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Psicologia ·

Psicologia Social

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capítulo 2 A síndrome da adolescência normal MAURICIO KNOBEL NORMALIDADE E PATOLOGIA NA ADOLESCÊNCIA Concordo plenamente com os autores que ao estudarem a adolescência destacam a importância dos fatores sócioculturais na determinação da fenomenologia expressiva nesta idade da vida Logicamente o mesmo caberia assinalar para qualquer outra etapa vital do ser humano É por isso que considero que em geral quando se estabelecem critérios diferenciais de caráter social sóciocultural econômico etc como predominantes no estudo da adolescência se está desviando pelo menos em parte o problema básico fundamental da circunstância evolutiva que significa esta etapa com toda a sua bagagem biológica individualizante Estudar a adolescência só como uma característica social determinada seria realizar uma abstração muito parcial de todo um processo humano que é necessário considerar dentro de uma verdadeira totalidade do conhecimento da psicologia evolutiva Considero que de acordo com o que acabo de assinalar este período da vida como todo o fenômeno humano tem sua exteriorização característica dentro do marco culturalsocial no qual se desenvolve Assim devemos em parte considerar a adolescência como um fenômeno específico dentro de toda a história do desenvolvimento do ser humano e por outro lado estudar a sua expressão circunstancial de caráter geográfico e temporal históricosocial Já G Stanley Hall afirmava que o desenvolvimento e as concomitâncias de conduta do mesmo se produzem de acordo com pautas inevitáveis imutáveis universais e independentes do ambiente sóciocultural Muuss 50 Embora esta idéia tenha sido muito discutida e refutada em especial por psicólogos sociais vemos que o conceito básico passa por períodos de revitalização e que mesmo investigadores altamente qualificados do campo psicológico social como Sherif e Sherif reconhecem que os princípios psicológicos fundamentais que atuam em todos estes ambientes sociais poderiam ser os mesmos 61 Não há dúvidas de que o elemento sóciocultural influi com um determinismo específico nas manifestações da adolescência mas também temos que considerar que atrás dessa expressão sóciocultural existe um embasamento psicobiológico que lhe dá características universais Pretender que o redespertar da sexualidade no nível de maturidade genital não é um fenômeno básico da adolescência no nosso meio seria como pretender que o próprio processo da civilização não acontece na realidade e que toda a circunstância sócioeconômica de desenvolvimento não sucedeu e que a civilização não aconteceu como um fenômeno que incide diretamente sobre a personalidade Seria também pretender que não há uma sexualidade prévia e que a personalidade é um sinônimo direto de maturidade unicamente Segundo esse critério poderseia chegar à conclusão absurda certamente do ponto de vista evolutivo de que só os adultos teriam personalidade e também por isso só eles teriam sexualidade Levando em consideração estes conceitos ao aproximarnos à adolescência em nosso meio e com a objetividade necessária para o investigador que implica logicamente considerar a situação atual do próprio investigador e do objeto investigado nos localizamos no aqui e agora do mundo adolescente como um presente atual reconhecendo que por razões de ideologia científica temos um preconceito que define nosso marco referencial teórico A experiência psicanalítica do tratamento de adolescentes que vêm ou são trazidos à consulta muitas vezes por consideração não só de caráter patológico no sentido estrito do termo mas por conduta considerada como anormal dentro do marco familiar ou social do nosso meio e a experiência psicanalítica com adolescentes com verdadeiros transtornos psicopatológicos que não são mais do que a expressão magnificada distorcida mas que ocorre na evolução normal sugerenos outra fonte de informações Se a isto unirmos os grupos de pais os tratamentos de adultos onde se faz uma reconstrução do mundo da sua adolescência veremos outra perspectiva a mais do que significa este período evolutivo Devemos anexar a isto a experiência com grupos de orientação de pais os de orientação para mães e grupos de discussão de jovens e de adultos como outro dos aspectos significativos para compreender o que ocorre com a adolescência Por outra parte também investiguei mediante a utilização de questionários testes psicológicos grupos de discussão com adolescentes completando isto com investigações sistemáticas desde o ponto de vista da indagação psicológica o que 24 25 me permitiu chegar a algumas conclusões que são as que trato de unificar e transmitir aqui 30 31 35 36 40 41 Concordo com Sherif e Sherif 61 de que a adolescência está caracterizada fundamentalmente por ser um período de transição entre a puberdade e o estado adulto do desenvolvimento e que nas diferentes sociedades este período pode variar como varia o reconhecimento da condição adulta que se dá ao indivíduo Entretanto existe como base de todo este processo uma circunstância especial que é a característica própria do processo adolescente em si ou seja uma situação que obriga o indivíduo a reformular os conceitos que tem a respeito de si mesmo e que o levam a abandonar sua autoimagem infantil e a projetarse no futuro de sua vida adulta O problema da adolescência deve ser tomado como um processo universal de troca de desprendimento mas que será influenciado por conotações externas peculiares de cada cultura que o favorecerão ou dificultarão segundo as circunstâncias Abstrair a adolescência do continuum que é o processo evolutivo e estudála apenas como uma etapa preparatória para a maturidade significa para mim um adultomorfismo que é preciso superar já que induz a prejuízos de investigação dos quais depois resulta difícil escapar Isto não implica negar que o caminho da adolescência é integrarse nesse mundo do adulto onde terá que aceitar sua nova configuração de ser humano sua morfologia adulta e a capacidade do exercício de sua genitalidade para a procriação Enfocado assim o problema da adolescência esta metodologia poderia parecer pouco sistemática Entretanto devemos ter presente como assinalaram Thorpe e Johnson 66 que alguns estudos muito sistemáticos podem espetar o adolescente individual e dar um quadro errado Em trabalhos anteriores 30 32 33 34 35 36 cheguei a definir a adolescência como a etapa da vida durante a qual o indivíduo procura estabelecer sua identidade adulta apoiandose nas primeiras relações objetoparentais internalizadas e verificando a realidade que o meio social lhe oferece mediante o uso dos elementos biofísicos em desenvolvimento à sua disposição e que por sua vez tendem à estabilidade da personalidade num plano genital o que só é possível quando consegue o luto pela identidade infantil Logicamente dou por subentendido que quando falo de identidade como já indiquei falo de um continuum e que não me estou referindo à capacidade que tem o adolescente para conseguir uma identidade determinada como veremos em seguida O processo de luto é básico e fundamental e se expõe nos capítulos que com a inspiração e seguindo as idéias fundamentais de Arminda Aberastury apresentamse neste livro Penso que a estabilização da personalidade não se consegue sem passar por um certo grau de conduta patológica que conforme o meu critério devemos considerar inerente à evolução normal desta etapa da vida Frente a um mundo tão mutável e a um indivíduo que como o adolescente apresenta uma série de atitudes também mutáveis este não pode senão manifestarse numa forma muito especial que de nenhuma maneira pode compararse sequer com o que seria a verdadeira normalidade no conceito adulto do termo O conceito de normalidade não é fácil de estabelecer já que em geral varia em relação com o meio sócioeconômico político e cultural como já indiquei Portanto resulta geralmente uma abstração com validade operacional para o investigador que situado num meio determinado regese pelas normas sociais vigentes em forma implícita ou explícita Assinalei em outra oportunidade 32 que a normalidade se estabelece sobre as pautas de adaptação ao meio e que não significa submetimento ao mesmo mas a capacidade de utilizar os dispositivos existentes para o alcance das satisfações básicas do indivíduo numa interação permanente que procura modificar o desagradável ou o inútil através do alcance de substituições para o indivíduo e para a comunidade Logicamente que como destaca JA Merloo 45 a personalidade bem integrada não é sempre a melhor adaptada mas tem sim a força interior como para advertir o momento em que uma aceitação temporária do meio pode estar em conflito com a realização de objetivos básicos e pode também modificar a sua conduta de acordo com as suas necessidades circunstanciais Este é o aspecto da conduta no qual o adolescente em termos gerais pode falhar Ao viver uma etapa fundamental de transição sua personalidade tem características especiais que nos permitem situálo entre as chamadas personalidades marginais no sentido da adaptação e da integração que acabamos de esboçar Anna Freud 21 diz que é muito difícil assinalar o limite entre o normal e o patológico na adolescência e considera que na realidade toda a emoção deste período da vida deve ser considerada como normal assinalando também que seria anormal a presença de um equilíbrio estável durante o processo adolescente As lutas e rebeliões externas do adolescente não são mais do que reflexos dos conflitos de dependência infantil que intimamente ainda persistem Os processos de luto obrigam a atuações que têm características defensivas de caráter psicopático fóbico ou contrafóbico maníaco ou esquizoparanoide conforme o indivíduo e suas circunstâncias É por isso que considero que posso falar de uma verdadeira patologia normal do adolescente no sentido de que precisamente este exterioriza seus conflitos de acordo com a sua estrutura e suas experiências 26 27 Assim como sabemos que existem fantasias psicóticas no bebê pela nossa experiência clínica psicanalítica vemos na adolescência a exteriorização modificada pela experiência prévia dos remanescentes dessas fantasias Para Erikson existe na adolescência uma mudança que é fundamentalmente crítica Este autor fala de três estágios no processo evolutivo que sintetiza em criança adolescente e adulto baseandose em conceitos de Piaget e aceitando que não se é um adulto adulto nem foi uma criança criança nem se tornou um adolescente adolescente sem o que Piaget chama de conflito e que ele prefere chamar de crise 17 Destaca então que de fato para cada unidade destas corresponde uma crise maior e quando por qualquer razão uma crise tardia é severa revivemse as crises anteriores A adolescência adolescente é então segundo este critério também conflitiva como facilmente se pode concluir Sobre estas bases e levando em consideração o critério evolutivo da psicologia considero que a adolescência mais do que uma etapa estabilizada é processo desenvolvimento e que portanto deve se admitir e compreender a sua aparente patologia para situar seus desvios no contexto da realidade humana que nos rodeia O adolescente passa por desequilíbrios e instabilidades extremas de acordo com o que conhecemos dele Em nosso meio cultural mostranos períodos de elação de introversão alternando com audácia timidez descoordenação urgência desinteresse ou apatia que se sucedem ou são concomitantes com conflitos afetivos crises religiosas nas quais se pode oscilar do ateísmo anárquico ao misticismo fervoroso intelectualizações e postulações filosóficas ascetismo condutas sexuais dirigidas para o heteroerotismo e até a homossexualidade ocasional Tudo isto é o que eu chamei uma entidade semipatológica ou preferindo uma síndrome normal da adolescência 30 32 34 35 36 Devo assinalar também aqui que emparentadamente estas características não são exclusivamente nossas do nosso meio particular mas que é possível vêlas em diferentes culturas e dentro de diferentes marcos sócioeconômicos de vida como pude apreciar no Seminário Psiquiátrico Transcultural sobre Adolescência realizado em maio de 1968 pela Associação NorteAmericana de Psiquiatria durante seu 124º Congresso Anual 37 A maior ou menor anormalidade desta síndrome normal à qual acabo de referirme deverseá em grande parte aos processos de identificação e de luto que tenha podido realizar o adolescente Na medida em que tenha elaborado os lutos que são em última instância os que levam à identificação o adolescente verá seu mundo interno mais fortalecido e então esta normal anormalidade será menos conflitiva e conseqüentemente menos perturbadora A SÍNDROME NORMAL DA ADOLESCÊNCIA Sintetizando as características da adolescência podemos descrever a seguinte sintomatologia que integraria esta síndrome 1 busca de si mesmo e da identidade 2 tendência grupal 3 necessidade de intelectualizar e fantasiar 4 crises religiosas que podem ir desde o ateísmo mais intransigente até o misticismo mais fervoroso 5 deslocalização temporal onde o pensamento adquire as características do pensamento primário 6 evolução sexual manifesta que vai do autoerotismo até a heterossexualidade genital adulta 7 atitude social reivindicatória com tendências anti ou associás de diversa intensidade 8 contradições sucessivas em todas as manifestações da conduta dominada pela ação que constitui a forma de expressão conceitual mais típica deste período da vida 9 uma separação progressiva dos pais e 10 constantes flutuações do humor e do estado de ânimo Deliberadamente aceito a contradição