam isto é o desenvolvimento da sociedade de seu tempo Creio que Tönnies agia desse modo estimulado por sua leitura do marxismo A acusação de que ele privilegiava algum tipo de juízo de valor em relação à sociabilidade comunitária contra a societária como se aquela indicasse alguma idade de ouro da humanidade como ocorreu a alguns analistas que incorporaram elementos de sua teoria não parece muito convincente pelo menos em termos de sua preocupação científi ca que era claramente a de estabelecer parâmetros sociológicos formais e conceituais como ele mesmo relatou em prefácio de uma obra sua publicada na década de 1930 TÖNNIES 1942 11 E se a concepção de vontade social estiver carre gada de metafísica e psicologismo à moda de Hobbes isto não desqualifi ca as potencialidades descritivas da modelagem gemeinschaft gesellschaft se admitimos a relevância não daquilo que é genético na mani festação de padrões de sociabilidade comunitário e societário mas sim como onde e sob quais condições por excelência estes se manifestam e se reproduzem enquanto tal Suas categorias fornecem elementos ainda hoje válidos e até mesmo implícitos em muitas pesquisas e teorias sociológicas tanto através como também além do que foi desenvolvido pela escola da ecologia humana Em realidade tomando o natural e o arbitrá rio não como conteúdos em si da vontade social ou sua tradução mais imediata na dinâmica das interações mas como um dado conjunto simbólico de inclinações que fundamenta a constituição das representações coletivas dos grupos sociais apon tando para orientações que organizam o imaginário e a percepção dos agentes quanto à natureza dos vínculos fundados e estabelecidos entre si podemos ter algo a mais que um valioso instrumento teórico para mapear arranjos existentes e possíveis de socia bilidade indissociado de elementos conceituais para refl etirmos sobre a constituição de determinadas ordens sociais existentes e mundos possíveis NOTAS 1 O sentido de sua produção teórica é tributário tanto das características do meio social e intelectual da Alemanha do século XIX como da posição ainda incipiente da sociologia enquanto disciplina legitimada academicamente Tamanha era sua preocupação analítica que sua sociologia pode ser considerada em algumas passagens de suas obras como formalista estática e descritiva GURNEY AGUIRRE 1980 2 Para mais informações sobre Tönnies leitor de Marx ver Miranda 1998 3 Tönnies produziu uma tese substantiva tendo o pensamento de Hobbes como objeto de estudo TÖNNIES 1988 4 Certamente que poderíamos pontuar muitas descontinuidades entre o pensamento de Tönnies e o de Marx e caberia citar aqui pelo menos a centralidade que ele ao contrário de Marx atribuía ao papel social representado pelo comerciante Ibidem 305307 5 Tema que mais tarde seria desenvolvido magistralmente por Norbert Elias 1993 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ELIAS N 1993 O processo civilizador Vol I Rio de Janeiro Zahar 1939 GURNEY P AGUIRRE B 1980 La teoria sociologica de Ferdinand Tönnies Revista Interamericana de sociologia México vol IX n29 MIRANDA O 1995 A dialética da identidade em Ferdinand Tönnies In MIRANDA org Para ler Ferdinand Tönnies São Paulo EDUSP 1998 Tönnies e Marx Utopia Valor e Contradição Revista da USP São Paulo v 36 TÖNNIES F 1942 Principios de Sociologia México Fondo de Cultura Económica 1931 1947 Comunidad y Sociedad Buenos Aires Losada 1887 1988 Hobbes vida y doctrina Madrid Alianza Editorial 1878 O artigo Comunidade sociedade e sociabilidade revisitando Ferdinand Tönnies publicado em 2008 explora as ideias centrais de Ferdinand Tönnies sociólogo alemão em sua obra Gemeinschaft und Gesellschaft 1887 destacando sua contribuição para a sociologia especialmente no que diz respeito à compreensão das relações sociais e das estruturas sociais Contexto Teórico e Histórico Ferdinand Tönnies 18551936 foi um dos pioneiros da sociologia alemã e seu trabalho Comunidade e Sociedade tornouse uma referência teórica fundamental na análise da evolução das relações sociais na transição da modernidade Tönnies concebeu a distinção entre Gemeinschaft comunidade e Gesellschaft sociedade como dois tipos ideais que representam modos distintos de interação