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Filosofia

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tória da filosofia a partir do que se costuma chamar senso comum e posteriormente tentar criticálo Isto é inovar e tornar crítica uma atividade já existente 1 Um movimento filosófico só merece este nome na medida em que no trabalho de elaboração de um pensamento superior ao senso comum e cientificamente coerente jamais se esquece de permanecer em contato com os simples e melhor dizendo encontra nesse contato a fonte dos problemas que devem ser estudados e resolvidos2 Vejamos quais foram as respostas dos universitários a É o modo da pessoa encarar a vida b É o estudo de assuntos abstratos c É uma maneira diferente de analisar situações que na vida cotidiana são corriqueiras e tornamse monótonas d É a busca do porquê procura de explicações plausíveis e É uma arma que nos ajuda a tentar viver de uma maneira melhor Nas respostas acima constatamse alguns dados que auxiliam no esclarecimento da questão que se pretende analisar o que é a filosofia Por exemplo seria a filosofia o modo de encarar a vida Consultando o dicionário 3 constatase entre outros este significado para o termo filósofo Aquele que procede sempre com sabedoria e reflexão que segue uma filosofia de vida Então filosofia poderíamos deduzir a partir do dicionário seria um procedimento sábio e reflexivo dos filósofos Isto entretanto é mais do que um modo de encarar a vida o significado de filosofia de vida tem mais a ver com a noção dada pelo aluno O professor Dermeval Saviani esclarece o assunto Ouvimos falar em Filosofia da Educação da Escola Nova Filosofia da Educação do Governo de São Paulo Filosofia da Educação da Igreja Católica etc e sabemos que não se trata de reflexão da Igreja Católica dos educadores da Escola Nova ou do Governo de São Paulo sobre os problemas educacionais a palavra filosofia referese aí à orientação aos princípios e normas que regem aquelas entidades Tal orientação pode ou não ser conseqüência de reflexão Com efeito a nossa ação segue sempre certa orientação a todos os momentos estamos fazendo escolhas mas isso não significa que estamos sempre refletindo a ação não pressupõe necessariamente a reflexão podemos agir sem refletir embora não nos seja possível agir sem pensar4 Neste âmbito encontramse escolhas que fazemos no nosso cotidiano como por exemplo a compra ou não de um televisor sua marca ou tipo Isto demonstra o nosso modo de encarar a vida mas não se deve identificar essas escolhas como uma atitude filosófica Portanto a definição de filosofia ainda carece de outros dados Passemos a outra noção que talvez possa nos ajudar Seria então a filosofia um estudo de assuntos abstratos Pelo dicionário verificase que abstrato dizse da representação à qual não corresponde nenhum dado sensorial ou concreto e por extensão que é de difícil compreensão obscuro vago6 Ao passo que concreto antônimo de abstrato tem o sentido de claro definido6 Ou ainda dizse da coisa ou representação que se apresenta de modo completo7 Portanto o conceito de abstrato se prende à idéia de representação desvinculada do concreto e do sensorial Abstrato seria o nãopalpável aquilo que não se pode perceber pelos sentidos Filosofar nesta acepção seria ocuparse do que não se pode sentir sentidos e daquilo que não é concreto Ou então seria algo difícil por se tratar de estudo das coisas obscuras nãodefinidas A filosofia se ocuparia desta forma do estudo de coisas de difícil entendimento de difícil penetração Acreditamos que a noção acima se prenda a um simples fato O que tem sido a filosofia no Brasil Nos dicionários a noção popular de filósofo é a daquele indivíduo indiferente às coisas do mundo8 ou que vive vida retirada do mundo9 e sabemos que o termo é sinônimo de louco marginal Ocuparse de filosofia era coisa de padres no seminário ou de louco Esta era ou é a noção da filosofia no senso comum algo muito distante do diaadia do concreto Entretanto ao contrário a filosofia está muito próxima da vida e do cotidiano A filosofia não está absolutamente seccionada da vida como um castelo de fórmulas abstratas e às vezes estranhas um fútil jogo de palavras ou uma 4 Dermeval Saviani A Filosofia na formação do educador Universidade Federal de São Carlos São Paulo sd p 16 mimeo 5 Aurélio Buarque de Holanda Ferreira op cit 6 Id ibid 7 Idem 8 J Mesquita de