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Filosofia

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INTERROGAÇÃO FILOSÓFICA E ENGAJAMENTO P Ricocur Pourquoi La Philosophie A VIDA COTIDIANA Todo filósofo está diante de seu tempo como Sócrates na área dos sofistas estes tentavam fechar a reflexão numa única alternativa ou você segue as tradições sem compreendêlas ou então você procura simplesmente sairse bem na vida ser o mais forte É a este tipo de alternativa que Sócrates se opunha quando dizia àqueles que poderiam ser chamados de tradicionalistas para os quais tudo se resumia em deixar as coisas como estão sem tentar modificálas é necessário repensar tudo é preciso refletir sobre tudo é preciso criticar é necessário medir tudo conforme uma norma de verdade e de bem E aos cínicos que diziam que na ausência de qualquer tipo de critério ou de regras o que interessa é que cada um procure ser o mais forte o mais rico acumulando o máximo de prazeres ele dizia Uma vida que não é examinada não merece ser vivida A uns e a outros portanto ele fornecia um instrumento de reflexão Ironia destruidora mas também trabalho de definição para refazer passo a passo e até se poderia dizer malha a malha o tecido da cidade Sem dúvida trabalho contínuo de abalar de colocar em questão de dúvidas eis aí a ironia socrática a terrível ironia socrática que mergulha seus adversários no desconforto e no desespero sempre para construir alguma coisa e para elaborar melhores razões de viver com limpidez e honestidade Sócrates nos dá assim um modelo ao nível mesmo da vida cotidiana pois Sócrates vivia em praça pública interrogando a todos os homens cada qual em sua própria profissão Ele introduziu naquilo que eu chamaria de uma ação da razão uma ordem razoável de vida e de valor os elementos para uma escolha de razão Então o que significa isso para nós já que não se repete mais Sócrates Eu gostaria de recolocar essa questão a respeito da Filosofia e da vida cotidiana no coração de nossa sociedade que não é certamente mais o de Atenas no coração de uma sociedade moderna que se define por um certo número de traços que vocês conhecem bem nos quais vocês entraram talvez com menos espanto do que seus antepassados pois vocês já nasceram nela É uma sociedade que é antes de mais nada definida por suas técnicas suas técnicas de produção de consumo de lazer consequentemente é uma sociedade cujo objetivo é sempre o de consumir cada vez mais o de conseguir cada vez mais o bem estar Mas ao mesmo tempo também é uma sociedade cada vez mais incerta a respeito de seus próprios objetivos e a respeito dos valores implicados nesses objetivos São frequentemente os revoltados os marginalizados que colocam a questão Mas sinceramente para que se enriquecer Por que o luxo Vêse então que vivemos numa sociedade que de uma parte é cada vez mais racional nos seus meios em suas técnicas em sua organização mas de outra parte cada vez mais incerta de seus próprios objetivos no âmago de seus empreendimentos de racionalidade Creio que o grande problema é este conforto doloroso que acontece no coração da sociedade entre a crescente racionalidade das técnicas e o crescente nãosentido dos objetivos dessa sociedade É nessa encruzilhada que se planta a primeira responsabilidade da Filosofia no nível perfeitamente concreto e cotidiano isto tem o questionamento dos meios oferecidos por uma sociedade de abundância Ela a Filosofia quer fincar a dúvida no coração mesmo daquilo que me parece o mais óbvio buscar sempre o maior grau de poder o maior acúmulo de bem estar e de coisas materiais Mas do mesmo modo como Sócrates queria curar e não simplesmente condenar creio que nós também responsáveis pela Filosofia devemos modestamente propor objetivos uma nova visão a esse homem da técnica do poder e do consumo máximo Penso aqui em termos gerais os quais demandariam análises mais precisas Dois grandes objetivos pelo menos devem ser colocados em face do nãosentido e do desespero Primeiramente o objetivo de uma humanidade total a ser construída Vivemos em uma humanidade cada vez mais compartimentalizada onde os mais ricos se tornam ada vez mais ricos onde os pobres parecem se distanciar cada vez mais da riqueza onde as nações buscam seus bens privados onde mesmo cada profissão ou categoria social persegue objetivos privados em detrimento das outras É a grande concorrência das categorias Creio que a visão de uma humanidade total como um só sujeito histórico como um só ser e como um só corpo que sofre é já um primeiro objetivo digno de ser buscado Tenho por certo que é grande o número de pessoas que se sentem atormentadas pelo nãosentido por não serem