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Michael J Sandel Justiça O que é fazer a coisa certa Tradução de Heloísa Marias e Maria Alice Máximo 6ª edição Sumário CAPÍTULO 1 Fazendo a coisa certa 9 CAPÍTULO 2 O princípio da máxima felicidade O utilitarismo 43 CAPÍTULO 3 Somos donos de nós mesmos A ideologia libertária 75 CAPÍTULO 4 Prestadores de serviço O mercado e conceitos morais 97 CAPÍTULO 5 O que importa é o motivo Immanuel Kant 133 CAPÍTULO 6 A questão da equidade John Rawls 175 CAPÍTULO 7 A ação afirmativa em questão 207 CAPÍTULO 8 Quem merece o quê Aristóteles 229 CAPÍTULO 9 O que devemos uns aos outros Dilemas de lealdade 257 CAPÍTULO 10 A justiça e o bem comum 303 AGRADECIMENTOS 333 ÍNDICE 335 No verão de 2004 o furacão Charley pôsse a rugir no Golfo do México e varreu a Flórida até o Oceano Atlântico A tempestade que levou 22 vidas e causou prejuízos de 11 bilhões de dólares1 deixou também em seu rastro uma discussão sobre preços extorsivos Em um posto de gasolina em Orlando sacos de gelo de dois dólares passaram a ser vendidos por dez dólares Sem energia para refrigeradores ou arcondicionado em pleno mês de agosto verão no hemisfério norte muitas pessoas não tinham alternativa senão pagar mais pelo gelo Árvores derrubadas aumentaram a procura por serradores e consertos de telhados Prestadores de serviços cobraram 23 mil dólares para tirar duas árvores de um telhado Lojas que antes vendiam normalmente pequenos geradores domésticos por 250 dólares pediam agora 2 mil dólares Por uma noite em um quarto de motel que normalmente custaria 40 dólares cobraram 160 a uma mulher de 77 anos que fugia do furacão com o marido idoso e a filha deficiente Muitos habitantes da Flórida mostraramse revoltados com os preços abusivos Depois da tempestade vêm os abutres foi uma das manchetes do USA Today Um morador ao saber que deveria pagar 10500 dólares para remover uma árvore que caíra em seu telhado disse que era errado que as pessoas tentassem capitalizar à custa das dificuldades e da miséria dos outros Charlie Crist procuradorgeral do estado concordou Estou impressionado como o nível de ganância que alguns certamente têm ao se aproveitar de outros que sofrem em consequência de um furacão3 A Flórida tem uma lei contra preços abusivos e após o furacão o gabinete do procuradorgeral recebeu mais de duzentas reclamações Alguns desses reclamantes ganharam ações judiciais Uma filial do Days Inn em CAPÍTULO 1 Fazendo a coisa certa West Palm Beach teve de pagar 70 mil dólares em multas e restituições por cobranças excessivas aos clientes4 Entretanto quando Crist exigiu o cumprimento da lei sobre preços extorsivos alguns economistas argumentaram que a lei o ultra público baseavase em um equívoco Nos tempos medievais filósofos e teólogos acreditavam que a troca de mercadorias deveria ser regida por um preço justo determinado pela tradição pelo valor intrínseco das coisas Mas nas sociedades de mercado observaram os economistas os preços são fixados de acordo com a oferta e a procura Não existe o que se denomina preço justo Thomas Sowell economista partidário do livre mercado considerou o termo extorsão aqui aplicado uma expressão emocionalmente poderosa por economicamente sem sentido à qual a maioria dos economistas não dá atenção porque lhes parece vaga demais Em artigo no Tampa Tribune Sowell procurou explicar como os preços abusivos ajudaram os cidadãos da Flórida As despesas aumentam quando os preços são significativamente mais altos do que aqueles aos quais as pessoas estão acostumadas escreveu Sowell Mas os níveis de preços aos quais você porventura está acostumado não são moralmente sacrossantos Eles não são mais especiais ou justos do que outros preços que as condições de mercado incluindo os provocados por um furacão possam acarretar5 Preços mais altos de gelo água engarrafada consertos em telhados geradores e quartos de motel têm a vantagem argumentou Sowell de limitar o uso pelos consumidores aumentando o incentivo para que empresas de locais mais afastados forneçam as mercadorias ou os serviços de maior necessidade depois do furacão E um saco de gelo alcança dez dólares quando a Flórida enfrenta falta de energia no calor de agosto os fabricantes de gelo considerariam vantajoso produzir e transportar mais Não há nada injusto nesses preços explicou Sowell eles simplesmente refletem o valor que compradores e vendedores resolvem atribuir às coisas quando as compram e vendem6 Jeff Jacoby comentarista econômico que escreve para o Boston Globe criticou as leis para preços abusivos de forma semelhante Não é ao sofrimento alheio Mais do que um defeito pessoal ela se contrapõe à virtude cívica Em tempos de dificuldades uma boa sociedade se mantém unida Em vez de fazer pressão sobre para obter vantagens as pessoas tentam se ajudar mutuamente Uma sociedade na qual os vizinhos são explorados para a obtenção de lucros financeiros em tempos de crise não é uma sociedade boa A ganância excessiva é portanto um vício que a boa sociedade deve procurar desencorajar na medida do possível As leis do abuso de preços podem não pôr fim à ganância mas podem ao menos restringir sua expressão descarada e demonstrar o descontentamento da sociedade Punindo o comportamento ganancioso ao invés de recompensalo a sociedade afirma a virtude cívica do sacrifício compartilhado em prol do bem comum Reconhecer a força moral do argumento da virtude não é insistir no fato de que ele deve sempre prevalecer sobre as demais considerações Você poderia concluir em alguns casos que uma comunidade atingida por um furacão deveria fazer um pacto com o diabo permitir o abuso de preços na esperança de atrair de regiões distantes um exercício de prestadores de serviços para consertar telhados mesmo ao custo moral de sancionar a ganância A prioridade é consertar telhados as considerações de natureza social ficam para depois O que se deve notar entretanto é que o debate sobre as leis contra o abuso de preços não é simplesmente um debate sobre bemestar e liberdade Ele também aborda a virtude o incentivo a atitudes e disposições a qualidades de caráter das quais depende uma boa sociedade Algumas pessoas entre elas muitas que apoiam as leis contra o abuso de preços consideram frustrante o argumento da virtude A razão ele parece depender mais de julgamento de valores do que os argumentos que apelam para o bemestar e a liberdade Perguntar se uma diretiz vai acelerar a recuperação econômica ou travar o crescimento econômico não envolve o julgamento das preferências populares Partese do pressuposto de que todos preferem mais rendimentos a menos e não se realmente gostam de dinheiro Da mesma forma perguntar se em condições adversas as pessoas realmente livres para escolherão mais também a eles fosse concedido o Coração Púrpura Dado que as leis psicológicas podem ser no mínimo tão debilitantes quanto as físicas argumentam os soldados que sofrem traumas deveriam receber a condecoração Depois que um grupo de consultores estudou a questão o Pentágono anunciou em 2009 que o Coração Púrpura seria reservado aos soldados com ferimentos físicos Veteranos com problemas mentais e traumas psicológicos não receberiam a medalha mesmo que tivessem direito a tratamentos médicos pagos pelo governo e a subsídios dos deficientes O Pentágono forneceu duas razões para essa decisão problemas de estresse póstraumático não são causados intencionalmente pela ação inimiga e são difíceis de diagnosticar de forma objetiva O Pentágono tomou a decisão certa Por si só essas razões não são convincentes Na Guerra do Iraque uma das lições que mais habilitam os combatentes a receber o Coração Púrpura era o rompimento do tímpano causado por explosões em um pequeno raio de proximidade Diferente de balas e bombas no entanto essas explosões não são uma tática inimiga deliberada com o objetivo de ferir ou matar elas são como o estresse póstraumático um efeito colateral da ação em combate E apesar de os problemas traumáticos serem mais difíceis de diagnosticar do que um membro fraturado o dano que ocasionalmente pode ser mais grave e duradouro Como foi revelado em uma discussão mais aprofundada sobre o Coração Púrpura o que está verdadeiramente em questão é o significado da condecoração e das virtudes que ela homenageia Quais são então as virtudes relevantes Diferente de outras medalhas militares o Coração Púrpura condensa o sacrifício não a bravura Ele não possui nenhum ato heroico apenas um infeliz do inimigo A questão é saber que tipo de ferimento dever ser excluído Um grupo de veteranos chamado Ordem Militar do Coração Púrpura é contra a condecoração por danos psicológicos alegando que isso rebaixaria a homenagem Um portavoz do grupo alegou que derramar sangue deveria ser uma qualificação essencial Ele não explica por que ferimentos sem sangue não deveriam ser incluídos Mas Tyler E perigoso em vez de buscar segurança Os defensores das leis contra o abuso de preços argumentam que qualquer estiramento do bemestar geral deve considerar a dor e o sofrimento daqueles que são obrigados a pagar mais por suas necessidades básicas durante uma emergência Em segundo lugar os defensores das leis contra o abuso de preços sustentam que em determinadas condições o mercado livre não é verdadeiramente livre Como diz Crist compradores sob condição não têm liberdade Suas compras de artigos para suprir necessidades básicas assim como a busca por abrigo seguro são algo que lhes é imposto pela necessidade Se você estiver fugindo de um furacão com a família o preço exorbitante que paga pela gasolina ou por um abrigo não é realmente uma transação voluntária É algo mais próximo da extorsão Assim para decidir se as leis de preços abusivos se justificam precisamos avaliar essas relações entre bemestar e liberdade Entretanto precisamos também considerar outro argumento Grande parte do apoio público às leis contra o abuso de preços vem de algo mais visceral do que bemestar ou liberdade As pessoas se revoltam com aberturas que se aproveitam do desespero alheio e querem punilos e não recompensálos com lucros inesperados Essas sentimentos são muitas vezes descartados como emoções rancorosas que não deveriam interferir na política pública ou na lei Como escreve Jacoby demonizar os vendedores não vai acelerar a recuperação da Florida O ultraje ante o abuso de preços no entanto é mais do que uma raiva insensata Ele põe em questão um argumento moral que deve ser levado a sério O ultraje é o tipo específico de raiva que você sente quando acredita que as pessoas estão conseguindo algo que não merecem Esse tipo de ultraje é a raiva causada pela injustiça Boudreau capítulo fuzileiro reformado que apoia a inclusão dos danos psicológicos faz uma convincente análise da discussão Ele atribui a oposição mencionada a uma postura arraigada entre os militares que veem o estresse póstraumático como um tipo de fraqueza A mesma cultura que exige um comportamento rigoroso também encoraja o ceticismo quanto a possibilidade da violência da guerra atingir a mais saúdavel das mentes Infelizmente enquanto nossa cultura militar mantiver o desprezo pelos danos psicológicos de guerra é pouco provável que os veteranos algum dia recebam um Coração Púrpura Assim o debate sobre o Coração Púrpura é mais do que uma discussão médica ou clínica sobre como determinar a veracidade do dano No âmago da divergência estão concepções conflitantes sobre caráter moral e valor militar Aqueles que insistem em que apenas ferimentos com sangue devem ser levados em consideração acreditam que o estresse póstraumático reflete uma fraqueza de caráter que não é merecedora de honrarias Os que acreditam que danos psicológicos devem ser respeitados argumentam que os veteranos que sofrem traumas duradouros e têm depressão profunda se sacrificaram tanto por seus pais quanto os que perderam um membro em combate e de maneira igualmente honrosa A polêmica sobre o Coração Púrpura ilustra a lógica moral da teoria de Aristóteles sobre justiça Não podemos determinar quem merece uma medalha militar sem que sejam questionadas as virtudes que lhe condenação realmente exalta E para responder a essa questão devemos avaliar concepções de caráter e sacrifício Podese argumentar que medalhas militares são um caso especial uma volta a uma antiga ética de honra e virtude Nos nossos dias a maioria das discussões sobre justiça é a respeito de como distribuir os frutos da prosperidade ou os fardos dos problemas difíceis e como definir os direitos básicos dos cidadãos Nesses campos predominam as considerações sobre bemestar e liberdade Mas discussões sobre o que é certo o que é errado nas decisões econômicas nos remetem frequentemente à questão de Aristóteles sobre o