Carvalho Dicionário Prático da Língua Nacional 6ª ed Ed Globo Porto Alegre sd 9 Caldas Aulete Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa 4ª ed Ed Delta SA Rio de Janeiro 1958 10 11 maratona inútil de opiniões contraditórias como vulgarmente se acredita e como por graça às vezes dizem inclusive os próprios filósofos10 Entre nós esta noção ainda permanece difusa e o filósofo ainda não é reconhecido como um ser da práxis E por que isso acontece Perguntamos antes O que tem sido a filosofia no Brasil Se respondermos a esta pergunta veremos por que esta concepção de filosofia como algo difícil e obscuro existe entre nós São duas as principais razões Primeiro é que nossa cultura é uma cultura colonizada mimética A preocupação filosófica dos nossos pensadores foi na sua quase totalidade uma atividade de erudição e estranha à cultura brasileira como manifestação autêntica do fazer humano Nossos pensadores foram estudiosos da história da filosofia e não filósofos Isto não se justifica por uma negação da cultura brasileira por eles mas por uma impropriedade de condições para que se manifestasse um pensamento autóctone A dominação estrangeira e mesmo após a República inclui uma dominação cultural e as manifestações da elite se voltaram para as manifestações da burguesia européia Até as contestações tinham como referencial teórico o saber de outros povos Todavia a filosofia não emerge por si nem os filósofos brotam da terra como cogumelos eles são fruto de sua época do seu povo cujas energias tanto as mais sutis e preciosas como as menos visíveis se exprimem nas idéias filosóficas11 Em nossa história temos exemplos de que sempre nos foram permitidas soluções estrangeiras vide até 1889 o movimento pela proclamação de uma república brasileira calcado em grande parte nos ideais do positivismo francês e dificuldades distorcidas ou mesmo sufocadas as soluções autenticamente brasileiras para questões de natureza social Nossa história mostra que evitandose o choque evitase a transformação como diz José Honório Rodrigues12 E se não temos transformações não teremos problemas para pensar Um pensar autenticamente brasileiro é sempre absorvido pelos regimes de estado expressão objetiva da dependência e inautenticidade e substituído por outro pensar oficial Desta forma as filosofias no Brasil nunca aparecem como uma explicitação do pensar brasileiro Não sendo filosofia brasileira isto é sendo de origem estrangeira ela será precisamente isto estranha E o pensamento antes da pretensão de ser atemporal deve ter a pretensão primária de não ser jamais estranho o saber de um outro13 Outro motivo decorrente do anterior é a hermeticidade com que se revestiu a filosofia praticada no Brasil Por ser estranha não refletir nossa problemática tornavase abstrata isto é distante da realidade Transformavase num pensar sobre outros pensares Estudar a filosofia e os filósofos europeus por exemplo não permitia ao pensador brasileiro oportunidade para reflexões caboclas tendo em vista a extensão e a profundidade daquelas culturas Portanto a hermeticidade e o fato de não se voltar para uma problemática brasileira realmente fizeram da filosofia no Brasil um estudo de assuntos abstratos isto é difíceis complexos Sobre este ponto de vista podemos perceber o destaque que se deu à metafísica de cunho tomista no Brasil que se pode caracterizar como uma filosofia de contornos abstratos Outra noção dada pelos alunos foi a de que a filosofia é a busca do porquê a procura de explicações plausíveis Quem busca o porquê está buscando as causas Se eu procuro saber por que existem diferentes grupos étnicos no mundo estou querendo saber qual a causa ou causas da existência do branco e do negro por exemplo Para isso eu posso me valer dos conhecimentos de várias ciências como a paleontologia a história a antropologia a biologia etc e conseguir responder a pergunta Utilizo os conhecimentos das ciências sem entretanto refletir sobre a questão Portanto pelo que sabemos até aqui não filosofamos ao respondermos simplesmente por quê Podese citar que Aristóteles disse ser a função da filosofia a investigação das causas e princípios sendo também muito conhecida a frase a filosofia começa onde terminam as ciências Que é então a filosofia A filosofia já no seu começo não na sua origem14 na antiga Grécia preocupavase com os princípios primeiros15 de nossa existência e da realidade