·

Administração ·

Filosofia

Send your question to AI and receive an answer instantly

Ask Question

Preview text

A HISTÓRIA DOS CONCEITOS E A CONSTRUÇÃO DO SABER HISTÓRICO NA SALA DE AULA Railton Souza Santos1 A História dos Conceitos na perspectiva de Koselleck trata do encontro de duas vias a saber o conceito e a história Tendo por base essa visão podese afirmar que a história social para poder proceder de maneira concisa não deve recusar as perspectivas teóricas da história dos conceitos pois conhecer a fundo os conceitos trabalhados seria na opinião de Koselleck o primeiro passo a ser dado Essa premissa é válida sobretudo para aqueles historiadores que trabalham numa perspectiva estrutural na longa duração O autor afirma que a especialização da História dos Conceitos reverberou bastante nas investigações da História Social Entretanto apesar de ser um componente metodologicamente autônomo da pesquisa social e histórica baseandose na terminologia filosófica na gramática na filologia histórica na semasiologia e na onomasiologia a história dos conceitos não contém em si mesma os meios e objetivos Porque a investigação do universo semântico de cada um dos principais conceitos em determinada sociedade revela um ponto de vista polêmico dirigido para o presente assim como um componente de planejamento do futuro horizonte de expectativa Tornase portanto interessante tanto para história dos conceitos como para a história social ter o conhecimento da profunda mudança histórica social e política pela qual passou um conceito específico Partindo da premissa de que existe uma relação visceral entre História e linguagem e reconhecendo a mutabilidade das palavras Koselleck realizou subsídio decisivo a este debate inaugurando uma abordagem sobre a História das Ideias que se funde a uma verdadeira teoria da história E a desenvolve a partir de alguns aspectos basilares o problema da consciência histórica sua articulação por meio do conceito de experiência e fazendo recurso à hermenêutica filosófica que integrados perfazem uma História Social dos Conceitos O ponto alto de sua contribuição foi demonstrar os vínculos existentes entre o pensamento social ou político e os sujeitos por um lado e como se dá o amálgama entre as expressões de determinadas consciências históricas por outro que expressam o quanto o conhecimento 1 Mestrando pela Universidade Federal de Sergipe Professor da Rede Estadual SE Email raidydahotmailcom histórico pode tematizar as condições de possibilidade de histórias e a própria existência humana KOSELLECK 1997 p 68 O caráter polissêmico dos conceitos A história dos conceitos de Koselleck colocase como um instrumento teórico metodológico para a crítica documental de textos históricos Contudo o caráter polissêmico dos conceitos sociais e políticos potencializariam e ampliariam as possibilidades de análise ultrapassando a esfera do estudo dos conteúdos históricos empíricos ou seja O conceito reúne em si a diversidade da experiência histórica assim como a soma das características objetivas teóricas e práticas em uma circunstância a qual só pode ser dada como tal e realmente experimentada por meio desse mesmo conceito Um conceito não é somente o indicador dos conteúdos compreendidos por ele é também seu fator Um conceito abre determinados horizontes ao mesmo tempo em que atua como limitador das experiências possíveis e da teoria Por isso a história dos conceitos é capaz de investigar determinados conteúdos não apreensíveis a partir da análise empírica KOSELLECK 2006 p 68 Portanto em um único conceito está contida uma multiplicidade de experiências conteúdos inatingíveis a partir da análise empírica o que permite admitir a perspectiva de analisálo enquanto índicefator dessas experiências Para tanto segundo o historiador alemão é perfeitamente viável analisar a mudança conceitual tratando de forma sincrônica espaço e tempo Nesse trâmite são utilizados conceitos que organizam os fatos de modo a tornálos inteligíveis Obviamente os conceitos estão tanto nas fontes vestígios do passado o qual o historiador deseja reconstituir quanto no produto que resultará da sua investigação a saber o texto historiográfico As discussões empreendidas pelo autor de Futuro Passado que versam sobre a relação entre passado e futuro na história moderna abordando problemas teóricos e práticos particularmente no que se refere às relações entre linguagem e história e a semântica histórica da experiência podem muito bem dialogar com o campo do ensino de História O emprego de conceitos em sala de aula O trabalho com conceitos históricos há muito tem sido considerado elemento indispensável no ensino de História