que as pessoas moralmente merecem e por quê REVOLTA CONTRA O SOCORRO A BANCO E INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS O furor público gerado pela crise financeira de 20082009 é um caso a considerar Durante anos os preços das ações e o valor dos bens imóveis tinham subido O acerto de contas teve ações e o valor da habitação estourou Os bancos e as instituições financeiras de Wall Street haviam ganhado bilhões de dólares em complexos investimentos apoiados em hipotecas cujos valores agora despencavam As empresas de Wall Street antes vitoriosas cambaleavam à beira do colapso O mercado de ações despencou arruinando não apenas grandes investidores mas também americanos comuns cujos fundos de aposentadoria perderam grande parte do valor O patrimônio total da família americana caiu 11 trilhões de dólares em 2008 valor equiparável ao rendimento anual da Alemanha Japão e Reino Unido juntos Em outubro de 2008 o presidente George W Bush pediu 700 bilhões de dólares ao Congresso para socorrer os maiores bancos e instituições financeiras do país A muitos não pareceu justo que Wall Street tivesse usufruído de enormes lucros nos bons tempos e agora quando a situação estava ruim pedisse aos contribuintes que assistissem a conta Mas parecia não haver alternativa Os bancos e as financeiras tinham crescido tanto e estavam de tal forma envolvidos com cada aspecto da economia que seu colapso poderia provocar a quebra de todo o sistema financeiro Eles eram grandes demais para falir Ninguém achou que os bancos e as financeiras merecessem o dinheiro Suas ações precipitadas que a regulamentação inadequada do governo permitiu haviam originado a crise Mas esse era um caso em que o bemestar da economia comum do todo parecia sobrepujar as considerações de justiça Relutante o Congresso autorizou o socorro a Wall Street Viram então as benesses Pouco depois que o dinheiro do socorro financeiro bailout começou a circular novos informes revelaram que algumas companhias agora com o auxílio de recursos públicos estavam agraciando seus executivos com milhões de dólares em bônus O caso mais ultrajante envolveu a American International Group AIG um gigante dentre as companhias de seguros levado à ruína pelos investimentos arriscados feitos por sua unidade de produtos financeiros Apesar de ter sido resgatada com vultosas injeções de fundos governamentais totalizando 173 bilhões de dólares a companhia pagou 165 milhões de dólares em bônus a executivos da prévia divisão que havia precipitado a crise 73 funcionários receberam bônus de 1 milhão de dólares ou mais A notícia dos bônus deflagrou uma torrente de protestos públicos Dessa vez o ultraje não era causado por sacolas de gelo de dez dólares ou quartos de motel com preços exorbitantes Tratavase de prêmios reconhecidos subsidiados com fundos do contribuinte para membros da divisão que havia ajudado a praticamente derrubar o sistema financeiro global Alguma coisa estava errada naquele quadro Embora o governo dos Estados Unidos possuísse agora 80 da companhia o Departamento do Tesouro apelou em vão ao presidente da AIG indicado pelo governo para que cancelasse os bônus Não podemos conquistar e manter os maiores e mais brilhantes talentos retrucou o presidente se os empregados acreditarem que sua compensação está sujeita a ajustes contínuos e arbitrários por parte do Tesouro dos Estados Unidos Ele alegou que era necessário manter os estímulos aos empregados talentosos para que a companhia se recuperasse pelo bem dos próprios contribuintes que afinal passaram a ser os proprietários da maior parte da companhia O povo reagiu furiosamente Uma manchete de página inteira no New York Post expressou o sentimento de muita gente Mais devagar seus aproveitadores gananciosos A Câmara dos Deputados dos Estados Unidos tentou recuperar o dinheiro aprovando um projeto de lei que taxava em 90 os bônus pagos a empregados de companhias que haviam recebido fundos substanciais de resgate financeiro Sob pressão do procuradorgeral de Nova York Andrew Cuomo 15 dos maiores executivos da AIG que haviam recebido bônus concordaram em devolvêlos e cerca de 50 milhões de dólares foram recuperados no total Essa atitude abandonou a ira pública até certo ponto e o Senado aos poucos deixou de apoiar a medida punitiva de taxação Entretanto o episódio deixou o público relutante em gastar mais dinheiro para limpar a sujeira que a indústria financeira havia criado Na origem da revolta diante do episódio do bailout às grandes instituições financeiras havia um sentimento de injustiça Mesmo antes do caso dos bônus ir à tona o apoio público ao socorro financeiro era hesitante e conflituoso Os americanos estavam divididos entre a necessidade de evitar um caos econômico que poderia atingir a todos e a dúvida quanto à injeção de gigantescas somas nos bancos e nas financeiras falidos Para evitar o desastre econômico o Congresso o público decidiram certo Entretanto moralmente falando isso pareceu a grande maioria um tipo de extremo Subjacente à revolta contra o bailout havia a questão moral do merecimento os executivos que receberam bônus e as companhias que receberam vultuosos reforços financeiros não mereciam Mas por quê A razão pode ser menos óbvia do que parece Analisemos duas respostas possíveis uma referente a ganância e outra a incompetência Uma das origens do sentimento de ultrarejeição era o fato de os bônus parecerem recompensar a ganância como o manchete do tablóide deixou claro O público considerou isso moralmente inaceitável Não apenas os bônus mas também o processo do bailout como tudo parecia de maneira perversa premiar o comportamento ganancioso ao invés de punilo Os negociantes de derivativos levaram suas companhias e o país a um terrível perigo financeiro fazendo investimentos irresponsáveis em busca de lucros cada vez maiores Depois de embolsar nos bons tempos de bonança nada vinha de errado em receber os bônus de milhões de dólares mesmo tendo levado seus investimentos à ruína As críticas à ganância eram expressas não apenas pelos jornais mas também em versões mais decorosas pelas autoridades públicas O senador Sherrod Brown Democrata Ohio qualificou o comportamento da AIG de uma bofetada de ganância arrogância e erros piores O presidente Barack Obama declarou que a AIG encontrase em crise financeira devido à falta de escrúpulos e ganância O problema em relação à crítica à ganância nesse caso é que ela não faz distinção entre as recompensas dadas pelo bailout dos rombos e as recompensas das ações marcadas em termos de bonança A ganância é um defeito moral uma atitude má um desejo excessivo e egoísta de obter ganhos Assim é compreensível que o povo não fique satisfeito em premiála Entretanto existe alguma razão para presumir que aqueles que receberam bônus com recursos do bailout estejam sendo mais gananciosos agora do que eram alguns anos antes quando estavam voltando ao colher frutos ainda maiores Negociantes banqueiros e corretores de fundos de hedge de Wall Street constituem uma categoria difícil de ser classificada A busca de bancos financeiros é o que fazem na vida Se a carreira mancha o caráter deles ou não suas virtudes não parecem oscilar com o mercado de ações Assim se é errado recompensar a ganância com altos bônus do bailout não é também errado premiála com a excessiva generosidade do mercado O povo sentiuse ultrajado quando em 2008 empresas de Wall Street algumas com subsídio permanente financiado pelo contribuinte distribuíram 16 bilhões de dólares em bônus Mas essa cifra significava menos da metade do total pago em 2006 34 bilhões de dólares e 2007 33 bilhões de dólares Uma diferença óbvia é que os bônus com recursos do bailout vêm dos contribuintes enquanto os bônus pagos nos tempos de bonança vêm dos lucros das companhias Entretanto o seu ultraje se baseia na convicção de que os bônus são imerecidos a fonte do pagamento não é moralmente decisiva Mas dá uma pista a razão pela qual os bônus vêm do contribuinte é porque as companhias estão falidas Isso nos leva ao âmago da questão A verdadeira objeção do povo americano quanto aos bônus e ao bailout não é porque eles recompensam a ganância e sim porque recompensam a incompetência Os americanos são mais rigorosos quanto ao fracasso do que quanto à ganância Em sociedades impulsionadas pelo mercado pessoas ambiciosas persseguem ardentemente seus interesses e a linha que separa o interesse próprio e a ganância é muitas vezes obscura A linha que separa o sucesso e o fracasso porém costuma ser mais definida E a ideia de que as pessoas merecem recompensas do sucesso é parte essencial do sonho americano investidores eram realmente culpados pela crise financeira Muitos exexecutivos não pensavam assim Em depoimentos perante as comissões do Congresso que investigavam a crise financeira eles insistiam no fato de que haviam feito tudo o possível com as informações que dispunham Exdiretor executivo da Bear Stearns uma companhia de investimentos de Wall Street que faliu em 2008 disse que havia refletido muito por muito tempo sobre se teria sido possível fazer algo diferente Ele concluiu que havia feito tudo que podia Eu simplesmente não consegui pensar em nada que pudesse modificar a situação que enfrentávamos Outros executivos de companhias falidas concordaram insistindo que foram vítimas de um tsunami financeiro fora do seu controle Jovens financeiros que tiveram dificuldade em entender a fala do povo contra seus bônus tiveram atitude similar Ninguém se solidarizaria conosco disse um financista do Wall Street a um repórter da Vanity Fair mas isso não significa que nós estivéssemos trabalhando com afinco A metáfora do tsunami tornouse parte do vernáculo do bailout especialmente nos círculos financeiros So executivos tiveram razão quanto ao fato de a falência das companhias ter tido origem em forças econômicas maiores e não nas decisões que tomaram isso explicaria por que não demonstraram o remorso que o senador Grassley gostaria de ter ouvido Entretanto levantase também uma questão mais ampla sobre fracassos sucessos e justiça Se forças econômicas grandes e sistêmicas respondem pelas desastrosas perdas de 2008 e 2009 não seria possível argumentar que respondem também pelas astronômicos ganhos dos anos anteriores Se podemos culpar as condições climáticas pelos tempos ruins como podem o talento a sabedoria e o trabalho árduo de banqueiros comerciantes e executivos do Wall Street ser responsáveis pelos estupendos lucros que obtiveram quando o sol brilhava Diante do ultraque público em relação à recompensa ao fracasso os diretores das companhias argumentaram que os retornos financeiros não são intrinsecamente fruto de seus atos e sim produto de forças que estão além do seu controle Mas se isso for verdade há um bom motivo para questionar a reivindicação deles quanto a compen TRÊS ABORDAGENS DA JUSTIÇA Para saber se uma sociedade é justa basta perguntar como ela distribui as coisas que valoriza renda e riqueza deveres e direitos poderes e oportunidades cargos e honrarias Uma sociedade justa distribui esses bens da maneira correta ela dá a cada indivíduo o que ele deve As perguntas difíceis começam quando indagamos de quem é devido às pessoas e por quê Já começamos a ter dificuldades com essas questões Ao refletir sobre o certo e o errado no abuso de pregos sobre as contendas concernentes ao Coração Púrpura e aos socorros financeiros identificamos três maneiras de abordar a distribuição de bens a que leva em consideração o bemestar a que aborda a questão pela perspectiva da liberdade e a que se baseia no conceito de virtude Cada um desses ideais sugere uma forma diferente de pensar sobre a justiça Algumas das nossas discussões refletem o descaso sobre o que significa maximizar o bemestar respeitar a liberdade ou cultivar a virtude Outras envolvem o descaso sobre o que fazer quando há um conflito entre esses ideais A filosofia política não pode solucionar discordâncias desse tipo definitivamente mas pode dar forma aos nossos argumentos e trazer clareza moral para as alternativas com as quais nos confrontamos como cidadãos democráticos Este livro explora os pontos fortes e fracos dessas três maneiras de pensar sobre a justiça Começamos com a ideia de maximizar o bemestar Para sociedades de mercado como a nossa é um ponto de partida natural Grande parte dos debates políticos contemporâneos é sobre como promover a prosperidade melhorar nossos padrão de vida ou impulsionar o crescimento econômico Por que nos importamos com essas coisas A resposta mais óbvia é porque achamos que a prosperidade nos torna mais felizardos do que seríamos sem ela como indivíduos ou como sociedade A prosperidade é importante em outras palavras porque