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Sustentabilidade e Desenvolvimento

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Vol 46 agosto 2018 DOI 105380dmav46i055806 eISSN 21769109 Desenvolv Meio Ambiente v 46 p 334356 agosto 2018 334 A influência do pensamento econômico na ideia de sustentabilidade e suas implicações para a percepção e conservação do mundo natural The influence of the economic thought on the idea of sustainability and its implications on the perception and conservation of the natural world Rodrigo Muniz da SILVA1 1 Climate Change Impacts Adaptation and Modelling CCIAM Center for Ecology Evolution and Environmental Changes cE3c Faculdade de Ciências Universidade de Lisboa Portugal Email de contato rodmunizsgmailcom Ensaio recebido em 13 de outubro de 2017 versão final aceita em 18 de junho de 2018 RESUMO A sustentabilidade é um conceito cada vez mais arraigado nas sociedades além de amplamente discutido no discurso acadêmico e na opinião pública e a ideia de incorporálo foi assumida quase como um imperativo Existe nesse sentido um claro reconhecimento de sua importância nas agendas social econômica ambiental científica e política Apesar disso o conceito tornouse uma expressão elusiva com usos muito diversos destituído de clareza na sua disseminação prática e pesquisa o que acabou dificultando seu entendimento Com o alargamento dos problemas ambientais e a consequente preocupação emergida daí a conservação do mundo natural passa a constituir centralidade na agenda da sustentabilidade A despeito disso e da diversidade do conceito sobretudo em uma conjuntura em que a economia é um dos maiores condicionantes dos padrões individuais e sociais em todo o mundo a sustentabilidade foi paulatinamente reduzida ao seu viés econômico tornando seu entendimento ainda mais limitado e consequentemente influenciando a conservação do mundo natural Longe de buscar uma nova dimensão ou uma unificação conceitual para a sustentabilidade esta proposta pretende explorar as ambiguidades e limitações das abordagens da sustentabilidade fraca e sustentabilidade forte influenciadas respectivamente pela economia ambiental e pela economia ecológica que caracterizam o viés econômico da sustentabilidade Amparado por reflexões e análises filosóficas este trabalho propõe um entendimento além do pensamento econômico ancorandose na ideia da sustentabilidade absurdamente forte O viés econômico da sustentabilidade será enfatizado na tentativa de demonstrar que a economia e os valores subjacentes a ela influenciam em grande medida os valores no entorno da sustentabilidade e nas relações entre o ser humano e a natureza Inferiuse que as relações humanas com a natureza são bastante condicionadas pela racionalidade econômica Do mesmo modo a sustentabilidade é SILVA R M A influência do pensamento econômico na ideia de sustentabilidade e suas implicações para a percepção e a conservação do mundo atual 335 bastante influenciada por tal racionalidade comprometendo o potencial papel transformador do conceito e as possibilidades de engendrar novas relações e valores Palavraschave sustentabilidade absurdamente forte conservação natureza racionalidade capital natural ABSTRACT Sustainability is a concept increasingly embedded in societies being widely discussed within the academic and public discourse and the idea of incorporating it has been almost assumed as an imperative In this sense its importance in the social economic environmental scientific and political agendas is clearly recognized Nevertheless this concept has become an elusive expression with diverse uses and lacks clarity in its dissemination practice and research which hinders its understanding As the environmental problems and consequent concern that has emerged increase the preservation of the natural world becomes central to the sustainability agenda Despite this situation and the diversity of the concept especially in a context in which economy is one of the major determinants of individual and social patterns around the world sustainability has been gradually reduced to its economic bias limiting its understanding even more and consequently influencing the conservation of the natural world Rather than seeking a new dimension or a conceptual unification for sustainability this proposal intends to explore the ambiguities and limitations of the approaches for weak sustainability and strong sustainability influenced by the environmental economy and the ecological economy respectively which characterize the economic bias for sustainability Based on philosophical reflections and analysis this study proposes an understanding beyond the economic thought anchoring in the idea of absurdly strong sustainability The economic bias for sustainability is emphasized attempting to demonstrate that economy and its values greatly influence the values regarding sustainability and the relationship between human being and Nature It was inferred that human relationships with Nature are quite conditioned by economic rationality Thus sustainability is likewise strongly influenced by such rationality compromising the potential transformative role of the concept and the possibilities of engendering new relationships and values Keywords absurdly strong sustainability nature conservation rationality natural capital 1 Introdução O conceito de sustentabilidade largamente discutido nos discursos acadêmicos e na opinião pública está cada vez mais consolidado nas so ciedades contemporâneas considerando o esforço de incorporar sua ideia nos processos e estruturas da sociedade quase como um imperativo Existe nesse sentido um claro reconhecimento de sua im portância nas agendas social econômica ambiental científica e política Becker 2011 O conceito tornouse uma palavra da moda com usos muito diversos diversidade tal que o termo pode não ser capaz de suportar A diferença de definições de usos e de âmbitos nos quais é referida leva a frequentes debates para alcançar sua melhor compreensão É importante reconhecer que o termo ainda carece de aprimoramento e clareza apesar de sua reconhecida importância e disseminação Com o alargamento dos problemas ambientais e a consequente preocupação com a preservação do mundo natural emergida daí especialmente a partir da década de 1960 Fernandez 2011 aponta que foi impulsionada uma forte crítica aos mode los de desenvolvimento econômico vigentes até o momento O Relatório do Clube de Roma Limits to Growth Meadows et al 1972 representa um exemplo marcante assinalando os limites dos ecos Desenvolv Meio Ambiente v 46 p 334356 agosto 2018 336 sistemas para satisfazer as subjetividades humanas A ideia de um ecodesenvolvimento Sachs 1993 que logo passou a ser identificado como desenvol vimento sustentável teve seu início nestas conjun turas Foladori Tommasino 2000 que por sua vez apresentaram um papel bastante influente nas origens da economia ecológica Fernandez 2011 Ao passo em que a degradação ambiental destruição de ecossistemas e consequente perda de biodiversidade poluição multifacetada e escas seamento das fontes naturais começou a se tornar um problema para a humanidade essas questões começaram a ser tratadas no âmbito das teorias econômicas Fernandez 2011 Tal como Becker 2011 coloca a economia hoje é a maior força condicionante dos padrões individuais e sociais em todo o mundo fruto da razão econômica Tal racionalidade econômica como aponta Leff 2004 é antinatura coisificando não apenas a natureza mas toda forma de conhecimento no mundo na modernidade A economia é um estudo que encontra funda mentos na escassez de bens na medida em que a busca por eles aumenta largamente sua quantidade disponível De uma forma geral algo é escasso quando se demanda mais desse algo em relação à sua disponibilidade Nesse sentido a escassez des creve uma relação entre as necessidades subjetivas e as possibilidades de serem estas subjetividades satisfeitas Baumgärtner et al 2006 Se assim entendido a escassez acaba por descrever a relação humana com a natureza1 Baumgärtner et al 2006 Esta ideia segue na esteira da definição de economia de Robbins 1932 p 15 que a caracteriza como o estudo do comportamento humano enquanto uma relação entre os fins e os meios escassos que possuem usos alternativos2 Essa assunção fez com que se entendesse a economia como uma otimização sob constrangimentos isto é diante da escassez dos elementos Baumgärtner et al 2006 O reconhecimento da finitude dos elementos natu rais diante de sua vasta necessidade para a espécie humana em constante crescimento assim como suas necessidades subjetivas influencia a virada do projeto econômico para a natureza Cabe colocar que há diferentes abordagens econômicas nas quais seu entendimento pode ser mais alargado ou menos redutor mas esta eco nomia defendida por Robbins representa a corrente principal da