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Direito Constitucional
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Núcleo Acadêmico de Pesquisa ESTUDOS EM DIREITO PÚBLICO E PRIVADO BÁRBARA THAÍS PINHEIRO SILVA NEULER MENDES GOMES JUNIOR PEDRO HENRIQUE CARDOSO GONÇALVES Organizadores Volume 1 Prefácio Profa Dra Wilba Lúcia Maia Bernardes Bárbara Thaís Pinheiro Silva Neuler Mendes Gomes Junior Pedro Henrique Cardoso Gonçalves Organizadores Estudos em Direito Público e Privado VOLUME I Belo Horizonte PUC Minas 2020 Organizadores da Obra Bárbara Thaís Pinheiro Silva Presidente do Núcleo Acadêmico de Pesquisa Pedro Henrique Cardoso Gonçalves Vicepresidente do Núcleo Acadêmico de Pesquisa 2017 Neuler Mendes Gomes Junior Diretor de Pesquisa e Publicação do Núcleo Acadêmico de Pesquisa 2017 Revisão dos artigos Responsabilidade dos Professores Supervisores do Núcleo Acadêmico de Pesquisa e dos Autores Os artigos escritos pelos pesquisadores são de responsabilidade destes não necessariamente expressando os valores e orientação filosófica do colegiado do Núcleo Acadêmico de Pesquisa da Faculdade Mineira de Direito ou da PUC Minas FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais E82 Estudos em direito público e privado recurso eletrônico volume 1 organizadores Bárbara Thaís Pinheiro Silva Neuler Mendes Gomes Júnior Pedro Henrique Cardoso Gonçalves Ana Carolina Baracho et al Belo Horizonte PUCMG 2020 Ebook 321 p il ISBN 9786588331026 1 Direito privado 2 Direito público 3 Federalismo 4 Democracia 5 Conflito social 6 Direitos humanos e globalização I Silva Bárbara Thaís Pinheiro II Gomes Júnior Neuler Mendes III Gonçalves Pedro Henrique Cardoso Baracho Ana Carolina V Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Núcleo Acadêmico de Pesquisa VI Título CDU 342 Ficha catalográfica elaborada por Fabiana Marques de Souza e Silva CRB 62086 Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Trabalhos realizados no Ciclo de Pesquisa do Núcleo Acadêmico de Pesquisa ano 2017 e 2018 para fins acadêmicos do Curso de Direito PUC Minas unidade Coração Eucarístico É proibida a reprodução total ou parcial sejam quais forem os meios empregados sem a permissão por escrito dos autores Venda proibida APRESENTAÇÃO É com muita alegria e orgulhosos de que em nossos discentes temos sementes que brotarão para o futuro que apresentamos à Comunidade Acadêmica este livro resultado da experiência exitosa do NAP Núcleo Acadêmico de Pesquisa em parceria com o Curso de Direito da Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas reafirmando a perspectiva de que a iniciação à pesquisa é vigorosa e seriamente construída neste espaço acadêmico Em 1998 o NAP foi fundado por iniciativa dos monitores de graduação e de bolsistas de iniciação científica que constituíram vários grupos de pesquisa Na sua composição inicial o NAP tinha os seguintes graduandos da Puc Minas Álisson Nogueira Santana Bruno César Gonçalves da Silva Bruno Torquato de Oliveira Naves Cristiane Trani Gomes Daniela Soares Hatem Érica Adriana Costa Giordano Bruno Soares Roberto Glenda Rose Gonçalves Chaves Gustavo Pereira Leite Ribeiro Luciana da Silva Costa e Teresinha Chaves Inicialmente todos os grupos eram liderados por alunos e auxiliados por professores Além disso importantes eventos foram realizados como o 1º Seminário de Iniciação Científica da Faculdade Mineira de Direito em 2000 para apresentação das pesquisas realizadas nos grupos e os seminários internacionais de Direito Civil 2001 e de Biodireito 2002 Na sequência da graduação muitos dos seus membros iniciais foram para os quadros de Pós graduação stricto sensu sendo hoje mestres e doutores seguindo a carreira docente Na condição de Coordenadora de Pesquisa da Faculdade Mineira de Direito no período de 1999 a 2000 acompanhei diretamente o trabalho expressivo deste grupo inicial que deu as balizas do NAP Os artigos agora expostos referemse aos Grupos de Pesquisa que tiveram seus trabalhos realizados e concluídos nos anos de 2017 e 2018 no Curso de Direito do Coração Eucarístico da PUC Minas Refletem sem dúvida alguma o pioneirismo desta iniciativa discente amparada e abraçada solidamente por professores que compõem os quadros docentes desta Instituição e que se desdobraram para além das atividades acadêmicas cotidianas que já exercem acompanharem e orientarem nossos alunos Nesse sentido fica nosso merecido reconhecimento aos professores Alberico Alves da Silva Filho Álisson da Silva Costa Anne Shirley de Oliveira Resende Martins Antônio Carlos Lúcio Macedo de Castro Daniel Augusto Arouca Bizzotto Dimas Ferreira Lopes José Boanerges Meire Maria de Lourdes Monteiro Albertini e Pilar de Souza e Paula Coutinho Eloi Merece menção incontestável a Coordenação dos trabalhos do NAP realizada pela gestão que assumiu a partir de 2017 na pessoa da discente Bárbara Thaís Pinheiro Silva que revigorou e reativou este Núcleo atuando de forma competente comprometida e eficiente resultado de sua natural vocação para a pesquisa começando a trilhar com perspectivas auspiciosas os caminhos da docência Inegável que o trabalho realizado reflete o empenho e dedicação de toda sua equipe e seus componentes também começam a escrever suas trajetórias como pesquisadores assim destaco também os discentes Neuler Mendes Gomes Júnior e Pedro Henrique Cardoso Gonçalves coorganizadores da obra apresentada É neste eterno começar de novo que cremos plantamos os alicerces de nossa Faculdade fincados na construção de uma sociedade mais fraterna e solidária sempre atuando em prol da dignidade da pessoa humana e dos valores democráticos Também entendemos que se faz concreto nestas atuações as premissas do nosso Projeto Pedagógico que têm como referencial fornecer uma formação humanista e crítica possibilitando aos nossos egressos compreenderem a marca de seu tempo na construção de uma cidadania ativa e potencialmente libertadora Os títulos e temáticas desenvolvidos neste volume refletem singularmente os compromissos e a vocação acima expostos e seguem as linhas de pesquisa Constituição e Democracia Sociedade Conflito e Movimentos Sociais e Direito Internacional e as Transformações do Mundo Globalizado Nas transformações vivenciadas pelas formas de Estados são analisados temas impactantes como novas formas de arranjos territoriais que potencializam o viés democrático o federalismo fiscal a autonomia e os macros e microspolos de poder Também considerando a formação das sociedades plurais e complexas do final do séc XX e início do séc XXI temáticas que permeiam a sociologia jurídica o direito penal e o direito constitucional são objeto de reflexão e com acuidade debatese o papel da sociedade civil organizada e do reconhecimento e inclusão das minorias Ainda partindo da visão que necessariamente coloca em discussão o conceito de soberania há temas novos e densos potencializando abordagens sobre a globalização política migratória terrorismo e direitos humanos Enfim e para o começo da leitura as discussões são profícuas atuais e pertinentes Refletem as transformações pelas quais o Direito vem passando e a necessidade de construção de um Direito justo que perquira formas de pertencimento em uma sociedade tão heterogênea e patrocine possibilidades de inserção igualitária no jogo democrático Reiteramos nossos agradecimentos a todos envolvidos neste processo Profª Drª Wilba Lúcia Maia Bernardes Chefe de Departamento da FMD Coordenadora do Curso de Direito do Coração Eucarístico da PUC Minas AGRADECIMENTOS O conteúdo dessa valiosa Coletânea de Artigos Científicos é parte de um ambicioso Projeto idealizado pelo Núcleo Acadêmico de Pesquisa Portanto a sua concretização só foi possível pela soma do esforço conjunto de muitos e aqui registramos nossos maiores agradecimentos e admiração à pessoa de cada um Consideramos essencial agradecer especialmente a quem acreditou no projeto quando era apenas uma ideia A todo o corpo docente especialmente à Coordenação de Curso da Faculdade Mineira de Direito na pessoa da Profª Wilba Lúcia Maia Bernardes e à Coordenação de Pesquisa Profª Marinella Machado Araújo pela crença nesse Projeto Ao Professor Guilherme Coelho Colen Diretor da Faculdade Mineira de Direito que muito nos prestigiou como palestrante no evento de divulgação dos trabalhos deste Núcleo na semana de Pesquisa Monografia e Revista da FMD em 2018 Nosso agradecimento singular aos professores que se aliaram a esse projeto como orientadores dos autores é certo que desenvolveram atividade imprescindível para a concretização do trabalho Agradecemos aos professores Alberico Alves da Silva Filho Álisson da Silva Costa Anne Shirley de Oliveira R Martins Antônio Carlos Lúcio Macedo de Castro Daniel Augusto Arouca Bizzotto Dimas Ferreira Lopes José Boanerges Meira Maria de Lourdes Monteiro Albertini Pilar de Souza e Paula Coutinho Eloí e Wilba Lúcia Maia Bernardes pela dedicação e principalmente pelo carinho para com os orientados Gratificamos e parabenizamos ainda toda a equipe de pesquisadores deste Ciclo estes que contribuíram para realização desse trabalho como autores dos artigos que compõem a obra Foram muitas as pessoas da Faculdade Mineira de Direito que nos apoiaram especialmente todo corpo de funcionários e administração pelo que não nos esquecemos de vos agradecer Obrigado Guilherme Soares Araújo Júlio César da Silva Prado Maria Aparecida Ribeiro de Faria Figueiredo Maria José Mendes Varela Mary Ângela Côrtes e Paulo César de Barros Vieira Não nos esquecemos do suporte externo à Faculdade Agradecimentos também aos funcionários da Biblioteca Pe Alberto Antoniazzi pelo auxílio prestado na elaboração da ficha catalográfica Finalmente a todos que citados ou não aqui contribuíram para que esse Projeto se tornasse realidade o Núcleo Acadêmico de Pesquisa expressa sua eterna gratidão e admiração Esperamos e torcemos para que a Coletânea a seguir apresentada traduza todo o trabalho empenhado Fica registrado nosso mais sincero obrigado a todos Colegiado do Núcleo Acadêmico de Pesquisa Os que acham que a morte é o maior de todos os males é porque não refletiram sobre os males que a injustiça pode causar Sócrates Filósofo grego SUMÁRIO TÍTULO PRIMEIRO CONSTITUIÇÃO E DEMOCRACIA CAPÍTULO 01 PACTO FEDERATIVO E A CRISE FINANCEIRA DOS MUNICÍPIOS Melissa de Carvalho Moreira 13 CAPÍTULO 02 SERIA O FEDERALISMO FORMA DE ESTADO APTA A FOMENTAR A PARTICIPAÇÃO DIRETA NO BRASIL Ênio Vinícius Martins Ferreira e Lucas Roquette Freitas Henriques 31 CAPÍTULO 03 A TENDÊNCIA UNITÁRIA DO FEDERALISMO BRASILEIRO UMA ANÁLISE DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 5540 Marcel Chaves Ferreira e Paulo Henrique Mazzoni Mota 38 CAPÍTULO 04 A HIPERTROFIA DA UNIÃO NO FEDERALISMO BRASILEIRO COMO O CONCEITO DE AUTONOMIA FEDERATIVA É DETURPADO Lucca Sá Motta Dias de Assis 50 CAPÍTULO 05 MACROBLOCOS DE PODER UMA ANÁLISE SOBRE A UNIÃO EUROPEIA E O MERCOSUL A PARTIR DE HABERMAS Felipe Diógenes Antunes de Paula Cândido 65 TÍTULO SEGUNDO SOCIEDADE CONFLITO E MOVIMENTOS SOCIAIS CAPÍTULO 01 A ATUAÇÃO DE GRUPOS ECONÔMICOS NA REFORMA AGRÁRIA DISCUTIDA NA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE DE 1987 Bárbara dos Santos Choucair e Laura Elísia Carvalho Cardoso 80 CAPÍTULO 02 FRONTEIRA POLÍTICA DUAS MACROVISÕES DA SOBERANIA DA EUROPA AO MERCOSUL Dimas Ferreira Lopes e Vitor Maia Veríssimo 96 CAPÍTULO 03 MACONHA MEDICINAL UMA ANÁLISE SOCIOLÓGICA E JURÍDICA SOBRE A SUA CRIMINALIZAÇÃO NO BRASIL Ana Vitória Bragança Lana Ataíde Gustavo Mendes de Oliveira Costa e Júlia Dilly Campos 108 CAPÍTULO 04 REFUGIADOS NO BRASIL UMA DISSERTAÇÃO ACERCA DA ATUAÇÃO ASSINCRONICA NA DEFESA DE SEUS DIREITOS Ana Carolina Baracho 138 CAPÍTULO 05 POVOS INDÍGENAS O DIREITO À CONSULTA PRÉVIA E ÀS TERRAS TRADICIONALMENTE OCUPADAS Ana Eliza Alves Silva Gabriela Helena Tassara Calenzani e Mariana Gualberto da Silveira 153 CAPÍTULO 06 ENCARCERAMENTO FEMININO UMA ANÁLISE DO AUMENTO DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA DE MULHERES BRASILEIRAS COM A PROMULGAÇÃO DA LEI N 1134306 Letícia Mariano Borges de Figueiredo e Thais Guedes Yasuda 165 CAPÍTULO 07 MIGRAÇÃO HAITIANA NO BRASIL ADEQUAÇÃO AO CONCEITO DE REFÚGIO Rayssa Laleska de Oliveira Costa 182 TÍTULO TERCEIRO DIREITO INTERNACIONAL E AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO GLOBALIZADO CAPÍTULO 01 A GUERRA DA BÓSNIAHERZEGOVINA E O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL NA EXIUGOSLÁVIA Bárbara Thaís Pinheiro Silva e Jéssica Batista Barbosa 196 CAPÍTULO 02 GUERRA MUNDIAL AFRICANA E A NORMA JUS COGENS ENFOQUE SOBRE O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL Gabriel Nepomuceno Barbosa 213 CAPÍTULO 03 GUERRILHA DO ARAGUAIA E LEI DA ANISTIA O ATRASO BRASILEIRO NO CONTEXTO DOS DIREITOS HUMANOS João Vitor Silva de Aquino e Murilo Lemos Wehdorn 230 CAPÍTULO 04 A POLÍTICA IMIGRATÓRIA NA UNIÃO EUROPEIA Ana Luiza Tiburcio Guimarães Bárbara Thaís Pinheiro Silva e Marianna Campos Dias Assis 245 CAPÍTULO 05 A NOVA LEI DE MIGRAÇÃO E A REALIDADE SOCIAL BRASILEIRA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS Debora Duarte Rodrigues Braga 263 CAPÍTULO 06 A MIGRAÇÃO NOS ESTADOS UNIDOS E SUA INCOERÊNCIA COM OS DIREITOS HUMANOS Bárbara Thaís Pinheiro Silva Mariana Wamser Ferreira e Renatha Amaral Silva 276 CAPÍTULO 07 A IMPORTÂNCIA DO DIREITO HUMANITÁRIO PARA EVITAR O FLUXO DE REFUGIADOS Bárbara Thaís Pinheiro Silva Brunna Leão Jácome Ferreira e Priscila Pereira Cavalcanti dos Santos 289 TÍTULO QUARTO TRANSFORMAÇÕES NO DIREITO PRIVADO CAPÍTULO 01 A CRITERIOLOGIA ADOTADA PELO NCPC PARA A FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JURÍDICAS PERSPECTIVAS ATINENTES AOS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO PROCESSO NEOINSTITUCIONAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Daniela Dantas Carvalho e Yuri César de Almeida Silva 301 TÍTULO PRIMEIRO CONSTITUIÇÃO E DEMOCRACIA FEDERALISMO FEDERAÇÃO JURISDICIONAL E CONSTITUCIONAL Professora Supervisora do Grupo de Pesquisa Profa Dra Wilba Lúcia Maia Bernardes CAPÍTULO 01 PACTO FEDERATIVO E A CRISE FINANCEIRA DOS MUNICÍPIOS Mellissa de Carvalho Moreira1 1 INTRODUÇÃO O Brasil adota o federalismo como modelo de organização do Estado que estabelece uma repartição de poderes em três níveis União Estados Distrito Federal DF e Municípios todos autônomos e independentes Sendo que para assegurar tal autonomia2 a Constituição estabelece a repartição dos poderes e competências de cada ente e os limites de atuação de cada um O pacto federativo é o mecanismo que estabelece esta repartição das competências e encargos entre os entes e na insuficiência destas estabeleceu posteriormente instrumentos de transferências intergovernamentais de receitas por meio dos fundos de participação e transferências diretas de recursos Contudo ainda que adotados tais instrumentos de transferência e repasses o pacto encontrase extremamente desequilibrado num contexto de crise financeira dos Estados e Municípios o que representa riscos à federação uma vez que em uma situação de crise a autonomia sobretudo financeira dos entes se esvazia prejudicando um dos preceitos básicos do federalismo Dentre as causas da crise financeira estão a ineficiência dos mecanismos de financiamento da federação a guerra fiscal3 bem como a já acentuada carga tributária existente no Brasil4 No contexto atual o federalismo encontrase enfraquecido os Municípios e Estados carecem de autonomia financeira o que prejudica também o exercício de sua autonomia política e administrativa enfraquecendo consequentemente o próprio 1 Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 2 Autonomia aqui entendida como o poder de autodeterminação exercitável de modo independente mas dentro de limites traçados por lei estatal superior FERREIRA FILHO 2012 3 Competição entre entes federados por meio da concessão de isenções e benefícios fiscais para atrair investimentos locais abdicando de receitas tributárias com a finalidade de fomentar o desenvolvimento econômico e gerar vantagens sociais que compensem as desvantagens provenientes das isenções é o que afirma Luís Carlos Vitali Bordin 2004 p 760 4 O fato de a carga tributária já ser alta impossibilita que o governo crie novos impostos ou aumente os existentes visando melhorar a arrecadação federalismo brasileiro Assim fazse necessária uma reformulação do pacto federativo que não cumpre sua missão de estabelecer uma distribuição equilibrada de encargos e recursos mesmo considerando o sistema de repasses que como será demonstrado no presente trabalho não possui mecanismos de rateio e partilha adequados para proporcionar um equilíbrio federativo 2 FEDERALISMO NO BRASIL O federalismo é uma forma de Estado que decorreu da Confederação5 modelo no qual os estados se reúnem para formar um Estado unido mas preservando a independência e liberdade dos estados membros Neste modelo de estado os membros podem a qualquer momento se desligar da confederação o que a torna um modelo frágil Em razão desta fragilidade do modelo existente havia uma necessidade de realizar modificações nos artigos da Confederação buscando constituir um governo central forte capaz de manter a união indissolúvel entre os Estados Assim foi realizada a Convenção da Filadélfia6 em 1787 que resultou na adoção da forma federativa de Estado estruturada por meio de uma Constituição e não mais Tratado Portanto o Estado Federal se constitui da união dos Estados que preservam sua autonomia liberdade e independência e abrem mão de sua soberania transferindoa para o Governo Central É uma forma de organização política instituída por meio de um pacto que estabelece uma divisão de poderes entre os entes federados preservando a autonomia e independência aos seus entes que é assegurada e delimitada na Constituição documento que formaliza e estabelece os termos do pacto federativo Esta forma de organização é pautada em níveis federativos desconcentrando e descentralizando o poder por meio da atribuição de competências e deveres a cada um dos entes federados que irão exercêlas na forma e dentro dos limites estabelecidos na Constituição A Constituição é a base jurídica do Estado Federal que confere autonomia aos entes federados estabelecendo seus poderes competências7 e traçando os limites de atuação de cada ente 5 Constituída pelos Estados Unidos em 1781 por meio da assinatura do Tratado da Confederação 6 A ratificação da Constituição dos Estados Unidos constituindo o Estado Federado teve grande influência de James Madison Alexander Hamilton e John Jay autores da obra Os Artigos Federalistas que expuseram as falhas da Confederação apontando para a necessidade de adoção de uma forma de Estado mais forte e definitiva DALLARI 2011 p 253254 7 Juntamente com as competências e atribuições são estabelecidas fontes de obtenção de recursos para cada ente o que é feito principalmente por meio dos impostos Feitas considerações acerca do que é federalismo como uma forma de organização do Estado cumpre apresentar brevemente o desenvolvimento do federalismo na história Brasileira 21 Origens do federalismo no Brasil O federalismo brasileiro possui origens distintas da formação clássica do federalismo norteamericano uma vez que o federalismo norte americano se deu por meio da união das colônias antes soberanas autônomas e independentes ou seja em uma formação centrípeta em que as colônias independentes abriram mão de sua soberania e autonomia e se uniram para formar um governo central forte e soberano Já no Brasil o processo foi o inverso centrífugo partiu de um Estado Unitário que se desmembrou em Estados membros que foram dotados de autonomia Este modelo de Estado foi adotado pela Constituição de 1891 que adotou um modelo de federalismo dualista e descentralizado inspirado no modelo norteamericano que tinha como pressuposto a soberania da União e Estadosmembros com definição das competências de cada ente No entanto este modelo não perdurou em razão das preocupações que foram verificadas no contexto fático8 a Constituição de 1934 rompeu com o modelo dualista9 estabelecendo o modelo cooperativo o que representou uma grande evolução para o federalismo O modelo cooperativo era pautado na solidariedade entre os entes federados e buscou ajustar o federalismo à realidade socioeconômica brasileira considerando as fortes desigualdades regionais existentes O federalismo cooperativo se baseou na atuação da União em cooperação com os Estados membros o que aumentou o papel intervencionista da União e para tanto a Carta atribuiu mais poderes de organização e controle à União Já em 1937 a Constituição outorgada rompeu com os preceitos federativos da Carta de 1934 e estabeleceu uma nova ordem constitucional efetivamente unitária altamente centralizada no poder central anulando a autonomia dos demais entes Este período unitário foi superado por meio da Constituição de 1946 que retomou o 8 Alguns destes fatores foram a crise econômica de 1929 que alcançou proporções internacionais atingindo diretamente o Brasil em suas relações comerciais com outros países assim como a insatisfação popular com o governo que era dominado e revezado entre Minas Gerais e São Paulo 9 O federalismo dualista pode ser caracterizado pela nítida separação entre as competências dos Estados e União no qual as competências são repartidas de forma horizontal com a previsão de competências e instituição de tributos exclusivos federalismo e democracia na forma em que estavam previstos na Carta de 1934 reestabelecendo a autonomia dos Estadosmembros A Constituição de 1946 retomou o federalismo cooperativo conferindo soberania à União e autonomia aos Estados membros Além da autonomia criou mecanismos para garantir a cooperação entre União e Estadosmembros fortalecendo as relações entre os entes federados de forma a descentralizar o poder e colocar o Brasil no caminho da democracia No entanto em 1964 o Governo Militar rompeu com o cenário federalista e democrático período no qual o federalismo foi novamente centralizado predominando o poder político e administrativo da União em detrimento dos Estados e Municípios10 estabelecendo forte subordinação destes ao governo federal O federalismo novamente foi meramente nominal na Constituição de 1967 porque na realidade os poderes e competências estavam concentrados na União e os demais entes federados não possuíam competência nem recursos necessários para exercerem suas autonomias Diante deste histórico brasileiro com tais mudanças e inconstâncias dos preceitos federativos e democráticos a Constituição de 1988 foi promulgada rompendo com o período ditatorial e reestabelecendo a democracia e modelo de federalismo cooperativo11 em seu artigo 1 estabelecendo que a República é formada pela união dos Estados Distrito Federal e Municípios Não obstante a adoção expressa da forma federativa o art 60 4 I da Constituição assegura o princípio federativo colocandoo como cláusula pétrea o que implica na impossibilidade de alteração de tal princípio A Constituição também reestabeleceu a autonomia dos entes federados inovando e conferindo status de ente federado ao Município12 Reformulou o sistema de repartição de competências de forma a viabilizar a relação entre os governos e assegurar que os entes possam efetivamente exercer suas autonomias 10 Em compensação à centralização das competências nas mãos da União foram criados os Fundos de Participação dos Estados FPE e Municípios FPM pela Emenda Constitucional n 181965 para transferências diretas de recursos de determinados impostos de competência da União 11 Federalismo cooperativo pressupõe atuação coordenada entre os entes federados em que a União assume papel de coordenar e controlar as atividades dos entes Este modelo adota a repartição vertical de competências na qual uma mesma matéria é atribuída a diferentes entes 12 Art 18 Constituição Federal CF De acordo com Horta13 1995 o modelo de federalismo cooperativo14 e descentralizado adotado pela Constituição de 1988 guarda correlação direta com o processo de redemocratização do Brasil de forma que a Constituição adotou um modelo de descentralização fiscal15 buscando um equilíbrio na atribuição de poderes e competências bem como oferecendo reestabelecendo os mecanismos compensatórios de transferências entre os entes federados E é acerca da autonomia e status de ente federado conferido aos Municípios que se pretende analisar no presente trabalho 3 MUNICÍPIO COMO ENTE FEDERADO A Constituição de 1988 inovou ao estabelecer o Município como uma esfera de poder municipal dotandoo de autonomia16 competências e independência A autonomia e independência dos entes federados se dão no campo político e administrativo na medida em que não admitem a ingerência da esfera federal de poder no exercício de suas atribuições A autonomia conferida aos Municípios como ente federado compreende autonomia política no exercício de sua organização17 pelo poder de elaboração de Constituições municipais próprias chamadas de Leis Orgânicas e eleição dos representantes políticos dos poderes legislativo e executivo do âmbito municipal Autonomia administrativa18 relativa à gestão dos negócios locais e prestação dos serviços que lhe são atribuídos constitucionalmente e autonomia financeira realizada por meio da repartição de competências19 para instituir e arrecadar tributos 13 HORTA 1995 p 526 14 A Constituição prevê em seu art 23 que Lei Complementar deverá fixar normas para a cooperação entre os entes federados buscando o equilíbrio do desenvolvimento e bemestar em âmbito nacional A opção pelo federalismo cooperativo busca cumprir os objetivos fundamentais da Constituição previstos no art 3 dentre os quais está a busca de uma sociedade justa e solidária e a redução das desigualdades sociais e regionais 15 Descentralização em relação à Constituição de 1967 16 Embora previsto constitucionalmente há uma discussão doutrinária acerca da efetiva autonomia dos Municípios Alguns doutrinadores como José Afonso da Silva 2005 e Nilo de Castro 2006 afirmam que tal autonomia é meramente formal uma vez que os Municípios não preenchem os requisitos necessários para ser ente federativo por não possuírem representação no Congresso Nacional legitimidade ativa para apresentar proposta de Emenda Constitucional e nem possuírem Poder Judiciário próprio ANDRADE Mário Cesar da Silva Dependência Financeira dos Municípios Brasileiros entre o federalismo e a crise econômica Revista Espaço Acadêmico v 16 n 185 2016 17 art 29 I e II CF 18 art 30 CF 19 art 156 CF Dentre as atribuições administrativas do Município estão principalmente a prestação dos serviços públicos de interesse local a manutenção de programas de educação infantil e fundamental e atendimento básico à saúde20 A autonomia financeira dos entes federados é pressuposto do Estado Federal e para garantir tal autonomia a Constituição de 1988 estabelece as competências tributárias e as fontes de receita de cada ente federado Tendo em vista que tal autonomia depende da existência de recursos para execução das atribuições de cada ente o ideal é que a cada esfera de competência estabelecida corresponda uma fonte de recursos o que é feito pelo federalismo fiscal que estabelece a distribuição das competências financeiras e tributárias entre os entes federados 4 FEDERALISMO FISCAL A descentralização políticoadministrativa do federalismo e a autonomia dos entes federados é realizada por meio da repartição de competências e atribuição de fontes de recursos próprios para cada ente E além de conferir fontes próprias eles possuem autonomia para decidir sem a interferência de outro ente como irá gerir e aplicar suas receitas o que decorre da autonomia financeira e orçamentária dos entes federados Em suma a análise do federalismo fiscal cingese ao exame da distribuição de atribuições despesas e fontes de receitas competências entre os entes federativos e a sua adequação visando possibilitar e viabilizar que as atribuições conferidas possuam receitas suficientes para serem realizadas De acordo com Berti21 a autonomia financeira se refere à prerrogativa dos estadosmembros e municípios de obterem rendas e receitas próprias para viabilizar a execução de seus orçamentos Enquanto a autonomia orçamentária se refere à elaboração e realização do orçamento público definindo como será feita a gestão dos recursos públicos os gastos investimentos e políticas econômicas que serão adotadas22 20 Com a cooperação técnica e financeira da União e Estados art 30 VI e VII CF 21 BERTI Flávio Azambuja Federalismo fiscal e defesa de direitos do contribuinte efetividade ou retórica Camplinas Bookseller 2005 p 8182 22 Ressaltandose que a prerrogativa dos entes de elaborarem seus orçamentos e definirem a gestão das receitas não é ilimitada devendo sempre respeitar os limites estabelecidos em lei dentre as quais destacamse a de orçamento público Plano Plurianual Lei de Diretrizes Orçamentárias Lei 42301964 e a Lei de Responsabilidade Fiscal Lei Complementar n 1012000 Assim federalismo fiscal é o mecanismo de atribuição de competências e distribuição de fontes de arrecadação para realização destes encargos que é feita por meio da distribuição da competência para instituir fiscalizar e arrecadar tributos23 Este mecanismo busca realizar um dos objetivos da República Federativa do Brasil de reduzir as desigualdades sociais e regionais conforme estabelecido no inciso III do art 3 da Constituição De acordo com Amaro 200624 a Constituição adotou um sistema misto de partilha de competência e partilha do produto da arrecadação composta pela competência referente ao poder de criar e instituir os tributos e da forma de partilha do produto da arrecadação A Constituição além das receitas diretamente auferidas pelos entes decorrentes dos tributos de sua competência estabeleceu também um sistema de partilha da arrecadação entre os entes fazendo com que em alguns tributos sua arrecadação seja repartida entre os níveis de governo 41 Repartição de competências Conforme já mencionado a Constituição de 1988 adotou o modelo de federalismo cooperativo utilizando a técnica de repartição vertical de competências repartindo as competências tributárias de três formas privativa comum e residual A competência privativa é atribuída exclusiva e privativamente a um único ente federado comum quando atribui competência para todos os entes federados legislarem sobre determinada matéria tributária e a competência residual na qual a União pode criar impostos diversos dos que lhe são atribuídos privativamente pelo art 153 da Constituição de 198825 Nos sistemas tributários do mundo existem três fontes tributáveis que são o patrimônio a renda e o consumo O que difere nos países é a forma com que estas fontes são repartidas e a importância ou o peso da arrecadação incidente em cada uma delas 23 No presente trabalho a análise se pauta na repartição de competência tributária tendo em vista que os tributos são a principal fonte de receitas públicas 24 AMARO Luciano Direito tributário brasileiro 12 Ed 2006 São Paulo Saraiva Ebook p 93 25 Ressalvado que os impostos criados pela União no exercício de sua competência residual deverão ser nãocumulativos art 153 3 II CF não podendo ter como fato gerador ou base de cálculo os já previstos constitucionalmente No sistema tributário brasileiro existem 12 impostos sendo que 626 ficam a cargo da União 327 para os Estados e 328 para os Municípios Neste modelo de distribuição em 201629 cerca de 25 do total da arrecadação do país foi destinada e será administrada pelos Municípios Isso demonstra claramente que há uma tendência de centralização da tributação a cargo da União que além de possuir a maior parte das competências tributárias é responsável por instituir e arrecadar os tributos mais relevantes refletindo em uma maior capacidade de arrecadação para a União e em uma redução da autonomia das entidades periféricas Há portanto uma centralidade de competência tributária nas mãos da União que gera desigualdades e desequilíbrio no sistema federativo pois os entes subnacionais possuem menos fontes de receitas próprias a despeito de terem amplo rol de responsabilidades e atribuições Assim em razão do desequilíbrio regional30 a Constituição estabeleceu uma forma de repartição das receitas tributárias visando amenizar as desigualdades por meio de transferências de receitas para os entes subnacionais 42 Repartição do produto da arrecadação Como mencionado supra visando reduzir as desigualdades o federalismo fiscal tem como segundo pilar a repartição das receitas tributárias que constitui um sistema de transferência das receitas arrecadadas de uma unidade para outra Desta forma o produto arrecadado de um determinado tributo não será integralmente apropriado pelo ente político que o instituiu e sim poderá ser partilhado com outros entes periféricos Esta partilha pode ser obrigatória quando houver disposição expressa na Constituição ou Lei podendo ser feita de forma direta ou indireta Ou a partilha pode ser voluntária que decorre de ato de vontade firmado entre os entes envolvidos De acordo com Sacha Calmon 2004 p 435 existem duas formas de participação do 26 Imposto de importação imposto de exportação imposto de renda imposto sobre produtos industrializados imposto sobre operações financeiras e imposto sobre a propriedade territorial rural 27 Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços imposto sobre transmissão causa mortis e doações e imposto sobre a propriedade de veículo automotor 28 Imposto sobre serviços de qualquer natureza imposto sobre transmissão de bens imóveis e imposto sobre a propriedade territorial urbana 29 De acordo com o índice Firjan de Gestão Fiscal IFGF 2017 30 Diferenças de quantitativo populacional renda per capta capacidade administrativa de cada Estado e Município dentre outras produto da arrecadação a direta e a indireta Sendo que a forma indireta impõe uma relação simples enquanto a indireta pressupõe a intermediação de um fundo que depois serão rateados entre os partícipes beneficiários de acordo com os critérios legais preestabelecidos Uma das formas de transferência indireta são os Fundos de Participação sistemas de compensação fiscal criados durante o regime militar pela Emenda n 181965 que reformulou o sistema tributário brasileiro reforçando as transferências de recursos da União para Estados e Municípios31 compensando a centralização da arrecadação do governo federal e dos estados mais industrializados que arrecadavam mais tributos em relação aos estados e Municípios menos desenvolvidos Estes mecanismos de transferências buscam promover o equilíbrio socioeconômico entre os entes federados conforme determina o art 161 II da Constituição cabendo à Lei Complementar fixar os critérios de rateio para promover tal objetivo Sendo a situação financeira e política dos Municípios tema principal cingese à análise do fundo de participação destes não se pretendendo analisar e adentrar ao fundo de participação dos Estados 421 Fundo de Participação dos Municípios O Fundo de Participação dos Municípios é uma forma de repartição indireta e obrigatória da arrecadação tributária de caráter redistributivo que busca reduzir as desigualdades por meio da distribuição de receitas com base em critérios qualitativos definidos em Lei Complementar32 Atualmente o repasse para os fundos de participação do município é de 23533 da arrecadação da União com Imposto de Renda e Imposto sobre Produtos Industrializados Sendo que o coeficiente de distribuição do fundo de participação dos Municípios é fixado pela Lei Complementar 31 Por meio da criação do Fundo de Participação dos Estados FPE e o Fundo de Participação dos Municípios FPM 32 Conforme disposto no art 161 II da CF cabe à Lei Complementar regular a entrega dos recursos prevista no art 159 especialmente os critérios de rateio dos fundos previstos no inciso I o que é feito por meio da Lei Complementar 6289 33 A EC 5507 aumentou 1 em razão das reivindicações dos prefeitos realizada em abril de 2007 em Brasília n 6289 que observa dois fatores a população e a renda per capta do estado onde o Município está situado se é capital do Estado34 ou não35 No entanto ainda que o FPM tenha sido um instrumento criado para reduzir desigualdades sociais e econômicas na prática tal objetivo não se concretiza pois os Municípios principalmente os de pequeno e médio porte36 encontramse em situação de crise fiscal de forma que a tentativa de equilibrar as contas dos municípios não é efetivada e as desigualdades perduram O que se vê na realidade é que os Municípios dependem demasiadamente dos recursos advindos do FPM principalmente os de pequeno e médio porte por não conseguirem uma arrecadação tributária própria e satisfatória para custeio de seu orçamento E esta dependência dos repasses do Fundo de Participação é prejudicial pois como mecanismo de auxílio das contas públicas não pode ser a fonte principal de receita do ente o que tem ocorrido na prática Outro ponto que demonstra a ineficiência do sistema de transferências intergovernamentais dos Fundos de Participação foi a declaração de inconstitucionalidade do art 2 incisos I e II parágrafo 1 2 e 3 e do Anexo Único da Lei Complementar 6289 que dispõe sobre a distribuição de recursos do Fundo de Participação dos Estados e Distrito Federal FPE A decisão pela inconstitucionalidade da forma de rateio do Fundo de Participação dos Estados e DF foi proferida pelo Supremo Tribunal Federal STF em 2010 sob o argumento de que os coeficientes fixos estabelecidos pela norma não promovem equilíbrio socioeconômico entre os Estados ou seja os critérios de rateio não condizem e representam a realidade atual do país37 Assim tal decisão do STF38 evidencia a falta de efetividade do fundo de participação dos estados quando decidiu pela inconstitucionalidade dos critérios de partilha definidos na Lei Complementar 6289 determinando que só teria efeitos até 34 São destinados 10 para os Municípios capital que são partilhados com base no fator representativo do inverso da renda per capta do Estado ao qual pertence e com base na sua população 35 O restante 90 são destinados aos Municípios que não são capital e os coeficientes de participação são calculados conforme o seu número de habitantes com base nos dados oficiais do IBGE 36 Aqui considerando pequeno porte os Municípios com população de até 20 mil habitantes e médio porte de até 50 mil habitantes 37 Neste ponto importante frisar que a Lei Complementar foi elaborada em 1989 com caráter transitório pois em seu art 12 1º estabelecia que os coeficientes nela previstos seriam aplicados até o exercício financeiro de 1991 Contudo não foi elaborada nenhuma lei posterior que regulamentasse tais coeficientes fazendo com que tais critérios de rateio continuassem em aplicação 38 Provocada pelas ADIs impetradas pelo Rio Grande do Sul Paraná e Santa Catarina ADI 875 Mato Grosso e Goiás ADI 1987 Mato Grosso ADI 3243 e Mato Grosso do Sul ADI 2727 o dia 31 de dezembro de 201239 e após esta data deveria ser elaborada nova norma dispondo sobre a distribuição dos recursos A nova Lei Complementar só foi editada em julho de 2013 que fixou novos critérios de partilha do Fundo de Participação dos Estados Contudo em agosto de 2013 a referida Lei também foi objeto de impugnação no STF por meio da ADI 5069 contudo o caso ainda não foi a julgamento perante o Tribunal No caso do Fundo de Participação dos Municípios FPM os valores são repartidos com base na população e renda per capta tendo como objetivo final promover o equilíbrio beneficiando mais os entes menos desenvolvidos E de acordo com o Tribunal de Contas da União40 o FPM privilegia os municípios menores devido ao pressuposto de que município pequeno é município pobre contudo tal premissa não é verdadeira e portanto o critério população e renda per capta se mostram insuficientes para proporcionar um equilíbrio fático ainda que consideremos as três diferentes formas de distribuição41 Este é um dos argumentos usados no sentido de afastar o sistema de rateio utilizado pelo fundo de participação dos Municípios como foi o entendimento do STF em relação ao FPE 5 CRISE FINANCEIRA DOS MUNICÍPIOS Em razão da impossibilidade de custeio de seus serviços e atividades por meio de arrecadação própria os Municípios principalmente de pequeno e médio porte ficam dependentes da repartição direta e indireta dos recursos o que fere a autonomia financeira administrativa e política destes demonstrando que tal autonomia conferida aos Municípios não se efetiva Em 2016 IFGF 2017 aproximadamente 86 dos Municípios brasileiros apresentaram situação fiscal difícil ou crítica e 8142 não geram nem 20 de suas receitas o que demonstra uma grande dependência destes Municípios dos repasses efetuados pela União e Estados tanto obrigatórios quanto voluntários 39 Prorrogados por mais 150 dias por meio de liminar deferida em 24 de janeiro de 2013 na ADO 23 40 Relatório do Acórdão n 11202009 41 A Primeira forma de repartição é a destinação de 10 para os Municípios capital dos Estados a segunda é 90 para os Municípios do interior sendo que destes 90 864 são para todos e 36 é destinado à uma reserva especial para os municípios com população superior a 142633 habitantes reserva instituída pelo Decreto Lei n 188181 destinada aos municípios com fator 38 e 40 de faixa populacional 42 Municípios com uma população média de até 9 mil habitantes A situação fiscal dos Municípios é grave e uma das principais reivindicações dos prefeitos como também do atual Presidente é de uma revisão do pacto federativo o que envolve principalmente sua falha a respeito da distribuição de fontes de arrecadação Grande parte dos Municípios encontrase em situação de crise fiscal e dependência financeira dos repasses intergovernamentais Mesmo os Municípios com mais de 100 mil habitantes que possuem maior capacidade de arrecadação tributária própria tem as transferências constitucionais e a quotaparte do ICMS43 como principais componentes de suas receitas O fato de o ICMS ser um dos impostos cuja parte arrecadação é distribuída para os Municípios demonstra outro fator de insegurança financeira para os Municípios tendo em vista que o ICMS é um dos impostos com maior grau de complexidade cuja disputa entre Estados gera a guerra fiscal44 prejudicando não só os Estados mas também os Municípios por meio das isenções que reduzem a arrecadação do ICMS e consequentemente dos repasses para os Municípios Assim não só nos Municípios de pequeno e médio porte mas também os com maior continente populacional vêm dependendo das transferências constitucionais sobretudo do Fundo de Participação dos Municípios O fundamento de tal necessidade reside na descentralização45 das competências em contraposição à centralização da arrecadação que faz com que os municípios dependam de ajuda da União46 reduzindo a autonomia política e administrativa dos municípios que perdem o exercício do controle de suas despesas e orçamento O problema se agrava na medida em que políticas públicas e sociais são descentralizadas para os Municípios47 ou seja os gastos públicos são descentralizados conforme demonstram os dados apresentados por Rui de Brito Álvares Affonso48 que concluiu 43 25 da arrecadação do ICMS é transferido para o fundo de participação dos Municípios conforme previsto no art 158 IV CF 44Práticas competitivas entre os Estados por meio de incentivos ou isenções fiscais buscando atrair agentes privados com menor custo fiscal De acordo com Sérgio Prado e Carlos Eduardo Gonçalves Cavalcanti a guerra fiscal é um fenômeno que ocorre do uso de benefícios e incentivos fiscais utilizados pelos governos subnacionais e geram efeitos econômicos danosos e efeitos macroeconômicos PRADO CAVALCANTI 1999 p 6 45 O art 21 CF estabelece as competências da União e o art 30 CF estabelece as competências dos Municípios 46 Por meio das transferências intergovernamentais obrigatórias e transferências voluntárias 47 O art 23 da CF estabelece como competência comum da União Estados DF e Municípios o zelo e guarda da Constituição leis e instituições democráticas saúde e assistência pública proteção do meio ambiente e outras políticas públicas e sociais 48 In SILVA Pedro Luiz Barros Org A Federação em Perspectiva ensaios selecionados São Paulo FUNDAP 1995 p 5775 que a partir de 1988 a participação dos governos subnacionais no total das despesas públicas aumentou significativamente A descentralização tem como escopo atender às reivindicações sociais e efetivar a democracia por meio da atuação de um governo local mais próximo do povo49 e aí reside a importância do princípio da subsidiariedade no sistema federativo que de acordo com Bonavides 2004 p 436 só passam à esfera de competência do ente maior aquelas matérias que não podem ser da mesma forma ou com vantagem exercitadas pelos entes públicos inferiores De forma que no âmbito das competências concorrentes50 o ente central só deverá intervir quando a atuação dos entes subnacionais não for viável ou suficiente Contudo tendo em vista que a execução de políticas públicas demanda recursos os quais já se encontram escassos nos Municípios a situação se torna ainda mais complicada gerando um cenário de descumprimento de políticas públicas e obrigações por parte dos gestores municipais Uma das críticas dos representantes municipais é a de que há a necessidade de revisão do pacto federativo uma vez que foram repassadas atribuições e responsabilidades para os Estados e Municípios sem a devida disponibilização de recursos para sua realização ou manutenção Sobre atribuições repassadas sem as respectivas receitas foi proposta uma Emenda à Constituição proposta de Emenda Constitucional PEC 1722012 que visa alterar o art 160 da CF proibindo a imposição de repasse de atribuição aos Estados e Municípios sem a previsão de fonte de financiamento para sua execução Proposta em 2012 a PEC supramencionada encontrase pendente de apreciação pelo plenário do Senado o que demonstra a busca por uma reforma fiscal no país que se faz urgente para buscar um equilíbrio entre os entes federados e que perdura desde 1995 com a Proposta de Emenda Constitucional n 17551 49 Para Giambiagi e Ana Cláudia Além GIAMBIAGI ALÉM 2000 p 306 as esferas de governo subnacionais por estarem mais perto dos eleitores e contribuintes estão mais aptas a perceber as preferências locais a respeito dos serviços públicos e impostos e por isto a forma federativa de Estado por ser descentralizada tende à maior eficiência 50 Ademais assevera Luís Eduardo Schoueri 2005 p 537 que o princípio da subsidiariedade implica que no âmbito das competências concorrentes a atuação da União não pode ir além das normas gerais não podendo intervir no campo onde é cabível a intervenção dos Estados e Municípios 51 Proposta que pretendia extinguir o imposto sobre produtos industrializados IPI substituindoo por uma alíquota federal incidente sobre a mesma base do ICMS tornando um único imposto partilhado pelos três entes federados Atualmente a PEC está arquivada Esta situação de escassez de recursos para custeio e execução dos serviços públicos é chamada de brecha fiscal vertical52 que é o desequilíbrio entre receita própria e despesas que vem ocasionando descumprimentos da Lei De Responsabilidade Fiscal como é o caso dos Municípios que ultrapassam o limite estabelecido para despesas de pessoal53 De acordo com avaliação feita pela FIRJAN 2016 mais de 2000 Municípios descumpriram a Lei de Responsabilidade Fiscal em 2016 não observando o limite de despesas não entregando dados para a secretaria do tesouro e não repassando o cargo com recursos suficientes em caixa para a próxima gestão A situação precária dos Municípios compromete o desenvolvimento socioeconômico do país uma vez que os serviços básicos como o de saúde e educação ficam prejudicados sem recursos para suprir todas as despesas que o Município possui 6 CONCLUSÃO A atual crise financeira vivenciada pelos Municípios decorre de diversos fatores como a guerra fiscal guerra dos portos discussões atinentes ao ICMS entre outras Contudo todas essas questões e problemas evidenciam a necessidade de revisão do pacto federativo seja pela modificação das competências tributárias do sistema de transferência intergovernamental ou dos critérios de partilha adotados pelos fundos de participação De acordo com Gilberto Bercovici54 o problema fundamental do federalismo após a Constituição de 1988 é a falta de planejamento coordenação e cooperação entre os entes federados e a União sendo reflexos deste problema a competição fiscal danosa entre os Estados e o endividamento dos entes Como demonstrado os Municípios encontramse em situação deficitária com problemas de arrecadação e gestão dos serviços públicos o que implica em um grande prejuízo à população que paga uma alta carga tributária e não tem seus interesses 52 De acordo com Sérgio Prado 2006 p 21 brecha fiscal é a descentralização de competências materiais para os Estados e Municípios e a falta de verbas para custeálas Ou seja é a disparidade entre os encargos e receitas próprias do ente que tenta ser solucionada por meio das transferências intergovernamentais 53 A lei de responsabilidade fiscal estabelece o limite de 60 dos gastos com pessoal no entanto de acordo com o FIRJAN 575 de 4544 Municípios avaliados terminaram o ano gastando mais eu 60 com pessoal 54 BERCOVICI 2004 p 72 satisfeitos pela administração pública A centralização das competências tributárias tem como justificativa a facilidade da União para arrecadar os tributos estabelecendo em contrapartida uma forma de partilha dos recursos arrecadados pela mesma No entanto ante a ineficiência dos critérios utilizados pelos mecanismos de transferência de recursos não há efetivamente uma distribuição equilibrada e justa sendo necessária sua revisão A situação de dependência dos Municípios dos repasses diretos e indiretos interestaduais demonstra um risco à democracia e autonomia dos entes pois necessitando de recursos a renda acaba por ser repartida de forma política por meio de jogo de interesses favores e alianças políticas O sistema de federalismo fiscal atual é basicamente fruto do sistema tributário estabelecido pela Constituição de 1967 que consagrou a estrutura do sistema de transferências intergovernamentais e que ao longo dos anos foi sendo modificado55 principalmente pela Constituição de 1988 que realizou uma transferência de renda da União para os Estados e Municípios contudo a estrutura básica não foi alterada somente alguns parâmetros e coeficientes de incidência e repasse Assim considerando que a realidade brasileira e global se alterou consideravelmente nas últimas décadas é necessária uma reformulação do pacto federativo modificando o sistema de competências tributárias partilha de recursos e distribuição de encargos entre os entes federados buscando um equilíbrio federativo REFERÊNCIAS ABRUCIO Fernando Luiz Os Barões da Federação os governadores e a redemocratização brasileira São Paulo HucitecEditora USP 1998 AFONSO José Roberto Rodrigues Descentralização fiscal revendo idéias Ensaios FEE Porto Alegre v 15 n 2 p 353374 1994 AFFONSO Rui de Britto Álvares A federação no Brasil impasses e perspectivas In AFFONSO Rui de Britto Álvares SILVA Pedro Luiz Barros Org A federação em perspectiva ensaios selecionados São Paulo FUNDAP 1995 p 5775 ALMEIDA Fernanda D M Competências na Constituição de 1988 São Paulo Editora Atlas 1991 55 A distribuição de competências e receitas foi modificada com a Constituição de 1988 transferindo parte da arrecadação da União para os Estados e Municípios sobretudo do Imposto de Renda e IPI por meio dos repasses estabelecidos no art 159 I e II da Constituição Em 1984 a arrecadação do Imposto de Renda e do IPI representavam cerca de 80 da arrecadação federal e após tal modificação estes impostos tiveram sua importância reduzida no âmbito federal chegando a representar apenas 25 da arrecadação federal em 2005 AMARO Luciano Direito tributário brasileiro 12 Ed 2006 São Paulo Saraiva Ebook Disponível em httpsthaisandradefileswordpresscom201103lucianoamarodireito tributariobrasileiro12c2aaed2006pdf Acesso em 14 ago 2017 ANDRADE Mário Cesar da Silva Dependência financeira dos municípios brasileiros entre o federalismo e a crise econômica Revista Espaço Acadêmico v 16 n 185 2016 Disponível em httpwwwperiodicosuembrojsindexphpEspacoAcademicoarticleview3107 3 Acesso em 18 set 2017 ARRETCHE Marta Federalismo e democracia no Brasil a visão da ciência política norteamericana Revista São Paulo em perspectiva 2001 BAHIA Carolina Bahia Minha preocupação não é distribuir recursos Porto Alegre Zero Hora 13 fev 2008 p12 BARACHO José Alfredo de Oliveira Teoria Geral do Federalismo Belo Horizonte FUMARCUCMG 1982 BARROSO Luís Roberto A derrota da federação o colapso financeiro dos Estados e Municípios In QUARESMA Regina OLIVEIRA Maria Lúcia de Paula Coord Direito constitucional brasileiro perspectivas e controvérsias contemporâneas Rio de Janeiro Forense 2006 BENDA MAIHOFER VOGEL HESSE HEYDE Manual de derecho constitucional 2 ed Tradução Antonio López Pina Madrid Marcial Pons 2001a BERCOVICI Gilberto Dilemas do estado federal brasileiro Porto Alegre Livraria do Advogado 2004 BERCOVICI Gilberto O Federalismo e as Regiões RAMOS Dircêo coord Federalismo atual teoria do federalismo Belo Horizonte Arraes 2013 BERNARDES Wilba Lúcia Maia Federação e Federalismo Belo Horizonte Del Rey 2010 BERTI Flávio Azambuja Federalismo fiscal e defesa de direitos do contribuinte efetividade ou retórica Camplinas Bookseller 2005 BONAVIDES Paulo A Constituição aberta temas políticos e constitucionais da atualidade com ênfase no federalismo das regiões 3 ed São Paulo Malheiros 2004 BORDIN Luís Carlos Vitali ICMS gastos tributários e receita potencial In Finanças públicas VIII Prêmio Tesouro Nacional2003 Brasília Universidade de Brasília 2004 p 760 CASTRO José Nilo de Considerações sobre o federalismo Revista de informação legislativa v 22 n 85 p 4574 janmar 1985 Disponível em httpwww2senadolegbrbdsfbitstreamhandleid181588000415514pdfseque nce3 Acesso em 20 set 2018 CASTRO José N de Direito Municipal Positivo 6 ed Belo Horizonte Del Rey 2006 COELHO Sacha Calmon Navarro Curso 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616 REZENDE Fernando Finanças públicas 2 ed São Paulo Atlas 2001 REZENDE Fernando Antonio Modernização tributária e federalismo fiscal In REZENDE F OLIVEIRA F A org Descentralização e federalismo fiscal no Brasil desafios da reforma tributária Rio de Janeiro Fundação Konrad Adenauer 2003 REZENDE Fernando Antonio Desafios do federalismo fiscal Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas 2006 ROCHA Carlos Alexandre Amorim O FPM é constitucional Brasília Senado Federal 2013 httpswww12senadolegbrpublicacoesestudoslegislativostipos deestudostextosparadiscussaotd124ofpmeconstitucional Acesso em 25 out 2018 SILVA José A da Curso de direito constitucional positivo25 ed São Paulo Malheiros 2005 SCHOUERI Luís Eduardo Direito Tributário e ordem econômica In TÔRRES Heleno Taveira Coord Tratado de direito constitucional tributário estudos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho São Paulo Saraiva 2005 p 537 VIOL Andréa Lemgruber O fenômeno da competição tributária aspectos teóricos e uma análise do caso brasileiro In Coletânea de Monografias do IV Prêmio do Tesouro Nacional Brasília Ministério da Fazenda Tesouro Nacional 2000 CAPÍTULO 02 SERIA O FEDERALISMO FORMA DE ESTADO APTA A FOMENTAR A PARTICIPAÇÃO DIRETA NO BRASIL Ênio Vinícius Martins Ferreira56 Lucas Roquette Freitas Henriques57 1 INTRODUÇÃO Neste artigo visamos apresentar e problematizar a questão das formas de participação direta do povo em um país republicanofederalista com proporções geográficas continentais acrescida do contexto de contínuo progresso tecnológico que confere ao século XXI possibilidades de exercício da democracia de formas até então sem precedentes A partir da crise de legitimidade da representaçãoo política no mundo como um todo a internet tem sido palco não só de expressão da insatisfação mas também da sugestão de soluções que a população considera adequadas aos problemas enfrentados A internet surge como espaço inigualável para debates a respeito de proposições legislativas que o Poder Legislativo produz e a oportunidade do povo exercendo a titularidade do Poder Constituinte ter efetivamente iniciativa legislativa e realizar emendas além de ser ouvido durante o processo legislativo O uso da internet instrumento de comunicação mundial como método revolucionário de participação popular tem gerado experiências únicas como o esboço da Constituinte Islandesa em 2011 feita totalmente sob o zelo da consulta popular via rede mundial de computadores método conhecido como crowdsourcing Nesta conjuntura o Senado Federal brasileiro já utilizou a internet como forma de estreitar o elo entre o povo e os seus representantes políticos criando em 2012 o Portal eCidadania sem nenhuma ligação aos partidos políticos Por meio deste portal virtual a população pode participar através de três formas na concepção de 56 Graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 57 Graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Ideia Legislativa em Eventos Interativos e em Consultas Públicas auferindo ao povo maior poder decisório mesmo que minimamente 2 FEDERALISMO A concisa definição de federalismo nos termos de Streck e Morais 2010 p 171 A Federação como estratégia de descentralização do poder político implica uma repartição rígida de competências entre o órgão do poder central denominado União e as expressões das organizações regionais mais frequentemente conhecidas por Estadosmembros sendo que estes participam naquela via representação ou ainda como no caso brasileiro de um terceiro nível de competências o município Objeto de constante labor entre os acadêmicos na pesquisa sobre paradigmas jurídicoorganizacionais do Estado o Federalismo é o mais contemplado e adotado pela nações Dado o caráter heterogêneo dos países que adotam o federalismo como forma organizacional do Estado desde os EUA até a Arábia Saudita se faz mister a ponderação de Bernardes 2010 p 53 que não há a priori uma identidade definida do federalismo Essa identidade pode ser formada com um viés mais focado na unidade ou mais voltado para a diversidade O que devemos frisar é que é próprio do federalismo conviver com essa margem aberta de flexibilidade e plasticidade sem a qual não poderá operar Portanto como dito acima o federalismo é capaz de se adequar ao caso concreto sendo diretamente influenciado pelo paradigma de Estado adotado pela cultura questões territoriais entre outros fatores denotando um maior efeito centrípeto ou centrífugo Essa adequação atribui uma espécie de constante espaço de modificação consensual na análise de Bernardes 2010 p 55 ao permitir uma leitura de federalismo inacabado colocando a questão de fechar e de se abrir continuamente a necessidade de fechamento e aberturas ocasionais leva à possibilidade de formar consensos negociados Com abertura desse espaço teremos também no federalismo maior possibilidade de negociação que insuflará um jogo político mais equilibrado 3 O FEDERALISMO BRASILEIRO E A PARTICIPAÇÃO DIRETA Graças a sua capacidade de adaptação o Federalismo se apresenta como apto a receber formas de participação diferentes daquelas já concebidas e adotadas Segundo o IBGE o Brasil possui superfície de 8515759090 km² e população superior a 208 milhões sendo essencial que haja descentralização do poder para que as demandas principalmente aquelas de interesse local sejam melhor atendidas Objetivando uma melhor eficiência na ação estatal a manifestação das pessoas inseridas no caso concreto é imprescindível A visão do indivíduo sobre os problemas enfrentados e suas possíveis soluções possuem enorme valor pela contribuição única produzida através da vivência Sob esse prisma quão mais acessíveis forem os instrumentos utilizados para obter um maior grau de verossimilhançaa axiológica e de legitimidade da representatividade melhor Nessa perspectiva a internet aparece como meio de auferir uma maior consolidação do elo representadorepresentante formando uma maior dimensão colaborativa e argumentativa para a obtenção do bem comum Para Surowiecki 2004 the web provides a perfect technology capable of aggregating millions of disparate independent ideas in the way markets and intelligent voting systems do without the dangers of too much communication and compromise Apesar da possibilidade de se instrumentalizar a internet para aproximar a população das decisões políticas o acesso à esta de acordo com dados de 2015 divulgados pelo IBGE só está presente em 578 das casas brasileiras sendo que nas casas sem rendimento a ¼ do salário mínimo o percentual de acesso é de 297 Desta forma qualquer cogitação do uso pleno da internet deve ter antes a solução da questão do acesso superado para só então ser exequível de forma a representar a opinião dos brasileiros como um todo sem a exclusão que a falta de acesso propicia A autonomia da forma federativa permite a adoção de medidas para que a participação popular seja efetivada através de medidas adequadas ao contexto estadual e no federalismo brasileiro municipal 4 PARTICIPAÇÃO POPULAR E O ECIDADANIA O portal eCidadania criado pelo Senado Federal em 2002 abre espaço para participação do cidadão através da ideia legislativa do evento interativo e da consulta pública A ideia legislativa é um instrumento como descrito no sítio que permite o envio e apoio das sugestões de alteração na legislação vigente ou de criação leis Aquelas que alcançarem 20 mil apoios são encaminhadas para análise na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa O evento interativo abre espaço para participação de audiências públicas sabatinas e outros eventos abertos sendo criada página específica para transmissão ao vivo publicação de comentários apresentações notícias e documentos sobre o evento e a consulta pública por sua vez traz a oportunidade de se opinar sobre proposições legislativas em tramitação no Senado Federal Percebese que há grande potencial de participação da população na produção legislativa através desta criação do Senado Federal mas até o momento resultou em apenas um projeto de lei denotando o caráter experimental da ferramenta e as dificuldades enfrentadas pois já é operada desde 2012 com milhares de ideias de projeto legislativo mas de todas estas sugestões apenas 71 têm maior expressão com mais de 20000 apoios Neste cenário é exposta a gênese do problema iminente aos processos legislativos que visam a participação do povo não somente através do voto eleitoral a conciliação entre o constante aumento populacional e a busca pela inclusão e manifestação de todos além de resposta em tempo razoável do Estado 5 A EXPERIÊNCIA ISLANDESA E SEU LEGADO A ideia com traços de utopia que é a inserção integral do eleitorado já foi vislumbrada e colocada em prática recentemente na Islândia conferindo uma peculiariedade extraordinária do potencial que essas novas formas de interação cidadãorepresentante abarcam e além de tudo uma visão de um paradigma futuro com viés rousseauniano no sentido do seu amálgama conceitual que ia contra a forma clássica de representatividade dando ao povo todo o poder de se autodeterminar Para explicitar melhor o ocorrido na Islândia é necessário uma contextualização histórica adicionada à explicação do caso atual Lenza 2016 p91 discorre sobre o evento dizendo que independente do Estado Dinamarquês em 1944 a Islândia mantinha desde então um documento provisório como nova Magna Carta delimitando perspectivas para uma posterior revisão desta e para a efetivação de uma enfim Constituição permanente e duradoura como aufere Bernardes 2010 Constituição é um documento o qual atravessa gerações um de seus principais escopos Nunca se implementou processo revisional até o derradeiro evento atual que teve sua gênese na insurgência da população na grave atmosfera financeira que assolou vários países ao redor do mundo em 2008 Invocando claramente uma nota da Teoria do Conflitualismo do polonês Ludwig Gumplowicz em que demonstra que o grupo social passou a ser concebido como um equilíbrio de forças e não mais como uma relação simbiótica entre órgãos de uma determinada sociedade muitas vezes imunes à interferência externa A massa social clamou por revisão imediata gerando sem reconhecimento oficial um grupo de 1200 participantes que realizou na capital do país Reykjavík uma Assembléia Nacional Thjodfundur em 2009 elucidando o inconformismo da sociedade com a situação Já em 2010 houve eleição pelo povo que designou 25 cidadãos para uma nova assembleia nacional constituinte segundo eles apartidária A Suprema Corte Islandesa alegou vícios no processo e invalidou qualquer efeito da proposta Apesar disto os nomes designados foram reconhecidos pela Corte e foram conferidos a estabelecer um Conselho Constitucional para a elaboração de um projeto da Constituição Desde então todas as discussões acerca do projeto foram transmitidas ao vivo e com a ajuda das redes sociais mais populares como o Twitter Facebook com vasta transparência e participação do povo exercendo de forma plena a sua titularidade no conceito de Poder Constituinte Originário atendendo ao caráter essencial de uma Crowdsourced Constitution ou Constituição colaborativa O documentoprojeto foi encaminhado em 29 de julho de 2011 ao Parlamento Após novo referendo popular em 2012 afim de decidir o reconhecimento da legitimidade do citado documento pelo povo sem caráter vinculativo 73 da população o legitimou como a nova Constituicão do país O Parlamento islandês não aprovou o documento mas como Lenza 2016 atesta A experiência islandesa contudo e apesar de particular realidade de ter mais de 95 de sua pequena população de cerca de 320000 habitantes conectada à internet o maior percentual do mundo revela uma nova forma de democracia e de participação popular por meio da redes sociais internet e que sem dúvida passa a servir de modelo para o futuro Além disto estimulados com a experiencia islandêsa outros movimentos ao redor da europa foram criados a influência da ideia de crowdsourcing como cita Lenza 2016 Dentro desta perspectiva influenciado pela influencia da islândia destacamos movimento similar que vem sendo percebido na Inglaterra no sentido de elaborar ou não uma Constituição Orgânica Escrita O debate acontece depois de 800 anos do aniversario da Magna Carta de 1215 e tem estimulado a participação popular por meio das redes sociais crowdsourcing já havendo a versão final do documento draft O resultado acima pode ser auferido por qualquer país desde que este contemple com seriedade a questão do acesso pleno à educação e consequentemente ao acesso irrestrito às informações da atualidade especialmente via internet A realidade do Brasil coadunase com o oposto da dita acima o Brasil ainda carece em muito de um expressivo e efetivo acesso à internet tornando a possibilidade de um evento como o islandês com participação de quase toda a população e não somente de alguns grupos inexequível hodiernamente 6 CONCLUSÃO A autonomia dada aos Estadosmembro e municípios permite uma maior interação e aproximação entre a população e o Estado Além disso é apanágio do federalismo a adaptação sendo possível a adoção de diversos meios de fomento à participação direta com base nas características de cada localidade Em países com extensão e população elevada a participação direta exige a descentralização efetiva de competências para que sua implantação seja possível Neste ponto o federalismo se apresenta como forma de Estado indubitavelmente apta para promover tal participação Apesar da multidisciplinariedade e das formas com as quais a internet é utilizada percebemos o potencial ímpar do emprego desta na manifestação popular sua grande capacidade de mobilização social sendo também possível a sua aplicação nas questões politicamente e socialmente relevantes seja de cunho eleitoral lesgislativo ou de outro núcleo essencial à organização pública Obviamente a questão abrange pontos complicados e problemas ainda muito debatidos como o acesso a direitos fundamentais dos mais essenciais como educação mas ao mesmo tempo outras formas de participação podem se capazes de contribuir para a solução dos mesmos REFERÊNCIAS BERNARDES Wilba Lúcia Maia Federação e Federalismo Belo Horizonte Editora Del Rey 2010 BRASIL IBGE Área Territorial Brasileira Disponível em httpsww2ibgegovbrhomegeocienciascartografiadefaultterritareashtm Acesso em 30 nov 2017 BRASIL IBGE Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Acesso à internet e à televisão e posse de telefone móvel celular para uso pessoal 2015 Rio de Janeiro IBGE 2016 Disponível em httpsbibliotecaibgegovbrvisualizacaolivrosliv99054pdf Acesso em 30 nov 2017 BRASIL IBGE Projeção da população do Brasil e das Unidades da Federação Disponível em httpsww2ibgegovbrappspopulacaoprojecao Acesso em 30 nov 2017 SILVA José Afonso da Curso de Direito Constitucional Positivo São Paulo Malheiros Editores LTDA 2014 STRECK Lênio Luiz MORAIS José Luis Bolzan Ciência Política Teoria do Estado Porto Alegre Livraria do Advogado Editora 2010 SUROWIECKI James The wisdom of crowds Why the many are smarter than the few and how collective wisdom shapes business economies societies and nations New York Doubleday 2004 CAPÍTULO 03 A TENDÊNCIA UNITÁRIA DO FEDERALISMO BRASILEIRO UMA ANÁLISE DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 5540 Marcel Chaves Ferreira58 Paulo Henrique Mazzoni Mota59 1 INTRODUÇÃO A Constituição da República Federativa do Brasil em seu texto adota a federação como forma de Estado assim reconhecendo a autonomia a todos os entes federados seja aos Estadosmembros seja aos municípios Para além desse fato o artigo 25 da Constituição institui o poder constituinte decorrente que reforça substancialmente a visão de federalismo ao permitir que os Estadosmembros elaborem suas próprias constituições A partir dessas disposições constitucionais será feito um estudo sobre a historicidade do federalismo brasileiro perpassando por alguns conceitos fundamentais do campo da Teoria do Estado e da Constituição com finalidade de demonstrar a interferência do Poder Judiciário na supressão da autonomia garantida constitucionalmente aos Estadosmembros em face da União Para tanto será feita uma análise de caso o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº5540 visando diagnosticar a dita supressão de autonomia Assim utilizarseá o método indutivo bibliográfico na modalidade estudo de caso para elaboração da pesquisa 58 Graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais pesquisador no Núcleo Acadêmico de Pesquisa 59 Graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais pesquisador no Núcleo Acadêmico de Pesquisa 2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O ESTADO E SUAS FORMAS Historicamente o surgimento e o conceito de Estado sempre foram amplamente discutidos por diversos autores dentre eles podem ser citados os contratualistas Hobbes com seu Leviatã e Rousseau com o Estado como expressão da vontade geral Mas considerase o Estado como uma unidade social na qual a sociedade se organiza60 em prol da defesa de seus direitos Em uma perspectiva atual entendese o Estado como o resultado da soma de povo poder e território Embora o fenômeno globalização tenha posto em cheque tal conceito ainda hoje é utilizado o termo para conceituar Estado Desta forma afirma Reginaldo Dias O Estado constitui uma sociedade politicamente organizada em um lugar e tempo determinado onde vigora determinada ordem de convivência com um poder soberano único e exclusivo A partir do conceito de Estado fazse necessário realizar um breve estudo sobre as formas de Estado percebidas hoje no mundo que podem ser sintetizados em Estado Unitário e o Estado Federal 21 ESTADO UNITÁRIO Também denominado Estado simples o Estado unitário é aquele em que o exercício do poder é tomado por um único órgão centralizador de poder de uma nação é portanto uma forma política centralizada Este tipo de Estado se apresenta enquanto organização com uma estrutura política centralizada É um tipo de organização incompatível com a divisão em províncias Estados ou municípios investidos de autonomia política DIAS 2013 p48 No Brasil esse modelo foi muito utilizado à época do Império em que o poder era centralizado na mão do monarca e as províncias não tinham autonomia 22 ESTADO FEDERAL Considerado uma das maiores contribuições da história norteamericana o Estado federal consiste na delegação da soberania dos estadosmembros à federação 60 DIAS Reinaldo Ciência política 2013 p49 reservando para si autonomia Desta forma o federalismo é o que melhor preserva autonomia dos Estadosmembros e dos municípios No Brasil esse o federalismo surgiu de modo diverso do que como ocorreu nos EUA federalismo centrípeto aqui a Constituição da Federação delegou funções aos estadosmembros e municípios e não estes delegaram sua soberania à Federação federalismo centrífugo Sobre esses tipos de federalismo discorre Jose Luiz Quadros de Magalhães O federalismo centrípeto dirigese ao centro pois historicamente originário de Estados soberanos que formaram no caso norteamericano uma confederação 1777 e posteriormente uma federação 1787 Nos mais de duzentos anos de existência da federação norteamericana ocorre gradualmente uma centralização de competências a União lentamente incorpora competências dos Estados membros Entretanto ao contrário do que uma leitura apressada possa sugerir o federalismo centrípeto justamente por estes motivos é o mais descentralizado pois se originou historicamente de Estados soberanos que se uniram e abdicaram de sua soberania mantendo com eles entretanto um grande número de competências administrativas e legislativas ordinárias e constitucionais o federalismo brasileiro ao contrário do norteamericano é um federalismo centrífugo A visão de nosso federalismo como federalismo centrífugo explica a nossa federação extremamente centralizada que para aperfeiçoarse deve buscar constantemente a descentralização Somos um Estado federal que surgiu a partir de um Estado Unitário o que explica a tradição centralizadora e autoritária que devemos procurar abandonar para construir uma federação moderna e um Estado democrático de Direito efetivo MAGALHÃES 2011 Percebese desta forma que o federalismo brasileiro se distanciou do conceito primevo norteamericano de federalismo portanto necessário se faz uma análise mais aprofundada sobre o federalismo brasileiro bem como suas especificidades 3 O FEDERALISMO BRASILEIRO 31 ASPECTOS HISTÓRICOS Após a independência do Brasil em face da metrópole mais especificamente no segundo reinado foi adotada uma forma de governo extremamente centralizada na figura do monarca no intuito de evitar as iminentes guerras separatistas que assombravam o Brasil e toda a América61 O país assim era organizado em um Estado unitário para justamente proteger o poder do monarca e a integridade territorial Contudo após a proclamação da 61 ABRUCIO Fernando Os barões da federação os governadores e a redemocratização brasileira 1998 p31 república e a queda do Império com a promulgação da Constituição de 1891 o Brasil se reorganizou em uma federação aos moldes da norteamericana Sobre o assunto afirma Magalhães o nosso Estado federal surgiu a partir de um Estado unitário criado pela Constituição de 1824 O seu processo de formação é portanto exatamente o inverso do norteamericano o modelo clássico A Constituição brasileira de 1891 inspirandose nas instituições norteamericanas adota o federalismo Entretanto a história não pode ser copiada e o modelo norte americano tanto de Suprema Corte como de presidencialismo como de bicameralismo e federalismo foram construídos na história norteamericana sendo bastante diferente do nosso MAGALHÃES 2011 Assim é percebido que o federalismo brasileiro nasceu com fundamentos no federalismo norteamericano mas a história e a cultura brasileira são completamente distintas das dos Estados Unidos Desta forma no Brasil a federação nasceu de um Estado unitário e a cultura de centralização de poder agora nas mãos da União continuou latente no decorrer de todas as Constituições após a proclamação da República Atualmente com o advento da Constituição da República de 1988 foi instituído o modelo de federalismo cooperativo em seus artigos 23 e 24 que dispõem sobre as competências comuns e concorrentes dos entes federados Este modelo pressupõe portanto atuação conjunta entre União Estadomembro e Município nas tomadas de decisão e implementação de políticas públicas 32 PODER CONSTITUINTE 321 PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO Poder constituinte originário ou apenas poder constituinte significa o poder de mudar o sistema vigente em uma sociedade sem se prender aos dogmas da Constituição ou regime anterior É em sua essência um poder de mudança geral O poder constituinte originário é exercido por meio da revolução por um processo em regra mais violento um movimento que altera a estrutura estatal e social Neste ponto vale ressaltar que o detentor legítimo do poder constituinte originário é o povo Sobre o assunto afirma Raul Machado Horta Historicamente o poder constituinte originário representa a irrupção de fato anormal no funcionamento das instituições estatais Esse aparecimento está associado a um processo mais violento de natureza revolucionária ou a uma decisão do alto geralmente materializada no Golpe de Estado HORTA 2010 p2 A idealização do conceito de Poder Constituinte veio de abade Sieyés ainda no século XVIII e este apontou as características essenciais à criação de uma nova Constituição segundo Sieyés citado por Horta O poder constituinte pode tudo Ele não está submetido a uma determinada Constituição A nação que exerce o maior e o mais importante dos poderes deve ficar no exercício dessa função livre de qualquer constrangimento e de outra qualquer forma salvo a que lhe aprouver adotar HORTA 2010 p3 Assim entendese que o poder constituinte é fonte de modificação da sociedade em estrutura e forma uma vez que não está preso a normas previamente postas levando em consideração apenas a vontade do povo que é o agente legítimo para aplicar as mudanças62 322 PODER CONSTITUINTE DERIVADO Além do originário existe também o poder constituinte derivado qual seja a possibilidade de alteração do texto constitucional por meio da revisão reforma ou emenda Vale que as emendas constitucionais têm limites materiais quais sejam as cláusulas pétreas e limites procedimentais e circunstanciais O poder constituinte derivado por sua vez expressa o poder normalmente atribuído ao parlamento de reformar o texto constitucional Tratase de uma competência regulada pela Constituição63 No Brasil de acordo com o conceito trazido acima o poder constituinte derivado é exercido pelo Congresso Nacional nas competências que lhe são atribuídas pela Constituição da República Federativa do Brasil muito embora assim como no poder constituinte originário o detentor legítimo seja o povo 62 No caso brasileiro em análise a constituinte de 88 o poder constituinte se deu d maneira diversa a teoria clássica Não foi balizada uma revolução mas sim a insatisfação política que gerou a implantação de um Congresso Constituinte formado por parlamentares com finalidade de romper com o regime autoritário visando elaborar uma Constituição democrática 63 BARROSO Luís Roberto Curso de Direito Constitucional contemporâneo 2011 p167 323 PODER CONSTITUINTE DECORRENTE Assim como o poder constituinte derivado o poder constituinte decorrente também é garantido constitucionalmente no Brasil Consiste basicamente no poder de os Estadosmembros promulgarem suas próprias Constituições Este poder reforça de forma grandiosa o federalismo e a autonomia dos Estadosmembros ou assim deveria ser Neste tocante Luís Roberto Barroso discorre Cabe por fim uma menção ao poder constituinte decorrente expressão que na terminologia do direito constitucional brasileiro designa a competência dos EstadosMembros da Federação para elaborarem sua própria constituição Essa capacidade de autoorganização é fruto da autonomia política das entidades federadas que desfrutam de autodeterminação dentro dos limites prefixados pela Constituição Federal BARROSO 2011 p169 Ainda sobre a Constituição dos estadosmembros assim como as leis e atos normativos estaduais aquela é sujeita ao controle de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal64 Entretanto questionase a real autonomia dos Estados membros em promulgarem suas Constituições já que as decisões de nossos tribunais têm nos indicado que até aquela matéria que não está expressa nem vedada pelo Constituição Federal tem sido alvo de ADIs por constarem nas Constituições estaduais 33 A AUTONOMIA DOS ESTADOS MEMBROS O Estado brasileiro se propôs em 1988 a ser uma federação A maior expressão do federalismo consiste justamente no fato de os estadosmembros e no caso brasileiro os municípios terem autonomia decisória organizacional e legislativa nos limites da Constituição Federal Neste ponto para o devido desenvolvimento deste trabalho necessária de faz a conceituação do termo autonomia De acordo com Raul Machado Horta A autonomia é portanto a revelação de capacidade para expedir as normas que organizam preenchem e desenvolvem o ordenamento jurídico dos entes públicos Essas normas variam na qualidade na quantidade na hierarquia e podem ser materialmente normas estatutárias normas legislativas e normas constitucionais segundo a estrutura e as peculiaridades da ordem jurídica HORTA 2010 p332 64 BARROSO Luís Roberto Curso de Direito Constitucional contemporâneo 2011 p 167 A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 25 dispõe Os Estados organizamse e regemse pelas Constituições e leis que adotarem observados os princípios desta Constituição Desta forma ao instituir a forma federativa a Constituição Federal prezou pela autonomia estadual e municipal entretanto intencionalmente ou não o federalismo brasileiro reserva muito mais competências à União em detrimento aos estados membros e municípios o que de fato revela uma tendência unitária do federalismo brasileiro 4 A TENDÊNCIA UNITÁRIA DO FEDERALISMO BRASILEIRO A chave para compreender a tendência unitária do federalismo brasileiro encontrase na atribuição constitucional das competências delegadas aos Estados Membros e aos Municípios Sobre o tema Horta afirma A Constituição Federal como responsável pela repartição de competências que demarca os domínios da Federação e dos EstadosMembros imprimirá ao modelo federal que ela concebeu ou a tendência centralizadora que advirá da amplitude dos poderes da União ou a tendência descentralizadora que decorrerá da atribuição de maiores competências aos EstadosMembros Por isso a repartição de competências é encarada como a chave da estrutura do poder federal o elemento essencial da construção federal a grande questão do federalismo o problema típico do Estado Federal HORTA 2010 p 276 Neste sentido a Constituição traz em seu texto diversas competências que são privativas da União e outras diversas matérias concorrentes Já no que se referem a matérias de competência privativa dos estadosmembros e dos municípios é percebido uma quantidade muito menor de competências Desta forma o Brasil nitidamente pelo excerto da obra de Horta é um país cujo federalismo é centralizado na figura da União 42 O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO INTENSIFICADOR DA TENDÊNCIA UNITÁRIA O Supremo Tribunal Federal é o órgão jurisdicional responsável pelo controle de constitucionalidade concentrado das leis e atos normativos no Brasil Justamente por ser a mais alta corte jurisdicional do país é ele o competente para julgar originariamente as ações de direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal65 Assim como é também o órgão competente para as ADPFs Entretanto por ser o Supremo o órgão legítimo para dirimir controvérsias de controle concentrado fica evidente a possibilidade de realização da chamada constitucionalização excessiva66 de acordo com o ministro Luís Roberto Barroso O artigo 25 da Constituição da República estatuiu que o EstadosMembros devem regeremse pelas Constituições e leis que adotarem desde que observem os princípios daquela Ora o caso em discussão julgamento da ADI 5540 que deu interpretação conforme a Constituição Federal tornou inconstitucional a autorização prévia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais para recebimento de denúncia pelo STJ em crimes comuns praticados por Governador do Estado Isso ao nosso ver nada mais é do que a manifestação da denominada constitucionalização excessiva Horta ao tratar das Ações de Inconstitucionalidade das Constituições dos Estados Membros afirma que o controle de constitucionalidade destas Constituições é fato histórico e até mesmo avanço visto que evita e supera as intervenções federais que desgastariam a visão federativa do Brasil Entretanto o dito autor nos traz a seguinte análise A intensidade ou o abrandamento do controle de constitucionalidade das Constituições dos Estados e de seu poder de organização pelo Supremo Tribunal Federal dependerá da prevalência de uma destas tendências a tendência no rumo da maior liberdade organizatória no âmbito das competências exclusivas dos Estados que abrandará o controle ou a tendência ao controle mais intenso dessa competência organizatória seja em decorrência do maior volume dos temas que se espraiam na Constituição Federal expansiva ou pela amplitude conceitual dos princípios constitucionais assim os princípios estabelecidos na Constituição que dispõem de sede pletórica no campo dos Direitos e Garantias Fundamentais e os princípios constitucionais de observância obrigatória pelos Estados HORTA 2010 p 307 65 Art 102 Compete ao Supremo Tribunal Federal precipuamente a guarda da Constituição cabendo lhe I processar e julgar originariamente a a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal 66 É o efeito expansivo das normas constitucionais cujas regras e princípios se irradiam por todo o ordenamento jurídico Dela resulta a aplicabilidade direita e imediata da Constituição a diversas situações a inconstitucionalidade das normas incompatíveis com a Lei fundamental e sobretudo a interpretação das normas infraconstitucionais conforme a Constituição circunstância que lhes irá conformar o sentido e o alcance BARROSO 2011 p443 Evidenciase que o atual cenário políticojurídico do país é expresso pela segunda tendência apresentada por Horta em que se tornou necessário um maior controle de constitucionalidade para que não haja óbice à Constituição Federal e seus princípios Muito embora esse intenso controle deva ser realizado de forma a não ferir a autonomia reservada aos Estadosmembros como é o caso da ADI 5540 5 O JULGAMENTO DA ADI 5540 51 A CONSTITUIÇÃO MINEIRA FRENTE A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA Ao promulgarem suas leis e Constituições os EstadosMembros devem respeitar as denominadas normas constitucionais de observância obrigatória que seriam segundo José Afonso da Silva normas limitativas de um dos princípios fundamentais da ordem constitucional brasileira a autonomia do Estados67 bem como os princípios constitucionais da Constituição da República Federativa do Brasil Em 1989 foi promulgada a Constituição do Estado de Minas Gerais que em seu artigo 9268 era omissa quanto a necessidade de autorização prévia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais para processamento de ações penais por crimes comuns dos governadores do Estado Recentemente em junho de 2016 o partido Democratas DEM ajuizou69 art103 Ação Direta de Inconstitucionalidade requerendo interpretação conforme à Constituição Federal do artigo 92 da Constituição Mineira Em 05 de maio de 2017 foi proferida decisão unânime de acordo com o voto do relator Edson Fachin pela parcial procedência da ADI no sentido de Não há necessidade de prévia autorização da Assembleia Legislativa para o recebimento de denúncia ou queixa e instauração de ação penal contra Governador de Estado por crime comum cabendo ao STJ no ato de recebimento ou no curso do processo dispor fundamentadamente sobre a aplicação de medidas cautelares penais inclusive afastamento do cargo 67 SILVA José Afonso da Comentário Contextual à Constituição Ed São Paulo Malheiros p287 68 Art 92 O Governador do Estado será submetido a processo e julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça nos crimes comuns 1º O Governador será suspenso de suas funções I nos crimes comuns se recebida a denúncia ou a queixa pelo Superior Tribunal de Justiça Portanto a problemática do presente artigo busca tratar justamente da necessidade de se recorrer ao STF para interpretar a Constituição Mineira Ora o artigo 25 da Constituição Federal é claro ao afirmar que os Estadosmembros tem autonomia para se auto regulamentarem desde que não firam princípios constitucionais Desta forma se a Constituição Mineira em nenhum momento feriu a Constituição Federal sendo apenas omissa quanto ao procedimento de admissibilidade de processamento de ações penais em crimes comuns que envolvam o governador do Estado não vemos necessidade de se recorrer ao STF a não ser apenas para reforçar o tendente unitarismo do federalismo brasileiro A Constituição Mineira tem seus próprios princípios norteadores que não ferem a Constituição Federal assim a mesma deveria ser interpretada a partir de seus próprios fundamentos garantindo desse modo a autonomia estadual que é pressuposto máximo do federalismo 52 A ADI 5540 COMO PRECEDENTE PARA OS DEMAIS ESTADOS DA FEDERAÇÃO Julgamentos realizados pelo Supremo Tribunal Federal em nosso ordenamento jurídico seja na forma sumulada ou não acabam por gerar precedentes para futuros julgados nos mais diversos graus de jurisdição Desta forma o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5540 ao dar interpretação conforme à Constituição Federal da Constituição Mineira no que se refere a necessidade de prévia autorização da Assembleia Legislativa para processamento de ações penais no STJ por crimes comuns cometidos por governador do Estado de Minas Gerais está na verdade criando um precedente isto é impingindo a Constituição Estadual mesmo conteúdo da Constituição Federal em normas onde não há necessidade de simetria ceifando assim a noção de autonomia A formação de precedentes nesse sentido pode ser considerada como reforço ao unitarismo brasileiro vez que de certa forma tolhe a autonomia dos Estados membros quando suas respectivas Constituições forem omissas terão de ser interpretadas conforme à Constituição Federal independentemente se feriram ou não os princípios a que se referem o artigo 25 da Constituição Federal Portanto com o controle de constitucionalidade cada vez mais exacerbado por parte do STF nítido se torna o significativo retrocesso do Estado brasileiro em garantir autonomia aos EstadosMembros visto que suas próprias Constituições mesmo que não sejam contrárias à federal ainda assim serão alvo do controle realizado pelo mais alto órgão do Poder Judiciário 6 CONCLUSÃO O presente artigo buscou demonstrar que é exacerbado o unitarismo do federalismo brasileiro principalmente considerando a atuação do Poder Judiciário no caso o STF como intensificador deste unitarismo Por intermédio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5540 foi possível perceber que ao dar interpretação conforme à Constituição Federal do disposto na Constituição Mineira em verdade ferese o conceito da autonomia estadual Como discutido neste trabalho o objeto da ADI não se refere a desrespeito à Constituição Federal motivo pelo qual se faria necessário uma arguição de inconstitucionalidade perante a Corte Suprema de fato o que ocorreu foi mera omissão de procedimento o que poderia de forma serena ser dirimida pelo próprio Estado de Minas Gerais Em verdade pelos estudos realizados tornouse nítido que ao dar interpretação conforme ao artigo 92 da Constituição Mineira o Supremo Tribunal Federal feriu a autonomia do Estado de Minas Gerais já que sua Constituição não violou os princípios da Constituição da República Ainda neste sentido a chamada constitucionalização excessiva expressa pela ADI 5540 ao subordinar a Constituição Mineira frente à Constituição Federal em matéria de não observância obrigatória demonstra a desqualificação da norma constitucional estadual em mera lei infraconstitucional REFERÊNCIAS ABRUCIO Fernando Os barões da federação os governadores e a redemocratização brasileira São Paulo Editora HucitecDepartamento de Ciência Política USP 1998 BARROSO Luís Roberto Curso de Direito Constitucional Contemporâneo São Paulo Saraiva 2011 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil DIAS Reinaldo Ciência política ed2 São Paulo Editora Atlas 2013 HORTA Raul Machado Direito Constitucional ed 5 rev atual Belo Horizonte editora Del Rey 2010 MAGALHÃES José Luiz Quadros Federalismo O Estado Federal Centrípeto e Centrífugo Disponível em httpjoseluizquadrosdemagalhaesblogspotcombr201106447federalismo livrofederalismohtml Acessado em 22 de outubro de 2017 MINAS GERAIS Constituição Estadual Assembleia Legislativa de Minas Gerais Belo Horizonte 1989 SILVA José Afonso da Comentário Contextual à Constituição Ed São Paulo Malheiros p287 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ADI 5540 Disponível em httpredirstfjusbrestfvisualizadorpubjspconsultarprocessoeletronicoConsulta rProcessoEletronicojsfseqobjetoincidente4995078 Acessado em 20102017 CAPÍTULO 04 A HIPERTROFIA DA UNIÃO NO FEDERALISMO BRASILEIRO COMO O CONCEITO DE AUTONOMIA FEDERATIVA É DETURPADO Lucca Sá Motta Dias de Assis70 1 INTRODUÇÃO Desde a introdução do sistema federalista no Brasil ocorreram várias mudanças históricas na estrutura deste referido sistema que acabaram por se distanciar em muitos aspectos de sua formação estrutural originalmente feita pelos EUA Neste artigo abordarei como ocorreu este distanciamento e quais são as consequências disto para o aparato estatal político e social brasileiro Ademais buscase identificar algumas hipóteses constitucionais que direta ou indiretamente resultam em uma hipertrofia da autonomia por parte da união alicerçado com o conceito utilizado para a repartição de competência dos entes federados tomando para si aquilo que dentro de uma esfera federativa deveria ser parte da autonomia delegada aos estados membros Inicialmente compreendo que as várias constituições adotadas em nosso território nacional desde a introdução do modelo federativo influenciaram diretamente na hipertrofia da união que temos hoje Desde a distinta formação do federalismo norteamericano para o brasileiro centrípeto x centrifugo respectivamente até a violação normativa ditatorial ocorrida nos anos 60 80 em nosso país muitos foram os casos em que não seguimos o processo natural de nascimento e perpetuação do objetivo do espírito federativo a participação mínima do União soberana dentro da esfera de autonomia dos Entes federados Historicamente o federalismo dos estadosmembros brasileiros é algo que me parece muito mais outorgado do que efetivamente acordado entre seus participantes verificase isso por 70 Graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais exemplo com a proibição constitucional do direito de secessão o que cria uma contradição histórica entre o conceito federativo de autonomia dos entes federados x soberania estatal Por fim ressaltase que o objetivo da pesquisa é analisar o federalismo brasileiro dentro dos seguintes aspectos i rever historicamente os motivos que levaram à adoção deste modelo de chefia de Estado ii quais eram os objetivos pretendidos no momento histórico de sua adoção e iv como ao decorrer do tempo o conceito original de federalismo nascido em berço norteamericano é completamente modificado em nossa nação quando foi implementado principalmente no que diz respeito à autonomia dos entes federados 2 A ONTOLOGIA DO FEDERALISMO O BERÇO NORTEAMERICANO E AS NECESSIDADES QUE LEVARAM À SUA ADOÇÃO Hoje em dia é absolutamente comum ouvirmos as palavras Federação Federativoa ou Federalista quando estudamos as diferentes formas de estado que contemplam os países do globo terrestre mas nem sempre foi assim Durante muitos anos e em alguns países até hoje a forma de Estado majoritária nas grandes potências era o Estado Unitário que pressupõe uma grande concentração de poderes nas mãos de um governo central que regia todo o território estatal Um fenômeno histórico protagonizado pelas treze colônias inglesas no norte do continente americano foi responsável por capitanear o êxito do sistema federativo e com isso inspirar a adoção do federalismo por vários países no mundo Como é sabido dos livros de história as treze colônias inglesas que se firmavam no litoral do continente norteamericano no séc XVIII durante muito tempo sofreram de sua metrópole inglesa inúmeros abusos fiscais e políticos Um fator muito curioso acometia estas treze colônias apesar de serem todas subordinadas à uma mesma metrópole possuíam um distanciamento sociocultural territorial e identificador muito grande Não era incomum verificarse além do conflito colôniametrópole o conflito intercolonial principalmente no que diz respeito à aceitação do escravismo Apesar destas diferenças firmaramse unidas contra sua metrópole que prejudicava à todas igualitariamente buscavam sua independência sociopolítica O desenrolar desta história nos exibiu muitos conflitos armados entre colônia e metrópole apoio de grandes nações como a França iluminista perfumada por ideais políticosliberais à causa norteamericana e acordos firmados entre as próprias colônias para que no final resultassem no êxito colonial e a consequente Declaração de Independência dos Estados Unidos da América no dia 4 de julho de 1776 O único laço que os unia era a vontade de lutar pela sua liberdade para assegurála a união era indispensável Contudo os artigos da confederação só foram votados em novembro de 1777 após superadas grandes divergências e ratificados pela maioria dos Estados somente em julho de 1778 LORENA 1984 p 3 Portanto a Confederação dos Estados Unidos da América teve sua votação e legitimação em momento posterior à independência destes Estados o desejo de independência política foi mais ardente do que o próprio planejamento político em si A organização confederativa firmada era em muitos pontos frágil Se todos são soberanos a soberania se caracteriza pela autonomia externa a outros Estados e autonomia interna perante os Entes federados podem determinarse conforme entenderem Ora em tempos de guerra e conflitos de todas as origens internos ou externos quem em um momento de fragilidade de algum dos Estados confederados irá garantir que outros não o abandonem ou se recusem a ajudálo No que diz respeito ao companheirismo e confiança interestadual a confederação deixava lacunas de desconfiança gigantescas Importante lembrar que no contexto histórico tratado eram comuns as revoluções políticas Os países fortes e consolidados iniciavam ou davam prosseguimento com o imperialismo a fim de garantir sua hegemonia e fortalecimento políticoterritorial enquanto os países recém formados e aqueles que lutavam por independência buscavam se firmar e guerrear se necessário por sua integridade política e estrutural Diante disso a última coisa que interessava aos Estados Unidos da América era a dissolução de sua independência tão duramente conquistada mas que diante de seu modelo estatal se mostrava tão frágil e ameaçada A independência dos Estados que se mostrava como seu maior êxito acaba por revelarse como um grande pontofraco verificado em cada um deles Muito embora na época houvesse sido firmado um Congresso Confederativo e este possuísse alguns poderes enumerados principalmente diplomáticos não teve atribuído a si poderes efetivamente legislativos ou que de alguma maneira ferissem a soberania que emanava de cada um dos Estados confederados como pex a arrecadação de tributos requisitos essenciais à qualquer governo Em 1783 derrotada a metrópole inglesa assina o Tratado de Paris que reconhece oficialmente a independência dos EUA Tal foto acaba por colocar em cheque a razão de existência do pacto confederativo dos recém reconhecidos Estados Norteamericanos visto que o único motivo capaz de afastar suas diferenças sociais e políticas que era a busca por independência acaba de se exaurir Em 1787 alguns protagonistas históricos do que hoje é considerada a grande nação dos Estados Unidos da América se reuniram no estado da Filadélfia para discutir um projeto de Constituição que fosse capaz de unir os Estados norteamericanos A união daria lugar a menor número de causas justas de guerra e facilitaria infinitamente mais a composição das diferenças com as nações estrangeiras do que o governo particular dos Estados ou das ligas que os Estados propõem HAMILTON MADISON JAY 1840 p 21 Uma vez superadas todas as dificuldades que poderiam ter surgido em 1787 o projeto de constituição que estabelecia a união entre os Estados norteamericanos foi ratificado e aprovado por nove dos Estados norteamericanos estabelecendo a forma federativa de estado Os demais Estados que ainda não tinham aderido ao novo documento constitucional reivindicavam a constitucionalização de alguns direitos que ao tempo não tinham sido estabelecidos constitucionalmente Na primeira sessão do Congresso Nacional em 1789 com a redação das dez primeiras emendas as demandas constitucionais foram prontamente atendidas e todos os demais Estados que faltavam ratificaram a constituição em 1791 que ficou conhecida como Bill of rights do estado norteamericano BERNARDES 2010 p191 3 A ADOÇÃO DO FEDERALISMO NO BRASIL INSPIRADO PELO IDEAL NORTEAMERICANO Vimos portanto que o principal motivo que levou à união dos estados norte americanos foi a necessidade de sua consolidação política em um plano internacional onde os estados membros detentores de soberania política cada um por si decidiram abrir mão desta condição e delegaramna à união restandolhes individualmente enquanto estadosmembros da federação a autonomia política Doutrinariamente é comum classificar esse modelo de concepção federalista como federalismo centrípeto O deriva da maneira centralizadora que ilustra o surgimento da federação norteamericana onde os estadosmembros anteriormente soberanos e independentes entre si decidem por convergir à uma centralização de poder comum mesmo que isso tenha significado reduzir o próprio poder político conferidolhes individualmente A constituição norteamericana sofreu fortíssima influência dos ideais iluministas como anteriormente visto propagados ao redor do mundo principalmente no que diz respeito à defesa do liberalismo político Com isso sua constituição pretendia proporcionar um vasto leque de atuação no que diz respeito à autonomia dos Estadosmembros isso porque caberia a cada um destes a representação da diversidade social de seu povo admitindo que cada estado membro comportava uma cultura diversa do outro restando à união agir apenas naquelas competências que lhe fossem enumeradas e pertinentes aos Entes federados enquanto comunidade política representando assim um ponto de interesse comum e homogêneo da nação Nesse momento formulouse a construção de um federalismo tentando compatibilizálo com as premissas por nós consideradas hoje inconciliáveis do estado federal diversidade e do estado nacional homogeneidade BERNARDES 2010 p 187 Este primeiro modelo federalista fundado no estado liberal proposto pelos EUA com relação à sua forma de orientação política dáse o nome de Federalismo Dualista ou Federalismo Dual Percebam que o modelo norteamericano ideologicamente falando aponta pra um enorme otimismo funcional no sentido que concebe à união a expectativa de representar e conciliar pacificamente em torno de uma única faceta política diferenças sociais de toda sorte provenientes dos Estadosmembros Teoricamente falando tratase de um aspecto positivo deste modelo pois caso essa expectativa se concretizasse estaríamos falando de uma perfeita harmonia funcional e organizacional da constituição em seu sentido sociológico Por outro lado um dos grandes aspectos negativos deste modelo consiste no funcionamento estanque que assumem os entes federativos Como possuíam entre si uma hierarquia política horizontal que pressupõe a baixa comunicabilidade funcional entre Estadosmembros e a união era comum encontrar uma discrepante realidade desenvolvimentista regional Verificavamse períodos onde algumas regiões vivam momentos de prosperidade social e econômica enquanto outros simultaneamente estavam em forte crise de mesma natureza Foi exatamente o aspecto negativo deste modelo que futuramente no crack da bolsa de 1929 que precedeu o New Deal fez com que a forma federativa dos EUA tivesse de ser revista por sua Suprema Corte tentando solucionar este problema decorrente principalmente da comunicabilidade funcional que acometia o modelo federativo Norteamericano O federalismo denominado conservador teve que ser reformulado com extensão dos poderes federais provocados pelos problemas econômicos e sociais A economia nacional seria ressuscitada pela extensão da intervenção do governo federal BARACHO 1982 p 157 A história do federalismo brasileiro ocorre de maneira diversa à dos EUA A primeira Constituição do Brasilimpério de 1824 não previa a forma federativa de estado mas a unitária O território era divido entre Províncias subordinadas e não autônomas ao governo central este que regia a Nação Efetivamente a primeira experiência federalista que tivemos ocorreu graças à previsão desta forma de Estado na constituição de 1891 que não só adotou o federalismo como também a república A própria expressão província foi semelhante à consagrada na Argentina Sendo que fomos buscar nos Estados Unidos a denominação Estados para as divisões políticoadministrativas BARACHO 1982 p 188 As Províncias brasileiras ao tempo da adoção constitucional do federalismo já haviam durante anos aceitado e propagado entre si a cultura federativa A justificação do interesse fundador do Federalismo Brasileiro se dá principalmente por interesses elitistas provinciais que entenderam como necessária a descentralização e fragmentação do poder político Imperial O recorte do estado nacional aparece como tentativa de se dar homogeneidade cultural política e social a um povo de bases naturalmente heterogêneas Acrescentese a isso o fato de que tal homogeneização era produto de demanda de nossas elites sem qualquer comprometimento direto do povo que não era considerado bernardes 2010 p 206 Assim satisfizeramse as províncias mediante movimentações que representaram interesse político de apenas uma parcela populacional do primeiro requisito necessário para a sua qualificação como EstadosMembros autonomia política Foi o constituinte que através da descentralização do poder central concedeu e materializou a transformação destas Províncias em Estadosmembros Daí configurouse nos momentos seguintes a formação da União que teve conferida a si uma Soberania que nunca lhe foi delegada pelos EstadosMembros mas sim pelo fato descentralizador do antigo poder político Com efeito nunca foi característica dos Estadosmembros brasileiros ao tempo que adquiriram essa condição Constituição de 1891 a posse em momento anterior à sua formação de soberania política Ocorria no Brasil império uma dependência por parte das províncias ao poder central este sim que era soberano Nossa prática de soberania pelas unidades federadas era nula e a dependência do poder central focalizado durante a época imperial no poder Moderador era nosso exercício diário BERNARDES 2010 p 204 Portanto a autonomia que foi reservada aos Estadosmembros pela constituição de 1891 não derivou de um poder político ainda maior que lhes era conferido como a soberania mas sim de nenhuma capacidade autônoma anterior É daí que surge a expressão Federalismo Centrífugo doutrinariamente consagrada quando estudamos adoção do Federalismo no Brasil A forma de concepção do modelo federativo difere em sentido contrário do Norteamericano Enquanto neste houve uma restrição voluntária de poderes políticos anteriormente adquiridos pelas colônias convergindo em uma centralização do poder Nacional no caso do Brasil ocorreu uma descentralização concretizada pelo constituinte de poderes de soberania política que pertenciam à uma esfera unitária para que assim se viabilizasse a difusão da autonomia política aos agora Estadosmembros Um dos pais fundadores de nossa constituição de 1891 Rui Barbosa inspirou se no modelo norteamericano para a concepção de nossa estrutura federativa falo do federalismo dual Assim inauguramos na constituição de 1891 a forma federal de estado com vários arranjos de federalismo seguindo os fundamentos do modelo norte americano e nesse sentido adotamos como primeira forma de atuação o federalismo dualista BERNARDES 2010 p 206 A associação do modelo federalista dualista está completamente relacionada como vimos com o 1º paradigma de direitos que versa sobre o estado liberal Historicamente ocorreu fenômeno muito interessante no que diz respeito a conjugação da leitura dos modelos federalistas no Brasil e os paradigmas de direito os que perpassaram Essencialmente os mesmos problemas que justificaram as transposições paradigmáticas também foram justificativas para reinterpretações e até mesmo recriações constitucionais que adotavam o modelo federativo como forma de estado Este mesmo fenômeno pôde ser verificado em vários Estados federados ao redor do mundo No Brasil a perpetuação do federalismo dualista não conseguiu sobreviver até 1934 momento histórico que encontra forte influência do segundo paradigma relacionado ao Estado assistencialista A par de fatos como o fim da primeira guerra o crescimento do setor industrial o desenvolvimento urbano do sul do nosso estado a crise do café o surgimento de uma classe média industrial operária mais consciente de seus direitos juntamente com a classe militar descontente com o sistema vigente propõese a reforma de 1926 que define metas centralizadoras e descaracteriza mais a feição do federalismo dualista Tudo deságua na revolução de 1930 e posteriormente na promulgação de uma nova constituição de 1934 BERNARDES 2010 p 211 e 212 O rompimento paradigmático viabiliza a releitura do entendimento então vigente sobre federalismo O modelo de atuação engessada dos entes federados que pressupõe o dualismo não cabe mais diante das mudanças sociais ocorridas no mundo e nas sociedades sendo agora necessário um modelo que acompanhe a necessidade intervencionista da união sob os EstadosMembros para que o desenvolvimento destes seja realizado de maneira mais pareada e proporcional Nasce aqui o chamado Federalismo de Cooperação modelo que pressupõe uma área de atuação por parte da união maior do que aquela que anteriormente lhe era creditada isto em função de suplementar as deficiências apresentadas pelas regiões federativas assegurandolhes assim a devida assistência desenvolvimentista a fim de evitar o descumprimento de direitos fundamentais defendidos no 2º paradigma de bemestar social O Federalismo Cooperativo foi implantado oficialmente no Brasil na constituição de 1934 inspirada na constituição de Weimar de 1919 na Alemanha O professor José Alfredo Baracho citando Alfredo Buzaid ainda chega a falar de um terceiro modelo denominado Federalismo de Integração A esse novo tipo que promove o desenvolvimento econômico vem o máximo de segurança coletiva ousamos denominar federalismo de integração O federalismo dualista se fundava no princípio do equilíbrio entre a união e o estado o federalismo cooperativo formula o princípio da suplementação das deficiências dos estados o federalismo da integração representa o triunfo do bemestar de toda a nação Ele busca portanto reencontrarse com a realidade nacional traduzindo os legítimos anseios do povo que cria um país economicamente forte socialmente justo e eticamente digno BARACHO 1982 p 189 Como agora o papel da União consiste também em uma maior intervenção nos EstadosMembros a fim de garantirlhes desenvolvimento consequentemente sua arrecadação também terá de ser maior Começase a falar aqui na capacidade de determinação das práticas federalistas em função da arrecadação fiscal que ficará sob poder da União para ser coordenada eis que nasce o termo Federalismo Fiscal Embora alimentada por louváveis propósitos a ação federal na órbita econômica regional reflete comportamento unitário inconciliável com a estrutura federativa pois ignora a existência política do governo estadual Sob tal aspecto o planejamento central dos economistas do desenvolvimento introduz outra distorção no federalismo brasileiro HORTA 1957 p 80 Houveram na história brasileira alguns períodos que romperam com sistema federativo como se verifica na Constituição Polaca de 1937 que perpetuou até 1945 onde Getúlio Vargas e o Governo Central implementaram modelo autoritário e estabeleceram a intervenção da União em praticamente todos os Estados da Federação Com sua ruptura em 1946 e neste mesmo ano a promulgação de nova constituição retomase o modelo federativo republicano e democrático Considerando os anos de intensa atividade política que se seguiram na história brasileira em 1961 começase a acalorar uma propagação de pensamentos políticos que enaltecem o EstadoNação em detrimento dos EstadosMembros Isto se dá principalmente pela polarização política que acometia o mundo com um pano de fundo de Guerra Fria onde o posicionamento político de uma sociedade representada como um todo se fazia cada vez mais importante para que ficasse claro qual lado apoiaríamos em um possível confronto das duas nações polarizantes EUA e URSS Com as tentativas de nos colocarmos na cartilha dos estados nacionais no contexto de polaridades de forças mundiais que marcam a divisão do mundo após a segunda guerra Mais uma vez essa tomada de posição vai reforçar os argumentos de necessidade de um estado forte e com isso o aquecimento dos poderes da união se explica BERNARDES 2010 p 237 A justificativa de necessidade de um governo federal forte preparou terreno para o iminente regime militar em 1964 que três anos depois em 1967 instaura uma constituição que deturpa completamente os conceitos de Estado Nacional e Federalismo que entendíamos pois apesar de prever a forma Federativa de Estado consagra uma expansão da União em órbita federativa que praticamente castra a Autonomia delegada aos EstadosMembros afastando completamente o teor de liberdade que existia por trás do conceito federalista e se aproximando muito dos efeitos centralizadores que existiam nos governos autoritários com alto teor antidemocrático A mudança deste cenário autoritário para um mais democrático só aconteceria na Constituição da República de 1988 após toda sorte de crises e dificuldades de todas as naturezas principalmente sociais que vivenciou o Brasil durante a vigência da Constituição de 1967 Até agora o que podemos verificar é que a ideia por trás do conceito de Federalismo está completamente associada à liberdade política Não falo aqui apenas da liberdade em si mas da efetiva possibilidade de sua manutenção É deste último aspecto que em algum momento viabilizouse a concepção do primeiro efetivo modelo federativo pelos NorteAmericanos os EstadosMembros após conquistarem a maior condição de liberdade política existente sua soberania através de incontáveis conflitos optaram por restringila a fim de alcançar um maior benefício político que seria viabilizado pela União através da consolidação do sistema federativo É justamente a manutenção da liberdade política que sempre foi alvo de suspeição em nossa história A Constituição da República Brasileira de 1988 popularmente conhecida como Constituição Cidadã pareceu adotar uma série de medidas para que a autonomia política dos Entes federados e seus interesses políticos outrora tão desrespeitados fossem protegidos constitucionalmente reconhecendo e respeitando as respectivas peculiaridades sociais inerentes a cada Estadomembro na medida claro em que se harmonizassem com o corpo integralizado federativo que integravam O que veremos a seguir é que o papel delegado à União que representa a integralização e aliança política dos Estadosmembros na referida Constituição acabou questionando materialmente a formalidade da autonomia federativa 4 O PROTAGONISMO DA UNIÃO COMO O MODELO FEDERATIVO ATUAL TENDE A SE COMPORTAR DE MANEIRA CENTRALIZADA Algumas das cartas constitucionais que precederam a atual Constituição da República dissimularam completamente o conceito federativo brasileiro principalmente a Constituição de 1967 através da extensa intervenção federativa da União nos EstadosMembros que além de ceifar a autonomia federativa destes afastava qualquer teor democrático dentro de nosso território como dito anteriormente A partir de 1937 os órgãos governamentais centrais passaram a ocupar o espaço deixado pelo retraimento dos EstadosMembros e por isso toda tarefa nova que surgisse correspondia a um acréscimo na órbita das dilatadas atribuições do Governo Central Esse processo acumulativo agigantou a administração governamental central contribuindo para manter vivo contraste entre as dimensões da primeira e a modesta inferioridade das administrações estaduais HORTA 1957 p 72 Com isso Constituição da República de 1988 inovou em sua técnica de repartição de competências entre os entes federados Coube ao constituinte ter a devida diligência para tratar as cicatrizes políticas deixadas pelas Constituições anteriores A manobra que foi adotada consistiu em enumerar as competências da União e dos Municípios restando aos EstadosMembros as competências Remanescentes divergindo dos antigos modelos federativos que consagravam apenas União e Estados Membros com Entes federados Além disso as hipóteses de intervenção da União nos Estadosmembros foram absolutamente restringidas pelo constituinte à um rol enxuto e taxativo de possibilidades O princípio geral que norteia a repartição de competência entre as entidades componentes do Estado federal é o da predominância do interesse segundo o qual à União caberão aquelas matérias e questões de predominante interesse geral nacional ao passo que aos Estados tocarão as matérias e assuntos de predominante interesse regional e aos Municípios concernem os assuntos de interesse local SILVA 2010 p 478 Art 34 a união não intervirá nos estados nem no distrito federal exceto para i manter a integridade nacional ii repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da federação em outra iii pôr termo a grave comprometimento da ordem pública iv garantir o livre exercício de qualquer dos poderes nas unidades da federação v reorganizar as finanças da unidade da federação que a suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos salvo motivo de força maior b deixar de entregar aos municípios receitas tributárias fixadas nesta constituição dentro dos prazos estabelecidos em lei vi prover a execução de lei federal ordem ou decisão judicial vii assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais a forma republicana sistema representativo e regime democrático b direitos da pessoa humana c autonomia municipal d prestação de contas da administração pública direta e indireta e aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais compreendida a proveniente de transferências na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde BRASIL 2017 No entanto nos artigos constitucionais que versam sobre as competências dos entes federados percebese que o constituinte deu uma abrangência funcional enorme à união se comparada com os outros entes Isso se verifica no art 21 Da cf que traz um rol taxativo das competências que são exclusivas da união em seus vinte e cinco incisos consagrandose inclusive no inciso IX o princípio consagrador do federalismo cooperativo em nossa constituição IX Elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social BRASIL 2017 No entanto não existe dúvidas que também foi arrolado à união matérias que apesar de possuírem algum teor de interesse nacional também se interceptam nelas interesses regionais eou locais Tanto que o art 22 da cf que fala das competências privativas da união estabelece em seu parágrafo único Parágrafo único Lei complementar poderá autorizar os estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo BRASIL 2017 Em uma leitura crítica percebese como até mesmo o constituinte estabeleceu válvulas que viabilizam o redirecionamento de competências e funções da união aos demais entes federados Entendo que isso se dá pelo fato de reconhecer o constituinte que esse exagerado poder atribuído à união resultaria em alguma ou completa disfunção prática do próprio sistema federativo A autonomia da competência reservada aos estadosmembros e aos municípios fica inclusive subordinada a determinações da união na medida em que só conseguirão efetivar plenamente os atos que atendam demanda de interesse regional ou local se normas gerais estabelecidas pela união não tiverem sido determinadas pois se for este o caso caberão aos demais entes apenas complementar essas normas Concluise este fato a partir da leitura dos dispositivos elencados no art 23 e 24 da cf que tratam respectivamente da competência comum e da competência concorrente entre união estadosmembros distrito federal e municípios Art 23 único leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a união e os estados o distrito federal e os municípios Art 24 1º no âmbito da legislação concorrente a competência da união limitarseá a estabelecer normas gerais Art 24 2º a competência da união para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos estados Art 24 3º inexistindo lei federal sobre normas gerais os estados exercerão competência legislativa plena brasil 2017 Assim a atuação tanto dos estadosmembros quanto dos municípios assume completo papel coadjuvante dentro do cenário federativo visto que o protagonismo das diretrizes funcionais recai sobre a união que verificando conflito de tema que possua relevância nacional opondose a pertinências regionais e ou locais tem o poder de sobrepujar seus interesses perante os outros O problema reside justamente no conceito de interesses que é adotado na prática O que se verifica é que o critério definidor para a repartição de poderes entre os entes federativos não foi deliberado entre estes mas sim presumidos pelo constituinte que por sua vez dilatou completamente o interesse nacional justificando o proporcional aumento de competências da união perante os outros entes federados Neste diapasão os entes federativos nunca deliberaram entre si a valoração política daquilo que deveria ou não pautarse a sua autonomia mas tiveram prescritos a si a dosagem dessas competências pelo constituinte Assim mostramos como a manutenção da liberdade política mais uma vez não foi devidamente recepcionada em mais um de nossos modelos federativos Inflando ainda mais o poder da união sobre os demais entes federados ainda temos os poderes implícitos implied powers teremos definido que das competências constitucionalmente explícitas podemse deduzir poderes implícitos implied powers que na verdade são competências novas necessárias para a realização das competências já atribuídas Desse modo definese que a união possui poderes além dos expressamente definidos constitucionalmente BERNARDES 2010 p 195 Com isso fica muito mais fácil para a união constituir estes poderes implícitos para consecução e efetivação de suas competências visto que as normas que estabelecer dentro da hierarquia normativa vincularão diretamente o comportamento das demais normas estabelecidas pelos entesfederados naquilo que compreende sua competência exclusiva ou poderão estabelecer as normas gerais dentro da possibilidade da competência concorrente Segundo entendimento dos art 21 a 24 da cf88 No entanto o caminho inverso não é possível os poderes implícitos dos estados membros e dos municípios falamos dos que irão conseguir para satisfação do interesse regional e local respectivamente deverão e só poderão se concretizar caso sejam obedecidos os obstáculos estabelecidos pelas diretrizes da união que se fundam na supremacia do interesse nacional a autonomia dos estadosmembros e municípios é mais uma vez sacrificada em detrimento da união Portanto os poderes da união enumerados e implícitos para se efetivarem dependem apenas de sua própria atuação dentro da esfera federativa e dos poderes públicos que agem de maneira direta sob ela expandindo sua soberania para órbitas tão largas que torna a autonomia dos outros entes federados praticamente desprovida de significado Caberá aos estadosmembros e municípios exercer sua autonomia dentro da pequena fenda de livre manutenção política que é deixada após o alastramento funcionalnormativo da união A efetividade dos poderes implícitos regionais e locais irá se sujeitar completamente às determinações da esfera federativa superior que na maioria das vezes não é capaz de tutelar em tempo hábil as demandas para o exercício legal dos direitos e resoluções de conflitos que dali emanam Podese incluir essa assimilação federal da máquina administrativa unitária entre as causas determinantes da atual hipertrofia da administração federal Horta 1957 p 73 Aparentemente no federalismo brasileiro a união não é uma reflexão dos interesses dos estadosmembros e municípios mas estes sim são um reflexo do interesse daquela 5 CONCLUSÕES O princípio norteador do federalismo cooperativo que gira em torno de um ponto de equilíbrio entre uma maior intervenção da União nos Entes federados a fim de provocar seu paritário desenvolvimento e integração e o respeito à liberdade política social e econômica que dentre outros fatores caracterizam a autonomia dos governos descentralizados acaba por se tornar maculado em nossa Constituição Na prática o que se verifica é que os poderes que emanam do Governo Central ferem em muitas hipóteses a autonomia dos EntesFederados e inflam completamente a competência e soberania da União perante eles A autonomia que é destinada aos EstadosMembros e Municípios dentro de nossa técnica constitucional de repartição de competências faz com que nos casos concretos essa liberdade federativa tenha um caráter coadjuvante e quase nada independente tornandose assim uma espécie de AUTONOMIA SUPLEMENTAR por parte dos entes federados quando comparados à função desempenhada pela União A ideia de Federalismo que como mostrado desde de sua primeira adoção já apresentava sinais de vícios políticos e destoante realidade daquela a qual se inspirou para existir Norte Americana parece hoje depois de tudo não ter se distanciado tanto do comportamento do modelo centralizador que existia antes de sua adoção em 1891 Em tópicos que não são foco deste artigo existem ainda outros motivos que colocam em cheque o comportamento federativo de nosso Estado principalmente no que se refere à política fiscal tarifária e econômica da União para com os Estados Membros e Municípios Portanto nossa previsão constitucional como Federação e a adoção de um modelo Federalista Cooperativo assim entendido por vários doutrinadores consagrados me parece mera formalidade uma maquiagem para um modelo de estado que consagra forma de governo centralizadora A denominação é utilizada como forma de justificativa para uma hipertrofia das competências funcionais e soberania política de uma assim chamada União às custas do exercício pelos Entesfederados de uma Autonomia que desde seu começo nunca se qualificou materialmente como tal mas desde sempre teve essa qualidade nominada REFERÊNCIAS DA SILVA José Afonso Curso de direito constitucional positivo Ed 32 Apostila Livredocência São Paulo SP Malheiras Editores Ltda 2009 HORTA Raul Machado Problemas do federalismo brasileiro Belo Horizonte Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais 1957 MADISSON James HAMILTON Alexander JAY John O Federalista traduzido para português antigo Biblioteca da Câmara dos Deputados Tomo primeiro Vol 1 Rio de Janeiro Typ Imp e Const De J Villeneuve e Comp 1840 Disponível em httpbdcamaragovbrbdhandlebdcamara17661 Acesso em 27 nov 2017 BERNARDES Wilba Lúcia Maia Federação e Federalismo uma análise com base na superação do Estado Nacional e no contexto do Estado Democrático de Direito Belo Horizonte Del Rey 2010 304 p BARACHO José Alfredo Oliveira Teoria Geral do Federalismo Belo Horizonte FUMARC UCMG 1982 LORENA Torquato Jardim Aspectos do federalismo norteamericano Revista de informação legislativa v 21 n 82 p 5382 abrjun 1984 CAPÍTULO 05 MACROBLOCOS DE PODER UMA ANÁLISE SOBRE A UNIÃO EUROPEIA E O MERCOSUL A PARTIR DE HABERMAS Felipe Diógenes Antunes de Paula Cândido 71 1 INTRODUÇÃO O fenômeno da globalização acarretou diversas consequências para os mais vastos campos do saber e no âmbito jurídico não foi diferente É com o intuito de analisar as consequências da formação de Macroblocos de Poder em decorrência da globalização e sua relação com a Federação e o Federalismo que engajouse a esta pesquisa Tal tema é de grande relevância prática e jurídica eis que tais arranjos de poder alcançam a cada dia maior amplitude e influência Para corroborar a pertinência da temática podese observar o que discorreu de forma clara e precisa Wilba Bernardes em seu livro Federação e Federalismo o fenômeno da globalização incita novos jogos territoriais de poder daí a necessária redefinição dos pactos federais não só nos países em desenvolvimento como também nos países desenvolvidos que se viram diante de um processo constituído na base de contrastes a formação de macroblocos e microblocos de poder alterando a tradicional definição de fronteiras O caso da estruturação de supraredes de poder formando uma espécie imaginária de aldeia global pode ser exemplificado com a formalização da União Europeia e ainda suas possíveis sementes embrionárias como o Nafta e Mercosul BERNARDES 2010 p 28 É neste contexto em que se insere esta pesquisa com o intuito de analisar estas supraredes de poder em especial a União Europeia e o Mercosul buscando averiguar o enquadramento de suas estruturas em um sistema federativo confederativo ou noutro tipo de sistema político Para isto valeuse de grandes e renomados autores das ciências políticas e jurídicas a fim de repisar sobre os apontamentos já existentes para uma contribuição eficaz com o mundo da pesquisa 71 Graduando em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 2 BREVE APANHADO CONCEITUAL FEDERAÇÃO E FEDERALISMO Antes de mais nada é necessário tecer comentários a respeito da acepção dos vocábulos Federalismo e Federação Por se tratarem de palavras utilizadas em vários lugares mundo à fora possuem grande gama de definições por parte de estudiosos das ciências política e jurídica Há também uma dificuldade em se fazer a distinção entre as duas palavras e o significado semântico das mesmas o que faz com que muitas vezes sejam utilizadas como sinônimos quando não o são Importante salientar que apesar de tão variadas definições não há que se dizer que um ou outro posicionamento esteja certo ou errado mas apenas que tais palavras são de difícil apreensão de um conteúdo único e uniforme Esclarecido isto o que se busca não é fixar um invariável conceito para tais palavras mas sim a construção de um terreno sólido para se pisar Ambas as palavras têm sua origem do latim foederatio de foedus que quer dizer liga tratado ou aliança relacionado a fides significando fé confiança Para elucidar vale citar os ensinamentos da Professora Wilba Bernardes 2010 eis que demonstra didaticamente o significado de ambas as palavras assim definindo os termos Federação e Federalismo em sua obra temos que a expressão federação estaria vinculada à estrutura normativa constitucional e o termo federalismo ligado a um modo de ver e de viver na sociedade Na federação teríamos as estruturas federais ou os arranjos federais que permitem a divisão territorial do poder incluindo aí seus aspectos políticos jurídicos e econômicos ou seja aspectos institucionais que ao organizar o Estado permitem a distribuição espacialterritorial efetiva do poder No federalismo estaríamos mais próximos de um tipo de comportamento atitude ou vocação federal identificando princípios que são comungados em determinada sociedade baseados na ideia de diversidade na unidade BERNARDES 2010 p 32 Com base nestes apontamentos verificase que o termo Federação se vincula ao regime político adotado por determinado Estado enquanto o termo Federalismo tem relação com uma forma de enxergar a sociedade através de uma concepção de diversidade na unidade 3 OS MACROBLOCOS DE PODER O que é conhecido como Macroblocos de Poder é a união de dois ou mais Estados em um mesmo objetivo tendo os Estados membros aberto mão de parte de sua soberania em prol do benefício mútuo de ambos os participantes Há uma distinção teleológica no que diz respeito ao surgimento destes arranjos de poder O primeiro tipo de agrupamento se deu com a finalidade de dominação Estados que tinham poder bélico e estratégias de guerra melhores dominavam sobre os outros englobando seu território e trazendo a existência os blocos de poder Assim é que no passado as uniões entre Estados diversos estavam regidas basicamente pelo poder de uma nação de dominar as demais Tratavase pois de elo extremamente frágil para a construção de qualquer bloco de Estado de caráter continental ou regional Era este basicamente o sistema soviético de união de Estados Seu desmoronamento em época recente bem demonstra a precariedade de uniões dessa índole que apenas buscavam assegurar e demonstrar supremacia bélica em relação às demais nações TAVARES 2017 p 813 Conforme visto a união dos Estados baseada na subordinação entre eles demonstrouse insuficiente para assegurar a durabilidade e continuidade dos movimentos de aglomeração A união entre Estados também se deu através do vínculo religioso Países com mesma religião já se uniram através deste tipo de ligação Nesta toada ensina ainda Tavares Outra forma de alcançar uniões estatais poderia ser obtida a partir do elemento religioso Diversos esforços empreendidos nesse sentido principalmente pela religião cristã jamais alcançaram êxito A união de Estados árabes com a criação de uma República Árabe Unida baseada em suas leis religiosas comuns também falhou TAVARES 2017 p 813 Esta forma de união dos Estados também não conseguiu mantêlos vinculados por muito tempo Vale ainda ressaltar que os problemas de ordem mundial influenciaram no ajuntamento das nações o que se materializou através de regras de controle que visam proteger as nações como um todo a fim de não ficarem ao alvedrio de países com poder bélico capaz de destruir outros por completo Assim a segunda guerra mundial incentivou a união das nações em prol de um poder de influência supranacional apto a proteger a comunidade global Entretanto a criação de um poder mundial também deve ser pensada com cuidado visto que um poder universal e soberano sobre todos pode cometer injustiças devido à falta de mecanismos de controle hábeis a freálo Apesar da união através do vínculo de subordinação ou religioso terem se demonstrado frágeis há outra forma de união mais atual e duradoura A união dos Estados por motivos econômicos tem se demonstrado mais sólida e eficaz para a manutenção do vínculo ao longo do tempo Sobre a consistência da união com finalidade econômica assim corrobora o entendimento abaixo Ocorre que o fenômeno econômico tornou viável o agrupamento de Estados que já agora contam com um objetivo comum verdadeiro propulsor dos avanços neste campo Assim é que a crescente inviabilidade econômica de os Estados menores sobreviverem no mundo torna os fenômenos de integração uma realidade desejável e possível O fator econômico guia essa transformação tornandoa juridicamente factível TAVARES 2017 p 814 Desta forma este terceiro tipo de união pelo viés econômico tem mostrado que a combinação entre os estados é necessária para a expansão do mercado dos mesmos podendo trazer benefício mútuo para os participantes destes arranjos de poder Neste cenário é que surgem blocos como a União Europeia o Nafta e o Mercosul a fim de viabilizar uma integração econômica se tornando uma alternativa aos estados A união dos estados com o viés econômico tem demonstrado poder suficiente para desfazer o paradigma do excesso de proteção de fronteiras contribuindo assim para a formação de novos arranjos territoriais Assim assevera Habermas No passado o Estado nacional guardou de forma quase neurótica suas fronteiras territoriais e sociais Hoje em dia processos supranacionais irrefreáveis malogram esses controles em diversos pontos HABERMAS 2002 p 138 Para ele a soberania externa dos Estados seja qual for sua fundamentação tornouse hoje em dia aliás um anacronismo HABERMAS 2002 p172 Desta maneira aparecem os Macroblocos de Poder como uma tendência ocasionando uma mudança de paradigma quanto a necessidade e a possibilidade de os estados nacionais guardarem suas fronteiras É com essa informação em mente que Habermas cita que não há qualquer alternativa a isso a não ser que se pague o preço normativamente insuportável de purificações étnicas HABERMAS 2002 p134 e pelo o que se sabe das experiências nazistas tratase de um preço que o mundo não está disposto a pagar novamente A ideia de uma economia mundial ou desnacionalização da economia tem mitigado as possibilidades de um estado nacional fechado e produzido uma necessidade de integração econômica cada vez maior e impossível de ser freada por meios políticos Para Ilivitzky 2011 os Macroblocos de Poder se apresentam como fenômenos de integração regional como se vê Intefración regional vários Estados vecinos asociándose entre sí Se ve los casos del Mercado Común del Sur MERCOSUR el Tratado de Livre Comercio da América del Norte NAFTA la Asociación de Naciones del Sudeste Asiático ASEAN y como caso paradigmático la Unión Europea UE ILIVITZKY 2011 p 37 Estes blocos de poder têm se apresentado como uma alternativa à incapacidade política de manter a atuação eficaz em níveis nacionais A União Europeia destacase como exemplo prático do que aqui se considera Macroblocos de Poder 4 UNIÃO EUROPEIA UMA ANÁLISE DE SUA CONJUNTURA POLÍTICA A União Europeia tratase do maior exemplo de Macroblocos de Poder Sua origem é fundamentada em interesses econômicos Tem suas raízes no Benelux um bloco criado no período da segunda guerra mundial com o objetivo de construir entre os países que o constituíam um mercado único facilitando principalmente a circulação de bens Outros entendem que as raízes da União Europeia estão na Comunidade Europeia do Carvão e do Aço CECA e na Comunidade Econômica Europeia CEE formadas em 1957 É importante ainda salientar que a criação do Euro foi um passo importante em direção ao crescimento do bloco o que se deu em 1991 e em 1 de novembro de 1993 surgiu de fato a União Europeia As experiências com o Estado do bemestar social na Europa e os resultados obtidos criaram certa resistência a modelos alternativos entretanto a aplicabilidade deste sistema demonstrouse inviável em tempos globais sendo necessária a adoção de outras soluções que possibilitassem resultados eficazes Os caminhos que se abrem no que diz respeito a reação dos Estados nacionais frente a globalização de forma aparente são três A formação de uma comunidade mundial que ao menos nos tempos atuais parece carecer de viabilidade a manutenção do sistema de estado moderno embora não apresente mais resultados satisfatórios e uma alternativa que se apresenta como uma ponderação entre as duas anteriores e nesse contexto se insere a teoria da Constelação PósNacional de Habermas Este é o posicionamento de Ilivitzky Esteban em relação a teoria Habermasiana como se vê tendientes a la instauración de uma figura que medie como tertium um la anárquica escena global es posible señalar el proyecto propuesto por Junger Gabermans 2009107126 consistente em uma asociación que incluya la participación equiparada de los Estados e y de los ciudadanos ILIVITZKY 2011 p 45 Da perspectiva de uma economia global algumas das competências dos Estados nacionais têm fugido de seu controle eis que a internacionalização da economia prejudica o controle estatal conforme ensina Ilivitzky em seu artigo Habermas y la constelación ponacional A partir de una multiplicidad de escenarios que van desde la cooperación interestatal que ubica a los estados en pie de igualdad entre sí hasta la supraestatalidad que implica la existencia de una conformación que al menos de iure tenga capacidad de emitir disposiciones normativas hacia las unidades que la conformen la globalización ha permitido y fomentado una nueva serie de configuraciones políticas que hacen que sea factible ver al Estado siendo desbordado por procesos que escapan a su control y dominio inmediato ILIVITZKY 2011 p 36 A incapacidade dos Estados de responderem as obrigações nacionais ou internacionais representam a ausência de força dos mesmos ante a globalização a não ser que aprendam a lidar de forma eficiente com o fenômeno de abrandamento de fronteiras Quanto às organizações internacionais o que parece é que em tempos de tecnologias de comunicação instantânea transportes rápidoseficazes e armamentos com capacidade de destruição mundial é necessário que assumam seu papel na coordenação das nações o que gera o que Ilivitzky 2011 denomina de sistema supra estatal descentralizado que a cada dia cresce Para Habermas só poderemos enfrentar de modo razoável os desafios da globalização se conseguirmos desenvolver na sociedade novas formas de auto condução democrática dentro da constelação pós nacional HABERMAS 2001 p112 Sabese que uma das características do Estado nacional de acordo com a doutrina quase que invariavelmente contempla a existência de um povo um território e de soberania como abaixo se demonstra a partir da perspectiva de Habermas Segundo a compreensão moderna Estado é um conceito definido juridicamente do ponto de vista objetivo referese a um poder estatal soberano tanto interna quanto externamente quanto ao espaço referese a uma área claramente delimitada o território do Estado e socialmente refere se ao conjunto de seus integrantes o povo do estado HABERMAS 2002 p 123124 Todos estes pilares da noção moderna de Estado são atacados de alguma maneira pela formação de níveis supranacionais de poder A soberania externa é quase que extinta o que causa um grande desconforto já que de acordo com a concepção moderna de Estado pelas palavras de Habermas só é soberano o Estado que pode manter a calma e a ordem interior e defender efetivamente suas fronteiras externas HABERMAS 2002 p134 enquanto o elemento povo e o território são drasticamente alterados exigindose uma mudança de perspectiva considerável Sobre este período que parece ser de transição Ilivitzky 2011 constata alguns fatos relevantes em relação ao processo de transnacionalização O autor levanta argumentos importantes como notase Igualmente ello no obliga a sostener una visión fundamentalista o que reniegue de la coexistencia entre los antiguos estados nacionales y globalización Ferrer 2004312 sino a visualizar una situación inédita caracterizada por a estados imposibilitados de responder a las obrigaciones nacionales u translacionales b organismos internacionales que si bien nominalmente deberían ocupar su lugar no cuentan con el poder fáctico para hacerlo y c un sistema supraestatal descentralizado y caótico Portinaro 20039 cuya definición bjo el término globalización implica una resmantización continua de acuerdo con la fuente interpretativa utilizada Ball 2002105 ILIVITZKY 2011 p 3637 Para compreender o atual estado da União Europeia é preciso ter em mente que conceitos fixos não são capazes de abranger situações novas que vão em desacordo com o sistema vigente A necessidade de uma adequação para o fim didático pode trazer percas conceituais substancialmente consideráveis Habermas 2002 diagnostica de forma clara a atual situação da União Europeia identificando uma contradição existente como percebese em sua obra Sob pontos de vista relativos à política constitucional a situação atual da União Europeia Européia está marcada por uma contradição Por um lado a EU é uma organização supranacional sem constituição própria fundada sobre contratos do direito público internacional Em tal medida ela não é um Estado no sentido do Estado constitucional moderno amparado sobre o monopólio do poder soberano tanto interna quanto externamente Por outro lado os órgãos da comunidade criam um direito europeu que vincula os Estados membros E em tal medida a EU exerce direito de soberania que até então estava reservado ao Estado em sentido estrito HABERMAS 2002 p 177 Importante ressaltar que o que distingue uma Federação de uma Confederação é basicamente se o vínculo se dá através de um documento que os une como uma constituição e neste caso se caracteriza uma Federação ou se essa união se dá através de tratados internacionais caracterizando assim uma Confederação Na confederação cada Estado integrante da união mantém íntegra sua soberania Dessa forma não há como pensar numa Constituição como o documento supremo da confederação Os Estados neste modelo organizam se em torno de tratados celebrados entre as partes envolvidas numa espécie de cooperação TAVARES 2017 p 815 Apesar de não ter uma constituição unindo os países membros da União Europeia há características do bloco que demonstram que o mesmo não se trata apenas de uma Confederação como é visto Um grande passo já foi dado para ultrapassar a mera união confederativa uma vez que a exigência de unanimidade para a tomada das decisões foi em muitas matérias substituída pela necessidade de simples maio ria qualificada Isso representa um avanço significativo pois o poder de veto que cada um dos Estados possuía fica eliminado em prol de um sistema mais federativo do que confederativo TAVARES 2017 p 816817 O autor Laqueur diagnostica que a origem de muitos dos problemas da região está na resistência dos membros da União Europeia em rumar para a integração completa LAQUEUR 2012 p15 evitando o que poderia se chamar de Estados Unidos da Europa Em uma análise de uma sentença do Tribunal Federal Constitucional da Alemanha Habermas 2002 extrai que o Acordo de Maastricht não cria um Estado federativo europeu e que a união dos Estados deverá ser resultado exclusivamente das autorizações dadas por Estados que continuam sendo soberanos Neste sentido a União deve respeitar a soberania dos estadosmembros Uma das dificuldades de afirmação da teoria Habermasiana diz respeito ao vínculo necessário a subsistência de qualquer modelo de Estado qual seja um elemento que una os cidadãos afetados pelas consequências do agir estatal O Estado nacional encontra sempre tal elemento em seu povo e este o fundamenta e respalda em suas decisões através do direito de voto Quando se busca este elemento em um âmbito supraestatal as diferenças étnicoculturais podem inviabilizar uma união legítima e democrática Habermas 2002 não enxerga nesta situação um problema intransponível e acredita que uma integração social através da cidadania democrática possa ser o bastante para sustentar níveis supranacionais de poder como se vê em seu pensamento A cidadania democrática no sentido de citizenship gera uma solidariedade entre estranhos relativamente abstrata ou em todo caso juridicamente mediada e essa forma de integração social que desponta inicialmente com o Estado nacional realizase sob a forma de um contexto comunicacional que se estende até a socialização política Esse contexto certamente depende do cumprimento de exigências funcionais importantes e que não podem ser simplesmente criadas por meios administrativos A isso também pertencem condições sob as quais se pode constituir e reproduzir comunicativamente uma autocompreensão éticopolítica dos cidadãos mas de modo algum uma identidade coletiva independente do processo democrático e portanto dada de antemão O que une uma nação constituída de cidadãos diferentemente da nação constituída por um mesmo povo não é um substrato preexistente mas sim um contexto intersubjetivamente partilhado de entendimento possíveis HABERMAS 2002 p 181 O que em muito se acredita é que o princípio democrático seria esvaziado de um modo insuportável se o exercício das competências do Estado não pudesse ser vinculado a um povo relativamente homogêneo HABERMAS 2002 Por esta razão o autor combate o conceito concretista de povo visto que para ele trata apenas de simular homogeneidade onde nada há senão coisas heterogêneas HABERMAS 2002 p183 Através das palavras do escritor notase que a compreensão éticopolítica é essencial e possível aos cidadãos europeus visto que o contexto histórico das duas guerras mundiais demonstrou que precisam superar tipos de mentalidade nos quais se enraízam os mecanismos nacionalistas de exclusão HABERMAS 2002 p174 A partir daí poderia nascer a consciência de pertença políticocultural provocando assim um adensamento das comunicações e um entrelaçamento de interesses através de um ensinar histórico Assim ele busca desvincular a ideia de viabilidade de uma união a preexistência de um povo homogêneo Outro entrave à teoria Habermasiana da Constelação PósNacional são os problemas de ordem representativa As transferências de competências de níveis nacionais para internacionais podem abrir perigosos vazios de legitimidade FERREIRA 2011 p42 Habermas 2001 identifica os problemas de legitimação em casos como o da União Europeia Porque a ideia de que uma sociedade pode agir sobre si de modo democrático só foi implementada de modo fidedigno até agora o âmbito nacional a constelação pósnacional desperta aquele alarmismo infrutífero da desorientação iluminista que observamos em nossas arenas políticas HABERMAS 2001 p 78 Para ele a participação dos partidos políticos e das organizações não governamentais tornamse primordiais para o desenvolvimento e dissolução de um nível de entendimento considerado como necessário para a existência de redes supra estatais Assim os vazios de legitimidade poderiam ser preenchidos como percebese em seu pensamento Por isso do ponto de vista normativo não poderá haver um Estado federativo europeu merecedor do nome de uma Europa democrática se não se afigurar no horizonte de uma cultura política uma opinião pública integrada em âmbito europeu uma sociedade civil com associações representativas de interesses organizações nãoestatais movimentos de cidadania etc um sistema políticopartidário concebido em face das arenas europeias em suma um contexto comunicacional que avance para além das fronteiras de opiniões públicas de inserção nacional até o momento HABERMAS 2002 p 183 Para o autor este engajamento intersetorial seria o preço a se pagar para evitar uma autonomização dos aparatos supranacionais sob pena de incorrer no fatalismo dos antigos impérios Hamanda Ferreira em uma leitura sobre a constelação pósnacional discorre que O procedimento democrático deve retirar sua legitimidade não somente e nem sequer em primeiro plano da participação e da expressão de vontade no sentido de democracia representativa mas sim do acesso universal a um processo deliberativo cuja natureza fundamente a expectativa de seus resultados racionalmente aceitáveis FERREIRA 2011 p 46 Este acesso universal a um processo deliberativo só seria possível através da teoria do discurso e com a participação de várias frentes da sociedade Não obstante as críticas os resultados alcançados pela União Europeia nas últimas décadas demonstram uma tendência de cooperação interestatal e ressaltam a pertinência do pensamento do autor alemão É esta a constatação de Ilivitzky Si este tipo de resultados se producen tras cinco décadas de compromissos firmes que permanecem más allá de los interees y preferencias de los diferentes partidos políticos que ejercen circunstancialmente el poder es de esperar que em um período de tempo mayor em el resto del mundo puedan comezar a evidenciarse efectos similares ILIVITZKY 2011 p 50 Para Habermas 2002 é necessário que as elites políticas compreendam e respeitem esta evolução mesmo que possa representar ameaça a seus desejos para que se possibilite avanços Além do mais é necessário entender que qualquer pensamento a respeito da união dos estados em federações ou confederações devem ser observadas com o respeito ao lapso temporal necessário para que apareçam os resultados Como bem ressaltou Ilivitzky El realismo si bien no es adverso a este ideário entende por su parte que su realización es mucho más paulatina y prolongada que lo que el pacifismo propone ya que cada Estado no desea dejar de lado lo que entende que son sus interesses primários Klusmeyer 2005 144 Morgenthau197991 De esta forma las dos corrientes principales del pensamento internacionalista descartan al menos momentaneamente la defensa de la federación interestatal por la imposibilidad de concretarse em el corto plazo ILIVITZKY 2011 p 49 A partir dos resultados alcançados pela União Europeia outros blocos têm se espelhado O Mercosul é um desses embriões de menor porte constituído por países da América do Sul 5 MERCOSUL E SUA CONJUNTURA POLÍTICA Como é visto no site do Mercosul este tem origem mais recente que a União Europeia e tratase também de uma vinculação entre Estados nacionais autônomos com supedâneo em um viés econômico sem abrirem mão do status de Estados nacionais soberanos O objetivo é a integração dos países membros através da livre circulação de bens e serviços Entre os objetivos do bloco também está a viabilização do intercâmbio entre os países membros Sua origem se deu em 1991 com a assinatura do Tratado de Assunção por países da América do Sul entretanto suas raízes remontam ao final da segunda guerra mundial onde os países da América Latina buscaram sua industrialização através de um tratado econômico O Mercosul tem seu embrião na Associação Latino Americana de Livre Comércio ALAC que foi criada em 1960 e trazia facilitações alfandegárias para seus paísesmembros O bloco foi impulsionado pelo período pósguerra fria onde o momento propício a iniciativas de âmbito supranacional permitia esperar uma nova era O principal objetivo do bloco é o mútuo desenvolvimento econômico dos países membros através do livre comércio Em relação a União Europeia o Mercosul apresentase em caráter ainda incipiente e por esta razão os problemas apresentados também são de menores proporções A Constituição Federal do Brasil 1988 um dos países membros do Mercosul prevê como princípios que regem as relações internacionais entre outros a independência nacional e a igualdade entre os estados o que demonstra claramente o respeito à soberania nacional dos países Entretanto a constituição prevê a cooperação entre os povos da América Latina o que demonstra que o intuiu de estabelecer uniões entre países sempre resguardando sua soberania Vale mencionar por fim que o parágrafo único do artigo 4o da Constituição dispõe que a República Federativa do Brasil buscará a integracão economica política social e cultural dos povos da América Latina visando a formacão de uma comunidade latinoamericana de nações Para concretização deste objetivo o Brasil celebrou com a Argentina o Paraguai e o Uruguai o Tratado de Assuncão assinado no dia 26 de marco de 1991 que instituiu o denominado Mercado Co mum do Sul popularmente conhecido como MERCOSUL DANTAS 2015 p 75 Em 2005 foi criado o parlamento do Mercosul denominado Parlasul que tem funções deliberativas e de recomendação aos demais órgãos do bloco Em 2010 foi aprovado o Estatuto de Cidadania do Mercosul com o objetivo de efetivar direitos comuns aos cidadãos dos estados membros Não obstante aos esforços os resultados alcançados são considerados incipientes sendo demasiadamente forçoso mencionar a possibilidade de uma união federativa com a elaboração de uma constituição para os membros do bloco Se comparado a União Europeia os problemas de ausência de legitimação e de uma solidariedade cosmopolítica que possibilitem a existência do bloco são mais latentes todavia as competências atribuídas ao poder central são menores o que acaba por amenizar estes problemas No caso de expansão do Mercosul as soluções adequadas devem ser buscadas e assim o exemplo da União Europeia é extremamente valioso 6 DISPOSIÇÕES FINAIS Os arranjos supranacionais de poder se apresentam como uma tendência que deve ser mantida e espelhada por todos os estados que pretendem um desenvolvimento econômico e social ante as incapacidades políticas nacionais O contexto político mundial parece empurrar as nações para a união de interesses com o objetivo de mútuo crescimento Atualmente os atuais blocos mais se parecem com um sistema confederativo onde a união se dá através de tratados assinados entre os estados membros cedendo parte de sua soberania em prol do todo sem abrirem mão do status de soberanos mas a bem da verdade apesar da falta de uma constituição que os una e configure uma federação parte da organização destes arranjos como por exemplo o parlamento da União Europeia assemelhase mais a uma Federação que a uma Confederação visto que o Parlamento que por ser eleito pelo sufrágio universal em princípio representa o povo europeu poder que se exercita portanto tal como ocorre no federalismo TAVARES 2017 p816 Com isso em mente tornase excessivamente difícil e perigoso sob pena de recair em demasiado simplismo enquadrar os atuais arranjos territoriais e craválos como uma Federação ou Confederação A indeterminação vem do período de transição e nem sempre é inválida Entretanto apesar da resistência dos estados ante a formação de federações o que parece acontecer é um movimento centrípeto de aglutinação mesmo que para isso demore décadas Os resultados obtidos pelos blocos demonstram uma mudança de paradigma de um excesso de proteção de fronteiras para um aglutinamento não baseado na força mas no mútuo interesse Os problemas existentes relacionados as redes supranacionais não parecem ser hábeis a frear o crescimento das mesmas visto que as soluções apresentadas e a ausência de alternativas adequadas parecem contribuir com o crescimento dessas O que se diz não é que se espera a formação de um estado mundial ou a formação imediata de federações a partir da união entre blocos e da cessão voluntária de soberania por parte de todos os seus estados membros com a finalidade de estabelecer um governo central mas sim que o caminhar político sugere a necessidade de união com o fim de sobrevivência harmônica como maneira de lidar com movimentos econômicos e sociais que aconteceram nas últimas décadas Esta se apresenta como uma tendência mas que se verdadeira não obstante as especulações intelectuais somente se verificará com o decorrer de um considerável lapso temporal REFERÊNCIAS BERNARDES Wilba Lúcia Maia Federação e Federalismo Del Rey 2010 BRASIL Constituição 1988 Constituição da República Federativa do Brasil Brasília DF Senado Federal Centro Gráfico 1988 COMO surgiu e como funciona o Mercosul Disponível em httpsnovaescolaorgbrconteudo2274comosurgiuecomofuncionao mercosul Acesso em 10 de novembro 2017 DANTAS Paulo Roberto de Figueiredo Curso de Direito Constitucional Versão Compacta São Paulo Atlas 2015 FERREIRA Hamanda Rafaela Leite Constituição Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2011 vol 3 n 4 JanJun p 4155 HABERMAS Jürgen A Constelação PósNacional Ensaios Pólíticos Tradução de Márcio SeligmannSilva São Paulo Littera Mundi 2001 HABERMAS Jürgen A Inclusão do Outro estudos de teoria política São Paulo Loyola 2002 ILIVITZKY Matías Esteban Estudios Internacionales 170 2011 ISSN 07160240 2153 Instituto de Estudios Internacionales Universidad de Chile LAQUEUR Walter 2012 O Futuro Modesto da Europa Revista Veja Edição 2 254ano 45 n 5 São Paulo Abril p 1519 Saiba mais sobre o Mercosul Disponível em httpwwwmercosulgovbrsaibamaissobreomercosul Acesso em 15 de dezembro 2017 TAVARES André Ramos Curso de Direito Constitucional São Paulo Saraiva 2017 TÍTULO SEGUNDO SOCIEDADE CONFLITO E MOVIMENTOS SOCIAIS JUSTIÇA SOCIAL E OS FUNDAMENTOS ÉTICOPOLÍTICOS DA AUTORIDADE POLÍTICA Professor Supervisor do Grupo de Pesquisa Prof Dr Dimas Ferreira Lopes CAPÍTULO 01 A ATUAÇÃO DE GRUPOS ECONÔMICOS NA REFORMA AGRÁRIA DISCUTIDA NA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE DE 1987 Bárbara dos Santos Choucair72 Laura Elísia Carvalho Cardoso 73 É uma cova grande pra tua carne pouca Mas a terra dada não se abre a boca É a conta menor que tiraste em vida É a parte que te cabe deste latifúndio É a terra que querias ver dividida Estarás mais ancho que estavas no mundo Mas a terra dada não se abre a boca Chico Buarque Funeral de um Lavrador 1 INTRODUÇÃO No período de 31 de março de 1964 até 15 de janeiro de 1985 o poder político no Brasil esteve ineludivelmente sob a regência das Forças Armadas mercê de um golpe civilmilitar articulado com a bandeira nacionalista anticomunista cujo termo final se deu com a reunião do Colégio Eleitoral em 15011985 quando foram eleitos de maneira indireta e para um mandato de seis anos os civis Tancredo de Almeida Neves e José Sarney de Araújo Costa respectivamente presidente e vicepresidente da República tendose em conta que a dupla de candidatos concorrentes também era civil Paulo Salim Maluf e Flávio Portela Marcílio Dizse melhor entretanto que o último ato de poder e influência militar brasileiro se encerrou em 15011985 com a eleição do Dr Tancredo Neves e não na data da posse presidencial do seu ocasional vicepresidente José Sarney assumiu a presidência em decorrência da morte de Tancredo Neves porque este Sarney assim 72Autora Graduanda em Direito pela PUC Minas Pesquisadora do Núcleo Acadêmico de Pesquisa Monitora de Filosofia do Direito Email choucairbarbaragmailcom 73Autora Graduanda em Direito pela PUC Minas Pesquisadora do Núcleo Acadêmico de Pesquisa Email leccelisia18gmailcom como os candidatos derrotados Paulo Maluf e Flávio Marcílio em que pese serem civis eram civis aduladores com escandalosa admiração e apoio ao regime militar O término do governo militar e a instalação e realização da Assembleia Constituinte 1º021987 22091988 recupera integralmente a satisfação da ordem do dia do movimento comicial civil ocorrido em 19831984 Diretas Já em cuja pauta a realização de eleições diretas esteve conexa à convocação de assembleia nacional constituinte Lidase então com um trinômio progressivo 1 a identificação do s expectador es 2 a elaboração de pauta com o registro das expectativa s do s expectador es identificados e 3 a constatação das realização ões ou frustração ões conscientes de que entre a antecedência expectante e a realização ou frustração da expectativa opera m força s com interesses na s realização ões ou frustração ões das expectativas dos expectador es definidas na consonância das pautas elaboradas de tal sorte que a frustração de um expectador implica na realização do expectador concorrente e viceversa O processo de formação da nova Constituição consumiu quase um ano e sete meses período no qual a sociedade brasileira conheceu publicações de variado teor opinativo sobre as muitas matérias em discussão no foro constituinte Para os fins deste empenho acadêmico amostral elaborado a partir de material já publicado dividimos o gênero publicação em duas espécies documentais a interna I a produção documental oficial da constituinte pelos órgãos e atores com tratamento de autoridade nos poderes executivo legislativo e judiciário II produções analíticas oficiosas mas credíveis pelas fontes referenciais acerca dos documentos oficiais da constituinte b externa toda a produção documentária de origem diversa das fontes internas produção documental contemplativa do conteúdo informacional do processo constituinte divulgadas por exemplo em revistas e jornais de acesso popular e em revistas e periódicos didáticocientíficos Podese com serenidade identificar hoje as interferências de forças operativas que se protagonizaram no processo da elaboração da Constituição promulgada em 05101988 e que passados um trintênio 2018 se mostram indiscutíveis pela incontestabilidade dos estratagemas dirigidos para a frustração ou realização das expectativas A discussão e a crítica reflexiva pela sociedade são porções do todo a democracia como sua base e como o sustentáculo que a mantém e a faz prosperar em seu mais elevado potencial Dessa forma a participação do povo não apenas no processo de elaboração de normas mas também como força capaz de propôlas modificálas ou aprimorálas é essencial e reflete uma democracia que está em processo constante de reafirmação A discussão aqui encaminhada se fez necessária diante do cenário pré e pós 22091988 haja vista as interferências de forças que afetam de forma direta o povo Para esta análise um marco teórico aristotélico se faz indispensável Perguntaram se o legislador que deseja dar as leis mais justas deve ter em vista o interesse dos melhores cidadãos ou da maioria Aqui a palavra justiça referese ao mesmo tempo ao interesse geral da cidade e ao interesse particular dos cidadãos O cidadão em geral é aquele que manda e obedece alternadamente mas existe uma diferença conforme a natureza da constituição na melhor de todas é aquele que pode e quer ao mesmo tempo mandar e obedecer conformando a sua vida às regras da virtude ARISTÓTELES 2002 p 119 Dessa forma nossa intenção é transparecer os efeitos surtidos na ordem políticojurídico na elaboração da Constituição de 1988 no objeto específico da reforma agrária e fazêlo a partir da influência de grupos econômicos detentores de poder tomandose como estrutura investigativa as literaturas de Aristóteles e Habermas buscandose compreender como se dá a relação de trocas entre a sociedade e os poderes constituídos supostamente a base da representação cidadã Afinal de contas o Estado almeja a democratização do poder ou apenas atender a interesses da ordem privada economicamente poderosa CARVALHO 2001 p 226 246 2 O CONTEXTO DITATORIAL E A INFLUÊNCIA DE CORPORAÇÕES PRIVADAS INTERNAS E EXTERNAS O contexto ditatorial em análise são os governos Castelo Branco 19641967 Costa e Silva 19671969 Garrastazu Médici 1969 1974 Ernesto Geisel 1974 1979 João Figueiredo 19791985 Desde 1983 até 1988 o Brasil vivenciou um período de reconhecimento de anseios reformistas legítimos da sua ordem políticojurídico depois de sua repressão por trinta anos de ditadura nos quais mostrouse evidente a influência de corporações privadas internas e externas As atuações empresariais junto aos órgãos formuladores da política externa brasileira não deixaram de se fazer presentes desde o golpe de 1964 Williams Gonçalves e Shiguenoli Miyamoto mostram como a geopolítica da ESG Escola Superior de Guerra teve grande influência sobre as relações exteriores do país no período Castelo Branco com grande ingerência de militares e do Conselho de Segurança Nacion al sobre as políticas do Ministério de Relações Exteriores Porém frustrada aquela política de alinhamento aos Estados Unidos e todos os benefícios que ela supostamente poderia trazer já no meio do primeiro governo da ditadura alguns elementos da Política Externa Independente foram readmitidos como a busca de parceria comercial no mundo socialista Com o governo Costa e Silva a burguesia internacional e associada que tivera grande peso no período Castelo Branco inclusive sobre a política externa perdeu espaço abrindo margem para uma reorientação da política externa com maior espaço para a diplomacia e o empresariado doméstico na condução da política exterior do país GONÇALVES MIYAMOTO 1993 p 211246 Estendendo a análise ao governo militar seguinte Garrastazu Médici a preocupação era a recuperação interna com a elaboração de um grande plano de desenvolvimento nacional do qual eram metas a redução da inflação e o incentivo ao setor privado revendo a perspectiva de um modelo exportador Dessa forma vencida a restrição representada pela recessão aberta do início de 1967 e liberada das pressões de interesses contraditórios afloradas durante a fase liberal de 196768 a política econômica retorna ao objetivo central colocado pelo regime desde a sua implantação MACARINI 2000 p 16 Em contrapartida no governo Ernesto Geisel o foco esteve voltado para a política externa com o reatamento dos laços econômicos e políticos com a República Popular da China por exemplo Com efeito o Brasil passava a buscar investimentos externos a fim de obter empréstimos para o financiamento de projeto e ações No governo João Figueiredo a abertura econômica esteve pautada pelo universalismo política necessária diante do grave quadro de crise mundial Segundo registros de Túlio Sérgio Henriques Ferreira o Brasil passou a buscar o diálogo inclusive com países da Europa Oriental ampliando seu grau de atuação no comércio externo visando adquirir maior visibilidade e assim conseguir superar o grave cenário econômico Foi produzido discurso diplomático que reivindicou a democratização do quadro institucional internacional para reverter o fechamento do processo decisório concentrado nas grandes potências internacionais FERREIRA 2006 p 119136 Podese pois concluir que interesses econômicos principalmente internacionais estiveram muito presentes nos períodos Castelo Branco Costa e Silva Garrastazu Médici Ernesto Geisel e João Figueiredo 3 ARRANJOS ORGANIZACIONAIS INTRÍNSECOS E EXTRÍNSECOS À CONSTITUINTE À LUZ DO CORPORATIVISMO PRIVADO INTERNO E EXTERNO Uma vez esclarecido o escopo do presente artigo impõese uma breve explanação acerca de como se organizava a Assembleia Nacional Constituinte abreviadamente ANC No dia 1º de fevereiro de 1987 os membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal reuniramse unicameralmente em Assembleia Nacional Constituinte composta por 559 constituintes Em 03 de fevereiro de 1987 através da promulgação da Resolução nº 0287 publicado no DANC de 04021987 p 25 foi estabelecido o Regimento Interno instrumento que definiu o iter do procedimento de elaboração da nova Constituição ritualizando o modus desde o surgimento da proposta normativa até a aprovação em plenário O Regimento previa quatro etapas Primeira na medida em que as matérias chegassem eram autuadas e encaminhadas para um conjunto de vinte e quatro subcomissões as quais incumbia realizar o tratamento temático buscando o alinhamento racional da proposta Segunda em seguida era encaminhada à oito comissões temáticas que transformavam a matéria em anteprojeto constitucional Terceira esta etapa acontecia na Comissão de Sistematização onde o anteprojeto deixava de sêlo para se tornar um projeto de constituição Quarta finalmente o então projeto era encaminhado ao plenário da ANC submetido a dois turnos de votações e discussões para ser ou não incorporado ao corpo da constituição O contexto político democratizante ensejava muita cautela diante da situação extraordinária e tão aguardada de ruptura e recomeço em seu sentido mais amplo A possibilidade de traçar o esboço do que seria o Brasil dali para frente se concentrou nas mãos de 559 constituintes presumidamente legitimados pelo voto popular e também intelectualmente capazes de criar normas que correspondessem aos anseios da população eleitora população esta que clamava há muito por um novo alicerce constitucional democrático e cidadão Perguntase estariam eles os 559 constituintes imunes o suficiente para terem como alvo a redemocratização na qual o povo seria a primazia em detrimento da primazia desfrutada pelos grupos de interesses econômicos que buscavam benefícios próprios Segundo José Murilo de Carvalho 2001 p 207 a força do corporativismo se manifestou durante a Assembleia Nacional Constituinte de 1988 grupos economicamente poderosos procuravam defender e aumentar seus privilégios legitimandoos nas letras constitucionais em fabricação De acordo com o autor tais grupos eram formados por empresários banqueiros grandes proprietários rurais e urbanos políticos profissionais liberais e altos funcionários que mantinham vínculos importantes nos negócios no governo e no próprio Judiciário Nessa perspectiva fazse necessário citar a audiência concedida com exclusividade a Mário Amato então presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo FIESP em 08 de julho de 1987 no Palácio do Planalto Em reportagem a Folha de São Paulo primeiro de Agosto de 1987 recortava em manchete o desnudamento do objetivo do referido encontro AMATO USA O PRESTÍGIO DA FIESP PARA INFLUIR NOS TRABALHOS CONSTITUINTES revelando de forma a não haver dúvidas o empenho dedicado pelo líder industrial em alinhavar com a classe política um entendimento que anulasse a força de propostas como estabilidade no emprego e redução da jornada de trabalhoou seja anular propostas que configurassem benefícios diretos aos trabalhadores Como reflexo desse tipo de manobra vale ressaltar regulamentação da reforma agrária e o modo como se normatizou a tributação sobre a renda dos brasileiros assim como a tratativa dos juros Os dispositivos constitucionais aprovados evidenciam que na luta nos bastidores da constituinte o empresariado alcançar êxito Pertinente no particular as apurações do Conselho Executivo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento CEPNUD que em análise do aprimoramento e a consolidação das