contribui para o nosso bemestar Para explorar essa ideia voltamonos para o utilitarismo a mais influente explicação do porquê e do como maximizar o bemestar ou como definem o utilitaristas procurar a máxima felicidade para o maior número de pessoas Em seguida abordamos uma série de teorias que ligam a justiça à liberdade A maioria enfatiza o respeito aos direitos individuais embora discordem entre si sobre quais direitos são considerados os mais importantes A ideia de que justiça significa respeitar a liberdade e os direitos individuais é no mínimo tão familiar na política contemporânea quanto a ideia utilitarista de maximizar o bemestar Por exemplo a Bill of Rights Declaração de Direitos dos Estados Unidos estabelece determinadas liberdades incluindo a liberdade de expressão e a liberdade religiosa que nem mesmo as maiorias têm o direito de violar E por todo o mundo a ideia de que justiça significa respeitar certos direitos humanos universais vem sendo cada vez mais abraçada na teoria ainda que nem sempre na prática A abordagem de justiça que começa pela liberdade é uma ampla escola Na verdade algumas das mais calorosas disputas políticas de nossa época ocorrem entre dois campos rivais dentro dela o laissezfaire e o igualitarismo Liderando o campo laissezfaire estão os libertários do livre mercado que acreditam que a justiça consiste em respeitar e preservar as escolhas feitas por adultos conscientes Eles argumentam que mercados sem restrições não são apenas livres De acordo com seu ponto de vista a justiça requer diretrizes que corrigam as desvantagens sociais e econômicas e que deem a todos oportunidades justas de sucesso Por fim voltamonos para as teorias que veem a justiça intimamente associada à virtude e a uma vida boa Na política contemporânea teorias baseadas na virtude são frequentemente identificadas com os conservadores culturais e a direita religiosa A ideia de legislar sobre a moralidade é um anátema para muitos cidadãos de sociedades liberais isto que oferece o risco de derivar para a intolerância e a coerção Mas a noção de que uma sociedade justa afirma certos valores e concepções do que seja uma vida boa vem inspirando movimentos políticos e discussões que atravessam o espectro ideológico Não apenas o Talibã mas também os abolicionistas e Martin Luther King basearam suas visões de justiça em ideias morais e religiosas ferrovias se expõem voluntariamente ao risco de morte ao contrário dos espectadores poderia ser usado como argumento Mas vamos supor que estar disposto a morrer em uma emergência para salvar a vida de outras pessoas não faça parte das atribuições dessa função e que o trabalhador não esteja mais propenso a oferecer a própria vida do que o espectador na ponte Talvez a diferença moral não resida no efeito sobre as vítimas ambas terminariam mortas e sim na intenção da pessoa que toma a decisão Como motorista do bonde você pode defender sua escolha de desviar o veículo alegando que não há intenção de matar o operário no desvio apesar de isso ser previsível Seu objetivo ainda teria sido atingido se por um enorme golpe de sorte os cinco trabalhadores fossem poupados e o sexto também conseguisse sobreviver Entretanto o mesmo é verdadeiro no caso do empurrão A morte do homem que foi empurrado do ponte não é essencial para seu propósito Tudo que ele precisa fazer é parar o bonde se ele de alguma forma conseguir fazer isso e sobreviver você ficará maravilhado Ou talvez pensando bem os dois casos devessem ser governados pelo mesmo princípio Ambos envolvem a escolha deliberada de tirar a vida de uma pessoa inocente a fim de evitar uma perda ainda maior de vidas Talvez sua simulação em empurrar o homem da ponte seja meramente um escrúpulo uma hesitação que você precise superar Empurrar um homem para a morte com as próprias mãos realmente parece mais cruel do que girar o volante de um bonde Mas fazer a coisa certa nem sempre é fácil Podemos testar essa ideia ao mudarmos um pouco a história Suponha que você como espectador pudesse provocar a queda do homem gordo nos trilhos sem empurrálo imagine que esteje de pé sobre um alçapão que você pode abrir ao girar uma manivela Sem empurrar você teria o mesmo resultado Isso transformaria sua ação na coisa certa a fazer Ou ainda seria moralmente pior do que se você no lugar do motorista estivesse desviado para o outro trilho não é fácil explicar a diferença moral entre esses casos por que desviar o bonde parece certo mas empurrar o homem da ponte parece errado Entretanto nota a pressão que sentimos para chegar a uma distinção convincente entre eles e se não pudermos para reconsiderar nosso julgamento sobre o que é fazer em cada caso Às vezes pensamos no raciocínio moral como uma forma de persuadir os outros Mas é também uma forma de resolver nossas convicções morais de descobrir aquilo em que acreditamos e por quê Alguns dilemas morais têm origem em princípios morais conflitantes Por exemplo um princípio que vem à tona na história do bonde é que devemos salvar o máximo de vidas possível mas outro diz que é errado matar um inocente mesmo que seja por uma boa causa Expostos a uma situação na qual salvar um número maior de vidas implica matar uma pessoa inocente enfrentamos um dilema moral Devemos tentar descobrir qual princípio tem maior peso e é mais adequado às circunstâncias Outros dilemas morais surgem porque não temos certeza sobre como os eventos se desdobrarão Exemplos fictícios como a história do bonde eliminam a incerteza que paira sobre as escolhas que enfrentamos na vida real Eles pressupõem que sabemos exatamente quantas pessoas morrerão se não desviarmos ou não empurrarmos alguém Isso faz com que tais histórias sejam guias imperfeitos para a ação Mas faz também com que sejam recursos úteis para a análise moral Se abstrairmos as contingências E se os operadores percebessem o bonde e pulassem para o lado a tempo exemplos hipotéticos nos ajudam a colocar os princípios morais em questão para examinar sua força OS PASTORES DE CABRAS AFEGADAS Consideremos agora um dilema moral verdadeiro semelhante em alguns pontos à fictícia história do bonde desgovernado como o agravante de não haver certeza sobre o desfecho Em junho de 2005 uma equipe formada pelo suboficial Marcus Luttrell e mais três seals como são conhecidos os integrantes da Sea Air Land Seal força especial da Marinha dos Estados Unidos para operações em mar ar e terra partiu em uma missão secreta de reconhecimento no Afeganistão perto da fronteira com o Paquistão em busca de informações e capturas de um líder do Talibã estreitamente ligado ao Osama bin Laden De acordo com relatos do serviço de inteligência a alvo da missão comandava de 140 a 150 combatentes fortemente armados e estava em um vilarejo em uma região montanhosa de difícil acesso Pouco depois de a equipe ser posicionada numa colina com vista para o vilarejo apareceram a sua frente dois camponeses afegãos com cerca de cem ruídos cabras Eles chegaram acompanhados de um menino de aproximadamente 14 anos Os afegãos estavam desarmados Os soldados americanos apontaram os rifles para eles sinalizaram para que se sentassem no chão e só então começaram a discutir sobre o que fazer com eles Por um lado os pastores pareciam ser civis desarmados Em contrapartida deixálos seguir adiante implicaria o risco de eles informarem os talibãs sobre a presença dos soldados americanos Os quatro soldados analisaram as opções mas se deram conta de que não tinham uma corda então não seria possível amarrar os afegãos para ganhar tempo até encontrassem outro esconderijo As únicas opções eram matarlos ou deixarlos partir Um dos companheiros de Luttrell sugeriu que matassem os pastores Estamos em serviço atrás das linhas inimigas enviados para cá por nossos superiores Temos o direito de fazer qualquer coisa para salvar nossa vida A decisão militar é difícil Deixálos livres seria um erro Luttrell estava dividido No fundo da minha alma eu sabia que ele estava certo escreveu mais tarde Não poderíamos deixálos partir Mas o problema é que tenho outra alma Minha alma cristã E ela estava prevalecendo Alguma coisa não parava de sussurrar do fundo da minha consciência que seria errado executar a sanguefrio aqueles homens desarmados Luttrell não explicou o que quis dizer com alma cristã mas no final sua consciência não permitiu que matasse os pastores Ele deu o voto decisivo para soltálos Um dos três companheiros se absteve Fora um voto do qual ele se arrependeria Cerca de uma hora e meia depois de ter soltado os pastores os quatro soldados se viram cercados por cerca de cem combatentes talibãs armados com fuzis AK47 e granadas de mão No cruel combate que seguiu os três companheiros de Luttrell foram mortos Os talibãs também abateram um helicóptero dos Estados Unidos que tentava resgatar a patrulha matando os 15 soldados que estavam a bordo Luttrell gravemente ferido conseguiu sobreviver rolando montanha abaixo e se arrastando por 11 quilômetros até um vilarejo cujos moradores o mantiveram protegido dos talibãs até que ele fosse resgatado Mais tarde Luttrell refletiu e condenou o próprio voto em favor de não matar os pastores Foi a decisão mais estúpida mais idiota mais irresponsável que tomei em toda a minha vida escreveu em um livro sobre sua experiência Eu devia estar fora do meu juízo Na verdade nem voto sabendo onde eu poderia ser nossa sentença de morte Pelo menos é como vejo aqueles momentos agora O voto decisivo foi meu e ele vai me perseguir até que me enterrem em um túmulo no leste do Texas Parte do que tornou tão difícil o dilema dos soldados foi a incerteza sobre o que poderia acontecer caso soltassem os afegãos Os pastores simplesmente seguiriam seu caminho ou alertariam os talibãs Luttrell supunha que Luttrell soubesse que o fato de libertar os pastores fosse originar uma batalha devastadora resultando na perda de seus companheiros 19 americanos mortos ferimentos nele próprio e na fracasso da missão Ele teria tomado uma decisão diferente Para Luttrell em retrospectiva a resposta é clara ele deveria ter matado os pastores Considerando o desastre que se seguiu é difícil discordar Nós consideraríamos a quantidade de pessoas que morreram a escolha de Luttrell e semelhante de certa forma ao caso do bonde Matar os três afegãos teria poupado a vida de seus três companheiros e dos 16 soldados que tentaram resgatarlos Mas com qual das versões da história do bonde isso se parece Matar os pastores teria sido como mudar a direção do bonde ou como empurrar o homem da ponte O fato de Luttrell ter consciência do perigo e ainda assim não ter conseguido matar civis desarmados a sangue frio sugere que sua decisão se assemelha a empurrar o homem da ponte E ainda assim matar os pastores parecer um pouco mais defensável do que empurrar o homem da ponte Talvez porque supussemos que em face do desfecho eles fossem espectadores inocentes e sim simpatizantes dos talibãs Consideremos uma analogia se tivéssemos motivos para acreditar que o homem na ponte fosse responsável pelo má funcionamento dos freios do bonde com intenção de matar os operários nos trilhos digamos que eles fossem seus inimigos o argumento moral para empurrálo sobre os trilhos começaria a parecer mais defensável Ainda precisaríamos saber quem eram seus inimigos ou por que ele queria matálos Se soubéssemos que os operários nos trilhos eram membros da resistência francesa e o homem corpulento na ponte era um nazista que tentava matálos danificando o bonde o fato de empurrálo para salvar os outros passaria a ser moralmente aceitável É possível evidentemente que os pastores afegãos não fossem simpatizantes dos talibãs e sim neutros no conflito ou até mesmo oponentes dos talibãs e tivessem sido forçados por eles a revelar a presença dos soldados americanos Suponhamos que Luttrell e seus companheiros tivessem certeza de que os pastores não tinham a intenção de fazêlos mal mas que seriam torturados pelos talibãs para revelarem onde eles estavam Os americanos poderiam ter matado os pastores para proteger a missão e a eles próprios Mas a decisão de fazer isso teria sido mais difícil e moralmente mais questionável do que se eles soubessem que os pastores eram espíros próTalibã DILEMAS MORAIS Poucos dentre nós enfrentam escolhas tão dramáticas quanto as que se apresentaram aos soldados na montanha ou à testemunha do bonde desgovernado Mas refletir sobre esses dilemas nos permite ver de maneira mais clara como uma questão moral pode se apresentar em nossas vidas como indivíduos e como membros de uma sociedade A vida em sociedades democráticas é cheia de divergências entre o certo e o errado entre justiça e injustiça Algumas pessoas defendem o direito ao aborto outras o consideram