capazes de projetar seu pró prio destino sentindose parte dessa humanidade g lobal de uma humanidade total Esta visão deve portanto ser equilibrada por uma outra visão a visão das pessoas singulares e individuais Se quisermos a palavra humanidade pode ter dois sentidos humanidade é em extensão todos os homens mas é em intensidade cada um individualmente irredutível singular único Penso que a tarefa de uma ética hoje é a de pensar a humanidade como una e querer que cada pessoa se realiza singularmente Vemos então como neste primeiro nível a Filosofia se apresenta como aquilo que ela sempre foi uma ética Sem dúvida poderseia objetar aqui identificarse então a Filosofia com um moralismo Gostaria de introduzir aqui a diferença entre ética e moralismo Entendo por este último um ensinamento que seria simplesmente um catálogo de interdições e de conhecimentos farás isto não podes fazer aquilo Isto talvez tenha um certo teor pedagógico no início da vida mas entrar verdadeiramente numa questão ética é descobrir que o mandamento e a interdição somente são instrumentos para um problema bem mais fundamental qual seja o acabamento realização do homem O verdadeiro problema não é no fundo o da obrigação o da interdição o do mandamento mas sim o da realização de nosso desejo de ser E todo problema moral tem sua origem nesse intervalo que se estabelece entre o que desejamos profundamente e o que somos em nossa vida efetiva É nesse desvio nessa doença nessa discordância que nasce primeiramente a Filosofia como interrogação da mesma maneira que ela nasce do espanto diante das coisas já Platão dizia Do espanto nasceu a Filosofia Entretanto há um espanto que é bastante o riginário que é o espanto frente às coisas É o espanto diante dessa discordância desse desvio dessa distância de cada um de si mesmo espantos diante daquilo que quero ser profundamente e daquilo que eu posso ser numa determinada cultura numa determinada sociedade Tentei nesta primeira parte mostrar como nascia a interrogação filosófica e ao mesmo tempo aquilo que poderíamos chamar de engajamento filosófico engajamento que é no fundo a tarefa do homem moderno na sua interrogação que diz respeito às relações entre os meios que a sociedade lhe oferece e os objetivos que só ele pode engajar desde o fundo de seu desejo de ser A interrogação filosófica nasce uma segunda vez nasce em um segundo nível o qual eu chamaria de vida científica II A VIDA CIENTÍFICA A Filosofia sempre esteve em constante diálogo com a ciência ou com as ciências e uma reflexão ética perde muito da sua riqueza quando se afasta das ciências Aliás vemos como os grandes filósofos estiveram em estreito contato com as ciências de seu tempo com a Física com a Matemática com a Biologia e hoje conforme veremos com as Ciências Humanas A Filosofia não pode ser um discurso fechado sobre si mesmo um discurso que o filósofo endereçaria só aos filósofos Eu quase diria que a Filosofia não tem propriamente um objeto só seu Ela faz seu objeto de outras ciências e é por i sso que ela é sempre uma reflexão com a ciência e com as ciências O que significaria isso então na era atual Da mesma maneira de como tentei caracterizar a vida cotidiana como sendo uma vida inserida numa sociedade técnica industrial tentarei caracterizar está época do espírito científico que é a nossa por três traços primeiramente vemos como se vai precisando e se difundindo um modelo de verdade tomado de empréstimo às Ciências Exatas Matemáticas e às Ciências Experimentais Física Química etc Antes de mais nada então o aperfeiçoamento e a difusão de um modelo de conhecimento exato Em segundo lugar vemos como simultaneamente o trabalho científico se fragmenta de uma maneira espantosa e inquietante Produzse no plano da atividade científica algo muito parecido com o que se passa no nível do trabalho tão fragmentado e dividido está este último que um sociólogo se referiu a ele dizendo ser um trabalho em fatias Essa pulverização entretanto não se encontra somente no nível das atividades manuais ou das atividades técnicas do homem mas também está principalmente no nível do conhecimento científico hoje extraordinariamente fragmentado Lembrome de ter entendido exatamente isso numa conferência de um grande mestre da Fisica Contemporânea quando falando sobre o método dizia Eu físico experimentalista eu não compreendo o físico matemático o físico teórico Com mais razão ainda notamos isso se observarmos que aquele por exemplo que trabalha em bacteriologia não consegue acompanhar o trabalho daquele que se debruça sobre um campo de pesquisa muito afim da bacteriologia a química da vida por exemplo Vêse portanto que ao mesmo tempo