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Sistema Prisional e Direitos Humanos condições de encarceramento da comunidade LGBTQIA à luz das Cortes Interamericana e Europeia de Direitos Humanos Lucas Henrique De Lucia Gaspar1 Rodrigo Teles de Oliveira2 Resumo A partir da compreensão que as pessoas LGBTQIA quando são colocadas dentro do sistema prisional têm a sua vulnerabilidade potencializada o presente estudo tem como objetivo analisar as condições de encarceramento da comunidade LGBTQIA e a atuação dos Sistemas Interamericano e Europeu de Direitos Humanos na proteção dos direitos desse grupo dentro do cárcere Com a adoção de uma análise exegética das normas internacionais vigentes sobre a matéria e das manifestações das Cortes será possível não apenas compreender os enfoques definidos pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos por meio da Opinião Consultiva de nº 2922 mas examinar alguns casos em que a Corte Interamericana de Direitos Humanos precisou se manifestar sobre a matéria Após o estudo dos contornos estabelecidos pelo Sistema Interamericano analisarseão as condições de encarceramento da comunidade Queer à luz do Sistema Europeu de Direitos Humanos a partir do caso X vs Turkey de modo a apreciar as questões fáticas e as deliberações efetuadas pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos naquele precedente e por fim a desenvolver um estudo crítico das premissas assentadas sobre o aprisionamento de pessoas LGBTQIA pelo TEDH sem deixar de evocar em paralelo o teor da Opinião Consultiva de nº 2922 da Corte IDH que traz importantes balizas sobre o tema Assim terseá ilustrado a temática das condições de aprisionamento da população LGBTQIA no âmbito das Cortes Regionais de Direitos Humanos 1 Mestrando em Direito Penal na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo USP pesquisa sob orientação da Professora Associada Doutora Mariângela Gama de Magalhães Gomes e fomentada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FAPESP Especialista lato sensu em Direito Processual Civil pela USP Intercambista na Faculdade de Direito da Universidade de Bolonha Itália Coordenadoradjunto do Grupo de Diálogo UniversidadeCárcereComunidade GDUCC da Faculdade de Direito da USP Pesquisador no Projeto DHCE Direitos Humanos e Condições de Encarceramento do Grupo de Pesquisas Direito Penal e Estado Democrático de Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo FDUSP Advogado E mail delucialucasgmailcom Lattes httplattescnpqbr5041156855235639 2 Doutorando em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo USP sob orientação da Professora Associada Doutora Mariângela Gama de Magalhães Gomes Mestre em História das Ideias Penais pela Faculdade Damas da Instrução Cristã FADIC Especialista em Direitos Humanos pela Faculdade Focus Coordenador do Curso de Direito e Professor de Direito Penal e Direitos Humanos do Instituto de Ensino Superior de Olinda IESO em Pernambuco Advogado Pesquisador no Projeto DHCE Direitos Humanos e Condições de Encarceramento do Grupo de Pesquisas Direito Penal e Estado Democrático de Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo FDUSP Email teles92gmailcom Sumário Introdução 1 Das normativas internacionais ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos uma análise das condições de encarceramento e da proteção aos Direitos Humanos em relação aos presos LGBTQIA 11 A Opinião Consultiva de nº 29 de 30 de maio de 2022 da Corte IDH e os direitos da comunidade LGBTQIA dentro do sistema prisional 12 A Comissão Interamericana de Direitos Humanos e o direito à visita íntima da pessoa encarcerada independentemente da orientação sexual Marta Lucía Alvarez Giraldo Caso 11656 Colômbia 13 a atuação da Corte IDH e as condições de encarceramento das pessoas LGBTQIA privadas de liberdade por meio da adoção de Medidas Provisórias como forma de proteção à dignidade da pessoa humana 131 Os encarcerados LGBTQIA no Complexo Penitenciário do Curado uma análise das Medidas Provisórias de 22 de maio de 2014 132 O Complexo Penitenciário do Curado e as Medidas Provisórias de 07 de outubro de 2015 o papel especial do Estado como garantidor da proteção dos encarcerados LGBTQIA 133 As Medidas Provisórias de 23 de novembro de 2016 e a visita in situ no Complexo Penitenciário do Curado na proteção dos encarcerados em situação de vulnerabilidade e na garantia à visita conjugal dos presos LGBTQIA 134 As Medidas Provisórias de 15 de novembro de 2017 em virtude da ausência de ações concretas para a proteção dos presos LGBTQIA dentro do Complexo Prisional Do Curado 135 A falta de compromisso estatal e as Medidas Provisórias de 28 de novembro de 2018 2 Análise das condições de encarceramento da comunidade Queer à luz do Sistema Europeu de Direitos Humanos um estudo do caso X vs Turkey 21 Ficha técnica descritiva do caso X vs Turkey 22 Contexto fático e alegações das partes do caso X vs Turkey 23 Deliberação do TEDH no caso X vs Turkey 231 Deliberação do TEDH no caso X vs Turkey violação ao artigo 3º da CEDH 232 Deliberação do TEDH No caso X vs Turkey transgressão ao artigo 14 da CEDH 233 Deliberação do TEDH no caso X vs Turkey condenação indenizatória 234 Voto parcialmente dissidente do juiz Jočienė no caso X vs Turkey ausência de afronta ao artigo 14 da CEDH 24 Análise crítica do caso X vs Turkey à luz da Opinião Consultiva nº 2922 da Corte IDH Conclusão Referências Introdução Não se tem como pensar em Direito Penal sem a ideia de violência3 Essa concepção se dá porque muito embora o Direito Penal só atue quando há uma violação a um Direito Fundamental a sua resposta consiste igualmente em uma violação a um Direito Fundamental vida liberdade eou patrimonial Podese afirmar portanto que a resposta do Direito Penal à prática de um delito é resumida em uma violência institucionalizada fomentada pelo Estado em busca da paz social Ao analisar a pena por excelência dominante na atualidade e fruto do pensamento moderno institucionalizada como forma de docilização do corpo a Pena Privativa de Liberdade verificase que atualmente ela é consubstanciada além da própria restrição da 3 HASSEMER Winfried MUÑOZ CONDE Francisco Introducción a la criminología y al derecho penal Valência Tirant lo blanch 1989 p 20 liberdade em inúmeras violações aos Direitos Fundamentais previstos no ordenamento jurídico brasileiro e aos Direitos Humanos A realidade carcerária se apresenta como sendo um lugar em que além da própria privação de liberdade o condenado terá que conviver com outras mazelas que se portam como sendo inerentes à sua natureza como superlotação superpopulação deficiência no sistema de saúde alimentação entre outras que podem ser facilmente encontradas na realidade do ambiente carcerário Se conviver em um sistema prisional diante de tantas violações reiteradas aos Direitos Fundamentais e Humanos já torna a prisão além de um lugar inóspito um ambiente abominável podese supor que há um agravamento da pena e das condições de encarceramento quando se centraliza o estudo para uma perspectiva de análise da execução e cumprimento da Pena Privativa de Liberdade na comunidade LGBTQIA4 Ao partir portanto da compreensão que o sistema prisional enquanto concretização de um arquétipo punitivo foi criado por e visando a punição do homem heterossexual cisgênero acaba por colocar aqueles que não se enquadram em uma padronização de identidade de gênero e orientação sexual socialmente estabelecida em um lugar ainda mais marginalizado em uma estrutura de exclusão como já é o próprio sistema carcerário Em vista de uma situação de marginalização em uma estrutura de exclusão social como é o sistema prisional apresentase como sendo de grande importância apontar não apenas como osas membrosas da comunidade LGBTQIA acabam sendo obrigadosas a viverem em uma estrutura que potencializa a sua vulnerabilidade sobretudo em virtude da ineficiência estatal na proteção dos Direitos Fundamentais dessas pessoas mas também compreender a partir da constatação dessa potencialização da vulnerabilidade dos LGBTQIA dentro do cárcere diante da ausência dos Estado como os mecanismos internacionais de proteção aos Direitos Humanos têm atuado com o objetivo de relembrar aos Estados acerca da obrigação em instituir um sistema prisional que não estimule a violação de Direitos inerentes ao ser humano em especial quando são motivadas por questões relacionadas à orientação sexual identidade de gênero e expressão de gênero 4 A sigla é adotada para se referir a lésbicas gays bissexuais travestis transexuais transgêneros queers intersexuais assexuais e outras variações de gêneros e sexualidades Em relação ao termo queer ela também pode ser utilizada para englobar qualquer pessoa LGBTQIA uma vez que seu significado corresponde àquele que é diferente do padrão cisheteronormativo Cf GOLD Michael The ABCs of LGBTQIA The New York Times Estados Unidos da América 07 jun 2019 Disponível em httpswwwnytimescom20180621stylelgbtqgenderlanguagehtml Acesso em 30 out 2020 Para fins do presente estudo ainda que reconhecendo as diversas nomenclaturas existentes e as variadas maneiras como a orientação sexual identidade de gênero e expressão de gênero podem se exteriorizar em nossa realidade social optouse pela adoção da sigla LGBTQIA Diante dessa perspectiva por meio de uma revisão bibliográfica de uma análise exegética das normas nacionais e internacionais vigentes e sobretudo por intermédio de uma análise jurisprudencial de relatórios da Comissão Interamericana de Direitos Humanos CIDH Opinião Consultiva de nº 2922 da Corte Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH e inclusive pautado em decisões da Corte IDH e do Tribunal Europeu de Direitos Humanos TEDH buscarseá compreender o movimento dessas cortes na proteção dos Direitos Humanos da comunidade LGBTQIA dentro do cárcere Em outras palavras tentase entender como as cortes internacionais atuam com o fito de diminuírem os problemas que atingem o sistema prisional para que com isso possibilite uma ideal reintegração do preso à sociedade Assim buscase evidenciar como os principais sistemas regionais de proteção aos Direitos Humanos buscam transpor as deficiências à proteção dos Direitos Humanos à comunidade LGBTQIA dentro do cárcere 1 Das normativas internacionais ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos uma análise das condições de encarceramento e da proteção aos Direitos Humanos em relação aos presos LGBTQIA Quando se analisa a legislação internacional acerca da proteção dos Direitos Humanos da pessoa encarcerada verificase um considerável movimento legislativo seja pelo estabelecimento das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos Regras de Nelson Mandela seja pelo estabelecimento das Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras Regras de Bangkok Contudo o movimento legislativo se mostra ainda muito retraído quando se tem como objeto de investigação as condições de encarceramento da comunidade LGBTQIA Porquanto os mencionados documentos internacionais perpassem sob um aspecto de gênero em especial ao considerar a ontologia normativa visto que as Regras de Bangkok são especificamente destinadas ao cárcere feminino as Regras de Mandela em sua Regra de nº 07 estabelecem que o registro da pessoa dentro do sistema prisional deve levar em consideração a auto atribuição de gênero De qualquer maneira a normativa é ainda mais incipiente não apenas com relação à questão de identidade de gênero e expressão de gênero mas também quando se muda esse prisma para partir para uma análise acerca da orientação sexual Não se pode afirmar que inexista documentação internacional contra violações aos Direitos Humanos por orientação sexual De fato existem o Manual sobre Reclusos com Necessidades Especiais da Oficina das Nações Unidas contra a Droga e o Delito de 2009 e os Princípios de Yogyakarta que são os Princípios sobre a Aplicação da Legislação Internacional de Direitos Humanos em Relação à Orientação Sexual e Identidade de Gênero de 2006 Entretanto o que se evidencia é a inexistência de um instrumento normativo especificamente destinado às condições de encarceramento da comunidade LGBTQIA sobremaneira ao considerar que a única proteção destinada à comunidade LGBTQIA no cárcere resta evidenciada em um único princípio presente nos Princípios de Yogyakarta in verbis Princípio 09 Direito a tratamento humano durante a detenção Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com humanidade e com respeito pela dignidade inerente à pessoa humana A orientação sexual e identidade de gênero são partes essenciais da dignidade de cada pessoa Os Estados deverão a Garantir que a detenção evite uma maior marginalização das pessoas motivada pela orientação sexual ou identidade de gênero expondoas a risco de violência maustratos ou abusos físicos mentais ou sexuais b Fornecer acesso adequado à atenção médica e ao aconselhamento apropriado às necessidades das pessoas sob custódia reconhecendo qualquer necessidade especial relacionada à orientação sexual ou identidade de gênero inclusive no que se refere à saúde reprodutiva acesso à informação e terapia de HIVAids e acesso à terapia hormonal ou outro tipo de terapia assim como a tratamentos de reassignação de sexogênero quando desejado c Assegurar na medida do possível que todos os detentos e detentas participem de decisões relacionadas ao local de detenção adequado à sua orientação sexual e identidade de gênero d Implantar medidas de proteção para todos os presos e presas vulneráveis à violência ou abuso por causa de sua orientação sexual identidade ou expressão de gênero e assegurar tanto quanto seja razoavelmente praticável que essas medidas de proteção não impliquem maior restrição a seus direitos do que aquelas que já atingem a população prisional em geral e Assegurar que as visitas conjugais onde são permitidas sejam concedidas na base de igualdade a todas as pessoas aprisionadas ou detidas independente do gênero de sua parceira ou parceiro f Proporcionar o monitoramento independente das instalações de detenção por parte do Estado e também por organizações nãogovernamentais inclusive organizações que trabalhem nas áreas de orientação sexual e identidade de gênero g Implantar programas de treinamento e conscientização para o pessoal prisional e todas as outras pessoas do setor público e privado que estão envolvidas com as instalações prisionais sobre os padrões internacionais de direitos humanos e princípios de igualdade e nãodiscriminação inclusive em relação à orientação sexual e identidade de gênero5 5 Princípios de Yogyakarta princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero Tradução Jones de Freitas jul 2007 Disponível em httpwwwdhnetorgbrdireitossosgaysprincipiosdeyogyakartapdf Acesso em 03 de dezembro de 2022 Posteriormente acrescentada em virtude dos Princípios de Yogyakarta 10 princípios e obrigações estatais adicionais sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual identidade de gênero expressão de gênero e às características sexuais que complementam os Princípios de Yogyakarta6 OS ESTADOS DEVEM H Adotar e implementar políticas para combater a violência discriminação e outros danos por motivo de orientação sexual identidade de gênero expressão de gênero ou características sexuais que sofrem as pessoas privadas de liberdade inclusive no que respeita a assuntos como a detenção as revistas corporais e de outro tipo os elementos empregados para expressar o gênero o acesso à continuidade de tratamentos e cuidados médicos que afirmem o seu gênero assim como o confinamento solitário com fins de proteção I Adotar e implementar políticas sobre detenção e tratamento de pessoas privadas de liberdade que reflitam as necessidades e os direitos das pessoas de todas as orientações sexuais identidades de gênero expressões de gênero e características sexuais e que garantam que as pessoas possam participar de decisões a respeito das instalações em que serão confinadas J Oferecer supervisão efetiva aos estabelecimentos de detenção tanto em centros de custódia públicos quanto privados com o propósito de assegurar a segurança e proteção de todas as pessoas levando em conta as vulnerabilidades específicas relacionadas à orientação sexual identidade de gênero expressão de gênero e às características sexuais Ao partir da premissa que as pessoas LGBTQIA vivem dentro do sistema prisional em um contexto que potencializa a sua vulnerabilidade com reiteradas violações aos seus Direitos Fundamentais e Humanos a inexistência de um tratamento legislativo robusto relativo à matéria se reflete na atuação da própria Corte IDH Pouco se tem no âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos sobre as condições de encarceramento que sejam voltadas à promoção de um tratamento que evite o surgimento de um contexto de violências e preconceitos dentro do cárcere em decorrência da orientação sexual identidade de gênero e expressão de gênero Ao analisar as decisões da Corte IDH observase que embora haja um número considerável de decisões voltadas à proteção dos Direitos Humanos no cárcere sobretudo às condições de encarceramento quase não há decisões voltadas à proteção dos Direitos Humanos da comunidade LGBTQIA no cárcere As poucas decisões que abordam essa temática ainda assim as fazem de maneira superficial sem a realização de uma análise das violações aos Direitos Humanos com um 6 Princípios de Yogyakarta mais 10 princípios e obrigações estatais adicionais sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual identidade de gênero expressão de gênero e às características sexuais que complementam os Princípios de Yogyakarta Set 2017 Disponível em httpswwwmpfmpbrpfdcmidiatecaoutraspublicacoesdedireitoshumanospdfsprincipiosdeyogyakarta mais1020171atdownloadfile Acesso em 22 de janeiro de 2023 enfoque específico à vulnerabilidade potencializada dentro do contexto carcerário que estimula o preconceito e a violência em virtude da orientação sexual identidade de gênero e expressão de gênero fundamentando suas decisões sobremaneira nos artigos 41 e 51 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos Das manifestações do Sistema Interamericano de Direitos Humanos acerca da temática podese retirar 03 três que trazem reflexos acerca das condições de encarceramento de pessoas LGBTQIA i Opinião Consultiva de nº 29 de 30 de maio de 2022 ii Relatório de nº 71 de 04 de maio de 1999 Marta Lucía Alvarez Giraldo Caso de nº 11656 Colômbia7 iii Medidas Provisórias decretadas em desfavor do Brasil em razão das condições de encarceramento no Complexo Prisional do Curado em Pernambuco8 11 A Opinião Consultiva de nº 29 de 30 de maio de 2022 da Corte IDH e os direitos da comunidade LGBTQIA dentro do sistema prisional Em 25 de novembro de 2019 a CIDH com amparo no artigo 641 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos solicitou à Corte IDH um parecer consultivo tendo como objeto Enfoques diferenciados em matéria de pessoas privadas de liberdade O documento tinha como objetivo solicitar que a Corte IDH realizasse uma interpretação conjunta à luz dos princípios da igualdade e da nãodescriminação das normas vigentes no Sistema Interamericano de Direitos Humanos que apontem para as obrigações dos Estados que são parte da Organização dos Estados Americanos OEA na promoção da proteção de grupos socialmente vulneráveis como os LGBTQIA que estão privados de liberdade Ou seja a solicitação do parecer consultivo tinha como principal meta requisitar que a Corte IDH apresentasse uma interpretação das normas sobre Direitos Humanos vigentes que se coadunassem com a realidade social e com a finalidade de uma proteção integral sem qualquer tipo de descriminação para que assim seja possível alcançar uma igualdade material a ponto de que com a utilização de uma interpretação mais integrativa do corpo normativo vigente na 7 CIDH Caso Marta Lucía Alvarez Giraldo vs Colômbia Caso 11656 Informe Nº 7199 Disponível em httpswwwcidhoasorgannualrep99spanadmisible colombia11656htm Acesso em 28 de junho de 2022 8 Para fins do presente estudo serão utilizadas todas as Medidas Provisórias decretadas pela Corte IDH em desfavor do Brasil que tenham como objeto de discussão as condições de encarceramento da comunidade LGBTQIA no Complexo Prisional do Curado em Pernambuco seara internacional os Estados possam desenvolver internamente mecanismos eficazes para atender e reduzir as vulnerabilidades existentes que são potencializadas para alguns grupos dentro do cárcere Neste ponto a solicitação de parecer consultivo elaborada pela CIDH à Corte IDH aponta para a necessidade de uma interpretação mais integrativa que seja capaz de diminuir as vulnerabilidades para aqueles que vivem em situação especial de risco dentro do sistema prisional como a comunidade LGBTQIA A seguir com base em seu trabalho de monitoramento a Comissão passa a definir alguns aspectos que revelam o impacto diferenciado e os efeitos desproporcionalmente prejudiciais no contexto de privação de liberdade a respeito das mulheres grávidas em período de pósparto e lactantes das pessoas LGBT das pessoas indígenas das pessoas idosas e das crianças que vivem com as mães na prisão a fim de justificar a necessidade de que se disponha de uma interpretação da egrégia Corte que permita determinar o alcance e o enfoque diferenciado que têm as obrigações dos Estados para garantir os direitos dessas pessoas e atender às condições particulares de vulnerabilidade que aumentam o risco de que sejam objeto de atos de discriminação9 Dentro dos grupos que se encontram em uma situação de maior vulnerabilidade dentro do cárcere encontramse os membros LGBTQIA Para tanto ao constatar as dificuldades que as pessoas LGBTQIA enfrentam dentro das prisões em virtude da estigmatização e dos preconceitos a CIDH apontou para 06 seis obstáculos com as quais as pessoas LGBTQIA têm que encarar quando são colocadas dentro do contexto prisional10 i Exposição a um risco maior de violência ii Determinação do ingresso nas unidades carcerárias sem considerar a identidade de gênero iii Segregação dentro da própria prisão iv Falta de reconhecimento da identidade e expressão de gênero v Maiores obstáculos para a realização de visitas íntimas e vi Falta de acesso a serviços de saúde adequados Desta maneira ao constatar essas dificuldades vivenciadas pelas pessoas LGBTQIA dentro do cárcere a CIDH acaba por apresentar alguns questionamentos à Corte IDH 9 CIDH Solicitação de Parecer Consultivo à Corte Interamericana de Direitos Humanos enfoques diferenciados em matéria de pessoas privadas da liberdade Novembro de 2019 Disponível via URL httpswwwcorteidhorcrdocsopinionessoc0519porpdf Acesso em 08 de abril de 2023 20 10 CIDH Solicitação de Parecer Consultivo à Corte Interamericana de Direitos Humanos 29 i Se é possível justificar nos artigos 24 e 11 da Convenção a necessidade da adoção de medidas ou enfoques diferenciados para garantir que suas circunstâncias específicas não afetem a igualdade de condições com as demais pessoas privadas da liberdade tanto no que diz respeito a suas condições de detenção como em relação aos recursos que sejam interpostos para proteger seus direitos no contexto da privação da liberdade Em caso positivo que implicações concretas reveste o conteúdo dos direitos envolvidos nesses artigos no alcance das obrigações correlatas que cabem aos Estados na matéria ii Como devem os Estados levar em conta a identidade de gênero com a qual se identifica a pessoa no momento de determinar a unidade em que deve ingressar iii Que obrigações específicas cabem aos Estados para prevenir todo ato de violência contra pessoas LGBT privadas da liberdade que não impliquem segregação do restante da população carcerária iv Quais as obrigações especiais dos Estados quanto às necessidades médicas especiais de pessoas trans privadas da liberdade e especificamente se for o caso a respeito daquelas que queiram iniciar ou continuar seu processo de transição v Que medidas especiais os Estados devem adotar para assegurar o direito à realização de visitas íntimas de pessoas LGBT vi Que obrigações específicas cabem aos Estados em matéria de registro dos diferentes tipos de violência contra pessoas privadas da liberdade LGBT11 Diante do contexto e dos questionamentos apresentados pela CIDH para a Corte IDH a Corte IDH em 30 de maio de 2022 emitiu a Opinião Consultiva de nº 2212 que tem como objetivo apresentar uma interpretação mais efetiva de alguns artigos da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e de outros instrumentos normativos que tenham como objetivo a proteção dos Direitos Humanos dentro do sistema prisional em especial para determinados grupos vulneráveis como as pessoas LGBTQIA Ao considerar as condições de encarceramento e as demais situações que agravam as violações aos Direitos Humanos dosas encarceradosas LGBTQIA a Corte IDH aponta para a existência de uma situação de violência física e psicológica generalizada em desfavor desta comunidade que são causadas sobretudo por outrosas presosas e pelas próprias condições de encarceramento em si Essas violações que acabam ocorrendo em virtude das condições de encarceramento são decorrentes da própria estrutura heterocisnormativa do cárcere Ou seja o sistema prisional foi elaborado sobretudo pensando em abrigar homens heterossexuais não foi criado refletindo acerca da orientação sexual identidade de gênero e expressão de gênero Em razão disso o cárcere para a comunidade LGBTQIA acaba sendo um locus em que a sua pena acaba 11 CIDH Solicitação de Parecer Consultivo à Corte Interamericana de Direitos Humanos 78 12 Corte IDH Opinião Consultiva OC2922 de 30 de maio de 2020 enfoques diferenciados a respeito de determinados grupos de pessoas privadas de liberdade Maio de 2022 Disponível via URL httpswwwcorteidhorcrdocsopinionesseriea29esppdf Acesso em 11 de março de 2023 sendo agravada por fatores externos e sem qualquer relação com o crime que foi praticado Em outros termos o que se constata é a existência de um ambiente carcerário em que uma presoa LGBTQIA acaba sendo obrigadoa a passar por uma piora em sua situação de encarceramento apenas pelo fato de ser LGBTQIA em virtude não apenas da inexistência de uma estrutura carcerária criada pensando nas diversas formas de ser e de se expressar mas também pela própria violência implementada por presosas heterossexuais que acabam considerando osas presosas LGBTQIA como sendo pessoas inferiores o que as tornam vítimas de diversos tipos de violências como a psicológica física e inclusive sexual Deste modo a falta de reconhecimento da identidade de gênero no contexto penitenciário implica um risco de vulnerabilidade de seus direitos e uma maior exposição à violência destas pessoas Ademais existe um consenso no marco do direito internacional dos direitos humanos em que de forma geral a classificação e separação