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Psicologia ·
Psicologia Social
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Psicologia Hospitalar Teoria e Prática Valdemar Augusto Angerami Camon org Fernanda Alves Rodrigues Trucharte Rosa Berger Knijnik Ricardo Werner Sebastiani Digitalizado por Daniel Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Trucharte Fernanda Alves Rodrigues Psicologia hospitalar teoria e prática Fernanda Alves Rodrigues Trucharte Rosa Berger Knijnik Ricardo Werner Sebastiani Valdemar i Augusto AngeramiCamon organizador São Paulo Pioneira Thomson Learning 2003 6 reimpr 1 ed de 1994 Bibliografia ISBN 8522101868 1 Doentes Psicologia 2 Hospitais Aspectos psicológicos 3 Pacientes hospitalizados Psicologia I Knijnik Rosa Berger II Sebastiani Ricardo Werner III AngeramiCamon Valdemar Augusto IV Título V Série 015786 CDD36211019 índices para catálogo sistemático 1 Hospitais Psicologia 36211019 Para Matilde Neder paixão sonho e esperança nas alamedas da vida vida regato límpido de Psicologia Hospitalar Os Autores VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI CAMON Coordenador do Departamento de Psicologia Hospitalar do Instituto Sedes Sapintiae e do Centro de Psicoterapia Existencial Exassessor do Serviço de Atendimento dos Casos de Urgência e Suicídio da Secretaria de Saúde de São Paulo FERNANDA ALVES RODRIGUES TRUCHARTE Psicóloga Clínica Especialização em Psicologia Hospitalar pelo Instituto Sedes Sapientiae ROSA BERGER KNIJNIK Psicóloga Clínica Psicopedagoga Especialização em Psicologia Hospitalar pelo Instituto Sedes Sapienttiae RICARDO WERNER SEBASTIANI Excoordenador do Serviço do Psicologia Hospitalar do Hospital e Maternidade Panamericano Coordenador do Nêmeton Centro de Estudos e Pesquisas em Psicologia e Saúde Professor Universitário Psicologia Hospitalar TEORIA E PRÁTICA Psicologia Hospitalar TEORIA E PRÁTICA VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI CAMON ORGANIZADOR FERNANDA ALVES RODRIGUES TRUCHARTE ROSA BERGER KNIJNIK RICARDO WERNER SEBASTIANI Austrália Brasil Canadá Cingapura Espanha Estados Unidos México Reino Unido Capa Jairo Porfirio Copyright 1994 de Pioneira Thomson Learning Ltda uma divisão da Thomson Learning Inc Thomson Learning é uma marca registrada aqui utilizada sob licença Impresso no Brasil Printed in Brazil 1 2 3 4 05 04 03 Rua Traipu 114 3o andar Perdizes CEP 01235000 São Paulo SP Tel 11 36659900 Fax 11 36659901 sacthomsonlearningcombr wwwthomsonlearningcombr Todos os direitos reservados Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida sejam quais forem os meios empregados sem a permissão por escrito da Editora Aos infratores aplicamse as sanções previstas nos artigos 102 104 106 e 107 da Lei n 9610 de 19 de fevereiro de 1998 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Trucharte Fernanda Alves Rodrigues Psicologia hospitalar teoria e prática Fernanda Alves Rodrigues Trucharte Rosa Beger Knijnik Ricardo Werner Sebastiani Valdemar Augusto AngeramiCamon organizador São Paulo Pioneira Thomson Learning 2003 6 reimpr da 1 ed de 1994 Bibliografia ISBN 8522101868 1 Doentes Psicologia 2 Hospitais Aspectos psicológicos 3 Pacientes hospitalizados Psicologia I Knijnik Rosa Berger II Sebastiani Ricardo Werner III AngeramiCamon Valdemar Augusto IV Título V Série 015786 CDD36211019 índices para catálogo sistemático 1 Hospitais Psicologia 36211019 Caminho os corredores são sombrios frios sem vida sem cor sem calor os corredores são longos estreitados com a dor são longos mas não o suficiente para acolher a todos os pacientes os gemidos são ensurdecedores amedrontadores como o silvo da serpente são gemidos de desespero de dor de sofrimento E o uivo dos umbrais Lá de fora ecoam sirenes de ambulâncias de viaturas policiais sirenes de desespero sirenes de esperança sirenes apressadas angustiadas Lá de fora brotam cores de harmonia de luz de amor cores trazidas pelas da esperança nesse momento de dor A saúde também agoniza junto com o paciente exaurida as necessidades do paciente não podem ser supridas faltam condições mínimas de atendimento de ungiiento faltam médicos profissionais burocráticos enfermeiros falta tudo e na falta de todos padece o doente A doença no Brasil é vexatória a doença tornase constrangedora predatória a doença faz do paciente uma vítima vítima da falta de condições do sistema de saúde Observo vejo a saúde padecendo juntamente com um amontoado enorme de doentes assisto a saúde enraizandose como um privilégio de poucos vejo a luz da esperança carreada apenas pelas cores da utopia a saúde não existe existe apenas uma maneira paliativa de assistência para alguns poucos doentes em seu desatino O lixo hospitalar misturase aos escombros da dignidade humana Saúde é dejeto que não pode ser reciclável Saúde é bem precioso apenas nas empresas hospitalares Quando proporcionam lucros Grandes lucros A mercantilização da saúde exclui aqueles que já foram anteriormente excluídos Exclui aqueles que já perderam a dignidade por um nada no mundo Lamento observo o ritual lento e aterrorizante de todos os envolvidos na saúde um ritual macabro feito de desalento e que piora a cada momento E observo a tentativa tênue de transformação dessa realidade por um punhado de idealizadores Espectadores dessa vergonha intitulada sistema de saúde vergonha nacional tida como prioritária em qualquer planejamento social A realidade a triste realidade é o escarro da podridão social na dor do doente A vergonhosa situação dessa realidade é a constatação odienta de que não existe nenhum sistema de saúde no Brasil Acordes de um Réquiem VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI CAMON Índice Apresentação 13 1 O Psicólogo no Hospital Valdemar Augusto Angerami Camon 15 Introdução 15 A Despersonalização do Paciente 16 Psicoterapia e Psicologia Hospitalar 18 O Setting Terapêutico 19 A Realidade Institucional 21 A Psicologia Hospitalar Objetivos e Parâmetros 23 Considerações Finais 28 2 Atendimento Psicológico no Centro de Terapia Intensiva Ricardo Wemer Sebastiani 29 Introdução 29 Desmistificando o CTI 30 Objetivos Gerais do Acompanhamento Psicológico no CTI 32 O Paciente Cirúrgico 33 12 PSICOLOGIA HOSPITALAR Fatores Pessoais Decorrentes da Intervenção Cirúrgica como Possíveis Geradores de Complicações na Evolução do PósOperatório 35 Atendimento ao Paciente em PósOperatório Imediato 36 Reação à Cirurgia Letargia e Apatia 38 Agressividade nos Pacientes Cirúrgicos 40 Depressões no Paciente PósCirúrgico 42 Depressões no Hospital Geral 44 Reações de Perda no Paciente PósCirúrgico 47 Atendimento Psicológico ao Paciente Não Cirúrgico 49 Fatores Ambientais como Causadores ou Agravantes do Quadro PsicoOrgânico do Paciente 48 Fatores Orgânicos como Reflexos Decorrentes do Período de Internação 50 O Paciente Ansioso 52 O Paciente Agressivo 54 O Paciente com Agressividade Latente 56 Pacientes Suicidas no CTI 57 O Paciente com Alterações do Pensamento e Senso Percepção Considerações Gerais 60 Distúrbios Psicopatológicos e de Comportamento no CTI 63 O Paciente em Coma no CTI 67 Referências Bibliográficas 70 3 Estudos Psicológicos do Puerpépio Fernanda Alves Rodrigues Trucharte e Rosa Berger Knijnik 73 Introdução 73 Objetivos 74 Metodologia 74 Fundamentação Teórica 74 Casos Ilustrativos 81 Bibliografia 98 4 Pacientes Terminais Um Breve Esboço Valdemar Augusto Angerami Camon 99 Introdução 99 Alguns Dados Relacionados com a Vivência junto ao Paciente Terminal 107 Bibliografia 114 Apresentação Dez anos nos separam da nossa primeira publicação em forma de livro Dez anos da primeira publicação de Psicologia Hospitalar As cãs dos nossos cabelos estão a mostrar que apesar de todas as dificuldades encontradas ao longo dessa jornada muito foi conquistado muito foi alcançado A Psicologia Hospitalar nesse período deixou de ser um sonho uma aventura de um punhado de pessoas que acreditavam numa performance profissional ao mesmo tempo em que sonhava com outra concretitude algo muito além do próprio sonho Talvez ainda sejamos sonhadores Mas em número muito maior Os sonhos sonhados de então tornaramse realidade ou simples abstrações que o indelével não consegue tocar Sempre é prazeroso saber que fazemos parte dos processos de transformação social e o simples fato de estarmos em busca de um novo amanhã na Psicologia Hospitalar é alento de novas buscas e esforços A E praticamente impossível arrolar o número de quilômetros percorridos na divulgação da Psicologia Hospitalar Um semnúmero de horas de espera em saguões de aeroportos em antesalas de conferência e em noites e pernoites distantes do próprio canto Quantos amigos fizemos ao longo desses percursos é outra questão que jamais poderemos detalhar O quanto aprendemos com todos esses amigos é nuance que nunca poderemos atingir E até mesmo o enriquecimento da nossa própria vida a partir dessas experiências é privilégio que nem todas as elegias e cânticos de agradecimentos poderão retribuir Tantos acontecimentos tão signi 14 PSICOLOGIA HOSPITALAR ficativos ficaram na memória que a simples idéia de tentar descrevêlos é tarefa inconcebível Uma década é uma vida Vida vivida em intenso frenesi de emoção e paixão De tantas coisas faladas efetuadas e apreendidas no farfalhar das nossas trajetórias Assumir que o verdadeiro aprendizado foi aquele realizado junto ao paciente em seu leito hospitalar é talvez a nossa maior conquista Não estamos desprezando o aprendizado acadêmico nem tampouco as tantas horas de reflexão e leitura apenas queremos enfatizar que se existe algo para ser propagado é o fato de que aprendemos apreendendo a angústia a dor e tantas outras coisas e sentimentos de nossos pacientes Esse paciente que nos ensina sobre a força de enfrentamento da dor e do desespero da morte que nos ensina a tolerar as próprias vicissitudes da vida que nos ensina uma nova forma de entender o significado da existência que nos ensina sobre a suavidade da doce fragrância existente em cada momento em cada encontro Não houve em momento algum a pretensão de sermos pioneiros precursores apenas sempre fomos sonhadores que idealizaram uma prática alternativa E assim esperamos continuar Aprendendo e crescendo sem nunca esquecer das nossas reais limitações VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI CAMON 1 0 Psicólogo no Hospital VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI CAMON Introdução A intenção desse trabalho é levantar alguns pontos de reflexão sobre o significado da Psicologia no Hospital e a atuação do psicólogo nesse contexto A evidência que me ocorre inicialmente é que apesar dos inúmeros trabalhos e artigos que hoje norteiam a prática do psicólogo no hospital ainda assim é notório o fato que apenas tartamudeamos as primeiras palavras nesse contexto A própria dinâmica da existência parece encontrar no contexto hospitalar um novo parâmetro de sua ocorrência dandolhe uma dimensão onde questões que envolvem a doença a morte e a própria perspectiva existencial apresentam um enfeixamento inerentemente peculiar A Psicologia ao ser inserida no hospital reviu seus próprios postulados adquirindo conceitos e questionamentos que fizeram dela um novo escoramento na busca da compreensão da existência humana Assim por exemplo não mais é possível pensarse num curso de graduação de psicologia onde questões como morte saúde pública hospitalização e outras temáticas que em princípio eram pertinentes apenas à Psicologia Hospitalar não tenham prioridade ou então não sejam exigidas como necessárias para a formação do psicólogo O atual quadro da 16 PSICOLOGIA HOSPITALAR formação do psicólogo difere do que colocamos num texto anterior1 de 1984 quando afirmamos que a atuação do psicólogo no contexto hospitalar ao menos no Brasil é uma das temáticas mais revestidas de polêmicas quando se evocam discussões sobre o papel da Psicologia na realidade institucional A formação acadêmica do psicólogo é falha em relação aos subsídios teóricos que possam embasálo na prática institucional Essa formação acadêmica sedimentada em outros modelos de atuação não provê com o instrumental teórico necessário para uma atuação nessa realidade E praticamente prevendo uma mudança nesse quadro o mesmo texto coloca que apenas recentemente a prática institucional mereceu preocupação dos responsáveis pelos programas acadêmicos em Psicologia1 2 É dentro dessa nossa perspectiva que se abre ao psicólogo no contexto hospitalar que iremos tecer nossas reflexões na busca de um melhor dimensionamento dessa prática É dentro da fé inquebrantável que o psicólogo adquire cada vez com mais nitidez um espaço no hospital a partir de sua compreensão da condição humana Iremos caminhar por trilhas e caminhos que nos conduzirão a novos horizontes profissionais A Despersonalização do Paciente O paciente ao ser hospitalizado sofre um processo de total despersonalização Deixa de ter o seu próprio nome e passa a ser um número de leito ou então alguém portador de uma determinada patologia O estigma de doente paciente até mesmo no sentido de sua própria passividade frente aos novos fatos e perspectivas existenciais irá fazer com que exista a necessidade premente de uma total reformulação até mesmo de seus valores e conceitos de homem mundo e relação interpessoal em suas formas conhecidas Deixa de ter significado próprio para significar a partir de diagnósticos realizados sobre sua patologia Berscheid e Walster3 colocam que fundamentalmente quando dizemos que sabemos qual a atitude de uma pessoa queremos dizer que temos alguns dados a partir cio comportamento passado da pessoa que nos permitem predizer seu comportamento em determinadas situações4 Tal afirmação utilizada para embasar muitos princípios teóricos em psicologia perde sua força e autenticidade ao ser confrontada com o comportamento de uma determinada pessoa numa situação de hospitalização Embora sem querer negar que o passado de uma determinada pessoa irá influir não 1 Angerami VA Psicologia Hospitalar A Atuação do Psicólogo no Contexto Hospitalar São Paulo Traço Editora 1984 2 klein Ibidem 3 Berscheid E e Walster EH Atração Interpessoal São Paulo Editora Blucher 1973 4 Ibid Op Cit PSICOLOGIA HOSPITALAR 17 apenas em sua conduta como até mesmo em sua recuperação física ainda assim não cometemos erro ao afirmarmos que a situação de hospitalização será algo único enquanto vivência não havendo a possibilidade de previsão anterior à sua própria ocorrência Goffman5 coloca que o estigma é um sinal um signo utilizado pela sociedade para discriminar os indivíduos portadores de determinadas características E pelo simples fato de se tornar hospitalizado faz com que a pessoa adquira os signos que irão enquadrálo numa nova performance existencial e até mesmo seus vínculos interpessoais passarão a existir a partir desse novo signo Seu espaço vital não é mais algo que dependa de seu processo de escolha Seus hábitos anteriores terão de se transformar frente à realidade da hospitalização e da doença Se essa doença for algo que o envolva apenas temporariamente haverá a possibilidade de uma nova reestruturação existencial quando do restabelecimento orgânico fato que ao contrário das doenças crônicas implica necessariamente numa total reestruturação vital Sebastiani6 7 8 coloca que a pessoa deixa de ser o José ou Ana etc e passa a ser o 21 A ou o politraumatizado de leito 4 ou ainda a fratura de bacia de 6oandar1 E tentando aprofundar ainda mais tais colocações afirma que essa característica que felizmente notamos em grande parte das rotinas hospitalares tem contribuído muito para ausentar a pessoa de seu processo de tratamento exarcebando o papel de paciente A despersonalização do paciente deriva ainda da fragmentação ocorrida a partir dos diagnósticos cada vez mais específicos que além de abordarem a pessoa em sua amplitude existencial fazem com que apenas um determinado sintoma exista naquela vida ainda que circunstancialmente assistamos cada vez mais o surgimento de novas especialidades que reduzem todo o espaço vital de uma determinada pessoa a um mero determinismo das implicações de certos diagnósticos que trazem em seu bojo além de signos estigmas e preconceitos toda uma carga de abordagem e confrontos teóricopráticos que fazem da pessoa portadora de determinadas patologias alguém que além da própria patologia irá necessitar de cuidados complementares para livrarse de tais estigmas e signos A especialização clínica na maioria das vezes ao aprofundar e segmentar o diagnóstico deixa de levar em conta até mesmo as implicações dessa patologia em outros órgãos e membros desse doente que embora possam não apresentar sinais evidentes de deterioração e comprometimento orgânico estarão sujeitos a um semnúmero de alterações A situação de hospitalização passa a ser determinante de muitas situações que irão ser consideradas invasivas e abusivas na medida em que não se respeita os 5 Goffman e Estigma Rio de Janeiro Zahar Editores 1978 6 Sebastiani WR Atendimento Psicológico e Ortopedia in Psicologia Hospitalar A Atuação do Psicólogo no Contexto Hospitalar Angerami VA org São Paulo Traço Editora 1984 7 Ibicl Op Cit 8 Ibid Op Cit 18 PSICOLOGIA HOSPITALAR limites e imposições dessa pessoa hospitalizada E embora estej a vivendo um total processo de despersonalização ainda assim determinadas práticas são consideradas ainda mais agressivas pela maneira como são conduzidas dentro do âmbito hospitalar Assim será visto como sendo algo invasivo a enfermeira que vem acordála para aplicar injeção ou a atendente que interrompe uma determinada atividade para servirlhe as refeições Tudo passa a ser invasivo Tudo passa a ser algo abusivo diante de sua necessidade de aceitação desse processo E até mesmo a presença do psicólogo que se não se efetivar cercada de alguns cuidados e respeito à própria deliberação do doente implica em ser mais um dos estímulos aversivos e invasivos existentes no contexto hospitalar E ao invés de propiciar alívio ao momento da hospitalização estará contribuindo também para o aumento de vetores que tornam o processo de hospitalização algo extremamente penoso e difícil de ser vivido O hospital o processo de hospitalização e o tratamento inerente que visa ao restabelecimento salvo aqueles casos de doenças crônicas e degenerativas não fazem parte dos projetos existenciais da maioria das pessoas Nesse sentido toda e qualquer invasão no espaço vital é algo aversivo que além do caráter abusivo apresenta ainda componentes de dor e desalento E até mesmo evidencia que muitos processos de hospitalização têm o reequilíbrio orgânico prejudicado devido ao processo de despersonalização do doente que ao sentir sua desqualificação existencial pode concomitamente muitas vezes abandonar seu processo interior de cura orgânica e até mesmo emocional Ao trabalhar no sentido de estancar os processos de despersonalização no âmbito hospitalar o psicólogo estará ajudando na humanização do hospital pois seguramente esse processo é um dos maiores aniquiladores da dignidade existencial da pessoa hospitalizada Um trabalho de reflexão que envolva toda a equipe de saúde é uma das necessidades mais prementes para fazer com que o hospital perca seu caráter meramente curativo para transformarse numa instituição que trabalhe não apenas com a reabilitação orgânica mas também com o restabelecimento da dignidade humana Psicoterapia e Psicologia Hospitalar A Psicologia Hospitalar assim como a Psicoterapia têm seu instrumental teórico de atuação calcado na área clínica9 E apesar dessa convergência haverá 9 Existem muitos profissionais da área que defendem que a Psicologia Hospitalar mesmo tendo como referencial os princípios da área clínica seja considerada uma nova ramificação da Psicologia Assim além da clássica divisão em Clínica Educacional e Organizacional haveria também uma quarta ramificação a Psicologia Hospitalar E embora seja uma questão que envolva bastante celeuma quando de seu aprofundamento evidenciase também a necessidade de uma nova ótica sobre a Psicologia Hospitalar seja pelo seu crescimento seja ainda pela sua diversidade teórica PSICOLOGIA HOSPITALAR 19 pontos de divergência que mostram os limites de atuação do psicólogo no contexto hospitalar bem como questões que tornam totalmente inadequada a intenção de muitos profissionais da área de tentarem definir a atuação no contexto hospitalar como sendo prática psicoterápica ainda que realizada no contexto institucional Em seguida descrevemos alguns desses pontos Objetivos da Psicoterapia A Psicoterapia independentemente de sua orientação teórica tem como seus principais objetivos levar o paciente ao autoconhecimento ao autocrescimento e à cura de determmaâos sintomas O enfeixamento desses objetivos ou ainda algum deles isoladamente desde que leve esse paciente a um processo pleno de libertação existencial é por assim dizer o ideal que norteia o processo psicoterápico APsicoterapia ainda tem como característica principal o fato de ser um processo onde a procura e a determinação de seu início se dá através de uma mobilização do paciente Assim um paciente ao ser encaminhado para um processo psicoterápico muitas vezes demora um período de tempo bastante longo entre esse encaminhamento e a procura propriamente dita desse processo Chessick10 coloca que a psicoterapia falha quando não existe uma afinidade precisa entre aquilo que busca o paciente em sua psicoterapia e aquilo que o psicoterapeuta tem condições de oferecerlhe E até mesmo a falta de definições precisas dos objetivos do processo poderá determinar implicações que seguramente irão emperrar o processo além de arrastálo ao longo de um período de tempo de maneira indevida Ao decidir pela psicoterapia o paciente já realizou um processo inicial e introspectivo da necessidade desse tratamento e suas implicações em sua vida Isso tudo evidentemente além da inserção de suas necessidades aos objetivos da psicoterapia O Setting Terapêutico Ao procurar pela psicoterapia o paciente será então enquadrado dentro do chamado setting terapêutico Assim as normas e diretrizes do processo serão colocadas de maneira bastante claras e precisas pelo psicoterapeuta formalizandose assim as nuances sobre as quais se norteará esse processo Detalhes como horário de duração de cada sessão eventuais reposições de sessões prazo de aviso para eventuais faltas etc são esboçados e o processo se desenvolve então em perfeita 10 Chessick DR Why Psychotherapists Fail New York Science House 1971 20 PSICOLOGIA HOSPITALAR consonância com esses preceitos E até mesmo alguma eventual resistência inicial do paciente em procurar pela psicoterapia bem com outras implicações serão resolvidas num processo cujo contrato é estabelecido em acordo com as duas partes envolvidas E embora seja notório o número de casos encaminhados à psicoterapia e que por alguma forma de resistência demoram muito para procurar por tal processo ainda assim é conveniente estabelecer que pelo fato do paciente estar totalmente fragilizado e necessitando desse tipo de tratamento a busca por tal processo se dará única e tãosomente quando esse paciente rompe com determinadas amarras emocionais E ainda que surjam outras dificuldades e resistências ao longo do processo a resistência inicial ao tratamento é transporta pelo simples fato do paciente procurar pela psicoterapia A psicoterapia ainda tem uma outra característica bastante peculiar de ser um processo onde o psicoterapeuta tem no paciente alguém que caminha sob sua responsabilidade mas que de uma forma simples tem nesse vínculo seu objetivo em si Assim um psicoterapeuta não precisará prestar conta de seu paciente a nenhuma entidade salvo naturalmente aqueles casos onde o atendimento é vinculado a algum processo de supervisão O processo em si é conduzido pelo psicoterapeuta com anuência do paciente e no caso de algum impedimento a relação se resolve apenas e tãosomente pelas partes envolvidas nesse processo O setting terapêutico impõe ainda uma privacidade ao relacionamento que torna toda e qualquer interferência externa ao processo plausível de ser analisada e enquadrada nos parâmetros desse relacionamento Chessick11 coloca que o psicoterapeuta descende diretamente do confessor religioso ou então do médico de família aquele profissional que além de cuidar dos males do organismo escutava as angústias e dificuldades do paciente O psicoterapeuta em sua linhagem apresenta também resquícios do curandeiro das antigas formações tribais encarregados de trazer bemestar e alívio aos membros dessa comunidade A proteção sentida pelo paciente nos limites do setting terapêutico mostra ainda que essa origem não é apenas perpetuada como apresenta requinte de evolução no resguardo dos aspectos envolvidos nesse processo E até mesmo um quê de samaritanismo presente no processo psicoterápico é também resíduo dessas marcas que o psicoterapeuta traz de sua origem e desenvolvimento A emoção presente na atividade psicoterápica é outro fator que faz com que nenhuma outra forma de relacionamento possa ser comparada com sua performance E nesse sentido temos também a colocação de muitos especialistas de que a psicoterapia é o sustentáculo do homem contemporâneo dentre outras tantas formas buscadas para alívio e crescimento emocional Ainda no chamado setting terapêutico vamos encontrar a peculiaridade de que a maioria dos processos jamais tem suas sessões interrompidas seja por soli 11 11 Ibid Op Cit PSICOLOGIA HOSPITALAR 21 citações externas seja ainda por outras variáveis decorrentes muitas vezes do próprio processo em si Assim é praticamente impossível por ex que um psicoterapeuta interrompa uma sessão estancando o choro de angústia do paciente para simplesmente atender uma ligação telefônica Ou ainda que uma sessão seja igualmente interrompida para que o psicoterapeuta possa recepcionar algum amigo que eventualmente vá visitálo O setting terapêutico assim resguarda a sessão para que todo o material catalizado naqueles momentos seja apreendido e elaborado de maneira plena e absoluta Tais características fazem inclusive com que seja muito difícil avaliarse um processo psicoterápico que não seja fundamentado nesses moldes A Realidade Institucional Uma das primeiras dificuldades surgidas quando se pensa na atividade do psicólogo na realidade hospitalar é sua inserção na realidade institucional Afirmamos num texto anterior12 que a formação do psicólogo é falha em relação aos subsídios teóricos que possam embasálo na prática institucional Essa formação acadêmica sedimentada em outros modelos de atuação não o provê com o instrumental teórico necessário para uma atuação nessa realidade Tornase então abismático o hiato que separa o esboço teórico de sua formação profissional e sua atuação prática Apenas recentemente a prática institucional mereceu preocupação dos responsáveis pelos programas acadêmicos em Psicologia13 E ainda que hoje em dia seja notório o número de cursos de graduação em Psicologia que têm dedicado grande espaço para o contexto institucional em seus programas de formação estamos distantes daquilo que seria o ideal em termos de sedimentação teóricoprática E na medida que o hospital surge como sendo uma realidade institucional com características bastante peculiares embora reproduzindo as condições de outras realidades institucionais apresenta sinais que evidenciam tratarse de amplitude sequer imaginável numa análise que não tenha um real comprometimento com sua verdadeira dimensão14 Também é inegável que apartir do surgimento das reflexões realizadas principalmente pelos profissionais da Argen 12 Psicologia Hospitalar A Atuação do Psicólogo no Contexto Hospitalar Op Cit 13 Ibid Op Cit 14 Escrevemos um trabalho intitulado Elementos Institucionais Básicos para a Implantação do Serviço de Psicologia no Hospital in A Psicologia no Hospital Traço Editora São Paulo 1988 E surpreenden temente percebermos a partir de sua adoção vários cursos e seminários realizados sobre realidade institucional não apenas a precariedade de publicações a respeito como principalmente a maneira como esse trabalho passou a ser como que um verdadeiro paradigma a tantos que procuravam pela implantação de um Serviço de Psicologia no Hospital Geral In A Psicologia no Hospital São Paulo Traço Editora 1988 22 PSICOLOGIA HOSPITALAR tina sobre a realidade institucional esse aspecto ganhou uma corporeidade bastante precisa e importante na esfera contemporânea da Psicologia Assim o termo análise institucional deixou de ser uma mera citação abstrata de alguns textos para tornarse realidade ao menos de discussão teórica para um semnúmero de acadêmicos que a partir de então passaram a interessarse pela temática E apesar do psicólogo ainda estar iniciando uma prática institucional nos parâmetros da eficácia e respeito às condições institucionais que delimitam sua situação nesse contexto a busca de determinantes nessa prática o levou de encontro a convergências bastante significativas na estruturação teórica dessas atividades15 Efato que a realidade hospitalar apresenta celeumas e condições que irão exigir do psicólogo algo além da discussão meramente teóricoacadêmica Valores éticos e ideológicos surgirão ao longo do caminho e irão exigir performances sequer imaginadas antes de sua ocorrência Como ilustração dessa afirmação cito o grande número de crianças que padecem nos hospitais de São Paulo de insuficiência hepática causada por inanição Depararse com crianças que padecem vitimadas pela fome em plena cidade de São Paulo é algo que nenhum acadêmico imagina depararse quando idealiza efetivamente uma atividade no hospital Ou então que dizer dos casos de crianças que são atacadas por ratazanas enquanto dormem numa evidência da precariedade e falta de condições mínimas de dignidades existencial e habitacional onde a falta de saneamento básico é tão abismante que conceituálo de absurdo nada mais é do que aproximarse da verdadeira realidade dessa população O psicólogo no contexto hospitalar deparase deforma aviltante com um dos direitos básicos que está sendo negado à maioria da população a saúde A saúde em princípio um direito de todos passou a ser um privilégio de poucos em detrimento de muitos A precariedade da saúde da população é sem dúvida alguma um agravante que irá provocar posicionamentos contraditórios e na quase totalidade das vezes irá exigir do psicólogo uma revisão de seus valores acadêmicos pessoais e até mesmo sóciopolíticos15 16 O contexto hospitalar dista de forma significativa daquela idealização feita nas lides acadêmicas Assistese nesse contexto à condição desumana que a população já bastante cansada de sofrer todas as formas possíveis de injustiças sociais tem de submeterse em busca do recebimento de um tratamento adequado Cenas ocorrem das mais lamentáveis situações a que um ser humano pode submeterse E o que é mais agravante tudo passa a ser considerado normal Os doentes são obrigados a aceitar como normal todas as formas de agressão com as quais se deparam em busca de saúde Tudo é tido como normal passa a ser normal seis horas numa fila de espera em busca do atendimento médico e muitas vezes após vários retornos à instituição hospitalar derivadas de encaminhamentos feitos pelos especialistas decorrentes de exames realizados especulativamente Também passa a ser normal o fato de serem 15 Psicologia Hospitalar A Atuação do Psicólogo no Contexto Hospitalar Op Cit 16 Ibid Op Cit PSICOLOGIA HOSPITALAR 23 atendidos um número imenso de pacientes num período de tempo absurdamente curto E tudo passa a ser normal E os profissionais que atuam na área de saúde assistem desolados e conformados a esse estado de coisas Tornamse praticamente utópicas outras formas de atendimento que não essas que impiedosamente são impostas à população O psicólogo está inserido nesse contexto da saúde de forma tão emaranhada quanto outros profissionais atuantes na área da saúde e muitas vezes sem uma real consciência dessa realidade E contradições inúmeras sucedem em todos os níveis no contexto hospitalar E se por um lado os hospitais apresentam essas enormes filas de pacientes que padecendo em corredores minguam por algum tipo precário de atendimento por outro iremos encontrar algumas instituições nesse mesmo contexto que apresentam a alta especialização resultante do enorme processo do conhecimento na área das ciências humanas Iremos encontrar nessa realidade profissionais altamente especializados Sempre muito bem informados das técnicas existentes estão constantemente aprimorandoas em cursos e congressos nos centros mais desenvolvidos da Europa e Estados Unidos E possível por exemplo a utilização do método Sahling de análise do metabolismo do feto bem como o acompanhamento eletrônico do eletro cardiograma fetal Os avanços na área da Obstetrícia permitem ainda a previsão do sexo do feto bem como uma possível má formação congênita No entanto em termos de realidade temos segundo relatórios sobre estudos realizados em várias regiões brasileiras dados alarmantes informando que 95 dos partos são realizados em casa e sem o menor acompanhamento prénatal E o número de pessoas que recebem algum tipo de assistência é quase nulo Esse contexto contraditório e incongruente recebe o psicólogo que tem sobre si outras contradições que o envolvem diretamente desde as lides de sua formação acadêmica E o psicólogo percebe no contexto hospitalar que os ensinamentos e leituras teóricas cie sua prática acadêmica não serão por maiores que sejam as horas de estudo e reflexão teórica sobre a temática suficientes para embascir sua atuação E aprende que terá de aprender apreendendo como os pacientes sua dor angústia e realidade E o paciente de modo peculiar ensina ao psicólogo sobre a doença e sobre como lidar como a própria dor diante do sofrimento17 A Psicologia Hospitalar Objetivos e Parâmetros A Psicologia Hospitalar tem como objetivo principal a minimização do sofrimento provocado pela hospitalização Se outros objetivos forem alcançados a 17 Ibidem Op Cit 24 PSICOLOGIA HOSPITALAR partir da atuação do psicólogo junto ao paciente hospitalizado inerente os objetivos da própria psicoterapia acima citados tratase de simples acréscimo ao processo em si O psicólogo precisa ter muito claro que sua atuação no contexto hospitalar não é psicoterápica dentro dos moldes do chamado setting terapêutico E como minimização do sofrimento provocado pela hospitalização também é necessário abrangerse não apenas a hospitalização em siem termos específicos da patologia que eventualmente tenha originado a hospitalizaçãomas principalmente as seqüelas e decorrências emocionais dessa hospitalização Tomemos como exemplo arbitrariamente uma criança de três anos de idade e que nunca tenha vivido longe do seio familiar Num dado momento simplesmente coloquemos essa criança numa escola maternal durante apenas um período do dia Essa criança em que pese a escola ser um ambiente em princípio agradável e repleto de outras crianças se desarvovará e entrará num processo de pânico e desestruturação emocional ao se perceber longe de proteção familiar E tantos casos ocorrem nesse enquadre que a maioria das escolas possui o chamado período de adaptação onde algum dos representantes desse núcleo familiar se faz presente na escola para acudir essa criança nos momentos agudos dessa dificuldade E isso tudo num ambiente agradável de escola onde muitas vezes a criança irá se deparar com estimulações e recreações sequer imagináveis sem seu universo simbólico O que dizerse então de uma criança que num determinado momento se vê hospitalizada18 sem apresença dos familiares e num ambiente na maioria das vezes hostil Certamente essa criança entrará num nível de sofrimento emocional e muitas vezes até físico em decorrência dessa hospitalização Sofrimento físico que transcende até mesmo a patologia inicial e que se originou no processo de hospitalização A minimização do sofrimento provocado pela hospitalização implicará num leque bastante amplo de opções de atuação onde todas essas variáveis deverão ser consideradas para que o atendimento seja coroado de êxito Uma mulher mastectomizada num outro exemplo terá no processo de extirpação do tumor na maioria das vezes a extração dos seios com todas as implicações que tal ato incide O processo de hospitalização deve ser entendido não apenas como um mero processo de institucionalização hospitalar mas e principalmente como um conjunto de fatos que decorrem desse processo e suas implicações na vida do paciente Não podemos assim num simples determinismo aceitar que o problema da mulher mastectomizada se inicia e se encerra com a hospitalização Evidentemente que muitos casos abordados pela psicólogo no hospital irão exigir após o processo de hospitalização encaminhamentos específicos para processos de psicoterapia tal a complexidade e o emaranhado de seqüelas e comprometimento emocional Em 18 Embora seja alentador o fato de que hoje muitos hospitais pediátricos adotem a presença da mãe ou de algum outro familiar durante o processo de hospitalização da criança ainda assim a grande maioria dos hospitais não apresenta sequer uma maior flexibilização até mesmo quanto ao horário de visitas PSICOLOGIA HOSPITALAR 25 bora muitas vezes sej a bastante tênue a separação que delimita tais aspectos ainda assim é muito importante o clareamento desse posicionamento para que o processo em si não se perca em mera e vã digressão teórica A Psicologia Hospitalar por outra parte contrariamente ao processo psicoterápico não possui setting terapêutico tão definido e tão preciso Nos casos de atendimentos realizados em enfermarias o atendimento do psicólogo muitas vezes é interrompido pelo pessoal de base do hospital seja para aplicação de injeções prescrição medicamentosa numa determinada faixa horária seja ainda para processo de limpeza e assepsia hospitalar O atendimento dessa forma terá que ser efetuado levandose em conta todas essas variáveis além de outros aspectos mais delicados que descrevemos a seguir Descrevemos no trecho inerente ao setting terapêutico a mobilização do paciente rumo ao processo psicoterápico a necessidade de uma reflexão e de uma posterior constatação da necessidade de se submeter a esse processo No hospital ao contrário do paciente que procurar pela Psicoterapia após romper eventuais barreiras emocionais a pessoa hospitalizada será abordada pelo psicólogo em seu próprio leito E em muitos casos com esse paciente sequer tendo claro qual o papel do psicólogo naquele momento de sua hospitalização e até mesmo de vida19 Dessa forma é muito importante que o psicólogo tenha bem claros os limites de sua atuação para não se tornar ele também mais um dos elementos abusivamente invasivos que agridem o processo de hospitalização e que permeiam largamente na instituição hospitalar Ainda que o paciente em seu processo de hospitalização esteja muito necessitado da intervenção e seguramente muitos dos pacientes encaminhados ao processo de psicoterapia também estejam necessitados de tratamento mas preservam a si o direito de rejeitarem tal encaminhamento a opção do paciente de receber ou não esse tipo de intervenção deve ser soberana e deliberar a prática do psicólogo Balizar a sua necessidade de intervir em determinado paciente a própria necessidade desse paciente em receber tal intervenção é delimitação imprescindível para que essa atuação caminhe dentro dos princípios que incidem no real respeito à condição humana De outra parte é também muito importante observarse o fato de que ao atuar numa instituição o psicólogo ao contrário da prática isolada de consultório tem que ter bastante claros os limites institucionais de sua atuação Na instituição o 19 Nesse sentido é muito importante que o psicólogo seja inserido na equipe de profissionais de saúde que atuem num determinado contexto hospitalar Tal inserção determinará que sua abordagem seja fruto de encaminhamento realizado através de outros profissionais junto a esse paciente com a anuência desse para que acima de qualquer outro preceito seu arbítrio de querer ou não essa abordarem seja respeitado Esse aspecto importante a ser observado pois determina muitas vezes até mesmo o êxito da abordagem do psicólogo Ainda que o paciente necessite de maneira premente da intervenção psicológica seu arbítrio deve ser considerado para que a condição humana seja respeitada em um de seus preceitos fundamentais 26 PSICOLOGIA HOSPITALAR atendimento deverá ser norteado a partir dos princípios institucionais20 Esse aspecto é por assim dizer um dos determinantes que mais contribuem para que muitos trabalhos não sejam coroados de êxito na instituição hospitalar Ribeiro21 coloca que o doente internado é em síntese o doente sobre o qual a ciência médica exacerba o seu positivismo e pode afirmar a transposição da linha demarcatória da normalidade Sua patologia reconhecida e classificada precisa ser tratada Ao contrário do paciente do consultório que mantém seu direito de opção em aceitar ou não o tratamento e desobedecer a prescrição o doente acamado perde tudo Sua vontade é aplacada seus desejos coibidos sua intimidade invadida seu trabalho o proscrito seu mundo de relações rompido Ele deixa de ser sujeito É apenas um objeto da prática médico hospitalar suspensa sua individualidade transformado em mais um caso a ser contabilizado22 Esse aspecto inerente a institucionalização do paciente enfeixa um dimen sionamento de abrangência de intervenção do psicólogo rumo à humanização do hospital em seus aspectos mais profundos e verdadeiros A Psicologia Hospitalar não pode igualmente perder o parâmetro do significado do adoecer em nossa sociedade eminentemente marcado pelo aspecto pragmático de produção mercantilista Ou nas palavras de Pitta23 onde o adoecer nesta sociedade é consequentemente deixar de produzir e portanto de ser é vergonhoso logo deve ser ocultado e excluído até porque dificulta que outros familiares e amigos também produzam O hospital perfaz este papel recuperando quando possível e devolvendo sempre com ou sem culpa o doente à sua situação anterior Se um acidente de percurso acontece administra o evento desmoralizador deixando que o mito da continuidade da produção transcorra silenciosa e discretamente 24 A intervenção do psicólogo nesse sentido não pode prescindir de tais questionamentos com o risco de tornarse algo desprovido da profundidade necessária para abraçar a verdadeira essência do sofrimento do paciente hospitalizado E a própria direção contemporânea de desospitalização do paciente tem no psicólogo um de seus grandes aliados na medida em que poderá depender desse profissional uma avaliação mais precisa sobre as condições emocionais desse paciente Não se pode no entanto perderse o parâmetro de que a psicologia deve se aliar a outras forças transformadoras para não se incorrer em meramente ilusionistas Ou nas palavras 20 No caso dc divergência dos princípios e preceitos da instituição onde o psicólogo desenvolve sua atuação poderá haver um trabalho de direcionamento de transformação desses princípios A transformação da realidade institucional muitas vezes pode ser determinante de uma reformulação rumo à própria humanização da instituição O que não pode ocorrer é diante da discordância negarse os princípios institucionais e tentar a efetivação de um trabalho sem se levar em conta tais especificidades 21 Ribeiro HP O Hospital História e Crise São Paulo Editora Cortês 1983 22 Ibicl Op Cit 23 Pitta A Hospital Dor e Morte como Ofício São Paulo Edit Hucitec 1990 24 Ibicl Op Cit PSICOLOGIA HOSPITALAR 27 de Ribeiro25 há no entanto vários fatores que favorecem adesospitalização além daqueles apontados séculos antes O intervencionismo e a onipotência da medicina são olhados com maiores reservas Cada vez mais é contestada por doentes familiares instituições seguradoras epelo Estado a abusiva utilização dos recursos tecnológicos hospitalares Novos conhecimetitos nas áreas da fisioterapia propedêutica e terapêutica vêm permitindo diagnósticos e tratamentos que tornam prescindível a intervenção ou a encurta A Psicologia Hospitalar não pode se colocar dentro do hospital como força isolada solitária sem contar com outros determinantes para atingir seu preceitos básicos A humanização do hospital necessariamente passa por transformações da instituição hospitalar como um todo e evidentemente pela própria transformação social O psicólogo assim não pode ser um profissional que despreze tais variáveis com o risco de tornarse alijado do processo de transformação social Ou ainda o que é pior ficar restrito a teorizações que isolam e atomizam o paciente de conceituações e conflitos sociais mais amplos O hospital assim como toda e qualquer instituição reproduz as contradições sociais e toda e qualquer intervenção institucional não pode prescindir de tais princípios O psicólogo revestese de um instrumental muito poderoso no processo de humanização do hospital na medida em que traz em seu bojo de atuação a condição de análise das relações interpessoais A própria contribuição da psicologia para clarear determinadas manifestações de somatização é igualmente decisiva para fazer com que seu lugar na equipe de saúde da instituição hospitalar esteja assegurado As somatizações cada vez mais são aceitas no bojo das intervenções médicas e a intervenção do psicólogo nesse sentido é determinante de uma nova performance na própria relação médicopaciente É notória também a evidência cada vez maior de que muitas patologias têm seu quadro clínico agravado a partir de complicações emocionais do paciente Intervir nesse ponteamento é outra performance que faz da psicologia uma força motriz até mesmo no diagnóstico e compreensão de patologia que a própria Medicina não tem uma explicação absoluta Assim não se pode negar por exemplo a importância das variáveis emocionais num quadro diagnosticado de câncer ou de alguma cardiopatia Como também é inegável a presença de determinantes emocionais quando abordadas patologias não diagnosticadas com precisão até mesmo pela falta de sintomas espe cíficos e variados Podemos incluir nesse rol aqueles casos onde o paciente queixa se ora de cefaléia ora de náuseas ora de comiseração estomacal etc Ou ainda daqueles casos onde o paciente apresentar diversos sintomas concom 2 5 28 PSICOLOGIA HOSPITALAR diversas patologias sem no entanto apresentarem tais patologias Os exames clínicos nesses casos não conseguem fazer um diagnóstico preciso e absoluto pois a própria alternância de sintomas do paciente é algo apenas diagnosticado quando se tenta compreender além dos sintomas a dor d alma que acomete tais pacientes Nesse sentido é interessante observarse que o avanço da medicina com todo o seu aparato tecnológico não consegue prescindir do psicólogo pela sua condição de escuta das manifestações dalma humana manifestação essa imperceptível à própria tecnologia moderna Considerações Finais Se é verdadeiro que o psicólogo conseguiu alçar vôos rumo a um projeto dignificamente de Psicologia Hospitalar é igualmente real que um longo caminho ainda resta a ser trilhado E trilhálo irá exigir do psicólogo uma performance cada vez mais ampla no sentido de abarcar as necessidades da hospitalização e dos profissionais igualmente envolvidos nas entranhas hospitalares A Psicologia Hospitalar é realidade que embora ainda necessite burilamento aperfeiçoamento e muitas buscas será certamente a mais rica das alternâncias da Psicologia Será ainda a mais criativa das manifestações clínicas dentro não só da realidade hospitalar como também das lides acadêmicas que ao assumiremna assumirão igualmente um compromisso com o próprio futuro de toda uma geração de profissionais Psicologia Hospitalar sonho tornado realidade a partir de necessidade de humanização do hospital 2 Atendimento Psicológico no Centro de Terapia Intensiva RICARDO WERNER SEBASTIANI Introdução O CTI traz como sério estereótipo vinculado à sua idéia a imagem de sofrimento e morte iminente Na verdade por ser uma unidade no hospital que se dedica ao atendimento de casos onde o cuidado intensivo e a gravidade dos problemas exigem serviços constantes e especializados esse tipo de imagem acaba tendo um bom cunho de realidade As características intrínsecas ao CTI como a rotina de trabalho mais acelerada o clima constante da apreensão as situações de morte iminente acabam por exacerbar o estado de stress e tensão que tanto o paciente quanto a equipe vivem nas vinte e quatro horas do dia Esse aspectos somados à dimensão individual do sofrimento da pessoa nela internada tais como a dor o medo a ansiedade o isolamento do mundo trazem sem dúvida vários e fortes fatores psicológicos que interatuam de maneira muitas vezes grave por sobre a manifestação orgânica da enfermidade que a pessoa possui Para tanto discorrerseá sobre os aspectos mais importantes desse momento da história do indivíduo começando por desmistificar o que se acredita ser um Centro de Terapia Intensiva 30 PSICOLOGIA HOSPITALAR Desmistificando o CTI O CTI é mais um dos frutos do extraordinário avanço que as ciências médicas e sua tecnologia atingiram no século XX Objetivado para um tratamento intensivo do enfermo veio se evidenciando como uma unidade indispensável para o tratamento de doentes graves Equipamentos sofisticados pessoal técnico qualificado atenção constante 24 horas diárias de medicações exames testes tensão rotina objetivando a um só fator a pessoa enferma Não obstante a essas conotações e a todo aparato científico e tecnológico observase um fato que se repete nas centenas de CTIs espalhadas pelo nosso País Existe na maioria das pessoas um estereótipo bastante arraigado associado ou colocado como sinônimo de CTI A MORTE IMINENTE O fator morte controvertida realidade de nossa existência dentro da cultura ocidental é por paradoxal que pareça vivido todo o tempo na rotina diária do CTI exigindo das pessoas que nele trabalham e que nele lutam pela vida um posicionamento muito duro frente a este muitas vezes obrigandoas a refugiarse num universo racionalista para agüentar a pressão emocional que isto tudo causa A história da Medicina traz situações que se repetem com o passar dos séculos sempre questionando o fator morte e a importância da atenção afetiva do terapeuta frente ao enfermo Asclépio médico da batalha de Tróia 2 citado por Homero e glorificado depois como Deus da Medicina preconizava em seus ensinamentos a importância de um boa acolhida ao enfermo interessandose por seu todo ambiente interesses família cultura motivações e sintomas eram condições básicas para sua recuperação Baseado neste código de respeito à pessoa humana levantase então a necessidade iminente de uma ampliação na abordagem frente à pessoa enferma quebrando a defesa racional e ao lado dela vivendo o conflito entre vida e morte Não se trata de uma entrega imediata ao sofrimento pois cairseia então no mesmo prisma extremista da racionalização mas sim de um estar com onde se pode como mediador acompanhar a vida e a morte lutando por aquela ou compreendendo nesta nossa limitação abandonando a onipotência que muitas vezes nos assola como um dom divino de senhor da existência Temse portanto como objetos da atenção do psicólogo no CTI uma tríade constituída de paciente sua família e a própria equipe de saúde todos eles envolvidos na mesma luta mas cada um compondo um dos ângulos desse processo O sofrimento físico e emocional do paciente precisa ser entendido como coisa única pois os dois aspectos que o constituem interferem um sobre o outro criando um ciclo vicioso do tipo a dor aumenta a tensão e o medo que por sua vez PSICOLOGIA HOSPITALAR 31 exarcebam a atenção do paciente à própria dor que aumentada gera mais tensão e medo e assim sucessivamente 9 Essa compreensão ajuda o psicólogo a fazer quebrar esse ciclo vicioso de forma a tentar resgatar junto com o paciente um caminho de saída para o sofrimento onde de um lado as manobras médicas medicamentos exames introdução de aparelhos intra e extracorpóreos vão se somar às do psicólogo que favorece a manifestação dos medos e fantasias do paciente estimula sua participação no tratamento ouve e pondera sobre questões que o aflijam angústia desesperança mudanças estruturais na sua relação com a vida expectativa da morte etc Todos esses esforços visam mais do que um fim puro e simples Visam um caminho de enfrentamento da dor do sofrimento e eventualmente da própria morte mais digno e o menos sofrido possível Nunca se pode esquecer que do lado de fora da CTI no corredor da sala de espera existe uma família igualmente angustiada e sofrida que se sente impotente para ajudar seu familiar que também se desorganizou com a doença e que também se assusta com o espectro da morte que muitas vezes ronda seus pensamentos Essas pessoas também precisam da atenção do psicólogo e constituemse também numa potente força afetiva que pode e deve ser envolvida no trabalho com o paciente pois são elas os representantes principais de seus vínculos com a vida e não raro uma das poucas fontes de motivação que este tem para enfrentar o sofrimento e a virtualidade da morte Sabese muito bem que o palco principal do tratamento no CTI acontece no plano biológico a infecção sendo combatida pelos antibióticos as falências dos sistemas sendo compensadas por máquinas e fármacos a vigilância do funcionamento do organismo feita por exames e testes laboratoriais às vezes esse processo todo nos faz esquecer que tudo isso tem um único objetivo preservar a vida E o que é essa vida senão esse intrincado sistema de emoções afetos vínculos motivações que sentimos através de nosso corpo e de nossa alma que acontece dentro de um ambiente que nos cria e criamos chamado família relacionamentos trabalho mundo enfim E portanto pela qualidade desta vida que se luta às vezes ganhando às vezes perdendo Nesse ponto a equipe de saúde que antes de mais nada é também composta de pessoas vivência no seu cotidiano esse significado de viver e do morrer O profissional de saúde não deixa de ser assolado por sentimentos ambivalentes de onipotência e impotência a própria finitude que é denunciada a cada momento as expectativas de todos família paciente colegas são jogadas sobre eles Para suportar isso muitas vezes se refugiam em suas defesas o racionalismo o não envolvimento a própria onipotência mas mesmo assim todos esses estímulos estão ali presentes no seu diaadia O psicólogo pode então atuar como facilitador do fluxo dessas emoções e reflexões detectar os focos de stress sinalizar quando suas defesas se exacerbaram tanto a ponto de alienaremse de si 32 PSICOLOGIA HOSPITALAR mesmos de seus próprios sentimentos favorecer a compreensão de sua onipotência que é falsa Esse trinômio merece atenção merece respeito o psicólogo o compõe sendo também agente e paciente de tudo que se mencionou acima sua presença pode ser inestimável nesse momento quase sempre cronicamente crítico e cabe também a ele estar atento não só ao outro mas a si mesmo para poder atuar sempre que puder como também saber respeitar seus limites Objetivos Gerais do Acompanhamento Psicológico no CTI O presente trabalho visa discutir os aspectos psicológicos de pacientes submetidos a cirurgias de grande porte pósoperatório imediato bem como discorrer sobre as reações emocionais de outro grupo de pacientes não cirúrgicos durante sua permanência no CTI Tendo isso como meta de trabalho buscarseá mostrar a intervenção psico lógicajunto ao enfermo que procura possibilitar uma diminuição eou amenização das intercorrências que poderão vir a complicar ou retardar a recuperação e a reabilitação do mesmo Para que se possa compreender com mais clareza o processo psicofísico do enfermo é de extrema importância que sejam abordados os grupos de fatores que intervém de forma direta ou indireta na evolução do quadro psicoorgânico do paciente como seguir se verá Observamos que a situação do paciente não tem somente o ângulo de vida e morte mas também o sentimento de abandono e dicotimização pois é regra comum na maior parte dos CTIs a proibição das visitas e regra em hospitais por um provável vício do cotidiano tratar as pessoas como sintomas órgãos ou numero o 202 A a esterose do leito 01 o neuro do 5o andar resultando na despersonalização o que evidencia a importância do trabalho do psicólogo ressaltando o tempo e o interesse humano como preponderantes para o auxílio na recuperação ampla da pessoa enferma Para tanto o trabalho do psicólogo hospitalar baseiase nos seguintes aspectos 1 Atender integralmente o paciente e a sua família considerandose os parâmetros de saúde da Organização Mundial de Saúde 3 a Total bemestar biopsicossocial do paciente b Atenção primária secundária terciária à saúde Logicamente uma pessoa internada no CTI não tem como principal necessidade a atenção primária mas preocupação com a profilática de uma orientação PSICOLOGIA HOSPITALAR 33 adequada antes da alta um preparo para que as limitações advindas da doença tanto físicas quanto psíquicas não tragam à pessoa sentimentos de inutilidade para si e para o mundo são muito importantes 2 Desenvolver as atividades dentro de uma visão interdisciplinar médico enfermeira assistente social fisioterapeuta biomédico nutricionista etc baseadas na integração dos serviçoso de saúde voltados para o paciente e sua família 3 Possibilitar a compreensão e o tratamento dos aspectos psicológicos psicogênicos nas diferentes situações tais como a quadros psicoreativos b síndromes psicológicas c distúrbios psicossomáticos d quadros conversivos e fantasias mórbidas e angústia de morte f ansiedade frente a internações doenças evolução alta O Paciente Cirúrgico A E realmente notável a qualidade das reações dos pacientes frente à cirurgia Nessa situação as pessoas tendem a mudar Elas se refazem refinam seu autocontrole deliberadamente limitam suas percepções e sentimentos negam o perigo aceitam