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205 MARQUES Marcos Aurelio HESSEL Ana Maria Di Grado O conceito de virtual de Bergson a Deleuze de Deleuze a Lévy TECCOGS Revista Digital de Tecnologias Cognitivas n 24 juldez 2021 p 205220 O conceito de virtual de Bergson a Deleuze de Deleuze a Lévy Marcos Aurelio Marques1 Ana Maria Di Grado Hessel2 Resumo O presente artigo tem por objetivo trazer à luz o conceito de virtual em Berg son Deleuze e Pierre Lévy Para isso elencamos desde a sua definição estritamente filo sófica enquanto potência passando pelas perspectivas dos filósofos elencados em uma conceituação do virtual como oposição ao atual não ao real e tido ele mesmo como plena realidade Para isso empreendemos um pequena linha do tempo do conceito desde Bergson influência de Deleuze para pensar o virtual até Levy influenciado por Deleuze para a sua construção do conceito em uma perspectiva mais ligada ao mundo em rede da internet e suas implicações no início do século XXI Como forma de pensar sobre o conceito e intentando algumas ampliações do seu sentido propomos a relação do virtu al enquanto coexistências simultâneas atualizadas virtualizantes e virtualizadas postas em perspectivas na formação das subjetividades O resultado deste percurso pretende propor algumas provocações acerca das mutações contemporâneas das subjetividades implicadas pelas relações humanas e não humanas mediadas pelo virtual Palavraschave Virtual Subjetividade Filosofia Tecnologia 1 Graduado em Letras Português FrancêsUEPG Mestre em GeografiaUNIRRO Doutor em GeografiaUFPR Pósdoutorando no Programa de PósGraduação em Tecnologias da In teligência e Design DigitalTIDDPUCSP Professor da Faculdade SapiensRO Email maars marquesgmailcom 2 Doutora e mestre em Educação Currículo pela PUCSP com especialização em Informática pela UFPA É Professora do Departamento de Educação formação docente gestão e tecnologia da PUCSP professora credenciada no Programa de Estudos PósGraduados em Tecnologias da Inteligência e Design Digital TIDDPUCSP O interesse em pesquisa e formação online cognição e pensamento complexo É pesquisadora do GPTED ORCID orcidorg00000003 47767754 Email anadigradopucspbr Recebido em 13 jul 2021 Aprovado em 05 ago 2021 dxdoiorg 1023925198435852021i24p205220 Lincensed under CC BY 40 206 O conceito de virtual de Bergson a Deleuze de Deleuze a Lévy teccogs n 24 juldez 2021 The concept of the virtual From Bergson to Deleuze from Deleuze to Lévy Abstract This article sheds light on the concept of the virtual in Bergson Deleuze and Pierre Lévy From its strictly philosophical definition rekated to a power the authors consider the virtual as opposed to actual not real considered itself as fully real The pa per discusses the history of the concept from Bergson and Deleuzes notion of the virtual to Pierre Lévy influenced by Deleuze in his construction of the concept in a perspective more connected to the internet network world and its conclusions in the beginning of the 21st century With the goal of extending the meaning of the concept of the virtual the authors distinguish between the virtual virtualizing and virtualized simultaneous coexistences put in perspective in the formation of subjectivities The result implies some provocations concerning contemporary mutations of subjectivities both human and nonhuman mediated by the virtual Keywords Virtual Subjectivity Philosophy Technology 207 O conceito de virtual de Bergson a Deleuze de Deleuze a Lévy teccogs n 24 juldez 2021 Introdução O objetivo é trazer à luz o conceito de virtual sob a ótica de Henri Bergson Gilles Deleuze e Pierre Lévy Bergson é discutido na luz da leitu ra Deleuziana do filósofo O trabalho propõe pensar a relação que o virtual tem com conceitos fundamentais de Deleuze como multiplicidade devir e os movimentos de desterritorialização e produção de subjetividade A obra Matéria e Memória BERGSON 2010 é discutida pois ela serve de fundamento na interpretação do conceito O trabalho também aborda a obra O Pensamento e o Movimento BERGSON 2006 e destaca o ensaio escrito em 1930 O possível e o real Apesar da amplitude da obra do filóso fo o artigo se restringe a essas obras Para complementar o entendimento bergsoniano do virtual o artigo discute estudos como Craia 2009 e Fuchs 2006 O virtual tem papel seminal no universo de conceitos de Deluze Destacamos entre outros pelo menos dois apontamentos nesse sentido O de Eric Alliez 1996 ao nomear a filosofia de Deleuze como uma filoso fia virtual e a de Antonio Negri 2020 ao falar do rasgo ontológico que o virtual traz em si Sabemos que um dos problemas fundamentais