das pessoas privadas de liberdade jamais poderá justificar um tratamento inferior ao recebido por outras pessoas reclusas nem implicar tortura ou outros tratamentos cruéis desumanos e degradantes Tradução nossa 13 A falta de preparo das Autoridades Penitenciárias é um outro fator que agrava a situação de violência dentro do cárcere para essesas presoas sobretudo porque elas não estão preparadas para compreender e atender adequadamente as especificidades das pessoas levando em conta a orientação sexual identidade de gênero e expressão de gênero dosas presosas o que acaba por dificultar o acesso dessas pessoas a serviços que podem ser essenciais como o sistema do sistema de saúde e de remédios de suma importância principalmente para as pessoas que estão em processo de transição de gênero Desta maneira a Corte IDH aponta para a necessidade dos Estados atuarem com o intuito de reverter essa situação de violência dentro do sistema prisional em desfavor de pessoas LGBTQIA em virtude de sua orientação sexual identidade de gênero e expressão de gênero Recomenda portanto que sempre que os Estados integrantes da OEA não puderem atender as especificidades dessa comunidade dentro do sistema carcerário busquem adotar um enfoque diferenciado em relação aosàs presosas LGBTQIA Por esse motivo quando não for possível oferecer uma condição de encarceramento condigna com a proteção dos Direitos Humanos e ainda verificada um potencial incremento 13 De este modo la falta de reconocimiento de la identidad de género en el contexto penitenciario implica un riesgo de vulneración de sus derechos y una mayor exposición a la violencia de estas personas supra párrs 230 a 232 Además existe consenso en el marco del derecho internacional de los derechos humanos en que de forma general la clasificación y separación de las personas privadas de la libertad jamás podrá justificar un trato inferior al recibido por otras personas reclusas ni implicar tortura u otros tratos crueles inhumanos y degradantes Corte IDH Opinião Consultiva nº 2922 237 da vulnerabilidade dessa comunidade que seja motivada pela orientação sexual identidade de gênero e expressão de gênero os Estadosmembros deverão sempre que possível buscar pela aplicação de outras medidas desencarceradoras como a substituição das Penas Privativas de Liberdade por outras medidas cautelares eou punitivas diversas da prisão14 Ao constatar que algumas unidades prisionais de Estados que são membros da OEA sob a justificativa de buscar a proteção das pessoas LGBTQIA colocam essas pessoas em celas de isolamento por exemplo para que não tenham acesso a grupos e pessoas que possam comprometer a sua integridade a Corte IDH acaba por asseverar que é dever dos Estados membros a partir do reconhecimento da orientação sexual identidade de gênero e expressão de gênero garantir um espaço que possa oferecer aosàs encarceradosas LGBTQIA segurança dentro do sistema prisional razão pela qual não é justificável colocar essas pessoas em qualquer tipo solitária isolamento ou segregação administrativa sob a justificativa de garantir a proteção dessas pessoas À luz dos padrões internacionais sobre a matéria a Corte considera que a determinação do local de uma pessoa LGBTI dentro de um centro penitenciário deve ser determinada pelas autoridades estatais em conformidade com as particularidades de cada pessoa e sua situação específica de risco em atenção ao contexto especial de cada Estado mas sempre tendo como princípios reitores o respeito à identidade e expressão de gênero evitando qualquer situação que produza problemas de convivência a participação da pessoa em questão e a proteção contra a violência em si e contra o resto da população penitenciária Tradução nossa15 Em outras palavras para a Corte IDH a distribuição da comunidade carcerária deve perpassar pela análise acerca do sexo mas também deve estabelecer um critério de segurança à integridade da pessoa como elemento adicional no momento da acomodação dosas presosas Deve portanto considerar a auto identificação doa presoa em conformidade com a sua orientação sexual identidade de gênero e expressão de gênero de forma a não implicar automaticamente uma forma de isolamento automática Não cabem desta maneira ao Estadosmembros colocaram osas detentosas LGBTQIA em solitárias utilizando como argumento a utilização dessa forma de privação da liberdade como sendo uma maneira de oferecer uma proteção a elesas Devem todos os 14 Corte IDH Opinião Consultiva nº 2922 236 15 A la luz de los estándares internacionales en la materia la Corte considera que la ubicación de una persona LGBTI dentro de un centro penitenciario debe ser determinada por las autoridades estatales de conformidad con las particularidades de cada persona y su situación específica de riesgo en atención al contexto especial de cada Estado pero siempre teniendo como principios rectores el respeto a la identidad y expresión de género evitando cualquier situación que produzca problemas de convivencia la participación de la persona interesada y la protección contra la violencia en su contra y en relación con el resto de la población penitenciaria Corte IDH Opinião Consultiva nº 2922 247 Estados que fazem parte da OEA criar e utilizar mecanismos de prevenção investigação e de punição que sejam necessárias para evitar situações de violência carcerária motivadas por questões de orientação sexual identidade de gênero e expressão de gênero assim como se pode compreender dos artigos 1 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Sancionar a Tortura Além disso ao considerar a deficiência de dados oficiais acerca da violência contra a comunidade LGBTQIA sobretudo dentro do sistema prisional a Corte IDH aponta que todos os Estadosmembros estão obrigados a criar um sistema de coleta de dados efetivos acerca de violências exercidas em desfavor desse grupo por força dos artigos 11 e 2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos A criação de um sistema de coleta de dados que registre essas violências possibilitará o desenvolvimento de estratégias efetivas que sejam capazes de proteger as pessoas LGBTQIA dentro do sistema prisionais e impossibilitar a ocorrência de novos atos de violência e discriminação Desta forma segundo a Corte IDH na Opinião Consultiva de nº 29 de 30 de maio de 2022 cabem aos Estadosmembros da Organização dos Estados Americanos a realizar um estudo individualizado do risco no momento de ingresso ao recinto penitenciário que se utilize como fundamento para determinar as medidas especiais de proteção que sejam necessárias b absterse de impor sanções ou medidas disciplinares fundamentadas na orientação sexual ou identidade de gênero das pessoas c capacitar e sensibilizar o pessoal e a população carcerária sobre os direitos das pessoas LGBTI a discriminação à que se encontram sujeitas e o direito à igualdade e à nãodiscriminação d permitir às pessoas trans elegerem o gênero dos funcionários que forem realizar revistas corporais que deverão ser em situação excepcionais e estabelecer mecanismos para à denúncia de violência sofrida por pessoas LGBTI dentro dos centros prisionais f informar às pessoas LGBTI sobre seus direitos e os mecanismos de denúncia disponíveis e g garantir o monitoramento externo e independente das prisões Tradução nossa16 Em relação ao acesso à saúde a Corte IDH em sua Opinião Consultiva dispõe que é uma obrigação dos Estadosmembros em decorrência da necessidade do reconhecimento efetivo da orientação sexual identidade de gênero e expressão de gênero o fornecimento de 16 a realizar un estudio individualizado de riesgo al momento del ingreso al recinto penitenciario que se utilice como fundamento para determinar las medidas especiales de protección que requiera supra párr 251 b abstenerse de imponer sanciones o medidas disciplinarias fundamentadas en la orientación sexual o identidad de género de las personas c capacitar y sensibilizar al personal y a la población penitenciaria sobre los derechos de las personas LGBTI la discriminación a la que se encuentran sujetas y el derecho a la igualdad y a la no discriminación d permitir a las personas trans elegir el género de los funcionarios que realicen revisiones corporales las cuales serán excepcionales e establecer mecanismos para la denuncia de la violencia sufrida por las personas LGBTI dentro de los centros penitenciarios infra párr 263 f informar a las personas LGBTI sobre sus derechos y los mecanismos de denuncia disponibles y g garantizar el monitoreo externo e independiente de las cárceles supra párrs 45 244 y 246 Corte IDH Opinião Consultiva nº 2922 257 serviços de saúde adequados sobretudo quando estiverem ligados à questão de identidade de gênero como é o caso do serviço de saúde dedicados a pessoas trans com o objetivo que essas pessoas possam adequar o seu corpo à sua identidade de gênero devendo oferecer inclusive tratamentos para redesignação de sexo quando oferecidos a todosas pelo Estado como forma de expressão e concretização do princípio da nãodiscriminação e sobremaneira do princípio da igualdade Ademais reconhecendo que a orientação sexual e o exercício da sexualidade são partes que compõem intimidade da pessoa expressandose como um direito da personalidade e tendo em vista que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos não protege nenhum tipo específico de família e não estabelece qualquer arquétipo de família como sendo o referencial a Opinião Consultiva de nº 29 da Corte IDH acaba por apontar que é dever dos Estados membros da OEA garantir a visita íntima da comunidade LGBTQIA dentro do sistema prisional devendo ser assegurada as mesmas condições no exercício das visitas íntimas das condições dispostas aosàs demais encarceradosas 12 A CIDH e o direito à visita íntima da pessoa encarcerada independentemente da orientação sexual Marta Lucía Alvarez Giraldo Caso 11656 Colômbia O Relatório de nº 71 de 04 de maio de 199917 é uma manifestação oriunda do Sistema Interamericano dos Direitos Humanos acerca do Direito dosas encarceradosas à visita íntima independentemente da orientação sexual Ressaltese que embora tenha sido uma manifestação da CIDH e não da Corte IDH é importante evidenciar o mencionado relatório sobretudo ao considerar que a própria CIDH apontou que a restrição à visita íntima de uma encarcerada em virtude de sua orientação sexual poderia constituir em uma ingerência abusiva ou arbitrária em sua vida privada o que violaria o art 112 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos Desta forma o que se pode observar é que embora o Relatório de nº 71 tenha sido exarado pela CIDH é um documento de suma importância por abrir caminhos para a luta dos Direitos das pessoas LGBTQIA privadas de liberdade na Colômbia Veja portanto que o próprio Relatório de nº 71 da CIDH mesmo tendo sido realizado em 04 de maio de 1999 coadunase perfeitamente com a Opinião Consultiva de nº 29 de 2022 17 CIDH Caso Marta Lucía Alvarez Giraldo vs Colômbia no momento em que afirma que é um Direito de qualquer pessoa que se encontre privada de liberdade a possibilidade de receber visitas íntimas No Caso de nº 11656 que deu surgimento ao Relatório de nº 71 de 04 de maio de 1999 a peticionária a Srª Marta Lucía Álvares Giraldo alegou que estava tendo seus Direitos Humanos violados pela República da Colômbia sobremaneira em sua integridade pessoal honra e igualdade em virtude da negativa do mencionado Estado permitir que a vítima tivesse direito a receber visitas íntimas de sua companheira em razão de sua orientação sexual Em resposta a República da Colômbia embora tenha reconhecido que a peticionária estava sendo tratada de forma desumana e discriminatória18 afirmou que de fato impedia a Srª Marta Lucía Álvares Giraldo de receber visitas íntimas em virtude de sua orientação sexual Como justificativa afirmou que caso permitisse essa prática a ordem e disciplina estabelecidas na penitenciária em que ela se encontrava o Centro de Reclusión de Mujeres de Pereira seriam afetadas posto que os países latinoamericanos são poucos tolerantes com as práticas homossexuais Em virtude dessa conduta a CIDH por meio do Relatório de nº 122 de 05 de outubro de 201819 reconheceu que a República da Colômbia vulnerou o Direito à Integridade da Srª Marta Lucía Álvares Giraldo consubstanciando no seu Direito de receber um tratamento em conformidade com a dignidade da pessoa humana enquanto estava presa sob a tutela do Estado razão pela qual a República da Colômbia violou os artigos 11 51 81 112 24 e 251 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos Em consequência como recomendação a CIDH apontou para a necessidade da República da Colômbia reparar integralmente a peticionária por danos morais e materiais bem como que o Estado empreenda todas as medidas estatais necessárias para que não ocorram mais violações aos Direitos Humanos ou qualquer tipo de discriminação dentro do cárcere por razões ligadas à orientação sexual 13 A atuação da Corte IDH e as condições de encarceramento das pessoas LGBTQIA privadas de liberdade por meio da adoção de Medidas Provisórias como forma de proteção à Dignidade da Pessoa Humana 18 Seguidamente sin embargo reconoció la legitimidad del reclamo presentado basado en un informe del Ministerio de Justicia y Derecho donde se admite que la peticionaria está siendo tratada en forma inhumana y discriminatoria Sin embargo reiteró sus alegatos iniciales en cuanto a que la prohibición atiende a razones arraigadas en la cultura latinoamericana la cual sostiene sería poco tolerante respecto de las prácticas homosexuales CIDH Caso Marta Lucía Alvarez Giraldo vs Colômbia 12 19 CIDH Caso Marta Lucía Alvarez Giraldo vs Colômbia 227 Como já informado a Corte IDH não teve muita oportunidade de se manifestar especificamente sobre as condições de encarceramento das pessoas LGBTQIA Porquanto a jurisprudência acerca da temática ainda seja muito incipiente ao partir da análise de algumas decisões da Corte IDH já é possível vislumbrar um certo caminho na proteção dos Direitos Humanos dessa comunidade dentro do cárcere Para tanto resolveuse analisar 05 cinco Medidas Provisórias decretadas pela Corte IDH em desfavor da República Federativa do Brasil em virtude das condições de encarceramento das pessoas privadas de liberdade no Complexo Prisional do Curado localizado no Estado de Pernambuco quais sejam 1 Medidas Provisórias de 22 de maio de 2014 2 Medidas Provisórias de 07 de outubro de 2015 3 Medidas Provisórias de 23 de novembro de 2016 4 Medidas Provisórias de 15 de novembro de 2017 e 5 Medidas Provisórias de 28 de novembro de 2018 Destaquese que por mais que as Medidas Provisórias acima listadas tenham como ponto de análise as condições de encarceramento de toda e qualquer pessoa que esteja privada de liberdade no Complexo Prisional do Curado elas evidenciam a necessidade de uma especial proteção aos Direitos Humanos das pessoas em situação de vulnerabilidade como as pessoas LGBTQIA 131 Os encarcerados LGBTQIA no Complexo Penitenciário do Curado uma análise das Medidas Provisórias de 22 de maio de 2014 Mencionadas medidas foram decretadas após solicitação da CIDH em 31 de março de 2014 em virtude da ineficiência das Medidas Cautelares estabelecidas pela própria CIDH em favor das pessoas privadas de liberdade no Complexo Prisional do Curado em Pernambuco antigo Centro Penitenciário Professor Aníbal Bruno Ou seja em razão de possíveis violações aos Direitos Humanos de pessoas privadas de liberdade dentro do Complexo Prisional do Curado a CIDH estabeleceu inúmeras medidas cautelares que deveriam ser adotadas pela República Federativa do Brasil em favor não apenas dos presos mas de toda e qualquer pessoa que de alguma forma se encontrasse no mencionado presídio Ao analisar que as Medidas Cautelares não foram suficientes a CIDH com amparo nos artigos 632 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e 27 do Regulamento Interno da Corte pugnou para que a Corte IDH decretasse Medidas Provisórias em desfavor do Brasil com o intuito de que este adotasse todas as medidas necessárias para proteger a vida e a integridade pessoal de todosas que se encontrem no antigo Centro Penitenciário Professor Aníbal Bruno sobretudo das pessoas privadas de liberdade A CIDH solicitou portanto que a Corte IDH ordenasse ao Estado Brasileiro a a conseguir um controle efetivo do centro penitenciário em estrito apego aos direitos humanos das pessoas privadas de liberdade b identificar e responder de maneira efetiva às causas que permitem o tráfico de armas no interior do centro penitenciário c eliminar a prática de chaveiros d eliminar os altos índices de superlotação e assegurar o acesso de serviços de saúde a pessoas que sofrem de doenças graves f evitar a propagação de doenças contagiosas entre os internos g eliminar as inspeções vaginais e anais em detrimento dos visitantes bem como qualquer outra medida que atente contra sua vida e integridade pessoal e h investigar de maneira diligente os fatos denunciados a fim de punir as pessoas responsáveis inclusive agentes penitenciários e evitar que os fatos narrados se repitam no futuro20 Vejase que entre os pedidos realizados pela CIDH não há nenhum voltado diretamente ao cuidado da comunidade LGBTQIA dentro do cárcere De qualquer maneira entre os diversos fatos que fundamentaram o pedido realizado pela CIDH encontrase o relato de que haviam detentos com funções disciplinares e de controle de segurança autorizados por funcionários do próprio sistema prisional o quais são denominados de Chaveiros21 Esses detentos por possuírem um maior poderio dentro da mencionada unidade prisional segundo relatos restringiam a livre circulação de gays bissexuais e transexuais nos corredores do Centro Penitenciário Professor Aníbal Bruno atual Complexo Prisional do Curado Desta maneira considerando a situação de risco extremamente grave à vida e integridade pessoal dos internos e de todosas ali presentes a Corte IDH sem prejulgar a responsabilidade estatal pelos fatos aduzidos no pedido realizado pela CIDH determinou que 20 Corte IDH Resolução Complexo Prisional do Curado 22 de maio de 2014 Disponível em httpswwwcorteidhorcrdocsmedidascuradose01porpdf Acesso em 25 julho de 2022 9º 21 Os Chaveiros são presos que em razão do seu alto poder intimidatório normalmente presos condenados ou acusados por crimes de tráfico de drogas eou por crimes contra o patrimônio eram escolhidos para organizar toda a dinâmica e o modo como as demais pessoas privadas de liberdade se distribuiriam dentro do Complexo Penitenciário do Curado Eles são responsáveis por definir a distribuição dos presos pelas celas da unidade prisional possuindo até mesmo poder disciplinar A nomenclatura Chaveiro é decorrente do fato desses presos com maior poder intimidatório possuírem literalmente as chaves das celas do Complexo Penitenciário do Curado o Estado brasileiro adotasse medidas de curto prazo nos eixos voltados à saúde segurança e contingente populacional dentro do cárcere consistente em a elaborar e implementar um plano de emergência em relação à atenção médica em particular aos reclusos portadores de doenças contagiosas e tomar medidas para evitar a propagação destas doenças b elaborar e implementar um plano de urgência para reduzir a situação de superlotação e superpopulação no Complexo de Curado c eliminar a presença de armas de qualquer tipo dentro do Complexo de Curado d assegurar as condições de segurança e de respeito à vida e à integridade pessoal de todos os internos funcionários e visitantes do Complexo de Curado e e eliminar a prática de revistas humilhantes que afetem a intimidade e a dignidade dos visitantes22 Vejase que muito embora a CIDH tenha informado a ocorrência de violência contra a Comunidade LGBTQIA no Complexo Prisional do Curado como um dos fundamentos que consubstanciam o requerimento de Medidas Provisórias a serem decretadas em desfavor do Estado brasileiro não houve a determinação de qualquer medida a ser adotada pelo Brasil destinada especificamente para a Comunidade LGBTQIA dentro do mencionado complexo prisional pernambucano 132 O Complexo Penitenciário do Curado e as Medidas Provisórias de 07 de outubro de 2015 o papel especial do Estado como garantidor da proteção dos encarcerados LGBTQIA Mesmo após a decretação das Medidas Provisórias de 22 de maio de 2014 a Corte IDH recebeu denúncias acerca da continuação de possíveis violações aos Direitos Humanos dos encarcerados sobretudo relacionadas à comunidade LGBTQIA Osas representantes dos presos do Complexo Prisional do Curado relataram à Corte IDH que a cela dos prisioneiros LGBTQIA tinha o seu sistema de ventilação comprometido sobretudo ao considerar que a porta era a única via para a entrada de ar Essa situação tornava a cela extremamente quente de maneira que criava no ambiente um efeito microondas23 Além da condição da cela dos prisioneiros LGBTQIA foi constatada a ocorrência de um estupro coletivo a um detento LGBTQIA ocorrido dentro do Complexo Prisional do 22 Corte IDH Resolução Complexo Prisional do Curado 22 de maio de 2014 20 23 Em 18 de julho de 2015 foi verificado que a cela dos prisioneiros LGBT tem sua aeração comprometida tendo como única entrada de ar a quadrícula porta de acesso o que gera um efeito microondas produzindo um calor insuportável Corte IDH Resolução Complexo Prisional do Curado 07 de outubro de 2015 Disponível em httpswwwcorteidhorcrdocsmedidascuradose02 porpdf Acesso em 29 julho de 2022 11 Curado O mencionado estupro ocorreu em razão de uma punição aplicada pelo chaveiro ao preso Em virtude dessa punição o detento foi contagiado com HIV Em decorrência do fato noticiado em resposta o Estado brasileiro informou acerca da construção de uma cela especial de convivência para os encarcerados LGBTQIA Apesar da informação do Brasil acerca da construção de uma cela especial de convivência para as pessoas LGBTQIA privadas de liberdade a Corte IDH ressaltou o dever do Estado em proteger os grupos vulneráveis dentro do sistema prisional Desta forma o Brasil deveria tomar providencias para impedir que situações de riscos e discriminações a grupos em situação de vulnerabilidade ocorressem A Corte IDH assim se posicionou acerca da matéria 37 Sobre a situação em particular de pessoas com deficiência e pessoas LGBT a Corte faz notar o dever de proteção do Estado diante de situações conhecidas de discriminação e risco de grupos em situação de vulnerabilidade Nesse sentido o Estado tem a obrigação de tomar todas as medidas disponíveis para proteger e garantir o gozo do direito à vida e à integridade pessoal das pessoas sob sua custódia O anterior adquire particular urgência quando o Estado tem conhecimento de situações violatórias à integridade pessoal destas pessoas A Corte toma nota do indicado pelo Estado sobre a criação de um espaço de convivência especial para pessoas LGBT e espera que o Estado apresente informação concreta e detalhada em seus próximos relatórios sobre este ponto em particular24 Vejase que muito embora a Corte IDH tenha considerado o papel de garante do Estado brasileiro em razão das pessoas privadas de liberdade a própria Corte afirma que especial atenção deve ser dada para os presos em situação de vulnerabilidade entre eles os encarcerados LGBTQIA Desta maneira para a Corte IDH o Estado brasileiro deveria continuar adotando todas as medidas necessárias para proteger a vida e a integridade pessoal dos privados de liberdade sobremaneira os presos LGBTQIA 133 As Medidas Provisórias de 23 de novembro de 2016 e a visita in situ no Complexo Penitenciário do Curado na proteção dos encarcerados em situação de vulnerabilidade e na garantia à visita conjugal dos presos LGBTQIA Em visita in situ realizada por uma delegação da Corte IDH no Complexo Prisional do CuradoPE realizada em 08 de junho de 2016 osas membrosas da Corte IDH visitaram todas as 03 três unidades prisionais que compõem o Complexo Prisional do Curado quais 24 Corte IDH Resolução Complexo Prisional do Curado 07 de outubro de 2015 37 sejam i Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros PJALLB ii Presídio Marcelo Francisco de Araújo PAMFA e iii Presídio Frei Damião de Bozzano PFDB No Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros osas membrosas da Corte IDH constataram que não havia uma área diferenciada separada para os presos LGBTQIA Enquanto isso no Presídio Marcelo Francisco de Araújo os membros da Corte IDH alertaram para as dimensões da cela dos presos LGBTQIA visto ser muito pequena Igual situação foi identificada no Presídio Frei Damião de Bozzano Nesse último as pessoas LGBTQIA privadas de liberdade se dividiam em uma cela de dois andares25 além de relatarem situações de violências praticadas pelo Chaveiro do pavilhão como ameaças de serem queimadas Muito embora o Estado brasileiro tenha informado acerca i da adequação de áreas existentes nas unidades prisionais do Complexo Penitenciário do Curado para uma melhor acomodação dos presos LGBTQIA ii do estabelecimento de mecanismos para melhor identificação dos presos LGBTQIA com o fito de conhecêlos e atendêlos melhor e iii realização de ações educativas direcionadas especificamente para esses preso o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura MNPCT alertou a respeito da manutenção da grave situação de vulnerabilidade dos encarcerados da comunidade LGBTQIA ressaltando que os canais de denúncia para as violações aos Direitos Fundamentais e Direitos Humanos eram débeis dos encarcerados de maneira a afetar não somente os presos mas também seus familiares Nesse sentido a Corte IDH destacou ainda mais o papel de garante de estado em especial quando diante de pessoas em situação de vulnerabilidade como é o caso dos presos LGBTQIA de maneira a ser necessária a adoção de medidas específicas para proteger a vida e a integridade pessoal desses encarcerados fazendo referência não somente ao Manual sobre Reclusos com Necessidades Especiais da Oficina das Nações Unidas contra a Droga e o Delito mas também à Resolução Conjunta de nº 012014 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária CNPCP e do Conselho Nacional de Combate à Discriminação CNCDLGBT Ou seja a Corte IDH ao fazer referência a mencionados documentos assentou o entendimento de que os presos LGBTQIA não podem permanecer na mesma cela em que outros presos possam colocar suas vidas em risco devendo ser assegurado que sua localização não leve à sua marginalização assim como devem ser garantidas a atenção médica e visitas 25 Celas do pavilhão em que os próprios presos construíram um mezanino dividindo horizontalmente as celas para que fosse possível uma melhor acomodação das pessoas privadas de liberdade que se encontravam na cela Como se fosse a construção de um segundo andar mas dentro da própria cela conjugais Além disso os agentes penitenciários deveriam ser treinados para