um crime Algumas acreditam que a justiça requer que o rico seja taxado para ajudar o pobre enquanto outras acham que não é justo cobrar taxas sobre o dinheiro recebido por alguém como resultado do próprio esforço Algumas defendem o sistema de cotas na admissão ao ensino superior como uma forma de remediar erros do passado enquanto outras consideram esse sistema uma forma injusta de discriminação invertida contra as pessoas que merecer ser admitidas pelos próprios méritos Algumas rejeitam a tortura de suspeitos de terrorismo por considerarem um ato moralmente abominável e indigno de uma sociedade livre enquanto outras a defendem como um recurso extremo para evitar futuros ataques Eleições são vencidas e perdidas com base nessas divergências As chamadas guerras culturais são combatidas por esses princípios Dadas a paixão e a intensidade com que debatemos as questões morais na vida pública podemos ficar tentados a pensar que nossas convicções morais estão fixadas para sempre pela maneira como fomos criados ou devido a nossas crenças além do alcance da razão Entretanto se isso fosse verdadeiro a persuasão moral seria inconcebível e o que consideraríamos ser um debate público sobre justiça e direitos não passaria de uma saraivada de afirmações dogmáticas em uma inútil disputa ideológica Quando exibe sua pior face nossa política se aproxima dessa condição Mas não precisa ser assim Às vezes uma discussão pode mudar nossa opinião Como então podemos raciocinar claramente no disputado terreno da justiça e da injustiça da igualdade e da desigualdade dos direitos individuais e do bem comum Este livro tenta responder a essa pergunta Uma das maneiras de começar é observando como a reflexão moral aflora naturalmente quando nos vemos diante de uma difícil questão de natureza moral Começamos com uma opinião ou convicção sobre o que é certo a fazer Desviar o bonde para o outro trilho Então refletimos sobre a razão da nossa convicção e procuramos o princípio pelo qual ela se baseia É melhor sacrificar uma vida para evitar a perda de muitas Então diante de uma situação que põe em questão esse princípio ficamos confusos Eu achava que era sempre certo salvar o máximo possível de vidas mas ainda assim parece errado empurrar o homem da ponte ou matar os pastores de cabras desarmados Sentir a força dessa confusão e a pressão para resolvêla é o que nos impulsiona a filosofar Expostos a tal tensão podemos rever nossa opinião sobre a coisa certa a fazer ou repensar o princípio que inicialmente abraçávamos Ao nos depararmos com novas situações recuamos e avançamos em nossas opiniões e nossos princípios revendo cada um deles à luz dos demais Essa mudança ao nosso modo de pensar indo e vindo do mundo da ação para o mundo da razão é o que consiste a reflexão moral Essa forma de conhecer a reflexão moral como uma dialética entre nossas opiniões sobre determinadas situações e os princípios que afirmamos ao refletir tem uma longa tradição Ela remonta aos diálogos de Sócrates e à filosofia moral de Aristóteles Entretanto não obstante sua origem tão antiga ela está aberta ao seguinte desafio Se a reflexão moral consiste em harmonizar os julgamentos que fazemos com os princípios que afirmamos como pode tal reflexão nos levar à justiça ou à verdadeira moral Mesmo que conseguimos durante toda a vida alinhar nossas intuições morais e os princípios que fundamentam nossa conduta como poderíamos confiar no fato de que o resultado seria algo mais do que um amontoado de preconceitos com coerência interna A resposta é que a reflexão moral não é uma busca individual e sim coletiva Ela requer um interlocutor um amigo um vizinho um camarada um compatriota Às vezes o interlocutor pode ser imaginário como quando discutimos com nossa consciência Mas não podemos descobrir o significado da justiça ou a melhor maneira de viver apenas por meio da introspecção Na República de Platão Sócrates compara os cidadãos comuns a um grupo de prisioneiros confinados numa caverna Tudo que veem é o movimento das sombras na parede um reflexo de objetos que não podem aprender Apenas o filósofo nesse relato pode sair da caverna para a luz do dia sob a qual vê as coisas como realmente são Sócrates sugere que tendo vislumbrado o sol apenas o filósofo é capaz de governar os habitantes da caverna se ele de alguma forma puder ser induzido a voltar para a escuridão onde vivem Na opinião de Platão para captar o sentido de justiça e da natureza de uma vida boa precisamos nos posicionar acima dos preconceitos e das rotinas da ida Ele está certo creio mas apenas em parte Os clamores dos que ficaram na caverna devem ser levados em consideração Se a reflexão moral é dialética se avança e recua entre os julgamentos que fazemos em situações concretas e os princípios que guiam esses julgamentos necessita de opiniões e convicções ainda que parciais e não instruídas como pontos de partida A filosofia que não tem contato com as sombras na parede só poderá produzir uma utopia estéril Quando a reflexão moral se torna política quando pergunta que leis devem governar nossa vida coletiva precisa ser alguma ligação com o tumulto da cidade como as questões e os incidentes que perturbam a mente pública Debates sobre bailouts e preços extorsivos desigualdade de renda e sistemas de cotas serviço militar e casamento entre pessoas do mesmo sexo são o que sustentam a filosofia política Eles nos estimulam a articular e justificar nossas convicções morais e políticas não apenas no meio familiar ou entre amigos mas também na exigente companhia de nossos compatriotas Mais exigente ainda é a companhia de filósofos políticos antigos e modernos que discorreram às vezes de forma radical e surpreendente sobre as ideias que animam a vida cívica justiça e direitos obrigação e consenso honra e virtude moral e lei Aristóteles Immanuel Kant John Stuart Mill e John Rawls figuram todos eles nestas páginas No entanto a ordem de seu aparecimento não é cronológica Este livro não é uma história das ideias e sim uma jornada de reflexão moral e política Seu objetivo não é mostrar quem influenciou quem na história do pensamento político mas convidar os leitores a submeter suas próprias visões sobre justiça ao exame crítico para que compreendam melhor o que pensam e por quê 1 Michael McCarthy After Storm Come the Vultures USA Today 20 de agosto de 2004 p 6B 2 Joseph B Treaster With Storm Gone Floridians Are Hit with Price Gouging New York Times 18 de agosto de 2004 p A1 McCarthy After Storm Come the Vultures 3 McCarthy After Storm Come the Vultures Treaster With Storm Gone Floridians Are Hit with Price Gouging Crist citou Jeff Jacoby Bring on the Price Gougers Boston Globe 22 de agosto de 2004 p F11 4 McCarthy After Storm Come the Vultures Allison North Jones West Palm Days Inn Settles Storm Gouging Suit Tampa Tribune 6 de outubro de 2004 p 3 5 Thomas Sowell How Price Gouging Helps Floridians Tampa Tribune 15 de setembro de 2004 publicado também como Price Gouging in Florida Capitalism Magazine 14 de setembro de 2004 em wwwcapmagcomarticleaspID3918 6 Ibidem 7 Jacoby Bring on the Price Gougers 8 Charlie Crist Storm Victims Need Protection Tampa Tribune 17 de setembro de 2004 p 17 9 Ibidem 10 Jacoby Bring on the Price Gougers 11 Lizette Alvarez e Erik Eckholm Purple Heart Is Ruled Out for Traumatic Stress New York Times 8 de janeiro de 2009 12 Ibidem 13 Tyler E Boudreau Troubled Minds and Purple Hearts New York Times 26 de janeiro de 2009 p A21 14 Alvarez e Eckholm Purple Heart Is Ruled Out 15 Boudreau Troubled Minds and Purple Hearts 16 S Mitra Kalita Americans See 18 of Wealth Vanish Wall Street Journal 13 de março de 2009 p A1 17 Jackie Calmes e Louise Story 418 AIG Bonuses Outcry Grows in Capital New York Times 18 de março de 2009 p A1 Bill Saporito How AIG Became Too Big to Fail Time 30 de março de 2009 p 16 18 O diretor executivo da AIG Edward M Liddy citou Edmund L Andrews e Peter Baker Bonus Money at Troubled AIG Draws Heavy Criticism New York Times 16 de março de 2009 ver também Lian Peiven Serena Ng e Sudeep Reddy AIG Faces Growing Wrath Over Payments Wall Street Journal 16 de março de 2009 19 New York Post 18 de março de 2009 p 1 20 Shailagh Murray e Paul Kane Senate Will Delay Action on Punitive Tax on Bonuses Washington Post 24 de março de 2009 p A7 21 Mary Williams Walsh e Carl Hulse AIG Bonuses of 40 Million to Be Repaid New York Times 24 de março de 2009 p A1 22 Gregg Hitt Drive to Tax AIG Bonuses Slows Wall Street Journal 25 de março de 2009 No verão de 1884 quatro marinheiros ingleses estavam à deriva em um pequeno bote salvavidas no Atlântico Sul a mais de 1600 km da costa Seu navio o Mignonette naufragara durante uma tempestade eles tinham apenas duas latas de nabos em conserva e estavam sem água potável Thomas Dudley era o capitão Edwin Stephens o primeirooficial e Edmund Brooks um marinheiro todos homens de excelente caráter segundo relatos de jornais O quarto sobrevivente era o taifeiro Richard Parker de 17 anos Ele era órfão e fazia sua primeira longa viagem pelo mar Richard se alistara contra o conselho de amigos com o otimismo da ambição juvenil imaginando que a viagem faria dele um homem Infelizmente não foi assim No bote os quatro marinheiros à deriva olhavam para o horizonte esperando que um navio passasse para resgatálos Nos primeiros três dias comeram pequenas porções dos nabos No quarto dia pegaram uma tartaruga Conseguiram sobreviver com a tartaruga e os nabos restantes durante mais alguns dias Depois ficaram sem ter o que comer por oito dias Parker o taifeiro estava deitado no canto do bote Bebia água salgada contrariando a orientação dos outros e parecia estar morrendo No 19º dia de provação Dudley o capitão sugeriu um sorteio para determinar quem morreria para que os outros pudessem sobreviver Mas Brooks foi contra a proposta e não houve sorteio Para mais cruel que sua proposta possa parecer o objetivo de Bentham não era punir os mendigos Ele apenas queria promover o bemestar geral resolvendo um problema que afeta a felicidade social Seu plano para lidar com os pobres nunca foi adotado mas o espírito utilitarista que gerou está vivo e forte até hoje Antes de considerar algumas instâncias do pensamento utilitarista nos dias atuais vale perguntar se a filosofia de Bentham é passível de objeções e se for com base em quê A tortura é justificável em alguma circunstância Uma questão semelhante surge em debates atuais sobre a justificativa da tortura em interrogatórios de supostos de terrorismo Consideremos uma situação na qual uma bombarelogio está por explodir Imaginese no comando de um escritório local da CIA Você prende um terrorista suspeito e acredita que ele tenha informações sobre um dispositivo nuclear preparado para explodir em Manhattan dentro de algumas horas Na verdade você tem razões para suspeitar que ele próprio tenha montado a bomba O tempo vai passando e ele se recusa a admitir que é um terrorista ou a informar onde a bomba foi colocada Seria certo torturálo até que ele diga onde está a bomba e como fazer para desativála Entretanto a situação da tortura não significa que a expectativa de salvar muitas vidas justifique infligir sofrimento grave a um inocente Lembremonos de que a pessoa torturada com o objetivo de se salvar muitas vidas é suspeita de terrorismo Na verdade é a pessoa que acreditamos que tenha colocado a bomba A justificativa moral da tortura depende muito de fato de presumirmos que aquela pessoa seja responsável de alguma forma pelo perigo que tentamos afastar ao utilizarmos pôr isso em dúvida De acordo com essa objeção não é possível transformar em moeda corrente valores de naturezas distintas A fim de explorar essa objeção consideremos a maneira pela qual a lógica utilitarista é aplicada em análises de custo e benefício uma forma de tomada de decisões amplamente utilizada por governos e corporações A análise de custo e benefício tenta trazer a racionalidade e o rigor para as escolhas complexas da sociedade transformando todos os custos e benefícios em termos monetários e então comparandoos Os benefícios do câncer de pulmão A Philip Morris uma companhia de tabaco tem ampla atuação na República Tcheca onde o tabagismo continua popular e socialmente aceitável Preocupado com os crescentes custos dos cuidados médicos em consequência do fumo o governo tcheco pensouRecentemente em aumentar a taxação sobre o cigarro Na esperança de conter o aumento dos impostos a Philip Morris encomendou uma análise do custobenefício dos efeitos do tabagismo no orçamento do país O estudo descobriu que o governo efetivamente lucra mais do que perde com o consumo de cigarros pela população O motivo embora os fumantes em vida impondam altos custos médicos