na obra de Gilles Deleuze é o que é pensar Lévy 2010b leva adiante essa questão colocandoa em perspectiva qual o futuro do pensamento na era da infor mática É no caminho dessa resposta que está o virtual para Lévy pois ele pretende entender ao invés de como o virtual se atualiza no caso de De leuze como o atual se virtualiza A trajetória que o conceito de virtual faz da obra de Deleuze à obra de Pierre Levy segue o itinerário nos dado pelo próprio Levy Ele busca como fonte inicial a distinção que Deleuze faz em Diferença e repetição 1998 entre o virtual o atual e o possível revertendo assim alguns equívocos como por exemplo um dos mais correntes a falsa oposição entre o virtual e o real Ou ainda que o virtual e o possível fossem a rigor sinonímias Destacamos após esse trajeto a maneira como a noção de virtu alidade está intimamente ligada ao conceito de subjetividade Na nossa concepção a subjetividade posta na perspectiva da Caosmose 208 O conceito de virtual de Bergson a Deleuze de Deleuze a Lévy teccogs n 24 juldez 2021 A experiência da ruptura de sentido da desterritorialização do estranho deixando de ser inteiramente vivida e entendida como portadora de destruição para ser vivida e entendida na medida do possível como portadora de linhas de virtu alidade e portanto inseparável da vida em suas formas de organização Quando um território existencial não faz mais sentido caotiza desaba é que uma máquina desmanchou e isto significa que os fluxos que a compunham se conectaram com outros fluxos operando outros cortes agenciandose em outras máquinas produzindo outras linhas de virtualidade que poderão vir a tomar consistência em novos territórios existenciais ROLNIK sd p 3 Para Rolnik sd os territórios existenciais se encarnam a partir das linhas de virtualidade Estas são a condição do perpétuo devir A partir da morte de deus NIETZSCHE 2014 da morte do homem e do surgimen to do ser da linguagem FOUCAULT 2007 do esvaziamento da noção de sujeito engendrada por Deleuze e Guattari PELBART 2019 só nos resta viver no turbilhão caosmótico onde universos de referências che gam constituem sentido por algum tempo e depois se desfazem Tudo desaba e como aponta Rolnik os fluxos que faziam sentido se conectam com outros Depois disso virão novas conexões novos agenciamentos Ou seja não há forma deus nem a forma homemsujeito nem a forma de algum ideal transcendente No turbilhão da vida moderna até a vida contemporânea há de forma cada vez mais constante e em intervalos de tempo menores processos caosmóticos onde territórios desabam É preciso criar novos referenciais para constituir para si novos territórios existenciais ciente que estes que chamamos de novos são inteiramente provisórios Para isso as linhas de virtualidade constituem forças que nos atravessam a todo instante A ideia de uma subjetividade bárbara mutante e virtualizada tem uma relação muito estreita com o que entendemos ser o virtual nos meios tecnológicos conectados através da internet Esse meio autopoiético no qual a produção de cada um está ligada à produção de subjetividades co letivas e ao surgimento mesmo de novas tecnologias e formas de relação com elas Embora tenhamos privilegiado o conceito de virtual pretendemos articular todos os conceitos aqui propostos a fim de provocar novos sen tidos a partir das conexões entre eles Acreditamos que cada nova relação criada cria também novos sentidos Assim ao investigar a trajetória do conceito de virtual vimos que o próprio conceito vai se modificando Em Bergson 2010 ele está também como potência mantendo assim em parte o sentido mais clássico da filosofia Em Deleuze 1988 2012 ele 209 O conceito de virtual de Bergson a Deleuze de Deleuze a Lévy teccogs n 24 juldez 2021 é privilegiado enquanto campo infinito de intensidades e possibilidades Já em Lévy 2010b 2011 o conceito é lançado no século XXI em uma perspectiva positiva já relacionando com o surgimento das tecnologias digitais e com o caminho inverso não mais o da virtualidade para a atua lização mas o da atualização para a virtualidade Real e Virtual de Bergson a Deleuze O conceito de virtual não é novo embora seu uso corrente e popu larmente difundido para definir o mundo das redes digitais e das cone xões pela internet passe esta impressão O Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano 1962 o define como sinônimo de potência que por sua vez é definida como em geral o princípio ou a possibilidade de uma mudan ça qualquer ABBAGNANO 1962 p 751 fazendo referência a Aristó teles Essa definição está ligada à ideia de se passar da potência ao ato re lacionandose na maior parte da história