atender aos presos LGBTQIA além de afirmar que qualquer tipo de punição ou sanção em virtude da orientação sexual é considerada como tratamento desumano e degradante Vejase que no momento em que a Corte IDH realiza essa declaração ela se aproxima ainda mais do entendimento esposado anteriormente no Relatório de nº 71 de 04 de maio de 1999 de Marta Lucía Alvarez Giraldo vs Colômbia que também é ratificadas em manifestações posteriores não apenas com o Relatório de nº 122 de 05 de outubro de 2018 em continuidade de acompanhamento do caso Marta Lucía Alvarez Giraldo vs Colômbia mas também com a própria Opinião Consultiva de nº 2922 Assim sendo por intermédio das Medidas Provisórias de 23 de novembro de 201626 a Corte IDH decretou que o Estado brasileiro além de garantir a proteção à vida e integridade pessoal dos encarcerados LGBTQIA tem o dever de garantir as visitas conjugais aos presos LGBTQIA que estavam no Complexo Penitenciário do Curado em Pernambuco 134 As Medidas Provisórias de 15 de novembro de 2017 em virtude da ausência de ações concretas para a proteção dos presos LGBTQIA dentro do Complexo Prisional do Curado Em razão das Medidas Provisórias anteriores decretadas o Estado brasileiro acabou por criar áreas destinadas especificamente para os presos LGBTQIA Neste diapasão segundo relato das autoridades brasileiras em relação ao i Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros PJALLB foi entregue um pavilhão com 28 vinte e oito camas para os encarcerados LGBTQIA ii Presídio Marcelo Francisco de Araújo PAMFA foi entregue um pavilhão com 22 vinte e duas camas para os presos LGBTQIA e iii Presídio Frei Damião de Bozzano PFDB foi realizada uma reforma no pavilhão existente Porquanto o Estado brasileiro tenha empreendido esforços para cumprir as Medidas Provisórias decretadas em favor dos encarcerados do Complexo Penitenciário do Curado por meio da construção de pavilhões separados que fossem hábeis a atender a comunidade LGBTQIA encarcerada as análises posteriores constataram que esses presos continuavam sendo vítimas de violência física psicológica e sexual sobremaneira por ainda estarem em 26 Corte IDH Resolução Complexo Prisional do Curado 23 de novembro de 2016 Disponível em httpswwwcorteidhorcrdocsmedidascuradose04porpdf Acesso em 17 de agosto de 2022 57 espaços de superpopulação o que impediam a devida proteção Essa situação só potencializa a situação de vulnerabilidade desses presos Ou seja permaneceram as denúncias de que os encarcerados LGBTQIA eram vítimas de violências sobretudo a sexual Essa situação de violência se caracterizava segundo osas peticionáriosasrepresentantes dos encarcerados porque esses presos eram colocados em celas localizadas em pavilhões masculinos administrados por chaveiros homens Argumentaram ainda que mesmo após a criação da lei que dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual a Lei de nº 12845 de 01 de agosto de 2013 nenhuma ação concreta teria sido realizada dentro do Complexo Prisional do Curado com vistas à proteção dos presos que foram vítimas de violência sexual dentro do mencionado complexo penitenciário27 Inclusive em relação a essa situação apontando para a necessidade de não apenas construir pavilhões separados para atender a comunidade LGBTQIA a própria Corte IDH por meio da Opinião Consultiva de nº 29 de 2022 ao comentar o Caso do Complexo Penitenciário do Curado informa que é necessária a criação de mecanismos de proteção dessa comunidade em específico a ponto dos presos LGBTQIA dentro da unidade prisional não recebam um tratamento inferior aos demais privados de liberdade em virtude de sua orientação sexual identidade ou expressão de gênero Por outro lado o Tribunal considera que os Estados devem assegurar que as medidas adotadas para designar um lugar para as pessoas LGBTI nas prisões não constituam na prática de isolamento ou incomunicabilidade automática um tratamento inferior ao oferecido ao resto das pessoas privadas de liberdade nem de exclusão de atividades que sejam exercidas dentro da prisão No caso do Complexo Penitenciário do Curado do Brasil a Corte constatou que apesar de que tenham sido construídos pavilhões específicos nas prisões para esta população as pessoas LGBTI ainda assim encontravamse submetidas a violência de natureza física psicológica e sexual por se encontrarem em espaços inadequados e superlotados que não permitem a promoção de sua proteção Neste sentido embora a Corte reconheça os valiosos avanços de certos Estados em designar um setor ou ala específica de suas prisões para o alojamento das pessoas LGBTI resulta necessário velar para que o alojamento em ditos recintos não implique em um tratamento inferior ao que receberão as outras pessoas privadas de liberdade ou uma exclusão das atividades que são desenvolvidas na prisão Nesse aspecto ganha especial importância o controle judicial e o monitoramento independente realizar de forma periódica da execução das penas e das condições de detenção respectivamente Tradução nossa28 27 Corte IDH Resolução Complexo Prisional do Curado 15 de novembro de 2017 Disponível em httpswwwcorteidhorcrdocsmedidascuradose05porpdf Acesso em 20 de agosto de 2022 101 28 Por otra parte el Tribunal considera que los Estados deben asegurar que las medidas adoptadas para asignar un lugar a las personas LGBTI en las cárceles no constituyan en la práctica aislamiento o incomunicación automática un trato inferior al brindado al resto de personas privadas de libertad ni una exclusión de las actividades que se lleven a cabo en prisión En el Asunto del Complejo Penitenciario de Curado respecto de Brasil la Corte constató que a pesar de que se habían construido pabellones específicos en las cárceles para esta población las personas LGBTI todavía se encontraban sometidas a violencia de naturaleza física psicológica y Assim considerando a especial vulnerabilidade desse grupo de presos a Corte IDH determinou que o Estado brasileiro deveria continuar adotando todas as medidas que fossem pertinentes assim como deveria realizar as mudanças estruturais necessárias no Complexo Prisional do Curado com o objetivo de garantir a efetiva proteção das pessoas LGBTQIA privadas de liberdade De qualquer forma ainda que considerando os esforços do Estado brasileiro em relação às condições de encarceramento das pessoas LGBTQIA dentro do Complexo Prisional do Curado em Pernambuco a Corte IDH determinou que o Brasil deveria apresentar no prazo máximo de 06 seis meses medidas concretas que a serem ser desenvolvidas dentro do mencionado complexo penitenciário com o objetivo de garantir a vida e a integridade pessoal dos encarcerados LGBTQIA 135 A falta de compromisso estatal e as Medidas Provisórias de 28 de novembro de 2018 Após as Medidas Provisórias decretadas em 15 de novembro de 2017 o Brasil apresentou à Corte IDH o plano de reforma dos espaços das pessoas LGBTQIA privadas de liberdade Nesse passo informou a colocação de 48 quarenta e oito camas no Pavilhão LGBTQIA e 106 cento e seis camas no Pavilhão J29 no Presídio Marcelo Francisco de Araújo e a criação de um Pavilhão LGBTQIA com 42 quarenta e duas camas no Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros Muito embora o Estado brasileiro tenha apresentado o plano de reforma dos espaços físicos destinados aos presos LGBTQIA osas representantes dos encarcerados destacaram que não houve qualquer melhoria na condição de encarceramento desses presos que poucas medidas foram tomadas desde as últimas Medidas Provisórias e que as poucas medidas adotadas eram frágeis e inconsistentes Desta maneira sexual por encontrarse en espacios inadecuados y sobrepoblados que no permitían su protección En este sentido si bien la Corte reconoce los valiosos avances de ciertos Estados en designar un sector o ala específica de sus cárceles para el alojamiento de las personas LGBTI resulta necesario velar porque el alojamiento en dichos recintos no implique un trato inferior al que recibirían las otras personas privadas de libertad o una exclusión de las actividades que se llevan a cabo en prisión En este aspecto toma especial relevancia el control judicial y el monitoreo independiente realizados de forma periódica de la ejecución de la pena y de las condiciones de detención respectivamente Corte IDH Opinião Consultiva nº 2922 244 29 Destaquese que conforme informado nas Medidas Provisórias de 23 de novembro de 2016 ao menos inicialmente no Presídio Marcelo Francisco de Araújo as pessoas LGBTQIA privadas de liberdade ficavam no pavilhão J Os Representantes destacaram que durante o monitoramento da situação de vulnerabilidade das celas LGBTI nas unidades do Complexo de Curado constatouse a mesma estrutura sendo patente a inobservância do Estado no que se refere ao tratamento adequado durante a prisão ou a detenção das pessoas LGBTI No PFDB só se construiu uma grade tipo alambrado para separar a cela LGBTI do pavilhão adjunto No PAMFA construíram uma cela tipo corredor na entrada do Pavilhão J mas não é digna nem segura reforçando a ausência de medidas efetivas e de longo prazo para a segurança e a garantia do direito à vida e à integridade física desse grupo30 Grifo no original Para corroborar com as alegações acerca da falta de compromisso do Brasil para com os encarcerados LGBTQIA dentro do Complexo Prisional do Curado osas representantes alertaram para a ausência de informações acerca desse grupo dentro das 03 três unidades prisionais que compõem o mencionado complexo penitenciário sobretudo ao considerar que as autoridades brasileiras sequer saberiam informar a quantidade de pessoas LGBTQIA que poderiam ser identificadas dentro do antigo Centro Penitenciário Professor Aníbal Bruno Porquanto todas as Medidas Provisórias decretadas pela Corte IDH em relação ao Complexo Prisional do Curado em favor das pessoas LGBTQIA privadas de liberdades versem sobre os direitos à vida à integridade pessoal à saúde e à liberdade de movimento dentro do cárcere ao analisar as Medidas Provisórias de 28 de novembro de 2018 em apertada síntese podese afirmar que os seguintes pontos foram indicados pelosas representantes dos encarcerados como sendo violadores dos Direitos Humanos 1 O Estado não possui dados estatísticos acerca dos encarcerados LGBTQIA dentro do Complexo Prisional do Curado 2 As alterações estruturais dentro das unidades prisionais que compõem o complexo prisional não foram suficientes sendo demonstrada as fragilidades das modificações realizadas 3 As pessoas LGBTQIA privadas de liberdade dentro do mencionado complexo penitenciário continuavam em celas em pavilhões masculinos administrados pela figura dos chaveiros o que aumentaria a vulnerabilidade desse grupo à violência sobretudo das transexuais e travestis 30 Corte IDH Resolução Complexo Prisional do Curado 28 de novembro de 2018 Disponível em httpswwwcorteidhorcrdocsmedidascuradose06porpdf Acesso em 06 de agosto de 2022 147 4 Inexistência de políticas públicas dentro do cárcere que levem em consideração as especificidades dosas encarceradosas LGBTQIA como a disponibilização de hormônios Logo pautado no Princípio de nº 9 dos Princípios de Yogyakarta que trata sobre a aplicação da legislação internacional de Direitos Humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero a Corte IDH destacou a situação de vulnerabilidade das pessoas LGBTQIA privadas de liberdade dentro do Complexo Prisional do Curado sobretudo em virtude de situações de estupro coletivo discriminação restrição da liberdade de movimento entre outras condutas potencialmente violadoras dos Direitos Humanos Ato contínuo a Corte IDH decretou que o Brasil não apenas adotasse em caráter de urgência as medidas cabíveis para garantir uma proteção eficaz dos Direitos Humanos desse grupo dentro das unidades prisionais que compõem o mencionado complexo penitenciário mas também deveria apresentar em prazo inferior a 06 seis meses as medidas concretas a serem implementadas devendo evidenciar i Que atos violentos ou ameaçadores são dirigidos às pessoas com deficiência e à população LGBTI ii Caso haja mecanismos de denúncia para a população LGBTI que procedimento se segue iii Caso tenha sido realizado algum tipo de modificação ou reconstrução dos pavilhões a que tipo de população se destinou e qual seu benefício ivs Que tipo de atenção se dispensa à população citada e que benefícios lhes são oferecidos vs Qual o número de pessoas que compõem essa população pessoas com deficiência idosos e LGBTI vi Informar sobre o avanço na construção do espaço de alojamento para a população LGBTI em cada um dos centros carcerários que compõem o Complexo de Curado31 A despeito das decisões da Corte IDH ainda serem bastante incipientes quando o assunto é acerca das condições de encarceramento da comunidade LGBTQIA podese afirmar que as Medidas Provisórias decretadas em desfavor do Brasil por causa do Complexo Prisional do Curado os 02 dois Relatórios do caso Marta Lucía Alvarez Giraldo vs Colômbia e a Opinião Consultiva de nº 2922 acabam por se materializar como sendo documentos do Sistema Interamericano de Direitos Humanos de suma importância para o estabelecimento de balizas para uma melhor compreensão acerca da real percepção da CIDH e da Corte IDH no 31 Corte IDH Resolução Complexo Prisional do Curado 28 de novembro de 2018 164 que se refere ao tratamento que deve ser dispensado às pessoas LGBTQIA privadas de liberdade nas unidades prisionais do continente americano 2 Análise das condições de encarceramento da comunidade Queer à luz do Sistema Europeu de Direitos Humanos um estudo do caso X vs Turkey Se por um lado a temática LGBTQIA ainda caminha de forma lenta na jurisprudência da Corte IDH a situação é completamente diferente no TEDH Isto porque desde o fim da década de 1980 a partir do julgamento de países que criminalizavam condutas homoafetivas entre pessoas capazes iniciouse uma alta incidência de julgamentos atrelados aos direitos da comunidade queer no âmbito do Sistema Europeu de Direitos Humanos Veja se No sistema europeu emerge um vasto e significativo repertório jurisprudencial concernente aos direitos da diversidade sexual que teve como agenda inaugural o combate à criminalização de práticas homossexuais consensuais entre adultos no final da década de 1980 Posteriormente outras violações foram enfrentadas pelo sistema europeu como a discriminação baseada em orientação sexual no final da década de 1990 casos relativos ao reconhecimento de direitos transexuais decisões favoráveis são proferidas a partir de 2002 adoção por homossexuais decisões favoráveis são proferidas a partir de 2008 e o direito ao casamento são os casos mais recentes decididos a partir de 201032 Contudo a despeito dessa relevante quantidade de demandas sobre a matéria fazse importante salientar que o Sistema Europeu de Diretos Humanos possui uma expressiva diferença quando comparado ao Sistema Interamericano de Diretos Humanos em relação aos dispositivos de suas decisões e isto se deve em grande parte em razão da cultura do Judiciários dos seus países membros Afinal nas decisões da Corte IDH há uma maior diversidade de determinações aos países que se encontram no banco dos réus como a previsão de obrigações de fazer não fazer e dar por outro lado no TEDH restringemse as condenações às imposições de pagar quantia certa em um caráter indenizatório ao dano causado Fixadas as referidas premissas passase pois à análise do caso X vs Turkey Application No 2462609 caso X vs Turkey33 que é um marco na jurisprudência do Sistema 32 PIOVESAN Flávia Temas de Direitos Humanos 11 ed São Paulo Saraiva 2018 p 517 33 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey Sentença de 9 de outubro de 2012 Disponível em httpshudocechrcoeinteng22itemid222200111387622 Acesso em 18 abr 2022 Europeu de Diretos Humanos sobre condições de encarceramento e suas intersecções com os Direitos Humanos em especial no que tange ao agravamento da pena privativa de liberdade em relação aos detentos pertencentes à comunidade LGBTQIAP 21 Ficha técnica descritiva do caso X vs Turkey No intuito de viabilizar um devido aprofundamento sobre o tema ao longo dos próximos tópicos mas já com a compreensão geral prévia de questões que se fazem cruciais optouse por desenvolver uma simples tabela para condensar de forma breve e visual as informações mais relevantes sobre o caso X vs Turkey 34 Aplicante Senhor X X nacional turco que não foi identificado para preservação da sua privacidade Individualização dos Requerente Homossexual condenado à pena privativa de liberdade por mais de 10 anos por falsificação de documentos fraude de cartões de crédito e deturpação de documentos oficiais País Turquia Objeto O agravamento das condições de encarceramento de X tão logo foi identificada sua orientação sexual por outros detentos com quem dividia cela sob o pretexto de preservação da sua integridade física e mental Respaldo Legal Artigos 3º direito à proibição da tortura e da submissão a tratamento e penas desumanas e degradantes e 14 direito à vedação à discriminação da CEDH Seção do TEDH Segunda Seção Deliberação Majoritária do TEDH Reconhecimento da violação aos referidos dispositivos condenação da Turquia a indenizar o aplicante pelos danos morais causados Decisão Parcialmente Dissidente Voto do juiz Jočienė que constatou o descumprimento do artigo 3º direito à proibição da tortura e da submissão a tratamento e 34 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey penas desumanas e degradantes mas não identificou afronta ao artigo 14 direito à vedação à discriminação da CEDH Data dos Fatos Entre 2009 e 2010 Data do Julgamento 9 de outubro de 2012 Data da Res Judicata 27 de maio de 2013 Apresentada a referida ficha técnica descritiva passase agora à análise minuciosa do contexto fático do caso em comento 22 Contexto fático e alegações das partes do caso X vs Turkey Segundo as alegações prestadas X se apresentou à polícia e confessou a prática dos crimes de falsificação de documentos fraude de cartões de crédito e deturpação de documentos oficiais em 24 de outubro de 2008 o que o levou a ser enviado à Buca Prison em İzmir para cumprimento da pena onde foi alocado em uma cela com outros detentos heterossexuais35 Todavia em 5 de fevereiro de 2009 por motivos de segurança ele solicitou que fosse realocado para uma cela com outros prisioneiros homossexuais porque desde que os demais encarcerados descobriram que era homossexual ele passou a ser intimidado e a sofrer bullying Então no mesmo dia ele foi enviado a uma solitária por ordem da gestão penitenciária sob a justificativa de que seria uma forma de protegêlo de eventuais represálias de modo a preservar sua integridade física e mental36 Instase frisar que o local a que foi encaminhado era uma cela individual de 7m² com espaço livre menor que a metade disso mobiliada com uma cama e vaso porém sem pia Ainda o local era muito pouco iluminado e extremamente sujo sendo infestado de ratos37 Dentro da Buca Prison existiam outras dez celas idênticas à supracitada Entretanto ressaltase que todas elas eram classificadas como solitárias e usadas apenas como medida disciplinar para os presos acusados de estupro pedofilia ou com pena de prisão perpétua38 Desde que foi submetido à referida cela isto é em 5 de fevereiro de 2009 X não teve mais nenhuma interação social nem realizou qualquer atividade social uma vez que não 35 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 57 36 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 8 e 9 37 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 10 38 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 10 era permitido sair do local em momento algum nem mesmo para fazer exercícios externos Ou seja X remanescia naquele local as 24 horas do dia de modo que só saía da cela quando ia se encontrar com seu advogado ou realizar alguma audiência externa o que segundo as alegações ocorreria no máximo uma vez por mês39 Diante disso em 21 de abril e em 7 de maio de 2009 X submeteu requerimentos às autoridades nacionais no caso ao Ministério Público e ao juiz da Execução Penal para informar o ocorrido e ressaltar que a detenção naquelas condições teria lhe causado problemas psiquiátricos Outrossim X salientou que tais abusos desumanos e degradantes teriam se dado tão somente por conta da sua orientação sexual sob o pretexto de evitar que viesse a sofrer algum tipo de lesão Assim X requereu que fosse tratado em iguais condições aos demais detentos mas que lhe fosse assegurada a sua integridade física40 A despeito dos argumentos expostos e dos pedidos formulados o magistrado da Turquia refutou a alegação porque segundo ele as autoridades penitenciárias teriam discricionariedade para resolver a questão porque não haveria regramento específico sobre a matéria Assim X recorreu da decisão ratificando que a medida adotada isto é o envio dele a uma cela que seria na verdade uma solitária teria sido extremamente desarrazoada ainda que supostamente a finalidade fosse a sua proteção porém a Corte da Turquia manteve o quanto deliberado41 Ato contínuo em 12 de junho de 2009 em audiência a que compareceu para dar prosseguimento ao trâmite processual referente a um dos crimes que teria cometido X reiterou as condições desumanas e degradantes a que teria sido submetido por isso o Judiciário enviou uma carta à Buca Prison e pediu para que todas as medidas solicitadas por X fossem acatadas42 Diante disso o Ministério Público ordena a transferência de X ao Hospital Psiquiátrico de Manisa o que o leva a ficar de 8 de julho a 12 de agosto de 2009 no referido local sob observação de modo que no fim desse lapso temporal é desenvolvido um relatório médico por três psiquiatras que informam que o aplicante sofreria de um problema de identidade homossexual e que os sofrimentos que lhe teriam sido estimulados em razão do encarceramento naquelas suscitadas condições seriam frutos na verdade de um quadro de depressão e não necessariamente das particularidades do encarceramento Assim os médicos afirmam que os 39 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 10 e 15 40 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 12 e 13 41 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 1416 42 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 17 eventuais problemas psiquiátricos que X venha a vivenciar no futuro poderiam ser tratados na prisão e portanto ele é encaminhado novamente à mesma cela em que estava43 Assim que retorna à Buca Prison X descobre que desde 8 de agosto de 2009 ou seja desde pouco antes do seu retorno outro preso homossexual estaria habitando aquela mesma cela individual Todavia em 11 de novembro de 2009 eles são separados por mera discricionariedade das autoridades penitenciárias situação que apesar de melhorar as condições de encarceramento em relação ao espaço íntimo e particular do preso acaba por agravar seu quadro mental depressivo causado pelo isolamento44 Então em 26 de fevereiro de 2010 o aplicante é enviado de Buca Prison a outro presídio em que é colocado em uma cela comum com outros três presos e volta a ter os mesmos direitos que os demais encarcerados45 Por fim frisase que o Estado não refutou as informações mas suscitou de forma genérica que a cela era adequada e detinha tudo que era necessário bem como que o X só ficou sozinho até a entrada do novo prisioneiro homossexual Assim a Turquia ratificou que não teria sido satisfeito o requisito de severidade do artigo 3º46 da Convenção Europeia de Direitos Humanos CEDH e que devido a isso em tese não teria havido violação em especial porque o pedido de mudança de cela por motivos de segurança teria decorrido do próprio X logo supostamente ele não poderia se insurgir contra tal realocação47 23 Deliberação do TEDH no caso X vs Turkey De acordo com o exposto anteriormente X suscitou que teria havido tanto a afronta ao artigo 3º direito à proibição da tortura e da submissão a tratamento e penas desumanas e degradantes quanto ao artigo 1448 direito à vedação à discriminação49 da CEDH por parte 43 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 18 e 19 44 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 20 e 21 45 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 22 46 Artigo 3º Proibição da tortura Ninguém pode ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes 47 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 11 e 30 48 Artigo 14 Proibição de discriminação O gozo dos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção deve ser assegurado sem quaisquer distinções tais como as fundadas no sexo raça cor língua religião opiniões políticas ou outras a origem nacional ou social a pertença a uma minoria nacional a riqueza o nascimento ou qualquer outra situação 49 Há quem sustente também que o dever de não discriminação do artigo 14 da CEDH seria um direito à igualdade BARRETO Irineu Cabral A Convenção Europeia dos Direitos do Homem 5 ed Coimbra Almedina 2016 p 312 Todavia ao longo do presente texto utilizarseá a compreensão de que seria um direito à vedação à discriminação da Turquia em razão do agravamento das condições do seu encarceramento tão logo foi identificada sua orientação sexual por outros detentos com quem dividia cela sob o pretexto de preservação da sua integridade física e mental50 Diante disso a fim de realizar uma análise meritória sobre tais questões o TEDH discorre sobre a legislação turca e a prática doméstica no que tange à temática da execução penal e dos direitos dos encarcerados Assim o TEDH reconhece que segundo o ordenamento pátrio os presos seriam alocados de acordo com sua idade sexo duração da prisão natureza do crime perpetrado e outros critérios que se mostrassem relevantes Ainda nos termos da legislação turca aos detentos seriam assegurados o direito à prática de esportes e outras atividades físicas por pelo menos uma hora por dia com atividades externas à participação em atividades culturais aulas e seminários à visitação da biblioteca ao recebimento de visitas entre outros Por oportuno o TEDH também registra que até mesmo aqueles condenados à prisão perpétua poderiam realizar exercícios diariamente e inclusive ter contato ainda que limitado com outros prisioneiros da mesma unidade51 Então assentados os supracitados pontos passase à análise do TEDH referente às alegações de X de violação aos artigos da CEDH por parte da Turquia 231 Deliberação do TEDH no caso X vs Turkey violação ao artigo 3º da CEDH No que tange ao artigo 3º direito à proibição da tortura e da submissão a tratamento e penas desumanas e degradantes da CEDH de imediato salientase que foram usados como premissas pelo TEDH para valoração do respeito aos direitos dos detentos e sua compatibilização com o princípio da dignidade da pessoa humana dois precedentes isto é o caso Mouisel vs France52 e o caso Renolde vs France53 os quais salientam que a pessoa privada