democracias aprovou o II Marco de Cooperação Regional durante o período de 20012005 a partir do qual analisou a democracia em 18 países da América Latina incluindo o Brasil Contando com a participação de cerca de 100 analistas 32 presidentes ou expresidentes mais de 200 líderes políticos ou sociais e quase 19 mil cidadãos o relatório teve como objeto identificar os grandes desafios da democracia e promover uma ampla discussão em torno deles O que chama mais atenção dentre os diversos dados disponibilizados é o quadro que expressa o resultado da apuração identificadora de quem na América Latina realmente exerce o poder a saber grupos de interesses em especial empresariais que funcionam como poderosos lobbies A conferir Fonte Programa Nacional das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD2004 p163 O resultado da pesquisa revela invariavelmente a força do corporativismo industrial na elaboração e aprovação de artigos que hoje integram a Constituição da República Federativa do Brasil artigos com evidências dessa interferência 4 DESTAQUE AO TRATAMENTO DA REFORMA AGRÁRIA NA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE 1º021987 22091988 Tratemos de um dos temas que disputou forças na Assembleia Nacional Constituinte 1º021987 22091988 a instituição da reforma agrária objeto deste esforço analítico para dimensionar a importância deste tema no contexto de redemocratização do país sobretudo para promover a redistribuição de rendas O pano de fundo dessa discussão é marcado definitivamente por muita pressão popular com a atuação de grupos sendo o de mais destaque sem dúvida o MTRST Movimento dos Trabalhadores Rurais SemTerra unidade de pessoas que realizou diversas atuações e mobilizações visando um avanço normativo na questão fundiária Em pesquisa realizada maio a dezembro de 1987 a expressiva maioria dos parlamentares constituintes era a favor de instituir a reforma agrária com exceção de dois um do PDS e outro do PMDB A pesquisa demonstrava ainda que os parlamentares eram bastante progressistas com relação a questão fundiária SENADO FEDERAL 1989 p 105128 Apesar de o tema fundiário ser tratado dessa maneira terá sido isso refletido na elaboração dos dispositivos constitucionais Ao analisar o resultado final do texto constituinte é certo que houve algum progresso pois há nele no mínimo os artigos referentes a reforma agrária Capítulo III do Título VII artigos 184 usque 191 Mas a análise de tais dispositivos e sua real aplicabilidade como foi disposta não refletiu a declaração dos constituintes tomados individualmente em sede de questionários de consultas Marinho 1992 ensina que A falta de objetividade confundindo a técnica constitucional com a lei ordinária e a do regulamento administrativo sacrifica o alcance social do texto maior p 97 Ora o que se normatizou ao final em matéria agrária foi uma norma de eficácia limitada ou seja carente de uma lei complementar hierarquia inferior para determinar as condições de aplicação e real efetividade da reforma agrária o que seria mais maleável de modificação por parte de Congresso Nacional Sabese que até o presente ano 2018 não foi editada a referida Lei complementar Sequer o conceito de função social da propriedade que iria conferir a legitimação jurídica para a reforma agrária não obteve uma definição clara pelo constituinte mantémse aquém das propostas presentes na legislação anterior ao estabelecer preceitos de forma vaga e pouco precisa no que se refere por exemplo à função social da terra à propriedade produtiva às razões e critérios para desapropriação problematizar análises e pronunciamentos que a partir da Nova Carta concluem pela total impossibilidade de execução de uma Política de Reforma Agrária MIRANDA COSTA 1990 p 20 A partir dessas constatações buscamos identificar o estratagema responsável por esse posicionamento da constituinte o fazendo com a tentativa de responder duas macro questões que grupos influenciaram essa tomada de decisões por que tal aspecto social extremamente relevante não garantiu os avanços na temática agrária Como se verifica havia uma intensa polarização entre os grupos pró e contra a reforma a agrária Os argumentos suscitados pelo grupo a favor se cingiam a função do Estado garantir a redistribuição de terra contribuindo para a justiça social Já o grupo adverso validava o esforço do empreendedor agrário detentor de um direito individual inviolável da propriedade não defendendo desapropriar aquilo que foi fruto de sua ação BUTTÒ 2009 p 30 Sabese que as instituições envolvidas nesse processo eram No lado próreforma as maiores organizações eram a Confederação dos Trabalhadores na Agricultura CONTAG e a Associação Brasileira da Reforma Agrária ABRA respectivamente fundadas em 1963 e 1969 o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MTRST de 1984 e a já mencionada Comissão Pastoral da Terra CPT que foi criada pela CNBB no ano de 1975 BUTTÒ 2009 p 31 Do lado ruralista temos também os grupos que tinham se organizado para pressionar o trabalho dos constituintes Os principais grupos de interesse foram Organização das Cooperativas Brasileiras OCB criada em 1970 a Confederação Nacional da Agricultura CNA de 1951 a Sociedade Rural Brasileira SRB e a União Democrática Rural UDR BUTTÒ 2009 p 32 A instituição de destaque que possuía a maior influência nos constituintes era a FAAP Frente Ampla da Agro Pecuária a Frente Ampla da Agro Pecuária liderada pela OCB que era a organização com a maior capacidade de influência na constituinte Correio Brasiliense 07051987 anexo C e D e que estava subindo de fato a interferência na gestão da questão fundiária da UDR Mendonça 2001 uma organização minoritária que utilizava uma estratégia muito agressiva no limite da legalidade favorecida pelo comportamento ambíguo de alguns militares e das forças de segurança BUTTÒ 2009 p 32 Assim todas as instituições envolvidas tinham como objetivo cooptar constituintes contra ou a favor do projeto de reforma agrária defendendo os interesses que julgavam estar corretos Registrese que em Brasília a faculdade de recursos financeiros permitiu grandes mobilizações em todo o país e a criação de um centro de lobby em Brasília que organizava a participação dos ativistas nas deliberações a fim de apoiar e controlar o comportamento dos próprios constituintes BUTTÒ 2009 p 36 Os ruralistas realizavam a estratégia de utilizar embasamentos técnicos jurídicos e econômicos para justificar seus interesses enquanto os que lutavam por terra faziam um enfrentamento popular de mobilização ocupando por exemplo o corredor que direcionada ao plenário no qual seria votado a reforma agrária Ao final prevaleceu o discurso dos ruralistas pois o texto constitucional redigido aprovado e promulgado não favoreceu a implementação da reforma agrária 5 O PODER POPULAR O poder constituinte é algo amplamente discutido em diversas teorias Nesse aspecto a partir do perfil filosóficopolítico de Jurgen Habermas 1929 intentamos relacionar o poder popular com a elaboração do texto constitucional no atinente a temática da reforma agrária no Brasil a fim de verificar se houve ou não a representação dos interesses de todos os grupos que ocuparam o centro da tomada de decisões Em face da teoria discursiva interrogase como os processos comunicacionais se desenvolveram em relação a reforma agrária Será que houve legitimidade auditorial de todos os membros da comunidade jurídica nesse processo de construção constitucional Interrogações pertinentes Afinal O processo de normatização do Direito se obtém através do processo legislativo Mas o processo legislativo autonomamente não é fonte da legitimidade do direito Os membros de uma dada comunidade jurídica têm de se atribuir direitos para que se possam se constituir membros de uma comunidade jurídica autônoma Assim a ideia de que o ordenamento jurídico se constitui enquanto uma instância externa aos cidadãos heterônoma cede lugar à ideia de uma produção efetiva de seres livres que têm no ordenamento jurídico a manifestação de sua vontade livre ou seja o Direito é ao mesmo tempo criação e reflexo da produção discursiva da opinião e da vontade dos membros de uma dada comunidade jurídica MOREIRA 2004 p 157 A partir deste estacamento teórico é que se compreende que para haver legitimação do Direito deverá ter havido uma participação livre do universo dos cidadãos no processo criativo das normas Isso se torna ainda mais relevante no contexto da redemocratização brasileira com a instituição da assembleia constituinte encarregada justamente da elaboração de uma constituição norma fundamental que sustentaria o sistema jurídico haja vista que o Brasil ficou aproximadamente 30 anos sob um regime repressivo no qual a liberdade de participação e expressão fora restringida A associação dos cidadãos como apenas destinatários das normas elaboradas pelo centro do sistema político é amplamente questionado por Habermas Para o autor essa característica atribuída aos sujeitos configura numa posição passiva e apenas receptiva do Direito HABERMAS 1997 p 173 Deste modo deverse á sempre assegurar que esses sujeitos usem os diversos discursos para externalizar o seu modelo de sociedade Entretanto difundir esses discursos não é o bastante Deverá haver uma associação com o poder político Isso traz como consequência uma incorporação do exercício da autonomia política dos cidadãos no Estado a legislação constituise como um poder no Estado Ao passar da socialização horizontal dos civis que se atribuem reciprocamente direitos para formas verticais de organização socializadora a prática de autodeterminação dos civis é institucionalizada como formação informal da opinião na esfera pública como participação política no interior e exterior dos partidos como participação em votações gerais na consulta e tomada de decisão de corporações parlamentares etc HABERMAS 1997 p 173 Considerando esse suporte da teoria de Habermas a institucionalização dos discursos terá isso acontecido na arena da constituinte em relação à reforma agrária Podemos afirmar que houve sim a circulação de discursos advindos das classes populares reivindicando a aprovação da reforma agrária Conforme vídeo disponibilizado no site Youtube pela TV Senado foi exibido algumas manifestações de movimentos populares que lutaram a favor dessa causa TV SENADO 2003 sp Os movimentos aglomeraram na capital Brasília e ocuparam o corredor que os constituintes passavam para o plenário de votação Os manifestantes gritavam palavras de ordem a favor da reforma agrária e falavam os nomes dos constituintes Mas será que toda essa movimentação chegou a se efetivar na Constituição de 1988 produzindo um texto progressivo em relação a prática legislativa da reforma agrária até então vigente Houve diversas discussões entre os constituintes sobre os projetos elaborados Segundo recolhido do vídeo da TV Senado o certo é que não houve consenso sobre o projeto apresentado na subcomissão da reforma agrária Dos 25 membros 11 foram contra o anteprojeto do relator Osvaldo Lima Filho TV SENADO 2003 sp Neste texto o constituinte relator Osvaldo Lima Filho da queria limitar a quantidade de hectares por proprietário causando entraves para definir qual seria a dimensão permitida Ao final apresentou um projeto no qual fixouse um limite de 100 módulos Nesse período o constituinte Deputado federal Rosa Prata apresentou um anteprojeto substitutivo para que não houvesse limitação da propriedade TV SENADO 2003 sp Alysson Paulinelli que fora ministro da agricultura no período da ditadura militar manifestou seu apoio a esse substitutivo TV SENADO 2003 sp Em razão dessas incompatibilidades o texto foi levado para a votação no plenário da ANC votandose em separado o parágrafo quarto que permitiria a desapropriação de terras improdutivas O grupo chamado centrão pediu para esse dispositivo não fosse aprovado o que de fato não aconteceu as terras que não cumprissem a função social não seriam desapropriadas Analisada toda essa conjuntura podese perceber que o projeto final aprovado sobre a reforma agrária era muito destoante da formulação dos movimentos populares gizado a partir dos discursos dos que sofrem com a distribuição injusta de terras Segundo pesquisa do INCRA feita na época 27 proprietários possuíam sozinhos 25 milhões de hectares TV SENADO 2003 sp Retomando a teoria habermaseana e a relação estabelecida pelo autor entre Direito Política e Democracia percebese que neste contexto houve a não observância da soberania popular tendose relativizado e dificultado o processo de redistribuição de terras no Brasil A circulação comunicacional não funcionou Para Durão apud Habermas 2015 p32 o processo de institucionalização do agir comunicativo acontece através da política deliberativa nos moldes seguintes Para explicar como é possível uma política deliberativa na sociedade complexa Habermas utiliza um modelo que é dividido em duas partes a primeira indicando a estrutura de poder no interior da sociedade complexa e a segunda uma forma de circulação deste poder cada uma destas partes é subdividida por sua vez em outras duas partes 1 no que se refere à estrutura do poder podese dividir a sociedade complexa em um centro e uma periferia e 2 no que tange ao modo de circulação do poder podese dividi lo no seu funcionamento normal e extraordinário A parte central é composta pelas instituições do estado democrático de direito as quais devem funcionar dentro dos limites rigorosos estabelecidos pela lei já a periferia é formada pelas organizações da sociedade civil capazes de mobilização enquanto a circulação do poder pode ser explicada através do modelo de mão dupla o modo normal de funcionamento da política deve partir do centro para a periferia quer dizer do poder institucionalizado pelo estado de direito para as organizações da sociedade civil contudo em situações extraordinárias pode ocorrer um movimento contrário empreendido pelos cidadãos que vai da periferia para o centro DURÃO 2015 p 32 À vista da estrutura habermaseana podese definir os constituintes e os movimentos sociais nestes movimentos compreendidos os dois polos os antirreformistas e os reformistas como sendo o centro do sistema político o espaço público em suas três esferas As reivindicações dos movimentos sociais em relação à reforma agrária indistintamente da bandeira ideológica são consideradas como o movimento em situação extraordinária aquele em tentativa de influenciar o outro elemento do centro do sistema político os constituintes Para explicar o sentido da circulação do poder político nas sociedades complexas atuais Habermas 1997 utilizase de um esquema proposto por Bernhard Peters o qual organiza os atores políticos e sociais em um eixo composto de um centro e vários anéis periféricos No centro estariam os complexos institucionais formais como parlamentos cortes agências administrativas responsáveis pelas decisões legislativas e judiciárias pela formulação de programas políticos regras medidas administrativas decretos etc Os atores aí localizados são aqueles capazes de influir diretamente em processos decisórios através de situações comunicativas que empregam as deliberações formais as negociações face a face e os discursos institucionalizados Próximas ao núcleo administrativo estariam esferas autonomamente organizadas mas intrinsecamente ligadas ao governo universidades câmaras associações beneficentes fundações etc E em um terceiro nível estariam as associações politicamente orientadas para a formação da opinião ou nas palavras de Habermas organizações que preenchem funções de coordenação em domínios sociais carentes de regulação grupos de interesses instituições culturais grupos de ativistas ambientais igrejas etc Os atores cívicos aí reunidos são aqueles que não conseguem escapar das desigualdades de poder que fazem com que sua prática deliberativa fique limitada exclusivamente a formação da opinião sem abranger a tomada de decisão Fraser 1992134 MARQUES 2008 p25 A circulação normativa que predominou foi a do discurso antirreformista dos movimentos sociais integrado pelas corporações econômicas e dos latifundiários O texto constitucional fora estrategicamente blindado por um discurso para apaziguar os trabalhadores rurais no sentido de que o texto como ao final redatado representava um enorme progresso em relação ao tema agrário Na verdade as forças advindas da periferia dos semterra não possuía à força e influência que as ostentava o grupo antireformista Isso poderia não constituir problema se esses processos comunicacionais estivessem sendo realizados de forma legítima mas a influência dos grupos comterra e com dinheiro acabou determinando a forma de reger a sociedade sem a observância da vontade dos que compunham maioria à legitimidade popular 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Faz se necessário nesse fechamento pontuar alguns aspectos que foram objeto da análise proposta pelo artigo Nesse sentido há que se falar que apesar de colhidas fortes evidências que demonstravam claramente os interesses da classe empresária em se opor a determinadas aprovações de cunho popular pela ANC não é possível contudo apontar com firmeza qualquer tipo de interferência direta durante a elaboração e aprovação de tais leis Por outro lado após análise dos materiais utilizados na pesquisa nos resta clara a ação dos constituintes em abafar a voz dos cidadãos O projeto elaborado regulador da Reforma Agrária não correspondeu aos anseios e propostas levadas por eles durante o período em questão Nesse sentido José Murilo de Carvalho 2002 p 223 resume de maneira bastante pertinente a situaçãoproblema trazida no presente artigo A ausência de ampla organização autônoma da sociedade faz com os interesses corporativos consigam prevalecer A representação política não funciona para resolver os grandes problemas da maior parte da população O papel dos legisladores reduzse para a maioria dos votantes ao de intermediários de favores pessoais perante o Executivo O eleitor vota no deputado em troca de promessas de favores pessoais o deputado apoia o governo em troca de cargos e verbas para distribuir entre seus eleitores Criase uma esquizofrenia política os eleitores desprezam os políticos mas continuam votando neles na esperança de benefícios pessoais p223 Em suma a sociedade deve se organizar de modo mais absorvente de todos os auditórios para que o agir comunicativo proposto por Habermas realmente seja funcional e legitimador pena dos clamores populares não lograrem obter acesso e participação deliberativa no centro do sistema político emergindo como agentes das mudanças efetivas Em 1987 a sociedade não se calou contudo não fora suficiente para que esse ciclo de esquizofrenia política fosse quebrado pondo um fim a supremacia de interesses corporativos em detrimento aos anseios daquilo que desse sentido a um governo democrático hasteado no poder popular REFERÊNCIAS ARISTÓTELES A política Traduzido por Roberto Leal Ferreira São Paulo Martins Fontes 2002 BUTTÒ Michele Mecanismos Deliberativos na Assembleia Nacional Constituinte A Polarização Simbólica da Reforma Agrária Dissertação Mestrado em Ciência Política Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas Universidade de São Paulo 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Santana do Parnaíba São Paulo LMX 2004 Disponível em httpwwwdominiopublicogovbrdownloadtextopn000012pdf Acesso em 10 de Dez de 2017 CAPÍTULO 02 FRONTEIRA POLÍTICA DUAS MACROVISÕES DA SOBERANIA DA EUROPA AO MERCOSUL Dimas Ferreira Lopes74 Vitor Maia Veríssimo75 1 INTRODUÇÃO Nesta investigação buscamos explorar dois aspectos conceituais e da aplicabilidade do instituto da soberania Por isso partimos da obra inicial de Jean Bodin que conceitua e defende a soberania como essencial para garantia da ordem e democracia Continuamos demonstrando as transformações do conceito e suas aplicações tanto na Ciência Política quanto na Ciência Jurídica Aspecto importante é a definição de como a soberania tem se mostrado em sua praticidade com o fim de esclarecermos seus aspectos turvos que podem implicar em deturpações democráticas Também abordaremos as nuances da soberania no Direito Comunitário e como processase o seu partilhamento Este instituto é indispensável para se reflexionar o Direito Comunitário que necessita desta abertura para que por meio de um Tribunal Supranacional faça se criar constituir e efetivar os processos de integração por meio do aparato jurídico 2 JEAN BODIN SOBERANIA COMO SUMMA POTESTAS DO ESTADO É impreterível que para se abordar o tema da soberania seja retomado o conceito de Jean Bodin o primeiro autor a abordar a soberania e seus aspectos Bodin escreve no século XVI e procurava justificar a concentração de poder nos recém formados EstadosNação na Europa Ocidental no processo de substituição do 74 Professor da FMD da PUC Minas Doutor pela Universidade Complutense de Madrid Dep Filosofia do Direito Moral e Política Mestre em Direito pela PUC Minas Bacharel em Teologia Email dimasflterracombr 75 Bacharel em Direito pela Faculdade Mineira de Direito PUC Minas Email vitormaiavhotmailcom feudalismo pelo Antigo Regime absolutismo Desta forma em resposta ao modelo descentralizado fragmentado e volátil do feudalismo Jean Bodin concebe a soberania como uma autoridade absoluta hierarquizada tendoa como um poder perpétuo inalienável e imprescritível SOARES 2011 p51 Com uma manifesta intenção de conceber este Estado como uma entidade forte e preparada para os desafios da política e da disputa pelo poder político Bodin entendia que a soberania deveria estar sob comando de uma só pessoa inadmitindo a possibilidade de divisão ou partilhamento do instituto sob o entendimento de que isto impediria a observância do governo na sociedade levando inevitavelmente aos caminhos da anarquia BARROS 1995 p 130 Percebese que o conceito de soberania se amálgama à própria ideia de Estado uma vez que era inconcebível um Estado que não tivesse seu poder e autoridade política bem definidos e centrados em uma só entidade A concepção bondiniana direcionava para monarquia a melhor forma de governo e estado uma vez que na figura do monarca a soberania seria clara e indubitável possibilitando um governo de autoridade reconhecida pelos súditos sem margem para um enfraquecimento político do Estado BARROS 1995 p 135 O caráter despótico isto é autocrata absoluto tecido por Bodin é terminante uma vez que para ele há uma incontestável incompatibilidade entre um governo popular e o conceito de soberania Haveria impossibilidades de reunião de todo o povo em uma assembleia e essas decisões poderiam ser pautadas pela insensatez popular o que iria em direção oposta a uma proposta inflexível de soberania Para ele as experiências de Atenas de Roma e de outras repúblicas nas quais a soberania pertenceu ao povo foram desastrosas tornandose suficientes para a condenação do estado popular Ibdem Coube a outro Jean desta vez Rousseau no século XVIII uma releitura do conceito de soberania proposto por Bodin porém subvertendo a lógica inicial da monarquia despótica para a maneira do governo popularrepublicano Rousseau reforça a ideia de inalienabilidade e indivisibilidade trazidas por Bodin nada obstante entende que tais características só têm razão de ser porque a soberania é inalienável por ser o exercício da vontade geral não podendo esta se alienar nem mesmo ser representada por quem quer que seja E é indivisível porque a vontade só é geral se houver a participação do todo DALLARI 2011 p 85 A proposta de Rousseau se opõe ao ideado por Bodin Iniciase um processo e alteração conceitual da soberania concebida como parte indissociável do Estado Moderno entendimento modificado na medida em que as concepções de sociedade justiça estado e direito se alteravam É neste sentido que se percebe uma gradativa jurisdização da soberania que passa ter concomitantemente uma abordagem política e outra jurídica Assumindo característica polissêmica a soberania é quanto a sua origem um conceito parcialmente sociológico quanto à sua regulação ou normatividade um conceito parcialmente jurídico e quanto a seu exercício um conceito parcialmente político MENEZES 1998 p 153 Transportado ao paradigma jurídico atual a soberania assume dois significados básicos independência e poder jurídico mais alto DALLARI 2011 p 90 Estes apontamentos demonstram que a soberania é o atributo de um determinado Estado que o coloca independente dos demais ou seja suas ações nas esferas política e jurídica ocorrem sem que haja respostas a qualquer outro Estado em condição semelhante daí dizerse que determinado Estado é soberano Ter o poder jurídico mais alto significa enunciar que o Estado por meio dos seus mecanismos e instituições de governo é o único apto dentro de seu território na proclamação do direito elaborar as leis aplicalas e fiscalizálas sem que nestes procedimentos sofra a mínima interferência de poder que se aquilate paralelo A definição de o que é e do que foi a soberania é o proposito crucial desta investigação Considerando a formulação de conceitos sentidos significados a partir de aspectos abordados como impartíveis e inerentes neste mesmo vocábulo Em qual extensão a soberania representa a autoridade política de um determinado estado ou sistema de governo Em palavras francas Quem ou o quê detém o controle das regras praticadas com fins ambiciosos ao domínio do poder diretivo dentro do estado ou sistema de governo O constitucionalismo liberal intentou se apropriar da definição destinandoa ao povo que o exerceria por meio da democracia representativa A administração pública tende a reivindicar a soberania como a atribuição da máquina estatal de gerir seus negócios Da mesma forma no aspecto político a soberania poderá ser entendida como atributo da comunidade de definir seu destino na esfera pública ou ainda poderá identificar determinado grupo político destacado no fronte da disputa pela gerência do poder É esta dificuldade de se perceber a definição de soberania que impõe questionar no estado moderno o grau de desenvolvimento das partes ou algumas partes do sentido primário os alertando sobre a própria extensão do instituto A difícil percepção de quem detém a soberania seja em qualquer aspecto ou ainda de que maneira esta se materializa dão abertura para deturpações democráticas que podem colocar em risco a liberdade política das diversas subjetividades componentes da sociedade 3 UNIÃO EUROPEIA SOBERANIA COMO INSTRUMENTO DA POLÍTICA E MERCADO O Estado Moderno surge no contexto europeuocidentalizado destarte as nuances oriundas da conceituação da soberania não se apresentam doutra forma O século XX foi determinante para as alterações ocorridas em todo o contexto político social e econômico do mundo e fez com que diversas instituições e ideologias fossem transmutadas porque perderam a razão de ser ou porque foram necessárias alterações para manutenção do instituto às novas engenharias do estado ou formas de governo Neste sentido parte nossa análise da instrumentalidade encontrada na soberania para fortalecer os laços políticos da Europa e impulsionar suas ideias de mercado Por isso analisamos o papel da soberania e de seu processo de partilhamento na formação da União Europeia A partir disto sentenciamos que a soberania no campo da filosofia política e do Direito Constitucional tem perdido seu sentido primário A autoridade política tem se esvaído cada vez mais da noção de comunidade política e tem se tornado instrumento de uma política institucional altamente mercantilizada com os processos de afirmação do neoliberalismo a partir da década de 1980 Desta forma é possível conceber a soberania como um fato institucional ligado ao processo de assumir diferentes níveis de sedimentação de maleabilidade e de partilha pela prática sociopolítica e conviver em múltiplas formas com o desenvolvimento de estruturas e governança multinível preservando ou reforçando alguns de seus pressupostos mais tradicionais como a representação e a lealdade em certos casos por exemplo e renunciando outros com o exercício da autoridade suprema ao nível doméstico e a independência externa JESUS 2009 p116 a A EXPERIÊNCIA DO BENELUX Precedendo a formação e consolidação da União Europeia como a conhecemos em 1943 Bélgica Holanda Nederlands e Luxemburgo firmaram o primeiro acordo entre Estados independentes e soberanos do século XX Por isso se faz necessário uma investida de conhecimentos da proposta Benelux ao acordo e a relação da soberania entre os estados fundadores O acordo foi posto sobre forma de uma união econômica onde as questões poderiam ser tratadas em um sistema de negociação intergovernamental por meio de um progressivo avanço de integração com o fim último de atingir uma união econômica com livre circulação de bens e pessoas e regime fiscal único OLIVEIRA 2001 p 86 Os diversos movimentos simultâneos que caminharam para a formação da União Europeia acabaram por suplantar os objetivos e campos de atuação do Benelux por certo mas sua importância não se restringe a mera tentativa ou pioneirismo A experiência aqui tratada teve papel de repensar o dogma jurídico da soberania como a não intervenção de um Estado em outro abandonando o mito do princípio da soberania absoluta do Estadonação ao prever a cessão de parte desse poder total e exclusivo a consolidação do processo de integração economica europeia Ibdem b SOBERANIA PARTILHADA A experiência do Benelux trouxe alterações no entendimento e praticidade da soberania que se tornou instrumento hábil de mercado e políticas A Europa fragmentada nos períodos inter e pósguerras se valeu desse instituto para promover uma maior integração regional que fosse interessante para o lado capitalista do continente objetivando reestruturar o país política e economicamente76 É nesse escopo que o paradigma da soberania se altera mais uma vez surgindo a ideia de soberania partilhada Nesta esteira a soberania partilhada ou compartilhada se dá na medida em que os Estadosmembros de determinado acordo regional quando buscam se integrar delegam parcelas de suas competências estatais a um órgão supranacional denominado comunidade ou bloco economico SOARES 2011 p101 Não há renúncia a soberania mas sim uma alteração do sentido da indelegabilidade que outrora era intransferível em direção à possibilidade de acordos que protegessem interesses basicamente econômicos ou de política internacional dos estados Como apontamos anteriormente a soberania perdeu o caráter de legitimador da autoridade da ou na comunidade política e se tornou um instrumento de políticas 76 Logo após a Segunda Guerra Mundial o continente europeu foi praticamente dividido entre estados capitalistas e estados socialistas e com isso obviamente as políticas externas de cada estado tendiam para se alinhar com o sistema políticoeconômico adotado mercadológicas no âmbito internacional Esta guinada reduz a participação política dos agentes sociais humanos que ficam restritos aos períodos eleitorais possuindo uma força política meramente formal adstrita e descrita apenas nos textos normativos É importante salientar que a União Europeia não é capaz de contornar todas as situações Ainda sendo o maior exemplo e talvez o único de um processo de integração internacional e de partilhamento de soberania o bloco nunca foi capaz de conseguir trazer para si o Reino Unido em sua totalidade A ilha britânica permaneceu por exemplo com a libra esterlina como sua moeda oficial em concomitância com o euro que acabou engolindo o marco alemão o franco francês e a lira italiano só para citar algumas A força política e econômica principalmente da Inglaterra fez com que seu governo tivesse sempre poder de resistência contra os avanços da integração no bloco O ápice dessa tensão ocorreu em 2017 quando em plebiscito popular os votantes optaram pela saída do Reino Unido da União Europeia em processo que ficou conhecido como Brexit Tal acontecimento trouxe a tona uma série de questionamentos sobre a real efetividade da União Europeia e se esta possui os mecanismos necessários para se sustentar perante os novos desafios que surgem a todo instante Um destes tem sido o êxodo dos refugiados do norte da África e do Oriente Médio que têm imigrado em grandes quantidades por todo o Continente fazendo com que urja à União Europeia repensar sua política de nacionalidade integração imigração e até mesmo de assistência social 4 MERCOSUL E UNIÃO EUROPEIA SUPRANACIONALIDADE E DIREITO COMUNITÁRIO No contexto brasileiro a experiência adjacente que pode ser trazida na análise do partilhamento da soberania reside no Mercosul O Mercado Comum do Sul foi planejado para atuar semelhantemente ao modelo proposto na União Europeia no quanto avistado o estabelecimento entre os paísesmembros a livre circulação de pessoas bens serviços O projeto teve por pressuposto agir gradativamente no processo de integração regional até se atingir o patamar do mercado comum propriamente dito culminando em blococidadão LOPES 2001 Ocorre porém que atualmente o Mercosul tem sido classificado como União Aduaneira em razão de não possuir a característica da supranacionalidade Este conceito é o que determina a diferença da União Europeia e do Mercosul no quesito soberania Enquanto a primeira possui uma entidade capaz de coagir na esfera jurídica de determinado país a segunda se restringe ao campo de sugestões de aplicação facultativa aos estadosmembros também entendido por caráter recomendatório É importante entender que para que haja o reconhecimento da supranacionalidade em grupo de países é necessária a criação de uma instituição supranacional com poderes autonomos PESCATORE apud SILVA PINTO 2000 p 217 É justamente nesse aspecto da supranacionalidade que se encontra a gênese do Direito Comunitário Não há que se falar em um processo pleno de integração regional sem que haja relativização do conceito e flexibilização da soberania de cada país membro para que uma vez pactuado o partilhamento exista um órgão um Tribunal por exemplo apto e competente para impor decisões jurídicas que advenham de terminados conflitos entre os Estados Na União Europeia temse a corte comunitária de justiça como expressão ordenativa do Direito sendo o principal mecanismo jurisdicional responsável pela efetiva processualização do discurso democrático LOPES 2004 p 51 Nesse sentido é perceptível a distância que tem o Mercosul de uma efetivação do Direito Comunitário Da mesma forma se entende o porquê de apesar do nome não estar este no patamar de um mercado comum e de blococidadão A União Europeia por outro lado tem usufruído com percalços é certo da experiência do Direito Comunitário No que tange a soberania o panorama sulamericano não nos permite dizer que ocorra o partilhamento nem mesmo em níveis significativos O Mercosul tem se restringindo à acordos fiscais que buscam otimizar o comércio na região e a alguma facilitação de trânsito de pessoas tornando dispensável a autorização governamental para adentrar ao país mas exigindo o processo de regulamentação para estabelecer residência e cidadania por exemplo Falta ao Mercosul um atributo importante para os blocos que buscam maior integração regional a supranacionalidade Esta pode ser entendida como a qualidade do Estado que opta por ceder permanentemente o exercício da soberania à entidade superior criada para gerir o grupo OLIVEIRA 2001 p 68 É a supranacionalidade por sua vez que consegue efetivar a política de cidadania da União Europeia Apesar das origens econômicas latentes do grupo o decorrer da história forçou as autoridades competentes por gerir o bloco à voltarem os olhos para a participação Cidadã fazendo valer um dos anseios da proposta de gerar um senso de integração na comunidade Portanto a partir de 1990 OLIVEIRA 2001 p441 ficou acordado que haveria a possibilidade de eleições diretas para o parlamento europeu além de nãonacionais poderem votar e serem votados nas eleições municipais onde quer que residiam Também foi consolidada o direito de residir em qualquer paísmembro Os aspectos de cidadania propostos pela União Europeia devem ser levados em consideração se quisermos pensar em uma proposta coletiva de mundo No âmbito do continente composto por diversas etnias línguas relevos e culturas propor a ausência física de fronteiras bem como permitir um intercambio políticocidadão potencializa de fato um senso de integração comunitário Ocorre que essas questões sempre estiveram em segundo plano Em qualquer momento em que o panorama econômico seja desfavorável os direitos de cidadania o ideal de uma União Europeia plenamente garantidora dos direitos humanos e a própria Constituição Europeia são deixados de lado como o caso do Brexit que citamos Ademais a integração europeia ocorre sob batuta de um nacionalismo aos moldes do antigo regime criação da identidade nacional europeia ficcional mas com manifesto intento de incutir a ideia na comunidade Os EstadosMembros no mostravamse conscientes da distância entre a Comunidade e seus cidadãos o Conselho Europeu começou a preocupar se em promover a imagem da identidade comunitária como de seus próprios comunitários ao mundo Surgiram sugestões para reforçar essa finalidade como de instrumentos simbólicos de uma bandeira um hino equipes de esportes cunhagem de moeda o ECU não como moeda comum mas simbólica OLIVEIRA 2001 p440 O euro de fato saiu do papel e se tornou uma realidade e uma moeda única e forte dentro e fora do continente Ocorre que a ficcionalidade de uma identidade europeia é perigosa Se pensarmos uma comunidade e o senso de integração colocala como fechada e restrita aos nacionais estabelece fronteiras não físicas mas ideológicas e identitárias Isto tem se refletido na atual política com os refugiados que têm encontrado dificuldades em se firmar legalmente no continente mesmo após um histórico de incursões europeias imperialistas por todo o globo Tais questões nos suscitam o questionamento se há realmente um direito comunitário se este o é apenas para os nacionais Outro projeto ambicioso mas que tem se esfriado é a proposta da Constituição Europeia Mas sendo esta também um projeto da cidadania refletimos sobre as razões de sua suspensão Complexa questão que se tornou a soberania sua instrumentalidade é perigosa É difícil propor aos Estados que diminuam cada vez mais sua soberania em razão de um controle externo A Corte Europeia que ditaria o direito significaria um poder enorme a se erigir e pensamos nós que promover integração comunitária seria cada vez mais desempoderar os mecanismos de controle políticoeconomicos em prol de agentes humanos políticos de fato soberanos Com isso não podemos deixar de pensar em uma análise marxista onde as questões econômicas têm sempre prevalecido sobre qualquer interesse político Ou melhor que o interesse político surge ou deixa de existir em razão da volatilidade e inconstância das propostas econômicas de cada Estado A análise paralela entre os dois blocos UE e Mercosul deve ser cuidadosa Não podemos incorrer num etnocentrismo que promoveria uma ideia de escalonamento social ou um darwinismo histórico Dizer que a Europa se encontra em um padrão evoluído em relação a Latinoamerica ou a qualquer outra região do globo seria ignorar os processos históricos bastante diversos entre os agentes em questão A União Europeia tem se tornado instrumento de efetivação econômica para os países membros muito mais do que uma entidade que promova o senso de comunidade As recentes questões sobre os refugiados e as constantes crises econômicas vividas pelos países marginais tais como Grécia e Portugal são exemplos disto O Mercosul por sua vez parece enfrentar problemas por se pautar em modelo eurocêntrico heteronormativo Entendemos que buscar se transformar em mercado comum e bloco cidadão tal qual a União Europeia é tarefa impossível uma vez que a etnografia a dinâmica social e os agentes envolvidos estão e são parte de uma significaçãooutra que em pouco ou em nada podem ser enxertados ou repetidos O desafio principal do Mercosul não seria promover mais ou melhor integração entre os paísesmembros mas sim buscar seu próprio caminho em direção ao seu Direito Comunitário 5 CONCLUSÃO A soberania surgiu como um dos fundamentos do Estado Moderno e perdura até hoje no mesmo paradigma porém como significado e aplicabilidade diverso Tal situação nos faz parecer latente o caráter instrumental assumido por este instituto No campo da política economia ou do direito a soberania é utilizada para justificar as ações de poder tornandoas legítimas Ocorre que basear essa justificativa do poder no processo democrático tradicional é tornar bastante distante da população e dos agentes políticos humanos77 essas utilizações do poder No mesmo sentido se a soberania residia no povo agora esse postulado tem perdido seu significado em razão desta mesma instrumentalização É por isso que entrevemos duas distintas macrovisões quando o assunto é a soberania e sua utilização no contexto tanto do Mercosul quando a União Europeia A primeira no aspecto democráticoformal nos processos internos do sistema eleitoral que repousa no povo ou como preferimos nos agentes políticos humanos o poder de impor o político da comunidade Esta visão se demonstra deturpada em seu próprio conceito ou então foi designada para tal Explico dizer que soberania política repousa nos súditos do estado é buscar diluir de fato esta autoridade Na prática o que se tem são governantes e sistemas governamentais sem qualquer identificação com a população carentes de legitimidade que se pautam nos aspectos formais para justificar suas atuações que se direcionam a um interesse privado ou restrito a determinados grupos socioeconômicos sejam estes internos ou externos A outra macrovisão por nós percebida se verifica no âmbito das relações externas dos estados Ela pode se apresentar de duas maneiras a independência de ação do estado no campo interno e seu pressuposto de participação na comunidade a saber o partilhamento Nesta os estados que buscam se relacionar na esfera internacional devem ceder lugar a operações heterônomas com o fim de se fixar no bloco econômico Tal situação poderia ser de muito valia se pensarmos em uma integração conjunta e benéfica para àqueles primeiros detentores da soberania os agentes políticos humanos Ocorre porém que a soberania partilhada assumiu caráter instrumental não em função daqueles mas de operações econômicas próprias de um capital global onde a flexibilização dos ordenamentos jurídicos internos se dá 77 Com a expressão agentes políticos humanos pretendemos identificar os indivíduos e grupos coletivos componentes de uma sociedade Entendemos que outros termos como povo e nação ou eleitores votantes não conseguem expressar a pluralidade e potência política que uma comunidade possa ter Semelhantemente classificar a crítica à burocracia que pontuamos como prejudicial à democracia não nos deixa confortável Isso se dá tal qual à justificativa deste exame onde entendemos que conceitos cunhados sob égides europeizadas eou muito distantes do tempo atual restam insuficientes em vista do presente panorama seja social economico ou político É por isso que adotamos agentes políticos humanos por compreender que cada individuo ou cada coletividade que se identifique dentro das mais diversas sociedades humanas são não apenas destinatários do sistema político sob o qual residem mas também meios e potênciaporsisó de ações no campo do político entendido por relações e interações humanas com o fim de transformação ou manutenção do cenário e horizonte social Fazemos questão de reafirmarmos o fator humano com o intuito de excluir desse conceito as influências parcialmente humanas como instituições sociais e núcleos que se pautam por ideologias ou religiões acima de qualquer outro fator para imprimir sua ética na sociedade reforçando um ideal de política comunitária eminentemente humana em inclinação a facilitações fiscais e mercantis dos principais agentes econômicos atuais REFERÊNCIAS BARROS Alberto Ribeiro de Estado e Governo em Jean Bodin Revista Brasileira de Ciências Sociais SL v 10 n 27 p 129137 fev1995 DALLARI Dalmo de Abreu Elementos de teoria geral do estado 32 ed São Paulo Saraiva 2014 JESUS Diego Santos Vieira de Os processos de partilha da soberania na união europeia Revista brasileira de política internacional v 52 n 2 p 115132 2009 FERREIRA LOPES Dimas 2005 La Subsidiariedad como principio de Filosofía Social y el Método Comunitario de la Unión Europea Espanha tesis doctoral Programa de Postgrado stricto sensu Faculdad de Filosofía del Derecho Moral y Política Universidad Complutense de Madrid httpwwwKriptiacomFilosofiaFilosofiaSocial1 texto no vernáculo fornecido pelo autor MENEZES Aderson de Teoria geral do estado subtítulo do livro 8 ed Rio de Janeiro Editora Forense 1998 OLIVEIRA Odete Maria de União européia processos de integração e mutação Curitiba Juruá Editora 2001 SILVA Bianca Guimarães PINTO Renan Dos Santos MERCOSUL e supranacionalidade os novos rumos do conceito de soberania com o advento da globalização Revista de la Secretaria del Tribunal Permanente de Revisión v 4 n 8 p 209223 ago 2016 SOARES Mário Lúcio Quintão Teoria do estado Novos Paradigmas em face da Globalização 4 ed São Paulo Atlas 2011 CIDADANIA EXCLUSÃO E INCLUSÃO SOCIAIS Professor Supervisor do Grupo de Pesquisa Prof Dr Daniel Augusto Arouca Bizzotto CAPÍTULO 03 MACONHA MEDICINAL UMA ANÁLISE SOCIOLÓGICA E JURÍDICA SOBRE A SUA CRIMINALIZAÇÃO NO BRASIL Ana Vitória Bragança Lana Ataíde78 Gustavo Mendes de Oliveira Costa79 Júlia Dilly Campos80 1 INTRODUÇÃO O descobrimento e utilização dos efeitos psicotrópicos da Cannabis sativa ao redor do mundo é anterior à colonização do Brasil pelos portugueses de modo que a planta esteve presente em nosso país desde os princípios da construção do mesmo Na segunda metade do século XX com o fim da 2ª Guerra Mundial observou se um movimento mundial para maior regulamentação e criminalização de drogas O Brasil assim como diversos outros países passou a proibir o uso de diversas drogas cujos efeitos eram considerados alucinógenos entre eles a maconha Entretanto com o avanço da medicina e dos demais estudos no campo da biologia surgiram muitas comprovações de que a maconha possui efeitos medicinais relevantes para a sociedade Assim intensificaramse os movimentos sociais que lutam pela descriminalização e legalização da maconha Com a descriminalização da erva em diversos países nos últimos anos o tema tem sido bastante debatido No Brasil onde ainda há uma camada considerável da sociedade que reluta contra esse tipo de mudança discutese se há uma distorção da imagem da maconha devido à estigmatização dos seus usuários à falha política estatal contra as drogas e à legitimidade dessa criminalização em face dos crescentes 78 Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 79 Graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 80 Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais movimentos sociais que buscam o reconhecimento do uso da maconha como um direito à saúde e a liberdade 2 A CRIMINALIZAÇÃO DO USO DA MACONHA 21 A MACONHA CONCEITO CARACTERÍSTICAS E EFEITOS Primeiramente antes de se adentrar na análise a respeito do processo político de criminalização do aludido entorpecente ainda que sob o crivo medicinal bem comos os efeitos sociais que o originaram e que decorrem dos atos governamentais acerca do tema mister se faz uma breve conceituação da maconha para contextualização biológica primária e melhor entendimento sobre os futuros exames e eventuais críticas a serem apresentadas no desenvolvimento desta obra O nome científico da maconha é Cannabis sativa Termo latino este que significa cânhamo isto é plantada ou semeada denotandolhe a espécie e natureza de seu desenvolvimento Originária da Ásia Central facilmente adaptável seus atributos psicoativos podem variar de 1 a 15 dependendo da região no qual a planta fora cultivada visto que esta requer um clima quente e seco para melhor evolução Ademais a principal substância presente na Cannabis é o 9 THC tetraidrocanabinol do grupo dos canabinóides sendo identificado também o canabidiol CBD cujos efeitos não alcançam caráter alucinógeno porém seus princípios possuem atributos terapêuticos Na década de 60 por sua vez a maconha constituiu relevante objeto de estudo acerca de suas propriedades nas diversas áreas científicas tais como química botânica farmacologia Noutro giro ao que concerne à forma de utilização da planta geralmente ocorre decorre da secagem e trituração das folhas e flores na forma natural Pode ainda ser aproveitada por meio da resina em forma de placas ou bastões denominada haxixe chira ou charas Em um teor de THC mais concentrado observase o óleo hash oil obtido das flores da planta feminina Quanto aos resultados de seu proveito no organismo humano dispõe a Nova Enciclopédia Barsa Os efeitos da maconha variam conforme a experiência do usuário a quantidade e o ambiente em que é consumida além da potência da droga Quando fumada os efeitos fisiológicos se manifestam em minutos e incluem tontura distúrbios de coordenação e de movimento sensação de peso nos braços e pernas secura na boca e na garganta vermelhidão e irritação nos olhos aumento da freqüência cardíaca sensação de apetite voraz p179 1997 Outrossim ainda quanto aos efeitos observase ao usuário uma euforia leve distorções na percepção do tempo espaço e disposição do próprio corpo No âmbito psicológico aferese distúrbios de memória e atenção contudo comumente acompanhado pela autovalorização e facilidade de socialização O psiquiatra CSonenreich 1982 em uma das primeiras publicações psiquiátricas sobre o tema aduz 08 oito principais fenômenos analisados em usuários da Cannabis são eles sentimentos de felicidade excitação enganos na avaliação do tempo e do espaço aumento de sensibilidade auditiva ideias fixas ou convicções delirantes lesões dos afetos impulsos irresistíveis e por fim ilusões e alucinações Neste sentido sustenta complementarmente Bergeret e Leblanc 1991 que a embriaguez canábica iniciase em uma fase de bemestar eufórico seguida de hiperestesia sensorial isto é maior assiduidade a estímulos acompanhada das perturbações espaçotemporais euforia ou rapto ansioso após alcançase uma fase estática e por derradeiro extremo sono bem como um calmo despertar Ainda em um exame biológico e psicológico acerca do entorpecente assevera Inaba e Cohen 1991 que a maconha além dos efeitos supracitados gera o aumento do ritmo cardíaco a queda da pressão arterial leve hiperemia conjuntival com queda da pressão intraocular o que para os cientistas é indicado ao tratamento de glaucoma bem como o alívio de náuseas extremamente destinado àqueles que submetem à quimioterapia Todavia o uso descomedido da planta tende a causar perda da memória a curto prazo apatia e falta de motivação E mais ainda conforme os autores os efeitos dos alucinógenos maconha dependem particularmente da dose da estrutura emocional do usuário do seu estado de ânimo por ocasião do uso e das circunstâncias que os rodeiam p149 Noutro diapasão quanto à formação da tolerância pelo uso reiterado divergências são confirmadas Graeff 1989 preconiza que a utilização frequente e em elevadas doses acometem ao aludido Porém tal ocorrência é bastante rara na qual a sensibilização envolve um fenômeno mais provável nestes casos Todavia para Sonenreich 1982 bem como para Bergeret e Leblanc 1991 a Cannabis não causa dependência física mesmo no fumante inveterado o que inclusive contribui em menor escala à dependência psíquica ao comparar com rotineiras atividades como café e televisão Em breve enfoque aos efeitos secundários psicológicos Noto e Formigoni 2002 salientam que as sequelas advindas do uso da maconha não são bem evidentes quando comparadas à cocaína Mas em geral apresentam problemas de concentração dificuldade de aprendizagem e execução de tarefas cotidianas alteração da imunidade redução dos níveis de testosterona e facilidade ao desencadeamento de doenças mentais como esquizofrenia depressão e crises de pânico Não obstante às respostas orgânicas negativas ao uso da planta urge enfatizar que atualmente concentramse as pesquisas científicas quanto ao tratamento medicamentoso da substância THC devido ao potencial alucinógeno antináusea e hipnótico Desta forma fazse necessário o debate acerca do proveito medicinal ante a maconha no intuíto exclusivo de aprimorar a saúde das pessoas seja agindo diretamente no embate a certas enfermidades seja quanto à redução dos efeitos colaterais de uma terapia diversa como um ato complementar tal como faremos na obra a seguir 22 A ACEPÇÃO DA MACONHA EM DIVERSOS ÂMBITOS DESENROLAR HISTÓRICO USO ABUSIVO E INÍCIO DO PROCESSO DE CRIMINALIZAÇÃO A relação humana com as atualmente denominadas drogas possui fundamento histórico remoto ora em tratamento terapêutico ora em rituais religiosos Neste ínterim a maconha encontra relevância há 4000 quatro mil anos em especial na China Sua descoberta deve ao Imperador Shen Nieng cujo trabalho em farmacologia orientava ao uso da planta na terapia ao reumatismo e apatia vez manipulada como sedativo E ainda associada a este efeito observase a transgressão evasão de modo que em efeito biológicosocial fora a planta popularmente utilizada para a elevação do aparato cultural de repressão face a uma dimensão mítica atribuída a droga Na Índia em 1000 um mil anos aC o cânhamo era usado de forma terapêutica indicandoo para constipação intestinal falta de concentração malária e até doenças ginecológicas Ainda neste território adquiria função religiosa visto que ao libertar a mente das acepções mundanas acreditavase alcançar o Ente Supremo Em herança à prática chinesa durante o Renascimento período de elevado desenvolvimento científicos fora a maconha aproveitada como anestésico para cirurgias Ademais aos citas e aos taças a planta participava no processo de confecção de roupas Usadas igualmente nos arredores do mar Cáspio e no Irã Oriental como a substância sagrada apta a purificar os vivos do contato com a morte Já os assírios a destinavam como incenso sob o nome Qounnoubou Por fim estudiosos remetem à medicina oriental denominada NeiChing Nela durante a prática entre 2698 e 2599 aC faziam a indicação das flores da maconha para fins cicatrizantes e da resina para o uso das infecções cutâneas e inclusive ao tratamento do sistema nervoso vez que as sementes combatiam vermes em homens e animais Pelo exposto aferese uma orientação do uso da planta predominantemente à terapia humana orgânica sendo também destinada a respeitosos e esporádicos rituais religiosos Contudo iniciouse a utilização do entorpecente visandose a alteração mental no Oriente Médio vez que vinda da Índia houve uma grande aceitação desta droga Isto pois vez que o consumo de álcool era proibido pela religião muçulmana a população local passou a utilizar a maconha em razão da capacidade desta na produção de um estado de euforia Inclusive como uma breve curiosidade a Cannabis era concebida na região como um favor especial dado por Deus Deste modo fora o amplo consumo expandindose atingindo regiões como Egito leste da Tunísia Argélia e oeste de Marrocos durante os séculos IX a XII cuja utilização limitavase às classes privilegiadas e sob a forma autoindulgênica Entretanto em vias que extinguir a ordem social usuária fora fundada no século XI a seita de assassinos chamados de Haxixins Presidida por Hassan Ibn Sabbah ao sul do mar Cáspio tratavase de uma organização secreta a qual sequestravam jovens aparentes entre 12 e 20 anos e adormecidos com as bebidas de cannabis eram submetidos à ordem de matar ou roubar no qual posteriormente serão reconhecidos nas descrições do romano MarcoPolo Outrossim enfatizase que os membros desta seita atuavam por uma obediência cega em uma acepção dos fatos delituosos de forma meramente executória e por fim acompanhavam o rito de auto sacrifício Perante tamanha crueldade o Imperador Gengis Khan em 1218 extingiu esta seita ocasionando a morte de 12000 doze mil comedores de haxixe bem como em 1379 outorgou uma Lei rígida contra o uso da Cannabis sob a sanção de ter as solas dos pés e os dentes arrancados Noutro giro no continente europeu as cruzadas correspondem ao evento histórico no qual o proveito da substância fora disseminado o qual ensejou em outubro de 1800 as seguintes proibições do uso da maconha pelo General Napoleão destinadas em especial ao Egito Vejamos ArtI Fica proibido em todo Egito fazer uso da bebida fabricada por certos muçulmanos com a cannabis haxixe bem como fumar as sementes da cannabis os bebedores e fumantes habituais desta planta perdem a razão e são acometidos de violentos delírios que lhes proporciona cometer abusos de todos tipos ArtII A preparação da bebida de haxixe fica proibida em todo Egito As portas de todos os bares ou albergues onde é servida serão fechadas com um muro e seus proprietários colocados na cadeia por uma duração de três meses ArtIII Todos os pacotes de haxixe que chegarão a alfândega serão confiscados e queimados publicamente A partir das diversas normas restritivas do consumo modalvase a consequente negativação social perante aos usuários considerandoos inúteis e ociosos ao âmbito civil Em resposta diversas convenções internacionais eram realizadas para o debate acerca das drogas sendo elencadas por Carlini 2002 as principais quais sejam Convenção Única sobre Drogas Narcóticas em Genebra publicada em 1961 Segunda Convenção sobre Drogas em Viena em 1971 e por último a Convenção Internacional de 1988 À primeira estabeleceuse diretrizes à fiscalização das substâncias narcóticas em enfoque à morfina À segunda determinouse a regulamentação à fabricação de drogas psicotrópicas bem como à venda importação e exportação E por derradeiro à última discutiuse em âmbito mais científico acerca dos precursores de reagentes químicos para a produção das drogas de abuso No entanto cumprese ressaltar que mesmo ante ao grande demonização governamental à maconha por alguns países não estabeleceuse uma infraestrutura política social ou econômica acerca desta temática em um âmbito prevalentemente científico considerando as diversas funções terapêuticas da planta atribuindo porém quesitos morais e arbitrárias sob eventos esporádicos e apartados para a decretação de uma política restritiva 23 A HISTÓRIA DA MACONHA MEDICINAL NO BRASIL Ab initio antes de adentrar no atual cenário de embate perante à adoção da política proibitiva do uso da maconha imperioso abordar uma breve síntese desta erva no Brasil No período Colonial a aludida planta exótica já exercia relevante papel no país desde a chegada da primeiras caravelas vez que o cordame das embarcações eram compostas por cânhamo outro nome atrelado à maconha Por sua vez sob enfoque dos efeitos psicológicos fora trazida pelos escravos negros por eles denominada de fumodeAngola mormente se afere dos documentos oficiais de 1959 dispostos pelo Ministério das Relações Exteriores vejamos A planta teria sido introduzida em nosso país a partir de 1549 pelos negros escravos como alude Pedro Corrêa e as sementes de cânhamo eram trazidas em bonecas de pano amarradas nas pontas das tangas Pedro Rosado Entrou pela mão do vício Lenitivo das rudezas da servidão bálsamo da cruciante saudade da terra longínqua onde ficara a liberdade o negro trouxe consigo ocultas nos farrapos que lhe envolviam o corpo de ébano as sementes que frutificariam e propriciariam a continuação do vício Dias 1945 Provavelmente devese aos negros escravos a penetração da diamba no Brasil provao até certo ponto a sua denominação fumo dAngola Lucena 1934 Ainda sob égide das obras brasileiras à época extraise a relação subjetiva dos africanos que já reconheciam os efeitos psicotrópicos da Cannabis tendo esta portanto uma função fundamental à busca do aprazimento Para tanto a seguir abordase um diálogo redigido em uma obra de Garcia da Orta 1891 de 1563 in verbis Ruano Pois azi he dizeyme como se faz este bangue a pera que o tomão e que leva Orta Fazse o pó destas folhas pizadas e às vezes da semente porque embebeda e faz estar fóra de si e pera o mesmo lhe mesturão nomoscada e o proveito que disto tirão he estar fora de si como enlevados sem nenhum cuidado e prazimentos e alguns a rir hum riso parvo e já ouvi a muitas mulheres que quando hião ver um homem pera estar choquarerias e graciosas o tomovão E o que se conta he que os grandes capitães acustumavão embebedarse com este bangue para se esquecerem de seus trabalhos e nam cuidarem e poderem dormir E o gram Soltão Badur dizia a Martim Affonso de Souza a quem elle muito grande queria e lhe descubria seus secretos que quando de noite queria yr a Portugal e ao Brasil e à Turquia e à Arabia e à Pérsia não fazia mais que comer um pouco de bangue Ruano Eu vi um portuguez choquareiro e comeo uma talhada ou duas deste letuario e de noite esteve bebedo gracioso e nas falas em estremo e no testamento que fazia E porém era triste no chorar e nas magoas que dizia mostrava ter tristeza e grande enjoamento e ás pessoas que o vião ou ouvião provocava o riso como o faz hum bebedo saudoso e ter vontade de comer Não obstante ao irrestrito uso para busca à euforia à época sendo o cultivo desta inclusive adotado pelos nativos Contudo há uma hipótese abarcada por alguns historiadores acerca da origem da maconha em populações indígenas na Amazônia cujo cultivo era destinado à forma medicinal para o preparo de chás e pelos pajés em cerimônias religiosas visando facilitar o contato com as divindades No século XVIII obtevese pela Coroa Portuguesa uma preocupação da utilização da maconha na Colônia Todavia em uma extrema quebra de expectativa o cultura do bangue era incentivada pela Metrópole de modo que o ViceRei em 4 de agosto de 1875 redigira cartas ao Capitão General bem como ao Governador da Capitania de São Paulo determinando o plantio e outrossim enviara dezesseis sacas com 39 alqueires de sementes de Cannabis Fonseca 1980 Ademais apesar do Código Penal de 1890 restringir a comercialização de coisas venenosas não era a aludida substância considerada como tanto atribuindo a esta um importante fator social de fuga aos problemas mundanos Cingese o consumo da diamba no aludido cenário histórico remoto às classes socioeconômicas menos favorecidas de modo a não atingir uma relevância à camada dominante exploradora Em exceção têmse a declaração da Rainha Carlota Joaquina cônjuge do Rei D João VI que afirmou o exótico hábito diário de tomar chá de maconha Salientese porém que tratase de uma usuária incomum ao públicoalvo do período Entretanto as acepções contrárias ao uso da Cannabis obtiveram crescimento em meados do século XIX a partir em especial do estudo realizado pelo Professor Jean Jacques Moreau Faculdade de Medicina da Tour na França juntamente à vários escritores e poetas franceses cujos efeitos hedonísticos da utilização da planta eram precauriosamente descritos Noutro giro apesar do grande preconceito às substâncias psicoativas presentes na maconha em face aos efetivos resultados medicinais apresentados por essas fora a utilização do cânhamo amplamente adotado pela classe média Assim era descrito o formulário médico no Brasil 1888 cujo tratamento da bronquite crônica em crianças ressaltese era tratado pelo fumo de maconha vejamos Contra a bronchite chronica das crianças fumamse cigarrilhas Grimault na asthma na tísica laryngea e em todas Debaixo de sua influência o espírito tem uma tendência às idéias risonhas Um dos seus efeitos mais ordinários é provocar gargalhadas Mas os indivíduos que fazem uso contínuo do haschich vivem num estado de marasmo e imbecilidade Chernoviz 1888 Mantevese no período moderno portanto a prevalência da utilização da maconha sob o compêndio medicinal sendo objeto inclusive de anúncios em jornais brasileiros tal como pela marca Grimault a qual enfocavase a relevância do consumo no tratamento de certos problemas de saúde aduzindo inclusive ser a droga recomendada por autoridades médicas para doenças pulmonares febre do feno laringite entre outros Ademais Araújo e Lucas em 1930 descrevem os atributos do fluído da Cannabis Hypnótico e sedativo de acção variada já conhecido de Dioscórides e de Plínio o seu emprego requer cautela cujo resultado será o bom proveito da valiosa preparação como calmante e antispasmódico a sua má administração dá às vezes em resultados franco delírio e allucinações É empregado nas dyspepsias no cancro e úlcera gástrica na isonomia nevralgias nas perturbações mentais dysenteria chronica asthma etc Todavia no mesmo período iniciouse no ano de 1930 a repressão ao proveito da maconha a mando das esparsas posturas da Câmara Municipal do Rio de Janeiro que em legislação própria determinou pelo preconizado no 7º vejamos É proibida a venda e o uso do pito do pango bem como a conservação dele em casas públicas Os contraventores serão multados a saber o vendedor em 20000 e os escravos e mais pessoas que dele usarem em três dias de cadeia Mott in Henman e Pessoa Jr 1986 Tal movimento proibicionista por sua vez intensificouse majoradamente em resposta à declaração do Delegado brasileiro Pernambuco Filho na II Conferência Internacional do Ópio de 1924 em Genebra pela Antiga Liga das Nações Nesta objetivavase discutir apenas acerca do ópio e da coca Contudo o referido representante acompanhado do Delegado egípcio forçaram a inclusão do debate acerca da Cannabis vez que consideravamna mais periculosa que os demais entorpecentes supracitados Destarte o processo de condenação ao uso do bangue aperfeiçoouse consolidandose na seguinte publicação científica brasileira já dispomos de legislação penal referente aos contraventores consumidores ou contrabandistas de tóxico Aludimos à Lei nº 4296 de 06 de Julho de 1921 que menciona o haschich No Congresso do Ópio da Liga das Naços Pernambuco Filho e Gotuzzo conseguiram a proibição da venda de maconha Partindo daí devese começar por dar cumprimento aos dispositivos do referido Decreto nos casos especiais dos fumadores e contrabandistas de maconha Lucena 1934 grifo nosso Ora salientese que a declaração exposta pelo Delegado em Genebra é contraditória porquanto alude o documento oficial do governo brasileiro Ministério das Relações Exteriores 1959 vejamos Ora como acentuam Pernambuco Filho e Heitor Peres entre outros essa dependência de ordem física nunca se verifica nos indivíduos que se servem da maconha Em centenas de observações clínicas desde 1915 não há uma só referência de morte em pessoa submetida à privação do elemento intoxicante no caso a resina canábica No canabismo não se registra a tremenda e clássica crise de falta acesso de privação sevrage tão bem descrita nos viciados pela morfina pela heroína e outros entorpecentes fator este indispensável na definição oficial de OMS para que uma droga seja considerada e tida como tóxicomanógena Neste diapasão concluise que a referida busca ao extermínio do uso do entorpecente em comento ainda que no âmbito medicinal é originado por uma ação política arbitrária e mais quedada de fundamentação científica para tanto Com efeito foram as diretrizes oriundas da referida Convenção adotadas pelo Codex Penal Brasileiro que em redação de 1940 constituia o seguinte tipo penal Art 281 Importar ou exportar produzir vender expor à venda ou oferecer fornecer ainda que gratuitamente ter em depósito transportar trazer consigo ministrar ou entregar de qualquer forma a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar Pena reclusão de 1 um a 6 seis anos e multa de 50 cinquenta a 100 cem vezes o maior Saláriomínimo vigente no País Neste ínterim foram registradas as primeiras segregações em consequência da mercância de maconha em 1933 e em 1940 no Rio de Janeiro e na Bahia respectivamente No ano de 1961 em apoio da Convenção Única de Entorpecentes da Organização das Nações Unidas ONU a qual o Brasil é signatário fora a Cannabis considerada um entorpecente extremamente prejudicial à saúde e à coletividade dando ensejo à atuação do Shore Patrol marinha norteamericana nas costas brasileiras em combate ao comércio marítimo da referida substância Devese notar por sua vez que a proibição completa do plantioculturacolheitaexploração da maconha por particulares no território brasileiro ocorreu em razão do DecretoLei nº 891 em 25 de novembro de 1938 Todavia impende salientar que não se verificou até o presente momento histórico em comento a proibição quanto ao consumo da maconha Isto pois tal norma somente fora introduzida pela revogada Lei nº 683676 pelo que se afere a seguir Art 16 Adquirir guardar ou trazer consigo para o uso próprio substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar Pena Detenção de 6 seis meses a 2 dois anos e pagamento de 20 vinte a 50 cinquenta diasmulta Sucedida pela vigente norma nº 1134306 inovaram ao abordar o uso da maconha atrelada ao rol de entorpecentes como crime ainda que para destinação própria sob os mesmos núcleos verbais àqueles trazidos pelo tipo penal do tráfico E mais equiparouse o consumo da planta ao de demais drogas tal como observase pelo art 2ª do referido diploma legal Art 2o Ficam proibidas em todo o território nacional as drogas bem como o plantio a cultura a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar bem como o que estabelece a Convenção de Viena das Nações Unidas sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971 a respeito de plantas de uso estritamente ritualísticoreligioso Parágrafo único Pode a União autorizar o plantio a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo exclusivamente para fins medicinais ou científicos em local e prazo predeterminados mediante fiscalização respeitadas as ressalvas supramencionadas Todavia informese que abstendose de qualquer influência social que o tema possui a Cannabis não é uma substância narcótica tal como é classificada pelos órgãos oficiais Com efeito ao exposto observase extrema resistência ao almejo da permissão desta no tratamento complementar de diversas enfermidades tal qual o temido câncer visto que o Δ 9tretaidrocanabinol princípio ativo da maconha possui efeito antiemético em casos de vômitos induzidos pela quimioterapia bem como constitui em um orexígeno útil para os casos de caquexia aidética e a produzida novamente pelo câncer Tal princípio inclusive é registrado como medicamento em vários países ante a sua relevância e efetividade tais como Estados Unidos Marinol e Holanda A contrario sensu à orientação mundial quanto a esta substância em 20 de julho de 1995 durante evento denominado Tretaidrocannabinol como medicamento presidido pelo Ministro da Saúde e pelo Conselho Federal de Entorpecentes CONFEN apresentouse diversas reservas ao derivado do antigo fumo dAngola Contudo versa de um tema de extrema urgência ao debate na atualidade posto o expressivo índice de usuários mesmo perante à proibição legal para tanto brasileiros no qual alcançou a taxa de 69 da população total em 2002 Neste sentido inclusive aferese do Levantamento Domiciliar sobre Consumo de Drogas no Brasil de 2002 que durante os antecedentes 15 anos estudados o número de internações hospitalares resultantes de intoxicações agudas ou de dependências à maconha não ultrapassou o valor de 300 trezentos por ano enquanto as submissões hospitalares por álcool droga aprovada atingiu preocupantes 119906 no mesmo período Dessarte para finalizar imperioso transcrever o editorial do respeitado Jornal Brasileiro de Psiquiatria 293534 1980 A falta de discriminação entre viciados em drogas pesadas e simples fumantes de maconha tem resultados altamente inconvenientes do ponto de vista social Se os estabelecimentos especiais viessem a ser construídos para internar usuários de maconha com toda a probabilidade iríamos ressuscitar o famoso dilema do Simão Bacamarte de Machado de Assis Talvez fosse melhor internar a população sadia para defendêla dos supostos perigos dos cada vez mais numerosos adictos de maconha O perigo maior do uso da maconha é expor os jovens a consequências de ordem policial sumamente traumáticas Não há dúvida de que cinco dias de detenção em qualquer estabelecimento policial são mais nocivos à saúde física e mental que cinco anos de uso continuado de maconha Finalmente em 1987 a Associação Brasileira de Psiquiatria ABP também faz um editorial em que comenta o assunto A dupla penalização do usuário de drogas ou duas vezes vítima Revista ABPAPAL 1987 Ninguém como os psiquiatras conhece melhor a miséria humana que acomete os drogados Eles são mais vítimas do sistema de produção e tráfico e de si mesmos que delinquentes Neste sentido julgamos oportuno trazer à discussão sob a égide deste momento Constituinte este polêmico tema que tem desencadeado tão graves consequências O problema das drogas em nosso país tem sofrido um julgamento apaixonado permeado por atitudes moralistas e um tratamento policial O próprio tratamento compulsório dos dependentes de drogas mostra baixa eficácia quando não absoluta inutilidade e serve muitas vezes de artifício para beneficiar apenas os mais abastados Ressaltese que a particular questão do tratamento e da recuperação dos drogados deve estar integrada à rede de cuidados gerais à saúde e ao bemestar social Finalmente devese considerar com seriedade a necessidade de se promover a descriminalização do uso da maconha estipulando a quantidade considerada porte sem promover a liberação da droga Esta medida ampliaria as possibilidades de recuperação do usuário isolandoo do traficante e evitando a dupla penalização a pena social de ser um drogado e a pena legal por ser um drogado esta última muitas vezes mais danosa que a primeira Deste modo levantase o seguinte questionamento tendo em vista o reconhecimento expresso dos potenciais medicinais da maconha pelo Governo autor da recriminação normativa desta porque o uso desses benefícios ainda que para um almejo medicinal é proibida Para tanto recorremos à perspectiva crítica da criminologia jurídica a seguir descrita Não obstante em adiantamento ressaltese que não há uma justificativa sólida para o proibicionismo da Cannabis quanto aos fins medicinais Há contudo um efeito social ensejador da criminalização a rejeição cultural ante ao remoto acesso desta por classes menos favorecidas o qual denotalhe um caráter de preconceito Ademais enfrenta o Brasil uma guerra às drogas em geral promovida pelo Estado e endossada por parte da população o qual são investidos elevados recursos para o fortalecimento do combate sem preocuparse a primeiro plano nos motivos pelo qual fora constituído este cenário isto é uma motivação moral e arbitrária em contrapartida à valorização biológica da planta 3 AS TEORIAS CRIMINOLÓGICAS Definir criminologia é um grande desafio do direito penal moderno Esse conflito é oriundo da inexistência de uma ciência criminológica não sendo possível comparála com outros ramos das ciências como por exemplo as ciências naturais Isso ocorre pois diferente do que ocorre com as ciências não é possível analisar a criminologia como um aglomerado de conhecimentos sistematizados tendo em vista que é construída por meio de pontos de vista muitas vezes contraditórios sustentados por questões ideológicas que vão interferir tanto na teoria científica quanto na definição de um objeto e do seu método de estudo Assim não é possível falar da existência de uma ciência criminológica mas de muitas teorias criminológicas distintas É possível a título de simplificação distribuir as teorias criminológicas em duas categorias diferentes A primeira é chamada de teoria criminológica convencional e busca assumir os valores sociais dominantes na sociedade estudada como premissa para o trabalho teórico Essa teoria não tem como objetivo discutir o mérito desses valores sociais se trata portanto uma análise de esfera dogmática desses valores A segunda teoria é conhecida como teoria criminológica crítica sua finalidade é conduzir uma análise zetética sobre os valores sociais dominantes na sociedade estudada Isto é busca refletir com uma ótica criminal sobre os motivos que levam esses valores a serem valorizados na sociedade em questão a sua legitimidade e os efeitos dos mesmos nas políticas e sistema criminal O estudo da pluralidade de teorias que abarcam a criminologia é orientado pelo objetivo social que elas visam ter possuindo uma base experimental indispensável É por meio da análise dos fatos concretos da aplicação do direito penal e da realidade do sistema criminal que as teorias criminológicas irão surgir e se orientar A criminologia pretende observar as formas de exercício do Poder pelo Estado o viés político ideológico que se evidencia por trás dessa forma de aplicação a opinião e posicionamento de camadas relevantes da sociedade assim como o impacto de políticas econômicas e sociais nos índices de criminalidade de um determinado lugar É em síntese um estudo sobre todas as motivações exteriores ao indivíduo ou seja as condições materiais da vida social que podem influenciar no surgimento de um comportamento criminoso Há dessa maneira uma vinculação necessária entre a criminologia e a ciência social de modo que seja defendido por muitos autores que a primeira seja uma integrante da segunda Desse modo a criminologia visa discutir e entender a razão de certos comportamentos serem considerados criminosos no Brasil enquanto podem ser perfeitamente aceitos em outros países O seu campo de estudo é justamente analisar os valores que sustentam a sociedade e os seus impactos na criminalidade assim como buscar compreender até que ponto as práticas e mentalidade atuais têm produzido resultados favoráveis para o interesse final da população e do Estado 31 A CRIMINOLOGIA SOB O ÂMBITO DA PROIBIÇÃO DA MACONHA Entender os pressupostos da criminologia deve ser o ponto inicial da análise da criminalização do comércio da maconha no Brasil Tendo em vista que há um grande estigma das propriedades psicoativas da planta entre determinadas camadas da sociedade brasileira Atualmente a sociedade recrimina esse tipo de conduta colocando os efeitos da maconha em nível de paridade com os efeitos de outras drogas ilícitas recriminando os usuários da mesma e punindo aqueles que a cultivam e comercializam como presente no artigo 2º da Lei 113432006 Art 2o Ficam proibidas em todo o território nacional as drogas bem como o plantio a cultura a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar bem como o que estabelece a Convenção de Viena das Nações Unidas sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971 a respeito de plantas de uso estritamente ritualísticoreligioso Parágrafo único Pode a União autorizar o plantio a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo exclusivamente para fins medicinais ou científicos em local e prazo predeterminados mediante fiscalização respeitadas as ressalvas supramencionadas Após analisar o artigo acima evidenciase um ponto de atenção os legisladores reconhecem o potencial medicinal e científico tornando possível que a União utilize desses recursos caso entenda como necessário De modo que é levantado o seguinte questionamento tendo em vista o reconhecimento expresso dos potenciais medicinais da maconha pelo Governo porque o uso desses recursos ainda é recriminado e a sua mercantilização proibida Ora recorremos a perspectiva crítica da criminologia jurídica para solucionar a questão Não há uma justificativa jurídica sólida o suficiente para a criminalização da maconha e de seu uso para fins medicinais Há contudo uma questão social latente camadas expressivas da sociedade não aprovam o consumo da mesma desejando que haja sim uma punição e segregação daqueles que utilizam da maconha O Brasil vive atualmente uma guerra às drogas promovida pelo Estado e endossada por parte da população de modo que gastase muitos recursos para a militarização da polícia operações policiais em favelas e demais pontos de tráfico encarceramento de traficantes e até mesmo de usuários Assim é na análise criminológica que tornase possível compreender que os motivos que resultam na criminalização da maconha medicinal na sociedade brasileira não são unicamente jurídicos mas oriundos de uma moral baseada nos costumes da sociedade brasileira Movimentos sociais como a Marcha da Maconha surgem portanto a partir de uma mobilização da própria população brasileira com o objetivo de conscientizar e mobilizar mais pessoas e chamar a atenção para os órgãos públicos revelando que há camadas sociais que discordam dos posicionamentos jurídicos atuais que há legitimidade popular para uma transformação normativa tendendo para a descriminalização e legalização da maconha medicina 32 A TRANSFORMAÇÃO DA MORAL SOB UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA O filósofo Jurgen Habermas aponta como um dos marcos da modernidade a passagem da visão de mundo católica predominante no período feudal para as sociedades de cosmovisão pluralista que têm seu início no movimento iluminista Essa passagem é responsável por uma grande transformação das sociedades sobretudo no ponto de vista da moral e do direito Os mandamentos morais que creditavam a justiça e bondade à um Deus Salvador não podem mais ser explicados por um ponto de vista divino e transcendente Assim a passagem para o pluralismo ideológico nas sociedades modernas promove uma decomposição da religião e do ethos enquanto fundamento público de validação de uma moral que é partilhada por todos Isto é as regras morais que regem a sociedade não podem mais ser sustentadas pela existência de um Deus mas por aspectos empíricos para que sejam válidas e aplicáveis para todos Assim ocorre um deslocamento da autoridade epistêmica que antes era pautada nas doutrinas religiosas e passa a ser fruto das ciências empíricas A teoria kantiana da razão explica essa nova autoridade epistêmica de modo que a vontade racional é uma exteriorização da razão pura sem influência dos desejos provocados pelos sentidos De modo que a razão está diretamente ligada com a liberdade do homem A vontade racional para Kant é o conteúdo cognitivo que constitui motivos racionais para os atos É essa vontade racional que deve ser pautada pelas ciências empíricas Dessa maneira Habermas aponta os dois principais enfoques clássicos de empirismo de modo a demonstrar dois entendimentos distintos da moral nas sociedades modernas O primeiro enfoque é a filosofia moral escocesa que baseiase nos entendimentos morais compreendendo como moral aquilo que funda a coerência solidária de uma sociedade Já o segundo enfoque é o contratualismo este pautase nos interesses individuais e coletivos e entende como moral aquilo que garante justiça à um trânsito social normativamente regulado Ambas na visão de Habermas apresentam uma falha em comum não sendo capazes de explicar racionalmente a obrigatoriedade dos deveres morais Não há uma explicação racional para os sentimentos de reprovação e aprovação gerados pelo cumprimento ou descumprimento dos deveres morais Desse modo o filósofo critica tanto a moral sob a visão jusnaturalista do direito que entende direito e moral como conceitos imutáveis e transcendentais quanto a moral sob a visão positivista que é fruto de uma construção positiva Para J Habermas ambas as teorias falham na captação do vínculo entre direito moral e legitimidade 33 As concepções de Habermas para Direito e Moral Habermas enxerga o Direito a partir do direito moderno sendo positivado e dotado de coerção e fruto de um processo legislativo Assim o Direito é positivado por ser um conjunto de normas dotadas de mutabilidade é elaborado por meio de legisladores políticos e é sustentado pela existência de uma sanção para o seu descumprimento sendo este o seu aspecto coercitivo O Direito é portanto um processo democrático de formação de opiniões A compreensão da moral sob a visão de Habermas está intrinsecamente ligada às teorias do agir comunicativo e do discurso que visam explicar a construção da legitimação racional das normas jurídicas nas sociedades modernas A moral sob esse ponto de vista é construída socialmente Os indivíduos apresentam suas opiniões e julgamentos de valores por meio de seus discernimentos éticos Os discernimentos éticos devemse à explicação daquele saber que os indivíduos comunicativamente socializados adquiriram na medida em que cresceram para dentro de sua cultura Habermas 2002 De modo que esse saber intuitivo só existe devido a existência de uma perspectiva social Para Habermas a teoria do agir comunicativo existe em contextos sociais cujas relações de poder não existem ou não exercem poder coercitivo nas opiniões individuais possibilitando a liberdade para o debate e divergências ideológicas Esse contexto social é chamado por Habermas de mundo da vida A validade da lei sob uma perspectiva moral ocorre quando essa pode ser aceita por todos a partir da perspectiva de cada um Essa capacidade de generalização dos interesses de acordo com Habermas é o que faz a lei valer O processo de elaboração das leis gerais em uma sociedade devem ser fruto da atuação dos colegisladores isto é os indivíduos que compõem a sociedade Os colegisladores são chamados dessa maneira pois cada pessoa participa de um processo cooperativo a partir do qual se pode examinar se uma norma que é objeto de discussão pode ser considerada generalizável segundo o ponto de vista de todos os participantes Assim se dá o agir comunicativo de Habermas é um processo que considera a autoconsciência de cada pessoa individual cujas contribuições epistêmicas de um discurso de exame das normas visam o mútuo entendimento Em síntese o paradigma proposto por Habermas é uma recondução da teoria kantiana que separa os conceitos de Moral e Direito colocandoas em uma relação de independência Habermas contudo não os considera totalmente independentes apontando uma relação de complementariedade entre os dois conceitos Nessa perspectiva entendese que a legitimação da criminalização da maconha no Brasil deve ser analisada tendo em vista os preceitos morais da sociedade brasileira que estão sendo defendidos com essa proibição conduzindo a reflexão se esses preceitos continuam condizentes com as novas gerações de brasileiros e as transformações sociais delas oriundas 4 MOVIMENTOS SOCIAIS E A BUSCA PELA LEGALIZAÇÃO DA MACONHA EM BELO HORIZONTE Até agora analisouse o movimento histórico da maconha tanto na esfera mundial e quanto na esfera brasileira porém é preciso fazer uma alusão aos desdobramentos sociais que a criminalização da maconha provoca na coletividade A promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil em 1988 gerou expectativas quanto a como seus efeitos atingiriam o sistema das relações sociais haja vista os diversos direitos sociais assegurados assim como princípios importantíssimos Em seu primeiro Artigo inciso II revela que Art 1º A República Federativa do Brasil formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal constituise em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos II a cidadania Ou seja a CR88 explicita seu paradigma de criação o Estado Democrático de Direito e um de seus fundamentos primordiais fruto de análise por Jürgen Habermas a cidadania Para este filósofo alemão a democracia com a devida participação dos interessados legitima a atuação do Estado de forma que aqueles e este construam a sociedade juntos por meio de um discurso integrativo A deliberação e fundamentação entre sociedade e Estado promovem a democracia e a legitimidade do direito O discurso realizado pelos cidadãos para com seus representantes é capaz de fazer surgir o sentimento de pertencimento social daqueles enquanto sujeitos político e jurídicos assim como a sensação de que para quem integra a sociedade existe um local de fala ideal o qual pode ser igualmente exercido por todos Isto proporciona a legitimidade do direito pois o exercício da democracia via exercício da cidadania do pluralismo e da igualdade torna lícita e permitida à aplicação do direito por meio do Estado Porém um dos principais problemas da contemporaneidade reside no multiculturalismo e na ignorância dos princípios garantidos sendo que as diferenças não estão sendo contempladas pelos representantes do povo pelo contrário hoje se tem uma função legislativa muito mais pautada no retrocesso social prezando pela resolução dos problemas que lhe dizem respeito e além disto suprimindo a vontade das minorias assim como de seus direitos No art 205 da Constituição Brasileira de 1988 se vê a dicção A educação direito de todos e dever do Estado e da família será promovida e incetivada com a colaboração da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho Ora percebese aqui um pedido do Estado para que as pessoas participem de sua construção mas não passa de um pedido formal uma vez que ele parece não se atentar para as demandas sociais pois ignora tanto o interesse das maiorias quanto das minorias não conseguindo balancear as vontades Para o sociólogo francês Alain Touraine esta é a semente dos movimentos sociais o embate entre classes e vontades políticas porque problemas vistos na sociedade fazem parte da forma como um Estado é governado permeado por vontades privadas e pelas desigualdades sociais Assim aqueles que deveriam representar a vontade do povo de fato lutam por suas próprias convicções deixando de lado aqueles que os colocaram no poder legitimando sua atuação Surge a partir disto um levante movido pela indignação de pessoas partilhantes da mesma ideologia as quais constroem grupos para reivindicar mediante participação efetiva o que lhes é de direito os movimentos sociais Assegurados pelo Artigo 5º XVI da CR88 movimentos sociais são dinâmicas protestos encontros que visam confrontar assuntos polêmicos discutidos nos três âmbitos sistemáticos político econômico e social objetivando além de propiciar um debate acerca de o porquê acontecer também a subsistência da democracia participativa e a inclusão daqueles os quais são figuram como minoria prejudicada perante a sociedade Conforme ressalta Celso Fernandes Campilongo Os movimentos sociais fazem a crítica da sociedade Logo seus alvos são as lacunas as inconsistências as perversões o mau funcionamento e os efeitos do próprio funcionamento dos sistemas de função A sociedade que provoca a mobilização dos movimentos sociais é uma sociedade diferenciada funcionalmente É nesse ambiente que os protestos são construídos Em meio à insatisfação do funcionamento do sistema legislativo brasileiro pessoas de todas as classes sociais cores culturas opção e orientação sexual unemse em prol de um objetivo aquele a ser tratado por este artigo a legalização da maconha Em Belo Horizonte o principal movimento social a favor da legalização é intitulado Marcha da Maconha promovido por um grupo de pessoas envolvidas por uma organização horizontal na qual se dividem das tarefas De acordo com o artigo 5º XVI todos podem reunirse pacificamente sem armas em locais abertos ao público independentemente de autorização desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local sendo apenas exigido prévio aviso a autoridade competente por isto os organizadores apenas comunicam à prefeitura a ocorrência da marcha e para atribuírem maior visibilidade ao movimento elaboram panfletos criam eventos nas mídias sociais alugam carros de som etc Seguindo ainda a lógica de Touraine compõem um movimento social três princípios fundamentais o princípio de identidade o princípio de oposição e o princípio de totalidade sendo que juntos são capazes de gerar certo tipo de consciência coletiva De acordo com o movimento Marcha da Maconha e com relação ao primeiro princípio o movimento é composto por diversos tipos de pessoas como aquelas que necessitam de extratos da droga para seu uso medicinal religioso recreativo bem como as pessoas que não fazem uso da droga mas mesmo assim percebem mais prós do que contras no ato de sua legalização tanto no âmbito nacional quanto no internacional Em se tratando do segundo princípio oposição o movimento acredita que seus maiores adversários são em sua grande maioria políticos e religiosos e leigos no assunto os quais desconhecem os milhares de usos da planta e os malefícios de sua proibição Finalmente temse o fundamento da totalidade terceiro princípio Por que lutar para legalizar Para A Marcha da Maconha de Belo Horizonte primeiramente a droga é vista como uma otimização no tratamento de muitas doenças em muitos casos graves as quais atingem diversas pessoas A planta também para o Movimento é a fibra vegetal mais resistente conhecida um dos motivos pelo qual pode originar milhares de produtos industriais até mesmo casas carros e bicombustíveis ecológicos Além disto acredita em seu poder medicinalindustrial países como Canadá Israel Inglaterra e Estados Unidos utilizamna neste sentido Em outra esfera expõe que no Brasil temse uma população carcerária composta por mais de seiscentas mil pessoas das quais cerca de cem mil são prisioneiras devido ao consumo eou trafico de maconha uma planta com nível de toxicidade amplamente inferior ao do álcool Além disto os organizadores acreditam na famosa cultura carcerária na qual mesmo sendo previstas leis para isto não ocorrer vide Artigo 33º ao 36º do Código Penal indivíduos que cometem crimes como o consumo de maconha são encarcerados com traficantes homicidas estupradores por exemplo sendo praticamente obrigados a conviverem e submeteremse às regras impostas a eles sob risco de morte Desta forma vislumbram a proibição da maconha como uma tragédia humanitária pois tem como consequência a superlotação dos presídios assim como do judiciário Assim o movimento em prol da legalização da maconha é realizado e sistematizado em Belo Horizonte pela organização intitulada de Marcha da Maconha a qual não vê o porquê da droga em pelo século XXI ser ainda criminalizada 5 O USO MEDICINAL DA MACONHA O DIREITO À SAÚDE E O POSICIONAMENTO DA ANVISA AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA 51 O DIREITO CONSTITUCIONAL À SAÚDE E A RESPONSABILIDADE ESTATAL Ante à vigência do Estado Democrático de Direito preconizado pela sistemática do ordenamento jurídico brasileiro impendese em qualquer debate jurídico uma análise da temática sob o crivo da Lei Maior tal qual a Constituição Federal de 1988 A ela evidenciase o marco da redemocratização do regime político no Brasil que ao superar mais de 20 vinte anos de regime militar ditatorial fora a responsável pela institucionalização dos direitos humanos no país dandolhes força de aplicabilidade intermitente e imediata Neste sentido objetivouse estabelecer garantias constitucionais gerais cujo zelo proporciona condições mínimas aos indivíduos ao alcance de uma igualdade formal e material Com isso em histórica 2ª onda de direitos fundamentais insurgiram os sociais tais quais à educação à saúde à alimentação ao trabalho à moradia ao lazer à segurança à previdência social à proteção à maternidade e à infância à assistência aos desamparados Consequentemente aduz Canotilho 2008 p 97 os direitos sociais na qualidade de direitos fundamentais devem regressar ao espaço jurídico constitucional e ser considerados como elementos constitucionais essenciais de uma comunidade jurídica bem ordenada A partir do exposto verificase que ao adotar os direitos sociais à Constituição atrelou o legislador uma função política do Estado em resguardálos de modo a legitimar aos cidadãos a exigência para tanto Outro não é o entendimento do respeitado doutrinador Bontempo 2005 p 75 o qual elucida que os direitos sociais são por conseguinte sobretudo endereçados ao Estado para quem surgem na maioria das vezes certos deveres de prestações positivas visando à melhoria das condições de vida e a promoção da igualdade material Diante desse contexto salientese que o mesmo diploma legal supracitado além de descrever os bem jurídicos a serem protegidos em âmbito constitucional apresentou em seu artigo 6º um amplo rol de normas que orientam à necessidade de criação de diretrizes e políticas a serem adotados pelos entes públicos e pela coletividade em geral objetivandose a eficácia de tais garantias Feitas essas considerações fora a prestação de serviços à saúde adotada pelo constituinte como dever estatal a ser zelado Dessarte não estaria este serviço público restrito aos trabalhadores inseridos no mercado formal mas é concedido à todos os brasileiros independentemente do vínculo empregatício E mais em admirável inovação normativa a Constituição sob égide dos artigos 196 197 e 198 II determinou o acesso indiscriminado dos cidadãos ao sistema de saúde de modo a estipular uma atividade integral e preventiva Com efeito Ladeira 2009 p 110 esclarece que o direito à saúde configura se como direito social prestacional que objetiva assegurar à pessoa humana condições de bemestar e de desenvolvimento mental e social livre de doenças físicas e psíquicas Nesse entendimento Paranhos 2007 leciona que Extraise do art 1 inciso III da Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988 que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil Logo não há como recusar que um dos requisitos para a existência dessa dignidade de que trata a Constituição Federal é a saúde pública PARANHOS 2007 p 155 Todavia para aferir as possíveis políticas a serem adotadas à garantia da saúde à população devese a priori determinar o conceito deste direito Em uma análise doutrinária a respeito extraise um duplo efeito do direito à saúde são eles a uma temse como um direito de defesa de modo que a tutela prevê uma proteção à integridade fisiológica das pessoas contra agressões de terceiros a duas como um direito positivo o qual determinase ao Estado a efetivação de atendimento médico e hospitalar Considerandoo como uma resguarda prescindível ao direito à vida e à integridade física do homem aduziu o Ministro Celso de Mello vejamos Entre proteger a inviolabilidade do direito a vida e a saúde que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República art 5 caput e art 196 ou fazer prevalecer contra essa prerrogativa fundamental um interesse financeiro e secundário do Estado entendo uma vez configurado esse dilema que as razões de ordem éticojurídica impõem ao julgador uma só e possível opção aquela que privilegia o respeito indeclinável a vida e a saúde humana Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n 3931750RS Segunda Turma Supremo Tribunal Federal Relator Ministro Celso de Mello Julgado em 12122006 publicado 02022007 grifo nosso Neste diapasão verificase como responsabilidade do Estado a concessão de uma estrutura ora preventiva como repressiva à potenciais enfermidades A exemplo como corolário à saúde encontrase a promoção a uma alimentação saudável em uma política preventiva In casu à obra a repressão estatal contra a concessão ao uso descomedido das drogas em geral justificariase pela prevenção à perda do discernimento do indivíduo ante ao abuso do consumo de modo a apresentar um potencial lesivo não só a si como a outrem Ademais constituirseá em uma atuação omissa estatal ante a degradação fisiológica própria pelo uso permitido dos entorpecentes Contudo salientese que tal temática não incumbe no objeto do presente estudo O que se objetiva nesta dissertação referese à conciliação entre o dever à saúde pelo Estado e uma eventual permissão deste na concessão do consumo medicinal da maconha Pois bem tratandose de um ato supervisionado por um técnico tal qual o médico o abuso do consumo portanto é afastado visto que não só o quantum bem como a periodicidade deste uso será regulamentada por um perito de modo a não acarretar numa dependência mantendose então a integridade mental do usuário Ademais cingese do dever à saúde a concessão pelo governo de uma estrutura apta à repressão de enfermidades Logo impende ao Estado não só constituir estruturas físicas para receber e tratar os acometidos bem como a fornecer um corpo técnico qualificado para tanto e ainda garantir o acesso aos medicamentos mais adequados à terapia Deste modo ante às inúmeras já descritas qualidades que a Cannabis possui na repressão de determinadas doenças inclui como responsabilidade dos entes públicos inclusive a fomentação à pesquisa e ao melhoramento dos fármacos por esta fornecidos 52 A ACEPÇÃO DO USO DA MACONHA MEDICINAL PELA AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA ANVISA Os direitos fundamentais por sua vez abordam certas questões quanto à burocracia normativa bem como quanto à expansivas pretensões sociais como satisfações desta garantia Alude Bobbio 1992 que perante um contexto de constante progresso tecnocientífico o fácil acesso a tais informações acarretam em uma exponente ampliação das pretensões acerca destes direitos fundamentais Novos direitos são reivindicados conforme se aumenta a percepção de que sempre algo melhor está por vir BOBBIO 1992 Na medicina por denotar uma ciência natural patente a manifestação supramencionada Consequentemente instaurouse comissões públicas destinadas a isso a CONITEC Comissão Nacional de Incorporação de Novas Tecnologias a ANS Agência Nacional de Saúde Suplementar e a Anvisa Agência Nacional de Vigilância Sanitária A estas é delegada a prerrogativa de deliberação acerca de permissão consumo comercialização e fornecimento de substâncias e tecnologias no Brasil Portanto o caminho entre uma reivindicação social e sua concretização perpassa por tais órgãos não tratandose de um feito automático Finalmente descendo do plano ideal ao plano real uma coisa é falar dos direitos do homem direitos sempre novos e cada vez mais extensos e justificálos com argumentos convincentes outra coisa é garantirlhes uma proteção efetiva BOBBIO 1992 p 32 Portanto ante aos diversos movimentos sociais já explanados no estudo foram assegurados as reivindicações sociais por tais normas porém conforme aduzido em um lento processo burocrático Contudo observandose os diversos benefícios trazidos pela maconha a Agência Nacional de Vigilância Sanitária Anvisa por meio da portaria nº 34498 incluiu derivados da canabidiol na lista de substância psicotrópicas vendidas no Brasil perante a receita do tipo A específica para entorpecentes A norma concede o registro no Brasil por empresas acerca da produção de mercadorias com canabidiol e tetrahidrocannabinol como princípio ativo em concentração de no máximo 30mg por mililitro Atualizamos a portaria exatamente para que se o registro for concedido os médicos saibam como esse medicamento será prescrito alegou o diretorpresidente da Anvisa Jarbas Barbosa Assim o medicamento será prescrito da mesma forma que outros medicamentos psicotrópicos já em uso no Brasil Ou seja terá a tarja preta e só poderá ser vendido com prescrição médica especial que é aquele formulário que o médico tem numerado Quando vendido a farmácia terá a obrigação de registrálo no Sistema Nacional de Controle de Medicamentos que é gerenciado pela Anvisa para que possamos monitorar se há está havendo algum desvio ou abuso na sua prescrição concluiu Outrossim fora publicada uma nova Resolução da Diretoria Colegiada RDC atualizando o Anexo I da RDC nº 172015 o qual ampliase o rol de produtos à base de Canabidiol A importação desses produtos poderá ser realizada por pacientes com prescrição médica atrelada à avaliação e aprovação prévia do órgão responsável A lista totaliza 11 produtos à base de canabinóides que passam a constar no Anexo I da RDC 172015 53 A ATUAÇÃO DO ESTADO NA TEMÁTICA PROIBICIONISMO E ALTERNATIVAS Ante ao exposto verificase como propulsor do combate ao consumo de determinadas substâncias psicoativas as resoluções da Primeira Convenção Internacional do Ópio de 1912 cujas diretrizes foram amplamente herdadas pela já mencionada Convenção Única sobre Entorpecentes em 1961 o qual implantouse o paradigma proibicionista a ser seguido pelos membro signatários da ONU de modo a punir quem vendesse produzisse ou consumisse as então denominadas drogas Este proibicionismo por sua vez modulou o entendimento social contemporâneo acerca das substâncias psicoativas sob um critério arbitrário para a classificação das drogas como legais ou positivas e como ilegais ou negativas Ademais observase uma luta inclusive adotada por experimentos científicos visandose expor esta discricionariedade Deste modo a política proibicionista não esgota a temática porém ressaltese a determina Cumprenos salientar todavia que não fora um único evento histórico apto a demarcar a adoção de tais restrições isto é a Convenção de 1961 em apartado não é hábil à ensejar no excessivo proibicionismo às drogas Tratase de um processo histórico cultural no qual incluem a radicalização do puritanismo norteamericano o interesse pela monopolização da produção de drogas pela indústria médico farmacêutica os recentes conflitos geopolíticos do século XX e o efeito social do temor das elites ante à desordem urbana Ademais atrelado a tais influentes fenômenos constatase grande ativismo pioneiro norteamericano em orientação à expansão do proibicionismo no âmbito global In casu este influxo é claramente verificado visto que os atos normativistas proibitivos acerca do consumo de drogas eram promulgados pari passo aos norteamericanos Retomemos contudo ao conceito de droga cujo amplo significado se segue substância que quando administrada ou consumida por um ser vivo modifica uma ou mais de suas funções com exceção daquelas substâncias necessárias para a manutenção da saúde normal Portanto pugnase para a análise crítica acerca das normas proibitivas adotadas pelo Brasil o afastamento à conotação social do termo droga de modo a abordálo em seu sentido farmacológico mormente às substâncias psicoativas Ainda sob um prisma conceitual a Convenção Internacional de 1961 determinou um modelo que se mantém vigente no qual dividemse as drogas e suas origens em listas por meio de um critério quanto ao potencial de abuso em comparação às aplicações médicas Em assombroso resultado encontrase a maconha como altamente abusiva e ausente de uso medicinal a contrario sensu de toda a análise histórica por aqui descrito Destarte atribuise à maconha um consumo prescindível e intrinsecamente danoso de modo a culminar em uma forte intervenção estatal à perseguir qualquer relação a ela Aferese conquanto à maior justificativa à restrição normativa a capacidade em causar dependência Primeiramente por gerar efeitos prazerosos cujo consumo estimulam a reiteração perdendose o interesse em demais atividades o qual atribuem a tal fenômeno a perda da capacidade de escolha Posteriormente argumentam à proibição em face aos efeitos sociais do uso crônico tal qual a perda de laços familiares e a tendência ao desenvolvimento de demais patologias mentais Não obstante todas as atividades humanas incumbem em potencial risco ou dano A exemplo citase as cotidianas como locomoção esporte e sexo Noutro giro a ingestão ainda que involuntária de determinadas substâncias como a poluição ou o consumo abusivo de determinados alimentos são considerados atualmente como os mais graves problemas à saúde pública do planeta Tais drogas contudo não são objeto de normatização estatal vez que ora são intrínsecas à vida humana ou ora possuem efeitos colaterais previsíveis o que não se expõe dos entorpecentes ilícitos Reconhece se inclusive complicações graves e até letais do uso da maconha Porém observase demais tóxicos que podem acometer os mesmos resultados contudo de uso gerais no qual o Estado se limita a regular somente a produção e a comercialização quedando se de intervir no consumo cabendo a este a discricionariedade do indivíduo Há ainda estimulantes semelhantes que perecem de receituário médico mas de livre comercialização São em suma os analgésicos relacionados a milhares de mortes anuais ansiolíticos antidepressivos bem como as usuais bebidas alcóolicas as estimulantes café chá e energéticos e o tabaco Todas essas citadas drogas possuem efetivo potencial de dano provocando não só a dependência como também um grande índice de óbitos acidentais anuais Outrossim cabe à supremacia estatal o tratamento normativo às drogas proscritas documentadas pela ONU Quanto às psicoativas consideradas excessivamente ilegais empiricamente verificase o maciço consumo no qual a mera restrição não o impedirá porém somente afastará o cidadão da tutela estatal expondoo a consequências mais gravames que o próprio consumo E mais não se trata de uma utilização completamente prescindível Isto pois por um simples exame das atribuições da Cannabis na história conforme já asseverado indubitável é a sua relevância perante a humanidade mormente a sua atuação no combate à doenças e infecções alívio da dor redução da ansiedade melhoria do desempenho e intervenção na sociabilidade do usuário Logo equivocado data venia se encontra a classificação desta droga pela Convenção de 1961 O excessivo proibicionismo impede o exercício fundamental da disposição própria do corpo sob zelo ao direito de liberdade de escolha Ainda se encontra como um obstáculo a maiores estudos acerca dos efeitos da Cannabis bem como alcançar os inúmeros benefícios obtidos por suas substâncias Todavia não é consagrada ao indivíduo a autossuficiência abstrata de modo que a interdição restritiva não se justifica perante casos individuais sob tutela médica e judicial como são as regulamentações acerca de algumas substâncias proscritas Sugerese a extensão do consumo da maconha medicinal ao campo geral das drogas alimentos e até determinadas práticas consideradas periculosas de modo que regulamentase a produção a comercialização e a exigência à prescrição por autoridade competente contudo não se pode intervir no consumo Ainda conquanto ao potencial compulsório do entorpecente visto que buscase a ministração sob orientação médica isto é envolve uma utilização técnica e científica da substância a abuso capaz de culminar na dependência é afastado Noutro giro ao proibir a produção o comércio e o consumo da Cannabis em efeito contrário potencializase um mercado clandestino produtor de problemas mais gravames Visto que cediço é o entendimento de que a mercancia de drogas juntamente ao comércio de armas de fogo lideram o mercado criminoso global Ausente de qualquer regulamentação a respeito desencadeiam em exploração do trabalho inclusive infantil poluição ecológica bem como corrupção de agentes públicos e o efeito mais preocupante a decorrente violência na disputa pelo domínio da comercialização Importante nesta oportunidade destacar que diversamente à corrente proibitiva os dados empíricos não são relacionados ao consumo de drogas mesmo ante a dinâmica acima descrita Em países da Europa Ocidental cuja utilização da maconha também é ilegal porém o consumo ocorrem em maior escala os níveis de violência são extremamente inferiores Isto é a violência vigente do comércio de drogas responde aos contextos em que este ocorre não se tratando de uma característica geral da mercancia 6 CONCLUSÃO No ponto de vista sociológico é inquestionável o fortalecimento dos movimentos sociais em prol da descriminalização da maconha no Brasil Esses movimentos amparados pelos avanços de pesquisas que comprovam os efeitos medicinais da maconha ganham força justamente por trazer em debate uma questão muito importante sobre o tema a existência de um estigma entre os usuários da erva e o preconceito de camadas mais conservadoras da população Esses dois pontos precisam ser abordados por serem os principais pilares da sustentação da criminalização da maconha no Brasil A guerra à maconha conduzida pelo Estado brasileiro é responsável pelo desperdício de consideráveis recursos financeiros em armamento prisões e disputas que não refletem na redução da criminalidade e tampouco possuem significados favoráveis Isso ocorre justamente porque a maconha não é uma droga com efeitos tão nocivos à saúde quanto diversas outras mesmo legalizadas pelo Estado Do ponto de vista do Direito os movimentos sociais em prol da descriminalização da maconha têm reconhecida a sua legitimidade em torno dos direitos assegurados pela Constituição Federal de liberdade de expressão e liberdade de associação CR88 art 5º XVI Além disso é mister ressaltar princípios penais como o da lesividade subsidiariedade e intervenção mínima que muitas vezes parecem ser minimizados quando tratamos da maconha medicinal no Brasil em face de um preconceito existente na sociedade Ocorre também que a negação do Estado brasileiro em reconhecer e estudar os efeitos medicinais da Cannabis sativa é uma medida que dificulta e afasta muitos cidadãos do acesso à uma saúde de qualidade de modo que atenta contra a proteção do Estado ao direito à saúde Assim concluise que do ponto de vista jurídico há embasamento jurisprudencial e principiológica para a legalização da maconha em seu uso medicinal Desse modo a insistência de sua criminalização pelo Estado não está sustentada no ponto de vista jurídico mas social REFERÊNCIAS ANGELELLI Gustavo Movimentos sociais e o Direito São Paulo 2013 Disponível em httpwwwscielobrpdfrbeduv16n47v16n47a05pdf Acesso em 13 de jan de 2018 BITENCOURT Cezar Roberto Tratado de Direito Pena parte geral volume 1 8 ed rev e ampl São Paulo Saraiva 2003 BRASIL Constituição 1988 Constituição da República Federativa do Brasil Brasília Senado 1988 CARDOSO Evorah Lusci FANTI Fabiola Movimentos sociais e o direito o Poder Judiciário em disputa Disponível em httpwwwacademiaedu14692457MovimentossociaisedireitooPoderJu diciC3A1rioemdisputa Acesso em 20 de dezem de 2017 CARLINI Elisaldo Araújo Cannabis Sativa Le substâncias canabinóides em medicina Capítulo A história da maconha no Brasil São Paulo CEBRID 2005 GOHN Maria da Glória Movimentos sociais na contemporaneidade Universidade Estadual de Campinas Universidade Nove de Julho Disponível em httpwwwscielobrpdfrbeduv16n47v16n47a05pdf Acesso em 20 de jan de 2018 GONTIÈS Bernardo e ARAÚJO Ludgleydson Fernandes de Maconha uma perspectiva histórica farmacológica e antropológica Mneme Revista de Humanidades Publicação do Departamento de História e Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ensino Superior do Seridó Campus de Caicó V4 N7 fevmar de 2003 Semestral HABERMAS Jüngen A inclusão do outro estudos de teoria política São Paulo Edições Loyola 2002 MALFATTI Selvino Antonio Os Movimentos Sociais em Alain Touraine Instituto de Filosofia LusoBrasileira Lisboa Portugal Disponível em httpswwwufsjedubrportal2 repositorioFilerevistaestudosfilosoficosart13rev6pdf Acesso em 17 de dezem de 2017 MARTINI Alexandre Jaenisch WERMUTH Maiquel Ângelo Dezordi A TEORIA DISCURSIVA DO DIREITO DE JÜRGEN HABERMAS considerações acerca das suas insuficiências à luz do substancialismo Revista Eletrônica Direito e Política Programa de PósGraduação strictu sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI Disponível em wwwunivalibrdireitoepoliticaISSN19807791 Acesso em 13 de dez 2017 OLIVEIRA Monique Batista 1985 O medicamento proibido como um derivado da maconha foi regulamentado no Brasil Monique Batista de Oliveira Campinas SP sn 2016 PINTO José Marcelino de Rezende A teoria da ação comunicativa de Jurgen Habermas Conceitos básicos e possibilidades de aplicação à administração escolar Disponível em httpwwwscielobrpdfpaideian8 907pdf Acesso em 27 de março de 2018 PORTAL BRASIL Governo do Brasil Anvisa define regras para venda de medicamento à base de canabidiol Publicação em 23 de novembro de 2016 Disponível em httpwwwbrasilgovbrsaude201611anvisadefineregras paravendademedicamentosabasedecanabidiolnitfgalleria SANTOS Juarez Cirino dos A criminologia da repressão Rio de Janeiro Forense 1979 SOUZA CRUZ Álvaro Ricardo de O direito à diferença Belo Honrizonte Del Rey 2003 CAPÍTULO 04 REFUGIADOS NO BRASIL UMA DISSERTAÇÃO ACERCA DA ATUAÇÃO ASSINCRONICA NA DEFESA DE SEUS DIREITOS Ana Carolina Baracho81 1 INTRODUÇÃO A migração movimento de entrada imigração e saída emigração de um grupo de indivíduos em um espaço geográfico teve início em 1530 no Brasil com a chegada e estabilização de alguns colonos com o objetivo de explorar e ocupar as terras recém descobertas Ao decurso desse processo de colonização houve uma enorme mistura de raças no que formariam o povo brasileiro Porém foi no século XIX que a imigração no Brasil começou a se intensificar Com a Lei Eusébio de Queiroz82 em 1850 que proibiu o tráfico de escravos o governo resolveu facilitar a vinda de imigrantes sob o argumento de que precisavam de mão de obra com o fim da escravidão Essa época foi marcada pela chegada de muitos imigrantes Europeus como os suíços os alemães os eslavos e os italianos Vale ressaltar que nessa época o Brasil era visto na Europa e na Ásia como um país de muitas oportunidades já que estava em plena expansão as atividades urbanas e industriais e havia facilidade para aquisição de terras além disso com a política de abolição da escravidão muitos fazendeiros não concordaram em empregar e pagar salários aos seus antigos escravos preferindo a mão de obra europeia Em 1890 o presidente Deodoro da Fonseca assinou o decreto nº 52883 que regularizava a questão da migração no território Brasileiro Esse decreto exprimia que 81 Graduanda em Direito pela Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais PUC Minas 82 Brasil Lei n 581 de 4 de Setembro de 1850 Lei Eusébio de Queiroz Estabelece medidas para a repressão do trafico de africanos neste Império Publicada na Secretaria dEstado dos Negócios da Justiça em 5 de Setembro de 1850 83 Brasil Decreto n 528 de 28 de Junho de 1890 a entrada era livre para trabalhadores com exceção de africanos e asiáticos que necessitariam de autorização do Congresso Nacional Seguindo a lógica de uma política de migração marcada pelo racismo e restrições na Assembleia Nacional Constituinte do ano de 1933 houve forte defesa principalmente pelos deputados Miguel Couto Artur Neiva e Antônio Xavier de Oliveira sobre a ideia do branqueamento da população brasileira e temor sobre a ideia de que as colônias isoladas pudessem se desenvolver paralelamente Nesse sentido a Constituição do ano de 1937 dispôs em seu artigo nº 15184 que a entrada e a fixação de imigrantes estavam sujeitas às exigências e condições estipuladas em lei bem como a uma cota de 2 como limite anual sobre o total dos respectivos nacionais fixados no Brasil durante os últimos cinquenta anos Já em sede de legislação infraconstitucional foi editado o Decretolei nº 4063885 que possuía um capítulo especifico denominado Concentração e Assimilação em que se estabeleceu que nenhum núcleo colonial seria composto por estrangeiros de uma só nacionalidade fixando uma porcentagem específica de brasileiros e estrangeiros que deveriam ter Porém apesar da constituição de 1937 ter sido uma Constituição intolerante as que a sucederam não tiveram maiores restrições contra os imigrantes visto que com a ocorrência de diversas crises econômicas que assolaram nosso país o Brasil foi deixando de ser um país atraente e teve uma diminuição brusca no fluxo migratório necessitando então de leis mais brandas para contornar a situação Logo em razão da ausência de regulamentação específicas sobre questões migratórias inúmeras leis passaram a ser editadas com esse fim as quais serão estudadas a seguir 84 Art 151 A entrada distribuição e fixação de imigrantes no território nacional estará sujeita às exigências e condições que a lei determinar não podendo porém a corrente imigratória de cada país exceder anualmente o limite de dois por cento sobre o número total dos respectivos nacionais fixados no Brasil durante os últimos cinqüenta anos 85 Brasil Decreto n 406 de 4 de Maio de 1938 2 DESENVOLVIMENTO 21 LEI Nº 6815 DE 1980 ESTATUTO DO ESTRANGEIRO O Estatuto do Estrangeiro foi elaborado ainda na época da Ditadura Militar e sofreu várias críticas por ser visto como uma afronta aos Direitos Humanos e colocar o migrante numa posição de ameaça nacional Um dos pontos críticos deste Estatuto era de que a competência principalmente para autorizar regularizar e deportar o estrangeiro ficava por conta da Polícia Federal Ao estrangeiro também era cerceado alguns direitos básicos especialmente os de cunho político como participar de manifestações políticas e sindicatos fazer transmissão radiofônica ser proprietário de empresa jornalística de qualquer espécie de televisão ou radiodifusão e até mesmo ser dono de aeronave Assim fica claro que o imigrante quando da vigência dessa lei enfrentava um problema em relação a manifestar suas ideologias convicções e autoorganização visto a época e o contexto político em que foi criado esse regulamento Noutro giro necessário salientar que também havia lacunas no presente instrumento normativo como exemplo disso foi o ocorrido na migração haitiana no país em 2010 Os haitianos vítimas do desastre natural após um terremoto que atingiu o país em fevereiro daquele ano vieram para as terras brasileiras em busca de melhores condições de vida mas a nossa legislação em razão da ausência de visto específico para esses casos não estava preparada para atendêlos motivo pelo qual foi feito a época concessão de visto humanitário Por fim em maio do ano de 2017 a Lei nº 681580 foi revogada para entrar em vigor a Lei 1344517 conhecida como Nova Lei de Migração 22 LEI DE MIGRAÇÃO Em 24 de Maio do ano de 2017 foi sancionada a Lei nº 1344517 denominada Nova Lei de Migração A presente lei ao ser sancionada pelo Presidente Michel Temer sofreu 18 vetos sendo um dos vetos mais importantes o relativo à anistia de imigrantes que entraram no Brasil até julho de 2016 e que fizeram o pedido até um ano após o início de vigência da lei seja qual for a situação migratória anterior Esse pedido de anistia havia sido feito pela Associação Nacional dos Estrangeiros e aprovado pelo Senado Outro veto importante foi relativo ao artigo que possibilitava ao imigrante exercer cargo emprego ou função pública no país ao fundamento de que tal possibilidade seria uma afronta à Constituição e ao interesse Nacional De acordo com a nova legislação o imigrante está mais equiparado ao cidadão brasileiro vez que o enfoque deixa de ser a segurança nacional e passa a ser o tratamento humanizado e o combate a xenofobia Nossa lei apesar de alguns pontos críticos está em consonância com as exigências internacionais Há de se destacar que na atualidade a Defensoria Pública terá atuação obrigatória em caso de detenção de imigrantes na fronteira impossibilitando a deportação imediata pela Policia Federal e atendendo aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório garantido o acesso à justiça gratuita Com a Lei de Migração está proibido também a expulsão repatriação e deportação em caráter coletivo Quanto maior a gravidade da situação irregular mais garantia a lei prevê No dispositivo aprovado os impedimentos para ingresso no território nacional podem se dar por atos contrários aos princípios e objetivos da constituição dentre outras hipóteses e deve acontecer por meio de entrevista individual com o imigrante e ser devidamente fundamentado A lei regulamentou o visto humanitário e ampliação de visto temporário e reunião familiar Ao contrário do que dispunha o Estatuto do Estrangeiro a lei em vigor permite manifestações políticas pelos imigrantes Por todo o exposto a nova lei que regulariza a migração no país oferece mais garantias para o imigrante e possibilita maior atuação do Judiciário para lidar com estrangeiros em situações irregulares Destarte o desafio para a inserção do imigrante na sociedade permitindo sua atuação no mercado de trabalho garantindo a sua atuação política e demais direitos fundamentais não será tarefa apenas do Judiciário que por vezes se vê sem estrutura para atender as demandas mas também de toda a sociedade 23 DIREITOS HUMANOS E OS IMIGRANTES Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos Dotados de razão e de consciência devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade Art 1 Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 Em 1948 após o mundo assistir uma das maiores barbáries já proporcionadas pela espécie humana na Segunda Guerra Mundial foi realizada uma Assembleia Geral na Organização das Nações Unidas ONU em que foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos Esta declaração expressa que todo ser humano tem direito a liberdade a vida e a segurança que todos nascem livres e iguais em dignidade e direitos que todos são iguais perante a lei sem distinção e mais inúmeros outros Direitos Sendo a Declaração Universal dos Direitos Humanos um documento que serve de base para nortear as diretrizes do tratamento dado ao ser humano vemos que os refugiados ainda são um desafio ao direito internacional uma vez que pela simples razão da qualidade de refugiados estes vêm tendo seus direitos diuturnamente violados em que pese o disposto no art 2 da Declaração Universal dos Direitos Humanos Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração sem distinção alguma nomeadamente de raça de cor de sexo de língua de religião de opinião política ou outra de origem nacional ou social de fortuna de nascimento ou de qualquer outra situação Além disso não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa seja esse país ou território independente sob tutela autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania Em antítese ao que prega a Declaração constituída em 1948 que expressamente diz que qualquer ser humano pode invocar os seus direitos e liberdade sem distinção muitos países vêm fechando as suas fronteiras elevando a onda de xenofobia que está cada vez mais crescente Ocorre que como dito no tópico anterior ao contrário do que está ocorrendo nos outros países principalmente na Europa e nos Estados Unidos o Brasil sancionou uma lei que abre as portas aos imigrantes e refugiados Em 2015 o projeto Pensando o Direito86 do Ministério da Justiça com apoio do IPEA realizou uma pesquisa com imigrantes publicando dados relevantes sobre as dificuldades que os estrangeiros encontram ao chegar no país Primeiramente ao serem questionados sobre o conhecimento de iniciativas para aprimorar o atendimento à população migrante 72 dos entrevistados desconheciam cabe ressaltar que 18 destes afirmaram já ter sofrido alguma violação 86 IPEA Migrantes apátridas e refugiados subsídios para o aperfeiçoamento de acesso a serviços direitos e políticas públicas no Brasil Série pensando o direito n 58 2015 aos direitos humanos no Brasil Ao serem questionados sobre os maiores obstáculos para acesso a direitos os dois mais citados foram a informação 1387 e a documentação 1098 Essa pesquisa também serviu para quebrar o mito de que no Brasil não há racismo ou xenofobia vez que 74 dos imigrantes ouvidos pelo pesquisador afirmaram que já se sentiram descriminados no acesso aos serviços públicos pelo motivo de serem estrangeiros Além do reconhecimento de que no Brasil há discriminação essa pesquisa aponta diversas falhas nas políticas públicas voltadas para os imigrantes Entre as falhas estruturais é bastante citado a questão da inexistência ou inadequação das moradias e questões relacionadas a trabalho como a discriminação exploração e trabalho escravo Há ainda a barreira do idioma e a falta de recursos humanos que prejudica a qualidade do atendimento aos imigrantes e a falta de capacitação que prejudica um mapeamento dos imigrantes e suas peculiaridades vez que isso melhoraria o atendimento a estes Em frente a estes problemas é necessário que o Brasil estabeleça políticas públicas especificas para os imigrantes quando suas peculiaridades exigirem e que também faça funcionar as políticas públicas já existentes Por fim em relação aos compromissos do Brasil com os direitos humanos verificase que nosso país ainda está em falta com a implementação de alguns destes com por exemplo o fato de ainda não ter assinado a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias que encontrase sem tramitação no Congresso Nacional há seis anos 24 ESTATUTO DOS REFUGIADOS A Lei nº 9474 de 22 de julho de 1997 conhecida com Estatuto dos Refugiados criou o Comitê Nacional para Refugiados CONARE bem como constituiu critérios e procedimentos para reconhecer a situação de refúgio Sob o prisma do direito comparado sobressai a regulação brasileira sobre o instituto do refúgio eis que a edição de legislação especifica sobre a temática não é comum sendo geralmente abarcada por legislação geral sobre migração87 87 JUBILUT Liliana LyraO Direito internacional dos refugiados e sua aplicação no orçamento jurídico brasileiro 190191 p São Paulo Método 2007 No Estatuto dos Refugiados está disposta uma gama de previsões acerca da situação dos refugiados motivo pelo qual a presente dissertação limitarseá à citar os principais pontos da mencionada lei aprofundandose em alguns que possuem maior relevância para o recorte teórico escolhido para a presente abordagem Inicialmente necessário salientar que no ano de 1951 houve a realização da Convenção de Genebra com o objetivo de criar uma Convenção Regulatória do status legal dos refugiados O resultado foi a elaboração da Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto do Refugiado que em seu art 1º buscou definir o que seria o refugiado nos seguintes termos Que em consequência dos acontecimentos ocorrido antes de 1º de janeiro de 1951 e temendo ser perseguida por motivos de raça religião nacionalidade grupo social ou opiniões políticas se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou em virtude desse temor não quer valerse da proteção desse país ou que se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em consequência de tais acontecimentos não pode ou devido ao referido temor não quer voltar a ele Convenção relativa ao estatuto dos refugiados 1951 A Convenção de 51 foi reproduzida em vários momentos na Lei 94749788 como nos critérios do reconhecimento da condição de refugiados art 1º I e II na abrangência desse reconhecimento à família do refugiado e nas hipóteses perda e cessação da referida condição Há todavia inovações como a consideração de graves violações de direitos humanos art 1º III como situação para concessão de refúgio e também o não consentimento de refúgio aos que cometeram tráfico de drogas conforme o art 3º da referida Lei89 A entrada irregular no Brasil não impede que se faça o pedido de refugio art 8º o qual poderá ser feito a qualquer tempo art7º caput de forma gratuita e com tramitação urgente art 47 suspendendo eventual processo de extradição pendente art 33 conforme o Estatuto dos Refugiados Ademais a Lei 13445201790 em seu artigo 82 inciso IX determina a impossibilidade de extradição quando o afetado for beneficiário de refugio nos termos do supracitado Estatuto Excepcionase a impossibilidade de extradição de refugiados nas situações de risco à segurança nacional ou ameaça a ordem pública casos em que a extradição não se dará para Estado que não ofereça proteção ao extraditado art 37 da Lei 947497 88 Brasil Lei n 9474 de 22 de julho de 1997 Lei Nacional sobre Refugiados 89 JUBILUT Liliana LyraO Direito internacional dos refugiados e sua aplicação no orçamento jurídico brasileiro 190191 p São Paulo Método 2007 90 Brasil Lei n 13445 de 24 de maio de 2017 Lei de Migração Dessa forma o Estatuto dos Refugiados inovou ao instituir o CONARE conforme ensina Jubilut91 o qual possui estrutura cooperativa entre a sociedade civil o governo brasileiro e a ONU competindo a ele tratar assuntos tangentes ao refúgio Entretanto a atuação cooperativa por vezes acontece de forma assincrônica prejudicando a implementação dos direitos dos refugiados e solicitantes de refúgio e eventualmente sobrecarregando um ou outro agente A fim de demonstrar essa assincronia a presente dissertação tem como finalidade fazer uma crítica sobre a atuação do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados ACNUR do governo brasileiro e principalmente da sociedade civil 25 ATUAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL A sociedade civil com destaque para a Cáritas Arquidiocesana na maioria das vezes acaba sendo o primeiro órgão no qual os refugiados recorrem quando chegam ao Brasil A Cáritas é uma entidade que trabalha na defesa de direitos humanos e acaba exercendo um papel de acolhida aos refugiados já que grande parte destes por desconhecimento ou medo de procurar a Polícia visto que muitos fogem de países em guerra recorrem inicialmente a entidades solidárias A instituição é ligada a Igreja Católica e tem instalações em São Paulo e no Rio de Janeiro Ao fazer o papel de acolhida dos refugiados a Cáritas exerce papel de mandatária da ACNUR Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados que é o órgão responsável pelo exilado em esfera internacional em território nacional Isto decorre da necessidade de que todas as instituições que acolhem refugiados adotem uma linha de conduta ao menos semelhante internacionalmente A Cáritas tem seu trabalho fiscalizado e supervisionado pela ACNUR e portanto deve seguir as determinações desta Em contrapartida a ACNUR repassa uma verba anual para a Cáritas custeando suas despesas em razão da existência de um convênio celebrado entre estes órgãos A Cáritas conta também com o apoio de outras instituições estabelecendo várias parcerias afim de garantir a proteção assistência e integração de pessoas em situação de refúgio sendo uma delas a Ordem dos Advogados do Brasil OAB 91 JUBILUT Liliana LyraO Direito internacional dos refugiados e sua aplicação no orçamento jurídico brasileiro 195 p São Paulo Método 2007 A OAB indica profissionais habilitados para atuarem na organização como se fossem advogados deste órgão Os advogados no exercício de sua profissão entrevistam o solicitante do pedido de refúgio para apurar se é cabível a solicitação e elaboram parecer jurídico contendo as informações necessárias para a instrução do processo de refúgio Por fim com o objetivo de integrar o refugiado na sociedade a Cáritas oferece aulas de português e inserção no mercado de trabalho por meio do CEAT Centro Arquidiocesano do Trabalhador afim de garantir sua subsistência e combater a ociosidade 26 ATUAÇÃO DO GOVERNO BRASILEIRO António Gueterres nono Secretário Geral das Organizações das Nações Unidas em visita ao Brasil afirmou O Brasil é um país de asilo e exemplo de comportamento generoso e solidário 2015 92 Ao promulgar o Estatuto dos Refugiados 196793 o governo brasileiro demonstrou claro interesse de ser inserido na ordem internacional no que se refere à proteção da pessoa humana Além disso o Brasil é um dos países signatários da convenção de 1951 um dos principais documentos a tratar sobre refugiados e um dos primeiros países a integrar o Comitê Executivo do ACNUR Estimase que haja atualmente mais de 8 mil refugiados em território brasileiro segundo dados da Conare94 A atuação do governo brasileiro referente a políticas de refúgio pode ser dividida em dois tópicos a seguir 92 Gueterres António Disponível em httpwwwacnurorgportuguesinformacaogeraloacnur nobrasilLirzvszzgfpb Acesso em 05 de nov 2017 93 BRASIL Lei n 9474 de 22 de julho de 1997 Define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951 e determina outras providências Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisL9474htm Acesso em 01 nov 2017 94 ACNUR Brasil abriga mais de 8 mil refugiados e 28 mil solicitantes de asilo destaca governo Nações Unidas no Brasil 11 de maio de 2016 Disponível em httpsnacoesunidasorgacnurbrasilabriga maisde8milrefugiadose28milsolicitantesdeasilodestacagoverno Acesso em 01 nov 2017 261 DA ATUAÇÃO DA POLÍCIA FEDERAL A luz da Constituição da República8895 a Polícia Federal é o órgão responsável pela polícia marítima aeroportuária e de fronteiras e pois também pela primeira fase do procedimento de solicitação de refúgio eis que dispõe o art 7º do Estatuto dos Refugiados que o imigrante ao chegar ao território brasileiro deve se dirigir a autoridade migratória que se encontre na fronteira96 Neste sentido a primeira fase do procedimento de refúgio se dá após o estrangeiro se apresentar à autoridade competente e exprimir seu interesse em solicitar o refúgio quando a autoridade notifica o estrangeiro a prestar declarações e comunica a ACNUR sobre o pedido de refúgio Assim compete a Polícia Federal produzir o Termo de Declaração com os dados pessoais circunstâncias sobre a entrada no Brasil e a saída do país originário relativas ao solicitante de refúgio Tal termo dá o início formal ao procedimento de refúgio e serve de documento até que se disponibilize o Protocolo Provisório Ocorre que na prática como explanado no tópico anterior o primeiro contato pelo estrangeiro ao adentrar às fronteiras brasileiras acaba se realizando nas instituições da sociedade civil a qual encaminhará o referido solicitante à Polícia Federal97 262 DA ATUAÇÃO DO COMITÊ NACIONAL PARA OS REFUGIADOS CONARE O artigo 11 da Lei 94749798 estabelece a criação do CONARE órgão de deliberação coletiva no âmbito do Ministério da Justiça Segundo Renato Zerbini R Leão99 o CONARE possui estrutura chamada tripartite constituída por instituições religiosas que representam a sociedade civil brasileira Cáritas e IMDH organização internacional ACNUR e governo brasileiro representado por seus órgãos burocráticos e presidindo o CONARE 95 BRASIL Constituição Federal 1988 96 Brasil Lei n 9474 de 22 de julho de 1997 Lei Nacional sobre Refugiados 97 JUBILUT Liliana Lyra O Procedimento de Concessão de Refúgio no Brasil ed Ministério da Justiça 98 Brasil Lei n 9474 de 22 de julho de 1997 Lei Nacional sobre Refugiados 99LEÃO Renato Zerbini R apud Moreira J B 2010 Redemocratização e direitos humanos a política para refugiados no Brasil Revista Brasileira de Política Internacional 531 120p O Estatuto dos Refugiados inovou ao instituir o CONARE conforme ensina Jubilut100 ao qual compete analisar o pedido reconhecer determinar a perda ou cessação da condição de refugiado além de editar instruções normativas nos limites da Lei e orientar coordenar ações a fim de proteger assistir e apoiar juridicamente os refugiados conforme dispõe o art 12 do Estatuto dos Refugiados101 Compete ao CONARE expedir o Protocolo Provisório nos temos do artigo 21 da Lei 947497 autorizando a permanência do solicitante de refúgio e seus familiares desde que se encontrem em território nacional até a decisão que definirá a concessão ou não do pedido de refúgio Após os solicitantes de refúgio passam por entrevista perante instituições da sociedade civil a Cáritas Como o governo tem competência exclusiva na concessão de refúgio o solicitante de refúgio fará outra entrevista com um representante do CONARE102 como pode se ver através da seguinte passagem Após essa segunda entrevista o representante do CONARE relata a mesma a um grupo de estudos prévios formado por representantes do CONARE do ACNUR e da sociedade civil Estes dois últimos baseiam seu posicionamento no parecer elaborado pelos advogados que atuam no convênio CáritasACNUROAB Esse grupo elabora um parecer recomendando ou não a aceitação da solicitação de refúgio O parecer é então encaminhado ao plenário do CONARE quando será discutido e terá o seu mérito apreciado103 JUBILUT Liliana Lyra O Procedimento de Concessão de Refúgio no Brasil ed Ministério da Justiça Se a decisão de conceder refúgio for positiva o refugiado será registrado na Delegacia de Polícia Federal onde assinara termo de responsabilidade solicitará a Carteira de Identidade de Estrangeiro receberá carteira de trabalho e documento de viagem Caso queira solicitar permanência no país de acolhida o refugiado deverá esperar um prazo de seis anos para tal Mas se a decisão de conceder refúgio for negativa o solicitante tem um prazo de até quinze dias para interpor recurso a ser contado da notificação da decisão e dirigido ao Ministério da Justiça Por fim tem lugar a última fase a decisão final proferida pelo Ministro da Justiça que é irrecorrível Se for mantida a decisão desfavorável ao refúgio o solicitante ainda poderá permanecer no país não devendo ser transferido ao 100 JUBILUT Liliana LyraO Direito internacional dos refugiados e sua aplicação no orçamento jurídico brasileiro 195 p São Paulo Método 2007 101 Brasil Lei n 9474 de 22 de julho de 1997 Lei Nacional sobre Refugiados 102 JUBILUT Liliana Lyra O Procedimento de Concessão de Refúgio no Brasil ed Ministério da Justiça 103 JUBILUT Liliana Lyra O Procedimento de Concessão de Refúgio no Brasil ed Ministério da Justiça 9 p seu país de origem no caso em que sua vida liberdade e integridade física estejam em perigo Se este não existir o indivíduo deverá ser deportado ao seu país Moreira Julia Bertino O acolhimento dos refugiados no Brasil políticas frente de atuação e os atores envolvidos 2007 Dessa forma o governo brasileiro tenta ter uma atuação justa e criteriosa já que mesmo com um instrumento administrativo se faz necessário fundamentação e possibilita recurso se esforçando para cumprir com uma missão humanitária 27 DA ATUAÇÃO DA ONU ACNUR O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados é um órgão da ONU que tem como missão proteger os refugiados e as populações deslocadas por motivos de guerra conflitos e perseguição No território brasileiro a ACNUR auxilia na criação de políticas assistencialistas para refugiados assim ajudando a integrálos na sociedade No Brasil a exemplo de alguma das políticas humanitárias prestadas pela ACNUR temos as políticas de reassentamento compreendidas como a transferência do refugiado para um terceiro país onde este será inserido Quando o país destino do reassentamento é o Brasil este envia missões ao primeiro país de refugio para avaliar se seria viável os refugiados serem reassentados em território nacional Por fim necessário esclarecer que a realização e execução desses reassentamentos depende da disponibilidade de recursos financeiros deste órgão 3 CONCLUSÃO O Brasil tem sua identidade cultural formada através de séculos de migração e miscigenação de raças Em relação á uma visão históricojurídica vemos uma evolução das leis e uma melhor promoção da proteção dos direitos humanos Esse empenho na proteção de garantias humanitárias o fez seguir as recomendações do Comitê Executivo da ACNUR criando uma lei própria para regulamentar o procedimento de solicitação de refúgio o Estatuto dos Refugiados tendo esta sido elaborada por representantes do governo brasileiro e do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados Diante disso Juan Carlos Murillo Gonzáles esclarece que O instituto da proteção internacional de refugiados possui natureza humanitária e não deve ser um simples instrumento da política exterior da política migratória nem da política criminal de um Estado Seu alcance deve refletir um processo justo eficiente rigoroso e técnico de reconhecimento ou não da condição de refugiado As disposições essenciais da Lei brasileira garantem esse procedimento e são compatíveis com o parâmetro internacional de proteção de refugiados e refugiadas inaugurado pela Convenção de 1951 Relativa ao Estatuto dos Refugiados e ampliado pelo seu Protocolo de 1967 GONZÁLEZ p56 2010 A Lei n 947497 é abrangente quando define o refugiado portanto viabiliza o amparo a um maior número de pessoas e apesar de ser um procedimento administrativo trás consigo normas do devido processo legal sendo necessária a fundamentação da decisão e possibilitando ao estrangeiro a interposição de recurso Portanto com uma norma própria para regulamentar sobre o refugio o Brasil dá um salto no avanço na promoção dos direitos humanos Apesar disso o Estatuto do Refugiado é uma lei pouco propagada em nosso território logo o método de concessão de refúgio também o é fato que pode prejudicar a efetividade da proteção dos refugiados no Brasil No tocante às instituições que realizam o acolhimento dos solicitantes de refugio no Brasil devem ser citados principalmente três atores o primeiro o governo brasileiro representado especialmente pela CONARE e Polícia Federal o segundo a ACNUR Alto Comissáriado das Nações Unidas para refugiados e o terceiro a sociedade civil por meio da Cáritas Arquidiocesana sendo esse modelo conhecido como estrutura tripartite O governo brasileiro tem uma atuação voltada à proteção já que realiza a tomada de decisões como reconhecer ou não ao solicitante o status de refugiado portanto concedendo ou negando refugio CONARE A política de proteção do governo inclui também o auxílio médico em hospitais públicos e o acesso a moradia em albergues públicos ou seja serviços destinados à população aos quais os solicitantes e os refugiados também podem usufruir A ACNUR tem uma atuação voltada para a área assistencialista repassando verbas anuais para a Cáritas além de fiscalizar seu serviço e financiando programas brasileiros de reassentamento Já a Cáritas tem uma atuação geral se fazendo presente em todo momento desde a acolhida do solicitante de refugio até o momento em que o já refugiado se insere no mercado de trabalho e aprende o idioma local Portanto a Cáritas toma a frente atuando na proteção assistência e integração do refugiado Ocorre que em que pese toda a produção legislativa bem como o aparato administrativo reservado pelo Estado brasileiro para amparar os estrangeiros que aqui adentram temse em verdade certa assincronia quando da atuação dos órgãos em questão quais sejam o Governo Brasileiro Polícia Federal e CONARE Cáritas Arquidiocesana e ACNUR uma vez que em razão da não concentração de de todas essas funções em um mesmo órgão e sede administrativa estas demandam dos estrangeiros maior dispêndio de tempo de dinheiro em que pese seus parcos recursos além de maior desgaste emocional quando da realização por estes de todos os atos exigidos pela administração pública Ou seja em função de uma maior burocratização do instituto jurídico reservados aos refugiados os estrangeiros vêm encontrando enorme dificuldade quando da regularização da sua situação em solo brasileiro o que vem lhe causando enorme insegurança jurídica Em razão de todo exposto em que pese a grande evolução do direito brasileiro na elaboração de normas protetivas dos refugiados para melhor implementação do direito positivo necessário se torna sincronizar a atuação dos órgãos supracitados unificandoos para que dessa forma seja racionalizada sua atuação REFERÊNCIAS JUBILUT Liliana Lyra O Direito internacional dos refugiados e sua aplicação no orçamento jurídico brasileiro 240p São Paulo Método 2007 Disponível em httpwwwacnurorgt3fileadminDocumentosportuguesPublicacoes2013OD ireitoInternacionaldosRefugiadospdf Acesso em 01102017 MOREIRA Julia Bertino O acolhimento dos refugiados no Brasil políticas frente de atuação e os atores envolvidos Projeto de Pesquisa Condições de vida da População Refugiada no Brasil UNICAMP Campinas 2007 DA SILVA F DOS SANTOS T Refúgio no Brasil Procedimento e Órgãos Responsáveis Anais do EVINCI UniBrasil Local de publicação editar no plugin de tradução o arquivo da citação ABNT 2 nov 2016 Disponível em httpportaldeperiodicosunibrasilcombrindexphpanaisevinciarticleview141 01106 Acesso em 01 Oct 2017 JUBILUT Liliana Lyra O Procedimento de Concessão de Refúgio no Brasil ed Ministério da Justiça 18p Disponível em httpportalmjgovbrmainaspTeam7BC728A4165AA7476DB239 CC89FFB363017D outubro 2017 BRASIL Lei n 581 de 4 de setembro de 1850 Estabelece medidas para a repressão do tráfico de africanos neste Império Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leislimlim581htm Acesso em 18 out 2017 BRASIL Lei n 528 de 28 de junho de 1890 Regularisa o serviço da introducção e localisação de immigrantes na Republica dos Estados Unidos do Brazil Disponível emhttpwww2camaralegbrleginfeddecret18241899decreto52828 junho1890506935publicacaooriginal1pehtml Acesso em 18 out 2018 BRASIL DecretoLei n 406 de 4 de maio de 1938 Dispõe sôbre a entrada de estrangeiros no território nacional Disponível em httpwww2camaralegbrleginfeddeclei19301939decretolei4064maio 1938348724publicacaooriginal1pehtml Acesso em 21 out 2017 BRASIL Constituição de 10 de novembro de 1937 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03constituicaoconstituicao37htm Acesso em 22 out 2017 BRASIL Lei n 9474 de 22 de julho de 1997 Define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951 e determina outras providências Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisL9474htm Acesso em 01 nov 2017 BRASIL Lei n 13445 de 24 de maio de 2017 Institui a Lei de Migração Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03ato2015 20182017leiL13445htm Acesso em 02 nov 2017 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil 05 de outubro de 1998 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03constituicaoconstituicaocompiladohtm Acesso em 02 de nov 2017 IPEA Migrantes apátridas e refugiados subsídios para o aperfeiçoamento de acesso a serviços direitos e políticas públicas no Brasil Série pensando o direito n 58 2015 Disponível em httppensandomjgovbrwp contentuploads201512PoD57Lilianaweb3pdf Acesso em 20 out 2017 ACNUR Brasil abriga mais de 8 mil refugiados e 28 mil solicitantes de asilo destaca governo Nações Unidas no Brasil 11 de maio de 2016 Disponível em httpsnacoesunidasorgacnurbrasilabrigamaisde8milrefugiadose28mil solicitantesdeasilodestacagoverno Acesso em 01 nov 2017 CAPÍTULO 05 POVOS INDÍGENAS O DIREITO À CONSULTA PRÉVIA E ÀS TERRAS TRADICIONALMENTE OCUPADAS Ana Eliza Alves Silva104 Gabriela Helena Tassara Calenzani105 Mariana Gualberto da Silveira106 1 INTRODUÇÃO Como sabido a história dos povos indígenas foi drasticamente mudada com a chegada dos portugueses no Brasil em 1500 As marcas deixadas pela descoberta do Brasil nos povos que aqui já estavam são reflexos da dominação partindose da imposição através da força física perpassando pela imposição cultural de organização social e até mesmo religiosa Ao longo da história do nosso país os indígenas continuaram subjugados em relação ao restante da sociedade e a cultura dos homens brancos continuou a ser imposta Os adventos das revoluções avanços tecnológicos a urbanização e a globalização trouxeram enorme progresso para a humanidade entretanto acabou por quase dizimar os povos indígenas não apenas em nosso país Os movimentos indígenas a partir do fim do século XX tornaram emergentes com passar do tempo principalmente em nosso país como nos ensina Thais Luzia Colaço107 Assuntos como invasão de terras violência e exploração vieram como uma afronta aos direitos conquistados que inclusive são constitucionalmente protegidos Ao longo do tempo essa exclusão social gerou uma negação da autodeterminação desses povos com a ideia de que os mesmos não são capazes de serem autônomos em suas terras e ao próprio acesso à justiça Surgiram movimentos sociais em busca do 104 Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais PUC Minas 105 Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais PUC Minas 106 Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais PUC Minas 107 COLAÇO Thais Luzia Os Novos Direitos Indígenas In Os novos direitos no Brasil Saraiva São Paulo 2012 reconhecimento da identidade indígena historicamente oprimida e excluída destacando a falta de legitimidade na política e no próprio judiciário para efetivar tal proteção A falta de legitimidade política e social dos povos indígenas tem origem principalmente na ideia de incapacidade dos mesmos de emancipar a sociedade de modo efetivo seja de forma econômica ou social pelo fato do capitalismo ser negado pelos mesmos que buscam preservar suas origens étnicas e culturais 2 OS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Os direitos garantidos aos indígenas pelo ordenamento jurídico pátrio são historicamente recentes Temse por exemplo que na época da ditadura militar o primeiro Ato Institucional impôs como bens da União as terras que eram habitadas pelos índios sendo que a posse era dos povos indígenas de forma permanente sendo de competência do referido ente político estabelecer como seria o usufruto das riquezas naturais O Estatuto do Índio Lei 600173 de forma expressa em seu art 1º prevê que a referida lei cuida de regular da situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas com o fito de preservar a sua cultura mas também para integrálos de forma progressiva e harmoniosa à comunhão nacional Ou seja até os dias de hoje existe o ímpeto de impor aos povos indígenas a cultura do restante da sociedade como se fosse este o progresso Somente com a Constituição Federal de 1988 a partir do seu art 231 os povos e comunidades indígenas tiveram seus direitos ampliados e assegurados não tendo somente os direitos dos demais brasileiros visto que foram reconhecidos a sua cultura seus costumes línguas crenças e organização social bem como os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam Em suma os direitos garantidos aos indígenas perpassam pelos direitos sociais de auto organização e territoriais O usufruto antes regulado pela União passou a ser exclusivo dos indígenas em relação às riquezas dos rios lagos e solo existentes em suas terras Outro direito importante assegurado é a utilização das línguas indígenas maternas no processo de aprendizagem do ensino fundamental conforme prevê o art 210 2º da CF88 Dessa forma possibilitase o gozo do conhecimento inerente à sua cultura em uma de suas formas mais remotas que é a linguagem Foi assegurada ainda a legitimidade dos índios e suas comunidades de ingressar em Juízo a fim de verem efetivados e protegidos os seus direitos e interesses conforme dispõe o art 232 da CF88 Finalmente em razão do texto constitucional inspirado pela democracia passouse a de certa forma aceitar a cultura indígena visualizandose nesse momento o relativismo cultural inexistente até pouco antes O multiculturalismo inegável e em escala global deve servir como ferramenta de percepção do outro respeitandoo e assumindo sua posição nas inúmeras culturas contemporâneas Ao que se vê a Constituição Federal acabou por assegurar ainda que tardiamente o direito à diferença dos povos indígenas deixandose de exigir que seguissem a cultura da maioria da população brasileira 3 MARCOS LEGAIS INTERNACIONAIS DOS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS No cenário internacional os direitos indígenas foram tratados em 1989 pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais a qual foi promulgada pelo Brasil apenas em 2004 através do Decreto 505104 Tal Convenção levou em consideração a situação dos povos indígenas e tribais em todas as regiões do mundo e reconheceu as aspirações desses povos em assumir o controle de suas próprias instituições e formas de vida para manter e fortalecer suas identidades Foi observado ainda que esses povos não podem gozar dos direitos humanos fundamentais que o restante da população em diversas partes do mundo Um importante destaque feito pela referida Convenção é a contribuição feita pelos povos indígenas e tribais a diversidade cultural à harmonia social e ecológica da humanidade e à cooperação e compreensão internacionais conforme se extrai do supracitado Decreto Em 2007 foi aprovada a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas que reafirmou que os povos indígenas devem estar livres de toda forma de discriminação para o exercício de seus direitos e foi reconhecida a urgente necessidade de respeitar e promover os direitos intrínsecos dos povos indígenas em diversos aspectos incluindo o econômico político social cultural tradicional espiritual religioso histórico e em especial os direitos à terras territórios e recursos Merece atenção o incentivo dado pela referida Declaração aos Estados ao cumprimento e aplicação eficazes de todas as suas obrigações no que se refere aos povos indígenas e que determinam os instrumentos internacionais em particular os relativos aos Direitos Humanos na consulta e cooperação com os povos interessados Reconheceuse internacionalmente que os povos indígenas têm direitos coletivos que são indispensáveis à sua existência e desenvolvimento e que as particularidades de cada povo deve ser levada em consideração Entretanto tais normas internacionais inseridas no nosso ordenamento jurídico não vem sendo observadas pelo poder público por diversas vezes limitando a própria ação estatal se tornando na verdade um agente violador de normas que já estão em vigor em nosso país observando uma flexibilização e omissão de direitos já previstos 4 O DIREITO À CONSULTA PRÉVIA DOS POVOS INDÍGENAS A Convenção nº 169 sobre Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho cujo cumprimento no Brasil foi determinado pelo Decreto Presidencial nº 5051 de 19 de abril de 2004 no seu artigo 6º garante o direito dos povos e comunidades a serem consultados em relação a qualquer medida que os afete direta ou indiretamente e que tal consulta deve ser realizada de forma a proporcionar a efetiva participação dos afetados Ainda no artigo 7º fica determinado que são os próprios povos que devem decidir o que é ou não importante para eles Artigo 6o 1 Ao aplicar as disposições da presente Convenção os governos deverão a consultar os povos interessados mediante procedimentos apropriados e particularmente através de suas instituições representativas cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetálos diretamente b estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes Artigo 7o 1 Os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento na medida em que ele afete as suas vidas crenças instituições e bemestar espiritual bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma e de controlar na medida do possível o seu próprio desenvolvimento econômico social e cultural Além disso esses povos deverão participar da formulação aplicação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de afetálos diretamente 2 A melhoria das condições de vida e de trabalho e do nível de saúde e educação dos povos interessados com a sua participação e cooperação deverá ser prioritária nos planos de desenvolvimento econômico global das regiões onde eles moram Os projetos especiais de desenvolvimento para essas regiões também deverão ser elaborados de forma a promoverem essa melhoria 3 Os governos deverão zelar para que sempre que for possível sejam efetuados estudos junto aos povos interessados com o objetivo de se avaliar a incidência social espiritual e cultural e sobre o meio ambiente que as atividades de desenvolvimento previstas possam ter sobre esses povos Os resultados desses estudos deverão ser considerados como critérios fundamentais para a execução das atividades mencionadas 4 Os governos deverão adotar medidas em cooperação com os povos interessados para proteger e preservar o meio ambiente dos territórios que eles habitam Outro dispositivo que trata sobre o direito à participação dos indígenas nas decisões que os afetam é a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas em seus artigos 18 e 19 Artigo 18 Os povos indígenas têm o direito de participar da tomada de decisões sobre questões que afetem seus direitos por meio de representantes por eles eleitos de acordo com seus próprios procedimentos assim como de manter e desenvolver suas próprias instituições de tomada de decisões Artigo 19 Os Estados consultarão e cooperarão de boafé com os povos indígenas interessados por meio de suas instituições representativas a fim de obter seu consentimento livre prévio e informado antes de adotar e aplicar medidas legislativas e administrativas que os afetem O direito à consulta e ao consentimento prévio livre e informado tem base no reconhecimento dos direitos fundamentais de povos e comunidade tradicionais e na garantia da sua livre determinação Dessa maneira os indígenas têm o poder de decidir livremente sobre seu presente e futuro na qualidade de sujeitos coletivos de direito determinando outro tipo de relação mais simétrica e respeitosa entre os estados e os referidos povos Assim certa é a necessidade de consulta prévia nas discussões sobre aplicações de convenções leis e decisões quando relacionadas a algum direito conferido aos povos indígenas Ao que se vê um dos principais objetivos da Convenção é a consulta anterior principalmente quanto às atividades de exploração de recursos naturais existentes nos territórios por eles habitados Nessas consultas o Estado além de intermediário deve atuar como assegurador para que as consultas sejam formais e de boa fé com representatividade dos povos indígenas para alcançar o consentimento daquilo que lhes é proposto Observase que não obstante a consulta prévia seja exigida após ratificação da Convenção 169 os acordos geralmente não são realizados com o real respeito à verdade e à justiça na legitimação dos povos indígenas tendo em vista que o próprio poder que define essa proteção quem são efetivamente indígenas sem ter qualquer aprofundamento e conhecimento sobre a cultura ou etnia para ser capaz de realizar tal constatação São decisões que muitas vezes são influenciadas por interesse econômicos incentivando a oposição da população visando somente uma emancipação econômica deixando de lado os interesses de um povo excluído da política brasileira fato este comprovado inclusive pela baixa aceitação social da convenção supracitada Válido ressaltar que no ano de 2010 através da Central Única dos Trabalhadores o Estado brasileiro foi denunciado à Organização Internacional do Trabalho por descumprir sistematicamente a obrigação de consultar No ano de 2012 o Brasil constituiu um Grupo de Trabalho Interministerial para elaborar uma proposta de regulamentação do direito à consulta prévia o que não trouxe grandes repercussões para os povos indígenas108 O direito à consulta é tão desrespeitado que as denúncias internacionais e a judicialização são crescentes Temse por exemplo a Medida Cautelar nº 3822010 outorgada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos a favor dos membros das comunidades indígenas da bacia do Rio Xingu no Pará sendo solicitado ao Estado brasileiro que suspendesse o processo de licenciamento do projeto da Usina Hidrelétrica de Belo Monte e impedisse a realização de qualquer obra sem que antes realizasse a consulta prévia livre informada e de boa fé dos povos indígenas afetados 5 O DIREITO DOS POVOS INDÍGENAS ÀS TERRAS TRADICIONALMENTE OCUPADAS A Constituição Federal prevê em seu art 231 1º que são terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente 108 GARZÓN Biviany Rojas OLIVEIRA Rodrigo YAMANDA Érika M Direito à consulta e consentimento de povos indígenas quilombolas e comunidades tradicionais as utilizadas para suas atividades produtivas as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bemestar e as necessárias a sua reprodução física e cultural segundo seus usos costumes e tradições O texto constitucional dispõe ainda no artigo 231 que são reconhecidas as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são destinadas a sua posse permanente sendo que o aproveitamento dos recursos hídricos dessas terras só pode ser feito com autorização do Congresso Nacional após a consulta das comunidades afetadas Os povos só podem ser removidos em casos específicos de catástrofe epidemia ou interesse da soberania do país Segundo leciona José Afonso da Silva109 o fato de indígenas possuírem as terras em que vivem não se confunde com a ocupação da posse de determinado território mas sim um direito originário que detêm desde o nascimento como uma fonte primária que não pode ser adquirida de forma posterior distinguindose portanto da conhecida posse civil O que se observa é uma constante tentativa de enquadrar o direito dos indígenas às terras no bojo da posse propriamente dita visando uma discussão de interesses particulares dos interessados sem priorizar a ideia de que a área indígena compreende uma cultura tradicional e histórica pouco valorizada na prática ignorando o fato de que na realidade eles são detentores de uma posse por imposição jurídica Uma das questões mais polêmicas quando se trata dos povos indígenas na atualidade é a demarcação das suas terras O procedimento para a identificação delimitação demarcação física homologação e registro das terras indígenas encontra se previsto no Decreto 177596 Da leitura do referido Decreto extraise que o processo se inicia com a identificação e delimitação sendo constituído um grupo técnico de trabalho designado e composto preferencialmente por servidores da FUNAI Fundação Nacional do Índio O grupo indígena envolvido deve participar de todas as fases do procedimento Após o levantamento de informações e estudos em centros de documentação órgãos fundiários dos entes federados em cartórios de registros é elaborado relatório circunstanciado de identificação e delimitação da área objeto São levados em consideração estudos antropológicos e de natureza histórica sociológica jurídica cartográfica ambiental e o levantamento fundiário Em seguida o relatório é publicado 109 SILVA José Afonso Curso de Direito Constitucional Positivo São Paulo RT 5ª edição no Diário Oficial da União e no da unidade federada em que se localiza a área com memorial descritivo e mapa da área Por ato do Ministro da Justiça reconhecese o direito originário sobre determinada área competindo ao Presidente da República homologar através de Decreto a demarcação realizada Por fim procedese ao registro Em que pese o direito às terras e a previsão do procedimento de demarcação os conflitos em relação à demarcação das terras indígenas são expressivos Isso porque a questão bate de frente com os interesses de grandes produtores agrícolas e pecuaristas Ao longo do tempo as terras foram ganhando novos donos sendo difícil identificar e reconhecer as terras dos povos indígenas Um caso que merece atenção é o que vem gerando repercussão desde 2005 quando houve a demarcação da área conhecida como Terra Indígena Raposa Serra do Sol localizada em Roraima Tratase de uma área que abriga 194 comunidades com uma população de cerca de 19 mil índios composta pelos povos Wapichana Taurepang Patamona Macuxi e Ingaricó A discussão acerca do caso é o marco temporal para definição de terras indígenas bem como a declaração da FUNAI da posse permanente de terras e a pertinência ou não do entendimento de que as terras demarcadas não podem ser ampliadas No ano de 2007 o STF determinou a desocupação da reserva indígena Raposa Serra do Sol por parte de povos não indígenas A referida decisão foi suspensa pelo próprio Supremo em 2008 sendo determinado que não fossem mais retirados os povos nãoíndios da Raposa Serra do Sol O STF acabou por reconhecer a legalidade da demarcação da terra indígena em sua totalidade e a nulidade dos títulos incidentes na área Entretanto o referido tribunal relativizou o direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais disponíveis no referido território impondo uma série de salvaguardas Ainda no mesmo caso surgiu o questionamento de que se tais salvaguardas possuem efeitos vinculantes erga omnes ou se seriam aplicáveis apenas ao caso em discussão Em sede de embargos de declaração o STF decidiu que as condições seriam aplicáveis apenas ao caso em apreço110 Entretanto a discussão continua pertinente posto que em 2017 o presidente interino Michel Temer aprovou parecer da AdvocaciaGeral da União nº 0012017GABCGUAGU que determina que sejam 110 STF Petição nº 3388RR Relator Min Roberto Barroso seguidas as salvaguardas institucionais estabelecidas pelo STF no caso Raposa Serra do Sol Ou seja a demarcação de terras ainda é um procedimento moroso não sendo seguro afirmar que os direitos dos povos indígenas ou de qualquer comunidade tradicional estão sendo assegurados Ao que se vê o que vem acontecendo é a relativização de alguns direitos para assegurar outros 6 CONCLUSÃO Podese dizer que uma das razões da necessidade de se elaborar ações afirmativas é a existência da discriminação na sociedade brasileira a discriminação pode ser entendida como segundo nos ensina Álvaro Ricardo de Souza Cruz111 Toda e qualquer forma meio instrumento ou instituição de promoção da distinção exclusão restrição ou preferência baseadas em critérios como a raça com da pele descendência origem nacional ou étnica gênero opção sexual idade religião deficiência física mental ou patogênica que tenha o propósito ou efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento gozo ou exercício em pé de igualdade de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político econômico social cultural ou em qualquer atividade no âmbito da autonomia pública ou privada CRUZ 2009 p 15 Para o professor Cruz a discriminação nem sempre é algo ruim como no caso da chamada discriminação lícita Essa discriminação ocorre quando estabelecer uma diferença distinguir e separar é necessário e indispensável para a garantia do próprio princípio da isonomia CRUZ 2009 p 15 Nesse sentido para o professor as ações afirmativas seriam medidas públicas e privadas coercitivas ou não para a integração de todas as pessoas independente de raça religião opção sexual deficiências físicas ou mentais devendo ser analisadas como uma discriminação lícita e necessária à existência de ação comunicativa da sociedade CRUZ 2009 p 136 As ações afirmativas são normalmente vistas como uma forma de defesa dos Direitos Humanos Em uma perspectiva ocidentalmoderna tais ações teriam surgido na chamada segunda fase dos direitos humanos A chamada primeira fase dos direitos humanos foi marcada por uma aversão à diferença e uma tentativa de tratar todos de maneira igual Tal aversão foi fruto de traumas deixados por acontecimentos históricos como o nazismo Assim o que prevaleceu nessa fase foi o tratamento formal 111 CRUZ Álvaro Ricardo de Souza Direito à diferença Belo Horizonte Arraes 2009 geral e abstrato ao indivíduo Em seguida percebeuse a necessidade de conferir a determinados grupos uma proteção especial e particularizada em face de sua própria vulnerabilidade PIOVESAN 2008 p 888112 Segundo Piovesan a justiça tem um caráter bidimensional Redistribuição somada ao reconhecimento O direito à redistribuição requer medidas de enfrentamento da injustiça econômica da marginalização e da desigualdade econômica por meio da transformação nas estruturas socioeconômicas e da adoção de uma política de redistribuição De igual modo o direito ao reconhecimento requer medidas de enfrentamento da injustiça cultural dos preconceitos e dos padrões discriminatórios por meio da transformação cultural e da adoção de uma política de reconhecimento PIOVESAN 2008 p 889 Ainda segundo Piovesan para enfrentar o problema da discriminação fazse necessário combinar a proibição da discriminação com políticas compensatórias que acelerem a igualdade enquanto como processo PIOVESAN 2005 p 49 Nesse sentido as ações afirmativas seriam um poderoso instrumento de inclusão social e não devem ser entendidas apenas pelo prisma retrospectivo no sentido de aliviar a carga de um passado discriminatório mas também prospectivo no sentido de fomentar a transformação social criando uma nova realidade PIOVESAN 2008 p 890 Dessa maneira as ações afirmativas são pois discriminações lícitas que podem ampararresgatar fatia considerável da sociedade que se vê tolhida no direito fundamental de participação na vida pública e privada CRUZ 2009 p 141 Além da clara necessidade de concretização de ações afirmativas em relação aos povos indígenas certo é que a consulta e o consentimento prévio devem ser medidas a se tomar ao se formular tais ações afirmativas vez que eles têm autonomia para decidirem sobre questões relativas ao seu próprio modo de vida Assegurar tal direito é de extrema importância para que se evite a existência de um viés colonizador das mesmas Assim a decisão sobre quais os tipos de ações afirmativas quais seus critérios e formas de acesso deve ser tomada em conjunto com os povos tradicionais Promover seia dessa forma o reconhecimento os povos indígenas como sujeitos de direitos e o respeito de suas subjetividades 112 PIOVESAN Flávia Ações afirmativas no Brasil desafios e perspectivas Rev Estud Fem Florianópolis 2008 É preciso ainda que o Estado promova a normatização de regras a fim de assegurar o direito à consulta em todas as obras e projetos antes mesmo que as decisões sejam tomadas bem como não ignore tal direito Deve haver ainda maior destaque para os casos de desrespeito a tal direito devendo os infratores serem devidamente responsabilizados e os ofendidos indenizados Em relação ao direito às terras tradicionalmente ocupadas verificase a necessidade de o Estado promover de forma eficaz e mais rápida as demarcações das áreas sem que haja a relativização de outros direitos Além de outros fatores a morosidade dos procedimentos acaba por prejudicar o reconhecimento de um dos direitos mais fundamentais à existência dos povos indígenas REFERÊNCIAS BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Diário Oficial da União Brasília 5 out 1988 BRASIL Decreto nº 1775 de 8 de janeiro de 1996 Dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03decretod1775htm Acesso em 23 fev 2018 BRASIL Lei nº 6001 de 19 de dezembro de 1973 Dispõe sobre o Estatuto do Índio Diário Oficial da União Brasília 21 dez 1973 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisL6001htm CABRAL Maria Walkíria de Faro Coelho G e CRUZ Álvaro Ricardo de Souza Cruz Ações afirmativas no Brasil O trabalho do Ministério Público para torná las possíveis 2014 Disponível em httpsaplicacaompmgmpbrxmluihandle1234567891211 Acesso em 19 mar 2018 CRUZ Álvaro Ricardo de Souza Direito à diferença Belo Horizonte Arraes 2009 COELHO Elizabeteh Maria Beserra Coelho Ações afirmativas