da filosofia com a possibilidade préformação preexistência Essa forma de entender o virtual potência é mantida durante a Idade Média embora nesse período encontremos naturalmente outras atribuições do conceito Com efeito é possível encontrar já na Idade Média uma pri meira caracterização do virtual de vital importância para nós por tratarse da primeira abertura a esta problemática de um modo direito Contando com a ajuda de uma etimologia su mária podemos conferir que a palavra virtual vem do latim virtualis que se relaciona por sua vez da voz virtus que entre outras significações mais óbvias também carrega o sentido de força ou potência Esta abordagem etimológica eventualmen te correta é sem dúvidas insuficiente é preciso reconhecer e especificar ainda que a palavra virtus é formada pelo prefixo vir que indica o masculino o penetrante o que informa o que detém e comunica a forma O destino ou objetivo dessa força que informa a forma nos conduz a um dos problemas centrais da filosofia do medievo Para a filosofia medieval o virtual é aquilo que está em potência que ainda não foi atua lizado Assim sendo o virtual parece necessitar de uma pas sagem na qual ao mesmo tempo se completa e desaparece CRAIA 2009 p 113 grifos do autor Nessa perspectiva percebemos que o virtual é quase um simulacro que desaparece ao ter contato com o realatual Constituise no máximo como um quaseser Craia 2009 p 113 ainda adverte Ora esta con cepção herdada do aristotelismo e redefinida na filosofia escolástica nos mostra ao mesmo tempo que a chave para ler este obscurecimento da natureza do virtual é justamente sua matriz aristotélica sua identificação 210 O conceito de virtual de Bergson a Deleuze de Deleuze a Lévy teccogs n 24 juldez 2021 deste com o potencial com a pura potência Embora a timelife do con ceito eou sentido etimológico de virtual remonte até Aristóteles é impor tante lembrar que neste artigo recortamos o conceito em Henri Bergson Deleuze e Lévy As definições prévias trazidas até aqui servem apenas a fins de contextualização Ao chegarmos a Bergson 2010 mais especificamente ao livro Ma téria e memória percebemos que o conceito de virtual está estreitamente vinculado à memória e a duração conceito este que se define pelo tempo absoluto indivisível em contrapartida ao tempo quantificável Mas é em Matière et mémoire que Bergson irá elaborar de modo explícito a noção de virtualidade que ali será invocada para dar conta de uma ontologia da memória FUCHS 2006 p 44 Ou seja o virtual corresponde ao ser da memória enquanto a memória existe na duração Ela é uma multiplicida de heterogênea e por definição virtual Por consequência ao fazer com que passado e futuro coexistam em continuidade ela remete à memória também tida como coexistência e multiplicidade virtual Bergson divide ainda dois tipos de memória a memóriapura e a memóriaimagem sen do que esta última é a atualização da primeira que por sua vez é pura mente virtual O objeto virtual é essencialmente passado Bergson em Ma téria e memória propunha o mundo com dois focos um real e outro virtual do qual emanavam por um lado a série das imagenspercepções e por outro lado a séria das imagens lembranças as duas séries organizandose num circuito sem fim DELEUZE 1988 p 140 Para entender o papel que o conceito de virtual tem na obra de Berg son é preciso distinguir os conceitos de memória tempo e duração Para Bergson a memória se divide em hábito e lembrança O hábito é aquilo que é aprendido de forma a criar ações praticamente automáticas pelo sistema sensóriomotor por exemplo caminhar ou dirigir Já a lembrança pura é exatamente o que podemos chamar de virtualidade Por sua vez a atualização dessa virtualidade dessa lembrança pura se dá por imagens lembrança e a imagem é sempre presente A imagemlembrança atua lizase a partir de uma lembrança pura e retira dela sua realidade mas a lembrança pura provém do Ser tal qual é em si ou seja da memória entendida como virtualidade FUCHS 2006 p 40 Aqui podemos en tender melhor a relação entre as duas lembranças elencadas por Bergson De certa forma até mesmo presentificando o passado pois ele não é aquilo que foi mas aquilo que é uma vez que o passado não passa jamais e coexiste virtual numa memóriaser que se repete a si mesma 211 O conceito de virtual de Bergson a Deleuze de Deleuze a Lévy teccogs n 24 juldez 2021 em diversos níveis de contração e distensão paradoxo da coexistência FUCHS 2006 p 105 Seguindo esse raciocínio a duração se distingue de tempo exatamente por ela ser esse contínuo ou que Deleuze chama de multiplicidade virtual Desse modo nenhuma análise da duração poderá ter