que as ciências se reagrupam ao redor de alguns modelos de exatidão elas se fragmentam em suas realizações Enfim um terceiro traço vemos como modernamente o conhecimento científico tenta alcançar o próprio homem fato que é relativamente recente o aparecimento das Ciências Humanas Em suma observamos um certo tipo de evolução ou progresso do conhecimento científico primeiramente o nascimento das Ciências Matemáticas já na época de Platão logo após vemos a ciência se desenvolver em direção à natureza e nos séculos XVIII e XIX vemos o prodigioso desenvolvimento das Ciências da Vida São as Ciências Humanas as que marcam hoje a última conquista do conhecimento científico Psicologia Psicanálise Sociologia e todas suas ramificações Sociologia industrial Sociologia dos povos primitivos Sociologia das religiões etc Também essas ciências passam portanto pelo mesmo processo de fragmentação Diante disso qual é então a tarefa da Filosofia da reflexão filosófica Não é certamente a de formar um superbiólogo ou um supermatemático mas é uma tarefa de reflexão Como Retomemos aos três pontos a difusão de um modelo de exatidão a fragmentação do saber e sua extensão às Ciências Humanas Em relação ao primeiro ponto o dos modelos é tarefa da Filosofia compreender a legitimidade desses modelos de conhecimentos mas também os seus limites de legitimidade Isto é devemos compreender o que é justificável na medida na análise na teoria formalizada e axiomática Que aspecto da realidade se presta a esse tipo de domínio a esse tipo de instrumento científico O que pode ser tratado como um fato observável submetido a leis Vejam a Filosofia não vai fornecer uma superciência mas vai se esforçar para recolocar o conhecimento científico em seu verdadeiro lugar de conformidade com uma certa visão do real Encontrar o justo lugar do conhecimento científico eis a responsabilidade do filósofo Não se trata de acrescenta r algo mais à ciência mas de de colocála em seu devido lugar Creio que um tipo de reflexão como esta que eu professo e pratico pressionaria uma reflexão sobre a existência sobre a existência do homem encarnado num mundo pelo seu corpo responsável por suas escolhas colocado frente a frente com o outro com o qual ele deve dialogar e se comunicar Esse tipo de reflexão não consiste em ajuntar alguma coisa à ciência mas em cavar mais embaixo A reflexão filosófica não é um estágio novo a ser acrescentado à ciência mas um aprofundamento em seus fundamentos da ciência para se inteirar do solo em que ela a ciência está construída pois se falamos do objeto matemático de objeto físico tudo isso é sem dúvida uma construção de nossa cultura avançada mas esse edifício foi construído sobre uma presença do homem no mundo que é como o solo o solo primitivo sobre o qual foi edificada essa grande construção que é a ciência Deve haver então um retorno uma volta aos fundamentos a essa relação de encarnação que tenho com o mundo e que me faz aparecer como um ser que nasce e que morre portador de uma palavra à qual devo dar sentido a fim de reencontrar os outros homens Há então aí todo um tecido existencial articulado ramificado ao redor das n oções do mundo de carne do homem na carne do mundo de escolha de diálogo de comunicação Creio que é essa a resposta que o filósofo deve dar ao cientista a descoberta de uma ingenuidade segunda pois é depois da ciência que nós temos a possibilidade de chegar ao antes da ciência Quero dizer com isso que é quando se chega ao estágio mais avançado do conhecimento científico que nós podemos colocar o problema das raízes desse conhecimento científico no nascimento do homem no seio de um mundo Diante da fragmentação sem fim do saber que comparei com a divisão do trabalho divisão do trabalho científico correspondendo à divisão do trabalho tecnológico a responsabilidade do filósofo hoje não é a mesma que poderia ter sido no século XIX penso particularmente no grande empreendimento de Augusto Comte ao fazer um sistema das ciências Hoje provavelmente só se poderia fazer uma classificação grosseira das matemáticas da astronomia da física e etc e creio que o que só deveria desenvolver é uma reflexão sobre a linguagem reflexão que teria o mesmo caráter de radicalidade que propunha à reflexão diante dos modelos científicos Sendo o conhecimento científico constituído por uma linguagem que é organizada de uma ma neira determinada ele se caracteriza por princípios com suas normas de léxico e sintaxe E se nós não podemos elaborar todo um sistema das ciências como fizeram Leibnitz no século XVIII e Augusto Comte no século XIX nós podemos entretanto propornos a tarefa do remembramento da linguagem humana isto é a