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Direito Constitucional
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Gilberto Freyre Prefácio à 1 Edição de Casa Grande Senzala Em outubro de 1930 ocorreume a aventura do exílio Levoume primeiro à Bahia depois a Portugal com escala pela África O tipo de viagem ideal para os estudos e as preocupações que este ensaio reflete Em Portugal foi surpreenderme em fevereiro de 1931 o convite da Universidade de Stanford para ser um dos seus visiting professors na primavera do mesmo ano Deixei com saudade Lisboa onde desta vez pudera familiarizarme em alguns meses de lazer com a Biblioteca Nacional com as coleções do Museu Etnológico com sabores novos de vinho doporto de bacalhau de doces de freiras Juntandose a isto o gosto de rever Sintra e os Estoris e o de abraçar amigos ilustres Um deles João Lúcio de Azevedo mestre admirável Igual oportunidade tivera na Bahia minha velha conhecida mas só de visitas rápidas Demorandome em Salvador pude conhecer com todo o vagar não só as coleções do Museu Afrobaiano Nina Rodrigues e a arte do trajo das negras quituteiras e a decoração dos seus bolos e tabuleiros como certos encantos mais íntimos da cozinha e da doçaria baiana que escapam aos simples turistas Certos gostos mais finos da velha cozinha das casasgrandes que fez dos fornos dos fogões e dos tabuleiros de bolo da Bahia seu último e Deus queira que invencível reduto Deixo aqui meus agradecimentos às famílias Calmon Freire de Carvalho Costa Pinto também ao professor Bernardino de Sousa do Instituto Histórico a frei Filoteu superior do convento dos Franciscanos e à preta Maria Inácia que me prestou interessantes esclarecimentos sobre o trajo das baianas e a decoração dos tabuleiros Une cuisine et unepolitesse Oui les deuxsignes de vieille civilisation lembrome de ter aprendido em um livro francês É justamente a melhor lembrança que conservo da Bahia a da sua polidez e a da sua cozinha Duas expressões de civilização patriarcal que lá se sentem hoje como em nenhuma outra parte do Brasil Foi a Bahia que nos deu alguns dos maiores estadistas e diplomatas do Império e os pratos mais saborosos da cozinha brasileira em lugar nenhum se preparam tão bem como nas velhas casas de Salvador e do Recôncavo Realizados os cursos que por iniciativa do professor Percy Alvin Martin me foram confiados na Universidade de Stanford um de conferências outro de seminário cursos que me puseram em contato com um grupo de estudantes moças e rapazes animados da mais viva curiosidade intelectual regressei da Califórnia a Nova Iorque por um caminho novo para mim através do Novo México do Arizona do Texas de toda uma região que ao brasileiro do Norte recorda nos seus trechos mais acres os nossos sertões ouriçados de mandacarus e de xiquexiques Descampados em que a vegetação parece uns enormes cacos de garrafa de um verde duro às vezes sinistro espetados na areia seca Mas regressando pela fronteira mexicana visava menos a esta sensação de paisagem sertaneja que a do velho Sul escravocrata Este se alcança ao chegar o transcontinental aos canaviais e alagadiços da Luisiana Alabama Mississipi as Carolinas Virgínia o chamado deep South Região onde o regime patriarcal de economia criou quase o mesmo tipo de aristocrata e de casa grande quase o mesmo tipo de escravo e de senzala que no Norte do Brasil e em certos trechos do Sul o mesmo gosto pelo sofá pela cadeira de balanço pela boa cozinha pela mulher pelo cavalo pelo jogo que sofreu e guarda as cicatrizes quando não as feridas abertas ainda sangrando do mesmo regime devastador de exploração agrária o fogo a derrubada a coivara a lavoura parasita da natureza2 no dizer de Monteiro Baena referindose ao Brasil A todo estudioso da formação patriarcal e da economia escravocrata do Brasil impõese o conhecimento do chamado deep South As mesmas influências de técnica de produção e de trabalho a monocultura e a escravidão uniramse naquela parte inglesa da América como nas Antilhas e na Jamaica para produzir resultados sociais semelhantes aos que se verificam entre nós Às vezes tão semelhantes que só varia o acessório as diferenças de língua de raça e de forma de religião Tive a fortuna de realizar parte da minha excursão pelo sul dos Estados Unidos na companhia de dois antigos colegas da Universidade de Colúmbia Ruediger Bilden e Francis Butler Simkins O primeiro vem se especializando com o rigor e a fleuma de sua cultura germânica no estudo da escravidão na América em geral e no Brasil em particular o segundo no estudo dos efeitos da abolição nas Carolinas assunto que acaba de fixar em livro interessantíssimo escrito em colaboração com Robert Hilliard Woody South Carolina during reconstruction Chapei Hill 1932 Devo aos meus dois amigos principalmente a Ruediger Bilden sugestões valiosas para este trabalho e ao seu nome devo associar o de outro colega Ernest Weaver meu companheiro de estudos de antropologia no curso do professor Franz Boas O professor Franz Boas é a figura de mestre de que me ficou até hoje maior impressão Conhecio nos meus primeiros dias em Colúmbia Creio que nenhum estudante russo dos românticos do século XIX preocupouse mais intensamente pelos destinos da Rússia do que eu pelos do Brasil na fase em que conheci Boas Era como se tudo dependesse de mim e dos de minha geração da nossa maneira de resolver questões seculares E dos problemas brasileiros nenhum que me inquietasse tanto como o da miscigenação Vi uma vez depois de mais de três anos maciços de ausência do Brasil um bando de marinheiros nacionais mulatos e cafuzos descendo não me lembro se do São Paulo ou do Minas pela neve mole de Brooklyn Deramme a impressão de caricaturas de homens E veiome à lembrança a frase de um livro de viajante americano que acabara de ler sobre o Brasil thefearfully mongrel aspect of most of thepopulation A miscigenação resultava naquilo Faltoume quem me dissesse então como em 1929 RoquettePinto aos arianistas do Congresso Brasileiro de Eugenia que não eram simplesmente mulatos ou cafuzos os indivíduos que eu julgava representarem o Brasil mas cafuzos e mulatos doentes Foi o estudo de antropologia sob a orientação do professor Boas que primeiro me revelou o negro e o mulato no seu justo valor separados dos traços de raça os efeitos do ambiente ou da experiência cultural Aprendi a considerar fundamental a diferença entre raça e cultura a discriminar entre os efeitos de relações puramente genéticas e os de influências sociais de herança cultural e de meio Neste critério de diferenciação fundamental entre raça e cultura assenta todo o plano deste ensaio Também no da diferenciação entre hereditariedade de raça e hereditariedade de família Por menos inclinados que sejamos ao materialismo histórico tantas vezes exagerado nas suas generalizações principalmente em trabalhos de sectários e fanáticos temos que admitir influência considerável embora nem sempre preponderante da técnica da produção econômica sobre a estrutura das sociedades na caracterização da sua fisionomia moral É uma influência sujeita a reação de outras porém poderosa como nenhuma na capacidade de aristocratizar ou de democratizar as sociedades de desenvolver tendências para a poligamia ou a monogamia para a estratificação ou a mobilidade Muito do que se supõe nos estudos ainda tão flutuantes de eugenia e de cacogenia resultado de traços ou taras hereditárias preponderando sobre outras influências devese antes associar à persistência através de gerações de condições econômicas e sociais favoráveis ou desfavoráveis ao desenvolvimento humano Lembra Franz Boas que admitida a possibilidade da eugenia eliminar os elementos indesejáveis de uma sociedade a seleção eugênica deixaria de suprimir as condições sociais responsáveis pelos proletariados miseráveis gente doente e mal nutrida e persistindo tais condições sociais de novo se formariam os mesmos proletariados No Brasil as relações entre os brancos e as raças de cor foram desde a primeira metade do século XVI condicionadas de um lado pelo sistema de produção econômica a monocultura latifundiária do outro pela escassez de mulheres brancas entre os conquistadores O açúcar não só abafou as indústrias democráticas de paubrasil e de peles como esterilizou a terra em uma grande