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Direito Constitucional

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EXMO SR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARTIDO DAS FACULDADES LIBERAIS PFL partido político com representação no Congresso Nacional e devidamente registrado no Tribunal Superior Eleitoral inscrito no CNPJMF sob nº 02354657000154 com sede na Rua Ministro de Godói nº 130 São Paulo SP CEP 04515010 pflgmailcom vem por seus advogados abaixo assinados procuração em anexo com fundamento no disposto no art 102 1º da Constituição Federal e nos preceitos da Lei nº 98821999 propor Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental Com pedido de medida liminar A fim de que sejam reconhecidas e sanadas as graves lesões a preceitos fundamentais da Constituição praticadas pelo Estado do Rio de Janeiro na elaboração e implementação de sua política de segurança pública notadamente que a atuação da força policial é excessiva e desregulada voltada principalmente mas não exclusivamente sobre a população negra e pobre dentro das comunidades Diante desse reconhecimento demonstrase no final dessa petição os pedidos feitos I DISTRIBUIÇÃO POR DEPÊNDECIA A presente arguição deve ser distribuída por dependência ao Min Édson Fachin relator da ADPF nº 594 que também trata de política e segurança pública no Estado do Rio de Janeiro II DOS FATOS Em 20 de setembro de 2019 Ágatha Félix de apenas oito anos de idade foi baleada no Complexo do Alemão Rio de Janeiro enquanto estava em uma kombi com sua mãe No mesmo tempo ocorria uma operação policial na comunidade da Fazendinha onde Ágatha morava Na mesma noite policiais militares invadiram hospital onde Ágatha se encontrava e tentaram levar o projétil que a matara Em fevereiro de 2019 Jenifer Silene Gomes foi baleada na porta do bar de sua mãe enquanto acontecia uma Triagem na Zona Norte do Rio novamente no Rio de Janeiro Familiares da vítima afirmam que o disparo que acabou com a vida da menina de apenas 11 anos teria sido disparo por policiais Em março do mesmo ano Kauan Peixoto de 12 anos morreu depois de ser baleado no abdômen perna e pescoço enquanto acontecida uma operação policial em Mesquita Em maio faleceu Kauã Rozário de 11 anos atingido por bala perdida em outubro Kelvin Gomes de 17 ano s morreu após ser atingido também por bala perdida em operação policial Todos os casos citados aconteceram no Estado do Rio de Janeiro Os casos citados acima não são casos isolados e sim uma consequência da má gestão de saúd e e segurança pública do Governo nas periferias e comunidades do Rio que incentivam o confronto armado e expõe m o s moradores diariamente às fatalidades citadas Cuidase sem exageros de exemplo perfeito daquilo que Achille Mbembe chamou de necropolítica que se expressa no poder de ditar quem pode viver e quem deve morrer na capacidade de definir quem importa e quem não importa quem é descartável e quem não é Vale destacar que apenas nos primeiros noves meses do ano de 2019 as mortes de civis e inocentes causadas por operação e patrulhamento policial chegou a marca de 1402 pessoas ou seja uma média de cinco mortes por dia Para ilustrar a gravidade do cenário fluminense de letalidade policial observase que toda a polícia dos Estados Unidos que atua sobre universo de 3272 milhões de habitantes vitimou nos nove primeiros meses 717 pessoas em 2019 As forças de segurança do Estado do Rio de Janeiro cuja atuação incide sobre população cerca de vinte vezes menor já causaram quase o dobro de vítimas no mesmo período A brutalidade da política pública de segurança do Rio de Janeiro tem ganhado destaque negativo ent re os entes da federação já que constitui as força s de segurança que mais matam em comparação aos demais estados federados No ano de 2018 atingiu a marca de 1534 mortes de cidadãos por policiais ficando à frente de São Paulo um Estado mu ito maior em extensão territorial e população bem como à frente da Bahia que registrou 794 casos A gravidade da situação chegou a ser reconhecida internacionalmente a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o país no caso Favela Nova Brasília julgado em 16 de fevereiro de 2017 em razão de falhas do Estado e falta de responsabilidade em apurar e punir os responsáveis por execuções extrajudiciais perpetradas pela Polícia Civil fluminense 102 De acordo com informações de órgãos estatais a violência policial representa um problema de direitos humanos no Brasil em especial no Rio de Janeiro Não há dados