Alguns livros didáticos tentam fazer algum esforço nesse sentido através por exemplo de exercícios no fim de cada capítulo em que o estudante é levado a assimilar determinados vocábulos Porém tratase de uma atividade de aplicação do conteúdo explorado na qual o conceito é pensado somente como produto do conhecimento obtido pelo educando e não como resultado de uma construção sistemática e que pode ser verificada em diversas situações tendo como base o conhecimento que o aluno já traz consigo Desse modo o professor na sua prática didática objetivando um ensino renovado de História lançando mão de documentos e diferentes linguagens certamente adota como um dos pressupostos do seu fazer a apropriação construção e emprego dos conceitos históricos por parte de seus estudantes Notoriamente uma das inquietações daqueles que lidam com o ensino de História na contemporaneidade é a de como proceder para que os alunos possam construir não só um vocabulário histórico que seja de fácil assimilação mas que principalmente eles tenham competência para utilizar tais conceitos em diversas situações de sua vida social Uma das elementares questões a ressaltar diz respeito ao fato de que o aluno já é detentor de um vocabulário histórico de uso habitual apropriado para descrever situações da realidade por ele vivida Isto mostra que os alunos no cotidiano da sala de aula possuem pontos de vista acerca do mundo social por exemplo sobre poder família economia Todavia na maior parte das vezes estas concepções são incapazes de apreender os fenômenos sociais em sua essência Nesse contexto o ensino de História tem se deparado com um entrave a saber a centralização a ênfase excessiva nesse conhecimento ou vocabulário que o aluno traz para a sala de aula Tais conhecimentos constituídos por uma série de informações especulações e noções que os alunos edificaram no desenvolver de sua própria história com as interações sociais e por essa razão precisam ser levados em conta como referências iniciais como bases a partir das quais se pode dar significado e sentido aos conteúdos históricos Outra questão também precisa ser destacada Tendo os alunos a possibilidade de realizar suas próprias construções sobre os fenômenos e objetos do mundo social eles não recebem de forma passiva as informações que lhes são passadas pelo professor Os alunos enquanto sujeitos sociais e históricos com um determinado pertencimento de classe e com inserção em uma determinada cultura eles mesmos formulam hipóteses e interrogações direcionadas ao contexto com o qual interagem Não obstante o conhecimento inicial dos alunos que é um conhecimento mais intuitivo deve ser tomado a partir de sua distinção do conhecimento cientificamente elaborado A sinalização de que está ocorrendo uma mudança conceitual é dada a partir do momento em que as explicações que o aluno tinha acerca de determinados fenômenos e dinâmicas históricas não são mais suficientes o que acaba por exigir explicações mais plausíveis pautadas em bases mais sólidas Na relação ensinoaprendizagem de História é fundamental que se promova a construção de um conjunto de subsídios capazes de auxiliar os alunos a realizarem uma análise mais densa da realidade social Este instrumental é composto pelos conceitos históricos observando sua aplicabilidade e operacionalização visto que eles não têm origem diretamente do exame e do pensamento ele não é dado mas como o nome adverte é fruto de uma construção a qual tem como base os aspectos da experiência individual o teor da observação e da percepção GIOLlTTO 1986 94 O aprendizado dos conceitos Considerando que o trabalho com a construção de conceitos históricos precisa está atrelado ao processo ensinoaprendizagem de História é necessário também considerar que isso não tem como objetivo usar indiscriminadamente termos técnicos ou a prescrição de significações abstratas e memorizações categóricas de palavras e do seu significado A relevância de aprender conceitos vai muito além de acumular conceituações ou conhecimentos formais significa sobretudo construir um instrumento que auxilie o estudante na sua apreensão e explicação da realidade social A elaboração de séries conceituais pelo aluno eventualmente promove a leitura do contexto em que está situado uma vez que O conhecimento histórico não se limita a apresentar o fato no tempo e no espaço acompanhado de uma série de documentos que comprovam sua existência É preciso ligar o fato a temas e aos sujeitos que o produziram para buscar uma explicação E para explicar e interpretar os fatos é preciso uma analise que deve obedecer a determinados princípios Nesse procedimento são utilizados conceitos que