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A estrutura das revoluções científicas Temas principais do Kuhn Senso comum e progresso científico há conceitos melhores e piores na ciência devido ao seu progresso eles evoluem e melhoram conforme a humanidade num geral e os conceitos se substituem e teorias menos adequadas vão sendo recolocadas por teorias mais adequadas Os fatos não são inventados são descobertos já que essas teorias nos aproximam da verdade e a verdade já existe Conceitos primitivos conceitosbase que são desenvolvidos de maneira implícita e consequentemente constroem os axiomas dos quais se derivam teoremas que possuem conceitos derivados que são interpretados empiricamente Empiristas lógicos relacionam o experimental com a teoria linguagem observacional e linguagem teórica o conceito teórico depende de postulados definições explícitas e outros fatores não apenas da teoria Enunciados não analíticos ou não verificáveis não são ciência por isso não são significativos Problema da base empírica a observação através dos sentidos não dá informações confiáveis então usamse instrumentos para expandir essas observações e teorias definem como desenvolvemse esses instrumentos e como usálos sendo assim observações estão condicionadas por teoria CONVENCIONALISMO não aceita dualismo entre fato e teoria Falsificacionismo ou racionalismo crítico enunciados básicos sempre podem ser testados para verificar sua veracidade testando teóricas Mais falsificadores mais conteúdo empírico mais precisa melhor teoria Sendo assim definemse critérios para escolher teorias a não ser pelo convencionalismo que aprova todas as teorias e define não haver critério para escolher entre duas teorias Préparadigmas formam corpos de problemas e não existe consenso em como resolver os problemas tratados um paradigma é um exemplo que é muito representativo sendo assim é utilizado por teóricos e são ferramentas para propor soluções para problemas são matrizes completas de fazer ciência A história da ciência não é linear não possui um processo comum de avanço Thomas Samuel Kuhn A Estrutura das Revoluções Científicas Traduzido por Paulo Aukar a partir do texto original publicado em KUHN Thomas S The Structure of Scientific Revolutions 3 ed Chicago and London The University of Chicago Press 1996 Santa Maria RS 2016 A Estrutura das Revoluções Científicas Thomas Samuel Kuhn 18 de Julho de 1922 17 de Junho de 1996 THE UNIVERSAL KEYCHAIN Speaking of character customization make sure you check out the new keychain in the store You can unlock this stylish accessory with the new legendary hero from Season 4 the Uphill Only Vayne The Exclusive Legendary Solutions Collection is available now so get grabbing 1 Prefácio O ensaio que se segue é a publicação do primeiro relato completo de um projeto de pesquisa concebido originalmente há quase quinze anos Naquela época eu era um estudante de pós graduação em física teórica já quase terminando a minha tese O envolvimento acidental com um curso universitário experimental que tratava da ciência física para não cientistas ofereceume um primeiro contato com a história da ciência Para minha completa surpresa aquela exposição a teorias e práticas científicas já obsoletas minaram algumas das minhas concepções básicas sobre a natureza da ciência e sobre as razões do seu especial sucesso Tais concepções eu obtivera em parte do meu próprio treinamento científico e em parte de um duradouro interesse pessoal pela filosofia da ciência Qualquer que tenha sido sua utilidade para a minha educação e a verossimilhança que apresentavam mesmo em uma forma abstrata de algum modo aquelas noções nem de longe se ajustavam à empresa que o estudo histórico mostrava Não obstante essas concepções a que me refiro eram e continuam a ser fundamentais para muitas discussões da ciência Pareceume assim que a crise de credibilidade de tais concepções devesse ser mantida em uma agenda de inquirição O resultado foi uma mudança drástica nos meus planos de carreira profissional Uma mudança da física para a história da ciência e em seguida gradualmente um retorno que parte dos problemas mais especificamente históricos para chegar aos interesses mais filosóficos que inicialmente tinhamme conduzido à história Exceto por alguns poucos artigos esse ensaio é o primeiro de meus trabalhos publicados em que aqueles interesses iniciais são dominantes Em certa medida antes de tudo é uma tentativa de explicar para mim mesmo e para os amigos como aconteceu de eu ser arrancado da ciência e deslocado para a sua história Minha primeira oportunidade de investigar em profundidade as ideias apresentadas abaixo foi propiciada por três anos como Junior Fellow da Society of Fellows da Universidade de Harvard Sem aquele período de liberdade a transição para o novo campo de estudo teria sido muito mais difícil e poderia nem mesmo terse completado Parte do meu tempo naqueles anos era devotada especificamente à história da ciência Continuei estudando particularmente os escritos de Alexandre Koyré e encontrei pela primeira vez os escritos de Émile Meyerson Hélène Metzger e 2 Anneliese Maier 1 Mais claramente que a maioria dos outros especialistas recentes esse grupo mostrou como era pensar cientificamente em um período em que os padrões do pensamento científico eram muito diferentes dos atuais Ainda que eu questione algumas de suas interpretações históricas particulares o trabalho deles juntamente com The Great Chain of Being de A O Lovejoy só foi menos importante que as fontes primárias na modelagem da minha concepção daquilo que pode ser a história das ideias científicas Boa parte do meu tempo naqueles anos contudo foi gasta na exploração de campos aparentemente sem relação com a história da ciência mas cuja pesquisa tem levantado problemas semelhantes àqueles para os quais a história estava chamando a minha atenção Uma nota de rodapé levoume acidentalmente aos experimentos com que Jean Piaget esclarecera tanto os vários mundos da criança em desenvolvimento quanto o processo de transição de um daqueles mundos para o seguinte 2 Um de meus colegas prescreveume a leitura de artigos no campo da psicologia da percepção particularmente dos psicólogos dos padrões configurativos Gestalt Um outro introduziume nas especulações de B L Whorf sobre os efeitos da linguagem para a visão de mundo W V O Quine esclareceume a questão da distinção analíticosintético 3 Esse é o tipo de exploração aleatória que a Society of Fellows permite e só através dela eu poderia ter encontrado a monografia quase desconhecida de Ludwik Fleck Entstehung und Entwicklung einer wissenschaftlichen Tatsache Basel 1935 Em conjunto com uma observação de outro Junior Fellow Francis X Sutton o trabalho de Fleck fezme compreender que as ideias aqui desenvolvidas requerem sua inclusão na sociologia da comunidade científica Ainda que no transcorrer do livro os leitores não encontrem muitas referências a esses trabalhos e a essas conversações minha dívida para com eles se dá de tantas maneiras que agora não consigo avaliar e reconstituir plenamente 1 Particularmente influentes foram Alexandre Koyré Études Galiléennes 3 vols Paris 1939 Émile Meyerson Identity and Reality trad Kate Loewenberg New York 1930 Hélène Metzger Les doctrines chimiques en France du début du XVIIe à la fin du XVIIIe siècle Paris1923 e Newton Stahl Boerhaave et la doctrine chimique Paris 1930 e Anneliese Maier Die Vorläufer Galileis im 14 Jahrhundert Studien zur Naturphilosophie der Spätscholastik Rome 1949 2 Por exporem conceitos e processos que também emergem diretamente da história da ciência dois conjuntos de investigações de Piaget mostraramse particularmente importantes The Childs Conception of Causality trad de Marjorie Gabain London 1930 e Les notions de mouvement et de vitesse chez lenfant Paris 1946 3 Os artigos de Whorf foram desde então reunidos por John B Carroll em Language Thought and Reality Selected Writings of Benjamin Lee Whorf New York 1956 Quine apresentou suas opiniões em Two Dogmas of Empiricism reimpresso em seu From a Logical Point of View Cambridge Mass 1953 pp 2046 3 Durante meu último ano como Junior Fellow um convite para fazer conferências no Lowell Institute em Boston forneceume a primeira oportunidade para testar minha noção de ciência que naquele momento ainda se encontrava em desenvolvimento O resultado foi uma série de oito conferências públicas feitas durante o mês de março de 1951 sobre A Busca pela Teoria Física No ano seguinte eu comecei a dar aulas especificamente de história da ciência Por quase uma década os problemas de instruirme num campo a própria história da ciência que eu não tinha estudado sistematicamente deixaramme pouco tempo para explicitar por escrito as ideias que me tinham transferido para ele Por sorte entretanto tais ideias mostraramse uma fonte de orientação implícita ou tácita além de também me oferecerem alguma estrutura para a formulação de problemas durante boa parte do meu ensino avançado Tenho assim que agradecer meus estudantes pelas lições inestimáveis sobre a viabilidade das minhas concepções e sobre as técnicas apropriadas para tornar sua comunicação mais eficiente Os mesmos problemas e a mesma orientação dão unidade à maior parte dos estudos predominantemente históricos e só na aparência diversificados que eu publiquei desde o final da minha bolsa na Society of Fellows de Harvard Vários deles tratam do papel constitutivo exercido por uma ou outra metafísica na investigação científica criativa Outros examinam a via pela qual as bases experimentais de uma nova teoria são acumuladas e assimiladas por pessoas comprometidas com uma teoria velha e incompatível com a teoria nova Em sua sequência tais trabalhos descrevem o tipo de desenvolvimento que eu chamei abaixo de emergência de uma nova teoria científica e de emergência de uma descoberta científica entre outras relações correlatas O estágio final no desenvolvimento desse ensaio começou com um convite para passar o ano de 195859 no Center for Advanced Studies in the Behavioral Sciences Uma vez mais eu me punha em condições de dedicar total atenção aos problemas discutidos abaixo O que se mostrou ainda mais importante foi que passar aquele ano em uma comunidade composta predominantemente de cientistas sociais pôsme diante de problemas problemas que eu não antevira sobre as diferenças entre as comunidades dos cientistas sociais e as comunidades dos cientistas naturais entre os quais eu tinha sido treinado Fiquei particularmente admirado com a quantidade e a extensão das discordâncias manifestas entre os cientistas sociais a respeito do caráter dos problemas e dos métodos científicos legítimos Tanto a história quanto o trabalho dos meus contemporâneos 4 fizeramme duvidar que os profissionais das ciências naturais pudessem dar respostas mais firmes e permanentes para tais questões que seus colegas das ciências sociais Não obstante de algum modo a prática da astronomia da física da química ou da biologia normalmente não se mostram capazes de desencadear as controvérsias sobre fundamentos que comumente são endêmicas entre por exemplo os psicólogos e sociólogos O esforço por descobrir a fonte dessa diferença levoume a reconhecer o papel na pesquisa científica daquilo que desde então tenho chamado paradigmas Tomoos por trabalhos científicos universalmente reconhecidos que por um certo período de tempo fornecem os modelos de problemas e de soluções para uma comunidade de profissionais da ciência Quando essa peça encaixouse em seu devido lugar um rascunho desse ensaio emergiu rapidamente A história subsequente daquele rascunho não precisa ser recontada aqui mas umas poucas palavras devem ser ditas sobre a forma que ele preservou em meio às sucessivas revisões Até que uma primeira versão tivesse sido completada e amplamente revisada eu tinha adiantado que o texto apareceria exclusivamente como um volume da Encyclopedia of Unified Science Depois que me propuseram esse trabalho pioneiro os editores souberam manterme num firme estado de comprometimento aguardando pelo resultado com uma paciência e um tato extraordinários Soulhes muito grato particularmente a Charles Morris pelo encorajamento que se mostraria essencial e pelo aconselhamento a respeito do texto resultante Limites de espaço na Encyclopedia contudo fizeram com que eu tivesse que apresentar meus pontos de vista de uma forma extremamente condensada e esquemática Embora acontecimentos posteriores tivessem relaxado um pouco aquelas restrições o que permitiu ao mesmo tempo a sua publicação independente o presente trabalho acabou sendo muito mais um ensaio do que o livro de proporções muito maiores que o meu objeto de investigação ainda certamente demandará Já que meu objetivo mais importante é motivar uma mudança na percepção e na avaliação de dados familiares o caráter esquemático dessa primeira apresentação não precisa ser necessariamente considerado um inconveniente Pelo contrário leitores que já foram preparados por suas próprias investigações para o tipo de reorientação aqui defendida podem achar o formato de ensaio bem mais provocativo e fácil de assimilar Mas ele também tem desvantagens e essas desvantagens podem justificar que eu já mostre desde o início os tipos de extensão em amplitude e 5 profundidade que eu ainda espero incluir numa versão mais longa Há uma quantidade muito maior de evidência histórica disponível do que eu poderia explorar no espaço abaixo Ademais essa evidência vem não só da história das ciências físicas mas também da história das ciências biológicas Minha decisão de tratar aqui exclusivamente das ciências físicas foi tomada em parte para incrementar a coerência desse ensaio e em parte em decorrência da minha capacitação atual Em acréscimo a concepção de ciência a ser desenvolvida aqui sugere a fecundidade promissora de muitos novos tipos de pesquisas históricas e sociológicas Por exemplo o modo como as anomalias ou violações de expectativas atraem crescentemente a atenção de uma comunidade científica requer estudo detalhado Assim como exige estudo detalhado a irrupção de crises que podem ser induzidas pelo repetido fracasso em fazer uma anomalia conformarse às expectativas dos cientistas Ou ainda se estou certo de que cada revolução científica muda a perspectiva histórica da comunidade que a vivencia então essa mudança de perspectiva deve alterar a estrutura dos livros didáticos pósrevolucionários e das publicações dos resultados de pesquisa Um desses efeitos deveria ser estudado como uma possível indicação da ocorrência das revoluções Refirome a uma mudança na distribuição da literatura técnica citada nas notas de rodapé dos relatos de pesquisa A drástica necessidade de condensação também me forçou a antecipar a discussão de um certo número de problemas relevantes Minha distinção entre períodos préparadigma e períodos pós paradigma no desenvolvimento de uma ciência está por exemplo demasiado esquemática Cada uma das escolas cuja competição caracteriza o período préparadigma é guiada por algo muito semelhante a um paradigma Ainda que as considere raras penso que também haja circunstâncias em que dois paradigmas podem coexistir pacificamente no período pósparadigma A mera possessão de um paradigma não é propriamente um critério suficiente para o desenvolvimento da transição discutida na Seção II E o que é mais importante exceto em breves notas marginais eu não disse nada sobre o papel do avanço tecnológico ou de condições externas de caráter social econômico e intelectual no desenvolvimento das ciências Não precisamos contudo mais do que examinar a relação de Copérnico com o calendário para descobrir que as condições externas podem ajudar a transformar uma simples anomalia em uma fonte de crise aguda O mesmo exemplo poderia ilustrar o leque de alternativas disponíveis para a pessoa que procurasse dar fim a uma 6 crise propondo uma ou outra reforma revolucionária 4 A consideração explícita de efeitos como esses penso eu não modificaria as teses desenvolvidas nesse ensaio mas acrescentaria com certeza uma dimensão analítica com importância de primeira ordem para a compreensão do avanço científico Finalmente e talvez o mais importante de tudo as limitações de espaço afetaram drasticamente meu tratamento das implicações filosóficas da concepção de ciência historicamente orientada desse ensaio É claro que há essas implicações filosóficas e eu tentei apontar e documentar as principais Ao fazer isso contudo evitei em geral a discussão detalhada das várias posições tomadas pelos filósofos contemporâneos nas controvérsias correspondentes Onde eu mostrei ceticismo ele foi mais dirigido a uma atitude filosófica do que a qualquer uma de suas expressões elaboradas de modo mais completo Como resultado alguns daqueles que trabalham dentro de uma dessas posições mais articuladas podem ter a sensação de que não os compreendi Acho que estarão errados quanto a isso mas esse ensaio não foi calculado para convencêlos Uma tentativa dessa ordem teria requerido um livro muito mais longo e de um tipo muito diferente Os fragmentos autobiográficos que abrem esse prefácio servirão para deixar mais visível meu reconhecimento da parte mais importante da dívida que tenho para com meus trabalhos universitários e para com as instituições que me ajudaram a dar forma ao meu pensamento O restante dessa dívida tentarei mostrar através das várias citações feitas nas páginas que se seguem Tudo que foi dito acima ou que será dito abaixo contudo permitirá que apenas se entreveja o número e a natureza das minhas obrigações pessoais para com todos aqueles indivíduos cujas sugestões e críticas sustentaram e dirigiram o meu desenvolvimento intelectual em um ou outro momento Demasiado tempo transcorreu desde que as ideias expostas nesse ensaio começaram a tomar forma Uma lista de todos aqueles que certamente poderiam encontrar sinais de sua influência nessas páginas seria quase coextensiva com a lista de meus amigos e conhecidos Dadas as circunstâncias devo restringirme a algumas 4 Esses fatores são discutidos em T S Kuhn The Copernican Revolution Planetary Astronomy in the Development of Western Thought Cambridge Mass 1957 pp 122 32 27071 Outros efeitos das condições externas intelectuais e econômicas sobre o desenvolvimento científico concreto estão ilustrados em meus artigos Conservation of Energy as an Example of Simultaneous Discovery Critical Problems in the History of Science ed Marshall Clagett Madison Wis 1959 pp 32156 Engineering Precedent for the Work of Sadi Carnot Archives Internationales dHistoire des Sciences XIII 1960 24751 e Sadi Carnot and the Cagnard Engine Isis LII 1961 56774 Portanto é apenas em relação aos problemas discutidos nesse ensaio que ponho os fatores externos num plano secundário 7 poucas influências significativas que mesmo uma memória insatisfatória jamais vai suprimir inteiramente Foi James B Conant então reitor da Universidade de Harvard quem primeiro me introduziu na história da ciência e assim iniciou a transformação da minha concepção da natureza do desenvolvimento científico Desde que tal processo começou ele foi generoso com suas ideias críticas e disponibilidade de tempo incluindo o tempo requerido para ler e fazer importantes sugestões de mudança no meu rascunho datilografado Leonard K Nash junto com quem ensinei durante cinco anos no curso de viés histórico que o Dr Conant iniciara foi um colaborador ainda mais ativo durante os anos em que minhas ideias começaram a tomar forma e senti muito sua falta no estágio final do desenvolvimento delas Por sorte entretanto depois que saí de Cambridge o lugar de Nash como um interlocutor criativo foi assumido por meu colega de Berkeley Stanley Cavell Que Cavell um filósofo particularmente interessado em ética e estética tenha chegado a conclusões tão congruentes com as minhas próprias foi uma fonte de estímulo e encorajamento para mim Ademais ele é a única pessoa com quem eu fui algum dia capaz de explorar minhas ideias em sentenças incompletas Esse modo de comunicação atesta a capacidade de compreensão que lhe possibilitou apontarme o caminho para romper ou contornar muitas das importantes barreiras encontradas enquanto eu preparava a primeira versão do meu texto Desde que aquela versão foi esboçada muitos outros amigos ajudaramme na sua reformulação Penso que eles me perdoarão se eu mencionar apenas quatro deles cujas contribuições provaram ser as mais influentes e decisivas Paul K Feyerabend de Berkeley Ernest Nagel de Columbia H Pierre Noyes do Laboratório de Radioatividade Lawrence e meu orientando John L Heilbron que com frequência trabalhou comigo na preparação de uma versão final para impressão Achei todas as suas objeções e sugestões de grande ajuda mas não tenho qualquer razão para acreditar e tenho algumas razões para duvidar que qualquer um deles ou qualquer um dos outros mencionados acima aprova no todo o texto resultante Meus agradecimentos finais para meus pais esposa e filhos devem ser de um tipo um pouco diferente De maneiras que possivelmente serei o último a tomar conhecimento cada um deles também contribuiu com ingredientes intelectuais para o meu trabalho Mas em graus variados eles fizeram uma coisa ainda mais importante Eles permitiram que meu trabalho fluísse e até mesmo encorajaram minha devoção a ele Qualquer um engalfinhado num 8 projeto como o meu vai reconhecer qual o seu custo eventual Simplesmente não sei como dizerlhes obrigado T S K Berkeley Califórnia Fevereiro de 1962 9 I Introdução Um Papel para a História Se a história não fosse vista como um simples depósito de anedotas e cronologias poderia produzir uma transformação decisiva na imagem da ciência que se apoderou de nós Tal imagem da ciência foi extraída até mesmo pelos próprios cientistas principalmente do estudo de trabalhos científicos acabados tal como eles se encontram expostos nas obras consideradas clássicas ou mais recentemente nos livros didáticos em que cada uma das novas gerações de cientistas aprende o seu ofício Inevitavelmente contudo o objetivo desses livros tem muito mais um caráter pedagógico e de persuasão Um conceito de ciência tirado deles ajustase tanto ao processo de produção de que resultam os componentes com que são constituídos quanto a imagem de uma cultura nacional tirada de um folheto turístico ou de um texto escrito de acordo com a norma oficial da língua Esse ensaio tenta mostrar que tais livros nos enganaram em sentidos fundamentais Seu objetivo é um esboço do conceito muito diferente de ciência que pode emergir do registro histórico da própria atividade de pesquisa Mas um novo conceito de ciência não vai emergir nem mesmo da história se os dados históricos continuarem a ser procurados e examinados principalmente para responder questões postas pelo estereótipo ahistórico tirado dos textos científicos Em geral parece estar implicado nesses textos que o conteúdo da ciência é exemplificado exclusivamente pelas observações leis e teorias descritas em suas páginas Quase com igual regularidade os mesmos livros têm sido lidos como se dissessem que os métodos científicos são exclusivamente aqueles ilustrados pelas técnicas de manipulação utilizadas na coleta dos dados presentes em suas páginas juntamente com as operações lógicas empregadas quando se relaciona aqueles dados com as generalizações teóricas que também estão presentes ali O resultado tem sido um conceito de ciência com profundas implicações sobre a natureza e o desenvolvimento da ciência Se ciência é a constelação de fatos teorias e métodos reunidos nos livros didáticos ora em uso então os cientistas são as pessoas que com sucesso ou não se esforçaram por contribuir com um ou outro elemento dessa constelação particular O desenvolvimento científico tornase um processo em que tais elementos foram adicionados peça por peça isoladamente ou em combinação ao estoque sempre crescente da técnica e do conhecimento científicos A 10 história da ciência por sua vez tornase a disciplina que faz a crônica dos sucessivos incrementos e dos obstáculos que inibiram sua acumulação Desse modo o historiador interessado no desenvolvimento científico parece ter duas tarefas mais importantes Por um lado ele deve determinar que pessoa e em que data descobriu ou inventou cada fato lei e teoria científicos contemporâneos Por outro lado ele também deve descrever e explicar os cipoais de erro mito e superstição que inibiram uma acumulação mais rápida dos componentes do moderno texto científico Muita pesquisa já foi dirigida para esses fins e alguma ainda é Em anos recentes contudo alguns historiadores da ciência têm achado cada vez mais difícil preencher as funções que o conceito de desenvolvimento por acumulação atribui a eles Enquanto cronistas de um processo que se desenvolve por adição eles descobrem que cada nova investigação que fazem torna mais difícil e não mais fácil responder questões como as seguintes Quando o oxigênio foi descoberto Quem foi o primeiro a conceber a conservação da energia Crescentemente alguns desses historiadores da ciência suspeitam que essas questões são simplesmente o tipo errado de questão a ser formulada Talvez a ciência não se desenvolva pela acumulação de descobertas e invenções individuais Ao mesmo tempo esses mesmos historiadores defrontamse com dificuldades cada vez maiores para distinguir o componente científico presente nas observações e ideias consideradas verdadeiras no passado daquilo que seus predecessores na história da ciência prontamente teriam rotulado como erro e superstição Quanto mais cuidadosamente eles estudam digamos a dinâmica aristotélica a química flogística ou a termodinâmica calorífica mais certos se sentem de que em seu todo aquelas concepções da natureza que já foram aceitas algum dia no passado não são menos científicas nem mais o produto das peculiaridades humanas individuais e sociais que as concepções da natureza aceitas atualmente Se essas crenças obsoletas devem ser denominadas mito então os mitos podem ser produzidos pelos mesmos tipos de métodos e mantidos pelos mesmos tipos de razões que guiam no presente o conhecimento científico Se por outro lado essas crenças obsoletas devem ser denominadas ciência então a ciência já incluiu sistemas de crenças inteiramente incompatíveis com os sistemas de crenças que nós sustentamos hoje Dadas essas alternativas o historiador deve escolher a última Teorias obsoletas não deixam em princípio de ser científicas por terem sido descartadas Essa escolha todavia torna muito difícil ver o 11 desenvolvimento da ciência como um processo aditivo A mesma pesquisa histórica que apresenta dificuldades em isolar descobertas e invenções individuais cria o terreno para dúvidas profundas sobre o processo cumulativo que teria sido constituído por meio dessas contribuições individuais à ciência O resultado de todas essas dúvidas e dificuldades é uma revolução historiográfica no estudo da ciência ainda que seja uma revolução que esteja em seus estágios iniciais Com frequência e em geral sem darse conta inteiramente de que estão fazendo isso os historiadores da ciência começaram a fazer novos tipos de perguntas e a traçar linhas de desenvolvimento diferentes para as ciências Linhas que não chegam a ter um caráter cumulativo Em vez de procurar pelas contribuições de uma ciência mais antiga para o benefício da ciência contemporânea eles tentam mostrar o modo como aquela ciência mais antiga se integra em sua própria época Eles não perguntam por exemplo sobre as relações das concepções de Galileu com as concepções da ciência atual mas pelas relações das concepções de Galileu com as concepções científicas do seu grupo Isto é seus professores seus contemporâneos e seus sucessores imediatos Ademais esses historiadores da ciência insistem no estudo das opiniões daquele grupo e outros similares de um ponto de vista muito diferente do ponto de vista da ciência atual que dá àquelas opiniões o máximo de coerência interna e o mais preciso ajuste possível à natureza A ciência vista através dos trabalhos resultantes trabalhos talvez melhor exemplificados pelos escritos de Alexandre Koyré já não se parece de modo algum com o mesmo empreendimento discutido pelos escritores da tradição historiográfica mais antiga Esses estudos históricos sugerem pelo menos por implicação uma nova imagem da ciência O presente ensaio tem o objetivo de delinear essa nova imagem da ciência ao tornar explícitas algumas das implicações dessa nova historiografia Que aspectos da ciência vão se destacar no curso desse esforço Primeiro pelo menos na ordem de apresentação está a insuficiência das diretrizes metodológicas por si mesmas para ditarem uma resposta única ou uma conclusão concreta única para muitos tipos de questões científicas Alguém instruído a examinar fenômenos elétricos ou químicos sendo ignorante desses campos mas conhecendo determinadas diretrizes metodológicas ou seja sabendo o que é ser científico pode chegar a qualquer uma de um leque de conclusões incompatíveis Entre as possibilidades legítimas as conclusões específicas a que ele pode chegar são provavelmente determinadas pela sua experiência anterior em outros 12 campos pelos acidentes de sua investigação e pela sua própria personalidade Que crenças sobre as estrelas por exemplo ele traz para o estudo da química ou da eletricidade Quais dos muitos experimentos concebíveis que são relevantes para o novo campo ele realiza em primeiro lugar E quais aspectos do fenômeno que resulta desse experimento mais o impressionam como sendo de particular relevância para a elucidação da natureza da transformação química ou da afinidade elétrica Pelo menos para o indivíduo mas às vezes também para a comunidade científica respostas para questões como essas são muitas vezes determinantes essenciais do desenvolvimento científico Notaremos a seguir por exemplo na Seção II que o desenvolvimento inicial da maioria das ciências caracterizouse pela competição contínua entre várias concepções distintas da natureza cada uma delas derivada parcialmente dos ditames da observação e do método científicos e mais ou menos compatível com eles O que diferenciou essas várias escolas não foi uma ou outra carência de método elas eram todas científicas mas aquilo que denominaremos suas maneiras incomensuráveis de imaginar o mundo e de praticar a ciência dentro dele A observação e a experiência podem e devem reduzir drasticamente os limites em que a crença científica é admissível Do contrário não teríamos ciência Mas a observação e a experiência sozinhas não podem determinar uma configuração particular de tal crença Um elemento aparentemente arbitrário composto de casualidade pessoal e histórica é sempre um ingrediente formativo das crenças esposadas por uma comunidade científica durante um tempo dado Contudo esse elemento de arbitrariedade não sugere que algum grupo científico pudesse praticar seu ofício sem um conjunto presumido de crenças Ele também não diminui a importância da constelação particular de crenças com que o grupo está comprometido num dado momento A pesquisa efetiva dificilmente começa antes que a comunidade científica pense ter obtido respostas firmes para questões como as seguintes Quais são as entidades fundamentais de que o universo é composto Como elas interagem umas com as outras e com os sentidos Que questões podem ser legitimamente feitas sobre tais entidades e que técnicas podem ser empregadas na busca das soluções Pelo menos nas ciências maduras as respostas ou algo que substitua plenamente as respostas para questões como essas estão firmemente embutidas na iniciação educacional que prepara e licencia o estudante para a prática profissional Uma vez que essa educação é rígida e rigorosa tais respostas chegam a produzir uma moldagem profunda do intelecto 13 científico Que elas possam fazer isso ajuda muito na explicação da peculiar eficiência da atividade da ciência normal e também na explicação da direção em que a ciência normal avança durante qualquer período considerado Quando examinarmos a ciência normal nas Seções III IV e V pretendemos finalmente descrevêla como uma tentativa laboriosa e devotada de forçar a natureza para dentro das caixas conceituais proporcionadas pela educação profissional Ao mesmo tempo vamos indagar se a pesquisa poderia avançar sem tais caixas qualquer que seja o elemento de arbitrariedade presente em sua origem histórica e eventualmente também em seu desenvolvimento subsequente Com efeito o elemento de arbitrariedade está presente e também tem um importante efeito no