com estoicismo o inevitável e conseguem até mesmo uma aparência de satisfação A considerável valia dessa mudança interna embora não seja universal é talvez maior do que se pensa Com sua ajuda o paciente não apenas se protege contra um medo e sofrimento avassaladores mas se entrega também a um papel mais passivo cooperativo e tratável Que ninguém se deixe enganar pela contenção emocional de um paciente cirúrgico Não importando o grau de imperturbabilidade de sua aparência subjacente a ela há um medo e um pavor terríveis O paciente submetido a procedimento cirúrgico apresenta aspectos psicológicos importantes principalmente com relação ao medo Tem medo da dor e da anestesia de ficar desfigurado ou incapacitado Tem medo de mostrar o medo e medo de mil e uma coisas Sobretudo tem medo de morrer E diferentemente de algumas outras coisas temidas pelas pessoas o medo da cirurgia tem pelo menos em parte uma base concreta Embora sempre a realidade sej a enriquecida pela imaginação o medo da cirurgia nunca é totalmente imaginário Extraído adaptado e complementado a partir de Bird B 1 Conversando com o Paciente 34 PSICOLOGIA HOSPITALAR O tipo de freio que os pacientes exercem sobre o seu medo faz muita diferença em relação ao seu bemestar Alguns o têm firme relativamente inquebrável e muito útil Outros o têm tão frágil que precisam de reforço em geral através de acompanhamento psicológico e eventualmente drogas Outros ainda dispõem de métodos especiais para controlar a ansiedade e nem todos são benéficos Um modo particular é aquele do paciente que tentando aliviar a ansiedade concentrada sobre a parte do corpo cirurgicamente afetada tomarse preocupado com outras partes de seu corpo ou cria problemas artificiais em outras regiões orgânicas Se este deslocamento de uma parte para outra parece não ser prejudicial não há necessidade de interferência Em alguns casos porém o bemestar do paciente é melhor preservado se a equipe ajuda o paciente a devolver a ansiedade ao seu lugar originário O fato de uma paciente em particular tentar deslocar a preocupação de um órgão afetado para outro normal depende normalmente do valor que atribui ao órgão afetado A cirurgia da face e das mãos pode causar grande ansiedade entre pacientes cujo talento depende da integridade dessas extremidades É óbvio que os órgãos vitais são mais cotados Em geral quanto mais valorizado for o órgão maior será a ansiedade do paciente face à cirurgia e portanto quando estes órgãos forem operados será muito provável que o paciente desloque sua ansiedade deste para outros órgãos saudáveis e menos importantes Tanto o paciente quanto o cirurgião devem ser providos de um representante pessoal o psicólogo cujas funções seriam de um lado representar o paciente que em seu estado mental e físico afetado não tem condições para representar a si mesmo e por outro lado o cirurgião que nem sempre consegue ser tão útil quanto gostaria no lidar com os medos e fantasias do paciente em relação ao que vai acontecer O representante seria alguém que nada faria ao paciente como cortar ou saturar caso contrário também ele se veria obrigado a esconder e reprimir seus sentimentos e angústias É o que se entende como privilégio do psicólogo no hospital na miedida em que ele não representa ameaça organicamente falando Essa ponte de ligação ou facilitação de vínculos tem grande importância sobretudo para o paciente pois ela é uma das possibilidades concretas de se desenvolver dois sentimentos imprescindíveis para o bom prognóstico emocional da relação do indivíduo com a cirurgia e o processo muitas vezes longo de pós operatório e reabilitação que são a confiança e a autorização Essa última nem sempre considerada como fator importante mas sabese que se não houver por parte do paciente uma autorização explícita e implícita para que se intervenha sob seu corpo e numa instância mais profunda em sua própria vida os riscos de intercorrências e problemas no transcurso de tratamento aumentam significativamente PSICOLOGIA HOSPITALAR 35 A questão da confiança e da autorização remetese a um dos aspectos mais importantes na relação entre a equipe de saúde e o paciente que podese denominar de entrega participativa ou seja ao mesmo tempo que confia na equipe e a autoriza a cuidar dele manipulálo mesmo num momento em que está inconsciente portanto sem nenhum controle age por outro lado mostrandose interessado pelo seu estado sua evolução e esforçase para ajudarse no tratamento e recuperação Essa aparentemente pequena preocupação que a equipe deve ter em relação à estruturação de seu vínculo com o paciente a despeito de colocações adversas como falta de tempo prioridades maiores etc não só otimiza as respostas ao tratamento tanto do ponto de vista psíquico quanto físico como também reduz o tempo de reabilitação e reintegração do paciente o que em última instância acaba por contradizer os próprios obstáculos que a equipe coloca para empenharse nesse vínculo Fatores Pessoais Decorrentes da Intervenção Cirúrgica como Possíveis Geradores de Complicações na Evolução do PósOperatório Esse grupo de fatores pessoais individuais pode ser dividido em dois momentos bem distintos onde cada um deles possui suas características próprias No primeiro momento considerase O PósOperatório Imediato onde o paciente pode apresentar dentre outras as seguintes reações a reação à cirurgia Letargia Apatia b agressividade c depressão reativa d reações de perda O segundo momento j á se considera o pósoperatório propriamente dito onde as manifestações e a sintomatologia são diversas a elaboração inadequada das limitações impostas pelo ato cirúrgico concreta imaginária 36 PSICOLOGIA HOSPITALAR b dificuldade de corresponder ao processo de reabilitação e reintegração sóciofamiliar a curto médio e longo prazos considerandose também os limites quanto às possibilidades do paciente Apesar desses fatores pessoais estarem ligados diretamente com o ato cirúrgico em si isso não elimina e nem desvaloriza a importância dos aspectos ambientais como intervenientes para a boa evolução e recuperação do paciente Complementando podese dizer que ambos os fatores se interligam e se interpõem um ao outro de forma que o trabalho a ser desenvolvido com esses pacientes é bastante complexo e delicado precisando os profissionais terem feeling bastante aguçado para detectar compreender e tentar resolver os fatores conflitantes do paciente Atendimento ao Paciente PósOperatório Imediato As cirurgias de grande porte principalmente impõem a necessidade de internação do paciente no CTI no pósoperatório imediato dado ao estado delicado em que este se encontra necessitando portanto de uma atenção exclusiva e maciça para que suas possibilidades de recuperação sejam maiores E importante frisar que algumas unidades hospitalares possuem CTIs destinadas somente a estes casos e em outras temos CTIs mistas que não recebem pacientes somente em pósoperatório como também em outros casos graves Sem dúvida a convivência com outros pacientes em estado grave interfere sobre o pós operado gerando questionamentos e fantasias sobre suas possibilidades de evolução seu sofrimento e mesmo sua morte Nos casos em que o CTI destina seu atendimento exclusivamente ao pós operado devese ter em mente que este é o momento onde o paciente vai estar mais delibitado e dependente De forma mais adequada o trabalho do psicólogo no acompanhamento destas pessoas deve ser iniciado no préoperatório onde é de senvolvida toda uma atenção a essas pessoas e suas famílias prestandose orientação em relação às expectativas da cirurgia ouvindose e discutindose os medos desmistificandose as fantasias e conversandose sobre a ansiedade e angústia juntamente com eles Se assim for o trabalho do psicólogo será uma continuação agora focado no período de recuperação e reabilitação gradativa do paciente que já vem sendo trabalhado desde a internação Esse período se inicia com a volta da pessoa a consciência dentro do CTI onde esta sai do sono anestésico atordoada e tomando ou não gradativamente PSICOLOGIA HOSPITALAR 37 consciência do seu estado e sobretudo de si mesma Não é um momento fácil para a pessoa pois além da alteração do estado de consciência ela começa a se perceber literalmente amarrada ao leito com toda uma parafernália de equipamento extra e intracorpóreos anexados a seu corpo cânulas de entubação eletrodos do ECG cateteres de soro e sondas drenos etc Neste momento observase muitas vezes a pessoa entrar em estado de agitação não raro tentando arrancar os aparelhos que a incomodam Notase que quando se faz orientação no préoperatório prestando se esclarecimentos quanto ao CTI e sua rotina está é desmistificada para a pessoa e mesmo em estado alterado de consciência a incidência desse comportamento é bem menor e com isso até mesmo os riscos orgânicos diminuem note bem exemplificando uma pessoa em agitação no pósoperatório de cirurgia cardíaca além de comprometer seu estado pela tentativa de livrarse da aparelhagem tentando por exemplo arrancar a cânula de entubação terá pelo estado de agitação um fator agravante à sua pressão arterial e às demais funções metabólicas que poderão ser afetadas por esse quadro Do ponto de vista psicológico esse momento tem importância ímpar Já se teve oportunidade de vivenciar o misto de alívio da pessoa no momento do pós operatório posto que a ansiedade maior que repousava no enfrentamento da cirurgia passou mas a vivência de todo o processo de recuperação muitas vezes mais doloroso que o préoperatório somado à queda de defesas que normalmente a pessoa desenvolve para suportar a ansiedade e apreensão pré e perioperatório acabam acarretando quadros psicoreativos altamente comprometedores ao seu restabelecimento Dentre eles destacase a depressão muito comum principalmente em cirurgias cardíacas outros quadros mais comuns derivados desta anorexia astenia apatia até outras respostas que vão desde agitação propriamente dita até quadros confusionais de origem psicoorgânica Cabe aqui ressaltar que em muitos momentos do pósoperatório imediato o paciente pode experimentar alterações psicológicas mais graves associadas a intercorrências na cirurgia ou deficiências secundárias que a partir da cirurgia desencadeada por toxemias e quadros psicóticos exógenos relacionados a déficits na oxigenação por exemplo após longo período de permanência em circulação extracorpórea são os mais comumente observados A atitude frente a esses quadros depende de intervenção múltipla De um lado o médico buscando eliminar as causas exógenas que provocaram o desencadeamento do surto por outro o psicólogo atuando junto ao paciente na reorganização das vivências e após a remissão do quadro acompanhado o redimensionamento da pessoa posto que a consciência de uma experiência de ruptura causa comprometimentos ao equilíbrio personal do indivíduo Sob esse aspecto discutirseá mais adiante No sentido mais amplo do trabalho do psicólogo acreditase ser fundamental ressaltar a importância da presença de um elemento mais voltado à atenção a pessoa 38 PSICOLOGIA HOSPITALAR que possa ouvir o outro lado de suas queixas e colocações sem precisar preocupar se com o tratamento clínico Tanto para o médico quanto para os demais membros da equipe a presença do psicólogo auxiliará a redução do stress desta e do paciente O fato da atitude do psicólogo frente à pessoa enferma estar descontaminada do cunho invasivo e agressivo que é visto pelo paciente nos demais membros do serviço é grande ponto a ser favor Vale frisar que a exigência técnica de condutas invasivas e agressivas interpretadas como é parte integrante do tratamento não sendo possível alterarse essas características Ao darse uma injeção ou trocarse um curativo ao introduzirse uma sonda a sensação de invasão denunciada pelo paciente está presente mas nestas condutas repousam a possibilidade de sua recuperação Sendo assim a posição do psicólogo é privilegiada como já se disse na relação com o paciente permitindo abrir um canal de contacto onde a participação deste será importante para o todo quanto a sua reabilitação No atendimento ao paciente pósoperado a atenção ao seu retorno ao cotidiano enquanto reabilitação e reintegração será também um dos pontos de trabalho psicológico Uma avaliação minuciosa de toda a equipe sobre as possibilidades e limitações que a pessoa irá ter em sua vida a curto médio e longo prazos precisará ser trazida a ela e a sua família de forma a evitar atitudes inadequadas de negação das limitações provocando a reincidiva ou agravamento da enfermidade ou por outra parte a exarcerbação do estado de limitação truncando potenciais de vida da pessoa que passa a ser tratada como um inválido absoluto quando muitas vezes possui amplas condições de reciclar sua vida de forma produtiva e criativa Ao psicólogo cabe portanto orientar sob este aspecto os familiares e o paciente procurando observar as essas expectativas e atitudes de ambos frente à evolução da pessoa desmistificação dos aspectos fantasmáticos elaborados a respeito da dinâmica Limite X Possibilidade Reação à Cirurgia Letargia e Apatia Alguns pacientes cirúrgicos em sua tentativa de controlar o medo crescente inibem a função mental de forma tão extremada que caem num estado letárgico ou apático Os casos pouco graves que são bem mais comuns parecem consistir em algo mais do que uma extrema amnésia acompanhada de um baixo nível de reatividade emocional e de uma falta geral de interesse Talvez o paciente apareça cansado e lânguido mas num exame mais atento revelarseá que quase não se move fala sorri ou mesmo se queixa Extraído adaptado e complementado a partir de Bird B 1 Conversando com o Paciente PSICOLOGIA HOSPITALAR 39 Quando o processo é mais profundo o paciente se torna definitivamente mais indolente mental e fisicamente Os movimentos e a conversa voluntários podem ser mínimos e as perguntas e pedidos precisam ser repetidos várias vezes O paciente tende a perder o interesse mesmo por coisas básicas tais como aparência conforto alimentação e diálogo Tudo que faz é permanecer deitado ou sentado como se estivesse dormindo ou desligado do que o cerca Mesmo uma apatia e letargia acentuadas como estas podem passar despercebidas Podem deverse ao fato da equipe preferir pensar que se trata de reações cirúrgicas à sua dificuldade no trato de perturbações emocionais e ao seu desejo de não observar evidências de ansiedade A causa aparente desta letargiaapatia pósoperatória é a emoção primária mas a agressividade o segue de perto Acossado pelo pânico o paciente numa manobra desesperada paralisa seus sentimentos Elimina de sua consciência não somente os perigos que o ameaçam de fora sobretudo os perigos cirúrgicos como também não se permite perceber sua vida inteira em particular suas lembranças dos perigos e injúrias do passado e suas imaginações alimentadas e insufladas por essas memórias Num certo sentido fechandose fazendo com que ele próprio desapareça transformandose em nada Quando o paciente volta ao normal mesmo quando seu normal é irritável impertinente difícil queixoso ansioso ou temeroso a mudança é sempre recebida com alívio por parte da equipe Sente que agora o paciente está se recuperando Esta crença pode ser mais que inocente Um paciente que matou suas emoções matou também suas esperanças e vontade de viver e um paciente sem vontade de viver representa um grande obstáculo a suas possibilidades de recuperação mesmo quando o prognóstico biológico é bom Um exemplo de uma acentuada reação apática à ansiedade intensa deuse numa mulher de meiaidade a qual sofrerá uma colostomia de emergência Nos quatro ou cinco dias posteriores à intervenção ela permaneceu inerte deitada de costas com os olhos fechados aparentemente dormindo A paciente não se queixava não exprimira desejos de qualquer espécie e em geral parecia uma mulher estupidificada insensível Como fora um caso de emergência e ninguém sabia como era antes da operação a equipe supôs que este era seu estado normal Vários dias depois quando chegou a época de aprender como cuidar de si mesma a paciente não conseguiu captar nada e esta dificuldade ao lado dos outros indícios de seu estupor levou a equipe a concluir que a paciente tinha características de retardo mental Esse estado lembra o estágio de obnubilação ou turvação gerado por comprometimento da consciência mas a atividade mental do paciente nesses casos está preservada 40 PSICOLOGIA HOSPITALAR Depois de uma semana porém para surpresa geral a paciente começou a manifestar Descobriuse então que sua apatia servira para inibir um estado agudo de terror Quando entrou no hospital numa crise de dor não esperava sair dali com vida Pensava que a anestesia era a morte e quando acordou e por muitos dias ainda acreditava que estava morta Curiosamente ao saber que passara por uma colostomia seu medo da morte não aumentou mas exerceu um efeito mental estimulante sobre ela Através das várias tentativas das enfermeiras de lhe mostrar como cuidarse a paciente vagarosamente começou a perceber que como lhe estavam ensinando o que fazer quando retornasse para sua casa elas realmente acreditavam que ela se curaria Este foi o primeiro sinal da esperança que se permitiu ver e daí para frente recuperouse com rapidez Algumas vezes este estado pode sugerir uma enfermidade cerebral uma possibilidade que sempre deve ser levada a sério em qualquer reação letárgica prolongada Uma outra dificuldade diagnostica pode se apresentar através das semelhanças entre letargia e depressão O paciente deprimido a menos que esteja em estupor profundo em geral fala de sua depressão admite que se sente triste estes são geralmente os casos de depressão reativa que serão discutidos mais adiante Os pacientes mais gravemente de deprimidos depressão maior ou patológica muitas vezes expressam sentimentos de culpa e de baixa estima e o fazem com se realmente tivessem cometido algum erro grave Portanto culpa fantasias mórbidas não raro idéias de autoaniquilação acompanham o paciente deprimido podendo essa sintomatologia ser acrescida de insônia anorexia e amorfismo afetivo nesse último caso sente pouca ou nenhuma emoção é um estado onde se observa atitudes de autoabandono e ensimesmamento E importante destacar nesses casos que essa pode ser uma das reações do paciente frente à morte que não deve ser confundida com o movimento de desapego da fase de depressão preparatória que antecede a aceitação da morte como destaca E K Ross 45 Ainda sobre esses aspectos temse outros que serão vistos mais à frente Agressividade nos Pacientes Cirúrgicos Para a equipe como para a maioria de nós a agressividade é uma emoção perturbadora talvez a mais perturbadora de todas as emoções Não conseguem entendêla nem considerála justificada consideramna uma acusação de coisa mal feita e como fizeram tudo que podiam pelo paciente não aceitam facilmente as expressões de agressividade Extraído adaptado e complementado a partir de Bird B 1 Conversando com o Paciente PSICOLOGIA HOSPITALAR 41 Os cirurgiões que vêem a agressividade deste modo muito pessoal acham difícil pensar como uma parte normal da vida Tornase agressivo quando injuriado atacado ou em perigo é natural e deve ser esperado Desse modo a agressividade do paciente em seguida a uma cirurgia à qual não se pode deixar de reagir como a um ataque também seria natural sem dúvida a cirurgia é um ataque benéfico No entanto para a vida emocional do paciente é violência ele se sente de fato em perigo é cortado há dor ele fica incapacitado e percebendose ou não se torna agressivo Além disso embora a cirurgia em si seja benéfica a causa de sua necessidade não o é Nesse sentido nenhum paciente está preparado para uma operação Com efeito o paciente é salvo de algo pior salvo talvez da morte mas de qualquer modo teria sido melhor se o problema nunca tivesse surgido Assim também sob este aspecto devido à desgraça provocada pelo destino podese esperar que o paciente cirúrgico se torne agressivo Alguns pacientes naturalmente têm razões mais explícitas para sua agressividade nem todas as operações têm êxito completo E mesmo os pacientes cuja intervenção seja um sucesso podem ligar sua agressividade ao que consideram como motivos reais Por exemplo um paciente pode sentir dor por um tempo maior do que ele próprio esperava sua cicatriz pode ser maior mais fria ou estar mais exposta do que pensara ou talvez a recuperação seja mais lenta do que o esperado Portanto não só fantasias mórbidas em relação à cirurgia mas também outras modalidades aparentemente positivas de fantasias podem gerar frustração e agressividade Mais prejudiciais são aquelas reações que interferem com o bemestar do paciente Por exemplo a agressividade do paciente pode manifestarse sob a forma de negativismo em relação aos cuidados pósoperatórios Passa então a resistir a tudo que é feito por ele recusase a fazer tudo que lhe dizem e insiste em fazer o que pensa ser o melhor Sempre que se suspeita de agressividade escondida como causa de perturbação no progresso ou cuidados do paciente devese conversar com este sobre a sua agressividade Devese encorajálo a expressar a sua agressividade ou então descobrila Quem quer que seja que fale com ele pode dizerlhe que a sua agressividade já era esperada e se o paciente se cala devese contarlhe algumas coisas que despertam a agressividade em outros pacientes usando a projeção como fator de manifestação e elaboração do sentimento agressivo Infelizmente sabese que muitas vezes esse sentimento pode ser desencadeado por fatores externos como por exemplo o adiamento da cirurgia a suspensão da alta tão desejada a ausência da visitas ou proibição destas etc São situações que sempre que possível devem ser evitadas pela equipe no entanto quando elas 42 PSICOLOGIA HOSPITALAR ocorrem é imprescindível que auxiliese o paciente a expor sua raiva e frustração de forma a eliminar o efeito extremamente nocivo que esse sentimento reprimido pode causar tanto na sua esfera emocional quanto física É importante salientar também o cuidado que a equipe deve ter em relação à postura frente ao paciente buscando não entrar num processo pessoal de envolvimento com a agressividade do paciente contratransferência fato esse não tão raro assim que muitas vezes acaba por gerar conflitos no vínculo entre equipepaciente ou até mesmo atitudes de evitação em relação ao paciente Libertar abertamente parte da agressividade pode ser de grande alívio e provocar uma melhora significante nos cuidados e tratamentos do paciente e até mesmo na rapidez de sua recuperação pósoperatória Depressão no Paciente PósCirúrgico A maior parte das depressões pósoperatórias é reativa que varia em grau de leve a grave tendo fatores principalmente ativos A agressividade da qual o paciente quase sempre é inconsciente está sempre presente e ativa nas depressões Um dos mecanismos que provoca a depressão é a identificação do paciente com a pessoa que é objeto de sua agressão neste caso o cirurgião ou outros da equipe de saúde Através da identificação transferiuse os sentimentos pelo cirurgião para sobre ele próprio Sua consciência se torna o atacante e ela o ataca Seguese daí a depressão Quanto mais secretamente ele deseja ferir a outra pessoa mais é reforçado pela sua consciência a ferir a si mesmo e mais cresce a depressão O objetivo principal no diálogo com estes pacientes é tratar desta depressão aguda Ao fazêlo é de maior utilidade descobrir com o que o paciente está furioso e ajudálo a redirigir e a mobilizar sua agressividade para o objeto real Outro fator significativo gerador da depressão reativa de pósoperatório está associado às vivências e conflitos experimentados pelo paciente no préoperatório Sabese atualmente que existe uma correlação íntima entre o grau de stress10 e ansiedade do paciente no préoperatório sendo esta uma das principais responsáveis pela incidência maior de depressão no pósoperatório principalmente nas 36 horas imediatas ao ato cirúrgico Quanto maior a ação desses fatores maiores as chances de presença e intensidade da depressão Luto sem Complicações DSM III R 6 PSICOLOGIA HOSPITALAR 43 Podese esquematizar o processo observandose o seguinte gráfico Medo Raiva Agressividade Fantasias Mórbidas Insegurança Intercorrências nos exames internação ou relação equipe paciente Adiantamento da cirurgia etc Conforme mencionouse anteriormente o estado anímico do paciente suscetível a todo o evento doençainternação indicações cirúrgicas mobilizase buscando defenderse ou esquivarse da situação de ameaça que pressente Quando essa mobilização é inadequada eou os fatores vividos pelo paciente geram ou acentuam o stress10 e a ansiedade o desgaste emocional tornase cada mais progressivo Todos seus mecanismos de defesa estão voltados para o enfrentamento do evento crítico que no caso é representado pela cirurgia Uma vez superada a crise há uma queda abrupta de toda essa energia mobilizada levando então o paciente a um estado depressivo reativo que como dissemos terá duração e intensidade determinadas exatamente pelo desgaste físico e emocional experimentado sobretudo no préoperatório Como se pode observar a atitude mais adequada da equipe é a de agir preven tivamente já no início do contato com o paciente se possível ainda no ambulatório ou consultório quando a indicação cirúrgica muitas vezes é uma das possibilidades intensificando esse trabalho na internação Fatores como confiança disponibilidade continência ao paciente para que exponha seus sentimentos orientação e desmistificação das fantasias são fundamentais Sabese no entanto que em vários casos essa conduta não é possível princi palmente nas cirurgias de urgência onde o tempo entre o diagnóstico ou evento que indica a cirurgia e esta é extremamente diminuto Nesses casos a atenção ao paciente na UTI deve ser redobrada e a avaliação de suas reações emocionais ao evento como um todo avaliada e sempre que possível possibilitar ao paciente espaço para explorálas e manifestálas E mister sublinhar que raramente o paciente quieto passivo visto como bonzinho está bem Inúmeras vezes por trás deste comportamento aparentemen 44 PSICOLOGIA HOSPITALAR te adequado temos quadros de apatia depressão ou mesmo de uma depressão mascarada que via de regra redundarão em complicações e dificuldades para o paciente e equipe no pósoperatório imediato tardio e em todo seu processo de reabilitação e reintegração sóciofamiliar e profissional Depressões no Hospital Geral As depressões têm sido alvo de estudos discussões e reclassificações ao longos dessas últimas décadas sendo em alguns casos alvo de polêmicas importantes no que tange ao diagnóstico diferencial e às estratégias terapêuticas para combatêla Ateremonos aqui a discutir o fenômeno depressivo quando ocorre em cir cunstâncias específicas de internação Hospitalar e as diversas situações que dela se deflagram Para tanto classificaremos as depressões em dois grandes grupos que deno minaremos de Depressão Patológica Depressão MaiorDSM IIIR e Depressão Reativa Luto sem Complicação DSM IIIR 6 No 1 grupo Depressão Maior destacamse como sinais e sintomas predo minantes O estreitamento das perspectivas existenciais até seu anulamento A ambivalência afetiva caracterizada sobretudo pela querelância e refratariedade Agitação psicomotora inquietação Perturbações do apetite Persistência dos sintomas por mais de duas semanas O amorfismo afetivo Isolamento Idéias autodestrutivas Insônia hipersonia Prostração apatia A não percepção dos motivos que geram o estado anímico com eleição de Bodes Expiatórios que se alteram rapidamente Culpa injustificada Já no 2 grupo Luto sem Complicação observamos situações mais atenuadas onde se destacam Entristecimento todavia com permanência de perspectivas existenciais Situação de perda luto claramente localizada no tempo e espaço histórico do indivíduo por ele percebida PSICOLOGIA HOSPITALAR 45 Empobrecimento de afeto mas sem perda de sua modulação qualitativa Sentimento de angústia ligada ao contexto de perda No Hospital Geral o 2 grupo aparece com uma freqüência bem mais alta que o 1 onde algumas circunstâncias específicas da situação de relação do indivíduo com a doença e internação se destacam Depressão de pósoperatório Depressão reativa de pósparto não confundir com depressão Puerperal Depressão frente a situações críticas de morte iminente EK Ross 45 Sintomas da Angústia de Morte Depressão frente à perda definitiva de objetos Amputação Diagnóstico de Doença Crônica Depressão por stress hospitalar ligada à fase de exaustão dentro do critério do SGA de Selye eou Hospitalismo Spitz 1026 Nesses casos a situação de perda e o processo de elaboração do luto são identificáveis no discurso do paciente como avaliação mais atenta por parte do terapêuta Nas depressões patológicas via de regra temse um histórico prémórbido ligado a outros episódios similares e ao longo da vida do indivíduo o grau de comprometimento afetivo e as idéias de autodestruição são bastante intensas a ausência de fatores circunstanciais claros normalmente está presente e mesmo quando temos fatores desencadeantes reativos como os vistos acima a inconstância do discurso do paciente denuncia que estes funcionaram apenas como deflagadores de um processo maior e não como seu causador A resistência às tentativas de aj uda é grande ao mesmo tempo que solicitam o tempo todo apoio Nas situações específicas de aparecimento de fenômeno depressivo quando da pessoa internada em Hospital Geral é de fundamental importância o diagnóstico diferencial por parte da equipe e as medidas terapêuticas cabíveis Sempre é importante salientar que as depressões alteram não só o estado anímico do paciente como também podem provocar alterações nas respostas imunológicas e obviamente em função da apatia e prostração a participação ativa do paciente em seu processo de recuperação quando é o caso comprometese sobremaneira Destacamos então alguns pontos importantes a serem considerados pela equipe no acompanhamento desses pacientes a A rapidez no Diagnóstico Diferencial descartar possibilidades orgânicas ou outros distúrbios psicóticos 46 PSICOLOGIA HOSPITALAR b Continência e presença junto ao paciente mesmo quando esse se mostra refratário à equipe c Avaliação conjunta dos aspectos emocionais e físicos que se sobrepõem d Nas depressões reativas acompanhamento e apoio psicoterápico intensivo de forma a auxiliar o indivíduo na elaboração de luto eou angústia de morte e Apoio e orientação às pessoas que têm representação afetiva significativa para o paciente de forma a que essas também atuem como agentes terapêuticos f Busca de focos motivacionais que persistam no paciente de forma a providenciálos quando possível e estimulálos g Nas depressões patológicas é imprescindível a solicitação de avaliação específica para introdução de medicação de apoio além de acompanhamento psicoterápico h Nesse casos principalmente orientação à equipe e vigilância maior sobre o paciente em função de aumento do risco de tentativa de suicídio i Nos casos onde a depressão está associada à situação de morte iminente com prognóstico reservado considerar sempre o movimento do paciente permitindo que ele determine o curso de sua elaboração sobre a morte OBS Cuidado com as antecipações com o Pacto do Silêncio ou ainda com as dificuldades que muitas vezes paciente família e equipe enfrentam para denunciar e discutir a situação de morte e morrer j Ainda nesse contexto as defesas por parte da equipe como evitação de contato com o paciente falsas informações que podem ser contraditadas distanciamento e frieza no contato devem ser detectados e discutidos entre os componentes Não podemos esquecer que a hospitalização traz em seu bojo situações claras de perda saúde e luto e que os quadros reativos são de freqüência bastante alta Importante ressaltar que as mobilizações geradas por situações graves de perda onde a elaboração do luto mostramse comprometidas podem desencadear um processo de depressão maior O fenômeno depressivo vivido pelo paciente internado no Hospital Geral se não considerado e acompanhado pode tornarse o divisor de águas entre a opção pela vida ou a entrega à morte Podese observar inúmeros casos onde embora o prognóstico do paciente fosse bom a depressão que se instalou funcionou como agravante seríssimo de seu estado biopsicológico derivando para agravamentos somáticos do quadro clínico eventualmente levando à morte E mesmo naqueles casos onde a morte é inexorável a elaboração da angústia de morte é que possibilita a estruturação do desapego como condição para aceitação de um morrer permeado por serenidade e aceitação ou caso contrário o autoabandono que inevitavelmente redunda em sofrimento desespero e dor PSICOLOGIA HOSPITALAR 47 Nossa função no acompanhamento dessas pessoas pressupõe continência solicitude perseverança e sobretudo um estado pessoal bem equacionado para que não caiamos nas piores formas de postura que são caracterizadas pelos dois extremos frieza e indiferença por um lado e desespero dor e sofrimento por outro Reações de Perda no Paciente PósCirúrgico Em geral pensase nas reações de perda em cirurgias mutilatórias quando principalmente parte do corpo importante grande ou desejável foi retirada por exemplo umbraço uma perna estômago olhos ou pulmão Talvez a resposta mais dramática desta espécie de vivência de perda seja o conhecido membro fantasma onde após a amputação o paciente continua tendo a sensação de possuir o membro perdido Não se sabe até que ponto esta resposta é devida à estimulação continuada de fibras nervosas cortadas mas parece que tem papel importante uma tentativa psicológica de não desprenderse da parte perdida Nesse ponto temse claramente denunciado que esquema corporal como evento neurosensorial destacase aí a existência da percepção sometésica do Homúnculo Sensitivo de Penfield e Rasmunsen 7 e AutoImagem como evento basicamente psicológico associamse e mesclamse de forma quase que indissociável A própria estruturação da consciência do EU se dá através das experiências corporais da criança associadas a interpretações das sensações e vivências pessoais Temse o que teoricamente é chamado de EU físico e EU psíquico integrandose e originando então a Consciência do EU 9 Nestes casos mais graves embora a equipe esteja quase certa ao perceber que seu paciente sofrerá um sentimento de perda ela talvez não tenha consciência do efeito grave que tais reações podem ter sobre a recuperação imediata ou sobre uma adaptação eventual à perda Talvez não perceba que levando o paciente a falar livremente sobre seus sentimentos muito pode ser feito para impedir um resultado desfavorável Nas operações menores com remoção de partes menos importantes e menores do corpo e sobretudo com a exérese de partes indesejáveis ou afetadas embora se verifique reações mais suaves também estas podem ter um efeito significativo sobre o convalescença O mais difícil de compreender é que mesmo durante a cirurgia quando absolutamente nada é retirado pode haver uma perda real uma perda a qual alguns Extraído adaptado e complementado a partir de Bird B 1 Conversando com o Paciente 48 PSICOLOGIA HOSPITALAR pacientes reagem desfavoravelmente O que sempre se perde em qualquer cirurgia é a integridade do corpo A pele é cortada e nunca mais é a mesma Parece ridículo que um paciente reaja a ato tão pequeno mas acontece Caracteristicamente as reações de perda são imprevisíveis Um paciente pode não ter um sentimento de perda em resposta a um procedimento maior em contrapartida sofrendo uma intervenção menor pode sofrer um sentimento de perda acentuado Essa inconsistência em geral pode ser creditada ao fato de que tais reações não se devem apenas à realidade do que se perde São altamente pessoais e dependem em larga escala do significado específico que o paciente atribui à parte afetada e à sua função Por exemplo um paciente cuja vida gire ao redor do prazer por sua habilidade física pode sentirse arrasado pela perda do movimento livre de um membro mesmo que este não seja removido Em tais pacientes a fixação rigidez ou disfunção do membro pode constituir a perda maior Em outras palavras mais importante que o ato cirúrgico a interpretação que o paciente dá a este é que determina suas reações e relação com o evento A cirurgia que implica os olhos ou os órgãos genitais quase sempre evoca reações de perda que podem ter pouca relação com prejuízo físico A cirurgia que afeta todas as partes visíveis do corpo face escalpo orelhas nariz quase sempre é seguida por reações pessoais exclusivas de perda Porém nunca é inteiramente seguro inferir quais operações provocarão tais reações sendo muito mais proveitoso tentar descobrir a avaliação que cada paciente atribui à perda que vai sofrer Não se pode deixar de ter em mente que como se disse o universo de símbolos valores e vivências pessoais do paciente é que vai influenciar em muito na sua interpretação e reação à perda No entanto principalmente na cultura ocidental sabese que existe uma correlação íntima entre o sentimento de perda e a relação do indivíduo com a morte esta representando a perda mais absoluta e irreversível que alguém pode ter e que é denunciada em todas as situações onde outros tipos de perdas acontecem na vida da pessoa No caso do paciente pósoperado em CTI é de supor que a questão da morte está intimamente presente em suas vivências sejam internas sejam ambientais exacerbando assim essa correlação Daí o agravamento do risco de processos dissociativos depressivos ligados a essa vivência As reações de perda pósoperatórias muitas vezes exercem um papel ativo em outras reações cirúrgicas em particular na depressão e no estado delirante Essa conexão é tão comum e importante que todos os paciente deprimidos e todos os pacientes com delírio devem ser suspeitos de estarem sofrendo sentimentos grandes de perda dos quais talvez não tenham consciência Como parte do trabalho do psicológico portanto é sempre bom ter em mente que a depressão ou o estado delirante podem ser pelo menos em parte uma tentativa do paciente de negar ou compensar os sentimentos de perda PSICOLOGIA HOSPITALAR 49 Atendimento Psicológico ao Paciente Não Cirúrgico Outras pessoas podem necessitar dos cuidados do CTI independente do processo cirúrgico As situações de politraumatismo as patologias orgânicas mais graves enfartos quadros pulmonares renais etc levam muitas vezes o indivíduo à internação nesta unidade abrindose a porta para um período de vivências pontuado pelo sofrer pela morte iminente pela angústia e pelo isolamento A convivência com a própria morte e a do outro é muito freqüente no CTI Temse podido observar que ao longo destes anos as vivências experimentadas pelas pessoas que passaram algum tempo nesta situação provocaram em muitas delas mudanças radicais no processo de existência não só pautada na condição de alteração orgânica mas sobretudo na intensidade da vivência de morte e morrer Para poderse cuidar destas pessoas é importante que à própria dimensão de morte e morrer do profissional de saúde particularmente o psicólogo bem como o do sofrer num sentido bastante amplo seja trabalhada dado aqui da terapia do terapêuta uma vez que a atitude do psicólogo sempre estará vulnerável ao sofrer pois suas defesas racionais usadas no cotidiano podem interferir em muito no processo de relação pessoa a pessoa exigido dentro do CTI Tratase pois da equação pessoal como indivíduo e terapeuta que precisa se alcançar onde o ponto de equilíbrio está eqüidistante da frieza que a racionalização e do envolvimento desorganizado que o excesso de sensibilidade pode trazer A atitude do psicólogo frente à vida e à morte pode ser um fator marcante para a pessoa que este acompanha dada a sua vulnerabilidade e dependência num momento onde suas defesas se esvaziam e seus valores e verdades adquiridos então em profundo questionamento pela questão mais básica que a existência traz e que muitas vezes nos negamos a ver que é a relação íntima entre Vida e Morte Adiante serão levantadas algumas considerações sobre tal relação como também sobre a Morte e o Morrer Fatores Ambientais como Causadores ou Agravantes do Quadro PsicoOrgânico do Paciente Sabese que o Centro de Terapia Intensiva possui algumas características específicas que interferem diretamente sobre o estado emocional do paciente 50 PSICOLOGIA HOSPITALAR Situações como a stress constante do paciente b tensão constante do paciente c o isolamento do paciente frente às figuras que lhe geram segurança e conforto d relação intensa com aparelhos extra e intracorpóreos e o clima de morte iminente f visão estereotipada de irreversibilidade do quadro mórbido g perda da noção de tempo e espaço h participação direta ou indireta do sofrimento alheio etc provocam alterações no estado do paciente tanto a nível físico orgânico como psíquico emocional No simpósio sobre fatores de ansiedade no tratamento integrado do paciente o Professor Max Hamilton da Universidade de Lerds Inglaterra apresenta cerca de 16 situações de distúrbios emocionais causados pela intensa ansiedade da pessoa enferma fatores estes secundários à etiopatogenia da moléstia mas trazendo consigo um peso enorme na evolução da patologia em função justamente da ansiedade causada pelas situações supracitadas Este então seria o grupo onde fatores ambientais poderiam estar prejudicando de alguma forma a evolução do paciente E aqui não podemos esquecer de que qualquer alteração no estado emocional do paciente reflete diretamente no seu quadro clínico Fatores Orgânicos como Reflexos Decorrentes do Período de Internação Dentre eles podemos citar determinados sintomas como a agitação b depressão c anorexia d insônia e perda do discernimento a Iniciandose pela agitação podemos já identificar uma reação bastante aversiva à recuperação da pessoa pois esta traz como reflexo orgânico somado à ansiedade aumento da píessão arterial dificuldades circulatórias baixa resistên PSICOLOGIA HOSPITALAR 51 cia à dor Segundo Szasz 28 a tensão aumenta a capacidade de atenção à dor diminuindo o limiar e excitabilidade de pessoa bem como em muitos casos bloqueando até a absorção de certas drogas b A depressão entraria como uma instância final no quadro psíquico evolutivo do enfermo onde seus mecanismos de defesa tais como a racionalização a negação e a projeção vêemse falidos apresentandose uma apatia à vida e à persistência de fantasias mórbidas muitas vezes evoluindo negativamente até uma morte sem uma explicação técnica plausível Devemos ressaltar aqui que certos distúrbios orgânicos principalmente a nível hidrolítico como metabolismo do potássio podem trazer quadros de depressão mas com conotação orgânica basicamente pela inibição de áreas do sistema límbico As depressões possuem ainda outros aspectos e fatores desencadeantes parte deles já mencionados anteriormente c Devemos ressaltar que a anorexia acompanha muitas vezes a depressão sendo também uma forma de agressão autodirigida A agressividade alodirigida é ditada por Muniz em sua obra O Tratamento da Angina e do Enfarto 8 onde é associada a uma espécie de projeção dos próprios sintomas ao meio nada está bom a cama é ruim a comida é péssima a enfermagem não atende direito A pessoa tornase de difícil contato e passa a reclamar e solicitar a todos o tempo todo muitas vezes negando a sua própria patologia ou não a encarando como realidade presente A agressividade autodirigida e as manifestações de depressão sobretudo as mascaradas compõem um dos quadros psicológicos mais perniciosos para paciente internado CTI devendo sempre ser levada em conta e feita intervenção psicológica Estímulos positivos catarse elaboração dos conflitos desmistificação de fantasias mórbidas confronto com os sentimentos de impotência e morte iminente que entre outros podem estar associadas àquelas sintomatologias de forma a evitarse o agravamento do quadro emocional do paciente e por conseqüência nesses casos direta de seu quadro clínico como um todo d Ao falarse de insônia estamos nos referindo aos fatores supracitados onde podemos ter como causadores da mesma a agitação a ansiedade etc Importante destacar que nos quadros de depressão maior a insônia é um dos sintomas mais proeminentes destacase o fato de o sono estar para certos pacientes associado à morte e o medo desta impõe o quadro de insone e A perda de discernimento tem já um aspecto mais sério do ponto de vista psicodinâmico Temos um quadro peculiar das CTIs principalmente daquelas que apresentam ambiente totalmente artificial sem luz do dia e sem alterações significativas em sua rotina diurnas e noturnas 52 PSICOLOGIA HOSPITALAR A cadência de atividades constantes no CTI nas 24 horas do dia a rotina repetida inúmeras vezes o acordar e dormir intermitente do enfermo a ausência de contato com o mundo externo a falta de uma conversa de orientação acaba trazendo para a pessoa com mais de três dias de CTI uma perda inicial de noção de tempo cronológico que aos poucos vai se agravando com a perda da consciência de tempo e espaço físico e psicológico segundo Jaspers 9 de tal forma que comportamentos estranhos começam a aparecer Frases desarticuladas fuga de idéias atitudes obsessivas ocorrendo não raro derivações para quadros delirantes e desconfigurações da imagem perspectiva real Notase que a alteração senso perceptiva iniciase pela ausência de estímulos simples como o contato com o dia e a noite e vai se agravando na medida em que o próprio ciclo circadiano do paciente passa por processo de desorganização em função da ausência de atividades da ação de fármacos das oscilações de consciência da falta de estímulos específicos à pessoa etc Esse quadro que se denominava de Síndrome de CTI carece de atenção especial cuidado esse sempre que possível preventivo buscando a integridade psíquica do enfermo através de um contato e orientação constantes trazendolhe a importância de sua colaboração na evolução produtiva de seu quadro Estimulação visual reforçar o paciente a atividades que goste e tenha condição de desempenhar visita orientada de familiares informações sobre o mundo externo que lhe possibilitem contacto com outras coisas que não a doença são pequenas medidas que podem previnir esse quadro O Paciente Ansioso A ansiedade é o sinal do perigo da mente um sinal que se manifesta em presença de um problema Como sinal a ansiedade é análoga à dor e tão importante quanto esta O homem não pode viver normalmente sem sentir ansiedade Este sentido de ansiedade em geral captado apenas como uma sensação se manifesta deixandonos inquietos preocupados assustados ou de algum modo ameaçados Desse modo incapazes de remover na prática ou a enfermidade ou a ansiedade procurase a melhor saída tentase eliminar ambas mentalmente Outra coisa que se pratica quase sempre com algum êxito é desligar a ansiedade da enfermidade e transferila para um problema menos importante ou para um outro onde se possa fazer alguma coisa Extraído adaptado e complementado a partir de Bird B 1 Conversando com o Paciente PSICOLOGIA HOSPITALAR 53 Essa distorção negação e deslocamento de sintomas físicos pode fazer um paciente sentirse melhor mas no processo evolutivo o quadro clínico pode ser de tal modo alterado que o médico se perderá Este é o motivo pelo qual conversando com o paciente ansioso só é possível levantar um quadro verdadeiro da doença quando a ansiedade do paciente é recolocada numa perspectiva adequada com sua enfermidade Lembrese também que a resposta ansiosa do paciente à enfermidade atual nunca se deve apenas àquela afecção A ansiedade é histórica Todas as experiências passadas com doença ou outros perigos similares ou não tendem a acumular se na atual E deste modo que cada pessoa gradualmente constrói sua maneira característica de reagir à enfermidade e a ansiedade que ela provoca O conhecimento das reações características dos pacientes pode com frequência ajudar a equipe a julgar rápida e precisamente a seriedade de suas afecções O fato de que a ansiedade tenha raízes históricas também possibilita explicar um pânico inexplicável do paciente em resposta a uma enfermidade ou a um procedimento médico menor o problema atual e sem importância assumiu o lugar de uma experiência mais terrível de uma época anterior talvez de um período esquecido da infância uma experiência que há muito está encapsulada e que exceto por ocasião da ameaça atual assim permaneceu durante anos Em vista da ligação direta da ansiedade com o passado é sempre útil suspeitar no caso de qualquer ansiedade inexplicável que a reação presente do paciente está sendo influenciada por alguma coisa que aconteceu há muito tempo ou que o paciente está reagindo assim porque está repetindo o modo como reagiu antes Falando com o paciente sobre suas ansiedades e sentimentos não expressos ou mesmo desconhecidos reduz imediatamente o poder nocivo destes As idéias que pairam mudas no ar são tremendamente ameaçadoras porque não conhecem limites Colocadas em palavras podem ser examinadas como um objeto onde equipe e paciente podem enxergar seu perigo e assim ficar bastante neutralizado A ansiedade é profundamente rica em máscaras Um de seus disfarces comuns é uma simples troca de nomes como por exemplo sintome nervoso tenso fraco assustado apreensivo instável deprimido aborrecido inquieto preocupado ou então fico acordado de noite não consigo comer dormir ou tomar uma decisão O paciente usa centenas de palavras em lugar de ansiedade e alguns profissionais estão prontos a acreditar que quem usa essas palavras não está ansioso apenas um pouco nervoso tenso aborrecido Não é verdade a ansiedade inclui todas Talvez o outro disfarce comum da ansiedade é sua representação como um sinal ou sistema corpóreo Esse disfarce pode trazer problemas sobretudo para o médico que se sente mais à vontade com as queixas físicas do que com a ansiedade Contudo rotular esses sintomas físicos meramente como emocionais ou funcionais ou ansiedade é um erro de igual proporção Para o paciente esse tipo de rótulo é uma acusação que se sente obrigado a refutar e da qual se defende 54 PSICOLOGIA HOSPITALAR Por que não pensar nesses sintomas físicos com o medo de expressar e mostrar ansiedade do paciente Por que não imaginar que o fato dele contar ao médico essas reações físicas a situações tensivas é seu modo de lhe dizer que se sente ansioso frente a elas Salientase aqui o uso do mecanismo de conversão muitas vezes utilizado como forma de manifestação do sentimento de ansiedade e ameaça A ansiedade também se esconde por detrás de outras emoções os pacientes que se tornam extremamente irritáveis agressivos podem estar reagindo a uma situação subjacente produtora de ansiedade Outros pacientes em resposta a situações assustadoras recolhemse e tornamse frios paralisados e mudos Essa reação ao perigo em geral significa um conflito entre a dependência passiva da pessoa e sua agressividade violenta um conflito que o leva a um estado de paralisia O CTI por todos os aspectos j á descritos destinase a ser um grande gerador de situações ansiógenas a começar pelo seu próprio estereótipo como mencionou se anteriormente Podese então deduzir que todos esses componentes gerados pela ansiedade descritos acima pelo Dr Bird 1 têm no CTI condições abasolutamente exacerbadoras gerando com isso reações emocionais das mais variadas Mister salientar que vivências ansiógenas interminentes de longa duração eou grande intensidade são uma das principais causadoras da Síndrome Geral de Adaptação SG A e das Doenças de Adaptação D A tão bem identificadas por Selye 10 A experiência de internação no CTI pode gerar no paciente devido a esses fatores prejuízos físicos e emocionais enormes quando não considerados pois reações aparentemente secundárias ao quadro mórbido que deu origem a sua internação vão gerando um estado geral de falência frente ao sofrimento de tal monta que acabam por entremearemse com a patologia de base mesma do paciente Considerando os conceitos de Selye 10 o CTI favorece sobremaneira a evolução do estado de alarme para o de esgotamento muito rapidamente fato que pode passar despercebido pela equipe em função até de toda atenção que o quadro de base exige desta O Paciente Agressivo A agressividade devese lembrar não é uma ocorrência patológica nem rara todas as pessoas algumas vezes se tornam agressivas Há um aspecto da agressividade muito importante sobretudo ao considerar a saúde e a enfermidade a agressividade pode estar implicada em todos os atos e Extraído adaptado e complementado a partir de Bird B 1 Conversando com o Paciente PSICOLOGIA HOSPITALAR 55 incidentes da vida humana Nenhuma situação vital elimina a possibilidade de um sentimento pensamento ou ato de raiva Desde o nascimento até a morte não há nada que não possa despertar em nós um sentimento de raiva Não há nada que possamos fazer que não tenha pelo menos parcialmente uma motivação agressiva A agressividade basicamente é uma proteção É a força que muito mais que apenas o medo permite progredir O medo ou a ansiedade é um sinal uma experiência sensorial uma aviso de perigo e assim é essencial para qualquer atitude autoprotetora Em si o medo não protege O que o faz é uma ação ofensiva ou defensiva Tal ação não é suficiente exceto na medida em que o acesso à agressividade é significativo A agressividade é quem dá ao ato sua energia Tudo que pode e devese saber em regra é que em larga medida a agressividade é histórica e não causada pelos procedimentos e palavras da equipe pelo que esta diz ou faz Alguns pacientes têm reações físicas balançam a cabeça se contraem ou às vezes mergulham num silêncio ou respondem com monossílabos guturais Outros pacientes apresentam poucas alterações físicas e descarregam tudo pelas palavras Os detalhes de como os pacientes exprimem a agressividade e do que os leva a isso não são tão importantes para a equipe como seu reconhecimento de que boa parcela de atual agressividade se origina do passado e se dirige contra a equipe apenas porque estes agora representam alguém ou alguma coisa desse passado que o ameaça Basicamente uma atitude projetiva A agressividade dirigida ao ambiente poderia então ser interpretada como uma forma do paciente tentar protegerse não só das agressões que sente que o meio lhe impõe mas também as agressões que a doença e seus sintomas estão lhe causando É de suma importância destacarse aqui dois pontos relevantes onde a manifestação da agressividade tem características peculiares O primeiro que desafortunadamente aparece com uma freqüência bastante alta nos hospitais do Brasil está ligado à manifestação agressiva como atitude reativa à situação de profunda ansiedade tensão e frustração referese aqui principalmente àquelas situações onde o paciente por exemplo após ser tricomatizado submeterse a enteroclisma passar por um longo período de jejum aguardando nesse ínterim com fantasias medo expectativas etc um exame importante ou uma cirurgia têm a mesma cancelada por diversos motivos onde muitas vezes o aviso é dado tardiamente sem outras explicações e sem sobretudo permitirse que o paciente manifeste suas emoções em relação ao ocorrido Nesses casos explosões de raiva acompanhadas de gritos palavrões ofensas dirigidas ao Hospital equipe ou o profissional que está a sua frente são comuns e ressaltese aqui mais saudáveis do que aquela pseudoresignação que embora não incomode a equipe processa estragos de forma subreptícia importantíssimos na autoconfiança 56 PSICOLOGIA HOSPITALAR do paciente em sua confiança e aceitação da equipe e do tratamento e em sua disponibilidade e vontade de tratarse e ajudarse Outra manifestação específica de agressividade está ligada à fase de revolta apresentada para EK Ross 46 em seus estudos sobre as reações do paciente frente à morte inconformismo isolamento acusações refratariedade ao contato são algumas das manifestações dessa fase e cabe ressaltarse aqui que ela pode aparecer em outras situações críticas específicas além da de morte iminente como por exemplo no processo de elaboração do luto pela perda amputação de um membro ou extirpação de órgão do corpo situações igualmente freqiientes no CTI mais uma vez orientase aos interessados que consultem o roteiro bibliográfico de estudos no fim do presente trabalho para aprofundamento no tema Nunca é demais lembrarse que toda e qualquer reação do paciente tem como elemento básico seu universo simbólico suas vivências e principalmente a forma particular como ele está encarando e elaborando o episódio conflitivo de doença internação e tratamento que vive no seu aqui e agora determinado pela sua historicidade pelas variáveis sócioambientais que o cercam e pelas relações en tabuladas entre a equipe família e o próprio paciente O Paciente com Agressividade Latente O que se disse é suficiente quanto à agressividade expressa Mas e quanto à agressividade que o paciente apresenta mas não mostra Ou à agressividade latente mas da qual não tem consciência É mais fácil de certo modo fazer algo frente a uma agressividade aberta Não é sem razão que se evita despertar um cão adormecido além disso os próprios paciente podem não querer reconhecer a própria agressividade Contudo quando se vê alguma coisa que parece agressividade num paciente uma tentativa de conduzila para uma expressão clara pode ser de grande valor E isto por que os sentimentos fortes de qualquer natureza quando não expressos podem perturbar o pensamento lógico e o comportamento razoável e assim conturbar as tentativas de diagnóstico da equipe e de como tratar tal paciente Com freqüência talvez do mais que se imagina estes sentimentos estão em tal profundidade que escapam ao poder da equipe de alterálos mas algumas vezes poucas palavras funcionam Mostrarse disponível e interessado pelos sentimentos do paciente auxiliam a manifestação destes favorecendo assim o afloramento daquela