extensão em volta aos engenhos de cana para os esforços de policultura e de pecuária E exigiu uma enorme massa de escravos A criação de gado com possibilidade de vida democrática deslocouse para os sertões Na zona agrária desenvolveuse com a monocultura absorvente uma sociedade semifeudal uma minoria de brancos e brancarões dominando patriarcais polígamos do alto das casasgrandes de pedra e cal não só os escravos criados aos magotes nas senzalas como os lavradores de partido os agregados moradores de casas de taipa e de palhas4 vassalos das casasgrandes em todo o rigor da expressão Vencedores no sentido militar e técnico sobre as populações indígenas dominadores absolutos dos negros importados da África para o duro trabalho da bagaceira os europeus e seus descendentes tiveram entretanto de transigir com índios e africanos quanto às relações genéticas e sociais A escassez de mulheres brancas criou zonas de confraternização entre vencedores e vencidos entre senhores e escravos Sem deixarem de ser relações as dos brancos com as mulheres de cor de superiores com inferiores e no maior número de casos de senhores desabusados e sádicos com escravas passivas adoçaramse entretanto com a necessidade experimentada por muitos colonos de constituírem família dentro dessas circunstâncias e sobre essa base A miscigenação que largamente se praticou aqui corrigiu a distância social que de outro modo se teria conservado enorme entre a casagrande e a mata tropical entre a casagrande e a senzala O que a monocultura latifundiária e escravocrata realizou no sentido de aristocratização extremando a sociedade brasileira em senhores e escravos com uma rala e insignificante lambujem de gente livre sanduichada entre os extremos antagônicos foi em grande parte contrariado pelos efeitos sociais da miscigenação A índia e a negramina a princípio depois a mulata a cabrocha a quadrarona a oitavona tornandose caseiras concubinas e até esposas legítimas dos senhores brancos agiram poderosamente no sentido de democratização social no Brasil Entre os filhos mestiços legítimos e mesmo ilegítimos havidos delas pelos senhores brancos subdividiuse parte considerável das grandes propriedades quebrandose assim a força das sesmarias feudais e dos latifúndios do tamanho de reinos Ligamse à monocultura latifundiária males profundos que têm comprometido através de gerações a robustez e a eficiência da população brasileira cuja saúde instável incerta capacidade de trabalho apatia perturbações de crescimento tantas vezes são atribuídas à miscigenação Entre outros males o mau suprimento de víveres frescos obrigando grande parte da população ao regime de deficiência alimentar caracterizado pelo abuso do peixe seco e de farinha de mandioca a que depois se juntou a carne de charque ou então ao incompleto e perigoso de gêneros importados em condições péssimas de transporte tais como as que precederam a navegação a vapor e o uso recentíssimo de câmaras frigoríficas nos vapores A importância da hiponutrição destacada por Armitage McCollurn e Simmonds e recentemente por Escudero8 da fome crônica originada não tanto da redução em quantidade como dos defeitos da qualidade dos alimentos traz a problemas indistintamente chamados decadência ou inferioridade de raças novos aspectos e graças a Deus maiores possibilidades de solução Salientamse entre as conseqüências da hiponutrição a diminuição da estatura do peso e do perímetro torácico deformações esqueléticas descalcificação dos dentes insuficiências tiróidea hipofisária e gonadial provocadoras da velhice prematura fertilidade em geral pobre apatia não raro infecundidade Exatamente os traços de vida estéril e de físico inferior que geralmente se associam às subraças ao sangue maldito das chamadas raças inferiores Não se devem esquecer outras influências sociais que aqui se desenvolveram com o sistema patriarcal e escravocrata de colonização a sífilis por exemplo responsável por tantos dos mulatos doentes de que fala RoquettePinto e a que Ruediger Bilden atribui grande importância no estudo da formação brasileira A formação patriarcal do Brasil explicase tanto nas suas virtudes como nos seus defeitos menos em termos de raça e de religião do que em termos econômicos de experiência de cultura e de organização da família que foi aqui a unidade colonizadora Economia e organização social que às vezes contrariaram não só a moral sexual católica como as tendências semitas do português aventureiro para a mercancia e o tráfico Spengler salienta que uma raça não se transporta de um continente a outro seria preciso que se transportasse com ela o meio físico E recorda a propósito os resultados dos estudos de Gould e de Baxter e os de Boas no sentido da uniformização da média de estatura do tempo médio de desenvolvimento e até possivelmente a estrutura de corpo e da forma de cabeça a que tendem indivíduos de várias procedências reunidos sob as mesmas condições de meio físico De condições bioquímicas talvez mais do que físicas as modificações por efeito possivelmente de meio verificadas em descendentes de imigrantes como nos judeus sicilianos e alemães estudados por Boas nos Estados Unidos10 parecem resultar principalmente do que Wissler chama de influência do biochemical contentu Na verdade vai adquirindo cada vez maior importância o estudo sob o critério da bioquímica das modificações apresentadas pelos descendentes de imigrantes em clima ou meio novo rápidas alterações parecendo resultar do iodo que contenha o ambiente O iodo agiria sobre as secreções da glândula tiróide E o sistema de alimentação teria uma importância considerável na diferenciação dos traços físicos e mentais dos descendentes de imigrantes Admitida a tendência do meio físico e principalmente do bioquímico biochemical content no sentido de recriar à sua imagem os indivíduos que lhe cheguem de várias procedências não se deve esquecer a ação dos recursos técnicos dos colonizadores em sentido contrário no de impor ao meio formas e acessórios estranhos de cultura que lhes permitem conservarse o mais possível como raça ou cultura exótica O sistema patriarcal de colonização portuguesa do Brasil representado pela casagrande foi um sistema de plástica contemporização entre as duas tendências Ao mesmo tempo que exprimiu uma imposição imperialista da raça adiantada à atrasada uma imposição de formas européias já modificadas pela experiência asiática e africana do colonizador ao meio tropical representou uma contemporização com as novas condições de vida e de ambiente A casa grande de engenho que o colonizador começou ainda no século XVI a levantar no Brasil grossas paredes de taipa ou de pedra e cal coberta de palha ou de telhavã alpendre na frente e dos lados telhados caídos em um máximo de proteção contra o sol forte e as chuvas tropicais não foi nenhuma reprodução das casas portuguesas mas uma expressão nova correspondendo ao nosso ambiente físico e a uma fase surpreendente inesperada do imperialismo português sua atividade agrária e sedentária nos trópicos seu patriarcalismo rural e escravocrata Desde esse momento que o português guardando embora aquela saudade do reino que Capistrano de Abreu chamou transoceanismo tornouse lusobrasileiro o fundador de uma nova ordem econômica e social o criador de um novo tipo de habitação Basta compararse a planta de uma casagrande brasileira do século XVI com a de um solar lusitano do século XV para sentirse a diferença enorme entre o português do reino e o português do Brasil Distanciado o brasileiro do reinol por um século apenas de vida patriarcal e de atividade agrária nos trópicos já é quase outra raça exprimindose em outro tipo de casa Como diz Spengler para quem o tipo de habitação apresenta valor históricosocial superior ao da raça à energia do sangue que imprime traços idênticos através da sucessão dos séculos devese acrescentar a força cósmica misteriosa que enlaça num mesmo ritmo os que convivem estreitamente unidos Esta força na formação brasileira agiu do alto das casasgrandes que foram centros de coesão patriarcal e religiosa os pontos de apoio para a organização nacional A casagrande completada pela senzala representa todo um sistema econômico social político de produção a monocultura latifundiária de trabalho a escravidão de transporte