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175 volume 2 número 1 1997 GUIDO ANTÔNIO DE ALMEIDA Guido Antônio de Almeida UFRJ O ponto central da filosofia moral kantiana que é a explicação do dever moral como um imperativo categórico está baseado na Itália de que não depende de nosso arbítrio ter ou não ter obrigações morais muito embora dependa de uma de cisão nossa agir ou não em conformidade com elas Com efeito diferentemente di ferentemente das obrigações que dependem de nosso arbítrio e que podemos criar fazendo promessas e fechando contratos as obrigações morais parecem existir para nós queiramos ou não nos conformar a elas Qual é o fundamento dessas obriga ções incondicionais e por que não podemos desconhecêlas é uma questão central senão a questão poderíamos dizer da filosofia moral Aqui também a resposta kantiana pareceme plausível e mesmo arriscome a dizer a única possível a saber porque isso é uma condição do valor que nos atribuímos e da consciência que temos de nós mesmos como seres racionais No entanto a idéia de um dever incondicional é a mais difícil de fundamentar na filosofia moral kantiana pois exige precisamente que se pense a motivação mo ral como independente de todo móvel ou estímulo sensível portanto de tudo o que se possa desejar e até mesmo da aspiração à felicidade Ora essa concepção do motivo moral só faz sentido se atribuímos à nossa vontade um poder de se determi nar independentemente de qualquer condição sensível o que exige contudo que as nossas ações sejam pensadas sob condições que não podem satisfazer enquanto objetos do conhecimento empírico Eis por que a idéia do imperativo moral como um imperativo incondicional está indissoluvelmente ligada a um conceito não empírico ou transcendental da liberdade de nossa vontade LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT 176 LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT volume 2 número 1 1997 Kant mostrou porém na CRP que é impossível dar uma dedução como ele diz isto é uma justificação do emprego do conceito de liberdade pelo menos no quadro da filosofia teórica Recordemos que as deduções feitas no quadro da filosofia teórica e que concernem às categorias e aos princípios do entendimento consistem na prova de que os conceitos em questão muito embora não sejam con dições da intuição sensível são pelo menos condições da experiência possível a palavra experiência sendo aí tomada não apenas no sentido do conhecimento empírico dos objetos que sempre pode ser problematizado pelo céptico mas também no sentido da consciência empírica de nossos estados que o céptico não problematiza O conceito de liberdade não é todavia uma condição de possibili dade da experiência em nenhum desses sentidos mas sim de uma coisa muito diferente qual seja a de determinar o incondicionado de uma série completa de condições causais Essa pretensão no entanto Kant mostrouo ao discutir o pro blema metafísico da liberdade e do determinismo que é o assunto da 3a Antinomia desgraçadamente não pode ser resgatada A dificuldade para Kant pois é que a fundamentação do Imperativo Cate górico parece depender de uma suposição que não pode ser validada Para fugir a essa dificuldade Kant ensaiou ao longo de sua obra três tentativas de solução A primeira consistia em assimilar o conceito de liberdade ao conceito de uma causa natural apresentando pois o conceito de liberdade como compatí vel com os princípios do conhecimento empírico e alegando que esse conceito empírico da liberdade é suficiente para dar conta tanto do agir com base em re gras prudenciais quanto do agir com base em regras morais Como veremos essa é a estratégia seguida no Cânon da Razão Pura que é um capítulo da parte final da 1a Crítica A segunda toma como ponto de partida o reconhecimento de que o conceito de liberdade pressuposto pela idéia de imperativos que obrigam incondicional mente é um conceito nãoempírico ou transcendental de liberdade E embora Kant reconheça que não é possível dar uma dedução desse conceito no quadro da filosofia teórica alega que é possível fazêlo no quadro da filosofia prática Trata então de provar que a liberdade da vontade é uma condição de possibilidade de 177 volume 2 número 1 1997 GUIDO ANTÔNIO DE ALMEIDA nossas ações consideradas não como objetos do conhecimento mas como objetos da consciência que temos de agir com base em imperativos Tal é a estratégia em preendida na 3a parte da FMC A terceira e derradeira solução consiste em inverter a ordem dos conceitos e e pôr no lugar da dedução do Imperativo Categórico por meio de uma dedução do conceito de liberdade uma outra maneira de justificar esse conceito baseada na idéia de que a consciência da validade do Imperativo Categórico pode ser considerada como um facto da razão Todas essas soluções apresentam antes de mais nada dificuldades de inter pretação Vou me ocupar no que se segue de indicar uma linha de interpretação que permita não só tornar mais clara a argumentação de Kant mas também com preender por que ele abandona as soluções iniciais e crê ter encontrado uma solu ção satisfatória com a doutrina do facto da razão I Liberdade e moralidade na CRP Na CRP o conceito de liberdade é introduzido aí no quadro de uma questão cosmológica mais precisamente a questão de como pode a razão pensar a totali dade absoluta ou incondicionada da série de condições causais para qualquer ocorrência dada e que parece estar presa entre duas altenativas i a de pensála como uma série finita cuja condição inicial não depende de nenhuma outra con dição e é portanto o incondicionado da série ii a de pensála como uma série infinita onde todas as condições estão subordinadas a outras condições e o incondicionado por conseguinte é a série infinita ela própria já que nada existe fora dela de que ele dependa1 1 Não vou discutir aqui o diagnóstico e a solução crítica proposta por Kant para esses proble mas muito embora isso tenha importância para a compreensão de todos os aspectos do problema da liberdade prática Limitome a recordar os pontos centrais 1o Segundo a análise de Kant concedida a premissa comum sobre a necessidade de admitir como dada a totalidade das 178 LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT volume 2 número 1 1997 No contexto dessa questão a palavra liberdade designa precisamente a propriedade que teria uma causa de iniciar uma série de eventos sem ser deter minada a isso por nenhuma ocorrência anterior e por conseguinte determinan dose a isso por si mesma Por oposição à causalidade natural que é a proprie dade que uma causa tem de produzir um efeito na medida em que é determinada a isso pela causalidade de uma outra causa a palavra liberdade designa então a idéia de uma causalidade espontânea aliás num sentido forte da palavra espon tânea porque se trata da independência não só de causas externas mas também de ocorrências internas da própria causa e por conseguinte dos estados em que esta se encontrava antes do exercício de sua causalidade2 A essa liberdade defini da como espontaneidade Kant chama liberdade transcendental visto que nada condições para qualquer condicionado dado é possível provar cada uma das respostas antagôni cas pela refutação da contrária a prova da tese pela demonstração de que a antítese torna o princípio da causalidade natural autocontraditório ao lhe dar uma extensão universal A prova da antítese determinista pela demonstração de que a idéia da liberdade embora não absurda é vazia de sentido porque contradiz as condições do conhecimento empírico e implica o abandono não só do princípio da causalidade mas do próprio conceito de lei 2o Essas conseqüências anta gônicas resultam da falsidade da premissa comum que no entanto está implícita no realismo transcendental vale dizer na suposição de que as coisas são em si mesmas tais como nos são dadas sob as condições da intuição empírica 3o A distinção idealista transcendental entre fenô meno e coisa em si permite uma solução crítica que consiste em considerar as teses aparente mente antagônicas como compatíveis a tese como verdadeira de uma causa transcendente não fenomenal de uma série infinita de condições fenomenais e a antítese como verdadeira desta série 4o É possível assim compatibilizar determinismo e indeterminismo de uma maneira ori ginal sem abrir mão de um conceito indeterminista de liberdade e apresentando determinismo e indeterminismo como dois pontos de vista diversos sobre a mesma coisa 2 Assim o conceito kantiano de espontaneidade é um conceito mais forte do que o conceito cartesiano e espinozista porque exclui não apenas a coação ou seja a determinação por causas externas mas também a determinação por causas internas Entretanto essa concepção da espon taneidade não implica a suposição de que a causalidade livre se exerça ao acaso e assim não im plica o indeterminismo e a ausência de leis A proposição segundo a qual nada se produz ao aca so ou que tudo o que existe tem uma razão de ser o princípio da razão suficiente ou 179 volume 2 número 1 1997 GUIDO ANTÔNIO DE ALMEIDA de correspondente a ela pode ser dado no conhecimento empírico o qual tem por condição precisamente o princípio da causalidade natural segundo o qual tudo o que ocorre tem por condição uma ocorrência anterior à qual ela se segue em con formidade com uma regra 3 Não é porém o conceito cosmológico de liberdade mas o conceito psi cológico da liberdade prática que nos interessa no contexto da questão moral No entanto Kant parece definilo de maneira semelhante ao conceito de liberda de transcendental o que sugere a idéia de que ele constitui tãosomente uma especificação do conceito de liberdade transcendental Vejamos porém a defini ção kantiana que cito por extenso A liberdade em sentido prático é a independência do arbítrio da necessitação por impul sos da sensibilidade Pois um arbítrio é sensível na medida em que é afetado patologicamente por móveis da sensibilidade ele se chama animal arbitrium brutum se ele pode ser necessitado patologicamente O arbítrio humano é com efeito um arbitrium sensitivum mas não brutum e sim liberum porque a sensibilidade não torna necessária a sua ação mas ao contrário existe no homem uma faculdade de se determinar por si mesmo independentemente da necessitação por impulsos sensíveis A 534B 562 determinante como prefere dizer Kant é contudo uma proposição especulativa que não pode ser provada por meros conceitos A liberdade prática que veremos que pode ser considerada como um caso particular da liberdade transcendental é precisamente o caso de uma espontanei dade não apenas conforme mas possiblitada pelo conhecimento de uma lei qual seja um impera tivo do agir racional 3 Ao contrário entendo por liberdade no sentido cosmológico a faculdade de iniciar por si mesmo von selbst um estado cuja causalidade pois não está por sua vez sob uma outra causa que a determine segundo o tempo em conformidade com a lei da natureza Nesse significado a liberdade é uma idéia transcendental pura que primeiro nada contém tomado à experiência se gundo cujo objeto tampouco pode ser dado de modo determinado numa experiência pois é uma lei universal da possibilidade mesma da experiência que tudo o que ocorre por conseguinte também a causalidade da causa que ocorreu ou surgiu ela própria tem de ter uma causaA 533B561 Encontramos o mesmo conceito no Cânon A 803 B 831 180 LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT volume 2 número 1 1997 O sentido geral dessa definição é claro Vemos aí a liberdade prática de finida negativamente pela independência do arbítrio humano isto é do nosso poder de escolha relativamente aos impulsos sensíveis que o afetam e positi vamente como um poder de autodeterminação Também a liberdade transcendental foi definida negativamente pela independência da causa rela tivamente a ocorrências anteriores e positivamente pela espontaneidade As duas definições são pois claramente paralelas Mas significa isso que deve mos considerar o conceito da liberdade prática como uma especificação do conceito da liberdade transcendental e assimilar as escolhas que fazemos à es pontaneidade de uma causa transcendental É o que faz Kant na Dialética Transcendental tanto na exposição do pro blema cosmológico feita do ponto de vista do filósofo dogmático ao dar como exemplo de liberdade transcendental a ação de se levantar intencional mente de uma cadeira4 quanto na exposição da solução crítica que propõe ele próprio ao dizer numa frase imediatamente anterior à definição citada que é nessa idéia transcendental da liberdade que se baseia o conceito prático da mesma e que nisto está aliás a raíz de suas dificuldades5 No entanto Kant retomou a mesma definição do conceito de liberdade prática no Cânon da Razão Pura A 802B 830 sem que isso o tenha impedido de fazer logo a se guir duas afirmações que parecem dissociar o conceito da liberdade prática da idéia da liberdade transcendental A primeira é a afirmação de que a questão se a nossa vontade é livre em sentido transcendental é irrelevante para a filo sofia prática e pode ser posta de lado6 A segunda é que a experiência prova que somos livres em sentido prático e que pela experiência conhecemos a li berdade prática como uma das causas da natureza7 4 CRP A 450B 478 5 CRP A 533B 561 6 Cf A 8012B82930 7 Cf A 803B831 181 volume 2 número 1 1997 GUIDO ANTÔNIO DE ALMEIDA É verdade que a irrelevância da questão especulativa não implica por si só que o conceito de liberdade prática seja independente do conceito de liberdade transcendental Assim seria perfeitamente coerente argumentar que a moralidade pressupõe o conceito de liberdade transcendental mas não depende de uma de monstração prévia de que possuímos a liberdade nesse sentido transcendental vis to que ela a moralidade poderia ser estabelecida sobre fundamentos menos especulativos No entanto uma leitura mais atenta do texto descarta essa interpre tação Pois Kant não se limita a dizer aí que a questão especulativa pode ficar em aberto mas diz além disso que podemos pôr de lado a questão se aquilo que se chama liberdade relativamente a impulsos sensíveis não poderia ser por sua vez na tureza relativamente a causas eficientes mais altas e mais remotas A 803B831 o que deixa implícito que podemos falar em liberdade prática mesmo que não exista liberdade transcendental A segunda afirmação em todo o caso mostra que Kant não somente admite como possivel que o progresso do conhecimento revele como natureza aquilo que nos parece liberdade mas afirma que a experiência já nos dá a conhecer a liberdade prática como uma das causas da natureza com o que a liber dade prática se vê oposta ao que parece à liberdade transcendental Será que Kant defende doutrinas incompatíveis na Dialética Transcendental e no Cânon da Razão Pura Para ter clareza não só sobre a opinião de Kant mas também sobre as razões que ele pode ter para assimilar ou ou separar os conceitos de liberda de prática e liberdade transcendental é preciso considerar mais detidamente o con ceito de liberdade prática Como vimos Kant definiu esse conceito por meio de duas notas características a independência de nossas escolhas relativamente aos impulsos sensíveis que afetam nosso arbítrio e o poder de autodeterminação de nosso arbítrio Essa definição porém não permite explicar por si só como o nosso arbítrio pode ser afetado sem ser necessitado por impulsos sensíveis e muito menos como ele pode se determinar por si mesmo Tampouco a definição nós dá elementos para explicar como podemos saber que nosso arbítrio é livre Isso é um indício de que a definição dada não explicitou todos os aspectos do conceito de liberdade prática O elemento que falta e que torna possível dar as explicações pedidas é acrescentado por Kant numa passagem um pouco à frente da definição Diz Kant 182 LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT volume 2 número 1 1997 nessa passagem que é pela apercepção vale dizer a consciência imediata que o homem tem de si mesmo que este sabe que é capaz de determinar suas ações pela razão e que essa causalidade da razão fica clara pelos imperativos que ela fornece como regras em todas as questões práticas aos poderes executivos ou seja ao poder de escolha que é o arbítrio8 Mas a causalidade da razão de que fala Kant nessa passagem não é outra coisa senão o poder de se determinar com base em princípios da razão logo independentemente dos estímulos sensí veis que possam afetar nossa vontade Ora é nisso precisamente que consiste como vimos a liberdade prática segundo a definição dada Podemos concluir en tão que a liberdade prática a liberdade do arbítrio não é outra coisa senão o po der de agir com base em imperativos Antes de passar adiante e valerse desse importante acréscimo ao conceito de liberdade prática para investigar o que se pode extrair disso a fim de explicar em que consiste afinal a independência e a espontaneidade do arbítrio humano quero fazer um comentário metodológico sobre a maneira como Kant introduz a idéia do agir com base em imperativos no conceito de liberdade Como Kant apela