organizam os fatos tornandoos inteligíveis BITTENCOURT 2005 p 183 Os conceitos mostramse imprescindíveis para a mediação dos conhecimentos históricos posto que estando no universo histórico os conteúdos socialmente construídos são fundamentais para que o aluno identifique as transformações ao longo do tempo e do espaço tome consciência do quanto ele próprio é marcado pelas contradições da sociedade e tenha condições de propor alternativas de mudanças nas estruturas sociais Definição de conceito É oportuno questionar o que constitui um conceito na visão de koselleck Buscando responder a isto o próprio autor assevera Todo conceito se prende a uma palavra mas nem toda palavra é um conceito Toda palavra possui um sentido mas não são todos os sentidos atribuídos a uma palavra interessante para a História dos Conceitos para esta interessam conceitos passíveis de uma teorização e cujo entendimento é também reflexivo Koselleck 2006 p 106 O conceito é mais que uma palavra e esta só se transforma em um conceito na medida em que as circunstâncias totais políticosociais a ela se agregam Os conceitos sociais e políticos encerram uma exigência real de generalização ao mesmo tempo em que são palavras que reúnem vários significados isto é são sempre polissêmicos Isso equivale a dizer que com o passar dos tempos os termos tendem a se transformarem Este fenômeno pode ser ilustrado com o que ocorreu com o conceito revolução Na época de Aristóteles este conceito significava um movimento cíclico ou um retorno Mas os acontecimentos indomáveis de 1789 na França transformariam o entendimento do termo Desde então passou a representar todas as revoluções mas tendo como referência a Revolução Francesa Conforme Koselleck o termo evoluiu para a forma de um coletivo singular E é nesse sentido que Koselleck em Futuro Passado em que discorre sobre a teoria e o método da determinação do tempo histórico irá brilhantemente propor um elo complexo entre a História dos conceitos e a história social O historiador alemão advoga a favor da ideia de que há uma força peculiar nas palavras pois sem as mesmas o sofrer e o fazer humanos não poderiam ser experimentados tampouco transmitidos De forma esquemática Koselleck sugere uma interessante fórmula em que é possível observar a questão da mudança do ponto de vista das relações mais orgânicas entre conceitos e realidades Na hipótese de que de um lado existe uma realidade um contexto um estado de coisas e de outro um conceito no qual se espera abarcar tudo isto quatro situações são prováveis a a realidade e o conceito conservamse ambos estáveis ao longo de um período de tempo b o conceito e a realidade simultaneamente se transformam c os conceitos sofrem mudanças sem que ocorra uma alteração concomitante da realidade isto é o mesmo estado de coisas é conceituado de modo diferente d a realidade é alterada entretanto o conceito permanece o mesmo2 Koselleck atribui um caráter heurístico e didático a este esquema em vista da articulação muito mais complexa entre linguagem e história Primeiramente porque a relação entre realidade sociopolítica e conceito entre dogmata e pragmata não se dá simplesmente em termos de separação e oposição Predomina a perspectiva de que enquanto os conceitos possuem capacidades políticas e sociais seu papel e performance semânticas não são somente resultantes das conjunturas sociais e políticas às quais eles se reportam Um conceito é bem mais do que um indicativo das relações que ele recobre é também um elemento no interior delas Cada conceito instaura um horizonte particular para a experiência potencial e a teoria possível e nessa lógica estabelece um limite A seleção dos conceitos Diante dessas considerações acerca dos conceitos cujas potencialidades heurísticas e didáticas podem ser exploradas pelo professorpesquisador em sala de aula convém indagar que conceitos dever ser privilegiados no ensino de história Antes de responder a esta questão é preciso refletir acerca da concepção de História que dar sustentação a perspectiva metodológica do ensino Da mesma forma é necessário considerar os objetivos que se almeja alcançar os interesses e demandas dos alunos e a realidade vivenciada por professores e estudantes De acordo com Silva e Fonseca 2010 a história ensinada sempre resulta de uma seleção um recorte temporal histórico Em decorrência as histórias são provenientes de múltiplas leituras interpretações de sujeitos históricos situados socialmente Semelhante a História o currículo escolar não se restringe a um conjunto conhecimentos escolares a serem ensinados apreendidos e avaliados 2 Ver KOSELLECK Reinhart Uma história dos conceitos problemas teóricos