disponíveis sobre mortes ocorridas durante operações policiais nos anos 1994 e 1995 A partir de 1998 a Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro começou a compilar essas estatísticas Em 1998 397 pessoas morreram por ação da polícia nesse Estado em 2007 a cifra chegou a 1330 Em 2014 houve 584 vítimas letais de intervenções policiais e em 2015 esse número aumentou para 645 103 Entre as vítimas fatais de violência policial estimase uma predominância de jovens negros pobres e desarmados Segundo dados oficiais os homicídios são hoje a principal causa de morte de jovens de 15 a 29 anos no Brasil e atingem especialmente jovens negros do sexo masculino moradores das periferias e áreas metropolitanas dos centros urbanos Dados do SIM Datasus do Ministério da Saúde mostram que mais da metade dos 56337 mortos por homicídios em 2012 no Brasil eram jovens 30072 equivalente a 5337 dos quais 770 negros pretos e mulatos e 9330 do sexo masculino Na cidade do Rio de Janeiro aproximadamente 65 das pessoas que morreram em 2015 são negras negros e mulatos No Estado do Rio de Janeiro estudos mostram que a oportunidade de um jovem negro de morrer por ação da polícia é quase 25 vezes maior do que a de um jovem branco Além de balas perdidas moradores relatam que policiais militares roubam e agridem os civis o Circuito Favelas por Direitos projeto que desde abril acompanha de perto os efeitos da intervenção federal coletou mais de 300 relatos anônimos e espontâneos de moradores de 15 comunidades do Rio Pedro Stronzeberg ouvidorgeral da Defensoria que esteve à frente de todas as visitas e relatos contados durante o projeto afirma Os mortos são expostos pelos dados da saúde e em casos mais expressivos como as chacinas destacados na mídia As violações ficam silenciadas transformandose em sofrimentos patrimoniais físicos e emocionais São relatos que expõem o cotidiano perverso de medo e invisibilidade em que centenas de milhares de pessoas no Rio de Janeiro se encontram submetidas e demonstram que há um modus operandi no modo com que as comunidades são tratadas pelas forças de segurança Além das atrocidades que vêm a público existem diversas outras que se torna ram comuns para os moradores das comunidades que fizeram parte do projeto O relatório feito destaca i violação em domicílio ii abordagem iii letalidade provocada pelo estado e iv furtoroubo dos agentes policiais Dessa forma tornase quase impossível para os mo radores confiarem naqueles que tê m o dever de proteger a sociedade os policiais Alguns relatos anônimos recolhidos conseguem ajudar a entender o que eles passam diariamente como Aqui eles tratam todo mundo como se fosse bandido ou é mãe e pai de vagabundo se é mulher é mulher de vagabundo se é criança é filha de vagabundo tem 99 de morador de trabalhador mas eles acham que todo mundo é bandido O Exército entrou aqui no bar e roubou o videogame Xbox do meu filho comeu nossa mercadoria levou a bebida foi mais de R 4 mil de prejuízo A gente trabalha pra ter esse pouco e eles fazem isso Dessa forma tornase indiscutível que a política de segurança pública no Rio de Janeiro deve ser reavaliada e tomada medidas drásticas para uma melhora efetiva A polícia serve para dar segurança e acolhimento às vítimas e não as tornar vítimas deles mesmos III LEGITIMIDADE ATIVA O arguente é partido político com representação no Congresso Nacional conforme art 103 inciso VIII da Constituição possui legitimidade universal para o ajuizamento de ações de controle concentrado de constitucionalidade inclusive a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental IV CABIMENTO DA ADPF A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental prevista no art 102 1 da CF88 e regulamentada pela Lei n 98821999 é a ação vocacionada para o enfrentamento da questão Como se sabe a ADPF é utilizada quando os atos dos Poderes Públicos violam ou ameacem preceitos fundamentais da Constituição Assim para o seu cabimento é essencial que estejam presentes os requisitos legais de admissibilidade a saber i a presença de lesão ou ameaça de lesão a preceito fundamental ii causada por ato do Poder Público e iii inexistência de outro instrumento apto a sanar essa lesão ou ameaça V VIOLAÇÕES DIRETAS AOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS À VIDA À DIGNIDADE À SEGURANÇA E À INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO De acordo com o art 5 caput CF88 todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza garantindose aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida à liberdade à igualdade à segurança e à propriedade No seu aspecto negativo o direito à vida demanda que o Estado não ceife a vida das pessoas tratase de responsabilidade dirigido ao ente estatal Em uma dimensão positiva os direitos à vida exigem do Estado medidas eficazes e efetivas que assegurem materialmente a proteção dos direitos fundamentais descritas na Constituição Federal de 1988 Sob tal perspectiva o Poder Público deve adotar medidas que garantam que não seja colocada em risco a vida dos cidadãos É o que também se extrai dos Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei aprovados por ocasião do Oitavo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes Ocorre todavia que a política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro segue o caminho diretamente oposto àquele traçado pela Constituição e pela normativa internacional Conforme já narrado nesta petição ao invés de proteger e promover segurança dignidade e direitos à sociedade principalmente pobres e negros as estatísticas comprovam que tal política estimula a letalidade da atuação das forças de segurança por meio da utilização de helicópteros como plataformas de tiro e da extinção da gratificação que servia como incentivo à diminuição de mortes cometidas por policiais Como também já se destacou o próprio governador encoraja o aumento da mortalidade em operações policiais tratando as inúmeras vidas perdidas como efeitos colaterais supostamente necessários ao combate ao crime organizado Nas palavras de Silvia Ramos as polícias do Rio de Janeiro se converteram em verdadeiras máquinas de matar No mundo as polícias têm como objetivo obter maior eficácia com a menor letalidade No Rio de Janeiro de 2019 as polícias adotaram um modo de operação que pode ser descrito como muita letalidade independentemente da eficácia Como se sabe todo individuo é dotado de dignidade ou seja todo individuo é importante e valorizado apenas por ser uma pessoa um ser humano Nesse sentido as operações policiais realizadas nas favelas e comunidades cariocas colidem com o preceito fundamental da dignidade da pessoa humana uma vez que a atuação violenta e descomedida dos policiais vem tirando a vida de inocentes que habitam as comunidades como já anteriormente relatado VI IGUALDADES IMPAC T O DESPROPORCIONAL E RACISMO ESTRUTURAL O Art 5 da Constituição Federal Brasileira reserva seu caput e incisos para dissertar a respeito da igualdade outro preceito fundamental presente no documento fundante do Estado Brasileiro As operações policiais realizadas no estado do Rio de Janeiro por seu turno vão de contramão a esse preceito Isso porque durante as invasões policiais estatísticas e dados já apresentados anteriormente nesta petição demonstram que não exclusivamente mas especialmente a população negra é vítima de balas perdidas e mortes injustificáveis Des se modo a igualdade presente no Art 5 da Carta Magna não sobe o morro da periferia pois durante as invasões policiais os inocentes mortos normalmente são negros Nesse sentido observase o que foi ressaltado pelo Ministro Joaquim Barbosa toda e qualquer prática empresarial política governamental ou semigovernamental de cunho legislativo ou administrativo ainda que não provida de intenção discriminatória no momento de sua concepção deve ser condenada por violação do princípio constitucional da igualdade se em consequência de sua aplicação resultarem efeitos nocivos de incidência especialmente desproporcional sobre certas categorias de pessoas Ademais o Brasil em razão de ter sido o último país da América Latina a abolir a escravidão carrega como consequência o que se chama racismo estrutural Isto é a sociedade brasileira contemporânea é permeada por cicatrizes da escravatura de modo que a hierarquia e opressão racial pautam as relações sociais Em consonância a isso o Ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania Silvio Almeida traz a seguinte reflexão o racismo permite a conformação das almas mesmo as mais nobres da sociedade à extrema violência a que populações inteiras são submetidas que se naturalize a morte de crianças por balas perdidas que se exterminem milhares de jovens negros por ano no que vem sendo denunciado há anos pelo movimento negro como genocídio O preconceito e a discriminação contra a população negra fazem com que os negros sejam mais propensos a tornaremse vítimas de fatalidades em meio às intervenções policiais nas favelas Assim consta no Atlas da Violência de 2019 produzido pelo