êxito a não ser que se compreenda primeiramente a noção de virtua lidade Mas a noção de virtualidade não é decisiva apenas para a teoria da duração e assumiu segundo Deleuze uma importância cada vez maior na filosofia de Bergson Isso não quer dizer apenas que a noção de virtualidade surgiu com uma freqüência cada vez maior na filosofia de Bergson mas também que ela revelouse um fundamento dessa filosofia no sentido mais forte do termo FUCHS 2006 p 21 Eis então aqui o papel que o virtual assume Ele é então as durações coexistindo simultaneamente e de forma heterogênea garantindo a cada atualização um ato de criação Lembremos aqui Bergson é um entusias ta da criação Gostaria de voltar aqui a um assunto do qual já falei a criação contínua de imprevisível novidade que parece desenrolarse no universo De minha parte acredito experimentála a todo instante Em vão me represento o detalhe daquilo que irá me ocorrer como minha representação é pobre abstrata esque mática em comparação com o acontecimento que se produz A realização traz consigo um imprevisível nada que muda tudo BERGSON 2006 p 103 Bergson é um filósofo amante do devir Entendemos que uma das condições fundamentais do devir é justamente a virtualidade sem a qual a realidade se resumiria a uma divisão entre o possível e o impossível Para chegar a essa noção de virtualidade Bergson repensa também o con ceito de possível fenômeno que veremos também na obra de Deleuze e Lévy Mas há sobretudo a idéia de que o possível é menos que o real e de que por essa razão a possibilidade das coisas pre cede sua existência Estas seriam assim antecipadamente representáveis poderiam ser pensadas antes de serem rea lizadas Mas é o inverso que é verdade Se deixamos de lado os sistemas fechados submetidos a leis puramente matemá ticas que são isoláveis pelo fato de a duração não os atingir se considerarmos o conjunto da realidade concreta ou muito simplesmente o mundo da vida e com mais forte razão o da consciência descobrimos que há mais e não menos na pos sibilidade de cada um dos estados sucessivos do que em sua realidade Pois o possível é apenas o real com em acréscimo um ato do espírito que repele sua imagem para o passado as sim que ele se produziu Mas é isso que nossos hábitos inte lectuais nos impedem de perceber BERGSON 2006 p 114 212 O conceito de virtual de Bergson a Deleuze de Deleuze a Lévy teccogs n 24 juldez 2021 Lembremos a distinção entre hábito e memória citada anteriormen te e veremos que o primeiro nos trai quando pensamos o possível de savisadamente Pois o possível é em suma o real mais alguma coisa Entretanto ele não é em nenhuma medida o virtual o idealmente pre existente BERGSON 2006 p 117 A realidade é por sua vez também composta pelo virtual e este para Bergson é a memória pura Para nós é uma reserva infinita que garante o devir em multiplicidade na atualização A realidade como o virtual que a constitui é um universo em expansão A realidade é crescimento global e indiviso invenção gradual duração como um balão elástico que se dilatasse pouco a pouco assumindo a cada instante formas inesperadas BERGSON 2006 p 109 Em síntese podemos dizer que o virtual em Bergson 2010 é a lembrança pura pois o conceito está estreitamente ligado ao conceito de memória e percepção A verdade é que a memória não consiste em absoluto numa regressão ao presente É no passado que nos colocamos de saída Partimos de um estado virtual que conduzimos pouco a pouco através de uma série de planos de consciência dife rentes até o termo em que ele se materializa numa percep ção atual isto é até o ponto em que ele se torna um estado presente e atuante ou seja enfim até esse plano extremo de nossa consciência em que se desenha nosso corpo Nesse es tado virtual consiste a lembrança pura BERGSON 2010 p 280 grifos do autor Da lembrança virtual do passado é que partimos até chegarmos ao atual da percepção Ou seja o virtual constitui essa reserva infinita de possibilidades de onde embarcamos para o atual mas que mesmo se atu alizando permanece virtual em motoperpétuo O bergsonismo de Deleuze A vasta obra de Gilles Deleuze poderia ser separada em três grupos lembrando que qualquer separação agrupamento recorte só servem para fins metodológicos e provisórios sem que se pretendam definitivos Um bloco de obras são as que produziu com Félix Guattari e das quais fazem parte Mil Platôs Kafka por uma literatura menor AntiÉdipo e O que é filosofia Tais obras embora tenham no conceito de virtual um dos seus eixos estruturantes não serão aprofundadas aqui pois não é este nosso intento Outro grupo são as obras que Deleuze escreveu solo das quais