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Sustentabilidade e Desenvolvimento
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estudos avançados 24 68 2010 81 Lucien Febvre costumava dizer a história é o homem eu por outro lado digo a história é o homem e tudo mais tudo é história solo clima movimentos geológicos Fernand Braudel apud Moore 2003 p431 Vozes da rua e mudanças epistemológicas história ambiental como campo historiográfico consciente de si mes mo e crescentemente institucionalizado na academia de diferentes países começou a estruturarse no início da década de 1970 a primeira socie dade científica voltada para esse tipo de investigação a american society for envi ronmental Histoy foi criada em 1977 a publicação de análises substantivamente históricoambientais no entanto algo bem diferente da simples proposição de influências naturais na história humana já vinha se delineando desde a primeira metade do século XX e em certa medida desde o século XIX Para refletir sobre a gênese e evolução desse campo de conhecimento é preciso levar em conta fatores sociológicos e epistemológicos o primeiro curso universitário1 de maior repercussão com o título de His tória ambiental foi ministrado em 1972 na universidade da Califórnia em santa Bárbara pelo historiador cultural Roderick nash que em 1967 havia publicado o livro Wilderness and the American Mind um clássico sobre a presença da imagem de vida selvagem na construção das ideias sobre identidade nacional norteame ricana ao explicar a concepção do curso apresentado como indicador de uma nova fronteira no ensino da História o autor deixou explícito que estava também respondendo aos clamores por responsabilidade ambiental que atingiram um crescendo nos primeiros meses daquele ano nash 19722 ou seja a voz das ruas teve importância na formalização da história ambiental um fator sociológi co que pode ser inferido de vários outros depoimentos É verdade que muitos historiadores ambientais se sentem desconfortáveis com a presença desse tipo de influência externa ao contexto propriamente aca dêmico ou simplesmente a rejeitam ela sugeriria uma politização da pesquisa ajudando a promover uma confusão espúria entre história ambiental e ambienta lismo Mas tal postura vai de encontro às teorizações frequentemente repetidas por Lucien Febvre e tantos outros sobre o fato de o historiador não estar isolado do seu tempo e sempre mirar o passado com as perguntas do presente Mesmo as bases teóricas da história ambiental José Augusto PáduA a estudos avançados 24 68 2010 82 considerando os cuidados necessários na separação entre ciência e política até onde elas possam ser separadas ao comentar o desenvolvimento recente da histó ria ambiental Peter Burke 2009 p349 lembrou que a história monetária tam bém foi estimulada pela crise inflacionária dos anos 1920 assim como a história demográfica pelo baby boom do póssegunda Guerra de toda forma é bastante evidente que o debate público vem desafiando os historiadores ambientais de forma direta ou indireta mesmo quando aparen temente negado em 1974 na apresentação do número especial sobre História e ambiente da revista Annales o editor emmanuel Le Roy Ladurie 1974 p537 fez questão de afirmar que não estava cedendo aos imperativos de uma moda pois desde longo tempo a revista havia escolhido se interessar pelos problemas de uma história ecológica ao afirmar a proposta de se ocupar do ambiente para isolar os verdadeiros problemas e recusar as facilidades de um discurso vulgariza dor no entanto ficava evidente o contraponto com o debate público e a presen ça subjacente dos problemas ambientais a emergência de um ambientalismo complexo e multissetorial a partir da década de 1970 dotado de alto perfil na cena pública global representou um dos fenômenos sociológicos mais significativos da história contemporânea ele pode ser considerado como um movimento histórico mais do que um movimento so cial que repercutiu nos diferentes campos do saber viola Leis 1991 p24 a ideia de ecologia rompeu os muros da academia para inspirar o estabelecimento de comportamentos sociais ações coletivas e políticas públicas em diferentes ní veis de articulação do local ao global Mais ainda ela penetrou significativamente nas estruturas educacionais nos meios de comunicação de massa no imaginário coletivo e nos diversos aspectos da arte e da cultura o avanço da chamada glo balização com o crescimento qualitativo e quantitativo da produção científico tecnológica e da velocidade dos meios de comunicação catalisou uma explosão de temas da vida e do ambiente na agenda política a discussão ambiental se tor nou ao mesmo tempo criadora e criatura do processo de globalização a própria imagem da globalidade planetária em grande parte é uma construção simbólica desse campo cultural complexo a pesquisa histórica vem revelando que a preocupação intelectual com os problemas ambientais esteve presente ao menos no mundo de expressão eu ropeia desde o final do século XvIII ocupando um lugar relevante no processo de construção do pensamento moderno Raumolin 1984 Grove 1995 Pádua 2002 a grande novidade das últimas décadas esteve na difusão desse tipo de debate para uma parcela muito mais ampla da esfera pública os saberes acadê micos foram desafiados e estimulados por tal movimento não é por acaso que nas últimas décadas organizaramse iniciativas de ensino e pesquisa em econo mia ecológica direito ambiental engenharia ambiental sociologia ambiental etc estabeleceuse um movimento de mão dupla em que as produções científicas influenciaram e foram influenciadas pelas ações públicas estudos avançados 24 68 2010 83 a cena política porém não é suficiente para explicar a emergência de um enfoque ambiental na pesquisa histórica os historiadores ambientais foram tam bém desafiados por movimentos internos ao mundo do conhecimento especial mente por importantes mudanças epistemológicas consolidadas no século XX mas que já estavam em gestação nos séculos anteriores em relação ao entendi mento do mundo natural e de seu lugar na vida humana três mudanças merecem particular atenção 1 a ideia de que a ação humana pode produzir um impacto relevante sobre o mundo natural inclusive ao ponto de provocar sua degradação 2 a revolução nos marcos cronológicos de compreensão do mundo e 3 a visão de natureza como uma história como um processo de construção e reconstrução ao longo do tempo o que caracteriza a discussão ambiental na cultura contemporânea não é a forte atenção para o tema da natureza ela sempre foi uma categoria central do pensamento humano ao menos na cultura ocidental desde a antiguidade não entrarei aqui na interessante discussão sobre a universalidade ou não do conceito de natureza de maneira geral na medida em que as sociedades humanas se territorializaram construindo seus ambientes a partir de interações com espaços concretos de um planeta que possui grande diversidade de formas geológicas e biológicas emergiram incontáveis exemplos de práticas materiais e percepções culturais referidas ao mundo natural a produção de um entendimento sobre esse mundo tornouse um componente básico da própria existência social Clarence Glacken 1967 em seu monumental estudo sobre a história das concepções intelectuais sobre a natureza no mundo ocidental da antiguidade clássica ao século XvIII constatou que virtualmente todos os pensadores foram obrigados a enfrentar o tema tendo por base três grandes indagações É a natu reza tal qual ela se apresenta na terra dotada de sentido e propósito Possui essa natureza especialmente o lugar onde cada sociedade habita uma influência sobre a vida humana Foi a realidade da terra em sua condição primordial modificada pela ação histórica do homem os resultados da investigação de Glacken deixam claro que as duas primeiras perguntas dominaram amplamente a reflexão filosófica e científica até o século XvIII tratavase de entender como a natureza influen ciava a história humana e não o contrário algumas elaborações sobre a terceira pergunta apareceram no que se refere aos melhoramentos da paisagem a partir das artes e do trabalho Mas o tema da capacidade da ação humana para degradar ou mesmo destruir o mundo natural é essencialmente moderno ibidem pviii a modernidade da questão ambiental da ideia de que a relação com o ambiente natural coloca um problema radical e inescapável para a continuidade da vida humana deve ser entendida em sentido amplo ela não está relacionada ape nas com as consequências da grande transformação urbanoindustrial que ganhou uma escala sem precedentes a partir dos séculos XIX e XX mas também com uma série de outros processos macrohistóricos que lhe são anteriores e que com ela se relacionam dentro do jogo de continuidades e descontinuidades que caracteriza estudos avançados 24 68 2010 84 os processos históricos É o caso da expansão colonial europeia e da incorporação de vastas regiões do planeta uma grande variedade de territórios e ecossistemas a uma economiamundo sob sua dominância e também da institucionalização da ciência como um modo privilegiado de entendimento do mundo com pretensão de universalidade e capacidade para estabelecer redes planetárias de investigação e troca de informações a proposta de comparar regiões produções naturais eco nomias e culturas de constituir um saber geográfico planetário é fundamental para entender a emergência de uma preocupação com os riscos da ação humana a própria ideia de colapso de destruição do futuro começa a aparecer nesse con texto Pádua 2002 as observações empíricas das consequências de uma ação humana devasta dora seja na europa seja no mundo de expansão colonial começaram a produzir denúncias contra o desflorestamento a erosão dos solos a sedimentação dos rios etc as pesquisas de Richard Grove 1995 demonstraram que os assentamentos europeus no mundo tropical incluindo o período posterior às independências se tornaram um espaço privilegiado para esse tipo de preocupação na medida em que a rápida transformação das áreas florestais em monoculturas e minas geravam modificações ambientais à flor da terra por assim dizer Mas tais observações empíricas não se tornariam tão evidentes sem modificações no plano da per cepção e do conhecimento a ciência iluminista começava a falar em sistemas naturais interdependentes na importância de cada espécie para a manutenção do todo natural na relevância das florestas para a conservação da umidade e da saú de do território um texto publicado em 1760 pelo naturalista sueco Lineu em conjunto com H Wilcke afirmava que a partir do que nós sabemos é possível julgar quão importante é cada uma das disposições da natureza de forma que se uma única função importante faltasse no mundo animal nós poderíamos temer o maior desastre no universo Linné 1972 p118 tais construções científicas se somaram ao nascimento da sensibilidade préromântica e romântica que es timulou uma nova valorização do mundo natural a partir da estética do sublime Pádua 2005 não se trata por certo de traçar uma linha direta entre a crítica ambiental que começava a aparecer nos séculos XvIII e XIX utilizando categorias e vocabu lários próprios da época e o fenômeno do ambientalismo contemporâneo não é o caso de buscar precursores Mas sim de analisar um movimento histórico mais amplo e difuso a construção da sensibilidade ecológica no universo da mo dernidade de toda forma o ponto fundamental no contexto do presente artigo é observar como naquele caldo de cultura aqui apresentado de forma muito bre ve começaram a aparecer reflexões históricas sobre as consequências ambientais do agir humano tais reflexões aliás vão ter uma presença mais marcante nos ensaios de naturalistas e pensadores políticos do que nos trabalhos das primeiras academias de história muito voltados para a trajetória de grandes personagens e estados nacionais um marco frequentemente mencionado foi o livro Man and estudos avançados 24 68 2010 85 nature or physical geography as modified by human action do diplomata norteame ricano George Perkins Marsh 1965 publicado em 1864 esse trabalho bastante concentrado no contexto europeu e mediterrânico procurava passar em revista as transformações provocadas pela ação humana desde a antiguidade na flora e na fauna nas florestas nas águas e nas areias tendo como eixo central a denúncia da destruição nas palavras sugestivas do autor estávamos quebrando o piso as vigas as portas e as janelas do nosso lugar de moradia Marsh 1965 p52 É possível encontrar exemplos interessantes desse tipo de percepção no con texto cultural brasileiro mesmo em momentos anteriores ao de Marsh José Bo nifácio de andrada e silva 1991 p172 por exemplo ao escrever em 1815 sobre o problema da perda de bosques em Portugal adotou uma perspectiva histórica ampla para afirmar que todos os que conhecem por estudo a grande influência dos bosques e arvoredos na economia geral da natureza sabem que os países que perderam suas matas es tão quase de todo estéreis e sem gente assim sucedeu a síria Fenícia Palestina Chipre e outras terras e vai sucedendo ao nosso Portugal a visão de que a forte aridez e desertificação de algumas regiões do orien te Médio foi ao menos em grande parte produzida pela ação humana na longa duração vem sendo corroborada por pesquisas recentes no campo da história am biental algo semelhante pode ser dito do território da Líbia antigo fornecedor de grãos para Roma o avanço do deserto foi impulsionado por práticas agrícolas destrutivas Hughes 1981 É interessante observar que mais tarde já de volta ao Brasil e no contexto pósindependência José Bonifácio de a e silva 1973 p103 retomou a leitura histórica dos problemas ambientais ao defender que a continuidade de uma agricultura escravista e tecnologicamente rudimentar aca baria por transformar o nosso belo Brasil em menos de dois séculos nos paramos e desertos áridos da Líbia o ponto essencial portanto não estava na mera constatação de exemplos históricos relativamente distantes mas sim na possibilidade de sua replicação onde quer que se adotem padrões semelhantes de uso destrutivo da terra um raciocí nio parecido para buscar outro exemplo será feito em 1860 pelo jurista cearense tomás Pompeu de sousa Brasil 1860 ao discutir o problema das secas na re gião ele adotou o mesmo enfoque histórico de grande amplitude a história aí está apresentando tristes documentos da verdade desta lei eterna de que o país mais fértil abundante e rico pode ser convertido em charneca estéril e solidão inabitável se