desenvolvimento científico Examinaremos esse efeito nas Seções VI VII e VIII A ciência normal a atividade em que os cientistas inevitavelmente concentram quase todo o seu tempo está implicada na suposição de que a comunidade científica sabe como o mundo é Boa parte do sucesso do empreendimento científico deriva da prontidão com que a comunidade científica defende tal suposição a um custo considerável quando necessário A ciência normal por exemplo geralmente suprime as novidades sobre os fundamentos porque elas necessariamente subvertem as devoções científicas básicas Não obstante na medida em que essas devoções científicas retêm um elemento de arbitrariedade a própria natureza da ciência normal assegura que a novidade não poderá ser suprimida por muito tempo Às vezes um problema normal um problema que deveria ser resolvido com as regras e procedimentos conhecidos resiste aos repetidos assaltos dos mais hábeis membros do grupo dentro de cuja competência ele aparece Em outras ocasiões algum equipamento projetado e construído para um propósito de ciência normal não funciona da maneira prevista revelando uma anomalia que não pode apesar de esforço repetido ser ajustada às expectativas profissionais Dessas e de muitas outras maneiras a ciência normal sai repetidamente da trilha conhecida E quando isso ocorre isto é quando a profissão já não pode se esquivar das anomalias que subvertem a tradição existente de prática científica começam as investigações extraordinárias que conduzem a profissão a um novo conjunto de devoções ou para uma nova base para a prática científica Os episódios extraordinários por meio dos quais ocorre a transformação dos comprometimentos profissionais são aqueles reconhecidos nesse ensaio como revoluções científicas Tratase de 14 complementos da atividade da ciência delimitada por uma tradição ou ciência normal que estilhaçam essa mesma tradição Os mais óbvios exemplos de revoluções científicas são aqueles famosos episódios do desenvolvimento científico que em geral já foram antes rotulados como revoluções Assim nas Seções IX e X onde predominante e diretamente será esmiuçada a natureza das revoluções científicas lidaremos reiteradamente com esses grandes pontos de inflexão no desenvolvimento científico associados com os nomes de Copérnico Newton Lavoisier e Einstein Eles mostram mais claramente que a maioria dos outros episódios pelo menos na história das ciências físicas a que as revoluções científicas se referem Cada uma delas implicou a rejeição pela comunidade científica de uma teoria já sancionada pelo tempo em favor de uma outra teoria incompatível com a primeira Todas essas revoluções produziram uma consequente mudança nos problemas disponíveis à investigação científica e também uma mudança nos padrões usados pela profissão para determinar o que deveria ser considerado um problema admissível e o que deveria ser considerado uma solução legítima de um problema E cada uma transformou a imaginação científica em sentidos que em última instância precisamos descrever como uma transformação do mundo no interior do qual é feito o trabalho científico Tais mudanças juntamente com as controvérsias que quase sempre as acompanham são as características definidoras das revoluções científicas Essas características emergem com particular clareza de um estudo por exemplo das revoluções newtoniana e química Todavia é uma tese fundamental do presente ensaio que elas também podem ser identificadas no estudo de muitos outros episódios que não foram tão obviamente revolucionários As equações de Maxwell foram tão revolucionárias quanto as de Einstein para o grupo profissional bem menor afetado por elas Por consequência elas sofreram a mesma resistência A invenção de novas teorias regular e apropriadamente produz a mesma resposta por parte de alguns dos especialistas em cuja área de competência especializada ela incide Para essas pessoas a nova teoria implica uma mudança nas regras que governam a prática de ciência normal que vigorou até então Portanto inevitavelmente ela repercutirá sobre boa parte do trabalho científico já realizado com sucesso Eis porque uma nova teoria por mais especial que seja seu âmbito de aplicação raramente ou nunca é só um incremento ao que já é sabido Sua assimilação requer a reconstrução da teoria antecessora e também uma reavaliação do fato antecessor num processo que raramente é efetivado por uma só 15 pessoa e nunca é completado de um dia para o outro Não é de admirar que os historiadores tenham tido dificuldade em datar com precisão esses processos extensos O vocabulário desses historiadores da ciência compeliaos a vêlos como eventos isolados E não são só as invenções de novas teorias os únicos eventos científicos que têm impacto revolucionário sobre os especialistas em cujo domínio elas ocorrem As sujeições que governam a ciência normal especificam não apenas os tipos de entidades que o universo contém mas também por implicação as entidades que o universo não contém Embora o ponto vá exigir uma discussão extensa disso se segue que uma descoberta como a do oxigênio ou como a dos raiosX não adiciona simplesmente mais um item à população do mundo dos cientistas Em última instância ela tem esse efeito mas não antes que os cientistas tenham reavaliado seus procedimentos experimentais tradicionais alterado sua concepção das entidades com que estão familiarizados há muito tempo e no processo mudado a rede teórica através da qual eles lidam com o mundo Fato e teoria científicos não são categoricamente separáveis exceto talvez dentro de uma tradição específica de prática científica normal Eis porque uma descoberta inesperada não é simplesmente fatual em suas implicações Eis também porque o mundo dos cientistas é qualitativamente transformado e quantitativamente enriquecido pelas novidades fatuais e teóricas fundamentais Essa concepção ampliada da natureza das revoluções científicas é aquela que será delineada nas páginas que se seguem Reconheço que a ampliação pretendida altera o uso costumeiro Não obstante continuarei a falar inclusive das descobertas científicas como revolucionárias porque é precisamente essa possibilidade de relacionar suas estruturas com a estrutura digamos da revolução copernicana que torna essa concepção ampliada da revolução científica parecer tão importante para mim A argumentação precedente aponta como as noções complementares de ciência normal e revoluções científicas serão desenvolvidas nas nove seções que se seguem imediatamente O resto do ensaio tenta desincumbirse de três questões centrais remanescentes Ao discutir a tradição do livro didático a Seção XI considera por que anteriormente as revoluções científicas eram tão difíceis de ver A Seção XII descreve a competição revolucionária entre os proponentes de uma velha tradição de ciência normal e os adeptos de uma nova Ao fazer isso ela considera o processo que em uma teoria da investigação científica deveria de algum modo substituir os procedimentos de verificação e de falsificação tornados tão familiares pela nossa imagem 16 habitual da ciência A competição entre segmentos da comunidade científica é o único processo histórico que já resultou na rejeição de uma teoria previamente aceita e na adoção de uma outra Finalmente a Seção XIII vai indagar como o desenvolvimento por meio de revoluções pode ser compatível com o caráter aparentemente sem paralelos do progresso científico Para essa questão contudo o presente ensaio não vai oferecer mais que as linhas gerais de uma resposta Uma resposta que depende das características da comunidade científica Ou seja que depende de algo que ainda requer muita exploração e estudo adicionais Sem dúvida alguns leitores já se devem ter perguntado se o estudo histórico poderia efetivar o tipo de transformação conceitual objetivada aqui Um arsenal inteiro de dicotomias está disponível para sugerir que ele não poderia fazer isso Dizemos com frequência que a história é uma disciplina puramente descritiva Contudo as teses sugeridas acima são geralmente interpretativas e às vezes normativas Reitero que muitas das minhas generalizações dizem respeito à sociologia ou à psicologia social dos cientistas Apesar disso pelo menos algumas das minhas conclusões pertencem tradicionalmente à lógica ou à epistemologia No parágrafo precedente pode até mesmo parecer que eu violei a muito influente distinção contemporânea entre o contexto de descoberta e o contexto de justificação Pode algo mais que profunda confusão ser indicado por esse amálgama de diferentes campos e interesses Sendo obrigado a desmamar intelectualmente dessas distinções e de outras similares eu não poderia estar mais consciente das suas implicações e de sua força Por muitos anos acreditei que elas estivessem implicadas na própria natureza do conhecimento Continuo a supor que se forem adequadamente remodeladas elas ainda têm algo importante a nos dizer Não obstante minhas tentativas de aplicálas mesmo grosso modo às situações efetivas em que o conhecimento é obtido aceito e assimilado fizeramnas parecer extraordinariamente problemáticas Em vez de ser distinções lógicas e metodológicas elementares que seriam portanto supostos da análise do conhecimento científico elas parecem agora ser partes integrantes de um conjunto tradicional de respostas concretas para as próprias questões que estiveram na base do seu desenvolvimento Essa circularidade não as invalida de todo mas transforma essas distinções em partes de uma teoria e assim fazendo sujeitaas ao mesmo exame regularmente aplicado a teorias em outros campos Se elas devem ter por conteúdo algo mais que pura abstração então esse conteúdo deve ser descoberto quando as observamos sendo 17 aplicadas aos dados que supostamente devem elucidar Como poderia a história da ciência falhar como produtora de fenômenos para a aplicação de teorias sobre o conhecimento que podem ser legitimamente requisitadas para isso 18 II O Caminho para a Ciência Normal Nesse ensaio ciência normal significa pesquisa firmemente baseada em um ou mais trabalhos científicos passados Tratase de trabalhos científicos selecionados por alguma comunidade científica particular para constituírem o alicerce da sua prática corrente pelo menos durante um certo período de tempo Hoje em dia tais trabalhos são recontados pelos livros didáticos científicos elementares e avançados ainda que raramente em sua forma original Esses manuais expõem o corpo da teoria aceita ilustram a teoria com várias de suas aplicações bem sucedidas e comparam essas aplicações com observações e experimentos exemplares Antes que os livros didáticos se tornassem populares a partir do início do século XIX e ainda mais recentemente nas ciências que se tornaram maduras há pouco muitos dos famosos clássicos da ciência preencheram uma função similar Juntamente com muitas outras obras A Física de Aristóteles o Almagesto de Ptolomeu os Principia e a Ótica de Newton a Eletricidade de Franklin a Química de Lavoisier e a Geologia de Lyell serviram durante um certo tempo para definir e legitimar implicitamente os problemas e métodos de um campo de pesquisa para sucessivas gerações de cientistas Tais livros tornaram se aptos a isso porque compartilhavam duas características essenciais Os trabalhos científicos que esses livros expunham eram suficientemente sem precedentes para atrair um grupo estável de aderentes e também para livrar esse grupo de um contexto de concorrência entre diferentes modos de fazer ciência Ao mesmo tempo esse trabalhos eram suficientemente incompletos para deixar em aberto toda sorte de problemas para o grupo de cientistas agora reestruturado resolver Devo referirme daqui por diante aos trabalhos científicos que compartilham essas duas características como paradigmas um termo que se relaciona intimamente a ciência normal Ao escolher o termo paradigma quero sugerir que alguns exemplos acatados pela prática científica efetiva exemplos que incluem lei teoria aplicação e instrumentação juntos fornecem os modelos a partir dos quais se desenvolvem certas tradições coerentes da investigação científica Falo de tradições que os historiadores descrevem sob rubricas como astronomia ptolomaica ou copernicana dinâmica aristotélica ou newtoniana ótica corpuscular ou ótica ondulatória e assim por diante É principalmente o estudo dos paradigmas incluindo vários que são muito mais especializados que aqueles que nomeei 19 ilustrativamente acima que prepara o estudante para fazer parte da comunidade científica particular em que ele vai desenvolver mais tarde a sua prática da ciência Como esse estudante vai se juntar a profissionais que aprenderam as bases do seu campo a partir dos mesmos modelos concretos que ele sua prática subsequente raramente vai produzir algum desacordo aberto acerca daquelas bases Pessoas que foram treinadas para fazer pesquisa com base nos mesmos paradigmas estão subordinadas às mesmas regras e padrões para a prática científica Essa sujeição e o aparente consenso que ela produz são prérequisitos para a ciência normal Isto é são pré requisitos para a gênese e para a continuidade de uma tradição particular de pesquisa Uma vez que nesse ensaio o conceito de paradigma vai geralmente substituir uma série de noções familiares um pouco mais deve ser dito sobre as razões para a sua introdução Por que o trabalho científico concreto entendido como o delimitador dos compromissos profissionais é anterior aos vários conceitos leis teorias e pontos de vista que podem ser abstraídos dele Em que sentido o paradigma compartilhado é a unidade fundamental para o estudioso do desenvolvimento científico uma unidade que não pode ser satisfatoriamente reduzida aos componentes logicamente atômicos que poderiam alegadamente substituílo em sua função Respostas para essas questões e para outras similares mostrarseão básicas para uma compreensão da ciência normal e do conceito de paradigmas que lhe é associado quando nos depararmos com elas na Seção V A discussão mais abstrata daquela Seção vai depender contudo de nos familiarizarmos previamente com exemplos de ciência normal e de paradigmas em operação Esses dois conceitos relacionados ficarão mais claros particularmente quando notarmos que pode haver um tipo de pesquisa científica sem paradigmas Ou pelo menos sem paradigmas tão inequívocos e coercitivos como aqueles que nomeamos acima A incorporação de um paradigma e o tipo mais esotérico de investigação que ele permite é um sinal de maturidade no desenvolvimento de qualquer campo científico Se o historiador busca no passado a reconstituição do conhecimento científico de um grupo qualquer de fenômenos relacionados é provável que ele encontre alguma variedade aproximada do padrão da história da ótica física ilustrado aqui Atualmente os manuais de física dizem ao estudante que a luz são fótons isto é entidades quânticomecânicas que exibem algumas características de ondas e algumas características de partículas A pesquisa se desenvolve de acordo com isso Ou melhor desenvolvese 20 de acordo com uma caracterização mais elaborada e matemática da qual é derivada a verbalização mais comum Essa caracterização da luz contudo mal tem meio século Antes que ela fosse desenvolvida no início do presente século por Planck Einstein e outros os textos de física ensinavam que a luz era um movimento de onda transversal uma concepção enraizada em um paradigma que derivou em última instância dos escritos sobre ótica de Young e Fresnel no começo do século XIX A teoria ondulatória também não foi a primeira a ser adotada por quase todos os praticantes da ciência ótica Durante o século dezoito o paradigma para esse campo era fornecido pela Ótica de Newton que ensinava que a luz era constituída de corpúsculos materiais Naquele tempo os físicos buscavam evidência da pressão exercida pelas partículas de luz ao colidir com os corpos sólidos Algo que os primeiros utilizadores da teoria ondulatória não fizeram 5 Essas transformações dos paradigmas da física ótica são revoluções científicas e as sucessivas transições de um paradigma para outro pela via da revolução são o padrão típico de desenvolvimento da ciência madura Entretanto tal não é o padrão característico do período anterior ao trabalho de Newton Esse é o contraste que nos interessa aqui Nenhum período entre a antiguidade remota e o final do século dezessete mostrou alguma concepção sobre a natureza da luz que fosse aceita generalizadamente Ao invés disso havia um certo número de escolas e subescolas concorrentes a maioria delas adotando uma ou outra variedade de teoria epicurista aristotélica e platônica Um grupo considerava que a luz fosse constituída de partículas que emanam dos corpos materiais Para outro a luz era uma modificação do meio que intervinha entre um corpo e o olho Um outro grupo ainda explicava a luz em termos de uma interação do meio com uma emanação do olho E ainda havia outras combinações e modificações daquelas várias concepções da luz Cada uma das escolas correspondentes reforçavase com base na sua relação com alguma metafísica particular Cada uma enfatizava o agregado de fenômenos óticos que a sua própria teoria mostrava maior capacidade para explicar dando lhe o caráter de observações paradigmáticas Outras observações eram ajustadas à teoria com alguma elaboração ad hoc ou então permaneciam como problemas pendentes para uma investigação futura 6 5 Joseph Priestley The History and Present State of Discoveries Relating to Vision Light and Colours London1772 pp 38590 6 Vasco Ronchi Histoire de la Lumière trad Jean Taton Paris 1956 caps iiv 21 Em diversas ocasiões todas aquelas escolas fizeram contribuições significativas para o corpo de conceitos fenômenos e técnicas do qual Newton extraiu o primeiro paradigma da física ótica quase uniformemente aceito Qualquer definição de cientista que não inclua pelo menos os membros mais criativos daquelas várias escolas vai excluir também seus sucessores modernos Aquelas pessoas eram cientistas Todavia quem quer que examine o panorama da ótica física antes de Newton pode muito bem concluir que embora os praticantes daquele campo fossem cientistas o resultado líquido da sua atividade era algo menos que ciência Não podendo dar por garantido um corpo comum de crenças cada um que escrevia sobre a ótica física sentiase compelido a construir o campo a partir das suas fundações Nessas circunstâncias o diálogo dos livros que resultavam era dirigido com frequência tanto aos membros de outras escolas quanto à natureza Tal padrão não deixa de ser familiar a um certo número de campos criativos da atualidade nem é incompatível com descobertas e invenções significativas Ele não é contudo o padrão de desenvolvimento que a ótica física adquiriu depois de Newton e que outras ciências naturais tornam familiar hoje em dia A história da pesquisa sobre eletricidade na primeira metade do século dezoito fornece um exemplo mais concreto e melhor conhecido sobre o modo como se desenvolve uma ciência antes que ela adquira seu primeiro paradigma universalmente assumido Durante aquele período havia quase tantas concepções sobre a natureza da eletricidade quantos eram os mais importantes cientistas fazendo experimentos com eletricidade Pessoas como Hauksbee Gray Desaguliers Du Fay Nollet Watson Franklin e outros Todos os seus numerosos conceitos de eletricidade tinham algo em comum eles eram derivados de uma ou outra versão da filosofia mecânico corpuscular que guiava toda pesquisa científica naquela época Em acréscimo todos aqueles conceitos eram componentes de teorias científicas reais Ou seja eram componentes de teorias que foram extraídas de experimentos e de observações e que determinavam parcialmente a escolha e a interpretação dos problemas adicionais com que a pesquisa se comprometia Contudo ainda que todos os experimentos fossem feitos com eletricidade e ainda que a maioria dos experimentadores lessem os trabalhos uns dos outros suas teorias não tinham mais que uma semelhança de família 7 7 Duane Roller e Duane H D Roller The Development of the Concept of Electric Charge Electricity from the Greeks do Coulomb Harvard Case Histories in Experimental Science Case 8 Cambridge Mass 1954 e I B Cohen Franklin and Newton An Inquiry into Speculative Newtonian Experimental Science and Franklins Work in Electricity as an Example Thereof Philadelphia 1956 caps viixii Para 22 Um grupo inicial de teorias que seguiam a prática do século dezessete reconheceu a atração e a geração de fricção como os fenômenos elétricos fundamentais Esse grupo tendeu a tratar a repulsão como um efeito secundário devido a algum tipo de ricochete mecânico e a adiar tanto quanto possível a discussão e a investigação sistemática da condução elétrica um efeito recém descoberto por Gray Outros eletricistas o termo é deles próprios consideraram que a atração e a repulsão fossem em igual medida manifestações elementares da eletricidade e modificaram suas teorias de acordo com isso 8 Mas eles tiveram tanta dificuldade quanto o primeiro grupo para dar uma explicação simultânea dos efeitos da condução elétrica que não fossem os mais simples Tais efeitos contudo ainda forneceram o ponto de partida para um terceiro grupo Refirome ao grupo que tendia a falar da eletricidade como um fluido que poderia correr através de condutores e não de um eflúvio que emanaria de nãocondutores Esse grupo por sua vez teve dificuldade em conciliar sua teoria com diversos efeitos de atração e de repulsão Só através do trabalho de Franklin e seus sucessores imediatos emergiu uma teoria que podia de algum modo dar conta com igual facilidade de quase todos aqueles efeitos e portanto que poderia oferecer a uma geração posterior de eletricistas um paradigma comum para a sua pesquisa Excluindo aqueles campos como a matemática e a astronomia cujos primeiros paradigmas estáveis datam da antiguidade e excluindo também aqueles campos como a bioquímica que emergiram da divisão e recombinação de especialidades já amadurecidas as situações delineadas acima são historicamente típicas Embora eu continue a designar esses episódios históricos prolongados com infelizes rótulos simplificadores escolhidos em certa medida arbitrariamente por exemplo Newton ou Franklin sugiro que desacordos fundamentais similares caracterizaram por exemplo o estudo do movimento antes de Aristóteles e o estudo da estática antes de Arquimedes Caracterizaram também o estudo do calor antes de Black da química antes de Boyle e Boerhaave e da geologia histórica antes de Hutton Em partes da biologia o estudo da alguns detalhes analíticos do parágrafo que se segue no texto estou em débito com um artigo ainda não publicado do meu orientando John L Heilbron Enquanto ele não é publicado uma reconstituição um pouco mais extensa e mais precisa da emergência do paradigma de Franklin está incluída em T S Kuhn The Function of Dogma in Scientific Research in A C Crombie ed Symposium on the History of Science University of Oxford Julho 915 1961 a ser publicado por Heinemann Educational Books Ltd 8 Esse grupo é de fato notavelmente pequeno Mesmo a teoria de Franklin nunca explicou efetivamente a repulsão de dois corpos com carga negativa 23 hereditariedade por exemplo os primeiros paradigmas universalmente aceitos são ainda mais recentes E permanece uma questão aberta quais partes da ciência social já teriam adquirido algum paradigma mesmo nos dias de hoje A história sugere que o caminho para um firme consenso na pesquisa é extraordinariamente árduo Todavia a história também sugere algumas razões para as dificuldades encontradas pelo caminho Na falta de um paradigma ou de algum candidato a paradigma todos os fatos que possivelmente poderiam pertencer ao desenvolvimento de uma dada ciência parecerão igualmente relevantes Como resultado nos primórdios a coleta de fatos será uma atividade muito mais aleatória do que aquela que o desenvolvimento científico subsequente torna familiar Ademais na ausência de uma razão para procurar alguma forma específica de informação mais difícil de ser obtida recôndita a coleta inicial de fatos fica habitualmente restrita ao acervo de dados prontos que já estão ao alcance da mão O resultante acúmulo de fatos contém aqueles mais acessíveis à observação e ao experimento casuais juntamente com alguns dos dados mais esotéricos que podemos conseguir em ofícios tradicionais como a medicina a elaboração de calendários e a metalurgia A tecnologia tem frequentemente exercido um papel vital na emergência de novas ciências porque os ofícios são uma fonte prontamente acessível de fatos que não poderiam ter sido descobertos casualmente Mas ainda que esse tipo de coleta de fatos tenha sido a origem de várias ciências importantes quando examinamos por exemplo os escritos enciclopédicos de Plínio ou as histórias naturais baconianas do século dezessete descobrimos que produzem uma bagunça De certa forma a gente hesita em chamar científica a literatura resultante As histórias baconianas do calor da cor do vento da mineração e assim por diante estão cheias de informação Dessa alguma é do tipo difícil de obter recôndito Mas elas justapõem fatos que mais tarde mostrarseão reveladores por exemplo o calor por mistura com outros por exemplo o calor de montes de esterco que por algum tempo permaneceriam muito complexos para serem integrados à teoria de um modo qualquer 9 Além do mais como toda descrição será parcial a história natural típica geralmente omite de seus registros que em grande medida são circunstanciais exatamente aqueles detalhes que mais tarde os cientistas considerarão importantes fontes de esclarecimento Quase 9 Comparese com o esboço de uma história natural do calor no Novum Organum de Bacon Vol VIII dos Works of Francis Bacon ed J Spedding R L Ellis e D D Heath New York 1869 pp 179203 24 nenhuma das histórias da eletricidade por exemplo menciona que palha atraída por um bastão de vidro friccionado é repelida de novo Esse efeito parecia mecânico não elétrico 10 Ademais já que a coleta casual de fatos raramente possui o tempo ou as ferramentas para ser crítica as histórias naturais geralmente justapõem descrições como a apresentada acima com outras como digamos aquecimento por antiperístase ou por resfriamento que hoje de modo algum podemos confirmar 11 Só muito ocasionalmente como no caso da estática da dinâmica e da ótica geométrica antigas fatos coletados com tão pouco direcionamento de uma teoria preestabelecida falam com suficiente clareza para permitir a emergência de um primeiro paradigma Essa é a situação que cria as escolas características dos primeiros estágios do desenvolvimento de uma ciência Não podemos interpretar uma história natural sem pelo menos um corpo implícito de crenças teóricas e metodológicas entretecidas que permita a seleção a avaliação e a crítica Se esse corpo de crenças já não está implícito na coleção de fatos caso em que já teríamos à disposição mais do que meros fatos então ele deve ser substituído por algo externo como talvez uma metafísica em voga uma outra ciência ou algum acidente pessoal e histórico Não é de admirar portanto que nos estágios iniciais do desenvolvimento de qualquer ciência pessoas diferentes deparandose com fenômenos do mesmo tipo mas não com os mesmos fenômenos particulares descrevemnos de maneiras diferentes O surpreendente e talvez uma singularidade dos campos que denominamos ciência é que essas divergências iniciais deveriam desaparecer em uma escala crescente Pois elas efetivamente desaparecem em uma extensão considerável e a seguir parece que somem de uma vez por todas Acrescentese que seu desaparecimento é usualmente causado pelo triunfo de uma das escolas préparadigmáticas que por causa de suas próprias crenças e preconcepções características enfatizou apenas alguma parte específica de um estoque de informação demasiado extenso e pouco elaborado Aqueles eletricistas que pensaram a eletricidade como um fluido e que portanto deram especial ênfase à condução fornecem um excelente exemplo para o caso em questão Levados por essa crença que mal poderia lidar com a conhecida 10 Roller e Roller op cit pp 14 22 28 43 Só depois do trabalho registrado na última dessas citações que os efeitos repulsivos ganham reconhecimento geral como inequivocamente elétricos 11 Bacon op cit pp 235 337 diz A água ligeiramente morna congelase mais facilmente que a muito fria Para um relato parcial dos primórdios da história dessa observação estranha consultese Marshall Clagett Giovanni Marliani and Late Medieval Physics New York 1941 cap iv 25 multiplicidade dos efeitos de atração e de repulsão vários deles tiveram a ideia de engarrafar o fluido elétrico O resultado imediato de seus esforços foi a garrafa de Leyden um artefato que nunca poderia ter sido inventado por pessoas que investigassem a natureza de maneira casual ou aleatória Como esse não era o caso a garrafa de Leyden foi desenvolvida de modo independente por pelo menos dois investigadores no início dos anos quarenta do século dezoito 12 Quase desde o começo de suas investigações sobre a eletricidade Franklin esteve particularmente interessado em dar uma explicação daquele aparato estranho e no caso particularmente revelador Seu sucesso em fazer isso forneceu os mais eficazes argumentos para tornar sua teoria um paradigma embora ainda fosse uma teoria incapaz de explicar quase todos os casos conhecidos de repulsão elétrica 13 Para ser aceita como um paradigma uma teoria deve parecer melhor que suas competidoras Todavia não precisa explicar todos os fatos com que é confrontada E de fato nunca faz isso Aquilo que a teoria dos fluidos fez pelo subgrupo que a sustentou o paradigma frankliniano fez mais tarde por todo o grupo dos eletricistas Ele sugeriu quais experimentos seriam dignos de ser realizados e quais não deveriam ser realizados por parecerem experimentos dirigidos para manifestações secundárias ou excessivamente complexas da eletricidade O paradigma fez esse serviço muito mais eficazmente em parte porque o fim do debate entre escolas diferentes pôs um fim na repetida discussão dos fundamentos e em parte porque a confiança de que estavam agora no caminho certo encorajou os cientistas a empreenderem tipos de trabalho mais precisos mais distantes do senso comum e da linguagem do dia a dia e com um empenho mais concentrado e intenso 14 Livres de se preocupar indistintamente com todo e qualquer fenômeno elétrico o grupo unido dos eletricistas poderia investigar uma seleção de fenômenos com muito mais detalhe projetando equipamentos muito mais especializados para a tarefa e empregando esses equipamentos de modo muito mais sistemático e 12 Roller e Roller op cit pp 5154 13 A maior complicação estava no caso da repulsão mútua de dois corpos com carga negativa Sobre isso ver Cohen op cit pp 49194 53143 14 Deverseia notar que a aceitação da teoria de Franklin não encerrou o debate por completo Em 1759 Robert Symmer propôs uma versão de dois fluidos daquela teoria Ainda por muitos anos depois disso os eletricistas ficariam divididos sobre se a eletricidade era um ou dois fluidos Mas os debates sobre essa questão apenas confirmam aquilo que já foi dito acima sobre a maneira com que um trabalho científico universalmente reconhecido une a profissão Embora continuassem divididos sobre esse ponto os eletricistas rapidamente concluíram que nenhum teste experimental poderia distinguir as duas versões da teoria e que portanto elas eram equivalentes Depois disso as duas escolas puderam e realmente o fizeram explorar todos os benefícios que a teoria de Franklin oferecia ibid pp54346 54854 26 persistente do que jamais haviam feito antes A coleta de fatos e a articulação da teoria tornaramse atividades altamente dirigidas A efetividade e a eficiência da pesquisa elétrica cresceram na mesma medida fornecendo evidência para uma versão societária do agudo dito metodológico de Francis Bacon A verdade emerge mais prontamente do erro que da confusão 15 Vamos examinar a natureza dessa pesquisa altamente dirigida ou baseada em paradigma na próxima seção mas primeiro devemos indicar brevemente como a emergência de um paradigma afeta a estrutura do grupo que pratica sua profissão no campo em que isso ocorre No desenvolvimento de uma ciência natural quando um indivíduo ou um grupo produz pela primeira vez uma síntese capaz de atrair quase toda a próxima geração de cientistas as escolas mais velhas gradualmente desaparecem Em parte esse desaparecimento é causado pela conversão de seus membros ao novo paradigma Mas sempre há algumas pessoas que se aferram