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DIREITOS HUMANOS E COOPERAÇÃO SULSUL QUAL A CONTRIBUIÇÃO DO BRASIL GILBERTO M A RODRIGUES Professor do Centro de Engenharia Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas CECS da Universidade Federal do ABC UFABC membro da Cátedra Sergio Vieira de Mello e do Comitê de Direitos Humanos da UFABC Bolsista de Produtividade em Pesquisa CNPq Nível 2 Coordenador do Grupo de Pesquisa do CNPq OITEG Organizações Internacionais e Temas Globais TADEU MORATO MACIEL Professor Colaborador na Graduação em Relações Internacionais do Instituto de Estudos Estratégicos INEST da Universidade Federal Fluminense UFF Doutor em Ciências Humanas e Sociais 2018 pela Universidade Federal do ABC UFABC com estágio doutoral na Universidade Nacional de Quilmes UNQ Argentina 2017 Pesquisador do Grupo de Pesquisa do CNPq OITEG Organizações Internacionais e Temas Globais RESUMO Desde meados dos anos 2000 expandiuse a cooperação SulSul CSS como importante forma de relacionamento internacional O fortalecimento dos direitos humanos é uma das justificativas que permitem essa modalidade de cooperação para o desenvolvimento Este artigo trata de analisar o tratamento dado pelo Brasil ao campo da CSS em direitos humanos desde 2003 A uma breve exposição sobre alguns procedimentos normativos para a relação entre cooperação democracia desenvolvimento e direitos humanos sucedese uma análise sobre os principais avanços e desafios da CSS brasileira no campo dos direitos humanos nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva 20032010 e de forma mais pontual de Dilma Rousseff 20112016 Por fim é feita uma reflexão sucinta sobre o contexto brasileiro no qual se celebra o 70º aniversário da DUDH em meio ao governo de Michel Temer 2016 O objetivo deste texto é contribuir com as atuais análises acerca das principais mudanças e os desafios que cercam a realidade internacional dos direitos humanos no chamado Sul Global com destaque para o Brasil PALAVRASCHAVE direitos humanos desenvolvimento cooperação SulSul CSS brasileira HUMAN RIGHTS AND SOUTHSOUTH COOPERATION WHAT IS BRAZILS CONTRIBUTION GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL Keywords human rights development Brazilian SouthSouth cooperation SSC 1 Introdução Ao representar o Brasil na celebração dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos DUDH em 2008 o Ministro das Relações Exteriores Celso Amorim afirmou que havia ocorrido uma evolução gradual e consistente dos esforços de promoção e proteção dos direitos humanos BRASIL 2008 Em muitos aspectos o mundo em 2008 seria significativamente melhor do que em 1948 quando a DUDH foi adotada por 58 membros das Nações Unidas dentre eles o Brasil Para Amorim tal melhoria teria ocorrido em grande parte devido à ampliação do reconhecimento desta Declaração demonstrando a maior consciência quanto à necessidade de respeitar os direitos humanos Como efeito as legislações sobre o tema foram progressivamente ampliadas tanto na temática como na abrangência geográfica fazendo com que os direitos humanos sejam aceitos como universais interdependentes interrelacionados e indivisíveis O fortalecimento da percepção de que deve haver um equilíbrio entre direitos sociais econômicos políticos e civis teria contribuído para a adoção mais consistente da DUDH nas últimas décadas Por exemplo o Brasil e a América Latina em geral reconheceram após experiências traumáticas com regimes ditatoriais a essencialidade dos direitos políticos e civis A busca pela garantia de tais direitos esteve umbilicalmente vinculada aos processos de redemocratização na região Nesse período ampliouse o entendimento de que não há justiça social sem respeito aos direitos individuais à liberdade de opinião às leis e ao direito de escolher o próprio governo entre outros elementos próprios de um regime democrático Ao mesmo tempo os países latinoamericanos eram permeados por outra dimensão essencial para a efetivação dos princípios elencados na DUDH o desafio do desenvolvimento Para Amorim um indivíduo não pode participar de forma integral da vida política de seu país sem o acesso apropriado à alimentação à educação e à saúde BRASIL 2008 Nas últimas décadas o mundo esteve cravejado por amostras de que não é possível existir respeito aos direitos humanos em contextos onde subsiste a desigualdade entre pessoas e nações Vale ressaltar que em 2008 quando foram comemorados os 60 anos da DUDH vários países eram afetados por uma crise que conjugava escassez e má distribuição alimentar energética e financeira de grande magnitude Dessa crise complexa derivava a urgente necessidade de fornecer ênfase à intrínseca relação entre os direitos humanos e a agenda social e econômica mais positiva GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL desafios Quais as expectativas atuais para a contribuição do país nessa área Tais questionamentos constituem o problema de pesquisa deste artigo No início será apresentada uma breve exposição sobre algumas procedências normativas para a relação entre cooperação desenvolvimento democracia e direitos humanos Posteriormente há uma análise sobre os principais avanços e desafios da CSS brasileira no campo dos direitos humanos nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva 20032010 e de forma mais pontual de Dilma Rousseff 20112016 Por fim há uma breve observação sobre o contexto brasileiro no período em que a DUDH completa 70 anos sob o governo de Michel Temer 2016 Os autores pretendem assim contribuir com as atuais reflexões sobre as principais transformações e novos desafios que cercam a realidade internacional dos direitos humanos no chamado Sul Global com destaque neste caso para o Brasil 2 Cooperação internacional desenvolvimento democracia e direitos humanos da Declaração Universal ao Enfoque Baseado em Direitos Humanos A Declaração Universal dos Direitos Humanos DUDH é uma das pedras fundamentais e estruturantes do regime internacional dos direitos humanos ABREU SOBRINHO 2009 Nela constava a inovação de transformar a pessoa humana em sujeito de direito internacional ao mesmo tempo em que afirmava as responsabilidades dos Estados pela promoção proteção e observância dos direitos humanos KOMNINSKI 2017 Pelo fato de conferir ao Homem o status de sujeito de direito internacional a DUDH transformouse em uma importante matriz para a atualização da noção de segurança internacional no final do século XX atenta à segurança das pessoas a partir da garantia dos direitos humanos e de um ambiente propício para o pleno desenvolvimento de suas capacidades Assim enquanto mantinha uma estrutura baseada no discurso jurídicopolítico da inviolabilidade da soberania estatal a ONU incluiu a definição de questões