fazem parte seus livros sobre cinema volumes 1 e 2 sobre a pintura de Bacon e seus livros sobre Proust e SacherMasoch além de Lógica do Sentido 2011 e Diferença e repetição 1988 sendo esta última mais explo rada neste artigo pois nela o filósofo sistematiza o conceito de virtual em 213 O conceito de virtual de Bergson a Deleuze de Deleuze a Lévy teccogs n 24 juldez 2021 oposição ao de atual sendo esta obra inclusive a inspiração para Lévy em seu trabalho sobre o conceito Um terceiro bloco é formado pelas obras em que Deleuze escreve sobre outros filósofos como Hume Nietzsche Espinosa Leibniz Foucault e Bergson A obra sobre este último nos será de total importância uma vez que pretendemos entender o agenciamento BergsonDeleuze em relação ao virtual No livro intitulado Bergsonismo 2012 p 12 Deleuze fala das gran des etapas da filosofia bergsoniana marcadas pelos conceitos de duração o tempo memória e impulso vital ou élan vital Compreendidas essas etapas nos perguntamos qual a relação que elas possuem com o conceito de virtual Vejamos Deleuze 2012 p 116 afirma Eis por que o segredo do bergsonismo está sem dúvida em Matéria e Memória aliás Bergson nos diz que sua obra consistiu em refletir sobre isto que tudo não está dado Que tudo não esteja dado eis a realidade do tempo O não dado supõe um movimento que o inventa cria O movimento e o dado nesse caso não operam por identidade de um no outro A partir disso Deleuze chama Bergson para juntos criticarem o conceito de possível pois ele é apenas de decalque mera projeção do movimento de produção sobre o que se inventa Já com o virtual as coisas são diferentes o virtual não é a mesma coisa que o possível a realidade do tempo é finalmente a afirma ção de uma virtualidade que se realiza e para qual realizarse é inventar DELEUZE 2012 p 116 Ou seja o virtual é o amplo campo de onde extraímos as atualizações pensando essas como invenções produzidas pela diferença não pela determinação do decalque É a existência de um campo de forças intensivo que atravessa tudo de forma difusa ele é pura diferença a se diferenciar em si mesmo ele falta à sua própria identida de DELEUZE 1988 p 139 Ao propor a obra de Deleuze e Guattari como uma filosofia do sécu lo XXI Negri 2020 p 81 faz referência ao trabalho de Éric Alliez que toma a filosofia de Deleuze como uma ontologia do virtual Como já sabemos o virtual aqui é entendido como algo que possui uma realidade ontológica revertendo a ideia do virtual como possível Para isso segun do Negri Deleuze busca em princípio multiplicar o efeito bergsoniano sobretudo da perspectiva de ter a duração enquanto uma multiplicidade virtual Lembremos que em Bergson a duração é a coexistência virtual em multiplicidade Para Negri 2020 p 82 a partir do encontro com Bergson e depois com Espinosa Deleuze se coloca o seguinte proble ma como endurecer a virtualidade na sua relação com o real ou seja ao conservar a potência da imaginação enquanto arranca de toda fixação categorial toda função ou toda ideia de simulacro ou representação Vemos que a virtualidade protagoniza a relação com a imaginação e com a criação 214 O conceito de virtual de Bergson a Deleuze de Deleuze a Lévy teccogs n 24 juldez 2021 Segundo Éric Alliez 1996 p 14 a noção do virtual ilumina a ques tão do novo E prossegue afirmando que consoante a uma troca perpétua entre o virtual e o atual que define o plano de imanência enquanto tal É toda a dimensão bergsoniana da fórmula proposta por De leuze pluralismo monismo que só adquire sentido conce bendose a multiplicidade como um verdadeiro substantivo situado aquém da oposição dialética entre o um e o múlti plo que foi substituída pela diferença entre os dois tipos de multiplicidade a multiplicidade numérica material e atual multiplicidade distinta que implica o espaço como uma de suas condições devendo também ser explicado a partir dela Riemann e a multiplicidade qualitativa que implica a dura ção enquanto coexistência virtual do um e do múltiplo nem um nem múltiplo uma multiplicidade ALLIEZ 1996 p 2122 grifos do autor Sob a égide do pensamento bergsoniano Deleuze consolida seu conceito de multiplicidade que está na base do seu plano de conceitos filosóficos Uma multiplicidade que supera a oposição entre o um e o múltiplo a partir da concepção do tempo como duração e esta como co existência virtual A matéria enquanto mens momentanea da percepção do presente é plenamente atual e designa a própria forma constitutiva da atualidade e da presença por outro lado a memória é real mas não atual portanto o tipo de realidade que lhe corresponde é a virtualidade CRAIA 2009 p 115 grifos do