a uma ou outra das antigas concepções e são simplesmente expulsas da profissão que daí por diante passa a ignorar seu trabalho O novo paradigma implica uma definição nova e muito mais rígida do campo de ação profissional Aquelas pessoas que não estiverem dispostas ou aptas a acomodar seu trabalho a ele deverão dar prosseguimento ao seu trabalho em isolamento ou então juntarse a algum outro grupo 16 Historicamente elas têm simplesmente ficado nos departamentos de filosofia que desovaram tantas ciências especializadas Como essas indicações sugerem somente a recepção de um paradigma transforma um grupo meramente interessado no estudo da natureza em uma profissão ou pelo menos em uma disciplina Nas ciências embora não em campos como a medicina a tecnologia e o direito cuja razão de ser é uma necessidade do mundo social externo a constituição de revistas especializadas a fundação de sociedades de especialistas e a revindicação de um lugar especial nos currículos têm 15 Bacon op cit p 210 16 A história da eletricidade oferece um excelente exemplo que também pode ser encontrado nas carreiras de Priestley Kelvin e outros Franklin relata que Nollet que em meados do século era o mais influente dos eletricistas viveu para ser o último da sua seita à exceção do Sr B seu aluno e sucessor imediato Max Farrand ed Benjamin Franklins Memoirs Berkeley Calif 1949 pp 38486 Entretanto o mais interessante é notarmos como escolas inteiras resistem isolandose crescentemente da profissão Considerese o caso da astrologia que um dia já foi parte integrante da astronomia Ou se considere a continuidade de uma respeitável tradição prévia de química romântica no final do século dezoito e início do dezenove Essa é a tradição discutida por Charles C Gillispie em The Encyclopédie and the Jacobin Philosophy of Science A Study in Ideas and Consequences Critical Problems in the History of Science ed Marshall Clagett Madison Wis 1959 pp 25589 e The Formation of Lamarcks Evolutionary Theory Archives Internationales dHistoire des Sciences XXXVII 1956 32338 27 sido associadas à primeira recepção de um paradigma único por um grupo de cientistas Pelo menos foi esse o caso entre o momento um século e meio atrás em que o padrão institucional da especialização científica começou a se desenvolver e o momento muito recente em que a parafernália da especialização adquiriu prestígio por si mesma A definição mais rígida do grupo científico tem outras consequências Quando individualmente um cientista pode considerar o paradigma como pressuposto ele já não precisa em seus trabalhos mais importantes construir seu campo uma vez mais começando pelos princípios e justificando o uso de cada conceito que introduz Isso pode ser deixado para o escritor de livros didáticos Dado um manual contudo o cientista criativo pode começar sua pesquisa no ponto em que esse livro didático termina e se concentrar exclusivamente nos aspectos mais difíceis de perceber e de compreender dos fenômenos naturais que interessam ao seu grupo Na medida em que ele faz isso seus relatos de pesquisa começarão a mudar em sentidos cuja evolução foi bem pouco estudada até hoje mas cujos produtos finais modernos são óbvios para todos e opressivos para muitos Em geral suas pesquisas não vão mais corporificarse em livros dirigidos a qualquer um que pudesse ter algum interesse nos problemas da sua área como os Experiments on Electricity de Franklin e a Origin of Species de Darwin Ao invés disso elas vão aparecer na forma de artigos breves dirigidos apenas para seus colegas de profissão Ou seja dirigidos às pessoas cujo conhecimento de um paradigma compartilhado pode ser presumido e que se mostram as únicas capazes de ler os artigos dirigidos a elas Hoje em dia nas ciências em geral os livros ou são manuais didáticos ou são reflexões retrospectivas sobre um ou outro aspecto da vida científica O cientista que escreve um livro vai mais provavelmente ter sua reputação prejudicada que ampliada Só no começo nos estágios préparadigmáticos de desenvolvimento de diferentes ciências o livro geralmente possuía a mesma relação com as conquistas profissionais que ele ainda hoje mantém em outros campos da criatividade humana E apenas naqueles campos que ainda mantêm o livro como forma de comunicação acompanhado ou não de artigos as linhas da demarcação do terreno profissional continuam tão imprecisas que o leigo pode ter a esperança de acompanhar os avanços através da leitura das exposições originais dos cientistas Já na antiguidade os relatos de pesquisa da astronomia e da matemática deixaram de ser inteligíveis para uma audiência apenas genericamente educada Para as pessoas que não 28 eram da área na dinâmica os resultados da pesquisa tornaramse similarmente ininteligíveis na Baixa Idade Média recapturando a inteligibilidade geral apenas por um curto período no começo do século dezessete até que um novo paradigma substituísse aquele que tinha guiado a pesquisa medieval A pesquisa elétrica começou a precisar de tradução para o leigo no final do século dezoito e a maioria dos outros campos da ciência física deixou em geral de ser acessível no século dezenove Durante esses mesmos dois séculos transições parecidas podem ser isoladas nas várias partes das ciências biológicas Em partes das ciências sociais isso pode muito bem estar ocorrendo nos dias de hoje Embora tenhase tornado costumeiro e isso certamente tem sua conveniência deplorar o alargamento do golfo que separa o cientista profissional de seus colegas de outros campos muito pouca atenção é dada à relação essencial entre tal golfo e os mecanismos intrínsecos ao avanço científico Desde a remota antiguidade um campo depois do outro cruzou a linha divisória entre aquilo que os historiadores chamam sua préhistória como ciência e a sua história propriamente dita Essas transições para a maturidade raramente foram tão abruptas ou tão inequívocas quanto parece estar implícito em minha discussão necessariamente esquemática Mas também não foram historicamente graduais a ponto de ser coextensivas com todo o processo de desenvolvimento dos campos em que ocorreram Aqueles que escreviam sobre eletricidade durante as primeiras quatro décadas do século dezoito dispunham de muito mais informação sobre os fenômenos elétricos que seus predecessores do século dezesseis Durante meio século depois de 1740 uns poucos novos tipos de fenômenos elétricos foram adicionados às suas listas Não obstante em aspectos relevantes os escritos sobre eletricidade de Cavendish Coulomb e Volta no último terço do século dezoito pareciam muito mais distanciados dos escritos de Gray Du Fay e até mesmo de Franklin do que os textos desses descobridores no campo da eletricidade do começo do século dezoito estão dos escritos do século dezesseis 17 Em algum momento entre 1740 e 1780 os eletricistas tornaramse capazes pela primeira vez de considerar que o alicerce de seu campo estava sólido A partir daí passaram a investigar 17 Os desenvolvimentos pósfranklinianos incluem um imenso aumento na sensitividade dos detectores de carga as primeiras técnicas confiáveis e amplamente difundidas para mensuração de carga a evolução do conceito de capacidade e a sua relação com uma renovada e mais refinada noção de tensão elétrica além da quantificação da força eletrostática Sobre tudo isso ver Roller e Roller op cit pp 6681 W C Walker The Detection and Estimation of Electric Charges in the Eighteenth Century Annals of Science I 1936 66100 e Edmund Hoppe Geschichte der Elektrizität Leipzig 1884 Parte I caps iiiiv 29 problemas mais concretos e de mais difícil detecção reportando os resultados de suas pesquisas em artigos dirigidos a outros eletricistas em vez de fazêlo em livros destinados ao mundo culto em geral Como grupo eles atingiram aquilo que os astrônomos já tinham obtido na antiguidade os estudiosos do movimento na Idade Média os estudiosos da física ótica no século dezessete tardio e a geologia histórica no início do século dezenove Isto é tinham obtido um paradigma que se provara adequado para guiar a pesquisa do grupo todo É difícil achar outro critério para proclamar tão claramente que um determinado campo tornouse uma ciência a não ser que tenhamos a posição vantajosa da retrospecção histórica 30 III A Natureza da Ciência Normal Então qual é a natureza dessa pesquisa mais profissional e restrita a especialistas que a adoção de um paradigma comum por um grupo de cientistas permite Se o paradigma representasse um trabalho que já foi feito de uma vez por todas que problemas em aberto ele deixaria para o grupo unificado resolver Tais questões parecerão ainda mais prementes se observarmos agora uma relação em que os termos usados até o momento podem ser enganadores No uso habitual um paradigma é um modelo ou padrão aceito Na falta de uma palavra melhor esse aspecto do seu significado permitiume no presente ensaio apropriarme do termo paradigma Mas logo vai ficar claro que o sentido de modelo e padrão que permite a apropriação da palavra não é aqui exatamente aquele que define usualmente paradigma Na gramática por exemplo amo amas amat é um paradigma porque revela o padrão a ser usado na conjugação de um grande número de outros verbos latinos Por exemplo ao produzir laudo laudas laudat Nessa aplicação padronizada o paradigma funciona quando permite a replicação de exemplos Qualquer um desses exemplos poderia em princípio servir para substituir o paradigma inicial Na ciência no entanto um paradigma raramente é um objeto para ser repetido ou replicado Em vez disso como uma decisão judicial elaborada a partir do direito consuetudinário o paradigma é um objeto de articulações sucessivas e de especificação sob condições novas e mais rígidas Para vermos como isso ocorre dessa forma devemos reconhecer o quanto um paradigma é limitado em amplitude e precisão quando ele entra em cena Os paradigmas obtêm seus status porque são mais bem sucedidos que seus competidores na resolução de uns poucos problemas que o grupo de cientistas veio a reconhecer como graves Entretanto ser bem sucedido não significa ser completamente bem sucedido com um único problema nem ser notavelmente bem sucedido com um grande número de problemas O sucesso de um paradigma seja ele a análise do movimento de Aristóteles os cálculos das posições planetárias de Ptolomeu a aplicação da balança por Lavoisier ou a matematização do campo magnético de Maxwell é de início em grande medida apenas uma promessa que os cientistas aprendem a ver em trabalhos científicos exemplares que ainda estão muito incompletos A ciência normal consiste na realização dessa promessa Tal realização se concretiza estendendo o conhecimento daqueles fatos que o paradigma destaca 31 como particularmente reveladores aumentando o ajuste entre aqueles fatos e as predições do paradigma e articulando ulteriormente o próprio paradigma Poucas pessoas entre os não profissionais efetivos de uma ciência madura chegam a entender quanto trabalho de depuração desse tipo um paradigma deixa para ser feito Ou então quão verdadeiramente fascinante tal trabalho pode mostrarse em sua execução Esses pontos precisam ser compreendidos As operações de depuração do paradigma são aquelas que ocupam a maioria dos cientistas durante toda a sua carreira Elas constituem o que estou aqui chamando de ciência normal Quando examinada mais de perto seja historicamente ou no laboratório contemporâneo a ciência normal parece uma tentativa de forçar a natureza para dentro da caixa prémoldada e relativamente inflexível que o paradigma fornece Não faz parte dos propósitos da ciência normal revelar novos fenômenos De fato aqueles fenômenos que não se ajustam à caixa paradigmática em geral nem são vistos Também não é propósito dos cientistas que fazem ciência normal inventar novas teorias Aliás eles em geral são muito intolerantes com as teorias inventadas por terceiros 18 Ao invés disso a pesquisa científiconormal é dirigida para a articulação daqueles fenômenos e teorias que o paradigma já proporciona Talvez tudo isso seja defeito As áreas investigadas pela ciência normal são claramente minúsculas O empreendimento que estamos discutindo tem uma visão drasticamente restrita Mas essas restrições nascidas da confiança dos cientistas em um paradigma resultam essenciais para o desenvolvimento da ciência Ao focar a atenção sobre um pequeno conjunto de problemas relativamente difíceis de resolver o paradigma força os cientistas a investigar alguma parte da natureza em tal grau de detalhamento e profundidade que seria inimaginável de outro modo Mas a ciência normal possui um mecanismo embutido que assegura o relaxamento das restrições que coagem a pesquisa quando quer que o paradigma de que derivam cesse de funcionar efetivamente Nesse ponto os cientistas começam a se comportar diferentemente e a natureza de seus problemas de pesquisa muda Contudo enquanto isso não ocorre ou seja durante o período em que o paradigma prospera a profissão estará resolvendo problemas que seus membros mal poderiam imaginar que resolveriam e que nunca se teriam postos a 18 Bernard Barber Resistance by Scientists to Scientific Discovery Science CXXXIV 1961 596602 32 resolver sem o comprometimento com o paradigma E pelo menos parte do produto desse trabalho sempre prova ser duradoura Para mostrar mais claramente o que se quer dizer com pesquisa normal ou pesquisa baseada em paradigma deixeme tentar classificar e ilustrar os problemas de que sobretudo consiste a ciência normal Por conveniência adio a atividade teórica e começo pela coleta de fatos Isto é começo pelos experimentos e observações descritos nas revistas técnicas pelas quais os cientistas informam seus colegas dos resultados de suas pesquisas em andamento Ordinariamente os cientistas reportamse a quais aspectos da natureza O que determina a sua escolha E o que motiva o cientista a prosseguir nessa escolha até que chegue a uma conclusão já que quase toda observação científica consome muito tempo equipamento e dinheiro Penso que haja só três focos normais para a investigação científica fatual e eles nem sempre e nem permanentemente se distinguem Em primeiro lugar está aquela classe de fatos que o paradigma mostrou ser particularmente reveladora da natureza das coisas Por empregálos na resolução de problemas o paradigma faz com que mereçam ser determinados com mais precisão e ao mesmo tempo faz com que mereçam ser determinados em uma variedade maior de situações Em ocasiões diversas essas determinações fatuais significativas incluíram na astronomia as posições e magnitudes das estrelas o eclipse das estrelas binárias e o eclipse dos planetas na física as gravidades específicas e a compressibilidade dos materiais os comprimentos de onda e as intensidades espectrais as condutividades elétricas e os potenciais de contato e na química os pesos de combinação e de composição os pontos de ebulição e a acidez das soluções as fórmulas estruturais e as atividades óticas As tentativas de aumentar a precisão e a amplitude do conhecimento desses fatos ocupam uma fração significativa da literatura da ciência experimental e observacional Complexos aparelhos têm sido repetidamente projetados para tais propósitos E o desenvolvimento desses aparelhos tem demandado talento de primeira grandeza muito tempo de trabalho e considerável suporte financeiro Síncrotrons e radiotelescópios são apenas os exemplos mais recentes de até onde os operários da pesquisa podem ir quando um paradigma lhes assegura que os fatos que estão investigando são importantes De Tycho Brahe a E O Lawrence alguns cientistas adquiriram grande reputação No caso desses cientistas isso não ocorreu em razão de qualquer novidade de suas descobertas mas da precisão da 33 credibilidade e do alcance dos métodos que eles desenvolveram para a redeterminação de um tipo de fato já conhecido previamente Uma segunda classe mais comum ainda que menor de determinações fatuais é dirigida àqueles fatos que podem ser diretamente comparados com as predições da teoria do paradigma Mesmo que em geral essas determinações fatuais não pareçam ter qualquer outra utilidade Como nós vamos ver logo à frente quando eu passar dos problemas experimentais para os problemas teóricos raramente há muitas áreas em que uma teoria científica pode ser comparada com a natureza Principalmente se ela foi formulada em uma linguagem predominantemente matemática Mesmo nos dias de hoje não mais que três dessas áreas são acessíveis à teoria geral da relatividade de Einstein 19 Ademais mesmo naquelas áreas em que a aplicação é possível ela demanda aproximações teóricas e instrumentais que limitam severamente o acordo esperado entre teoria e natureza Aperfeiçoar esse acordo ou encontrar novas áreas em que esse acordo possa em certa medida ser demonstrado apresenta um desafio constante à habilidade e à imaginação do experimentador e observador Telescópios especiais para demonstrar a predição copernicana da paralaxe anual A máquina de Atwood inventada quase um século depois da publicação dos Principia para dar a primeira demonstração inequívoca da segunda lei de Newton O aparelho de Foucault para demonstrar que a velocidade da luz é maior no ar que na água O gigantesco contador de cintilações projetado para demonstrar a existência do neutrino etc Todos esses aparatos especiais e muitos outros como eles ilustram o imenso esforço e engenhosidade que foram requeridos para trazer a natureza e a teoria para um acordo cada vez mais estreito 20 Essa tentativa de demonstrar acordo entre 19 O único ponto de aferição que há muito é reconhecido por todos é a precessão do periélio de Mercúrio A mudança para o vermelho no espectro da luz das estrelas distantes pode ser derivada de considerações mais elementares que a relatividade geral E o mesmo pode ser possível para a flexão da luz em torno do sol um ponto que agora desperta certa disputa De qualquer modo as medidas desse último fenômeno permanecem equívocas Um ponto de aferição adicional pode ter sido estabelecido muito recentemente a mudança gravitacional da radiação de Mossbauer Talvez logo tenhamos outros nesse campo agora ativo mas que ficou dormente por longo tempo Para uma exposição atualizada e concisa do problema ver L I Schiff A Report on the Nasa Conference on Experimental Tests of Theories of Relativity Physics Today XIV 1961 pp 4248 20 Para dois dos telescópios de paralaxe ver Abraham Wolf A History of Science Technology and Philosophy in the Eighteenth Century 2d ed London 1952 pp 1035 Para a máquina de Atwood ver N R Hanson Patterns of Discovery Cambridge 1958 pp 100102 2078 Para os dois últimos equipamentos especiais ver M L Foucault Méthode générale pour mesurer la vitesse de la lumière dans lair et dans leau Comptes rendus de lAcadémie des sciences XXX 1850 pp 551 60 e C L Cowan Jr et al Detection of the Free Neutrino A Confirmation Science CXXIV 1956 pp 1034 34 teoria e natureza é um segundo tipo de trabalho experimental que apresenta uma dependência do paradigma ainda mais óbvia que o primeiro A existência do paradigma estabelece os problemas a ser resolvidos Com frequência a teoria do paradigma está diretamente implicada na projeção do aparelho adequado para a resolução do problema Sem os Principia por exemplo as mensurações feitas com a máquina de Atwood não teriam qualquer sentido Penso que uma terceira classe de experimentos e observações exaure as atividades coletoras de fatos da ciência normal Tratase do trabalho empírico empreendido para articular a teoria do paradigma Esse trabalho resolve algumas ambiguidades residuais da teoria e permite a solução de problemas para os quais essa teoria já tinha anteriormente chamado a atenção Essa classe de experimentos e observações mostrase a mais importante de todas e a sua descrição requer uma subdivisão Nas ciências mais matematizadas alguns dos experimentos voltados à articulação da teoria são dirigidos para a determinação das constantes físicas O trabalho de Newton por exemplo indicava que a força entre duas unidades de massa por unidade de distância seria a mesma para todos os tipos de matéria em qualquer posição no universo Mas seus próprios problemas mal poderiam ser resolvidos sem a estimativa da grandeza dessa atração a constante gravitacional universal Ninguém inventou um aparelho capaz de determinar essa constante no século que transcorreu após a publicação dos Principia A famosa determinação de Cavendish de 1790 tampouco foi a última Por causa da sua posição central na teoria física valores mais precisos da constante gravitacional foram desde então objeto de repetidos esforços por muitos experimentadores proeminentes 21 Outros exemplos do mesmo tipo de trabalho contínuo incluiriam as determinações das unidades astronômicas o número de Avogadro o coeficiente de Joule a carga eletrônica e assim por diante Poucos desses laboriosos esforços teriam sido concebidos e nenhum teria sido levado a cabo sem uma teoria do paradigma para definir o problema e garantir a existência de uma solução estável Os esforços para articular o paradigma não são contudo restritos à determinação de constantes universais Eles também podem por exemplo visar a leis quantitativas A Lei de Boyle que relaciona a pressão do gás ao seu volume a Lei de Coulomb da atração elétrica e a fórmula de Joule que relaciona o calor gerado na resistência elétrica e a corrente estão todas nessa categoria Pode não 21 J H Poynting revisa cerca de duas dúzias de medidas da constante gravitacional entre 1741 e 1901 em Gravitation Constant and Mean Density of the Earth Enciclopædia Britannica 11th ed Cambridge 191011 XII 38589 35 parecer óbvio que um paradigma seja prérequisito para a descoberta de leis como essas Com frequência ouvimos falar que tais leis são encontradas pelo exame de mensurações feitas por si mesmas sem um comprometimento teórico Mas a história não oferece respaldo para um método tão excessivamente baconiano Os experimentos de Boyle não seriam concebidos e se concebidos teriam recebido uma outra interpretação ou até mesmo nenhuma interpretação antes que o ar fosse reconhecido como um fluido elástico a que todos os conceitos elaborados para a hidrostática pudessem ser aplicados 22 O sucesso de Coulomb dependeu da construção por ele mesmo de um aparelho especial para medir a força entre cargas pontuais 23 Mas o desenho daquele aparelho por Coulomb dependeu por seu turno do reconhecimento prévio de que qualquer partícula do fluido elétrico age à distância sobre todas as outras Era a força entre essas partículas a única força que poderia ser seguramente presumida como uma função simples da distância que Coulomb procurava 24 Os experimentos de Joule também serviriam para ilustrar como as leis quantitativas emergem da articulação do paradigma De fato a relação entre paradigma qualitativo e lei quantitativa é tão geral e íntima que desde Galileu tais leis têm sido conjeturadas corretamente com a ajuda do paradigma anos antes que se projete um aparelho para sua determinação experimental 25 Finalmente há uma terceiro tipo de experimento que visa à articulação de um paradigma Mais que os outros esse tipo de experimento pode assemelharse à exploração e prevalece particularmente naqueles períodos e naquelas ciências que lidam mais com aspectos qualitativos que com aspectos quantitativos da regularidade da natureza Frequentemente um paradigma desenvolvido para um conjunto de fenômenos é ambíguo em sua aplicação a um outro conjunto de fenômenos estreitamente relacionado com o primeiro Assim os experimentos têm que escolher entre várias maneiras alternativas de se aplicar o paradigma à nova área de interesse Por exemplo as aplicações paradigmáticas 22 Para a transposição completa dos conceitos da hidrostática para a pneumática ver The Physical Treatises of Pascal trad I H B Spiers e A G H Spiers com uma introdução e notas por F Barry New York 1937 A introdução original de Torricelli desse paralelismo Nós vivemos submersos no fundo de um oceano do elemento ar ocorre na p 164 Seu rápido desenvolvimento é exposto pelos dois tratados principais 23 Os aparelhos que tinham anteriormente medido forças elétricas usando balanças de prato ordinárias etc não encontraram qualquer regularidade consistente ou simples 24 Duane Roller e Duane H D Roller The Development of the Concept of Electric Charge Electricity from the Greeks to Coulomb Harvard Case Histories in Experimental Science Case 8 Mass 1954 pp 6680 25 Para exemplos ver T S Kuhn The Function of Measurement in Modern Physical Science Isis LII 1961 pp 16193 36 da teoria do calórico restringiamse ao aquecimento e ao resfriamento por misturas e por mudança de estado Mas o calor poderia ser liberado ou absorvido de muitas outras maneiras por exemplo por combinação química por fricção e por absorção de um gás e para cada um desses outros fenômenos a teoria poderia ser aplicada de várias maneiras Se o vácuo tivesse capacidade calorífica por exemplo o aquecimento por compressão poderia ser explicado como resultando da mistura do gás com o vazio Ou então poderia ser devido à mudança no calor específico dos gases com a mudança da pressão Ainda poderíamos enumerar várias outras explicações Muitos experimentos foram feitos para elaborar essas várias possibilidades e para distinguilas umas das outras Todos esses experimentos foram desenvolvidos a partir da teoria do calórico tomada como paradigma e todos a exploraram no planejamento dos experimentos e na interpretação dos resultados obtidos 26 Uma vez que o fenômeno do calor por compressão foi estabelecido todos os experimentos posteriores nessa área tornaramse paradigmo dependentes dessa maneira Dado um fenômeno de que outro modo poderia ser escolhido um experimento para esclarecêlo Mudemos agora para os problemas teóricos da ciência normal que caem dentro de classes muito próximas das classes dos problemas experimentais e observacionais Uma parte do trabalho teórico normal ainda que apenas uma pequena parte consiste simplesmente no uso da teoria existente para predizer informações fatuais que tenham alguma utilidade social A elaboração de calendários astronômicos o cálculo das características das lentes e a produção de curvas de propagação de rádio são exemplos de problemas dessa ordem Contudo geralmente os cientistas acham isso um trabalho medíocre que deve ser deixado para engenheiros e técnicos Raramente algum desses trabalhos vai aparecer em revistas científicas significativas Mas essas mesmas revistas contêm uma grande quantidade de discussões teóricas de problemas que parecerão quase indiferenciadas para o não cientista São as manipulações da teoria empreendidas porque podem ser confrontadas diretamente com o experimento e não porque as predições que delas resultam tenham alguma utilidade Seu propósito é mostrar uma nova aplicação do paradigma ou aumentar a precisão de uma aplicação que já foi feita A necessidade de um trabalho desse tipo deriva das enormes dificuldades geralmente encontradas no desenvolvimento de pontos 26 T S Kuhn The Caloric Theory of Adiabatic Compression Isis XLIX 1958 pp 132140 37 de contato entre a teoria e a natureza Essas dificuldades podem ser brevemente ilustradas por um exame da história da dinâmica depois de Newton Nos primeiros anos do século dezoito os cientistas que encontraram nos Principia um paradigma consideraram evidente a generalidade das suas conclusões Eles tinham todo tipo de razão para agir assim Nenhum outro trabalho pelo menos que tenha sido do conhecimento da história da ciência permitira ao mesmo tempo um aumento tão grande na amplitude e na precisão da pesquisa Para os céus Newton derivou as leis de Kepler do movimento planetário e ainda explicou algumas das circunstâncias em que a Lua falhava em obedecêlas Para a Terra ele derivou os resultados de algumas observações esparsas sobre os pêndulos e sobre as marés Ele também foi capaz de derivar a Lei de Boyle e uma importante fórmula para a velocidade do som no ar ainda que com a ajuda de suposições adicionais ad hoc Levando em conta o estado da ciência na época o sucesso dessas demonstrações impressionou ao extremo Não obstante dada a generalidade presumida das Leis de Newton o número dessas aplicações não foi grande E Newton não desenvolveu quase nenhuma outra aplicação Ademais comparado com o que qualquer estudante de pósgraduação pode atingir hoje com essas mesmas leis as poucas aplicações de Newton nem mesmo foram desenvolvidas com precisão Finalmente os Principia foram desenhados principalmente para problemas da mecânica celeste De modo algum estava claro como adaptálos para aplicações terrestres Principalmente para aquelas aplicações do movimento forçado De qualquer modo os problemas terrestres já estavam sendo atacados com grande sucesso por um conjunto muito diferente de técnicas desenvolvidas originalmente por Galileu e Huyghens e estendidas à área continental da Europa durante o século dezoito pelos Bernoullis dAlembert e muitos outros Presumivelmente poderseia mostrar que as técnicas empregadas por eles e as técnicas dos Principia fossem casos especiais de uma formulação mais geral mas por algum tempo ninguém viu muito bem como 27 Concentremos momentaneamente nossa atenção no problema da precisão Já ilustramos seu aspecto empírico Equipamentos especiais como o aparelho de Cavendish a máquina de Atwood ou telescópios aperfeiçoados foram exigidos para fornecer os dados 27 C Truesdell A Program toward Rediscovering the Rational Mechanics of the Age of Reason Archive for History of the Exact Sciences I 1960 pp 336 e Reactions of Late Baroque Mechanics to Success Conjecture Error and Failure in Newtons Principia Texas Quartely X 1967 pp28197 T L Hankins The Reception of Newtons Second Law of Motion in the Eighteenth Century Archives internationales dhistoire des sciences XX 1967 pp4265 38 especiais que as aplicações concretas do paradigma de Newton demandavam Dificuldades parecidas na obtenção de acordo também existiram do lado da teoria Ao aplicar suas leis aos pêndulos por exemplo Newton foi forçado a tratar o prumo de chumbo como um ponto de massa para que pudesse fornecer uma definição da extensão do pêndulo com um valor único A maior parte de seus teoremas algumas poucas exceções sendo hipotéticas e preliminares também ignorou o efeito da resistência do ar Esses teoremas eram apenas aproximações plausíveis Não obstante enquanto aproximações eles restringiam o acordo a ser esperado entre as predições de Newton e os experimentos efetivos As mesmas dificuldades aparecem ainda mais claramente na aplicação da teoria de Newton aos céus Observações telescópicas quantitativas simples indicam que os planetas não obedecem exatamente as Leis de Kepler E a teoria de Newton indica que elas não deveriam obedecer mesmo Para derivar as Leis de Kepler Newton foi forçado a negligenciar toda atração gravitacional exceto aquela que há entre cada planeta individualmente e o sol Posto que os planetas também se atraem mutuamente apenas um acordo aproximado entre a teoria aplicada e a observação telescópica poderia ser esperado 28 É claro que o acordo alcançado era mais do que satisfatório para aqueles que o obtiveram Exceto para alguns problemas terrestres nenhuma outra teoria poderia funcionar com tão boa aproximação Nenhum daqueles que questionaram a validade do trabalho de Newton o fez pelo seu limitado acordo com o experimento e a observação Não obstante essas limitações do acordo deixaram muitos problemas teóricos fascinantes para os sucessores de Newton Certas técnicas teóricas por exemplo foram requeridas para tratar os movimentos de mais de dois corpos atraindose mutuamente e para investigar a estabilidade de órbitas perturbadas Problemas como esses ocuparam os melhores matemáticos da Europa durante o século dezoito e o início do século dezenove Euler Lagrange Laplace e Gauss fizeram alguns de seus mais brilhantes trabalhos sobre problemas que visavam à melhoraria do ajuste entre o paradigma de Newton e a observação dos céus Simultaneamente muitas dessas figuras trabalharam para desenvolver a matemática exigida por aplicações que nem Newton nem seus contemporâneos da escola de mecânica da Europa continental sequer tentaram desenvolver Eles produziram por exemplo uma imensa literatura e algumas técnicas matemáticas muito poderosas para a hidrodinâmica 28 Wolf op cit pp 7581 96101 e William Whewell History of the Inductive Sciences rev ed London 1847 II pp 21371 39 e para o problema das cordas vibratórias Esses problemas de aplicação respondem pelo que é provavelmente o trabalho