que significa o associar síndrome que implica entidade clínica com normalidade que significaria estar fora da patologia Entretanto o convívio social e nossas estruturas institucionais fazemos ver que as normas de conduta estão estabelecidas manejadas e regidas pelos indivíduos adultos da nossa sociedade É sobre esta intercorrelação de gerações e desde o ponto de vista regente e diretivo que podemos e creio eu que devemos estar capacitados para observar a conduta juvenil como algo que aparentemente é seminormal ou semipatológico mas que entretanto frente a um estudo mais objetivo desde o ponto de vista da psicologia evolutiva e da psicopatologia aparece realmente como algo coerente lógico e normal Por outro lado esta maneira de encarar o problema permite aceitar os desajustes e desencontros valorizálos com maior correção e utilizar o impacto de gerações não como fonte de conflitos negativos mas como um encontro inquietante que facilite o desenvolvimento da humanidade Vejamos agora as características fundamentais das situações antes enunciadas como sintomas 1 BUSCA DE SI MESMO E DA IDENTIDADE Estabelecido o aparelho psíquico imediatamente depois do nascimento 28 e aceitando além disso que o psiquismo já está estruturado de uma determinada maneira durante o período embrionário e fetal 54 vemos que se começam a elaborar as ansiedades básicas substrato da personalidade desde o nascimento mesmo num processo psicológico que num continuum levará o indivíduo até a maturidade 28 29 colégio no clube etc e não como ele habitualmente o vê no seu lar e na sua relação com ele mesmo Estes tipos de identidade são adotados sucessivamente ou simultaneamente pelos adolescentes conforme as circunstâncias São aspectos da identidade adolescente que estou descrevendo e que surgem como uma de suas características fundamentais relacionadas com o processo de separação que posteriormente poderá ser definitiva das figuras parentais com aceitação de uma identidade independente Devemos levar em consideração também que isto se pode interpretar como o resultado do manejo das ansiedades persecutórias e das capacidades autodestrutivas que obrigam à fragmentação do ego e dos objetos com os quais este entra em contato com a conseqüente projeção ao exterior destas imagens ameaçadoras Não poucas vezes se experimenta o desprendimento como uma prova definitiva para o ego posto que somente perdendo os aspectos que resultam já inúteis pais infantis persecutórios destruídos podemse integrar outros novos dentro da personalidade Enquanto isto se realiza configurase um sentimento depressivo que precipita um desejo de completarse que em muitos indivíduos produz um sentimento antecipatório de ansiedade e depressão referente ao ego como diz Grinberg 24 e que obriga a agarrarse a precários estados de identidade com a finalidade de preservarse de alterações muito temidas Conforme este autor são microdepressões e microlutos que preveem e preparam o ego ante o perigo de depressões mais severas como são as que acontecem nas grandes mudanças de personalidade e que se produzem frente a acontecimentos importantes da vida que implicam estruturas mais permanentes e progressivas Na adolescência tudo isto acontece com uma intensidade muito marcada A situação mutável que significa a adolescência obriga a reestruturações permanentes externas e internas que são vividas como intrusões dentro do equilíbrio conquistado na infância e que obrigam o adolescente no processo de conquistar a sua identidade a tentar refugiarse ferreamente em seu passado enquanto tenta também projetarse intensamente no futuro Realiza um verdadeiro processo de luto pelo qual no início nega a perda de suas condições infantis e tem dificuldades em aceitar as realidades mais adultas que se lhe vão impondo entre a quais logicamente se encontram fundamentalmente as modificações biológicas e morfológicas do seu próprio corpo Alguns autores separam a puberdade da adolescência visto que esta última implicaria algo mais do que as mudanças físicas 50 mas não há dúvidas de que estas mudanças participam ativamente do processo adolescente ao ponto de formar com ele um todo indeiscente O rapaz apresenta o crescimento do pêlo axilar pubiano e facial a mudança de voz o incremento muscular e o começo da emissão seminal A moça também mostra o aparecimento do pêlo axilar e pubiano a acentuação das cadeiras o desenvolvimento dos seios e o começo da ovulação e da menstruação 9 Todas estas mudanças que vão se sucedendo criam grande preocupação Às vezes a ansiedade é tão grande que surge o que já assinale como desconformidade com a própria identidade que se projeta então ao organismo Um grupo de rapazes e moças interrogados a respeito de se desejariam uma mudança do seu aspecto físico respondeu na sua grande maioria que sim 49 o que demonstra como o adolescente vive estas mudanças corporais como perturbadoras A descoordenação muscular devido ao desigual crescimento osteomuscular o aspecto desajeitado a falta de semelhança com os que o rodeiam no meio familiar despertam no adolescente sentimentos de estranheza e insatisfação Isto contribui para criar esse sentimento de despersonalização unido logicamente à elaboração psicológica da identidade que estou descrevendo Temos aqui certos padrões de aspecto físico que se tentam imitar e seguir nas identificações e que estão culturalmente determinados É muito certa a afirmação de Mira y López 46 no sentido de que em nosso meio cultural se observa por exemplo em torno do pêlo facial toda uma grande preocupação Surge o que este autor chama a tricofilia do rapaz e a tricofobia da moça Estas mudanças são percebidas não só no exterior corporal mas como uma sensação geral de caráter físico Há como diz Aníbal Ponce 53 uma verdadeira cenestesia subjetiva e inexprímível Os processos de identificação que se foram desenvolvendo na infância mediante a incorporação de imagens parentais boas e más são os que permitirão uma melhor elaboração das situações mutáveis que se tornam difíceis durante o período adolescente da vida O processo de luto que se realiza como todo processo de luto precisa de tempo para ser realmente elaborado e não ter as características de uma atuação de caráter maníaco ou psicopático o que explica que o verdadeiro processo de entrar e sair da adolescência seja tão longo e nem sempre plenamente alcançado A busca incessante de saber qual a identidade adulta que se vai constituir é angustiante e as forças necessárias para superar estes microlutos e os lutos ainda maiores da vida diária obtêmse das primeiras figuras introjetadas que formam a base do ego e do superego deste mundo interno do ser A integração do ego se produz pela elaboração do luto em partes de si mesmo e por seus objetos 25 Um bom mundo interior surge de uma relação satisfatória com os pais internalizados e da capacidade criativa que eles proporcionam como assinala Arminda Aberastury 2 que destaca que esse mundo interno que possibilita uma boa conexão interior uma fuga defensiva na qual o adolescente mantém e reforça a sua relação com os objetos internos e evita os externos é o que facilita um bom reajuste emocional e o estabelecimento da identidade adolescente 30 O período infantil e o da adolescência não devem ser vistos conforme já o indiquei apenas como uma preparação para a maturidade mas é necessário enfocálos com um critério do momento atual do desenvolvimento e do que significa o ser humano nessas etapas da vida É lógico aceitar que o caminho da adolescência é entrar no mundo do adulto mas temos que reconhecer que a identidade é uma característica de cada momento evolutivo Como para nós a adolescência é também um momento do desenvolvimento uma etapa a mais no processo total do viver devemos tentar observar quais são as características fundamentais que aparecem neste período vital É preciso destacar que o poder chegar a utilizar a genitalidade na procriação é um feito biopsicodinâmico que determina uma modificação essencial no processo de conquista da identidade adulta e que caracteriza a turbulência e a instabilidade da identidade adolescente O acontecimento do amadurecimento genital psicodinamicamente considerado junto com a reativação de todas as etapas prégenitais nas quais logicamente é necessário incluir a fase genital prévia 3 4 5 que é a que marca grande parte das modalidades de comportamento do adolescente e depois do adulto da evolução libidinal e com a interação tumultuosa dos processos psicológicos básicos de dissociação projeção introjeção e identificação irão estabelecendo de uma maneira algo confusa no começo e mais estruturada depois a personalidade mais ou menos definida Ou seja conseguirseá chegar a uma verdadeira cristalização do árduo processo de individualização que seria uma das funções essenciais desta etapa da vida A criança entra na adolescência com dificuldades conflitos e incertezas que se magnificam neste momento vital para sair em seguida à maturidade estabilizada com determinado caráter e personalidade adultos Conseguese o que Erikson 15 definiu como uma entidade egóica uma entidade pessoal e o que Nixon 51 denominou a autocognição Conforme este último autor a autocognição é um fenômeno essencialmente biológico e se relaciona com o conceito de si mesmo self ou seja o símbolo que cada um possui de seu próprio organismo Entendo que isto se produz na realidade em todas as etapas do desenvolvimento e que adquire características especiais na adolescência A idéia do si mesmo ou do self implica algo muito mais amplo em todas as etapas do desenvolvimento É o conhecimento da individualidade biológica e social do ser psicofísico em seu mundo circundante que tem características especiais em cada idade evolutiva A conseqüência final da adolescência seria um conhecimento do si mesmo como entidade biológica no mundo o todo biopsicossocial de cada ser nesse momento da vida Ao conceito do self como entidade psicológica unese o conhecimento do substrato físico e biológico da personalidade O corpo e o esquema corporal são duas variáveis intimamente interrelacionadas que não devem desconhecerse na equação do processo de definição de si mesmo e da identidade Podese aceitar que na puberdade ocorram mudanças físicas em três níveis fundamentais 9 que são um primeiro nível onde a ativação dos hormônios gonadotróficos da hipófise anterior produz o estímulo fisiológico necessário para a modificação sexual que ocorre neste período da vida No segundo nível temos as conseqüências imediatas da secreção da gonadotrofina hipofisária e do prosseguimento da secreção do hormônio de crescimento da mesma hipófise a produção de óvulos e espermatozóides maduros e também o aumento da secreção de hormônios adrenocorticais como resultado da estimulação do hormônio adrenocorticotrófico No terceiro nível se encontra o desenvolvimento das características sexuais primárias com o aumento do pênis dos testículos ou do útero e da vagina e o desenvolvimento das características sexuais secundárias com o amadurecimento dos seios a modificação da cintura escapulária e pelviana o crescimento do pêlo pubiano as mudanças de voz aos quais devemos acrescentar as modificações fisiológicas em geral e das mudanças de tamanho peso e proporção do corpo que acontecem neste período vital Em nosso meio Schteingart 58 apresentou uma descrição exaustiva do que ocorre com as modificações endócrinas neste período da vida O esquema corporal é uma resultante intrapsíquica da realidade do sujeito ou seja é a representação mental que o sujeito tem de seu próprio corpo como conseqüência de suas experiências em contínua evolução Esta noção do indivíduo vai se estabelecendo desde os primeiros movimentos dinâmicos de dissociação projeção e introjeção que permitem o conhecimento do self e do mundo exterior isto é do mundo interno e do mundo externo 39 Aqui são de fundamental importância os processos de luto com relação ao corpo infantil perdido que obrigam a uma modificação do esquema corporal e do conhecimento físico de si mesmo numa forma muito característica para este período Logicamente isto vai acontecendo com características diferentes desde o começo da vida mas cristaliza em virtude do recémindicado de uma maneira muito significativa e especial na adolescência Os processos de luto são descritos amplamente mais adiante neste livro A conquista de um autoconceito é o que também Sherif e Sherif 61 chamam o ego desde um ponto de vista psicológico não psicanalítico assinalando que este autoconceito vai se desenvolvendo à medida que o sujeito vai mudando e vai se integrando com as concepções que muitas pessoas grupos e instituições têm a respeito dele mesmo e vai assimilando todos os valores que constituem o ambiente social Concomitantemente vai se formando este sentimento de identidade como uma verdadeira experiência de autoconhecimento 24 A psicanálise confirma estas idéias e também aceita que é necessário integrar todo o passado o experimentado o internalizado e também o rejeitado com as novas exigências do meio e com as urgências instintivas ou preferindose com as mo 32 dalidades de relação objetal estabelecidas no campo dinâmico das relações interpessoais O adolescente precisa dar continuidade a tudo isto dentro da personalidade pelo que se estabelece uma busca de um novo sentimento de continuidade e semelhança consigo mesmo 16 Para Erikson 18 o problemachave da identidade consiste na capacidade do ego de manter esta semelhança e continuidade frente a um destino mutável e por isso a identidade não significa para este autor um sistema interno fechado impenetrável à mudança mas sim um processo psicossocial que preserva alguns aspectos