de liberdade deve ser submetida a uma pena que pela maneira e método da sua execução não enseje um sofrimento além da intensidade indissociável e intrínseca à própria detenção tendo em vista o dever de se assegurar o bemestar e a saúde do prisioneiro54 50 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 2758 51 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 2326 52 TEDH Primeira Seção Caso Mouisel vs France Sentença de 14 de novembro de 2002 Disponível em httpshudocechrcoeinteng22itemid22220016073222 Acesso em 18 abr 2022 53 TEDH Quinta Seção Caso Renolde vs France Sentença de 16 de outubro de 2008 Disponível em httpshudocechrcoeinteng22itemid22220018897222 Acesso em 18 abr 2022 54 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 33 Outrossim a fim de prosseguir com o exame sobre a afronta ao supracitado dispositivo o TEDH pontuou que X foi aprisionado sem tenha havido uma decisão final que os crimes por ele cometido não envolviam violência e que ele espontaneamente se dirigiu à polícia para confessar os crimes o que evidenciava um cenário mais favorável para a concessão de eventuais benefícios ao acusado porém no caso concreto deparavase em situação diametralmente inversa55 Prosseguindo a análise o TEDH ressaltou que o período da detenção nas referidas condições é um fator importante para apreciar a violação ao dispositivo elencado e que no caso em questão este se deu pelo considerável lapso temporal de 8 meses e 18 dias sem considerar o período de tempo em que X foi alocado no hospital psiquiátrico e que por um certo tempo ele dividiu a cela com outro prisioneiro homossexual56 Em que pese o TEDH tenha ratificado que X não teria sido sujeitado a um isolamento sensorial ou social completo mas sim a um isolamento social relativo o TEDH reconheceu a excepcionalidade e seriedade da natureza do regime prisional que lhe foi imposto em especial porque X era vedado de praticar exercícios ao ar livre e inclusive submetido a condições de encarceramento que seriam mais severas que a de prisioneiros sentenciados à prisão perpétua57 Ademais a partir das informações obtidas o TEDH reconheceu que a cela a que X teria sido encaminhado era na verdade uma solitária Segundo o TEDH o envio doa detentoa a uma solitária por si só não culmina no automático insulto à CEDH isto porque para verificar se a imposição da solitária viola o artigo 3º da CEDH é imperioso apurar a medida a duração o objetivo pretendido e os efeitos na figura doa apenadoa conforme entendimento fixado no precedente do caso Rohde vs Denmark58 Outrossim fazse necessária a verificação do respeito à proporcionalidade59 Assim ainda que presente a justificativa para alocar o indivíduo em uma solitária isto é a séria ameaça à integridade física do X devese analisar se a resposta empregada pelo Estado foi a melhor e mais proporcional diante das outras opções No caso de acordo com o TEDH tal solução não foi proporcional e a Turquia não foi capaz de justificar o porquê de tê 55 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 35 56 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 3132 57 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 3738 58 TEDH Primeira Seção Caso Rohde vs Denmark Sentença de 21 de julho de 2005 Disponível em httpshudocechrcoeinteng22itemid22220016979422 Acesso em 18 abr 2022 59 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 40 la adotado ou seja por qual razão teria havido o isolamento de X sem direito a exercícios externos e contato com outros detentos60 Não bastasse apesar de X ter apresentado tal fato às autoridades estatais manifestando suas angústias inclusive em Juízo o Tribunal da Turquia sequer analisou o mérito do seu recurso ou afastou as alegações expostas por ele de forma concreta restringindo se a manter incólume a decisão recorrida que negava o pedido de cumprimento da pena nas mesmas condições dos demais detentos mas assegurada a sua integridade física61 Em razão disso o TEDH concluiu que X não só foi mantido em condições inapropriadas ao respeito à dignidade mas também foi privado de um remédio efetivo no âmbito doméstico o que configurava a violação ao artigo 3º direito à proibição da tortura e da submissão a tratamento e penas desumanas e degradantes da CEDH62 232 Deliberação do TEDH no caso X vs Turkey transgressão ao artigo 14 da CEDH No que versa sobre o artigo 14 direito à vedação à discriminação da CEDH de início o TEDH frisou que o referido dispositivo a priori não se trata de uma previsão autônoma haja vista seu caráter complementar ou seja em regra a violação a ele direcionada está também alicerçada na afronta a outro direito assegurado pela CEDH no caso em comento a transgressão ao artigo 3º direito à proibição da tortura e da submissão a tratamento e penas desumanas e degradantes da CEDH que segundo X teria se dado exclusivamente por conta da sua orientação sexual63 Ora é inequívoco que questões atinentes à orientação sexual atraem a incidência do artigo 14 da CEDH como bem reconhecido pelo TEDH em outros precedentes vide o caso Kozak vs Poland64 e o caso Alekseyev vs Russia65 por isso era de fato imperioso se debruçar sobre a análise de eventual ultraje ao referido dispositivo tendo em vista as alegações prestadas por X66 60 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 4042 61 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 4344 62 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 4445 63 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 4649 64 TEDH Quarta Seção Caso Kozak vs Poland Sentença de 2 de março de 2010 Disponível em httpshudocechrcoeinteng22itemid22220019759722 Acesso em 18 abr 2022 65 TEDH Primeira Seção Caso Alekseyev vs Russia Sentença de 21 de outubro de 2010 Disponível em httpshudocechrcoeintengpress22itemid22220033311485370012922 Acesso em 18 abr 2022 66 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 50 Segundo o TEDH o entendimento vigente é de que é ínfima a margem de apreciação assegurada ao Estado para redigir suas leis e adotar as medidas que entender cabíveis quando tais estiverem respaldadas na diferença de tratamento baseada no sexo ou na orientação sexual do indivíduo características atinentes à vida privada e à intimidade do cidadão67 Logo ao se estabelecer distinções no regime do cumprimento dos encarcerados em razão do seu sexo e da sua orientação sexual farseá crucial o máximo respeito ao princípio da proporcionalidade para que não configure uma nítida mácula ao artigo 14 da CEDH porque é indispensável que se comprove que a finalidade pretendida com aquela diferenciação era positiva e que naquele contexto não só era necessária como a única viável ou a mais benéfica e menos danosa frente às demais opções existentes com especial atenção ao objetivo pretendido e à necessidade sob pena de se reconhecer que se tratou de uma medida discriminatória negativa68 Entretanto na situação sob exame em que pese o dever da Turquia de proteger X que corria sério risco de sofrer alguma violência o TEDH ratificou que a medida escolhida foi inadequada para a finalidade almejada e portanto tratouse de conduta desproporcional e discriminatória em especial porque existiam diversas outras soluções passíveis de adoção frente àquela situação que seriam muito menos prejudiciais e mais eficazes69 Ainda ao contrário do que suscitou a Turquia o TEDH destacou que o envio de X a uma solitária não teria sido por ele requisitada uma vez que na realidade X pleiteou sua alocação em nova cela com outros detentos homossexuais medida extremamente mais idônea e proporcional que atingiria o objetivo almejado garantir sua integridade física e moral sem lhe causar um agravamento das condições de encarceramento exclusivamente por pertencer à comunidade LGBTQIA70 Outrossim o TEDH ressaltou a gravidade da argumentação vazia exposta pelo Judiciário da Turquia o que indicava um nítido descaso do Estado com X A despeito dele ter se valido das vias estatais tanto o juiz de primeiro grau quanto o Tribunal partiram do pressuposto de que ele deveria ficar preso na solitária porque seria um travesti ou transexual e que por isso poderia vir a ser linchado porém X tinha expressamente salientado que era homossexual e não transexual inclusive reiterando isso em sede de recurso direcionado ao Tribunal da Turquia Desta feita denotase que ou as razões por ele 67 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 50 68 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 50 69 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 5153 70 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 5253 evocadas sequer foram lidas ou o Judiciário da Turquia se recusou a enxergar X da forma que ele assim se reconhecia Portanto em que pese as obrigações previstas na CEDH o TEDH constatou que as autoridades internas falharam com o dever de adotar todas as medidas cabíveis para verificar se as atitudes adotadas contra X foram movidas por fins discriminatórios71 Logo de acordo com a Corte a razão predominante para alocar o aplicante na solitária e retirálo da vida social na prisão não foi o risco à integridade física mas sim o fato dele ser homossexual o que configura discriminação com base na sua orientação sexual e um nítido ultraje ao artigo 14 direito à vedação à discriminação da CEDH72 233 Deliberação do TEDH no caso X vs Turkey condenação indenizatória Em razão da verificação por parte do TEDH da mácula aos artigos 3º direito à proibição da tortura e da submissão a tratamento e penas desumanas e degradantes e 14 direito à vedação à discriminação da CEDH a Turquia foi condenada a indenizar X pelo dano por ele vivenciado Assim com fulcro no artigo 41 direito à reparação razoável73 da CEDH o TEDH ordenou o Estado a ressarcir X por dano moral na monta de 18000 euros EUR74 234 Voto parcialmente dissidente do juiz Jočienė no caso X vs Turkey ausência de afronta ao artigo 14 da CEDH Em relação à constatação da transgressão do artigo 3º direito à proibição da tortura e da submissão a tratamento e penas desumanas e degradantes da CEDH por parte do TEDH o juiz Jočienė não apresentou qualquer insurgência porque concordou integralmente com o reconhecimento de que as condições a que X foi submetido estavam em desacordo com a obrigação de respeito à dignidade do preso75 Entretanto de acordo com o voto exarado pelo juiz Jočienė não teria havido violação ao artigo 14 direito à vedação à discriminação da CEDH porque a alocação de X na solitária não teria se dado em razão da sua orientação sexual uma vez que a Turquia só o teria enviado 71 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 5455 72 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 5658 73 Artigo 41 Reparação razoável Se o Tribunal declarar que houve violação da Convenção ou dos seus protocolos e se o direito interno da Alta Parte Contratante não permitir senão imperfeitamente obviar às consequências de tal violação o Tribunal atribuirá à parte lesada uma reparação razoável se necessário 74 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 5962 75 TEDH Voto Dissidente do Juiz Jočienė Caso X vs Turkey àquela cela como forma de garantir a sua integridade ou seja tratouse da adoção por parte do Estado das medidas de segurança que teria entendido necessárias para assegurar as condições mínimas de sobrevivência do apenado76 Logo de acordo com o juiz Jočienė ainda que as supracitadas condutas estatais tenham de fato violado o artigo 3º direito à proibição da tortura e da submissão a tratamento e penas desumanas e degradantes da CEDH na realidade essas ações foram aplicadas com a finalidade de proteger X de possíveis ataques discriminatórios e não para por meio delas discriminálo isto é elas se trataram do instrumento encontrado pela Turquia para alcançar o objetivo pretendido que era o cumprimento da obrigação positiva do Estado de garantir o respeito à integridade física de X77 Por isso o juiz Jočienė não reconheceu a violação artigo 14 direito à vedação à discriminação da CEDH mas apenas ao artigo 3º direito à proibição da tortura e da submissão a tratamento e penas desumanas e degradantes da CEDH o que por conseguinte levou a entender como excessivo o valor fixado a título de reparação pelos danos morais causados a X78 24 Análise crítica do caso X vs Turkey à luz da Opinião Consultiva nº 2922 da Corte IDH A despeito das diversas questões referentes ao aprisionamento da população LGBTQIA que são analisadas pela Opinião Consultiva nº 2922 OC2922 da Corte IDH neste tópico tendo em vista a intenção de se realizar uma análise crítica e comparativa do caso X vs Turkey a partir do suscitado instrumento restringirseá a discorrer sobre o aspecto central deliberado pelo TEDH em tal precedente isto é sobre a temática do agravamento das condições de encarceramento dos presos pertencentes à comunidade LGBTQIA devido à submissão destes a um regime de isolamento sob o pretexto de assegurar as suas integridades ainda que se tenha em consideração que OC2922 foi proferida no âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos Segundo a OC2922 da Corte IDH que se vale do teor do Manual sobre Reclusos con Necesidades Especiales Manual sobre Reclusos com Necessidades Especiais da UNODC79 76 TEDH Voto Dissidente do Juiz Jočienė Caso X vs Turkey 77 TEDH Voto Dissidente do Juiz Jočienė Caso X vs Turkey 78 TEDH Voto Dissidente do Juiz Jočienė Caso X vs Turkey 79 United Nations Office on Drugs and Crime Manual sobre Reclusos con Necesidades Especiales Disponível em httpswwwunodcorgdocumentsjusticeandprison haja vista a discriminação estrutural a que são acometidos os membros do grupo LGBTQIA fazse imperioso que os Estados aloquem osas encarceradosas LGBTQIA dentro das cadeias de maneira a garantir a sua segurança Portanto para que seja concretizado tal objetivo devese primeiro levar em consideração as vontades e temores dosas detentosas LGBTQIA em sequência alojálosas em alas em que se encontrem presosas que não apresentem risco à integridade delesas e então garantirlhes que não ocorra discriminação80 Com efeito embora a supracitada recomendação a OC2922 da Corte IDH reconhece que na prática é recorrente que as autoridades penitenciárias ao invés de alocar osas presosas LGBTQIA em pavilhões com outros indivíduos acabam por segregálosas e isolálosas sob a justificativa da necessidade de protegêlosas81 Todavia a OC2922 da Corte IDH com base no quanto disposto no Nono Informe Anual CATC574 do SPT82 assevera que essa medida se mostra inapropriada e extremamente nociva tanto por prejudicar a saúde física e mental quanto por reduzir o acesso às oportunidades que podem vir a reduzir o tempo de pena e mitigar as mazelas da Pena Privativa de Liberdade como o estudo e o trabalho só devendo ser empregada a partir de uma análise casuística em última hipótese e em caráter excepcional por um breve lapso temporal e respeitadas as garantias doa detentoas Ou seja não se pode adotála como regra como se qualquer presoa pelo simples fato de ser LGBTQIA devesse automaticamente ser submetidoa a um regime de isolamento eou incomunicabilidade com condições de encarceramento mais gravosas que osas demais83 Afinal nos termos da OC2922 da Corte IDH84 há um consenso internacional inclusive previsto expressamente no princípio XIX do documento intitulado Principios y Buenas Prácticas sobre la Protección de las Personas Privadas de Libertad en las Américas da CIDH85 de que em regra a classificação dosas detentosas por identidade de gênero orientação sexual idade aspectos de saúde entre outros para posterior separação na reformMANUALRECLUSOSCONNECESIDADESESPECIALES1pdf Acesso em 19 nov 2022 p 116121 80 Corte IDH Opinião Consultiva nº 2922 239 81 Corte IDH Opinião Consultiva nº 2922 231232 241 82 Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes Nono Informe Anual CATC574 Disponível em httpsdigitallibraryunorgrecord1306972 Acesso em 19 nov 2022 64 68 76 83 Corte IDH Opinião Consultiva nº 2922 240 244245 84 Corte IDH Opinião Consultiva nº 2922 237 85 CIDH Principios y Buenas Prácticas sobre la Protección de las Personas Privadas de Libertad en las Américas Disponível em httpswwwacnurorgfileadminDocumentosBDL20107914pdf Acesso em 19 nov 2022 p 1314 penitenciária a partir das suas respectivas categorias não pode acarretarlhes um tratamento mais cruel se comparado a outro grupo Assim só se considerarseá legítima a submissão de uma presoa LGBTQIA a um regime de isolamento se presentes os já citados requisitos e se no caso em análise mostrar se a medida de acordo com o princípio da proporcionalidade isto é que tal se apresenta necessária idônea e proporcional no sentido estrito Contudo caso não preenchidos tais pressupostos e constatado que o ambiente carcerário se mostra sob qualquer prisma como um local inseguro e incapaz de assegurar os direitos mínimos dosas encarceradosas LGBTQIA fazse possível a substituição da pena privativa de liberdade ou prisão cautelar por outra pena ou medida cautelar menos gravosa desde que oa detentoa não tenha cometido crime violento e que não represente uma ameaça à sociedade vide Manual sobre Reclusos com Necessidades Especiais da UNODC86 Desta feita como no caso X vs Turkey não foi levada em consideração a opinião de X que havia manifestamente alegado que gostaria de ser alocado em outra cela com outros detentos homossexuais medida esta inclusive que é tida como padrão e recomendada pela OC2922 da Corte IDH desde que acompanhada com um dever do Estado de garantir a não discriminação por estesas outrosas presosas tendo sido submetido de imediato a um regime de isolamento sob a alegação de necessidade de resguardar a sua integridade o que porém agravou exponencialmente suas condições de encarceramento notase que a decisão do TEDH de condenar a Turquia por violação aos artigos 3º direito à proibição da tortura e da submissão a tratamento e penas desumanas e degradantes e 14 direito à vedação à discriminação da CEDH igualmente se alinha ao entendimento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos exarado na OC2922 da Corte IDH Conclusão Na realidade social o que se observa é que o Sistema Prisional por acabar sendo considerado além de um lugar punitivo como sendo um local de exclusão social A prisão é um local de reiteradas violações aos Direitos Fundamentais e aos Direitos Humanos Entretanto se o fato de ser obrigadoa a viver no cárcere já é um elemento violador à dignidade da pessoa 86 United Nations Office on Drugs and Crime Manual sobre Reclusos con Necesidades Especiales Disponível em httpswwwunodcorgdocumentsjusticeandprison reformMANUALRECLUSOSCONNECESIDADESESPECIALES1pdf Acesso em 19 nov 2022 p 120 Corte IDH Opinião Consultiva nº 2922 236 246 humana essas violações são ainda mais vultosas quando se observa o tratamento dispensado à comunidade LGBTQIA dentro das prisões Contudo embora seja possível observar uma incrementação na vulnerabilidade das pessoas LGBTQIA dentro do sistema prisional por serem mais propensas a atos de violência e discriminação o que ficou evidenciado é que atualmente o Direito Internacional dos Direitos Humanos resta carente de normativas específicas que busquem disciplinar as condições de encarceramento da comunidade LGBTQIA Não se pode dizer que inexiste documentos normativos que versem sobre a matéria Contudo é possível estabelecer que o tratamento legislativo no âmbito do Direito Internacional sobre a matéria ainda é muito incipiente Perante o Direito Internacional dos Direitos Humanos a única proteção destinada à comunidade LGBTQIA dentro cárcere resta evidenciada apenas no Princípio 9º dos Princípios de Yogyakarta Essa inexpressividade legislativa acerca do tratamento que deve ser destinado à pessoa LGBTQIA dentro do sistema prisional acaba refletindo na própria atuação de alguns Sistemas Regionais de Proteção aos Direitos Humanos como é o caso do Sistema Interamericano de Direitos Humanos que embora tenha tido poucas oportunidades de se manifestar sobre a temática tem reconhecido que as pessoas LGBTQIA ficam expostas a uma situação de maior vulnerabilidade em relação às demais quando colocadas dentro do cárcere razão pela qual acabam por necessitar por uma proteção especial por parte do Estado Enquanto as pessoas LGBTQIA estiverem sob tutela do Estado dentro do cárcere esse é o responsável na proteção dos Direitos Fundamentais e Humanos devendo reconhecer e respeitar a orientação sexual identidade de gênero e expressão de gênero de todosas que estão sob sua guarida As manifestações analisadas do Sistema Interamericano de Direitos Humanos i a Opinião Consultiva de nº 2922 da Corte IDH ii o Caso de Marta Lucía Alvarez Giraldo que tramitou perante a CIDH e iii as Medidas Protetivas decretadas pela Corte IDH em desfavor do Brasil em razão das condições de encarceramento no Complexo Prisional do Curado em Pernambuco reforçam a posição de garante que os Estados desempenham em relação àquelesas em situação de privação de liberdade sobretudo das pessoas LGBTQIA Nesse mesmo sentido ainda que sem fazer expressa menção ao Princípio 9º dos Princípios de Yogyakarta alinhouse o TEDH ao proferir a sentença no caso X vs Turkey isto porque reconheceu o dever do Estado de assegurar as garantias fundamentais dos indivíduos pertencentes à comunidade LGBTQIA em especial se eles se encontram sob a custódia do país submetidos a uma Pena Privativa de Liberdade Não por outra por meio de um relevante precedente o TEDH ratificou que é dever do Estado inserir oa apenadoa em uma cela em que não coloque em risco sua integridade física e mental Portanto não se pode encaminhar uma detentoa integrante do grupo LGBTQIA a um pavilhão em que osas demais encarceradosas ameacemnoa ou agridamnoa física moral ou verbalmente sob pena de violação à obrigação positiva que incumbe à nação e que estão constantes em diversos instrumentos normativos como a CEDH e as regras da Yogyakarta Outrossim o TEDH frisou que para alcançar a supracitada finalidade de maneira adequada fazse crucial o respeito ao Princípio da Proporcionalidade de modo a verificar a necessidade da conduta adotada para atingir o referido objetivo e constatar se de fato a prática empregada foi a mais benéfica e menos prejudicial aoà apenadoa diante de todas as outras opções que estavam à disposição do Estado Caso contrário constatarseá um agravamento da pena exclusivamente por conta do encarcerado ser membro da população LGBTQIA Mais do que isso diante de todas as manifestações dos Sistemas Internacionais de Direitos Humanos tanto Interamericano quanto Europeu ficou crível compreender que atos de violência e discriminação em desfavor da comunidade LGBTQIA dentro do sistema prisional só podem ser combatidos por meio da adoção de ações que priorizem a promoção do Princípio da Igualdade em seu aspecto material e do Princípio da Nãodiscriminação possibilitando o respeito a questões que envolvam a orientação sexual identidade de gênero expressão de gênero em todas as suas acepções Referências BARRETO Irineu Cabral A Convenção Europeia dos Direitos do Homem 5 ed Coimbra Almedina 2016 CIDH Caso Marta Lucía Alvarez Giraldo vs Colômbia Caso 11656 Informe Nº 7199 Disponível em httpswwwcidhoasorgannualrep99spanadmisible colombia11656htm Acesso em 11 de março de 2023 CIDH Caso Marta Lucía Alvarez Giraldo vs Colômbia Caso 11656 Informe Nº 12218 Disponível em httpswwwoasorgescidhdecisiones2018copu11656espdf Acesso em 11 de março de 2023 CIDH Principios y Buenas Prácticas sobre la Protección de las Personas Privadas de Libertad en las Américas Disponível em httpswwwacnurorgfileadminDocumentosBDL20107914pdf Acesso em 19 nov 2022 CIDH Solicitação de Parecer Consultivo à Corte Interamericana de Direitos Humanos enfoques diferenciados em matéria de pessoas privadas da liberdade Novembro de 2019 Disponível via URL httpswwwcorteidhorcr docsopinionessoc0519porpdf Acesso em 08 de abril de 2023 Corte IDH Resolução Complexo Prisional do Curado 22 de maio de 2014 Disponível em httpswwwcorteidhorcrdocsmedidascuradose01 porpdf Acesso em 25 julho de 2022 Corte IDH Resolução Complexo Prisional do Curado 07 de outubro de 2015 Disponível em httpswwwcorteidhorcrdocsmedidascuradose02 porpdf Acesso em 29 julho de 2022 Corte IDH Resolução Complexo Prisional do Curado 23 de novembro de 2016 Disponível em httpswwwcorteidhorcrdocsmedidascuradose 04porpdf Acesso em 17 de agosto de 2022 Corte IDH Resolução Complexo Prisional do Curado 15 de novembro de 2017 Disponível em httpswwwcorteidhorcrdocsmedidascuradose 05porpdf Acesso em 20 de agosto de 2022 Corte IDH Resolução Complexo Prisional do Curado 28 de novembro de 2018 Disponível em httpswwwcorteidhorcrdocsmedidascuradose 06porpdf Acesso em 06 de agosto de 2022 Corte IDH Opinião Consultiva OC2922 de 30 de maio de 2020 enfoques diferenciados a respeito de determinados grupos de personas privadas de liberdade Maio de 2022 Disponível via URL httpswwwcorteidhorcrdocsopiniones seriea29esppdf Acesso em 19 de novembro de 2022 HASSEMER Winfried MUÑOZ CONDE Francisco Introducción a la criminología y al derecho penal Valência Tirant lo blanch 1989 PIOVESAN Flávia Temas de Direitos Humanos 11 ed São Paulo Saraiva 2018 Princípios de Yogyakarta princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero Tradução Jones de Freitas jul 2007 Disponível em httpwwwdhnetorgbrdireitossosgaysprincipiosde yogyakartapdf Acesso em 03 de dezembro de 2022 Princípios de Yogyakarta mais 10 princípios e obrigações estatais adicionais sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual identidade de gênero expressão de gênero e às características sexuais que complementam os Princípios de Yogyakarta Set 2017 Disponível em httpswwwmpfmpbrpfdc midiatecaoutraspublicacoesdedireitoshumanospdfsprincipiosdeyogyakartamais10 20171atdownloadfile Acesso em 22 de janeiro de 2023 Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes Nono Informe Anual CATC574 Disponível em httpsdigitallibraryun orgrecord1306972 Acesso em 19 nov 2022 TEDH Primeira Seção Caso Alekseyev vs Russia Sentença de 21 de outubro de 2010 Disponível em httpshudocechrcoeintengpress22itemid22220033311485 370012922 Acesso em 18 abr 2022 TEDH Primeira Seção Caso Mouisel vs France Sentença de 14 de novembro de 2002 Disponível em httpshudocechrcoeinteng22itemid22 220016073222 Acesso em 18 abr 2022 TEDH Primeira Seção Caso Rohde vs Denmark Sentença de 21 de julho de 2005 Disponível em httpshudocechrcoeinteng22 itemid22220016979422 Acesso em 18 abr 2022 TEDH Quarta Seção Caso Kozak vs Poland Sentença de 2 de março de 2010 Disponível em httpshudocechrcoeinteng22itemid22 220019759722 Acesso em 18 abr 2022 TEDH Quinta Seção Caso Renolde vs France Sentença de 16 de outubro de 2008 Disponível em httpshudocechrcoeinteng22itemid22 220018897222 Acesso em 18 abr 2022 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey Sentença de 9 de outubro de 2012 Disponível em httpshudocechrcoeinteng22itemid22 2200111387622 Acesso em 18 abr 2022 TEDH Voto Dissidente do Juiz Jočienė Caso X vs Turkey Sentença de 9 de outubro de 2012 Disponível em httpshudocechrcoeinteng 22itemid2222001 11387622 Acesso em 18 abr 2022 p 14 e 15 United Nations Office on Drugs and Crime Manual sobre Reclusos con Necesidades Especiales Disponível em httpswwwunodcorgdocumentsjusticeandprison reformMANUALRECLUSOSCONNECESIDADESESPECIALES1pdf Acesso em 19 nov 2022