a imprudência humana o desguarnecer das matas que fazem a condição da sua uberdade e a benignidade do seu clima era o caso entre vários exemplos por ele citados da destruição das matas do atlas na Berbéria que arruinaram a África do norte antigamente o celeiro da Itália o mesmo se dava no contexto da história local pois se compulsassem os documentos que existem sobre o estado físico do Brasil no tempo de sua descoberta no século XvI e nas diversas épocas da sua história e estudos avançados 24 68 2010 86 até pela simples comparação das porções do seu território aplicadas à cultura do açúcar com as que se desenvolveu a do algodão poderseia provar a influência que exerce a ação do homem sobre o clima das terras que habita e demonstrar a verdade deste princípio enunciado há quarenta anos por Fourier que a atmos fera é um campo suscetível de cultura ibidem p64 88 não é o caso de afirmar que esses autores estavam praticando uma histo riografia ambiental Mas uma percepção histórica sobre processos de mudança ambiental produzidos por uma interação entre fatores humanos e naturais estava sendo claramente delineada Muitos outros exemplos poderiam ser buscados den tro e fora do Brasil variações relacionadas com a mudança epistemológica mais ampla que foi mencionada antes o juízo de que a ação humana pode interferir no meio natural até mesmo provocando desastres um juízo que obviamente con tinuou se difundindo nos séculos seguintes atingindo uma presença inédita no tempo presente a história ambiental emergente no final do século XX no entan to é bem mais complexa do que um inventário diacrônico dos males infringidos pelos seres humanos ao planeta ela incorpora outras transformações teóricas que merecem ser discutidas com destaque até mesmo por desconstruírem a imagem fortemente dualista presente na frase anterior Natureza e humanidade como movimento e transformação o conceito grego de Physis depois traduzido para o latim como Natura está ligado à imagem de nascer surgir manifestar a palavra natureza segundo Raymond Williams 1983 p219 é provavelmente a mais complexa da lingua gem humana uma palavra que carrega através de um longo período muitas das maiores variações do pensamento humano sua definição clássica sintetizada por aristóteles é um exemplo de combinação entre simplicidade e poder conceitual apesar de fundada em um forte dualismo as coisas naturais seriam aquelas que existem por si mesmas no sentido de possuir em si mesmas o princípio do seu movimento e repouso elas incluem matérias configurações e formas que se apre sentam à percepção humana como natureza aristóteles 2002 p59 61 Quando o observador humano contempla a realidade da existência percebe que a esmagadora maioria das coisas que existem incluindo os fundamentos do edifício material que permite que elas existam não são criações humanas ou seja para o observador humano elas existem por si mesmas em termos tanto de ma terialidade quanto de organização as espirais das galáxias o sol a Lua a textura das plantas os ciclos da água a fisiologia dos organismos incluindo por certo o nosso próprio corpo mamífero e primata nada disso é criação humana ao me nos em sentido primário sua existência sua forma e seu movimento não surgiram a partir do nosso arbítrio o espanto da palavra natureza está em unificar conceitualmente as incon táveis manifestações de uma realidade extremamente complexa e diversificada produzindo uma aproximação entre o mais distante e o mais próximo do Big Bang ao gato da casa na história do pensamento ocidental ela veio assumindo estudos avançados 24 68 2010 87 um sentido cada vez mais vasto e inclusivo não apenas o conjunto das coisas e movimentos naturais mas também o caráter e a qualidade essencial de cada coisa e em um sentido ainda mais amplo a força inerente que dirige o universo Willia ms 1983 p219 Para o entendimento humano se é que se pode falar de forma tão genera lizada o conceito de natureza apresenta uma clara ambiguidade que passou por várias metamorfoses ao longo da história de um lado a ideia de natureza serve como uma espécie de eixo conceitual que dá sentido ao nosso entendimento do universo ela fundamenta a construção conceitual da experiência de que existe coerência ontológica no mundo em que vivemos Por sua vez a imagem de ser humano e de história humana se construiu em grande parte por oposição à natu reza arte versus natureza ordem social versus natureza técnica versus natureza espírito versus natureza etc em outras palavras um conjunto de oposições que procuram demarcar por diferenciação ou por identificação a especificidade do fenômeno humano em relação à natureza seja afirmando uma oposição e ruptura radical entre ambos seja entendendo o humano como uma qualificação especial no contexto do mundo natural esse quadro aqui apresentado de forma extremamente introdutória tor nouse ainda mais complicado mediante duas mudanças epistemológicas que vêm revolucionando o nosso entendimento da natureza e possuem implicações evi dentes para a história ambiental a primeira delas se refere a uma enorme rup tura dos antigos marcos cronológicos vale lembrar com Keith thomas 2001 p201 que no século XvIII a cronologia bíblica ao menos da forma como era interpretada nos meios eclesiásticos começou a sofrer fortes abalos o naturalista francês Buffon foi capaz de imaginar que a terra já existia uns 70 mil anos antes do aparecimento do homem um pouco depois por volta das primeiras décadas do século XIX os geólogos já pensavam o planeta na escala dos milhões não dos milhares de anos ora esses números servem mais que tudo para dimensionar a magnitude da revolução que está sendo mencionada Hoje se trabalha com uma história geológica de 45 bilhões assim como com uma história biológica desde o aparecimento da vida na terra de 35 bilhões de anos Mais ainda trabalhase com uma história cósmica a partir do chamado Big Bang de 137 bilhões de anos que teria resultado segundo estimativas recentes na existência de mais de 100 bilhões de galáxias cada uma delas contendo entre 100 e 200 bilhões de estrelas as ciên cias físicas e naturais não cessam de explodir seus limites gerando uma profunda mudança nos modos de entendimento do mundo Para ficar apenas no nosso campo de experiência imediata o planeta terra se revela cada vez mais como uma realidade antiga poderosa e diversificada que já sofreu gigantescas transformações biofísicas ao longo de sua trajetória Por ele já passaram inúmeras formas de vida das quais a espécie humana é uma das mais recentes Christian 2003 É irônico observar que nesse contexto intelectual revolucionário os mode los dominantes de pesquisa e o ensino da História insistem em se manter quando estudos avançados 24 68 2010 88 muito no que até o século XIX e ainda hoje em alguns círculos fundamentalistas pode ser definido como tempo bíblico da história um horizonte de seis mil anos a compreensível tradição de centralidade dos documentos escritos forte mente ligados aos estratos urbanos da experiência histórica da humanidade não pode mais servir como desculpa para uma atitude tão conservadora a antropolo gia biológica está situando a emergência da atual espécie humana Homo sapiens na escala dos 200 mil anos o fenômeno humano contudo de difícil definição talvez possa ser retrocedido para mais de dois milhões de anos antes do presente com a emergência do Homo habilis na África Central a história humana antes do aparecimento das primeiras civilizações dotadas de escrita exatamente o contexto do tempo bíblico é de longuíssima duração não é mais possível pensar a emer gência física mental e social dos seres humanos passando por transformações tão radicais como a adoção da agricultura e da sedentarização por volta de onze mil anos atrás através da nebulosa da préhistória a revolução cronológica nas ciências naturais produziu grande impacto epistemológico nos historiadores ambientais que vêm buscando metodologias que permitam investigar a história humana em um marco temporal mais amplo ou seja a repensar o lugar do ser humano no quadro mais amplo da história do planeta não se trata por certo de sempre trabalhar na longuíssima duração Podese fazer história ambiental de períodos relativamente curtos Mas sempre tendo em mente ao menos como pano de fundo a presença de grandes escalas na constituição dos fenômenos que estão sendo analisados seja no aspecto natu ral com as realidades biofísicas de cada região demarcada para um trabalho de pesquisa seja no da formação de populações e sociedades humanas que nela e com ela interagem a explosão cronológica vem sendo acompanhada por uma outra mudança epistemológica ainda mais instigante para o diálogo entre ciências sociais e ciên cias naturais a natureza se apresenta cada vez mais como algo em permanente construção e reconstrução ao longo do tempo distante da visão tradicional de uma realidade pronta e acabada que serviria de referencial estável para a agitação do viver humano Poderseia usar a imagem de uma peça de teatro em que o ce nário serve de contexto passivo para o dinamismo contido na movimentação dos atores a partir de certo momento porém o cenário começa a se movimentar e a se modificar de maneira intensa e surpreendente forçando o reconhecimento da sua presença ativa a peça passa a ser uma interação entre os movimentos do ce nário e os movimentos dos atores a diferença em relação ao contexto científico contemporâneo é que o cenário sempre esteve em movimento tendo a mudança ocorrido na percepção subjetiva dos atores William Mcneill 2001 um dos decanos da world history norteamericana escrevendo sobre as relações entre história e teoria evolucionista descreveu com certa ironia sua experiência pessoal diante das transformações epistemológicas recentes nas ciências naturais incluindo os diversos ramos da física segundo o estudos avançados 24 68 2010 89 autor no período da sua formação intelectual na década de 1930 elas ainda pareciam sólidas e duras em sua fundamentação teórica e capacidade de predi ção enquanto as ciências sociais especialmente a história eram fracas e tateantes em suas conclusões na virada do milênio o conjunto das ciências naturais vem assumindo posições cada vez mais abertas e soft em vez de hard produzindo a imagem de um universo dinâmico histórico ocasionalmente caótico no qual mudanças extraordinárias de estado acontecem de maneira imperfeitamente previsível e o papel do obser vador em moldar o que é observado se torna tão presente quanto a subjetivida de que sempre marcou a história e as ciências sociais a perspectiva da história nesse sentido vem crescendo no conjunto das ciências compartilhando perplexidades e limitações nesse contexto a difusão da visão de mundo evolucionária produz uma convergência entre as histórias cósmica terrestre biológica e humana todas fazendo parte de uma totalidade em permanente transformação ibidem p2 em outras palavras as formações da natureza estão sendo entendidas como configurações momentâneas de uma história de mudanças ao longo do tempo cujo destino final é desconhecido mesmo que muitas vezes elas pareçam infini tamente sólidas na sua temporalidade específica por existirem numa escala muito superior ao do limitado tempo social humano existe uma história bastante complexa na construção dessa mudança episte mológica cujos diferentes aspectos não poderiam ser elucidados no âmbito de um artigo3 em linhas gerais ela passa pela transformação da ideia de história natural de uma descrição organizada do mundo vivo segundo a tradição clássica para a visão da própria natureza como história a difusão da tese darwiniana no século XIX foi um passo fundamental acabando por influenciar o conjunto das ciências em certos aspectos de fato ela apresentou uma leitura radicalmente histórica e aberta da formação dos seres vivos além de explicitar o tema até hoje difícil da animalidade da espécie humana a árvore da evolução seria uma construção dos próprios seres vivos que em sua luta pela existência em ambientes específicos se ramificariam ou não em novas formas de vida um conjunto de pequenas variações na vida concreta portanto em vez de uma razão subjacente e superior estaria na base dessa vasta construção biológica norris 1985 p26 nessa perspectiva o próprio conceito de natureza poderia ser visto como quase metafórico em uma passagem da origem das espécies de 1859 darwin 1958 p88 chegou a afirmar que é difícil evitar a personificação da palavra natureza mas por natureza eu entendo apenas a ação agregada e o produto de muitas leis naturais e por leis a sequência dos eventos tais quais atestados por nós É importante observar no entanto que o entendimento das implicações científicas e sociais da obra de darwin nunca foi homogêneo desde o início fo ram feitas leituras bem mais fechadas e dogmáticas da tese darwiniana até mesmo valendose de passagens igualmente mais fechadas dos seus próprios escritos que estudos avançados 24 68 2010 90 não deixaram de pagar tributo aos preconceitos do seu tempo ainda mais em se tratando da Inglaterra imperial e vitoriana o evolucionismo foi usado posterior mente como fundamentação para reducionismos determinismos e racismos até mesmo por meio da ideia vulgar de que as formas biológicas se tornam superiores ao longo de uma escala de tempo uma imagem que pode ser considerada incom patível com o caráter aberto da tese darwiniana original4 o século XX porém testemunhou o aparecimento de novas formulações teóricas ainda mais surpreendentes que contribuíram para consolidar a ideia da irreversibilidade e da seta do tempo poderseia mesmo dizer da história como um componente fundamental no entendimento da natureza um marco radical nesse sentido está na visão muito recente formulada com mais propriedade a partir da década de 1940 de que o próprio universo antes visto como o bastião último da firmeza e solidez da natureza se manifesta mediante um processo de expansão e de transformação permanente tudo isso tem implicações teóricas profundas para um problema frequente mente lembrado quando se fala de história ambiental a ameaça do determinismo geográfico ou ecológico ora a longa tradição que fala das determinações da natureza especialmente do clima sobre a vida social calcavase exatamente em visões fixas e definidas das suas manifestações desde as primeiras formulações de Hipócrates no século v aC que no livro Ares águas e lugares atribuiu a superio ridade do modo de vida europeu em relação ao asiático à influência das condições naturais o pano de fundo do