essenciais tanto no indivíduo como em sua sociedade Para Sorenson 62 a identidade é a criação de um sentimento interno da semelhança e continuidade uma unidade da personalidade sentida pelo indivíduo e reconhecida por outro que é o saber quem sou Grinberg 24 diz que o sentimento de identidade implica a noção de um ego que se apóia essencialmente na continuidade e semelhança das fantasias inconscientes referidas primordialmente às sensações corporais às tendências e afetos em relação aos objetos do mundo interno e externo e às ansiedades correspondentes ao funcionamento específico em qualidade de intensidade dos mecanismos de defesa e ao tipo particular de identificações assimiladas resultantes dos processos de introjeção e projeção Não se passa da infância à plena atuação genital procriativa mas se atravessa primeiro pelo que Erikson 15 chamou a moratória psicosexual onde não se requerem papéis específicos e se permite experimentar com o que a sociedade tem para oferecer com a finalidade de permitir a posterior definição da personalidade Nesta busca de identidade o adolescente recorre às situações que se apresentam como mais favoráveis no momento Uma delas é a da uniformidade que proporciona segurança e estima pessoal Ocorre aqui o processo de dupla identificação em massa onde todos se identificam com casa um e que explica pelo menos em parte o processo grupal do qual participa o adolescente e do qual em seguida me ocuparei Em certas ocasiões a única solução pode ser a de procurar o que o próprio Erikson 15 chamou também uma identidade negativa baseada em identificações com figuras negativas mas reais É preferível ser alguém perverso indesejável a não ser nada Isto constitui uma das bases do problema das turmas de delinqüentes dos grupos de homossexuais dos adeptos às drogas etc A realidade costuma ser mesquinha ao proporcionar figuras com as quais podese fazer identificações positivas e então na necessidade de ter uma identidade recorrese a esse tipo de identificação anômala mas concreta Isto acontece muitas vezes sobretudo quando já houve transtornos na aquisição da identidade infantil Além disso quando os processos de luto pelos aspectos infantis perdidos se realizam em forma patológica a necessidade da conquista de uma identidade costuma fazerse muito imperiosa para poder abandonar a da criança que segue se mantendo Grinberg 24 destaca a possibilidade da desconformidade com a personalidade adquirida e o desejo de conseguir outra por meio da identificação projetiva Esta pode ser mobilizada pela inveja um dos sentimentos mais importantes que entram em jogo nas relações de objeto 29 As primeiras etapas do desenvolvimento se caracterizam porque o bebê pode invejar o peito que não o satisfaz e fantasiar com sua destruição de acordo com a teoria kleiniana Este é um sentimento negativo já que procura se apoderar do objeto e danificálo Impedese assim a divisão do mesmo em bom e mau e criamse situações confusas 59 Sobre esta base os atributos masculinos ou femininos podem chegar a ser invejados indistintamente e a identidade sexual do sujeito se perturba dificultando notavelmente a solução do processo edípico adolescente Pode acontecer aqui a identificação com o agressor na qual o adolescente adota as características da personalidade de quem atuou agressiva e persecutoriamente com ele Existem também problemas de pseudoidentidade expressões manifestas do que se quiser ou puder ser e que escondem a identidade latente a verdadeira 24 Como se verá no capítulo sobre os mecanismos de defesa predominantes nos adolescentes a angústia que se desperta nestes vinculada com o transtorno da percepção do decurso do tempo pode leváIos a iniciar precocemente sua vida genital ou a substitutos socializados desta ainda antes de ter aceitado a sua identidade genital como se não pudessem esperar a que esta chegue Nesta pressa que se pode interpretar como uma forma maníaca de procurar a identidade adulta é possível chegar à aquisição de ideologias que são somente defensivas ou em muitos casos tomadas emprestadas aos adultos as que não estão autenticamente incorporadas ao ego Tudo o que foi dito anteriormente é o que pode levar o adolescente a adotar diferentes identidades As identidades transitórias são as adotadas durante um certo tempo como por exemplo o período de machismo no rapaz ou da precoce sedução histeróide na moça descrita com precisão na novela Lolita de Novokof do adolescente bebê ou do adolescente muito sério muito adulto as identidades ocasionais são as que se dão frente a situações novas como por exemplo no primeiro encontro com um parceiro o primeiro baile etc e as identidades circunstanciais são as que conduzem a identificações parciais transitórias que costumam confundir o adulto surpreendido às vezes ante as mudanças na conduta de um mesmo adolescente que recorre a este tipo de identidade como por exemplo quando o pai vê seu filho adolescente conforme o vêem no 33 IESPP Biblioteca Sobre a base do que foi dito creio lógico assinalar que a identidade adolescente é a que se caracteriza pela mudança de relação do indivíduo basicamente com seus pais Refirome à relação com os pais externos reais e à relação com as figuras parentais internalizadas Logicamente a separação destes começa desde o nascimento mas é durante a adolescência que os seres humanos como dizem Gallagher e Harris 23 querem desesperadamente ser eles mesmos Como estes autores assinalaram lutar por conseguir a maturidade não é o mesmo que ser maduro Na adolescência o indivíduo dá um novo passo para se estruturar na preparação para a vida adulta Dentro do continuum de sua identidade os elementos biológicos introduzem uma modificação irreversível Já não se terá novamente o corpo infantil Embora todo o processo evolutivo esteja marcado por microlutos aqui começa um luto muito mais evidente e significativo o qual acompanhará os lutos pelo papel e pela identidade infantis junto com o luto pela bissexualidade e por esses pais da infância a quem tanto se necessitava e dos quais se podia depender A presença externa concreta dos pais começa a ser desnecessária Agora a separação destes não só é possível como necessária As figuras parentais estão internalizadas incorporadas à personalidade do sujeito e este pode começar seu processo de individualização O volume a configuração e a qualidade das figuras parentais internalizadas adequadamente enriqueceram o ego reforçaram seus mecanismos defensivos úteis permitiram o desenvolvimento de suas áreas mais sãs ou preferindose das não psicóticas estruturaram o superego e dotaramno das necessárias características encausadoras da vida sexual que começa a poder exteriorizarse na satisfação genital agora biologicamente possível O nível genital adulto com características procriativas ainda não foi alcançado plenamente Ashley Montagu nos fala da esterilidade do organismo adolescente mas a chamada da sexualidade à satisfação genital que começou na fase genital prévia é agora uma realidade fática Essa é outra das situações de mudança que se produzem na adolescência e que influem nas características de como é nesse momento a busca de si mesmo e da identidade 2 A TENDÊNCIA GRUPAL Já assinalei que na sua busca da identidade adolescente o indivíduo nessa etapa da vida recorre como comportamento defensivo à busca de uniformidade que pode proporcionar segurança e estima pessoal Aí surge o espírito de grupo pelo qual o adolescente mostrase tão inclinado Há um processo de superidentificação em massa onde todos se identificam com cada um Às vezes o processo é tão intenso que a separação do grupo parece quase impossível e o indivíduo pertence mais ao grupo de coetâneos do que ao grupo familiar Não se pode separar da turma nem de seus caprichos ou modas Por isso inclinase às regras do grupo em relação a modas vestimenta costumes preferências de todos os tipos etc Em outro nível as atuações do grupo e dos seus integrantes representam a oposição às figuras parentais e uma maneira ativa de determinar uma identidade diferente da do meio familiar No grupo o indivíduo adolescente encontra um reforço muito necessário para os aspectos mutáveis do ego que se produzem neste período da vida Desta maneira o fenômeno grupal adquire uma importância transcendental já que se transfere ao grupo grande parte da dependência que anteriormente se mantinha com a estrutura familiar e com os pais especialmente O grupo constitui assim a transição necessária no mundo externo para alcançar a individualização adulta O grupo resulta útil para as dissociações projeções e identificaões que seguem ocorrendo no indivíduo mas com características que diferem das infantis Depois de passar pela experiência grupal o indivíduo poderá começar a separarse da turma e assumir a sua identidade adulta A utilização dos mecanismos esquizoparanóides é muito intensa durante a adolescência e o fenômeno grupal favorece a instrumentação dos mesmos Quando durante este período da vida o indivíduo sofre um fracasso de personificação produto da necessidade de deixar rapidamente os atributos infantis e assumir uma quantidade de obrigações e responsabilidades para as quais ainda não está preparado recorre ao grupo com um reforço para a sua identidade Vêse também que uma das lutas mais desajeitadas é a que se desenvolve em defesa da independência num momento em que os pais desempenham ainda um papel muito ativo na vida do indivíduo É por isso que no fenômeno grupal o adolescente procura um líder ao qual submeterse ou então erigese ele mesmo em líder para exercer o poder do pai ou da mãe Precisamente também pelos mesmos mecanismos de tipo esquizoide aos quais estou me referindo o indivíduo sente que estão acontecendo processos de mudança dos quais ele não pode participar de modo ativo e o grupo vem a solucionar então grande parte de seus conflitos Entretanto em virtude da estrutura esquizoide que caracteriza este fenômeno grupal sua própria personalidade costuma ficar fora de todo o processo que está acontecendo especialmente nas esferas do pensamento como veremos no capítulo correspondente e o indivíduo sentese totalmente irresponsável pelo que acontece ao seu redor Pareceria que o adolescente não tivesse nada a ver com o que faz o que pode explicar atitudes que aparentemente implicam uma grande dependência dos adultos mas que se contradize imediatamente com demandas e pedidos de ajuda que revelam a extrema dependência que na realidade têm 37 O fenômeno grupal facilita a conduta psicopática normal no adolescente como se enfatizará em outros capítulos deste texto O actingout motor produto do descontrole frente à perda do corpo infantil unese ao actingout afetivo produto do descontrole pelo papel infantil que se está perdendo aparecem então condutas de desafeto de crueldade com o objeto de indiferença de falta de responsabilidade que são típicas da psicopatia mas que encontramos na adolescência normal Como se enfatizará logo a diferença fundamental reside em que no psicopata esta conduta é permanente e cristalizada enquanto que no adolescente normal é um momento circunstancial e transitório que se submete à retificação pela experiência Logicamente também acontecem manifestações de conduta neurótica ou psicótica de diferente natureza conforme as circunstâncias e as condições internas de cada sujeito Ao reiterar o assinalado no capítulo 5 sobre o pensamento no adolescente posso afirmar que no psicopata o curtocircuito afetivo ao eliminar o pensamento onde a culpa pode se elaborar permite o mau trato definitivo dos objetos reais e fantasiados criando em última instância um empobrecimento do ego que tenta manterse irrealmente numa situação infantil de irresponsabilidade mas com aparente independência Diferente do adolescente normal que tem conflitos de dependência mas que pode reconhecer a frustração a impossibilidade de reconhecer e aceitar a frustração obriga a bloquear a culpa e induzir o grupo à atuação sadomasoquista sem participar da mesma Pode fazêlo porque dissocia pensamento de afeto e utiliza o conhecimento das necessidades dos outros para provocar a sua atuação satisfazendo assim indiferentemente em aparência suas próprias ansiedades psicóticas O adolescente pode nestas circunstâncias seguir os propósitos do psicopata e sucumbe na ação já que participa intensa e honestamente da mesma É assim que o conflito de identidade no adolescente normal adquire no psicopata a modalidade de uma máfé consciente que o leva a expressões do pensamento de tipo cruel desafetivo ridicularizante dos demais como mecanismos de defesa frente à culpa e ao luto pela infância perdida que não pode ser elaborada 3 NECESSIDADE DE INTELECTUALIZAR E FANTASIAR A necessidade de intelectualizar e fantasiar acontece como uma das formas típicas do pensamento do adolescente Nesta obra nos referimos com maior extensão ao tema do pensamento nesta etapa da vida num capítulo especialmente dedicado ao tema Aqui tomo estes mecanismos que podem ser logicamente considerados como mecanismos defensivos em sua expressão fenomênica e tra tarei de explicar psicodinamicamente estes sintomas da síndrome da adolescência normal A necessidade que a realidade impõe de renunciar ao corpo ao papel e aos pais da infância assim como à bissexualidade que acompanha a identidade infantil enfrenta o adolescente com uma vivência de fracasso ou de impotência frente à realidade externa Isto obriga também o adolescente a recorrer ao pensamento para compensar as perdas que ocorrem dentro de si mesmo e que não pode evitar As elucubrações das fantasias conscientes refirome ao fantasiar e o intelectualizar servem como mecanismos defensivos frente a estas