agressividade que de forma latente pode estar gerando alterações importantes como episódios de somatização ou crises conversivas Salientase aqui que a atenção ao conteúdo do discurso do paciente é fundamental pois Extraído adaptado e complementado a partir de Bird B 1 Conversando com o Paciente PSICOLOGIA HOSPITALAR 57 não é raro esse discorrer sobre seus medos raivas ressentimentos de forma figurada por exemplo falando da situação do país contando um caso que ocorreu com outrem e que aparentemente não tem nada a ver com ele ou seu estado de saúde mas que contam de forma cifrada a manifestação destes sentimentos latentes Outra forma de agressividade latente é a do tipo em que melhor seria chamá la de fúria Entre adolescentes e jovens adultos é bastante comum este tipo de fúria interior a qual parece estar por trás de alguns de seus inexplicáveis comportamentos e problemas pessoais Em alguns casos a expressão do sentimento é clara ao passo que em outros é reprimida Alguns fatores comportamentais podem contribuir para a repressão da agressividade em pacientes internados onde se destaca também o receio de não ser aceito pela equipe A necessidade de apoio e aceitação leva não raro o paciente a evitar demonstrar seus sentimentos à equipe principalmente os sentimentos ligados à raiva e hostilidade por temer em suas fantasias represálias por parte desta Essa atitude contribui para o agravamento do quadro emocional do paciente e em alguns casos a equipe é coresponsável pelos sentimentos pois se coloca distante do paciente ou inconscientemente reforça as atitudes inacertivas dele Os sentimentos que o paciente pode suscitar na equipe também devem ser alvo da observação e reflexão para que se evite atuar contratransferencialmente na relação Aqueles jovens que procuram o médico em geral têm uma agressividade reprimida ou latente aqueles que fazem tudo para não agir segundo seu impulso agressivo ou quando agem tendem a atacarse a si mesmo São estes jovens que adoecem física e mentalmente e que pedem a atenção do médico Procuramno por várias razões Muitos são autodestrutivos e isso sempre é uma pista para a existência da agressividade reprimida Assim qualquer jovem que de alguma forma parece fadado ao fracasso que parece inclinarse para o insucesso degradação ou autodestruição é suspeito de agressividade A suspeita justificase não importando o que diz faz ou os sintomas que apresenta à equipe A outra forma que esses jovens agressivos encontram para controlar sua agressividade é adoecer Parecem ser mais suscetíveis às enfermidades orgânicas que os jovens comumente saudáveis e neste particular aspecto desenvolvem sintomas psicossomáticos e reações histeriformes e depressivas Pacientes Suicidas no CTI Discorrer sobre o suicídio e a tentativa de suicídio de uma forma mais abrangente levaria o presente texto a sair de seu propósito O suicídio representa um capítulo à parte nos estudos dos distúrbios psicológicos Aterseá aqui ao episódio da pessoa que tentou suicídio no período em que esta quando é o caso passa pelo CTI 58 PSICOLOGIA HOSPITALAR Atentar contra a própria vida não pode ser considerado um evento normal na história da pessoa e raramente essa situação ocorre em função de um episódio isolado dessa mesma história O que se quer dizer é que ao atender uma pessoa que tentou suicídio mais até do que em outros casos a equipe e particularmente o psicólogo devem estar atentos ao todo da pessoa Consideraremos para fins didáticos e de avaliação clínica a tentativa de suicídio aparecendo dentro de duas modalidades considerando critérios deLevy 11 O suicídio tentativa ativo e o suicídio tentativa passivo Na primeira modalidade temse o grupo de indivíduos que deliberada e ob jetivamente atenta contra a própria vida Nos CTIs encontramos inúmeros casos como intoxicações exógenas onde no Brasil predominam a ingestão de psicofármacos e de outros produtos químicos como por exemplo a soda caústica vindo após este outras formas como inalação de gás cortes no corpo predominantemente pulsos uso de armas de fogo quedas ou a provocação deliberada de acidentes dentre tantos Nesses casos o paciente chega ao CTI quando a gravidade das lesões ou problemas gerados no organismo deste são de tal monta que inúmeros cuidados serão necessários para tentarse sua recuperação Na maioria das vezes esses pacientes dão entrada no CTI via ProntoSocorro inconscientes podendo voltar gradativamente à consciência depois de algum tempo às vezes dias depois de sua admissão Cabe à equipe alguns cuidados imprescindíveis e obviamente o primeiro deles é a atenção direta sobre o risco de vida que a tentativa provocou mas complementando essa atenção é muito importante obterse dados do paciente através da família eou acompanhantes e assim que possível iniciar contato com o próprio paciente Os dados da história da pessoa j á possibilitam terse umaprimeira hipótese sobre o perfil psicológico desta e o grau de riscos que iremos enfrentar caso ela retome a consciência e venha a recuperar suas funções vitais tanto físicas quanto psicológicas O que significa nesse primeiro momento atuar preventivamente sobre o risco de nova tentativa ainda na CTI Vários fatores podem levar o indivíduo a atentar contra a própria vida desde distorções severas na estrutura da personalidade onde as pulsões tanáticas são fortíssimas encaixandose nesses casos distúrbios de ordem psicótica até questões psicopatologicamente menos graves mas nem por isso menos críticas como o suicídio de balanço como salienta A Garma 12 ou a tentativa de suicídio por intenções manipulativas histeriformes muito freqüentemente observadas em adolescentes No primeiro caso o grau de morbidez da estrutura psíquica do paciente é bastante comprometido seus antecedentes pessoais apontam claramente para um perfil psicótico cabendo então à equipe vigilância mais atenta ao paciente durante a internação e encaminhamento acompanhamento psiquiátrico tão logo seja pos PSICOLOGIA HOSPITALAR 59 sível Nos casos de pacientes portadores de depressão maior diagnóstico diferencial da depressão e intervenção medicamentosa e psicoterápica são fundamentais Importante frisar nesse particular que o período entre o início da medicação antidepressiva até aproximadamente 30 dias após esse é o mais crítico Estatísticas indicam um aumento no risco de tentativa de suicídio nesse período da ordem de 80 Já nos grupos de indivíduos que podem ser enquadrados nas duas últimas modalidades supracitadas cabe ressaltar que inúmeras vezes a vivência de morte iminente e toda mobilização tanto pessoal quando familiar que o ato gera pode levar a uma reavaliação de sua opção Observase como processo freqüente nesses casos uma profunda angústia sentimentos de fracasso culpa revolta autopiedade Processo esse que deve receber imediatamente atenção psicológica com o objetivo principal de auxiliar o paciente a reelaborar suas vivências valendose o terapeuta inclusive do momento de grande fragilidade e ausência ou enfraquecimento de suas defesas de maneira a buscarse novas alternativas de vida junto com a pessoa Imprescindível lembrar que o processo de acompanhamento não pode limitarse ao período de internação no CTI e que na maior parte das vezes deve ser extensivo ao grupo familiar do paciente Este também encontrase mobilizado experimentando sentimentos dos mais diversos como culpa impotência raiva conflitos interpessoais etc Sabese que em grande parte dos casos a família teve e terá participação importante no processo de relação do paciente com a vida A intervenção psicológica o mais breve possível tornase então parte integrante do tratamento Importante igualmente nesses casos ressaltar também que o período em que o paciente permanece no hospital que normalmente é determinado unicamente pelo aspecto biológico deve ser aproveitado ao máximo inclusive na detecção dos focos conflitivos que levaram a pessoa a optar pelo suicídio e na sensibilização dessa e de sua família para a continuidade do acompanhamento psicológico pósalta É relativamente alta a incidência de casos que após a alta tanto paciente quanto a família buscam negar e ocultar o fato dos outros e de si mesmos gerando uma espécie de pacto de silêncio sobre o ocorrido mas nem por isso os fatores desencadeantes do evento tendo sido resolvidos o que faz com que se mantenham os mesmos componentes conflitivos no paciente e em seus núcleos vinculares mantendo assim o risco de nova tentativa bastante evidente A segunda modalidade que se mencionou anteriormente é a do suicídio passivo Aqui encontramse aqueles pacientes que literalmente desistiram da vida pessoas desesperançadas não raro depressivas que não enxergam possibilidades quantitativas e qualitativas para a sua existência Esse tipo de paciente é encontrado em maior grau naqueles portadores de patologias crônicas 60 PSICOLOGIA HOSPITALAR O suicídio passivo é observado através de atitudes autodestrutivas indiretas como a negligência ao tratamento a não observância das orientações médicas a insistência em realizar atividades ou outras ações contraindicadas para seu quadro clínico freqüentemente o abandono puro e simples do tratamento São pessoas cuja atitude de autoabandono permeia o cotidiano Em alguns casos independente das perspectivas prognosticas essa atitude passa a dominar o indivíduo dificultando sobremaneira a intervenção da equipe de saúde São indivíduos que precisam muito da atenção e da solidariedade da equipe e família mesmo que demonstrem indiferença ou revolta a essas tentativas de aproximação O psicólogo deve estar atento a qualquer manifestação motivacional do paciente para utilizálo como elemento de estímulo Devese estar consciente de que a pior armadilha para a equipe de saúde é entrar na mesma sintonia do paciente e por conseqüência abandonálo também O trabalho junto a esse paciente mostrase na maioria das vezes árido e pouco compensador não obstante aos esforços dos que o cercam No entanto a busca de uma relação qualitativa melhor com a existência não pode abandonar as intenções da equipe independentemente do tempo suposto de sobrevida do paciente ou do péssimo prognóstico que seu quadro tem Sabese pela prática clínica que um paciente que desiste de ajudarse inde pendentemente de seu quadro clínico tem reduzidas em muito suas perspectivas reais de sobrevida Fica portanto o alerta a toda equipe que trabalha com pessoas que entraram nesse estágio Perseverança solicitude e compreensão são instrumentos indispensáveis para a tentativa de ajuda à pessoa que por tanto sofrer desesperançouse de si mesma O Paciente com Alterações do Pensamento e SensoPercepção Considerações Gerais O rompimento com a realidade e alterações na capacidade sensoperceptiva eou de interpretação do percebido provoca os delírios e as alucinações Os delírios e alucinações do delírio não importando o seu grau de bizarria tendem a ser simples diretas tentativas simbólicas de negar o conflito real do paciente Seu conteúdo simbólico em geral tem um objetivo direto de satisfação de um desejo que serve não apenas aos problemas atuais obscuros mas para criar falsas curas e crenças que são o oposto em alguma forma da situação atual Por exemplo um paciente intoxicado que está confuso e desorientado e cuja capaci Extraído adaptado e complementado a partir de Bird Bl Conversando com o Paciente PSICOLOGIA HOSPITALAR 61 dade intelectual sofreu uma interferência temporária pode experimentar delírios de que é um gênio matemático Mesmo quando os delírios e alucinações do estado delirante são desagradáveis eles tendem a ser uma tentativa de encobrir problemas reais que são ainda mais desagradáveis Sempre devese supor que há problemas reais do aquieagora num paciente delirante Problemas que são físicos químicos ou psicológicos ou uma combinação dos três Não se desanime frente à complexidade e à falta de sentido do estado delirante Com algum tempo e um pouco de habilidade o sentido pode ser encontrado mesmo nas aberrações graves Não procure causas isoladas Raramente há apenas uma Há em geral vários fatores em jogo para trazêlo à tona A febre é um agente comum tão comum que a maior parte de nós durante uma febre alta pelo menos sofre alguma interferência no funcionamento mental As toxinas produzidas por alguns moléstias são uma outra causa e todas as enfermidades tóxicas tendem a afetar a mente provocando delírios As substâncias tóxicas introduzidas no organismo podem igualmente produzir alterações no juízo da realidade pensamento eou no sensopercepção O álcool por exemplo talvez seja um dos agentes mais comuns do estado delirante e o delirium tremens talvez seja a forma do estado de delírio mais espetacular e letal A fadiga os traumas orgânicos e a fome são outros agentes importantes Os fatores psicológicos embora de grande importância etiológica são muitas vezes subestimados Procurados e reconhecidos podem ser inestimáveis não apenas para compreender a razão do estado delirante mas para orientar bem o seu tratamento Deste modo vale sempre à pena procurar choques psicológicos tensões e sentimentos de perda Talvez as situações psicológicas mais dignas de atenção sejam os fatos que ameaçam ou de fato interrompem o contato do paciente com seu próprio mundo particular sobretudo aquilo que o afasta das pessoas lugares e objetos familiares e do fluxo de seus estímulos próprios Muito significativo o fato de terse observado inúmeros casos de pacientes portadores de patologias graves com prognóstico reservado que após passarem por um período anterior de extremo sofrimento físico e emocional entram em quadro de dissociação com alterações primárias importantes na afetividade consciência do EU e Pensamento seguidas de alucinações onde o surto aparece com uma forma de defesa derradeira do paciente frente à ameaça real e inexorável de aniquilação 13 Nesses casos devese observar principalmente dois aspectos fundamentais a saber 62 PSICOLOGIA HOSPITALAR a O aparente quadro confusional do paciente revela no conteúdo de seus sintomas produtivos delírios e alucinações toda a realidade clara e nua de seu pavor de aniquilação A figura da morte do sofrimento das perdas irreversíveis da impotência absoluta da total falta de perspectivas existenciais aparecem claramente no discurso e nas descrições perceptivas distorcidas do paciente b Via de regra o paciente em surto incomoda e ameaça a equipe de saúde principalmente no Hospital Geral e particularmente no CTI A equipe de saúde tem na maior parte das vezes pouca intimidade como chamado paciente psiquiátrico e pela subjetividade toda do quadro as dificuldades de avaliação e intervenção são maiores gerando não raro afastamento do contacto com o paciente sensação de incômodo e impotência algumas vezes hostilidade e também ansiedades de tal monta que levem ao desejo de veremse livres do paciente precipitando condutas ou encaminhamentos Nesses casos sempre é imperativo o diagnóstico diferencial feito pelo componente de saúde mental daequipe ou na ausência desse a solicitação de interconsulta A ausência dessas condutas desafortunadamente geram mais sofrimento mais conflito e por conseguinte o agravamento do quadro criando assim um ciclo vicioso onde em última instância todos sofrem Por este motivo os hospitais podem ser nocivos para esses pacientes Entretanto num hospital o paciente fica afastado de todas aquelas coisas das quais muitos de nós dependemos para a manutenção do bemestar mental O mesmo vale para a perda do contato com pessoas que lhe são queridas assim como para a ausência do lar da cama do quarto das roupas dos alimentos e até mesmo dos objetos pessoais Em lugar darotina estável e familiar ligada às pessoas e às coisas o paciente é jogado no meio de estranhos e de circunstâncias completamente novas Ele pode ainda manter seu controle mas todos os seus pontos de referência não estão lá Além disso o funcionamento mental do paciente hospitalizado pode ser afetado pelas drogas e quando isto se dá pode haver mesmo uma perda de controle As drogas sedativas hipnóticas e analgésicas administradas para manter o paciente calmo podem ser perigosas para aquelas que possuem tendência ao estado delirante Em lugar de promoverem o sono e o relaxamento elas podem reduzir o nível do impacto sensorial dos estímulos externos diminuindo assim a capacidade do paciente de manter a orientação e o contato com que o cerca de fatos que podem levar a um estado delirante ou episódios confusionais com desorientação no tempo e no espaço lapsos de memória e outros De qualquer forma quando ocorrer um estado delirante devese procurar uma combinação de causas que em conjunto ou hierarquicamente tenha afetado criticamente a capacidade mental do paciente A proposta original do presente trabalho tem como principal pressuposto uma leitura multifatorial e interdisciplinar da pessoa que está à frente da equipe e sua PSICOLOGIA HOSPITALAR 63 doença É exatamente a soma dos conhecimentos e observações de todos os membros da equipe médicos enfermeiros auxiliares atendentes técnicos psicólogos nutricionistas fisioterapeutas assistente social e até mesmo importante ressaltar o pessoal de apoio como copeiras faxineiras etc que na sua observação e contato com o paciente podem dar pistas importantes para uma boa compreensão do fenômeno que assola o paciente e consequentemente nortear a conduta mais adequada para auxiliálo Distúrbios Psicopatológicos e de Comportamento no CTI Nos Hospitais Gerais e em particular nos CTIs temse notado uma certa dificuldade que a equipe apresenta para lidar com pacientes de distúrbios psicopatológicos A própria estigmatização que a pessoa portadora desse tipo vem sofrendo ao longo dos anos somada ao fato desses distúrbios terem um curso subjetivo que foge dosconceitos cartesianos que norteiam as avaliações e intervenções clínicas acabam por agravar essas dificuldades gerando não raro sérios problemas para a equipe e o paciente Destacarseá neste capítulo alguns dos quadros psiquiátricos mais freqiientemente observados no CTI NOTA Abordase especificamente os transtornos de ordem psicótica consi derandose os critérios classificatórios desse grupo de patologias segundo Schneirder Schulte e Tolle 14 Via de regra o que mais mobiliza e dificulta o trabalho da equipe de saúde são os quadros que vêm acompanhados sobretudo dos sintomas produtivos ou secundários como delírios e alucinações acrescidos de agitação psicomotora furor confusão mental Esses sintomas na verdade podem aparecer em diversos quadros de forma conjunta ou em grupos o que obrigaria a equipe a estabelecer antes de qualquer intervenção diagnóstico diferencial Também nos quadros depressivos maiores depressão patológica temse problemas associados à tentativa de suicídio e à apatia e autoabandono do paciente fatores que incidem diretamente sobre o quadro clínico podendo agraválo ou levar o paciente à morte Tratarseá então de classificar os grandes grupos de transtornos de forma a facilitar a avaliação do paciente 64 PSICOLOGIA HOSPITALAR I PSICOSES ENDÓGENAS Destacase nesse grupo principalmente as Esquizofrenias a PMD a Melancolia Involutiva e a Personalidade Psicopática Nas esquizofrenias particularmente em suas subformas Paranóico Alucionatória e Hebefrênica a exuberância dos sintomas produtivos é muito fre qüente com delírios persecutórios delírios de referência alucinações auditivas predominantemente e visuais a confusão mental salada de palavras e outros distúrbios graves envolvendo pensamentos afetividade e consciência do EU também estarão presentes Raramente esses episódios ocorrem como primeiro surto no CTL temos históriapregressa do paciente com outros surtos não raro internações psiquiátricas narrativa da família eou acompanhados de estranhezas de comportamento do paciente A obtenção destes dados é fundamental para fornecer as primeiras pistas para o diagnóstico diferencial Imprescindível também na anamnese saberse do uso de psicofármacos por parte do paciente que caso sejam suspensos podem reincidir o surto Cabe aqui à equipe médica avaliação do riscos e sobretudo de como combinar o tratamento clínico de urgência que motivou a internação no CTI com a psicopatia que interinfluencia o comportamento do paciente eou a própria patologia que é o alvo das atenções Outros quadros de psicoses endógenas como a fase maníaca da PMD e a Personalidade Psicopática quando presentes no paciente internado no CTI trazem algumas vezes problemas sobretudo na esfera do relacionamento entre equipe e paciente Por se tratar do processo onde existe elação do humor grandiloqüência delírios de grandeza em alguns casos inquietação podendo atingir até a agitação psicomotora impulsividade intensa amoralidade dentre outros sintomas esses pacientes tendem a ser negligentes com o tratamento mobilizam muito as atenções sobre si mesmo polemizam criam conflitos entre a equipe manipulam funcionários e pacientes gerando clima de atritos e desentendimento Normalmente são refratários à abordagem psicológica e não possuem nenhuma crítica sobre seu estado psicopatológico Algumas medidas podem auxiliar a equipe a lidar com o problema observando os jogos que o paciente tenta impor nas suas relações procurando não incentiválos A indicação medicamentosa específica é em muitos casos necessária e é importante darse limites ao paciente sem no entanto entrar em confronto com este O psicólogo deve estar atento à dinâmica do quadro e atuar também orientado às pessoas que têm contato com o paciente sobre a forma de como interatuar com este II PSICOSES EXÓGENAS Uma gama bastante significativa de eventos sobre o metabolismo ou a fisio logia de corpo podem gerar como sintoma complementar alterações de com PSICOLOGIA HOSPITALAR 65 portamento sensopercepção humor pensamento consciência do EU memória etc Quadros toxêmicos infecciosos obstrução hepática septicemias alterações abruptas da PA descompensações do equilíbrio hidroeletrolítico comprometimentos na absorção de 02 no SNC são algumas causas possíveis destas alterações Temos ainda intoxicações exógenas por produtos químicos diversos e com prometimentos gerados por reações a determinados tipos de fármacos alguns inclusive utilizados no próprio tratamento do paciente Esses quadros são classificados em três subgrupos a Psicoses Sintomáticas Como o próprio nome sugere o surto aparece como sintoma de um quadro de base maior Associado a alterações metabólicas como por exemplo septicemias ou déficit na absorção de 02 pelos neurônios como ocorre em alguns casos onde houve circulação extracorpórea no processo cirúrgico Esses episódios devem ser detectados pela avaliação clínica do paciente considerando seu histórico psicopatológico pregresso que normalmente não tem dados significativos prémórbidos o contexto fisiológico e metabólico do paciente e as características do surto que aparecem abruptamente mantendo estado de consciência do EU e juízo de realidade oscilante O tratamento deve sempre buscar o saneamento das causas físicas infecção hemólise etc cabendo ao psicólogo intervir em três momentos específicos a saber no diagnóstico diferencial junto com a equipe na atenuação do surto principalmente quando este é acompanhado de agitação psicomotora e confusão mental Sabese que esses eventos podem provocar alterações no paciente e considerandose a delicadeza de seu quadro o próprio paciente pode comprometer sua reabilitação Uma das técnicas utilizadas nesses casos é a de entrar no surto atuando junto com o paciente buscando aos poucos introduzir dados de realidade em seu discurso procurando acalmálo e possibilitando à equipe tempo para as medidas necessárias para atenuação do quadro o terceiro momento de atenção referese ao auxílio que o paciente precisará após a remissão do surto para a reorganização de vivência posto que na maioria das vezes este mantém na memória o episódio confusional e essa experiência ativa seus sentimentos de amargura insegurança e ameaça afinal um episódio de loucura é um dos eventos mais temidos por boa parte das pessoas e a sensação de fragilidade egóica passa a agir como ameaça constante b Psicoses Tóxicas provocada por intoxicações exógenas ligadas à ingestão de drogas ou substâncias químicas Observada em alguns casos de tentativa de suicídio e principalmente no uso de drogas psicodislépticas como a psilocibina a 66 PSICOLOGIA HOSPITALAR dietilamida do ácido lisérgico a heroína e de algumas drogas psicoanalépticas como o crack e a cocaína e os anfetamínicos muitas vezes associados a outros fármacos como o álcool Esse último merece uma atenção especial devido ao grande número de pessoas portadoras da doença do alcoolismo Observase em CTIs gerais internações de pacientes politraumatizados vítimas de acidentes quedas atropelamentos acidentes automobilísticos etc Via de regra o paciente é atendido nos PS e uma vez constatada a gravidade dos casos encaminhados ao CTI Por se tratar de atendimento de urgência e de inúmeras vezes o paciente encontrarse inconsciente ou não apresentar condições de fornecer dados à equipe seguemse os procedimentos de urgência deixando para um outro momento a anamnese mais detalhada do paciente Dentre esses pacientes podemos encontrar alcoólatras crônicos que ao retomarem a consciência já no CTI depois de algum tempo de internação entram em síndrome de abstinência ou em outros casos em Delirium Tremens A síndrome de abstinência do álcool é um quadro bastante claro devendo ser avaliado pela equipe para que medidas complementares ao politraumatismo sejam tomadas inclusive procurando evitar agravamento deste Os principais sintomas de síndrome de abstinência alcoólica são tremores de extremidades desorientação auto e alo psíquica queixas de dores de MIS alterações da sensopercepção com predominância de alucinações tácteis e visuais zoopsias agitação psicomotora idéias persecutórias As medidas terapêuticas nesse momento são médicas desintoxicação uso de metaqualona ou administração controlada de álcool para retirada gradativa deste e outras a critério do clínico que estiver avaliando o paciente Obviamente que esse trabalho deve levar em consideração o quadro clínico geral do paciente Ao psicólogo cabe a avaliação no diagnóstico diferencial eJxabalho inicial ainda no CTI de sensibilização para tratamento específico de alcoolismo e encaminhamento posterior à alta a serviço especializado c Psicoses O rgano cerebrais desencadeadas a partir de processo gradativo de deterioração ou comprometimento funcional do SNC Esse grupo de psicoses exógenas é de prognóstico mais reservado gerado por expansão de tumores no cérebro processos infecciosos meníngeos deterioração dos sistemas de condução neural na demência alcoólica e demência epiléptica por exemplo entre outros Predominam como sintomas psíquicos a confusão mental fuga de idéias delírios crises de agressividade desorientação auto e alo psíquica despersonalização labilidade afetiva O quadro de base nesses casos é claro pela evolução clínica do paciente que mormente se arrasta ao longo de vários anos com o processo psicótico se instalando gradativamente Em alguns casos de tumores cerebrais podese ter o aparecimento dos distúrbios psiquiátricos antes de outros sintomas dificultando a avaliação do quadro num primeiro momento Ainda nesses casos alguns processos expansivos têm perspectiva cirúrgica e seu prognóstico melhorado PSICOLOGIA HOSPITALAR 67 Ainda um outro grupo de distúrbios psicológicos pode surgir associado aos TCEs AVC e outros problemas de ordem neurológica Nesse campo em particular a neuropsicologia tem nos últimos anos obtido avanços significativos Destacamse distúrbios de gnosia e propriocepção as alterações do humor e comprometimento generalizados nas atividades mentais básicas Como se mencionou no início a gama de distúrbios psicopatológicos e comportamentais é extensa e de causas múltiplas Procurouse aqui dar orientação geral em relação a alguns casos observados nos CTIs com maior freqüência Recomendase aos interessados procurar no fim desse trabalho as Referências Bibliográficas para complementar para estudos mais aprofundados 1415 16171826 O Paciente em Coma no CTI Durante muito tempo e talvez ainda hoje se considerou que sob o ponto de vista da intervenção psicológica junto ao paciente comatoso quer por coma traumático quer por coma anestésico havia muito pouco ou nada a se fazer Partindose do pressuposto de que o coma era igual à ausência de vida psíquica o universo mental do paciente passou a ser simplesmente desconsiderado nos casos em que esse se encontrava nesse estado No entanto uma coletânea cada vez maior de relatos no mínimo inquietantes fornecidos por pacientes que saíram do coma sobre suas vivências ou memória de vivências no período de coma acrescido de pesquisas recentes sobre respostas emocionais e comportamentais do paciente comatoso começam a apontar para uma outra realidade ainda pouco conhecida sobre a atividade mental do paciente durante o processo de coma O fenômeno da vida psíquica tem sido alvo de atenção mais detalhada de pesquisadores do mundo inteiro particularmente a partir da década de 90 considerada a década do cérebro no que tange a investimentos em pesquisas nos grandes centros de estudos do mundo particularmente no EUA Avanços significativos que comprovam a existência de vida psíquica já no feto de 6 meses de idade gestacional até o mapeamento tridimensional da atuação de sistemas intrapsíquicos no cérebro humano através do PET Scanner e do Squid têm possibilitado a estudiosos das neurociências do mundo inteiro desvendar alguns dos incontáveis mistérios que envolvem o funcionamento do cérebro humano e sobretudo começar a construção de uma ponte confiável cientificamente entre cérebro e mente Algumas subespecialidades novas começam a surgir como a psicologia prénatal 192021 e a neuropsicologia 222324 Um dos segmentos destes estudos abarca o tema que ora se desenvolve que passa pela 68 PSICOLOGIA HOSPITALAR inquietante pergunta se há vida num paciente comatoso e se há como detectála e acessála O fenômeno da consciência que segundo Jaspers 9 pode ser considerado como Todo o momento da visa psíquica tem sido alvo de discussões e controvérsias entre diversos estudiosos médicos psicólogos filósofos fisiologistas dentre outros tantos não raro gerando muito mais perguntas do que respostas O fato de observarse inúmeros relatos de pacientes saídos do coma descrevendo conversas tidas entre equipe visitantes ou outras pessoas à volta dele num período onde esse estava sendo considerado como inconsciente ou de dados científicos mais contundentes como os apresentados pelos psicólogo norteamericano Henry Bennett em 1989 25 onde demonstra de forma bastante clara que o paciente sob efeito de Anestesia Geral não só pode captar o que ocorre a sua volta no Centro Cirúrgico mas também encontrase particularmente sugestionável às eventuais informações que absorve Isso tudo tem levado inúmeros profissionais intensivistas a considerar outros fatores na relação com o paciente comatoso que não só o estritamente biológico Sob esse aspecto algumas considerações devem ser feitas O fenômeno que abarca o processo SR qual seja a partir da entrada de determinado estímulo ou grupos de estímulos no SNC até a efetivação da resposta tem sido alvo de atenção dos pesquisadores na tentativa de explicar o que pode estar ocorrendo com o paciente comatoso algo como a possibilidade de se absorver e compreender o estímulo Não conseguir acessar os meios para a efetivação explícita da resposta podem estar no cerne das avaliações inexatas que às vezes se faz do paciente em coma até porque obtémse dados da consciência pelas repostas e grau de sofisticação destas De forma esquemática temse PSICOLOGIA HOSPITALAR 69 Esse processo que se inicia a partir do acontecimento do estímulo vai gradativamente acessando processos mentais que se iniciam através das Atividades Mentais Básicas particularmente a sensopercepção 1 prosseguindo com a solicitação de intervenção de outros componentes do aparelho psíquico já pertencentes ao grupo de atividades mentais superiores como pensamento memória inteligência afetividade motivação e volição 2 até culminar com a ativação dos mecanismos específicos para resposta linguagem verbal e nãoverbal respostas psicomotoras etc 30 caminho que o evento percebido e conscientizado percorre pode estar comprometido em algum nível pela patologia ou situação que gerou o coma mas não necessariamente no momento primeiro da percepção Pelos fatos acima narrados sobre pacientes que descrevem as vivências e muitas vezes até sua angústia em não conseguir responder tudo leva a crer que pelo menos nestes casos o evento percorreu seu caminho até no mínimo a compreensão dos estímulos mas que não houve condições de efetivarse a resposta Pela ausência desta por menor que fosse os membros da equipe foram levados a interpretar erroneamente a ausência de consciência vindo essa a ser denunciada por alguns pacientes tempos depois quando esses recobram não a consciência como comumente se diz mas a capacidade de responder aos estímulos Obviamente temos inúmeros outros casos onde essa narrativa não aparece no discurso do paciente pós coma e outros ainda onde a morte sobrevêm antes mesmo de uma retomada da capacidade responsiva por parte deste Estáse muito perto através da evolução dos meios de avaliação do funcionamento cerebral de se chegar ao ponto de poder avaliar de forma clara e objetiva até que ponto a vida psíquica do paciente em coma está ativa Não obstante enquanto esses recursos não estão disponíveis acreditase ser bastante adequado considerar que a possibilidade de se mobilizar o paciente através de comentários das visitas ou outras formas de estimulação direta pode acarretar tanto reações positivas quanto negativas neste Esse tipo de cuidado é possível e caberá à equipe atentar para ele Assim como caberá especificamente ao psicólogo propiciar ao paciente estímulos positivos possibilidades de contato com o mundo externo particularmente com coisas que lhe são significativas obtémse esse dado com os familiares e sobretudo à família que devendo ser orientada adequadamente antes da visita pode e deve participar do trabalho de estimulação Notase aqui alguns dados complementares significativos que aparecem em alguns pacientes através da leitura do seu estado clínico geral como por exemplo aumento da PA em momentos mais críticos emocionalmente dentro do CTI alteração da FC quando da visita de familiares ou de comentários inadequados junto ao paciente Manifestações motoras Automáticas imediatamente após algum evento mobilizante e alguns casos até o choro lágrimas escorrendo do rosto inerte de uma pessoa não tão inconsciente nem tampouco insensível ao grande drama que a cerca 70 PSICOLOGIA HOSPITALAR Gostaríamos de falar nesse parágrafo usando a terceira pessoa para colocarmos que tem sido também experiência nossa toda gama de eventos que se mencionou acima Acreditamos portanto que considerar a possibilidade de existência de vida psíquica no paciente comatoso respeitandoo estimulandoo estando a seu lado e daqueles que lhe são caros pode não ser como muitos ainda acreditam um gesto vão uma perda de tempo Pode talvez representar o elo de ligação entre o limbo de incomunicabilidade e a vida de relação e interação Pode representar também um morrer sentindose acolhido e respeitado na sua dignidade de pessoa no seu antigesto silencioso de adeus aos que ficam Referências Bibliográficas 1 BIRD B Conversando com o Paciente São Paulo Ed Manole 1978 2 LOPES O C A Medicina no Tempo São Paulo Ed Melhoramentos 1970 3 Rev Alma Ata Publ Org Panamericana de Saúde 2o Semestre 1977 4 ROSS EK Sobre a Morte e o Morrer São Paulo Ed Martins Fontes 1979 5 Perguntas e Respostas Sobre a Morte e o Morrer São Paulo Ed Martins Fontes 1981 6 AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION Manual de Diagnóstico e Estatística demente DSMIIIR São Paulo Ed Manole 1989 7 MACHADO A Neuroanatomia Funcional São Paulo Liv Atheneu 1974 8 MUNIZM O Tratamento da Angina e do Enfarto Rio de Janeiro Ed Guanabara Koogan 1977 9 JASPERS K Psicologia Geral São Paulo Liv Atheneu 1973 10 SELYE H The Story ofthe Adaptation Syndrome Nova York Ed Grüne e Stratoon 1952 11 LEVY NB Aspectos Psicológicos de Pacientes Sob Hemodiálise no Downstate Medicai Center In Clínicas Médicas da América do Norte Rio de Janeiro Ed Interamericana Ltda 1977 12 GARMA A Sobre Factores Del Suicídio In Vandenberg Pequena Psiquiatria Buenos Aires Bilbl para el Hombre Actual 1972 13 FERREIRA ML Intercorrências Psicológicas e Psiquiátricas no Hospital Geral Monografia São Paulo Bibl NÊMETON 1992 14 TOLLE R E SCHULTE Manual de Psicopatologia Porto Alegre Ed Maso 1981 15 BRIDGES PK Emergências Psiquiátricas São Paulo Ed Manoele 1976 16 SPOERRI TH Compêndio de Psiquiatria São Paulo Liv Atheneu 1972 17 PAIM I Curso de Psicopatologia São Paulo Ed Grijalbo Ltda 1975 18 MACKINNON et al Avaliação Psiquiátrica na Prática Clínica Porto Alegre Ed Artes Médicas 1988 19 VERNY T A Vida Secreta da Criança Antes de Nascer São Paulo Ed C J Salmi 1989 20 KLAUS N O Surpreendente RecémNascido Porto Alegre Ed Artes Médicas 1989 21 CUNHA I Treinamento PeriNatal Porto Alegre Ed Sagra DC Luzzatto 1981 22 POPPER K ECCLES J O Eu o Seu Cérebro São Paulo Ed Papirus 1991 23 LURIA AR Fundamentos de Neuropsicologia São Paulo Edusp 1984 24 BARBIZET ALLI Manual de Neuropsiciologia São Paulo Ed Masson 1985 PSICOLOGIA HOSPITALAR 71 25 BENNET H In Journal of American Anestesiology Association EUA set 1989 26 SACKS O O Homem que Confundiu Sua Mulher com Um Chapéu São Paulo Ed Imago 1989 27 SPITZ R O Primeiro Ano de Vida da Criança São Paulo Ed Martins Fontes 1979 28 SZASZ T Dor e Prazer Rio de Janeiro Ed Zahar 1976 Roteiro Complementar de Estudos ALEXANDER F Medicina Psicossomática Porto Alegre Ed Artes Médicas 1899 ANGERAMI VA org Psicologia Hospitalar São Paulo Ed Traço 1984 A Psicologia Hospitalar São Paulo Ed Traço 1988 O Doente A Psicologia e o Hospital São Paulo Ed Pioneira 2a edição 1994 1992 GRQFF S Além do Cérebro São Paulo Ed Grawhill 1987 GUTTMANN G Introdução à NeuroPsicologia São Paulo Ed Manole 1977 KASTENBAUM R et al Psicologia da Morte São Paulo PioneiraEdusp 1983 LAMOSABWR org Psicologia Aplicada àCardiologia São Paulo Fund EdBYK 1990 LEPARGNEUR H O Doente a Doença e a Morte São Paulo Ed Papirus 1987 OLIVIERI D O Ser Doente São Paulo Ed Cortez 1984 PERESTRELO D A Medicina da Pessoa São Paulo Ed Liv Atheneu 1982 PITA A Hospital Dor e Morte como Ofício São Paulo Ed Hucitec 1991 ROCH F Distúrbios Mentais PósTraumáticos São Paulo Liv C Humanas Ltda 1973 SACKS O Uma Perna para se Apoiar São Paulo Ed Imago 1989 SZASZ T Dor e Prazer Rio de Janeiro Ed Zahar 1976 3 Estudos Psicológicos do Puerpéno FERNANDA ALVES RODRIGUES TRUCHARTE ROSA BERGER KNIJNIK Introdução O presente capítulo tem como tema central abordar aspectos importantes do período do puerpério ilustrando através do desenho gráfico de algumas pacientes sentimentos emoções e fantasias acerca deste momento de transição A escolha do tema devese à necessidade de um estudo maior desta fase de vida partindo de vivências como membros integrantes de um serviço de Ginecologia e Obstretrícia É importante considerarmos que os sentimentos e reflexões a respeito do puerpério devam ser claramente discutidos pela equipe de saúde pois às vezes interferem como dificuldades enfrentadas na nossa rotina diária Também cabenos salientar que uma intervenção psicológica neste período visa prevenir a saúde mental e física da mãe e do bebê com o objetivo de estimulai uma ligação mais saudável entre ambos Para sua realização foram utilizados recursos bibliográficos com o objetivo de fundamentálo teoricamente enfocando características emocionais do puerpério o significado psicológico da amamentação o nascimento do apego e aspectos da assistência hospitalar no puerpério 74 PSICOLOGIA HOSPITALAR Posteriormente seguemse os desenhos gráficos de algumas puérperas procurando entendêlas dinamicamente quanto ao seu funcionamento numa integração entre teoria e prática Por fim seguese com uma conclusão sobre o que foi apresentado fundamentado e discutido ao longo do trabalho Objetivos O atendimento de puérperas teve como objetivo compreender as emoções sentimentos fantasias e temores decorrentes deste período de transição aliviando as ansiedades presentes Visa também estimular uma ligação mais saudável entre mãe e bebê esclarecendo e informando acerca dos aspectos referentes ao puerpério Sobretudo prevenir a saúde mental de ambos mãe e bebê Metodologia Este trabalho foi desenvolvido no Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital e Maternidade Panamericano A clientela atendida é constituída de pacientes que possuem convênios particulares tais como Amil Unimed Blue Life Interclínicas etc Para tanto foram realizadas entrevistas individuais atendimento em grupo acompanhamento familiar e orientação sobre manejo das pacientes com equipe médica e de efermagem Ao final de cada atendimento solicitávamos dois desenhos figura humana e outro desenho que demonstrasse os sentimentos do paciente naquele momento de vida Fundamentação Teórica 1 Características Emocionais do Puerpério Segundo Maldonado 1985 o puerpério assim como a gravidez é um período bastante vulnerável à ocorrência de crises devido às profundas mudanças intra e interpessoais desencadeadas pelo parto Kitzinger conf Maldonado considera o puerpério como o quarto trimestre da gravidez çonsiderandoo um período de transição que dura aproximada PSICOLOGIA HOSPITALAR 75 mente três meses após o parto particularmente acentuado no primeiro filho Nesse período a mulher tornase especialmente sensível muitas vezes confusa onde a ansiedade normal e a depressão reativa é extremamente comum Os primeiros dias após o parto são carregados de emoções intensas e variadas As primeiras vinte e quatro horas constituem um período de recuperação do cansaço devido ao parto A puérpera em geral sentese debilitada e confusa principalmente quando o parto é feito sob narcose A labilidade emocional é o padrão mais característico da primeira semana após o parto a euforia e a depressão alter namse rapidamente podendo esta última atingir grande intensidade Alguns autores consideram que estes sintomas são devidos às mudanças bioquímicas que se processam logo após o parto tais como aumento da secreção de corticoesteróides e a súbita queda dos níveis hormonais Supõem também a atuação de outros fatores tais como as frustrações e monotonia do período de internação e a passagem da situação de espera ansiosa típica do final da gravidez para a conscientização da nova realidade que ao lado da satisfação da maternidade significa também a responsabilidade de assumir novas tarefas e a limitação de algumas atividades anteriores Às vezes é difícil determinar a linha divisória entre a normalidade e a patologia no caso da depressão pósparto De todo modo a intensificação ou permanência dos sintomas depressivos algumas semanas pósparto merecem ser vistas com maior cuidado Observamos neste período conforme Soifer estados de confusão na partu riente ansiedades de esvaziamento e de castração ou seja a ambivalência entre o perdido a gravidez e o adquirido o filho Um aspecto importante é que para a mãe a realidade do feto in utero não é a mesma realidade do bebê recémnascido e para muitas mulheres é difícil fazer esta transição especialmente as que apresentam forte dependência infantil em relação à própria mãe ou ao marido Podem facilmente gostar do filho enquanto ainda está dentro delas e amar uma imagem idealizada do bebê mas não a realidade do recémnascido As observações da autora mostram que isto ocorre principalmente nas mulheres que tendem a acreditar que seu bebê será diferente tranqüilo chorando pouco dormindo à noite desde o início etc negando antecipadamente a realidade de um bebê nas primeiras semanas de vida diante do qual sentemse freqtientemente assustadas e confusas com a responsabilidade dos cuidados maternos Kitzinger conf Maldonado comenta que na gravidez o filho é muitas vezes sentido como parte do corpo da mãe e por essa razão o nascimento pode ser vivido como uma amputação Após o parto a mulher se dá conta de que o bebê é outra pessoa tornase necessário elaborar a perda do bebê da fantasia para entrar em contato com o bebê real Esta tarefa tornase particularmente penosa no caso de crianças que nascem com problemas graves ou com malformações extensas uii 76 PSICOLOGIA HOSPITALAR Acreditase que uma intervenção no puerpério considerado como crise vital para a mulher é fator de prevenção para a qualidade da relação mãe filho e mãe x filho x pai Segundo alguns autores o período de duração do puerpério é variável No entanto sabemos que os primeiros seis meses após o parto servem como parâmetro na avaliação da saúde mental da mulher quando da elaboração desta fase Alguns hospitais permitem o estabelecimento do sistema de alojamento conjunto rooming in o bebê permanece no quarto com a mãe que cuida dele e geralmente dispõe da ajuda de enfermarias O alojamento conjunto tem a grande vantagem de evitar a separação de mãe e filho numa época tão crucial para a consolidação do vínculo maternofilial Portanto o alojamento conjunto pode ser considerado como uma etapa na preparação para a maternidade ampliando o atendimento obstétrico para o período de pósparto com o objetivo de satisfazer as necessidades físicas e emocionais de proximidade e contato entre mãe e filho As possíveis conseqüências benéficas do alojamento conjunto dependerão muito de aspectos da personalidade da mãe E importante salientar que o puerpério causa grande impacto no marido que pode tanto participar ativamente dos cuidados do bebê dividindo com a mulher a responsabilidade e dandolhe apoio e encorajamento ou sentirse marginalizado rejeitado na relação mãe filho sentimentos que tendem a agravarse com a abstinência sexual das primeiras semanas e com o maior envolvimento da mulher com o bebê Em muitos casos o marido recorre a mecanismos de fuga mergulhando no trabalho ou em relações extraconjugais A intensidade das vivências do parto e a regressão da esposa induzemno também a um estado depressivo e regressivo embora menos intenso que se choca com as exigências impostas pelo puerpério da mulher Por outro lado sentese necessidade de apoio e estímulo encontrase sozinho em casa assumiu nova responsabilidade experimenta um sentimento ante esse desconhecido que é o bebê agora seu rival definido Soifer 1980 p 70 Em caso de mães multíparas observase também um grande impacto do puerpério nos outros filhos Os sentimentos mais típicos são de ciúme traição e abandono Enfrentam também uma situação de crise com muitas mudanças a mãe um dia sai de casa e não volta ausentase por alguns dias e ao voltar traz com ela um bebê que passa a solicitar a maior parte de seu tempo e de sua atenção São comuns os sintomas regressivos por parte dos outros filhos tais como voltar a molhar a cama querer mamadeira ou chupeta solicitar atenção e cuidados etc Conforme Videla 1973 Um irmão é a maior riqueza psicológica que os pais podem dar ao filho Será o caminho que o conduzirá à socialização humana o modo mais simples onde aprenderá a compartilhar a receber e dar a querer e ser querido por alguém de seu mesmo sangue e ou outro ser semelhante PSICOLOGIA HOSPITALAR 77 Outro fator importante a considerar são as influências culturais sociais e econômicas relacionadas ao puerpério Segundo Helene Deutch 1960 o processo psíquico do puerpério em seu conjunto depende naturalmente do ambiente da situação real de vida dos costumes dos pais da família etc Por fim Videla 1973 coloca que a mulher não necessita que lhe digamos como deve pôr o nenê no peito nem quando e nem quanto tempo de cada lado O que deve acontecer é um método de ensaio e erro através desta delicada aprendizagem tanto da criança como da mãe 2 Conseqüências de um Mau Puerpério Destacaremos agora as manifestações da depressão puerperal exarcebada conhecida comumente como psicose puerperal Tal estado caracterizase pelo repúdio total ao bebê a paciente não quer vê lo aterrorizase com ele permanece triste afastada ausente sofre insônia inape tência descuidase da própria aparência não se veste não se banha nem se penteia Muitas vezes faz referência a alucinações geralmente auditivas ou exprime idéias delirantes Tal estado pode remitir por si mesmo ao cabo de alguns dias semanas ou meses Na remissão é muito importante a capacidade dos familiares para tolerar absorver e modificar a ansiedade que determina o quadro ansiedade de esvaziamento ou de castração As idéias delirantes são do tipo paranoide alguém vem roubar a paciente matála envenenála Também podem apresentar sentimentos de autodepreciação e autocensura com características melancólicas ela se vê inútil imprestável não se sabe se poderá criar os filhos etc V As vezes esse quadro é tão intenso que produz alarme na família e se recorre então ao psiquiatra Entre as manifestações alarmantes podemos mencionar as tentativas de suicídio ou o ataque direto ao bebê Em geral antes de chegar à ação a puérpera comunica suas intenções nesse sentido pedindo ajuda Outra forma de depressão anormal é a maníaca A puérpera age como se nada tivesse acontecido mostrase alegre e não se ocupa do bebê A partir da segunda ou terceira semana procura permanecer o mais afastada possível do filho deixandoo aos cuidados de outra pessoa A anormalidade se exprime por um estado de tensão permanente irritabilidade e hiperatividade 3 O Puerpério e a Amamentação Após o parto os pais se defrontam com a percepção das diferenças entre o bebê imaginário gestação e o bebê real com suas características e peculiaridades particulares 78 PSICOLOGIA HOSPITALAR O período do puerpério traz muitas transformações de ajustamento a uma realidade nova A interação mãe bebê e o início dessas mamadas logo após o parto nos comprovam a existência de uma sintonia sutil entre a dupla Quando existe um entendimento e harmonia entre a mãe e seu filho no momento da amamentação o leite flui normalmente e vai acontecendo uma regulação entre a sucção da criança e a liberação do leite produzido Por outro lado quando há desarmonia no contato da mamada surgem várias dificuldades e problemas que bloqueiam a lactação inibindo a produção eou a liberação do leite Além de uma falta de sintonia entre boca e mamilo dificuldades da mãe da criança e boicotes familiares a instituição hospitalar com sua rotina rígida e falta de alojamento conjunto contribuem para maiores problemas neste período Outra questão importante é que o leite é um produto interior do corpo assim como a menstruação e o gozo sexual Assim se predomina uma autoimagem de que o interior do corpo é ruim e seus produtos contaminados essa autoimagem é oriunda de vivências relativas a culpa sexual doenças infertilidade abortos etc a amamentação pode ser sabotada desde o início A ligação sexo e amamentação também deve ser considerada pois há uma dissociação entre maternidade e sexo tornando difícil esta integração para homens e mulheres muitos homens se unem ao não querer amamentar da mulher desestimulandoapara a amamentação ao colocála como antagônica ao encontro sexual A puérpera mãe recémnascida provoca inveja no homem familiares e profissionais de saúde com sentimentos contraditórios pois a nutriz detém o poder de acolher vida e nutrila a partir de seu próprio corpo Neste período a mulher tornase vulnerável às pessoas e situações que acercam e a amamentação fica influenciada por fatores e obstáculos que devem ser analisados Por fim é importante ressaltar que nas mulheres onde o não querer amamentar tornase uma escolha a possibilidade de ser boa mãe não se esgota no ato de amamentar mas sobretudo na intimidade e em favorecer o desabrochar de seu filho 4 O Nascimento de Apego Muitos autores colocam que o processo de formação do vínculo mãe filho iniciase durante a gravidez Em algumas mulheres os vínculos afetivos com seus bebês se iniciam ou se intensificam ao aparecer os movimentos fetais PSICOLOGIA HOSPITALAR 79 Klaus e Kennell 1978 relatam que este sentimento de apego começa num pósparto imediato chamandoo período sensível Bowlby 1981 salienta que existem condições necessárias para que o apego se dê entre mãe e filho Entre elas seria a sensibilidade da mãe frente aos sinais do bebê como também a capacidade do bebê para sentir que suas iniciativas sociais levam à troca afetiva com sua mãe Esse autor acredita que ao término do primeiro ano a dupla mãebebê já tenha desenvolvido um padrão próprio de interação De acordo com estudos realizados nesta área ocorre nas mães uma dupla identificação com o feto e com sua própria mãe E importante salientar neste sentido que as relações estabelecidas pelas mães em sua família de origem podem influenciar a ligação com seu filho Assim como também o desejo de gravidez a expectativa frente ao sexo do nenê as fantasias anteriores ao nascimento deste as frustrações e sentimentos ocorridos neste período têm ligação direta na interação da dupla mãebebê Dentre os sentimentos que surgem nas mulheres a tristeza pela separação e perda ocorrem em todos os partos com significativa freqüência Essa sensação de perda ocorre em todas as mulheres depois de qualquer tipo de parto a conseqüência do período realmente gratificante em que carrega o bebê dentro de si Brazelton 1988 p 95 Em todo nascimento de um nenê existe um curto período em que sobrevêm a sensação de perda e separação de uma parte muito amada do próprio corpo Algumas instituições hospitalares sentem que a separação entre a mãe e seu filho é desnecessária e tóxica para ambos Segundo KlausKennell 1978 este vínculo entre mãe e filho é a fonte de onde emana depois todos os vínculos que haverão de ser estabelecidos pela criança e que constituem a relação que se formará durante o curso da criança Para toda a vida a força e a qualidade deste laço influi sobre a qualidade de todos os futuros vínculos que serão estabelecidos com outras pessoas Com isso é importante concluir que a qualidade de relação entre a mãe e seu filho influencia diretamente o desenvolvimento físico e emocional do bebê formando a base para um progresso adicional posterior 5 Aspectos da Assistência Hospitalar no Puerpério Mesmo antes na própria gestação do paciente o obstetra não se restringe somente aos exames rotineiros nos atendimentos mas também em estar atento às necessidades emocionais do paciente 80 PSICOLOGIA HOSPITALAR O obstetra é figura importante com quem a mulher já estabeleceu um vínculo quando o acompanhou no prénatal e também e especialmente neste momento do puerpério em que todos dedicam atenção somente ao bebê A rotina em um hospital pode ser nociva para a mãe e seu bebê Uma delas seria de trazer o recémnascido para a mãe somente 24 horas após o parto quando vários estudos entre eles de Klaus e Kennel demonstram que essa separação interfere negativamente na consolidação do vínculo mãe bebê intensificando a depressão pósparto e prejudicando a amamentação Outro fator que nos faz pensar como nocivo seria o berçário pois implica numa separação mãe bebê e numa rotina artificial sabotando a amamentação O bebê quando toma mamadeira no berçário chega ao quarto da mãe já sem fome prejudicando a produção de leite Se faz necessário aí a ação tanto do obstetra quanto do pediatra suspendendo as mamadeiras O alojamento conjunto traz muitas vantagens para muitas mulheres Um maior contato do bebê com seus pais diminui a ansiedade da saída para casa uma vez que a mãe já sai da maternidade sabendo lidar com seu filho O ambiente da maternidade deveria ser mais caseiro do que hospitalar para que a mulher pudesse sentirse acolhida As vezes nem tudo ocorre bem ou seja onde mãe e filho nem sempre estão em perfeitas condições instalandose uma situação crítica de cuidados especiais Quando nasce uma criança malformada ou morta instalase uma situação de crise na família A criança que morre ao nascer em decorrência de acidente e não da má formação em geral suscita profundos sentimentos de perda e depressão a mulher e a família se preparam para acolher o bebê que nem sequer chega a ir para casa A mulher sentese especialmente deprimida quando chega o leite então sem função A lactação em muitos casos cessa espontaneamente em outros tornase necessário o uso de substâncias inibidoras Quando a criança é malformada especialmente se nasce com deformações visíveis sua morte traz não só tristeza mas também alívio muitas vezes inconfesso e vivido com culpa Casos Ilustrativos Solicitamos desenhos de 8 puérperas cujas idades variavam de 19 a 45 anos Foram pedidos dois desenhos o primeiro de figura humana e o segundo de como elas estavam se sentindo naquele momento A partir destes dados juntamente com as entrevistas pudemos traçar algumas características gerais destas puérperas num trabalho onde teoria e prática se complementam PSICOLOGIA HOSPITALAR Interpretação dos Desenhos 1 Análise Individual Desenho 1 Dados de Identificação Nome ME Idade 23 anos Estado Civil casada N filhos 2 filho Tipo de parto normal Interpretação O desenho da figura humana apresen ta falta de mãos e pés o que indica uma dificuldade de contato com o mundo A falta de base sugere uma certa inse gurança sem chão O círculo desenhado acima da cabeça pode refletir um peso em relação à ma ternidade a paciente pode estar amedron tada com a nova situação de vida No 2 desenho aparecem pernas e braços quebrados o que novamente pode indicar uma certa dificuldade de contato Sentese amputada para abraçar e cres cer Ocorre novamente a ausência de base Neste mesmo desenho denotase uma ambiguidade em relação aos sentimentos ao mesmo tempo que aparece uma sensação de felicidade Percebese também uma sensação de choro e tristeza Além disso é um desenho infanti lizado 81 PSICOLOGIA HOSPITALAR