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Sistema Prisional e Direitos Humanos condições de encarceramento da comunidade LGBTQIA à luz das Cortes Interamericana e Europeia de Direitos Humanos Lucas Henrique De Lucia Gaspar1 Rodrigo Teles de Oliveira2 Resumo A partir da compreensão que as pessoas LGBTQIA quando são colocadas dentro do sistema prisional têm a sua vulnerabilidade potencializada o presente estudo tem como objetivo analisar as condições de encarceramento da comunidade LGBTQIA e a atuação dos Sistemas Interamericano e Europeu de Direitos Humanos na proteção dos direitos desse grupo dentro do cárcere Com a adoção de uma análise exegética das normas internacionais vigentes sobre a matéria e das manifestações das Cortes será possível não apenas compreender os enfoques definidos pelo Sistema Interamericano de Direitos Humanos por meio da Opinião Consultiva de nº 2922 mas examinar alguns casos em que a Corte Interamericana de Direitos Humanos precisou se manifestar sobre a matéria Após o estudo dos contornos estabelecidos pelo Sistema Interamericano analisarseão as condições de encarceramento da comunidade Queer à luz do Sistema Europeu de Direitos Humanos a partir do caso X vs Turkey de modo a apreciar as questões fáticas e as deliberações efetuadas pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos naquele precedente e por fim a desenvolver um estudo crítico das premissas assentadas sobre o aprisionamento de pessoas LGBTQIA pelo TEDH sem deixar de evocar em paralelo o teor da Opinião Consultiva de nº 2922 da Corte IDH que traz importantes balizas sobre o tema Assim terseá ilustrado a temática das condições de aprisionamento da população LGBTQIA no âmbito das Cortes Regionais de Direitos Humanos 1 Mestrando em Direito Penal na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo USP pesquisa sob orientação da Professora Associada Doutora Mariângela Gama de Magalhães Gomes e fomentada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FAPESP Especialista lato sensu em Direito Processual Civil pela USP Intercambista na Faculdade de Direito da Universidade de Bolonha Itália Coordenadoradjunto do Grupo de Diálogo UniversidadeCárcereComunidade GDUCC da Faculdade de Direito da USP Pesquisador no Projeto DHCE Direitos Humanos e Condições de Encarceramento do Grupo de Pesquisas Direito Penal e Estado Democrático de Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo FDUSP Advogado E mail delucialucasgmailcom Lattes httplattescnpqbr5041156855235639 2 Doutorando em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo USP sob orientação da Professora Associada Doutora Mariângela Gama de Magalhães Gomes Mestre em História das Ideias Penais pela Faculdade Damas da Instrução Cristã FADIC Especialista em Direitos Humanos pela Faculdade Focus Coordenador do Curso de Direito e Professor de Direito Penal e Direitos Humanos do Instituto de Ensino Superior de Olinda IESO em Pernambuco Advogado Pesquisador no Projeto DHCE Direitos Humanos e Condições de Encarceramento do Grupo de Pesquisas Direito Penal e Estado Democrático de Direito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo FDUSP Email teles92gmailcom Sumário Introdução 1 Das normativas internacionais ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos uma análise das condições de encarceramento e da proteção aos Direitos Humanos em relação aos presos LGBTQIA 11 A Opinião Consultiva de nº 29 de 30 de maio de 2022 da Corte IDH e os direitos da comunidade LGBTQIA dentro do sistema prisional 12 A Comissão Interamericana de Direitos Humanos e o direito à visita íntima da pessoa encarcerada independentemente da orientação sexual Marta Lucía Alvarez Giraldo Caso 11656 Colômbia 13 a atuação da Corte IDH e as condições de encarceramento das pessoas LGBTQIA privadas de liberdade por meio da adoção de Medidas Provisórias como forma de proteção à dignidade da pessoa humana 131 Os encarcerados LGBTQIA no Complexo Penitenciário do Curado uma análise das Medidas Provisórias de 22 de maio de 2014 132 O Complexo Penitenciário do Curado e as Medidas Provisórias de 07 de outubro de 2015 o papel especial do Estado como garantidor da proteção dos encarcerados LGBTQIA 133 As Medidas Provisórias de 23 de novembro de 2016 e a visita in situ no Complexo Penitenciário do Curado na proteção dos encarcerados em situação de vulnerabilidade e na garantia à visita conjugal dos presos LGBTQIA 134 As Medidas Provisórias de 15 de novembro de 2017 em virtude da ausência de ações concretas para a proteção dos presos LGBTQIA dentro do Complexo Prisional Do Curado 135 A falta de compromisso estatal e as Medidas Provisórias de 28 de novembro de 2018 2 Análise das condições de encarceramento da comunidade Queer à luz do Sistema Europeu de Direitos Humanos um estudo do caso X vs Turkey 21 Ficha técnica descritiva do caso X vs Turkey 22 Contexto fático e alegações das partes do caso X vs Turkey 23 Deliberação do TEDH no caso X vs Turkey 231 Deliberação do TEDH no caso X vs Turkey violação ao artigo 3º da CEDH 232 Deliberação do TEDH No caso X vs Turkey transgressão ao artigo 14 da CEDH 233 Deliberação do TEDH no caso X vs Turkey condenação indenizatória 234 Voto parcialmente dissidente do juiz Jočienė no caso X vs Turkey ausência de afronta ao artigo 14 da CEDH 24 Análise crítica do caso X vs Turkey à luz da Opinião Consultiva nº 2922 da Corte IDH Conclusão Referências Introdução Não se tem como pensar em Direito Penal sem a ideia de violência3 Essa concepção se dá porque muito embora o Direito Penal só atue quando há uma violação a um Direito Fundamental a sua resposta consiste igualmente em uma violação a um Direito Fundamental vida liberdade eou patrimonial Podese afirmar portanto que a resposta do Direito Penal à prática de um delito é resumida em uma violência institucionalizada fomentada pelo Estado em busca da paz social Ao analisar a pena por excelência dominante na atualidade e fruto do pensamento moderno institucionalizada como forma de docilização do corpo a Pena Privativa de Liberdade verificase que atualmente ela é consubstanciada além da própria restrição da 3 HASSEMER Winfried MUÑOZ CONDE Francisco Introducción a la criminología y al derecho penal Valência Tirant lo blanch 1989 p 20 liberdade em inúmeras violações aos Direitos Fundamentais previstos no ordenamento jurídico brasileiro e aos Direitos Humanos A realidade carcerária se apresenta como sendo um lugar em que além da própria privação de liberdade o condenado terá que conviver com outras mazelas que se portam como sendo inerentes à sua natureza como superlotação superpopulação deficiência no sistema de saúde alimentação entre outras que podem ser facilmente encontradas na realidade do ambiente carcerário Se conviver em um sistema prisional diante de tantas violações reiteradas aos Direitos Fundamentais e Humanos já torna a prisão além de um lugar inóspito um ambiente abominável podese supor que há um agravamento da pena e das condições de encarceramento quando se centraliza o estudo para uma perspectiva de análise da execução e cumprimento da Pena Privativa de Liberdade na comunidade LGBTQIA4 Ao partir portanto da compreensão que o sistema prisional enquanto concretização de um arquétipo punitivo foi criado por e visando a punição do homem heterossexual cisgênero acaba por colocar aqueles que não se enquadram em uma padronização de identidade de gênero e orientação sexual socialmente estabelecida em um lugar ainda mais marginalizado em uma estrutura de exclusão como já é o próprio sistema carcerário Em vista de uma situação de marginalização em uma estrutura de exclusão social como é o sistema prisional apresentase como sendo de grande importância apontar não apenas como osas membrosas da comunidade LGBTQIA acabam sendo obrigadosas a viverem em uma estrutura que potencializa a sua vulnerabilidade sobretudo em virtude da ineficiência estatal na proteção dos Direitos Fundamentais dessas pessoas mas também compreender a partir da constatação dessa potencialização da vulnerabilidade dos LGBTQIA dentro do cárcere diante da ausência dos Estado como os mecanismos internacionais de proteção aos Direitos Humanos têm atuado com o objetivo de relembrar aos Estados acerca da obrigação em instituir um sistema prisional que não estimule a violação de Direitos inerentes ao ser humano em especial quando são motivadas por questões relacionadas à orientação sexual identidade de gênero e expressão de gênero 4 A sigla é adotada para se referir a lésbicas gays bissexuais travestis transexuais transgêneros queers intersexuais assexuais e outras variações de gêneros e sexualidades Em relação ao termo queer ela também pode ser utilizada para englobar qualquer pessoa LGBTQIA uma vez que seu significado corresponde àquele que é diferente do padrão cisheteronormativo Cf GOLD Michael The ABCs of LGBTQIA The New York Times Estados Unidos da América 07 jun 2019 Disponível em httpswwwnytimescom20180621stylelgbtqgenderlanguagehtml Acesso em 30 out 2020 Para fins do presente estudo ainda que reconhecendo as diversas nomenclaturas existentes e as variadas maneiras como a orientação sexual identidade de gênero e expressão de gênero podem se exteriorizar em nossa realidade social optouse pela adoção da sigla LGBTQIA Diante dessa perspectiva por meio de uma revisão bibliográfica de uma análise exegética das normas nacionais e internacionais vigentes e sobretudo por intermédio de uma análise jurisprudencial de relatórios da Comissão Interamericana de Direitos Humanos CIDH Opinião Consultiva de nº 2922 da Corte Interamericana de Direitos Humanos Corte IDH e inclusive pautado em decisões da Corte IDH e do Tribunal Europeu de Direitos Humanos TEDH buscarseá compreender o movimento dessas cortes na proteção dos Direitos Humanos da comunidade LGBTQIA dentro do cárcere Em outras palavras tentase entender como as cortes internacionais atuam com o fito de diminuírem os problemas que atingem o sistema prisional para que com isso possibilite uma ideal reintegração do preso à sociedade Assim buscase evidenciar como os principais sistemas regionais de proteção aos Direitos Humanos buscam transpor as deficiências à proteção dos Direitos Humanos à comunidade LGBTQIA dentro do cárcere 1 Das normativas internacionais ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos uma análise das condições de encarceramento e da proteção aos Direitos Humanos em relação aos presos LGBTQIA Quando se analisa a legislação internacional acerca da proteção dos Direitos Humanos da pessoa encarcerada verificase um considerável movimento legislativo seja pelo estabelecimento das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos Regras de Nelson Mandela seja pelo estabelecimento das Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras Regras de Bangkok Contudo o movimento legislativo se mostra ainda muito retraído quando se tem como objeto de investigação as condições de encarceramento da comunidade LGBTQIA Porquanto os mencionados documentos internacionais perpassem sob um aspecto de gênero em especial ao considerar a ontologia normativa visto que as Regras de Bangkok são especificamente destinadas ao cárcere feminino as Regras de Mandela em sua Regra de nº 07 estabelecem que o registro da pessoa dentro do sistema prisional deve levar em consideração a auto atribuição de gênero De qualquer maneira a normativa é ainda mais incipiente não apenas com relação à questão de identidade de gênero e expressão de gênero mas também quando se muda esse prisma para partir para uma análise acerca da orientação sexual Não se pode afirmar que inexista documentação internacional contra violações aos Direitos Humanos por orientação sexual De fato existem o Manual sobre Reclusos com Necessidades Especiais da Oficina das Nações Unidas contra a Droga e o Delito de 2009 e os Princípios de Yogyakarta que são os Princípios sobre a Aplicação da Legislação Internacional de Direitos Humanos em Relação à Orientação Sexual e Identidade de Gênero de 2006 Entretanto o que se evidencia é a inexistência de um instrumento normativo especificamente destinado às condições de encarceramento da comunidade LGBTQIA sobremaneira ao considerar que a única proteção destinada à comunidade LGBTQIA no cárcere resta evidenciada em um único princípio presente nos Princípios de Yogyakarta in verbis Princípio 09 Direito a tratamento humano durante a detenção Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com humanidade e com respeito pela dignidade inerente à pessoa humana A orientação sexual e identidade de gênero são partes essenciais da dignidade de cada pessoa Os Estados deverão a Garantir que a detenção evite uma maior marginalização das pessoas motivada pela orientação sexual ou identidade de gênero expondoas a risco de violência maustratos ou abusos físicos mentais ou sexuais b Fornecer acesso adequado à atenção médica e ao aconselhamento apropriado às necessidades das pessoas sob custódia reconhecendo qualquer necessidade especial relacionada à orientação sexual ou identidade de gênero inclusive no que se refere à saúde reprodutiva acesso à informação e terapia de HIVAids e acesso à terapia hormonal ou outro tipo de terapia assim como a tratamentos de reassignação de sexogênero quando desejado c Assegurar na medida do possível que todos os detentos e detentas participem de decisões relacionadas ao local de detenção adequado à sua orientação sexual e identidade de gênero d Implantar medidas de proteção para todos os presos e presas vulneráveis à violência ou abuso por causa de sua orientação sexual identidade ou expressão de gênero e assegurar tanto quanto seja razoavelmente praticável que essas medidas de proteção não impliquem maior restrição a seus direitos do que aquelas que já atingem a população prisional em geral e Assegurar que as visitas conjugais onde são permitidas sejam concedidas na base de igualdade a todas as pessoas aprisionadas ou detidas independente do gênero de sua parceira ou parceiro f Proporcionar o monitoramento independente das instalações de detenção por parte do Estado e também por organizações nãogovernamentais inclusive organizações que trabalhem nas áreas de orientação sexual e identidade de gênero g Implantar programas de treinamento e conscientização para o pessoal prisional e todas as outras pessoas do setor público e privado que estão envolvidas com as instalações prisionais sobre os padrões internacionais de direitos humanos e princípios de igualdade e nãodiscriminação inclusive em relação à orientação sexual e identidade de gênero5 5 Princípios de Yogyakarta princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero Tradução Jones de Freitas jul 2007 Disponível em httpwwwdhnetorgbrdireitossosgaysprincipiosdeyogyakartapdf Acesso em 03 de dezembro de 2022 Posteriormente acrescentada em virtude dos Princípios de Yogyakarta 10 princípios e obrigações estatais adicionais sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual identidade de gênero expressão de gênero e às características sexuais que complementam os Princípios de Yogyakarta6 OS ESTADOS DEVEM H Adotar e implementar políticas para combater a violência discriminação e outros danos por motivo de orientação sexual identidade de gênero expressão de gênero ou características sexuais que sofrem as pessoas privadas de liberdade inclusive no que respeita a assuntos como a detenção as revistas corporais e de outro tipo os elementos empregados para expressar o gênero o acesso à continuidade de tratamentos e cuidados médicos que afirmem o seu gênero assim como o confinamento solitário com fins de proteção I Adotar e implementar políticas sobre detenção e tratamento de pessoas privadas de liberdade que reflitam as necessidades e os direitos das pessoas de todas as orientações sexuais identidades de gênero expressões de gênero e características sexuais e que garantam que as pessoas possam participar de decisões a respeito das instalações em que serão confinadas J Oferecer supervisão efetiva aos estabelecimentos de detenção tanto em centros de custódia públicos quanto privados com o propósito de assegurar a segurança e proteção de todas as pessoas levando em conta as vulnerabilidades específicas relacionadas à orientação sexual identidade de gênero expressão de gênero e às características sexuais Ao partir da premissa que as pessoas LGBTQIA vivem dentro do sistema prisional em um contexto que potencializa a sua vulnerabilidade com reiteradas violações aos seus Direitos Fundamentais e Humanos a inexistência de um tratamento legislativo robusto relativo à matéria se reflete na atuação da própria Corte IDH Pouco se tem no âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos sobre as condições de encarceramento que sejam voltadas à promoção de um tratamento que evite o surgimento de um contexto de violências e preconceitos dentro do cárcere em decorrência da orientação sexual identidade de gênero e expressão de gênero Ao analisar as decisões da Corte IDH observase que embora haja um número considerável de decisões voltadas à proteção dos Direitos Humanos no cárcere sobretudo às condições de encarceramento quase não há decisões voltadas à proteção dos Direitos Humanos da comunidade LGBTQIA no cárcere As poucas decisões que abordam essa temática ainda assim as fazem de maneira superficial sem a realização de uma análise das violações aos Direitos Humanos com um 6 Princípios de Yogyakarta mais 10 princípios e obrigações estatais adicionais sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual identidade de gênero expressão de gênero e às características sexuais que complementam os Princípios de Yogyakarta Set 2017 Disponível em httpswwwmpfmpbrpfdcmidiatecaoutraspublicacoesdedireitoshumanospdfsprincipiosdeyogyakarta mais1020171atdownloadfile Acesso em 22 de janeiro de 2023 enfoque específico à vulnerabilidade potencializada dentro do contexto carcerário que estimula o preconceito e a violência em virtude da orientação sexual identidade de gênero e expressão de gênero fundamentando suas decisões sobremaneira nos artigos 41 e 51 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos Das manifestações do Sistema Interamericano de Direitos Humanos acerca da temática podese retirar 03 três que trazem reflexos acerca das condições de encarceramento de pessoas LGBTQIA i Opinião Consultiva de nº 29 de 30 de maio de 2022 ii Relatório de nº 71 de 04 de maio de 1999 Marta Lucía Alvarez Giraldo Caso de nº 11656 Colômbia7 iii Medidas Provisórias decretadas em desfavor do Brasil em razão das condições de encarceramento no Complexo Prisional do Curado em Pernambuco8 11 A Opinião Consultiva de nº 29 de 30 de maio de 2022 da Corte IDH e os direitos da comunidade LGBTQIA dentro do sistema prisional Em 25 de novembro de 2019 a CIDH com amparo no artigo 641 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos solicitou à Corte IDH um parecer consultivo tendo como objeto Enfoques diferenciados em matéria de pessoas privadas de liberdade O documento tinha como objetivo solicitar que a Corte IDH realizasse uma interpretação conjunta à luz dos princípios da igualdade e da nãodescriminação das normas vigentes no Sistema Interamericano de Direitos Humanos que apontem para as obrigações dos Estados que são parte da Organização dos Estados Americanos OEA na promoção da proteção de grupos socialmente vulneráveis como os LGBTQIA que estão privados de liberdade Ou seja a solicitação do parecer consultivo tinha como principal meta requisitar que a Corte IDH apresentasse uma interpretação das normas sobre Direitos Humanos vigentes que se coadunassem com a realidade social e com a finalidade de uma proteção integral sem qualquer tipo de descriminação para que assim seja possível alcançar uma igualdade material a ponto de que com a utilização de uma interpretação mais integrativa do corpo normativo vigente na 7 CIDH Caso Marta Lucía Alvarez Giraldo vs Colômbia Caso 11656 Informe Nº 7199 Disponível em httpswwwcidhoasorgannualrep99spanadmisible colombia11656htm Acesso em 28 de junho de 2022 8 Para fins do presente estudo serão utilizadas todas as Medidas Provisórias decretadas pela Corte IDH em desfavor do Brasil que tenham como objeto de discussão as condições de encarceramento da comunidade LGBTQIA no Complexo Prisional do Curado em Pernambuco seara internacional os Estados possam desenvolver internamente mecanismos eficazes para atender e reduzir as vulnerabilidades existentes que são potencializadas para alguns grupos dentro do cárcere Neste ponto a solicitação de parecer consultivo elaborada pela CIDH à Corte IDH aponta para a necessidade de uma interpretação mais integrativa que seja capaz de diminuir as vulnerabilidades para aqueles que vivem em situação especial de risco dentro do sistema prisional como a comunidade LGBTQIA A seguir com base em seu trabalho de monitoramento a Comissão passa a definir alguns aspectos que revelam o impacto diferenciado e os efeitos desproporcionalmente prejudiciais no contexto de privação de liberdade a respeito das mulheres grávidas em período de pósparto e lactantes das pessoas LGBT das pessoas indígenas das pessoas idosas e das crianças que vivem com as mães na prisão a fim de justificar a necessidade de que se disponha de uma interpretação da egrégia Corte que permita determinar o alcance e o enfoque diferenciado que têm as obrigações dos Estados para garantir os direitos dessas pessoas e atender às condições particulares de vulnerabilidade que aumentam o risco de que sejam objeto de atos de discriminação9 Dentro dos grupos que se encontram em uma situação de maior vulnerabilidade dentro do cárcere encontramse os membros LGBTQIA Para tanto ao constatar as dificuldades que as pessoas LGBTQIA enfrentam dentro das prisões em virtude da estigmatização e dos preconceitos a CIDH apontou para 06 seis obstáculos com as quais as pessoas LGBTQIA têm que encarar quando são colocadas dentro do contexto prisional10 i Exposição a um risco maior de violência ii Determinação do ingresso nas unidades carcerárias sem considerar a identidade de gênero iii Segregação dentro da própria prisão iv Falta de reconhecimento da identidade e expressão de gênero v Maiores obstáculos para a realização de visitas íntimas e vi Falta de acesso a serviços de saúde adequados Desta maneira ao constatar essas dificuldades vivenciadas pelas pessoas LGBTQIA dentro do cárcere a CIDH acaba por apresentar alguns questionamentos à Corte IDH 9 CIDH Solicitação de Parecer Consultivo à Corte Interamericana de Direitos Humanos enfoques diferenciados em matéria de pessoas privadas da liberdade Novembro de 2019 Disponível via URL httpswwwcorteidhorcrdocsopinionessoc0519porpdf Acesso em 08 de abril de 2023 20 10 CIDH Solicitação de Parecer Consultivo à Corte Interamericana de Direitos Humanos 29 i Se é possível justificar nos artigos 24 e 11 da Convenção a necessidade da adoção de medidas ou enfoques diferenciados para garantir que suas circunstâncias específicas não afetem a igualdade de condições com as demais pessoas privadas da liberdade tanto no que diz respeito a suas condições de detenção como em relação aos recursos que sejam interpostos para proteger seus direitos no contexto da privação da liberdade Em caso positivo que implicações concretas reveste o conteúdo dos direitos envolvidos nesses artigos no alcance das obrigações correlatas que cabem aos Estados na matéria ii Como devem os Estados levar em conta a identidade de gênero com a qual se identifica a pessoa no momento de determinar a unidade em que deve ingressar iii Que obrigações específicas cabem aos Estados para prevenir todo ato de violência contra pessoas LGBT privadas da liberdade que não impliquem segregação do restante da população carcerária iv Quais as obrigações especiais dos Estados quanto às necessidades médicas especiais de pessoas trans privadas da liberdade e especificamente se for o caso a respeito daquelas que queiram iniciar ou continuar seu processo de transição v Que medidas especiais os Estados devem adotar para assegurar o direito à realização de visitas íntimas de pessoas LGBT vi Que obrigações específicas cabem aos Estados em matéria de registro dos diferentes tipos de violência contra pessoas privadas da liberdade LGBT11 Diante do contexto e dos questionamentos apresentados pela CIDH para a Corte IDH a Corte IDH em 30 de maio de 2022 emitiu a Opinião Consultiva de nº 2212 que tem como objetivo apresentar uma interpretação mais efetiva de alguns artigos da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e de outros instrumentos normativos que tenham como objetivo a proteção dos Direitos Humanos dentro do sistema prisional em especial para determinados grupos vulneráveis como as pessoas LGBTQIA Ao considerar as condições de encarceramento e as demais situações que agravam as violações aos Direitos Humanos dosas encarceradosas LGBTQIA a Corte IDH aponta para a existência de uma situação de violência física e psicológica generalizada em desfavor desta comunidade que são causadas sobretudo por outrosas presosas e pelas próprias condições de encarceramento em si Essas violações que acabam ocorrendo em virtude das condições de encarceramento são decorrentes da própria estrutura heterocisnormativa do cárcere Ou seja o sistema prisional foi elaborado sobretudo pensando em abrigar homens heterossexuais não foi criado refletindo acerca da orientação sexual identidade de gênero e expressão de gênero Em razão disso o cárcere para a comunidade LGBTQIA acaba sendo um locus em que a sua pena acaba 11 CIDH Solicitação de Parecer Consultivo à Corte Interamericana de Direitos Humanos 78 12 Corte IDH Opinião Consultiva OC2922 de 30 de maio de 2020 enfoques diferenciados a respeito de determinados grupos de pessoas privadas de liberdade Maio de 2022 Disponível via URL httpswwwcorteidhorcrdocsopinionesseriea29esppdf Acesso em 11 de março de 2023 sendo agravada por fatores externos e sem qualquer relação com o crime que foi praticado Em outros termos o que se constata é a existência de um ambiente carcerário em que uma presoa LGBTQIA acaba sendo obrigadoa a passar por uma piora em sua situação de encarceramento apenas pelo fato de ser LGBTQIA em virtude não apenas da inexistência de uma estrutura carcerária criada pensando nas diversas formas de ser e de se expressar mas também pela própria violência implementada por presosas heterossexuais que acabam considerando osas presosas LGBTQIA como sendo pessoas inferiores o