o carro de boi o bangüê a rede o cavalo de religião o catolicismo de família com capelão subordinado ao paterfamílias culto dos mortos etc de vida sexual e de família o patriarcalismo polígamo de higiene do corpo e da casa o tigre a touceira de bananeira o banho de rio o banho de gamela o banho de assento o lavapés de política o compadrismo Foi ainda fortaleza banco cemitério hospedaria escola santa casa de misericórdia amparando os velhos e as viúvas recolhendo órfãos Desse patriarcalismo absorvente dos tempos coloniais a casagrande do engenho Noruega em Pernambuco cheia de salas quartos corredores duas cozinhas de convento despensa capela puxadas pareceme expressão sincera e completa Expressão do patriarcalismo já repousado e pacato do século XVIII sem o ar de fortaleza que tiveram as primeiras casasgrandes do século XVI Nas fazendas estavase como num campo de guerra escreve Teodoro Sampaio referindose ao primeiro século de colonização Os ricoshomens usavam proteger as suas vivendas e solares por meio de duplas e poderosas estacas à moda do gentio guarnecidas pelos fâmulos os apaniguados e índios escravos e servindo até para os vizinhos quando de súbito acossados pelos bárbaros Nos engenhos dos fins do século XVII e do século XVIII estavase porém como em um convento português uma grande fazenda com funções de hospedaria e de santa casa Nem mesmo o não sei quê de retraído das casas dos princípios do século XVII com alpendres como que trepados em pernas de pau verificase nas habitações dos fins desse século do XVIII e da primeira metade do XIX casas quase de todo desmilitarizadas acentuadamente paisanas oferecendose aos estranhos em uma hospitalidade fácil derramada Até mesmo nas estâncias do Rio Grande Nicolau Dreys foi encontrar em princípios do século XIX o costume dos conventos medievais de tocarse um sino à hora da comida serve elle para avisar o viajante vagando pelo campo ou o desvalido da visinhança que pode chegar à mesa do dono que está se apromptando e com effeito assentase quem quer a essa mesa de hospitalidade Nunca o dono repelle a ninguém nem sequer perguntaselhe quem he Não me parece inteiramente com a razão José Mariano Filho ao afirmar que a nossa arquitetura patriarcal não fez senão seguir o modelo da religiosa aqui desenvolvida pelos jesuítas15 os inimigos terríveis dos senhores de engenho O que a arquitetura das casasgrandes adquiriu dos conventos foi antes certa doçura e simplicidade franciscana Fato que se explica pela identidade de funções entre uma casa de senhor de engenho e um convento típico de frades de São Francisco A arquitetura jesuítica e de igreja foi não há dúvida e nisto me encontro de inteiro acordo com José Mariano Filho a expressão mais alta e erudita de arquitetura no Brasil colonial Influenciou certamente a da casagrande Esta porém seguindo seu próprio ritmo seu sentido patriarcal e experimentando maior necessidade que a puramente eclesiástica de adaptarse ao meio individualizouse e criou tamanha importância que acabou dominando a arquitetura de convento e de igreja Quebrandolhe o roço jesuítico a verticalidade espanhola para achatála doce humilde subserviente em capela de engenho Dependência da habitação doméstica Se a casagrande absorveu das igrejas e conventos valores e recursos de técnica também as igrejas assimilaram caracteres da casagrande o copiar por exemplo Nada mais interessante que certas igrejas do interior do Brasil com alpendre na frente ou dos lados como qualquer casa de residência Conheço várias em Pernambuco na Paraíba em São Paulo Bem característica é a de São Roque de Serinhaém Ainda mais a capela do engenho Caieiras em Sergipe cuja fisionomia é inteira mente doméstica E em São Paulo a igrejinha de São Miguel ainda dos tempos coloniais A casagrande venceu no Brasil a Igreja nos impulsos que esta a princípio manifestou para ser a dona da terra Vencido o jesuíta o senhor de engenho ficou dominando a colônia quase sozinho O verdadeiro dono do Brasil Mais do que os vicereis e os bispos A força concentrouse nas mãos dos senhores rurais Donos das terras Donos dos homens Donos das mulheres Suas casas representam esse imenso poderio feudal Feias e fortes Paredes grossas Alicerces profundos Óleo de baleia Refere uma tradição nortista que um senhor de engenho mais ansioso de perpetuidade não se conteve mandou matar dois escravos e enterrá los nos alicerces da casa O suor e às vezes o sangue dos negros foi o óleo que mais do que o de baleia ajudou a dar aos alicerces das casasgrandes sua consistência quase de fortaleza O irônico porém é que por falta de potencial humano toda essa solidez arrogante de forma e de material foi muitas vezes inútil na terceira ou quarta geração casas enormes edificadas para atravessar séculos começaram a esfarelarse de podres por abandono e falta de conservação Incapacidade dos bisnetos ou mesmo netos para conservarem a herança ancestral Vêemse ainda em Pernambuco as ruínas do grande solar dos barões de Mercês neste até as cavalariças tiveram alicerces de fortaleza Mas toda essa glória virou monturo No fim de contas as igrejas é que têm sobrevivido às casasgrandes Em Massangana o engenho da meninice de Nabuco a antiga casagrande desapareceu esfarelouse a senzala só a capelinha antiga de São Mateus continua de pé com os seus santos e as suas catacumbas O costume de se enterrarem os mortos dentro de casa na capela que era uma puxada da casa é bem característico do espírito patriarcal de coesão de família Os mortos continuavam sob o mesmo teto que os vivos Entre os santos e as flores devotas Santos e mortos eram afinal parte da família Nas cantigas de acalanto portuguesas e brasileiras as mães não hesitaram nunca em fazer dos seus filhinhos uns irmãos mais moços de Jesus com os mesmos direitos aos cuidados de Maria às vigílias de José às patetices de vovó de SanfAna A São José encarregase com a maior semcerimônia de embalar o berço ou a rede da criança Embala José embala que a Senhora logo vem foi lavar seu cueirinho no riacho de Belém E a SantAna de ninar os meninozinhos no colo Senhora SantAna ninai minha filha vede que lindeza e que maravilha Esta menina não dorme na cama dorme no regaço da Senhora SantAna E tinhase tanta liberdade com os santos que era a eles que se confiava a guarda das terrinas de doce e de melado contra as formigas Em louvor de São Bento que não venham as formigas cá dentro escreviase em um papel que se deixava à porta do guardacomida E em papéis que se grudavam às janelas e às portas Jesus Maria José rogai por nós que recorremos a vós Quando se perdia um dedal uma tesoura uma moedinha Santo Antônio que desse conta do objeto perdido Nunca deixou de haver no patriarcalismo brasileiro ainda mais que no português perfeita intimidade com os santos O Menino Jesus só faltava engatinhar com os meninos da casa lambuzarse na geléia de araçá ou goiaba brincar com os moleques As freiras portuguesas nos seus êxtases sentiam no muitas vezes no colo brincando com as costuras ou provando dos doces16 Abaixo dos santos e acima dos vivos ficavam na hierarquia patriarcal os mortos governando e vigiando o mais possível a vida dos filhos netos bisnetos Em muita casagrande conservavamse seus retratos no santuário entre as imagens dois santos com direito à mesma luz votiva de lamparina de azeite e às mesmas flores devotas Também se conservavam às vezes as trancas das senhoras os cachos dos meninos que morriam anjos Um culto doméstico dos mortos que lembra o dos antigos gregos e romanos Mas a casagrande patriarcal não foi apenas fortaleza capela escola oficina santa casa harém convento de moças hospedaria Desempenhou outra função importante na economia brasileira foi também banco Dentro das suas grossas paredes debaixo dos tijolos ou mosaicos no chão enterravase dinheiro guardavamse jóias ouro valores Às vezes guardavamse jóias nas capelas enfeitando os santos Daí Nossas Senhoras sobrecarregadas à baiana de tetéias balangandãs corações cavalinhos cachorrinhos e correntes de ouro Os ladrões naqueles tempos piedosos raramente ousavam entrar nas capelas e roubar os santos É verdade que um roubou o esplendor e outras jóias de São Benedito mas sob o pretexto ponderável para a época de que negro não devia ter luxo Com efeito chegou a proibirse nos