PSICOLOGIA HOSPITALAR 83 Desenho 2 Dados de Identificação Nome SR Idade 23 anos Estados Civil casada N de filhos l filho Tipo de parto normal Interpretação O desenho da figura humana aparece envolto protegido o que pode denotar certa confusão entre ela mãe e o bebê O seu desejo de proteção é marcante A face humana não apresenta orelhas o que pode indicar passividade e difi culdade de contato A ausência de braços corrobora com esta idéia Não aparece no desenho os membros inferiores e parte dos superiores o que nos mostra um profundo desconhecimento do próprio corpo O segundo desenho aparece muito infantilizado Não há uma distinção entre casa e telhado o que pode sugerir a falta de diferenciação entre vida instintiva e vida emocional A casa a árvore e a flor mos tramse soltas apesar da ten tativa de base o que pode indi car certa insegurança PSICOLOGIA HOSPITALAR PSICOLOGIA HOSPITALAR 85 Desenho 3 Dados de Identificação Nome CF Idade 19 anos Estado Civil casada N filhos l filho Tipo de parto cesárea Interpretação No desenho da figura humana os olhos apresentamse fechados o que pode indi car imaturidade para enfrentar a nova situ ação de vida O nó no pescoço e o cinturão podem sugerir que a paciente sentese fechada para a vida sexual Novamente aparece a ausência de base o que pode indicar certa insegurança No segundo desenho aparecem três coqueiros em tamanhos diferentes que podem ser vistos como a mãe o pai e a filha recémnascida É interessante observar o mesmo traçado em dois dos coqueiros o que pode demonstrar identificação com o mesmo sexo Os cocos podem simbolizar a capaci dade de gerar O corte vertical que aparece desenha do na folha pode demonstrar que a paciente sentese fechada para outras coisas é como se uma determinada fase estivesse acabado e outra prestes a se iniciar O sol representa uma figura supere góica PSICOLOGIA HOSPITALAR PSICOLOGIA HOSPITALAR 87 Desenho 4 Dados de Identificação Nome AC Idade 37 anos Estado Civil casada N filhos 3 filho Tipo de parto Interpretação Observando o desenho da figura humana notase que o braço direito aparece quebrado e há a ausência de mãos o que pode sugerir dificuldade de contato e talvez pouca disponibilidade para a maternidade No segundo desenho aparecem duas montanhas que podem estar simbolizando os seios Também aparece um caminho levemente tortuoso o que pode estar representando a chegada desse novo filho e a necessidade de mudanças PSICOLOGIA HOSPITALAR PSICOLOGIA HOSPITALAR 89 Desenho 5 Dados de Identificação Nome MC Idade 24 anos Estado Civil casada N filhos l filho Tipo de parto cesárea 90 PSICOLOGIA HOSPITALAR Interpretação A figura humana mostrase não identificada com a figura feminina podendo nos indicar que a paciente não se sente identificada com o próprio sexo Aparece sim uma grande identificação com o bebê Parece não saber representar simbolicamente seus sentimentos utilizandose da escrita para isso No segundo desenho aparece também a escrita como uma forma de não simbolização adequada de seus sentimentos PSICOLOGIA HOSPITALAR 91 Desenho 6 Dados de Identificação Nome MD Idade 30 anos Estado Civil casada N filhos 3 filho Tipo de parto cesárea e ligadura tubária 92 PSICOLOGIA HOSPITALAR Interpretação No desenho da figura humana aparece nos olhos a ausência de pupila podendo denotar uma certa dificuldade interna de visualizar as coisas Aparece uma transparência na área genital o que nos faz pensar numa dificuldade neste área principalmente com a procriação Parece uma pessoa sofrida marcada pela vida Podemos observar isto através da face da figura humana bem como pela dureza do desenho O desenho aparece sem base indicando certa insegurança No segundo desenho a perspectiva da maternidade é vista como uma castração Parece que a alegria da ligadura tubária está se sobrepondo à situação da maternidade PSICOLOGIA HOSPITALAR 93 Desenho 7 Dados de Identificação Nome ES Idade 45 anos Estado Civil separada N filhos 6 filho Tipo de parto normal Interpretação A figura humana aparece bastante comprometida pois não há uma discriminação entre as pessoas e os animais O desenho das pessoas está bastante distorcido e deformado Há um enquadramento do desenho o que pode indicar certa rigidez Podese sugerir também uma vida difícil um empobrecimento de vida afetiva No segundo desenho há uma desproporção entre casa árvore ramo de flores e folha A casa aparece rodeada de objetos bem maiores o que pode sugerir sensação de medo A paciente parece viver num mundo de coisas perigosas Os desenhos novamente aparecem enquadrados o que pode indicar rigidez A casa aparece solta no ar o que pode indicar certa insegurança PSICOLOGIA HOSPITALAR PSICOLOGIA HOSPITALAR 95 Desenho 8 Dados de Identificação Nome EL Idade 25 anos Estado Civil casada N filhos 3 filho Tipo de parto cesárea Interpretação A figura humana desenhada é do sexo masculino o que pode suge rir a falta de identificação como o próprio sexo e o quanto a experiên cia da maternidade pode ser difícil para esta paciente O desenho aparece de perfil o que pode representar certa dificulda de de enfrentar o meio Aparece a ausência de base o que pode indicar certa insegurança diante da nova etapa de vida No segundo desenho aparecem cinco peixes que podem indicar sua situação familiar atual ela o marido e os 3 filhos Este desenho denota uma certa regressão em função do meio líquido que aparece PSICOLOGIA HOSPITALAR PSICOLOGIA HOSPITALAR 97 2 Interpretação Geral dos Desenhos Gráficos Os desenhos estudados denotam uma variedade de sentimentos caracterizados por alegria dor confusão e sinais de aparente tristeza Estes sentimentos podem ser considerados adequados se pensarmos que provêm de pacientes que acabaram de ganhar seus bebês e que de certa forma deverão ter que reorganizar suas vidas com a chegada de alguém novo na família Como já foi abordado anteriormente neste momento surgem dúvidas necessidade de mudança de papéis reestruturações pessoais e familiares que podem estar sendo vividos com certa ambivalência alegriatristeza Alguns desenhos mostramse infantilizados e regredidos A ausência de base aparece em muitos desenhos denotando insegurança É interessante observar em alguns desenhos o sentido de família simbolizado pelos coqueiros e pelos peixes De todos os desenhos de figura humana estudados apenas em um deles aparece a figura masculina o que pode demonstrar a não identificação com a figura feminina e o quanto a maternidade pode ser uma experiência difícil para este paciente pois quando se desenha a figura humana do sexo feminino é a comprovação da feminilidade com a maternidade Para muitas mulheres isto é uma descoberta sentemse mulheres quando são mães Em um dos desenhos 6 a perspectiva da nova maternidade se vê contaminada com o procedimento da laqueadura tubária A paciente desenhou um útero cortado quando solicitada a desenhar sobre seus sentimentos Aparece um comprometimento importante em um dos desenhos de figura humana 7 onde as figuras estão bastante distorcidas e desproporcionais misturandose com animais Denotase também em alguns desenhos a dificuldade de representar simbo licamente os sentimentos onde as pacientes precisavam da linguagem escrita para expressálos 5 e 6 CONCLUSÃO A partir da realização do presente trabalho concluímos que a presença do psicólogo numa unidade de Ginecologia e Obstetrícia é de fundamental importância Primeiramente porque esta é para muitas pacientes a oportunidade única de se expressarem falarem sobre seus temores receios dúvidas ansiedades fantasias no período de transição caracterizado pelo puerpério Segundo pensamos que este trabalho pode ser visto como preventivo ou seja por uma ligação mais saudável entre mãe e filho onde se luta por uma maternidade melhor 98 PSICOLOGIA HOSPITALAR Em terceiro lugar acreditamos que a puérpera sentese muitas vezes desprotegida e desacompanhada frente a uma relação formal com o médico contribuindo para uma falha da comunicação entre ambos inibindoa de expressar claramente suas dúvidas É importante salientar que em um hospital geral congregamse profissionais de diversas especialidades tendo por beneficiar o paciente num atendimento mais global e eficiente e contribuindo para uma troca de informações significativa entre psicólogo e outros profissionais Ao mesmo tempo uma equipe dissociada prejudica a qualidade do atendimento Podem fazer parte desta rotina de atendimento carência de número de pro fissionais de equipamentos e medicações tornando o trabalho do psicólogo limitado Por outro lado em alguns momentos médicos enfermeiras e pacientes imaginam e vêem o psicólogo como salvador um mágico capaz de solucionar todos os problemas Cabe ao psicólogo desmistificar esta fantasia mostrandose também limitado diante de várias situações Bibliografia BOWLBY John Cuidados Maternos e Saúde Mental São Paulo Martins Fontes 1981 BRAZELTON T Berry O Desenvolvimento do Apego Uma Família em Formação Porto Alegre Editora Arte Médicas 1988 DEUTSCH Helene La Psicologia de la Muyer Buenos Aires Editorial Losada SA 5a edição 1960 MELLO FILHO Julio de e Colaboradores Psicossomática Hoje Porto Alegre Editora Artes Médicas 1992 KLAUS Kennell La Relación Madre Hijo Buenos Aires Editora Losada SA 5a ed 1960 MALDONADO Maria Teresa Comunicação entre Pais e Filhos A Linguagem do Sentir Petropólis Editora Vozes 1988 MALDONADO Maria Teresa Psicologia da Gravidez Petrópolis Editora Vozes 7a ed 1985 SOIFER Raquel Psicologia da Gravidez Parto e Puerpério Porto Alegre Editora Artes Médicas 1980 VIDELA Mirta Maternidade Mito y Realidad Buenos Aires A Penã Lillo Editor SRL 1973 WINNICOTT DW Os Bebês e suas Mães Coleção Psicologia e Pedagogia São Paulo Martins Fontes 1988 Dedicado a Regina DAquino 4 Pacientes Terminais Um Breve Esboço VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI CAMON Introdução Esse trabalho foi publicado em meu primeiro livro1 Na medida em que esse livro esgotouse e sua reedição carece de propósitos mais atualizados curveime à insistência com que muitos colegas reiteradas vezes pediram por uma nova edição desse capítulo em publicação específica de Psicologia Hospitalar E assim depois de recusar por nova publicação em diversas revistas e anais especializados eilo reescrito e mantido em sua estrutura básica fator imprescindível para que a essência não fosse alterada isso sempre segundo a ótica desses colegas Esse trabalho é apenas uma tentativa de relato sobre uma problemática específica o paciente terminal o definhamento corpóreo e suas implicações Não houve a intenção de criticar os postulados existentes nem tampouco comparálos assumilos ou refutálos simplesmente houve uma tentativa de questionamento da problemática do definhamento corpóreo 1 Angerami VA Existencialismo Psicoterapia São Paulo Traço Editora 1984 100 PSICOLOGIA HOSPITALAR Assim tentouse a elaboração de um trabalho onde as principais proposições e celeumas existentes no seio das discussões teóricas sobre a problemática do paciente terminal foram arroladas Resta ainda por outro lado a certeza de que muitos dados poderiam ser aprofundados e explorados Igualmente outros ficaram omissos por não terem sido considerados importantes ou até mesmo necessários para a elaboração desse trabalho Seguramente muito resta a ser dito e explorado mas o importante é o questionamento e o despertar de consciência sobre fatos e coisas mitificadas prin cipalmente pela omissão social e até mesmo acadêmica É fato porém que a partir do trabalho de colegas que se dedicam intermitentemente ao estudo da temática da morte2 esse quadro está em pleno processo de alteração havendo cada vez mais lugar para uma compreensão mais humana e digna das questões que envolvem a morte A Problemática Social do Paciente Terminal3 A A Sociedade e o Paciente Terminal Ao debruçarmonos sobre a temática dos aspectos terapêuticos inerentes ao paciente terminal deparamonos inicialmente com as implicações existentes na sociedade bem como no contexto institucional hospitalar que incidem sobre ele Torres4 coloca que a morte é no século XX o sujeito ausente do discurso Entretanto nos últimos 50 anos o silêncio começa a ser removido nas ciências humanas Historiadores antropólogos biólogos filósofos psicólogos psiquiatras psicanalistas iniciam com audácia uma luta contra a morte interdita denunciando as causas que levaram à negação da morte e redescobrindo a importância do tema5 Numa sociedade onde a pessoa é espoliada e explorada mercantilmente a perda da capacidade produtiva fará com que o desamparo social seja sentido com mais intensidade A falta de perspectiva existencial tornase o primeiro indício de 2 Nesse sentido gostaria de registrar o trabalho pioneiro das colegas Regina D Aquino e Wilma C Torres e mais recentemente de Maria Julia Kovacs e Marisa Decat de Moura E em que pese o fato de que ao citá las cometo enorme injustiça com outros tantos profissionais que igualmente trabalham nessa mesma direção o determinismo o arrojo e o pioneirismo desses profissionais tornaram a temática da morte presente de maneira indissolúvel nas lides acadêmicas e hospitalares 3 Em nosso trabalho estamos fazendo referência ao paciente terminal portador de doença degenerativa 4 Torres CW A Redescoberta da Morte In A Psicologia e a Morte Torres CW Guedes GW e Torres CR Editora da Fundação Getúlio Vargas Rio de Janeiro 1983 5 Ibid Op Cit PSICOLOGIA HOSPITALAR 101 desespero frente a situações onde a perda da capacidade funcional tornase eminente O total abandono a que se encontram entregues os inválidos de maneira geral levam o paciente terminal a desesperarse frente à realidade que se lhe apresenta O quadro degenerativo faz de seu portador alguém socialmente alijado da competição aviltante existente em nosso meio social alguém que irá merecer sentimentos de complacência Dessa maneira encontraremos pacientes portadores de doenças degenerativas que mesmo não se encontrando no aspecto terminal de suas vidas nem apresentando sinais visíveis de definhamento corpóreo e inclusive não apresentando sinais de comprometimento em seu pragmatismo não conseguem voltar às atividades anteriores ao surgimento da doença O próprio hospital é conivente com essa discriminação Ribeiro6 coloca que o hospital acaba sendo uma oficina e o médico seu principal mecânico Cumpre a ele fazer com que a máquina homem retorne o mais depressa possível à circulação como mercadoria ambulante Interessa consertá la mas interessa menos evitar que se quebre Ela tem que ter como qualquer máquina um tempo útil durante o qual produza mais e melhor todavia há outros homensmáquinas sendo produzidos e que precisam ser consumidos e é bom por isso que ela se vá assim aos poucos7 A presença da doença degenerativa faz com que o paciente seja discriminado e até mesmo rejeitado nas situações mais diversas que podem variar desde situações familiares até situações onde se exercem atividades produtivas O paciente portador de doença degenerativa além da debilidade orgânica inerente à própria doença carrega o fardo de alguém desacreditado socialmente seja em termos de capacidade produtiva seja em termos da mitificação de que se reveste a problemática da doença E a instituição hospitalar surge no bojo das contradições sociais de exigir produção como sinônimo do próprio restabelecimento orgânico Saúde produção é um binômioinvisível que insere doente numa condição de significação apenas e tãosomente a partir de sua condição produtiva Ou ainda nas palavras de Ribeiro80 hospital seja público ou privado representa a emergência de interesses submersos da produção industrial em saúde O que aparece todavia é o seu resultado mais brilhante e socialmente aceito o cuidado com o enfermo Sem embargo é bom que a recuperação aconteça mas é melancólico saber que outros tanto adoecidos dos mesmos males e de outros socialmente provocados e evitáveis ocuparão os mesmos leitos repetindo o suplício de Tântalo que acaba sendo a função do hospital9 Numa sociedade que escraviza o homem valorizando os meios de produção em detrimento dos valores de dignidade humana a saúde passa a ser algo valori 6 Ribeiro P H O Hospital História e Crise São Paulo Editora Cortez 1993 7 Ibid Op cit 8 Ibid Op cit 9 Ibid Op cit k 102 PSICOLOGIA HOSPITALAR zado apenas quando está em risco a capacidade funcional do indivíduo O indivíduo enquanto ser biológico é também um ser social vivendo essa interação de maneira total e consequentemente sofrendo em níveis organísmicos todas as contradições da problemática social da qual faz parte inerente e indissoluvelmente Ademais existe toda uma propulsão social de negação da morte enquanto fenômeno Essa negação de forma constrita cerceia toda e qualquer tentativa de compreensão das implicações da morte no cotidiano das pessoas Torres10 11 coloca que o moribundo só tem o status que lhe é conferido pelo universo hospitalar isto é um status negativo o de um homem que por não poder voltar à normalidade funcional encontrase à espera O moribundo é algo que incomoda Uma vez que a própria morte é oculta mascarada esvaziada e que sobre ela se fixa o conjunto de valores negativos da sociedade a agonianão pode ter status autônomo Não pode ser valorizada É preciso que ela desapareça na patologia submersa perdida irreconhecível11 Também é no paciente terminal que toda a sorte de preconceitos independen temente da patologia que possa acometêlo se encontra enfeixada e direcionada para atitudes que propulsionam muito mais a dor do tratamento em si para aspectos pertinentes a tais preconceitos Assim um paciente ao ser rotulado como aidético por exemplo trará sobre si além de todo o sofrimento de sua debilidade orgânica uma série de acusações sobre a maneira distorcida como a sociedade concebe sua patologia O mesmo ocorrerá com o paciente portador de câncer ou ainda de qualquer outra doença degenerativa O preconceito faz com que toda e qualquer patologia associada diretamente com a idéia de morte seja considerada infecto contagiosa e seus portadores pessoas que necessitam ser alijadas do convívio social Evidência disso é a própria denominação das doenças numa configuração direta com a idéia da destrutividade O termo câncer como mera citação foi associado à doença pela semelhança dessa ao caranguejo no Brasil quando se pronuncia a palavra câncer não se associa de imediato afigurado crustáceo tal qual ocorre na Europa onde essa definição teve lugar12 Assim o câncer aprisiona sua vítima tal qual o crustáceo que lhe empresta o nome até a morte Embora o progresso da Medicina seja notório na área de oncologia havendo inclusive casos onde é possível uma atuação bastante eficaz quando de seu descobrimento precoce ainda assim é difícil não se ver no câncer uma enfermidade imediatamente associada ao espectro da morte E da mesma forma como ocorrem com outras doenças que igualmente estirpavam e ceifavam muitas vidas humanas um exemplo disso é a lepra tão logo passou a ser dominada pela medicina teve sua designação mudada para hanseníase inclusive 10 Psicologia e a Morte Op cit 11 Ibid Op cit 12 Angcrami VA e Meleti RM A Atuação do Psicólogo Junto a Pacientes Mastectomizadas In Psicologia Hospitalar A Atuação do Psicólogo no Contexto Hospitalar São Paulo Traço Editora 1984 PSICOLOGIA HOSPITALAR 103 numa homenagem a Armauer Gehard Hanse médico que descobriu o bacilo específico que provocava a doença o câncer certamente ganhará outra denominação quando for totalmente dominado pela medicina13 O paciente terminal está afrontando todos os preceitos de negação da morte É como se mostrasse a cada instante que a morte embora negada de forma irascível pela sociedade é algo existente e inevitável KublerRoss14 coloca que a morte é uma tema evitado ignorado por nossa sociedade adoradora da juventude e orientada para o progresso É quase como se a considerássemos apenas mais uma enfermidade nova a ser debelada O fato porém é que a morte é inegável Todos nós morreremos um dia é apenas uma questão de tempo A morte na verdade é tão parte da existência humana do seu crescimento e desenvolvimento quanto o nascimento E uma das poucas coisas na vida de que temos certeza Ela não é um inimigo a ser conquistado nem uma prisão de onde devemos escapar É uma parte integral de nossas vidas que realça a existência humana A morte estabelece um limite em nosso tempo de vida e nos impele a fazer algo produtivo nesse espaço de tempo enquanto dispusermos dele15 A soma de toda a incongruência social os conflitos de valores de esteio da dignidade faz com que o paciente terminal seja depositário de uma série de incertezas que irão culminar tornandoo alguém vitimado não apenas por uma determinada patologia em si mas e principalmente de toda uma incompreensão de sua real situação Humanizar as condições de vida do paciente terminal é acima de tudo buscar uma congruência maior em todo o seio da sociedade harmonizando a vida e amorte de maneira indissolúvel Somente assim poderemos assegurar aos nossos descendentes a condição de uma morte e vida dignas A morte precisa ser vista como sendo um processo onde a esperança se funde com uma perspectiva existencial sem exclusão de qualquer uma das possibilidades da existência O morrer é parte inerente da condição humana e o apoio a alguém que se encontra no leito mortuário é antes de tudo o reconhecimento da nossa própria finitude Da nossa condição de seres mortais e portanto passíveis das mesmas vivências e ocorrências do paciente terminal16 13 Ibid Op cit 14 KublerRoss E Morte Estágio Final da Evolução Rio de Janeiro Editora Record 1975 15 Ibid Op cit 16 É como se houvesse uma necessidade preemente da morte deixar de ser temática merecedora de atenção apenas e tãosomente de religiosos É interessante observarse nesse sentido que a maioria das faculdades de Medicina e Psicologia sequer tem espaço em suas estruturações programáticas para a discussão dessa temática Assim esse profissional ao deixar as lides acadêmicas e ingressar numa atividade específica onde a morte surja como possibilidade real terá que adquirir as condições necessárias para tal abordagem de maneira intuitiva e muitas vezes sequer sem condições emocionais para tal E fato que a morte sempre é uma vivência única pessoal e intransferível cujos sentimentos diante de sua ocorrência são igualmente peculiares a cada indivíduo mas a ausência total de uma discussão sistematizada sobre a morte e suas implicações na existência humana é no mínimo um total acinte a essas formações acadêmicas 104 PSICOLOGIA HOSPITALAR B O Staff e o Contexto Hospitalar Diante do Paciente Terminal O paciente terminal é um ser humano que está vivendo um emaranhado de emoções que incluem ansiedade lutas pela sua dignidade e conforto além de um acentuado temor que se relaciona com seu tempo de vida limitado finito Mauksch17 coloca que na sociedade tecnológica moderna morrer é algo que acontece no hospital Mas os hospitais são instituições eficientes e despersonalizadas onde é muito difícil viver com dignidade não há tempo nem lugar dentro da rotina para conviver com as necessidades dos enfermos Os hospitais são instituições comprometidas com o processo de cura e os pacientes à morte são uma ameaça a essa função precípua Os profissionais têm perspectivas e rotinas a cumprir elas simplesmente nada têm a ver com os doentes estão para morrer O morrer é uma ameaça às funções desses profissionais e cria sentimentos de impropriedade incompatíveis com suas funções definidas de pessoas que efetivamente podem lidar com doenças Não há lugar nas funções prescritas desses profissionais para que se comportem como seres humanos no atendimento a seus pacientes que se encontram à morte18 Esse paciente vive um momento do qual seus familiares e o staff hospitalar também fazem parte Essa participação muito vai influir no estado desse paciente determinando inclusive os aspectos de rejeição ou aceitação deste frente ao tratamento e até mesmo frente à própria doença Quando um paciente é admitido no hospital a equipe delineia a chamada trajetória hospitalar Essa trajetória dáse através de encaminhamentos realizados pelo prontosocorro ou ainda através de diagnósticos realizados fora do hospital Uma vez hospitalizado o paciente é encaminhando para o setor específico de tratamento onde a partir de intervenções necessárias cirurgias tratamentos medicamentos infiltrações etc são delimitados os itens de sua permanência num determinado setor19 Essa trajetória de uma forma geral além do diagnóstico consiste até mesmo nas expectativas dessa equipe frente a esse paciente As variações dessa trajetória irão influir no comportamento da equipe havendo sempre a possibilidade do surgimento de inúmeras contradições na interação equipe paciente Mauksch20 coloca que o paciente deve sentirse dependente de seus médicos e enfermeiras deve sentir que deveria ser grato pelos cuidados que recebe dessas pessoas maravilhosas21 17 Mauksch OH O Contexto Organizacional do Morrer In Morte Estágio Final da Evolução Op cit 18 Ibid Op cit 19 Angerami AV A Psicologia no Hospital São Paulo Traço Editora 1984 2 0 0 Contexto Organizacional do Morrer Op cit 2 1 Ibid Op cit PSICOLOGIA HOSPITALAR 105 A interação equipepaciente gira também em torno de incessantes conflitos entre a luta do paciente agonizante e a equipe do hospital desejosa para designar certos papéis ao paciente que envolvem inclusive sua completa despersonalização e isolamento O paciente é marginalizado passando a carregar o estigma de moribundo alguém desprovido de sentido existencial Deixa de ser uma pessoa e passa a ser um leito a mais no hospital Sua existência ganha significação na doença e o todo existencial passa a ser apenas e tãosomente a doença e suas implicações22 É evidente que as reações do paciente frente à essa despersonalização e isolamento irão variar muito dependendo de cada estória ficando difícil para o staff hospitalar lidar com essas diferenças É consenso inclusive no meio hospitalar que o paciente considerado adequado é aquele que aceita de modo inquestionável o tratamento e normas impostos pela equipe hospitalar Aquele outro paciente que se rebela ao tratamento e muitas vezes inclusive aceita até mesmo a idéia de resignarse e aceita a morte de maneira plena traz sobre si toda a ira da instituição hospitalar O staff hospitalar acredita que não oferecendo a cura ao paciente não poderá lhe oferecer nada mais Teme que o paciente ou a família venham a pensar na hipótese de fracasso A instituição hospitalar existe para curar não admitindo nada que transcenda esses princípios A medicina é definida como sendo a arte de manter acesa a chama da vida tornandose inadmissível aceitar o contato com algo tão terrível e que ponha em risco esses princípios O staff hospitalar revestido desses princípios vêse então na responsabilidade de cuidar do paciente e de sua doença de maneira infalível O cuidar do paciente irá provocar tensão nesse profissional na medida em que não tenha lidado ou elaborado seus sentimentos de onipotência que na maioria das vezes não é manifesto embora sej a determinante da maioria dos procedimentos assumidos por esses profissionais Quando isso ocorre esse profissional tenta protegerse contra o risco da falha profissional a morte Assim não será dada a menor importância para aquilo que o paciente demonstra medo fantasias e ansiedades em relação ao seu tempo de vida Esse profissional vai reagir defensivamente frente a esses sentimentos presentes na relação a certeza latente de não poder salvar a vida do paciente O cuidar do paciente constantemente ou mesmo a presença deste será um prenuncio da impotência desse profissional o que seguramente poderá provocar desejos nebulosos e pouco precisos de que o paciente morra findando assim a longa agonia desse relacionamento Mauksch23 coloca que o paciente hospitalizado também procura descobrir quais são as recompensas e quais as punições para o comportamento no hospital Entretanto é mais difícil para o paciente descobrir isso porque 2 2 0 conceito de despersonalização é melhor abordado no capítulo O Psicólogo no Hospital 23 O Contexto Organizacional do Morrer Op cit 106 PSICOLOGIA HOSPITALAR as regras não são claras variam as definições e não existe comunidade informal de pacientes Esse clima de dependência ante o pessoal da instituição esgota no paciente o senso de individualidade e de valor humano Em tal ambiente é possível apresentar um de meus órgãos para conserto porém é muito mais difícil encarar o fato de que estou morrendo24 Por outro lado quando o paciente deseja morrer não suportando mais fisicamente esse profissional inconformado intensifica o tratamento e irritase quando o paciente se recusa a alguma mudança terapêutica pois essa recusa significa de maneira muito clara que o paciente está apenas e tãosomente manifestando o desej o de rendição o que em última instância significa desej ar o alívio de morrer KublerRoss25 coloca que esses pacientes representam um fracasso da instituição no seu papel de apoio à vida e não há nada nesse sistema que supra a carência do espírito humano quando o corpo necessita de cuidados26 De outra forma ao assumir o papel de esclarecedor informando o paciente sobre o que realmente está acontecendo não no sentido de darlhe o diagnóstico da doença27 mas esclarecendo dados sobre a internação hospitalar bem como o estigma que envolve esses aspectos e o que é mais importante deixa de ver no paciente uma enfermidade que está pondo em risco sua eficácia profissional Muitas vezes o paciente em sofrimento desalentador está necessitando de apoio existencial palavra conforto enfim de sentirse uma pessoa com significação existencial todo próprio Em alguns casos essa necessidade sobrepõese inclusive à necessidade da terapêutica medicamentosa E necessário que cada profissional envolvido nessa problemática tome consciência de sua atuação frente a esse tipo de paciente pois de nada adiantará uma real sensibilidade junto à comunidade da verdadeira e desoladora problemática da doença degenerativa se no ambiente hospitalar esse paciente continuar a sofrer toda a intensidade da rejeição social de que se reveste a problemática28 A temática 24 Ibid Op cit 25 Morte Estágio Final da Evolução Op cit 26 Ibid Op cit 27 Cremos errada a atitude médica comumente empregada de negar a informação ao paciente sobre seu próprio sintoma e elegendo a família como tendo condições emocionais para receber esta informação Esta prática comum no meio médico reflete a falta de uma atitude criteriosa sobre as condições emocionais do paciente Se um dado paciente por exemplo não possui condições emocionais para receber o impacto de uma informação sobre o diagnóstico de um possível câncer nada pode nos assegurar que os familiares possuem tal condição Esta atitude médica revela em última instância uma postura onde o profissional recusase ao enfrentamento das condições emocionais do paciente diante do diagnóstico Tornase assim cômodo deixar para os familiares esta responsabilidade em que pese na maioria das vezes a fusão dos sentimentos emocionais sobre este diagnóstico A Psicologia no Hospital Op cit 28 É importante ressaltarse que ao se fazer referência à comunidade como abrangência de toda uma reflexão sobre a realidade do paciente terminal estamos fazendo referência à totalidade do tecido social aí incluindose desde aqueles segmentos mais distantes da problemática em si como também daqueles que diretamente lidam com a temática PSICOLOGIA HOSPITALAR 107 da morte precisa ser incluída no referencial das questões existenciais Ou ainda nas palavras de KublerRoss29 morrer é parte integral da vida tão natural e previsível como nascer Mas enquanto o nascimento é motivo de comemoração a morte transformase num terrível e inexprimível assunto a ser evitado de todas as maneiras na sociedade moderna Talvez porque ela nos relembra nossa vulnerabilidade humana apesar de todos os avanços tecnológicos Podemos retardála mas não podemos escapar dela30 Alguns Dados Relacionados com a Vivência Junto ao Paciente Terminal O psicólogo habituado a trabalhar aspectos e esquemas corporais certamente domina o limiar da verbalização tendo como cerne de sua atuação o expressionismo gestual capaz de exprimir toda e qualquer espécie de sentimentos Por outro lado ao enfatizarmos a comunicação não verbal estamos abertos numa dimensão muito mais intensa aos mais variados sentimentos que na maioria das vezes não são passíveis de verbalização Muitos sentimentos são inefáveis e portanto comunicados apenas e tãosomente pelo expressionismo corporal Na relação terapêutica com o paciente terminal o contato e a dimensão do expressionismo corporal existem inclusive não apenas como opção de atuação mas também como alternativa frente ao definhamento corpóreo progressivo do paciente que muitas vezes inclusive o impede de manifestarse verbalmente Dessa maneira vamos encontrar alguns pacientes que em certos momentos devido ao definhamento corpóreo em que se encontram além da dor e do torpor provocado pelo tratamento medicamentoso a que são submetidos não conseguem expressarse de outra forma que não através do afagar de mãos ou então da comunicação estabelecida através do olhar O olhar angustiado e suplicante de um paciente terminal possui a imensidão da dor e do desespero presente no existir humano Mesmo em situações onde o paciente consegue expressarse verbalmente o relato sempre vem acojnpanhado de um forte expressionismo corporal Como ilustração temos o caso de NGL casado 36 anos de idade num estado bastante avançado de definhamento corpóreo NGL após referirse a situações de sua vida relata era preferível morrer a ter que viver de forma tão degradante absurda As pessoas não me olham minha mulher repete a cada instante que eu estou podre e que precisa tratar da documentação do inventário Até meus filhos que são a razão do meu viver agora me evitam eu acho que além de tudo ainda 29 Morte Estágio Final da Evolução Op cit 30 Ibid Op cit 108 PSICOLOGIA HOSPITALAR devem sentir vergonha do estado do pai é horrível seria melhor morrer e acabar logo com isso tudo eu não agüento mais sie Em seguida chora um choro compulsivo totalmente incontrolado Ao manifestarse nesse comovente depoimento NGL mostra gestos de desespero apertando as mãos de tal forma parecendo ter a intenção de destruílas Concomitantemente leva as mãos até o rosto procurando esconderse parecendo evitar todo e qualquer contato lembrando através de seus gestos a rejeição dos filhos e da mulher Por outro lado a vivência com o paciente terminal possui sempre presente o espectro da morte ainda que o paciente não manifeste verbalmente essa presença O próprio definhamento corpóreo é um indício marcante e verdadeiro da morte eminentemente presente na relação o que por si só estabelece uma vibração energética no sentido físico do termo e que transcende o limiar da razão e portanto da não razão e que caracterizará a própria relação Existem casos em que relação iniciase desde a internação do paciente no hospital quando esse ainda não apresenta sinais visíveis de comprometimento orgânico Nesses casos é possível perceber todo o processo corpóreo suas implicações e conseqiiências Existe durante esse processo a certeza de que toda a relação que termina leva consigo um pedaço muito grande da vida das pessoas envolvidas nessa relação Assim e levandose em conta que a relação certamente irá terminar com a morte de uma das pessoas envolvidas na relação a proximidade do morrer é sentida de uma forma muito intensa como se fosse algo que deixasse um leve aroma no espaço e que fosse perceptível apenas na vivência do envolvimento dessa relação algo indescritível pela razão algo sentido apenas na vivência e na emoção exaladas dessa relação O exaurir da morte traz à tona o processo bem como todas as fases pelas quais o processo se desenvolveu mostrando a irreversibilidade do tempo e do espaço nas coisas que se deixaram por fazer ou que foram preteridas ou postergadas para um outro momento As razões do existir a própria razão sofrem constante revisões transcendendo muitas vezes até o limiar da existência O olhar dentre as formas de expressionismos dos sentimentos é seguramente a mais abrangente em termos de dimensionamento absoluto ainda que tenha em si a presença da própria subjetividade humana Um olhar de dor tem a condição de mostrar o sofrimento de uma maneira que as palavras sequer podem conceber Um olhar de desejo desnuda muito além de qualquer outra forma de insinuação Um olhar meigo transmite uma doçura perceptível e inegável Um olhar de ódio fulmina mais que o punhal mais cortante A vivência com o paciente terminal traz muito presente o olhar sej a talvez por ser o mais puro dos expressionismos seja ainda por conseguir transmitir os verdadeiros sentimentos daquele momento desesperador E diante dessa manifestação do olhar é como se outras formas de expressionismo perdessem o sentido e até PSICOLOGIA HOSPITALAR 109 mesmo sua condição na essência humana Exemplo dessa citação é o caso de MCC 64 anos de idade e comprometida por metástase óssea que a deixava totalmente transtornada não apenas pela dor como pela condição de imobilismo Depois de vários atendimentos e devido ao seu definhamento progressivo MCC praticamente não se expressava verbalmente Assim o atendimento era totalmente direcionado para outra forma de expressão Durante esse período tão logo a cumprimentava junto ao seu leito colocava minha mão direita sobre a sua mão esquerda gesto que fazia com que MCC respondesse imediatamente colocando sua mão direita sobre a minha E assim ficávamos algum tempo suas mãos alcochoando minha mão direita e o olhar transmitindo todo o desespero de quem tentava de todas as maneiras continuar vivendo ou ainda libertarse daquela situação de sofrimento Em nosso último encontro estava novamente com a minha mão direita entre suas mãos quando percebi um brilho em seu olhar até então desconhecido Olhei fixamente para esse olhar tentando decifrar o significado daquele estranho brilho E assim passaramse alguns segundos instante eterno dalma Em seguida coloquei a minha mão esquerda junto daquelas mãos E então constatei MCC havia morrido naquela fração de segundos A minha mão esquerda constatou que a vibração energética das outras mãos se misturavam com o ardor da morte Aquele brilho estranho em seu olhar era o brilho da morte MMC morreu segurando minha mão tentando agarrarse à vida Mostrou no brilho do olhar as luzes do morrer Tentou em vão suplicar por mais alguns instantes de vida Morreu e seu olhar transmitiu toda a imensidão do momento A relação com o paciente terminal tem que ser entendida e abordada de forma própria além das implicações inerentes ao fato do atendimento ser realizado ao lado do leito junto à cama mortuária do paciente ou seja no lugar onde o paciente se vê definhando onde sofre a intensidade da dor causada pela doença Temos ainda outras variáveis que incidem sobre o paciente como o cuidado medicamentoso a dor progressiva que aniquila toda e qualquer resistência orgânica bem como as implicações emocionais do definhamento corpóreo E a relação deve ainda ser entendida como sendo específica à realidade na qual se encontra inserida não podendo ser transportada para outros parâmetros que não aqueles que determinam essa forma de atuação A vivência com o paciente terminal exige do terapeuta que esse tenha muito claro e de forma assumida determinados questionamentos e valores em relação à morte e ao ato de morrer o que não significa dizer que esse profissional tenha de ser totalmente insensível à morte Esse tipo de exigência guardadas as devidas proporções seria como exigir que um ginecologista não mais tenha sensibilidade frente à genitália feminina ou então exigir que a existência humana em contato direto com a morte não chore um choro profundo e doloroso frente a coisas que se vão e deixam de existir na forma e na essência humana O existir humano é único 110 PSICOLOGIA HOSPITALAR e finito e como tal deve ser vivenciado e sentido A dimensão do infinito e do irreal tornamse muitas vezes inatingível frente aos aspectos absurdamente reais trazidos pelo sofrimento do definhamento corpóreo Por outro lado naqueles casos onde o paciente manifesta o desejo de morrer iremos encontrar nuances tão específicos onde o expressionismo se mistura às contradições inerentes ao processo em si É muito difícil em termos gerais a aceitação da idéia de que muitas vezes se necessita morrer da mesma forma que em outros momentos necessitamos dormir repousar Nesse caso o profissional se aflige com a idéia de não poder competir com a corrida invencível do tempo tendo como fracasso tangível a impossibilidade de cura do paciente pois de uma forma geral possui o sentimento de não estar fazendo efetivar os princípios da medicina que envolvem a preservação da vida Como ilustração cito o caso de FAL 16 anos de idade e também acometido de metástase óssea Os nossos encontros iniciais se deram quando F AL ainda estava hospitalizado em São Paulo E após várias tentativas de tratamento incluindose desde cirurgias previamente marcadas e posteriormente desmarcadas devido à especificidade do caso até tratamento medicamentoso e radioterápico era possível perceber que FAL não tinha mais disposição para continuar resistindo às intempéries da doença Ele negligenciava com todas as alternativas de tratamento que dependiam de sua colaboração Mostravase exau rido de tanto sofrimento fosse pela doença em si fosse ainda pela dor que o consumia E apesar de todos os esforços da equipe de saúde em demovêlo dessa atitude os resultados eram praticamente nulos O seu definhamento era perceptível e aumentava com a mesma intensidade que a dor que o dominava Sua maior reinvindicação passou a ser voltar para Mariana sua cidade e ali permanecer junto de sua família Queria descanso trégua de todo aquele aparato tecnológico que apenas traziam desconforto e que efetivamente não aliviam a dor e o sofrimento que experenciava A equipe de saúde como um todo mostravase indignada diante do depoimento de FAL praticamente considerada em uníssono como sendo absurda Aquele depoimento representava o total desprezo pelos avanços da medicina e uma total entrega ao descanso da morte A sua tenra idade deixava a todos muito mais perplexos como se a aceitação da morte fosse pertinente aos mais velhos Muitas reuniões e discussão de caso entre a equipe apenas demonstrava com uma clareza cada vez mais nítida que FAL recusavase a continuar cercado de todo aquele aparato sem ter no entanto a proximidade da família FAL recusavase a continuar aquele colorário de sofrimentos e mostravase indignado diante da recusa da equipe de saúde em aceitar o seu desejo Os nossos contatos estreitaramse e serviam cada vez com mais intensidade para que ele mostrasse o qu anto desej ava obter o direito de morrer junto de seus familiares naquele pedacinho de canto do interior de Minas Gerais PSICOLOGIA HOSPITALAR 111 sic Era difícil para ele aceitar qualquer contraponto que não fosse a sua transferência para junto da família Argumentava inclusive sobre as dificuldades da mãe em visitálo tanto pela distância em si como pelo custo financeiro de tais viagens F AL tocava violão antes da hospitalização e esse detalhamento fez com que o nosso relacionamento se estreitasse ainda mais devido também a minha intensa ligação com a música Vários de nossos encontros foram permeados apenas e tãosomente pela música Ele a contar o quanto queria ter estudado música de maneira mais profunda e eu a contar dos tempos em que minha atividade principal era de musicista envolvido em concertos e recitais Estabelecemos um vínculo muito forte onde além da compreensão de seu desejo de morrer tínhamos também a música como ponto de união e afinidade A equipe de saúde depois de muitas discussões finalmente resolveu liberar FAL para que ele voltasse para junto de seus familiares em Mariana Foram tomadas todas as providências desde ambulâncias para locomoção até detalhamento dos cuidados para que a prescrição medicamentosa fosse seguida para que FAL pudesse então voltar para o seu canto cercado de cuidados mínimos necessários para sua nova fase de vida Após essa decisão era impressionante o sentimento de fracasso estampado na face de todos os membros da equipe de saúde Em cada narrativa em cada gesto em cada explicação enfim em qualquer detalhadamento onde o caso era exposto o primeiro que se evidenciava era a sensação de fracasso pela deliberação de FAL No último encontro que tivemos em São Paulo FAL chorou muito ao relatar a alegria de poder voltar para o seu canto Nessa ocasião coloquei para ele que em algumas semanas estaria em Ouro Preto cidade próxima à dele para realizar um trabalho junto com um grupo de colegas de Belo Horizonte Coloquei ainda que na terceira noite de minha estada naquela cidade estaria realizando um recital de música para o grupo além de alguns convidados FAL entusiasmouse de imediato e perguntou se ele também poderia assistir a esse recital Diante da minha anuência ele ficou muito feliz e exultante chamandome a atenção o cuidado que teve para situarse espacialmente em relação ao lugar onde faríamos o nosso retiro profissional E embora fosse um lugar de difícil acesso situado nas cercanias de Ouro Preto foilhe fácil o entendimento tanto pelo interesse demonstrado como pelo conhecimento que tinha da região Despedimonos e a sensação primeira que me invadiu era que aquele encontro talvez fosse a última vez em que nos víamos A dor da despedida estrangulava no peito esquecendo todas as circunstâncias que determinavam o seu afastamento Na seqiiência fui para Ouro Preto como estava previsto E na noite do recital noite fria com o luar envolvendo a cidade de forma magistral enquanto conversava com alguns amigos nos minutos que precediam o início da música fui avisado que havia um grupo de pessoas querendo me dirigir a palavra Quando fui ao encontro 112 PSICOLOGIA HOSPITALAR desse grupo depareime com F AL e seus familiares Uma cena emocionante os familiares providenciaram uma cadeira de rodas para transportálo pois em que pese a distância das duas cidades ser pequena o seu estado de saúde inspirava bastante cuidado Mas lá estava ele envolvido num cobertor de lã xadrez como que a mostrar que apesar de todas as dificuldades lá estava ele ansioso para me ver e me ouvir Não houve como conter as lágrimas era muito prazeroso vêlo novamente Em seguida ele se acomodou na sala onde se realizou o recital e ali permaneceu até o fim ora aplaudindo ora sorrindo ora compenetrandose na profunda introspecção da música Terminada a audição F AL agradeceu de modo comovente pela alegria e paz sic E pediume para que fosse visitálo em sua casa antes de retornar para São Paulo E assim ocorreu e na tarde do dia seguinte estávamos novamente juntos agora em sua casa E ele pediu então para que eu tocasse uma peça que havia gostado muito Incontáveis vezes repeti aquela peça E num dado momento ele colocou que aquela música era maravilhosa repousante ideal como acalanto para dormir e até mesmo morrer em paz sie Era dilacerante ouvir aquele depoimento de busca de alívio na morte sensação que tornavase ainda mais cáustica diante da constatação que o depoente embora adolescente na idade ainda mantinha no coração a pureza e a inocência de uma criança Era mais uma vez a presença da dificuldade de aceitação do alívio da morte era a constatação de que aceitálo no desejo de morrer era algo inconcebível mesmo para pessoas que teoricamente até aceitavam tal posicionamento Mas ele era bastante determinado e ressaltava após cada execução que aquela música era acalanto para se morrer em paz No início da noite voltei para Ouro Preto depois de uma comovente despedida E após o jantar fiquei isolado do grupo de colegas que divertiase muito a festejar a última noite que estaríamos reunidos naquele espaço Suas algazarras e alegrias demonstravam que naquele momento nada mais queriam da vida que não uma felicidade igual à sua vida Eu no entanto estava isolado sentado na varanda E naquela noite fria olhava para o céu estrelado com o luar estampando a delicadeza da Natureza em esplendor Naquela noite não consegui dormir com tranqüilidade Uma turbulência interior muito grande prejudicoume o sono A imagem daF AL era presença constante no meu imaginário No início da manhã com os primeiros raios de Sol colorindo a madrugada fui para Belo Horizonte onde apanharia o avião que me traria para São Paulo No aeroporto uma força imperiosa me fez ligar para obter notícias de F AL E o familiar que me atendeu ao telefone aos prantos narrou que naquela noite ele dormiu como fazia habitualmente mas havia amanhecido morto Havia morrido em paz talvez ainda sob o som daquela sua melodia Custo a crer que esse caso sej a real Tenho a sensação de que se trata de uma criação da minha alma num momento de psicotização com a própria realidade A mim me parece muitas vezes impossível ter vivido esse enredo de fatos e acontecimentos O que me traz ainda um pouco para a realidade é poder executar essa peça musical e lembrar de FAL definindoa como acalanto para se morrer em paz PSICOLOGIA HOSPITALAR 113 O sentimento de abandono que experimentamos quando morre um paciente que atendemos é desolador E somado ao fato de estarmos alquebrados com a dor da perda em si temos ainda uma família que aguarda ansiosa por alguma forma de conforto e amparo E a sensação que muitas vezes me invade é a de que o paciente após a morte é quem passa a cuidar de nós com as coisas deixadas e ensinadas durante o período de convivência O contato com o paciente terminal questiona de maneira profunda e crucial muitos valores de essência humana Tudo passa a ser questionado por outra ótica e muitas coisas tidas como verdadeiras e absolutas passam a ser consideradas sem a menor importância sendo que outros fenômenos tidos como muito pouco significativos tornamse verdadeiramente significativos ocupando de forma globalizante o sentido existencial de tal forma que transformamse na essência e no sentido da própria vida O mais significativo nessa vivência é a constatação de que o paciente terminal nos ensina uma nova forma de vida uma nova maneira de encarar as vicissitudes que permeiam a existência uma forma de vivência mais autêntica onde os valores decididamente sejam preservados em detrimento de aspectos meramente aparentes que na maioria das vezes permeiam as relações interpessoais A vida ganha novo significado ao se perceber a amplitude da importância da cada segundo de cada encontro do Sol rompendo a neblina numa manhã de Outono da florada do IpêRoxo e da Suinã no Inverno da emoção do amor contida num beijo e num afagar de mãos E como se tivéssemos que conviver estreitamente com a morte para ressignificar a própria vida para ressignificar cada detalhe da existência A morte tornase um processo vital determinante de um encontro com a plenitude com a transcedência do amor e do transbordar da paixão de simplesmente viver Simplesmente sorrir diante do encantamento sorrir diante do belo De simplesmente chorar quando a emoção assim o determinar chorar diante da dor ou ainda diante de situações de alegria De simplesmente saber que a vida é uma emoção contínua e que transborda prazer de forma intermitente E necessário um novo sentimento de ardor para se sorver o deleite de paz propiciada por essa nova maneira de apreensão da realidade Por essa nova maneira de vivência onde o sorriso de uma criança será mais importante que o amealhar de fortunas Onde uma noite de tranquilidade estreitandose nos braços um corpo querido e amado irá ter significado incalculável e imensurável onde a doçura de uma noite de Verão seja a concretitude da existência E onde o brilho de um doce e meigo olhar seja a razão de toda a eternidade Bibliografia ANGERAMI VA Existencialismo Psicoterapia São Paulo Traço Editora 1984 ANGERAMI VA org PsicologiaHospitalar A Atuação do Psicólogo no Contexto Hospitalar São Paulo Traço Editora 1984 114 PSICOLOGIA HOSPITALAR ANGERAMI VA A Psicologia no Hospital São Paulo Traço Editora 1988 KUBLERROSS E Morte Estágio Final da Evolução Rio de Janeiro Editora Record 1975 RIBEIRO HP O Hospital História e Crise São Paulo Editora Cortez 1993 TORRES CW Guedes GW e Torres CR A Psicologia e a Morte Rio de Janeiro Editora da Fundação Getúlio Vargas 1983 PIONEIRA THOMSON LEARNING Outras Obras Sobre o Tema O DOENTE A PSICOLOGIA E O HOSPITAL VALDEMAR A ANGERAMICAMON ORG HELOÍSA B DE CARVALHO CHIATTONE EDELA A NICOLETTI Esta é uma obra indispensável a todos que direta ou indiretamente trabalham na área da saúde Abordando trabalhos desenvolvidos em hospi tais da cidade de São Paulo os autores descrevem suas atividades levando assim a uma reflexão pormenorizada sobre a ocorrência de algumas patolo gias e suas implicações emocionais Os temas apresentados AIDS Cân cer Violência Contra a Mulher e a Criança Alcoolismo c Urgência em Prontosocorro são acrescidos de uma retomada das seqüelas emocionais A ÉTICA NA SAÚDE VALDEMAR A ANGERAMICAMON ORG Textos de Ana Maria L C de Fcijoo Viviane R Soldati Nelson Cruz dos Santos Mareia M B Bartilotti Wilson Luiz Sanvito Leo Pessini ITe loisa B de C Chiattone e Ricardo W Sebastiani Tratar do tema Ética é sempre uma missão tão importante quanto polêmica Importante por ser componente fundamental de uma sociedade organizada que tenciona buscar e aprimorar o comportamento humano aperfeiçoando o relacionamento entre as pessoas criando parâmetros de conduta Polêmica por estar ancorada no juízo pessoal em códigos de con duta própria ou mesmo em códigos impressos mas onde por muitas vezes dependem de interpre tações pessoais Esta dividido em 9 capítulos com diversas abordagens sobre o tema O diagnóstico de uma doença traz consigo a mudança da condição de sadio para a condição de doente Nessa situação o paciente passa a lidar com o risco eminente de adoecer sofrer e morrer Isto faz com qrte ele viva constantemente ameaçado por essa situação que representa um ataque não somente ao seu corpo mas também ao seu psiquismo O aspecto da somatização está analisado de modo ímpar nesse livro e certamente será de grande valia aos médicos psicólogos enfermeiros assistentes sociais e de mais profissionais professores e estudantes na área de saúde PSICOSSOMÁTICA E A PSICOLOGIA DA DOR VALDEMAR A ANGERAMICAMON ORG URGÊNCIAS PSICOLÓGICAS NO HOSPITAL VALDEMAR A ANGERAMICAMON ORGANIZADOR A psicologia diante do idoso hospitalizado o sentido psicológico da dor a psicologia no setor da neonatologia e o atendimento psicológico na realidade do prontosocorro são alguns dos temas que o livro aborda de maneira precisa e arrojada Obra indispensável a todos os que desejam man terse atualizados sobre o que existe de mais avançado no campo da psicolo gia na realidade da saúde E A PSICOLOGIA ENTROU NO HOSPITAL VALDEMAR A ANGERAMICAMON ORG HELOÍSA B DE CARVALHO CHIATTONE RICARDO W SEBASTIANI MARIA LÚCIA H FONGARO CLÁUDIAT DOS SANTOS Tratase de um livro que mostra o trabalho do psicólogo no hospital buscando a humanização do paciente e a compreensão dos aspectos emoci onais presentes no processo de adoecer E uma das mais brilhantes descrições de como a psicologia se inseriu no contexto hospitalar Com esta obra a Pioneira se lança na vanguarda das temáticas contemporâneas apresentando uma das mais notáveis performances da psicologia SUICÍDIO FRAGMENTOS DE PSICOTERAPIA EXISTENCIAL VALDEMAR A ANGERAMICAMON A discussão envolvendo a temática do suicídio é das mais importantes na realidade contemporânea Alguns teóricos afirmam que o suicídio é uma epidemia contagiosa que se alastra no seio da sociedade quando divulgado mas este tema não pode ser confinado a tais asserções com o risco de se incorrer em erro Em termos estritamente filosóficos o suicídio é um ato que questiona a existência de modo drástico e definitivo Não atinge apenas a vítima mas seus familiares e amigos íntimos A violência e o suicídio são fatores interligados de uma mesma manifestação o desespero humano E no momento em que as pessoas estão sendo atiradas às raias do desespero pelas mais variadas razões a contribuição desse livro é fundamental para os estudiosos da temática A obra é dividida em duas partes A primeira aborda o fenômeno do suicídio a partir de três grande áreas clínica teórica e filosófica A segunda parte apresenta alguns casos clínicos propor cionando reflexão sobre o tema O livro é destinado a estudantes e profissionais das áreas de psicologia medicina filoso fia enfermagem e a todos que de alguma maneira se interessam pelo enredo do suicídio na condição humana Visitenos na internet wwwthomsonlearningcombr e saiba mais sobre nossas publicações IMPRESIÓN E ACABAMENTO ISBN 8522101868 visitenos na internet wwwthomsonlearningcombr email promothomsonlearningcombr Prezado a Leitora Para que possamos mantêlo informado sobre as novidades do mercado editorial e de nossos títulos solicitamos o preenchimento dos campos abaixo remetendo o cupom para Pioneira Thomson Learning Rua Traipu 114 3 andar Perdizes CEP 01235000 São Paulo SP ou pelo fax 11 36659901 00288650000066 Psicologia hospitalar 150 P969 Valdemar Augusto Angerami Camon org Fernanda Alves Rodrigues Trucharte Rosa Berger Knijnik Ricardo Werner Sebastiani O Psicólogo no Hospital Atendimento Psicológico no Centro de Terapia Intensiva Estudos Psicológicos do Puerpério Pacientes Terminais são as temáticas aqui abordadas por competentes profissionais da área ver pág 4 fruto de ricas experiências vividas A Psicologia Hospitalar tem como objetivo principal a minimização do sofrimento causado pela hospitalização e as sequelas e ocorrências emocionais dessa hospitalização pois é notória a evidência cada vez maior de que muitas patologias têm seu quadro clínico agravado a partir de complicações emocionais do paciente daí a importância da atuação do psicólogo no hospital Visite nossos sites wwwthomsonlearningcombr wwwthomsonlearningcom ISBN 8522101868