que as tornam vítimas de diversos tipos de violências como a psicológica física e inclusive sexual Deste modo a falta de reconhecimento da identidade de gênero no contexto penitenciário implica um risco de vulnerabilidade de seus direitos e uma maior exposição à violência destas pessoas Ademais existe um consenso no marco do direito internacional dos direitos humanos em que de forma geral a classificação e separação das pessoas privadas de liberdade jamais poderá justificar um tratamento inferior ao recebido por outras pessoas reclusas nem implicar tortura ou outros tratamentos cruéis desumanos e degradantes Tradução nossa 13 A falta de preparo das Autoridades Penitenciárias é um outro fator que agrava a situação de violência dentro do cárcere para essesas presoas sobretudo porque elas não estão preparadas para compreender e atender adequadamente as especificidades das pessoas levando em conta a orientação sexual identidade de gênero e expressão de gênero dosas presosas o que acaba por dificultar o acesso dessas pessoas a serviços que podem ser essenciais como o sistema do sistema de saúde e de remédios de suma importância principalmente para as pessoas que estão em processo de transição de gênero Desta maneira a Corte IDH aponta para a necessidade dos Estados atuarem com o intuito de reverter essa situação de violência dentro do sistema prisional em desfavor de pessoas LGBTQIA em virtude de sua orientação sexual identidade de gênero e expressão de gênero Recomenda portanto que sempre que os Estados integrantes da OEA não puderem atender as especificidades dessa comunidade dentro do sistema carcerário busquem adotar um enfoque diferenciado em relação aosàs presosas LGBTQIA Por esse motivo quando não for possível oferecer uma condição de encarceramento condigna com a proteção dos Direitos Humanos e ainda verificada um potencial incremento 13 De este modo la falta de reconocimiento de la identidad de género en el contexto penitenciario implica un riesgo de vulneración de sus derechos y una mayor exposición a la violencia de estas personas supra párrs 230 a 232 Además existe consenso en el marco del derecho internacional de los derechos humanos en que de forma general la clasificación y separación de las personas privadas de la libertad jamás podrá justificar un trato inferior al recibido por otras personas reclusas ni implicar tortura u otros tratos crueles inhumanos y degradantes Corte IDH Opinião Consultiva nº 2922 237 da vulnerabilidade dessa comunidade que seja motivada pela orientação sexual identidade de gênero e expressão de gênero os Estadosmembros deverão sempre que possível buscar pela aplicação de outras medidas desencarceradoras como a substituição das Penas Privativas de Liberdade por outras medidas cautelares eou punitivas diversas da prisão14 Ao constatar que algumas unidades prisionais de Estados que são membros da OEA sob a justificativa de buscar a proteção das pessoas LGBTQIA colocam essas pessoas em celas de isolamento por exemplo para que não tenham acesso a grupos e pessoas que possam comprometer a sua integridade a Corte IDH acaba por asseverar que é dever dos Estados membros a partir do reconhecimento da orientação sexual identidade de gênero e expressão de gênero garantir um espaço que possa oferecer aosàs encarceradosas LGBTQIA segurança dentro do sistema prisional razão pela qual não é justificável colocar essas pessoas em qualquer tipo solitária isolamento ou segregação administrativa sob a justificativa de garantir a proteção dessas pessoas À luz dos padrões internacionais sobre a matéria a Corte considera que a determinação do local de uma pessoa LGBTI dentro de um centro penitenciário deve ser determinada pelas autoridades estatais em conformidade com as particularidades de cada pessoa e sua situação específica de risco em atenção ao contexto especial de cada Estado mas sempre tendo como princípios reitores o respeito à identidade e expressão de gênero evitando qualquer situação que produza problemas de convivência a participação da pessoa em questão e a proteção contra a violência em si e contra o resto da população penitenciária Tradução nossa15 Em outras palavras para a Corte IDH a distribuição da comunidade carcerária deve perpassar pela análise acerca do sexo mas também deve estabelecer um critério de segurança à integridade da pessoa como elemento adicional no momento da acomodação dosas presosas Deve portanto considerar a auto identificação doa presoa em conformidade com a sua orientação sexual identidade de gênero e expressão de gênero de forma a não implicar automaticamente uma forma de isolamento automática Não cabem desta maneira ao Estadosmembros colocaram osas detentosas LGBTQIA em solitárias utilizando como argumento a utilização dessa forma de privação da liberdade como sendo uma maneira de oferecer uma proteção a elesas Devem todos os 14 Corte IDH Opinião Consultiva nº 2922 236 15 A la luz de los estándares internacionales en la materia la Corte considera que la ubicación de una persona LGBTI dentro de un centro penitenciario debe ser determinada por las autoridades estatales de conformidad con las particularidades de cada persona y su situación específica de riesgo en atención al contexto especial de cada Estado pero siempre teniendo como principios rectores el respeto a la identidad y expresión de género evitando cualquier situación que produzca problemas de convivencia la participación de la persona interesada y la protección contra la violencia en su contra y en relación con el resto de la población penitenciaria Corte IDH Opinião Consultiva nº 2922 247 Estados que fazem parte da OEA criar e utilizar mecanismos de prevenção investigação e de punição que sejam necessárias para evitar situações de violência carcerária motivadas por questões de orientação sexual identidade de gênero e expressão de gênero assim como se pode compreender dos artigos 1 6 e 8 da Convenção Interamericana para Prevenir e Sancionar a Tortura Além disso ao considerar a deficiência de dados oficiais acerca da violência contra a comunidade LGBTQIA sobretudo dentro do sistema prisional a Corte IDH aponta que todos os Estadosmembros estão obrigados a criar um sistema de coleta de dados efetivos acerca de violências exercidas em desfavor desse grupo por força dos artigos 11 e 2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos A criação de um sistema de coleta de dados que registre essas violências possibilitará o desenvolvimento de estratégias efetivas que sejam capazes de proteger as pessoas LGBTQIA dentro do sistema prisionais e impossibilitar a ocorrência de novos atos de violência e discriminação Desta forma segundo a Corte IDH na Opinião Consultiva de nº 29 de 30 de maio de 2022 cabem aos Estadosmembros da Organização dos Estados Americanos a realizar um estudo individualizado do risco no momento de ingresso ao recinto penitenciário que se utilize como fundamento para determinar as medidas especiais de proteção que sejam necessárias b absterse de impor sanções ou medidas disciplinares fundamentadas na orientação sexual ou identidade de gênero das pessoas c capacitar e sensibilizar o pessoal e a população carcerária sobre os direitos das pessoas LGBTI a discriminação à que se encontram sujeitas e o direito à igualdade e à nãodiscriminação d permitir às pessoas trans elegerem o gênero dos funcionários que forem realizar revistas corporais que deverão ser em situação excepcionais e estabelecer mecanismos para à denúncia de violência sofrida por pessoas LGBTI dentro dos centros prisionais f informar às pessoas LGBTI sobre seus direitos e os mecanismos de denúncia disponíveis e g garantir o monitoramento externo e independente das prisões Tradução nossa16 Em relação ao acesso à saúde a Corte IDH em sua Opinião Consultiva dispõe que é uma obrigação dos Estadosmembros em decorrência da necessidade do reconhecimento efetivo da orientação sexual identidade de gênero e expressão de gênero o fornecimento de 16 a realizar un estudio individualizado de riesgo al momento del ingreso al recinto penitenciario que se utilice como fundamento para determinar las medidas especiales de protección que requiera supra párr 251 b abstenerse de imponer sanciones o medidas disciplinarias fundamentadas en la orientación sexual o identidad de género de las personas c capacitar y sensibilizar al personal y a la población penitenciaria sobre los derechos de las personas LGBTI la discriminación a la que se encuentran sujetas y el derecho a la igualdad y a la no discriminación d permitir a las personas trans elegir el género de los funcionarios que realicen revisiones corporales las cuales serán excepcionales e establecer mecanismos para la denuncia de la violencia sufrida por las personas LGBTI dentro de los centros penitenciarios infra párr 263 f informar a las personas LGBTI sobre sus derechos y los mecanismos de denuncia disponibles y g garantizar el monitoreo externo e independiente de las cárceles supra párrs 45 244 y 246 Corte IDH Opinião Consultiva nº 2922 257 serviços de saúde adequados sobretudo quando estiverem ligados à questão de identidade de gênero como é o caso do serviço de saúde dedicados a pessoas trans com o objetivo que essas pessoas possam adequar o seu corpo à sua identidade de gênero devendo oferecer inclusive tratamentos para redesignação de sexo quando oferecidos a todosas pelo Estado como forma de expressão e concretização do princípio da nãodiscriminação e sobremaneira do princípio da igualdade Ademais reconhecendo que a orientação sexual e o exercício da sexualidade são partes que compõem intimidade da pessoa expressandose como um direito da personalidade e tendo em vista que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos não protege nenhum tipo específico de família e não estabelece qualquer arquétipo de família como sendo o referencial a Opinião Consultiva de nº 29 da Corte IDH acaba por apontar que é dever dos Estados membros da OEA garantir a visita íntima da comunidade LGBTQIA dentro do sistema prisional devendo ser assegurada as mesmas condições no exercício das visitas íntimas das condições dispostas aosàs demais encarceradosas 12 A CIDH e o direito à visita íntima da pessoa encarcerada independentemente da orientação sexual Marta Lucía Alvarez Giraldo Caso 11656 Colômbia O Relatório de nº 71 de 04 de maio de 199917 é uma manifestação oriunda do Sistema Interamericano dos Direitos Humanos acerca do Direito dosas encarceradosas à visita íntima independentemente da orientação sexual Ressaltese que embora tenha sido uma manifestação da CIDH e não da Corte IDH é importante evidenciar o mencionado relatório sobretudo ao considerar que a própria CIDH apontou que a restrição à visita íntima de uma encarcerada em virtude de sua orientação sexual poderia constituir em uma ingerência abusiva ou arbitrária em sua vida privada o que violaria o art 112 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos Desta forma o que se pode observar é que embora o Relatório de nº 71 tenha sido exarado pela CIDH é um documento de suma importância por abrir caminhos para a luta dos Direitos das pessoas LGBTQIA privadas de liberdade na Colômbia Veja portanto que o próprio Relatório de nº 71 da CIDH mesmo tendo sido realizado em 04 de maio de 1999 coadunase perfeitamente com a Opinião Consultiva de nº 29 de 2022 17 CIDH Caso Marta Lucía Alvarez Giraldo vs Colômbia no momento em que afirma que é um Direito de qualquer pessoa que se encontre privada de liberdade a possibilidade de receber visitas íntimas No Caso de nº 11656 que deu surgimento ao Relatório de nº 71 de 04 de maio de 1999 a peticionária a Srª Marta Lucía Álvares Giraldo alegou que estava tendo seus Direitos Humanos violados pela República da Colômbia sobremaneira em sua integridade pessoal honra e igualdade em virtude da negativa do mencionado Estado permitir que a vítima tivesse direito a receber visitas íntimas de sua companheira em razão de sua orientação sexual Em resposta a República da Colômbia embora tenha reconhecido que a peticionária estava sendo tratada de forma desumana e discriminatória18 afirmou que de fato impedia a Srª Marta Lucía Álvares Giraldo de receber visitas íntimas em virtude de sua orientação sexual Como justificativa afirmou que caso permitisse essa prática a ordem e disciplina estabelecidas na penitenciária em que ela se encontrava o Centro de Reclusión de Mujeres de Pereira seriam afetadas posto que os países latinoamericanos são poucos tolerantes com as práticas homossexuais Em virtude dessa conduta a CIDH por meio do Relatório de nº 122 de 05 de outubro de 201819 reconheceu que a República da Colômbia vulnerou o Direito à Integridade da Srª Marta Lucía Álvares Giraldo consubstanciando no seu Direito de receber um tratamento em conformidade com a dignidade da pessoa humana enquanto estava presa sob a tutela do Estado razão pela qual a República da Colômbia violou os artigos 11 51 81 112 24 e 251 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos Em consequência como recomendação a CIDH apontou para a necessidade da República da Colômbia reparar integralmente a peticionária por danos morais e materiais bem como que o Estado empreenda todas as medidas estatais necessárias para que não ocorram mais violações aos Direitos Humanos ou qualquer tipo de discriminação dentro do cárcere por razões ligadas à orientação sexual 13 A atuação da Corte IDH e as condições de encarceramento das pessoas LGBTQIA privadas de liberdade por meio da adoção de Medidas Provisórias como forma de proteção à Dignidade da Pessoa Humana 18 Seguidamente sin embargo reconoció la legitimidad del reclamo presentado basado en un informe del Ministerio de Justicia y Derecho donde se admite que la peticionaria está siendo tratada en forma inhumana y discriminatoria Sin embargo reiteró sus alegatos iniciales en cuanto a que la prohibición atiende a razones arraigadas en la cultura latinoamericana la cual sostiene sería poco tolerante respecto de las prácticas homosexuales CIDH Caso Marta Lucía Alvarez Giraldo vs Colômbia 12 19 CIDH Caso Marta Lucía Alvarez Giraldo vs Colômbia 227 Como já informado a Corte IDH não teve muita oportunidade de se manifestar especificamente sobre as condições de encarceramento das pessoas LGBTQIA Porquanto a jurisprudência acerca da temática ainda seja muito incipiente ao partir da análise de algumas decisões da Corte IDH já é possível vislumbrar um certo caminho na proteção dos Direitos Humanos dessa comunidade dentro do cárcere Para tanto resolveuse analisar 05 cinco Medidas Provisórias decretadas pela Corte IDH em desfavor da República Federativa do Brasil em virtude das condições de encarceramento das pessoas privadas de liberdade no Complexo Prisional do Curado localizado no Estado de Pernambuco quais sejam 1 Medidas Provisórias de 22 de maio de 2014 2 Medidas Provisórias de 07 de outubro de 2015 3 Medidas Provisórias de 23 de novembro de 2016 4 Medidas Provisórias de 15 de novembro de 2017 e 5 Medidas Provisórias de 28 de novembro de 2018 Destaquese que por mais que as Medidas Provisórias acima listadas tenham como ponto de análise as condições de encarceramento de toda e qualquer pessoa que esteja privada de liberdade no Complexo Prisional do Curado elas evidenciam a necessidade de uma especial proteção aos Direitos Humanos das pessoas em situação de vulnerabilidade como as pessoas LGBTQIA 131 Os encarcerados LGBTQIA no Complexo Penitenciário do Curado uma análise das Medidas Provisórias de 22 de maio de 2014 Mencionadas medidas foram decretadas após solicitação da CIDH em 31 de março de 2014 em virtude da ineficiência das Medidas Cautelares estabelecidas pela própria CIDH em favor das pessoas privadas de liberdade no Complexo Prisional do Curado em Pernambuco antigo Centro Penitenciário Professor Aníbal Bruno Ou seja em razão de possíveis violações aos Direitos Humanos de pessoas privadas de liberdade dentro do Complexo Prisional do Curado a CIDH estabeleceu inúmeras medidas cautelares que deveriam ser adotadas pela República Federativa do Brasil em favor não apenas dos presos mas de toda e qualquer pessoa que de alguma forma se encontrasse no mencionado presídio Ao analisar que as Medidas Cautelares não foram suficientes a CIDH com amparo nos artigos 632 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e 27 do Regulamento Interno da Corte pugnou para que a Corte IDH decretasse Medidas Provisórias em desfavor do Brasil com o intuito de que este adotasse todas as medidas necessárias para proteger a vida e a integridade pessoal de todosas que se encontrem no antigo Centro Penitenciário Professor Aníbal Bruno sobretudo das pessoas privadas de liberdade A CIDH solicitou portanto que a Corte IDH ordenasse ao Estado Brasileiro a a conseguir um controle efetivo do centro penitenciário em estrito apego aos direitos humanos das pessoas privadas de liberdade b identificar e responder de maneira efetiva às causas que permitem o tráfico de armas no interior do centro penitenciário c eliminar a prática de chaveiros d eliminar os altos índices de superlotação e assegurar o acesso de serviços de saúde a pessoas que sofrem de doenças graves f evitar a propagação de doenças contagiosas entre os internos g eliminar as inspeções vaginais e anais em detrimento dos visitantes bem como qualquer outra medida que atente contra sua vida e integridade pessoal e h investigar de maneira diligente os fatos denunciados a fim de punir as pessoas responsáveis inclusive agentes penitenciários e evitar que os fatos narrados se repitam no futuro20 Vejase que entre os pedidos realizados pela CIDH não há nenhum voltado diretamente ao cuidado da comunidade LGBTQIA dentro do cárcere De qualquer maneira entre os diversos fatos que fundamentaram o pedido realizado pela CIDH encontrase o relato de que haviam detentos com funções disciplinares e de controle de segurança autorizados por funcionários do próprio sistema prisional o quais são denominados de Chaveiros21 Esses detentos por possuírem um maior poderio dentro da mencionada unidade prisional segundo relatos restringiam a livre circulação de gays bissexuais e transexuais nos corredores do Centro Penitenciário Professor Aníbal Bruno atual Complexo Prisional do Curado Desta maneira considerando a situação de risco extremamente grave à vida e integridade pessoal dos internos e de todosas ali presentes a Corte IDH sem prejulgar a responsabilidade estatal pelos fatos aduzidos no pedido realizado pela CIDH determinou que 20 Corte IDH Resolução Complexo Prisional do Curado 22 de maio de 2014 Disponível em httpswwwcorteidhorcrdocsmedidascuradose01porpdf Acesso em 25 julho de 2022 9º 21 Os Chaveiros são presos que em razão do seu alto poder intimidatório normalmente presos condenados ou acusados por crimes de tráfico de drogas eou por crimes contra o patrimônio eram escolhidos para organizar toda a dinâmica e o modo como as demais pessoas privadas de liberdade se distribuiriam dentro do Complexo Penitenciário do Curado Eles são responsáveis por definir a distribuição dos presos pelas celas da unidade prisional possuindo até mesmo poder disciplinar A nomenclatura Chaveiro é decorrente do fato desses presos com maior poder intimidatório possuírem literalmente as chaves das celas do Complexo Penitenciário do Curado o Estado brasileiro adotasse medidas de curto prazo nos eixos voltados à saúde segurança e contingente populacional dentro do cárcere consistente em a elaborar e implementar um plano de emergência em relação à atenção médica em particular aos reclusos portadores de doenças contagiosas e tomar medidas para evitar a propagação destas doenças b elaborar e implementar um plano de urgência para reduzir a situação de superlotação e superpopulação no Complexo de Curado c eliminar a presença de armas de qualquer tipo dentro do Complexo de Curado d assegurar as condições de segurança e de respeito à vida e à integridade pessoal de todos os internos funcionários e visitantes do Complexo de Curado e e eliminar a prática de revistas humilhantes que afetem a intimidade e a dignidade dos visitantes22 Vejase que muito embora a CIDH tenha informado a ocorrência de violência contra a Comunidade LGBTQIA no Complexo Prisional do Curado como um dos fundamentos que consubstanciam o requerimento de Medidas Provisórias a serem decretadas em desfavor do Estado brasileiro não houve a determinação de qualquer medida a ser adotada pelo Brasil destinada especificamente para a Comunidade LGBTQIA dentro do mencionado complexo prisional pernambucano 132 O Complexo Penitenciário do Curado e as Medidas Provisórias de 07 de outubro de 2015 o papel especial do Estado como garantidor da proteção dos encarcerados LGBTQIA Mesmo após a decretação das Medidas Provisórias de 22 de maio de 2014 a Corte IDH recebeu denúncias acerca da continuação de possíveis violações aos Direitos Humanos dos encarcerados sobretudo relacionadas à comunidade LGBTQIA Osas representantes dos presos do Complexo Prisional do Curado relataram à Corte IDH que a cela dos prisioneiros LGBTQIA tinha o seu sistema de ventilação comprometido sobretudo ao considerar que a porta era a única via para a entrada de ar Essa situação tornava a cela extremamente quente de maneira que criava no ambiente um efeito microondas23 Além da condição da cela dos prisioneiros LGBTQIA foi constatada a ocorrência de um estupro coletivo a um detento LGBTQIA ocorrido dentro do Complexo Prisional do 22 Corte IDH Resolução Complexo Prisional do Curado 22 de maio de 2014 20 23 Em 18 de julho de 2015 foi verificado que a cela dos prisioneiros LGBT tem sua aeração comprometida tendo como única entrada de ar a quadrícula porta de acesso o que gera um efeito microondas produzindo um calor insuportável Corte IDH Resolução Complexo Prisional do Curado 07 de outubro de 2015 Disponível em httpswwwcorteidhorcrdocsmedidascuradose02 porpdf Acesso em 29 julho de 2022 11 Curado O mencionado estupro ocorreu em razão de uma punição aplicada pelo chaveiro ao preso Em virtude dessa punição o detento foi contagiado com HIV Em decorrência do fato noticiado em resposta o Estado brasileiro informou acerca da construção de uma cela especial de convivência para os encarcerados LGBTQIA Apesar da informação do Brasil acerca da construção de uma cela especial de convivência para as pessoas LGBTQIA privadas de liberdade a Corte IDH ressaltou o dever do Estado em proteger os grupos vulneráveis dentro do sistema prisional Desta forma o Brasil deveria tomar providencias para impedir que situações de riscos e discriminações a grupos em situação de vulnerabilidade ocorressem A Corte IDH assim se posicionou acerca da matéria 37 Sobre a situação em particular de pessoas com deficiência e pessoas LGBT a Corte faz notar o dever de proteção do Estado diante de situações conhecidas de discriminação e risco de grupos em situação de vulnerabilidade Nesse sentido o Estado tem a obrigação de tomar todas as medidas disponíveis para proteger e garantir o gozo do direito à vida e à integridade pessoal das pessoas sob sua custódia O anterior adquire particular urgência quando o Estado tem conhecimento de situações violatórias à integridade pessoal destas pessoas A Corte toma nota do indicado pelo Estado sobre a criação de um espaço de convivência especial para pessoas LGBT e espera que o Estado apresente informação concreta e detalhada em seus próximos relatórios sobre este ponto em particular24 Vejase que muito embora a Corte IDH tenha considerado o papel de garante do Estado brasileiro em razão das pessoas privadas de liberdade a própria Corte afirma que especial atenção deve ser dada para os presos em situação de vulnerabilidade entre eles os encarcerados LGBTQIA Desta maneira para a Corte IDH o Estado brasileiro deveria continuar adotando todas as medidas necessárias para proteger a vida e a integridade pessoal dos privados de liberdade sobremaneira os presos LGBTQIA 133 As Medidas Provisórias de 23 de novembro de 2016 e a visita in situ no Complexo Penitenciário do Curado na proteção dos encarcerados em situação de vulnerabilidade e na garantia à visita conjugal dos presos LGBTQIA Em visita in situ realizada por uma delegação da Corte IDH no Complexo Prisional do CuradoPE realizada em 08 de junho de 2016 osas membrosas da Corte IDH visitaram todas as 03 três unidades prisionais que compõem o Complexo Prisional do Curado quais 24 Corte IDH Resolução Complexo Prisional do Curado 07 de outubro de 2015 37 sejam i Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros PJALLB ii Presídio Marcelo Francisco de Araújo PAMFA e iii Presídio Frei Damião de Bozzano PFDB No Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros osas membrosas da Corte IDH constataram que não havia uma área diferenciada separada para os presos LGBTQIA Enquanto isso no Presídio Marcelo Francisco de Araújo os membros da Corte IDH alertaram para as dimensões da cela dos presos LGBTQIA visto ser muito pequena Igual situação foi identificada no Presídio Frei Damião de Bozzano Nesse último as pessoas LGBTQIA privadas de liberdade se dividiam em uma cela de dois andares25 além de relatarem situações de violências praticadas pelo Chaveiro do pavilhão como ameaças de serem queimadas Muito embora o Estado brasileiro tenha informado acerca i da adequação de áreas existentes nas unidades prisionais do Complexo Penitenciário do Curado para uma melhor acomodação dos presos LGBTQIA ii do estabelecimento de mecanismos para melhor identificação dos presos LGBTQIA com o fito de conhecêlos e atendêlos melhor e iii realização de ações educativas direcionadas especificamente para esses preso o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura MNPCT alertou a respeito da manutenção da grave situação de vulnerabilidade dos encarcerados da comunidade LGBTQIA ressaltando que os canais de denúncia para as violações aos Direitos Fundamentais e Direitos Humanos eram débeis dos encarcerados de maneira a afetar não somente os presos mas também seus familiares Nesse sentido a Corte IDH destacou ainda mais o papel de garante de estado em especial quando diante de pessoas em situação de vulnerabilidade como é o caso dos presos LGBTQIA de maneira a ser necessária a adoção de medidas específicas para proteger a vida e a integridade pessoal desses encarcerados fazendo referência não somente ao Manual sobre Reclusos com Necessidades Especiais da Oficina das Nações Unidas contra a Droga e o Delito mas também à Resolução Conjunta de nº 012014 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária CNPCP e do Conselho Nacional de Combate à Discriminação CNCDLGBT Ou seja a Corte IDH ao fazer referência a mencionados documentos assentou o entendimento de que os presos LGBTQIA não podem permanecer na mesma cela em que outros presos possam colocar suas vidas em risco devendo ser assegurado que sua localização não leve à sua marginalização assim