tempos coloniais o uso de ornatos de algum luxo pelos negros17 Por segurança e precaução contra os corsários contra os excessos demagógicos contra as tendências comunistas dos indígenas e dos africanos os grandes proprietários nos seus zelos exagerados de privativismo enterraram dentro de casa as jóias e o ouro do mesmo modo que os mortos queridos Os dois fortes motivos das casas grandes acabarem sempre malassombradas com cadeiras de balanço se balançando sozinhas sobre tijolos soltos que de manhã ninguém encontra com barulho de pratos e copos batendo de noite nos aparadores com almas de senhores de engenho aparecendo aos parentes ou mesmo estranhos pedindo padresnossos avemarias gemendo lamentações indicando lugares com botijas de dinheiro Às vezes dinheiro dos outros de que os senhores ilicitamente se haviam apoderado Dinheiro que compadres viúvas e até escravos lhes tinham entregue para guardar Sucedeu muita dessa gente ficar sem os seus valores e acabar na miséria devido à esperteza ou à morte súbita do depositário Houve senhores sem escrúpulos que aceitando valores para guardar fingiramse depois de estranhos e desentendidos Você está maluco Deume lá alguma cousa para guardar18 Muito dinheiro enterrado sumiu misteriosamente Joaquim Nabuco criado por sua madrinha na casagrande de Massangana morreu sem saber que destino tomara a ourama para ele reunida pela boa senhora e provavelmente enterrada em algum desvão de parede Já ministro em Londres um padre velho faloulhe do tesouro que Da Ana Rosa juntara para o afilhado querido Mas nunca se encontrou uma libra sequer Em várias casasgrandes da Bahia de Olinda de Pernambuco se têm encontrado em demolições ou escavações botijas de dinheiro Na que foi dos Pires dÁvila ou Pires de Carvalho na Bahia achouse em um recanto de parede verdadeira fortuna em moedas de ouro Em outras casasgrandes só se têm desencavado do chão ossos de escravos justiçados pelos senhores e mandados enterrar no quintal ou dentro de casa à revelia das autoridades Contase que o visconde de Suaçuna na sua casagrande de Pombal mandou enterrar no jardim mais de um negro supliciado por ordem de sua justiça patriarcal Não é de admirar Eram senhores os das casasgrandes que mandavam matar os próprios filhos Um desses patriarcas Pedro Vieira já avô por descobrir que o filho mantinha relações com a mucama de sua predileção mandou matálo pelo irmão mais velho Como Deus foi servido que eu mandasse matar meu filho escreveu ao padre coadjutor de Canavieira depois de cumprida a ordem terrível Também os frades desempenharam funções de banqueiros nos tempos coloniais Muito dinheiro se deu para guardar aos frades nos seus conventos20 duros e inacessíveis como fortalezas Daí as lendas tão comuns no Brasil de subterrâneos de convento com dinheiro ainda por desenterrar Mas foram principalmente as casasgrandes que se fizeram de bancos na economia colonial e são quase sempre almas penadas de senhores de engenho que aparecem pedindo padresnossos e avemarias Os malassombrados das casasgrandes se manifestam por visagens e ruídos que são quase os mesmos por todo o Brasil Pouco antes de desaparecer estupidamente dinamitada a casagrande de Megaípe tive ocasião de recolher entre os moradores dos arredores histórias de assombrações ligadas ao velho solar do século XVII Eram barulhos de louça que se ouviam na sala de jantar risos alegres de dança na sala de visita tilintar de espadas rugeruge de sedas de mulher luzes que se acendiam e se apagavam de repente por toda a casa gemidos rumor de correntes se arrastando choro de menino fantasmas do tipo crescemíngua Assombrações semelhantes me informaram no Rio de Janeiro e em São Paulo povoar os restos de casasgrandes do vale do Paraíba E no Recife da capela da casa grande que foi de Bento José da Costa assegurame um antigo morador do sítio que toda noite à meianoite costuma sair montada em um burro como Nossa Senhora uma moça muito bonita vestida de branco Talvez a filha do velho Bento que ele por muito tempo não quis que casasse com Domingos José Martins fugindo à tirania patriarcal Porque os malassombrados costumam reproduzir as alegrias os sofrimentos os gestos mais característicos da vida nas casasgrandes Em contraste com o nomadismo aventureiro dos bandeirantes em sua maioria mestiços de brancos com índios os senhores das casasgrandes representaram na formação brasileira a tendência mais caracteristicamente portuguesa isto é pédeboi no sentido de estabilidade patriarcal Estabilidade apoiada no açúcar engenho e no negro senzala Não que estejamos a sugerir uma interpretação étnica da formação brasileira ao lado da econômica Apenas acrescentando a um sentido puramente material marxista dos fatos ou antes das tendências um sentido psicológico Ou psicofisiológico Os estudos de Cannon22 por um lado e por outro os de Keith23 parecem indicar que atuam sobre as sociedades como sobre os indivíduos independente de pressão econômica forças psicofisiológicas suscetíveis ao que se supõe de controle pelas futuras elites científicas dor medo raiva ao lado das emoções de fome sede sexo Forças de uma grande intensidade de repercussão Assim o islamismo no seu furor imperialista nas formidáveis realizações na sua exaltação mística dos prazeres sensuais terá sido não só a expressão de motivos econômicos como de forças psicológicas que se desenvolveram de modo especial entre populações do norte da África Do mesmo modo o movimento das bandeiras em que emoções generalizadas de medo e raiva se teriam afirmado em reações de superior combatividade O português mais puro que se fixou em senhor de engenho apoiado antes no negro do que no índio representa talvez na sua tendência para a estabilidade uma especialização psicológica em contraste com a do índio e a do mestiço de índio com português para a mobilidade Isto sem deixarmos de reconhecer o fato de que em Pernambuco e no Recôncavo a terra se apresentou excepcionalmente favorável para a cultura intensa do açúcar e para a estabilidade agrária e patriarcal A verdade é que em torno dos senhores de engenho criouse o tipo de civilização mais estável na América hispânica e esse tipo de civilização ilustrao a arquitetura gorda horizontal das casasgrandes Cozinhas enormes vastas salas de jantar numerosos quartos para filhos e hóspedes capela puxadas para acomodação dos filhos casados camarinhas no centro para a reclusão quase monástica das moças solteiras gineceu copiar senzala O estilo das casasgrandes estilo no sentido spengleriano pode ter sido de empréstimo sua arquitetura porém foi honesta e autêntica Brasileirinha da Silva Teve alma Foi expressão sincera das necessidades dos interesses do largo ritmo de vida patriarcal que os proventos do açúcar e o trabalho eficiente dos negros tornaram possível Essa honestidade essa largueza sem luxo das casasgrandes sentiramna vários dos viajantes estrangeiros que visitaram o Brasil colonial Desde Dampier a Maria Graham Maria Graham ficou encantada com as casas de residência dos arredores do Recife e com as de engenho do Rio de Janeiro só a impressionou mal o número excessivo de gaiolas de papagaio e de passarinho penduradas por toda parte Mas estes exageros de gaiolas de papagaio animando a vida de família do que hoje se chamaria cor local e os papagaios tão bemeducados acrescenta Mrs Graham que raramente gritavam ao mesmo tempo24 Aliás em matéria de domesticação patriarcal de animais d Assier observou exemplo ainda mais expressivo macacos tomando a bênção aos moleques do mesmo modo que estes aos negros velhos e os negros velhos aos senhores brancos A hierarquia das casasgrandes estendendose aos papagaios e aos macacos A casagrande embora associada particularmente ao engenho de cana ao patriarcalismo nortista não se deve considerar expressão exclusiva do açúcar mas da monocultura escravocrata e latifundiária em geral crioua no Sul o café tão brasileiro como no Norte o açúcar Percorrendose a antiga zona fluminense e paulista dos cafezais sentese nos casarões em ruínas nas terras ainda sangrando das derrubadas e dos processos de lavoura latifundiária a expressão do mesmo impulso econômico que em Pernambuco criou as casasgrandes de Megaípe de Anjos de Noruega de Monjope de Gaipió de Morenos e devastou parte considerável da região chamada