economia que exclui de certa maneira sua heterogeneidade especialmente as abordagens mais heterodoxas Mas é a economia neoclássica fundamentada na mecânica clássica que explica o mundo única e exaustivamente através de sua quantificação Fer nandez 2011 que veio influenciar o tratamento da natureza pela economia A teoria econômica neo clássica argumenta que o livre mercado pode obter a melhor alocação de recursos através dos indivíduos que visam seus próprios e melhores interesses sem a intervenção de regulação governamental Beder 2011 É através da teoria neoclássica que 1 Quando se fala em Natureza seria necessário rebuscar sua acepção geral trabalhada ao longo da literatura e da história da filosofia Quando se fala em ambiente não se está a falar da Natureza mas naquela Naturezapostaemperigo pelo agir humano desmedido SoromenhoMarques 1998 Contudo de modo simplificado a Natureza corresponde aqui à entidade sistêmica constituída de todos os seus processos físicoquímicos biológicos e geológicos assumindo uma conotação semelhante entretanto de forma geral mais abrangente à de ambiente natural e de mundo natural correndo o risco de simplificar a ideia tão complexa de Natureza 2 Todas as traduções neste trabalho foram realizadas de forma livre pelo autor SILVA R M A influência do pensamento econômico na ideia de sustentabilidade e suas implicações para a percepção e a conservação do mundo atual 337 a economia da natureza se estabelece Spash 1999 tendendo a assumir o sistema econômico alheio aos constrangimentos e restrições ambientais embora a poluição ambiental por exemplo possa ter sido tratada como uma externalidade há algum tempo Contudo as externalidades enquanto falhas de mercado não eram consideradas tão significativas até então apesar da defesa de Arthur Pigou pela intervenção governamental através de taxas e sub sídios para que as externalidades fossem evitadas Pearce 2002 Não obstante as externalidades negativas são centrais no argumento da economia ambiental implicando na redução das relações entre humanos e natureza aos termos do livre mercado das externalidades e da eficiência no uso dos cha mados recursos naturais van den Bergh 20003 A forma com que a natureza é apreendida pela economia também foi lançada em outros moldes buscando uma maior integração entre a economia e outras disciplinas diretamente relacionadas com os desafios ambientais como é o caso da economia ecológica distinta da economia ambiental que busca um entendimento mais integrado na relação entre humanos e natureza isto é uma integração interdependente entre os sistemas sociais e ecológi cos mapeando a dinâmica entre ambos os processos van den Bergh 2000 Costanza 1996 Já no final dos anos 1960 e início dos anos 1970 as leis da termodinâmica trouxeram consideráveis implica ções para a teoria econômica Spash 1999 Nesta altura o economista GeorgescuRoegen 1971 desenvolveu sérias críticas à economia neoclássica apoiandose nas leis da termodinâmica sobretudo na ideia de entropia Embora sem muito influenciar a economia ambiental da época GeorgescuRoegen é provavelmente uma das mais importantes influên cias para a economia ecológica A eficiência não é tão representativa para esta corrente mas a justa alo cação dos recursos ambientais e o reconhecimento dos limites ecológicos são essenciais Daly 1992 Apesar de mais sensível a economia ecoló gica também expressa interesses bastante comuns à economia ambiental No entanto não é apenas pelos impactos adversos das atividades econômicas sobre o mundo natural nãohumano e a dependência humana daquilo que a natureza oferece que a econo mia começou a seguir tal percurso mas igualmente pelas novas oportunidades de negócio abertas pelo universo da conservação Ademais a tendência do perfil econômico nas políticas do ambiente também acaba por revelar a importância que se tem dado para a integração do valor econômico da natureza nas decisões políticas No novo debate da conservação que se insere especialmente nas teorias econômicas e do negócio as economias ambiental e ecológica se misturam e assim se requer um olhar sempre atento Isso quer dizer que o olhar econômico visa a integração da natureza na economia com um propósito comum quantificar Quer seja tal quantificação em termos de perda para a sociedade em razão da escassez da natureza em benefícios providos os chamados serviços ecossistêmicos em prejuízos providos desserviços ecossistêmicos Ambas as econo mias diluemse no mesmo modelo de organização produtivo o capitalismo e ambas partilham de uma apropriação social da natureza sem questionar severamente a racionalidade econômica neoclássica 3 Os apóstrofos estão presentes em algumas expressões para discriminálas eou para chamar atenção do leitor quanto à sua conotação tais como recursos naturais capital natural e serviços ecossistêmicos Desenvolv Meio Ambiente v 46 p 334356 agosto 2018 338 Barkin et al 2012 Esta racionalidade solidifica a relação puramente instrumental entre ser humano e natureza Gorz 1989 desagrega as pessoas da terra e a terra da natureza permitindo a transação das chamadas mercadorias fictícias nomeadamen te a terra o dinheiro e o trabalho Polanyi 1957 Portanto a excessiva racionalização da vida con temporânea pósindustrialização é essencialmente instrumental e econômica Fernandes 2008 A relevância que se tem dado à economia no âmbito da sustentabilidade levou a um desequilíbrio junto às esferas sociais e ambientais isso no contex to da teoria do triângulo da sustentabilidade triple botton line Isto é a tese de que há em cada vértice do triângulo equilátero três pilares o social o am biental e o econômico Entretanto Becker 2011 afirma que esse pensamento tende a confundir as relações da sustentabilidade com as estruturas que as influenciam O autor considera as esferas social e ambiental como relações de sustentabilidade mas trata a economia como uma estrutura social e global específica que influencia as relações da sustentabili dade tal como uma metaestrutura4 isto é que trata daquilo que atribui todo o contexto socioecológico O forte teor da economia voltada para a nature za traz implicações para como a perspectivamos sua conservação e também as teorias de sustentabilidade que vão orientar as práticas humanas de maneira re lativa aos sistemas socioecológicos que representam as interseções entre a cultura e a natura É com frequência que a sustentabilidade é reduzida ao seu viés econômico se o próprio sentido da economia já se encontra reduzido nas suas mais aceitas acepções a sustentabilidade arrimada nesta redução tem seu entendimento ainda mais limitado O viés econô mico nessa medida caracteriza a sustentabilidade em duas vertentes I sustentabilidade fraca e II sustentabilidade forte A primeira é amparada pela economia ambiental associada como vimos à tradição neoclássica que aceita a substituibilidade entre o chamado capital natural e o capital pro duzido pelo ser humano A segunda é sustida pela economia ecológica que argumenta que há limites nessa substituição Pretendese no presente trabalho tecer algu mas considerações sobre a incontornável ligação entre economia e a natureza contextualizando o viés ambiental e ecológico da teoria econômica e sua influência na concepção das sustentabilidades fraca e forte e caracterizando as assunções de ambas as sustentabilidades e suas implicações para a percep ção e conservação do mundo natural Amparado por reflexões e análises filosóficas este trabalho propõe uma consideração sobre o entendimento da susten tabilidade procurando demonstrar que a economia e os valores subjacentes a ela influenciam em grande medida a percepção que se tem do mundo natural e as abordagens para a sua conservação 2 Sustentabilidade A discussão sobre a sustentabilidade alar gouse e difundiuse enormemente nos seus quase trinta anos de existência O conceito apropriado 4 Becker 2011 introduz em sua obra o conceito de metaestruturas e as define como a evolução histórica das estruturas condicionantes dos ensinamentos e ações instituições e relações compostas por quatro elementos 1 assunções básicas basic assumptions 2 avaliações básicas basic evaluations 3 forças motrizes driving forces 4 institucionalizações institutionalizations A ciência a tecnologia entre outras também são consideradas metaestruturas Muniz 2013 p 16 SILVA R M A influência do pensamento econômico na ideia de sustentabilidade e suas implicações para a percepção e a conservação do mundo atual 339 globalmente é discutido tanto no âmbito acadêmi co quanto na esfera pública além de ter evoluído constantemente permitindo que neste ínterim pu dessem ser defendidas e impulsionadas diversas correntes teóricas que entretanto de forma isolada procuraram desenhála e incorporála conforme suas conjunturas Há muito que possa ser referido sobre a sus tentabilidade desde seus primeiros aspectos con ceptuais às