à apercepção e portanto à consciência que o agente tem de si mesmo pode parecer que ele baseia sua análise do conceito de liberdade prática numa instância introspectiva Esta é uma impressão que pode ser reforçada pela afir mação de Kant de que sabemos por experiência que nossa vontade é livre e que sabemos isso porque temos a consciência de poder resistir a e mesmo contrariar todos os móveis sensíveis Poderíamos ser tentados a dizer então que Kant define o conceito de liberdade exatamente como fazemos com conceitos empíricos recorrendo ao conhecimento de suas instâncias para modificar corri gir ou precisar suas definições Mas isso não se coaduna com a concepção kantiana da filosofia como um conhecimento racional por conceitos 9 e por conseguinte sob pena de imputar a Kant uma maneira de proceder não 8 Cf A 5467B 574 9 Cf CRP A 713B 741 183 volume 2 número 1 1997 GUIDO ANTÔNIO DE ALMEIDA filosófica segundo sua própria concepção da filosofia não podemos entender a referência à consciência de si do agente como o aporte de uma base introspectiva logo empírica para sua análise conceitual A passagem citada re quer pois uma interpretação que permita compreender como Kant pode deri var do conceito de liberdade prática a idéia de que ela consiste no poder de agir com base em imperativos e que deste pode temos uma consciência imediata A análise de Kant dado o seu conceito de filosofia não pode se basear em outra coisa senão no conceito de liberdade prática ou liberdade do arbí trio Dado o conceito de arbítrio isto é uma maneira de usar e compreender esse conceito as notas características desse conceito podem ser determinadas da seguinte maneira Em primeiro lugar o arbítrio na medida em que o atri buímos tanto aos homens quanto aos animais pode ser definido como o poder de escolher o que é bom e evitar o que é mau O homem porém possui a razão e por isso a capacidade de julgar e portanto de representar proposicionalmente o que lhe parece bom No entanto visto que o homem não faz necessaria e infalivelmente o que julga que é bom fazer o que é bom para ele aparece sob a forma do dever ou seja como algo que ele deve fazer e que faria se agisse em conformidade com o que a razão lhe representa como sendo bom Ora as proposições que exprimem o que devemos fazer são as que chamamos de imperativos Por conseguinte podemos dizer que o arbítrio humano é o poder de escolher aquilo que os imperativos representam como devendo ser feito Esse poder porém é um poder que o homem não pode possuir sem saber que o possui uma vez que a consciência de si está necessari amente ligada ao poder de julgar ou por outras porque não é possível julgar sem saber que se está julgando10 Eis assim explicado por que Kant pode dizer 10 A ligação entre a consciência de si e o poder de julgar é a peça central da Dedução Transcendental dos Conceitos Puros do Entendimento pelo menos em sua segunda versão cf 19 B 1402 Se a consciência de si é uma condição prévia ou um conseqüência necessária do exercício do poder de julgar é uma questão que discuti e tentei decidir em favor da segunda alternativa no meu artigo sobre Consciência de Si e Conhecimento Objetivo em Analytica no 1 1993 184 LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT volume 2 número 1 1997 que o homem sabe pela apercepção isto é pela consciência imediata que tem de si mesmo que tem o poder de arbítrio Eis também explicada a impor tância de remeter à consciência do agente ao falar da liberdade de seu poder de escolha que consiste não em ser a consciência uma instância de validação do conceito mas sim um aspecto do próprio conceito do arbítrio humano na medida em que este não é simplesmente um poder que se exerce como tudo na natureza segundo regras mas com base em regras que nos representamos proposicionalmente e às quais não podemos pois nos conformar ou delas nos desviar sem saber o que estamos fazendo11 A explicação de que nossas escolhas se baseiam em imperativos permite compreender melhor agora tanto a independência quanto a espontaneidade do arbítrio Como vimos na definição da liberdade prática Kant apresenta o arbítrio humano como um arbitrium sensitivum mas isso e esta é uma observação que tem uma importância decisiva como veremos pode ser compreendido de duas maneiras conforme se pense o arbítrio humano como podendo ser afetado ou como tendo de ser afetado por um estímulo sensível para fazer uma escolha A diferença está em que no primeiro caso supomos que podemos escolher algo in dependentemente de sermos impelidos a isso por algum móvel sensível ao passo que no segundo caso supomos que só podemos escolher algo se somos estimulados a isso por algum móvel sensível isto é algo que impulsiona o nosso arbítrio pelo prazer que associamos à sua representação e que chamamos de dese jo Podemos então falar em dois conceitos ou duas maneiras de compreender o conceito de liberdade prática De acordo com o primeiro falamos em liberdade prática quando nenhum móvel sensível é uma condição necessária da escolha De acordo com o segundo falamos em liberdade prática quando os móveis sensíveis 11 Por isso podemos aproximar o conceito de liberdade prática na CRP na medida em que en volve a apercepção da frase de Kant na FMC Toda coisa da natureza opera segundo leis Só um ser racional tem a faculdade de agir segundo a representação das leis ie segundo princípios ou seja tem uma vontade BA 37 Cf tb a Lógica ed Jäsche A 12 Ak 11 trad em port Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1992 p 29 185 volume 2 número 1 1997 GUIDO ANTÔNIO DE ALMEIDA são condições necessárias mas não suficientes de nossas escolhas E finalmente não falamos mais em liberdade prática quando os móveis sensíveis são condições necessárias e suficientes das escolhas feitas É fácil de compreender na primeira hipótese por que o arbítrio humano não é necessitado por impulsos sensíveis Visto que por hipótese ele pode es colher algo que não deseja ele pode mesmo quando deseja algo resistir aos seus desejos e até mesmo escolher algo que contraria todos os seus desejos A segunda hipótese porém oferece uma dificuldade De facto como podería mos dizer que o arbítrio humano não é necessitado pelos impulsos que o afe tam e portanto permanece independente delas se por hipótese suas esco lhas dependem de um estímulo sensível A dificuldade pode ser levantada se levamos em conta justamente o papel dos imperativos que é o de fornecer uma razão para nossas escolhas ou o que dá no mesmo uma regra de prefe rência que aplicamos a tudo aquilo que impulsiona a nossa vontade Assim ainda que nossas escolhas dependam por hipótese de algum móvel sensível dependerá de nosso arbítrio qual deles vai constituir o motivo a causa mo triz Bewegungsgrund como diz Kant de nossa escolha E assim também embora possa ser verdade que nosso arbítrio dependa de um impulso sensível para ser accionado nem por isso devemos dizer que ele é necessitado por esse impulso sensível porque depende de seu consentimento que tal ou qual im pulso determine sua escolha Numa palavra para um arbítrio que escolhe com base em imperativos a existência de um estímulo sensível pode ser talvez uma condição necessária mas não pode ser uma condição suficiente da escolha o que deixa claro por que o arbí trio humano ainda que necessariamente afetado como o arbítrio animal por im pulsos sensíveis não é por eles necessitado O papel dos imperativos na determinação de nossas escolhas permite compreender também em que consiste a espontaneidade que Kant atribui ao arbítrio humano Com efeito podemos dizer que os imperativos só fornecem regras de escolha na medida em que essas regras são primeiro conhecidas isto é representadas proposicionalmente em seguida adotadas como máximas isto 186 LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT volume 2 número 1 1997 é como proposições dizendo não o que qualquer um deve fazer mas o que um agente particular quer fazer e finalmente aplicadas de modo a constituir uma razão ou motivo da escolha feita Ora podemos dizer tanto do conhecimento da regra quanto de sua adoção e aplicação que eles constituem atos que de pendem da consciência e da intenção do agente pois só se realizam na medida em que o agente sabe que os realiza e tem a intenção de realizálos e que são nessa medida atos que dependem da espontaneidade do agente Mas é importante notar que a espontaneidade do poder de escolha terá um sentido diferente conforme a explicação dada da maneira como é afetado pelos estímulos sensíveis Com efeito se partirmos da suposição que o arbítrio humano pode mas não tem que ser afetado por estímulos sensíveis por conseguinte que esses não são condições necessárias de nosso poder de escolha então será possível exercer esse poder mesmo na ausência de qualquer estímulo sensível e ele pode rá ser pensado pois como absolutamente incondicionado Se ao contrário par tirmos da suposição que os estímulos sensíveis são condições necessárias embora não suficientes de nossas escolhas teremos de qualificar e restringir a esponta neidade desses atos e isso não apenas para a aplicação da regra de preferência no ato de escolha propriamente dito que já sabemos depender de um móvel mas também para a própria adoção da regra como uma máxima que também depen derá de um móvel Com isso já temos uma orientação para a resposta à questão que nos co locamos de início e que foi a questão se podemos assimilar a liberdade práti ca que é a liberdade do arbítrio humano à liberdade transcendental Ganha mos com a análise do poder de escolher com base em imperativos e a distin ção de duas maneiras de conceber a liberdade prática uma melhor compreen são dos sentidos em que o nosso arbítrio pode ser dito independente de mó veis sensíveis e capaz de se determinar espontaneamente Podemos dar agora uma formulação mais precisa à nossa questão inicial e que era a questão se podemos assimilar a espontaneidade que encontramos ligadas à compreensão adoção e aplicação de regras de escolha à espontaneidade pensada no conceito da liberdade transcendental 187 volume 2 número 1 1997 GUIDO ANTÔNIO DE ALMEIDA A espontaneidade de uma causa livre em sentido transcendental foi pensa da como vimos como o poder de dar início a uma série de ocorrências sem ser determinada a isso por nenhuma ocorrência anterior quer fora da causa quer dentro dela É fácil de ver que isso implica que essa causalidade deve ser pensa da como suficiente por si mesma para produzir a série de efeitos que depende dela e não como dependendo do concurso da causalidade de outras causas Ora acabamos de ver que podemos interpretar o conceito kantiano do agir com base em imperativos que serviu de base para explicar o conceito de liberdade prática de duas maneiras diferentes conforme pensemos o papel dos móveis sensíveis de nossas escolhas a saber numa hipótese como não sendo uma con dição necessária de toda escolha na outra hipótese como sendo uma condição necessária mas não suficiente da escolha É fácil de compreender então que só a primeira hipótese a hipótese de uma total independência do arbítrio relativa mente aos impulsos sensíveis permite falar numa causalidade completa da ra zão prática pois se o arbítrio dependesse da ocorrência de um impulso sensí vel ele não poderia satisfazer a condição da espontaneidade absoluta que defi ne a liberdade transcendental Fica claro assim que o primeiro conceito de liberdade prática pressupõe o conceito de liberdade transcendental O que dizer porém do segundo conceito Está claro que ele não pode ser assimilado ao conceito da liberdade transcendental pois esta implica a independência de toda ocorrência anterior ao passo que o segundo conceito de liberdade prática implica a ocorrência de um es tímulo sensível como uma condição necessária embora não suficiente da escolha Significa isso que ele deve ser assimilado ao conceito da causalidade natural Visto que a causalidade natural é o contrário da liberdade transcendental essa assimilação da liberdade prática no segundo sentido parece se impor No en tanto essa assimilação tampouco é obviamente inevitável Com efeito podese argumentar que não sendo os móveis sensíveis condições suficientes de nossas escolhas estas dependem do concurso de uma causalidade da razão e por conse guinte como vimos de atos que dependem da espontaneidade do agente quais sejam o discernimento de uma regra que formulamos como um imperativo a 188 LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT volume 2 número 1 1997 adoção dessa regra como uma máxima e a aplicação dessa regra O segundo con ceito de liberdade seria então um conceito irredutível tanto ao conceito de liber dade transcentdental quanto ao conceito do determinismo pois ele implica por um lado uma espontaneidade que não pode ser identificada à liberdade transcendental porque tem por condição necessária a ocorrência de móveis sensí veis por outro lado uma causalidade natural sem necessitação visto que esses móveis não são suficientes para determinar essa causalidade 12 Contra essa compreensão do segundo conceito de liberdade prática podese fazer uma objeção que me parece decisiva De acordo com a hipótese as escolhas de um arbítrio livre têm duas condições necessárias que são con juntamente suficientes o estímulo sensível e a aplicação de uma máxima A aplicação da máxima pressupõe obviamente que ela tenha sido adotada ante riormente Como a adoção da máxima é ela própria o resultado de uma esco lha esta deve ser explicada por sua vez à luz da hipótese segundo a qual as escolhas de todo arbítrio sensitivo têm por condição necessária um estímulo sensível Se feita refletidamente a escolha da máxima deve ter igualmente por condição necessária uma outra regra de escolha de nível superior às máximas de nossas ações a qual também deve ter sido adotada anteriormente Esse tipo de explicação não pode porém ser reiterado indefinidamente e é preciso ad mitir que a existência de uma regra de preferência última que tem por condi ção necessária e suficiente vale dizer por única condição um estímulo sensível Assim compreendido o conceito de liberdade prática é compatível com o determinismo uma vez que todas as nossas escolhas embora baseadas na apli cação de regras dadas pela razão terão por condição última um estímulo sen sível e poderão ser explicadas em conformidade com o princípio da causalida de natural pois nossas escolhas se explicam pela aplicação de uma máxima a qual por sua vez se explica por um estímulo sensível 12 Cf para uma defesa dessa interpretação H Allison Kants Theory of Freedom Cambridge University Press 1990 cap 3 esp p 5459 189 volume 2 número 1 1997 GUIDO ANTÔNIO DE ALMEIDA Isto posto a pergunta que se coloca então é a qual desses dois conceitos de liberdade prática é necessário recorrer para explicar a possibilidade de agir com base em imperativos morais A resposta que encontramos na Dialética Transcendental é claramente a favor do primeiro conceito que identifica a liberda de prática à independência de qualquer móvel sensível Kant toma como ponto de partida de sua explicação a possibilidade de censurar ações imorais mas vere mos que essa explicação supõe a incondicionalidade do imperativo moral Numa passagem muito conhecida onde discute o exemplo de uma mentira maliciosa Kant chama atenção para o facto de que censuramos as ações imorais mesmo que possam ser explicadas como a desafortunada conseqüência de circunstâncias que não dependem do agente tais como no exemplo inventado por ele uma educa ção ruim um ambiente desfavorável uma índole má que o torna indiferente ao sentimento de vergonha etc Se no entanto censuramos a pessoa por sua condu ta imoral é porque pressupomos diz Kant que podemos considerar o ato imoral como se não dependesse de nenhuma das condições que o tornou possível e por conseguinte como se o autor com o seu ato começasse por si mesmo A 585B 583 espontaneamente pois uma nova série de acontecimentos Mas isso só é possível acrescenta Kant por causa de uma lei da razão que nos permite consi derar o comportamento do homem como podendo e devendo ser determinado pela razão apenas sem o concurso de quaisquer móveis sensíveis e mesmo em oposição a eles Ora o primeiro conceito de liberdade prática foi explicado justa mente pela independência total de móveis sensíveis E como a lei a que se refere Kant é manifestamente a lei moral que se apresenta a nós como um imperativo incondicional podemos concluir que é esse imperativo incondicional que nos au toriza a atribuir ao agente a liberdade prática no sentido do primeiro conceito assimilável como vimos ao conceito da liberdade transcendental Já conhecemos porém a dificuldade dessa posição Como o problema da liberdade no sentido transcendental que parece exigido pelo imperativo moral permanece um problema insolúvel a suposição de que temos um poder de esco lha baseado em imperativos morais passa a depender de uma condição cuja satis fação por princípio não pode ser verificada É compreensível pois que Kant 190 LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT volume 2 número 1 1997 