da mata Notamse é certo variações devidas umas a diferenças e clima outras a contrastes psicológicos e ao fato da monocultura latifundiária ter sido em São Paulo pelo menos um regime sobreposto no fim do século XVIII ao da pequena propriedade26 Não nos deve passar despercebido o fato de que enquanto os habitantes do Norte procuravam para habitações os lugares altos os pendores das serras os paulistas pelo comum preferiam as baixadas as depressões do solo para a edificação de suas vivendas 27 Eram casas as paulistas sempre construídas em terreno íngreme de forte plano inclinado protegidas do vento sul de modo que do lado de baixo o prédio tinha um andar térreo o que lhe dava desse lado aparência de sobrado Surpreendese nos casarões do Sul um ar mais fechado e mais retraído do que nas casas nortistas mas o terraço de onde com a vista o fazendeiro abarcava todo o organismo da vida rural é o mesmo do Norte o mesmo terraço hospitaleiro patriarcal e bom A sala de jantar e a cozinha as mesmas salas e cozinhas de convento Os sobrados que viajandose de Santos ao Rio em vapor pequeno que venha parando em todos os portos avistamse à beira da água em Ubatuba São Sebastião Angra dos Reis recordam os patriarcais de rio Formoso E às vezes como no Norte encontramse igrejas com alpendre na frente convidativas doces brasileiras A história social da casagrande é a história íntima de quase todo brasileiro da sua vida doméstica conjugai sob o patriarcalismo escravocrata e polígamo da sua vida de menino do seu cristianismo reduzido à religião de família e influenciado pelas crendices da senzala O estudo da história íntima de um povo tem alguma coisa de introspecção proustiana os Goncourt já o chamavam ce roman vraf O arquiteto Lúcio Costa diante das casas velhas de Sabará São João delRei Ouro Preto Mariana das velhas casasgrandes de Minas foi a impressão que teve A gente como que se encontra E se lembra de coisas que a gente nunca soube mas que estavam lá dentro de nós não sei Proust devia explicar isso direito Nas casasgrandes foi até hoje onde melhor se exprimiu o caráter brasileiro a nossa continuidade social No estudo da sua história íntima desprezase tudo o que a história política e militar nos oferece de empolgante por uma quase rotina de vida mas dentro dessa rotina é que melhor se sente o caráter de um povo Estudando a vida doméstica dos antepassados sentimonos aos poucos nos completar é outro meio de procurarse o tempo perdido Outro meio de nos sentirmos nos outros nos que viveram antes de nós e em cuja vida se antecipou a nossa É um passado que se estuda tocando em nervos um passado que emenda com a vida de cada um uma aventura de sensibilidade não apenas um esforço de pesquisa pelos arquivos Isto é claro quando se consegue penetrar na intimidade mesma do passado surpreendêlo nas suas verdadeiras tendências no seu à vontade caseiro nas suas expressões mais sinceras O que não é fácil em países como o Brasil aqui o confessionário absorveu os segredos pessoais e de família estancando nos homens e principalmente nas mulheres essa vontade de se revelarem aos outros que nos países protestantes prove o estudioso de história íntima de tantos diários confidencias cartas memórias autobiografias romances autobiográficos Creio que não há no Brasil um só diário escrito por mulher Nossas avós tantas delas analfabetas mesmo quando baronesas e viscondessas satisfaziamse em contar os segredos ao padre confessor e à mucama de estimação e a sua tagarelice dissolveuse quase toda nas conversas com as pretas boceteiras nas tardes de chuva ou nos meiosdias quentes morosos Debalde se procuraria entre nós um diário de dona de casa cheio de gossip no gênero dos ingleses e dos norteamericanos dos tempos coloniais Em compensação a Inquisição escancarou sobre nossa vida íntima da era colonial sobre as alcovas com camas que em geral parecem ter sido de couro rangendo às pressões dos adultérios e dos coitos danados sobre as camarinhas e os quartos de santos sobre as relações de brancos com escravos seu olho enorme indagador As confissões e denúncias reunidas pela visitação do Santo Ofício às partes do Brasil30 constituem material precioso para o estudo da vida sexual e de família no Brasil dos séculos XVI e XVII Indicamnos a idade das moças casarem doze quatorze anos o principal regalo e passatempo dos colonos o jogo de gamão a pompa dramática das procissões homens vestidos de Cristo e de figuras da Paixão e devotos com caixas de doce dando de comer aos penitentes Deixamnos surpreender entre as heresias dos cristãosnovos e das santidades entre os bruxedos e as festas gaiatas dentro das igrejas com gente alegre sentada pelos altares entoando trovas e tocando viola irregularidades na vida doméstica e moral cristã da família homens casados casandose outra vez com mulatas outros pecando contra a natureza com efebos da terra ou da Guiné ainda outros cometendo com mulheres a torpeza que em moderna linguagem científica se chama como nos livros clássicos felação e que nas denúncias vem descrita com todos osffe rr desbocados jurando pelo pentelho da Virgem sogras planejando envenenar os genros cristãosnovos metendo crucifixos por baixo do corpo das mulheres no momento da cópula ou deitandoos nos urinóis senhores mandando queimar vivas em fornalhas de engenho escravas prenhes as crianças estourando ao calor das chamas Também houve isto no século XVIII e no XIX esquisitões Pepys de meiatigela que tiveram a pachorra de colecionar em cadernos gossip e mexericos chamavamse recolhedores de fatos Manuel Querino falanos deles com relação à Bahia Arrojado Lisboa em conversa deume notícia de uns cadernos desses relativos a Minas31 e em Pernambuco na antiga zona rural tenho encontrado traços de recolhedores de fatos Alguns recolhedores de fatos antecipandose aos pasquins colecionavam casos vergonhosos que em momento oportuno serviam para emporcalhar brasões ou nomes respeitáveis Em geral exploravamse os preconceitos de branquidade e de sangue nobre desencavavase alguma remota avó escrava ou mina ou tio que cumpria sentença avô que aqui chegara de sambenito Registravamse irregularidades sexuais e morais de antepassados Até mesmo de senhoras Outros documentos auxiliam o estudioso da história íntima da família brasileira inventários tais como os mandados publicar em São Paulo pelo antigo presidente Washington Luís cartas de sesmaria testamentos correspondências da Corte e ordens reais como as que existem em manuscritos na Biblioteca do Estado de Pernambuco ou dispersas por velhos cartórios e arquivos de família pastorais e relatórios de bispos como o interessantíssimo de frei Luís de Santa Teresa que amarelece em latim copiado em bonita letra eclesiástica no arquivo da catedral de Olinda atas de sessões de Ordens Terceiras confrarias santas casas como as conservadas inacessíveis e inúteis no arquivo da Ordem Terceira de São Francisco no Recife e referentes ao século XVII os Documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo de que tanto se tem servido Afonso de E Taunay para os seus notáveis estudos sobre a vida colonial em São Paulo as atas e o registrogeral da Câmara de São Paulo os livros de assentos de batismo óbitos e casamentos de livres e escravos e os de rol de famílias e autos de processos matrimoniais que se conservam em arquivos eclesiásticos os estudos de genealogia de Pedro Taques em São Paulo e de Borges da Fonseca em Pernambuco relatórios de juntas de higiene documentos parlamentares estudos e teses médicas inclusive as de doutoramento nas faculdades do Rio de Janeiro e da Bahia documentos publicados pelo Arquivo Nacional32 pela Biblioteca Nacional pelo Instituto Histórico Brasileiro na sua Revista e pelos Institutos de São Paulo Pernambuco e da Bahia Tive a fortuna de conseguir não só várias cartas do arquivo da família Paranhos que me foram gentilmente oferecidas pelo meu amigo Pedro Paranhos como o acesso a importante arquivo de família infelizmente já muito danificado pela traça e pela umidade mas com documentos ainda dos tempos coloniais o do engenho Noruega que pertenceu por longos anos ao capitãomor Manuel Tome de Jesus e depois aos seus descendentes Seria para desejar que esses restos de velhos arquivos particulares fossem recolhidos às bibliotecas ou aos