mais divergentes práticas que a des caracterizam5 desde seu mais consentido reconhe cimento às mais veementes críticas Os conceitos e as práticas da sustentabilidade divergem a tal ponto que ao mesmo tempo em que se caracteriza a sustentabilidade enquanto campo muito difuso descaracteriza qualquer sentido razoável que ela possa vir a ter O uso moderno da palavra sustentabilidade teve sua origem formal estabelecida a partir do Relatório de Brundtland também conhecido como Nosso Futuro Comum Reconhecese que o conceito tem origens mais antigas como esclare cem Foladori Tommasino 2000 originandose da ideia de ecodesenvolvimento Sachs 1993 A sustentabilidade corresponde frequentemente à expressão desenvolvimento sustentável propon do a noção de um desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades WCED 1987 p 8 O Relatório de Brundtland WCED 1987 p 8 afirma uma nova era de crescimento econô mico assumindo tal crescimento como absolutamente necessário para que a pobreza principal responsável no entender do relatório pelo desgaste do ambiente seja mitigada O desenvolvimento sustentável propõe uma versão de desenvolvimento econômico suposta mente compatível com a preservação do ambiente natural Contudo é indiscutível o centramento no ser humano afora algumas passagens específicas sobre a responsabilidade para com a biodiversidade selvagem porém muito ainda ligado ao seu poten cial utilitário econômico deixando bem claro que é o bemestar humano a razão para a preservação da natureza Holland 2003 Em contrapartida é indiscutível que há certo componente moral e prudencial nas suas linhas Assume por exemplo que a pobreza é um mal em si e deve ser erradicada entretanto o relatório falha ao não reconhecer a significância da desigualdade tanto para a pobreza quanto para a problemática ambiental Nesse sentido uma importante linha de argumento é a forte ligação entre a equidade intrageracional e intergeracional mas muito embora assim seja seus pressupostos exibem com clareza que o desenvolvimento sustentável na ótica de Brundtland WCED 1987 é um desenvolvimento que sustenta o progresso econômico humano no futuro Holland 2003 A expressão desenvolvimento sustentável abri ga todavia certa ambiguidade qual um paradoxo que Shiva 1992 bem argumenta o crescimento e desenvolvimento tidos como criaturas do mercado a promover a cura para a crise desencadeada por eles próprios O termo sustentabilidade adentrou na teo 5 Existem caracterizações tão diversas que se opõem umas às outras dentro de algumas vertentes de pensamento econômico da sustentabilidade é possível distinguir correntes bem diferentes O exacerbado crescimento econômico nem sequer pode ser caracterizado como sustentável ainda que o seja corriqueiramente Desenvolv Meio Ambiente v 46 p 334356 agosto 2018 340 ria econômica em um momento em que desenvolvi mento era sinônimo de crescimento econômico O desenvolvimento assim entendido é insustentável pois enfraquece o sistema ecológico e acaba por destruir os meios de sustento da população humana especialmente os mais fragilizados e vulneráveis Assim aumentando a pobreza as desigualdades e as injustiças ao invés de reduzilas Shiva 1992 p 187 alega que o cres cimento com equidade e o crescimento com sustentabilidade acabam por ser tentativas de legitimar e perpetuar um crescimento econômico em um período de dúvida A economia de merca do segundo a autora influencia em grande medida as estratégias de desenvolvimento essas por sua vez resultam na destruição de outras formas de economia como a dos processos ecológicos e da sobrevivência da população humana mais fragili zada A negligência desses processos revela que o desenvolvimento é uma ameaça à integridade ecológica bem como à sobrevivência humana cujas fragilidades são representadas apenas enquanto externalidades negativas resultantes do processo de desenvolvimento portanto reduzidas a produtos da economia de mercado e do capital produzido pelo ser humano que representam os principais árbitros institucionais na modernidade Anteriormente às concepções modernas da economia a humanidade sustinhase diretamente do ambiente natural com uma conexão mais direta com a Natureza sustentandose através dela e sustentan doa em sua integralidade Shiva 1992 O sistema natural dantes considerado uma essência comum nas mãos da economia moderna e do mercado é um recurso passível à exploração humana para o acúmulo de capital levando inexoravelmente à es cassez da economia da natureza da sobrevivência e da sustentabilidade O desenvolvimento sustentável preserva segundo Shiva 1992 p 189 a assunção equivocada de que a economia definida pelo capital e pelo mercado é mais essencial para o bem estar humano que a economia da natureza e a economia da sobrevivência sendo assim a natureza encolhe na medida em que o capital cresce Ao passo em que o desenvolvimento susten tável é oferecido para a solução da problemática ambiental resultante do crescimento econômico perdese o real significado de sustentabilidade Shiva 1992 A concepção moderna de sustenta bilidade deve reconhecer que a natureza é o arrimo fundamental para a vida humana e nãohumana e as implicações do conceito de sustentabilidade passam pela proteção da integridade da natureza e de seus processos ainda que se queira preservar a boa vida humana Atendendo à noção de que o desenvolvimen to tem sido compreendido e estabelecido à luz do crescimento econômico o desenvolvimento sus tentável não deve ser diretamente identificável com a sustentabilidade isto é são expressões distintas Dower 2003 A sustentabilidade deve extrapolar a economia moderna e atender uma amplitude que corresponda à vida boa6 humana considerando as relações que a espécie humana expressa com ela própria seja em relação às gerações futuras pre sentes ou passadas com outras espécies e com a 6 Vida boa aqui se refere aos conceitos de Aristóteles como apontam Bina Vaz 2011 p 13 One strand of the modern revival of virtue ethics has to do with reconstructing the eudaimonia concept for contemporary purposes eudaimonia is an ancient Greek concept and central of Aristotles philosophy It meant the highest human good and therefore the main objective of life and of politics It has been translated as good life or human flourishing or happiness SILVA R M A influência do pensamento econômico na ideia de sustentabilidade e suas implicações para a percepção e a conservação do mundo atual 341 Natureza em geral Muniz 2013 Assim é preciso ter cuidado e clareza com a forma com que é usada a expressão sustentabilidade pois pode ser expres sada de maneiras diversas mesmo antagônicas Embora pressuponha um valor a sustentabili dade não representa um valor em si o que permite assumir que não representa uma coisa boa nem ruim Mas ainda assim é vista na sociedade como algo po sitivo independentemente das práticas e ideologias que subjazem ao conceito Portanto antes de tudo o que se deve questionar é o que deve ser sustentado Para quem deve ser sustentado Por quais razões De que modo Redclift 1987 Jamieson 1998 ONeill et al 2008 Becker 2011 O significado literal da sustentabilidade re lacionase à capacidade de manter algo através do tempo e de sua existência isto é uma ideia de continuidade Simpson Weiner 1989 Qualquer sistema é passível de ser sustentado pode ser um sistema natural como um ecossistema ou social como um sistema econômico pode ser uma enti dade como um ser vivo ou capital ou até mesmo um processo como é a evolução seja pela ação humana ou pelos próprios sistemas Afora a continuidade que não representa em si um valor reconhecemse segundo Becker 2011 outras dimensões da sustentabilidade nomeada mente o caráter orientador normativo e avaliativo e o caráter relacional a ver com as relações dos seres humanos entre si ambiente natural e outras espécies A sustentabilidade é orientadora enquan to é considerada guia fundamental para as ações decisões e interações na comunidade global para o delineamento do futuro comum da humanidade afirmada pelas agendas políticas internacionais A sustentabilidade é relacional pois expressase através de três constituintes relacionais funda mentais I relação dos seres humanos com seus contemporâneos II relação dos seres humanos com as gerações futuras III relação entre os seres humanos e a natureza Isso permite vislumbrar que inerente à sustentabilidade há uma componente éticofilosófica fundamental Becker 2011 É imprescindível que haja uma interação en tre essas características da sustentabilidade isto é entre a continuidade orientação e relação Se assim vislumbrada a sustentabilidade permite ampliar a cadeia das relações humanas contemplar as gera ções futuras e atravessar as fronteiras da espécie humana A sustentabilidade permite de tal modo refletir sobre quais responsabilidades obrigações e deveres os seres humanos possuem e indicar como agir diante