queira escapar a essa dificuldade no Cânon da Razão Pura onde trata não mais do problema cosmológico da liberdade mas da existência de um cânon isto é um conjunto de princípios para o uso da razão no domínio prático e que para isso ele ligue o poder de escolha com base em imperativos morais a um conceito me nos problemático de liberdade prática que permita pensar nossas escolhas como vimos como dependentes de algum estímulo sensível embora não necessitadas por ele Esse conceito como vimos é compatível com a explicação causal de nos sas ações por conseguinte com o princípio da 2ª Analogia que é uma das condi ções do conhecimento empírico Mais ainda é possível supor sem ter que aban donar a idéia de que podemos agir com base em imperativos morais que o pró prio discernimento dos imperativos morais e sua adoção como máximas tenham por condição alguma causa natural ainda desconhecida de tal modo que até mes mo aquilo que chamamos de espontaneidade e causalidade da razão se veja inte grado à causalidade da natureza13 Todavia ainda que o segundo conceito de liberdade prática seja menos pro blemático do que o primeiro Kant enfrenta uma dificuldade considerável que é a de conciliar seu conceito não transcendental de liberdade prática com seu con ceito do imperativo moral como um imperativo incondicional Convém notar que já na CRP Kant tem clareza sobre esse ponto Comentamos acima uma pas sagem da 3a Antinomia de onde pudemos depreender com razoável certeza que ele já concebe aí o imperativo moral como um imperativo incondicional Mas o que aí está implícito tornase explícito no Cânon por exemplo na seguinte passagem Admito que haja realmente leis morais puras que determinam de maneira totalmente a priori sem levar em conta os móveis Bewegungsgründe isto é a felicidade o fazer e o não fazer isto é o uso da liberdade de um ser 13 É assim que interpreto a passagem do Cânon já citada onde Kant diz que a possibilidade de que a razão ao prescrever leis seja determinada por causas externas de tal maneira que aquilo que chamamos de liberdade se revele como natureza é objeto de uma questão especulativa que não afeta a filosofia moral onde se trata não da origem dos preceitos da razão mas sim do que devemos fazer ou deixar de fazer cf A 803B 831 191 volume 2 número 1 1997 GUIDO ANTÔNIO DE ALMEIDA racional em geral e que essas leis ordenam de maneira absoluta não de maneira meramente hipotética sob a pressuposição de outros fins empíricos sendo por conseguinte para todo propósito necessárias A 807B835 O problema então é como integrar essa noção de um imperativo incondicional no conceito do livre arbítrio onde os móveis sensíveis são apresentados como condições necessárias ainda que não suficientes das escolhas feitas Obviamente será preciso dizer que o imperativo que comanda incondicionalmente só poderá encontrar uma obedi ência condicionada a um móvel sensível mas isso parece uma contradição nos próprios termos e na verdade é como veremos Kant parece no entanto evitar a contradição fazendo uma distinção entre os imperativos como princípios de avaliação e as máximas como princípios de execu ção As leis práticas na medida em que se tornam ao mesmo tempo razões Gründe subjetivas das ações isto é princípios subjetivos chamamse máximas A avaliação Beurteilung da moralidade quanto à sua pureza e conseqüências ocor re segundo idéias a observância de suas leis segundo máximas A 813B 841 14 De facto não é contraditório dizer que aquilo que um imperativo comanda incon dicionalmente é retomado na máxima correspondente sob uma condição subjeti va A contradição não existe porque embora o imperativo e a máxima correspon dente tenham o mesmo conteúdo proposicional a primeira é um princípio do de ver e a segunda um princípio do querer e é possível querer sob uma condição aquilo que no entanto devo incondicionalmente querer Para conciliar pois a incondicionalidade de imperativo moral com a neces sidade de encontrar um móvel sensível para a obediência a esse imperativo Kant interpreta o imperativo moral como um princípio de avaliação e a máxima da obediência ao princípio moral como o princípio de execução Essa máxima po rém só pode constituir um princípio de execução se ela contém como condição um móvel sensível Esse móvel Kant encontrao na esperança de uma 14 Kant expõe com maiores minúcias a distinção entre um principium diiudicationis e um principium executionis no texto de suas preleções sobre a Ética Cf Kant Eine Vorlesung über Ethik nova ed por G Gerhardt Frankfurt Fischer 1990 p 46 ss 192 LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT volume 2 número 1 1997 felicidade proporcionada à moralidade isto é que se possa merecer como prêmio da virtude Sem esse móvel diz Kant as idéias magníficas da moralidade são é verdade objetos do aplauso e da admiração mas não móveis do propósito Vorsatzes e da execução A 813B 841 Sem dúvida essa concepção da moralidade é compatível com o segundo conceito da liberdade prática e podese admitir mesmo que não é contraditó rio agir em conformidade com o imperativo moral por interesse nesse móvel Mas uma teoria moral baseada na dissociação do imperativo moral e do princípio da obediência a esse imperativo enfrenta uma dificuldade insuperá vel Com efeito ainda que um móvel sensível pudesse assegurar uma confor midade constante e sem exceções à lei moral o que aliás não é de modo al gum certo ele não pode por princípio assegurar aquilo que é exigido pelo im perativo a saber precisamente a obediência incondicional Neste sentido é contraditório supor que a observância do imperativo possa consistir na mera conformidade condicional à lei moral Por isso de pouco vale para a teoria moral kantiana que o segundo conceito de liberdade prática a que recorre para explicar a possibilidade de escolhas baseadas no imperativo moral seja menos intratável do que o primeiro conceito pois ele fornece quando muito um fundamento para a conformidade externa à lei moral não um fundamento para a moralidade ela própria Ao escrever a FMC Kant tinha clareza sobre isso e já abandonara tanto a concepção da motivação moral que encontramos no Cânon quanto o segundo conceito de liberdade prática Mas com isso pas samos ao nosso segundo tema II Moralidade e liberdade na FMC Vimos então que o conceito de liberdade prática que serve de base à teoria moral de Kant no Cânon da Razão Pura exige que se distinga o imperativo que fornece uma razão para se querer algo do móvel sensível que constitui a condi ção subjetiva da aplicação do imperativo Por isso até mesmo o a obediência aos 193 volume 2 número 1 1997 GUIDO ANTÔNIO DE ALMEIDA imperativos morais depende também de um móvel sensível sem o qual ele é desprovido de toda força motivadora O imperativo moral porém na opinião mesma de Kant é um imperativo que ordena incondicionalmente Há portanto na teoria moral do Cânon uma dificuldade insuperável Visto que o imperativo exige que se faça incondicionalmente algo que no entanto só podemos nos deter minar a fazer sob a condição de um estímulo sensível Kant se vê diante do se guinte dilema ou tirar as conseqüências da teoria e reconhecer que a moralidade não está ao nosso alcance mas apenas a conformidade à letra da lei moral ou mu dar a teoria E mudar a teoria foi o que fez Kant A primeira mudança tocou à teoria da motivação moral Se o imperativo moral ordena incondicionalmente e ordena algo que podemos realizar tal como ordenado isto é incondicionalmente é preciso distinguir o agir em conformida de com o dever por dever do agir em conformidade com o dever moral por interesse em algo a que somos inclinados por um móvel sensível 15 Mas isso implica que a conformidade ao dever possa interessar por si mesma e por conseguinte que o simples conhecimento da lei moral possa ter uma força motivadora Essa força motivadora é precisamente o sentimento de respeito que a lei moral moral infun de em nós pela consciência do dever que por sua vez não é outra coisa senão a consciência da subordinação de nosso arbítrio a um imperativo 16 Tendo por con dição a simples consciência do dever o motivo moral é independente de qualquer móvel sensível e não é preciso ligar a representação do dever à representação de outra coisa que nos dê prazer ou provoque medo para explicar o que nos dá uma razão para agir moralmente não importa se de facto aceitamos ou não essa razão e a incorporamos em nossas máximas A segunda mudança afeta o conceito de liberdade prática A nova concep ção da motivação moral torna imprestável o conceito segundo o qual nossas esco lhas são determinadas pelo concurso da causalidade da razão e dos móveis 15 Cf FMC BA 95 Cito segundo a paginação das duas primeiras edições designadas pelas letras A e B 16 Cf FMC BA 14 e BA 16n 194 LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT volume 2 número 1 1997 sensíveis De facto a idéia de que se possa ser motivado a agir moralmente pelo simples respeito à lei moral implica a possibilidade de que eventualmente tenha mos que escolher algo sem que nenhum móvel sensível nos incline a isso e até mesmo contrariando todos os nossos móveis sensíveis Ora isso acarreta a neces sidade de pensar a causalidade da razão como absolutamente independente dos estímulos sensíveis por conseguinte como a espontaneidade que define o concei to de liberdade transcendental 17 A terceira mudança finalmente concerne à fundamentação dos impera tivos morais pois está claro que a fundamentação da exigência de agir com base em um imperativo que ordena algo incondicionalmente dependerá da comprovação de que podemos fazer algo incondicionalmente portanto inde pendentemente de qualquer móvel sensível e por conseguinte que somos li vres em sentido transcendental 18 Está claro que dada a implicação mútua dos conceitos de liberdade no sen tido transcendental e o conceito de uma escolha baseada num imperativo incon dicional seria possível derivar a liberdade de nossa vontade do facto de que agi mos com base em imperativos incondicionais desde é claro que se pudesse esta belecer esse facto sem pressupor a liberdade da vontade Assim se houvesse al gum argumento provando que a capacidade de agir com base em imperativos hi potéticos implica a capacidade de agir com base em imperativos categóricos po deríamos derivar daí num segundo passo a liberdade transcendental graças à equivalência dos conceitos de agir com base em imperativos incondicionais e ser livre em sentido transcendental Kant no entanto bloqueia essa saída porque não vê como se possa extrair analiticamente da idéia de que podemos agir com base em imperativos condicionais a idéia de que por isso mesmo também pode mos agir com base em imperativos incondicionais Eis por que considera o impe rativo categórico uma proposição sintética 17 Cf FMC BA 98 18 Cf FMC BA 99 195 volume 2 número 1 1997 GUIDO ANTÔNIO DE ALMEIDA Mas que saída resta então a Kant Kant propõe no 3o capítulo da FMC19 um argumento baseado na premissa de que um agente racional necessariamente pressupõe a liberdade de sua vontade pelo simples facto de não poder considerar seus juízos não suas máximas como independentes de móveis sensíveis A escolha dessa estratégia é perfeitamente compreensível se a considerar mos à luz do modelo de agir racional que encontramos subjacente ao conceito de liberdade prática Como vimos esse conceito envolve quatro elementos um mó vel sensível o conhecimento de uma regra formulada como um imperativo a adoção dessa regra como uma máxima e a escolha baseada numa aplicação da re gra Vimos também que esse modelo pode ser compreendido de duas maneiras conforme consideremos o móvel sensível como uma condição necessária ou não de nossas máximas e escolhas Ora quando se trata do agir com base em impera tivos condicionais podemos tomar algum móvel sensível como uma condição ne cessária de nossas máximas e escolhas Por isso é verdade que não podemos extrair do facto que agimos com base em imperativos condicionais nenhuma con clusão sobre a possibilidade de agir com base em imperativos incondicionais Mas reparem que os móveis sensíveis podem ser pensados como condições neces sárias de apenas dois dos três elementos do conceito de liberdade prática as má ximas e as escolhas não do outro elemento que é o conhecimento da regra isto é o discernimento de que se queremos algo é bom para nós logo devemos fazer uma outra coisa A regra é por conseguinte um juízo os juízos são asserções da verdade de uma proposição e e as asserções são determinadas não por impulsos que atuam sobre nós e que não dependem de nós mas por algo que depende de nós a saber a compreensão de uma razão Kant expõe as teses de seu argumento da seguinte maneira um ser racional que possua uma vontade só pode agir sob a idéia da liberdade Quem só pode agir sob a idéia da liberdade é realmente livre de um ponto de vista prático isto é as leis ligadas à liberdade são tão válidas para ele como seria o caso se fosse possível 19 Cf FMC BA 101 196 LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT volume 2 número 1 1997 dar uma prova da liberdade na filosofia teórica Como ter uma vontade significa para Kant ser capaz de agir com base em regras da razão as quais formulamos como imperativos e como a liberdade enquanto objeto de uma idéia é a liberdade transcendental podemos dar a seguinte paráfrase quem age com base em impera tivos só pode agir na presunção de que é livre em sentido transcendental mas quem só pode agir presumindo que é livre em sentido transcendental é realmente livre em sentido transcendental pois ao se presumir livre ele necessariamente pre sume que as leis morais que são os imperativos com base nos quais age um agente livre em sentido transcendental são válidas para ele Vejamos como Kant justifica sua primeira premissa que é a decisiva sobre a necessidade para um agente racional de se considerar livre Para isso Kant propõe um argumento cujo sentido para abreviar pode ser aclarado pela seguinte paráfra se quem tem consciência de agir racionalmente não pode considerar seus juízos como guiados por um impulso externo e tem que considerar a razão como a autora dos princípios com base nos quais ele julga Portanto tem que se presumir como livre pelo simples facto de ser capaz de julgar20 O argumento de Kant tem uma certa plausibilidade inicial em primeiro lu gar por que como vimos há em toda escolha de um agente racional um juízo o juízo subjacente à máxima de suas escolhas com o qual o qual ele se diz que fazer ou não fazer algo é bom para ele ou por outras já que ele é um agente racional imperfeito que ele deve fazer ou não fazer algo e que é precisamente o imperati vo que ele adotará ou não como máxima Em segundo lugar o juízo pode 20 O argumento de Kant é literalmente o seguinte Ora é impossível pensar uma razão que com sua própria consciência recebesse de outra parte um governo Lenkung com respeito a seus juízos pois então o sujeito atribuiria a determinação do poder de julgar não à sua razão mas a um impulso Ela tem de se considerar a si mesma com autora de seus princípios independente mente de influxos alheios por conseguinte enquanto razão prática ou enquanto vontade de um ser racional ela tem de ser considerada por si mesma com livre isto é sua vontade só pode ser uma vontade própria sob a idéia da liberdade e por conseguinte de um ponto de vista prático tem de ser atribuída a todos os seres racionais FMC BA 101 197 volume 2 número 1 1997 GUIDO ANTÔNIO DE ALMEIDA com efeito ser caracterizado como um ato espontâneo na medida em que ele se baseia em algo que depende de nós a saber a compreensão de uma razão para afirmar a verdade de uma proposição e não num impulso sensível que guiaria o nosso assentimento como uma força externa É bem verdade que os nossos dese jos podem guiar em certo sentido os nossos juízos mas unicamente no sentido de que nossos desejos podem nos levar a buscar razões que nos permitam julgar da maneira desejada Finalmente como as máximas envolvem um juízo parece que dada a espontaneidade do julgar também a sua adoção não pode ter sua origem em algo externo à razão e Kant parece ter razão ao dizer que uma vontade só pode ter máximas se ela se considera uma vontade própria isto é espontânea e autônoma logo livre em sentido transcendental Convém notar porém que o próprio Kant não estava inteiramente satisfeito com o argumento e apresentao a título de um preparativo Vorbereitung para a verdadeira dedução do conceito de liberdade e por meio dessa da dedução da possibilidade do Imperativo Categórico21 Kant se faz duas objeções que aliás são apresentadas como o argumento criticado ele próprio de maneira tão conci sa e densa que é preciso de algum esforço hermenêutico para entendêlas bem A primeira autoobjeção é que o argumento tal como formulado não chega a provar a realidade da liberdade mas apenas a necessidade de pressupôla e com ela a validade do Imperativo Categórico A objeção de Kant visa certamente não a espontaneidade do juízo que podemos considerar como uma verdade ana lítica baseada no conceito mesmo de juízo mas a