como devem ser garantidas a atenção médica e visitas 25 Celas do pavilhão em que os próprios presos construíram um mezanino dividindo horizontalmente as celas para que fosse possível uma melhor acomodação das pessoas privadas de liberdade que se encontravam na cela Como se fosse a construção de um segundo andar mas dentro da própria cela conjugais Além disso os agentes penitenciários deveriam ser treinados para atender aos presos LGBTQIA além de afirmar que qualquer tipo de punição ou sanção em virtude da orientação sexual é considerada como tratamento desumano e degradante Vejase que no momento em que a Corte IDH realiza essa declaração ela se aproxima ainda mais do entendimento esposado anteriormente no Relatório de nº 71 de 04 de maio de 1999 de Marta Lucía Alvarez Giraldo vs Colômbia que também é ratificadas em manifestações posteriores não apenas com o Relatório de nº 122 de 05 de outubro de 2018 em continuidade de acompanhamento do caso Marta Lucía Alvarez Giraldo vs Colômbia mas também com a própria Opinião Consultiva de nº 2922 Assim sendo por intermédio das Medidas Provisórias de 23 de novembro de 201626 a Corte IDH decretou que o Estado brasileiro além de garantir a proteção à vida e integridade pessoal dos encarcerados LGBTQIA tem o dever de garantir as visitas conjugais aos presos LGBTQIA que estavam no Complexo Penitenciário do Curado em Pernambuco 134 As Medidas Provisórias de 15 de novembro de 2017 em virtude da ausência de ações concretas para a proteção dos presos LGBTQIA dentro do Complexo Prisional do Curado Em razão das Medidas Provisórias anteriores decretadas o Estado brasileiro acabou por criar áreas destinadas especificamente para os presos LGBTQIA Neste diapasão segundo relato das autoridades brasileiras em relação ao i Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros PJALLB foi entregue um pavilhão com 28 vinte e oito camas para os encarcerados LGBTQIA ii Presídio Marcelo Francisco de Araújo PAMFA foi entregue um pavilhão com 22 vinte e duas camas para os presos LGBTQIA e iii Presídio Frei Damião de Bozzano PFDB foi realizada uma reforma no pavilhão existente Porquanto o Estado brasileiro tenha empreendido esforços para cumprir as Medidas Provisórias decretadas em favor dos encarcerados do Complexo Penitenciário do Curado por meio da construção de pavilhões separados que fossem hábeis a atender a comunidade LGBTQIA encarcerada as análises posteriores constataram que esses presos continuavam sendo vítimas de violência física psicológica e sexual sobremaneira por ainda estarem em 26 Corte IDH Resolução Complexo Prisional do Curado 23 de novembro de 2016 Disponível em httpswwwcorteidhorcrdocsmedidascuradose04porpdf Acesso em 17 de agosto de 2022 57 espaços de superpopulação o que impediam a devida proteção Essa situação só potencializa a situação de vulnerabilidade desses presos Ou seja permaneceram as denúncias de que os encarcerados LGBTQIA eram vítimas de violências sobretudo a sexual Essa situação de violência se caracterizava segundo osas peticionáriosasrepresentantes dos encarcerados porque esses presos eram colocados em celas localizadas em pavilhões masculinos administrados por chaveiros homens Argumentaram ainda que mesmo após a criação da lei que dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual a Lei de nº 12845 de 01 de agosto de 2013 nenhuma ação concreta teria sido realizada dentro do Complexo Prisional do Curado com vistas à proteção dos presos que foram vítimas de violência sexual dentro do mencionado complexo penitenciário27 Inclusive em relação a essa situação apontando para a necessidade de não apenas construir pavilhões separados para atender a comunidade LGBTQIA a própria Corte IDH por meio da Opinião Consultiva de nº 29 de 2022 ao comentar o Caso do Complexo Penitenciário do Curado informa que é necessária a criação de mecanismos de proteção dessa comunidade em específico a ponto dos presos LGBTQIA dentro da unidade prisional não recebam um tratamento inferior aos demais privados de liberdade em virtude de sua orientação sexual identidade ou expressão de gênero Por outro lado o Tribunal considera que os Estados devem assegurar que as medidas adotadas para designar um lugar para as pessoas LGBTI nas prisões não constituam na prática de isolamento ou incomunicabilidade automática um tratamento inferior ao oferecido ao resto das pessoas privadas de liberdade nem de exclusão de atividades que sejam exercidas dentro da prisão No caso do Complexo Penitenciário do Curado do Brasil a Corte constatou que apesar de que tenham sido construídos pavilhões específicos nas prisões para esta população as pessoas LGBTI ainda assim encontravamse submetidas a violência de natureza física psicológica e sexual por se encontrarem em espaços inadequados e superlotados que não permitem a promoção de sua proteção Neste sentido embora a Corte reconheça os valiosos avanços de certos Estados em designar um setor ou ala específica de suas prisões para o alojamento das pessoas LGBTI resulta necessário velar para que o alojamento em ditos recintos não implique em um tratamento inferior ao que receberão as outras pessoas privadas de liberdade ou uma exclusão das atividades que são desenvolvidas na prisão Nesse aspecto ganha especial importância o controle judicial e o monitoramento independente realizar de forma periódica da execução das penas e das condições de detenção respectivamente Tradução nossa28 27 Corte IDH Resolução Complexo Prisional do Curado 15 de novembro de 2017 Disponível em httpswwwcorteidhorcrdocsmedidascuradose05porpdf Acesso em 20 de agosto de 2022 101 28 Por otra parte el Tribunal considera que los Estados deben asegurar que las medidas adoptadas para asignar un lugar a las personas LGBTI en las cárceles no constituyan en la práctica aislamiento o incomunicación automática un trato inferior al brindado al resto de personas privadas de libertad ni una exclusión de las actividades que se lleven a cabo en prisión En el Asunto del Complejo Penitenciario de Curado respecto de Brasil la Corte constató que a pesar de que se habían construido pabellones específicos en las cárceles para esta población las personas LGBTI todavía se encontraban sometidas a violencia de naturaleza física psicológica y Assim considerando a especial vulnerabilidade desse grupo de presos a Corte IDH determinou que o Estado brasileiro deveria continuar adotando todas as medidas que fossem pertinentes assim como deveria realizar as mudanças estruturais necessárias no Complexo Prisional do Curado com o objetivo de garantir a efetiva proteção das pessoas LGBTQIA privadas de liberdade De qualquer forma ainda que considerando os esforços do Estado brasileiro em relação às condições de encarceramento das pessoas LGBTQIA dentro do Complexo Prisional do Curado em Pernambuco a Corte IDH determinou que o Brasil deveria apresentar no prazo máximo de 06 seis meses medidas concretas que a serem ser desenvolvidas dentro do mencionado complexo penitenciário com o objetivo de garantir a vida e a integridade pessoal dos encarcerados LGBTQIA 135 A falta de compromisso estatal e as Medidas Provisórias de 28 de novembro de 2018 Após as Medidas Provisórias decretadas em 15 de novembro de 2017 o Brasil apresentou à Corte IDH o plano de reforma dos espaços das pessoas LGBTQIA privadas de liberdade Nesse passo informou a colocação de 48 quarenta e oito camas no Pavilhão LGBTQIA e 106 cento e seis camas no Pavilhão J29 no Presídio Marcelo Francisco de Araújo e a criação de um Pavilhão LGBTQIA com 42 quarenta e duas camas no Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros Muito embora o Estado brasileiro tenha apresentado o plano de reforma dos espaços físicos destinados aos presos LGBTQIA osas representantes dos encarcerados destacaram que não houve qualquer melhoria na condição de encarceramento desses presos que poucas medidas foram tomadas desde as últimas Medidas Provisórias e que as poucas medidas adotadas eram frágeis e inconsistentes Desta maneira sexual por encontrarse en espacios inadecuados y sobrepoblados que no permitían su protección En este sentido si bien la Corte reconoce los valiosos avances de ciertos Estados en designar un sector o ala específica de sus cárceles para el alojamiento de las personas LGBTI resulta necesario velar porque el alojamiento en dichos recintos no implique un trato inferior al que recibirían las otras personas privadas de libertad o una exclusión de las actividades que se llevan a cabo en prisión En este aspecto toma especial relevancia el control judicial y el monitoreo independiente realizados de forma periódica de la ejecución de la pena y de las condiciones de detención respectivamente Corte IDH Opinião Consultiva nº 2922 244 29 Destaquese que conforme informado nas Medidas Provisórias de 23 de novembro de 2016 ao menos inicialmente no Presídio Marcelo Francisco de Araújo as pessoas LGBTQIA privadas de liberdade ficavam no pavilhão J Os Representantes destacaram que durante o monitoramento da situação de vulnerabilidade das celas LGBTI nas unidades do Complexo de Curado constatouse a mesma estrutura sendo patente a inobservância do Estado no que se refere ao tratamento adequado durante a prisão ou a detenção das pessoas LGBTI No PFDB só se construiu uma grade tipo alambrado para separar a cela LGBTI do pavilhão adjunto No PAMFA construíram uma cela tipo corredor na entrada do Pavilhão J mas não é digna nem segura reforçando a ausência de medidas efetivas e de longo prazo para a segurança e a garantia do direito à vida e à integridade física desse grupo30 Grifo no original Para corroborar com as alegações acerca da falta de compromisso do Brasil para com os encarcerados LGBTQIA dentro do Complexo Prisional do Curado osas representantes alertaram para a ausência de informações acerca desse grupo dentro das 03 três unidades prisionais que compõem o mencionado complexo penitenciário sobretudo ao considerar que as autoridades brasileiras sequer saberiam informar a quantidade de pessoas LGBTQIA que poderiam ser identificadas dentro do antigo Centro Penitenciário Professor Aníbal Bruno Porquanto todas as Medidas Provisórias decretadas pela Corte IDH em relação ao Complexo Prisional do Curado em favor das pessoas LGBTQIA privadas de liberdades versem sobre os direitos à vida à integridade pessoal à saúde e à liberdade de movimento dentro do cárcere ao analisar as Medidas Provisórias de 28 de novembro de 2018 em apertada síntese podese afirmar que os seguintes pontos foram indicados pelosas representantes dos encarcerados como sendo violadores dos Direitos Humanos 1 O Estado não possui dados estatísticos acerca dos encarcerados LGBTQIA dentro do Complexo Prisional do Curado 2 As alterações estruturais dentro das unidades prisionais que compõem o complexo prisional não foram suficientes sendo demonstrada as fragilidades das modificações realizadas 3 As pessoas LGBTQIA privadas de liberdade dentro do mencionado complexo penitenciário continuavam em celas em pavilhões masculinos administrados pela figura dos chaveiros o que aumentaria a vulnerabilidade desse grupo à violência sobretudo das transexuais e travestis 30 Corte IDH Resolução Complexo Prisional do Curado 28 de novembro de 2018 Disponível em httpswwwcorteidhorcrdocsmedidascuradose06porpdf Acesso em 06 de agosto de 2022 147 4 Inexistência de políticas públicas dentro do cárcere que levem em consideração as especificidades dosas encarceradosas LGBTQIA como a disponibilização de hormônios Logo pautado no Princípio de nº 9 dos Princípios de Yogyakarta que trata sobre a aplicação da legislação internacional de Direitos Humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero a Corte IDH destacou a situação de vulnerabilidade das pessoas LGBTQIA privadas de liberdade dentro do Complexo Prisional do Curado sobretudo em virtude de situações de estupro coletivo discriminação restrição da liberdade de movimento entre outras condutas potencialmente violadoras dos Direitos Humanos Ato contínuo a Corte IDH decretou que o Brasil não apenas adotasse em caráter de urgência as medidas cabíveis para garantir uma proteção eficaz dos Direitos Humanos desse grupo dentro das unidades prisionais que compõem o mencionado complexo penitenciário mas também deveria apresentar em prazo inferior a 06 seis meses as medidas concretas a serem implementadas devendo evidenciar i Que atos violentos ou ameaçadores são dirigidos às pessoas com deficiência e à população LGBTI ii Caso haja mecanismos de denúncia para a população LGBTI que procedimento se segue iii Caso tenha sido realizado algum tipo de modificação ou reconstrução dos pavilhões a que tipo de população se destinou e qual seu benefício ivs Que tipo de atenção se dispensa à população citada e que benefícios lhes são oferecidos vs Qual o número de pessoas que compõem essa população pessoas com deficiência idosos e LGBTI vi Informar sobre o avanço na construção do espaço de alojamento para a população LGBTI em cada um dos centros carcerários que compõem o Complexo de Curado31 A despeito das decisões da Corte IDH ainda serem bastante incipientes quando o assunto é acerca das condições de encarceramento da comunidade LGBTQIA podese afirmar que as Medidas Provisórias decretadas em desfavor do Brasil por causa do Complexo Prisional do Curado os 02 dois Relatórios do caso Marta Lucía Alvarez Giraldo vs Colômbia e a Opinião Consultiva de nº 2922 acabam por se materializar como sendo documentos do Sistema Interamericano de Direitos Humanos de suma importância para o estabelecimento de balizas para uma melhor compreensão acerca da real percepção da CIDH e da Corte IDH no 31 Corte IDH Resolução Complexo Prisional do Curado 28 de novembro de 2018 164 que se refere ao tratamento que deve ser dispensado às pessoas LGBTQIA privadas de liberdade nas unidades prisionais do continente americano 2 Análise das condições de encarceramento da comunidade Queer à luz do Sistema Europeu de Direitos Humanos um estudo do caso X vs Turkey Se por um lado a temática LGBTQIA ainda caminha de forma lenta na jurisprudência da Corte IDH a situação é completamente diferente no TEDH Isto porque desde o fim da década de 1980 a partir do julgamento de países que criminalizavam condutas homoafetivas entre pessoas capazes iniciouse uma alta incidência de julgamentos atrelados aos direitos da comunidade queer no âmbito do Sistema Europeu de Direitos Humanos Veja se No sistema europeu emerge um vasto e significativo repertório jurisprudencial concernente aos direitos da diversidade sexual que teve como agenda inaugural o combate à criminalização de práticas homossexuais consensuais entre adultos no final da década de 1980 Posteriormente outras violações foram enfrentadas pelo sistema europeu como a discriminação baseada em orientação sexual no final da década de 1990 casos relativos ao reconhecimento de direitos transexuais decisões favoráveis são proferidas a partir de 2002 adoção por homossexuais decisões favoráveis são proferidas a partir de 2008 e o direito ao casamento são os casos mais recentes decididos a partir de 201032 Contudo a despeito dessa relevante quantidade de demandas sobre a matéria fazse importante salientar que o Sistema Europeu de Diretos Humanos possui uma expressiva diferença quando comparado ao Sistema Interamericano de Diretos Humanos em relação aos dispositivos de suas decisões e isto se deve em grande parte em razão da cultura do Judiciários dos seus países membros Afinal nas decisões da Corte IDH há uma maior diversidade de determinações aos países que se encontram no banco dos réus como a previsão de obrigações de fazer não fazer e dar por outro lado no TEDH restringemse as condenações às imposições de pagar quantia certa em um caráter indenizatório ao dano causado Fixadas as referidas premissas passase pois à análise do caso X vs Turkey Application No 2462609 caso X vs Turkey33 que é um marco na jurisprudência do Sistema 32 PIOVESAN Flávia Temas de Direitos Humanos 11 ed São Paulo Saraiva 2018 p 517 33 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey Sentença de 9 de outubro de 2012 Disponível em httpshudocechrcoeinteng22itemid222200111387622 Acesso em 18 abr 2022 Europeu de Diretos Humanos sobre condições de encarceramento e suas intersecções com os Direitos Humanos em especial no que tange ao agravamento da pena privativa de liberdade em relação aos detentos pertencentes à comunidade LGBTQIAP 21 Ficha técnica descritiva do caso X vs Turkey No intuito de viabilizar um devido aprofundamento sobre o tema ao longo dos próximos tópicos mas já com a compreensão geral prévia de questões que se fazem cruciais optouse por desenvolver uma simples tabela para condensar de forma breve e visual as informações mais relevantes sobre o caso X vs Turkey 34 Aplicante Senhor X X nacional turco que não foi identificado para preservação da sua privacidade Individualização dos Requerente Homossexual condenado à pena privativa de liberdade por mais de 10 anos por falsificação de documentos fraude de cartões de crédito e deturpação de documentos oficiais País Turquia Objeto O agravamento das condições de encarceramento de X tão logo foi identificada sua orientação sexual por outros detentos com quem dividia cela sob o pretexto de preservação da sua integridade física e mental Respaldo Legal Artigos 3º direito à proibição da tortura e da submissão a tratamento e penas desumanas e degradantes e 14 direito à vedação à discriminação da CEDH Seção do TEDH Segunda Seção Deliberação Majoritária do TEDH Reconhecimento da violação aos referidos dispositivos condenação da Turquia a indenizar o aplicante pelos danos morais causados Decisão Parcialmente Dissidente Voto do juiz Jočienė que constatou o descumprimento do artigo 3º direito à proibição da tortura e da submissão a tratamento e 34 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey penas desumanas e degradantes mas não identificou afronta ao artigo 14 direito à vedação à discriminação da CEDH Data dos Fatos Entre 2009 e 2010 Data do Julgamento 9 de outubro de 2012 Data da Res Judicata 27 de maio de 2013 Apresentada a referida ficha técnica descritiva passase agora à análise minuciosa do contexto fático do caso em comento 22 Contexto fático e alegações das partes do caso X vs Turkey Segundo as alegações prestadas X se apresentou à polícia e confessou a prática dos crimes de falsificação de documentos fraude de cartões de crédito e deturpação de documentos oficiais em 24 de outubro de 2008 o que o levou a ser enviado à Buca Prison em İzmir para cumprimento da pena onde foi alocado em uma cela com outros detentos heterossexuais35 Todavia em 5 de fevereiro de 2009 por motivos de segurança ele solicitou que fosse realocado para uma cela com outros prisioneiros homossexuais porque desde que os demais encarcerados descobriram que era homossexual ele passou a ser intimidado e a sofrer bullying Então no mesmo dia ele foi enviado a uma solitária por ordem da gestão penitenciária sob a justificativa de que seria uma forma de protegêlo de eventuais represálias de modo a preservar sua integridade física e mental36 Instase frisar que o local a que foi encaminhado era uma cela individual de 7m² com espaço livre menor que a metade disso mobiliada com uma cama e vaso porém sem pia Ainda o local era muito pouco iluminado e extremamente sujo sendo infestado de ratos37 Dentro da Buca Prison existiam outras dez celas idênticas à supracitada Entretanto ressaltase que todas elas eram classificadas como solitárias e usadas apenas como medida disciplinar para os presos acusados de estupro pedofilia ou com pena de prisão perpétua38 Desde que foi submetido à referida cela isto é em 5 de fevereiro de 2009 X não teve mais nenhuma interação social nem realizou qualquer atividade social uma vez que não 35 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 57 36 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 8 e 9 37 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 10 38 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 10 era permitido sair do local em momento algum nem mesmo para fazer exercícios externos Ou seja X remanescia naquele local as 24 horas do dia de modo que só saía da cela quando ia se encontrar com seu advogado ou realizar alguma audiência externa o que segundo as alegações ocorreria no máximo uma vez por mês39 Diante disso em 21 de abril e em 7 de maio de 2009 X submeteu requerimentos às autoridades nacionais no caso ao Ministério Público e ao juiz da Execução Penal para informar o ocorrido e ressaltar que a detenção naquelas condições teria lhe causado problemas psiquiátricos Outrossim X salientou que tais abusos desumanos e degradantes teriam se dado tão somente por conta da sua orientação sexual sob o pretexto de evitar que viesse a sofrer algum tipo de lesão Assim X requereu que fosse tratado em iguais condições aos demais detentos mas que lhe fosse assegurada a sua integridade física40 A despeito dos argumentos expostos e dos pedidos formulados o magistrado da Turquia refutou a alegação porque segundo ele as autoridades penitenciárias teriam discricionariedade para resolver a questão porque não haveria regramento específico sobre a matéria Assim X recorreu da decisão ratificando que a medida adotada isto é o envio dele a uma cela que seria na verdade uma solitária teria sido extremamente desarrazoada ainda que supostamente a finalidade fosse a sua proteção porém a Corte da Turquia manteve o quanto deliberado41 Ato contínuo em 12 de junho de 2009 em audiência a que compareceu para dar prosseguimento ao trâmite processual referente a um dos crimes que teria cometido X reiterou as condições desumanas e degradantes a que teria sido submetido por isso o Judiciário enviou uma carta à Buca Prison e pediu para que todas as medidas solicitadas por X fossem acatadas42 Diante disso o Ministério Público ordena a transferência de X ao Hospital Psiquiátrico de Manisa o que o leva a ficar de 8 de julho a 12 de agosto de 2009 no referido local sob observação de modo que no fim desse lapso temporal é desenvolvido um relatório médico por três psiquiatras que informam que o aplicante sofreria de um problema de identidade homossexual e que os sofrimentos que lhe teriam sido estimulados em razão do encarceramento naquelas suscitadas condições seriam frutos na verdade de um quadro de depressão e não necessariamente das particularidades do encarceramento Assim os médicos afirmam que os 39 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 10 e 15 40 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 12 e 13 41 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 1416 42 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 17 eventuais problemas psiquiátricos que X venha a vivenciar no futuro poderiam ser tratados na prisão e portanto ele é encaminhado novamente à mesma cela em que estava43 Assim que retorna à Buca Prison X descobre que desde 8 de agosto de 2009 ou seja desde pouco antes do seu retorno outro preso homossexual estaria habitando aquela mesma cela individual Todavia em 11 de novembro de 2009 eles são separados por mera discricionariedade das autoridades penitenciárias situação que apesar de melhorar as condições de encarceramento em relação ao espaço íntimo e particular do preso acaba por agravar seu quadro mental depressivo causado pelo isolamento44 Então em 26 de fevereiro de 2010 o aplicante é enviado de Buca Prison a outro presídio em que é colocado em uma cela comum com outros três presos e volta a ter os mesmos direitos que os demais encarcerados45 Por fim frisase que o Estado não refutou as informações mas suscitou de forma genérica que a cela era adequada e detinha tudo que era necessário bem como que o X só ficou sozinho até a entrada do novo prisioneiro homossexual Assim a Turquia ratificou que não teria sido satisfeito o requisito de severidade do artigo 3º46 da Convenção Europeia de Direitos Humanos CEDH e que devido a isso em tese não teria havido violação em especial porque o pedido de mudança de cela por motivos de segurança teria decorrido do próprio X logo supostamente ele não poderia se insurgir contra tal realocação47 23 Deliberação do TEDH no caso X vs Turkey De acordo com o exposto anteriormente X suscitou que teria havido tanto a afronta ao artigo 3º direito à proibição da tortura e da submissão a tratamento e penas desumanas e degradantes quanto ao artigo 1448 direito à vedação à discriminação49 da CEDH por parte 43 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 18 e 19 44 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 20 e 21 45 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 22 46 Artigo 3º Proibição da tortura Ninguém pode ser submetido a torturas nem a penas ou tratamentos desumanos ou degradantes 47 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 11 e 30 48 Artigo 14 Proibição de discriminação O gozo dos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção deve ser assegurado sem quaisquer distinções tais como as fundadas no sexo raça cor língua religião opiniões políticas ou outras a origem nacional ou social a pertença a uma minoria nacional a riqueza o nascimento ou qualquer outra situação 49 Há quem sustente também que o dever de não discriminação do artigo 14 da CEDH seria um direito à igualdade BARRETO Irineu Cabral A Convenção Europeia dos Direitos do Homem 5 ed Coimbra Almedina 2016 p 312 Todavia ao longo do presente texto utilizarseá a compreensão de que seria um direito à vedação à discriminação da Turquia em razão do agravamento das condições do seu encarceramento tão logo foi identificada sua orientação sexual por outros detentos com quem dividia cela sob o pretexto de preservação da sua integridade física e mental50 Diante disso a fim de realizar uma análise meritória sobre tais questões o TEDH discorre sobre a legislação turca e a prática doméstica no que tange à temática da execução penal e dos direitos dos encarcerados Assim o TEDH reconhece que segundo o ordenamento pátrio os presos seriam alocados de acordo com sua idade sexo duração da prisão natureza do crime perpetrado e outros critérios que se mostrassem relevantes Ainda nos termos da legislação turca aos detentos seriam assegurados o direito à prática de esportes e outras atividades físicas por pelo menos uma hora por dia com atividades externas à participação em atividades culturais aulas e seminários à visitação da biblioteca ao recebimento de visitas entre outros Por oportuno o TEDH também registra que até mesmo aqueles condenados à prisão perpétua poderiam realizar exercícios diariamente e inclusive ter contato ainda que limitado com outros prisioneiros da mesma unidade51 Então assentados os supracitados pontos passase à análise do TEDH referente às alegações de X de violação aos artigos da CEDH por parte da Turquia 231 Deliberação do TEDH no caso X vs Turkey violação ao artigo 3º