de si e da natureza nessa complexa cadeia relacional Becker 2011 Muniz 2013 Longe de buscar uma nova dimensão ou uma unificação conceitual para a sustentabilidade a diversidade e complexidade do conceito nos leva a chamar a atenção sobre a forma com que este é empregado Isto pois a pouca atenção e a pouca reflexão sobre seu conceito resulta na e revela a insuficiência das práticas para a sustentabilidade corroborando o vazio conceitual atribuído ao seu conceito e igualmente às suas relações 3 O viés econômico da sustentabilidade A sustentabilidade trespassa todo o conhe cimento sobre a vida humana e seus processos de convivência e por isso atravessa os diversos seto res da sociedade Quando arrolada através do viés econômico se expressa sobretudo através de dois sentidos sustentabilidade fraca e sustentabilidade forte Desenvolv Meio Ambiente v 46 p 334356 agosto 2018 342 Considerando primeiramente a sustentabili dade fraca podese dizer que ela aceita a susbstitu tabilidade substitutability entre o capital natural pelo capital produzido pelo ser humano Enquanto que a sustentabilidade forte advoga que há limita ções para sua aceitação Estas perspectivas serão abordadas a seguir Em seguida será abordada a perspectiva que confronta a perspectivação da natu reza enquanto capital natural a sustentabilidade ab surdamente forte de Alan Holland 1997 Contudo inicialmente serão abordados alguns pressupostos conceituais sobre a substituibilidade que marca a alegada diferença existente entre as perspectivas econômicas referentes à sustentabilidade 31 Substituibilidade Constatase que houve uma relativa preocu pação da economia com o ambiente natural e sua resposta é a tentativa de computálo em termos econômicos bem como os impactos que sobre ele recaem Até então a forma mais consentida é a de encarar o mundo natural enquanto capital Embora bem distintas tanto a economia ambiental quanto a ecológica ambas tendem a valorar economica mente a natureza conduzindoa a um estatuto de capital natural Consequentemente a abordagem econômica sobre a problemática ambiental ainda cria apesar da perspectiva diferenciada da economia ecológi ca certo desconforto entre alguns ambientalistas Primeiramente assumir a natureza como um ca pital pode conduzir a uma má representação7 do comportamento humano relativamente à natureza e por conseguinte trai sua própria natureza e a própria natureza Nesta medida o ser humano é entendido como um aglomerado de preferências a serem satisfeitas e maximizadas a partir da natureza sendo esta considerada um aglomerado de recursos para satisfação humana o que constitui o valor econômico Deste modo o ser humano e a natureza são ho mogeneizados e grosseiramente simplificados Em segundo lugar a valoração econômica pode refletir a arrogância humana negligenciando os interesses e as preferências das entidades nãohumanas de monstrando a disposição humana a sobrevalorizar seus mais supérfluos interesses em detrimento das mais legítimas reivindicações nãohumanas Não obstante a maior arrogância é a crença de que o mundo limitase e identificase ao mundo humano desconsiderando o mundo natural Holland 1997 Uma vez que os impactos econômicos no ambiente natural podem ser mensurados economi camente segundo a perspectiva econômica vem à tona também a possibilidade de compensar tais impactos gerados É aqui que a substituibilidade co meça a se fazer notar na suposição de que o capital natural pode ser substituído pelo capital produzido pelo ser humano e compensar quaisquer danos para a natureza É importante salientar algumas diferen ças entre o capital produzido pelo ser humano e do capital natural 7 ONeill 1997 refere essa assunção como uma traição ao comprometimento humano em relação à Natureza e à natureza do ser humano Holland faz referência a esse tipo de traição Entretanto equipara tal traição a uma má representação do ser humano na sua relação com a Natureza como sugere a passagem The betrayal is of two kinds One is a betrayal mostly a misrepresentation of the human response to nature and therefore a betrayal of human nature The second is a betrayal again mostly a misrepresentation of nature itself Holland 1997 p 120 SILVA R M A influência do pensamento econômico na ideia de sustentabilidade e suas implicações para a percepção e a conservação do mundo atual 343 O capital produzido pelo ser humano compre ende todos os artefatos em geral e também o capital humano e social isto é as pessoas suas competên cias inteligência virtude entre outros Holland 2003 O capital natural compreende os chamados recursos renováveis e não renováveis produzidos e mantidos pelos processos naturais como o petróleo minerais plantas e animais reservas hídricas que são extraídos dos ecossistemas bem como os cha mados serviços ecossistêmicos GómezBagethum et al 2010 que fazem a manutenção climática que mantém a qualidade e a operacionalidade dos processos da biosfera atmosfera solo e ciclos hi drológicos etc incluindo o controle das reservas de água para consumo a assimilação de resíduos a regeneração do solo a polinização das plantações a provisão de alimento incluindo os advindos dos oceanos e a vasta informação genética Berkes Folke 1994 Portanto o capital natural tem a ver não apenas com os aspectos físicos naturais mas com a informação genética com a biodiversidade com os sistemas de suporte de vida e sumidouros Holland 2003 Essa caracterização do capital natural é fir memente baseada no grau de interesse humano Os recursos não renováveis acabam por ser con siderados capital natural apenas se extraídos dos ecossistemas Embora não haja clareza na definição de Berkes Folke 1994 de que para ser capital natural precisa ser extraído da natureza ou de que o material em si na natureza conta como capital natural fica implícito quase explícito que o que faz a água ser consumível é o fato de ser consumível por seres humanos e do mesmo modo quando se considera a deterioração da qualidade atmosférica é relativamente à representação dessa qualidade para o uso humano Isto é uma das problemáticas que se assentam no conceito de capital natural é a ideia implícita de que para ser capital requer uso e transformação pelo ser humano o que dificulta assinalar a diferença entre capital natural e capital produzido pelo ser humano Jamieson 1998 Em última instância todo capital produzido pelo ser humano advém da natureza e consequen temente se poderia dizer ao extremo que não há capital produzido pelo ser humano Entretanto a questão que se levanta é se haverá a possibilidade de se converter tudo que é natural em capital produzido pelo ser humano ou seja será possível sustentar a vida humana apenas alicerçada na sua produção Holland 1997 Obviamente não Solow 1974 argumenta em um contexto hipotético que o mundo poderia sustentarse sem os recursos naturais8 implicando em substituições entre capital produzido pelo ser humano e capital natural isto é nos recursos utilizados Holland 1997 nota que é preciso observar e analisar as ambiguidades em alguns critérios ou condições para a ocorrência da substituição entre capital produzido pelo ser humano e capital natural nomeadamente I o propósito II o grau de eficácia e III a ideia que se tem de capital natural e capital produzido pelo ser humano Primeiramente é preciso considerar sob qual pretexto se deve dar a substituição ou seja qual o seu propósito O argumento de que os elementos podem ser substituíveis ou substitutos requer pri meiro que se analise o que se quer manter depois de 8 Holland 1997 p 121 explica que se deve considerar dois aspectos fundamentais nas assunções de Solow 1 se dão em um contexto hipotético 2 quando Solow se refere a recursos naturais ele está se referindo apenas aos não renováveis Desenvolv Meio Ambiente v 46 p 334356 agosto 2018 344 substituído o elemento O capital humano é substi tuível pelo capital natural na medida em que preserva o grau e o tipo de benefícios dos quais os seres humanos obtêm do capital natural Holland 1997 p 122 Essa assunção não parece gerar a princípio conflitos no assunto da substituibilidade e consequentemente entre as sustentabilidades forte e fraca Entretanto quando se pretende averiguar a substituição do capital natural os conflitos são mais intrincados Visto de uma forma simples ao destruir uma floresta tropical com espécies endê micas tendo em vista a extração de madeira com o que se pretende substituir a mata ali presente I Por árvores artificiais II por quaisquer árvores que poderão suprir o interesse humano pela madeira III por árvores nativas entretanto não endêmicas IV pelas mesmas árvores nativas e endêmicas exploradas Nesse sentido se um capital natural particular é substituível pelo capital humano pode depender inteiramente do grau de precisão que é demandado na especificação do propósito Holland 1997 p 123 Quando se considera um elemento substituto