determinismo baseouse na presunção de uma firme estabilidade dessas condições arnold 1996 p15 ocorre que a meteo rologia contemporânea com seu enfoque historicizante e suas investigações de longa duração revela que o clima de cada região sofre grandes variações no curto e no longo prazo o mesmo pode ser dito da vegetação e de outros componentes do mundo natural dito de outra maneira ao dialogar hoje com as ciências naturais a his tória ambiental se situa em um contexto teórico muito diferente daquele que alimentou as formulações deterministas do passado sem falar na herança teórica de toda a crítica interna produzida nas ciências sociais em relação aos riscos dos reducionismos geográfico biológico etc as ciências naturais adquiriram maior sofisticação teórica calcandose em finas metodologias ecológicas radicalmente abertas e interativas os sistemas naturais se autoorganizam por meio da constan te interação entre todos os seus elementos bióticos e abióticos o caminho é feito ao andar para lembrar o belo verso de antonio Machado as consequências de tal interação por sua vez são abertas podendo no limite levar ao colapso ou então à emergência de formas mais resilientes de organização a presença do caos do acaso e da contingência ganha força nas análises a própria ideia de adap tação vem sendo questionada por sua rigidez analítica com o fortalecimento de conceitos como coevolução e mútua construção de nichos entre outros Jantsch 1980 Maturana varela 1987 Prigogine stengers 1985 a visão estudos avançados 24 68 2010 91 de uma natureza em permanente movimento e transformação ao longo do tem po obviamente não favorece a capacidade de persuasão de teorias deterministas mesmo que elas ainda possam existir nos quadros do grande politeísmo teórico da atualidade É nesse ambiente teórico renovado na virada do século XX para o XXI que a história ambiental procura repensar na definição de elinor Melville e Guillermo Castro as interações entre os sistemas sociais e os sistemas naturais e as consequências dessas interações para ambas as partes ao longo do tempo Castro 2007 Natureza e cultura na experiência histórica por uma visão menos dualista o aparecimento da história ambiental consciente de si mesma está ligado a uma ausência da dimensão biofísica em boa parte da historiografia contemporânea ainda existe de fato uma presença muito forte do enfoque que já foi chamado de flutuante no sentido de a humanidade flutuar acima do planeta como se os seres humanos não fossem animais mamíferos e primatas seres que respiram e que precisam cotidianamente se alimentar de elementos minerais e biológicos existen tes na terra Como se não fossem em verdade seres que mais do que estabelecer contatos pontuais vivem por meio do mundo natural dependendo dos fluxos de matéria e energia que garantem a reprodução da atmosfera da hidrosfera da biosfera e assim por diante Mesmo que na sutil observação de alfred Crosby 1995 p1177 a presença dos humanos nos ecossistemas ocorra na maior parte das vezes de maneira distraída o reconhecimento desse fato contudo seria simplório e vulgar se não reconhecesse também as outras dimensões do fenômeno humano incluindo a realidade de que o ser humano histórico está tão inescapavel mente imerso na cultura e na linguagem quanto na ecosfera terrestre em um texto de 1944 comentando o livro Les bases biologiques de la géogra phie humaine de Maximilien sorre Fernand Braudel 1992 p144 151 discutiu o exercício fascinante de pensar o homem em sua simples materialidade animal em sua condição de homeotermo de pele nua em seu lado elementar de ser biológico sensível ao quente ao vento ao frio à seca à insolação à insuficiente pressão das altitudes ocupado incessantemente em pro curar e em assegurar sua alimentação obrigado a defenderse enfim sobretudo hoje em que se tornou consciente do perigo contra as doenças que o seguem por toda parte um tipo ideal que nos desafia por apresentar um aspecto fundamental e tantas vezes esquecido voluntária ou involuntariamente da realidade humana Mas um aspecto que não é suficiente que não conta a história completa Pois o ser humano visto dessa maneira é uma abstração que ignora o homem na sua complexidade em toda a espessura de sua história em toda a sua coesão social ibidem o grande desafio teórico no contexto da contemporaneidade é pensar o ser humano na totalidade tensa e complexa de suas dimensões biológica e socio estudos avançados 24 68 2010 92 cultural um desafio mantido na obscuridade pela dominância do enfoque flutu ante na historiografia se bem que tal dominância até pelo fato de a historiografia não ser um bloco homogêneo não deve ser exagerada alguns historiadores fo ram capazes de produzir ao longo do século XX mesmo no Brasil análises que incorporaram os fatores biofísicos no coração da análise histórica e que hoje estão sendo recuperadas na genealogia da história ambiental o presente artigo não pretende fazer uma história da historiografia ambien tal Mas de maneira muito introdutória no período anterior à década de 1970 podemse mencionar algumas áreas que estimularam reflexões de base ambiental a historiografia de regiões como no caso de Nordeste de Gilberto Freyre e de o Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II de Fernand Braudel e a historiografia da formação de fronteiras de expansão territorial como no caso de the great plains de Walter Prescott Webb Caminhos e fronteiras de sérgio Buarque de Holanda e the grassland of North América de James Malin al guns outros trabalhos da diversificada produção da escola dos analles francesa são sempre mencionados especialmente La terre et lévolution humaine de Lucien Febvre Les caracteres originaux de lhistoire rurale française de Marc Bloch e Histoire du climat depuis lAn Mil de emmanuel Le Roy Ladurie Grove da modaran 2009 chamaram a atenção para a necessidade de ir além da produção especificamente historiográfica mencionando a relevância de geógrafos históri cos do século XX como Carl sauer H C darby e Gordon east na construção de um diálogo fecundo entre história e ecologia um seminário interdisciplinar ocorrido na universidade de Chicago em 1955 também marcou época dando origem ao volume coletivo Mans role in changing the face of the Earth organiza do por William thomas Jr apesar desses esforços porém a dominância do enfoque flutuante não pode ser negada em parte ela se constituiu como reação à forte presença do de terminismo geográfico e biológico no pensamento social da passagem do século XIX para o XX Podese dizer que os cientistas sociais do período posterior muitas vezes não se deram conta das fortes mudanças epistemológicas pelas quais pas savam as ciências naturais e sua compreensão do seja a natureza É preciso levar em conta além disso a robusta elaboração teórica culturalista que ganhou força no conjunto das ciências sociais sem nunca obscurecer totalmente os enfoques mais radicalmente materialistas no campo da antropologia como afirmou com certa ironia Walter neves 1996 p13 os eixos da antropologia da barriga e da antropologia da pensée que também poderíamos chamar da pança e do pen samento seguiram trajetórias paralelas e muitas vezes conflituosas a experiência de muitos historiadores que hoje trabalham com a dimen são ambiental compartilhada por antropólogos economistas e demais cientistas sociais que adotam o mesmo enfoque é justamente a da necessidade de buscar formas menos dualistas de estudo das relações entre cultura e natureza já que o não dualismo é um tipo ideal de realização analítica quase utópica as pesquisas estudos avançados 24 68 2010 93 de campo e as transformações na vida social contemporânea estimulam a busca por essas novas perspectivas Como afirmou eduardo viveiros de Castro 2002 p320 refletindo sobre a questão da amazônia essas novas imagens da natureza e da sociedade se formam em um contexto histórico marcado pela sinergia entre abordagens estruturais e históricas por uma tentativa de superação de modelos explicativos monocausais naturalistas ou culturalistas em favor de uma apreensão mais nuançada das relações entre sociedade e natureza elas indicam além disso a esperança de uma nova síntese que seja capaz de vir integrar o conhecimento acumulado pelas diversas disciplinas ibidem a busca por essa apreensão mais nuançada requer o reconhecimento do sentido profundo do culturalismo a literatura teórica em história ambiental vem chamando atenção para a necessidade de ao enfatizar a relevância do mundo biofísico não cair na falácia de considerar que este se apresenta de forma direta positiva e imediata à percepção humana o ser humano age sempre a partir de sentidos e compreensões estando imerso na linguagem nos mecanismos de cog nição e na presença de visões culturais historicamente construídas a apropriação dos recursos da natureza e a valoração das paisagens nesse sentido possuem uma clara historicidade Cronon 1996 asdal 2003 Basta lembrar que o ouro não possui valor econômico universal sendo irrelevante por exemplo para os grupos indígenas que cruzavam o território da atual serra do espinhaço antes da chegada dos europeus Para estes últimos ao contrário sua centralidade motivou esforços e sacrifícios consideráveis no estabelecimento da mineração colonial as praias por sua vez não são universalmente consideradas espaços de beleza e saúde no Brasil monárquico de maneira geral elas eram desprezadas pelas elites urbanas não obstante esse reconhecimento seria igualmente falacioso esquecer que o ouro e as praias não são criações humanas em sentido primário e que ademais sem a sua existência material também não existiriam as suas dimensões perceptiva e cultural no acontecer da vida social na vida vivida que a história procura imper feitamente reconstruir todos esses elementos se encontram profundamente uni dos e mesclados na experiência coletiva uma via teórica fascinante na busca por leituras menos dualistas se abre quando a ecologia da autoorganização afirma que a tese culturalista de que os seres humanos constroem o mundo a partir da sua percepção e da sua cultura deve ser ampliada em dois sentidos em primeiro lugar os humanos não constroem seu mundo apenas por meio do pensamento mas também por meio do corpo e do conjunto do organismo o conjunto do organismo está presente na construção da subjetividade em segundo lugar algo semelhante pode ser dito de todos os seres vivos pelo menos a partir de certo nível de complexidade todos esses seres constroem o seu mundo a partir da ex periência envolvendo organismo e percepção mesmo que o domínio da lingua gem e da cultura com a amplitude e as características sintéticas observadas no ser estudos avançados 24 68 2010 94 humano não esteja presente Cada ser constrói o seu mundo e o mundo coletivo se constrói por meio de uma trama complexa de interações e interdependências Maturana varela 1987 o fio da navalha teórico no caso das ciências sociais está no reconhecimen to dessa pluralidade de dimensões naturais e culturais que de alguma forma se resolvem e encontram seu sentido na prática coletiva dos seres humanos a insis tência no dualismo falha em compreender as nuanças de um movimento altamen te dinâmico as pesquisas de campo e as transformações sociais contemporâneas convergem no sentido da busca de teorizações mais abertas Cada vez se percebe mais a presença da história humana na constituição de paisagens naturais ao mesmo tempo notase a forte diversidade das formas de percepção cultural do mundo biofísico e de sua relação com a vida humana seja em sentido diacrônico seja em sincrônico no mundo industrial avançado por sua vez as novas tecno logias penetram nos processos da natureza de forma impensável no passado seja do ponto de vista epistemológico seja do ponto de vista político a percepção da unidade viva entre sistemas naturais e humanos se torna cada vez mais necessária um horizonte teórico nas palavras de dois antropólogos que estão na linha de frente desse esforço de renovação conceitual em que estados e substâncias são substituídos por processos e relações a questão central não é mais como objetivar sistemas fechados mas sim como dar conta da diversidade mesma dos processos de objetivização descola Pálsson 1996 p12 É nesse contexto que a história ambiental como bem afirmou donald Wors ter 1991 p199 deve ser vista não como uma redução e sim como uma amplia ção da análise histórica ela leva adiante o movimento observado desde o final do século XIX no sentido de expandir as temáticas e dimensões da historiografia para além da história dos estados e dos grandes personagens um movimento que se manifestou na história econômica na história social na microhistória etc não se trata portanto de reduzir a análise histórica ao biofísico como se esse aspecto fosse capaz de explicar todos os outros mas de incorporálo de maneira forte junto com outras dimensões econômicas culturais sociais e políticas na busca por uma abordagem cada vez mais ampla e inclusiva de investigação histórica o crescimento acadêmico recente da história ambiental ao menos em parte se explica exatamente por sua capacidade concreta para ampliar a análise histórica e trazer novas perspectivas para o estudo de antigos problemas historiográficos Para realizar esse programa mesmo que com as limitações sempre presentes na escrita da história as propostas mais fecundas têm sido aquelas que procuram definir a história ambiental como um esforço para trabalhar analiticamente de forma aberta dinâmica e interativa três dimensões básicas que se mesclam na experiência concreta das sociedades arthur Mcevoy 1986 em seu estudo sobre as indústrias pesqueiras na Califórnia sintetizou esses três níveis por meio das pa lavras ecologia relações econômicas e cognição humana em um artigo clássico de 1988 publicado no Brasil em 1991 onde procurou sintetizar os principais estudos avançados 24 68 2010 95 elementos do fazer história ambiental Worster 1991 elaborou com mais pro fundidade esses três níveis que vale repetir precisam ser percebidos em conjunto em suas interações mútuas e múltiplas linhas de causalidade o primeiro deles se relaciona com a natureza propriamente dita orgânica e inorgânica incluindo o organismo humano em sua relação com os diferentes ecossistemas o historiador deve estar atento nesse aspecto às transformações do mundo biofísico ao longo do tempo buscando reconstituir os ambientes do passado que se relacionem com os lugares e períodos históricos que estão sen do estudados a perspectiva interdisciplinar é aqui