IPEA e pelo Fórum Brasile iro de Segurança Pública somente no ano de 2017 755 das vítimas de homicídios foram indivíduos negros sendo que a taxa de homicídios por 100 mil negros foi de 431 ao passo que a taxa de não negros brancos amarelos e indígenas foi de 160 Quanto ao Estado do Rio de Janeiro mais precisamente o estudo demonstra que entre 2007 e 2017 o número de homicídios de negros aumentou em 115 enquanto no mesmo período houve redução de 211 para os não negros Assim o impacto das operações policiais é desproporcional entre as diferentes etnias presentes no Brasil país marcado pela diversidade e miscigenação VII ABSOLUTA PRIORIDADE NA GARANTIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS A CRIANÇAS E ADOLESCENTES COMO DEVER DO ESTADO A Constituição Federal Brasileira promulgada em 1988 reserva um de seus artigos para dissertar a respeito da proteção dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes O artigo em questão tratase do 227 que contém em sua redação Art 227 É dever da família da sociedade e do Estado assegurar à criança ao adolescente e ao jovem com absoluta prioridade o direito à vida à saúde à alimentação à educação ao lazer à profissionalização à cultura à dignidade ao respeito à liberdade e à convivência familiar e comunitária além de colocálos a salvo de toda forma de negligência discriminação exploração violência crueldade e opressão Como notase no presente artigo a asseguração dos direitos fundamentais às crianças e aos adolescentes é dotada de absoluta prioridade Portanto no que tange às operações policiais realizadas nas favelas as quais deixam vítimas crianças feridas e mortas como observado anteriormente no caso da garota Ágata Félix é possível constatar mais um preceito fundamental sendo violado Ainda é possível justificar a proteção absoluta às crianças e aos adolescentes baseandose na incontestável vulnerabilidade deste grupo que ainda não possui plena capacidade para os atos civis Conforme assevera Guilherme de Souza Nucci p ossuem as crianças e adolescentes uma hiperdignificação da sua vida superando quaisquer obstáculos eventualmente encontrados na legislação ordinária para regrar ou limitar o gozo de bens e direitos Segundo o estudo realizado por Flávia Vastano Manso e Luciano de Lima Gonçalves somente no ano de 2017 635 crianças e adolescentes foram assassinados no Estado do Rio de Janeiro sendo que para as vítimas adolescentes mais de um quarto dessas mortes 286 foram provocadas por intervenção policial 90 Vale destacar que segundo os pesquisadores esse número resulta do crescimento de 68 na taxa de mortes de menores no Rio entre 2007 e 2017 Perante essa pesquisa o que se nota é a relação direta que se estabelece entre a intervenção policial e a posição do Brasil como um dos países em que mais se matam crianças no mundo dado adquirido a partir de pesquisa da UNICEF Ainda nesse cenário as intervenções policiais interferem no direito de ir e vir das crianças e dos adolescentes periféricos à escola Essa é mais uma das problemáticas envolvendo as operações realizadas pela polícia na medida em que a geração jovem se trata do futuro da nação Sendo assim as operações policiais também ferem o direito fundamental de crianças e adolescentes à educação também presente no Art 227 De acordo com um levantamento realizado pela imprensa a partir de dados oficiais em 2017 uma em cada três escolas municipais do Rio de Janeiro fechou em razão d a s trocas de tiro em áreas próximas prejudicando cerca de 655 mil estudantes e impactando negativamente o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica do estado VII DO PEDIDO Diante do exposto o Arguente postula que após ouvidos o Estado do Rio de Janeiro e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro responsáveis pelos atos e omissões descritos nesta petição o AdvogadoGeral da União art 103 3º CF88 e o ProcuradorGeral da República art 103 1º CF88 seja ju lgada procedente a presente Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental para Declarar a inconstitucionalidade do art 2º do Decreto Estadual n 277952001 com o reconhecimento da repristinação dos efeitos do art 4 do Decreto Estadual n 205571994 de modo a vedar o uso de helicópteros como plataformas de tiro e instrumentos de terror Declarar a inconstitucionalidade do art 1º do Decreto Estadual n 467752019 de modo a reinserir no cálculo das gratificações dos integrantes de batalhões e delegacias os indicadores de redução de homicídios decorrentes de oposição à intervenção policial