total O refletir do homem sobre essas questões o tornava filósofo isto é o amigo do saber Esgotase 10 Michele Federico Sciacca História da Filosofia 3 vols Ed Mestre Jou São Paulo 1967 Vol I Antigüidade e Idade Média p 9 11 Karl Marx Textos filosóficos Editorial Estampa Biblioteca do Socialismo Científico vol 5 Lisboa 1975 p 14 12 Trecho de uma entrevista no programa Um nome na História da TV Educativa Canal 2 Rio de Janeiro em 861981 12 13 13 Roberto Gomes Crítica da razão tupiniquim Editora Movimento URGS Porto Alegre 1979 p 22 14 Roland Corbisier Enciclopédia filosófica Ed Vozes Petrópolis 1979 p 68 15 Michele Federico Sciacca op cit p 21 DE OLIVEIRA Admardo Introdução pensamento filosófico São Paulo Loyola 2000 Questões norteadoras para análise e entendimento do texto Identifique noções de filosofia ampla estrita ou etimológica que expressem ou escondem idéias falsas parciais ou preconceituosas enquanto outras revelam profundo conhecimento sobre a atitude filosófica Como você explica essas contradições 1 APROXIMAÇÃO À FILOSOFIA PROF AGOSTINHO JOSÉ SOARES E o que é filosofia É a tentativa penso de enxergar um palmo diante do nariz o que não é tão fácil nem tão inútil quanto muitos pensam Afinal o peixe é quem menos sabe da água Roberto Gomes 11 O QUE É FILOSOFIA No início de um curso cujo tema foi Introdução à Filosofia pedimos aos alunos que escrevessem sobre a noção que tinham da filosofia As respostas dos universitários curso básico demonstraram como a filosofia é vista de forma distinta e diversa por aqueles que não convivem mais estreitamente com o pensar filosófico Entretanto essas respostas traziam muitas verdades sobre a reflexão filosófica Pretendemos a partir da análise de algumas dessas respostas demonstrar o desenvolvimento do pensar filosófico não como his in Crítica da razão tupiniquim 3ª ed Ed Movimento URGS Porto Alegre 1979 p 18 9 a realidade no transcorrer do tempo ou permanece algo além do fluxo temporal É real isso que vemaser ou isso que é Escondese aqui a exigência profunda do porquê da vida 16 Essas eram questões fundamentais para os pensadores gregos ciosos de especular sobre a geração das coisas Hoje essas questões ainda são exigências imediatas e prioritárias para muitos pensadores Os homens percorrem na sua vida como indivíduos a trajetória do mundo da história da terra A ontogênese repete num microcosmo a filogênese As preocupações filosóficas isto é a busca dos porquês são para o indivíduo uma história de superações da mesma forma que na filogenia o homem seleciona os seus porquês e sala qualitativamente para questões para si superiores A coexistência de individualidades portanto é que permite a pluridimensionalidade do pensar e da existência e às vezes a convivência de pensares distintos no mesmo tempo e lugar crítica mas faltalhe um exercício de reflexão apoiado por informações contextuais Neste ponto podemos observar por analogia que o senso comum do espectador se transforma na reflexão do crítico quando aquele busca informações e reflete criticamente sobre cinema Da mesma forma o pensar filosófico tem origem no senso comum e se torna crítico com este tipo de reflexão Entretanto além de crítica a reflexão filosófica tem duas outras características Vejamos quais são A primeira é que além de crítica e por isso mesmo a reflexão filosófica tem de buscar as origens da questão estudada Em outras palavras é necessário que essa reflexão seja radical ou seja que ela busque a raiz a origem os fundamentos A reflexão filosófica é como a raiz de uma planta que busca a origem na profundidade Esta é a outra característica a radicalidade Lembramos que a palavra radical significa relativo a raiz e também cerne origem princípio Portanto o conhecimento que não é radical isto é que não vai à raiz à origem é um conhecimento ingênuo ou ainda é a manifestação de uma consciência ingênua Consciência ingênua é aquela que por motivos que cabe à análise filosófica examinar não inclui em sua representação da realidade exterior e de si mesma a compreensão das condições e determinantes que a fazem pensar tal como pensa Não inclui a referência ao mundo objetivo como seu determinante fundamental Por isso julgase um ponto de partida absoluto uma origem incondicional acredita que suas ideias vêm dela mesma não provém da realidade ou seja que têm origem em ideias anteriores Assim as ideias se originam das ideias A