social Gemeinschaft Comunidade Neste modelo as relações são baseadas em laços afetivos espontâneos e naturais como as relações familiares de amizade e vizinhança As interações na comunidade são orgânicas e baseadas em uma identidade comum onde prevalecem valores como a solidariedade e a coesão social A vontade dos indivíduos vontade natural se manifesta de forma coletiva com um forte senso de pertencimento e interdependência entre os membros Gesellschaft Sociedade Em contraste a sociedade é caracterizada por relações formais racionais e contratuais Nela os indivíduos interagem motivados pelo interesse pessoal e pela racionalidade econômica As relações são funcionais e impessoais mediadas por contratos e acordos sendo típicas de sociedades modernas urbanas e industrializadas Aqui a vontade arbitrária predomina onde o comportamento é guiado pela lógica e pela busca de benefícios individuais Sociabilidade e Transformação Social O artigo explora como Tönnies viu a transformação das sociedades da vida rural para a urbana como um processo de perda dos laços comunitários em favor de relações mais complexas especializadas e distantes A crescente industrialização e urbanização criaram um ambiente em que as interações sociais foram cada vez mais mediadas pelo mercado pelo dinheiro e pela burocracia Tönnies foi influenciado pelas mudanças econômicas e sociais da Alemanha e da Europa do final do século XIX marcadas pela industrialização e pela urbanização Ele observou como essas transformações afetaram a maneira como as pessoas se relacionavam argumentando que o advento da sociedade moderna levou à fragmentação dos laços sociais tradicionais e ao surgimento de relações mais impessoais e transitórias Vontade Natural e Vontade Arbitrária Uma das principais contribuições teóricas de Tönnies destacada no artigo é a sua distinção entre dois tipos de vontade Vontade natural Wesenwille Referese à vontade que surge espontaneamente típica das relações de comunidade Ela está associada a laços emocionais como aqueles presentes nas famílias e nas pequenas comunidades onde o comportamento dos indivíduos é orientado pelo bemestar comum Vontade arbitrária Kürwille Está associada a relações racionais e calculadas como aquelas que predominam nas sociedades modernas Nessa forma de vontade as interações são guiadas pelo interesse próprio e pela maximização de benefícios refletindo as características das grandes sociedades urbanas e industrializadas Relevância para a Sociologia Moderna O artigo destaca como os conceitos de Tönnies continuam relevantes para entender as transformações sociais contemporâneas A passagem de uma vida comunitária para uma vida societária marcada pela globalização digitalização e crescente complexidade das relações sociais reflete de muitas maneiras as ideias discutidas por Tönnies há mais de um século O conceito de sociabilidade em Tönnies também é abordado no artigo ressaltando como a forma com que as pessoas interagem evolui conforme mudam as estruturas sociais e econômicas A obra de Tönnies oferece uma lente teórica valiosa para a análise das transições entre as formas tradicionais de interação social e as novas dinâmicas de convivência nas sociedades modernas Conclusão A reflexão sobre Gemeinschaft e Gesellschaft no artigo revisita de maneira profunda as ideias de Tönnies mostrando sua importância para o entendimento das mudanças sociais no mundo contemporâneo O trabalho de Tönnies permanece central para a análise das transformações econômicas sociais e culturais especialmente quando se discute a crescente urbanização industrialização e a perda dos laços sociais tradicionais em favor de formas mais individualizadas e racionais de organização social O artigo ainda pontua a relevância de Tönnies para discussões atuais sobre as tensões entre a busca por conexão social e a fragmentação causada por relações mediadas por tecnologias e a economia de mercado global O artigo Conceitos de comunidade local e região interrelações e diferenças de Cicilia M Krohling Peruzzo e Marcelo de Oliveira Volpato publicado na Revista Líbero em 2009 examina as complexas interações entre os conceitos de comunidade local e região a partir de uma perspectiva teórica e multidisciplinar