fundamental já que sem o diálogo com as ciências físicas e naturais tal esforço de reconstituição se tornaria inviável nesse diálogo porém é importante perceber a historicidade e diversida de teórica das várias ciências para que sua incorporação ocorra de maneira crítica e contextual a leitura histórica dos fatores ecológicos do primeiro nível que aqui está sendo discutido apresenta muitas nuanças interpretativas a visão apresentada por Fernand Braudel 1995 p25 em 1949 por exemplo sobre uma história quase imóvel que é a do homem nas suas relações com o meio que o rodeia uma história lenta de lentas transformações muitas vezes feita de retrocessos de ciclos sempre recomeçados em contraposição à maior velocidade dos movimentos sociais e individuais vem sendo cada vez mais criticada apesar de possuir o mérito da inclusividade dando status de objeto histórico às montanhas planícies praias e ilhas da região ela peca pela visão excessivamente estática do biofísico em sua interação com as ações humanas a diversidade da pesquisa contemporânea em história ambiental está revelando situações de ruptura de catástrofe e de mu danças intensas no âmbito dessa relação tanto na curta quanto na longa duração arnold 1996 p44 o segundo nível diz respeito à constituição socioeconômica das sociedades em sua interrelação necessária com determinados espaços geográficos Por influ ência direta de Marx Worster utilizou o conceito de modos de produção aler tando para a necessidade de compreendêlos mediante uma perspectiva histórica e antropológica ampla incluindo em sua conexão estreita com os fatores ecológicos a cultura material os meios tecnológicos a segunda natureza produzida pela ação humana inseremse nesse nível de análise É nesse plano também que James oConnor 1997 elaborou sua leitura marxista da história ambiental chamando atenção para o conceito de condições de produção para além das formas de propriedade e das relações de produção e para as contradições presentes no mo vimento de mercantilização imperfeita do trabalho da terra e da natureza o terceiro grande nível mencionado por Worster finalmente diz respeito às dimensões cognitivas mentais e culturais da existência humana incluindo cos mologias ideologias e valores o comportamento social dos seres humanos em relação ao mundo natural assim como a própria estruturação socioeconômica da vida coletiva passa pelas visões de natureza e dos significados da vida humana estudos avançados 24 68 2010 96 Podese dizer em sentido inverso que as manifestações culturais não ocorrem isoladas do mundo vivo valendose frequentemente de elementos da biodiversi dade e da experiência física no planeta ou melhor dizendo de lugares específicos do planeta na constituição da linguagem e das categorias de entendimento na experiência histórica concreta para lembrar belas palavras de Claude Lévistrauss 1986 p173 cabe recusar o divórcio entre o inteligível e o sensível decretado por um empirismo e um mecanicismo fora de moda e descobrir uma secreta harmonia entre esta pesquisa do sentido a que a humanidade se entrega desde que existe e o mun do em que ela apareceu e onde continua a viver um mundo feito de formas de cores de texturas de sabores de odores É essencial no entanto evitar o anacronismo e a pretensão de que os in divíduos do passado possam ser cobrados em razão de categorias tão modernas quanto são ecologia sustentabilidade impactos da ação humana etc É preciso entender cada época no seu contexto geográfico social tecnológico e cultural É evidente como já foi dito que a questão ambiental só vai aparecer em um momento bastante recente da trajetória humana Mas podese dizer que as re lações ambientais já estavam presentes sendo percebidas ou não segundo os padrões culturais de cada período não se trata portanto de projetar categorias ambientais e ecológicas do presente no passado mas sim de utilizar essas catego rias com o devido cuidado para pensar a existência de sociedades pretéritas ou então como na formulação de alfred siemens 1999 de extrair ecologia de documentos do passado que obviamente não tinham esse sentido ou essa justi ficativa tudo se resume na verdade no exercício de qualificação retrospectiva drouin 1991 p73 que constitui uma condição geral e um dilema da própria análise histórica a história ambiental apresentase hoje como um campo vasto e diversificado de pesquisa diferentes aspectos das interações entre sistemas sociais e sistemas naturais são esquadrinhados anualmente por milhares de pesquisadores a produ ção atual engloba tanto realidades florestais e rurais quanto urbanas e industriais dialogando com inúmeras questões econômicas políticas sociais e culturais no andamento concreto dessas pesquisas vários problemas teóricos de micro médio e longo alcance costumam aparecer Leibhardt 1988 não existiria espaço para apresentar aqui o conjunto dessa literatura ainda mais em se tratando de um artigo sobre as bases teóricas e não sobre as teorias da história ambiental5 a pesquisa em história ambiental de toda maneira até pelo próprio fato de ser ambiental não costuma se fazer na abstração das teorias puras mas sim nas contradições de lugares e experiências vividas na maioria das vezes ela se dá por meio de recortes geográficos e biofísicos concretos uma região florestal uma ba cia hidrográfica uma cidade uma zona agrícola etc drummond 1991 p181 o ponto teórico essencial de qualquer forma se encontra na necessidade de combinar de maneira aberta e interativa os três níveis mencionados antes É estudos avançados 24 68 2010 97 claro que não se trata de uma tarefa fácil6 existe por exemplo a tendência de focalizar um nível em detrimento dos outros Mas de maneira geral creio que a história ambiental vem sendo bemsucedida em construir metodologias que combinem as diferentes dimensões da experiência histórica na introdução de um dos livros fundadores da investigação históricoambiental Le Roy Ladurie 1991 p15 34 protestou contra o antropocentrismo dos primeiros historiadores do clima que sempre pretendiam examinálo em relação com a vida humana ocorre que o clima poderia também ser estudado por si mesmo como uma história sem homens na medida em que é uma função do tempo varia está sujeito a flutu ações É objeto de história na sequência da investigação na medida em que sua relação com a vida humana fosse analisada estarseia diante de uma ecologia do homem de uma verdadeira história ecológica7 em uma leitura algo diferente da visão do historiador francês mesmo que compreendendo o seu ponto de vista penso que o segundo momento é exatamente aquele em que a pesquisa histórica se torna mais fecunda a história ambiental como ciência social deve sempre incluir as sociedades humanas Mas também reconhecer a historicidade dos siste mas naturais o desafio repetindo é construir uma leitura aberta e interativa da relação entre ambos tal postura aberta deve significar em sentido fundamental o abandono da visão catastrófica e do homem devastador que a voz das ruas costuma exigir simon schama 1995 p134 já havia criticado o fato de a história ambiental apesar de oferecer algumas das mais originais e desafiadoras histórias que hoje estão sendo escritas prenderse excessivamente na análise da destruição quando as relações entre sociedade e natureza podiam também ser construtivas e criado ras especialmente no que se refere aos vínculos culturais Hoje é possível observar uma mudança nesse quadro as relações destrutivas eou construtivas devem aparecer no próprio andamento da análise sem leituras preconcebidas ou estereotipadas outro ponto central se refere ao problema das influências e determinações causais as visões fechadas e reducionistas não mais se sustentam dizer que a natureza sempre determina a vida social ou viceversa não nos leva muito longe o importante é permanecer atento e aberto em cada situação de pesquisa em certas situações os fatores biofísicos são decisivos em outras a tecnologia ou as visões de mundo podem ser decisivas em todas as situações no entanto o biofísico o social e o cultural estão presentes nos diferentes casos o que se percebe são sistemas abertos e que se modificam no andamento da história os próprios relacionamentos entre todos os componentes da interação onde todos são relevantes mesmo que em diferentes níveis constroem destroem e recons troem inúmeras formas materiais e culturais no sentido mais profundo o desafio analítico é o de superar as divisões rígidas e dualistas entre natureza e sociedade em favor de uma leitura dinâmica e integrativa fundada na observação do mundo que se constrói no rio do tempo estudos avançados 24 68 2010 98 notas 1 É verdade que a expressão já vinha sendo usada ocasionalmente em um sentido bem distinto e estritamente técnico por geólogos e arqueólogos um curso com o título de História ambiental além disso foi dado na universidade de Londres em 1969 por Henry Bernstein um historiador econômico especializado na questão da navegação a vapor na Índia incluindo o uso de lenha etc Grove damodaran 2009 p25 Mas foi uma iniciativa isolada sem maiores desdobramentos teóricos 2 o ano de 1972 na esteira dos debates e das mobilizações públicas que cresciam desde a década anterior foi marcado pela realização da primeira Conferência das nações uni das sobre o ambiente Humano em estocolmo McCormick 1995 p119 3 Para uma boa análise ver Bowler 1992 4 Por esse motivo alguns autores preferem usar o termo evolucionário no sentido de que as coisas nascem umas das outras a partir de movimentos concretos diferenciando se da visão evolucionista vulgar de que necessariamente existe uma melhora ao longo do tempo 5 Para duas apresentações atualizadas da literatura contemporânea em história ambiental ver Mcneill 2003 e Hugues 2006 Para o caso brasileiro ver duarte 2005 6 Para uma leitura crítica incluindo o ponto de vista da excessiva amplidão da proposta dos três níveis ver sorlin Warde 2007 p112 7 essa última perspectiva foi plenamente assumida por Le Roy Ladurie em seus estudos mais recentes sobre o clima como se pode perceber no próprio título de sua obra mo numental em três volumes intitulada Histoire humaine et comparée du climat publica da em Paris pela editora Fayard nos anos de 2004 2006 e 2009 Referências aRIstÓteLes Física I e II Campinas unicamp 2002 aRnoLd d the problem of Nature oxford Blackwell 1996 asdaL K the problematic nature of nature the postconstructivist challenge to environmental history History and theory n421 2003 BoWLeR P the Earth encompassed a history of the environmental sciences new York norton 1992 BRasIL t P de s A necessidade da conservação das matas e da arboricultura Forta leza 1860 BRaudeL F une vie pour lhistoire interview F ewald e JJ Brochier Magazine Literaire n212 p1824 1984 Há uma geografia do individuo biológico In Escritos sobre a história são Paulo Perspectiva 1992 o Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II Lisboa dom Quixote 1995 BuRKe P afterword In soRLIn s WaRde P org Naturess end history and the environment Houndmills Palgrave Macmillan 2009 estudos avançados 24 68 2010 99 CastRo G notas sobre historia ambiental y desarrollo sostenible Peripecias n71 2007 CHRIstIan d Maps of time an introduction to Big History Berkeley university of California Press 2003 CRonon W In search of nature In org uncommon ground rethinking the human place in nature new York norton 1996 CRosBY a the past and present of environmental history American Historical Re view v100 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environment Houndmills Palgrave Macmillan 2009 HuGHes J d La ecologia de las civilizaciones antiguas México Fondo de Cultura econômica 1981 What is environmental history London Polity 2006 JantsCH e the selforganizing universe oxford Pergamon 1980 Le RoY LaduRIe e Présentation Annales économies societés Civilisations v29 n3 p537 1974 Historia del clima desde el Año Mil México Fondo de Cultura económica 1991 LeIBHaRdt B Interpretation and causal analysis theories in environmental history Environmental Review v12 n1 p2336 1988 LÉvIstRauss C estructuralismo e ecologia In o olhar distanciado Lisboa edições 70 1986 LInnÉ C Léquilibre de la Nature Paris J vrin 1972 MaRsH G P Man and nature or physical geography as modified by human action Cambridge Harvard university Press 1965 estudos avançados 24 68 2010 100 MatuRana H vaReLa F the tree of knowledge the biological roots of human understanding Boston new science Library 1987 MCCoRMICK J the global environmental movement Chichester Wiley 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1997 PÁdua J a um sopro de destruição pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista 17861888 Rio de Janeiro Jorge Zahar 2002 Herança romântica e ecologismo contemporâneo existe um vínculo históri co Varia Historia n33 2005 PRIGoGIne I stenGeRs I order out of chaos mans new dialogue with nature London Flamingo 1985 RauMoLIn J Lhomme et la destruction des ressources naturelles la Raubwirts chaft au tornant du siècle Annales économies societés Civilisations v39 n4 p798 819 1984 sCHaMa s Landscape and memory London HarperCollins 1995 sIeMens a extrayendo ecología de algunos documentos novohispanos de la época temprana In GaRCIa B JÁCoMe a org Estudios sobre historia y ambiente en América I México el Colégio de México y Instituto Panamericano de Geografia e Historia 1999 sILva J B de a e Representação à assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a escravatura In obra política de José Bonifácio Brasília senado Federal 1973 Memória sobre a necessidade e a utilidade do plantio de novos bosques em Portu gal Rio de Janeiro Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro 1991 soRLIn s WaRde P the problem of the problem of environmental history a re reading of the field Environmental History v12 n1 p10730 2007 estudos avançados 24 68 2010 101 soRLIn s WaRde P org Naturess end history and the environment Hound mills Palgrave Macmillan 2009 tHoMas K o homem e o mundo natural são Paulo Cia das Letras 2001 vIoLa e LeIs H desordem global da biosfera e nova ordem internacional o papel organizador do ecologismo In LeIs H org Ecologia e política mundial Rio de Janeiro vozes 1991 vIveIRos de CastRo e Imagens da natureza e da sociedade In A in constância da alma selvagem são Paulo Cosacnaify 2002 WILLIaMs R Keywords a vocabulary of culture and society London Famingo 1983 WoRsteR d doing environmental history In the ends of the earth pers pectives on modern environmental history Cambridge Cambridge university Press 1988 Para fazer história ambiental Estudos Históricos v4 n8 p198215 1991 resumo o artigo analisa a emergência da história ambiental como uma ciência cons ciente de si mesma no contexto histórico e cultural da passagem do século XX para o século XXI ele define a história ambiental como uma investigação aberta e não redu cionista das interações entre sistemas sociais e sistemas naturais ao longo do tempo também são discutidos os fatores sociológicos e as principais questões epistemológicas presentes na constituição desse novo campo historiográfico palavraschave História ambiental História ecológica teoria da história diálogo in terdisciplinar Concepções de natureza abstract the article analyzes the emergence of environmental history as a selfcons cious science in the historical and cultural context of the passage of the twentieth to the twentyfirst century He defines environmental history as an open and nonreductive investigation of the interactions between social systems and natural systems over time also discussed are the sociological factors and the fundamental epistemological issues present in the constitution of this new historiographical field keywords environmental history ecological history theory of history Interdiscipli nary dialogue Conceptions of nature José Augusto Pádua é professor do departamento de História da universidade Federal do Rio de Janeiro É doutor em Ciência Política pelo Iuperj com pósdoutorado em História pela university of oxford Inglaterra jpaduaterracombr Recebido em 1822010 e aceito em 2422010