e povos indígenas o princípio da diversidade em questão Disponível em httpwwwperiodicoseletronicosufmabrindexphprppublicaarticleviewFile38 021910 Acesso em 27 mar 2018 COLAÇO Thais Luzia Os Novos Direitos Indígenas In Os novos direitos no Brasil Saraiva São Paulo 2012 Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas 13 de setembro de 2007 Disponível em httpspibsocioambientalorgfilesfilePIBinstitucionalDECLARACAODASN ACOESUNIDASSOBREOSDIREITOSDOSPOVOSINDiGENASpdf GARZÓN Biviany Rojas OLIVEIRA Rodrigo YAMANDA Érika M Direito à consulta e consentimento de povos indígenas quilombolas e comunidades tradicionais Disponível em httpwwwdplforgsitesdefaultfilesdireitoaconsultaprevianobrasildplf rca3pdf Acesso em 19 jan 2018 PIOVESAN Flávia Ações afirmativas no Brasil desafios e perspectivas Rev Estud Fem Florianópolis 2008 PIOVESAN Flavia Ações afirmativas da perspectiva dos direitos humanos Cad Pesqui São Paulo 2005 Parecer nº 0012017GABCGUAGU Disponível em httpswwwconjurcombrdlpareceraguraposaserrasolpdf ROMANO Rogério Tadeu O marco temporal só beneficia os ruralistas Revista Jus Navigandi ISSN 15184862 Teresina ano 22 n 519622 set 2017 Disponível em httpsjuscombrartigos59816 Acesso em 11 mar 2018 SANTILLI Juliana A proteção aos direitos intelectuais coletivos das comunidades indígenas brasileiras 1997 Disponível em httpwwwcjfjusbrrevistanumero3artigo06html Acesso em 10 de mar 2018 SILVA José Afonso Curso de Direito Constitucional Positivo São Paulo RT 5ª edição SILVA Paulo Thadeu Gomes da Silva A Constituição de 88 não é o marco caracterizador da posse indígena Paulo Thadeu Gomes da Silva Disponível em httpwwwmpfmpbratuacaotematicaccr6documentose publicacoesartigosdocsartigosartigomarcotemporalocupacaoindigenapdf Acesso em 09 mar 2018 STF Petição nº 3388RR Relator Min Roberto Barroso OIT Convenção n 169 sobre Povos Indígenas e Tribais 1989 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03ato200420062004decretod5051htm Acesso em 19 fev 2018 MEDIDAS cautelares outorgadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos Disponível em httpswwwcidhoasorgmedidas2011porthtm Acesso em 02 mar 2018 CAPÍTULO 06 ENCARCERAMENTO FEMININO UMA ANÁLISE DO AUMENTO DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA DE MULHERES BRASILEIRAS COM A PROMULGAÇÃO DA LEI N 1134306 Letícia Mariano Borges de Figueiredo 113 Thais Guedes Yasuda 114 1 INTRODUÇÃO De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias INFOPEN MULHERES JUNHO 2014115 publicado em 2015 58 das mulheres encarceradas estão presas por crimes ligados ao tráfico de drogas Ao analisarmos os dados referentes ao ano de 2005116 ano anterior à promulgação da Lei de Tóxicos de n 1134306 notase que o número de mulheres no sistema prisional era de 12925 e em apenas um ano aumentou 34 totalizando 17216 em 2006 Se tal aumento da população carcerária já causa preocupação hoje os números que refletem o encarceramento feminino são alarmantes Enquanto a taxa total de aprisionamento de homens aumentou aproximadamente 190 entre 2005 e 2014 a taxa de aprisionamento de mulheres aumentou 300 no mesmo período117 Em 2014 eram 37380 mulheres presas Sendo assim o presente artigo objetiva verificar as razões que culminaram nesse exponencial aumento Diante de um cenário significativamente preocupante buscase entender como o papel da mulher na sociedade e as transformações que esta sofreu ao longo dos anos foram determinantes para a atual situação carcerária Para tanto o estudo abordará a 113 Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Membro do Núcleo Acadêmico de Pesquisa Cidadania e Inclusão Social 114 Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Membro do Núcleo Acadêmico de Pesquisa Cidadania e Inclusão Social 115 LEVANTAMENTO NACIONAL DE INFORMAÇÕES PENITENCIÁRIAS Infopen MulheresSl INFOPEN 2014 116 LEVANTAMENTO NACIONAL DE INFORMAÇÕES PENITENCIÁRIAS Infopen MulheresSl INFOPEN 2014 117 LEVANTAMENTO NACIONAL DE INFORMAÇÕES PENITENCIÁRIAS Infopen MulheresSl INFOPEN 2014 força do movimento feminista que luta por igualdade de direitos e visa romper com o estigma da mulher subordinada inferior e oprimida A incessante batalha por direitos iguais fez com que a mulher passasse a ocupar uma posição de visibilidade na sociedade tanto no seio familiar como no ambiente profissional A mulher antes submissa dependente e incapaz tem hoje seu papel redefinido assumindo novas roupagens dentre essas a de chefe de família Com a nova estrutura a mulher passou a exercer além do papel de mãe a função de provedora do sustento econômico do lar o que justifica a sua necessidade por uma fonte de renda Todavia empregos com uma boa remuneração requerem uma boa qualificação Se antes as mulheres apenas cuidavam de sua casa e de seus filhos resta evidente que a sociedade não tinha como preocupação a formação profissional destas Além da barreira educacional as mulheres buscam se inserir em um mercado de trabalho tradicionalmente machista em que raras mulheres desempenham funções de poder e quase não há políticas públicas para minimizar essa desigualdade Diante desse cenário que faz a entrada para o mundo do crime um convite quase que irrecusável resta evidente as dificuldades da mulher para obtenção de seu sustento A difícil efetivação das garantias constitucionais previstas na Carta Magna de 1988 sustenta o fenomeno da feminização da pobreza A pesquisa demonstrará as circunstâncias que levam as mulheres a serem mais pobres que os homens e como isto está ligado ao aumento exponencial da população de condenadas pelo tráfico de drogas Ao apresentarmos o contexto social que a mulher se encontra bem como as razões determinantes para a criminalidade feminina deixa claro a necessidade de abordamos o tratamento que o direito confere a elas Para tanto será realizado uma análise crítica da Lei n 1134306 pontuando os artigos de maior importância observando o tipo legal e a pena aplicada Visase auferir se o legislador se mostrou omisso ao não em considerar as circunstâncias que as infratoras se encontravam ao estipular a punibilidade dos delitos bem como averiguar como os diversos membros de uma estrutura criminosa são penalizados Por fim o artigo tem como escopo demonstrar o fracasso da política adotada que não conseguiu cumprir seu objetivo de repressão à venda de narcóticos e ainda superlotou o sistema prisional brasileiro e a necessidade da aplicação do Direito Penal Mínimo sob pena de violação do princípio constitucional da individualização da pena 2 O PAPEL DA MULHER NA SOCIEDADE O INFOPEN MULHERES 118 datado de junho de 2014 traçou o perfil das mulheres encarceradas no Brasil Por meio da análise dos dados foi possível traçar um perfil fidedigno das encarceradas qual seja jovem solteira negra e de baixa escolaridade Os dados constatam que em 2014 27 das presas tinham entre 18 e 24 anos e 23 entre 25 e 29 anos 57 eram solteiras 68 eram negras e por fim 86 não completaram o ensino médio Para entendermos como esse perfil foi concebido é necessário realizar uma retrospectiva da história da mulher na sociedade Ainda hoje em pleno século XXI mais precisamente ano de 2018 a mulher permanece em posição de inferioridade em relação aos homens Tal posição é resquício de uma cultura enraizada que perpassa por todas as épocas históricas Seja na Antiguidade grecoromana com a objetificação da mulher como propriedade do homem seja na Idade Média com a ascensão dos dogmas da Igreja Católica e consequente proliferação da mistificação da mulher como bruxa Destacase que no Absolutismo a insignificância da mulher era tamanha que o Estado não mais se preocupava com a punição dos crimes que havia praticado119 Destarte percebese que o local da mulher na sociedade sempre foi secundário comparado aos homens Tanto as mulheres brancas criadas para serem esposas e mães que exerciam a função predeterminada de dedicarse ao lar marido e a criação dos filhos120 quanto as mulheres negras que exerciam atividades laborais braçais como escravas nas lavouras ou nas ruas ou ainda como vendedoras quituteiras prostitutas etc121 eram subjugadas Apesar da notória distinção de realidades a desigualdade de gêneros se mostrava presente em ambas É inegável que os direitos e garantias fundamentais inerentes a todo e qualquer cidadão sempre foram negados às mulheres da forma mais cruel possível e nos dias de hoje não é diferente Não obstante a existência de legislações internacionais e nacionais que visam assegurar direitos iguais para ambos os sexos essas são totalmente 118 LEVANTAMENTO NACIONAL DE INFORMAÇÕES PENITENCIÁRIAS Infopen MulheresSl INFOPEN 2014 119 ENEGRECER o Feminismo A Situação da Mulher Negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero Sl sn Copyright 2018 120 LOBATO Aline et al Mulheres criminosas analisando a relação entre a desestruturação familiar e criminalidade p 3 121 ENEGRECER o Feminismo A Situação da Mulher Negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero Sl sn Copyright 2018 esquecidas na maioria das situações Citase a predominância de homens em cargos de chefia no mercado de trabalho a diferenciação de salários os abusos sexuais no ambiente profissional entre outros Objetivando a prestação efetiva dos direitos tutelados apenas no papel surgiram os movimentos feministas que após diversas batalhas romperam com o modelo predeterminado do que a mulher poderia e deveria fazer Nesse sentido Rodrigues122 nos ensina que se há um Brasil que caminha célere para as trevas é ali mesmo onde há cinzas que a cada vez os movimentos feministas atuam resistem e existem 21 A QUEBRA DO MODELO TRADICONAL DA MULHER No Brasil as primeiras manifestações feministas iniciaram durante o Regime Militar na década de 70 Segundo Pinto123 o regime militar via com grande desconfiança qualquer manifestação de mulheres por entendêlas como política e moralmente perigosas Antes disso as mulheres já haviam se insurgido contra a posição inferior que ocupavam perante os homens Na primeira onda do feminismo na década de 1910124 houve a luta das sufragistas em busca do direito civil de serem eleitas e elegíveis bem como a luta do movimento das operárias de ideologia anarquista que denunciavam a situação da mulher nas fábricas e oficinas125 Durante a ditadura militar enquanto a Europa já se avançava na batalha pela igualdade de gênero e discutia não só o espaço da mulher na vida pública trabalho e educação como a relação de poder existente entre homens e mulheres o Brasil estava no começo de sua trajetória de manifestações feministas se organizando contra a repressão do Governo Militar Com o início do regime democrático a luta feminista ampliouse abrangendo vários outros temas como violência sexualidade direito ao trabalho igualdade no casamento direito à terra direito à saúde maternoinfantil racismo opções sexuais etc126 122 RODRIGUES Carla 2017 o ano das bruxas em ação Le Monde Diplomatique Brasil Sl 23 jan 2018 126 p 45 123 PINTO Céli Regina Jardim FEMINISMO HISTÓRIA E PODER Revista de Sociologia e Política Curitiba v 18 n 36 p 1523 jun 2010 124 RODRIGUES Carla 2017 o ano das bruxas em ação Le Monde Diplomatique Brasil Sl 23 jan 2018 126 p 45 125 PINTO Céli Regina Jardim FEMINISMO HISTÓRIA E PODER Revista de Sociologia e Política Curitiba v 18 n 36 p 1523 jun 2010 126 PINTO Céli Regina Jardim FEMINISMO HISTÓRIA E PODER Revista de Sociologia e Política Curitiba v 18 n 36 p 1523 jun 2010 Hoje acreditase que a luta feminista tem como base a retirada da mulher da posição de inferioridade no qual ela sempre foi colocada A luta é única e deve abranger todas e todos independentemente da raça cor etnia opção sexual etc Nesse aspecto Pinto127 assinala Ninguém melhor que o oprimido está habilitado a lutar contra a sua opressão Somente nós mulheres organizadas autonomamente podemos estar na vanguarda dessa luta levantando nossas reivindicações e problemas específicos Nosso objetivo ao defender a organização independente das mulheres não é separar dividir diferenciar nossas lutas das lutas que conjuntamente homens e mulheres travam pela destruição de todas as relações de dominação da sociedade capitalista Se hoje há a quebra diversos padrões que à nos eram impostos isto se dá em virtude do movimento feminista A busca por igualdade de direitos pela ocupação dos espaços e pela liberdade não pode parar Apesar de relevante avanço os vestígios de uma sociedade formada por homens e seus ideais permanece afetando e oprimindo nos mais diversos ambientes as mais diversas mulheres inclusive a encarcerada 3 A FEMINIZAÇÃO DA POBREZA Conforme dito anteriormente durante séculos a mulher brasileira teve seu papel bem definido na sociedade marcado pela inegável inferioridade Apesar de haver uma nítida mudança nos paradigmas sociais de gênero a cultura tradicionalmente machista e conservadora do brasileiro ainda reflete em inúmeros campos Incontáveis são as lutas diárias que cada mulher brasileira precisa travar em busca de uma efetiva igualdade de gêneros A árdua batalha por um ensino de qualidade por oportunidades iguais no mercado de trabalho por salários equiparados e pelo respeito da sociedade só afasta a realidade do que a Constituição Federal de 1988 preceitua em seu art 5º128 Se todos fossem iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza sendo homens e mulheres iguais em direitos e obrigações nada haveria que se falar sobre o fenomeno da feminização da pobreza Conforme o dicionário Aurélio129 pobreza é a falta do necessário à vida escassez indigência penúria enquanto a feminização130 é ação ou efeito de feminizar 127 PINTO Céli Regina Jardim FEMINISMO HISTÓRIA E PODER Revista de Sociologia e Política Curitiba v 18 n 36 p 1523 jun 2010 128 BRASIL Constituição 1988 Constituição da República Federativa do Brasil Brasília Senado 1988 129 DICIONÁRIO Online de Português Sl sn 2009 2018 130 DICIONÁRIO Online de Português Sl sn 2009 2018 de atribuir um aspecto gênero ou caráter feminino a algo ou alguém Dessa forma pode se conceituar o referido fenômeno como a prevalência dos níveis de pobreza do sexo feminino em detrimento do masculino em razão das condições desfavoráveis que as mulheres estão submetidas pela simples razão de serem mulheres Esse estado de pobreza se torna mais discrepante quando se trata de mãe solteira eou da única responsável pelo sustento das famílias monoparentais De acordo com Rohde131 Essas desigualdades interrelacionadas e acopladas a modelos instáveis do casamento da fecundidade e do emprego contribuíram para uma crescente feminização da pobreza Apesar das imperfeições dos índices oficiais da pobreza eles permitem avaliar um status relativo Segundo eles as mulheres de todas as idades têm duas vezes mais chances do que os homens de serem pobres e as mães solteiras cinco vezes mais chances Dois terços de todos os adultos indigentes são mulheres e dois terços daqueles que são permanentemente pobres vivem em lares onde a subsistência é garantida pela mulher Quase noventa por centro das famílias de progenitores solteiros são mantidas por mulheres e metade dessas famílias vivem abaixo da linha de pobreza Segundo o Censo do IBGE132 em 2010 8088625 famílias monoparentais brasileiras eram chefiadas por mulheres enquanto apenas 1165312 eram monoparentais masculinas Acreditase ser o número atual seja muito maior As mulheres passam então a ser a única fonte de renda de suas famílias já que na maioria dos casos não contam com o a corresponsabilidade dos pais de seus filhos Responsáveis pelo sustento familiar as mulheres têm suas expectativas de labor frustradas ao se depararem com um mercado de trabalho seletivo e competitivo Além de lidarem com o preconceito enraizado na sociedade estas se deparam com uma série de requisitos que as impossibilitam de obter um emprego fixo e bem remunerado A crise econômica mundial que se alastra pelos países principalmente subdesenvolvidos como é o caso do Brasil aumentou as taxas de desemprego de forma que as poucas vagas de trabalho ofertadas são preenchidas por aqueles melhores qualificados Considerando que 50 das infratoras brasileiras não possuem o ensino fundamental completo 133 verificase que a qualificação profissional é uma sólida 131 HABERMAS Jurgen Direito e Democracia Volume II entre facticidade e validade Ed 2 SI Tempo Brasileiro 2003 V102 132 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA Censo demográfico 2010 Rio de Janeiro IBGE 2010 133 LEVANTAMENTO NACIONAL DE INFORMAÇÕES PENITENCIÁRIAS Infopen MulheresSl INFOPEN 2014 barreira para a entrada no mercado de trabalho lícito e formal Nessa seara Macedo134 assevera Portanto a desigualdade de gênero não é fictícia pois as mulheres chefes de família enfrentam dificuldades suplementares ao teres de administrar a dupla participação nas esferas de produção e reprodução em condições desfavoráveis quando comparadas aos homens que também são chefes de domicilio Demonstrase se tratar de um círculo vicioso as precárias condições financeiras a maternidade precoce entre outros fatores obstam um alto grau de escolaridade e uma educação de baixa qualidade e a necessidade de cuidar de filhos menores obstam a obtenção de um emprego bem remunerado Além de impor uma série de restrições para a obtenção de uma fonte de renda considerável a mão de obra desqualificada a impossibilita ainda de adquirir experiência em qualquer ramo outro requisito muito solicitado pelos empregadores Diante da ausência de perspectivas a mulher acaba sendo atraída pela criminalidade O mundo do crime por não requerer escolaridade tão pouco experiencias ou referencias e não estabelecer faixa etária se mostra um caminho viável para a auferir lucro e assim conseguir prover o sustento de seus familiares Muitas ainda conseguem trabalhar em horários flexíveis o que facilita no exercício da maternidade 31 A INSERÇÃO DA MULHER NO TRÁFICO DE DROGAS Ao traçar o perfil da mulher presa Ribeiro 135 assinala que A maioria das mulheres que praticam crimes encontramse em idade economicamente ativa possuem procedência urbana têm filhos são solteiras sua escolaridade média não ultrapassa o primeiro grau encontravamse em ocupações informais quando da prática do delito que em regra é associado a produção comércio e uso de entorpecentes Os dados do encarceramento brasileiro corroboram o autor e apontam que mais da metade das mulheres presas aguardam julgamento ou foram condenadas por crime ligados ao tráfico de drogas Tais estatísticas podem ser justificadas por se tratar de 134 MACEDO Márcia dos Santos Mulheres chefes de família e a perspectiva de gênero trajetória de um tema e a crítica sobre a feminização da pobreza Revista de Sociologia e Política Salvador v 21 n 53 p 385399 ago 2008 135 RIBEIRO Ludmila Mendonça Lopes ROCHA Rafael Lacerda Silveira ASSIS Vinícius Assis Nas malhas da justiça uma análise dos dados oficiais de indiciados por drogas em Belo Horizonte 2008 2015 Revista de Sociologia e Política Campinas v 23 n 2 p 397428 ago 2017 delitos de fácil e rápido retorno financeiro ou ainda pelo perfil que esta agrega em uma estrutura criminosa Ribeiro assinala da seguinte forma uma explicação possível para esse fenômeno é a facilidade que a mulher possui para circular com a droga pela sociedade por não constituir em foco principal da ação policial Da mesma forma entende Mizon136 ao acreditar ser evidente que a relação de gênero é determinante nas práticas criminais pois a maioria dos crimes cometidos por mulheres estariam associados ao modelo de socialização das meninas nos quais estas são vistas como mais frágeis perante aos homens devido suas diferenças físicas e psíquicas Daí a origem da participação subalterna das mulheres e a dificuldade de aceitação social das mesmas nas práticas de seus crimes Por esse motivo as mulheres são vistas como alvos fáceis pelos traficantes pois a sociedade em geral tende a não desconfiar das mesmas Assim como no mercado de trabalho formal as mulheres exercem atividades secundárias na estrutura criminosa quase nunca em funções de poder Nesse sentido denotase que a mulher acaba por ocupar uma posição coadjuvante e subordinada nesse tipo de crime realizando serviços de transporte de drogas e pequeno comércio muitas são usuárias sendo poucas as que exercem atividades de gerência do tráfico137 O ingresso das mulheres no tráfico de drogas é apontado como um efeito da feminização da pobreza ou seja da consideração estatística e social de que a pobreza tem atingido de forma significativa as mulheres orientado suas escolhas de vida138 Resta demonstrado a relação da inserção da mulher no tráfico de drogas às questões econômicas porém há outros fatores que influenciam tal situação A mulheres que cometem as infrações elencadas na Lei 1134306 podem estar ligadas as tais práticas por relações de afeto ao sofrerem influência de maridos companheiros irmãos parentes e amigos A situação de vulnerabilidade aliados a impulsos emotivos podem ser outras questões determinantes para a criminalidade feminina mas tal perspectiva não é tema do presente artigo 136 MINZON Camila Valéria Minzon DANNER Glaucia Karina BARRETO Danielle Jardim Barreto Sistema prisional conhecendo as vivências da mulher inserida neste contexto Curitiba 2009 Akrópolis Umuarama v 18 n 1 p 7181 janmar 2010 137 LEVANTAMENTO NACIONAL DE INFORMAÇÕES PENITENCIÁRIAS Infopen MulheresSl INFOPEN 2014 138 CORTINA Monica Ovinski de Camargo Mulheres e tráfico de drogas aprisionamento e criminologia feminista Revista de Sociologia e Política Florianópolis p 761778 dez 2015 4 A LEI DE TÓXICOS No Brasil vigora a Lei 1134306 chamada mais comumente de Lei de Drogas ou Lei de Tóxicos que teve sua publicação no Diário Oficial da União no dia 24 de agosto de 2006 e substituiu a antiga Lei 636876 trazendo alterações significativas na sociedade por meio de uma forte política de repressão ao tráfico Inicialmente insta salientar que o legislador teve como escopo diferenciar o traficante do usuário reduzindo o número de prisões aplicando o princípio da seletividade da penal Para tanto modificou o disposto na Lei n636876 que criminalizava o usuário com uma pena de detenção de seis meses a dois anos além de multa e o traficante com uma pena de reclusão de três a quinze anos acrescida de multa Todavia como se restou demonstrado a quantidade de detenções não diminuiu Com o advento da Lei de Tóxicos pretendeuse a despenalização daquele que que adquire guarda tem em depósito transporta ou traz consigo droga sem autorização para consumo pessoal Este não está mais sujeito à pena privativa de liberdade e sim à uma das penas a seguir advertência sobre os efeitos das drogas prestação de serviços à comunidade medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo139 Se por um lado objetivouse atenuar a punibilidade dos usuários por outro o legislador visou agravar a situação penal dos traficantes e dos agentes responsáveis pela disseminação de drogas aumentando a pena mínima indo de três anos de reclusão para quinze anos de reclusão Diante da nova redação esperavase uma redução no número de prisões Por que essa não aconteceu Essa situação pode ser justificada por um fator determinantes a inexistência de parâmetros concretos e explícitos na legislação que permita um fácil e enquadramento do tipo penal140 Essa difícil distinção do agente na categoria de usuário e traficante pode ser demonstrada através de análise do artigo 28 2º da Lei 1134306 que determina os critérios que devem ser utilizados pelo operador do direito no momento em que for enquadrar o agente Vejamos Para determinar se a droga se destina a consumo pessoal o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida ao local e às condições em 139 BRASIL Lei n 11343 de 23 de agosto de 2006 Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas Sisnad Diário Oficial da União Brasília 24 ago 2006 140 RIBEIRO Ludmila Mendonça Lopes ROCHA Rafael Lacerda Silveira ASSIS Vinícius Assis Nas malhas da justiça uma análise dos dados oficiais de indiciados por drogas em Belo Horizonte 2008 2015 Revista de Sociologia e Política Campinas v 23 n 2 p 397428 ago 2017 que se desenvolveu a ação às circunstâncias sociais e pessoais bem como à conduta e aos antecedentes do agente Atestase que o legislador deixou a definição de qual categoria o infrator será enquadrado à mercê do julgamento subjetivo do operador do direito A falta de critérios objetivos possibilita que o julgador decida de forma arbitrária quem ele quer que seja severamente punido e quem ele quer despenalizar Posto isso resta evidente a importância do estudo acerca do tratamento que a Lei nº1134306 concedeu aos crimes relacionados ao tráfico de drogas e posteriormente analisar como a referida legislação foi determinante para o exponencial aumento de encarceradas 41 UMA POLÍTICA DE REPRESSÃO AO TRÁFICO DE DROGAS O tráfico de drogas na Lei 1134306 é disposto no artigo 33141 e caracterizase pela incidência de dezoito verbos ou seja há dezoitos núcleos do tipo Vejamos Art 33 Importar exportar remeter preparar produzir fabricar adquirir vender expor à venda oferecer ter em depósito transportar trazer consigo guardar prescrever ministrar entregar a consumo ou fornecer drogas ainda que gratuitamente sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar Grifos nossos Dessa maneira o agente ao praticar qualquer um dos verbos descritos no artigo acima incorrerá na prática do crime de tráfico de drogas A pena privativa de liberdade aplicada ao crime de tráfico é de 5 a 15 anos de reclusão enquanto que na lei anterior a pena mínima era de três anos O aumento da pena pode ser justificado pelo fato de se tratar de um crime de extrema reprovação social sendo equiparado aos crimes hediondos142 A força da política de repressão desses crimes pode ser vista ao analisarmos a referida lei sob a ótica da aplicabilidade do Código Penal A Lei 971498143 prevê a substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos podendo ser aplicada quando a pena privativa de liberdade não for superior a quatro anos e o crime não tiver sido cometido com violência ou grave ameaça à pessoa Resta evidente 141 BRASIL Lei n 11343 de 23 de agosto de 2006 Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas Sisnad Diário Oficial da União Brasília 24 ago 2006 142 FILHO Euro Bento Maciel A questão do tráfico de drogas como crime hediondo Tráfico de entorpecentes na forma privilegiada não tem natureza hedionda SI Escala 2017 143 BRASIL Lei n 9714 de 25 de novembro de 1998 Altera dispositivos do DecretoLei no 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal Diário Oficial da União Brasília 26 nov 1998 que tal substituição não mais pode ser aplicada para aqueles que praticaram algum núcleo do tipo penal previsto no art 33 Apesar de ser vedada a substituição em 15 de fevereiro de 2012 o Senado Federal autorizou a conversão Ademais a rigidez ainda se faz presente no art 44 ao determinar que os crimes praticados nos art 33 caput e 1º e arts 34 a 37 são inafiançáveis e insuscetíveis de susis graça indulto anistia e liberdade provisória O legislador ainda buscou vedar a concessão da liberdade provisória bem como determinou o cumprimento da pena em regime fechado Entretanto ambos ditames foram declarados inconstitucionais Em relação à liberdade provisória a jurisprudência resta pacificada ao considerar a não concessão violaria diretamente vários princípios constitucionais a saber princípio da presunção de inocência princípio do devido processo legal e princípio da fundamentação do juízo todos dispostos na Constituição Federal de 1988 no artigo 5º incisos LVII LIV e LXI respectivamente Não obstante foi declarado também inconstitucional o artigo 2º144 1º da Lei de Tóxicos que determinava que o início da pena pelo tráfico de drogas seria cumprida em regime fechado Em junho de 2012 o Supremo Tribunal Federal entendeu que tal dispositivo feria diretamente o princípio da individualização da pena constante no artigo 5º inciso XLVI da Constituição Federal de 1988 Tais inconstitucionalidades demonstram claramente a intenção do legislador em aplicar ao agente que pratica o crime de tráfico de drogas uma punição tão severa a ponto de ultrapassar os limites dos princípios e normas constitucionais As consequências desse emprenho em combater o tráfico de drogas com leis mais rígidas refletem diretamente na atual conjuntura do sistema penitenciário brasileiro principalmente quando se discute o aumento alarmante do encarceramento feminino em virtude da vigência da Lei de Drogas 42 OS REFLEXOS DA LEGISLAÇÃO NO APRISIONAMENTO FEMININO Historicamente sabese que as mulheres sempre ocuparam uma posição de inferioridade em relação aos homens e no tráfico de drogas não é diferente Uma análise dos dados por gênero do encarceramento brasileiro evidencia essa realidade ao 144 BRASIL Lei n 11343 de 23 de agosto de 2006 Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas Sisnad Diário Oficial da União Brasília 24 ago 2006 apurar que as mulheres têm chances 23 vezes mais elevadas de serem incriminadas por tráfico do que homens145 Acerca disso Chernicharo e Boiteux146 expõe A estrutura do mercado de drogas ilícitas reproduz um padrão muito similar ao do mundo do trabalho legal Em geral as mulheres ocupam as posições mais subalternas como mula avião bucha vendedora fogueteira vapor etc Estas posições são também as mais vulneráveis pois demandam contato direto com a droga e como em geral estas mulheres são pobres a margem de negociação ou arregos com os policiais é muito limitada Apesar de exercerem funções secundárias na estrutura do tráfico estas são enquadradas no mesmo tipo penal daqueles que exercem o comando das operações Isso porque quando uma mulher é presa em flagrante delito portando drogas essa é enquadrada na maioria das vezes no crime de tráfico e quase nunca como usuária Demostrase que a mulher sob a ótica do direito mesmo ocupante de posições subalternas está em pé de igualdade com o chefe do morro ou seja com o traficante responsável por toda a organização do narcotráfico O que é totalmente contraditório se pensarmos que para o tráfico de drogas essas mulheres não significam nada Tal situação além de esclarecer o aumento expressivo do encarceramento feminino evidencia o fracasso da política de repressão Sendo a mulher acusada de praticar o tipo penal disposto no artigo 33 da Lei 1134306 a pena dessa variará de cinco a quinze anos e ainda que esta seja penalizada com a menor pena cominada haverá um sérias consequências Como vimos inexiste a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direito o que significa que por mais insignificante que tenha sido a atuação da mulher no tráfico de drogas ela necessariamente terá sua liberdade privada e estará submetida à uma legislação extremamente repressiva que concede o benefício da progressão de regime após o cumprimento de 25 da pena se não reincidente específico e de 35 da pena se reincidente específico147 Como se não já não bastasse a condenação pelo crime a mulher ainda sofre uma outra punição que é enquanto os homens recebem visitas de esposas e companheiras os visitantes das prisões femininas são mães e irmãs que muitas vezes ainda dependem 145 RIBEIRO Ludmila Mendonça Lopes ROCHA Rafael Lacerda Silveira ASSIS Vinícius Assis Nas malhas da justiça uma análise dos dados oficiais de indiciados por drogas em Belo Horizonte 2008 2015 Revista de Sociologia e Política Campinas v 23 n 2 p 397428 ago 2017 146 CHERNICHARO Luciana Peluzio Sobre Mulheres e Prisões Seletividade de Gênero e Crime de Tráfico de Drogas no Brasil 2014 160 f Dissertação Mestrado em Direito Faculdade de Direito Universidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2014 147 BRASIL Lei n 9714 de 25 de novembro de 1998 Altera dispositivos do DecretoLei no 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal Diário Oficial da União Brasília 26 nov 1998 do sustento da encarcerada Acerca dessa dupla condenação Chernicharo e Boiteux148 preleciona Quando presa a mulher experimenta maior discriminação por parte da sociedade e maior abandono por parte da família como demonstram as pequenas filas de visitas em presídios femininos ao contrário das filas dos presídios masculinos com mulheres e crianças cheias de sacolas de comida roupas e produtos de higiene Elas nas filas estão cumprindo seu papel de mulher esposa mãe enquanto as presas que ousaram desafiar as leis do país e da família estão sujeitas a rígidas medidas de observação vigilância e controle que visam a reforçar e incentivar a dependência e a passividade Percebese com isso que para as mulheres inseridas na criminalidade não basta todas as lutas diárias enfrentadas em busca de ensino de qualidade oportunidades iguais no mercado de trabalho e salários equiparados É necessário ainda travar uma luta mais árdua uma luta contra a sociedade contra seus próprios familiares contra o Poder Público É necessário lutar para serem lembradas como seres que possuem direitos direitos que devem ser respeitados e efetivados É necessário também lutar por um direito que não é seu lutar pelos direitos dos seus filhos e filhas porque quando se prende uma mulher se prende toda a sua família pois encarcerar mulheres significa na prática a desestruturação do núcleo familiar 5 CONCLUSÃO Buscouse analisar neste trabalho a atual situação do sistema carcerário brasileiro e o aumento significativo da população feminina encarcerada principalmente depois da promulgação da Lei 1134306 Para isso foi realizado um estudo acerca do papel da mulher na sociedade desde os primórdios até os dias atuais bem como um aprofundamento acerca dos movimentos feministas que foram de extrema importância para a conquista de vários direitos das mulheres Discutiuse o fenômeno da feminização da pobreza como impulsor para a entrada da mulher no tráfico de drogas e ao final e foi analisada a rigidez da Lei de Tóxicos e as consequências que essa traz na vida de uma mulher que é encarcerada pelo crime disposto no artigo 33 da mesma Posto isso concluise que a Lei de Drogas é extremamente falha ao equiparar mulheres que exercem atividades subalternas no tráfico com aqueles que são responsáveis por toda a organização dos narcóticos A rigidez da lei e a falta da aplicação de fato do princípio da individualização da pena não traz um combate às drogas efetivo Muito pelo contrário essa lei se torna um dos fatores responsáveis pela superlotação do cárcere especialmente do cárcere feminino Portanto a implementação de políticas públicas para inclusão das mulheres em uma sociedade mais justa e igualitária onde essas sejam capazes de conseguir um ensino de qualidade tenham oportunidades iguais no mercado de trabalho e salários equiparados Dessa forma é possível afastar o fenômeno da feminização de pobreza e a consequente atração das mulheres para o mundo da criminalidade principalmente para o tráfico de drogas onde o dinheiro rápido para o sustento da família e a flexibilidade nos horários para o exercício da maternidade se tornam fatores extremamente atrativos Acerca da necessidade de inclusão das mulheres na sociedade para a efetivação dos direitos Habbermas149 expõe Os direitos só se tornam socialmente eficazes quando os atingidos são suficientemente informados e capazes de atualizar em casos específicos a proteção do direito garantida através de direitos fundamentais de justiça A competência de mobilizar o direito depende em geral do grau de escolaridade da procedência social e de outras variáveis tal como sexo idade experiencia em processos tipo de relação sócia envolvida no conflito etc grifos nossos Com isso não se visa a exclusão de punibilidade dessas mulheres que praticam o delito mas sim que o legislador reconheça a desproporção existente entre a participação delas na organização do tráfico com a pena na qual são submetidas Por fim a legislação rígida e repressiva como ficou demonstrado no presente trabalho só contribuiu para o aumento alarmante de pessoas encarceradas no Brasil principalmente mulheres Assim é necessário que se repense a política de combate às drogas tendo em vista que essa desde o advento da nova lei em 2006 não está sendo efetiva REFERÊNCIAS ALVES Jaiza Sâmmara de Araújo Criminalidade Feminina um estudo descritivo dos dados estatísticos acerca das mulheres detidas no Brasil e na Argentina Revista do Direito Humanos e DemocraciaSI v 5 n 10 p 175212 out 2017 Disponível 149HABERMAS Jurgen Direito e Democracia Volume II entre facticidade e validade Ed 2 SI Tempo Brasileiro 2003 V102 emhttpswwwrevistasunijuiedubrindexphpdireitoshumanosedemocracia Acesso em 26 mar 2018 BRASIL Constituição 1988 Constituição da República Federativa do Brasil Brasília Senado 1988 BRASIL Lei n 7210 de 11 de julho de 1984Institui a Lei de Execução Penal Diário Oficial da União Brasília 13 jul 1984 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03ato200420062006leil11343htm Acesso em 26 mar 2018 BRASIL Lei n 9714 de 25 de novembro de 1998 Altera dispositivos do DecretoLei no 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal Diário Oficial da União Brasília 26 nov 1998 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03ato200420062006leil11343htm Acesso em 26 mar 2018 BRASIL Lei n 11343 de 23 de agosto de 2006 Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas Sisnad Diário Oficial da União Brasília 24 ago 2006 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03ato2004 20062006leil11343htm Acesso em 26 mar 2018 CHERNICHARO Luciana Peluzio Sobre Mulheres e Prisões Seletividade de Gênero e Crime de Tráfico de Drogas no Brasil 2014 160 f Dissertação Mestrado em Direito Faculdade de Direito Universidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2014 Disponível em httpwwwneipinfoupdblob00011565pdf Acesso em 26 mar 2018 CORTINA Monica Ovinski de Camargo Mulheres e tráfico de drogas aprisionamento e criminologia feminista Revista de Sociologia e Política Florianópolis p 761 778 dez 2015 Disponível em httpwwwscielobrpdfrefv23n30104026Xref 230300761pdf Acesso em 26 mar 2018 DICIONÁRIO Online de Português Sl sn 2009 2018 Disponível em httpswwwdiciocombrfeminizacao Acesso em 26 mar 2018 ENEGRECER o Feminismo A Situação da Mulher Negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero Sl sn Copyright 2018 Disponível em httpwwwunicapbrneabipageid137 Acesso em 26 mar 2018 FERREIRA Aurélio Buarque de Holanda Dicionário Aurélio de Português Online Sl sn 2016 Disponível em httpsdicionariodoaureliocompobreza Acesso em 26 mar 2018 FILHO Euro Bento Maciel A questão do tráfico de drogas como crime hediondo Tráfico de entorpecentes na forma privilegiada não tem natureza hedionda SI Escala 2017 Disponível em httpwwwrevistavisaojuridicacombr20170606aquestaodotraficode drogascomocrimehediondo Acesso em 26 mar 2018 GOMBATA Marsílea A Lei de Drogas fracassou Disponível em httpswwwcartacapitalcombrsociedadeexplosaodemulherespresaspor drogasemsaopaulomostrafracassodalegislacaoafirmaestudo5497html Acesso em 26 mar 2018 GUIMARÃES Agnes Sofia A dupla punição das mulheres presas por tráfico de drogas Disponível em httpsponteorgaduplapunicaodasmulheres presasportraficodedrogas Acesso em 26 mar 2018 Por justiça para as mulheres indulto do dias das mães Disponível em httpsdiplomatiqueorgbrporjusticaparaasmulheresindultododiadas maes Acesso em 26 mar 2018 HABERMAS Jurgen Direito e Democracia Volume II entre facticidade e validade Ed 2 SI Tempo Brasileiro 2003 V102 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA Censo demográfico 2010 Rio de Janeiro IBGE 2010 Disponível httpsbibliotecaibgegovbrvisualizacaoperiodicos97cd2010familiasdomi ciliosamostrapdf Acesso em 26 mar 201 LEVANTAMENTO NACIONAL DE INFORMAÇÕES PENITENCIÁRIAS Infopen MulheresSl INFOPEN 2014 Disponível em httpwwwjusticagovbrnewsestudotracaperfildapopulacaopenitenciaria femininanobrasilrelatoriomulheres0511pdf Acesso em 25 mar 2014 LOBATO Aline et al Mulheres criminosas analisando a relação entre a desestruturação familiar e criminalidade p 3 Disponível em httpabrapsoorgbrsiteprincipalimagesAnaisXVENABRAPSO24220mulh eres20criminosaspdf Acesso em 26 mar 2018 MACEDO Márcia dos Santos Mulheres chefes de família e a perspectiva de gênero trajetória de um tema e a crítica sobre a feminização da pobreza Revista de Sociologia e Política Salvador v 21 n 53 p 385399 ago 2008 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS01034979200800020001 3lngennrmisotlngpt Acesso em 26 mar 2018 MINZON Camila Valéria Minzon DANNER Glaucia Karina BARRETO Danielle Jardim Barreto Sistema prisional conhecendo as vivências da mulher inserida neste contexto Curitiba 2009 Akrópolis Umuarama v 18 n 1 p 7181 janmar 2010 Disponível em httpwwwrevistasuniparbrindexphpakropolisarticleviewFile31182212 Acesso em 26 mar 2018 NOVELLINO Maria Salet Ferreira Chefia Feminina de Domicílio como indicador de feminização da pobreza de e políticas públicas para mulheres pobres Disponível em httpswwwresearchgatenetpublication239774061CHEFIAFEMININADE DOMICILIOCOMOINDICADORDEFEMINIZACAODAPOBREZAEPOLI TICASPUBLICASPARAMULHERESPOBRES Acesso em 26 mar 2018 PINTO Céli Regina Jardim FEMINISMO HISTÓRIA E PODER Revista de Sociologia e Política Curitiba v 18 n 36 p 1523 jun 2010 Disponível em httpwwwscielobrpdfrsocpv18n3603pdf Acesso em 26 mar 2018 RIBEIRO Ludmila Mendonça Lopes Análise da política penitenciária feminina do Estado de Minas Gerais o caso da Penitenciária Industrial Estevão Pinto 2003 164 f Dissertação Mestrado em Administração Pública Fundação João Pinheiro Belo Horizonte 2003 Disponível em httptedefjpmggovbrhandletede315 Acesso em 26 mar 2018 RIBEIRO Ludmila Mendonça Lopes ROCHA Rafael Lacerda Silveira ASSIS Vinícius Assis Nas malhas da justiça uma análise dos dados oficiais de indiciados por drogas em Belo Horizonte 20082015 Revista de Sociologia e Política Campinas v 23 n 2 p 397428 ago 2017 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS0104 62762017000200397lngennrmisotlngpt Acesso em 26 mar 2018 RODRIGUES Carla 2017 o ano das bruxas em ação Le Monde Diplomatique Brasil Sl 23 jan 2018 126 p 45 CAPÍTULO 07 MIGRAÇÃO HAITIANA NO BRASIL ADEQUAÇÃO AO CONCEITO DE REFÚGIO Rayssa Laleska de Oliveira Costa150 1 INTRODUÇÃO Um fluxo crescente de migrantes de magnitude e características sem precedentes mostrou a insuficiência do aparato jurídico e operacional em tratar da complexidade do fenômeno migratório no Brasil Surgiu na supracitada situação a necessidade de adequação das chegadas pessoas em algum dos institutos de proteção ao migrante da legislação internacional e brasileira Todavia tal tentativa de subsunção fez com que os órgãos responsáveis pelo tratamento das questões migratórias visitassem os conceitos e tipos de migração a fim de auferir de a proteção do refúgio poderia seria cabível Ademais caso concluíssem que não se tratava de refugiados qual seria o instituto no ordenamento jurídico aplicável Neste trabalho buscamos expor a solução dada pelas instituições brasileiras para lidar com a supra referida questão e analisar a partir de pesquisa documental jurídica a coerência das decisões tomadas e da classificação dada no caso concreto aos migrantes em solo brasileiro 2 CONCEITO DE MIGRANTE Não havendo no cenário internacional um significado pacífico para o termo migrante neste trabalho utilizaremos migrante como um termo genérico o qual abrange o movimento de migrantes econômicos pessoas deslocadas e refugiadas no amplo conceito de migração Tal conceito é usado nos estudos relativos à população 150 Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais demografia e movimento de pessoas e analisa a migração com um processo que ocorre de forma voluntária ou forçada151 3 PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS MIGRANTES A partir da Primeira Guerra Mundial passouse a estabelecer mais intensamente restrições à livre circulação entre os países e à liberdade de residência152 Com a Segunda Guerra Mundial um enorme contingente de pessoas deslocadas e apátridas restou impossibilitado de retornar ao seu local de origem Para promover apoio a essas pessoas elaboraramse a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 bem como as convenções de 1954 e 1961 essas últimas buscando proteger os apátridas153 Inicialmente a Convenção de 1951 protegia quem receasse com razão perseguição por motivos de raça religião nacionalidade filiação em certo grupo social ou opiniões políticas que estivesse fora do seu país e não pudesse ou em virtude de receio não quisesse a ele retornar Dava proteção também aos que não tendo nacionalidade estivessem fora do local de residência habitual e não pudessem ou por receio não quisessem retornar154 Tal Convenção previa a concessão do refúgio para pessoas que migraram em consequência de fatos ocorridos até 1º de janeiro de 1951 e a possibilidade de os signatários considerarem refugiados apenas pessoas advindas da Europa155 O Protocolo de 1967 retirou a limitação temporal e determinou a impossibilidade de se fazer qualquer restrição geográfica ampliando a proteção do refúgio156 151 JUBILUT Liliana Lyra APOLINÁRIO Silvia Menicucci O S A necessidade de proteção internacional no âmbito da migração Revista direito GV São Paulo v 6 n 1 p 275294 2010 p 280 152 JUBILUT Liliana Lyra APOLINÁRIO Silvia Menicucci O S A necessidade de proteção internacional no âmbito da migração Revista direito GV São Paulo v 6 n 1 p 275294 2010 p 278 153 JUBILUT Liliana Lyra APOLINÁRIO Silvia Menicucci O S A necessidade de proteção internacional no âmbito da migração Revista direito GV São Paulo v 6 n 1 p 275294 2010 p278 154 JUBILUT Liliana Lyra O Direito internacional dos refugiados e sua aplicação no orçamento jurídico brasileiro 240p São Paulo Método 2007 p 84 155 JUBILUT Liliana Lyra O Direito internacional dos refugiados e sua aplicação no orçamento jurídico brasileiro 240p São Paulo Método 2007p 84 156 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS ACNUR Protocolo Relativo ao Estatuto dos Refugiados 1967 A posteriori a Declaração de Cartagena157 em 1984 expandiu o conceito da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967 de refúgio e passaram a condição de refugiados também aqueles que tenham fugido do seu país por terem em ameaça sua vida sua segurança ou sua liberdade pela violação dos seus direitos humanos ou por grave violação da ordem pública 4 PROTEÇÃO DOMÉSTICA AOS MIGRANTES ESTATUTO DO ESTRANGEIRO Durante a Ditadura Militar no Brasil foi elaborado o Estatuto de Estrangeiro Lei nº 681580 o qual tem como lógica a manutenção da segurança nacional da época Buscavase facilitar a expulsão de estrangeiros que se envolvessem em atividades políticas O paradigma dessa legislação foi de sustentação da segurança nacional visando proteger a organização institucional os interesses políticos socioeconômicos e culturais do Brasil além do trabalhador nacional158 Na égide dessa lei estrangeiro era um conceito que se chegava por exclusão Identificavase quem era nacional conforme o artigo 12 da Constituição Federal159 e todo aquele que não era brasileiro nato ou naturalizado era considerado estrangeiro160 Nesse sentido o Estatuto do Estrangeiro não trazia um conceito de estrangeiro tampouco diferenciava as espécies de migrantes 157 DECLARAÇÃO de Cartagena Colóquio sobre Proteção Internacional dos Refugiados na América Central México e Panamá Problemas Jurídicos e Humanitários Cartagena1984 158 BRASIL Lei nº 6815 de 19 de agosto de 1980 Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil cria o Conselho Nacional de Imigração Diário oficial da União Brasília 19 ago 1980 159 Art 12 São brasileiros I natos a os nascidos na República Federativa do Brasil ainda que de pais estrangeiros desde que estes não estejam a serviço de seu país b os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou mãe brasileira desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil c os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem em qualquer tempo depois de atingida a maioridade pela nacionalidade brasileira II naturalizados a os que na forma da lei adquiram a nacionalidade brasileira exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral b os estrangeiros de qualquer nacionalidade residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal desde que requeiram a nacionalidade brasileira 160 GUERRA Sidney Alguns aspectos sobre a situação jurídica do não nacional no Brasil da lei do estrangeiro à nova lei de migração Revista Direito em Debate Ijuí v 26 n 47 2017p92 Fazse conveniente tecer considerações sobre a entrada e saída dos estrangeiros vez que prepondera no Estatuto do Estrangeiro a manutenção da segurança nacional a despeito do direito de migrar 41 Espécies de Vistos Nos termos do artigo 1º do Estatuto do Estrangeiro161 a concessão de vistos bem como suas isenções e despesas no Brasil devem observar a reciprocidade de tratamento para brasileiros no país de origem do estrangeiro solicitante de visto Ressaltase que os vistos não podem ser concedidos em território nacional mas apenas nas Embaixadas ConsuladosGerais Consulados e ViceConsulados do Brasil no exterior sendo impossível obter visto em qualquer ponto de entrada da fronteira brasileira162 O art 4º do Estatuto do Estrangeiro as espécies de visto que podem ser concedidos aos estrangeiros quais sejam de trânsito de turista temporário permanente de cortesia oficial e diplomático O visto de trânsito é concedido ao estrangeiro que precise passar pelo território brasileiro e tem como destino final outro país A validade deste visto é de 10 dias improrrogáveis O visto de turista por sua vez é dado ao estrangeiro que venha ao Brasil para recreação ou visita e possui validade de dez anos no máximo permitindo múltiplas estadas de noventa dias não excedendo 180 diasano o qual pode ser reduzido ou prorrogado por mais noventa dias pelo Ministério da Justiça163 Já o visto temporário é conferido a quem venha ao Brasil para estudar fazer negócios ou como artista desportista cientista professor correspondente periódico ou ministro de confissão religiosa dentre outros O prazo deste visto varia a depender da atividade exercida pelo estrangeiro art 14 Lei 681580164 161 BRASIL Decreto nº 82307 de 21 se Setembro De 1978 Dispõe sobre concessão de vistos de entrada para estrangeiros com base em reciprocidade Diário oficial da União Brasília 21 set 1978 162 ITAMARATY Vistos para viajar ao Brasil S l Itamaraty 2017 163 DELOLMO Florisbal de Souza Curso de direito internacional privado 12 ed Rio de Janeiro RJ Forense 2017p 127 164 BRASIL Lei nº 6815 de 19 de agosto de 1980 Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil cria o Conselho Nacional de Imigração Diário oficial da União Brasília 19 ago 1980 O visto permanente é para o estrangeiro que queira morar no Brasil e pode estar condicionado a alguns requisitos legais como o exercício de atividade e fixação em região do território nacional não superior a cinco anos art 18 Lei 681580165 Dispõe o art 19 do Estatuto do Estrangeiro166 que os vistos de cortesia oficial e diplomático são concedidos pelo Ministério das Relações exteriores o qual definirá os casos em que serão adequados tais vistos A Lei 681580 art7º veda que se concedam vistos a menores de dezoito anos desacompanhados do responsável legal ou sem a sua autorização expressa a quem for considerado pernicioso à ordem pública ou aos interesses nacionais a quem já tiver sido expulso do País salvo se a expulsão tiver sido revogada a aquele condenado ou processado em outro país por crime doloso passível de extradição segundo a lei brasileira ou que não atenda às condições de saúde estabelecidas167 Em qualquer das espécies de visto o Ministério da Justiça poderá sempre obstar a entrada estada ou registro do estrangeiro havendo vedação para a concessão do visto ou inconveniência da presença do mesmo conforme o artigo 26 do Estatuto do Estrangeiro168 5 MIGRAÇÃO FORÇADA OU VOLUNTÁRIA Fazse necessário distinguir a migração forçada da voluntária uma vez que a proteção dispensada a cada um desses casos acontece de maneira diversa169 Devese analisar aqueles que podem ou não contar com a proteção do seu país de origem ou residência a fim de aperfeiçoar a proteção despendida a eles170 As migrações voluntárias são os casos em que o indivíduo decide migrar livremente sem interferência de um fator externo por conveniência pessoal Como 165 BRASIL Lei nº 6815 de 19 de agosto de 1980 Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil cria o Conselho Nacional de Imigração Diário oficial da União Brasília 19 ago 1980 166 BRASIL Lei nº 6815 de 19 de agosto de 1980 Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil cria o Conselho Nacional de Imigração Diário oficial da União Brasília 19 ago 1980 167 BRASIL Lei nº 6815 de 19 de agosto de 1980 Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil cria o Conselho Nacional de Imigração Diário oficial da União Brasília 19 ago 1980 168 BRASIL Lei nº 6815 de 19 de agosto de 1980 Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil cria o Conselho Nacional de Imigração Diário oficial da União Brasília 19 ago 1980 169JUBILUT Liliana Lyra APOLINÁRIO Silvia Menicucci O S A necessidade de proteção internacional no âmbito da migração Revista direito GV São Paulo v 6 n 1 p 275294 2010 p 281 170 JUBILUT Liliana Lyra APOLINÁRIO Silvia Menicucci O S A necessidade de proteção internacional no âmbito da migração Revista direito GV São Paulo v 6 n 1 p 275294 2010 p 282 exemplo pessoas em busca de melhores condições materiais para si e seus familiares mudam para outro país Já as migrações forçadas abrangem os casos em que a vontade do indivíduo ao migrar é inexistente ou minimizada em face de fatores externos171 O refúgio é a situação clássica de migração forçada prevalentemente conforme o conceito já visto dado pela Convenção de 1951 e pelo Protocolo de 1967 e no caso da América Latina também nas hipóteses da Declaração de Cartagena Existem também os deslocados internamente migrantes forçados por questões de conflitos armados desastres ambientais ou graves violações dos direitos humanos Como tais pessoas ainda são protegidas pelo seu Estado é peculiar a proteção internacional dos mesmos172 Mudanças ambientais mormente climáticas têm provocado o intenso deslocamento de pessoas fenômeno cada vez mais agravado Esses deslocados ambientais por vezes cruzam as fronteiras nacionais e discutese o enquadramento dos mesmos como refugiados ambientais o que segundo Jubilut173 parece inadequado por não haver perseguição elemento básico do refúgio Por fim há também migrantes forçados que se deslocam em função de situações relativas a seus direitos econômicos sociais e culturais podendo existir em tais casos não efetivação grave dos referidos direitos174 Nesse sentido tais migrantes econômicos são migrantes forçados 6 MIGRAÇÃO HAITIANA NO BRASIL No Brasil quanto a proteção aos refugiados e solicitantes de refúgio a Convenção de 1951 foi reproduzida em vários momentos na Lei 947497175 como por exemplo nos critérios do reconhecimento da condição de refugiados art 1º I e II 171 JUBILUT Liliana Lyra APOLINÁRIO Silvia Menicucci O S A necessidade de proteção internacional no âmbito da migração Revista direito GV São Paulo v 6 n 1 p 275294 2010 p 281 172 JUBILUT Liliana Lyra APOLINÁRIO Silvia Menicucci O S A necessidade de proteção internacional no âmbito da migração Revista direito GV São Paulo v 6 n 1 p 275294 2010 p 282 173 JUBILUT Liliana Lyra APOLINÁRIO Silvia Menicucci O S A necessidade de proteção internacional no âmbito da migração Revista direito GV São Paulo v 6 n 1 p 275294 2010 p 282 174 JUBILUT Liliana Lyra APOLINÁRIO Silvia Menicucci O S A necessidade de proteção internacional no âmbito da migração Revista direito GV São Paulo v 6 n 1 p 275294 2010 p 282 175 BRASIL Lei nº 9474 de 22 de julho de 1997 Define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951 e determina outras providências Diário oficial da União Brasília 23 jun 1997 Há todavia inovações como a consideração de graves violações aos direitos humanos como situação para concessão de refúgio conforme o art 1º III da referida Lei176 Tem direito ao refúgio conforme previsão do artigo 1º da Lei n 94741997177 aqueles que I devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça religião nacionalidade grupo social ou opiniões políticas encontrese fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolherse à proteção de tal país II não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual não possa ou não queira regressar a ele em função das circunstâncias descritas no inciso anterior III devido a grave e generalizada violação de direitos humanos é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país O inédito fluxo migratório de haitianos para o Brasil tanto pela magnitude quanto pelos impactos causados quando em 2010 um terremoto alcançou o Haiti fez analisar os institutos jurídicos aplicáveis à situação em voga e nesse sentido o tipo de migração ocorrente Dessa forma buscouse definir se os então chegados migrantes adequavamse como refugiados ou qual seria o status legal dos mesmos Cabe ressaltar que os migrantes nessa ocasião experimentaram extrema vulnerabilidade como fome falta de acesso à água potável e condições precárias de moradia em decorrência da indefinição de sua situação jurídica178 Os haitianos não possuíam condições necessárias para entrar legalmente no Brasil eis que lhes faltavam os requisitos para concessão do visto Após ingressarem sem visto no Brasil apenas poderiam requerer refúgio Enquanto solicitantes de refúgio não seriam deportados e poderiam ser beneficiários dos serviços públicos179 Nesse sentido os haitianos não recebiam nenhuma assistência estatal sem o protocolo de solicitação de refúgio A feitura deste protocolo poderia demorar meses 176 JUBILUT Liliana Lyra O Direito internacional dos refugiados e sua aplicação no orçamento jurídico brasileiro 240p São Paulo Método 2007 p190191 177 BRASIL Lei nº 9474 de 22 de julho de 1997 Define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951 e determina outras providências Diário oficial da União Brasília 23 jun 1997 178 VÉRAN JeanFrançois NOAL Débora da Silva FAINSTAT Tyler Nem Refugiados nem Migrantes A Chegada dos Haitianos à Cidade de Tabatinga AmazonasDados Rio de Janeiro v 57 n 4 p 10071041 2014 179 VERAN JeanFrançois NOAL Débora da Silva FAINSTAT Tyler Nem Refugiados nem Migrantes A Chegada dos Haitianos à Cidade de Tabatinga AmazonasDados Rio de Janeiro v 57 n 4 p 10071041 2014 p1012 eis que lista de espera só fazia crescer decorrente fluxo ininterrupto de migrantes e da insuficiência de estrutural dos órgãos responsáveis pelo procedimento180 O CONARE concluiu que os haitianos não correspondiam aos critérios legais para concessão de refúgio vez eis que o elemento perseguição é imprescindível para adquirir o status de refugiado181 Por conseguinte foram indeferidos os pedidos de refúgio pelo CONARE que remeteu a questão ao CNIg com fulcro na Resolução Normativa nº 27182 A Resolução Normativa nº 27 prevê que casos omissos e situações especiais serão submetidas ao CNIg a partir de análise individual a fim de permitir que os considerados coletivamente como não refugiados sejam amparados como migrantes em situações especiais183 Portanto o CNIg analisava individualmente os casos dos migrantes e fornecia vistos especiais conforme o caso sendo um processo moroso e pelo fluxo cada vez maior de migração a previsão de análise era cada vez mais longa O CNIg editou a Resolução Normativa nº 97 a fim de dar rumos ao tratamento da migração haitiana dispondo sobre a concessão de visto permanente aos nacionais do Haiti por razões humanitárias A determinação do que seriam os vistos humanitários foi dada pelo artigo 1º da supracitada resolução normativa184 vejamos Artigo 1º Ao nacional do Haiti poderá ser concedido o visto permanente previsto no art 16 da Lei nº 6815 de 19 de agosto de 1980 por razões humanitárias condicionado ao prazo de 5 cinco anos nos termos do art 18 da mesma Lei circunstância que constará da Cédula de Identidade do Estrangeiro Parágrafo único Consideramse razões humanitárias para efeito desta Resolução Normativa aquelas resultantes do agravamento das condições de vida da população haitiana em decorrência do terremoto ocorrido naquele país em 12 de janeiro de 2010 180 VERAN JeanFrançois NOAL Débora da Silva FAINSTAT Tyler Nem Refugiados nem Migrantes A Chegada dos Haitianos à Cidade de Tabatinga AmazonasDados Rio de Janeiro v 57 n 4 p 10071041 2014 p1027 181 TERREMOTO e crise levaram à migração Revista em discussão Revista de audiências públicas do Senado Federal Ano 3 Nº 10 março de 2012 182 VERAN JeanFrançois NOAL Débora da Silva FAINSTAT Tyler Nem Refugiados nem Migrantes A Chegada dos Haitianos à Cidade de Tabatinga AmazonasDados Rio de Janeiro v 57 n 4 p 10071041 2014 p 1029 183 VERAN JeanFrançois NOAL Débora da Silva FAINSTAT Tyler Nem Refugiados nem Migrantes A Chegada dos Haitianos à Cidade de Tabatinga AmazonasDados Rio de Janeiro v 57 n 4 p 10071041 2014p1030 184 ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS Coletânea de Instrumentos de Proteção Nacional e Internacional de Refugiados e Apátridas Sl ACNUR 2017 7 ANÁLISE DO ENQUADRAMENTO LEGAL DOS MIGRANTES HAITIANOS Como visto o CONARE decidiu por não considerar refugiados os migrantes haitianos no evento discutido vez que não estava presente o requisito perseguição necessário para configurar situação de refúgio Para analisar a coerência desse posicionamento é imprescindível observar as motivações dadas pelos migrantes Considerando o estudo feito por Veran185 e observando análises feitas sobre os motivos que ocasionaram os movimentos migratórios temse que a procura por trabalho pobreza e insegurança são os principais ainda que associadas a outros fatores Boa parte dos migrantes 70 declararam ter sido afetados pelo terremoto 33 perderam um membro da família e 51 tiveram suas casas destruídas Ressaltase que a importância das perdas familiares reforça a responsabilidade dos membros sobreviventes e que a relevância da destruição da casa aponta para uma situação de pouca autonomia no país de origem Essa observação é reforçada pela percepção dos migrantes 56 referiramse ao terremoto como uma motivação para a migração É notável que a falta de trabalho é de longe o principal fator alegado 84mas esse fator não é independente uma vez que estava relacionado com o terremoto a pobreza 40 e a insegurançamedo 41 Quando se refere à violação de direitos econômicos sociais e culturais não é fácil diferenciar a situação de migrante econômico e o status de refugiado Devese analisar a possibilidade de alguém deslocado a fim de garantir os direitos supramencionados poder solicitar refúgio ou outro tipo de proteção186 Se a violação dos direito direitos econômicos sociais e culturais decorre da negligência em provêlos e não por atos persecutórios do Estado fica prejudicado o enquadramento como refúgio vez que deve haver fundado temor de perseguição para tanto Dessa forma caso opiniões políticas etnia pertencimento a algum grupo social motivam Estado ou outra entidade com poder suficiente a privar alguém de trabalhar 185 VERAN JeanFrançois NOAL Débora da Silva FAINSTAT Tyler Nem Refugiados nem Migrantes A Chegada dos Haitianos à Cidade de Tabatinga AmazonasDados Rio de Janeiro v 57 n 4 p 10071041 2014p 1014 186 JUBILUT Liliana Lyra APOLINARIO Silvia Menicucci O S A necessidade de proteção internacional no âmbito da migração Revista direito GV São Paulo v 6 n 1 p 275294 2010 p 289 de receber educação ou tratamento de saúde fazse possível à proteção pelo refúgio Portanto deve haver ação do Estado ou outro agente em perseguição ao indivíduo187 Nesse sentido ensina Jubilut e Apolinário 188 que A análise que poderia ser feita é a seguinte se o Estado de origem tentou e tem tentado melhorar a implementação dos direitos econômicos sociais e culturais da sua população sem discriminação não haveria fundamentos para alegar perseguição Entretanto se o Estado falha nessa tarefa discriminando parte da população na provisão dos serviços voltados à realização desses direitos existe argumento fundado em discriminação a determinado grupo social motivo este previsto originalmente na Convenção de 1951 e que atendeu por exemplo aos ciganos vitimados durante o regime nazista Portanto aqueles migrantes que se deslocaram devido a desastres ambientais ou pela falência estatal em prover as mínimas condições de sobrevivência e à situação extrema de miserabilidade não tem amparo do refúgio nos termos da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967 incorporados pelo ordenamento brasileiro Assim a proteção das pessoas nessa condição realizase de forma diversa como de fato aconteceu no Brasil em que foram negados os pedidos de refúgio e concedidos vistos permanentes por razões humanitários Concordamos com tal posicionamento não estando na condição de refugiados os migrantes haitianos haja vista a ausência de perseguição na maioria dos casos No entanto a negativa não poderia significar o desamparo dessas pessoas que estavam em condições de miserabilidade no Haiti e também ao chegar no Brasil enquanto perdurou a indefinição do seu status legal A Resolução Normativa nº 97 para solucionar a questão determinou que fossem concedidos vistos permanentes por motivos humanitários aos haitianos regularizando sua situação jurídica Posteriormente foi aprovada a Lei de Migração já em vigor que deu status legal a esse tipo de visto 8 CONCLUSÃO O arcabouço jurídico e institucional deparouse com intensificação imigratória de características não previstas seja por sua magnitude seja por suas motivações quando da chegada dos imigrantes haitianos no Brasil O aparato estatal baseado no 187 JUBILUT Liliana Lyra APOLINÁRIO Silvia Menicucci O S A necessidade de proteção internacional no âmbito da migração Revista direito GV São Paulo v 6 n 1 p 275294 2010 p 289 188 JUBILUT Liliana Lyra APOLINÁRIO Silvia Menicucci O S A necessidade de proteção internacional no âmbito da migração Revista direito GV São Paulo v 6 n 1 p 275294 2010 p 290 Estatuto do Estrangeiro fundamentado no paradigma da segurança nacional mostrouse insuficiente para a complexidade das questões migratórias suscitadas Demandouse a reorganização das instituições a fim de suprir a situação de anomia e garantir direitos básicos aos envolvidos Neste trabalho objetivando delimitar a legislação aplicável ao questão em estudo fezse breve exposição da legislação internacional tangente ao caso e constatamos que a categoria de migrantes para qual é despendida maior proteção são os refugiados Buscouse também analisar a legislação interna que preponderantemente reconhecia proteção aos refugiados por meio do Estatuto dos Refugiados que em muitos aspectos reproduziu a legislação internacional Em continuidade ao estudo da legislação doméstica contextualizamos o Estatuto do estrangeiro como uma lei baseada no paradigma de manutenção da segurança nacional e incapaz de abarcar a complexidade do fenômeno migratório Ademais destacamos as diferentes espécies de migrantes podendo ser eles forçados ou voluntários sendo os primeiros compelidos a migrarem por fatores externos a vontade e os últimos migrantes por conveniência pessoal Tal exposição teve por objetivo enquadrar os migrantes haitianos como migrantes forçados Foi exposto que os migrantes do caso em estudo são migrantes forçados vez que se deslocaram devido à falência estatal em prover as mínimas condições de sobrevivência e à situação extrema de miserabilidade Não se enquadrando como refugiados por não estarem submetidos à perseguição não havia previsão de concessão de visto que os permitisse permanecer no Brasil legalmente dadas as peculiaridades fáticas Nesse contexto o CONARE corretamente negou refúgio aos migrantes conforme o exposto neste trabalho remetendo a questão ao CNIG com fulcro na Resolução Normativa nº 27 a qual dispôs que casos omissos e situações especiais serão submetidas ao CNI para análise individual A fim de solucionar questões emergenciais e não havendo instituto jurídico adequado à época foi criado por meio de resolução o visto humanitário que representou a possibilidade dos haitianos imigrar legalmente para o Brasil 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme exposto concluiuse corretamente que os haitianos não correspondiam aos critérios legais para concessão de refúgio por não constatarse o elemento necessário perseguição Inexistente outro meio adequado no ordenamento jurídico brasileiro criouse infra legalmente a acolhida humanitária a qual posteriormente passou ao status legal vez que a Lei de Migração passou a prevêla REFERÊNCIAS ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS Coletânea de Instrumentos de Proteção Nacional e Internacional de Refugiados e Apátridas Sl ACNUR 2017 Disponível em httpwwwacnurorgfileadminscriptsdocphpfilefileadminDocumentosportu guesPublicacoes2012Lei94797eColetaneadeInstrumentosdeProtecao InternacionaldeRefugiadoseApatridas Acesso em 01 ago 2017 BRASIL Lei nº 13445 de 24 de maio de 2017 Institui a Lei de Migração Diário oficial da União Brasília 24 maio 2017 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03ato201520182017leiL13445htm Acesso em 7 out 2017 BRASIL Lei nº 9474 de 22 de julho de 1997 Define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951 e determina outras providências Diário oficial da União Brasília 23 jun 1997 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisL9474htm Acesso em 01 out 2017 DECLARAÇÂO de Cartagena Colóquio sobre Proteção Internacional dos Refugiados na América Central México e Panamá Problemas Jurídicos e Humanitários Cartagena 1984 Disponível em httpwwwacnurorgt3fileadminDocumentosportuguesBDLegalInstrumen tosInternacionaisDeclaracaodeCartagenapdf Acesso em 11 out 2017 TERREMOTO e crise levaram à migração Revista em discussão Revista de audiências públicas do Senado Federal Ano 3 Nº 10 março de 2012 Disponível em httpwwwsenadogovbrNOTICIASJORNALEMDISCUSSAOupload201201 2020marcopdfem20discussC3A3omarco2012internetpdf Acesso em 1 nov 2017 FERNANDES Duval FARIA Andressa Virgínia de O visto humanitário como resposta ao pedido de refúgio dos haitianos Revista Brasileira de Estudos de População São Paulo v 34 n 1 p 145161 2017 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS0102 30982017000100145lngennrmiso Acesso em 30 out 2017 JUBILUT Liliana Lyra O Direito internacional dos refugiados e sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro 240p São Paulo Método 2007 Disponível em httpwwwacnurorgt3fileadminDocumentosportuguesPublicacoes2013O DireitoInternacionaldosRefugiadospdfview1 Acesso em 23 set 2017 JUBILUT Liliana Lyra APOLINÁRIO Silvia Menicucci O S A necessidade de proteção internacional no âmbito da migração Revista direito GV São Paulo v 6 n 1 p 275294 2010 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS1808 24322010000100013lngennrmiso access on 17 Nov 2017 httpdxdoiorg101590S180824322010000100013 Acesso em 07 Nov 2017 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS ACNUR Protocolo Relativo ao Estatuto dos Refugiados 1967 Disponível em httpwwwacnurorgfileadminscriptsdocphpfilefileadminDocumentosport uguesBDLegalInstrumentosInternacionaisProtocolode1967 Acesso em 18 out2017 VERAN JeanFrançois NOAL Débora da Silva FAINSTAT Tyler Nem Refugiados nem Migrantes A Chegada dos Haitianos à Cidade de Tabatinga AmazonasDados Rio de Janeiro v 57 n 4 p 10071041 2014 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS0011 52582014000401007lngennrmiso Acesso em 08 Nov 2017 TÍTULO TERCEIRO DIREITO INTERNACIONAL E AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO GLOBALIZADO ATUAÇÃO DOS TRIBUNAIS INTERNACIONAIS NACIONALIDADE IMIGRAÇÃO E REFUGIADOS Professora Supervisora do Grupo de Pesquisa Profa Dra Maria de Lourdes Monteiro Albertini CAPÍTULO 01 A GUERRA DA BÓSNIAHERZEGOVINA E O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL NA EXIUGOSLÁVIA Bárbara Thaís Pinheiro Silva189 Jéssica Batista Barbosa190 1 INTRODUÇÃO Durante quase quatro anos entre 1992 e 1995 a população da Bósnia Herzegovina decaiu 93 THE WORLD BANK 2017 em decorrência dos diversos conflitos sangrentos deflagrados em sua região Como em toda batalha isso decorre do contexto histórico que influenciou consideravelmente a trajetória da Bósnia Herzegovina revelando o motivo pelo qual atualmente o país continua passando por incertezas políticassociais alto índice de discriminação e também desemprego Um dos crimes praticados na guerra da Bósnia foi o crime de genocídio Este constitui em uma infração de natureza grave no qual o indivíduo que pratica não quer atingir somente uma pessoa mesmo que o faça fisicamente mas destruir a totalidade ou parte de um grupo específico seja racial nacional étnico ou religioso E o objetivo de sua tipificação é a punição a repressão e a prevenção do crime A necessidade de tipificar o genocídio foi logo depois da Segunda Guerra Mundial no Tribunal de Nuremberg onde não usaram o termo especificamente mas deram os primeiros passos na construção do conceito de o crime contra a humanidade O vocábulo foi utilizado pela primeira vez por Raphael Lemkin 1948 jurista polonês em seu livro Axis rule in occupied europe laws of occupation analysis of government proposals for redress de 1944 e posteriormente o crime foi tipificado na Convenção para Prevenção e Repressão do Genocídio de 1948 189 Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Graduanda em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 190 Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais campus Coração Eucarístico No entanto antes da comunidade internacional chegar a um consenso sobre o que é genocídio diferentes conceituações foram empregadas para caracterizar eventos históricos injuriosos que envolveram graves violações as normas de Direito Internacional Humanitário e de Direitos Humanos tais como a tentativa de eliminação dos judeus por Hitler sendo denominado de o Holocausto a expressão Campos da Morte faz menção a matança de milhares de cidadãos de Camboja no período de 1975 1979 Embora alguns doutrinadores consideram o Genocídio o crime dos crimes frisamos que não há uma hierarquia quanto a gravidade dos crimes internacionais visto que todos dizem respeito as violações de Direitos Humanos de maneira atrozes Destarte o presente trabalho se propõe analisar a atuação do Tribunal Penal Internacional da exIugoslávia mormente no caso de crime de genocídio perpetrado no conflito da BósniaHerzegovina Tema totalmente relevante é este haja vista que a definição do termo genocídio é imprescindível a partir do prisma legal além de o seu elemento caracterizador intenção ser necessário para o julgamento dos casos que envolve genocídio Ademais como veremos o conflito da Bósnia é considerado o conflito mais sangrento deflagrado no território da exIugoslávia razão pela qual escolhemos este caso para analisarmos Em 1993 o Tribunal Penal Internacional para a exIugoslávia floresce com a promulgação da Resolução 827 do Conselho de Segurança da ONU A Resolução determina que o papel do Tribunal seja executado sem prejuízo do direito das vítimas de buscar indenização por danos incorridos como resultado de violações do Direito Internacional Humanitário Um dos objetivos principais seria evitar a impunidade dos indivíduos que cometeram crimes sob a competência do tribunal na região da ex Iugoslávia durante a guerra dos anos de 1990 Um dos fundamentos que legitima a criação do referido Tribunal é o fato das autoridades no âmbito doméstico normalmente não possuírem capacidade para julgar casos de tamanha complexidade como os que são julgados pela justiça penal internacional Ademais salientase que a determinação quanto se uma ação é considerada genocídio ou não é legalmente complexa dependendo portanto de uma análise rígida dos fatos à luz da Convenção sobre Genocídio de 1948 Poucos casos foram considerados pelos órgãos judicantes internacionais como genocídio Dentre eles analisaremos o caso do conflito BósniaHerzegovina julgado pelo Tribunal Penal Internacional para antiga Iugoslávia É um caso emblemático envolvendo questões de limpeza étnica e violações drásticas de Direitos Humanos Por fim com as constantes violações às normas de Direito Internacional especialmente as normas de Direito Penal Internacional a comunidade internacional decidiu após o estabelecimento de tribunais ad hoc para a exIugoslávia e para a Ruanda a implantação de um Tribunal Penal Internacional permanente visando assegurar a defesa dos Direitos Humanos na esfera jurídica de maneira duradoura 2 CONTEXTO HISTÓRICO FORMAÇÃO E DESINTEGRAÇÃO DA EX IUGOSLÁVIA A República Federativa da Iugoslávia no início da década de 1990 era um dos maiores e mais desenvolvidos países dos Balcãs Era composta por seis repúblicas BósniaHerzegovina Croácia Macedônia Montenegro Sérvia e Eslovênia Além das duas regiões separadas Kosovo e Vojvodina que eram províncias autônomas na República da Sérvia Com o colapso do comunismo e com o ressurgimento do nacionalismo na Europa Oriental no final da década de 1980 e início da década de 1990 a Iugoslávia sofreu um período de intensa crise política e econômica O governo central enfraqueceu O nacionalismo se fortaleceu Diversos partidos políticos floresceram nesse período Sendo que alguns partidos defendiam a independência absoluta das repúblicas enquanto outros pediam apenas maiores poderes para certas repúblicas Os líderes políticos advogavam a tese do nacionalismo com o fim de erradicar a identidade iugoslava comum e alimentar o medo e a insegurança entre grupos distintos étnicos MAPA 1 República Federal Socialista da Iugoslávia 1991 Fonte TPII A primeira das seis repúblicas a deixar oficialmente a Iugoslávia foi a Eslovênia declarando a independência em 25 de junho de 1991 No mesmo dia a Croácia declarou também a sua independência No entanto diferente da Eslovênia a retirada da Croácia foi a base de sangue De 1998 a 1999 Kosovo passou por um período de conflito interno no qual a comunidade étnica albanesa lutava por sua independência da Sérvia Em 1991 a antiga República Iugoslava da Macedónia declarou a independência gozando de uma separação pacífica No entanto no início de janeiro de 2001 o grupo militante do exército de libertação nacional albanesa NLA entrou em confronto com as forças de segurança da república com o objetivo de obter autonomia ou independência para as áreas albanesas no país INTERNATIONAL CRIMINAL TRIBUNAL FOR THE FORMER YUGOSLAVIA 2017 De todos os conflitos deflagrados na antiga Iugoslávia o conflito de separação da BósniaHerzegovina iniciado em 1992 é considerado o conflito mais sangrento O governo da BósniaHerzegovina era marcado pela diversidade étnica uma vez que a população era composta por 43 muçulmanos da Bósnia 33 sérvios da Bósnia 17 de croatas da Bósnia e 7 de outras nacionalidades Além disso a posição estratégica da republica tornouse objeto de desejo da Sérvia e da Croácia uma vez que ambas em uma reunião secreta em 1991 planejavam dividir a região Em 1992 em um referendo boicotado pelos sérvios da Bósnia mais de 60 dos cidadãos votaram pela independência Por meio de uma ação militar os sérvios conseguiram controlar mais de 60 do país Os croatas da Bósnia rejeitaram a autoridade do governo da Bósnia e declararam sua própria república com o apoio da Croácia O conflito se transformou em uma sangrenta luta sendo os civis de todas as etnias vítimas de crimes horríveis Estimase que mais de 100 mil pessoas foram mortas e 2 milhões de pessoas mais de metade da população foram forçados a fugir de suas casas A pior atrocidade da guerra ocorreu no verão de 1995 quando a cidade bosniana de Srebrenica uma área segura declarada pela ONU foi atacada por forças lideradas pelo comandante dos sérvios da Bósnia Ratko Mladić que ordenou a morte de mais de oito mil homens e meninos muçulmanos da Bósnia configurando um ato de genocídio As mulheres e crianças da cidade foram expulsas Radovan Karadžić é o expresidente da entidade da Sérvia da Bósnia conhecida como Republika Srpska e comandante supremo do Exército dos Sérvios da Bósnia Foi acusado de genocídio e muitos outros crimes cometidos contra os nãosérvios na BósniaHerzegovina durante a guerra de 19921995 INTERNATIONAL CRIMINAL TRIBUNAL FOR THE FORMER YUGOSLAVIA 2017 A região dos Bálcãs é marcada por um mosaico étnico no qual distintos reinos e impérios perpassaram o seu território No século VII iniciouse o povoamento eslavo e em 1386 Sarajevo foi governada por turcos influenciando a região com a sua cultura e religião islâmica Em 1878 a Bósnia passou a ser ocupada pelo exército austríaco e em 1908 se torna parte do Império AustroHúngaro É notável a grande presença de diferentes povos na península balcânica que historicamente passou por variados domínios bizantinos otomanos e austríacos até se unificar e logo depois fragmentar Por sua característica étnica a região muitas vezes se tornou palco de conflitos sangrentos e causa até hoje tensões políticas e sociais MELLO BERCOVICI 2018 Atualmente os grupos étnicos na BósniaHerzegovina são Bósnios 501 Sérvios 308 Croatas 154 outros 27 não declarados 1 Quanta a distribuição dos grupos religiosos temos muçulmanos 507 ortodoxos 307 católicos 152 ateus 08 agnósticos 03 outros 12 e não declarados 11 CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY 2017 MAPA 2 BÓSNIAHERZEGOVINA Fonte Google Maps A Iugoslávia deu iniciou ao seu processo de unificação depois da Primeira Guerra Mundial com o colapso do Império AustroHúngaro e constituiuse em uma monarquia ditatorial em 1918 que posteriormente recebeu o nome de Reino da Iugoslávia sendo controlada por sérvios O que de certa forma estava claro que não teria sucesso eternamente Durante poucos anos o Reino da Iugoslávia permaneceu em disputas entre sérvios e croatas pelo protagonismo político Posteriormente em 1941 foi invadida pela Alemanha Nazista e Itália fascista o que provocou uma reestruturação do poder político da região e também dos territórios garantindo a passagem de tropas alemãs pelo país e de recursos importantes para a sua manutenção durante a guerra MELLO BERCOVICI 2017 Por fim nasce o Estado Independente da Croácia que na prática foi uma independência aparente pois esta não existia pelo fato de que o Estado era completamente controlado em seus assuntos principalmente internos pela Alemanha e é por isso que também é chamado de puppet State estado fantoche A partir do puppet state nasce o partido político de extrema direita a Ustase com uma direção simpatizante com a limpeza étnica contra os sérvios SILVA 2018 Todavia a população iugoslava não somente tentou resistir o exército nazista como também iniciou batalhas internas entre suas diferentes etnias para o controle da região Havia duas resistências notáveis os Chetniks que eram nacionalistas sérvios que idealizavam a Grande Sérvia e os Partisans iugoslavos de várias naturalidades com inclinação comunista liderados por Josip Broz Tito Foram quatro anos de batalhas e por fim com o apoio inglês e soviético os Partisanos venceram e Tito instaurou a República Socialista Federativa da Iugoslávia 1945 que agregava a Sérvia Croácia Eslovênia Montenegro Macedônia e BósniaHerzegovina e regeu de forma ditatorial até a sua morte SILVA 2018 Josip Broz Tito além de aderir à política de não alinhamento durante a Guerra Fria conseguiu conter o antagonismo político interno de diferentes etnias contudo após sua morte os movimentos nacionalistas cresceram com destaque para os líderes sérvios croatas e bósnios respectivamente Slobodan Milosevic Franjo Tudman e Alija Izetbegovic Todavia o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas URSS em 1991 foi o estopim que propulsionou a independência de regiões na antiga Iugoslávia como a Macedônia a Eslovênia e a Croácia Esse cenário propiciou o desejo pela independência da BósniaHerzegovina porém dentro da própria região havia três grupos étnicos com distintas opiniões acerca da política os sérviosbósnios que defendiam a anexação do território que continha a maior parte da população sérvia da Bósnia os bósniosmuçulmanos que defendiam a total independência da Bósnia e os bósnioscroatas que alegavam a anexação total da Bósnia a Croácia SILVA 2018 Em 1992 os bósniosmuçulmanos declararam independência da Bósnia e os sérvios representados por Karadzic iniciaram uma guerra civil ao cercarem a cidade de Sarajevo que durou até 1995 e atacaram os muçulmanos além de avançarem também pelo território bósnio Um dos marcos da guerra por parte dos sérvios foi a realização da limpeza étnica dos bósniosmuçulmanos e croatas com inúmeros massacres sendo o mais conhecido o de Srebrenica A Sérvia apoiou as tropas de Karadzic e Mladic até 1994 quando foi obrigada a retirarse pelas potências ocidentais Ao mesmo tempo o exército bósnio conseguiu suporte de tropas iranianas e de outros países muçulmanos A guerra foi finalizada com a negociação de paz chamada Acordo de Dayton que se tornou a própria Constituição do país declarando a BósniaHerzegovina independente porém com federações internas controladas novamente pelas diversas etnias presentes Houve a criação da Federação da BósniaHerzegovina comandada por bósniosmuçulmanos e croatas e a República Sérvia da Bósnia ou República Sprska comandada por sérviosbósnios PERES 2013 O acordo reconhece as nacionalidades e idiomas sérvios croatas e bósnios Porém o mesmo apenas pacificou a região sem resolver o problema de fato já que pode se dizer que a Bósnia não é uma nação no sentido lato sensu pois sua população em grande parte não se considera bósnios e até mesmo para adquirir uma visibilidade política o indivíduo teria que escolher sua cidadania entre servo ou croata pois segundo Peres 2013 os direitos sociais culturais e políticos dependem do pertencimento da pessoa a uma das duas entidades e de seu pertencimento aos grupos nacionais Até mesmo o poder político na Bósnia é dividido entre três nacionalidades propiciando a existência da presidência colegiada rotativa ou triunvirato presidencial Ademais para prevenir o descumprimento do acordo foi estabelecido um controle político pela ONU através de um representante que possui altos poderes Bonn Powers sendo maiores até mesmo do que os próprios presidentes da Bósnia Herzegovina PERES 2013 Sendo assim concluise que o Acordo de Dayton construiu uma ficção legal que serviu para preservar a ficção do Estado sem alteração de suas fronteiras ao mesmo tempo em que o fato de ser um Estado fictício fez com que aqueles que o rejeitaram concordassem com a sua existência visto que se trata de um Estado no qual o consenso é impossível Daí o papel do alto representante das Nações Unidas que possui poderes legislativos e executivos para não dizer ditatoriais com o objetivo de garantir a funcionalidade do mesmo HAYDEN apud PERES 2013 3 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO CRIME DE GENOCÍDIO Primeiramente é necessário explanar que o genocídio se constitui juridicamente em crime somente após a Segunda Guerra Mundial contudo essa prática é existente em vários momentos históricos durante o período da colonização vários grupos nativos foram exterminados entre 302 304 dC os Éditos de Diocleciano foram promulgados com o escopo de perseguir os cristãos considerada por alguns como a perseguição mais sangrenta aos cristãos no Império Romano e também durante as Cruzadas na Idade Média milhares de pessoas morreram CANÊDO 1998 A história nos revela que um dos principais fatores que originaram o genocídio foi o conflito entre religiões distintas já que estas são um instrumento de grande efetividade na tentativa de dominação de povos No entanto a compatibilidade de crenças em uma dada região encadeia menores tensões e hostilidades e um exemplo de tal assertiva foram as missões dos padres jesuítas no decorrer da colonização do Brasil com a população indígena Além disso podemos afirmar que o III Reich se diferenciou dos outros genocídios na história do homem devido a sua característica peculiar ao tratar indivíduos de determinadas raças e etnias com a utilização de campos de concentração no qual ocorria a execução sumária de milhares de vítimas do sistema hostil e cruel CANÊDO 1998 Com a criação do Tribunal de Nuremberg em 1945 o seu Estatuto art 6º a b e c elencou os crimes pelos quais os acusados do Tribunal seriam julgados Dentre eles foram estabelecidos os crimes contra a paz os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade este último que seria o embrião da configuração do crime de genocídio Em 1946 a Resolução n96 I da Assembleia Geral da ONU reconhece pela maioria dos Estados a Carta do Tribunal de Nuremberg e seus princípios Os crimes contra a humanidade dizem respeito à proteção de Direitos Humanos fundamentais que por suas dimensões e amplitude merecem guarida em nível internacional Tratase dos mais graves crimes cometidos contra o indivíduo e grupos humanos e são punidos pelas legislações internas de todos os povos E foi em Nuremberg que pela primeira vez se buscou agrupálos em uma só noção de crimes contra a humanidade CANÊDO 1998 p73 O crime de genocídio foi conceituado juridicamente somente na Convenção para Prevenção e Repressão do Genocídio 1948 em que foi desassociado dos crimes contra a humanidade e integrou sua própria natureza lançando sua individualização estabelecida no art 6º do Estatuto de Roma Neste artigo entendese por genocídio os atos homicídio ofensas graves à integridade física ou mental sujeição intencional a condições de vida com vista a provocar a sua destruição imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos transferência à força de crianças do grupo para outro praticados com intenção de destruir no todo ou em parte um grupo nacional étnico racial ou religioso enquanto tal 4 O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EXIUGOSLÁVIA E A TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE GENOCÍDIO O Tribunal Penal Internacional para a exIugoslávia doravante ICTY ou TPII foi o primeiro órgão internacional criado pela Organização das Nações Unidas ONU logo depois do Tribunal de Nuremberg e o de Tóquio em 1993 estabelecido pelo Conselho de Segurança da ONU à luz do que determina o artigo 7º da Carta das Nações Unidas Este tribunal é ad hoc criado para julgar os responsáveis pelas violações do Direito Internacional Humanitário praticadas na guerra da antiga Iugoslávia nos anos de 1990 São quatro tipos de crimes julgados pelo tribunal sendo um deles o genocídio e os outros seriam graves infrações da Convenção de Genebra de 1949 violações de leis e costumes de guerra e ainda crimes contra a humanidade INTERNATIONAL CRIMINAL TRIBUNAL FOR THE FORMER YUGOSLAVIA 2018 O Tribunal Penal Internacional para a exIugoslávia desde a sua criação em 1993 mudou irreversivelmente a paisagem do Direito Internacional Humanitário e proporcionou às vítimas a oportunidade de expressar os horrores que testemunharam e experimentaram O Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou pelas Resoluções 1503 e 1534 a estratégia de conclusão do Tribunal composto por um plano trifásico que determina o encerramento das investigações até o final 2004 enquanto que os julgamentos devem ser realizados até o final de 2008 e a conclusão de todo o trabalho deve ocorre em 2010 No entanto devido a prisão tardia dos fugitivos tais como Goran Hadžić preso em 2011 além da complexidade de certos casos as estimativas iniciais tiveram que ser revisadas para garantir os mais altos padrões de equidade processual Frisase que o TPII tem por principal escopo julgar os responsáveis por atos cruéis como assassinatos tortura estupro escravidão destruição de bens e outros crimes enumerados no Estatuto do Tribunal Desta forma o TPII estaria dissuadindo os crimes futuros e estaria prestando socorro as milhares de vítimas e suas famílias contribuindo para uma paz duradoura O Tribunal julgou mais de 160 pessoas Os indiciados incluem chefes de estado primeiros ministros militares do exército ministros do interior e outros líderes políticos e militares Os casos julgados abordam os crimes perpetrados no período de 1991 a 2001 contra membros de vários grupos étnicos na Croácia BósniaHerzegovina Sérvia Kosovo e Antiga República Jugoslava da Macedónia INTERNATIONAL CRIMINAL TRIBUNAL FOR THE FORMER YUGOSLAVIA 2018 Em seu último relatório divulgado em 17 de maio de 2016 o Presidente do TPII Carmel Agius afirma que o Tribunal já encerrou 151 processos dos 161 indivíduos indiciados Ademais afirma que o Tribunal continua a implementar a estratégia de conclusão a todos os esforços para atingir seus objetivos e concluir os demais julgamentos nas datas estabelecidas INTERNATIONAL CRIMINAL TRIBUNAL FOR THE FORMER YUGOSLAVIA 2018 O trabalho do Tribunal Penal Internacional para a exIugoslávia TPII teve grande importância e inspirou a implementação de dois tribunais temporários o Tribunal Penal Internacional para Ruanda e o Tribunal Especial para Serra Leoa A jurisdição do TPII está sob pessoas naturais somente e não pode processar grupos políticos organizações ou Estados por agressões ou crimes contra a paz sendo estes dois últimos de competência da Corte Internacional de Justiça CIJ Até hoje foram 161 pessoas indiciadas e 83 sentenciadas destas 56 já cumpriram sua sentença e 16 foram transferidas para tribunais nacionais da exIugoslávia Esse mecanismo de transferência de casos fortalece o poder jurídico da região dos Bálcãs para enfrentar situações de violação que normalmente são corriqueiras em tempos de guerra INTERNATIONAL CRIMINAL TRIBUNAL FOR THE FORMER YUGOSLAVIA 2018 No tocante a definição do crime de genocídio como anteriormente já esclarecido predomina o elemento subjetivo do Direito Penal isto é na análise do crime temse que ater na intenção do autor do ato delituoso cometido Assim sendo para o ato referente ao art4º do Estatuto do TPII a intenção do agente seria a de destruir um grupo étnico religioso racial ou nacional e nesse sentido em um dado caso hipotético se o indivíduo comete mil homicídios com intenção apenas de matar não constitui genocídio porém constituiria se praticasse apenas um homicídio com o desejo de destruir um grupo específico Em sua jurisprudência o TPII contribuiu com o conceito de genocídio através do julgamento do caso de Srebrenica onde foi adotado o entendimento de limpeza étnica como uma das formas estabelecidas para prática do crime TAQUARY CORRÊA 2018 A atuação do TPII também cooperou para a proteção de grupos étnicos na atualidade visto que no início dos julgamentos houve constantemente a discussão da proteção concedida pela IV Convenção de Genebra e se esta se aplicava ao caso dos bósnios muçulmanos e sérvios A grande questão era se eles poderiam ser vistos como partes distintas diante dos conflitos porque a Convenção não protegia disputas internas de uma mesma nacionalidade tinhase uma interpretação estrita do artigo 4º do tratado que dispõe São protegidas pela Convenção as pessoas que num dado momento e de qualquer forma se encontrem em caso de conflito ou ocupação em poder de uma Parte no conflito ou de uma Potência ocupante de que não sejam súbditas Os súbditos de um Estado que não esteja ligado pela Convenção não são protegidos por ela Os súbditos de um Estado neutro que se encontrem no território de um Estado beligerante e os súbditos de um Estado cobeligerante não serão considerados como pessoas protegidas enquanto o Estado de que são súbditos tiver representação diplomática normal junto do Estado em poder do qual se encontrem CONVENÇÃO DE GENEBRA IV 2017 Todavia o sentido do artigo supracitado foi adequada à modernidade e retirada a compreensão literal das pessoas que eram protegidas pela Convenção pois no caso da guerra da Bósnia as partes do conflito eram da mesma nacionalidade mas não havia o sentimento de nação entre os povos os indivíduos possuíam um vínculo mais sólido com suas comunidades étnicas específicas Em virtude disso Leonardo Borges 2016 afirma que limitar o âmbito de proteção das vítimas contraria a própria finalidade da Convenção e até mesmo o próprio conceito de Direitos Humanos Os julgamentos dos líderes políticos reforçam a ideia de que a posição superior de um indivíduo frente as pessoas subordinadas não o protegem da acusação sendo assim eles possuem maior responsabilidade pelos delitos praticados no processo de individualização de culpa A posição oficial de qualquer acusado seja como Chefe de Estado ou de Governo ou como funcionário responsável do governo não deve atenuar essa pessoa de responsabilidade criminal nem mitigar punição como bem determina o art 7º 2 Estatuto do TPII AJONU 2018 Além disso o Tribunal Penal Internacional para a exIugoslávia tem demonstrado imparcialidade com os casos em virtude de julgarem igualmente as outras partes do conflito que também cometeram crimes e não apenas a parte perdedora Como por exemplo Rahim Ademi e Mirko Norac este nascido na Croácia e aquele em Kosovo participaram da operação militar Medak Pocket que matou cerca de 100 sérvios além de capturar e ferir soldados Outro caso que também pode ser ilustrado é o de Milivoj Petkovic croata que foi considerado culpado pelos seguintes crimes contra a humanidade contra os costumes da guerra e violações graves da Convenção de Genebra Tal imparcialidade tomada pelo tribunal é de grande valor à situação uma vez que não se compara ao tribunal de Nuremberg que é repleto de críticas quanto aos seus procedimentos AJONU 2018 5 A MOROSIDADE DO TPI Alguns autores legisladores e até mesmo Estados argumentam que o TPII tem sido bastante moroso em seus julgamentos ineficiente e também com alto custo Porém esse tipo de alegação está fundado em comparações entre o TPII com tribunais domésticos sendo que seria mais justo comparálo com tribunais internacionais por simplesmente possuir casos mais complexos que consequentemente custam mais e exigem mais tempo Além disso temse que analisar a complexidade de cada tribunal e de cada caso pois nem todos estão nivelados e cada um possui sua peculiaridade FORD 2018 Outrossim o Tribunal Penal Internacional para a exIugoslávia pode ser considerado mais eficiente que o Tribunal Especial para Serra Leoa SCSL mesmo que este tenha sido mais barato pois ele meramente possui menos casos Contudo não é surpreendente que os julgamentos sejam longos ou caros porque até a relevância dos crimes pequenos julgados pelo TPII possuem natureza grave se comparados com o âmbito doméstico e ainda poucos casos internos podem ser equiparados aos julgados pelo TPII como por exemplo os que abrangem atrocidades em massa De todo modo segundo Stuart Ford 2018 o TPII é mais eficiente que os julgamentos de casos de atrocidades em massa nos Estados Unidos e na Europa E completa dizendo que argumentar que os julgamentos do tribunal são longos e caros não passa de senso comum e invenção Ademais frisase que o objetivo da justiça penal internacional é a defesa dos Direitos Humanos e por conseguinte tem que ser vista de forma complementar às ações internacionais de cunho político ou militar COELHO 2009 6 CONCLUSÃO Em suma depreendese que dado uma observação da situação atual da Bósnia Herzegovina podese concluir que não há certezas em relação ao fim dos seus conflitos A guerra pode ter acabado pelo Acordo de Dayton mas ela ainda é muito recente e vive na memória dos bósnios sérvios croatas e muçulmanos Ademais não é surpreendente que a condição do país não tenha sido concluída visto que seus pesares ao longo da história constatam que a região dos Bálcãs não sobreviveria pacificamente com todas as etnias reunidas e hoje só se pode afirmar tal sentença porque a Bósnia vive sob o supervisionamento do alto representante das Nações Unidas Ademais povos com cultura língua e religião diferentes podem apenas conviver pacificamente e harmonicamente se houver respeito mútuo O TPI para a exIugoslávia possui um grande papel para pôr fim às violações cometidas na guerra civil da Bósnia a partir de 1991 e restaurar e manter a paz Sua jurisdição engloba todo o território da antiga Iugoslávia incluindo espaço aéreo e marítimo Apesar de seu objetivo contribuir para a preservação da paz julgando os sujeitos que praticaram crime qualquer das quatro violações de competência do tribunal sabemos que prevenir outra guerra não cabe somente ao papel dado ao TPII embora este esteja realizando até então um bom trabalho O que motiva os indivíduos a praticarem crimes é mais do que uma simples regulamentação ou repressão da comunidade internacional e com todo o sentimento ainda presente entre os bósnios que já foi discutido essa pode não ser a única solução A jurisprudência do TPII tem sido bastante efetiva em relação ao desenvolvimento do conceito do crime de genocídio e um dos motivos de ter essa grande relevância é que o TPII é um dos primeiros tribunais ad hoc a julgar crimes internacionais graves e além disso estar em conformidade com todos os aspectos processuais e princípios legais como o devido processo legal e non bis in idem este resguardado no artigo 10 do Estatuto do TPII SILVA 2018 Em maio de 1993 o Tribunal Penal para a exIugoslávia foi criado pelas Nações Unidas em resposta a atrocidades em massa que ocorrem na Croácia e na Bósnia Herzegovina Relatos que descrevem crimes horríveis em que milhares de civis foram mortos e feridos torturados e abusados em campos de detenção e centenas de milhares expulsos de suas casas causaram indignação em todo o mundo e estimularam o Conselho de Segurança da ONU a agir As decisões judiciais do TPII estabeleceram precedentes sobre genocídio crimes de guerra e crimes contra a humanidade demonstrando que os líderes políticos não estão isentos da justiça visto que os suspeitos de ter a maior responsabilidade pelas atrocidades cometidas podem ser chamados a conta bem como que a culpa deve ser individualizada O Tribunal estabeleceu as bases para o que é agora a norma aceita para resolução de conflitos e desenvolvimento pósconflito em todo o mundo especificamente que líderes suspeitos de crimes em massa enfrentarão a justiça O Tribunal provou que é possível uma justiça internacional eficiente e transparente Ademais o Tribunal ajudou as comunidades a enfrentar sua história recente Os crimes em toda a região não podem mais ser negados Por exemplo provouse sem dúvida razoável que o assassinato em massa em Srebrenica foi genocídio Enquanto o número mais significativo de casos ouvidos no Tribunal tratou de supostos crimes cometidos por sérvios e sérvios da Bósnia o Tribunal investigou e apresentou acusações contra pessoas de todas as origens étnicas As condenações foram garantidas contra os croatas bem como os dois muçulmanos da Bósnia e os albaneses do Kosovo por crimes cometidos contra os sérvios e outros Embora os seus julgamentos demonstrem que todas as partes nos conflitos cometeram crimes o Tribunal considera sua imparcialidade e equidade serem de suma importância Não leva nenhum lado no conflito e não tenta criar qualquer equilíbrio artificial entre diferentes grupos A evidência é a base sobre a qual a acusação apresenta um caso Sem dúvida o trabalho do Tribunal tem um grande impacto nos estados da ex Iugoslávia Simplesmente removendo alguns dos criminosos mais antigos e notórios e responsabilizandoos Sendo assim o Tribunal contribuiu para acabar com a impunidade e abriu caminho para a reconciliação REFERÊNCIAS AJONU O Tribunal Penal Internacional para a exIugoslávia UNICTY Disponível em httpsajonuorg20121017otribunalpenalinternacionalpara aexiugoslaviaunicty Acesso em 05 fev 2018 BERCOVICI Gilberto MELLO Cecília Antakly de BósniaHerzegóvina Uma Análise Geopolítica Disponível em httpswwwrevistasuspbrrfdusparticleviewFile6724969859 Acesso em 05 fev 2018 BORGES Leonardo O Direito Internacional Humanitário 1 Ed Belo Horizonte Del Rey 2016 BRASIL Decreto nº4388 de 25 de setembro de 2002 Promulga o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional Diário Oficial da União Brasília 25 setembro 2002 CANÊDO Carlos O genocídio como crime internacional 1 Ed Belo Horizonte Del Rey 1998 CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY Bosnia and Herzegovina Disponível em httpswwwciagovlibrarypublicationstheworldfactbookgeosbkhtml Acesso em 05 fev 2018 COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA Jurisdicción de los Tribunales ad hoc para ex Yugoslavia y Ruanda por lo que respecta a los crímenes de lesa humanidad y de genocidio Disponível em httpswwwicrcorgsparesourcesdocumentsmisc5tdl7nhtm Acesso em 05 fev 2018 CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS Resolução 827 Disponível em 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Moura COELHO Luiza Tângari Tribunal Penal Internacional uma visão geral da Corte regida pelo Estatuto de Roma através de uma abordagem histórica principiológica e conceitual Disponível em httpcentrodireitointernacionalcombrstaticrevistaeletronicavolume5arquivos pdfsumarioluizaluizapdf Acesso em 05 fev 2018 ONU International Criminal Tribunal for the former Yugoslavia Disponível em httpwwwictyorg Acesso em 05 fev 2018 PERES Andréa Carolina Schvartz O Debate Sobre A Representação Da Diferença E O Significado Da Guerra Na BósniaHerzegóvina Disponível em httpwwwscielobrpdfhav19n40a16v19n40pdf Acesso em 05 fev 2018 SILVA Daniel Neves Iugoslávia na Segunda Guerra Mundial Disponível em httphistoriadomundouolcombridadecontemporaneaiugoslavianasegunda guerramundialhtm Acesso em 05 fev 2018 TAQUARY Eneida Orbage de Britto CORRÊA José Rossini Campos do Couto A Construção Do Conceito De Crime De Genocídio No Tribunal Penal Ad Hoc Para A Ex Iugoslávia O Caso Srebrenica Disponível em httprepositoriouniceubbrbitstream23587601A20construC3A7C3A 3o20do20conceito20de20crima20de20genocC3ADdio20no20Trib unal20Penal20ad20hoc20para20a20exIuguslC3A1via20 20o20caso20Srebrenicapdf Acesso em 05 fev 2018 THE WORLD BANK Bosnia and Herzegovina Disponível em httpsdataworldbankorgcountrybosniaandherzegovina Acesso em 05 fev 2018 CAPÍTULO 02 GUERRA MUNDIAL AFRICANA E A NORMA JUS COGENS ENFOQUE SOBRE O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL Gabriel Nepomuceno Barbosa191 1 ANÁLISE HISTÓRICA As raízes dos conflitos na República Democrática do Congo podem ser encaradas a partir da soma de dois fatores Para que se faça uma análise do primeiro é necessário recorrer a um dos maiores massacres étnicos registrados na história o genocídio em Ruanda VALENZOLA 2013 no ano de 1994 onde a maioria hutu dizimou a minoria tutsi que por sua vez eram detentores do poder político como um meio de manifestar sua indignação em relação à forma que a política era exercida naquele território passando distante dos interesses hutus VALENZOLA 2013 Com os intermináveis e sangrentos conflitos ocorreu que o fluxo migratório cresceu de maneira estrondosa em direção à República Democrática do Congo VALENZOLA 2013 Apesar do fluxo ter ocorrido em maior parte pela parcela tutsi da população estes não encontravam nada menos que discriminação pelos banyamulengues representantes do povo tutsi originário do Congo VALENZOLA 2013 Entretanto houve também uma parcela de hutus que migraram rumo à República Democrática do Congo alguns com objetivo de fugir de uma possível retaliação tutsi e outros visando estabelecer um novo local de moradia dada a violência que ocorria em Ruanda VALENZOLA 2013 Assim em clima de extrema tensão era questão de tempo até que um novo conflito se iniciasse visto que ambos tutsis e hutus somados aos tutsis congoleses conviviam novamente no mesmo território O segundo fator determinante para os recorrentes conflitos no Congo podem ser resumido em um nome JosephDesiré Mobutu O primeiro ditador congolês é um personagem de suma importância para que se entenda de fato o conflito que perpetua até hoje na República Democrática do Congo Durante todo seu período no poder no 191 Graduando em Direito pela Pontifícia universidade Católica de Minas Gerais qual tornou a corrupção uma prática corriqueira no país o ditador Mobutu buscava beneficiar apenas uma minoria congolesa uma parcela populacional que detinha 70 da riqueza ICG 2012 A insatisfação popular com a extensa exploração dos recursos minerais da República Democrática do Congo os quais não voltavam para a população fez insurgir no meio de uma imensurável revolta a Aliança das Forças Democráticas pela Libertação do CongoZaire AFDL uma milícia armada composta por tutsis e apoiada por países como Ruanda Angola e Uganda VALENZOLA 2013 Após considerável avanço por parte desse grupo o líder LaurentDesiré Kabila tomou o poder e decidiu por exilar Mobutu VALENZOLA 2013 Entretanto por não desejar que os países que o apoiaram inicialmente ingerissem em seu governo Kabila decidiu por expulsar as influências destes do território congolês VALENZOLA 2013 fato que causou considerável insatisfação por parte desses países que por sua vez passaram a apoiar milícias menores dando surgimento à diversas destas as quais se destacam o Movimento pela Libertação do Congo MLC apoiada por Uganda e a União Congolesa pela Democracia RCD que por sua vez era favorecida por Ruanda COOK 2013 Foram justamente esses rompimentos e cisões que oportunizaram a Segunda Guerra do Congo iniciada em 1998 COOK 2013 em uma marcante disputa por territórios e riquezas minerais Mais uma vez a República Democrática do Congo se via em um conflito armado de proporções ainda maiores motivo pelo qual é denominado como a Grande Guerra Africana VALENZOLA 2013 Caracterizado como a maior crise humanitária em duas décadas COOK 2013 a Guerra tomou proporções expressivas e chegou a matar mais de 5 milhões de pessoas COOK 2013 o que fez com que a ONU agisse oportunizando os Acordos de Lusaka Esses acordos além de pregarem o cessar fogo e a retirada de tropas do país o que contudo não foi devidamente respeitado trouxeram uma resolução importante qual seja permissão para que a ONU passasse a enviar forças para a manutenção da paz no país Dessa forma os Acordos de Lusaka ensejaram a criação em 1999 da Missão das Nações Unidas no Congo MONUC visando enviar missões recorrentes de peacekeeping para monitorar o cumprimento dos acordos e fazer com que a integridade física dos civis fosse mantida durante o desenrolar do conflito Essa medida inclusive foi interrompida devido à constatação de que durante a Guerra do Congo ocorreram as mais escandalosas violações aos direitos humanos inclusive escândalos com os próprios capacetes azuis como são conhecidos os soldados da paz da ONU Foi noticiado em 2011 que os capacetes azuis incumbidos da manutenção da paz na República Democrática do Congo eram responsáveis também por estupro pedofilia e prostituição em solo congolês Em 2004 um relatório interno da organização vazado à imprensa dava conta de 68 supostos casos de estupro prostituição e pedofilia por capacetes azuis da ONU na missão de paz do Congo Segundo o documento a exploração sexual e abuso particularmente a prostituição de menores são generalizados e de longa data Além disso todos os principais batalhões estão aparentemente implicados O GLOBO 2011 O MUNDO p 26 Em 2002 um ano após o assassinato do então presidente Kabila na cidade de Sun City África do Sul deuse início a uma série de debates sobre a situação vivida pela República Democrática do Congo VALENZOLA 2013 Essas reuniões visavam convencionar um presidente provisório haja a vista a necessidade de eleições democráticas e a promulgação de um novo texto constitucional Entretanto dado ao fato de existirem no Congo inúmeras partes e povos conflitantes conceber um sistema político que agradasse a todos não foi tarefa simples VALENZOLA 2013 Dessa forma o acordo chegado ao fim de 2003 previa que Joseph Kabila filho do falecido ex presidente LaurentDesiré Kabila seria mantido como presidente contudo seria obrigado a governar cerceado por quatro vicepresidentes um seria representante da MLC outro da RCD outro da oposição política e outro da sociedade civil VALENZOLA 2013 Solução que em 2003 por meio de um acordo de paz responsável por trazer um governo transitório STEARNS 2012 deu cabo à Guerra do Congo para fins meramente formais STEARNS 2012 Em meio às constantes disputas entre as milícias congolesas em 2005 Joseph Kabila foi eleito presidente da República Democrática do Congo e governaria em parceria com um primeiroministro Antoine Gizenga terceiro colocado nas eleições presidenciais Entretanto o fato é que o presidente apesar de ter assumido o controle político legal do país governaria junto com as milícias que à essa altura já haviam ganhado maior estruturação e organização principalmente após o término da Grande Guerra Africana Estas já haviam disseminado tanta influência perante o território que seriam capazes inclusive de marginalizar o poder estatal na República Democrática do Congo VALENZOLA 2013 Dessa maneira é constatável que o Congo permanece em clima de tensão até os dias atuais Uma das maiores ilustrações disso são os recorrentes aumentos em missões da ONU nesse território com um expressivo contingente de soldados atualmente tem limite máximo de 16215 militares ONU 2017 Para fins formais a Guerra Mundial Africana chegou ao seu fim Entretanto a República Democrática do Congo sente até hoje as cicatrizes desse conflito 2 DELIMITAÇÃO LEGAL Feita essa breve exposição histórica fazse de extrema necessidade a constatação de que no período de 1993 a 2003 ocorreram inúmeras violações aos direitos humanos na República Democrática do Congo que vão desde o recrutamento de crianças ONU 2007 até o possível cometimento de crime de genocídio OHCHR 2010 Com o objetivo de apoiar o governo congolês e a sociedade civil a desenvolver mecanismos de justiça de transição conceito que em síntese para Louis Bickford Justiça de Transição referese ao campo de atividades e investigação sobre como as sociedades lidam com legados de violações e abusos contra os direitos humanos praticados no passado atrocidades em massa outras formas severas de trauma social incluindo o genocídio e a guerra civil a fim de construir um futuro mais democrático justo e pacífico BICKFORD 2004192 O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos ACNUDH publicou em 2010 um extenso relatório enumerando as mais graves violações dos direitos humanos e do direito internacional humanitário durante o período de 10 anos cometidos em território congolês OHCHR 2010 tanto pelo Estado quanto por atores nãoestatais ONU 2010 O relatório constata que a vasta maioria dos mais de 600 incidentes descritos representam múltiplas violações dos direitos humanos e dos direitos internacionais humanitários OHCHR 2010 Necessário frisar ademais que o relatório elaborado pelo ACNUDH não é uma investigação judicial é um exercício preliminar como afirma Navi Pillay o Alto Comissário de Direitos Humanos OHCHR 2010 De extrema valia portanto fazer uma breve menção à este para fins de constatação das imensuráveis atrocidades e desrespeito aos direitos humanos cometidos no período de uma década 1993 2003 em solo congolês Tratandose primeiramente dos crimes de guerra essencial fazer uma breve conceituação deste Derivados inicialmente da Primeira Convenção de Genebra datada de 1864 os crimes de guerra referemse a sérias violações dos direitos 192 Transitional justice refers to a field of activity and inquiry focused on how societies address legacies of past human rights abuses mass atrocity or other forms of severe social trauma including genocide or civil war in order to build a more democratic just or peaceful future BICKFORD 2004 humanitários internacionais cometidas contra civis ou combatentes inimigos durante um conflito armado Convenções de Genebra 1949 Protocolos Adicionais I e II 1977 Sua positivação mais recente pode ser encontrada no artigo 8º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional de 1998 Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional 1998 A vasta maioria dos delitos narrados no relatório constam nos incisos do artigo 8º como o homicídio doloso causar intencionalmente grande sofrimento ou ofensas graves à integridade física ou à saúde estupro tomada de reféns e a destruição arbitrária de bens civis inclusive àqueles essenciais para que a população sobreviva entre outros A maior parte dessas transgressões foram cometidas contra pessoas que não ingressaram no conflito como quem vivia em campos de refugiados caracterizando de acordo com as Convenções de Genebra as pessoas protegidas por este Olhares do Mundo 2016 Segundo a própria comissão caso os delitos constantes neste relatório resultantes de um conflito armado fossem de fato julgados e tratados dentro de uma demanda judicial seriam considerados como uma séria violação aos direitos humanos consagrados internacionalmente OHCHR 2010 Analisando agora a questão dos crimes contra humanidade outra atrocidade cometida no período de 1993 a 2003 cabe ressaltar que está codificado no artigo 7º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional caracterizandose inclusive como uma norma Jus Cogens ou seja uma norma imperativa de Direito Internacional BITTAR ALMEIDA 2008 O relatório aborda crimes como o homicídio extermínio estupro perseguição e quaisquer outros atos desumanos de caráter similar aos expostos cometidos no quadro de um ataque generalizado ou sistemático contra qualquer população civil havendo conhecimento desse ataque nos termos do artigo Artigo 7º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional 1998 O relatório inclusive expõe que os crimes foram dirigidos contra toda a população civil não combatente tendo seu foco principal em mulheres e crianças OHCHR 2010 O comissariado conclui que como grande parte dos atos de violência perpetrados durante todo o conflito faziam parte de campanhas de represália e perseguição aos refugiados esses termos podem ser vistos como uma série generalizada e sistemática de ataques contra a população civil classificandose como um crime contra a humanidade OHCHR 2010 Dessa forma denotase que todos os atos praticados segundo a teoria de Lyal S Sunga na obra Tribunal Penal Internacional comportam as três formas de aplicação de crimes contra a humanidade no caput do artigo 7º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional quais sejam Cometido como parte de um amplo e sistemático ataque ou seja envolvendo planejamento e organização ato praticado contra a população civil e por fim que os atos sejam cometidos com conhecimento e ciência do ataque dando a ideia de que o perpetrador soubesse ou devesse saber a ocorrência de um ataque ou por meio da ideia de que o ato é cometido sabidamente como parte de um amplo e sistemático ataque CHOUKR AMBOS 2000 Ademais ressaltase que o crime contra a humanidade é um crime de caráter imprescritível BITTAR ALMEIDA 2008 consagrado inclusive na Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes Contra a Humanidade de 1968 Dessa forma denotase a nítida e inquestionável constatação de que de fato houve crime contra a humanidade na República Democrática do Congo Ainda sobre os crimes contra a humanidade salientase que o Tribunal Militar de Nuremberg responsável por ter sido a maior conquista no plano da repressão aos crimes internacionais SOUZA 2005 tendo em vista que a partir dele é reconhecida a existência de um direito penal internacional tipifica a conduta crime contra a humanidade em seu artigo 6º de maneira inédita o que explicita a magnitude dos crimes contra a humanidade Vale reproduzilo Art 6º O Tribunal instaurado pelo Acordo mencionado no artigo primeiro acima para julgamento e punição dos grandes criminosos de guerra dos países europeus do Eixo terá competência para julgar e punir todas as pessoas que agindo por conta dos países europeus do Eixo cometeram individualmente ou como membros de organizações qualquer um dos seguintes crimes c crimes contra a humanidade isto é o assassinato exterminação redução à escravidão deportação e qualquer outro ato desumano cometido contra populações civis antes e durante a guerra ou então perseguições por motivos políticos raciais ou religiosos quando esses atos ou perseguições quer tenham ou não constituído uma violação do direito interno dos países onde foram perpetrados tenham sido cometidos em consequência de qualquer crime que entre na competência do Tribunal ou em ligação com esse crime ESTATUTO In FERRO 2002 Por fim cabe discorrer sobre o crime de Genocídio Desde que foi concebido derivado diretamente de um único tratado multilateral qual seja a Convenção de Genocídio de 1948 seu conceito permanece o mesmo Foi redigido pela comunidade internacional com zelo e precisão consideráveis visto que objetivava otimizar persecuções nas justiças nacionais e na Corte Internacional CHOUKR AMBOS 2000 Constante no artigo 6º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional definese crime de genocídio como quaisquer atos praticados com a intenção de destruir no todo ou em parte um grupo nacional étnico racial ou religioso Artigo 6º Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional 1998 nos termos do artigo os quais versam sobre uma série de condutas que representam violações ao direito à vida e à integridade física eou mental dos membros de um determinado grupo O relatório é nítido ao afirmar que há de fato um intenso debate relacionado à questão de genocídio contra o grupo étnico dos hutus dado o fato de existirem uma série de alegações de massacres e outras violações aos direitos humanos ocorrendo desde 1996 no oeste da República Democrática do Congo OHCHR 2010 Entretanto até então é uma questão que permanece sem resolução o que pode apenas ser decidido por meio de uma decisão judicial baseada em provas concretas e distante de qualquer dúvida razoável OHCHR 2010 Dessa maneira é de suma importância uma investigação judicial que objetive desobscurecer as atrocidades que ocorreram em território congolês no período de 1996 a 1997 Somente essa investigação e demanda judicial seria competente para solucionar e resolver se esses crimes podem ser considerados de fato crimes de genocídio 3 JUS COGENS E O CONFLITO CONGOLÊS Passase agora à uma análise mais profunda do previamente tratado crime contra a humanidade descrito no relatório elaborado pelo ACNUDH Como exposto anteriormente torturas execuções extralegais estupros e desaparecimentos todos esses conceitos e outros mais abarcados pela definição de crime contra a humanidade tratamse de normas Jus Cogens BITTAR ALMEIDA 2008 Jus Cogens pode ser definido como a norma mais importante para o direito internacional NASSER 2005 Em termos kelsenianos o Jus Cogens se encontraria no topo da pirâmide normativa do direito internacional pois essa norma introduz de maneira irrefutável uma hierarquia normativa no ordenamento jurídico internacional NASSER 2005 Dessa forma temse de um entendimento comum que a tradução direta de Jus Cogens significa direito imperativo segundo Jean Salmon SALMON 2001 Essa imperatividade se dá justamente devido ao fato das normas tratarem de conteúdos mais relevantes e essenciais para o direito internacional NASSER 2005 é o caso do crime contra a humanidade versado no artigo 7º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional Tratandose de uma conceituação de acordo com o ordenamento jurídico o Jus Cogens encontra seu significado no Artigo 53 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados o qual se reproduz a seguir Uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza Artigo 53 CVDT Dessa maneira a questão a ser tratada é justamente que no período de Guerra na República Democrática do Congo além de inúmeras violações aos direitos humanos houve a constatação de crime contra a humanidade como comprovado no relatório elaborado pelo ACNUDH Por se tratar de uma norma Jus Cogens norma fruto de um intenso processo histórico político e social detentora de caráter obrigatório para todos os Estados e hierarquicamente superior à quaisquer normas estatutárias WAISBERG 2017 é uma norma eminentemente inviolável de observância obrigatória No entanto mesmo levando em consideração sua imperatividade houve violação dessa norma no período de 1993 a 2003 na República Democrática do Congo 4 O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E A IMPUNIDADE NO CONGO Tratandose do Tribunal Penal Internacional cabe conceituálo inicialmente O Tribunal Penal Internacional TPI foi estabelecido pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional e iniciou suas atividades em julho de 2002 quando da 60ª ratificação ao Estatuto MAIA HAMA 2014 definido como um tratado internacional obrigatório somente aos Estados que expressaram formalmente seu consentimento em se submeter às suas previsões e portanto aderem à sua jurisdição como é o caso da República Democrática do Congo que o ratificou em 11 de abril de 2002 PORTELLA JR 2005 Subsidiariamente ao Poder Judicial dos Estados o TPI processa e julga acusados de crimes de genocídio crimes contra a humanidade crimes de guerra e o crime de agressão nos termos do artigo 5º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional Ademais ressaltase que o TPI julga apenas indivíduos diferentemente da Corte Internacional de Justiça que examina litígios entre Estados WAISBERG 2017 Na avaliação do Secretário da ONU à época o General Kofi Annan a criação do TPI representa um presente de esperança para as gerações futuras e um avanço gigante na marcha dos direitos humanos universais e o império da lei CHOUKR AMBOS 2000 Contrapondose aos Tribunais Internacionais de Exceção ou Tribunais Internacionais ad hoc que de maneira resumida são tribunais com competência limitada em relação aos fatos e no tempo WAISBERG 2017 especialmente constituídos para julgar crimes já ocorridos em contextos extremamente particulares como o Tribunal Militar de Nuremberg e o Tribunal Penal ad hoc para Ruanda Comitê Internacional da Cruz Vermelha 2000 o Tribunal Penal Internacional possui competência permanente e não retroativa CHOUKR AMBOS 2000 O que significa diretamente que somente compete à Corte julgar crimes após sua instauração ou seja crimes cometidos após o dia primeiro de julho de 2002 Em se tratando sobre os Tribunais Internacionais ad hoc o Tribunal Militar de Nuremberg é digno de uma análise mais profunda visto que sofreu muitas críticas pela comunidade internacional SOUZA 2005 principalmente por atropelar um dos princípios basilares do Direito Penal o Princípio da Legalidade De acordo com esse princípio só existirá crime se houver uma lei penal prevendo taxativamente que uma determinada conduta é criminosa PEREIRA 2011 É preciso que a lei preveja uma sanção penal pois não há crime sem pena Esse é o raciocínio extraído da máxima jurídica nullum crimen nulla poena sine lege Como foi constituído ex post facto o Tribunal Militar de Nuremberg tipificou a conduta crime contra a humanidade em seu artigo 6º de maneira inédita condenando réus por condutas até então não previstas como típicas quando praticadas Ora nesse caso há uma nítida violação ao princípio da irretroatividade da lei penal e o princípio da legalidade tendo em vista que o crime contra a humanidade mesmo crime cometido em solo congolês OHCHR 2010 retroage e incide sobre condutas até então não tipificadas Sobre a violação de tais princípios no âmbito dos crimes julgados pela Corte de Nuremberg assevera Yrigoyen 1955 que O Estatuto aplicado pelo Tribunal de Nuremberg foi uma lei ex post facto e a imposição de sanções penais violava os princípios básicos do direito que são a irretroatividade das leis e aquele derivado da máxima nullum crimen nulla poena sine lege YRIGOYEN 1955 p 289193 Diante do exposto o Tribunal Penal Internacional visando não incorrer na mesma violação de princípios elementares para o Direito Penal adota a competência Ratione Temporis segundo o próprio inciso 1º do artigo 11 do Estatuto de Roma do 193 El Estatuto aplicado por el Tribunal de Nuremberg fué una ley ex post facto y la imposición de las sanciones penales vulneraba los principios básicos del derecho que son la irretroatividad de las leyes y aquel que deriva de la máxima nullum crimen nulla poena sine lege YRIGOYEN 1955 p 289 Tribunal Penal Internacional artigo este que visa justamente evitar comparações indevidas com os Tribunais de exceção ou Tribunais ad hoc COSTA 2002 O Tribunal só terá competência relativamente aos crimes cometidos após a entrada em vigor do presente Estatuto art 11 do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional Com isso vale dizer que absolutamente todos os crimes cometidos antes da data em que o Tribunal Penal Internacional entrou de fato em vigor não poderão ser levados a julgamento pela Corte ele tem jurisdição unicamente nos casos de crimes cometidos após a sua entrada em vigor MAIA HAMA 2014 Significa diretamente que a grande maioria dos crimes comportados no Relatório elaborado pelo ACNUDH sobre as atrocidades cometidas na República Democrática do Congo saíram até então impunes Essa competência deixa uma considerável lacuna para os crimes cometidos anteriormente à data de instauração do TPI MAIA HAMA 2014 o que resulta na produção de um intenso sentimento de impunidade tanto por parte da comunidade internacional quanto por parte das vítimas Segundo o Relatório Anual da Anistia Internacional de 2005 apenas 3 anos após a instauração do Tribunal Penal Internacional sobre a situação dos direitos humanos na República Democrática do Congo o sistema judicial do país é marcado pela ineficiência ausência de infraestrutura e falta de recursos humanos e materiais AMNESTY USA 2005 o que claramente expõe a incapacidade das instituições congolesas serem capazes de prosseguir com a investigação e o devido julgamento das atrocidades cometidas no período de 1993 a 2002 Essa ineficácia nas instituições somada à não retroatividade do TPI pode resultar na impunidade de milhares de crimes inclusive na falta de punição a crimes contra a humanidade norma explicitamente de Jus Cogens advinda de uma fonte de costume internacional AMNESTY USA 2005 5 A IMPUNIDADE NA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO Questionase o que deve prevalecer em uma situação única como a que se confere na República Democrática do Congo De um lado o princípio da irretroatividade da lei penal consagrado no artigo 24 e amparado pelo artigo 11 do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional Em contrapartida o que se vê é a violação de uma norma de caráter Jus Cogens que ao menos em tese é norma inviolável Com a constatação de que foi cometido crime contra a humanidade no relatório elaborado pelo ACNUDH é nítido que na República Democrática do Congo houve a inobservância de uma norma superior e imperativa de Direito Internacional NASSER 2005 Isto posto é discutível até que ponto o Jus Cogens deve ser ignorado em detrimento do princípio da irretroatividade penal Em debate semelhante a Corte Internacional de Justiça julgou em 3 de fevereiro 2012 caso em que se contrapôs a Imunidade Jurisdicional do Estado e a transgressão de norma de caráter Jus Cogens Diante desse conflito fazse de extrema valia mencionar o voto dissidente do Juiz Cançado Trindade junto ao Acórdão da Corte Internacional de Justiça no emblemático caso supracitado que sucintamente remete à Segunda Guerra Mundial na qual forças alemãs ocuparam grande parte do território italiano tendo cometido sérias violações do Direito Internacional Humanitário como os massacres de civis e a deportação de civis e militares para a realização de trabalhos forçados na Alemanha e em seus territórios sob ocupação ALMEIDA 2016 Contudo após a conclusão de tratados entre os países e a adoção de leis alemãs que buscaram outorgar compensação às vítimas do nacionalsocialismo perseguidas pelo regime nazista os tribunais alemães continuavam denegando requerimentos de compensação ajuizados por cidadãos italianos sob o pretexto de que estes seriam prisioneiros de guerra e portanto estariam enquadrados em categoria que não permitiria qualquer indenização ALMEIDA 2016 A Comissão Internacional de Justiça decidiu por 14 votos a 1 que a República Italiana não cumpriu a sua obrigação de respeitar a imunidade reconhecida à República Federal de Alemanha pelo direito internacional ao tomar medidas de execução forçada da Villa Vigoni bem como ao declarar executórios no território italiano acórdãos gregos fundados em violações do direito internacional humanitário cometidas na Grécia pelo Reich Alemão o que aliás tinha motivado a intervenção desse país no processo e que A República italiana terá que promulgar uma legislação adequada ou usar de qualquer outro método de sua escolha com o objetivo de garantir que as decisões de seus tribunais e as das outras autoridades judiciais que infringem a imunidade reconhecida à Alemanha pelo direito internacional fiquem sem efeito MAIA PRADO 2014 O único Juiz a ter apresentado voto dissidente foi o brasileiro Cançado Trindade caracterizando uma opinião divergente com argumentos louváveis e merecedores de reprodução para que se reflita sobre o caso da violação de uma norma Jus Cogens e a impunidade na República Democrática do Congo Por se tratar de um voto de grande extensão analisarseá somente trechos para a presente discussão do tema tratado neste trabalho Inicialmente Cançado Trindade cita um trecho impactante desenvolvido pelo jurista Albert de La Pradelle 18711955 o direito internacional foi construído a partir dos seres humanos e existe por e para eles MAIA PRADO 2014 No que toca a discussão sobre a norma Jus Cogens e a imunidade estatal em discussão o Juiz explicita que Uma norma processual não pode prevalecer sobre uma regra material de jus cogens já que seria inconsistente com o propósito e o ratio da norma material e resultaria na impunidade para os Estados que cometeram graves violações as normas imperativas MAIA PRADO 2014 Pelo exposto percebese a tamanha importância de uma norma Jus Cogens Caso alguma outra norma prevaleça sobre esta o resultado seria uma impunidade às violações constatadas na República Democrática do Congo e narradas no relatório elaborado pelo ACNUDH OHCHR 2010 que são agravadas ao se constatar que tratamse de um afronte às normas de direito internacional humanitário NASSER 2005 Exposto isso questionase a prevalência do princípio da irretroatividade penal adotado pelo Tribunal Penal Internacional frente à tamanho desastre ocorrido na República Democrática do Congo com uma violação de norma Jus Cogens haja vista os crimes contra a humanidade que representam sucintamente uma classe de atos que atentam contra a dignidade humana e os direitos humanos mais essenciais HUHLE 2013 praticados no período de 1993 a 2003 É no mínimo questionável o fato de até então os crimes praticados em solo congolês no período descrito e enquadrado no Estatuto de Roma de 1998 não poderem ser sequer investigados INTERNATIONAL CRIMINAL COURT 2004 Tratandose de uma norma Jus Cogens somada à atrocidade cometida por perpetradores contra a população civil congolesa a falta de iniciativa do Tribunal Penal Internacional passa a noção de que a Corte criada com a intenção de dar cabo a impunidade está mais uma vez na história dos conflitos humanos alimentandoa Dessa forma vale reproduzir o preâmbulo do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional o qual afirma que Os crimes de maior gravidade que afetam a comunidade internacional no seu conjunto não devem ficar impunes e que a sua repressão deve ser efetivamente assegurada através da adoção de medidas em nível nacional e do reforço da cooperação internacional ESTATUTO DE ROMA DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL 1998 Além disso afirma que os Estados partes presentes no Estatuto encontramse Decididos a por fim a impunidade dos autores desses crimes e a contribuir assim para a prevenção de tais crimes Nitidamente encontrase estampada a preocupação com a paz a segurança e o bemestar da comunidade internacional DA SILVA 2016 reconhecendose ainda que os crimes de maior gravidade trazem ameaça à efetivação desses referidos direitos DA SILVA 2016 Ademais é lembrada a necessidade de que crimes desta dimensão não podem e nem devem ficar impunes DA SILVA 2016 Entretanto o que se percebe é um inquietante clima de impunidade no que toca a Grande Guerra Africana como ficou conhecido o conflito na República Democrática do Congo visto que até então houveram apenas duas condenações de Thomas Lubanga Dyilo e de Germain Katanga INTERNATIONAL CRIMINAL COURT 2004 Ora é controverso portanto o fato de o Tribunal Penal Internacional concebido com a finalidade de dar cabo à impunidade e dentre outros delitos processar e julgar os Crimes Contra a Humanidade Art 7º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional manterse inerte à tamanha violação de uma norma advinda de fontes costumeiras e de observância obrigatória 6 CONCLUSÃO Diante do exposto é nítido que o Tribunal Penal Internacional encontrase em meio a um considerável conflito e necessita urgentemente responder de maneira efetiva à ele Caso contrário o que se figurará será uma das maiores ocorrências de impunidade da história Os crimes cometidos em solo congolês e inclusive narrados inteiramente no relatório elaborado pelo Alto Comissariado de Direitos Humanos ocorreram em sua maioria do período de 1993 a 2003 contudo o TPI só se julga competente para julgar casos após sua criação ou seja a partir de 2002 A competência adotada pelo TPI é permanente mas não retroativa Apesar do fato da competência temporal do TPI afastar todos e quaisquer crimes anteriores a 1º de julho de 2002 de sua jurisdição não impedir a ação dos órgãos jurisdicionais congoleses é notório conforme se depreende do Relatório Anual de 2005 elaborado pela Anistia Internacional que o sistema judicial da RDC é marcado pela ineficiência ausência de infraestrutura e falta de recursos humanos e materiais Sabendo disso é no mínimo inquietante o fato do TPI se negar a julgar os horrendos crimes e absurdos ocorridos na República Democrática do Congo onde inclusive houve uma violação à uma norma imperativa de Direito Internacional uma norma de caráter Jus Cogens marcada por ser ao menos em tese inviolável Exposto isso é questionável se de fato deve haver uma prevalência do princípio da irretroatividade da lei penal frente a uma expressa violação de uma norma Jus Cogens agravada ao constatarse que crimes contra a humanidade são crimes imprescritíveis BITTAR ALMEIDA 2008 Já é tempo de dar ao Jus Cogens a atenção que ele merece Mais uma vez essencial a reprodução de trecho do célebre voto dissidente do Juiz Cançado Trindade Os horrendos atos antijurídicos ocorridos na República Democrática do Congo não podem e nem devem ser removidos ou simplesmente esquecidos pela Ordem Jurídica Internacional visto que isso corroboraria com a impunidade evitando de fato a Justiça Por fim indispensável reafirmar o compromisso que a Corte deve ter com o processamento e o julgamento de tais crimes O Tribunal Penal Internacional não deve manterse alheio e indiferente ao enorme sofrimento das vítimas e às cicatrizes marcadas no solo e na população congolesa Ressaltase que a Justiça deve ser perseguida incessantemente e que o Jus Cogens deve de fato ser respeitado por toda a Comunidade Internacional De outra maneira o que ganhará cada vez mais força é a impunidade e a negação da Justiça REFERÊNCIAS ALMEIDA Paula Wojcikiewicz Imunidades jurisdicionais do Estado perante a Corte Internacional de Justiça uma análise a partir do caso Alemanha vsItália 2016 ANNUAL Report Democratic Republic of the Congo Amnesty USA 23 mai 2005 BICKFORD Louis Transicional Justice In HORVITZ Leslie Alan CATHERWOOD Christopher org Macmillan Ecyclopedia of Genocide and Crimes against humanity USA 2004 v 3 p 10451047 BISSOTO Maria Carolina Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade BRASIL Escola Superior do Ministério Público da União Dicionário de Direitos Humanos Disponível em httpwww esmpu gov brdicionariotikiindex php p 1 Acesso em 19 nov 2017 BITTAR Eduardo C B ALMEIDA Guilherme Assis de org Convenção sobre a imprescritibilidade dos crimes de guerra e dos crimes contra a humanidade in MINICÓDIGO DE DIREITOS HUMANOS São Paulo Editora Juarez de Oliveira 2008 CHOUKR Fauzi Hassan AMBOS Kai Tribunal penal internacional São Paulo RT 2000 CONSELHO de Segurança estende mandato da missão da ONU na RD Congo número de tropas é reduzido Nações Unidas 2017 Disponível em httpsnacoesunidasorgconselhodesegurancaestendemandatodamissaoda onunardcongonumerodetropasereduzido Acesso em 19 out 2017 CONVENÇÃO DE GENEBRA I Adotada em pela Conferência Diplomática para a criação das Convenções Internacionais para a Proteção das Vítimas de Guerra realizada em Genebra Suíça em 12 de agosto de 1949 Assinada pelo Brasil em 12 de agosto de 1949 e ratificada em 26 de junho de 1957 1949 CONVENTION ON THE PREVENTION AND PUNISHMENT OF THE CRIME OF GENOCIDE Adotada unanimemente em 1948 e colocada em vigor em 1951 78 UNTS 277 1948 COOK Christopher R Diamonds and Genocide American British and French Press Coverage of the Second Congo War 2013 COSTA Érica Adriana O Tribunal Penal Internacional em face da Constituição Brasileira Dissertação Mestrado em Direito Belo Horizonte Faculdade Mineira de Direito 2002 DA SILVA Andreza Maciel A COMPETÊNCIA JURISDICIONAL DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL SYNTHESIS Revista Digital FAPAM v 6 n 6 p 39 65 2016 DEMOCRATIC REPUBLIC OF THE CONGO 19932003 Report of the Mapping Exercise documenting the most 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httpwwwohchrorgDocumentsCountriesCDHCStatementonReleaseE Npdf Acesso em 6 nov 2017 STEARNS Jason From CNDP to M23 Kivu The Evolution of an Armed Movement in Eastern Congo Rift Valley Institute 2012 TRIBUNAIS ad hoc Comitê Internacional da Cruz Vermelha 29 out 2010 Disponível em httpswwwicrcorgporwarandlawinternationalcriminal jurisdictionadhoctribunalsoverviewadhoctribunalshtm Acesso em 18 out 2017 TRIBUNAL Penal Internacional Ministério das Relações Exteriores Disponível em httpwwwitamaratygovbrptBRpoliticaexternapazeseguranca internacionais152tribunalpenalinternacional Acesso em 10 nov 2017 VALENZOLA Henrique O Conflito na República Democrática do Congo e a Ausência do Estado na Regulação das Relações Sociais 2013 WAISBERG Tatiana Curso de Direito Internacional Público e Direito Internacional dos Direitos Humanos Belo Horizonte CreateSpace 2017 YRIGOYEN Jaime El Proceso de Nuremberg y el Derecho Internacional 1 ed Lima 1955 298 p CAPÍTULO 03 GUERRILHA DO ARAGUAIA E LEI DA ANISTIA O ATRASO BRASILEIRO NO CONTEXTO DOS DIREITOS HUMANOS João Vitor Silva de Aquino194 Murilo Lemos Wehdorn195 1 INTRODUÇÃO Os Direitos Humanos são entendidos como o caminho necessário na busca da felicidade dos seres humanos sendo portanto o meio imprescindível a ser desenvolvido por toda a humanidade em direção à dignidade humana Apenas assim o Direito estará cumprindo a sua tarefa suprema de servir à humanidade pois uma vez que se busca a efetivação dos Direitos Humanos temos que a ampliação da própria condição humana Portanto os Direitos Humanos são necessários para a realização da dignidade humana visto que são patamares mínimos para a existência mínima Portanto salvaguardar os Direitos Humanos é conferir condições mínimas para o desenvolvimento das potencialidades dos indivíduos Segundo Flávia Piovesan 2013 os Direitos Humanos são entendidos como indivisíveis e universais pois basta o indivíduo ser humano para tornarse titular desses direitos independentemente de qualquer condição econômica social étnica sexual religiosa etc A partir do momento que entendemos que os Direitos Humanos são valores dotados de força cogente consideramos que os Estados assumem o papel de cumpri los e de fazêlos cumprir dentro de suas fronteiras Assim reconhecer o Direito Internacional dos Direitos Humanos estabelece os limites intangíveis para os Estados Nesse sentido a Corte Interamericana de Direitos Humanos órgão responsável pela interpretação e aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos no continente americano explicita que a principal característica dos Direitos Humanos é 194 Graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 195 Graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais a sua supranormatividade isto é são normas que se situam no topo da hierarquia normativa podendo ser consideradas supralegais ou de emenda à Constituição quando são aprovadas por quórum qualificado no caso do ordenamento jurídico brasileiro Temos que os Direitos Humanos são objeto do Direito Internacional dos Direitos Humanos sendo este ramo autônomo do Direito formado por um conjunto de normas substanciais e processuais próprias destinadas a garantir a dignidade do ser humano JAYME 2005 Apesar da tendência de convergirem os conteúdos dos Direitos Humanos e dos Direitos Fundamentais esse fenômeno ainda não se manifestou no Brasil de maneira plena Pois infelizmente nos deparamos com casos em que permanece o distanciamento da concretização dos direitos das pessoas A Corte Interamericana de Direitos Humanos o seu lema maior é o da máxima proteção da pessoa vítima de violações de Direitos Humanos o que contrata com os posicionamentos obsoleto dos nossos tribunais como veremos no caso em tela A Corte Interamericana de Direitos Humanos se consolidou como um expoente na proteção do ser humano através de uma jurisprudência que manifesta atribuição às normas de Direitos Humanos dinamismo e efetividade Enquanto que no Brasil o Poder Judiciário muitas vezes ao confundir prudência com imobilismo conceitual compromete a efetividade plena desses direitos o que se verifica no caso Gomes Lund versus o Brasil No período de 1972 a 1975 com objetivo de erradicar a Guerrilha do Araguaia movimento comunista armado que lutava contra o governo ditatorialmilitar o Estado é acusado de ser responsável pela detenção arbitrária tortura e desaparecimento forçado de 70 pessoas entre membros do Partido Comunista do Brasil e camponeses da região resultado de operações do Exército brasileiro na região Essa alegação é parte do processo levantada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos Em 26 de março de 2009 em conformidade com o artigo 51 e 61 da Convenção Americana a Comissão Interamericana de Direitos Humanos submeteu à Corte Interamericana sobre Direitos Humanos uma ação contra a República Federativa do Brasil em nome de todos aqueles desaparecidos no contexto da Guerrilha do Araguaia e de suas famílias Nesse sentido é necessário compreender que a vontade da Comissão em levantar a ação teria não apenas sentido de exigir do Brasil o devido apoio e reconhecimento às famílias das vítimas do ocorrido no contexto como também sentido subjetivo de questionar o Brasil a respeito da eficiência das investigações a respeito de fatos ocorridos no período da ditadura dificultados pela Lei da Anistia Em nota da Comissão A Comissão decidiu submeter o caso à jurisdição da Corte considerando que representava uma oportunidade para consolidar a jurisprudência interamericana sobre as leis de anistia com relação aos desaparecimentos forçados e à execução extrajudicial e a consequente obrigação dos Estados de dar a conhecer a verdade à sociedade e investigar processar e punir graves violações aos Direitos Humanos MIGALHAS 2018 Nesse sentido a análise do caso Gomes Lund contra o Brasil pelas atrocidades cometidas na ditadura e até hoje protegidas pela Lei da Anistia mostra a necessidade de se discutir não apenas os crimes cometidos no sentido de ressarcir os danos sofridos como também a existência de dispositivos legais que ainda impossibilitam o julgamento de crimes cometidos no período da ditadura Portanto a discussão levantada nesse artigo mostra o atraso brasileiro no sentido de proteger a honra das vítimas de violência e tortura na ditadura como também de salvaguardar direitos futuros à possíveis casos descobertos 2 A GUERRILHA DO ARAGUAIA O movimento da Guerrilha do Araguaia foi um movimento iniciado por cerca de 70 militantes do Partido Comunista do Brasil com o intuito de levar aos moradores da região do Rio Araguaia visto que essa era uma região sem assistência do poder público conscientização política No caso em questão as doutrinas utilizadas visavam a implantação de um regime comunista no Brasil Os militantes chegaram à região em 1966 ano em que o Estado brasileiro já era regido por militares Os militantes eram perseguidos políticos da ditadura e ao chegarem à região do Araguaia cerca de 90 camponeses e até mesmo militares locais aderiram ao movimento proposto e passaram dessa forma a serem perseguidos políticos do regime Por esse motivo o movimento foi realizado clandestinamente em uma região sem grande destaque em cenário nacional O período de luta armada guerrilha apesar de o movimento ter se estabelecido em 1966 teve seu início apenas em 1970 e seu término três anos após em 1973 Todos os militantes e camponeses envolvidos foram mortos apesar do objetivo do movimento nem sequer ter sido posto em prática A repressão foi realizada pelos órgãos de repressão militar da ditadura sendo metade dos membros executada quando estavam sob tutela do poder público vigente dessa forma não apresentando de nenhuma maneira perigo ao governo Apenas dois corpos foram localizados até os dias atuais o de Maria Lúcia Petit e de Bergson Gurjão únicos guerrilheiros que tiveram seus corpos identificados após as execuções Ainda durante o período da Ditadura em 1982 os familiares dos que eram considerados até então desaparecidos entraram com Ações Civis contra a União objetivando descobrir o paradeiro desses no entanto não obtiveram a devida resposta por parte do Estado aos pedidos 3 A LEI DE ANISTIA BRASILEIRA Estabelecida em pleno exercício da ditadura militar brasileira a Lei de Anistia Lei n6683 de 28 de agosto de 1979 Art 1º É concedida a anistia a todos quantos no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979 cometeram crimes políticos ou conexos com estes crimes eleitorais os que tiverem seus direitos políticos suspensos e os servidores da Administração Direta e Indireta de fundações vinculadas ao poder público aos servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário aos militares e aos dirigentes e representantes sindicais punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares 1º Consideramse conexos para efeito deste artigo os crimes de qualquer natureza relacionadas com crimes políticos ou praticados por motivação política BRASIL 1979 Com o início do processo de redemocratização em vários países da América Latina após o período ditatorial muitos Estados se paravam com o dilema devemos ou não responsabilizar os regimes pelas violações de Direitos Humanos Nesse sentido Lúcia Bastos afirma que O que é possível observar nesses casos ainda que distintos entre si é que o objetivo da transição política entrava em conflito com o propósito de punir os crimes cometidos no passado porque o raciocínio difundido era que de um lado os antigos ditadores dificilmente deixariam os seus postos se tivessem receio de que poderia haver uma investigação pelos seus atos e por outro lado grupos nacionais e a sociedade internacional tinham razões para demandar uma resignação e punição desses ditadores Em muitos casos o resultado foi a aplicação da lei de anistia vista como uma forma para tentar solucionar esse dilema Fazse necessária uma leitura crítica a respeito do conteúdo proposto pela Lei da Anistia assim como de suas consequências diretas e indiretas para a sociedade pósditadura militar Após o período mais duro da repressão militar sob a vigência do Ato Institucional n5 as diversas pressões da sociedade e conflitos dentro da própria cúpula militar são responsáveis por promover uma lenta abertura política no Brasil Muitas manifestações tomavam as ruas e as críticas à máquina de repressão da ditadura se acentuava devido ao assassinato do jornalista Vladimir Herzog no ano de 1975 sob tortura BASTOS 2018 A Lei de Anistia foi uma solução atrativa pois fornece um meio pelo qual se fundamentou uma transição de regimes ditatorial para o democrático pacífica pois envolve uma rendição nãoviolenta pelos ditadores No entanto sob o prisma do Direito Internacional a Lei de Anistia se opõem as normas internacionais de proteção aos Direitos Humanos visto que ela visa proteger os ditadores e viola as obrigações internacionais estatais de salvaguardarem as garantias fundamentais de seus cidadãos Nesse contexto surgem diversos movimentos organizados que pleiteavam pelo início de processo de concessão de anistia aos mais de 100 presos políticos 150 pessoas banidas e 2000 exiladas que não poderiam voltar ao país sob pena de reclusão e possível tortura O Movimento Feminino pela Anistia é um movimento político criado em 1975 com o objetivo de persuadir a sociedade e o governo pela necessidade da anistia Foi composto em sua maioria por mulheres que viram seus maridos sendo torturados e mortos pela ditadura Já em 1978 seria criado o Comitê Brasileiro pela Anistia com objetivo de pressionar ainda mais o governo para que concedesse a anistia aos acusados de crimes políticos As pressões aumentavam ainda mais quando os presos políticos passaram a fazer greve de fome em protesto pela aprovação da lei O clima de redemocratização e as pressões pela abertura política fizeram com que o Presidente João Figueiredo apresentasse ao Congresso o projeto de Lei da Anistia sendo esse aprovado em sessão tumultuada na Câmara dos Deputados Fica claro que para os presos políticos e exilados aquele momento específico da história simbolizou uma conquista a ser comemorada A ditadura militar havia demonstrado sinais de fraqueza e abertura e a concessão de anistia confirmava o início do processo de redemocratização do Brasil No entanto a Lei de Anistia seria usada especificamente em seu caput pelos militares para justificar o direito de auto anistia que protegeria também os representantes do Estado militar mesmo que responsáveis por atrocidades como assassinatos em massa desaparecimentos e tortura A anistia dada pela lei 6683 seria para o jornalista Márcio Magalhães um perdão de mão dupla anistiando os punidos por crimes políticos de 1961 a 1979 bem como os agentes do Estado que houvessem cometido violência de toda espécie contra aqueles A Lei de Anistia é algo emblemático não devido apenas a falta de responsabilização por parte daqueles que violaram brutalmente os Direitos Humanos mas também devido ao uso crescente desse tipo de lei em uma sociedade que consentiu com a ideia de universalização dos Direitos Humanos Nesse sentido a Lei da Anistia se mostra um empecilho até hoje para o desenvolvimento de investigações e julgamentos a respeito das atrocidades cometidas durante o regime militar A lei seria num sentido amplo responsável por ferir o direito à memória e dignidade á milhares de famílias que perderem entes e conhecidos de maneiras brutais no período da ditadura como desaparecidos e torturados Além disso a legislação vigente impede o pleno cumprimento de tratados internacionais que acordam pelo direito à memória e devida investigação de fatos que feriram gravemente os Direitos Humanos no período militar Adotando a Lei da Anistia o Brasil se distancia daquilo que fora adotado pelos outros países latinoamericanos no contexto pós suas respectivas ditaduras Enquanto nesses países a lei da anistia seria interpretada apenas no sentido de proteger os presos e perseguidos políticos e não os envolvidos nas decisões pública desse regime o Brasil ainda protege os responsáveis e dificulta o acesso de famílias à verdade e ao seu direito de memória Mais importante do que a pena aplicada aos envolvidos é o significado subjetivo ou seja o que significa na conquista da investigação daquilo que ocorrera no período Apenas a efetiva investigação e transmissão às famílias informações sobre a verdade que acontecera naquele período já se mostraria um avanço na luta dos brasileiros pela dignidade contra o atraso de uma legislação interna O projeto de Lei da Anistia foi assinado em 27 de junho de 1979 pelo então presidente João Baptista Figueiredo e o enviou para o Congresso Nacional mesmo diante da falta de legitimidade visto que 305 emendas foram propostas pelos 134 parlamentares visando alteração da Lei dentre as modificações citamos a exclusão dos benefícios da anistia haja vista que são crimes comuns e a extinção do benefício da graça aos que deram ordens e realizaram prisões sem observância das formalidades legais ou de maneira abusiva Na visão de Fábio Konder Comparato É politicamente indefensável com efeito pretender que os que governavam acima das leis sob a vigência do chamado Ato Institucional n 5 possam legitimamente obter de um legislador submisso a anistia para os crimes que cometeram no exercício de suas funções Que democracia é essa que se inaugura no achincalhe A pretensa pacificação dos espíritos de resto foi sempre uma farsa grosseira pois à época da anistia não havia o menor vislumbre de oposição armada ao regime Tudo se passou como se um ditador corrupto qualquer desejando abandonar o poder sem riscos negociasse com o sucessor uma préanistia para os seus desmandos COMPARADO 1995 4 O CASO GOMES LUND E OUTROS GUERRILHA DO ARAGUAIA Em 2009 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos submeteu à Corte Interamericana de Direitos Humanos uma ação contra o Brasil em nome das vítimas e dos familiares da Guerrilha do Araguaia A ação teve início em virtude da execução extrajudicial de Maria Lúcia Petit da Silva e da atribuição ao Brasil por deter arbitrariamente torturar e ser responsável pelo desaparecimento de 70 pessoas entre membros do Partido Comunista e camponeses da região Além disso o Brasil seria demandado perante a Corte pois em virtude da não revogação da Lei de Anistia como fora feito em outros países que passaram por um período de ditadura militar jamais teria sido realizada uma investigação penal com o objetivo de punir os responsáveis pelo desaparecimento forçado das vítimas mesmo havendo o compromisso brasileiro junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos de punir lesões a esses direitos Como declararia nota da própria Comissão durante o desenrolar do processo o caso representa uma oportunidade importante para consolidar a jurisprudência interamericana sobre as leis de anistia com relação aos desaparecimentos forçados e à execução extrajudicial e a consequente obrigação dos Estados de dar a conhecer a verdade à sociedade e investigar processar e punir graves violações aos Direitos Humanos CIDH 2017 O nome dado ao caso se refere à uma das vítimas Guilherme Gomes Lund que haveria desaparecido de forma forçada no período É importante perceber que uma das vítimas Júlia Gomes Lund se refere a um familiar do desparecido mostrando que o processo passaria a tratar os familiares como vítimas visto que a eles foi negado o direito à história e justiça de transição A Comissão solicitou à Corte que declarasse o Estado Brasileiro responsável por violar os direitos estabelecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos sendo eles os artigos 3 direito ao reconhecimento da personalidade jurídica 4 direito à vida 5 direito à integridade pessoal 7 direito à liberdade pessoal 8 garantias judiciais 13 liberdade de pensamento e expressão e 25 proteção judicial da Convenção Americana sobre Direitos Humanos todos em conexão com as obrigações previstas nos artigos 11 obrigação geral de respeito e garantia dos Direitos Humanos e 2 dever de adotar disposições de direito interno da mesma Convenção MOURA 2018 A competência da Corte Interamericana para julgar o caso Gomes Lund e outros se deu após o reconhecimento de que o crime cometido teria caráter permanente visto que o Brasil havia reconhecido a Corte como competente para esses assuntos após a ocorrência do início do fato em 1988 o que excluiria a competência por essa ser concessão superior ao começo do fato caso não houvesse permanência do crime O desaparecimento e a sua execução se inicia com o processo de privação de liberdade e a falta de conhecimento sobre o destino podendo a corte estar responsável por crimes posteriores à 1988 Diante do caso instituições do terceiro setor como o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos do Instituto de Estudos da Violência do Estado e o Centro pela Justiça e o Direito Internacional apresentaram solicitações argumentos e provas solicitando ao Tribunal que declare a responsabilidade internacional do Brasil pela violação dos artigos 3 4 5 7 8 e 25 da Convenção em conexão com as acusações de desparecimento forçado das vítimas e total impunidade referente aos atos Nesse sentido é importante perceber o interesse da sociedade civil no assunto e mais do que isso na efetiva punição do Brasil frente às alegações da Comissão na Corte mostrando que a questão da revogação da Lei de Anistia e do acesso à memória e à verdade é questão de interesse público 5 O DESENVOLVIMENTO DO JULGAMENTO Como destacado pela Corte Interamericana desde o início do julgamento seria responsabilidade do dever estatal investigar e punir as violações de Direitos Humanos Além disso afirmaria a Corte reiteradas vezes que A obrigação de investigar e se for o caso julgar e punir adquire particular importância ante a gravidade dos crimes cometidos e a natureza dos direitos ofendidos especialmente em vista de que a proibição do desaparecimento forçado de pessoas e o correspondente dever de investigar e punir os responsáveis há muito alcançaram o caráter de jus cogens MESSIAS 2018 Nesse sentido o Tribunal reafirmaria a obrigação do Brasil em investigar as violações de Direitos Humanos assim como previsto na Convenção O dever de investigação deve ser assumido por Estado como dever jurídico próprio e durante todo o processo foi necessária à Corte salientar esse ponto visto que o Brasil não mostrava avanço algum em relação a possibilidade de investigações Mais do que a Corte conforme os princípios básicos do Direito Internacional o Brasil deveria cumprir sua obrigação de investigar e punir os autores de violações aos Direitos Humanos Para o Direito Internacional os países se apresentam obrigados a prevenir investigar e punir toda violação dos Direitos Humanos reconhecidos pela Convenção e procurar ademais o restabelecimento caso seja possível do direito violado e se for o caso a reparação dos danos provocados pela violação dos Direitos Humanos Nesse sentido no desenvolvimento do processo a Corte Interamericana considera que a forma na qual foi interpretada e aplicada a Lei de Anistia aprovada pelo Brasil afetou e ainda afeta o dever internacional que o Estado brasileiro firmou de investigar e punir as graves violações de Direitos Humanos como firmado na Convenção Americana e faz violar o artigo 25 da mesma Convenção que aborda a questão do direito à proteção judicial quebrado quando não houve investigação persecução captura julgamento e punição dos responsáveis pelos fatos A Corte reitera que ao adotar a Lei de Anistia e não aplicar esforços para sua revogação o Brasil deixou de proteger as vítimas e seus familiares impedindoos de ter acesso à memória e à justiça Nesse sentido o Tribunal conclui que a Lei de Anistia não pode continuar representando um obstáculo para a investigação dos fatos presentes nesse caso nem podem ter impacto semelhante sobre outros casos de violações graves aos Direitos Humanos A Corte estabelece ser consciente de que as autoridades brasileiras sujeitas à validade da lei estão obrigadas a cumprir as disposições vigentes No entanto observa que o Estado é parte de um tratado internacional que o obriga a aplicar esforços para a investigação e punição de responsáveis por violações aos Direitos Humanos e a atual legislação impede essa competência deixando vítimas e familiares fora da ação da justiça Adicionalmente o Tribunal afirmou a obrigação brasileira em cumprir a obrigação de fornecer o direito de familiares das vítimas de graves violações dos Direitos Humanos de terem acesso ao conhecimento da verdade Nesse sentido tanto as famílias quanto a sociedade devem ser informados de todo o ocorrido em relação a essas violações 6 A PUNIÇÃO ATRIBUÍDA AO BRASIL O Brasil após julgamento na Corte Internacional de Direitos Humanos teve a sua sentença proferida em 24 de novembro de 2010 onde o Estado Brasileiro seria responsabilizado pela detenção arbitrária tortura e desaparecimento forçado de cerca de 90 noventa pessoas entre militantes do PC do B e camponeses na Guerrilha do Araguaia tudo resultado de operações militares patrocinadas e realizadas pelo governo brasileiro entre os anos de 1972 e 1975 a fim de aniquilar os integrantes retromencionados Além disso as disposições legais da Lei de Anistia brasileira seriam consideradas incompatíveis com a Convenção Americana e carecem de efeitos jurídicos O Estado brasileiro seria responsabilizado também pela violação ao direito de liberdade de pensamento e expressão afirmado no artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos como também pela violação do direito à integridade pessoal em prejuízo aos familiares das vítimas da Guerrilha do Araguaia Nesse sentido foram atribuídas ao Brasil penas relativas às condenações da Corte Inicialmente o Estado deveria se certificar a conduzir eficazmente a investigação penal dos fatos do presente caso a fim de esclarecêlos determinando as correspondências penais e aplicar as sanções que a lei preveja O Brasil deve também realizar todos os esforços para determinar o paradeiro das vítimas desaparecidas e caso identificadas entregar os restos mortais para os familiares como forma de respeito e integridade Além disso o governo fica obrigado a realizar atos públicos de responsabilidade internacional a respeito dos fatos do presente caso buscando esclarecer os acontecimentos para a sociedade No nível legislativo fica determinado que o Brasil deve adotar medidas que sejam necessárias para tipificar o delito de desaparecimento forçado e outras violações dos Direitos Humanos em comunhão com a Convenção Interamericana Com isso a Corte busca pressionar o governo brasileiro a investir forças no sentido de revogar a Lei de Anistia o que realmente daria condições de tipificação dos crimes cometidos durante o período da Ditatura O objetivo da Corte foi o de garantir punição àqueles que torturaram e prestaram crimes contra os Direitos Humanos no Caso Gomes Lund mas também buscar a garantia de que o direito a essas questões seja garantido para outras investigações impedidas pela Lei de Anistia Nesse sentido foi solicitada junto ao Brasil a revisão da Lei de Anistia para que crimes como os cometidos na Guerrilha do Araguaia não sejam menosprezados pelo direito interno e internacional A condenação também implica que após a revogação da Lei de Anistia os responsáveis pelos crimes cometidos durante a ditadura devem ser condenados e punidos devendo o Brasil reconhecer publicamente sua responsabilidade nesses atos 7 A DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL O Brasil foi portanto condenado pela CIDH que em sua sentença solicitou ao país que reavaliasse e revogasse a Lei de Anistia No entanto o Supremo Tribunal Federal não aderiu à resolução e decidiu não revogar a lei sendo o principal argumento utilizado o de que essa lei teria sido um acordo político de conciliação nacional e que não caberia dessa forma ao Poder Judiciário rescrever leis de anistia e que o Supremo não deveria avançar sobre a competência do Poder Legislativo A obrigação de cumprir as obrigações internacionais contraídas voluntariamente corresponde não somente ao princípio básico do pacta sunt servanda sobre a responsabilidade internacional dos Estados mas também ao disposto na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados à qual o Brasil também aderiu que dispõe que os Estados não podem descumprir obrigações internacionais por razões de ordem interna artigo 27 Assim o STF desconsiderou o dever contraído pelo Estado de garantir o cumprimento das disposições da Convenção Americana e seus efeitos no âmbito interno brasileiro MOURA 2018 O pedido de revogação da Lei de Anistia foi feito pela OAB objetivou anular o perdão concedido pelo STF aos representantes do Estado acusados de praticar tortura no regime militar O caso foi julgado improcedente por 7 votos a 2 STF 2018 O último voto proferido foi o do presidente da Corte ministro Cezar Peluso Ele iniciou dizendo que nenhum ministro tem dúvida sobre a profunda aversão por todos os crimes praticados desde homicídios sequestros tortura e outros abusos não apenas pelos nossos regimes de exceção mas pelos regimes de exceção de todos os lugares e de todos os tempos Contudo a ADPF não tratava da reprovação ética dessas práticas de acordo com Peluso A ação apenas propunha a avaliação do artigo 1º parágrafos 1º e 2º da Lei de Anistia e da sua compatibilidade com a Constituição de 1988 Ele avaliou que a anistia aos crimes políticos é sim estendida aos crimes conexos como diz a lei e esses crimes são de qualquer ordem Para o presidente da Corte a Lei de Anistia transcende o campo dos crimes políticos ou praticados por motivação política Peluso destacou seis pontos que justificaram o seu voto pela improcedência da ação O primeiro deles é que a interpretação da anistia é de sentido amplo e de generosidade e não restrito Em segundo lugar ele avaliou que a norma em xeque não ofende o princípio da igualdade porque abrange crimes do regime contra os opositores tanto quanto os cometidos pelos opositores contra o regime Em terceiro lugar Peluso considerou que a ação não trata do chamado direito a verdade histórica porque há como se apurar responsabilidades históricas sem modificar a Lei de Anistia Ele também em quarto lugar frisou que a lei de anistia é fruto de um acordo de quem tinha legitimidade social e política para naquele momento histórico celebrálo Em quinto lugar ele disse que não se trata de caso de autoanistia como acusava a OAB porque a lei é fruto de um acordo feito no âmbito do Legislativo Finalmente Peluso classificou a demanda da OAB de imprópria e estéril porque caso a ADPF fosse julgada procedente ainda assim não haveria repercussão de ordem prática já que todas as ações criminais e cíveis estariam prescritas 31 anos depois de sancionada a lei Peluso rechaçou a ideia de que a Lei de Anistia tenha obscuridades como sugere a OAB na ADPF O que no fundo motiva essa ação da OAB é exatamente a percepção da clareza da lei Ele explicou que a prova disso é que a OAB pede exatamente a declaração do Supremo em sentido contrário ao texto da lei para anular a anistia aos agentes do Estado Sobre a OAB aliás ele classificou como anacrônica a sua proposição e disse não entender por que a Ordem 30 anos depois de exercer papel decisivo na aprovação da Lei de Anistia revê seu próprio juízo e refaz seu pensamento numa consciência tardia de que essa norma não corresponde a ordem constitucional vigente Ao finalizar Peluso comentou que se é verdade que cada povo resolve os seus problemas históricos de acordo com a sua cultura com os seus sentimentos com a sua índole e também com a sua história o Brasil fez uma opção pelo caminho da concórdia O presidente do Supremo declarou ainda que uma sociedade que queira lutar contra os seus inimigos com as mesmas armas com os mesmos instrumentos com os mesmos sentimentos está condenada a um fracasso histórico STF 2018 Os argumentos utilizados para a não aprovação da revogação foram muito criticados Os argumentos utilizados pelo Ministro Peluso por exemplo possuíam argumentos considerados duvidáveis de uma forma geral O primeiro argumento utilizado baseado no fato de a interpretação da anistia ser de sentido amplo e de generosidade é criticável pelo Direito ter uma função de punir a quem o infringe não importando a generosidade visto que não houve nenhuma forma de generosidade por parte dos miliares envolvidos nesse caso O segundo argumento é criticável pelo fato de a Lei de Anistia ter o intuito de anistiar aos infratores do Estado no período militar e não a todos de forma que milhares de pessoas morreram ou sofreram graves torturas durante o Regime O terceiro argumento é criticável pelo fato de o direito a verdade histórica ser apenas uma parte do objetivo da revogação e que o reconhecimento Estatal dos torturadores torturas e demais pessoas que sofreram com os crimes torna esse aspecto explícito e comprovado pelo próprio governo O quarto argumento é também criticável visto que apesar de ser um acordo político não é passível de ser aceito por violar de forma gravíssima os Direitos Humanos O quinto argumento é da mesma maneira controverso pois apesar de o Legislativo ter elaborado a Lei de Anistia o fez ainda em um Regime Militar e esses foram os principais e quase únicos beneficiados pela Lei E por fim utiliza de um argumento que foi utilizado pelo Brasil e foi derrubado em julgamento de que os crimes já não haveria repercussão prática devido ao fato de já estarem prescritos o que não condiz com a realidade visto que crimes como os de tortura se dão de forma imprescritível De acordo com a Ministra Carmen Lúcia que votou a favor da manutenção do texto da Lei de Anistia Temse no próprio documento da Ordem dos Advogados do Brasil de trinta e um anos atrás o alerta de que não era com gosto de festa que se recebia o projeto era com críticas ácidas mas com a responsabilidade própria da entidade que teimava em permitir