museus e que os eclesiásticos e das Ordens Terceiras fossem convenientemente catalogados Vários documentos que permanecem em manuscritos nesses arquivos e bibliotecas devem quanto antes ser publicados É pena sejame lícito observar de passagem que algumas revistas de história dediquem páginas e páginas à publicação de discursos patrióticos e de crônicas literárias quando tanta matéria de interesse rigorosamente histórico permanece desconhecida ou de acesso difícil para os estudiosos Para o conhecimento da história social do Brasil não há talvez fonte de informação mais segura que os livros de viagem de estrangeiros impondose entretanto muita discriminação entre os autores superficiais ou viciados por preconceitos os Thévet os Expilly os Debadie e os bons e honestos da marca de Léry Hans Staden Koster SaintHilaire Rendu Spix Martius Burton Tollenare Gardner Mawe Maria Graham Kidder Fletcher Destes me servi largamente33 valendome de uma familiaridade com esse gênero não sei se diga de literatura muitos são livros malescritos porém deliciosos na sua candura quase infantil que data dos meus dias de estudante das pesquisas para a minha tese Social lie in Brazil in the midle of the 19tb century apresentada em 1923 à Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da Universidade de Colúmbia Trabalho que Henry L Mencken fezme a honra de ler aconselhandome que o expandisse em livro O livro que é este deve esta palavra de estímulo ao mais antiacadêmico dos críticos Volto à questão das fontes para recordar os valiosos dados que se encontram nas cartas dos jesuítas O material publicado já é grande mas deve haver ainda lembrame em carta João Lúcio de Azevedo autoridade no assunto deve haver ainda na sede da Companhia muita coisa inédita Os jesuítas não só foram grandes escritores de cartas muitas delas tocando em detalhes íntimos da vida social dos colonos como procuraram desenvolver nos caboclos e mamelucos seus alunos o gosto epistolar Escrevendo da Bahia em 1552 dizia o jesuíta Francisco Pires sobre as peregrinações dos meninos da terra ao sertão o que eu não escreverei porque o padre lhes mandou que escrevessem aos meninos de Lisboa e porque poderá ser que suas cartas as vejais o não escreverei Seria interessante descobrir essas cartas e ver o que diziam para Lisboa os caboclos do Brasil do século XVI Freqüentemente deparase nas cartas dos jesuítas com uma informação valiosa sobre a vida social no primeiro século de colonização sobre o contato da cultura européia com a indígena e a africana O padre Antônio Pires em carta de 1552 falanos de uma procissão de negros de Guiné em Pernambuco já organizados em confraria do Rosário todos muito em ordem uns traz outros com as mãos sempre alevantadas dizendo todos Orapro nobis O mesmo padre Antônio Pires em carta de Pernambuco datada de 2 de agosto de 1551 referese aos colonos da terra de Duarte Coelho como melhor gente que de todas as outras capitanias outra carta informa que os índios a princípio tinham empacho de dizer Santa Jooçaba que em nossa língua quer dizer pelo Signal da Cruz por lhes parecer aquilo gatimonhas34 Anchieta menciona os muitos bichos peçonhentos que atormentavam a vida doméstica dos primeiros colonos cobras jararacas andando pelas casas e caindo dos telhados sobre as camas e quando os homens despertam se acham com elas enroladas no pescoço e nas pernas e quando se vão a calçar pela manhã as acham nas botas e tanto Anchieta como Nóbrega destacam irregularidades sexuais na vida dos colonos nas relações destes com os indígenas e os negros e mencionam o fato de serem medíocres os mantimentos da terra custando tudo o tresdobro do que em Portugal Anchieta lamenta nos nativos o que Camões já lamentara nos portugueses a falta de engenhos isto é de inteligência acrescida do fato de não estudarem com cuidado e de tudo se levar em festas cantar e folgar salientando ainda a abundância dos doces e regalos laranjada aboborada marmelada etc feitos de açúcar35 Detalhes de um realismo honesto esses que se colhem em grande número nas cartas dos padres por entre as informações de interesse puramente religioso ou devoto Detalhes que nos esclarecem sobre aspectos da vida colonial em geral desprezados pelos outros cronistas Não nos devemos entretanto queixar dos leigos que em crônicas como a de Pero de Magalhães Gandavo e a de Gabriel Soares de Sousa também nos deixam entrever flagrantes expressivos da vida íntima nos primeiros tempos de colonização Gabriel Soares chega a ser pormenorizado sobre as rendas dos senhores de engenho sobre7 o material de suas casas e capelas sobre a alimentação a confeitaria e doçaria das casasgrandes sobre os vestidos das senhoras Um pouco mais e teria dado um bisbilhoteiro quase da marca de Pepys De outras fontes de informações ou simplesmente de sugestões pode servirse o estudioso da vida íntima e da moral sexual no Brasil dos tempos de escravidão do folclore rural nas zonas mais coloridas pelo trabalho escravo dos livros e cadernos manuscritos de modinhas e receitas de bolo36 das coleções de jornais dos livros de etiqueta e finalmente do romance brasileiro que nas páginas de alguns dos seus maiores mestres recolheu muito detalhe interessante da vida e dos costumes da antiga família patriarcal Machado de Assis em Helena Memórias póstumas de Brás Cubas Iaiá Garcia Dom Casmurro e em outros de seus romances e dos seus livros de contos principalmente em Casa Velha publicado recentemente com introdução escrita pela Sra Lúcia Miguel Pereira Joaquim Manuel de Macedo nAs vítimas algozes A moreninha O moço louro As mulheres de mantilha romances cheios de sinhazinhas de iaiás de mucamas José de Alencar em Mãe Lucíola Senhora Demônio familiar Tronco do ipê Sonhos de ouro Pata da gazela Francisco Pinheiro Guimarães na História de uma moça rica e Punição Manuel Antônio de Almeida nas Memórias de um sargento de milícias Raul Pompéia n0 ateneu Júlio Ribeiro rA carne Franklin Távora Agrário de Meneses Martins Pena Américo Werneck França Júnior são romancistas folhetinistas ou escritores de teatro que fixaram com maior ou menor realismo aspectos característicos da vida doméstica e sexual do brasileiro das relações entre senhores e escravos do trabalho nos engenhos das festas e procissões Também os fixou a seu jeito isto é caricaturandoos o poeta satírico do século XVIII Gregório de Matos E em memórias e reminiscências o visconde de Taunay José de Alencar Vieira Fazenda os dois Melo Morais deixaramnos dados valiosos Romances de estrangeiros procurando retratar a vida brasileira do tempo da escravidão existem alguns37 mas nenhum que valha grande coisa do ponto de vista da história social Quanto à iconografia da escravidão e da vida patriarcal está magistralmente feita por artistas da ordem de Franz Post Zacarias Wagener Debret Rugendas sem falarmos de artistas menores e mesmo toscos desenhadores litógrafos gravadores aquarelistas pintores de exvotos que desde o século XVI muitos deles ilustrando livros de viagem reproduziram e fixaram com emoção ou realismo cenas de intimidade doméstica flagrantes de rua e de trabalho rural casasgrandes de engenhos e de sítios tipos de senhoras de escravos de mestiços38 Dos últimos cinqüenta anos da escravidão restamnos além de retratos a óleo daguerreótipos e fotografias fixando perfis aristocráticos de senhores nas suas gravatas de volta de sinhádonas e sinhámoças de penteados altos tapamissa no cabelo meninas no dia da primeira comunhão todas de branco luvas grinalda véu livrinho de missa rosário grupos de família as grandes famílias patriarcais com avós netos adolescentes de batina de seminarista meninotas abafadas em sedas de senhoras de idade Não devo estender este prefácio que tanto se vai afastando do seu propósito de simplesmente dar uma idéia geral do plano e do método do ensaio que se segue das condições em que foi escrito Ensaio de sociologia genética e de história social pretendendo fixar e às vezes interpretar alguns dos aspectos mais significativos da formação da família brasileira O propósito de condensar em um só volume todo o trabalho não o consegui infelizmente realizar O material esborrou excedendo os limites razoáveis de um livro Fica para um segundo o estudo de outros aspectos do assunto que aliás admite desenvolvimento ainda