realidade é apenas recebida ou enquadrada em um sistema de idéias que se cria por si mesmo Este tipo de conhecimento é superficial em que a polémica não inclui esclarecimento nem possibilidades de negação É um conhecimento polémico por postura de exclusões e não por autenticidade dialética É um saber que não inclui o diálogo Ao passo que a postura radical busca esclarecer clarificar e não exclui nessa procura a atenção para a indagação dos contrários Ser radical é proceder como a raiz de uma árvore que penetra o solo com uma haste principal e robusta para se fixar à terra mas não abandona suas ramificações pois estas são parte e complemento daquela Citemos um exemplo O universitário recémsaído do crivo dos exames vestibulares talvez não tenha tido oportunidade por falta de tempo às vezes de se perguntar por que e para que existem estas provas provações obstáculos A partir do momento em que ele se posiciona criticamente isto é adquire uma postura crítica com relação ao vestibular estabelece critérios que lhe permitem tomar crítica colocar em crise aquela questão está iniciando uma reflexão filosófica Ele deve no segmento do problema procurar compreender radicalmente a questão buscar a origem na profundidade Uma das atitudes e talvez a primeira é a compreensão histórica do problema entendendo história como gênese cronologia crítica Desta forma ele estaria caminhando para um ponto de vista filosófico Entretanto esta reflexão ainda não estaria completa faltalhe uma outra característica Vejamos Outra das idéias categóricas que distinguem a consciência superior da realidade é o atributo da totalidade Queremos com esta noção designar o caráter próprio dessa consciência de considerar sempre o real como multiplicidade interiormente estruturada Se o real deve ser considerado estruturalmente como uma multiplicidade não podemos abstrair aspectos da realidade isto é não podemos fazer cortes no real para compreendêlo e sim devemos mantêlo no contexto próprio que possibilite a compreensão das relações ali existentes As ciências explicam as partes e isso é característica de sua atividade A ciência não se preocupa em refletir sobre os seus postulado A filosofia pergunta sobre o porquê das ciências sobre o porquê se faz ciência etc A filosofia está interessada na reflexão sobre a totalidade e a abrangência de suas questões transcende o científico No caso do aluno do nosso exemplo ele deveria dirigir sua reflexão agora para a compreensão do problema no âmbito da sua totalidade O vestibular não é fato isolado e por mais que ele fosse estudado assim como fato destacado do seu contexto não se chegaria a uma compreensão visão total do problema Para haver esta compreensão é necessário incluir o vestibular no todo contexto do qual ele faz parte E este todo é o contexto sociopolítico econômico e educacional Ai será compreendida a ideologia que determina a sua existência e a compreensão do problema será um fato Essas características da reflexão filosófica entretanto não são separadas a não ser numa exposição didática Elas se interpenetram e constituem a própria reflexão Ao pensar dialeticamente o homem não consegue ser somente crítico sem ser radical ou viceversa Da mesma forma não se consegue abordar um problema em sua totalidade sem isso incluir uma postura crítica e uma atitude radical Então quando é que fazemos filosofia ou quando é que fazemos uma reflexão filosófica Será quando a nossa reflexão for radical buscar a origem do problema crítica colocar o objeto do conhecimento em um ponto de crise e total inserir o objeto da nossa reflexão no contexto do qual é conteúdo 13 FILOSOFIA E IDEOLOGIA No final do item anterior havíamos dito que o universitário que desejasse fazer uma reflexão filosófica sobre o fato vestibular deveria compreendêlo de uma forma crítica radical e total Dissemos também que desta forma seria compreendida apreendida a ideologia que determina a existência do vestibular Para tanto será importante antes que se estude o termo ideologia É o que tentaremos fazer neste item Antes vejamos como o termo ideologia apareceu Inicialmente devemos lembrar que a palavra ideologia tem várias acepções isto é a mesma palavra é empregada para significar coisas diferentes Historicamente costumase dizer que o criador desse termo foi o francês Antonio Destutt de Tracy séc 18 Ele o entendia como a ciência das idéias ou a análise das