tarefa de compreender como é que dentro da palavra e dentro desse maravilhoso poder de fala que é o homem estão contidas as possibilidades de ramificações em diferentes linguagens Penso que um dos problemas fundamentais da cultura moderna é essa fragmentação das linguagens linguagem do sábio linguagem da vida cotidiana linguagem do artista linguagem da técnica e etc Salvar a u nidade da linguagem é responsabilidade feita que o poder de dizer o poder de significar de exprimir de comunicar possam se realizar em registros tão diferentes uns aos outros como o conhecimento científico a poesia a expressão m ítica ou ao contrário o domínio ou modelo tecnológico A responsabilidade do filósofo é então creio eu a de compreender essa variedade de linguagens de colocar cada uma delas em seu devido lugar mas também de saber justificar cada uma delas as relacionado com as demais compreendendo que a linguagem é feita de tal maneira que não existe prosa senão porque existe a poesia não existe a técnica senão porque existe o mito e que o poder de falar é salvo na medida em que o leque dessas linguagens e dessas maneiras de dizer que o mundo permanece inteiramente aberto Falei de leque e me parece que ele poderá permanecer bem aberto se o pensamento filosófico for aquela mão que toma firmemente a si a tarefa de o articular Filosofia e Ciências humanas terceira característica da vida científica moderna Seria vão se nós inquietássemos a respeito do desenvolvimento das Ciências Humanas ou se tentássemos resistir a ele como teria sido vão resistir ao avanço da Biologia no século XIX ou às Matemáticas no tempo de Platão A coisa está aí e é preciso encarála convenientemente Há algo de irreversível um ponto de nãoretorno no conhecimento Sim há hoje uma Psicologia científica uma Sociologia científica etc e assim devem ser vistas A única coisa que a reflexão filosófica pode fazer aqui é situar essas Ciências Humanas e dizer o que podem e o que não podem e isso a Filosofia só conseguiria fazer se ela acatar as regras do jogo isto é se o filósofo não for um ignorante em Ciências Humanas mas esteja em contato direto com uma delas seja a Psicologia seja a Psic análise seja a Sociologia Tudo o que foi dito a respeito das relações entre Filosofia à ciências adquire um teor particularmente do verdadeiro quando se trata das Ciências Humanas pois é o ser humano que aí está em jogo Poderseia à rigor ignorar a Física ou a Bio logia poi s elas têm como objeto de seus conhecimentos o mundo das coisas ou dos animais Entretanto o que é que sabemos de nós mesmos como coisas ou como seres vivos Com muito mais razão é impossível deixar de lado a Psicologia ou a Sociologia já que justamente elas tratam desse ser o homem que pretende conhecer a si mesmo pela reflexão Consequentemente o desafio que estas ciências representam em relação ao conhecimento de si mesmo faz com que o filósofo não possa retrucalas senão as conhecendo perfeitamente Creio que o ponto de junção entre Ciências Humanas e Filosofia é a preocupação de reencontrar em nós mesmos aquela parte aquele aspecto que não podem ser objetos da ciência Não podemos circunscrever as Ciências Humanas senão através de uma tomada de consciência desse fundo de existência fundamento esse que alguns denominam o vivido seja na ace pção berg eson iana da Fenomenologia ou do Existencialismo Tratase de reencontrar aquilo que nos é sujeito aquilo que faz de nós um sujeito aquele que diz eu aquele que está em relação não só com um ele e com um isto mas principalmente com um tu enfim aquilo que me faz ter diante de mim uma segunda pessoa e simultaneamente me constitui como primeira pessoa no meio das coisas Consequentemente é sempre através dessa reconquista do fundo não objeti vável do homem que pode ser compreendida a legitimidade e a justa ambição do conhecimento científico O problema de uma antropologia filosófica isto é de uma reflexão filosófica sobre o homem é justamente esse ponto de realidade onde o não objetivável o sujeito como tal é religado ao objetivável sendo ess e ponto aliás o nosso próprio corpo pois eu sou o mesmo corpo quando digo eu e é este meu corpo próprio que me faz pertencer à quela realidade Sou pois como ser encarnado esse ponto de sutura entre o que é sujeito e não poderá ser interpretado senão na reflexão e numa reflexão e numa retomada sobre si mesmo e aquilo que pode ser exposto à observação e submetido à investigação científica O homem enquanto ser de fronteiras postado entre o objetivo e o não objetivo entre o vivido e a coisa esse homem é sem dúvidas aquele que pode ser objeto da ciência mas também é simultaneamente aquele que faz a ciência aquele que