da CEDH No que tange ao artigo 3º direito à proibição da tortura e da submissão a tratamento e penas desumanas e degradantes da CEDH de imediato salientase que foram usados como premissas pelo TEDH para valoração do respeito aos direitos dos detentos e sua compatibilização com o princípio da dignidade da pessoa humana dois precedentes isto é o caso Mouisel vs France52 e o caso Renolde vs France53 os quais salientam que a pessoa privada de liberdade deve ser submetida a uma pena que pela maneira e método da sua execução não enseje um sofrimento além da intensidade indissociável e intrínseca à própria detenção tendo em vista o dever de se assegurar o bemestar e a saúde do prisioneiro54 50 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 2758 51 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 2326 52 TEDH Primeira Seção Caso Mouisel vs France Sentença de 14 de novembro de 2002 Disponível em httpshudocechrcoeinteng22itemid22220016073222 Acesso em 18 abr 2022 53 TEDH Quinta Seção Caso Renolde vs France Sentença de 16 de outubro de 2008 Disponível em httpshudocechrcoeinteng22itemid22220018897222 Acesso em 18 abr 2022 54 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 33 Outrossim a fim de prosseguir com o exame sobre a afronta ao supracitado dispositivo o TEDH pontuou que X foi aprisionado sem tenha havido uma decisão final que os crimes por ele cometido não envolviam violência e que ele espontaneamente se dirigiu à polícia para confessar os crimes o que evidenciava um cenário mais favorável para a concessão de eventuais benefícios ao acusado porém no caso concreto deparavase em situação diametralmente inversa55 Prosseguindo a análise o TEDH ressaltou que o período da detenção nas referidas condições é um fator importante para apreciar a violação ao dispositivo elencado e que no caso em questão este se deu pelo considerável lapso temporal de 8 meses e 18 dias sem considerar o período de tempo em que X foi alocado no hospital psiquiátrico e que por um certo tempo ele dividiu a cela com outro prisioneiro homossexual56 Em que pese o TEDH tenha ratificado que X não teria sido sujeitado a um isolamento sensorial ou social completo mas sim a um isolamento social relativo o TEDH reconheceu a excepcionalidade e seriedade da natureza do regime prisional que lhe foi imposto em especial porque X era vedado de praticar exercícios ao ar livre e inclusive submetido a condições de encarceramento que seriam mais severas que a de prisioneiros sentenciados à prisão perpétua57 Ademais a partir das informações obtidas o TEDH reconheceu que a cela a que X teria sido encaminhado era na verdade uma solitária Segundo o TEDH o envio doa detentoa a uma solitária por si só não culmina no automático insulto à CEDH isto porque para verificar se a imposição da solitária viola o artigo 3º da CEDH é imperioso apurar a medida a duração o objetivo pretendido e os efeitos na figura doa apenadoa conforme entendimento fixado no precedente do caso Rohde vs Denmark58 Outrossim fazse necessária a verificação do respeito à proporcionalidade59 Assim ainda que presente a justificativa para alocar o indivíduo em uma solitária isto é a séria ameaça à integridade física do X devese analisar se a resposta empregada pelo Estado foi a melhor e mais proporcional diante das outras opções No caso de acordo com o TEDH tal solução não foi proporcional e a Turquia não foi capaz de justificar o porquê de tê 55 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 35 56 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 3132 57 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 3738 58 TEDH Primeira Seção Caso Rohde vs Denmark Sentença de 21 de julho de 2005 Disponível em httpshudocechrcoeinteng22itemid22220016979422 Acesso em 18 abr 2022 59 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 40 la adotado ou seja por qual razão teria havido o isolamento de X sem direito a exercícios externos e contato com outros detentos60 Não bastasse apesar de X ter apresentado tal fato às autoridades estatais manifestando suas angústias inclusive em Juízo o Tribunal da Turquia sequer analisou o mérito do seu recurso ou afastou as alegações expostas por ele de forma concreta restringindo se a manter incólume a decisão recorrida que negava o pedido de cumprimento da pena nas mesmas condições dos demais detentos mas assegurada a sua integridade física61 Em razão disso o TEDH concluiu que X não só foi mantido em condições inapropriadas ao respeito à dignidade mas também foi privado de um remédio efetivo no âmbito doméstico o que configurava a violação ao artigo 3º direito à proibição da tortura e da submissão a tratamento e penas desumanas e degradantes da CEDH62 232 Deliberação do TEDH no caso X vs Turkey transgressão ao artigo 14 da CEDH No que versa sobre o artigo 14 direito à vedação à discriminação da CEDH de início o TEDH frisou que o referido dispositivo a priori não se trata de uma previsão autônoma haja vista seu caráter complementar ou seja em regra a violação a ele direcionada está também alicerçada na afronta a outro direito assegurado pela CEDH no caso em comento a transgressão ao artigo 3º direito à proibição da tortura e da submissão a tratamento e penas desumanas e degradantes da CEDH que segundo X teria se dado exclusivamente por conta da sua orientação sexual63 Ora é inequívoco que questões atinentes à orientação sexual atraem a incidência do artigo 14 da CEDH como bem reconhecido pelo TEDH em outros precedentes vide o caso Kozak vs Poland64 e o caso Alekseyev vs Russia65 por isso era de fato imperioso se debruçar sobre a análise de eventual ultraje ao referido dispositivo tendo em vista as alegações prestadas por X66 60 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 4042 61 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 4344 62 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 4445 63 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 4649 64 TEDH Quarta Seção Caso Kozak vs Poland Sentença de 2 de março de 2010 Disponível em httpshudocechrcoeinteng22itemid22220019759722 Acesso em 18 abr 2022 65 TEDH Primeira Seção Caso Alekseyev vs Russia Sentença de 21 de outubro de 2010 Disponível em httpshudocechrcoeintengpress22itemid22220033311485370012922 Acesso em 18 abr 2022 66 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 50 Segundo o TEDH o entendimento vigente é de que é ínfima a margem de apreciação assegurada ao Estado para redigir suas leis e adotar as medidas que entender cabíveis quando tais estiverem respaldadas na diferença de tratamento baseada no sexo ou na orientação sexual do indivíduo características atinentes à vida privada e à intimidade do cidadão67 Logo ao se estabelecer distinções no regime do cumprimento dos encarcerados em razão do seu sexo e da sua orientação sexual farseá crucial o máximo respeito ao princípio da proporcionalidade para que não configure uma nítida mácula ao artigo 14 da CEDH porque é indispensável que se comprove que a finalidade pretendida com aquela diferenciação era positiva e que naquele contexto não só era necessária como a única viável ou a mais benéfica e menos danosa frente às demais opções existentes com especial atenção ao objetivo pretendido e à necessidade sob pena de se reconhecer que se tratou de uma medida discriminatória negativa68 Entretanto na situação sob exame em que pese o dever da Turquia de proteger X que corria sério risco de sofrer alguma violência o TEDH ratificou que a medida escolhida foi inadequada para a finalidade almejada e portanto tratouse de conduta desproporcional e discriminatória em especial porque existiam diversas outras soluções passíveis de adoção frente àquela situação que seriam muito menos prejudiciais e mais eficazes69 Ainda ao contrário do que suscitou a Turquia o TEDH destacou que o envio de X a uma solitária não teria sido por ele requisitada uma vez que na realidade X pleiteou sua alocação em nova cela com outros detentos homossexuais medida extremamente mais idônea e proporcional que atingiria o objetivo almejado garantir sua integridade física e moral sem lhe causar um agravamento das condições de encarceramento exclusivamente por pertencer à comunidade LGBTQIA70 Outrossim o TEDH ressaltou a gravidade da argumentação vazia exposta pelo Judiciário da Turquia o que indicava um nítido descaso do Estado com X A despeito dele ter se valido das vias estatais tanto o juiz de primeiro grau quanto o Tribunal partiram do pressuposto de que ele deveria ficar preso na solitária porque seria um travesti ou transexual e que por isso poderia vir a ser linchado porém X tinha expressamente salientado que era homossexual e não transexual inclusive reiterando isso em sede de recurso direcionado ao Tribunal da Turquia Desta feita denotase que ou as razões por ele 67 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 50 68 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 50 69 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 5153 70 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 5253 evocadas sequer foram lidas ou o Judiciário da Turquia se recusou a enxergar X da forma que ele assim se reconhecia Portanto em que pese as obrigações previstas na CEDH o TEDH constatou que as autoridades internas falharam com o dever de adotar todas as medidas cabíveis para verificar se as atitudes adotadas contra X foram movidas por fins discriminatórios71 Logo de acordo com a Corte a razão predominante para alocar o aplicante na solitária e retirálo da vida social na prisão não foi o risco à integridade física mas sim o fato dele ser homossexual o que configura discriminação com base na sua orientação sexual e um nítido ultraje ao artigo 14 direito à vedação à discriminação da CEDH72 233 Deliberação do TEDH no caso X vs Turkey condenação indenizatória Em razão da verificação por parte do TEDH da mácula aos artigos 3º direito à proibição da tortura e da submissão a tratamento e penas desumanas e degradantes e 14 direito à vedação à discriminação da CEDH a Turquia foi condenada a indenizar X pelo dano por ele vivenciado Assim com fulcro no artigo 41 direito à reparação razoável73 da CEDH o TEDH ordenou o Estado a ressarcir X por dano moral na monta de 18000 euros EUR74 234 Voto parcialmente dissidente do juiz Jočienė no caso X vs Turkey ausência de afronta ao artigo 14 da CEDH Em relação à constatação da transgressão do artigo 3º direito à proibição da tortura e da submissão a tratamento e penas desumanas e degradantes da CEDH por parte do TEDH o juiz Jočienė não apresentou qualquer insurgência porque concordou integralmente com o reconhecimento de que as condições a que X foi submetido estavam em desacordo com a obrigação de respeito à dignidade do preso75 Entretanto de acordo com o voto exarado pelo juiz Jočienė não teria havido violação ao artigo 14 direito à vedação à discriminação da CEDH porque a alocação de X na solitária não teria se dado em razão da sua orientação sexual uma vez que a Turquia só o teria enviado 71 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 5455 72 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 5658 73 Artigo 41 Reparação razoável Se o Tribunal declarar que houve violação da Convenção ou dos seus protocolos e se o direito interno da Alta Parte Contratante não permitir senão imperfeitamente obviar às consequências de tal violação o Tribunal atribuirá à parte lesada uma reparação razoável se necessário 74 TEDH Segunda Seção Caso X vs Turkey 5962 75 TEDH Voto Dissidente do Juiz Jočienė Caso X vs Turkey àquela cela como forma de garantir a sua integridade ou seja tratouse da adoção por parte do Estado das medidas de segurança que teria entendido necessárias para assegurar as condições mínimas de sobrevivência do apenado76 Logo de acordo com o juiz Jočienė ainda que as supracitadas condutas estatais tenham de fato violado o artigo 3º direito à proibição da tortura e da submissão a tratamento e penas desumanas e degradantes da CEDH na realidade essas ações foram aplicadas com a finalidade de proteger X de possíveis ataques discriminatórios e não para por meio delas discriminálo isto é elas se trataram do instrumento encontrado pela Turquia para alcançar o objetivo pretendido que era o cumprimento da obrigação positiva do Estado de garantir o respeito à integridade física de X77 Por isso o juiz Jočienė não reconheceu a violação artigo 14 direito à vedação à discriminação da CEDH mas apenas ao artigo 3º direito à proibição da tortura e da submissão a tratamento e penas desumanas e degradantes da CEDH o que por conseguinte levou a entender como excessivo o valor fixado a título de reparação pelos danos morais causados a X78 24 Análise crítica do caso X vs Turkey à luz da Opinião Consultiva nº 2922 da Corte IDH A despeito das diversas questões referentes ao aprisionamento da população LGBTQIA que são analisadas pela Opinião Consultiva nº 2922 OC2922 da Corte IDH neste tópico tendo em vista a intenção de se realizar uma análise crítica e comparativa do caso X vs Turkey a partir do suscitado instrumento restringirseá a discorrer sobre o aspecto central deliberado pelo TEDH em tal precedente isto é sobre a temática do agravamento das condições de encarceramento dos presos pertencentes à comunidade LGBTQIA devido à submissão destes a um regime de isolamento sob o pretexto de assegurar as suas integridades ainda que se tenha em consideração que OC2922 foi proferida no âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos Segundo a OC2922 da Corte IDH que se vale do teor do Manual sobre Reclusos con Necesidades Especiales Manual sobre Reclusos com Necessidades Especiais da UNODC79 76 TEDH Voto Dissidente do Juiz Jočienė Caso X vs Turkey 77 TEDH Voto Dissidente do Juiz Jočienė Caso X vs Turkey 78 TEDH Voto Dissidente do Juiz Jočienė Caso X vs Turkey 79 United Nations Office on Drugs and Crime Manual sobre Reclusos con Necesidades Especiales Disponível em httpswwwunodcorgdocumentsjusticeandprison haja vista a discriminação estrutural a que são acometidos os membros do grupo LGBTQIA fazse imperioso que os Estados aloquem osas encarceradosas LGBTQIA dentro das cadeias de maneira a garantir a sua segurança Portanto para que seja concretizado tal objetivo devese primeiro levar em consideração as vontades e temores dosas detentosas LGBTQIA em sequência alojálosas em alas em que se encontrem presosas que não apresentem risco à integridade delesas e então garantirlhes que não ocorra discriminação80 Com efeito embora a supracitada recomendação a OC2922 da Corte IDH reconhece que na prática é recorrente que as autoridades penitenciárias ao invés de alocar osas presosas LGBTQIA em pavilhões com outros indivíduos acabam por segregálosas e isolálosas sob a justificativa da necessidade de protegêlosas81 Todavia a OC2922 da Corte IDH com base no quanto disposto no Nono Informe Anual CATC574 do SPT82 assevera que essa medida se mostra inapropriada e extremamente nociva tanto por prejudicar a saúde física e mental quanto por reduzir o acesso às oportunidades que podem vir a reduzir o tempo de pena e mitigar as mazelas da Pena Privativa de Liberdade como o estudo e o trabalho só devendo ser empregada a partir de uma análise casuística em última hipótese e em caráter excepcional por um breve lapso temporal e respeitadas as garantias doa detentoas Ou seja não se pode adotála como regra como se qualquer presoa pelo simples fato de ser LGBTQIA devesse automaticamente ser submetidoa a um regime de isolamento eou incomunicabilidade com condições de encarceramento mais gravosas que osas demais83 Afinal nos termos da OC2922 da Corte IDH84 há um consenso internacional inclusive previsto expressamente no princípio XIX do documento intitulado Principios y Buenas Prácticas sobre la Protección de las Personas Privadas de Libertad en las Américas da CIDH85 de que em regra a classificação dosas detentosas por identidade de gênero orientação sexual idade aspectos de saúde entre outros para posterior separação na reformMANUALRECLUSOSCONNECESIDADESESPECIALES1pdf Acesso em 19 nov 2022 p 116121 80 Corte IDH Opinião Consultiva nº 2922 239 81 Corte IDH Opinião Consultiva nº 2922 231232 241 82 Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes Nono Informe Anual CATC574 Disponível em httpsdigitallibraryunorgrecord1306972 Acesso em 19 nov 2022 64 68 76 83 Corte IDH Opinião Consultiva nº 2922 240 244245 84 Corte IDH Opinião Consultiva nº 2922 237 85 CIDH Principios y Buenas Prácticas sobre la Protección de las Personas Privadas de Libertad en las Américas Disponível em httpswwwacnurorgfileadminDocumentosBDL20107914pdf Acesso em 19 nov 2022 p 1314 penitenciária a partir das suas respectivas categorias não pode acarretarlhes um tratamento mais cruel se comparado a outro grupo Assim só se considerarseá legítima a submissão de uma presoa LGBTQIA a um regime de isolamento se presentes os já citados requisitos e se no caso em análise mostrar se a medida de acordo com o princípio da proporcionalidade isto é que tal se apresenta necessária idônea e proporcional no sentido estrito Contudo caso não preenchidos tais pressupostos e constatado que o ambiente carcerário se mostra sob qualquer prisma como um local inseguro e incapaz de assegurar os direitos mínimos dosas encarceradosas LGBTQIA fazse possível a substituição da pena privativa de liberdade ou prisão cautelar por outra pena ou medida cautelar menos gravosa desde que oa detentoa não tenha cometido crime violento e que não represente uma ameaça à sociedade vide Manual sobre Reclusos com Necessidades Especiais da UNODC86 Desta feita como no caso X vs Turkey não foi levada em consideração a opinião de X que havia manifestamente alegado que gostaria de ser alocado em outra cela com outros detentos homossexuais medida esta inclusive que é tida como padrão e recomendada pela OC2922 da Corte IDH desde que acompanhada com um dever do Estado de garantir a não discriminação por estesas outrosas presosas tendo sido submetido de imediato a um regime de isolamento sob a alegação de necessidade de resguardar a sua integridade o que porém agravou exponencialmente suas condições de encarceramento notase que a decisão do TEDH de condenar a Turquia por violação aos artigos 3º direito à proibição da tortura e da submissão a tratamento e penas desumanas e degradantes e 14 direito à vedação à discriminação da CEDH igualmente se alinha ao entendimento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos exarado na OC2922 da Corte IDH Conclusão Na realidade social o que se observa é que o Sistema Prisional por acabar sendo considerado além de um lugar punitivo como sendo um local de exclusão social A prisão é um local de reiteradas violações aos Direitos Fundamentais e aos Direitos Humanos Entretanto se o fato de ser obrigadoa a viver no cárcere já é um elemento violador à dignidade da pessoa 86 United Nations Office on Drugs and Crime Manual sobre Reclusos con Necesidades Especiales Disponível em httpswwwunodcorgdocumentsjusticeandprison reformMANUALRECLUSOSCONNECESIDADESESPECIALES1pdf Acesso em 19 nov 2022 p 120 Corte IDH Opinião Consultiva nº 2922 236 246 humana essas violações são ainda mais vultosas quando se observa o tratamento dispensado à comunidade LGBTQIA dentro das prisões Contudo embora seja possível observar uma incrementação na vulnerabilidade das pessoas LGBTQIA dentro do sistema prisional por serem mais propensas a atos de violência e discriminação o que ficou evidenciado é que atualmente o Direito Internacional dos Direitos Humanos resta carente de normativas específicas que busquem disciplinar as condições de encarceramento da comunidade LGBTQIA Não se pode dizer que inexiste documentos normativos que versem sobre a matéria Contudo é possível estabelecer que o tratamento legislativo no âmbito do Direito Internacional sobre a matéria ainda é muito incipiente Perante o Direito Internacional dos Direitos Humanos a única proteção destinada à comunidade LGBTQIA dentro cárcere resta evidenciada apenas no Princípio 9º dos Princípios de Yogyakarta Essa inexpressividade legislativa acerca do tratamento que deve ser destinado à pessoa LGBTQIA dentro do sistema prisional acaba refletindo na própria atuação de alguns Sistemas Regionais de Proteção aos Direitos Humanos como é o caso do Sistema Interamericano de Direitos Humanos que embora tenha tido poucas oportunidades de se manifestar sobre a temática tem reconhecido que as pessoas LGBTQIA ficam expostas a uma situação de maior vulnerabilidade em relação às demais quando colocadas dentro do cárcere razão pela qual acabam por necessitar por uma proteção especial por parte do Estado Enquanto as pessoas LGBTQIA estiverem sob tutela do Estado dentro do cárcere esse é o responsável na proteção dos Direitos Fundamentais e Humanos devendo reconhecer e respeitar a orientação sexual identidade de gênero e expressão de gênero de todosas que estão sob sua guarida As manifestações analisadas do Sistema Interamericano de Direitos Humanos i a Opinião Consultiva de nº 2922 da Corte IDH ii o Caso de Marta Lucía Alvarez Giraldo que tramitou perante a CIDH e iii as Medidas Protetivas decretadas pela Corte IDH em desfavor do Brasil em razão das condições de encarceramento no Complexo Prisional do Curado em Pernambuco reforçam a posição de garante que os Estados desempenham em relação àquelesas em situação de privação de liberdade sobretudo das pessoas LGBTQIA Nesse mesmo sentido ainda que sem fazer expressa menção ao Princípio 9º dos Princípios de Yogyakarta alinhouse o TEDH ao proferir a sentença no caso X vs Turkey isto porque reconheceu o dever do Estado de assegurar as garantias fundamentais dos indivíduos pertencentes à comunidade LGBTQIA em especial se eles se encontram sob a custódia do país submetidos a uma Pena Privativa de Liberdade Não por outra por meio de um relevante precedente o TEDH ratificou que é dever do Estado inserir oa apenadoa em uma cela em que não coloque em risco sua integridade física e mental Portanto não se pode encaminhar uma detentoa integrante do grupo LGBTQIA a um pavilhão em que osas demais encarceradosas ameacemnoa ou agridamnoa física moral ou verbalmente sob pena de violação à obrigação positiva que incumbe à nação e que estão constantes em diversos instrumentos normativos como a CEDH e as regras da Yogyakarta Outrossim o TEDH frisou que para alcançar a supracitada finalidade de maneira adequada fazse crucial o respeito ao Princípio da Proporcionalidade de modo a verificar a necessidade da conduta adotada para atingir o referido objetivo e constatar se de fato a prática empregada foi a mais benéfica e menos prejudicial aoà apenadoa diante de todas as outras opções que estavam à disposição do Estado Caso contrário constatarseá um agravamento da pena exclusivamente por conta do encarcerado ser membro da população LGBTQIA Mais do que isso diante de todas as manifestações dos Sistemas Internacionais de Direitos Humanos tanto Interamericano quanto Europeu ficou crível compreender que atos de violência e discriminação em desfavor da comunidade LGBTQIA dentro do sistema prisional só podem ser combatidos por meio da adoção de ações que priorizem a promoção do Princípio da Igualdade em seu aspecto material e do Princípio da Nãodiscriminação possibilitando o respeito a questões que envolvam a orientação sexual identidade de gênero expressão de gênero em todas as suas acepções Referências BARRETO Irineu Cabral A Convenção Europeia dos Direitos do Homem 5 ed Coimbra Almedina 2016 CIDH Caso Marta Lucía Alvarez Giraldo vs Colômbia Caso 11656 Informe Nº 7199 Disponível em httpswwwcidhoasorgannualrep99spanadmisible colombia11656htm Acesso em 11 de março de 2023 CIDH Caso Marta Lucía Alvarez Giraldo vs Colômbia Caso 11656 Informe Nº 12218 Disponível em httpswwwoasorgescidhdecisiones2018copu11656espdf Acesso em 11 de março de 2023 CIDH Principios y Buenas Prácticas sobre la Protección de las Personas Privadas de Libertad en las Américas Disponível em httpswwwacnurorgfileadminDocumentosBDL20107914pdf Acesso em 19 nov 2022 CIDH Solicitação de Parecer Consultivo à Corte Interamericana de Direitos Humanos enfoques diferenciados em matéria de pessoas privadas da liberdade Novembro de 2019 Disponível via URL httpswwwcorteidhorcr docsopinionessoc0519porpdf Acesso em 08 de abril de 2023 Corte IDH Resolução Complexo Prisional do Curado 22 de maio de 2014 Disponível em httpswwwcorteidhorcrdocsmedidascuradose01 porpdf Acesso em 25 julho de 2022 Corte IDH Resolução Complexo Prisional do Curado 07 de outubro de 2015 Disponível em httpswwwcorteidhorcrdocsmedidascuradose02 porpdf Acesso em 29 julho de 2022 Corte IDH Resolução Complexo Prisional do Curado 23 de novembro de 2016 Disponível em httpswwwcorteidhorcrdocsmedidascuradose 04porpdf Acesso em 17 de agosto de 2022 Corte IDH Resolução Complexo Prisional do Curado 15 de novembro de 2017 Disponível em httpswwwcorteidhorcrdocsmedidascuradose 05porpdf Acesso em 20 de agosto de 2022 Corte IDH Resolução Complexo Prisional do Curado 28 de novembro de 2018 Disponível em httpswwwcorteidhorcrdocsmedidascuradose 06porpdf Acesso em 06 de agosto de 2022 Corte IDH Opinião Consultiva OC2922 de 30 de maio de 2020 enfoques diferenciados a respeito de determinados grupos de personas privadas de liberdade Maio de 2022 Disponível via URL httpswwwcorteidhorcrdocsopiniones seriea29esppdf Acesso em 19 de novembro de 2022 HASSEMER Winfried MUÑOZ CONDE Francisco Introducción a la criminología y al derecho penal Valência Tirant lo blanch 1989 PIOVESAN Flávia Temas de Direitos Humanos 11 ed São Paulo Saraiva 2018 Princípios de Yogyakarta princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero Tradução Jones de Freitas jul 2007 Disponível em httpwwwdhnetorgbrdireitossosgaysprincipiosde yogyakartapdf Acesso em 03 de dezembro de 2022 Princípios de Yogyakarta mais 10 princípios e obrigações estatais adicionais sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual identidade de gênero expressão de gênero e às características sexuais que complementam os Princípios de Yogyakarta Set 2017 Disponível em httpswwwmpfmpbrpfdc midiatecaoutraspublicacoesdedireitoshumanospdfsprincipiosdeyogyakartamais10 20171atdownloadfile Acesso em 22 de janeiro de 2023 Subcomitê de Prevenção da Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis Desumanos ou Degradantes Nono Informe Anual CATC574 Disponível em httpsdigitallibraryun orgrecord1306972 Acesso em 19 nov 2022 TEDH Primeira Seção Caso Alekseyev vs Russia Sentença de 21 de outubro de 2010 Disponível em httpshudocechrcoeintengpress22itemid22220033311485 370012922 Acesso em 18 abr 2022 TEDH Primeira Seção Caso Mouisel vs France Sentença de 14 de novembro de 2002 Disponível em httpshudocechrcoeinteng22itemid22 220016073222 Acesso em 18 abr 2022 TEDH Primeira Seção Caso Rohde vs Denmark Sentença de 21 de julho de 2005 Disponível em 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