globais que deveriam exigir formas coletivas de enfrentamento baseadas no estabelecimento de normas às quais os Estados deveriam em tese se submeter RODRIGUES T 2013 p 141 A DUDH representa a ampla tarefa de garantir a promoção incondicional da dignidade humana em todo o mundo Todavia ela chega aos 70 anos de existência GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL em um tempo de desafio crescente onde o ódio a discriminação e a violência permanecem vivos conforme destaca Audrey Azoulay DiretoraGeral da UNESCO ONU BRASIL 2017 O campo dos conflitos envolvendo direitos humanos e desenvolvimento é enorme inclui as assimetrias econômicas as tendências protecionistas as intolerâncias religiosas e raciais a discriminação contra minorias as restrições a trabalhadores migrantes Embora a DUDH tenha proporcionado avanços para a disseminação dos direitos humanos seu septuagésimo aniversário se dá em um contexto no qual centenas de milhões de mulheres e homens são destituídos e privados de condições básicas de subsistência e de oportunidades ibidem Tal processo é agravado por todas as recentes violações sem precedentes aos direitos de migrants forçados o que acaba por reascender um recorrente debate sobre as vinculações e vulnerabilidades dos direitos humanos enquanto fruto de certa estrutura de poder nas relações internacionais BAIGES 1996 CHAUI SANTOS 2013 Esse cenário é influenciado e possibilitado pelo aumento de ações unilateralistas de alguns Estados pelos ímpetos protecionistas e pela emergência de agendas fortemente reativas à temática dos direitos humanos Ao mesmo tempo diversos atores da comunidade internacional têm buscado por respostas à ameaça de regressividade dos direitos humanos por meio do multilateralismo e de esforços de cooperação pela via do princípio da solidariedade internacional A força de ações realizadas pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU pela plataforma dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável Agenda 2030 coordenada pelo PNUD e pelo Acordo de Paris sobre Meio Ambiente demonstram a atualidade e as possibilidades de tratar a garantia dos direitos humanos a partir do seu vínculo com a cooperação internacional com a democracia e com o desenvolvimento Os debates contemporâneos que estabelecem uma relação dialética entre direitos humanos democracia e desenvolvimento estão ancorados na DUDH No artigo que diz respeito à ligação entre democracia e direitos humanos a Declaração consta que a vontade do povo será a base da autoridade do governo esta vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas por sufrágio universal por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto ONU 1948 Quanto à dimensão da cooperação e do desenvolvimento o artigo 22º da mesma Declaração afirma por exemplo que todos possuem direito à GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL segurança social e a realização pelo esforço nacional pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado dos direitos econômicos sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade ONU 1948 Vale destacar que a Carta da ONU já reconhecia em seu artigo 1º a cooperação técnica internacional como meio para a promoção do desenvolvimento social econômico humanitário e cultural além de destacar o respeito aos direitos humanos como forma de garantir uma convivência pacífica entre todos os povos ONU 1945 Sob intensa influência da DUDH o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos de 1966 consagra uma série de direitos políticos e liberdades civis que são considerados elementos centrais para um regime democrático Além disso o artigo 2º do referido texto solicita que os Estados adotem medidas tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação internacionais que visem a assegurar progressivamente por todos os meios apropriados o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto ONU 1966 A ideia de que os direitos humanos e o desenvolvimento precisam de um ambiente favorável para que sejam efetivados permeia a Declaração de Direito ao Desenvolvimento 1986 em seu artigo 3º quando afirma que os Estados têm o dever de cooperar uns com os outros para assegurar o desenvolvimento e eliminar os obstáculos ao desenvolvimento assim como a encorajar a observância e a realização dos direitos humanos ONU 1986 Seguindo a mesma perspectiva a Declaração de Viena 1993 ressalta no artigo 8º que a democracia o desenvolvimento e o respeito pelos Direitos Humanos e pelas liberdades fundamentais são interdependentes e reforçamse mutuamente CMDH 1993 As normativas internacionais acima indicadas além de outras declarações pactos e convenções subsequentes serviram como marco para a atual agenda internacional relacionada à cooperação internacional como via para o fortalecimento dos direitos humanos Os princípios elencados em tais textos foram essenciais por exemplo para as ações empreendidas pelo PNUD a partir do início da década de 1990 Dentre as suas contribuições mais divulgadas constam os Relatórios de Desenvolvimento Humano os quais foram essenciais para a promoção dos termos desenvolvimento humano e segurança humana GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL O Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD de 1994 intitulado Novas Dimensões da Segurança Humana sugeria por exemplo a mudança da ideia de segurança por meios exclusivamente militares para a segurança por intermédio do desenvolvimento humano sustentável A partir dos conceitos de segurança e desenvolvimento humanos afirmavase a ênfase na defesa da população pois o processo de ampliação da qualidade de vida e das escolhas possíveis das pessoas deveria ser visto como necessidade primordial Para Amartya Sen 2000 um dos teóricos mais influentes na concepção de desenvolvimento vinculada aos direitos humanos que impacta as formulações de desenvolvimento e segurança do PNUD havia a necessidade de conectar o desenvolvimento à expansão das liberdades reais Em outras palavras o desenvolvimento deveria estar atrelado à melhoria do bemestar e das liberdades o que exigia atenção maior para outras dimensões que comprometiam o cotidiano das populações As discussões sobre desenvolvimento humano influenciaram tanto os debates sobre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio ODM aprovados em 2000 por meio da Declaração do Milênio quanto os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável ODS aprovados em 2015 e vigentes desde o início de 2016 O aumento de demandas sociais globais foi um dos pontos mais marcantes destas agendas Os ODM e os ODS estão permeados pelas concepções de segurança e desenvolvimento humanos estabelecendo objetivos para a superação de problemas nas áreas da saúde pobreza meio ambiente