não se supõe primariamente que tenha todas as propriedades do elemento a ser substituído Se assim fosse os conflitos seriam mais brandos O que se vislumbra geralmente é se um substituto é suficiente para o propósito mas mesmo que haja acordo sobre o propósito quão bom deve ser o substituto para que seja suficiente Holland 1997 Segundo este autor são as circunstâncias e o grau de tolerância à substituibilidade que determinarão as respostas Bastaria que fossem quaisquer árvores para repovoar a mata destruída ilustrada acima O fato de a substituição ter implicado inter venção humana mesmo que seja a substituição pela mata nativa endêmica pressupõese uma substi tuição por capital humano As árvores cultivadas9 pelos seres humanos devem ser entendidas enquanto capital natural ou capital produzido pelo ser hu mano Holland 1997 sugere que sejam ignoradas as respostas mais extremas pois podese analisar pouco delas Ora se assumir como capital produ zido pelo ser humano tudo aquilo que for afetado por quaisquer das suas intervenções é possível que até alguns pressupostos conservacionistas possam ser questionados como é o repovoamento de matas nativas com espécies endógenas Por outro lado se assumir enquanto natural qualquer coisa que tenha sido feita a partir de elementos naturais todo capital humano não seria humano mas sim natural Holland 1997 recorre à distinção entre matéria e forma presente na obra de Aristóte les Matéria e forma aplicamse tanto a elementos viventes quanto aos não viventes De acordo com Aristóteles tudo pode ser analisado a partir da forma isto é aquilo que é e da matéria ou seja daquilo que é feito Se aplicado esse critério aos elementos vivos um mundo cultivado pelas mãos humanas se encontraria talvez entre o mundo humano e o mundo natural Um gato domesticado preserva su ficientemente sua forma natural enquanto mantém características que lhe permitirão viver uma vida selvagem O que dizer do montado português que na medida em que para manterse tal como é requer constante permanente e necessária intervenção humana Embora seja um agroecossistema suas peculiaridades fazem deste um capital humano Ao 9 Holland 1999 p 63 também se refere ao capital natural produzido pelo homem como capital cultivado cultivated captial também chamado por outros autores de biodiversidade econômica e social de modo grosseiro todas as plantas cultivadas e animais domesticados SILVA R M A influência do pensamento econômico na ideia de sustentabilidade e suas implicações para a percepção e a conservação do mundo atual 345 passo que a sustentação do montado objetiva a ex ploração da cortiça e não o valor do ecossistema em si ou valor intrínseco ele é vislumbrado enquanto um capital natural ou humano E mesmo que fosse preservado pelo seu valor intrínseco que tipo de capital seria Existe uma série de discussões que não caberá discutir com maior profundidade aqui mas são elementos que precisam ser considerados nas assunções da sustentabilidade sobretudo no que diz respeito à transformação da natureza em capital seja ele natural ou produzido pelo ser humano o que será discutido adiante 32 Sustentabilidade fraca O debate acerca da sustentabilidade a partir do viés econômico acaba por ser bem caracteriza do pela distribuição dos bens ao longo do tempo para o bem estar das futuras gerações ONeill et al 2008 Mesmo o viés econômico da sustenta bilidade deveria ultrapassar a justa distribuição de bens entre as gerações humanas visando alcançar a justiça ecológica10 Baxter 2005 através do tempo bem como um novo entendimento do ser humano econômico Becker 2006 Murtaza 2010 Bina Vaz 2011 Mas é a distinção entre as duas formas de capital produzido pelo ser humano e natural que acaba por determinar as vias para a sustentabilidade a partir da perspectiva econômica Estas vias são a sustentabilidade fraca e a sustentabilidade forte O que as distingue fundamentalmente é o tipo de capital que se pretende sustentar para o futuro e até que ponto devem ser substituíveis o capital produzido pelo humano e o capital natural tendo que a substituição é uma questão complexa sem uma resposta determinista e definitiva Deste modo fica claro o imperativo da racionalidade instrumental e econômica na percepção da sustentabilidade A chamada sustentabilidade fraca é caracte rizada pela sustentação sem declínio do capital total compreendendo tanto capital natural quanto capital produzido pelo ser humano Pearce et al 1989 Essa versão da sustentabilidade está clara mente associada à tradição neoclássica e por isso à economia ambiental Isto porque defende que o que importa sobretudo é o bem estar humano não estar em declínio através do tempo Pearce 1994 Se assim desde que o bem estar humano seja assegurado à primeira vista segundo Jaco bs 1995 a sustentabilidade fraca advoga que o capital produzido pelo ser humano e o capital natural são infinitamente substituíveis na esteira de Solow 1974 que argumenta semelhantemente Beckerman 1994 afirma que desde que estejam tais capitais em equilíbrio não haverá declínio no bem estar humano A convicção dos economistas ambientais na substituibilidade da natureza justifica quaisquer esforços para sua valoração econômica sem que com isso se assegure necessariamente a manutenção da biodiversidade e da natureza em geral Ehrenfeld 198811 10 A justiça ecológica com fortes influências da ética ambiental argumenta pela obrigação moral da espécie humana em respeito às outras espécies As atividades humanas continuam a ameaçar a existência da biodiversidade colocando em causa as condições de vida também da humanidade Baxter 2005 11 Ehrenfeld 1988 afirma que um estudo demonstrou que it was economically preferable to kill every blue whale left in the oceans as fast as possible and reinvest the profits in growth industries rather than to wait for the species to recover to the point where it could sustain an annual catch Desenvolv Meio Ambiente v 46 p 334356 agosto 2018 346 Importa realçar que apesar da defesa específica pelo bem estar humano em detrimento da preserva ção do estado atual de capital natural constatase que mesmo na sustentabilidade fraca há limites para a substituibilidade Isto é a substituição não é sugerida incondicional e infinitamente pois é sabida a dependência da boa qualidade ambiental para o bem estar e sobrevivência humana ONeill et al 2008 Contudo isto não isenta a sustentabilidade fraca de alguns pontos críticos Inicialmente as referências aos bens ambientais sobre esta pers pectiva assim como vislumbrado na economia ambiental são limitadas aos aspectos estritamente econômicos associados à teoria neoclássica A destruição das florestas bem como a extinção de espécies poderia ser legitimada de alguma manei ra desde que o bem estar humano não entrasse em declínio e desde que houvesse substitutos viáveis para a biodiversidade com utilidade para a espécie humana Jamieson 1998 Está claro que a segurança da humanidade depende da proteção da biodiversidade e o curto prazo a eficiência e o interesse próprio priorizados por esta perspectiva levam invariavelmente ao comprometimento do estado do mundo natural Tietenberg 1992 prevê que é possível alcançar um estado estacionário mas com um possível cres cimento econômico a ser reduzido gradualmente com uma gestão adequada levando as gerações presentes e futuras a um estado equilibrado de sus tentabilidade o que ele chama de gestão da transição para a sustentabilidade managing the transition Contudo nesta abordagem aliada aos pressu postos do crescimento econômico com o rápido desgaste do ambiente natural para garantir não somente as necessidades mas as extravagâncias humanas acrescentandose o excessivo crescimento populacional são elevados os riscos da depleção irreversível do ambiente tendo como referência a sobrevivência humana Isto é a humanidade pode nunca ser capaz de alcançar tal estado estacionário proposto pela gestão de Tietenberg 1992 antes do seu desfalecimento A perspectiva de Tietenberg revela que a maio ria das pessoas estaria mais disposta a assumir uma transição mais lenta para o estado estacionário sem que o bem estar e a qualidade de vida tivessem que ser reduzidos Tietenberg 1992 parece acreditar que poderá existir concomitantemente um cresci mento econômico Contudo objetivar a sustenta bilidade através do bem estar em detrimento das fontes naturais manifesta pontos críticos relevantes Primeiramente levantase a questão bem estar para quem Para toda a espécie humana Ou apenas para os mais favorecidos De acordo com a econo mia ambiental que influencia em grande medida a versão fraca da sustentabilidade não parece haver implicações de justiça intrageracionais Enquanto as populações mais abastadas se privilegiassem tendo pouco reduzido seu bem estar em que ponto estariam as populações humanas mais frágeis e vul neráveis Talvez com menos ainda do que possuem