ao orçamento eles morrem cedo e assim poupam o governo de consideráveis somas em tratamentos de saúde pensões e abrigo para os idosos De acordo com o estudo uma vez levados em conta os efeitos positivos do tabagismo incluindo a receita com os impostos e a economia com a morte prematura dos fumantes o lucro líquido para o tesouro é de 147 milhões de dólares por ano A análise de custo e benefício foi um desastre de relações públicas para a Philip Morris Companhias de tabaco costumavam negar que o cigarro matasse escreveu um comentarista Agora elas se gabam disso Um grupo antitabagista publicou matérias pagas em jornais mostrando o pé de um cadáver em um necrotério com a etiqueta US 1227 presa ao dedo representando a economia do governo tcheco com cada morte associada ao cigarro Diante do ultraje público e ridicularizado o diretor executivo da Philip Morris se desculpou reconhecendo apetites anseios desejos e sua gratificação E isso também se aplica a vida humana embora o apetite e os desejos sejam mais numerosos sutis e complicados As meninas do St Anne Pode não existir um argumento irrefutável a favor ou contra a pretensão de que todo bem moral pode ser transformado sem perdas em uma única medida de valor Mill acredita que devemos maximizar a utilidade em longo prazo e não caso a caso Como o tempo argumento o respeito à liberdade individual levará à máxima felicidade humana Vale que alguns dos prazeres que você mencionou podem ser considerados como valiosos e outros são banais como dizem eles por que uma sociedade deveria mensurar todas as preferências de maneira indiscriminada e além disso considerar a soma dessas preferências como o bem maior Pense novamente nos romanos que entravam cristãos aos leões no Coliseu Uma das objeções feitas ao sagrado espetáculo é que elevava os direitos das vítimas Mas outra objeção é que ela proporciona prazeres perversos em vez de prazeres nobres Não seria melhor mudar tais preferências em vez de satisfazêlas Dizem que os puritanos proibiram o bearbaiting não porque causasse sofrimento aos ursos mas devido ao prazer que proporcionava aos espectadores O bearbaiting deixou de ser um passatempo popular mas as rinhas de cães e galos exercem um fascínio persistente e algumas jurisdições as proíbem Um argumento para proibir essas brigas é a crueldade contra os animais Entretanto tais leis também podem refletir um argumento moral de que sentir prazer com brigas de cães é abominável algo que uma sociedade civilizada deve desencorajar Não é preciso ser um puritano para simpatizar com esse argumento Bentham levaria em consideração todas as preferências independentemente de seu valor ao determinar como e lhe deveria ser Entretanto se mais pessoas preferissem assistir a brigas de cães do que apreciar as pinturas de Rembrandt a sociedade deveria subsidiar arenas de luta em vez de museus de arte Se alguns prazeres são indignos e degradantes por que deveríamos ter algum peso na decisão sobre quais leis deveriam ser adotadas Mill tenta poupar o utilitarismo dessa objeção Ao contrário de Bentham ele acredita que seja possível distinguir entre os prazeres mais elevados e os mais desprezíveis avaliar a qualidade e não apenas a quantidade ou a intensidade dos nossos desejos E acha que pode fazer essa distinção se basear em qualquer outra ideia moral que não a própria utilidade Mill começa por afirmar sua fidelidade ao credo utilitarista As ações estão certas na proporção em que tendam a promover a felicidade erros quando tendem a produzir o oposto da felicidade Por felicidade compreendese o prazer e a ausência do sofrimento por infelicidade a dor e a privação do prazer Ele também confirma a teoria da vida na qual se baseia essa teoria da moralidade ou seja que prazer e ausência de dor são as únicas coisas desejáveis como finalidade e que todas as coisas desejáveis o são tanto pelo prazer inerente a elas quanto por promover o prazer e evitar a dor Duas perguntas De qual dessas apresentações você mais gostou qual lhe deu mais prazer e qual delas você considera a mais elevada ou mais valiosa Invariavelmente Os Simpsons recebem o maior número de votos como a que deu mais prazer seguida do texto de Shakespeare Alguns poucos corajosos confessam sua preferência pela luta de WWE Entretanto quando lhes pergunto qual experiência consideram a mais elevada qualitativamente os alunos em peso votam em Shakespeare Os resultados dessa experiência representam um desafio para o teste de Mill Muitos alunos preferem ver Homer Simpson mas ainda assim consideram que um monólogo de Hamlet possa proporcionar um prazer mais elevado Reconhecidamente alguns dizem que Shakespeare é melhor porque estão em uma sala de aula e não querem parecer incultos E alguns alunos argumentam que Os Simpsons uma mistura de ironia humor e crítica social são comparáveis à arte de Shakespeare Entretanto visto que a maioria das pessoas que experimentaram os dois diz preferir assistir a Os Simpsons Mill teria dificuldade de concluir que Shakespeare é qualitativamente mais elevado E ainda assim ele não desiste da ideia de algumas maneiras de ver alguém mais nobres do que outras mesmo que seja mais difícil satisfazer as pessoas às vezes Um ser com faculdades mais elevadas é mais exigente para ser feliz e é provavelmente mais capaz de sofrer de maneira intensa do que um ser de faculdades inferiores mas apesar de tudo ele jamais desejaria situarse em um patamar de existência que considera inferior Por que não queremos trocar uma vida comprometida com as nossas mais altas faculdades por uma vida de contentamento banal Mill acha que a razão para isso tem a ver com o amor pela liberdade e pela independência pessoal conclui que seu argumento mais adequado é o senso de dignidade que todos os seres humanos possuem de uma forma ou de outra Mill reconhece que ocasionalmente sob a influência da tentação até mesmo o homem inferior entre nós deve os prazeres mais elevados em favor dos mais simples Todos nós por vezes cedemos ao impulso da preguiça Entretanto isso não significa que não saibamos distinguir entre Rembrandt e uma reprodução Mill aborda esse ponto em uma passagem memorável É melhor ser um ser humano insatisfeito do que um porco satisfeito é melhor ser Sócrates insatisfeito do que um porco satisfeito E se todo ou o porco tiverem uma opinião diferente é porque eles só conhecem o próprio lado da questão Essa expressão de fé nas faculdades humanas mais elevadas é convincente Mas ao basearse nela Mill foge da premissa do utilitarismo Os desejos de fato não são mais a única base para julgar o que é nobre e o que é vulgar O padrão atual parte de um ideal da dignidade humana independentemente daquilo que queremos e desejamos Os prazeres mais elevados não são maiores porque os preferimos nós os preferimos porque reconhecemos que são mais elevados Não consideramos Hamlet uma grande obra de arte porque a preferimos às diversões mais simples e sim porque ela exige mais de nossas faculdades e nos torna mais plenamente humanos O que acontece com os direitos individuais acontece também com os prazeres mais elevados Mill salva o utilitarismo da acusação de que ele reduz tudo a um cálculo primitivo de prazer e dor mas o consegue apenas invocando um ideal moral da dignidade e da personalidade humana independente de própria utilidade Entre os dois maiores defensores do utilitarismo Mill foi o filósofo mais humano Bentham o mais consistente Bentham morreu em 1832 aos 84 anos Entretanto se você for a Londres hoje poderá visitálo Ele exigiu em testamento que seu corpo fosse conservado embalado e exposto E assim ele se encontra no University College de Londres onde permanece sentado e meditativo dentro de uma urna de vidro com as roupas que vestia em vida Pouco antes de morrer Bentham fez a si mesmo uma pergunta coerente com sua filosofia Qual seria a utilidade de um homem morto para os vivos Uma das utilidades seria conclui ceder o próprio corpo para o estudo da anatomia No caso de grandes filósofos no entanto melhor seria preservar sua presença física a fim de inspirar as futuras gerações de pensadores Bentham enquadrouse na segunda categoria De fato a modestia não era uma das características mais evidentes de Bentham Ele não apenas deu instruções rigorosas para a conservação e exposição de seu corpo como também sugeriu que seus amigos e discípulos se reunissem todos os anos no intuito de celebrar o fundador do maior sistema de felicidade moral e legal e quando o fizessem que Bentham estivesse presente na ocasião Seus admiradores fizeramlhe a vontade O autócone de Bentham conforme ele mesmo o chamou estava presente na Fundação do Sociedade Internacional Bentham na década de 1980 E consta que o Bentham embalsamado é levado para reuniões do conselho diretor da faculdade cujas mentes o registram como presente porém não votante Além do planejamento criterioso de Bentham o processo de embalsamamento de sua cabeça não deu certo e agora ele mantém sua vigília como uma cabeça de cera no lugar da verdadeira Sua cabeça verdadeira atualmente mantida em um porão foi exposta por algum tempo sobre uma bandeja entre esses pês Mas os estudantes roubaram e cobraram como resgate que a universidade doasse dinheiro a uma obra de caridade Mesmo depois de morto Jeremy Bentham promove o bem maior para o maior número de pessoas 22 Ibidem 23 Ibidem 24 A citação é de um texto conhecido de Bentham The Rationale of Reward publicado na década de 1820 A opinião de Bentham tornouse conhecida por intermédio de John Stuart Mill Ver Ross Harrison Bentham Londres Routledge 1983 p 5 25 John Stuart Mill Utilitarianism 1861 George Sher ed Indianapolis Hackett Publishing 1979 cap 2 26 Ibidem 27 Ibidem cap 4 28 Ibidem cap 2 29 Ibidem 30 Eu me baseei aqui e nos parágrafos seguintes no excelente relato de Joseph Lelyveld English Thinker 17481832 Preserves His Poise New York Times 18 de junho de 1986 31 Extract from Jeremy Benthams Last Will And Testament 30 de maio de 1832 no website do Bentham Project University College London em wwwuclacuk BenthamProjectinfowillhtm 32 Esses e outros casos são relatados no website de Bentham Project University College London em wwwuclacukBenthamProjectinfojbhtm 33 Ibidem Todo outono a revista Forbes publica uma lista com os quatrocentos americanos mais ricos Durante mais de dez anos o fundador da Microsoft Bill Gates mantevese no topo da lista como aconteceu em 2008 quando a Forbes calculou sua fortuna líquida em 57 bilhões de dólares Entre os outros membros do clube encontraramse o investidor Warren Buffett em segundo lugar com 50 bilhões de dólares os proprietários da WalMart os fundadores do Google e da Amazon vários industriais do petróleo administradores de fundos hedge magnatas da mídia e do mercado imobiliário a apresentadora de televisão Oprah Winfrey no 155º lugar com 27 bilhões de dólares e o dono do New York Yankees George Steinbrenner na última colocação com 13 bilhão de dólares Bill Gates para dividilo entre cem pessoas necessitadas dando 10 mil dólares a cada uma Isso resultaria em um aumento da felicidade geral Gates mal sentiria falta do dinheiro enquanto cada um dos destinatários sentiria uma grande felicidade com os 10 mil dólares inesperados A utilidade coletiva para essas pessoas seria maior do que a redução da utilidade para Gates Essa lógica utilitarista poderia ir além para justificar uma redistribuição radical da riqueza ea A filosofia libertária não se define com clareza no aspecto político Conservadores favoráveis à política econômica do laissezfaire frequentemente discordam dos libertários a respeito de questões culturais como oração nas escolas aborto e restrições à pornografia De acordo com Nozick não há nada de errado na desigualdade econômica O simples fato de saber que os 400 da Forbes têm bilhões enquanto outros não têm não permite tirar conclusões sobre a justiça ou injustiça da situação Nozick afirma que esse cenário ilustra dois problemas inerentes a teorias geralmente aceitas de justiça distributiva Primeiramente a liberdade é mais importante do que padrões preconcebidos de justiça distributiva A liberdade de Jordan Mas e o Congresso não tem o direito de forçar Jordan a voltar às quadras de basquete mesmo que por um terço da temporada que direitos teria de forçalo a abrir mão de um terço do dinheiro que ele recebe jogando basquete Aqueles que se mostram favoráveis à redistribuição da renda por meio de impostos levantam várias objeções à lógica libertária Há respostas para a maioria dessas objeções Objeção 1 A taxação não é tão ruim quanto o trabalho forçado Quando lhe cobram impostos sobre o que você auferre por meio do seu trabalho restalhe a opção de trabalhar menos e pagar menos impostos