etc Estes debates têm sido centrais para fornecer um papel mais proeminente aos direitos humanos em meio às novas diretrizes da cooperação internacional para o desenvolvimento A maior atenção à melhoria das condições de vida e das liberdades dos indivíduos foi determinante para a criação de um marco conceitual definido como Enfoque Baseado em Direitos Humanos EBDH por meio do qual almejavase conferir maior coerência às ações da ONU nas áreas de desenvolvimento e direitos humanos No âmbito do programa de reforma das Nações Unidas lançado em 1997 o SecretárioGeral Kofi Annan convocou todo o sistema onusiano a integrar os direitos humanos em suas atividades e programas Para que esses entes contassem com uma base consensual sobre essa forma de atuação a ONU lançou em 2003 uma Declaração de Entendimento Comum sobre o EBDH a qual define que todos os programas políticas e assistência técnica de cooperação para o desenvolvimento 150 GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL devem promover a realização dos direitos humanos HRBA 2014 O marco normativo do EBDH é formado por todas as normas convencionais regras e princípios que conformam o sistema internacional de proteção aos direitos humanos com destaque para a DUDH Além disso da base jurídica alguns dos elementos centrais do EBDH são a atribuição de direitos responsabilidades e obrigações aos diversos atores envolvidos no processo de desenvolvimento a participação e o empoderamento dos cidadãos como titulares de direitos a prestação de contas por parte do Estado e a atenção aos grupos mais vulneráveis MUÑOZ et al 2013 A valorização da participação cidadã nos debates sobre direitos humanos é um elemento essencial no EBDH Nessa proposta reforçase a lógica de que a democracia seria indissociável dos direitos humanos quando vista como a forma mais acabada de governo que permite harmonizar a relação entre a população e o Estado possibilitando inclusive que o cidadão participe do esforço governamental Segundo Bobbio 2000 p 392 enquanto o poder autocrático dificulta o conhecimento da sociedade o poder democrático tem como premissa a participação direta ou indireta nas decisões o cidadão deve saber ou pelo menos deve ser colocado em condição de saber Assim a relação entre os Direitos Humanos e a participação democrática é constitutiva pois a fruição dos direitos humanos não ocorre fora da participação democrática MARIN BERTARELLO 2010 p 164 Dessa forma o EBDH recomenda o trabalho efetivamente conjunto entre Estado e sociedade civil como forma de superar as causas estruturais e conjunturais que impossibilitam a plena garantia dos direitos humanos Tal esforço ocorre em um momento no qual são recorrentes os questionamentos de que diversos Estados utilizam retoricamente os direitos humanos para justificar intervenções militares ou violar algumas liberdades em âmbito interno MUÑOZ et al 2013 p 1011 Como reação à percepção de que os direitos humanos são um produto das relações de poder no sistema internacional ganha corpo o debate sobre a potencialidade dos direitos humanos como ferramenta emancipatória dos atores mais vulneráveis das relações internacionais SANTOS 2003 Tais reflexões afetam decisivamente o vínculo entre os direitos humanos e a cooperação internacional inclusive no que tange às contribuições da cooperação SulSul GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL do século XXI ganhou força a ideia de que esses países poderiam fornecer novas possibilidades de atuação quanto ao vínculo entre desenvolvimento democracia e direitos humanos RODRIGUES G MACIEL 2016 Por exemplo no Informe de Desenvolvimento Humano do PNUD de 2013 A Ascensão do Sul Progresso Humano num Mundo Diversificado a cooperação entre países do Sul aparece como elemento essencial para integrar essas três esferas Segundo o PNUD uma das evoluções mais interessantes dos últimos anos tem sido o amplo progresso registrado no desenvolvimento humano de muitos países em desenvolvimento e a sua emergência no cenário mundial a ascensão do Sul Estas vozes mais fortes do Sul exigem estruturas mais representativas de governança internacional que expressam os princípios da democracia e da equidade PNUD 2013 Nesse processo destacouse o aumento da capacidade de alguns países do Sul em aprimorar e diversificar sua oferta de cooperação internacional para o desenvolvimento em consonância com alguns princípios estabelecidos desde a Conferência de Bandung 1955 a Primeira Conferência dos Chefes de Estado e de Governo Não Alinhados 1961 e o Plano de Ação de Buenos Aires 1978 tais como as ideias de não condicionalidade não intervenção não indiferença e ganhos mútuos Tais colaborações estariam atreladas à tentativa de encaminhamento de novos modelos de desenvolvimento mais voltados às necessidades locais dos países do Sul os quais também englobariam inclusive o reconhecimento do desenvolvimento como um direito humano Embora exista uma participação ainda restrita do Sul Global no conjunto de fluxos financeiros que movimentam a chamada indústria da ajuda BESHARATI ESTEVES 2015 alguns de seus representantes conseguiram ampliar suas condições de atuar na estrutura vigente de cooperação internacional para o 152 GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL Humanos 1948 a Declaração de Roma sobre a Segurança Alimentar Mundial 1996 e as diretrizes da FAO sobre o Direito à Alimentação 2004 SILVA 2017 Os êxitos na aplicação do Fome Zero em âmbito nacional e o perfil solidário que atravessava a política externa ativa e alta do governo Lula AMORIM 2015 SEITENFUS 2006 possibilitaram a difusão da experiência brasileira em projetos SulSul direcionados à luta contra a pobreza e fome na região SILVA 2017 Uma ação impulsionadora dessa dinâmica foi a criação em 2004 da CoordenaçãoGeral de Cooperação Humanitária e Combate à Fome CGFome desdobramento do programa Fome Zero Este ente vinculado ao MRE promovia o combate à fome no cenário internacional a partir da experiência brasileira e foi responsável pela prestação de cooperação humanitária internacional tanto na vertente emergencial quanto estrutural atuando de duas formas distintas i contribuições financeiras e ii doações de itens de primeira necessidade IPEA ABC 2016 As ações da CGFome estiveram voltadas para a realização de projetos de desenvolvimento rural sustentável e segurança alimentar e nutricional em conjunto com diversos organismos internacionais Assim o país atendia dentre outras normas e legislações as disposições gerais da Lei Orgânica nº 113462006 a qual em seu art 6 enfatizase que o Estado brasileiro deve empenharse na promoção de cooperação técnica com países estrangeiros contribuindo assim para a realização do direito humano à alimentação adequada no plano