considerando que o crescimento econômico gera ainda mais iniquidades e injustiças e por depen derem ainda mais intensamente das fontes naturais para sua sobrevivência Sob este ponto de vista a eficiência manifesta grande influência pois o agregado de bem estar acaba sobrepujando as considerações sobre a jus tiça e a equidade Existe uma assimetria entre as justiças intra e intergeracionais em que são sutis as extrapolações Nesse sentido outra questão que é colocada é sobre a mensuração do bem estar e SILVA R M A influência do pensamento econômico na ideia de sustentabilidade e suas implicações para a percepção e a conservação do mundo atual 347 sua extrapolação através do tempo A mudança das circunstâncias pode ser suficiente para que a teoria do bem estar seja inapropriada Holland 1999 Como estabelecer comparações entre o bem estar através de populações tão distintas Se no seio das nações sobretudo nos países em desenvolvimento as injustiças são tão marcadas traçando diferentes noções do bem estar e da qualidade de vida as difi culdades de se avaliar acentuamse entre as nações Quando se intenta extrapolar as discussões sobre o bem estar às gerações futuras os desafios são ainda mais intrincados Holland 1999 argumenta que o bem estar atual bem como a felicidade por exem plo é uma função de numerosas circunstâncias que não podem de modo realístico ser antecipadas e promovidas Também é importante realçar que os interesses de bem estar e satisfação são condicio nados pelo contexto econômico social e político e das instituições que prevalecem no tempo Holland 1999 Daly 1995 complementa argumentando que o bem estar das futuras gerações está além do controle e dos propósitos da atual geração pois segundo ele não há garantias nem obrigações em relação ao bem estar das gerações futuras mas com a capacidade de tais gerações de produzir a partir de um mínimo de capital natural Segundo o argu mento de Daly não há controle sobre o bem estar mas sim sobre os recursos e daí a importância no seu entender de sustentar o capital natural ideia que suporta a sustentabilidade forte Porém a versão forte da sustentabilidade embora seja mais alinhada aos pressupostos ambientalistas também apresenta lacunas Jamieson 1998 como será considerado adiante 33 Sustentabilidade forte Ao passo em que a sustentabilidade fraca afirma que o que importa ser sustentado é a soma entre os capitais desde que o bem estar humano não decline a sustentabilidade forte advoga que o que não deve sofrer declínio é o capital natural Pearce et al 1989 Beckerman 1994 Jamie son 1998 ONeill et al 2008 Os proponentes desta corrente da sustentabilidade são os mesmos simpáticos e defensores da economia ecológica compartilhando o pressuposto principal de que há limites para que o capital natural seja substituído pelo capital produzido pelo ser humano Nesse sentido a sustentabilidade requer que sejam mantidos as fontes naturais acima de um nível julgado crítico ONeill et al 2008 Os proponentes da sustentabilidade forte assim como os da sustentabilidade fraca também objetivam o mantenimento da capacidade humana de gerar bem estar No entanto defendem que para manter essa capacidade é necessário que o capital natural também não decline na medida em que o bem estar humano depende da boa sustentação das fontes naturais Holland 1999 Van den Bergh 2007 afirma ainda que o objetivo na versão forte da sus tentabilidade é que os capitais sejam sustentados separadamente Uma das razões para tal é a afir mação de Daly 1995 de que o capital produzido pelo ser humano e o capital natural são antes com plementares não substitutos O primeiro ponto que sustenta essa afirmação de Daly é a pressuposição da existência de capital natural para que possa existir capital produzido pelo ser humano enquanto que a existência de capital natural não pressupõe a existência de capital produzido pelo ser humano Desenvolv Meio Ambiente v 46 p 334356 agosto 2018 348 Mas pouco intercede a favor da complementaridade pois mesmo que haja uma pequena necessidade de capital natural para uma larga produção de capital humano a substituibilidade continuaria a ser a regra geral Jamieson 1998 Daly 1995 coloca ainda que a relação da substituibilidade é ou deve ser simétrica Isto é ambos capitais são substituíveis um pelo outro Ar gumentando pela complementaridade Daly coloca que os ancestrais humanos não precisariam ter pro duzido quaisquer artefatos em primeiro lugar Mas conforme aponta Holland 1997 nem sempre há um substituto disponível tais ancestrais poderiam ter criado um artefato por não haver um equivalente no mundo natural citando o clássico exemplo da roda e mesmo que houvesse um equivalente natu ral não se pode inferir que os seres humanos não estariam dispostos ou aptos a produzir um equiva lente quer fossem levados pela necessidade pela curiosidade ou pelo tédio Ainda segundo Holland 1997 não se pode ignorar que mesmo levados pela necessidade a produzir um bem este em si acaba criando novas necessidades visto que as neces sidades mudam com o evoluir das circunstâncias Jamieson 1998 aponta que o erro fundamen tal nessa suposição é de que a complementaridade e a substituibilidade não podem acontecer simultane amente Beckerman 1995 coloca que em determi nadas situações os bens podem ser complementares e ao mesmo tempo substitutos como acontece com a madeira e com o plástico Mas apesar da aborda gem descritiva presente na sustentabilidade forte o ponto a ser reforçado deve ser o normativo Ou seja de que não se deve considerar o capital produzido pelo ser humano enquanto substituto para o capital natural embora seja frequentemente considerado assim Jamieson 1998 Ainda assim a substituibilidade abordada pela sustentabilidade forte pode continuar nebulosa em certos aspectos Já que seu intento é o de preservar o capital natural parece que seria legítimo reduzir ou dizimar uma determinada espécie de uma região desde que fosse ela preservada ou promovida em outra Ora o capital natural continuaria a ser preservado ou até mesmo aumentado Já existem mecanismos e instrumentos econômicos tais como os biodiversity offsets12 para operacionalizar essas compensações de biodiversidade Os danos ambien tais e ecológicos causados por um empreendimento podem ser compensados através dos biodiversity offsets Existem offset banks que são os lugares nos quais são criados os projetos de compensações para se trocar por créditos de biodiversidade e con sequentemente compensar os danos gerados Bull et al 2013 Funcionam de forma muito semelhante aos mecanismos de compensação de carbonos e equivalentes para mitigação ou redução dos impac tos tardios das mudanças climáticas Waeber 2013 Esses mecanismos e instrumentos econômicos tem se tornado uma grande tendência na conser vação No Brasil tal se operacionaliza através das compensações de Reserva Legal flexibilizado pelas alterações do Novo Código Florestal O capital natural antes uma metáfora econômica uma abstração tornouse uma ideia chave em uma das principais instituições para a conservação da 12 O termo offset é frequentemente utilizado para denominar uma série de mecanismos e políticas também conhecidos como criação compen satória de habitat compensatory habitat creation bancos de mitigação mitigations banks bancos de conservação conservation banking bancos de habitat habitat banking bancos de biodiversidade biodiversity banking entre outros SILVA R M A influência do pensamento econômico na ideia de sustentabilidade e suas implicações para a percepção e a conservação do mundo atual 349 natureza e da biodiversidade no Brasil Portanto é de salientar que as políticas e regulamentações têm grande influência em como essas questões serão tra tadas mas a base conceptual importa sobremaneira para o estabelecimento dessas políticas Há ainda versões mais fortes da sustenta bilidade como a suportada pelo movimento da Ecologia Profunda que tende a defender que outras espécies além da humana têm direito à vida sendo únicas e insubstituíveis van den Bergh 2007 Uma implicação disso seria considerar ilegítimo dizimar uma espécie para que esta fosse promovida em outro lugar Essas considerações nos remetem às discus sões fundamentais da ética ambiental que caberão em outras discussões Beckert Varandas 2004 que certamente influenciariam outras formas de sustentabilidade talvez semelhantes à abordagem que será analisada a seguir Um relevante ponto crítico compartilhado por ambas as abordagens da sustentabilidade será revisto a seguir na sustentabilidade absurdamente forte Curiosamente foi através de um posicio namento pejorativo de Daly 1995 p 49 que o conceito começou a tomar forma tendendo a negar a capitalização da natureza revelando que o comprometimento da sustentabilidade deve ser com o mundo natural não com o capital natural Holland 1999 34 Sustentabilidade absurdamente forte A