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Psicologia Hospitalar Teoria e Prática Valdemar Augusto Angerami Camon org Fernanda Alves Rodrigues Trucharte Rosa Berger Knijnik Ricardo Werner Sebastiani Digitalizado por Daniel Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Trucharte Fernanda Alves Rodrigues Psicologia hospitalar teoria e prática Fernanda Alves Rodrigues Trucharte Rosa Berger Knijnik Ricardo Werner Sebastiani Valdemar i Augusto AngeramiCamon organizador São Paulo Pioneira Thomson Learning 2003 6 reimpr 1 ed de 1994 Bibliografia ISBN 8522101868 1 Doentes Psicologia 2 Hospitais Aspectos psicológicos 3 Pacientes hospitalizados Psicologia I Knijnik Rosa Berger II Sebastiani Ricardo Werner III AngeramiCamon Valdemar Augusto IV Título V Série 015786 CDD36211019 índices para catálogo sistemático 1 Hospitais Psicologia 36211019 Para Matilde Neder paixão sonho e esperança nas alamedas da vida vida regato límpido de Psicologia Hospitalar Os Autores VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI CAMON Coordenador do Departamento de Psicologia Hospitalar do Instituto Sedes Sapintiae e do Centro de Psicoterapia Existencial Exassessor do Serviço de Atendimento dos Casos de Urgência e Suicídio da Secretaria de Saúde de São Paulo FERNANDA ALVES RODRIGUES TRUCHARTE Psicóloga Clínica Especialização em Psicologia Hospitalar pelo Instituto Sedes Sapientiae ROSA BERGER KNIJNIK Psicóloga Clínica Psicopedagoga Especialização em Psicologia Hospitalar pelo Instituto Sedes Sapienttiae RICARDO WERNER SEBASTIANI Excoordenador do Serviço do Psicologia Hospitalar do Hospital e Maternidade Panamericano Coordenador do Nêmeton Centro de Estudos e Pesquisas em Psicologia e Saúde Professor Universitário Psicologia Hospitalar TEORIA E PRÁTICA Psicologia Hospitalar TEORIA E PRÁTICA VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI CAMON ORGANIZADOR FERNANDA ALVES RODRIGUES TRUCHARTE ROSA BERGER KNIJNIK RICARDO WERNER SEBASTIANI Austrália Brasil Canadá Cingapura Espanha Estados Unidos México Reino Unido Capa Jairo Porfirio Copyright 1994 de Pioneira Thomson Learning Ltda uma divisão da Thomson Learning Inc Thomson Learning é uma marca registrada aqui utilizada sob licença Impresso no Brasil Printed in Brazil 1 2 3 4 05 04 03 Rua Traipu 114 3o andar Perdizes CEP 01235000 São Paulo SP Tel 11 36659900 Fax 11 36659901 sacthomsonlearningcombr wwwthomsonlearningcombr Todos os direitos reservados Nenhuma parte deste livro poderá ser reproduzida sejam quais forem os meios empregados sem a permissão por escrito da Editora Aos infratores aplicamse as sanções previstas nos artigos 102 104 106 e 107 da Lei n 9610 de 19 de fevereiro de 1998 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIP Câmara Brasileira do Livro SP Brasil Trucharte Fernanda Alves Rodrigues Psicologia hospitalar teoria e prática Fernanda Alves Rodrigues Trucharte Rosa Beger Knijnik Ricardo Werner Sebastiani Valdemar Augusto AngeramiCamon organizador São Paulo Pioneira Thomson Learning 2003 6 reimpr da 1 ed de 1994 Bibliografia ISBN 8522101868 1 Doentes Psicologia 2 Hospitais Aspectos psicológicos 3 Pacientes hospitalizados Psicologia I Knijnik Rosa Berger II Sebastiani Ricardo Werner III AngeramiCamon Valdemar Augusto IV Título V Série 015786 CDD36211019 índices para catálogo sistemático 1 Hospitais Psicologia 36211019 Caminho os corredores são sombrios frios sem vida sem cor sem calor os corredores são longos estreitados com a dor são longos mas não o suficiente para acolher a todos os pacientes os gemidos são ensurdecedores amedrontadores como o silvo da serpente são gemidos de desespero de dor de sofrimento E o uivo dos umbrais Lá de fora ecoam sirenes de ambulâncias de viaturas policiais sirenes de desespero sirenes de esperança sirenes apressadas angustiadas Lá de fora brotam cores de harmonia de luz de amor cores trazidas pelas da esperança nesse momento de dor A saúde também agoniza junto com o paciente exaurida as necessidades do paciente não podem ser supridas faltam condições mínimas de atendimento de ungiiento faltam médicos profissionais burocráticos enfermeiros falta tudo e na falta de todos padece o doente A doença no Brasil é vexatória a doença tornase constrangedora predatória a doença faz do paciente uma vítima vítima da falta de condições do sistema de saúde Observo vejo a saúde padecendo juntamente com um amontoado enorme de doentes assisto a saúde enraizandose como um privilégio de poucos vejo a luz da esperança carreada apenas pelas cores da utopia a saúde não existe existe apenas uma maneira paliativa de assistência para alguns poucos doentes em seu desatino O lixo hospitalar misturase aos escombros da dignidade humana Saúde é dejeto que não pode ser reciclável Saúde é bem precioso apenas nas empresas hospitalares Quando proporcionam lucros Grandes lucros A mercantilização da saúde exclui aqueles que já foram anteriormente excluídos Exclui aqueles que já perderam a dignidade por um nada no mundo Lamento observo o ritual lento e aterrorizante de todos os envolvidos na saúde um ritual macabro feito de desalento e que piora a cada momento E observo a tentativa tênue de transformação dessa realidade por um punhado de idealizadores Espectadores dessa vergonha intitulada sistema de saúde vergonha nacional tida como prioritária em qualquer planejamento social A realidade a triste realidade é o escarro da podridão social na dor do doente A vergonhosa situação dessa realidade é a constatação odienta de que não existe nenhum sistema de saúde no Brasil Acordes de um Réquiem VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI CAMON Índice Apresentação 13 1 O Psicólogo no Hospital Valdemar Augusto Angerami Camon 15 Introdução 15 A Despersonalização do Paciente 16 Psicoterapia e Psicologia Hospitalar 18 O Setting Terapêutico 19 A Realidade Institucional 21 A Psicologia Hospitalar Objetivos e Parâmetros 23 Considerações Finais 28 2 Atendimento Psicológico no Centro de Terapia Intensiva Ricardo Wemer Sebastiani 29 Introdução 29 Desmistificando o CTI 30 Objetivos Gerais do Acompanhamento Psicológico no CTI 32 O Paciente Cirúrgico 33 12 PSICOLOGIA HOSPITALAR Fatores Pessoais Decorrentes da Intervenção Cirúrgica como Possíveis Geradores de Complicações na Evolução do PósOperatório 35 Atendimento ao Paciente em PósOperatório Imediato 36 Reação à Cirurgia Letargia e Apatia 38 Agressividade nos Pacientes Cirúrgicos 40 Depressões no Paciente PósCirúrgico 42 Depressões no Hospital Geral 44 Reações de Perda no Paciente PósCirúrgico 47 Atendimento Psicológico ao Paciente Não Cirúrgico 49 Fatores Ambientais como Causadores ou Agravantes do Quadro PsicoOrgânico do Paciente 48 Fatores Orgânicos como Reflexos Decorrentes do Período de Internação 50 O Paciente Ansioso 52 O Paciente Agressivo 54 O Paciente com Agressividade Latente 56 Pacientes Suicidas no CTI 57 O Paciente com Alterações do Pensamento e Senso Percepção Considerações Gerais 60 Distúrbios Psicopatológicos e de Comportamento no CTI 63 O Paciente em Coma no CTI 67 Referências Bibliográficas 70 3 Estudos Psicológicos do Puerpépio Fernanda Alves Rodrigues Trucharte e Rosa Berger Knijnik 73 Introdução 73 Objetivos 74 Metodologia 74 Fundamentação Teórica 74 Casos Ilustrativos 81 Bibliografia 98 4 Pacientes Terminais Um Breve Esboço Valdemar Augusto Angerami Camon 99 Introdução 99 Alguns Dados Relacionados com a Vivência junto ao Paciente Terminal 107 Bibliografia 114 Apresentação Dez anos nos separam da nossa primeira publicação em forma de livro Dez anos da primeira publicação de Psicologia Hospitalar As cãs dos nossos cabelos estão a mostrar que apesar de todas as dificuldades encontradas ao longo dessa jornada muito foi conquistado muito foi alcançado A Psicologia Hospitalar nesse período deixou de ser um sonho uma aventura de um punhado de pessoas que acreditavam numa performance profissional ao mesmo tempo em que sonhava com outra concretitude algo muito além do próprio sonho Talvez ainda sejamos sonhadores Mas em número muito maior Os sonhos sonhados de então tornaramse realidade ou simples abstrações que o indelével não consegue tocar Sempre é prazeroso saber que fazemos parte dos processos de transformação social e o simples fato de estarmos em busca de um novo amanhã na Psicologia Hospitalar é alento de novas buscas e esforços A E praticamente impossível arrolar o número de quilômetros percorridos na divulgação da Psicologia Hospitalar Um semnúmero de horas de espera em saguões de aeroportos em antesalas de conferência e em noites e pernoites distantes do próprio canto Quantos amigos fizemos ao longo desses percursos é outra questão que jamais poderemos detalhar O quanto aprendemos com todos esses amigos é nuance que nunca poderemos atingir E até mesmo o enriquecimento da nossa própria vida a partir dessas experiências é privilégio que nem todas as elegias e cânticos de agradecimentos poderão retribuir Tantos acontecimentos tão signi 14 PSICOLOGIA HOSPITALAR ficativos ficaram na memória que a simples idéia de tentar descrevêlos é tarefa inconcebível Uma década é uma vida Vida vivida em intenso frenesi de emoção e paixão De tantas coisas faladas efetuadas e apreendidas no farfalhar das nossas trajetórias Assumir que o verdadeiro aprendizado foi aquele realizado junto ao paciente em seu leito hospitalar é talvez a nossa maior conquista Não estamos desprezando o aprendizado acadêmico nem tampouco as tantas horas de reflexão e leitura apenas queremos enfatizar que se existe algo para ser propagado é o fato de que aprendemos apreendendo a angústia a dor e tantas outras coisas e sentimentos de nossos pacientes Esse paciente que nos ensina sobre a força de enfrentamento da dor e do desespero da morte que nos ensina a tolerar as próprias vicissitudes da vida que nos ensina uma nova forma de entender o significado da existência que nos ensina sobre a suavidade da doce fragrância existente em cada momento em cada encontro Não houve em momento algum a pretensão de sermos pioneiros precursores apenas sempre fomos sonhadores que idealizaram uma prática alternativa E assim esperamos continuar Aprendendo e crescendo sem nunca esquecer das nossas reais limitações VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI CAMON 1 0 Psicólogo no Hospital VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI CAMON Introdução A intenção desse trabalho é levantar alguns pontos de reflexão sobre o significado da Psicologia no Hospital e a atuação do psicólogo nesse contexto A evidência que me ocorre inicialmente é que apesar dos inúmeros trabalhos e artigos que hoje norteiam a prática do psicólogo no hospital ainda assim é notório o fato que apenas tartamudeamos as primeiras palavras nesse contexto A própria dinâmica da existência parece encontrar no contexto hospitalar um novo parâmetro de sua ocorrência dandolhe uma dimensão onde questões que envolvem a doença a morte e a própria perspectiva existencial apresentam um enfeixamento inerentemente peculiar A Psicologia ao ser inserida no hospital reviu seus próprios postulados adquirindo conceitos e questionamentos que fizeram dela um novo escoramento na busca da compreensão da existência humana Assim por exemplo não mais é possível pensarse num curso de graduação de psicologia onde questões como morte saúde pública hospitalização e outras temáticas que em princípio eram pertinentes apenas à Psicologia Hospitalar não tenham prioridade ou então não sejam exigidas como necessárias para a formação do psicólogo O atual quadro da 16 PSICOLOGIA HOSPITALAR formação do psicólogo difere do que colocamos num texto anterior1 de 1984 quando afirmamos que a atuação do psicólogo no contexto hospitalar ao menos no Brasil é uma das temáticas mais revestidas de polêmicas quando se evocam discussões sobre o papel da Psicologia na realidade institucional A formação acadêmica do psicólogo é falha em relação aos subsídios teóricos que possam embasálo na prática institucional Essa formação acadêmica sedimentada em outros modelos de atuação não provê com o instrumental teórico necessário para uma atuação nessa realidade E praticamente prevendo uma mudança nesse quadro o mesmo texto coloca que apenas recentemente a prática institucional mereceu preocupação dos responsáveis pelos programas acadêmicos em Psicologia1 2 É dentro dessa nossa perspectiva que se abre ao psicólogo no contexto hospitalar que iremos tecer nossas reflexões na busca de um melhor dimensionamento dessa prática É dentro da fé inquebrantável que o psicólogo adquire cada vez com mais nitidez um espaço no hospital a partir de sua compreensão da condição humana Iremos caminhar por trilhas e caminhos que nos conduzirão a novos horizontes profissionais A Despersonalização do Paciente O paciente ao ser hospitalizado sofre um processo de total despersonalização Deixa de ter o seu próprio nome e passa a ser um número de leito ou então alguém portador de uma determinada patologia O estigma de doente paciente até mesmo no sentido de sua própria passividade frente aos novos fatos e perspectivas existenciais irá fazer com que exista a necessidade premente de uma total reformulação até mesmo de seus valores e conceitos de homem mundo e relação interpessoal em suas formas conhecidas Deixa de ter significado próprio para significar a partir de diagnósticos realizados sobre sua patologia Berscheid e Walster3 colocam que fundamentalmente quando dizemos que sabemos qual a atitude de uma pessoa queremos dizer que temos alguns dados a partir cio comportamento passado da pessoa que nos permitem predizer seu comportamento em determinadas situações4 Tal afirmação utilizada para embasar muitos princípios teóricos em psicologia perde sua força e autenticidade ao ser confrontada com o comportamento de uma determinada pessoa numa situação de hospitalização Embora sem querer negar que o passado de uma determinada pessoa irá influir não 1 Angerami VA Psicologia Hospitalar A Atuação do Psicólogo no Contexto Hospitalar São Paulo Traço Editora 1984 2 klein Ibidem 3 Berscheid E e Walster EH Atração Interpessoal São Paulo Editora Blucher 1973 4 Ibid Op Cit PSICOLOGIA HOSPITALAR 17 apenas em sua conduta como até mesmo em sua recuperação física ainda assim não cometemos erro ao afirmarmos que a situação de hospitalização será algo único enquanto vivência não havendo a possibilidade de previsão anterior à sua própria ocorrência Goffman5 coloca que o estigma é um sinal um signo utilizado pela sociedade para discriminar os indivíduos portadores de determinadas características E pelo simples fato de se tornar hospitalizado faz com que a pessoa adquira os signos que irão enquadrálo numa nova performance existencial e até mesmo seus vínculos interpessoais passarão a existir a partir desse novo signo Seu espaço vital não é mais algo que dependa de seu processo de escolha Seus hábitos anteriores terão de se transformar frente à realidade da hospitalização e da doença Se essa doença for algo que o envolva apenas temporariamente haverá a possibilidade de uma nova reestruturação existencial quando do restabelecimento orgânico fato que ao contrário das doenças crônicas implica necessariamente numa total reestruturação vital Sebastiani6 7 8 coloca que a pessoa deixa de ser o José ou Ana etc e passa a ser o 21 A ou o politraumatizado de leito 4 ou ainda a fratura de bacia de 6oandar1 E tentando aprofundar ainda mais tais colocações afirma que essa característica que felizmente notamos em grande parte das rotinas hospitalares tem contribuído muito para ausentar a pessoa de seu processo de tratamento exarcebando o papel de paciente A despersonalização do paciente deriva ainda da fragmentação ocorrida a partir dos diagnósticos cada vez mais específicos que além de abordarem a pessoa em sua amplitude existencial fazem com que apenas um determinado sintoma exista naquela vida ainda que circunstancialmente assistamos cada vez mais o surgimento de novas especialidades que reduzem todo o espaço vital de uma determinada pessoa a um mero determinismo das implicações de certos diagnósticos que trazem em seu bojo além de signos estigmas e preconceitos toda uma carga de abordagem e confrontos teóricopráticos que fazem da pessoa portadora de determinadas patologias alguém que além da própria patologia irá necessitar de cuidados complementares para livrarse de tais estigmas e signos A especialização clínica na maioria das vezes ao aprofundar e segmentar o diagnóstico deixa de levar em conta até mesmo as implicações dessa patologia em outros órgãos e membros desse doente que embora possam não apresentar sinais evidentes de deterioração e comprometimento orgânico estarão sujeitos a um semnúmero de alterações A situação de hospitalização passa a ser determinante de muitas situações que irão ser consideradas invasivas e abusivas na medida em que não se respeita os 5 Goffman e Estigma Rio de Janeiro Zahar Editores 1978 6 Sebastiani WR Atendimento Psicológico e Ortopedia in Psicologia Hospitalar A Atuação do Psicólogo no Contexto Hospitalar Angerami VA org São Paulo Traço Editora 1984 7 Ibicl Op Cit 8 Ibid Op Cit 18 PSICOLOGIA HOSPITALAR limites e imposições dessa pessoa hospitalizada E embora estej a vivendo um total processo de despersonalização ainda assim determinadas práticas são consideradas ainda mais agressivas pela maneira como são conduzidas dentro do âmbito hospitalar Assim será visto como sendo algo invasivo a enfermeira que vem acordála para aplicar injeção ou a atendente que interrompe uma determinada atividade para servirlhe as refeições Tudo passa a ser invasivo Tudo passa a ser algo abusivo diante de sua necessidade de aceitação desse processo E até mesmo a presença do psicólogo que se não se efetivar cercada de alguns cuidados e respeito à própria deliberação do doente implica em ser mais um dos estímulos aversivos e invasivos existentes no contexto hospitalar E ao invés de propiciar alívio ao momento da hospitalização estará contribuindo também para o aumento de vetores que tornam o processo de hospitalização algo extremamente penoso e difícil de ser vivido O hospital o processo de hospitalização e o tratamento inerente que visa ao restabelecimento salvo aqueles casos de doenças crônicas e degenerativas não fazem parte dos projetos existenciais da maioria das pessoas Nesse sentido toda e qualquer invasão no espaço vital é algo aversivo que além do caráter abusivo apresenta ainda componentes de dor e desalento E até mesmo evidencia que muitos processos de hospitalização têm o reequilíbrio orgânico prejudicado devido ao processo de despersonalização do doente que ao sentir sua desqualificação existencial pode concomitamente muitas vezes abandonar seu processo interior de cura orgânica e até mesmo emocional Ao trabalhar no sentido de estancar os processos de despersonalização no âmbito hospitalar o psicólogo estará ajudando na humanização do hospital pois seguramente esse processo é um dos maiores aniquiladores da dignidade existencial da pessoa hospitalizada Um trabalho de reflexão que envolva toda a equipe de saúde é uma das necessidades mais prementes para fazer com que o hospital perca seu caráter meramente curativo para transformarse numa instituição que trabalhe não apenas com a reabilitação orgânica mas também com o restabelecimento da dignidade humana Psicoterapia e Psicologia Hospitalar A Psicologia Hospitalar assim como a Psicoterapia têm seu instrumental teórico de atuação calcado na área clínica9 E apesar dessa convergência haverá 9 Existem muitos profissionais da área que defendem que a Psicologia Hospitalar mesmo tendo como referencial os princípios da área clínica seja considerada uma nova ramificação da Psicologia Assim além da clássica divisão em Clínica Educacional e Organizacional haveria também uma quarta ramificação a Psicologia Hospitalar E embora seja uma questão que envolva bastante celeuma quando de seu aprofundamento evidenciase também a necessidade de uma nova ótica sobre a Psicologia Hospitalar seja pelo seu crescimento seja ainda pela sua diversidade teórica PSICOLOGIA HOSPITALAR 19 pontos de divergência que mostram os limites de atuação do psicólogo no contexto hospitalar bem como questões que tornam totalmente inadequada a intenção de muitos profissionais da área de tentarem definir a atuação no contexto hospitalar como sendo prática psicoterápica ainda que realizada no contexto institucional Em seguida descrevemos alguns desses pontos Objetivos da Psicoterapia A Psicoterapia independentemente de sua orientação teórica tem como seus principais objetivos levar o paciente ao autoconhecimento ao autocrescimento e à cura de determmaâos sintomas O enfeixamento desses objetivos ou ainda algum deles isoladamente desde que leve esse paciente a um processo pleno de libertação existencial é por assim dizer o ideal que norteia o processo psicoterápico APsicoterapia ainda tem como característica principal o fato de ser um processo onde a procura e a determinação de seu início se dá através de uma mobilização do paciente Assim um paciente ao ser encaminhado para um processo psicoterápico muitas vezes demora um período de tempo bastante longo entre esse encaminhamento e a procura propriamente dita desse processo Chessick10 coloca que a psicoterapia falha quando não existe uma afinidade precisa entre aquilo que busca o paciente em sua psicoterapia e aquilo que o psicoterapeuta tem condições de oferecerlhe E até mesmo a falta de definições precisas dos objetivos do processo poderá determinar implicações que seguramente irão emperrar o processo além de arrastálo ao longo de um período de tempo de maneira indevida Ao decidir pela psicoterapia o paciente já realizou um processo inicial e introspectivo da necessidade desse tratamento e suas implicações em sua vida Isso tudo evidentemente além da inserção de suas necessidades aos objetivos da psicoterapia O Setting Terapêutico Ao procurar pela psicoterapia o paciente será então enquadrado dentro do chamado setting terapêutico Assim as normas e diretrizes do processo serão colocadas de maneira bastante claras e precisas pelo psicoterapeuta formalizandose assim as nuances sobre as quais se norteará esse processo Detalhes como horário de duração de cada sessão eventuais reposições de sessões prazo de aviso para eventuais faltas etc são esboçados e o processo se desenvolve então em perfeita 10 Chessick DR Why Psychotherapists Fail New York Science House 1971 20 PSICOLOGIA HOSPITALAR consonância com esses preceitos E até mesmo alguma eventual resistência inicial do paciente em procurar pela psicoterapia bem com outras implicações serão resolvidas num processo cujo contrato é estabelecido em acordo com as duas partes envolvidas E embora seja notório o número de casos encaminhados à psicoterapia e que por alguma forma de resistência demoram muito para procurar por tal processo ainda assim é conveniente estabelecer que pelo fato do paciente estar totalmente fragilizado e necessitando desse tipo de tratamento a busca por tal processo se dará única e tãosomente quando esse paciente rompe com determinadas amarras emocionais E ainda que surjam outras dificuldades e resistências ao longo do processo a resistência inicial ao tratamento é transporta pelo simples fato do paciente procurar pela psicoterapia A psicoterapia ainda tem uma outra característica bastante peculiar de ser um processo onde o psicoterapeuta tem no paciente alguém que caminha sob sua responsabilidade mas que de uma forma simples tem nesse vínculo seu objetivo em si Assim um psicoterapeuta não precisará prestar conta de seu paciente a nenhuma entidade salvo naturalmente aqueles casos onde o atendimento é vinculado a algum processo de supervisão O processo em si é conduzido pelo psicoterapeuta com anuência do paciente e no caso de algum impedimento a relação se resolve apenas e tãosomente pelas partes envolvidas nesse processo O setting terapêutico impõe ainda uma privacidade ao relacionamento que torna toda e qualquer interferência externa ao processo plausível de ser analisada e enquadrada nos parâmetros desse relacionamento Chessick11 coloca que o psicoterapeuta descende diretamente do confessor religioso ou então do médico de família aquele profissional que além de cuidar dos males do organismo escutava as angústias e dificuldades do paciente O psicoterapeuta em sua linhagem apresenta também resquícios do curandeiro das antigas formações tribais encarregados de trazer bemestar e alívio aos membros dessa comunidade A proteção sentida pelo paciente nos limites do setting terapêutico mostra ainda que essa origem não é apenas perpetuada como apresenta requinte de evolução no resguardo dos aspectos envolvidos nesse processo E até mesmo um quê de samaritanismo presente no processo psicoterápico é também resíduo dessas marcas que o psicoterapeuta traz de sua origem e desenvolvimento A emoção presente na atividade psicoterápica é outro fator que faz com que nenhuma outra forma de relacionamento possa ser comparada com sua performance E nesse sentido temos também a colocação de muitos especialistas de que a psicoterapia é o sustentáculo do homem contemporâneo dentre outras tantas formas buscadas para alívio e crescimento emocional Ainda no chamado setting terapêutico vamos encontrar a peculiaridade de que a maioria dos processos jamais tem suas sessões interrompidas seja por soli 11 11 Ibid Op Cit PSICOLOGIA HOSPITALAR 21 citações externas seja ainda por outras variáveis decorrentes muitas vezes do próprio processo em si Assim é praticamente impossível por ex que um psicoterapeuta interrompa uma sessão estancando o choro de angústia do paciente para simplesmente atender uma ligação telefônica Ou ainda que uma sessão seja igualmente interrompida para que o psicoterapeuta possa recepcionar algum amigo que eventualmente vá visitálo O setting terapêutico assim resguarda a sessão para que todo o material catalizado naqueles momentos seja apreendido e elaborado de maneira plena e absoluta Tais características fazem inclusive com que seja muito difícil avaliarse um processo psicoterápico que não seja fundamentado nesses moldes A Realidade Institucional Uma das primeiras dificuldades surgidas quando se pensa na atividade do psicólogo na realidade hospitalar é sua inserção na realidade institucional Afirmamos num texto anterior12 que a formação do psicólogo é falha em relação aos subsídios teóricos que possam embasálo na prática institucional Essa formação acadêmica sedimentada em outros modelos de atuação não o provê com o instrumental teórico necessário para uma atuação nessa realidade Tornase então abismático o hiato que separa o esboço teórico de sua formação profissional e sua atuação prática Apenas recentemente a prática institucional mereceu preocupação dos responsáveis pelos programas acadêmicos em Psicologia13 E ainda que hoje em dia seja notório o número de cursos de graduação em Psicologia que têm dedicado grande espaço para o contexto institucional em seus programas de formação estamos distantes daquilo que seria o ideal em termos de sedimentação teóricoprática E na medida que o hospital surge como sendo uma realidade institucional com características bastante peculiares embora reproduzindo as condições de outras realidades institucionais apresenta sinais que evidenciam tratarse de amplitude sequer imaginável numa análise que não tenha um real comprometimento com sua verdadeira dimensão14 Também é inegável que apartir do surgimento das reflexões realizadas principalmente pelos profissionais da Argen 12 Psicologia Hospitalar A Atuação do Psicólogo no Contexto Hospitalar Op Cit 13 Ibid Op Cit 14 Escrevemos um trabalho intitulado Elementos Institucionais Básicos para a Implantação do Serviço de Psicologia no Hospital in A Psicologia no Hospital Traço Editora São Paulo 1988 E surpreenden temente percebermos a partir de sua adoção vários cursos e seminários realizados sobre realidade institucional não apenas a precariedade de publicações a respeito como principalmente a maneira como esse trabalho passou a ser como que um verdadeiro paradigma a tantos que procuravam pela implantação de um Serviço de Psicologia no Hospital Geral In A Psicologia no Hospital São Paulo Traço Editora 1988 22 PSICOLOGIA HOSPITALAR tina sobre a realidade institucional esse aspecto ganhou uma corporeidade bastante precisa e importante na esfera contemporânea da Psicologia Assim o termo análise institucional deixou de ser uma mera citação abstrata de alguns textos para tornarse realidade ao menos de discussão teórica para um semnúmero de acadêmicos que a partir de então passaram a interessarse pela temática E apesar do psicólogo ainda estar iniciando uma prática institucional nos parâmetros da eficácia e respeito às condições institucionais que delimitam sua situação nesse contexto a busca de determinantes nessa prática o levou de encontro a convergências bastante significativas na estruturação teórica dessas atividades15 Efato que a realidade hospitalar apresenta celeumas e condições que irão exigir do psicólogo algo além da discussão meramente teóricoacadêmica Valores éticos e ideológicos surgirão ao longo do caminho e irão exigir performances sequer imaginadas antes de sua ocorrência Como ilustração dessa afirmação cito o grande número de crianças que padecem nos hospitais de São Paulo de insuficiência hepática causada por inanição Depararse com crianças que padecem vitimadas pela fome em plena cidade de São Paulo é algo que nenhum acadêmico imagina depararse quando idealiza efetivamente uma atividade no hospital Ou então que dizer dos casos de crianças que são atacadas por ratazanas enquanto dormem numa evidência da precariedade e falta de condições mínimas de dignidades existencial e habitacional onde a falta de saneamento básico é tão abismante que conceituálo de absurdo nada mais é do que aproximarse da verdadeira realidade dessa população O psicólogo no contexto hospitalar deparase deforma aviltante com um dos direitos básicos que está sendo negado à maioria da população a saúde A saúde em princípio um direito de todos passou a ser um privilégio de poucos em detrimento de muitos A precariedade da saúde da população é sem dúvida alguma um agravante que irá provocar posicionamentos contraditórios e na quase totalidade das vezes irá exigir do psicólogo uma revisão de seus valores acadêmicos pessoais e até mesmo sóciopolíticos15 16 O contexto hospitalar dista de forma significativa daquela idealização feita nas lides acadêmicas Assistese nesse contexto à condição desumana que a população já bastante cansada de sofrer todas as formas possíveis de injustiças sociais tem de submeterse em busca do recebimento de um tratamento adequado Cenas ocorrem das mais lamentáveis situações a que um ser humano pode submeterse E o que é mais agravante tudo passa a ser considerado normal Os doentes são obrigados a aceitar como normal todas as formas de agressão com as quais se deparam em busca de saúde Tudo é tido como normal passa a ser normal seis horas numa fila de espera em busca do atendimento médico e muitas vezes após vários retornos à instituição hospitalar derivadas de encaminhamentos feitos pelos especialistas decorrentes de exames realizados especulativamente Também passa a ser normal o fato de serem 15 Psicologia Hospitalar A Atuação do Psicólogo no Contexto Hospitalar Op Cit 16 Ibid Op Cit PSICOLOGIA HOSPITALAR 23 atendidos um número imenso de pacientes num período de tempo absurdamente curto E tudo passa a ser normal E os profissionais que atuam na área de saúde assistem desolados e conformados a esse estado de coisas Tornamse praticamente utópicas outras formas de atendimento que não essas que impiedosamente são impostas à população O psicólogo está inserido nesse contexto da saúde de forma tão emaranhada quanto outros profissionais atuantes na área da saúde e muitas vezes sem uma real consciência dessa realidade E contradições inúmeras sucedem em todos os níveis no contexto hospitalar E se por um lado os hospitais apresentam essas enormes filas de pacientes que padecendo em corredores minguam por algum tipo precário de atendimento por outro iremos encontrar algumas instituições nesse mesmo contexto que apresentam a alta especialização resultante do enorme processo do conhecimento na área das ciências humanas Iremos encontrar nessa realidade profissionais altamente especializados Sempre muito bem informados das técnicas existentes estão constantemente aprimorandoas em cursos e congressos nos centros mais desenvolvidos da Europa e Estados Unidos E possível por exemplo a utilização do método Sahling de análise do metabolismo do feto bem como o acompanhamento eletrônico do eletro cardiograma fetal Os avanços na área da Obstetrícia permitem ainda a previsão do sexo do feto bem como uma possível má formação congênita No entanto em termos de realidade temos segundo relatórios sobre estudos realizados em várias regiões brasileiras dados alarmantes informando que 95 dos partos são realizados em casa e sem o menor acompanhamento prénatal E o número de pessoas que recebem algum tipo de assistência é quase nulo Esse contexto contraditório e incongruente recebe o psicólogo que tem sobre si outras contradições que o envolvem diretamente desde as lides de sua formação acadêmica E o psicólogo percebe no contexto hospitalar que os ensinamentos e leituras teóricas cie sua prática acadêmica não serão por maiores que sejam as horas de estudo e reflexão teórica sobre a temática suficientes para embascir sua atuação E aprende que terá de aprender apreendendo como os pacientes sua dor angústia e realidade E o paciente de modo peculiar ensina ao psicólogo sobre a doença e sobre como lidar como a própria dor diante do sofrimento17 A Psicologia Hospitalar Objetivos e Parâmetros A Psicologia Hospitalar tem como objetivo principal a minimização do sofrimento provocado pela hospitalização Se outros objetivos forem alcançados a 17 Ibidem Op Cit 24 PSICOLOGIA HOSPITALAR partir da atuação do psicólogo junto ao paciente hospitalizado inerente os objetivos da própria psicoterapia acima citados tratase de simples acréscimo ao processo em si O psicólogo precisa ter muito claro que sua atuação no contexto hospitalar não é psicoterápica dentro dos moldes do chamado setting terapêutico E como minimização do sofrimento provocado pela hospitalização também é necessário abrangerse não apenas a hospitalização em siem termos específicos da patologia que eventualmente tenha originado a hospitalizaçãomas principalmente as seqüelas e decorrências emocionais dessa hospitalização Tomemos como exemplo arbitrariamente uma criança de três anos de idade e que nunca tenha vivido longe do seio familiar Num dado momento simplesmente coloquemos essa criança numa escola maternal durante apenas um período do dia Essa criança em que pese a escola ser um ambiente em princípio agradável e repleto de outras crianças se desarvovará e entrará num processo de pânico e desestruturação emocional ao se perceber longe de proteção familiar E tantos casos ocorrem nesse enquadre que a maioria das escolas possui o chamado período de adaptação onde algum dos representantes desse núcleo familiar se faz presente na escola para acudir essa criança nos momentos agudos dessa dificuldade E isso tudo num ambiente agradável de escola onde muitas vezes a criança irá se deparar com estimulações e recreações sequer imagináveis sem seu universo simbólico O que dizerse então de uma criança que num determinado momento se vê hospitalizada18 sem apresença dos familiares e num ambiente na maioria das vezes hostil Certamente essa criança entrará num nível de sofrimento emocional e muitas vezes até físico em decorrência dessa hospitalização Sofrimento físico que transcende até mesmo a patologia inicial e que se originou no processo de hospitalização A minimização do sofrimento provocado pela hospitalização implicará num leque bastante amplo de opções de atuação onde todas essas variáveis deverão ser consideradas para que o atendimento seja coroado de êxito Uma mulher mastectomizada num outro exemplo terá no processo de extirpação do tumor na maioria das vezes a extração dos seios com todas as implicações que tal ato incide O processo de hospitalização deve ser entendido não apenas como um mero processo de institucionalização hospitalar mas e principalmente como um conjunto de fatos que decorrem desse processo e suas implicações na vida do paciente Não podemos assim num simples determinismo aceitar que o problema da mulher mastectomizada se inicia e se encerra com a hospitalização Evidentemente que muitos casos abordados pela psicólogo no hospital irão exigir após o processo de hospitalização encaminhamentos específicos para processos de psicoterapia tal a complexidade e o emaranhado de seqüelas e comprometimento emocional Em 18 Embora seja alentador o fato de que hoje muitos hospitais pediátricos adotem a presença da mãe ou de algum outro familiar durante o processo de hospitalização da criança ainda assim a grande maioria dos hospitais não apresenta sequer uma maior flexibilização até mesmo quanto ao horário de visitas PSICOLOGIA HOSPITALAR 25 bora muitas vezes sej a bastante tênue a separação que delimita tais aspectos ainda assim é muito importante o clareamento desse posicionamento para que o processo em si não se perca em mera e vã digressão teórica A Psicologia Hospitalar por outra parte contrariamente ao processo psicoterápico não possui setting terapêutico tão definido e tão preciso Nos casos de atendimentos realizados em enfermarias o atendimento do psicólogo muitas vezes é interrompido pelo pessoal de base do hospital seja para aplicação de injeções prescrição medicamentosa numa determinada faixa horária seja ainda para processo de limpeza e assepsia hospitalar O atendimento dessa forma terá que ser efetuado levandose em conta todas essas variáveis além de outros aspectos mais delicados que descrevemos a seguir Descrevemos no trecho inerente ao setting terapêutico a mobilização do paciente rumo ao processo psicoterápico a necessidade de uma reflexão e de uma posterior constatação da necessidade de se submeter a esse processo No hospital ao contrário do paciente que procurar pela Psicoterapia após romper eventuais barreiras emocionais a pessoa hospitalizada será abordada pelo psicólogo em seu próprio leito E em muitos casos com esse paciente sequer tendo claro qual o papel do psicólogo naquele momento de sua hospitalização e até mesmo de vida19 Dessa forma é muito importante que o psicólogo tenha bem claros os limites de sua atuação para não se tornar ele também mais um dos elementos abusivamente invasivos que agridem o processo de hospitalização e que permeiam largamente na instituição hospitalar Ainda que o paciente em seu processo de hospitalização esteja muito necessitado da intervenção e seguramente muitos dos pacientes encaminhados ao processo de psicoterapia também estejam necessitados de tratamento mas preservam a si o direito de rejeitarem tal encaminhamento a opção do paciente de receber ou não esse tipo de intervenção deve ser soberana e deliberar a prática do psicólogo Balizar a sua necessidade de intervir em determinado paciente a própria necessidade desse paciente em receber tal intervenção é delimitação imprescindível para que essa atuação caminhe dentro dos princípios que incidem no real respeito à condição humana De outra parte é também muito importante observarse o fato de que ao atuar numa instituição o psicólogo ao contrário da prática isolada de consultório tem que ter bastante claros os limites institucionais de sua atuação Na instituição o 19 Nesse sentido é muito importante que o psicólogo seja inserido na equipe de profissionais de saúde que atuem num determinado contexto hospitalar Tal inserção determinará que sua abordagem seja fruto de encaminhamento realizado através de outros profissionais junto a esse paciente com a anuência desse para que acima de qualquer outro preceito seu arbítrio de querer ou não essa abordarem seja respeitado Esse aspecto importante a ser observado pois determina muitas vezes até mesmo o êxito da abordagem do psicólogo Ainda que o paciente necessite de maneira premente da intervenção psicológica seu arbítrio deve ser considerado para que a condição humana seja respeitada em um de seus preceitos fundamentais 26 PSICOLOGIA HOSPITALAR atendimento deverá ser norteado a partir dos princípios institucionais20 Esse aspecto é por assim dizer um dos determinantes que mais contribuem para que muitos trabalhos não sejam coroados de êxito na instituição hospitalar Ribeiro21 coloca que o doente internado é em síntese o doente sobre o qual a ciência médica exacerba o seu positivismo e pode afirmar a transposição da linha demarcatória da normalidade Sua patologia reconhecida e classificada precisa ser tratada Ao contrário do paciente do consultório que mantém seu direito de opção em aceitar ou não o tratamento e desobedecer a prescrição o doente acamado perde tudo Sua vontade é aplacada seus desejos coibidos sua intimidade invadida seu trabalho o proscrito seu mundo de relações rompido Ele deixa de ser sujeito É apenas um objeto da prática médico hospitalar suspensa sua individualidade transformado em mais um caso a ser contabilizado22 Esse aspecto inerente a institucionalização do paciente enfeixa um dimen sionamento de abrangência de intervenção do psicólogo rumo à humanização do hospital em seus aspectos mais profundos e verdadeiros A Psicologia Hospitalar não pode igualmente perder o parâmetro do significado do adoecer em nossa sociedade eminentemente marcado pelo aspecto pragmático de produção mercantilista Ou nas palavras de Pitta23 onde o adoecer nesta sociedade é consequentemente deixar de produzir e portanto de ser é vergonhoso logo deve ser ocultado e excluído até porque dificulta que outros familiares e amigos também produzam O hospital perfaz este papel recuperando quando possível e devolvendo sempre com ou sem culpa o doente à sua situação anterior Se um acidente de percurso acontece administra o evento desmoralizador deixando que o mito da continuidade da produção transcorra silenciosa e discretamente 24 A intervenção do psicólogo nesse sentido não pode prescindir de tais questionamentos com o risco de tornarse algo desprovido da profundidade necessária para abraçar a verdadeira essência do sofrimento do paciente hospitalizado E a própria direção contemporânea de desospitalização do paciente tem no psicólogo um de seus grandes aliados na medida em que poderá depender desse profissional uma avaliação mais precisa sobre as condições emocionais desse paciente Não se pode no entanto perderse o parâmetro de que a psicologia deve se aliar a outras forças transformadoras para não se incorrer em meramente ilusionistas Ou nas palavras 20 No caso dc divergência dos princípios e preceitos da instituição onde o psicólogo desenvolve sua atuação poderá haver um trabalho de direcionamento de transformação desses princípios A transformação da realidade institucional muitas vezes pode ser determinante de uma reformulação rumo à própria humanização da instituição O que não pode ocorrer é diante da discordância negarse os princípios institucionais e tentar a efetivação de um trabalho sem se levar em conta tais especificidades 21 Ribeiro HP O Hospital História e Crise São Paulo Editora Cortês 1983 22 Ibicl Op Cit 23 Pitta A Hospital Dor e Morte como Ofício São Paulo Edit Hucitec 1990 24 Ibicl Op Cit PSICOLOGIA HOSPITALAR 27 de Ribeiro25 há no entanto vários fatores que favorecem adesospitalização além daqueles apontados séculos antes O intervencionismo e a onipotência da medicina são olhados com maiores reservas Cada vez mais é contestada por doentes familiares instituições seguradoras epelo Estado a abusiva utilização dos recursos tecnológicos hospitalares Novos conhecimetitos nas áreas da fisioterapia propedêutica e terapêutica vêm permitindo diagnósticos e tratamentos que tornam prescindível a intervenção ou a encurta A Psicologia Hospitalar não pode se colocar dentro do hospital como força isolada solitária sem contar com outros determinantes para atingir seu preceitos básicos A humanização do hospital necessariamente passa por transformações da instituição hospitalar como um todo e evidentemente pela própria transformação social O psicólogo assim não pode ser um profissional que despreze tais variáveis com o risco de tornarse alijado do processo de transformação social Ou ainda o que é pior ficar restrito a teorizações que isolam e atomizam o paciente de conceituações e conflitos sociais mais amplos O hospital assim como toda e qualquer instituição reproduz as contradições sociais e toda e qualquer intervenção institucional não pode prescindir de tais princípios O psicólogo revestese de um instrumental muito poderoso no processo de humanização do hospital na medida em que traz em seu bojo de atuação a condição de análise das relações interpessoais A própria contribuição da psicologia para clarear determinadas manifestações de somatização é igualmente decisiva para fazer com que seu lugar na equipe de saúde da instituição hospitalar esteja assegurado As somatizações cada vez mais são aceitas no bojo das intervenções médicas e a intervenção do psicólogo nesse sentido é determinante de uma nova performance na própria relação médicopaciente É notória também a evidência cada vez maior de que muitas patologias têm seu quadro clínico agravado a partir de complicações emocionais do paciente Intervir nesse ponteamento é outra performance que faz da psicologia uma força motriz até mesmo no diagnóstico e compreensão de patologia que a própria Medicina não tem uma explicação absoluta Assim não se pode negar por exemplo a importância das variáveis emocionais num quadro diagnosticado de câncer ou de alguma cardiopatia Como também é inegável a presença de determinantes emocionais quando abordadas patologias não diagnosticadas com precisão até mesmo pela falta de sintomas espe cíficos e variados Podemos incluir nesse rol aqueles casos onde o paciente queixa se ora de cefaléia ora de náuseas ora de comiseração estomacal etc Ou ainda daqueles casos onde o paciente apresentar diversos sintomas concom 2 5 28 PSICOLOGIA HOSPITALAR diversas patologias sem no entanto apresentarem tais patologias Os exames clínicos nesses casos não conseguem fazer um diagnóstico preciso e absoluto pois a própria alternância de sintomas do paciente é algo apenas diagnosticado quando se tenta compreender além dos sintomas a dor d alma que acomete tais pacientes Nesse sentido é interessante observarse que o avanço da medicina com todo o seu aparato tecnológico não consegue prescindir do psicólogo pela sua condição de escuta das manifestações dalma humana manifestação essa imperceptível à própria tecnologia moderna Considerações Finais Se é verdadeiro que o psicólogo conseguiu alçar vôos rumo a um projeto dignificamente de Psicologia Hospitalar é igualmente real que um longo caminho ainda resta a ser trilhado E trilhálo irá exigir do psicólogo uma performance cada vez mais ampla no sentido de abarcar as necessidades da hospitalização e dos profissionais igualmente envolvidos nas entranhas hospitalares A Psicologia Hospitalar é realidade que embora ainda necessite burilamento aperfeiçoamento e muitas buscas será certamente a mais rica das alternâncias da Psicologia Será ainda a mais criativa das manifestações clínicas dentro não só da realidade hospitalar como também das lides acadêmicas que ao assumiremna assumirão igualmente um compromisso com o próprio futuro de toda uma geração de profissionais Psicologia Hospitalar sonho tornado realidade a partir de necessidade de humanização do hospital 2 Atendimento Psicológico no Centro de Terapia Intensiva RICARDO WERNER SEBASTIANI Introdução O CTI traz como sério estereótipo vinculado à sua idéia a imagem de sofrimento e morte iminente Na verdade por ser uma unidade no hospital que se dedica ao atendimento de casos onde o cuidado intensivo e a gravidade dos problemas exigem serviços constantes e especializados esse tipo de imagem acaba tendo um bom cunho de realidade As características intrínsecas ao CTI como a rotina de trabalho mais acelerada o clima constante da apreensão as situações de morte iminente acabam por exacerbar o estado de stress e tensão que tanto o paciente quanto a equipe vivem nas vinte e quatro horas do dia Esse aspectos somados à dimensão individual do sofrimento da pessoa nela internada tais como a dor o medo a ansiedade o isolamento do mundo trazem sem dúvida vários e fortes fatores psicológicos que interatuam de maneira muitas vezes grave por sobre a manifestação orgânica da enfermidade que a pessoa possui Para tanto discorrerseá sobre os aspectos mais importantes desse momento da história do indivíduo começando por desmistificar o que se acredita ser um Centro de Terapia Intensiva 30 PSICOLOGIA HOSPITALAR Desmistificando o CTI O CTI é mais um dos frutos do extraordinário avanço que as ciências médicas e sua tecnologia atingiram no século XX Objetivado para um tratamento intensivo do enfermo veio se evidenciando como uma unidade indispensável para o tratamento de doentes graves Equipamentos sofisticados pessoal técnico qualificado atenção constante 24 horas diárias de medicações exames testes tensão rotina objetivando a um só fator a pessoa enferma Não obstante a essas conotações e a todo aparato científico e tecnológico observase um fato que se repete nas centenas de CTIs espalhadas pelo nosso País Existe na maioria das pessoas um estereótipo bastante arraigado associado ou colocado como sinônimo de CTI A MORTE IMINENTE O fator morte controvertida realidade de nossa existência dentro da cultura ocidental é por paradoxal que pareça vivido todo o tempo na rotina diária do CTI exigindo das pessoas que nele trabalham e que nele lutam pela vida um posicionamento muito duro frente a este muitas vezes obrigandoas a refugiarse num universo racionalista para agüentar a pressão emocional que isto tudo causa A história da Medicina traz situações que se repetem com o passar dos séculos sempre questionando o fator morte e a importância da atenção afetiva do terapeuta frente ao enfermo Asclépio médico da batalha de Tróia 2 citado por Homero e glorificado depois como Deus da Medicina preconizava em seus ensinamentos a importância de um boa acolhida ao enfermo interessandose por seu todo ambiente interesses família cultura motivações e sintomas eram condições básicas para sua recuperação Baseado neste código de respeito à pessoa humana levantase então a necessidade iminente de uma ampliação na abordagem frente à pessoa enferma quebrando a defesa racional e ao lado dela vivendo o conflito entre vida e morte Não se trata de uma entrega imediata ao sofrimento pois cairseia então no mesmo prisma extremista da racionalização mas sim de um estar com onde se pode como mediador acompanhar a vida e a morte lutando por aquela ou compreendendo nesta nossa limitação abandonando a onipotência que muitas vezes nos assola como um dom divino de senhor da existência Temse portanto como objetos da atenção do psicólogo no CTI uma tríade constituída de paciente sua família e a própria equipe de saúde todos eles envolvidos na mesma luta mas cada um compondo um dos ângulos desse processo O sofrimento físico e emocional do paciente precisa ser entendido como coisa única pois os dois aspectos que o constituem interferem um sobre o outro criando um ciclo vicioso do tipo a dor aumenta a tensão e o medo que por sua vez PSICOLOGIA HOSPITALAR 31 exarcebam a atenção do paciente à própria dor que aumentada gera mais tensão e medo e assim sucessivamente 9 Essa compreensão ajuda o psicólogo a fazer quebrar esse ciclo vicioso de forma a tentar resgatar junto com o paciente um caminho de saída para o sofrimento onde de um lado as manobras médicas medicamentos exames introdução de aparelhos intra e extracorpóreos vão se somar às do psicólogo que favorece a manifestação dos medos e fantasias do paciente estimula sua participação no tratamento ouve e pondera sobre questões que o aflijam angústia desesperança mudanças estruturais na sua relação com a vida expectativa da morte etc Todos esses esforços visam mais do que um fim puro e simples Visam um caminho de enfrentamento da dor do sofrimento e eventualmente da própria morte mais digno e o menos sofrido possível Nunca se pode esquecer que do lado de fora da CTI no corredor da sala de espera existe uma família igualmente angustiada e sofrida que se sente impotente para ajudar seu familiar que também se desorganizou com a doença e que também se assusta com o espectro da morte que muitas vezes ronda seus pensamentos Essas pessoas também precisam da atenção do psicólogo e constituemse também numa potente força afetiva que pode e deve ser envolvida no trabalho com o paciente pois são elas os representantes principais de seus vínculos com a vida e não raro uma das poucas fontes de motivação que este tem para enfrentar o sofrimento e a virtualidade da morte Sabese muito bem que o palco principal do tratamento no CTI acontece no plano biológico a infecção sendo combatida pelos antibióticos as falências dos sistemas sendo compensadas por máquinas e fármacos a vigilância do funcionamento do organismo feita por exames e testes laboratoriais às vezes esse processo todo nos faz esquecer que tudo isso tem um único objetivo preservar a vida E o que é essa vida senão esse intrincado sistema de emoções afetos vínculos motivações que sentimos através de nosso corpo e de nossa alma que acontece dentro de um ambiente que nos cria e criamos chamado família relacionamentos trabalho mundo enfim E portanto pela qualidade desta vida que se luta às vezes ganhando às vezes perdendo Nesse ponto a equipe de saúde que antes de mais nada é também composta de pessoas vivência no seu cotidiano esse significado de viver e do morrer O profissional de saúde não deixa de ser assolado por sentimentos ambivalentes de onipotência e impotência a própria finitude que é denunciada a cada momento as expectativas de todos família paciente colegas são jogadas sobre eles Para suportar isso muitas vezes se refugiam em suas defesas o racionalismo o não envolvimento a própria onipotência mas mesmo assim todos esses estímulos estão ali presentes no seu diaadia O psicólogo pode então atuar como facilitador do fluxo dessas emoções e reflexões detectar os focos de stress sinalizar quando suas defesas se exacerbaram tanto a ponto de alienaremse de si 32 PSICOLOGIA HOSPITALAR mesmos de seus próprios sentimentos favorecer a compreensão de sua onipotência que é falsa Esse trinômio merece atenção merece respeito o psicólogo o compõe sendo também agente e paciente de tudo que se mencionou acima sua presença pode ser inestimável nesse momento quase sempre cronicamente crítico e cabe também a ele estar atento não só ao outro mas a si mesmo para poder atuar sempre que puder como também saber respeitar seus limites Objetivos Gerais do Acompanhamento Psicológico no CTI O presente trabalho visa discutir os aspectos psicológicos de pacientes submetidos a cirurgias de grande porte pósoperatório imediato bem como discorrer sobre as reações emocionais de outro grupo de pacientes não cirúrgicos durante sua permanência no CTI Tendo isso como meta de trabalho buscarseá mostrar a intervenção psico lógicajunto ao enfermo que procura possibilitar uma diminuição eou amenização das intercorrências que poderão vir a complicar ou retardar a recuperação e a reabilitação do mesmo Para que se possa compreender com mais clareza o processo psicofísico do enfermo é de extrema importância que sejam abordados os grupos de fatores que intervém de forma direta ou indireta na evolução do quadro psicoorgânico do paciente como seguir se verá Observamos que a situação do paciente não tem somente o ângulo de vida e morte mas também o sentimento de abandono e dicotimização pois é regra comum na maior parte dos CTIs a proibição das visitas e regra em hospitais por um provável vício do cotidiano tratar as pessoas como sintomas órgãos ou numero o 202 A a esterose do leito 01 o neuro do 5o andar resultando na despersonalização o que evidencia a importância do trabalho do psicólogo ressaltando o tempo e o interesse humano como preponderantes para o auxílio na recuperação ampla da pessoa enferma Para tanto o trabalho do psicólogo hospitalar baseiase nos seguintes aspectos 1 Atender integralmente o paciente e a sua família considerandose os parâmetros de saúde da Organização Mundial de Saúde 3 a Total bemestar biopsicossocial do paciente b Atenção primária secundária terciária à saúde Logicamente uma pessoa internada no CTI não tem como principal necessidade a atenção primária mas preocupação com a profilática de uma orientação PSICOLOGIA HOSPITALAR 33 adequada antes da alta um preparo para que as limitações advindas da doença tanto físicas quanto psíquicas não tragam à pessoa sentimentos de inutilidade para si e para o mundo são muito importantes 2 Desenvolver as atividades dentro de uma visão interdisciplinar médico enfermeira assistente social fisioterapeuta biomédico nutricionista etc baseadas na integração dos serviçoso de saúde voltados para o paciente e sua família 3 Possibilitar a compreensão e o tratamento dos aspectos psicológicos psicogênicos nas diferentes situações tais como a quadros psicoreativos b síndromes psicológicas c distúrbios psicossomáticos d quadros conversivos e fantasias mórbidas e angústia de morte f ansiedade frente a internações doenças evolução alta O Paciente Cirúrgico A E realmente notável a qualidade das reações dos pacientes frente à cirurgia Nessa situação as pessoas tendem a mudar Elas se refazem refinam seu autocontrole deliberadamente limitam suas percepções e sentimentos negam o perigo aceitam com estoicismo