mas se for forçado a trabalhar não existirá tal escolha Resposta libertária Sim é verdade Mas por que o Estado deveria forçálo a fazer esta escolha Algumas pessoas gostam de apreciar o dor do sol enquanto outras preferem atividades que impliquem algum custo ir ao cinema correr fora velejar e assim por diante Por que as pessoas que preferem o lazer devem pagar menos impostos do que aqueles que dão mais valor às atividades pelas quais precisam pagar Objeção 2 O pobre precisa mais do dinheiro Resposta libertária Pode ser Mas seria o caso de persuadir o abastado a colaborar com o necessitado por livre e espontânea vontade Isso não justifica que Jordan e Gates sejam obrigados a fazer doações de caridade Roubar do rico para dar ao pobre não deixa de ser um roubo e não importa que quem esteja roubando seja Robin Hood ou o Estado Consideremos a seguinte analogia um paciente que se submete a diálise necessite de um dos meus rins mais do que eu presumindo que os meus estejam saudáveis Isso porém não lhe dá direito algum sobre um meu O Estado não poderia requisitar um dos meus rins para ajudar o paciente em diálise por mais urgente e premente que fosse sua necessidade Por que não Porque ele é meu A necessidade alheia não está acima do meu direito fundamental de fazer o que bem entender com aquilo que possuo vende um dos rins a um americano rico que precisa de um transplante Alguns anos mais tarde quando se aproxima época do segundo filho do agricultor e para a faculdade outro comprador chega ao arquivo e oferece um preço convidativo pelo outro rim Deveria ele ser livre para vender o outro também mesmo que isso o levasse à morte Se a questão moral da venda de órgãos se basear no conceito da propriedade de si mesmo a resposta deve ser sim Seria estranho supor que o agricultor possuísse um dos rins e não possuísse outro Algumas pessoas poderiam alegar que ninguém deveria ser induzido a abrir mão da própria vida por dinheiro Mas se possuíssemos nosso corpo e nossa vida o agricultor neste caso teria o direito de vender o segundo rim mesmo que isso implicasse vender sua vida Tal situação não é inteiramente hipotética Na década de 1990 um presidário na Califórnia tentou doar o segundo rim para a filha A comissão de ética do hospital não concordou É possível evidentemente permitir apenas as vendas de órgãos que salvem vidas e não ofereçam risco à vida do vendedor Mas essa política não teria como base o princípio da propriedade de si mesmo Se realmente possuímos nosso corpo e nossa vida devemos ter o poder de decidir se venderemos nossos órgãos com quais propósitos e quaisquer que sejam os riscos para nós mesmos Suicídio assistido Em 2007 o Dr Jack Kevorkian de 79 anos deixou uma prisão em Michigan após cumprir pena de oito anos por ter administrado drogas letais a pacientes terminais que queriam morrer Sua liberdade foi condicionada a promessas de não mais assistir pacientes que quisessem cometer suicídio Nos anos 1990 o Dr Kevorkian que ficou conhecido como Dr Morte defendia leis que permitissem o suicídio assistido e pôs em prática suas ideias ajudando 130 pessoas a pôr um fim à sua vida Ele foi acusado julgado e condenado por assassinato de segundo grau depois de ter permitido a divulgação no programa 60 Minutes da rede de televisão CBS de um vídeo que mostrava em ação aplicando uma injeção letal em um homem que sofria da síndrome de Lou Gehrig O suicídio assistido é ilegal em Michigan estado de origem do Dr Kevorkian e em todos os demais estados exceto em Oregon e Washington Muitos países proíbem o suicídio assistido e apenas alguns poucos o mais famoso é a Holanda permitemno abertamente À primeira vista o argumento a favor do suicídio assistido parece ser a aplicação da cartilha da filosofia libertária Para os libertários as leis que proíbem o suicídio assistido são injustas pela seguinte razão se a minha vida pertence a mim devo ser livre para desistir dela E se eu firmar um acordo voluntário com alguém que se disponha a me ajudar o Estado não tem o direito de interferir Entretanto a permissão do suicídio assistido não depende necessariamente da ideia de que sejamos donos de nós mesmos ou de que nossas vidas pertençam a nós Muitas pessoas que defendem o suicídio assistido não invocam direitos de propriedade mas falam em termos de dignidade e compaixão Argumentam que pacientes terminais que passam por um grande sofrimento devem ter permissão para expressar sua morte em vez de prolongar uma dor excruciante sem esperanças Mesmo aqueles que acreditam que temos o dever de preservar a vida humana podem concluir que em determinados momentos os apelos à compaixão devem prevalecer sobre o dever de manter uma pessoa viva Quando se trata de pacientes terminais é muito difícil dissociar a argumentação libertária a favor do suicídio assistido dos argumentos da compaixão Para avaliar a força moral da noção de que o indivíduo é dono de si mesmo consideremos um caso de suicídio assistido que não envolve um paciente terminal Sem dúvida é um caso estranho Mas é exatamente isso que nos permite avaliar a lógica libertária em si livre das considerações de dignidade e compaixão Canibalismo consensual Em 2001 um estranho encontro teve lugar na cidade alemã de Roten burg BerndJurgen Brandes um engenheiro de software de 43 anos respondeu a um anúncio na internet que procurava alguém disposto a ser morto e comido O anúncio havia sido colocado por Armin Meiwes Meiwes não oferecia compensação financeira apenas a experiência em si Cerca de duzentas pessoas responderam ao anúncio Quatro formaram até a fazenda de Meiwes para uma entrevista mas decidiram que não estavam interessadas Brandes entretanto depois de uma conversa informal com Meiwes resolveu aceitar a proposta Meiwes matou seu visitante cortou o corpo dele em pedaços e os guardou em sacos plásticos no freezer Quando foi preso o Canibal de Rotenburg já havia comido quase vinte quilos de sua vítima voluntária cozinhando partes dela em azeite de oliva e alho Meiwes foi levado a julgamento e seu caso achou fascinou o público chegando a confundir o juri A Alemanha não tem leis contrárias ao canibalismo O acusado não poderia ser condenado por assassinato segundo a defesa porque a vítima participara voluntariamente da própria morte O advogado de Meiwes alegou que seu cliente só poderia ser acusado pelo crime de matar por solicitação uma forma de suicídio assistido cuja pena não ultrapassa cinco anos A corte resolveu a questão indicando Meiwes por homicídio involuntário e condenadoo a oito anos e meio de reclusão Dois anos mais tarde no entanto uma corte de apelação considerou a sentença muito branda e o condenou à prisão perpétua A história sordida teve um desfecho inusitado e o assassino canibal tornouse declaradamente vegetariano na prisão alegando que a criação de animais de corte seria desumana Um exercício voluntário como o que usamos atualmente preenche suas fileiras por meio do mercado de trabalho tal como fazem restaurantes bancos lojas e outros ramos de negócios O termo voluntário não é muito apropriado O exercício voluntário não é como um corpo de bombeiros voluntário no qual as pessoas servem sem pagamento ou a distribuição da sopa aos pobres a qual trabalhadores dedicam seu tempo voluntariamente É um exercício profissional cujos soldados são pagos para trabalhar Os soldados são tão voluntários quanto os empregados pagos em qualquer profissão Ninguém é recrutado e o trabalho é desempenhado por aqueles que concordam em fazêlo em troca de dinheiro e outros benefícios A discussão sobre como uma sociedade democrática deve preencher suas fileiras militares tornase mais evidente em tempos de guerra como atestam os tumultos contra as convocações durante a Guerra Civil ou em era de protestos contra a Guerra do Vietnã Depois que os Estados Unidos adotaram a força totalmente voluntária a questão da justiça relativa ao serviço militar ficou menos evidente para a opinião pública Mas as guerras que os Estados Unidos travaram no Iraque e no Afeganistão reavivaram o debate público é correto que uma sociedade democrática recrute seus soldados por meio do mercado A maioria dos americanos é a favor do exercício voluntário e poucos gostariam de voltar ao serviço militar obrigatório Em setembro de 2007 no meio da Guerra do Iraque uma pesquisa do Gallup constatou que 80 dos americanos eram contra o restabelecimento da convocação contra 18 a favor Entretanto a discussão que voltou à baila sobre o exercício voluntário e o serviço militar obrigatório colocounos frente a algumas questões relevantes da filosofia política questões sobre a liberdade individual e a obrigação civil Para explorar essas questões comparamos as três formas de compor um exercício que consideramos 1 alistamento compulsório 2 convocação com a possibilidade de contratar um substituto sistema da Guerra Civil 3 sistema de mercado exército voluntário Qual seria a mais justa O QUE É JUSTO CONVOCAR SOLDADOS OU CONTRATÁLOS Nos primeiros meses da Guerra Civil Americana passeatas festivas e o sentimento de patriotismo levaram dezenas de milhares de cidadãos dos estados do norte dos Estados Unidos a se alistar como voluntários no exército de União Com a derrota da União em Bull Run porém seguido pelo fracasso da tentativa do general George B McClellan de ocupar Richmond os cidadãos do norte passaram a temer que o conflito não terminasse logo Foi preciso convocar mais soldados e em julho de 1862 Abraham Lincoln assinou a primeira lei de alistamento compulsório da União A Confederação do sul já o adotara A obrigatoriedade do serviço militar atingia a tradição individualista americana em sua base e a União abriu uma ampla concessão quem fosse convocado e não quisesse servir poderia contratar outra pessoa para assumir seu lugar Os convocados publicaram anúncios nos jornais em busca de substitutos oferecendo até 1500 dólares valor considerado na época A lei da Confederação também permitia o pagamento a substitutos o que deu origem à expressão guerra dos ricos luta dos pobres uma queixa que repercutiu no norte Em março de 1863 o Congresso aprovou uma nova lei relativa ao alistamento na tentativa de solucionar o problema Embora não abolisse o direito de contratar um substituto a lei permitia que qualquer convocado pagasse ao governo uma taxa de 300 dólares em vez de servir Apesar de essa taxa de compensação representar o salário de quase um ano de um trabalhador não qualificado houve a preocupação de estabelecêla dentro do limite das posses dos trabalhadores comuns Algumas cidades e condados subsidiam a taxa para os convocados e companhias de seguros permitiam que os participantes pagassem um prêmio mensal por uma apólice que cobriria a taxa em caso de convocação Embora a intenção fosse oferecer a isenção do serviço por um preço baixo a taxa tornouse impopular politicamente de que a substituição talvez porque ela parecesse estabelecer um preço para a vida humana ou para o risco de morte dando a tal quantia a sanção do governo Manchetes de jornais proclamavam Trezentos dólares pela sua vida A revolta contra a lei provocou episódios de violência nos postos de recrutamento Na cidade de Nova York em julho de 1863 houve uma revolta durou várias dias e resultou na perda de mais de cem vidas No ano seguinte o Congresso aprovou uma nova lei abolindo a taxa de compensação O direito de contratar um substituto no entanto foi mantido no norte embora não tenha sido mantido no sul durante toda a guerra No final foram poucos os convocados que lutaram efetivamente no exército da União Mesmo depois da criação do serviço militar obrigatório a grande força do exército era constituída de voluntários que se alistavam levados pelos soldos pagos e pela ameaça de ser convocados Muitos foram convocados por meio de sorteios mas figuram ou foram dispensados por incapacidade Entre os quase 207 mil efetivamente alistados 87 mil pagaram a taxa de compensação 74 mil contrataram substitutos e apenas 46 mil de fato serviram Constam entre eles aqueles que pagaram substitutos para que combatesses em seu lugar os nomes de Andrew Carnegie e J P Morgan os pais de Theodore e Franklin Roosevelt e os futuros presidentes Chester A Arthur e Grover Cleveland Teria sido o sistema adotado na Guerra Civil uma maneira justa de convocar soldados para o serviço militar Quando faço essa pergunta a meus alunos quase todos dizem que não Eles afirmam que não é justo permitir que os ricos contratem substitutos pobres para lutar em seu lugar Como os muitos americanos que protestaram nos anos 1860 eles consideram tal sistema uma forma de discriminação de classe Evidentemente não existe uma sociedade perfeitamente igualitária Assim o risco de coercão aparece sobre as