que as novas gerações estivessem libertas dos grilhões ditatoriais e se pudesse como afirmou o ministro Sepúlveda Pertence aplainar o caminho para o advento do Estado de Direito CONSULTOR JURÍDICO 2018 Nesse sentido a Ministra estaria lembrando a participação ativa da OAB e outras entidades no processo de publicação da Lei de Anistia em 1979 Carmen Lúcia afirmaria que seria possível repensar e reconstruir a ideia feita sobre a lei renovando interpretações mas não vê a possibilidade de alteração do texto ou revogação da lei como viável A posição oficial do governo brasileiro foi de acordo com a resolução do STF mesmo que dessa forma esteja contrariando a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos e favorecendo os praticantes de crimes contra os Direitos Humanos embora fosse esperado do Estado Brasileiro o efetivo cumprimento das obrigações impostas na Sentença 8 CONCLUSÃO Destarte é possível perceber as dificuldades que a Lei de Anistia impõe sobre o efetivo cumprimento das obrigações brasileiras frente aos pactos internacionais da Convenção Interamericana de Direitos Humanos no contexto das vítimas da Guerrilha do Araguaia e de outras violações graves aos Direitos Humanos A impossibilidade de investigar julgar e punir os responsáveis por atrocidades cometidas contra os Direitos Humanos Além disso dentre todos os países da América Latina que passaram por ditaduras militares em períodos recentes revogaram suas respectivas leis de anistia excetuando o Brasil Diferentemente dos países vizinhos onde os crimes cometidos durante seus regimes militares já estão sendo investigados e julgados o Brasil mantém a Anistia ampla geral e irrestrita A Argentina que tem dado exemplo de como lidar com a questão já criou medidas judiciais e iniciativas como o escrache manifestações para expor publicamente acusados por crimes de tortura Nesse contexto até a Ordem Nacional do Advogados brasileira já expôs sua opinião a respeito do assunto solicitando que os crimes de tortura sejam excluídos da anistia e criticando as limitações impostas à Comissão da Verdade no processo investigativo Como crime imprescritível a ausência de punição sobre os responsáveis pela tortura durante a ditadura militar demonstra o atraso judicial e humanitário do Brasil frente às suas obrigações internacionais com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e internamente com a sociedade as vítimas e seus familiares Concluise que enquanto a decisão do Supremo Tribunal pela permanência da Lei de Anistia assim como ela existe hoje se manter o Brasil continuará impossibilitado de cumprir suas obrigações internacionais frente à assinatura da Convenção Interamericana de Direitos Humanos e efetivamente investigar e punir as atrocidades cometidas na Guerrilha do Araguaia e durante a ditadura militar Nesse sentido é possível inferir que a manutenção da Lei de Anistia representa um obstáculo para a democracia e um símbolo do atraso brasileiro no contexto da garantia de Direitos Humanos REFERÊNCIAS BASTOS Lucia Elena Arantes Ferreira A lei de anistia brasileira os crimes conexos a dupla via e Tratados de direitos humanos BRASIL adota rumo diferente de vizinhos na revisão do regime militar Disponível em httpwwwbbccomportuguesenoticias201203120329crimespoliticosmcac Acesso em 12 out 2017 BRASIL Lei no 6683 de 28 de agosto de 1979 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisl6683htm Acesso em 07 abr 2018 CIDH CASO Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia vs Brasil Disponível em httpwwwcorteidhorcrdocscasosarticulosseriec219porpdf Acesso em 12102017 COMPARATO Fábio Konder Questão de decência Folha de São Paulo Brasil Tendênciasdebates São Paulo p 3 1995 CONSULTOR JURÍDICO Leia o voto de Cármen Lúcia sobre Lei da Anistia Disponível em httpswwwconjurcombr2010mai01leiavotoministracarmen lucialeianistia Acesso em 12 jul 2018 JAYME Fernando G Direitos Humanos e sua efetivação pela Corte Interamericana de Direitos Humanos Belo Horizonte Del Rey 2005 p 208 JOSÉ PINTO Marcos O Caso Gomes Lund e outros versus Estado Brasileiro Disponível em httpwwwconteudojuridicocombrartigoocasogomeslunde outrosversusestadobrasileiroaguerrilhadoaraguaia45992html Acesso em 17 out 2017 MARMELSTEIN LIMA George Guerra de Gigantes STF versus CIDH Disponível em httpsdireitosfundamentaisnet20110217guerradegigantesstfversus cidhleideanistia Acesso em 22 out 2017 MESSIAS Marcos Lei de anistia uma análise sobre o processamento das ações penais dos crimes cometidos durante a ditadura militar no Brasil Disponível em httpsjuscombrartigos64399leideanistiaumaanalisesobreo processamentodasacoespenaisdoscrimescometidosduranteaditaduramilitar nobrasil5 Acesso em 12 jul 2018 MIGALHAS SDH divulga sentença da OEA sobre casos de desaparecimentos na Guerrilha do Araguaia Disponível em httpwwwmigalhascombrQuentes17MI13566111049 SDHdivulgasentencadaOEAsobrecasosdedesaparecimentosna Acesso em 12 jul 2018 MOURA Luiza Diamantino O Direito à Memória e a Corte Interamericana de Direitos Humanos uma análise do caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia versus Brasil Disponível em wwwambito juridicocombrsiteindexphpnlinkrevistaartigosleituraartigoid12035 Acesso em 07 abr 2018 PIOVESAN Flávia Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional São Paulo Saraiva 201314 ed rev e atual STF é contra revisão da Lei da Anistia por sete votos a dois Disponível em wwwstfjusbrportalcmsverNoticiaDetalheaspidConteudo125515 Acesso em 07 abr 2018 STF tem uma segunda chance para não tornar o brasil o único país que não pune torturadores Disponível em httpswwwrevistaforumcombrmariafro20120316stftemumasegunda chanceparanaotornarobrasilounicopaisquenaopunetorturadores Acesso em 20 out 2017 CAPÍTULO 04 A POLÍTICA IMIGRATÓRIA NA UNIÃO EUROPEIA Ana Luiza Tiburcio Guimarães196 Bárbara Thaís Pinheiro Silva197 Marianna Campos Dias Assis198 1 INTRODUÇÃO A pesquisa em tela nasce da preocupação dos pesquisadores quanto o aumento das tentativas de ingresso de estrangeiros em território de outros Estados principalmente nos países europeus e as constantes barreiras estatais a entrada dos mesmos Sabese que com a globalização e com a estruturação do Direito Internacional dos Direitos Humanos em tese os Estados não poderiam decidir discricionariamente quanto ao ingresso de estrangeiros em seu território A temática sobre a circulação internacional de pessoas está totalmente em voga haja vista a atual crise migratória póssegunda guerra mundial Sabemos que as barreiras ao ingresso de estrangeiros são cada vez mais frequentes e difíceis de serem transpostas Destarte os pesquisadores buscaram investigar o tema no esforço de demonstrar a evolução da política imigratória na União Europeia e a necessidade da mesma em adotar as medidas de segurança fronteiriça e a política migratória à luz das normas internacionais de Direitos Humanos Apesar da migração ter sido facilitada pelos avanços tecnológicos ela sofre restrições por questões econômicas Entretanto entendemos que a restrição ao ingresso do migrante não pode se dar por ato de simples vontade do Estado visto que este está limitado pelas normas internacionais de Direitos Humanos Segundo Luís Vedovato 2013 há três teorias que explicam a relação do Estado com o direito de ingresso do estrangeiro a primeira capitaneada por Francisco de Vitória advoga a tese de que há liberdade total de circulação de pessoas pelo mundo 196 Graduanda do curso de Direito na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 197 Bacharel em Direito na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Graduanda em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 198 Graduanda do curso de Direito na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais devendo a mesma ser limitada apenas quando causar dano ao Estado receptor do migrante a segunda teoria tratase do livrearbítrio absoluto do Estado isto é o Estado tem total liberdade de barrar a entrada de migrante independente do motivo haja vista que o Estado é um ente soberano por fim a terceira teoria denominada teoria do controle das decisões estatais desenvolvida pelo próprio Luís Vedovato considera que a decisão do Estado de barrar o ingresso do estrangeiro em seu território deve ser uma decisão fundamentada e a mesma não pode ignorar as normas internacionais de Direitos Humanos Destarte o autor defende que a decisão estatal quanto a entrada de migrantes por motivos econômicos ou estudantis deve ser concretizada independentemente dos humores estatais VEDOVATO 2013 A circulação de pessoas que saem de um território estatal em direção a outro território é cada vez mais intensa Além disso as tecnologias e o acesso as comunicações facilitam os deslocamentos físicos tornandoos mais rápidos Diante disso o Estado se vê em uma tarefa árdua de lidar com o aumento populacional em seu território Historicamente e juridicamente é dever do Estado decidir sobre a entrada de estrangeiro em seu território No entanto a evolução da proteção internacional dos Direitos Humanos trouxe impactos a essa faculdade limitandoa Além do mais a Opinião Consultiva nº 18 da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 17092003 determina a necessidade de os Estados criarem políticas migratórias à luz das normas internacionais de Direitos Humanos Por isso o fundamento do veto à entrada de estrangeiro no território do Estado deve ser explicitado sob pena de violar frontalmente as normas de Direitos Humanos Quanto à liberdade de sair do território do Estado a Magna Carta inglesa de 1215 já previa o direito de todos de deixar a Inglaterra Posteriormente a Common Law propiciou o florescimento do Ne Exeat Regno que concedia poderes ao Rei de impedir a saída de determinadas pessoas Após a Segunda Guerra Mundial o direito de sair de um território foi reconhecido na Carta das Nações Unidas e na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 No entanto a Declaração Universal de Direitos Humanos não enfrentou o dilema do direito de ingresso do estrangeiro em outros territórios199 Em flagrante retrocesso as normas de Direito Internacional de Direitos Humanos a Corte Europeia de Direitos Humanos no julgado Boultif versos Suíça em 2002 decidiu que o direito de ingresso não existe visto que as pessoas 199 WEISSBRODT D S DANIELSON L Immigration law and procedure in a nutshell 5 ed New York Thomson West 2005 dependem da decisão privativa do Estado de aceitar ou não a entrada de determinada pessoa em seu território VEDOVATO 2013 2 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA UNIÃO EUROPEIA Para compreendermos o cenário atual e as dificuldades e dilemas enfrentados com relação à defesa e a segurança da União Europeia imperioso se faz saber sobre seus antecedentes históricos como nasceu e se tornou este grande bloco econômico marcado pela evolução de tratados comunitários Em meio a um cenário de tanta violência inúmeras mortes barbaridades e insegurança entre países geograficamente tão próximos a França em 1950 propôs à Alemanha estabelecerem um vínculo de paz para que juntos gerissem o monopólio sobre o mercado do carvão e do aço Ocorre que a proposta tinha o objetivo claro de findar o espírito de guerra eminente e sendo assim tal proposta fora amplamente aceita não só pela Alemanha como também pela Bélgica França Itália Luxemburgo e Países Baixos Todos esses países buscavam mobilizarse no sentido de união paz e restauração econômicofinanceira haja vista o cenário de crise póssegunda guerra mundial 1945 e a eminência de outra futuramente conhecida como a Guerra Fria Com esse espírito de renovação floresceu na década de 50 a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço CECA composta pelos seis países que aderiram à proposta francesa e deram origem a esta organização supranacional e que mais tarde inspirou a Unificação Europeia VALÉRIO 2010 Outra grande organização que antecedeu e inspirou a criação da União Europeia foi a Comunidade Econômica Europeia CEE também conhecida como Mercado Comum Europeu No contexto da Guerra Fria e diante de um mundo bipolarizado os mesmos países que compunham a CECA perceberam que a área de atuação sobre apenas o carvão e o aço era muito limitada Além disso os países da CECA tinham o interesse em melhoria da segurança já que se encontravam ainda em eminência de guerra Assim sendo a Comunidade Econômica Europeia CEE nasce em 1957 fruto do Tratado de Roma mediante uma nova proposta não só de união e desenvolvimento econômico mas também segurança força militar e alianças para enfrentar a poderosa influência crescente dos Estados Unidos da América Destarte a CEE visava a manutenção da paz e a reconstrução dos danos e perdas sofridos neste período de guerras PÉREZBUSTAMANTE COLSA 2004 Na década de 80 a CEE foi acrescida de mais 6 países Dinamarca Grécia Inglaterra Irlanda Espanha e Portugal e essa união foi essencial na formação do que hoje conhecemos como União Europeia Outro acordo intergovernamental que embasou o bloco econômico e contribuiu para a evolução dos tratados comunitários europeus foi o Espaço Schengen firmado entre cinco países Luxemburgo Bélgica Alemanha França Países Baixos em 1985 realizado na cidade de Luxemburgo concluído em 1986 que estabelecia a criação de uma área sem fronteiras externas e tinha como principais objetivos a livre circulação maior controle dessas fronteiras externas estabelecimento de um Estado para analisar pedidos de asilo cooperação entre os tribunais dos referidos países Com isso esperavase um equilíbrio entre as normas e políticas a respeito de crimes em geral e a implementação do sistema de informação Schengen que visava melhorar o controle do cumprimento dos termos relativos as fronteiras externas VALÉRIO 2010 No ano de 1992 os representantes desses países que compunham a CEE se reuniram em Maastricht na Holanda e assinaram o Tratado de Maastricht que propunha uma maior integração e cooperação econômica balanceando taxas de importação Tal Tratado era fundamentado em três pilares Comunidade Europeia é a competente para apreciar matérias supranacionais por maioria qualificada tais como agricultura ambiente saúde educação energia investigação e desenvolvimento O segundo pilar representava a cooperação em política externa e de segurança E o terceiro pilar tratase de cooperação nos domínios da justiça e assuntos internos nos quais ambos eram decididos por unanimidade intergovernamental incluindo as políticas de imigração questões jurídicas e policiais Com entrada em vigor em 1º de novembro de 1993 à União Europeia nasce sendo responsável pela unificação da moeda nos países integrantes criando o Euro e posteriormente emendado por outros Tratados como o de Amsterdã e Lisboa VESENTINI 2011 3 EMENDAS AO TRATADO DE MAASTRICHT 31 TRATADO DE AMSTERDÃ O Tratado de Amsterdã assinado em 1997 foi um importante instrumento para a formação de uma comunitarização na questão da imigração e asilo na União Europeia Nele algumas mudanças e inovações permitiram uma abertura maior para a gestão desses assuntos Além da livre circulação dentro do espaço o controle nas fronteiras externas e a política de vistos para imigrantes e asilados o referido tratado estabelece a passada do terceiro para o primeiro pilar o pilar central é a Comunidade Europeia no qual as matérias apreciadas eram submetidas às decisões supranacionais por maioria qualificada Os segundo e terceiro pilares representavam respectivamente a cooperação em política externa e de segurança e cooperação nos domínios da justiça e assuntos internos Políticas relativas a estes dois pilares deveriam ser decididos por unanimidade intergovernamental MOURA 1999 A partir disso mais três projetos são criados em face da percepção da necessidade de elaborar novos parâmetros para dar efetividade à política comum de imigração da União Europeia Em 1999 2005 e 2008 os líderes da União Europeia se reuniam para traçar diretrizes em busca da gestão da migração em sistema de cooperação Destacase o Conselho Europeu de Tampere 1999 que formou as bases de atuação da União Europeia nos assuntos relacionados a migração e asilo que vigoram até os dias atuais i a criação de parcerias com os países de origem através da colaboração em projetos de cooperação para o desenvolvimento buscando melhorar as condições econômicas e sociais dos países de origem dos migrantes ii a realização de longo prazo de um Sistema Comum Europeu de Asilo através de um procedimento comum para os candidatos e um estatuto uniforme para os beneficiários de asilo tratamento justo de nacionais de países terceiros e iii a gestão dos fluxos migratórios em todas as suas fases MOURA 1999 32 TRATADO DE LISBOA O Tratado de Lisboa200 floresce 10 anos após o tratado de Amsterdã e trouxe certos avanços mas também certos retrocessos quanto a questão da imigração A partir dele abrese a possibilidade de aplicar o processo legislativo ordinário ou seja criar legislação quanto a questões de imigração legal e ilegal Além disso ampliou o horizonte das questões a serem decididas por maioria qualificada dos membros da UE inserindo nesse rol a migração legal e para a promoção de medidas de integração PIÇARRA 2012 200 TRATADO DE LISBOA Disponível em httpwwweuroparleuropaeuaboutparliamentptdisplayFtuhtmlftuIdFTU115html Acesso em 10 fev 2018 Ocorre que apesar dessa nova agenda de política comum e decisões compartilhadas reconheceuse que quando o assunto for entrada de imigrantes de países terceiros ao território cada Estadomembro tem a competência de decidir o número de pessoas autorizadas de acordo com o que lhe convém podendo ainda pedir auxílio às forças da União Europeia para conter a entrada de imigrantes quando esse fluxo se mostrar acima do desejado PIÇARRA 2012 A última e mais gravosa medida instituída pelo Tratado foi no que tange a Diretiva de Retorno Nos tratados anteriores diversas restrições haviam sido impostas aos Estadosmembro no sentido de coibir a marginalização dos imigrantes ilegais dando a eles oportunidade de readmissão no território bem como organizando o repatriamento seletivo desses por meio da ideia de solidariedade e cooperação para uma normatização comum para os Estados soberanos Ocorre que agora o Tribunal de Justiça da União Europeia suprimia as restrições antes impostas em matéria de imigração e asilo decidindo sobre a legalidade da expulsão do imigrante ilegal com base em uma análise individual de cada pessoa abrindo margem novamente para a diretiva de criminalização da imigração PIÇARRA 2012 Ademais cabe ressaltar que agora o Parlamento tornase um colegislador em pé de igualdade com o Conselho E as medidas provisórias em caso de súbito afluxo de nacionais de países terceiros são adotadas apenas pelo Conselho após consulta ao Parlamento Por fim o Tribunal de Justiça possui agora plena competência em matéria de imigração e asilo UNIÃO EUROPEIA 2018 33 PACTO EUROPEU SOBRE MIGRAÇÃO E ASILO O pacto europeu sobre migração e asilo criado em 2008 é um documento de relevância importância até os dias de hoje no campo da imigração visto que buscou reforçar os documentos anteriores que tratam da migração e asilo e além disso criou compromissos de suporte aos imigrantes legais controle dos imigrantes ilegais reforçou a atuação do FRONTEX201 elaborou normas comuns quanto aos refugiados e 201 Frontex é a designação abreviada para Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas dos Estados Membros da União Europeia Criada a 26 de outubro de 2004 tem por finalidade coordenar a cooperação entre os países da UE no que se refere à gestão das suas fronteiras externas É composto por um quadro de funcionários especializados em assuntos de migração e fronteira A agência com sede em Varsóvia tem independência Visa centralizar os meios de controle fronteiriço adotando a vigilância como um dos mecanismos de controle FRONTEX 2018 asilados e desenvolveu políticas de trabalho e estudo para o imigrante de países fora da União Europeia VILÃO 2008 Anteriormente ao pacto algumas medidas já tinham sido alcançadas no que tange à imigração como a política comum de vistos as normas sobre o asilo e a criação da própria FRONTEX que funciona como mecanismo de assistência aos Estados membros que precisem de ajuda emergencial para conter imigrantes ilegais em fronteiras VILÃO 2008 Apesar desses avanços notase que as políticas de imigração que se efetivaram em nada beneficiam os imigrantes vindos de países terceiros privilegiando apenas aqueles já se encontram na Europa Quanto aos imigrantes de continentes próximos como África e Ásia o que se estabeleceu foram políticas de imigração instrumentalista e criminalizadora que se repete dentro do ambiente soberano dos Estados e impossibilita a inclusão dessas pessoas nas políticas comuns que tratam da imigração VILÃO 2008 A política de asilo da UE visa harmonização os procedimentos de asilo aplicados pelos países europeus à luz do princípio da não repulsão A base jurídica que fundamenta tal política encontrase nos artigos artigos 67 nº 2 e 78 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia além do artigo 18 da Carta dos Direitos Fundamentais da UE Além disso a política comum de asilo deverá estar em conformidade com a Convenção de Genebra de 1951 e com o Protocolo de 1967 EUROPARL 2018202 Em matéria de asilo o Tratado de Lisboa inovou ao transformar as medidas em matéria de asilo em política comum O seu objetivo não é simplesmente estabelecer normas mínimas mas sim criar um sistema comum que inclua estatutos e procedimentos uniformes tais como i um estatuto uniforme de asilo um estatuto uniforme de proteção subsidiária um sistema comum de proteção temporária critérios e mecanismos de determinação do EstadoMembro responsável pelo exame de um pedido etc EUROPARL 2018 Os sucessivos programas adotados pelo Conselho Europeu influenciaram profundamente a execução da política europeia em matéria de asilo Podemos citar o Pacto Europeu sobre a Imigração e o Asilo adotado em 16 de outubro de 2008 que 202 EUROPAL Política de asilo Disponível em httpwwweuroparleuropaeuaboutparliamentptdisplayFtuhtmlftuIdFTU422htmlftnref 2 Acesso em 07 abr 2018 salvaguarda o direito de todos estrangeiros perseguidos em obter ajuda e proteção no território da União Europeia nos termos da Convenção de Genebra Nesse sentido o Pacto Europeu requereu a instauração de um procedimento de asilo único que comporte garantias comuns estatutos uniformes de refugiado por um lado e de beneficiário de proteção subsidiária por outro Quanto a detenção o Parlamento europeu entende que apenas é cabível em condições excecionais claramente definidas Além disso apoiou a criação de um Gabinete Europeu de Apoio em Matéria de Asilo Com base no instrumento de recurso de anulação perante o Tribunal de Justiça203 o Parlamento europeu anulou os dispositivos relativos às modalidades de adoção da lista comum de países terceiros considerados como países de origem seguros e países terceiros europeus seguros prevista na Diretiva 200585CE do Conselho Europeu 4 DESENVOLVIMENTO DAS POLÍTICAS MIGRATÓRIAS NA EUROPA 41 DE 1945 A 1973 No póssegunda guerra mundial diante da destruição de diversas cidades e polos industriais europeus os fluxos migratórios seguiam o caminho do capital e da demanda do mercado de trabalho A imigração era querida e incentivada pelos países principalmente no norte da Europa os quais abriram as fronteiras de seus países e celebraram acordos de regulação da imigração já que a entrada de mãodeobra barata era essencial para a reconstrução da economia desses países VIDAL 2013 Verificase a importação de trabalhadores dos países do sul que foram menos atingidos pela guerra pelos países do norte Enquanto isso países como França e Grã Bretanha recebiam imigrantes de suas colônias e excolônias africanas Esse esquema de abertura de fronteiras tem um limite até que os países ajustem seu mercado de trabalho e estejam suficientemente abastecidos de mãodeobra barata e desqualificada VIDAL 2013 203 Acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de maio de 2008 Parlamento Europeu contra Conselho da União Europeia ECLIEUC2008257 Recurso de anulação Política comum de asilo Diretiva 200585CE Procedimento de concessão e retirada do estatuto de refugiado nos EstadosMembros Países de origem seguros Países terceiros europeus seguros Listas mínimas comuns Processo de adoção e de alteração das listas mínimas comuns Artigo 67 nº 1 e 5 primeiro travessão CE Incompetência TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2018 42 A PARTIR DE 1973 A imigração a partir da crise econômica de 1973 passa por uma reestruturação devido à necessidade de transferir o mundo do trabalho para aqueles países cuja legislação trabalhista fosse menos protetiva reduzindo assim os custos com mão de obra no mundo das grandes empresas Nesse ambiente de condições de trabalho precárias subempregos e flexibilização da mãodeobra observase a ampliação das diferenças entre Ocidente e Oriente já que as matrizes dessas grandes empresas onde a tecnologia era produzida ainda se concentravam na Europa e nos países desenvolvidos enquanto a pobreza e a marginalização do trabalhador sustentavam a lógica dos países do Sul VIDAL 2013 O aumento das disparidades entre Norte e Sul intensificam os fluxos migratórios por motivo de trabalho na Europa e apesar das políticas de restrição a imigração esta mostrase incontrolável devido à necessidade de mãodeobra barata dentro do mercado de trabalho As diversas políticas de restrição a migração após a crise de 73 culminaram no aumento da imigração ilegal Esse fator com o apoio do sensacionalismo da mídia desencadeou a uma visão distorcida dos fluxos migratórios associando os migrantes à ilegalidade e delinquência O medo ao migrante ilegal deu início ao favorecimento de políticas de segurança e a criminalização da imigração em toda a Europa VIDAL 2013 O gerenciamento da migração de forma negativa baseado no sentimento de invasão e insegurança dificultam um controle desses fluxos por parte dos estados estimulando uma institucionalização da migração irregular que dá força a um mercado negro que vitimiza o migrante e põe em cheque seus direitos VIDAL 2013 Diante de tudo isso percebemos que as políticas migratórias comuns propostas pela União Europeia estão sempre privilegiando aqueles imigrantes qualificados propondo projetos como a carta azul que busca atrair estudantes e profissionais de destaque em seu país de origem para integrar os altos setores da economia Esse tipo de política no entanto exclui o direito da população mais pobre que migra em busca de oportunidades de melhora de vida restando a esses a imigração ilegal VIDAL 2013 Com a globalização e a nova diversidade de fluxos migratórios proporcionada pela facilidade da circularidade pelo mundo nos dias atuais verificase o aumento da dificuldade em determinar quais são os países de origem e quais são os de destino para a migração São diversos tipos de migrantes cada qual com seus objetivos diferentes e nesse aspecto o que deveria ser valorizado são os benefícios que esses migrantes podem trazer para o país que migram se forem acolhidos regularizados e a eles forem dadas as mesmas oportunidades que se dão aos nacionais Porém as políticas migratórias atuais europeias caminham no sentido contrário dessa corrente fomentando a entrada ilegal de imigrantes em seu território o que não reduz a sua entrada mas apenas prejudica as condições de vida e trabalho favorecendo a xenofobia e racismo e a violência e criminalização do imigrante VIDAL 2013 Em 13 de maio de 2015 a Comissão adotou uma agenda europeia da migração com medidas voltadas para o curto e longo prazo em relação à crise migratória no Mediterrâneo e buscando priorizar a criação de centros de registos para realizar o registo dos migrantes com as suas impressões digitais Ademais elaborou a operação Sophia focada no Mediterrâneo para desmantelar as redes de traficantes e combate ao tráfico de seres humanos204 5 COMPETÊNCIAS DA UNIÃO EUROPEIA E DIFICULDADES PARA GERIR A QUESTÃO MIGRATÓRIA COMO POLÍTICA DE DEFESA E SEGURANÇA A base jurídica para o tratamento europeu em matéria de imigração se encontra nos artigos 79 e 80 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia TFUE Artigo 79 1 A União desenvolve uma política comum de imigração destinada a garantir em todas as fases uma gestão eficaz dos fluxos migratórios um tratamento equitativo dos nacionais de países terceiros que residam legalmente nos EstadosMembros bem como a prevenção da imigração ilegal e do tráfico de seres humanos e o reforço do combate a estes fenómenos 204 O nome da operação Sophia foi dado em homenagem a bebê que nasceu em 24082015 a bordo da fragata alemã SchleswigHolstein que opera no Mar Mediterrâneo Central como parte da ForçaTarefa EUNAVFOR MED Nascido de uma mãe somali resgatada junto com outros 453 migrantes Sophia recebeu o nome do navio alemão dedicado à princesa prussiana Sophia de SchleswigHolstein 8041866 a 28041952 A missão principal da operação Sophia é realizar esforços sistemáticos para identificar e capturar embarcações suspeitos de serem usados por contrabandistas de migrantes ou traficantes a fim de desmantelar o negócio do contrabando e tráfico de pessoas no Mediterrâneo Em 7102015 a operação passou para a segunda fase que implica embarque busca e apreensão no alto mar dos navios suspeitos de serem usados para contrabando ou tráfico de seres humanos Em 20072016 o Conselho prorrogou até 27072017 o mandato da Operação Sophia reforçandoo e determinado a adição de duas tarefas treinamento dos guardacostas da Líbia e da marinha apoio a implementação do embargo de armas das Nações Unidas no alto mar da costa da Líbia EUNAVFOR MED SOPHIA 2018 2 Para efeitos do nº 1 o Parlamento Europeu e o Conselho deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário adotam medidas nos seguintes domínios a Condições de entrada e de residência bem como normas relativas à emissão pelos EstadosMembros de vistos e de títulos de residência de longa duração inclusive para efeitos de reagrupamento familiar b Definição dos direitos dos nacionais de países terceiros que residam legalmente num EstadoMembro incluindo as condições que regem a liberdade de circulação e de permanência nos outros EstadosMembros c Imigração clandestina e residência ilegal incluindo o afastamento e o repatriamento de residentes em situação ilegal d Combate ao tráfico de seres humanos em especial de mulheres e de crianças 3 A União pode celebrar com países terceiros acordos destinados à readmissão nos países de origem ou de proveniência de nacionais de países terceiros que não preencham ou tenham deixado de preencher as condições de entrada de presença ou de residência no território de um dos Estados Membros 4 O Parlamento Europeu e o Conselho deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário podem estabelecer medidas para incentivar e apoiar a ação dos EstadosMembros destinada a fomentar a integração dos nacionais de países terceiros que residam legalmente no seu território excluindose qualquer harmonização das disposições legislativas e regulamentares dos EstadosMembros 5 O presente artigo não afeta o direito de os EstadosMembros determinarem os volumes de admissão de nacionais de países terceiros provenientes de países terceiros no respectivo território para aí procurarem trabalho assalariado ou não assalariado UNIÃO EUROPEIA 2018205 Com isso a União Europeia tem a missão de estabelecer medidas que visam tratar a migração de maneira equilibrada concedendo tratamento justo aos imigrantes que moram legalmente nos países europeus aperfeiçoar as medidas de combate a imigração ilegal Além disso a EU buscará uniformizar os direitos e obrigações dos imigrantes legais equiparandoos aos europeus O fundamento da política imigratória é o princípio da solidariedade como bem determina o art 80 do TFUE pelo qual os países devem repartir a mesma responsabilidade em matéria imigratória inclusive no plano financeiro EUROPARL 2018206 Com tantos países envolvidos resta claro que a definição da competência deveria ter uma estruturação mais complexa e bem organizada diante do encontro de soberanias e poderes Na prática verificamos que por não ser uma entidade dotada de soberania a EU enfrenta diversas barreiras ao estabelecimento de políticas comuns tendo em vista a força da vontade soberana de cada estadomembro que muitas vezes diverge com os interesses tidos como comuns impedindo o estabelecimento de 205 TRATADO SOBRE O FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA Disponível em httpwwwconcorrenciaptvPTAAdClegislacaoDocumentsEuropeiaTratadoFuncionamento UEpdf Acesso em 07 abr 2018 206 EUROPARL Política de Imigração Disponível em httpwwweuroparleuropaeuatyourserviceptdisplayFtuhtmlftuIdFTU423html Acesso em 07 abr 2018 diretrizes gerais de posicionamento e ação em assuntos que não sejam o comércio e a política monetária AMARAL E SILVA 2013 Para tentar solucionar isso em 2005 foi aprovada a primeira Constituição da União Europeia Ao analisarmos a mesma entendemos que de suas competências exclusivas todas tratam de questões ligadas ao mercado financeiro união aduaneira regras de concorrência política monetária política comercial comum e acordos comerciais sendo todo o restante considerado de competência compartilhada entre a União e os EstadosMembros Isso reflete no fato de que tratandose de política de defesa e segurança seja muito difícil a criação de uma política comum a todos os estados membros que nunca chegam a uma unanimidade para traçar objetivos e estratégias comuns quando o assunto é política externa AMARAL E SILVA 2013 Tal fato dificulta a implantação de uma diretriz convergente quando se trata da política imigratória no ambiente da união europeia apesar de esta ser uma busca constante ao longo da existência da união e dos diversos problemas enfrentados por seus estados membros ao longo de sua existência AMARAL E SILVA 2013 Isso ocorre pois um bloco econômico como a União Europeia estável pacífico com grande desenvolvimento econômico área de livre comércio um empreendimento supranacional de alta qualidade é muito atraente para pessoas de todos os lugares do mundo Deste modo a segurança é sempre um tema de suma importância pois além de se configurar um dos pilares balizadores do bloco é essencial para sua existência e efetividade AMARAL E SILVA 2013 A Política Externa e de Segurança Comum PESC que foi inserida no Tratado da União Europeia em 1992 revista pelo Tratado de Amsterdã em 1999 e reajustada pelo Tratado de Nice em 2001 É vista como pilar intergovernamental da União Europeia tem como ponto mais importante a execução de um avançado sistema de informações cooperação e harmonização de regras entre Estadosmembro sobre bases institucionais comunitárias no âmbito da política exterior de Estados soberanos BATISTA 1998 p 151 Apesar de objetivar uma cooperação sistemática entre seus membros a PESC em função do resguardo à soberania dos Estadosmembros novamente busca a implantação de mecanismos e ações conjuntas por meio de consenso e decisões unânimes fato esse que retira a eficácia de qualquer decisão do Conselho Europeu instância de natureza internacional tem como competência identificar os interesses estratégicos da União e definir objetivos de sua política externa e de segurança comum prevendo que as decisões fundamentais nesse âmbito são tomadas por unanimidade e trava o debate sobre uma política migratória comum AMARAL E SILVA 2013 Assim diante da evidente dificuldade para gerir a questão migratória e as políticas de defesa e segurança a União Europeia vem enfrentando uma crise de insegurança já que não é alcançado o quórum necessário para aprovar e providenciar a realização de medidas eficientes visto que em virtude da não aderência dos países integrantes do bloco não há financiamento dos sistemas de segurança e sem segurança há um abalo nas alianças formadas gerando uma instabilidade e enfraquecimento econômico moral e político do grupo Este déficit de defesa acaba gerando um efeito negativo em todas as outras áreas ocorrendo assim uma redução orçamentaria generalizada e até mesmo a saída de alguns membros do bloco econômico AMARAL E SILVA 2013 6 A CRISE MIGRATÓRIA NA UNIÃO EUROPEIA A migração representa desafios e oportunidades para a Europa considerando que a atual crise de migração é a pior no mundo desde a II Guerra Mundial O aumento da imigração na Europa exige uma resposta da UE em vários níveis Em primeiro lugar políticas para lidar com a imigração regular e irregular e em segundo lugar regras comuns em matéria de asilo à escala da UE A recente crise migratória também exigiu ações e reformas adicionais para garantir a segurança das fronteiras bem como uma distribuição mais justa dos requerentes de asilo entre os países da UE207 Em 2015 e 2016 mais de 25 milhões de pessoas pediram asilo na UE e quase 9000 pessoas morreram na travessia pelo Mediterrâneo Em 2015 e 2016 a agência Frontex responsável pela vigilância das fronteiras da UE detectou 23 milhões de travessias ilegais A crise expôs deficiências no sistema europeu de migração As pessoas que chegam na União Europeia fogem de conflitos terrorismo ou de perseguições em seus países Dos 12 milhões de pedidos de asilo que os países da UE receberam em 2016 mais de um quarto foram feitos por pessoas oriundas da Síria um país devastado pela guerra Os cidadãos oriundos do Afeganistão e do Iraque ocupam 207 EUROPARL A migração na Europa Disponível em httpwwweuroparleuropaeunewsptheadlinessociety20170629STO78632amigracaona europa Acesso em 07 abr 2018 o segundo e terceiro lugar respetivamente Em todos estes países as populações civis enfrentam ameaças de grupos insurgentes extremistas208 Diante disso o Parlamento e a UE procuraram reformar as regras de asilo da UE buscando um sistema mais justo de distribuição de requerentes de asilo entre os países da UE bem como reforçar os controlos das fronteiras da UE e a gestão da imigração irregular No coração do Sistema Europeu Comum de Asilo CEAS encontrase o regulamento de Dublim que determina o país responsável pelo processamento de cada pedido de asilo geralmente o primeiro país de entrada do requerente na UE Como consequência do sistema de Dublim países como a Itália e a Grécia têm sentido de forma especial o impacto da crise migratória Nesse sentido o Parlamento Europeu requereu a reforma do sistema de Dublin visando o reforço do controle nas fronteiras e uma maior capacidade dos EstadosMembros para rastrear as pessoas que entram na Europa Além disso buscou elaborar regras claras em toda a Europa para distinguir migrantes regulares de refugiados a fim de assegurar um tratamento justo e equitativo dos requerentes de asilo e garantir que cada EstadoMembro contribui com a sua quotaparte na resolução do problema209 A UE também está a tomar medidas para ajudar a integração dos imigrantes nos seus novos países Nesse sentido o Parlamento requereu mais fundos para programas que promovam novas oportunidades como empregos e programas educativos para grupos vulneráveis e refugiados em particular Os requerentes de asilo são pessoas que fazem um pedido formal de asilo noutro país porque temem que a sua vida esteja em risco em seu país de origem Já os refugiados são pessoas com um medo fundado de perseguição por razões de raça religião nacionalidade política ou pertença a um grupo social particular que foram aceites e reconhecidos como tal no país anfitrião Na UE a Diretiva de qualificação estabelece diretrizes para atribuir proteção internacional a quem precisa Os nacionais de países terceiros devem solicitar a proteção no primeiro país da UE em que entram Ao apresentar um pedido tornamse requerentes de asilo recebendo o status de 208 EUROPARL A migração na Europa Disponível em httpwwweuroparleuropaeunewsptheadlinessociety20170629STO78632amigracaona europa Acesso em 07 abr 2018 209 EUROPARL A migração na Europa Disponível em httpwwweuroparleuropaeunewsptheadlinessociety20170629STO78632amigracaona europa Acesso em 07 abr 2018 refugiado ou uma forma diferente de proteção internacional apenas quando houver uma decisão positiva das autoridades nacionais As autoridades dos EstadosMembros emitiram 593000 decisões de asilo em primeira instância no ano de 2015 sendo que mais da metade foram positivas A maioria das pessoas que solicitou proteção no auge da crise dos refugiados em 2015 teve que aguardar até 2016 para receber a decisão Em 2016 houve 11 milhões de decisões de asilo sendo que 61 das mesmas foram positivas e um terço dos candidatos receberam o estatuto de refugiado o mais alto nível de proteção internacional No entanto milhares de pessoas são expulsas anualmente da EU principalmente quando o seu pedido de asilo foi recusado Em 2015 533 mil pessoas receberam ordens para abandonar o território da UE mas destes apenas 43 o fizeram Em 2016 metade das 494 mil pessoas que receberam ordem para abandonar o território fêlo Diante disso o Eurobarómetro de 2017 divulgou que 73 dos europeus querem que a UE faça mais para responder à situação A migração também foi considerada uma prioridade nos resultados do Eurobarómetro de 2016 Quanto a questão orçamentária a União Europeia no ano de 2017 divulgou o pedido de reforço no 728 milhões de euros sobretudo para fundos relacionados com a migração210 7 CONCLUSÃO Diante das considerações expostas concluise o grande fluxo migratório que se verifica na atualidade nos países europeus tem sua razão de ser justificada em um contexto histórico complexo que mostra um constante debate entre os países componentes da União Europeia sobre esta questão política Ora em momentos que incentivavam a entrada de estrangeiros quando por exemplo necessitavam de mão de obra ora em momentos desfavoráveis em que a o grande fluxo migratório põe em risco a segurança dos nacionais europeus Atualmente a Europa enfrenta desafios em função da vulnerabilidade latente quanto a segurança aos ataques terroristas ameaças de ciberataques principalmente 210 EUROPARL A crise de migração na UE em números Disponível em httpwwweuroparleuropaeunewsptheadlinessociety20170629STO78630acrisede migracaonaueemnumeros Acesso em 07 abr 2018 no que tange ao sistema de informação assim como uma dependência energética em grande escala que acaba por fragilizar o bloco econômico Além disso as insatisfações dos nacionais europeus com ideologias xenofóbicas tendem a estimular a separação do bloco uma vez que os governantes devem procurar atender as deliberações da maioria popular que se demonstra descontente Deste modo essas situações contemporâneas exigem da UE uma resposta eficiente e célere para enfrentar as dificuldades quanto a segurança interna e externa do bloco e manter este importante conjunto de países unidos trazendo maior estabilidade aos cidadãos uma vez que sua existência tem uma relevância não só econômica mas representativa da paz e prosperidade ideais que fundaram sua origem REFERÊNCIAS AMARAL Nemo de Andrade do e SILVA Wanise Cabral A Imigração na Europa a ação política da União Europeia para as migrações extracomunitárias Florianópolis Sequência 2013 BATISTA Vanessa Oliveira O fluxo migratório mundial e o paradigma contemporâneo de segurança migratória Rio de Janeiro Revista Versus 2009 EUROPARL Política de Imigração Disponível em httpwwweuroparleuropaeuatyourserviceptdisplayFtuhtmlftuIdFTU423 html Acesso em 07 abr 2018 EUROPARL Resolução do Parlamento Europeu de 12 de abril de 2016 sobre a situação no Mediterrâneo e a necessidade de uma abordagem holística da UE em relação à migração Disponível em httpwwweuroparleuropaeusidesgetDocdotypeTAlanguageENreference P8TA20160102 Acesso em 08 abr 2018 EUROPARL A migração na Europa Disponível em httpwwweuroparleuropaeunewsptheadlinessociety20170629STO78632a migracaonaeuropa Acesso em 07 abr 2018 EUROPARL A crise de migração na UE em números Disponível em httpwwweuroparleuropaeunewsptheadlinessociety20170629STO78630a crisedemigracaonaueemnumeros Acesso em 07 abr 2018 EUROPAL Política de asilo Disponível em httpwwweuroparleuropaeuaboutparliamentptdisplayFtuhtmlftuIdFTU4 22htmlftnref2 Acesso em 07 abr 2018 ESTUDO PRÁTICO União Europeia História mapa e países deste bloco econômico Disponível em httpswwwestudopraticocombruniaoeuropeia historiamapaepaisesdesteblocoeconomico Acesso em 07 abr 2018 EUNAVFOR MED SOPHIA Disponível em httpseeaseuropaeucsdpmissions operationseunavformedoperationsophia36abouteunavformedoperation sophiaen Acesso em 07 abr 2018 FRONTEX Disponível em httpseuropaeueuropeanunionabout euagenciesfrontexpt Acesso em 07 abr 2018 MOURA José Barros FEITEIRA Alice Tratados da União Europeia revistos pelo tratado de Amsterdã 2 ed rev e aum Lisboa Universidade Autónoma de Lisboa 1999 PÉREZBUSTAMANTE Rogelio Juan Manuel Uruburu Colsa História da União Europeia Coimbra Coimbra Editora 2004 PIÇARRA Nuno A União Europeia segundo o Tratado de Lisboa aspectos centrais Coimbra Almedina 2010 TRATADO DE LISBOA Disponível em httpwwweuroparleuropaeuaboutparliamentptdisplayFtuhtmlftuIdFTU1 15html Acesso em 10 fev 2018 TRATADO SOBRE O FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA Disponível em httpwwwconcorrenciaptvPTAAdClegislacaoDocumentsEuropeiaTratado FuncionamentoUEpdf Acesso em 07 abr 2018 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Disponível em httpcuriaeuropaeujurisdocumentdocumentjsfdocid69624doclangPT Acesso em 07 abr 2018 UNIÃO EUROPEIA Como Funciona a União Europeia 2013 Disponível em httpeuropedirectaigmadeiracomcmswpcontentuploads201304Como funcionaaUniC3A3oEuropeiapdf Acesso em 07 abr 2018 UNIÃO EUROPEIA Disponível em httpsbrasilescolauolcombrgeografiauniao europeiahtm Acesso em 07 abr 2018 VALÉRIO Nuno Valério História da União Europeia Barcarena Presença Editorial 2010 VEDOVATO Luís Renato O Direito de Ingresso do Estrangeiro São Paulo Selo Editorial 2013 VESENTINI José William Geografia o mundo em transição São Paulo Ática 2011 VIDAL Marcelo de Oliveira Instrumentalização da Migração política migratória e competências da União Europeia e Estado Nacional Espanhol Rio de Janeiro UFRJ 2013 VILÃO Ana Laura TAIAR Rogério Avanços e retrocessos da União Européia pósTratado de Lisboa Política Externa São Paulo v17 n3 p91101 dez 2008 WEISSBRODT D S DANIELSON L Immigration law and procedure in a nutshell 5 ed New York Thomson West 2005 CAPÍTULO 05 A NOVA LEI DE MIGRAÇÃO E A REALIDADE SOCIAL BRASILEIRA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS Debora Duarte Rodrigues Braga211 1 INTRODUÇÃO A nova Lei de Migração aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Michel Temer em 24 de maio deste ano será objeto de estudo neste artigo considerando a relevante mudança legal no tratamento a migrantes e principalmente emigrantes imigrantes e refugiados Será também discutida a lei que regia anteriormente a entrada permanência e saída de estrangeiros do território nacional o Estatuto do Estrangeiro datado de 1980 Antes porém de discutir a política migratória a mudança legal e o tratamento jurídico dado a estrangeiros é preciso compreender quem são os imigrantes os emigrantes os refugiados e os asilados além do que é migração A Lei da Migração nº 1344517 estabelece no art 1º 1º II a VI os conceitos de imigrante emigrante residente visitante e apátrida sendo relevante para o presente trabalho somente os dois primeiros De acordo com o art 1º 1º II para os fins da lei acima citada imigrante é pessoa nacional de outro país ou apátrida que trabalha ou reside e se estabelece temporária ou definitivamente no Brasil Imigrante é portanto pessoa estrangeira que se instala em território nacional para fins empregatícios ou de residência O emigrante é brasileiro que se estabelece temporária ou definitivamente no exterior conforme art 1º 1º III O emigrante logo corresponde ao brasileiro que sai do território nacional para outro em caráter temporário ou definitivo Desta forma migração como é possível inferir é a mudança e o deslocamento de um local para 211 Graduanda em Direito na instituição Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais outro sendo o migrante alguém que se muda para outro lugar dentro do próprio país ou além de suas fronteiras212 Contudo há situações nas quais as pessoas migram por necessidade em decorrência de etnia religião nacionalidade convicção política ou pertencimento a certo grupo social213 Este é o caso dos refugiados A Convenção de Refugiados de 1951 estabeleceu o ACNUR agência da ONU para refugiados bem como o conceito de refugiado qual seja pessoa que temendo ser perseguida por motivos de raça religião nacionalidade grupo social ou opiniões políticas se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou em virtude desse temor não quer valerse da proteção desse país214 Por fim é necessário expor a diferença entre migração e asilo e consequentemente migrante e asilado De acordo com a ACNUR a diferença consiste em localizar pessoas que necessitam de proteção em meio de fluxos migratórios complexos215 Logo asilado é o migrante que precisa de proteção diante da mobilidade a outro lugar além das fronteiras Tais conceitos serão relevantes para a discussão a ser realizada acerca dos migrantes e refugiados sendo necessário contudo discutir as diretrizes do livro de Zygmunt Bauman Estranhos a nossa porta sobre os fluxos migratórios recentes 2 BAUMAN E OS ESTRANHOS À NOSSA PORTA Zygmunt Bauman trata da chamada crise migratória e que segundo o autor pode se vista em todas as fontes midiáticas A consequência direta e imediata da transmissão das notícias é o pânico moral216 O autor faz referência histórica aos fluxos migratórios e prevê a não interrupção deste seja pela falta de estímulo seja pela crescente engenhosidade das tentativas de sustála BAUMAN 2017 p 10 Em 212 httpswwwcartacapitalcombrinternacionalentendaadiferencaentremigranterefugiadoe requerentedeasilo2601html Acesso em 26 set2017 213httpswwwcartacapitalcombrinternacionalentendaadiferencaentremigranterefugiadoe requerentedeasilo2601html Acesso em 26 set2017 214 httpwwwacnurorgportuguesquemajudamosrefugiados Acesso em 26 set2017 215 httpwwwacnurorgportuguesquemajudamosmigracaoasilo Acesso em 26 set2017 216 Segundo a definição em geral aceita desse fenómeno tal como registrada pela versão em inglês da Wikipédia o conceito e pânico moral significa um sentimento de medo compartilhado por grande número de pessoas de que algum mal está ameaçando o bemestar da sociedade BAUMAN 20017 p 78 se tratando da migração europeia objeto da discussão de Bauman para fins exemplares discute Em grande medida tratase de um dano colateral produzido pelas expedições militares ao Afeganistão e ao Iraque fatalmente mal avaliadas mal conduzidas e calamitosas Elas terminaram com a substituição dos regimes ditatoriais pelo teatro sempre aberto da desordem e nu frenesi de violência O fluxo de refugiados impulsionados pelo regime de violência arbitrária a abandonar suas casas e propriedades consideradas preciosas de pessoas buscando abrigo nos campos de matança acrescentouse ao fluxo de constante dos chamados migrantes economicos estimulados pelo desejo demasiadamente humano de sair do solo estéril para um lugar onde a grama é verde de terras empobrecidas sem perspectiva alguma para lugares de sonho ricos em oportunidades BAUMAN 2017 p 11 12 Bauman trata da busca por padrão de vida minimamente decente em decorrência de conflitos locais resultantes de expedições militares nos últimos anos e dos migrantes econômicos que visam a obter melhores condições para vida digna por meio de trabalho moradia e outros direitos e garantias fundamentais O problema porém é que a grama poderá não ser necessariamente verde do outro lado O autor trata ainda da presença dos remanescentes referese a um fenômeno de caráter global conforme o qual os remanescentes habitam inúmeros campos quilômetros de corredores de trânsito ilhas e plataformas marítimas assim como cercados no meio dos desertos BAUMAN 2017 p 89 são grupos rodeadas por muros e vistos como constante vazio como se nada fossem enquanto isso há pequena parcela da sociedade em casas confortáveis e com vida considerada digna com certo afastamento quanto a preocupações e problemas afinal é problema dos outros e não deles Esse seja talvez o grande problema a falta de olhar sobre o outro mas de maneira diferente olhar como pessoa humana A nova política migratória e a nova Lei de Migração brasileiras vão à contramão do mundo pelo fato de demonstrarem o fundamental olhar sobre o outro sob a ótica dos direitos humanos e fundamentais 3 POLÍTICA MIGRATÓRIA CONCEITO E CONTEXTO HISTÓRICO De acordo com Boucinhas Filho 2012 a política nacional de imigração é o conjunto de meios jurídicos sociais economicos e culturais que o País utiliza buscando controlar os efeitos dos fluxos migratórios de acordo com seus objetivos e necessidades para com a imigração p 2930 Desta forma são os valores princípios e diretrizes que regem a questão migratória sob a tutela do Estado A política migratória adotada é fundamental para compreender como deve ser a vida de estrangeiros que entram no país e como estes devem ser tratados A política migratória neste sentido deve ser estudada com breve análise histórica Em 19 de Agosto de 1980 foi sancionada a Lei nº 6815 o Estatuto do Estrangeiro a qual definia a situação jurídica do estrangeiro no Brasil À época ainda vigorava o governo militar já em fase de transição dada a abertura política e econômica A abertura econômica decorreu da situação de estagflação ou seja o país não crescia e apresentava alta taxa inflacionária VICENTINO DORIGO 2010 De acordo com Cláudio Vicentino e Gianpaolo Dorigo 2010 dando prosseguimento à abertura o Congresso aprovou a Lei de Anistia perdoando todos os presos ou exilados acusados de crimes políticos A lei no entanto não incluía aqueles considerados culpados por atos terroristas e luta armada contra o governo p 747 A abertura política pode ser percebida além de pela promulgação da Lei de Anistia também pela realização de eleições pacíficas em novembro de 1982 Tais eventos são relevantes para entender que embora o Estatuto do Estrangeiro se baseie na segurança nacional foi sancionado em contexto de abertura do regime militar à valores democráticos A maneira do Estado controlar a entrada permanência e saída de estrangeiros do território nacional mudou antes era possível a entrada de qualquer imigrante havendo inclusive programas de incentivo após o Estatuto a segurança nacional tornouse mais relevante de forma que houve cerceamento de fronteiras quase que completo BOUCINHAS FILHO 2012 O Estatuto do Estrangeiro vigorou até meados de outubro do ano de 2017 No dia 11 de julho de 2013 o Senador Aloysio Nunes propôs a Lei de Migração com a finalidade de substituir tanto a Lei de Nacionalidade de 1949 quanto o Estatuto do Estrangeiro já citado é importante compreender que a Lei de Migração encontra se em consonância com a Constituição vigente No dia 15 de julho de 2015 o projeto foi aprovado pelo plenário do Senado Federal sendo aprovado em 06 de dezembro de 2016 pela Câmara dos Deputados após emendas Em abril de 2017 o Senado retirou algumas mudanças e aprovou uma versão alterada da Lei de Migração Finalmente em 24 de maio a lei foi sancionada pelo Presidente Michel Temer FOLHA 2017 O tratamento jurídico dado a estrangeiros sejam os imigrantes sejam os refugiados mudou consideravelmente de uma lei à outra Este tratamento jurídico é pautado em valores e normas que compõem a política nacional migratória Agora serão discutidos os tratamentos jurídicos dados a imigrantes e refugiados no âmbito da legislação anterior Estatuto do Estrangeiro e da legislação vigente Lei de Migração sob a luz da mudança na política migratória 4 TRATAMENTO JURÍDICO CONCEDIDO AOS IMIGRANTES NO BRASIL Considerando a lei positiva o art 1º do Estatuto do Estrangeiro estabelece que a Lei nº 681580 em tempo de paz regulará a entrada permanência e saída de estrangeiros resguardados os interesses nacionais Assim conforme art 2º da mesma lei com a finalidade de proteger o interesse nacional tornase necessário atender à segurança nacional à organização institucional aos interesses políticos socioeconomicos e culturais do Brasil bem assim a defesa do trabalhador nacional A Lei de Migração ao contrário busca garantir um tratamento humanitário para estrangeiros que chegam ao Brasil e assegurar a assistência aos brasileiros que moram no exterior WERNECK p 63 Desta forma a lei dispõe sobre os direitos e deveres do migrante e do visitante regula a sua entrada e estada no país e estabelece princípios e diretrizes para as políticas públicas para o emigrante art 1º caput da lei nº 134452017 O art 2º da mesma lei determina que a lei quando aplicada não deverá prejudicar a eficácia de normas internas e internacionais especiais acerca de refugiados e asilados dentre outros A mudança supracitada na lei fica mais clara quando são postulados no art 3º os princípios e diretrizes da política migratória adotada pelo Estado face à nova Lei de regulação da situação dos migrantes Neste artigo são enumerados vinte e dois princípios a partir dos quais os migrantes sejam imigrantes sejam emigrantes no Brasil e os brasileiros no exterior deverão ser tratados em qualquer hipótese e em qualquer condição de migração Dentre os princípios e diretrizes do art 3º destacamse promoção de entrada regular e de regularização documental inciso V acolhida humanitária inciso VI garantia do direito à reunião familiar inciso VIII inclusão social laboral e produtiva do migrante por meio de políticas públicas inciso X acesso igualitário e livre do migrante a serviços programas e benefícios sociais bens públicos educação assistência jurídica integral pública trabalho moradia serviço bancário e seguridade social inciso XI diálogo social na formulação na execução e na avaliação de políticas migratórias e promoção da participação cidadã do migrante inciso XIII e por fim proteção integral e atenção ao superior interesse da criança e do adolescente migrante inciso XVII A partir das normas enumeradas acima é possível perceber a maior inserção dos migrantes independente de sua origem à sociedade brasileira e a consonância com os direitos e garantias fundamentais postulados pela Constituição Federal Todas essas normas se relacionam ao fundamento do Estado Democrático de Direito da dignidade humana Desta forma a todo migrante é garantido pela Lei de Migração o direito à vida digna com todos os recursos mínimos e com acesso à serviços públicos de saúde e educação bem como o direito ao trabalho e à proteção e segurança tuteladas pelo Estado No que se refere ao migrante e especialmente ao imigrante é garantida a inviolabilidade do direito a vida a liberdade a igualdade a segurança e a propriedade art 4º da Lei de Migração Além destes direitos e garantias fundamentais são assegurados direitos que permitam igualdade no período em que permanecerem em território nacional Dentre estes estão de acordo com o art 4º as que se referem ao âmbito civil cultural social e econômico à circulação em território nacional à reunião familiar a medida de proteção a vítimas e testemunhas de crimes e violações de direitos à reunião e associação inclusive sindical ao amplo acesso à justiça e assistência jurídica integral e gratuita ao acesso aos serviços públicos de saúde e de assistência social e à previdência social à educação pública vedada a discriminação em razão de nacionalidade e de condição migratória direito de acesso à informação e garantia de confidencialidade quanto aos dados pessoais do migrante art 4º I a XVI Lei nº 134452017 Por fim o Estatuto do Estrangeiro de 1980 trata do visto temporário nas hipóteses de viagem cultural ou missão de estudos inciso I viagem de negócios inciso II na condição de artista ou desportista inciso III na condição de estudante inciso IV na condição de cientista pesquisador professor técnico ou profissional de outra categoria sob regime de contrato ou a serviço do governo brasileiro inciso V na condição de correspondente de jornal revista rádio televisão ou agência noticiosa estrangeira inciso VI na condição de beneficiário de bolsa vinculada a projeto de pesquisa desenvolvimento e inovação concedida por órgão ou agência de fomento inciso VII art 13 Portanto as hipóteses de concessão de visto por tempo determinado incluem apenas fins próprios com possibilidade de permanência ressalvada por alguns requisitos previstos em regulamento para obtenção de vistos de entrada art 5º bem como por exigências estabelecidas nas normas de seleção de imigrantes do Conselho Nacional de Imigração A Lei de Migração de 2017 trata do visto temporário no art 14 com a seguinte redação Art 14 O visto temporário poderá ser concedido ao imigrante que venha ao Brasil com o intuito de estabelecer residência por tempo determinado e que se enquadre em pelo menos uma das seguintes hipóteses I o visto temporário tenha como finalidade pesquisa ensino ou extensão acadêmica tratamento de saúde acolhida humanitária estudo trabalho fériastrabalho prática de atividade religiosa ou serviço voluntário realização de investimento ou de atividade com relevância econômica social científica tecnológica ou cultural reunião familiar atividades artísticas ou desportivas com contrato por prazo determinado LEI Nº 134452017 É relevante compreender que a política migratória se espelha nas hipóteses de concessão de visto temporário A nova Lei de Migração determina que será concedido visto temporário na situação de acolhida humanitária c tratamento de saúde b e reunião familiar i diferentemente da lei anterior É possível conceber o tratamento do imigrante no Brasil à luz dos direitos humanos conforme já discutido em condição de igualdade de direitos e garantias em relação aos brasileiros No que se refere à acolhida humanitária será tratada de maneira mais profunda por meio do estudo do tratamento jurídico dos refugiados 5 TRATAMENTO JURÍDICO CONCEDIDO AOS REFUGIADOS NO BRASIL O tema refugiados no Brasil é de grande relevância O país faz parte da Convenção das Nações Unidas de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados em 1997 foi promulgada a Lei de Refúgio de nº 947497 a qual considera violação de direitos humanos como uma das diversas causas de reconhecimento do refugiado2178 Em consonância com os princípios fundamentais constitucionais o Brasil atua interna e 217 httpwwwacnurorgportuguesrecursosestatisticasdadossobrerefugionobrasil Acesso em 26 set2017 externamente para garantir aos refugiados soluções permanentes A Lei brasileira de Refúgio nº 947497 por meio de dispositivo legal criou o CONARE Comitê Nacional para os Refugiados com a finalidade de desenvolvimento de políticas que permitam aos refugiados o exercício de seus direitos Há ainda outros agentes que participam dessa integração e proteção aos refugiados ACNUR O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados ACNUR apresenta se como um órgão da ONU que visa a dirigir e coordenar a ação internacional para proteger e ajudar as pessoas deslocadas em todo o mundo e encontrar soluções duradouras para elas218 De acordo com a agência os refugiados não migram porque assim querem mas por não haver opções É preciso que salvem suas vidas e que fujam para ter liberdade Mas fugir em razão de que Os motivos que os levam a evadirse são etnia raça religião preconceito Há situações em que não existe tutela do Estado em termos de segurança nacional e coletiva sendo que o próprio governo de Estado pode ameaçar seus direitos em alguns casos A não aceitação em territórios estrangeiros e ausência de prestação de auxílio nos países em que forem acolhidas poderá leválas à vida indigna219 A legislação brasileira sobre o tema inclui a nova Lei de Migração que trata da concessão de visto temporário para acolhida humanitária entre outras disposições legais O Estatuto do Estrangeiro estabelece no art18A incluído pela Lei nº 133442016 a concessão de residência permanente a vítimas de tráfico de pessoas em território brasileiro independentemente de situação migratória Conforme 1º do mesmo artigo poderão ser concedidos tais vistos na hipótese de reunião familiar Não é possível dizer que a legislação anterior vigente até outubro de 2017 encontravase em consonância com a realidade dos refugiados considerando que para que fossem concedidos vistos de residência ou de acolhida no caso havia restrição em relação a casos estabelecidos pelo Ministério de Relações Exteriores conforme art 19 A lei de Migração estabelece no 1º do art 4º que os direitos e garantias previstos nesta Lei serão exercidos em observância ao disposto na Constituição Federal independentemente da situação migratória e não excluem outros decorrentes de tratado de que o Brasil seja parte Tal norma apresenta o reflexo de direitos e garantias fundamentais ostentados pelas pessoas do povo exercidos também pelos estrangeiros e principalmente pelos refugiados Tratase de uma política 218 httpwwwacnurorgportuguesoacnur Acesso em 26 set2017 219 httpwwwacnurorgportuguesquemajudamosrefugiados Acesso em 26 set2017 migratória pautada em valores fundamentais que visam à proteção aos direitos de qualquer pessoa humana em território nacional220 Grifo do autor Ademais são estabelecidas no art 30 I c normas que dizem respeito à autorização de residência na hipótese de acolhida humanitária o que demonstra claramente a dignidade como preceito fundamental Conforme o texto a residência poderá ser autorizada mediante registro ao imigrante ao residente fronteiriço ou ao visitante que se enquadre em uma das seguintes hipóteses I a residência tenha como finalidade c acolhida humanitária No art 31 o legislador determinou que os prazos e procedimento de autorização de residência de que trata o art 30 serão dispostos em regulamento observado o disposto nesta Lei Nos 4º e 5º explanase que o solicitante de refúgio na hipótese tratada neste tópico fará jus à autorização provisória de residência de forma que a autorização de residência poderá ser concedida independente da situação migratória Por fim a lei de migração trata da concessão de visto ou autorização para a reunião familiar para conjuge ou companheiro filho de imigrante ou imigrante que tenha filho brasileiro ou imigrante com benefício de autorização de residência ascendente ou descendente de até 2º grau ou irmão de brasileiro ou imigrante beneficiário ou imigrante que seja tutor de brasileiro art 37 Desta forma na hipótese de uma família refugiandose por alguma razão poderá encontrar acolhida no território brasileiro respeitando os direitos e garantias fundamentais 6 IMIGRANTES E REFUGIADOS NO BRASIL EM NÚMEROS O CONARE órgão estatal citado anteriormente divulgou dados acerca da entrada de refugiados até o ano de 2016 conforme os quais ocorreu aumento de 12 na quantidade de refugiados reconhecidos no Brasil Foi contabilizado um total de 9552 refugiados de 82 nacionalidades Desses 8522 foram reconhecidos por vias tradicionais de elegibilidade 713 chegaram ao Brasil por meio de reassentamento e a 317 foram estendidos os efeitos da condição de refugiado de algum familiar221 220 Art 1º A República Federativa do Brasil formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal constituise em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos III a dignidade da pessoa humana CRFB 1988 221 httpwwwacnurorgportuguesrecursosestatisticasdadossobrerefugionobrasil Acesso em 26 set2017 Dentre as nacionalidades com maior número de reconhecimento encontramse os sírios 326 congoleses 189 paquistaneses 98 palestinos 57 e angolanos 26 Fato relevante para a mudança migratória em relação a refugiados é o aumento do número de solicitações venezuelanas em cerca de 307 de 2015 para 2016 ACNUR A ONU Brasil em informações divulgadas em seu sítio informou que a Guerra na Síria aumentou o número de solicitações de refúgio no país De acordo com o oficial de meios devida do ACNUR no país Paulo Sérgio Almeida no ano de 2017 até início de outubro havia por volta de 10000 refugiados em território nacional222 Sobre o fluxo de imigrantes para o país o IPEA divulgou dados de acordo com as Nações Unidas conforme os quais nos últimos 25 anos tem se observado a maior propensão à imigração advinda do sul global do que do norte global A novidade contudo está no aumento do fluxo migratório sulsul em consequência da importância sobre os países emergentes De acordo com a ONU em 2013 os imigrantes internacionais alcançaram o número de 232 milhões de pessoas dos quais 59 vivem em países desenvolvidos e 41 em países em desenvolvimento O Brasil é responsável por receber grande parte desses imigrantes considerando que desde 1995 aumentou o fluxo de migração advindo de países latinoamericanos e africanos223 Conforme Schmitz 2015 Os imigrantes alteram o contexto social cultural econômico e institucional das comunidades que os recebem inserindo nelas novos conhecimentos e habilidades O processo de atração é contínuo e cada vez maior Imigrantes pioneiros estabelecem e facilitam o caminho para novos imigrantes O fluxo migratório ganha força e autonomia Consequentemente o fenômeno em fase de expansão demanda políticas públicas para proporcionar a assimilação desses trabalhadores no mercado nacional e cria o momento para repensar a política migratória do país e o seu estatuto do estrangeiro SCHMITZ 2015 A discussão feita por Schmitz demonstra claramente o problema que ainda precisa ser discutido nos âmbitos jurídico e internacional como se adaptar às mudanças no fluxo migratório A nova Lei de migração discutida apesar de seu caráter humanitário não resolve a questão das políticas públicas de inclusão do imigrante muito menos do refugiado e nem mesmo dá soluções sociais para garantir a este a dignidade de que trata a Constituição Federal de 1988 222 httpsnacoesunidasorgguerranasiriaaumentounumerodesolicitacoesderefugionobrasil dizestudodoipea Acesso em 26 set2017 223 httpwwwipeagovbrportalindexphpoptioncomcontentviewarticleid25994catid86 Itemid Acesso em 26 set2017 7 CONCLUSÃO É possível ser obsevado nos dias atuais uma mudança no fluxo migratório e a consequente necessidade de mudança legal e nas políticas públicas adotadas No Brasil ao contrário dos outros Estados foi sancionada lei que oferece aos migrantes e principalmente imigrantes e refugiados direitos e garantias fundamentais em consonância com a Constituição de 1988 A nova Lei de Migração que entrou em vigor em outubro do ano de 2017 estabelece igualdade no tratamento de migrantes independentemente de sua situação migratória O que se questiona é até que ponto é possível garantir esta igualdade para todos Até que ponto é possível garantir que um refugiado ou imigrante possa ter vida considerada digna O que a lei estabelece são parâmetros que supostamente deveriam ser seguidos mas dadas as dificuldades enfrentadas pela própria população brasileira em relação ao desrespeito aos seus direitos fundamentais é possível perceber a disparidade entre a realidade legal e a realidade real Argumenta Werneck 2017 ainda que o respaldo legal seja de extrema importância para aqueles como os venezuelanos haitianos colombianos entre outros que chegam ao Brasil ainda resta uma questão a ser tratada o difícil acesso a serviços de apoio à população assim como a inserção em uma sociedade com tal grande índice de desigualdade social WERNECK 2017 p 63 Em geral os migrantes que chegam a territórios alheios por qualquer das razões citadas em tópicos anteriores não encontram solo fértil para se fixar dadas as dificuldades enfrentadas pela própria população local Se aplicada tal concepção à realidade brasileira chegarseia à conclusão de que nem ao povo brasileiro para quem são estabelecidos direitos e garantias há possibilidade do exercício de tais direitos e acessibilidade a tão sonhada dignidade imagina aos migrantes que visam à obtenção de uma vida melhor Prepondera na sociedade brasileira a desigualdade desde tempos remotos desde sua origem sendo portanto complicada a questão da recepção de migrantes e refugiados em respaldo com a legislação vigente REFERÊNCIAS ACNUR Dados sobre refugiados no Brasil Disponível em httpwwwacnurorgportuguesrecursosestatisticasdadossobrerefugiono brasil Acesso em 26 set2017 ACNUR Migração e Asilo Disponível em httpwwwacnurorgportuguesquem ajudamosmigracaoasilo Acesso em 26 set2017 ACNUR O ACNUR Disponível em httpwwwacnurorgportuguesoacnur Acesso em 26 set2017 ACNUR Refugiados Disponível em httpwwwacnurorgportuguesquem ajudamosrefugiados Acesso em 26 set2017 BARBON Júlia Lei de Migração o que muda nas regras para estrangeiros no Brasil Folha de São Paulo São Paulo 14 mai 2017 Disponível em httpwww1folhauolcombrcotidiano2017051883696leidemigracaooque mudanasregras paraestrangeirosnobrasilshtml Acesso em 26 set2017 BAUMAN Zygmunt Estranhos à nossa porta Rio de Janeiro 1 ed Editora Zahar 2017 BOUCINHAS FILHO Jorge Cavalcanti Migração de trabalhadores para o Brasil aspectos teóricos e práticos São Paulo Saraiva 2012 BRASIL Constituição 1988 Constituição da República Federativa do Brasil Brasília Senado 1988 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03constituicaoconstituicaocompiladohtm Acesso em 26 set2017 BRASIL Lei nº 6815 de 19 de agosto de 1980 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisL6815htm Acesso em 26 set2017 BRASIL Lei nº 13445 de 24 de maio de 2017 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03ato201520182017leiL13445htm Acesso em 26 set2017 ONU Guerra na Síria aumentou número de solicitações de refúgio no Brasil diz estudo do IPEA 02 out2017 Disponível em httpsnacoesunidasorgguerranasiriaaumentounumerode solicitacoesde refugionobrasildizestudodoipea Acesso em 04 out2017 SCHMITZ Guilherme de Oliveira Mercado Brasileiro atrai imigrantes In IPEA 18 ago2015 Disponível em httpwwwipeagovbrportalindexphpoptioncomcontentviewarticleid2 5994catid86Ite mid4 Acesso em 04 out2017 VICENTINO Cláudio DORIGO Gianpaolo História Geral e do Brasil São Paulo Scipione 1ª ed 2011 832 p WELLE Deutsche Entenda a diferença entre migrante refugiado e requerente de asilo Carta Capital Alemanha 02 set 2015 Disponível em httpswwwcartacapitalcombrinternacionalentendaadiferencaentre migranterefugiadoe requerentedeasilo2601html Acesso em 26 set2017 WERNECK Helena Passagens para uma nova ordem urbana In Sociologia 2017 Editora Escala Edição nº 71 P 58 63 CAPÍTULO 06 A MIGRAÇÃO NOS ESTADOS UNIDOS E SUA INCOERÊNCIA COM OS DIREITOS HUMANOS Bárbara Thaís Pinheiro Silva224 Mariana Wamser Ferreira225 Renatha Amaral Silva226 1 INTRODUÇÃO A inquietação inerente ao homem sempre o fez perseguir um estilo de vida melhor Esta busca na maioria das vezes acarreta em uma mudança de habitat o que envolve a procura por um local uma cidade ou até mesmo um país diferente que possa oferecer melhores oportunidades Sendo assim essa procura é mais conhecida por migração Previamente seria necessário definir quem seria um migrante Para a Organização Internacional para Migrantes este seria qualquer pessoa que está mudando ou mudou para outro país ou para outro local dentro do Estado que seja diferente do seu local habitual de residência independentemente do seu status legal se o movimento é voluntário ou involuntário quais as suas causas ou o tempo de estadia O mais importante é que este deve ser tomado de livre e espontânea vontade e o simples desejo de ter uma vida melhor A migração é algo que marca a história da humanidade visto que desde que o homem é homem a migração faz parte de sua vida Sendo assim é certo dizer que migração se tornou um direito visto que a migração é um direito à liberdade de ir e vir e sem este os outros direitos serão diretamente afetados Migração possui relação com o fator econômico E é por isso que países como o Estados Unidos da América é um dos mais visados para migração além do que muitos 224 Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Graduanda em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 225 Graduanda em Direito pela Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 226 Graduanda em Direito pela Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais migrantes procuram oportunidades de emprego e por sua vez uma melhor qualidade de vida para aqueles que não tem oportunidade nenhuma em seu país de origem E é aqui que se instaura a problemática Os Estados Unidos a muito tempo adotam medidas protecionistas do território nacional valorizando cada vez mais a segurança nacional e a propagação da ideologia de que o estrangeiro é o estranho que ameaça o direito fundamental de seus cidadãos roubando o emprego dos nacionais Os Estados Unidos é o lar do maior número de migrantes internacionais do mundo Em 2016 mais de 437 milhões de pessoas nascidas no estrangeiro residiam nos Estados Unidos sendo o México o principal país de origem dos migrantes Isto é para cada oito residentes nos Estados Unidos um é imigrante Segundo dados da OIM 53 dos estrangeiros nascidos nos Estados Unidos são provenientes da América Latina 25 da Ásia 14 da Europa e 8 de outras regiões do mundo Além disso os EUA são o lar de um grande número de migrantes irregulares estimados entre dez e treze milhões de pessoas que compõem uma força de trabalho que opera sem direitos ou documentação Entre 2010 e 2016 chegaram aos EUA 81 milhões de imigrantes e 300 mil deixaram o país anualmente Os Estados americanos que mais receberam migrantes em 2016 foram Texas 587889 Flórida 578468 Califórnia 527234 Nova York 238503 e New Jersey 171504 ESTADÃO 2017 Com a vitória de Trump para a presidência dos Estados Unidos houve o receio por parte dos migrantes quanto ao tratamento que o país concederia a eles O constante discurso xenofóbico fundamentou os projetos de endurecimento das fronteiras e do controle migratório visto que mais que obstar a entrada de imigrantes indesejáveis as punições de detenção e deportação seriam ampliadas e fortalecidas A migração proporciona mudanças profundas nas sociedades de origem quanto nas de acolhimento o que envolve processos de aculturação e elaboração de políticas estatais que dependendo da reação da população local e do governo podem violar as normas de Direitos Humanos ao preocuparse em fundamentar as políticas de segurança nacional em detrimento dos direitos inerentes ao homem Os Estados Unidos são vistos como uma esponja com capacidade extraordinária para absorver imigrantes No entanto essa capacidade de absorção é maculada diante do intenso processo seletivo norteamericano sobre quem pode e quem não pode entrar em seu território 2 ANÁLISE HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS As raízes dos Direitos Humanos deitamse na antiguidade clássica época em que os filósofos passaram a admitir a existência de prerrogativas inerentes à personalidade humana com base em postulados extraídos da razão de fundamento jusnaturalista embora sem a conotação que hoje lhes é atribuída ZANON JUNIOR 2011 Os gregos consideravam que os direitos naturais eram inerentes à pessoa humana sem necessidade de reconhecimento legislativo ou convenção No império romano os direitos civis ao mais homem mais velho de cada família Posteriormente houve o desenvolvimento do jus gentium ou direito das gentes que atribuía alguns direitos aos estrangeiros sob o interesse de manutenção do império e afastamento de eventuais revoltas SOARES 2004 Na Idade Média os dogmas da Igreja Católica influenciaram o conteúdo e os valores a serem reconhecidos como fundamentais ao homem ZANON JUNIOR 2011 Com o fim da Idade Média época do feudalismo houve a intensificação do comércio que posteriormente desaguaria no capitalismo período no qual os Direitos de primeira geração iniciam sua concretização Inaugurase a fase da força vinculante dos Direitos do homem ZANON JUNIOR 2011 A materialização dos Direitos Fundamentais inicia na Inglaterra sendo o marco a Magna Carta de 1215 Após esse texto novas limitações ao poder absoluto foram feitas garantindose aos indivíduos certos Direitos Fundamentais MAGALHÃES 2002 O marco histórico documental é a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão aprovada pela Assembleia Nacional Francesa em 26 de agosto de 1789 Mesmo que a Declaração dos Direitos do Homem e Cidadão foi antecedida pela Constituição dos Estados Unidos da América de 17 de setembro de 1787 verificase que foram os ideais revolucionários nela expressos que inspiraram os norteamericanos A Constituição Americana não previa uma lista de direitos civis a qual só foi inserida através das dez primeiras emendas por exigência dos EstadosMembros BOBBIO apud ZANON JUNIOR 2011 Nos séculos XVII e XVIII a atitude de omissão do Estado diante dos problemas sociais e econômicos conduziu os homens a um capitalismo desumano O Estado não podia mais ser omisso diante dos problemas sociais e econômicos A segunda geração de Direitos Humanos também surge de lutas sociais em busca de maior salvaguarda das condições necessárias ao desenvolvimento pleno da humanidade Agora os seus protagonistas foram as classes operárias que aparece em consequência da industrialização na Europa Não se admitia mais o Estado nos moldes liberais clássicos de não intervenção O Estado agora é um administrador da sociedade e neste momento de pósguerra deve aproveitar os laços internacionais para que estabeleça um núcleo fundamental de Direitos Humanos Internacionais Dessa forma elaborase a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 MAGALHÃES 2002 p50 Neste momento destacouse a internacionalização dos Direitos Humanos fixandose agora em um contexto internacional os direitos fundamentais o que naturalmente ensejaria uma maior prevalência destes no contexto do ordenamento jurídico interno PIOVESAN 2010 Por fim quanta a terceira geração de Direitos Humanos podemos afirmar que Não possui uma identificação clara dos agentes operadores pois emergiu de apelos de uma sociedade massificada visando à preservação dos interesses coletivos ou difusos relacionados com a proteção do meio ambiente preservação do patrimônio histórico e cultural qualidade de vida nos ambiente urbano e rural tutela sobre a comunicação social a bioética ampliação dos direitos políticos autodeterminação dos povos o amplo acesso a informação e preservação da privacidade RIBEIRO NETO 2018 Todos os direitos que marcaram cada geração ainda não foram totalmente efetivados haja vista que muitos aos poucos tais direitos estão sendo inseridos aos ordenamentos jurídicos de cada país 3 BREVES CONSIDEREÇÕES SOBRE MIGRAÇÃO Preliminarmente há que se definir quem são os sujeitos protagonistas do fenômeno migratório para que se possa compreender as razões que levam o deslocamento de um grande contingente de pessoas para diferentes localidades A escolha de migrar darseá principalmente pela vontade e exercício do direito de ir e vir do ser humano Motivo pelo qual percebese a necessidade de se colocar em pauta tal fenômeno tendo em vista que apesar de ser uma ação presente há milênios tem ganhado cada vez mais com a globalização enfoque mundial principalmente devido as consequências que o mesmo vem assumindo nos países receptores Dessa forma percebese que apesar da escolha ser tomada de livre e espontânea vontade os motivos que levam cada migrante a sair de seu status quo se difere do das outras Outrossim observase dentre os principais motivos o fator econômico a busca por uma qualidade de vida melhor O direito de procurar uma qualidade de vida melhor está intrínseco portanto ao direito de migrar sendo que este possibilita aquele Neste sentindo migrar com todos os riscos que isto implica explicase simplesmente porque a busca de felicidade é inerente ao ser humano VENTURA 2014 Contudo o fenômeno migratório é por várias vezes interpretado equivocadamente sendo ele associado constantemente a uma de suas motivações qual seja a movimentação forçada por fatores externos a sua vontade 4 QUEM SÃO OS REFUGIADOS A distinção entre refugiados e migrantes requer bastante cuidado essencialmente por ser um tema delicado e de enorme impacto pois na atualidade desencadeia préconceitos e interpretações equivocadas que são utilizadas inclusive por governantes como pretexto para fecharem fronteiras Destarte já definidos o que são os migrantes em sentido amplo passase a definição dos refugiados Os refugiados necessitam de uma atenção ainda mais especial vez que seu deslocamento decorre de uma situação que gera risco a própria vida Em razão disto a Convenção de Refugiados de 1951 estabeleceu que refugiado é alguém que temendo ser perseguida por motivos de raça religião nacionalidade grupo social ou opiniões políticas se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou em virtude desse temor não quer valerse da proteção desse país ACNUR 2018 Assim embora tênue a diferenciação entre refugiados e migrantes temse três fatores determinantes que os distinguem O primeiro por óbvio é a vontade e a liberdade de migrar da qual o refugiado não goza A segunda seria o fator econômico que por muitas vezes move o migrante mas não o refugiado E por último quiçá o mais importante está a proteção do indivíduo pelo Estado os migrantes geralmente usufruem da proteção de seu país de origem um refugiado devido a situação peculiar do Estado de onde advém não consegue fruir de tal amparo 5 CONTEXTUALIZAÇÃO LEGISLATIVA AMERICANA O direito de migrar está assegurado em tratados e pactos internacionais Um deles que merece destaque é o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos 1966 pelo qual em seu artigo 12 é estabelecido que todo indivíduo terá o direito de sair livremente de qualquer país inclusive do seu próprio e que esse direito não poderá ser objeto de restrições salvo quando estas se encontrarem estabelecidas em lei e forem necessárias para proteger a segurança nacional a ordem a saúde e a moral pública ou os direitos e as liberdades dos outros e forem compatíveis com os demais direitos reconhecidos no próprio Pacto Pois bem é notório que os países devem respeitar os preceitos e obrigações assumidas internacionalmente mesmo podendo adotar legislações próprias a respeito dos assuntos pactuados em âmbito internacional Na trilha desta observação o que aqui merece destaque é o fato de os Estados Unidos da América ter assinado e ratificado o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos o que a princípio conjecturaria o respeito a este contudo como asseverado mais a frente por ser incutida uma mudança de pensamento em relação ao migrante no país de que o estrangeiro é estranho e indesejado há uma série de restrições ao exercício desse direito de migrar Primeiramente necessária é a apresentação de um breve histórico do tratamento das migrações nos Estados Unidos da América para entender a forma como muitas vezes o protagonista delas é tratado com aversão Para tanto utilizaremos a abordagem adotada pelo professor João Carlos Jarochinski Silva 2013 que trata sobre o tema Aproximadamente a três séculos atrás em 1789 após treze anos da independência o país estabeleceu sua primeira norma referente ao tema pela qual estrangeiros poderiam ser detidos e expulsos se fossem considerados perigosos bem como aqueles que viessem de países que entrassem em confronto com a nação A partir do século XIX há uma intensificação das migrações de indivíduos que se dirigiam ao país para ocupar terras ou trabalhar no campo sendo esses recepcionados sem restrições Com o posterior desenvolvimento da indústria há o deslocamento de uma massa de migrantes para o país o que causa um número significativo de desempregados sendo possível observar por esse dentre outros motivos o encetamento do sentimento xenofóbico pelos norteamericanos A intensificação de migrações se dá com a primeira guerra mundial o que leva o país a começar a adotar um processo de limitação de entrada dos migrantes Em 1921 o governo estabeleceu limites para a entrada de pessoas no país sendo marcante inclusive o estabelecimento de padrões raciais e étnicos Contudo em 1965 os Estados Unidos da América estabelecem uma nova norma de migração que embora excluísse a referência a padrões raciais e étnicos implementou uma série de critérios para admissão no território Outrossim em 1980 há o início do debate com relação aos refugiados seguindose um viés negativo demonstrando que já havia uma tentativa de fechamento das fronteiras Seis anos após em 1986 o Immigration Reform and Control Act advém com o objetivo de reduzir o número de migrantes ilegais no país sendo complementado em 1990 quando aprovado um novo Immigration Act que tinha o escopo de aumentar o número de vistos legais permitidos no país Ainda em 1996 é estabelecida uma política de combate a migração vigente até hoje e alimentada por nacionalistas que acreditam serem os migrantes os criminosos que violam as fronteiras estatais Por fim cabe lembrar que após o Atentado de 2011 os migrantes foram novamente colocados em foco sendo vistos como ameaças à segurança do país o que motivou de certa forma uma concessão dos americanos ao governo para que este adotasse medidas não importando quais para inibir a migração e conservar a segurança nacional Da mesma forma a visão tida pelos americanos após o 11 de setembro é perpetuada nos dias atuais sendo que após cada novo atentado o migrante é colocado sob os holofotes como culpado indireto da insegurança nacional o que novamente abre margem para governantes irem contra os tratados internacionais e os Direitos Humanos usando a justificativa do nós versus eles Atualmente no governo de Donald Trump o senado norteamericano apresentou um projeto de lei denominado Reforming American Immigration for Strong Employment que tem o objetivo de reduzir o número de migrantes nos Estados Unidos em 50 dentro do período de uma década salvo os imigrantes que falam em inglês que tem condições de se manterem financeiramente e que contribuem para a economia do país No entanto tal projeto de lei visa limitar a capacidade dos novos imigrantes auxiliar seus parentes que desejam imigrar para os Estados Unidos Portanto apenas os imigrantes residentes permanentes podem ajudar a sua família a obter permissão de residência Em 1940 as ondas de imigração nos Estados Unidos correspondiam a 83 ou mais de uma em cada 12 cidadãos Hoje 131 da população dos EUA nasceu no exterior o que significa que mais de um em cada oito americanos são imigrantes MAPA POPULAÇÃO DE ESTRANGEIROS NOS EUA 1940 Fonte Social Explore MAPA POPULAÇÃO DE ESTRANGEIRO NOS EUA 2014 Fonte Social Explore O presidente Trump fechou em janeiro de 2017 as fronteiras da nação para refugiados de todo o mundo ordenando que as famílias que fogem do massacre na Síria sejam indefinidamente impedidas de entrar nos Estados Unidos e suspendendo temporariamente a imigração de vários países predominantemente muçulmanos A imigração dos sete países visados pelo presidente Trump Iraque Síria Irã Sudão Líbia Somália e Iêmen está acontecendo há décadas No entanto os imigrantes desses países correspondem 2 de todos os imigrantes presentes em solo americano THE NEW YORK TIMES 2017a Como um todo os residentes dos sete países predominantemente muçulmanos especialmente os sírios iranianos e libaneses são mão de obra qualificada engenheiros professores administradores etc Ademais a maioria dos residentes dos Estados Unidos desses sete países tornaramse cidadãos uma taxa superior à da população de origem estrangeira no país como um todo Um número pequeno cerca de 10 mil serviu nas forças armadas americanas Dos mais de 856 mil imigrantes originários de um desses sete países afetados pela proibição de Trump apenas três deles realizaram ataques violentos nos Estados Unidos desde 11 de setembro de 2001 Desde 11 de setembro de 2001 uma grande maioria dos perpetradores de ataques terroristas veio de países não mencionados na proibição e muitos nasceram nos Estados Unidos THE NEW YORK TIMES 2017b Trump advoga a tese de que é necessário manter a parcela da imigração abaixo do máximo histórico de 148 na década de 1890 devido ao risco da população de imigrantes dos Estados Unidos atingir 18 até 2065 Donal Trump baseia suas ideias na legislação histórica em 1921 e 1924 quando os Estados Unidos estabeleceram suas primeiras cotas de imigração de origem nacional destinadas a incentivar a migração dos países do Norte e da Europa Ocidental A restrição resultou na participação da população nascida no estrangeiro caindo bruscamente para o seu ponto mais baixo 4 na década de 1960 Em 1965 o sistema de quotas foi substituído por um sistema que priorizava o reagrupamento familiar e os imigrantes qualificados As preferências baseadas no emprego foram introduzidas pela primeira vez em 1952 com o Acto McCarranWalter O princípio do reagrupamento familiar no entanto foi realizado através do marco 1965 da Lei de Imigração e Nacionalidade e continua em vigor hoje THE NEW YORK TIMES 2017b 6 DIREITO DE MIGRAÇÃO VS SEGURANÇA E SOBERANIA NACIONAL O medo por várias vezes priva o ser humano de pensar racionalmente O medo de ser atacado de perder sua vida sua propriedade ou até mesmo seu emprego gera uma necessidade de se sentir seguro e de atribuir a culpa de insegurança a alguém E assim aparece a figura do estranho do estrangeiro que de repente aparece em um local que nunca esteve gerando dúvidas e desconfianças Os Estados Unidos da América desde a eleição de Trump vem intensificando a sua política de segurança nacional tendo até mesmo realizado um novo decreto em 2017 que será incluído na Lei de Imigração dos EUA que restringe ainda mais suas fronteiras Devido ao contexto histórico seria compreensível tais ações de um Estado que pretende proteger seu povo Porém os Estados Unidos como um país com um grande poderio econômico atrai com bem mais frequência migrantes econômicos e não refugiados Os migrantes que chegam aos EUA com mais frequência não são advindos de locais de risco ou que necessitam de asilo e sim de Estados onde a qualidade de vida leva ao desejo de uma vida melhor Os discursos de Trump no período eleitoral já demostravam como seria a sua postura para com os migrantes e refugiados Porém isto se choca diretamente com o direito de migrar que como já exposto é inerente aos Direitos Humanos Por óbvio um Estado deve sempre procurar proteger seus habitantes mas é preciso limitar até que ponto estas ações visam apenas a segurança nacional Zygmunt Bauman 2017 apresenta uma explicação interessante quanto essa necessidade de manter os estranhos longe das fronteiras em seu livro Estranhos a Nossa Porta A securitização para ele é a entrega da insegurança do povo ao poder do Estado de tal forma que os Órgãos de Segurança terão todo o poder para lidar com o que ameaça a população e esse medo que será de maneira estratégica imputado aos migrantes Para Bauman a securitização nada mais é do que um truque de mágica calculado para ser exatamente isso Ela consiste em desviar a ansiedade de problemas que os governos são incapazes de enfrentar ou não têm muito interesse em fazêlo para outros com os quais os governantes diariamente e em milhares de telas aparecem lidando com energia e por vezes com sucesso BAUMAN 2017 Assim é possível entender como esta política de banimento de migrantes tem e provavelmente continuará funcionando Desviar a atenção de algo mais importante como educação desemprego e saúde que afeta diretamente a população é mais simples e convincente do que realmente lidar com o problema 7 CONCLUSÃO Os Estados Unidos continua sendo o principal destino para migrantes no mundo O número de imigrantes africanos nos Estados Unidos mais do que duplicou nos últimos 10 anos atingindo cerca de 2 milhões Enquanto isso os fluxos de migração dos países asiáticos em desenvolvimento para os Estados Unidos e Canadá continuam a aumentar de forma constante Destarte demonstrada está a necessidade de uma mudança de postura dos Estados para com os migrantes que como exposto estão no exercício de um direito inato O que se deseja asseverase não é a derrubada de fronteiras que claro são fundamentais ou uma entrada ilimitada nos países sem precedentes mas sim que seja exercido o diálogo entre pessoas de ambos os lados compreendendose que tanto umas quanto as outras que são detentoras de direitos fundamentais que não se excluem Indubitavelmente é pelo diálogo que se chegará a uma solução a várias ou a nenhuma O que importa é que na prática desse exercício tratandose como iguais e compreendendo mutuamente a posição de vulnerabilidade do outro possivelmente serão afastadas as ideias de securitização e do migrante como ameaça a segurança e desenvolvimento de um Estado Dessa forma sendo certo que a migração continuará a ocorrer assim como deve ser já que é o exercício de um direito humano e fundamental não é possível que governantes continuem a incutir ou se aproveitem do sentimento xenofóbico para legitimarem medidas que vão na contramão da humanidade Enjeitar o outro que bate à porta nunca é a melhor solução para uma situação que perdurará REFERÊNCIAS ACNUR Convenção Relativa Ao Estatuto Dos Refugiados 1951 Disponível em httpwwwacnurorgfileadminDocumentosportuguesBDLConvencaorelativa aoEstatutodosRefugiadospdf Acesso em 13 jul 2018 BAUMAN Zygmunt Estranhos à nossa porta 1 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 2017 ESTADÃO População imigrante nos EUA superou os 43 milhões segundo estudo Disponível em httpinternacionalestadaocombrnoticiasgeralpopulacaoimigrantenoseua superouos43milhoessegundoestudo70002047865 Acesso em 21 out 2017 MAGALHÃES José Luiz Quadros de Direito Constitucional 2 ed Belo Horizonte Mandamentos 20021v ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL PARA AS MIGRAÇÕES Glossary on Migration International Migration Law Series No 25 2011 Disponível em httpswwwiomintkeymigrationterms Acesso em 06 out 2017 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos adotado em 16 de setembro de 1966 PIOVESAN Flávia Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional 11 ed rev e atual São Paulo Saraiva 2010 REIS Rossana Rocha jun 2004 Soberania Direitos Humanos e Migrações Internacionais In Revista Brasileira de Ciências Sociais v 19 n 5 p 149164 Disponível em Acesso em 10 out 2017 SILVA João Carlos Jarochinski A História das políticas Migratórias dos Estados Unidos TEXTOSDEBATES Boa Vista n20 p 721 janjun 2013 SOARES Guido Fernando Silva Curso de direito internacional público 2 ed São Paulo Atlas 2004 SOCIAL EXPLORE Discover Immigration Trends with Social Explorer at the Smithsonian Folklife Festival Disponível em httpswwwsocialexplorercomblogpostdiscoverimmigrationtrendswith socialexploreratthesmithsonianfolklifefestival5584 Acesso em 21 out 2017 THE NEW YORK TIMES Trump Bars Refugees and Citizens of 7 Muslim Countries Disponível em httpswwwnytimescom20170127uspoliticstrumpsyrianrefugeeshtml Acesso em 21 out 2017a THE NEW YORK TIMES Immigrants From Banned Nations Educated Mostly Citizens and Found in Every State Disponível em httpswwwnytimescominteractive20170130uspoliticstrumpimmigration bandemographicshtml Acesso em 21 out 2017b VENTURA Deisy Migrar é um direito humano Disponível em httpoperamundiuolcombrconteudoopiniao33594migrareumdireitohu manoshtml Acesso em 01 out 2017 ZANON JÚNIOR Orlando Luiz Evolução Social Dos Direitos Humanos Revista Jus Navigandi Teresina ano 16 n 2755 16 jan 2011 CAPÍTULO 07 A IMPORTÂNCIA DO DIREITO HUMANITÁRIO PARA EVITAR O FLUXO DE REFUGIADOS Bárbara Thaís Pinheiro Silva227 Brunna Leão Jácome Ferreira228 Priscila Pereira Cavalcanti dos Santos229 1 INTRODUÇÃO Hodiernamente o mundo sofre a pior crise de refugiados desde o fim da segunda Guerra Mundial em 1945 Mais de 656 milhões de pessoas estão deslocadas isto é foram obrigadas a deixar seus lares fugindo de guerras conflitos internos ou violações graves de Direitos Humanos A maioria dos refugiados vem da África ou do Oriente Médio O conflito armado na Síria gerou 55 milhões de refugiados um quinto da população no país sendo o principal responsável pelo crescimento do fluxo de refúgio no mundo O conflito sírio matou mais de duzentas e cinquenta mil pessoas Considerando a necessidade de se respeitar as normas de Direito Internacional Humanitária a fim de se evitar deslocamentos massivos de refugiados a presente pesquisa pretende apresentar em linhas gerais a importância do Direito Internacional Humanitário para evitarse o fluxo de refugiados Para que a análise seja feita será necessário passar por alguns conceitos essenciais como o significado de Direito Internacional Humanitário e de Direito Internacional dos Direitos Humanos Além disso um breve histórico do Direito Internacional Humanitário será apresentado juntamente com a evolução do conteúdo das Convenções de Genebra e seus Protocolos adicionais Por este motivo será estudado também a abrangência de proteção das Convenções de Genebra Apresentaremos também pontos importantes sobre o instituto do refúgio e a definição de refugiado Por se tratar também de relevante e 227 Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Graduanda em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 228 Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais campus Coração Eucarístico 229 Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais necessária questão para compreensão da ordem Internacional serão abordados em síntese a condução das hostilidades os conflitos armados internacionais e internos e os conflitos armados não internacionais sob a ótica do Direito Internacional Humanitário bem como o modo como é feita a sua implementação compulsória 2 BREVE ANÁLISE SOBRE A GUERRA E A SUA RELAÇÃO COM OS REFUGIADOS A paz e a guerra são conceitos que fazem parte da história do Direito Internacional sendo o primeiro uma preocupação recente surgida no século XX e definida como ausência de paz Guerra seria então conflito e uso da força armada para resolvêlo JUBILUT 2007 Da mesma forma que existem conflitos na ordem interna também existem as disputas em âmbito internacional geralmente quando existe uma pretensão por parte de um Estado e resistência a essa pretensão por parte de outro O que ocorre é que no âmbito interno existe determinada hierarquia de autoridade Por outro lado pelo fato da ordem internacional ser descentralizada não existe tal hierarquia Além disso os litígios em sua maioria envolvem Estados soberanos que por definição não se submetem a nenhuma outra autoridade sendo difícil evitar o recurso à força Até o século XX a guerra era o meio mais utilizado para solucionar controvérsias apesar de desde o século XVI existir a busca por outros meios A partir do momento em que foi proibida outros meios pacíficos de resolução passaram a ter prioridade Como exemplo de meios políticos temse a conciliação acordo entre as partes sem intervenção de terceiros os bons ofícios intervenção de uma terceira parte em prol de se conseguir um acordo entre os litigantes a mediação intervenção de uma terceira parte propondo soluções para a resolução do conflito a diplomacia entre dois ou vários estados bem como a parlamentar que ocorre no seio de organizações internacionais Já como exemplos de meios jurisdicionais temse os recursos a cortes internacionais e arbitragem que é um julgamento decidido por um ou mais árbitros escolhidos pelas partes JUBILUT 2007 Na Grécia antiga a guerra se relacionava com a superioridade caracterizando se assim como guerras de extermínio já em Roma as guerras eram guerras de anexação baseadas em tratados e alianças entre vencidos e vencedores na Idade Média as guerras tinham majoritariamente caráter religioso e como a homogeneidade religiosa era um ideal a ser atingido as guerras entre Estados de diferentes religiões se justificavam em busca desse objetivo por fim na Idade Moderna após a Ordem Internacional de Vestfália as guerras se relacionavam com o exercício da soberania e da maximização do poder dos Estados Começaram então as tentativas pela limitação do uso da força para a solução de conflitos principalmente no início do século XX Apesar disso entre 1914 e 1918 ocorreu a violentíssima Primeira Guerra Mundial envolvendo grandes potências Graças a esse conflito houve a preocupação da Liga das Nações em limitar a guerra sem abolila Sendo insuficiente o pacto proveniente dessa Liga a França e os Estados Unidos começaram a criar um tratado para que a guerra com exceção daquela de legítima defesa fosse impedida JUBILUT 2007 Diante da falta de mecanismos para a abolição da guerra em 1930 ocorreu a Segunda Guerra Mundial com o potencial de destruição da humanidade por meio de armas nucleares A comunidade internacional passou a se preocupar com a segurança e paz internacionais criando a Organizações das Nações Unidas ONU Esta organização conta com a presença dos Estados mais relevantes política militar e economicamente Apesar da ONU ter proibido a guerra em seu artigo 2 ela não é excluída totalmente das relações internacionais pelo fato de haverem exceções a sua vedação guerras de legítima defesa operações para a manutenção da paz e ações contra Estados inimigos à época da Segunda Guerra Mundial são permitidos JUBILUT 2007 Assim sendo o refúgio e a guerra se relacionam na medida em que todas as guerras mencionadas se refletem na temática dos refugiados a Primeira Guerra Mundial proporcionou a criação do instituto a Segunda Guerra Mundial estimulou a criação do ACNUR230 devido ao enorme número de refugiados que foram produzidos em decorrência da guerra e a consolidação do refúgio no âmbito internacional os conflitos internos que produziram cerca de quatro milhões de refugiados mostrou a grande necessidade do refúgio Nas palavras de Liliana Lyra a respeito da questão dos conflitos internos 230 O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados ACNUR conhecido como a Agência da ONU para Refugiados tem o mandato de dirigir e coordenar a ação internacional para proteger e ajudar as pessoas deslocadas em todo o mundo e encontrar soluções duradouras para elas Disponível em httpwwwacnurorgportuguesoacnur Acesso em 28 set 2017 continua a preocupar os estudiosos do Direito Internacional dos Refugiados até os dias atuais isto porque com o advento da globalização que ensejou o recrudescimento de antigos ideais nacionalistas e estimulou a integração econômica internacional fazendo com que em muitos Estados surgissem competições acirradas acerca do poder objetivando assegurar um enriquecimento econômico de seus detentores os conflitos internos explodiram numericamente refletindose diretamente na produção de refugiados tornando a proteção a essa temática indispensável para a ordem internacional uma vez que o recebimento de fluxos imensos de refugiados pode desestabilizar qualquer Estado acabando por refletir na segurança internacional como um todo JUBILUT p 145 2007 A prevenção dos conflitos é objetivo primordial para se evitar a formação de fluxos de refugiados e de violações massivas aos Direitos Humanos Por isso o papel importante do Direito Internacional Humanitário juntamente com as normas de Direito Internacional dos Refugiados visto que o DIH é justamente o direito de proteção as vítimas dos conflitos armados e também é o direito que autoriza o combatente a atentar contra a vida ou a integridade de uma pessoa As regras humanitárias permanecem as únicas armas das vítimas É neste cenário que surgem os refugiados O Direito Internacional Humanitário nasceu no século XIX para proteger vítimas de conflitos armados o Direito Internacional dos Refugiados por sua vez começou a se desenvolver especialmente com o fim da I Guerra Mundial visando o restabelecimento dos direitos mínimos dos indivíduos que foram forçados a fugirem de seu país de origem Sendo assim essas duas vertentes originaramse da necessidade de assegurar a proteção de pessoas que estavam sob a jurisdição de um Estado do qual não eram nacionais O Instituto do Refúgio teve seu nascimento com a Liga das Nações entre os anos de 1921 a 1951 época em que começaram os estudos sobre a importância do tema O marco da história do Instituto foi em 3 de dezembro de 1949 quando criouse o Alto Comissionado das Nações Unidas para os Refugiados ACNUR Todavia para chegar no patamar em que é possível dizer que foi o ápice do Direito Internacional dos Refugiados a chamada Convenção de 1951 a evolução de tal ideia passou por diversas perspectivas para consolidação nas quais abrangeram títulos para o tema como uma ideia jurídico 19201935 posteriormente a social 19391939 e também no ramo da concepção individualista 19381950 Somente em 1951 como supracitado que foi concretizado o que era o Instituto dos Refugiados com a Convenção pois ela que define até os dias de hoje o verdadeiro e utilizado conceito de quem são os refugiados Os refugiados estão amparados pela Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados 1951 o Protocolo de 1967 e o Direito Internacional dos Direitos Humanos Portanto estão sob a guarda do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados No entanto observase que os refugiados também são protegidos pelas normas de Direito Internacional Humanitário quando se encontram em um Estado em conflito armado Por isso além da proteção garantida aos civis pelo Direito Internacional Humanitário os refugiados recebem proteção especial conforme a Quarta Convenção de Genebra e o Protocolo Adicional I Por exemplo o artigo 44 da Quarta Convenção de Genebra especifica que as potências detentoras não tratarão como inimigos estrangeiros os refugiados que não gozem de fato da proteção de nenhum governo O artigo 73 do Protocolo Adicional I acrescenta que os refugiados devem ser considerados pessoas protegidas em qualquer circunstância e sem nenhuma distinção adversa Sendo assim caso as normas de Direito Internacional Humanitária sejam respeitas evitar ataques direitos contra civis e bens civis não matar os civis de inanição garantir a acesso de socorro aos civis necessitados etc podese evitar o deslocamento forçado 3 PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS ESSENCIAIS DO DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO Segundo Roque 2013 os princípios são a Princípio da Humanidade constitui a defesa do bemestar dos direitos da dignidade humana proibindo meios ou ações desonrosas e conduta irracional durante um conflito armado Envolve ainda noções de honra e cavalaria b Princípio da Necessidade Relacionase com a necessidade militar o que quer dizer que apenas deverá ser feito o necessário para se alcançar o objetivo não se pretendendo matar ou destruir o máximo possível Ou seja medidas lícitas de acordo com as leis e costumes da guerra devem ser tomadas em prol do objetivo referido c Princípio da proporcionalidade Diz respeito ao uso da força na medida necessária para alcançar um determinado objetivo De acordo com o jus ad bellum o uso da força deve ser necessário e proporcional Por outro lado segundo o jus in bello os danos colaterais e ferimentos devem ser justificados ou analisados do ponto de vista da vantagem militar que concede a parte que utiliza a força d Princípio da discriminação A primeira perspectiva a que se pode referir esse princípio é com o uso descontrolado de armas ou dos sistemas de armas A segunda perspectiva diz respeito a seleção dos alvos e a utilização dos armamentos 4 A ABRANGÊNCIA DA PROTEÇÃO SOB O SISTEMA DAS CONVENÇÕES DE GENEBRA De acordo com a I Convenção de Genebra que diz respeito aos feridos e enfermos em terra todos os membros de forças armadas e milícias organizadas serão tratados em todas as circunstâncias o que inclui os acompanhantes se devidamente autorizados Toda e qualquer violência contra eles está estritamente proibida e todos deverão ser tratados com humanidade e sem discriminação Além disso torturas e experiências biológicos também estão proibidas e todos os indivíduos devem ter os atendimentos médicos necessários Caso os feridos e doentes de uma parte que está em guerra sejam capturados pelos inimigos deverão estes ser tratados como prisioneiros de guerra Essa Convenção inclui também que as partes devem reunir as informações relativas aos feridos doentes ou mortos pertencentes à parte adversária transmitindo as através de meios específicos e cláusulas sobre a proibição de ataque às unidades e equipes médicas mencionando os emblemas da Cruz Vermelha e o Crescente Vermelho A II Convenção de Genebra determina que os navioshospitais deverão ser respeitados em qualquer circunstância não podendo ser atacados nem capturados de acordo com a II Convenção Já a III Convenção de Genebra trata dos prisioneiros de guerra e cria um código abrangente cujo ponto central é o tratamento humanitário em qualquer circunstância Com a expansão das guerrilhas ao Terceiro Mundo e à experiência da descolonização em 1949 foi necessário que a definição de combatente com direito à condição de prisioneiro de guerra fosse também estendida Os combatentes foram definidos como membros das forças armadas de qualquer parte em um conflito armado internacional sendo essas forças armadas todas as unidades armadas organizadas sob um comando eficaz e que obedecem às normas do Direito Internacional aplicáveis nos conflitos armados segundo os artigos 43 e 44 do Protocolo I de 1977 O artigo 44 define ainda que os combatentes devem se diferenciar dos civis quando em uma operação militar Quanto a questão da condição de prisioneiro de guerra esta deverá ser presumida quando se houver dúvida sobre seu status e estará sob proteção da III Convenção Estes prisioneiros deverão ser tratados com humanidade e gozarão de proteção contra atos de violência por exemplo sendo o respeito à honra um direito inviolável SHAW 2010 A proteção dos civis em tempo de guerra é tratada na IV Convenção de Genebra e embora tenha significado uma extensão das normas anteriores a 1949 ela se limitou ao artigo 4º em que versa que a proteção abrange aqueles que se encontram em poder de uma das partes no conflito ou de uma potência ocupante dos quais não sejam cidadãos A definição de civil vem escrita no artigo 50 do Protocolo I de 1977 e diz respeito a qualquer indivíduo não combatente e em caso de dúvida deverá ser considerada civil qualquer pessoa É assegurada sua proteção e respeito a sua honra e convicções sendo proibida sua tortura ou qualquer outro tratamento desumano A IV Convenção de Genebra cobre ainda a proteção de civis em território ocupado No entanto há controvérsias sobre o significado da expressão território ocupado Israel tem apoiado a interpretação de que a Cisjordânia não é reconhecida internacionalmente como território jordaniano e reconhecendo a aplicabilidade dessa Convenção seria equivalente a reconhecer a sua soberania jordaniana sobre o território em disputa SHAW 2010 41 A CONDUÇÃO DAS HOSTILIDADES Durante os conflitos armados o Direito Internacional tenta fazer com que as partes envolvidas façam suas operações militares seguindo os princípios humanitários e tenta também proteger as vítimas desses conflitos A norma básica formulada no artigo 48 do Protocolo I diz que as partes conflitantes devem sempre distinguir entre civis e combatentes e as operações devem ser feitas somente visando os objetivos militares Além do artigo 51 mencionar que não poderão ser alvo de ataques os civis existe a proibição de ataques indiscriminados Já o artigo 57 traz que nas operações militares sempre deverá haver o cuidado de se poupar a população civil Represálias com uso de força em um conflito armado são proibidas pelo Direito Internacional a menos em casos de autodefesa e com o objetivo de terminação de um ato ilegal cometido anteriormente ou retorno à legalidade Neste caso a represália seria proporcional ao ato ilegal que a motivou O artigo 13 da III Convenção de Genebra estipula que represálias não podem ser usadas contra prisioneiros de guerra e o artigo 52 do Protocolo I proíbe ataques ou represálias contra objetivos civis sendo esses todos os objetivos que não se encaixam na definição de objetivos militares do artigo 52 O preâmbulo da Declaração de São Petersburgo de 1868 e o artigo 48 do Protocolo I frisam que o único objetivo dos Estados em guerra deve ser o de enfraquecer as forças inimigas e distinguir os combatentes dos civis respectivamente Além disso há limitação dos meios utilizados para ferir o inimigo constado no artigo 22 do Regulamento de Haia bem como há a proibição de armas projéteis e materiais que causem sofrimento desnecessário artigo 23 do mesmo Regulamento SHAW 2010 42 OS CONFLITOS ARMADOS INTERNACIONAIS E INTERNOS Um conflito armado será internacional quando for possível demonstrar que um Estado estrangeiro está envolvido diretamente em um conflito civil ou exercendo controle total sobre um grupo participante desse Antigamente a distinção entre os conflitos internacionais e não internacionais perpassava por uma definição geográfica e temporal dos conflitos armados A noção de conflito armado foi levada à Câmara de Apelação do Tribunal Internacional de Crimes de Guerra na exIugoslávia e foi declarado que um conflito armado existe a quando existe o recurso à força armada entre Estados b quando há violência armada prolongada entre um governo e grupos armados organizados c quando há violência armada entre grupos armados organizados no interior de um Estado Essa definição surgiu no contexto em que não se sabia se havia um conflito armado internacional ou não internacional na exIugoslávia e era necessário que se soubesse para determinar o direito a ser aplicado Concluiuse que o conflito da exIugoslávia era tanto internacional quanto nãointernacional criando uma situação que embora complexa devido às dificuldades criadas pela imprecisão da possibilidade de classificação de modos diferentes tais dificuldades foram diminuindo com a aceitação da aplicabilidade do Direito Internacional Humanitário SHAW 2010 43 OS CONFLITOS ARMADOS NÃO INTERNACIONAIS Uma série de garantias mínimas para proteger os que não tomavam parte em conflitos não internacionais são estabelecidas no artigo 3º comum às Convenções de Genebra de 1949 Era difícil no entanto definir os limites de tal artigo tendo em vista que os conflitos armados não internacionais poderiam abranger tanto grandes conflitos quanto aqueles sem importância O artigo 3º comum às Convenções traz algumas garantias mínimas a as pessoas não participantes das hostilidades deverão ser tratadas com humanidade e sem discriminação quanto a raça religião cor sexo nascimento ou condição econômica proibindo assim a tomada de reféns a violência contra a vida e a pessoa o tratamento cruel e tortura atentar contra a dignidade e o pronunciamento de condenações bem como a realização de execuções sem o devido processo legal b tratamento médico dos feridos e doentes O Protocolo II de 1977 aperfeiçoou o artigo 3º comum às Convenções citando algumas garantias fundamentais e outras cláusulas que protegem os não combatentes como a proibição da violência contra a vida e atos de terrorismo bem como proteção aos menores de idade Em decisão tomada pela Câmara de Apelação no caso Tadić normas jurídicas internacionais para regulamentação de conflitos armados internos foram desenvolvidas por causa do aumento na crueldade dos conflitos armados internos a frequência das guerras civis e o desenvolvimento do Direito Internacional em questão de direitos humanos Algumas iniciativas têm sido tomadas no sentido de diminuir a distância entre a aplicação das normas internacionais de direitos humanos e as fontes de direito humanitário o Comitê Internacional da Cruz Vermelha vem estudando a elaboração de uma nova declaração que trata dos conflitos internos SHAW 2010 44 A IMPLEMENTAÇÃO COMPULSÓRIA DO DIREITO HUMANITÁRIO Nas Convenções de Genebra de 1949 e no Protocolo I de 1977 as partes se comprometeram a cumprir todas as regras estabelecidas no instrumento e a divulgar os princípios contidos no mesmo Mesmo com o uso de represálias sendo proibido existem outras formas de garantir esse cumprimento como por exemplo as Potências Protetoras que são responsáveis por garantir os interesses dos cidadãos que estejam sob o controle de uma das partes como prisioneiros de guerra ou como civis sob ocupação que devem assegurar que as cláusulas sejam Além disso com o intuito de averiguar violações graves das Convenções de Genebra e ao Protocolo I bem como para facilitar que se restaure o respeito a esses instrumentos tal Protocolo prevê a criação de uma Comissão Internacional de Inquérito Por fim caso as violações do Direito Internacional venham a ser consideradas como crimes de guerra elas passarão a ser regidas por uma jurisdição universal Na Carta do Tribunal de Nuremberg de 1945 em seu artigo 6º há exemplos de crimes de guerra com responsabilidade individual tais como matança assassinato de reféns e destruição gratuita de cidades Além disso o artigo 3º do Estatuto do Tribunal Iugoslavo para Crimes de Guerra determina que as infrações às leis e costumes de guerra inclui por exemplo uso de armas venenosas ou qualquer outra que cause sofrimento desnecessário SHAW 2010 5 CONCLUSÃO O Direito Internacional Humanitário permite a proteção da vida e da dignidade humana quando ausentes as regras de Direito Internacional É possível observar como objetivo comum do Direito Internacional Humanitário e o Direito Internacional dos Direitos Humanos a proteção do indivíduo na esfera internacional Assim sendo essa área do direito começou a evoluir por volta do século XIX por meio de Convenções e Declarações adotadas ao longo dos anos Destacamse as Convenções de Genebra em que a base é o princípio de que deverão ser tratados com humanidades aqueles que não estão diretamente envolvidos em conflitos No decorrer dos anos foi possível averiguar também a evolução do significado das guerras no início Grécia a superioridade justificava a luta já na Idade Moderna a guerra decide um status de soberania É possível constatar ainda que a guerra se relaciona com o aumento do contingente de refugiados por se tratarem de pessoas buscando proteção em outro território em função de perseguições sofridas Deste modo não restam ser necessária a reflexão acerca da interseção entre o Direito Internacional dos Refugiados e o Direito Internacional Humanitário em busca da constante proteção da dignidade da pessoa humana e respeito aos seus valores e crenças REFERÊNCIAS Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos Direito Internacional Humanitário e Direitos Humanos Ficha Informativa nº 13Rev 1 ed portuguesa GDDC 2001 Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados Disponível em httpwwwacnurorgportuguesoacnur Acesso em 28 set 2017 CICV Como o DIH protege os refugiados e os deslocados internos Disponível em httpswwwicrcorgptdocumentcomoodihprotegeos refugiadoseosdeslocadosinternos Acesso em 10 abr 2018 CICV Direito Internacional Humanitário e o Direito Internacional dos Direitos Humanos Analogias e diferenças Disponível em httpswwwicrcorgporresourcesdocumentsmisc5ybllfhtm Acesso em 11 set 2017 JUBILUT Liliana Lyra O Direito Internacional Dos Refugiados E Sua Aplicação No Orçamento Jurídico Brasileiro São Paulo Método 2007 ROQUE S J C O Direito Internacional Humanitário e os conflitos armados do século XXI As Nações Unidas enquanto garante da salvaguarda da vida e dignidade humana os casos da Líbia e da Síria 2013 152 f Dissertação Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais Relações Internacionais Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Universidade Nova de Lisboa Lisboa 2013 SHAW Malcolm N Direito Internacional São Paulo SP Martins Fontes 2010 TÍTULO QUARTO TRANSFORMAÇÕES NO DIREITO PRIVADO O PROCESSO NA CONSTRUÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO CAPÍTULO 01 A CRITERIOLOGIA ADOTADA PELO NCPC PARA A FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JURÍDICAS PERSPECTIVAS ATINENTES AOS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO PROCESSO NEOINSTITUCIONAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Daniela Dantas Carvalho231 Yuri César de Almeida Silva232 1 ABERTURA TEMÁTICA Ao estabelecermos como ponto de partida uma perspectiva moderna daquilo que se entende como processo não há espaço para qualquer questionamento acerca da basilar importância da fundamentação das decisões advindas do Estado especialmente aquelas emanadas pelo Poder Judiciário A partir desse ponto de vista o presente trabalho possui como escopo principal a análise da criteriologia adotada pelo Código de Processo Civil de 2015 no tocante à fundamentação das decisões Assim adotase como premissa a hipótese de o Estado Democrático de Direito no que diz respeito às decisões judiciais só atingirá de modo pleno o seu caráter democrático a partir de um exercício eficaz de fundamentação realizado pelos órgãos julgadores com efetiva participação das partes Com pauta em uma breve análise das variadas teorias que visaram estudar o processo enfocase o fato de que a chamada teoria neoinstitucionalista do processo é a que mais se coaduna com o viés democrático comparticipativo e cooperativo de processo Do mesmo modo com base nos princípios processuais que regem a fundamentação das decisões buscase estabelecer quais seriam os elementos diferenciadores entre motivação e fundamentação das decisões ao passo que levando em consideração a inserção do artigo 489 do CPC 2015 examinase também a 231 Graduanda em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 232Graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais criteriologia de decidir adotada pelo atual Código e a sua vinculação com os demais princípios constitucionais do processo Discutese ainda sobre a possível extinção do chamado critério do livre convencimento motivado adotado pelo Código de Processo Civil de 1973 diante do comando contido no artigo 371 do Código vigente Objetivando um maior aprofundamento temático é feita uma exposição dos posicionamentos jurídicos contrários e a favor das inovações processuais trazidas pelo Código de Processo Civil no que concerne ao assunto primordial do presente artigo qual seja a fundamentação das decisões Ao final frente a todas essas indagações o presente trabalho visa examinar se o novo regramento acerca da fundamentação dos provimentos decisórios estabelecido pelo CPC 2015 deve ser visto com bons olhos levando em consideração o papel primordial da fundamentação das decisões como uma das mais importantes garantias constitucionaisprocessuais conferidas ao cidadão de modo que deve ser assegurada a qualquer um do povo a possibilidade de ter o seu direito analisado detidamente por quem seja responsável por julgálo 2 A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE PROCESSO E A IMPORTÂNCIA DA TEORIA NEOINSTITUCIONALISTA Em uma perspectiva democrática de Estado de Direito impende destacar que o direito material caminha conjuntamente com o direito processual Diante disso na perspectiva constitucional o processo não pode ser visto como um instrumento de resolução de conflitos mas sim como uma forma de construção de resultado no mundo jurídico levando em conta a participação das partes no provimento decisório Em suma é possivel afirmar que o processo é um fim em si mesmo de modo que se coloca de forma imparcial e garante o contraditório e a ampla defesa de forma isonômica Contudo a busca pela de definição de processo vem se desencadeando ao longo dos anos pelo estudiosos do Direito a partir de diversas teorias que se desenvolveram e se modificaram para que hoje pudessemos chegar o mais próximo possível de um conceito definido e legítimo dentro de um Estado Democrático de Direitro Nos primórdios do estudo jurídico aflorou a ideia de que o processo se constituía por meio do ajuizamento de uma ação em que as partes exigiam do Estado a atividadedever de prestar a jusrisdição objetivando com isso um consenso Entretanto com o desenvolvimento do pensamento sobre o Direito pela análise processual concluiuse que caso as partes não tenham participação igualitária no processo este não seria um processo constitucional mas apenas um procedimento Neste sentido atingimos um importante ponto desde o desenvolvimento de um modelo de processo inaugural do Direito Romano em que a participação igualitária das partes envolvidas na lide permitirseia o alcance do melhor provimento jurisdicional Mas afinal o que é processo A primeira resposta surgiu com o comparativo entre processo e contrato em uma perspectiva simplificada desta conceituação Assim pela teoria do processo como um contrato desenvolvida por Porthier destacase a vontade das partes de estarem no processo e a celebração de um acordo entre elas objetivando a solução de seu problema por meio do processo e ao final aceitando a sujeição a uma decisão judicial litiscontestatio Por se basear em um acordo de vontades o processo se assemelhria portanto a um contrato COLUCCI ALMEIDA 1999 p123 Essa teoria foi muito criticada sendo os posicionamentos contrários fundamentados no fato de que o processo não poderia ser comparado com o instituto do direito privado que prevê a autonomia da vontade bem como a impossibilidade do processo se basear exclusivamente nalitiscontestatioacordo das partes em estarem em lide pois existiriam casos em que nem mesmo o próprio autor gostaria de estar naquela situação PINTO 2008 Ademais a concepção de que o juiz seria um mero árbitro no qual a situação lhe é apresentada e este decidirá qual o melhor direito não seria a mais adequada tendo em vista que o juiz é o representante do estado no exercício da jurisdição Por fim com fincas na referida teoria as partes se submeteriam ao Estado o que também não é uma concepção correta pois a função jurisdiçional consistese em uma atividade estatal de fornecer as partes um processo com garantias e direitos fundamentais contra arbitrariedade e abuso do poder por Estado Diante disso outra teoria nos aparece com os autores Savigny e Guényva denominada deteoria do processo como um quasecontrato Nesta análise nem sempre há autonomia entre as partes mas o autor sempre quer aquele processo sendo então um contrato firmado entre o autor e o Estado A crítica deste entendimento conforme bem pondera Rosemiro Pereira Leal consiste na impressão de que o processo deve ser concretizado em prol do autor e não de forma igualitária entre as partesNesse sentido afirma que a parte que ingressava em juízo já consentia que a decisão lhe fosse favorável ou desfavorável ocorrendo um nexo entre o autor e o juiz ainda que o réu não aderisse espontaneamente ao debate da lide LEAL 2008 p78 Posteriormente Bulow firmou a teoria denominada teoria do processo como uma relação jurídica sendo esta aprimorada por Chiovenda Carnelutti Calamandrei e Liebman Essa teoria é a que em tese se apresenta como mais familiar e possível Nesta o processo é o meio para solucionar conflitos na relação autor juiz e réu Por esta teoria temos que no processo existem duas relações jurídicas que se distinguem em direito material que é o que é discutido no processo e direito formal que se estabelece entre os sujeitos do processo Apesar de aparentar ser mais plausível que as demais a grande crítica direcionada a essa teoria é que a teoria do processo como relação jurídica consistiria na instrumentalização do processo parecendonos que não há possibilidade de discussão processual dentro de um processo apenas discussão material A ideia de que processo é meio e não fim em si mesmo ou seja o processo é um instrumento permite que o processo seja superado o que não é compatível no Estado Democrático de Direito Além disso a relação jurídica coloca o juiz como hierarquicamente superior entre as partes que dará a palavra final Tal fato não é compatível com a ideia de processo democrático pois a decisão deve ser formulada pelo juiz mas não sobre seu livre convencimento mas de forma partipativa entre as partes A instumentalidade do processo é firmemente criticada pelo ilustrissímo professor André Cordeiro Leal em sua obra Instrumentalidade do processo em crise criticando não somente a teoria bulowiana bem como algumas que tentaram se desvincular desta Nas palavras de André Leal 2008 Notese que como demonstraremos mesmos os pensadores que tentaram se desvencilhar da teoria de Bulow acerca do processo como uma relação jurídica negando o vínculo pessoal de subordinalçao das partes a um juiz a quem se atribuiu a tarefa de fiscalizar a atuação das partes e impedir portanto que essas pratiquem atos de deliquência processual bem como verificar a oportunidade da atuação do Estadojuiz esbarram ainda numa questão nuclear que embora derivada da teoria processual bulowiana ainda não foi efetivamente tematizada o conceito de jurisdição Dificuldades incontornáveis surgem quando as teorias do processo tentam clarificar aspectos de uma atividade jurisdional que se desenvolve pelas pessoas dos magistrados porque isso desemboca em concepções intrinsecamente monológicas e solipsistas de jurisdição que não se alinham ao paradigma democrático procedimentalista Quando muito o que a maioria das teorias do processo conseguem fazer é indicar como diminuir a carga subjetivista imperscrutável e inacesspivel alías do juiz Entretanto assim ainda deslizam sobre um conceito de jurisdição atrelado principalmente à atividade decisória que se dá na consciência do julgador e não a uma atividade decisória na linguagem pela linguagem LEAL 2008 p 27 Cumpre ressaltar que a teoria de Bulow tem tanta ressonância devido ao interesse da sociedade na solução do direito material desconsiderando o direito processual Contudo nesta vêse a necessidade de se colocar uma igualdade linear entre as partes e o juiz Por isso uma quarta teoria formulada por Goldschimidt denominada como teoria do processo como situação jurídica tenta aprimorar a teoria da relação jurídica estabelecendo que o processo é uma situação jurídica estabelecida por lei PINTO 2008 Assim o único contraponto da teoria anterior é que o processo não é uma relação e sim uma situação jurídica O problema é que a divisão entre direito material e direito processual permanece considerando o processo não só como um instrumento mas um instrumento legal Seguindo o professor José Alfredo de Oliveira Baracho traz uma contribuição muito grande para o direito processual ao considerar que o processo é uma instituição constitucionalizada sendo portanto uma garantia de direitos munido de princípios constitucionais Nessa perspectiva conseguimos perceber que de nada adianta o direito material se não há uma forma eficaz de garantir esses direitos que se constitui pelo processo Dessa forma para se discutir o processo é necessário uma análise constitucionalizada do direito com contornos teóricos da pôsmodernidade em que se entende que tudo que está previsto no direito é obrigatório inclusive os princípios como contraditório ampla defesa devido processo legal entre outros que abaixo discriminaremos À luz desta teoria conforme bem destaca Davi Souza de Paula Pinto as garantias instrumentais denominada também de garantias processuais existem em função dos direitos materias e das garantias formais O processo Constitucionalizado deve obedecer princípios assegurando a ordem jurídica os direitos elencados na constituição dentre outros PINTO 2008 Em outra linha Guasp propõe a teoria do processo como uma instituição edefine o processo como uma instituição criado e consolidado no âmbito das ciências sociais Assim uma instituição é uma forma padronizada de comportamento relativamente à determinadass necessidades São modos de agir sentir e pensar do homem em sociedade e que se reputa tão importantes que qualquer processamento contrário a eles resulta numa sanção específica Sendo então o Estado detentor da jurisdição qualquer comportamento contrários à instituição poderá sofrer sanções previstas em lei A crítica dessa teoria é que instituição é algo muito impreciso pois é apenas um padrão previsto na lei o que não esclarece muito o que é processo apenas uma noção muito positivada Destacase ainda a teoria do professor Elio Fazzalari que concebe a teoria do processo como um procedimento em contraditório diferenciando processo de procedimento Nessa perspectiva procedimento são os passos previsto em lei para se chegar em determinada conclusãoContudo se no manejamento desses passos não se fizer presente o contraditório não haverá processo mas apenas um conjunto de procedimentosPara esse autor o processo é um procedimento em contraditório com igualdade entre as partes em simétrica paridade na preparação do provimento jurisdicional Contudo a principal crítica a esta linha de pensamento consiste no esquecimento de que o processo é uma garantia constitucional não justificando o processo como procedimento garantia constitucional dos outros direitos Por fim a última teoria a ser analisada e adotada neste estudo da fundamentação das decisões à luz do novo Código de Processo Civil é a denominada teoria neoinstitucionalista do processo do professor Rosemiro Pereira Leal que dá um passo além na análise da cidadania e participação política por meio do processo Diante dessa teoria o processo é uma forma de lutar contra a repressão e a concentração política como uma arma que viabiliza a proteção dos direitos como um direito em si mesmo e não como um instrumento É um direitogarantia constitucional que nos permite combater as arbitrariedades do Estado Para isso o processo afigurase como um conjunto de princípios jurídicos aproximados pelo texto constitucional com a denominação jurídica de processo cuja característica é assegurar o exercício dos direitos criados e expressos no texto constitucional e infra constitucional por via de procedimento estabelecidos em modelos legais Assim a teoria neoinstitucionalista do processo vai além das teorias supramencionadas vislumbrando o processo a partir de uma conexão teórica coma cidadania constitucionalmente assegurada que torna o princípio da reserva legal do processo nas democracias ativas o êxito fundamental da previsibilidade das decisões Nas palavras de Leal 2005 O Processo não se estabelece pelas forças imaginosamente naturais de uma sociedade ou pelo poder de uma elite dirigente ou genialmente judicante ou pelo diálogo de especialistas mas se impõem por conexão teórica com a cidadania soberania popular constitucionalmente assegurada que torna o princípio da reserva legal do processo nas democracias ativas o êxito fundamental da previsibilidade das decisões LEAL 2005 p 102 Assim por esta perspectiva as decisões são construídas pelo autor e réu e escritas pelo juiz tendo as partes uma posição ativa dentro do provimento jurisdicional O que pode causar desconforto nesta linha de entendimento é que isso coloca o Estado em segundo plano no provimento jurisdicional pois este não profere uma decisão baseada no seu livre convencimento mas atua como uma espécie dehomologador do que foi discutido entre as partes Desse modo essa teoria prevê que por intermédio do processo consagrase a fiscalização ou seja o controle de constitucionalidade aberto a qualquer um do povo sendo o processo um mecanismo para este constante controle dos direitos supostamente violados que permite o desenvolvimento crítico democrático do cidadão discutindo em pé de igualdade a violação dos direitos no efetivo exercício da cidadania Apesar da teoria de Rosemiro Pereira Leal nos parecer a mais adequada ao modelo processual da contemporaneidade podemos perceber que a instrumentalização do processo ainda permeia o Direito brasileiro Nesta perspectiva importante analisarmos as novas disposições processuais introduzidas pelo legislador com um enfoque no possível enquadramento das novidades normativas junto às teorias de processo supramencionadas Assim passemos a análise 3 O NCPC E AS NOVAS DISPOSIÇÕES REFERENTES À FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES 31 O ART 489 DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E A CRITERIOLOGIA DE DECIDIR Com vistas a viabilizar um maior entrelaçamento entre a matéria processual civil brasileira e as disposições contidas na Constituição Federal bem como com o intuito de possibilitar que a função jurisdicional seja prestada com maior solidez e celeridade o Novo Código de Processo Civil Lei nº 1310515 trouxe em seu bojo um leque de elementos e técnicas normativas que passaram a integrar o sistema procedimental civil pátrio No que concerne à fundamentação das decisões uma das mais significantes garantias processuais de qualquer Estado que se denomine Democrático de Direito a própria Constituição de Federal de 1988 prevê conforme destacado alhures em seu artigo 93 inciso IX que todo e qualquer julgamento no âmbito do Poder Judiciário deve ser público com todassuas decisões fundamentadas Não obstante a previsão constitucional o legislador do Novo Código de Processo Civil num exercício de constitucionalização das normas processuais reproduziu em seu artigo 11 o dispositivo contido no texto da Carta Magna além de ter optado por inserir um rol exemplificativo de hipóteses em que o dever constitucional de fundamentação não é observado O Código de Processo Civil desse modo alça o tema da fundamentação das decisões a um patamar que até então não era possível ser percebido nos Códigos anteriores233 O 1º do artigo 489 do novo Código estabelece um conteúdo mínimo CÂMARA 2017 p 230 que deve estar contido em qualquer decisão judicial Independentemente de sua natureza seja sentença decisão interlocutória acórdão etc não será considerada fundamentada nas hipóteses em que a decisão se limitar à indicação à reprodução ou à paráfrase de ato normativo sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida art 4891º I quando empregar conceitos jurídicos indeterminados sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso art 489 1º II nos casos em que invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão art 489 1º III quando não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de em tese infirmar a conclusão adotada pelo julgador art 489 1º IV quando se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos art 489 1º V e por fim nos casos em que deixar de seguir enunciado de súmula jurisprudência ou precedente invocado pela parte sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento art 489 1º VI Sem embargo de respeitáveis opiniões divergentes234 acreditamos que o artigo 489 1º impõe aos órgãos responsáveis pelo pronunciamento jurisdicional o dever de fundamentar de modo efetivo suas decisões versando acerca da totalidade dos 233O Código de Processo Civil de 1973 até tratava da necessidade de fundamentação das decisões todavia de modo menos completo que o atual Código 234Elpídio Donizetti considera que não se pode exigir que em todo e qualquer caso o juiz fundamente de forma exaustiva as suas decisões DONIZETTI 2016 p572 argumentos trazidos pelas partes em respeito ao princípio contraditório Na esteira de Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias temos que os provimentos judiciais devem constituir o resultado lógico da atividade procedimental desenvolvida em torno das questões discutidas e dos argumentos produzidos em contraditório pelas partes em todas as fases do processo porquanto são elas as partes contraditoras que suportarão seus efeitos DIAS 2012 p 134135 Vêse portanto que seguindo a melhor linha de entendimento acerca do que venha a ser o processo bem como estabelecendo em quais condições a função jurisdicional deve ser prestada o Novo Código de Processo Civil caminhou bem no sentido de garantir que as partes que se apresentam perante a justiça com o desejo de dirimir determinada controvérsia possam no mínimo contar com a certeza de que a decisão pela qual aguardam será devidamente fundamentada 32 A CRITERIOLOGIA DE DECIDIR E SUA VINCULAÇÃO COM A EFETIVIDADE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PROCESSUAIS Com base no que foi dito afigurase como claramente perceptível que o dever de fundamentação das decisões guarda estrita relação com o princípio constitucional do contraditório previsto no art 5º inciso LV da Constituição Federal de 1988 BRASIL 1988 que garante aos litigantes seja em processo judicial ou administrativo o contraditório e a ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes Certo é que o princípio do contraditório ao entrelaçarse com o princípio da fundamentação das decisões deve ser enxergado em sua concepção mais moderna bem como em sua dimensão substancial e não mais como mero direito à informação e reação É necessário que haja uma participação plena das partes na formação do convencimento do julgador Vêse pois que a mera garantia de ser informado acerca de uma manifestação da outra parte e a possibilidade de reagir a essa manifestação não é mais suficiente para que se considere que o princípio do contraditório tenha sido exercido Nesse sentido leciona André Cordeiro Leal que mais do que garantia de participação das partes em simétrica paridade portanto o contraditório deve ser efetivamente entrelaçado com o princípio requisito da fundamentação das decisões de forma a gerar bases argumentativas acerca dos fatos e do direito debatido para a motivação das decisões LEAL 2002 p105 É a partir dessas perspectivas que se vislumbra a decisão judicial como resultante da interação entre as partes e o juiz possibilitando que suas argumentações e alegações realizadas dentro do ambiente dialético que é o processo constituam verdadeiros elementos de influência do julgador no momento de proferir o provimento judicial devendo sempre explicitar as razões que o levaram a decidir daquela maneira Nesta acepção pela teoria neoinstitucionalista conforme mencionado alhures Rosemiro Pereira Leal 2005 além considerar o processo como um procedimento em contraditório propõe uma participação cidadadã na formulação das decisões jurisidicionais como meio de exercício da cidadania propriamente dita e controle contra arbitrariedades o Estado Em suas palavras A Teoria NeoInstitucionalista preconiza fiscalidade controle de constitucionalida aberto a qualquer do povo do processo legiferante nas bases instituintes e constituintes da legalidade bem como na atuação e modificação aplicação ou extinção do direito constituído e trabalha a socialização do conhecimento críticodemocrático em pressupostos direito fundamental de autoilustração dignidade pelo exercício da cidadedia como legitimação ao direitodeação coextenso ao procedimento processualizado LEAL 2015 p 105 Dessa maneira o Código de Proceso Civil ao consignar a possibilidade da extinção de formulação de decisões baseadas no livre convencimento do julgador confirmao fato de que o juiz está para o processo quase que um homologador do que foi discutido entre as partes não podendo decidir fora do que foi objeto de discussão consagrando assim o princípio da não surpresa esculpido no novo Códex Processual Neste diapasão o dispositivo objeto do presente estudo o art 489 do Código de Processo Civil ao estipular um roteiro pelo qual o aplicador do Direito deverá seguir claramente inaugura o entendimento acima mencionado garantindo aos litigantes um processo constitucional democrático com a presença dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório e da vedação de decisões surpresas Sobre o princípio da não surpresa instituído pelo novo código este estabelece que o juiz não pode alegar algo que não tenha sido discutido pelas partes Assim nesta nova perspectiva temos que a fundamentação do juiz só pode abarcar o que foi discutido entre as partes o que nos garante que uma decisão é originada do contraditório entre as partes e não do arbítrio do juiz Caso um juiz perceba que um determinado artigo se adequa ao caso concreto porém não foi abordado pelas partes será obrigado a abrir vista as partes para que se manifestem sobre o dispositivo garantindo uma decisão constitucional Assim diante das exigências elencadas criteriosamente pelo Novo Código têm se positivado o compromisso do juízo em promover a integração da dimensão normativa do dispositivo a dimensão fática impedir as conhecidas decisões prontas de modo a conduzir o magistrado a enfrentar o conteúdo dos autos em cotejo com a norma particularizando o decisium enfrentar todas as questões capazes de por si sós e em tese infirmar a sua conclusão sobre os pedidos formulados sob pena de se reputar não fundamentada a decisão proferida e promover a similitude entre as teses jurídicas do paradigma e do caso concreto nas hipotéses de aplicação de precedentes e enunciados de súmula ALMEIDA 2017 4 ASPECTOS RELEVANTES TRAZIDOS PELO CÓDIGO DE 2015 SOBRE A TEMÁTICA DA FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES 41 DIFERENÇA CONCEITUAL DE MOTIVAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO DIANTE DO PRINCÍPIO DA FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES O princípio da fundamentação das decisões conforme visto permeia o processo brasileiro sendo positivado tanto na Constituição Federal como no Código de Processo Civil de 1973 e claro no novo Código de Processo Civil de 2015 A Carta Maior ao estabelecer as disposições gerais do Poder Judiciário em seu art 93 inc IX e X preconiza que todas as decisões emanadas dos órgãos do Poder Judiciário serão fundamentadas sob pena de nulidade e que todas as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas BRASIL 1988 O novo Códex de Processo Civil em seu art 489 estabelece como elemento essencial da sentença os fundamentos em que o juiz resolverá as questões de fato e de direito BRASIL 2015 divergindo da remota codificação apenas no tocante a definição desta exigência que anteriormente era considerada um requisito BRASIL 1973 Dessa forma podemos notar que o ordenamento jurídico pátrio ao optar pela expressão fundamento nitidamente faz uma distinção deste para motivação Nesta linha de pensamento Carlos Aurélio Mota de Souza analisa gramática e juridicamente essa diferenciação que muitas vezes é deixada de lado pelos estudiosos do Direito porém imprescindível para o entendimento e aplicação do princípio da fundamentação das decisões Pela análise de Souza 2006 Motivo do latim motivum o que move é causa ou razão de algo o que causa ou determina alguma coisa Para o juiz motivar é explicar ou justificar os motivos ou as razões dos fundamentos Fundamento do latim fundamentum de fundare base alicerce razão ou argumento em que se funda uma tese concepção ponto de vista razão justificativa Dicionário Aurélio Nas decisões judiciais é o juízo fundante de uma decisão é o argumento relevante dentre muitos determinado pelo juiz segundo uma escala de valoração necessária à livre apreciação das questões O mesmo dicionarista Idem III332333 esclarece que na terminologiaprocessual fundamentos da ação fundamentosdo pedido ou fundamentos da demandase apresentam como fundamentosde fato e de direito mas exprimem sempreas circunstâncias da prática de um ato éo motivo determinante e justificativo dosatos jurídicos ou é a razão preponderante para satisfação de uma pretensão SOUZA 2006 Segundo esse entendimento ao nosso ver a motivação está intimamente ligada a ideia de procedimento como ocorre nos casos das decisões administrativas tomadas pela Administração Pública em sua função atípica norteado pelo princípio constitucional da motivação Assim o procedimento deve ser motivado ou seja deve expor os motivos e razões que ensejaram aquele provimento Em contrapartida a fundamentação se relaciona diretamente com a noção de processo como um direito garantia constitucional envolvendo o plano da segurança jurídica do indivíduo em relação ao Estadojurisdição bem como a efetividade da decisão jurisdicional em sua correlação com o contratidório paritário Assim o novo Código de Processo Civil ao manter a exigência da fundamentação das decisões e apresentar uma criteriologia que deve ser seguida pelo magistrado no momento de prolação da decisão garante aos cidadãos um provimento estatal constitucional e participativo possivelmento afastando o conhecido livre convencimento motivado do juiz conforme se analisará detalhadamente abaixo 42 O ARTIGO 371 DO NCPC E O AFASTAMENTO DO CRITÉRIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO O artigo 371 do CPC de 2015 determina que o juiz apreciará a prova constante dos autos independentemente do sujeito que a tiver promovido e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento O mencionado dispositivo reforça a importância da prova e da respectiva apreciação do julgador na formação de um processo justo e equânime ao estabelecer um liame entre as provas produzida pelas partes e a decisão que se originar da análise acerca desses elementos instrutórios É necessário entretanto dicutir e compreeender em que medida a valoração da prova realizada pelo julgador afeta o conteúdo e a fundamentação das decisões judiciais posto que a fundamentação das decisões pelo menos num plano ideal deveria possuir como um de seus pilares a análise pormenorizada e séria de todos os meios probatórios trazidos à baila pelas partes Num primeiro momento a sistemática do processo civil adotava o chamado critério da prova legal para esbelecer quais seriam os parâmetros de valoração das provas Com base neste critério apenas a lei definiria e escalonaria quais os valores atribuídos a cada meio de prova sendo que determinadas provas poderiam possuir um maior ou menor grau de afirmação a depender de sua natureza Desse modo ao julgador não caberia qualquer possibilidade de proceder à valoração dos instrumentos probatórios existentes dentro de um procedimento Posteriormente o critério da prova legal cedeu lugar ao denominado critério da íntima convicção que como o próprio nome diz permitia ao julgador total liberdade para apreciar e valorar as provas resultando com isso num julgamento preponderantemente norteado pelas convicções e sentimentos pessoais do juiz Em um caminho oposto ao preconizado pelo critério anterior o critério da íntima convicção dava margens para que as decisões judiciais sequer fossem fundamentadas uma vez que as próprias crenças e subjetividades do julgador pautariam as decisões por ele proferidas Com o intuito de promover um sopesamento entre o caráter extremo dos critérios anteriores passouse a adotar ulteriormente o denominado critério do livre convencimento motivado estipulando que no momento de apreciação das provas o juiz possui liberdade para conferir a cada elemento probante o valor que considerar devido devendo para tanto fundamentar sua decisão sobre a escolha da valoração daquela prova O sistema do livre convencimento motivado foi expressamente adotado pelo Código Civil de 1973 em seu artigo 131 dispondo que o juiz apreciará livremente a prova atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos ainda que não alegados pelas partes mas deverá indicar na sentença os motivos que lhe formaram o convencimento Com base nesse critério de valoração de provas o julgador passou a deter a faculdade de estabeler quais as provas seriam capazes de influenciar na formação de seu convencimento Bastaria portanto que o juiz fundamentasse a adoção dessas provas Merece destaque entretanto o fato de que uma visão moderna e democrática do processo não permite que hajam altas doses de discricionariedade do órgão judicante no momento de apreciar as provas carreadas aos autos Em sendo assim o critério do livre convencimento motivado há muito se mostrou ultrapassado ainda que a escolha das provas seja fundamentada pelo juiz Pertinente a colocação de Streck ao defender a retirada do livre convencimento motivado do CPC de 2015 Era isso que eu queria com a retirada do LC motivado ou não tanto faz porque o LCM é um engodo aparadigmático de que adianta motivar o consequente se deixo livre o antecedente Qualquer aluno de filosofia sabe disso e destrói o LCM em 5 segundos STRECK 2015 Parecenos mais acertada portanto a conclusão de o que o CPC 2015 com a inserção do artigo 371 deixou de adotar o critério do livre convencimento motivado fato que pode ser percebido entre outros motivos pela supressão do advérbio livremente que aparecia expresso no artigo 131 do Código anterior A livre apreciação da prova permitida outrora não é mais admitida pela sistemática processual vigente de modo que a discricionariedade que caminhava de mãos dadas com o juiz quando da valoração das provas dá lugar a necessidade de uma valoração discursiva da prova justificando seu conhecimento acerca da veracidade das alegações e indicando os motivos pelos quais acolhe ou rejeita cada elemento do conjunto probatório CÂMARA 2017 5 POSICIONAMENTOS JURÍDICOS QUANTO ÀS INVOCAÇÕES PROCESSUAIS Diante das inovações processuais trazidas pelo novo Código de Processo Civil principalmente no tocante à temática do presente estudo inevitável o surgimento de diversas manifestações dos estudiosos do Direito Assim passemos a analisar os posicionamentos contrários e favoráveis à exigência da fundamentações das decisões jurídicas 51 POSICIONAMENTOS CONTRÁRIOS À NOVA DISPOSIÇÃO Os efeitos do artigo 489 do Novo Código de Processo Civil garantiram enorme repercussão e polêmica entres os operadores do direito Nos grandes debates sobre o tema uma corrente antagônica sobre o dispositivo se apresentou no sentido de que o referido artigo poderia burocratizar e afastar a celeridade do judiciário princípio este norteador da nova jornada processualista demandando assim maior tempo dos magistrados Felizmente ao aprofundarmos os estudos e pesquisas doutrinárias sobre a inovação processual da fundamentação das decisões nos deparamos com poucos trabalhos acadêmicos defendendo essa corrente contrária ao dispositivo Contudo alguns posicionamentos merecem destaques para a análise da temática Nas palavras da recémformada Kellen Cardoso de Azeredo 2016 para que tais preceitos possam ser seguidos deveria haver maior número de julgadores considerando que para o cumprimento de tais especificações principalmente a do inciso IV haverá um dispêndio de tempo por parte dos magistrados superior do que há hoje em dia Como bem destaca Francine Cechet 2017 a corrente contrária às novas disposições enviou enquanto a lei ainda era um projeto solicitações para o veto de tal artigo justificando que positivada a norma trará um impacto negativo na prática forense atingindo diretamente a independência pessoal e funcional do juiz bem como prejudicando a produção de decisões judiciais aumentando ainda mais a demora na tramitação processual Ainda nesse sentido Lenio Luiz Streck em sua coluna para a Revista Consultor Jurídico 2015 analisou interessantes manifestações virtuais de dois juízes sobre a mudança processual sendo um deles veementemente contra às novas disposições Em seu comentário afirma que não quer viver num país em que Juízes não sejam livres para aplicar a lei segundo sua consciência Streck rebateu afirmando que a democracia é incompatível com consciências pessoais Ainda houveram manifestaçãoes contrárias ao art 489 do novo CPC por parte de entidades de classe como a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho Anamatra a Associação dos Magistrados Brasileiros AMB e a Associação dos Juízes Federais do Brasil Ajufe conforme bem pondera Ada Pellegrini Grinover Paulo Henrique Lucon e José Tucci em artigo publicado pela Revista Consultor Jurídico 2015 Segundo os autores a Anamatra alega quea entrada em vigor dessa norma comprometeria a independência funcional dos juízes prejudicaria a duração razoável do processo restringiria o disposto no art 93 inc IX da Constituição Federal e tornaria vinculantes súmulas teses e orientações jurisprudenciais o que só a Constituição segundo afirma poderia realizar De modo geral percebemos que as divergências quanto a criteriologia de decidir estabelecida pelo novo Código de Processo Civil direcionamse principalmente para a morosidade e burocratização processual para o impedimento dos juízos de se valerem de fundamentos não alegados pelas partes e até para alguns despautérios como o da aplicação da lei segundo sua consciência 52 POSICIONAMENTOS FAVORÁVEIS À NOVA DISPOSIÇÃO Em contrapartida inúmeras são as manifestações favoráveis aos critérios de decidir estabelecidos pelo artigo ora examinado Contudo por ser ainda recente a modificação na legislação processual civil o que mais se encontra são artigos periódicos e manifestações virtuais sobre a temática Nesse sentido podemos destacar importantes posicionamentos de estudiosos do Direito versando acerca do referido assunto Na dicção de André Mottin 2016 A exigência da motivação qualificada das decisões judiciais ganha ainda maior relevo no atual momento evolutivo do Direito em que se promove o ativismo judicial bem como uma louvável superação das amarras do pensamento lógicodedutivo e da simples subsunção na dicção do Direito Aí se incluem tendências do denominado póspositivismo jurídico que afirmam a força normativa dos princípios e a transformação da hermenêutica jurídica com o acolhimento de teorias argumentativas do Direito como a da ponderação de interesses de Robert Alexy Dada a complexidade das relações jurídicas e demandas judiciais contemporâneas cada vez mais se reconhece que a norma não se encerra no texto legal e que é construída no caso concreto a partir da interpretação de forma argumentativa Superase a visão estritamente positivista de uma norma pressuposta e de fatos a serem simplesmente a ela subsumidos A norma passa a ser erigida in casu pelo juiz a partir da interpretação jurídica demonstrada por meio da argumentação Destarte não mais se admitindo um significado uno do texto legal mas vários sentidos que serão ponderados na concretização da norma tornase insuficiente ao juiz simplesmente apresentar a sua particular interpretação para o caso argumentando como chegou a ela É imprescindível ainda que demonstre porque os demais significados possíveis da norma não foram adotados evitandose subjetivismos Tornase forçoso pois que o juiz se manifeste acerca de todos os fundamentos apresentados pelas partes no processo MOTTIN 2016 Ada Pellegirni Grinover Paulo Henrique Lucon e José Tucci 2015 afirmam A adequada motivação das decisões jurídicas constitui uma garantia das partes que desse modo terão conhecimento da ratio decidendi para verificar se seu anseio foi respondido pelo Poder Judiciário e ainda de um modo geral da própria sociedade que tem assim condições de aferir e controlar legitimamente o exercício de um dos poderes estatais GRINOVER LUCON TUCCI 2015 Ainda nesse sentido Nayara Martinazzo 2015 destaca Temse se claro que o novo Código de Processo Civil acertou ao guiar o julgador no momento da decisão O novo artigo aperfeiçoou relevantemente o dever de fundamentação ao indicar as hipóteses em que a decisão será considerada não fundamentada Não se interferiu no mérito da interpretação mas apenas delineou como a fundamentação não deve ser elaborada Tratase de um grande passo em direção ao processo justo e cumprimento do que determina o artigo 93 inciso IX da Constituição Mais que isso o legislador levou em consideração que por mais que exista a contínua cobrança de produtividade sobre o Judiciário tal efetividade não pode se dar à custa da fundamentação judicial Essa garantia constitucional não pode ser prejudicada em razão de produtividade e metas pois o maior prejudicado será justamente quem mais precisa do órgão jurisdicional A nova norma processual é um sinal de salvação de uma garantia constitucional que já andava há muito esquecida em meio à pressa É um resgate de um direito fundamental das partes que trará inúmeros impactos positivos maior possibilidade de defesa e contraditório controle da legalidade efetividade da prestação jurisdicional e soluções concretas ou seja a reafirmação da garantia do direito fundamental a um processo justo Inúmeras manifestações poderiam ser colacionadas no presente trabalhando visando enaltecer o legislador brasileiro ao dispor a denominada criteriologia de decidir estabelecida pelo artigo 489 do novo Código de Processo Civil Todavia importante destacarmos o posicionamento que acreditamos ser o mais plausível para a tão discutida inovação 53 ART 489 BUROCRATIZAÇÃO E MOROSIDADE PROCESSUAL OU GARANTIA FUNDAMENTAL DO CONTRADITÓRIO Levando em conta todos posicionamentos acima mencionados não podemos deixar de concordar com a corrente favorável à inovação do dispositivo que garante a exigência de uma decisão devidamente fundamentada Isso porque nós parece com a devida vênia um tanto quanto insensato o pensamento de que as novas disposições culminarão em burocratização e morosidade ao judiciário brasileiro Tendo como base os três anos que já se passaram da vigência do novo Código Processual podemos analisar a problemática de forma prática Não se encontram registros ou estatísticas de que após o advendo da corrente legislação o lapso de duração médio de um processo judicial tenha se alterado Assim salvo a superveniência de dados estatísticos contrários posteriores ao presente trabalho podemos concluir que o tempo de duração das demandas judiciais entre o período de transição dos diplomas processuais não oscilou drasticamente E ainda que assim o fosse não acreditamos ser razoável o compromentimento de uma decisão constitucionalmente democrática em prol de um rápido desfecho processual Nesta mesma linha destacamos novamente as palavras de Ada Pellegrini Grinover Paulo Henrique Lucon e José Tucci 2015 É um equívoco de natureza lógica entretanto computar no prazo da duração razoável do processo uma atividade tão essencial à atividade judicial como a adequada justificação de uma decisão Seria o mesmo que considerar prejudicial à celeridade do processo a produção de uma prova relevante e necessária à resolução do litígio Isso sem considerar que motivação dessa natureza avessa a abstrações tem maior aptidão de cumprir seu escopo subjetivo convencendo a parte que sucumbiu do acerto da decisão e desestimulandoa portanto a impugnála GRINOVER LUCON TUCCI 2015 Por fim redundante seria colocarmos todos os argumentos favoráveis à ora estudada disposição processual visto que estes foram trabalhados enfaticamente ao longo do presente trabalho ao destacarmos a importância da fundamentação das decisões judicias para a concretização de um processo constituiconal democrático a necessidade do respeito ao contraditório paritário bem como a adoção da teoria neo institucionalista do processo proposta por Rosemiro Pereira Leal 2005 Dessa forma o art 489 do novo Código de Processo Civil ao positivar criteriosamente os mecanimos para materialização do princípio constitucional processual da fundamentação das decisões estabelece assim a efetiva garantia do contraditório e da vedação das decisões surpresas 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS A despeito de o atual Código de Processo Civil não ter abandonado a instrumentalidade do processo louvamos as técnicas legislativas inseridas visando uma concreta fundamentação das decisões emanadas do Poder Judiciário brasileiro bem como entendemos serem estas as formas adequadas de efetivação das garantias fundamentais interligadas ao devido processo legal Contudo restanos indagar se tais técnicas estão sendo devidamente aplicadas pelos magistrados e em caso negativo se as decisões estão sendo devidamente reformadas pelas instâncias superiores que verificam os respectivos descumprimentos Ademais no tocante as críticas contrárias a criteriologia de decidir cumpre nos ressaltar que mesmo que acarretasse algum aumento mínimo no tempo de duração das demandas o que não acreditamos tendo em vista o fato de que as decisões emadas à luz das novas disposições tendem a serem mais adequadas sob o ponto de vista democrático este fator não seria por si só suficiente para suprir a necessidade de concretização dos princípios garantidores do devido processo legal Dessa forma à guisa de conclusão acreditamos que novo regramento acerca da fundamentação dos provimentos decisórios estabelecido pelo CPC de 2015 deve ser visto com bons olhos tendo em vista que sua positivação reforça a ideia de que a fundamentação das decisões é primordial ao provimento jurisidcional bem como que esta fundamentação seja considerada a maneira de se assegurar a qualquer um do povo um desfecho democrático e constitucional para as lides submetidas ao crivo do Estado afastando por consequencia arbitrariedades e abusividades REFERÊNCIAS ALMEIDA Cynara A fundamentação das decisões na forma do art 489 1º do novo CPC e sua aplicabilidade prática Disponível em httpwwwmigalhascombrdePeso16MI25998721048 Afundamentacaodasdecisoesnaformadoart4891donovoCPCesua Acessado em 08032018 às 1856 AMARAL Guilherme Rizzo Comentários às alterações do novo CPC São Paulo Revista dos Tribunais 2015 AZEREDO Kellen Cardozo de A problemática da fundamentação nas decisões judiciais perante o novo Código de Processo Civil Análise do artigo 489 1º IV NCPC 2016 Disponível em httpintertemasunitoledobrrevistaindexphpETICarticleviewFile21072211 Acessado em 27022018 às 1736 BRASIL Constituição 1988 Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 5 de outubro de 1988 Organização 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Paulo Atlas 2016 GRINOVER Ada Pellegrini LUCON Paulo Henrique dos Santos TUCCI José Rogério Cruz eEm defesa das inovações introduzidas pelo Novo CPCRevista Consultor Jurídico 14 de março de 2015 Disponível em httpswwwconjurcombr2015mar14defesainovacoesintroduzidascpc Acessado em 06032018 às 0051 LEAL André Cordeiro O contraditório e a fundamentação das decisões no direito processual democrático Belo Horizonte Mandamentos 2002 p105 LEAL André Cordeiro Instrumentalidade do Processo em Crise Belo Horizonte Mandamentos Faculdade de Ciências HumanasFUMEC 2008 LEAL Rosemiro Pereira TGP Teoria Geral do Processo 6º edição Thomson Iob São Paulo 2005 p105 MARTINAZZO Nayara O Novo Código de Processo Civil o resgate da garantia constitucional de fundamentação decisória DireitoNet 06 de dezembro de 2015 Diposnível em httpswwwdireitonetcombrartigosexibir9500ONovoCodigodeProcesso Civiloresgatedagarantiaconstitucionaldefundamentacaodecisoria Acessado em 05042018 às 1946 MOTTIN André Luís dos Santos O Dever judicial de enfrentamento integral de teses uma análise inicial do artigo 489 1º inciso IV do Novo Código de Processo Civil Revista Páginas de Direito Porto Alegre ano 16 nº 1306 27 de abril de 2016 Disponível em httpwwwtexprobrindexphpartigos329artigos abr20167536odeverjudicialdeenfrentamentointegraldetesesumaanalise inicialdoartigo4891incisoivdonovocodigodeprocessocivil Acessado em 05042018 às 1901 PINTO Davi Souza de Paula Teoria Geral do Processo As diferentes visões teóricas que surgiram no decorrer da história do Direito sobre o processo In Âmbito Jurídico Rio Grande XI n 56 ago 2008 Disponível em httpwwwambito juridicocombrsiteindexphpnlinkrevistaartigosleituraartigoid5102 SOUZA Carlos Aurélio Mota de Motivação e fundamentação das decisões judiciais e o princípio da segurança jurídica Revista Brasileira de Direito Constitucional Nº 7 JanJun 2006 Vol2 STRECK Lenio Luiz NUNES Dierle CUNHA Leonardo orgs Comentários ao Código de Processo Civil São Paulo Saraiva 2016 STRECK Lenio Luiz Dilema de dois juízes diante do fim do Livre Convencimento do NCPC Revista Consultor Jurídico 19 de março de 2015 8h00 Disponível em httpswwwconjurcombr2015mar19sensoincomum dilemadoisjuizesdiantefimlivreconvencimentoncpc Acessado em novembro2017 TARTUCE Flávio Manual de direito civil volume único 4 ed rev atual e ampl Rio de Janeiro Forense São Paulo Método 2014 THEODORO JÚNIOR Humberto Curso de direito processual civil 47 ed Belo Horizonte Forense 2015 v I THEODORO JÚNIOR Humberto Curso de direito processual civil 47 ed Belo Horizonte Forense 2015 v II THEODORO JÚNIOR Humberto Curso de direito processual civil 47 ed Belo Horizonte Forense 2015 v III Contidos nesta obra estão seletos estudos jurídicos produzidos por discentes da Faculdade Mineira de Direito PUC Minas em participação a ciclo de pesquisa promovido pelo Núcleo Acadêmico de Pesquisa no ano de 20172018 Aventuraramse os autores ao investigar empregando método multidisciplinar as problemáticas diversas que os operadores do direito são compelidos a enfrentar Bárbara Thaís Pinheiro Silva Neuler Mendes Gomes Júnior Pedro Henrique Cardoso Gonçalves Organizadores Ana Carolina Baracho Ana Eliza Alves Silva Ana Luiza Tiburcio Guimarães Ana Vitória Bragança Lana Ataíde Bárbara dos Santos Choucair Bárbara Thaís Pinheiro Silva Brunna Leão Jácome Ferreira Daniela Dantas Carvalho Debora Duarte Rodrigues Braga Dimas Ferreira Lopes Ênio Vinícius Martins Ferreira Felipe Diógenes A de Paula Cândido Gabriel Nepomuceno Barbosa Gabriela Helena Tassara Calenzani Gustavo Mendes de Oliveira Costa Jéssica Batista Barbosa João Vitor Silva de Aquino Júlia Dilly Campos Laura Elísia Carvalho Cardoso Letícia Mariano Borges de Figueiredo Lucas Roquette Freitas Henriques Lucca Sá Motta Dias de Assis Marcel Chaves Ferreira Mariana Gualberto da Silveira Mariana Wamser Ferreira Marianna Campos Dias Assis Melissa de Carvalho Moreira Murilo Lemos Wehdorn Paulo Henrique Mazzoni Mota Priscila Pereira Cavalcanti dos Santos Rayssa Laleska de Oliveira Costa Renatha Amaral Silva Thais Guedes Yasuda Vitor Maia Veríssimo Yuri César de Almeida Silva AUTORES