internacional A prioridade fornecida pelo Brasil no campo da segurança alimentar pode ser observada no gráfico 1 sobre a classificação da cooperação SulSul por segmento entre 2000 e 2014 GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL Gráfico 1 Classificação da Cooperação SulSul por segmento 20002014 Fonte Agência Brasileira de Cooperação Elaboração dos autores Para além de demonstrar o foco fornecido ao campo da agricultura o qual inclui a efetivação do direito humano à alimentação adequada o gráfico 1 demonstra como a saúde também recebeu grande destaque na ações de cooperação SulSul brasileira acompanhada por setores como educação segurança pública meio ambiente e desenvolvimento social É preciso ressaltar que essas são áreas temáticas que compõem uma compreensão mais ampliada dos Direitos Humanos levando em conta os direitos sociais econômicos e culturais conforme o Pacto de San José e o Protocolo de San Salvador estando na lista que conformam os ODM e os ODS Desta forma o amplo knowhow brasileiro no campo das políticas sociais GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL permitiu à política externa brasileira durante o governo Lula evidenciar boas práticas do país no campo dos direitos sociais especialmente por meio da CSS O foco do Brasil em ações voltadas para os direitos sociais condizia com a ressalva da diplomacia brasileira em utilizar o termo segurança humana como norteador de seus projetos de cooperação ao contrário da vinculação direta entre CSS e segurança humana feita pelo PNUD 2013 por exemplo Esta postura explicita o receio da chancelaria brasileira de que os novos temas que compunham a segurança brasileira de que os novos temas que compunham a segurança internacional tais como terrorismo meio ambiente pobreza extrema tráficos de pessoas drogas e armas direitos humanos e epidemias em larga escala migrassem da Assembleia Geral e do Conselho Econômico e Social ECOSOC para o Conselho de Segurança CS Apesar das reservas do Brasil em relação ao tratamento de alguns temas pelo Conselho de Segurança tendo em vista a sua estrutura verticalizada verificase que as posições do país no CS estavam permeadas pelo fortalecimento do debate internacional em relação aos direitos humanos Segundo Monica Hirst 2014 as preocupações do Brasil em suas participações no Conselho englobavam pontos como a inclusão de questões relacionadas a direitos civis e políticos em cenários de crise inclusive nos mandatos das operações de paz e a articulação mais estreita entre o CS e o Alto Comissariado para os Direitos Humanos O posicionamento brasileiro não objetivava se contrapor à indispensabilidade de ações efetivas do Sistema ONU no campo dos direitos humanos mas sim problematizar as distorções geradas pela maneira como o CS atua nesta temática A maior atuação do Brasil em relação à ampliação dos debates sobre direitos humanos no âmbito multilateral coadunavase com o apoio do país para a GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL criação da Comissão para a Consolidação da Paz 2005 e do Conselho de Direitos Humanos 2006 Por meio dessas instâncias o Brasil buscava afirmar que o diálogo a não indiferença e a verificação quanto às raízes que dificultavam o desenvolvimento de diversas nações eram elementos basilares para uma militância construtiva em relação aos direitos humanos Neste cenário a cooperação SulSul apresentavase como uma ferramenta privilegiada em relação à operacionalização das ações brasileiras em prol de uma visão de direitos humanos que superasse o âmbito estrito da condenação dos violadores Diversos projetos ofertados pelo Brasil em áreas como agricultura educação saúde habitação fortalecimento institucional e meio ambiente foram considerados como boas práticas que contribuíram para a criação de condições de ampliação dos direitos humanos de forma democrática e contextual Desta forma o Brasil buscava fortalecer a perspectiva de que os direitos humanos deveriam ser entendidos como um bem comum e universal embora permeado por especificidades e desafios próprios a cada sociedade Embora não componha o recorte temporalgovernamental proposto neste artigo é importante ressaltar mesmo que de forma pontual o fato de que já durante a política externa implementada nos governos de Fernando Henrique Cardoso 19942002 foram empreendidos importantes esforços de cooperação SulSul com impacto inclusive no campo dos direitos humanos como era o caso de alguns projetos nas áreas de educação saúde justiça e sistema eleitoral junto ao Timor Leste assim como as ações de combate ao HIVAIDS no continente africano VALLER FILHO 2007 Não obstante ao reinsertir o desenvolvimento como vetor da política externa e ao privilegiar a dimensão da solidariedade SEITENFUS 2006 o governo Lula teria fornecido um sentido prioritário à articulação política com os países do Sul fomentando a cooperação realizada com tais pares RAMANZINI JÚNIOR MARIANO 2015 Essa dinamização da cooperação oferecida pelo Brasil pode ser percebida por exemplo por meio do revigoramento orçamentário da Agência Brasileira de GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL Cooperação ABC conforme gráfico 2 Em contraste com o modesto orçamento da agência no decorrer da segunda metade da década de 1990 quase plenamente utilizado para gastos administrativos internos e financiamento dos custos de contrapartida da cooperação recebida bilateral a progressão orçamentária da ABC a partir de 2002 foi contínua e expressiva o que pode ser um dos indícios da maior importância ofertada à esta área PUENTE 2010 Gráfico 2 Evolução do Orçamento Ordinário da ABC 19952005 Recursos em R 1000 Apesar do aporte orçamentário fornecido à cooperação internacional para o desenvolvimento ofertado pelo país no decorrer do governo Lula eram evidentes alguns entraves para o fortalecimento do vínculo entre as suas ações de CSS e a garantia dos direitos humanos Isso porque o Brasil permaneceu não incorporando os direitos humanos como fundamento e guia de sua CSS apesar de figurarem como princípio inspirador de sua política exterior MUÑOZ et al 2013 p 39 Tal fato não significa que as ações brasileiras não promoveram os direitos humanos mas não GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL havia uma política que refletisse com clareza os valores de direitos humanos que permeavam os discursos e convênios Diante dessa dificuldade as ações implementadas pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República SDH no sentido de promover os direitos humanos como objetivo principal da cooperação brasileira foram vistas como uma tentativa importante na busca de um cenário mais efetivo Conforme destaca o III Plano Nacional de Direitos Humanos PNDH3 2009 caberia à SDH em conjunto