e práticos Estudos históricos Vol 5 n 10 p 134146 Nesse sentido é possível adotar alguns critérios para nortear a primeira seleção dos conceitos a serem abordados no ensino de História Dentre os quais 1 A seleção de uma quantidade considerável de conceitos que podem ser empregados pelo professor e extraídos do próprio material didático ao quais os alunos têm acesso 2 A seleção de conceitos que tenham a natureza mais universal possível para facilitar o seu uso em um maior número de situações e contextos históricos 3 Operar um tratamento didático que promova a aprendizagem pelo aluno porque os conceitos históricos não são de fácil aprendizagem especialmente nas séries iniciais do ensino fundamental Um dos conceitos mais importantes a serem escolhidos para ser trabalhado é o conceito de tempo Podese perguntar o que o tempo histórico afinal Esse é um dos questionamentos mais árduos para se chegar a uma conclusão no domínio da historiografia A pergunta nos conduz indispensavelmente ao campo da teoria da história sob uma ótica ainda mais profunda do que a usual Porque as fontes do passado são apropriadas para nos dar notícia instantânea sobre fatos e ideias acerca do plano e acontecimentos contudo não sobre o tempo histórico em si No intuito de solucionar de maneira mais adequada possível essa questão costumaz no campo dos estudos da história é preciso recorrer a mais de uma abordagem teórica já que os testemunhos da tradição e do passado têmse revelado insuficientes À primeira vista uma das primeiras noções que os alunos apresentam em discussões acerca do mundo social é a de que ele se mantém inalterado tudo foi sempre igual As questões de mudança de transformações e do processo histórico são elaborações mentais mais complexas e dependem da intervenção da mediação do ensino Tal intervenção é no sentido de fazer com que os alunos tenham a chance de refletir sobre as especificidades destas duas dimensões do tempo a saber passado e presente dos tempos da História Intervir para que os alunos adquiram gradativamente o fundamento dos tempos históricos da sucessão da ruptura da permanência da duração e das mudanças O trabalho com os tempos históricos deve levar os alunos a construírem diferenciações tanto entre distintos momentos da História como entre diferentes tipos de sociedades Esta abordagem será mais eficaz de estiver atrelada a noção de período histórico dentre outras levando o aluno a construir pontos de referência datas durações acontecimentos levando os alunos compreenderem a divisão ou medida do tempo hora dia ano século Não é exagero afirmar que no decorrer de uma investigação empenhada com circunstâncias históricas é desnecessário formular categoricamente a pergunta sobre um tempo histórico Entretanto a datação exata é imprescindível para que se possa organizar e narrar esse conteúdo constituído de eventos Mas a datação correta é apenas um pressuposto e não uma determinação da natureza daquilo que se pode chamar de tempo histórico A cronologia como ciência auxiliar que é responde às questões sobre datação à medidas de tempo empregados ao longo da história reunindoos em um único tempo regido segundo o nosso sistema planetário e calculado segundo as leis da física e da astronomia Esse tempo único natural passa a ter então o mesmo valor para todos os habitantes da Terra se desconsiderarmos as diferenças nas estações do ano e nas variações na duração de um dia Koselleck 2006 p 13 Esse mesmo princípio pode servir de ponto de partida no que diz respeito ao tempo biológico do homem o qual apesar dos recursos da medicina varia de forma bastante limitada Entretanto tal pressuposto natural presente em nossa divisão do tempo será estranho à investigação da coincidência entre história e tempo Por isso os estudantes precisam compreender que o tempo histórico revela e elucida o processo pelo qual passou ou passa a realidade em análise uma vez que ele tem como agentes os grupos humanos os quais promovem as mudanças sociais e concomitantemente são modificados por elas Todavia a história não se deixa aprisionar pelo tempo cronológico Por vezes é forçoso ir e voltar no tempo Voltamos para compreender as origens de certa situação estudada e seguimos em frente ao explicar os seus desdobramentos Quem busca achar o cotidiano do tempo histórico deve observar as rugas na face de uma pessoa ou mesmo as cicatrizes nas quais se desenham os traços gerais as marcas de uma saga já vivida Ou pode também observando ao redor a própria cidade trazer à memória a presença lado a lado de edificações em ruínas e construções atuais vislumbrando assim a evidente transformação de estilo que confere uma profunda