como sujeito do conhecimento como sujeito responsável pelas suas escolhas como parceiro de diálogo esse home é sempre outro e está sempre em outro lugar em relação à investigação científica É aqui que aparece a tarefa da Filosofia não só no sentido de separar o objetivo do subjetivo mas de mostrar que o homem é o lugar onde ambos se reencontram e co n fundem III A VIDA DE REFLEXÃO OU DE MEDITAÇÃO A dupla abordagem acima descrita pela vida cotidiana de uma parte pela vida científica de outra levanos a um terceiro nível que é como um segundo poder da linguagem como um poder da reflexão Toda interpretação filosófica sem dúvida reencontra questões com problemas de funda mento problemas de origem Nossa interrogação surgi de uma questão que Aristóteles assim anuncia Ti to on o que é o ser O que é Questão que diznos Heidegger foi mais radicalizada desde que Leibnitz a formulou de forma mais dramática Por que existe algo em vez de nada existir Ser filósofo é a scender a esse tipo de questionamento E é bem aqui que renasce a nossa dúvida inicial por que a Filosofia É certamente uma questão que não se dá na vida cotidiana e mesmo de certa maneira não se dá propriamente na vida científica É uma questão que não pode ser justificada mas que uma vez surgida não nos larga mais Um bom filósofo francês Eric Weil no seu livro La Logique de la philosophie começa por um grande capítulo intitulado Violence et Philosophie Não há justificativa para se ser filósofo a não ser que se decida entrar na ordem da razão e da interrogação filosófica todo o resto aparecerá como violência isto é posição sem razão do meu querer viver Fazemos parte de uma sociedade entramos no diálogo dos grandes filósofos e começamos a perceber que não é senão disso que eles falam e que eles são filósofos pelo fato de tentarem responder a esta ou a uma quest ão semelhante O que significa entretanto esta questão para nós modernos já que é extremamente importante buscar o seu sentido para a vida de hoje A questão o que é ser ou por que existe algo em vez de não existir é certamente para nós mais complicada e também mais dramática e até mais trágica do que para um Descartes um Spinoza um Leibnitz mais complicada porquê depois da famosa descoberta do cogito cartesiano penso logo existo ela se cindiu em duas de um lado a questão do ser a questão da natureza questão de Deus e do outro lado a questão do próprio homem que afinal das contas foi quem deu dois sentidos à Filosofia Depois de Descartes poderseia dizer que a questão relativamente simples do ser foi duplicada A Filosofia passa de um polo a outro e se vê como Descartes começa pelo cogito e logo se fecha sobre este mesmo cogito fazendo sur g ir esse gigantesco problema da Filosofia moderna a subjetividade o eu e logo após um segundo movimento retomando novamente as provas da existência de Deus tentando construir pelo argumento ontológico um ser de Deus diante do homem Não são os argumentos de Descartes que aqui nos interessam mas sim o fato de que ele nos dá o modelo das filosofias modernas que não são mais como um círculo com um único centro mas como uma elipse ao redor de dois focos Há a questão do homem mas há também a questão do ser ou a questão de Deus É essa tensão na Filosofia moderna que conduziu àquilo que há pouco eu dizia ser não só mais complicado mas também mais dramático e até mesmo mais trágico Parece que essa tensão que a partir do século XIX se implantou como uma espécie de ruptura ou de alternativa que nos confunde totalmente não nos deixa muita escolha em relação às duas possibilidades fundamentais de viver de existir de nos compreender a nós mesmos como homens de explicar as coisas ou reagrupamos tudo ao redor de um único centro o homem ou reagrupamos tudo ao redor de algo maior que o homem de uma palavra mais que humana a qual seria como que o fundamento da nossa vida Penso que isto cria uma ta refa para o filósofo moderno pois nos séculos passados mesmo não sendo objet o de um ensinamento tr anquilo e fácil essa questão pelo menos era vista de maneira bem mais coerente Creio que diante desse rasgo do campo ontológico diante dessa polarização e dessa ruptura na questão do ser a tarefa do filósofo é dura Primeiramente devo introduzir essa alternativa com bastante lucidez não escamoteando não minimizando mas esclarecendo Entendo por esclarecer a atitude de mostrar todas as consequências de uma escolha ou de outra na consequência da ética na questão de vida pessoal no diálogo com as ciências e particularmente com as Ciências Humanas É aí que culmina aquilo que chamei de interrogação A Filosofia moderna é bem mais problemática do que as filosofias anteriores Há