científico mais brilhante e absorvente do século dezoito Outros exemplos poderiam ser descobertos por um exame do período pósparadigma do desenvolvimento da termodinâmica da teoria ondulatória da luz da teoria eletromagnética ou de qualquer outro ramo científico cujas leis fundamentais são inteiramente quantitativas Pelo menos nas ciências mais matemáticas a maior parte do trabalho teórico é desse tipo Mas o trabalho teórico nem sempre é desse tipo Mesmo nas ciências matemáticas também há problemas teóricos de articulação do paradigma E esses problemas dominam durante os períodos em que o desenvolvimento científico é predominantemente qualitativo Tanto nas ciências mais quantitativas quanto nas ciências mais qualitativas alguns desses problemas visam simplesmente à clarificação por meio da reformulação Os Principia por exemplo nem sempre se mostraram um trabalho de fácil aplicação Em parte porque até certo ponto reteve o desajeito inevitável de uma formulação feita pela primeira vez Em parte porque muito do seu significado estava apenas implícito em suas aplicações Para muitas aplicações terrestres de qualquer modo um conjunto de técnicas aparentemente não relacionadas desenvolvidas na Europa continental pareceram imensamente mais poderosas Portanto de Euler e Lagrange no século dezoito a Hamilton Jacobi e Hertz no século dezenove muitos dos mais brilhantes físicos matemáticos da Europa esforçaramse repetidamente para reformular a teoria mecânica dandolhe um formato equivalente mas lógica e esteticamente mais satisfatório Isto é eles desejavam exibir as lições explícitas e implícitas dos Principia e da mecânica da Europa continental em uma versão mais coerente logicamente Uma versão que fosse ao mesmo tempo mais uniforme e menos equívoca em sua aplicação aos recém elaborados problemas da mecânica 29 Reformulações parecidas de um paradigma ocorreram repetidamente em todas as ciências mas a maioria delas produziu mais mudanças substanciais no paradigma que as reformulações dos Principia citadas acima Tais mudanças resultaram do trabalho empírico descrito anteriormente como visando à articulação do paradigma De fato classificar aquele tipo de trabalho como empírico foi arbitrário Mais que qualquer outro tipo de pesquisa normal os problemas de articulação de paradigma são simultaneamente teóricos e experimentais Os exemplos dados anteriormente servem 29 René Dugas Histoire de la mécanique Neuchâtel 1950 Livros IVV 40 igualmente aqui Antes que pudesse construir seu equipamento e fazer mensurações com ele Coulomb teve que empregar a teoria elétrica para determinar como o equipamento deveria ser construído A consequência das mensurações feitas com o novo equipamento foi um refinamento na teoria Ou ainda as pessoas que projetaram os experimentos destinados a distinguir entre as várias teorias do aquecimento por compressão geralmente eram as mesmas que tinham elaborado as versões a ser comparadas Eles estavam trabalhando tanto com fato quanto com teoria Seu trabalho não produziu simplesmente nova informação mas um paradigma mais preciso obtido pela eliminação das ambiguidades ainda retidas pelo original sobre o qual eles trabalhavam Em muitas ciências a maior parte do trabalho normal é desse tipo Essas três classes de problemas determinação do fato significativo sintonia do fato com a teoria e articulação da teoria esgotam penso eu toda a literatura empírica e teórica da ciência normal Há também problemas extraordinários E pode muito bem ocorrer que é a resolução desses problemas que torna o empreendimento científico como um todo valer tanto a pena Mas problemas extraordinários não estão sempre à disposição dos cientistas Eles só emergem em ocasiões especiais preparadas pelo próprio avanço da ciência normal Inevitavelmente portanto a esmagadora maioria dos problemas que até mesmo os melhores cientistas se põem a resolver enquadrase em uma das três categorias esboçadas acima O trabalho sob um paradigma não pode ser conduzido de nenhuma outra maneira e desertar do paradigma é cessar de praticar a ciência que ele define Logo descobriremos que tais deserções efetivamente ocorrem Elas são os eixos em torno dos quais as revoluções científicas giram Mas antes de começar o estudo dessas revoluções nós precisamos de uma visão mais panorâmica das ocupações da ciência normal que lhes preparam o caminho 41 IV A Ciência Normal como Resolução de Charadas A mais impressionante característica dos problemas da ciência normal que nós acabamos de repassar é quão pouco eles objetivam produzir novidades conceituais ou fenomênicas Como no caso da medida do comprimento de onda às vezes tudo é sabido antecipadamente exceto os detalhes mais esotéricos do resultado obtido Só o leque típico de expectativas dos cientistas pode ser um pouco mais aberto As medidas de Coulomb talvez não precisassem ajustarse a uma lei do quadrado inverso As pessoas que trabalharam com o aquecimento por compressão em geral estavam preparadas para qualquer um entre vários resultados Contudo mesmo em casos como esses o número de resultados antecipados e portanto assimiláveis é sempre pequeno se comparados com o número de resultados que a imaginação pode conceber E o projeto de pesquisa cujo resultado não se enquadra nesse conjunto mais limitado de resultados antecipados e portanto assimiláveis é comumente considerado um fracasso Um fracasso que não pode ser atribuído à natureza mas ao cientista No século dezoito por exemplo pouca atenção foi dada aos experimentos que mediam a atração elétrica com dispositivos como a balança de pratos Esses experimentos não poderiam ser utilizados para articular o paradigma de que derivavam porque não produziam resultados consistentes nem simples Portanto eles permaneceram meros fatos não relacionados e não relacionáveis com o avanço contínuo da pesquisa sobre eletricidade Só em retrospecto já estando possuídos por um paradigma posterior nós podemos ver que características dos fenômenos elétricos eles revelam Coulomb e seus contemporâneos é claro também possuíam esse paradigma posterior ou algum paradigma que quando aplicado ao problema da atração produzia as mesmas expectativas Isso explica por que Coulomb foi capaz de projetar o aparelho que deu um resultado assimilável por meio da articulação do paradigma Mas também explica por que o resultado a que Coulomb chegou não surpreendeu ninguém e vários de seus contemporâneos foram capazes de se adiantar em predizêlo De fato o projeto de investigação cujo objetivo já é a articulação do paradigma não visa à inovação inesperada Mas se o objetivo da ciência normal não são as grandes novidades concretas e se o fracasso em se aproximar do resultado antecipado é habitualmente um fracasso personificado pelo cientista 42 então por que esses problemas acabam sendo enfrentados de uma maneira ou de outra Parte da resposta já foi desenvolvida Pelo menos para os cientistas os resultados da pesquisa normal são significativos porque aumentam a abrangência e a precisão com que um paradigma pode ser aplicado Entretanto tal resposta não explica o entusiasmo e a devoção que os cientistas mostram ao resolver problemas de ciência normal Ninguém dedica anos para digamos desenvolver um espectrômetro melhor ou dar uma solução mais aperfeiçoada ao problema das cordas vibratórias simplesmente por causa da importância da informação que vai ser obtida Os dados conseguidos pelo cálculo de efemérides ou pelas mensurações adicionais com um aparelho já disponível podem ser bem importantes mas essas atividades são regularmente desdenhadas pelos cientistas Isso ocorre porque essas atividades são em grande medida repetições de procedimentos que já foram feitos antes Tal rejeição nos dá uma pista para o fascínio exercido pelo problema da pesquisa normal Embora o resultado possa ser antecipado em geral num nível de detalhamento tão grande que aquilo que ainda fica para ser conhecido é em si mesmo desinteressante a maneira de chegar a ele permanece muito duvidosa Levar um problema de pesquisa normal até à sua conclusão é chegar ao antecipado por um caminho que ainda tem que ser construído e isso exige a solução de todo tipo de complexas charadas instrumentais conceituais e matemáticas A pessoa bem sucedida nisso prova ser uma engenhosa solucionadora de charadas e o desafio da charada é uma parte importante daquilo que a motiva As expressões charada e solucionador de charadas iluminam vários dos temas que foram adquirindo proeminência nas páginas anteriores Charadas são aqui emprego esse termo em seu significado inteiramente habitual aquela categoria especial de problemas que servem para testar a engenhosidade ou a habilidade em solucionálos Os exemplos de dicionário são quebracabeças e palavrascruzadas São as características que esses exemplos de charadas compartilham com os problemas de ciência normal que nós precisamos isolar agora Uma delas acabou de ser mencionada Uma charada não será considerada boa porque seu resultado pode ser intrinsecamente interessante ou socialmente importante Pelo contrário problemas efetivamente urgentes como por exemplo a cura do câncer ou uma proposta de paz duradoura em geral nem apresentam charadas Isso ocorre em grande medida por não estar claro que eles possam ter alguma solução Imaginemos um quebra cabeças cujas peças são selecionadas aleatoriamente a partir de duas 43 caixas diferentes cada uma delas contendo um quebracabeças diferente Como provavelmente esse problema resistiria até mesmo às pessoas mais engenhosas ainda que em tese pudesse não fazêlo ele não serviria como um teste para a habilidade de encontrar uma solução Em qualquer sentido usual nesse caso não se trata de um quebracabeças Embora a importância ou utilidade social não seja critério para a formulação de uma charada a garantia de que existe uma solução é Já vimos contudo que uma das coisas que uma comunidade científica adquire com um paradigma é um critério para escolher problemas que enquanto o paradigma é tido como certo se pode presumir que tenham soluções Em grande medida são apenas esses problemas que uma comunidade vai admitir como científicos ou encorajar seus membros a tentar resolvêlos Outros problemas incluindo muitos que eram padrão no contexto do paradigma anterior são rejeitados como metafísicos como de interesse de outras disciplinas ou às vezes como sendo muito controversos para entrar na agenda dos cientistas Um paradigma pode nessa medida isolar a comunidade científica daqueles problemas socialmente importantes mas que não podem ser reduzidos à forma de charada Ou seja não podem ser formulados nos termos das ferramentas conceituais e instrumentais que o paradigma disponibiliza Tais problemas podem ser uma distração Disso temos uma lição brilhantemente ilustrada por vários aspectos do baconismo do século dezessete e por algumas ciências sociais contemporâneas Uma das razões por que a ciência normal parece avançar tão rapidamente está no fato de que seus profissionais concentramse em problemas que só a própria falta de engenhosidade poderia impedilos de resolver Se entrementes os problemas de ciência normal são constituídos por charadas no sentido aqui adotado não precisamos mais perguntar por que os cientistas atacamnos com tal paixão e devoção Uma pessoa pode ser atraída para a ciência por muitas razões Entre elas está o desejo de ser útil a excitação de explorar um terreno novo a esperança de encontrar alguma ordem e o impulso de testar o conhecimento estabelecido Esses e vários outros motivos também ajudam a determinar os problemas específicos em cuja solução ela se engajará no futuro Ademais embora o resultado possa ser ocasionalmente frustrante há boa razão por que motivos como esses deveriam primeiro atraíla e a seguir ludibriála 30 30 As frustrações induzidas pelo conflito entre o papel do indivíduo e o padrão global do desenvolvimento científico podem entretanto ser às vezes muito sérias Sobre isso ver Lawrence S Kubie Some Unsolved Problems of the Scientific Career American Scientist XLI 1953 pp 569613 e XLII 1954 pp 10412 44 De vez em quando o empreendimento científico como um todo prova que pode ser de alguma utilidade abre novos territórios revela uma ordem e testa crenças aceitas há muito tempo Não obstante o indivíduo engajado num problema de ciência normal quase nunca está fazendo qualquer dessas coisas Uma vez engajado sua motivação será de um tipo bem diferente O que o desafia nesse momento é a convicção de que sendo suficientemente habilidoso ele terá sucesso na resolução de uma charada que ninguém ainda resolveu ou pelos menos ainda não resolveu tão bem Muitas das maiores mentes científicas devotaram toda a sua atenção profissional a charadas difíceis desse tipo No mais das vezes qualquer campo particular de especialização só oferece essas charadas para o cientista se ocupar O que não as torna menos fascinantes para o tipo certo de aficionado Voltemonos agora para um outro aspecto mais difícil e mais revelador do paralelismo entre charadas e problemas da ciência normal Para ser classificado como uma charada um problema deve ter outras características além de uma solução garantida Também deve haver regras que limitem a natureza das soluções aceitáveis e os passos através dos quais elas são obtidas Para resolver um quebra cabeças não basta por exemplo produzir uma imagem Tanto uma criança quanto um artista contemporâneo poderiam fazer isso distribuindo peças selecionadas a título de formas abstratas sobre alguma superfície neutra Uma imagem produzida assim poderia ser muito melhor e certamente seria mais original que a imagem usada na feitura do quebracabeças Todavia tal imagem não seria uma solução Para que todas as peças sejam usadas seus lados uniformes entre si devem ficar por baixo e elas devem ser encaixadas umas nas outras sem forçálas até que já não haja lacunas Tais são as regras que governam as soluções dos quebracabeças Restrições parecidas sobre as soluções admissíveis das palavras cruzadas das adivinhações e dos problemas do xadrez podem ser prontamente descobertas Se nós aceitarmos um uso consideravelmente elastecido do termo regra um uso que eventualmente poderá igualarse a ponto de vista estabelecido ou preconcepção então a resolução dos problemas selecionados dentro de uma certa tradição de pesquisa mostra algo muito parecido com esse conjunto de características das charadas A pessoa que fabrica um instrumento para determinar os comprimentos de onda não pode se contentar com um equipamento que simplesmente atribui certos números para certas linhas espectrais Essa pessoa não é só uma exploradora ou medidora Pelo 45 contrário por meio da análise do seu aparato nos termos da formulação estabelecida pela teoria ótica ela deve mostrar que os números que o seu aparelho produz são os mesmos números que constam da teoria como comprimentos de onda Se alguma imprecisão residual na teoria ou algum componente não analisado do seu aparato a impedem de completar a demonstração seus colegas podem muito bem concluir que ela não mediu coisa alguma Por exemplo os máximos de dispersão de elétrons que mais tarde foram considerados índices do comprimento de onda do elétron aparentemente não tinham qualquer significado quando foram observados e registrados pela primeira vez Antes que eles se tornassem medida de alguma coisa tiveram que ser relacionados a uma teoria que predizia o comportamento ondulatório da matéria em movimento E mesmo depois que aquela relação foi especificada o instrumento teve que ser redesenhado para que os resultados experimentais pudessem ser correlacionados inequivocamente com a teoria 31 Enquanto essas condições não foram satisfeitas nenhum problema foi resolvido Tipos parecidos de restrições demarcam as soluções admissíveis para os problemas teóricos Durante todo o século dezoito os cientistas que tentaram derivar das leis newtonianas do movimento e da gravitação o movimento observado da Lua fracassaram em seu intento Como resultado alguns deles sugeriram a substituição da lei do quadrado inverso por uma outra lei que divergia dela no caso das pequenas distâncias Todavia para fazer isso teriam que mudar o paradigma e definir uma nova charada deixando a charada velha sem resolver Nesse episódio os cientistas preservaram as regras até que em 1750 um deles descobriu como elas poderiam ser aplicadas com sucesso 32 Só uma mudança nas regras do jogo poderia ter oferecido uma alternativa O estudo das tradições científiconormais revela muitas regras adicionais Tais regras fornecem muita informação sobre os compromissos que os cientistas derivam de seus paradigmas Em que categorias principais poderíamos dizer essas regras se enquadram 33 A mais óbvia e provavelmente a mais coercitiva é exemplificada pelas generalizações que acabamos de mencionar São os enunciados explícitos de leis científicas e os enunciados explícitos relativos aos 31 Para uma breve exposição da evolução desses experimentos ver a página 4 da conferência de C J Davisson em Les Prix Nobel en 1937 Stockholm 1938 32 W Whewell History of the Inductive Sciences rev ed London 1847 II pp 1015 22022 33 Devo essa questão a W O Hagstrom cujo trabalho na sociologia da ciência às vezes se intersecciona com o meu próprio 46 conceitos e teorias científicos Enquanto continuam a ser reverenciados esses enunciados ajudam na formulação das charadas e na delimitação das soluções aceitáveis As leis de Newton por exemplo exerceram essas funções durante os séculos dezoito e dezenove Enquanto elas fizeram isso a quantidade de matéria foi uma categoria ontológica fundamental para os cientistas físicos e as forças que atuam entre as unidades de matéria foram um tópico dominante da pesquisa 34 Na química as leis das proporções fixas e definidas tiveram por um longo tempo uma força inteiramente similar quando estabeleciam o problema dos pesos atômicos limitavam os resultados admissíveis das análises químicas e informavam aos químicos o que eram os átomos moléculas compostos e misturas 35 As equações de Maxwell e as leis da termodinâmica estatística têm hoje em dia o mesmo poder e a mesma função Regras como essas todavia nem são as únicas e nem mesmo as da variedade mais interessante revelada pelo estudo histórico Em um nível inferior ou mais concreto que o nível das leis e teorias há por exemplo uma multidão de compromissos relativos aos tipos preferidos de instrumentação e às maneiras de se empregar legitimamente os instrumentos aceitos A mudança de atitude frente ao papel do fogo nas análises químicas exerceu uma função vital no desenvolvimento da química no século dezessete 36 No século dezenove Helmholtz encontrou entre os fisiologistas forte resistência à noção de que a experimentação física poderia iluminar seu campo 37 Em nosso século a curiosa história da cromatografia química ilustra uma vez mais a persistência dos compromissos instrumentais que tanto quanto as leis e teorias equipam os cientistas com regras do jogo 38 Quando analisarmos a descoberta dos raios X encontraremos as razões para compromissos dessa ordem Características menos locais e temporais da ciência ainda que também mudem são os compromissos de nível mais elevado quasimetafísicos que o estudo histórico revela com tanta 34 Para esses aspectos do newtonianismo ver I B Cohen Franklin and Newton An Inquiry into Speculative Newtonian Experimental Science and Franklins Work in Electricity as an Example Thereof Philadelphia 1956 cap vii esp pp 25557 275 77 35 Esse exemplo é discutido em detalhe quase no final da Seção X 36 H Metzger Les doctrines chimiques en France du début du XVIIe Siècle à la fin du XVIIIe Siècle Paris 1923 pp 35961 Marie Boas Robert Boyle and Seventeenth Century Chemistry Cambridge 1958 pp 11215 37 Leo Königsberger Hermann von Helmholtz trad Francis A Welby Oxford 1906 pp 6566 38 James E Meinhard Chromatography A Perspective Science CX 1949 pp 387 92 47 regularidade Por exemplo logo depois de 1630 e particularmente depois do aparecimento dos imensamente influentes escritos científicos de Descartes a maioria dos cientistas físicos passou a presumir que o universo era composto de corpúsculos microscópicos e que todos os fenômenos naturais poderiam ser explicados em termos de forma tamanho movimento e interação corpuscular Essa teia de compromissos provou ser tanto metafísica quanto metodológica Enquanto metafísica ela asseverou aos cientistas que tipos de entidades o universo continha e que tipos de entidades o universo não continha Enquanto metodológica essa teia de compromissos asseveroulhes como devem ser as leis últimas e as explanações fundamentais As leis devem especificar o movimento e a interação corpuscular Uma explanação deve reduzir qualquer fenômeno natural dado a uma ação corpuscular sob aquelas leis Mais importante ainda foi que a concepção corpuscular do universo asseverou aos cientistas aquilo que muitos dos seus problemas de pesquisa deveriam ser Por exemplo um químico que como Boyle adotou a nova filosofia deu particular atenção às reações que poderiam ser vistas como transmutações Mais claramente que quaisquer outras as transmutações mostrariam o processo de rearranjo corpuscular que está por baixo de toda transformação química 39 Efeitos similares do corpuscularismo podem ser observados no estudo da mecânica da ótica e do calor Finalmente em um nível ainda mais elevado há um outro conjunto de compromissos sem os quais nenhuma pessoa é cientista O cientista deve por exemplo estar interessado em compreender o mundo e em ampliar a precisão e a amplitude com que ele foi ordenado Tal compromisso deve por sua vez leválo a examinar tanto por si mesmo quanto pelo trabalho dos colegas algum aspecto da natureza com grande detalhamento empírico Se esse exame revela bolsões de aparente desordem então esses bolsões devem desafiálo a um novo refinamento de suas técnicas de observação e a uma nova articulação de suas teorias Sem dúvida que ainda há outras regras como as já mencionadas Regras que têm valido para os cientistas de todos os tempos A existência dessa forte rede de compromissos conceituais teóricos instrumentais e metodológicos é a principal fonte da metáfora que relaciona a ciência normal com a resolução de charadas Porque ela fornece as regras que descrevem ao profissional de uma 39 Para o corpuscularismo em geral ver Marie Boas The Establishment of the Mechanical Philosophy Osiris X 1952 pp 412541 Para seus efeitos sobre a química de Boyle ver T S Kuhn Robert Boyle and the Structural Chemistry in the Seventeenth Century Isis XLIII 1952 pp 1236 48 especialidade científica madura como é o mundo e como é a ciência desse mundo esse cientista pode concentrarse com segurança nos intrincados problemas que tais regras e o conhecimento existente definem para ele O que vai então desafiálo pessoalmente é como levar a charada residual a uma solução Nessa e em outras questões uma discussão das charadas e das regras ilumina a natureza da prática da ciência normal Contudo por outro lado essa iluminação pode ser significativamente ilusória Embora haja regras a que todos os profissionais de uma especialidade científica devam aderir em um certo momento essas regras não podem por si mesmas especificar tudo o que a prática desses especialistas têm em comum A ciência normal é uma atividade altamente determinada mas não precisa ser inteiramente determinada por regras Eis por que no início desse ensaio eu introduzi os paradigmas compartilhados como a fonte de coerência das tradições da ciência normal em vez de regras postulados e pontos de vista compartilhados As regras eu sugiro derivam dos paradigmas Mas os paradigmas podem guiar a pesquisa mesmo na ausência de regras Kuhn a revolução científica e suas contradições A história vem sendo aplicada como um depósito de cronologias responsável por determinar que uma pessoa descobriu ou inventou algo científico ou não em determinada época tal como descrever entraves sociais da instituição efetiva da ciência na sociedade Entretanto esta poderia ser empregada como um real objeto de transformação da imagem da ciência indo além do caráter pedagógico e de persuasão Bem como a ciência vem sendo aplicada na maioria das vezes visando apenas métodos de observação leis e teorias descritas em suas páginas Em contraponto sua aplicabilidade vai além de processos de manipulação utilizados em coletas de dados Esse contexto resulta num conceito de ciência com profundas implicações sobre a natureza e o desenvolvimento da ciência resumindoa a um processo de adição de peça por peça ao estoque crescente da técnica e do conhecimento científico devido a isso o processo científico não é linear ou seja não possui um processo comum de avanço Com isso é cada vez mais difícil para os historiadores da ciência cumprirem a função de busca de resolução de questões que de acordo com eles são tipos errados de perguntas a serem feitas Ademais eles também possuem dificuldade em distinguir componentes científicos de saberes tratados como mitos e sabores populares que apesar de serem descartados não se tornaram obsoletos O resultado de todas essas questões é a dificuldade de uma revolução historiográfica no estudo da ciência Tendo como um dos aspectos que vão se destacar a insuficiência das diretrizes metodológicas Somado a isso a ciência normal sendo essa conceituada posteriormente vem como uma tentativa laboriosa e devota de força a natureza a caber em caixas conceituais e explicativas proporcionada pela educação profissional bem como está implicada na suposição de que os cientistas sabem de fato como o mundo é Os mais óbvios exemplos de revoluções científicas são aqueles famosos episódios do desenvolvimento científico apresentado na história por meio das revoluções científicas todas elas representadas pela instauração de uma nova teoria em detrimento de outra anteriormente aceita pela sociedade Nesse ínterim Kuhn introduz o conceito de ciência normal sendo esse atrelado a pesquisas baseadas em trabalhos científicos anteriores Em primeira instância é importante pontuar que os trabalhos científicos compartilham duas características como paradigmas termo que se relaciona com a ideia supracitada da ciência normal que irão fornecer modelos a partir dos quais certas tradições coerentes da investigação científica Sob essa ótica com o decorrer de avanços de instrumentos científicos a partir do avanço tecnológico concepções antigas perdem sua base de sentido na contemporaneidade a partir das revoluções científicas por isso há um contraste na forma de realizar essa ciência normal uma vez que as teorias passadas acabam se tornando obsoletas assim como há inúmeras escolas científicas que analisam certa problemática a partir de uma lente única de análise que podem divergir entre si ou não Por conta das contradições mesmo que uma teoria seja científica isto é enunciados passíveis de verificação e análises e por isso são considerados significativos se posteriormente vinher uma revolução científica que refute essa primeira teoria apesar de ser ciência ela é considerada menos ciência do que a nova teoria aceita Na história do mundo a revolução científica é cada vez mais presente a partir do advento da tecnologia indo na contramão da base empírica da ciência haja visto que os intrumento produzidos a partir da revolução tecnológica possuem mecanismos de análise mais confiáveis do que a utilização dos sentidos humanos uma vez que sua interpretação vem do processo de percepção subjetiva de cada sujeito Fundamentado nessa conjuntura os processos científicos utilizando instrumentos tecnológicos passam por um racionalismo crítico mais efetivo dado que os enunciados básicos sempre podem ser testados por critérios mais específicos e neutros que visam a verificação da sua veracidade Por conseguinte nesse âmbito há um processo de transformação das teorias ou conceitos criados pela ciência já que conceitos primitivos ou conceitosbase que são desenvolvidos de maneira implícita resultando consequentemente na construção de axiomas os quais se derivam os teoremas sendo esses possuidores de conceitos derivados que são interpretados empiricamente Kuhn a revolução científica e suas contradições A história vem sendo aplicada como um depósito de cronologias responsável por determinar que uma pessoa descobriu ou inventou algo científico ou não em determinada época tal como descrever entraves sociais da instituição efetiva da ciência na sociedade Entretanto esta poderia ser empregada como um real objeto de transformação da imagem da ciência indo além do caráter pedagógico e de persuasão Bem como a ciência vem sendo aplicada na maioria das vezes visando apenas métodos de observação leis e teorias descritas em suas páginas Em contraponto sua aplicabilidade vai além de processos de manipulação utilizados em coletas de dados Esse contexto resulta num conceito de ciência com profundas implicações sobre a natureza e o desenvolvimento da ciência resumindoa a um processo de adição de peça por peça ao estoque crescente da técnica e do conhecimento científico devido a isso o processo científico não é linear ou seja não possui um processo comum de avanço Com isso é cada vez mais difícil para os historiadores da ciência cumprirem a função de busca de resolução de questões que de acordo com eles são tipos errados de perguntas a serem feitas Ademais eles também possuem dificuldade em distinguir componentes científicos de saberes tratados como mitos e sabores populares que apesar de serem descartados não se tornaram obsoletos O resultado de todas essas questões é a dificuldade de uma revolução historiográfica no estudo da ciência Tendo como um dos aspectos que vão se destacar a insuficiência das diretrizes metodológicas Somado a isso a ciência normal sendo essa conceituada posteriormente vem como uma tentativa laboriosa e devota de força a natureza a caber em caixas conceituais e explicativas proporcionada pela educação profissional bem como está implicada na suposição de que os cientistas sabem de fato como o mundo é Os mais óbvios exemplos de revoluções científicas são aqueles famosos episódios do desenvolvimento científico apresentado na história por meio das revoluções científicas todas elas representadas pela instauração de uma nova teoria em detrimento de outra anteriormente aceita pela sociedade Nesse ínterim Kuhn introduz o conceito de ciência normal sendo esse atrelado a pesquisas baseadas em trabalhos científicos anteriores Em primeira instância é importante pontuar que os trabalhos científicos compartilham duas características como paradigmas termo que se relaciona com a ideia supracitada da ciência normal que irão fornecer modelos a partir dos quais certas tradições coerentes da investigação científica Sob essa ótica com o decorrer de avanços de instrumentos científicos a partir do avanço tecnológico concepções antigas perdem sua base de sentido na contemporaneidade a partir das revoluções científicas por isso há um contraste na forma de realizar essa ciência normal uma vez que as teorias passadas acabam se tornando obsoletas assim como há inúmeras escolas científicas que analisam certa problemática a partir de uma lente única de análise que podem divergir entre si ou não Por conta das contradições mesmo que uma teoria seja científica isto é enunciados passíveis de verificação e análises e por isso são considerados significativos se posteriormente vinher uma revolução científica que refute essa primeira teoria apesar de ser ciência ela é considerada menos ciência do que a nova teoria aceita Na história do mundo a revolução científica é cada vez mais presente a partir do advento da tecnologia indo na contramão da base empírica da ciência haja visto que os intrumento produzidos a partir da revolução tecnológica possuem mecanismos de análise mais confiáveis do que a utilização dos sentidos humanos uma vez que sua interpretação vem do processo de percepção subjetiva de cada sujeito Fundamentado nessa conjuntura os processos científicos utilizando instrumentos tecnológicos passam por um racionalismo crítico mais efetivo dado que os enunciados básicos sempre podem ser testados por critérios mais específicos e neutros que visam a verificação da sua veracidade Por conseguinte nesse âmbito há um processo de transformação das teorias ou conceitos criados pela ciência já que conceitos primitivos ou conceitos base que são desenvolvidos de maneira implícita resultando consequentemente na construção de axiomas os quais se derivam os teoremas sendo esses possuidores de conceitos derivados que são interpretados empiricamente