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Núcleo Acadêmico de Pesquisa ESTUDOS EM DIREITO PÚBLICO E PRIVADO BÁRBARA THAÍS PINHEIRO SILVA NEULER MENDES GOMES JUNIOR PEDRO HENRIQUE CARDOSO GONÇALVES Organizadores Volume 1 Prefácio Profa Dra Wilba Lúcia Maia Bernardes Bárbara Thaís Pinheiro Silva Neuler Mendes Gomes Junior Pedro Henrique Cardoso Gonçalves Organizadores Estudos em Direito Público e Privado VOLUME I Belo Horizonte PUC Minas 2020 Organizadores da Obra Bárbara Thaís Pinheiro Silva Presidente do Núcleo Acadêmico de Pesquisa Pedro Henrique Cardoso Gonçalves Vicepresidente do Núcleo Acadêmico de Pesquisa 2017 Neuler Mendes Gomes Junior Diretor de Pesquisa e Publicação do Núcleo Acadêmico de Pesquisa 2017 Revisão dos artigos Responsabilidade dos Professores Supervisores do Núcleo Acadêmico de Pesquisa e dos Autores Os artigos escritos pelos pesquisadores são de responsabilidade destes não necessariamente expressando os valores e orientação filosófica do colegiado do Núcleo Acadêmico de Pesquisa da Faculdade Mineira de Direito ou da PUC Minas FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais E82 Estudos em direito público e privado recurso eletrônico volume 1 organizadores Bárbara Thaís Pinheiro Silva Neuler Mendes Gomes Júnior Pedro Henrique Cardoso Gonçalves Ana Carolina Baracho et al Belo Horizonte PUCMG 2020 Ebook 321 p il ISBN 9786588331026 1 Direito privado 2 Direito público 3 Federalismo 4 Democracia 5 Conflito social 6 Direitos humanos e globalização I Silva Bárbara Thaís Pinheiro II Gomes Júnior Neuler Mendes III Gonçalves Pedro Henrique Cardoso Baracho Ana Carolina V Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Núcleo Acadêmico de Pesquisa VI Título CDU 342 Ficha catalográfica elaborada por Fabiana Marques de Souza e Silva CRB 62086 Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Trabalhos realizados no Ciclo de Pesquisa do Núcleo Acadêmico de Pesquisa ano 2017 e 2018 para fins acadêmicos do Curso de Direito PUC Minas unidade Coração Eucarístico É proibida a reprodução total ou parcial sejam quais forem os meios empregados sem a permissão por escrito dos autores Venda proibida APRESENTAÇÃO É com muita alegria e orgulhosos de que em nossos discentes temos sementes que brotarão para o futuro que apresentamos à Comunidade Acadêmica este livro resultado da experiência exitosa do NAP Núcleo Acadêmico de Pesquisa em parceria com o Curso de Direito da Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas reafirmando a perspectiva de que a iniciação à pesquisa é vigorosa e seriamente construída neste espaço acadêmico Em 1998 o NAP foi fundado por iniciativa dos monitores de graduação e de bolsistas de iniciação científica que constituíram vários grupos de pesquisa Na sua composição inicial o NAP tinha os seguintes graduandos da Puc Minas Álisson Nogueira Santana Bruno César Gonçalves da Silva Bruno Torquato de Oliveira Naves Cristiane Trani Gomes Daniela Soares Hatem Érica Adriana Costa Giordano Bruno Soares Roberto Glenda Rose Gonçalves Chaves Gustavo Pereira Leite Ribeiro Luciana da Silva Costa e Teresinha Chaves Inicialmente todos os grupos eram liderados por alunos e auxiliados por professores Além disso importantes eventos foram realizados como o 1º Seminário de Iniciação Científica da Faculdade Mineira de Direito em 2000 para apresentação das pesquisas realizadas nos grupos e os seminários internacionais de Direito Civil 2001 e de Biodireito 2002 Na sequência da graduação muitos dos seus membros iniciais foram para os quadros de Pós graduação stricto sensu sendo hoje mestres e doutores seguindo a carreira docente Na condição de Coordenadora de Pesquisa da Faculdade Mineira de Direito no período de 1999 a 2000 acompanhei diretamente o trabalho expressivo deste grupo inicial que deu as balizas do NAP Os artigos agora expostos referemse aos Grupos de Pesquisa que tiveram seus trabalhos realizados e concluídos nos anos de 2017 e 2018 no Curso de Direito do Coração Eucarístico da PUC Minas Refletem sem dúvida alguma o pioneirismo desta iniciativa discente amparada e abraçada solidamente por professores que compõem os quadros docentes desta Instituição e que se desdobraram para além das atividades acadêmicas cotidianas que já exercem acompanharem e orientarem nossos alunos Nesse sentido fica nosso merecido reconhecimento aos professores Alberico Alves da Silva Filho Álisson da Silva Costa Anne Shirley de Oliveira Resende Martins Antônio Carlos Lúcio Macedo de Castro Daniel Augusto Arouca Bizzotto Dimas Ferreira Lopes José Boanerges Meire Maria de Lourdes Monteiro Albertini e Pilar de Souza e Paula Coutinho Eloi Merece menção incontestável a Coordenação dos trabalhos do NAP realizada pela gestão que assumiu a partir de 2017 na pessoa da discente Bárbara Thaís Pinheiro Silva que revigorou e reativou este Núcleo atuando de forma competente comprometida e eficiente resultado de sua natural vocação para a pesquisa começando a trilhar com perspectivas auspiciosas os caminhos da docência Inegável que o trabalho realizado reflete o empenho e dedicação de toda sua equipe e seus componentes também começam a escrever suas trajetórias como pesquisadores assim destaco também os discentes Neuler Mendes Gomes Júnior e Pedro Henrique Cardoso Gonçalves coorganizadores da obra apresentada É neste eterno começar de novo que cremos plantamos os alicerces de nossa Faculdade fincados na construção de uma sociedade mais fraterna e solidária sempre atuando em prol da dignidade da pessoa humana e dos valores democráticos Também entendemos que se faz concreto nestas atuações as premissas do nosso Projeto Pedagógico que têm como referencial fornecer uma formação humanista e crítica possibilitando aos nossos egressos compreenderem a marca de seu tempo na construção de uma cidadania ativa e potencialmente libertadora Os títulos e temáticas desenvolvidos neste volume refletem singularmente os compromissos e a vocação acima expostos e seguem as linhas de pesquisa Constituição e Democracia Sociedade Conflito e Movimentos Sociais e Direito Internacional e as Transformações do Mundo Globalizado Nas transformações vivenciadas pelas formas de Estados são analisados temas impactantes como novas formas de arranjos territoriais que potencializam o viés democrático o federalismo fiscal a autonomia e os macros e microspolos de poder Também considerando a formação das sociedades plurais e complexas do final do séc XX e início do séc XXI temáticas que permeiam a sociologia jurídica o direito penal e o direito constitucional são objeto de reflexão e com acuidade debatese o papel da sociedade civil organizada e do reconhecimento e inclusão das minorias Ainda partindo da visão que necessariamente coloca em discussão o conceito de soberania há temas novos e densos potencializando abordagens sobre a globalização política migratória terrorismo e direitos humanos Enfim e para o começo da leitura as discussões são profícuas atuais e pertinentes Refletem as transformações pelas quais o Direito vem passando e a necessidade de construção de um Direito justo que perquira formas de pertencimento em uma sociedade tão heterogênea e patrocine possibilidades de inserção igualitária no jogo democrático Reiteramos nossos agradecimentos a todos envolvidos neste processo Profª Drª Wilba Lúcia Maia Bernardes Chefe de Departamento da FMD Coordenadora do Curso de Direito do Coração Eucarístico da PUC Minas AGRADECIMENTOS O conteúdo dessa valiosa Coletânea de Artigos Científicos é parte de um ambicioso Projeto idealizado pelo Núcleo Acadêmico de Pesquisa Portanto a sua concretização só foi possível pela soma do esforço conjunto de muitos e aqui registramos nossos maiores agradecimentos e admiração à pessoa de cada um Consideramos essencial agradecer especialmente a quem acreditou no projeto quando era apenas uma ideia A todo o corpo docente especialmente à Coordenação de Curso da Faculdade Mineira de Direito na pessoa da Profª Wilba Lúcia Maia Bernardes e à Coordenação de Pesquisa Profª Marinella Machado Araújo pela crença nesse Projeto Ao Professor Guilherme Coelho Colen Diretor da Faculdade Mineira de Direito que muito nos prestigiou como palestrante no evento de divulgação dos trabalhos deste Núcleo na semana de Pesquisa Monografia e Revista da FMD em 2018 Nosso agradecimento singular aos professores que se aliaram a esse projeto como orientadores dos autores é certo que desenvolveram atividade imprescindível para a concretização do trabalho Agradecemos aos professores Alberico Alves da Silva Filho Álisson da Silva Costa Anne Shirley de Oliveira R Martins Antônio Carlos Lúcio Macedo de Castro Daniel Augusto Arouca Bizzotto Dimas Ferreira Lopes José Boanerges Meira Maria de Lourdes Monteiro Albertini Pilar de Souza e Paula Coutinho Eloí e Wilba Lúcia Maia Bernardes pela dedicação e principalmente pelo carinho para com os orientados Gratificamos e parabenizamos ainda toda a equipe de pesquisadores deste Ciclo estes que contribuíram para realização desse trabalho como autores dos artigos que compõem a obra Foram muitas as pessoas da Faculdade Mineira de Direito que nos apoiaram especialmente todo corpo de funcionários e administração pelo que não nos esquecemos de vos agradecer Obrigado Guilherme Soares Araújo Júlio César da Silva Prado Maria Aparecida Ribeiro de Faria Figueiredo Maria José Mendes Varela Mary Ângela Côrtes e Paulo César de Barros Vieira Não nos esquecemos do suporte externo à Faculdade Agradecimentos também aos funcionários da Biblioteca Pe Alberto Antoniazzi pelo auxílio prestado na elaboração da ficha catalográfica Finalmente a todos que citados ou não aqui contribuíram para que esse Projeto se tornasse realidade o Núcleo Acadêmico de Pesquisa expressa sua eterna gratidão e admiração Esperamos e torcemos para que a Coletânea a seguir apresentada traduza todo o trabalho empenhado Fica registrado nosso mais sincero obrigado a todos Colegiado do Núcleo Acadêmico de Pesquisa Os que acham que a morte é o maior de todos os males é porque não refletiram sobre os males que a injustiça pode causar Sócrates Filósofo grego SUMÁRIO TÍTULO PRIMEIRO CONSTITUIÇÃO E DEMOCRACIA CAPÍTULO 01 PACTO FEDERATIVO E A CRISE FINANCEIRA DOS MUNICÍPIOS Melissa de Carvalho Moreira 13 CAPÍTULO 02 SERIA O FEDERALISMO FORMA DE ESTADO APTA A FOMENTAR A PARTICIPAÇÃO DIRETA NO BRASIL Ênio Vinícius Martins Ferreira e Lucas Roquette Freitas Henriques 31 CAPÍTULO 03 A TENDÊNCIA UNITÁRIA DO FEDERALISMO BRASILEIRO UMA ANÁLISE DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 5540 Marcel Chaves Ferreira e Paulo Henrique Mazzoni Mota 38 CAPÍTULO 04 A HIPERTROFIA DA UNIÃO NO FEDERALISMO BRASILEIRO COMO O CONCEITO DE AUTONOMIA FEDERATIVA É DETURPADO Lucca Sá Motta Dias de Assis 50 CAPÍTULO 05 MACROBLOCOS DE PODER UMA ANÁLISE SOBRE A UNIÃO EUROPEIA E O MERCOSUL A PARTIR DE HABERMAS Felipe Diógenes Antunes de Paula Cândido 65 TÍTULO SEGUNDO SOCIEDADE CONFLITO E MOVIMENTOS SOCIAIS CAPÍTULO 01 A ATUAÇÃO DE GRUPOS ECONÔMICOS NA REFORMA AGRÁRIA DISCUTIDA NA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE DE 1987 Bárbara dos Santos Choucair e Laura Elísia Carvalho Cardoso 80 CAPÍTULO 02 FRONTEIRA POLÍTICA DUAS MACROVISÕES DA SOBERANIA DA EUROPA AO MERCOSUL Dimas Ferreira Lopes e Vitor Maia Veríssimo 96 CAPÍTULO 03 MACONHA MEDICINAL UMA ANÁLISE SOCIOLÓGICA E JURÍDICA SOBRE A SUA CRIMINALIZAÇÃO NO BRASIL Ana Vitória Bragança Lana Ataíde Gustavo Mendes de Oliveira Costa e Júlia Dilly Campos 108 CAPÍTULO 04 REFUGIADOS NO BRASIL UMA DISSERTAÇÃO ACERCA DA ATUAÇÃO ASSINCRONICA NA DEFESA DE SEUS DIREITOS Ana Carolina Baracho 138 CAPÍTULO 05 POVOS INDÍGENAS O DIREITO À CONSULTA PRÉVIA E ÀS TERRAS TRADICIONALMENTE OCUPADAS Ana Eliza Alves Silva Gabriela Helena Tassara Calenzani e Mariana Gualberto da Silveira 153 CAPÍTULO 06 ENCARCERAMENTO FEMININO UMA ANÁLISE DO AUMENTO DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA DE MULHERES BRASILEIRAS COM A PROMULGAÇÃO DA LEI N 1134306 Letícia Mariano Borges de Figueiredo e Thais Guedes Yasuda 165 CAPÍTULO 07 MIGRAÇÃO HAITIANA NO BRASIL ADEQUAÇÃO AO CONCEITO DE REFÚGIO Rayssa Laleska de Oliveira Costa 182 TÍTULO TERCEIRO DIREITO INTERNACIONAL E AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO GLOBALIZADO CAPÍTULO 01 A GUERRA DA BÓSNIAHERZEGOVINA E O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL NA EXIUGOSLÁVIA Bárbara Thaís Pinheiro Silva e Jéssica Batista Barbosa 196 CAPÍTULO 02 GUERRA MUNDIAL AFRICANA E A NORMA JUS COGENS ENFOQUE SOBRE O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL Gabriel Nepomuceno Barbosa 213 CAPÍTULO 03 GUERRILHA DO ARAGUAIA E LEI DA ANISTIA O ATRASO BRASILEIRO NO CONTEXTO DOS DIREITOS HUMANOS João Vitor Silva de Aquino e Murilo Lemos Wehdorn 230 CAPÍTULO 04 A POLÍTICA IMIGRATÓRIA NA UNIÃO EUROPEIA Ana Luiza Tiburcio Guimarães Bárbara Thaís Pinheiro Silva e Marianna Campos Dias Assis 245 CAPÍTULO 05 A NOVA LEI DE MIGRAÇÃO E A REALIDADE SOCIAL BRASILEIRA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS Debora Duarte Rodrigues Braga 263 CAPÍTULO 06 A MIGRAÇÃO NOS ESTADOS UNIDOS E SUA INCOERÊNCIA COM OS DIREITOS HUMANOS Bárbara Thaís Pinheiro Silva Mariana Wamser Ferreira e Renatha Amaral Silva 276 CAPÍTULO 07 A IMPORTÂNCIA DO DIREITO HUMANITÁRIO PARA EVITAR O FLUXO DE REFUGIADOS Bárbara Thaís Pinheiro Silva Brunna Leão Jácome Ferreira e Priscila Pereira Cavalcanti dos Santos 289 TÍTULO QUARTO TRANSFORMAÇÕES NO DIREITO PRIVADO CAPÍTULO 01 A CRITERIOLOGIA ADOTADA PELO NCPC PARA A FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JURÍDICAS PERSPECTIVAS ATINENTES AOS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO PROCESSO NEOINSTITUCIONAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Daniela Dantas Carvalho e Yuri César de Almeida Silva 301 TÍTULO PRIMEIRO CONSTITUIÇÃO E DEMOCRACIA FEDERALISMO FEDERAÇÃO JURISDICIONAL E CONSTITUCIONAL Professora Supervisora do Grupo de Pesquisa Profa Dra Wilba Lúcia Maia Bernardes CAPÍTULO 01 PACTO FEDERATIVO E A CRISE FINANCEIRA DOS MUNICÍPIOS Mellissa de Carvalho Moreira1 1 INTRODUÇÃO O Brasil adota o federalismo como modelo de organização do Estado que estabelece uma repartição de poderes em três níveis União Estados Distrito Federal DF e Municípios todos autônomos e independentes Sendo que para assegurar tal autonomia2 a Constituição estabelece a repartição dos poderes e competências de cada ente e os limites de atuação de cada um O pacto federativo é o mecanismo que estabelece esta repartição das competências e encargos entre os entes e na insuficiência destas estabeleceu posteriormente instrumentos de transferências intergovernamentais de receitas por meio dos fundos de participação e transferências diretas de recursos Contudo ainda que adotados tais instrumentos de transferência e repasses o pacto encontrase extremamente desequilibrado num contexto de crise financeira dos Estados e Municípios o que representa riscos à federação uma vez que em uma situação de crise a autonomia sobretudo financeira dos entes se esvazia prejudicando um dos preceitos básicos do federalismo Dentre as causas da crise financeira estão a ineficiência dos mecanismos de financiamento da federação a guerra fiscal3 bem como a já acentuada carga tributária existente no Brasil4 No contexto atual o federalismo encontrase enfraquecido os Municípios e Estados carecem de autonomia financeira o que prejudica também o exercício de sua autonomia política e administrativa enfraquecendo consequentemente o próprio 1 Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 2 Autonomia aqui entendida como o poder de autodeterminação exercitável de modo independente mas dentro de limites traçados por lei estatal superior FERREIRA FILHO 2012 3 Competição entre entes federados por meio da concessão de isenções e benefícios fiscais para atrair investimentos locais abdicando de receitas tributárias com a finalidade de fomentar o desenvolvimento econômico e gerar vantagens sociais que compensem as desvantagens provenientes das isenções é o que afirma Luís Carlos Vitali Bordin 2004 p 760 4 O fato de a carga tributária já ser alta impossibilita que o governo crie novos impostos ou aumente os existentes visando melhorar a arrecadação federalismo brasileiro Assim fazse necessária uma reformulação do pacto federativo que não cumpre sua missão de estabelecer uma distribuição equilibrada de encargos e recursos mesmo considerando o sistema de repasses que como será demonstrado no presente trabalho não possui mecanismos de rateio e partilha adequados para proporcionar um equilíbrio federativo 2 FEDERALISMO NO BRASIL O federalismo é uma forma de Estado que decorreu da Confederação5 modelo no qual os estados se reúnem para formar um Estado unido mas preservando a independência e liberdade dos estados membros Neste modelo de estado os membros podem a qualquer momento se desligar da confederação o que a torna um modelo frágil Em razão desta fragilidade do modelo existente havia uma necessidade de realizar modificações nos artigos da Confederação buscando constituir um governo central forte capaz de manter a união indissolúvel entre os Estados Assim foi realizada a Convenção da Filadélfia6 em 1787 que resultou na adoção da forma federativa de Estado estruturada por meio de uma Constituição e não mais Tratado Portanto o Estado Federal se constitui da união dos Estados que preservam sua autonomia liberdade e independência e abrem mão de sua soberania transferindoa para o Governo Central É uma forma de organização política instituída por meio de um pacto que estabelece uma divisão de poderes entre os entes federados preservando a autonomia e independência aos seus entes que é assegurada e delimitada na Constituição documento que formaliza e estabelece os termos do pacto federativo Esta forma de organização é pautada em níveis federativos desconcentrando e descentralizando o poder por meio da atribuição de competências e deveres a cada um dos entes federados que irão exercêlas na forma e dentro dos limites estabelecidos na Constituição A Constituição é a base jurídica do Estado Federal que confere autonomia aos entes federados estabelecendo seus poderes competências7 e traçando os limites de atuação de cada ente 5 Constituída pelos Estados Unidos em 1781 por meio da assinatura do Tratado da Confederação 6 A ratificação da Constituição dos Estados Unidos constituindo o Estado Federado teve grande influência de James Madison Alexander Hamilton e John Jay autores da obra Os Artigos Federalistas que expuseram as falhas da Confederação apontando para a necessidade de adoção de uma forma de Estado mais forte e definitiva DALLARI 2011 p 253254 7 Juntamente com as competências e atribuições são estabelecidas fontes de obtenção de recursos para cada ente o que é feito principalmente por meio dos impostos Feitas considerações acerca do que é federalismo como uma forma de organização do Estado cumpre apresentar brevemente o desenvolvimento do federalismo na história Brasileira 21 Origens do federalismo no Brasil O federalismo brasileiro possui origens distintas da formação clássica do federalismo norteamericano uma vez que o federalismo norte americano se deu por meio da união das colônias antes soberanas autônomas e independentes ou seja em uma formação centrípeta em que as colônias independentes abriram mão de sua soberania e autonomia e se uniram para formar um governo central forte e soberano Já no Brasil o processo foi o inverso centrífugo partiu de um Estado Unitário que se desmembrou em Estados membros que foram dotados de autonomia Este modelo de Estado foi adotado pela Constituição de 1891 que adotou um modelo de federalismo dualista e descentralizado inspirado no modelo norteamericano que tinha como pressuposto a soberania da União e Estadosmembros com definição das competências de cada ente No entanto este modelo não perdurou em razão das preocupações que foram verificadas no contexto fático8 a Constituição de 1934 rompeu com o modelo dualista9 estabelecendo o modelo cooperativo o que representou uma grande evolução para o federalismo O modelo cooperativo era pautado na solidariedade entre os entes federados e buscou ajustar o federalismo à realidade socioeconômica brasileira considerando as fortes desigualdades regionais existentes O federalismo cooperativo se baseou na atuação da União em cooperação com os Estados membros o que aumentou o papel intervencionista da União e para tanto a Carta atribuiu mais poderes de organização e controle à União Já em 1937 a Constituição outorgada rompeu com os preceitos federativos da Carta de 1934 e estabeleceu uma nova ordem constitucional efetivamente unitária altamente centralizada no poder central anulando a autonomia dos demais entes Este período unitário foi superado por meio da Constituição de 1946 que retomou o 8 Alguns destes fatores foram a crise econômica de 1929 que alcançou proporções internacionais atingindo diretamente o Brasil em suas relações comerciais com outros países assim como a insatisfação popular com o governo que era dominado e revezado entre Minas Gerais e São Paulo 9 O federalismo dualista pode ser caracterizado pela nítida separação entre as competências dos Estados e União no qual as competências são repartidas de forma horizontal com a previsão de competências e instituição de tributos exclusivos federalismo e democracia na forma em que estavam previstos na Carta de 1934 reestabelecendo a autonomia dos Estadosmembros A Constituição de 1946 retomou o federalismo cooperativo conferindo soberania à União e autonomia aos Estados membros Além da autonomia criou mecanismos para garantir a cooperação entre União e Estadosmembros fortalecendo as relações entre os entes federados de forma a descentralizar o poder e colocar o Brasil no caminho da democracia No entanto em 1964 o Governo Militar rompeu com o cenário federalista e democrático período no qual o federalismo foi novamente centralizado predominando o poder político e administrativo da União em detrimento dos Estados e Municípios10 estabelecendo forte subordinação destes ao governo federal O federalismo novamente foi meramente nominal na Constituição de 1967 porque na realidade os poderes e competências estavam concentrados na União e os demais entes federados não possuíam competência nem recursos necessários para exercerem suas autonomias Diante deste histórico brasileiro com tais mudanças e inconstâncias dos preceitos federativos e democráticos a Constituição de 1988 foi promulgada rompendo com o período ditatorial e reestabelecendo a democracia e modelo de federalismo cooperativo11 em seu artigo 1 estabelecendo que a República é formada pela união dos Estados Distrito Federal e Municípios Não obstante a adoção expressa da forma federativa o art 60 4 I da Constituição assegura o princípio federativo colocandoo como cláusula pétrea o que implica na impossibilidade de alteração de tal princípio A Constituição também reestabeleceu a autonomia dos entes federados inovando e conferindo status de ente federado ao Município12 Reformulou o sistema de repartição de competências de forma a viabilizar a relação entre os governos e assegurar que os entes possam efetivamente exercer suas autonomias 10 Em compensação à centralização das competências nas mãos da União foram criados os Fundos de Participação dos Estados FPE e Municípios FPM pela Emenda Constitucional n 181965 para transferências diretas de recursos de determinados impostos de competência da União 11 Federalismo cooperativo pressupõe atuação coordenada entre os entes federados em que a União assume papel de coordenar e controlar as atividades dos entes Este modelo adota a repartição vertical de competências na qual uma mesma matéria é atribuída a diferentes entes 12 Art 18 Constituição Federal CF De acordo com Horta13 1995 o modelo de federalismo cooperativo14 e descentralizado adotado pela Constituição de 1988 guarda correlação direta com o processo de redemocratização do Brasil de forma que a Constituição adotou um modelo de descentralização fiscal15 buscando um equilíbrio na atribuição de poderes e competências bem como oferecendo reestabelecendo os mecanismos compensatórios de transferências entre os entes federados E é acerca da autonomia e status de ente federado conferido aos Municípios que se pretende analisar no presente trabalho 3 MUNICÍPIO COMO ENTE FEDERADO A Constituição de 1988 inovou ao estabelecer o Município como uma esfera de poder municipal dotandoo de autonomia16 competências e independência A autonomia e independência dos entes federados se dão no campo político e administrativo na medida em que não admitem a ingerência da esfera federal de poder no exercício de suas atribuições A autonomia conferida aos Municípios como ente federado compreende autonomia política no exercício de sua organização17 pelo poder de elaboração de Constituições municipais próprias chamadas de Leis Orgânicas e eleição dos representantes políticos dos poderes legislativo e executivo do âmbito municipal Autonomia administrativa18 relativa à gestão dos negócios locais e prestação dos serviços que lhe são atribuídos constitucionalmente e autonomia financeira realizada por meio da repartição de competências19 para instituir e arrecadar tributos 13 HORTA 1995 p 526 14 A Constituição prevê em seu art 23 que Lei Complementar deverá fixar normas para a cooperação entre os entes federados buscando o equilíbrio do desenvolvimento e bemestar em âmbito nacional A opção pelo federalismo cooperativo busca cumprir os objetivos fundamentais da Constituição previstos no art 3 dentre os quais está a busca de uma sociedade justa e solidária e a redução das desigualdades sociais e regionais 15 Descentralização em relação à Constituição de 1967 16 Embora previsto constitucionalmente há uma discussão doutrinária acerca da efetiva autonomia dos Municípios Alguns doutrinadores como José Afonso da Silva 2005 e Nilo de Castro 2006 afirmam que tal autonomia é meramente formal uma vez que os Municípios não preenchem os requisitos necessários para ser ente federativo por não possuírem representação no Congresso Nacional legitimidade ativa para apresentar proposta de Emenda Constitucional e nem possuírem Poder Judiciário próprio ANDRADE Mário Cesar da Silva Dependência Financeira dos Municípios Brasileiros entre o federalismo e a crise econômica Revista Espaço Acadêmico v 16 n 185 2016 17 art 29 I e II CF 18 art 30 CF 19 art 156 CF Dentre as atribuições administrativas do Município estão principalmente a prestação dos serviços públicos de interesse local a manutenção de programas de educação infantil e fundamental e atendimento básico à saúde20 A autonomia financeira dos entes federados é pressuposto do Estado Federal e para garantir tal autonomia a Constituição de 1988 estabelece as competências tributárias e as fontes de receita de cada ente federado Tendo em vista que tal autonomia depende da existência de recursos para execução das atribuições de cada ente o ideal é que a cada esfera de competência estabelecida corresponda uma fonte de recursos o que é feito pelo federalismo fiscal que estabelece a distribuição das competências financeiras e tributárias entre os entes federados 4 FEDERALISMO FISCAL A descentralização políticoadministrativa do federalismo e a autonomia dos entes federados é realizada por meio da repartição de competências e atribuição de fontes de recursos próprios para cada ente E além de conferir fontes próprias eles possuem autonomia para decidir sem a interferência de outro ente como irá gerir e aplicar suas receitas o que decorre da autonomia financeira e orçamentária dos entes federados Em suma a análise do federalismo fiscal cingese ao exame da distribuição de atribuições despesas e fontes de receitas competências entre os entes federativos e a sua adequação visando possibilitar e viabilizar que as atribuições conferidas possuam receitas suficientes para serem realizadas De acordo com Berti21 a autonomia financeira se refere à prerrogativa dos estadosmembros e municípios de obterem rendas e receitas próprias para viabilizar a execução de seus orçamentos Enquanto a autonomia orçamentária se refere à elaboração e realização do orçamento público definindo como será feita a gestão dos recursos públicos os gastos investimentos e políticas econômicas que serão adotadas22 20 Com a cooperação técnica e financeira da União e Estados art 30 VI e VII CF 21 BERTI Flávio Azambuja Federalismo fiscal e defesa de direitos do contribuinte efetividade ou retórica Camplinas Bookseller 2005 p 8182 22 Ressaltandose que a prerrogativa dos entes de elaborarem seus orçamentos e definirem a gestão das receitas não é ilimitada devendo sempre respeitar os limites estabelecidos em lei dentre as quais destacamse a de orçamento público Plano Plurianual Lei de Diretrizes Orçamentárias Lei 42301964 e a Lei de Responsabilidade Fiscal Lei Complementar n 1012000 Assim federalismo fiscal é o mecanismo de atribuição de competências e distribuição de fontes de arrecadação para realização destes encargos que é feita por meio da distribuição da competência para instituir fiscalizar e arrecadar tributos23 Este mecanismo busca realizar um dos objetivos da República Federativa do Brasil de reduzir as desigualdades sociais e regionais conforme estabelecido no inciso III do art 3 da Constituição De acordo com Amaro 200624 a Constituição adotou um sistema misto de partilha de competência e partilha do produto da arrecadação composta pela competência referente ao poder de criar e instituir os tributos e da forma de partilha do produto da arrecadação A Constituição além das receitas diretamente auferidas pelos entes decorrentes dos tributos de sua competência estabeleceu também um sistema de partilha da arrecadação entre os entes fazendo com que em alguns tributos sua arrecadação seja repartida entre os níveis de governo 41 Repartição de competências Conforme já mencionado a Constituição de 1988 adotou o modelo de federalismo cooperativo utilizando a técnica de repartição vertical de competências repartindo as competências tributárias de três formas privativa comum e residual A competência privativa é atribuída exclusiva e privativamente a um único ente federado comum quando atribui competência para todos os entes federados legislarem sobre determinada matéria tributária e a competência residual na qual a União pode criar impostos diversos dos que lhe são atribuídos privativamente pelo art 153 da Constituição de 198825 Nos sistemas tributários do mundo existem três fontes tributáveis que são o patrimônio a renda e o consumo O que difere nos países é a forma com que estas fontes são repartidas e a importância ou o peso da arrecadação incidente em cada uma delas 23 No presente trabalho a análise se pauta na repartição de competência tributária tendo em vista que os tributos são a principal fonte de receitas públicas 24 AMARO Luciano Direito tributário brasileiro 12 Ed 2006 São Paulo Saraiva Ebook p 93 25 Ressalvado que os impostos criados pela União no exercício de sua competência residual deverão ser nãocumulativos art 153 3 II CF não podendo ter como fato gerador ou base de cálculo os já previstos constitucionalmente No sistema tributário brasileiro existem 12 impostos sendo que 626 ficam a cargo da União 327 para os Estados e 328 para os Municípios Neste modelo de distribuição em 201629 cerca de 25 do total da arrecadação do país foi destinada e será administrada pelos Municípios Isso demonstra claramente que há uma tendência de centralização da tributação a cargo da União que além de possuir a maior parte das competências tributárias é responsável por instituir e arrecadar os tributos mais relevantes refletindo em uma maior capacidade de arrecadação para a União e em uma redução da autonomia das entidades periféricas Há portanto uma centralidade de competência tributária nas mãos da União que gera desigualdades e desequilíbrio no sistema federativo pois os entes subnacionais possuem menos fontes de receitas próprias a despeito de terem amplo rol de responsabilidades e atribuições Assim em razão do desequilíbrio regional30 a Constituição estabeleceu uma forma de repartição das receitas tributárias visando amenizar as desigualdades por meio de transferências de receitas para os entes subnacionais 42 Repartição do produto da arrecadação Como mencionado supra visando reduzir as desigualdades o federalismo fiscal tem como segundo pilar a repartição das receitas tributárias que constitui um sistema de transferência das receitas arrecadadas de uma unidade para outra Desta forma o produto arrecadado de um determinado tributo não será integralmente apropriado pelo ente político que o instituiu e sim poderá ser partilhado com outros entes periféricos Esta partilha pode ser obrigatória quando houver disposição expressa na Constituição ou Lei podendo ser feita de forma direta ou indireta Ou a partilha pode ser voluntária que decorre de ato de vontade firmado entre os entes envolvidos De acordo com Sacha Calmon 2004 p 435 existem duas formas de participação do 26 Imposto de importação imposto de exportação imposto de renda imposto sobre produtos industrializados imposto sobre operações financeiras e imposto sobre a propriedade territorial rural 27 Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços imposto sobre transmissão causa mortis e doações e imposto sobre a propriedade de veículo automotor 28 Imposto sobre serviços de qualquer natureza imposto sobre transmissão de bens imóveis e imposto sobre a propriedade territorial urbana 29 De acordo com o índice Firjan de Gestão Fiscal IFGF 2017 30 Diferenças de quantitativo populacional renda per capta capacidade administrativa de cada Estado e Município dentre outras produto da arrecadação a direta e a indireta Sendo que a forma indireta impõe uma relação simples enquanto a indireta pressupõe a intermediação de um fundo que depois serão rateados entre os partícipes beneficiários de acordo com os critérios legais preestabelecidos Uma das formas de transferência indireta são os Fundos de Participação sistemas de compensação fiscal criados durante o regime militar pela Emenda n 181965 que reformulou o sistema tributário brasileiro reforçando as transferências de recursos da União para Estados e Municípios31 compensando a centralização da arrecadação do governo federal e dos estados mais industrializados que arrecadavam mais tributos em relação aos estados e Municípios menos desenvolvidos Estes mecanismos de transferências buscam promover o equilíbrio socioeconômico entre os entes federados conforme determina o art 161 II da Constituição cabendo à Lei Complementar fixar os critérios de rateio para promover tal objetivo Sendo a situação financeira e política dos Municípios tema principal cingese à análise do fundo de participação destes não se pretendendo analisar e adentrar ao fundo de participação dos Estados 421 Fundo de Participação dos Municípios O Fundo de Participação dos Municípios é uma forma de repartição indireta e obrigatória da arrecadação tributária de caráter redistributivo que busca reduzir as desigualdades por meio da distribuição de receitas com base em critérios qualitativos definidos em Lei Complementar32 Atualmente o repasse para os fundos de participação do município é de 23533 da arrecadação da União com Imposto de Renda e Imposto sobre Produtos Industrializados Sendo que o coeficiente de distribuição do fundo de participação dos Municípios é fixado pela Lei Complementar 31 Por meio da criação do Fundo de Participação dos Estados FPE e o Fundo de Participação dos Municípios FPM 32 Conforme disposto no art 161 II da CF cabe à Lei Complementar regular a entrega dos recursos prevista no art 159 especialmente os critérios de rateio dos fundos previstos no inciso I o que é feito por meio da Lei Complementar 6289 33 A EC 5507 aumentou 1 em razão das reivindicações dos prefeitos realizada em abril de 2007 em Brasília n 6289 que observa dois fatores a população e a renda per capta do estado onde o Município está situado se é capital do Estado34 ou não35 No entanto ainda que o FPM tenha sido um instrumento criado para reduzir desigualdades sociais e econômicas na prática tal objetivo não se concretiza pois os Municípios principalmente os de pequeno e médio porte36 encontramse em situação de crise fiscal de forma que a tentativa de equilibrar as contas dos municípios não é efetivada e as desigualdades perduram O que se vê na realidade é que os Municípios dependem demasiadamente dos recursos advindos do FPM principalmente os de pequeno e médio porte por não conseguirem uma arrecadação tributária própria e satisfatória para custeio de seu orçamento E esta dependência dos repasses do Fundo de Participação é prejudicial pois como mecanismo de auxílio das contas públicas não pode ser a fonte principal de receita do ente o que tem ocorrido na prática Outro ponto que demonstra a ineficiência do sistema de transferências intergovernamentais dos Fundos de Participação foi a declaração de inconstitucionalidade do art 2 incisos I e II parágrafo 1 2 e 3 e do Anexo Único da Lei Complementar 6289 que dispõe sobre a distribuição de recursos do Fundo de Participação dos Estados e Distrito Federal FPE A decisão pela inconstitucionalidade da forma de rateio do Fundo de Participação dos Estados e DF foi proferida pelo Supremo Tribunal Federal STF em 2010 sob o argumento de que os coeficientes fixos estabelecidos pela norma não promovem equilíbrio socioeconômico entre os Estados ou seja os critérios de rateio não condizem e representam a realidade atual do país37 Assim tal decisão do STF38 evidencia a falta de efetividade do fundo de participação dos estados quando decidiu pela inconstitucionalidade dos critérios de partilha definidos na Lei Complementar 6289 determinando que só teria efeitos até 34 São destinados 10 para os Municípios capital que são partilhados com base no fator representativo do inverso da renda per capta do Estado ao qual pertence e com base na sua população 35 O restante 90 são destinados aos Municípios que não são capital e os coeficientes de participação são calculados conforme o seu número de habitantes com base nos dados oficiais do IBGE 36 Aqui considerando pequeno porte os Municípios com população de até 20 mil habitantes e médio porte de até 50 mil habitantes 37 Neste ponto importante frisar que a Lei Complementar foi elaborada em 1989 com caráter transitório pois em seu art 12 1º estabelecia que os coeficientes nela previstos seriam aplicados até o exercício financeiro de 1991 Contudo não foi elaborada nenhuma lei posterior que regulamentasse tais coeficientes fazendo com que tais critérios de rateio continuassem em aplicação 38 Provocada pelas ADIs impetradas pelo Rio Grande do Sul Paraná e Santa Catarina ADI 875 Mato Grosso e Goiás ADI 1987 Mato Grosso ADI 3243 e Mato Grosso do Sul ADI 2727 o dia 31 de dezembro de 201239 e após esta data deveria ser elaborada nova norma dispondo sobre a distribuição dos recursos A nova Lei Complementar só foi editada em julho de 2013 que fixou novos critérios de partilha do Fundo de Participação dos Estados Contudo em agosto de 2013 a referida Lei também foi objeto de impugnação no STF por meio da ADI 5069 contudo o caso ainda não foi a julgamento perante o Tribunal No caso do Fundo de Participação dos Municípios FPM os valores são repartidos com base na população e renda per capta tendo como objetivo final promover o equilíbrio beneficiando mais os entes menos desenvolvidos E de acordo com o Tribunal de Contas da União40 o FPM privilegia os municípios menores devido ao pressuposto de que município pequeno é município pobre contudo tal premissa não é verdadeira e portanto o critério população e renda per capta se mostram insuficientes para proporcionar um equilíbrio fático ainda que consideremos as três diferentes formas de distribuição41 Este é um dos argumentos usados no sentido de afastar o sistema de rateio utilizado pelo fundo de participação dos Municípios como foi o entendimento do STF em relação ao FPE 5 CRISE FINANCEIRA DOS MUNICÍPIOS Em razão da impossibilidade de custeio de seus serviços e atividades por meio de arrecadação própria os Municípios principalmente de pequeno e médio porte ficam dependentes da repartição direta e indireta dos recursos o que fere a autonomia financeira administrativa e política destes demonstrando que tal autonomia conferida aos Municípios não se efetiva Em 2016 IFGF 2017 aproximadamente 86 dos Municípios brasileiros apresentaram situação fiscal difícil ou crítica e 8142 não geram nem 20 de suas receitas o que demonstra uma grande dependência destes Municípios dos repasses efetuados pela União e Estados tanto obrigatórios quanto voluntários 39 Prorrogados por mais 150 dias por meio de liminar deferida em 24 de janeiro de 2013 na ADO 23 40 Relatório do Acórdão n 11202009 41 A Primeira forma de repartição é a destinação de 10 para os Municípios capital dos Estados a segunda é 90 para os Municípios do interior sendo que destes 90 864 são para todos e 36 é destinado à uma reserva especial para os municípios com população superior a 142633 habitantes reserva instituída pelo Decreto Lei n 188181 destinada aos municípios com fator 38 e 40 de faixa populacional 42 Municípios com uma população média de até 9 mil habitantes A situação fiscal dos Municípios é grave e uma das principais reivindicações dos prefeitos como também do atual Presidente é de uma revisão do pacto federativo o que envolve principalmente sua falha a respeito da distribuição de fontes de arrecadação Grande parte dos Municípios encontrase em situação de crise fiscal e dependência financeira dos repasses intergovernamentais Mesmo os Municípios com mais de 100 mil habitantes que possuem maior capacidade de arrecadação tributária própria tem as transferências constitucionais e a quotaparte do ICMS43 como principais componentes de suas receitas O fato de o ICMS ser um dos impostos cuja parte arrecadação é distribuída para os Municípios demonstra outro fator de insegurança financeira para os Municípios tendo em vista que o ICMS é um dos impostos com maior grau de complexidade cuja disputa entre Estados gera a guerra fiscal44 prejudicando não só os Estados mas também os Municípios por meio das isenções que reduzem a arrecadação do ICMS e consequentemente dos repasses para os Municípios Assim não só nos Municípios de pequeno e médio porte mas também os com maior continente populacional vêm dependendo das transferências constitucionais sobretudo do Fundo de Participação dos Municípios O fundamento de tal necessidade reside na descentralização45 das competências em contraposição à centralização da arrecadação que faz com que os municípios dependam de ajuda da União46 reduzindo a autonomia política e administrativa dos municípios que perdem o exercício do controle de suas despesas e orçamento O problema se agrava na medida em que políticas públicas e sociais são descentralizadas para os Municípios47 ou seja os gastos públicos são descentralizados conforme demonstram os dados apresentados por Rui de Brito Álvares Affonso48 que concluiu 43 25 da arrecadação do ICMS é transferido para o fundo de participação dos Municípios conforme previsto no art 158 IV CF 44Práticas competitivas entre os Estados por meio de incentivos ou isenções fiscais buscando atrair agentes privados com menor custo fiscal De acordo com Sérgio Prado e Carlos Eduardo Gonçalves Cavalcanti a guerra fiscal é um fenômeno que ocorre do uso de benefícios e incentivos fiscais utilizados pelos governos subnacionais e geram efeitos econômicos danosos e efeitos macroeconômicos PRADO CAVALCANTI 1999 p 6 45 O art 21 CF estabelece as competências da União e o art 30 CF estabelece as competências dos Municípios 46 Por meio das transferências intergovernamentais obrigatórias e transferências voluntárias 47 O art 23 da CF estabelece como competência comum da União Estados DF e Municípios o zelo e guarda da Constituição leis e instituições democráticas saúde e assistência pública proteção do meio ambiente e outras políticas públicas e sociais 48 In SILVA Pedro Luiz Barros Org A Federação em Perspectiva ensaios selecionados São Paulo FUNDAP 1995 p 5775 que a partir de 1988 a participação dos governos subnacionais no total das despesas públicas aumentou significativamente A descentralização tem como escopo atender às reivindicações sociais e efetivar a democracia por meio da atuação de um governo local mais próximo do povo49 e aí reside a importância do princípio da subsidiariedade no sistema federativo que de acordo com Bonavides 2004 p 436 só passam à esfera de competência do ente maior aquelas matérias que não podem ser da mesma forma ou com vantagem exercitadas pelos entes públicos inferiores De forma que no âmbito das competências concorrentes50 o ente central só deverá intervir quando a atuação dos entes subnacionais não for viável ou suficiente Contudo tendo em vista que a execução de políticas públicas demanda recursos os quais já se encontram escassos nos Municípios a situação se torna ainda mais complicada gerando um cenário de descumprimento de políticas públicas e obrigações por parte dos gestores municipais Uma das críticas dos representantes municipais é a de que há a necessidade de revisão do pacto federativo uma vez que foram repassadas atribuições e responsabilidades para os Estados e Municípios sem a devida disponibilização de recursos para sua realização ou manutenção Sobre atribuições repassadas sem as respectivas receitas foi proposta uma Emenda à Constituição proposta de Emenda Constitucional PEC 1722012 que visa alterar o art 160 da CF proibindo a imposição de repasse de atribuição aos Estados e Municípios sem a previsão de fonte de financiamento para sua execução Proposta em 2012 a PEC supramencionada encontrase pendente de apreciação pelo plenário do Senado o que demonstra a busca por uma reforma fiscal no país que se faz urgente para buscar um equilíbrio entre os entes federados e que perdura desde 1995 com a Proposta de Emenda Constitucional n 17551 49 Para Giambiagi e Ana Cláudia Além GIAMBIAGI ALÉM 2000 p 306 as esferas de governo subnacionais por estarem mais perto dos eleitores e contribuintes estão mais aptas a perceber as preferências locais a respeito dos serviços públicos e impostos e por isto a forma federativa de Estado por ser descentralizada tende à maior eficiência 50 Ademais assevera Luís Eduardo Schoueri 2005 p 537 que o princípio da subsidiariedade implica que no âmbito das competências concorrentes a atuação da União não pode ir além das normas gerais não podendo intervir no campo onde é cabível a intervenção dos Estados e Municípios 51 Proposta que pretendia extinguir o imposto sobre produtos industrializados IPI substituindoo por uma alíquota federal incidente sobre a mesma base do ICMS tornando um único imposto partilhado pelos três entes federados Atualmente a PEC está arquivada Esta situação de escassez de recursos para custeio e execução dos serviços públicos é chamada de brecha fiscal vertical52 que é o desequilíbrio entre receita própria e despesas que vem ocasionando descumprimentos da Lei De Responsabilidade Fiscal como é o caso dos Municípios que ultrapassam o limite estabelecido para despesas de pessoal53 De acordo com avaliação feita pela FIRJAN 2016 mais de 2000 Municípios descumpriram a Lei de Responsabilidade Fiscal em 2016 não observando o limite de despesas não entregando dados para a secretaria do tesouro e não repassando o cargo com recursos suficientes em caixa para a próxima gestão A situação precária dos Municípios compromete o desenvolvimento socioeconômico do país uma vez que os serviços básicos como o de saúde e educação ficam prejudicados sem recursos para suprir todas as despesas que o Município possui 6 CONCLUSÃO A atual crise financeira vivenciada pelos Municípios decorre de diversos fatores como a guerra fiscal guerra dos portos discussões atinentes ao ICMS entre outras Contudo todas essas questões e problemas evidenciam a necessidade de revisão do pacto federativo seja pela modificação das competências tributárias do sistema de transferência intergovernamental ou dos critérios de partilha adotados pelos fundos de participação De acordo com Gilberto Bercovici54 o problema fundamental do federalismo após a Constituição de 1988 é a falta de planejamento coordenação e cooperação entre os entes federados e a União sendo reflexos deste problema a competição fiscal danosa entre os Estados e o endividamento dos entes Como demonstrado os Municípios encontramse em situação deficitária com problemas de arrecadação e gestão dos serviços públicos o que implica em um grande prejuízo à população que paga uma alta carga tributária e não tem seus interesses 52 De acordo com Sérgio Prado 2006 p 21 brecha fiscal é a descentralização de competências materiais para os Estados e Municípios e a falta de verbas para custeálas Ou seja é a disparidade entre os encargos e receitas próprias do ente que tenta ser solucionada por meio das transferências intergovernamentais 53 A lei de responsabilidade fiscal estabelece o limite de 60 dos gastos com pessoal no entanto de acordo com o FIRJAN 575 de 4544 Municípios avaliados terminaram o ano gastando mais eu 60 com pessoal 54 BERCOVICI 2004 p 72 satisfeitos pela administração pública A centralização das competências tributárias tem como justificativa a facilidade da União para arrecadar os tributos estabelecendo em contrapartida uma forma de partilha dos recursos arrecadados pela mesma No entanto ante a ineficiência dos critérios utilizados pelos mecanismos de transferência de recursos não há efetivamente uma distribuição equilibrada e justa sendo necessária sua revisão A situação de dependência dos Municípios dos repasses diretos e indiretos interestaduais demonstra um risco à democracia e autonomia dos entes pois necessitando de recursos a renda acaba por ser repartida de forma política por meio de jogo de interesses favores e alianças políticas O sistema de federalismo fiscal atual é basicamente fruto do sistema tributário estabelecido pela Constituição de 1967 que consagrou a estrutura do sistema de transferências intergovernamentais e que ao longo dos anos foi sendo modificado55 principalmente pela Constituição de 1988 que realizou uma transferência de renda da União para os Estados e Municípios contudo a estrutura básica não foi alterada somente alguns parâmetros e coeficientes de incidência e repasse Assim considerando que a realidade brasileira e global se alterou consideravelmente nas últimas décadas é necessária uma reformulação do pacto federativo modificando o sistema de competências tributárias partilha de recursos e distribuição de encargos entre os entes federados buscando um equilíbrio federativo REFERÊNCIAS ABRUCIO Fernando Luiz Os Barões da Federação os governadores e a redemocratização brasileira São Paulo HucitecEditora USP 1998 AFONSO José Roberto Rodrigues Descentralização fiscal revendo idéias Ensaios FEE Porto Alegre v 15 n 2 p 353374 1994 AFFONSO Rui de Britto Álvares A federação no Brasil impasses e perspectivas In AFFONSO Rui de Britto Álvares SILVA Pedro Luiz Barros Org A federação em perspectiva ensaios selecionados São Paulo FUNDAP 1995 p 5775 ALMEIDA Fernanda D M Competências na Constituição de 1988 São Paulo Editora Atlas 1991 55 A distribuição de competências e receitas foi modificada com a Constituição de 1988 transferindo parte da arrecadação da União para os Estados e Municípios sobretudo do Imposto de Renda e IPI por meio dos repasses estabelecidos no art 159 I e II da Constituição Em 1984 a arrecadação do Imposto de Renda e do IPI representavam cerca de 80 da arrecadação federal e após tal modificação estes impostos tiveram sua importância reduzida no âmbito federal chegando a representar apenas 25 da arrecadação federal em 2005 AMARO Luciano Direito tributário brasileiro 12 Ed 2006 São Paulo Saraiva Ebook Disponível em httpsthaisandradefileswordpresscom201103lucianoamarodireito tributariobrasileiro12c2aaed2006pdf Acesso em 14 ago 2017 ANDRADE Mário Cesar da Silva Dependência financeira dos municípios brasileiros entre o federalismo e a crise econômica Revista Espaço Acadêmico v 16 n 185 2016 Disponível em httpwwwperiodicosuembrojsindexphpEspacoAcademicoarticleview3107 3 Acesso em 18 set 2017 ARRETCHE Marta Federalismo e democracia no Brasil a visão da ciência política norteamericana Revista São Paulo em perspectiva 2001 BAHIA Carolina Bahia Minha preocupação não é distribuir recursos Porto Alegre Zero Hora 13 fev 2008 p12 BARACHO José Alfredo de Oliveira Teoria Geral do Federalismo Belo Horizonte FUMARCUCMG 1982 BARROSO Luís Roberto A derrota da federação o colapso financeiro dos Estados e Municípios In QUARESMA Regina OLIVEIRA Maria Lúcia de Paula Coord Direito constitucional brasileiro perspectivas e controvérsias contemporâneas Rio de Janeiro Forense 2006 BENDA MAIHOFER VOGEL HESSE HEYDE Manual de derecho constitucional 2 ed Tradução Antonio López Pina Madrid Marcial Pons 2001a BERCOVICI Gilberto Dilemas do estado federal brasileiro Porto Alegre Livraria do Advogado 2004 BERCOVICI Gilberto O Federalismo e as Regiões RAMOS Dircêo coord Federalismo atual teoria do federalismo Belo Horizonte Arraes 2013 BERNARDES Wilba Lúcia Maia Federação e Federalismo Belo Horizonte Del Rey 2010 BERTI Flávio Azambuja Federalismo fiscal e defesa de direitos do contribuinte efetividade ou retórica Camplinas Bookseller 2005 BONAVIDES Paulo A Constituição aberta temas políticos e constitucionais da atualidade com ênfase no federalismo das regiões 3 ed São Paulo Malheiros 2004 BORDIN Luís Carlos Vitali ICMS gastos tributários e receita potencial In Finanças públicas VIII Prêmio Tesouro Nacional2003 Brasília Universidade de Brasília 2004 p 760 CASTRO José Nilo de Considerações sobre o federalismo Revista de informação legislativa v 22 n 85 p 4574 janmar 1985 Disponível em httpwww2senadolegbrbdsfbitstreamhandleid181588000415514pdfseque nce3 Acesso em 20 set 2018 CASTRO José N de Direito Municipal Positivo 6 ed Belo Horizonte Del Rey 2006 COELHO Sacha Calmon Navarro Curso 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616 REZENDE Fernando Finanças públicas 2 ed São Paulo Atlas 2001 REZENDE Fernando Antonio Modernização tributária e federalismo fiscal In REZENDE F OLIVEIRA F A org Descentralização e federalismo fiscal no Brasil desafios da reforma tributária Rio de Janeiro Fundação Konrad Adenauer 2003 REZENDE Fernando Antonio Desafios do federalismo fiscal Rio de Janeiro Fundação Getúlio Vargas 2006 ROCHA Carlos Alexandre Amorim O FPM é constitucional Brasília Senado Federal 2013 httpswww12senadolegbrpublicacoesestudoslegislativostipos deestudostextosparadiscussaotd124ofpmeconstitucional Acesso em 25 out 2018 SILVA José A da Curso de direito constitucional positivo25 ed São Paulo Malheiros 2005 SCHOUERI Luís Eduardo Direito Tributário e ordem econômica In TÔRRES Heleno Taveira Coord Tratado de direito constitucional tributário estudos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho São Paulo Saraiva 2005 p 537 VIOL Andréa Lemgruber O fenômeno da competição tributária aspectos teóricos e uma análise do caso brasileiro In Coletânea de Monografias do IV Prêmio do Tesouro Nacional Brasília Ministério da Fazenda Tesouro Nacional 2000 CAPÍTULO 02 SERIA O FEDERALISMO FORMA DE ESTADO APTA A FOMENTAR A PARTICIPAÇÃO DIRETA NO BRASIL Ênio Vinícius Martins Ferreira56 Lucas Roquette Freitas Henriques57 1 INTRODUÇÃO Neste artigo visamos apresentar e problematizar a questão das formas de participação direta do povo em um país republicanofederalista com proporções geográficas continentais acrescida do contexto de contínuo progresso tecnológico que confere ao século XXI possibilidades de exercício da democracia de formas até então sem precedentes A partir da crise de legitimidade da representaçãoo política no mundo como um todo a internet tem sido palco não só de expressão da insatisfação mas também da sugestão de soluções que a população considera adequadas aos problemas enfrentados A internet surge como espaço inigualável para debates a respeito de proposições legislativas que o Poder Legislativo produz e a oportunidade do povo exercendo a titularidade do Poder Constituinte ter efetivamente iniciativa legislativa e realizar emendas além de ser ouvido durante o processo legislativo O uso da internet instrumento de comunicação mundial como método revolucionário de participação popular tem gerado experiências únicas como o esboço da Constituinte Islandesa em 2011 feita totalmente sob o zelo da consulta popular via rede mundial de computadores método conhecido como crowdsourcing Nesta conjuntura o Senado Federal brasileiro já utilizou a internet como forma de estreitar o elo entre o povo e os seus representantes políticos criando em 2012 o Portal eCidadania sem nenhuma ligação aos partidos políticos Por meio deste portal virtual a população pode participar através de três formas na concepção de 56 Graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 57 Graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Ideia Legislativa em Eventos Interativos e em Consultas Públicas auferindo ao povo maior poder decisório mesmo que minimamente 2 FEDERALISMO A concisa definição de federalismo nos termos de Streck e Morais 2010 p 171 A Federação como estratégia de descentralização do poder político implica uma repartição rígida de competências entre o órgão do poder central denominado União e as expressões das organizações regionais mais frequentemente conhecidas por Estadosmembros sendo que estes participam naquela via representação ou ainda como no caso brasileiro de um terceiro nível de competências o município Objeto de constante labor entre os acadêmicos na pesquisa sobre paradigmas jurídicoorganizacionais do Estado o Federalismo é o mais contemplado e adotado pela nações Dado o caráter heterogêneo dos países que adotam o federalismo como forma organizacional do Estado desde os EUA até a Arábia Saudita se faz mister a ponderação de Bernardes 2010 p 53 que não há a priori uma identidade definida do federalismo Essa identidade pode ser formada com um viés mais focado na unidade ou mais voltado para a diversidade O que devemos frisar é que é próprio do federalismo conviver com essa margem aberta de flexibilidade e plasticidade sem a qual não poderá operar Portanto como dito acima o federalismo é capaz de se adequar ao caso concreto sendo diretamente influenciado pelo paradigma de Estado adotado pela cultura questões territoriais entre outros fatores denotando um maior efeito centrípeto ou centrífugo Essa adequação atribui uma espécie de constante espaço de modificação consensual na análise de Bernardes 2010 p 55 ao permitir uma leitura de federalismo inacabado colocando a questão de fechar e de se abrir continuamente a necessidade de fechamento e aberturas ocasionais leva à possibilidade de formar consensos negociados Com abertura desse espaço teremos também no federalismo maior possibilidade de negociação que insuflará um jogo político mais equilibrado 3 O FEDERALISMO BRASILEIRO E A PARTICIPAÇÃO DIRETA Graças a sua capacidade de adaptação o Federalismo se apresenta como apto a receber formas de participação diferentes daquelas já concebidas e adotadas Segundo o IBGE o Brasil possui superfície de 8515759090 km² e população superior a 208 milhões sendo essencial que haja descentralização do poder para que as demandas principalmente aquelas de interesse local sejam melhor atendidas Objetivando uma melhor eficiência na ação estatal a manifestação das pessoas inseridas no caso concreto é imprescindível A visão do indivíduo sobre os problemas enfrentados e suas possíveis soluções possuem enorme valor pela contribuição única produzida através da vivência Sob esse prisma quão mais acessíveis forem os instrumentos utilizados para obter um maior grau de verossimilhançaa axiológica e de legitimidade da representatividade melhor Nessa perspectiva a internet aparece como meio de auferir uma maior consolidação do elo representadorepresentante formando uma maior dimensão colaborativa e argumentativa para a obtenção do bem comum Para Surowiecki 2004 the web provides a perfect technology capable of aggregating millions of disparate independent ideas in the way markets and intelligent voting systems do without the dangers of too much communication and compromise Apesar da possibilidade de se instrumentalizar a internet para aproximar a população das decisões políticas o acesso à esta de acordo com dados de 2015 divulgados pelo IBGE só está presente em 578 das casas brasileiras sendo que nas casas sem rendimento a ¼ do salário mínimo o percentual de acesso é de 297 Desta forma qualquer cogitação do uso pleno da internet deve ter antes a solução da questão do acesso superado para só então ser exequível de forma a representar a opinião dos brasileiros como um todo sem a exclusão que a falta de acesso propicia A autonomia da forma federativa permite a adoção de medidas para que a participação popular seja efetivada através de medidas adequadas ao contexto estadual e no federalismo brasileiro municipal 4 PARTICIPAÇÃO POPULAR E O ECIDADANIA O portal eCidadania criado pelo Senado Federal em 2002 abre espaço para participação do cidadão através da ideia legislativa do evento interativo e da consulta pública A ideia legislativa é um instrumento como descrito no sítio que permite o envio e apoio das sugestões de alteração na legislação vigente ou de criação leis Aquelas que alcançarem 20 mil apoios são encaminhadas para análise na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa O evento interativo abre espaço para participação de audiências públicas sabatinas e outros eventos abertos sendo criada página específica para transmissão ao vivo publicação de comentários apresentações notícias e documentos sobre o evento e a consulta pública por sua vez traz a oportunidade de se opinar sobre proposições legislativas em tramitação no Senado Federal Percebese que há grande potencial de participação da população na produção legislativa através desta criação do Senado Federal mas até o momento resultou em apenas um projeto de lei denotando o caráter experimental da ferramenta e as dificuldades enfrentadas pois já é operada desde 2012 com milhares de ideias de projeto legislativo mas de todas estas sugestões apenas 71 têm maior expressão com mais de 20000 apoios Neste cenário é exposta a gênese do problema iminente aos processos legislativos que visam a participação do povo não somente através do voto eleitoral a conciliação entre o constante aumento populacional e a busca pela inclusão e manifestação de todos além de resposta em tempo razoável do Estado 5 A EXPERIÊNCIA ISLANDESA E SEU LEGADO A ideia com traços de utopia que é a inserção integral do eleitorado já foi vislumbrada e colocada em prática recentemente na Islândia conferindo uma peculiariedade extraordinária do potencial que essas novas formas de interação cidadãorepresentante abarcam e além de tudo uma visão de um paradigma futuro com viés rousseauniano no sentido do seu amálgama conceitual que ia contra a forma clássica de representatividade dando ao povo todo o poder de se autodeterminar Para explicitar melhor o ocorrido na Islândia é necessário uma contextualização histórica adicionada à explicação do caso atual Lenza 2016 p91 discorre sobre o evento dizendo que independente do Estado Dinamarquês em 1944 a Islândia mantinha desde então um documento provisório como nova Magna Carta delimitando perspectivas para uma posterior revisão desta e para a efetivação de uma enfim Constituição permanente e duradoura como aufere Bernardes 2010 Constituição é um documento o qual atravessa gerações um de seus principais escopos Nunca se implementou processo revisional até o derradeiro evento atual que teve sua gênese na insurgência da população na grave atmosfera financeira que assolou vários países ao redor do mundo em 2008 Invocando claramente uma nota da Teoria do Conflitualismo do polonês Ludwig Gumplowicz em que demonstra que o grupo social passou a ser concebido como um equilíbrio de forças e não mais como uma relação simbiótica entre órgãos de uma determinada sociedade muitas vezes imunes à interferência externa A massa social clamou por revisão imediata gerando sem reconhecimento oficial um grupo de 1200 participantes que realizou na capital do país Reykjavík uma Assembléia Nacional Thjodfundur em 2009 elucidando o inconformismo da sociedade com a situação Já em 2010 houve eleição pelo povo que designou 25 cidadãos para uma nova assembleia nacional constituinte segundo eles apartidária A Suprema Corte Islandesa alegou vícios no processo e invalidou qualquer efeito da proposta Apesar disto os nomes designados foram reconhecidos pela Corte e foram conferidos a estabelecer um Conselho Constitucional para a elaboração de um projeto da Constituição Desde então todas as discussões acerca do projeto foram transmitidas ao vivo e com a ajuda das redes sociais mais populares como o Twitter Facebook com vasta transparência e participação do povo exercendo de forma plena a sua titularidade no conceito de Poder Constituinte Originário atendendo ao caráter essencial de uma Crowdsourced Constitution ou Constituição colaborativa O documentoprojeto foi encaminhado em 29 de julho de 2011 ao Parlamento Após novo referendo popular em 2012 afim de decidir o reconhecimento da legitimidade do citado documento pelo povo sem caráter vinculativo 73 da população o legitimou como a nova Constituicão do país O Parlamento islandês não aprovou o documento mas como Lenza 2016 atesta A experiência islandesa contudo e apesar de particular realidade de ter mais de 95 de sua pequena população de cerca de 320000 habitantes conectada à internet o maior percentual do mundo revela uma nova forma de democracia e de participação popular por meio da redes sociais internet e que sem dúvida passa a servir de modelo para o futuro Além disto estimulados com a experiencia islandêsa outros movimentos ao redor da europa foram criados a influência da ideia de crowdsourcing como cita Lenza 2016 Dentro desta perspectiva influenciado pela influencia da islândia destacamos movimento similar que vem sendo percebido na Inglaterra no sentido de elaborar ou não uma Constituição Orgânica Escrita O debate acontece depois de 800 anos do aniversario da Magna Carta de 1215 e tem estimulado a participação popular por meio das redes sociais crowdsourcing já havendo a versão final do documento draft O resultado acima pode ser auferido por qualquer país desde que este contemple com seriedade a questão do acesso pleno à educação e consequentemente ao acesso irrestrito às informações da atualidade especialmente via internet A realidade do Brasil coadunase com o oposto da dita acima o Brasil ainda carece em muito de um expressivo e efetivo acesso à internet tornando a possibilidade de um evento como o islandês com participação de quase toda a população e não somente de alguns grupos inexequível hodiernamente 6 CONCLUSÃO A autonomia dada aos Estadosmembro e municípios permite uma maior interação e aproximação entre a população e o Estado Além disso é apanágio do federalismo a adaptação sendo possível a adoção de diversos meios de fomento à participação direta com base nas características de cada localidade Em países com extensão e população elevada a participação direta exige a descentralização efetiva de competências para que sua implantação seja possível Neste ponto o federalismo se apresenta como forma de Estado indubitavelmente apta para promover tal participação Apesar da multidisciplinariedade e das formas com as quais a internet é utilizada percebemos o potencial ímpar do emprego desta na manifestação popular sua grande capacidade de mobilização social sendo também possível a sua aplicação nas questões politicamente e socialmente relevantes seja de cunho eleitoral lesgislativo ou de outro núcleo essencial à organização pública Obviamente a questão abrange pontos complicados e problemas ainda muito debatidos como o acesso a direitos fundamentais dos mais essenciais como educação mas ao mesmo tempo outras formas de participação podem se capazes de contribuir para a solução dos mesmos REFERÊNCIAS BERNARDES Wilba Lúcia Maia Federação e Federalismo Belo Horizonte Editora Del Rey 2010 BRASIL IBGE Área Territorial Brasileira Disponível em httpsww2ibgegovbrhomegeocienciascartografiadefaultterritareashtm Acesso em 30 nov 2017 BRASIL IBGE Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Acesso à internet e à televisão e posse de telefone móvel celular para uso pessoal 2015 Rio de Janeiro IBGE 2016 Disponível em httpsbibliotecaibgegovbrvisualizacaolivrosliv99054pdf Acesso em 30 nov 2017 BRASIL IBGE Projeção da população do Brasil e das Unidades da Federação Disponível em httpsww2ibgegovbrappspopulacaoprojecao Acesso em 30 nov 2017 SILVA José Afonso da Curso de Direito Constitucional Positivo São Paulo Malheiros Editores LTDA 2014 STRECK Lênio Luiz MORAIS José Luis Bolzan Ciência Política Teoria do Estado Porto Alegre Livraria do Advogado Editora 2010 SUROWIECKI James The wisdom of crowds Why the many are smarter than the few and how collective wisdom shapes business economies societies and nations New York Doubleday 2004 CAPÍTULO 03 A TENDÊNCIA UNITÁRIA DO FEDERALISMO BRASILEIRO UMA ANÁLISE DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 5540 Marcel Chaves Ferreira58 Paulo Henrique Mazzoni Mota59 1 INTRODUÇÃO A Constituição da República Federativa do Brasil em seu texto adota a federação como forma de Estado assim reconhecendo a autonomia a todos os entes federados seja aos Estadosmembros seja aos municípios Para além desse fato o artigo 25 da Constituição institui o poder constituinte decorrente que reforça substancialmente a visão de federalismo ao permitir que os Estadosmembros elaborem suas próprias constituições A partir dessas disposições constitucionais será feito um estudo sobre a historicidade do federalismo brasileiro perpassando por alguns conceitos fundamentais do campo da Teoria do Estado e da Constituição com finalidade de demonstrar a interferência do Poder Judiciário na supressão da autonomia garantida constitucionalmente aos Estadosmembros em face da União Para tanto será feita uma análise de caso o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº5540 visando diagnosticar a dita supressão de autonomia Assim utilizarseá o método indutivo bibliográfico na modalidade estudo de caso para elaboração da pesquisa 58 Graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais pesquisador no Núcleo Acadêmico de Pesquisa 59 Graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais pesquisador no Núcleo Acadêmico de Pesquisa 2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O ESTADO E SUAS FORMAS Historicamente o surgimento e o conceito de Estado sempre foram amplamente discutidos por diversos autores dentre eles podem ser citados os contratualistas Hobbes com seu Leviatã e Rousseau com o Estado como expressão da vontade geral Mas considerase o Estado como uma unidade social na qual a sociedade se organiza60 em prol da defesa de seus direitos Em uma perspectiva atual entendese o Estado como o resultado da soma de povo poder e território Embora o fenômeno globalização tenha posto em cheque tal conceito ainda hoje é utilizado o termo para conceituar Estado Desta forma afirma Reginaldo Dias O Estado constitui uma sociedade politicamente organizada em um lugar e tempo determinado onde vigora determinada ordem de convivência com um poder soberano único e exclusivo A partir do conceito de Estado fazse necessário realizar um breve estudo sobre as formas de Estado percebidas hoje no mundo que podem ser sintetizados em Estado Unitário e o Estado Federal 21 ESTADO UNITÁRIO Também denominado Estado simples o Estado unitário é aquele em que o exercício do poder é tomado por um único órgão centralizador de poder de uma nação é portanto uma forma política centralizada Este tipo de Estado se apresenta enquanto organização com uma estrutura política centralizada É um tipo de organização incompatível com a divisão em províncias Estados ou municípios investidos de autonomia política DIAS 2013 p48 No Brasil esse modelo foi muito utilizado à época do Império em que o poder era centralizado na mão do monarca e as províncias não tinham autonomia 22 ESTADO FEDERAL Considerado uma das maiores contribuições da história norteamericana o Estado federal consiste na delegação da soberania dos estadosmembros à federação 60 DIAS Reinaldo Ciência política 2013 p49 reservando para si autonomia Desta forma o federalismo é o que melhor preserva autonomia dos Estadosmembros e dos municípios No Brasil esse o federalismo surgiu de modo diverso do que como ocorreu nos EUA federalismo centrípeto aqui a Constituição da Federação delegou funções aos estadosmembros e municípios e não estes delegaram sua soberania à Federação federalismo centrífugo Sobre esses tipos de federalismo discorre Jose Luiz Quadros de Magalhães O federalismo centrípeto dirigese ao centro pois historicamente originário de Estados soberanos que formaram no caso norteamericano uma confederação 1777 e posteriormente uma federação 1787 Nos mais de duzentos anos de existência da federação norteamericana ocorre gradualmente uma centralização de competências a União lentamente incorpora competências dos Estados membros Entretanto ao contrário do que uma leitura apressada possa sugerir o federalismo centrípeto justamente por estes motivos é o mais descentralizado pois se originou historicamente de Estados soberanos que se uniram e abdicaram de sua soberania mantendo com eles entretanto um grande número de competências administrativas e legislativas ordinárias e constitucionais o federalismo brasileiro ao contrário do norteamericano é um federalismo centrífugo A visão de nosso federalismo como federalismo centrífugo explica a nossa federação extremamente centralizada que para aperfeiçoarse deve buscar constantemente a descentralização Somos um Estado federal que surgiu a partir de um Estado Unitário o que explica a tradição centralizadora e autoritária que devemos procurar abandonar para construir uma federação moderna e um Estado democrático de Direito efetivo MAGALHÃES 2011 Percebese desta forma que o federalismo brasileiro se distanciou do conceito primevo norteamericano de federalismo portanto necessário se faz uma análise mais aprofundada sobre o federalismo brasileiro bem como suas especificidades 3 O FEDERALISMO BRASILEIRO 31 ASPECTOS HISTÓRICOS Após a independência do Brasil em face da metrópole mais especificamente no segundo reinado foi adotada uma forma de governo extremamente centralizada na figura do monarca no intuito de evitar as iminentes guerras separatistas que assombravam o Brasil e toda a América61 O país assim era organizado em um Estado unitário para justamente proteger o poder do monarca e a integridade territorial Contudo após a proclamação da 61 ABRUCIO Fernando Os barões da federação os governadores e a redemocratização brasileira 1998 p31 república e a queda do Império com a promulgação da Constituição de 1891 o Brasil se reorganizou em uma federação aos moldes da norteamericana Sobre o assunto afirma Magalhães o nosso Estado federal surgiu a partir de um Estado unitário criado pela Constituição de 1824 O seu processo de formação é portanto exatamente o inverso do norteamericano o modelo clássico A Constituição brasileira de 1891 inspirandose nas instituições norteamericanas adota o federalismo Entretanto a história não pode ser copiada e o modelo norte americano tanto de Suprema Corte como de presidencialismo como de bicameralismo e federalismo foram construídos na história norteamericana sendo bastante diferente do nosso MAGALHÃES 2011 Assim é percebido que o federalismo brasileiro nasceu com fundamentos no federalismo norteamericano mas a história e a cultura brasileira são completamente distintas das dos Estados Unidos Desta forma no Brasil a federação nasceu de um Estado unitário e a cultura de centralização de poder agora nas mãos da União continuou latente no decorrer de todas as Constituições após a proclamação da República Atualmente com o advento da Constituição da República de 1988 foi instituído o modelo de federalismo cooperativo em seus artigos 23 e 24 que dispõem sobre as competências comuns e concorrentes dos entes federados Este modelo pressupõe portanto atuação conjunta entre União Estadomembro e Município nas tomadas de decisão e implementação de políticas públicas 32 PODER CONSTITUINTE 321 PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO Poder constituinte originário ou apenas poder constituinte significa o poder de mudar o sistema vigente em uma sociedade sem se prender aos dogmas da Constituição ou regime anterior É em sua essência um poder de mudança geral O poder constituinte originário é exercido por meio da revolução por um processo em regra mais violento um movimento que altera a estrutura estatal e social Neste ponto vale ressaltar que o detentor legítimo do poder constituinte originário é o povo Sobre o assunto afirma Raul Machado Horta Historicamente o poder constituinte originário representa a irrupção de fato anormal no funcionamento das instituições estatais Esse aparecimento está associado a um processo mais violento de natureza revolucionária ou a uma decisão do alto geralmente materializada no Golpe de Estado HORTA 2010 p2 A idealização do conceito de Poder Constituinte veio de abade Sieyés ainda no século XVIII e este apontou as características essenciais à criação de uma nova Constituição segundo Sieyés citado por Horta O poder constituinte pode tudo Ele não está submetido a uma determinada Constituição A nação que exerce o maior e o mais importante dos poderes deve ficar no exercício dessa função livre de qualquer constrangimento e de outra qualquer forma salvo a que lhe aprouver adotar HORTA 2010 p3 Assim entendese que o poder constituinte é fonte de modificação da sociedade em estrutura e forma uma vez que não está preso a normas previamente postas levando em consideração apenas a vontade do povo que é o agente legítimo para aplicar as mudanças62 322 PODER CONSTITUINTE DERIVADO Além do originário existe também o poder constituinte derivado qual seja a possibilidade de alteração do texto constitucional por meio da revisão reforma ou emenda Vale que as emendas constitucionais têm limites materiais quais sejam as cláusulas pétreas e limites procedimentais e circunstanciais O poder constituinte derivado por sua vez expressa o poder normalmente atribuído ao parlamento de reformar o texto constitucional Tratase de uma competência regulada pela Constituição63 No Brasil de acordo com o conceito trazido acima o poder constituinte derivado é exercido pelo Congresso Nacional nas competências que lhe são atribuídas pela Constituição da República Federativa do Brasil muito embora assim como no poder constituinte originário o detentor legítimo seja o povo 62 No caso brasileiro em análise a constituinte de 88 o poder constituinte se deu d maneira diversa a teoria clássica Não foi balizada uma revolução mas sim a insatisfação política que gerou a implantação de um Congresso Constituinte formado por parlamentares com finalidade de romper com o regime autoritário visando elaborar uma Constituição democrática 63 BARROSO Luís Roberto Curso de Direito Constitucional contemporâneo 2011 p167 323 PODER CONSTITUINTE DECORRENTE Assim como o poder constituinte derivado o poder constituinte decorrente também é garantido constitucionalmente no Brasil Consiste basicamente no poder de os Estadosmembros promulgarem suas próprias Constituições Este poder reforça de forma grandiosa o federalismo e a autonomia dos Estadosmembros ou assim deveria ser Neste tocante Luís Roberto Barroso discorre Cabe por fim uma menção ao poder constituinte decorrente expressão que na terminologia do direito constitucional brasileiro designa a competência dos EstadosMembros da Federação para elaborarem sua própria constituição Essa capacidade de autoorganização é fruto da autonomia política das entidades federadas que desfrutam de autodeterminação dentro dos limites prefixados pela Constituição Federal BARROSO 2011 p169 Ainda sobre a Constituição dos estadosmembros assim como as leis e atos normativos estaduais aquela é sujeita ao controle de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal64 Entretanto questionase a real autonomia dos Estados membros em promulgarem suas Constituições já que as decisões de nossos tribunais têm nos indicado que até aquela matéria que não está expressa nem vedada pelo Constituição Federal tem sido alvo de ADIs por constarem nas Constituições estaduais 33 A AUTONOMIA DOS ESTADOS MEMBROS O Estado brasileiro se propôs em 1988 a ser uma federação A maior expressão do federalismo consiste justamente no fato de os estadosmembros e no caso brasileiro os municípios terem autonomia decisória organizacional e legislativa nos limites da Constituição Federal Neste ponto para o devido desenvolvimento deste trabalho necessária de faz a conceituação do termo autonomia De acordo com Raul Machado Horta A autonomia é portanto a revelação de capacidade para expedir as normas que organizam preenchem e desenvolvem o ordenamento jurídico dos entes públicos Essas normas variam na qualidade na quantidade na hierarquia e podem ser materialmente normas estatutárias normas legislativas e normas constitucionais segundo a estrutura e as peculiaridades da ordem jurídica HORTA 2010 p332 64 BARROSO Luís Roberto Curso de Direito Constitucional contemporâneo 2011 p 167 A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 25 dispõe Os Estados organizamse e regemse pelas Constituições e leis que adotarem observados os princípios desta Constituição Desta forma ao instituir a forma federativa a Constituição Federal prezou pela autonomia estadual e municipal entretanto intencionalmente ou não o federalismo brasileiro reserva muito mais competências à União em detrimento aos estados membros e municípios o que de fato revela uma tendência unitária do federalismo brasileiro 4 A TENDÊNCIA UNITÁRIA DO FEDERALISMO BRASILEIRO A chave para compreender a tendência unitária do federalismo brasileiro encontrase na atribuição constitucional das competências delegadas aos Estados Membros e aos Municípios Sobre o tema Horta afirma A Constituição Federal como responsável pela repartição de competências que demarca os domínios da Federação e dos EstadosMembros imprimirá ao modelo federal que ela concebeu ou a tendência centralizadora que advirá da amplitude dos poderes da União ou a tendência descentralizadora que decorrerá da atribuição de maiores competências aos EstadosMembros Por isso a repartição de competências é encarada como a chave da estrutura do poder federal o elemento essencial da construção federal a grande questão do federalismo o problema típico do Estado Federal HORTA 2010 p 276 Neste sentido a Constituição traz em seu texto diversas competências que são privativas da União e outras diversas matérias concorrentes Já no que se referem a matérias de competência privativa dos estadosmembros e dos municípios é percebido uma quantidade muito menor de competências Desta forma o Brasil nitidamente pelo excerto da obra de Horta é um país cujo federalismo é centralizado na figura da União 42 O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO INTENSIFICADOR DA TENDÊNCIA UNITÁRIA O Supremo Tribunal Federal é o órgão jurisdicional responsável pelo controle de constitucionalidade concentrado das leis e atos normativos no Brasil Justamente por ser a mais alta corte jurisdicional do país é ele o competente para julgar originariamente as ações de direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal65 Assim como é também o órgão competente para as ADPFs Entretanto por ser o Supremo o órgão legítimo para dirimir controvérsias de controle concentrado fica evidente a possibilidade de realização da chamada constitucionalização excessiva66 de acordo com o ministro Luís Roberto Barroso O artigo 25 da Constituição da República estatuiu que o EstadosMembros devem regeremse pelas Constituições e leis que adotarem desde que observem os princípios daquela Ora o caso em discussão julgamento da ADI 5540 que deu interpretação conforme a Constituição Federal tornou inconstitucional a autorização prévia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais para recebimento de denúncia pelo STJ em crimes comuns praticados por Governador do Estado Isso ao nosso ver nada mais é do que a manifestação da denominada constitucionalização excessiva Horta ao tratar das Ações de Inconstitucionalidade das Constituições dos Estados Membros afirma que o controle de constitucionalidade destas Constituições é fato histórico e até mesmo avanço visto que evita e supera as intervenções federais que desgastariam a visão federativa do Brasil Entretanto o dito autor nos traz a seguinte análise A intensidade ou o abrandamento do controle de constitucionalidade das Constituições dos Estados e de seu poder de organização pelo Supremo Tribunal Federal dependerá da prevalência de uma destas tendências a tendência no rumo da maior liberdade organizatória no âmbito das competências exclusivas dos Estados que abrandará o controle ou a tendência ao controle mais intenso dessa competência organizatória seja em decorrência do maior volume dos temas que se espraiam na Constituição Federal expansiva ou pela amplitude conceitual dos princípios constitucionais assim os princípios estabelecidos na Constituição que dispõem de sede pletórica no campo dos Direitos e Garantias Fundamentais e os princípios constitucionais de observância obrigatória pelos Estados HORTA 2010 p 307 65 Art 102 Compete ao Supremo Tribunal Federal precipuamente a guarda da Constituição cabendo lhe I processar e julgar originariamente a a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal 66 É o efeito expansivo das normas constitucionais cujas regras e princípios se irradiam por todo o ordenamento jurídico Dela resulta a aplicabilidade direita e imediata da Constituição a diversas situações a inconstitucionalidade das normas incompatíveis com a Lei fundamental e sobretudo a interpretação das normas infraconstitucionais conforme a Constituição circunstância que lhes irá conformar o sentido e o alcance BARROSO 2011 p443 Evidenciase que o atual cenário políticojurídico do país é expresso pela segunda tendência apresentada por Horta em que se tornou necessário um maior controle de constitucionalidade para que não haja óbice à Constituição Federal e seus princípios Muito embora esse intenso controle deva ser realizado de forma a não ferir a autonomia reservada aos Estadosmembros como é o caso da ADI 5540 5 O JULGAMENTO DA ADI 5540 51 A CONSTITUIÇÃO MINEIRA FRENTE A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA Ao promulgarem suas leis e Constituições os EstadosMembros devem respeitar as denominadas normas constitucionais de observância obrigatória que seriam segundo José Afonso da Silva normas limitativas de um dos princípios fundamentais da ordem constitucional brasileira a autonomia do Estados67 bem como os princípios constitucionais da Constituição da República Federativa do Brasil Em 1989 foi promulgada a Constituição do Estado de Minas Gerais que em seu artigo 9268 era omissa quanto a necessidade de autorização prévia da Assembleia Legislativa de Minas Gerais para processamento de ações penais por crimes comuns dos governadores do Estado Recentemente em junho de 2016 o partido Democratas DEM ajuizou69 art103 Ação Direta de Inconstitucionalidade requerendo interpretação conforme à Constituição Federal do artigo 92 da Constituição Mineira Em 05 de maio de 2017 foi proferida decisão unânime de acordo com o voto do relator Edson Fachin pela parcial procedência da ADI no sentido de Não há necessidade de prévia autorização da Assembleia Legislativa para o recebimento de denúncia ou queixa e instauração de ação penal contra Governador de Estado por crime comum cabendo ao STJ no ato de recebimento ou no curso do processo dispor fundamentadamente sobre a aplicação de medidas cautelares penais inclusive afastamento do cargo 67 SILVA José Afonso da Comentário Contextual à Constituição Ed São Paulo Malheiros p287 68 Art 92 O Governador do Estado será submetido a processo e julgamento perante o Superior Tribunal de Justiça nos crimes comuns 1º O Governador será suspenso de suas funções I nos crimes comuns se recebida a denúncia ou a queixa pelo Superior Tribunal de Justiça Portanto a problemática do presente artigo busca tratar justamente da necessidade de se recorrer ao STF para interpretar a Constituição Mineira Ora o artigo 25 da Constituição Federal é claro ao afirmar que os Estadosmembros tem autonomia para se auto regulamentarem desde que não firam princípios constitucionais Desta forma se a Constituição Mineira em nenhum momento feriu a Constituição Federal sendo apenas omissa quanto ao procedimento de admissibilidade de processamento de ações penais em crimes comuns que envolvam o governador do Estado não vemos necessidade de se recorrer ao STF a não ser apenas para reforçar o tendente unitarismo do federalismo brasileiro A Constituição Mineira tem seus próprios princípios norteadores que não ferem a Constituição Federal assim a mesma deveria ser interpretada a partir de seus próprios fundamentos garantindo desse modo a autonomia estadual que é pressuposto máximo do federalismo 52 A ADI 5540 COMO PRECEDENTE PARA OS DEMAIS ESTADOS DA FEDERAÇÃO Julgamentos realizados pelo Supremo Tribunal Federal em nosso ordenamento jurídico seja na forma sumulada ou não acabam por gerar precedentes para futuros julgados nos mais diversos graus de jurisdição Desta forma o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5540 ao dar interpretação conforme à Constituição Federal da Constituição Mineira no que se refere a necessidade de prévia autorização da Assembleia Legislativa para processamento de ações penais no STJ por crimes comuns cometidos por governador do Estado de Minas Gerais está na verdade criando um precedente isto é impingindo a Constituição Estadual mesmo conteúdo da Constituição Federal em normas onde não há necessidade de simetria ceifando assim a noção de autonomia A formação de precedentes nesse sentido pode ser considerada como reforço ao unitarismo brasileiro vez que de certa forma tolhe a autonomia dos Estados membros quando suas respectivas Constituições forem omissas terão de ser interpretadas conforme à Constituição Federal independentemente se feriram ou não os princípios a que se referem o artigo 25 da Constituição Federal Portanto com o controle de constitucionalidade cada vez mais exacerbado por parte do STF nítido se torna o significativo retrocesso do Estado brasileiro em garantir autonomia aos EstadosMembros visto que suas próprias Constituições mesmo que não sejam contrárias à federal ainda assim serão alvo do controle realizado pelo mais alto órgão do Poder Judiciário 6 CONCLUSÃO O presente artigo buscou demonstrar que é exacerbado o unitarismo do federalismo brasileiro principalmente considerando a atuação do Poder Judiciário no caso o STF como intensificador deste unitarismo Por intermédio da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5540 foi possível perceber que ao dar interpretação conforme à Constituição Federal do disposto na Constituição Mineira em verdade ferese o conceito da autonomia estadual Como discutido neste trabalho o objeto da ADI não se refere a desrespeito à Constituição Federal motivo pelo qual se faria necessário uma arguição de inconstitucionalidade perante a Corte Suprema de fato o que ocorreu foi mera omissão de procedimento o que poderia de forma serena ser dirimida pelo próprio Estado de Minas Gerais Em verdade pelos estudos realizados tornouse nítido que ao dar interpretação conforme ao artigo 92 da Constituição Mineira o Supremo Tribunal Federal feriu a autonomia do Estado de Minas Gerais já que sua Constituição não violou os princípios da Constituição da República Ainda neste sentido a chamada constitucionalização excessiva expressa pela ADI 5540 ao subordinar a Constituição Mineira frente à Constituição Federal em matéria de não observância obrigatória demonstra a desqualificação da norma constitucional estadual em mera lei infraconstitucional REFERÊNCIAS ABRUCIO Fernando Os barões da federação os governadores e a redemocratização brasileira São Paulo Editora HucitecDepartamento de Ciência Política USP 1998 BARROSO Luís Roberto Curso de Direito Constitucional Contemporâneo São Paulo Saraiva 2011 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil DIAS Reinaldo Ciência política ed2 São Paulo Editora Atlas 2013 HORTA Raul Machado Direito Constitucional ed 5 rev atual Belo Horizonte editora Del Rey 2010 MAGALHÃES José Luiz Quadros Federalismo O Estado Federal Centrípeto e Centrífugo Disponível em httpjoseluizquadrosdemagalhaesblogspotcombr201106447federalismo livrofederalismohtml Acessado em 22 de outubro de 2017 MINAS GERAIS Constituição Estadual Assembleia Legislativa de Minas Gerais Belo Horizonte 1989 SILVA José Afonso da Comentário Contextual à Constituição Ed São Paulo Malheiros p287 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ADI 5540 Disponível em httpredirstfjusbrestfvisualizadorpubjspconsultarprocessoeletronicoConsulta rProcessoEletronicojsfseqobjetoincidente4995078 Acessado em 20102017 CAPÍTULO 04 A HIPERTROFIA DA UNIÃO NO FEDERALISMO BRASILEIRO COMO O CONCEITO DE AUTONOMIA FEDERATIVA É DETURPADO Lucca Sá Motta Dias de Assis70 1 INTRODUÇÃO Desde a introdução do sistema federalista no Brasil ocorreram várias mudanças históricas na estrutura deste referido sistema que acabaram por se distanciar em muitos aspectos de sua formação estrutural originalmente feita pelos EUA Neste artigo abordarei como ocorreu este distanciamento e quais são as consequências disto para o aparato estatal político e social brasileiro Ademais buscase identificar algumas hipóteses constitucionais que direta ou indiretamente resultam em uma hipertrofia da autonomia por parte da união alicerçado com o conceito utilizado para a repartição de competência dos entes federados tomando para si aquilo que dentro de uma esfera federativa deveria ser parte da autonomia delegada aos estados membros Inicialmente compreendo que as várias constituições adotadas em nosso território nacional desde a introdução do modelo federativo influenciaram diretamente na hipertrofia da união que temos hoje Desde a distinta formação do federalismo norteamericano para o brasileiro centrípeto x centrifugo respectivamente até a violação normativa ditatorial ocorrida nos anos 60 80 em nosso país muitos foram os casos em que não seguimos o processo natural de nascimento e perpetuação do objetivo do espírito federativo a participação mínima do União soberana dentro da esfera de autonomia dos Entes federados Historicamente o federalismo dos estadosmembros brasileiros é algo que me parece muito mais outorgado do que efetivamente acordado entre seus participantes verificase isso por 70 Graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais exemplo com a proibição constitucional do direito de secessão o que cria uma contradição histórica entre o conceito federativo de autonomia dos entes federados x soberania estatal Por fim ressaltase que o objetivo da pesquisa é analisar o federalismo brasileiro dentro dos seguintes aspectos i rever historicamente os motivos que levaram à adoção deste modelo de chefia de Estado ii quais eram os objetivos pretendidos no momento histórico de sua adoção e iv como ao decorrer do tempo o conceito original de federalismo nascido em berço norteamericano é completamente modificado em nossa nação quando foi implementado principalmente no que diz respeito à autonomia dos entes federados 2 A ONTOLOGIA DO FEDERALISMO O BERÇO NORTEAMERICANO E AS NECESSIDADES QUE LEVARAM À SUA ADOÇÃO Hoje em dia é absolutamente comum ouvirmos as palavras Federação Federativoa ou Federalista quando estudamos as diferentes formas de estado que contemplam os países do globo terrestre mas nem sempre foi assim Durante muitos anos e em alguns países até hoje a forma de Estado majoritária nas grandes potências era o Estado Unitário que pressupõe uma grande concentração de poderes nas mãos de um governo central que regia todo o território estatal Um fenômeno histórico protagonizado pelas treze colônias inglesas no norte do continente americano foi responsável por capitanear o êxito do sistema federativo e com isso inspirar a adoção do federalismo por vários países no mundo Como é sabido dos livros de história as treze colônias inglesas que se firmavam no litoral do continente norteamericano no séc XVIII durante muito tempo sofreram de sua metrópole inglesa inúmeros abusos fiscais e políticos Um fator muito curioso acometia estas treze colônias apesar de serem todas subordinadas à uma mesma metrópole possuíam um distanciamento sociocultural territorial e identificador muito grande Não era incomum verificarse além do conflito colôniametrópole o conflito intercolonial principalmente no que diz respeito à aceitação do escravismo Apesar destas diferenças firmaramse unidas contra sua metrópole que prejudicava à todas igualitariamente buscavam sua independência sociopolítica O desenrolar desta história nos exibiu muitos conflitos armados entre colônia e metrópole apoio de grandes nações como a França iluminista perfumada por ideais políticosliberais à causa norteamericana e acordos firmados entre as próprias colônias para que no final resultassem no êxito colonial e a consequente Declaração de Independência dos Estados Unidos da América no dia 4 de julho de 1776 O único laço que os unia era a vontade de lutar pela sua liberdade para assegurála a união era indispensável Contudo os artigos da confederação só foram votados em novembro de 1777 após superadas grandes divergências e ratificados pela maioria dos Estados somente em julho de 1778 LORENA 1984 p 3 Portanto a Confederação dos Estados Unidos da América teve sua votação e legitimação em momento posterior à independência destes Estados o desejo de independência política foi mais ardente do que o próprio planejamento político em si A organização confederativa firmada era em muitos pontos frágil Se todos são soberanos a soberania se caracteriza pela autonomia externa a outros Estados e autonomia interna perante os Entes federados podem determinarse conforme entenderem Ora em tempos de guerra e conflitos de todas as origens internos ou externos quem em um momento de fragilidade de algum dos Estados confederados irá garantir que outros não o abandonem ou se recusem a ajudálo No que diz respeito ao companheirismo e confiança interestadual a confederação deixava lacunas de desconfiança gigantescas Importante lembrar que no contexto histórico tratado eram comuns as revoluções políticas Os países fortes e consolidados iniciavam ou davam prosseguimento com o imperialismo a fim de garantir sua hegemonia e fortalecimento políticoterritorial enquanto os países recém formados e aqueles que lutavam por independência buscavam se firmar e guerrear se necessário por sua integridade política e estrutural Diante disso a última coisa que interessava aos Estados Unidos da América era a dissolução de sua independência tão duramente conquistada mas que diante de seu modelo estatal se mostrava tão frágil e ameaçada A independência dos Estados que se mostrava como seu maior êxito acaba por revelarse como um grande pontofraco verificado em cada um deles Muito embora na época houvesse sido firmado um Congresso Confederativo e este possuísse alguns poderes enumerados principalmente diplomáticos não teve atribuído a si poderes efetivamente legislativos ou que de alguma maneira ferissem a soberania que emanava de cada um dos Estados confederados como pex a arrecadação de tributos requisitos essenciais à qualquer governo Em 1783 derrotada a metrópole inglesa assina o Tratado de Paris que reconhece oficialmente a independência dos EUA Tal foto acaba por colocar em cheque a razão de existência do pacto confederativo dos recém reconhecidos Estados Norteamericanos visto que o único motivo capaz de afastar suas diferenças sociais e políticas que era a busca por independência acaba de se exaurir Em 1787 alguns protagonistas históricos do que hoje é considerada a grande nação dos Estados Unidos da América se reuniram no estado da Filadélfia para discutir um projeto de Constituição que fosse capaz de unir os Estados norteamericanos A união daria lugar a menor número de causas justas de guerra e facilitaria infinitamente mais a composição das diferenças com as nações estrangeiras do que o governo particular dos Estados ou das ligas que os Estados propõem HAMILTON MADISON JAY 1840 p 21 Uma vez superadas todas as dificuldades que poderiam ter surgido em 1787 o projeto de constituição que estabelecia a união entre os Estados norteamericanos foi ratificado e aprovado por nove dos Estados norteamericanos estabelecendo a forma federativa de estado Os demais Estados que ainda não tinham aderido ao novo documento constitucional reivindicavam a constitucionalização de alguns direitos que ao tempo não tinham sido estabelecidos constitucionalmente Na primeira sessão do Congresso Nacional em 1789 com a redação das dez primeiras emendas as demandas constitucionais foram prontamente atendidas e todos os demais Estados que faltavam ratificaram a constituição em 1791 que ficou conhecida como Bill of rights do estado norteamericano BERNARDES 2010 p191 3 A ADOÇÃO DO FEDERALISMO NO BRASIL INSPIRADO PELO IDEAL NORTEAMERICANO Vimos portanto que o principal motivo que levou à união dos estados norte americanos foi a necessidade de sua consolidação política em um plano internacional onde os estados membros detentores de soberania política cada um por si decidiram abrir mão desta condição e delegaramna à união restandolhes individualmente enquanto estadosmembros da federação a autonomia política Doutrinariamente é comum classificar esse modelo de concepção federalista como federalismo centrípeto O deriva da maneira centralizadora que ilustra o surgimento da federação norteamericana onde os estadosmembros anteriormente soberanos e independentes entre si decidem por convergir à uma centralização de poder comum mesmo que isso tenha significado reduzir o próprio poder político conferidolhes individualmente A constituição norteamericana sofreu fortíssima influência dos ideais iluministas como anteriormente visto propagados ao redor do mundo principalmente no que diz respeito à defesa do liberalismo político Com isso sua constituição pretendia proporcionar um vasto leque de atuação no que diz respeito à autonomia dos Estadosmembros isso porque caberia a cada um destes a representação da diversidade social de seu povo admitindo que cada estado membro comportava uma cultura diversa do outro restando à união agir apenas naquelas competências que lhe fossem enumeradas e pertinentes aos Entes federados enquanto comunidade política representando assim um ponto de interesse comum e homogêneo da nação Nesse momento formulouse a construção de um federalismo tentando compatibilizálo com as premissas por nós consideradas hoje inconciliáveis do estado federal diversidade e do estado nacional homogeneidade BERNARDES 2010 p 187 Este primeiro modelo federalista fundado no estado liberal proposto pelos EUA com relação à sua forma de orientação política dáse o nome de Federalismo Dualista ou Federalismo Dual Percebam que o modelo norteamericano ideologicamente falando aponta pra um enorme otimismo funcional no sentido que concebe à união a expectativa de representar e conciliar pacificamente em torno de uma única faceta política diferenças sociais de toda sorte provenientes dos Estadosmembros Teoricamente falando tratase de um aspecto positivo deste modelo pois caso essa expectativa se concretizasse estaríamos falando de uma perfeita harmonia funcional e organizacional da constituição em seu sentido sociológico Por outro lado um dos grandes aspectos negativos deste modelo consiste no funcionamento estanque que assumem os entes federativos Como possuíam entre si uma hierarquia política horizontal que pressupõe a baixa comunicabilidade funcional entre Estadosmembros e a união era comum encontrar uma discrepante realidade desenvolvimentista regional Verificavamse períodos onde algumas regiões vivam momentos de prosperidade social e econômica enquanto outros simultaneamente estavam em forte crise de mesma natureza Foi exatamente o aspecto negativo deste modelo que futuramente no crack da bolsa de 1929 que precedeu o New Deal fez com que a forma federativa dos EUA tivesse de ser revista por sua Suprema Corte tentando solucionar este problema decorrente principalmente da comunicabilidade funcional que acometia o modelo federativo Norteamericano O federalismo denominado conservador teve que ser reformulado com extensão dos poderes federais provocados pelos problemas econômicos e sociais A economia nacional seria ressuscitada pela extensão da intervenção do governo federal BARACHO 1982 p 157 A história do federalismo brasileiro ocorre de maneira diversa à dos EUA A primeira Constituição do Brasilimpério de 1824 não previa a forma federativa de estado mas a unitária O território era divido entre Províncias subordinadas e não autônomas ao governo central este que regia a Nação Efetivamente a primeira experiência federalista que tivemos ocorreu graças à previsão desta forma de Estado na constituição de 1891 que não só adotou o federalismo como também a república A própria expressão província foi semelhante à consagrada na Argentina Sendo que fomos buscar nos Estados Unidos a denominação Estados para as divisões políticoadministrativas BARACHO 1982 p 188 As Províncias brasileiras ao tempo da adoção constitucional do federalismo já haviam durante anos aceitado e propagado entre si a cultura federativa A justificação do interesse fundador do Federalismo Brasileiro se dá principalmente por interesses elitistas provinciais que entenderam como necessária a descentralização e fragmentação do poder político Imperial O recorte do estado nacional aparece como tentativa de se dar homogeneidade cultural política e social a um povo de bases naturalmente heterogêneas Acrescentese a isso o fato de que tal homogeneização era produto de demanda de nossas elites sem qualquer comprometimento direto do povo que não era considerado bernardes 2010 p 206 Assim satisfizeramse as províncias mediante movimentações que representaram interesse político de apenas uma parcela populacional do primeiro requisito necessário para a sua qualificação como EstadosMembros autonomia política Foi o constituinte que através da descentralização do poder central concedeu e materializou a transformação destas Províncias em Estadosmembros Daí configurouse nos momentos seguintes a formação da União que teve conferida a si uma Soberania que nunca lhe foi delegada pelos EstadosMembros mas sim pelo fato descentralizador do antigo poder político Com efeito nunca foi característica dos Estadosmembros brasileiros ao tempo que adquiriram essa condição Constituição de 1891 a posse em momento anterior à sua formação de soberania política Ocorria no Brasil império uma dependência por parte das províncias ao poder central este sim que era soberano Nossa prática de soberania pelas unidades federadas era nula e a dependência do poder central focalizado durante a época imperial no poder Moderador era nosso exercício diário BERNARDES 2010 p 204 Portanto a autonomia que foi reservada aos Estadosmembros pela constituição de 1891 não derivou de um poder político ainda maior que lhes era conferido como a soberania mas sim de nenhuma capacidade autônoma anterior É daí que surge a expressão Federalismo Centrífugo doutrinariamente consagrada quando estudamos adoção do Federalismo no Brasil A forma de concepção do modelo federativo difere em sentido contrário do Norteamericano Enquanto neste houve uma restrição voluntária de poderes políticos anteriormente adquiridos pelas colônias convergindo em uma centralização do poder Nacional no caso do Brasil ocorreu uma descentralização concretizada pelo constituinte de poderes de soberania política que pertenciam à uma esfera unitária para que assim se viabilizasse a difusão da autonomia política aos agora Estadosmembros Um dos pais fundadores de nossa constituição de 1891 Rui Barbosa inspirou se no modelo norteamericano para a concepção de nossa estrutura federativa falo do federalismo dual Assim inauguramos na constituição de 1891 a forma federal de estado com vários arranjos de federalismo seguindo os fundamentos do modelo norte americano e nesse sentido adotamos como primeira forma de atuação o federalismo dualista BERNARDES 2010 p 206 A associação do modelo federalista dualista está completamente relacionada como vimos com o 1º paradigma de direitos que versa sobre o estado liberal Historicamente ocorreu fenômeno muito interessante no que diz respeito a conjugação da leitura dos modelos federalistas no Brasil e os paradigmas de direito os que perpassaram Essencialmente os mesmos problemas que justificaram as transposições paradigmáticas também foram justificativas para reinterpretações e até mesmo recriações constitucionais que adotavam o modelo federativo como forma de estado Este mesmo fenômeno pôde ser verificado em vários Estados federados ao redor do mundo No Brasil a perpetuação do federalismo dualista não conseguiu sobreviver até 1934 momento histórico que encontra forte influência do segundo paradigma relacionado ao Estado assistencialista A par de fatos como o fim da primeira guerra o crescimento do setor industrial o desenvolvimento urbano do sul do nosso estado a crise do café o surgimento de uma classe média industrial operária mais consciente de seus direitos juntamente com a classe militar descontente com o sistema vigente propõese a reforma de 1926 que define metas centralizadoras e descaracteriza mais a feição do federalismo dualista Tudo deságua na revolução de 1930 e posteriormente na promulgação de uma nova constituição de 1934 BERNARDES 2010 p 211 e 212 O rompimento paradigmático viabiliza a releitura do entendimento então vigente sobre federalismo O modelo de atuação engessada dos entes federados que pressupõe o dualismo não cabe mais diante das mudanças sociais ocorridas no mundo e nas sociedades sendo agora necessário um modelo que acompanhe a necessidade intervencionista da união sob os EstadosMembros para que o desenvolvimento destes seja realizado de maneira mais pareada e proporcional Nasce aqui o chamado Federalismo de Cooperação modelo que pressupõe uma área de atuação por parte da união maior do que aquela que anteriormente lhe era creditada isto em função de suplementar as deficiências apresentadas pelas regiões federativas assegurandolhes assim a devida assistência desenvolvimentista a fim de evitar o descumprimento de direitos fundamentais defendidos no 2º paradigma de bemestar social O Federalismo Cooperativo foi implantado oficialmente no Brasil na constituição de 1934 inspirada na constituição de Weimar de 1919 na Alemanha O professor José Alfredo Baracho citando Alfredo Buzaid ainda chega a falar de um terceiro modelo denominado Federalismo de Integração A esse novo tipo que promove o desenvolvimento econômico vem o máximo de segurança coletiva ousamos denominar federalismo de integração O federalismo dualista se fundava no princípio do equilíbrio entre a união e o estado o federalismo cooperativo formula o princípio da suplementação das deficiências dos estados o federalismo da integração representa o triunfo do bemestar de toda a nação Ele busca portanto reencontrarse com a realidade nacional traduzindo os legítimos anseios do povo que cria um país economicamente forte socialmente justo e eticamente digno BARACHO 1982 p 189 Como agora o papel da União consiste também em uma maior intervenção nos EstadosMembros a fim de garantirlhes desenvolvimento consequentemente sua arrecadação também terá de ser maior Começase a falar aqui na capacidade de determinação das práticas federalistas em função da arrecadação fiscal que ficará sob poder da União para ser coordenada eis que nasce o termo Federalismo Fiscal Embora alimentada por louváveis propósitos a ação federal na órbita econômica regional reflete comportamento unitário inconciliável com a estrutura federativa pois ignora a existência política do governo estadual Sob tal aspecto o planejamento central dos economistas do desenvolvimento introduz outra distorção no federalismo brasileiro HORTA 1957 p 80 Houveram na história brasileira alguns períodos que romperam com sistema federativo como se verifica na Constituição Polaca de 1937 que perpetuou até 1945 onde Getúlio Vargas e o Governo Central implementaram modelo autoritário e estabeleceram a intervenção da União em praticamente todos os Estados da Federação Com sua ruptura em 1946 e neste mesmo ano a promulgação de nova constituição retomase o modelo federativo republicano e democrático Considerando os anos de intensa atividade política que se seguiram na história brasileira em 1961 começase a acalorar uma propagação de pensamentos políticos que enaltecem o EstadoNação em detrimento dos EstadosMembros Isto se dá principalmente pela polarização política que acometia o mundo com um pano de fundo de Guerra Fria onde o posicionamento político de uma sociedade representada como um todo se fazia cada vez mais importante para que ficasse claro qual lado apoiaríamos em um possível confronto das duas nações polarizantes EUA e URSS Com as tentativas de nos colocarmos na cartilha dos estados nacionais no contexto de polaridades de forças mundiais que marcam a divisão do mundo após a segunda guerra Mais uma vez essa tomada de posição vai reforçar os argumentos de necessidade de um estado forte e com isso o aquecimento dos poderes da união se explica BERNARDES 2010 p 237 A justificativa de necessidade de um governo federal forte preparou terreno para o iminente regime militar em 1964 que três anos depois em 1967 instaura uma constituição que deturpa completamente os conceitos de Estado Nacional e Federalismo que entendíamos pois apesar de prever a forma Federativa de Estado consagra uma expansão da União em órbita federativa que praticamente castra a Autonomia delegada aos EstadosMembros afastando completamente o teor de liberdade que existia por trás do conceito federalista e se aproximando muito dos efeitos centralizadores que existiam nos governos autoritários com alto teor antidemocrático A mudança deste cenário autoritário para um mais democrático só aconteceria na Constituição da República de 1988 após toda sorte de crises e dificuldades de todas as naturezas principalmente sociais que vivenciou o Brasil durante a vigência da Constituição de 1967 Até agora o que podemos verificar é que a ideia por trás do conceito de Federalismo está completamente associada à liberdade política Não falo aqui apenas da liberdade em si mas da efetiva possibilidade de sua manutenção É deste último aspecto que em algum momento viabilizouse a concepção do primeiro efetivo modelo federativo pelos NorteAmericanos os EstadosMembros após conquistarem a maior condição de liberdade política existente sua soberania através de incontáveis conflitos optaram por restringila a fim de alcançar um maior benefício político que seria viabilizado pela União através da consolidação do sistema federativo É justamente a manutenção da liberdade política que sempre foi alvo de suspeição em nossa história A Constituição da República Brasileira de 1988 popularmente conhecida como Constituição Cidadã pareceu adotar uma série de medidas para que a autonomia política dos Entes federados e seus interesses políticos outrora tão desrespeitados fossem protegidos constitucionalmente reconhecendo e respeitando as respectivas peculiaridades sociais inerentes a cada Estadomembro na medida claro em que se harmonizassem com o corpo integralizado federativo que integravam O que veremos a seguir é que o papel delegado à União que representa a integralização e aliança política dos Estadosmembros na referida Constituição acabou questionando materialmente a formalidade da autonomia federativa 4 O PROTAGONISMO DA UNIÃO COMO O MODELO FEDERATIVO ATUAL TENDE A SE COMPORTAR DE MANEIRA CENTRALIZADA Algumas das cartas constitucionais que precederam a atual Constituição da República dissimularam completamente o conceito federativo brasileiro principalmente a Constituição de 1967 através da extensa intervenção federativa da União nos EstadosMembros que além de ceifar a autonomia federativa destes afastava qualquer teor democrático dentro de nosso território como dito anteriormente A partir de 1937 os órgãos governamentais centrais passaram a ocupar o espaço deixado pelo retraimento dos EstadosMembros e por isso toda tarefa nova que surgisse correspondia a um acréscimo na órbita das dilatadas atribuições do Governo Central Esse processo acumulativo agigantou a administração governamental central contribuindo para manter vivo contraste entre as dimensões da primeira e a modesta inferioridade das administrações estaduais HORTA 1957 p 72 Com isso Constituição da República de 1988 inovou em sua técnica de repartição de competências entre os entes federados Coube ao constituinte ter a devida diligência para tratar as cicatrizes políticas deixadas pelas Constituições anteriores A manobra que foi adotada consistiu em enumerar as competências da União e dos Municípios restando aos EstadosMembros as competências Remanescentes divergindo dos antigos modelos federativos que consagravam apenas União e Estados Membros com Entes federados Além disso as hipóteses de intervenção da União nos Estadosmembros foram absolutamente restringidas pelo constituinte à um rol enxuto e taxativo de possibilidades O princípio geral que norteia a repartição de competência entre as entidades componentes do Estado federal é o da predominância do interesse segundo o qual à União caberão aquelas matérias e questões de predominante interesse geral nacional ao passo que aos Estados tocarão as matérias e assuntos de predominante interesse regional e aos Municípios concernem os assuntos de interesse local SILVA 2010 p 478 Art 34 a união não intervirá nos estados nem no distrito federal exceto para i manter a integridade nacional ii repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da federação em outra iii pôr termo a grave comprometimento da ordem pública iv garantir o livre exercício de qualquer dos poderes nas unidades da federação v reorganizar as finanças da unidade da federação que a suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos salvo motivo de força maior b deixar de entregar aos municípios receitas tributárias fixadas nesta constituição dentro dos prazos estabelecidos em lei vi prover a execução de lei federal ordem ou decisão judicial vii assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais a forma republicana sistema representativo e regime democrático b direitos da pessoa humana c autonomia municipal d prestação de contas da administração pública direta e indireta e aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais compreendida a proveniente de transferências na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde BRASIL 2017 No entanto nos artigos constitucionais que versam sobre as competências dos entes federados percebese que o constituinte deu uma abrangência funcional enorme à união se comparada com os outros entes Isso se verifica no art 21 Da cf que traz um rol taxativo das competências que são exclusivas da união em seus vinte e cinco incisos consagrandose inclusive no inciso IX o princípio consagrador do federalismo cooperativo em nossa constituição IX Elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social BRASIL 2017 No entanto não existe dúvidas que também foi arrolado à união matérias que apesar de possuírem algum teor de interesse nacional também se interceptam nelas interesses regionais eou locais Tanto que o art 22 da cf que fala das competências privativas da união estabelece em seu parágrafo único Parágrafo único Lei complementar poderá autorizar os estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo BRASIL 2017 Em uma leitura crítica percebese como até mesmo o constituinte estabeleceu válvulas que viabilizam o redirecionamento de competências e funções da união aos demais entes federados Entendo que isso se dá pelo fato de reconhecer o constituinte que esse exagerado poder atribuído à união resultaria em alguma ou completa disfunção prática do próprio sistema federativo A autonomia da competência reservada aos estadosmembros e aos municípios fica inclusive subordinada a determinações da união na medida em que só conseguirão efetivar plenamente os atos que atendam demanda de interesse regional ou local se normas gerais estabelecidas pela união não tiverem sido determinadas pois se for este o caso caberão aos demais entes apenas complementar essas normas Concluise este fato a partir da leitura dos dispositivos elencados no art 23 e 24 da cf que tratam respectivamente da competência comum e da competência concorrente entre união estadosmembros distrito federal e municípios Art 23 único leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a união e os estados o distrito federal e os municípios Art 24 1º no âmbito da legislação concorrente a competência da união limitarseá a estabelecer normas gerais Art 24 2º a competência da união para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos estados Art 24 3º inexistindo lei federal sobre normas gerais os estados exercerão competência legislativa plena brasil 2017 Assim a atuação tanto dos estadosmembros quanto dos municípios assume completo papel coadjuvante dentro do cenário federativo visto que o protagonismo das diretrizes funcionais recai sobre a união que verificando conflito de tema que possua relevância nacional opondose a pertinências regionais e ou locais tem o poder de sobrepujar seus interesses perante os outros O problema reside justamente no conceito de interesses que é adotado na prática O que se verifica é que o critério definidor para a repartição de poderes entre os entes federativos não foi deliberado entre estes mas sim presumidos pelo constituinte que por sua vez dilatou completamente o interesse nacional justificando o proporcional aumento de competências da união perante os outros entes federados Neste diapasão os entes federativos nunca deliberaram entre si a valoração política daquilo que deveria ou não pautarse a sua autonomia mas tiveram prescritos a si a dosagem dessas competências pelo constituinte Assim mostramos como a manutenção da liberdade política mais uma vez não foi devidamente recepcionada em mais um de nossos modelos federativos Inflando ainda mais o poder da união sobre os demais entes federados ainda temos os poderes implícitos implied powers teremos definido que das competências constitucionalmente explícitas podemse deduzir poderes implícitos implied powers que na verdade são competências novas necessárias para a realização das competências já atribuídas Desse modo definese que a união possui poderes além dos expressamente definidos constitucionalmente BERNARDES 2010 p 195 Com isso fica muito mais fácil para a união constituir estes poderes implícitos para consecução e efetivação de suas competências visto que as normas que estabelecer dentro da hierarquia normativa vincularão diretamente o comportamento das demais normas estabelecidas pelos entesfederados naquilo que compreende sua competência exclusiva ou poderão estabelecer as normas gerais dentro da possibilidade da competência concorrente Segundo entendimento dos art 21 a 24 da cf88 No entanto o caminho inverso não é possível os poderes implícitos dos estados membros e dos municípios falamos dos que irão conseguir para satisfação do interesse regional e local respectivamente deverão e só poderão se concretizar caso sejam obedecidos os obstáculos estabelecidos pelas diretrizes da união que se fundam na supremacia do interesse nacional a autonomia dos estadosmembros e municípios é mais uma vez sacrificada em detrimento da união Portanto os poderes da união enumerados e implícitos para se efetivarem dependem apenas de sua própria atuação dentro da esfera federativa e dos poderes públicos que agem de maneira direta sob ela expandindo sua soberania para órbitas tão largas que torna a autonomia dos outros entes federados praticamente desprovida de significado Caberá aos estadosmembros e municípios exercer sua autonomia dentro da pequena fenda de livre manutenção política que é deixada após o alastramento funcionalnormativo da união A efetividade dos poderes implícitos regionais e locais irá se sujeitar completamente às determinações da esfera federativa superior que na maioria das vezes não é capaz de tutelar em tempo hábil as demandas para o exercício legal dos direitos e resoluções de conflitos que dali emanam Podese incluir essa assimilação federal da máquina administrativa unitária entre as causas determinantes da atual hipertrofia da administração federal Horta 1957 p 73 Aparentemente no federalismo brasileiro a união não é uma reflexão dos interesses dos estadosmembros e municípios mas estes sim são um reflexo do interesse daquela 5 CONCLUSÕES O princípio norteador do federalismo cooperativo que gira em torno de um ponto de equilíbrio entre uma maior intervenção da União nos Entes federados a fim de provocar seu paritário desenvolvimento e integração e o respeito à liberdade política social e econômica que dentre outros fatores caracterizam a autonomia dos governos descentralizados acaba por se tornar maculado em nossa Constituição Na prática o que se verifica é que os poderes que emanam do Governo Central ferem em muitas hipóteses a autonomia dos EntesFederados e inflam completamente a competência e soberania da União perante eles A autonomia que é destinada aos EstadosMembros e Municípios dentro de nossa técnica constitucional de repartição de competências faz com que nos casos concretos essa liberdade federativa tenha um caráter coadjuvante e quase nada independente tornandose assim uma espécie de AUTONOMIA SUPLEMENTAR por parte dos entes federados quando comparados à função desempenhada pela União A ideia de Federalismo que como mostrado desde de sua primeira adoção já apresentava sinais de vícios políticos e destoante realidade daquela a qual se inspirou para existir Norte Americana parece hoje depois de tudo não ter se distanciado tanto do comportamento do modelo centralizador que existia antes de sua adoção em 1891 Em tópicos que não são foco deste artigo existem ainda outros motivos que colocam em cheque o comportamento federativo de nosso Estado principalmente no que se refere à política fiscal tarifária e econômica da União para com os Estados Membros e Municípios Portanto nossa previsão constitucional como Federação e a adoção de um modelo Federalista Cooperativo assim entendido por vários doutrinadores consagrados me parece mera formalidade uma maquiagem para um modelo de estado que consagra forma de governo centralizadora A denominação é utilizada como forma de justificativa para uma hipertrofia das competências funcionais e soberania política de uma assim chamada União às custas do exercício pelos Entesfederados de uma Autonomia que desde seu começo nunca se qualificou materialmente como tal mas desde sempre teve essa qualidade nominada REFERÊNCIAS DA SILVA José Afonso Curso de direito constitucional positivo Ed 32 Apostila Livredocência São Paulo SP Malheiras Editores Ltda 2009 HORTA Raul Machado Problemas do federalismo brasileiro Belo Horizonte Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais 1957 MADISSON James HAMILTON Alexander JAY John O Federalista traduzido para português antigo Biblioteca da Câmara dos Deputados Tomo primeiro Vol 1 Rio de Janeiro Typ Imp e Const De J Villeneuve e Comp 1840 Disponível em httpbdcamaragovbrbdhandlebdcamara17661 Acesso em 27 nov 2017 BERNARDES Wilba Lúcia Maia Federação e Federalismo uma análise com base na superação do Estado Nacional e no contexto do Estado Democrático de Direito Belo Horizonte Del Rey 2010 304 p BARACHO José Alfredo Oliveira Teoria Geral do Federalismo Belo Horizonte FUMARC UCMG 1982 LORENA Torquato Jardim Aspectos do federalismo norteamericano Revista de informação legislativa v 21 n 82 p 5382 abrjun 1984 CAPÍTULO 05 MACROBLOCOS DE PODER UMA ANÁLISE SOBRE A UNIÃO EUROPEIA E O MERCOSUL A PARTIR DE HABERMAS Felipe Diógenes Antunes de Paula Cândido 71 1 INTRODUÇÃO O fenômeno da globalização acarretou diversas consequências para os mais vastos campos do saber e no âmbito jurídico não foi diferente É com o intuito de analisar as consequências da formação de Macroblocos de Poder em decorrência da globalização e sua relação com a Federação e o Federalismo que engajouse a esta pesquisa Tal tema é de grande relevância prática e jurídica eis que tais arranjos de poder alcançam a cada dia maior amplitude e influência Para corroborar a pertinência da temática podese observar o que discorreu de forma clara e precisa Wilba Bernardes em seu livro Federação e Federalismo o fenômeno da globalização incita novos jogos territoriais de poder daí a necessária redefinição dos pactos federais não só nos países em desenvolvimento como também nos países desenvolvidos que se viram diante de um processo constituído na base de contrastes a formação de macroblocos e microblocos de poder alterando a tradicional definição de fronteiras O caso da estruturação de supraredes de poder formando uma espécie imaginária de aldeia global pode ser exemplificado com a formalização da União Europeia e ainda suas possíveis sementes embrionárias como o Nafta e Mercosul BERNARDES 2010 p 28 É neste contexto em que se insere esta pesquisa com o intuito de analisar estas supraredes de poder em especial a União Europeia e o Mercosul buscando averiguar o enquadramento de suas estruturas em um sistema federativo confederativo ou noutro tipo de sistema político Para isto valeuse de grandes e renomados autores das ciências políticas e jurídicas a fim de repisar sobre os apontamentos já existentes para uma contribuição eficaz com o mundo da pesquisa 71 Graduando em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 2 BREVE APANHADO CONCEITUAL FEDERAÇÃO E FEDERALISMO Antes de mais nada é necessário tecer comentários a respeito da acepção dos vocábulos Federalismo e Federação Por se tratarem de palavras utilizadas em vários lugares mundo à fora possuem grande gama de definições por parte de estudiosos das ciências política e jurídica Há também uma dificuldade em se fazer a distinção entre as duas palavras e o significado semântico das mesmas o que faz com que muitas vezes sejam utilizadas como sinônimos quando não o são Importante salientar que apesar de tão variadas definições não há que se dizer que um ou outro posicionamento esteja certo ou errado mas apenas que tais palavras são de difícil apreensão de um conteúdo único e uniforme Esclarecido isto o que se busca não é fixar um invariável conceito para tais palavras mas sim a construção de um terreno sólido para se pisar Ambas as palavras têm sua origem do latim foederatio de foedus que quer dizer liga tratado ou aliança relacionado a fides significando fé confiança Para elucidar vale citar os ensinamentos da Professora Wilba Bernardes 2010 eis que demonstra didaticamente o significado de ambas as palavras assim definindo os termos Federação e Federalismo em sua obra temos que a expressão federação estaria vinculada à estrutura normativa constitucional e o termo federalismo ligado a um modo de ver e de viver na sociedade Na federação teríamos as estruturas federais ou os arranjos federais que permitem a divisão territorial do poder incluindo aí seus aspectos políticos jurídicos e econômicos ou seja aspectos institucionais que ao organizar o Estado permitem a distribuição espacialterritorial efetiva do poder No federalismo estaríamos mais próximos de um tipo de comportamento atitude ou vocação federal identificando princípios que são comungados em determinada sociedade baseados na ideia de diversidade na unidade BERNARDES 2010 p 32 Com base nestes apontamentos verificase que o termo Federação se vincula ao regime político adotado por determinado Estado enquanto o termo Federalismo tem relação com uma forma de enxergar a sociedade através de uma concepção de diversidade na unidade 3 OS MACROBLOCOS DE PODER O que é conhecido como Macroblocos de Poder é a união de dois ou mais Estados em um mesmo objetivo tendo os Estados membros aberto mão de parte de sua soberania em prol do benefício mútuo de ambos os participantes Há uma distinção teleológica no que diz respeito ao surgimento destes arranjos de poder O primeiro tipo de agrupamento se deu com a finalidade de dominação Estados que tinham poder bélico e estratégias de guerra melhores dominavam sobre os outros englobando seu território e trazendo a existência os blocos de poder Assim é que no passado as uniões entre Estados diversos estavam regidas basicamente pelo poder de uma nação de dominar as demais Tratavase pois de elo extremamente frágil para a construção de qualquer bloco de Estado de caráter continental ou regional Era este basicamente o sistema soviético de união de Estados Seu desmoronamento em época recente bem demonstra a precariedade de uniões dessa índole que apenas buscavam assegurar e demonstrar supremacia bélica em relação às demais nações TAVARES 2017 p 813 Conforme visto a união dos Estados baseada na subordinação entre eles demonstrouse insuficiente para assegurar a durabilidade e continuidade dos movimentos de aglomeração A união entre Estados também se deu através do vínculo religioso Países com mesma religião já se uniram através deste tipo de ligação Nesta toada ensina ainda Tavares Outra forma de alcançar uniões estatais poderia ser obtida a partir do elemento religioso Diversos esforços empreendidos nesse sentido principalmente pela religião cristã jamais alcançaram êxito A união de Estados árabes com a criação de uma República Árabe Unida baseada em suas leis religiosas comuns também falhou TAVARES 2017 p 813 Esta forma de união dos Estados também não conseguiu mantêlos vinculados por muito tempo Vale ainda ressaltar que os problemas de ordem mundial influenciaram no ajuntamento das nações o que se materializou através de regras de controle que visam proteger as nações como um todo a fim de não ficarem ao alvedrio de países com poder bélico capaz de destruir outros por completo Assim a segunda guerra mundial incentivou a união das nações em prol de um poder de influência supranacional apto a proteger a comunidade global Entretanto a criação de um poder mundial também deve ser pensada com cuidado visto que um poder universal e soberano sobre todos pode cometer injustiças devido à falta de mecanismos de controle hábeis a freálo Apesar da união através do vínculo de subordinação ou religioso terem se demonstrado frágeis há outra forma de união mais atual e duradoura A união dos Estados por motivos econômicos tem se demonstrado mais sólida e eficaz para a manutenção do vínculo ao longo do tempo Sobre a consistência da união com finalidade econômica assim corrobora o entendimento abaixo Ocorre que o fenômeno econômico tornou viável o agrupamento de Estados que já agora contam com um objetivo comum verdadeiro propulsor dos avanços neste campo Assim é que a crescente inviabilidade econômica de os Estados menores sobreviverem no mundo torna os fenômenos de integração uma realidade desejável e possível O fator econômico guia essa transformação tornandoa juridicamente factível TAVARES 2017 p 814 Desta forma este terceiro tipo de união pelo viés econômico tem mostrado que a combinação entre os estados é necessária para a expansão do mercado dos mesmos podendo trazer benefício mútuo para os participantes destes arranjos de poder Neste cenário é que surgem blocos como a União Europeia o Nafta e o Mercosul a fim de viabilizar uma integração econômica se tornando uma alternativa aos estados A união dos estados com o viés econômico tem demonstrado poder suficiente para desfazer o paradigma do excesso de proteção de fronteiras contribuindo assim para a formação de novos arranjos territoriais Assim assevera Habermas No passado o Estado nacional guardou de forma quase neurótica suas fronteiras territoriais e sociais Hoje em dia processos supranacionais irrefreáveis malogram esses controles em diversos pontos HABERMAS 2002 p 138 Para ele a soberania externa dos Estados seja qual for sua fundamentação tornouse hoje em dia aliás um anacronismo HABERMAS 2002 p172 Desta maneira aparecem os Macroblocos de Poder como uma tendência ocasionando uma mudança de paradigma quanto a necessidade e a possibilidade de os estados nacionais guardarem suas fronteiras É com essa informação em mente que Habermas cita que não há qualquer alternativa a isso a não ser que se pague o preço normativamente insuportável de purificações étnicas HABERMAS 2002 p134 e pelo o que se sabe das experiências nazistas tratase de um preço que o mundo não está disposto a pagar novamente A ideia de uma economia mundial ou desnacionalização da economia tem mitigado as possibilidades de um estado nacional fechado e produzido uma necessidade de integração econômica cada vez maior e impossível de ser freada por meios políticos Para Ilivitzky 2011 os Macroblocos de Poder se apresentam como fenômenos de integração regional como se vê Intefración regional vários Estados vecinos asociándose entre sí Se ve los casos del Mercado Común del Sur MERCOSUR el Tratado de Livre Comercio da América del Norte NAFTA la Asociación de Naciones del Sudeste Asiático ASEAN y como caso paradigmático la Unión Europea UE ILIVITZKY 2011 p 37 Estes blocos de poder têm se apresentado como uma alternativa à incapacidade política de manter a atuação eficaz em níveis nacionais A União Europeia destacase como exemplo prático do que aqui se considera Macroblocos de Poder 4 UNIÃO EUROPEIA UMA ANÁLISE DE SUA CONJUNTURA POLÍTICA A União Europeia tratase do maior exemplo de Macroblocos de Poder Sua origem é fundamentada em interesses econômicos Tem suas raízes no Benelux um bloco criado no período da segunda guerra mundial com o objetivo de construir entre os países que o constituíam um mercado único facilitando principalmente a circulação de bens Outros entendem que as raízes da União Europeia estão na Comunidade Europeia do Carvão e do Aço CECA e na Comunidade Econômica Europeia CEE formadas em 1957 É importante ainda salientar que a criação do Euro foi um passo importante em direção ao crescimento do bloco o que se deu em 1991 e em 1 de novembro de 1993 surgiu de fato a União Europeia As experiências com o Estado do bemestar social na Europa e os resultados obtidos criaram certa resistência a modelos alternativos entretanto a aplicabilidade deste sistema demonstrouse inviável em tempos globais sendo necessária a adoção de outras soluções que possibilitassem resultados eficazes Os caminhos que se abrem no que diz respeito a reação dos Estados nacionais frente a globalização de forma aparente são três A formação de uma comunidade mundial que ao menos nos tempos atuais parece carecer de viabilidade a manutenção do sistema de estado moderno embora não apresente mais resultados satisfatórios e uma alternativa que se apresenta como uma ponderação entre as duas anteriores e nesse contexto se insere a teoria da Constelação PósNacional de Habermas Este é o posicionamento de Ilivitzky Esteban em relação a teoria Habermasiana como se vê tendientes a la instauración de uma figura que medie como tertium um la anárquica escena global es posible señalar el proyecto propuesto por Junger Gabermans 2009107126 consistente em uma asociación que incluya la participación equiparada de los Estados e y de los ciudadanos ILIVITZKY 2011 p 45 Da perspectiva de uma economia global algumas das competências dos Estados nacionais têm fugido de seu controle eis que a internacionalização da economia prejudica o controle estatal conforme ensina Ilivitzky em seu artigo Habermas y la constelación ponacional A partir de una multiplicidad de escenarios que van desde la cooperación interestatal que ubica a los estados en pie de igualdad entre sí hasta la supraestatalidad que implica la existencia de una conformación que al menos de iure tenga capacidad de emitir disposiciones normativas hacia las unidades que la conformen la globalización ha permitido y fomentado una nueva serie de configuraciones políticas que hacen que sea factible ver al Estado siendo desbordado por procesos que escapan a su control y dominio inmediato ILIVITZKY 2011 p 36 A incapacidade dos Estados de responderem as obrigações nacionais ou internacionais representam a ausência de força dos mesmos ante a globalização a não ser que aprendam a lidar de forma eficiente com o fenômeno de abrandamento de fronteiras Quanto às organizações internacionais o que parece é que em tempos de tecnologias de comunicação instantânea transportes rápidoseficazes e armamentos com capacidade de destruição mundial é necessário que assumam seu papel na coordenação das nações o que gera o que Ilivitzky 2011 denomina de sistema supra estatal descentralizado que a cada dia cresce Para Habermas só poderemos enfrentar de modo razoável os desafios da globalização se conseguirmos desenvolver na sociedade novas formas de auto condução democrática dentro da constelação pós nacional HABERMAS 2001 p112 Sabese que uma das características do Estado nacional de acordo com a doutrina quase que invariavelmente contempla a existência de um povo um território e de soberania como abaixo se demonstra a partir da perspectiva de Habermas Segundo a compreensão moderna Estado é um conceito definido juridicamente do ponto de vista objetivo referese a um poder estatal soberano tanto interna quanto externamente quanto ao espaço referese a uma área claramente delimitada o território do Estado e socialmente refere se ao conjunto de seus integrantes o povo do estado HABERMAS 2002 p 123124 Todos estes pilares da noção moderna de Estado são atacados de alguma maneira pela formação de níveis supranacionais de poder A soberania externa é quase que extinta o que causa um grande desconforto já que de acordo com a concepção moderna de Estado pelas palavras de Habermas só é soberano o Estado que pode manter a calma e a ordem interior e defender efetivamente suas fronteiras externas HABERMAS 2002 p134 enquanto o elemento povo e o território são drasticamente alterados exigindose uma mudança de perspectiva considerável Sobre este período que parece ser de transição Ilivitzky 2011 constata alguns fatos relevantes em relação ao processo de transnacionalização O autor levanta argumentos importantes como notase Igualmente ello no obliga a sostener una visión fundamentalista o que reniegue de la coexistencia entre los antiguos estados nacionales y globalización Ferrer 2004312 sino a visualizar una situación inédita caracterizada por a estados imposibilitados de responder a las obrigaciones nacionales u translacionales b organismos internacionales que si bien nominalmente deberían ocupar su lugar no cuentan con el poder fáctico para hacerlo y c un sistema supraestatal descentralizado y caótico Portinaro 20039 cuya definición bjo el término globalización implica una resmantización continua de acuerdo con la fuente interpretativa utilizada Ball 2002105 ILIVITZKY 2011 p 3637 Para compreender o atual estado da União Europeia é preciso ter em mente que conceitos fixos não são capazes de abranger situações novas que vão em desacordo com o sistema vigente A necessidade de uma adequação para o fim didático pode trazer percas conceituais substancialmente consideráveis Habermas 2002 diagnostica de forma clara a atual situação da União Europeia identificando uma contradição existente como percebese em sua obra Sob pontos de vista relativos à política constitucional a situação atual da União Europeia Européia está marcada por uma contradição Por um lado a EU é uma organização supranacional sem constituição própria fundada sobre contratos do direito público internacional Em tal medida ela não é um Estado no sentido do Estado constitucional moderno amparado sobre o monopólio do poder soberano tanto interna quanto externamente Por outro lado os órgãos da comunidade criam um direito europeu que vincula os Estados membros E em tal medida a EU exerce direito de soberania que até então estava reservado ao Estado em sentido estrito HABERMAS 2002 p 177 Importante ressaltar que o que distingue uma Federação de uma Confederação é basicamente se o vínculo se dá através de um documento que os une como uma constituição e neste caso se caracteriza uma Federação ou se essa união se dá através de tratados internacionais caracterizando assim uma Confederação Na confederação cada Estado integrante da união mantém íntegra sua soberania Dessa forma não há como pensar numa Constituição como o documento supremo da confederação Os Estados neste modelo organizam se em torno de tratados celebrados entre as partes envolvidas numa espécie de cooperação TAVARES 2017 p 815 Apesar de não ter uma constituição unindo os países membros da União Europeia há características do bloco que demonstram que o mesmo não se trata apenas de uma Confederação como é visto Um grande passo já foi dado para ultrapassar a mera união confederativa uma vez que a exigência de unanimidade para a tomada das decisões foi em muitas matérias substituída pela necessidade de simples maio ria qualificada Isso representa um avanço significativo pois o poder de veto que cada um dos Estados possuía fica eliminado em prol de um sistema mais federativo do que confederativo TAVARES 2017 p 816817 O autor Laqueur diagnostica que a origem de muitos dos problemas da região está na resistência dos membros da União Europeia em rumar para a integração completa LAQUEUR 2012 p15 evitando o que poderia se chamar de Estados Unidos da Europa Em uma análise de uma sentença do Tribunal Federal Constitucional da Alemanha Habermas 2002 extrai que o Acordo de Maastricht não cria um Estado federativo europeu e que a união dos Estados deverá ser resultado exclusivamente das autorizações dadas por Estados que continuam sendo soberanos Neste sentido a União deve respeitar a soberania dos estadosmembros Uma das dificuldades de afirmação da teoria Habermasiana diz respeito ao vínculo necessário a subsistência de qualquer modelo de Estado qual seja um elemento que una os cidadãos afetados pelas consequências do agir estatal O Estado nacional encontra sempre tal elemento em seu povo e este o fundamenta e respalda em suas decisões através do direito de voto Quando se busca este elemento em um âmbito supraestatal as diferenças étnicoculturais podem inviabilizar uma união legítima e democrática Habermas 2002 não enxerga nesta situação um problema intransponível e acredita que uma integração social através da cidadania democrática possa ser o bastante para sustentar níveis supranacionais de poder como se vê em seu pensamento A cidadania democrática no sentido de citizenship gera uma solidariedade entre estranhos relativamente abstrata ou em todo caso juridicamente mediada e essa forma de integração social que desponta inicialmente com o Estado nacional realizase sob a forma de um contexto comunicacional que se estende até a socialização política Esse contexto certamente depende do cumprimento de exigências funcionais importantes e que não podem ser simplesmente criadas por meios administrativos A isso também pertencem condições sob as quais se pode constituir e reproduzir comunicativamente uma autocompreensão éticopolítica dos cidadãos mas de modo algum uma identidade coletiva independente do processo democrático e portanto dada de antemão O que une uma nação constituída de cidadãos diferentemente da nação constituída por um mesmo povo não é um substrato preexistente mas sim um contexto intersubjetivamente partilhado de entendimento possíveis HABERMAS 2002 p 181 O que em muito se acredita é que o princípio democrático seria esvaziado de um modo insuportável se o exercício das competências do Estado não pudesse ser vinculado a um povo relativamente homogêneo HABERMAS 2002 Por esta razão o autor combate o conceito concretista de povo visto que para ele trata apenas de simular homogeneidade onde nada há senão coisas heterogêneas HABERMAS 2002 p183 Através das palavras do escritor notase que a compreensão éticopolítica é essencial e possível aos cidadãos europeus visto que o contexto histórico das duas guerras mundiais demonstrou que precisam superar tipos de mentalidade nos quais se enraízam os mecanismos nacionalistas de exclusão HABERMAS 2002 p174 A partir daí poderia nascer a consciência de pertença políticocultural provocando assim um adensamento das comunicações e um entrelaçamento de interesses através de um ensinar histórico Assim ele busca desvincular a ideia de viabilidade de uma união a preexistência de um povo homogêneo Outro entrave à teoria Habermasiana da Constelação PósNacional são os problemas de ordem representativa As transferências de competências de níveis nacionais para internacionais podem abrir perigosos vazios de legitimidade FERREIRA 2011 p42 Habermas 2001 identifica os problemas de legitimação em casos como o da União Europeia Porque a ideia de que uma sociedade pode agir sobre si de modo democrático só foi implementada de modo fidedigno até agora o âmbito nacional a constelação pósnacional desperta aquele alarmismo infrutífero da desorientação iluminista que observamos em nossas arenas políticas HABERMAS 2001 p 78 Para ele a participação dos partidos políticos e das organizações não governamentais tornamse primordiais para o desenvolvimento e dissolução de um nível de entendimento considerado como necessário para a existência de redes supra estatais Assim os vazios de legitimidade poderiam ser preenchidos como percebese em seu pensamento Por isso do ponto de vista normativo não poderá haver um Estado federativo europeu merecedor do nome de uma Europa democrática se não se afigurar no horizonte de uma cultura política uma opinião pública integrada em âmbito europeu uma sociedade civil com associações representativas de interesses organizações nãoestatais movimentos de cidadania etc um sistema políticopartidário concebido em face das arenas europeias em suma um contexto comunicacional que avance para além das fronteiras de opiniões públicas de inserção nacional até o momento HABERMAS 2002 p 183 Para o autor este engajamento intersetorial seria o preço a se pagar para evitar uma autonomização dos aparatos supranacionais sob pena de incorrer no fatalismo dos antigos impérios Hamanda Ferreira em uma leitura sobre a constelação pósnacional discorre que O procedimento democrático deve retirar sua legitimidade não somente e nem sequer em primeiro plano da participação e da expressão de vontade no sentido de democracia representativa mas sim do acesso universal a um processo deliberativo cuja natureza fundamente a expectativa de seus resultados racionalmente aceitáveis FERREIRA 2011 p 46 Este acesso universal a um processo deliberativo só seria possível através da teoria do discurso e com a participação de várias frentes da sociedade Não obstante as críticas os resultados alcançados pela União Europeia nas últimas décadas demonstram uma tendência de cooperação interestatal e ressaltam a pertinência do pensamento do autor alemão É esta a constatação de Ilivitzky Si este tipo de resultados se producen tras cinco décadas de compromissos firmes que permanecem más allá de los interees y preferencias de los diferentes partidos políticos que ejercen circunstancialmente el poder es de esperar que em um período de tempo mayor em el resto del mundo puedan comezar a evidenciarse efectos similares ILIVITZKY 2011 p 50 Para Habermas 2002 é necessário que as elites políticas compreendam e respeitem esta evolução mesmo que possa representar ameaça a seus desejos para que se possibilite avanços Além do mais é necessário entender que qualquer pensamento a respeito da união dos estados em federações ou confederações devem ser observadas com o respeito ao lapso temporal necessário para que apareçam os resultados Como bem ressaltou Ilivitzky El realismo si bien no es adverso a este ideário entende por su parte que su realización es mucho más paulatina y prolongada que lo que el pacifismo propone ya que cada Estado no desea dejar de lado lo que entende que son sus interesses primários Klusmeyer 2005 144 Morgenthau197991 De esta forma las dos corrientes principales del pensamento internacionalista descartan al menos momentaneamente la defensa de la federación interestatal por la imposibilidad de concretarse em el corto plazo ILIVITZKY 2011 p 49 A partir dos resultados alcançados pela União Europeia outros blocos têm se espelhado O Mercosul é um desses embriões de menor porte constituído por países da América do Sul 5 MERCOSUL E SUA CONJUNTURA POLÍTICA Como é visto no site do Mercosul este tem origem mais recente que a União Europeia e tratase também de uma vinculação entre Estados nacionais autônomos com supedâneo em um viés econômico sem abrirem mão do status de Estados nacionais soberanos O objetivo é a integração dos países membros através da livre circulação de bens e serviços Entre os objetivos do bloco também está a viabilização do intercâmbio entre os países membros Sua origem se deu em 1991 com a assinatura do Tratado de Assunção por países da América do Sul entretanto suas raízes remontam ao final da segunda guerra mundial onde os países da América Latina buscaram sua industrialização através de um tratado econômico O Mercosul tem seu embrião na Associação Latino Americana de Livre Comércio ALAC que foi criada em 1960 e trazia facilitações alfandegárias para seus paísesmembros O bloco foi impulsionado pelo período pósguerra fria onde o momento propício a iniciativas de âmbito supranacional permitia esperar uma nova era O principal objetivo do bloco é o mútuo desenvolvimento econômico dos países membros através do livre comércio Em relação a União Europeia o Mercosul apresentase em caráter ainda incipiente e por esta razão os problemas apresentados também são de menores proporções A Constituição Federal do Brasil 1988 um dos países membros do Mercosul prevê como princípios que regem as relações internacionais entre outros a independência nacional e a igualdade entre os estados o que demonstra claramente o respeito à soberania nacional dos países Entretanto a constituição prevê a cooperação entre os povos da América Latina o que demonstra que o intuiu de estabelecer uniões entre países sempre resguardando sua soberania Vale mencionar por fim que o parágrafo único do artigo 4o da Constituição dispõe que a República Federativa do Brasil buscará a integracão economica política social e cultural dos povos da América Latina visando a formacão de uma comunidade latinoamericana de nações Para concretização deste objetivo o Brasil celebrou com a Argentina o Paraguai e o Uruguai o Tratado de Assuncão assinado no dia 26 de marco de 1991 que instituiu o denominado Mercado Co mum do Sul popularmente conhecido como MERCOSUL DANTAS 2015 p 75 Em 2005 foi criado o parlamento do Mercosul denominado Parlasul que tem funções deliberativas e de recomendação aos demais órgãos do bloco Em 2010 foi aprovado o Estatuto de Cidadania do Mercosul com o objetivo de efetivar direitos comuns aos cidadãos dos estados membros Não obstante aos esforços os resultados alcançados são considerados incipientes sendo demasiadamente forçoso mencionar a possibilidade de uma união federativa com a elaboração de uma constituição para os membros do bloco Se comparado a União Europeia os problemas de ausência de legitimação e de uma solidariedade cosmopolítica que possibilitem a existência do bloco são mais latentes todavia as competências atribuídas ao poder central são menores o que acaba por amenizar estes problemas No caso de expansão do Mercosul as soluções adequadas devem ser buscadas e assim o exemplo da União Europeia é extremamente valioso 6 DISPOSIÇÕES FINAIS Os arranjos supranacionais de poder se apresentam como uma tendência que deve ser mantida e espelhada por todos os estados que pretendem um desenvolvimento econômico e social ante as incapacidades políticas nacionais O contexto político mundial parece empurrar as nações para a união de interesses com o objetivo de mútuo crescimento Atualmente os atuais blocos mais se parecem com um sistema confederativo onde a união se dá através de tratados assinados entre os estados membros cedendo parte de sua soberania em prol do todo sem abrirem mão do status de soberanos mas a bem da verdade apesar da falta de uma constituição que os una e configure uma federação parte da organização destes arranjos como por exemplo o parlamento da União Europeia assemelhase mais a uma Federação que a uma Confederação visto que o Parlamento que por ser eleito pelo sufrágio universal em princípio representa o povo europeu poder que se exercita portanto tal como ocorre no federalismo TAVARES 2017 p816 Com isso em mente tornase excessivamente difícil e perigoso sob pena de recair em demasiado simplismo enquadrar os atuais arranjos territoriais e craválos como uma Federação ou Confederação A indeterminação vem do período de transição e nem sempre é inválida Entretanto apesar da resistência dos estados ante a formação de federações o que parece acontecer é um movimento centrípeto de aglutinação mesmo que para isso demore décadas Os resultados obtidos pelos blocos demonstram uma mudança de paradigma de um excesso de proteção de fronteiras para um aglutinamento não baseado na força mas no mútuo interesse Os problemas existentes relacionados as redes supranacionais não parecem ser hábeis a frear o crescimento das mesmas visto que as soluções apresentadas e a ausência de alternativas adequadas parecem contribuir com o crescimento dessas O que se diz não é que se espera a formação de um estado mundial ou a formação imediata de federações a partir da união entre blocos e da cessão voluntária de soberania por parte de todos os seus estados membros com a finalidade de estabelecer um governo central mas sim que o caminhar político sugere a necessidade de união com o fim de sobrevivência harmônica como maneira de lidar com movimentos econômicos e sociais que aconteceram nas últimas décadas Esta se apresenta como uma tendência mas que se verdadeira não obstante as especulações intelectuais somente se verificará com o decorrer de um considerável lapso temporal REFERÊNCIAS BERNARDES Wilba Lúcia Maia Federação e Federalismo Del Rey 2010 BRASIL Constituição 1988 Constituição da República Federativa do Brasil Brasília DF Senado Federal Centro Gráfico 1988 COMO surgiu e como funciona o Mercosul Disponível em httpsnovaescolaorgbrconteudo2274comosurgiuecomofuncionao mercosul Acesso em 10 de novembro 2017 DANTAS Paulo Roberto de Figueiredo Curso de Direito Constitucional Versão Compacta São Paulo Atlas 2015 FERREIRA Hamanda Rafaela Leite Constituição Economia e Desenvolvimento Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional Curitiba 2011 vol 3 n 4 JanJun p 4155 HABERMAS Jürgen A Constelação PósNacional Ensaios Pólíticos Tradução de Márcio SeligmannSilva São Paulo Littera Mundi 2001 HABERMAS Jürgen A Inclusão do Outro estudos de teoria política São Paulo Loyola 2002 ILIVITZKY Matías Esteban Estudios Internacionales 170 2011 ISSN 07160240 2153 Instituto de Estudios Internacionales Universidad de Chile LAQUEUR Walter 2012 O Futuro Modesto da Europa Revista Veja Edição 2 254ano 45 n 5 São Paulo Abril p 1519 Saiba mais sobre o Mercosul Disponível em httpwwwmercosulgovbrsaibamaissobreomercosul Acesso em 15 de dezembro 2017 TAVARES André Ramos Curso de Direito Constitucional São Paulo Saraiva 2017 TÍTULO SEGUNDO SOCIEDADE CONFLITO E MOVIMENTOS SOCIAIS JUSTIÇA SOCIAL E OS FUNDAMENTOS ÉTICOPOLÍTICOS DA AUTORIDADE POLÍTICA Professor Supervisor do Grupo de Pesquisa Prof Dr Dimas Ferreira Lopes CAPÍTULO 01 A ATUAÇÃO DE GRUPOS ECONÔMICOS NA REFORMA AGRÁRIA DISCUTIDA NA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE DE 1987 Bárbara dos Santos Choucair72 Laura Elísia Carvalho Cardoso 73 É uma cova grande pra tua carne pouca Mas a terra dada não se abre a boca É a conta menor que tiraste em vida É a parte que te cabe deste latifúndio É a terra que querias ver dividida Estarás mais ancho que estavas no mundo Mas a terra dada não se abre a boca Chico Buarque Funeral de um Lavrador 1 INTRODUÇÃO No período de 31 de março de 1964 até 15 de janeiro de 1985 o poder político no Brasil esteve ineludivelmente sob a regência das Forças Armadas mercê de um golpe civilmilitar articulado com a bandeira nacionalista anticomunista cujo termo final se deu com a reunião do Colégio Eleitoral em 15011985 quando foram eleitos de maneira indireta e para um mandato de seis anos os civis Tancredo de Almeida Neves e José Sarney de Araújo Costa respectivamente presidente e vicepresidente da República tendose em conta que a dupla de candidatos concorrentes também era civil Paulo Salim Maluf e Flávio Portela Marcílio Dizse melhor entretanto que o último ato de poder e influência militar brasileiro se encerrou em 15011985 com a eleição do Dr Tancredo Neves e não na data da posse presidencial do seu ocasional vicepresidente José Sarney assumiu a presidência em decorrência da morte de Tancredo Neves porque este Sarney assim 72Autora Graduanda em Direito pela PUC Minas Pesquisadora do Núcleo Acadêmico de Pesquisa Monitora de Filosofia do Direito Email choucairbarbaragmailcom 73Autora Graduanda em Direito pela PUC Minas Pesquisadora do Núcleo Acadêmico de Pesquisa Email leccelisia18gmailcom como os candidatos derrotados Paulo Maluf e Flávio Marcílio em que pese serem civis eram civis aduladores com escandalosa admiração e apoio ao regime militar O término do governo militar e a instalação e realização da Assembleia Constituinte 1º021987 22091988 recupera integralmente a satisfação da ordem do dia do movimento comicial civil ocorrido em 19831984 Diretas Já em cuja pauta a realização de eleições diretas esteve conexa à convocação de assembleia nacional constituinte Lidase então com um trinômio progressivo 1 a identificação do s expectador es 2 a elaboração de pauta com o registro das expectativa s do s expectador es identificados e 3 a constatação das realização ões ou frustração ões conscientes de que entre a antecedência expectante e a realização ou frustração da expectativa opera m força s com interesses na s realização ões ou frustração ões das expectativas dos expectador es definidas na consonância das pautas elaboradas de tal sorte que a frustração de um expectador implica na realização do expectador concorrente e viceversa O processo de formação da nova Constituição consumiu quase um ano e sete meses período no qual a sociedade brasileira conheceu publicações de variado teor opinativo sobre as muitas matérias em discussão no foro constituinte Para os fins deste empenho acadêmico amostral elaborado a partir de material já publicado dividimos o gênero publicação em duas espécies documentais a interna I a produção documental oficial da constituinte pelos órgãos e atores com tratamento de autoridade nos poderes executivo legislativo e judiciário II produções analíticas oficiosas mas credíveis pelas fontes referenciais acerca dos documentos oficiais da constituinte b externa toda a produção documentária de origem diversa das fontes internas produção documental contemplativa do conteúdo informacional do processo constituinte divulgadas por exemplo em revistas e jornais de acesso popular e em revistas e periódicos didáticocientíficos Podese com serenidade identificar hoje as interferências de forças operativas que se protagonizaram no processo da elaboração da Constituição promulgada em 05101988 e que passados um trintênio 2018 se mostram indiscutíveis pela incontestabilidade dos estratagemas dirigidos para a frustração ou realização das expectativas A discussão e a crítica reflexiva pela sociedade são porções do todo a democracia como sua base e como o sustentáculo que a mantém e a faz prosperar em seu mais elevado potencial Dessa forma a participação do povo não apenas no processo de elaboração de normas mas também como força capaz de propôlas modificálas ou aprimorálas é essencial e reflete uma democracia que está em processo constante de reafirmação A discussão aqui encaminhada se fez necessária diante do cenário pré e pós 22091988 haja vista as interferências de forças que afetam de forma direta o povo Para esta análise um marco teórico aristotélico se faz indispensável Perguntaram se o legislador que deseja dar as leis mais justas deve ter em vista o interesse dos melhores cidadãos ou da maioria Aqui a palavra justiça referese ao mesmo tempo ao interesse geral da cidade e ao interesse particular dos cidadãos O cidadão em geral é aquele que manda e obedece alternadamente mas existe uma diferença conforme a natureza da constituição na melhor de todas é aquele que pode e quer ao mesmo tempo mandar e obedecer conformando a sua vida às regras da virtude ARISTÓTELES 2002 p 119 Dessa forma nossa intenção é transparecer os efeitos surtidos na ordem políticojurídico na elaboração da Constituição de 1988 no objeto específico da reforma agrária e fazêlo a partir da influência de grupos econômicos detentores de poder tomandose como estrutura investigativa as literaturas de Aristóteles e Habermas buscandose compreender como se dá a relação de trocas entre a sociedade e os poderes constituídos supostamente a base da representação cidadã Afinal de contas o Estado almeja a democratização do poder ou apenas atender a interesses da ordem privada economicamente poderosa CARVALHO 2001 p 226 246 2 O CONTEXTO DITATORIAL E A INFLUÊNCIA DE CORPORAÇÕES PRIVADAS INTERNAS E EXTERNAS O contexto ditatorial em análise são os governos Castelo Branco 19641967 Costa e Silva 19671969 Garrastazu Médici 1969 1974 Ernesto Geisel 1974 1979 João Figueiredo 19791985 Desde 1983 até 1988 o Brasil vivenciou um período de reconhecimento de anseios reformistas legítimos da sua ordem políticojurídico depois de sua repressão por trinta anos de ditadura nos quais mostrouse evidente a influência de corporações privadas internas e externas As atuações empresariais junto aos órgãos formuladores da política externa brasileira não deixaram de se fazer presentes desde o golpe de 1964 Williams Gonçalves e Shiguenoli Miyamoto mostram como a geopolítica da ESG Escola Superior de Guerra teve grande influência sobre as relações exteriores do país no período Castelo Branco com grande ingerência de militares e do Conselho de Segurança Nacion al sobre as políticas do Ministério de Relações Exteriores Porém frustrada aquela política de alinhamento aos Estados Unidos e todos os benefícios que ela supostamente poderia trazer já no meio do primeiro governo da ditadura alguns elementos da Política Externa Independente foram readmitidos como a busca de parceria comercial no mundo socialista Com o governo Costa e Silva a burguesia internacional e associada que tivera grande peso no período Castelo Branco inclusive sobre a política externa perdeu espaço abrindo margem para uma reorientação da política externa com maior espaço para a diplomacia e o empresariado doméstico na condução da política exterior do país GONÇALVES MIYAMOTO 1993 p 211246 Estendendo a análise ao governo militar seguinte Garrastazu Médici a preocupação era a recuperação interna com a elaboração de um grande plano de desenvolvimento nacional do qual eram metas a redução da inflação e o incentivo ao setor privado revendo a perspectiva de um modelo exportador Dessa forma vencida a restrição representada pela recessão aberta do início de 1967 e liberada das pressões de interesses contraditórios afloradas durante a fase liberal de 196768 a política econômica retorna ao objetivo central colocado pelo regime desde a sua implantação MACARINI 2000 p 16 Em contrapartida no governo Ernesto Geisel o foco esteve voltado para a política externa com o reatamento dos laços econômicos e políticos com a República Popular da China por exemplo Com efeito o Brasil passava a buscar investimentos externos a fim de obter empréstimos para o financiamento de projeto e ações No governo João Figueiredo a abertura econômica esteve pautada pelo universalismo política necessária diante do grave quadro de crise mundial Segundo registros de Túlio Sérgio Henriques Ferreira o Brasil passou a buscar o diálogo inclusive com países da Europa Oriental ampliando seu grau de atuação no comércio externo visando adquirir maior visibilidade e assim conseguir superar o grave cenário econômico Foi produzido discurso diplomático que reivindicou a democratização do quadro institucional internacional para reverter o fechamento do processo decisório concentrado nas grandes potências internacionais FERREIRA 2006 p 119136 Podese pois concluir que interesses econômicos principalmente internacionais estiveram muito presentes nos períodos Castelo Branco Costa e Silva Garrastazu Médici Ernesto Geisel e João Figueiredo 3 ARRANJOS ORGANIZACIONAIS INTRÍNSECOS E EXTRÍNSECOS À CONSTITUINTE À LUZ DO CORPORATIVISMO PRIVADO INTERNO E EXTERNO Uma vez esclarecido o escopo do presente artigo impõese uma breve explanação acerca de como se organizava a Assembleia Nacional Constituinte abreviadamente ANC No dia 1º de fevereiro de 1987 os membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal reuniramse unicameralmente em Assembleia Nacional Constituinte composta por 559 constituintes Em 03 de fevereiro de 1987 através da promulgação da Resolução nº 0287 publicado no DANC de 04021987 p 25 foi estabelecido o Regimento Interno instrumento que definiu o iter do procedimento de elaboração da nova Constituição ritualizando o modus desde o surgimento da proposta normativa até a aprovação em plenário O Regimento previa quatro etapas Primeira na medida em que as matérias chegassem eram autuadas e encaminhadas para um conjunto de vinte e quatro subcomissões as quais incumbia realizar o tratamento temático buscando o alinhamento racional da proposta Segunda em seguida era encaminhada à oito comissões temáticas que transformavam a matéria em anteprojeto constitucional Terceira esta etapa acontecia na Comissão de Sistematização onde o anteprojeto deixava de sêlo para se tornar um projeto de constituição Quarta finalmente o então projeto era encaminhado ao plenário da ANC submetido a dois turnos de votações e discussões para ser ou não incorporado ao corpo da constituição O contexto político democratizante ensejava muita cautela diante da situação extraordinária e tão aguardada de ruptura e recomeço em seu sentido mais amplo A possibilidade de traçar o esboço do que seria o Brasil dali para frente se concentrou nas mãos de 559 constituintes presumidamente legitimados pelo voto popular e também intelectualmente capazes de criar normas que correspondessem aos anseios da população eleitora população esta que clamava há muito por um novo alicerce constitucional democrático e cidadão Perguntase estariam eles os 559 constituintes imunes o suficiente para terem como alvo a redemocratização na qual o povo seria a primazia em detrimento da primazia desfrutada pelos grupos de interesses econômicos que buscavam benefícios próprios Segundo José Murilo de Carvalho 2001 p 207 a força do corporativismo se manifestou durante a Assembleia Nacional Constituinte de 1988 grupos economicamente poderosos procuravam defender e aumentar seus privilégios legitimandoos nas letras constitucionais em fabricação De acordo com o autor tais grupos eram formados por empresários banqueiros grandes proprietários rurais e urbanos políticos profissionais liberais e altos funcionários que mantinham vínculos importantes nos negócios no governo e no próprio Judiciário Nessa perspectiva fazse necessário citar a audiência concedida com exclusividade a Mário Amato então presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo FIESP em 08 de julho de 1987 no Palácio do Planalto Em reportagem a Folha de São Paulo primeiro de Agosto de 1987 recortava em manchete o desnudamento do objetivo do referido encontro AMATO USA O PRESTÍGIO DA FIESP PARA INFLUIR NOS TRABALHOS CONSTITUINTES revelando de forma a não haver dúvidas o empenho dedicado pelo líder industrial em alinhavar com a classe política um entendimento que anulasse a força de propostas como estabilidade no emprego e redução da jornada de trabalhoou seja anular propostas que configurassem benefícios diretos aos trabalhadores Como reflexo desse tipo de manobra vale ressaltar regulamentação da reforma agrária e o modo como se normatizou a tributação sobre a renda dos brasileiros assim como a tratativa dos juros Os dispositivos constitucionais aprovados evidenciam que na luta nos bastidores da constituinte o empresariado alcançar êxito Pertinente no particular as apurações do Conselho Executivo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento CEPNUD que em análise do aprimoramento e a consolidação das democracias aprovou o II Marco de Cooperação Regional durante o período de 20012005 a partir do qual analisou a democracia em 18 países da América Latina incluindo o Brasil Contando com a participação de cerca de 100 analistas 32 presidentes ou expresidentes mais de 200 líderes políticos ou sociais e quase 19 mil cidadãos o relatório teve como objeto identificar os grandes desafios da democracia e promover uma ampla discussão em