sensações e das idéias Condillac Parte da zoologia a ideologia é assim para Destutt de Tracy o verdadeiro método de conhecimento do homem limitandose a indicar as origens os limites e o grau de exatidão desse conhecimento Como o conhecimento se realiza por meio de idéias a ciência fundamental deverá ser a ciência das idéias Sua proposta era conseguir para o conhecimento do homem o mesmo grau de certeza das ciências físicomatemáticas por julgar que o pensamento correto é a condição da ação política adequada ou justa Entretanto a ação política dos ideologistas assim chamados por estarem de acordo com a proposta de Destutt de Tracy encontrou oposição em Napoleão empenhado em defender a religião e a propriedade criticadas pelos ideologistas Estes então seriam denunciados como inimigos do Estado e da sociedade carentes de senso político isto é doutrinários A partir deste ponto ideologia vai se transformando em conceitos distintos do original Para nós será necessário fixarmos nosso estudo no conceito marxista de ideologia por acreditar que ele é o mais apropriado à nossa realidade onde grande parte dos nossos pensadores como na Alemanha à época da Ideologia Alemã desconhece a realidade histórica brasileira Gostaríamos de tentar aprofundar este conceito e verificar a importância do seu estudo a partir de um exemplo que vem dos chamados índios Os Mbayá grupo de guerreiros nômades habitavam a região entre os rios Apa e Miranda no atual Estado de Mato Grosso do Sul ao tempo do relato fins do siècle 19 que passamos a transcrever Os Mbayá eram o terror das populações vizinhas em prejuízo das quais empreendiam contínuas expedições de guerra devastando os campos cultivados roubando o gado matando de surpresa os homens adultos e capturando mulheres e crianças A posse dos cavalos e a habilidade no cavalgar bem como a sua audácia lhes asseguravam notáveis vantagens sobre os outros índios em relação aos quais haviam de tal modo adquirido uma certa supremacia Os índios mais prejudicados com as correrias desses nômades eram os Guaná uma população muito numerosa sedentária e dedicada especialmente à agricultura Não só as suas plantações eram saqueadas mas os trabalhadores eram capturados quando iam para os campos ou voltavam para as aldeias e quando se encontravam em número menor que o dos assaltantes ou em condições desfavoráveis eram mortos ou feitos prisioneiros Para subtrairse a estes males os Guaná pediram paz submetendose aos Mbayá dos quais eram considerados escravos Pagavamlhes um tributo em panos e em parte dos produtos agrícolas para salvar o restante e evitar as matanças a que anualmente eram sujeitos Os senhores estimavam os escravos e os tratavam com doçura logia que determina a sua existência e a compreensão do problema será um fato Essas características da reflexão filosófica entretanto não são separadas a não ser numa exposição didática Elas se interpen tram e constituem a própria reflexão Ao pensar dialeticamente o homem não consegue ser somente crítico sem ser radical ou viceversa Da mesma forma não se consegue abordar um problema em sua totalidade sem isso incluir uma postura crítica e uma ati tude radical Então quando é que fazemos filosofia ou quando é que fazemos uma reflexão filosófica Será quando a nossa reflexão for radical buscar a origem do problema crítica colocar o objeto do conhecimento em um ponto de crise e total inserir o objeto da nossa reflexão no contexto do qual é conteúdo 13 FILOSOFIA E IDEOLOGIA No final do item anterior havíamos dito que o universitário que desejasse fazer uma reflexão filosófica sobre o fato vestibular deveria compreendêlo de uma forma crítica radical e total Dissemos também que desta forma seria compreendida apreendida a ideologia que determina a existência do vestibular Para tanto será importante antes que se estude o termo ideologia É o que tentaremos fazer neste item Antes vejamos como o termo ideologia apareceu Inicialmente devemos lembrar que a palavra ideologia tem várias acepções isto é a mesma palavra é empregada para significar coisas diferentes Historicamente costumase dizer que o criador desse termo foi o francês Antonio Destutt de Tracy séc 18 Ele o entendia como a ciência das idéias ou a análise das sensações e das idéias Condillac Parte da zoologia a ideologia é assim para Destutt de Tracy o verdadeiro método de conhecimento do homem limitandose a indicar as origens