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A estrutura das revoluções científicas Temas principais do Kuhn Senso comum e progresso científico há conceitos melhores e piores na ciência devido ao seu progresso eles evoluem e melhoram conforme a humanidade num geral e os conceitos se substituem e teorias menos adequadas vão sendo recolocadas por teorias mais adequadas Os fatos não são inventados são descobertos já que essas teorias nos aproximam da verdade e a verdade já existe Conceitos primitivos conceitosbase que são desenvolvidos de maneira implícita e consequentemente constroem os axiomas dos quais se derivam teoremas que possuem conceitos derivados que são interpretados empiricamente Empiristas lógicos relacionam o experimental com a teoria linguagem observacional e linguagem teórica o conceito teórico depende de postulados definições explícitas e outros fatores não apenas da teoria Enunciados não analíticos ou não verificáveis não são ciência por isso não são significativos Problema da base empírica a observação através dos sentidos não dá informações confiáveis então usamse instrumentos para expandir essas observações e teorias definem como desenvolvemse esses instrumentos e como usálos sendo assim observações estão condicionadas por teoria CONVENCIONALISMO não aceita dualismo entre fato e teoria Falsificacionismo ou racionalismo crítico enunciados básicos sempre podem ser testados para verificar sua veracidade testando teóricas Mais falsificadores mais conteúdo empírico mais precisa melhor teoria Sendo assim definemse critérios para escolher teorias a não ser pelo convencionalismo que aprova todas as teorias e define não haver critério para escolher entre duas teorias Préparadigmas formam corpos de problemas e não existe consenso em como resolver os problemas tratados um paradigma é um exemplo que é muito representativo sendo assim é utilizado por teóricos e são ferramentas para propor soluções para problemas são matrizes completas de fazer ciência A história da ciência não é linear não possui um processo comum de avanço Thomas Samuel Kuhn A Estrutura das Revoluções Científicas Traduzido por Paulo Aukar a partir do texto original publicado em KUHN Thomas S The Structure of Scientific Revolutions 3 ed Chicago and London The University of Chicago Press 1996 Santa Maria RS 2016 A Estrutura das Revoluções Científicas Thomas Samuel Kuhn 18 de Julho de 1922 17 de Junho de 1996 THE UNIVERSAL KEYCHAIN Speaking of character customization make sure you check out the new keychain in the store You can unlock this stylish accessory with the new legendary hero from Season 4 the Uphill Only Vayne The Exclusive Legendary Solutions Collection is available now so get grabbing 1 Prefácio O ensaio que se segue é a publicação do primeiro relato completo de um projeto de pesquisa concebido originalmente há quase quinze anos Naquela época eu era um estudante de pós graduação em física teórica já quase terminando a minha tese O envolvimento acidental com um curso universitário experimental que tratava da ciência física para não cientistas ofereceume um primeiro contato com a história da ciência Para minha completa surpresa aquela exposição a teorias e práticas científicas já obsoletas minaram algumas das minhas concepções básicas sobre a natureza da ciência e sobre as razões do seu especial sucesso Tais concepções eu obtivera em parte do meu próprio treinamento científico e em parte de um duradouro interesse pessoal pela filosofia da ciência Qualquer que tenha sido sua utilidade para a minha educação e a verossimilhança que apresentavam mesmo em uma forma abstrata de algum modo aquelas noções nem de longe se ajustavam à empresa que o estudo histórico mostrava Não obstante essas concepções a que me refiro eram e continuam a ser fundamentais para muitas discussões da ciência Pareceume assim que a crise de credibilidade de tais concepções devesse ser mantida em uma agenda de inquirição O resultado foi uma mudança drástica nos meus planos de carreira profissional Uma mudança da física para a história da ciência e em seguida gradualmente um retorno que parte dos problemas mais especificamente históricos para chegar aos interesses mais filosóficos que inicialmente tinhamme conduzido à história Exceto por alguns poucos artigos esse ensaio é o primeiro de meus trabalhos publicados em que aqueles interesses iniciais são dominantes Em certa medida antes de tudo é uma tentativa de explicar para mim mesmo e para os amigos como aconteceu de eu ser arrancado da ciência e deslocado para a sua história Minha primeira oportunidade de investigar em profundidade as ideias apresentadas abaixo foi propiciada por três anos como Junior Fellow da Society of Fellows da Universidade de Harvard Sem aquele período de liberdade a transição para o novo campo de estudo teria sido muito mais difícil e poderia nem mesmo terse completado Parte do meu tempo naqueles anos era devotada especificamente à história da ciência Continuei estudando particularmente os escritos de Alexandre Koyré e encontrei pela primeira vez os escritos de Émile Meyerson Hélène Metzger e 2 Anneliese Maier 1 Mais claramente que a maioria dos outros especialistas recentes esse grupo mostrou como era pensar cientificamente em um período em que os padrões do pensamento científico eram muito diferentes dos atuais Ainda que eu questione algumas de suas interpretações históricas particulares o trabalho deles juntamente com The Great Chain of Being de A O Lovejoy só foi menos importante que as fontes primárias na modelagem da minha concepção daquilo que pode ser a história das ideias científicas Boa parte do meu tempo naqueles anos contudo foi gasta na exploração de campos aparentemente sem relação com a história da ciência mas cuja pesquisa tem levantado problemas semelhantes àqueles para os quais a história estava chamando a minha atenção Uma nota de rodapé levoume acidentalmente aos experimentos com que Jean Piaget esclarecera tanto os vários mundos da criança em desenvolvimento quanto o processo de transição de um daqueles mundos para o seguinte 2 Um de meus colegas prescreveume a leitura de artigos no campo da psicologia da percepção particularmente dos psicólogos dos padrões configurativos Gestalt Um outro introduziume nas especulações de B L Whorf sobre os efeitos da linguagem para a visão de mundo W V O Quine esclareceume a questão da distinção analíticosintético 3 Esse é o tipo de exploração aleatória que a Society of Fellows permite e só através dela eu poderia ter encontrado a monografia quase desconhecida de Ludwik Fleck Entstehung und Entwicklung einer wissenschaftlichen Tatsache Basel 1935 Em conjunto com uma observação de outro Junior Fellow Francis X Sutton o trabalho de Fleck fezme compreender que as ideias aqui desenvolvidas requerem sua inclusão na sociologia da comunidade científica Ainda que no transcorrer do livro os leitores não encontrem muitas referências a esses trabalhos e a essas conversações minha dívida para com eles se dá de tantas maneiras que agora não consigo avaliar e reconstituir plenamente 1 Particularmente influentes foram Alexandre Koyré Études Galiléennes 3 vols Paris 1939 Émile Meyerson Identity and Reality trad Kate Loewenberg New York 1930 Hélène Metzger Les doctrines chimiques en France du début du XVIIe à la fin du XVIIIe siècle Paris1923 e Newton Stahl Boerhaave et la doctrine chimique Paris 1930 e Anneliese Maier Die Vorläufer Galileis im 14 Jahrhundert Studien zur Naturphilosophie der Spätscholastik Rome 1949 2 Por exporem conceitos e processos que também emergem diretamente da história da ciência dois conjuntos de investigações de Piaget mostraramse particularmente importantes The Childs Conception of Causality trad de Marjorie Gabain London 1930 e Les notions de mouvement et de vitesse chez lenfant Paris 1946 3 Os artigos de Whorf foram desde então reunidos por John B Carroll em Language Thought and Reality Selected Writings of Benjamin Lee Whorf New York 1956 Quine apresentou suas opiniões em Two Dogmas of Empiricism reimpresso em seu From a Logical Point of View Cambridge Mass 1953 pp 2046 3 Durante meu último ano como Junior Fellow um convite para fazer conferências no Lowell Institute em Boston forneceume a primeira oportunidade para testar minha noção de ciência que naquele momento ainda se encontrava em desenvolvimento O resultado foi uma série de oito conferências públicas feitas durante o mês de março de 1951 sobre A Busca pela Teoria Física No ano seguinte eu comecei a dar aulas especificamente de história da ciência Por quase uma década os problemas de instruirme num campo a própria história da ciência que eu não tinha estudado sistematicamente deixaramme pouco tempo para explicitar por escrito as ideias que me tinham transferido para ele Por sorte entretanto tais ideias mostraramse uma fonte de orientação implícita ou tácita além de também me oferecerem alguma estrutura para a formulação de problemas durante boa parte do meu ensino avançado Tenho assim que agradecer meus estudantes pelas lições inestimáveis sobre a viabilidade das minhas concepções e sobre as técnicas apropriadas para tornar sua comunicação mais eficiente Os mesmos problemas e a mesma orientação dão unidade à maior parte dos estudos predominantemente históricos e só na aparência diversificados que eu publiquei desde o final da minha bolsa na Society of Fellows de Harvard Vários deles tratam do papel constitutivo exercido por uma ou outra metafísica na investigação científica criativa Outros examinam a via pela qual as bases experimentais de uma nova teoria são acumuladas e assimiladas por pessoas comprometidas com uma teoria velha e incompatível com a teoria nova Em sua sequência tais trabalhos descrevem o tipo de desenvolvimento que eu chamei abaixo de emergência de uma nova teoria científica e de emergência de uma descoberta científica entre outras relações correlatas O estágio final no desenvolvimento desse ensaio começou com um convite para passar o ano de 195859 no Center for Advanced Studies in the Behavioral Sciences Uma vez mais eu me punha em condições de dedicar total atenção aos problemas discutidos abaixo O que se mostrou ainda mais importante foi que passar aquele ano em uma comunidade composta predominantemente de cientistas sociais pôsme diante de problemas problemas que eu não antevira sobre as diferenças entre as comunidades dos cientistas sociais e as comunidades dos cientistas naturais entre os quais eu tinha sido treinado Fiquei particularmente admirado com a quantidade e a extensão das discordâncias manifestas entre os cientistas sociais a respeito do caráter dos problemas e dos métodos científicos legítimos Tanto a história quanto o trabalho dos meus contemporâneos 4 fizeramme duvidar que os profissionais das ciências naturais pudessem dar respostas mais firmes e permanentes para tais questões que seus colegas das ciências sociais Não obstante de algum modo a prática da astronomia da física da química ou da biologia normalmente não se mostram capazes de desencadear as controvérsias sobre fundamentos que comumente são endêmicas entre por exemplo os psicólogos e sociólogos O esforço por descobrir a fonte dessa diferença levoume a reconhecer o papel na pesquisa científica daquilo que desde então tenho chamado paradigmas Tomoos por trabalhos científicos universalmente reconhecidos que por um certo período de tempo fornecem os modelos de problemas e de soluções para uma comunidade de profissionais da ciência Quando essa peça encaixouse em seu devido lugar um rascunho desse ensaio emergiu rapidamente A história subsequente daquele rascunho não precisa ser recontada aqui mas umas poucas palavras devem ser ditas sobre a forma que ele preservou em meio às sucessivas revisões Até que uma primeira versão tivesse sido completada e amplamente revisada eu tinha adiantado que o texto apareceria exclusivamente como um volume da Encyclopedia of Unified Science Depois que me propuseram esse trabalho pioneiro os editores souberam manterme num firme estado de comprometimento aguardando pelo resultado com uma paciência e um tato extraordinários Soulhes muito grato particularmente a Charles Morris pelo encorajamento que se mostraria essencial e pelo aconselhamento a respeito do texto resultante Limites de espaço na Encyclopedia contudo fizeram com que eu tivesse que apresentar meus pontos de vista de uma forma extremamente condensada e esquemática Embora acontecimentos posteriores tivessem relaxado um pouco aquelas restrições o que permitiu ao mesmo tempo a sua publicação independente o presente trabalho acabou sendo muito mais um ensaio do que o livro de proporções muito maiores que o meu objeto de investigação ainda certamente demandará Já que meu objetivo mais importante é motivar uma mudança na percepção e na avaliação de dados familiares o caráter esquemático dessa primeira apresentação não precisa ser necessariamente considerado um inconveniente Pelo contrário leitores que já foram preparados por suas próprias investigações para o tipo de reorientação aqui defendida podem achar o formato de ensaio bem mais provocativo e fácil de assimilar Mas ele também tem desvantagens e essas desvantagens podem justificar que eu já mostre desde o início os tipos de extensão em amplitude e 5 profundidade que eu ainda espero incluir numa versão mais longa Há uma quantidade muito maior de evidência histórica disponível do que eu poderia explorar no espaço abaixo Ademais essa evidência vem não só da história das ciências físicas mas também da história das ciências biológicas Minha decisão de tratar aqui exclusivamente das ciências físicas foi tomada em parte para incrementar a coerência desse ensaio e em parte em decorrência da minha capacitação atual Em acréscimo a concepção de ciência a ser desenvolvida aqui sugere a fecundidade promissora de muitos novos tipos de pesquisas históricas e sociológicas Por exemplo o modo como as anomalias ou violações de expectativas atraem crescentemente a atenção de uma comunidade científica requer estudo detalhado Assim como exige estudo detalhado a irrupção de crises que podem ser induzidas pelo repetido fracasso em fazer uma anomalia conformarse às expectativas dos cientistas Ou ainda se estou certo de que cada revolução científica muda a perspectiva histórica da comunidade que a vivencia então essa mudança de perspectiva deve alterar a estrutura dos livros didáticos pósrevolucionários e das publicações dos resultados de pesquisa Um desses efeitos deveria ser estudado como uma possível indicação da ocorrência das revoluções Refirome a uma mudança na distribuição da literatura técnica citada nas notas de rodapé dos relatos de pesquisa A drástica necessidade de condensação também me forçou a antecipar a discussão de um certo número de problemas relevantes Minha distinção entre períodos préparadigma e períodos pós paradigma no desenvolvimento de uma ciência está por exemplo demasiado esquemática Cada uma das escolas cuja competição caracteriza o período préparadigma é guiada por algo muito semelhante a um paradigma Ainda que as considere raras penso que também haja circunstâncias em que dois paradigmas podem coexistir pacificamente no período pósparadigma A mera possessão de um paradigma não é propriamente um critério suficiente para o desenvolvimento da transição discutida na Seção II E o que é mais importante exceto em breves notas marginais eu não disse nada sobre o papel do avanço tecnológico ou de condições externas de caráter social econômico e intelectual no desenvolvimento das ciências Não precisamos contudo mais do que examinar a relação de Copérnico com o calendário para descobrir que as condições externas podem ajudar a transformar uma simples anomalia em uma fonte de crise aguda O mesmo exemplo poderia ilustrar o leque de alternativas disponíveis para a pessoa que procurasse dar fim a uma 6 crise propondo uma ou outra reforma revolucionária 4 A consideração explícita de efeitos como esses penso eu não modificaria as teses desenvolvidas nesse ensaio mas acrescentaria com certeza uma dimensão analítica com importância de primeira ordem para a compreensão do avanço científico Finalmente e talvez o mais importante de tudo as limitações de espaço afetaram drasticamente meu tratamento das implicações filosóficas da concepção de ciência historicamente orientada desse ensaio É claro que há essas implicações filosóficas e eu tentei apontar e documentar as principais Ao fazer isso contudo evitei em geral a discussão detalhada das várias posições tomadas pelos filósofos contemporâneos nas controvérsias correspondentes Onde eu mostrei ceticismo ele foi mais dirigido a uma atitude filosófica do que a qualquer uma de suas expressões elaboradas de modo mais completo Como resultado alguns daqueles que trabalham dentro de uma dessas posições mais articuladas podem ter a sensação de que não os compreendi Acho que estarão errados quanto a isso mas esse ensaio não foi calculado para convencêlos Uma tentativa dessa ordem teria requerido um livro muito mais longo e de um tipo muito diferente Os fragmentos autobiográficos que abrem esse prefácio servirão para deixar mais visível meu reconhecimento da parte mais importante da dívida que tenho para com meus trabalhos universitários e para com as instituições que me ajudaram a dar forma ao meu pensamento O restante dessa dívida tentarei mostrar através das várias citações feitas nas páginas que se seguem Tudo que foi dito acima ou que será dito abaixo contudo permitirá que apenas se entreveja o número e a natureza das minhas obrigações pessoais para com todos aqueles indivíduos cujas sugestões e críticas sustentaram e dirigiram o meu desenvolvimento intelectual em um ou outro momento Demasiado tempo transcorreu desde que as ideias expostas nesse ensaio começaram a tomar forma Uma lista de todos aqueles que certamente poderiam encontrar sinais de sua influência nessas páginas seria quase coextensiva com a lista de meus amigos e conhecidos Dadas as circunstâncias devo restringirme a algumas 4 Esses fatores são discutidos em T S Kuhn The Copernican Revolution Planetary Astronomy in the Development of Western Thought Cambridge Mass 1957 pp 122 32 27071 Outros efeitos das condições externas intelectuais e econômicas sobre o desenvolvimento científico concreto estão ilustrados em meus artigos Conservation of Energy as an Example of Simultaneous Discovery Critical Problems in the History of Science ed Marshall Clagett Madison Wis 1959 pp 32156 Engineering Precedent for the Work of Sadi Carnot Archives Internationales dHistoire des Sciences XIII 1960 24751 e Sadi Carnot and the Cagnard Engine Isis LII 1961 56774 Portanto é apenas em relação aos problemas discutidos nesse ensaio que ponho os fatores externos num plano secundário 7 poucas influências significativas que mesmo uma memória insatisfatória jamais vai suprimir inteiramente Foi James B Conant então reitor da Universidade de Harvard quem primeiro me introduziu na história da ciência e assim iniciou a transformação da minha concepção da natureza do desenvolvimento científico Desde que tal processo começou ele foi generoso com suas ideias críticas e disponibilidade de tempo incluindo o tempo requerido para ler e fazer importantes sugestões de mudança no meu rascunho datilografado Leonard K Nash junto com quem ensinei durante cinco anos no curso de viés histórico que o Dr Conant iniciara foi um colaborador ainda mais ativo durante os anos em que minhas ideias começaram a tomar forma e senti muito sua falta no estágio final do desenvolvimento delas Por sorte entretanto depois que saí de Cambridge o lugar de Nash como um interlocutor criativo foi assumido por meu colega de Berkeley Stanley Cavell Que Cavell um filósofo particularmente interessado em ética e estética tenha chegado a conclusões tão congruentes com as minhas próprias foi uma fonte de estímulo e encorajamento para mim Ademais ele é a única pessoa com quem eu fui algum dia capaz de explorar minhas ideias em sentenças incompletas Esse modo de comunicação atesta a capacidade de compreensão que lhe possibilitou apontarme o caminho para romper ou contornar muitas das importantes barreiras encontradas enquanto eu preparava a primeira versão do meu texto Desde que aquela versão foi esboçada muitos outros amigos ajudaramme na sua reformulação Penso que eles me perdoarão se eu mencionar apenas quatro deles cujas contribuições provaram ser as mais influentes e decisivas Paul K Feyerabend de Berkeley Ernest Nagel de Columbia H Pierre Noyes do Laboratório de Radioatividade Lawrence e meu orientando John L Heilbron que com frequência trabalhou comigo na preparação de uma versão final para impressão Achei todas as suas objeções e sugestões de grande ajuda mas não tenho qualquer razão para acreditar e tenho algumas razões para duvidar que qualquer um deles ou qualquer um dos outros mencionados acima aprova no todo o texto resultante Meus agradecimentos finais para meus pais esposa e filhos devem ser de um tipo um pouco diferente De maneiras que possivelmente serei o último a tomar conhecimento cada um deles também contribuiu com ingredientes intelectuais para o meu trabalho Mas em graus variados eles fizeram uma coisa ainda mais importante Eles permitiram que meu trabalho fluísse e até mesmo encorajaram minha devoção a ele Qualquer um engalfinhado num 8 projeto como o meu vai reconhecer qual o seu custo eventual Simplesmente não sei como dizerlhes obrigado T S K Berkeley Califórnia Fevereiro de 1962 9 I Introdução Um Papel para a História Se a história não fosse vista como um simples depósito de anedotas e cronologias poderia produzir uma transformação decisiva na imagem da ciência que se apoderou de nós Tal imagem da ciência foi extraída até mesmo pelos próprios cientistas principalmente do estudo de trabalhos científicos acabados tal como eles se encontram expostos nas obras consideradas clássicas ou mais recentemente nos livros didáticos em que cada uma das novas gerações de cientistas aprende o seu ofício Inevitavelmente contudo o objetivo desses livros tem muito mais um caráter pedagógico e de persuasão Um conceito de ciência tirado deles ajustase tanto ao processo de produção de que resultam os componentes com que são constituídos quanto a imagem de uma cultura nacional tirada de um folheto turístico ou de um texto escrito de acordo com a norma oficial da língua Esse ensaio tenta mostrar que tais livros nos enganaram em sentidos fundamentais Seu objetivo é um esboço do conceito muito diferente de ciência que pode emergir do registro histórico da própria atividade de pesquisa Mas um novo conceito de ciência não vai emergir nem mesmo da história se os dados históricos continuarem a ser procurados e examinados principalmente para responder questões postas pelo estereótipo ahistórico tirado dos textos científicos Em geral parece estar implicado nesses textos que o conteúdo da ciência é exemplificado exclusivamente pelas observações leis e teorias descritas em suas páginas Quase com igual regularidade os mesmos livros têm sido lidos como se dissessem que os métodos científicos são exclusivamente aqueles ilustrados pelas técnicas de manipulação utilizadas na coleta dos dados presentes em suas páginas juntamente com as operações lógicas empregadas quando se relaciona aqueles dados com as generalizações teóricas que também estão presentes ali O resultado tem sido um conceito de ciência com profundas implicações sobre a natureza e o desenvolvimento da ciência Se ciência é a constelação de fatos teorias e métodos reunidos nos livros didáticos ora em uso então os cientistas são as pessoas que com sucesso ou não se esforçaram por contribuir com um ou outro elemento dessa constelação particular O desenvolvimento científico tornase um processo em que tais elementos foram adicionados peça por peça isoladamente ou em combinação ao estoque sempre crescente da técnica e do conhecimento científicos A 10 história da ciência por sua vez tornase a disciplina que faz a crônica dos sucessivos incrementos e dos obstáculos que inibiram sua acumulação Desse modo o historiador interessado no desenvolvimento científico parece ter duas tarefas mais importantes Por um lado ele deve determinar que pessoa e em que data descobriu ou inventou cada fato lei e teoria científicos contemporâneos Por outro lado ele também deve descrever e explicar os cipoais de erro mito e superstição que inibiram uma acumulação mais rápida dos componentes do moderno texto científico Muita pesquisa já foi dirigida para esses fins e alguma ainda é Em anos recentes contudo alguns historiadores da ciência têm achado cada vez mais difícil preencher as funções que o conceito de desenvolvimento por acumulação atribui a eles Enquanto cronistas de um processo que se desenvolve por adição eles descobrem que cada nova investigação que fazem torna mais difícil e não mais fácil responder questões como as seguintes Quando o oxigênio foi descoberto Quem foi o primeiro a conceber a conservação da energia Crescentemente alguns desses historiadores da ciência suspeitam que essas questões são simplesmente o tipo errado de questão a ser formulada Talvez a ciência não se desenvolva pela acumulação de descobertas e invenções individuais Ao mesmo tempo esses mesmos historiadores defrontamse com dificuldades cada vez maiores para distinguir o componente científico presente nas observações e ideias consideradas verdadeiras no passado daquilo que seus predecessores na história da ciência prontamente teriam rotulado como erro e superstição Quanto mais cuidadosamente eles estudam digamos a dinâmica aristotélica a química flogística ou a termodinâmica calorífica mais certos se sentem de que em seu todo aquelas concepções da natureza que já foram aceitas algum dia no passado não são menos científicas nem mais o produto das peculiaridades humanas individuais e sociais que as concepções da natureza aceitas atualmente Se essas crenças obsoletas devem ser denominadas mito então os mitos podem ser produzidos pelos mesmos tipos de métodos e mantidos pelos mesmos tipos de razões que guiam no presente o conhecimento científico Se por outro lado essas crenças obsoletas devem ser denominadas ciência então a ciência já incluiu sistemas de crenças inteiramente incompatíveis com os sistemas de crenças que nós sustentamos hoje Dadas essas alternativas o historiador deve escolher a última Teorias obsoletas não deixam em princípio de ser científicas por terem sido descartadas Essa escolha todavia torna muito difícil ver o 11 desenvolvimento da ciência como um processo aditivo A mesma pesquisa histórica que apresenta dificuldades em isolar descobertas e invenções individuais cria o terreno para dúvidas profundas sobre o processo cumulativo que teria sido constituído por meio dessas contribuições individuais à ciência O resultado de todas essas dúvidas e dificuldades é uma revolução historiográfica no estudo da ciência ainda que seja uma revolução que esteja em seus estágios iniciais Com frequência e em geral sem darse conta inteiramente de que estão fazendo isso os historiadores da ciência começaram a fazer novos tipos de perguntas e a traçar linhas de desenvolvimento diferentes para as ciências Linhas que não chegam a ter um caráter cumulativo Em vez de procurar pelas contribuições de uma ciência mais antiga para o benefício da ciência contemporânea eles tentam mostrar o modo como aquela ciência mais antiga se integra em sua própria época Eles não perguntam por exemplo sobre as relações das concepções de Galileu com as concepções da ciência atual mas pelas relações das concepções de Galileu com as concepções científicas do seu grupo Isto é seus professores seus contemporâneos e seus sucessores imediatos Ademais esses historiadores da ciência insistem no estudo das opiniões daquele grupo e outros similares de um ponto de vista muito diferente do ponto de vista da ciência atual que dá àquelas opiniões o máximo de coerência interna e o mais preciso ajuste possível à natureza A ciência vista através dos trabalhos resultantes trabalhos talvez melhor exemplificados pelos escritos de Alexandre Koyré já não se parece de modo algum com o mesmo empreendimento discutido pelos escritores da tradição historiográfica mais antiga Esses estudos históricos sugerem pelo menos por implicação uma nova imagem da ciência O presente ensaio tem o objetivo de delinear essa nova imagem da ciência ao tornar explícitas algumas das implicações dessa nova historiografia Que aspectos da ciência vão se destacar no curso desse esforço Primeiro pelo menos na ordem de apresentação está a insuficiência das diretrizes metodológicas por si mesmas para ditarem uma resposta única ou uma conclusão concreta única para muitos tipos de questões científicas Alguém instruído a examinar fenômenos elétricos ou químicos sendo ignorante desses campos mas conhecendo determinadas diretrizes metodológicas ou seja sabendo o que é ser científico pode chegar a qualquer uma de um leque de conclusões incompatíveis Entre as possibilidades legítimas as conclusões específicas a que ele pode chegar são provavelmente determinadas pela sua experiência anterior em outros 12 campos pelos acidentes de sua investigação e pela sua própria personalidade Que crenças sobre as estrelas por exemplo ele traz para o estudo da química ou da eletricidade Quais dos muitos experimentos concebíveis que são relevantes para o novo campo ele realiza em primeiro lugar E quais aspectos do fenômeno que resulta desse experimento mais o impressionam como sendo de particular relevância para a elucidação da natureza da transformação química ou da afinidade elétrica Pelo menos para o indivíduo mas às vezes também para a comunidade científica respostas para questões como essas são muitas vezes determinantes essenciais do desenvolvimento científico Notaremos a seguir por exemplo na Seção II que o desenvolvimento inicial da maioria das ciências caracterizouse pela competição contínua entre várias concepções distintas da natureza cada uma delas derivada parcialmente dos ditames da observação e do método científicos e mais ou menos compatível com eles O que diferenciou essas várias escolas não foi uma ou outra carência de método elas eram todas científicas mas aquilo que denominaremos suas maneiras incomensuráveis de imaginar o mundo e de praticar a ciência dentro dele A observação e a experiência podem e devem reduzir drasticamente os limites em que a crença científica é admissível Do contrário não teríamos ciência Mas a observação e a experiência sozinhas não podem determinar uma configuração particular de tal crença Um elemento aparentemente arbitrário composto de casualidade pessoal e histórica é sempre um ingrediente formativo das crenças esposadas por uma comunidade científica durante um tempo dado Contudo esse elemento de arbitrariedade não sugere que algum grupo científico pudesse praticar seu ofício sem um conjunto presumido de crenças Ele também não diminui a importância da constelação particular de crenças com que o grupo está comprometido num dado momento A pesquisa efetiva dificilmente começa antes que a comunidade científica pense ter obtido respostas firmes para questões como as seguintes Quais são as entidades fundamentais de que o universo é composto Como elas interagem umas com as outras e com os sentidos Que questões podem ser legitimamente feitas sobre tais entidades e que técnicas podem ser empregadas na busca das soluções Pelo menos nas ciências maduras as respostas ou algo que substitua plenamente as respostas para questões como essas estão firmemente embutidas na iniciação educacional que prepara e licencia o estudante para a prática profissional Uma vez que essa educação é rígida e rigorosa tais respostas chegam a produzir uma moldagem profunda do intelecto 13 científico Que elas possam fazer isso ajuda muito na explicação da peculiar eficiência da atividade da ciência normal e também na explicação da direção em que a ciência normal avança durante qualquer período considerado Quando examinarmos a ciência normal nas Seções III IV e V pretendemos finalmente descrevêla como uma tentativa laboriosa e devotada de forçar a natureza para dentro das caixas conceituais proporcionadas pela educação profissional Ao mesmo tempo vamos indagar se a pesquisa poderia avançar sem tais caixas qualquer que seja o elemento de arbitrariedade presente em sua origem histórica e eventualmente também em seu desenvolvimento subsequente Com efeito o elemento de arbitrariedade está presente e também tem um importante efeito no