torno deles O que chama mais atenção dentre os diversos dados disponibilizados é o quadro que expressa o resultado da apuração identificadora de quem na América Latina realmente exerce o poder a saber grupos de interesses em especial empresariais que funcionam como poderosos lobbies A conferir Fonte Programa Nacional das Nações Unidas para o Desenvolvimento PNUD2004 p163 O resultado da pesquisa revela invariavelmente a força do corporativismo industrial na elaboração e aprovação de artigos que hoje integram a Constituição da República Federativa do Brasil artigos com evidências dessa interferência 4 DESTAQUE AO TRATAMENTO DA REFORMA AGRÁRIA NA ASSEMBLEIA NACIONAL CONSTITUINTE 1º021987 22091988 Tratemos de um dos temas que disputou forças na Assembleia Nacional Constituinte 1º021987 22091988 a instituição da reforma agrária objeto deste esforço analítico para dimensionar a importância deste tema no contexto de redemocratização do país sobretudo para promover a redistribuição de rendas O pano de fundo dessa discussão é marcado definitivamente por muita pressão popular com a atuação de grupos sendo o de mais destaque sem dúvida o MTRST Movimento dos Trabalhadores Rurais SemTerra unidade de pessoas que realizou diversas atuações e mobilizações visando um avanço normativo na questão fundiária Em pesquisa realizada maio a dezembro de 1987 a expressiva maioria dos parlamentares constituintes era a favor de instituir a reforma agrária com exceção de dois um do PDS e outro do PMDB A pesquisa demonstrava ainda que os parlamentares eram bastante progressistas com relação a questão fundiária SENADO FEDERAL 1989 p 105128 Apesar de o tema fundiário ser tratado dessa maneira terá sido isso refletido na elaboração dos dispositivos constitucionais Ao analisar o resultado final do texto constituinte é certo que houve algum progresso pois há nele no mínimo os artigos referentes a reforma agrária Capítulo III do Título VII artigos 184 usque 191 Mas a análise de tais dispositivos e sua real aplicabilidade como foi disposta não refletiu a declaração dos constituintes tomados individualmente em sede de questionários de consultas Marinho 1992 ensina que A falta de objetividade confundindo a técnica constitucional com a lei ordinária e a do regulamento administrativo sacrifica o alcance social do texto maior p 97 Ora o que se normatizou ao final em matéria agrária foi uma norma de eficácia limitada ou seja carente de uma lei complementar hierarquia inferior para determinar as condições de aplicação e real efetividade da reforma agrária o que seria mais maleável de modificação por parte de Congresso Nacional Sabese que até o presente ano 2018 não foi editada a referida Lei complementar Sequer o conceito de função social da propriedade que iria conferir a legitimação jurídica para a reforma agrária não obteve uma definição clara pelo constituinte mantémse aquém das propostas presentes na legislação anterior ao estabelecer preceitos de forma vaga e pouco precisa no que se refere por exemplo à função social da terra à propriedade produtiva às razões e critérios para desapropriação problematizar análises e pronunciamentos que a partir da Nova Carta concluem pela total impossibilidade de execução de uma Política de Reforma Agrária MIRANDA COSTA 1990 p 20 A partir dessas constatações buscamos identificar o estratagema responsável por esse posicionamento da constituinte o fazendo com a tentativa de responder duas macro questões que grupos influenciaram essa tomada de decisões por que tal aspecto social extremamente relevante não garantiu os avanços na temática agrária Como se verifica havia uma intensa polarização entre os grupos pró e contra a reforma a agrária Os argumentos suscitados pelo grupo a favor se cingiam a função do Estado garantir a redistribuição de terra contribuindo para a justiça social Já o grupo adverso validava o esforço do empreendedor agrário detentor de um direito individual inviolável da propriedade não defendendo desapropriar aquilo que foi fruto de sua ação BUTTÒ 2009 p 30 Sabese que as instituições envolvidas nesse processo eram No lado próreforma as maiores organizações eram a Confederação dos Trabalhadores na Agricultura CONTAG e a Associação Brasileira da Reforma Agrária ABRA respectivamente fundadas em 1963 e 1969 o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MTRST de 1984 e a já mencionada Comissão Pastoral da Terra CPT que foi criada pela CNBB no ano de 1975 BUTTÒ 2009 p 31 Do lado ruralista temos também os grupos que tinham se organizado para pressionar o trabalho dos constituintes Os principais grupos de interesse foram Organização das Cooperativas Brasileiras OCB criada em 1970 a Confederação Nacional da Agricultura CNA de 1951 a Sociedade Rural Brasileira SRB e a União Democrática Rural UDR BUTTÒ 2009 p 32 A instituição de destaque que possuía a maior influência nos constituintes era a FAAP Frente Ampla da Agro Pecuária a Frente Ampla da Agro Pecuária liderada pela OCB que era a organização com a maior capacidade de influência na constituinte Correio Brasiliense 07051987 anexo C e D e que estava subindo de fato a interferência na gestão da questão fundiária da UDR Mendonça 2001 uma organização minoritária que utilizava uma estratégia muito agressiva no limite da legalidade favorecida pelo comportamento ambíguo de alguns militares e das forças de segurança BUTTÒ 2009 p 32 Assim todas as instituições envolvidas tinham como objetivo cooptar constituintes contra ou a favor do projeto de reforma agrária defendendo os interesses que julgavam estar corretos Registrese que em Brasília a faculdade de recursos financeiros permitiu grandes mobilizações em todo o país e a criação de um centro de lobby em Brasília que organizava a participação dos ativistas nas deliberações a fim de apoiar e controlar o comportamento dos próprios constituintes BUTTÒ 2009 p 36 Os ruralistas realizavam a estratégia de utilizar embasamentos técnicos jurídicos e econômicos para justificar seus interesses enquanto os que lutavam por terra faziam um enfrentamento popular de mobilização ocupando por exemplo o corredor que direcionada ao plenário no qual seria votado a reforma agrária Ao final prevaleceu o discurso dos ruralistas pois o texto constitucional redigido aprovado e promulgado não favoreceu a implementação da reforma agrária 5 O PODER POPULAR O poder constituinte é algo amplamente discutido em diversas teorias Nesse aspecto a partir do perfil filosóficopolítico de Jurgen Habermas 1929 intentamos relacionar o poder popular com a elaboração do texto constitucional no atinente a temática da reforma agrária no Brasil a fim de verificar se houve ou não a representação dos interesses de todos os grupos que ocuparam o centro da tomada de decisões Em face da teoria discursiva interrogase como os processos comunicacionais se desenvolveram em relação a reforma agrária Será que houve legitimidade auditorial de todos os membros da comunidade jurídica nesse processo de construção constitucional Interrogações pertinentes Afinal O processo de normatização do Direito se obtém através do processo legislativo Mas o processo legislativo autonomamente não é fonte da legitimidade do direito Os membros de uma dada comunidade jurídica têm de se atribuir direitos para que se possam se constituir membros de uma comunidade jurídica autônoma Assim a ideia de que o ordenamento jurídico se constitui enquanto uma instância externa aos cidadãos heterônoma cede lugar à ideia de uma produção efetiva de seres livres que têm no ordenamento jurídico a manifestação de sua vontade livre ou seja o Direito é ao mesmo tempo criação e reflexo da produção discursiva da opinião e da vontade dos membros de uma dada comunidade jurídica MOREIRA 2004 p 157 A partir deste estacamento teórico é que se compreende que para haver legitimação do Direito deverá ter havido uma participação livre do universo dos cidadãos no processo criativo das normas Isso se torna ainda mais relevante no contexto da redemocratização brasileira com a instituição da assembleia constituinte encarregada justamente da elaboração de uma constituição norma fundamental que sustentaria o sistema jurídico haja vista que o Brasil ficou aproximadamente 30 anos sob um regime repressivo no qual a liberdade de participação e expressão fora restringida A associação dos cidadãos como apenas destinatários das normas elaboradas pelo centro do sistema político é amplamente questionado por Habermas Para o autor essa característica atribuída aos sujeitos configura numa posição passiva e apenas receptiva do Direito HABERMAS 1997 p 173 Deste modo deverse á sempre assegurar que esses sujeitos usem os diversos discursos para externalizar o seu modelo de sociedade Entretanto difundir esses discursos não é o bastante Deverá haver uma associação com o poder político Isso traz como consequência uma incorporação do exercício da autonomia política dos cidadãos no Estado a legislação constituise como um poder no Estado Ao passar da socialização horizontal dos civis que se atribuem reciprocamente direitos para formas verticais de organização socializadora a prática de autodeterminação dos civis é institucionalizada como formação informal da opinião na esfera pública como participação política no interior e exterior dos partidos como participação em votações gerais na consulta e tomada de decisão de corporações parlamentares etc HABERMAS 1997 p 173 Considerando esse suporte da teoria de Habermas a institucionalização dos discursos terá isso acontecido na arena da constituinte em relação à reforma agrária Podemos afirmar que houve sim a circulação de discursos advindos das classes populares reivindicando a aprovação da reforma agrária Conforme vídeo disponibilizado no site Youtube pela TV Senado foi exibido algumas manifestações de movimentos populares que lutaram a favor dessa causa TV SENADO 2003 sp Os movimentos aglomeraram na capital Brasília e ocuparam o corredor que os constituintes passavam para o plenário de votação Os manifestantes gritavam palavras de ordem a favor da reforma agrária e falavam os nomes dos constituintes Mas será que toda essa movimentação chegou a se efetivar na Constituição de 1988 produzindo um texto progressivo em relação a prática legislativa da reforma agrária até então vigente Houve diversas discussões entre os constituintes sobre os projetos elaborados Segundo recolhido do vídeo da TV Senado o certo é que não houve consenso sobre o projeto apresentado na subcomissão da reforma agrária Dos 25 membros 11 foram contra o anteprojeto do relator Osvaldo Lima Filho TV SENADO 2003 sp Neste texto o constituinte relator Osvaldo Lima Filho da queria limitar a quantidade de hectares por proprietário causando entraves para definir qual seria a dimensão permitida Ao final apresentou um projeto no qual fixouse um limite de 100 módulos Nesse período o constituinte Deputado federal Rosa Prata apresentou um anteprojeto substitutivo para que não houvesse limitação da propriedade TV SENADO 2003 sp Alysson Paulinelli que fora ministro da agricultura no período da ditadura militar manifestou seu apoio a esse substitutivo TV SENADO 2003 sp Em razão dessas incompatibilidades o texto foi levado para a votação no plenário da ANC votandose em separado o parágrafo quarto que permitiria a desapropriação de terras improdutivas O grupo chamado centrão pediu para esse dispositivo não fosse aprovado o que de fato não aconteceu as terras que não cumprissem a função social não seriam desapropriadas Analisada toda essa conjuntura podese perceber que o projeto final aprovado sobre a reforma agrária era muito destoante da formulação dos movimentos populares gizado a partir dos discursos dos que sofrem com a distribuição injusta de terras Segundo pesquisa do INCRA feita na época 27 proprietários possuíam sozinhos 25 milhões de hectares TV SENADO 2003 sp Retomando a teoria habermaseana e a relação estabelecida pelo autor entre Direito Política e Democracia percebese que neste contexto houve a não observância da soberania popular tendose relativizado e dificultado o processo de redistribuição de terras no Brasil A circulação comunicacional não funcionou Para Durão apud Habermas 2015 p32 o processo de institucionalização do agir comunicativo acontece através da política deliberativa nos moldes seguintes Para explicar como é possível uma política deliberativa na sociedade complexa Habermas utiliza um modelo que é dividido em duas partes a primeira indicando a estrutura de poder no interior da sociedade complexa e a segunda uma forma de circulação deste poder cada uma destas partes é subdividida por sua vez em outras duas partes 1 no que se refere à estrutura do poder podese dividir a sociedade complexa em um centro e uma periferia e 2 no que tange ao modo de circulação do poder podese dividi lo no seu funcionamento normal e extraordinário A parte central é composta pelas instituições do estado democrático de direito as quais devem funcionar dentro dos limites rigorosos estabelecidos pela lei já a periferia é formada pelas organizações da sociedade civil capazes de mobilização enquanto a circulação do poder pode ser explicada através do modelo de mão dupla o modo normal de funcionamento da política deve partir do centro para a periferia quer dizer do poder institucionalizado pelo estado de direito para as organizações da sociedade civil contudo em situações extraordinárias pode ocorrer um movimento contrário empreendido pelos cidadãos que vai da periferia para o centro DURÃO 2015 p 32 À vista da estrutura habermaseana podese definir os constituintes e os movimentos sociais nestes movimentos compreendidos os dois polos os antirreformistas e os reformistas como sendo o centro do sistema político o espaço público em suas três esferas As reivindicações dos movimentos sociais em relação à reforma agrária indistintamente da bandeira ideológica são consideradas como o movimento em situação extraordinária aquele em tentativa de influenciar o outro elemento do centro do sistema político os constituintes Para explicar o sentido da circulação do poder político nas sociedades complexas atuais Habermas 1997 utilizase de um esquema proposto por Bernhard Peters o qual organiza os atores políticos e sociais em um eixo composto de um centro e vários anéis periféricos No centro estariam os complexos institucionais formais como parlamentos cortes agências administrativas responsáveis pelas decisões legislativas e judiciárias pela formulação de programas políticos regras medidas administrativas decretos etc Os atores aí localizados são aqueles capazes de influir diretamente em processos decisórios através de situações comunicativas que empregam as deliberações formais as negociações face a face e os discursos institucionalizados Próximas ao núcleo administrativo estariam esferas autonomamente organizadas mas intrinsecamente ligadas ao governo universidades câmaras associações beneficentes fundações etc E em um terceiro nível estariam as associações politicamente orientadas para a formação da opinião ou nas palavras de Habermas organizações que preenchem funções de coordenação em domínios sociais carentes de regulação grupos de interesses instituições culturais grupos de ativistas ambientais igrejas etc Os atores cívicos aí reunidos são aqueles que não conseguem escapar das desigualdades de poder que fazem com que sua prática deliberativa fique limitada exclusivamente a formação da opinião sem abranger a tomada de decisão Fraser 1992134 MARQUES 2008 p25 A circulação normativa que predominou foi a do discurso antirreformista dos movimentos sociais integrado pelas corporações econômicas e dos latifundiários O texto constitucional fora estrategicamente blindado por um discurso para apaziguar os trabalhadores rurais no sentido de que o texto como ao final redatado representava um enorme progresso em relação ao tema agrário Na verdade as forças advindas da periferia dos semterra não possuía à força e influência que as ostentava o grupo antireformista Isso poderia não constituir problema se esses processos comunicacionais estivessem sendo realizados de forma legítima mas a influência dos grupos comterra e com dinheiro acabou determinando a forma de reger a sociedade sem a observância da vontade dos que compunham maioria à legitimidade popular 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Faz se necessário nesse fechamento pontuar alguns aspectos que foram objeto da análise proposta pelo artigo Nesse sentido há que se falar que apesar de colhidas fortes evidências que demonstravam claramente os interesses da classe empresária em se opor a determinadas aprovações de cunho popular pela ANC não é possível contudo apontar com firmeza qualquer tipo de interferência direta durante a elaboração e aprovação de tais leis Por outro lado após análise dos materiais utilizados na pesquisa nos resta clara a ação dos constituintes em abafar a voz dos cidadãos O projeto elaborado regulador da Reforma Agrária não correspondeu aos anseios e propostas levadas por eles durante o período em questão Nesse sentido José Murilo de Carvalho 2002 p 223 resume de maneira bastante pertinente a situaçãoproblema trazida no presente artigo A ausência de ampla organização autônoma da sociedade faz com os interesses corporativos consigam prevalecer A representação política não funciona para resolver os grandes problemas da maior parte da população O papel dos legisladores reduzse para a maioria dos votantes ao de intermediários de favores pessoais perante o Executivo O eleitor vota no deputado em troca de promessas de favores pessoais o deputado apoia o governo em troca de cargos e verbas para distribuir entre seus eleitores Criase uma esquizofrenia política os eleitores desprezam os políticos mas continuam votando neles na esperança de benefícios pessoais p223 Em suma a sociedade deve se organizar de modo mais absorvente de todos os auditórios para que o agir comunicativo proposto por Habermas realmente seja funcional e legitimador pena dos clamores populares não lograrem obter acesso e participação deliberativa no centro do sistema político emergindo como agentes das mudanças efetivas Em 1987 a sociedade não se calou contudo não fora suficiente para que esse ciclo de esquizofrenia política fosse quebrado pondo um fim a supremacia de interesses corporativos em detrimento aos anseios daquilo que desse sentido a um governo democrático hasteado no poder popular REFERÊNCIAS ARISTÓTELES A política Traduzido por Roberto Leal Ferreira São Paulo Martins Fontes 2002 BUTTÒ Michele Mecanismos Deliberativos na Assembleia Nacional Constituinte A Polarização Simbólica da Reforma Agrária Dissertação Mestrado em Ciência Política Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas Universidade de São Paulo 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Santana do Parnaíba São Paulo LMX 2004 Disponível em httpwwwdominiopublicogovbrdownloadtextopn000012pdf Acesso em 10 de Dez de 2017 CAPÍTULO 02 FRONTEIRA POLÍTICA DUAS MACROVISÕES DA SOBERANIA DA EUROPA AO MERCOSUL Dimas Ferreira Lopes74 Vitor Maia Veríssimo75 1 INTRODUÇÃO Nesta investigação buscamos explorar dois aspectos conceituais e da aplicabilidade do instituto da soberania Por isso partimos da obra inicial de Jean Bodin que conceitua e defende a soberania como essencial para garantia da ordem e democracia Continuamos demonstrando as transformações do conceito e suas aplicações tanto na Ciência Política quanto na Ciência Jurídica Aspecto importante é a definição de como a soberania tem se mostrado em sua praticidade com o fim de esclarecermos seus aspectos turvos que podem implicar em deturpações democráticas Também abordaremos as nuances da soberania no Direito Comunitário e como processase o seu partilhamento Este instituto é indispensável para se reflexionar o Direito Comunitário que necessita desta abertura para que por meio de um Tribunal Supranacional faça se criar constituir e efetivar os processos de integração por meio do aparato jurídico 2 JEAN BODIN SOBERANIA COMO SUMMA POTESTAS DO ESTADO É impreterível que para se abordar o tema da soberania seja retomado o conceito de Jean Bodin o primeiro autor a abordar a soberania e seus aspectos Bodin escreve no século XVI e procurava justificar a concentração de poder nos recém formados EstadosNação na Europa Ocidental no processo de substituição do 74 Professor da FMD da PUC Minas Doutor pela Universidade Complutense de Madrid Dep Filosofia do Direito Moral e Política Mestre em Direito pela PUC Minas Bacharel em Teologia Email dimasflterracombr 75 Bacharel em Direito pela Faculdade Mineira de Direito PUC Minas Email vitormaiavhotmailcom feudalismo pelo Antigo Regime absolutismo Desta forma em resposta ao modelo descentralizado fragmentado e volátil do feudalismo Jean Bodin concebe a soberania como uma autoridade absoluta hierarquizada tendoa como um poder perpétuo inalienável e imprescritível SOARES 2011 p51 Com uma manifesta intenção de conceber este Estado como uma entidade forte e preparada para os desafios da política e da disputa pelo poder político Bodin entendia que a soberania deveria estar sob comando de uma só pessoa inadmitindo a possibilidade de divisão ou partilhamento do instituto sob o entendimento de que isto impediria a observância do governo na sociedade levando inevitavelmente aos caminhos da anarquia BARROS 1995 p 130 Percebese que o conceito de soberania se amálgama à própria ideia de Estado uma vez que era inconcebível um Estado que não tivesse seu poder e autoridade política bem definidos e centrados em uma só entidade A concepção bondiniana direcionava para monarquia a melhor forma de governo e estado uma vez que na figura do monarca a soberania seria clara e indubitável possibilitando um governo de autoridade reconhecida pelos súditos sem margem para um enfraquecimento político do Estado BARROS 1995 p 135 O caráter despótico isto é autocrata absoluto tecido por Bodin é terminante uma vez que para ele há uma incontestável incompatibilidade entre um governo popular e o conceito de soberania Haveria impossibilidades de reunião de todo o povo em uma assembleia e essas decisões poderiam ser pautadas pela insensatez popular o que iria em direção oposta a uma proposta inflexível de soberania Para ele as experiências de Atenas de Roma e de outras repúblicas nas quais a soberania pertenceu ao povo foram desastrosas tornandose suficientes para a condenação do estado popular Ibdem Coube a outro Jean desta vez Rousseau no século XVIII uma releitura do conceito de soberania proposto por Bodin porém subvertendo a lógica inicial da monarquia despótica para a maneira do governo popularrepublicano Rousseau reforça a ideia de inalienabilidade e indivisibilidade trazidas por Bodin nada obstante entende que tais características só têm razão de ser porque a soberania é inalienável por ser o exercício da vontade geral não podendo esta se alienar nem mesmo ser representada por quem quer que seja E é indivisível porque a vontade só é geral se houver a participação do todo DALLARI 2011 p 85 A proposta de Rousseau se opõe ao ideado por Bodin Iniciase um processo e alteração conceitual da soberania concebida como parte indissociável do Estado Moderno entendimento modificado na medida em que as concepções de sociedade justiça estado e direito se alteravam É neste sentido que se percebe uma gradativa jurisdização da soberania que passa ter concomitantemente uma abordagem política e outra jurídica Assumindo característica polissêmica a soberania é quanto a sua origem um conceito parcialmente sociológico quanto à sua regulação ou normatividade um conceito parcialmente jurídico e quanto a seu exercício um conceito parcialmente político MENEZES 1998 p 153 Transportado ao paradigma jurídico atual a soberania assume dois significados básicos independência e poder jurídico mais alto DALLARI 2011 p 90 Estes apontamentos demonstram que a soberania é o atributo de um determinado Estado que o coloca independente dos demais ou seja suas ações nas esferas política e jurídica ocorrem sem que haja respostas a qualquer outro Estado em condição semelhante daí dizerse que determinado Estado é soberano Ter o poder jurídico mais alto significa enunciar que o Estado por meio dos seus mecanismos e instituições de governo é o único apto dentro de seu território na proclamação do direito elaborar as leis aplicalas e fiscalizálas sem que nestes procedimentos sofra a mínima interferência de poder que se aquilate paralelo A definição de o que é e do que foi a soberania é o proposito crucial desta investigação Considerando a formulação de conceitos sentidos significados a partir de aspectos abordados como impartíveis e inerentes neste mesmo vocábulo Em qual extensão a soberania representa a autoridade política de um determinado estado ou sistema de governo Em palavras francas Quem ou o quê detém o controle das regras praticadas com fins ambiciosos ao domínio do poder diretivo dentro do estado ou sistema de governo O constitucionalismo liberal intentou se apropriar da definição destinandoa ao povo que o exerceria por meio da democracia representativa A administração pública tende a reivindicar a soberania como a atribuição da máquina estatal de gerir seus negócios Da mesma forma no aspecto político a soberania poderá ser entendida como atributo da comunidade de definir seu destino na esfera pública ou ainda poderá identificar determinado grupo político destacado no fronte da disputa pela gerência do poder É esta dificuldade de se perceber a definição de soberania que impõe questionar no estado moderno o grau de desenvolvimento das partes ou algumas partes do sentido primário os alertando sobre a própria extensão do instituto A difícil percepção de quem detém a soberania seja em qualquer aspecto ou ainda de que maneira esta se materializa dão abertura para deturpações democráticas que podem colocar em risco a liberdade política das diversas subjetividades componentes da sociedade 3 UNIÃO EUROPEIA SOBERANIA COMO INSTRUMENTO DA POLÍTICA E MERCADO O Estado Moderno surge no contexto europeuocidentalizado destarte as nuances oriundas da conceituação da soberania não se apresentam doutra forma O século XX foi determinante para as alterações ocorridas em todo o contexto político social e econômico do mundo e fez com que diversas instituições e ideologias fossem transmutadas porque perderam a razão de ser ou porque foram necessárias alterações para manutenção do instituto às novas engenharias do estado ou formas de governo Neste sentido parte nossa análise da instrumentalidade encontrada na soberania para fortalecer os laços políticos da Europa e impulsionar suas ideias de mercado Por isso analisamos o papel da soberania e de seu processo de partilhamento na formação da União Europeia A partir disto sentenciamos que a soberania no campo da filosofia política e do Direito Constitucional tem perdido seu sentido primário A autoridade política tem se esvaído cada vez mais da noção de comunidade política e tem se tornado instrumento de uma política institucional altamente mercantilizada com os processos de afirmação do neoliberalismo a partir da década de 1980 Desta forma é possível conceber a soberania como um fato institucional ligado ao processo de assumir diferentes níveis de sedimentação de maleabilidade e de partilha pela prática sociopolítica e conviver em múltiplas formas com o desenvolvimento de estruturas e governança multinível preservando ou reforçando alguns de seus pressupostos mais tradicionais como a representação e a lealdade em certos casos por exemplo e renunciando outros com o exercício da autoridade suprema ao nível doméstico e a independência externa JESUS 2009 p116 a A EXPERIÊNCIA DO BENELUX Precedendo a formação e consolidação da União Europeia como a conhecemos em 1943 Bélgica Holanda Nederlands e Luxemburgo firmaram o primeiro acordo entre Estados independentes e soberanos do século XX Por isso se faz necessário uma investida de conhecimentos da proposta Benelux ao acordo e a relação da soberania entre os estados fundadores O acordo foi posto sobre forma de uma união econômica onde as questões poderiam ser tratadas em um sistema de negociação intergovernamental por meio de um progressivo avanço de integração com o fim último de atingir uma união econômica com livre circulação de bens e pessoas e regime fiscal único OLIVEIRA 2001 p 86 Os diversos movimentos simultâneos que caminharam para a formação da União Europeia acabaram por suplantar os objetivos e campos de atuação do Benelux por certo mas sua importância não se restringe a mera tentativa ou pioneirismo A experiência aqui tratada teve papel de repensar o dogma jurídico da soberania como a não intervenção de um Estado em outro abandonando o mito do princípio da soberania absoluta do Estadonação ao prever a cessão de parte desse poder total e exclusivo a consolidação do processo de integração economica europeia Ibdem b SOBERANIA PARTILHADA A experiência do Benelux trouxe alterações no entendimento e praticidade da soberania que se tornou instrumento hábil de mercado e políticas A Europa fragmentada nos períodos inter e pósguerras se valeu desse instituto para promover uma maior integração regional que fosse interessante para o lado capitalista do continente objetivando reestruturar o país política e economicamente76 É nesse escopo que o paradigma da soberania se altera mais uma vez surgindo a ideia de soberania partilhada Nesta esteira a soberania partilhada ou compartilhada se dá na medida em que os Estadosmembros de determinado acordo regional quando buscam se integrar delegam parcelas de suas competências estatais a um órgão supranacional denominado comunidade ou bloco economico SOARES 2011 p101 Não há renúncia a soberania mas sim uma alteração do sentido da indelegabilidade que outrora era intransferível em direção à possibilidade de acordos que protegessem interesses basicamente econômicos ou de política internacional dos estados Como apontamos anteriormente a soberania perdeu o caráter de legitimador da autoridade da ou na comunidade política e se tornou um instrumento de políticas 76 Logo após a Segunda Guerra Mundial o continente europeu foi praticamente dividido entre estados capitalistas e estados socialistas e com isso obviamente as políticas externas de cada estado tendiam para se alinhar com o sistema políticoeconômico adotado mercadológicas no âmbito internacional Esta guinada reduz a participação política dos agentes sociais humanos que ficam restritos aos períodos eleitorais possuindo uma força política meramente formal adstrita e descrita apenas nos textos normativos É importante salientar que a União Europeia não é capaz de contornar todas as situações Ainda sendo o maior exemplo e talvez o único de um processo de integração internacional e de partilhamento de soberania o bloco nunca foi capaz de conseguir trazer para si o Reino Unido em sua totalidade A ilha britânica permaneceu por exemplo com a libra esterlina como sua moeda oficial em concomitância com o euro que acabou engolindo o marco alemão o franco francês e a lira italiano só para citar algumas A força política e econômica principalmente da Inglaterra fez com que seu governo tivesse sempre poder de resistência contra os avanços da integração no bloco O ápice dessa tensão ocorreu em 2017 quando em plebiscito popular os votantes optaram pela saída do Reino Unido da União Europeia em processo que ficou conhecido como Brexit Tal acontecimento trouxe a tona uma série de questionamentos sobre a real efetividade da União Europeia e se esta possui os mecanismos necessários para se sustentar perante os novos desafios que surgem a todo instante Um destes tem sido o êxodo dos refugiados do norte da África e do Oriente Médio que têm imigrado em grandes quantidades por todo o Continente fazendo com que urja à União Europeia repensar sua política de nacionalidade integração imigração e até mesmo de assistência social 4 MERCOSUL E UNIÃO EUROPEIA SUPRANACIONALIDADE E DIREITO COMUNITÁRIO No contexto brasileiro a experiência adjacente que pode ser trazida na análise do partilhamento da soberania reside no Mercosul O Mercado Comum do Sul foi planejado para atuar semelhantemente ao modelo proposto na União Europeia no quanto avistado o estabelecimento entre os paísesmembros a livre circulação de pessoas bens serviços O projeto teve por pressuposto agir gradativamente no processo de integração regional até se atingir o patamar do mercado comum propriamente dito culminando em blococidadão LOPES 2001 Ocorre porém que atualmente o Mercosul tem sido classificado como União Aduaneira em razão de não possuir a característica da supranacionalidade Este conceito é o que determina a diferença da União Europeia e do Mercosul no quesito soberania Enquanto a primeira possui uma entidade capaz de coagir na esfera jurídica de determinado país a segunda se restringe ao campo de sugestões de aplicação facultativa aos estadosmembros também entendido por caráter recomendatório É importante entender que para que haja o reconhecimento da supranacionalidade em grupo de países é necessária a criação de uma instituição supranacional com poderes autonomos PESCATORE apud SILVA PINTO 2000 p 217 É justamente nesse aspecto da supranacionalidade que se encontra a gênese do Direito Comunitário Não há que se falar em um processo pleno de integração regional sem que haja relativização do conceito e flexibilização da soberania de cada país membro para que uma vez pactuado o partilhamento exista um órgão um Tribunal por exemplo apto e competente para impor decisões jurídicas que advenham de terminados conflitos entre os Estados Na União Europeia temse a corte comunitária de justiça como expressão ordenativa do Direito sendo o principal mecanismo jurisdicional responsável pela efetiva processualização do discurso democrático LOPES 2004 p 51 Nesse sentido é perceptível a distância que tem o Mercosul de uma efetivação do Direito Comunitário Da mesma forma se entende o porquê de apesar do nome não estar este no patamar de um mercado comum e de blococidadão A União Europeia por outro lado tem usufruído com percalços é certo da experiência do Direito Comunitário No que tange a soberania o panorama sulamericano não nos permite dizer que ocorra o partilhamento nem mesmo em níveis significativos O Mercosul tem se restringindo à acordos fiscais que buscam otimizar o comércio na região e a alguma facilitação de trânsito de pessoas tornando dispensável a autorização governamental para adentrar ao país mas exigindo o processo de regulamentação para estabelecer residência e cidadania por exemplo Falta ao Mercosul um atributo importante para os blocos que buscam maior integração regional a supranacionalidade Esta pode ser entendida como a qualidade do Estado que opta por ceder permanentemente o exercício da soberania à entidade superior criada para gerir o grupo OLIVEIRA 2001 p 68 É a supranacionalidade por sua vez que consegue efetivar a política de cidadania da União Europeia Apesar das origens econômicas latentes do grupo o decorrer da história forçou as autoridades competentes por gerir o bloco à voltarem os olhos para a participação Cidadã fazendo valer um dos anseios da proposta de gerar um senso de integração na comunidade Portanto a partir de 1990 OLIVEIRA 2001 p441 ficou acordado que haveria a possibilidade de eleições diretas para o parlamento europeu além de nãonacionais poderem votar e serem votados nas eleições municipais onde quer que residiam Também foi consolidada o direito de residir em qualquer paísmembro Os aspectos de cidadania propostos pela União Europeia devem ser levados em consideração se quisermos pensar em uma proposta coletiva de mundo No âmbito do continente composto por diversas etnias línguas relevos e culturas propor a ausência física de fronteiras bem como permitir um intercambio políticocidadão potencializa de fato um senso de integração comunitário Ocorre que essas questões sempre estiveram em segundo plano Em qualquer momento em que o panorama econômico seja desfavorável os direitos de cidadania o ideal de uma União Europeia plenamente garantidora dos direitos humanos e a própria Constituição Europeia são deixados de lado como o caso do Brexit que citamos Ademais a integração europeia ocorre sob batuta de um nacionalismo aos moldes do antigo regime criação da identidade nacional europeia ficcional mas com manifesto intento de incutir a ideia na comunidade Os EstadosMembros no mostravamse conscientes da distância entre a Comunidade e seus cidadãos o Conselho Europeu começou a preocupar se em promover a imagem da identidade comunitária como de seus próprios comunitários ao mundo Surgiram sugestões para reforçar essa finalidade como de instrumentos simbólicos de uma bandeira um hino equipes de esportes cunhagem de moeda o ECU não como moeda comum mas simbólica OLIVEIRA 2001 p440 O euro de fato saiu do papel e se tornou uma realidade e uma moeda única e forte dentro e fora do continente Ocorre que a ficcionalidade de uma identidade europeia é perigosa Se pensarmos uma comunidade e o senso de integração colocala como fechada e restrita aos nacionais estabelece fronteiras não físicas mas ideológicas e identitárias Isto tem se refletido na atual política com os refugiados que têm encontrado dificuldades em se firmar legalmente no continente mesmo após um histórico de incursões europeias imperialistas por todo o globo Tais questões nos suscitam o questionamento se há realmente um direito comunitário se este o é apenas para os nacionais Outro projeto ambicioso mas que tem se esfriado é a proposta da Constituição Europeia Mas sendo esta também um projeto da cidadania refletimos sobre as razões de sua suspensão Complexa questão que se tornou a soberania sua instrumentalidade é perigosa É difícil propor aos Estados que diminuam cada vez mais sua soberania em razão de um controle externo A Corte Europeia que ditaria o direito significaria um poder enorme a se erigir e pensamos nós que promover integração comunitária seria cada vez mais desempoderar os mecanismos de controle políticoeconomicos em prol de agentes humanos políticos de fato soberanos Com isso não podemos deixar de pensar em uma análise marxista onde as questões econômicas têm sempre prevalecido sobre qualquer interesse político Ou melhor que o interesse político surge ou deixa de existir em razão da volatilidade e inconstância das propostas econômicas de cada Estado A análise paralela entre os dois blocos UE e Mercosul deve ser cuidadosa Não podemos incorrer num etnocentrismo que promoveria uma ideia de escalonamento social ou um darwinismo histórico Dizer que a Europa se encontra em um padrão evoluído em relação a Latinoamerica ou a qualquer outra região do globo seria ignorar os processos históricos bastante diversos entre os agentes em questão A União Europeia tem se tornado instrumento de efetivação econômica para os países membros muito mais do que uma entidade que promova o senso de comunidade As recentes questões sobre os refugiados e as constantes crises econômicas vividas pelos países marginais tais como Grécia e Portugal são exemplos disto O Mercosul por sua vez parece enfrentar problemas por se pautar em modelo eurocêntrico heteronormativo Entendemos que buscar se transformar em mercado comum e bloco cidadão tal qual a União Europeia é tarefa impossível uma vez que a etnografia a dinâmica social e os agentes envolvidos estão e são parte de uma significaçãooutra que em pouco ou em nada podem ser enxertados ou repetidos O desafio principal do Mercosul não seria promover mais ou melhor integração entre os paísesmembros mas sim buscar seu próprio caminho em direção ao seu Direito Comunitário 5 CONCLUSÃO A soberania surgiu como um dos fundamentos do Estado Moderno e perdura até hoje no mesmo paradigma porém como significado e aplicabilidade diverso Tal situação nos faz parecer latente o caráter instrumental assumido por este instituto No campo da política economia ou do direito a soberania é utilizada para justificar as ações de poder tornandoas legítimas Ocorre que basear essa justificativa do poder no processo democrático tradicional é tornar bastante distante da população e dos agentes políticos humanos77 essas utilizações do poder No mesmo sentido se a soberania residia no povo agora esse postulado tem perdido seu significado em razão desta mesma instrumentalização É por isso que entrevemos duas distintas macrovisões quando o assunto é a soberania e sua utilização no contexto tanto do Mercosul quando a União Europeia A primeira no aspecto democráticoformal nos processos internos do sistema eleitoral que repousa no povo ou como preferimos nos agentes políticos humanos o poder de impor o político da comunidade Esta visão se demonstra deturpada em seu próprio conceito ou então foi designada para tal Explico dizer que soberania política repousa nos súditos do estado é buscar diluir de fato esta autoridade Na prática o que se tem são governantes e sistemas governamentais sem qualquer identificação com a população carentes de legitimidade que se pautam nos aspectos formais para justificar suas atuações que se direcionam a um interesse privado ou restrito a determinados grupos socioeconômicos sejam estes internos ou externos A outra macrovisão por nós percebida se verifica no âmbito das relações externas dos estados Ela pode se apresentar de duas maneiras a independência de ação do estado no campo interno e seu pressuposto de participação na comunidade a saber o partilhamento Nesta os estados que buscam se relacionar na esfera internacional devem ceder lugar a operações heterônomas com o fim de se fixar no bloco econômico Tal situação poderia ser de muito valia se pensarmos em uma integração conjunta e benéfica para àqueles primeiros detentores da soberania os agentes políticos humanos Ocorre porém que a soberania partilhada assumiu caráter instrumental não em função daqueles mas de operações econômicas próprias de um capital global onde a flexibilização dos ordenamentos jurídicos internos se dá 77 Com a expressão agentes políticos humanos pretendemos identificar os indivíduos e grupos coletivos componentes de uma sociedade Entendemos que outros termos como povo e nação ou eleitores votantes não conseguem expressar a pluralidade e potência política que uma comunidade possa ter Semelhantemente classificar a crítica à burocracia que pontuamos como prejudicial à democracia não nos deixa confortável Isso se dá tal qual à justificativa deste exame onde entendemos que conceitos cunhados sob égides europeizadas eou muito distantes do tempo atual restam insuficientes em vista do presente panorama seja social economico ou político É por isso que adotamos agentes políticos humanos por compreender que cada individuo ou cada coletividade que se identifique dentro das mais diversas sociedades humanas são não apenas destinatários do sistema político sob o qual residem mas também meios e potênciaporsisó de ações no campo do político entendido por relações e interações humanas com o fim de transformação ou manutenção do cenário e horizonte social Fazemos questão de reafirmarmos o fator humano com o intuito de excluir desse conceito as influências parcialmente humanas como instituições sociais e núcleos que se pautam por ideologias ou religiões acima de qualquer outro fator para imprimir sua ética na sociedade reforçando um ideal de política comunitária eminentemente humana em inclinação a facilitações fiscais e mercantis dos principais agentes econômicos atuais REFERÊNCIAS BARROS Alberto Ribeiro de Estado e Governo em Jean Bodin Revista Brasileira de Ciências Sociais SL v 10 n 27 p 129137 fev1995 DALLARI Dalmo de Abreu Elementos de teoria geral do estado 32 ed São Paulo Saraiva 2014 JESUS Diego Santos Vieira de Os processos de partilha da soberania na união europeia Revista brasileira de política internacional v 52 n 2 p 115132 2009 FERREIRA LOPES Dimas 2005 La Subsidiariedad como principio de Filosofía Social y el Método Comunitario de la Unión Europea Espanha tesis doctoral Programa de Postgrado stricto sensu Faculdad de Filosofía del Derecho Moral y Política Universidad Complutense de Madrid httpwwwKriptiacomFilosofiaFilosofiaSocial1 texto no vernáculo fornecido pelo autor MENEZES Aderson de Teoria geral do estado subtítulo do livro 8 ed Rio de Janeiro Editora Forense 1998 OLIVEIRA Odete Maria de União européia processos de integração e mutação Curitiba Juruá Editora 2001 SILVA Bianca Guimarães PINTO Renan Dos Santos MERCOSUL e supranacionalidade os novos rumos do conceito de soberania com o advento da globalização Revista de la Secretaria del Tribunal Permanente de Revisión v 4 n 8 p 209223 ago 2016 SOARES Mário Lúcio Quintão Teoria do estado Novos Paradigmas em face da Globalização 4 ed São Paulo Atlas 2011 CIDADANIA EXCLUSÃO E INCLUSÃO SOCIAIS Professor Supervisor do Grupo de Pesquisa Prof Dr Daniel Augusto Arouca Bizzotto CAPÍTULO 03 MACONHA MEDICINAL UMA ANÁLISE SOCIOLÓGICA E JURÍDICA SOBRE A SUA CRIMINALIZAÇÃO NO BRASIL Ana Vitória Bragança Lana Ataíde78 Gustavo Mendes de Oliveira Costa79 Júlia Dilly Campos80 1 INTRODUÇÃO O descobrimento e utilização dos efeitos psicotrópicos da Cannabis sativa ao redor do mundo é anterior à colonização do Brasil pelos portugueses de modo que a planta esteve presente em nosso país desde os princípios da construção do mesmo Na segunda metade do século XX com o fim da 2ª Guerra Mundial observou se um movimento mundial para maior regulamentação e criminalização de drogas O Brasil assim como diversos outros países passou a proibir o uso de diversas drogas cujos efeitos eram considerados alucinógenos entre eles a maconha Entretanto com o avanço da medicina e dos demais estudos no campo da biologia surgiram muitas comprovações de que a maconha possui efeitos medicinais relevantes para a sociedade Assim intensificaramse os movimentos sociais que lutam pela descriminalização e legalização da maconha Com a descriminalização da erva em diversos países nos últimos anos o tema tem sido bastante debatido No Brasil onde ainda há uma camada considerável da sociedade que reluta contra esse tipo de mudança discutese se há uma distorção da imagem da maconha devido à estigmatização dos seus usuários à falha política estatal contra as drogas e à legitimidade dessa criminalização em face dos crescentes 78 Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 79 Graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 80 Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais movimentos sociais que buscam o reconhecimento do uso da maconha como um direito à saúde e a liberdade 2 A CRIMINALIZAÇÃO DO USO DA MACONHA 21 A MACONHA CONCEITO CARACTERÍSTICAS E EFEITOS Primeiramente antes de se adentrar na análise a respeito do processo político de criminalização do aludido entorpecente ainda que sob o crivo medicinal bem comos os efeitos sociais que o originaram e que decorrem dos atos governamentais acerca do tema mister se faz uma breve conceituação da maconha para contextualização biológica primária e melhor entendimento sobre os futuros exames e eventuais críticas a serem apresentadas no desenvolvimento desta obra O nome científico da maconha é Cannabis sativa Termo latino este que significa cânhamo isto é plantada ou semeada denotandolhe a espécie e natureza de seu desenvolvimento Originária da Ásia Central facilmente adaptável seus atributos psicoativos podem variar de 1 a 15 dependendo da região no qual a planta fora cultivada visto que esta requer um clima quente e seco para melhor evolução Ademais a principal substância presente na Cannabis é o 9 THC tetraidrocanabinol do grupo dos canabinóides sendo identificado também o canabidiol CBD cujos efeitos não alcançam caráter alucinógeno porém seus princípios possuem atributos terapêuticos Na década de 60 por sua vez a maconha constituiu relevante objeto de estudo acerca de suas propriedades nas diversas áreas científicas tais como química botânica farmacologia Noutro giro ao que concerne à forma de utilização da planta geralmente ocorre decorre da secagem e trituração das folhas e flores na forma natural Pode ainda ser aproveitada por meio da resina em forma de placas ou bastões denominada haxixe chira ou charas Em um teor de THC mais concentrado observase o óleo hash oil obtido das flores da planta feminina Quanto aos resultados de seu proveito no organismo humano dispõe a Nova Enciclopédia Barsa Os efeitos da maconha variam conforme a experiência do usuário a quantidade e o ambiente em que é consumida além da potência da droga Quando fumada os efeitos fisiológicos se manifestam em minutos e incluem tontura distúrbios de coordenação e de movimento sensação de peso nos braços e pernas secura na boca e na garganta vermelhidão e irritação nos olhos aumento da freqüência cardíaca sensação de apetite voraz p179 1997 Outrossim ainda quanto aos efeitos observase ao usuário uma euforia leve distorções na percepção do tempo espaço e disposição do próprio corpo No âmbito psicológico aferese distúrbios de memória e atenção contudo comumente acompanhado pela autovalorização e facilidade de socialização O psiquiatra CSonenreich 1982 em uma das primeiras publicações psiquiátricas sobre o tema aduz 08 oito principais fenômenos analisados em usuários da Cannabis são eles sentimentos de felicidade excitação enganos na avaliação do tempo e do espaço aumento de sensibilidade auditiva ideias fixas ou convicções delirantes lesões dos afetos impulsos irresistíveis e por fim ilusões e alucinações Neste sentido sustenta complementarmente Bergeret e Leblanc 1991 que a embriaguez canábica iniciase em uma fase de bemestar eufórico seguida de hiperestesia sensorial isto é maior assiduidade a estímulos acompanhada das perturbações espaçotemporais euforia ou rapto ansioso após alcançase uma fase estática e por derradeiro extremo sono bem como um calmo despertar Ainda em um exame biológico e psicológico acerca do entorpecente assevera Inaba e Cohen 1991 que a maconha além dos efeitos supracitados gera o aumento do ritmo cardíaco a queda da pressão arterial leve hiperemia conjuntival com queda da pressão intraocular o que para os cientistas é indicado ao tratamento de glaucoma bem como o alívio de náuseas extremamente destinado àqueles que submetem à quimioterapia Todavia o uso descomedido da planta tende a causar perda da memória a curto prazo apatia e falta de motivação E mais ainda conforme os autores os efeitos dos alucinógenos maconha dependem particularmente da dose da estrutura emocional do usuário do seu estado de ânimo por ocasião do uso e das circunstâncias que os rodeiam p149 Noutro diapasão quanto à formação da tolerância pelo uso reiterado divergências são confirmadas Graeff 1989 preconiza que a utilização frequente e em elevadas doses acometem ao aludido Porém tal ocorrência é bastante rara na qual a sensibilização envolve um fenômeno mais provável nestes casos Todavia para Sonenreich 1982 bem como para Bergeret e Leblanc 1991 a Cannabis não causa dependência física mesmo no fumante inveterado o que inclusive contribui em menor escala à dependência psíquica ao comparar com rotineiras atividades como café e televisão Em breve enfoque aos efeitos secundários psicológicos Noto e Formigoni 2002 salientam que as sequelas advindas do uso da maconha não são bem evidentes quando comparadas à cocaína Mas em geral apresentam problemas de concentração dificuldade de aprendizagem e execução de tarefas cotidianas alteração da imunidade redução dos níveis de testosterona e facilidade ao desencadeamento de doenças mentais como esquizofrenia depressão e crises de pânico Não obstante às respostas orgânicas negativas ao uso da planta urge enfatizar que atualmente concentramse as pesquisas científicas quanto ao tratamento medicamentoso da substância THC devido ao potencial alucinógeno antináusea e hipnótico Desta forma fazse necessário o debate acerca do proveito medicinal ante a maconha no intuíto exclusivo de aprimorar a saúde das pessoas seja agindo diretamente no embate a certas enfermidades seja quanto à redução dos efeitos colaterais de uma terapia diversa como um ato complementar tal como faremos na obra a seguir 22 A ACEPÇÃO DA MACONHA EM DIVERSOS ÂMBITOS DESENROLAR HISTÓRICO USO ABUSIVO E INÍCIO DO PROCESSO DE CRIMINALIZAÇÃO A relação humana com as atualmente denominadas drogas possui fundamento histórico remoto ora em tratamento terapêutico ora em rituais religiosos Neste ínterim a maconha encontra relevância há 4000 quatro mil anos em especial na China Sua descoberta deve ao Imperador Shen Nieng cujo trabalho em farmacologia orientava ao uso da planta na terapia ao reumatismo e apatia vez manipulada como sedativo E ainda associada a este efeito observase a transgressão evasão de modo que em efeito biológicosocial fora a planta popularmente utilizada para a elevação do aparato cultural de repressão face a uma dimensão mítica atribuída a droga Na Índia em 1000 um mil anos aC o cânhamo era usado de forma terapêutica indicandoo para constipação intestinal falta de concentração malária e até doenças ginecológicas Ainda neste território adquiria função religiosa visto que ao libertar a mente das acepções mundanas acreditavase alcançar o Ente Supremo Em herança à prática chinesa durante o Renascimento período de elevado desenvolvimento científicos fora a maconha aproveitada como anestésico para cirurgias Ademais aos citas e aos taças a planta participava no processo de confecção de roupas Usadas igualmente nos arredores do mar Cáspio e no Irã Oriental como a substância sagrada apta a purificar os vivos do contato com a morte Já os assírios a destinavam como incenso sob o nome Qounnoubou Por fim estudiosos remetem à medicina oriental denominada NeiChing Nela durante a prática entre 2698 e 2599 aC faziam a indicação das flores da maconha para fins cicatrizantes e da resina para o uso das infecções cutâneas e inclusive ao tratamento do sistema nervoso vez que as sementes combatiam vermes em homens e animais Pelo exposto aferese uma orientação do uso da planta predominantemente à terapia humana orgânica sendo também destinada a respeitosos e esporádicos rituais religiosos Contudo iniciouse a utilização do entorpecente visandose a alteração mental no Oriente Médio vez que vinda da Índia houve uma grande aceitação desta droga Isto pois vez que o consumo de álcool era proibido pela religião muçulmana a população local passou a utilizar a maconha em razão da capacidade desta na produção de um estado de euforia Inclusive como uma breve curiosidade a Cannabis era concebida na região como um favor especial dado por Deus Deste modo fora o amplo consumo expandindose atingindo regiões como Egito leste da Tunísia Argélia e oeste de Marrocos durante os séculos IX a XII cuja utilização limitavase às classes privilegiadas e sob a forma autoindulgênica Entretanto em vias que extinguir a ordem social usuária fora fundada no século XI a seita de assassinos chamados de Haxixins Presidida por Hassan Ibn Sabbah ao sul do mar Cáspio tratavase de uma organização secreta a qual sequestravam jovens aparentes entre 12 e 20 anos e adormecidos com as bebidas de cannabis eram submetidos à ordem de matar ou roubar no qual posteriormente serão reconhecidos nas descrições do romano MarcoPolo Outrossim enfatizase que os membros desta seita atuavam por uma obediência cega em uma acepção dos fatos delituosos de forma meramente executória e por fim acompanhavam o rito de auto sacrifício Perante tamanha crueldade o Imperador Gengis Khan em 1218 extingiu esta seita ocasionando a morte de 12000 doze mil comedores de haxixe bem como em 1379 outorgou uma Lei rígida contra o uso da Cannabis sob a sanção de ter as solas dos pés e os dentes arrancados Noutro giro no continente europeu as cruzadas correspondem ao evento histórico no qual o proveito da substância fora disseminado o qual ensejou em outubro de 1800 as seguintes proibições do uso da maconha pelo General Napoleão destinadas em especial ao Egito Vejamos ArtI Fica proibido em todo Egito fazer uso da bebida fabricada por certos muçulmanos com a cannabis haxixe bem como fumar as sementes da cannabis os bebedores e fumantes habituais desta planta perdem a razão e são acometidos de violentos delírios que lhes proporciona cometer abusos de todos tipos ArtII A preparação da bebida de haxixe fica proibida em todo Egito As portas de todos os bares ou albergues onde é servida serão fechadas com um muro e seus proprietários colocados na cadeia por uma duração de três meses ArtIII Todos os pacotes de haxixe que chegarão a alfândega serão confiscados e queimados publicamente A partir das diversas normas restritivas do consumo modalvase a consequente negativação social perante aos usuários considerandoos inúteis e ociosos ao âmbito civil Em resposta diversas convenções internacionais eram realizadas para o debate acerca das drogas sendo elencadas por Carlini 2002 as principais quais sejam Convenção Única sobre Drogas Narcóticas em Genebra publicada em 1961 Segunda Convenção sobre Drogas em Viena em 1971 e por último a Convenção Internacional de 1988 À primeira estabeleceuse diretrizes à fiscalização das substâncias narcóticas em enfoque à morfina À segunda determinouse a regulamentação à fabricação de drogas psicotrópicas bem como à venda importação e exportação E por derradeiro à última discutiuse em âmbito mais científico acerca dos precursores de reagentes químicos para a produção das drogas de abuso No entanto cumprese ressaltar que mesmo ante ao grande demonização governamental à maconha por alguns países não estabeleceuse uma infraestrutura política social ou econômica acerca desta temática em um âmbito prevalentemente científico considerando as diversas funções terapêuticas da planta atribuindo porém quesitos morais e arbitrárias sob eventos esporádicos e apartados para a decretação de uma política restritiva 23 A HISTÓRIA DA MACONHA MEDICINAL NO BRASIL Ab initio antes de adentrar no atual cenário de embate perante à adoção da política proibitiva do uso da maconha imperioso abordar uma breve síntese desta erva no Brasil No período Colonial a aludida planta exótica já exercia relevante papel no país desde a chegada da primeiras caravelas vez que o cordame das embarcações eram compostas por cânhamo outro nome atrelado à maconha Por sua vez sob enfoque dos efeitos psicológicos fora trazida pelos escravos negros por eles denominada de fumodeAngola mormente se afere dos documentos oficiais de 1959 dispostos pelo Ministério das Relações Exteriores vejamos A planta teria sido introduzida em nosso país a partir de 1549 pelos negros escravos como alude Pedro Corrêa e as sementes de cânhamo eram trazidas em bonecas de pano amarradas nas pontas das tangas Pedro Rosado Entrou pela mão do vício Lenitivo das rudezas da servidão bálsamo da cruciante saudade da terra longínqua onde ficara a liberdade o negro trouxe consigo ocultas nos farrapos que lhe envolviam o corpo de ébano as sementes que frutificariam e propriciariam a continuação do vício Dias 1945 Provavelmente devese aos negros escravos a penetração da diamba no Brasil provao até certo ponto a sua denominação fumo dAngola Lucena 1934 Ainda sob égide das obras brasileiras à época extraise a relação subjetiva dos africanos que já reconheciam os efeitos psicotrópicos da Cannabis tendo esta portanto uma função fundamental à busca do aprazimento Para tanto a seguir abordase um diálogo redigido em uma obra de Garcia da Orta 1891 de 1563 in verbis Ruano Pois azi he dizeyme como se faz este bangue a pera que o tomão e que leva Orta Fazse o pó destas folhas pizadas e às vezes da semente porque embebeda e faz estar fóra de si e pera o mesmo lhe mesturão nomoscada e o proveito que disto tirão he estar fora de si como enlevados sem nenhum cuidado e prazimentos e alguns a rir hum riso parvo e já ouvi a muitas mulheres que quando hião ver um homem pera estar choquarerias e graciosas o tomovão E o que se conta he que os grandes capitães acustumavão embebedarse com este bangue para se esquecerem de seus trabalhos e nam cuidarem e poderem dormir E o gram Soltão Badur dizia a Martim Affonso de Souza a quem elle muito grande queria e lhe descubria seus secretos que quando de noite queria yr a Portugal e ao Brasil e à Turquia e à Arabia e à Pérsia não fazia mais que comer um pouco de bangue Ruano Eu vi um portuguez choquareiro e comeo uma talhada ou duas deste letuario e de noite esteve bebedo gracioso e nas falas em estremo e no testamento que fazia E porém era triste no chorar e nas magoas que dizia mostrava ter tristeza e grande enjoamento e ás pessoas que o vião ou ouvião provocava o riso como o faz hum bebedo saudoso e ter vontade de comer Não obstante ao irrestrito uso para busca à euforia à época sendo o cultivo desta inclusive adotado pelos nativos Contudo há uma hipótese abarcada por alguns historiadores acerca da origem da maconha em populações indígenas na Amazônia cujo cultivo era destinado à forma medicinal para o preparo de chás e pelos pajés em cerimônias religiosas visando facilitar o contato com as divindades No século XVIII obtevese pela Coroa Portuguesa uma preocupação da utilização da maconha na Colônia Todavia em uma extrema quebra de expectativa o cultura do bangue era incentivada pela Metrópole de modo que o ViceRei em 4 de agosto de 1875 redigira cartas ao Capitão General bem como ao Governador da Capitania de São Paulo determinando o plantio e outrossim enviara dezesseis sacas com 39 alqueires de sementes de Cannabis Fonseca 1980 Ademais apesar do Código Penal de 1890 restringir a comercialização de coisas venenosas não era a aludida substância considerada como tanto atribuindo a esta um importante fator social de fuga aos problemas mundanos Cingese o consumo da diamba no aludido cenário histórico remoto às classes socioeconômicas menos favorecidas de modo a não atingir uma relevância à camada dominante exploradora Em exceção têmse a declaração da Rainha Carlota Joaquina cônjuge do Rei D João VI que afirmou o exótico hábito diário de tomar chá de maconha Salientese porém que tratase de uma usuária incomum ao públicoalvo do período Entretanto as acepções contrárias ao uso da Cannabis obtiveram crescimento em meados do século XIX a partir em especial do estudo realizado pelo Professor Jean Jacques Moreau Faculdade de Medicina da Tour na França juntamente à vários escritores e poetas franceses cujos efeitos hedonísticos da utilização da planta eram precauriosamente descritos Noutro giro apesar do grande preconceito às substâncias psicoativas presentes na maconha em face aos efetivos resultados medicinais apresentados por essas fora a utilização do cânhamo amplamente adotado pela classe média Assim era descrito o formulário médico no Brasil 1888 cujo tratamento da bronquite crônica em crianças ressaltese era tratado pelo fumo de maconha vejamos Contra a bronchite chronica das crianças fumamse cigarrilhas Grimault na asthma na tísica laryngea e em todas Debaixo de sua influência o espírito tem uma tendência às idéias risonhas Um dos seus efeitos mais ordinários é provocar gargalhadas Mas os indivíduos que fazem uso contínuo do haschich vivem num estado de marasmo e imbecilidade Chernoviz 1888 Mantevese no período moderno portanto a prevalência da utilização da maconha sob o compêndio medicinal sendo objeto inclusive de anúncios em jornais brasileiros tal como pela marca Grimault a qual enfocavase a relevância do consumo no tratamento de certos problemas de saúde aduzindo inclusive ser a droga recomendada por autoridades médicas para doenças pulmonares febre do feno laringite entre outros Ademais Araújo e Lucas em 1930 descrevem os atributos do fluído da Cannabis Hypnótico e sedativo de acção variada já conhecido de Dioscórides e de Plínio o seu emprego requer cautela cujo resultado será o bom proveito da valiosa preparação como calmante e antispasmódico a sua má administração dá às vezes em resultados franco delírio e allucinações É empregado nas dyspepsias no cancro e úlcera gástrica na isonomia nevralgias nas perturbações mentais dysenteria chronica asthma etc Todavia no mesmo período iniciouse no ano de 1930 a repressão ao proveito da maconha a mando das esparsas posturas da Câmara Municipal do Rio de Janeiro que em legislação própria determinou pelo preconizado no 7º vejamos É proibida a venda e o uso do pito do pango bem como a conservação dele em casas públicas Os contraventores serão multados a saber o vendedor em 20000 e os escravos e mais pessoas que dele usarem em três dias de cadeia Mott in Henman e Pessoa Jr 1986 Tal movimento proibicionista por sua vez intensificouse majoradamente em resposta à declaração do Delegado brasileiro Pernambuco Filho na II Conferência Internacional do Ópio de 1924 em Genebra pela Antiga Liga das Nações Nesta objetivavase discutir apenas acerca do ópio e da coca Contudo o referido representante acompanhado do Delegado egípcio forçaram a inclusão do debate acerca da Cannabis vez que consideravamna mais periculosa que os demais entorpecentes supracitados Destarte o processo de condenação ao uso do bangue aperfeiçoouse consolidandose na seguinte publicação científica brasileira já dispomos de legislação penal referente aos contraventores consumidores ou contrabandistas de tóxico Aludimos à Lei nº 4296 de 06 de Julho de 1921 que menciona o haschich No Congresso do Ópio da Liga das Naços Pernambuco Filho e Gotuzzo conseguiram a proibição da venda de maconha Partindo daí devese começar por dar cumprimento aos dispositivos do referido Decreto nos casos especiais dos fumadores e contrabandistas de maconha Lucena 1934 grifo nosso Ora salientese que a declaração exposta pelo Delegado em Genebra é contraditória porquanto alude o documento oficial do governo brasileiro Ministério das Relações Exteriores 1959 vejamos Ora como acentuam Pernambuco Filho e Heitor Peres entre outros essa dependência de ordem física nunca se verifica nos indivíduos que se servem da maconha Em centenas de observações clínicas desde 1915 não há uma só referência de morte em pessoa submetida à privação do elemento intoxicante no caso a resina canábica No canabismo não se registra a tremenda e clássica crise de falta acesso de privação sevrage tão bem descrita nos viciados pela morfina pela heroína e outros entorpecentes fator este indispensável na definição oficial de OMS para que uma droga seja considerada e tida como tóxicomanógena Neste diapasão concluise que a referida busca ao extermínio do uso do entorpecente em comento ainda que no âmbito medicinal é originado por uma ação política arbitrária e mais quedada de fundamentação científica para tanto Com efeito foram as diretrizes oriundas da referida Convenção adotadas pelo Codex Penal Brasileiro que em redação de 1940 constituia o seguinte tipo penal Art 281 Importar ou exportar produzir vender expor à venda ou oferecer fornecer ainda que gratuitamente ter em depósito transportar trazer consigo ministrar ou entregar de qualquer forma a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar Pena reclusão de 1 um a 6 seis anos e multa de 50 cinquenta a 100 cem vezes o maior Saláriomínimo vigente no País Neste ínterim foram registradas as primeiras segregações em consequência da mercância de maconha em 1933 e em 1940 no Rio de Janeiro e na Bahia respectivamente No ano de 1961 em apoio da Convenção Única de Entorpecentes da Organização das Nações Unidas ONU a qual o Brasil é signatário fora a Cannabis considerada um entorpecente extremamente prejudicial à saúde e à coletividade dando ensejo à atuação do Shore Patrol marinha norteamericana nas costas brasileiras em combate ao comércio marítimo da referida substância Devese notar por sua vez que a proibição completa do plantioculturacolheitaexploração da maconha por particulares no território brasileiro ocorreu em razão do DecretoLei nº 891 em 25 de novembro de 1938 Todavia impende salientar que não se verificou até o presente momento histórico em comento a proibição quanto ao consumo da maconha Isto pois tal norma somente fora introduzida pela revogada Lei nº 683676 pelo que se afere a seguir Art 16 Adquirir guardar ou trazer consigo para o uso próprio substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar Pena Detenção de 6 seis meses a 2 dois anos e pagamento de 20 vinte a 50 cinquenta diasmulta Sucedida pela vigente norma nº 1134306 inovaram ao abordar o uso da maconha atrelada ao rol de entorpecentes como crime ainda que para destinação própria sob os mesmos núcleos verbais àqueles trazidos pelo tipo penal do tráfico E mais equiparouse o consumo da planta ao de demais drogas tal como observase pelo art 2ª do referido diploma legal Art 2o Ficam proibidas em todo o território nacional as drogas bem como o plantio a cultura a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar bem como o que estabelece a Convenção de Viena das Nações Unidas sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971 a respeito de plantas de uso estritamente ritualísticoreligioso Parágrafo único Pode a União autorizar o plantio a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo exclusivamente para fins medicinais ou científicos em local e prazo predeterminados mediante fiscalização respeitadas as ressalvas supramencionadas Todavia informese que abstendose de qualquer influência social que o tema possui a Cannabis não é uma substância narcótica tal como é classificada pelos órgãos oficiais Com efeito ao exposto observase extrema resistência ao almejo da permissão desta no tratamento complementar de diversas enfermidades tal qual o temido câncer visto que o Δ 9tretaidrocanabinol princípio ativo da maconha possui efeito antiemético em casos de vômitos induzidos pela quimioterapia bem como constitui em um orexígeno útil para os casos de caquexia aidética e a produzida novamente pelo câncer Tal princípio inclusive é registrado como medicamento em vários países ante a sua relevância e efetividade tais como Estados Unidos Marinol e Holanda A contrario sensu à orientação mundial quanto a esta substância em 20 de julho de 1995 durante evento denominado Tretaidrocannabinol como medicamento presidido pelo Ministro da Saúde e pelo Conselho Federal de Entorpecentes CONFEN apresentouse diversas reservas ao derivado do antigo fumo dAngola Contudo versa de um tema de extrema urgência ao debate na atualidade posto o expressivo índice de usuários mesmo perante à proibição legal para tanto brasileiros no qual alcançou a taxa de 69 da população total em 2002 Neste sentido inclusive aferese do Levantamento Domiciliar sobre Consumo de Drogas no Brasil de 2002 que durante os antecedentes 15 anos estudados o número de internações hospitalares resultantes de intoxicações agudas ou de dependências à maconha não ultrapassou o valor de 300 trezentos por ano enquanto as submissões hospitalares por álcool droga aprovada atingiu preocupantes 119906 no mesmo período Dessarte para finalizar imperioso transcrever o editorial do respeitado Jornal Brasileiro de Psiquiatria 293534 1980 A falta de discriminação entre viciados em drogas pesadas e simples fumantes de maconha tem resultados altamente inconvenientes do ponto de vista social Se os estabelecimentos especiais viessem a ser construídos para internar usuários de maconha com toda a probabilidade iríamos ressuscitar o famoso dilema do Simão Bacamarte de Machado de Assis Talvez fosse melhor internar a população sadia para defendêla dos supostos perigos dos cada vez mais numerosos adictos de maconha O perigo maior do uso da maconha é expor os jovens a consequências de ordem policial sumamente traumáticas Não há dúvida de que cinco dias de detenção em qualquer estabelecimento policial são mais nocivos à saúde física e mental que cinco anos de uso continuado de maconha Finalmente em 1987 a Associação Brasileira de Psiquiatria ABP também faz um editorial em que comenta o assunto A dupla penalização do usuário de drogas ou duas vezes vítima Revista ABPAPAL 1987 Ninguém como os psiquiatras conhece melhor a miséria humana que acomete os drogados Eles são mais vítimas do sistema de produção e tráfico e de si mesmos que delinquentes Neste sentido julgamos oportuno trazer à discussão sob a égide deste momento Constituinte este polêmico tema que tem desencadeado tão graves consequências O problema das drogas em nosso país tem sofrido um julgamento apaixonado permeado por atitudes moralistas e um tratamento policial O próprio tratamento compulsório dos dependentes de drogas mostra baixa eficácia quando não absoluta inutilidade e serve muitas vezes de artifício para beneficiar apenas os mais abastados Ressaltese que a particular questão do tratamento e da recuperação dos drogados deve estar integrada à rede de cuidados gerais à saúde e ao bemestar social Finalmente devese considerar com seriedade a necessidade de se promover a descriminalização do uso da maconha estipulando a quantidade considerada porte sem promover a liberação da droga Esta medida ampliaria as possibilidades de recuperação do usuário isolandoo do traficante e evitando a dupla penalização a pena social de ser um drogado e a pena legal por ser um drogado esta última muitas vezes mais danosa que a primeira Deste modo levantase o seguinte questionamento tendo em vista o reconhecimento expresso dos potenciais medicinais da maconha pelo Governo autor da recriminação normativa desta porque o uso desses benefícios ainda que para um almejo medicinal é proibida Para tanto recorremos à perspectiva crítica da criminologia jurídica a seguir descrita Não obstante em adiantamento ressaltese que não há uma justificativa sólida para o proibicionismo da Cannabis quanto aos fins medicinais Há contudo um efeito social ensejador da criminalização a rejeição cultural ante ao remoto acesso desta por classes menos favorecidas o qual denotalhe um caráter de preconceito Ademais enfrenta o Brasil uma guerra às drogas em geral promovida pelo Estado e endossada por parte da população o qual são investidos elevados recursos para o fortalecimento do combate sem preocuparse a primeiro plano nos motivos pelo qual fora constituído este cenário isto é uma motivação moral e arbitrária em contrapartida à valorização biológica da planta 3 AS TEORIAS CRIMINOLÓGICAS Definir criminologia é um grande desafio do direito penal moderno Esse conflito é oriundo da inexistência de uma ciência criminológica não sendo possível comparála com outros ramos das ciências como por exemplo as ciências naturais Isso ocorre pois diferente do que ocorre com as ciências não é possível analisar a criminologia como um aglomerado de conhecimentos sistematizados tendo em vista que é construída por meio de pontos de vista muitas vezes contraditórios sustentados por questões ideológicas que vão interferir tanto na teoria científica quanto na definição de um objeto e do seu método de estudo Assim não é possível falar da existência de uma ciência criminológica mas de muitas teorias criminológicas distintas É possível a título de simplificação distribuir as teorias criminológicas em duas categorias diferentes A primeira é chamada de teoria criminológica convencional e busca assumir os valores sociais dominantes na sociedade estudada como premissa para o trabalho teórico Essa teoria não tem como objetivo discutir o mérito desses valores sociais se trata portanto uma análise de esfera dogmática desses valores A segunda teoria é conhecida como teoria criminológica crítica sua finalidade é conduzir uma análise zetética sobre os valores sociais dominantes na sociedade estudada Isto é busca refletir com uma ótica criminal sobre os motivos que levam esses valores a serem valorizados na sociedade em questão a sua legitimidade e os efeitos dos mesmos nas políticas e sistema criminal O estudo da pluralidade de teorias que abarcam a criminologia é orientado pelo objetivo social que elas visam ter possuindo uma base experimental indispensável É por meio da análise dos fatos concretos da aplicação do direito penal e da realidade do sistema criminal que as teorias criminológicas irão surgir e se orientar A criminologia pretende observar as formas de exercício do Poder pelo Estado o viés político ideológico que se evidencia por trás dessa forma de aplicação a opinião e posicionamento de camadas relevantes da sociedade assim como o impacto de políticas econômicas e sociais nos índices de criminalidade de um determinado lugar É em síntese um estudo sobre todas as motivações exteriores ao indivíduo ou seja as condições materiais da vida social que podem influenciar no surgimento de um comportamento criminoso Há dessa maneira uma vinculação necessária entre a criminologia e a ciência social de modo que seja defendido por muitos autores que a primeira seja uma integrante da segunda Desse modo a criminologia visa discutir e entender a razão de certos comportamentos serem considerados criminosos no Brasil enquanto podem ser perfeitamente aceitos em outros países O seu campo de estudo é justamente analisar os valores que sustentam a sociedade e os seus impactos na criminalidade assim como buscar compreender até que ponto as práticas e mentalidade atuais têm produzido resultados favoráveis para o interesse final da população e do Estado 31 A CRIMINOLOGIA SOB O ÂMBITO DA PROIBIÇÃO DA MACONHA Entender os pressupostos da criminologia deve ser o ponto inicial da análise da criminalização do comércio da maconha no Brasil Tendo em vista que há um grande estigma das propriedades psicoativas da planta entre determinadas camadas da sociedade brasileira Atualmente a sociedade recrimina esse tipo de conduta colocando os efeitos da maconha em nível de paridade com os efeitos de outras drogas ilícitas recriminando os usuários da mesma e punindo aqueles que a cultivam e comercializam como presente no artigo 2º da Lei 113432006 Art 2o Ficam proibidas em todo o território nacional as drogas bem como o plantio a cultura a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas ressalvada a hipótese de autorização legal ou regulamentar bem como o que estabelece a Convenção de Viena das Nações Unidas sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971 a respeito de plantas de uso estritamente ritualísticoreligioso Parágrafo único Pode a União autorizar o plantio a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo exclusivamente para fins medicinais ou científicos em local e prazo predeterminados mediante fiscalização respeitadas as ressalvas supramencionadas Após analisar o artigo acima evidenciase um ponto de atenção os legisladores reconhecem o potencial medicinal e científico tornando possível que a União utilize desses recursos caso entenda como necessário De modo que é levantado o seguinte questionamento tendo em vista o reconhecimento expresso dos potenciais medicinais da maconha pelo Governo porque o uso desses recursos ainda é recriminado e a sua mercantilização proibida Ora recorremos a perspectiva crítica da criminologia jurídica para solucionar a questão Não há uma justificativa jurídica sólida o suficiente para a criminalização da maconha e de seu uso para fins medicinais Há contudo uma questão social latente camadas expressivas da sociedade não aprovam o consumo da mesma desejando que haja sim uma punição e segregação daqueles que utilizam da maconha O Brasil vive atualmente uma guerra às drogas promovida pelo Estado e endossada por parte da população de modo que gastase muitos recursos para a militarização da polícia operações policiais em favelas e demais pontos de tráfico encarceramento de traficantes e até mesmo de usuários Assim é na análise criminológica que tornase possível compreender que os motivos que resultam na criminalização da maconha medicinal na sociedade brasileira não são unicamente jurídicos mas oriundos de uma moral baseada nos costumes da sociedade brasileira Movimentos sociais como a Marcha da Maconha surgem portanto a partir de uma mobilização da própria população brasileira com o objetivo de conscientizar e mobilizar mais pessoas e chamar a atenção para os órgãos públicos revelando que há camadas sociais que discordam dos posicionamentos jurídicos atuais que há legitimidade popular para uma transformação normativa tendendo para a descriminalização e legalização da maconha medicina 32 A TRANSFORMAÇÃO DA MORAL SOB UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA O filósofo Jurgen Habermas aponta como um dos marcos da modernidade a passagem da visão de mundo católica predominante no período feudal para as sociedades de cosmovisão pluralista que têm seu início no movimento iluminista Essa passagem é responsável por uma grande transformação das sociedades sobretudo no ponto de vista da moral e do direito Os mandamentos morais que creditavam a justiça e bondade à um Deus Salvador não podem mais ser explicados por um ponto de vista divino e transcendente Assim a passagem para o pluralismo ideológico nas sociedades modernas promove uma decomposição da religião e do ethos enquanto fundamento público de validação de uma moral que é partilhada por todos Isto é as regras morais que regem a sociedade não podem mais ser sustentadas pela existência de um Deus mas por aspectos empíricos para que sejam válidas e aplicáveis para todos Assim ocorre um deslocamento da autoridade epistêmica que antes era pautada nas doutrinas religiosas e passa a ser fruto das ciências empíricas A teoria kantiana da razão explica essa nova autoridade epistêmica de modo que a vontade racional é uma exteriorização da razão pura sem influência dos desejos provocados pelos sentidos De modo que a razão está diretamente ligada com a liberdade do homem A vontade racional para Kant é o conteúdo cognitivo que constitui motivos racionais para os atos É essa vontade racional que deve ser pautada pelas ciências empíricas Dessa maneira Habermas aponta os dois principais enfoques clássicos de empirismo de modo a demonstrar dois entendimentos distintos da moral nas sociedades modernas O primeiro enfoque é a filosofia moral escocesa que baseiase nos entendimentos morais compreendendo como moral aquilo que funda a coerência solidária de uma sociedade Já o segundo enfoque é o contratualismo este pautase nos interesses individuais e coletivos e entende como moral aquilo que garante justiça à um trânsito social normativamente regulado Ambas na visão de Habermas apresentam uma falha em comum não sendo capazes de explicar racionalmente a obrigatoriedade dos deveres morais Não há uma explicação racional para os sentimentos de reprovação e aprovação gerados pelo cumprimento ou descumprimento dos deveres morais Desse modo o filósofo critica tanto a moral sob a visão jusnaturalista do direito que entende direito e moral como conceitos imutáveis e transcendentais quanto a moral sob a visão positivista que é fruto de uma construção positiva Para J Habermas ambas as teorias falham na captação do vínculo entre direito moral e legitimidade 33 As concepções de Habermas para Direito e Moral Habermas enxerga o Direito a partir do direito moderno sendo positivado e dotado de coerção e fruto de um processo legislativo Assim o Direito é positivado por ser um conjunto de normas dotadas de mutabilidade é elaborado por meio de legisladores políticos e é sustentado pela existência de uma sanção para o seu descumprimento sendo este o seu aspecto coercitivo O Direito é portanto um processo democrático de formação de opiniões A compreensão da moral sob a visão de Habermas está intrinsecamente ligada às teorias do agir comunicativo e do discurso que visam explicar a construção da legitimação racional das normas jurídicas nas sociedades modernas A moral sob esse ponto de vista é construída socialmente Os indivíduos apresentam suas opiniões e julgamentos de valores por meio de seus discernimentos éticos Os discernimentos éticos devemse à explicação daquele saber que os indivíduos comunicativamente socializados adquiriram na medida em que cresceram para dentro de sua cultura Habermas 2002 De modo que esse saber intuitivo só existe devido a existência de uma perspectiva social Para Habermas a teoria do agir comunicativo existe em contextos sociais cujas relações de poder não existem ou não exercem poder coercitivo nas opiniões individuais possibilitando a liberdade para o debate e divergências ideológicas Esse contexto social é chamado por Habermas de mundo da vida A validade da lei sob uma perspectiva moral ocorre quando essa pode ser aceita por todos a partir da perspectiva de cada um Essa capacidade de generalização dos interesses de acordo com Habermas é o que faz a lei valer O processo de elaboração das leis gerais em uma sociedade devem ser fruto da atuação dos colegisladores isto é os indivíduos que compõem a sociedade Os colegisladores são chamados dessa maneira pois cada pessoa participa de um processo cooperativo a partir do qual se pode examinar se uma norma que é objeto de discussão pode ser considerada generalizável segundo o ponto de vista de todos os participantes Assim se dá o agir comunicativo de Habermas é um processo que considera a autoconsciência de cada pessoa individual cujas contribuições epistêmicas de um discurso de exame das normas visam o mútuo entendimento Em síntese o paradigma proposto por Habermas é uma recondução da teoria kantiana que separa os conceitos de Moral e Direito colocandoas em uma relação de independência Habermas contudo não os considera totalmente independentes apontando uma relação de complementariedade entre os dois conceitos Nessa perspectiva entendese que a legitimação da criminalização da maconha no Brasil deve ser analisada tendo em vista os preceitos morais da sociedade brasileira que estão sendo defendidos com essa proibição conduzindo a reflexão se esses preceitos continuam condizentes com as novas gerações de brasileiros e as transformações sociais delas oriundas 4 MOVIMENTOS SOCIAIS E A BUSCA PELA LEGALIZAÇÃO DA MACONHA EM BELO HORIZONTE Até agora analisouse o movimento histórico da maconha tanto na esfera mundial e quanto na esfera brasileira porém é preciso fazer uma alusão aos desdobramentos sociais que a criminalização da maconha provoca na coletividade A promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil em 1988 gerou expectativas quanto a como seus efeitos atingiriam o sistema das relações sociais haja vista os diversos direitos sociais assegurados assim como princípios importantíssimos Em seu primeiro Artigo inciso II revela que Art 1º A República Federativa do Brasil formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal constituise em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos II a cidadania Ou seja a CR88 explicita seu paradigma de criação o Estado Democrático de Direito e um de seus fundamentos primordiais fruto de análise por Jürgen Habermas a cidadania Para este filósofo alemão a democracia com a devida participação dos interessados legitima a atuação do Estado de forma que aqueles e este construam a sociedade juntos por meio de um discurso integrativo A deliberação e fundamentação entre sociedade e Estado promovem a democracia e a legitimidade do direito O discurso realizado pelos cidadãos para com seus representantes é capaz de fazer surgir o sentimento de pertencimento social daqueles enquanto sujeitos político e jurídicos assim como a sensação de que para quem integra a sociedade existe um local de fala ideal o qual pode ser igualmente exercido por todos Isto proporciona a legitimidade do direito pois o exercício da democracia via exercício da cidadania do pluralismo e da igualdade torna lícita e permitida à aplicação do direito por meio do Estado Porém um dos principais problemas da contemporaneidade reside no multiculturalismo e na ignorância dos princípios garantidos sendo que as diferenças não estão sendo contempladas pelos representantes do povo pelo contrário hoje se tem uma função legislativa muito mais pautada no retrocesso social prezando pela resolução dos problemas que lhe dizem respeito e além disto suprimindo a vontade das minorias assim como de seus direitos No art 205 da Constituição Brasileira de 1988 se vê a dicção A educação direito de todos e dever do Estado e da família será promovida e incetivada com a colaboração da sociedade visando ao pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho Ora percebese aqui um pedido do Estado para que as pessoas participem de sua construção mas não passa de um pedido formal uma vez que ele parece não se atentar para as demandas sociais pois ignora tanto o interesse das maiorias quanto das minorias não conseguindo balancear as vontades Para o sociólogo francês Alain Touraine esta é a semente dos movimentos sociais o embate entre classes e vontades políticas porque problemas vistos na sociedade fazem parte da forma como um Estado é governado permeado por vontades privadas e pelas desigualdades sociais Assim aqueles que deveriam representar a vontade do povo de fato lutam por suas próprias convicções deixando de lado aqueles que os colocaram no poder legitimando sua atuação Surge a partir disto um levante movido pela indignação de pessoas partilhantes da mesma ideologia as quais constroem grupos para reivindicar mediante participação efetiva o que lhes é de direito os movimentos sociais Assegurados pelo Artigo 5º XVI da CR88 movimentos sociais são dinâmicas protestos encontros que visam confrontar assuntos polêmicos discutidos nos três âmbitos sistemáticos político econômico e social objetivando além de propiciar um debate acerca de o porquê acontecer também a subsistência da democracia participativa e a inclusão daqueles os quais são figuram como minoria prejudicada perante a sociedade Conforme ressalta Celso Fernandes Campilongo Os movimentos sociais fazem a crítica da sociedade Logo seus alvos são as lacunas as inconsistências as perversões o mau funcionamento e os efeitos do próprio funcionamento dos sistemas de função A sociedade que provoca a mobilização dos movimentos sociais é uma sociedade diferenciada funcionalmente É nesse ambiente que os protestos são construídos Em meio à insatisfação do funcionamento do sistema legislativo brasileiro pessoas de todas as classes sociais cores culturas opção e orientação sexual unemse em prol de um objetivo aquele a ser tratado por este artigo a legalização da maconha Em Belo Horizonte o principal movimento social a favor da legalização é intitulado Marcha da Maconha promovido por um grupo de pessoas envolvidas por uma organização horizontal na qual se dividem das tarefas De acordo com o artigo 5º XVI todos podem reunirse pacificamente sem armas em locais abertos ao público independentemente de autorização desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local sendo apenas exigido prévio aviso a autoridade competente por isto os organizadores apenas comunicam à prefeitura a ocorrência da marcha e para atribuírem maior visibilidade ao movimento elaboram panfletos criam eventos nas mídias sociais alugam carros de som etc Seguindo ainda a lógica de Touraine compõem um movimento social três princípios fundamentais o princípio de identidade o princípio de oposição e o princípio de totalidade sendo que juntos são capazes de gerar certo tipo de consciência coletiva De acordo com o movimento Marcha da Maconha e com relação ao primeiro princípio o movimento é composto por diversos tipos de pessoas como aquelas que necessitam de extratos da droga para seu uso medicinal religioso recreativo bem como as pessoas que não fazem uso da droga mas mesmo assim percebem mais prós do que contras no ato de sua legalização tanto no âmbito nacional quanto no internacional Em se tratando do segundo princípio oposição o movimento acredita que seus maiores adversários são em sua grande maioria políticos e religiosos e leigos no assunto os quais desconhecem os milhares de usos da planta e os malefícios de sua proibição Finalmente temse o fundamento da totalidade terceiro princípio Por que lutar para legalizar Para A Marcha da Maconha de Belo Horizonte primeiramente a droga é vista como uma otimização no tratamento de muitas doenças em muitos casos graves as quais atingem diversas pessoas A planta também para o Movimento é a fibra vegetal mais resistente conhecida um dos motivos pelo qual pode originar milhares de produtos industriais até mesmo casas carros e bicombustíveis ecológicos Além disto acredita em seu poder medicinalindustrial países como Canadá Israel Inglaterra e Estados Unidos utilizamna neste sentido Em outra esfera expõe que no Brasil temse uma população carcerária composta por mais de seiscentas mil pessoas das quais cerca de cem mil são prisioneiras devido ao consumo eou trafico de maconha uma planta com nível de toxicidade amplamente inferior ao do álcool Além disto os organizadores acreditam na famosa cultura carcerária na qual mesmo sendo previstas leis para isto não ocorrer vide Artigo 33º ao 36º do Código Penal indivíduos que cometem crimes como o consumo de maconha são encarcerados com traficantes homicidas estupradores por exemplo sendo praticamente obrigados a conviverem e submeteremse às regras impostas a eles sob risco de morte Desta forma vislumbram a proibição da maconha como uma tragédia humanitária pois tem como consequência a superlotação dos presídios assim como do judiciário Assim o movimento em prol da legalização da maconha é realizado e sistematizado em Belo Horizonte pela organização intitulada de Marcha da Maconha a qual não vê o porquê da droga em pelo século XXI ser ainda criminalizada 5 O USO MEDICINAL DA MACONHA O DIREITO À SAÚDE E O POSICIONAMENTO DA ANVISA AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA 51 O DIREITO CONSTITUCIONAL À SAÚDE E A RESPONSABILIDADE ESTATAL Ante à vigência do Estado Democrático de Direito preconizado pela sistemática do ordenamento jurídico brasileiro impendese em qualquer debate jurídico uma análise da temática sob o crivo da Lei Maior tal qual a Constituição Federal de 1988 A ela evidenciase o marco da redemocratização do regime político no Brasil que ao superar mais de 20 vinte anos de regime militar ditatorial fora a responsável pela institucionalização dos direitos humanos no país dandolhes força de aplicabilidade intermitente e imediata Neste sentido objetivouse estabelecer garantias constitucionais gerais cujo zelo proporciona condições mínimas aos indivíduos ao alcance de uma igualdade formal e material Com isso em histórica 2ª onda de direitos fundamentais insurgiram os sociais tais quais à educação à saúde à alimentação ao trabalho à moradia ao lazer à segurança à previdência social à proteção à maternidade e à infância à assistência aos desamparados Consequentemente aduz Canotilho 2008 p 97 os direitos sociais na qualidade de direitos fundamentais devem regressar ao espaço jurídico constitucional e ser considerados como elementos constitucionais essenciais de uma comunidade jurídica bem ordenada A partir do exposto verificase que ao adotar os direitos sociais à Constituição atrelou o legislador uma função política do Estado em resguardálos de modo a legitimar aos cidadãos a exigência para tanto Outro não é o entendimento do respeitado doutrinador Bontempo 2005 p 75 o qual elucida que os direitos sociais são por conseguinte sobretudo endereçados ao Estado para quem surgem na maioria das vezes certos deveres de prestações positivas visando à melhoria das condições de vida e a promoção da igualdade material Diante desse contexto salientese que o mesmo diploma legal supracitado além de descrever os bem jurídicos a serem protegidos em âmbito constitucional apresentou em seu artigo 6º um amplo rol de normas que orientam à necessidade de criação de diretrizes e políticas a serem adotados pelos entes públicos e pela coletividade em geral objetivandose a eficácia de tais garantias Feitas essas considerações fora a prestação de serviços à saúde adotada pelo constituinte como dever estatal a ser zelado Dessarte não estaria este serviço público restrito aos trabalhadores inseridos no mercado formal mas é concedido à todos os brasileiros independentemente do vínculo empregatício E mais em admirável inovação normativa a Constituição sob égide dos artigos 196 197 e 198 II determinou o acesso indiscriminado dos cidadãos ao sistema de saúde de modo a estipular uma atividade integral e preventiva Com efeito Ladeira 2009 p 110 esclarece que o direito à saúde configura se como direito social prestacional que objetiva assegurar à pessoa humana condições de bemestar e de desenvolvimento mental e social livre de doenças físicas e psíquicas Nesse entendimento Paranhos 2007 leciona que Extraise do art 1 inciso III da Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988 que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil Logo não há como recusar que um dos requisitos para a existência dessa dignidade de que trata a Constituição Federal é a saúde pública PARANHOS 2007 p 155 Todavia para aferir as possíveis políticas a serem adotadas à garantia da saúde à população devese a priori determinar o conceito deste direito Em uma análise doutrinária a respeito extraise um duplo efeito do direito à saúde são eles a uma temse como um direito de defesa de modo que a tutela prevê uma proteção à integridade fisiológica das pessoas contra agressões de terceiros a duas como um direito positivo o qual determinase ao Estado a efetivação de atendimento médico e hospitalar Considerandoo como uma resguarda prescindível ao direito à vida e à integridade física do homem aduziu o Ministro Celso de Mello vejamos Entre proteger a inviolabilidade do direito a vida e a saúde que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República art 5 caput e art 196 ou fazer prevalecer contra essa prerrogativa fundamental um interesse financeiro e secundário do Estado entendo uma vez configurado esse dilema que as razões de ordem éticojurídica impõem ao julgador uma só e possível opção aquela que privilegia o respeito indeclinável a vida e a saúde humana Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n 3931750RS Segunda Turma Supremo Tribunal Federal Relator Ministro Celso de Mello Julgado em 12122006 publicado 02022007 grifo nosso Neste diapasão verificase como responsabilidade do Estado a concessão de uma estrutura ora preventiva como repressiva à potenciais enfermidades A exemplo como corolário à saúde encontrase a promoção a uma alimentação saudável em uma política preventiva In casu à obra a repressão estatal contra a concessão ao uso descomedido das drogas em geral justificariase pela prevenção à perda do discernimento do indivíduo ante ao abuso do consumo de modo a apresentar um potencial lesivo não só a si como a outrem Ademais constituirseá em uma atuação omissa estatal ante a degradação fisiológica própria pelo uso permitido dos entorpecentes Contudo salientese que tal temática não incumbe no objeto do presente estudo O que se objetiva nesta dissertação referese à conciliação entre o dever à saúde pelo Estado e uma eventual permissão deste na concessão do consumo medicinal da maconha Pois bem tratandose de um ato supervisionado por um técnico tal qual o médico o abuso do consumo portanto é afastado visto que não só o quantum bem como a periodicidade deste uso será regulamentada por um perito de modo a não acarretar numa dependência mantendose então a integridade mental do usuário Ademais cingese do dever à saúde a concessão pelo governo de uma estrutura apta à repressão de enfermidades Logo impende ao Estado não só constituir estruturas físicas para receber e tratar os acometidos bem como a fornecer um corpo técnico qualificado para tanto e ainda garantir o acesso aos medicamentos mais adequados à terapia Deste modo ante às inúmeras já descritas qualidades que a Cannabis possui na repressão de determinadas doenças inclui como responsabilidade dos entes públicos inclusive a fomentação à pesquisa e ao melhoramento dos fármacos por esta fornecidos 52 A ACEPÇÃO DO USO DA MACONHA MEDICINAL PELA AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA ANVISA Os direitos fundamentais por sua vez abordam certas questões quanto à burocracia normativa bem como quanto à expansivas pretensões sociais como satisfações desta garantia Alude Bobbio 1992 que perante um contexto de constante progresso tecnocientífico o fácil acesso a tais informações acarretam em uma exponente ampliação das pretensões acerca destes direitos fundamentais Novos direitos são reivindicados conforme se aumenta a percepção de que sempre algo melhor está por vir BOBBIO 1992 Na medicina por denotar uma ciência natural patente a manifestação supramencionada Consequentemente instaurouse comissões públicas destinadas a isso a CONITEC Comissão Nacional de Incorporação de Novas Tecnologias a ANS Agência Nacional de Saúde Suplementar e a Anvisa Agência Nacional de Vigilância Sanitária A estas é delegada a prerrogativa de deliberação acerca de permissão consumo comercialização e fornecimento de substâncias e tecnologias no Brasil Portanto o caminho entre uma reivindicação social e sua concretização perpassa por tais órgãos não tratandose de um feito automático Finalmente descendo do plano ideal ao plano real uma coisa é falar dos direitos do homem direitos sempre novos e cada vez mais extensos e justificálos com argumentos convincentes outra coisa é garantirlhes uma proteção efetiva BOBBIO 1992 p 32 Portanto ante aos diversos movimentos sociais já explanados no estudo foram assegurados as reivindicações sociais por tais normas porém conforme aduzido em um lento processo burocrático Contudo observandose os diversos benefícios trazidos pela maconha a Agência Nacional de Vigilância Sanitária Anvisa por meio da portaria nº 34498 incluiu derivados da canabidiol na lista de substância psicotrópicas vendidas no Brasil perante a receita do tipo A específica para entorpecentes A norma concede o registro no Brasil por empresas acerca da produção de mercadorias com canabidiol e tetrahidrocannabinol como princípio ativo em concentração de no máximo 30mg por mililitro Atualizamos a portaria exatamente para que se o registro for concedido os médicos saibam como esse medicamento será prescrito alegou o diretorpresidente da Anvisa Jarbas Barbosa Assim o medicamento será prescrito da mesma forma que outros medicamentos psicotrópicos já em uso no Brasil Ou seja terá a tarja preta e só poderá ser vendido com prescrição médica especial que é aquele formulário que o médico tem numerado Quando vendido a farmácia terá a obrigação de registrálo no Sistema Nacional de Controle de Medicamentos que é gerenciado pela Anvisa para que possamos monitorar se há está havendo algum desvio ou abuso na sua prescrição concluiu Outrossim fora publicada uma nova Resolução da Diretoria Colegiada RDC atualizando o Anexo I da RDC nº 172015 o qual ampliase o rol de produtos à base de Canabidiol A importação desses produtos poderá ser realizada por pacientes com prescrição médica atrelada à avaliação e aprovação prévia do órgão responsável A lista totaliza 11 produtos à base de canabinóides que passam a constar no Anexo I da RDC 172015 53 A ATUAÇÃO DO ESTADO NA TEMÁTICA PROIBICIONISMO E ALTERNATIVAS Ante ao exposto verificase como propulsor do combate ao consumo de determinadas substâncias psicoativas as resoluções da Primeira Convenção Internacional do Ópio de 1912 cujas diretrizes foram amplamente herdadas pela já mencionada Convenção Única sobre Entorpecentes em 1961 o qual implantouse o paradigma proibicionista a ser seguido pelos membro signatários da ONU de modo a punir quem vendesse produzisse ou consumisse as então denominadas drogas Este proibicionismo por sua vez modulou o entendimento social contemporâneo acerca das substâncias psicoativas sob um critério arbitrário para a classificação das drogas como legais ou positivas e como ilegais ou negativas Ademais observase uma luta inclusive adotada por experimentos científicos visandose expor esta discricionariedade Deste modo a política proibicionista não esgota a temática porém ressaltese a determina Cumprenos salientar todavia que não fora um único evento histórico apto a demarcar a adoção de tais restrições isto é a Convenção de 1961 em apartado não é hábil à ensejar no excessivo proibicionismo às drogas Tratase de um processo histórico cultural no qual incluem a radicalização do puritanismo norteamericano o interesse pela monopolização da produção de drogas pela indústria médico farmacêutica os recentes conflitos geopolíticos do século XX e o efeito social do temor das elites ante à desordem urbana Ademais atrelado a tais influentes fenômenos constatase grande ativismo pioneiro norteamericano em orientação à expansão do proibicionismo no âmbito global In casu este influxo é claramente verificado visto que os atos normativistas proibitivos acerca do consumo de drogas eram promulgados pari passo aos norteamericanos Retomemos contudo ao conceito de droga cujo amplo significado se segue substância que quando administrada ou consumida por um ser vivo modifica uma ou mais de suas funções com exceção daquelas substâncias necessárias para a manutenção da saúde normal Portanto pugnase para a análise crítica acerca das normas proibitivas adotadas pelo Brasil o afastamento à conotação social do termo droga de modo a abordálo em seu sentido farmacológico mormente às substâncias psicoativas Ainda sob um prisma conceitual a Convenção Internacional de 1961 determinou um modelo que se mantém vigente no qual dividemse as drogas e suas origens em listas por meio de um critério quanto ao potencial de abuso em comparação às aplicações médicas Em assombroso resultado encontrase a maconha como altamente abusiva e ausente de uso medicinal a contrario sensu de toda a análise histórica por aqui descrito Destarte atribuise à maconha um consumo prescindível e intrinsecamente danoso de modo a culminar em uma forte intervenção estatal à perseguir qualquer relação a ela Aferese conquanto à maior justificativa à restrição normativa a capacidade em causar dependência Primeiramente por gerar efeitos prazerosos cujo consumo estimulam a reiteração perdendose o interesse em demais atividades o qual atribuem a tal fenômeno a perda da capacidade de escolha Posteriormente argumentam à proibição em face aos efeitos sociais do uso crônico tal qual a perda de laços familiares e a tendência ao desenvolvimento de demais patologias mentais Não obstante todas as atividades humanas incumbem em potencial risco ou dano A exemplo citase as cotidianas como locomoção esporte e sexo Noutro giro a ingestão ainda que involuntária de determinadas substâncias como a poluição ou o consumo abusivo de determinados alimentos são considerados atualmente como os mais graves problemas à saúde pública do planeta Tais drogas contudo não são objeto de normatização estatal vez que ora são intrínsecas à vida humana ou ora possuem efeitos colaterais previsíveis o que não se expõe dos entorpecentes ilícitos Reconhece se inclusive complicações graves e até letais do uso da maconha Porém observase demais tóxicos que podem acometer os mesmos resultados contudo de uso gerais no qual o Estado se limita a regular somente a produção e a comercialização quedando se de intervir no consumo cabendo a este a discricionariedade do indivíduo Há ainda estimulantes semelhantes que perecem de receituário médico mas de livre comercialização São em suma os analgésicos relacionados a milhares de mortes anuais ansiolíticos antidepressivos bem como as usuais bebidas alcóolicas as estimulantes café chá e energéticos e o tabaco Todas essas citadas drogas possuem efetivo potencial de dano provocando não só a dependência como também um grande índice de óbitos acidentais anuais Outrossim cabe à supremacia estatal o tratamento normativo às drogas proscritas documentadas pela ONU Quanto às psicoativas consideradas excessivamente ilegais empiricamente verificase o maciço consumo no qual a mera restrição não o impedirá porém somente afastará o cidadão da tutela estatal expondoo a consequências mais gravames que o próprio consumo E mais não se trata de uma utilização completamente prescindível Isto pois por um simples exame das atribuições da Cannabis na história conforme já asseverado indubitável é a sua relevância perante a humanidade mormente a sua atuação no combate à doenças e infecções alívio da dor redução da ansiedade melhoria do desempenho e intervenção na sociabilidade do usuário Logo equivocado data venia se encontra a classificação desta droga pela Convenção de 1961 O excessivo proibicionismo impede o exercício fundamental da disposição própria do corpo sob zelo ao direito de liberdade de escolha Ainda se encontra como um obstáculo a maiores estudos acerca dos efeitos da Cannabis bem como alcançar os inúmeros benefícios obtidos por suas substâncias Todavia não é consagrada ao indivíduo a autossuficiência abstrata de modo que a interdição restritiva não se justifica perante casos individuais sob tutela médica e judicial como são as regulamentações acerca de algumas substâncias proscritas Sugerese a extensão do consumo da maconha medicinal ao campo geral das drogas alimentos e até determinadas práticas consideradas periculosas de modo que regulamentase a produção a comercialização e a exigência à prescrição por autoridade competente contudo não se pode intervir no consumo Ainda conquanto ao potencial compulsório do entorpecente visto que buscase a ministração sob orientação médica isto é envolve uma utilização técnica e científica da substância a abuso capaz de culminar na dependência é afastado Noutro giro ao proibir a produção o comércio e o consumo da Cannabis em efeito contrário potencializase um mercado clandestino produtor de problemas mais gravames Visto que cediço é o entendimento de que a mercancia de drogas juntamente ao comércio de armas de fogo lideram o mercado criminoso global Ausente de qualquer regulamentação a respeito desencadeiam em exploração do trabalho inclusive infantil poluição ecológica bem como corrupção de agentes públicos e o efeito mais preocupante a decorrente violência na disputa pelo domínio da comercialização Importante nesta oportunidade destacar que diversamente à corrente proibitiva os dados empíricos não são relacionados ao consumo de drogas mesmo ante a dinâmica acima descrita Em países da Europa Ocidental cuja utilização da maconha também é ilegal porém o consumo ocorrem em maior escala os níveis de violência são extremamente inferiores Isto é a violência vigente do comércio de drogas responde aos contextos em que este ocorre não se tratando de uma característica geral da mercancia 6 CONCLUSÃO No ponto de vista sociológico é inquestionável o fortalecimento dos movimentos sociais em prol da descriminalização da maconha no Brasil Esses movimentos amparados pelos avanços de pesquisas que comprovam os efeitos medicinais da maconha ganham força justamente por trazer em debate uma questão muito importante sobre o tema a existência de um estigma entre os usuários da erva e o preconceito de camadas mais conservadoras da população Esses dois pontos precisam ser abordados por serem os principais pilares da sustentação da criminalização da maconha no Brasil A guerra à maconha conduzida pelo Estado brasileiro é responsável pelo desperdício de consideráveis recursos financeiros em armamento prisões e disputas que não refletem na redução da criminalidade e tampouco possuem significados favoráveis Isso ocorre justamente porque a maconha não é uma droga com efeitos tão nocivos à saúde quanto diversas outras mesmo legalizadas pelo Estado Do ponto de vista do Direito os movimentos sociais em prol da descriminalização da maconha têm reconhecida a sua legitimidade em torno dos direitos assegurados pela Constituição Federal de liberdade de expressão e liberdade de associação CR88 art 5º XVI Além disso é mister ressaltar princípios penais como o da lesividade subsidiariedade e intervenção mínima que muitas vezes parecem ser minimizados quando tratamos da maconha medicinal no Brasil em face de um preconceito existente na sociedade Ocorre também que a negação do Estado brasileiro em reconhecer e estudar os efeitos medicinais da Cannabis sativa é uma medida que dificulta e afasta muitos cidadãos do acesso à uma saúde de qualidade de modo que atenta contra a proteção do Estado ao direito à saúde Assim concluise que do ponto de vista jurídico há embasamento jurisprudencial e principiológica para a legalização da maconha em seu uso medicinal Desse modo a insistência de sua criminalização pelo Estado não está sustentada no ponto de vista jurídico mas social REFERÊNCIAS ANGELELLI Gustavo Movimentos sociais e o Direito São Paulo 2013 Disponível em httpwwwscielobrpdfrbeduv16n47v16n47a05pdf Acesso em 13 de jan de 2018 BITENCOURT Cezar Roberto Tratado de Direito Pena parte geral volume 1 8 ed rev e ampl São Paulo Saraiva 2003 BRASIL Constituição 1988 Constituição da República Federativa do Brasil Brasília Senado 1988 CARDOSO Evorah Lusci FANTI Fabiola Movimentos sociais e o direito o Poder Judiciário em disputa Disponível em httpwwwacademiaedu14692457MovimentossociaisedireitooPoderJu diciC3A1rioemdisputa Acesso em 20 de dezem de 2017 CARLINI Elisaldo Araújo Cannabis Sativa Le substâncias canabinóides em medicina Capítulo A história da maconha no Brasil São Paulo CEBRID 2005 GOHN Maria da Glória Movimentos sociais na contemporaneidade Universidade Estadual de Campinas Universidade Nove de Julho Disponível em httpwwwscielobrpdfrbeduv16n47v16n47a05pdf Acesso em 20 de jan de 2018 GONTIÈS Bernardo e ARAÚJO Ludgleydson Fernandes de Maconha uma perspectiva histórica farmacológica e antropológica Mneme Revista de Humanidades Publicação do Departamento de História e Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ensino Superior do Seridó Campus de Caicó V4 N7 fevmar de 2003 Semestral HABERMAS Jüngen A inclusão do outro estudos de teoria política São Paulo Edições Loyola 2002 MALFATTI Selvino Antonio Os Movimentos Sociais em Alain Touraine Instituto de Filosofia LusoBrasileira Lisboa Portugal Disponível em httpswwwufsjedubrportal2 repositorioFilerevistaestudosfilosoficosart13rev6pdf Acesso em 17 de dezem de 2017 MARTINI Alexandre Jaenisch WERMUTH Maiquel Ângelo Dezordi A TEORIA DISCURSIVA DO DIREITO DE JÜRGEN HABERMAS considerações acerca das suas insuficiências à luz do substancialismo Revista Eletrônica Direito e Política Programa de PósGraduação strictu sensu em Ciência Jurídica da UNIVALI Disponível em wwwunivalibrdireitoepoliticaISSN19807791 Acesso em 13 de dez 2017 OLIVEIRA Monique Batista 1985 O medicamento proibido como um derivado da maconha foi regulamentado no Brasil Monique Batista de Oliveira Campinas SP sn 2016 PINTO José Marcelino de Rezende A teoria da ação comunicativa de Jurgen Habermas Conceitos básicos e possibilidades de aplicação à administração escolar Disponível em httpwwwscielobrpdfpaideian8 907pdf Acesso em 27 de março de 2018 PORTAL BRASIL Governo do Brasil Anvisa define regras para venda de medicamento à base de canabidiol Publicação em 23 de novembro de 2016 Disponível em httpwwwbrasilgovbrsaude201611anvisadefineregras paravendademedicamentosabasedecanabidiolnitfgalleria SANTOS Juarez Cirino dos A criminologia da repressão Rio de Janeiro Forense 1979 SOUZA CRUZ Álvaro Ricardo de O direito à diferença Belo Honrizonte Del Rey 2003 CAPÍTULO 04 REFUGIADOS NO BRASIL UMA DISSERTAÇÃO ACERCA DA ATUAÇÃO ASSINCRONICA NA DEFESA DE SEUS DIREITOS Ana Carolina Baracho81 1 INTRODUÇÃO A migração movimento de entrada imigração e saída emigração de um grupo de indivíduos em um espaço geográfico teve início em 1530 no Brasil com a chegada e estabilização de alguns colonos com o objetivo de explorar e ocupar as terras recém descobertas Ao decurso desse processo de colonização houve uma enorme mistura de raças no que formariam o povo brasileiro Porém foi no século XIX que a imigração no Brasil começou a se intensificar Com a Lei Eusébio de Queiroz82 em 1850 que proibiu o tráfico de escravos o governo resolveu facilitar a vinda de imigrantes sob o argumento de que precisavam de mão de obra com o fim da escravidão Essa época foi marcada pela chegada de muitos imigrantes Europeus como os suíços os alemães os eslavos e os italianos Vale ressaltar que nessa época o Brasil era visto na Europa e na Ásia como um país de muitas oportunidades já que estava em plena expansão as atividades urbanas e industriais e havia facilidade para aquisição de terras além disso com a política de abolição da escravidão muitos fazendeiros não concordaram em empregar e pagar salários aos seus antigos escravos preferindo a mão de obra europeia Em 1890 o presidente Deodoro da Fonseca assinou o decreto nº 52883 que regularizava a questão da migração no território Brasileiro Esse decreto exprimia que 81 Graduanda em Direito pela Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais PUC Minas 82 Brasil Lei n 581 de 4 de Setembro de 1850 Lei Eusébio de Queiroz Estabelece medidas para a repressão do trafico de africanos neste Império Publicada na Secretaria dEstado dos Negócios da Justiça em 5 de Setembro de 1850 83 Brasil Decreto n 528 de 28 de Junho de 1890 a entrada era livre para trabalhadores com exceção de africanos e asiáticos que necessitariam de autorização do Congresso Nacional Seguindo a lógica de uma política de migração marcada pelo racismo e restrições na Assembleia Nacional Constituinte do ano de 1933 houve forte defesa principalmente pelos deputados Miguel Couto Artur Neiva e Antônio Xavier de Oliveira sobre a ideia do branqueamento da população brasileira e temor sobre a ideia de que as colônias isoladas pudessem se desenvolver paralelamente Nesse sentido a Constituição do ano de 1937 dispôs em seu artigo nº 15184 que a entrada e a fixação de imigrantes estavam sujeitas às exigências e condições estipuladas em lei bem como a uma cota de 2 como limite anual sobre o total dos respectivos nacionais fixados no Brasil durante os últimos cinquenta anos Já em sede de legislação infraconstitucional foi editado o Decretolei nº 4063885 que possuía um capítulo especifico denominado Concentração e Assimilação em que se estabeleceu que nenhum núcleo colonial seria composto por estrangeiros de uma só nacionalidade fixando uma porcentagem específica de brasileiros e estrangeiros que deveriam ter Porém apesar da constituição de 1937 ter sido uma Constituição intolerante as que a sucederam não tiveram maiores restrições contra os imigrantes visto que com a ocorrência de diversas crises econômicas que assolaram nosso país o Brasil foi deixando de ser um país atraente e teve uma diminuição brusca no fluxo migratório necessitando então de leis mais brandas para contornar a situação Logo em razão da ausência de regulamentação específicas sobre questões migratórias inúmeras leis passaram a ser editadas com esse fim as quais serão estudadas a seguir 84 Art 151 A entrada distribuição e fixação de imigrantes no território nacional estará sujeita às exigências e condições que a lei determinar não podendo porém a corrente imigratória de cada país exceder anualmente o limite de dois por cento sobre o número total dos respectivos nacionais fixados no Brasil durante os últimos cinqüenta anos 85 Brasil Decreto n 406 de 4 de Maio de 1938 2 DESENVOLVIMENTO 21 LEI Nº 6815 DE 1980 ESTATUTO DO ESTRANGEIRO O Estatuto do Estrangeiro foi elaborado ainda na época da Ditadura Militar e sofreu várias críticas por ser visto como uma afronta aos Direitos Humanos e colocar o migrante numa posição de ameaça nacional Um dos pontos críticos deste Estatuto era de que a competência principalmente para autorizar regularizar e deportar o estrangeiro ficava por conta da Polícia Federal Ao estrangeiro também era cerceado alguns direitos básicos especialmente os de cunho político como participar de manifestações políticas e sindicatos fazer transmissão radiofônica ser proprietário de empresa jornalística de qualquer espécie de televisão ou radiodifusão e até mesmo ser dono de aeronave Assim fica claro que o imigrante quando da vigência dessa lei enfrentava um problema em relação a manifestar suas ideologias convicções e autoorganização visto a época e o contexto político em que foi criado esse regulamento Noutro giro necessário salientar que também havia lacunas no presente instrumento normativo como exemplo disso foi o ocorrido na migração haitiana no país em 2010 Os haitianos vítimas do desastre natural após um terremoto que atingiu o país em fevereiro daquele ano vieram para as terras brasileiras em busca de melhores condições de vida mas a nossa legislação em razão da ausência de visto específico para esses casos não estava preparada para atendêlos motivo pelo qual foi feito a época concessão de visto humanitário Por fim em maio do ano de 2017 a Lei nº 681580 foi revogada para entrar em vigor a Lei 1344517 conhecida como Nova Lei de Migração 22 LEI DE MIGRAÇÃO Em 24 de Maio do ano de 2017 foi sancionada a Lei nº 1344517 denominada Nova Lei de Migração A presente lei ao ser sancionada pelo Presidente Michel Temer sofreu 18 vetos sendo um dos vetos mais importantes o relativo à anistia de imigrantes que entraram no Brasil até julho de 2016 e que fizeram o pedido até um ano após o início de vigência da lei seja qual for a situação migratória anterior Esse pedido de anistia havia sido feito pela Associação Nacional dos Estrangeiros e aprovado pelo Senado Outro veto importante foi relativo ao artigo que possibilitava ao imigrante exercer cargo emprego ou função pública no país ao fundamento de que tal possibilidade seria uma afronta à Constituição e ao interesse Nacional De acordo com a nova legislação o imigrante está mais equiparado ao cidadão brasileiro vez que o enfoque deixa de ser a segurança nacional e passa a ser o tratamento humanizado e o combate a xenofobia Nossa lei apesar de alguns pontos críticos está em consonância com as exigências internacionais Há de se destacar que na atualidade a Defensoria Pública terá atuação obrigatória em caso de detenção de imigrantes na fronteira impossibilitando a deportação imediata pela Policia Federal e atendendo aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório garantido o acesso à justiça gratuita Com a Lei de Migração está proibido também a expulsão repatriação e deportação em caráter coletivo Quanto maior a gravidade da situação irregular mais garantia a lei prevê No dispositivo aprovado os impedimentos para ingresso no território nacional podem se dar por atos contrários aos princípios e objetivos da constituição dentre outras hipóteses e deve acontecer por meio de entrevista individual com o imigrante e ser devidamente fundamentado A lei regulamentou o visto humanitário e ampliação de visto temporário e reunião familiar Ao contrário do que dispunha o Estatuto do Estrangeiro a lei em vigor permite manifestações políticas pelos imigrantes Por todo o exposto a nova lei que regulariza a migração no país oferece mais garantias para o imigrante e possibilita maior atuação do Judiciário para lidar com estrangeiros em situações irregulares Destarte o desafio para a inserção do imigrante na sociedade permitindo sua atuação no mercado de trabalho garantindo a sua atuação política e demais direitos fundamentais não será tarefa apenas do Judiciário que por vezes se vê sem estrutura para atender as demandas mas também de toda a sociedade 23 DIREITOS HUMANOS E OS IMIGRANTES Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos Dotados de razão e de consciência devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade Art 1 Declaração Universal dos Direitos Humanos 1948 Em 1948 após o mundo assistir uma das maiores barbáries já proporcionadas pela espécie humana na Segunda Guerra Mundial foi realizada uma Assembleia Geral na Organização das Nações Unidas ONU em que foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos Esta declaração expressa que todo ser humano tem direito a liberdade a vida e a segurança que todos nascem livres e iguais em dignidade e direitos que todos são iguais perante a lei sem distinção e mais inúmeros outros Direitos Sendo a Declaração Universal dos Direitos Humanos um documento que serve de base para nortear as diretrizes do tratamento dado ao ser humano vemos que os refugiados ainda são um desafio ao direito internacional uma vez que pela simples razão da qualidade de refugiados estes vêm tendo seus direitos diuturnamente violados em que pese o disposto no art 2 da Declaração Universal dos Direitos Humanos Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração sem distinção alguma nomeadamente de raça de cor de sexo de língua de religião de opinião política ou outra de origem nacional ou social de fortuna de nascimento ou de qualquer outra situação Além disso não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa seja esse país ou território independente sob tutela autônomo ou sujeito a alguma limitação de soberania Em antítese ao que prega a Declaração constituída em 1948 que expressamente diz que qualquer ser humano pode invocar os seus direitos e liberdade sem distinção muitos países vêm fechando as suas fronteiras elevando a onda de xenofobia que está cada vez mais crescente Ocorre que como dito no tópico anterior ao contrário do que está ocorrendo nos outros países principalmente na Europa e nos Estados Unidos o Brasil sancionou uma lei que abre as portas aos imigrantes e refugiados Em 2015 o projeto Pensando o Direito86 do Ministério da Justiça com apoio do IPEA realizou uma pesquisa com imigrantes publicando dados relevantes sobre as dificuldades que os estrangeiros encontram ao chegar no país Primeiramente ao serem questionados sobre o conhecimento de iniciativas para aprimorar o atendimento à população migrante 72 dos entrevistados desconheciam cabe ressaltar que 18 destes afirmaram já ter sofrido alguma violação 86 IPEA Migrantes apátridas e refugiados subsídios para o aperfeiçoamento de acesso a serviços direitos e políticas públicas no Brasil Série pensando o direito n 58 2015 aos direitos humanos no Brasil Ao serem questionados sobre os maiores obstáculos para acesso a direitos os dois mais citados foram a informação 1387 e a documentação 1098 Essa pesquisa também serviu para quebrar o mito de que no Brasil não há racismo ou xenofobia vez que 74 dos imigrantes ouvidos pelo pesquisador afirmaram que já se sentiram descriminados no acesso aos serviços públicos pelo motivo de serem estrangeiros Além do reconhecimento de que no Brasil há discriminação essa pesquisa aponta diversas falhas nas políticas públicas voltadas para os imigrantes Entre as falhas estruturais é bastante citado a questão da inexistência ou inadequação das moradias e questões relacionadas a trabalho como a discriminação exploração e trabalho escravo Há ainda a barreira do idioma e a falta de recursos humanos que prejudica a qualidade do atendimento aos imigrantes e a falta de capacitação que prejudica um mapeamento dos imigrantes e suas peculiaridades vez que isso melhoraria o atendimento a estes Em frente a estes problemas é necessário que o Brasil estabeleça políticas públicas especificas para os imigrantes quando suas peculiaridades exigirem e que também faça funcionar as políticas públicas já existentes Por fim em relação aos compromissos do Brasil com os direitos humanos verificase que nosso país ainda está em falta com a implementação de alguns destes com por exemplo o fato de ainda não ter assinado a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias que encontrase sem tramitação no Congresso Nacional há seis anos 24 ESTATUTO DOS REFUGIADOS A Lei nº 9474 de 22 de julho de 1997 conhecida com Estatuto dos Refugiados criou o Comitê Nacional para Refugiados CONARE bem como constituiu critérios e procedimentos para reconhecer a situação de refúgio Sob o prisma do direito comparado sobressai a regulação brasileira sobre o instituto do refúgio eis que a edição de legislação especifica sobre a temática não é comum sendo geralmente abarcada por legislação geral sobre migração87 87 JUBILUT Liliana LyraO Direito internacional dos refugiados e sua aplicação no orçamento jurídico brasileiro 190191 p São Paulo Método 2007 No Estatuto dos Refugiados está disposta uma gama de previsões acerca da situação dos refugiados motivo pelo qual a presente dissertação limitarseá à citar os principais pontos da mencionada lei aprofundandose em alguns que possuem maior relevância para o recorte teórico escolhido para a presente abordagem Inicialmente necessário salientar que no ano de 1951 houve a realização da Convenção de Genebra com o objetivo de criar uma Convenção Regulatória do status legal dos refugiados O resultado foi a elaboração da Convenção das Nações Unidas sobre o Estatuto do Refugiado que em seu art 1º buscou definir o que seria o refugiado nos seguintes termos Que em consequência dos acontecimentos ocorrido antes de 1º de janeiro de 1951 e temendo ser perseguida por motivos de raça religião nacionalidade grupo social ou opiniões políticas se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou em virtude desse temor não quer valerse da proteção desse país ou que se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em consequência de tais acontecimentos não pode ou devido ao referido temor não quer voltar a ele Convenção relativa ao estatuto dos refugiados 1951 A Convenção de 51 foi reproduzida em vários momentos na Lei 94749788 como nos critérios do reconhecimento da condição de refugiados art 1º I e II na abrangência desse reconhecimento à família do refugiado e nas hipóteses perda e cessação da referida condição Há todavia inovações como a consideração de graves violações de direitos humanos art 1º III como situação para concessão de refúgio e também o não consentimento de refúgio aos que cometeram tráfico de drogas conforme o art 3º da referida Lei89 A entrada irregular no Brasil não impede que se faça o pedido de refugio art 8º o qual poderá ser feito a qualquer tempo art7º caput de forma gratuita e com tramitação urgente art 47 suspendendo eventual processo de extradição pendente art 33 conforme o Estatuto dos Refugiados Ademais a Lei 13445201790 em seu artigo 82 inciso IX determina a impossibilidade de extradição quando o afetado for beneficiário de refugio nos termos do supracitado Estatuto Excepcionase a impossibilidade de extradição de refugiados nas situações de risco à segurança nacional ou ameaça a ordem pública casos em que a extradição não se dará para Estado que não ofereça proteção ao extraditado art 37 da Lei 947497 88 Brasil Lei n 9474 de 22 de julho de 1997 Lei Nacional sobre Refugiados 89 JUBILUT Liliana LyraO Direito internacional dos refugiados e sua aplicação no orçamento jurídico brasileiro 190191 p São Paulo Método 2007 90 Brasil Lei n 13445 de 24 de maio de 2017 Lei de Migração Dessa forma o Estatuto dos Refugiados inovou ao instituir o CONARE conforme ensina Jubilut91 o qual possui estrutura cooperativa entre a sociedade civil o governo brasileiro e a ONU competindo a ele tratar assuntos tangentes ao refúgio Entretanto a atuação cooperativa por vezes acontece de forma assincrônica prejudicando a implementação dos direitos dos refugiados e solicitantes de refúgio e eventualmente sobrecarregando um ou outro agente A fim de demonstrar essa assincronia a presente dissertação tem como finalidade fazer uma crítica sobre a atuação do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados ACNUR do governo brasileiro e principalmente da sociedade civil 25 ATUAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL A sociedade civil com destaque para a Cáritas Arquidiocesana na maioria das vezes acaba sendo o primeiro órgão no qual os refugiados recorrem quando chegam ao Brasil A Cáritas é uma entidade que trabalha na defesa de direitos humanos e acaba exercendo um papel de acolhida aos refugiados já que grande parte destes por desconhecimento ou medo de procurar a Polícia visto que muitos fogem de países em guerra recorrem inicialmente a entidades solidárias A instituição é ligada a Igreja Católica e tem instalações em São Paulo e no Rio de Janeiro Ao fazer o papel de acolhida dos refugiados a Cáritas exerce papel de mandatária da ACNUR Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados que é o órgão responsável pelo exilado em esfera internacional em território nacional Isto decorre da necessidade de que todas as instituições que acolhem refugiados adotem uma linha de conduta ao menos semelhante internacionalmente A Cáritas tem seu trabalho fiscalizado e supervisionado pela ACNUR e portanto deve seguir as determinações desta Em contrapartida a ACNUR repassa uma verba anual para a Cáritas custeando suas despesas em razão da existência de um convênio celebrado entre estes órgãos A Cáritas conta também com o apoio de outras instituições estabelecendo várias parcerias afim de garantir a proteção assistência e integração de pessoas em situação de refúgio sendo uma delas a Ordem dos Advogados do Brasil OAB 91 JUBILUT Liliana LyraO Direito internacional dos refugiados e sua aplicação no orçamento jurídico brasileiro 195 p São Paulo Método 2007 A OAB indica profissionais habilitados para atuarem na organização como se fossem advogados deste órgão Os advogados no exercício de sua profissão entrevistam o solicitante do pedido de refúgio para apurar se é cabível a solicitação e elaboram parecer jurídico contendo as informações necessárias para a instrução do processo de refúgio Por fim com o objetivo de integrar o refugiado na sociedade a Cáritas oferece aulas de português e inserção no mercado de trabalho por meio do CEAT Centro Arquidiocesano do Trabalhador afim de garantir sua subsistência e combater a ociosidade 26 ATUAÇÃO DO GOVERNO BRASILEIRO António Gueterres nono Secretário Geral das Organizações das Nações Unidas em visita ao Brasil afirmou O Brasil é um país de asilo e exemplo de comportamento generoso e solidário 2015 92 Ao promulgar o Estatuto dos Refugiados 196793 o governo brasileiro demonstrou claro interesse de ser inserido na ordem internacional no que se refere à proteção da pessoa humana Além disso o Brasil é um dos países signatários da convenção de 1951 um dos principais documentos a tratar sobre refugiados e um dos primeiros países a integrar o Comitê Executivo do ACNUR Estimase que haja atualmente mais de 8 mil refugiados em território brasileiro segundo dados da Conare94 A atuação do governo brasileiro referente a políticas de refúgio pode ser dividida em dois tópicos a seguir 92 Gueterres António Disponível em httpwwwacnurorgportuguesinformacaogeraloacnur nobrasilLirzvszzgfpb Acesso em 05 de nov 2017 93 BRASIL Lei n 9474 de 22 de julho de 1997 Define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951 e determina outras providências Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisL9474htm Acesso em 01 nov 2017 94 ACNUR Brasil abriga mais de 8 mil refugiados e 28 mil solicitantes de asilo destaca governo Nações Unidas no Brasil 11 de maio de 2016 Disponível em httpsnacoesunidasorgacnurbrasilabriga maisde8milrefugiadose28milsolicitantesdeasilodestacagoverno Acesso em 01 nov 2017 261 DA ATUAÇÃO DA POLÍCIA FEDERAL A luz da Constituição da República8895 a Polícia Federal é o órgão responsável pela polícia marítima aeroportuária e de fronteiras e pois também pela primeira fase do procedimento de solicitação de refúgio eis que dispõe o art 7º do Estatuto dos Refugiados que o imigrante ao chegar ao território brasileiro deve se dirigir a autoridade migratória que se encontre na fronteira96 Neste sentido a primeira fase do procedimento de refúgio se dá após o estrangeiro se apresentar à autoridade competente e exprimir seu interesse em solicitar o refúgio quando a autoridade notifica o estrangeiro a prestar declarações e comunica a ACNUR sobre o pedido de refúgio Assim compete a Polícia Federal produzir o Termo de Declaração com os dados pessoais circunstâncias sobre a entrada no Brasil e a saída do país originário relativas ao solicitante de refúgio Tal termo dá o início formal ao procedimento de refúgio e serve de documento até que se disponibilize o Protocolo Provisório Ocorre que na prática como explanado no tópico anterior o primeiro contato pelo estrangeiro ao adentrar às fronteiras brasileiras acaba se realizando nas instituições da sociedade civil a qual encaminhará o referido solicitante à Polícia Federal97 262 DA ATUAÇÃO DO COMITÊ NACIONAL PARA OS REFUGIADOS CONARE O artigo 11 da Lei 94749798 estabelece a criação do CONARE órgão de deliberação coletiva no âmbito do Ministério da Justiça Segundo Renato Zerbini R Leão99 o CONARE possui estrutura chamada tripartite constituída por instituições religiosas que representam a sociedade civil brasileira Cáritas e IMDH organização internacional ACNUR e governo brasileiro representado por seus órgãos burocráticos e presidindo o CONARE 95 BRASIL Constituição Federal 1988 96 Brasil Lei n 9474 de 22 de julho de 1997 Lei Nacional sobre Refugiados 97 JUBILUT Liliana Lyra O Procedimento de Concessão de Refúgio no Brasil ed Ministério da Justiça 98 Brasil Lei n 9474 de 22 de julho de 1997 Lei Nacional sobre Refugiados 99LEÃO Renato Zerbini R apud Moreira J B 2010 Redemocratização e direitos humanos a política para refugiados no Brasil Revista Brasileira de Política Internacional 531 120p O Estatuto dos Refugiados inovou ao instituir o CONARE conforme ensina Jubilut100 ao qual compete analisar o pedido reconhecer determinar a perda ou cessação da condição de refugiado além de editar instruções normativas nos limites da Lei e orientar coordenar ações a fim de proteger assistir e apoiar juridicamente os refugiados conforme dispõe o art 12 do Estatuto dos Refugiados101 Compete ao CONARE expedir o Protocolo Provisório nos temos do artigo 21 da Lei 947497 autorizando a permanência do solicitante de refúgio e seus familiares desde que se encontrem em território nacional até a decisão que definirá a concessão ou não do pedido de refúgio Após os solicitantes de refúgio passam por entrevista perante instituições da sociedade civil a Cáritas Como o governo tem competência exclusiva na concessão de refúgio o solicitante de refúgio fará outra entrevista com um representante do CONARE102 como pode se ver através da seguinte passagem Após essa segunda entrevista o representante do CONARE relata a mesma a um grupo de estudos prévios formado por representantes do CONARE do ACNUR e da sociedade civil Estes dois últimos baseiam seu posicionamento no parecer elaborado pelos advogados que atuam no convênio CáritasACNUROAB Esse grupo elabora um parecer recomendando ou não a aceitação da solicitação de refúgio O parecer é então encaminhado ao plenário do CONARE quando será discutido e terá o seu mérito apreciado103 JUBILUT Liliana Lyra O Procedimento de Concessão de Refúgio no Brasil ed Ministério da Justiça Se a decisão de conceder refúgio for positiva o refugiado será registrado na Delegacia de Polícia Federal onde assinara termo de responsabilidade solicitará a Carteira de Identidade de Estrangeiro receberá carteira de trabalho e documento de viagem Caso queira solicitar permanência no país de acolhida o refugiado deverá esperar um prazo de seis anos para tal Mas se a decisão de conceder refúgio for negativa o solicitante tem um prazo de até quinze dias para interpor recurso a ser contado da notificação da decisão e dirigido ao Ministério da Justiça Por fim tem lugar a última fase a decisão final proferida pelo Ministro da Justiça que é irrecorrível Se for mantida a decisão desfavorável ao refúgio o solicitante ainda poderá permanecer no país não devendo ser transferido ao 100 JUBILUT Liliana LyraO Direito internacional dos refugiados e sua aplicação no orçamento jurídico brasileiro 195 p São Paulo Método 2007 101 Brasil Lei n 9474 de 22 de julho de 1997 Lei Nacional sobre Refugiados 102 JUBILUT Liliana Lyra O Procedimento de Concessão de Refúgio no Brasil ed Ministério da Justiça 103 JUBILUT Liliana Lyra O Procedimento de Concessão de Refúgio no Brasil ed Ministério da Justiça 9 p seu país de origem no caso em que sua vida liberdade e integridade física estejam em perigo Se este não existir o indivíduo deverá ser deportado ao seu país Moreira Julia Bertino O acolhimento dos refugiados no Brasil políticas frente de atuação e os atores envolvidos 2007 Dessa forma o governo brasileiro tenta ter uma atuação justa e criteriosa já que mesmo com um instrumento administrativo se faz necessário fundamentação e possibilita recurso se esforçando para cumprir com uma missão humanitária 27 DA ATUAÇÃO DA ONU ACNUR O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados é um órgão da ONU que tem como missão proteger os refugiados e as populações deslocadas por motivos de guerra conflitos e perseguição No território brasileiro a ACNUR auxilia na criação de políticas assistencialistas para refugiados assim ajudando a integrálos na sociedade No Brasil a exemplo de alguma das políticas humanitárias prestadas pela ACNUR temos as políticas de reassentamento compreendidas como a transferência do refugiado para um terceiro país onde este será inserido Quando o país destino do reassentamento é o Brasil este envia missões ao primeiro país de refugio para avaliar se seria viável os refugiados serem reassentados em território nacional Por fim necessário esclarecer que a realização e execução desses reassentamentos depende da disponibilidade de recursos financeiros deste órgão 3 CONCLUSÃO O Brasil tem sua identidade cultural formada através de séculos de migração e miscigenação de raças Em relação á uma visão históricojurídica vemos uma evolução das leis e uma melhor promoção da proteção dos direitos humanos Esse empenho na proteção de garantias humanitárias o fez seguir as recomendações do Comitê Executivo da ACNUR criando uma lei própria para regulamentar o procedimento de solicitação de refúgio o Estatuto dos Refugiados tendo esta sido elaborada por representantes do governo brasileiro e do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados Diante disso Juan Carlos Murillo Gonzáles esclarece que O instituto da proteção internacional de refugiados possui natureza humanitária e não deve ser um simples instrumento da política exterior da política migratória nem da política criminal de um Estado Seu alcance deve refletir um processo justo eficiente rigoroso e técnico de reconhecimento ou não da condição de refugiado As disposições essenciais da Lei brasileira garantem esse procedimento e são compatíveis com o parâmetro internacional de proteção de refugiados e refugiadas inaugurado pela Convenção de 1951 Relativa ao Estatuto dos Refugiados e ampliado pelo seu Protocolo de 1967 GONZÁLEZ p56 2010 A Lei n 947497 é abrangente quando define o refugiado portanto viabiliza o amparo a um maior número de pessoas e apesar de ser um procedimento administrativo trás consigo normas do devido processo legal sendo necessária a fundamentação da decisão e possibilitando ao estrangeiro a interposição de recurso Portanto com uma norma própria para regulamentar sobre o refugio o Brasil dá um salto no avanço na promoção dos direitos humanos Apesar disso o Estatuto do Refugiado é uma lei pouco propagada em nosso território logo o método de concessão de refúgio também o é fato que pode prejudicar a efetividade da proteção dos refugiados no Brasil No tocante às instituições que realizam o acolhimento dos solicitantes de refugio no Brasil devem ser citados principalmente três atores o primeiro o governo brasileiro representado especialmente pela CONARE e Polícia Federal o segundo a ACNUR Alto Comissáriado das Nações Unidas para refugiados e o terceiro a sociedade civil por meio da Cáritas Arquidiocesana sendo esse modelo conhecido como estrutura tripartite O governo brasileiro tem uma atuação voltada à proteção já que realiza a tomada de decisões como reconhecer ou não ao solicitante o status de refugiado portanto concedendo ou negando refugio CONARE A política de proteção do governo inclui também o auxílio médico em hospitais públicos e o acesso a moradia em albergues públicos ou seja serviços destinados à população aos quais os solicitantes e os refugiados também podem usufruir A ACNUR tem uma atuação voltada para a área assistencialista repassando verbas anuais para a Cáritas além de fiscalizar seu serviço e financiando programas brasileiros de reassentamento Já a Cáritas tem uma atuação geral se fazendo presente em todo momento desde a acolhida do solicitante de refugio até o momento em que o já refugiado se insere no mercado de trabalho e aprende o idioma local Portanto a Cáritas toma a frente atuando na proteção assistência e integração do refugiado Ocorre que em que pese toda a produção legislativa bem como o aparato administrativo reservado pelo Estado brasileiro para amparar os estrangeiros que aqui adentram temse em verdade certa assincronia quando da atuação dos órgãos em questão quais sejam o Governo Brasileiro Polícia Federal e CONARE Cáritas Arquidiocesana e ACNUR uma vez que em razão da não concentração de de todas essas funções em um mesmo órgão e sede administrativa estas demandam dos estrangeiros maior dispêndio de tempo de dinheiro em que pese seus parcos recursos além de maior desgaste emocional quando da realização por estes de todos os atos exigidos pela administração pública Ou seja em função de uma maior burocratização do instituto jurídico reservados aos refugiados os estrangeiros vêm encontrando enorme dificuldade quando da regularização da sua situação em solo brasileiro o que vem lhe causando enorme insegurança jurídica Em razão de todo exposto em que pese a grande evolução do direito brasileiro na elaboração de normas protetivas dos refugiados para melhor implementação do direito positivo necessário se torna sincronizar a atuação dos órgãos supracitados unificandoos para que dessa forma seja racionalizada sua atuação REFERÊNCIAS JUBILUT Liliana Lyra O Direito internacional dos refugiados e sua aplicação no orçamento jurídico brasileiro 240p São Paulo Método 2007 Disponível em httpwwwacnurorgt3fileadminDocumentosportuguesPublicacoes2013OD ireitoInternacionaldosRefugiadospdf Acesso em 01102017 MOREIRA Julia Bertino O acolhimento dos refugiados no Brasil políticas frente de atuação e os atores envolvidos Projeto de Pesquisa Condições de vida da População Refugiada no Brasil UNICAMP Campinas 2007 DA SILVA F DOS SANTOS T Refúgio no Brasil Procedimento e Órgãos Responsáveis Anais do EVINCI UniBrasil Local de publicação editar no plugin de tradução o arquivo da citação ABNT 2 nov 2016 Disponível em httpportaldeperiodicosunibrasilcombrindexphpanaisevinciarticleview141 01106 Acesso em 01 Oct 2017 JUBILUT Liliana Lyra O Procedimento de Concessão de Refúgio no Brasil ed Ministério da Justiça 18p Disponível em httpportalmjgovbrmainaspTeam7BC728A4165AA7476DB239 CC89FFB363017D outubro 2017 BRASIL Lei n 581 de 4 de setembro de 1850 Estabelece medidas para a repressão do tráfico de africanos neste Império Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leislimlim581htm Acesso em 18 out 2017 BRASIL Lei n 528 de 28 de junho de 1890 Regularisa o serviço da introducção e localisação de immigrantes na Republica dos Estados Unidos do Brazil Disponível emhttpwww2camaralegbrleginfeddecret18241899decreto52828 junho1890506935publicacaooriginal1pehtml Acesso em 18 out 2018 BRASIL DecretoLei n 406 de 4 de maio de 1938 Dispõe sôbre a entrada de estrangeiros no território nacional Disponível em httpwww2camaralegbrleginfeddeclei19301939decretolei4064maio 1938348724publicacaooriginal1pehtml Acesso em 21 out 2017 BRASIL Constituição de 10 de novembro de 1937 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03constituicaoconstituicao37htm Acesso em 22 out 2017 BRASIL Lei n 9474 de 22 de julho de 1997 Define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951 e determina outras providências Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisL9474htm Acesso em 01 nov 2017 BRASIL Lei n 13445 de 24 de maio de 2017 Institui a Lei de Migração Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03ato2015 20182017leiL13445htm Acesso em 02 nov 2017 BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil 05 de outubro de 1998 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03constituicaoconstituicaocompiladohtm Acesso em 02 de nov 2017 IPEA Migrantes apátridas e refugiados subsídios para o aperfeiçoamento de acesso a serviços direitos e políticas públicas no Brasil Série pensando o direito n 58 2015 Disponível em httppensandomjgovbrwp contentuploads201512PoD57Lilianaweb3pdf Acesso em 20 out 2017 ACNUR Brasil abriga mais de 8 mil refugiados e 28 mil solicitantes de asilo destaca governo Nações Unidas no Brasil 11 de maio de 2016 Disponível em httpsnacoesunidasorgacnurbrasilabrigamaisde8milrefugiadose28mil solicitantesdeasilodestacagoverno Acesso em 01 nov 2017 CAPÍTULO 05 POVOS INDÍGENAS O DIREITO À CONSULTA PRÉVIA E ÀS TERRAS TRADICIONALMENTE OCUPADAS Ana Eliza Alves Silva104 Gabriela Helena Tassara Calenzani105 Mariana Gualberto da Silveira106 1 INTRODUÇÃO Como sabido a história dos povos indígenas foi drasticamente mudada com a chegada dos portugueses no Brasil em 1500 As marcas deixadas pela descoberta do Brasil nos povos que aqui já estavam são reflexos da dominação partindose da imposição através da força física perpassando pela imposição cultural de organização social e até mesmo religiosa Ao longo da história do nosso país os indígenas continuaram subjugados em relação ao restante da sociedade e a cultura dos homens brancos continuou a ser imposta Os adventos das revoluções avanços tecnológicos a urbanização e a globalização trouxeram enorme progresso para a humanidade entretanto acabou por quase dizimar os povos indígenas não apenas em nosso país Os movimentos indígenas a partir do fim do século XX tornaram emergentes com passar do tempo principalmente em nosso país como nos ensina Thais Luzia Colaço107 Assuntos como invasão de terras violência e exploração vieram como uma afronta aos direitos conquistados que inclusive são constitucionalmente protegidos Ao longo do tempo essa exclusão social gerou uma negação da autodeterminação desses povos com a ideia de que os mesmos não são capazes de serem autônomos em suas terras e ao próprio acesso à justiça Surgiram movimentos sociais em busca do 104 Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais PUC Minas 105 Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais PUC Minas 106 Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais PUC Minas 107 COLAÇO Thais Luzia Os Novos Direitos Indígenas In Os novos direitos no Brasil Saraiva São Paulo 2012 reconhecimento da identidade indígena historicamente oprimida e excluída destacando a falta de legitimidade na política e no próprio judiciário para efetivar tal proteção A falta de legitimidade política e social dos povos indígenas tem origem principalmente na ideia de incapacidade dos mesmos de emancipar a sociedade de modo efetivo seja de forma econômica ou social pelo fato do capitalismo ser negado pelos mesmos que buscam preservar suas origens étnicas e culturais 2 OS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Os direitos garantidos aos indígenas pelo ordenamento jurídico pátrio são historicamente recentes Temse por exemplo que na época da ditadura militar o primeiro Ato Institucional impôs como bens da União as terras que eram habitadas pelos índios sendo que a posse era dos povos indígenas de forma permanente sendo de competência do referido ente político estabelecer como seria o usufruto das riquezas naturais O Estatuto do Índio Lei 600173 de forma expressa em seu art 1º prevê que a referida lei cuida de regular da situação jurídica dos índios ou silvícolas e das comunidades indígenas com o fito de preservar a sua cultura mas também para integrálos de forma progressiva e harmoniosa à comunhão nacional Ou seja até os dias de hoje existe o ímpeto de impor aos povos indígenas a cultura do restante da sociedade como se fosse este o progresso Somente com a Constituição Federal de 1988 a partir do seu art 231 os povos e comunidades indígenas tiveram seus direitos ampliados e assegurados não tendo somente os direitos dos demais brasileiros visto que foram reconhecidos a sua cultura seus costumes línguas crenças e organização social bem como os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam Em suma os direitos garantidos aos indígenas perpassam pelos direitos sociais de auto organização e territoriais O usufruto antes regulado pela União passou a ser exclusivo dos indígenas em relação às riquezas dos rios lagos e solo existentes em suas terras Outro direito importante assegurado é a utilização das línguas indígenas maternas no processo de aprendizagem do ensino fundamental conforme prevê o art 210 2º da CF88 Dessa forma possibilitase o gozo do conhecimento inerente à sua cultura em uma de suas formas mais remotas que é a linguagem Foi assegurada ainda a legitimidade dos índios e suas comunidades de ingressar em Juízo a fim de verem efetivados e protegidos os seus direitos e interesses conforme dispõe o art 232 da CF88 Finalmente em razão do texto constitucional inspirado pela democracia passouse a de certa forma aceitar a cultura indígena visualizandose nesse momento o relativismo cultural inexistente até pouco antes O multiculturalismo inegável e em escala global deve servir como ferramenta de percepção do outro respeitandoo e assumindo sua posição nas inúmeras culturas contemporâneas Ao que se vê a Constituição Federal acabou por assegurar ainda que tardiamente o direito à diferença dos povos indígenas deixandose de exigir que seguissem a cultura da maioria da população brasileira 3 MARCOS LEGAIS INTERNACIONAIS DOS DIREITOS DOS POVOS INDÍGENAS No cenário internacional os direitos indígenas foram tratados em 1989 pela Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais a qual foi promulgada pelo Brasil apenas em 2004 através do Decreto 505104 Tal Convenção levou em consideração a situação dos povos indígenas e tribais em todas as regiões do mundo e reconheceu as aspirações desses povos em assumir o controle de suas próprias instituições e formas de vida para manter e fortalecer suas identidades Foi observado ainda que esses povos não podem gozar dos direitos humanos fundamentais que o restante da população em diversas partes do mundo Um importante destaque feito pela referida Convenção é a contribuição feita pelos povos indígenas e tribais a diversidade cultural à harmonia social e ecológica da humanidade e à cooperação e compreensão internacionais conforme se extrai do supracitado Decreto Em 2007 foi aprovada a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas que reafirmou que os povos indígenas devem estar livres de toda forma de discriminação para o exercício de seus direitos e foi reconhecida a urgente necessidade de respeitar e promover os direitos intrínsecos dos povos indígenas em diversos aspectos incluindo o econômico político social cultural tradicional espiritual religioso histórico e em especial os direitos à terras territórios e recursos Merece atenção o incentivo dado pela referida Declaração aos Estados ao cumprimento e aplicação eficazes de todas as suas obrigações no que se refere aos povos indígenas e que determinam os instrumentos internacionais em particular os relativos aos Direitos Humanos na consulta e cooperação com os povos interessados Reconheceuse internacionalmente que os povos indígenas têm direitos coletivos que são indispensáveis à sua existência e desenvolvimento e que as particularidades de cada povo deve ser levada em consideração Entretanto tais normas internacionais inseridas no nosso ordenamento jurídico não vem sendo observadas pelo poder público por diversas vezes limitando a própria ação estatal se tornando na verdade um agente violador de normas que já estão em vigor em nosso país observando uma flexibilização e omissão de direitos já previstos 4 O DIREITO À CONSULTA PRÉVIA DOS POVOS INDÍGENAS A Convenção nº 169 sobre Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Trabalho cujo cumprimento no Brasil foi determinado pelo Decreto Presidencial nº 5051 de 19 de abril de 2004 no seu artigo 6º garante o direito dos povos e comunidades a serem consultados em relação a qualquer medida que os afete direta ou indiretamente e que tal consulta deve ser realizada de forma a proporcionar a efetiva participação dos afetados Ainda no artigo 7º fica determinado que são os próprios povos que devem decidir o que é ou não importante para eles Artigo 6o 1 Ao aplicar as disposições da presente Convenção os governos deverão a consultar os povos interessados mediante procedimentos apropriados e particularmente através de suas instituições representativas cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetálos diretamente b estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes Artigo 7o 1 Os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas próprias prioridades no que diz respeito ao processo de desenvolvimento na medida em que ele afete as suas vidas crenças instituições e bemestar espiritual bem como as terras que ocupam ou utilizam de alguma forma e de controlar na medida do possível o seu próprio desenvolvimento econômico social e cultural Além disso esses povos deverão participar da formulação aplicação e avaliação dos planos e programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de afetálos diretamente 2 A melhoria das condições de vida e de trabalho e do nível de saúde e educação dos povos interessados com a sua participação e cooperação deverá ser prioritária nos planos de desenvolvimento econômico global das regiões onde eles moram Os projetos especiais de desenvolvimento para essas regiões também deverão ser elaborados de forma a promoverem essa melhoria 3 Os governos deverão zelar para que sempre que for possível sejam efetuados estudos junto aos povos interessados com o objetivo de se avaliar a incidência social espiritual e cultural e sobre o meio ambiente que as atividades de desenvolvimento previstas possam ter sobre esses povos Os resultados desses estudos deverão ser considerados como critérios fundamentais para a execução das atividades mencionadas 4 Os governos deverão adotar medidas em cooperação com os povos interessados para proteger e preservar o meio ambiente dos territórios que eles habitam Outro dispositivo que trata sobre o direito à participação dos indígenas nas decisões que os afetam é a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas em seus artigos 18 e 19 Artigo 18 Os povos indígenas têm o direito de participar da tomada de decisões sobre questões que afetem seus direitos por meio de representantes por eles eleitos de acordo com seus próprios procedimentos assim como de manter e desenvolver suas próprias instituições de tomada de decisões Artigo 19 Os Estados consultarão e cooperarão de boafé com os povos indígenas interessados por meio de suas instituições representativas a fim de obter seu consentimento livre prévio e informado antes de adotar e aplicar medidas legislativas e administrativas que os afetem O direito à consulta e ao consentimento prévio livre e informado tem base no reconhecimento dos direitos fundamentais de povos e comunidade tradicionais e na garantia da sua livre determinação Dessa maneira os indígenas têm o poder de decidir livremente sobre seu presente e futuro na qualidade de sujeitos coletivos de direito determinando outro tipo de relação mais simétrica e respeitosa entre os estados e os referidos povos Assim certa é a necessidade de consulta prévia nas discussões sobre aplicações de convenções leis e decisões quando relacionadas a algum direito conferido aos povos indígenas Ao que se vê um dos principais objetivos da Convenção é a consulta anterior principalmente quanto às atividades de exploração de recursos naturais existentes nos territórios por eles habitados Nessas consultas o Estado além de intermediário deve atuar como assegurador para que as consultas sejam formais e de boa fé com representatividade dos povos indígenas para alcançar o consentimento daquilo que lhes é proposto Observase que não obstante a consulta prévia seja exigida após ratificação da Convenção 169 os acordos geralmente não são realizados com o real respeito à verdade e à justiça na legitimação dos povos indígenas tendo em vista que o próprio poder que define essa proteção quem são efetivamente indígenas sem ter qualquer aprofundamento e conhecimento sobre a cultura ou etnia para ser capaz de realizar tal constatação São decisões que muitas vezes são influenciadas por interesse econômicos incentivando a oposição da população visando somente uma emancipação econômica deixando de lado os interesses de um povo excluído da política brasileira fato este comprovado inclusive pela baixa aceitação social da convenção supracitada Válido ressaltar que no ano de 2010 através da Central Única dos Trabalhadores o Estado brasileiro foi denunciado à Organização Internacional do Trabalho por descumprir sistematicamente a obrigação de consultar No ano de 2012 o Brasil constituiu um Grupo de Trabalho Interministerial para elaborar uma proposta de regulamentação do direito à consulta prévia o que não trouxe grandes repercussões para os povos indígenas108 O direito à consulta é tão desrespeitado que as denúncias internacionais e a judicialização são crescentes Temse por exemplo a Medida Cautelar nº 3822010 outorgada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos a favor dos membros das comunidades indígenas da bacia do Rio Xingu no Pará sendo solicitado ao Estado brasileiro que suspendesse o processo de licenciamento do projeto da Usina Hidrelétrica de Belo Monte e impedisse a realização de qualquer obra sem que antes realizasse a consulta prévia livre informada e de boa fé dos povos indígenas afetados 5 O DIREITO DOS POVOS INDÍGENAS ÀS TERRAS TRADICIONALMENTE OCUPADAS A Constituição Federal prevê em seu art 231 1º que são terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente 108 GARZÓN Biviany Rojas OLIVEIRA Rodrigo YAMANDA Érika M Direito à consulta e consentimento de povos indígenas quilombolas e comunidades tradicionais as utilizadas para suas atividades produtivas as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bemestar e as necessárias a sua reprodução física e cultural segundo seus usos costumes e tradições O texto constitucional dispõe ainda no artigo 231 que são reconhecidas as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são destinadas a sua posse permanente sendo que o aproveitamento dos recursos hídricos dessas terras só pode ser feito com autorização do Congresso Nacional após a consulta das comunidades afetadas Os povos só podem ser removidos em casos específicos de catástrofe epidemia ou interesse da soberania do país Segundo leciona José Afonso da Silva109 o fato de indígenas possuírem as terras em que vivem não se confunde com a ocupação da posse de determinado território mas sim um direito originário que detêm desde o nascimento como uma fonte primária que não pode ser adquirida de forma posterior distinguindose portanto da conhecida posse civil O que se observa é uma constante tentativa de enquadrar o direito dos indígenas às terras no bojo da posse propriamente dita visando uma discussão de interesses particulares dos interessados sem priorizar a ideia de que a área indígena compreende uma cultura tradicional e histórica pouco valorizada na prática ignorando o fato de que na realidade eles são detentores de uma posse por imposição jurídica Uma das questões mais polêmicas quando se trata dos povos indígenas na atualidade é a demarcação das suas terras O procedimento para a identificação delimitação demarcação física homologação e registro das terras indígenas encontra se previsto no Decreto 177596 Da leitura do referido Decreto extraise que o processo se inicia com a identificação e delimitação sendo constituído um grupo técnico de trabalho designado e composto preferencialmente por servidores da FUNAI Fundação Nacional do Índio O grupo indígena envolvido deve participar de todas as fases do procedimento Após o levantamento de informações e estudos em centros de documentação órgãos fundiários dos entes federados em cartórios de registros é elaborado relatório circunstanciado de identificação e delimitação da área objeto São levados em consideração estudos antropológicos e de natureza histórica sociológica jurídica cartográfica ambiental e o levantamento fundiário Em seguida o relatório é publicado 109 SILVA José Afonso Curso de Direito Constitucional Positivo São Paulo RT 5ª edição no Diário Oficial da União e no da unidade federada em que se localiza a área com memorial descritivo e mapa da área Por ato do Ministro da Justiça reconhecese o direito originário sobre determinada área competindo ao Presidente da República homologar através de Decreto a demarcação realizada Por fim procedese ao registro Em que pese o direito às terras e a previsão do procedimento de demarcação os conflitos em relação à demarcação das terras indígenas são expressivos Isso porque a questão bate de frente com os interesses de grandes produtores agrícolas e pecuaristas Ao longo do tempo as terras foram ganhando novos donos sendo difícil identificar e reconhecer as terras dos povos indígenas Um caso que merece atenção é o que vem gerando repercussão desde 2005 quando houve a demarcação da área conhecida como Terra Indígena Raposa Serra do Sol localizada em Roraima Tratase de uma área que abriga 194 comunidades com uma população de cerca de 19 mil índios composta pelos povos Wapichana Taurepang Patamona Macuxi e Ingaricó A discussão acerca do caso é o marco temporal para definição de terras indígenas bem como a declaração da FUNAI da posse permanente de terras e a pertinência ou não do entendimento de que as terras demarcadas não podem ser ampliadas No ano de 2007 o STF determinou a desocupação da reserva indígena Raposa Serra do Sol por parte de povos não indígenas A referida decisão foi suspensa pelo próprio Supremo em 2008 sendo determinado que não fossem mais retirados os povos nãoíndios da Raposa Serra do Sol O STF acabou por reconhecer a legalidade da demarcação da terra indígena em sua totalidade e a nulidade dos títulos incidentes na área Entretanto o referido tribunal relativizou o direito ao usufruto exclusivo dos recursos naturais disponíveis no referido território impondo uma série de salvaguardas Ainda no mesmo caso surgiu o questionamento de que se tais salvaguardas possuem efeitos vinculantes erga omnes ou se seriam aplicáveis apenas ao caso em discussão Em sede de embargos de declaração o STF decidiu que as condições seriam aplicáveis apenas ao caso em apreço110 Entretanto a discussão continua pertinente posto que em 2017 o presidente interino Michel Temer aprovou parecer da AdvocaciaGeral da União nº 0012017GABCGUAGU que determina que sejam 110 STF Petição nº 3388RR Relator Min Roberto Barroso seguidas as salvaguardas institucionais estabelecidas pelo STF no caso Raposa Serra do Sol Ou seja a demarcação de terras ainda é um procedimento moroso não sendo seguro afirmar que os direitos dos povos indígenas ou de qualquer comunidade tradicional estão sendo assegurados Ao que se vê o que vem acontecendo é a relativização de alguns direitos para assegurar outros 6 CONCLUSÃO Podese dizer que uma das razões da necessidade de se elaborar ações afirmativas é a existência da discriminação na sociedade brasileira a discriminação pode ser entendida como segundo nos ensina Álvaro Ricardo de Souza Cruz111 Toda e qualquer forma meio instrumento ou instituição de promoção da distinção exclusão restrição ou preferência baseadas em critérios como a raça com da pele descendência origem nacional ou étnica gênero opção sexual idade religião deficiência física mental ou patogênica que tenha o propósito ou efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento gozo ou exercício em pé de igualdade de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político econômico social cultural ou em qualquer atividade no âmbito da autonomia pública ou privada CRUZ 2009 p 15 Para o professor Cruz a discriminação nem sempre é algo ruim como no caso da chamada discriminação lícita Essa discriminação ocorre quando estabelecer uma diferença distinguir e separar é necessário e indispensável para a garantia do próprio princípio da isonomia CRUZ 2009 p 15 Nesse sentido para o professor as ações afirmativas seriam medidas públicas e privadas coercitivas ou não para a integração de todas as pessoas independente de raça religião opção sexual deficiências físicas ou mentais devendo ser analisadas como uma discriminação lícita e necessária à existência de ação comunicativa da sociedade CRUZ 2009 p 136 As ações afirmativas são normalmente vistas como uma forma de defesa dos Direitos Humanos Em uma perspectiva ocidentalmoderna tais ações teriam surgido na chamada segunda fase dos direitos humanos A chamada primeira fase dos direitos humanos foi marcada por uma aversão à diferença e uma tentativa de tratar todos de maneira igual Tal aversão foi fruto de traumas deixados por acontecimentos históricos como o nazismo Assim o que prevaleceu nessa fase foi o tratamento formal 111 CRUZ Álvaro Ricardo de Souza Direito à diferença Belo Horizonte Arraes 2009 geral e abstrato ao indivíduo Em seguida percebeuse a necessidade de conferir a determinados grupos uma proteção especial e particularizada em face de sua própria vulnerabilidade PIOVESAN 2008 p 888112 Segundo Piovesan a justiça tem um caráter bidimensional Redistribuição somada ao reconhecimento O direito à redistribuição requer medidas de enfrentamento da injustiça econômica da marginalização e da desigualdade econômica por meio da transformação nas estruturas socioeconômicas e da adoção de uma política de redistribuição De igual modo o direito ao reconhecimento requer medidas de enfrentamento da injustiça cultural dos preconceitos e dos padrões discriminatórios por meio da transformação cultural e da adoção de uma política de reconhecimento PIOVESAN 2008 p 889 Ainda segundo Piovesan para enfrentar o problema da discriminação fazse necessário combinar a proibição da discriminação com políticas compensatórias que acelerem a igualdade enquanto como processo PIOVESAN 2005 p 49 Nesse sentido as ações afirmativas seriam um poderoso instrumento de inclusão social e não devem ser entendidas apenas pelo prisma retrospectivo no sentido de aliviar a carga de um passado discriminatório mas também prospectivo no sentido de fomentar a transformação social criando uma nova realidade PIOVESAN 2008 p 890 Dessa maneira as ações afirmativas são pois discriminações lícitas que podem ampararresgatar fatia considerável da sociedade que se vê tolhida no direito fundamental de participação na vida pública e privada CRUZ 2009 p 141 Além da clara necessidade de concretização de ações afirmativas em relação aos povos indígenas certo é que a consulta e o consentimento prévio devem ser medidas a se tomar ao se formular tais ações afirmativas vez que eles têm autonomia para decidirem sobre questões relativas ao seu próprio modo de vida Assegurar tal direito é de extrema importância para que se evite a existência de um viés colonizador das mesmas Assim a decisão sobre quais os tipos de ações afirmativas quais seus critérios e formas de acesso deve ser tomada em conjunto com os povos tradicionais Promover seia dessa forma o reconhecimento os povos indígenas como sujeitos de direitos e o respeito de suas subjetividades 112 PIOVESAN Flávia Ações afirmativas no Brasil desafios e perspectivas Rev Estud Fem Florianópolis 2008 É preciso ainda que o Estado promova a normatização de regras a fim de assegurar o direito à consulta em todas as obras e projetos antes mesmo que as decisões sejam tomadas bem como não ignore tal direito Deve haver ainda maior destaque para os casos de desrespeito a tal direito devendo os infratores serem devidamente responsabilizados e os ofendidos indenizados Em relação ao direito às terras tradicionalmente ocupadas verificase a necessidade de o Estado promover de forma eficaz e mais rápida as demarcações das áreas sem que haja a relativização de outros direitos Além de outros fatores a morosidade dos procedimentos acaba por prejudicar o reconhecimento de um dos direitos mais fundamentais à existência dos povos indígenas REFERÊNCIAS BRASIL Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 Diário Oficial da União Brasília 5 out 1988 BRASIL Decreto nº 1775 de 8 de janeiro de 1996 Dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03decretod1775htm Acesso em 23 fev 2018 BRASIL Lei nº 6001 de 19 de dezembro de 1973 Dispõe sobre o Estatuto do Índio Diário Oficial da União Brasília 21 dez 1973 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisL6001htm CABRAL Maria Walkíria de Faro Coelho G e CRUZ Álvaro Ricardo de Souza Cruz Ações afirmativas no Brasil O trabalho do Ministério Público para torná las possíveis 2014 Disponível em httpsaplicacaompmgmpbrxmluihandle1234567891211 Acesso em 19 mar 2018 CRUZ Álvaro Ricardo de Souza Direito à diferença Belo Horizonte Arraes 2009 COELHO Elizabeteh Maria Beserra Coelho Ações afirmativas e povos indígenas o princípio da diversidade em questão Disponível em httpwwwperiodicoseletronicosufmabrindexphprppublicaarticleviewFile38 021910 Acesso em 27 mar 2018 COLAÇO Thais Luzia Os Novos Direitos Indígenas In Os novos direitos no Brasil Saraiva São Paulo 2012 Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas 13 