pressuposição de que somos li vres em nossas máximas e escolhas e a objeção então se entendi bem é que não é possível extrair da espontaneidade do juízo nenhuma conclusão acerca da liber dade de nossas máximas e escolhas Com efeito nossas escolhas e nossas máxi mas dependem no caso de imperativos pragmáticos do concurso de móveis sen síveis É verdade que adotamos nossas máximas com base em juízos com os quais formulamos imperativos hipotéticos e por isso presumimos que somos tão livres para adotar as máximas quanto para julgar hipoteticamente e isso quer dizer 21 Cf FMC BA 100 198 LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT volume 2 número 1 1997 então supomos que o móvel sensível não necessita a nossas escolhas Mas essa suposição pode ser ilusória e o facto de que somos livres em nossos juízos não é uma base suficiente para descartar a hipótese que vimos formulada no Cânon segundo a qual as leis de nossa vontade isto é nossas máximas podem resultar de uma causa superior a nós 22 e portanto que as condições sensíveis de nossas máximas sejam não apenas necessárias mas também suficientes para necessita rem sozinhas sem o concurso da razão a adoção dessas máximas A segunda autoobjeção de Kant é ao que parece que o argumento baseado na espontaneidade do juízo ao adotar uma máxima só pode produzir a desejada conclusão sobre a liberdade da vontade se além da suposição de que fazemos certos juízos ao adotar uma máxima nos apoiamos na suposição adicional de que agimos com base não em quaisquer imperativos mas em imperativos morais Com o acréscimo dessa premissa conseguimos chegar à conclusão almejada mas isso torna o argumento circular pois toma como premissa o que deveria resultar da prova da liberdade de nossa vontade 23 Kant vê no entanto uma saída para as dificuldades que ele próprio apontou e que consiste basicamente na idéia de que a espontaneidade do juízo nos dá entrada num mundo inteligível no qual não tem mais sentido 22 Cf CRP A 803831 23 Cf FMC BA 104 A segunda objeção de Kant está ligada de uma maneira obscura a consi derações sobre a motivação moral Se entendi bem mas não estou certo disso Kant objeta ao argumento apresentado e que se baseia na espontaneidade do juízo que ele não permite com preender que razão teríamos para nos submeter ao princípio moral cuja validade resultaria da consciência da nossa liberdade ao julgarmos Apenas o leitor pode perguntar por que o argu mento teria que trazer em seu bojo essa explicação Talvez o fundo do pensamento de Kant seja o seguinte a espontaneidade do juízo é moralmente neutra do mero conceito de juízo não extraímos nada sobre a natureza de nossos motivos morais ou pragmáticos Para tirar alguma conclusão sobre isso precisamos partir da noção de juízo prático ie da noção de imperativo Assim se pressupomos um imperativo incondicional podemos extrair daí a idéia de que so mos livres Mas fazer isso é precisamente pressupor na idéia da liberdade a lei moral como diz Kant em FMC BA 103 199 volume 2 número 1 1997 GUIDO ANTÔNIO DE ALMEIDA supor que nossa vontade seja necessitada por impulsos sensíveis Kant chega a essa saída em três passos O primeiro passo em direção a ela é a constatação de que a espontanei dade do poder de julgar como uma faculdade cognitiva não foi atacada pelas objeções acima O segundo é o ingresso no mundo inteligível pela porta da espontaneidade dos juízos Visto que os juízos enquanto atos da espontaneida de da razão não podem ser explicados segundo o princípio da causalidade na tural e em particular visto que baseandose em razões não podem ser explicados como necessitados por quaisquer ocorrências psicológicas anterio res por exemplo nossos desejos podemos nos considerar como livres no sentido transcendental que é o sentido da total independência dos móveis sensíveis pelo menos para julgar Ora isso significa que podemos nos atri buir um estatuto diferentes do dos demais seres naturais seres inteligentes Intelligenzen que somos cujos atos no caso juízos não podem ser explicados segundo o princípio da causalidade temos que nos considerar como perten cendo a um mundo distinto do mundo sensível que Kant chama então de mundo inteligível Isto posto o terceiro passo consiste na alegação de que na medida em que pertencemos a um mundo intelígivel podemos nos atribuir com certeza a posse de uma vontade ou razão prática que foi posta em dúvida na primeira auto objeção de Kant Essa objeção como vimos consistia em suma na afirmação que da espontaneidade do juízo para a espontaneidade de nossas máximas e es colhas a conseqüência não é válida e que por isso mesmo não estamos impedi dos de pensálas não só como dependendo de móveis sensíveis mas até mesmo como necessitadas por eles sem nenhum concurso da razão Essa objeção fica agora neutralizada pela suposição de que pertencemos a um mundo inteligível pois ela nos autoriza justamente a considerar nossas máximas e escolhas como dependendo de nossa espontaneidade O argumento de Kant é pois em resumo o seguinte a espontaneidade dos juízos cognitivos permitenos pensar como seres inteligentes cujos juízos não são determinados segundo o princípio da causalidade natural por 200 LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT volume 2 número 1 1997 conseguinte como livres em sentido transcendental e pertencentes a um mun do inteligível Ora se pertencemos a um mundo inteligível não podemos mais considerar nossos juízos práticos como determinados por móveis sensíveis por conseguinte temos que considerar nossa vontade como também livre em sentido transcendental Assim o objetivo do novo argumento é o mesmo do antigo passar da constatação da espontaneidade do poder de julgar para a li berdade transcendental da vontade mas essa passagem é mediada agora por uma premissa baseada no conceito de mundo inteligível Recorrendo a esse conceito Kant parece introduzir uma premissa especulativa no lugar da premissa moral escondida no primeiro argumento e se este era circular com a premissa moral o segundo parece agora duvidoso com a nova premissa especulativa Não creio justa porém a objeção de que o conceito de mundo inteligível seria um conceito especulativo Um conhecedor da filo sofia kantiana pode mostrar com certa facilidade que o conceito tem um sentido crítico e perfeitamente legítimo Vou argumentar porém que mesmo tomado em seu sentido crítico o conceito de mundo inteligível não leva à conclusão desejada a não ser que o complementemos pela premissa moral sobre a existência de imperativos categóricos que faz o argumento reincidir na mesma circularidade denunciada por Kant em sua primeira formulação Para ter clareza sobre o conceito de mundo inteligível convém partir da distinção crítica entre fenômenos os objetos considerados sob as condições em que são conhecidos empiricamente e as coisas em si que são esses mes mos objetos mas considerados abstração feita das condições do conhecimento empírico Fenômeno e coisa em si não designam pois entidades diferentes mas as mesmas entidades conforme sejam consideradas como podendo ser da das na intuição sensível ou simplesmente pensadas como algo em geral abstra ção feita pois das propriedades que têm enquanto dadas na intuição sensível Para caracterizálas como objetos do pensamento puro Kant chama as coisas em si de noúmenos ou objetos inteligíveis e a expressão significa tão so mente algo que podemos pensar como existente mas que não podemos determi nar positivamente primeiro porque isso só poderíamos fazer considerando a 201 volume 2 número 1 1997 GUIDO ANTÔNIO DE ALMEIDA maneira como podem ser dadas empiricamente e segundo porque não pode mos demonstrar que as propriedades que as coisas têm enquanto objetos do co nhecimento empírico são necessariamente propriedades de todo objeto que pos samos pensar como existente Por isso o conceito de objeto inteligível tem um sentido negativo apenas se o usamos criticamente para limitar o domínio daquilo que podemos saber Podemos também é claro tomar o conceito num sentido positivo se admiti mos que as coisas que pensamos fazendo abstração das condições da intuição sen sível podem ser dadas tais como são em si mesmas a uma intuição não sensível Poderemos admitir então seja a existência de coisas que não podem jamais em sentido algum ser objetos de nossa intuição sensível por exemplo Deus seja a existência de coisas que são objetos de nossa intuição mas que têm consideradas em si mesmas propriedades diversas daquelas que possuem enquanto objetos de nossa intuição por exemplo o conceito de uma vontade livre no sentido transcendental Mas dizer que podemos tomar o conceito de objeto inteligível neste sentido positivo significa tãosomente que o conceito não envolve em si mesmo nenhuma contradição não que tenhamos o direito de aplicálo ao que existe porque justamente não podemos caracterizálo de modo a investigar se algo dado na intuição corresponde ou não a ele Numa palavra tomado positiva mente o conceito é puramente especulativo e permanece problemático porque não podemos indicar nenhum critério de uso para ele Como o conceito de mundo inteligível se explica a partir do conceito de objeto inteligível ou noúmeno a questão que se coloca para nós em vista da avaliação do argumento de Kant é a seguinte em que sentido do termo a esponta neidade do poder de julgar nós dá ingresso no mundo inteligível no sentido nega tivo ou no sentido positivo do termo Segundo a explicação de Kant temos consci ência do nosso poder de julgar como uma espontaneidade porque sabemos em vir tude do conceito de juízo que nossos juízos não podem ser pensados como deter minados causalmente por impulsos sensíveis Admitir o contrário levaria a uma falsificação do conceito de juízo que pensamos como baseado na compreensão de razões Podemos indicar as condições lógicas do juízo mas em que consiste a 202 LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT volume 2 número 1 1997 espontaneidade envolvida no poder de julgar isto é erguer e justificar pretensões de verdade é algo que não podemos caracterizar positivamente Por isso mesmo a espontaneidade que devemos atribuir ao nosso arbítrio pelo facto de se basear em máximas e portanto na compreensão de imperativos isto é juízos práticos tam bém só pode ser determinada negativamente como a independência de móveis sensíveis Ora isso é suficiente para justificar a atribuição da liberdade prática ao arbítrio baseado em imperativos condicionais ou seja a liberdade da necessitação mas não da afecção por móveis sensíveis que são sempre condições necessárias embora não suficientes da escolha Naturalmente se supomos de antemão que po demos fazer escolhas com base num imperativo categórico poderemos dar às nos sas escolhas uma caracterização que não é puramente negativa independência de móveis sensíveis mas positiva o poder de agir por dever ou por respeito à lei mo ral mas isto torna mais uma vez o argumento circular Sem essa premissa moral no entanto o argumento não gera sua conclusão e é preciso pois admitir que ela mais uma vez se insinuou no argumento kantiano Na CRPr Kant abandonou como se sabe a tentativa de dar uma dedução da liberdade sem recorrer a uma premissa moral e com ela ao que parece a própria tentativa de dar uma dedução do imperativo categórico Tendo em vista que as difi culdades assinaladas por Kant a propósito da primeira formulação de seu argumento na FMC persistem na versão corrigida não é de admirar que se tenha convencido da ou pelo menos que tenha se resignado à impossibilidade de dar uma prova não moral da liberdade de nossa vontade Significa isso que ele tenha abandonado o projeto da dedução do imperativo categórico O apelo à consciência da lei moral como um fac to da razão na CRPr parece indicar isso mas se é realmente assim é e o que significa o recurso a esse facto é uma questão a ser investigada em outro trabalho Endereço do Autor Rua Gal Góes Monteiro 8D1501 22290080 Rio de Janeiro RJ FICHAMENTO LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT Guido Antônio de Almeida¹ De acordo com o autor Kant defende que a liberdade é fundamental para a moralidade humana para ele o ser humano é dotado de liberdade o que significa que ele pode agir de acordo com sua própria razão sem ser controlado por fatores externos ou instintos naturais essa liberdade é a condição necessária para que a pessoa possa agir de acordo com o dever moral que é pautado pela razão e não pelos desejos individuais No entanto essa liberdade não deve ser confundida com arbitrariedade ou ausência de responsabilidade pois para Kant a liberdade moral implica em assumir total responsabilidade por suas ações sabendo que elas são realizadas de forma consciente e racional de acordo com o dever moral Dessa forma a liberdade não é um fim em si mesma mas um meio para se alcançar a moralidade e garantir o respeito mútuo entre os indivíduos em uma sociedade justa a liberdade não pode ser vista como um direito absoluto mas sim como uma condição que deve ser vivida em conjunto com a moralidade respeitando os limites impostos pela razão e pelo bem comum Além disso o autor ressalta que para Kant a moralidade não está ligada às consequências das ações mas sim à intenção com que são realizadas ou seja o ato moralmente correto é aquele que é realizado por dever e não por interesse pessoal essa visão faz parte da ética deontológica de Kant que enfatiza o respeito aos princípios morais independentemente das consequências que possam advir deles Outro tópico que também é abordado é a distinção entre liberdade externa e liberdade interna a externa diz respeito à capacidade de agir sem interferência externa já a interna se refere à capacidade de agir de acordo com as próprias leis morais internas que são ditadas pela razão a liberdade interna é a única que importa para a moralidade já que ela permite ao indivíduo agir de acordo com sua própria dignidade e respeitar o valor da pessoa humana 6 Poland Sparrow Belgium Hungary Romania Denmark Bulgaria Ireland Italy Slovenia Lithuania France Sweden Netherlands Luxembourg Cyprus Slovak Republic Switzerland Latvia Spain Estonia Iceland Austria Finland Germany Norway Czech Republic Greece Portugal Turkey United Kingdom Croatia Malta Russia Moldova 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 50 km F Source Data from the ILO 2013 World map based on the National Geophysical Data Center of NOAA 2013 Note Data refer to the year 2013 or latest available year The map shows the average daily hours actually usually worked in 2013 Notes Usually worked hours are the average hours actually worked per day excluding hours paid but not worked annual leave public holidays sick leave etc They relate to main jobs and expressed in hours and minutes rounded to the nearest minute Map prepared by the ILO Bureau of Statistics 2013E 90E 60E 30E 0 30W 20 40 60 80 100 120 140 Average daily hours usually worked hoursminutes 150 90 60 30 30W 0 30E 60E 90E 150 180W 120W 60W 30W 0 30E 120E 150E 180 30 60 90 120 150 180 75 60 45 30 15 0 15 30 45 60 75 NORTH AMERICA MEXICO UNITED STATES CANADA Mean daily hours 7 hours 37 minutes Fisheries 7 hours 24 minutes Agriculture hunting forestry and fishing 8 hours 43 minutes Industrial sector 7 hours 49 minutes Services sector 7 hours 34 minutes Sectoral coverage employees only hours usually worked during the main paid job excluding overtime hours Definitions Hours actually worked are the hours that the person has actually worked during the reference period eg excluding hours paid but not worked public holidays leave illness Data refer to the year 2013 or the latest available year for OECD countries Source OECD 2013b 2014a EUROPE AFRICA ASIA SUDAN ERITREA DJIBOUTI YEMEN GEORGIA AZERBAIJAN ARMENIA IRAQ IRAN JORDAN SAUDI ARABIA KUWAIT ISRAEL PALESTINE LEBANON SYRIA EGYPT TURKEY CYPRUS QATAR UNITED ARAB EMIRATES OMAN INDIA PAKISTAN BANGLADESH NEPAL BHUTAN MYANMAR THAILAND CAMBODIA LAOS CHINA MONGOLIA VIETNAM NORTH KOREA SOUTH KOREA JAPAN MALAYSIA SINGAPORE INDONESIA PHILIPPINES BRUNEI PAPUA NEW GUINEA AUSTRALIA NEW ZEALAND Sandrock Map printed on 50 recycled paper Hours worked during the reference period in average hours Total economy Agriculture hunting forestry and fishing Industry Services 0 4 8 12 16 20 24 Source Data from the ILO 2013 WORLD average 8 hours 4 minutes NORTH AMERICA average 7 hours 37 minutes EUROPE average 7 hours 41 minutes ASIA average 8 hours 54 minutes AFRICA average 8 hours 8 minutes OCEANIA average 7 hours 41 minutes The pie charts indicate the average daily hours usually worked by women yellow and men purple Source OECD 2013b ILO 2013 and national sources Hours of work average daily usually worked hours minutes 830 800 630 500 World Economic Situation and Prospects 2014 United Nations New York 2014 International Labour Organization ILO 730 600 530 700 29

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Historia dos Conceitos e Saber Historico em Sala de Aula - Analise e Reflexoes

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Historia dos Conceitos e Saber Historico em Sala de Aula - Analise e Reflexoes