dimensão temporal a um simples conjunto de habitações Por fim que contemple a sucessão das gerações dentro da própria família assim como no mundo do trabalho lugares nos quais se dá a justaposição de diferentes espaços da experiência e o entrelaçamento de distintas perspectivas de futuro ao lado de conflitos ainda em germe Koselleck 2006 p 14 Esse simples exercício de contemplar a passagem do tempo a partir de coisas que estão ao nosso redor já é suficiente para que se note o quão é complexo traduzir prontamente a universalidade de um tempo calculável e natural mesmo que esse tempo tenha uma história própria para um conceito de tempo histórico Então a própria singularidade de um tempo histórico único distinto de um tempo natural e mensurável pode ser colocada em dúvida Pois o tempo histórico caso o conceito tenha mesmo um sentido próprio está associado à ação social e política a homens concretos que agem e sofrem as consequências de ações a suas instituições e organizações Todos eles homens e instituições têm formas próprias de ação e consecução que lhes são imanentes e que possuem um ritmo temporal próprio Koselleck 2006 p 14 Ainda acerca dessa questão do tempo cronológico e do tempo histórico podemos pensar nos diferentes calendários festivos que articulam a convivência em sociedade na alternância dos tempos destinados ao trabalho e em sua duração que produziram o encadeamento da vida no passado e prosseguem a instaurála diariamente É na relação entre o passado e o futuro na distinção entre ambos que se apreende o tempo histórico Partindo de uma terminologia antropológica entre experiência e expectativa constituise algo como um tempo histórico Koselleck 2006 p 16 Isso significa pensar que é na forma como cada geração se relacionou com seu passado formando seu campo de experiência e com seu futuro construindo um horizonte de expectativa construiu uma relação com o tempo que possibilita sua caracterização como tempo histórico Segundo Koselleck a modernidade caracterizase pelo progressivo afastamento entre experiência e expectativa de modo que só se pode pensar a modernidade como um tempo novo a partir do momento em que as expectativas passam a afastarse cada vez mais das experiências feitas até então Tratase de um tempo não apenas histórico e sim historicizado pois a forma como cada geração operou esta relação entre passado e futuro alterouse À medida que o homem experimentava o tempo como um tempo sempre inédito como um novo tempo moderno o futuro se mostrava sempre mais desafiador A experiência da novidade do imprevisto ao que tudo indica se acentuou no contexto da Revolução Francesa O tempo histórico sofreria a partir de então uma mudança de direção e isso justifica a escolha do autor em concentrarse na análise deste período examinando como esta nova consciência pôde ser expressa através da linguagem na criação de conceitos de movimentos que pareciam emancipados do passado ruptura radical que marca ainda hoje nossa relação com o tempo histórico Para Hartog 2013 a temporalidade contemporânea é regida pelo presente A queda do muro de Berlim além de toda a conotação políticaideológica significou um corte no tempo de modo esse fato que teria assinalado o fim da preponderância do futuro que se tornou imprevisível3É relevante pensar professores e alunos estão inseridos nesse contexto de crise do futuro nessa brecha temporal que estremeceu a relação do Ocidente com o tempo e a história dando a impressão de que se vive num permanente e aprisionador presente o presentismo É fácil perceber entre os mais novos uma valorização do presente em detrimento das outras dimensões temporais o passado e o futuro4 Logo é necessário desmistificar a evidência do presente historicizandoo Fazer com que o aluno construa o conceito de tempo é muito importante porque ele não o domina de maneira a priori para tanto é exigido certo grau de abstração teoria da história Nessa linha de pensamento o conceito de tempo deve ser correlacionado a outras categorias como a da noção de período histórico levando o aluno estabelecer pontos de referência a exemplo de datas durações acontecimentos A partir disso é possível que os alunos compreendam a divisão ou medida do tempo hora dia ano século Se a História estuda os grupos humanos através do tempo a experiência do tempo faz parte do nosso cotidiano por exemplo quando percebemos coisas que mudaram ou permaneceram de uma 3 Ver HARTOG François Regimes de Historicidade Presentismo e Experiências do Tempo Belo Horizonte Editora Autêntica 2013 O grande evento que definiu a época atual ocorreu em 1989 a queda do muro de Berlin que representou o fim do projeto comunista e da