maior A interpretação por exemplo do 1900 brasileiro das atitudes das tendências dos preconceitos da primeira geração brasileira depois da Lei do Ventre Livre e da debâcle de 88 deve ser feita relacionandose as reações antimonárquicas da classe proprietária seus pendores burocráticos a tendência do grande número para as carreiras liberais para o funcionalismo público para as sinecuras republicanas sinecuras em que se perpetuasse a vida de ócio dos filhos de senhores arruinados e desaparecessem as obrigações aviltantes de trabalho manual para os filhos de escravos ansiosos de se distanciarem da senzala relacionandose todo esse regime de burocracia e de improdutividade que no antigo Brasil agrário com exceção das zonas mais intensamente beneficiadas pela imigração européia se seguiu à abolição do trabalho escravo à escravidão e à monocultura Estas continuaram a influenciar a conduta os ideais as atitudes a moral sexual dos brasileiros Aliás a monocultura latifundiária mesmo depois de abolida a escravidão achou jeito de subsistir em alguns pontos do país ainda mais absorvente e esterilizante do que no antigo regime e ainda mais feudal nos abusos Criando um proletariado de condições menos favoráveis de vida do que a massa escrava Roy Nash ficou surpreendido com o fato de haver terras no Brasil nas mãos de um só homem maiores que Portugal inteiro informaramlhe que no Amazonas os Costa Ferreira eram donos de uma propriedade de área mais extensa que a Inglaterra a Escócia e a Irlanda reunidas39 Em Pernambuco e Alagoas com o desenvolvimento das usinas de açúcar o latifúndio só tem feito progredir nos últimos anos subsistindo à sua sombra e por efeito da monocultura a irregularidade e a deficiência no suprimento de víveres carnes leite ovos legumes Em Pernambuco em Alagoas na Bahia continua a consumirse a mesma carne ruim que nos tempos coloniais Ruim e cara40 De modo que da antiga ordem econômica persiste a parte pior do ponto de vista do bemestar geral e das classes trabalhadoras desfeito em 88 o patriarcalismo que até então amparou os escravos alimentouos com certa largueza socorreuos na velhice e na doença proporcionoulhes aos filhos oportunidades de acesso social O escravo foi substituído pelo pária de usina a senzala pelo mucambo o senhor de engenho pelo usineiro ou pelo capitalista ausente Muitas casasgrandes ficaram vazias os capitalistas latifundiários rodando de automóvel pelas cidades morando em chalés suíços e palacetes normandos indo a Paris se divertir com as francesas de aluguel Devo exprimir meus agradecimentos a todos aqueles que me auxiliaram quer no decorrer das pesquisas quer no preparo do manuscrito e na revisão das provas deste ensaio Na revisão do manuscrito e das provas ajudoume principalmente Manuel Bandeira Outro amigo Luís Jardim auxilioume a passar a limpo o manuscrito que entretanto acabou seguindo para o Rio todo riscado e emendado Agradeçolhes o concurso inteligente como também o daqueles que gentilmente me auxiliaram na tradução de trechos antigos de latim de alemão e de holandês e em pesquisas de biblioteca e folclóricas meu pai o Dr Alfredo Freyre meu primo José Antônio Gonsalves de Melo neto meus amigos Júlio de Albuquerque Belo e Sérgio Buarque de Holanda Maria Bernarda que bastante me instruiu em tradições culinárias os exescravos e pretos velhos criados em engenho Luís Mulatinho Maria Curinga Jovina Bernarda Sérgio Buarque traduziu me do alemão quase o trabalho inteiro de Wãtjen Júlio Belo no seu engenho de Queimadas reuniume interessantes dados folclóricos sobre relações de senhores com escravos Sozinho ou na companhia de Pedro Paranhos e Cícero Dias realizei excursões para pesquisas folclóricas ou conhecimento de casasgrandes características por vários trechos da antiga zona aristocrática de Pernambuco Devo deixar aqui meus agradecimentos a quantos me dispensaram sua hospitalidade durante essas excursões Alfredo Machado no engenho Noruega André Dias de Arruda Falcão no engenho Mupã Gerôncio Dias de Arruda Falcão em Dois Leões Júlio Belo em Queimadas a baronesa de Contendas em Contendas Domingos de Albuquerque em Ipojuca Edgar Domingues em Raiz verdadeiro asilo da velhice desamparada onde fui encontrar centenário um e octogenários os outros quatro remanescentes das velhas senzalas de engenho O mais velho Luís Mulatinho com uma memória de anjo De outras zonas já minhas conhecidas velhas recordarei gentilezas recebidas de Joaquim Cavalcanti Júlio Maranhão Pedro Paranhos Ferreira senhor de Juparanduba neto do visconde e sobrinho do barão do Rio Branco Estácio Coimbra José Nunes da Cunha da família Lira em Alagoas da família Pessoa de Melo no norte de Pernambuco dos parentes do meu amigo José Lins do Rego no sul da Paraíba dos meus parentes Sousa e Melo no engenho de São Severino dos Ramos em PaudAlho o primeiro engenho que conheci e que sempre hei de rever com emoção particular Meus agradecimentos a Paulo Prado que me proporcionou tão interessante excursão pela antiga zona escravocrata que se estende do Estado do Rio a São Paulo hospedandome depois ele e Luís Prado na fazenda de café de São Martinho Agradeçolhe também o conselho de regressar de São Paulo ao Rio por mar em vapor pequeno parando nos velhos portos coloniais conselho que lhe costumava dar Capistrano de Abreu O autor do Retrato do Brasil desconfiado e comodista nunca pôs em prática é verdade o conselho do velho caboclo talvez antevendo os horrores a que se sujeitam no afã de conhecer trecho tão expressivo da fisionomia brasileira os ingênuos que se entregam a vapores da marca do Irati Devo ainda agradecer gentilezas recebidas nas bibliotecas arquivos e museus por onde andei vasculhando matéria na Biblioteca Nacional de Lisboa no Museu Etnológico Português organizado e dirigido por um sábio Leite de Vasconcelos na Biblioteca do Congresso em Washington especialmente na seção de documentos na coleção Oliveira Lima da Universidade Católica dos Estados Unidos tão rica em livros raros de viagem sobre a América portuguesa na coleção John Casper Branner da Universidade de Stanford igualmente especializada em livros de cientistas estrangeiros sobre o Brasil cientistas que foram muitas vezes como Saint Hilaire Koster Maria Graham Spix Martius Gardner Mawe e Príncipe Maximiliano excelentes observadores da vida social e de família dos brasileiros na seção de documentos da Biblioteca de Stanford onde me servi da valiosa coleção de relatórios diplomáticos e de documentos parlamentares ingleses41 sobre a vida do escravo nas plantações brasileiras na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro hoje dirigida pelo meu amigo e mestre Rodolfo Garcia na biblioteca do Instituto Histórico Brasileiro onde fui sempre tão gentilmente recebido por Max Fleiuss na do Instituto Arqueológico Pernambucano no Museu Nina Rodrigues da Bahia na seção de documentos da Biblioteca do Estado de Pernambuco no arquivo do cartório de Ipojuca cujos inventários do século XLX constituem interessantes documentações para o estudo da economia escravocrata e da vida de família patriarcal na parte do arquivo da catedral de Olinda manuscritos de pastorais e relatórios de bispos sobre modas moral sexual relações de senhores com escravos etc que o cônego Carmo Barata gentilmente facultou ao meu estudo Agradeço aos meus bons amigos André e Gerôncio Dias de Arruda Falcão e Alfredo Machado teremme franqueado seu arquivo de família no engenho Noruega com documentos virgens do tempo do capitãomor Manuel Tome de Jesus outros da época do barão de Jundiá alguns de vivo interesse para o estudo da vida social dos senhores de engenho das suas relações com os escravos A José Maria Carneiro de Albuquerque e Melo diretor da Biblioteca do Estado de Pernambuco agradeço as excelentes reproduções de Piso Barléus e Henderson que a meu pedido preparou para ilustração deste livro a Cícero Dias e ao arquiteto Carlos Pacheco Leão as plantas da casagrande de Noruega Um nome me falta associar a este ensaio o do meu amigo Rodrigo M F de Andrade Foi quem me animou a escrevêlo e a publicálo Lisboa 1931 Pernambuco 1933 Notas ao prefácio 1 Merecem um estudo à parte os motivos decorativos e porventura místicos que orientam as pretas quituteiras na Bahia em Pernambuco e no Rio de Janeiro no recorte dos papéis