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Avaliação Final - Ética e Cidadania 20231

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Avaliação Final - Ética e Cidadania 20231

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175 volume 2 número 1 1997 GUIDO ANTÔNIO DE ALMEIDA Guido Antônio de Almeida UFRJ O ponto central da filosofia moral kantiana que é a explicação do dever moral como um imperativo categórico está baseado na Itália de que não depende de nosso arbítrio ter ou não ter obrigações morais muito embora dependa de uma de cisão nossa agir ou não em conformidade com elas Com efeito diferentemente di ferentemente das obrigações que dependem de nosso arbítrio e que podemos criar fazendo promessas e fechando contratos as obrigações morais parecem existir para nós queiramos ou não nos conformar a elas Qual é o fundamento dessas obriga ções incondicionais e por que não podemos desconhecêlas é uma questão central senão a questão poderíamos dizer da filosofia moral Aqui também a resposta kantiana pareceme plausível e mesmo arriscome a dizer a única possível a saber porque isso é uma condição do valor que nos atribuímos e da consciência que temos de nós mesmos como seres racionais No entanto a idéia de um dever incondicional é a mais difícil de fundamentar na filosofia moral kantiana pois exige precisamente que se pense a motivação mo ral como independente de todo móvel ou estímulo sensível portanto de tudo o que se possa desejar e até mesmo da aspiração à felicidade Ora essa concepção do motivo moral só faz sentido se atribuímos à nossa vontade um poder de se determi nar independentemente de qualquer condição sensível o que exige contudo que as nossas ações sejam pensadas sob condições que não podem satisfazer enquanto objetos do conhecimento empírico Eis por que a idéia do imperativo moral como um imperativo incondicional está indissoluvelmente ligada a um conceito não empírico ou transcendental da liberdade de nossa vontade LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT 176 LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT volume 2 número 1 1997 Kant mostrou porém na CRP que é impossível dar uma dedução como ele diz isto é uma justificação do emprego do conceito de liberdade pelo menos no quadro da filosofia teórica Recordemos que as deduções feitas no quadro da filosofia teórica e que concernem às categorias e aos princípios do entendimento consistem na prova de que os conceitos em questão muito embora não sejam con dições da intuição sensível são pelo menos condições da experiência possível a palavra experiência sendo aí tomada não apenas no sentido do conhecimento empírico dos objetos que sempre pode ser problematizado pelo céptico mas também no sentido da consciência empírica de nossos estados que o céptico não problematiza O conceito de liberdade não é todavia uma condição de possibili dade da experiência em nenhum desses sentidos mas sim de uma coisa muito diferente qual seja a de determinar o incondicionado de uma série completa de condições causais Essa pretensão no entanto Kant mostrouo ao discutir o pro blema metafísico da liberdade e do determinismo que é o assunto da 3a Antinomia desgraçadamente não pode ser resgatada A dificuldade para Kant pois é que a fundamentação do Imperativo Cate górico parece depender de uma suposição que não pode ser validada Para fugir a essa dificuldade Kant ensaiou ao longo de sua obra três tentativas de solução A primeira consistia em assimilar o conceito de liberdade ao conceito de uma causa natural apresentando pois o conceito de liberdade como compatí vel com os princípios do conhecimento empírico e alegando que esse conceito empírico da liberdade é suficiente para dar conta tanto do agir com base em re gras prudenciais quanto do agir com base em regras morais Como veremos essa é a estratégia seguida no Cânon da Razão Pura que é um capítulo da parte final da 1a Crítica A segunda toma como ponto de partida o reconhecimento de que o conceito de liberdade pressuposto pela idéia de imperativos que obrigam incondicional mente é um conceito nãoempírico ou transcendental de liberdade E embora Kant reconheça que não é possível dar uma dedução desse conceito no quadro da filosofia teórica alega que é possível fazêlo no quadro da filosofia prática Trata então de provar que a liberdade da vontade é uma condição de possibilidade de 177 volume 2 número 1 1997 GUIDO ANTÔNIO DE ALMEIDA nossas ações consideradas não como objetos do conhecimento mas como objetos da consciência que temos de agir com base em imperativos Tal é a estratégia em preendida na 3a parte da FMC A terceira e derradeira solução consiste em inverter a ordem dos conceitos e e pôr no lugar da dedução do Imperativo Categórico por meio de uma dedução do conceito de liberdade uma outra maneira de justificar esse conceito baseada na idéia de que a consciência da validade do Imperativo Categórico pode ser considerada como um facto da razão Todas essas soluções apresentam antes de mais nada dificuldades de inter pretação Vou me ocupar no que se segue de indicar uma linha de interpretação que permita não só tornar mais clara a argumentação de Kant mas também com preender por que ele abandona as soluções iniciais e crê ter encontrado uma solu ção satisfatória com a doutrina do facto da razão I Liberdade e moralidade na CRP Na CRP o conceito de liberdade é introduzido aí no quadro de uma questão cosmológica mais precisamente a questão de como pode a razão pensar a totali dade absoluta ou incondicionada da série de condições causais para qualquer ocorrência dada e que parece estar presa entre duas altenativas i a de pensála como uma série finita cuja condição inicial não depende de nenhuma outra con dição e é portanto o incondicionado da série ii a de pensála como uma série infinita onde todas as condições estão subordinadas a outras condições e o incondicionado por conseguinte é a série infinita ela própria já que nada existe fora dela de que ele dependa1 1 Não vou discutir aqui o diagnóstico e a solução crítica proposta por Kant para esses proble mas muito embora isso tenha importância para a compreensão de todos os aspectos do problema da liberdade prática Limitome a recordar os pontos centrais 1o Segundo a análise de Kant concedida a premissa comum sobre a necessidade de admitir como dada a totalidade das 178 LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT volume 2 número 1 1997 No contexto dessa questão a palavra liberdade designa precisamente a propriedade que teria uma causa de iniciar uma série de eventos sem ser deter minada a isso por nenhuma ocorrência anterior e por conseguinte determinan dose a isso por si mesma Por oposição à causalidade natural que é a proprie dade que uma causa tem de produzir um efeito na medida em que é determinada a isso pela causalidade de uma outra causa a palavra liberdade designa então a idéia de uma causalidade espontânea aliás num sentido forte da palavra espon tânea porque se trata da independência não só de causas externas mas também de ocorrências internas da própria causa e por conseguinte dos estados em que esta se encontrava antes do exercício de sua causalidade2 A essa liberdade defini da como espontaneidade Kant chama liberdade transcendental visto que nada condições para qualquer condicionado dado é possível provar cada uma das respostas antagôni cas pela refutação da contrária a prova da tese pela demonstração de que a antítese torna o princípio da causalidade natural autocontraditório ao lhe dar uma extensão universal A prova da antítese determinista pela demonstração de que a idéia da liberdade embora não absurda é vazia de sentido porque contradiz as condições do conhecimento empírico e implica o abandono não só do princípio da causalidade mas do próprio conceito de lei 2o Essas conseqüências anta gônicas resultam da falsidade da premissa comum que no entanto está implícita no realismo transcendental vale dizer na suposição de que as coisas são em si mesmas tais como nos são dadas sob as condições da intuição empírica 3o A distinção idealista transcendental entre fenô meno e coisa em si permite uma solução crítica que consiste em considerar as teses aparente mente antagônicas como compatíveis a tese como verdadeira de uma causa transcendente não fenomenal de uma série infinita de condições fenomenais e a antítese como verdadeira desta série 4o É possível assim compatibilizar determinismo e indeterminismo de uma maneira ori ginal sem abrir mão de um conceito indeterminista de liberdade e apresentando determinismo e indeterminismo como dois pontos de vista diversos sobre a mesma coisa 2 Assim o conceito kantiano de espontaneidade é um conceito mais forte do que o conceito cartesiano e espinozista porque exclui não apenas a coação ou seja a determinação por causas externas mas também a determinação por causas internas Entretanto essa concepção da espon taneidade não implica a suposição de que a causalidade livre se exerça ao acaso e assim não im plica o indeterminismo e a ausência de leis A proposição segundo a qual nada se produz ao aca so ou que tudo o que existe tem uma razão de ser o princípio da razão suficiente ou 179 volume 2 número 1 1997 GUIDO ANTÔNIO DE ALMEIDA de correspondente a ela pode ser dado no conhecimento empírico o qual tem por condição precisamente o princípio da causalidade natural segundo o qual tudo o que ocorre tem por condição uma ocorrência anterior à qual ela se segue em con formidade com uma regra 3 Não é porém o conceito cosmológico de liberdade mas o conceito psi cológico da liberdade prática que nos interessa no contexto da questão moral No entanto Kant parece definilo de maneira semelhante ao conceito de liberda de transcendental o que sugere a idéia de que ele constitui tãosomente uma especificação do conceito de liberdade transcendental Vejamos porém a defini ção kantiana que cito por extenso A liberdade em sentido prático é a independência do arbítrio da necessitação por impul sos da sensibilidade Pois um arbítrio é sensível na medida em que é afetado patologicamente por móveis da sensibilidade ele se chama animal arbitrium brutum se ele pode ser necessitado patologicamente O arbítrio humano é com efeito um arbitrium sensitivum mas não brutum e sim liberum porque a sensibilidade não torna necessária a sua ação mas ao contrário existe no homem uma faculdade de se determinar por si mesmo independentemente da necessitação por impulsos sensíveis A 534B 562 determinante como prefere dizer Kant é contudo uma proposição especulativa que não pode ser provada por meros conceitos A liberdade prática que veremos que pode ser considerada como um caso particular da liberdade transcendental é precisamente o caso de uma espontanei dade não apenas conforme mas possiblitada pelo conhecimento de uma lei qual seja um impera tivo do agir racional 3 Ao contrário entendo por liberdade no sentido cosmológico a faculdade de iniciar por si mesmo von selbst um estado cuja causalidade pois não está por sua vez sob uma outra causa que a determine segundo o tempo em conformidade com a lei da natureza Nesse significado a liberdade é uma idéia transcendental pura que primeiro nada contém tomado à experiência se gundo cujo objeto tampouco pode ser dado de modo determinado numa experiência pois é uma lei universal da possibilidade mesma da experiência que tudo o que ocorre por conseguinte também a causalidade da causa que ocorreu ou surgiu ela própria tem de ter uma causaA 533B561 Encontramos o mesmo conceito no Cânon A 803 B 831 180 LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT volume 2 número 1 1997 O sentido geral dessa definição é claro Vemos aí a liberdade prática de finida negativamente pela independência do arbítrio humano isto é do nosso poder de escolha relativamente aos impulsos sensíveis que o afetam e positi vamente como um poder de autodeterminação Também a liberdade transcendental foi definida negativamente pela independência da causa rela tivamente a ocorrências anteriores e positivamente pela espontaneidade As duas definições são pois claramente paralelas Mas significa isso que deve mos considerar o conceito da liberdade prática como uma especificação do conceito da liberdade transcendental e assimilar as escolhas que fazemos à es pontaneidade de uma causa transcendental É o que faz Kant na Dialética Transcendental tanto na exposição do pro blema cosmológico feita do ponto de vista do filósofo dogmático ao dar como exemplo de liberdade transcendental a ação de se levantar intencional mente de uma cadeira4 quanto na exposição da solução crítica que propõe ele próprio ao dizer numa frase imediatamente anterior à definição citada que é nessa idéia transcendental da liberdade que se baseia o conceito prático da mesma e que nisto está aliás a raíz de suas dificuldades5 No entanto Kant retomou a mesma definição do conceito de liberdade prática no Cânon da Razão Pura A 802B 830 sem que isso o tenha impedido de fazer logo a se guir duas afirmações que parecem dissociar o conceito da liberdade prática da idéia da liberdade transcendental A primeira é a afirmação de que a questão se a nossa vontade é livre em sentido transcendental é irrelevante para a filo sofia prática e pode ser posta de lado6 A segunda é que a experiência prova que somos livres em sentido prático e que pela experiência conhecemos a li berdade prática como uma das causas da natureza7 4 CRP A 450B 478 5 CRP A 533B 561 6 Cf A 8012B82930 7 Cf A 803B831 181 volume 2 número 1 1997 GUIDO ANTÔNIO DE ALMEIDA É verdade que a irrelevância da questão especulativa não implica por si só que o conceito de liberdade prática seja independente do conceito de liberdade transcendental Assim seria perfeitamente coerente argumentar que a moralidade pressupõe o conceito de liberdade transcendental mas não depende de uma de monstração prévia de que possuímos a liberdade nesse sentido transcendental vis to que ela a moralidade poderia ser estabelecida sobre fundamentos menos especulativos No entanto uma leitura mais atenta do texto descarta essa interpre tação Pois Kant não se limita a dizer aí que a questão especulativa pode ficar em aberto mas diz além disso que podemos pôr de lado a questão se aquilo que se chama liberdade relativamente a impulsos sensíveis não poderia ser por sua vez na tureza relativamente a causas eficientes mais altas e mais remotas A 803B831 o que deixa implícito que podemos falar em liberdade prática mesmo que não exista liberdade transcendental A segunda afirmação em todo o caso mostra que Kant não somente admite como possivel que o progresso do conhecimento revele como natureza aquilo que nos parece liberdade mas afirma que a experiência já nos dá a conhecer a liberdade prática como uma das causas da natureza com o que a liber dade prática se vê oposta ao que parece à liberdade transcendental Será que Kant defende doutrinas incompatíveis na Dialética Transcendental e no Cânon da Razão Pura Para ter clareza não só sobre a opinião de Kant mas também sobre as razões que ele pode ter para assimilar ou ou separar os conceitos de liberda de prática e liberdade transcendental é preciso considerar mais detidamente o con ceito de liberdade prática Como vimos Kant definiu esse conceito por meio de duas notas características a independência de nossas escolhas relativamente aos impulsos sensíveis que afetam nosso arbítrio e o poder de autodeterminação de nosso arbítrio Essa definição porém não permite explicar por si só como o nosso arbítrio pode ser afetado sem ser necessitado por impulsos sensíveis e muito menos como ele pode se determinar por si mesmo Tampouco a definição nós dá elementos para explicar como podemos saber que nosso arbítrio é livre Isso é um indício de que a definição dada não explicitou todos os aspectos do conceito de liberdade prática O elemento que falta e que torna possível dar as explicações pedidas é acrescentado por Kant numa passagem um pouco à frente da definição Diz Kant 182 LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT volume 2 número 1 1997 nessa passagem que é pela apercepção vale dizer a consciência imediata que o homem tem de si mesmo que este sabe que é capaz de determinar suas ações pela razão e que essa causalidade da razão fica clara pelos imperativos que ela fornece como regras em todas as questões práticas aos poderes executivos ou seja ao poder de escolha que é o arbítrio8 Mas a causalidade da razão de que fala Kant nessa passagem não é outra coisa senão o poder de se determinar com base em princípios da razão logo independentemente dos estímulos sensí veis que possam afetar nossa vontade Ora é nisso precisamente que consiste como vimos a liberdade prática segundo a definição dada Podemos concluir en tão que a liberdade prática a liberdade do arbítrio não é outra coisa senão o po der de agir com base em imperativos Antes de passar adiante e valerse desse importante acréscimo ao conceito de liberdade prática para investigar o que se pode extrair disso a fim de explicar em que