escolhas feitas pelo indivíduo no mercado de trabalho Qual seria o grau de padronização necessária para garantir que as escolhas do mercado fossem livres em vez de coercitivas Até que ponto as desigualdades nas condições de uma sociedade prejudicam a equidade das instituições sociais como o exército voluntário baseada na escolha individual Em quais condições o livre mercado é realmente livre Para responder a essas questões precisamos analisar as filosofias morais e políticas que veem a liberdade e não a felicidade como o ángulo da justiça Vamos então abordar essas questões até que cheguemos a Immanuel Kant e John Rawls alguns capítulos adiante Objeção 2 A virtude cívica e o bem comum Analisemos por enquanto uma segunda objeção ao uso dos mercados no recrutamento para o serviço militar objeção em nome da virtude cívica e do bem comum Essa objeção alega que o serviço militar não é apenas um emprego a mais e sim uma obrigação cívica De acordo com esse argumento todos os cidadãos têm o dever de servir a seu país Alguns partidários desse ponto de vista acreditam que essa obrigação só possa ser cumprida por meio do serviço militar enquanto outros acreditam em formas alternativas de servir à nação americana tais como Peace Corps ou AmeriCorps ou Teach for America Entretanto o serviço militar ou serviço nacional deve ser um dever cívico e é um erro colocálo à venda no mercado contra a convocação de soldados aplicamse contra a convocação de jurados permitir que um indivíduo ocupado se isente da obrigação de ser jurado por meio da contratação de um substituto poderia ser vantajoso para ambas as partes Eliminar o júri compulsório seria ainda melhor O recrutamento de jurados qualificados por meio do mercado de trabalho teria a vantagem de permitir que aqueles que quisessem atuar como jurados o fizessem deixando livres os que não tivessem vontade de participar de um júri Vamos agora outra responsabilidade a obrigação do cidadão de servir como jurado Ninguém morrerá por essa obrigação mas o fato de ser convocado para isso pode ser oneroso principalmente se houver um conflito com essa pessoa e seus outros compromissos Além disso não permitiram que as pessoas contratassem substitutos por que convocálas afinal Por que não simplesmente recrutar os soldados por meio de mercado de trabalho Seriam estabelecidos os salários e benefícios suficientes para atrair soldados em número e qualidade necessárias e as pessoas poderiam escolher livremente aceitar o trabalho ou não Ninguém seria forçado a servir contra a vontade e aqueles que desejassem poderiam avaliar todos os aspectos do serviço militar e comparálos com as outras opções A forte noção de cidadania de Rousseau e as desconfianças que tinha em relação ao mercado podem não se mostrar muito adequados aos padrões atuais Somos inclinados a considerar o Estado com suas leis e regras rigorosas a expressão da força e a considerar o mercado com suas trocas voluntárias a expressão da liberdade Rousseau diria que é exatamente o contrário pelo menos no que se refere aos bens cívicos Assim do ponto de vista utilitarista o exército voluntário parece ser a melhor entre as três opções Ao permitir que as pessoas se alistem com base na remuneração oferecida estaremos permitindo que elas sirvam ao Exército somente se isso maximizar sua própria felicidade Aqueles que não quiserem servir não terão sua felicidade reduzida por serem forçados a prestar o serviço militar contra a vontade Um utilitarista talvez argumentasse que o exército voluntário é mais despendioso do que o alistamento compulsório Atraír soldados em número e com a qualidade suficientes e pagar os benefícios deve acarretar mais despesas do que obrigar soldados a servir Nesse caso o utilitarista pode temer que o aumento da felicidade dos soldados bem pagos resulte em infelicidade maior para os contribuintes que agora pagam mais pela manutenção do exército Os Estados Unidos não criaram uma legião estrangeira mas já deram um passo nessa direção Enfrentando dificuldades para conseguir combatentes para guerras como as do Iraque e do Afeganistão o Exército começou a aceitar imigrantes estrangeiros que vivem atualmente nos Estados Unidos como seus tenentes Essa objeção no entanto não é muito convincente especialmente se a alternativa for o alistamento compulsório com ou sem substituição Seria estranho aplicar o mesmo raciocínio para outros serviços do governo como a polícia ou os bombeiros isto é buscar a redução dos custos para um contribuinte por meio da coerção das pessoas escolhidas aleatoriamente para desempenhar essas funções em troca de remuneração abaixo valor do mercado Também seria estranho propor que os custos de manutenção de estradas fossem reduzidos por meio da convocação de um subsistente de contribuintes escolhidos por sorteio para realizar tal trabalho ou contratar outras pessoas para fazêlo A infelicidade resultante de tais medidas coercitivas provavelmente suplantaria o benefício que os contribuintes poderiam obter com serviços públicos mais baratos Para responder a essa pergunta precisamos antes resolver uma questão O serviço militar e talvez os serviços nacionais em geral é uma obrigação cívica que todos os cidadãos têm o dever de cumprir ou é um trabalho difícil e arriscado como tantos outros mineração por exemplo ou pesca comercial devidamente regulamentados pelo mercado de trabalho Para responder a essa pergunta precisamos fazer outra mais abrangente Quais são as obrigações que os cidadãos de uma sociedade democrática têm para com os demais e como surgem essas obrigações Teorias diversas sobre justiça oferecem diferentes respostas para essa pergunta Teremos mais condições de decidir se devemos convocar ou contratar soldados depois que explorarmos mais adiante neste livro os fundamentos e os objetivos da obrigação cívica Enquanto isso analisemos outra utilização controversa do mercado de trabalho Podemos concluir partindo tanto de lógicas libertárias quanto de raciocínios utilitários que o exército voluntário parece ser o melhor seguido pelo sistema híbrido da Guerra Civil A obrigatoriedade do serviço militar seria o processo de recrutamento menos desejável Entretanto no mínimo duas objeções podem ser feitas a essa linha de argumentação Uma referese à equidade e à liberdade e outra à virtude cívica e ao bem comum William e Elizabeth Stern eram um casal de profissionais liberais que morava em Tenafly New Jersey ele era bioquímico e ela pediatra Eles queriam ter um filho mas não podiam conceber pelo menos não sem que isso trouxessem riscos para a saúde Elizabeth que sofria de esclerose múltipla Então entraram em contato com um centro para tratamento de infertilidade que intermedia gravidez de aluguel O centro divulgava anúncios em busca de mães de aluguel mulheres dispostas a carregar um bebê no ventre para outra pessoa em troca de compensação financeira Uma das mulheres que responderam ao anúncio foi Mary Beth Whitehead de 29 anos mãe de duas crianças e casada com um trabalhador da área de saneamento Em fevereiro de 1985 William Stern e Mary Beth Whitehead assinaram um contrato Mary Beth aceitou submeter a uma inseminação artificial com o esperma de William gerou o bebê e entregouo a William após o nascimento Ela também concordou em abrir mão de seus direitos maternos para que Elizabeth Stern pudesse adotar a criança Por sua vez William aceitou pagar a Mary Beth a quantia de 10 mil dólares por ocasião do parto além das despesas médicas Ele também pagou 7500 dólares ao centro de tratamento de infertilidade para a intermediária Objeção 1 Equidade e liberdade A primeira objeção sustenta que o livre mercado para aqueles que têm poucas alternativas não é tão livre assim Consideremos que um caso extremo um indivíduo sem teto que dorme sob uma ponte pode ter de alguma forma optado por isso entretanto não podemos considerar a princípio que essa tenha sido uma livre escolha Não podemos concluir que ele prefere dormir embriagado em uma ponte a dormir em um apartamento Para que possamos saber se essa situação resulta de uma preferência por dormir na rua ou da impossibilidade de ter um lar precisamos conhecer suas circunstâncias Estaria ele agindo livremente ou por necessidade O juiz Harvey R Sorkow encarregado do julgamento do caso que se tornou conhecido como Baby M não se deixou persuadir por nenhuma das objeções anteriores Ele alegou a vulnerabilidade dos contratos e exigiu o seu cumprimento Trat o é trato e a mãe que gera a criança não tinha o direito de quebrar um acordo simplesmente por haver mudado de ideia O juiz fez considerações sobre as objeções Primeiramente negou que a aquiescência de Mary Beth tivesse sido involuntária ou que ela tivesse sido de alguma forma influenciada Nenhuma das partes estava em vantagem em relação à outra Cada uma tinha aquilo que a outra queria O valor do serviço que cada uma teria de realizar foi estipulado e o trato foi feito Ninguém foi forçado a coisa alguma Tampouco lançouse mão de qualquer artifício que colocasse a outra parte em desvantagem Ambas as partes tinham o mesmo poder de barganha Podemos fazer a mesma pergunta em relação às escolhas do mercado em geral incluindo as escolhas que as pessoas fazem quando assumem vários empregos Como isso se aplica ao serviço militar Não podemos determinar a injustiça do exercício voluntário sem que tenhamos uma noção mais profunda sobre as condições básicas que prevalecem na sociedade Existem oportunidades relativamente iguais para todos ou algumas pessoas têm muito poucas opções na vida Todos têm a oportunidade de frequentar uma universidade ou para alguns a única opção seria o alistamento militar Tomando por base o raciocínio de mercado o exército voluntário é atraente porque evita a coerção do alistamento obrigatório fazendo com que o serviço militar resulte do consentimento No entanto algumas pessoas que acabam por servir ao exército voluntário podem ser tão avessas ao serviço militar quanto outras que não se alistam Em lugares em que há muita pobreza e dificuldades econômicas a opção por se alistar pode simplesmente refletir a falta de alternativas respeito às escolhas do indivíduo quaisquer que sejam elas desde que não estejam violando os direitos de ninguém Outras teorias que veem a justiça como respeito à liberdade impõem algumas restrições às condições de escolha Elas dizem caso Baby M que as escolhas feitas sob pressão ou quando não houver um consentimento consciente não são realmente voluntárias Estaremos mais aptos para amalisar esse debate ao abordarmos a filosofia política de John Rawls partidário da teoria da liberdade que não aceita a abordagem libertarista da justiça De acordo com essa objeção o exército voluntário pode não ser tão voluntário quanto possa parecer Na verdade pode haver ali uma coerção implícita Se algumas pessoas em uma sociedade não tiverem outra opção aquelas que se alistam podem ser na verdade forçadas a fazêlo por necessidade financeira Nesse caso a diferença entre a convocação e o exército voluntário não significa que uma seja compulsória e a outra livre mas que cada uma envolve uma forma diferente de coerção a força da lei no primeiro caso e as pressões econômicas no segundo Objeção 2 Degradação e bens maiores O que dizer sobre a segunda objeção aos contratos de gravidez de aluguel aquela que afirma que existem certas coisas que o dinheiro não deveria comprar incluindo bebês e a capacidade reprodutiva da mulher O que é exatamente e venderlas com fins lucrativos Entretanto seria errado tratar todas as coisas como se fossem mercadorias Seria errado por exemplo tratar seres humanos como produtos para serem comprados e vendidos Isso acontece porque seres humanos são pessoas que merecem respeito e não objetos para serem usados Respeito e uso são duas modalidades diferentes de avaliação Ela também lançou um desafio ao utilitarismo A situação econômica e escolar dos atuais voluntários do exército comprova a lógica dessa objeção pelo menos até certo ponto Jovens oriundos de regiões de baixa e média renda renda familiar média de 30850 até 57836 dólares representam a maioria nas fileiras ativas do exército Os 10 mais pobres da população muitos dos quais não preenchem os requisitos de educação e capacidade e os 20 mais abastados de regiões cuja renda média é de 66329 dólares ou mais são os que têm menor representação Nos últimos anos mais de 25 dos recrutas civil pósalistamento têm diploma de ensino médio Enquanto 46 da população civil possui algum tipo de educação universitária apenas 65 dos componentes das fileiras militares entre 18 e 24 anos frequentaram uma universidade Embora a gravidez por encomenda tenha aumentado a oferta de mães de aluguel a demanda também aumentou