os limites e o grau de exatidão desse conhecimento Como o conhecimento se realiza por meio de idéias a ciência fundamental deverá ser a ciência das idéias Sua proposta era conseguir para o conhecimento do homem o mesmo grau de certeza das ciências físicomatemáticas por julgar que o pensamento correto é a condição da ação política adequada ou justa Entretanto a ação política dos ideologistas assim chamados por estarem de acordo com a proposta de Destutt de Tracy encontrou oposição em Napoleão empenhado em defender a religião e a propriedade criticadas pelos ideologistas Estes então seriam denunciados como inimigos do Estado e da sociedade carentes de senso político isto é doutrinários A partir deste ponto ideologia vai se transformando em conceitos distintos do original Para nós será necessário fixarmos nosso estudo no conceito marxista de ideologia por acreditar que ele é o mais apropriado á nossa realidade onde grande parte dos nossos pensadores como na Alemanha à época da Ideologia Alemã desconhece a realidade histórica brasileira Gostaríamos de tentar aprofundar este conceito e verificar a importância do seu estudo a partir de um exemplo que vem dos chamados índios Os Mbayá grupo de guerreiros nômades habitavam a região entre os rios Apa e Miranda no atual Estado de Mato Grosso do Sul ao tempo do relato fins do séc 19 que passamos a transcrever Os Mbayá eram o terror das populações vizinhas em prejuízo das quais empreendiam contínuas expedições de guerra devastando os campos cultivados roubando o gado matando de surpresa os homens adultos e capturando mulheres e crianças A posse dos cavalos e a habilidade no cavalgar bem como a sua audácia lhes asseguravam notáveis vantagens sobre os outros índios em relação aos quais haviam de tal modo adquirido uma certa supremacia Os índios mais prejudicados com as correrias desses nômades eram os Guaná uma população muito numerosa sedentária e dedicada especialmente à agricultura Não só as suas plantações eram saqueadas mas os trabalhadores eram capturados quando iam para os campos ou voltavam para as aldeias e quando se encontravam em número menor que o dos assaltantes ou em condições desfavoráveis eram mortos ou feitos prisioneiros Para subtrairse a estes males os Guaná pediram paz submetendose aos Mbayá dos quais eram considerados escravos Pagavamlhes um tributo em panos e em parte dos produtos agrícolas para salvar o restante e evitar as matanças a que anualmente eram sujeitos Os senhores estimavam os escravos e os tratavam com doçura Os escravos nunca se vendiam embora fossem prisioneiros de guerra Eram considerados membros da casa do senhor comiam junto com a familia dele e tomavam parte com ela nas festas e jogos Tamanho eram o apego e a confiança que os Mbayá sabiam obter dos seus súditos que não havia prisioneiro que os quisesse abandonar Até mesmo as mulheres espanholas capturadas ainda que fossem adultas e mães preferiam ordinariamente permanecer com os conquistadores Um outro aspecto que podemos observar no relato de Boggiani é que os Guaná embora escravos não abandonavam os dominadores Em outras palavras os Mbayá manipulavam a opinião dos dominados sobre a sua condição de escravo era bom ser escravo Conseguiram assim a manutenção da escravatura chegando a ponto de num agrupamento a maioria ser de escravos as hordas dos Mbayá não constituíam agregados sociais etnicamente homogêneos mas fazia parte delas muitos elementos tirados das populações vizinhas os quais ou eram completamente assimilados ou iam sendo assimilados pelo orgulho de pertencer a tribos respeitadas e temidas que possuíam cavalos muitos instrumentos de ferro contas ornatos de prata etc e para gozar as vantagens da superioridade deles sobre os outros Estes estrangeiros se fundiam de tal forma com os Mbayá que chegavam a se tornar os inimigos mais implacáveis das populações de que tiravam origem Almeida Serra refere que em 1802 viviam nas dependências de Coimbra e nas montanhas de Albuquerque 2600 índios dos quais 600 eram Guaná que habitavam em estabelecimentos próprios ao passo que outros 2000 eram Mbayá mas destes 500 podiam ser encarados como Guaná ou filhos de Guaná tidos originalmente como escravos ou estabelecidos voluntariamente entre os Mbayá com os quais se haviam desposado Outros 500 eram Chamacoco Dos restantes 200 apenas teriam podido ser considerados verdadeiros Mbayá os outros 800 