revolução e a ascensão de múltiplos fundamentalismos 4 Sobre o assunto do presentismo dominante Hartog afirma que vivemos o tempo galopante da globalização que é ao mesmo tempo resultado da crise de credibilidade do progresso e sua realização já que o avanço tecnológico continua a se expandir e a sociedade de consumo se amplia época para outra experimentamos a diversidade de concepções perspectivas ou mentalidades existente entre pessoas do mesmo grupo Podemos então concluir então que a noção de tempo é ampla Abrange portanto aspectos cronológicos psicológicos e o aspecto histórico social O chamado tempo histórico se relaciona com as percepções sobre mudanças e permanências nos modos de ser e de viver das sociedades Para o historiador Nicolau Sevcenko 2001 p 3 o tempo histórico nos fornece o contexto no interior do qual podemos avaliar a escala a natureza a dinâmica e os efeitos das mudanças em curso bem como quem são seus beneficiários e a quem elas prejudicam5 Ao lidar com estes diferentes conceitos uma dos mais recorrentes dificuldades diz respeito ao fato de que muitas vezes o limite entre o conceito e o fato histórico é demasiadamente tênue Ademais diferentes conceitos são compostos de diferentes graus de dificuldade de aprendizagem tanto pelo seu nível de abstração como pelo seu afastamento do vivido ou do existente previamente no conhecimento do aluno Há conceitos abordados no ensino de História que possuem caráter mais universal ficando seu conteúdo inalterado no tempo e no espaço exemplo disto são os conceitos de monarquia república industrialização espaço urbano espaço rural constituição cidade produção agrícola família nuclear família patriarcal colonizadores Em contrapartida alguns conceitos são mais exclusivos de um momento ou de um espaço determinado nesta perspectiva temse índios imigração migração Existem ainda os conceitos como tropeiros bandeiras bandeirantes região caudilhismo que se referem a fenômenos bem específicos ou singulares no tempo e no espaço Entretanto o limite entre o conceito e o fato histórico nem sempre está bem claro o que se constitui em um grande desafio a ser enfrentado no cotidiano da sala de aula Ademais como já foi dito diferentes conceitos tanto pelo seu nível de abstração como pelo seu distanciamento do vivido ou por não fazer parte do conhecimento prévio do aluno mostram diferentes nuances de dificuldade de aprendizagem 5 Em sua brilhante obra A corrida para o século XXI no loop da montanharussa Nicolau Sevcenko inicia dizendo que uma das sensações mais intensas do mundo atual que se pode experimentar é a montanharussa por submeter às pessoas as experiências extremas de deslocamento e aceleração que alteram a percepção do próprio corpo e do mundo ao redor Assim Sevcenko faz uma analogia entre a montanharussa com o século XX mostrando que os dois possuem um ritmo bem parecido de grandes subidas momento de grandes avanços tecnológicos e descidas período em que não ocorre grandes avanços tecnológicos O trabalho com conceitos no ensino de História envolve algumas atividades básicas dentre as quais podemos destacar as de classificar definir e de aplicar os conceitos em determinadas situações de programação e de comunicação Enquanto alguns conceitos podem ser classificados conforme o seu significado mais amplo outros se classificam pelo seu significado mais peculiar ou temático Sociedade poder civilização cultura e economia por exemplo podem ser mais facilmente apreendidos a partir do seu significado mais amplo ou a partir de certas referências SOCIEDADE A construção desse conceito ocorre mediante ao conhecimento de uma determinada organização social em um determinado momento da história ao se situar os direitos e deveres dos diferentes componentes sociais operários classes médias etc PODER A apreensão desde conceito se relaciona por exemplo ao entendimento do modo como as pessoas são governadas e como se tem exercido o poder político por meio das instituições como as nações relatam os acontecimentos referentes ao seu passado de guerra e paz O conceito de poder seja em seu aspecto político poder monárquico republicano dentre outros seja em aspectos relacionados com o poder econômico religioso social e ideológico são importantes na construção da consciência cidadã algo que se espera do ensino do ensino aprendizagem de História Devese admitir ainda a possibilidade de também laçar mão de uma classificação mais temática estabelecida fazendose um recorte do conteúdo Suponhamos que o tema escolhido seja Era Vargas Nesse caso podese tentar agrupar os conceitos em políticos povo nação Estado econômicos desenvolvimentismo industrialização agroexportador