de setembro de 2007 Disponível em httpspibsocioambientalorgfilesfilePIBinstitucionalDECLARACAODASN ACOESUNIDASSOBREOSDIREITOSDOSPOVOSINDiGENASpdf GARZÓN Biviany Rojas OLIVEIRA Rodrigo YAMANDA Érika M Direito à consulta e consentimento de povos indígenas quilombolas e comunidades tradicionais Disponível em httpwwwdplforgsitesdefaultfilesdireitoaconsultaprevianobrasildplf rca3pdf Acesso em 19 jan 2018 PIOVESAN Flávia Ações afirmativas no Brasil desafios e perspectivas Rev Estud Fem Florianópolis 2008 PIOVESAN Flavia Ações afirmativas da perspectiva dos direitos humanos Cad Pesqui São Paulo 2005 Parecer nº 0012017GABCGUAGU Disponível em httpswwwconjurcombrdlpareceraguraposaserrasolpdf ROMANO Rogério Tadeu O marco temporal só beneficia os ruralistas Revista Jus Navigandi ISSN 15184862 Teresina ano 22 n 519622 set 2017 Disponível em httpsjuscombrartigos59816 Acesso em 11 mar 2018 SANTILLI Juliana A proteção aos direitos intelectuais coletivos das comunidades indígenas brasileiras 1997 Disponível em httpwwwcjfjusbrrevistanumero3artigo06html Acesso em 10 de mar 2018 SILVA José Afonso Curso de Direito Constitucional Positivo São Paulo RT 5ª edição SILVA Paulo Thadeu Gomes da Silva A Constituição de 88 não é o marco caracterizador da posse indígena Paulo Thadeu Gomes da Silva Disponível em httpwwwmpfmpbratuacaotematicaccr6documentose publicacoesartigosdocsartigosartigomarcotemporalocupacaoindigenapdf Acesso em 09 mar 2018 STF Petição nº 3388RR Relator Min Roberto Barroso OIT Convenção n 169 sobre Povos Indígenas e Tribais 1989 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03ato200420062004decretod5051htm Acesso em 19 fev 2018 MEDIDAS cautelares outorgadas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos Disponível em httpswwwcidhoasorgmedidas2011porthtm Acesso em 02 mar 2018 CAPÍTULO 06 ENCARCERAMENTO FEMININO UMA ANÁLISE DO AUMENTO DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA DE MULHERES BRASILEIRAS COM A PROMULGAÇÃO DA LEI N 1134306 Letícia Mariano Borges de Figueiredo 113 Thais Guedes Yasuda 114 1 INTRODUÇÃO De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias INFOPEN MULHERES JUNHO 2014115 publicado em 2015 58 das mulheres encarceradas estão presas por crimes ligados ao tráfico de drogas Ao analisarmos os dados referentes ao ano de 2005116 ano anterior à promulgação da Lei de Tóxicos de n 1134306 notase que o número de mulheres no sistema prisional era de 12925 e em apenas um ano aumentou 34 totalizando 17216 em 2006 Se tal aumento da população carcerária já causa preocupação hoje os números que refletem o encarceramento feminino são alarmantes Enquanto a taxa total de aprisionamento de homens aumentou aproximadamente 190 entre 2005 e 2014 a taxa de aprisionamento de mulheres aumentou 300 no mesmo período117 Em 2014 eram 37380 mulheres presas Sendo assim o presente artigo objetiva verificar as razões que culminaram nesse exponencial aumento Diante de um cenário significativamente preocupante buscase entender como o papel da mulher na sociedade e as transformações que esta sofreu ao longo dos anos foram determinantes para a atual situação carcerária Para tanto o estudo abordará a 113 Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Membro do Núcleo Acadêmico de Pesquisa Cidadania e Inclusão Social 114 Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Membro do Núcleo Acadêmico de Pesquisa Cidadania e Inclusão Social 115 LEVANTAMENTO NACIONAL DE INFORMAÇÕES PENITENCIÁRIAS Infopen MulheresSl INFOPEN 2014 116 LEVANTAMENTO NACIONAL DE INFORMAÇÕES PENITENCIÁRIAS Infopen MulheresSl INFOPEN 2014 117 LEVANTAMENTO NACIONAL DE INFORMAÇÕES PENITENCIÁRIAS Infopen MulheresSl INFOPEN 2014 força do movimento feminista que luta por igualdade de direitos e visa romper com o estigma da mulher subordinada inferior e oprimida A incessante batalha por direitos iguais fez com que a mulher passasse a ocupar uma posição de visibilidade na sociedade tanto no seio familiar como no ambiente profissional A mulher antes submissa dependente e incapaz tem hoje seu papel redefinido assumindo novas roupagens dentre essas a de chefe de família Com a nova estrutura a mulher passou a exercer além do papel de mãe a função de provedora do sustento econômico do lar o que justifica a sua necessidade por uma fonte de renda Todavia empregos com uma boa remuneração requerem uma boa qualificação Se antes as mulheres apenas cuidavam de sua casa e de seus filhos resta evidente que a sociedade não tinha como preocupação a formação profissional destas Além da barreira educacional as mulheres buscam se inserir em um mercado de trabalho tradicionalmente machista em que raras mulheres desempenham funções de poder e quase não há políticas públicas para minimizar essa desigualdade Diante desse cenário que faz a entrada para o mundo do crime um convite quase que irrecusável resta evidente as dificuldades da mulher para obtenção de seu sustento A difícil efetivação das garantias constitucionais previstas na Carta Magna de 1988 sustenta o fenomeno da feminização da pobreza A pesquisa demonstrará as circunstâncias que levam as mulheres a serem mais pobres que os homens e como isto está ligado ao aumento exponencial da população de condenadas pelo tráfico de drogas Ao apresentarmos o contexto social que a mulher se encontra bem como as razões determinantes para a criminalidade feminina deixa claro a necessidade de abordamos o tratamento que o direito confere a elas Para tanto será realizado uma análise crítica da Lei n 1134306 pontuando os artigos de maior importância observando o tipo legal e a pena aplicada Visase auferir se o legislador se mostrou omisso ao não em considerar as circunstâncias que as infratoras se encontravam ao estipular a punibilidade dos delitos bem como averiguar como os diversos membros de uma estrutura criminosa são penalizados Por fim o artigo tem como escopo demonstrar o fracasso da política adotada que não conseguiu cumprir seu objetivo de repressão à venda de narcóticos e ainda superlotou o sistema prisional brasileiro e a necessidade da aplicação do Direito Penal Mínimo sob pena de violação do princípio constitucional da individualização da pena 2 O PAPEL DA MULHER NA SOCIEDADE O INFOPEN MULHERES 118 datado de junho de 2014 traçou o perfil das mulheres encarceradas no Brasil Por meio da análise dos dados foi possível traçar um perfil fidedigno das encarceradas qual seja jovem solteira negra e de baixa escolaridade Os dados constatam que em 2014 27 das presas tinham entre 18 e 24 anos e 23 entre 25 e 29 anos 57 eram solteiras 68 eram negras e por fim 86 não completaram o ensino médio Para entendermos como esse perfil foi concebido é necessário realizar uma retrospectiva da história da mulher na sociedade Ainda hoje em pleno século XXI mais precisamente ano de 2018 a mulher permanece em posição de inferioridade em relação aos homens Tal posição é resquício de uma cultura enraizada que perpassa por todas as épocas históricas Seja na Antiguidade grecoromana com a objetificação da mulher como propriedade do homem seja na Idade Média com a ascensão dos dogmas da Igreja Católica e consequente proliferação da mistificação da mulher como bruxa Destacase que no Absolutismo a insignificância da mulher era tamanha que o Estado não mais se preocupava com a punição dos crimes que havia praticado119 Destarte percebese que o local da mulher na sociedade sempre foi secundário comparado aos homens Tanto as mulheres brancas criadas para serem esposas e mães que exerciam a função predeterminada de dedicarse ao lar marido e a criação dos filhos120 quanto as mulheres negras que exerciam atividades laborais braçais como escravas nas lavouras ou nas ruas ou ainda como vendedoras quituteiras prostitutas etc121 eram subjugadas Apesar da notória distinção de realidades a desigualdade de gêneros se mostrava presente em ambas É inegável que os direitos e garantias fundamentais inerentes a todo e qualquer cidadão sempre foram negados às mulheres da forma mais cruel possível e nos dias de hoje não é diferente Não obstante a existência de legislações internacionais e nacionais que visam assegurar direitos iguais para ambos os sexos essas são totalmente 118 LEVANTAMENTO NACIONAL DE INFORMAÇÕES PENITENCIÁRIAS Infopen MulheresSl INFOPEN 2014 119 ENEGRECER o Feminismo A Situação da Mulher Negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero Sl sn Copyright 2018 120 LOBATO Aline et al Mulheres criminosas analisando a relação entre a desestruturação familiar e criminalidade p 3 121 ENEGRECER o Feminismo A Situação da Mulher Negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero Sl sn Copyright 2018 esquecidas na maioria das situações Citase a predominância de homens em cargos de chefia no mercado de trabalho a diferenciação de salários os abusos sexuais no ambiente profissional entre outros Objetivando a prestação efetiva dos direitos tutelados apenas no papel surgiram os movimentos feministas que após diversas batalhas romperam com o modelo predeterminado do que a mulher poderia e deveria fazer Nesse sentido Rodrigues122 nos ensina que se há um Brasil que caminha célere para as trevas é ali mesmo onde há cinzas que a cada vez os movimentos feministas atuam resistem e existem 21 A QUEBRA DO MODELO TRADICONAL DA MULHER No Brasil as primeiras manifestações feministas iniciaram durante o Regime Militar na década de 70 Segundo Pinto123 o regime militar via com grande desconfiança qualquer manifestação de mulheres por entendêlas como política e moralmente perigosas Antes disso as mulheres já haviam se insurgido contra a posição inferior que ocupavam perante os homens Na primeira onda do feminismo na década de 1910124 houve a luta das sufragistas em busca do direito civil de serem eleitas e elegíveis bem como a luta do movimento das operárias de ideologia anarquista que denunciavam a situação da mulher nas fábricas e oficinas125 Durante a ditadura militar enquanto a Europa já se avançava na batalha pela igualdade de gênero e discutia não só o espaço da mulher na vida pública trabalho e educação como a relação de poder existente entre homens e mulheres o Brasil estava no começo de sua trajetória de manifestações feministas se organizando contra a repressão do Governo Militar Com o início do regime democrático a luta feminista ampliouse abrangendo vários outros temas como violência sexualidade direito ao trabalho igualdade no casamento direito à terra direito à saúde maternoinfantil racismo opções sexuais etc126 122 RODRIGUES Carla 2017 o ano das bruxas em ação Le Monde Diplomatique Brasil Sl 23 jan 2018 126 p 45 123 PINTO Céli Regina Jardim FEMINISMO HISTÓRIA E PODER Revista de Sociologia e Política Curitiba v 18 n 36 p 1523 jun 2010 124 RODRIGUES Carla 2017 o ano das bruxas em ação Le Monde Diplomatique Brasil Sl 23 jan 2018 126 p 45 125 PINTO Céli Regina Jardim FEMINISMO HISTÓRIA E PODER Revista de Sociologia e Política Curitiba v 18 n 36 p 1523 jun 2010 126 PINTO Céli Regina Jardim FEMINISMO HISTÓRIA E PODER Revista de Sociologia e Política Curitiba v 18 n 36 p 1523 jun 2010 Hoje acreditase que a luta feminista tem como base a retirada da mulher da posição de inferioridade no qual ela sempre foi colocada A luta é única e deve abranger todas e todos independentemente da raça cor etnia opção sexual etc Nesse aspecto Pinto127 assinala Ninguém melhor que o oprimido está habilitado a lutar contra a sua opressão Somente nós mulheres organizadas autonomamente podemos estar na vanguarda dessa luta levantando nossas reivindicações e problemas específicos Nosso objetivo ao defender a organização independente das mulheres não é separar dividir diferenciar nossas lutas das lutas que conjuntamente homens e mulheres travam pela destruição de todas as relações de dominação da sociedade capitalista Se hoje há a quebra diversos padrões que à nos eram impostos isto se dá em virtude do movimento feminista A busca por igualdade de direitos pela ocupação dos espaços e pela liberdade não pode parar Apesar de relevante avanço os vestígios de uma sociedade formada por homens e seus ideais permanece afetando e oprimindo nos mais diversos ambientes as mais diversas mulheres inclusive a encarcerada 3 A FEMINIZAÇÃO DA POBREZA Conforme dito anteriormente durante séculos a mulher brasileira teve seu papel bem definido na sociedade marcado pela inegável inferioridade Apesar de haver uma nítida mudança nos paradigmas sociais de gênero a cultura tradicionalmente machista e conservadora do brasileiro ainda reflete em inúmeros campos Incontáveis são as lutas diárias que cada mulher brasileira precisa travar em busca de uma efetiva igualdade de gêneros A árdua batalha por um ensino de qualidade por oportunidades iguais no mercado de trabalho por salários equiparados e pelo respeito da sociedade só afasta a realidade do que a Constituição Federal de 1988 preceitua em seu art 5º128 Se todos fossem iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza sendo homens e mulheres iguais em direitos e obrigações nada haveria que se falar sobre o fenomeno da feminização da pobreza Conforme o dicionário Aurélio129 pobreza é a falta do necessário à vida escassez indigência penúria enquanto a feminização130 é ação ou efeito de feminizar 127 PINTO Céli Regina Jardim FEMINISMO HISTÓRIA E PODER Revista de Sociologia e Política Curitiba v 18 n 36 p 1523 jun 2010 128 BRASIL Constituição 1988 Constituição da República Federativa do Brasil Brasília Senado 1988 129 DICIONÁRIO Online de Português Sl sn 2009 2018 130 DICIONÁRIO Online de Português Sl sn 2009 2018 de atribuir um aspecto gênero ou caráter feminino a algo ou alguém Dessa forma pode se conceituar o referido fenômeno como a prevalência dos níveis de pobreza do sexo feminino em detrimento do masculino em razão das condições desfavoráveis que as mulheres estão submetidas pela simples razão de serem mulheres Esse estado de pobreza se torna mais discrepante quando se trata de mãe solteira eou da única responsável pelo sustento das famílias monoparentais De acordo com Rohde131 Essas desigualdades interrelacionadas e acopladas a modelos instáveis do casamento da fecundidade e do emprego contribuíram para uma crescente feminização da pobreza Apesar das imperfeições dos índices oficiais da pobreza eles permitem avaliar um status relativo Segundo eles as mulheres de todas as idades têm duas vezes mais chances do que os homens de serem pobres e as mães solteiras cinco vezes mais chances Dois terços de todos os adultos indigentes são mulheres e dois terços daqueles que são permanentemente pobres vivem em lares onde a subsistência é garantida pela mulher Quase noventa por centro das famílias de progenitores solteiros são mantidas por mulheres e metade dessas famílias vivem abaixo da linha de pobreza Segundo o Censo do IBGE132 em 2010 8088625 famílias monoparentais brasileiras eram chefiadas por mulheres enquanto apenas 1165312 eram monoparentais masculinas Acreditase ser o número atual seja muito maior As mulheres passam então a ser a única fonte de renda de suas famílias já que na maioria dos casos não contam com o a corresponsabilidade dos pais de seus filhos Responsáveis pelo sustento familiar as mulheres têm suas expectativas de labor frustradas ao se depararem com um mercado de trabalho seletivo e competitivo Além de lidarem com o preconceito enraizado na sociedade estas se deparam com uma série de requisitos que as impossibilitam de obter um emprego fixo e bem remunerado A crise econômica mundial que se alastra pelos países principalmente subdesenvolvidos como é o caso do Brasil aumentou as taxas de desemprego de forma que as poucas vagas de trabalho ofertadas são preenchidas por aqueles melhores qualificados Considerando que 50 das infratoras brasileiras não possuem o ensino fundamental completo 133 verificase que a qualificação profissional é uma sólida 131 HABERMAS Jurgen Direito e Democracia Volume II entre facticidade e validade Ed 2 SI Tempo Brasileiro 2003 V102 132 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA Censo demográfico 2010 Rio de Janeiro IBGE 2010 133 LEVANTAMENTO NACIONAL DE INFORMAÇÕES PENITENCIÁRIAS Infopen MulheresSl INFOPEN 2014 barreira para a entrada no mercado de trabalho lícito e formal Nessa seara Macedo134 assevera Portanto a desigualdade de gênero não é fictícia pois as mulheres chefes de família enfrentam dificuldades suplementares ao teres de administrar a dupla participação nas esferas de produção e reprodução em condições desfavoráveis quando comparadas aos homens que também são chefes de domicilio Demonstrase se tratar de um círculo vicioso as precárias condições financeiras a maternidade precoce entre outros fatores obstam um alto grau de escolaridade e uma educação de baixa qualidade e a necessidade de cuidar de filhos menores obstam a obtenção de um emprego bem remunerado Além de impor uma série de restrições para a obtenção de uma fonte de renda considerável a mão de obra desqualificada a impossibilita ainda de adquirir experiência em qualquer ramo outro requisito muito solicitado pelos empregadores Diante da ausência de perspectivas a mulher acaba sendo atraída pela criminalidade O mundo do crime por não requerer escolaridade tão pouco experiencias ou referencias e não estabelecer faixa etária se mostra um caminho viável para a auferir lucro e assim conseguir prover o sustento de seus familiares Muitas ainda conseguem trabalhar em horários flexíveis o que facilita no exercício da maternidade 31 A INSERÇÃO DA MULHER NO TRÁFICO DE DROGAS Ao traçar o perfil da mulher presa Ribeiro 135 assinala que A maioria das mulheres que praticam crimes encontramse em idade economicamente ativa possuem procedência urbana têm filhos são solteiras sua escolaridade média não ultrapassa o primeiro grau encontravamse em ocupações informais quando da prática do delito que em regra é associado a produção comércio e uso de entorpecentes Os dados do encarceramento brasileiro corroboram o autor e apontam que mais da metade das mulheres presas aguardam julgamento ou foram condenadas por crime ligados ao tráfico de drogas Tais estatísticas podem ser justificadas por se tratar de 134 MACEDO Márcia dos Santos Mulheres chefes de família e a perspectiva de gênero trajetória de um tema e a crítica sobre a feminização da pobreza Revista de Sociologia e Política Salvador v 21 n 53 p 385399 ago 2008 135 RIBEIRO Ludmila Mendonça Lopes ROCHA Rafael Lacerda Silveira ASSIS Vinícius Assis Nas malhas da justiça uma análise dos dados oficiais de indiciados por drogas em Belo Horizonte 2008 2015 Revista de Sociologia e Política Campinas v 23 n 2 p 397428 ago 2017 delitos de fácil e rápido retorno financeiro ou ainda pelo perfil que esta agrega em uma estrutura criminosa Ribeiro assinala da seguinte forma uma explicação possível para esse fenômeno é a facilidade que a mulher possui para circular com a droga pela sociedade por não constituir em foco principal da ação policial Da mesma forma entende Mizon136 ao acreditar ser evidente que a relação de gênero é determinante nas práticas criminais pois a maioria dos crimes cometidos por mulheres estariam associados ao modelo de socialização das meninas nos quais estas são vistas como mais frágeis perante aos homens devido suas diferenças físicas e psíquicas Daí a origem da participação subalterna das mulheres e a dificuldade de aceitação social das mesmas nas práticas de seus crimes Por esse motivo as mulheres são vistas como alvos fáceis pelos traficantes pois a sociedade em geral tende a não desconfiar das mesmas Assim como no mercado de trabalho formal as mulheres exercem atividades secundárias na estrutura criminosa quase nunca em funções de poder Nesse sentido denotase que a mulher acaba por ocupar uma posição coadjuvante e subordinada nesse tipo de crime realizando serviços de transporte de drogas e pequeno comércio muitas são usuárias sendo poucas as que exercem atividades de gerência do tráfico137 O ingresso das mulheres no tráfico de drogas é apontado como um efeito da feminização da pobreza ou seja da consideração estatística e social de que a pobreza tem atingido de forma significativa as mulheres orientado suas escolhas de vida138 Resta demonstrado a relação da inserção da mulher no tráfico de drogas às questões econômicas porém há outros fatores que influenciam tal situação A mulheres que cometem as infrações elencadas na Lei 1134306 podem estar ligadas as tais práticas por relações de afeto ao sofrerem influência de maridos companheiros irmãos parentes e amigos A situação de vulnerabilidade aliados a impulsos emotivos podem ser outras questões determinantes para a criminalidade feminina mas tal perspectiva não é tema do presente artigo 136 MINZON Camila Valéria Minzon DANNER Glaucia Karina BARRETO Danielle Jardim Barreto Sistema prisional conhecendo as vivências da mulher inserida neste contexto Curitiba 2009 Akrópolis Umuarama v 18 n 1 p 7181 janmar 2010 137 LEVANTAMENTO NACIONAL DE INFORMAÇÕES PENITENCIÁRIAS Infopen MulheresSl INFOPEN 2014 138 CORTINA Monica Ovinski de Camargo Mulheres e tráfico de drogas aprisionamento e criminologia feminista Revista de Sociologia e Política Florianópolis p 761778 dez 2015 4 A LEI DE TÓXICOS No Brasil vigora a Lei 1134306 chamada mais comumente de Lei de Drogas ou Lei de Tóxicos que teve sua publicação no Diário Oficial da União no dia 24 de agosto de 2006 e substituiu a antiga Lei 636876 trazendo alterações significativas na sociedade por meio de uma forte política de repressão ao tráfico Inicialmente insta salientar que o legislador teve como escopo diferenciar o traficante do usuário reduzindo o número de prisões aplicando o princípio da seletividade da penal Para tanto modificou o disposto na Lei n636876 que criminalizava o usuário com uma pena de detenção de seis meses a dois anos além de multa e o traficante com uma pena de reclusão de três a quinze anos acrescida de multa Todavia como se restou demonstrado a quantidade de detenções não diminuiu Com o advento da Lei de Tóxicos pretendeuse a despenalização daquele que que adquire guarda tem em depósito transporta ou traz consigo droga sem autorização para consumo pessoal Este não está mais sujeito à pena privativa de liberdade e sim à uma das penas a seguir advertência sobre os efeitos das drogas prestação de serviços à comunidade medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo139 Se por um lado objetivouse atenuar a punibilidade dos usuários por outro o legislador visou agravar a situação penal dos traficantes e dos agentes responsáveis pela disseminação de drogas aumentando a pena mínima indo de três anos de reclusão para quinze anos de reclusão Diante da nova redação esperavase uma redução no número de prisões Por que essa não aconteceu Essa situação pode ser justificada por um fator determinantes a inexistência de parâmetros concretos e explícitos na legislação que permita um fácil e enquadramento do tipo penal140 Essa difícil distinção do agente na categoria de usuário e traficante pode ser demonstrada através de análise do artigo 28 2º da Lei 1134306 que determina os critérios que devem ser utilizados pelo operador do direito no momento em que for enquadrar o agente Vejamos Para determinar se a droga se destina a consumo pessoal o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida ao local e às condições em 139 BRASIL Lei n 11343 de 23 de agosto de 2006 Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas Sisnad Diário Oficial da União Brasília 24 ago 2006 140 RIBEIRO Ludmila Mendonça Lopes ROCHA Rafael Lacerda Silveira ASSIS Vinícius Assis Nas malhas da justiça uma análise dos dados oficiais de indiciados por drogas em Belo Horizonte 2008 2015 Revista de Sociologia e Política Campinas v 23 n 2 p 397428 ago 2017 que se desenvolveu a ação às circunstâncias sociais e pessoais bem como à conduta e aos antecedentes do agente Atestase que o legislador deixou a definição de qual categoria o infrator será enquadrado à mercê do julgamento subjetivo do operador do direito A falta de critérios objetivos possibilita que o julgador decida de forma arbitrária quem ele quer que seja severamente punido e quem ele quer despenalizar Posto isso resta evidente a importância do estudo acerca do tratamento que a Lei nº1134306 concedeu aos crimes relacionados ao tráfico de drogas e posteriormente analisar como a referida legislação foi determinante para o exponencial aumento de encarceradas 41 UMA POLÍTICA DE REPRESSÃO AO TRÁFICO DE DROGAS O tráfico de drogas na Lei 1134306 é disposto no artigo 33141 e caracterizase pela incidência de dezoito verbos ou seja há dezoitos núcleos do tipo Vejamos Art 33 Importar exportar remeter preparar produzir fabricar adquirir vender expor à venda oferecer ter em depósito transportar trazer consigo guardar prescrever ministrar entregar a consumo ou fornecer drogas ainda que gratuitamente sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar Grifos nossos Dessa maneira o agente ao praticar qualquer um dos verbos descritos no artigo acima incorrerá na prática do crime de tráfico de drogas A pena privativa de liberdade aplicada ao crime de tráfico é de 5 a 15 anos de reclusão enquanto que na lei anterior a pena mínima era de três anos O aumento da pena pode ser justificado pelo fato de se tratar de um crime de extrema reprovação social sendo equiparado aos crimes hediondos142 A força da política de repressão desses crimes pode ser vista ao analisarmos a referida lei sob a ótica da aplicabilidade do Código Penal A Lei 971498143 prevê a substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos podendo ser aplicada quando a pena privativa de liberdade não for superior a quatro anos e o crime não tiver sido cometido com violência ou grave ameaça à pessoa Resta evidente 141 BRASIL Lei n 11343 de 23 de agosto de 2006 Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas Sisnad Diário Oficial da União Brasília 24 ago 2006 142 FILHO Euro Bento Maciel A questão do tráfico de drogas como crime hediondo Tráfico de entorpecentes na forma privilegiada não tem natureza hedionda SI Escala 2017 143 BRASIL Lei n 9714 de 25 de novembro de 1998 Altera dispositivos do DecretoLei no 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal Diário Oficial da União Brasília 26 nov 1998 que tal substituição não mais pode ser aplicada para aqueles que praticaram algum núcleo do tipo penal previsto no art 33 Apesar de ser vedada a substituição em 15 de fevereiro de 2012 o Senado Federal autorizou a conversão Ademais a rigidez ainda se faz presente no art 44 ao determinar que os crimes praticados nos art 33 caput e 1º e arts 34 a 37 são inafiançáveis e insuscetíveis de susis graça indulto anistia e liberdade provisória O legislador ainda buscou vedar a concessão da liberdade provisória bem como determinou o cumprimento da pena em regime fechado Entretanto ambos ditames foram declarados inconstitucionais Em relação à liberdade provisória a jurisprudência resta pacificada ao considerar a não concessão violaria diretamente vários princípios constitucionais a saber princípio da presunção de inocência princípio do devido processo legal e princípio da fundamentação do juízo todos dispostos na Constituição Federal de 1988 no artigo 5º incisos LVII LIV e LXI respectivamente Não obstante foi declarado também inconstitucional o artigo 2º144 1º da Lei de Tóxicos que determinava que o início da pena pelo tráfico de drogas seria cumprida em regime fechado Em junho de 2012 o Supremo Tribunal Federal entendeu que tal dispositivo feria diretamente o princípio da individualização da pena constante no artigo 5º inciso XLVI da Constituição Federal de 1988 Tais inconstitucionalidades demonstram claramente a intenção do legislador em aplicar ao agente que pratica o crime de tráfico de drogas uma punição tão severa a ponto de ultrapassar os limites dos princípios e normas constitucionais As consequências desse emprenho em combater o tráfico de drogas com leis mais rígidas refletem diretamente na atual conjuntura do sistema penitenciário brasileiro principalmente quando se discute o aumento alarmante do encarceramento feminino em virtude da vigência da Lei de Drogas 42 OS REFLEXOS DA LEGISLAÇÃO NO APRISIONAMENTO FEMININO Historicamente sabese que as mulheres sempre ocuparam uma posição de inferioridade em relação aos homens e no tráfico de drogas não é diferente Uma análise dos dados por gênero do encarceramento brasileiro evidencia essa realidade ao 144 BRASIL Lei n 11343 de 23 de agosto de 2006 Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas Sisnad Diário Oficial da União Brasília 24 ago 2006 apurar que as mulheres têm chances 23 vezes mais elevadas de serem incriminadas por tráfico do que homens145 Acerca disso Chernicharo e Boiteux146 expõe A estrutura do mercado de drogas ilícitas reproduz um padrão muito similar ao do mundo do trabalho legal Em geral as mulheres ocupam as posições mais subalternas como mula avião bucha vendedora fogueteira vapor etc Estas posições são também as mais vulneráveis pois demandam contato direto com a droga e como em geral estas mulheres são pobres a margem de negociação ou arregos com os policiais é muito limitada Apesar de exercerem funções secundárias na estrutura do tráfico estas são enquadradas no mesmo tipo penal daqueles que exercem o comando das operações Isso porque quando uma mulher é presa em flagrante delito portando drogas essa é enquadrada na maioria das vezes no crime de tráfico e quase nunca como usuária Demostrase que a mulher sob a ótica do direito mesmo ocupante de posições subalternas está em pé de igualdade com o chefe do morro ou seja com o traficante responsável por toda a organização do narcotráfico O que é totalmente contraditório se pensarmos que para o tráfico de drogas essas mulheres não significam nada Tal situação além de esclarecer o aumento expressivo do encarceramento feminino evidencia o fracasso da política de repressão Sendo a mulher acusada de praticar o tipo penal disposto no artigo 33 da Lei 1134306 a pena dessa variará de cinco a quinze anos e ainda que esta seja penalizada com a menor pena cominada haverá um sérias consequências Como vimos inexiste a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direito o que significa que por mais insignificante que tenha sido a atuação da mulher no tráfico de drogas ela necessariamente terá sua liberdade privada e estará submetida à uma legislação extremamente repressiva que concede o benefício da progressão de regime após o cumprimento de 25 da pena se não reincidente específico e de 35 da pena se reincidente específico147 Como se não já não bastasse a condenação pelo crime a mulher ainda sofre uma outra punição que é enquanto os homens recebem visitas de esposas e companheiras os visitantes das prisões femininas são mães e irmãs que muitas vezes ainda dependem 145 RIBEIRO Ludmila Mendonça Lopes ROCHA Rafael Lacerda Silveira ASSIS Vinícius Assis Nas malhas da justiça uma análise dos dados oficiais de indiciados por drogas em Belo Horizonte 2008 2015 Revista de Sociologia e Política Campinas v 23 n 2 p 397428 ago 2017 146 CHERNICHARO Luciana Peluzio Sobre Mulheres e Prisões Seletividade de Gênero e Crime de Tráfico de Drogas no Brasil 2014 160 f Dissertação Mestrado em Direito Faculdade de Direito Universidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2014 147 BRASIL Lei n 9714 de 25 de novembro de 1998 Altera dispositivos do DecretoLei no 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal Diário Oficial da União Brasília 26 nov 1998 do sustento da encarcerada Acerca dessa dupla condenação Chernicharo e Boiteux148 preleciona Quando presa a mulher experimenta maior discriminação por parte da sociedade e maior abandono por parte da família como demonstram as pequenas filas de visitas em presídios femininos ao contrário das filas dos presídios masculinos com mulheres e crianças cheias de sacolas de comida roupas e produtos de higiene Elas nas filas estão cumprindo seu papel de mulher esposa mãe enquanto as presas que ousaram desafiar as leis do país e da família estão sujeitas a rígidas medidas de observação vigilância e controle que visam a reforçar e incentivar a dependência e a passividade Percebese com isso que para as mulheres inseridas na criminalidade não basta todas as lutas diárias enfrentadas em busca de ensino de qualidade oportunidades iguais no mercado de trabalho e salários equiparados É necessário ainda travar uma luta mais árdua uma luta contra a sociedade contra seus próprios familiares contra o Poder Público É necessário lutar para serem lembradas como seres que possuem direitos direitos que devem ser respeitados e efetivados É necessário também lutar por um direito que não é seu lutar pelos direitos dos seus filhos e filhas porque quando se prende uma mulher se prende toda a sua família pois encarcerar mulheres significa na prática a desestruturação do núcleo familiar 5 CONCLUSÃO Buscouse analisar neste trabalho a atual situação do sistema carcerário brasileiro e o aumento significativo da população feminina encarcerada principalmente depois da promulgação da Lei 1134306 Para isso foi realizado um estudo acerca do papel da mulher na sociedade desde os primórdios até os dias atuais bem como um aprofundamento acerca dos movimentos feministas que foram de extrema importância para a conquista de vários direitos das mulheres Discutiuse o fenômeno da feminização da pobreza como impulsor para a entrada da mulher no tráfico de drogas e ao final e foi analisada a rigidez da Lei de Tóxicos e as consequências que essa traz na vida de uma mulher que é encarcerada pelo crime disposto no artigo 33 da mesma Posto isso concluise que a Lei de Drogas é extremamente falha ao equiparar mulheres que exercem atividades subalternas no tráfico com aqueles que são responsáveis por toda a organização dos narcóticos A rigidez da lei e a falta da aplicação de fato do princípio da individualização da pena não traz um combate às drogas efetivo Muito pelo contrário essa lei se torna um dos fatores responsáveis pela superlotação do cárcere especialmente do cárcere feminino Portanto a implementação de políticas públicas para inclusão das mulheres em uma sociedade mais justa e igualitária onde essas sejam capazes de conseguir um ensino de qualidade tenham oportunidades iguais no mercado de trabalho e salários equiparados Dessa forma é possível afastar o fenômeno da feminização de pobreza e a consequente atração das mulheres para o mundo da criminalidade principalmente para o tráfico de drogas onde o dinheiro rápido para o sustento da família e a flexibilidade nos horários para o exercício da maternidade se tornam fatores extremamente atrativos Acerca da necessidade de inclusão das mulheres na sociedade para a efetivação dos direitos Habbermas149 expõe Os direitos só se tornam socialmente eficazes quando os atingidos são suficientemente informados e capazes de atualizar em casos específicos a proteção do direito garantida através de direitos fundamentais de justiça A competência de mobilizar o direito depende em geral do grau de escolaridade da procedência social e de outras variáveis tal como sexo idade experiencia em processos tipo de relação sócia envolvida no conflito etc grifos nossos Com isso não se visa a exclusão de punibilidade dessas mulheres que praticam o delito mas sim que o legislador reconheça a desproporção existente entre a participação delas na organização do tráfico com a pena na qual são submetidas Por fim a legislação rígida e repressiva como ficou demonstrado no presente trabalho só contribuiu para o aumento alarmante de pessoas encarceradas no Brasil principalmente mulheres Assim é necessário que se repense a política de combate às drogas tendo em vista que essa desde o advento da nova lei em 2006 não está sendo efetiva REFERÊNCIAS ALVES Jaiza Sâmmara de Araújo Criminalidade Feminina um estudo descritivo dos dados estatísticos acerca das mulheres detidas no Brasil e na Argentina Revista do Direito Humanos e DemocraciaSI v 5 n 10 p 175212 out 2017 Disponível 149HABERMAS Jurgen Direito e Democracia Volume II entre facticidade e validade Ed 2 SI Tempo Brasileiro 2003 V102 emhttpswwwrevistasunijuiedubrindexphpdireitoshumanosedemocracia Acesso em 26 mar 2018 BRASIL Constituição 1988 Constituição da República Federativa do Brasil Brasília Senado 1988 BRASIL Lei n 7210 de 11 de julho de 1984Institui a Lei de Execução Penal Diário Oficial da União Brasília 13 jul 1984 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03ato200420062006leil11343htm Acesso em 26 mar 2018 BRASIL Lei n 9714 de 25 de novembro de 1998 Altera dispositivos do DecretoLei no 2848 de 7 de dezembro de 1940 Código Penal Diário Oficial da União Brasília 26 nov 1998 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03ato200420062006leil11343htm Acesso em 26 mar 2018 BRASIL Lei n 11343 de 23 de agosto de 2006 Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas Sisnad Diário Oficial da União Brasília 24 ago 2006 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03ato2004 20062006leil11343htm Acesso em 26 mar 2018 CHERNICHARO Luciana Peluzio Sobre Mulheres e Prisões Seletividade de Gênero e Crime de Tráfico de Drogas no Brasil 2014 160 f Dissertação Mestrado em Direito Faculdade de Direito Universidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro 2014 Disponível em httpwwwneipinfoupdblob00011565pdf Acesso em 26 mar 2018 CORTINA Monica Ovinski de Camargo Mulheres e tráfico de drogas aprisionamento e criminologia feminista Revista de Sociologia e Política Florianópolis p 761 778 dez 2015 Disponível em httpwwwscielobrpdfrefv23n30104026Xref 230300761pdf Acesso em 26 mar 2018 DICIONÁRIO Online de Português Sl sn 2009 2018 Disponível em httpswwwdiciocombrfeminizacao Acesso em 26 mar 2018 ENEGRECER o Feminismo A Situação da Mulher Negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero Sl sn Copyright 2018 Disponível em httpwwwunicapbrneabipageid137 Acesso em 26 mar 2018 FERREIRA Aurélio Buarque de Holanda Dicionário Aurélio de Português Online Sl sn 2016 Disponível em httpsdicionariodoaureliocompobreza Acesso em 26 mar 2018 FILHO Euro Bento Maciel A questão do tráfico de drogas como crime hediondo Tráfico de entorpecentes na forma privilegiada não tem natureza hedionda SI Escala 2017 Disponível em httpwwwrevistavisaojuridicacombr20170606aquestaodotraficode drogascomocrimehediondo Acesso em 26 mar 2018 GOMBATA Marsílea A Lei de Drogas fracassou Disponível em httpswwwcartacapitalcombrsociedadeexplosaodemulherespresaspor drogasemsaopaulomostrafracassodalegislacaoafirmaestudo5497html Acesso em 26 mar 2018 GUIMARÃES Agnes Sofia A dupla punição das mulheres presas por tráfico de drogas Disponível em httpsponteorgaduplapunicaodasmulheres presasportraficodedrogas Acesso em 26 mar 2018 Por justiça para as mulheres indulto do dias das mães Disponível em httpsdiplomatiqueorgbrporjusticaparaasmulheresindultododiadas maes Acesso em 26 mar 2018 HABERMAS Jurgen Direito e Democracia Volume II entre facticidade e validade Ed 2 SI Tempo Brasileiro 2003 V102 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA Censo demográfico 2010 Rio de Janeiro IBGE 2010 Disponível httpsbibliotecaibgegovbrvisualizacaoperiodicos97cd2010familiasdomi ciliosamostrapdf Acesso em 26 mar 201 LEVANTAMENTO NACIONAL DE INFORMAÇÕES PENITENCIÁRIAS Infopen MulheresSl INFOPEN 2014 Disponível em httpwwwjusticagovbrnewsestudotracaperfildapopulacaopenitenciaria femininanobrasilrelatoriomulheres0511pdf Acesso em 25 mar 2014 LOBATO Aline et al Mulheres criminosas analisando a relação entre a desestruturação familiar e criminalidade p 3 Disponível em httpabrapsoorgbrsiteprincipalimagesAnaisXVENABRAPSO24220mulh eres20criminosaspdf Acesso em 26 mar 2018 MACEDO Márcia dos Santos Mulheres chefes de família e a perspectiva de gênero trajetória de um tema e a crítica sobre a feminização da pobreza Revista de Sociologia e Política Salvador v 21 n 53 p 385399 ago 2008 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS01034979200800020001 3lngennrmisotlngpt Acesso em 26 mar 2018 MINZON Camila Valéria Minzon DANNER Glaucia Karina BARRETO Danielle Jardim Barreto Sistema prisional conhecendo as vivências da mulher inserida neste contexto Curitiba 2009 Akrópolis Umuarama v 18 n 1 p 7181 janmar 2010 Disponível em httpwwwrevistasuniparbrindexphpakropolisarticleviewFile31182212 Acesso em 26 mar 2018 NOVELLINO Maria Salet Ferreira Chefia Feminina de Domicílio como indicador de feminização da pobreza de e políticas públicas para mulheres pobres Disponível em httpswwwresearchgatenetpublication239774061CHEFIAFEMININADE DOMICILIOCOMOINDICADORDEFEMINIZACAODAPOBREZAEPOLI TICASPUBLICASPARAMULHERESPOBRES Acesso em 26 mar 2018 PINTO Céli Regina Jardim FEMINISMO HISTÓRIA E PODER Revista de Sociologia e Política Curitiba v 18 n 36 p 1523 jun 2010 Disponível em httpwwwscielobrpdfrsocpv18n3603pdf Acesso em 26 mar 2018 RIBEIRO Ludmila Mendonça Lopes Análise da política penitenciária feminina do Estado de Minas Gerais o caso da Penitenciária Industrial Estevão Pinto 2003 164 f Dissertação Mestrado em Administração Pública Fundação João Pinheiro Belo Horizonte 2003 Disponível em httptedefjpmggovbrhandletede315 Acesso em 26 mar 2018 RIBEIRO Ludmila Mendonça Lopes ROCHA Rafael Lacerda Silveira ASSIS Vinícius Assis Nas malhas da justiça uma análise dos dados oficiais de indiciados por drogas em Belo Horizonte 20082015 Revista de Sociologia e Política Campinas v 23 n 2 p 397428 ago 2017 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS0104 62762017000200397lngennrmisotlngpt Acesso em 26 mar 2018 RODRIGUES Carla 2017 o ano das bruxas em ação Le Monde Diplomatique Brasil Sl 23 jan 2018 126 p 45 CAPÍTULO 07 MIGRAÇÃO HAITIANA NO BRASIL ADEQUAÇÃO AO CONCEITO DE REFÚGIO Rayssa Laleska de Oliveira Costa150 1 INTRODUÇÃO Um fluxo crescente de migrantes de magnitude e características sem precedentes mostrou a insuficiência do aparato jurídico e operacional em tratar da complexidade do fenômeno migratório no Brasil Surgiu na supracitada situação a necessidade de adequação das chegadas pessoas em algum dos institutos de proteção ao migrante da legislação internacional e brasileira Todavia tal tentativa de subsunção fez com que os órgãos responsáveis pelo tratamento das questões migratórias visitassem os conceitos e tipos de migração a fim de auferir de a proteção do refúgio poderia seria cabível Ademais caso concluíssem que não se tratava de refugiados qual seria o instituto no ordenamento jurídico aplicável Neste trabalho buscamos expor a solução dada pelas instituições brasileiras para lidar com a supra referida questão e analisar a partir de pesquisa documental jurídica a coerência das decisões tomadas e da classificação dada no caso concreto aos migrantes em solo brasileiro 2 CONCEITO DE MIGRANTE Não havendo no cenário internacional um significado pacífico para o termo migrante neste trabalho utilizaremos migrante como um termo genérico o qual abrange o movimento de migrantes econômicos pessoas deslocadas e refugiadas no amplo conceito de migração Tal conceito é usado nos estudos relativos à população 150 Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais demografia e movimento de pessoas e analisa a migração com um processo que ocorre de forma voluntária ou forçada151 3 PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS MIGRANTES A partir da Primeira Guerra Mundial passouse a estabelecer mais intensamente restrições à livre circulação entre os países e à liberdade de residência152 Com a Segunda Guerra Mundial um enorme contingente de pessoas deslocadas e apátridas restou impossibilitado de retornar ao seu local de origem Para promover apoio a essas pessoas elaboraramse a Convenção de 1951 e o Protocolo de 1967 bem como as convenções de 1954 e 1961 essas últimas buscando proteger os apátridas153 Inicialmente a Convenção de 1951 protegia quem receasse com razão perseguição por motivos de raça religião nacionalidade filiação em certo grupo social ou opiniões políticas que estivesse fora do seu país e não pudesse ou em virtude de receio não quisesse a ele retornar Dava proteção também aos que não tendo nacionalidade estivessem fora do local de residência habitual e não pudessem ou por receio não quisessem retornar154 Tal Convenção previa a concessão do refúgio para pessoas que migraram em consequência de fatos ocorridos até 1º de janeiro de 1951 e a possibilidade de os signatários considerarem refugiados apenas pessoas advindas da Europa155 O Protocolo de 1967 retirou a limitação temporal e determinou a impossibilidade de se fazer qualquer restrição geográfica ampliando a proteção do refúgio156 151 JUBILUT Liliana Lyra APOLINÁRIO Silvia Menicucci O S A necessidade de proteção internacional no âmbito da migração Revista direito GV São Paulo v 6 n 1 p 275294 2010 p 280 152 JUBILUT Liliana Lyra APOLINÁRIO Silvia Menicucci O S A necessidade de proteção internacional no âmbito da migração Revista direito GV São Paulo v 6 n 1 p 275294 2010 p 278 153 JUBILUT Liliana Lyra APOLINÁRIO Silvia Menicucci O S A necessidade de proteção internacional no âmbito da migração Revista direito GV São Paulo v 6 n 1 p 275294 2010 p278 154 JUBILUT Liliana Lyra O Direito internacional dos refugiados e sua aplicação no orçamento jurídico brasileiro 240p São Paulo Método 2007 p 84 155 JUBILUT Liliana Lyra O Direito internacional dos refugiados e sua aplicação no orçamento jurídico brasileiro 240p São Paulo Método 2007p 84 156 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS ACNUR Protocolo Relativo ao Estatuto dos Refugiados 1967 A posteriori a Declaração de Cartagena157 em 1984 expandiu o conceito da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967 de refúgio e passaram a condição de refugiados também aqueles que tenham fugido do seu país por terem em ameaça sua vida sua segurança ou sua liberdade pela violação dos seus direitos humanos ou por grave violação da ordem pública 4 PROTEÇÃO DOMÉSTICA AOS MIGRANTES ESTATUTO DO ESTRANGEIRO Durante a Ditadura Militar no Brasil foi elaborado o Estatuto de Estrangeiro Lei nº 681580 o qual tem como lógica a manutenção da segurança nacional da época Buscavase facilitar a expulsão de estrangeiros que se envolvessem em atividades políticas O paradigma dessa legislação foi de sustentação da segurança nacional visando proteger a organização institucional os interesses políticos socioeconômicos e culturais do Brasil além do trabalhador nacional158 Na égide dessa lei estrangeiro era um conceito que se chegava por exclusão Identificavase quem era nacional conforme o artigo 12 da Constituição Federal159 e todo aquele que não era brasileiro nato ou naturalizado era considerado estrangeiro160 Nesse sentido o Estatuto do Estrangeiro não trazia um conceito de estrangeiro tampouco diferenciava as espécies de migrantes 157 DECLARAÇÃO de Cartagena Colóquio sobre Proteção Internacional dos Refugiados na América Central México e Panamá Problemas Jurídicos e Humanitários Cartagena1984 158 BRASIL Lei nº 6815 de 19 de agosto de 1980 Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil cria o Conselho Nacional de Imigração Diário oficial da União Brasília 19 ago 1980 159 Art 12 São brasileiros I natos a os nascidos na República Federativa do Brasil ainda que de pais estrangeiros desde que estes não estejam a serviço de seu país b os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou mãe brasileira desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil c os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem em qualquer tempo depois de atingida a maioridade pela nacionalidade brasileira II naturalizados a os que na forma da lei adquiram a nacionalidade brasileira exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral b os estrangeiros de qualquer nacionalidade residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal desde que requeiram a nacionalidade brasileira 160 GUERRA Sidney Alguns aspectos sobre a situação jurídica do não nacional no Brasil da lei do estrangeiro à nova lei de migração Revista Direito em Debate Ijuí v 26 n 47 2017p92 Fazse conveniente tecer considerações sobre a entrada e saída dos estrangeiros vez que prepondera no Estatuto do Estrangeiro a manutenção da segurança nacional a despeito do direito de migrar 41 Espécies de Vistos Nos termos do artigo 1º do Estatuto do Estrangeiro161 a concessão de vistos bem como suas isenções e despesas no Brasil devem observar a reciprocidade de tratamento para brasileiros no país de origem do estrangeiro solicitante de visto Ressaltase que os vistos não podem ser concedidos em território nacional mas apenas nas Embaixadas ConsuladosGerais Consulados e ViceConsulados do Brasil no exterior sendo impossível obter visto em qualquer ponto de entrada da fronteira brasileira162 O art 4º do Estatuto do Estrangeiro as espécies de visto que podem ser concedidos aos estrangeiros quais sejam de trânsito de turista temporário permanente de cortesia oficial e diplomático O visto de trânsito é concedido ao estrangeiro que precise passar pelo território brasileiro e tem como destino final outro país A validade deste visto é de 10 dias improrrogáveis O visto de turista por sua vez é dado ao estrangeiro que venha ao Brasil para recreação ou visita e possui validade de dez anos no máximo permitindo múltiplas estadas de noventa dias não excedendo 180 diasano o qual pode ser reduzido ou prorrogado por mais noventa dias pelo Ministério da Justiça163 Já o visto temporário é conferido a quem venha ao Brasil para estudar fazer negócios ou como artista desportista cientista professor correspondente periódico ou ministro de confissão religiosa dentre outros O prazo deste visto varia a depender da atividade exercida pelo estrangeiro art 14 Lei 681580164 161 BRASIL Decreto nº 82307 de 21 se Setembro De 1978 Dispõe sobre concessão de vistos de entrada para estrangeiros com base em reciprocidade Diário oficial da União Brasília 21 set 1978 162 ITAMARATY Vistos para viajar ao Brasil S l Itamaraty 2017 163 DELOLMO Florisbal de Souza Curso de direito internacional privado 12 ed Rio de Janeiro RJ Forense 2017p 127 164 BRASIL Lei nº 6815 de 19 de agosto de 1980 Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil cria o Conselho Nacional de Imigração Diário oficial da União Brasília 19 ago 1980 O visto permanente é para o estrangeiro que queira morar no Brasil e pode estar condicionado a alguns requisitos legais como o exercício de atividade e fixação em região do território nacional não superior a cinco anos art 18 Lei 681580165 Dispõe o art 19 do Estatuto do Estrangeiro166 que os vistos de cortesia oficial e diplomático são concedidos pelo Ministério das Relações exteriores o qual definirá os casos em que serão adequados tais vistos A Lei 681580 art7º veda que se concedam vistos a menores de dezoito anos desacompanhados do responsável legal ou sem a sua autorização expressa a quem for considerado pernicioso à ordem pública ou aos interesses nacionais a quem já tiver sido expulso do País salvo se a expulsão tiver sido revogada a aquele condenado ou processado em outro país por crime doloso passível de extradição segundo a lei brasileira ou que não atenda às condições de saúde estabelecidas167 Em qualquer das espécies de visto o Ministério da Justiça poderá sempre obstar a entrada estada ou registro do estrangeiro havendo vedação para a concessão do visto ou inconveniência da presença do mesmo conforme o artigo 26 do Estatuto do Estrangeiro168 5 MIGRAÇÃO FORÇADA OU VOLUNTÁRIA Fazse necessário distinguir a migração forçada da voluntária uma vez que a proteção dispensada a cada um desses casos acontece de maneira diversa169 Devese analisar aqueles que podem ou não contar com a proteção do seu país de origem ou residência a fim de aperfeiçoar a proteção despendida a eles170 As migrações voluntárias são os casos em que o indivíduo decide migrar livremente sem interferência de um fator externo por conveniência pessoal Como 165 BRASIL Lei nº 6815 de 19 de agosto de 1980 Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil cria o Conselho Nacional de Imigração Diário oficial da União Brasília 19 ago 1980 166 BRASIL Lei nº 6815 de 19 de agosto de 1980 Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil cria o Conselho Nacional de Imigração Diário oficial da União Brasília 19 ago 1980 167 BRASIL Lei nº 6815 de 19 de agosto de 1980 Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil cria o Conselho Nacional de Imigração Diário oficial da União Brasília 19 ago 1980 168 BRASIL Lei nº 6815 de 19 de agosto de 1980 Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil cria o Conselho Nacional de Imigração Diário oficial da União Brasília 19 ago 1980 169JUBILUT Liliana Lyra APOLINÁRIO Silvia Menicucci O S A necessidade de proteção internacional no âmbito da migração Revista direito GV São Paulo v 6 n 1 p 275294 2010 p 281 170 JUBILUT Liliana Lyra APOLINÁRIO Silvia Menicucci O S A necessidade de proteção internacional no âmbito da migração Revista direito GV São Paulo v 6 n 1 p 275294 2010 p 282 exemplo pessoas em busca de melhores condições materiais para si e seus familiares mudam para outro país Já as migrações forçadas abrangem os casos em que a vontade do indivíduo ao migrar é inexistente ou minimizada em face de fatores externos171 O refúgio é a situação clássica de migração forçada prevalentemente conforme o conceito já visto dado pela Convenção de 1951 e pelo Protocolo de 1967 e no caso da América Latina também nas hipóteses da Declaração de Cartagena Existem também os deslocados internamente migrantes forçados por questões de conflitos armados desastres ambientais ou graves violações dos direitos humanos Como tais pessoas ainda são protegidas pelo seu Estado é peculiar a proteção internacional dos mesmos172 Mudanças ambientais mormente climáticas têm provocado o intenso deslocamento de pessoas fenômeno cada vez mais agravado Esses deslocados ambientais por vezes cruzam as fronteiras nacionais e discutese o enquadramento dos mesmos como refugiados ambientais o que segundo Jubilut173 parece inadequado por não haver perseguição elemento básico do refúgio Por fim há também migrantes forçados que se deslocam em função de situações relativas a seus direitos econômicos sociais e culturais podendo existir em tais casos não efetivação grave dos referidos direitos174 Nesse sentido tais migrantes econômicos são migrantes forçados 6 MIGRAÇÃO HAITIANA NO BRASIL No Brasil quanto a proteção aos refugiados e solicitantes de refúgio a Convenção de 1951 foi reproduzida em vários momentos na Lei 947497175 como por exemplo nos critérios do reconhecimento da condição de refugiados art 1º I e II 171 JUBILUT Liliana Lyra APOLINÁRIO Silvia Menicucci O S A necessidade de proteção internacional no âmbito da migração Revista direito GV São Paulo v 6 n 1 p 275294 2010 p 281 172 JUBILUT Liliana Lyra APOLINÁRIO Silvia Menicucci O S A necessidade de proteção internacional no âmbito da migração Revista direito GV São Paulo v 6 n 1 p 275294 2010 p 282 173 JUBILUT Liliana Lyra APOLINÁRIO Silvia Menicucci O S A necessidade de proteção internacional no âmbito da migração Revista direito GV São Paulo v 6 n 1 p 275294 2010 p 282 174 JUBILUT Liliana Lyra APOLINÁRIO Silvia Menicucci O S A necessidade de proteção internacional no âmbito da migração Revista direito GV São Paulo v 6 n 1 p 275294 2010 p 282 175 BRASIL Lei nº 9474 de 22 de julho de 1997 Define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951 e determina outras providências Diário oficial da União Brasília 23 jun 1997 Há todavia inovações como a consideração de graves violações aos direitos humanos como situação para concessão de refúgio conforme o art 1º III da referida Lei176 Tem direito ao refúgio conforme previsão do artigo 1º da Lei n 94741997177 aqueles que I devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça religião nacionalidade grupo social ou opiniões políticas encontrese fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolherse à proteção de tal país II não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual não possa ou não queira regressar a ele em função das circunstâncias descritas no inciso anterior III devido a grave e generalizada violação de direitos humanos é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país O inédito fluxo migratório de haitianos para o Brasil tanto pela magnitude quanto pelos impactos causados quando em 2010 um terremoto alcançou o Haiti fez analisar os institutos jurídicos aplicáveis à situação em voga e nesse sentido o tipo de migração ocorrente Dessa forma buscouse definir se os então chegados migrantes adequavamse como refugiados ou qual seria o status legal dos mesmos Cabe ressaltar que os migrantes nessa ocasião experimentaram extrema vulnerabilidade como fome falta de acesso à água potável e condições precárias de moradia em decorrência da indefinição de sua situação jurídica178 Os haitianos não possuíam condições necessárias para entrar legalmente no Brasil eis que lhes faltavam os requisitos para concessão do visto Após ingressarem sem visto no Brasil apenas poderiam requerer refúgio Enquanto solicitantes de refúgio não seriam deportados e poderiam ser beneficiários dos serviços públicos179 Nesse sentido os haitianos não recebiam nenhuma assistência estatal sem o protocolo de solicitação de refúgio A feitura deste protocolo poderia demorar meses 176 JUBILUT Liliana Lyra O Direito internacional dos refugiados e sua aplicação no orçamento jurídico brasileiro 240p São Paulo Método 2007 p190191 177 BRASIL Lei nº 9474 de 22 de julho de 1997 Define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951 e determina outras providências Diário oficial da União Brasília 23 jun 1997 178 VÉRAN JeanFrançois NOAL Débora da Silva FAINSTAT Tyler Nem Refugiados nem Migrantes A Chegada dos Haitianos à Cidade de Tabatinga AmazonasDados Rio de Janeiro v 57 n 4 p 10071041 2014 179 VERAN JeanFrançois NOAL Débora da Silva FAINSTAT Tyler Nem Refugiados nem Migrantes A Chegada dos Haitianos à Cidade de Tabatinga AmazonasDados Rio de Janeiro v 57 n 4 p 10071041 2014 p1012 eis que lista de espera só fazia crescer decorrente fluxo ininterrupto de migrantes e da insuficiência de estrutural dos órgãos responsáveis pelo procedimento180 O CONARE concluiu que os haitianos não correspondiam aos critérios legais para concessão de refúgio vez eis que o elemento perseguição é imprescindível para adquirir o status de refugiado181 Por conseguinte foram indeferidos os pedidos de refúgio pelo CONARE que remeteu a questão ao CNIg com fulcro na Resolução Normativa nº 27182 A Resolução Normativa nº 27 prevê que casos omissos e situações especiais serão submetidas ao CNIg a partir de análise individual a fim de permitir que os considerados coletivamente como não refugiados sejam amparados como migrantes em situações especiais183 Portanto o CNIg analisava individualmente os casos dos migrantes e fornecia vistos especiais conforme o caso sendo um processo moroso e pelo fluxo cada vez maior de migração a previsão de análise era cada vez mais longa O CNIg editou a Resolução Normativa nº 97 a fim de dar rumos ao tratamento da migração haitiana dispondo sobre a concessão de visto permanente aos nacionais do Haiti por razões humanitárias A determinação do que seriam os vistos humanitários foi dada pelo artigo 1º da supracitada resolução normativa184 vejamos Artigo 1º Ao nacional do Haiti poderá ser concedido o visto permanente previsto no art 16 da Lei nº 6815 de 19 de agosto de 1980 por razões humanitárias condicionado ao prazo de 5 cinco anos nos termos do art 18 da mesma Lei circunstância que constará da Cédula de Identidade do Estrangeiro Parágrafo único Consideramse razões humanitárias para efeito desta Resolução Normativa aquelas resultantes do agravamento das condições de vida da população haitiana em decorrência do terremoto ocorrido naquele país em 12 de janeiro de 2010 180 VERAN JeanFrançois NOAL Débora da Silva FAINSTAT Tyler Nem Refugiados nem Migrantes A Chegada dos Haitianos à Cidade de Tabatinga AmazonasDados Rio de Janeiro v 57 n 4 p 10071041 2014 p1027 181 TERREMOTO e crise levaram à migração Revista em discussão Revista de audiências públicas do Senado Federal Ano 3 Nº 10 março de 2012 182 VERAN JeanFrançois NOAL Débora da Silva FAINSTAT Tyler Nem Refugiados nem Migrantes A Chegada dos Haitianos à Cidade de Tabatinga AmazonasDados Rio de Janeiro v 57 n 4 p 10071041 2014 p 1029 183 VERAN JeanFrançois NOAL Débora da Silva FAINSTAT Tyler Nem Refugiados nem Migrantes A Chegada dos Haitianos à Cidade de Tabatinga AmazonasDados Rio de Janeiro v 57 n 4 p 10071041 2014p1030 184 ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS Coletânea de Instrumentos de Proteção Nacional e Internacional de Refugiados e Apátridas Sl ACNUR 2017 7 ANÁLISE DO ENQUADRAMENTO LEGAL DOS MIGRANTES HAITIANOS Como visto o CONARE decidiu por não considerar refugiados os migrantes haitianos no evento discutido vez que não estava presente o requisito perseguição necessário para configurar situação de refúgio Para analisar a coerência desse posicionamento é imprescindível observar as motivações dadas pelos migrantes Considerando o estudo feito por Veran185 e observando análises feitas sobre os motivos que ocasionaram os movimentos migratórios temse que a procura por trabalho pobreza e insegurança são os principais ainda que associadas a outros fatores Boa parte dos migrantes 70 declararam ter sido afetados pelo terremoto 33 perderam um membro da família e 51 tiveram suas casas destruídas Ressaltase que a importância das perdas familiares reforça a responsabilidade dos membros sobreviventes e que a relevância da destruição da casa aponta para uma situação de pouca autonomia no país de origem Essa observação é reforçada pela percepção dos migrantes 56 referiramse ao terremoto como uma motivação para a migração É notável que a falta de trabalho é de longe o principal fator alegado 84mas esse fator não é independente uma vez que estava relacionado com o terremoto a pobreza 40 e a insegurançamedo 41 Quando se refere à violação de direitos econômicos sociais e culturais não é fácil diferenciar a situação de migrante econômico e o status de refugiado Devese analisar a possibilidade de alguém deslocado a fim de garantir os direitos supramencionados poder solicitar refúgio ou outro tipo de proteção186 Se a violação dos direito direitos econômicos sociais e culturais decorre da negligência em provêlos e não por atos persecutórios do Estado fica prejudicado o enquadramento como refúgio vez que deve haver fundado temor de perseguição para tanto Dessa forma caso opiniões políticas etnia pertencimento a algum grupo social motivam Estado ou outra entidade com poder suficiente a privar alguém de trabalhar 185 VERAN JeanFrançois NOAL Débora da Silva FAINSTAT Tyler Nem Refugiados nem Migrantes A Chegada dos Haitianos à Cidade de Tabatinga AmazonasDados Rio de Janeiro v 57 n 4 p 10071041 2014p 1014 186 JUBILUT Liliana Lyra APOLINARIO Silvia Menicucci O S A necessidade de proteção internacional no âmbito da migração Revista direito GV São Paulo v 6 n 1 p 275294 2010 p 289 de receber educação ou tratamento de saúde fazse possível à proteção pelo refúgio Portanto deve haver ação do Estado ou outro agente em perseguição ao indivíduo187 Nesse sentido ensina Jubilut e Apolinário 188 que A análise que poderia ser feita é a seguinte se o Estado de origem tentou e tem tentado melhorar a implementação dos direitos econômicos sociais e culturais da sua população sem discriminação não haveria fundamentos para alegar perseguição Entretanto se o Estado falha nessa tarefa discriminando parte da população na provisão dos serviços voltados à realização desses direitos existe argumento fundado em discriminação a determinado grupo social motivo este previsto originalmente na Convenção de 1951 e que atendeu por exemplo aos ciganos vitimados durante o regime nazista Portanto aqueles migrantes que se deslocaram devido a desastres ambientais ou pela falência estatal em prover as mínimas condições de sobrevivência e à situação extrema de miserabilidade não tem amparo do refúgio nos termos da Convenção de 1951 e do Protocolo de 1967 incorporados pelo ordenamento brasileiro Assim a proteção das pessoas nessa condição realizase de forma diversa como de fato aconteceu no Brasil em que foram negados os pedidos de refúgio e concedidos vistos permanentes por razões humanitários Concordamos com tal posicionamento não estando na condição de refugiados os migrantes haitianos haja vista a ausência de perseguição na maioria dos casos No entanto a negativa não poderia significar o desamparo dessas pessoas que estavam em condições de miserabilidade no Haiti e também ao chegar no Brasil enquanto perdurou a indefinição do seu status legal A Resolução Normativa nº 97 para solucionar a questão determinou que fossem concedidos vistos permanentes por motivos humanitários aos haitianos regularizando sua situação jurídica Posteriormente foi aprovada a Lei de Migração já em vigor que deu status legal a esse tipo de visto 8 CONCLUSÃO O arcabouço jurídico e institucional deparouse com intensificação imigratória de características não previstas seja por sua magnitude seja por suas motivações quando da chegada dos imigrantes haitianos no Brasil O aparato estatal baseado no 187 JUBILUT Liliana Lyra APOLINÁRIO Silvia Menicucci O S A necessidade de proteção internacional no âmbito da migração Revista direito GV São Paulo v 6 n 1 p 275294 2010 p 289 188 JUBILUT Liliana Lyra APOLINÁRIO Silvia Menicucci O S A necessidade de proteção internacional no âmbito da migração Revista direito GV São Paulo v 6 n 1 p 275294 2010 p 290 Estatuto do Estrangeiro fundamentado no paradigma da segurança nacional mostrouse insuficiente para a complexidade das questões migratórias suscitadas Demandouse a reorganização das instituições a fim de suprir a situação de anomia e garantir direitos básicos aos envolvidos Neste trabalho objetivando delimitar a legislação aplicável ao questão em estudo fezse breve exposição da legislação internacional tangente ao caso e constatamos que a categoria de migrantes para qual é despendida maior proteção são os refugiados Buscouse também analisar a legislação interna que preponderantemente reconhecia proteção aos refugiados por meio do Estatuto dos Refugiados que em muitos aspectos reproduziu a legislação internacional Em continuidade ao estudo da legislação doméstica contextualizamos o Estatuto do estrangeiro como uma lei baseada no paradigma de manutenção da segurança nacional e incapaz de abarcar a complexidade do fenômeno migratório Ademais destacamos as diferentes espécies de migrantes podendo ser eles forçados ou voluntários sendo os primeiros compelidos a migrarem por fatores externos a vontade e os últimos migrantes por conveniência pessoal Tal exposição teve por objetivo enquadrar os migrantes haitianos como migrantes forçados Foi exposto que os migrantes do caso em estudo são migrantes forçados vez que se deslocaram devido à falência estatal em prover as mínimas condições de sobrevivência e à situação extrema de miserabilidade Não se enquadrando como refugiados por não estarem submetidos à perseguição não havia previsão de concessão de visto que os permitisse permanecer no Brasil legalmente dadas as peculiaridades fáticas Nesse contexto o CONARE corretamente negou refúgio aos migrantes conforme o exposto neste trabalho remetendo a questão ao CNIG com fulcro na Resolução Normativa nº 27 a qual dispôs que casos omissos e situações especiais serão submetidas ao CNI para análise individual A fim de solucionar questões emergenciais e não havendo instituto jurídico adequado à época foi criado por meio de resolução o visto humanitário que representou a possibilidade dos haitianos imigrar legalmente para o Brasil 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme exposto concluiuse corretamente que os haitianos não correspondiam aos critérios legais para concessão de refúgio por não constatarse o elemento necessário perseguição Inexistente outro meio adequado no ordenamento jurídico brasileiro criouse infra legalmente a acolhida humanitária a qual posteriormente passou ao status legal vez que a Lei de Migração passou a prevêla REFERÊNCIAS ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS Coletânea de Instrumentos de Proteção Nacional e Internacional de Refugiados e Apátridas Sl ACNUR 2017 Disponível em httpwwwacnurorgfileadminscriptsdocphpfilefileadminDocumentosportu guesPublicacoes2012Lei94797eColetaneadeInstrumentosdeProtecao InternacionaldeRefugiadoseApatridas Acesso em 01 ago 2017 BRASIL Lei nº 13445 de 24 de maio de 2017 Institui a Lei de Migração Diário oficial da União Brasília 24 maio 2017 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03ato201520182017leiL13445htm Acesso em 7 out 2017 BRASIL Lei nº 9474 de 22 de julho de 1997 Define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951 e determina outras providências Diário oficial da União Brasília 23 jun 1997 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisL9474htm Acesso em 01 out 2017 DECLARAÇÂO de Cartagena Colóquio sobre Proteção Internacional dos Refugiados na América Central México e Panamá Problemas Jurídicos e Humanitários Cartagena 1984 Disponível em httpwwwacnurorgt3fileadminDocumentosportuguesBDLegalInstrumen tosInternacionaisDeclaracaodeCartagenapdf Acesso em 11 out 2017 TERREMOTO e crise levaram à migração Revista em discussão Revista de audiências públicas do Senado Federal Ano 3 Nº 10 março de 2012 Disponível em httpwwwsenadogovbrNOTICIASJORNALEMDISCUSSAOupload201201 2020marcopdfem20discussC3A3omarco2012internetpdf Acesso em 1 nov 2017 FERNANDES Duval FARIA Andressa Virgínia de O visto humanitário como resposta ao pedido de refúgio dos haitianos Revista Brasileira de Estudos de População São Paulo v 34 n 1 p 145161 2017 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS0102 30982017000100145lngennrmiso Acesso em 30 out 2017 JUBILUT Liliana Lyra O Direito internacional dos refugiados e sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro 240p São Paulo Método 2007 Disponível em httpwwwacnurorgt3fileadminDocumentosportuguesPublicacoes2013O DireitoInternacionaldosRefugiadospdfview1 Acesso em 23 set 2017 JUBILUT Liliana Lyra APOLINÁRIO Silvia Menicucci O S A necessidade de proteção internacional no âmbito da migração Revista direito GV São Paulo v 6 n 1 p 275294 2010 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS1808 24322010000100013lngennrmiso access on 17 Nov 2017 httpdxdoiorg101590S180824322010000100013 Acesso em 07 Nov 2017 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS ACNUR Protocolo Relativo ao Estatuto dos Refugiados 1967 Disponível em httpwwwacnurorgfileadminscriptsdocphpfilefileadminDocumentosport uguesBDLegalInstrumentosInternacionaisProtocolode1967 Acesso em 18 out2017 VERAN JeanFrançois NOAL Débora da Silva FAINSTAT Tyler Nem Refugiados nem Migrantes A Chegada dos Haitianos à Cidade de Tabatinga AmazonasDados Rio de Janeiro v 57 n 4 p 10071041 2014 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsciarttextpidS0011 52582014000401007lngennrmiso Acesso em 08 Nov 2017 TÍTULO TERCEIRO DIREITO INTERNACIONAL E AS TRANSFORMAÇÕES NO MUNDO GLOBALIZADO ATUAÇÃO DOS TRIBUNAIS INTERNACIONAIS NACIONALIDADE IMIGRAÇÃO E REFUGIADOS Professora Supervisora do Grupo de Pesquisa Profa Dra Maria de Lourdes Monteiro Albertini CAPÍTULO 01 A GUERRA DA BÓSNIAHERZEGOVINA E O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL NA EXIUGOSLÁVIA Bárbara Thaís Pinheiro Silva189 Jéssica Batista Barbosa190 1 INTRODUÇÃO Durante quase quatro anos entre 1992 e 1995 a população da Bósnia Herzegovina decaiu 93 THE WORLD BANK 2017 em decorrência dos diversos conflitos sangrentos deflagrados em sua região Como em toda batalha isso decorre do contexto histórico que influenciou consideravelmente a trajetória da Bósnia Herzegovina revelando o motivo pelo qual atualmente o país continua passando por incertezas políticassociais alto índice de discriminação e também desemprego Um dos crimes praticados na guerra da Bósnia foi o crime de genocídio Este constitui em uma infração de natureza grave no qual o indivíduo que pratica não quer atingir somente uma pessoa mesmo que o faça fisicamente mas destruir a totalidade ou parte de um grupo específico seja racial nacional étnico ou religioso E o objetivo de sua tipificação é a punição a repressão e a prevenção do crime A necessidade de tipificar o genocídio foi logo depois da Segunda Guerra Mundial no Tribunal de Nuremberg onde não usaram o termo especificamente mas deram os primeiros passos na construção do conceito de o crime contra a humanidade O vocábulo foi utilizado pela primeira vez por Raphael Lemkin 1948 jurista polonês em seu livro Axis rule in occupied europe laws of occupation analysis of government proposals for redress de 1944 e posteriormente o crime foi tipificado na Convenção para Prevenção e Repressão do Genocídio de 1948 189 Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Graduanda em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 190 Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais campus Coração Eucarístico No entanto antes da comunidade internacional chegar a um consenso sobre o que é genocídio diferentes conceituações foram empregadas para caracterizar eventos históricos injuriosos que envolveram graves violações as normas de Direito Internacional Humanitário e de Direitos Humanos tais como a tentativa de eliminação dos judeus por Hitler sendo denominado de o Holocausto a expressão Campos da Morte faz menção a matança de milhares de cidadãos de Camboja no período de 1975 1979 Embora alguns doutrinadores consideram o Genocídio o crime dos crimes frisamos que não há uma hierarquia quanto a gravidade dos crimes internacionais visto que todos dizem respeito as violações de Direitos Humanos de maneira atrozes Destarte o presente trabalho se propõe analisar a atuação do Tribunal Penal Internacional da exIugoslávia mormente no caso de crime de genocídio perpetrado no conflito da BósniaHerzegovina Tema totalmente relevante é este haja vista que a definição do termo genocídio é imprescindível a partir do prisma legal além de o seu elemento caracterizador intenção ser necessário para o julgamento dos casos que envolve genocídio Ademais como veremos o conflito da Bósnia é considerado o conflito mais sangrento deflagrado no território da exIugoslávia razão pela qual escolhemos este caso para analisarmos Em 1993 o Tribunal Penal Internacional para a exIugoslávia floresce com a promulgação da Resolução 827 do Conselho de Segurança da ONU A Resolução determina que o papel do Tribunal seja executado sem prejuízo do direito das vítimas de buscar indenização por danos incorridos como resultado de violações do Direito Internacional Humanitário Um dos objetivos principais seria evitar a impunidade dos indivíduos que cometeram crimes sob a competência do tribunal na região da ex Iugoslávia durante a guerra dos anos de 1990 Um dos fundamentos que legitima a criação do referido Tribunal é o fato das autoridades no âmbito doméstico normalmente não possuírem capacidade para julgar casos de tamanha complexidade como os que são julgados pela justiça penal internacional Ademais salientase que a determinação quanto se uma ação é considerada genocídio ou não é legalmente complexa dependendo portanto de uma análise rígida dos fatos à luz da Convenção sobre Genocídio de 1948 Poucos casos foram considerados pelos órgãos judicantes internacionais como genocídio Dentre eles analisaremos o caso do conflito BósniaHerzegovina julgado pelo Tribunal Penal Internacional para antiga Iugoslávia É um caso emblemático envolvendo questões de limpeza étnica e violações drásticas de Direitos Humanos Por fim com as constantes violações às normas de Direito Internacional especialmente as normas de Direito Penal Internacional a comunidade internacional decidiu após o estabelecimento de tribunais ad hoc para a exIugoslávia e para a Ruanda a implantação de um Tribunal Penal Internacional permanente visando assegurar a defesa dos Direitos Humanos na esfera jurídica de maneira duradoura 2 CONTEXTO HISTÓRICO FORMAÇÃO E DESINTEGRAÇÃO DA EX IUGOSLÁVIA A República Federativa da Iugoslávia no início da década de 1990 era um dos maiores e mais desenvolvidos países dos Balcãs Era composta por seis repúblicas BósniaHerzegovina Croácia Macedônia Montenegro Sérvia e Eslovênia Além das duas regiões separadas Kosovo e Vojvodina que eram províncias autônomas na República da Sérvia Com o colapso do comunismo e com o ressurgimento do nacionalismo na Europa Oriental no final da década de 1980 e início da década de 1990 a Iugoslávia sofreu um período de intensa crise política e econômica O governo central enfraqueceu O nacionalismo se fortaleceu Diversos partidos políticos floresceram nesse período Sendo que alguns partidos defendiam a independência absoluta das repúblicas enquanto outros pediam apenas maiores poderes para certas repúblicas Os líderes políticos advogavam a tese do nacionalismo com o fim de erradicar a identidade iugoslava comum e alimentar o medo e a insegurança entre grupos distintos étnicos MAPA 1 República Federal Socialista da Iugoslávia 1991 Fonte TPII A primeira das seis repúblicas a deixar oficialmente a Iugoslávia foi a Eslovênia declarando a independência em 25 de junho de 1991 No mesmo dia a Croácia declarou também a sua independência No entanto diferente da Eslovênia a retirada da Croácia foi a base de sangue De 1998 a 1999 Kosovo passou por um período de conflito interno no qual a comunidade étnica albanesa lutava por sua independência da Sérvia Em 1991 a antiga República Iugoslava da Macedónia declarou a independência gozando de uma separação pacífica No entanto no início de janeiro de 2001 o grupo militante do exército de libertação nacional albanesa NLA entrou em confronto com as forças de segurança da república com o objetivo de obter autonomia ou independência para as áreas albanesas no país INTERNATIONAL CRIMINAL TRIBUNAL FOR THE FORMER YUGOSLAVIA 2017 De todos os conflitos deflagrados na antiga Iugoslávia o conflito de separação da BósniaHerzegovina iniciado em 1992 é considerado o conflito mais sangrento O governo da BósniaHerzegovina era marcado pela diversidade étnica uma vez que a população era composta por 43 muçulmanos da Bósnia 33 sérvios da Bósnia 17 de croatas da Bósnia e 7 de outras nacionalidades Além disso a posição estratégica da republica tornouse objeto de desejo da Sérvia e da Croácia uma vez que ambas em uma reunião secreta em 1991 planejavam dividir a região Em 1992 em um referendo boicotado pelos sérvios da Bósnia mais de 60 dos cidadãos votaram pela independência Por meio de uma ação militar os sérvios conseguiram controlar mais de 60 do país Os croatas da Bósnia rejeitaram a autoridade do governo da Bósnia e declararam sua própria república com o apoio da Croácia O conflito se transformou em uma sangrenta luta sendo os civis de todas as etnias vítimas de crimes horríveis Estimase que mais de 100 mil pessoas foram mortas e 2 milhões de pessoas mais de metade da população foram forçados a fugir de suas casas A pior atrocidade da guerra ocorreu no verão de 1995 quando a cidade bosniana de Srebrenica uma área segura declarada pela ONU foi atacada por forças lideradas pelo comandante dos sérvios da Bósnia Ratko Mladić que ordenou a morte de mais de oito mil homens e meninos muçulmanos da Bósnia configurando um ato de genocídio As mulheres e crianças da cidade foram expulsas Radovan Karadžić é o expresidente da entidade da Sérvia da Bósnia conhecida como Republika Srpska e comandante supremo do Exército dos Sérvios da Bósnia Foi acusado de genocídio e muitos outros crimes cometidos contra os nãosérvios na BósniaHerzegovina durante a guerra de 19921995 INTERNATIONAL CRIMINAL TRIBUNAL FOR THE FORMER YUGOSLAVIA 2017 A região dos Bálcãs é marcada por um mosaico étnico no qual distintos reinos e impérios perpassaram o seu território No século VII iniciouse o povoamento eslavo e em 1386 Sarajevo foi governada por turcos influenciando a região com a sua cultura e religião islâmica Em 1878 a Bósnia passou a ser ocupada pelo exército austríaco e em 1908 se torna parte do Império AustroHúngaro É notável a grande presença de diferentes povos na península balcânica que historicamente passou por variados domínios bizantinos otomanos e austríacos até se unificar e logo depois fragmentar Por sua característica étnica a região muitas vezes se tornou palco de conflitos sangrentos e causa até hoje tensões políticas e sociais MELLO BERCOVICI 2018 Atualmente os grupos étnicos na BósniaHerzegovina são Bósnios 501 Sérvios 308 Croatas 154 outros 27 não declarados 1 Quanta a distribuição dos grupos religiosos temos muçulmanos 507 ortodoxos 307 católicos 152 ateus 08 agnósticos 03 outros 12 e não declarados 11 CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY 2017 MAPA 2 BÓSNIAHERZEGOVINA Fonte Google Maps A Iugoslávia deu iniciou ao seu processo de unificação depois da Primeira Guerra Mundial com o colapso do Império AustroHúngaro e constituiuse em uma monarquia ditatorial em 1918 que posteriormente recebeu o nome de Reino da Iugoslávia sendo controlada por sérvios O que de certa forma estava claro que não teria sucesso eternamente Durante poucos anos o Reino da Iugoslávia permaneceu em disputas entre sérvios e croatas pelo protagonismo político Posteriormente em 1941 foi invadida pela Alemanha Nazista e Itália fascista o que provocou uma reestruturação do poder político da região e também dos territórios garantindo a passagem de tropas alemãs pelo país e de recursos importantes para a sua manutenção durante a guerra MELLO BERCOVICI 2017 Por fim nasce o Estado Independente da Croácia que na prática foi uma independência aparente pois esta não existia pelo fato de que o Estado era completamente controlado em seus assuntos principalmente internos pela Alemanha e é por isso que também é chamado de puppet State estado fantoche A partir do puppet state nasce o partido político de extrema direita a Ustase com uma direção simpatizante com a limpeza étnica contra os sérvios SILVA 2018 Todavia a população iugoslava não somente tentou resistir o exército nazista como também iniciou batalhas internas entre suas diferentes etnias para o controle da região Havia duas resistências notáveis os Chetniks que eram nacionalistas sérvios que idealizavam a Grande Sérvia e os Partisans iugoslavos de várias naturalidades com inclinação comunista liderados por Josip Broz Tito Foram quatro anos de batalhas e por fim com o apoio inglês e soviético os Partisanos venceram e Tito instaurou a República Socialista Federativa da Iugoslávia 1945 que agregava a Sérvia Croácia Eslovênia Montenegro Macedônia e BósniaHerzegovina e regeu de forma ditatorial até a sua morte SILVA 2018 Josip Broz Tito além de aderir à política de não alinhamento durante a Guerra Fria conseguiu conter o antagonismo político interno de diferentes etnias contudo após sua morte os movimentos nacionalistas cresceram com destaque para os líderes sérvios croatas e bósnios respectivamente Slobodan Milosevic Franjo Tudman e Alija Izetbegovic Todavia o fim da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas URSS em 1991 foi o estopim que propulsionou a independência de regiões na antiga Iugoslávia como a Macedônia a Eslovênia e a Croácia Esse cenário propiciou o desejo pela independência da BósniaHerzegovina porém dentro da própria região havia três grupos étnicos com distintas opiniões acerca da política os sérviosbósnios que defendiam a anexação do território que continha a maior parte da população sérvia da Bósnia os bósniosmuçulmanos que defendiam a total independência da Bósnia e os bósnioscroatas que alegavam a anexação total da Bósnia a Croácia SILVA 2018 Em 1992 os bósniosmuçulmanos declararam independência da Bósnia e os sérvios representados por Karadzic iniciaram uma guerra civil ao cercarem a cidade de Sarajevo que durou até 1995 e atacaram os muçulmanos além de avançarem também pelo território bósnio Um dos marcos da guerra por parte dos sérvios foi a realização da limpeza étnica dos bósniosmuçulmanos e croatas com inúmeros massacres sendo o mais conhecido o de Srebrenica A Sérvia apoiou as tropas de Karadzic e Mladic até 1994 quando foi obrigada a retirarse pelas potências ocidentais Ao mesmo tempo o exército bósnio conseguiu suporte de tropas iranianas e de outros países muçulmanos A guerra foi finalizada com a negociação de paz chamada Acordo de Dayton que se tornou a própria Constituição do país declarando a BósniaHerzegovina independente porém com federações internas controladas novamente pelas diversas etnias presentes Houve a criação da Federação da BósniaHerzegovina comandada por bósniosmuçulmanos e croatas e a República Sérvia da Bósnia ou República Sprska comandada por sérviosbósnios PERES 2013 O acordo reconhece as nacionalidades e idiomas sérvios croatas e bósnios Porém o mesmo apenas pacificou a região sem resolver o problema de fato já que pode se dizer que a Bósnia não é uma nação no sentido lato sensu pois sua população em grande parte não se considera bósnios e até mesmo para adquirir uma visibilidade política o indivíduo teria que escolher sua cidadania entre servo ou croata pois segundo Peres 2013 os direitos sociais culturais e políticos dependem do pertencimento da pessoa a uma das duas entidades e de seu pertencimento aos grupos nacionais Até mesmo o poder político na Bósnia é dividido entre três nacionalidades propiciando a existência da presidência colegiada rotativa ou triunvirato presidencial Ademais para prevenir o descumprimento do acordo foi estabelecido um controle político pela ONU através de um representante que possui altos poderes Bonn Powers sendo maiores até mesmo do que os próprios presidentes da Bósnia Herzegovina PERES 2013 Sendo assim concluise que o Acordo de Dayton construiu uma ficção legal que serviu para preservar a ficção do Estado sem alteração de suas fronteiras ao mesmo tempo em que o fato de ser um Estado fictício fez com que aqueles que o rejeitaram concordassem com a sua existência visto que se trata de um Estado no qual o consenso é impossível Daí o papel do alto representante das Nações Unidas que possui poderes legislativos e executivos para não dizer ditatoriais com o objetivo de garantir a funcionalidade do mesmo HAYDEN apud PERES 2013 3 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO CRIME DE GENOCÍDIO Primeiramente é necessário explanar que o genocídio se constitui juridicamente em crime somente após a Segunda Guerra Mundial contudo essa prática é existente em vários momentos históricos durante o período da colonização vários grupos nativos foram exterminados entre 302 304 dC os Éditos de Diocleciano foram promulgados com o escopo de perseguir os cristãos considerada por alguns como a perseguição mais sangrenta aos cristãos no Império Romano e também durante as Cruzadas na Idade Média milhares de pessoas morreram CANÊDO 1998 A história nos revela que um dos principais fatores que originaram o genocídio foi o conflito entre religiões distintas já que estas são um instrumento de grande efetividade na tentativa de dominação de povos No entanto a compatibilidade de crenças em uma dada região encadeia menores tensões e hostilidades e um exemplo de tal assertiva foram as missões dos padres jesuítas no decorrer da colonização do Brasil com a população indígena Além disso podemos afirmar que o III Reich se diferenciou dos outros genocídios na história do homem devido a sua característica peculiar ao tratar indivíduos de determinadas raças e etnias com a utilização de campos de concentração no qual ocorria a execução sumária de milhares de vítimas do sistema hostil e cruel CANÊDO 1998 Com a criação do Tribunal de Nuremberg em 1945 o seu Estatuto art 6º a b e c elencou os crimes pelos quais os acusados do Tribunal seriam julgados Dentre eles foram estabelecidos os crimes contra a paz os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade este último que seria o embrião da configuração do crime de genocídio Em 1946 a Resolução n96 I da Assembleia Geral da ONU reconhece pela maioria dos Estados a Carta do Tribunal de Nuremberg e seus princípios Os crimes contra a humanidade dizem respeito à proteção de Direitos Humanos fundamentais que por suas dimensões e amplitude merecem guarida em nível internacional Tratase dos mais graves crimes cometidos contra o indivíduo e grupos humanos e são punidos pelas legislações internas de todos os povos E foi em Nuremberg que pela primeira vez se buscou agrupálos em uma só noção de crimes contra a humanidade CANÊDO 1998 p73 O crime de genocídio foi conceituado juridicamente somente na Convenção para Prevenção e Repressão do Genocídio 1948 em que foi desassociado dos crimes contra a humanidade e integrou sua própria natureza lançando sua individualização estabelecida no art 6º do Estatuto de Roma Neste artigo entendese por genocídio os atos homicídio ofensas graves à integridade física ou mental sujeição intencional a condições de vida com vista a provocar a sua destruição imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos transferência à força de crianças do grupo para outro praticados com intenção de destruir no todo ou em parte um grupo nacional étnico racial ou religioso enquanto tal 4 O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EXIUGOSLÁVIA E A TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE GENOCÍDIO O Tribunal Penal Internacional para a exIugoslávia doravante ICTY ou TPII foi o primeiro órgão internacional criado pela Organização das Nações Unidas ONU logo depois do Tribunal de Nuremberg e o de Tóquio em 1993 estabelecido pelo Conselho de Segurança da ONU à luz do que determina o artigo 7º da Carta das Nações Unidas Este tribunal é ad hoc criado para julgar os responsáveis pelas violações do Direito Internacional Humanitário praticadas na guerra da antiga Iugoslávia nos anos de 1990 São quatro tipos de crimes julgados pelo tribunal sendo um deles o genocídio e os outros seriam graves infrações da Convenção de Genebra de 1949 violações de leis e costumes de guerra e ainda crimes contra a humanidade INTERNATIONAL CRIMINAL TRIBUNAL FOR THE FORMER YUGOSLAVIA 2018 O Tribunal Penal Internacional para a exIugoslávia desde a sua criação em 1993 mudou irreversivelmente a paisagem do Direito Internacional Humanitário e proporcionou às vítimas a oportunidade de expressar os horrores que testemunharam e experimentaram O Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou pelas Resoluções 1503 e 1534 a estratégia de conclusão do Tribunal composto por um plano trifásico que determina o encerramento das investigações até o final 2004 enquanto que os julgamentos devem ser realizados até o final de 2008 e a conclusão de todo o trabalho deve ocorre em 2010 No entanto devido a prisão tardia dos fugitivos tais como Goran Hadžić preso em 2011 além da complexidade de certos casos as estimativas iniciais tiveram que ser revisadas para garantir os mais altos padrões de equidade processual Frisase que o TPII tem por principal escopo julgar os responsáveis por atos cruéis como assassinatos tortura estupro escravidão destruição de bens e outros crimes enumerados no Estatuto do Tribunal Desta forma o TPII estaria dissuadindo os crimes futuros e estaria prestando socorro as milhares de vítimas e suas famílias contribuindo para uma paz duradoura O Tribunal julgou mais de 160 pessoas Os indiciados incluem chefes de estado primeiros ministros militares do exército ministros do interior e outros líderes políticos e militares Os casos julgados abordam os crimes perpetrados no período de 1991 a 2001 contra membros de vários grupos étnicos na Croácia BósniaHerzegovina Sérvia Kosovo e Antiga República Jugoslava da Macedónia INTERNATIONAL CRIMINAL TRIBUNAL FOR THE FORMER YUGOSLAVIA 2018 Em seu último relatório divulgado em 17 de maio de 2016 o Presidente do TPII Carmel Agius afirma que o Tribunal já encerrou 151 processos dos 161 indivíduos indiciados Ademais afirma que o Tribunal continua a implementar a estratégia de conclusão a todos os esforços para atingir seus objetivos e concluir os demais julgamentos nas datas estabelecidas INTERNATIONAL CRIMINAL TRIBUNAL FOR THE FORMER YUGOSLAVIA 2018 O trabalho do Tribunal Penal Internacional para a exIugoslávia TPII teve grande importância e inspirou a implementação de dois tribunais temporários o Tribunal Penal Internacional para Ruanda e o Tribunal Especial para Serra Leoa A jurisdição do TPII está sob pessoas naturais somente e não pode processar grupos políticos organizações ou Estados por agressões ou crimes contra a paz sendo estes dois últimos de competência da Corte Internacional de Justiça CIJ Até hoje foram 161 pessoas indiciadas e 83 sentenciadas destas 56 já cumpriram sua sentença e 16 foram transferidas para tribunais nacionais da exIugoslávia Esse mecanismo de transferência de casos fortalece o poder jurídico da região dos Bálcãs para enfrentar situações de violação que normalmente são corriqueiras em tempos de guerra INTERNATIONAL CRIMINAL TRIBUNAL FOR THE FORMER YUGOSLAVIA 2018 No tocante a definição do crime de genocídio como anteriormente já esclarecido predomina o elemento subjetivo do Direito Penal isto é na análise do crime temse que ater na intenção do autor do ato delituoso cometido Assim sendo para o ato referente ao art4º do Estatuto do TPII a intenção do agente seria a de destruir um grupo étnico religioso racial ou nacional e nesse sentido em um dado caso hipotético se o indivíduo comete mil homicídios com intenção apenas de matar não constitui genocídio porém constituiria se praticasse apenas um homicídio com o desejo de destruir um grupo específico Em sua jurisprudência o TPII contribuiu com o conceito de genocídio através do julgamento do caso de Srebrenica onde foi adotado o entendimento de limpeza étnica como uma das formas estabelecidas para prática do crime TAQUARY CORRÊA 2018 A atuação do TPII também cooperou para a proteção de grupos étnicos na atualidade visto que no início dos julgamentos houve constantemente a discussão da proteção concedida pela IV Convenção de Genebra e se esta se aplicava ao caso dos bósnios muçulmanos e sérvios A grande questão era se eles poderiam ser vistos como partes distintas diante dos conflitos porque a Convenção não protegia disputas internas de uma mesma nacionalidade tinhase uma interpretação estrita do artigo 4º do tratado que dispõe São protegidas pela Convenção as pessoas que num dado momento e de qualquer forma se encontrem em caso de conflito ou ocupação em poder de uma Parte no conflito ou de uma Potência ocupante de que não sejam súbditas Os súbditos de um Estado que não esteja ligado pela Convenção não são protegidos por ela Os súbditos de um Estado neutro que se encontrem no território de um Estado beligerante e os súbditos de um Estado cobeligerante não serão considerados como pessoas protegidas enquanto o Estado de que são súbditos tiver representação diplomática normal junto do Estado em poder do qual se encontrem CONVENÇÃO DE GENEBRA IV 2017 Todavia o sentido do artigo supracitado foi adequada à modernidade e retirada a compreensão literal das pessoas que eram protegidas pela Convenção pois no caso da guerra da Bósnia as partes do conflito eram da mesma nacionalidade mas não havia o sentimento de nação entre os povos os indivíduos possuíam um vínculo mais sólido com suas comunidades étnicas específicas Em virtude disso Leonardo Borges 2016 afirma que limitar o âmbito de proteção das vítimas contraria a própria finalidade da Convenção e até mesmo o próprio conceito de Direitos Humanos Os julgamentos dos líderes políticos reforçam a ideia de que a posição superior de um indivíduo frente as pessoas subordinadas não o protegem da acusação sendo assim eles possuem maior responsabilidade pelos delitos praticados no processo de individualização de culpa A posição oficial de qualquer acusado seja como Chefe de Estado ou de Governo ou como funcionário responsável do governo não deve atenuar essa pessoa de responsabilidade criminal nem mitigar punição como bem determina o art 7º 2 Estatuto do TPII AJONU 2018 Além disso o Tribunal Penal Internacional para a exIugoslávia tem demonstrado imparcialidade com os casos em virtude de julgarem igualmente as outras partes do conflito que também cometeram crimes e não apenas a parte perdedora Como por exemplo Rahim Ademi e Mirko Norac este nascido na Croácia e aquele em Kosovo participaram da operação militar Medak Pocket que matou cerca de 100 sérvios além de capturar e ferir soldados Outro caso que também pode ser ilustrado é o de Milivoj Petkovic croata que foi considerado culpado pelos seguintes crimes contra a humanidade contra os costumes da guerra e violações graves da Convenção de Genebra Tal imparcialidade tomada pelo tribunal é de grande valor à situação uma vez que não se compara ao tribunal de Nuremberg que é repleto de críticas quanto aos seus procedimentos AJONU 2018 5 A MOROSIDADE DO TPI Alguns autores legisladores e até mesmo Estados argumentam que o TPII tem sido bastante moroso em seus julgamentos ineficiente e também com alto custo Porém esse tipo de alegação está fundado em comparações entre o TPII com tribunais domésticos sendo que seria mais justo comparálo com tribunais internacionais por simplesmente possuir casos mais complexos que consequentemente custam mais e exigem mais tempo Além disso temse que analisar a complexidade de cada tribunal e de cada caso pois nem todos estão nivelados e cada um possui sua peculiaridade FORD 2018 Outrossim o Tribunal Penal Internacional para a exIugoslávia pode ser considerado mais eficiente que o Tribunal Especial para Serra Leoa SCSL mesmo que este tenha sido mais barato pois ele meramente possui menos casos Contudo não é surpreendente que os julgamentos sejam longos ou caros porque até a relevância dos crimes pequenos julgados pelo TPII possuem natureza grave se comparados com o âmbito doméstico e ainda poucos casos internos podem ser equiparados aos julgados pelo TPII como por exemplo os que abrangem atrocidades em massa De todo modo segundo Stuart Ford 2018 o TPII é mais eficiente que os julgamentos de casos de atrocidades em massa nos Estados Unidos e na Europa E completa dizendo que argumentar que os julgamentos do tribunal são longos e caros não passa de senso comum e invenção Ademais frisase que o objetivo da justiça penal internacional é a defesa dos Direitos Humanos e por conseguinte tem que ser vista de forma complementar às ações internacionais de cunho político ou militar COELHO 2009 6 CONCLUSÃO Em suma depreendese que dado uma observação da situação atual da Bósnia Herzegovina podese concluir que não há certezas em relação ao fim dos seus conflitos A guerra pode ter acabado pelo Acordo de Dayton mas ela ainda é muito recente e vive na memória dos bósnios sérvios croatas e muçulmanos Ademais não é surpreendente que a condição do país não tenha sido concluída visto que seus pesares ao longo da história constatam que a região dos Bálcãs não sobreviveria pacificamente com todas as etnias reunidas e hoje só se pode afirmar tal sentença porque a Bósnia vive sob o supervisionamento do alto representante das Nações Unidas Ademais povos com cultura língua e religião diferentes podem apenas conviver pacificamente e harmonicamente se houver respeito mútuo O TPI para a exIugoslávia possui um grande papel para pôr fim às violações cometidas na guerra civil da Bósnia a partir de 1991 e restaurar e manter a paz Sua jurisdição engloba todo o território da antiga Iugoslávia incluindo espaço aéreo e marítimo Apesar de seu objetivo contribuir para a preservação da paz julgando os sujeitos que praticaram crime qualquer das quatro violações de competência do tribunal sabemos que prevenir outra guerra não cabe somente ao papel dado ao TPII embora este esteja realizando até então um bom trabalho O que motiva os indivíduos a praticarem crimes é mais do que uma simples regulamentação ou repressão da comunidade internacional e com todo o sentimento ainda presente entre os bósnios que já foi discutido essa pode não ser a única solução A jurisprudência do TPII tem sido bastante efetiva em relação ao desenvolvimento do conceito do crime de genocídio e um dos motivos de ter essa grande relevância é que o TPII é um dos primeiros tribunais ad hoc a julgar crimes internacionais graves e além disso estar em conformidade com todos os aspectos processuais e princípios legais como o devido processo legal e non bis in idem este resguardado no artigo 10 do Estatuto do TPII SILVA 2018 Em maio de 1993 o Tribunal Penal para a exIugoslávia foi criado pelas Nações Unidas em resposta a atrocidades em massa que ocorrem na Croácia e na Bósnia Herzegovina Relatos que descrevem crimes horríveis em que milhares de civis foram mortos e feridos torturados e abusados em campos de detenção e centenas de milhares expulsos de suas casas causaram indignação em todo o mundo e estimularam o Conselho de Segurança da ONU a agir As decisões judiciais do TPII estabeleceram precedentes sobre genocídio crimes de guerra e crimes contra a humanidade demonstrando que os líderes políticos não estão isentos da justiça visto que os suspeitos de ter a maior responsabilidade pelas atrocidades cometidas podem ser chamados a conta bem como que a culpa deve ser individualizada O Tribunal estabeleceu as bases para o que é agora a norma aceita para resolução de conflitos e desenvolvimento pósconflito em todo o mundo especificamente que líderes suspeitos de crimes em massa enfrentarão a justiça O Tribunal provou que é possível uma justiça internacional eficiente e transparente Ademais o Tribunal ajudou as comunidades a enfrentar sua história recente Os crimes em toda a região não podem mais ser negados Por exemplo provouse sem dúvida razoável que o assassinato em massa em Srebrenica foi genocídio Enquanto o número mais significativo de casos ouvidos no Tribunal tratou de supostos crimes cometidos por sérvios e sérvios da Bósnia o Tribunal investigou e apresentou acusações contra pessoas de todas as origens étnicas As condenações foram garantidas contra os croatas bem como os dois muçulmanos da Bósnia e os albaneses do Kosovo por crimes cometidos contra os sérvios e outros Embora os seus julgamentos demonstrem que todas as partes nos conflitos cometeram crimes o Tribunal considera sua imparcialidade e equidade serem de suma importância Não leva nenhum lado no conflito e não tenta criar qualquer equilíbrio artificial entre diferentes grupos A evidência é a base sobre a qual a acusação apresenta um caso Sem dúvida o trabalho do Tribunal tem um grande impacto nos estados da ex Iugoslávia Simplesmente removendo alguns dos criminosos mais antigos e notórios e responsabilizandoos Sendo assim o Tribunal contribuiu para acabar com a impunidade e abriu caminho para a reconciliação REFERÊNCIAS AJONU O Tribunal Penal Internacional para a exIugoslávia UNICTY Disponível em httpsajonuorg20121017otribunalpenalinternacionalpara aexiugoslaviaunicty Acesso em 05 fev 2018 BERCOVICI Gilberto MELLO Cecília Antakly de BósniaHerzegóvina Uma Análise Geopolítica Disponível em httpswwwrevistasuspbrrfdusparticleviewFile6724969859 Acesso em 05 fev 2018 BORGES Leonardo O Direito Internacional Humanitário 1 Ed Belo Horizonte Del Rey 2016 BRASIL Decreto nº4388 de 25 de setembro de 2002 Promulga o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional Diário Oficial da União Brasília 25 setembro 2002 CANÊDO Carlos O genocídio como crime internacional 1 Ed Belo Horizonte Del Rey 1998 CENTRAL INTELLIGENCE AGENCY Bosnia and Herzegovina Disponível em httpswwwciagovlibrarypublicationstheworldfactbookgeosbkhtml Acesso em 05 fev 2018 COMITÊ INTERNACIONAL DA CRUZ VERMELHA Jurisdicción de los Tribunales ad hoc para ex Yugoslavia y Ruanda por lo que respecta a los crímenes de lesa humanidad y de genocidio Disponível em httpswwwicrcorgsparesourcesdocumentsmisc5tdl7nhtm Acesso em 05 fev 2018 CONSELHO DE SEGURANÇA DAS NAÇÕES UNIDAS Resolução 827 Disponível em 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Moura COELHO Luiza Tângari Tribunal Penal Internacional uma visão geral da Corte regida pelo Estatuto de Roma através de uma abordagem histórica principiológica e conceitual Disponível em httpcentrodireitointernacionalcombrstaticrevistaeletronicavolume5arquivos pdfsumarioluizaluizapdf Acesso em 05 fev 2018 ONU International Criminal Tribunal for the former Yugoslavia Disponível em httpwwwictyorg Acesso em 05 fev 2018 PERES Andréa Carolina Schvartz O Debate Sobre A Representação Da Diferença E O Significado Da Guerra Na BósniaHerzegóvina Disponível em httpwwwscielobrpdfhav19n40a16v19n40pdf Acesso em 05 fev 2018 SILVA Daniel Neves Iugoslávia na Segunda Guerra Mundial Disponível em httphistoriadomundouolcombridadecontemporaneaiugoslavianasegunda guerramundialhtm Acesso em 05 fev 2018 TAQUARY Eneida Orbage de Britto CORRÊA José Rossini Campos do Couto A Construção Do Conceito De Crime De Genocídio No Tribunal Penal Ad Hoc Para A Ex Iugoslávia O Caso Srebrenica Disponível em httprepositoriouniceubbrbitstream23587601A20construC3A7C3A 3o20do20conceito20de20crima20de20genocC3ADdio20no20Trib unal20Penal20ad20hoc20para20a20exIuguslC3A1via20 20o20caso20Srebrenicapdf Acesso em 05 fev 2018 THE WORLD BANK Bosnia and Herzegovina Disponível em httpsdataworldbankorgcountrybosniaandherzegovina Acesso em 05 fev 2018 CAPÍTULO 02 GUERRA MUNDIAL AFRICANA E A NORMA JUS COGENS ENFOQUE SOBRE O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL Gabriel Nepomuceno Barbosa191 1 ANÁLISE HISTÓRICA As raízes dos conflitos na República Democrática do Congo podem ser encaradas a partir da soma de dois fatores Para que se faça uma análise do primeiro é necessário recorrer a um dos maiores massacres étnicos registrados na história o genocídio em Ruanda VALENZOLA 2013 no ano de 1994 onde a maioria hutu dizimou a minoria tutsi que por sua vez eram detentores do poder político como um meio de manifestar sua indignação em relação à forma que a política era exercida naquele território passando distante dos interesses hutus VALENZOLA 2013 Com os intermináveis e sangrentos conflitos ocorreu que o fluxo migratório cresceu de maneira estrondosa em direção à República Democrática do Congo VALENZOLA 2013 Apesar do fluxo ter ocorrido em maior parte pela parcela tutsi da população estes não encontravam nada menos que discriminação pelos banyamulengues representantes do povo tutsi originário do Congo VALENZOLA 2013 Entretanto houve também uma parcela de hutus que migraram rumo à República Democrática do Congo alguns com objetivo de fugir de uma possível retaliação tutsi e outros visando estabelecer um novo local de moradia dada a violência que ocorria em Ruanda VALENZOLA 2013 Assim em clima de extrema tensão era questão de tempo até que um novo conflito se iniciasse visto que ambos tutsis e hutus somados aos tutsis congoleses conviviam novamente no mesmo território O segundo fator determinante para os recorrentes conflitos no Congo podem ser resumido em um nome JosephDesiré Mobutu O primeiro ditador congolês é um personagem de suma importância para que se entenda de fato o conflito que perpetua até hoje na República Democrática do Congo Durante todo seu período no poder no 191 Graduando em Direito pela Pontifícia universidade Católica de Minas Gerais qual tornou a corrupção uma prática corriqueira no país o ditador Mobutu buscava beneficiar apenas uma minoria congolesa uma parcela populacional que detinha 70 da riqueza ICG 2012 A insatisfação popular com a extensa exploração dos recursos minerais da República Democrática do Congo os quais não voltavam para a população fez insurgir no meio de uma imensurável revolta a Aliança das Forças Democráticas pela Libertação do CongoZaire AFDL uma milícia armada composta por tutsis e apoiada por países como Ruanda Angola e Uganda VALENZOLA 2013 Após considerável avanço por parte desse grupo o líder LaurentDesiré Kabila tomou o poder e decidiu por exilar Mobutu VALENZOLA 2013 Entretanto por não desejar que os países que o apoiaram inicialmente ingerissem em seu governo Kabila decidiu por expulsar as influências destes do território congolês VALENZOLA 2013 fato que causou considerável insatisfação por parte desses países que por sua vez passaram a apoiar milícias menores dando surgimento à diversas destas as quais se destacam o Movimento pela Libertação do Congo MLC apoiada por Uganda e a União Congolesa pela Democracia RCD que por sua vez era favorecida por Ruanda COOK 2013 Foram justamente esses rompimentos e cisões que oportunizaram a Segunda Guerra do Congo iniciada em 1998 COOK 2013 em uma marcante disputa por territórios e riquezas minerais Mais uma vez a República Democrática do Congo se via em um conflito armado de proporções ainda maiores motivo pelo qual é denominado como a Grande Guerra Africana VALENZOLA 2013 Caracterizado como a maior crise humanitária em duas décadas COOK 2013 a Guerra tomou proporções expressivas e chegou a matar mais de 5 milhões de pessoas COOK 2013 o que fez com que a ONU agisse oportunizando os Acordos de Lusaka Esses acordos além de pregarem o cessar fogo e a retirada de tropas do país o que contudo não foi devidamente respeitado trouxeram uma resolução importante qual seja permissão para que a ONU passasse a enviar forças para a manutenção da paz no país Dessa forma os Acordos de Lusaka ensejaram a criação em 1999 da Missão das Nações Unidas no Congo MONUC visando enviar missões recorrentes de peacekeeping para monitorar o cumprimento dos acordos e fazer com que a integridade física dos civis fosse mantida durante o desenrolar do conflito Essa medida inclusive foi interrompida devido à constatação de que durante a Guerra do Congo ocorreram as mais escandalosas violações aos direitos humanos inclusive escândalos com os próprios capacetes azuis como são conhecidos os soldados da paz da ONU Foi noticiado em 2011 que os capacetes azuis incumbidos da manutenção da paz na República Democrática do Congo eram responsáveis também por estupro pedofilia e prostituição em solo congolês Em 2004 um relatório interno da organização vazado à imprensa dava conta de 68 supostos casos de estupro prostituição e pedofilia por capacetes azuis da ONU na missão de paz do Congo Segundo o documento a exploração sexual e abuso particularmente a prostituição de menores são generalizados e de longa data Além disso todos os principais batalhões estão aparentemente implicados O GLOBO 2011 O MUNDO p 26 Em 2002 um ano após o assassinato do então presidente Kabila na cidade de Sun City África do Sul deuse início a uma série de debates sobre a situação vivida pela República Democrática do Congo VALENZOLA 2013 Essas reuniões visavam convencionar um presidente provisório haja a vista a necessidade de eleições democráticas e a promulgação de um novo texto constitucional Entretanto dado ao fato de existirem no Congo inúmeras partes e povos conflitantes conceber um sistema político que agradasse a todos não foi tarefa simples VALENZOLA 2013 Dessa forma o acordo chegado ao fim de 2003 previa que Joseph Kabila filho do falecido ex presidente LaurentDesiré Kabila seria mantido como presidente contudo seria obrigado a governar cerceado por quatro vicepresidentes um seria representante da MLC outro da RCD outro da oposição política e outro da sociedade civil VALENZOLA 2013 Solução que em 2003 por meio de um acordo de paz responsável por trazer um governo transitório STEARNS 2012 deu cabo à Guerra do Congo para fins meramente formais STEARNS 2012 Em meio às constantes disputas entre as milícias congolesas em 2005 Joseph Kabila foi eleito presidente da República Democrática do Congo e governaria em parceria com um primeiroministro Antoine Gizenga terceiro colocado nas eleições presidenciais Entretanto o fato é que o presidente apesar de ter assumido o controle político legal do país governaria junto com as milícias que à essa altura já haviam ganhado maior estruturação e organização principalmente após o término da Grande Guerra Africana Estas já haviam disseminado tanta influência perante o território que seriam capazes inclusive de marginalizar o poder estatal na República Democrática do Congo VALENZOLA 2013 Dessa maneira é constatável que o Congo permanece em clima de tensão até os dias atuais Uma das maiores ilustrações disso são os recorrentes aumentos em missões da ONU nesse território com um expressivo contingente de soldados atualmente tem limite máximo de 16215 militares ONU 2017 Para fins formais a Guerra Mundial Africana chegou ao seu fim Entretanto a República Democrática do Congo sente até hoje as cicatrizes desse conflito 2 DELIMITAÇÃO LEGAL Feita essa breve exposição histórica fazse de extrema necessidade a constatação de que no período de 1993 a 2003 ocorreram inúmeras violações aos direitos humanos na República Democrática do Congo que vão desde o recrutamento de crianças ONU 2007 até o possível cometimento de crime de genocídio OHCHR 2010 Com o objetivo de apoiar o governo congolês e a sociedade civil a desenvolver mecanismos de justiça de transição conceito que em síntese para Louis Bickford Justiça de Transição referese ao campo de atividades e investigação sobre como as sociedades lidam com legados de violações e abusos contra os direitos humanos praticados no passado atrocidades em massa outras formas severas de trauma social incluindo o genocídio e a guerra civil a fim de construir um futuro mais democrático justo e pacífico BICKFORD 2004192 O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos ACNUDH publicou em 2010 um extenso relatório enumerando as mais graves violações dos direitos humanos e do direito internacional humanitário durante o período de 10 anos cometidos em território congolês OHCHR 2010 tanto pelo Estado quanto por atores nãoestatais ONU 2010 O relatório constata que a vasta maioria dos mais de 600 incidentes descritos representam múltiplas violações dos direitos humanos e dos direitos internacionais humanitários OHCHR 2010 Necessário frisar ademais que o relatório elaborado pelo ACNUDH não é uma investigação judicial é um exercício preliminar como afirma Navi Pillay o Alto Comissário de Direitos Humanos OHCHR 2010 De extrema valia portanto fazer uma breve menção à este para fins de constatação das imensuráveis atrocidades e desrespeito aos direitos humanos cometidos no período de uma década 1993 2003 em solo congolês Tratandose primeiramente dos crimes de guerra essencial fazer uma breve conceituação deste Derivados inicialmente da Primeira Convenção de Genebra datada de 1864 os crimes de guerra referemse a sérias violações dos direitos 192 Transitional justice refers to a field of activity and inquiry focused on how societies address legacies of past human rights abuses mass atrocity or other forms of severe social trauma including genocide or civil war in order to build a more democratic just or peaceful future BICKFORD 2004 humanitários internacionais cometidas contra civis ou combatentes inimigos durante um conflito armado Convenções de Genebra 1949 Protocolos Adicionais I e II 1977 Sua positivação mais recente pode ser encontrada no artigo 8º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional de 1998 Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional 1998 A vasta maioria dos delitos narrados no relatório constam nos incisos do artigo 8º como o homicídio doloso causar intencionalmente grande sofrimento ou ofensas graves à integridade física ou à saúde estupro tomada de reféns e a destruição arbitrária de bens civis inclusive àqueles essenciais para que a população sobreviva entre outros A maior parte dessas transgressões foram cometidas contra pessoas que não ingressaram no conflito como quem vivia em campos de refugiados caracterizando de acordo com as Convenções de Genebra as pessoas protegidas por este Olhares do Mundo 2016 Segundo a própria comissão caso os delitos constantes neste relatório resultantes de um conflito armado fossem de fato julgados e tratados dentro de uma demanda judicial seriam considerados como uma séria violação aos direitos humanos consagrados internacionalmente OHCHR 2010 Analisando agora a questão dos crimes contra humanidade outra atrocidade cometida no período de 1993 a 2003 cabe ressaltar que está codificado no artigo 7º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional caracterizandose inclusive como uma norma Jus Cogens ou seja uma norma imperativa de Direito Internacional BITTAR ALMEIDA 2008 O relatório aborda crimes como o homicídio extermínio estupro perseguição e quaisquer outros atos desumanos de caráter similar aos expostos cometidos no quadro de um ataque generalizado ou sistemático contra qualquer população civil havendo conhecimento desse ataque nos termos do artigo Artigo 7º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional 1998 O relatório inclusive expõe que os crimes foram dirigidos contra toda a população civil não combatente tendo seu foco principal em mulheres e crianças OHCHR 2010 O comissariado conclui que como grande parte dos atos de violência perpetrados durante todo o conflito faziam parte de campanhas de represália e perseguição aos refugiados esses termos podem ser vistos como uma série generalizada e sistemática de ataques contra a população civil classificandose como um crime contra a humanidade OHCHR 2010 Dessa forma denotase que todos os atos praticados segundo a teoria de Lyal S Sunga na obra Tribunal Penal Internacional comportam as três formas de aplicação de crimes contra a humanidade no caput do artigo 7º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional quais sejam Cometido como parte de um amplo e sistemático ataque ou seja envolvendo planejamento e organização ato praticado contra a população civil e por fim que os atos sejam cometidos com conhecimento e ciência do ataque dando a ideia de que o perpetrador soubesse ou devesse saber a ocorrência de um ataque ou por meio da ideia de que o ato é cometido sabidamente como parte de um amplo e sistemático ataque CHOUKR AMBOS 2000 Ademais ressaltase que o crime contra a humanidade é um crime de caráter imprescritível BITTAR ALMEIDA 2008 consagrado inclusive na Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes Contra a Humanidade de 1968 Dessa forma denotase a nítida e inquestionável constatação de que de fato houve crime contra a humanidade na República Democrática do Congo Ainda sobre os crimes contra a humanidade salientase que o Tribunal Militar de Nuremberg responsável por ter sido a maior conquista no plano da repressão aos crimes internacionais SOUZA 2005 tendo em vista que a partir dele é reconhecida a existência de um direito penal internacional tipifica a conduta crime contra a humanidade em seu artigo 6º de maneira inédita o que explicita a magnitude dos crimes contra a humanidade Vale reproduzilo Art 6º O Tribunal instaurado pelo Acordo mencionado no artigo primeiro acima para julgamento e punição dos grandes criminosos de guerra dos países europeus do Eixo terá competência para julgar e punir todas as pessoas que agindo por conta dos países europeus do Eixo cometeram individualmente ou como membros de organizações qualquer um dos seguintes crimes c crimes contra a humanidade isto é o assassinato exterminação redução à escravidão deportação e qualquer outro ato desumano cometido contra populações civis antes e durante a guerra ou então perseguições por motivos políticos raciais ou religiosos quando esses atos ou perseguições quer tenham ou não constituído uma violação do direito interno dos países onde foram perpetrados tenham sido cometidos em consequência de qualquer crime que entre na competência do Tribunal ou em ligação com esse crime ESTATUTO In FERRO 2002 Por fim cabe discorrer sobre o crime de Genocídio Desde que foi concebido derivado diretamente de um único tratado multilateral qual seja a Convenção de Genocídio de 1948 seu conceito permanece o mesmo Foi redigido pela comunidade internacional com zelo e precisão consideráveis visto que objetivava otimizar persecuções nas justiças nacionais e na Corte Internacional CHOUKR AMBOS 2000 Constante no artigo 6º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional definese crime de genocídio como quaisquer atos praticados com a intenção de destruir no todo ou em parte um grupo nacional étnico racial ou religioso Artigo 6º Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional 1998 nos termos do artigo os quais versam sobre uma série de condutas que representam violações ao direito à vida e à integridade física eou mental dos membros de um determinado grupo O relatório é nítido ao afirmar que há de fato um intenso debate relacionado à questão de genocídio contra o grupo étnico dos hutus dado o fato de existirem uma série de alegações de massacres e outras violações aos direitos humanos ocorrendo desde 1996 no oeste da República Democrática do Congo OHCHR 2010 Entretanto até então é uma questão que permanece sem resolução o que pode apenas ser decidido por meio de uma decisão judicial baseada em provas concretas e distante de qualquer dúvida razoável OHCHR 2010 Dessa maneira é de suma importância uma investigação judicial que objetive desobscurecer as atrocidades que ocorreram em território congolês no período de 1996 a 1997 Somente essa investigação e demanda judicial seria competente para solucionar e resolver se esses crimes podem ser considerados de fato crimes de genocídio 3 JUS COGENS E O CONFLITO CONGOLÊS Passase agora à uma análise mais profunda do previamente tratado crime contra a humanidade descrito no relatório elaborado pelo ACNUDH Como exposto anteriormente torturas execuções extralegais estupros e desaparecimentos todos esses conceitos e outros mais abarcados pela definição de crime contra a humanidade tratamse de normas Jus Cogens BITTAR ALMEIDA 2008 Jus Cogens pode ser definido como a norma mais importante para o direito internacional NASSER 2005 Em termos kelsenianos o Jus Cogens se encontraria no topo da pirâmide normativa do direito internacional pois essa norma introduz de maneira irrefutável uma hierarquia normativa no ordenamento jurídico internacional NASSER 2005 Dessa forma temse de um entendimento comum que a tradução direta de Jus Cogens significa direito imperativo segundo Jean Salmon SALMON 2001 Essa imperatividade se dá justamente devido ao fato das normas tratarem de conteúdos mais relevantes e essenciais para o direito internacional NASSER 2005 é o caso do crime contra a humanidade versado no artigo 7º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional Tratandose de uma conceituação de acordo com o ordenamento jurídico o Jus Cogens encontra seu significado no Artigo 53 da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados o qual se reproduz a seguir Uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza Artigo 53 CVDT Dessa maneira a questão a ser tratada é justamente que no período de Guerra na República Democrática do Congo além de inúmeras violações aos direitos humanos houve a constatação de crime contra a humanidade como comprovado no relatório elaborado pelo ACNUDH Por se tratar de uma norma Jus Cogens norma fruto de um intenso processo histórico político e social detentora de caráter obrigatório para todos os Estados e hierarquicamente superior à quaisquer normas estatutárias WAISBERG 2017 é uma norma eminentemente inviolável de observância obrigatória No entanto mesmo levando em consideração sua imperatividade houve violação dessa norma no período de 1993 a 2003 na República Democrática do Congo 4 O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL E A IMPUNIDADE NO CONGO Tratandose do Tribunal Penal Internacional cabe conceituálo inicialmente O Tribunal Penal Internacional TPI foi estabelecido pelo Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional e iniciou suas atividades em julho de 2002 quando da 60ª ratificação ao Estatuto MAIA HAMA 2014 definido como um tratado internacional obrigatório somente aos Estados que expressaram formalmente seu consentimento em se submeter às suas previsões e portanto aderem à sua jurisdição como é o caso da República Democrática do Congo que o ratificou em 11 de abril de 2002 PORTELLA JR 2005 Subsidiariamente ao Poder Judicial dos Estados o TPI processa e julga acusados de crimes de genocídio crimes contra a humanidade crimes de guerra e o crime de agressão nos termos do artigo 5º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional Ademais ressaltase que o TPI julga apenas indivíduos diferentemente da Corte Internacional de Justiça que examina litígios entre Estados WAISBERG 2017 Na avaliação do Secretário da ONU à época o General Kofi Annan a criação do TPI representa um presente de esperança para as gerações futuras e um avanço gigante na marcha dos direitos humanos universais e o império da lei CHOUKR AMBOS 2000 Contrapondose aos Tribunais Internacionais de Exceção ou Tribunais Internacionais ad hoc que de maneira resumida são tribunais com competência limitada em relação aos fatos e no tempo WAISBERG 2017 especialmente constituídos para julgar crimes já ocorridos em contextos extremamente particulares como o Tribunal Militar de Nuremberg e o Tribunal Penal ad hoc para Ruanda Comitê Internacional da Cruz Vermelha 2000 o Tribunal Penal Internacional possui competência permanente e não retroativa CHOUKR AMBOS 2000 O que significa diretamente que somente compete à Corte julgar crimes após sua instauração ou seja crimes cometidos após o dia primeiro de julho de 2002 Em se tratando sobre os Tribunais Internacionais ad hoc o Tribunal Militar de Nuremberg é digno de uma análise mais profunda visto que sofreu muitas críticas pela comunidade internacional SOUZA 2005 principalmente por atropelar um dos princípios basilares do Direito Penal o Princípio da Legalidade De acordo com esse princípio só existirá crime se houver uma lei penal prevendo taxativamente que uma determinada conduta é criminosa PEREIRA 2011 É preciso que a lei preveja uma sanção penal pois não há crime sem pena Esse é o raciocínio extraído da máxima jurídica nullum crimen nulla poena sine lege Como foi constituído ex post facto o Tribunal Militar de Nuremberg tipificou a conduta crime contra a humanidade em seu artigo 6º de maneira inédita condenando réus por condutas até então não previstas como típicas quando praticadas Ora nesse caso há uma nítida violação ao princípio da irretroatividade da lei penal e o princípio da legalidade tendo em vista que o crime contra a humanidade mesmo crime cometido em solo congolês OHCHR 2010 retroage e incide sobre condutas até então não tipificadas Sobre a violação de tais princípios no âmbito dos crimes julgados pela Corte de Nuremberg assevera Yrigoyen 1955 que O Estatuto aplicado pelo Tribunal de Nuremberg foi uma lei ex post facto e a imposição de sanções penais violava os princípios básicos do direito que são a irretroatividade das leis e aquele derivado da máxima nullum crimen nulla poena sine lege YRIGOYEN 1955 p 289193 Diante do exposto o Tribunal Penal Internacional visando não incorrer na mesma violação de princípios elementares para o Direito Penal adota a competência Ratione Temporis segundo o próprio inciso 1º do artigo 11 do Estatuto de Roma do 193 El Estatuto aplicado por el Tribunal de Nuremberg fué una ley ex post facto y la imposición de las sanciones penales vulneraba los principios básicos del derecho que son la irretroatividad de las leyes y aquel que deriva de la máxima nullum crimen nulla poena sine lege YRIGOYEN 1955 p 289 Tribunal Penal Internacional artigo este que visa justamente evitar comparações indevidas com os Tribunais de exceção ou Tribunais ad hoc COSTA 2002 O Tribunal só terá competência relativamente aos crimes cometidos após a entrada em vigor do presente Estatuto art 11 do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional Com isso vale dizer que absolutamente todos os crimes cometidos antes da data em que o Tribunal Penal Internacional entrou de fato em vigor não poderão ser levados a julgamento pela Corte ele tem jurisdição unicamente nos casos de crimes cometidos após a sua entrada em vigor MAIA HAMA 2014 Significa diretamente que a grande maioria dos crimes comportados no Relatório elaborado pelo ACNUDH sobre as atrocidades cometidas na República Democrática do Congo saíram até então impunes Essa competência deixa uma considerável lacuna para os crimes cometidos anteriormente à data de instauração do TPI MAIA HAMA 2014 o que resulta na produção de um intenso sentimento de impunidade tanto por parte da comunidade internacional quanto por parte das vítimas Segundo o Relatório Anual da Anistia Internacional de 2005 apenas 3 anos após a instauração do Tribunal Penal Internacional sobre a situação dos direitos humanos na República Democrática do Congo o sistema judicial do país é marcado pela ineficiência ausência de infraestrutura e falta de recursos humanos e materiais AMNESTY USA 2005 o que claramente expõe a incapacidade das instituições congolesas serem capazes de prosseguir com a investigação e o devido julgamento das atrocidades cometidas no período de 1993 a 2002 Essa ineficácia nas instituições somada à não retroatividade do TPI pode resultar na impunidade de milhares de crimes inclusive na falta de punição a crimes contra a humanidade norma explicitamente de Jus Cogens advinda de uma fonte de costume internacional AMNESTY USA 2005 5 A IMPUNIDADE NA REPÚBLICA DEMOCRÁTICA DO CONGO Questionase o que deve prevalecer em uma situação única como a que se confere na República Democrática do Congo De um lado o princípio da irretroatividade da lei penal consagrado no artigo 24 e amparado pelo artigo 11 do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional Em contrapartida o que se vê é a violação de uma norma de caráter Jus Cogens que ao menos em tese é norma inviolável Com a constatação de que foi cometido crime contra a humanidade no relatório elaborado pelo ACNUDH é nítido que na República Democrática do Congo houve a inobservância de uma norma superior e imperativa de Direito Internacional NASSER 2005 Isto posto é discutível até que ponto o Jus Cogens deve ser ignorado em detrimento do princípio da irretroatividade penal Em debate semelhante a Corte Internacional de Justiça julgou em 3 de fevereiro 2012 caso em que se contrapôs a Imunidade Jurisdicional do Estado e a transgressão de norma de caráter Jus Cogens Diante desse conflito fazse de extrema valia mencionar o voto dissidente do Juiz Cançado Trindade junto ao Acórdão da Corte Internacional de Justiça no emblemático caso supracitado que sucintamente remete à Segunda Guerra Mundial na qual forças alemãs ocuparam grande parte do território italiano tendo cometido sérias violações do Direito Internacional Humanitário como os massacres de civis e a deportação de civis e militares para a realização de trabalhos forçados na Alemanha e em seus territórios sob ocupação ALMEIDA 2016 Contudo após a conclusão de tratados entre os países e a adoção de leis alemãs que buscaram outorgar compensação às vítimas do nacionalsocialismo perseguidas pelo regime nazista os tribunais alemães continuavam denegando requerimentos de compensação ajuizados por cidadãos italianos sob o pretexto de que estes seriam prisioneiros de guerra e portanto estariam enquadrados em categoria que não permitiria qualquer indenização ALMEIDA 2016 A Comissão Internacional de Justiça decidiu por 14 votos a 1 que a República Italiana não cumpriu a sua obrigação de respeitar a imunidade reconhecida à República Federal de Alemanha pelo direito internacional ao tomar medidas de execução forçada da Villa Vigoni bem como ao declarar executórios no território italiano acórdãos gregos fundados em violações do direito internacional humanitário cometidas na Grécia pelo Reich Alemão o que aliás tinha motivado a intervenção desse país no processo e que A República italiana terá que promulgar uma legislação adequada ou usar de qualquer outro método de sua escolha com o objetivo de garantir que as decisões de seus tribunais e as das outras autoridades judiciais que infringem a imunidade reconhecida à Alemanha pelo direito internacional fiquem sem efeito MAIA PRADO 2014 O único Juiz a ter apresentado voto dissidente foi o brasileiro Cançado Trindade caracterizando uma opinião divergente com argumentos louváveis e merecedores de reprodução para que se reflita sobre o caso da violação de uma norma Jus Cogens e a impunidade na República Democrática do Congo Por se tratar de um voto de grande extensão analisarseá somente trechos para a presente discussão do tema tratado neste trabalho Inicialmente Cançado Trindade cita um trecho impactante desenvolvido pelo jurista Albert de La Pradelle 18711955 o direito internacional foi construído a partir dos seres humanos e existe por e para eles MAIA PRADO 2014 No que toca a discussão sobre a norma Jus Cogens e a imunidade estatal em discussão o Juiz explicita que Uma norma processual não pode prevalecer sobre uma regra material de jus cogens já que seria inconsistente com o propósito e o ratio da norma material e resultaria na impunidade para os Estados que cometeram graves violações as normas imperativas MAIA PRADO 2014 Pelo exposto percebese a tamanha importância de uma norma Jus Cogens Caso alguma outra norma prevaleça sobre esta o resultado seria uma impunidade às violações constatadas na República Democrática do Congo e narradas no relatório elaborado pelo ACNUDH OHCHR 2010 que são agravadas ao se constatar que tratamse de um afronte às normas de direito internacional humanitário NASSER 2005 Exposto isso questionase a prevalência do princípio da irretroatividade penal adotado pelo Tribunal Penal Internacional frente à tamanho desastre ocorrido na República Democrática do Congo com uma violação de norma Jus Cogens haja vista os crimes contra a humanidade que representam sucintamente uma classe de atos que atentam contra a dignidade humana e os direitos humanos mais essenciais HUHLE 2013 praticados no período de 1993 a 2003 É no mínimo questionável o fato de até então os crimes praticados em solo congolês no período descrito e enquadrado no Estatuto de Roma de 1998 não poderem ser sequer investigados INTERNATIONAL CRIMINAL COURT 2004 Tratandose de uma norma Jus Cogens somada à atrocidade cometida por perpetradores contra a população civil congolesa a falta de iniciativa do Tribunal Penal Internacional passa a noção de que a Corte criada com a intenção de dar cabo a impunidade está mais uma vez na história dos conflitos humanos alimentandoa Dessa forma vale reproduzir o preâmbulo do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional o qual afirma que Os crimes de maior gravidade que afetam a comunidade internacional no seu conjunto não devem ficar impunes e que a sua repressão deve ser efetivamente assegurada através da adoção de medidas em nível nacional e do reforço da cooperação internacional ESTATUTO DE ROMA DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL 1998 Além disso afirma que os Estados partes presentes no Estatuto encontramse Decididos a por fim a impunidade dos autores desses crimes e a contribuir assim para a prevenção de tais crimes Nitidamente encontrase estampada a preocupação com a paz a segurança e o bemestar da comunidade internacional DA SILVA 2016 reconhecendose ainda que os crimes de maior gravidade trazem ameaça à efetivação desses referidos direitos DA SILVA 2016 Ademais é lembrada a necessidade de que crimes desta dimensão não podem e nem devem ficar impunes DA SILVA 2016 Entretanto o que se percebe é um inquietante clima de impunidade no que toca a Grande Guerra Africana como ficou conhecido o conflito na República Democrática do Congo visto que até então houveram apenas duas condenações de Thomas Lubanga Dyilo e de Germain Katanga INTERNATIONAL CRIMINAL COURT 2004 Ora é controverso portanto o fato de o Tribunal Penal Internacional concebido com a finalidade de dar cabo à impunidade e dentre outros delitos processar e julgar os Crimes Contra a Humanidade Art 7º do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional manterse inerte à tamanha violação de uma norma advinda de fontes costumeiras e de observância obrigatória 6 CONCLUSÃO Diante do exposto é nítido que o Tribunal Penal Internacional encontrase em meio a um considerável conflito e necessita urgentemente responder de maneira efetiva à ele Caso contrário o que se figurará será uma das maiores ocorrências de impunidade da história Os crimes cometidos em solo congolês e inclusive narrados inteiramente no relatório elaborado pelo Alto Comissariado de Direitos Humanos ocorreram em sua maioria do período de 1993 a 2003 contudo o TPI só se julga competente para julgar casos após sua criação ou seja a partir de 2002 A competência adotada pelo TPI é permanente mas não retroativa Apesar do fato da competência temporal do TPI afastar todos e quaisquer crimes anteriores a 1º de julho de 2002 de sua jurisdição não impedir a ação dos órgãos jurisdicionais congoleses é notório conforme se depreende do Relatório Anual de 2005 elaborado pela Anistia Internacional que o sistema judicial da RDC é marcado pela ineficiência ausência de infraestrutura e falta de recursos humanos e materiais Sabendo disso é no mínimo inquietante o fato do TPI se negar a julgar os horrendos crimes e absurdos ocorridos na República Democrática do Congo onde inclusive houve uma violação à uma norma imperativa de Direito Internacional uma norma de caráter Jus Cogens marcada por ser ao menos em tese inviolável Exposto isso é questionável se de fato deve haver uma prevalência do princípio da irretroatividade da lei penal frente a uma expressa violação de uma norma Jus Cogens agravada ao constatarse que crimes contra a humanidade são crimes imprescritíveis BITTAR ALMEIDA 2008 Já é tempo de dar ao Jus Cogens a atenção que ele merece Mais uma vez essencial a reprodução de trecho do célebre voto dissidente do Juiz Cançado Trindade Os horrendos atos antijurídicos ocorridos na República Democrática do Congo não podem e nem devem ser removidos ou simplesmente esquecidos pela Ordem Jurídica Internacional visto que isso corroboraria com a impunidade evitando de fato a Justiça Por fim indispensável reafirmar o compromisso que a Corte deve ter com o processamento e o julgamento de tais crimes O Tribunal Penal Internacional não deve manterse alheio e indiferente ao enorme sofrimento das vítimas e às cicatrizes marcadas no solo e na população congolesa Ressaltase que a Justiça deve ser perseguida incessantemente e que o Jus Cogens deve de fato ser respeitado por toda a Comunidade Internacional De outra maneira o que ganhará cada vez mais força é a impunidade e a negação da Justiça REFERÊNCIAS ALMEIDA Paula Wojcikiewicz Imunidades jurisdicionais do Estado perante a Corte Internacional de Justiça uma análise a partir do caso Alemanha vsItália 2016 ANNUAL Report Democratic Republic of the 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onunardcongonumerodetropasereduzido Acesso em 19 out 2017 CONVENÇÃO DE GENEBRA I Adotada em pela Conferência Diplomática para a criação das Convenções Internacionais para a Proteção das Vítimas de Guerra realizada em Genebra Suíça em 12 de agosto de 1949 Assinada pelo Brasil em 12 de agosto de 1949 e ratificada em 26 de junho de 1957 1949 CONVENTION ON THE PREVENTION AND PUNISHMENT OF THE CRIME OF GENOCIDE Adotada unanimemente em 1948 e colocada em vigor em 1951 78 UNTS 277 1948 COOK Christopher R Diamonds and Genocide American British and French Press Coverage of the Second Congo War 2013 COSTA Érica Adriana O Tribunal Penal Internacional em face da Constituição Brasileira Dissertação Mestrado em Direito Belo Horizonte Faculdade Mineira de Direito 2002 DA SILVA Andreza Maciel A COMPETÊNCIA JURISDICIONAL DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL SYNTHESIS Revista Digital FAPAM v 6 n 6 p 39 65 2016 DEMOCRATIC REPUBLIC OF THE CONGO 19932003 Report of the Mapping Exercise documenting the most 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PORTELLA JR José Carlos O caso república democrática do Congo no Tribunal Penal Internacional Revista Brasileira de Direito Internacional Curitiba v 1 n 1 2005 PROTOCOLO I E II Protocolos I e II de 1977 adicionais às Convenções de Genebra de 1949 adotados em 10 de junho de 1977 pela Conferência Diplomática sobre a Reafirmação e o Desenvolvimento do Direito Internacional Humanitário aplicável aos Conflitos Armados 1977 PUNIR os crimenes de guerras Os Tribunais Penais Internacionais Comitê Internacional da Cruz Vermelha 23 mar 2000 Disponível em httpswwwicrcorgporresourcesdocumentsmisc5tndf6htm Acesso em 18 out 2017 SALMON Jean Dictionnaire de droit international public Bruylant Bruxelles 2001 p 1198 SOUSA Fernanda Nepomuceno de Tribunais de Guerra Belo Horizonte Del Rey 2005 STATEMENT BY THE HIGH COMMISSIONER FOR HUMAN RIGHTS NAVI PILLAY The Office of the United Nations High Commissioner for Human Rights OHCHR 01 out 2010 Disponível em 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ATRASO BRASILEIRO NO CONTEXTO DOS DIREITOS HUMANOS João Vitor Silva de Aquino194 Murilo Lemos Wehdorn195 1 INTRODUÇÃO Os Direitos Humanos são entendidos como o caminho necessário na busca da felicidade dos seres humanos sendo portanto o meio imprescindível a ser desenvolvido por toda a humanidade em direção à dignidade humana Apenas assim o Direito estará cumprindo a sua tarefa suprema de servir à humanidade pois uma vez que se busca a efetivação dos Direitos Humanos temos que a ampliação da própria condição humana Portanto os Direitos Humanos são necessários para a realização da dignidade humana visto que são patamares mínimos para a existência mínima Portanto salvaguardar os Direitos Humanos é conferir condições mínimas para o desenvolvimento das potencialidades dos indivíduos Segundo Flávia Piovesan 2013 os Direitos Humanos são entendidos como indivisíveis e universais pois basta o indivíduo ser humano para tornarse titular desses direitos independentemente de qualquer condição econômica social étnica sexual religiosa etc A partir do momento que entendemos que os Direitos Humanos são valores dotados de força cogente consideramos que os Estados assumem o papel de cumpri los e de fazêlos cumprir dentro de suas fronteiras Assim reconhecer o Direito Internacional dos Direitos Humanos estabelece os limites intangíveis para os Estados Nesse sentido a Corte Interamericana de Direitos Humanos órgão responsável pela interpretação e aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos no continente americano explicita que a principal característica dos Direitos Humanos é 194 Graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 195 Graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais a sua supranormatividade isto é são normas que se situam no topo da hierarquia normativa podendo ser consideradas supralegais ou de emenda à Constituição quando são aprovadas por quórum qualificado no caso do ordenamento jurídico brasileiro Temos que os Direitos Humanos são objeto do Direito Internacional dos Direitos Humanos sendo este ramo autônomo do Direito formado por um conjunto de normas substanciais e processuais próprias destinadas a garantir a dignidade do ser humano JAYME 2005 Apesar da tendência de convergirem os conteúdos dos Direitos Humanos e dos Direitos Fundamentais esse fenômeno ainda não se manifestou no Brasil de maneira plena Pois infelizmente nos deparamos com casos em que permanece o distanciamento da concretização dos direitos das pessoas A Corte Interamericana de Direitos Humanos o seu lema maior é o da máxima proteção da pessoa vítima de violações de Direitos Humanos o que contrata com os posicionamentos obsoleto dos nossos tribunais como veremos no caso em tela A Corte Interamericana de Direitos Humanos se consolidou como um expoente na proteção do ser humano através de uma jurisprudência que manifesta atribuição às normas de Direitos Humanos dinamismo e efetividade Enquanto que no Brasil o Poder Judiciário muitas vezes ao confundir prudência com imobilismo conceitual compromete a efetividade plena desses direitos o que se verifica no caso Gomes Lund versus o Brasil No período de 1972 a 1975 com objetivo de erradicar a Guerrilha do Araguaia movimento comunista armado que lutava contra o governo ditatorialmilitar o Estado é acusado de ser responsável pela detenção arbitrária tortura e desaparecimento forçado de 70 pessoas entre membros do Partido Comunista do Brasil e camponeses da região resultado de operações do Exército brasileiro na região Essa alegação é parte do processo levantada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos Em 26 de março de 2009 em conformidade com o artigo 51 e 61 da Convenção Americana a Comissão Interamericana de Direitos Humanos submeteu à Corte Interamericana sobre Direitos Humanos uma ação contra a República Federativa do Brasil em nome de todos aqueles desaparecidos no contexto da Guerrilha do Araguaia e de suas famílias Nesse sentido é necessário compreender que a vontade da Comissão em levantar a ação teria não apenas sentido de exigir do Brasil o devido apoio e reconhecimento às famílias das vítimas do ocorrido no contexto como também sentido subjetivo de questionar o Brasil a respeito da eficiência das investigações a respeito de fatos ocorridos no período da ditadura dificultados pela Lei da Anistia Em nota da Comissão A Comissão decidiu submeter o caso à jurisdição da Corte considerando que representava uma oportunidade para consolidar a jurisprudência interamericana sobre as leis de anistia com relação aos desaparecimentos forçados e à execução extrajudicial e a consequente obrigação dos Estados de dar a conhecer a verdade à sociedade e investigar processar e punir graves violações aos Direitos Humanos MIGALHAS 2018 Nesse sentido a análise do caso Gomes Lund contra o Brasil pelas atrocidades cometidas na ditadura e até hoje protegidas pela Lei da Anistia mostra a necessidade de se discutir não apenas os crimes cometidos no sentido de ressarcir os danos sofridos como também a existência de dispositivos legais que ainda impossibilitam o julgamento de crimes cometidos no período da ditadura Portanto a discussão levantada nesse artigo mostra o atraso brasileiro no sentido de proteger a honra das vítimas de violência e tortura na ditadura como também de salvaguardar direitos futuros à possíveis casos descobertos 2 A GUERRILHA DO ARAGUAIA O movimento da Guerrilha do Araguaia foi um movimento iniciado por cerca de 70 militantes do Partido Comunista do Brasil com o intuito de levar aos moradores da região do Rio Araguaia visto que essa era uma região sem assistência do poder público conscientização política No caso em questão as doutrinas utilizadas visavam a implantação de um regime comunista no Brasil Os militantes chegaram à região em 1966 ano em que o Estado brasileiro já era regido por militares Os militantes eram perseguidos políticos da ditadura e ao chegarem à região do Araguaia cerca de 90 camponeses e até mesmo militares locais aderiram ao movimento proposto e passaram dessa forma a serem perseguidos políticos do regime Por esse motivo o movimento foi realizado clandestinamente em uma região sem grande destaque em cenário nacional O período de luta armada guerrilha apesar de o movimento ter se estabelecido em 1966 teve seu início apenas em 1970 e seu término três anos após em 1973 Todos os militantes e camponeses envolvidos foram mortos apesar do objetivo do movimento nem sequer ter sido posto em prática A repressão foi realizada pelos órgãos de repressão militar da ditadura sendo metade dos membros executada quando estavam sob tutela do poder público vigente dessa forma não apresentando de nenhuma maneira perigo ao governo Apenas dois corpos foram localizados até os dias atuais o de Maria Lúcia Petit e de Bergson Gurjão únicos guerrilheiros que tiveram seus corpos identificados após as execuções Ainda durante o período da Ditadura em 1982 os familiares dos que eram considerados até então desaparecidos entraram com Ações Civis contra a União objetivando descobrir o paradeiro desses no entanto não obtiveram a devida resposta por parte do Estado aos pedidos 3 A LEI DE ANISTIA BRASILEIRA Estabelecida em pleno exercício da ditadura militar brasileira a Lei de Anistia Lei n6683 de 28 de agosto de 1979 Art 1º É concedida a anistia a todos quantos no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979 cometeram crimes políticos ou conexos com estes crimes eleitorais os que tiverem seus direitos políticos suspensos e os servidores da Administração Direta e Indireta de fundações vinculadas ao poder público aos servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário aos militares e aos dirigentes e representantes sindicais punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares 1º Consideramse conexos para efeito deste artigo os crimes de qualquer natureza relacionadas com crimes políticos ou praticados por motivação política BRASIL 1979 Com o início do processo de redemocratização em vários países da América Latina após o período ditatorial muitos Estados se paravam com o dilema devemos ou não responsabilizar os regimes pelas violações de Direitos Humanos Nesse sentido Lúcia Bastos afirma que O que é possível observar nesses casos ainda que distintos entre si é que o objetivo da transição política entrava em conflito com o propósito de punir os crimes cometidos no passado porque o raciocínio difundido era que de um lado os antigos ditadores dificilmente deixariam os seus postos se tivessem receio de que poderia haver uma investigação pelos seus atos e por outro lado grupos nacionais e a sociedade internacional tinham razões para demandar uma resignação e punição desses ditadores Em muitos casos o resultado foi a aplicação da lei de anistia vista como uma forma para tentar solucionar esse dilema Fazse necessária uma leitura crítica a respeito do conteúdo proposto pela Lei da Anistia assim como de suas consequências diretas e indiretas para a sociedade pósditadura militar Após o período mais duro da repressão militar sob a vigência do Ato Institucional n5 as diversas pressões da sociedade e conflitos dentro da própria cúpula militar são responsáveis por promover uma lenta abertura política no Brasil Muitas manifestações tomavam as ruas e as críticas à máquina de repressão da ditadura se acentuava devido ao assassinato do jornalista Vladimir Herzog no ano de 1975 sob tortura BASTOS 2018 A Lei de Anistia foi uma solução atrativa pois fornece um meio pelo qual se fundamentou uma transição de regimes ditatorial para o democrático pacífica pois envolve uma rendição nãoviolenta pelos ditadores No entanto sob o prisma do Direito Internacional a Lei de Anistia se opõem as normas internacionais de proteção aos Direitos Humanos visto que ela visa proteger os ditadores e viola as obrigações internacionais estatais de salvaguardarem as garantias fundamentais de seus cidadãos Nesse contexto surgem diversos movimentos organizados que pleiteavam pelo início de processo de concessão de anistia aos mais de 100 presos políticos 150 pessoas banidas e 2000 exiladas que não poderiam voltar ao país sob pena de reclusão e possível tortura O Movimento Feminino pela Anistia é um movimento político criado em 1975 com o objetivo de persuadir a sociedade e o governo pela necessidade da anistia Foi composto em sua maioria por mulheres que viram seus maridos sendo torturados e mortos pela ditadura Já em 1978 seria criado o Comitê Brasileiro pela Anistia com objetivo de pressionar ainda mais o governo para que concedesse a anistia aos acusados de crimes políticos As pressões aumentavam ainda mais quando os presos políticos passaram a fazer greve de fome em protesto pela aprovação da lei O clima de redemocratização e as pressões pela abertura política fizeram com que o Presidente João Figueiredo apresentasse ao Congresso o projeto de Lei da Anistia sendo esse aprovado em sessão tumultuada na Câmara dos Deputados Fica claro que para os presos políticos e exilados aquele momento específico da história simbolizou uma conquista a ser comemorada A ditadura militar havia demonstrado sinais de fraqueza e abertura e a concessão de anistia confirmava o início do processo de redemocratização do Brasil No entanto a Lei de Anistia seria usada especificamente em seu caput pelos militares para justificar o direito de auto anistia que protegeria também os representantes do Estado militar mesmo que responsáveis por atrocidades como assassinatos em massa desaparecimentos e tortura A anistia dada pela lei 6683 seria para o jornalista Márcio Magalhães um perdão de mão dupla anistiando os punidos por crimes políticos de 1961 a 1979 bem como os agentes do Estado que houvessem cometido violência de toda espécie contra aqueles A Lei de Anistia é algo emblemático não devido apenas a falta de responsabilização por parte daqueles que violaram brutalmente os Direitos Humanos mas também devido ao uso crescente desse tipo de lei em uma sociedade que consentiu com a ideia de universalização dos Direitos Humanos Nesse sentido a Lei da Anistia se mostra um empecilho até hoje para o desenvolvimento de investigações e julgamentos a respeito das atrocidades cometidas durante o regime militar A lei seria num sentido amplo responsável por ferir o direito à memória e dignidade á milhares de famílias que perderem entes e conhecidos de maneiras brutais no período da ditadura como desaparecidos e torturados Além disso a legislação vigente impede o pleno cumprimento de tratados internacionais que acordam pelo direito à memória e devida investigação de fatos que feriram gravemente os Direitos Humanos no período militar Adotando a Lei da Anistia o Brasil se distancia daquilo que fora adotado pelos outros países latinoamericanos no contexto pós suas respectivas ditaduras Enquanto nesses países a lei da anistia seria interpretada apenas no sentido de proteger os presos e perseguidos políticos e não os envolvidos nas decisões pública desse regime o Brasil ainda protege os responsáveis e dificulta o acesso de famílias à verdade e ao seu direito de memória Mais importante do que a pena aplicada aos envolvidos é o significado subjetivo ou seja o que significa na conquista da investigação daquilo que ocorrera no período Apenas a efetiva investigação e transmissão às famílias informações sobre a verdade que acontecera naquele período já se mostraria um avanço na luta dos brasileiros pela dignidade contra o atraso de uma legislação interna O projeto de Lei da Anistia foi assinado em 27 de junho de 1979 pelo então presidente João Baptista Figueiredo e o enviou para o Congresso Nacional mesmo diante da falta de legitimidade visto que 305 emendas foram propostas pelos 134 parlamentares visando alteração da Lei dentre as modificações citamos a exclusão dos benefícios da anistia haja vista que são crimes comuns e a extinção do benefício da graça aos que deram ordens e realizaram prisões sem observância das formalidades legais ou de maneira abusiva Na visão de Fábio Konder Comparato É politicamente indefensável com efeito pretender que os que governavam acima das leis sob a vigência do chamado Ato Institucional n 5 possam legitimamente obter de um legislador submisso a anistia para os crimes que cometeram no exercício de suas funções Que democracia é essa que se inaugura no achincalhe A pretensa pacificação dos espíritos de resto foi sempre uma farsa grosseira pois à época da anistia não havia o menor vislumbre de oposição armada ao regime Tudo se passou como se um ditador corrupto qualquer desejando abandonar o poder sem riscos negociasse com o sucessor uma préanistia para os seus desmandos COMPARADO 1995 4 O CASO GOMES LUND E OUTROS GUERRILHA DO ARAGUAIA Em 2009 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos submeteu à Corte Interamericana de Direitos Humanos uma ação contra o Brasil em nome das vítimas e dos familiares da Guerrilha do Araguaia A ação teve início em virtude da execução extrajudicial de Maria Lúcia Petit da Silva e da atribuição ao Brasil por deter arbitrariamente torturar e ser responsável pelo desaparecimento de 70 pessoas entre membros do Partido Comunista e camponeses da região Além disso o Brasil seria demandado perante a Corte pois em virtude da não revogação da Lei de Anistia como fora feito em outros países que passaram por um período de ditadura militar jamais teria sido realizada uma investigação penal com o objetivo de punir os responsáveis pelo desaparecimento forçado das vítimas mesmo havendo o compromisso brasileiro junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos de punir lesões a esses direitos Como declararia nota da própria Comissão durante o desenrolar do processo o caso representa uma oportunidade importante para consolidar a jurisprudência interamericana sobre as leis de anistia com relação aos desaparecimentos forçados e à execução extrajudicial e a consequente obrigação dos Estados de dar a conhecer a verdade à sociedade e investigar processar e punir graves violações aos Direitos Humanos CIDH 2017 O nome dado ao caso se refere à uma das vítimas Guilherme Gomes Lund que haveria desaparecido de forma forçada no período É importante perceber que uma das vítimas Júlia Gomes Lund se refere a um familiar do desparecido mostrando que o processo passaria a tratar os familiares como vítimas visto que a eles foi negado o direito à história e justiça de transição A Comissão solicitou à Corte que declarasse o Estado Brasileiro responsável por violar os direitos estabelecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos sendo eles os artigos 3 direito ao reconhecimento da personalidade jurídica 4 direito à vida 5 direito à integridade pessoal 7 direito à liberdade pessoal 8 garantias judiciais 13 liberdade de pensamento e expressão e 25 proteção judicial da Convenção Americana sobre Direitos Humanos todos em conexão com as obrigações previstas nos artigos 11 obrigação geral de respeito e garantia dos Direitos Humanos e 2 dever de adotar disposições de direito interno da mesma Convenção MOURA 2018 A competência da Corte Interamericana para julgar o caso Gomes Lund e outros se deu após o reconhecimento de que o crime cometido teria caráter permanente visto que o Brasil havia reconhecido a Corte como competente para esses assuntos após a ocorrência do início do fato em 1988 o que excluiria a competência por essa ser concessão superior ao começo do fato caso não houvesse permanência do crime O desaparecimento e a sua execução se inicia com o processo de privação de liberdade e a falta de conhecimento sobre o destino podendo a corte estar responsável por crimes posteriores à 1988 Diante do caso instituições do terceiro setor como o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos do Instituto de Estudos da Violência do Estado e o Centro pela Justiça e o Direito Internacional apresentaram solicitações argumentos e provas solicitando ao Tribunal que declare a responsabilidade internacional do Brasil pela violação dos artigos 3 4 5 7 8 e 25 da Convenção em conexão com as acusações de desparecimento forçado das vítimas e total impunidade referente aos atos Nesse sentido é importante perceber o interesse da sociedade civil no assunto e mais do que isso na efetiva punição do Brasil frente às alegações da Comissão na Corte mostrando que a questão da revogação da Lei de Anistia e do acesso à memória e à verdade é questão de interesse público 5 O DESENVOLVIMENTO DO JULGAMENTO Como destacado pela Corte Interamericana desde o início do julgamento seria responsabilidade do dever estatal investigar e punir as violações de Direitos Humanos Além disso afirmaria a Corte reiteradas vezes que A obrigação de investigar e se for o caso julgar e punir adquire particular importância ante a gravidade dos crimes cometidos e a natureza dos direitos ofendidos especialmente em vista de que a proibição do desaparecimento forçado de pessoas e o correspondente dever de investigar e punir os responsáveis há muito alcançaram o caráter de jus cogens MESSIAS 2018 Nesse sentido o Tribunal reafirmaria a obrigação do Brasil em investigar as violações de Direitos Humanos assim como previsto na Convenção O dever de investigação deve ser assumido por Estado como dever jurídico próprio e durante todo o processo foi necessária à Corte salientar esse ponto visto que o Brasil não mostrava avanço algum em relação a possibilidade de investigações Mais do que a Corte conforme os princípios básicos do Direito Internacional o Brasil deveria cumprir sua obrigação de investigar e punir os autores de violações aos Direitos Humanos Para o Direito Internacional os países se apresentam obrigados a prevenir investigar e punir toda violação dos Direitos Humanos reconhecidos pela Convenção e procurar ademais o restabelecimento caso seja possível do direito violado e se for o caso a reparação dos danos provocados pela violação dos Direitos Humanos Nesse sentido no desenvolvimento do processo a Corte Interamericana considera que a forma na qual foi interpretada e aplicada a Lei de Anistia aprovada pelo Brasil afetou e ainda afeta o dever internacional que o Estado brasileiro firmou de investigar e punir as graves violações de Direitos Humanos como firmado na Convenção Americana e faz violar o artigo 25 da mesma Convenção que aborda a questão do direito à proteção judicial quebrado quando não houve investigação persecução captura julgamento e punição dos responsáveis pelos fatos A Corte reitera que ao adotar a Lei de Anistia e não aplicar esforços para sua revogação o Brasil deixou de proteger as vítimas e seus familiares impedindoos de ter acesso à memória e à justiça Nesse sentido o Tribunal conclui que a Lei de Anistia não pode continuar representando um obstáculo para a investigação dos fatos presentes nesse caso nem podem ter impacto semelhante sobre outros casos de violações graves aos Direitos Humanos A Corte estabelece ser consciente de que as autoridades brasileiras sujeitas à validade da lei estão obrigadas a cumprir as disposições vigentes No entanto observa que o Estado é parte de um tratado internacional que o obriga a aplicar esforços para a investigação e punição de responsáveis por violações aos Direitos Humanos e a atual legislação impede essa competência deixando vítimas e familiares fora da ação da justiça Adicionalmente o Tribunal afirmou a obrigação brasileira em cumprir a obrigação de fornecer o direito de familiares das vítimas de graves violações dos Direitos Humanos de terem acesso ao conhecimento da verdade Nesse sentido tanto as famílias quanto a sociedade devem ser informados de todo o ocorrido em relação a essas violações 6 A PUNIÇÃO ATRIBUÍDA AO BRASIL O Brasil após julgamento na Corte Internacional de Direitos Humanos teve a sua sentença proferida em 24 de novembro de 2010 onde o Estado Brasileiro seria responsabilizado pela detenção arbitrária tortura e desaparecimento forçado de cerca de 90 noventa pessoas entre militantes do PC do B e camponeses na Guerrilha do Araguaia tudo resultado de operações militares patrocinadas e realizadas pelo governo brasileiro entre os anos de 1972 e 1975 a fim de aniquilar os integrantes retromencionados Além disso as disposições legais da Lei de Anistia brasileira seriam consideradas incompatíveis com a Convenção Americana e carecem de efeitos jurídicos O Estado brasileiro seria responsabilizado também pela violação ao direito de liberdade de pensamento e expressão afirmado no artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos como também pela violação do direito à integridade pessoal em prejuízo aos familiares das vítimas da Guerrilha do Araguaia Nesse sentido foram atribuídas ao Brasil penas relativas às condenações da Corte Inicialmente o Estado deveria se certificar a conduzir eficazmente a investigação penal dos fatos do presente caso a fim de esclarecêlos determinando as correspondências penais e aplicar as sanções que a lei preveja O Brasil deve também realizar todos os esforços para determinar o paradeiro das vítimas desaparecidas e caso identificadas entregar os restos mortais para os familiares como forma de respeito e integridade Além disso o governo fica obrigado a realizar atos públicos de responsabilidade internacional a respeito dos fatos do presente caso buscando esclarecer os acontecimentos para a sociedade No nível legislativo fica determinado que o Brasil deve adotar medidas que sejam necessárias para tipificar o delito de desaparecimento forçado e outras violações dos Direitos Humanos em comunhão com a Convenção Interamericana Com isso a Corte busca pressionar o governo brasileiro a investir forças no sentido de revogar a Lei de Anistia o que realmente daria condições de tipificação dos crimes cometidos durante o período da Ditatura O objetivo da Corte foi o de garantir punição àqueles que torturaram e prestaram crimes contra os Direitos Humanos no Caso Gomes Lund mas também buscar a garantia de que o direito a essas questões seja garantido para outras investigações impedidas pela Lei de Anistia Nesse sentido foi solicitada junto ao Brasil a revisão da Lei de Anistia para que crimes como os cometidos na Guerrilha do Araguaia não sejam menosprezados pelo direito interno e internacional A condenação também implica que após a revogação da Lei de Anistia os responsáveis pelos crimes cometidos durante a ditadura devem ser condenados e punidos devendo o Brasil reconhecer publicamente sua responsabilidade nesses atos 7 A DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL O Brasil foi portanto condenado pela CIDH que em sua sentença solicitou ao país que reavaliasse e revogasse a Lei de Anistia No entanto o Supremo Tribunal Federal não aderiu à resolução e decidiu não revogar a lei sendo o principal argumento utilizado o de que essa lei teria sido um acordo político de conciliação nacional e que não caberia dessa forma ao Poder Judiciário rescrever leis de anistia e que o Supremo não deveria avançar sobre a competência do Poder Legislativo A obrigação de cumprir as obrigações internacionais contraídas voluntariamente corresponde não somente ao princípio básico do pacta sunt servanda sobre a responsabilidade internacional dos Estados mas também ao disposto na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados à qual o Brasil também aderiu que dispõe que os Estados não podem descumprir obrigações internacionais por razões de ordem interna artigo 27 Assim o STF desconsiderou o dever contraído pelo Estado de garantir o cumprimento das disposições da Convenção Americana e seus efeitos no âmbito interno brasileiro MOURA 2018 O pedido de revogação da Lei de Anistia foi feito pela OAB objetivou anular o perdão concedido pelo STF aos representantes do Estado acusados de praticar tortura no regime militar O caso foi julgado improcedente por 7 votos a 2 STF 2018 O último voto proferido foi o do presidente da Corte ministro Cezar Peluso Ele iniciou dizendo que nenhum ministro tem dúvida sobre a profunda aversão por todos os crimes praticados desde homicídios sequestros tortura e outros abusos não apenas pelos nossos regimes de exceção mas pelos regimes de exceção de todos os lugares e de todos os tempos Contudo a ADPF não tratava da reprovação ética dessas práticas de acordo com Peluso A ação apenas propunha a avaliação do artigo 1º parágrafos 1º e 2º da Lei de Anistia e da sua compatibilidade com a Constituição de 1988 Ele avaliou que a anistia aos crimes políticos é sim estendida aos crimes conexos como diz a lei e esses crimes são de qualquer ordem Para o presidente da Corte a Lei de Anistia transcende o campo dos crimes políticos ou praticados por motivação política Peluso destacou seis pontos que justificaram o seu voto pela improcedência da ação O primeiro deles é que a interpretação da anistia é de sentido amplo e de generosidade e não restrito Em segundo lugar ele avaliou que a norma em xeque não ofende o princípio da igualdade porque abrange crimes do regime contra os opositores tanto quanto os cometidos pelos opositores contra o regime Em terceiro lugar Peluso considerou que a ação não trata do chamado direito a verdade histórica porque há como se apurar responsabilidades históricas sem modificar a Lei de Anistia Ele também em quarto lugar frisou que a lei de anistia é fruto de um acordo de quem tinha legitimidade social e política para naquele momento histórico celebrálo Em quinto lugar ele disse que não se trata de caso de autoanistia como acusava a OAB porque a lei é fruto de um acordo feito no âmbito do Legislativo Finalmente Peluso classificou a demanda da OAB de imprópria e estéril porque caso a ADPF fosse julgada procedente ainda assim não haveria repercussão de ordem prática já que todas as ações criminais e cíveis estariam prescritas 31 anos depois de sancionada a lei Peluso rechaçou a ideia de que a Lei de Anistia tenha obscuridades como sugere a OAB na ADPF O que no fundo motiva essa ação da OAB é exatamente a percepção da clareza da lei Ele explicou que a prova disso é que a OAB pede exatamente a declaração do Supremo em sentido contrário ao texto da lei para anular a anistia aos agentes do Estado Sobre a OAB aliás ele classificou como anacrônica a sua proposição e disse não entender por que a Ordem 30 anos depois de exercer papel decisivo na aprovação da Lei de Anistia revê seu próprio juízo e refaz seu pensamento numa consciência tardia de que essa norma não corresponde a ordem constitucional vigente Ao finalizar Peluso comentou que se é verdade que cada povo resolve os seus problemas históricos de acordo com a sua cultura com os seus sentimentos com a sua índole e também com a sua história o Brasil fez uma opção pelo caminho da concórdia O presidente do Supremo declarou ainda que uma sociedade que queira lutar contra os seus inimigos com as mesmas armas com os mesmos instrumentos com os mesmos sentimentos está condenada a um fracasso histórico STF 2018 Os argumentos utilizados para a não aprovação da revogação foram muito criticados Os argumentos utilizados pelo Ministro Peluso por exemplo possuíam argumentos considerados duvidáveis de uma forma geral O primeiro argumento utilizado baseado no fato de a interpretação da anistia ser de sentido amplo e de generosidade é criticável pelo Direito ter uma função de punir a quem o infringe não importando a generosidade visto que não houve nenhuma forma de generosidade por parte dos miliares envolvidos nesse caso O segundo argumento é criticável pelo fato de a Lei de Anistia ter o intuito de anistiar aos infratores do Estado no período militar e não a todos de forma que milhares de pessoas morreram ou sofreram graves torturas durante o Regime O terceiro argumento é criticável pelo fato de o direito a verdade histórica ser apenas uma parte do objetivo da revogação e que o reconhecimento Estatal dos torturadores torturas e demais pessoas que sofreram com os crimes torna esse aspecto explícito e comprovado pelo próprio governo O quarto argumento é também criticável visto que apesar de ser um acordo político não é passível de ser aceito por violar de forma gravíssima os Direitos Humanos O quinto argumento é da mesma maneira controverso pois apesar de o Legislativo ter elaborado a Lei de Anistia o fez ainda em um Regime Militar e esses foram os principais e quase únicos beneficiados pela Lei E por fim utiliza de um argumento que foi utilizado pelo Brasil e foi derrubado em julgamento de que os crimes já não haveria repercussão prática devido ao fato de já estarem prescritos o que não condiz com a realidade visto que crimes como os de tortura se dão de forma imprescritível De acordo com a Ministra Carmen Lúcia que votou a favor da manutenção do texto da Lei de Anistia Temse no próprio documento da Ordem dos Advogados do Brasil de trinta e um anos atrás o alerta de que não era com gosto de festa que se recebia o projeto era com críticas ácidas mas com a responsabilidade própria da entidade que teimava em permitir que as novas gerações estivessem libertas dos grilhões ditatoriais e se pudesse como afirmou o ministro Sepúlveda Pertence aplainar o caminho para o advento do Estado de Direito CONSULTOR JURÍDICO 2018 Nesse sentido a Ministra estaria lembrando a participação ativa da OAB e outras entidades no processo de publicação da Lei de Anistia em 1979 Carmen Lúcia afirmaria que seria possível repensar e reconstruir a ideia feita sobre a lei renovando interpretações mas não vê a possibilidade de alteração do texto ou revogação da lei como viável A posição oficial do governo brasileiro foi de acordo com a resolução do STF mesmo que dessa forma esteja contrariando a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos e favorecendo os praticantes de crimes contra os Direitos Humanos embora fosse esperado do Estado Brasileiro o efetivo cumprimento das obrigações impostas na Sentença 8 CONCLUSÃO Destarte é possível perceber as dificuldades que a Lei de Anistia impõe sobre o efetivo cumprimento das obrigações brasileiras frente aos pactos internacionais da Convenção Interamericana de Direitos Humanos no contexto das vítimas da Guerrilha do Araguaia e de outras violações graves aos Direitos Humanos A impossibilidade de investigar julgar e punir os responsáveis por atrocidades cometidas contra os Direitos Humanos Além disso