com o Ministério das Relações Exteriores MRE a promoção dos direitos humanos como princípios orientadores das cooperacões bilaterais e multilaterais no âmbito SulSul que contemplasse prioritariamente o Haiti demais países da América Latina e Caribe países lusófonos do continente africano e o TimorLeste BRASIL 2010 Dentro das ações implementadas por intermédio da SDH em relação às quais já se observava resultados concretos é possível mencionar a iniciativa de cooperação bilateral desenvolvida pelo Brasil para o apoio a uma política nacional de GuinéBissau voltada à garantia do direito à documentação básica ou ao registro civil de nascimento Em 2010 este projeto produziu uma publicação conjunta intitulada Brasil GuinéBissau olhares cruzados pela identidade No que tangem às iniciativas em processo de gestação até a finalização do segundo mandato do governo Lula podem ser mencionada a proposta de cooperação com Cabo Verde para os direitos da criança e do adolescente e para o fortalecimento da Comissão Nacional para os Direitos Humanos e a Cidadania Outro exemplo foi o início do diálogo com o governo colombiano para a promoção e defesa dos direitos da população de lésbicas gays bissexuais travestis e transexuais LGBT e para o enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes IPEA ABC 2013 Partindo da sociedade civil cabe citar o nascimento do Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa em 2006 como consequência das discussões realizadas na audiência pública Política Externa e Direitos Humanos em 2005 Tal comitê objetivava promover uma percepção compartilhada entre organizações da sociedade civil e instituições estatais sobre a necessidade de fortalecer a participação cidadã e o controle democrático da política externa brasileira relacionada aos direitos humanos CBDH 2017 Também é válido mencionar o exemplo do Tribunal Superior Eleitoral do Brasil TSE pois por meio desta instituição foi promovido especialmente em países africanos o sistema de votação GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL eletrônica Segundo Abdenur e Neto 2013 havia um nicho pouco explorado de cooperação para o desenvolvimento brasileiro que lidav mais diretamente com a democracia mas que estava extremamente ativo por conta das ações do TSE em Angola Moçambique África do Sul Tunísia e GuinéBissau por exemplo No caso brasileiro também não devem ser negligenciadas as atuações dos estados e municípios por meio da cooperação internacional descentralizada e da paradiplomacia14 RODRIGUES G 2008 para além de participações ad hoc para cooperar com o Itamaraty e a Advocacia Geral da União em defesas jurídicas elaboração de relatórios atendimento de visitas de relatores temáticos e participação em audiências judiciais internacionais relacionadas aos direitos humanos RODRIGUES G 201115 Todavia a ação internacional dos entes federativos em projetos de cooperação ainda tinha um papel restringido por conta dentre outros motivos da estrutura da Agência Brasileira de Cooperação ABC No decorrer do governo Lula a cooperação triangular que passou a ser chamada de trilateral pela ABC transitou cada vez mais de experiências pontuais envolvendo parcerias com um país desenvolvido em direção a projetos de cooperação trilateral mais diversificados e com escopo expandido potencializando o relacionamento com organismos internacionais MILANI 2017 O Brasil estabeleceu ou fortaleceu em maior ou menor medida parcerias com instituições como o Mercosul Mercado Comum do Sul BRICS Brasil Rússia Índia China e África do Sul IBAS Índia Brasil e África do Sul UNASUL União de Nações SulAmericanas OEA Organização dos Estados Americanos BID Banco Interamericano de Desenvolvimento No âmbito da ONU tanto PNUD quanto a FAO reconheceram a importância das políticas brasileiras de combate à fome e à pobreza e tornaramse parceiros do país na difusão dessas políticas Também é preciso mencionar a cooperação humanitária oferecida pelo Brasil nos últimos anos enquanto instrumento de proteção promoção e garantia dos GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL direitos humanos fundamentais e universais em cenários de desastres emergências ou fragilidade institucional IPEA ABC 2016 Diferentes atores da administração pública federal atuaram na cooperação humanitária oferecida pelo Brasil tais como o MRE por meio da CGFome o Ministério da Saúde MS por meio da Assessoria de Assuntos Internacionais de Saúde Aisa e da Secretaria de Vigilância em Saúde SVS e a Força Aérea Brasileira FAB Para coordenar os esforços brasileiros de ajuda humanitária internacional o governo federal instituiu em 2006 o Grupo de Trabalho Interministerial sobre Assistência Humanitária Internacional GTIAHI Para além das articulações com atores brasileiros também foram estabelecidos acordos e parcerias com organismos internacionais que tratam dos temas de segurança alimentar e nutricional gerenciamento de riscos e redução de desastres e apoio a refugiados IPEA ABC 2016 No que tange aos dispêndios do governo brasileiro em cooperação humanitária internacional vale destacar a tendência de crescimento no período 20052009 e a excepcionalidade das contribuições para o Haiti em 2010 IPEA ABC 2016 Gráfico 3 Dispêndios do governo federal com cooperação humanitária 20052010 Em R milhões GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL A partir da combinação entre ações emergenciais e projetos estruturantes o Brasil buscou divulgar o que seria o caráter híbrido e sustentável da sua cooperação humanitária Essa característica da atuação humanitária do Brasil gerou inclusive uma fronteira porosa entre a cooperação técnica horizontal e a cooperação humanitária HIRST 2017 WAISBICH POMEROY 2014 Para além dos desafios quanto à diferenciação entre as ações humanitárias e a CSS ressaltase que nos mandatos de Lula ainda havia a carência de maior inserção e coordenação das entidades governamentais e não governamentais nos esforços de cooperação especialmente em relação à ABC Nesse sentido Milani afirma que a hipótese do insulamento burocrático do Itamaraty não nos parece mais expressar a realidade empírica da política externa brasileira em tempos de globalização e democratização do Estado processos políticos que acabam por tornar as agendas decisórias mais complexas Com a chegada de novos atores também tende a mudar a problematização sobre como o Estado deve comportarse internacionalmente na defesa dos direitos humanos e como essa problemática se relaciona com os campos da segurança do desenvolvimento e da cooperação internacional 2012 p34 Por fim o caso das Organizações da Sociedade Civil demonstra que o Brasil tinha um árduo caminho a seguir no processo de democratização da política de cooperação visto que ainda era