e sociais trabalhadores oligarquia cidadania Mais um importante trabalho que professores e alunos têm condições de realizar com os conceitos diz respeito a sua definição pois é importante que o aluno consiga expressar o seu significado político e social contido em uma palavra e tenha condições de distinguila dos demais conceitos Além de Koselleck podemos recorrer ao pesquisador Cristòfol A Trepat Carbonell 1995 Segundo esse autor é possível definir os conceitos de diferentes formas Nesse sentido têmse as definições nominais se reportam à etimologia ou seja referemse ao significado do termo que designa o conceito Por exemplo Democracia vem do grego antigo demos povo e kratos poder e significa poder ou governo do povo As definições reais referemse ao objeto que nomeiam Por exemplo Democracia é uma doutrina política que pressupõe a participação do povo no governo e na eleição de governantes Nas definições essenciais o significado de um conceito é dado de forma especifica através da listagem de algumas características consideradas imprescindíveis para se aproximar de sua definição mais coerente Exemplificando democracia doutrina regime político princípio O uso de sinônimos e antônimos também é viável para se apreender um conceito Por exemplo colônia é o contrário de metrópoles ditadura é o contrário de democracia Quando se trata de tratase de explicar o significado de um conceito a partir da exposição do maior número de seus atributos temos as definições descritivas Por exemplo uma forma de governo em que o chefe de Estado é eleito pelos representantes dos cidadãos ou pelos próprios cidadãos e exerce o seu cargo por um limitado tempo pode ser um dos conteúdos a serem agregados ao termo democracia Por fim há as definições que podem ser feitas de forma serial Nessa perspectiva o conceito é definido a partir de sua contextualização dentro de um recorte temporal de sucessão ou simultaneidade Ditadura é um termo que se refere a um dos regimes não democráticos ou antidemocráticos ou seja governos onde não há participação popular ou em que essa participação ocorre de maneira muito restrita Num regime ditatorial o poder está em apenas uma instância portanto esse conceito pode ser aplicado ao Brasil no período de 1937 1945 e 1964 a 1985 Vale notar que na construção das definições dos conceitos devemos tomar muito cuidado para não dar a entender que apenas uma definição é válida pois os conceitos sociais e políticos encerram uma exigência real de generalização ao mesmo tempo em que são palavras que reúnem vários significados e por essa mesma razão são necessariamente sempre polissêmicos6 No que tange a aplicação essa etapa pode ser feita de maneira gradativa 6Nas palavras de Marcelo Jasmin na relação complexa entre conceitos e realidade entre dogmata e pragmata a separação entre linguagem e história não implica em aceitar por aceitar o caráter linguístico constitutivo da realidade social e política mas a busca de um modelo teórico no qual os significados linguísticos simultaneamente criam e limitam as possibilidades da experiência política e social Jasmin 2005 p 33 a O aluno precisa detectar os conceitos em fontes primárias ou secundárias b organizar os conceitos coletados segundo algum critério de classificação c Comparar o conceito identificado em uma fonte com o mesmo conceito usado em outras situações percebendo diferenças e semelhetudes d Comunicar conhecimentos históricos fazendo uso dos conceitos em contextos corretos através de frases textos etc No primeiro momento as atenções devem centralizarse no uso apropriado dos conceitos históricos relativos às dimensões de temporalidades ordenação sucessão cronologia duração simultaneidade antes depois durante no momento em que faz tempo naquele momento etc Neste primeiro estágio é fundamental fomentar também a utilização adequada dos termos históricos comumente empregados em narrativas ou relatos colocando os oralmente em outros contextos Numa etapa seguinte o aluno deve saber usar por escrito ou oralmente conceitos alusivos a personagens ou situações com maior fundo histórico aplicar oralmente ou por escrito conceitos relacionados a fatos conectados à vida cotidiana ou a aspectos técnicos situandoos numa perspectiva histórica fazer uso de conceitos diametralmente relacionados com a História como o conceito de fonte histórica Numa terceira etapa estimulase a utilização de conceitos históricos que demandam certo nível de abstração tais como liberdade progresso república revolução dentre outros O aluno poderá exercitar a capacidade de definir os conceitos mencionados elaborar frases corretas do ponto de vista histórico utilizando estes conceitos