consiste afinal a independência e a espontaneidade do arbítrio humano quero fazer um comentário metodológico sobre a maneira como Kant introduz a idéia do agir com base em imperativos no conceito de liberdade Como Kant apela à apercepção e portanto à consciência que o agente tem de si mesmo pode parecer que ele baseia sua análise do conceito de liberdade prática numa instância introspectiva Esta é uma impressão que pode ser reforçada pela afir mação de Kant de que sabemos por experiência que nossa vontade é livre e que sabemos isso porque temos a consciência de poder resistir a e mesmo contrariar todos os móveis sensíveis Poderíamos ser tentados a dizer então que Kant define o conceito de liberdade exatamente como fazemos com conceitos empíricos recorrendo ao conhecimento de suas instâncias para modificar corri gir ou precisar suas definições Mas isso não se coaduna com a concepção kantiana da filosofia como um conhecimento racional por conceitos 9 e por conseguinte sob pena de imputar a Kant uma maneira de proceder não 8 Cf A 5467B 574 9 Cf CRP A 713B 741 183 volume 2 número 1 1997 GUIDO ANTÔNIO DE ALMEIDA filosófica segundo sua própria concepção da filosofia não podemos entender a referência à consciência de si do agente como o aporte de uma base introspectiva logo empírica para sua análise conceitual A passagem citada re quer pois uma interpretação que permita compreender como Kant pode deri var do conceito de liberdade prática a idéia de que ela consiste no poder de agir com base em imperativos e que deste pode temos uma consciência imediata A análise de Kant dado o seu conceito de filosofia não pode se basear em outra coisa senão no conceito de liberdade prática ou liberdade do arbí trio Dado o conceito de arbítrio isto é uma maneira de usar e compreender esse conceito as notas características desse conceito podem ser determinadas da seguinte maneira Em primeiro lugar o arbítrio na medida em que o atri buímos tanto aos homens quanto aos animais pode ser definido como o poder de escolher o que é bom e evitar o que é mau O homem porém possui a razão e por isso a capacidade de julgar e portanto de representar proposicionalmente o que lhe parece bom No entanto visto que o homem não faz necessaria e infalivelmente o que julga que é bom fazer o que é bom para ele aparece sob a forma do dever ou seja como algo que ele deve fazer e que faria se agisse em conformidade com o que a razão lhe representa como sendo bom Ora as proposições que exprimem o que devemos fazer são as que chamamos de imperativos Por conseguinte podemos dizer que o arbítrio humano é o poder de escolher aquilo que os imperativos representam como devendo ser feito Esse poder porém é um poder que o homem não pode possuir sem saber que o possui uma vez que a consciência de si está necessari amente ligada ao poder de julgar ou por outras porque não é possível julgar sem saber que se está julgando10 Eis assim explicado por que Kant pode dizer 10 A ligação entre a consciência de si e o poder de julgar é a peça central da Dedução Transcendental dos Conceitos Puros do Entendimento pelo menos em sua segunda versão cf 19 B 1402 Se a consciência de si é uma condição prévia ou um conseqüência necessária do exercício do poder de julgar é uma questão que discuti e tentei decidir em favor da segunda alternativa no meu artigo sobre Consciência de Si e Conhecimento Objetivo em Analytica no 1 1993 184 LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT volume 2 número 1 1997 que o homem sabe pela apercepção isto é pela consciência imediata que tem de si mesmo que tem o poder de arbítrio Eis também explicada a impor tância de remeter à consciência do agente ao falar da liberdade de seu poder de escolha que consiste não em ser a consciência uma instância de validação do conceito mas sim um aspecto do próprio conceito do arbítrio humano na medida em que este não é simplesmente um poder que se exerce como tudo na natureza segundo regras mas com base em regras que nos representamos proposicionalmente e às quais não podemos pois nos conformar ou delas nos desviar sem saber o que estamos fazendo11 A explicação de que nossas escolhas se baseiam em imperativos permite compreender melhor agora tanto a independência quanto a espontaneidade do arbítrio Como vimos na definição da liberdade prática Kant apresenta o arbítrio humano como um arbitrium sensitivum mas isso e esta é uma observação que tem uma importância decisiva como veremos pode ser compreendido de duas maneiras conforme se pense o arbítrio humano como podendo ser afetado ou como tendo de ser afetado por um estímulo sensível para fazer uma escolha A diferença está em que no primeiro caso supomos que podemos escolher algo in dependentemente de sermos impelidos a isso por algum móvel sensível ao passo que no segundo caso supomos que só podemos escolher algo se somos estimulados a isso por algum móvel sensível isto é algo que impulsiona o nosso arbítrio pelo prazer que associamos à sua representação e que chamamos de dese jo Podemos então falar em dois conceitos ou duas maneiras de compreender o conceito de liberdade prática De acordo com o primeiro falamos em liberdade prática quando nenhum móvel sensível é uma condição necessária da escolha De acordo com o segundo falamos em liberdade prática quando os móveis sensíveis 11 Por isso podemos aproximar o conceito de liberdade prática na CRP na medida em que en volve a apercepção da frase de Kant na FMC Toda coisa da natureza opera segundo leis Só um ser racional tem a faculdade de agir segundo a representação das leis ie segundo princípios ou seja tem uma vontade BA 37 Cf tb a Lógica ed Jäsche A 12 Ak 11 trad em port Rio de Janeiro Tempo Brasileiro 1992 p 29 185 volume 2 número 1 1997 GUIDO ANTÔNIO DE ALMEIDA são condições necessárias mas não suficientes de nossas escolhas E finalmente não falamos mais em liberdade prática quando os móveis sensíveis são condições necessárias e suficientes das escolhas feitas É fácil de compreender na primeira hipótese por que o arbítrio humano não é necessitado por impulsos sensíveis Visto que por hipótese ele pode es colher algo que não deseja ele pode mesmo quando deseja algo resistir aos seus desejos e até mesmo escolher algo que contraria todos os seus desejos A segunda hipótese porém oferece uma dificuldade De facto como podería mos dizer que o arbítrio humano não é necessitado pelos impulsos que o afe tam e portanto permanece independente delas se por hipótese suas esco lhas dependem de um estímulo sensível A dificuldade pode ser levantada se levamos em conta justamente o papel dos imperativos que é o de fornecer uma razão para nossas escolhas ou o que dá no mesmo uma regra de prefe rência que aplicamos a tudo aquilo que impulsiona a nossa vontade Assim ainda que nossas escolhas dependam por hipótese de algum móvel sensível dependerá de nosso arbítrio qual deles vai constituir o motivo a causa mo triz Bewegungsgrund como diz Kant de nossa escolha E assim também embora possa ser verdade que nosso arbítrio dependa de um impulso sensível para ser accionado nem por isso devemos dizer que ele é necessitado por esse impulso sensível porque depende de seu consentimento que tal ou qual im pulso determine sua escolha Numa palavra para um arbítrio que escolhe com base em imperativos a existência de um estímulo sensível pode ser talvez uma condição necessária mas não pode ser uma condição suficiente da escolha o que deixa claro por que o arbí trio humano ainda que necessariamente afetado como o arbítrio animal por im pulsos sensíveis não é por eles necessitado O papel dos imperativos na determinação de nossas escolhas permite compreender também em que consiste a espontaneidade que Kant atribui ao arbítrio humano Com efeito podemos dizer que os imperativos só fornecem regras de escolha na medida em que essas regras são primeiro conhecidas isto é representadas proposicionalmente em seguida adotadas como máximas isto 186 LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT volume 2 número 1 1997 é como proposições dizendo não o que qualquer um deve fazer mas o que um agente particular quer fazer e finalmente aplicadas de modo a constituir uma razão ou motivo da escolha feita Ora podemos dizer tanto do conhecimento da regra quanto de sua adoção e aplicação que eles constituem atos que de pendem da consciência e da intenção do agente pois só se realizam na medida em que o agente sabe que os realiza e tem a intenção de realizálos e que são nessa medida atos que dependem da espontaneidade do agente Mas é importante notar que a espontaneidade do poder de escolha terá um sentido diferente conforme a explicação dada da maneira como é afetado pelos estímulos sensíveis Com efeito se partirmos da suposição que o arbítrio humano pode mas não tem que ser afetado por estímulos sensíveis por conseguinte que esses não são condições necessárias de nosso poder de escolha então será possível exercer esse poder mesmo na ausência de qualquer estímulo sensível e ele pode rá ser pensado pois como absolutamente incondicionado Se ao contrário par tirmos da suposição que os estímulos sensíveis são condições necessárias embora não suficientes de nossas escolhas teremos de qualificar e restringir a esponta neidade desses atos e isso não apenas para a aplicação da regra de preferência no ato de escolha propriamente dito que já sabemos depender de um móvel mas também para a própria adoção da regra como uma máxima que também depen derá de um móvel Com isso já temos uma orientação para a resposta à questão que nos co locamos de início e que foi a questão se podemos assimilar a liberdade práti ca que é a liberdade do arbítrio humano à liberdade transcendental Ganha mos com a análise do poder de escolher com base em imperativos e a distin ção de duas maneiras de conceber a liberdade prática uma melhor compreen são dos sentidos em que o nosso arbítrio pode ser dito independente de mó veis sensíveis e capaz de se determinar espontaneamente Podemos dar agora uma formulação mais precisa à nossa questão inicial e que era a questão se podemos assimilar a espontaneidade que encontramos ligadas à compreensão adoção e aplicação de regras de escolha à espontaneidade pensada no conceito da liberdade transcendental 187 volume 2 número 1 1997 GUIDO ANTÔNIO DE ALMEIDA A espontaneidade de uma causa livre em sentido transcendental foi pensa da como vimos como o poder de dar início a uma série de ocorrências sem ser determinada a isso por nenhuma ocorrência anterior quer fora da causa quer dentro dela É fácil de ver que isso implica que essa causalidade deve ser pensa da como suficiente por si mesma para produzir a série de efeitos que depende dela e não como dependendo do concurso da causalidade de outras causas Ora acabamos de ver que podemos interpretar o conceito kantiano do agir com base em imperativos que serviu de base para explicar o conceito de liberdade prática de duas maneiras diferentes conforme pensemos o papel dos móveis sensíveis de nossas escolhas a saber numa hipótese como não sendo uma con dição necessária de toda escolha na outra hipótese como sendo uma condição necessária mas não suficiente da escolha É fácil de compreender então que só a primeira hipótese a hipótese de uma total independência do arbítrio relativa mente aos impulsos sensíveis permite falar numa causalidade completa da ra zão prática pois se o arbítrio dependesse da ocorrência de um impulso sensí vel ele não poderia satisfazer a condição da espontaneidade absoluta que defi ne a liberdade transcendental Fica claro assim que o primeiro conceito de liberdade prática pressupõe o conceito de liberdade transcendental O que dizer porém do segundo conceito Está claro que ele não pode ser assimilado ao conceito da liberdade transcendental pois esta implica a independência de toda ocorrência anterior ao passo que o segundo conceito de liberdade prática implica a ocorrência de um es tímulo sensível como uma condição necessária embora não suficiente da escolha Significa isso que ele deve ser assimilado ao conceito da causalidade natural Visto que a causalidade natural é o contrário da liberdade transcendental essa assimilação da liberdade prática no segundo sentido parece se impor No en tanto essa assimilação tampouco é obviamente inevitável Com efeito podese argumentar que não sendo os móveis sensíveis condições suficientes de nossas escolhas estas dependem do concurso de uma causalidade da razão e por conse guinte como vimos de atos que dependem da espontaneidade do agente quais sejam o discernimento de uma regra que formulamos como um imperativo a 188 LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT volume 2 número 1 1997 adoção dessa regra como uma máxima e a aplicação dessa regra O segundo con ceito de liberdade seria então um conceito irredutível tanto ao conceito de liber dade transcentdental quanto ao conceito do determinismo pois ele implica por um lado uma espontaneidade que não pode ser identificada à liberdade transcendental porque tem por condição necessária a ocorrência de móveis sensí veis por outro lado uma causalidade natural sem necessitação visto que esses móveis não são suficientes para determinar essa causalidade 12 Contra essa compreensão do segundo conceito de liberdade prática podese fazer uma objeção que me parece decisiva De acordo com a hipótese as escolhas de um arbítrio livre têm duas condições necessárias que são con juntamente suficientes o estímulo sensível e a aplicação de uma máxima A aplicação da máxima pressupõe obviamente que ela tenha sido adotada ante riormente Como a adoção da máxima é ela própria o resultado de uma esco lha esta deve ser explicada por sua vez à luz da hipótese segundo a qual as escolhas de todo arbítrio sensitivo têm por condição necessária um estímulo sensível Se feita refletidamente a escolha da máxima deve ter igualmente por condição necessária uma outra regra de escolha de nível superior às máximas de nossas ações a qual também deve ter sido adotada anteriormente Esse tipo de explicação não pode porém ser reiterado indefinidamente e é preciso ad mitir que a existência de uma regra de preferência última que tem por condi ção necessária e suficiente vale dizer por única condição um estímulo sensível Assim compreendido o conceito de liberdade prática é compatível com o determinismo uma vez que todas as nossas escolhas embora baseadas na apli cação de regras dadas pela razão terão por condição última um estímulo sen sível e poderão ser explicadas em conformidade com o princípio da causalida de natural pois nossas escolhas se explicam pela aplicação de uma máxima a qual por sua vez se explica por um estímulo sensível 12 Cf para uma defesa dessa interpretação H Allison Kants Theory of Freedom Cambridge University Press 1990 cap 3 esp p 5459 189 volume 2 número 1 1997 GUIDO ANTÔNIO DE ALMEIDA Isto posto a pergunta que se coloca então é a qual desses dois conceitos de liberdade prática é necessário recorrer para explicar a possibilidade de agir com base em imperativos morais A resposta que encontramos na Dialética Transcendental é claramente a favor do primeiro conceito que identifica a liberda de prática à independência de qualquer móvel sensível Kant toma como ponto de partida de sua explicação a possibilidade de censurar ações imorais mas vere mos que essa explicação supõe a incondicionalidade do imperativo moral Numa passagem muito conhecida onde discute o exemplo de uma mentira maliciosa Kant chama atenção para o facto de que censuramos as ações imorais mesmo que possam ser explicadas como a desafortunada conseqüência de circunstâncias que não dependem do agente tais como no exemplo inventado por ele uma educa ção ruim um ambiente desfavorável uma índole má que o torna indiferente ao sentimento de vergonha etc Se no entanto censuramos a pessoa por sua condu ta imoral é porque pressupomos diz Kant que podemos considerar o ato imoral como se não dependesse de nenhuma das condições que o tornou possível e por conseguinte como se o autor com o seu ato começasse por si mesmo A 585B 583 espontaneamente pois uma nova série de acontecimentos Mas isso só é possível acrescenta Kant por causa de uma lei da razão que nos permite consi derar o comportamento do homem como podendo e devendo ser determinado pela razão apenas sem o concurso de quaisquer móveis sensíveis e mesmo em oposição a eles Ora o primeiro conceito de liberdade prática foi explicado justa mente pela independência total de móveis sensíveis E como a lei a que se refere Kant é manifestamente a lei moral que se apresenta a nós como um imperativo incondicional podemos concluir que é esse imperativo incondicional que nos au toriza a atribuir ao agente a liberdade prática no sentido do primeiro conceito assimilável como vimos ao conceito da liberdade transcendental Já conhecemos porém a dificuldade dessa posição Como o problema da liberdade no sentido transcendental que parece exigido pelo imperativo moral permanece um problema insolúvel a suposição de que temos um poder de esco lha baseado em imperativos morais