autor Se para Bergson na matéria tudo é atual é imagem e percepção referida ao corpo e a memória é uma mul tiplicidade virtual para Deleuze o problema será praticamente o de uma fusão entre os estados virtuais e atuais De modo que a questão de Deleuze terá sido sempre a de uma imagem material e virtualatual do SerPensamento de rizo ma e de imanência com a etologia superior a que ela recorre para seguir os sulcos desconhecidos traçados no mundocére bro por toda livre criação de conceitos novas conexões novas trilhas novas sinapses para novas composições que façam do singular conceito ALLIEZ 1996 p 40 O que para Bergson é uma relação entre pensamento e memória percepção e afecção corpo e espírito para Deleuze a questão está em su perar o dualismo no caminho da multiplicidade garantida pela forçapo tência do virtual para assim garantir um estado de infinita intensidade da criação Uma afirmação de Deleuze é emblemática para entender a dimensão que o virtual tem para ambos Para ele além de recusar a no ção de possível Bergson é também aquele que leva ao mais alto ponto a noção de virtual e que funda sobre ela toda uma filosofia da memória e da vida DELEUZE 2012 p 37 grifo do autor Na leitura deleuziana o virtual é a fundação da própria filosofia bergsoniana 215 O conceito de virtual de Bergson a Deleuze de Deleuze a Lévy teccogs n 24 juldez 2021 Real e Virtual de Deleuze a Lévy É necessário passar pelo Bergsonismo de Deleuze para entender como este é recepcionado por Pierre Lévy embora Lévy não faça menção à filosofia de Bergson pois seu ponto de partida é Deleuze A ideia de vir tual é fundamental na filosofia de Deleuze e de Deleuze e Guattari É um dos seus pilares como aponta Antonio Negri ao defender que Mil Platôs é uma obra política esta entendida como uma ontologia que por sua vez é tida como intervenção no ser para nele identificar outra forma de virtual sempre possível NEGRI 2020 p 43 Quando nos referimos ao conceito de virtual na obra de Deleuze o mais comum é fazer referência ao seu artigo O atual e o virtual 1998 e é praticamente impossível não citar as frases iniciais do texto A filoso fia é a teoria das multiplicidades Toda multiplicidade implica elementos atuais e elementos virtuais Não há objeto puramente atual Todo atual rodeiase de uma névoa de imagens virtuais DELEUZE 1998 p 121 Mais direto e claro que isso é impossível ainda mais se tratando de Deleu ze Em poucas palavras define a filosofia pela multiplicidade que por sua vez compõese por virtuais e atuais Podemos ir mais além uma vez que o atual é nossa realidade mais imediata o que garante a multiplicidade é exatamente o virtual Toda uma pragmática do conceito como ser real volume ab soluto superfície autoportadora cristalização e coalescência dobra do cérebro sobre si mesmo microcérebro toda uma maquínica do pensamento será assim mobilizada para fa zer o múltiplo pois é preciso um método que efetivamente o faça tomar como sujeito o virtual a atualização do virtual é a singularidade e responder enfim à questão o que é a filo sofia a filosofia é a teoria das multiplicidades quando chega a velhice e a hora de falar concretamente no ponto singular onde o conceito e a criação se reportam um ao outro na grande identidade EXPRESSIONISMO CONSTRUTI VISMO ALLIEZ 1996 p 40 grifos dos autores Alliez fala da produção filosófica deleuziana como uma filosofia vir tual Deleuze prossegue falando do virtual como uma névoa que envolve o atual Assim não há o que seja absolutamente atual nem o que seja absolutamente virtual Um é o devir do outro e o que seria uma fronteira entre um outro é antes um efeito de sfumato Porém uma questão há diferença entre eles 216 O conceito de virtual de Bergson a Deleuze de Deleuze a Lévy teccogs n 24 juldez 2021 Deleuze explica que o virtual não se opõe ao real pois tanto o virtual quanto o atual são reais Utilizandose de uma fórmula de Proust Deleuze afirma que dos virtuais é necessário dizer que são Reais sem serem atuais ideais sem serem abstratos e simbólicos sem serem fictícios DELEUZE 1988 p 335 E a atualização não é a mera passagem da potência ao ato pois no possível tudo já está constituído faltandolhe apenas a re alização ou seja a existência Como lembra Lévy o possível se realizará sem que nada mude em sua determinação nem em sua natureza LÉVY 2011 p 15 Assim sua diferença com o real é meramente lógica LÉVY 2011 p 16 Porém o virtual existe ele possui uma plena realidade enquanto virtual DELEUZE 1988 p 335 logo a diferença entre o virtual e o atual se dá entre duas maneiras de existir ou de ser Dessa fei ta a diferença entre o atual e o virtual é ontológica