desenvolvimento científico Examinaremos esse efeito nas Seções VI VII e VIII A ciência normal a atividade em que os cientistas inevitavelmente concentram quase todo o seu tempo está implicada na suposição de que a comunidade científica sabe como o mundo é Boa parte do sucesso do empreendimento científico deriva da prontidão com que a comunidade científica defende tal suposição a um custo considerável quando necessário A ciência normal por exemplo geralmente suprime as novidades sobre os fundamentos porque elas necessariamente subvertem as devoções científicas básicas Não obstante na medida em que essas devoções científicas retêm um elemento de arbitrariedade a própria natureza da ciência normal assegura que a novidade não poderá ser suprimida por muito tempo Às vezes um problema normal um problema que deveria ser resolvido com as regras e procedimentos conhecidos resiste aos repetidos assaltos dos mais hábeis membros do grupo dentro de cuja competência ele aparece Em outras ocasiões algum equipamento projetado e construído para um propósito de ciência normal não funciona da maneira prevista revelando uma anomalia que não pode apesar de esforço repetido ser ajustada às expectativas profissionais Dessas e de muitas outras maneiras a ciência normal sai repetidamente da trilha conhecida E quando isso ocorre isto é quando a profissão já não pode se esquivar das anomalias que subvertem a tradição existente de prática científica começam as investigações extraordinárias que conduzem a profissão a um novo conjunto de devoções ou para uma nova base para a prática científica Os episódios extraordinários por meio dos quais ocorre a transformação dos comprometimentos profissionais são aqueles reconhecidos nesse ensaio como revoluções científicas Tratase de 14 complementos da atividade da ciência delimitada por uma tradição ou ciência normal que estilhaçam essa mesma tradição Os mais óbvios exemplos de revoluções científicas são aqueles famosos episódios do desenvolvimento científico que em geral já foram antes rotulados como revoluções Assim nas Seções IX e X onde predominante e diretamente será esmiuçada a natureza das revoluções científicas lidaremos reiteradamente com esses grandes pontos de inflexão no desenvolvimento científico associados com os nomes de Copérnico Newton Lavoisier e Einstein Eles mostram mais claramente que a maioria dos outros episódios pelo menos na história das ciências físicas a que as revoluções científicas se referem Cada uma delas implicou a rejeição pela comunidade científica de uma teoria já sancionada pelo tempo em favor de uma outra teoria incompatível com a primeira Todas essas revoluções produziram uma consequente mudança nos problemas disponíveis à investigação científica e também uma mudança nos padrões usados pela profissão para determinar o que deveria ser considerado um problema admissível e o que deveria ser considerado uma solução legítima de um problema E cada uma transformou a imaginação científica em sentidos que em última instância precisamos descrever como uma transformação do mundo no interior do qual é feito o trabalho científico Tais mudanças juntamente com as controvérsias que quase sempre as acompanham são as características definidoras das revoluções científicas Essas características emergem com particular clareza de um estudo por exemplo das revoluções newtoniana e química Todavia é uma tese fundamental do presente ensaio que elas também podem ser identificadas no estudo de muitos outros episódios que não foram tão obviamente revolucionários As equações de Maxwell foram tão revolucionárias quanto as de Einstein para o grupo profissional bem menor afetado por elas Por consequência elas sofreram a mesma resistência A invenção de novas teorias regular e apropriadamente produz a mesma resposta por parte de alguns dos especialistas em cuja área de competência especializada ela incide Para essas pessoas a nova teoria implica uma mudança nas regras que governam a prática de ciência normal que vigorou até então Portanto inevitavelmente ela repercutirá sobre boa parte do trabalho científico já realizado com sucesso Eis porque uma nova teoria por mais especial que seja seu âmbito de aplicação raramente ou nunca é só um incremento ao que já é sabido Sua assimilação requer a reconstrução da teoria antecessora e também uma reavaliação do fato antecessor num processo que raramente é efetivado por uma só 15 pessoa e nunca é completado de um dia para o outro Não é de admirar que os historiadores tenham tido dificuldade em datar com precisão esses processos extensos O vocabulário desses historiadores da ciência compeliaos a vêlos como eventos isolados E não são só as invenções de novas teorias os únicos eventos científicos que têm impacto revolucionário sobre os especialistas em cujo domínio elas ocorrem As sujeições que governam a ciência normal especificam não apenas os tipos de entidades que o universo contém mas também por implicação as entidades que o universo não contém Embora o ponto vá exigir uma discussão extensa disso se segue que uma descoberta como a do oxigênio ou como a dos raiosX não adiciona simplesmente mais um item à população do mundo dos cientistas Em última instância ela tem esse efeito mas não antes que os cientistas tenham reavaliado seus procedimentos experimentais tradicionais alterado sua concepção das entidades com que estão familiarizados há muito tempo e no processo mudado a rede teórica através da qual eles lidam com o mundo Fato e teoria científicos não são categoricamente separáveis exceto talvez dentro de uma tradição específica de prática científica normal Eis porque uma descoberta inesperada não é simplesmente fatual em suas implicações Eis também porque o mundo dos cientistas é qualitativamente transformado e quantitativamente enriquecido pelas novidades fatuais e teóricas fundamentais Essa concepção ampliada da natureza das revoluções científicas é aquela que será delineada nas páginas que se seguem Reconheço que a ampliação pretendida altera o uso costumeiro Não obstante continuarei a falar inclusive das descobertas científicas como revolucionárias porque é precisamente essa possibilidade de relacionar suas estruturas com a estrutura digamos da revolução copernicana que torna essa concepção ampliada da revolução científica parecer tão importante para mim A argumentação precedente aponta como as noções complementares de ciência normal e revoluções científicas serão desenvolvidas nas nove seções que se seguem imediatamente O resto do ensaio tenta desincumbirse de três questões centrais remanescentes Ao discutir a tradição do livro didático a Seção XI considera por que anteriormente as revoluções científicas eram tão difíceis de ver A Seção XII descreve a competição revolucionária entre os proponentes de uma velha tradição de ciência normal e os adeptos de uma nova Ao fazer isso ela considera o processo que em uma teoria da investigação científica deveria de algum modo substituir os procedimentos de verificação e de falsificação tornados tão familiares pela nossa imagem 16 habitual da ciência A competição entre segmentos da comunidade científica é o único processo histórico que já resultou na rejeição de uma teoria previamente aceita e na adoção de uma outra Finalmente a Seção XIII vai indagar como o desenvolvimento por meio de revoluções pode ser compatível com o caráter aparentemente sem paralelos do progresso científico Para essa questão contudo o presente ensaio não vai oferecer mais que as linhas gerais de uma resposta Uma resposta que depende das características da comunidade científica Ou seja que depende de algo que ainda requer muita exploração e estudo adicionais Sem dúvida alguns leitores já se devem ter perguntado se o estudo histórico poderia efetivar o tipo de transformação conceitual objetivada aqui Um arsenal inteiro de dicotomias está disponível para sugerir que ele não poderia fazer isso Dizemos com frequência que a história é uma disciplina puramente descritiva Contudo as teses sugeridas acima são geralmente interpretativas e às vezes normativas Reitero que muitas das minhas generalizações dizem respeito à sociologia ou à psicologia social dos cientistas Apesar disso pelo menos algumas das minhas conclusões pertencem tradicionalmente à lógica ou à epistemologia No parágrafo precedente pode até mesmo parecer que eu violei a muito influente distinção contemporânea entre o contexto de descoberta e o contexto de justificação Pode algo mais que profunda confusão ser indicado por esse amálgama de diferentes campos e interesses Sendo obrigado a desmamar intelectualmente dessas distinções e de outras similares eu não poderia estar mais consciente das suas implicações e de sua força Por muitos anos acreditei que elas estivessem implicadas na própria natureza do conhecimento Continuo a supor que se forem adequadamente remodeladas elas ainda têm algo importante a nos dizer Não obstante minhas tentativas de aplicálas mesmo grosso modo às situações efetivas em que o conhecimento é obtido aceito e assimilado fizeramnas parecer extraordinariamente problemáticas Em vez de ser distinções lógicas e metodológicas elementares que seriam portanto supostos da análise do conhecimento científico elas parecem agora ser partes integrantes de um conjunto tradicional de respostas concretas para as próprias questões que estiveram na base do seu desenvolvimento Essa circularidade não as invalida de todo mas transforma essas distinções em partes de uma teoria e assim fazendo sujeitaas ao mesmo exame regularmente aplicado a teorias em outros campos Se elas devem ter por conteúdo algo mais que pura abstração então esse conteúdo deve ser descoberto quando as observamos sendo 17 aplicadas aos dados que supostamente devem elucidar Como poderia a história da ciência falhar como produtora de fenômenos para a aplicação de teorias sobre o conhecimento que podem ser legitimamente requisitadas para isso 18 II O Caminho para a Ciência Normal Nesse ensaio ciência normal significa pesquisa firmemente baseada em um ou mais trabalhos científicos passados Tratase de trabalhos científicos selecionados por alguma comunidade científica particular para constituírem o alicerce da sua prática corrente pelo menos durante um certo período de tempo Hoje em dia tais trabalhos são recontados pelos livros didáticos científicos elementares e avançados ainda que raramente em sua forma original Esses manuais expõem o corpo da teoria aceita ilustram a teoria com várias de suas aplicações bem sucedidas e comparam essas aplicações com observações e experimentos exemplares Antes que os livros didáticos se tornassem populares a partir do início do século XIX e ainda mais recentemente nas ciências que se tornaram maduras há pouco muitos dos famosos clássicos da ciência preencheram uma função similar Juntamente com muitas outras obras A Física de Aristóteles o Almagesto de Ptolomeu os Principia e a Ótica de Newton a Eletricidade de Franklin a Química de Lavoisier e a Geologia de Lyell serviram durante um certo tempo para definir e legitimar implicitamente os problemas e métodos de um campo de pesquisa para sucessivas gerações de cientistas Tais livros tornaram se aptos a isso porque compartilhavam duas características essenciais Os trabalhos científicos que esses livros expunham eram suficientemente sem precedentes para atrair um grupo estável de aderentes e também para livrar esse grupo de um contexto de concorrência entre diferentes modos de fazer ciência Ao mesmo tempo esse trabalhos eram suficientemente incompletos para deixar em aberto toda sorte de problemas para o grupo de cientistas agora reestruturado resolver Devo referirme daqui por diante aos trabalhos científicos que compartilham essas duas características como paradigmas um termo que se relaciona intimamente a ciência normal Ao escolher o termo paradigma quero sugerir que alguns exemplos acatados pela prática científica efetiva exemplos que incluem lei teoria aplicação e instrumentação juntos fornecem os modelos a partir dos quais se desenvolvem certas tradições coerentes da investigação científica Falo de tradições que os historiadores descrevem sob rubricas como astronomia ptolomaica ou copernicana dinâmica aristotélica ou newtoniana ótica corpuscular ou ótica ondulatória e assim por diante É principalmente o estudo dos paradigmas incluindo vários que são muito mais especializados que aqueles que nomeei 19 ilustrativamente acima que prepara o estudante para fazer parte da comunidade científica particular em que ele vai desenvolver mais tarde a sua prática da ciência Como esse estudante vai se juntar a profissionais que aprenderam as bases do seu campo a partir dos mesmos modelos concretos que ele sua prática subsequente raramente vai produzir algum desacordo aberto acerca daquelas bases Pessoas que foram treinadas para fazer pesquisa com base nos mesmos paradigmas estão subordinadas às mesmas regras e padrões para a prática científica Essa sujeição e o aparente consenso que ela produz são prérequisitos para a ciência normal Isto é são pré requisitos para a gênese e para a continuidade de uma tradição particular de pesquisa Uma vez que nesse ensaio o conceito de paradigma vai geralmente substituir uma série de noções familiares um pouco mais deve ser dito sobre as razões para a sua introdução Por que o trabalho científico concreto entendido como o delimitador dos compromissos profissionais é anterior aos vários conceitos leis teorias e pontos de vista que podem ser abstraídos dele Em que sentido o paradigma compartilhado é a unidade fundamental para o estudioso do desenvolvimento científico uma unidade que não pode ser satisfatoriamente reduzida aos componentes logicamente atômicos que poderiam alegadamente substituílo em sua função Respostas para essas questões e para outras similares mostrarseão básicas para uma compreensão da ciência normal e do conceito de paradigmas que lhe é associado quando nos depararmos com elas na Seção V A discussão mais abstrata daquela Seção vai depender contudo de nos familiarizarmos previamente com exemplos de ciência normal e de paradigmas em operação Esses dois conceitos relacionados ficarão mais claros particularmente quando notarmos que pode haver um tipo de pesquisa científica sem paradigmas Ou pelo menos sem paradigmas tão inequívocos e coercitivos como aqueles que nomeamos acima A incorporação de um paradigma e o tipo mais esotérico de investigação que ele permite é um sinal de maturidade no desenvolvimento de qualquer campo científico Se o historiador busca no passado a reconstituição do conhecimento científico de um grupo qualquer de fenômenos relacionados é provável que ele encontre alguma variedade aproximada do padrão da história da ótica física ilustrado aqui Atualmente os manuais de física dizem ao estudante que a luz são fótons isto é entidades quânticomecânicas que exibem algumas características de ondas e algumas características de partículas A pesquisa se desenvolve de acordo com isso Ou melhor desenvolvese 20 de acordo com uma caracterização mais elaborada e matemática da qual é derivada a verbalização mais comum Essa caracterização da luz contudo mal tem meio século Antes que ela fosse desenvolvida no início do presente século por Planck Einstein e outros os textos de física ensinavam que a luz era um movimento de onda transversal uma concepção enraizada em um paradigma que derivou em última instância dos escritos sobre ótica de Young e Fresnel no começo do século XIX A teoria ondulatória também não foi a primeira a ser adotada por quase todos os praticantes da ciência ótica Durante o século dezoito o paradigma para esse campo era fornecido pela Ótica de Newton que ensinava que a luz era constituída de corpúsculos materiais Naquele tempo os físicos buscavam evidência da pressão exercida pelas partículas de luz ao colidir com os corpos sólidos Algo que os primeiros utilizadores da teoria ondulatória não fizeram 5 Essas transformações dos paradigmas da física ótica são revoluções científicas e as sucessivas transições de um paradigma para outro pela via da revolução são o padrão típico de desenvolvimento da ciência madura Entretanto tal não é o padrão característico do período anterior ao trabalho de Newton Esse é o contraste que nos interessa aqui Nenhum período entre a antiguidade remota e o final do século dezessete mostrou alguma concepção sobre a natureza da luz que fosse aceita generalizadamente Ao invés disso havia um certo número de escolas e subescolas concorrentes a maioria delas adotando uma ou outra variedade de teoria epicurista aristotélica e platônica Um grupo considerava que a luz fosse constituída de partículas que emanam dos corpos materiais Para outro a luz era uma modificação do meio que intervinha entre um corpo e o olho Um outro grupo ainda explicava a luz em termos de uma interação do meio com uma emanação do olho E ainda havia outras combinações e modificações daquelas várias concepções da luz Cada uma das escolas correspondentes reforçavase com base na sua relação com alguma metafísica particular Cada uma enfatizava o agregado de fenômenos óticos que a sua própria teoria mostrava maior capacidade para explicar dando lhe o caráter de observações paradigmáticas Outras observações eram ajustadas à teoria com alguma elaboração ad hoc ou então permaneciam como problemas pendentes para uma investigação futura 6 5 Joseph Priestley The History and Present State of Discoveries Relating to Vision Light and Colours London1772 pp 38590 6 Vasco Ronchi Histoire de la Lumière trad Jean Taton Paris 1956 caps iiv 21 Em diversas ocasiões todas aquelas escolas fizeram contribuições significativas para o corpo de conceitos fenômenos e técnicas do qual Newton extraiu o primeiro paradigma da física ótica quase uniformemente aceito Qualquer definição de cientista que não inclua pelo menos os membros mais criativos daquelas várias escolas vai excluir também seus sucessores modernos Aquelas pessoas eram cientistas Todavia quem quer que examine o panorama da ótica física antes de Newton pode muito bem concluir que embora os praticantes daquele campo fossem cientistas o resultado líquido da sua atividade era algo menos que ciência Não podendo dar por garantido um corpo comum de crenças cada um que escrevia sobre a ótica física sentiase compelido a construir o campo a partir das suas fundações Nessas circunstâncias o diálogo dos livros que resultavam era dirigido com frequência tanto aos membros de outras escolas quanto à natureza Tal padrão não deixa de ser familiar a um certo número de campos criativos da atualidade nem é incompatível com descobertas e invenções significativas Ele não é contudo o padrão de desenvolvimento que a ótica física adquiriu depois de Newton e que outras ciências naturais tornam familiar hoje em dia A história da pesquisa sobre eletricidade na primeira metade do século dezoito fornece um exemplo mais concreto e melhor conhecido sobre o modo como se desenvolve uma ciência antes que ela adquira seu primeiro paradigma universalmente assumido Durante aquele período havia quase tantas concepções sobre a natureza da eletricidade quantos eram os mais importantes cientistas fazendo experimentos com eletricidade Pessoas como Hauksbee Gray Desaguliers Du Fay Nollet Watson Franklin e outros Todos os seus numerosos conceitos de eletricidade tinham algo em comum eles eram derivados de uma ou outra versão da filosofia mecânico corpuscular que guiava toda pesquisa científica naquela época Em acréscimo todos aqueles conceitos eram componentes de teorias científicas reais Ou seja eram componentes de teorias que foram extraídas de experimentos e de observações e que determinavam parcialmente a escolha e a interpretação dos problemas adicionais com que a pesquisa se comprometia Contudo ainda que todos os experimentos fossem feitos com eletricidade e ainda que a maioria dos experimentadores lessem os trabalhos uns dos outros suas teorias não tinham mais que uma semelhança de família 7 7 Duane Roller e Duane H D Roller The Development of the Concept of Electric Charge Electricity from the Greeks do Coulomb Harvard Case Histories in Experimental Science Case 8 Cambridge Mass 1954 e I B Cohen Franklin and Newton An Inquiry into Speculative Newtonian Experimental Science and Franklins Work in Electricity as an Example Thereof Philadelphia 1956 caps viixii Para 22 Um grupo inicial de teorias que seguiam a prática do século dezessete reconheceu a atração e a geração de fricção como os fenômenos elétricos fundamentais Esse grupo tendeu a tratar a repulsão como um efeito secundário devido a algum tipo de ricochete mecânico e a adiar tanto quanto possível a discussão e a investigação sistemática da condução elétrica um efeito recém descoberto por Gray Outros eletricistas o termo é deles próprios consideraram que a atração e a repulsão fossem em igual medida manifestações elementares da eletricidade e modificaram suas teorias de acordo com isso 8 Mas eles tiveram tanta dificuldade quanto o primeiro grupo para dar uma explicação simultânea dos efeitos da condução elétrica que não fossem os mais simples Tais efeitos contudo ainda forneceram o ponto de partida para um terceiro grupo Refirome ao grupo que tendia a falar da eletricidade como um fluido que poderia correr através de condutores e não de um eflúvio que emanaria de nãocondutores Esse grupo por sua vez teve dificuldade em conciliar sua teoria com diversos efeitos de atração e de repulsão Só através do trabalho de Franklin e seus sucessores imediatos emergiu uma teoria que podia de algum modo dar conta com igual facilidade de quase todos aqueles efeitos e portanto que poderia oferecer a uma geração posterior de eletricistas um paradigma comum para a sua pesquisa Excluindo aqueles campos como a matemática e a astronomia cujos primeiros paradigmas estáveis datam da antiguidade e excluindo também aqueles campos como a bioquímica que emergiram da divisão e recombinação de especialidades já amadurecidas as situações delineadas acima são historicamente típicas Embora eu continue a designar esses episódios históricos prolongados com infelizes rótulos simplificadores escolhidos em certa medida arbitrariamente por exemplo Newton ou Franklin sugiro que desacordos fundamentais similares caracterizaram por exemplo o estudo do movimento antes de Aristóteles e o estudo da estática antes de Arquimedes Caracterizaram também o estudo do calor antes de Black da química antes de Boyle e Boerhaave e da geologia histórica antes de Hutton Em partes da biologia o estudo da alguns detalhes analíticos do parágrafo que se segue no texto estou em débito com um artigo ainda não publicado do meu orientando John L Heilbron Enquanto ele não é publicado uma reconstituição um pouco mais extensa e mais precisa da emergência do paradigma de Franklin está incluída em T S Kuhn The Function of Dogma in Scientific Research in A C Crombie ed Symposium on the History of Science University of Oxford Julho 915 1961 a ser publicado por Heinemann Educational Books Ltd 8 Esse grupo é de fato notavelmente pequeno Mesmo a teoria de Franklin nunca explicou efetivamente a repulsão de dois corpos com carga negativa 23 hereditariedade por exemplo os primeiros paradigmas universalmente aceitos são ainda mais recentes E permanece uma questão aberta quais partes da ciência social já teriam adquirido algum paradigma mesmo nos dias de hoje A história sugere que o caminho para um firme consenso na pesquisa é extraordinariamente árduo Todavia a história também sugere algumas razões para as dificuldades encontradas pelo caminho Na falta de um paradigma ou de algum candidato a paradigma todos os fatos que possivelmente poderiam pertencer ao desenvolvimento de uma dada ciência parecerão igualmente relevantes Como resultado nos primórdios a coleta de fatos será uma atividade muito mais aleatória do que aquela que o desenvolvimento científico subsequente torna familiar Ademais na ausência de uma razão para procurar alguma forma específica de informação mais difícil de ser obtida recôndita a coleta inicial de fatos fica habitualmente restrita ao acervo de dados prontos que já estão ao alcance da mão O resultante acúmulo de fatos contém aqueles mais acessíveis à observação e ao experimento casuais juntamente com alguns dos dados mais esotéricos que podemos conseguir em ofícios tradicionais como a medicina a elaboração de calendários e a metalurgia A tecnologia tem frequentemente exercido um papel vital na emergência de novas ciências porque os ofícios são uma fonte prontamente acessível de fatos que não poderiam ter sido descobertos casualmente Mas ainda que esse tipo de coleta de fatos tenha sido a origem de várias ciências importantes quando examinamos por exemplo os escritos enciclopédicos de Plínio ou as histórias naturais baconianas do século dezessete descobrimos que produzem uma bagunça De certa forma a gente hesita em chamar científica a literatura resultante As histórias baconianas do calor da cor do vento da mineração e assim por diante estão cheias de informação Dessa alguma é do tipo difícil de obter recôndito Mas elas justapõem fatos que mais tarde mostrarseão reveladores por exemplo o calor por mistura com outros por exemplo o calor de montes de esterco que por algum tempo permaneceriam muito complexos para serem integrados à teoria de um modo qualquer 9 Além do mais como toda descrição será parcial a história natural típica geralmente omite de seus registros que em grande medida são circunstanciais exatamente aqueles detalhes que mais tarde os cientistas considerarão importantes fontes de esclarecimento Quase 9 Comparese com o esboço de uma história natural do calor no Novum Organum de Bacon Vol VIII dos Works of Francis Bacon ed J Spedding R L Ellis e D D Heath New York 1869 pp 179203 24 nenhuma das histórias da eletricidade por exemplo menciona que palha atraída por um bastão de vidro friccionado é repelida de novo Esse efeito parecia mecânico não elétrico 10 Ademais já que a coleta casual de fatos raramente possui o tempo ou as ferramentas para ser crítica as histórias naturais geralmente justapõem descrições como a apresentada acima com outras como digamos aquecimento por antiperístase ou por resfriamento que hoje de modo algum podemos confirmar 11 Só muito ocasionalmente como no caso da estática da dinâmica e da ótica geométrica antigas fatos coletados com tão pouco direcionamento de uma teoria preestabelecida falam com suficiente clareza para permitir a emergência de um primeiro paradigma Essa é a situação que cria as escolas características dos primeiros estágios do desenvolvimento de uma ciência Não podemos interpretar uma história natural sem pelo menos um corpo implícito de crenças teóricas e metodológicas entretecidas que permita a seleção a avaliação e a crítica Se esse corpo de crenças já não está implícito na coleção de fatos caso em que já teríamos à disposição mais do que meros fatos então ele deve ser substituído por algo externo como talvez uma metafísica em voga uma outra ciência ou algum acidente pessoal e histórico Não é de admirar portanto que nos estágios iniciais do desenvolvimento de qualquer ciência pessoas diferentes deparandose com fenômenos do mesmo tipo mas não com os mesmos fenômenos particulares descrevemnos de maneiras diferentes O surpreendente e talvez uma singularidade dos campos que denominamos ciência é que essas divergências iniciais deveriam desaparecer em uma escala crescente Pois elas efetivamente desaparecem em uma extensão considerável e a seguir parece que somem de uma vez por todas Acrescentese que seu desaparecimento é usualmente causado pelo triunfo de uma das escolas préparadigmáticas que por causa de suas próprias crenças e preconcepções características enfatizou apenas alguma parte específica de um estoque de informação demasiado extenso e pouco elaborado Aqueles eletricistas que pensaram a eletricidade como um fluido e que portanto deram especial ênfase à condução fornecem um excelente exemplo para o caso em questão Levados por essa crença que mal poderia lidar com a conhecida 10 Roller e Roller op cit pp 14 22 28 43 Só depois do trabalho registrado na última dessas citações que os efeitos repulsivos ganham reconhecimento geral como inequivocamente elétricos 11 Bacon op cit pp 235 337 diz A água ligeiramente morna congelase mais facilmente que a muito fria Para um relato parcial dos primórdios da história dessa observação estranha consultese Marshall Clagett Giovanni Marliani and Late Medieval Physics New York 1941 cap iv 25 multiplicidade dos efeitos de atração e de repulsão vários deles tiveram a ideia de engarrafar o fluido elétrico O resultado imediato de seus esforços foi a garrafa de Leyden um artefato que nunca poderia ter sido inventado por pessoas que investigassem a natureza de maneira casual ou aleatória Como esse não era o caso a garrafa de Leyden foi desenvolvida de modo independente por pelo menos dois investigadores no início dos anos quarenta do século dezoito 12 Quase desde o começo de suas investigações sobre a eletricidade Franklin esteve particularmente interessado em dar uma explicação daquele aparato estranho e no caso particularmente revelador Seu sucesso em fazer isso forneceu os mais eficazes argumentos para tornar sua teoria um paradigma embora ainda fosse uma teoria incapaz de explicar quase todos os casos conhecidos de repulsão elétrica 13 Para ser aceita como um paradigma uma teoria deve parecer melhor que suas competidoras Todavia não precisa explicar todos os fatos com que é confrontada E de fato nunca faz isso Aquilo que a teoria dos fluidos fez pelo subgrupo que a sustentou o paradigma frankliniano fez mais tarde por todo o grupo dos eletricistas Ele sugeriu quais experimentos seriam dignos de ser realizados e quais não deveriam ser realizados por parecerem experimentos dirigidos para manifestações secundárias ou excessivamente complexas da eletricidade O paradigma fez esse serviço muito mais eficazmente em parte porque o fim do debate entre escolas diferentes pôs um fim na repetida discussão dos fundamentos e em parte porque a confiança de que estavam agora no caminho certo encorajou os cientistas a empreenderem tipos de trabalho mais precisos mais distantes do senso comum e da linguagem do dia a dia e com um empenho mais concentrado e intenso 14 Livres de se preocupar indistintamente com todo e qualquer fenômeno elétrico o grupo unido dos eletricistas poderia investigar uma seleção de fenômenos com muito mais detalhe projetando equipamentos muito mais especializados para a tarefa e empregando esses equipamentos de modo muito mais sistemático e 12 Roller e Roller op cit pp 5154 13 A maior complicação estava no caso da repulsão mútua de dois corpos com carga negativa Sobre isso ver Cohen op cit pp 49194 53143 14 Deverseia notar que a aceitação da teoria de Franklin não encerrou o debate por completo Em 1759 Robert Symmer propôs uma versão de dois fluidos daquela teoria Ainda por muitos anos depois disso os eletricistas ficariam divididos sobre se a eletricidade era um ou dois fluidos Mas os debates sobre essa questão apenas confirmam aquilo que já foi dito acima sobre a maneira com que um trabalho científico universalmente reconhecido une a profissão Embora continuassem divididos sobre esse ponto os eletricistas rapidamente concluíram que nenhum teste experimental poderia distinguir as duas versões da teoria e que portanto elas eram equivalentes Depois disso as duas escolas puderam e realmente o fizeram explorar todos os benefícios que a teoria de Franklin oferecia ibid pp54346 54854 26 persistente do que jamais haviam feito antes A coleta de fatos e a articulação da teoria tornaramse atividades altamente dirigidas A efetividade e a eficiência da pesquisa elétrica cresceram na mesma medida fornecendo evidência para uma versão societária do agudo dito metodológico de Francis Bacon A verdade emerge mais prontamente do erro que da confusão 15 Vamos examinar a natureza dessa pesquisa altamente dirigida ou baseada em paradigma na próxima seção mas primeiro devemos indicar brevemente como a emergência de um paradigma afeta a estrutura do grupo que pratica sua profissão no campo em que isso ocorre No desenvolvimento de uma ciência natural quando um indivíduo ou um grupo produz pela primeira vez uma síntese capaz de atrair quase toda a próxima geração de cientistas as escolas mais velhas gradualmente desaparecem Em parte esse desaparecimento é causado pela conversão de seus membros ao novo paradigma Mas sempre há algumas pessoas que se aferram