momentos na história da Filosofia que são de crítica e há outros que são de síntese de integração momentos que chamaria de orgânicos como também há períodos elípticos Estamos incontestavelmente num período crítico que urge lucidez Penso entretanto que a segunda tarefa do filósofo é a de escolha e de ser um testemunho vivo de sua crítica Creio ainda qu e não se trata aqui da fala do alto de um pedestal dos que usam da autoridade e se acham imunes à crítica dos outr os Quando se é testemunha de uma escolha o problema é justamente o de permanecer em diálogo com os que fizeram uma escolha diferente é nesse sentido que a Filosofia se torna justamente um testemunho e não um ensinamento auto ritário e dogmático É por isso que uso aqui a palavra testemunhar a qual pertence de agora em diante ao vocabulário da Filosofia moderna na medida em que implica essa dupla ideia um risco realmente assumido e uma modesta vontade de dar razão aos outros de se explicar aos outros Por que essa timidez essa modéstia do filósofo É simplesmente porquê estamos na grande ruptura moderna e há pessoas honestas dos dois l ados É porquê o ensinamento filosófico d eve ao mesmo tempo clarificar com autoridade a alternativa e mostrar a necess idade de escolha e oferecer com modéstia uma opção e confrontá la com dos outros É nesse sentido para mim pelo menos que a Filosofia é uma grande coisa e o ensinamento da Filosofia uma tarefa perigosa mas admirável Tornarseia ela mais difícil mais dramática Permitamse terminar com uma antecipação Quiçá estejamos no início de uma nova época do pensamento talvez estejamos já na virada de uma época crítica na qual ao longe perceberemos os alhures de uma época orgânica talvez ainda no limiar de uma época de cultura onde as duas correntes vão menos se confrontar do que se alimentar uma da outra Refirome a um humanismo ateu e a uma profissão teísta da criação e do homem Por que Simplesmente pelas razões que pudemos encontrar no transcorrer da caminhada desta reflexão Creio que o humanismo puro e simples o humanismo ateu chegou a este ponto de interrogação é possível o homem Será que a vida tem um sentido Esse homem que crê e que não crê somos nós mesmo somos agora os herdeiros dessa interrogação e todos nós já descobrimos essa possibilidade e essa ameaça do nãosentido De uma maneira ou de outra o problema do nãosentido não se refere só a insignificância da linguagem depois de Joyce até Ionesco não só a insignificância da sexualidade do trabalho do lazer mas também esse problema está agora implantado na cultura moderna na literatura no cinema no romance no teatro e também na Filosofia Para que ele fosse capaz de se resguardar d o desespero do nãosentido d o nihilismo não seria necessário então que o homem estivesse enraizado em alguma coisa conduzido por uma vida por uma palavra mais que humana E isso tudo não é necessário dizer contra o outro mas sim o dizer com o outro pois a possibilidade de chegarmos a descobrir é só está se Deus está morto não estará também morto o próprio homem E hoje a questão do sentido e do nãosentido é que é a herdeira da antiga questão do sagrado Creio entretanto que a afirmação de Deus pelo homem moderno deverá ser sensivelmente diferente da de seus predecessores Ela deverá incorporar muitos ensinamentos do humanismo moderno para poder eliminar o quê de infantil de nãoadulto que ela possa ter e que eventualmente procede do medo ou da própria fraqueza humana da sua submissão ou de sua demissão cega Seria necessário então que nós descobríssemos aquilo que frequentemente eu costumo chamar de afirmação originária o fundo afirmativo que não se pronuncia contra o homem e sem ele mas com o homem e desde o fundo de seu desejo de ser responsável e autônomo A afirmação de Deus não é o limite da existência do homem mas se assim posso dizer o poder de seu poder a força de sua força e não propriamente a força de sua impotência e a força de sua fraqueza Há uma palavra de Sartre que diz Se sou livre Deus não existe o que nós temos que descobrir precisamente é uma maneira de afirmar Deus e de afirmar a liberdade de tal maneira que Deus não seja aquele que me retira a minha liberdade mas aquele que a anima profundamente como a afirmação de uma afirmação A grande alternativa então que nós enfrentamos e vivemos atualmente entre o humanismo ateu e a afirmação de Deus não dirá respeito somente à questão de uma escolha radical entre duas possibilidades nem mesmo de um confronto entre dois tipos de homens ou dois gêneros de vida mas algo assim como um diálogo interior entre duas partes de nós mesmos É isto que segundo o que entendo a Filosof ia vindoura será chamada a testemunhar 1