oralmente ou por escrito relacionandoos ao seu cotidiano aos costumes à tecnologia Da mesma forma esperase a aplicação dos conceitos relacionados à ciência histórica como cronologia documento fonte e interpretação etc A partir disso já é possível trabalhar com os conceitos históricos essencialmente abstratos tais como sindicato partido político civilização bem como usar conceitos habitualmente usados em análises reconstituições e explicações históricas a saber sociedade contexto classe grupo social permanência mudança etc Por serem ainda mais abstratos liberalismo socialismo terrorismo fascismo comunismo são conceitos a serem aplicados quando o aluno já estiver num bom nível de amadurecimento intelectual sendo capaz de classificar com facilidade os conceitos históricos presentes nas fontes primárias e secundárias a partir de critérios e questões previamente formuladas É importante frisar que o trabalho com a construção de conceitos pressupõe a criação de momentos e canais a fim de que os alunos possam além de explorar também possam comunicar essas categorias Esta ideia básica decorre sobretudo do fato de que os alunos precisam ter domínio sobre os conceitos históricos que permeiam a construção do saber histórico e deles fazer uso em diferentes situações Assim propõese a sistematização do trabalho sob a forma da comunicação dos conceitos Como ficou evidente a comunicação dos conceitos se constitui na culminância do processo de apreensão dos mesmos tal comunição pode ser realizada sob a forma da construção de narrativas históricas Sendo a História um gênero textual que se materializa em um texto inteligível no qual preponderam sequências narrativas e descritivas sobre personagens e fatos reais é indispensável também que alunos tenham clareza sobre algumas sugestões metodológicas de pesquisas e técnicas utilizadas no trato das fontes para que assim possam elaborar um texto histórico A partir do momento em que os estudantes compreendem que o saber histórico é se faz a partir de versões e que um mesmo acontecimento pode ser narrado de várias formas em diversas perspectivas eles entendem que é preciso buscar fontes variadas a fim de ter uma visão mais abrangente sobre qualquer experiência histórica Portanto será crucial fazer cotidianamente um esforço para que os alunos adquiram a consciência de que a História se constitui em um instrumento fundamental para o conhecimento humano e de que o próprio conhecimento é dinâmico não sendo compostos de verdades absolutas e inquestionáveis De outra forma correse o perigo de se ter um ensino meramente reprodutor que faz perpetuar imagens conceitos e ideias que engessam o olhar sobre a realidade dos fatos Por fim é oportuno pontuar que a prática da leitura sistemática leitura problematização produção escrita e oral pode ser uma metodologia eficaz na articulação do processo ensinoaprendizagem ou seja lendo sistematicamente o aluno criará condições necessárias para se apropriar dos conceitos dos conteúdos históricos e acerca deles construir um posicionamento crítico identificando problemáticas do passado que podem ser trazidas para o presente Em decorrência ele será protagonista da construção do conhecimento do saber histórico REFERÊNCIAS BITTENCOURT Circe Maria Fernandes Ensino de História fundamentos e métodos Editora Cortez 2005 BLOCH Marc Apologia da História ou o Ofício de Historiador Rio de Janeiro Jorge Zahar Editor 2002 JASMIN Marcelo Gantus História dos conceitos e teoria política e social referências preliminares Revista Brasileira de Ciências Sociais v 20 n 57 p 28 fev 2005 Apresentação In KOSELLECK R Futuro passado contribuição à semântica dos tempos históricos Tradução de Wilma Patrícia Maas e Carlos Almeida Pereira revisão técnica de César Benjamin Rio de Janeiro Contraponto Ed PUCRio 2006 CASSIRER Ernst Ensaio Sobre o Homem introdução a uma filosofia da cultura humana São Paulo Martins Fontes 1994 HARTOG François Regimes de Historicidade Presentismo e Experiências do Tempo Belo Horizonte Editora Autêntica 2013 KOSELLECK Reinhart Futuro Passado Contribuição à semântica dos tempos históricos Rio de Janeiro Contraponto Editora PucRJ 2006 REIS José Carlos História teoria historicismo modernidade temporalidade e verdade Rio de Janeiro Editora FVG 2006 SEVCENKO Nicolau A Corrida para o Século XXI No loop da montanharussa São Paulo Cia das Letras 2001 Coleção Virando Séculos 07 SILVA Marcos Antônio FONSECA Selva Guimarães Ensino de História hoje errâncias conquistas e perdas In Revista Brasileira de Historia São Paulo vol 31 n 60 p 1333 2010 TREPAT Cristàfola Procedimientos en historia Un punto de vista didáctico Barcelona Grao Editorial 1995