a uma ou outra das antigas concepções e são simplesmente expulsas da profissão que daí por diante passa a ignorar seu trabalho O novo paradigma implica uma definição nova e muito mais rígida do campo de ação profissional Aquelas pessoas que não estiverem dispostas ou aptas a acomodar seu trabalho a ele deverão dar prosseguimento ao seu trabalho em isolamento ou então juntarse a algum outro grupo 16 Historicamente elas têm simplesmente ficado nos departamentos de filosofia que desovaram tantas ciências especializadas Como essas indicações sugerem somente a recepção de um paradigma transforma um grupo meramente interessado no estudo da natureza em uma profissão ou pelo menos em uma disciplina Nas ciências embora não em campos como a medicina a tecnologia e o direito cuja razão de ser é uma necessidade do mundo social externo a constituição de revistas especializadas a fundação de sociedades de especialistas e a revindicação de um lugar especial nos currículos têm 15 Bacon op cit p 210 16 A história da eletricidade oferece um excelente exemplo que também pode ser encontrado nas carreiras de Priestley Kelvin e outros Franklin relata que Nollet que em meados do século era o mais influente dos eletricistas viveu para ser o último da sua seita à exceção do Sr B seu aluno e sucessor imediato Max Farrand ed Benjamin Franklins Memoirs Berkeley Calif 1949 pp 38486 Entretanto o mais interessante é notarmos como escolas inteiras resistem isolandose crescentemente da profissão Considerese o caso da astrologia que um dia já foi parte integrante da astronomia Ou se considere a continuidade de uma respeitável tradição prévia de química romântica no final do século dezoito e início do dezenove Essa é a tradição discutida por Charles C Gillispie em The Encyclopédie and the Jacobin Philosophy of Science A Study in Ideas and Consequences Critical Problems in the History of Science ed Marshall Clagett Madison Wis 1959 pp 25589 e The Formation of Lamarcks Evolutionary Theory Archives Internationales dHistoire des Sciences XXXVII 1956 32338 27 sido associadas à primeira recepção de um paradigma único por um grupo de cientistas Pelo menos foi esse o caso entre o momento um século e meio atrás em que o padrão institucional da especialização científica começou a se desenvolver e o momento muito recente em que a parafernália da especialização adquiriu prestígio por si mesma A definição mais rígida do grupo científico tem outras consequências Quando individualmente um cientista pode considerar o paradigma como pressuposto ele já não precisa em seus trabalhos mais importantes construir seu campo uma vez mais começando pelos princípios e justificando o uso de cada conceito que introduz Isso pode ser deixado para o escritor de livros didáticos Dado um manual contudo o cientista criativo pode começar sua pesquisa no ponto em que esse livro didático termina e se concentrar exclusivamente nos aspectos mais difíceis de perceber e de compreender dos fenômenos naturais que interessam ao seu grupo Na medida em que ele faz isso seus relatos de pesquisa começarão a mudar em sentidos cuja evolução foi bem pouco estudada até hoje mas cujos produtos finais modernos são óbvios para todos e opressivos para muitos Em geral suas pesquisas não vão mais corporificarse em livros dirigidos a qualquer um que pudesse ter algum interesse nos problemas da sua área como os Experiments on Electricity de Franklin e a Origin of Species de Darwin Ao invés disso elas vão aparecer na forma de artigos breves dirigidos apenas para seus colegas de profissão Ou seja dirigidos às pessoas cujo conhecimento de um paradigma compartilhado pode ser presumido e que se mostram as únicas capazes de ler os artigos dirigidos a elas Hoje em dia nas ciências em geral os livros ou são manuais didáticos ou são reflexões retrospectivas sobre um ou outro aspecto da vida científica O cientista que escreve um livro vai mais provavelmente ter sua reputação prejudicada que ampliada Só no começo nos estágios préparadigmáticos de desenvolvimento de diferentes ciências o livro geralmente possuía a mesma relação com as conquistas profissionais que ele ainda hoje mantém em outros campos da criatividade humana E apenas naqueles campos que ainda mantêm o livro como forma de comunicação acompanhado ou não de artigos as linhas da demarcação do terreno profissional continuam tão imprecisas que o leigo pode ter a esperança de acompanhar os avanços através da leitura das exposições originais dos cientistas Já na antiguidade os relatos de pesquisa da astronomia e da matemática deixaram de ser inteligíveis para uma audiência apenas genericamente educada Para as pessoas que não 28 eram da área na dinâmica os resultados da pesquisa tornaramse similarmente ininteligíveis na Baixa Idade Média recapturando a inteligibilidade geral apenas por um curto período no começo do século dezessete até que um novo paradigma substituísse aquele que tinha guiado a pesquisa medieval A pesquisa elétrica começou a precisar de tradução para o leigo no final do século dezoito e a maioria dos outros campos da ciência física deixou em geral de ser acessível no século dezenove Durante esses mesmos dois séculos transições parecidas podem ser isoladas nas várias partes das ciências biológicas Em partes das ciências sociais isso pode muito bem estar ocorrendo nos dias de hoje Embora tenhase tornado costumeiro e isso certamente tem sua conveniência deplorar o alargamento do golfo que separa o cientista profissional de seus colegas de outros campos muito pouca atenção é dada à relação essencial entre tal golfo e os mecanismos intrínsecos ao avanço científico Desde a remota antiguidade um campo depois do outro cruzou a linha divisória entre aquilo que os historiadores chamam sua préhistória como ciência e a sua história propriamente dita Essas transições para a maturidade raramente foram tão abruptas ou tão inequívocas quanto parece estar implícito em minha discussão necessariamente esquemática Mas também não foram historicamente graduais a ponto de ser coextensivas com todo o processo de desenvolvimento dos campos em que ocorreram Aqueles que escreviam sobre eletricidade durante as primeiras quatro décadas do século dezoito dispunham de muito mais informação sobre os fenômenos elétricos que seus predecessores do século dezesseis Durante meio século depois de 1740 uns poucos novos tipos de fenômenos elétricos foram adicionados às suas listas Não obstante em aspectos relevantes os escritos sobre eletricidade de Cavendish Coulomb e Volta no último terço do século dezoito pareciam muito mais distanciados dos escritos de Gray Du Fay e até mesmo de Franklin do que os textos desses descobridores no campo da eletricidade do começo do século dezoito estão dos escritos do século dezesseis 17 Em algum momento entre 1740 e 1780 os eletricistas tornaramse capazes pela primeira vez de considerar que o alicerce de seu campo estava sólido A partir daí passaram a investigar 17 Os desenvolvimentos pósfranklinianos incluem um imenso aumento na sensitividade dos detectores de carga as primeiras técnicas confiáveis e amplamente difundidas para mensuração de carga a evolução do conceito de capacidade e a sua relação com uma renovada e mais refinada noção de tensão elétrica além da quantificação da força eletrostática Sobre tudo isso ver Roller e Roller op cit pp 6681 W C Walker The Detection and Estimation of Electric Charges in the Eighteenth Century Annals of Science I 1936 66100 e Edmund Hoppe Geschichte der Elektrizität Leipzig 1884 Parte I caps iiiiv 29 problemas mais concretos e de mais difícil detecção reportando os resultados de suas pesquisas em artigos dirigidos a outros eletricistas em vez de fazêlo em livros destinados ao mundo culto em geral Como grupo eles atingiram aquilo que os astrônomos já tinham obtido na antiguidade os estudiosos do movimento na Idade Média os estudiosos da física ótica no século dezessete tardio e a geologia histórica no início do século dezenove Isto é tinham obtido um paradigma que se provara adequado para guiar a pesquisa do grupo todo É difícil achar outro critério para proclamar tão claramente que um determinado campo tornouse uma ciência a não ser que tenhamos a posição vantajosa da retrospecção histórica 30 III A Natureza da Ciência Normal Então qual é a natureza dessa pesquisa mais profissional e restrita a especialistas que a adoção de um paradigma comum por um grupo de cientistas permite Se o paradigma representasse um trabalho que já foi feito de uma vez por todas que problemas em aberto ele deixaria para o grupo unificado resolver Tais questões parecerão ainda mais prementes se observarmos agora uma relação em que os termos usados até o momento podem ser enganadores No uso habitual um paradigma é um modelo ou padrão aceito Na falta de uma palavra melhor esse aspecto do seu significado permitiume no presente ensaio apropriarme do termo paradigma Mas logo vai ficar claro que o sentido de modelo e padrão que permite a apropriação da palavra não é aqui exatamente aquele que define usualmente paradigma Na gramática por exemplo amo amas amat é um paradigma porque revela o padrão a ser usado na conjugação de um grande número de outros verbos latinos Por exemplo ao produzir laudo laudas laudat Nessa aplicação padronizada o paradigma funciona quando permite a replicação de exemplos Qualquer um desses exemplos poderia em princípio servir para substituir o paradigma inicial Na ciência no entanto um paradigma raramente é um objeto para ser repetido ou replicado Em vez disso como uma decisão judicial elaborada a partir do direito consuetudinário o paradigma é um objeto de articulações sucessivas e de especificação sob condições novas e mais rígidas Para vermos como isso ocorre dessa forma devemos reconhecer o quanto um paradigma é limitado em amplitude e precisão quando ele entra em cena Os paradigmas obtêm seus status porque são mais bem sucedidos que seus competidores na resolução de uns poucos problemas que o grupo de cientistas veio a reconhecer como graves Entretanto ser bem sucedido não significa ser completamente bem sucedido com um único problema nem ser notavelmente bem sucedido com um grande número de problemas O sucesso de um paradigma seja ele a análise do movimento de Aristóteles os cálculos das posições planetárias de Ptolomeu a aplicação da balança por Lavoisier ou a matematização do campo magnético de Maxwell é de início em grande medida apenas uma promessa que os cientistas aprendem a ver em trabalhos científicos exemplares que ainda estão muito incompletos A ciência normal consiste na realização dessa promessa Tal realização se concretiza estendendo o conhecimento daqueles fatos que o paradigma destaca 31 como particularmente reveladores aumentando o ajuste entre aqueles fatos e as predições do paradigma e articulando ulteriormente o próprio paradigma Poucas pessoas entre os não profissionais efetivos de uma ciência madura chegam a entender quanto trabalho de depuração desse tipo um paradigma deixa para ser feito Ou então quão verdadeiramente fascinante tal trabalho pode mostrarse em sua execução Esses pontos precisam ser compreendidos As operações de depuração do paradigma são aquelas que ocupam a maioria dos cientistas durante toda a sua carreira Elas constituem o que estou aqui chamando de ciência normal Quando examinada mais de perto seja historicamente ou no laboratório contemporâneo a ciência normal parece uma tentativa de forçar a natureza para dentro da caixa prémoldada e relativamente inflexível que o paradigma fornece Não faz parte dos propósitos da ciência normal revelar novos fenômenos De fato aqueles fenômenos que não se ajustam à caixa paradigmática em geral nem são vistos Também não é propósito dos cientistas que fazem ciência normal inventar novas teorias Aliás eles em geral são muito intolerantes com as teorias inventadas por terceiros 18 Ao invés disso a pesquisa científiconormal é dirigida para a articulação daqueles fenômenos e teorias que o paradigma já proporciona Talvez tudo isso seja defeito As áreas investigadas pela ciência normal são claramente minúsculas O empreendimento que estamos discutindo tem uma visão drasticamente restrita Mas essas restrições nascidas da confiança dos cientistas em um paradigma resultam essenciais para o desenvolvimento da ciência Ao focar a atenção sobre um pequeno conjunto de problemas relativamente difíceis de resolver o paradigma força os cientistas a investigar alguma parte da natureza em tal grau de detalhamento e profundidade que seria inimaginável de outro modo Mas a ciência normal possui um mecanismo embutido que assegura o relaxamento das restrições que coagem a pesquisa quando quer que o paradigma de que derivam cesse de funcionar efetivamente Nesse ponto os cientistas começam a se comportar diferentemente e a natureza de seus problemas de pesquisa muda Contudo enquanto isso não ocorre ou seja durante o período em que o paradigma prospera a profissão estará resolvendo problemas que seus membros mal poderiam imaginar que resolveriam e que nunca se teriam postos a 18 Bernard Barber Resistance by Scientists to Scientific Discovery Science CXXXIV 1961 596602 32 resolver sem o comprometimento com o paradigma E pelo menos parte do produto desse trabalho sempre prova ser duradoura Para mostrar mais claramente o que se quer dizer com pesquisa normal ou pesquisa baseada em paradigma deixeme tentar classificar e ilustrar os problemas de que sobretudo consiste a ciência normal Por conveniência adio a atividade teórica e começo pela coleta de fatos Isto é começo pelos experimentos e observações descritos nas revistas técnicas pelas quais os cientistas informam seus colegas dos resultados de suas pesquisas em andamento Ordinariamente os cientistas reportamse a quais aspectos da natureza O que determina a sua escolha E o que motiva o cientista a prosseguir nessa escolha até que chegue a uma conclusão já que quase toda observação científica consome muito tempo equipamento e dinheiro Penso que haja só três focos normais para a investigação científica fatual e eles nem sempre e nem permanentemente se distinguem Em primeiro lugar está aquela classe de fatos que o paradigma mostrou ser particularmente reveladora da natureza das coisas Por empregálos na resolução de problemas o paradigma faz com que mereçam ser determinados com mais precisão e ao mesmo tempo faz com que mereçam ser determinados em uma variedade maior de situações Em ocasiões diversas essas determinações fatuais significativas incluíram na astronomia as posições e magnitudes das estrelas o eclipse das estrelas binárias e o eclipse dos planetas na física as gravidades específicas e a compressibilidade dos materiais os comprimentos de onda e as intensidades espectrais as condutividades elétricas e os potenciais de contato e na química os pesos de combinação e de composição os pontos de ebulição e a acidez das soluções as fórmulas estruturais e as atividades óticas As tentativas de aumentar a precisão e a amplitude do conhecimento desses fatos ocupam uma fração significativa da literatura da ciência experimental e observacional Complexos aparelhos têm sido repetidamente projetados para tais propósitos E o desenvolvimento desses aparelhos tem demandado talento de primeira grandeza muito tempo de trabalho e considerável suporte financeiro Síncrotrons e radiotelescópios são apenas os exemplos mais recentes de até onde os operários da pesquisa podem ir quando um paradigma lhes assegura que os fatos que estão investigando são importantes De Tycho Brahe a E O Lawrence alguns cientistas adquiriram grande reputação No caso desses cientistas isso não ocorreu em razão de qualquer novidade de suas descobertas mas da precisão da 33 credibilidade e do alcance dos métodos que eles desenvolveram para a redeterminação de um tipo de fato já conhecido previamente Uma segunda classe mais comum ainda que menor de determinações fatuais é dirigida àqueles fatos que podem ser diretamente comparados com as predições da teoria do paradigma Mesmo que em geral essas determinações fatuais não pareçam ter qualquer outra utilidade Como nós vamos ver logo à frente quando eu passar dos problemas experimentais para os problemas teóricos raramente há muitas áreas em que uma teoria científica pode ser comparada com a natureza Principalmente se ela foi formulada em uma linguagem predominantemente matemática Mesmo nos dias de hoje não mais que três dessas áreas são acessíveis à teoria geral da relatividade de Einstein 19 Ademais mesmo naquelas áreas em que a aplicação é possível ela demanda aproximações teóricas e instrumentais que limitam severamente o acordo esperado entre teoria e natureza Aperfeiçoar esse acordo ou encontrar novas áreas em que esse acordo possa em certa medida ser demonstrado apresenta um desafio constante à habilidade e à imaginação do experimentador e observador Telescópios especiais para demonstrar a predição copernicana da paralaxe anual A máquina de Atwood inventada quase um século depois da publicação dos Principia para dar a primeira demonstração inequívoca da segunda lei de Newton O aparelho de Foucault para demonstrar que a velocidade da luz é maior no ar que na água O gigantesco contador de cintilações projetado para demonstrar a existência do neutrino etc Todos esses aparatos especiais e muitos outros como eles ilustram o imenso esforço e engenhosidade que foram requeridos para trazer a natureza e a teoria para um acordo cada vez mais estreito 20 Essa tentativa de demonstrar acordo entre 19 O único ponto de aferição que há muito é reconhecido por todos é a precessão do periélio de Mercúrio A mudança para o vermelho no espectro da luz das estrelas distantes pode ser derivada de considerações mais elementares que a relatividade geral E o mesmo pode ser possível para a flexão da luz em torno do sol um ponto que agora desperta certa disputa De qualquer modo as medidas desse último fenômeno permanecem equívocas Um ponto de aferição adicional pode ter sido estabelecido muito recentemente a mudança gravitacional da radiação de Mossbauer Talvez logo tenhamos outros nesse campo agora ativo mas que ficou dormente por longo tempo Para uma exposição atualizada e concisa do problema ver L I Schiff A Report on the Nasa Conference on Experimental Tests of Theories of Relativity Physics Today XIV 1961 pp 4248 20 Para dois dos telescópios de paralaxe ver Abraham Wolf A History of Science Technology and Philosophy in the Eighteenth Century 2d ed London 1952 pp 1035 Para a máquina de Atwood ver N R Hanson Patterns of Discovery Cambridge 1958 pp 100102 2078 Para os dois últimos equipamentos especiais ver M L Foucault Méthode générale pour mesurer la vitesse de la lumière dans lair et dans leau Comptes rendus de lAcadémie des sciences XXX 1850 pp 551 60 e C L Cowan Jr et al Detection of the Free Neutrino A Confirmation Science CXXIV 1956 pp 1034 34 teoria e natureza é um segundo tipo de trabalho experimental que apresenta uma dependência do paradigma ainda mais óbvia que o primeiro A existência do paradigma estabelece os problemas a ser resolvidos Com frequência a teoria do paradigma está diretamente implicada na projeção do aparelho adequado para a resolução do problema Sem os Principia por exemplo as mensurações feitas com a máquina de Atwood não teriam qualquer sentido Penso que uma terceira classe de experimentos e observações exaure as atividades coletoras de fatos da ciência normal Tratase do trabalho empírico empreendido para articular a teoria do paradigma Esse trabalho resolve algumas ambiguidades residuais da teoria e permite a solução de problemas para os quais essa teoria já tinha anteriormente chamado a atenção Essa classe de experimentos e observações mostrase a mais importante de todas e a sua descrição requer uma subdivisão Nas ciências mais matematizadas alguns dos experimentos voltados à articulação da teoria são dirigidos para a determinação das constantes físicas O trabalho de Newton por exemplo indicava que a força entre duas unidades de massa por unidade de distância seria a mesma para todos os tipos de matéria em qualquer posição no universo Mas seus próprios problemas mal poderiam ser resolvidos sem a estimativa da grandeza dessa atração a constante gravitacional universal Ninguém inventou um aparelho capaz de determinar essa constante no século que transcorreu após a publicação dos Principia A famosa determinação de Cavendish de 1790 tampouco foi a última Por causa da sua posição central na teoria física valores mais precisos da constante gravitacional foram desde então objeto de repetidos esforços por muitos experimentadores proeminentes 21 Outros exemplos do mesmo tipo de trabalho contínuo incluiriam as determinações das unidades astronômicas o número de Avogadro o coeficiente de Joule a carga eletrônica e assim por diante Poucos desses laboriosos esforços teriam sido concebidos e nenhum teria sido levado a cabo sem uma teoria do paradigma para definir o problema e garantir a existência de uma solução estável Os esforços para articular o paradigma não são contudo restritos à determinação de constantes universais Eles também podem por exemplo visar a leis quantitativas A Lei de Boyle que relaciona a pressão do gás ao seu volume a Lei de Coulomb da atração elétrica e a fórmula de Joule que relaciona o calor gerado na resistência elétrica e a corrente estão todas nessa categoria Pode não 21 J H Poynting revisa cerca de duas dúzias de medidas da constante gravitacional entre 1741 e 1901 em Gravitation Constant and Mean Density of the Earth Enciclopædia Britannica 11th ed Cambridge 191011 XII 38589 35 parecer óbvio que um paradigma seja prérequisito para a descoberta de leis como essas Com frequência ouvimos falar que tais leis são encontradas pelo exame de mensurações feitas por si mesmas sem um comprometimento teórico Mas a história não oferece respaldo para um método tão excessivamente baconiano Os experimentos de Boyle não seriam concebidos e se concebidos teriam recebido uma outra interpretação ou até mesmo nenhuma interpretação antes que o ar fosse reconhecido como um fluido elástico a que todos os conceitos elaborados para a hidrostática pudessem ser aplicados 22 O sucesso de Coulomb dependeu da construção por ele mesmo de um aparelho especial para medir a força entre cargas pontuais 23 Mas o desenho daquele aparelho por Coulomb dependeu por seu turno do reconhecimento prévio de que qualquer partícula do fluido elétrico age à distância sobre todas as outras Era a força entre essas partículas a única força que poderia ser seguramente presumida como uma função simples da distância que Coulomb procurava 24 Os experimentos de Joule também serviriam para ilustrar como as leis quantitativas emergem da articulação do paradigma De fato a relação entre paradigma qualitativo e lei quantitativa é tão geral e íntima que desde Galileu tais leis têm sido conjeturadas corretamente com a ajuda do paradigma anos antes que se projete um aparelho para sua determinação experimental 25 Finalmente há uma terceiro tipo de experimento que visa à articulação de um paradigma Mais que os outros esse tipo de experimento pode assemelharse à exploração e prevalece particularmente naqueles períodos e naquelas ciências que lidam mais com aspectos qualitativos que com aspectos quantitativos da regularidade da natureza Frequentemente um paradigma desenvolvido para um conjunto de fenômenos é ambíguo em sua aplicação a um outro conjunto de fenômenos estreitamente relacionado com o primeiro Assim os experimentos têm que escolher entre várias maneiras alternativas de se aplicar o paradigma à nova área de interesse Por exemplo as aplicações paradigmáticas 22 Para a transposição completa dos conceitos da hidrostática para a pneumática ver The Physical Treatises of Pascal trad I H B Spiers e A G H Spiers com uma introdução e notas por F Barry New York 1937 A introdução original de Torricelli desse paralelismo Nós vivemos submersos no fundo de um oceano do elemento ar ocorre na p 164 Seu rápido desenvolvimento é exposto pelos dois tratados principais 23 Os aparelhos que tinham anteriormente medido forças elétricas usando balanças de prato ordinárias etc não encontraram qualquer regularidade consistente ou simples 24 Duane Roller e Duane H D Roller The Development of the Concept of Electric Charge Electricity from the Greeks to Coulomb Harvard Case Histories in Experimental Science Case 8 Mass 1954 pp 6680 25 Para exemplos ver T S Kuhn The Function of Measurement in Modern Physical Science Isis LII 1961 pp 16193 36 da teoria do calórico restringiamse ao aquecimento e ao resfriamento por misturas e por mudança de estado Mas o calor poderia ser liberado ou absorvido de muitas outras maneiras por exemplo por combinação química por fricção e por absorção de um gás e para cada um desses outros fenômenos a teoria poderia ser aplicada de várias maneiras Se o vácuo tivesse capacidade calorífica por exemplo o aquecimento por compressão poderia ser explicado como resultando da mistura do gás com o vazio Ou então poderia ser devido à mudança no calor específico dos gases com a mudança da pressão Ainda poderíamos enumerar várias outras explicações Muitos experimentos foram feitos para elaborar essas várias possibilidades e para distinguilas umas das outras Todos esses experimentos foram desenvolvidos a partir da teoria do calórico tomada como paradigma e todos a exploraram no planejamento dos experimentos e na interpretação dos resultados obtidos 26 Uma vez que o fenômeno do calor por compressão foi estabelecido todos os experimentos posteriores nessa área tornaramse paradigmo dependentes dessa maneira Dado um fenômeno de que outro modo poderia ser escolhido um experimento para esclarecêlo Mudemos agora para os problemas teóricos da ciência normal que caem dentro de classes muito próximas das classes dos problemas experimentais e observacionais Uma parte do trabalho teórico normal ainda que apenas uma pequena parte consiste simplesmente no uso da teoria existente para predizer informações fatuais que tenham alguma utilidade social A elaboração de calendários astronômicos o cálculo das características das lentes e a produção de curvas de propagação de rádio são exemplos de problemas dessa ordem Contudo geralmente os cientistas acham isso um trabalho medíocre que deve ser deixado para engenheiros e técnicos Raramente algum desses trabalhos vai aparecer em revistas científicas significativas Mas essas mesmas revistas contêm uma grande quantidade de discussões teóricas de problemas que parecerão quase indiferenciadas para o não cientista São as manipulações da teoria empreendidas porque podem ser confrontadas diretamente com o experimento e não porque as predições que delas resultam tenham alguma utilidade Seu propósito é mostrar uma nova aplicação do paradigma ou aumentar a precisão de uma aplicação que já foi feita A necessidade de um trabalho desse tipo deriva das enormes dificuldades geralmente encontradas no desenvolvimento de pontos 26 T S Kuhn The Caloric Theory of Adiabatic Compression Isis XLIX 1958 pp 132140 37 de contato entre a teoria e a natureza Essas dificuldades podem ser brevemente ilustradas por um exame da história da dinâmica depois de Newton Nos primeiros anos do século dezoito os cientistas que encontraram nos Principia um paradigma consideraram evidente a generalidade das suas conclusões Eles tinham todo tipo de razão para agir assim Nenhum outro trabalho pelo menos que tenha sido do conhecimento da história da ciência permitira ao mesmo tempo um aumento tão grande na amplitude e na precisão da pesquisa Para os céus Newton derivou as leis de Kepler do movimento planetário e ainda explicou algumas das circunstâncias em que a Lua falhava em obedecêlas Para a Terra ele derivou os resultados de algumas observações esparsas sobre os pêndulos e sobre as marés Ele também foi capaz de derivar a Lei de Boyle e uma importante fórmula para a velocidade do som no ar ainda que com a ajuda de suposições adicionais ad hoc Levando em conta o estado da ciência na época o sucesso dessas demonstrações impressionou ao extremo Não obstante dada a generalidade presumida das Leis de Newton o número dessas aplicações não foi grande E Newton não desenvolveu quase nenhuma outra aplicação Ademais comparado com o que qualquer estudante de pósgraduação pode atingir hoje com essas mesmas leis as poucas aplicações de Newton nem mesmo foram desenvolvidas com precisão Finalmente os Principia foram desenhados principalmente para problemas da mecânica celeste De modo algum estava claro como adaptálos para aplicações terrestres Principalmente para aquelas aplicações do movimento forçado De qualquer modo os problemas terrestres já estavam sendo atacados com grande sucesso por um conjunto muito diferente de técnicas desenvolvidas originalmente por Galileu e Huyghens e estendidas à área continental da Europa durante o século dezoito pelos Bernoullis dAlembert e muitos outros Presumivelmente poderseia mostrar que as técnicas empregadas por eles e as técnicas dos Principia fossem casos especiais de uma formulação mais geral mas por algum tempo ninguém viu muito bem como 27 Concentremos momentaneamente nossa atenção no problema da precisão Já ilustramos seu aspecto empírico Equipamentos especiais como o aparelho de Cavendish a máquina de Atwood ou telescópios aperfeiçoados foram exigidos para fornecer os dados 27 C Truesdell A Program toward Rediscovering the Rational Mechanics of the Age of Reason Archive for History of the Exact Sciences I 1960 pp 336 e Reactions of Late Baroque Mechanics to Success Conjecture Error and Failure in Newtons Principia Texas Quartely X 1967 pp28197 T L Hankins The Reception of Newtons Second Law of Motion in the Eighteenth Century Archives internationales dhistoire des sciences XX 1967 pp4265 38 especiais que as aplicações concretas do paradigma de Newton demandavam Dificuldades parecidas na obtenção de acordo também existiram do lado da teoria Ao aplicar suas leis aos pêndulos por exemplo Newton foi forçado a tratar o prumo de chumbo como um ponto de massa para que pudesse fornecer uma definição da extensão do pêndulo com um valor único A maior parte de seus teoremas algumas poucas exceções sendo hipotéticas e preliminares também ignorou o efeito da resistência do ar Esses teoremas eram apenas aproximações plausíveis Não obstante enquanto aproximações eles restringiam o acordo a ser esperado entre as predições de Newton e os experimentos efetivos As mesmas dificuldades aparecem ainda mais claramente na aplicação da teoria de Newton aos céus Observações telescópicas quantitativas simples indicam que os planetas não obedecem exatamente as Leis de Kepler E a teoria de Newton indica que elas não deveriam obedecer mesmo Para derivar as Leis de Kepler Newton foi forçado a negligenciar toda atração gravitacional exceto aquela que há entre cada planeta individualmente e o sol Posto que os planetas também se atraem mutuamente apenas um acordo aproximado entre a teoria aplicada e a observação telescópica poderia ser esperado 28 É claro que o acordo alcançado era mais do que satisfatório para aqueles que o obtiveram Exceto para alguns problemas terrestres nenhuma outra teoria poderia funcionar com tão boa aproximação Nenhum daqueles que questionaram a validade do trabalho de Newton o fez pelo seu limitado acordo com o experimento e a observação Não obstante essas limitações do acordo deixaram muitos problemas teóricos fascinantes para os sucessores de Newton Certas técnicas teóricas por exemplo foram requeridas para tratar os movimentos de mais de dois corpos atraindose mutuamente e para investigar a estabilidade de órbitas perturbadas Problemas como esses ocuparam os melhores matemáticos da Europa durante o século dezoito e o início do século dezenove Euler Lagrange Laplace e Gauss fizeram alguns de seus mais brilhantes trabalhos sobre problemas que visavam à melhoraria do ajuste entre o paradigma de Newton e a observação dos céus Simultaneamente muitas dessas figuras trabalharam para desenvolver a matemática exigida por aplicações que nem Newton nem seus contemporâneos da escola de mecânica da Europa continental sequer tentaram desenvolver Eles produziram por exemplo uma imensa literatura e algumas técnicas matemáticas muito poderosas para a hidrodinâmica 28 Wolf op cit pp 7581 96101 e William Whewell History of the Inductive Sciences rev ed London 1847 II pp 21371 39 e para o problema das cordas vibratórias Esses problemas de aplicação respondem pelo que é provavelmente o trabalho