dentre todos os países da América Latina que passaram por ditaduras militares em períodos recentes revogaram suas respectivas leis de anistia excetuando o Brasil Diferentemente dos países vizinhos onde os crimes cometidos durante seus regimes militares já estão sendo investigados e julgados o Brasil mantém a Anistia ampla geral e irrestrita A Argentina que tem dado exemplo de como lidar com a questão já criou medidas judiciais e iniciativas como o escrache manifestações para expor publicamente acusados por crimes de tortura Nesse contexto até a Ordem Nacional do Advogados brasileira já expôs sua opinião a respeito do assunto solicitando que os crimes de tortura sejam excluídos da anistia e criticando as limitações impostas à Comissão da Verdade no processo investigativo Como crime imprescritível a ausência de punição sobre os responsáveis pela tortura durante a ditadura militar demonstra o atraso judicial e humanitário do Brasil frente às suas obrigações internacionais com a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e internamente com a sociedade as vítimas e seus familiares Concluise que enquanto a decisão do Supremo Tribunal pela permanência da Lei de Anistia assim como ela existe hoje se manter o Brasil continuará impossibilitado de cumprir suas obrigações internacionais frente à assinatura da Convenção Interamericana de Direitos Humanos e efetivamente investigar e punir as atrocidades cometidas na Guerrilha do Araguaia e durante a ditadura militar Nesse sentido é possível inferir que a manutenção da Lei de Anistia representa um obstáculo para a democracia e um símbolo do atraso brasileiro no contexto da garantia de Direitos Humanos REFERÊNCIAS BASTOS Lucia Elena Arantes Ferreira A lei de anistia brasileira os crimes conexos a dupla via e Tratados de direitos humanos BRASIL adota rumo diferente de vizinhos na revisão do regime militar Disponível em httpwwwbbccomportuguesenoticias201203120329crimespoliticosmcac Acesso em 12 out 2017 BRASIL Lei no 6683 de 28 de agosto de 1979 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisl6683htm Acesso em 07 abr 2018 CIDH CASO Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia vs Brasil Disponível em httpwwwcorteidhorcrdocscasosarticulosseriec219porpdf Acesso em 12102017 COMPARATO Fábio Konder Questão de decência Folha de São Paulo Brasil Tendênciasdebates São Paulo p 3 1995 CONSULTOR JURÍDICO Leia o voto de Cármen Lúcia sobre Lei da Anistia Disponível em httpswwwconjurcombr2010mai01leiavotoministracarmen lucialeianistia Acesso em 12 jul 2018 JAYME Fernando G Direitos Humanos e sua efetivação pela Corte Interamericana de Direitos Humanos Belo Horizonte Del Rey 2005 p 208 JOSÉ PINTO Marcos O Caso Gomes Lund e outros versus Estado Brasileiro Disponível em httpwwwconteudojuridicocombrartigoocasogomeslunde outrosversusestadobrasileiroaguerrilhadoaraguaia45992html Acesso em 17 out 2017 MARMELSTEIN LIMA George Guerra de Gigantes STF versus CIDH Disponível em httpsdireitosfundamentaisnet20110217guerradegigantesstfversus cidhleideanistia Acesso em 22 out 2017 MESSIAS Marcos Lei de anistia uma análise sobre o processamento das ações penais dos crimes cometidos durante a ditadura militar no Brasil Disponível em httpsjuscombrartigos64399leideanistiaumaanalisesobreo processamentodasacoespenaisdoscrimescometidosduranteaditaduramilitar nobrasil5 Acesso em 12 jul 2018 MIGALHAS SDH divulga sentença da OEA sobre casos de desaparecimentos na Guerrilha do Araguaia Disponível em httpwwwmigalhascombrQuentes17MI13566111049 SDHdivulgasentencadaOEAsobrecasosdedesaparecimentosna Acesso em 12 jul 2018 MOURA Luiza Diamantino O Direito à Memória e a Corte Interamericana de Direitos Humanos uma análise do caso Gomes Lund e outros Guerrilha do Araguaia versus Brasil Disponível em wwwambito juridicocombrsiteindexphpnlinkrevistaartigosleituraartigoid12035 Acesso em 07 abr 2018 PIOVESAN Flávia Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional São Paulo Saraiva 201314 ed rev e atual STF é contra revisão da Lei da Anistia por sete votos a dois Disponível em wwwstfjusbrportalcmsverNoticiaDetalheaspidConteudo125515 Acesso em 07 abr 2018 STF tem uma segunda chance para não tornar o brasil o único país que não pune torturadores Disponível em httpswwwrevistaforumcombrmariafro20120316stftemumasegunda chanceparanaotornarobrasilounicopaisquenaopunetorturadores Acesso em 20 out 2017 CAPÍTULO 04 A POLÍTICA IMIGRATÓRIA NA UNIÃO EUROPEIA Ana Luiza Tiburcio Guimarães196 Bárbara Thaís Pinheiro Silva197 Marianna Campos Dias Assis198 1 INTRODUÇÃO A pesquisa em tela nasce da preocupação dos pesquisadores quanto o aumento das tentativas de ingresso de estrangeiros em território de outros Estados principalmente nos países europeus e as constantes barreiras estatais a entrada dos mesmos Sabese que com a globalização e com a estruturação do Direito Internacional dos Direitos Humanos em tese os Estados não poderiam decidir discricionariamente quanto ao ingresso de estrangeiros em seu território A temática sobre a circulação internacional de pessoas está totalmente em voga haja vista a atual crise migratória póssegunda guerra mundial Sabemos que as barreiras ao ingresso de estrangeiros são cada vez mais frequentes e difíceis de serem transpostas Destarte os pesquisadores buscaram investigar o tema no esforço de demonstrar a evolução da política imigratória na União Europeia e a necessidade da mesma em adotar as medidas de segurança fronteiriça e a política migratória à luz das normas internacionais de Direitos Humanos Apesar da migração ter sido facilitada pelos avanços tecnológicos ela sofre restrições por questões econômicas Entretanto entendemos que a restrição ao ingresso do migrante não pode se dar por ato de simples vontade do Estado visto que este está limitado pelas normas internacionais de Direitos Humanos Segundo Luís Vedovato 2013 há três teorias que explicam a relação do Estado com o direito de ingresso do estrangeiro a primeira capitaneada por Francisco de Vitória advoga a tese de que há liberdade total de circulação de pessoas pelo mundo 196 Graduanda do curso de Direito na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 197 Bacharel em Direito na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Graduanda em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 198 Graduanda do curso de Direito na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais devendo a mesma ser limitada apenas quando causar dano ao Estado receptor do migrante a segunda teoria tratase do livrearbítrio absoluto do Estado isto é o Estado tem total liberdade de barrar a entrada de migrante independente do motivo haja vista que o Estado é um ente soberano por fim a terceira teoria denominada teoria do controle das decisões estatais desenvolvida pelo próprio Luís Vedovato considera que a decisão do Estado de barrar o ingresso do estrangeiro em seu território deve ser uma decisão fundamentada e a mesma não pode ignorar as normas internacionais de Direitos Humanos Destarte o autor defende que a decisão estatal quanto a entrada de migrantes por motivos econômicos ou estudantis deve ser concretizada independentemente dos humores estatais VEDOVATO 2013 A circulação de pessoas que saem de um território estatal em direção a outro território é cada vez mais intensa Além disso as tecnologias e o acesso as comunicações facilitam os deslocamentos físicos tornandoos mais rápidos Diante disso o Estado se vê em uma tarefa árdua de lidar com o aumento populacional em seu território Historicamente e juridicamente é dever do Estado decidir sobre a entrada de estrangeiro em seu território No entanto a evolução da proteção internacional dos Direitos Humanos trouxe impactos a essa faculdade limitandoa Além do mais a Opinião Consultiva nº 18 da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 17092003 determina a necessidade de os Estados criarem políticas migratórias à luz das normas internacionais de Direitos Humanos Por isso o fundamento do veto à entrada de estrangeiro no território do Estado deve ser explicitado sob pena de violar frontalmente as normas de Direitos Humanos Quanto à liberdade de sair do território do Estado a Magna Carta inglesa de 1215 já previa o direito de todos de deixar a Inglaterra Posteriormente a Common Law propiciou o florescimento do Ne Exeat Regno que concedia poderes ao Rei de impedir a saída de determinadas pessoas Após a Segunda Guerra Mundial o direito de sair de um território foi reconhecido na Carta das Nações Unidas e na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 No entanto a Declaração Universal de Direitos Humanos não enfrentou o dilema do direito de ingresso do estrangeiro em outros territórios199 Em flagrante retrocesso as normas de Direito Internacional de Direitos Humanos a Corte Europeia de Direitos Humanos no julgado Boultif versos Suíça em 2002 decidiu que o direito de ingresso não existe visto que as pessoas 199 WEISSBRODT D S DANIELSON L Immigration law and procedure in a nutshell 5 ed New York Thomson West 2005 dependem da decisão privativa do Estado de aceitar ou não a entrada de determinada pessoa em seu território VEDOVATO 2013 2 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DA UNIÃO EUROPEIA Para compreendermos o cenário atual e as dificuldades e dilemas enfrentados com relação à defesa e a segurança da União Europeia imperioso se faz saber sobre seus antecedentes históricos como nasceu e se tornou este grande bloco econômico marcado pela evolução de tratados comunitários Em meio a um cenário de tanta violência inúmeras mortes barbaridades e insegurança entre países geograficamente tão próximos a França em 1950 propôs à Alemanha estabelecerem um vínculo de paz para que juntos gerissem o monopólio sobre o mercado do carvão e do aço Ocorre que a proposta tinha o objetivo claro de findar o espírito de guerra eminente e sendo assim tal proposta fora amplamente aceita não só pela Alemanha como também pela Bélgica França Itália Luxemburgo e Países Baixos Todos esses países buscavam mobilizarse no sentido de união paz e restauração econômicofinanceira haja vista o cenário de crise póssegunda guerra mundial 1945 e a eminência de outra futuramente conhecida como a Guerra Fria Com esse espírito de renovação floresceu na década de 50 a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço CECA composta pelos seis países que aderiram à proposta francesa e deram origem a esta organização supranacional e que mais tarde inspirou a Unificação Europeia VALÉRIO 2010 Outra grande organização que antecedeu e inspirou a criação da União Europeia foi a Comunidade Econômica Europeia CEE também conhecida como Mercado Comum Europeu No contexto da Guerra Fria e diante de um mundo bipolarizado os mesmos países que compunham a CECA perceberam que a área de atuação sobre apenas o carvão e o aço era muito limitada Além disso os países da CECA tinham o interesse em melhoria da segurança já que se encontravam ainda em eminência de guerra Assim sendo a Comunidade Econômica Europeia CEE nasce em 1957 fruto do Tratado de Roma mediante uma nova proposta não só de união e desenvolvimento econômico mas também segurança força militar e alianças para enfrentar a poderosa influência crescente dos Estados Unidos da América Destarte a CEE visava a manutenção da paz e a reconstrução dos danos e perdas sofridos neste período de guerras PÉREZBUSTAMANTE COLSA 2004 Na década de 80 a CEE foi acrescida de mais 6 países Dinamarca Grécia Inglaterra Irlanda Espanha e Portugal e essa união foi essencial na formação do que hoje conhecemos como União Europeia Outro acordo intergovernamental que embasou o bloco econômico e contribuiu para a evolução dos tratados comunitários europeus foi o Espaço Schengen firmado entre cinco países Luxemburgo Bélgica Alemanha França Países Baixos em 1985 realizado na cidade de Luxemburgo concluído em 1986 que estabelecia a criação de uma área sem fronteiras externas e tinha como principais objetivos a livre circulação maior controle dessas fronteiras externas estabelecimento de um Estado para analisar pedidos de asilo cooperação entre os tribunais dos referidos países Com isso esperavase um equilíbrio entre as normas e políticas a respeito de crimes em geral e a implementação do sistema de informação Schengen que visava melhorar o controle do cumprimento dos termos relativos as fronteiras externas VALÉRIO 2010 No ano de 1992 os representantes desses países que compunham a CEE se reuniram em Maastricht na Holanda e assinaram o Tratado de Maastricht que propunha uma maior integração e cooperação econômica balanceando taxas de importação Tal Tratado era fundamentado em três pilares Comunidade Europeia é a competente para apreciar matérias supranacionais por maioria qualificada tais como agricultura ambiente saúde educação energia investigação e desenvolvimento O segundo pilar representava a cooperação em política externa e de segurança E o terceiro pilar tratase de cooperação nos domínios da justiça e assuntos internos nos quais ambos eram decididos por unanimidade intergovernamental incluindo as políticas de imigração questões jurídicas e policiais Com entrada em vigor em 1º de novembro de 1993 à União Europeia nasce sendo responsável pela unificação da moeda nos países integrantes criando o Euro e posteriormente emendado por outros Tratados como o de Amsterdã e Lisboa VESENTINI 2011 3 EMENDAS AO TRATADO DE MAASTRICHT 31 TRATADO DE AMSTERDÃ O Tratado de Amsterdã assinado em 1997 foi um importante instrumento para a formação de uma comunitarização na questão da imigração e asilo na União Europeia Nele algumas mudanças e inovações permitiram uma abertura maior para a gestão desses assuntos Além da livre circulação dentro do espaço o controle nas fronteiras externas e a política de vistos para imigrantes e asilados o referido tratado estabelece a passada do terceiro para o primeiro pilar o pilar central é a Comunidade Europeia no qual as matérias apreciadas eram submetidas às decisões supranacionais por maioria qualificada Os segundo e terceiro pilares representavam respectivamente a cooperação em política externa e de segurança e cooperação nos domínios da justiça e assuntos internos Políticas relativas a estes dois pilares deveriam ser decididos por unanimidade intergovernamental MOURA 1999 A partir disso mais três projetos são criados em face da percepção da necessidade de elaborar novos parâmetros para dar efetividade à política comum de imigração da União Europeia Em 1999 2005 e 2008 os líderes da União Europeia se reuniam para traçar diretrizes em busca da gestão da migração em sistema de cooperação Destacase o Conselho Europeu de Tampere 1999 que formou as bases de atuação da União Europeia nos assuntos relacionados a migração e asilo que vigoram até os dias atuais i a criação de parcerias com os países de origem através da colaboração em projetos de cooperação para o desenvolvimento buscando melhorar as condições econômicas e sociais dos países de origem dos migrantes ii a realização de longo prazo de um Sistema Comum Europeu de Asilo através de um procedimento comum para os candidatos e um estatuto uniforme para os beneficiários de asilo tratamento justo de nacionais de países terceiros e iii a gestão dos fluxos migratórios em todas as suas fases MOURA 1999 32 TRATADO DE LISBOA O Tratado de Lisboa200 floresce 10 anos após o tratado de Amsterdã e trouxe certos avanços mas também certos retrocessos quanto a questão da imigração A partir dele abrese a possibilidade de aplicar o processo legislativo ordinário ou seja criar legislação quanto a questões de imigração legal e ilegal Além disso ampliou o horizonte das questões a serem decididas por maioria qualificada dos membros da UE inserindo nesse rol a migração legal e para a promoção de medidas de integração PIÇARRA 2012 200 TRATADO DE LISBOA Disponível em httpwwweuroparleuropaeuaboutparliamentptdisplayFtuhtmlftuIdFTU115html Acesso em 10 fev 2018 Ocorre que apesar dessa nova agenda de política comum e decisões compartilhadas reconheceuse que quando o assunto for entrada de imigrantes de países terceiros ao território cada Estadomembro tem a competência de decidir o número de pessoas autorizadas de acordo com o que lhe convém podendo ainda pedir auxílio às forças da União Europeia para conter a entrada de imigrantes quando esse fluxo se mostrar acima do desejado PIÇARRA 2012 A última e mais gravosa medida instituída pelo Tratado foi no que tange a Diretiva de Retorno Nos tratados anteriores diversas restrições haviam sido impostas aos Estadosmembro no sentido de coibir a marginalização dos imigrantes ilegais dando a eles oportunidade de readmissão no território bem como organizando o repatriamento seletivo desses por meio da ideia de solidariedade e cooperação para uma normatização comum para os Estados soberanos Ocorre que agora o Tribunal de Justiça da União Europeia suprimia as restrições antes impostas em matéria de imigração e asilo decidindo sobre a legalidade da expulsão do imigrante ilegal com base em uma análise individual de cada pessoa abrindo margem novamente para a diretiva de criminalização da imigração PIÇARRA 2012 Ademais cabe ressaltar que agora o Parlamento tornase um colegislador em pé de igualdade com o Conselho E as medidas provisórias em caso de súbito afluxo de nacionais de países terceiros são adotadas apenas pelo Conselho após consulta ao Parlamento Por fim o Tribunal de Justiça possui agora plena competência em matéria de imigração e asilo UNIÃO EUROPEIA 2018 33 PACTO EUROPEU SOBRE MIGRAÇÃO E ASILO O pacto europeu sobre migração e asilo criado em 2008 é um documento de relevância importância até os dias de hoje no campo da imigração visto que buscou reforçar os documentos anteriores que tratam da migração e asilo e além disso criou compromissos de suporte aos imigrantes legais controle dos imigrantes ilegais reforçou a atuação do FRONTEX201 elaborou normas comuns quanto aos refugiados e 201 Frontex é a designação abreviada para Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas dos Estados Membros da União Europeia Criada a 26 de outubro de 2004 tem por finalidade coordenar a cooperação entre os países da UE no que se refere à gestão das suas fronteiras externas É composto por um quadro de funcionários especializados em assuntos de migração e fronteira A agência com sede em Varsóvia tem independência Visa centralizar os meios de controle fronteiriço adotando a vigilância como um dos mecanismos de controle FRONTEX 2018 asilados e desenvolveu políticas de trabalho e estudo para o imigrante de países fora da União Europeia VILÃO 2008 Anteriormente ao pacto algumas medidas já tinham sido alcançadas no que tange à imigração como a política comum de vistos as normas sobre o asilo e a criação da própria FRONTEX que funciona como mecanismo de assistência aos Estados membros que precisem de ajuda emergencial para conter imigrantes ilegais em fronteiras VILÃO 2008 Apesar desses avanços notase que as políticas de imigração que se efetivaram em nada beneficiam os imigrantes vindos de países terceiros privilegiando apenas aqueles já se encontram na Europa Quanto aos imigrantes de continentes próximos como África e Ásia o que se estabeleceu foram políticas de imigração instrumentalista e criminalizadora que se repete dentro do ambiente soberano dos Estados e impossibilita a inclusão dessas pessoas nas políticas comuns que tratam da imigração VILÃO 2008 A política de asilo da UE visa harmonização os procedimentos de asilo aplicados pelos países europeus à luz do princípio da não repulsão A base jurídica que fundamenta tal política encontrase nos artigos artigos 67 nº 2 e 78 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia além do artigo 18 da Carta dos Direitos Fundamentais da UE Além disso a política comum de asilo deverá estar em conformidade com a Convenção de Genebra de 1951 e com o Protocolo de 1967 EUROPARL 2018202 Em matéria de asilo o Tratado de Lisboa inovou ao transformar as medidas em matéria de asilo em política comum O seu objetivo não é simplesmente estabelecer normas mínimas mas sim criar um sistema comum que inclua estatutos e procedimentos uniformes tais como i um estatuto uniforme de asilo um estatuto uniforme de proteção subsidiária um sistema comum de proteção temporária critérios e mecanismos de determinação do EstadoMembro responsável pelo exame de um pedido etc EUROPARL 2018 Os sucessivos programas adotados pelo Conselho Europeu influenciaram profundamente a execução da política europeia em matéria de asilo Podemos citar o Pacto Europeu sobre a Imigração e o Asilo adotado em 16 de outubro de 2008 que 202 EUROPAL Política de asilo Disponível em httpwwweuroparleuropaeuaboutparliamentptdisplayFtuhtmlftuIdFTU422htmlftnref 2 Acesso em 07 abr 2018 salvaguarda o direito de todos estrangeiros perseguidos em obter ajuda e proteção no território da União Europeia nos termos da Convenção de Genebra Nesse sentido o Pacto Europeu requereu a instauração de um procedimento de asilo único que comporte garantias comuns estatutos uniformes de refugiado por um lado e de beneficiário de proteção subsidiária por outro Quanto a detenção o Parlamento europeu entende que apenas é cabível em condições excecionais claramente definidas Além disso apoiou a criação de um Gabinete Europeu de Apoio em Matéria de Asilo Com base no instrumento de recurso de anulação perante o Tribunal de Justiça203 o Parlamento europeu anulou os dispositivos relativos às modalidades de adoção da lista comum de países terceiros considerados como países de origem seguros e países terceiros europeus seguros prevista na Diretiva 200585CE do Conselho Europeu 4 DESENVOLVIMENTO DAS POLÍTICAS MIGRATÓRIAS NA EUROPA 41 DE 1945 A 1973 No póssegunda guerra mundial diante da destruição de diversas cidades e polos industriais europeus os fluxos migratórios seguiam o caminho do capital e da demanda do mercado de trabalho A imigração era querida e incentivada pelos países principalmente no norte da Europa os quais abriram as fronteiras de seus países e celebraram acordos de regulação da imigração já que a entrada de mãodeobra barata era essencial para a reconstrução da economia desses países VIDAL 2013 Verificase a importação de trabalhadores dos países do sul que foram menos atingidos pela guerra pelos países do norte Enquanto isso países como França e Grã Bretanha recebiam imigrantes de suas colônias e excolônias africanas Esse esquema de abertura de fronteiras tem um limite até que os países ajustem seu mercado de trabalho e estejam suficientemente abastecidos de mãodeobra barata e desqualificada VIDAL 2013 203 Acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de maio de 2008 Parlamento Europeu contra Conselho da União Europeia ECLIEUC2008257 Recurso de anulação Política comum de asilo Diretiva 200585CE Procedimento de concessão e retirada do estatuto de refugiado nos EstadosMembros Países de origem seguros Países terceiros europeus seguros Listas mínimas comuns Processo de adoção e de alteração das listas mínimas comuns Artigo 67 nº 1 e 5 primeiro travessão CE Incompetência TRIBUNAL DE JUSTIÇA 2018 42 A PARTIR DE 1973 A imigração a partir da crise econômica de 1973 passa por uma reestruturação devido à necessidade de transferir o mundo do trabalho para aqueles países cuja legislação trabalhista fosse menos protetiva reduzindo assim os custos com mão de obra no mundo das grandes empresas Nesse ambiente de condições de trabalho precárias subempregos e flexibilização da mãodeobra observase a ampliação das diferenças entre Ocidente e Oriente já que as matrizes dessas grandes empresas onde a tecnologia era produzida ainda se concentravam na Europa e nos países desenvolvidos enquanto a pobreza e a marginalização do trabalhador sustentavam a lógica dos países do Sul VIDAL 2013 O aumento das disparidades entre Norte e Sul intensificam os fluxos migratórios por motivo de trabalho na Europa e apesar das políticas de restrição a imigração esta mostrase incontrolável devido à necessidade de mãodeobra barata dentro do mercado de trabalho As diversas políticas de restrição a migração após a crise de 73 culminaram no aumento da imigração ilegal Esse fator com o apoio do sensacionalismo da mídia desencadeou a uma visão distorcida dos fluxos migratórios associando os migrantes à ilegalidade e delinquência O medo ao migrante ilegal deu início ao favorecimento de políticas de segurança e a criminalização da imigração em toda a Europa VIDAL 2013 O gerenciamento da migração de forma negativa baseado no sentimento de invasão e insegurança dificultam um controle desses fluxos por parte dos estados estimulando uma institucionalização da migração irregular que dá força a um mercado negro que vitimiza o migrante e põe em cheque seus direitos VIDAL 2013 Diante de tudo isso percebemos que as políticas migratórias comuns propostas pela União Europeia estão sempre privilegiando aqueles imigrantes qualificados propondo projetos como a carta azul que busca atrair estudantes e profissionais de destaque em seu país de origem para integrar os altos setores da economia Esse tipo de política no entanto exclui o direito da população mais pobre que migra em busca de oportunidades de melhora de vida restando a esses a imigração ilegal VIDAL 2013 Com a globalização e a nova diversidade de fluxos migratórios proporcionada pela facilidade da circularidade pelo mundo nos dias atuais verificase o aumento da dificuldade em determinar quais são os países de origem e quais são os de destino para a migração São diversos tipos de migrantes cada qual com seus objetivos diferentes e nesse aspecto o que deveria ser valorizado são os benefícios que esses migrantes podem trazer para o país que migram se forem acolhidos regularizados e a eles forem dadas as mesmas oportunidades que se dão aos nacionais Porém as políticas migratórias atuais europeias caminham no sentido contrário dessa corrente fomentando a entrada ilegal de imigrantes em seu território o que não reduz a sua entrada mas apenas prejudica as condições de vida e trabalho favorecendo a xenofobia e racismo e a violência e criminalização do imigrante VIDAL 2013 Em 13 de maio de 2015 a Comissão adotou uma agenda europeia da migração com medidas voltadas para o curto e longo prazo em relação à crise migratória no Mediterrâneo e buscando priorizar a criação de centros de registos para realizar o registo dos migrantes com as suas impressões digitais Ademais elaborou a operação Sophia focada no Mediterrâneo para desmantelar as redes de traficantes e combate ao tráfico de seres humanos204 5 COMPETÊNCIAS DA UNIÃO EUROPEIA E DIFICULDADES PARA GERIR A QUESTÃO MIGRATÓRIA COMO POLÍTICA DE DEFESA E SEGURANÇA A base jurídica para o tratamento europeu em matéria de imigração se encontra nos artigos 79 e 80 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia TFUE Artigo 79 1 A União desenvolve uma política comum de imigração destinada a garantir em todas as fases uma gestão eficaz dos fluxos migratórios um tratamento equitativo dos nacionais de países terceiros que residam legalmente nos EstadosMembros bem como a prevenção da imigração ilegal e do tráfico de seres humanos e o reforço do combate a estes fenómenos 204 O nome da operação Sophia foi dado em homenagem a bebê que nasceu em 24082015 a bordo da fragata alemã SchleswigHolstein que opera no Mar Mediterrâneo Central como parte da ForçaTarefa EUNAVFOR MED Nascido de uma mãe somali resgatada junto com outros 453 migrantes Sophia recebeu o nome do navio alemão dedicado à princesa prussiana Sophia de SchleswigHolstein 8041866 a 28041952 A missão principal da operação Sophia é realizar esforços sistemáticos para identificar e capturar embarcações suspeitos de serem usados por contrabandistas de migrantes ou traficantes a fim de desmantelar o negócio do contrabando e tráfico de pessoas no Mediterrâneo Em 7102015 a operação passou para a segunda fase que implica embarque busca e apreensão no alto mar dos navios suspeitos de serem usados para contrabando ou tráfico de seres humanos Em 20072016 o Conselho prorrogou até 27072017 o mandato da Operação Sophia reforçandoo e determinado a adição de duas tarefas treinamento dos guardacostas da Líbia e da marinha apoio a implementação do embargo de armas das Nações Unidas no alto mar da costa da Líbia EUNAVFOR MED SOPHIA 2018 2 Para efeitos do nº 1 o Parlamento Europeu e o Conselho deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário adotam medidas nos seguintes domínios a Condições de entrada e de residência bem como normas relativas à emissão pelos EstadosMembros de vistos e de títulos de residência de longa duração inclusive para efeitos de reagrupamento familiar b Definição dos direitos dos nacionais de países terceiros que residam legalmente num EstadoMembro incluindo as condições que regem a liberdade de circulação e de permanência nos outros EstadosMembros c Imigração clandestina e residência ilegal incluindo o afastamento e o repatriamento de residentes em situação ilegal d Combate ao tráfico de seres humanos em especial de mulheres e de crianças 3 A União pode celebrar com países terceiros acordos destinados à readmissão nos países de origem ou de proveniência de nacionais de países terceiros que não preencham ou tenham deixado de preencher as condições de entrada de presença ou de residência no território de um dos Estados Membros 4 O Parlamento Europeu e o Conselho deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário podem estabelecer medidas para incentivar e apoiar a ação dos EstadosMembros destinada a fomentar a integração dos nacionais de países terceiros que residam legalmente no seu território excluindose qualquer harmonização das disposições legislativas e regulamentares dos EstadosMembros 5 O presente artigo não afeta o direito de os EstadosMembros determinarem os volumes de admissão de nacionais de países terceiros provenientes de países terceiros no respectivo território para aí procurarem trabalho assalariado ou não assalariado UNIÃO EUROPEIA 2018205 Com isso a União Europeia tem a missão de estabelecer medidas que visam tratar a migração de maneira equilibrada concedendo tratamento justo aos imigrantes que moram legalmente nos países europeus aperfeiçoar as medidas de combate a imigração ilegal Além disso a EU buscará uniformizar os direitos e obrigações dos imigrantes legais equiparandoos aos europeus O fundamento da política imigratória é o princípio da solidariedade como bem determina o art 80 do TFUE pelo qual os países devem repartir a mesma responsabilidade em matéria imigratória inclusive no plano financeiro EUROPARL 2018206 Com tantos países envolvidos resta claro que a definição da competência deveria ter uma estruturação mais complexa e bem organizada diante do encontro de soberanias e poderes Na prática verificamos que por não ser uma entidade dotada de soberania a EU enfrenta diversas barreiras ao estabelecimento de políticas comuns tendo em vista a força da vontade soberana de cada estadomembro que muitas vezes diverge com os interesses tidos como comuns impedindo o estabelecimento de 205 TRATADO SOBRE O FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA Disponível em httpwwwconcorrenciaptvPTAAdClegislacaoDocumentsEuropeiaTratadoFuncionamento UEpdf Acesso em 07 abr 2018 206 EUROPARL Política de Imigração Disponível em httpwwweuroparleuropaeuatyourserviceptdisplayFtuhtmlftuIdFTU423html Acesso em 07 abr 2018 diretrizes gerais de posicionamento e ação em assuntos que não sejam o comércio e a política monetária AMARAL E SILVA 2013 Para tentar solucionar isso em 2005 foi aprovada a primeira Constituição da União Europeia Ao analisarmos a mesma entendemos que de suas competências exclusivas todas tratam de questões ligadas ao mercado financeiro união aduaneira regras de concorrência política monetária política comercial comum e acordos comerciais sendo todo o restante considerado de competência compartilhada entre a União e os EstadosMembros Isso reflete no fato de que tratandose de política de defesa e segurança seja muito difícil a criação de uma política comum a todos os estados membros que nunca chegam a uma unanimidade para traçar objetivos e estratégias comuns quando o assunto é política externa AMARAL E SILVA 2013 Tal fato dificulta a implantação de uma diretriz convergente quando se trata da política imigratória no ambiente da união europeia apesar de esta ser uma busca constante ao longo da existência da união e dos diversos problemas enfrentados por seus estados membros ao longo de sua existência AMARAL E SILVA 2013 Isso ocorre pois um bloco econômico como a União Europeia estável pacífico com grande desenvolvimento econômico área de livre comércio um empreendimento supranacional de alta qualidade é muito atraente para pessoas de todos os lugares do mundo Deste modo a segurança é sempre um tema de suma importância pois além de se configurar um dos pilares balizadores do bloco é essencial para sua existência e efetividade AMARAL E SILVA 2013 A Política Externa e de Segurança Comum PESC que foi inserida no Tratado da União Europeia em 1992 revista pelo Tratado de Amsterdã em 1999 e reajustada pelo Tratado de Nice em 2001 É vista como pilar intergovernamental da União Europeia tem como ponto mais importante a execução de um avançado sistema de informações cooperação e harmonização de regras entre Estadosmembro sobre bases institucionais comunitárias no âmbito da política exterior de Estados soberanos BATISTA 1998 p 151 Apesar de objetivar uma cooperação sistemática entre seus membros a PESC em função do resguardo à soberania dos Estadosmembros novamente busca a implantação de mecanismos e ações conjuntas por meio de consenso e decisões unânimes fato esse que retira a eficácia de qualquer decisão do Conselho Europeu instância de natureza internacional tem como competência identificar os interesses estratégicos da União e definir objetivos de sua política externa e de segurança comum prevendo que as decisões fundamentais nesse âmbito são tomadas por unanimidade e trava o debate sobre uma política migratória comum AMARAL E SILVA 2013 Assim diante da evidente dificuldade para gerir a questão migratória e as políticas de defesa e segurança a União Europeia vem enfrentando uma crise de insegurança já que não é alcançado o quórum necessário para aprovar e providenciar a realização de medidas eficientes visto que em virtude da não aderência dos países integrantes do bloco não há financiamento dos sistemas de segurança e sem segurança há um abalo nas alianças formadas gerando uma instabilidade e enfraquecimento econômico moral e político do grupo Este déficit de defesa acaba gerando um efeito negativo em todas as outras áreas ocorrendo assim uma redução orçamentaria generalizada e até mesmo a saída de alguns membros do bloco econômico AMARAL E SILVA 2013 6 A CRISE MIGRATÓRIA NA UNIÃO EUROPEIA A migração representa desafios e oportunidades para a Europa considerando que a atual crise de migração é a pior no mundo desde a II Guerra Mundial O aumento da imigração na Europa exige uma resposta da UE em vários níveis Em primeiro lugar políticas para lidar com a imigração regular e irregular e em segundo lugar regras comuns em matéria de asilo à escala da UE A recente crise migratória também exigiu ações e reformas adicionais para garantir a segurança das fronteiras bem como uma distribuição mais justa dos requerentes de asilo entre os países da UE207 Em 2015 e 2016 mais de 25 milhões de pessoas pediram asilo na UE e quase 9000 pessoas morreram na travessia pelo Mediterrâneo Em 2015 e 2016 a agência Frontex responsável pela vigilância das fronteiras da UE detectou 23 milhões de travessias ilegais A crise expôs deficiências no sistema europeu de migração As pessoas que chegam na União Europeia fogem de conflitos terrorismo ou de perseguições em seus países Dos 12 milhões de pedidos de asilo que os países da UE receberam em 2016 mais de um quarto foram feitos por pessoas oriundas da Síria um país devastado pela guerra Os cidadãos oriundos do Afeganistão e do Iraque ocupam 207 EUROPARL A migração na Europa Disponível em httpwwweuroparleuropaeunewsptheadlinessociety20170629STO78632amigracaona europa Acesso em 07 abr 2018 o segundo e terceiro lugar respetivamente Em todos estes países as populações civis enfrentam ameaças de grupos insurgentes extremistas208 Diante disso o Parlamento e a UE procuraram reformar as regras de asilo da UE buscando um sistema mais justo de distribuição de requerentes de asilo entre os países da UE bem como reforçar os controlos das fronteiras da UE e a gestão da imigração irregular No coração do Sistema Europeu Comum de Asilo CEAS encontrase o regulamento de Dublim que determina o país responsável pelo processamento de cada pedido de asilo geralmente o primeiro país de entrada do requerente na UE Como consequência do sistema de Dublim países como a Itália e a Grécia têm sentido de forma especial o impacto da crise migratória Nesse sentido o Parlamento Europeu requereu a reforma do sistema de Dublin visando o reforço do controle nas fronteiras e uma maior capacidade dos EstadosMembros para rastrear as pessoas que entram na Europa Além disso buscou elaborar regras claras em toda a Europa para distinguir migrantes regulares de refugiados a fim de assegurar um tratamento justo e equitativo dos requerentes de asilo e garantir que cada EstadoMembro contribui com a sua quotaparte na resolução do problema209 A UE também está a tomar medidas para ajudar a integração dos imigrantes nos seus novos países Nesse sentido o Parlamento requereu mais fundos para programas que promovam novas oportunidades como empregos e programas educativos para grupos vulneráveis e refugiados em particular Os requerentes de asilo são pessoas que fazem um pedido formal de asilo noutro país porque temem que a sua vida esteja em risco em seu país de origem Já os refugiados são pessoas com um medo fundado de perseguição por razões de raça religião nacionalidade política ou pertença a um grupo social particular que foram aceites e reconhecidos como tal no país anfitrião Na UE a Diretiva de qualificação estabelece diretrizes para atribuir proteção internacional a quem precisa Os nacionais de países terceiros devem solicitar a proteção no primeiro país da UE em que entram Ao apresentar um pedido tornamse requerentes de asilo recebendo o status de 208 EUROPARL A migração na Europa Disponível em httpwwweuroparleuropaeunewsptheadlinessociety20170629STO78632amigracaona europa Acesso em 07 abr 2018 209 EUROPARL A migração na Europa Disponível em httpwwweuroparleuropaeunewsptheadlinessociety20170629STO78632amigracaona europa Acesso em 07 abr 2018 refugiado ou uma forma diferente de proteção internacional apenas quando houver uma decisão positiva das autoridades nacionais As autoridades dos EstadosMembros emitiram 593000 decisões de asilo em primeira instância no ano de 2015 sendo que mais da metade foram positivas A maioria das pessoas que solicitou proteção no auge da crise dos refugiados em 2015 teve que aguardar até 2016 para receber a decisão Em 2016 houve 11 milhões de decisões de asilo sendo que 61 das mesmas foram positivas e um terço dos candidatos receberam o estatuto de refugiado o mais alto nível de proteção internacional No entanto milhares de pessoas são expulsas anualmente da EU principalmente quando o seu pedido de asilo foi recusado Em 2015 533 mil pessoas receberam ordens para abandonar o território da UE mas destes apenas 43 o fizeram Em 2016 metade das 494 mil pessoas que receberam ordem para abandonar o território fêlo Diante disso o Eurobarómetro de 2017 divulgou que 73 dos europeus querem que a UE faça mais para responder à situação A migração também foi considerada uma prioridade nos resultados do Eurobarómetro de 2016 Quanto a questão orçamentária a União Europeia no ano de 2017 divulgou o pedido de reforço no 728 milhões de euros sobretudo para fundos relacionados com a migração210 7 CONCLUSÃO Diante das considerações expostas concluise o grande fluxo migratório que se verifica na atualidade nos países europeus tem sua razão de ser justificada em um contexto histórico complexo que mostra um constante debate entre os países componentes da União Europeia sobre esta questão política Ora em momentos que incentivavam a entrada de estrangeiros quando por exemplo necessitavam de mão de obra ora em momentos desfavoráveis em que a o grande fluxo migratório põe em risco a segurança dos nacionais europeus Atualmente a Europa enfrenta desafios em função da vulnerabilidade latente quanto a segurança aos ataques terroristas ameaças de ciberataques principalmente 210 EUROPARL A crise de migração na UE em números Disponível em httpwwweuroparleuropaeunewsptheadlinessociety20170629STO78630acrisede migracaonaueemnumeros Acesso em 07 abr 2018 no que tange ao sistema de informação assim como uma dependência energética em grande escala que acaba por fragilizar o bloco econômico Além disso as insatisfações dos nacionais europeus com ideologias xenofóbicas tendem a estimular a separação do bloco uma vez que os governantes devem procurar atender as deliberações da maioria popular que se demonstra descontente Deste modo essas situações contemporâneas exigem da UE uma resposta eficiente e célere para enfrentar as dificuldades quanto a segurança interna e externa do bloco e manter este importante conjunto de países unidos trazendo maior estabilidade aos cidadãos uma vez que sua existência tem uma relevância não só econômica mas representativa da paz e prosperidade ideais que fundaram sua origem REFERÊNCIAS AMARAL Nemo de Andrade do e SILVA Wanise Cabral A Imigração na Europa a ação política da União Europeia para as migrações extracomunitárias Florianópolis Sequência 2013 BATISTA Vanessa Oliveira O fluxo migratório mundial e o paradigma contemporâneo de segurança migratória Rio de Janeiro Revista Versus 2009 EUROPARL Política de Imigração Disponível em httpwwweuroparleuropaeuatyourserviceptdisplayFtuhtmlftuIdFTU423 html Acesso em 07 abr 2018 EUROPARL Resolução do Parlamento Europeu de 12 de abril de 2016 sobre a situação no Mediterrâneo e a necessidade de uma abordagem holística da UE em relação à migração Disponível em httpwwweuroparleuropaeusidesgetDocdotypeTAlanguageENreference P8TA20160102 Acesso em 08 abr 2018 EUROPARL A migração na Europa Disponível em httpwwweuroparleuropaeunewsptheadlinessociety20170629STO78632a migracaonaeuropa Acesso em 07 abr 2018 EUROPARL A crise de migração na UE em números Disponível em httpwwweuroparleuropaeunewsptheadlinessociety20170629STO78630a crisedemigracaonaueemnumeros Acesso em 07 abr 2018 EUROPAL Política de asilo Disponível em httpwwweuroparleuropaeuaboutparliamentptdisplayFtuhtmlftuIdFTU4 22htmlftnref2 Acesso em 07 abr 2018 ESTUDO PRÁTICO União Europeia História mapa e países deste bloco econômico Disponível em httpswwwestudopraticocombruniaoeuropeia historiamapaepaisesdesteblocoeconomico Acesso em 07 abr 2018 EUNAVFOR MED SOPHIA Disponível em httpseeaseuropaeucsdpmissions operationseunavformedoperationsophia36abouteunavformedoperation sophiaen Acesso em 07 abr 2018 FRONTEX Disponível em httpseuropaeueuropeanunionabout euagenciesfrontexpt Acesso em 07 abr 2018 MOURA José Barros FEITEIRA Alice Tratados da União Europeia revistos pelo tratado de Amsterdã 2 ed rev e aum Lisboa Universidade Autónoma de Lisboa 1999 PÉREZBUSTAMANTE Rogelio Juan Manuel Uruburu Colsa História da União Europeia Coimbra Coimbra Editora 2004 PIÇARRA Nuno A União Europeia segundo o Tratado de Lisboa aspectos centrais Coimbra Almedina 2010 TRATADO DE LISBOA Disponível em httpwwweuroparleuropaeuaboutparliamentptdisplayFtuhtmlftuIdFTU1 15html Acesso em 10 fev 2018 TRATADO SOBRE O FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA Disponível em httpwwwconcorrenciaptvPTAAdClegislacaoDocumentsEuropeiaTratado FuncionamentoUEpdf Acesso em 07 abr 2018 TRIBUNAL DE JUSTIÇA Disponível em httpcuriaeuropaeujurisdocumentdocumentjsfdocid69624doclangPT Acesso em 07 abr 2018 UNIÃO EUROPEIA Como Funciona a União Europeia 2013 Disponível em httpeuropedirectaigmadeiracomcmswpcontentuploads201304Como funcionaaUniC3A3oEuropeiapdf Acesso em 07 abr 2018 UNIÃO EUROPEIA Disponível em httpsbrasilescolauolcombrgeografiauniao europeiahtm Acesso em 07 abr 2018 VALÉRIO Nuno Valério História da União Europeia Barcarena Presença Editorial 2010 VEDOVATO Luís Renato O Direito de Ingresso do Estrangeiro São Paulo Selo Editorial 2013 VESENTINI José William Geografia o mundo em transição São Paulo Ática 2011 VIDAL Marcelo de Oliveira Instrumentalização da Migração política migratória e competências da União Europeia e Estado Nacional Espanhol Rio de Janeiro UFRJ 2013 VILÃO Ana Laura TAIAR Rogério Avanços e retrocessos da União Européia pósTratado de Lisboa Política Externa São Paulo v17 n3 p91101 dez 2008 WEISSBRODT D S DANIELSON L Immigration law and procedure in a nutshell 5 ed New York Thomson West 2005 CAPÍTULO 05 A NOVA LEI DE MIGRAÇÃO E A REALIDADE SOCIAL BRASILEIRA À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS Debora Duarte Rodrigues Braga211 1 INTRODUÇÃO A nova Lei de Migração aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo presidente Michel Temer em 24 de maio deste ano será objeto de estudo neste artigo considerando a relevante mudança legal no tratamento a migrantes e principalmente emigrantes imigrantes e refugiados Será também discutida a lei que regia anteriormente a entrada permanência e saída de estrangeiros do território nacional o Estatuto do Estrangeiro datado de 1980 Antes porém de discutir a política migratória a mudança legal e o tratamento jurídico dado a estrangeiros é preciso compreender quem são os imigrantes os emigrantes os refugiados e os asilados além do que é migração A Lei da Migração nº 1344517 estabelece no art 1º 1º II a VI os conceitos de imigrante emigrante residente visitante e apátrida sendo relevante para o presente trabalho somente os dois primeiros De acordo com o art 1º 1º II para os fins da lei acima citada imigrante é pessoa nacional de outro país ou apátrida que trabalha ou reside e se estabelece temporária ou definitivamente no Brasil Imigrante é portanto pessoa estrangeira que se instala em território nacional para fins empregatícios ou de residência O emigrante é brasileiro que se estabelece temporária ou definitivamente no exterior conforme art 1º 1º III O emigrante logo corresponde ao brasileiro que sai do território nacional para outro em caráter temporário ou definitivo Desta forma migração como é possível inferir é a mudança e o deslocamento de um local para 211 Graduanda em Direito na instituição Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais outro sendo o migrante alguém que se muda para outro lugar dentro do próprio país ou além de suas fronteiras212 Contudo há situações nas quais as pessoas migram por necessidade em decorrência de etnia religião nacionalidade convicção política ou pertencimento a certo grupo social213 Este é o caso dos refugiados A Convenção de Refugiados de 1951 estabeleceu o ACNUR agência da ONU para refugiados bem como o conceito de refugiado qual seja pessoa que temendo ser perseguida por motivos de raça religião nacionalidade grupo social ou opiniões políticas se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou em virtude desse temor não quer valerse da proteção desse país214 Por fim é necessário expor a diferença entre migração e asilo e consequentemente migrante e asilado De acordo com a ACNUR a diferença consiste em localizar pessoas que necessitam de proteção em meio de fluxos migratórios complexos215 Logo asilado é o migrante que precisa de proteção diante da mobilidade a outro lugar além das fronteiras Tais conceitos serão relevantes para a discussão a ser realizada acerca dos migrantes e refugiados sendo necessário contudo discutir as diretrizes do livro de Zygmunt Bauman Estranhos a nossa porta sobre os fluxos migratórios recentes 2 BAUMAN E OS ESTRANHOS À NOSSA PORTA Zygmunt Bauman trata da chamada crise migratória e que segundo o autor pode se vista em todas as fontes midiáticas A consequência direta e imediata da transmissão das notícias é o pânico moral216 O autor faz referência histórica aos fluxos migratórios e prevê a não interrupção deste seja pela falta de estímulo seja pela crescente engenhosidade das tentativas de sustála BAUMAN 2017 p 10 Em 212 httpswwwcartacapitalcombrinternacionalentendaadiferencaentremigranterefugiadoe requerentedeasilo2601html Acesso em 26 set2017 213httpswwwcartacapitalcombrinternacionalentendaadiferencaentremigranterefugiadoe requerentedeasilo2601html Acesso em 26 set2017 214 httpwwwacnurorgportuguesquemajudamosrefugiados Acesso em 26 set2017 215 httpwwwacnurorgportuguesquemajudamosmigracaoasilo Acesso em 26 set2017 216 Segundo a definição em geral aceita desse fenómeno tal como registrada pela versão em inglês da Wikipédia o conceito e pânico moral significa um sentimento de medo compartilhado por grande número de pessoas de que algum mal está ameaçando o bemestar da sociedade BAUMAN 20017 p 78 se tratando da migração europeia objeto da discussão de Bauman para fins exemplares discute Em grande medida tratase de um dano colateral produzido pelas expedições militares ao Afeganistão e ao Iraque fatalmente mal avaliadas mal conduzidas e calamitosas Elas terminaram com a substituição dos regimes ditatoriais pelo teatro sempre aberto da desordem e nu frenesi de violência O fluxo de refugiados impulsionados pelo regime de violência arbitrária a abandonar suas casas e propriedades consideradas preciosas de pessoas buscando abrigo nos campos de matança acrescentouse ao fluxo de constante dos chamados migrantes economicos estimulados pelo desejo demasiadamente humano de sair do solo estéril para um lugar onde a grama é verde de terras empobrecidas sem perspectiva alguma para lugares de sonho ricos em oportunidades BAUMAN 2017 p 11 12 Bauman trata da busca por padrão de vida minimamente decente em decorrência de conflitos locais resultantes de expedições militares nos últimos anos e dos migrantes econômicos que visam a obter melhores condições para vida digna por meio de trabalho moradia e outros direitos e garantias fundamentais O problema porém é que a grama poderá não ser necessariamente verde do outro lado O autor trata ainda da presença dos remanescentes referese a um fenômeno de caráter global conforme o qual os remanescentes habitam inúmeros campos quilômetros de corredores de trânsito ilhas e plataformas marítimas assim como cercados no meio dos desertos BAUMAN 2017 p 89 são grupos rodeadas por muros e vistos como constante vazio como se nada fossem enquanto isso há pequena parcela da sociedade em casas confortáveis e com vida considerada digna com certo afastamento quanto a preocupações e problemas afinal é problema dos outros e não deles Esse seja talvez o grande problema a falta de olhar sobre o outro mas de maneira diferente olhar como pessoa humana A nova política migratória e a nova Lei de Migração brasileiras vão à contramão do mundo pelo fato de demonstrarem o fundamental olhar sobre o outro sob a ótica dos direitos humanos e fundamentais 3 POLÍTICA MIGRATÓRIA CONCEITO E CONTEXTO HISTÓRICO De acordo com Boucinhas Filho 2012 a política nacional de imigração é o conjunto de meios jurídicos sociais economicos e culturais que o País utiliza buscando controlar os efeitos dos fluxos migratórios de acordo com seus objetivos e necessidades para com a imigração p 2930 Desta forma são os valores princípios e diretrizes que regem a questão migratória sob a tutela do Estado A política migratória adotada é fundamental para compreender como deve ser a vida de estrangeiros que entram no país e como estes devem ser tratados A política migratória neste sentido deve ser estudada com breve análise histórica Em 19 de Agosto de 1980 foi sancionada a Lei nº 6815 o Estatuto do Estrangeiro a qual definia a situação jurídica do estrangeiro no Brasil À época ainda vigorava o governo militar já em fase de transição dada a abertura política e econômica A abertura econômica decorreu da situação de estagflação ou seja o país não crescia e apresentava alta taxa inflacionária VICENTINO DORIGO 2010 De acordo com Cláudio Vicentino e Gianpaolo Dorigo 2010 dando prosseguimento à abertura o Congresso aprovou a Lei de Anistia perdoando todos os presos ou exilados acusados de crimes políticos A lei no entanto não incluía aqueles considerados culpados por atos terroristas e luta armada contra o governo p 747 A abertura política pode ser percebida além de pela promulgação da Lei de Anistia também pela realização de eleições pacíficas em novembro de 1982 Tais eventos são relevantes para entender que embora o Estatuto do Estrangeiro se baseie na segurança nacional foi sancionado em contexto de abertura do regime militar à valores democráticos A maneira do Estado controlar a entrada permanência e saída de estrangeiros do território nacional mudou antes era possível a entrada de qualquer imigrante havendo inclusive programas de incentivo após o Estatuto a segurança nacional tornouse mais relevante de forma que houve cerceamento de fronteiras quase que completo BOUCINHAS FILHO 2012 O Estatuto do Estrangeiro vigorou até meados de outubro do ano de 2017 No dia 11 de julho de 2013 o Senador Aloysio Nunes propôs a Lei de Migração com a finalidade de substituir tanto a Lei de Nacionalidade de 1949 quanto o Estatuto do Estrangeiro já citado é importante compreender que a Lei de Migração encontra se em consonância com a Constituição vigente No dia 15 de julho de 2015 o projeto foi aprovado pelo plenário do Senado Federal sendo aprovado em 06 de dezembro de 2016 pela Câmara dos Deputados após emendas Em abril de 2017 o Senado retirou algumas mudanças e aprovou uma versão alterada da Lei de Migração Finalmente em 24 de maio a lei foi sancionada pelo Presidente Michel Temer FOLHA 2017 O tratamento jurídico dado a estrangeiros sejam os imigrantes sejam os refugiados mudou consideravelmente de uma lei à outra Este tratamento jurídico é pautado em valores e normas que compõem a política nacional migratória Agora serão discutidos os tratamentos jurídicos dados a imigrantes e refugiados no âmbito da legislação anterior Estatuto do Estrangeiro e da legislação vigente Lei de Migração sob a luz da mudança na política migratória 4 TRATAMENTO JURÍDICO CONCEDIDO AOS IMIGRANTES NO BRASIL Considerando a lei positiva o art 1º do Estatuto do Estrangeiro estabelece que a Lei nº 681580 em tempo de paz regulará a entrada permanência e saída de estrangeiros resguardados os interesses nacionais Assim conforme art 2º da mesma lei com a finalidade de proteger o interesse nacional tornase necessário atender à segurança nacional à organização institucional aos interesses políticos socioeconomicos e culturais do Brasil bem assim a defesa do trabalhador nacional A Lei de Migração ao contrário busca garantir um tratamento humanitário para estrangeiros que chegam ao Brasil e assegurar a assistência aos brasileiros que moram no exterior WERNECK p 63 Desta forma a lei dispõe sobre os direitos e deveres do migrante e do visitante regula a sua entrada e estada no país e estabelece princípios e diretrizes para as políticas públicas para o emigrante art 1º caput da lei nº 134452017 O art 2º da mesma lei determina que a lei quando aplicada não deverá prejudicar a eficácia de normas internas e internacionais especiais acerca de refugiados e asilados dentre outros A mudança supracitada na lei fica mais clara quando são postulados no art 3º os princípios e diretrizes da política migratória adotada pelo Estado face à nova Lei de regulação da situação dos migrantes Neste artigo são enumerados vinte e dois princípios a partir dos quais os migrantes sejam imigrantes sejam emigrantes no Brasil e os brasileiros no exterior deverão ser tratados em qualquer hipótese e em qualquer condição de migração Dentre os princípios e diretrizes do art 3º destacamse promoção de entrada regular e de regularização documental inciso V acolhida humanitária inciso VI garantia do direito à reunião familiar inciso VIII inclusão social laboral e produtiva do migrante por meio de políticas públicas inciso X acesso igualitário e livre do migrante a serviços programas e benefícios sociais bens públicos educação assistência jurídica integral pública trabalho moradia serviço bancário e seguridade social inciso XI diálogo social na formulação na execução e na avaliação de políticas migratórias e promoção da participação cidadã do migrante inciso XIII e por fim proteção integral e atenção ao superior interesse da criança e do adolescente migrante inciso XVII A partir das normas enumeradas acima é possível perceber a maior inserção dos migrantes independente de sua origem à sociedade brasileira e a consonância com os direitos e garantias fundamentais postulados pela Constituição Federal Todas essas normas se relacionam ao fundamento do Estado Democrático de Direito da dignidade humana Desta forma a todo migrante é garantido pela Lei de Migração o direito à vida digna com todos os recursos mínimos e com acesso à serviços públicos de saúde e educação bem como o direito ao trabalho e à proteção e segurança tuteladas pelo Estado No que se refere ao migrante e especialmente ao imigrante é garantida a inviolabilidade do direito a vida a liberdade a igualdade a segurança e a propriedade art 4º da Lei de Migração Além destes direitos e garantias fundamentais são assegurados direitos que permitam igualdade no período em que permanecerem em território nacional Dentre estes estão de acordo com o art 4º as que se referem ao âmbito civil cultural social e econômico à circulação em território nacional à reunião familiar a medida de proteção a vítimas e testemunhas de crimes e violações de direitos à reunião e associação inclusive sindical ao amplo acesso à justiça e assistência jurídica integral e gratuita ao acesso aos serviços públicos de saúde e de assistência social e à previdência social à educação pública vedada a discriminação em razão de nacionalidade e de condição migratória direito de acesso à informação e garantia de confidencialidade quanto aos dados pessoais do migrante art 4º I a XVI Lei nº 134452017 Por fim o Estatuto do Estrangeiro de 1980 trata do visto temporário nas hipóteses de viagem cultural ou missão de estudos inciso I viagem de negócios inciso II na condição de artista ou desportista inciso III na condição de estudante inciso IV na condição de cientista pesquisador professor técnico ou profissional de outra categoria sob regime de contrato ou a serviço do governo brasileiro inciso V na condição de correspondente de jornal revista rádio televisão ou agência noticiosa estrangeira inciso VI na condição de beneficiário de bolsa vinculada a projeto de pesquisa desenvolvimento e inovação concedida por órgão ou agência de fomento inciso VII art 13 Portanto as hipóteses de concessão de visto por tempo determinado incluem apenas fins próprios com possibilidade de permanência ressalvada por alguns requisitos previstos em regulamento para obtenção de vistos de entrada art 5º bem como por exigências estabelecidas nas normas de seleção de imigrantes do Conselho Nacional de Imigração A Lei de Migração de 2017 trata do visto temporário no art 14 com a seguinte redação Art 14 O visto temporário poderá ser concedido ao imigrante que venha ao Brasil com o intuito de estabelecer residência por tempo determinado e que se enquadre em pelo menos uma das seguintes hipóteses I o visto temporário tenha como finalidade pesquisa ensino ou extensão acadêmica tratamento de saúde acolhida humanitária estudo trabalho fériastrabalho prática de atividade religiosa ou serviço voluntário realização de investimento ou de atividade com relevância econômica social científica tecnológica ou cultural reunião familiar atividades artísticas ou desportivas com contrato por prazo determinado LEI Nº 134452017 É relevante compreender que a política migratória se espelha nas hipóteses de concessão de visto temporário A nova Lei de Migração determina que será concedido visto temporário na situação de acolhida humanitária c tratamento de saúde b e reunião familiar i diferentemente da lei anterior É possível conceber o tratamento do imigrante no Brasil à luz dos direitos humanos conforme já discutido em condição de igualdade de direitos e garantias em relação aos brasileiros No que se refere à acolhida humanitária será tratada de maneira mais profunda por meio do estudo do tratamento jurídico dos refugiados 5 TRATAMENTO JURÍDICO CONCEDIDO AOS REFUGIADOS NO BRASIL O tema refugiados no Brasil é de grande relevância O país faz parte da Convenção das Nações Unidas de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados em 1997 foi promulgada a Lei de Refúgio de nº 947497 a qual considera violação de direitos humanos como uma das diversas causas de reconhecimento do refugiado2178 Em consonância com os princípios fundamentais constitucionais o Brasil atua interna e 217 httpwwwacnurorgportuguesrecursosestatisticasdadossobrerefugionobrasil Acesso em 26 set2017 externamente para garantir aos refugiados soluções permanentes A Lei brasileira de Refúgio nº 947497 por meio de dispositivo legal criou o CONARE Comitê Nacional para os Refugiados com a finalidade de desenvolvimento de políticas que permitam aos refugiados o exercício de seus direitos Há ainda outros agentes que participam dessa integração e proteção aos refugiados ACNUR O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados ACNUR apresenta se como um órgão da ONU que visa a dirigir e coordenar a ação internacional para proteger e ajudar as pessoas deslocadas em todo o mundo e encontrar soluções duradouras para elas218 De acordo com a agência os refugiados não migram porque assim querem mas por não haver opções É preciso que salvem suas vidas e que fujam para ter liberdade Mas fugir em razão de que Os motivos que os levam a evadirse são etnia raça religião preconceito Há situações em que não existe tutela do Estado em termos de segurança nacional e coletiva sendo que o próprio governo de Estado pode ameaçar seus direitos em alguns casos A não aceitação em territórios estrangeiros e ausência de prestação de auxílio nos países em que forem acolhidas poderá leválas à vida indigna219 A legislação brasileira sobre o tema inclui a nova Lei de Migração que trata da concessão de visto temporário para acolhida humanitária entre outras disposições legais O Estatuto do Estrangeiro estabelece no art18A incluído pela Lei nº 133442016 a concessão de residência permanente a vítimas de tráfico de pessoas em território brasileiro independentemente de situação migratória Conforme 1º do mesmo artigo poderão ser concedidos tais vistos na hipótese de reunião familiar Não é possível dizer que a legislação anterior vigente até outubro de 2017 encontravase em consonância com a realidade dos refugiados considerando que para que fossem concedidos vistos de residência ou de acolhida no caso havia restrição em relação a casos estabelecidos pelo Ministério de Relações Exteriores conforme art 19 A lei de Migração estabelece no 1º do art 4º que os direitos e garantias previstos nesta Lei serão exercidos em observância ao disposto na Constituição Federal independentemente da situação migratória e não excluem outros decorrentes de tratado de que o Brasil seja parte Tal norma apresenta o reflexo de direitos e garantias fundamentais ostentados pelas pessoas do povo exercidos também pelos estrangeiros e principalmente pelos refugiados Tratase de uma política 218 httpwwwacnurorgportuguesoacnur Acesso em 26 set2017 219 httpwwwacnurorgportuguesquemajudamosrefugiados Acesso em 26 set2017 migratória pautada em valores fundamentais que visam à proteção aos direitos de qualquer pessoa humana em território nacional220 Grifo do autor Ademais são estabelecidas no art 30 I c normas que dizem respeito à autorização de residência na hipótese de acolhida humanitária o que demonstra claramente a dignidade como preceito fundamental Conforme o texto a residência poderá ser autorizada mediante registro ao imigrante ao residente fronteiriço ou ao visitante que se enquadre em uma das seguintes hipóteses I a residência tenha como finalidade c acolhida humanitária No art 31 o legislador determinou que os prazos e procedimento de autorização de residência de que trata o art 30 serão dispostos em regulamento observado o disposto nesta Lei Nos 4º e 5º explanase que o solicitante de refúgio na hipótese tratada neste tópico fará jus à autorização provisória de residência de forma que a autorização de residência poderá ser concedida independente da situação migratória Por fim a lei de migração trata da concessão de visto ou autorização para a reunião familiar para conjuge ou companheiro filho de imigrante ou imigrante que tenha filho brasileiro ou imigrante com benefício de autorização de residência ascendente ou descendente de até 2º grau ou irmão de brasileiro ou imigrante beneficiário ou imigrante que seja tutor de brasileiro art 37 Desta forma na hipótese de uma família refugiandose por alguma razão poderá encontrar acolhida no território brasileiro respeitando os direitos e garantias fundamentais 6 IMIGRANTES E REFUGIADOS NO BRASIL EM NÚMEROS O CONARE órgão estatal citado anteriormente divulgou dados acerca da entrada de refugiados até o ano de 2016 conforme os quais ocorreu aumento de 12 na quantidade de refugiados reconhecidos no Brasil Foi contabilizado um total de 9552 refugiados de 82 nacionalidades Desses 8522 foram reconhecidos por vias tradicionais de elegibilidade 713 chegaram ao Brasil por meio de reassentamento e a 317 foram estendidos os efeitos da condição de refugiado de algum familiar221 220 Art 1º A República Federativa do Brasil formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal constituise em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos III a dignidade da pessoa humana CRFB 1988 221 httpwwwacnurorgportuguesrecursosestatisticasdadossobrerefugionobrasil Acesso em 26 set2017 Dentre as nacionalidades com maior número de reconhecimento encontramse os sírios 326 congoleses 189 paquistaneses 98 palestinos 57 e angolanos 26 Fato relevante para a mudança migratória em relação a refugiados é o aumento do número de solicitações venezuelanas em cerca de 307 de 2015 para 2016 ACNUR A ONU Brasil em informações divulgadas em seu sítio informou que a Guerra na Síria aumentou o número de solicitações de refúgio no país De acordo com o oficial de meios devida do ACNUR no país Paulo Sérgio Almeida no ano de 2017 até início de outubro havia por volta de 10000 refugiados em território nacional222 Sobre o fluxo de imigrantes para o país o IPEA divulgou dados de acordo com as Nações Unidas conforme os quais nos últimos 25 anos tem se observado a maior propensão à imigração advinda do sul global do que do norte global A novidade contudo está no aumento do fluxo migratório sulsul em consequência da importância sobre os países emergentes De acordo com a ONU em 2013 os imigrantes internacionais alcançaram o número de 232 milhões de pessoas dos quais 59 vivem em países desenvolvidos e 41 em países em desenvolvimento O Brasil é responsável por receber grande parte desses imigrantes considerando que desde 1995 aumentou o fluxo de migração advindo de países latinoamericanos e africanos223 Conforme Schmitz 2015 Os imigrantes alteram o contexto social cultural econômico e institucional das comunidades que os recebem inserindo nelas novos conhecimentos e habilidades O processo de atração é contínuo e cada vez maior Imigrantes pioneiros estabelecem e facilitam o caminho para novos imigrantes O fluxo migratório ganha força e autonomia Consequentemente o fenômeno em fase de expansão demanda políticas públicas para proporcionar a assimilação desses trabalhadores no mercado nacional e cria o momento para repensar a política migratória do país e o seu estatuto do estrangeiro SCHMITZ 2015 A discussão feita por Schmitz demonstra claramente o problema que ainda precisa ser discutido nos âmbitos jurídico e internacional como se adaptar às mudanças no fluxo migratório A nova Lei de migração discutida apesar de seu caráter humanitário não resolve a questão das políticas públicas de inclusão do imigrante muito menos do refugiado e nem mesmo dá soluções sociais para garantir a este a dignidade de que trata a Constituição Federal de 1988 222 httpsnacoesunidasorgguerranasiriaaumentounumerodesolicitacoesderefugionobrasil dizestudodoipea Acesso em 26 set2017 223 httpwwwipeagovbrportalindexphpoptioncomcontentviewarticleid25994catid86 Itemid Acesso em 26 set2017 7 CONCLUSÃO É possível ser obsevado nos dias atuais uma mudança no fluxo migratório e a consequente necessidade de mudança legal e nas políticas públicas adotadas No Brasil ao contrário dos outros Estados foi sancionada lei que oferece aos migrantes e principalmente imigrantes e refugiados direitos e garantias fundamentais em consonância com a Constituição de 1988 A nova Lei de Migração que entrou em vigor em outubro do ano de 2017 estabelece igualdade no tratamento de migrantes independentemente de sua situação migratória O que se questiona é até que ponto é possível garantir esta igualdade para todos Até que ponto é possível garantir que um refugiado ou imigrante possa ter vida considerada digna O que a lei estabelece são parâmetros que supostamente deveriam ser seguidos mas dadas as dificuldades enfrentadas pela própria população brasileira em relação ao desrespeito aos seus direitos fundamentais é possível perceber a disparidade entre a realidade legal e a realidade real Argumenta Werneck 2017 ainda que o respaldo legal seja de extrema importância para aqueles como os venezuelanos haitianos colombianos entre outros que chegam ao Brasil ainda resta uma questão a ser tratada o difícil acesso a serviços de apoio à população assim como a inserção em uma sociedade com tal grande índice de desigualdade social WERNECK 2017 p 63 Em geral os migrantes que chegam a territórios alheios por qualquer das razões citadas em tópicos anteriores não encontram solo fértil para se fixar dadas as dificuldades enfrentadas pela própria população local Se aplicada tal concepção à realidade brasileira chegarseia à conclusão de que nem ao povo brasileiro para quem são estabelecidos direitos e garantias há possibilidade do exercício de tais direitos e acessibilidade a tão sonhada dignidade imagina aos migrantes que visam à obtenção de uma vida melhor Prepondera na sociedade brasileira a desigualdade desde tempos remotos desde sua origem sendo portanto complicada a questão da recepção de migrantes e refugiados em respaldo com a legislação vigente REFERÊNCIAS ACNUR Dados sobre refugiados no Brasil Disponível em httpwwwacnurorgportuguesrecursosestatisticasdadossobrerefugiono brasil Acesso em 26 set2017 ACNUR Migração e Asilo Disponível em httpwwwacnurorgportuguesquem ajudamosmigracaoasilo Acesso em 26 set2017 ACNUR O ACNUR Disponível em httpwwwacnurorgportuguesoacnur Acesso em 26 set2017 ACNUR Refugiados Disponível em httpwwwacnurorgportuguesquem ajudamosrefugiados Acesso em 26 set2017 BARBON Júlia Lei de Migração o que muda nas regras para estrangeiros no Brasil Folha de São Paulo São Paulo 14 mai 2017 Disponível em httpwww1folhauolcombrcotidiano2017051883696leidemigracaooque mudanasregras paraestrangeirosnobrasilshtml Acesso em 26 set2017 BAUMAN Zygmunt Estranhos à nossa porta Rio de Janeiro 1 ed Editora Zahar 2017 BOUCINHAS FILHO Jorge Cavalcanti Migração de trabalhadores para o Brasil aspectos teóricos e práticos São Paulo Saraiva 2012 BRASIL Constituição 1988 Constituição da República Federativa do Brasil Brasília Senado 1988 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03constituicaoconstituicaocompiladohtm Acesso em 26 set2017 BRASIL Lei nº 6815 de 19 de agosto de 1980 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisL6815htm Acesso em 26 set2017 BRASIL Lei nº 13445 de 24 de maio de 2017 Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03ato201520182017leiL13445htm Acesso em 26 set2017 ONU Guerra na Síria aumentou número de solicitações de refúgio no Brasil diz estudo do IPEA 02 out2017 Disponível em httpsnacoesunidasorgguerranasiriaaumentounumerode solicitacoesde refugionobrasildizestudodoipea Acesso em 04 out2017 SCHMITZ Guilherme de Oliveira Mercado Brasileiro atrai imigrantes In IPEA 18 ago2015 Disponível em httpwwwipeagovbrportalindexphpoptioncomcontentviewarticleid2 5994catid86Ite mid4 Acesso em 04 out2017 VICENTINO Cláudio DORIGO Gianpaolo História Geral e do Brasil São Paulo Scipione 1ª ed 2011 832 p WELLE Deutsche Entenda a diferença entre migrante refugiado e requerente de asilo Carta Capital Alemanha 02 set 2015 Disponível em httpswwwcartacapitalcombrinternacionalentendaadiferencaentre migranterefugiadoe requerentedeasilo2601html Acesso em 26 set2017 WERNECK Helena Passagens para uma nova ordem urbana In Sociologia 2017 Editora Escala Edição nº 71 P 58 63 CAPÍTULO 06 A MIGRAÇÃO NOS ESTADOS UNIDOS E SUA INCOERÊNCIA COM OS DIREITOS HUMANOS Bárbara Thaís Pinheiro Silva224 Mariana Wamser Ferreira225 Renatha Amaral Silva226 1 INTRODUÇÃO A inquietação inerente ao homem sempre o fez perseguir um estilo de vida melhor Esta busca na maioria das vezes acarreta em uma mudança de habitat o que envolve a procura por um local uma cidade ou até mesmo um país diferente que possa oferecer melhores oportunidades Sendo assim essa procura é mais conhecida por migração Previamente seria necessário definir quem seria um migrante Para a Organização Internacional para Migrantes este seria qualquer pessoa que está mudando ou mudou para outro país ou para outro local dentro do Estado que seja diferente do seu local habitual de residência independentemente do seu status legal se o movimento é voluntário ou involuntário quais as suas causas ou o tempo de estadia O mais importante é que este deve ser tomado de livre e espontânea vontade e o simples desejo de ter uma vida melhor A migração é algo que marca a história da humanidade visto que desde que o homem é homem a migração faz parte de sua vida Sendo assim é certo dizer que migração se tornou um direito visto que a migração é um direito à liberdade de ir e vir e sem este os outros direitos serão diretamente afetados Migração possui relação com o fator econômico E é por isso que países como o Estados Unidos da América é um dos mais visados para migração além do que muitos 224 Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Graduanda em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 225 Graduanda em Direito pela Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 226 Graduanda em Direito pela Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais migrantes procuram oportunidades de emprego e por sua vez uma melhor qualidade de vida para aqueles que não tem oportunidade nenhuma em seu país de origem E é aqui que se instaura a problemática Os Estados Unidos a muito tempo adotam medidas protecionistas do território nacional valorizando cada vez mais a segurança nacional e a propagação da ideologia de que o estrangeiro é o estranho que ameaça o direito fundamental de seus cidadãos roubando o emprego dos nacionais Os Estados Unidos é o lar do maior número de migrantes internacionais do mundo Em 2016 mais de 437 milhões de pessoas nascidas no estrangeiro residiam nos Estados Unidos sendo o México o principal país de origem dos migrantes Isto é para cada oito residentes nos Estados Unidos um é imigrante Segundo dados da OIM 53 dos estrangeiros nascidos nos Estados Unidos são provenientes da América Latina 25 da Ásia 14 da Europa e 8 de outras regiões do mundo Além disso os EUA são o lar de um grande número de migrantes irregulares estimados entre dez e treze milhões de pessoas que compõem uma força de trabalho que opera sem direitos ou documentação Entre 2010 e 2016 chegaram aos EUA 81 milhões de imigrantes e 300 mil deixaram o país anualmente Os Estados americanos que mais receberam migrantes em 2016 foram Texas 587889 Flórida 578468 Califórnia 527234 Nova York 238503 e New Jersey 171504 ESTADÃO 2017 Com a vitória de Trump para a presidência dos Estados Unidos houve o receio por parte dos migrantes quanto ao tratamento que o país concederia a eles O constante discurso xenofóbico fundamentou os projetos de endurecimento das fronteiras e do controle migratório visto que mais que obstar a entrada de imigrantes indesejáveis as punições de detenção e deportação seriam ampliadas e fortalecidas A migração proporciona mudanças profundas nas sociedades de origem quanto nas de acolhimento o que envolve processos de aculturação e elaboração de políticas estatais que dependendo da reação da população local e do governo podem violar as normas de Direitos Humanos ao preocuparse em fundamentar as políticas de segurança nacional em detrimento dos direitos inerentes ao homem Os Estados Unidos são vistos como uma esponja com capacidade extraordinária para absorver imigrantes No entanto essa capacidade de absorção é maculada diante do intenso processo seletivo norteamericano sobre quem pode e quem não pode entrar em seu território 2 ANÁLISE HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS As raízes dos Direitos Humanos deitamse na antiguidade clássica época em que os filósofos passaram a admitir a existência de prerrogativas inerentes à personalidade humana com base em postulados extraídos da razão de fundamento jusnaturalista embora sem a conotação que hoje lhes é atribuída ZANON JUNIOR 2011 Os gregos consideravam que os direitos naturais eram inerentes à pessoa humana sem necessidade de reconhecimento legislativo ou convenção No império romano os direitos civis ao mais homem mais velho de cada família Posteriormente houve o desenvolvimento do jus gentium ou direito das gentes que atribuía alguns direitos aos estrangeiros sob o interesse de manutenção do império e afastamento de eventuais revoltas SOARES 2004 Na Idade Média os dogmas da Igreja Católica influenciaram o conteúdo e os valores a serem reconhecidos como fundamentais ao homem ZANON JUNIOR 2011 Com o fim da Idade Média época do feudalismo houve a intensificação do comércio que posteriormente desaguaria no capitalismo período no qual os Direitos de primeira geração iniciam sua concretização Inaugurase a fase da força vinculante dos Direitos do homem ZANON JUNIOR 2011 A materialização dos Direitos Fundamentais inicia na Inglaterra sendo o marco a Magna Carta de 1215 Após esse texto novas limitações ao poder absoluto foram feitas garantindose aos indivíduos certos Direitos Fundamentais MAGALHÃES 2002 O marco histórico documental é a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão aprovada pela Assembleia Nacional Francesa em 26 de agosto de 1789 Mesmo que a Declaração dos Direitos do Homem e Cidadão foi antecedida pela Constituição dos Estados Unidos da América de 17 de setembro de 1787 verificase que foram os ideais revolucionários nela expressos que inspiraram os norteamericanos A Constituição Americana não previa uma lista de direitos civis a qual só foi inserida através das dez primeiras emendas por exigência dos EstadosMembros BOBBIO apud ZANON JUNIOR 2011 Nos séculos XVII e XVIII a atitude de omissão do Estado diante dos problemas sociais e econômicos conduziu os homens a um capitalismo desumano O Estado não podia mais ser omisso diante dos problemas sociais e econômicos A segunda geração de Direitos Humanos também surge de lutas sociais em busca de maior salvaguarda das condições necessárias ao desenvolvimento pleno da humanidade Agora os seus protagonistas foram as classes operárias que aparece em consequência da industrialização na Europa Não se admitia mais o Estado nos moldes liberais clássicos de não intervenção O Estado agora é um administrador da sociedade e neste momento de pósguerra deve aproveitar os laços internacionais para que estabeleça um núcleo fundamental de Direitos Humanos Internacionais Dessa forma elaborase a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 MAGALHÃES 2002 p50 Neste momento destacouse a internacionalização dos Direitos Humanos fixandose agora em um contexto internacional os direitos fundamentais o que naturalmente ensejaria uma maior prevalência destes no contexto do ordenamento jurídico interno PIOVESAN 2010 Por fim quanta a terceira geração de Direitos Humanos podemos afirmar que Não possui uma identificação clara dos agentes operadores pois emergiu de apelos de uma sociedade massificada visando à preservação dos interesses coletivos ou difusos relacionados com a proteção do meio ambiente preservação do patrimônio histórico e cultural qualidade de vida nos ambiente urbano e rural tutela sobre a comunicação social a bioética ampliação dos direitos políticos autodeterminação dos povos o amplo acesso a informação e preservação da privacidade RIBEIRO NETO 2018 Todos os direitos que marcaram cada geração ainda não foram totalmente efetivados haja vista que muitos aos poucos tais direitos estão sendo inseridos aos ordenamentos jurídicos de cada país 3 BREVES CONSIDEREÇÕES SOBRE MIGRAÇÃO Preliminarmente há que se definir quem são os sujeitos protagonistas do fenômeno migratório para que se possa compreender as razões que levam o deslocamento de um grande contingente de pessoas para diferentes localidades A escolha de migrar darseá principalmente pela vontade e exercício do direito de ir e vir do ser humano Motivo pelo qual percebese a necessidade de se colocar em pauta tal fenômeno tendo em vista que apesar de ser uma ação presente há milênios tem ganhado cada vez mais com a globalização enfoque mundial principalmente devido as consequências que o mesmo vem assumindo nos países receptores Dessa forma percebese que apesar da escolha ser tomada de livre e espontânea vontade os motivos que levam cada migrante a sair de seu status quo se difere do das outras Outrossim observase dentre os principais motivos o fator econômico a busca por uma qualidade de vida melhor O direito de procurar uma qualidade de vida melhor está intrínseco portanto ao direito de migrar sendo que este possibilita aquele Neste sentindo migrar com todos os riscos que isto implica explicase simplesmente porque a busca de felicidade é inerente ao ser humano VENTURA 2014 Contudo o fenômeno migratório é por várias vezes interpretado equivocadamente sendo ele associado constantemente a uma de suas motivações qual seja a movimentação forçada por fatores externos a sua vontade 4 QUEM SÃO OS REFUGIADOS A distinção entre refugiados e migrantes requer bastante cuidado essencialmente por ser um tema delicado e de enorme impacto pois na atualidade desencadeia préconceitos e interpretações equivocadas que são utilizadas inclusive por governantes como pretexto para fecharem fronteiras Destarte já definidos o que são os migrantes em sentido amplo passase a definição dos refugiados Os refugiados necessitam de uma atenção ainda mais especial vez que seu deslocamento decorre de uma situação que gera risco a própria vida Em razão disto a Convenção de Refugiados de 1951 estabeleceu que refugiado é alguém que temendo ser perseguida por motivos de raça religião nacionalidade grupo social ou opiniões políticas se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou em virtude desse temor não quer valerse da proteção desse país ACNUR 2018 Assim embora tênue a diferenciação entre refugiados e migrantes temse três fatores determinantes que os distinguem O primeiro por óbvio é a vontade e a liberdade de migrar da qual o refugiado não goza A segunda seria o fator econômico que por muitas vezes move o migrante mas não o refugiado E por último quiçá o mais importante está a proteção do indivíduo pelo Estado os migrantes geralmente usufruem da proteção de seu país de origem um refugiado devido a situação peculiar do Estado de onde advém não consegue fruir de tal amparo 5 CONTEXTUALIZAÇÃO LEGISLATIVA AMERICANA O direito de migrar está assegurado em tratados e pactos internacionais Um deles que merece destaque é o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos 1966 pelo qual em seu artigo 12 é estabelecido que todo indivíduo terá o direito de sair livremente de qualquer país inclusive do seu próprio e que esse direito não poderá ser objeto de restrições salvo quando estas se encontrarem estabelecidas em lei e forem necessárias para proteger a segurança nacional a ordem a saúde e a moral pública ou os direitos e as liberdades dos outros e forem compatíveis com os demais direitos reconhecidos no próprio Pacto Pois bem é notório que os países devem respeitar os preceitos e obrigações assumidas internacionalmente mesmo podendo adotar legislações próprias a respeito dos assuntos pactuados em âmbito internacional Na trilha desta observação o que aqui merece destaque é o fato de os Estados Unidos da América ter assinado e ratificado o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos o que a princípio conjecturaria o respeito a este contudo como asseverado mais a frente por ser incutida uma mudança de pensamento em relação ao migrante no país de que o estrangeiro é estranho e indesejado há uma série de restrições ao exercício desse direito de migrar Primeiramente necessária é a apresentação de um breve histórico do tratamento das migrações nos Estados Unidos da América para entender a forma como muitas vezes o protagonista delas é tratado com aversão Para tanto utilizaremos a abordagem adotada pelo professor João Carlos Jarochinski Silva 2013 que trata sobre o tema Aproximadamente a três séculos atrás em 1789 após treze anos da independência o país estabeleceu sua primeira norma referente ao tema pela qual estrangeiros poderiam ser detidos e expulsos se fossem considerados perigosos bem como aqueles que viessem de países que entrassem em confronto com a nação A partir do século XIX há uma intensificação das migrações de indivíduos que se dirigiam ao país para ocupar terras ou trabalhar no campo sendo esses recepcionados sem restrições Com o posterior desenvolvimento da indústria há o deslocamento de uma massa de migrantes para o país o que causa um número significativo de desempregados sendo possível observar por esse dentre outros motivos o encetamento do sentimento xenofóbico pelos norteamericanos A intensificação de migrações se dá com a primeira guerra mundial o que leva o país a começar a adotar um processo de limitação de entrada dos migrantes Em 1921 o governo estabeleceu limites para a entrada de pessoas no país sendo marcante inclusive o estabelecimento de padrões raciais e étnicos Contudo em 1965 os Estados Unidos da América estabelecem uma nova norma de migração que embora excluísse a referência a padrões raciais e étnicos implementou uma série de critérios para admissão no território Outrossim em 1980 há o início do debate com relação aos refugiados seguindose um viés negativo demonstrando que já havia uma tentativa de fechamento das fronteiras Seis anos após em 1986 o Immigration Reform and Control Act advém com o objetivo de reduzir o número de migrantes ilegais no país sendo complementado em 1990 quando aprovado um novo Immigration Act que tinha o escopo de aumentar o número de vistos legais permitidos no país Ainda em 1996 é estabelecida uma política de combate a migração vigente até hoje e alimentada por nacionalistas que acreditam serem os migrantes os criminosos que violam as fronteiras estatais Por fim cabe lembrar que após o Atentado de 2011 os migrantes foram novamente colocados em foco sendo vistos como ameaças à segurança do país o que motivou de certa forma uma concessão dos americanos ao governo para que este adotasse medidas não importando quais para inibir a migração e conservar a segurança nacional Da mesma forma a visão tida pelos americanos após o 11 de setembro é perpetuada nos dias atuais sendo que após cada novo atentado o migrante é colocado sob os holofotes como culpado indireto da insegurança nacional o que novamente abre margem para governantes irem contra os tratados internacionais e os Direitos Humanos usando a justificativa do nós versus eles Atualmente no governo de Donald Trump o senado norteamericano apresentou um projeto de lei denominado Reforming American Immigration for Strong Employment que tem o objetivo de reduzir o número de migrantes nos Estados Unidos em 50 dentro do período de uma década salvo os imigrantes que falam em inglês que tem condições de se manterem financeiramente e que contribuem para a economia do país No entanto tal projeto de lei visa limitar a capacidade dos novos imigrantes auxiliar seus parentes que desejam imigrar para os Estados Unidos Portanto apenas os imigrantes residentes permanentes podem ajudar a sua família a obter permissão de residência Em 1940 as ondas de imigração nos Estados Unidos correspondiam a 83 ou mais de uma em cada 12 cidadãos Hoje 131 da população dos EUA nasceu no exterior o que significa que mais de um em cada oito americanos são imigrantes MAPA POPULAÇÃO DE ESTRANGEIROS NOS EUA 1940 Fonte Social Explore MAPA POPULAÇÃO DE ESTRANGEIRO NOS EUA 2014 Fonte Social Explore O presidente Trump fechou em janeiro de 2017 as fronteiras da nação para refugiados de todo o mundo ordenando que as famílias que fogem do massacre na Síria sejam indefinidamente impedidas de entrar nos Estados Unidos e suspendendo temporariamente a imigração de vários países predominantemente muçulmanos A imigração dos sete países visados pelo presidente Trump Iraque Síria Irã Sudão Líbia Somália e Iêmen está acontecendo há décadas No entanto os imigrantes desses países correspondem 2 de todos os imigrantes presentes em solo americano THE NEW YORK TIMES 2017a Como um todo os residentes dos sete países predominantemente muçulmanos especialmente os sírios iranianos e libaneses são mão de obra qualificada engenheiros professores administradores etc Ademais a maioria dos residentes dos Estados Unidos desses sete países tornaramse cidadãos uma taxa superior à da população de origem estrangeira no país como um todo Um número pequeno cerca de 10 mil serviu nas forças armadas americanas Dos mais de 856 mil imigrantes originários de um desses sete países afetados pela proibição de Trump apenas três deles realizaram ataques violentos nos Estados Unidos desde 11 de setembro de 2001 Desde 11 de setembro de 2001 uma grande maioria dos perpetradores de ataques terroristas veio de países não mencionados na proibição e muitos nasceram nos Estados Unidos THE NEW YORK TIMES 2017b Trump advoga a tese de que é necessário manter a parcela da imigração abaixo do máximo histórico de 148 na década de 1890 devido ao risco da população de imigrantes dos Estados Unidos atingir 18 até 2065 Donal Trump baseia suas ideias na legislação histórica em 1921 e 1924 quando os Estados Unidos estabeleceram suas primeiras cotas de imigração de origem nacional destinadas a incentivar a migração dos países do Norte e da Europa Ocidental A restrição resultou na participação da população nascida no estrangeiro caindo bruscamente para o seu ponto mais baixo 4 na década de 1960 Em 1965 o sistema de quotas foi substituído por um sistema que priorizava o reagrupamento familiar e os imigrantes qualificados As preferências baseadas no emprego foram introduzidas pela primeira vez em 1952 com o Acto McCarranWalter O princípio do reagrupamento familiar no entanto foi realizado através do marco 1965 da Lei de Imigração e Nacionalidade e continua em vigor hoje THE NEW YORK TIMES 2017b 6 DIREITO DE MIGRAÇÃO VS SEGURANÇA E SOBERANIA NACIONAL O medo por várias vezes priva o ser humano de pensar racionalmente O medo de ser atacado de perder sua vida sua propriedade ou até mesmo seu emprego gera uma necessidade de se sentir seguro e de atribuir a culpa de insegurança a alguém E assim aparece a figura do estranho do estrangeiro que de repente aparece em um local que nunca esteve gerando dúvidas e desconfianças Os Estados Unidos da América desde a eleição de Trump vem intensificando a sua política de segurança nacional tendo até mesmo realizado um novo decreto em 2017 que será incluído na Lei de Imigração dos EUA que restringe ainda mais suas fronteiras Devido ao contexto histórico seria compreensível tais ações de um Estado que pretende proteger seu povo Porém os Estados Unidos como um país com um grande poderio econômico atrai com bem mais frequência migrantes econômicos e não refugiados Os migrantes que chegam aos EUA com mais frequência não são advindos de locais de risco ou que necessitam de asilo e sim de Estados onde a qualidade de vida leva ao desejo de uma vida melhor Os discursos de Trump no período eleitoral já demostravam como seria a sua postura para com os migrantes e refugiados Porém isto se choca diretamente com o direito de migrar que como já exposto é inerente aos Direitos Humanos Por óbvio um Estado deve sempre procurar proteger seus habitantes mas é preciso limitar até que ponto estas ações visam apenas a segurança nacional Zygmunt Bauman 2017 apresenta uma explicação interessante quanto essa necessidade de manter os estranhos longe das fronteiras em seu livro Estranhos a Nossa Porta A securitização para ele é a entrega da insegurança do povo ao poder do Estado de tal forma que os Órgãos de Segurança terão todo o poder para lidar com o que ameaça a população e esse medo que será de maneira estratégica imputado aos migrantes Para Bauman a securitização nada mais é do que um truque de mágica calculado para ser exatamente isso Ela consiste em desviar a ansiedade de problemas que os governos são incapazes de enfrentar ou não têm muito interesse em fazêlo para outros com os quais os governantes diariamente e em milhares de telas aparecem lidando com energia e por vezes com sucesso BAUMAN 2017 Assim é possível entender como esta política de banimento de migrantes tem e provavelmente continuará funcionando Desviar a atenção de algo mais importante como educação desemprego e saúde que afeta diretamente a população é mais simples e convincente do que realmente lidar com o problema 7 CONCLUSÃO Os Estados Unidos continua sendo o principal destino para migrantes no mundo O número de imigrantes africanos nos Estados Unidos mais do que duplicou nos últimos 10 anos atingindo cerca de 2 milhões Enquanto isso os fluxos de migração dos países asiáticos em desenvolvimento para os Estados Unidos e Canadá continuam a aumentar de forma constante Destarte demonstrada está a necessidade de uma mudança de postura dos Estados para com os migrantes que como exposto estão no exercício de um direito inato O que se deseja asseverase não é a derrubada de fronteiras que claro são fundamentais ou uma entrada ilimitada nos países sem precedentes mas sim que seja exercido o diálogo entre pessoas de ambos os lados compreendendose que tanto umas quanto as outras que são detentoras de direitos fundamentais que não se excluem Indubitavelmente é pelo diálogo que se chegará a uma solução a várias ou a nenhuma O que importa é que na prática desse exercício tratandose como iguais e compreendendo mutuamente a posição de vulnerabilidade do outro possivelmente serão afastadas as ideias de securitização e do migrante como ameaça a segurança e desenvolvimento de um Estado Dessa forma sendo certo que a migração continuará a ocorrer assim como deve ser já que é o exercício de um direito humano e fundamental não é possível que governantes continuem a incutir ou se aproveitem do sentimento xenofóbico para legitimarem medidas que vão na contramão da humanidade Enjeitar o outro que bate à porta nunca é a melhor solução para uma situação que perdurará REFERÊNCIAS ACNUR Convenção Relativa Ao Estatuto Dos Refugiados 1951 Disponível em httpwwwacnurorgfileadminDocumentosportuguesBDLConvencaorelativa aoEstatutodosRefugiadospdf Acesso em 13 jul 2018 BAUMAN Zygmunt Estranhos à nossa porta 1 ed Rio de Janeiro Jorge Zahar 2017 ESTADÃO População imigrante nos EUA superou os 43 milhões segundo estudo Disponível em httpinternacionalestadaocombrnoticiasgeralpopulacaoimigrantenoseua superouos43milhoessegundoestudo70002047865 Acesso em 21 out 2017 MAGALHÃES José Luiz Quadros de Direito Constitucional 2 ed Belo Horizonte Mandamentos 20021v ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL PARA AS MIGRAÇÕES Glossary on Migration International Migration Law Series No 25 2011 Disponível em httpswwwiomintkeymigrationterms Acesso em 06 out 2017 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos adotado em 16 de setembro de 1966 PIOVESAN Flávia Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional 11 ed rev e atual São Paulo Saraiva 2010 REIS Rossana Rocha jun 2004 Soberania Direitos Humanos e Migrações Internacionais In Revista Brasileira de Ciências Sociais v 19 n 5 p 149164 Disponível em Acesso em 10 out 2017 SILVA João Carlos Jarochinski A História das políticas Migratórias dos Estados Unidos TEXTOSDEBATES Boa Vista n20 p 721 janjun 2013 SOARES Guido Fernando Silva Curso de direito internacional público 2 ed São Paulo Atlas 2004 SOCIAL EXPLORE Discover Immigration Trends with Social Explorer at the Smithsonian Folklife Festival Disponível em httpswwwsocialexplorercomblogpostdiscoverimmigrationtrendswith socialexploreratthesmithsonianfolklifefestival5584 Acesso em 21 out 2017 THE NEW YORK TIMES Trump Bars Refugees and Citizens of 7 Muslim Countries Disponível em httpswwwnytimescom20170127uspoliticstrumpsyrianrefugeeshtml Acesso em 21 out 2017a THE NEW YORK TIMES Immigrants From Banned Nations Educated Mostly Citizens and Found in Every State Disponível em httpswwwnytimescominteractive20170130uspoliticstrumpimmigration bandemographicshtml Acesso em 21 out 2017b VENTURA Deisy Migrar é um direito humano Disponível em httpoperamundiuolcombrconteudoopiniao33594migrareumdireitohu manoshtml Acesso em 01 out 2017 ZANON JÚNIOR Orlando Luiz Evolução Social Dos Direitos Humanos Revista Jus Navigandi Teresina ano 16 n 2755 16 jan 2011 CAPÍTULO 07 A IMPORTÂNCIA DO DIREITO HUMANITÁRIO PARA EVITAR O FLUXO DE REFUGIADOS Bárbara Thaís Pinheiro Silva227 Brunna Leão Jácome Ferreira228 Priscila Pereira Cavalcanti dos Santos229 1 INTRODUÇÃO Hodiernamente o mundo sofre a pior crise de refugiados desde o fim da segunda Guerra Mundial em 1945 Mais de 656 milhões de pessoas estão deslocadas isto é foram obrigadas a deixar seus lares fugindo de guerras conflitos internos ou violações graves de Direitos Humanos A maioria dos refugiados vem da África ou do Oriente Médio O conflito armado na Síria gerou 55 milhões de refugiados um quinto da população no país sendo o principal responsável pelo crescimento do fluxo de refúgio no mundo O conflito sírio matou mais de duzentas e cinquenta mil pessoas Considerando a necessidade de se respeitar as normas de Direito Internacional Humanitária a fim de se evitar deslocamentos massivos de refugiados a presente pesquisa pretende apresentar em linhas gerais a importância do Direito Internacional Humanitário para evitarse o fluxo de refugiados Para que a análise seja feita será necessário passar por alguns conceitos essenciais como o significado de Direito Internacional Humanitário e de Direito Internacional dos Direitos Humanos Além disso um breve histórico do Direito Internacional Humanitário será apresentado juntamente com a evolução do conteúdo das Convenções de Genebra e seus Protocolos adicionais Por este motivo será estudado também a abrangência de proteção das Convenções de Genebra Apresentaremos também pontos importantes sobre o instituto do refúgio e a definição de refugiado Por se tratar também de relevante e 227 Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Graduanda em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 228 Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais campus Coração Eucarístico 229 Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais necessária questão para compreensão da ordem Internacional serão abordados em síntese a condução das hostilidades os conflitos armados internacionais e internos e os conflitos armados não internacionais sob a ótica do Direito Internacional Humanitário bem como o modo como é feita a sua implementação compulsória 2 BREVE ANÁLISE SOBRE A GUERRA E A SUA RELAÇÃO COM OS REFUGIADOS A paz e a guerra são conceitos que fazem parte da história do Direito Internacional sendo o primeiro uma preocupação recente surgida no século XX e definida como ausência de paz Guerra seria então conflito e uso da força armada para resolvêlo JUBILUT 2007 Da mesma forma que existem conflitos na ordem interna também existem as disputas em âmbito internacional geralmente quando existe uma pretensão por parte de um Estado e resistência a essa pretensão por parte de outro O que ocorre é que no âmbito interno existe determinada hierarquia de autoridade Por outro lado pelo fato da ordem internacional ser descentralizada não existe tal hierarquia Além disso os litígios em sua maioria envolvem Estados soberanos que por definição não se submetem a nenhuma outra autoridade sendo difícil evitar o recurso à força Até o século XX a guerra era o meio mais utilizado para solucionar controvérsias apesar de desde o século XVI existir a busca por outros meios A partir do momento em que foi proibida outros meios pacíficos de resolução passaram a ter prioridade Como exemplo de meios políticos temse a conciliação acordo entre as partes sem intervenção de terceiros os bons ofícios intervenção de uma terceira parte em prol de se conseguir um acordo entre os litigantes a mediação intervenção de uma terceira parte propondo soluções para a resolução do conflito a diplomacia entre dois ou vários estados bem como a parlamentar que ocorre no seio de organizações internacionais Já como exemplos de meios jurisdicionais temse os recursos a cortes internacionais e arbitragem que é um julgamento decidido por um ou mais árbitros escolhidos pelas partes JUBILUT 2007 Na Grécia antiga a guerra se relacionava com a superioridade caracterizando se assim como guerras de extermínio já em Roma as guerras eram guerras de anexação baseadas em tratados e alianças entre vencidos e vencedores na Idade Média as guerras tinham majoritariamente caráter religioso e como a homogeneidade religiosa era um ideal a ser atingido as guerras entre Estados de diferentes religiões se justificavam em busca desse objetivo por fim na Idade Moderna após a Ordem Internacional de Vestfália as guerras se relacionavam com o exercício da soberania e da maximização do poder dos Estados Começaram então as tentativas pela limitação do uso da força para a solução de conflitos principalmente no início do século XX Apesar disso entre 1914 e 1918 ocorreu a violentíssima Primeira Guerra Mundial envolvendo grandes potências Graças a esse conflito houve a preocupação da Liga das Nações em limitar a guerra sem abolila Sendo insuficiente o pacto proveniente dessa Liga a França e os Estados Unidos começaram a criar um tratado para que a guerra com exceção daquela de legítima defesa fosse impedida JUBILUT 2007 Diante da falta de mecanismos para a abolição da guerra em 1930 ocorreu a Segunda Guerra Mundial com o potencial de destruição da humanidade por meio de armas nucleares A comunidade internacional passou a se preocupar com a segurança e paz internacionais criando a Organizações das Nações Unidas ONU Esta organização conta com a presença dos Estados mais relevantes política militar e economicamente Apesar da ONU ter proibido a guerra em seu artigo 2 ela não é excluída totalmente das relações internacionais pelo fato de haverem exceções a sua vedação guerras de legítima defesa operações para a manutenção da paz e ações contra Estados inimigos à época da Segunda Guerra Mundial são permitidos JUBILUT 2007 Assim sendo o refúgio e a guerra se relacionam na medida em que todas as guerras mencionadas se refletem na temática dos refugiados a Primeira Guerra Mundial proporcionou a criação do instituto a Segunda Guerra Mundial estimulou a criação do ACNUR230 devido ao enorme número de refugiados que foram produzidos em decorrência da guerra e a consolidação do refúgio no âmbito internacional os conflitos internos que produziram cerca de quatro milhões de refugiados mostrou a grande necessidade do refúgio Nas palavras de Liliana Lyra a respeito da questão dos conflitos internos 230 O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados ACNUR conhecido como a Agência da ONU para Refugiados tem o mandato de dirigir e coordenar a ação internacional para proteger e ajudar as pessoas deslocadas em todo o mundo e encontrar soluções duradouras para elas Disponível em httpwwwacnurorgportuguesoacnur Acesso em 28 set 2017 continua a preocupar os estudiosos do Direito Internacional dos Refugiados até os dias atuais isto porque com o advento da globalização que ensejou o recrudescimento de antigos ideais nacionalistas e estimulou a integração econômica internacional fazendo com que em muitos Estados surgissem competições acirradas acerca do poder objetivando assegurar um enriquecimento econômico de seus detentores os conflitos internos explodiram numericamente refletindose diretamente na produção de refugiados tornando a proteção a essa temática indispensável para a ordem internacional uma vez que o recebimento de fluxos imensos de refugiados pode desestabilizar qualquer Estado acabando por refletir na segurança internacional como um todo JUBILUT p 145 2007 A prevenção dos conflitos é objetivo primordial para se evitar a formação de fluxos de refugiados e de violações massivas aos Direitos Humanos Por isso o papel importante do Direito Internacional Humanitário juntamente com as normas de Direito Internacional dos Refugiados visto que o DIH é justamente o direito de proteção as vítimas dos conflitos armados e também é o direito que autoriza o combatente a atentar contra a vida ou a integridade de uma pessoa As regras humanitárias permanecem as únicas armas das vítimas É neste cenário que surgem os refugiados O Direito Internacional Humanitário nasceu no século XIX para proteger vítimas de conflitos armados o Direito Internacional dos Refugiados por sua vez começou a se desenvolver especialmente com o fim da I Guerra Mundial visando o restabelecimento dos direitos mínimos dos indivíduos que foram forçados a fugirem de seu país de origem Sendo assim essas duas vertentes originaramse da necessidade de assegurar a proteção de pessoas que estavam sob a jurisdição de um Estado do qual não eram nacionais O Instituto do Refúgio teve seu nascimento com a Liga das Nações entre os anos de 1921 a 1951 época em que começaram os estudos sobre a importância do tema O marco da história do Instituto foi em 3 de dezembro de 1949 quando criouse o Alto Comissionado das Nações Unidas para os Refugiados ACNUR Todavia para chegar no patamar em que é possível dizer que foi o ápice do Direito Internacional dos Refugiados a chamada Convenção de 1951 a evolução de tal ideia passou por diversas perspectivas para consolidação nas quais abrangeram títulos para o tema como uma ideia jurídico 19201935 posteriormente a social 19391939 e também no ramo da concepção individualista 19381950 Somente em 1951 como supracitado que foi concretizado o que era o Instituto dos Refugiados com a Convenção pois ela que define até os dias de hoje o verdadeiro e utilizado conceito de quem são os refugiados Os refugiados estão amparados pela Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados 1951 o Protocolo de 1967 e o Direito Internacional dos Direitos Humanos Portanto estão sob a guarda do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados No entanto observase que os refugiados também são protegidos pelas normas de Direito Internacional Humanitário quando se encontram em um Estado em conflito armado Por isso além da proteção garantida aos civis pelo Direito Internacional Humanitário os refugiados recebem proteção especial conforme a Quarta Convenção de Genebra e o Protocolo Adicional I Por exemplo o artigo 44 da Quarta Convenção de Genebra especifica que as potências detentoras não tratarão como inimigos estrangeiros os refugiados que não gozem de fato da proteção de nenhum governo O artigo 73 do Protocolo Adicional I acrescenta que os refugiados devem ser considerados pessoas protegidas em qualquer circunstância e sem nenhuma distinção adversa Sendo assim caso as normas de Direito Internacional Humanitária sejam respeitas evitar ataques direitos contra civis e bens civis não matar os civis de inanição garantir a acesso de socorro aos civis necessitados etc podese evitar o deslocamento forçado 3 PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS ESSENCIAIS DO DIREITO INTERNACIONAL HUMANITÁRIO Segundo Roque 2013 os princípios são a Princípio da Humanidade constitui a defesa do bemestar dos direitos da dignidade humana proibindo meios ou ações desonrosas e conduta irracional durante um conflito armado Envolve ainda noções de honra e cavalaria b Princípio da Necessidade Relacionase com a necessidade militar o que quer dizer que apenas deverá ser feito o necessário para se alcançar o objetivo não se pretendendo matar ou destruir o máximo possível Ou seja medidas lícitas de acordo com as leis e costumes da guerra devem ser tomadas em prol do objetivo referido c Princípio da proporcionalidade Diz respeito ao uso da força na medida necessária para alcançar um determinado objetivo De acordo com o jus ad bellum o uso da força deve ser necessário e proporcional Por outro lado segundo o jus in bello os danos colaterais e ferimentos devem ser justificados ou analisados do ponto de vista da vantagem militar que concede a parte que utiliza a força d Princípio da discriminação A primeira perspectiva a que se pode referir esse princípio é com o uso descontrolado de armas ou dos sistemas de armas A segunda perspectiva diz respeito a seleção dos alvos e a utilização dos armamentos 4 A ABRANGÊNCIA DA PROTEÇÃO SOB O SISTEMA DAS CONVENÇÕES DE GENEBRA De acordo com a I Convenção de Genebra que diz respeito aos feridos e enfermos em terra todos os membros de forças armadas e milícias organizadas serão tratados em todas as circunstâncias o que inclui os acompanhantes se devidamente autorizados Toda e qualquer violência contra eles está estritamente proibida e todos deverão ser tratados com humanidade e sem discriminação Além disso torturas e experiências biológicos também estão proibidas e todos os indivíduos devem ter os atendimentos médicos necessários Caso os feridos e doentes de uma parte que está em guerra sejam capturados pelos inimigos deverão estes ser tratados como prisioneiros de guerra Essa Convenção inclui também que as partes devem reunir as informações relativas aos feridos doentes ou mortos pertencentes à parte adversária transmitindo as através de meios específicos e cláusulas sobre a proibição de ataque às unidades e equipes médicas mencionando os emblemas da Cruz Vermelha e o Crescente Vermelho A II Convenção de Genebra determina que os navioshospitais deverão ser respeitados em qualquer circunstância não podendo ser atacados nem capturados de acordo com a II Convenção Já a III Convenção de Genebra trata dos prisioneiros de guerra e cria um código abrangente cujo ponto central é o tratamento humanitário em qualquer circunstância Com a expansão das guerrilhas ao Terceiro Mundo e à experiência da descolonização em 1949 foi necessário que a definição de combatente com direito à condição de prisioneiro de guerra fosse também estendida Os combatentes foram definidos como membros das forças armadas de qualquer parte em um conflito armado internacional sendo essas forças armadas todas as unidades armadas organizadas sob um comando eficaz e que obedecem às normas do Direito Internacional aplicáveis nos conflitos armados segundo os artigos 43 e 44 do Protocolo I de 1977 O artigo 44 define ainda que os combatentes devem se diferenciar dos civis quando em uma operação militar Quanto a questão da condição de prisioneiro de guerra esta deverá ser presumida quando se houver dúvida sobre seu status e estará sob proteção da III Convenção Estes prisioneiros deverão ser tratados com humanidade e gozarão de proteção contra atos de violência por exemplo sendo o respeito à honra um direito inviolável SHAW 2010 A proteção dos civis em tempo de guerra é tratada na IV Convenção de Genebra e embora tenha significado uma extensão das normas anteriores a 1949 ela se limitou ao artigo 4º em que versa que a proteção abrange aqueles que se encontram em poder de uma das partes no conflito ou de uma potência ocupante dos quais não sejam cidadãos A definição de civil vem escrita no artigo 50 do Protocolo I de 1977 e diz respeito a qualquer indivíduo não combatente e em caso de dúvida deverá ser considerada civil qualquer pessoa É assegurada sua proteção e respeito a sua honra e convicções sendo proibida sua tortura ou qualquer outro tratamento desumano A IV Convenção de Genebra cobre ainda a proteção de civis em território ocupado No entanto há controvérsias sobre o significado da expressão território ocupado Israel tem apoiado a interpretação de que a Cisjordânia não é reconhecida internacionalmente como território jordaniano e reconhecendo a aplicabilidade dessa Convenção seria equivalente a reconhecer a sua soberania jordaniana sobre o território em disputa SHAW 2010 41 A CONDUÇÃO DAS HOSTILIDADES Durante os conflitos armados o Direito Internacional tenta fazer com que as partes envolvidas façam suas operações militares seguindo os princípios humanitários e tenta também proteger as vítimas desses conflitos A norma básica formulada no artigo 48 do Protocolo I diz que as partes conflitantes devem sempre distinguir entre civis e combatentes e as operações devem ser feitas somente visando os objetivos militares Além do artigo 51 mencionar que não poderão ser alvo de ataques os civis existe a proibição de ataques indiscriminados Já o artigo 57 traz que nas operações militares sempre deverá haver o cuidado de se poupar a população civil Represálias com uso de força em um conflito armado são proibidas pelo Direito Internacional a menos em casos de autodefesa e com o objetivo de terminação de um ato ilegal cometido anteriormente ou retorno à legalidade Neste caso a represália seria proporcional ao ato ilegal que a motivou O artigo 13 da III Convenção de Genebra estipula que represálias não podem ser usadas contra prisioneiros de guerra e o artigo 52 do Protocolo I proíbe ataques ou represálias contra objetivos civis sendo esses todos os objetivos que não se encaixam na definição de objetivos militares do artigo 52 O preâmbulo da Declaração de São Petersburgo de 1868 e o artigo 48 do Protocolo I frisam que o único objetivo dos Estados em guerra deve ser o de enfraquecer as forças inimigas e distinguir os combatentes dos civis respectivamente Além disso há limitação dos meios utilizados para ferir o inimigo constado no artigo 22 do Regulamento de Haia bem como há a proibição de armas projéteis e materiais que causem sofrimento desnecessário artigo 23 do mesmo Regulamento SHAW 2010 42 OS CONFLITOS ARMADOS INTERNACIONAIS E INTERNOS Um conflito armado será internacional quando for possível demonstrar que um Estado estrangeiro está envolvido diretamente em um conflito civil ou exercendo controle total sobre um grupo participante desse Antigamente a distinção entre os conflitos internacionais e não internacionais perpassava por uma definição geográfica e temporal dos conflitos armados A noção de conflito armado foi levada à Câmara de Apelação do Tribunal Internacional de Crimes de Guerra na exIugoslávia e foi declarado que um conflito armado existe a quando existe o recurso à força armada entre Estados b quando há violência armada prolongada entre um governo e grupos armados organizados c quando há violência armada entre grupos armados organizados no interior de um Estado Essa definição surgiu no contexto em que não se sabia se havia um conflito armado internacional ou não internacional na exIugoslávia e era necessário que se soubesse para determinar o direito a ser aplicado Concluiuse que o conflito da exIugoslávia era tanto internacional quanto nãointernacional criando uma situação que embora complexa devido às dificuldades criadas pela imprecisão da possibilidade de classificação de modos diferentes tais dificuldades foram diminuindo com a aceitação da aplicabilidade do Direito Internacional Humanitário SHAW 2010 43 OS CONFLITOS ARMADOS NÃO INTERNACIONAIS Uma série de garantias mínimas para proteger os que não tomavam parte em conflitos não internacionais são estabelecidas no artigo 3º comum às Convenções de Genebra de 1949 Era difícil no entanto definir os limites de tal artigo tendo em vista que os conflitos armados não internacionais poderiam abranger tanto grandes conflitos quanto aqueles sem importância O artigo 3º comum às Convenções traz algumas garantias mínimas a as pessoas não participantes das hostilidades deverão ser tratadas com humanidade e sem discriminação quanto a raça religião cor sexo nascimento ou condição econômica proibindo assim a tomada de reféns a violência contra a vida e a pessoa o tratamento cruel e tortura atentar contra a dignidade e o pronunciamento de condenações bem como a realização de execuções sem o devido processo legal b tratamento médico dos feridos e doentes O Protocolo II de 1977 aperfeiçoou o artigo 3º comum às Convenções citando algumas garantias fundamentais e outras cláusulas que protegem os não combatentes como a proibição da violência contra a vida e atos de terrorismo bem como proteção aos menores de idade Em decisão tomada pela Câmara de Apelação no caso Tadić normas jurídicas internacionais para regulamentação de conflitos armados internos foram desenvolvidas por causa do aumento na crueldade dos conflitos armados internos a frequência das guerras civis e o desenvolvimento do Direito Internacional em questão de direitos humanos Algumas iniciativas têm sido tomadas no sentido de diminuir a distância entre a aplicação das normas internacionais de direitos humanos e as fontes de direito humanitário o Comitê Internacional da Cruz Vermelha vem estudando a elaboração de uma nova declaração que trata dos conflitos internos SHAW 2010 44 A IMPLEMENTAÇÃO COMPULSÓRIA DO DIREITO HUMANITÁRIO Nas Convenções de Genebra de 1949 e no Protocolo I de 1977 as partes se comprometeram a cumprir todas as regras estabelecidas no instrumento e a divulgar os princípios contidos no mesmo Mesmo com o uso de represálias sendo proibido existem outras formas de garantir esse cumprimento como por exemplo as Potências Protetoras que são responsáveis por garantir os interesses dos cidadãos que estejam sob o controle de uma das partes como prisioneiros de guerra ou como civis sob ocupação que devem assegurar que as cláusulas sejam Além disso com o intuito de averiguar violações graves das Convenções de Genebra e ao Protocolo I bem como para facilitar que se restaure o respeito a esses instrumentos tal Protocolo prevê a criação de uma Comissão Internacional de Inquérito Por fim caso as violações do Direito Internacional venham a ser consideradas como crimes de guerra elas passarão a ser regidas por uma jurisdição universal Na Carta do Tribunal de Nuremberg de 1945 em seu artigo 6º há exemplos de crimes de guerra com responsabilidade individual tais como matança assassinato de reféns e destruição gratuita de cidades Além disso o artigo 3º do Estatuto do Tribunal Iugoslavo para Crimes de Guerra determina que as infrações às leis e costumes de guerra inclui por exemplo uso de armas venenosas ou qualquer outra que cause sofrimento desnecessário SHAW 2010 5 CONCLUSÃO O Direito Internacional Humanitário permite a proteção da vida e da dignidade humana quando ausentes as regras de Direito Internacional É possível observar como objetivo comum do Direito Internacional Humanitário e o Direito Internacional dos Direitos Humanos a proteção do indivíduo na esfera internacional Assim sendo essa área do direito começou a evoluir por volta do século XIX por meio de Convenções e Declarações adotadas ao longo dos anos Destacamse as Convenções de Genebra em que a base é o princípio de que deverão ser tratados com humanidades aqueles que não estão diretamente envolvidos em conflitos No decorrer dos anos foi possível averiguar também a evolução do significado das guerras no início Grécia a superioridade justificava a luta já na Idade Moderna a guerra decide um status de soberania É possível constatar ainda que a guerra se relaciona com o aumento do contingente de refugiados por se tratarem de pessoas buscando proteção em outro território em função de perseguições sofridas Deste modo não restam ser necessária a reflexão acerca da interseção entre o Direito Internacional dos Refugiados e o Direito Internacional Humanitário em busca da constante proteção da dignidade da pessoa humana e respeito aos seus valores e crenças REFERÊNCIAS Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos Direito Internacional Humanitário e Direitos Humanos Ficha Informativa nº 13Rev 1 ed portuguesa GDDC 2001 Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados Disponível em httpwwwacnurorgportuguesoacnur Acesso em 28 set 2017 CICV Como o DIH protege os refugiados e os deslocados internos Disponível em httpswwwicrcorgptdocumentcomoodihprotegeos refugiadoseosdeslocadosinternos Acesso em 10 abr 2018 CICV Direito Internacional Humanitário e o Direito Internacional dos Direitos Humanos Analogias e diferenças Disponível em httpswwwicrcorgporresourcesdocumentsmisc5ybllfhtm Acesso em 11 set 2017 JUBILUT Liliana Lyra O Direito Internacional Dos Refugiados E Sua Aplicação No Orçamento Jurídico Brasileiro São Paulo Método 2007 ROQUE S J C O Direito Internacional Humanitário e os conflitos armados do século XXI As Nações Unidas enquanto garante da salvaguarda da vida e dignidade humana os casos da Líbia e da Síria 2013 152 f Dissertação Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais Relações Internacionais Faculdade de Ciências Sociais e Humanas Universidade Nova de Lisboa Lisboa 2013 SHAW Malcolm N Direito Internacional São Paulo SP Martins Fontes 2010 TÍTULO QUARTO TRANSFORMAÇÕES NO DIREITO PRIVADO O PROCESSO NA CONSTRUÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO CAPÍTULO 01 A CRITERIOLOGIA ADOTADA PELO NCPC PARA A FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JURÍDICAS PERSPECTIVAS ATINENTES AOS PRINCÍPIOS NORTEADORES DO PROCESSO NEOINSTITUCIONAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO Daniela Dantas Carvalho231 Yuri César de Almeida Silva232 1 ABERTURA TEMÁTICA Ao estabelecermos como ponto de partida uma perspectiva moderna daquilo que se entende como processo não há espaço para qualquer questionamento acerca da basilar importância da fundamentação das decisões advindas do Estado especialmente aquelas emanadas pelo Poder Judiciário A partir desse ponto de vista o presente trabalho possui como escopo principal a análise da criteriologia adotada pelo Código de Processo Civil de 2015 no tocante à fundamentação das decisões Assim adotase como premissa a hipótese de o Estado Democrático de Direito no que diz respeito às decisões judiciais só atingirá de modo pleno o seu caráter democrático a partir de um exercício eficaz de fundamentação realizado pelos órgãos julgadores com efetiva participação das partes Com pauta em uma breve análise das variadas teorias que visaram estudar o processo enfocase o fato de que a chamada teoria neoinstitucionalista do processo é a que mais se coaduna com o viés democrático comparticipativo e cooperativo de processo Do mesmo modo com base nos princípios processuais que regem a fundamentação das decisões buscase estabelecer quais seriam os elementos diferenciadores entre motivação e fundamentação das decisões ao passo que levando em consideração a inserção do artigo 489 do CPC 2015 examinase também a 231 Graduanda em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais 232Graduando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais criteriologia de decidir adotada pelo atual Código e a sua vinculação com os demais princípios constitucionais do processo Discutese ainda sobre a possível extinção do chamado critério do livre convencimento motivado adotado pelo Código de Processo Civil de 1973 diante do comando contido no artigo 371 do Código vigente Objetivando um maior aprofundamento temático é feita uma exposição dos posicionamentos jurídicos contrários e a favor das inovações processuais trazidas pelo Código de Processo Civil no que concerne ao assunto primordial do presente artigo qual seja a fundamentação das decisões Ao final frente a todas essas indagações o presente trabalho visa examinar se o novo regramento acerca da fundamentação dos provimentos decisórios estabelecido pelo CPC 2015 deve ser visto com bons olhos levando em consideração o papel primordial da fundamentação das decisões como uma das mais importantes garantias constitucionaisprocessuais conferidas ao cidadão de modo que deve ser assegurada a qualquer um do povo a possibilidade de ter o seu direito analisado detidamente por quem seja responsável por julgálo 2 A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE PROCESSO E A IMPORTÂNCIA DA TEORIA NEOINSTITUCIONALISTA Em uma perspectiva democrática de Estado de Direito impende destacar que o direito material caminha conjuntamente com o direito processual Diante disso na perspectiva constitucional o processo não pode ser visto como um instrumento de resolução de conflitos mas sim como uma forma de construção de resultado no mundo jurídico levando em conta a participação das partes no provimento decisório Em suma é possivel afirmar que o processo é um fim em si mesmo de modo que se coloca de forma imparcial e garante o contraditório e a ampla defesa de forma isonômica Contudo a busca pela de definição de processo vem se desencadeando ao longo dos anos pelo estudiosos do Direito a partir de diversas teorias que se desenvolveram e se modificaram para que hoje pudessemos chegar o mais próximo possível de um conceito definido e legítimo dentro de um Estado Democrático de Direitro Nos primórdios do estudo jurídico aflorou a ideia de que o processo se constituía por meio do ajuizamento de uma ação em que as partes exigiam do Estado a atividadedever de prestar a jusrisdição objetivando com isso um consenso Entretanto com o desenvolvimento do pensamento sobre o Direito pela análise processual concluiuse que caso as partes não tenham participação igualitária no processo este não seria um processo constitucional mas apenas um procedimento Neste sentido atingimos um importante ponto desde o desenvolvimento de um modelo de processo inaugural do Direito Romano em que a participação igualitária das partes envolvidas na lide permitirseia o alcance do melhor provimento jurisdicional Mas afinal o que é processo A primeira resposta surgiu com o comparativo entre processo e contrato em uma perspectiva simplificada desta conceituação Assim pela teoria do processo como um contrato desenvolvida por Porthier destacase a vontade das partes de estarem no processo e a celebração de um acordo entre elas objetivando a solução de seu problema por meio do processo e ao final aceitando a sujeição a uma decisão judicial litiscontestatio Por se basear em um acordo de vontades o processo se assemelhria portanto a um contrato COLUCCI ALMEIDA 1999 p123 Essa teoria foi muito criticada sendo os posicionamentos contrários fundamentados no fato de que o processo não poderia ser comparado com o instituto do direito privado que prevê a autonomia da vontade bem como a impossibilidade do processo se basear exclusivamente nalitiscontestatioacordo das partes em estarem em lide pois existiriam casos em que nem mesmo o próprio autor gostaria de estar naquela situação PINTO 2008 Ademais a concepção de que o juiz seria um mero árbitro no qual a situação lhe é apresentada e este decidirá qual o melhor direito não seria a mais adequada tendo em vista que o juiz é o representante do estado no exercício da jurisdição Por fim com fincas na referida teoria as partes se submeteriam ao Estado o que também não é uma concepção correta pois a função jurisdiçional consistese em uma atividade estatal de fornecer as partes um processo com garantias e direitos fundamentais contra arbitrariedade e abuso do poder por Estado Diante disso outra teoria nos aparece com os autores Savigny e Guényva denominada deteoria do processo como um quasecontrato Nesta análise nem sempre há autonomia entre as partes mas o autor sempre quer aquele processo sendo então um contrato firmado entre o autor e o Estado A crítica deste entendimento conforme bem pondera Rosemiro Pereira Leal consiste na impressão de que o processo deve ser concretizado em prol do autor e não de forma igualitária entre as partesNesse sentido afirma que a parte que ingressava em juízo já consentia que a decisão lhe fosse favorável ou desfavorável ocorrendo um nexo entre o autor e o juiz ainda que o réu não aderisse espontaneamente ao debate da lide LEAL 2008 p78 Posteriormente Bulow firmou a teoria denominada teoria do processo como uma relação jurídica sendo esta aprimorada por Chiovenda Carnelutti Calamandrei e Liebman Essa teoria é a que em tese se apresenta como mais familiar e possível Nesta o processo é o meio para solucionar conflitos na relação autor juiz e réu Por esta teoria temos que no processo existem duas relações jurídicas que se distinguem em direito material que é o que é discutido no processo e direito formal que se estabelece entre os sujeitos do processo Apesar de aparentar ser mais plausível que as demais a grande crítica direcionada a essa teoria é que a teoria do processo como relação jurídica consistiria na instrumentalização do processo parecendonos que não há possibilidade de discussão processual dentro de um processo apenas discussão material A ideia de que processo é meio e não fim em si mesmo ou seja o processo é um instrumento permite que o processo seja superado o que não é compatível no Estado Democrático de Direito Além disso a relação jurídica coloca o juiz como hierarquicamente superior entre as partes que dará a palavra final Tal fato não é compatível com a ideia de processo democrático pois a decisão deve ser formulada pelo juiz mas não sobre seu livre convencimento mas de forma partipativa entre as partes A instumentalidade do processo é firmemente criticada pelo ilustrissímo professor André Cordeiro Leal em sua obra Instrumentalidade do processo em crise criticando não somente a teoria bulowiana bem como algumas que tentaram se desvincular desta Nas palavras de André Leal 2008 Notese que como demonstraremos mesmos os pensadores que tentaram se desvencilhar da teoria de Bulow acerca do processo como uma relação jurídica negando o vínculo pessoal de subordinalçao das partes a um juiz a quem se atribuiu a tarefa de fiscalizar a atuação das partes e impedir portanto que essas pratiquem atos de deliquência processual bem como verificar a oportunidade da atuação do Estadojuiz esbarram ainda numa questão nuclear que embora derivada da teoria processual bulowiana ainda não foi efetivamente tematizada o conceito de jurisdição Dificuldades incontornáveis surgem quando as teorias do processo tentam clarificar aspectos de uma atividade jurisdional que se desenvolve pelas pessoas dos magistrados porque isso desemboca em concepções intrinsecamente monológicas e solipsistas de jurisdição que não se alinham ao paradigma democrático procedimentalista Quando muito o que a maioria das teorias do processo conseguem fazer é indicar como diminuir a carga subjetivista imperscrutável e inacesspivel alías do juiz Entretanto assim ainda deslizam sobre um conceito de jurisdição atrelado principalmente à atividade decisória que se dá na consciência do julgador e não a uma atividade decisória na linguagem pela linguagem LEAL 2008 p 27 Cumpre ressaltar que a teoria de Bulow tem tanta ressonância devido ao interesse da sociedade na solução do direito material desconsiderando o direito processual Contudo nesta vêse a necessidade de se colocar uma igualdade linear entre as partes e o juiz Por isso uma quarta teoria formulada por Goldschimidt denominada como teoria do processo como situação jurídica tenta aprimorar a teoria da relação jurídica estabelecendo que o processo é uma situação jurídica estabelecida por lei PINTO 2008 Assim o único contraponto da teoria anterior é que o processo não é uma relação e sim uma situação jurídica O problema é que a divisão entre direito material e direito processual permanece considerando o processo não só como um instrumento mas um instrumento legal Seguindo o professor José Alfredo de Oliveira Baracho traz uma contribuição muito grande para o direito processual ao considerar que o processo é uma instituição constitucionalizada sendo portanto uma garantia de direitos munido de princípios constitucionais Nessa perspectiva conseguimos perceber que de nada adianta o direito material se não há uma forma eficaz de garantir esses direitos que se constitui pelo processo Dessa forma para se discutir o processo é necessário uma análise constitucionalizada do direito com contornos teóricos da pôsmodernidade em que se entende que tudo que está previsto no direito é obrigatório inclusive os princípios como contraditório ampla defesa devido processo legal entre outros que abaixo discriminaremos À luz desta teoria conforme bem destaca Davi Souza de Paula Pinto as garantias instrumentais denominada também de garantias processuais existem em função dos direitos materias e das garantias formais O processo Constitucionalizado deve obedecer princípios assegurando a ordem jurídica os direitos elencados na constituição dentre outros PINTO 2008 Em outra linha Guasp propõe a teoria do processo como uma instituição edefine o processo como uma instituição criado e consolidado no âmbito das ciências sociais Assim uma instituição é uma forma padronizada de comportamento relativamente à determinadass necessidades São modos de agir sentir e pensar do homem em sociedade e que se reputa tão importantes que qualquer processamento contrário a eles resulta numa sanção específica Sendo então o Estado detentor da jurisdição qualquer comportamento contrários à instituição poderá sofrer sanções previstas em lei A crítica dessa teoria é que instituição é algo muito impreciso pois é apenas um padrão previsto na lei o que não esclarece muito o que é processo apenas uma noção muito positivada Destacase ainda a teoria do professor Elio Fazzalari que concebe a teoria do processo como um procedimento em contraditório diferenciando processo de procedimento Nessa perspectiva procedimento são os passos previsto em lei para se chegar em determinada conclusãoContudo se no manejamento desses passos não se fizer presente o contraditório não haverá processo mas apenas um conjunto de procedimentosPara esse autor o processo é um procedimento em contraditório com igualdade entre as partes em simétrica paridade na preparação do provimento jurisdicional Contudo a principal crítica a esta linha de pensamento consiste no esquecimento de que o processo é uma garantia constitucional não justificando o processo como procedimento garantia constitucional dos outros direitos Por fim a última teoria a ser analisada e adotada neste estudo da fundamentação das decisões à luz do novo Código de Processo Civil é a denominada teoria neoinstitucionalista do processo do professor Rosemiro Pereira Leal que dá um passo além na análise da cidadania e participação política por meio do processo Diante dessa teoria o processo é uma forma de lutar contra a repressão e a concentração política como uma arma que viabiliza a proteção dos direitos como um direito em si mesmo e não como um instrumento É um direitogarantia constitucional que nos permite combater as arbitrariedades do Estado Para isso o processo afigurase como um conjunto de princípios jurídicos aproximados pelo texto constitucional com a denominação jurídica de processo cuja característica é assegurar o exercício dos direitos criados e expressos no texto constitucional e infra constitucional por via de procedimento estabelecidos em modelos legais Assim a teoria neoinstitucionalista do processo vai além das teorias supramencionadas vislumbrando o processo a partir de uma conexão teórica coma cidadania constitucionalmente assegurada que torna o princípio da reserva legal do processo nas democracias ativas o êxito fundamental da previsibilidade das decisões Nas palavras de Leal 2005 O Processo não se estabelece pelas forças imaginosamente naturais de uma sociedade ou pelo poder de uma elite dirigente ou genialmente judicante ou pelo diálogo de especialistas mas se impõem por conexão teórica com a cidadania soberania popular constitucionalmente assegurada que torna o princípio da reserva legal do processo nas democracias ativas o êxito fundamental da previsibilidade das decisões LEAL 2005 p 102 Assim por esta perspectiva as decisões são construídas pelo autor e réu e escritas pelo juiz tendo as partes uma posição ativa dentro do provimento jurisdicional O que pode causar desconforto nesta linha de entendimento é que isso coloca o Estado em segundo plano no provimento jurisdicional pois este não profere uma decisão baseada no seu livre convencimento mas atua como uma espécie dehomologador do que foi discutido entre as partes Desse modo essa teoria prevê que por intermédio do processo consagrase a fiscalização ou seja o controle de constitucionalidade aberto a qualquer um do povo sendo o processo um mecanismo para este constante controle dos direitos supostamente violados que permite o desenvolvimento crítico democrático do cidadão discutindo em pé de igualdade a violação dos direitos no efetivo exercício da cidadania Apesar da teoria de Rosemiro Pereira Leal nos parecer a mais adequada ao modelo processual da contemporaneidade podemos perceber que a instrumentalização do processo ainda permeia o Direito brasileiro Nesta perspectiva importante analisarmos as novas disposições processuais introduzidas pelo legislador com um enfoque no possível enquadramento das novidades normativas junto às teorias de processo supramencionadas Assim passemos a análise 3 O NCPC E AS NOVAS DISPOSIÇÕES REFERENTES À FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES 31 O ART 489 DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E A CRITERIOLOGIA DE DECIDIR Com vistas a viabilizar um maior entrelaçamento entre a matéria processual civil brasileira e as disposições contidas na Constituição Federal bem como com o intuito de possibilitar que a função jurisdicional seja prestada com maior solidez e celeridade o Novo Código de Processo Civil Lei nº 1310515 trouxe em seu bojo um leque de elementos e técnicas normativas que passaram a integrar o sistema procedimental civil pátrio No que concerne à fundamentação das decisões uma das mais significantes garantias processuais de qualquer Estado que se denomine Democrático de Direito a própria Constituição de Federal de 1988 prevê conforme destacado alhures em seu artigo 93 inciso IX que todo e qualquer julgamento no âmbito do Poder Judiciário deve ser público com todassuas decisões fundamentadas Não obstante a previsão constitucional o legislador do Novo Código de Processo Civil num exercício de constitucionalização das normas processuais reproduziu em seu artigo 11 o dispositivo contido no texto da Carta Magna além de ter optado por inserir um rol exemplificativo de hipóteses em que o dever constitucional de fundamentação não é observado O Código de Processo Civil desse modo alça o tema da fundamentação das decisões a um patamar que até então não era possível ser percebido nos Códigos anteriores233 O 1º do artigo 489 do novo Código estabelece um conteúdo mínimo CÂMARA 2017 p 230 que deve estar contido em qualquer decisão judicial Independentemente de sua natureza seja sentença decisão interlocutória acórdão etc não será considerada fundamentada nas hipóteses em que a decisão se limitar à indicação à reprodução ou à paráfrase de ato normativo sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida art 4891º I quando empregar conceitos jurídicos indeterminados sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso art 489 1º II nos casos em que invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão art 489 1º III quando não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de em tese infirmar a conclusão adotada pelo julgador art 489 1º IV quando se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos art 489 1º V e por fim nos casos em que deixar de seguir enunciado de súmula jurisprudência ou precedente invocado pela parte sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento art 489 1º VI Sem embargo de respeitáveis opiniões divergentes234 acreditamos que o artigo 489 1º impõe aos órgãos responsáveis pelo pronunciamento jurisdicional o dever de fundamentar de modo efetivo suas decisões versando acerca da totalidade dos 233O Código de Processo Civil de 1973 até tratava da necessidade de fundamentação das decisões todavia de modo menos completo que o atual Código 234Elpídio Donizetti considera que não se pode exigir que em todo e qualquer caso o juiz fundamente de forma exaustiva as suas decisões DONIZETTI 2016 p572 argumentos trazidos pelas partes em respeito ao princípio contraditório Na esteira de Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias temos que os provimentos judiciais devem constituir o resultado lógico da atividade procedimental desenvolvida em torno das questões discutidas e dos argumentos produzidos em contraditório pelas partes em todas as fases do processo porquanto são elas as partes contraditoras que suportarão seus efeitos DIAS 2012 p 134135 Vêse portanto que seguindo a melhor linha de entendimento acerca do que venha a ser o processo bem como estabelecendo em quais condições a função jurisdicional deve ser prestada o Novo Código de Processo Civil caminhou bem no sentido de garantir que as partes que se apresentam perante a justiça com o desejo de dirimir determinada controvérsia possam no mínimo contar com a certeza de que a decisão pela qual aguardam será devidamente fundamentada 32 A CRITERIOLOGIA DE DECIDIR E SUA VINCULAÇÃO COM A EFETIVIDADE DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PROCESSUAIS Com base no que foi dito afigurase como claramente perceptível que o dever de fundamentação das decisões guarda estrita relação com o princípio constitucional do contraditório previsto no art 5º inciso LV da Constituição Federal de 1988 BRASIL 1988 que garante aos litigantes seja em processo judicial ou administrativo o contraditório e a ampla defesa com os meios e recursos a ela inerentes Certo é que o princípio do contraditório ao entrelaçarse com o princípio da fundamentação das decisões deve ser enxergado em sua concepção mais moderna bem como em sua dimensão substancial e não mais como mero direito à informação e reação É necessário que haja uma participação plena das partes na formação do convencimento do julgador Vêse pois que a mera garantia de ser informado acerca de uma manifestação da outra parte e a possibilidade de reagir a essa manifestação não é mais suficiente para que se considere que o princípio do contraditório tenha sido exercido Nesse sentido leciona André Cordeiro Leal que mais do que garantia de participação das partes em simétrica paridade portanto o contraditório deve ser efetivamente entrelaçado com o princípio requisito da fundamentação das decisões de forma a gerar bases argumentativas acerca dos fatos e do direito debatido para a motivação das decisões LEAL 2002 p105 É a partir dessas perspectivas que se vislumbra a decisão judicial como resultante da interação entre as partes e o juiz possibilitando que suas argumentações e alegações realizadas dentro do ambiente dialético que é o processo constituam verdadeiros elementos de influência do julgador no momento de proferir o provimento judicial devendo sempre explicitar as razões que o levaram a decidir daquela maneira Nesta acepção pela teoria neoinstitucionalista conforme mencionado alhures Rosemiro Pereira Leal 2005 além considerar o processo como um procedimento em contraditório propõe uma participação cidadadã na formulação das decisões jurisidicionais como meio de exercício da cidadania propriamente dita e controle contra arbitrariedades o Estado Em suas palavras A Teoria NeoInstitucionalista preconiza fiscalidade controle de constitucionalida aberto a qualquer do povo do processo legiferante nas bases instituintes e constituintes da legalidade bem como na atuação e modificação aplicação ou extinção do direito constituído e trabalha a socialização do conhecimento críticodemocrático em pressupostos direito fundamental de autoilustração dignidade pelo exercício da cidadedia como legitimação ao direitodeação coextenso ao procedimento processualizado LEAL 2015 p 105 Dessa maneira o Código de Proceso Civil ao consignar a possibilidade da extinção de formulação de decisões baseadas no livre convencimento do julgador confirmao fato de que o juiz está para o processo quase que um homologador do que foi discutido entre as partes não podendo decidir fora do que foi objeto de discussão consagrando assim o princípio da não surpresa esculpido no novo Códex Processual Neste diapasão o dispositivo objeto do presente estudo o art 489 do Código de Processo Civil ao estipular um roteiro pelo qual o aplicador do Direito deverá seguir claramente inaugura o entendimento acima mencionado garantindo aos litigantes um processo constitucional democrático com a presença dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório e da vedação de decisões surpresas Sobre o princípio da não surpresa instituído pelo novo código este estabelece que o juiz não pode alegar algo que não tenha sido discutido pelas partes Assim nesta nova perspectiva temos que a fundamentação do juiz só pode abarcar o que foi discutido entre as partes o que nos garante que uma decisão é originada do contraditório entre as partes e não do arbítrio do juiz Caso um juiz perceba que um determinado artigo se adequa ao caso concreto porém não foi abordado pelas partes será obrigado a abrir vista as partes para que se manifestem sobre o dispositivo garantindo uma decisão constitucional Assim diante das exigências elencadas criteriosamente pelo Novo Código têm se positivado o compromisso do juízo em promover a integração da dimensão normativa do dispositivo a dimensão fática impedir as conhecidas decisões prontas de modo a conduzir o magistrado a enfrentar o conteúdo dos autos em cotejo com a norma particularizando o decisium enfrentar todas as questões capazes de por si sós e em tese infirmar a sua conclusão sobre os pedidos formulados sob pena de se reputar não fundamentada a decisão proferida e promover a similitude entre as teses jurídicas do paradigma e do caso concreto nas hipotéses de aplicação de precedentes e enunciados de súmula ALMEIDA 2017 4 ASPECTOS RELEVANTES TRAZIDOS PELO CÓDIGO DE 2015 SOBRE A TEMÁTICA DA FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES 41 DIFERENÇA CONCEITUAL DE MOTIVAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO DIANTE DO PRINCÍPIO DA FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES O princípio da fundamentação das decisões conforme visto permeia o processo brasileiro sendo positivado tanto na Constituição Federal como no Código de Processo Civil de 1973 e claro no novo Código de Processo Civil de 2015 A Carta Maior ao estabelecer as disposições gerais do Poder Judiciário em seu art 93 inc IX e X preconiza que todas as decisões emanadas dos órgãos do Poder Judiciário serão fundamentadas sob pena de nulidade e que todas as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas BRASIL 1988 O novo Códex de Processo Civil em seu art 489 estabelece como elemento essencial da sentença os fundamentos em que o juiz resolverá as questões de fato e de direito BRASIL 2015 divergindo da remota codificação apenas no tocante a definição desta exigência que anteriormente era considerada um requisito BRASIL 1973 Dessa forma podemos notar que o ordenamento jurídico pátrio ao optar pela expressão fundamento nitidamente faz uma distinção deste para motivação Nesta linha de pensamento Carlos Aurélio Mota de Souza analisa gramática e juridicamente essa diferenciação que muitas vezes é deixada de lado pelos estudiosos do Direito porém imprescindível para o entendimento e aplicação do princípio da fundamentação das decisões Pela análise de Souza 2006 Motivo do latim motivum o que move é causa ou razão de algo o que causa ou determina alguma coisa Para o juiz motivar é explicar ou justificar os motivos ou as razões dos fundamentos Fundamento do latim fundamentum de fundare base alicerce razão ou argumento em que se funda uma tese concepção ponto de vista razão justificativa Dicionário Aurélio Nas decisões judiciais é o juízo fundante de uma decisão é o argumento relevante dentre muitos determinado pelo juiz segundo uma escala de valoração necessária à livre apreciação das questões O mesmo dicionarista Idem III332333 esclarece que na terminologiaprocessual fundamentos da ação fundamentosdo pedido ou fundamentos da demandase apresentam como fundamentosde fato e de direito mas exprimem sempreas circunstâncias da prática de um ato éo motivo determinante e justificativo dosatos jurídicos ou é a razão preponderante para satisfação de uma pretensão SOUZA 2006 Segundo esse entendimento ao nosso ver a motivação está intimamente ligada a ideia de procedimento como ocorre nos casos das decisões administrativas tomadas pela Administração Pública em sua função atípica norteado pelo princípio constitucional da motivação Assim o procedimento deve ser motivado ou seja deve expor os motivos e razões que ensejaram aquele provimento Em contrapartida a fundamentação se relaciona diretamente com a noção de processo como um direito garantia constitucional envolvendo o plano da segurança jurídica do indivíduo em relação ao Estadojurisdição bem como a efetividade da decisão jurisdicional em sua correlação com o contratidório paritário Assim o novo Código de Processo Civil ao manter a exigência da fundamentação das decisões e apresentar uma criteriologia que deve ser seguida pelo magistrado no momento de prolação da decisão garante aos cidadãos um provimento estatal constitucional e participativo possivelmento afastando o conhecido livre convencimento motivado do juiz conforme se analisará detalhadamente abaixo 42 O ARTIGO 371 DO NCPC E O AFASTAMENTO DO CRITÉRIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO O artigo 371 do CPC de 2015 determina que o juiz apreciará a prova constante dos autos independentemente do sujeito que a tiver promovido e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento O mencionado dispositivo reforça a importância da prova e da respectiva apreciação do julgador na formação de um processo justo e equânime ao estabelecer um liame entre as provas produzida pelas partes e a decisão que se originar da análise acerca desses elementos instrutórios É necessário entretanto dicutir e compreeender em que medida a valoração da prova realizada pelo julgador afeta o conteúdo e a fundamentação das decisões judiciais posto que a fundamentação das decisões pelo menos num plano ideal deveria possuir como um de seus pilares a análise pormenorizada e séria de todos os meios probatórios trazidos à baila pelas partes Num primeiro momento a sistemática do processo civil adotava o chamado critério da prova legal para esbelecer quais seriam os parâmetros de valoração das provas Com base neste critério apenas a lei definiria e escalonaria quais os valores atribuídos a cada meio de prova sendo que determinadas provas poderiam possuir um maior ou menor grau de afirmação a depender de sua natureza Desse modo ao julgador não caberia qualquer possibilidade de proceder à valoração dos instrumentos probatórios existentes dentro de um procedimento Posteriormente o critério da prova legal cedeu lugar ao denominado critério da íntima convicção que como o próprio nome diz permitia ao julgador total liberdade para apreciar e valorar as provas resultando com isso num julgamento preponderantemente norteado pelas convicções e sentimentos pessoais do juiz Em um caminho oposto ao preconizado pelo critério anterior o critério da íntima convicção dava margens para que as decisões judiciais sequer fossem fundamentadas uma vez que as próprias crenças e subjetividades do julgador pautariam as decisões por ele proferidas Com o intuito de promover um sopesamento entre o caráter extremo dos critérios anteriores passouse a adotar ulteriormente o denominado critério do livre convencimento motivado estipulando que no momento de apreciação das provas o juiz possui liberdade para conferir a cada elemento probante o valor que considerar devido devendo para tanto fundamentar sua decisão sobre a escolha da valoração daquela prova O sistema do livre convencimento motivado foi expressamente adotado pelo Código Civil de 1973 em seu artigo 131 dispondo que o juiz apreciará livremente a prova atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos ainda que não alegados pelas partes mas deverá indicar na sentença os motivos que lhe formaram o convencimento Com base nesse critério de valoração de provas o julgador passou a deter a faculdade de estabeler quais as provas seriam capazes de influenciar na formação de seu convencimento Bastaria portanto que o juiz fundamentasse a adoção dessas provas Merece destaque entretanto o fato de que uma visão moderna e democrática do processo não permite que hajam altas doses de discricionariedade do órgão judicante no momento de apreciar as provas carreadas aos autos Em sendo assim o critério do livre convencimento motivado há muito se mostrou ultrapassado ainda que a escolha das provas seja fundamentada pelo juiz Pertinente a colocação de Streck ao defender a retirada do livre convencimento motivado do CPC de 2015 Era isso que eu queria com a retirada do LC motivado ou não tanto faz porque o LCM é um engodo aparadigmático de que adianta motivar o consequente se deixo livre o antecedente Qualquer aluno de filosofia sabe disso e destrói o LCM em 5 segundos STRECK 2015 Parecenos mais acertada portanto a conclusão de o que o CPC 2015 com a inserção do artigo 371 deixou de adotar o critério do livre convencimento motivado fato que pode ser percebido entre outros motivos pela supressão do advérbio livremente que aparecia expresso no artigo 131 do Código anterior A livre apreciação da prova permitida outrora não é mais admitida pela sistemática processual vigente de modo que a discricionariedade que caminhava de mãos dadas com o juiz quando da valoração das provas dá lugar a necessidade de uma valoração discursiva da prova justificando seu conhecimento acerca da veracidade das alegações e indicando os motivos pelos quais acolhe ou rejeita cada elemento do conjunto probatório CÂMARA 2017 5 POSICIONAMENTOS JURÍDICOS QUANTO ÀS INVOCAÇÕES PROCESSUAIS Diante das inovações processuais trazidas pelo novo Código de Processo Civil principalmente no tocante à temática do presente estudo inevitável o surgimento de diversas manifestações dos estudiosos do Direito Assim passemos a analisar os posicionamentos contrários e favoráveis à exigência da fundamentações das decisões jurídicas 51 POSICIONAMENTOS CONTRÁRIOS À NOVA DISPOSIÇÃO Os efeitos do artigo 489 do Novo Código de Processo Civil garantiram enorme repercussão e polêmica entres os operadores do direito Nos grandes debates sobre o tema uma corrente antagônica sobre o dispositivo se apresentou no sentido de que o referido artigo poderia burocratizar e afastar a celeridade do judiciário princípio este norteador da nova jornada processualista demandando assim maior tempo dos magistrados Felizmente ao aprofundarmos os estudos e pesquisas doutrinárias sobre a inovação processual da fundamentação das decisões nos deparamos com poucos trabalhos acadêmicos defendendo essa corrente contrária ao dispositivo Contudo alguns posicionamentos merecem destaques para a análise da temática Nas palavras da recémformada Kellen Cardoso de Azeredo 2016 para que tais preceitos possam ser seguidos deveria haver maior número de julgadores considerando que para o cumprimento de tais especificações principalmente a do inciso IV haverá um dispêndio de tempo por parte dos magistrados superior do que há hoje em dia Como bem destaca Francine Cechet 2017 a corrente contrária às novas disposições enviou enquanto a lei ainda era um projeto solicitações para o veto de tal artigo justificando que positivada a norma trará um impacto negativo na prática forense atingindo diretamente a independência pessoal e funcional do juiz bem como prejudicando a produção de decisões judiciais aumentando ainda mais a demora na tramitação processual Ainda nesse sentido Lenio Luiz Streck em sua coluna para a Revista Consultor Jurídico 2015 analisou interessantes manifestações virtuais de dois juízes sobre a mudança processual sendo um deles veementemente contra às novas disposições Em seu comentário afirma que não quer viver num país em que Juízes não sejam livres para aplicar a lei segundo sua consciência Streck rebateu afirmando que a democracia é incompatível com consciências pessoais Ainda houveram manifestaçãoes contrárias ao art 489 do novo CPC por parte de entidades de classe como a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho Anamatra a Associação dos Magistrados Brasileiros AMB e a Associação dos Juízes Federais do Brasil Ajufe conforme bem pondera Ada Pellegrini Grinover Paulo Henrique Lucon e José Tucci em artigo publicado pela Revista Consultor Jurídico 2015 Segundo os autores a Anamatra alega quea entrada em vigor dessa norma comprometeria a independência funcional dos juízes prejudicaria a duração razoável do processo restringiria o disposto no art 93 inc IX da Constituição Federal e tornaria vinculantes súmulas teses e orientações jurisprudenciais o que só a Constituição segundo afirma poderia realizar De modo geral percebemos que as divergências quanto a criteriologia de decidir estabelecida pelo novo Código de Processo Civil direcionamse principalmente para a morosidade e burocratização processual para o impedimento dos juízos de se valerem de fundamentos não alegados pelas partes e até para alguns despautérios como o da aplicação da lei segundo sua consciência 52 POSICIONAMENTOS FAVORÁVEIS À NOVA DISPOSIÇÃO Em contrapartida inúmeras são as manifestações favoráveis aos critérios de decidir estabelecidos pelo artigo ora examinado Contudo por ser ainda recente a modificação na legislação processual civil o que mais se encontra são artigos periódicos e manifestações virtuais sobre a temática Nesse sentido podemos destacar importantes posicionamentos de estudiosos do Direito versando acerca do referido assunto Na dicção de André Mottin 2016 A exigência da motivação qualificada das decisões judiciais ganha ainda maior relevo no atual momento evolutivo do Direito em que se promove o ativismo judicial bem como uma louvável superação das amarras do pensamento lógicodedutivo e da simples subsunção na dicção do Direito Aí se incluem tendências do denominado póspositivismo jurídico que afirmam a força normativa dos princípios e a transformação da hermenêutica jurídica com o acolhimento de teorias argumentativas do Direito como a da ponderação de interesses de Robert Alexy Dada a complexidade das relações jurídicas e demandas judiciais contemporâneas cada vez mais se reconhece que a norma não se encerra no texto legal e que é construída no caso concreto a partir da interpretação de forma argumentativa Superase a visão estritamente positivista de uma norma pressuposta e de fatos a serem simplesmente a ela subsumidos A norma passa a ser erigida in casu pelo juiz a partir da interpretação jurídica demonstrada por meio da argumentação Destarte não mais se admitindo um significado uno do texto legal mas vários sentidos que serão ponderados na concretização da norma tornase insuficiente ao juiz simplesmente apresentar a sua particular interpretação para o caso argumentando como chegou a ela É imprescindível ainda que demonstre porque os demais significados possíveis da norma não foram adotados evitandose subjetivismos Tornase forçoso pois que o juiz se manifeste acerca de todos os fundamentos apresentados pelas partes no processo MOTTIN 2016 Ada Pellegirni Grinover Paulo Henrique Lucon e José Tucci 2015 afirmam A adequada motivação das decisões jurídicas constitui uma garantia das partes que desse modo terão conhecimento da ratio decidendi para verificar se seu anseio foi respondido pelo Poder Judiciário e ainda de um modo geral da própria sociedade que tem assim condições de aferir e controlar legitimamente o exercício de um dos poderes estatais GRINOVER LUCON TUCCI 2015 Ainda nesse sentido Nayara Martinazzo 2015 destaca Temse se claro que o novo Código de Processo Civil acertou ao guiar o julgador no momento da decisão O novo artigo aperfeiçoou relevantemente o dever de fundamentação ao indicar as hipóteses em que a decisão será considerada não fundamentada Não se interferiu no mérito da interpretação mas apenas delineou como a fundamentação não deve ser elaborada Tratase de um grande passo em direção ao processo justo e cumprimento do que determina o artigo 93 inciso IX da Constituição Mais que isso o legislador levou em consideração que por mais que exista a contínua cobrança de produtividade sobre o Judiciário tal efetividade não pode se dar à custa da fundamentação judicial Essa garantia constitucional não pode ser prejudicada em razão de produtividade e metas pois o maior prejudicado será justamente quem mais precisa do órgão jurisdicional A nova norma processual é um sinal de salvação de uma garantia constitucional que já andava há muito esquecida em meio à pressa É um resgate de um direito fundamental das partes que trará inúmeros impactos positivos maior possibilidade de defesa e contraditório controle da legalidade efetividade da prestação jurisdicional e soluções concretas ou seja a reafirmação da garantia do direito fundamental a um processo justo Inúmeras manifestações poderiam ser colacionadas no presente trabalhando visando enaltecer o legislador brasileiro ao dispor a denominada criteriologia de decidir estabelecida pelo artigo 489 do novo Código de Processo Civil Todavia importante destacarmos o posicionamento que acreditamos ser o mais plausível para a tão discutida inovação 53 ART 489 BUROCRATIZAÇÃO E MOROSIDADE PROCESSUAL OU GARANTIA FUNDAMENTAL DO CONTRADITÓRIO Levando em conta todos posicionamentos acima mencionados não podemos deixar de concordar com a corrente favorável à inovação do dispositivo que garante a exigência de uma decisão devidamente fundamentada Isso porque nós parece com a devida vênia um tanto quanto insensato o pensamento de que as novas disposições culminarão em burocratização e morosidade ao judiciário brasileiro Tendo como base os três anos que já se passaram da vigência do novo Código Processual podemos analisar a problemática de forma prática Não se encontram registros ou estatísticas de que após o advendo da corrente legislação o lapso de duração médio de um processo judicial tenha se alterado Assim salvo a superveniência de dados estatísticos contrários posteriores ao presente trabalho podemos concluir que o tempo de duração das demandas judiciais entre o período de transição dos diplomas processuais não oscilou drasticamente E ainda que assim o fosse não acreditamos ser razoável o compromentimento de uma decisão constitucionalmente democrática em prol de um rápido desfecho processual Nesta mesma linha destacamos novamente as palavras de Ada Pellegrini Grinover Paulo Henrique Lucon e José Tucci 2015 É um equívoco de natureza lógica entretanto computar no prazo da duração razoável do processo uma atividade tão essencial à atividade judicial como a adequada justificação de uma decisão Seria o mesmo que considerar prejudicial à celeridade do processo a produção de uma prova relevante e necessária à resolução do litígio Isso sem considerar que motivação dessa natureza avessa a abstrações tem maior aptidão de cumprir seu escopo subjetivo convencendo a parte que sucumbiu do acerto da decisão e desestimulandoa portanto a impugnála GRINOVER LUCON TUCCI 2015 Por fim redundante seria colocarmos todos os argumentos favoráveis à ora estudada disposição processual visto que estes foram trabalhados enfaticamente ao longo do presente trabalho ao destacarmos a importância da fundamentação das decisões judicias para a concretização de um processo constituiconal democrático a necessidade do respeito ao contraditório paritário bem como a adoção da teoria neo institucionalista do processo proposta por Rosemiro Pereira Leal 2005 Dessa forma o art 489 do novo Código de Processo Civil ao positivar criteriosamente os mecanimos para materialização do princípio constitucional processual da fundamentação das decisões estabelece assim a efetiva garantia do contraditório e da vedação das decisões surpresas 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS A despeito de o atual Código de Processo Civil não ter abandonado a instrumentalidade do processo louvamos as técnicas legislativas inseridas visando uma concreta fundamentação das decisões emanadas do Poder Judiciário brasileiro bem como entendemos serem estas as formas adequadas de efetivação das garantias fundamentais interligadas ao devido processo legal Contudo restanos indagar se tais técnicas estão sendo devidamente aplicadas pelos magistrados e em caso negativo se as decisões estão sendo devidamente reformadas pelas instâncias superiores que verificam os respectivos descumprimentos Ademais no tocante as críticas contrárias a criteriologia de decidir cumpre nos ressaltar que mesmo que acarretasse algum aumento mínimo no tempo de duração das demandas o que não acreditamos tendo em vista o fato de que as decisões emadas à luz das novas disposições tendem a serem mais adequadas sob o ponto de vista democrático este fator não seria por si só suficiente para suprir a necessidade de concretização dos princípios garantidores do devido processo legal Dessa forma à guisa de conclusão acreditamos que novo regramento acerca da fundamentação dos provimentos decisórios estabelecido pelo CPC de 2015 deve ser visto com bons olhos tendo em vista que sua positivação reforça a ideia de que a fundamentação das decisões é primordial ao provimento jurisidcional bem como que esta fundamentação seja considerada a maneira de se assegurar a qualquer um do povo um desfecho democrático e constitucional para as lides submetidas ao crivo do Estado afastando por consequencia arbitrariedades e abusividades REFERÊNCIAS ALMEIDA Cynara A fundamentação das decisões na forma do art 489 1º do novo CPC e sua aplicabilidade prática Disponível em httpwwwmigalhascombrdePeso16MI25998721048 Afundamentacaodasdecisoesnaformadoart4891donovoCPCesua Acessado em 08032018 às 1856 AMARAL Guilherme Rizzo Comentários às alterações do novo CPC São Paulo Revista dos Tribunais 2015 AZEREDO Kellen Cardozo de A problemática da fundamentação nas decisões judiciais perante o novo Código de Processo Civil Análise do artigo 489 1º IV NCPC 2016 Disponível em httpintertemasunitoledobrrevistaindexphpETICarticleviewFile21072211 Acessado em 27022018 às 1736 BRASIL Constituição 1988 Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 5 de outubro de 1988 Organização do texto Juarez de Oliveira 4 ed São Paulo Saraiva 1990 168 p Série Legislação Brasileira BRASILLei nº 5869 de 11 de janeiro de 1973 Código de Processo Civil Disponível em httpwwwplanaltogovbrccivil03leisl5869impressaohtm Acessado em dezembro2018 BRASIL Lei nº 13105 de 16 de março de 2015 Novo Código de Processo Civil 2 ed Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia Lívia Céspedes e Fabiana Dias da Rocha São Paulo Saraiva 2016 CÂMARA Alexandre Freitas O novo processo civil brasileiro 3 ed São Paulo Atlas 2017 p 230 CANOTILHO José Joaquim Gomes Direito Constitucional e Teoria da Constituição Coimbra Almedina 2002 CECHET Francine A fundamentação das decisões judiciais e as novas perspectivas do artigo 489 parágrafo 1º da lei 131052015 2017 Disponível em httpsjuridicocertocompfrancinecechetartigosafundamentacaodas decisoesjudiciaiseasnovasperspectivasdoartigo4891dalei1310520153567 Acessado em 18032017 às 1601 CHIOVENDA Giuseppe Instituições de direito processual civil São Paulo Saraiva 1965 A v I COLUCCI Maria da Glória Lins da Silva ALMEIDA José Maurício Pinto Lições de Teoria Geral do Processo 4º edição 3º tiragem Juruá Editora CuritibaPR 1999 DIAS Ronaldo Brêtas de Caravalho Processo constitucional e estado democrático de direito Belo Horizonte Del rey 2010 2ª edição 2012 DIAS Ronaldo Brêtas de Caravalho SOARES Carlos Henrique BRÊTAS Suzana Oliveira Marques DIAS Renato José Barbosa BRÊTAS Yvonne Mól Estudo sistemático do Novo CPC com as alterações introduzidas pela Lei Nº 132562016 Belo Horizonte DPlácido 2016 DIDIER JR Fredie Curso de direito processual civil o processo civil nos tribunais recursos ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis incidentes de competência originária de tribunal 13 ed reform Salvador Juspodivm 2016 v III DINAMARCO Cândido Rangel Instituições de direito processual civil V III 4 ed São Paulo Malheiros 2004 DONIZETTI ElpídioCursoDidático de Direito Processual Civil 20 ed São Paulo Atlas 2016 GRINOVER Ada Pellegrini LUCON Paulo Henrique dos Santos TUCCI José Rogério Cruz eEm defesa das inovações introduzidas pelo Novo CPCRevista Consultor Jurídico 14 de março de 2015 Disponível em httpswwwconjurcombr2015mar14defesainovacoesintroduzidascpc Acessado em 06032018 às 0051 LEAL André Cordeiro O contraditório e a fundamentação das decisões no direito processual democrático Belo Horizonte Mandamentos 2002 p105 LEAL André Cordeiro Instrumentalidade do Processo em Crise Belo Horizonte Mandamentos Faculdade de Ciências HumanasFUMEC 2008 LEAL Rosemiro Pereira TGP Teoria Geral do Processo 6º edição Thomson Iob São Paulo 2005 p105 MARTINAZZO Nayara O Novo Código de Processo Civil o resgate da garantia constitucional de fundamentação decisória DireitoNet 06 de dezembro de 2015 Diposnível em httpswwwdireitonetcombrartigosexibir9500ONovoCodigodeProcesso Civiloresgatedagarantiaconstitucionaldefundamentacaodecisoria Acessado em 05042018 às 1946 MOTTIN André Luís dos Santos O Dever judicial de enfrentamento integral de teses uma análise inicial do artigo 489 1º inciso IV do Novo Código de Processo Civil Revista Páginas de Direito Porto Alegre ano 16 nº 1306 27 de abril de 2016 Disponível em httpwwwtexprobrindexphpartigos329artigos abr20167536odeverjudicialdeenfrentamentointegraldetesesumaanalise inicialdoartigo4891incisoivdonovocodigodeprocessocivil Acessado em 05042018 às 1901 PINTO Davi Souza de Paula Teoria Geral do Processo As diferentes visões teóricas que surgiram no decorrer da história do Direito sobre o processo In Âmbito Jurídico Rio Grande XI n 56 ago 2008 Disponível em httpwwwambito juridicocombrsiteindexphpnlinkrevistaartigosleituraartigoid5102 SOUZA Carlos Aurélio Mota de Motivação e fundamentação das decisões judiciais e o princípio da segurança jurídica Revista Brasileira de Direito Constitucional Nº 7 JanJun 2006 Vol2 STRECK Lenio Luiz NUNES Dierle CUNHA Leonardo orgs Comentários ao Código de Processo Civil São Paulo Saraiva 2016 STRECK Lenio Luiz Dilema de dois juízes diante do fim do Livre Convencimento do NCPC Revista Consultor Jurídico 19 de março de 2015 8h00 Disponível em httpswwwconjurcombr2015mar19sensoincomum dilemadoisjuizesdiantefimlivreconvencimentoncpc Acessado em novembro2017 TARTUCE Flávio Manual de direito civil volume único 4 ed rev atual e ampl Rio de Janeiro Forense São Paulo Método 2014 THEODORO JÚNIOR Humberto Curso de direito processual civil 47 ed Belo Horizonte Forense 2015 v I THEODORO JÚNIOR Humberto Curso de direito processual civil 47 ed Belo Horizonte Forense 2015 v II THEODORO JÚNIOR Humberto Curso de direito processual civil 47 ed Belo Horizonte Forense 2015 v III Contidos nesta obra estão seletos estudos jurídicos produzidos por discentes da Faculdade Mineira de Direito PUC Minas em participação a ciclo de pesquisa promovido pelo Núcleo Acadêmico de Pesquisa no ano de 20172018 Aventuraramse os autores ao investigar empregando método multidisciplinar as problemáticas diversas que os operadores do direito são compelidos a enfrentar Bárbara Thaís Pinheiro Silva Neuler Mendes Gomes Júnior Pedro Henrique Cardoso Gonçalves Organizadores Ana Carolina Baracho Ana Eliza Alves Silva Ana Luiza Tiburcio Guimarães Ana Vitória Bragança Lana Ataíde Bárbara dos Santos Choucair Bárbara Thaís Pinheiro Silva Brunna Leão Jácome Ferreira Daniela Dantas Carvalho Debora Duarte Rodrigues Braga Dimas Ferreira Lopes Ênio Vinícius Martins Ferreira Felipe Diógenes A de Paula Cândido Gabriel Nepomuceno Barbosa Gabriela Helena Tassara Calenzani Gustavo Mendes de Oliveira Costa Jéssica Batista Barbosa João Vitor Silva de Aquino Júlia Dilly Campos Laura Elísia Carvalho Cardoso Letícia Mariano Borges de Figueiredo Lucas Roquette Freitas Henriques Lucca Sá Motta Dias de Assis Marcel Chaves Ferreira Mariana Gualberto da Silveira Mariana Wamser Ferreira Marianna Campos Dias Assis Melissa de Carvalho Moreira Murilo Lemos Wehdorn Paulo Henrique Mazzoni Mota Priscila Pereira Cavalcanti dos Santos 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