situações de perda tão dolorosas A intelectualização e o ascetismo têm sido assinalados por Anna Freud 20 como manifestações defensivas típicas da adolescência Esta autora nos mostra que a função do ascetismo é manter o id dentro de certos limites por meio de proibições e a função da intelectualização consistirá em ligar os fenômenos instintivos com conteúdos ideativos e fazêlos assim acessíveis à consciência e fáceis de controlar A incessante flutuação da identidade adolescente que se projeta como identidade adulta num futuro bem próximo adquire caracteres que costumam ser angustiante e que obrigam a um refúgio interior que é muito característico É ali onde como já indiquei o mundo infantil desempenha um papel predominante que é absolutamente fundamental levar em consideração para compreender como o adolescente frente a todos estes choques do seu mundo interno mutável e do seu mundo externo indominável e frustrante pode sair airoso Como assinalou Arminda Aberastury 2 somente tendo uma relação adequada com objetos internos bons e também com experiências externas não demasiado mental negativas podese chegar a cristalizar uma personalidade satisfatória Tal fuga no mundo interior permite segundo esta autora uma espécie de reajuste emocional um autismo positivo no qual se dá um incremento da intelectualização que leva à preocupação por princípios éticos filosóficos sociais que muitas vezes implicam formularse um plano de vida muito diferente do que se tinha até esse momento e que também permite a teorização acerca de grandes reformas que podem acontecer no mundo exterior Este mundo exterior vai se diferenciando cada vez mais do mundo interno e portanto serve também para defenderse das mudanças incontroláveis deste último e do próprio corpo Surgem então as grandes teorias filosóficas os movimentos políticos as idéias de salvar a humanidade etc É também aí que o adolescente começa a escrever versos novelas contos e dedicase a atividades literárias artísticas etc É preciso destacar que esta é uma explicação de certas manifestações culturais e políticas que acontecem muito habitualmente na grande maioria dos adolescentes Mas não implica concluir que todas as manifestações artísticas culturais 39 e políticas dos adolescentes tenham forçosamente este substrato nem que respondam sempre a situações conflitivosa não manejáveis Talvez coubesse discutir aqui toda a problemática da sublimação por um lado ou o enfoque psicossociológico por outro o que foge às possibilidades deste trabalho 4 AS CRISES RELIGIOSAS Quanto à religiosidade fenomenologicamente se observa que o adolescente pode se manifestar como um ateu exacerbado ou como um místico muito fervoroso como situações extremas Logicamente entre elas há uma grande variedade de posicionamentos religiosos e mudanças muito freqüentes É comum observar que um mesmo adolescente passa inclusive por períodos místicos ou por períodos de um ateísmo absoluto Isto concorda com toda a situação mutável e flutuante do seu mundo interno ao qual estou me referindo Charlotte Buhler 12 disse que o adolescente quer duvidar cavilar quer procurar não decidirse e quando entra nesta idade difícil perguntase quem é o que é para depois tentar uma resposta mais ou menos adequada a esta pergunta interrogarse a respeito do que fazer com ele como o que ele supõe que é A preocupação metafísica emerge então com grande intensidade e as tão freqüentes crises religiosas não são um mero reflexo caprichoso do místico como às vezes costumam aparecer aos olhos dos adultos mas tentativas de soluções da angústia que vive o ego na sua busca de identificações positivas e do confronto com o fenômeno da morte definitiva de uma parte do seu ego corporal Além disso começa a enfrentar a separação definitiva dos pais e também a aceitação da possível morte dos mesmos Isto nos explica como o adolescente pode chegar a ter tanta necessidade de fazer identificações projetivas com imagens muito idealizadas que lhe garantam a continuidade da existência de si mesmo e de seus pais infantis A figura de uma divindade de qualquer tipo de religião pode representar para ele uma saída mágica deste tipo Se as situações de frustração são muito intensas e as vivências de perda sumamente penosas por carência de boas relações em virtude das características das imagens parentais perseguidoras internalizadas o refugiarse numa atitude niilista como uma aparente culminação de um processo de ateísmo reivindicatório pode também ser uma atitude compensadora e defensiva Como muito bem afirma González Monclús 26 Entre ambos os extremos misticismo exacerbado ateísmo racionalista é talvez oportuno assinalar entre os adolescentes uma freqüente posição a do entusiasmo formal em contraposição com uma indiferença frente aos valores religiosos essenciais O misticismo que pode chegar a alcançar níveis delirantes e o materialismo com características niilistas são atitudes extremas de uma forma de deslocamento ao intelectual religioso de mudanças concretas e reais que ocorrem a nível corporal e no plano da atuação familiarsocial que resultam incontroláveis nesse nível fático frente aos quais a impotência do adolescente é sentida por este como absoluta Considero que na construção definitiva de uma ideologia assim como de valores éticos ou morais é preciso que o indivíduo passe por algumas idealizações persecutórias que as abandone por objetos idealizados egossintônicos para depois sofrer um processo de desidealização que possibilite construir novas e verdadeiras ideologias de vida 5 A DESLOCALIZAÇÃO TEMPORAL O pensamento do adolescente tanto frente ao temporal como ao espacial adquire características muito especiais Desenvolvi amplamente este assunto em outro trabalho 38 e mencionarei aqui algumas das minhas observações e conclusões Do ponto de vista da conduta observável é possível dizer que o adolescente vive com uma certa deslocalização temporal converte o tempo em presente e ativo numa tentativa de manejálo Enquanto a sua expressão de conduta o adolescente pareceria viver em processo primário com respeito ao temporal As urgências são enormes e às vezes as postergações são aparentemente irracionais Observamos aqui essas condutas que desconcertam o adulto O pai que recrimina o seu filho para que estude porque tem um exame imediato fica desconcertado frente à resposta do adolescente Eu tenho tempo O exame é somente amanhã É o caso igualmente desconcertante para os adultos da jovem adolescente que chora angustiada frente a seu pai queixandose da atitude desconsiderada da mãe que não contempla as suas necessidades imediatas de ter esse vestido novo para seu próximo baile Nessas circunstâncias o pai tenta solidarizarse com a urgência de sua filha e compreende a necessidade do vestido novo para essa reunião social tão importante para ela quando interroga a mãe a respeito do porquê da sua negativa fica surpreso com a resposta de que esse baile vai se realizar dentro de três meses Na realidade este problema deve ser estudado psicodinamicamente desde a perspectiva que nos oferece o analisar a paulatina elaboração das partes não discriminadas da personalidade à medida que o sujeito vai amadurecendo O indivíduo se inicia como ser unicelular absolutamente dependente de um meio mãe e se desenvolve e diferencia progressivamente Vai da indiferença mais primi 41 tiva à discriminação 38 que como já repeti se dá num meio social com características determinadas Segundo as idéias de Bion 10 e de Bleger 11 a respeito da chamada parte psicótica da personalidade considero que ao desfazerse o equilíbrio alcançado na latência predomina por alguns momentos no adolescente precisamente a parte psicótica da personalidade Com esse critério é possível considerar que a adolescência se caracteriza pela irrupção de partes indiscriminadas fundidas da personalidade naquelas outras mais diferenciadas As modificações biológicas e o crescimento corporal incontroláveis são vividos como um fenômeno psicótico e psicotizante no corpo As ansiedades psicóticas resultam incrementadas pela possibilidade real de realizar as fantasias edipianas de ter um filho com o genitor do sexo oposto O corpo se transforma pois numa área na qual confluem exigências biológicas e sociais e se faz assim depositário de vivências e fantasias persecutórias terroríficas de caráter psicótico Predomina uma organização sincrética com uma particular percepção do mundo uma realidade especial onde o sujeito não pode chegar a configurar contradições Muitos dos eventos que o adulto pode delimitar e discriminar são para o adolescente equiparáveis equivalentes ou coexistentes sem maior dificuldade São verdadeiras crises de ambigüidade que podem ser consideradas como uma das expressões de conduta mais típicas do período da vida que nos ocupa O tempo logicamente está então dotado dessa indiscriminação que explica a conduta que exemplificamos anteriormente Considero que é durante a adolescência que a dimensão temporal vai adquirindo lentamente características discriminativas As dificuldades do adolescente para diferenciar externointerno adultoinfantil etc devo acrescentar a dificuldade para distinguir presente passado futuro Podese unir o passado e o futuro num devorador presente 60 presente que tem características não discriminadas e que conseqüentemente implicaria uma temporalidade diferente que quando se aplica a esta o conceito de Rascovsky 54 poderíamos falar de uma temporalidade maníaca vinculada com o núcleo aglutinado da personalidade ou núcleo psicótico Como assinalei na dimensão temporal se expressa claramente a ambigüidade do adolescente que está relacionada então com a irrupção da parte psicótica da personalidade É por isso que acredito que se pode dizer que a mesma passagem do tempo quando se vivência desperta culpa persecutória e pode mobilizar condutas psicóticas 25 Não é casualidade que uma entidade nosológica típica da adolescência a síndrome de difusão de identidade 15 inclua especialmente a difusão temporal 42 Quando o indivíduo chega à adolescência já teve oportunidade de vivenciar parcialmente separações morte de objetos internos e externos de partes do ego e certa limitação do temporal no plano vital fundamentalmente no corpo e na relação interpessoalcorpórea O transcurso do tempo vai se tornando mais objetivo conceitual adquirindose noções de lapsos cronologicamente localizados Por isso acredito que se poderia falar de um tempo existencial que seria o tempo em si um tempo vivencial ou experiencial e um tempo conceitual O tempo vivencial e o conceitual podem corresponder respectivamente aos chamados tempo rítmico e tempo cronológico por Rolla 57 Aceitar a perda da infância significa aceitar a morte de uma parte do ego e de seus objetos para poder localizálos no passado Numa elaboração patológica este passado pode ameaçar invadir o indivíduo aniquilandoo Como defesas o adolescente espacializa o tempo para poder manejálo vivendo sua relação com o mesmo como um objeto 43 56 Com este tempoespaçoobjeto pode manejarse de maneira fóbica ou obsessiva convertendo as situações psicóticas em neuróticas ou psicopáticas Quando se nega a passagem do tempo podese conservar a criança dentro do adolescente como um objeto mortovivo Isto está relacionado com o sentimento de solidão tão típico dos adolescentes que apresentam esses períodos em que se encerram em seus quartos isolamse e retraemse Estes momentos de solidão costumam ser necessários para que fora possa ficar o tempo passado o futuro e o presente convertidos assim em objetos manejáveis A verdadeira capacidade de estar só é um sinal de maturidade que somente se consegue depois destas experiências de solidão às vezes angustiante da adolescência Enquanto isso ocorre a noção temporal do adolescente é de características fundamentalmente corporais ou rítmicas ou seja baseadas no tempo de comer no de defecar no de brincar no de dormir no de estudar etc É esse que denomino tempo vivencial ou experimental À medida que vão se elaborando os lutos típicos da adolescência a dimensão temporal adquire outras características É aqui que surge a conceituação do tempo que implica a noção discriminada de passado presente e futuro com a aceitação da morte dos pais e a perda definitiva do seu vínculo com eles e a própria morte As primeiras tentativas discriminativas temporais se efetuam a nível corporal por exemplo o adolescente afirma referindose ao seu passado quando era pequeno referindose ao seu futuro quando for grande fiz poderei fazer Nos momentos de autismo e de paralisação assim como em alguns dos de atuação o adolescente tende a fazer uma regressão a etapas prévias à discriminação e aceitação temporal Nessas ocasiões pode haver condutas de agitação ou 43 atuação 60 e procura defenderse assim da vivência do transcorrer do tempo Manterse unicamente no tempo experimental é uma forma de tentar parar o tempo e as mudanças recusar uma perspectiva presente e um passado e um futuro Se no passado do adolescente houve uma evolução e experiências positivas incorporando objetos bons a integração e a discriminação temporal verseão facilitadas e o futuro conterá a identificação projetiva de um passado gratificante O adolescente terá então condutas cada vez mais depressivas menos ambíguas Desta maneira considero que a percepção e a discriminação do temporal seria uma das tarefas mais importantes da adolescência vinculada com a elaboração dos lutos típicos dessa idade Isto é o que acho que permite sair da modalidade de relação narcisista do adolescente e da ambigüidade que caracterizam a sua conduta Quando este pode reconhecer um passado e formular projetos de futuro com capacidade de espera