científico mais brilhante e absorvente do século dezoito Outros exemplos poderiam ser descobertos por um exame do período pósparadigma do desenvolvimento da termodinâmica da teoria ondulatória da luz da teoria eletromagnética ou de qualquer outro ramo científico cujas leis fundamentais são inteiramente quantitativas Pelo menos nas ciências mais matemáticas a maior parte do trabalho teórico é desse tipo Mas o trabalho teórico nem sempre é desse tipo Mesmo nas ciências matemáticas também há problemas teóricos de articulação do paradigma E esses problemas dominam durante os períodos em que o desenvolvimento científico é predominantemente qualitativo Tanto nas ciências mais quantitativas quanto nas ciências mais qualitativas alguns desses problemas visam simplesmente à clarificação por meio da reformulação Os Principia por exemplo nem sempre se mostraram um trabalho de fácil aplicação Em parte porque até certo ponto reteve o desajeito inevitável de uma formulação feita pela primeira vez Em parte porque muito do seu significado estava apenas implícito em suas aplicações Para muitas aplicações terrestres de qualquer modo um conjunto de técnicas aparentemente não relacionadas desenvolvidas na Europa continental pareceram imensamente mais poderosas Portanto de Euler e Lagrange no século dezoito a Hamilton Jacobi e Hertz no século dezenove muitos dos mais brilhantes físicos matemáticos da Europa esforçaramse repetidamente para reformular a teoria mecânica dandolhe um formato equivalente mas lógica e esteticamente mais satisfatório Isto é eles desejavam exibir as lições explícitas e implícitas dos Principia e da mecânica da Europa continental em uma versão mais coerente logicamente Uma versão que fosse ao mesmo tempo mais uniforme e menos equívoca em sua aplicação aos recém elaborados problemas da mecânica 29 Reformulações parecidas de um paradigma ocorreram repetidamente em todas as ciências mas a maioria delas produziu mais mudanças substanciais no paradigma que as reformulações dos Principia citadas acima Tais mudanças resultaram do trabalho empírico descrito anteriormente como visando à articulação do paradigma De fato classificar aquele tipo de trabalho como empírico foi arbitrário Mais que qualquer outro tipo de pesquisa normal os problemas de articulação de paradigma são simultaneamente teóricos e experimentais Os exemplos dados anteriormente servem 29 René Dugas Histoire de la mécanique Neuchâtel 1950 Livros IVV 40 igualmente aqui Antes que pudesse construir seu equipamento e fazer mensurações com ele Coulomb teve que empregar a teoria elétrica para determinar como o equipamento deveria ser construído A consequência das mensurações feitas com o novo equipamento foi um refinamento na teoria Ou ainda as pessoas que projetaram os experimentos destinados a distinguir entre as várias teorias do aquecimento por compressão geralmente eram as mesmas que tinham elaborado as versões a ser comparadas Eles estavam trabalhando tanto com fato quanto com teoria Seu trabalho não produziu simplesmente nova informação mas um paradigma mais preciso obtido pela eliminação das ambiguidades ainda retidas pelo original sobre o qual eles trabalhavam Em muitas ciências a maior parte do trabalho normal é desse tipo Essas três classes de problemas determinação do fato significativo sintonia do fato com a teoria e articulação da teoria esgotam penso eu toda a literatura empírica e teórica da ciência normal Há também problemas extraordinários E pode muito bem ocorrer que é a resolução desses problemas que torna o empreendimento científico como um todo valer tanto a pena Mas problemas extraordinários não estão sempre à disposição dos cientistas Eles só emergem em ocasiões especiais preparadas pelo próprio avanço da ciência normal Inevitavelmente portanto a esmagadora maioria dos problemas que até mesmo os melhores cientistas se põem a resolver enquadrase em uma das três categorias esboçadas acima O trabalho sob um paradigma não pode ser conduzido de nenhuma outra maneira e desertar do paradigma é cessar de praticar a ciência que ele define Logo descobriremos que tais deserções efetivamente ocorrem Elas são os eixos em torno dos quais as revoluções científicas giram Mas antes de começar o estudo dessas revoluções nós precisamos de uma visão mais panorâmica das ocupações da ciência normal que lhes preparam o caminho 41 IV A Ciência Normal como Resolução de Charadas A mais impressionante característica dos problemas da ciência normal que nós acabamos de repassar é quão pouco eles objetivam produzir novidades conceituais ou fenomênicas Como no caso da medida do comprimento de onda às vezes tudo é sabido antecipadamente exceto os detalhes mais esotéricos do resultado obtido Só o leque típico de expectativas dos cientistas pode ser um pouco mais aberto As medidas de Coulomb talvez não precisassem ajustarse a uma lei do quadrado inverso As pessoas que trabalharam com o aquecimento por compressão em geral estavam preparadas para qualquer um entre vários resultados Contudo mesmo em casos como esses o número de resultados antecipados e portanto assimiláveis é sempre pequeno se comparados com o número de resultados que a imaginação pode conceber E o projeto de pesquisa cujo resultado não se enquadra nesse conjunto mais limitado de resultados antecipados e portanto assimiláveis é comumente considerado um fracasso Um fracasso que não pode ser atribuído à natureza mas ao cientista No século dezoito por exemplo pouca atenção foi dada aos experimentos que mediam a atração elétrica com dispositivos como a balança de pratos Esses experimentos não poderiam ser utilizados para articular o paradigma de que derivavam porque não produziam resultados consistentes nem simples Portanto eles permaneceram meros fatos não relacionados e não relacionáveis com o avanço contínuo da pesquisa sobre eletricidade Só em retrospecto já estando possuídos por um paradigma posterior nós podemos ver que características dos fenômenos elétricos eles revelam Coulomb e seus contemporâneos é claro também possuíam esse paradigma posterior ou algum paradigma que quando aplicado ao problema da atração produzia as mesmas expectativas Isso explica por que Coulomb foi capaz de projetar o aparelho que deu um resultado assimilável por meio da articulação do paradigma Mas também explica por que o resultado a que Coulomb chegou não surpreendeu ninguém e vários de seus contemporâneos foram capazes de se adiantar em predizêlo De fato o projeto de investigação cujo objetivo já é a articulação do paradigma não visa à inovação inesperada Mas se o objetivo da ciência normal não são as grandes novidades concretas e se o fracasso em se aproximar do resultado antecipado é habitualmente um fracasso personificado pelo cientista 42 então por que esses problemas acabam sendo enfrentados de uma maneira ou de outra Parte da resposta já foi desenvolvida Pelo menos para os cientistas os resultados da pesquisa normal são significativos porque aumentam a abrangência e a precisão com que um paradigma pode ser aplicado Entretanto tal resposta não explica o entusiasmo e a devoção que os cientistas mostram ao resolver problemas de ciência normal Ninguém dedica anos para digamos desenvolver um espectrômetro melhor ou dar uma solução mais aperfeiçoada ao problema das cordas vibratórias simplesmente por causa da importância da informação que vai ser obtida Os dados conseguidos pelo cálculo de efemérides ou pelas mensurações adicionais com um aparelho já disponível podem ser bem importantes mas essas atividades são regularmente desdenhadas pelos cientistas Isso ocorre porque essas atividades são em grande medida repetições de procedimentos que já foram feitos antes Tal rejeição nos dá uma pista para o fascínio exercido pelo problema da pesquisa normal Embora o resultado possa ser antecipado em geral num nível de detalhamento tão grande que aquilo que ainda fica para ser conhecido é em si mesmo desinteressante a maneira de chegar a ele permanece muito duvidosa Levar um problema de pesquisa normal até à sua conclusão é chegar ao antecipado por um caminho que ainda tem que ser construído e isso exige a solução de todo tipo de complexas charadas instrumentais conceituais e matemáticas A pessoa bem sucedida nisso prova ser uma engenhosa solucionadora de charadas e o desafio da charada é uma parte importante daquilo que a motiva As expressões charada e solucionador de charadas iluminam vários dos temas que foram adquirindo proeminência nas páginas anteriores Charadas são aqui emprego esse termo em seu significado inteiramente habitual aquela categoria especial de problemas que servem para testar a engenhosidade ou a habilidade em solucionálos Os exemplos de dicionário são quebracabeças e palavrascruzadas São as características que esses exemplos de charadas compartilham com os problemas de ciência normal que nós precisamos isolar agora Uma delas acabou de ser mencionada Uma charada não será considerada boa porque seu resultado pode ser intrinsecamente interessante ou socialmente importante Pelo contrário problemas efetivamente urgentes como por exemplo a cura do câncer ou uma proposta de paz duradoura em geral nem apresentam charadas Isso ocorre em grande medida por não estar claro que eles possam ter alguma solução Imaginemos um quebra cabeças cujas peças são selecionadas aleatoriamente a partir de duas 43 caixas diferentes cada uma delas contendo um quebracabeças diferente Como provavelmente esse problema resistiria até mesmo às pessoas mais engenhosas ainda que em tese pudesse não fazêlo ele não serviria como um teste para a habilidade de encontrar uma solução Em qualquer sentido usual nesse caso não se trata de um quebracabeças Embora a importância ou utilidade social não seja critério para a formulação de uma charada a garantia de que existe uma solução é Já vimos contudo que uma das coisas que uma comunidade científica adquire com um paradigma é um critério para escolher problemas que enquanto o paradigma é tido como certo se pode presumir que tenham soluções Em grande medida são apenas esses problemas que uma comunidade vai admitir como científicos ou encorajar seus membros a tentar resolvêlos Outros problemas incluindo muitos que eram padrão no contexto do paradigma anterior são rejeitados como metafísicos como de interesse de outras disciplinas ou às vezes como sendo muito controversos para entrar na agenda dos cientistas Um paradigma pode nessa medida isolar a comunidade científica daqueles problemas socialmente importantes mas que não podem ser reduzidos à forma de charada Ou seja não podem ser formulados nos termos das ferramentas conceituais e instrumentais que o paradigma disponibiliza Tais problemas podem ser uma distração Disso temos uma lição brilhantemente ilustrada por vários aspectos do baconismo do século dezessete e por algumas ciências sociais contemporâneas Uma das razões por que a ciência normal parece avançar tão rapidamente está no fato de que seus profissionais concentramse em problemas que só a própria falta de engenhosidade poderia impedilos de resolver Se entrementes os problemas de ciência normal são constituídos por charadas no sentido aqui adotado não precisamos mais perguntar por que os cientistas atacamnos com tal paixão e devoção Uma pessoa pode ser atraída para a ciência por muitas razões Entre elas está o desejo de ser útil a excitação de explorar um terreno novo a esperança de encontrar alguma ordem e o impulso de testar o conhecimento estabelecido Esses e vários outros motivos também ajudam a determinar os problemas específicos em cuja solução ela se engajará no futuro Ademais embora o resultado possa ser ocasionalmente frustrante há boa razão por que motivos como esses deveriam primeiro atraíla e a seguir ludibriála 30 30 As frustrações induzidas pelo conflito entre o papel do indivíduo e o padrão global do desenvolvimento científico podem entretanto ser às vezes muito sérias Sobre isso ver Lawrence S Kubie Some Unsolved Problems of the Scientific Career American Scientist XLI 1953 pp 569613 e XLII 1954 pp 10412 44 De vez em quando o empreendimento científico como um todo prova que pode ser de alguma utilidade abre novos territórios revela uma ordem e testa crenças aceitas há muito tempo Não obstante o indivíduo engajado num problema de ciência normal quase nunca está fazendo qualquer dessas coisas Uma vez engajado sua motivação será de um tipo bem diferente O que o desafia nesse momento é a convicção de que sendo suficientemente habilidoso ele terá sucesso na resolução de uma charada que ninguém ainda resolveu ou pelos menos ainda não resolveu tão bem Muitas das maiores mentes científicas devotaram toda a sua atenção profissional a charadas difíceis desse tipo No mais das vezes qualquer campo particular de especialização só oferece essas charadas para o cientista se ocupar O que não as torna menos fascinantes para o tipo certo de aficionado Voltemonos agora para um outro aspecto mais difícil e mais revelador do paralelismo entre charadas e problemas da ciência normal Para ser classificado como uma charada um problema deve ter outras características além de uma solução garantida Também deve haver regras que limitem a natureza das soluções aceitáveis e os passos através dos quais elas são obtidas Para resolver um quebra cabeças não basta por exemplo produzir uma imagem Tanto uma criança quanto um artista contemporâneo poderiam fazer isso distribuindo peças selecionadas a título de formas abstratas sobre alguma superfície neutra Uma imagem produzida assim poderia ser muito melhor e certamente seria mais original que a imagem usada na feitura do quebracabeças Todavia tal imagem não seria uma solução Para que todas as peças sejam usadas seus lados uniformes entre si devem ficar por baixo e elas devem ser encaixadas umas nas outras sem forçálas até que já não haja lacunas Tais são as regras que governam as soluções dos quebracabeças Restrições parecidas sobre as soluções admissíveis das palavras cruzadas das adivinhações e dos problemas do xadrez podem ser prontamente descobertas Se nós aceitarmos um uso consideravelmente elastecido do termo regra um uso que eventualmente poderá igualarse a ponto de vista estabelecido ou preconcepção então a resolução dos problemas selecionados dentro de uma certa tradição de pesquisa mostra algo muito parecido com esse conjunto de características das charadas A pessoa que fabrica um instrumento para determinar os comprimentos de onda não pode se contentar com um equipamento que simplesmente atribui certos números para certas linhas espectrais Essa pessoa não é só uma exploradora ou medidora Pelo 45 contrário por meio da análise do seu aparato nos termos da formulação estabelecida pela teoria ótica ela deve mostrar que os números que o seu aparelho produz são os mesmos números que constam da teoria como comprimentos de onda Se alguma imprecisão residual na teoria ou algum componente não analisado do seu aparato a impedem de completar a demonstração seus colegas podem muito bem concluir que ela não mediu coisa alguma Por exemplo os máximos de dispersão de elétrons que mais tarde foram considerados índices do comprimento de onda do elétron aparentemente não tinham qualquer significado quando foram observados e registrados pela primeira vez Antes que eles se tornassem medida de alguma coisa tiveram que ser relacionados a uma teoria que predizia o comportamento ondulatório da matéria em movimento E mesmo depois que aquela relação foi especificada o instrumento teve que ser redesenhado para que os resultados experimentais pudessem ser correlacionados inequivocamente com a teoria 31 Enquanto essas condições não foram satisfeitas nenhum problema foi resolvido Tipos parecidos de restrições demarcam as soluções admissíveis para os problemas teóricos Durante todo o século dezoito os cientistas que tentaram derivar das leis newtonianas do movimento e da gravitação o movimento observado da Lua fracassaram em seu intento Como resultado alguns deles sugeriram a substituição da lei do quadrado inverso por uma outra lei que divergia dela no caso das pequenas distâncias Todavia para fazer isso teriam que mudar o paradigma e definir uma nova charada deixando a charada velha sem resolver Nesse episódio os cientistas preservaram as regras até que em 1750 um deles descobriu como elas poderiam ser aplicadas com sucesso 32 Só uma mudança nas regras do jogo poderia ter oferecido uma alternativa O estudo das tradições científiconormais revela muitas regras adicionais Tais regras fornecem muita informação sobre os compromissos que os cientistas derivam de seus paradigmas Em que categorias principais poderíamos dizer essas regras se enquadram 33 A mais óbvia e provavelmente a mais coercitiva é exemplificada pelas generalizações que acabamos de mencionar São os enunciados explícitos de leis científicas e os enunciados explícitos relativos aos 31 Para uma breve exposição da evolução desses experimentos ver a página 4 da conferência de C J Davisson em Les Prix Nobel en 1937 Stockholm 1938 32 W Whewell History of the Inductive Sciences rev ed London 1847 II pp 1015 22022 33 Devo essa questão a W O Hagstrom cujo trabalho na sociologia da ciência às vezes se intersecciona com o meu próprio 46 conceitos e teorias científicos Enquanto continuam a ser reverenciados esses enunciados ajudam na formulação das charadas e na delimitação das soluções aceitáveis As leis de Newton por exemplo exerceram essas funções durante os séculos dezoito e dezenove Enquanto elas fizeram isso a quantidade de matéria foi uma categoria ontológica fundamental para os cientistas físicos e as forças que atuam entre as unidades de matéria foram um tópico dominante da pesquisa 34 Na química as leis das proporções fixas e definidas tiveram por um longo tempo uma força inteiramente similar quando estabeleciam o problema dos pesos atômicos limitavam os resultados admissíveis das análises químicas e informavam aos químicos o que eram os átomos moléculas compostos e misturas 35 As equações de Maxwell e as leis da termodinâmica estatística têm hoje em dia o mesmo poder e a mesma função Regras como essas todavia nem são as únicas e nem mesmo as da variedade mais interessante revelada pelo estudo histórico Em um nível inferior ou mais concreto que o nível das leis e teorias há por exemplo uma multidão de compromissos relativos aos tipos preferidos de instrumentação e às maneiras de se empregar legitimamente os instrumentos aceitos A mudança de atitude frente ao papel do fogo nas análises químicas exerceu uma função vital no desenvolvimento da química no século dezessete 36 No século dezenove Helmholtz encontrou entre os fisiologistas forte resistência à noção de que a experimentação física poderia iluminar seu campo 37 Em nosso século a curiosa história da cromatografia química ilustra uma vez mais a persistência dos compromissos instrumentais que tanto quanto as leis e teorias equipam os cientistas com regras do jogo 38 Quando analisarmos a descoberta dos raios X encontraremos as razões para compromissos dessa ordem Características menos locais e temporais da ciência ainda que também mudem são os compromissos de nível mais elevado quasimetafísicos que o estudo histórico revela com tanta 34 Para esses aspectos do newtonianismo ver I B Cohen Franklin and Newton An Inquiry into Speculative Newtonian Experimental Science and Franklins Work in Electricity as an Example Thereof Philadelphia 1956 cap vii esp pp 25557 275 77 35 Esse exemplo é discutido em detalhe quase no final da Seção X 36 H Metzger Les doctrines chimiques en France du début du XVIIe Siècle à la fin du XVIIIe Siècle Paris 1923 pp 35961 Marie Boas Robert Boyle and Seventeenth Century Chemistry Cambridge 1958 pp 11215 37 Leo Königsberger Hermann von Helmholtz trad Francis A Welby Oxford 1906 pp 6566 38 James E Meinhard Chromatography A Perspective Science CX 1949 pp 387 92 47 regularidade Por exemplo logo depois de 1630 e particularmente depois do aparecimento dos imensamente influentes escritos científicos de Descartes a maioria dos cientistas físicos passou a presumir que o universo era composto de corpúsculos microscópicos e que todos os fenômenos naturais poderiam ser explicados em termos de forma tamanho movimento e interação corpuscular Essa teia de compromissos provou ser tanto metafísica quanto metodológica Enquanto metafísica ela asseverou aos cientistas que tipos de entidades o universo continha e que tipos de entidades o universo não continha Enquanto metodológica essa teia de compromissos asseveroulhes como devem ser as leis últimas e as explanações fundamentais As leis devem especificar o movimento e a interação corpuscular Uma explanação deve reduzir qualquer fenômeno natural dado a uma ação corpuscular sob aquelas leis Mais importante ainda foi que a concepção corpuscular do universo asseverou aos cientistas aquilo que muitos dos seus problemas de pesquisa deveriam ser Por exemplo um químico que como Boyle adotou a nova filosofia deu particular atenção às reações que poderiam ser vistas como transmutações Mais claramente que quaisquer outras as transmutações mostrariam o processo de rearranjo corpuscular que está por baixo de toda transformação química 39 Efeitos similares do corpuscularismo podem ser observados no estudo da mecânica da ótica e do calor Finalmente em um nível ainda mais elevado há um outro conjunto de compromissos sem os quais nenhuma pessoa é cientista O cientista deve por exemplo estar interessado em compreender o mundo e em ampliar a precisão e a amplitude com que ele foi ordenado Tal compromisso deve por sua vez leválo a examinar tanto por si mesmo quanto pelo trabalho dos colegas algum aspecto da natureza com grande detalhamento empírico Se esse exame revela bolsões de aparente desordem então esses bolsões devem desafiálo a um novo refinamento de suas técnicas de observação e a uma nova articulação de suas teorias Sem dúvida que ainda há outras regras como as já mencionadas Regras que têm valido para os cientistas de todos os tempos A existência dessa forte rede de compromissos conceituais teóricos instrumentais e metodológicos é a principal fonte da metáfora que relaciona a ciência normal com a resolução de charadas Porque ela fornece as regras que descrevem ao profissional de uma 39 Para o corpuscularismo em geral ver Marie Boas The Establishment of the Mechanical Philosophy Osiris X 1952 pp 412541 Para seus efeitos sobre a química de Boyle ver T S Kuhn Robert Boyle and the Structural Chemistry in the Seventeenth Century Isis XLIII 1952 pp 1236 48 especialidade científica madura como é o mundo e como é a ciência desse mundo esse cientista pode concentrarse com segurança nos intrincados problemas que tais regras e o conhecimento existente definem para ele O que vai então desafiálo pessoalmente é como levar a charada residual a uma solução Nessa e em outras questões uma discussão das charadas e das regras ilumina a natureza da prática da ciência normal Contudo por outro lado essa iluminação pode ser significativamente ilusória Embora haja regras a que todos os profissionais de uma especialidade científica devam aderir em um certo momento essas regras não podem por si mesmas especificar tudo o que a prática desses especialistas têm em comum A ciência normal é uma atividade altamente determinada mas não precisa ser inteiramente determinada por regras Eis por que no início desse ensaio eu introduzi os paradigmas compartilhados como a fonte de coerência das tradições da ciência normal em vez de regras postulados e pontos de vista compartilhados As regras eu sugiro derivam dos paradigmas Mas os paradigmas podem guiar a pesquisa mesmo na ausência de regras Kuhn a revolução científica e suas contradições A história vem sendo aplicada como um depósito de cronologias responsável por determinar que uma pessoa descobriu ou inventou algo científico ou não em determinada época tal como descrever entraves sociais da instituição efetiva da ciência na sociedade Entretanto esta poderia ser empregada como um real objeto de transformação da imagem da ciência indo além do caráter pedagógico e de persuasão Bem como a ciência vem sendo aplicada na maioria das vezes visando apenas métodos de observação leis e teorias descritas em suas páginas Em contraponto sua aplicabilidade vai além de processos de manipulação utilizados em coletas de dados Esse contexto resulta num conceito de ciência com profundas implicações sobre a natureza e o desenvolvimento da ciência resumindoa a um processo de adição de peça por peça ao estoque crescente da técnica e do conhecimento científico devido a isso o processo científico não é linear ou seja não possui um processo comum de avanço Com isso é cada vez mais difícil para os historiadores da ciência cumprirem a função de busca de resolução de questões que de acordo com eles são tipos errados de perguntas a serem feitas Ademais eles também possuem dificuldade em distinguir componentes científicos de saberes tratados como mitos e sabores populares que apesar de serem descartados não se tornaram obsoletos O resultado de todas essas questões é a dificuldade de uma revolução historiográfica no estudo da ciência Tendo como um dos aspectos que vão se destacar a insuficiência das diretrizes metodológicas Somado a isso a ciência normal sendo essa conceituada posteriormente vem como uma tentativa laboriosa e devota de força a natureza a caber em caixas conceituais e explicativas proporcionada pela educação profissional bem como está implicada na suposição de que os cientistas sabem de fato como o mundo é Os mais óbvios exemplos de revoluções científicas são aqueles famosos episódios do desenvolvimento científico apresentado na história por meio das revoluções científicas todas elas representadas pela instauração de uma nova teoria em detrimento de outra anteriormente aceita pela sociedade Nesse ínterim Kuhn introduz o conceito de ciência normal sendo esse atrelado a pesquisas baseadas em trabalhos científicos anteriores Em primeira instância é importante pontuar que os trabalhos científicos compartilham duas características como paradigmas termo que se relaciona com a ideia supracitada da ciência normal que irão fornecer modelos a partir dos quais certas tradições coerentes da investigação científica Sob essa ótica com o decorrer de avanços de instrumentos científicos a partir do avanço tecnológico concepções antigas perdem sua base de sentido na contemporaneidade a partir das revoluções científicas por isso há um contraste na forma de realizar essa ciência normal uma vez que as teorias passadas acabam se tornando obsoletas assim como há inúmeras escolas científicas que analisam certa problemática a partir de uma lente única de análise que podem divergir entre si ou não Por conta das contradições mesmo que uma teoria seja científica isto é enunciados passíveis de verificação e análises e por isso são considerados significativos se posteriormente vinher uma revolução científica que refute essa primeira teoria apesar de ser ciência ela é considerada menos ciência do que a nova teoria aceita Na história do mundo a revolução científica é cada vez mais presente a partir do advento da tecnologia indo na contramão da base empírica da ciência haja visto que os intrumento produzidos a partir da revolução tecnológica possuem mecanismos de análise mais confiáveis do que a utilização dos sentidos humanos uma vez que sua interpretação vem do processo de percepção subjetiva de cada sujeito Fundamentado nessa conjuntura os processos científicos utilizando instrumentos tecnológicos passam por um racionalismo crítico mais efetivo dado que os enunciados básicos sempre podem ser testados por critérios mais específicos e neutros que visam a verificação da sua veracidade Por conseguinte nesse âmbito há um processo de transformação das teorias ou conceitos criados pela ciência já que conceitos primitivos ou conceitosbase que são desenvolvidos de maneira implícita resultando consequentemente na construção de axiomas os quais se derivam os teoremas sendo esses possuidores de conceitos derivados que são interpretados empiricamente Kuhn a revolução científica e suas contradições A história vem sendo aplicada como um depósito de cronologias responsável por determinar que uma pessoa descobriu ou inventou algo científico ou não em determinada época tal como descrever entraves sociais da instituição efetiva da ciência na sociedade Entretanto esta poderia ser empregada como um real objeto de transformação da imagem da ciência indo além do caráter pedagógico e de persuasão Bem como a ciência vem sendo aplicada na maioria das vezes visando apenas métodos de observação leis e teorias descritas em suas páginas Em contraponto sua aplicabilidade vai além de processos de manipulação utilizados em coletas de dados Esse contexto resulta num conceito de ciência com profundas implicações sobre a natureza e o desenvolvimento da ciência resumindoa a um processo de adição de peça por peça ao estoque crescente da técnica e do conhecimento científico devido a isso o processo científico não é linear ou seja não possui um processo comum de avanço Com isso é cada vez mais difícil para os historiadores da ciência cumprirem a função de busca de resolução de questões que de acordo com eles são tipos errados de perguntas a serem feitas Ademais eles também possuem dificuldade em distinguir componentes científicos de saberes tratados como mitos e sabores populares que apesar de serem descartados não se tornaram obsoletos O resultado de todas essas questões é a dificuldade de uma revolução historiográfica no estudo da ciência Tendo como um dos aspectos que vão se destacar a insuficiência das diretrizes metodológicas Somado a isso a ciência normal sendo essa conceituada posteriormente vem como uma tentativa laboriosa e devota de força a natureza a caber em caixas conceituais e explicativas proporcionada pela educação profissional bem como está implicada na suposição de que os cientistas sabem de fato como o mundo é Os mais óbvios exemplos de revoluções científicas são aqueles famosos episódios do desenvolvimento científico apresentado na história por meio das revoluções científicas todas elas representadas pela instauração de uma nova teoria em detrimento de outra anteriormente aceita pela sociedade Nesse ínterim Kuhn introduz o conceito de ciência normal sendo esse atrelado a pesquisas baseadas em trabalhos científicos anteriores Em primeira instância é importante pontuar que os trabalhos científicos compartilham duas características como paradigmas termo que se relaciona com a ideia supracitada da ciência normal que irão fornecer modelos a partir dos quais certas tradições coerentes da investigação científica Sob essa ótica com o decorrer de avanços de instrumentos científicos a partir do avanço tecnológico concepções antigas perdem sua base de sentido na contemporaneidade a partir das revoluções científicas por isso há um contraste na forma de realizar essa ciência normal uma vez que as teorias passadas acabam se tornando obsoletas assim como há inúmeras escolas científicas que analisam certa problemática a partir de uma lente única de análise que podem divergir entre si ou não Por conta das contradições mesmo que uma teoria seja científica isto é enunciados passíveis de verificação e análises e por isso são considerados significativos se posteriormente vinher uma revolução científica que refute essa primeira teoria apesar de ser ciência ela é considerada menos ciência do que a nova teoria aceita Na história do mundo a revolução científica é cada vez mais presente a partir do advento da tecnologia indo na contramão da base empírica da ciência haja visto que os intrumento produzidos a partir da revolução tecnológica possuem mecanismos de análise mais confiáveis do que a utilização dos sentidos humanos uma vez que sua interpretação vem do processo de percepção subjetiva de cada sujeito Fundamentado nessa conjuntura os processos científicos utilizando instrumentos tecnológicos passam por um racionalismo crítico mais efetivo dado que os enunciados básicos sempre podem ser testados por critérios mais específicos e neutros que visam a verificação da sua veracidade Por conseguinte nesse âmbito há um processo de transformação das teorias ou conceitos criados pela ciência já que conceitos primitivos ou conceitos base que são desenvolvidos de maneira implícita resultando consequentemente na construção de axiomas os quais se derivam os teoremas sendo esses possuidores de conceitos derivados que são interpretados empiricamente