restrita a presença dessas entidades nas ações humanitárias e na CSS embora houvesse importantes exceções como era o caso da participação dessas organizações nos esforços de reconstrução pósconflito empreendidos pelo Brasil no TimorLeste ainda no governo FHC e no Haiti16 Tal dificuldade de assimilação também existia em relação às organizações dos países parceiros Para evitar possíveis ingerências no processo de cooperação o Brasil privilegiava a negociação com governos e suas instituições o que acabava por alijar deste processo os titulares de direitos sociedade civil os quais possuem um papel essencial para o fortalecimento dos direitos humanos No caso da CSS do Brasil é possível observar como muitos atores sociais movimentos sociais organizações não governamentais e outros membros da sociedade civil organizada titulares de direitos e de responsabilidades GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL Durante os mandatos do Presidente Lula ainda havia o receio de que a construção de cidadania por meio da CSS poderia ser prejudicada caso os projetos implementados tratassem somente de prestação de serviços ou capacitação de funcionários governamentais práticas tecnificadas e pontuais de cooperação sem que a população participasse ativamente de processos que deveriam ampliar os direitos humanos Apesar dos progressos conquistados permanecia a necessidade de avançar rumo à maior absorção da sociedade civil nas políticas de cooperação Isto auxiliaria na identificação dos direitos e obrigações dos diversos entes que influenciam as políticas de direitos humanos mostrando inclusive as assimetrias de forças entre esses atores Tal relação com a sociedade civil possibilitaria não apenas identificar como esses vários agentes dotam os direitos humanos de sentidos diferentes como também facilitaria o fortalecimento dos entes mais vulneráveis Porém o fato de ampliar a participação de organizações da sociedade civil no esforço de cooperação não implica em um indubitável aumento dos direitos humanos nas ações implementadas visto que a coopt ação também é um risco que se corre quando tais entes são incorporados aos marcos discursivos e jurídicos estatais MUÑOZ et al 2013 p 42 Ao mesmo tempo em que o Estado pode ampliar ações que favoreçam os direitos humanos também pode facilitar a atuação de atores que violam tais direitos tal como ocorre por exemplo em um país que defende o direito à alimentação e à segurança alimentar mas possui dificuldades em regular a atuação do agronegócio sendo este um elemento basilar de sua produção Assim diante das possibilidades de ações contraditórias do Estado em relação aos direitos humanos é necessário sempre problematizar as relações que são estabelecidas com organizações da sociedade civil além de outros entes que participam dos esforços de cooperação17 165 Monções Revista de Relações Internacionais da UFGD Dourados v7 n14 agodez Disponível em httpojsufgdedubrindexphpmoncoes GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL Apesar das dificuldades e desafios ainda existentes ao final do governo Lula para a consolidação da cooperação para o desenvolvimento inclusive na área dos direitos humanos é inegável que havia uma série de ações que demonstravam uma curva ascendente quanto ao fortalecimento dessa temática no âmbito da política externa brasileira Em relação ao governo Dilma é possível indicar uma estabilização heterogênea no sentido de que houve algumas continuidades em relação ao governo Lula mas já havia restrições à priorização da cooperação ofertada pelo país 32 A estabilização heterogênea da CSS no governo de Dilma Rousseff No que tange à atuação do governo de Dilma Rousseff 20112016 na cooperação voltada aos direitos humanos há algumas continuidades e distinções importantes em relação aos mandatos do Presidente Lula Em coerência com a gestão anterior no início do governo Dilma a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República SDH deu continuidade ao projeto de contribuição para a política pública nacional de direito à documentação básica e registro civil de nascimento em GuinéBissau Além disso no Haiti a SDH auxiliou na formulação e execução da política nacional para promoção dos direitos da pessoa com deficiência no país O projeto visou apoiar a Secretaria de Estado para Integração de Pessoas com Deficiência do Haiti SEIPH na adoção de estratégias nacionais para a atenção e a inclusão das pessoas com deficiências físicas mentais e intelectuais Em El Salvador a Secretaria transferiu entre 2012 e 2013 metodologias conhecimentos e boas práticas no âmbito do enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes O projeto buscou o fortalecimento de políticas e instituições salvadorenhas especialmente o Instituto Salvadorenho para o Desenvolvimento Integral da Infância e Adolescência ISNA a partir de experiências estabelecidas no Plano de Ações Integradas e Referenciais de Enfrentamento à Violência Sexual InfantoJuvenil no Território Brasileiro PAIR e no Serviço de Disque Denúncia Nacional Disque 100 Por fim destacouse a consolidação da cooperação com a 166 Monções Revista de Relações Internacionais da UFGD Dourados v7 n14 agodez Disponível em httpojsufgdedubrindexphpmoncoes GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL Colômbia para o fortalecimento de instituições e promoção de políticas públicas para a garantia proteção e restituição plena dos direitos da população LGBT lésbicas gays bissexuais e transgêneros SDH 2015 IPEA ABC 201318 Dentre outras importantes ações do governo Dilma com impactos na área de cooperação em direitos humanos ressaltase que em 2012 a Agência Brasileira de Cooperação ABC lançou o Programa de Cooperação Técnica Descentralizada SulSul o qual abriu espaço para atuações dos entes subnacionais nesta modalidade de cooperação BRASIL 201519 Além disso destacase a permanência do reconhecimento quanto à importância da difusão internacional das políticas brasileiras de combate à fome e à pobreza Como exemplo dessa perspectiva é possível mencionar a criação em 2011 do Centro de Excelência do Programa Mundial de Alimentos em Brasília Essa perspectiva pode ser observada por meio do gráfico 3 o qual demonstra a distribuição de recursos do governo brasileiro no final do governo Lula e no primeiro mandato de Dilma Rousseff para a cooperação trilateral envolvendo organismos internacionais A partir dos dispêndios associados à FAO e ao PMA em específico verificase a manutenção da ênfase fornecida pelo Brasil a questão da segurança alimentar Gráfico 4 Recursos mobilizados pelo Governo brasileiro em cooperação trilateral envolvendo organismos internacionais 20092014 Execução em US 167 Monções Revista de Relações Internacionais da UFGD Dourados v7 n14 