eram uma mescla de Bororo de Chiquito de Caiá de Caiapó de negros e de descendentes das uniões sexuais entre esses elementos diversos pois que tanto os Mbayá quanto os índios que viviam entre eles contraíam matrimônios recíprocos Como podemos observar os MbayáGuaicuru eram dominadores e usufruíam do produto do trabalho daqueles que dominavam por exemplo os Guaná Tomavam também suas mulheres e crianças principalmente porque por serem nômades tinham regras de comportamento coibindo a gravidez antes dos 2530 anos e favorecendo o aborto Desta maneira incorporavam às suas hordas inúmeros índios de diferentes tribos Para que se compreenda o que nos propomos neste item o fenômeno ideologia será interessante destrinçar este relato sobre os MbayáGuaicuru Se tivéssemos vivido àquela época e perguntássemos aos índios sobre os seus costumes o nomadismo a gravidez tardia o aborto a captura de escravos etc com toda certeza eles dariam uma resposta bem diferente da interpretação que se segue Procuramos buscar respostas a estas questões no livro de Boggiani a justificativa dos costumes e alinhavamos alguns comentários Quando falam sobre as suas origens os Mbayá contam um mito onde vemos uma resposta para aquelas questões isto é para o fato de serem guerreiros e não agricultores de serem nômades de tomarem mulheres e crianças de outras tribos de cobrarem tributos de outros índios etc O mito é o seguinte Deus criou no princípio todas as nações numerosas como são no dia de hoje e não contente com a criação de um só homem e uma só mulher espalhou essa sua obra por toda a face da terra Veiolhe à mente depois criar um Mbayá e a mulher deste e já tendo concedido toda a terra às outras gentes de maneira a que nada lhe restava a dispor para as suas novas criaturas encomendou ao pássaro chamado caracará que fosse dizer em seu nome aos Mbayá que ele estava bem desgostos de não poder lhes designar um terreno e por esse motivo não havia criado mais de dois Mbayá mas em compensação determinava à geração dos mesmos andar sempre errante sobre território alheio fazer sem cessar a guerra a todas as nações matar todos os machos adultos e conservar as mulheres e as crianças para aumentar o número da própria gente Os Mbayá tinham na sua origem um referencial para sua ação A tradição para eles tinha criado aquele modo de vida ou em outras palavras eles podiam ser coerentes entre o que faziam e o que as suas origens haviam lhes reservado isto é podiam legitimar a desigualdade originária e a dominação Aqui podemos iniciar a sistematização do conceito de ideologia Na sociedade dos Mbayá havia uma nítida divisão social dominados e dominadores havia exploração dos Mbayá sobre seus escravos havia dominação e repressão dos Mbayá sobre os Guaná Ora uns e outros viam estes fatos de formas distintas Os Mbayá justificavam os fatos e os Guaná aceitavam aqueles mesmos fatos O texto foinos sugerido pela professora Beatriz Buschinelli mas a interpretação é nossa É em contexto semelhante que se pode compreender a ideologia Embora Marx tenha falado em ideologia referindose à burguesia européia onde as classes sociais eram bem delineadas podemos utilizando o relato acima iniciar a explicitação do conceito A ideologia é antes de mais nada um instrumento de dominação que é utilizado para que seja mantida a dominação Portanto só é possível existir dominação onde existam classes sociais antagônicas onde classes possuam ou não possuam os meios técnicos e coletivos de produção A classe dominante utiliza os meios possíveis e disponíveis morais jurídicos pedagógicos religiosos etc para que essa dominação aconteça e permaneça Entretanto essa dominação se faz de forma nãoviolenta isto é toda a violência da opressão de uma classe sobre a outra não poderia aparecer pois geraria revolta Por esse motivo a ideologia carrega um caráter dissimulador que impede que a classe oprimida identifique o aspecto violento da dominação E para que não seja percebido esse mascaramento das propostas dos dominadores as idéias dominantes devem ser assumidas pelos dominados como suas ou de sua classe No exemplo dos índios a idéia de escravidão dominante era assumida como boa pelos dominados que aceitavam essas idéias como universais Estes universais não são colocados em questão não são criticados A idéia de igualdade dos homens perante a justiça é um universal ideológico que permite à classe dominante