SOUZA 2017 p 46 Há uma diferença ontológica são seres diferentes mas interde pendentes Vemos aqui superada a definição inicial de virtual enquan to potência que passa ao ato Em tal perspectiva o virtual opera no puro devir garantindo a multiplicidade deste Atual e virtual embora sejam intercambiantes em um movimento perpétuo possuem diferenças de na tureza contudo ambos constituem o real Virtual e atual coexistem cada um no limiar de outro Deleuze usa o virtual para rasurar as fronteiras entre o que seriam dualismos Chegamos agora a Pierre Lévy Para iniciar vejamos que ele refor ça sobretudo a diferenciação entre as três ideias real possível e virtual Inclusive nos parece que em seu livro O que é o virtual 2011 publicado pela primeira vez na década de 1990 Lévy retoma o tema dessa tríade de conceitos para logo em seguida superála pois ali não está seu problema O autor revisita o tema sobretudo a partir da perspectiva deleuziana já tratada aqui logo nas primeiras páginas Seu problema é outro como o atual retorna ao virtual Lembremos que para ele o virtual é a outra face do atual e ambos constituem o real Se a filosofia quase sempre se preocupou em como o virtual passava ao real ou ao atual casos que vão desde Aristóteles até Henri Bergson e Gilles Deleuze no século XX entre outros Lévy propõe o caminho inverso E por quê Porque se passar do campo do virtual ao atual é transitar da solução ao problema o caminho inverso a virtualização constitui um novo campo problemático Como afirma Lévy o possível é um real latente ele se realiza sem que nada mude em sua natureza enquanto o virtual ao se atualizar traz uma nova configuração à entidade considera da O real constituise do possível realizado o atual é o virtual com algo novo o movimento de atualização implica uma so lução que não estava previamente contida no problema as sim a natureza do virtual é distinta da natureza do atual Por outro lado entre o possível e o real só verificamos diferenças de grau NUNES 2016 p 25 217 O conceito de virtual de Bergson a Deleuze de Deleuze a Lévy teccogs n 24 juldez 2021 Ou seja no movimento de atualização o virtual se resolve como problema Nos fala Lévy 2011 p 16 o virtual é como o complexo pro blemático o nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação um acontecimento um objeto ou uma entidade qualquer e que chama um processo de resolução a atualização Nessa perspectiva o atual é a resposta ao virtual Resolvido isso Lévy se interessa pela virtualização ou seja o movimento inverso da atualização e como ela passa da solução dada atualização a outros problemas Posto isso Lévy analisa as virtualizações do corpo da economia do texto e sobretudo a da inteligência que parece ser o grande interesse do filósofo inclusive em outras obras como Cibercultura LÉVY 2010b e As tecnologias da inteligência LEVY 2010a O grande problema de Lévy ao nosso ver é entender esse caminho inverso do atual ao virtual Não mais o virtual como maneira de ser mas a virtualização como dinâ mica A virtualização pode ser definida como o movimento inverso da atua lização LÉVY 2011 p 17 grifos do autor Rompendo definitivamente com alguma dicotomia que pudesse ter permanecido até aqui Lévy coloca a virtualização como um potente vetor de criação da realidade Isso tem diversas implicações na cultura no social e na produção das subjetivida des humanas Se o estatuto do virtual em Bergson está ligado sobretudo à memória e a duração Deleuze eleva o conceito ao nível de uma on tologia com existência própria que tem implicação em qualquer relação do pensamento pois para ele o virtual e o atual são ambos reais Já em Lévy interessa pensar a cibercultura as novas tecnologias da inteligência e mesmo a inteligência coletiva ampliada pela técnica e pelas novas possi bilidades da linguagem nos meios digitais Esse trajeto do conceito é apenas o início de uma possibilidade de repensarmos o mundo mediado pelas tecnologias digitais a cultura nô made a efemeridade da produção das subjetividades os movimentos de desterritorialização e reterritorialização o hibridismo etc Vivemos espa çotempos mutantes e seremos nós uma nova geração de bárbarosnô madeshíbridosmutantes Considerações finais Pudemos ver como o conceito filosófico de virtual tem uma longa estrada percorrida ao longo dos séculos da Grécia Antiga até os dias atu ais Entendemos que ele se constitui em uma ontologia dado o nível de privilégio que ocupa em obras como a de Deleuze e Pierre Lévy A fonte de Deleuze para pensar o virtual claramente é Bergson porém ele transcria o conceito fazendoo ressoar e ampliar suas possibilidades constituindo uma ontologia