Mães de aluguel recebem atualmente de 20 mil a 25 mil dólares por gestação O custo total da negociação incluindo despesas médicas e taxas legais oscila entre 75 mil e 80 mil dólares Com preços tão elevados não é difícil entender por que os pais em potencial começaram a procurar alternativas menos dispendiosas Em anos recentes os jovens mais privilegiados da sociedade americana não têm optado pelo serviço militar fato bem ilustrado pelo título de um artigo recente sobre a composição das Forças Armadas AWOL The Unexused Absence of Americas Upper Classes from Military Service Dos 750 membros de turma de 1956 da Universidade de Princeton a maioria 450 alunos entrou para o exército após a formatura Entre os 1108 formandos de 2006 da mesma universidade apenas nove se alistaram Outras universidades de elite apresentaram os mesmos padrões e também a capital do país Apenas 2 dos membros do Congresso têm um filho ou filha no serviço militar Notas 1 James W Geary We Need Men The Union Draft in the Civil War DeKalb Northern Illinois University Press 1991 pp 348 James M McPherson Battle Cry of Freedom The Civil Era Nova York Oxford University Press 1988 pp 49094 4 McPherson Battle Cry p 60011 3 Ibidem Geary We Need Men pp 10350 8 McPherson Battle Cry p 601 Geary We Need Men p 83 5 Geary We Need Men p 150 e The Civil War A film by Ken Burns episódio 5 The Universe of Battle capítulo 8 6 Jeffrey M Jones Vast Majority of Americans Opposed to Reinstating Military Draft Gallup News Service 7 de setembro de 2007 em wwwgallupcom poll28642VastMajorityAmericansOpposedReinstatingMilitaryDraftaspx 7 Hon Ron Paul RTexas 3000 American Deaths in Iraq US House of Representatives 5 de janeiro de 2007 em wwwpalibraryorgdocumentphpid532 8 Army Recruitment in FY 2008 A Look at Age Race Income and Education of New Soldiers National Priorities Project dados da tabela 6 Activeduty Army Recruits by Neighborhood Income 2005 2007 2008 em wwwnationalprioritiesorgmilitaryrecruiting2008activedutyarmyrecruitsbyneighborhoodincome 22 Júlia Preston US Military Will Offer Path to Citizenship New York Times 15 de fevereiro de 2009 p 1 Bryan Bender Military Considers Recruiting Foreigners Boston Globe 26 de dezembro de 2006 p 1 23 T Christian Miller Contractors Outnumber Troops in Iraq Los Angeles Times 4 de julho de 2008 24 Peter W Singer Cant Win with Em Cant Go to War Without Em Private Military Contractors and Counterinsurgency Brookings Institution Foreign Policy Paper Series setembro de 2007 p 3 25 Segundo declaração do Departamento do Trabalho dos Estados Unidos 1292 prestadores de serviço foram prestados de abril de 2008 Dados citados em Peter W Singer Outsourcing the fight Forbes 5 de junho de 2008 Sobre morte de prestadores de serviços não incluídos na lista de militares dos Estados Unidos ver Steve Fainaru Soldier of Misfortune Fighting a Parallel War in Iraq Private Contractors Are Officially Invisible Even in Death Washington Post 1 de dezembro de 2008 p C1 26 Evan Thomas e Mark Hosenball The Man Behind Blackwater Newsweek 22 de outubro de 2007 p 36 27 Prince citado em Mark Hemingway Warriors for Hire Blackwater USA and the Rise of Private Military Contractors The Weekly Standard 18 de dezembro de 2006 CAPÍTULO 5 O que importa é o motivo Immanuel Kant Kant repudiava o utilitarismo Ao basear direitos em um cálculo sobre o que produzirá a maior felicidade argumenta ele o utilitarismo deixa esses direitos vulneráveis Existe ainda um problema mais grave tentar tomar como base para os princípios morais os desejos que pudermos ter O que poderia fazer isso tornarse um problema mais grave é que outra coisa proporcionará prazer a muitas pessoas isso não significa que possa ser considerada correta O simples fato de a maioria por maior que seja concordar com uma determinada lei ainda não com convicção não faz com que ela seja em letra justa Você poderia defender os direitos humanos baseandose no fato de que em longo prazo respeitálos maximiza a utilidade a felicidade da maioria das pessoas Nesse caso entretanto seu motivo para respeitar os direitos humanos não estaria baseado no respeito pelo indivíduo mas sim no objetivo de tornar as coisas melhores para o maior número de pessoas Uma coisa é condenar o sofrimento de uma criança porque ele reduz a felicidade geral e outra é condenálo por ser moralmente inaceitável uma injustiça com a criança Se os direitos não se baseiam na felicidade da maioria das pessoas qual seria então sua base moral Os libertários talvez tenham uma resposta as pessoas não deveriam ser usadas como meros instrumentos para a obtenção do bemestar alheio porque isso viola o direito fundamental da propriedade de si mesmo Minha vida meu trabalho e minha pessoa pertencem a mim e somente a mim Não estão à disposição da sociedade como um todo Como já vimos no entanto a ideia de que somos donos de nós mesmos se aplicada de maneira radical tem implicações que apresentam um libertário convicto poderia apoiar um mercado irrestrito sem proteção de uma rede de segurança um Estado mínimo o que exclui a maioria das medidas para diminuir a desigualdade e promover o bem comum e uma celebração tão completa do consentimento que permita ser humano infligir afrontas à própria dignidade como o canibalismo ou a venda de si mesmo como escravo Nem mesmo John Locke 16321704 o grande teórico defensor dos direitos de propriedade e da limitação dos poderes do governo está de acordo com a noção de propriedade ilimitada de nós mesmos Ele repudiava a ideia de que podemos dispor da nossa vida e da nossa liberdade como quisermos Entretanto a teoria de Locke sobre os direitos inalienáveis invoca Deus o que é um problema para aqueles que procuram uma base moral para os direitos que não se apoie em dogmas religiosos A QUESTÃO DOS DIREITOS PARA KANT Immanuel Kant 17241804 apresenta uma proposta alternativa para a questão dos direitos e deveres uma das mais poderosas e influentes já feitas por um filósofo Ela não se fundamenta na ideia de que somos donos de nós mesmos ou na afirmação de que nossa vida e nossa liberdade sejam um presente de Deus Ao contrário parte da ideia de que somos seres racionais merecedores de dignidade e respeito Kant nasceu em 1724 na cidade de Königsberg no leste da Prússia onde morreu dois meses antes de completar 80 anos Sua família tinha posses modestas O pai Fabricava selas e tal como a mulher era pietista membro de uma seita protestante que enfatizava a vida religiosa interior e a prática da caridade Kant destacouse como aluno da Universidade de Konigsberg para a qual entrou aos 16 anos Durante algum tempo trabalhou como professor particular e mais tarde aos 31 anos conseguiu seu primeiro emprego acadêmico como palestrante autônomo trabalhando pelo que era remunerado de acordo com o número de alunos que compareciam a suas palestras Ele era popular e dedicado à proferir acerca de vinte palestras por semana sobre assuntos que incluíam metafísica lógica ética direito geografia e antropologia Em 1781 aos 57 anos Kant publicou seu primeiro livro importante A crítica da razão pura que desafiava a teoria empírica do conheci Kant associa justiça à liberdade O pensamento libertário é um exemplo dessa abordagem Segundo os liberais a distribuição justa da renda e riqueza é aquela que tem origem na livre troca de bens e serviços em um mercado sem restrições Regular esse mercado é injusto dizem eles porque viola a liberdade individual de escolha De acordo com uma terceira abordagem justiça é dar às pessoas o que elas moralmente merecem alocando bens para recompensar e promover a equidade Como veremos quando estudarmos Aristóteles no Capítulo 8 a abordagem fundamentada na virtude relaciona a justiça à reflexão sobre o que deve ser considerado uma boa vida Kant repudiava a abordagem número um maximização do bemestar e a abordagem número três valorização da virtude Segundo ele elas não respeitam a liberdade humana Kant é um grande defensor da abordagem número dois aquela que associa justiça à moralidade e liberdade Contudo a concepção de liberdade que ele defende vai muito além da liberdade de escolha que praticamos quando compramos ou vendemos mercadorias no mercado O que consideramos liberdade de mercado ou escolha do consumidor não é a verdadeira liberdade segundo Kant porque envolve simplesmente a satisfação de desejos que não escolhemos Logo chegaríamos à concepção mais exaltada de Kant sobre liberdade Antes disso porém vejamos por que ele acha que os utilitaristas estão errados em pensar que justiça e moralidade sejam uma questão de maximização da felicidade O PROBLEMA COM A MAXIMIZAÇÃO DA FELICIDADE Bentham estava certo mas apenas em parte Ele tinha razão ao observar que gostamos do prazer e não gostamos da dor Mas estava errado ao insistir que prazer e dor são nossos mestres soberanos Kant diz que a razão pode ser soberana pelo menos parte do tempo Quando a razão comanda nossa vontade não somos levados apenas pelo desejo de procurar o prazer e evitar a dor Nossa capacidade de raciocinar está intimamente ligada à nossa capacidade de sermos livres Juntas essas capacidades nos tornam únicos e nos distinguem da existência meramente animal Elas nos transformam em algo mais do que meras criaturas com apetites O QUE É LIBERDADE Para entender a filosofia moral de Kant precisamos saber o que ele entende por liberdade Com frequência definimos liberdade como ausência de obstáculos para que possamos fazer o que quisermos Kant discorda Ele tem uma definição mais estrita e rigorosa de liberdade Kant raciocina da seguinte forma quando nós como animais buscamos o prazer ou evitamos a dor na verdade não estamos agindo livremente Estamos agindo como escravos dos nossos apetites e desejos Por quê Porque sempre que estamos em busca da satisfação dos nossos desejos tudo que fazemos é voltado para alguma finalidade além de nós Faço isso para aplacar minha fome fecho aqui para aliviar minha sede Suponhamos que eu tenha dúvidas sobre qual sabor de sorvete pedir chocolate baunilha ou café expresso com caramelo crocante Posso supor que de qualquer forma exerço meu direito de liberdade mas na realidade estou tentando descobrir qual sabor satisfará melhor minhas preferências preferências que não eram escolhas minhas para começo de conversa Kant nunca foi a favor de tentar satisfazer nossas preferências A questão é a seguinte quando fazemos isso não estamos agindo livremente não opto por minhas ações com uma determinação exterior Na verdade não optei por me pedir uma sobremesa de café expresso com caramelo crocante em vez de baunilha Simplesmente tenho tal desejo Há alguns anos o refrigerante Sprite tinha um slogan publicitário Obedeça à sua sede O anúncio do Sprite continha inadvertidamente sem dúvida uma inspiração kantiana Quando pego uma lata de Sprite ou de Pepsi ou de Coca estou agindo por obediência e não por liberdade Estou respondendo a um desejo que não escolhi ter As pessoas frequentemente discutem o papel que a natureza e a cultura têm no comportamento Estaria o desejo de tomar Sprite ou outra bebida adoçada inscrito nos genes ou teria ele sido induzido pela propaganda Para Kant essa discussão não vem ao caso Quer meu desejo seja biologicamente determinado quer seja socialmente condicionado ele não é genuinamente livre Para agir livremente de acordo com Kant devese agir com autonomia E agir com autonomia é agir de acordo com a lei que imponho a mim mesmo e não de acordo com os ditames da natureza ou das convenções sociais Uma forma de entender o que Kant quer dizer quando fala em agir com autonomia é comparar o conceito de autonomia com seu oposto Kant inventa uma palavra para melhor definir esse contraste heteronomia Quando ajo com heteronomia ajo de acordo com determinações exteriores Eis um exemplo quando você deixa cair uma bola de bilhar ela não está agindo livremente Seu movimento é comandado pelas leis da natureza nesse caso a lei da gravidade Suponhamos que eu caia ou seja empurrado do Empire State Building Ao me espatifar no chão ninguém diria que estou agindo livremente meu movimento é comandado pela lei da gravidade tal como o da bola de bilhar Agora suponhamos que eu caia sobre outra pessoa e a mate Eu não seria moralmente responsável pela desafortunada morte não mais do que a bola de bilhar teria sido caso ela tivesse caído de uma grande altura sobre a cabeça de alguém Em nenhum dos casos o objeto que cai eu ou a bola de bilhar está agindo livremente Em ambos os casos o objeto que cai é comandado pela lei da gravidade E se não existe autonomia não pode haver responsabilidade moral Eis portanto a relação entre liberdade como autonomia e a concepção de Kant sobre moral Agir livremente não é escolher as melhores