manter a opressão sobre outra classe que acredita na justiça que foi criada e serve os dominadores Quando exercitamos a nossa reflexão crítica e nos perguntamos sobre a origem e o valor desses universais estamos iniciando uma crítica à ideologia É nessa crítica à ideologia que vão aparecer os elos que se aparentes destroem a ideologia através da exibição de sua gênese a divisão social das classes A ideologia necessita de lacunas para sobreviver Essas lacunas são espaços nãopreenchidos entre a prática ideológica e a referência cultural idéias que a justifica A partir do momento que esses espaços são preenchidos a coerência entre a idéia e a prática desaparece Quando se pergunta pela lacuna entre a prática da justificativa justiça da classe dominante e os pressupostos dessa prática está se iniciando o desmascaramento da ideologia do direito Possivelmente se fizermos uma nova leitura do relato sobre os Mbaya veremos que se torna mais clara a noção de ideologia Em seguida passaremos a analisar um exemplo de ideologia que se relaciona à nossa prática e nos é mais próximo a educação mais explicitamente o vestibular A primeira pergunta que se deve fazer é se sempre existiram os exames vestibulares Evidente que não uma vez que nem sempre existiram os cursos superiores Entretanto os cursos superiores existiram durante um certo tempo sem o chamado exame vestibular isto é uma prova que estabeleça quem deve cursar uma carreira de 3º grau Vestibular significa átrio portal entrada é uma palavra de origem latina que substantivada significa espaço entre a porta e a principal escadaria interior Se pensarmos numa casa com várias escadarias interiores uma casa nobre por certo teremos uma noção de como a palavra foi bem empregada para explicar o acesso de alguns ao primeiro ciclo de estudos da graduação é interessante ver a origem e os significados da palavra graduação Aliás como diz Alceu Amoroso Lima a história das palavras é um dos índices mais seguros da história das idéias O vestibular portanto é o exame ou prova a partir do qual tomam posição no vestibular aqueles que devem alcançar uma profissionalização superior Ironicamente átrio ou adro significa também cemitério para muitos outros O vestibular foi criado pela Lei Orgânica de Rivadávia Corrêa 1911 e sua preocupação era manter a qualidade do ensino afetada pela entrada nas escolas superiores de vários alunos que não tinham a formação prévia considerada adequada para um bom curso superior a qualidade do ensino estava ameaçada pela queda de qualidade dos estudantes O ingresso nos cursos superiores fora facilitado com a república bastava ser bacharel em letras e quando os positivistas e as corporações profissionais defensoras do controle monopolista do mercado de trabalho constataram a proliferação de escolas e de diplomados apontando para a perda de suas funções de conformação ideológica dos membros das futuras elites e de produção de um diploma raro capaz de reivindicar alto prestígio e altos honorários imaginaram conter aquele processo pelos exames vestibulares Desta forma observamos que a prática o vestibular e a justificativa explícita da prática a perda da qualidade do ensino estão separadas pela lacuna da justificativa implícita restrição do mercado de trabalho e permanência do prestígio nas profissões de nível superior No artigo citado Luiz Antonio Cunha mostra que na história dos exames vestibulares a abertura o aumento do número de matrículas eou as facilidades de ingresso em cursos superiores e o fechamento a diminuição do número de matrículas eou as dificuldades de ingresso em cursos superiores funcionam como movimento pendular de acordo com as exigências ideológicas do momento e têm seu motor nas contradições entre a função do sistema de ensino do superior em particular de discriminação social e a sua imagem ideológica de mecanismo de ascensão social de distribuição de renda Em outras palavras a instituição dos exames vestibulares é uma prática ideológica que justifica a divisão social em classes com uma lógica coerente sem lacunas no sentido de um exercício de dominação de classe e com a finalidade de produzir uma universalidade imaginária através de um discurso dissimulador Isso é a ideologia Atualmente a posição ocupada pelo ensino superior de discriminação de classes vem sendo ocupada com mais eficiência pelo ensino de 4º grau os chamados cursos de pósgraduação