agodez Disponível em httpojsufgdedubrindexphpmoncoes GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL Além disso uma das primeiras ações do governo Temer foi a extinção das Secretarias das Mulheres da Igualdade Racial da Juventude e dos Direitos Humanos com status de Ministério sendo aglutinadas na Secretaria de Direitos Humanos atrelada ao Ministério de Justiça e Cidadania A ausência de uma pasta específica para tratar dos direitos humanos fragiliza o fortalecimento das ações de reparação promoção e defesa desses direitos com as quais o Estado brasileiro encontrase comprometido tanto por força da legislação nacional quanto dos tratados internacionais ratificados pelo País A própria jurista Flavia Piovesan que assumiu a chefia da secretaria recémcriada qualificou a perda de status de ministério de pasta como lamentável SOUZA 2016 Em tal contexto a legitimidade para a realização de uma CSS com enfoque em direitos humanos entrou em processo de erosão progressiva Os parcos dados disponibilizados pela ABC durante o governo Temer e a reorientação em curso da política externa brasileira sugerem a consolidação de um cenário caracterizado por uma acentuada curva descendente da CSS brasileira inclusive no que tange à proteção dos direitos humanos realizada nos mandatos do Presidente Lula e em parte do governo Dilma 4 Considerações Finais No mesmo período em que ocorriam as comemorações para os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos diversos países do Sul Global inclusive o Brasil deram impulso à cooperação SulSul como um dos instrumentos de política redistributiva de forças no plano internacional Tal ferramenta de política externa demandava relações cooperativas mais horizontais com base em novos entendimentos para a ideia de desenvolvimento que respeitassem as particularidades e potencialidades de cada país Os direitos humanos seriam um elemento chave neste processo pois discursivamente a CSS propõe superar o uso instrumentalizado desses direitos em prol de uma função emancipadora vinculada à ideia de justiça social Neste sentido a vinculação entre a CSS e os direitos humanos possibilitaria não apenas a superação de algumas limitações da cooperação tradicional ao desenvolvimento como colocaria os direitos humanos no centro nervástico dos esforços de cooperação O interesse do Brasil em ampliar suas práticas de CSS tendo como linha de atuação a transferência de conhecimento sobre projetos relacionados a direitos sociais colocou o país numa posição privilegiada em relação à vinculação entre cooperação desenvolvimento democracia e direitos humanos Como forma de avançar na Agenda pós2015 o fortalecimento da vinculação entre direitos humanos e a CSS mostrase como uma tarefa inadiável Apesar dos avanços alcançados pelo Brasil no campo das boas práticas da cooperação internacional ainda havia obstáculos para a assimilação dos direitos humanos na CSS brasileira os quais se mostram muito mais latentes no período em que a DUDH completa seus 70 anos A descontinuidade das políticas de cooperação em direitos humanos desenvolvidas no decorrer dos anos 2000 é apenas um dos indicativos da premente necessidade de garantia e proteção de tais direitos em meio ao cenário político econômico e social que o País vive desde o golpe parlamentar contra a Presidente Dilma Rousseff Nos governos de Lula e de Dilma já era possível verificar a falta de coordenação entre a ABC e outras instâncias governamentais e nãogovernamentais que colaboram e atuam no campo da cooperação especialmente as organizações da sociedade civil além da ausência de um marco legal aliado a uma política clara de cooperação internacional que explicitasse as intenções do país inclusive a longo prazo em relação à CSS Todavia essas dificuldades se exacerbarm com as novas diretrizes da política externa do governo Temer Dessa forma tornase ainda mais urgente o debate sobre a necessidade de alteração da estrutura da CSS brasileira para que sejam garantidos espaços mais significativos no campo dos direitos humanos nesta importante ferramenta da política externa do país GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL relações SulSul em vários âmbitos foi enfraquecida tanto no Mercosul quanto na Unasul além da extinção da CGFome resultando na transferência da cooperação humanitária para a ABC O chancelar Aloísio Nunes que sucedeu José Serra manteve a mesma visão Em sua gestão o Brasil apresentou pedido de adesão à OCDE organização amplamente dominada pelos países do Norte Ao mesmo tempo em que foi revista a intensidade e os desenhos da CSS enquanto ferramenta da Política Externa o Brasil é marcado por vários eventos negativos na área de direitos humanos em âmbito interno As várias políticas aprovadas em tempo recorde no governo Temer cuja legitimidade é questionada por amplos setores da sociedade civil brasileira e também no exterior atingiram gravemente direitos econômicos e sociais o teto do orçamento nacional para políticas sociais e a reforma trabalhista em nome do controle do déficit fiscal comprometem direitos e garantias socioeconômicas que eram vistas como cláusulas pétreas da Constituição Federal Em tal dinâmica destacamse as iniciativas do governo na crise da segurança pública dos Estados com rebeliões e massacres no sistema prisional paralisções de forças policiais e emprego das Forças Armadas em caráter emergencial especialmente em relação à intervenção federal no Rio de Janeiro a partir de fevereiro de 2018 CHARLEAUX 2017 Também é importante frisar que de forma inédita em 2017 e 2018 o Brasil ofereceu voto contrário à resolução do Conselho de Direitos Humanos da ONU que trata dos efeitos da dívida externa sobre a garantia dos direitos humanos MELLO 2017 CONECTAS 2018 No mesmo período o governo brasileiro não autorizou a visita de três relatores da ONU além de sugerir que possíveis inspeções de direitos humanos não ocorreriam antes de 2019 ou seja meses após as eleições presidenciais Um dos casos foi o do relator Michel Forst que atuou na proteção a defensores de direitos humanos o qual solicitou uma visita ao Brasil em dezembro de 2017 diante da situação de ameaça a ativistas Outro exemplo foi o de Philip Alston relator sobre extrema pobreza o qual fez duras críticas sobre os cortes nos gastos sociais e o impacto em comunidades mais carentes em carta enviada ao governo brasileiro em 2017 O caso mais recente foi a suspensão da visita do relator Juan Pablo Bohoslavsky que ocorreria entre os dias 18 e 30 de março de 2018 o qual faria um exame do impacto das medidas de austeridade implementadas pelo governo nas áreas sociais de educação e saúde CHADE 2018 GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL 5 Referências Bibliográficas ABC Agência