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estudos avançados 24 68 2010 81 Lucien Febvre costumava dizer a história é o homem eu por outro lado digo a história é o homem e tudo mais tudo é história solo clima movimentos geológicos Fernand Braudel apud Moore 2003 p431 Vozes da rua e mudanças epistemológicas história ambiental como campo historiográfico consciente de si mes mo e crescentemente institucionalizado na academia de diferentes países começou a estruturarse no início da década de 1970 a primeira socie dade científica voltada para esse tipo de investigação a american society for envi ronmental Histoy foi criada em 1977 a publicação de análises substantivamente históricoambientais no entanto algo bem diferente da simples proposição de influências naturais na história humana já vinha se delineando desde a primeira metade do século XX e em certa medida desde o século XIX Para refletir sobre a gênese e evolução desse campo de conhecimento é preciso levar em conta fatores sociológicos e epistemológicos o primeiro curso universitário1 de maior repercussão com o título de His tória ambiental foi ministrado em 1972 na universidade da Califórnia em santa Bárbara pelo historiador cultural Roderick nash que em 1967 havia publicado o livro Wilderness and the American Mind um clássico sobre a presença da imagem de vida selvagem na construção das ideias sobre identidade nacional norteame ricana ao explicar a concepção do curso apresentado como indicador de uma nova fronteira no ensino da História o autor deixou explícito que estava também respondendo aos clamores por responsabilidade ambiental que atingiram um crescendo nos primeiros meses daquele ano nash 19722 ou seja a voz das ruas teve importância na formalização da história ambiental um fator sociológi co que pode ser inferido de vários outros depoimentos É verdade que muitos historiadores ambientais se sentem desconfortáveis com a presença desse tipo de influência externa ao contexto propriamente aca dêmico ou simplesmente a rejeitam ela sugeriria uma politização da pesquisa ajudando a promover uma confusão espúria entre história ambiental e ambienta lismo Mas tal postura vai de encontro às teorizações frequentemente repetidas por Lucien Febvre e tantos outros sobre o fato de o historiador não estar isolado do seu tempo e sempre mirar o passado com as perguntas do presente Mesmo as bases teóricas da história ambiental José Augusto PáduA a estudos avançados 24 68 2010 82 considerando os cuidados necessários na separação entre ciência e política até onde elas possam ser separadas ao comentar o desenvolvimento recente da histó ria ambiental Peter Burke 2009 p349 lembrou que a história monetária tam bém foi estimulada pela crise inflacionária dos anos 1920 assim como a história demográfica pelo baby boom do póssegunda Guerra de toda forma é bastante evidente que o debate público vem desafiando os historiadores ambientais de forma direta ou indireta mesmo quando aparen temente negado em 1974 na apresentação do número especial sobre História e ambiente da revista Annales o editor emmanuel Le Roy Ladurie 1974 p537 fez questão de afirmar que não estava cedendo aos imperativos de uma moda pois desde longo tempo a revista havia escolhido se interessar pelos problemas de uma história ecológica ao afirmar a proposta de se ocupar do ambiente para isolar os verdadeiros problemas e recusar as facilidades de um discurso vulgariza dor no entanto ficava evidente o contraponto com o debate público e a presen ça subjacente dos problemas ambientais a emergência de um ambientalismo complexo e multissetorial a partir da década de 1970 dotado de alto perfil na cena pública global representou um dos fenômenos sociológicos mais significativos da história contemporânea ele pode ser considerado como um movimento histórico mais do que um movimento so cial que repercutiu nos diferentes campos do saber viola Leis 1991 p24 a ideia de ecologia rompeu os muros da academia para inspirar o estabelecimento de comportamentos sociais ações coletivas e políticas públicas em diferentes ní veis de articulação do local ao global Mais ainda ela penetrou significativamente nas estruturas educacionais nos meios de comunicação de massa no imaginário coletivo e nos diversos aspectos da arte e da cultura o avanço da chamada glo balização com o crescimento qualitativo e quantitativo da produção científico tecnológica e da velocidade dos meios de comunicação catalisou uma explosão de temas da vida e do ambiente na agenda política a discussão ambiental se tor nou ao mesmo tempo criadora e criatura do processo de globalização a própria imagem da globalidade planetária em grande parte é uma construção simbólica desse campo cultural complexo a pesquisa histórica vem revelando que a preocupação intelectual com os problemas ambientais esteve presente ao menos no mundo de expressão eu ropeia desde o final do século XvIII ocupando um lugar relevante no processo de construção do pensamento moderno Raumolin 1984 Grove 1995 Pádua 2002 a grande novidade das últimas décadas esteve na difusão desse tipo de debate para uma parcela muito mais ampla da esfera pública os saberes acadê micos foram desafiados e estimulados por tal movimento não é por acaso que nas últimas décadas organizaramse iniciativas de ensino e pesquisa em econo mia ecológica direito ambiental engenharia ambiental sociologia ambiental etc estabeleceuse um movimento de mão dupla em que as produções científicas influenciaram e foram influenciadas pelas ações públicas estudos avançados 24 68 2010 83 a cena política porém não é suficiente para explicar a emergência de um enfoque ambiental na pesquisa histórica os historiadores ambientais foram tam bém desafiados por movimentos internos ao mundo do conhecimento especial mente por importantes mudanças epistemológicas consolidadas no século XX mas que já estavam em gestação nos séculos anteriores em relação ao entendi mento do mundo natural e de seu lugar na vida humana três mudanças merecem particular atenção 1 a ideia de que a ação humana pode produzir um impacto relevante sobre o mundo natural inclusive ao ponto de provocar sua degradação 2 a revolução nos marcos cronológicos de compreensão do mundo e 3 a visão de natureza como uma história como um processo de construção e reconstrução ao longo do tempo o que caracteriza a discussão ambiental na cultura contemporânea não é a forte atenção para o tema da natureza ela sempre foi uma categoria central do pensamento humano ao menos na cultura ocidental desde a antiguidade não entrarei aqui na interessante discussão sobre a universalidade ou não do conceito de natureza de maneira geral na medida em que as sociedades humanas se territorializaram construindo seus ambientes a partir de interações com espaços concretos de um planeta que possui grande diversidade de formas geológicas e biológicas emergiram incontáveis exemplos de práticas materiais e percepções culturais referidas ao mundo natural a produção de um entendimento sobre esse mundo tornouse um componente básico da própria existência social Clarence Glacken 1967 em seu monumental estudo sobre a história das concepções intelectuais sobre a natureza no mundo ocidental da antiguidade clássica ao século XvIII constatou que virtualmente todos os pensadores foram obrigados a enfrentar o tema tendo por base três grandes indagações É a natu reza tal qual ela se apresenta na terra dotada de sentido e propósito Possui essa natureza especialmente o lugar onde cada sociedade habita uma influência sobre a vida humana Foi a realidade da terra em sua condição primordial modificada pela ação histórica do homem os resultados da investigação de Glacken deixam claro que as duas primeiras perguntas dominaram amplamente a reflexão filosófica e científica até o século XvIII tratavase de entender como a natureza influen ciava a história humana e não o contrário algumas elaborações sobre a terceira pergunta apareceram no que se refere aos melhoramentos da paisagem a partir das artes e do trabalho Mas o tema da capacidade da ação humana para degradar ou mesmo destruir o mundo natural é essencialmente moderno ibidem pviii a modernidade da questão ambiental da ideia de que a relação com o ambiente natural coloca um problema radical e inescapável para a continuidade da vida humana deve ser entendida em sentido amplo ela não está relacionada ape nas com as consequências da grande transformação urbanoindustrial que ganhou uma escala sem precedentes a partir dos séculos XIX e XX mas também com uma série de outros processos macrohistóricos que lhe são anteriores e que com ela se relacionam dentro do jogo de continuidades e descontinuidades que caracteriza estudos avançados 24 68 2010 84 os processos históricos É o caso da expansão colonial europeia e da incorporação de vastas regiões do planeta uma grande variedade de territórios e ecossistemas a uma economiamundo sob sua dominância e também da institucionalização da ciência como um modo privilegiado de entendimento do mundo com pretensão de universalidade e capacidade para estabelecer redes planetárias de investigação e troca de informações a proposta de comparar regiões produções naturais eco nomias e culturas de constituir um saber geográfico planetário é fundamental para entender a emergência de uma preocupação com os riscos da ação humana a própria ideia de colapso de destruição do futuro começa a aparecer nesse con texto Pádua 2002 as observações empíricas das consequências de uma ação humana devasta dora seja na europa seja no mundo de expansão colonial começaram a produzir denúncias contra o desflorestamento a erosão dos solos a sedimentação dos rios etc as pesquisas de Richard Grove 1995 demonstraram que os assentamentos europeus no mundo tropical incluindo o período posterior às independências se tornaram um espaço privilegiado para esse tipo de preocupação na medida em que a rápida transformação das áreas florestais em monoculturas e minas geravam modificações ambientais à flor da terra por assim dizer Mas tais observações empíricas não se tornariam tão evidentes sem modificações no plano da per cepção e do conhecimento a ciência iluminista começava a falar em sistemas naturais interdependentes na importância de cada espécie para a manutenção do todo natural na relevância das florestas para a conservação da umidade e da saú de do território um texto publicado em 1760 pelo naturalista sueco Lineu em conjunto com H Wilcke afirmava que a partir do que nós sabemos é possível julgar quão importante é cada uma das disposições da natureza de forma que se uma única função importante faltasse no mundo animal nós poderíamos temer o maior desastre no universo Linné 1972 p118 tais construções científicas se somaram ao nascimento da sensibilidade préromântica e romântica que es timulou uma nova valorização do mundo natural a partir da estética do sublime Pádua 2005 não se trata por certo de traçar uma linha direta entre a crítica ambiental que começava a aparecer nos séculos XvIII e XIX utilizando categorias e vocabu lários próprios da época e o fenômeno do ambientalismo contemporâneo não é o caso de buscar precursores Mas sim de analisar um movimento histórico mais amplo e difuso a construção da sensibilidade ecológica no universo da mo dernidade de toda forma o ponto fundamental no contexto do presente artigo é observar como naquele caldo de cultura aqui apresentado de forma muito bre ve começaram a aparecer reflexões históricas sobre as consequências ambientais do agir humano tais reflexões aliás vão ter uma presença mais marcante nos ensaios de naturalistas e pensadores políticos do que nos trabalhos das primeiras academias de história muito voltados para a trajetória de grandes personagens e estados nacionais um marco frequentemente mencionado foi o livro Man and estudos avançados 24 68 2010 85 nature or physical geography as modified by human action do diplomata norteame ricano George Perkins Marsh 1965 publicado em 1864 esse trabalho bastante concentrado no contexto europeu e mediterrânico procurava passar em revista as transformações provocadas pela ação humana desde a antiguidade na flora e na fauna nas florestas nas águas e nas areias tendo como eixo central a denúncia da destruição nas palavras sugestivas do autor estávamos quebrando o piso as vigas as portas e as janelas do nosso lugar de moradia Marsh 1965 p52 É possível encontrar exemplos interessantes desse tipo de percepção no con texto cultural brasileiro mesmo em momentos anteriores ao de Marsh José Bo nifácio de andrada e silva 1991 p172 por exemplo ao escrever em 1815 sobre o problema da perda de bosques em Portugal adotou uma perspectiva histórica ampla para afirmar que todos os que conhecem por estudo a grande influência dos bosques e arvoredos na economia geral da natureza sabem que os países que perderam suas matas es tão quase de todo estéreis e sem gente assim sucedeu a síria Fenícia Palestina Chipre e outras