e elaboração no presente supera grande parte da problemática da adolescência 38 É por isso que concordo com Mom 47 quando assinala que em toda a análise tem que se prestar especial atenção à busca do tempo já que a dissociação e a distância são elementos que existem em função da anulação do tempo Diz este autor que o tempo une integra numa unidade condiciona uma relação objetiva com um único objeto Ou seja poder conceituar o tempo vivenciálo como nexo de união é o essencial subjacente à integração da identidade Daí que considere que a busca da identidade adulta do adolescente esteja estreitamente vinculada com a sua capacidade de conceituar o tempo 6 A EVOLUÇÃO SEXUAL DESDE O AUTOEROTISMO ATÉ A HETEROSSEXUALIDADE Na evolução do autoerotismo à heterossexualidade que se observa no adolescente podese descrever um oscilar permanente entre a atividade de caráter masturbatório e os começos do exercício genital que tem características especiais nesta fase do desenvolvimento onde há mais um contato genital de caráter exploratório e preparatório do que a verdadeira genitalidade procriativa que só acontece com a correspondente capacidade de assumir o papel paternal no início da vida adulta Ao ir aceitando sua genitalidade o adolescente inicia a busca do parceiro de maneira tímida mas intensa É o período em que começam os contatos superficiais os carinhos cada vez mais profundos e mais íntimos que enchem a vida sexual do adolescente Calculase que dos 13 aos 20 anos 88 dos rapazes e 91 das moças já tiveram este tipo de atividade sexual e que praticamente aos 21 anos 100 dos rapazes já tiveram essa experiência 55 O amor apaixonado é também um fenômeno que adquire características singulares na adolescência e que apresenta todo o aspecto dos vínculos intensos porém frágeis da relação interpessoal adolescente O primeiro episódio de amor ocorre na adolescência precoce e costuma ser de grande intensidade Aparece aí o chamado amor à primeira vista que não só pode não ser correspondido mas que inclusive pode ser totalmente ignorado pela pessoa amada 27 como ocorre quando esse ser amado é uma figura idealizada um ator de cinema uma estrela do esporte etc que tem na realidade as características de um claro substituto parental ao qual o adolescente se vincula com fantasias edipicas A relação genital heterossexual completa que ocorre na adolescência tardia é um fenômeno muito mais freqüente do que se considera habitualmente no mundo dos adultos de diferentes classes sociais Estes tentam negar a genitalidade do adolescente e não só minimizam sua capacidade de relação genital heterossexual mas ainda dificultamna Calculase que 40 a 60 dos adolescentes realizam o ato sexual completo da características genitais 55 que considero tem mais um caráter exploratório de aprendizagem da genitalidade do que um verdadeiro exercício genital adulto de tipo procriativo com as responsabilidades e prazeres concomitantes Freud 22 estabeleceu a importância das mudanças puberas para a reinstalação fática da capacidade genital do sujeito Assinalou também que as mudanças biológicas da puberdade são as que impõem a maturidade sexual ao indivíduo intensificandose então todos os processos psicobiólogicos que se vivem nesta idade É importante destacar que Freud tinha falado de genitalidade na infância Ao elaborar o luto pelo corpo infantil perdido que também significa a elaboração do luto pelo sexo oposto perdido neste processo evolutivo a aceitação da genitalidade surge com força na adolescência imposta pela presença difícil de negar da menstruação ou do aparecimento do sêmen Ambas as funções fisiológicas que amadurecem neste período da vida impõem ao papel genital a procriação e a definição sexual correspondente A dentição marca o fim do vínculo oral com a mãe O modelo de vínculo oral é o que se vai tentar restabelecer na segunda metade do primeiro ano de vida quando aparece a fase genital prévia de Arminda Aberastury 3 4 5 Seguindo as idéias desta investigadora é possível ver como aparece aqui a necessidade do terceiro e a estruturação do complexo de Édipo precoce que tem então características genitais e não orais É neste momento que ocorre o descobrimento e a manipulação dos órgãos genitais e as fantasias do estabelecimento de um vínculo num nível genital Estas fantasias de vínculo genital acontecem com as 44 características do penetrante para o masculino e do penetrado para o feminino É mister destacar que o vínculo deve restabelecerse portanto no nível dessas funções e conseqüentemente tanto para o homem como para a mulher as primeiras fantasias de recuperação do vínculo originariamente perdido podem fazerse quando se estabelecem sobre um modelo genital utilizando então os órgãos genitais não como instrumentos sádicos como implicaria o seguir mantendo o vínculo oral depois do aparecimento da dentição mas como uma possibilidade de vínculo afetivo e portanto factível de ser mantido São então às fantasias de penetrar que de ser penetrado o modelo de vínculo que vai se manter durante toda a vida posterior do sujeito como expressão do masculino e do feminino Para isso as figuras da mãe e do pai são fundamentais e essenciais A ausência ou déficit da figura do pai vai ser a que determinará a fixação na mãe e conseqüentemente vai ser também a origem da homossexualidade tanto do homem como da mulher As possibilidades da elaboração satisfatória no lactente da fase genital prévia são factíveis se este pode se masturbar de maneira não compulsiva quando se identifica projetivamente com os pais em coito positivo e amoroso e se pode realizar atividades lúdicas 3 4 É mister destacar que esta fase genital prévia e sua elaboração fica incluída entre as fases prégenitais e vai se repetir depois no período fálico clássico aos 4 ou 5 anos Também aqui e seguindo o critério clássico freudiano das séries complementares é preciso reconhecer que a conduta dos pais frente à fase genital prévia e a toda a genitalidade infantil influirá de maneira determinante na evolução genital do indivíduo Isto é precisamente o que vemos na adolescência onde a possível instrumentação da genitalidade com significados adultos aguça outra vez a fantasia e a experiência passada até então Assim podemos ver o fenômeno da evolução do autoerotismo à heterossexualidade masturbação primeiro como fase genital prévia atividade lúdica que leva à aprendizagem que é a aprendizagem lúdica do outro sexo através do tocar bailes jogos esportes o que constitui também uma forma de exploração Temos aqui também o problema da curiosidade sexual expressa no interesse pelas revistas pornográficas tão freqüente entre os adolescentes O exibicionismo e o voyeurismo se manifestam na vestimenta no cabelo no tipo de danças etc Neste período evolutivo a importância das figuras parentais reais é enorme A cena primária é positiva ou negativa conforme as primeiras experiências e a imagem psicológica que proporcionam os pais reais externos As mudanças biológicas que têm lugar na adolescência produzem grande ansiedade e preocupação porque o adolescente deve assistir passiva e impotentemente às mesmas A tentativa de negar a perda do corpo e do papel infantil especialmente provoca modificações no esquema corporal que se tenta negar na elaboração dos processos de luto normais da adolescência Anna Freud assinalou que a genitalidade determina modificações do ego que se vê em graves conflitos com o id obrigandoo a recorrer a novos e mais específicos mecanismos de defesa 21 Melanie Klein 28 afirma que o ressurgimento da libido que segue à latência reforça as demandas do id ao mesmo tempo que as exigências do superego se incrementam O compromisso então não só engloba ao ego e ao id mas faz intervir o superego muito ativamente Se considerarmos que na configuração do superego desde o primeiro momento intervêm os pais são estas lutas com as figuras parentais mediante os processos de identificação com as mesmas as que vão levar à cristalização final da identidade adolescente preparandoa para ser uma identidade adulta Assim como durante a fase genital prévia se estabelece o triângulo edípico na adolescência este se reativa com toda a intensidade porque como a instrumentação da genitalidade se faz factível o indivíduo se vê obrigado a recorrer a mecanismos de defesa mais persistentes e enérgicos Não sendo assim a consumação do incesto seria possível Esta seria a realização atualizada da genitalidade precoce com a perda absoluta da fonte de identificação sexual definitiva adulta O indivíduo que realizasse o incesto teria um impedimento no processo de individualização já que permaneceria mantido numa relação genital precoce sem possibilidades de definição sexual real A figura parental que permitiria o incesto atuaria sobre a fantasia de impedir o despendimento do filho Isso levaria a manter através da consumação incestuosa uma realização simbiótica que de acordo com o que estudei com Arminda Aberastury poderia constituir a base da homossexualidade tanto do homem como da mulher É durante a adolescência e como aspectos da elaboração edípica que se podem ver aspectos de conduta femininos no rapaz e masculinos na moça que são as expressões de uma bissexualidade não resolvida Ao elaborarse o complexo de Édipo no rapaz aparecem idealizações do pai que adquire então as características de um ser bom e poderoso que possibilita visualizar os sentimentos que o adolescente tem em relação a seu pai real e que vai poder manejar na relação adulta com o mesmo Pode identificarse então com os aspectos positivos do pai superar o temor à castração por meio de realizações e conquistas diversas completar seus estudos ou sua aprendizagem do trabalho aceitar seus progressos que são os que lhe mostrarão que é realmente o mesmo o próprio adolescente o que também tem potência e capacidade criativa Na moça acontece algo similar já que ao elaborar sua situação edípica pode aceitar a beleza de seus atributos femininos e também realizarse no trabalho ou no estudo de uma maneira completamente feminina aceitando que seu 46 47 corpo não foi destruído nem esvaziado podendo então identificarse com os aspectos positivos de sua mãe Há logicamente um fenômeno específico da mulher que é o da menarca vivido na nossa cultura como algo perigoso daninho e que reforça todo o tipo de fantasias persecutórias e destrutivas 284142 Devo destacar entretanto que este tipo de situação não é a que fatalmente acontece sempre ainda que logicamente numa grande proporção de moças de nossa cultura é possível observálo Quando as fases genitais precoces e a sexualidade em geral são mais aceitas pelos pais e quando estes mantêm uma relação harmoniosa proporcionando então uma imagem externa de cena primária positiva o aparecimento da menstruação pode ser vivido como uma confirmação da sexualidade feminina e iniciar então na moça uma verdadeira etapa de satisfações e realizações genitais muito positivas É normal que na adolescência apareçam períodos de predomínio de aspectos femininos no rapaz e masculinos na moça É preciso ter sempre presente o conceito de bissexualidade e aceitar que a posição heterossexual adulta exige um processo de flutuações e aprendizagem em ambos os papéis É preciso levar em consideração que o exercício genital procriativo sem assumir a responsabilidade conseqüente não é um índice de maturidade genital mas sim de sérias perturbações neste nível Portanto não se pode aceitar como uma conquista genital o fato de que um adolescente em tratamento psicoterápico ou psicanalítico tenha estabelecido uma relação de namoro ou iniciado contatos genitais procriativos Pude observar matrimônios consumados por adolescentes ou por pessoas jovens com características francamente adolescentes que demonstram uma total incapacidade para assumir os papéis adultos correspondentes e que portanto estiveram condenados a um fracasso irremediável Spiegal 63 assinalou que a sexualidade parece agir como uma força que irrompe sobre ou no indivíduo ao invés de ser vivido por este como uma expressão de si mesmo É que a sexualidade é vivida pelo adolescente como uma força que se impõe em seu corpo e que o obriga a separálo de sua personalidade mediante um mecanismo esquizóide por meio do qual o corpo é algo externo e alheio a si mesmo Observei adolescentes que nos falam de suas relações sexuais como de algo necessário não para eles mas para seu pênis ou para sua vagina ou para sua saúde corporal É é aqui quando recorrem na realidade a uma verdadeira negação de sua genitalidade É então que ao tentar recuperar maniacamente a bissexualidade perdida têm que optar pela masturbação Esta é fundamentalmente então uma tentativa maníaca de manter a bissexualidade que às vezes se exterioriza pela prática homossexual Calculase que aproximadamente 3 das moças e 27 dos rapazes em idade adolescente chegam a ter orgasmo como resultado de contatos homossexuais geralmente de caráter masturbatório 49 É preciso destacar com Fenichel 19 que as experiências homossexuais ocasionais entre adolescentes não devem ser consideradas patológicas desde que tenham esse aspecto de fenômeno temporário de adaptação e não se cristalizem como condutas definitivas De acordo com a minha experiência na busca de definição genital o adolescente costuma passar por períodos de homossexualidade que podem ser a expressão de uma projeção da bissexualidade perdida e desejada em outro indivíduo do mesmo sexo Desta maneira poderia o adolescente na sua fantasia recuperar o sexo que está se perdendo em seu processo de identificação genital Não devem pois assustar a ninguém as situações fugazes de homossexualidade que o adolescente apresente e sobretudo