o inevitável e conseguem até mesmo uma aparência de satisfação A considerável valia dessa mudança interna embora não seja universal é talvez maior do que se pensa Com sua ajuda o paciente não apenas se protege contra um medo e sofrimento avassaladores mas se entrega também a um papel mais passivo cooperativo e tratável Que ninguém se deixe enganar pela contenção emocional de um paciente cirúrgico Não importando o grau de imperturbabilidade de sua aparência subjacente a ela há um medo e um pavor terríveis O paciente submetido a procedimento cirúrgico apresenta aspectos psicológicos importantes principalmente com relação ao medo Tem medo da dor e da anestesia de ficar desfigurado ou incapacitado Tem medo de mostrar o medo e medo de mil e uma coisas Sobretudo tem medo de morrer E diferentemente de algumas outras coisas temidas pelas pessoas o medo da cirurgia tem pelo menos em parte uma base concreta Embora sempre a realidade sej a enriquecida pela imaginação o medo da cirurgia nunca é totalmente imaginário Extraído adaptado e complementado a partir de Bird B 1 Conversando com o Paciente 34 PSICOLOGIA HOSPITALAR O tipo de freio que os pacientes exercem sobre o seu medo faz muita diferença em relação ao seu bemestar Alguns o têm firme relativamente inquebrável e muito útil Outros o têm tão frágil que precisam de reforço em geral através de acompanhamento psicológico e eventualmente drogas Outros ainda dispõem de métodos especiais para controlar a ansiedade e nem todos são benéficos Um modo particular é aquele do paciente que tentando aliviar a ansiedade concentrada sobre a parte do corpo cirurgicamente afetada tomarse preocupado com outras partes de seu corpo ou cria problemas artificiais em outras regiões orgânicas Se este deslocamento de uma parte para outra parece não ser prejudicial não há necessidade de interferência Em alguns casos porém o bemestar do paciente é melhor preservado se a equipe ajuda o paciente a devolver a ansiedade ao seu lugar originário O fato de uma paciente em particular tentar deslocar a preocupação de um órgão afetado para outro normal depende normalmente do valor que atribui ao órgão afetado A cirurgia da face e das mãos pode causar grande ansiedade entre pacientes cujo talento depende da integridade dessas extremidades É óbvio que os órgãos vitais são mais cotados Em geral quanto mais valorizado for o órgão maior será a ansiedade do paciente face à cirurgia e portanto quando estes órgãos forem operados será muito provável que o paciente desloque sua ansiedade deste para outros órgãos saudáveis e menos importantes Tanto o paciente quanto o cirurgião devem ser providos de um representante pessoal o psicólogo cujas funções seriam de um lado representar o paciente que em seu estado mental e físico afetado não tem condições para representar a si mesmo e por outro lado o cirurgião que nem sempre consegue ser tão útil quanto gostaria no lidar com os medos e fantasias do paciente em relação ao que vai acontecer O representante seria alguém que nada faria ao paciente como cortar ou saturar caso contrário também ele se veria obrigado a esconder e reprimir seus sentimentos e angústias É o que se entende como privilégio do psicólogo no hospital na miedida em que ele não representa ameaça organicamente falando Essa ponte de ligação ou facilitação de vínculos tem grande importância sobretudo para o paciente pois ela é uma das possibilidades concretas de se desenvolver dois sentimentos imprescindíveis para o bom prognóstico emocional da relação do indivíduo com a cirurgia e o processo muitas vezes longo de pós operatório e reabilitação que são a confiança e a autorização Essa última nem sempre considerada como fator importante mas sabese que se não houver por parte do paciente uma autorização explícita e implícita para que se intervenha sob seu corpo e numa instância mais profunda em sua própria vida os riscos de intercorrências e problemas no transcurso de tratamento aumentam significativamente PSICOLOGIA HOSPITALAR 35 A questão da confiança e da autorização remetese a um dos aspectos mais importantes na relação entre a equipe de saúde e o paciente que podese denominar de entrega participativa ou seja ao mesmo tempo que confia na equipe e a autoriza a cuidar dele manipulálo mesmo num momento em que está inconsciente portanto sem nenhum controle age por outro lado mostrandose interessado pelo seu estado sua evolução e esforçase para ajudarse no tratamento e recuperação Essa aparentemente pequena preocupação que a equipe deve ter em relação à estruturação de seu vínculo com o paciente a despeito de colocações adversas como falta de tempo prioridades maiores etc não só otimiza as respostas ao tratamento tanto do ponto de vista psíquico quanto físico como também reduz o tempo de reabilitação e reintegração do paciente o que em última instância acaba por contradizer os próprios obstáculos que a equipe coloca para empenharse nesse vínculo Fatores Pessoais Decorrentes da Intervenção Cirúrgica como Possíveis Geradores de Complicações na Evolução do PósOperatório Esse grupo de fatores pessoais individuais pode ser dividido em dois momentos bem distintos onde cada um deles possui suas características próprias No primeiro momento considerase O PósOperatório Imediato onde o paciente pode apresentar dentre outras as seguintes reações a reação à cirurgia Letargia Apatia b agressividade c depressão reativa d reações de perda O segundo momento j á se considera o pósoperatório propriamente dito onde as manifestações e a sintomatologia são diversas a elaboração inadequada das limitações impostas pelo ato cirúrgico concreta imaginária 36 PSICOLOGIA HOSPITALAR b dificuldade de corresponder ao processo de reabilitação e reintegração sóciofamiliar a curto médio e longo prazos considerandose também os limites quanto às possibilidades do paciente Apesar desses fatores pessoais estarem ligados diretamente com o ato cirúrgico em si isso não elimina e nem desvaloriza a importância dos aspectos ambientais como intervenientes para a boa evolução e recuperação do paciente Complementando podese dizer que ambos os fatores se interligam e se interpõem um ao outro de forma que o trabalho a ser desenvolvido com esses pacientes é bastante complexo e delicado precisando os profissionais terem feeling bastante aguçado para detectar compreender e tentar resolver os fatores conflitantes do paciente Atendimento ao Paciente PósOperatório Imediato As cirurgias de grande porte principalmente impõem a necessidade de internação do paciente no CTI no pósoperatório imediato dado ao estado delicado em que este se encontra necessitando portanto de uma atenção exclusiva e maciça para que suas possibilidades de recuperação sejam maiores E importante frisar que algumas unidades hospitalares possuem CTIs destinadas somente a estes casos e em outras temos CTIs mistas que não recebem pacientes somente em pósoperatório como também em outros casos graves Sem dúvida a convivência com outros pacientes em estado grave interfere sobre o pós operado gerando questionamentos e fantasias sobre suas possibilidades de evolução seu sofrimento e mesmo sua morte Nos casos em que o CTI destina seu atendimento exclusivamente ao pós operado devese ter em mente que este é o momento onde o paciente vai estar mais delibitado e dependente De forma mais adequada o trabalho do psicólogo no acompanhamento destas pessoas deve ser iniciado no préoperatório onde é de senvolvida toda uma atenção a essas pessoas e suas famílias prestandose orientação em relação às expectativas da cirurgia ouvindose e discutindose os medos desmistificandose as fantasias e conversandose sobre a ansiedade e angústia juntamente com eles Se assim for o trabalho do psicólogo será uma continuação agora focado no período de recuperação e reabilitação gradativa do paciente que já vem sendo trabalhado desde a internação Esse período se inicia com a volta da pessoa a consciência dentro do CTI onde esta sai do sono anestésico atordoada e tomando ou não gradativamente PSICOLOGIA HOSPITALAR 37 consciência do seu estado e sobretudo de si mesma Não é um momento fácil para a pessoa pois além da alteração do estado de consciência ela começa a se perceber literalmente amarrada ao leito com toda uma parafernália de equipamento extra e intracorpóreos anexados a seu corpo cânulas de entubação eletrodos do ECG cateteres de soro e sondas drenos etc Neste momento observase muitas vezes a pessoa entrar em estado de agitação não raro tentando arrancar os aparelhos que a incomodam Notase que quando se faz orientação no préoperatório prestando se esclarecimentos quanto ao CTI e sua rotina está é desmistificada para a pessoa e mesmo em estado alterado de consciência a incidência desse comportamento é bem menor e com isso até mesmo os riscos orgânicos diminuem note bem exemplificando uma pessoa em agitação no pósoperatório de cirurgia cardíaca além de comprometer seu estado pela tentativa de livrarse da aparelhagem tentando por exemplo arrancar a cânula de entubação terá pelo estado de agitação um fator agravante à sua pressão arterial e às demais funções metabólicas que poderão ser afetadas por esse quadro Do ponto de vista psicológico esse momento tem importância ímpar Já se teve oportunidade de vivenciar o misto de alívio da pessoa no momento do pós operatório posto que a ansiedade maior que repousava no enfrentamento da cirurgia passou mas a vivência de todo o processo de recuperação muitas vezes mais doloroso que o préoperatório somado à queda de defesas que normalmente a pessoa desenvolve para suportar a ansiedade e apreensão pré e perioperatório acabam acarretando quadros psicoreativos altamente comprometedores ao seu restabelecimento Dentre eles destacase a depressão muito comum principalmente em cirurgias cardíacas outros quadros mais comuns derivados desta anorexia astenia apatia até outras respostas que vão desde agitação propriamente dita até quadros confusionais de origem psicoorgânica Cabe aqui ressaltar que em muitos momentos do pósoperatório imediato o paciente pode experimentar alterações psicológicas mais graves associadas a intercorrências na cirurgia ou deficiências secundárias que a partir da cirurgia desencadeada por toxemias e quadros psicóticos exógenos relacionados a déficits na oxigenação por exemplo após longo período de permanência em circulação extracorpórea são os mais comumente observados A atitude frente a esses quadros depende de intervenção múltipla De um lado o médico buscando eliminar as causas exógenas que provocaram o desencadeamento do surto por outro o psicólogo atuando junto ao paciente na reorganização das vivências e após a remissão do quadro acompanhado o redimensionamento da pessoa posto que a consciência de uma experiência de ruptura causa comprometimentos ao equilíbrio personal do indivíduo Sob esse aspecto discutirseá mais adiante No sentido mais amplo do trabalho do psicólogo acreditase ser fundamental ressaltar a importância da presença de um elemento mais voltado à atenção a pessoa 38 PSICOLOGIA HOSPITALAR que possa ouvir o outro lado de suas queixas e colocações sem precisar preocupar se com o tratamento clínico Tanto para o médico quanto para os demais membros da equipe a presença do psicólogo auxiliará a redução do stress desta e do paciente O fato da atitude do psicólogo frente à pessoa enferma estar descontaminada do cunho invasivo e agressivo que é visto pelo paciente nos demais membros do serviço é grande ponto a ser favor Vale frisar que a exigência técnica de condutas invasivas e agressivas interpretadas como é parte integrante do tratamento não sendo possível alterarse essas características Ao darse uma injeção ou trocarse um curativo ao introduzirse uma sonda a sensação de invasão denunciada pelo paciente está presente mas nestas condutas repousam a possibilidade de sua recuperação Sendo assim a posição do psicólogo é privilegiada como já se disse na relação com o paciente permitindo abrir um canal de contacto onde a participação deste será importante para o todo quanto a sua reabilitação No atendimento ao paciente pósoperado a atenção ao seu retorno ao cotidiano enquanto reabilitação e reintegração será também um dos pontos de trabalho psicológico Uma avaliação minuciosa de toda a equipe sobre as possibilidades e limitações que a pessoa irá ter em sua vida a curto médio e longo prazos precisará ser trazida a ela e a sua família de forma a evitar atitudes inadequadas de negação das limitações provocando a reincidiva ou agravamento da enfermidade ou por outra parte a exarcerbação do estado de limitação truncando potenciais de vida da pessoa que passa a ser tratada como um inválido absoluto quando muitas vezes possui amplas condições de reciclar sua vida de forma produtiva e criativa Ao psicólogo cabe portanto orientar sob este aspecto os familiares e o paciente procurando observar as essas expectativas e atitudes de ambos frente à evolução da pessoa desmistificação dos aspectos fantasmáticos elaborados a respeito da dinâmica Limite X Possibilidade Reação à Cirurgia Letargia e Apatia Alguns pacientes cirúrgicos em sua tentativa de controlar o medo crescente inibem a função mental de forma tão extremada que caem num estado letárgico ou apático Os casos pouco graves que são bem mais comuns parecem consistir em algo mais do que uma extrema amnésia acompanhada de um baixo nível de reatividade emocional e de uma falta geral de interesse Talvez o paciente apareça cansado e lânguido mas num exame mais atento revelarseá que quase não se move fala sorri ou mesmo se queixa Extraído adaptado e complementado a partir de Bird B 1 Conversando com o Paciente PSICOLOGIA HOSPITALAR 39 Quando o processo é mais profundo o paciente se torna definitivamente mais indolente mental e fisicamente Os movimentos e a conversa voluntários podem ser mínimos e as perguntas e pedidos precisam ser repetidos várias vezes O paciente tende a perder o interesse mesmo por coisas básicas tais como aparência conforto alimentação e diálogo Tudo que faz é permanecer deitado ou sentado como se estivesse dormindo ou desligado do que o cerca Mesmo uma apatia e letargia acentuadas como estas podem passar despercebidas Podem deverse ao fato da equipe preferir pensar que se trata de reações cirúrgicas à sua dificuldade no trato de perturbações emocionais e ao seu desejo de não observar evidências de ansiedade A causa aparente desta letargiaapatia pósoperatória é a emoção primária mas a agressividade o segue de perto Acossado pelo pânico o paciente numa manobra desesperada paralisa seus sentimentos Elimina de sua consciência não somente os perigos que o ameaçam de fora sobretudo os perigos cirúrgicos como também não se permite perceber sua vida inteira em particular suas lembranças dos perigos e injúrias do passado e suas imaginações alimentadas e insufladas por essas memórias Num certo sentido fechandose fazendo com que ele próprio desapareça transformandose em nada Quando o paciente volta ao normal mesmo quando seu normal é irritável impertinente difícil queixoso ansioso ou temeroso a mudança é sempre recebida com alívio por parte da equipe Sente que agora o paciente está se recuperando Esta crença pode ser mais que inocente Um paciente que matou suas emoções matou também suas esperanças e vontade de viver e um paciente sem vontade de viver representa um grande obstáculo a suas possibilidades de recuperação mesmo quando o prognóstico biológico é bom Um exemplo de uma acentuada reação apática à ansiedade intensa deuse numa mulher de meiaidade a qual sofrerá uma colostomia de emergência Nos quatro ou cinco dias posteriores à intervenção ela permaneceu inerte deitada de costas com os olhos fechados aparentemente dormindo A paciente não se queixava não exprimira desejos de qualquer espécie e em geral parecia uma mulher estupidificada insensível Como fora um caso de emergência e ninguém sabia como era antes da operação a equipe supôs que este era seu estado normal Vários dias depois quando chegou a época de aprender como cuidar de si mesma a paciente não conseguiu captar nada e esta dificuldade ao lado dos outros indícios de seu estupor levou a equipe a concluir que a paciente tinha características de retardo mental Esse estado lembra o estágio de obnubilação ou turvação gerado por comprometimento da consciência mas a atividade mental do paciente nesses casos está preservada 40 PSICOLOGIA HOSPITALAR Depois de uma semana porém para surpresa geral a paciente começou a manifestar Descobriuse então que sua apatia servira para inibir um estado agudo de terror Quando entrou no hospital numa crise de dor não esperava sair dali com vida Pensava que a anestesia era a morte e quando acordou e por muitos dias ainda acreditava que estava morta Curiosamente ao saber que passara por uma colostomia seu medo da morte não aumentou mas exerceu um efeito mental estimulante sobre ela Através das várias tentativas das enfermeiras de lhe mostrar como cuidarse a paciente vagarosamente começou a perceber que como lhe estavam ensinando o que fazer quando retornasse para sua casa elas realmente acreditavam que ela se curaria Este foi o primeiro sinal da esperança que se permitiu ver e daí para frente recuperouse com rapidez Algumas vezes este estado pode sugerir uma enfermidade cerebral uma possibilidade que sempre deve ser levada a sério em qualquer reação letárgica prolongada Uma outra dificuldade diagnostica pode se apresentar através das semelhanças entre letargia e depressão O paciente deprimido a menos que esteja em estupor profundo em geral fala de sua depressão admite que se sente triste estes são geralmente os casos de depressão reativa que serão discutidos mais adiante Os pacientes mais gravemente de deprimidos depressão maior ou patológica muitas vezes expressam sentimentos de culpa e de baixa estima e o fazem com se realmente tivessem cometido algum erro grave Portanto culpa fantasias mórbidas não raro idéias de autoaniquilação acompanham o paciente deprimido podendo essa sintomatologia ser acrescida de insônia anorexia e amorfismo afetivo nesse último caso sente pouca ou nenhuma emoção é um estado onde se observa atitudes de autoabandono e ensimesmamento E importante destacar nesses casos que essa pode ser uma das reações do paciente frente à morte que não deve ser confundida com o movimento de desapego da fase de depressão preparatória que antecede a aceitação da morte como destaca E K Ross 45 Ainda sobre esses aspectos temse outros que serão vistos mais à frente Agressividade nos Pacientes Cirúrgicos Para a equipe como para a maioria de nós a agressividade é uma emoção perturbadora talvez a mais perturbadora de todas as emoções Não conseguem entendêla nem considerála justificada consideramna uma acusação de coisa mal feita e como fizeram tudo que podiam pelo paciente não aceitam facilmente as expressões de agressividade Extraído adaptado e complementado a partir de Bird B 1 Conversando com o Paciente PSICOLOGIA HOSPITALAR 41 Os cirurgiões que vêem a agressividade deste modo muito pessoal acham difícil pensar como uma parte normal da vida Tornase agressivo quando injuriado atacado ou em perigo é natural e deve ser esperado Desse modo a agressividade do paciente em seguida a uma cirurgia à qual não se pode deixar de reagir como a um ataque também seria natural sem dúvida a cirurgia é um ataque benéfico No entanto para a vida emocional do paciente é violência ele se sente de fato em perigo é cortado há dor ele fica incapacitado e percebendose ou não se torna agressivo Além disso embora a cirurgia em si seja benéfica a causa de sua necessidade não o é Nesse sentido nenhum paciente está preparado para uma operação Com efeito o paciente é salvo de algo pior salvo talvez da morte mas de qualquer modo teria sido melhor se o problema nunca tivesse surgido Assim também sob este aspecto devido à desgraça provocada pelo destino podese esperar que o paciente cirúrgico se torne agressivo Alguns pacientes naturalmente têm razões mais explícitas para sua agressividade nem todas as operações têm êxito completo E mesmo os pacientes cuja intervenção seja um sucesso podem ligar sua agressividade ao que consideram como motivos reais Por exemplo um paciente pode sentir dor por um tempo maior do que ele próprio esperava sua cicatriz pode ser maior mais fria ou estar mais exposta do que pensara ou talvez a recuperação seja mais lenta do que o esperado Portanto não só fantasias mórbidas em relação à cirurgia mas também outras modalidades aparentemente positivas de fantasias podem gerar frustração e agressividade Mais prejudiciais são aquelas reações que interferem com o bemestar do paciente Por exemplo a agressividade do paciente pode manifestarse sob a forma de negativismo em relação aos cuidados pósoperatórios Passa então a resistir a tudo que é feito por ele recusase a fazer tudo que lhe dizem e insiste em fazer o que pensa ser o melhor Sempre que se suspeita de agressividade escondida como causa de perturbação no progresso ou cuidados do paciente devese conversar com este sobre a sua agressividade Devese encorajálo a expressar a sua agressividade ou então descobrila Quem quer que seja que fale com ele pode dizerlhe que a sua agressividade já era esperada e se o paciente se cala devese contarlhe algumas coisas que despertam a agressividade em outros pacientes usando a projeção como fator de manifestação e elaboração do sentimento agressivo Infelizmente sabese que muitas vezes esse sentimento pode ser desencadeado por fatores externos como por exemplo o adiamento da cirurgia a suspensão da alta tão desejada a ausência da visitas ou proibição destas etc São situações que sempre que possível devem ser evitadas pela equipe no entanto quando elas 42 PSICOLOGIA HOSPITALAR ocorrem é imprescindível que auxiliese o paciente a expor sua raiva e frustração de forma a eliminar o efeito extremamente nocivo que esse sentimento reprimido pode causar tanto na sua esfera emocional quanto física É importante salientar também o cuidado que a equipe deve ter em relação à postura frente ao paciente buscando não entrar num processo pessoal de envolvimento com a agressividade do paciente contratransferência fato esse não tão raro assim que muitas vezes acaba por gerar conflitos no vínculo entre equipepaciente ou até mesmo atitudes de evitação em relação ao paciente Libertar abertamente parte da agressividade pode ser de grande alívio e provocar uma melhora significante nos cuidados e tratamentos do paciente e até mesmo na rapidez de sua recuperação pósoperatória Depressão no Paciente PósCirúrgico A maior parte das depressões pósoperatórias é reativa que varia em grau de leve a grave tendo fatores principalmente ativos A agressividade da qual o paciente quase sempre é inconsciente está sempre presente e ativa nas depressões Um dos mecanismos que provoca a depressão é a identificação do paciente com a pessoa que é objeto de sua agressão neste caso o cirurgião ou outros da equipe de saúde Através da identificação transferiuse os sentimentos pelo cirurgião para sobre ele próprio Sua consciência se torna o atacante e ela o ataca Seguese daí a depressão Quanto mais secretamente ele deseja ferir a outra pessoa mais é reforçado pela sua consciência a ferir a si mesmo e mais cresce a depressão O objetivo principal no diálogo com estes pacientes é tratar desta depressão aguda Ao fazêlo é de maior utilidade descobrir com o que o paciente está furioso e ajudálo a redirigir e a mobilizar sua agressividade para o objeto real Outro fator significativo gerador da depressão reativa de pósoperatório está associado às vivências e conflitos experimentados pelo paciente no préoperatório Sabese atualmente que existe uma correlação íntima entre o grau de stress10 e ansiedade do paciente no préoperatório sendo esta uma das principais responsáveis pela incidência maior de depressão no pósoperatório principalmente nas 36 horas imediatas ao ato cirúrgico Quanto maior a ação desses fatores maiores as chances de presença e intensidade da depressão Luto sem Complicações DSM III R 6 PSICOLOGIA HOSPITALAR 43 Podese esquematizar o processo observandose o seguinte gráfico Medo Raiva Agressividade Fantasias Mórbidas Insegurança Intercorrências nos exames internação ou relação equipe paciente Adiantamento da cirurgia etc Conforme mencionouse anteriormente o estado anímico do paciente suscetível a todo o evento doençainternação indicações cirúrgicas mobilizase buscando defenderse ou esquivarse da situação de ameaça que pressente Quando essa mobilização é inadequada eou os fatores vividos pelo paciente geram ou acentuam o stress10 e a ansiedade o desgaste emocional tornase cada mais progressivo Todos seus mecanismos de defesa estão voltados para o enfrentamento do evento crítico que no caso é representado pela cirurgia Uma vez superada a crise há uma queda abrupta de toda essa energia mobilizada levando então o paciente a um estado depressivo reativo que como dissemos terá duração e intensidade determinadas exatamente pelo desgaste físico e emocional experimentado sobretudo no préoperatório Como se pode observar a atitude mais adequada da equipe é a de agir preven tivamente já no início do contato com o paciente se possível ainda no ambulatório ou consultório quando a indicação cirúrgica muitas vezes é uma das possibilidades intensificando esse trabalho na internação Fatores como confiança disponibilidade continência ao paciente para que exponha seus sentimentos orientação e desmistificação das fantasias são fundamentais Sabese no entanto que em vários casos essa conduta não é possível princi palmente nas cirurgias de urgência onde o tempo entre o diagnóstico ou evento que indica a cirurgia e esta é extremamente diminuto Nesses casos a atenção ao paciente na UTI deve ser redobrada e a avaliação de suas reações emocionais ao evento como um todo avaliada e sempre que possível possibilitar ao paciente espaço para explorálas e manifestálas E mister sublinhar que raramente o paciente quieto passivo visto como bonzinho está bem Inúmeras vezes por trás deste comportamento aparentemen 44 PSICOLOGIA HOSPITALAR te adequado temos quadros de apatia depressão ou mesmo de uma depressão mascarada que via de regra redundarão em complicações e dificuldades para o paciente e equipe no pósoperatório imediato tardio e em todo seu processo de reabilitação e reintegração sóciofamiliar e profissional Depressões no Hospital Geral As depressões têm sido alvo de estudos discussões e reclassificações ao longos dessas últimas décadas sendo em alguns casos alvo de polêmicas importantes no que tange ao diagnóstico diferencial e às estratégias terapêuticas para combatêla Ateremonos aqui a discutir o fenômeno depressivo quando ocorre em cir cunstâncias específicas de internação Hospitalar e as diversas situações que dela se deflagram Para tanto classificaremos as depressões em dois grandes grupos que deno minaremos de Depressão Patológica Depressão MaiorDSM IIIR e Depressão Reativa Luto sem Complicação DSM IIIR 6 No 1 grupo Depressão Maior destacamse como sinais e sintomas predo minantes O estreitamento das perspectivas existenciais até seu anulamento A ambivalência afetiva caracterizada sobretudo pela querelância e refratariedade Agitação psicomotora inquietação Perturbações do apetite Persistência dos sintomas por mais de duas semanas O amorfismo afetivo Isolamento Idéias autodestrutivas Insônia hipersonia Prostração apatia A não percepção dos motivos que geram o estado anímico com eleição de Bodes Expiatórios que se alteram rapidamente Culpa injustificada Já no 2 grupo Luto sem Complicação observamos situações mais atenuadas onde se destacam Entristecimento todavia com permanência de perspectivas existenciais Situação de perda luto claramente localizada no tempo e espaço histórico do indivíduo por ele percebida PSICOLOGIA HOSPITALAR 45 Empobrecimento de afeto mas sem perda de sua modulação qualitativa Sentimento de angústia ligada ao contexto de perda No Hospital Geral o 2 grupo aparece com uma freqüência bem mais alta que o 1 onde algumas circunstâncias específicas da situação de relação do indivíduo com a doença e internação se destacam Depressão de pósoperatório Depressão reativa de pósparto não confundir com depressão Puerperal Depressão frente a situações críticas de morte iminente EK Ross 45 Sintomas da Angústia de Morte Depressão frente à perda definitiva de objetos Amputação Diagnóstico de Doença Crônica Depressão por stress hospitalar ligada à fase de exaustão dentro do critério do SGA de Selye eou Hospitalismo Spitz 1026 Nesses casos a situação de perda e o processo de elaboração do luto são identificáveis no discurso do paciente como avaliação mais atenta por parte do terapêuta Nas depressões patológicas via de regra temse um histórico prémórbido ligado a outros episódios similares e ao longo da vida do indivíduo o grau de comprometimento afetivo e as idéias de autodestruição são bastante intensas a ausência de fatores circunstanciais claros normalmente está presente e mesmo quando temos fatores desencadeantes reativos como os vistos acima a inconstância do discurso do paciente denuncia que estes funcionaram apenas como deflagadores de um processo maior e não como seu causador A resistência às tentativas de aj uda é grande ao mesmo tempo que solicitam o tempo todo apoio Nas situações específicas de aparecimento de fenômeno depressivo quando da pessoa internada em Hospital Geral é de fundamental importância o diagnóstico diferencial por parte da equipe e as medidas terapêuticas cabíveis Sempre é importante salientar que as depressões alteram não só o estado anímico do paciente como também podem provocar alterações nas respostas imunológicas e obviamente em função da apatia e prostração a participação ativa do paciente em seu processo de recuperação quando é o caso comprometese sobremaneira Destacamos então alguns pontos importantes a serem considerados pela equipe no acompanhamento desses pacientes a A rapidez no Diagnóstico Diferencial descartar possibilidades orgânicas ou outros distúrbios psicóticos 46 PSICOLOGIA HOSPITALAR b Continência e presença junto ao paciente mesmo quando esse se mostra refratário à equipe c Avaliação conjunta dos aspectos emocionais e físicos que se sobrepõem d Nas depressões reativas acompanhamento e apoio psicoterápico intensivo de forma a auxiliar o indivíduo na elaboração de luto eou angústia de morte e Apoio e orientação às pessoas que têm representação afetiva significativa para o paciente de forma a que essas também atuem como agentes terapêuticos f Busca de focos motivacionais que persistam no paciente de forma a providenciálos quando possível e estimulálos g Nas depressões patológicas é imprescindível a solicitação de avaliação específica para introdução de medicação de apoio além de acompanhamento psicoterápico h Nesse casos principalmente orientação à equipe e vigilância maior sobre o paciente em função de aumento do risco de tentativa de suicídio i Nos casos onde a depressão está associada à situação de morte iminente com prognóstico reservado considerar sempre o movimento do paciente permitindo que ele determine o curso de sua elaboração sobre a morte OBS Cuidado com as antecipações com o Pacto do Silêncio ou ainda com as dificuldades que muitas vezes paciente família e equipe enfrentam para denunciar e discutir a situação de morte e morrer j Ainda nesse contexto as defesas por parte da equipe como evitação de contato com o paciente falsas informações que podem ser contraditadas distanciamento e frieza no contato devem ser detectados e discutidos entre os componentes Não podemos esquecer que a hospitalização traz em seu bojo situações claras de perda saúde e luto e que os quadros reativos são de freqüência bastante alta Importante ressaltar que as mobilizações geradas por situações graves de perda onde a elaboração do luto mostramse comprometidas podem desencadear um processo de depressão maior O fenômeno depressivo vivido pelo paciente internado no Hospital Geral se não considerado e acompanhado pode tornarse o divisor de águas entre a opção pela vida ou a entrega à morte Podese observar inúmeros casos onde embora o prognóstico do paciente fosse bom a depressão que se instalou funcionou como agravante seríssimo de seu estado biopsicológico derivando para agravamentos somáticos do quadro clínico eventualmente levando à morte E mesmo naqueles casos onde a morte é inexorável a elaboração da angústia de morte é que possibilita a estruturação do desapego como condição para aceitação de um morrer permeado por serenidade e aceitação ou caso contrário o autoabandono que inevitavelmente redunda em sofrimento desespero e dor PSICOLOGIA HOSPITALAR 47 Nossa função no acompanhamento dessas pessoas pressupõe continência solicitude perseverança e sobretudo um estado pessoal bem equacionado para que não caiamos nas piores formas de postura que são caracterizadas pelos dois extremos frieza e indiferença por um lado e desespero dor e sofrimento por outro Reações de Perda no Paciente PósCirúrgico Em geral pensase nas reações de perda em cirurgias mutilatórias quando principalmente parte do corpo importante grande ou desejável foi retirada por exemplo umbraço uma perna estômago olhos ou pulmão Talvez a resposta mais dramática desta espécie de vivência de perda seja o conhecido membro fantasma onde após a amputação o paciente continua tendo a sensação de possuir o membro perdido Não se sabe até que ponto esta resposta é devida à estimulação continuada de fibras nervosas cortadas mas parece que tem papel importante uma tentativa psicológica de não desprenderse da parte perdida Nesse ponto temse claramente denunciado que esquema corporal como evento neurosensorial destacase aí a existência da percepção sometésica do Homúnculo Sensitivo de Penfield e Rasmunsen 7 e AutoImagem como evento basicamente psicológico associamse e mesclamse de forma quase que indissociável A própria estruturação da consciência do EU se dá através das experiências corporais da criança associadas a interpretações das sensações e vivências pessoais Temse o que teoricamente é chamado de EU físico e EU psíquico integrandose e originando então a Consciência do EU 9 Nestes casos mais graves embora a equipe esteja quase certa ao perceber que seu paciente sofrerá um sentimento de perda ela talvez não tenha consciência do efeito grave que tais reações podem ter sobre a recuperação imediata ou sobre uma adaptação eventual à perda Talvez não perceba que levando o paciente a falar livremente sobre seus sentimentos muito pode ser feito para impedir um resultado desfavorável Nas operações menores com remoção de partes menos importantes e menores do corpo e sobretudo com a exérese de partes indesejáveis ou afetadas embora se verifique reações mais suaves também estas podem ter um efeito significativo sobre o convalescença O mais difícil de compreender é que mesmo durante a cirurgia quando absolutamente nada é retirado pode haver uma perda real uma perda a qual alguns Extraído adaptado e complementado a partir de Bird B 1 Conversando com o Paciente 48 PSICOLOGIA HOSPITALAR pacientes reagem desfavoravelmente O que sempre se perde em qualquer cirurgia é a integridade do corpo A pele é cortada e nunca mais é a mesma Parece ridículo que um paciente reaja a ato tão pequeno mas acontece Caracteristicamente as reações de perda são imprevisíveis Um paciente pode não ter um sentimento de perda em resposta a um procedimento maior em contrapartida sofrendo uma intervenção menor pode sofrer um sentimento de perda acentuado Essa inconsistência em geral pode ser creditada ao fato de que tais reações não se devem apenas à realidade do que se perde São altamente pessoais e dependem em larga escala do significado específico que o paciente atribui à parte afetada e à sua função Por exemplo um paciente cuja vida gire ao redor do prazer por sua habilidade física pode sentirse arrasado pela perda do movimento livre de um membro mesmo que este não seja removido Em tais pacientes a fixação rigidez ou disfunção do membro pode constituir a perda maior Em outras palavras mais importante que o ato cirúrgico a interpretação que o paciente dá a este é que determina suas reações e relação com o evento A cirurgia que implica os olhos ou os órgãos genitais quase sempre evoca reações de perda que podem ter pouca relação com prejuízo físico A cirurgia que afeta todas as partes visíveis do corpo face escalpo orelhas nariz quase sempre é seguida por reações pessoais exclusivas de perda Porém nunca é inteiramente seguro inferir quais operações provocarão tais reações sendo muito mais proveitoso tentar descobrir a avaliação que cada paciente atribui à perda que vai sofrer Não se pode deixar de ter em mente que como se disse o universo de símbolos valores e vivências pessoais do paciente é que vai influenciar em muito na sua interpretação e reação à perda No entanto principalmente na cultura ocidental sabese que existe uma correlação íntima entre o sentimento de perda e a relação do indivíduo com a morte esta representando a perda mais absoluta e irreversível que alguém pode ter e que é denunciada em todas as situações onde outros tipos de perdas acontecem na vida da pessoa No caso do paciente pósoperado em CTI é de supor que a questão da morte está intimamente presente em suas vivências sejam internas sejam ambientais exacerbando assim essa correlação Daí o agravamento do risco de processos dissociativos depressivos ligados a essa vivência As reações de perda pósoperatórias muitas vezes exercem um papel ativo em outras reações cirúrgicas em particular na depressão e no estado delirante Essa conexão é tão comum e importante que todos os paciente deprimidos e todos os pacientes com delírio devem ser suspeitos de estarem sofrendo sentimentos grandes de perda dos quais talvez não tenham consciência Como parte do trabalho do psicológico portanto é sempre bom ter em mente que a depressão ou o estado delirante podem ser pelo menos em parte uma tentativa do paciente de negar ou compensar os sentimentos de perda PSICOLOGIA HOSPITALAR 49 Atendimento Psicológico ao Paciente Não Cirúrgico Outras pessoas podem necessitar dos cuidados do CTI independente do processo cirúrgico As situações de politraumatismo as patologias orgânicas mais graves enfartos quadros pulmonares renais etc levam muitas vezes o indivíduo à internação nesta unidade abrindose a porta para um período de vivências pontuado pelo sofrer pela morte iminente pela angústia e pelo isolamento A convivência com a própria morte e a do outro é muito freqüente no CTI Temse podido observar que ao longo destes anos as vivências experimentadas pelas pessoas que passaram algum tempo nesta situação provocaram em muitas delas mudanças radicais no processo de existência não só pautada na condição de alteração orgânica mas sobretudo na intensidade da vivência de morte e morrer Para poderse cuidar destas pessoas é importante que à própria dimensão de morte e morrer do profissional de saúde particularmente o psicólogo bem como o do sofrer num sentido bastante amplo seja trabalhada dado aqui da terapia do terapêuta uma vez que a atitude do psicólogo sempre estará vulnerável ao sofrer pois suas defesas racionais usadas no cotidiano podem interferir em muito no processo de relação pessoa a pessoa exigido dentro do CTI Tratase pois da equação pessoal como indivíduo e terapeuta que precisa se alcançar onde o ponto de equilíbrio está eqüidistante da frieza que a racionalização e do envolvimento desorganizado que o excesso de sensibilidade pode trazer A atitude do psicólogo frente à vida e à morte pode ser um fator marcante para a pessoa que este acompanha dada a sua vulnerabilidade e dependência num momento onde suas defesas se esvaziam e seus valores e verdades adquiridos então em profundo questionamento pela questão mais básica que a existência traz e que muitas vezes nos negamos a ver que é a relação íntima entre Vida e Morte Adiante serão levantadas algumas considerações sobre tal relação como também sobre a Morte e o Morrer Fatores Ambientais como Causadores ou Agravantes do Quadro PsicoOrgânico do Paciente Sabese que o Centro de Terapia Intensiva possui algumas características específicas que interferem diretamente sobre o estado emocional do paciente 50 PSICOLOGIA HOSPITALAR Situações como a stress constante do paciente b tensão constante do paciente c o isolamento do paciente frente às figuras que lhe geram segurança e conforto d relação intensa com aparelhos extra e intracorpóreos e o clima de morte iminente f visão estereotipada de irreversibilidade do quadro mórbido g perda da noção de tempo e espaço h participação direta ou indireta do sofrimento alheio etc provocam alterações no estado do paciente tanto a nível físico orgânico como psíquico emocional No simpósio sobre fatores de ansiedade no tratamento integrado do paciente o Professor Max Hamilton da Universidade de Lerds Inglaterra apresenta cerca de 16 situações de distúrbios emocionais causados pela intensa ansiedade da pessoa enferma fatores estes secundários à etiopatogenia da moléstia mas trazendo consigo um peso enorme na evolução da patologia em função justamente da ansiedade causada pelas situações supracitadas Este então seria o grupo onde fatores ambientais poderiam estar prejudicando de alguma forma a evolução do paciente E aqui não podemos esquecer de que qualquer alteração no estado emocional do paciente reflete diretamente no seu quadro clínico Fatores Orgânicos como Reflexos Decorrentes do Período de Internação Dentre eles podemos citar determinados sintomas como a agitação b depressão c anorexia d insônia e perda do discernimento a Iniciandose pela agitação podemos já identificar uma reação bastante aversiva à recuperação da pessoa pois esta traz como reflexo orgânico somado à ansiedade aumento da píessão arterial dificuldades circulatórias baixa resistên PSICOLOGIA HOSPITALAR 51 cia à dor Segundo Szasz 28 a tensão aumenta a capacidade de atenção à dor diminuindo o limiar e excitabilidade de pessoa bem como em muitos casos bloqueando até a absorção de certas drogas b A depressão entraria como uma instância final no quadro psíquico evolutivo do enfermo onde seus mecanismos de defesa tais como a racionalização a negação e a projeção vêemse falidos apresentandose uma apatia à vida e à persistência de fantasias mórbidas muitas vezes evoluindo negativamente até uma morte sem uma explicação técnica plausível Devemos ressaltar aqui que certos distúrbios orgânicos principalmente a nível hidrolítico como metabolismo do potássio podem trazer quadros de depressão mas com conotação orgânica basicamente pela inibição de áreas do sistema límbico As depressões possuem ainda outros aspectos e fatores desencadeantes parte deles já mencionados anteriormente c Devemos ressaltar que a anorexia acompanha muitas vezes a depressão sendo também uma forma de agressão autodirigida A agressividade alodirigida é ditada por Muniz em sua obra O Tratamento da Angina e do Enfarto 8 onde é associada a uma espécie de projeção dos próprios sintomas ao meio nada está bom a cama é ruim a comida é péssima a enfermagem não atende direito A pessoa tornase de difícil contato e passa a reclamar e solicitar a todos o tempo todo muitas vezes negando a sua própria patologia ou não a encarando como realidade presente A agressividade autodirigida e as manifestações de depressão sobretudo as mascaradas compõem um dos quadros psicológicos mais perniciosos para paciente internado CTI devendo sempre ser levada em conta e feita intervenção psicológica Estímulos positivos catarse elaboração dos conflitos desmistificação de fantasias mórbidas confronto com os sentimentos de impotência e morte iminente que entre outros podem estar associadas àquelas sintomatologias de forma a evitarse o agravamento do quadro emocional do paciente e por conseqüência nesses casos direta de seu quadro clínico como um todo d Ao falarse de insônia estamos nos referindo aos fatores supracitados onde podemos ter como causadores da mesma a agitação a ansiedade etc Importante destacar que nos quadros de depressão maior a insônia é um dos sintomas mais proeminentes destacase o fato de o sono estar para certos pacientes associado à morte e o medo desta impõe o quadro de insone e A perda de discernimento tem já um aspecto mais sério do ponto de vista psicodinâmico Temos um quadro peculiar das CTIs principalmente daquelas que apresentam ambiente totalmente artificial sem luz do dia e sem alterações significativas em sua rotina diurnas e noturnas 52 PSICOLOGIA HOSPITALAR A cadência de atividades constantes no CTI nas 24 horas do dia a rotina repetida inúmeras vezes o acordar e dormir intermitente do enfermo a ausência de contato com o mundo externo a falta de uma conversa de orientação acaba trazendo para a pessoa com mais de três dias de CTI uma perda inicial de noção de tempo cronológico que aos poucos vai se agravando com a perda da consciência de tempo e espaço físico e psicológico segundo Jaspers 9 de tal forma que comportamentos estranhos começam a aparecer Frases desarticuladas fuga de idéias atitudes obsessivas ocorrendo não raro derivações para quadros delirantes e desconfigurações da imagem perspectiva real Notase que a alteração senso perceptiva iniciase pela ausência de estímulos simples como o contato com o dia e a noite e vai se agravando na medida em que o próprio ciclo circadiano do paciente passa por processo de desorganização em função da ausência de atividades da ação de fármacos das oscilações de consciência da falta de estímulos específicos à pessoa etc Esse quadro que se denominava de Síndrome de CTI carece de atenção especial cuidado esse sempre que possível preventivo buscando a integridade psíquica do enfermo através de um contato e orientação constantes trazendolhe a importância de sua colaboração na evolução produtiva de seu quadro Estimulação visual reforçar o paciente a atividades que goste e tenha condição de desempenhar visita orientada de familiares informações sobre o mundo externo que lhe possibilitem contacto com outras coisas que não a doença são pequenas medidas que podem previnir esse quadro O Paciente Ansioso A ansiedade é o sinal do perigo da mente um sinal que se manifesta em presença de um problema Como sinal a ansiedade é análoga à dor e tão importante quanto esta O homem não pode viver normalmente sem sentir ansiedade Este sentido de ansiedade em geral captado apenas como uma sensação se manifesta deixandonos inquietos preocupados assustados ou de algum modo ameaçados Desse modo incapazes de remover na prática ou a enfermidade ou a ansiedade procurase a melhor saída tentase eliminar ambas mentalmente Outra coisa que se pratica quase sempre com algum êxito é desligar a ansiedade da enfermidade e transferila para um problema menos importante ou para um outro onde se possa fazer alguma coisa Extraído adaptado e complementado a partir de Bird B 1 Conversando com o Paciente PSICOLOGIA HOSPITALAR 53 Essa distorção negação e deslocamento de sintomas físicos pode fazer um paciente sentirse melhor mas no processo evolutivo o quadro clínico pode ser de tal modo alterado que o médico se perderá Este é o motivo pelo qual conversando com o paciente ansioso só é possível levantar um quadro verdadeiro da doença quando a ansiedade do paciente é recolocada numa perspectiva adequada com sua enfermidade Lembrese também que a resposta ansiosa do paciente à enfermidade atual nunca se deve apenas àquela afecção A ansiedade é histórica Todas as experiências passadas com doença ou outros perigos similares ou não tendem a acumular se na atual E deste modo que cada pessoa gradualmente constrói sua maneira característica de reagir à enfermidade e a ansiedade que ela provoca O conhecimento das reações características dos pacientes pode com frequência ajudar a equipe a julgar rápida e precisamente a seriedade de suas afecções O fato de que a ansiedade tenha raízes históricas também possibilita explicar um pânico inexplicável do paciente em resposta a uma enfermidade ou a um procedimento médico menor o problema atual e sem importância assumiu o lugar de uma experiência mais terrível de uma época anterior talvez de um período esquecido da infância uma experiência que há muito está encapsulada e que exceto por ocasião da ameaça atual assim permaneceu durante anos Em vista da ligação direta da ansiedade com o passado é sempre útil suspeitar no caso de qualquer ansiedade inexplicável que a reação presente do paciente está sendo influenciada por alguma coisa que aconteceu há muito tempo ou que o paciente está reagindo assim porque está repetindo o modo como reagiu antes Falando com o paciente sobre suas ansiedades e sentimentos não expressos ou mesmo desconhecidos reduz imediatamente o poder nocivo destes As idéias que pairam mudas no ar são tremendamente ameaçadoras porque não conhecem limites Colocadas em palavras podem ser examinadas como um objeto onde equipe e paciente podem enxergar seu perigo e assim ficar bastante neutralizado A ansiedade é profundamente rica em máscaras Um de seus disfarces comuns é uma simples troca de nomes como por exemplo sintome nervoso tenso fraco assustado apreensivo instável deprimido aborrecido inquieto preocupado ou então fico acordado de noite não consigo comer dormir ou tomar uma decisão O paciente usa centenas de palavras em lugar de ansiedade e alguns profissionais estão prontos a acreditar que quem usa essas palavras não está ansioso apenas um pouco nervoso tenso aborrecido Não é verdade a ansiedade inclui todas Talvez o outro disfarce comum da ansiedade é sua representação como um sinal ou sistema corpóreo Esse disfarce pode trazer problemas sobretudo para o médico que se sente mais à vontade com as queixas físicas do que com a ansiedade Contudo rotular esses sintomas físicos meramente como emocionais ou funcionais ou ansiedade é um erro de igual proporção Para o paciente esse tipo de rótulo é uma acusação que se sente obrigado a refutar e da qual se defende 54 PSICOLOGIA HOSPITALAR Por que não pensar nesses sintomas físicos com o medo de expressar e mostrar ansiedade do paciente Por que não imaginar que o fato dele contar ao médico essas reações físicas a situações tensivas é seu modo de lhe dizer que se sente ansioso frente a elas Salientase aqui o uso do mecanismo de conversão muitas vezes utilizado como forma de manifestação do sentimento de ansiedade e ameaça A ansiedade também se esconde por detrás de outras emoções os pacientes que se tornam extremamente irritáveis agressivos podem estar reagindo a uma situação subjacente produtora de ansiedade Outros pacientes em resposta a situações assustadoras recolhemse e tornamse frios paralisados e mudos Essa reação ao perigo em geral significa um conflito entre a dependência passiva da pessoa e sua agressividade violenta um conflito que o leva a um estado de paralisia O CTI por todos os aspectos j á descritos destinase a ser um grande gerador de situações ansiógenas a começar pelo seu próprio estereótipo como mencionou se anteriormente Podese então deduzir que todos esses componentes gerados pela ansiedade descritos acima pelo Dr Bird 1 têm no CTI condições abasolutamente exacerbadoras gerando com isso reações emocionais das mais variadas Mister salientar que vivências ansiógenas interminentes de longa duração eou grande intensidade são uma das principais causadoras da Síndrome Geral de Adaptação SG A e das Doenças de Adaptação D A tão bem identificadas por Selye 10 A experiência de internação no CTI pode gerar no paciente devido a esses fatores prejuízos físicos e emocionais enormes quando não considerados pois reações aparentemente secundárias ao quadro mórbido que deu origem a sua internação vão gerando um estado geral de falência frente ao sofrimento de tal monta que acabam por entremearemse com a patologia de base mesma do paciente Considerando os conceitos de Selye 10 o CTI favorece sobremaneira a evolução do estado de alarme para o de esgotamento muito rapidamente fato que pode passar despercebido pela equipe em função até de toda atenção que o quadro de base exige desta O Paciente Agressivo A agressividade devese lembrar não é uma ocorrência patológica nem rara todas as pessoas algumas vezes se tornam agressivas Há um aspecto da agressividade muito importante sobretudo ao considerar a saúde e a enfermidade a agressividade pode estar implicada em todos os atos e Extraído adaptado e complementado a partir de Bird B 1 Conversando com o Paciente PSICOLOGIA HOSPITALAR 55 incidentes da vida humana Nenhuma situação vital elimina a possibilidade de um sentimento pensamento ou ato de raiva Desde o nascimento até a morte não há nada que não possa despertar em nós um sentimento de raiva Não há nada que possamos fazer que não tenha pelo menos parcialmente uma motivação agressiva A agressividade basicamente é uma proteção É a força que muito mais que apenas o medo permite progredir O medo ou a ansiedade é um sinal uma experiência sensorial uma aviso de perigo e assim é essencial para qualquer atitude autoprotetora Em si o medo não protege O que o faz é uma ação ofensiva ou defensiva Tal ação não é suficiente exceto na medida em que o acesso à agressividade é significativo A agressividade é quem dá ao ato sua energia Tudo que pode e devese saber em regra é que em larga medida a agressividade é histórica e não causada pelos procedimentos e palavras da equipe pelo que esta diz ou faz Alguns pacientes têm reações físicas balançam a cabeça se contraem ou às vezes mergulham num silêncio ou respondem com monossílabos guturais Outros pacientes apresentam poucas alterações físicas e descarregam tudo pelas palavras Os detalhes de como os pacientes exprimem a agressividade e do que os leva a isso não são tão importantes para a equipe como seu reconhecimento de que boa parcela de atual agressividade se origina do passado e se dirige contra a equipe apenas porque estes agora representam alguém ou alguma coisa desse passado que o ameaça Basicamente uma atitude projetiva A agressividade dirigida ao ambiente poderia então ser interpretada como uma forma do paciente tentar protegerse não só das agressões que sente que o meio lhe impõe mas também as agressões que a doença e seus sintomas estão lhe causando É de suma importância destacarse aqui dois pontos relevantes onde a manifestação da agressividade tem características peculiares O primeiro que desafortunadamente aparece com uma freqüência bastante alta nos hospitais do Brasil está ligado à manifestação agressiva como atitude reativa à situação de profunda ansiedade tensão e frustração referese aqui principalmente àquelas situações onde o paciente por exemplo após ser tricomatizado submeterse a enteroclisma passar por um longo período de jejum aguardando nesse ínterim com fantasias medo expectativas etc um exame importante ou uma cirurgia têm a mesma cancelada por diversos motivos onde muitas vezes o aviso é dado tardiamente sem outras explicações e sem sobretudo permitirse que o paciente manifeste suas emoções em relação ao ocorrido Nesses casos explosões de raiva acompanhadas de gritos palavrões ofensas dirigidas ao Hospital equipe ou o profissional que está a sua frente são comuns e ressaltese aqui mais saudáveis do que aquela pseudoresignação que embora não incomode a equipe processa estragos de forma subreptícia importantíssimos na autoconfiança 56 PSICOLOGIA HOSPITALAR do paciente em sua confiança e aceitação da equipe e do tratamento e em sua disponibilidade e vontade de tratarse e ajudarse Outra manifestação específica de agressividade está ligada à fase de revolta apresentada para EK Ross 46 em seus estudos sobre as reações do paciente frente à morte inconformismo isolamento acusações refratariedade ao contato são algumas das manifestações dessa fase e cabe ressaltarse aqui que ela pode aparecer em outras situações críticas específicas além da de morte iminente como por exemplo no processo de elaboração do luto pela perda amputação de um membro ou extirpação de órgão do corpo situações igualmente freqiientes no CTI mais uma vez orientase aos interessados que consultem o roteiro bibliográfico de estudos no fim do presente trabalho para aprofundamento no tema Nunca é demais lembrarse que toda e qualquer reação do paciente tem como elemento básico seu universo simbólico suas vivências e principalmente a forma particular como ele está encarando e elaborando o episódio conflitivo de doença internação e tratamento que vive no seu aqui e agora determinado pela sua historicidade pelas variáveis sócioambientais que o cercam e pelas relações en tabuladas entre a equipe família e o próprio paciente O Paciente com Agressividade Latente O que se disse é suficiente quanto à agressividade expressa Mas e quanto à agressividade que o paciente apresenta mas não mostra Ou à agressividade latente mas da qual não tem consciência É mais fácil de certo modo fazer algo frente a uma agressividade aberta Não é sem razão que se evita despertar um cão adormecido além disso os próprios paciente podem não querer reconhecer a própria agressividade Contudo quando se vê alguma coisa que parece agressividade num paciente uma tentativa de conduzila para uma expressão clara pode ser de grande valor E isto por que os sentimentos fortes de qualquer natureza quando não expressos podem perturbar o pensamento lógico e o comportamento razoável e assim conturbar as tentativas de diagnóstico da equipe e de como tratar tal paciente Com freqüência talvez do mais que se imagina estes sentimentos estão em tal profundidade que escapam ao poder da equipe de alterálos mas algumas vezes poucas palavras funcionam Mostrarse disponível e interessado pelos sentimentos do paciente auxiliam a manifestação destes favorecendo assim o afloramento daquela agressividade