terras e vai sucedendo ao nosso Portugal a visão de que a forte aridez e desertificação de algumas regiões do orien te Médio foi ao menos em grande parte produzida pela ação humana na longa duração vem sendo corroborada por pesquisas recentes no campo da história am biental algo semelhante pode ser dito do território da Líbia antigo fornecedor de grãos para Roma o avanço do deserto foi impulsionado por práticas agrícolas destrutivas Hughes 1981 É interessante observar que mais tarde já de volta ao Brasil e no contexto pósindependência José Bonifácio de a e silva 1973 p103 retomou a leitura histórica dos problemas ambientais ao defender que a continuidade de uma agricultura escravista e tecnologicamente rudimentar aca baria por transformar o nosso belo Brasil em menos de dois séculos nos paramos e desertos áridos da Líbia o ponto essencial portanto não estava na mera constatação de exemplos históricos relativamente distantes mas sim na possibilidade de sua replicação onde quer que se adotem padrões semelhantes de uso destrutivo da terra um raciocí nio parecido para buscar outro exemplo será feito em 1860 pelo jurista cearense tomás Pompeu de sousa Brasil 1860 ao discutir o problema das secas na re gião ele adotou o mesmo enfoque histórico de grande amplitude a história aí está apresentando tristes documentos da verdade desta lei eterna de que o país mais fértil abundante e rico pode ser convertido em charneca estéril e solidão inabitável se a imprudência humana o desguarnecer das matas que fazem a condição da sua uberdade e a benignidade do seu clima era o caso entre vários exemplos por ele citados da destruição das matas do atlas na Berbéria que arruinaram a África do norte antigamente o celeiro da Itália o mesmo se dava no contexto da história local pois se compulsassem os documentos que existem sobre o estado físico do Brasil no tempo de sua descoberta no século XvI e nas diversas épocas da sua história e estudos avançados 24 68 2010 86 até pela simples comparação das porções do seu território aplicadas à cultura do açúcar com as que se desenvolveu a do algodão poderseia provar a influência que exerce a ação do homem sobre o clima das terras que habita e demonstrar a verdade deste princípio enunciado há quarenta anos por Fourier que a atmos fera é um campo suscetível de cultura ibidem p64 88 não é o caso de afirmar que esses autores estavam praticando uma histo riografia ambiental Mas uma percepção histórica sobre processos de mudança ambiental produzidos por uma interação entre fatores humanos e naturais estava sendo claramente delineada Muitos outros exemplos poderiam ser buscados den tro e fora do Brasil variações relacionadas com a mudança epistemológica mais ampla que foi mencionada antes o juízo de que a ação humana pode interferir no meio natural até mesmo provocando desastres um juízo que obviamente con tinuou se difundindo nos séculos seguintes atingindo uma presença inédita no tempo presente a história ambiental emergente no final do século XX no entan to é bem mais complexa do que um inventário diacrônico dos males infringidos pelos seres humanos ao planeta ela incorpora outras transformações teóricas que merecem ser discutidas com destaque até mesmo por desconstruírem a imagem fortemente dualista presente na frase anterior Natureza e humanidade como movimento e transformação o conceito grego de Physis depois traduzido para o latim como Natura está ligado à imagem de nascer surgir manifestar a palavra natureza segundo Raymond Williams 1983 p219 é provavelmente a mais complexa da lingua gem humana uma palavra que carrega através de um longo período muitas das maiores variações do pensamento humano sua definição clássica sintetizada por aristóteles é um exemplo de combinação entre simplicidade e poder conceitual apesar de fundada em um forte dualismo as coisas naturais seriam aquelas que existem por si mesmas no sentido de possuir em si mesmas o princípio do seu movimento e repouso elas incluem matérias configurações e formas que se apre sentam à percepção humana como natureza aristóteles 2002 p59 61 Quando o observador humano contempla a realidade da existência percebe que a esmagadora maioria das coisas que existem incluindo os fundamentos do edifício material que permite que elas existam não são criações humanas ou seja para o observador humano elas existem por si mesmas em termos tanto de ma terialidade quanto de organização as espirais das galáxias o sol a Lua a textura das plantas os ciclos da água a fisiologia dos organismos incluindo por certo o nosso próprio corpo mamífero e primata nada disso é criação humana ao me nos em sentido primário sua existência sua forma e seu movimento não surgiram a partir do nosso arbítrio o espanto da palavra natureza está em unificar conceitualmente as incon táveis manifestações de uma realidade extremamente complexa e diversificada produzindo uma aproximação entre o mais distante e o mais próximo do Big Bang ao gato da casa na história do pensamento ocidental ela veio assumindo estudos avançados 24 68 2010 87 um sentido cada vez mais vasto e inclusivo não apenas o conjunto das coisas e movimentos naturais mas também o caráter e a qualidade essencial de cada coisa e em um sentido ainda mais amplo a força inerente que dirige o universo Willia ms 1983 p219 Para o entendimento humano se é que se pode falar de forma tão genera lizada o conceito de natureza apresenta uma clara ambiguidade que passou por várias metamorfoses ao longo da história de um lado a ideia de natureza serve como uma espécie de eixo conceitual que dá sentido ao nosso entendimento do universo ela fundamenta a construção conceitual da experiência de que existe coerência ontológica no mundo em que vivemos Por sua vez a imagem de ser humano e de história humana se construiu em grande parte por oposição à natu reza arte versus natureza ordem social versus natureza técnica versus natureza espírito versus natureza etc em outras palavras um conjunto de oposições que procuram demarcar por diferenciação ou por identificação a especificidade do fenômeno humano em relação à natureza seja afirmando uma oposição e ruptura radical entre ambos seja entendendo o humano como uma qualificação especial no contexto do mundo natural esse quadro aqui apresentado de forma extremamente introdutória tor nouse ainda mais complicado mediante duas mudanças epistemológicas que vêm revolucionando o nosso entendimento da natureza e possuem implicações evi dentes para a história ambiental a primeira delas se refere a uma enorme rup tura dos antigos marcos cronológicos vale lembrar com Keith thomas 2001 p201 que no século XvIII a cronologia bíblica ao menos da forma como era interpretada nos meios eclesiásticos começou a sofrer fortes abalos o naturalista francês Buffon foi capaz de imaginar que a terra já existia uns 70 mil anos antes do aparecimento do homem um pouco depois por volta das primeiras décadas do século XIX os geólogos já pensavam o planeta na escala dos milhões não dos milhares de anos ora esses números servem mais que tudo para dimensionar a magnitude da revolução que está sendo mencionada Hoje se trabalha com uma história geológica de 45 bilhões assim como com uma história biológica desde o aparecimento da vida na terra de 35 bilhões de anos Mais ainda trabalhase com uma história cósmica a partir do chamado Big Bang de 137 bilhões de anos que teria resultado segundo estimativas recentes na existência de mais de 100 bilhões de galáxias cada uma delas contendo entre 100 e 200 bilhões de estrelas as ciên cias físicas e naturais não cessam de explodir seus limites gerando uma profunda mudança nos modos de entendimento do mundo Para ficar apenas no nosso campo de experiência imediata o planeta terra se revela cada vez mais como uma realidade antiga poderosa e diversificada que já sofreu gigantescas transformações biofísicas ao longo de sua trajetória Por ele já passaram inúmeras formas de vida das quais a espécie humana é uma das mais recentes Christian 2003 É irônico observar que nesse contexto intelectual revolucionário os mode los dominantes de pesquisa e o ensino da História insistem em se manter quando estudos avançados 24 68 2010 88 muito no que até o século XIX e ainda hoje em alguns círculos fundamentalistas pode ser definido como tempo bíblico da história um horizonte de seis mil anos a compreensível tradição de centralidade dos documentos escritos forte mente ligados aos estratos urbanos da experiência histórica da humanidade não pode mais servir como desculpa para uma atitude tão conservadora a antropolo gia biológica está situando a emergência da atual espécie humana Homo sapiens na escala dos 200 mil anos o fenômeno humano contudo de difícil definição talvez possa ser retrocedido para mais de dois milhões de anos antes do presente com a emergência do Homo habilis na África Central a história humana antes do aparecimento das primeiras civilizações dotadas de escrita exatamente o contexto do tempo bíblico é de longuíssima duração não é mais possível pensar a emer gência física mental e social dos seres humanos passando por transformações tão radicais como a adoção da agricultura e da sedentarização por volta de onze mil anos atrás através da nebulosa da préhistória a revolução cronológica nas ciências naturais produziu grande impacto epistemológico nos historiadores ambientais que vêm buscando metodologias que permitam investigar a história humana em um marco temporal mais amplo ou seja a repensar o lugar do ser humano no quadro mais amplo da história do planeta não se trata por certo de sempre trabalhar na longuíssima duração Podese fazer história ambiental de períodos relativamente curtos Mas sempre tendo em mente ao menos como pano de fundo a presença de grandes escalas na constituição dos fenômenos que estão sendo analisados seja no aspecto natu ral com as realidades biofísicas de cada região demarcada para um trabalho de pesquisa seja no da formação de populações e sociedades humanas que nela e com ela interagem a explosão cronológica vem sendo acompanhada por uma outra mudança epistemológica ainda mais instigante para o diálogo entre ciências sociais e ciên cias naturais a natureza se apresenta cada vez mais como algo em permanente construção e reconstrução ao longo do tempo distante da visão tradicional de uma realidade pronta e acabada que serviria de referencial estável para a agitação do viver humano Poderseia usar a imagem de uma peça de teatro em que o ce nário serve de contexto passivo para o dinamismo contido na movimentação dos atores a partir de certo momento porém o cenário começa a se movimentar e a se modificar de maneira intensa e surpreendente forçando o reconhecimento da sua presença ativa a peça passa a ser uma interação entre os movimentos do ce nário e os movimentos dos atores a diferença em relação ao contexto científico contemporâneo é que o cenário sempre esteve em movimento tendo a mudança ocorrido na percepção subjetiva dos atores William Mcneill 2001 um dos decanos da world history norteamericana escrevendo sobre as relações entre história e teoria evolucionista descreveu com certa ironia sua experiência pessoal diante das transformações epistemológicas recentes nas ciências naturais incluindo os diversos ramos da física segundo o estudos avançados 24 68 2010 89 autor no período da sua formação intelectual na década de 1930 elas ainda pareciam sólidas e duras em sua fundamentação teórica e capacidade de predi ção enquanto as ciências sociais especialmente a história eram fracas e tateantes em suas conclusões na virada do milênio o conjunto das ciências naturais vem assumindo posições cada vez mais abertas e soft em vez de hard produzindo a imagem de um universo dinâmico histórico ocasionalmente caótico no qual mudanças extraordinárias de estado acontecem de maneira imperfeitamente previsível e o papel do obser vador em moldar o que é observado se torna tão presente quanto a subjetivida de que sempre marcou a história e as ciências sociais a perspectiva da história nesse sentido vem crescendo no conjunto das ciências compartilhando perplexidades e limitações nesse contexto a difusão da visão de mundo evolucionária produz uma convergência entre as histórias cósmica terrestre biológica e humana todas fazendo parte de uma totalidade em permanente transformação ibidem p2 em outras palavras as formações da natureza estão sendo entendidas como configurações momentâneas de uma história de mudanças ao longo do tempo cujo destino final é desconhecido mesmo que muitas vezes elas pareçam infini tamente sólidas na sua temporalidade específica por existirem numa escala muito superior ao do limitado tempo social humano existe uma história bastante complexa na construção dessa mudança episte mológica cujos diferentes aspectos não poderiam ser elucidados no âmbito de um artigo3 em linhas gerais ela passa pela transformação da ideia de história natural de uma descrição organizada do mundo vivo segundo a tradição clássica para a visão da própria natureza como história a difusão da tese darwiniana no século XIX foi um passo fundamental acabando por influenciar o conjunto das ciências em certos aspectos de fato ela apresentou uma leitura radicalmente histórica e aberta da formação dos seres vivos além de explicitar o tema até hoje difícil da animalidade da espécie humana a árvore da evolução seria uma construção dos próprios seres vivos que em sua luta pela existência em ambientes específicos se ramificariam ou não em novas formas de vida um conjunto de pequenas variações na vida concreta portanto em vez de uma razão subjacente e superior estaria na base dessa vasta construção biológica norris 1985 p26 nessa perspectiva o próprio conceito de natureza poderia ser visto como quase metafórico em uma passagem da origem das espécies de 1859 darwin 1958 p88 chegou a afirmar que é difícil evitar a personificação da palavra natureza mas por natureza eu entendo apenas a ação agregada e o produto de muitas leis naturais e por leis a sequência dos eventos tais quais atestados por nós É importante observar no entanto que o entendimento das implicações científicas e sociais da obra de darwin nunca foi homogêneo desde o início fo ram feitas leituras bem mais fechadas e dogmáticas da tese darwiniana até mesmo valendose de passagens igualmente mais fechadas dos seus próprios escritos que estudos avançados 24 68 2010 90 não deixaram de pagar tributo aos preconceitos do seu tempo ainda mais em se tratando da Inglaterra imperial e