aquelas que aparecem mascaradas através de contatos entre adolescentes do mesmo sexo saídas bailes etc Desejo enfatizar que como assinalei antes a falta da figura paterna faz com que tanto o rapaz como a moça fiquem fixados à mãe O rapaz ao não ter uma figura masculina com quem se identificar por déficit ou ausência da figura paterna tentará procurar essa figura toda a sua vida busca do pênis que dá potência e masculinidade A moça fica fixada à relação oral com a mãe e no contato pele a pele reprimindo e negando as possibilidades de uma relação com um pênis pela inexistência do mesmo em suas relações objetais precoces Seguindo então idéias elaboradas com Arminda Aberastury posso dizer que a raiz da homossexualidade que costuma se dar transitoriamente como uma manifestação típica da adolescência é preciso buscála na circunstância de que o pai não assume seus papéis ou está ausente Então tanto o rapaz como a moça vão à homossexualidade porque ambos ficam assim obrigados a manter a bissexualidade como defesa frente ao incesto Tanto nesta homossexualidade normal e transitória como na atividade genital prévia e a genital preparatória para a genitalidade procriativa o processo masturbatório está presente desde a infância precoce até a adolescência avançada A atividade masturbatória na primeira infância tem uma finalidade exploratória e preparatória para a futura aceitação da genitalidade 6 Estas experiências de exploração que têm por finalidade encontrar órgãos capazes de reproduzir a relação perdida com a mãe vão configurando no esquema corporal a imagem do aparelho genital Levarão o bebê ao juízo real de que seu corpo dispõe de apenas um dos termos dessa relação perdida a moça encontra a vagina e o rapaz o pênis Quando a moça ou o rapaz se masturbam reconstroem com uma parte de seu próprio corpo o sexo que não têm Com a bipedestação o caminhar e a linguagem a criança tem novas fontes de satisfação e suas relações com o mundo se ampliam 1 A atividade masturbatória diminui então e a atividade lúdica e as múltiplas sublimações que surgem nessa idade tornamse cada vez mais crescentes 49 13 A atividade masturbatória com as características de negação maníaca se mantém nos diferentes períodos da vida antes de chegar à vida adulta Pude observar que além das fantasias da cena primária que foram descritas como típicas na masturbação também existe uma verdadeira dissociação mentecorpo na qual o indivíduo aparece como espectador de uma cena primária que está se realizando no seu próprio corpo Crianças e adolescentes costumam associar com a narração de suas experiências masturbatórias cenas onde o coito dos pais está sendo visualizado por eles De acordo com o que estou expondo a masturbação é primeiro uma experiência lúdica na qual as fantasias típicas são manejadas solitariamente tentando descarregar a agressividade misturada com erotismo através da mesma e aceitando a condição de terceiro excluído É além da tentativa maníaca de negar a perda da bissexualidade parte do processo de luto normal da adolescência O lúdico e preparatório da infância e da latência modificase na puberdade e na adolescência Aqui a maturidade genital ao dar ao indivíduo a capacidade de união num nível genital e ao outorgarlhe sua capacidade procriativa faz com que as fantasias incestuosas se incrementem igual à frustração posto que o indivíduo já possui o instrumento executor da genitalidade o qual entretanto ainda não pode usar por restrições sócioculturais É esse um dos motivos pelo qual as fantasias masturbatórias na puberdade são muito mais destrutivas e carregadas de culpa 6 do que na infância É que frente à definição da necessidade da satisfação genital se reativa e intensifica a atividade masturbatória iniciada na infância precoce como uma tentativa desesperada de manter o sujeito na bissexualidade A intensidade do conflito criado pela metamorfose corporal e o incremento da genitalidade explica a intensidade dessa atitude e suas características mais angustiosas na adolescência Mas a masturbação tem também aqui a finalidade exploratória de aprendizagem e preparatória para a futura genitalidade procriativa É possível resumir o exposto dizendo que a masturbação como fenômeno normal da adolescência permite ao indivíduo nesta etapa da vida passar pela etapa esquizoparanóide de sua personalidade considerar seus órgãos genitais como alheios a si mesmo tentar recuperálos e integrálos e finalmente realizar o processo depressivo através de uma angústia primeiro persecutória e logo depressiva e integrar seus órgãos genitais a todo o conceito de si mesmo formando realmente uma identidade genital adulta com capacidade procriativa independência real e capacidade de formar um par estável em seu próprio espaço e em seu próprio mundo Ou seja o indivíduo terá chegado à genitalidade procriativa Neste sentido e segundo parcialmente as idéias de Erikson 15 é possível definir a genitalidade adulta como o exercício pleno da capacidade libidinal de um indivíduo mediante a colocação em jogo dos elementos remanescentes de todas as etapas de amadurecimento psicosexual com a culminação no nível genital com outro indivíduo do sexo oposto e com a aceitação implícita da capacidade de procriar sempre que as condições sócioeconômicas da realidade externa o permitam integrando assim uma constelação familiar com os papéis adultos correspondentes 30 50 14 tificação futuras aceitações de identificações parciais e incorporação de uma grande quantidade de pautas sócioculturais e econômicas que não é possível minimizar A posterior aceitação da identidade está forçosamente determinada por um condicionamento entre indivíduo e meio que é preciso reconhecer Acredito juntamente com outros autores que há bases comuns a todas as sociedades que estão determinadas pela própria condição humana e pelos conflitos naturais dos indivíduos humanos Na tentativa vital que apresenta o indivíduo para identificarse com suas figuras parentais e tentar depois superálas na realidade de sua existência o adolescente apresenta uma conduta que é o resultado final de uma estabilidade biológica e psíquica da urgência dos dispositivos mutáveis de relação objetal e da vitalidade dos conflitos inconscientes Estes últimos estão moldados sobre a sociedade na qual o indivíduo vive 48 A cultura modifica enormemente as características exteriores do processo ainda que as dinâmicas intrínsecas do ser humano sigam sendo as mesmas Acredito que os estudos antropológicos mostram variedades de manifestações de vida em comum do ser humano que logicamente na adolescência marcamse como características salientes mas que de nenhuma maneira implicam uma negação das características básicas e fundamentais que são as que se podem descrever no adolescente O aqui descrito como básico psicodinâmicobiológico do indivíduo se exterioriza de diferentes maneiras de acordo com os padrões culturais Conforme o meu pensamento compreender os padrões culturais pode ser de inestimável importância para determinar certas pautas exteriores de manejo da adolescência mas compreender a adolescência em si mesma é essencial para que estas pautas culturais possam ser modificadas e utilizadas adequadamente quando o adolescente claudica na patologia A adolescência é recebida predominantemente de maneira hostil pelo mundo dos adultos em virtude das situações conflitivas edípicas às quais já fiz referência Criamse estereótipos 7 com os quais se tenta definir caracterizar assinalar ainda que realmente acredito eu se procure isolar fobicamente os adolescentes do mundo dos adultos Não é uma simples casualidade que a entrada na puberdade seja tão destacada em quase todas as culturas Os chamados ritos de iniciação são muito diversos mas têm fundamentalmente sempre a mesma base a rivalidade que os pais do mesmo sexo sentem ao ter que aceitar como iguais e posteriormente inclusive admitir a possibilidade de serem substituídos pelos mesmos a seus filhos que assim se identificam com eles 48 A sociedade é a que se encarrega do conflito edipico e tende a impor a sua solução às vezes de uma maneira muito cruel o que já reflete essa situação de ambivalência dual à qual me referi e ao antagonismo que os pais sentem com relação a seus filhos Não acredito que este seja um simples fenômeno de estudo antropológico que possa refletir uma curiosidade histórica com referência a culturas primitivas Nossa própria sociedade pode ser tão cruel como a menos civilizada das culturas arcaicas que conhecemos É muito conhecida a rigidez de alguns pais as formalidades que exigem da conduta de seus filhos adolescentes as limitações brutais que costumam impor a ocultação maliciosa que fazem do aparecimento da sexualidade o tabu da menarca as negações de tipo moralista que contribuem para reforçar as ansiedades paranóicas dos adolescentes Também é conhecida a contradição de nossa sociedade contemporânea onde as possibilidades materiais para o ser humano são enormes especialmente nos chamados países de afluência e onde entretanto tudo se torna praticamente impossível para o adolescente Podemos nos sentar em frente ao vídeo de uma televisão em nosso próprio lar e ver o que acontece nos países mais afastados e nas sociedades mais desconhecidas Podemos assim reconhecer a falácia de nossos costumes e podemos tentar modificálos O fenômeno da subcultura adolescente se expande e se contagia como um sinal de rebelião Na realidade acredito que se trata de identificações cruzadas e massivas que ocorrem como uma necessidade de defesa egóica neste período da vida mediante a qual o indivíduo vai se desprendendo de situações infantis e vendo ao mesmo tempo como é perigosa e indefinida a sua entrada no mundo dos adultos A atitude social reivindicatória do adolescente tornase praticamente imprescindível A sociedade mesmo manejada de diferentes maneiras e com diferentes critérios sócioeconômicos impõe restrições à vida do adolescente O adolescente com a sua força com a sua atividade com a força reestruturadora da sua personalidade tenta modificar a sociedade que por outra parte está vivendo constantemente modificações intensas Tendo consciência da alteração que significa o que afirmo é possível dizer que se cria um malestar de caráter paranóide no mundo adulto que se sente ameaçado pelos jovens que vão ocupar esse lugar e que portanto são reativamente deslocados O adulto projeta no jovem a sua própria incapacidade em controlar o que está acontecendo sóciopoliticamente ao seu redor e tenta então deslocar o adolescente Vemos que muitas vezes as oportunidades para os adolescentes capazes estão muito restringidas e em não poucas oportunidades o adolescente tem que se adaptar submetendose às necessidades que o mundo adulto lhe impõe Pareceria que às vezes como diz Sullivan 65 o adolescente tivesse que descobrir que só pode progredir no comércio ou na indústria mediante uma paciente e sistemática adaptação aos ditames dos débeis mentais e mostra como o triunfo da mediocridade e da estupidez humana proporciona um certo grau de comodidade cuja única saída é às vezes encontrada nas façanhas heróicas do crime e da delinqüência 53 Na medida em que o adolescente não encontre o caminho adequado para a sua expressão vital e para a aceitação de uma possibilidade de realização não poderá jamais ser um adulto satisfeito A tecnificação da sociedade o domínio de um mundo adulto incompreensível e exigente a burocratização das possibilidades de emprego as exigências de uma industrialização mal canalizada e uma economia mal dirigida criam uma divisão de classes absurda e ilógica que o indivíduo tenta superar mediante crises violentas que podem se comparar a verdadeiras atitudes de caráter psicopático da adolescência aqui me refiro especificamente a um mecanismo útil pelo inevitável Muitas outras vezes frente a estas vicissitudes a reação da adolescência ainda que violenta pode adotar a forma de uma reestruturação egóica revolucionária que conduz a uma liberação desse superego social cruel e limitador É então a parte sadia da sociedade que se refugia no baluarte de uma adolescência ativa que canaliza as reivindicações lógicas que a própria sociedade precisa para um futuro melhor Como psicanalista penso que para poder compreender algumas destas mudanças devemos levar em consideração as dinâmicas psicológicas que estão determinadas não somente pelas realidades sócioeconômicas do mundo em que vivemos mas também pelas necessidades psicológicas de uma adolescência que se prolonga no que antes era uma vida adulta serena e que hoje não pode ser mais do que uma inquietude uma instabilidade uma sensação de fracasso que se deve tentar superar de qualquer maneira e a qualquer preço A juventude revolucionária do mundo e a nossa especialmente tem em si o sentimento místico da necessidade da mudança social O que se pode explicar como o manejo onipotente do mundo que precisa lucrar o adolescente como compensação encontra na realidade social frustrante uma imagem espetacular do seu superego cruel e restritivo As partes sadias do seu ego se põem a serviço de um ideal que permite modificar estas estruturas sociais coletivas e surgem assim grandes movimentos de conteúdo valioso e nobre para o futuro da humanidade O perigo reside em que mediante o mesmo mecanismo podemse canalizar certos jovens para empresas e aventuras destrutivas perniciosas e patologicamente reivindicatórias Ou seja as atitudes reivindicatórias e de reforma social do adolescente podem ser a cristalização na ação do que já ocorreu no seu pensamento As intelectualizações fantasias conscientes necessidades do ego flutuante que se reforça no ego grupal fazem com que se transformem