passa a depender de uma condição cuja satis fação por princípio não pode ser verificada É compreensível pois que Kant 190 LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT volume 2 número 1 1997 queira escapar a essa dificuldade no Cânon da Razão Pura onde trata não mais do problema cosmológico da liberdade mas da existência de um cânon isto é um conjunto de princípios para o uso da razão no domínio prático e que para isso ele ligue o poder de escolha com base em imperativos morais a um conceito me nos problemático de liberdade prática que permita pensar nossas escolhas como vimos como dependentes de algum estímulo sensível embora não necessitadas por ele Esse conceito como vimos é compatível com a explicação causal de nos sas ações por conseguinte com o princípio da 2ª Analogia que é uma das condi ções do conhecimento empírico Mais ainda é possível supor sem ter que aban donar a idéia de que podemos agir com base em imperativos morais que o pró prio discernimento dos imperativos morais e sua adoção como máximas tenham por condição alguma causa natural ainda desconhecida de tal modo que até mes mo aquilo que chamamos de espontaneidade e causalidade da razão se veja inte grado à causalidade da natureza13 Todavia ainda que o segundo conceito de liberdade prática seja menos pro blemático do que o primeiro Kant enfrenta uma dificuldade considerável que é a de conciliar seu conceito não transcendental de liberdade prática com seu con ceito do imperativo moral como um imperativo incondicional Convém notar que já na CRP Kant tem clareza sobre esse ponto Comentamos acima uma pas sagem da 3a Antinomia de onde pudemos depreender com razoável certeza que ele já concebe aí o imperativo moral como um imperativo incondicional Mas o que aí está implícito tornase explícito no Cânon por exemplo na seguinte passagem Admito que haja realmente leis morais puras que determinam de maneira totalmente a priori sem levar em conta os móveis Bewegungsgründe isto é a felicidade o fazer e o não fazer isto é o uso da liberdade de um ser 13 É assim que interpreto a passagem do Cânon já citada onde Kant diz que a possibilidade de que a razão ao prescrever leis seja determinada por causas externas de tal maneira que aquilo que chamamos de liberdade se revele como natureza é objeto de uma questão especulativa que não afeta a filosofia moral onde se trata não da origem dos preceitos da razão mas sim do que devemos fazer ou deixar de fazer cf A 803B 831 191 volume 2 número 1 1997 GUIDO ANTÔNIO DE ALMEIDA racional em geral e que essas leis ordenam de maneira absoluta não de maneira meramente hipotética sob a pressuposição de outros fins empíricos sendo por conseguinte para todo propósito necessárias A 807B835 O problema então é como integrar essa noção de um imperativo incondicional no conceito do livre arbítrio onde os móveis sensíveis são apresentados como condições necessárias ainda que não suficientes das escolhas feitas Obviamente será preciso dizer que o imperativo que comanda incondicionalmente só poderá encontrar uma obedi ência condicionada a um móvel sensível mas isso parece uma contradição nos próprios termos e na verdade é como veremos Kant parece no entanto evitar a contradição fazendo uma distinção entre os imperativos como princípios de avaliação e as máximas como princípios de execu ção As leis práticas na medida em que se tornam ao mesmo tempo razões Gründe subjetivas das ações isto é princípios subjetivos chamamse máximas A avaliação Beurteilung da moralidade quanto à sua pureza e conseqüências ocor re segundo idéias a observância de suas leis segundo máximas A 813B 841 14 De facto não é contraditório dizer que aquilo que um imperativo comanda incon dicionalmente é retomado na máxima correspondente sob uma condição subjeti va A contradição não existe porque embora o imperativo e a máxima correspon dente tenham o mesmo conteúdo proposicional a primeira é um princípio do de ver e a segunda um princípio do querer e é possível querer sob uma condição aquilo que no entanto devo incondicionalmente querer Para conciliar pois a incondicionalidade de imperativo moral com a neces sidade de encontrar um móvel sensível para a obediência a esse imperativo Kant interpreta o imperativo moral como um princípio de avaliação e a máxima da obediência ao princípio moral como o princípio de execução Essa máxima po rém só pode constituir um princípio de execução se ela contém como condição um móvel sensível Esse móvel Kant encontrao na esperança de uma 14 Kant expõe com maiores minúcias a distinção entre um principium diiudicationis e um principium executionis no texto de suas preleções sobre a Ética Cf Kant Eine Vorlesung über Ethik nova ed por G Gerhardt Frankfurt Fischer 1990 p 46 ss 192 LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT volume 2 número 1 1997 felicidade proporcionada à moralidade isto é que se possa merecer como prêmio da virtude Sem esse móvel diz Kant as idéias magníficas da moralidade são é verdade objetos do aplauso e da admiração mas não móveis do propósito Vorsatzes e da execução A 813B 841 Sem dúvida essa concepção da moralidade é compatível com o segundo conceito da liberdade prática e podese admitir mesmo que não é contraditó rio agir em conformidade com o imperativo moral por interesse nesse móvel Mas uma teoria moral baseada na dissociação do imperativo moral e do princípio da obediência a esse imperativo enfrenta uma dificuldade insuperá vel Com efeito ainda que um móvel sensível pudesse assegurar uma confor midade constante e sem exceções à lei moral o que aliás não é de modo al gum certo ele não pode por princípio assegurar aquilo que é exigido pelo im perativo a saber precisamente a obediência incondicional Neste sentido é contraditório supor que a observância do imperativo possa consistir na mera conformidade condicional à lei moral Por isso de pouco vale para a teoria moral kantiana que o segundo conceito de liberdade prática a que recorre para explicar a possibilidade de escolhas baseadas no imperativo moral seja menos intratável do que o primeiro conceito pois ele fornece quando muito um fundamento para a conformidade externa à lei moral não um fundamento para a moralidade ela própria Ao escrever a FMC Kant tinha clareza sobre isso e já abandonara tanto a concepção da motivação moral que encontramos no Cânon quanto o segundo conceito de liberdade prática Mas com isso pas samos ao nosso segundo tema II Moralidade e liberdade na FMC Vimos então que o conceito de liberdade prática que serve de base à teoria moral de Kant no Cânon da Razão Pura exige que se distinga o imperativo que fornece uma razão para se querer algo do móvel sensível que constitui a condi ção subjetiva da aplicação do imperativo Por isso até mesmo o a obediência aos 193 volume 2 número 1 1997 GUIDO ANTÔNIO DE ALMEIDA imperativos morais depende também de um móvel sensível sem o qual ele é desprovido de toda força motivadora O imperativo moral porém na opinião mesma de Kant é um imperativo que ordena incondicionalmente Há portanto na teoria moral do Cânon uma dificuldade insuperável Visto que o imperativo exige que se faça incondicionalmente algo que no entanto só podemos nos deter minar a fazer sob a condição de um estímulo sensível Kant se vê diante do se guinte dilema ou tirar as conseqüências da teoria e reconhecer que a moralidade não está ao nosso alcance mas apenas a conformidade à letra da lei moral ou mu dar a teoria E mudar a teoria foi o que fez Kant A primeira mudança tocou à teoria da motivação moral Se o imperativo moral ordena incondicionalmente e ordena algo que podemos realizar tal como ordenado isto é incondicionalmente é preciso distinguir o agir em conformida de com o dever por dever do agir em conformidade com o dever moral por interesse em algo a que somos inclinados por um móvel sensível 15 Mas isso implica que a conformidade ao dever possa interessar por si mesma e por conseguinte que o simples conhecimento da lei moral possa ter uma força motivadora Essa força motivadora é precisamente o sentimento de respeito que a lei moral moral infun de em nós pela consciência do dever que por sua vez não é outra coisa senão a consciência da subordinação de nosso arbítrio a um imperativo 16 Tendo por con dição a simples consciência do dever o motivo moral é independente de qualquer móvel sensível e não é preciso ligar a representação do dever à representação de outra coisa que nos dê prazer ou provoque medo para explicar o que nos dá uma razão para agir moralmente não importa se de facto aceitamos ou não essa razão e a incorporamos em nossas máximas A segunda mudança afeta o conceito de liberdade prática A nova concep ção da motivação moral torna imprestável o conceito segundo o qual nossas esco lhas são determinadas pelo concurso da causalidade da razão e dos móveis 15 Cf FMC BA 95 Cito segundo a paginação das duas primeiras edições designadas pelas letras A e B 16 Cf FMC BA 14 e BA 16n 194 LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT volume 2 número 1 1997 sensíveis De facto a idéia de que se possa ser motivado a agir moralmente pelo simples respeito à lei moral implica a possibilidade de que eventualmente tenha mos que escolher algo sem que nenhum móvel sensível nos incline a isso e até mesmo contrariando todos os nossos móveis sensíveis Ora isso acarreta a neces sidade de pensar a causalidade da razão como absolutamente independente dos estímulos sensíveis por conseguinte como a espontaneidade que define o concei to de liberdade transcendental 17 A terceira mudança finalmente concerne à fundamentação dos impera tivos morais pois está claro que a fundamentação da exigência de agir com base em um imperativo que ordena algo incondicionalmente dependerá da comprovação de que podemos fazer algo incondicionalmente portanto inde pendentemente de qualquer móvel sensível e por conseguinte que somos li vres em sentido transcendental 18 Está claro que dada a implicação mútua dos conceitos de liberdade no sen tido transcendental e o conceito de uma escolha baseada num imperativo incon dicional seria possível derivar a liberdade de nossa vontade do facto de que agi mos com base em imperativos incondicionais desde é claro que se pudesse esta belecer esse facto sem pressupor a liberdade da vontade Assim se houvesse al gum argumento provando que a capacidade de agir com base em imperativos hi potéticos implica a capacidade de agir com base em imperativos categóricos po deríamos derivar daí num segundo passo a liberdade transcendental graças à equivalência dos conceitos de agir com base em imperativos incondicionais e ser livre em sentido transcendental Kant no entanto bloqueia essa saída porque não vê como se possa extrair analiticamente da idéia de que podemos agir com base em imperativos condicionais a idéia de que por isso mesmo também pode mos agir com base em imperativos incondicionais Eis por que considera o impe rativo categórico uma proposição sintética 17 Cf FMC BA 98 18 Cf FMC BA 99 195 volume 2 número 1 1997 GUIDO ANTÔNIO DE ALMEIDA Mas que saída resta então a Kant Kant propõe no 3o capítulo da FMC19 um argumento baseado na premissa de que um agente racional necessariamente pressupõe a liberdade de sua vontade pelo simples facto de não poder considerar seus juízos não suas máximas como independentes de móveis sensíveis A escolha dessa estratégia é perfeitamente compreensível se a considerar mos à luz do modelo de agir racional que encontramos subjacente ao conceito de liberdade prática Como vimos esse conceito envolve quatro elementos um mó vel sensível o conhecimento de uma regra formulada como um imperativo a adoção dessa regra como uma máxima e a escolha baseada numa aplicação da re gra Vimos também que esse modelo pode ser compreendido de duas maneiras conforme consideremos o móvel sensível como uma condição necessária ou não de nossas máximas e escolhas Ora quando se trata do agir com base em impera tivos condicionais podemos tomar algum móvel sensível como uma condição ne cessária de nossas máximas e escolhas Por isso é verdade que não podemos extrair do facto que agimos com base em imperativos condicionais nenhuma con clusão sobre a possibilidade de agir com base em imperativos incondicionais Mas reparem que os móveis sensíveis podem ser pensados como condições neces sárias de apenas dois dos três elementos do conceito de liberdade prática as má ximas e as escolhas não do outro elemento que é o conhecimento da regra isto é o discernimento de que se queremos algo é bom para nós logo devemos fazer uma outra coisa A regra é por conseguinte um juízo os juízos são asserções da verdade de uma proposição e e as asserções são determinadas não por impulsos que atuam sobre nós e que não dependem de nós mas por algo que depende de nós a saber a compreensão de uma razão Kant expõe as teses de seu argumento da seguinte maneira um ser racional que possua uma vontade só pode agir sob a idéia da liberdade Quem só pode agir sob a idéia da liberdade é realmente livre de um ponto de vista prático isto é as leis ligadas à liberdade são tão válidas para ele como seria o caso se fosse possível 19 Cf FMC BA 101 196 LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT volume 2 número 1 1997 dar uma prova da liberdade na filosofia teórica Como ter uma vontade significa para Kant ser capaz de agir com base em regras da razão as quais formulamos como imperativos e como a liberdade enquanto objeto de uma idéia é a liberdade transcendental podemos dar a seguinte paráfrase quem age com base em impera tivos só pode agir na presunção de que é livre em sentido transcendental mas quem só pode agir presumindo que é livre em sentido transcendental é realmente livre em sentido transcendental pois ao se presumir livre ele necessariamente pre sume que as leis morais que são os imperativos com base nos quais age um agente livre em sentido transcendental são válidas para ele Vejamos como Kant justifica sua primeira premissa que é a decisiva sobre a necessidade para um agente racional de se considerar livre Para isso Kant propõe um argumento cujo sentido para abreviar pode ser aclarado pela seguinte paráfra se quem tem consciência de agir racionalmente não pode considerar seus juízos como guiados por um impulso externo e tem que considerar a razão como a autora dos princípios com base nos quais ele julga Portanto tem que se presumir como livre pelo simples facto de ser capaz de julgar20 O argumento de Kant tem uma certa plausibilidade inicial em primeiro lu gar por que como vimos há em toda escolha de um agente racional um juízo o juízo subjacente à máxima de suas escolhas com o qual o qual ele se diz que fazer ou não fazer algo é bom para ele ou por outras já que ele é um agente racional imperfeito que ele deve fazer ou não fazer algo e que é precisamente o imperati vo que ele adotará ou não como máxima Em segundo lugar o juízo pode 20 O argumento de Kant é literalmente o seguinte Ora é impossível pensar uma razão que com sua própria consciência recebesse de outra parte um governo Lenkung com respeito a seus juízos pois então o sujeito atribuiria a determinação do poder de julgar não à sua razão mas a um impulso Ela tem de se considerar a si mesma com autora de seus princípios independente mente de influxos alheios por conseguinte enquanto razão prática ou enquanto vontade de um ser racional ela tem de ser considerada por si mesma com livre isto é sua vontade só pode ser uma vontade própria sob a idéia da liberdade e por conseguinte de um ponto de vista prático tem de ser atribuída a todos os seres racionais FMC BA 101 197 volume 2 número 1 1997 GUIDO ANTÔNIO DE ALMEIDA com efeito ser caracterizado como um ato espontâneo na medida em que ele se baseia em algo que depende de nós a saber a compreensão de uma razão para afirmar a verdade de uma proposição e não num impulso sensível que guiaria o nosso assentimento como uma força externa É bem verdade que os nossos dese jos podem guiar em certo sentido os nossos juízos mas unicamente no sentido de que nossos desejos podem nos levar a buscar razões que nos permitam julgar da maneira desejada Finalmente como as máximas envolvem um juízo parece que dada a espontaneidade do julgar também a sua adoção não pode ter sua origem em algo externo à razão e Kant parece ter razão ao dizer que uma vontade só pode ter máximas se ela se considera uma vontade própria isto é espontânea e autônoma logo livre em sentido transcendental Convém notar porém que o próprio Kant não estava inteiramente satisfeito com o argumento e apresentao a título de um preparativo Vorbereitung para a verdadeira dedução do conceito de liberdade e por meio dessa da dedução da possibilidade do Imperativo Categórico21 Kant se faz duas objeções que aliás são apresentadas como o argumento criticado ele próprio de maneira tão conci sa e densa que é preciso de algum esforço hermenêutico para entendêlas bem A primeira autoobjeção é que o argumento tal como formulado não chega a provar a realidade da liberdade mas apenas a necessidade de pressupôla e com