como nos fala Negri 2020 e Alliez 1996 218 O conceito de virtual de Bergson a Deleuze de Deleuze a Lévy teccogs n 24 juldez 2021 Lévy por sua vez atualiza o conceito acrescentando a ele as tintas das tecnologias digitais inexistentes nos tempos de Bergson e seminais nos tempos de Deleuze E é exatamente isso que nos interessa sobrema neira a forma como o conceito chega ao século XXI e como seu uso po pular corrente para designar o mundo mediado pelas tecnologias digitais conectadas em rede pela internet se popularizou no sentido que seria algo a se opor ao real Se essa oposição é superada nos autores aqui trabalha dos como ainda é predominante nos dicionários e no senso comum a ideia de que o virtual é aquilo que não é real O presente artigo é apenas parte de uma problematização maior ainda em desenvolvimento Se Deleuze nos mostra como o virtual cons titui uma ontologia pois ao se atualizar ele é uma espécie de garantia da multiplicidade e da diferença Lévy nos mostra a implicação que as dife rentes virtualizações têm nas mais diversas dimensões da nossa existên cia Deleuze se preocupa como o virtual se atualiza Lévy como o atual se virtualiza A partir deles queremos entender como essa via de mão dupla deixa de existir com a chegada em massa da conectividade e das tecnolo gias digitais constituindo um campo de forças em que o virtual e o atual passam a ocupar de certa forma o mesmo espaço Referências ABBAGNANO Nicola Dicionário de Filosofia Tradução Ivone Castilho Benedetti São Paulo Mestre Jou 1962 ALLIEZ Éric Deleuze filosofia virtual Tradução Heloisa BS Rocha São Paulo Editora 34 1996 BERGSON Henri 0 pensamento e o movente ensaios e conferências Tradução Bento Prado Neto São Paulo Martins Fontes 2006 Matéria e Memória Ensaio sobre a relação do corpo com o espírito Tradução Paulo Neves São Paulo Martins Fontes 2010 CRAIA Eladio O Virtual destino da ontologia de Gilles Deleuze Revista de Filosofia Aurora Curitiba v 21 n 28 p 107123 janjun 2009 DELEUZE Gilles Diferença e repetição Tradução Luiz Orlandi e Roberto Machado Rio de Janeiro Graal 1988 O atual e o virtual In DELEUZE Gilles PARNET Claire Dialogues Tradução Eloisa Araújo Ribeiro São Paulo Escuta p 121124 1998 219 O conceito de virtual de Bergson a Deleuze de Deleuze a Lévy teccogs n 24 juldez 2021 Lógica do sentido Tradução Luiz Orlandi e Roberto Machado São Paulo Perspectiva 2011 Bergsonismo Tradução Luiz B L Orlandi São Paulo Editora 34 2012 Dois regimes de loucos Tradução Guilherme Ivo São Paulo Editora 34 2016 DELEUZE Gilles GUATTARI Félix Mil Platôs capitalismo e esquizofrenia v 1 Tradução Aurélio Guerra Neto e Celia Pinto Costa São Paulo Editora 34 1995a Mil Platôs capitalismo e esquizofrenia v 2 Tradução Ana Lúcia de Oliveira e Lúcia Cláudia Leão São Paulo Editora 34 1995b Mil Platôs capitalismo e esquizofrenia v 3 Tradução Aurélio G Neto Ana Lúcia de Oliveira Lúcia Cláudia Leão e Suely Rolnik São Paulo Editora 34 1996 Mil Platôs capitalismo e esquizofrenia v 4 Tradução Suely Rolnik São Paulo Editora 34 1997a Mil Platôs capitalismo e esquizofrenia v 5 Tradução Peter Pál Pelbart e Janice Calaf São Paulo Editora 34 1997b FOUCAULT Michel As palavras e as coisas uma arqueologia das ciências humanas 9 ed Tradução Salma Tannus Muchail São Paulo Martins Fontes 2007 FUCHS Francisco Traverso A noção de virtualidade em Bergson Dissertação Mestrado em Filosofia Programa de Pósgraduação em Filosofia Universidade Federal do Rio de JaneiroUFRJ 1996 LAPOUJADE David As existências mínimas Tradução Hortencia Santos Lencastra São Paulo Editora N1 2017 LÉVY Pierre As tecnologias da inteligência Tradução Carlos Irineu da Costa São Paulo Editora 34 2010a Cibercultura Tradução Carlos Irineu da Costa São Paulo Editora 34 2010b O que é o virtual Tradução Paulo Neves São Paulo Editora 342011 NEGRI Antonio Deleuze Guattari uma filosofia para o século XXI Tradução Jefferson Viel São Paulo Editora Filosófica Politeia 2019 NIETZSCHE Friedrich Assim falou Zaratustra Tradução Paulo Cesar de Souza São Paulo Ed LPM 2014 220 O conceito de virtual de Bergson a Deleuze de Deleuze a Lévy teccogs n 24 juldez 2021 NUNES Daniel Salgado Galvão Cibercultura e ciberespaço as relações sociais nos jogos online como extensão do homem social e político Dissertação Mestrado Programa de Pósgraduação em Filosofia Universidade Federal de Uberlândia 2016 PELBART Peter Pál Ensaios do assombro São Paulo Ed N1 2019 ROLNIK Suely A dama de negro 1995 Disponível em pucspbr nucleodesubjetividadeTextosSUELYdamanegropdf Acesso em 26 jun 2021 SOUZA Alisson Ramos de Deleuze e o corpo por uma crítica da consciência Porto Alegre Editora Fi 2017