vitoriana o evolucionismo foi usado posterior mente como fundamentação para reducionismos determinismos e racismos até mesmo por meio da ideia vulgar de que as formas biológicas se tornam superiores ao longo de uma escala de tempo uma imagem que pode ser considerada incom patível com o caráter aberto da tese darwiniana original4 o século XX porém testemunhou o aparecimento de novas formulações teóricas ainda mais surpreendentes que contribuíram para consolidar a ideia da irreversibilidade e da seta do tempo poderseia mesmo dizer da história como um componente fundamental no entendimento da natureza um marco radical nesse sentido está na visão muito recente formulada com mais propriedade a partir da década de 1940 de que o próprio universo antes visto como o bastião último da firmeza e solidez da natureza se manifesta mediante um processo de expansão e de transformação permanente tudo isso tem implicações teóricas profundas para um problema frequente mente lembrado quando se fala de história ambiental a ameaça do determinismo geográfico ou ecológico ora a longa tradição que fala das determinações da natureza especialmente do clima sobre a vida social calcavase exatamente em visões fixas e definidas das suas manifestações desde as primeiras formulações de Hipócrates no século v aC que no livro Ares águas e lugares atribuiu a superio ridade do modo de vida europeu em relação ao asiático à influência das condições naturais o pano de fundo do determinismo baseouse na presunção de uma firme estabilidade dessas condições arnold 1996 p15 ocorre que a meteo rologia contemporânea com seu enfoque historicizante e suas investigações de longa duração revela que o clima de cada região sofre grandes variações no curto e no longo prazo o mesmo pode ser dito da vegetação e de outros componentes do mundo natural dito de outra maneira ao dialogar hoje com as ciências naturais a his tória ambiental se situa em um contexto teórico muito diferente daquele que alimentou as formulações deterministas do passado sem falar na herança teórica de toda a crítica interna produzida nas ciências sociais em relação aos riscos dos reducionismos geográfico biológico etc as ciências naturais adquiriram maior sofisticação teórica calcandose em finas metodologias ecológicas radicalmente abertas e interativas os sistemas naturais se autoorganizam por meio da constan te interação entre todos os seus elementos bióticos e abióticos o caminho é feito ao andar para lembrar o belo verso de antonio Machado as consequências de tal interação por sua vez são abertas podendo no limite levar ao colapso ou então à emergência de formas mais resilientes de organização a presença do caos do acaso e da contingência ganha força nas análises a própria ideia de adap tação vem sendo questionada por sua rigidez analítica com o fortalecimento de conceitos como coevolução e mútua construção de nichos entre outros Jantsch 1980 Maturana varela 1987 Prigogine stengers 1985 a visão estudos avançados 24 68 2010 91 de uma natureza em permanente movimento e transformação ao longo do tem po obviamente não favorece a capacidade de persuasão de teorias deterministas mesmo que elas ainda possam existir nos quadros do grande politeísmo teórico da atualidade É nesse ambiente teórico renovado na virada do século XX para o XXI que a história ambiental procura repensar na definição de elinor Melville e Guillermo Castro as interações entre os sistemas sociais e os sistemas naturais e as consequências dessas interações para ambas as partes ao longo do tempo Castro 2007 Natureza e cultura na experiência histórica por uma visão menos dualista o aparecimento da história ambiental consciente de si mesma está ligado a uma ausência da dimensão biofísica em boa parte da historiografia contemporânea ainda existe de fato uma presença muito forte do enfoque que já foi chamado de flutuante no sentido de a humanidade flutuar acima do planeta como se os seres humanos não fossem animais mamíferos e primatas seres que respiram e que precisam cotidianamente se alimentar de elementos minerais e biológicos existen tes na terra Como se não fossem em verdade seres que mais do que estabelecer contatos pontuais vivem por meio do mundo natural dependendo dos fluxos de matéria e energia que garantem a reprodução da atmosfera da hidrosfera da biosfera e assim por diante Mesmo que na sutil observação de alfred Crosby 1995 p1177 a presença dos humanos nos ecossistemas ocorra na maior parte das vezes de maneira distraída o reconhecimento desse fato contudo seria simplório e vulgar se não reconhecesse também as outras dimensões do fenômeno humano incluindo a realidade de que o ser humano histórico está tão inescapavel mente imerso na cultura e na linguagem quanto na ecosfera terrestre em um texto de 1944 comentando o livro Les bases biologiques de la géogra phie humaine de Maximilien sorre Fernand Braudel 1992 p144 151 discutiu o exercício fascinante de pensar o homem em sua simples materialidade animal em sua condição de homeotermo de pele nua em seu lado elementar de ser biológico sensível ao quente ao vento ao frio à seca à insolação à insuficiente pressão das altitudes ocupado incessantemente em pro curar e em assegurar sua alimentação obrigado a defenderse enfim sobretudo hoje em que se tornou consciente do perigo contra as doenças que o seguem por toda parte um tipo ideal que nos desafia por apresentar um aspecto fundamental e tantas vezes esquecido voluntária ou involuntariamente da realidade humana Mas um aspecto que não é suficiente que não conta a história completa Pois o ser humano visto dessa maneira é uma abstração que ignora o homem na sua complexidade em toda a espessura de sua história em toda a sua coesão social ibidem o grande desafio teórico no contexto da contemporaneidade é pensar o ser humano na totalidade tensa e complexa de suas dimensões biológica e socio estudos avançados 24 68 2010 92 cultural um desafio mantido na obscuridade pela dominância do enfoque flutu ante na historiografia se bem que tal dominância até pelo fato de a historiografia não ser um bloco homogêneo não deve ser exagerada alguns historiadores fo ram capazes de produzir ao longo do século XX mesmo no Brasil análises que incorporaram os fatores biofísicos no coração da análise histórica e que hoje estão sendo recuperadas na genealogia da história ambiental o presente artigo não pretende fazer uma história da historiografia ambien tal Mas de maneira muito introdutória no período anterior à década de 1970 podemse mencionar algumas áreas que estimularam reflexões de base ambiental a historiografia de regiões como no caso de Nordeste de Gilberto Freyre e de o Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II de Fernand Braudel e a historiografia da formação de fronteiras de expansão territorial como no caso de the great plains de Walter Prescott Webb Caminhos e fronteiras de sérgio Buarque de Holanda e the grassland of North América de James Malin al guns outros trabalhos da diversificada produção da escola dos analles francesa são sempre mencionados especialmente La terre et lévolution humaine de Lucien Febvre Les caracteres originaux de lhistoire rurale française de Marc Bloch e Histoire du climat depuis lAn Mil de emmanuel Le Roy Ladurie Grove da modaran 2009 chamaram a atenção para a necessidade de ir além da produção especificamente historiográfica mencionando a relevância de geógrafos históri cos do século XX como Carl sauer H C darby e Gordon east na construção de um diálogo fecundo entre história e ecologia um seminário interdisciplinar ocorrido na universidade de Chicago em 1955 também marcou época dando origem ao volume coletivo Mans role in changing the face of the Earth organiza do por William thomas Jr apesar desses esforços porém a dominância do enfoque flutuante não pode ser negada em parte ela se constituiu como reação à forte presença do de terminismo geográfico e biológico no pensamento social da passagem do século XIX para o XX Podese dizer que os cientistas sociais do período posterior muitas vezes não se deram conta das fortes mudanças epistemológicas pelas quais pas savam as ciências naturais e sua compreensão do seja a natureza É preciso levar em conta além disso a robusta elaboração teórica culturalista que ganhou força no conjunto das ciências sociais sem nunca obscurecer totalmente os enfoques mais radicalmente materialistas no campo da antropologia como afirmou com certa ironia Walter neves 1996 p13 os eixos da antropologia da barriga e da antropologia da pensée que também poderíamos chamar da pança e do pen samento seguiram trajetórias paralelas e muitas vezes conflituosas a experiência de muitos historiadores que hoje trabalham com a dimen são ambiental compartilhada por antropólogos economistas e demais cientistas sociais que adotam o mesmo enfoque é justamente a da necessidade de buscar formas menos dualistas de estudo das relações entre cultura e natureza já que o não dualismo é um tipo ideal de realização analítica quase utópica as pesquisas estudos avançados 24 68 2010 93 de campo e as transformações na vida social contemporânea estimulam a busca por essas novas perspectivas Como afirmou eduardo viveiros de Castro 2002 p320 refletindo sobre a questão da amazônia essas novas imagens da natureza e da sociedade se formam em um contexto histórico marcado pela sinergia entre abordagens estruturais e históricas por uma tentativa de superação de modelos explicativos monocausais naturalistas ou culturalistas em favor de uma apreensão mais nuançada das relações entre sociedade e natureza elas indicam além disso a esperança de uma nova síntese que seja capaz de vir integrar o conhecimento acumulado pelas diversas disciplinas ibidem a busca por essa apreensão mais nuançada requer o reconhecimento do sentido profundo do culturalismo a literatura teórica em história ambiental vem chamando atenção para a necessidade de ao enfatizar a relevância do mundo biofísico não cair na falácia de considerar que este se apresenta de forma direta positiva e imediata à percepção humana o ser humano age sempre a partir de sentidos e compreensões estando imerso na linguagem nos mecanismos de cog nição e na presença de visões culturais historicamente construídas a apropriação dos recursos da natureza e a valoração das paisagens nesse sentido possuem uma clara historicidade Cronon 1996 asdal 2003 Basta lembrar que o ouro não possui valor econômico universal sendo irrelevante por exemplo para os grupos indígenas que cruzavam o território da atual serra do espinhaço antes da chegada dos europeus Para estes últimos ao contrário sua centralidade motivou esforços e sacrifícios consideráveis no estabelecimento da mineração colonial as praias por sua vez não são universalmente consideradas espaços de beleza e saúde no Brasil monárquico de maneira geral elas eram desprezadas pelas elites urbanas não obstante esse reconhecimento seria igualmente falacioso esquecer que o ouro e as praias não são criações humanas em sentido primário e que ademais sem a sua existência material também não existiriam as suas dimensões perceptiva e cultural no acontecer da vida social na vida vivida que a história procura imper feitamente reconstruir todos esses elementos se encontram profundamente uni dos e mesclados na experiência coletiva uma via teórica fascinante na busca por leituras menos dualistas se abre quando a ecologia da autoorganização afirma que a tese culturalista de que os seres humanos constroem o mundo a partir da sua percepção e da sua cultura deve ser ampliada em dois sentidos em primeiro lugar os humanos não constroem seu mundo apenas por meio do pensamento mas também por meio do corpo e do conjunto do organismo o conjunto do organismo está presente na construção da subjetividade em segundo lugar algo semelhante pode ser dito de todos os seres vivos pelo menos a partir de certo nível de complexidade todos esses seres constroem o seu mundo a partir da ex periência envolvendo organismo e percepção mesmo que o domínio da lingua gem e da cultura com a amplitude e as características sintéticas observadas no ser estudos avançados 24 68 2010 94 humano não esteja presente Cada ser constrói o seu mundo e o mundo coletivo se constrói por meio de uma trama complexa de interações e interdependências Maturana varela 1987 o fio da navalha teórico no caso das ciências sociais está no reconhecimen to dessa pluralidade de dimensões naturais e culturais que de alguma forma se resolvem e encontram seu sentido na prática coletiva dos seres humanos a insis tência no dualismo falha em compreender as nuanças de um movimento altamen te dinâmico as pesquisas de campo e as transformações sociais contemporâneas convergem no sentido da busca de teorizações mais abertas Cada vez se percebe mais a presença da história humana na constituição de paisagens naturais ao mesmo tempo notase a forte diversidade das formas de percepção cultural do mundo biofísico e de sua relação com a vida humana seja em sentido diacrônico seja em sincrônico no mundo industrial avançado por sua vez as novas tecno logias penetram nos processos da natureza de forma impensável no passado seja do ponto de vista epistemológico seja do ponto de vista político a percepção da unidade viva entre sistemas naturais e humanos se torna cada vez mais necessária um horizonte teórico nas palavras de dois antropólogos que estão na linha de frente desse esforço de renovação conceitual em que estados e substâncias são substituídos por processos e relações a questão central não é mais como objetivar sistemas fechados mas sim como dar conta da diversidade mesma dos processos de objetivização descola Pálsson 1996 p12 É nesse contexto que a história ambiental como bem afirmou donald Wors ter 1991 p199 deve ser vista não como uma redução e sim como uma amplia ção da análise histórica ela leva adiante o movimento observado desde o final do século XIX no sentido de expandir as temáticas e dimensões da historiografia para além da história dos estados e dos grandes personagens um movimento que se manifestou na história econômica na história social na microhistória etc não se trata portanto de reduzir a análise histórica ao biofísico como se esse aspecto fosse capaz de explicar todos os outros mas de incorporálo de maneira forte junto com outras dimensões econômicas culturais sociais e políticas na busca por uma abordagem cada vez mais ampla e inclusiva de investigação histórica o crescimento acadêmico recente da história ambiental ao menos