A obra procura esclarecer como essas categorias se conectam diferem e se sobrepõem especialmente no contexto de uma sociedade cada vez mais globalizada 1 Conceito de Comunidade O artigo começa explorando o conceito de comunidade remetendo à obra de Ferdinand Tönnies que em 1887 introduziu a distinção entre Gemeinschaft comunidade e Gesellschaft sociedade No modelo de Tönnies a comunidade é caracterizada por relações interpessoais íntimas e duradouras como os laços familiares e as conexões entre vizinhos A comunidade é guiada pela vontade natural onde os indivíduos agem com base em sentimentos de pertencimento e solidariedade A partir disso os autores discutem como esse conceito foi revisitado ao longo do tempo especialmente com o surgimento de comunidades virtuais e novas formas de interação social proporcionadas pela tecnologia Os autores também mencionam que o conceito de comunidade foi enriquecido pelas contribuições de sociólogos como Max Weber que abordou as bases afetivas das interações comunitárias A ideia de que uma comunidade é mais do que uma simples proximidade geográfica mas sim uma relação construída a partir de elementos emocionais e sociais é um ponto central da discussão 2 O Conceito de Local No que diz respeito ao local o artigo propõe uma visão mais abrangente que vai além do entendimento puramente geográfico A ideia de território simbólico conforme apontam os autores reflete a interação entre espaço físico e identidade cultural Milton Santos é citado como uma referência importante já que suas análises sobre espaço e globalização oferecem uma visão dinâmica do local entendendoo como um lugar de fluxo movimento e interconexão entre global e regional Além disso o artigo ressalta como o local se torna um espaço carregado de significados culturais e sociais onde o pertencimento e a identidade são expressos Isso é especialmente relevante no contexto da modernidade tardia onde o local também inclui contextos digitais e redes de relações que transcendem os limites físicos 3 Conceito de Região O conceito de região é descrito pelos autores como sendo mais complexo e ambíguo O artigo discute diferentes tipologias de região como regiões homogêneas que são caracterizadas por uma relativa uniformidade física social ou econômica e regiões polarizadas que se organizam em torno de um centro de poder ou atividade econômica Os autores destacam que na contemporaneidade o conceito de região está cada vez mais ligado a aspectos socioeconômicos e culturais do que a delimitações geográficas tradicionais A ideia de regionalismo é enfatizada como uma resposta à globalização na qual as regiões buscam reafirmar suas identidades e ao mesmo tempo inserirse nos fluxos globais de comércio e cultura 4 Interrelações e Diferenças Ao abordar as interrelações entre comunidade local e região o artigo argumenta que esses conceitos estão profundamente interconectados A comunidade pode existir dentro de uma região e o local pode ser visto como uma expressão tangível de uma comunidade ou de uma região maior No entanto cada conceito tem suas particularidades e aplicações sendo moldado por contextos históricos e sociais específicos Os autores enfatizam que o avanço da globalização e da glocalização conceito que combina globalização e localidade redefine as fronteiras entre esses conceitos pois as interações econômicas políticas e culturais transcendem os limites físicos criando novas dinâmicas de pertencimento e organização 5 Considerações Finais Na conclusão o artigo ressalta a relevância de se compreender essas interações em um contexto de constante transformação social Os autores apontam que a noção de comunidade local e região é fundamental para a compreensão das formas contemporâneas de sociabilidade identidade e pertencimento Além disso a reflexão sobre esses conceitos é essencial para estudar como as pessoas se conectam e interagem em um mundo cada vez mais mediado pela tecnologia e pelos fluxos globais de informação e capital O artigo ao revisitar esses conceitos oferece uma análise detalhada sobre como a sociologia e outras disciplinas têm se aproximado da questão espacial e social destacando o impacto da globalização nas formas tradicionais de organização social