em pensamento ativo em verdadeira ação social política cultural esta elaboração do processo da adolescência que considero tão fundamental em todo o desenvolvimento evolutivo do indivíduo Frente ao adolescente individual é preciso não esquecer que grande parte da oposição que se vive por parte dos pais é transferida ao campo social Além disso grande parte da frustração que significa fazer o luto pelos pais da infância projetase no mundo externo Desta maneira o adolescente sente que não é ele quem muda quem abandona o seu corpo e o seu papel infantil mas que são os seus pais e a sociedade os que se negam a seguir funcionando como pais infantis que têm com ele atitudes de cuidado e proteção ilimitados Descarrega então contra eles o seu ódio e a sua inveja e desenvolve atitudes destrutivas Se puder elaborar bem os lutos correspondentes e reconhecer a sensação de fracasso poderá introduzirse no mundo dos adultos com idéias reconstrutivas modificadoras num sentido positivo da realidade social e tendentes a que quando exerça a sua identidade adulta possa se encontrar num mundo realmente melhor Insisto que quando falo de adaptação aceitação ou reconhecimento não me refiro ao submetimento mas à inteligente possibilidade de uma relação objetal não masoquista 8 CONTRADIÇÕES SUCESSIVAS EM TODAS AS MANIFESTAÇÕES DA CONDUTA A conduta do adolescente está dominada pela ação que constitui o modo de expressão mais típico nestes momentos da vida em que até o pensamento precisa tornarse ação para poder ser controlado O adolescente não pode manter uma linha de conduta rígida permanente e absoluta ainda que muitas vezes o pretenda ou procure Spiegel 63 falou da personalidade do adolescente descrevendoa como esponjosa Logicamente é uma personalidade permeável que recebe tudo e que também projeta enormemente ou seja é uma personalidade na qual os processos de projeção e introjeção são intensos variáveis e freqüentes Isto faz com que não possa ter uma linha de conduta determinada o que já indicaria uma alteração da personalidade do adolescente É por isso que falamos de uma normal anormalidade de uma instabilidade permanente do adolescente Só o adolescente mentalmente doente poderá mostrar rigidez na conduta O psicopata por exemplo mostra todas as características descritas como fugazes e transitórias no adolescente mas de uma maneira rígida cristalizada estável e inflexível O neurótico obsessivo o autista o adolescente com difusão de personalidade mostrarnosão características estabilizadas de conduta num nível patológico No adolescente um indício de normalidade se observa na fragilidade da sua organização defensiva É o mundo adulto quem não suporta as mudanças de conduta do adolescente quem não aceita que o adolescente possa ter identidades ocasionais transi tórias circunstanciais como descrevi anteriormente e exige dele uma identidade adulta que logicamente não tem por que ter Estas contradições com a variada utilização de defesas facilitam a elaboração dos lutos típicos deste período da vida e caracterizam a identidade adolescente 9 SEPARAÇÃO PROGRESSIVA DOS PAIS Já indiquei que um dos lutos fundamentais que o adolescente tem que elaborar é o luto pelos pais da infância Portanto uma das tarefas básicas concomitantes à identidade do adolescente é a de ir separandose dos pais o que está favorecido pelo determinismo que as mudanças biológicas impõem neste momento cronológico do indivíduo O aparecimento da capacidade executora da genitalidade impõe a separação dos pais e reativa os aspectos genitais que tinham começado com a fase genital prévia A intensidade e a qualidade da angústia com que se dirige à relação com os pais e a separação destes estará determinada pela forma em que se realizou e elaborou a fase genital prévia de cada indivíduo à qual somarseão logicamente as experiências infantis anteriores e posteriores e a atual da própria adolescência O aparecimento da instrumentação da genitalidade com capacidade procriativa como já assinale é percebido também pelos pais do adolescente Muitos pais se angustiam e atemorizaram frente ao crescimento de seus filhos revivendo suas próprias situações edípicas o que como já indiquei dá lugar a situações conflitivas muito complexas que é preciso levar em consideração Os pais não são alheios às ansiedades que despertam a genitalidade e o desprendimento real e aos ciúmes que isto implica nos filhos e neles mesmos A evolução da sexualidade depende em grande parte de como os próprios pais aceitam os conflitos e o desprendimento que os filhos de uma maneira ou outra podem expressar Já me referi ao conceito de ambivalência dual que é mister destacar novamente aqui para entender o difícil processo de separação entre pais e filhos adolescentes Muitas vezes os pais negam o crescimento dos filhos e os filhos vêem os pais com as características persecutórias mais acentuadas Isto acontece especialmente se a fase genital prévia se desenvolveu com dificuldades e as figuras dos pais combinados a cena primária teve e tem caracteres de indiferenciação e de perseguição Se a figura dos pais aparece com papéis bem definidos numa união amorosa e criativa a cena primária diminui seus aspectos persecutórios e se converte no modelo do vínculo genital que o adolescente procurará realmente A presença internalizada de boas imagens parentais com papéis bem definidos e uma cena primária amorosa e criativa permitirá uma boa separação dos pais um desprendimento útil e facilitará ao adolescente a passagem à maturidade para o exercício da genitalidade num plano adulto Por outro lado figuras parentais não muito estáveis nem bem definidas em seus papéis podem aparecer ante o adolescente como desvalorizadas e obrigálo a procurar identificação com personalidades mais consistentes e firmes pelo menos num sentido compensatório ou idealizado Nestes momentos a identificação com ídolos de diferentes tipos cinematográficos desportivos etc é muito freqüente Em certas ocasiões podem acontecer identificações de caráter psicopático onde por meio da identificação introjetiva o adolescente começa a viver os papéis que atribui ao personagem com o qual se identificou Em virtude da necessidade de negar as fantasias genitais e a possibilidade de realização édipica os mecanismos esquizoparanóides costumam ser muito intensos Grande parte da relação com os pais está dissociada e estes são vistos então como figuras muito más ou muito boas o que logicamente depende fundamentalmente de como foram introjetadas estas figuras nas etapas prégenitais entre as quais incluímos a fase genital prévia As identificações se fazem então com substitutos parentais nos quais se podem projetar cargas libidinosas especialmente em seus aspectos idealizados o que permite a negação da fantasia édipica subjacente É assim como aparecem relações fantasiadas com professores heróis reais e imaginários companheiros mais velhos que adquirem características parentais e podem começar a estabelecer relações que nesse momento satisfazem mais A dissociação esquizóide do adolescente é um fenômeno normal e natural que é preciso aprender a reconhecer para compreender algumas das suas características A localização social deste fenômeno pode fazer com que se entenda com muito mais clareza a base fundamental comum que apresenta determinada característica cultural num certo meio geográfico e tradicional Só se observará uma variação externa da forma de expressão de um fenômeno básico psicológico que é o que descrevo neste momento 10 CONSTANTES FLUTUAÇÕES DO HUMOR E DO ESTADO DE ÂNIMO No meu primeiro trabalho sobre este tema 30 assinalei e enfatizei como os fenômenos de depressão e luto acompanham o processo identificatório da adolescência Um sentimento básico de ansiedade e depressão acompanhará permanentemente como substrato o adolescente A quantidade e a qualidade da elaboração dos lutos da adolescência determinarão a maior ou menor intensidade desta expressão e destes sentimentos No processo de flutuações dolorosas permanentes a realidade nem sempre satisfaz as aspirações do indivíduo ou seja suas necessidades instintivas básicas ou sua modalidade específica de relação objetal em seu próprio campo dinámico O ego realiza tentativas de conexão prazerosa às vezes desprazerosa nirvânica com o mundo que nem sempre se consegue e a sensação de fracasso frente a esta busca de satisfações pode ser muito intensa e obrigar o indivíduo a se refugiar em si mesmo Eis aí o retorno a si mesmo autista 38 que é tão singular no adolescente e que pode dar origem a esse sentimento de solidão tão característico dessa típica situação de frustração e desalento e desse aborrecimento que costuma ser uma característica distintiva do adolescente 13 O adolescente se refugia em si mesmo e no mundo interno que se foi formando durante a sua infância preparandose para a ação e diferente do psicopata do neurótico e do psicótico elabora e reconsidera constantemente suas vivências e seus fracassos Como exemplo típico do contrário podemos citar o psicopata que sente a necessidade de atuar diretamente pelo penoso que lhe é enfrentar depressivamente todas estas situações do seu mundo interno A intensidade e a frequência dos processos de introjeção e projeção podem obrigar o adolescente a realizar rápidas modificações no seu estado de ânimo já que se vê de repente submerso nas desesperanças mais profundas ou quando elabora e supera os lutos pode projetarse numa presunção que muitas vezes costuma ser desmedida As mudanças de humor são típicas da adolescência e é preciso entendêlas sobre a base dos mecanismos de projeção e de luto pela perda de objetos que já descrevi ao falharem estas tentativas de elaboração tais mudanças de humor podem aparecer como microcrises maníacodepressivas Descrevi aqui a síndrome da adolescência normal Tratase logicamente de uma apresentação esquemática de um processo fenomenológico que permite apreciar a expressão da conduta e determinar as características da identidade e do processo adolescente Os fenômenos subjacentes de caráter dinámico interpretamse como o motor que determina este tipo de expressão de conduta Destacamos que aceitar uma normal anormalidade do adolescente não implica situar este num quadro nosológico mas que tem por objeto facilitar a compreensão deste período da vida com as características que destaquei o que configura uma manifestação que se pode objetivar na clínica A descrição desta situação na qual foram destacados os caracteres de anormalidade tem o mesmo objeto que levou Melanie Klein a falar de fantasias psicóticas no bebê Tratase de localizar a personalidade com todas as suas características dinámicas para uma melhor compreensão da mesma As descrições idealizadas ou os preconceitos denigratórios ou persecutórios com respeito à adolescência não ajudam nem o sociólogo nem o educador nem o psicólogo ou o psiquiatra a enfrentar este período da vida cujo estudo profundo curiosamente foi deixado um pouco de lado se revisarmos adequadamente a literatura psiquiátrica e psicanalítica exceto nos últimos dois ou três anos Poder aceitar a anormalidade habitual no adolescente vista desde o ângulo da personalidade idealmente sadia ou da personalidade normalmente adulta permitirá uma aproximação mais produtiva a este período da vida Poderá determinar o entender o adolescente desde o ponto de vista adulto facilitandolhe seu processo evolutivo rumo à identidade que procura e precisa Somente quando o mundo adulto o compreende adequadamente e facilita a sua tarefa evolutiva o adolescente poderá desempenharse correta e satisfatoriamente gozar de sua identidade de todas as suas situações mesmo das que aparentemente têm raízes patológicas para elaborar uma personalidade mais sadia e feliz Do contrário sempre se projetarão no adolescente as ansiedades e a patologia do adulto e se produzirá esse colapso ou crise de confronto de gerações que dificulta o processo evolutivo e não permite o gozo real da personalidade BIBLIOGRAFIA 1 Aberastury A La dentición la marcha y el lenguaje en relación con la posición depresiva Buenos Aires Revista de Psicoanálisis XV 1 2 pág 41 1968 2 El mundo del adolescente Montevideo Revista Uruguaya de Psicoanálisis 3 pág 3 1959 3 La fase genital previa Buenos Aires Revista de Psicoanálisis XXI 3 págs 203213 1964 4 La existencia de la organización genital en el lactante Revista Brasileña de Psicanálise 1 1 pág 18 1967 5 La importancia de la organización genital en la iniciación del complejo de Edipo temprano Buenos Aires Revista de Psicoanálisis XXVII 1 págs 525 1970 6 y Knobel M La masturbación y los mecanismos maníacos Montevideo Revista Uruguaya de Psicoanálisis VIII 3 pág 209 1966 7 Anthony E J The reaction of adults to adolescents and their behavior En G Caplan y S Lebovici Psychiatric approaches to adolescence Amsterdam Excerpta Medica Foundation 1966 8 AshleyMontagu M F El desarrollo reproductivo de la mujer Buenos Aires Libros Básicos 1960 9 Ausubel D P Theory and problems of adolescent development Nova Iorque Grune Stratton 1952 10 Bion W R Differentiation of the psychotic from the nonpsychotic personalities Londres International Journal of Psychoanálisis 38 pág 266 1957 11 Bleger J Simbiosis y ambigüedad Estudio psicoanalítico Buenos Aires Paidós 1967 12 Bühler Ch La vida psíquica del adolescente Buenos Aires Espasa Calpe Argentina 1950 13 Campo A El pensamiento y la culpa en la personalidad psicopática Trabajo presentado en la Asociación Psicoanalítica Argentina 1963 14 Chess S Introducción a la psiquiatría infantil Buenos Aires Paidós 1967 15 Erikson E H The problem of ego identity J Am Psychoanal Assn 4 pág 56 1956 16 Infancia y sociedad Buenos