que de forma latente pode estar gerando alterações importantes como episódios de somatização ou crises conversivas Salientase aqui que a atenção ao conteúdo do discurso do paciente é fundamental pois Extraído adaptado e complementado a partir de Bird B 1 Conversando com o Paciente PSICOLOGIA HOSPITALAR 57 não é raro esse discorrer sobre seus medos raivas ressentimentos de forma figurada por exemplo falando da situação do país contando um caso que ocorreu com outrem e que aparentemente não tem nada a ver com ele ou seu estado de saúde mas que contam de forma cifrada a manifestação destes sentimentos latentes Outra forma de agressividade latente é a do tipo em que melhor seria chamá la de fúria Entre adolescentes e jovens adultos é bastante comum este tipo de fúria interior a qual parece estar por trás de alguns de seus inexplicáveis comportamentos e problemas pessoais Em alguns casos a expressão do sentimento é clara ao passo que em outros é reprimida Alguns fatores comportamentais podem contribuir para a repressão da agressividade em pacientes internados onde se destaca também o receio de não ser aceito pela equipe A necessidade de apoio e aceitação leva não raro o paciente a evitar demonstrar seus sentimentos à equipe principalmente os sentimentos ligados à raiva e hostilidade por temer em suas fantasias represálias por parte desta Essa atitude contribui para o agravamento do quadro emocional do paciente e em alguns casos a equipe é coresponsável pelos sentimentos pois se coloca distante do paciente ou inconscientemente reforça as atitudes inacertivas dele Os sentimentos que o paciente pode suscitar na equipe também devem ser alvo da observação e reflexão para que se evite atuar contratransferencialmente na relação Aqueles jovens que procuram o médico em geral têm uma agressividade reprimida ou latente aqueles que fazem tudo para não agir segundo seu impulso agressivo ou quando agem tendem a atacarse a si mesmo São estes jovens que adoecem física e mentalmente e que pedem a atenção do médico Procuramno por várias razões Muitos são autodestrutivos e isso sempre é uma pista para a existência da agressividade reprimida Assim qualquer jovem que de alguma forma parece fadado ao fracasso que parece inclinarse para o insucesso degradação ou autodestruição é suspeito de agressividade A suspeita justificase não importando o que diz faz ou os sintomas que apresenta à equipe A outra forma que esses jovens agressivos encontram para controlar sua agressividade é adoecer Parecem ser mais suscetíveis às enfermidades orgânicas que os jovens comumente saudáveis e neste particular aspecto desenvolvem sintomas psicossomáticos e reações histeriformes e depressivas Pacientes Suicidas no CTI Discorrer sobre o suicídio e a tentativa de suicídio de uma forma mais abrangente levaria o presente texto a sair de seu propósito O suicídio representa um capítulo à parte nos estudos dos distúrbios psicológicos Aterseá aqui ao episódio da pessoa que tentou suicídio no período em que esta quando é o caso passa pelo CTI 58 PSICOLOGIA HOSPITALAR Atentar contra a própria vida não pode ser considerado um evento normal na história da pessoa e raramente essa situação ocorre em função de um episódio isolado dessa mesma história O que se quer dizer é que ao atender uma pessoa que tentou suicídio mais até do que em outros casos a equipe e particularmente o psicólogo devem estar atentos ao todo da pessoa Consideraremos para fins didáticos e de avaliação clínica a tentativa de suicídio aparecendo dentro de duas modalidades considerando critérios deLevy 11 O suicídio tentativa ativo e o suicídio tentativa passivo Na primeira modalidade temse o grupo de indivíduos que deliberada e ob jetivamente atenta contra a própria vida Nos CTIs encontramos inúmeros casos como intoxicações exógenas onde no Brasil predominam a ingestão de psicofármacos e de outros produtos químicos como por exemplo a soda caústica vindo após este outras formas como inalação de gás cortes no corpo predominantemente pulsos uso de armas de fogo quedas ou a provocação deliberada de acidentes dentre tantos Nesses casos o paciente chega ao CTI quando a gravidade das lesões ou problemas gerados no organismo deste são de tal monta que inúmeros cuidados serão necessários para tentarse sua recuperação Na maioria das vezes esses pacientes dão entrada no CTI via ProntoSocorro inconscientes podendo voltar gradativamente à consciência depois de algum tempo às vezes dias depois de sua admissão Cabe à equipe alguns cuidados imprescindíveis e obviamente o primeiro deles é a atenção direta sobre o risco de vida que a tentativa provocou mas complementando essa atenção é muito importante obterse dados do paciente através da família eou acompanhantes e assim que possível iniciar contato com o próprio paciente Os dados da história da pessoa j á possibilitam terse umaprimeira hipótese sobre o perfil psicológico desta e o grau de riscos que iremos enfrentar caso ela retome a consciência e venha a recuperar suas funções vitais tanto físicas quanto psicológicas O que significa nesse primeiro momento atuar preventivamente sobre o risco de nova tentativa ainda na CTI Vários fatores podem levar o indivíduo a atentar contra a própria vida desde distorções severas na estrutura da personalidade onde as pulsões tanáticas são fortíssimas encaixandose nesses casos distúrbios de ordem psicótica até questões psicopatologicamente menos graves mas nem por isso menos críticas como o suicídio de balanço como salienta A Garma 12 ou a tentativa de suicídio por intenções manipulativas histeriformes muito freqüentemente observadas em adolescentes No primeiro caso o grau de morbidez da estrutura psíquica do paciente é bastante comprometido seus antecedentes pessoais apontam claramente para um perfil psicótico cabendo então à equipe vigilância mais atenta ao paciente durante a internação e encaminhamento acompanhamento psiquiátrico tão logo seja pos PSICOLOGIA HOSPITALAR 59 sível Nos casos de pacientes portadores de depressão maior diagnóstico diferencial da depressão e intervenção medicamentosa e psicoterápica são fundamentais Importante frisar nesse particular que o período entre o início da medicação antidepressiva até aproximadamente 30 dias após esse é o mais crítico Estatísticas indicam um aumento no risco de tentativa de suicídio nesse período da ordem de 80 Já nos grupos de indivíduos que podem ser enquadrados nas duas últimas modalidades supracitadas cabe ressaltar que inúmeras vezes a vivência de morte iminente e toda mobilização tanto pessoal quando familiar que o ato gera pode levar a uma reavaliação de sua opção Observase como processo freqüente nesses casos uma profunda angústia sentimentos de fracasso culpa revolta autopiedade Processo esse que deve receber imediatamente atenção psicológica com o objetivo principal de auxiliar o paciente a reelaborar suas vivências valendose o terapeuta inclusive do momento de grande fragilidade e ausência ou enfraquecimento de suas defesas de maneira a buscarse novas alternativas de vida junto com a pessoa Imprescindível lembrar que o processo de acompanhamento não pode limitarse ao período de internação no CTI e que na maior parte das vezes deve ser extensivo ao grupo familiar do paciente Este também encontrase mobilizado experimentando sentimentos dos mais diversos como culpa impotência raiva conflitos interpessoais etc Sabese que em grande parte dos casos a família teve e terá participação importante no processo de relação do paciente com a vida A intervenção psicológica o mais breve possível tornase então parte integrante do tratamento Importante igualmente nesses casos ressaltar também que o período em que o paciente permanece no hospital que normalmente é determinado unicamente pelo aspecto biológico deve ser aproveitado ao máximo inclusive na detecção dos focos conflitivos que levaram a pessoa a optar pelo suicídio e na sensibilização dessa e de sua família para a continuidade do acompanhamento psicológico pósalta É relativamente alta a incidência de casos que após a alta tanto paciente quanto a família buscam negar e ocultar o fato dos outros e de si mesmos gerando uma espécie de pacto de silêncio sobre o ocorrido mas nem por isso os fatores desencadeantes do evento tendo sido resolvidos o que faz com que se mantenham os mesmos componentes conflitivos no paciente e em seus núcleos vinculares mantendo assim o risco de nova tentativa bastante evidente A segunda modalidade que se mencionou anteriormente é a do suicídio passivo Aqui encontramse aqueles pacientes que literalmente desistiram da vida pessoas desesperançadas não raro depressivas que não enxergam possibilidades quantitativas e qualitativas para a sua existência Esse tipo de paciente é encontrado em maior grau naqueles portadores de patologias crônicas 60 PSICOLOGIA HOSPITALAR O suicídio passivo é observado através de atitudes autodestrutivas indiretas como a negligência ao tratamento a não observância das orientações médicas a insistência em realizar atividades ou outras ações contraindicadas para seu quadro clínico freqüentemente o abandono puro e simples do tratamento São pessoas cuja atitude de autoabandono permeia o cotidiano Em alguns casos independente das perspectivas prognosticas essa atitude passa a dominar o indivíduo dificultando sobremaneira a intervenção da equipe de saúde São indivíduos que precisam muito da atenção e da solidariedade da equipe e família mesmo que demonstrem indiferença ou revolta a essas tentativas de aproximação O psicólogo deve estar atento a qualquer manifestação motivacional do paciente para utilizálo como elemento de estímulo Devese estar consciente de que a pior armadilha para a equipe de saúde é entrar na mesma sintonia do paciente e por conseqüência abandonálo também O trabalho junto a esse paciente mostrase na maioria das vezes árido e pouco compensador não obstante aos esforços dos que o cercam No entanto a busca de uma relação qualitativa melhor com a existência não pode abandonar as intenções da equipe independentemente do tempo suposto de sobrevida do paciente ou do péssimo prognóstico que seu quadro tem Sabese pela prática clínica que um paciente que desiste de ajudarse inde pendentemente de seu quadro clínico tem reduzidas em muito suas perspectivas reais de sobrevida Fica portanto o alerta a toda equipe que trabalha com pessoas que entraram nesse estágio Perseverança solicitude e compreensão são instrumentos indispensáveis para a tentativa de ajuda à pessoa que por tanto sofrer desesperançouse de si mesma O Paciente com Alterações do Pensamento e SensoPercepção Considerações Gerais O rompimento com a realidade e alterações na capacidade sensoperceptiva eou de interpretação do percebido provoca os delírios e as alucinações Os delírios e alucinações do delírio não importando o seu grau de bizarria tendem a ser simples diretas tentativas simbólicas de negar o conflito real do paciente Seu conteúdo simbólico em geral tem um objetivo direto de satisfação de um desejo que serve não apenas aos problemas atuais obscuros mas para criar falsas curas e crenças que são o oposto em alguma forma da situação atual Por exemplo um paciente intoxicado que está confuso e desorientado e cuja capaci Extraído adaptado e complementado a partir de Bird Bl Conversando com o Paciente PSICOLOGIA HOSPITALAR 61 dade intelectual sofreu uma interferência temporária pode experimentar delírios de que é um gênio matemático Mesmo quando os delírios e alucinações do estado delirante são desagradáveis eles tendem a ser uma tentativa de encobrir problemas reais que são ainda mais desagradáveis Sempre devese supor que há problemas reais do aquieagora num paciente delirante Problemas que são físicos químicos ou psicológicos ou uma combinação dos três Não se desanime frente à complexidade e à falta de sentido do estado delirante Com algum tempo e um pouco de habilidade o sentido pode ser encontrado mesmo nas aberrações graves Não procure causas isoladas Raramente há apenas uma Há em geral vários fatores em jogo para trazêlo à tona A febre é um agente comum tão comum que a maior parte de nós durante uma febre alta pelo menos sofre alguma interferência no funcionamento mental As toxinas produzidas por alguns moléstias são uma outra causa e todas as enfermidades tóxicas tendem a afetar a mente provocando delírios As substâncias tóxicas introduzidas no organismo podem igualmente produzir alterações no juízo da realidade pensamento eou no sensopercepção O álcool por exemplo talvez seja um dos agentes mais comuns do estado delirante e o delirium tremens talvez seja a forma do estado de delírio mais espetacular e letal A fadiga os traumas orgânicos e a fome são outros agentes importantes Os fatores psicológicos embora de grande importância etiológica são muitas vezes subestimados Procurados e reconhecidos podem ser inestimáveis não apenas para compreender a razão do estado delirante mas para orientar bem o seu tratamento Deste modo vale sempre à pena procurar choques psicológicos tensões e sentimentos de perda Talvez as situações psicológicas mais dignas de atenção sejam os fatos que ameaçam ou de fato interrompem o contato do paciente com seu próprio mundo particular sobretudo aquilo que o afasta das pessoas lugares e objetos familiares e do fluxo de seus estímulos próprios Muito significativo o fato de terse observado inúmeros casos de pacientes portadores de patologias graves com prognóstico reservado que após passarem por um período anterior de extremo sofrimento físico e emocional entram em quadro de dissociação com alterações primárias importantes na afetividade consciência do EU e Pensamento seguidas de alucinações onde o surto aparece com uma forma de defesa derradeira do paciente frente à ameaça real e inexorável de aniquilação 13 Nesses casos devese observar principalmente dois aspectos fundamentais a saber 62 PSICOLOGIA HOSPITALAR a O aparente quadro confusional do paciente revela no conteúdo de seus sintomas produtivos delírios e alucinações toda a realidade clara e nua de seu pavor de aniquilação A figura da morte do sofrimento das perdas irreversíveis da impotência absoluta da total falta de perspectivas existenciais aparecem claramente no discurso e nas descrições perceptivas distorcidas do paciente b Via de regra o paciente em surto incomoda e ameaça a equipe de saúde principalmente no Hospital Geral e particularmente no CTI A equipe de saúde tem na maior parte das vezes pouca intimidade como chamado paciente psiquiátrico e pela subjetividade toda do quadro as dificuldades de avaliação e intervenção são maiores gerando não raro afastamento do contacto com o paciente sensação de incômodo e impotência algumas vezes hostilidade e também ansiedades de tal monta que levem ao desejo de veremse livres do paciente precipitando condutas ou encaminhamentos Nesses casos sempre é imperativo o diagnóstico diferencial feito pelo componente de saúde mental daequipe ou na ausência desse a solicitação de interconsulta A ausência dessas condutas desafortunadamente geram mais sofrimento mais conflito e por conseguinte o agravamento do quadro criando assim um ciclo vicioso onde em última instância todos sofrem Por este motivo os hospitais podem ser nocivos para esses pacientes Entretanto num hospital o paciente fica afastado de todas aquelas coisas das quais muitos de nós dependemos para a manutenção do bemestar mental O mesmo vale para a perda do contato com pessoas que lhe são queridas assim como para a ausência do lar da cama do quarto das roupas dos alimentos e até mesmo dos objetos pessoais Em lugar darotina estável e familiar ligada às pessoas e às coisas o paciente é jogado no meio de estranhos e de circunstâncias completamente novas Ele pode ainda manter seu controle mas todos os seus pontos de referência não estão lá Além disso o funcionamento mental do paciente hospitalizado pode ser afetado pelas drogas e quando isto se dá pode haver mesmo uma perda de controle As drogas sedativas hipnóticas e analgésicas administradas para manter o paciente calmo podem ser perigosas para aquelas que possuem tendência ao estado delirante Em lugar de promoverem o sono e o relaxamento elas podem reduzir o nível do impacto sensorial dos estímulos externos diminuindo assim a capacidade do paciente de manter a orientação e o contato com que o cerca de fatos que podem levar a um estado delirante ou episódios confusionais com desorientação no tempo e no espaço lapsos de memória e outros De qualquer forma quando ocorrer um estado delirante devese procurar uma combinação de causas que em conjunto ou hierarquicamente tenha afetado criticamente a capacidade mental do paciente A proposta original do presente trabalho tem como principal pressuposto uma leitura multifatorial e interdisciplinar da pessoa que está à frente da equipe e sua PSICOLOGIA HOSPITALAR 63 doença É exatamente a soma dos conhecimentos e observações de todos os membros da equipe médicos enfermeiros auxiliares atendentes técnicos psicólogos nutricionistas fisioterapeutas assistente social e até mesmo importante ressaltar o pessoal de apoio como copeiras faxineiras etc que na sua observação e contato com o paciente podem dar pistas importantes para uma boa compreensão do fenômeno que assola o paciente e consequentemente nortear a conduta mais adequada para auxiliálo Distúrbios Psicopatológicos e de Comportamento no CTI Nos Hospitais Gerais e em particular nos CTIs temse notado uma certa dificuldade que a equipe apresenta para lidar com pacientes de distúrbios psicopatológicos A própria estigmatização que a pessoa portadora desse tipo vem sofrendo ao longo dos anos somada ao fato desses distúrbios terem um curso subjetivo que foge dosconceitos cartesianos que norteiam as avaliações e intervenções clínicas acabam por agravar essas dificuldades gerando não raro sérios problemas para a equipe e o paciente Destacarseá neste capítulo alguns dos quadros psiquiátricos mais freqiientemente observados no CTI NOTA Abordase especificamente os transtornos de ordem psicótica consi derandose os critérios classificatórios desse grupo de patologias segundo Schneirder Schulte e Tolle 14 Via de regra o que mais mobiliza e dificulta o trabalho da equipe de saúde são os quadros que vêm acompanhados sobretudo dos sintomas produtivos ou secundários como delírios e alucinações acrescidos de agitação psicomotora furor confusão mental Esses sintomas na verdade podem aparecer em diversos quadros de forma conjunta ou em grupos o que obrigaria a equipe a estabelecer antes de qualquer intervenção diagnóstico diferencial Também nos quadros depressivos maiores depressão patológica temse problemas associados à tentativa de suicídio e à apatia e autoabandono do paciente fatores que incidem diretamente sobre o quadro clínico podendo agraválo ou levar o paciente à morte Tratarseá então de classificar os grandes grupos de transtornos de forma a facilitar a avaliação do paciente 64 PSICOLOGIA HOSPITALAR I PSICOSES ENDÓGENAS Destacase nesse grupo principalmente as Esquizofrenias a PMD a Melancolia Involutiva e a Personalidade Psicopática Nas esquizofrenias particularmente em suas subformas Paranóico Alucionatória e Hebefrênica a exuberância dos sintomas produtivos é muito fre qüente com delírios persecutórios delírios de referência alucinações auditivas predominantemente e visuais a confusão mental salada de palavras e outros distúrbios graves envolvendo pensamentos afetividade e consciência do EU também estarão presentes Raramente esses episódios ocorrem como primeiro surto no CTL temos históriapregressa do paciente com outros surtos não raro internações psiquiátricas narrativa da família eou acompanhados de estranhezas de comportamento do paciente A obtenção destes dados é fundamental para fornecer as primeiras pistas para o diagnóstico diferencial Imprescindível também na anamnese saberse do uso de psicofármacos por parte do paciente que caso sejam suspensos podem reincidir o surto Cabe aqui à equipe médica avaliação do riscos e sobretudo de como combinar o tratamento clínico de urgência que motivou a internação no CTI com a psicopatia que interinfluencia o comportamento do paciente eou a própria patologia que é o alvo das atenções Outros quadros de psicoses endógenas como a fase maníaca da PMD e a Personalidade Psicopática quando presentes no paciente internado no CTI trazem algumas vezes problemas sobretudo na esfera do relacionamento entre equipe e paciente Por se tratar do processo onde existe elação do humor grandiloqüência delírios de grandeza em alguns casos inquietação podendo atingir até a agitação psicomotora impulsividade intensa amoralidade dentre outros sintomas esses pacientes tendem a ser negligentes com o tratamento mobilizam muito as atenções sobre si mesmo polemizam criam conflitos entre a equipe manipulam funcionários e pacientes gerando clima de atritos e desentendimento Normalmente são refratários à abordagem psicológica e não possuem nenhuma crítica sobre seu estado psicopatológico Algumas medidas podem auxiliar a equipe a lidar com o problema observando os jogos que o paciente tenta impor nas suas relações procurando não incentiválos A indicação medicamentosa específica é em muitos casos necessária e é importante darse limites ao paciente sem no entanto entrar em confronto com este O psicólogo deve estar atento à dinâmica do quadro e atuar também orientado às pessoas que têm contato com o paciente sobre a forma de como interatuar com este II PSICOSES EXÓGENAS Uma gama bastante significativa de eventos sobre o metabolismo ou a fisio logia de corpo podem gerar como sintoma complementar alterações de com PSICOLOGIA HOSPITALAR 65 portamento sensopercepção humor pensamento consciência do EU memória etc Quadros toxêmicos infecciosos obstrução hepática septicemias alterações abruptas da PA descompensações do equilíbrio hidroeletrolítico comprometimentos na absorção de 02 no SNC são algumas causas possíveis destas alterações Temos ainda intoxicações exógenas por produtos químicos diversos e com prometimentos gerados por reações a determinados tipos de fármacos alguns inclusive utilizados no próprio tratamento do paciente Esses quadros são classificados em três subgrupos a Psicoses Sintomáticas Como o próprio nome sugere o surto aparece como sintoma de um quadro de base maior Associado a alterações metabólicas como por exemplo septicemias ou déficit na absorção de 02 pelos neurônios como ocorre em alguns casos onde houve circulação extracorpórea no processo cirúrgico Esses episódios devem ser detectados pela avaliação clínica do paciente considerando seu histórico psicopatológico pregresso que normalmente não tem dados significativos prémórbidos o contexto fisiológico e metabólico do paciente e as características do surto que aparecem abruptamente mantendo estado de consciência do EU e juízo de realidade oscilante O tratamento deve sempre buscar o saneamento das causas físicas infecção hemólise etc cabendo ao psicólogo intervir em três momentos específicos a saber no diagnóstico diferencial junto com a equipe na atenuação do surto principalmente quando este é acompanhado de agitação psicomotora e confusão mental Sabese que esses eventos podem provocar alterações no paciente e considerandose a delicadeza de seu quadro o próprio paciente pode comprometer sua reabilitação Uma das técnicas utilizadas nesses casos é a de entrar no surto atuando junto com o paciente buscando aos poucos introduzir dados de realidade em seu discurso procurando acalmálo e possibilitando à equipe tempo para as medidas necessárias para atenuação do quadro o terceiro momento de atenção referese ao auxílio que o paciente precisará após a remissão do surto para a reorganização de vivência posto que na maioria das vezes este mantém na memória o episódio confusional e essa experiência ativa seus sentimentos de amargura insegurança e ameaça afinal um episódio de loucura é um dos eventos mais temidos por boa parte das pessoas e a sensação de fragilidade egóica passa a agir como ameaça constante b Psicoses Tóxicas provocada por intoxicações exógenas ligadas à ingestão de drogas ou substâncias químicas Observada em alguns casos de tentativa de suicídio e principalmente no uso de drogas psicodislépticas como a psilocibina a 66 PSICOLOGIA HOSPITALAR dietilamida do ácido lisérgico a heroína e de algumas drogas psicoanalépticas como o crack e a cocaína e os anfetamínicos muitas vezes associados a outros fármacos como o álcool Esse último merece uma atenção especial devido ao grande número de pessoas portadoras da doença do alcoolismo Observase em CTIs gerais internações de pacientes politraumatizados vítimas de acidentes quedas atropelamentos acidentes automobilísticos etc Via de regra o paciente é atendido nos PS e uma vez constatada a gravidade dos casos encaminhados ao CTI Por se tratar de atendimento de urgência e de inúmeras vezes o paciente encontrarse inconsciente ou não apresentar condições de fornecer dados à equipe seguemse os procedimentos de urgência deixando para um outro momento a anamnese mais detalhada do paciente Dentre esses pacientes podemos encontrar alcoólatras crônicos que ao retomarem a consciência já no CTI depois de algum tempo de internação entram em síndrome de abstinência ou em outros casos em Delirium Tremens A síndrome de abstinência do álcool é um quadro bastante claro devendo ser avaliado pela equipe para que medidas complementares ao politraumatismo sejam tomadas inclusive procurando evitar agravamento deste Os principais sintomas de síndrome de abstinência alcoólica são tremores de extremidades desorientação auto e alo psíquica queixas de dores de MIS alterações da sensopercepção com predominância de alucinações tácteis e visuais zoopsias agitação psicomotora idéias persecutórias As medidas terapêuticas nesse momento são médicas desintoxicação uso de metaqualona ou administração controlada de álcool para retirada gradativa deste e outras a critério do clínico que estiver avaliando o paciente Obviamente que esse trabalho deve levar em consideração o quadro clínico geral do paciente Ao psicólogo cabe a avaliação no diagnóstico diferencial eJxabalho inicial ainda no CTI de sensibilização para tratamento específico de alcoolismo e encaminhamento posterior à alta a serviço especializado c Psicoses O rgano cerebrais desencadeadas a partir de processo gradativo de deterioração ou comprometimento funcional do SNC Esse grupo de psicoses exógenas é de prognóstico mais reservado gerado por expansão de tumores no cérebro processos infecciosos meníngeos deterioração dos sistemas de condução neural na demência alcoólica e demência epiléptica por exemplo entre outros Predominam como sintomas psíquicos a confusão mental fuga de idéias delírios crises de agressividade desorientação auto e alo psíquica despersonalização labilidade afetiva O quadro de base nesses casos é claro pela evolução clínica do paciente que mormente se arrasta ao longo de vários anos com o processo psicótico se instalando gradativamente Em alguns casos de tumores cerebrais podese ter o aparecimento dos distúrbios psiquiátricos antes de outros sintomas dificultando a avaliação do quadro num primeiro momento Ainda nesses casos alguns processos expansivos têm perspectiva cirúrgica e seu prognóstico melhorado PSICOLOGIA HOSPITALAR 67 Ainda um outro grupo de distúrbios psicológicos pode surgir associado aos TCEs AVC e outros problemas de ordem neurológica Nesse campo em particular a neuropsicologia tem nos últimos anos obtido avanços significativos Destacamse distúrbios de gnosia e propriocepção as alterações do humor e comprometimento generalizados nas atividades mentais básicas Como se mencionou no início a gama de distúrbios psicopatológicos e comportamentais é extensa e de causas múltiplas Procurouse aqui dar orientação geral em relação a alguns casos observados nos CTIs com maior freqüência Recomendase aos interessados procurar no fim desse trabalho as Referências Bibliográficas para complementar para estudos mais aprofundados 1415 16171826 O Paciente em Coma no CTI Durante muito tempo e talvez ainda hoje se considerou que sob o ponto de vista da intervenção psicológica junto ao paciente comatoso quer por coma traumático quer por coma anestésico havia muito pouco ou nada a se fazer Partindose do pressuposto de que o coma era igual à ausência de vida psíquica o universo mental do paciente passou a ser simplesmente desconsiderado nos casos em que esse se encontrava nesse estado No entanto uma coletânea cada vez maior de relatos no mínimo inquietantes fornecidos por pacientes que saíram do coma sobre suas vivências ou memória de vivências no período de coma acrescido de pesquisas recentes sobre respostas emocionais e comportamentais do paciente comatoso começam a apontar para uma outra realidade ainda pouco conhecida sobre a atividade mental do paciente durante o processo de coma O fenômeno da vida psíquica tem sido alvo de atenção mais detalhada de pesquisadores do mundo inteiro particularmente a partir da década de 90 considerada a década do cérebro no que tange a investimentos em pesquisas nos grandes centros de estudos do mundo particularmente no EUA Avanços significativos que comprovam a existência de vida psíquica já no feto de 6 meses de idade gestacional até o mapeamento tridimensional da atuação de sistemas intrapsíquicos no cérebro humano através do PET Scanner e do Squid têm possibilitado a estudiosos das neurociências do mundo inteiro desvendar alguns dos incontáveis mistérios que envolvem o funcionamento do cérebro humano e sobretudo começar a construção de uma ponte confiável cientificamente entre cérebro e mente Algumas subespecialidades novas começam a surgir como a psicologia prénatal 192021 e a neuropsicologia 222324 Um dos segmentos destes estudos abarca o tema que ora se desenvolve que passa pela 68 PSICOLOGIA HOSPITALAR inquietante pergunta se há vida num paciente comatoso e se há como detectála e acessála O fenômeno da consciência que segundo Jaspers 9 pode ser considerado como Todo o momento da visa psíquica tem sido alvo de discussões e controvérsias entre diversos estudiosos médicos psicólogos filósofos fisiologistas dentre outros tantos não raro gerando muito mais perguntas do que respostas O fato de observarse inúmeros relatos de pacientes saídos do coma descrevendo conversas tidas entre equipe visitantes ou outras pessoas à volta dele num período onde esse estava sendo considerado como inconsciente ou de dados científicos mais contundentes como os apresentados pelos psicólogo norteamericano Henry Bennett em 1989 25 onde demonstra de forma bastante clara que o paciente sob efeito de Anestesia Geral não só pode captar o que ocorre a sua volta no Centro Cirúrgico mas também encontrase particularmente sugestionável às eventuais informações que absorve Isso tudo tem levado inúmeros profissionais intensivistas a considerar outros fatores na relação com o paciente comatoso que não só o estritamente biológico Sob esse aspecto algumas considerações devem ser feitas O fenômeno que abarca o processo SR qual seja a partir da entrada de determinado estímulo ou grupos de estímulos no SNC até a efetivação da resposta tem sido alvo de atenção dos pesquisadores na tentativa de explicar o que pode estar ocorrendo com o paciente comatoso algo como a possibilidade de se absorver e compreender o estímulo Não conseguir acessar os meios para a efetivação explícita da resposta podem estar no cerne das avaliações inexatas que às vezes se faz do paciente em coma até porque obtémse dados da consciência pelas repostas e grau de sofisticação destas De forma esquemática temse PSICOLOGIA HOSPITALAR 69 Esse processo que se inicia a partir do acontecimento do estímulo vai gradativamente acessando processos mentais que se iniciam através das Atividades Mentais Básicas particularmente a sensopercepção 1 prosseguindo com a solicitação de intervenção de outros componentes do aparelho psíquico já pertencentes ao grupo de atividades mentais superiores como pensamento memória inteligência afetividade motivação e volição 2 até culminar com a ativação dos mecanismos específicos para resposta linguagem verbal e nãoverbal respostas psicomotoras etc 30 caminho que o evento percebido e conscientizado percorre pode estar comprometido em algum nível pela patologia ou situação que gerou o coma mas não necessariamente no momento primeiro da percepção Pelos fatos acima narrados sobre pacientes que descrevem as vivências e muitas vezes até sua angústia em não conseguir responder tudo leva a crer que pelo menos nestes casos o evento percorreu seu caminho até no mínimo a compreensão dos estímulos mas que não houve condições de efetivarse a resposta Pela ausência desta por menor que fosse os membros da equipe foram levados a interpretar erroneamente a ausência de consciência vindo essa a ser denunciada por alguns pacientes tempos depois quando esses recobram não a consciência como comumente se diz mas a capacidade de responder aos estímulos Obviamente temos inúmeros outros casos onde essa narrativa não aparece no discurso do paciente pós coma e outros ainda onde a morte sobrevêm antes mesmo de uma retomada da capacidade responsiva por parte deste Estáse muito perto através da evolução dos meios de avaliação do funcionamento cerebral de se chegar ao ponto de poder avaliar de forma clara e objetiva até que ponto a vida psíquica do paciente em coma está ativa Não obstante enquanto esses recursos não estão disponíveis acreditase ser bastante adequado considerar que a possibilidade de se mobilizar o paciente através de comentários das visitas ou outras formas de estimulação direta pode acarretar tanto reações positivas quanto negativas neste Esse tipo de cuidado é possível e caberá à equipe atentar para ele Assim como caberá especificamente ao psicólogo propiciar ao paciente estímulos positivos possibilidades de contato com o mundo externo particularmente com coisas que lhe são significativas obtémse esse dado com os familiares e sobretudo à família que devendo ser orientada adequadamente antes da visita pode e deve participar do trabalho de estimulação Notase aqui alguns dados complementares significativos que aparecem em alguns pacientes através da leitura do seu estado clínico geral como por exemplo aumento da PA em momentos mais críticos emocionalmente dentro do CTI alteração da FC quando da visita de familiares ou de comentários inadequados junto ao paciente Manifestações motoras Automáticas imediatamente após algum evento mobilizante e alguns casos até o choro lágrimas escorrendo do rosto inerte de uma pessoa não tão inconsciente nem tampouco insensível ao grande drama que a cerca 70 PSICOLOGIA HOSPITALAR Gostaríamos de falar nesse parágrafo usando a terceira pessoa para colocarmos que tem sido também experiência nossa toda gama de eventos que se mencionou acima Acreditamos portanto que considerar a possibilidade de existência de vida psíquica no paciente comatoso respeitandoo estimulandoo estando a seu lado e daqueles que lhe são caros pode não ser como muitos ainda acreditam um gesto vão uma perda de tempo Pode talvez representar o elo de ligação entre o limbo de incomunicabilidade e a vida de relação e interação Pode representar também um morrer sentindose acolhido e respeitado na sua dignidade de pessoa no seu antigesto silencioso de adeus aos que ficam Referências Bibliográficas 1 BIRD B Conversando com o Paciente São Paulo Ed Manole 1978 2 LOPES O C A Medicina no Tempo São Paulo Ed Melhoramentos 1970 3 Rev Alma Ata Publ Org Panamericana de Saúde 2o Semestre 1977 4 ROSS EK Sobre a Morte e o Morrer São Paulo Ed Martins Fontes 1979 5 Perguntas e Respostas Sobre a Morte e o Morrer São Paulo Ed Martins Fontes 1981 6 AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION Manual de Diagnóstico e Estatística demente DSMIIIR São Paulo Ed Manole 1989 7 MACHADO A Neuroanatomia Funcional São Paulo Liv Atheneu 1974 8 MUNIZM O Tratamento da Angina e do Enfarto Rio de Janeiro Ed Guanabara Koogan 1977 9 JASPERS K Psicologia Geral São Paulo Liv Atheneu 1973 10 SELYE H The Story ofthe Adaptation Syndrome Nova York Ed Grüne e Stratoon 1952 11 LEVY NB Aspectos Psicológicos de Pacientes Sob Hemodiálise no Downstate Medicai Center In Clínicas Médicas da América do Norte Rio de Janeiro Ed Interamericana Ltda 1977 12 GARMA A Sobre Factores Del Suicídio In Vandenberg Pequena Psiquiatria Buenos Aires Bilbl para el Hombre Actual 1972 13 FERREIRA ML Intercorrências Psicológicas e Psiquiátricas no Hospital Geral Monografia São Paulo Bibl NÊMETON 1992 14 TOLLE R E SCHULTE Manual de Psicopatologia Porto Alegre Ed Maso 1981 15 BRIDGES PK Emergências Psiquiátricas São Paulo Ed Manoele 1976 16 SPOERRI TH Compêndio de Psiquiatria São Paulo Liv Atheneu 1972 17 PAIM I Curso de Psicopatologia São Paulo Ed Grijalbo Ltda 1975 18 MACKINNON et al Avaliação Psiquiátrica na Prática Clínica Porto Alegre Ed Artes Médicas 1988 19 VERNY T A Vida Secreta da Criança Antes de Nascer São Paulo Ed C J Salmi 1989 20 KLAUS N O Surpreendente RecémNascido Porto Alegre Ed Artes Médicas 1989 21 CUNHA I Treinamento PeriNatal Porto Alegre Ed Sagra DC Luzzatto 1981 22 POPPER K ECCLES J O Eu o Seu Cérebro São Paulo Ed Papirus 1991 23 LURIA AR Fundamentos de Neuropsicologia São Paulo Edusp 1984 24 BARBIZET ALLI Manual de Neuropsiciologia São Paulo Ed Masson 1985 PSICOLOGIA HOSPITALAR 71 25 BENNET H In Journal of American Anestesiology Association EUA set 1989 26 SACKS O O Homem que Confundiu Sua Mulher com Um Chapéu São Paulo Ed Imago 1989 27 SPITZ R O Primeiro Ano de Vida da Criança São Paulo Ed Martins Fontes 1979 28 SZASZ T Dor e Prazer Rio de Janeiro Ed Zahar 1976 Roteiro Complementar de Estudos ALEXANDER F Medicina Psicossomática Porto Alegre Ed Artes Médicas 1899 ANGERAMI VA org Psicologia Hospitalar São Paulo Ed Traço 1984 A Psicologia Hospitalar São Paulo Ed Traço 1988 O Doente A Psicologia e o Hospital São Paulo Ed Pioneira 2a edição 1994 1992 GRQFF S Além do Cérebro São Paulo Ed Grawhill 1987 GUTTMANN G Introdução à NeuroPsicologia São Paulo Ed Manole 1977 KASTENBAUM R et al Psicologia da Morte São Paulo PioneiraEdusp 1983 LAMOSABWR org Psicologia Aplicada àCardiologia São Paulo Fund EdBYK 1990 LEPARGNEUR H O Doente a Doença e a Morte São Paulo Ed Papirus 1987 OLIVIERI D O Ser Doente São Paulo Ed Cortez 1984 PERESTRELO D A Medicina da Pessoa São Paulo Ed Liv Atheneu 1982 PITA A Hospital Dor e Morte como Ofício São Paulo Ed Hucitec 1991 ROCH F Distúrbios Mentais PósTraumáticos São Paulo Liv C Humanas Ltda 1973 SACKS O Uma Perna para se Apoiar São Paulo Ed Imago 1989 SZASZ T Dor e Prazer Rio de Janeiro Ed Zahar 1976 3 Estudos Psicológicos do Puerpéno FERNANDA ALVES RODRIGUES TRUCHARTE ROSA BERGER KNIJNIK Introdução O presente capítulo tem como tema central abordar aspectos importantes do período do puerpério ilustrando através do desenho gráfico de algumas pacientes sentimentos emoções e fantasias acerca deste momento de transição A escolha do tema devese à necessidade de um estudo maior desta fase de vida partindo de vivências como membros integrantes de um serviço de Ginecologia e Obstretrícia É importante considerarmos que os sentimentos e reflexões a respeito do puerpério devam ser claramente discutidos pela equipe de saúde pois às vezes interferem como dificuldades enfrentadas na nossa rotina diária Também cabenos salientar que uma intervenção psicológica neste período visa prevenir a saúde mental e física da mãe e do bebê com o objetivo de estimulai uma ligação mais saudável entre ambos Para sua realização foram utilizados recursos bibliográficos com o objetivo de fundamentálo teoricamente enfocando características emocionais do puerpério o significado psicológico da amamentação o nascimento do apego e aspectos da assistência hospitalar no puerpério 74 PSICOLOGIA HOSPITALAR Posteriormente seguemse os desenhos gráficos de algumas puérperas procurando entendêlas dinamicamente quanto ao seu funcionamento numa integração entre teoria e prática Por fim seguese com uma conclusão sobre o que foi apresentado fundamentado e discutido ao longo do trabalho Objetivos O atendimento de puérperas teve como objetivo compreender as emoções sentimentos fantasias e temores decorrentes deste período de transição aliviando as ansiedades presentes Visa também estimular uma ligação mais saudável entre mãe e bebê esclarecendo e informando acerca dos aspectos referentes ao puerpério Sobretudo prevenir a saúde mental de ambos mãe e bebê Metodologia Este trabalho foi desenvolvido no Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital e Maternidade Panamericano A clientela atendida é constituída de pacientes que possuem convênios particulares tais como Amil Unimed Blue Life Interclínicas etc Para tanto foram realizadas entrevistas individuais atendimento em grupo acompanhamento familiar e orientação sobre manejo das pacientes com equipe médica e de efermagem Ao final de cada atendimento solicitávamos dois desenhos figura humana e outro desenho que demonstrasse os sentimentos do paciente naquele momento de vida Fundamentação Teórica 1 Características Emocionais do Puerpério Segundo Maldonado 1985 o puerpério assim como a gravidez é um período bastante vulnerável à ocorrência de crises devido às profundas mudanças intra e interpessoais desencadeadas pelo parto Kitzinger conf Maldonado considera o puerpério como o quarto trimestre da gravidez çonsiderandoo um período de transição que dura aproximada PSICOLOGIA HOSPITALAR 75 mente três meses após o parto particularmente acentuado no primeiro filho Nesse período a mulher tornase especialmente sensível muitas vezes confusa onde a ansiedade normal e a depressão reativa é extremamente comum Os primeiros dias após o parto são carregados de emoções intensas e variadas As primeiras vinte e quatro horas constituem um período de recuperação do cansaço devido ao parto A puérpera em geral sentese debilitada e confusa principalmente quando o parto é feito sob narcose A labilidade emocional é o padrão mais característico da primeira semana após o parto a euforia e a depressão alter namse rapidamente podendo esta última atingir grande intensidade Alguns autores consideram que estes sintomas são devidos às mudanças bioquímicas que se processam logo após o parto tais como aumento da secreção de corticoesteróides e a súbita queda dos níveis hormonais Supõem também a atuação de outros fatores tais como as frustrações e monotonia do período de internação e a passagem da situação de espera ansiosa típica do final da gravidez para a conscientização da nova realidade que ao lado da satisfação da maternidade significa também a responsabilidade de assumir novas tarefas e a limitação de algumas atividades anteriores Às vezes é difícil determinar a linha divisória entre a normalidade e a patologia no caso da depressão pósparto De todo modo a intensificação ou permanência dos sintomas depressivos algumas semanas pósparto merecem ser vistas com maior cuidado Observamos neste período conforme Soifer estados de confusão na partu riente ansiedades de esvaziamento e de castração ou seja a ambivalência entre o perdido a gravidez e o adquirido o filho Um aspecto importante é que para a mãe a realidade do feto in utero não é a mesma realidade do bebê recémnascido e para muitas mulheres é difícil fazer esta transição especialmente as que apresentam forte dependência infantil em relação à própria mãe ou ao marido Podem facilmente gostar do filho enquanto ainda está dentro delas e amar uma imagem idealizada do bebê mas não a realidade do recémnascido As observações da autora mostram que isto ocorre principalmente nas mulheres que tendem a acreditar que seu bebê será diferente tranqüilo chorando pouco dormindo à noite desde o início etc negando antecipadamente a realidade de um bebê nas primeiras semanas de vida diante do qual sentemse freqtientemente assustadas e confusas com a responsabilidade dos cuidados maternos Kitzinger conf Maldonado comenta que na gravidez o filho é muitas vezes sentido como parte do corpo da mãe e por essa razão o nascimento pode ser vivido como uma amputação Após o parto a mulher se dá conta de que o bebê é outra pessoa tornase necessário elaborar a perda do bebê da fantasia para entrar em contato com o bebê real Esta tarefa tornase particularmente penosa no caso de crianças que nascem com problemas graves ou com malformações extensas uii 76 PSICOLOGIA HOSPITALAR Acreditase que uma intervenção no puerpério considerado como crise vital para a mulher é fator de prevenção para a qualidade da relação mãe filho e mãe x filho x pai Segundo alguns autores o período de duração do puerpério é variável No entanto sabemos que os primeiros seis meses após o parto servem como parâmetro na avaliação da saúde mental da mulher quando da elaboração desta fase Alguns hospitais permitem o estabelecimento do sistema de alojamento conjunto rooming in o bebê permanece no quarto com a mãe que cuida dele e geralmente dispõe da ajuda de enfermarias O alojamento conjunto tem a grande vantagem de evitar a separação de mãe e filho numa época tão crucial para a consolidação do vínculo maternofilial Portanto o alojamento conjunto pode ser considerado como uma etapa na preparação para a maternidade ampliando o atendimento obstétrico para o período de pósparto com o objetivo de satisfazer as necessidades físicas e emocionais de proximidade e contato entre mãe e filho As possíveis conseqüências benéficas do alojamento conjunto dependerão muito de aspectos da personalidade da mãe E importante salientar que o puerpério causa grande impacto no marido que pode tanto participar ativamente dos cuidados do bebê dividindo com a mulher a responsabilidade e dandolhe apoio e encorajamento ou sentirse marginalizado rejeitado na relação mãe filho sentimentos que tendem a agravarse com a abstinência sexual das primeiras semanas e com o maior envolvimento da mulher com o bebê Em muitos casos o marido recorre a mecanismos de fuga mergulhando no trabalho ou em relações extraconjugais A intensidade das vivências do parto e a regressão da esposa induzemno também a um estado depressivo e regressivo embora menos intenso que se choca com as exigências impostas pelo puerpério da mulher Por outro lado sentese necessidade de apoio e estímulo encontrase sozinho em casa assumiu nova responsabilidade experimenta um sentimento ante esse desconhecido que é o bebê agora seu rival definido Soifer 1980 p 70 Em caso de mães multíparas observase também um grande impacto do puerpério nos outros filhos Os sentimentos mais típicos são de ciúme traição e abandono Enfrentam também uma situação de crise com muitas mudanças a mãe um dia sai de casa e não volta ausentase por alguns dias e ao voltar traz com ela um bebê que passa a solicitar a maior parte de seu tempo e de sua atenção São comuns os sintomas regressivos por parte dos outros filhos tais como voltar a molhar a cama querer mamadeira ou chupeta solicitar atenção e cuidados etc Conforme Videla 1973 Um irmão é a maior riqueza psicológica que os pais podem dar ao filho Será o caminho que o conduzirá à socialização humana o modo mais simples onde aprenderá a compartilhar a receber e dar a querer e ser querido por alguém de seu mesmo sangue e ou outro ser semelhante PSICOLOGIA HOSPITALAR 77 Outro fator importante a considerar são as influências culturais sociais e econômicas relacionadas ao puerpério Segundo Helene Deutch 1960 o processo psíquico do puerpério em seu conjunto depende naturalmente do ambiente da situação real de vida dos costumes dos pais da família etc Por fim Videla 1973 coloca que a mulher não necessita que lhe digamos como deve pôr o nenê no peito nem quando e nem quanto tempo de cada lado O que deve acontecer é um método de ensaio e erro através desta delicada aprendizagem tanto da criança como da mãe 2 Conseqüências de um Mau Puerpério Destacaremos agora as manifestações da depressão puerperal exarcebada conhecida comumente como psicose puerperal Tal estado caracterizase pelo repúdio total ao bebê a paciente não quer vê lo aterrorizase com ele permanece triste afastada ausente sofre insônia inape tência descuidase da própria aparência não se veste não se banha nem se penteia Muitas vezes faz referência a alucinações geralmente auditivas ou exprime idéias delirantes Tal estado pode remitir por si mesmo ao cabo de alguns dias semanas ou meses Na remissão é muito importante a capacidade dos familiares para tolerar absorver e modificar a ansiedade que determina o quadro ansiedade de esvaziamento ou de castração As idéias delirantes são do tipo paranoide alguém vem roubar a paciente matála envenenála Também podem apresentar sentimentos de autodepreciação e autocensura com características melancólicas ela se vê inútil imprestável não se sabe se poderá criar os filhos etc V As vezes esse quadro é tão intenso que produz alarme na família e se recorre então ao psiquiatra Entre as manifestações alarmantes podemos mencionar as tentativas de suicídio ou o ataque direto ao bebê Em geral antes de chegar à ação a puérpera comunica suas intenções nesse sentido pedindo ajuda Outra forma de depressão anormal é a maníaca A puérpera age como se nada tivesse acontecido mostrase alegre e não se ocupa do bebê A partir da segunda ou terceira semana procura permanecer o mais afastada possível do filho deixandoo aos cuidados de outra pessoa A anormalidade se exprime por um estado de tensão permanente irritabilidade e hiperatividade 3 O Puerpério e a Amamentação Após o parto os pais se defrontam com a percepção das diferenças entre o bebê imaginário gestação e o bebê real com suas características e peculiaridades particulares 78 PSICOLOGIA HOSPITALAR O período do puerpério traz muitas transformações de ajustamento a uma realidade nova A interação mãe bebê e o início dessas mamadas logo após o parto nos comprovam a existência de uma sintonia sutil entre a dupla Quando existe um entendimento e harmonia entre a mãe e seu filho no momento da amamentação o leite flui normalmente e vai acontecendo uma regulação entre a sucção da criança e a liberação do leite produzido Por outro lado quando há desarmonia no contato da mamada surgem várias dificuldades e problemas que bloqueiam a lactação inibindo a produção eou a liberação do leite Além de uma falta de sintonia entre boca e mamilo dificuldades da mãe da criança e boicotes familiares a instituição hospitalar com sua rotina rígida e falta de alojamento conjunto contribuem para maiores problemas neste período Outra questão importante é que o leite é um produto interior do corpo assim como a menstruação e o gozo sexual Assim se predomina uma autoimagem de que o interior do corpo é ruim e seus produtos contaminados essa autoimagem é oriunda de vivências relativas a culpa sexual doenças infertilidade abortos etc a amamentação pode ser sabotada desde o início A ligação sexo e amamentação também deve ser considerada pois há uma dissociação entre maternidade e sexo tornando difícil esta integração para homens e mulheres muitos homens se unem ao não querer amamentar da mulher desestimulandoapara a amamentação ao colocála como antagônica ao encontro sexual A puérpera mãe recémnascida provoca inveja no homem familiares e profissionais de saúde com sentimentos contraditórios pois a nutriz detém o poder de acolher vida e nutrila a partir de seu próprio corpo Neste período a mulher tornase vulnerável às pessoas e situações que acercam e a amamentação fica influenciada por fatores e obstáculos que devem ser analisados Por fim é importante ressaltar que nas mulheres onde o não querer amamentar tornase uma escolha a possibilidade de ser boa mãe não se esgota no ato de amamentar mas sobretudo na intimidade e em favorecer o desabrochar de seu filho 4 O Nascimento de Apego Muitos autores colocam que o processo de formação do vínculo mãe filho iniciase durante a gravidez Em algumas mulheres os vínculos afetivos com seus bebês se iniciam ou se intensificam ao aparecer os movimentos fetais PSICOLOGIA HOSPITALAR 79 Klaus e Kennell 1978 relatam que este sentimento de apego começa num pósparto imediato chamandoo período sensível Bowlby 1981 salienta que existem condições necessárias para que o apego se dê entre mãe e filho Entre elas seria a sensibilidade da mãe frente aos sinais do bebê como também a capacidade do bebê para sentir que suas iniciativas sociais levam à troca afetiva com sua mãe Esse autor acredita que ao término do primeiro ano a dupla mãebebê já tenha desenvolvido um padrão próprio de interação De acordo com estudos realizados nesta área ocorre nas mães uma dupla identificação com o feto e com sua própria mãe E importante salientar neste sentido que as relações estabelecidas pelas mães em sua família de origem podem influenciar a ligação com seu filho Assim como também o desejo de gravidez a expectativa frente ao sexo do nenê as fantasias anteriores ao nascimento deste as frustrações e sentimentos ocorridos neste período têm ligação direta na interação da dupla mãebebê Dentre os sentimentos que surgem nas mulheres a tristeza pela separação e perda ocorrem em todos os partos com significativa freqüência Essa sensação de perda ocorre em todas as mulheres depois de qualquer tipo de parto a conseqüência do período realmente gratificante em que carrega o bebê dentro de si Brazelton 1988 p 95 Em todo nascimento de um nenê existe um curto período em que sobrevêm a sensação de perda e separação de uma parte muito amada do próprio corpo Algumas instituições hospitalares sentem que a separação entre a mãe e seu filho é desnecessária e tóxica para ambos Segundo KlausKennell 1978 este vínculo entre mãe e filho é a fonte de onde emana depois todos os vínculos que haverão de ser estabelecidos pela criança e que constituem a relação que se formará durante o curso da criança Para toda a vida a força e a qualidade deste laço influi sobre a qualidade de todos os futuros vínculos que serão estabelecidos com outras pessoas Com isso é importante concluir que a qualidade de relação entre a mãe e seu filho influencia diretamente o desenvolvimento físico e emocional do bebê formando a base para um progresso adicional posterior 5 Aspectos da Assistência Hospitalar no Puerpério Mesmo antes na própria gestação do paciente o obstetra não se restringe somente aos exames rotineiros nos atendimentos mas também em estar atento às necessidades emocionais do paciente 80 PSICOLOGIA HOSPITALAR O obstetra é figura importante com quem a mulher já estabeleceu um vínculo quando o acompanhou no prénatal e também e especialmente neste momento do puerpério em que todos dedicam atenção somente ao bebê A rotina em um hospital pode ser nociva para a mãe e seu bebê Uma delas seria de trazer o recémnascido para a mãe somente 24 horas após o parto quando vários estudos entre eles de Klaus e Kennel demonstram que essa separação interfere negativamente na consolidação do vínculo mãe bebê intensificando a depressão pósparto e prejudicando a amamentação Outro fator que nos faz pensar como nocivo seria o berçário pois implica numa separação mãe bebê e numa rotina artificial sabotando a amamentação O bebê quando toma mamadeira no berçário chega ao quarto da mãe já sem fome prejudicando a produção de leite Se faz necessário aí a ação tanto do obstetra quanto do pediatra suspendendo as mamadeiras O alojamento conjunto traz muitas vantagens para muitas mulheres Um maior contato do bebê com seus pais diminui a ansiedade da saída para casa uma vez que a mãe já sai da maternidade sabendo lidar com seu filho O ambiente da maternidade deveria ser mais caseiro do que hospitalar para que a mulher pudesse sentirse acolhida As vezes nem tudo ocorre bem ou seja onde mãe e filho nem sempre estão em perfeitas condições instalandose uma situação crítica de cuidados especiais Quando nasce uma criança malformada ou morta instalase uma situação de crise na família A criança que morre ao nascer em decorrência de acidente e não da má formação em geral suscita profundos sentimentos de perda e depressão a mulher e a família se preparam para acolher o bebê que nem sequer chega a ir para casa A mulher sentese especialmente deprimida quando chega o leite então sem função A lactação em muitos casos cessa espontaneamente em outros tornase necessário o uso de substâncias inibidoras Quando a criança é malformada especialmente se nasce com deformações visíveis sua morte traz não só tristeza mas também alívio muitas vezes inconfesso e vivido com culpa Casos Ilustrativos Solicitamos desenhos de 8 puérperas cujas idades variavam de 19 a 45 anos Foram pedidos dois desenhos o primeiro de figura humana e o segundo de como elas estavam se sentindo naquele momento A partir destes dados juntamente com as entrevistas pudemos traçar algumas características gerais destas puérperas num trabalho onde teoria e prática se complementam PSICOLOGIA HOSPITALAR Interpretação dos Desenhos 1 Análise Individual Desenho 1 Dados de Identificação Nome ME Idade 23 anos Estado Civil casada N filhos 2 filho Tipo de parto normal Interpretação O desenho da figura humana apresen ta falta de mãos e pés o que indica uma dificuldade de contato com o mundo A falta de base sugere uma certa inse gurança sem chão O círculo desenhado acima da cabeça pode refletir um peso em relação à ma ternidade a paciente pode estar amedron tada com a nova situação de vida No 2 desenho aparecem pernas e braços quebrados o que novamente pode indicar uma certa dificuldade de contato Sentese amputada para abraçar e cres cer Ocorre novamente a ausência de base Neste mesmo desenho denotase uma ambiguidade em relação aos sentimentos ao mesmo tempo que aparece uma sensação de felicidade Percebese também uma sensação de choro e tristeza Além disso é um desenho infanti lizado 81 PSICOLOGIA HOSPITALAR PSICOLOGIA