ela a validade do Imperativo Categórico A objeção de Kant visa certamente não a espontaneidade do juízo que podemos considerar como uma verdade ana lítica baseada no conceito mesmo de juízo mas a pressuposição de que somos li vres em nossas máximas e escolhas e a objeção então se entendi bem é que não é possível extrair da espontaneidade do juízo nenhuma conclusão acerca da liber dade de nossas máximas e escolhas Com efeito nossas escolhas e nossas máxi mas dependem no caso de imperativos pragmáticos do concurso de móveis sen síveis É verdade que adotamos nossas máximas com base em juízos com os quais formulamos imperativos hipotéticos e por isso presumimos que somos tão livres para adotar as máximas quanto para julgar hipoteticamente e isso quer dizer 21 Cf FMC BA 100 198 LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT volume 2 número 1 1997 então supomos que o móvel sensível não necessita a nossas escolhas Mas essa suposição pode ser ilusória e o facto de que somos livres em nossos juízos não é uma base suficiente para descartar a hipótese que vimos formulada no Cânon segundo a qual as leis de nossa vontade isto é nossas máximas podem resultar de uma causa superior a nós 22 e portanto que as condições sensíveis de nossas máximas sejam não apenas necessárias mas também suficientes para necessita rem sozinhas sem o concurso da razão a adoção dessas máximas A segunda autoobjeção de Kant é ao que parece que o argumento baseado na espontaneidade do juízo ao adotar uma máxima só pode produzir a desejada conclusão sobre a liberdade da vontade se além da suposição de que fazemos certos juízos ao adotar uma máxima nos apoiamos na suposição adicional de que agimos com base não em quaisquer imperativos mas em imperativos morais Com o acréscimo dessa premissa conseguimos chegar à conclusão almejada mas isso torna o argumento circular pois toma como premissa o que deveria resultar da prova da liberdade de nossa vontade 23 Kant vê no entanto uma saída para as dificuldades que ele próprio apontou e que consiste basicamente na idéia de que a espontaneidade do juízo nos dá entrada num mundo inteligível no qual não tem mais sentido 22 Cf CRP A 803831 23 Cf FMC BA 104 A segunda objeção de Kant está ligada de uma maneira obscura a consi derações sobre a motivação moral Se entendi bem mas não estou certo disso Kant objeta ao argumento apresentado e que se baseia na espontaneidade do juízo que ele não permite com preender que razão teríamos para nos submeter ao princípio moral cuja validade resultaria da consciência da nossa liberdade ao julgarmos Apenas o leitor pode perguntar por que o argu mento teria que trazer em seu bojo essa explicação Talvez o fundo do pensamento de Kant seja o seguinte a espontaneidade do juízo é moralmente neutra do mero conceito de juízo não extraímos nada sobre a natureza de nossos motivos morais ou pragmáticos Para tirar alguma conclusão sobre isso precisamos partir da noção de juízo prático ie da noção de imperativo Assim se pressupomos um imperativo incondicional podemos extrair daí a idéia de que so mos livres Mas fazer isso é precisamente pressupor na idéia da liberdade a lei moral como diz Kant em FMC BA 103 199 volume 2 número 1 1997 GUIDO ANTÔNIO DE ALMEIDA supor que nossa vontade seja necessitada por impulsos sensíveis Kant chega a essa saída em três passos O primeiro passo em direção a ela é a constatação de que a espontanei dade do poder de julgar como uma faculdade cognitiva não foi atacada pelas objeções acima O segundo é o ingresso no mundo inteligível pela porta da espontaneidade dos juízos Visto que os juízos enquanto atos da espontaneida de da razão não podem ser explicados segundo o princípio da causalidade na tural e em particular visto que baseandose em razões não podem ser explicados como necessitados por quaisquer ocorrências psicológicas anterio res por exemplo nossos desejos podemos nos considerar como livres no sentido transcendental que é o sentido da total independência dos móveis sensíveis pelo menos para julgar Ora isso significa que podemos nos atri buir um estatuto diferentes do dos demais seres naturais seres inteligentes Intelligenzen que somos cujos atos no caso juízos não podem ser explicados segundo o princípio da causalidade temos que nos considerar como perten cendo a um mundo distinto do mundo sensível que Kant chama então de mundo inteligível Isto posto o terceiro passo consiste na alegação de que na medida em que pertencemos a um mundo intelígivel podemos nos atribuir com certeza a posse de uma vontade ou razão prática que foi posta em dúvida na primeira auto objeção de Kant Essa objeção como vimos consistia em suma na afirmação que da espontaneidade do juízo para a espontaneidade de nossas máximas e es colhas a conseqüência não é válida e que por isso mesmo não estamos impedi dos de pensálas não só como dependendo de móveis sensíveis mas até mesmo como necessitadas por eles sem nenhum concurso da razão Essa objeção fica agora neutralizada pela suposição de que pertencemos a um mundo inteligível pois ela nos autoriza justamente a considerar nossas máximas e escolhas como dependendo de nossa espontaneidade O argumento de Kant é pois em resumo o seguinte a espontaneidade dos juízos cognitivos permitenos pensar como seres inteligentes cujos juízos não são determinados segundo o princípio da causalidade natural por 200 LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT volume 2 número 1 1997 conseguinte como livres em sentido transcendental e pertencentes a um mun do inteligível Ora se pertencemos a um mundo inteligível não podemos mais considerar nossos juízos práticos como determinados por móveis sensíveis por conseguinte temos que considerar nossa vontade como também livre em sentido transcendental Assim o objetivo do novo argumento é o mesmo do antigo passar da constatação da espontaneidade do poder de julgar para a li berdade transcendental da vontade mas essa passagem é mediada agora por uma premissa baseada no conceito de mundo inteligível Recorrendo a esse conceito Kant parece introduzir uma premissa especulativa no lugar da premissa moral escondida no primeiro argumento e se este era circular com a premissa moral o segundo parece agora duvidoso com a nova premissa especulativa Não creio justa porém a objeção de que o conceito de mundo inteligível seria um conceito especulativo Um conhecedor da filo sofia kantiana pode mostrar com certa facilidade que o conceito tem um sentido crítico e perfeitamente legítimo Vou argumentar porém que mesmo tomado em seu sentido crítico o conceito de mundo inteligível não leva à conclusão desejada a não ser que o complementemos pela premissa moral sobre a existência de imperativos categóricos que faz o argumento reincidir na mesma circularidade denunciada por Kant em sua primeira formulação Para ter clareza sobre o conceito de mundo inteligível convém partir da distinção crítica entre fenômenos os objetos considerados sob as condições em que são conhecidos empiricamente e as coisas em si que são esses mes mos objetos mas considerados abstração feita das condições do conhecimento empírico Fenômeno e coisa em si não designam pois entidades diferentes mas as mesmas entidades conforme sejam consideradas como podendo ser da das na intuição sensível ou simplesmente pensadas como algo em geral abstra ção feita pois das propriedades que têm enquanto dadas na intuição sensível Para caracterizálas como objetos do pensamento puro Kant chama as coisas em si de noúmenos ou objetos inteligíveis e a expressão significa tão so mente algo que podemos pensar como existente mas que não podemos determi nar positivamente primeiro porque isso só poderíamos fazer considerando a 201 volume 2 número 1 1997 GUIDO ANTÔNIO DE ALMEIDA maneira como podem ser dadas empiricamente e segundo porque não pode mos demonstrar que as propriedades que as coisas têm enquanto objetos do co nhecimento empírico são necessariamente propriedades de todo objeto que pos samos pensar como existente Por isso o conceito de objeto inteligível tem um sentido negativo apenas se o usamos criticamente para limitar o domínio daquilo que podemos saber Podemos também é claro tomar o conceito num sentido positivo se admiti mos que as coisas que pensamos fazendo abstração das condições da intuição sen sível podem ser dadas tais como são em si mesmas a uma intuição não sensível Poderemos admitir então seja a existência de coisas que não podem jamais em sentido algum ser objetos de nossa intuição sensível por exemplo Deus seja a existência de coisas que são objetos de nossa intuição mas que têm consideradas em si mesmas propriedades diversas daquelas que possuem enquanto objetos de nossa intuição por exemplo o conceito de uma vontade livre no sentido transcendental Mas dizer que podemos tomar o conceito de objeto inteligível neste sentido positivo significa tãosomente que o conceito não envolve em si mesmo nenhuma contradição não que tenhamos o direito de aplicálo ao que existe porque justamente não podemos caracterizálo de modo a investigar se algo dado na intuição corresponde ou não a ele Numa palavra tomado positiva mente o conceito é puramente especulativo e permanece problemático porque não podemos indicar nenhum critério de uso para ele Como o conceito de mundo inteligível se explica a partir do conceito de objeto inteligível ou noúmeno a questão que se coloca para nós em vista da avaliação do argumento de Kant é a seguinte em que sentido do termo a esponta neidade do poder de julgar nós dá ingresso no mundo inteligível no sentido nega tivo ou no sentido positivo do termo Segundo a explicação de Kant temos consci ência do nosso poder de julgar como uma espontaneidade porque sabemos em vir tude do conceito de juízo que nossos juízos não podem ser pensados como deter minados causalmente por impulsos sensíveis Admitir o contrário levaria a uma falsificação do conceito de juízo que pensamos como baseado na compreensão de razões Podemos indicar as condições lógicas do juízo mas em que consiste a 202 LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT volume 2 número 1 1997 espontaneidade envolvida no poder de julgar isto é erguer e justificar pretensões de verdade é algo que não podemos caracterizar positivamente Por isso mesmo a espontaneidade que devemos atribuir ao nosso arbítrio pelo facto de se basear em máximas e portanto na compreensão de imperativos isto é juízos práticos tam bém só pode ser determinada negativamente como a independência de móveis sensíveis Ora isso é suficiente para justificar a atribuição da liberdade prática ao arbítrio baseado em imperativos condicionais ou seja a liberdade da necessitação mas não da afecção por móveis sensíveis que são sempre condições necessárias embora não suficientes da escolha Naturalmente se supomos de antemão que po demos fazer escolhas com base num imperativo categórico poderemos dar às nos sas escolhas uma caracterização que não é puramente negativa independência de móveis sensíveis mas positiva o poder de agir por dever ou por respeito à lei mo ral mas isto torna mais uma vez o argumento circular Sem essa premissa moral no entanto o argumento não gera sua conclusão e é preciso pois admitir que ela mais uma vez se insinuou no argumento kantiano Na CRPr Kant abandonou como se sabe a tentativa de dar uma dedução da liberdade sem recorrer a uma premissa moral e com ela ao que parece a própria tentativa de dar uma dedução do imperativo categórico Tendo em vista que as difi culdades assinaladas por Kant a propósito da primeira formulação de seu argumento na FMC persistem na versão corrigida não é de admirar que se tenha convencido da ou pelo menos que tenha se resignado à impossibilidade de dar uma prova não moral da liberdade de nossa vontade Significa isso que ele tenha abandonado o projeto da dedução do imperativo categórico O apelo à consciência da lei moral como um fac to da razão na CRPr parece indicar isso mas se é realmente assim é e o que significa o recurso a esse facto é uma questão a ser investigada em outro trabalho Endereço do Autor Rua Gal Góes Monteiro 8D1501 22290080 Rio de Janeiro RJ FICHAMENTO LIBERDADE E MORALIDADE SEGUNDO KANT Guido Antônio de Almeida¹ De acordo com o autor Kant defende que a liberdade é fundamental para a moralidade humana para ele o ser humano é dotado de liberdade o que significa que ele pode agir de acordo com sua própria razão sem ser controlado por fatores externos ou instintos naturais essa liberdade é a condição necessária para que a pessoa possa agir de acordo com o dever moral que é pautado pela razão e não pelos desejos individuais No entanto essa liberdade não deve ser confundida com arbitrariedade ou ausência de responsabilidade pois para Kant a liberdade moral implica em assumir total responsabilidade por suas ações sabendo que elas são realizadas de forma consciente e racional de acordo com o dever moral Dessa forma a liberdade não é um fim em si mesma mas um meio para se alcançar a moralidade e garantir o respeito mútuo entre os indivíduos em uma sociedade justa a liberdade não pode ser vista como um direito absoluto mas sim como uma condição que deve ser vivida em conjunto com a moralidade respeitando os limites impostos pela razão e pelo bem comum Além disso o autor ressalta que para Kant a moralidade não está ligada às consequências das ações mas sim à intenção com que são realizadas ou seja o ato moralmente correto é aquele que é realizado por dever e não por interesse pessoal essa visão faz parte da ética deontológica de Kant que enfatiza o respeito aos princípios morais independentemente das consequências que possam advir deles Outro tópico que também é abordado é a distinção entre liberdade externa e liberdade interna a externa diz respeito à capacidade de agir sem interferência externa já a interna se refere à capacidade de agir de acordo com as próprias leis morais internas que são ditadas pela razão a liberdade interna é a única que importa para a moralidade já que ela permite ao indivíduo agir de acordo com sua própria dignidade e respeitar o valor da pessoa humana 6 Poland Sparrow Belgium Hungary Romania Denmark Bulgaria Ireland Italy Slovenia Lithuania France Sweden Netherlands Luxembourg Cyprus Slovak Republic Switzerland Latvia Spain Estonia Iceland Austria Finland Germany Norway Czech Republic Greece Portugal Turkey United Kingdom Croatia Malta Russia Moldova 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 50 km F Source Data from the ILO 2013 World map based on the National Geophysical Data Center of NOAA 2013 Note Data refer to the year 2013 or latest available year The map shows the average daily hours actually usually worked in 2013 Notes Usually worked hours are the average hours actually worked per day excluding hours paid but not worked annual leave public holidays sick leave etc They relate to main jobs and expressed in hours and minutes rounded to the nearest minute Map prepared by the ILO Bureau of Statistics 2013E 90E 60E 30E 0 30W 20 40 60 80 100 120 140 Average daily hours usually worked hoursminutes 150 90 60 30 30W 0 30E 60E 90E 150 180W 120W 60W 30W 0 30E 120E 150E 180 30 60 90 120 150 180 75 60 45 30 15 0 15 30 45 60 75 NORTH AMERICA MEXICO UNITED STATES CANADA Mean daily hours 7 hours 37 minutes Fisheries 7 hours 24 minutes Agriculture hunting forestry and fishing 8 hours 43 minutes Industrial sector 7 hours 49 minutes Services sector 7 hours 34 minutes Sectoral coverage employees only hours usually worked during the main paid job excluding overtime hours Definitions Hours actually worked are the hours that the person has actually worked during the reference period eg excluding hours paid but not worked public holidays leave illness Data refer to the year 2013 or the latest available year for OECD countries Source OECD 2013b 2014a EUROPE AFRICA ASIA SUDAN ERITREA DJIBOUTI YEMEN GEORGIA AZERBAIJAN ARMENIA IRAQ IRAN JORDAN SAUDI ARABIA KUWAIT ISRAEL PALESTINE LEBANON SYRIA EGYPT TURKEY CYPRUS QATAR UNITED ARAB EMIRATES OMAN INDIA PAKISTAN BANGLADESH NEPAL BHUTAN MYANMAR THAILAND CAMBODIA LAOS CHINA MONGOLIA VIETNAM NORTH KOREA SOUTH KOREA JAPAN MALAYSIA SINGAPORE INDONESIA PHILIPPINES BRUNEI PAPUA NEW GUINEA AUSTRALIA NEW ZEALAND Sandrock Map printed on 50 recycled paper Hours worked during the reference period in average hours Total economy Agriculture hunting forestry and fishing Industry Services 0 4 8 12 16 20 24 Source Data from the ILO 2013 WORLD average 8 hours 4 minutes NORTH AMERICA average 7 hours 37 minutes EUROPE average 7 hours 41 minutes ASIA average 8 hours 54 minutes AFRICA average 8 hours 8 minutes OCEANIA average 7 hours 41 minutes The pie charts indicate the average daily hours usually worked by women yellow and men purple Source OECD 2013b ILO 2013 and national sources Hours of work average daily usually worked hours minutes 830 800 630 500 World Economic Situation and Prospects 2014 United Nations New York 2014 International Labour Organization ILO 730 600 530 700 29

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