Aires Hormé 1969 17 Insight and responsability Nova Iorque W W Norton Co Inc 1964 18 Identity youth and crisis Nova Iorque W W Norton Co 1968 Existe versão em espanhol Identidad juventud y crisis Buenos Aires Paidós 1970 19 Fenichel O Teoría psicoanalítica de las neurosis Buenos Aires Nova 1962 20 Freud A El yo y los mecanismos de defensa Buenos Aires Paidós 1969 21 Adolescence en R Eissler y otros comps The psychoanalytic study of the child Nova Iorque International University Press XIII 1958 22 Freud S Una teoría sexual Obras Completas Madrid Biblioteca Nueva 1 1948 23 Gallagher J R y Harris H I Problemas emocionales de los adolescentes Buenos Aires Hormé 1966 24 Grinberg L El individuo frente a su identidad Buenos Aires Revista de Psicoanálisis XVIII pág 344 1961 25 Culpa y depresión Estudio psicoanalítico Buenos Aires Paidós 1963 26 González Monclus E Actitudes paranoides en la adolescencia Barcelona Revista de Psiquiatría y Psicología Médica III pág 381 1958 27 Hemming J Problems of adolescent girls Londres W Heinemann Ltd 1960 28 Klein M El psicoanálisis de niños Buenos Aires Hormé 2ª ed 1964 29 Envidia y gratitud en M Klein y otros Las emociones básicas del hombre Buenos Aires Nova 1960 30 Knobel M Psicología de la adolescencia La Plata Revista de la Universidad de La Plata 16 pág 55 1962 31 Psicopatología de la adolescencia en M Schteingart La adolescencia normal y sus trastornos endocrine Buenos Aires Héctor Macchi cap XVIII 1964 32 La adolescencia como experiencia clínica Quito Arch Crim Neuropsiq y Disc Conexas XXII 52 págs 501506 octdic 1965 33 On psychotherapy of adolescence Basilea Acta Paedopsiquiátrica 33 pág 168 1966 34 Discusión al Symposium sobre Aspectos psicosociales de la juventud Proceedings of the IVº World Congress of Psychiatry Madrid 511 sept 1966 Excerpta Medica Congress Series Nº 150 35 Psychotherapy and adolescence en B F Riess comp New directions in mental health Nova Iorque Grune Stratton I 1968 36 Youth in Argentina en J H Masserman comp A transcultural psychiatric approach Nova Iorque Grune Stratton 1969 37 La adolescencia y su psicopatología social Buenos Aires Revista de Medicina Psicosomática Argentina VI 14 págs 2947 1969 60 38 Un enfoque sobre la temporalidad en el psicoanálisis de la adolescencia Trabajo presentado a la Asociación Psicoanalítica Argentina 1969 39 Psicofarmacología y esquema corporal en la infancia Buenos Aires Revista de la Sociedad Argentina de Psicofarmacología III 4 págs 1321 1970 40 y otros Actitudes morales y sociales en adolescentes Revista Interamericana de Psicología I 7 1967 41 y Scaziga B Actitudes de preadolescentes acerca de la menstruación La Plata Revista de Psicología 2 págs 7579 1965 42 Langer M Maternidad y sexo Buenos Aires Paidós 1964 43 Liberman D Acerca de la percepción del tiempo Buenos Aires Revista de Psicoanálisis XII 3 pág 370 1955 44 Meltzer D El conflicto interno de la identidad en el adolescente Conferência preparada para la Asociación de Psicoterapeutas de Niños Estudio de fin de semana anual Londres 8 de marzo de 1963 45 Merloo J A M Responsability and normality Arch Crim Psychodynamics 4 pág 671 1961 46 Mira y López E Psicología evolutiva del niño y del adolescente Buenos Aires El Ateneo 5ª ed 1951 47 Mom J M Aspectos teóricos y técnicos en las fobias y en las modalidades fóbicas Buenos Aires Rev de Psicoanál XVII 2 pág 190 1960 48 Muensterberger W The Adolescent in Society en Lorand y Scheer comps Adolescence Nova Iorque Paul B Hoeber Inc 1961 49 Mussen P H y Conger J J Child development and personality Nova Iorque Harper Brothers 1956 50 Mouss R E Teorías de la adolescencia Buenos Aires Paidós 1966 51 Nixon R E An approach to the dynamics and growth in adolescence Psychiatry 24 pág 18 1961 52 Pastrana H Comunicación personal 1969 53 Ponce A Ambición y angustia de los adolescentes Buenos Aires J H Matera 1960 54 Rascovsky A y otros El psiquismo fetal Buenos Aires Paidós 1962 55 Reevy W A Adolescent sexuality en A Ellis y A Abarbanel The encyclopedia of sexual behavior Nova Iorque Hawthorn Books Inc 1961 56 Rolla E H El tiempo como objeto en la manía Acta Psiq Psicol A Lat X 1 pág 44 1964 57 El trabajo de la construcción de símbolos en la manía y la psicopatía en A Rascovsky y D Liberman comps Psicoanálisis de la manía y la psicopatía Buenos Aires Paidós 1966 58 Schteingart M La adolescencia normal y sus trastornos endocrinos Buenos Aires H Macchi 1964 59 Segal H Introduction to the work of Melanie Klein Londres W Heinemann Medical Books Ltd 1964 Existe versão em espanhol Introducción a la obra de Melanie Klein Buenos Aires Paidós 1969 60 Serebriany R Detención del tiempo angustia claustrofóbica y actuación psicopática Buenos Aires Revista de Psicoanálisis XIX 3 1962 61 Sherif M y Sherif C comps Problems of youth transition to adulthood in a changing world Chicago Aldine Publishing Co 1965 61 62 Sorenson R Youths need for challenge and place in American society its implications for adults and adult institutions Washington D C National Committee for Children and Youth Inc 1962 63 Spiegel L A Identity and adolescence en Lorand y Schneer comps Adolescence Nova Iorque Paul Hoeber Inc 1961 64 Stone L J y Church J Niñez y adolescencia Buenos Aires Hormé 1959 65 Sullivan H S Schizophrenia as a human process Nova Iorque W W Norton 1962 Existe versão em espanhol La esquizofrenia como un proceso humano México Herrero 1964 66 Thorpe L P y Johnson V Personality and social development in childhood and adolescence Review of Educational Research 28 5 págs 422432 dic 1958 62 Capítulo 3 Adolescência e psicopatia LUTO PELO CORPO PELA IDENTIDADE E PELOS PAIS INFANTIS ARMIND ABERASTURY ADOLFO DORNBUSCH NÉSTOR GOLDSTEIN MAURICIO KNOBEL GELA ROSENTHAL E EDUARDO SALAS Arminda Aberastury ao investigar as perturbações e momentos de crises durante a adolescência 1 encontrou que a definição do papel feminino ou masculino na união e procriação e as mudanças corporais que acontecem durante este processo aparecimento dos caracteres sexuais secundários são o ponto de partida das mudanças psicológicas e de adaptação social que também o caracterizam Seguindo suas idéias estabelecemos as correlações entre este período da vida e as psicopatias que aqui expomos Tanto as modificações corporais incontroláveis como os imperativos do mundo externo que exigem do adolescente novas pautas de convivência são vividos no começo como uma invasão Isto o leva como defesa a reter muitas de suas conquistas infantis ainda que também coexista o prazer e a ânsia de alcançar o seu novo status Também o conduz a um refúgio em seu mundo interno para poder ligarse novamente com seu passado e a partir daí enfrentar o futuro Estas mudanças nas quais perde a sua identidade de criança implicam a busca de 63 RESUMO KNOBEL Maurício A síndrome da adolescência normal In ABERASTURY Arminda KNOBEL Maurício Adolescência normal Um enfoque psicanalítico Porto Alegre Artes Médicas 1981 Capítulo 2 O autor inicia o capítulo destacando que reconhece a importância do âmbito sóciocultural no desenvolvimento do adolescente entretanto há toda uma totalidade e uma perspectiva de conhecimento da psicologia evolutiva a ser considerada nesse processo A partir do momento em que se estuda a adolescência é preciso considerar tanto a perspectiva do pesquisador quanto a situação dos adolescentes hoje em dia A adolescência é um período de transição entre a infância e a vida adulta marcado por uma reformulação da identidade e pela integração num mundo adulto E sem dúvidas é uma das fases mais difíceis para o indivíduo que passa pois é um misto de situações e momentos vivenciados Esse processo é influenciado tanto por fatores universais quanto por aspectos culturais específicos de cada sociedade A adolescência não deve ser estudada isoladamente pois faz parte contínua do desenvolvimento humano É essencial reconhecer que a estabilização da personalidade durante a adolescência muitas vezes envolve comportamentos que podem ser considerados patológicos mas que são inerentes a essa fase A noção de normalidade varia de acordo com o contexto social econômico político e cultural sendo algo útil para os pesquisadores mas que pode ser diferente em diferentes ambientes A normalidade durante a adolescência está relacionada à capacidade de adaptação ao meio não necessariamente à conformidade com ele mas à habilidade de utilizar recursos disponíveis para alcançar satisfação pessoal Durante a adolescência os conflitos internos muitas vezes se refletem em rebeliões externas derivadas de conflitos infantis ainda presentes Os processos de luto durante esse período podem levar a comportamentos defensivos que variam de acordo com as circunstâncias individuais A adolescência é uma fase de mudanças críticas onde ocorrem conflitos que refletem as crises anteriores da vida Os desequilíbrios emocionais e as oscilações de humor são comuns durante esse período juntamente com a busca de identidade a tendência de se juntar a grupos a necessidade de fantasiar e intelectualizar crises religiosas evolução sexual e comportamentos contraditórios A compreensão dessas características como parte normal do desenvolvimento permite uma abordagem mais adequada e menos estigmatizante Durante a adolescência há uma busca intensa pela identidade um processo que começa desde a infância e se intensifica nesse período Enquanto o adolescente se prepara para entrar no mundo adulto sua identidade está em constante evolução O adolescente busca uma sensação de continuidade consigo mesmo experimentando diferentes papéis e identidades transitórias ocasionais e circunstanciais Essas identidades temporárias são adotadas conforme as situações enfrentadas pelo adolescente à medida que ele busca se separar das figuras parentais e desenvolver uma identidade independente Durante a adolescência há uma forte tendência à busca de uniformidade e pertencimento a grupos que proporcionam segurança e autoestima Essa super identificação em massa pode tornar a separação do grupo difícil para o indivíduo mas é fundamental para sua transição para a vida adulta substituindo a dependência da estrutura familiar A necessidade de intelectualizar e fantasiar é uma forma típica de pensamento adolescente sendo mecanismos defensivos que ajudam a explicar os sintomas da síndrome da adolescência normal O autor afirma que é importante considerar a relação do adolescente com objetos internos e externos para sua adaptação emocional e formação de uma personalidade satisfatória Outro ponto mencionado no texto é que existem crises religiosas durante a adolescência que podem variar muitas vezes a pontos extremosdesde a descrença a uma forte crença refletindo o processo de evolução do indivíduo Outro fator é a deslocalização temporal é uma característica do pensamento adolescente que muitas vezes vive o tempo de forma ativa e presente com urgências enormes imediatismo e procrastinação também A noção temporal do adolescente é inicialmente baseada em atividades corporais e ritmos biológicos mas aos poucos vai adquirindo características discriminativas Durante a adolescência ocorre também a evolução sexual que vai desde o autoerotismo até a maturação da genitalidade procriativa Esse processo envolve a descoberta do próprio corpo a compreensão da sexualidade e muitas vezes experiências de amor apaixonado na maioria das vezes platônico em suma idealizado em figuras inatingíveis como celebridades e figuras famosas É nesse período que se manifestam aspectos da elaboração edípica onde os meninos podem expressar características femininas e as meninas características masculinas refletindo uma certa bissexualidade A atitude social reivindicatória também é marcante ligada ao fenômeno grupal e à busca por mudanças sociais muitas vezes expressa através da delinquência juvenil ou de atos rebeldes contra sistemas estabelecidos Essa fase de reivindicação é interessante pois o jovem muitas vezes também luta por direitos e pontos de vista que acha correto essa fase também é vista com desconfiança pelos adultos que muitas vezes projetam sua própria incapacidade de controlar o mundo ao redor dos jovens Algo típico na adolescência são as contradições na conduta onde a ação é o modo mais comum de expressão levando a mudanças frequentes de comportamento O processo de separação progressiva dos pais também ocorre nesse período à medida que os adolescentes buscam independência e resistem à visão dos pais que ainda os veem como crianças Essa transição para a idade adulta pode ser desafiadora para ambas as partes mas é parte natural do desenvolvimento Durante a adolescência é comum observar constantes flutuações de humor e estados de ânimo variáveis nos jovens Ansiedade e depressão muitas vezes acompanham esse período como uma espécie de pano de fundo A intensidade desses sentimentos está diretamente relacionada à forma como o adolescente elabora seus lutos e enfrenta as mudanças que ocorrem nessa fase Essas alterações de humor podem se manifestar de diversas maneiras incluindo microcrises maníacodepressivas É importante entender essa normalidade na adolescência a partir de uma perspectiva de saúde mental e desenvolvimento saudável o que permite uma abordagem mais produtiva e compreensiva desse período crucial da vida Quando os adultos compreendem e apoiam adequadamente o processo evolutivo dos adolescentes isso facilita sua jornada rumo à identidade pessoal e ao bemestar emocional No entanto se os adultos projetam suas próprias ansiedades e patologias nos jovens isso pode dificultar o desenvolvimento saudável e impedir que os adolescentes aproveitem plenamente sua individualidade e esse processo de desenvolvimento