sustentabilidade forte afirma que há elemen tos naturais que não podem ser substituídos pelo capital humano A sustentabilidade fraca admite a substituibilidade desde que não seja reduzido o bem estar humano Entretanto ao aceitar que o declínio significativo dos elementos naturais compromete o bem estar humano a substituibilidade não é deter minista naquilo que difere as versões fraca e forte da sustentabilidade Holland 1997 O debate sobre a sustentabilidade existe sobretudo em função do declínio da qualidade e quantidade do ambiente natural ou visto por uma perspectiva econômica os benefícios que a humanidade obtém do capital natural estão em declínio A problemática ambiental não se reduz ao contexto econômico pelo que a economia será pouco capaz de oferecer a última resposta para a de vastação do ambiente natural A razão principal para a crise ambiental como apontam Holland 1997 e outros autores ONeill 1993 1997 ONeill et al 2008 não é o declínio do capital natural mas o desaparecimento do mundo natural O elevado crescimento populacional o consumo exacerbado as iniquidades de poder e a falta de discernimento éticomoral constituem entre outras variáveis as causas da supressão do ambiente natural A sustentabilidade forte difere da fraca não determinantemente pela substituibilidade mas especialmente pelas assunções e percepções bási cas vislumbradas em cada qual Se tiver em conta que os pressupostos da economia ambiental e da economia ecológica embebem as abordagens da sustentabilidade fraca e da sustentabilidade forte respectivamente as diferenças talvez fiquem mais evidenciadas A economia ecológica vem cumprindo um importante papel na tentativa de desvincular a problemática ambiental do viés neoclássico econô mico Contudo permanece a obsessão em valorar e capitalizar a natureza Ao admitir que a diferença entre as versões fraca e forte da sustentabilidade se apoia na maneira com que tratam o capital natural Desenvolv Meio Ambiente v 46 p 334356 agosto 2018 350 seria inapropriado proclamar a sustentabilidade como uma meta para acabar com a crise ambiental A teoria do capital natural pode ser traiçoeira e ambas as abordagem de sustentabilidade podem ser colocadas em questão ao invés de afirmadas pelo debate da complementaridade e da substituibilidade cujas diferenças segundo Holland 1997 tendem a ser exageradas Há suficientes incoerências no conceito de capital natural conceber a natureza enquanto ca pital não oferece aceitável proteção para o mundo natural O paradigma econômico tende a preservar a integridade de sua entidade o capital e na medida em a natureza é concebida como um capital deixa ela de ser natureza ONeill 1993 Holland 1997 Cabe relembrar que o capital natural é considerado em função dos interesses humanos e portanto mes mo que ele seja sustentado o mundo natural poderá continuar a desaparecer revelando desconsideração pela sua completude Se a sustentabilidade forte não é capaz de assegurar a preservação da natureza Holland 1999 afirma que este é um papel para a sustentabilidade absurdamente forte absurdly strong sustainability Holand 1999 declara que a sustentabilidade absurdamente forte alega que a natureza não deve ser substituída mesmo quando houvesse possibilidades de ser Daly 1995 define a sustentabilidade absur damente forte pejorativamente em resposta a um argumento de Beckerman 1995 como uma vertente em que nenhuma espécie poderia vir a extinguirse e nenhum recurso não renovável poderia ser utilizado não importando quão famintas estivessem as pessoas13 Beckerman 1994 p 194 anteriormente argumentou que um dos requisitos para a conservação seria preservar intacto o ambiente como o encontramos hoje em todas as suas formas Daly 1995 interpretou de for ma bastante literal a conservação vislumbrada por Beckerman como vimos acima Sendo assim uma representação absurda da sustentabilidade A defesa de Holland 1997 é que se preten demos esboçar uma versão forte da sustentabilida de ela deve revelar um comprometimento com o mundo natural o que as sustentabilidades fraca e forte não evidenciaram de forma consistente Não se pretende conservar o ambiente natural através de parâmetros estáticos se assim talvez fosse mais nocivo que benéfico pois sabese que os sistemas naturais bem como os humanos são dinâmicos e dependem dessa dinamicidade e elasticidade A con servação e preservação do ambiente natural devem pressupor isto minimamente em qualquer forma de sustentabilidade Obviamente não se pretende que as pessoas padeçam de fome pela conservação da natureza mas que esta seja preservada para além dos interesses humanos Isto sim é o que Holland 1997 argumenta ser um ideal da sustentabilidade absurdamente forte se afinal isto for absurdo A sustentabilidade é frequentemente encarada enquanto norma Newton 2003 Norton 2005 Becker 2011 mas não é um bem em si mesmo 13 Beckermans concept of strong sustainability however is one made up by himself in order to serve as a straw man In the literature weak sustainability assumes that manmade and natural capital are basically substitutes He got that right Strong sustainability assumes that manmade and natural capital are basically complements Beckerman completely missed that one He thinks strong sustainability means that no species could ever go extinct nor any nonrenewable resource should ever be taken from the ground no matter how many people are starving I have referred to that concept as absurdly strong sustainability in order to dismiss it so as to focus on the relevant issue namely are manmade and natural capital substitutes or complements That is really what is at issue between strong and weak sustainability Daly 1995 p 49 SILVA R M A influência do pensamento econômico na ideia de sustentabilidade e suas implicações para a percepção e a conservação do mundo atual 351 e segundo Jacobs 1995 não deve ser a única a guiar os princípios sobrepujando outras conside rações morais No entanto não devese afirmar que qualquer prática que pode ser julgada hostil aos interesses humanos seja imoral Holland 1997 Isto significa dizer que os interesses humanos são relativos não absolutos É relevante frisar que o mundo está cada vez mais ameaçado por danos causados pela humani dade Poluições multifacetadas perda de biodiver sidade secas e desertificação entre outras tantas mazelas e o fenômeno das alterações climáticas tende a aumentar ainda mais tais danos bem como as iniquidades entre os humanos Grande parte das gerações presentes está se apropriando de enormes quantidades das fontes naturais o que revela a forte injustiça e iniquidade em relação às gerações humanas futuras bem como às presentes e futuras gerações de entidades nãohumanas De fato a economia pode através da mensu ração fornecer certas informações que poderão ser úteis em devidas circunstâncias mas não é a valoração econômica o sustentáculo para colocar a humanidade no caminho correto Holland 1997 Não apenas pela imprecisão da valoração mas pelas assunções e percepções básicas da razão das instituições e da moralidade que sustentam a prática econômica atual 4 Considerações finais Buscouse com este trabalho demonstrar que o vislumbre da natureza estritamente pelo viés da economia moderna e suas variações economia neoclássica economia ambiental economia eco lógica influencia enormemente as concepções e abordagens da sustentabilidade Ao reconhecer a sustentabilidade enquanto processo fundamental para o trilhar da humanidade perspectivando o equilíbrio com a natureza não se deve passar por seus aspectos conceptuais despercebidamente fazse imprescindível uma reflexão mais sensível A sustentabilidade não se reduz ao seu viés econômico ela atravessa sistemas globais diversos que atuam sobre as sociedades regendoas e sendo regidos por elas através de uma complexa rede de interações Sendo assim os padrões de pensamento e ação bem como as instituições que conduzem as dinâmicas relacionais das sociedades são em grande medida condicionados pelas importantes estruturas globais como a ciência a tecnologia a política a educação e dentre outras a economia As relações humanas são assimétricas com plexas em suas especificidades As pessoas relacio namse umas com as outras através do globo por processos que elas mesmas tendem a desconhecer desde o alimento produzido aos aparelhos eletrôni cos descartados Becker 2010 A sustentabilidade atua nos níveis individual social e global que atravessam gerações humanas e nãohumanas cor roborando a necessidade de ser abordada de modo mais abrangente demandando apreciação ética É nesse ponto que Holland 2003 assinala que uma nova ética pode ser um dos ingredientes para um novo entendimento sobre o desenvolvimento tal como Leff 2004 também reflete sobre a ne cessidade de uma nova racionalidade A finalidade da economia assim como da sustentabilidade não deve ser o crescimento pelo crescimento