Brasileira de Cooperação Relatório de Atividades Janeiro de 2015 a Maio de 2016 Brasília ABC 2016 ABDENUR Adriana Erthal NETO Danilo Marcondes Cooperação SulSul brasileira e democracia promoção do voto eletrônico e cooperação judicial Pambazuka News Edição 55 2013 Disponível em httppambazukaorgptcategoryfeatures88330 Acessado em 17 mai 2014 ABREU Sérgio A SOBRINHO Lima F Desdobramentos Recentes no Sistema ONU de Direitos Humanos o Novo Conselho de Direitos Humanos e a Atuação do Brasil In GIOVANETTI Andrea org 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos conquistas do Brasil Brasília FUNAG 2009 p 97112 AMORIM Celso Teerã Ramalá e Doha memórias da política externa ativa e altiva São Paulo Benvirá 2015 AYLLÓN Bruno Transformações Globais Potências Emergentes e Cooperação SulSul desafios para a cooperação europeia Caderno CRH Salvador v 25 n 65 maiago 2012 p 233249 Disponível em httpwwwredalycorgpdf3476347632188004pdf Acessado em 12 dez 2012 BAIGES Victor Méndez Sobre derechos humanos y democracia In CAPELLA Juan Ramón et al En el límite de los derechos Barcelona EUB 1996 BERGAMASCHI Isaline MOORE Phoebe TICKNER Arlene B eds SouthSouth Cooperation Beyond the Myths Rising Donors New Aid Practices London UK Palgrave Macmillan Publishers 2017 BESHARATI Neissan ESTEVE Paulo Os BRICS a Cooperação SulSul e o Campo da Cooperação para o Desenvolvimento Internacional Contexto Internacional Rio de Janeiro vol 37 no 1 janeiroabril 2015 p 289330 Disponível em httpwwwscielobrpdfcintv37n101028529cint370100289pdf Acessado em 04 dez 2015 BOBBIO Norberto Teoria Geral da Política A Filosofia Política e as Lições dos Clássicos Rio de Janeiro Campus 2000 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03constitucaoconstitucaohtm Acessado em 15 mai 2014 Discurso do Ministro de Estado das Relações Exteriores Embaixador Celso Amorim nas comemorações dos 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos Genebra Suíça 12 de dezembro de 2008 Disponível em httpwwwitamaratygovbrptBRdiscursosartigoseentrevistasministrosdasrelacoesexterioresdiscursos7999discursopreferidopeloministrodasrelacoesexterioresembaixador celsoamorimnacerimoniadecomemoracaodos60anosdadeclaracaodosdireitoshumanosgenebrasuica12122008 Acessado em 13 fev 2018 III Programa Nacional de Direitos Humanos PNDH3 Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República Brasília SEDHPR 2010 Disponível em httpwwwsdhgovbrassuntosdireitoparatodosprogramasp programanacionaldedireitoshumanospndh3 Acessado em 23 nov 2016 Cooperação Técnica Descentralizada SulSul Disponível em httpwww4 planaltogovbrsafprojetoscooperacaosulsulpublicacoesdiretrizesdoprograma decooperacaotecnicadescentralizadasulsul Acessado em 15 mai 2015 Discurso do ministro José Serra por ocasião da cerimônia de transmissão do cargo de ministro de estado das Relações Exteriores Brasília 18 de maio de 2016 Disponível em httpwwwitamaratygovbrptBRnotasaimprensa14043discursodoministrojoseserraporocasiaodacerimoniadetransmissaodocargo deministrodeestadodasrelacoesexterioresbrasilia18demaiode2016 Acessado em 20 nov 2016 CBDH Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa Sobre o Comitê Disponível em httpdpholiticaexternaorgbr Acessado em 16 dez 2017 CHADE Jamil Brasil só receberá inspeções de Direitos Humanos da ONU em 2019 O Estado de S Paulo 21032018 Disponível em httpbrasilestadaocombrnoticiasgeralbrasilsoreceberainspecoesdedireitos humanosdaonuem201970002236618 Acessado em 26 mar 2017 CHARLEAUX João Paulo Em que contexto o Brasil volta ao Conselho de Direitos Humanos da ONU Nexo Jornal 25022017 Disponível em httpswwwnexojornalcombrexpresso20170225EmquecontextooBrasilvoltaaoConselhodeDireitosHumanosdaONU Acessado em 15 mar 2017 CHAUI Marilena SANTOS Boaventura de Sousa Direitos humanos democracia e Desenvolvimento 1ª edição São Paulo Cortez 2013 CMDH Conferência Mundial sobre Direitos Humanos Declaração de Viena jun 1993 Disponível em httpwwwpgespgovbrcentrodeestudosbibliotecavirtualinstrumentosvienahtm Acessado em 03 mai 2017 CONECTAS Brasil vai contra resolução sobre dívida externa e direitos humanos Conectas Direitos Humanos 23032018 Disponível em httpwwwconectasorgnoticiasbrasilvaicontraresolucaosobredividaexternaedireitoshumanos Acessado em 26 mar 2018 DALLARI BUCCI Maria Paula Fundamentos para uma teoria jurídica das Políticas Públicas São Paulo Saraiva 2013 p 2544 GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL HRBAL Human Rights Based Approach to Development Cooperation Human Rights Based Approach to Development Cooperation Towards a Common Understanding Among UN Agencies HRBA Portal 2014 Disponível em httphrbaportalorgthehumanrightsbasedapproachtodevelopmentcooperationtowardsacommon understandingamongunagencies Acessado em 09 jan 2018 HIRST Monica O Brasil Emergente e os Desafios da Governança Global a Paz Liberal em Questão Texto para Discussão 1986 Brasília Ipea 2014 Conceitos e práticas da ação humanitária latinoamericana no contexto da securitização global Estudios internacionales Instituto de Estudios Internacionales Universidad de Chile Edição Especial 50 anos 2017 p 143178 Disponível em httpsscieloconicytclpdfreiv49nsp07193769rei4900143pdf Acessado em 31 dez 2017 IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ABC Agência Brasileira de Cooperação Cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional COBRADI 2010 2ª ed rev Brasília Ipea ABC 2013 Cooperação brasileira para o desenvolvimento internacional COBRADI 20112013 Brasília Ipea ABC 2016 KOMNISKI Murilo Vieira Conselho de Direitos Humanos e a atuação do Brasil Desdobramentos recentes no sistema ONU de direitos humanos São Paulo EDUC 2017 MACIEL Tadeu Morato Controle e participação nas novas políticas sociais o caso PróSocial Dissertação Mestrado PósGraduação em Ciências Sociais Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUCSP São Paulo 2011 p 170 Disponível em httpstede2pucspbrhandlehandle3325 Acessado em 05 mai 2012 MARIN Jeferson D BERTARELLO Marina A realização da democracia através da participação nas políticas públicas a afirmação democrática do Programa Nacional de Direitos Humanos PNDH3 Revista Estudos Jurídicos UNESPFranca ano 14 n 19 2010 p 163178 Disponível em httpsdialnetuniriojaesdescargaarticulo3996947pdf Acessado em 01 fev 2014 MELLO Patrícia Campos Brasil vai contra ONU ao votar efeito da dívida sobre direitos humanos Valor Econômico httpwwwvalorcombrbrasil4911624brasilvaicontraonuaovotarefeitodadividasobredireitoshumanos Acessado em 30 dez 2017 MILANI Carlos R S Atore e as agendas no campo da política externa brasileira e direitos humanos In PINHEIRO Letícia MILANI Carlos R S Política Externa GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL GILBERTO M A RODRIGUES TADEU MORATO MACIEL