em parte se explica exatamente por sua capacidade concreta para ampliar a análise histórica e trazer novas perspectivas para o estudo de antigos problemas historiográficos Para realizar esse programa mesmo que com as limitações sempre presentes na escrita da história as propostas mais fecundas têm sido aquelas que procuram definir a história ambiental como um esforço para trabalhar analiticamente de forma aberta dinâmica e interativa três dimensões básicas que se mesclam na experiência concreta das sociedades arthur Mcevoy 1986 em seu estudo sobre as indústrias pesqueiras na Califórnia sintetizou esses três níveis por meio das pa lavras ecologia relações econômicas e cognição humana em um artigo clássico de 1988 publicado no Brasil em 1991 onde procurou sintetizar os principais estudos avançados 24 68 2010 95 elementos do fazer história ambiental Worster 1991 elaborou com mais pro fundidade esses três níveis que vale repetir precisam ser percebidos em conjunto em suas interações mútuas e múltiplas linhas de causalidade o primeiro deles se relaciona com a natureza propriamente dita orgânica e inorgânica incluindo o organismo humano em sua relação com os diferentes ecossistemas o historiador deve estar atento nesse aspecto às transformações do mundo biofísico ao longo do tempo buscando reconstituir os ambientes do passado que se relacionem com os lugares e períodos históricos que estão sen do estudados a perspectiva interdisciplinar é aqui fundamental já que sem o diálogo com as ciências físicas e naturais tal esforço de reconstituição se tornaria inviável nesse diálogo porém é importante perceber a historicidade e diversida de teórica das várias ciências para que sua incorporação ocorra de maneira crítica e contextual a leitura histórica dos fatores ecológicos do primeiro nível que aqui está sendo discutido apresenta muitas nuanças interpretativas a visão apresentada por Fernand Braudel 1995 p25 em 1949 por exemplo sobre uma história quase imóvel que é a do homem nas suas relações com o meio que o rodeia uma história lenta de lentas transformações muitas vezes feita de retrocessos de ciclos sempre recomeçados em contraposição à maior velocidade dos movimentos sociais e individuais vem sendo cada vez mais criticada apesar de possuir o mérito da inclusividade dando status de objeto histórico às montanhas planícies praias e ilhas da região ela peca pela visão excessivamente estática do biofísico em sua interação com as ações humanas a diversidade da pesquisa contemporânea em história ambiental está revelando situações de ruptura de catástrofe e de mu danças intensas no âmbito dessa relação tanto na curta quanto na longa duração arnold 1996 p44 o segundo nível diz respeito à constituição socioeconômica das sociedades em sua interrelação necessária com determinados espaços geográficos Por influ ência direta de Marx Worster utilizou o conceito de modos de produção aler tando para a necessidade de compreendêlos mediante uma perspectiva histórica e antropológica ampla incluindo em sua conexão estreita com os fatores ecológicos a cultura material os meios tecnológicos a segunda natureza produzida pela ação humana inseremse nesse nível de análise É nesse plano também que James oConnor 1997 elaborou sua leitura marxista da história ambiental chamando atenção para o conceito de condições de produção para além das formas de propriedade e das relações de produção e para as contradições presentes no mo vimento de mercantilização imperfeita do trabalho da terra e da natureza o terceiro grande nível mencionado por Worster finalmente diz respeito às dimensões cognitivas mentais e culturais da existência humana incluindo cos mologias ideologias e valores o comportamento social dos seres humanos em relação ao mundo natural assim como a própria estruturação socioeconômica da vida coletiva passa pelas visões de natureza e dos significados da vida humana estudos avançados 24 68 2010 96 Podese dizer em sentido inverso que as manifestações culturais não ocorrem isoladas do mundo vivo valendose frequentemente de elementos da biodiversi dade e da experiência física no planeta ou melhor dizendo de lugares específicos do planeta na constituição da linguagem e das categorias de entendimento na experiência histórica concreta para lembrar belas palavras de Claude Lévistrauss 1986 p173 cabe recusar o divórcio entre o inteligível e o sensível decretado por um empirismo e um mecanicismo fora de moda e descobrir uma secreta harmonia entre esta pesquisa do sentido a que a humanidade se entrega desde que existe e o mun do em que ela apareceu e onde continua a viver um mundo feito de formas de cores de texturas de sabores de odores É essencial no entanto evitar o anacronismo e a pretensão de que os in divíduos do passado possam ser cobrados em razão de categorias tão modernas quanto são ecologia sustentabilidade impactos da ação humana etc É preciso entender cada época no seu contexto geográfico social tecnológico e cultural É evidente como já foi dito que a questão ambiental só vai aparecer em um momento bastante recente da trajetória humana Mas podese dizer que as re lações ambientais já estavam presentes sendo percebidas ou não segundo os padrões culturais de cada período não se trata portanto de projetar categorias ambientais e ecológicas do presente no passado mas sim de utilizar essas catego rias com o devido cuidado para pensar a existência de sociedades pretéritas ou então como na formulação de alfred siemens 1999 de extrair ecologia de documentos do passado que obviamente não tinham esse sentido ou essa justi ficativa tudo se resume na verdade no exercício de qualificação retrospectiva drouin 1991 p73 que constitui uma condição geral e um dilema da própria análise histórica a história ambiental apresentase hoje como um campo vasto e diversificado de pesquisa diferentes aspectos das interações entre sistemas sociais e sistemas naturais são esquadrinhados anualmente por milhares de pesquisadores a produ ção atual engloba tanto realidades florestais e rurais quanto urbanas e industriais dialogando com inúmeras questões econômicas políticas sociais e culturais no andamento concreto dessas pesquisas vários problemas teóricos de micro médio e longo alcance costumam aparecer Leibhardt 1988 não existiria espaço para apresentar aqui o conjunto dessa literatura ainda mais em se tratando de um artigo sobre as bases teóricas e não sobre as teorias da história ambiental5 a pesquisa em história ambiental de toda maneira até pelo próprio fato de ser ambiental não costuma se fazer na abstração das teorias puras mas sim nas contradições de lugares e experiências vividas na maioria das vezes ela se dá por meio de recortes geográficos e biofísicos concretos uma região florestal uma ba cia hidrográfica uma cidade uma zona agrícola etc drummond 1991 p181 o ponto teórico essencial de qualquer forma se encontra na necessidade de combinar de maneira aberta e interativa os três níveis mencionados antes É estudos avançados 24 68 2010 97 claro que não se trata de uma tarefa fácil6 existe por exemplo a tendência de focalizar um nível em detrimento dos outros Mas de maneira geral creio que a história ambiental vem sendo bemsucedida em construir metodologias que combinem as diferentes dimensões da experiência histórica na introdução de um dos livros fundadores da investigação históricoambiental Le Roy Ladurie 1991 p15 34 protestou contra o antropocentrismo dos primeiros historiadores do clima que sempre pretendiam examinálo em relação com a vida humana ocorre que o clima poderia também ser estudado por si mesmo como uma história sem homens na medida em que é uma função do tempo varia está sujeito a flutu ações É objeto de história na sequência da investigação na medida em que sua relação com a vida humana fosse analisada estarseia diante de uma ecologia do homem de uma verdadeira história ecológica7 em uma leitura algo diferente da visão do historiador francês mesmo que compreendendo o seu ponto de vista penso que o segundo momento é exatamente aquele em que a pesquisa histórica se torna mais fecunda a história ambiental como ciência social deve sempre incluir as sociedades humanas Mas também reconhecer a historicidade dos siste mas naturais o desafio repetindo é construir uma leitura aberta e interativa da relação entre ambos tal postura aberta deve significar em sentido fundamental o abandono da visão catastrófica e do homem devastador que a voz das ruas costuma exigir simon schama 1995 p134 já havia criticado o fato de a história ambiental apesar de oferecer algumas das mais originais e desafiadoras histórias que hoje estão sendo escritas prenderse excessivamente na análise da destruição quando as relações entre sociedade e natureza podiam também ser construtivas e criado ras especialmente no que se refere aos vínculos culturais Hoje é possível observar uma mudança nesse quadro as relações destrutivas eou construtivas devem aparecer no próprio andamento da análise sem leituras preconcebidas ou estereotipadas outro ponto central se refere ao problema das influências e determinações causais as visões fechadas e reducionistas não mais se sustentam dizer que a natureza sempre determina a vida social ou viceversa não nos leva muito longe o importante é permanecer atento e aberto em cada situação de pesquisa em certas situações os fatores biofísicos são decisivos em outras a tecnologia ou as visões de mundo podem ser decisivas em todas as situações no entanto o biofísico o social e o cultural estão presentes nos diferentes casos o que se percebe são sistemas abertos e que se modificam no andamento da história os próprios relacionamentos entre todos os componentes da interação onde todos são relevantes mesmo que em diferentes níveis constroem destroem e recons troem inúmeras formas materiais e culturais no sentido mais profundo o desafio analítico é o de superar as divisões rígidas e dualistas entre natureza e sociedade em favor de uma leitura dinâmica e integrativa fundada na observação do mundo que se constrói no rio do tempo estudos avançados 24 68 2010 98 notas 1 É verdade que a expressão já vinha sendo usada ocasionalmente em um sentido bem distinto e estritamente técnico por geólogos e arqueólogos um curso com o título de História ambiental além disso foi dado na universidade de Londres em 1969 por Henry Bernstein um historiador econômico especializado na questão da navegação a vapor na Índia incluindo o uso de lenha etc Grove damodaran 2009 p25 Mas foi uma iniciativa isolada sem maiores desdobramentos teóricos 2 o ano de 1972 na esteira dos debates e das mobilizações públicas que cresciam desde a década anterior foi marcado pela realização da primeira Conferência das nações uni das sobre o ambiente Humano em estocolmo McCormick 1995 p119 3 Para uma boa análise ver Bowler 1992 4 Por esse motivo alguns autores preferem usar o termo evolucionário no sentido de que as coisas nascem umas das outras a partir de movimentos concretos diferenciando se da visão evolucionista vulgar de que necessariamente existe uma melhora ao longo do tempo 5 Para duas apresentações atualizadas da literatura contemporânea em história ambiental ver Mcneill 2003 e Hugues 2006 Para o caso brasileiro ver duarte 2005 6 Para uma leitura crítica incluindo o ponto de vista da excessiva amplidão da proposta dos três níveis ver sorlin Warde 2007 p112 7 essa última perspectiva foi plenamente assumida por Le Roy Ladurie em seus estudos mais recentes sobre o clima como se pode perceber no próprio título de sua obra mo numental em três volumes intitulada Histoire humaine et comparée du climat publica da em Paris pela editora Fayard nos anos de 2004 2006 e 2009 Referências aRIstÓteLes Física I e II Campinas unicamp 2002 aRnoLd d the problem of Nature oxford Blackwell 1996 asdaL K the problematic nature of nature the postconstructivist challenge to environmental history History and theory n421 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necessidade e a utilidade do plantio de novos bosques em Portu gal Rio de Janeiro Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro 1991 soRLIn s WaRde P the problem of the problem of environmental history a re reading of the field Environmental History v12 n1 p10730 2007 estudos avançados 24 68 2010 101 soRLIn s WaRde P org Naturess end history and the environment Hound mills Palgrave Macmillan 2009 tHoMas K o homem e o mundo natural são Paulo Cia das Letras 2001 vIoLa e LeIs H desordem global da biosfera e nova ordem internacional o papel organizador do ecologismo In LeIs H org Ecologia e política mundial Rio de Janeiro vozes 1991 vIveIRos de CastRo e Imagens da natureza e da sociedade In A in constância da alma selvagem são Paulo Cosacnaify 2002 WILLIaMs R Keywords a vocabulary of culture and society London Famingo 1983 WoRsteR d doing environmental history In the ends of the earth pers pectives on modern environmental history Cambridge Cambridge university Press 1988 Para fazer história ambiental Estudos Históricos v4 n8 p198215 1991 resumo o artigo analisa a emergência da história ambiental como uma ciência cons ciente de si mesma no contexto histórico e cultural da passagem do século XX para o século XXI ele define a história ambiental como uma investigação aberta e não redu cionista das interações entre sistemas sociais e sistemas naturais ao longo do tempo também são discutidos os fatores sociológicos e as principais questões epistemológicas presentes na constituição desse novo campo historiográfico palavraschave História ambiental História ecológica teoria da história diálogo in terdisciplinar Concepções de natureza abstract the article analyzes the emergence of environmental history as a selfcons cious science in the historical and cultural context of the passage of the twentieth to the twentyfirst century He defines environmental history as an open and nonreductive investigation of the interactions between social systems and natural systems over time also discussed are the sociological factors and the fundamental epistemological issues present in the constitution of this new historiographical field keywords environmental history ecological history theory of history Interdiscipli nary dialogue Conceptions of nature José Augusto Pádua é professor do departamento de História da universidade Federal do Rio de Janeiro É doutor em Ciência Política pelo Iuperj com pósdoutorado em História pela university of oxford Inglaterra jpaduaterracombr Recebido em 1822010 e aceito em 2422010