No final dos anos 1960 Daly 1968 rebuscou a ideia da necessidade de um estado estacionário para a economia steady state economy Curiosamente no seio do utilitarismo uma espécie de estado es Desenvolv Meio Ambiente v 46 p 334356 agosto 2018 352 tacionário já fora vislumbrado por John Stuart Mill quando este coloca que é necessária uma condição estacionária do capital sem que haja estagnação no aprimoramento humano cultural moral e social14 Fica implícito que Mill 19091848 não idealizou apenas um futuro ideal através da utilidade e dos interesses pessoais egoístas como usualmente se pensa o utilitarismo mas vislumbrou a importância de um futuro que aporte o progresso cultural social e moral criando oportunidades para aprimorar a Arte de Viver Art of Living Jackson 2009 fala em prosperidade sem crescimento como uma necessidade para a huma nidade O conceito de decrescimento do francês décroissance por exemplo vai ainda mais longe ao argumentar que uma estado estacionário não é suficiente sendo necessária uma redução no meta bolismo social Kallis 2011 e ampara a afirmação de que o desgaste social advindo da trajetória eco nômica reducionista prepara um futuro arriscado perigoso e mesmo amoral imbuído de injustiças sociais ambientais e ecológicas o que invaria velmente trará danos para a natureza e também para os seus filhos presunçosamente desgarrados os humanos Latouche 2011 Requerse um cami nho que aproxime a ética da economia que possa ser vislumbrado pela sustentabilidade Contudo a ideia de uma nova economia isto é de um novo entendimento da economia na relação humana re quer uma outra lógica para o sistema que não seja a idolatria do desenvolvimento caracterizado por um crescimento pelo crescimento Latouche 2011 O pensamento econômico passou a tratar dos limites ecológicos e ambientais e o fez de formas di versas tanto perspectivado pela economia ecológica quanto pela ambiental Contudo foi o pensamento economicista15 que abraçou as questões sobre como os valores ambientais podem articular as escolhas de políticas públicas Não obstante foi a influência da corrente tradicional neoclássica que acabou por guiar as práticas valorativas da chamada economia verde Foster 1997 É verdade que a economia se tornou mais sensível mas assim também cresceu a dominância do economicismo sobre a metaeco nomia pensando nos aspectos humanos vitais e em suas relações com o mundo natural nãohumano Foster 1997 As metáforas econômicas como capital natural e serviços ecossistêmicos lançam ou tro olhar sobre a natureza aportando discursos e arranjos institucionais que aliados a dispositivos técnicoeconômicos postulam valores econômicos para pessoas e outras entidades Os excessos da va loração econômica levamnos a demarcar unidades monetárias para a Natureza identificandoa como uma mercadoria A mercadoria tem não só um valor de uso mas ao mesmo tempo um valor de troca associado Nesse sentido a valorização econômica 14 It is scarcely necessary to remark that a stationary condition of capital and population implies no stationary state of human improvement There would be as much scope as ever for all kinds of mental culture and moral and social progress as much room for improving the Art of Living Mill 19091848 p 69 15 O pensamento economicista envolve o pensar de maneira estritamente econômica centrado exclusivamente nas questões de produção e consumo no qual é fundamental o cálculo econômico e no que concerne à natureza deve ser tratada como um bem para ser considerado neste cálculo O pensamento economicista também pode tentar considerar outros elementos não econômicos Contudo para tal não reconhece um limite para o seu delineamento trazendo a natureza para consideração sob uma abordagem econômica Por exemplo os elementos naturais passam a ser abordados enquanto capital e serviços para serem considerados no âmbito econômico Schumacher 1973 Foster 1997 SILVA R M A influência do pensamento econômico na ideia de sustentabilidade e suas implicações para a percepção e a conservação do mundo atual 353 da natureza especialmente em termos monetários habilita sua transação tal como uma mercadoria qualquer evidenciando um caráter de fetichismo de mercadoria Marx 1867 O valor econômico da natureza também poderá influenciar sua percepção na lógica de mercado lançandoa na dinâmica da oferta e demanda e concebendo as dificuldades em torno dos conflitos ambientais como externalidades negativas As metáforas econômicas da natureza consolidam sua caracterização enquanto bem ca pital natural e serviço serviços ecossistêmicos econômicos Todo esse percurso da valorização da natureza não acontece isoladamente mas está inse rido em um projeto mais amplo o neoliberalismo sendo este um poderoso projeto político ideológico que influencia todo o trajeto global político cultu ral e econômico implicando igualmente na forma como o ser humano endereça suas relações com o mundo natural e seus valores constituintes A racionalidade econômica como Leff 2004 coloca utiliza de uma métrica que reduz a diversi dade ontológica e axiológica do mundo a valores uniformes quantitativos e objetivos que favorecem disseminação e incorporação do mercado nas esfe ras da sociedade A sustentabilidade absurdamente forte apela a uma nova racionalidade capaz de reco nhecer uma pluralidade de valores sintonizada com as possibilidades da sustentabilidade que transcen dem suas versões forte e fraca já tão influenciadas pela economia dominante Para seguirmos além do valor econômico é requerido repensar o papel da economia e redire cionála através da metaeconomia Schumacher 197316 Isto é através daquele pensamento econô mico que atribui nossa forma de pensar decidir e agir Confrontar a racionalidade econômica significa reconhecer e oportunizar uma nova razão tal como defende Leff 2004 uma racionalidade ambiental que emerge do questionamento da sobreeconomi zação do mundo construindo novos modos de vida que rearticulam as relações entre cultura e natureza Requernos reavaliar quais valores devem reger a economia quais valores reconhecer ao integrar o debate da degradação natural nas nossas escolhas sociais e econômicas como colocam Spash Aslaksen 2015 a transformação necessária rumo à sustentabilidade envolve respeitar a riqueza das relações humanas com a natureza Do mesmo modo Illich 1975 argumenta que o equilíbrio ecológico depende da capacidade das estruturas sociais de contrapor a contínua materialização dos valores isto é confrontar a apropriação técnicoeconômica dos diversos aspectos da vida Decisões complexas precisam ser tomadas e são infindas as variáveis sociais culturais am bientais materiais e morais que recaem sobre tais decisões Contudo não deveria ser a unidade mo netária orientada por critérios arbitrários típicos da economia neoclássica a derradeira orientadora das decisões humanas O que se deve aplicar é um apropriado julgamento prático a faculdade de discernir entre os valores que estão em jogo O valor monetário talvez possa assistir a sabedoria e o julgamento práticos mas não substituílos ONeill 1997 A sustentabilidade tornouse um conceito fundamental apesar das discordâncias quanto ao seu entendimento Entretanto uma sustentabilidade genuína deve fazer referência não apenas ao desen 16 Schumacher introduziu em 1973 uma distinção entre economia e o que ele chamava de metaeconomia uma distinção entre os processos econômicos e o que atribui o contexto desses processos respectivamente Desenvolv Meio Ambiente v 46 p 334356 agosto 2018 354 volvimento econômico mas ao desenvolvimento humano que seja compatível com suas intenções com aquilo que a humanidade julga apropriado para sua convivência não tão somente consigo mesma mas com as demais manifestações da vida no Pla neta Muniz 2013 As considerações morais e econômicas podem levar a diferentes direções A própria sensibilidade moral leva a caminhos distintos Holland 1999 Não obstante é preciso que seja enfatizado que de um lado a crise o ritmo e a extensão com que se dá a perda do mundo natural não é apenas uma crise econômica e por outro a perda da N atureza não é apenas a perda de um ideal romântico mas a perda da nossa própria história e da comunidade da vida da qual pertencemos Holland 1999 p 133 Agradecimentos O autor agradece pelas contribuições dos avaliadores anônimos Referências Barkin D Carrasco M E F Zamora D T La significa ción de una Economía Ecológica radical Revista Iberoame ricana de Economía Ecológica 19 114 2012 Baumgärtner S Becker C Faber M Manstetten R Re lative and Absolute Scarcity of Nature Assessing the Roles of Ecology and Economics for Biodiversity Conservation Ecological Economics 59 487498 2006 Baxter B A Theory of Ecological Justice London Rout ledge 2005 Becker C U The human actor in ecological economics Philosophical approach and research 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