HOSPITALAR 83 Desenho 2 Dados de Identificação Nome SR Idade 23 anos Estados Civil casada N de filhos l filho Tipo de parto normal Interpretação O desenho da figura humana aparece envolto protegido o que pode denotar certa confusão entre ela mãe e o bebê O seu desejo de proteção é marcante A face humana não apresenta orelhas o que pode indicar passividade e difi culdade de contato A ausência de braços corrobora com esta idéia Não aparece no desenho os membros inferiores e parte dos superiores o que nos mostra um profundo desconhecimento do próprio corpo O segundo desenho aparece muito infantilizado Não há uma distinção entre casa e telhado o que pode sugerir a falta de diferenciação entre vida instintiva e vida emocional A casa a árvore e a flor mos tramse soltas apesar da ten tativa de base o que pode indi car certa insegurança PSICOLOGIA HOSPITALAR PSICOLOGIA HOSPITALAR 85 Desenho 3 Dados de Identificação Nome CF Idade 19 anos Estado Civil casada N filhos l filho Tipo de parto cesárea Interpretação No desenho da figura humana os olhos apresentamse fechados o que pode indi car imaturidade para enfrentar a nova situ ação de vida O nó no pescoço e o cinturão podem sugerir que a paciente sentese fechada para a vida sexual Novamente aparece a ausência de base o que pode indicar certa insegurança No segundo desenho aparecem três coqueiros em tamanhos diferentes que podem ser vistos como a mãe o pai e a filha recémnascida É interessante observar o mesmo traçado em dois dos coqueiros o que pode demonstrar identificação com o mesmo sexo Os cocos podem simbolizar a capaci dade de gerar O corte vertical que aparece desenha do na folha pode demonstrar que a paciente sentese fechada para outras coisas é como se uma determinada fase estivesse acabado e outra prestes a se iniciar O sol representa uma figura supere góica PSICOLOGIA HOSPITALAR PSICOLOGIA HOSPITALAR 87 Desenho 4 Dados de Identificação Nome AC Idade 37 anos Estado Civil casada N filhos 3 filho Tipo de parto Interpretação Observando o desenho da figura humana notase que o braço direito aparece quebrado e há a ausência de mãos o que pode sugerir dificuldade de contato e talvez pouca disponibilidade para a maternidade No segundo desenho aparecem duas montanhas que podem estar simbolizando os seios Também aparece um caminho levemente tortuoso o que pode estar representando a chegada desse novo filho e a necessidade de mudanças PSICOLOGIA HOSPITALAR PSICOLOGIA HOSPITALAR 89 Desenho 5 Dados de Identificação Nome MC Idade 24 anos Estado Civil casada N filhos l filho Tipo de parto cesárea 90 PSICOLOGIA HOSPITALAR Interpretação A figura humana mostrase não identificada com a figura feminina podendo nos indicar que a paciente não se sente identificada com o próprio sexo Aparece sim uma grande identificação com o bebê Parece não saber representar simbolicamente seus sentimentos utilizandose da escrita para isso No segundo desenho aparece também a escrita como uma forma de não simbolização adequada de seus sentimentos PSICOLOGIA HOSPITALAR 91 Desenho 6 Dados de Identificação Nome MD Idade 30 anos Estado Civil casada N filhos 3 filho Tipo de parto cesárea e ligadura tubária 92 PSICOLOGIA HOSPITALAR Interpretação No desenho da figura humana aparece nos olhos a ausência de pupila podendo denotar uma certa dificuldade interna de visualizar as coisas Aparece uma transparência na área genital o que nos faz pensar numa dificuldade neste área principalmente com a procriação Parece uma pessoa sofrida marcada pela vida Podemos observar isto através da face da figura humana bem como pela dureza do desenho O desenho aparece sem base indicando certa insegurança No segundo desenho a perspectiva da maternidade é vista como uma castração Parece que a alegria da ligadura tubária está se sobrepondo à situação da maternidade PSICOLOGIA HOSPITALAR 93 Desenho 7 Dados de Identificação Nome ES Idade 45 anos Estado Civil separada N filhos 6 filho Tipo de parto normal Interpretação A figura humana aparece bastante comprometida pois não há uma discriminação entre as pessoas e os animais O desenho das pessoas está bastante distorcido e deformado Há um enquadramento do desenho o que pode indicar certa rigidez Podese sugerir também uma vida difícil um empobrecimento de vida afetiva No segundo desenho há uma desproporção entre casa árvore ramo de flores e folha A casa aparece rodeada de objetos bem maiores o que pode sugerir sensação de medo A paciente parece viver num mundo de coisas perigosas Os desenhos novamente aparecem enquadrados o que pode indicar rigidez A casa aparece solta no ar o que pode indicar certa insegurança PSICOLOGIA HOSPITALAR PSICOLOGIA HOSPITALAR 95 Desenho 8 Dados de Identificação Nome EL Idade 25 anos Estado Civil casada N filhos 3 filho Tipo de parto cesárea Interpretação A figura humana desenhada é do sexo masculino o que pode suge rir a falta de identificação como o próprio sexo e o quanto a experiên cia da maternidade pode ser difícil para esta paciente O desenho aparece de perfil o que pode representar certa dificulda de de enfrentar o meio Aparece a ausência de base o que pode indicar certa insegurança diante da nova etapa de vida No segundo desenho aparecem cinco peixes que podem indicar sua situação familiar atual ela o marido e os 3 filhos Este desenho denota uma certa regressão em função do meio líquido que aparece PSICOLOGIA HOSPITALAR PSICOLOGIA HOSPITALAR 97 2 Interpretação Geral dos Desenhos Gráficos Os desenhos estudados denotam uma variedade de sentimentos caracterizados por alegria dor confusão e sinais de aparente tristeza Estes sentimentos podem ser considerados adequados se pensarmos que provêm de pacientes que acabaram de ganhar seus bebês e que de certa forma deverão ter que reorganizar suas vidas com a chegada de alguém novo na família Como já foi abordado anteriormente neste momento surgem dúvidas necessidade de mudança de papéis reestruturações pessoais e familiares que podem estar sendo vividos com certa ambivalência alegriatristeza Alguns desenhos mostramse infantilizados e regredidos A ausência de base aparece em muitos desenhos denotando insegurança É interessante observar em alguns desenhos o sentido de família simbolizado pelos coqueiros e pelos peixes De todos os desenhos de figura humana estudados apenas em um deles aparece a figura masculina o que pode demonstrar a não identificação com a figura feminina e o quanto a maternidade pode ser uma experiência difícil para este paciente pois quando se desenha a figura humana do sexo feminino é a comprovação da feminilidade com a maternidade Para muitas mulheres isto é uma descoberta sentemse mulheres quando são mães Em um dos desenhos 6 a perspectiva da nova maternidade se vê contaminada com o procedimento da laqueadura tubária A paciente desenhou um útero cortado quando solicitada a desenhar sobre seus sentimentos Aparece um comprometimento importante em um dos desenhos de figura humana 7 onde as figuras estão bastante distorcidas e desproporcionais misturandose com animais Denotase também em alguns desenhos a dificuldade de representar simbo licamente os sentimentos onde as pacientes precisavam da linguagem escrita para expressálos 5 e 6 CONCLUSÃO A partir da realização do presente trabalho concluímos que a presença do psicólogo numa unidade de Ginecologia e Obstetrícia é de fundamental importância Primeiramente porque esta é para muitas pacientes a oportunidade única de se expressarem falarem sobre seus temores receios dúvidas ansiedades fantasias no período de transição caracterizado pelo puerpério Segundo pensamos que este trabalho pode ser visto como preventivo ou seja por uma ligação mais saudável entre mãe e filho onde se luta por uma maternidade melhor 98 PSICOLOGIA HOSPITALAR Em terceiro lugar acreditamos que a puérpera sentese muitas vezes desprotegida e desacompanhada frente a uma relação formal com o médico contribuindo para uma falha da comunicação entre ambos inibindoa de expressar claramente suas dúvidas É importante salientar que em um hospital geral congregamse profissionais de diversas especialidades tendo por beneficiar o paciente num atendimento mais global e eficiente e contribuindo para uma troca de informações significativa entre psicólogo e outros profissionais Ao mesmo tempo uma equipe dissociada prejudica a qualidade do atendimento Podem fazer parte desta rotina de atendimento carência de número de pro fissionais de equipamentos e medicações tornando o trabalho do psicólogo limitado Por outro lado em alguns momentos médicos enfermeiras e pacientes imaginam e vêem o psicólogo como salvador um mágico capaz de solucionar todos os problemas Cabe ao psicólogo desmistificar esta fantasia mostrandose também limitado diante de várias situações Bibliografia BOWLBY John Cuidados Maternos e Saúde Mental São Paulo Martins Fontes 1981 BRAZELTON T Berry O Desenvolvimento do Apego Uma Família em Formação Porto Alegre Editora Arte Médicas 1988 DEUTSCH Helene La Psicologia de la Muyer Buenos Aires Editorial Losada SA 5a edição 1960 MELLO FILHO Julio de e Colaboradores Psicossomática Hoje Porto Alegre Editora Artes Médicas 1992 KLAUS Kennell La Relación Madre Hijo Buenos Aires Editora Losada SA 5a ed 1960 MALDONADO Maria Teresa Comunicação entre Pais e Filhos A Linguagem do Sentir Petropólis Editora Vozes 1988 MALDONADO Maria Teresa Psicologia da Gravidez Petrópolis Editora Vozes 7a ed 1985 SOIFER Raquel Psicologia da Gravidez Parto e Puerpério Porto Alegre Editora Artes Médicas 1980 VIDELA Mirta Maternidade Mito y Realidad Buenos Aires A Penã Lillo Editor SRL 1973 WINNICOTT DW Os Bebês e suas Mães Coleção Psicologia e Pedagogia São Paulo Martins Fontes 1988 Dedicado a Regina DAquino 4 Pacientes Terminais Um Breve Esboço VALDEMAR AUGUSTO ANGERAMI CAMON Introdução Esse trabalho foi publicado em meu primeiro livro1 Na medida em que esse livro esgotouse e sua reedição carece de propósitos mais atualizados curveime à insistência com que muitos colegas reiteradas vezes pediram por uma nova edição desse capítulo em publicação específica de Psicologia Hospitalar E assim depois de recusar por nova publicação em diversas revistas e anais especializados eilo reescrito e mantido em sua estrutura básica fator imprescindível para que a essência não fosse alterada isso sempre segundo a ótica desses colegas Esse trabalho é apenas uma tentativa de relato sobre uma problemática específica o paciente terminal o definhamento corpóreo e suas implicações Não houve a intenção de criticar os postulados existentes nem tampouco comparálos assumilos ou refutálos simplesmente houve uma tentativa de questionamento da problemática do definhamento corpóreo 1 Angerami VA Existencialismo Psicoterapia São Paulo Traço Editora 1984 100 PSICOLOGIA HOSPITALAR Assim tentouse a elaboração de um trabalho onde as principais proposições e celeumas existentes no seio das discussões teóricas sobre a problemática do paciente terminal foram arroladas Resta ainda por outro lado a certeza de que muitos dados poderiam ser aprofundados e explorados Igualmente outros ficaram omissos por não terem sido considerados importantes ou até mesmo necessários para a elaboração desse trabalho Seguramente muito resta a ser dito e explorado mas o importante é o questionamento e o despertar de consciência sobre fatos e coisas mitificadas prin cipalmente pela omissão social e até mesmo acadêmica É fato porém que a partir do trabalho de colegas que se dedicam intermitentemente ao estudo da temática da morte2 esse quadro está em pleno processo de alteração havendo cada vez mais lugar para uma compreensão mais humana e digna das questões que envolvem a morte A Problemática Social do Paciente Terminal3 A A Sociedade e o Paciente Terminal Ao debruçarmonos sobre a temática dos aspectos terapêuticos inerentes ao paciente terminal deparamonos inicialmente com as implicações existentes na sociedade bem como no contexto institucional hospitalar que incidem sobre ele Torres4 coloca que a morte é no século XX o sujeito ausente do discurso Entretanto nos últimos 50 anos o silêncio começa a ser removido nas ciências humanas Historiadores antropólogos biólogos filósofos psicólogos psiquiatras psicanalistas iniciam com audácia uma luta contra a morte interdita denunciando as causas que levaram à negação da morte e redescobrindo a importância do tema5 Numa sociedade onde a pessoa é espoliada e explorada mercantilmente a perda da capacidade produtiva fará com que o desamparo social seja sentido com mais intensidade A falta de perspectiva existencial tornase o primeiro indício de 2 Nesse sentido gostaria de registrar o trabalho pioneiro das colegas Regina D Aquino e Wilma C Torres e mais recentemente de Maria Julia Kovacs e Marisa Decat de Moura E em que pese o fato de que ao citá las cometo enorme injustiça com outros tantos profissionais que igualmente trabalham nessa mesma direção o determinismo o arrojo e o pioneirismo desses profissionais tornaram a temática da morte presente de maneira indissolúvel nas lides acadêmicas e hospitalares 3 Em nosso trabalho estamos fazendo referência ao paciente terminal portador de doença degenerativa 4 Torres CW A Redescoberta da Morte In A Psicologia e a Morte Torres CW Guedes GW e Torres CR Editora da Fundação Getúlio Vargas Rio de Janeiro 1983 5 Ibid Op Cit PSICOLOGIA HOSPITALAR 101 desespero frente a situações onde a perda da capacidade funcional tornase eminente O total abandono a que se encontram entregues os inválidos de maneira geral levam o paciente terminal a desesperarse frente à realidade que se lhe apresenta O quadro degenerativo faz de seu portador alguém socialmente alijado da competição aviltante existente em nosso meio social alguém que irá merecer sentimentos de complacência Dessa maneira encontraremos pacientes portadores de doenças degenerativas que mesmo não se encontrando no aspecto terminal de suas vidas nem apresentando sinais visíveis de definhamento corpóreo e inclusive não apresentando sinais de comprometimento em seu pragmatismo não conseguem voltar às atividades anteriores ao surgimento da doença O próprio hospital é conivente com essa discriminação Ribeiro6 coloca que o hospital acaba sendo uma oficina e o médico seu principal mecânico Cumpre a ele fazer com que a máquina homem retorne o mais depressa possível à circulação como mercadoria ambulante Interessa consertá la mas interessa menos evitar que se quebre Ela tem que ter como qualquer máquina um tempo útil durante o qual produza mais e melhor todavia há outros homensmáquinas sendo produzidos e que precisam ser consumidos e é bom por isso que ela se vá assim aos poucos7 A presença da doença degenerativa faz com que o paciente seja discriminado e até mesmo rejeitado nas situações mais diversas que podem variar desde situações familiares até situações onde se exercem atividades produtivas O paciente portador de doença degenerativa além da debilidade orgânica inerente à própria doença carrega o fardo de alguém desacreditado socialmente seja em termos de capacidade produtiva seja em termos da mitificação de que se reveste a problemática da doença E a instituição hospitalar surge no bojo das contradições sociais de exigir produção como sinônimo do próprio restabelecimento orgânico Saúde produção é um binômioinvisível que insere doente numa condição de significação apenas e tãosomente a partir de sua condição produtiva Ou ainda nas palavras de Ribeiro80 hospital seja público ou privado representa a emergência de interesses submersos da produção industrial em saúde O que aparece todavia é o seu resultado mais brilhante e socialmente aceito o cuidado com o enfermo Sem embargo é bom que a recuperação aconteça mas é melancólico saber que outros tanto adoecidos dos mesmos males e de outros socialmente provocados e evitáveis ocuparão os mesmos leitos repetindo o suplício de Tântalo que acaba sendo a função do hospital9 Numa sociedade que escraviza o homem valorizando os meios de produção em detrimento dos valores de dignidade humana a saúde passa a ser algo valori 6 Ribeiro P H O Hospital História e Crise São Paulo Editora Cortez 1993 7 Ibid Op cit 8 Ibid Op cit 9 Ibid Op cit k 102 PSICOLOGIA HOSPITALAR zado apenas quando está em risco a capacidade funcional do indivíduo O indivíduo enquanto ser biológico é também um ser social vivendo essa interação de maneira total e consequentemente sofrendo em níveis organísmicos todas as contradições da problemática social da qual faz parte inerente e indissoluvelmente Ademais existe toda uma propulsão social de negação da morte enquanto fenômeno Essa negação de forma constrita cerceia toda e qualquer tentativa de compreensão das implicações da morte no cotidiano das pessoas Torres10 11 coloca que o moribundo só tem o status que lhe é conferido pelo universo hospitalar isto é um status negativo o de um homem que por não poder voltar à normalidade funcional encontrase à espera O moribundo é algo que incomoda Uma vez que a própria morte é oculta mascarada esvaziada e que sobre ela se fixa o conjunto de valores negativos da sociedade a agonianão pode ter status autônomo Não pode ser valorizada É preciso que ela desapareça na patologia submersa perdida irreconhecível11 Também é no paciente terminal que toda a sorte de preconceitos independen temente da patologia que possa acometêlo se encontra enfeixada e direcionada para atitudes que propulsionam muito mais a dor do tratamento em si para aspectos pertinentes a tais preconceitos Assim um paciente ao ser rotulado como aidético por exemplo trará sobre si além de todo o sofrimento de sua debilidade orgânica uma série de acusações sobre a maneira distorcida como a sociedade concebe sua patologia O mesmo ocorrerá com o paciente portador de câncer ou ainda de qualquer outra doença degenerativa O preconceito faz com que toda e qualquer patologia associada diretamente com a idéia de morte seja considerada infecto contagiosa e seus portadores pessoas que necessitam ser alijadas do convívio social Evidência disso é a própria denominação das doenças numa configuração direta com a idéia da destrutividade O termo câncer como mera citação foi associado à doença pela semelhança dessa ao caranguejo no Brasil quando se pronuncia a palavra câncer não se associa de imediato afigurado crustáceo tal qual ocorre na Europa onde essa definição teve lugar12 Assim o câncer aprisiona sua vítima tal qual o crustáceo que lhe empresta o nome até a morte Embora o progresso da Medicina seja notório na área de oncologia havendo inclusive casos onde é possível uma atuação bastante eficaz quando de seu descobrimento precoce ainda assim é difícil não se ver no câncer uma enfermidade imediatamente associada ao espectro da morte E da mesma forma como ocorrem com outras doenças que igualmente estirpavam e ceifavam muitas vidas humanas um exemplo disso é a lepra tão logo passou a ser dominada pela medicina teve sua designação mudada para hanseníase inclusive 10 Psicologia e a Morte Op cit 11 Ibid Op cit 12 Angcrami VA e Meleti RM A Atuação do Psicólogo Junto a Pacientes Mastectomizadas In Psicologia Hospitalar A Atuação do Psicólogo no Contexto Hospitalar São Paulo Traço Editora 1984 PSICOLOGIA HOSPITALAR 103 numa homenagem a Armauer Gehard Hanse médico que descobriu o bacilo específico que provocava a doença o câncer certamente ganhará outra denominação quando for totalmente dominado pela medicina13 O paciente terminal está afrontando todos os preceitos de negação da morte É como se mostrasse a cada instante que a morte embora negada de forma irascível pela sociedade é algo existente e inevitável KublerRoss14 coloca que a morte é uma tema evitado ignorado por nossa sociedade adoradora da juventude e orientada para o progresso É quase como se a considerássemos apenas mais uma enfermidade nova a ser debelada O fato porém é que a morte é inegável Todos nós morreremos um dia é apenas uma questão de tempo A morte na verdade é tão parte da existência humana do seu crescimento e desenvolvimento quanto o nascimento E uma das poucas coisas na vida de que temos certeza Ela não é um inimigo a ser conquistado nem uma prisão de onde devemos escapar É uma parte integral de nossas vidas que realça a existência humana A morte estabelece um limite em nosso tempo de vida e nos impele a fazer algo produtivo nesse espaço de tempo enquanto dispusermos dele15 A soma de toda a incongruência social os conflitos de valores de esteio da dignidade faz com que o paciente terminal seja depositário de uma série de incertezas que irão culminar tornandoo alguém vitimado não apenas por uma determinada patologia em si mas e principalmente de toda uma incompreensão de sua real situação Humanizar as condições de vida do paciente terminal é acima de tudo buscar uma congruência maior em todo o seio da sociedade harmonizando a vida e amorte de maneira indissolúvel Somente assim poderemos assegurar aos nossos descendentes a condição de uma morte e vida dignas A morte precisa ser vista como sendo um processo onde a esperança se funde com uma perspectiva existencial sem exclusão de qualquer uma das possibilidades da existência O morrer é parte inerente da condição humana e o apoio a alguém que se encontra no leito mortuário é antes de tudo o reconhecimento da nossa própria finitude Da nossa condição de seres mortais e portanto passíveis das mesmas vivências e ocorrências do paciente terminal16 13 Ibid Op cit 14 KublerRoss E Morte Estágio Final da Evolução Rio de Janeiro Editora Record 1975 15 Ibid Op cit 16 É como se houvesse uma necessidade preemente da morte deixar de ser temática merecedora de atenção apenas e tãosomente de religiosos É interessante observarse nesse sentido que a maioria das faculdades de Medicina e Psicologia sequer tem espaço em suas estruturações programáticas para a discussão dessa temática Assim esse profissional ao deixar as lides acadêmicas e ingressar numa atividade específica onde a morte surja como possibilidade real terá que adquirir as condições necessárias para tal abordagem de maneira intuitiva e muitas vezes sequer sem condições emocionais para tal E fato que a morte sempre é uma vivência única pessoal e intransferível cujos sentimentos diante de sua ocorrência são igualmente peculiares a cada indivíduo mas a ausência total de uma discussão sistematizada sobre a morte e suas implicações na existência humana é no mínimo um total acinte a essas formações acadêmicas 104 PSICOLOGIA HOSPITALAR B O Staff e o Contexto Hospitalar Diante do Paciente Terminal O paciente terminal é um ser humano que está vivendo um emaranhado de emoções que incluem ansiedade lutas pela sua dignidade e conforto além de um acentuado temor que se relaciona com seu tempo de vida limitado finito Mauksch17 coloca que na sociedade tecnológica moderna morrer é algo que acontece no hospital Mas os hospitais são instituições eficientes e despersonalizadas onde é muito difícil viver com dignidade não há tempo nem lugar dentro da rotina para conviver com as necessidades dos enfermos Os hospitais são instituições comprometidas com o processo de cura e os pacientes à morte são uma ameaça a essa função precípua Os profissionais têm perspectivas e rotinas a cumprir elas simplesmente nada têm a ver com os doentes estão para morrer O morrer é uma ameaça às funções desses profissionais e cria sentimentos de impropriedade incompatíveis com suas funções definidas de pessoas que efetivamente podem lidar com doenças Não há lugar nas funções prescritas desses profissionais para que se comportem como seres humanos no atendimento a seus pacientes que se encontram à morte18 Esse paciente vive um momento do qual seus familiares e o staff hospitalar também fazem parte Essa participação muito vai influir no estado desse paciente determinando inclusive os aspectos de rejeição ou aceitação deste frente ao tratamento e até mesmo frente à própria doença Quando um paciente é admitido no hospital a equipe delineia a chamada trajetória hospitalar Essa trajetória dáse através de encaminhamentos realizados pelo prontosocorro ou ainda através de diagnósticos realizados fora do hospital Uma vez hospitalizado o paciente é encaminhando para o setor específico de tratamento onde a partir de intervenções necessárias cirurgias tratamentos medicamentos infiltrações etc são delimitados os itens de sua permanência num determinado setor19 Essa trajetória de uma forma geral além do diagnóstico consiste até mesmo nas expectativas dessa equipe frente a esse paciente As variações dessa trajetória irão influir no comportamento da equipe havendo sempre a possibilidade do surgimento de inúmeras contradições na interação equipe paciente Mauksch20 coloca que o paciente deve sentirse dependente de seus médicos e enfermeiras deve sentir que deveria ser grato pelos cuidados que recebe dessas pessoas maravilhosas21 17 Mauksch OH O Contexto Organizacional do Morrer In Morte Estágio Final da Evolução Op cit 18 Ibid Op cit 19 Angerami AV A Psicologia no Hospital São Paulo Traço Editora 1984 2 0 0 Contexto Organizacional do Morrer Op cit 2 1 Ibid Op cit PSICOLOGIA HOSPITALAR 105 A interação equipepaciente gira também em torno de incessantes conflitos entre a luta do paciente agonizante e a equipe do hospital desejosa para designar certos papéis ao paciente que envolvem inclusive sua completa despersonalização e isolamento O paciente é marginalizado passando a carregar o estigma de moribundo alguém desprovido de sentido existencial Deixa de ser uma pessoa e passa a ser um leito a mais no hospital Sua existência ganha significação na doença e o todo existencial passa a ser apenas e tãosomente a doença e suas implicações22 É evidente que as reações do paciente frente à essa despersonalização e isolamento irão variar muito dependendo de cada estória ficando difícil para o staff hospitalar lidar com essas diferenças É consenso inclusive no meio hospitalar que o paciente considerado adequado é aquele que aceita de modo inquestionável o tratamento e normas impostos pela equipe hospitalar Aquele outro paciente que se rebela ao tratamento e muitas vezes inclusive aceita até mesmo a idéia de resignarse e aceita a morte de maneira plena traz sobre si toda a ira da instituição hospitalar O staff hospitalar acredita que não oferecendo a cura ao paciente não poderá lhe oferecer nada mais Teme que o paciente ou a família venham a pensar na hipótese de fracasso A instituição hospitalar existe para curar não admitindo nada que transcenda esses princípios A medicina é definida como sendo a arte de manter acesa a chama da vida tornandose inadmissível aceitar o contato com algo tão terrível e que ponha em risco esses princípios O staff hospitalar revestido desses princípios vêse então na responsabilidade de cuidar do paciente e de sua doença de maneira infalível O cuidar do paciente irá provocar tensão nesse profissional na medida em que não tenha lidado ou elaborado seus sentimentos de onipotência que na maioria das vezes não é manifesto embora sej a determinante da maioria dos procedimentos assumidos por esses profissionais Quando isso ocorre esse profissional tenta protegerse contra o risco da falha profissional a morte Assim não será dada a menor importância para aquilo que o paciente demonstra medo fantasias e ansiedades em relação ao seu tempo de vida Esse profissional vai reagir defensivamente frente a esses sentimentos presentes na relação a certeza latente de não poder salvar a vida do paciente O cuidar do paciente constantemente ou mesmo a presença deste será um prenuncio da impotência desse profissional o que seguramente poderá provocar desejos nebulosos e pouco precisos de que o paciente morra findando assim a longa agonia desse relacionamento Mauksch23 coloca que o paciente hospitalizado também procura descobrir quais são as recompensas e quais as punições para o comportamento no hospital Entretanto é mais difícil para o paciente descobrir isso porque 2 2 0 conceito de despersonalização é melhor abordado no capítulo O Psicólogo no Hospital 23 O Contexto Organizacional do Morrer Op cit 106 PSICOLOGIA HOSPITALAR as regras não são claras variam as definições e não existe comunidade informal de pacientes Esse clima de dependência ante o pessoal da instituição esgota no paciente o senso de individualidade e de valor humano Em tal ambiente é possível apresentar um de meus órgãos para conserto porém é muito mais difícil encarar o fato de que estou morrendo24 Por outro lado quando o paciente deseja morrer não suportando mais fisicamente esse profissional inconformado intensifica o tratamento e irritase quando o paciente se recusa a alguma mudança terapêutica pois essa recusa significa de maneira muito clara que o paciente está apenas e tãosomente manifestando o desej o de rendição o que em última instância significa desej ar o alívio de morrer KublerRoss25 coloca que esses pacientes representam um fracasso da instituição no seu papel de apoio à vida e não há nada nesse sistema que supra a carência do espírito humano quando o corpo necessita de cuidados26 De outra forma ao assumir o papel de esclarecedor informando o paciente sobre o que realmente está acontecendo não no sentido de darlhe o diagnóstico da doença27 mas esclarecendo dados sobre a internação hospitalar bem como o estigma que envolve esses aspectos e o que é mais importante deixa de ver no paciente uma enfermidade que está pondo em risco sua eficácia profissional Muitas vezes o paciente em sofrimento desalentador está necessitando de apoio existencial palavra conforto enfim de sentirse uma pessoa com significação existencial todo próprio Em alguns casos essa necessidade sobrepõese inclusive à necessidade da terapêutica medicamentosa E necessário que cada profissional envolvido nessa problemática tome consciência de sua atuação frente a esse tipo de paciente pois de nada adiantará uma real sensibilidade junto à comunidade da verdadeira e desoladora problemática da doença degenerativa se no ambiente hospitalar esse paciente continuar a sofrer toda a intensidade da rejeição social de que se reveste a problemática28 A temática 24 Ibid Op cit 25 Morte Estágio Final da Evolução Op cit 26 Ibid Op cit 27 Cremos errada a atitude médica comumente empregada de negar a informação ao paciente sobre seu próprio sintoma e elegendo a família como tendo condições emocionais para receber esta informação Esta prática comum no meio médico reflete a falta de uma atitude criteriosa sobre as condições emocionais do paciente Se um dado paciente por exemplo não possui condições emocionais para receber o impacto de uma informação sobre o diagnóstico de um possível câncer nada pode nos assegurar que os familiares possuem tal condição Esta atitude médica revela em última instância uma postura onde o profissional recusase ao enfrentamento das condições emocionais do paciente diante do diagnóstico Tornase assim cômodo deixar para os familiares esta responsabilidade em que pese na maioria das vezes a fusão dos sentimentos emocionais sobre este diagnóstico A Psicologia no Hospital Op cit 28 É importante ressaltarse que ao se fazer referência à comunidade como abrangência de toda uma reflexão sobre a realidade do paciente terminal estamos fazendo referência à totalidade do tecido social aí incluindose desde aqueles segmentos mais distantes da problemática em si como também daqueles que diretamente lidam com a temática PSICOLOGIA HOSPITALAR 107 da morte precisa ser incluída no referencial das questões existenciais Ou ainda nas palavras de KublerRoss29 morrer é parte integral da vida tão natural e previsível como nascer Mas enquanto o nascimento é motivo de comemoração a morte transformase num terrível e inexprimível assunto a ser evitado de todas as maneiras na sociedade moderna Talvez porque ela nos relembra nossa vulnerabilidade humana apesar de todos os avanços tecnológicos Podemos retardála mas não podemos escapar dela30 Alguns Dados Relacionados com a Vivência Junto ao Paciente Terminal O psicólogo habituado a trabalhar aspectos e esquemas corporais certamente domina o limiar da verbalização tendo como cerne de sua atuação o expressionismo gestual capaz de exprimir toda e qualquer espécie de sentimentos Por outro lado ao enfatizarmos a comunicação não verbal estamos abertos numa dimensão muito mais intensa aos mais variados sentimentos que na maioria das vezes não são passíveis de verbalização Muitos sentimentos são inefáveis e portanto comunicados apenas e tãosomente pelo expressionismo corporal Na relação terapêutica com o paciente terminal o contato e a dimensão do expressionismo corporal existem inclusive não apenas como opção de atuação mas também como alternativa frente ao definhamento corpóreo progressivo do paciente que muitas vezes inclusive o impede de manifestarse verbalmente Dessa maneira vamos encontrar alguns pacientes que em certos momentos devido ao definhamento corpóreo em que se encontram além da dor e do torpor provocado pelo tratamento medicamentoso a que são submetidos não conseguem expressarse de outra forma que não através do afagar de mãos ou então da comunicação estabelecida através do olhar O olhar angustiado e suplicante de um paciente terminal possui a imensidão da dor e do desespero presente no existir humano Mesmo em situações onde o paciente consegue expressarse verbalmente o relato sempre vem acojnpanhado de um forte expressionismo corporal Como ilustração temos o caso de NGL casado 36 anos de idade num estado bastante avançado de definhamento corpóreo NGL após referirse a situações de sua vida relata era preferível morrer a ter que viver de forma tão degradante absurda As pessoas não me olham minha mulher repete a cada instante que eu estou podre e que precisa tratar da documentação do inventário Até meus filhos que são a razão do meu viver agora me evitam eu acho que além de tudo ainda 29 Morte Estágio Final da Evolução Op cit 30 Ibid Op cit 108 PSICOLOGIA HOSPITALAR devem sentir vergonha do estado do pai é horrível seria melhor morrer e acabar logo com isso tudo eu não agüento mais sie Em seguida chora um choro compulsivo totalmente incontrolado Ao manifestarse nesse comovente depoimento NGL mostra gestos de desespero apertando as mãos de tal forma parecendo ter a intenção de destruílas Concomitantemente leva as mãos até o rosto procurando esconderse parecendo evitar todo e qualquer contato lembrando através de seus gestos a rejeição dos filhos e da mulher Por outro lado a vivência com o paciente terminal possui sempre presente o espectro da morte ainda que o paciente não manifeste verbalmente essa presença O próprio definhamento corpóreo é um indício marcante e verdadeiro da morte eminentemente presente na relação o que por si só estabelece uma vibração energética no sentido físico do termo e que transcende o limiar da razão e portanto da não razão e que caracterizará a própria relação Existem casos em que relação iniciase desde a internação do paciente no hospital quando esse ainda não apresenta sinais visíveis de comprometimento orgânico Nesses casos é possível perceber todo o processo corpóreo suas implicações e conseqiiências Existe durante esse processo a certeza de que toda a relação que termina leva consigo um pedaço muito grande da vida das pessoas envolvidas nessa relação Assim e levandose em conta que a relação certamente irá terminar com a morte de uma das pessoas envolvidas na relação a proximidade do morrer é sentida de uma forma muito intensa como se fosse algo que deixasse um leve aroma no espaço e que fosse perceptível apenas na vivência do envolvimento dessa relação algo indescritível pela razão algo sentido apenas na vivência e na emoção exaladas dessa relação O exaurir da morte traz à tona o processo bem como todas as fases pelas quais o processo se desenvolveu mostrando a irreversibilidade do tempo e do espaço nas coisas que se deixaram por fazer ou que foram preteridas ou postergadas para um outro momento As razões do existir a própria razão sofrem constante revisões transcendendo muitas vezes até o limiar da existência O olhar dentre as formas de expressionismos dos sentimentos é seguramente a mais abrangente em termos de dimensionamento absoluto ainda que tenha em si a presença da própria subjetividade humana Um olhar de dor tem a condição de mostrar o sofrimento de uma maneira que as palavras sequer podem conceber Um olhar de desejo desnuda muito além de qualquer outra forma de insinuação Um olhar meigo transmite uma doçura perceptível e inegável Um olhar de ódio fulmina mais que o punhal mais cortante A vivência com o paciente terminal traz muito presente o olhar sej a talvez por ser o mais puro dos expressionismos seja ainda por conseguir transmitir os verdadeiros sentimentos daquele momento desesperador E diante dessa manifestação do olhar é como se outras formas de expressionismo perdessem o sentido e até PSICOLOGIA HOSPITALAR 109 mesmo sua condição na essência humana Exemplo dessa citação é o caso de MCC 64 anos de idade e comprometida por metástase óssea que a deixava totalmente transtornada não apenas pela dor como pela condição de imobilismo Depois de vários atendimentos e devido ao seu definhamento progressivo MCC praticamente não se expressava verbalmente Assim o atendimento era totalmente direcionado para outra forma de expressão Durante esse período tão logo a cumprimentava junto ao seu leito colocava minha mão direita sobre a sua mão esquerda gesto que fazia com que MCC respondesse imediatamente colocando sua mão direita sobre a minha E assim ficávamos algum tempo suas mãos alcochoando minha mão direita e o olhar transmitindo todo o desespero de quem tentava de todas as maneiras continuar vivendo ou ainda libertarse daquela situação de sofrimento Em nosso último encontro estava novamente com a minha mão direita entre suas mãos quando percebi um brilho em seu olhar até então desconhecido Olhei fixamente para esse olhar tentando decifrar o significado daquele estranho brilho E assim passaramse alguns segundos instante eterno dalma Em seguida coloquei a minha mão esquerda junto daquelas mãos E então constatei MCC havia morrido naquela fração de segundos A minha mão esquerda constatou que a vibração energética das outras mãos se misturavam com o ardor da morte Aquele brilho estranho em seu olhar era o brilho da morte MMC morreu segurando minha mão tentando agarrarse à vida Mostrou no brilho do olhar as luzes do morrer Tentou em vão suplicar por mais alguns instantes de vida Morreu e seu olhar transmitiu toda a imensidão do momento A relação com o paciente terminal tem que ser entendida e abordada de forma própria além das implicações inerentes ao fato do atendimento ser realizado ao lado do leito junto à cama mortuária do paciente ou seja no lugar onde o paciente se vê definhando onde sofre a intensidade da dor causada pela doença Temos ainda outras variáveis que incidem sobre o paciente como o cuidado medicamentoso a dor progressiva que aniquila toda e qualquer resistência orgânica bem como as implicações emocionais do definhamento corpóreo E a relação deve ainda ser entendida como sendo específica à realidade na qual se encontra inserida não podendo ser transportada para outros parâmetros que não aqueles que determinam essa forma de atuação A vivência com o paciente terminal exige do terapeuta que esse tenha muito claro e de forma assumida determinados questionamentos e valores em relação à morte e ao ato de morrer o que não significa dizer que esse profissional tenha de ser totalmente insensível à morte Esse tipo de exigência guardadas as devidas proporções seria como exigir que um ginecologista não mais tenha sensibilidade frente à genitália feminina ou então exigir que a existência humana em contato direto com a morte não chore um choro profundo e doloroso frente a coisas que se vão e deixam de existir na forma e na essência humana O existir humano é único 110 PSICOLOGIA HOSPITALAR e finito e como tal deve ser vivenciado e sentido A dimensão do infinito e do irreal tornamse muitas vezes inatingível frente aos aspectos absurdamente reais trazidos pelo sofrimento do definhamento corpóreo Por outro lado naqueles casos onde o paciente manifesta o desejo de morrer iremos encontrar nuances tão específicos onde o expressionismo se mistura às contradições inerentes ao processo em si É muito difícil em termos gerais a aceitação da idéia de que muitas vezes se necessita morrer da mesma forma que em outros momentos necessitamos dormir repousar Nesse caso o profissional se aflige com a idéia de não poder competir com a corrida invencível do tempo tendo como fracasso tangível a impossibilidade de cura do paciente pois de uma forma geral possui o sentimento de não estar fazendo efetivar os princípios da medicina que envolvem a preservação da vida Como ilustração cito o caso de FAL 16 anos de idade e também acometido de metástase óssea Os nossos encontros iniciais se deram quando F AL ainda estava hospitalizado em São Paulo E após várias tentativas de tratamento incluindose desde cirurgias previamente marcadas e posteriormente desmarcadas devido à especificidade do caso até tratamento medicamentoso e radioterápico era possível perceber que FAL não tinha mais disposição para continuar resistindo às intempéries da doença Ele negligenciava com todas as alternativas de tratamento que dependiam de sua colaboração Mostravase exau rido de tanto sofrimento fosse pela doença em si fosse ainda pela dor que o consumia E apesar de todos os esforços da equipe de saúde em demovêlo dessa atitude os resultados eram praticamente nulos O seu definhamento era perceptível e aumentava com a mesma intensidade que a dor que o dominava Sua maior reinvindicação passou a ser voltar para Mariana sua cidade e ali permanecer junto de sua família Queria descanso trégua de todo aquele aparato tecnológico que apenas traziam desconforto e que efetivamente não aliviam a dor e o sofrimento que experenciava A equipe de saúde como um todo mostravase indignada diante do depoimento de FAL praticamente considerada em uníssono como sendo absurda Aquele depoimento representava o total desprezo pelos avanços da medicina e uma total entrega ao descanso da morte A sua tenra idade deixava a todos muito mais perplexos como se a aceitação da morte fosse pertinente aos mais velhos Muitas reuniões e discussão de caso entre a equipe apenas demonstrava com uma clareza cada vez mais nítida que FAL recusavase a continuar cercado de todo aquele aparato sem ter no entanto a proximidade da família FAL recusavase a continuar aquele colorário de sofrimentos e mostravase indignado diante da recusa da equipe de saúde em aceitar o seu desejo Os nossos contatos estreitaramse e serviam cada vez com mais intensidade para que ele mostrasse o qu anto desej ava obter o direito de morrer junto de seus familiares naquele pedacinho de canto do interior de Minas Gerais PSICOLOGIA HOSPITALAR 111 sic Era difícil para ele aceitar qualquer contraponto que não fosse a sua transferência para junto da família Argumentava inclusive sobre as dificuldades da mãe em visitálo tanto pela distância em si como pelo custo financeiro de tais viagens F AL tocava violão antes da hospitalização e esse detalhamento fez com que o nosso relacionamento se estreitasse ainda mais devido também a minha intensa ligação com a música Vários de nossos encontros foram permeados apenas e tãosomente pela música Ele a contar o quanto queria ter estudado música de maneira mais profunda e eu a contar dos tempos em que minha atividade principal era de musicista envolvido em concertos e recitais Estabelecemos um vínculo muito forte onde além da compreensão de seu desejo de morrer tínhamos também a música como ponto de união e afinidade A equipe de saúde depois de muitas discussões finalmente resolveu liberar FAL para que ele voltasse para junto de seus familiares em Mariana Foram tomadas todas as providências desde ambulâncias para locomoção até detalhamento dos cuidados para que a prescrição medicamentosa fosse seguida para que FAL pudesse então voltar para o seu canto cercado de cuidados mínimos necessários para sua nova fase de vida Após essa decisão era impressionante o sentimento de fracasso estampado na face de todos os membros da equipe de saúde Em cada narrativa em cada gesto em cada explicação enfim em qualquer detalhadamento onde o caso era exposto o primeiro que se evidenciava era a sensação de fracasso pela deliberação de FAL No último encontro que tivemos em São Paulo FAL chorou muito ao relatar a alegria de poder voltar para o seu canto Nessa ocasião coloquei para ele que em algumas semanas estaria em Ouro Preto cidade próxima à dele para realizar um trabalho junto com um grupo de colegas de Belo Horizonte Coloquei ainda que na terceira noite de minha estada naquela cidade estaria realizando um recital de música para o grupo além de alguns convidados FAL entusiasmouse de imediato e perguntou se ele também poderia assistir a esse recital Diante da minha anuência ele ficou muito feliz e exultante chamandome a atenção o cuidado que teve para situarse espacialmente em relação ao lugar onde faríamos o nosso retiro profissional E embora fosse um lugar de difícil acesso situado nas cercanias de Ouro Preto foilhe fácil o entendimento tanto pelo interesse demonstrado como pelo conhecimento que tinha da região Despedimonos e a sensação primeira que me invadiu era que aquele encontro talvez fosse a última vez em que nos víamos A dor da despedida estrangulava no peito esquecendo todas as circunstâncias que determinavam o seu afastamento Na seqiiência fui para Ouro Preto como estava previsto E na noite do recital noite fria com o luar envolvendo a cidade de forma magistral enquanto conversava com alguns amigos nos minutos que precediam o início da música fui avisado que havia um grupo de pessoas querendo me dirigir a palavra Quando fui ao encontro 112 PSICOLOGIA HOSPITALAR desse grupo depareime com F AL e seus familiares Uma cena emocionante os familiares providenciaram uma cadeira de rodas para transportálo pois em que pese a distância das duas cidades ser pequena o seu estado de saúde inspirava bastante cuidado Mas lá estava ele envolvido num cobertor de lã xadrez como que a mostrar que apesar de todas as dificuldades lá estava ele ansioso para me ver e me ouvir Não houve como conter as lágrimas era muito prazeroso vêlo novamente Em seguida ele se acomodou na sala onde se realizou o recital e ali permaneceu até o fim ora aplaudindo ora sorrindo ora compenetrandose na profunda introspecção da música Terminada a audição F AL agradeceu de modo comovente pela alegria e paz sic E pediume para que fosse visitálo em sua casa antes de retornar para São Paulo E assim ocorreu e na tarde do dia seguinte estávamos novamente juntos agora em sua casa E ele pediu então para que eu tocasse uma peça que havia gostado muito Incontáveis vezes repeti aquela peça E num dado momento ele colocou que aquela música era maravilhosa repousante ideal como acalanto para dormir e até mesmo morrer em paz sie Era dilacerante ouvir aquele depoimento de busca de alívio na morte sensação que tornavase ainda mais cáustica diante da constatação que o depoente embora adolescente na idade ainda mantinha no coração a pureza e a inocência de uma criança Era mais uma vez a presença da dificuldade de aceitação do alívio da morte era a constatação de que aceitálo no desejo de morrer era algo inconcebível mesmo para pessoas que teoricamente até aceitavam tal posicionamento Mas ele era bastante determinado e ressaltava após cada execução que aquela música era acalanto para se morrer em paz No início da noite voltei para Ouro Preto depois de uma comovente despedida E após o jantar fiquei isolado do grupo de colegas que divertiase muito a festejar a última noite que estaríamos reunidos naquele espaço Suas algazarras e alegrias demonstravam que naquele momento nada mais queriam da vida que não uma felicidade igual à sua vida Eu no entanto estava isolado sentado na varanda E naquela noite fria olhava para o céu estrelado com o luar estampando a delicadeza da Natureza em esplendor Naquela noite não consegui dormir com tranqüilidade Uma turbulência interior muito grande prejudicoume o sono A imagem daF AL era presença constante no meu imaginário No início da manhã com os primeiros raios de Sol colorindo a madrugada fui para Belo Horizonte onde apanharia o avião que me traria para São Paulo No aeroporto uma força imperiosa me fez ligar para obter notícias de F AL E o familiar que me atendeu ao telefone aos prantos narrou que naquela noite ele dormiu como fazia habitualmente mas havia amanhecido morto Havia morrido em paz talvez ainda sob o som daquela sua melodia Custo a crer que esse caso sej a real Tenho a sensação de que se trata de uma criação da minha alma num momento de psicotização com a própria realidade A mim me parece muitas vezes impossível ter vivido esse enredo de fatos e acontecimentos O que me traz ainda um pouco para a realidade é poder executar essa peça musical e lembrar de FAL definindoa como acalanto para se morrer em paz PSICOLOGIA HOSPITALAR 113 O sentimento de abandono que experimentamos quando morre um paciente que atendemos é desolador E somado ao fato de estarmos alquebrados com a dor da perda em si temos ainda uma família que aguarda ansiosa por alguma forma de conforto e amparo E a sensação que muitas vezes me invade é a de que o paciente após a morte é quem passa a cuidar de nós com as coisas deixadas e ensinadas durante o período de convivência O contato com o paciente terminal questiona de maneira profunda e crucial muitos valores de essência humana Tudo passa a ser questionado por outra ótica e muitas coisas tidas como verdadeiras e absolutas passam a ser consideradas sem a menor importância sendo que outros fenômenos tidos como muito pouco significativos tornamse verdadeiramente significativos ocupando de forma globalizante o sentido existencial de tal forma que transformamse na essência e no sentido da própria vida O mais significativo nessa vivência é a constatação de que o paciente terminal nos ensina uma nova forma de vida uma nova maneira de encarar as vicissitudes que permeiam a existência uma forma de vivência mais autêntica onde os valores decididamente sejam preservados em detrimento de aspectos meramente aparentes que na maioria das vezes permeiam as relações interpessoais A vida ganha novo significado ao se perceber a amplitude da importância da cada segundo de cada encontro do Sol rompendo a neblina numa manhã de Outono da florada do IpêRoxo e da Suinã no Inverno da emoção do amor contida num beijo e num afagar de mãos E como se tivéssemos que conviver estreitamente com a morte para ressignificar a própria vida para ressignificar cada detalhe da existência A morte tornase um processo vital determinante de um encontro com a plenitude com a transcedência do amor e do transbordar da paixão de simplesmente viver Simplesmente sorrir diante do encantamento sorrir diante do belo De simplesmente chorar quando a emoção assim o determinar chorar diante da dor ou ainda diante de situações de alegria De simplesmente saber que a vida é uma emoção contínua e que transborda prazer de forma intermitente E necessário um novo sentimento de ardor para se sorver o deleite de paz propiciada por essa nova maneira de apreensão da realidade Por essa nova maneira de vivência onde o sorriso de uma criança será mais importante que o amealhar de fortunas Onde uma noite de tranquilidade estreitandose nos braços um corpo querido e amado irá ter significado incalculável e imensurável onde a doçura de uma noite de Verão seja a concretitude da existência E onde o brilho de um doce e meigo olhar seja a razão de toda a eternidade Bibliografia ANGERAMI VA Existencialismo Psicoterapia São Paulo Traço Editora 1984 ANGERAMI VA org PsicologiaHospitalar A Atuação do Psicólogo no Contexto Hospitalar São Paulo Traço Editora 1984 114 PSICOLOGIA HOSPITALAR ANGERAMI VA A Psicologia no Hospital São Paulo Traço Editora 1988 KUBLERROSS E Morte Estágio Final da Evolução Rio de Janeiro Editora Record 1975 RIBEIRO HP O Hospital História e Crise São Paulo Editora Cortez 1993 TORRES CW Guedes GW e Torres CR A Psicologia e a Morte Rio de Janeiro Editora da Fundação Getúlio Vargas 1983 PIONEIRA THOMSON LEARNING Outras Obras Sobre o Tema O DOENTE A PSICOLOGIA E O HOSPITAL VALDEMAR A ANGERAMICAMON ORG HELOÍSA B DE CARVALHO CHIATTONE EDELA A NICOLETTI Esta é uma obra indispensável a todos que direta ou indiretamente trabalham na área da saúde Abordando trabalhos desenvolvidos em hospi tais da cidade de São Paulo os autores descrevem suas atividades levando assim a uma reflexão pormenorizada sobre a ocorrência de algumas patolo gias e suas implicações emocionais Os temas apresentados AIDS Cân cer Violência Contra a Mulher e a Criança Alcoolismo c Urgência em Prontosocorro são acrescidos de uma retomada das seqüelas emocionais A ÉTICA NA SAÚDE VALDEMAR A ANGERAMICAMON ORG Textos de Ana Maria L C de Fcijoo Viviane R Soldati Nelson Cruz dos Santos Mareia M B Bartilotti Wilson Luiz Sanvito Leo Pessini ITe loisa B de C Chiattone e Ricardo W Sebastiani Tratar do tema Ética é sempre uma missão tão importante quanto polêmica Importante por ser componente fundamental de uma sociedade organizada que tenciona buscar e aprimorar o comportamento humano aperfeiçoando o relacionamento entre as pessoas criando parâmetros de conduta Polêmica por estar ancorada no juízo pessoal em códigos de con duta própria ou mesmo em códigos impressos mas onde por muitas vezes dependem de interpre tações pessoais Esta dividido em 9 capítulos com diversas abordagens sobre o tema O diagnóstico de uma doença traz consigo a mudança da condição de sadio para a condição de doente Nessa situação o paciente passa a lidar com o risco eminente de adoecer sofrer e morrer Isto faz com qrte ele viva constantemente ameaçado por essa situação que representa um ataque não somente ao seu corpo mas também ao seu psiquismo O aspecto da somatização está analisado de modo ímpar nesse livro e certamente será de grande valia aos médicos psicólogos enfermeiros assistentes sociais e de mais profissionais professores e estudantes na área de saúde PSICOSSOMÁTICA E A PSICOLOGIA DA DOR VALDEMAR A ANGERAMICAMON ORG URGÊNCIAS PSICOLÓGICAS NO HOSPITAL VALDEMAR A ANGERAMICAMON ORGANIZADOR A psicologia diante do idoso hospitalizado o sentido psicológico da dor a psicologia no setor da neonatologia e o atendimento psicológico na realidade do prontosocorro são alguns dos temas que o livro aborda de maneira precisa e arrojada Obra indispensável a todos os que desejam man terse atualizados sobre o que existe de mais avançado no campo da psicolo gia na realidade da saúde E A PSICOLOGIA ENTROU NO HOSPITAL VALDEMAR A ANGERAMICAMON ORG HELOÍSA B DE CARVALHO CHIATTONE RICARDO W SEBASTIANI MARIA LÚCIA H FONGARO CLÁUDIAT DOS SANTOS Tratase de um livro que mostra o trabalho do psicólogo no hospital buscando a humanização do paciente e a compreensão dos aspectos emoci onais presentes no processo de adoecer E uma das mais brilhantes descrições de como a psicologia se inseriu no contexto hospitalar Com esta obra a Pioneira se lança na vanguarda das temáticas contemporâneas apresentando uma das mais notáveis performances da psicologia SUICÍDIO FRAGMENTOS DE PSICOTERAPIA EXISTENCIAL VALDEMAR A ANGERAMICAMON A discussão envolvendo a temática do suicídio é das mais importantes na realidade contemporânea Alguns teóricos afirmam que o suicídio é uma epidemia contagiosa que se alastra no seio da sociedade quando divulgado mas este tema não pode ser confinado a tais asserções com o risco de se incorrer em erro Em termos estritamente filosóficos o suicídio é um ato que questiona a existência de modo drástico e definitivo Não atinge apenas a vítima mas seus familiares e amigos íntimos A violência e o suicídio são fatores interligados de uma mesma manifestação o desespero humano E no momento em que as pessoas estão sendo atiradas às raias do desespero pelas mais variadas razões a contribuição desse livro é fundamental para os estudiosos da temática A obra é dividida em duas partes A primeira aborda o fenômeno do suicídio a partir de três grande áreas clínica teórica e filosófica A segunda parte apresenta alguns casos clínicos propor cionando reflexão sobre o tema O livro é destinado a estudantes e profissionais das áreas de psicologia medicina filoso fia enfermagem e a todos que de alguma maneira se interessam pelo enredo do suicídio na condição humana Visitenos na internet wwwthomsonlearningcombr e saiba mais sobre nossas publicações IMPRESIÓN E ACABAMENTO ISBN 8522101868 visitenos na internet wwwthomsonlearningcombr email promothomsonlearningcombr Prezado a Leitora Para que possamos mantêlo informado sobre as novidades do mercado editorial e de nossos títulos solicitamos o preenchimento dos campos abaixo remetendo o cupom para Pioneira Thomson Learning Rua Traipu 114 3 andar Perdizes CEP 01235000 São Paulo SP ou pelo fax 11 36659901 00288650000066 Psicologia hospitalar 150 P969 Valdemar Augusto Angerami Camon org Fernanda Alves Rodrigues Trucharte Rosa Berger Knijnik Ricardo Werner Sebastiani O Psicólogo no Hospital Atendimento Psicológico no Centro de Terapia Intensiva Estudos Psicológicos do Puerpério Pacientes Terminais são as temáticas aqui abordadas por competentes profissionais da área ver pág 4 fruto de ricas experiências vividas A Psicologia Hospitalar tem como objetivo principal a minimização do sofrimento causado pela hospitalização e as sequelas e ocorrências emocionais dessa hospitalização pois é notória a evidência cada vez maior de que muitas patologias têm seu quadro clínico agravado a partir de complicações emocionais do paciente daí a importância da atuação do psicólogo no hospital Visite nossos sites wwwthomsonlearningcombr wwwthomsonlearningcom ISBN 8522101868