azuis encarnados amarelos etc Para enfeite dos tabuleiros e acondicionamento de doces as formas que dão aos bolos alfenins rebuçados etc A decoração dos tabuleiros é uma verdadeira arte de renda em papel feita quase sem molde 2 Antônio Ladislau Monteiro Baena Ensaio corogrãfico sobre a província do Pará Pará 1839 3 Boas salienta o fato de que nas classes de condições econômicas desfavoráveis de vida os indivíduos desenvolvemse lentamente apresentando estatura baixa em comparação com a das classes ricas Entre as classes pobres encontrase uma estatura baixa aparentemente hereditária que entretanto parece suscetível de modificarse uma vez modificadas as condições de vida econômica Encontramse diz Boas proporções do corpo determinadas por ocupações e aparentemente transmitidas de pai a filho no caso do filho seguir a mesma ocupação que o pai Franz Boas Anthropology and modem life Londres 1929 Vejase também a pesquisa de H P Bouditch The growth of children 8h AnnualReportoftheStateBureau ofHealth ofMassachusetts Na Rússia devido à fome de 19211922 resultado não só da má organização das primeiras administrações soviéticas como do bloqueio da Nova República pelos governos capitalistas verificouse considerável diminuição na estatura da população A Ivanovsky Physical modifications of the population of Rússia under famine American Journal of Physical Anthropology ns 41923 Por outro lado os estudos de Hrdlicka na população norteamericana acusam o aumento de estatura Ales Hrdlicka The oldamericans Baltimore 1925 Sobre as diferenças de estatura e de outros característicos físicos e mentais de uma classe social para outra vejase o trabalho clássico de A Niceforo Les classes pauvres Paris 1905 entre os recentes o de Pitirim Sorokin Social mobility Nova Iorque 1927 Quanto à correlação entre a inteligência e a classe social da criança vejase o notável trabalho do professor L M Terman da Universidade de Stanford Genetic studies of genius Stanford University 192519300 interessante nessas diferenças excetuados é claro casos extraordinários é determinar até que ponto são hereditárias ou genéticas ou deixam de sêlo para refletir o favor ou o desfavor sucessivo das condições econômicas do ambiente social e do regime alimentar de ricos e pobres Ou vendose o problema de outro ponto de vista quais as possibilidades de tomaremse hereditariamente transmissíveis qualidades adquiridas e cultivadas através de gerações Dendy salienta que Oliver Wendel Holmes observou terse formado uma aristocracia intelectual e social na Nova Inglaterra pela repetição das mesmas influências geração após geração Arthur Dendy The biological foundation of society Londres 1924 Sobre este ponto vejamse também J A Detlefsen Ourpresent knowkdge of heredity Filadélfia 1925 H S Jennings Prometheus Nova Iorque 1925 C M Child Physiologicalfoundations of behavior Nova Iorque 1924 A J Herrick Neurological foundations of animal behavior Nova Iorque
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Gilberto Freyre Prefácio à 1 Edição de Casa Grande Senzala Em outubro de 1930 ocorreume a aventura do exílio Levoume primeiro à Bahia depois a Portugal com escala pela África O tipo de viagem ideal para os estudos e as preocupações que este ensaio reflete Em Portugal foi surpreenderme em fevereiro de 1931 o convite da Universidade de Stanford para ser um dos seus visiting professors na primavera do mesmo ano Deixei com saudade Lisboa onde desta vez pudera familiarizarme em alguns meses de lazer com a Biblioteca Nacional com as coleções do Museu Etnológico com sabores novos de vinho doporto de bacalhau de doces de freiras Juntandose a isto o gosto de rever Sintra e os Estoris e o de abraçar amigos ilustres Um deles João Lúcio de Azevedo mestre admirável Igual oportunidade tivera na Bahia minha velha conhecida mas só de visitas rápidas Demorandome em Salvador pude conhecer com todo o vagar não só as coleções do Museu Afrobaiano Nina Rodrigues e a arte do trajo das negras quituteiras e a decoração dos seus bolos e tabuleiros como certos encantos mais íntimos da cozinha e da doçaria baiana que escapam aos simples turistas Certos gostos mais finos da velha cozinha das casasgrandes que fez dos fornos dos fogões e dos tabuleiros de bolo da Bahia seu último e Deus queira que invencível reduto Deixo aqui meus agradecimentos às famílias Calmon Freire de Carvalho Costa Pinto também ao professor Bernardino de Sousa do Instituto Histórico a frei Filoteu superior do convento dos Franciscanos e à preta Maria Inácia que me prestou interessantes esclarecimentos sobre o trajo das baianas e a decoração dos tabuleiros Une cuisine et unepolitesse Oui les deuxsignes de vieille civilisation lembrome de ter aprendido em um livro francês É justamente a melhor lembrança que conservo da Bahia a da sua polidez e a da sua cozinha Duas expressões de civilização patriarcal que lá se sentem hoje como em nenhuma outra parte do Brasil Foi a Bahia que nos deu alguns dos maiores estadistas e diplomatas do Império e os pratos mais saborosos da cozinha brasileira em lugar nenhum se preparam tão bem como nas velhas casas de Salvador e do Recôncavo Realizados os cursos que por iniciativa do professor Percy Alvin Martin me foram confiados na Universidade de Stanford um de conferências outro de seminário cursos que me puseram em contato com um grupo de estudantes moças e rapazes animados da mais viva curiosidade intelectual regressei da Califórnia a Nova Iorque por um caminho novo para mim através do Novo México do Arizona do Texas de toda uma região que ao brasileiro do Norte recorda nos seus trechos mais acres os nossos sertões ouriçados de mandacarus e de xiquexiques Descampados em que a vegetação parece uns enormes cacos de garrafa de um verde duro às vezes sinistro espetados na areia seca Mas regressando pela fronteira mexicana visava menos a esta sensação de paisagem sertaneja que a do velho Sul escravocrata Este se alcança ao chegar o transcontinental aos canaviais e alagadiços da Luisiana Alabama Mississipi as Carolinas Virgínia o chamado deep South Região onde o regime patriarcal de economia criou quase o mesmo tipo de aristocrata e de casa grande quase o mesmo tipo de escravo e de senzala que no Norte do Brasil e em certos trechos do Sul o mesmo gosto pelo sofá pela cadeira de balanço pela boa cozinha pela mulher pelo cavalo pelo jogo que sofreu e guarda as cicatrizes quando não as feridas abertas ainda sangrando do mesmo regime devastador de exploração agrária o fogo a derrubada a coivara a lavoura parasita da natureza2 no dizer de Monteiro Baena referindose ao Brasil A todo estudioso da formação patriarcal e da economia escravocrata do Brasil impõese o conhecimento do chamado deep South As mesmas influências de técnica de produção e de trabalho a monocultura e a escravidão uniramse naquela parte inglesa da América como nas Antilhas e na Jamaica para produzir resultados sociais semelhantes aos que se verificam entre nós Às vezes tão semelhantes que só varia o acessório as diferenças de língua de raça e de forma de religião Tive a fortuna de realizar parte da minha excursão pelo sul dos Estados Unidos na companhia de dois antigos colegas da Universidade de Colúmbia Ruediger Bilden e Francis Butler Simkins O primeiro vem se especializando com o rigor e a fleuma de sua cultura germânica no estudo da escravidão na América em geral e no Brasil em particular o segundo no estudo dos efeitos da abolição nas Carolinas assunto que acaba de fixar em livro interessantíssimo escrito em colaboração com Robert Hilliard Woody South Carolina during reconstruction Chapei Hill 1932 Devo aos meus dois amigos principalmente a Ruediger Bilden sugestões valiosas para este trabalho e ao seu nome devo associar o de outro colega Ernest Weaver meu companheiro de estudos de antropologia no curso do professor Franz Boas O professor Franz Boas é a figura de mestre de que me ficou até hoje maior impressão Conhecio nos meus primeiros dias em Colúmbia Creio que nenhum estudante russo dos românticos do século XIX preocupouse mais intensamente pelos destinos da Rússia do que eu pelos do Brasil na fase em que conheci Boas Era como se tudo dependesse de mim e dos de minha geração da nossa maneira de resolver questões seculares E dos problemas brasileiros nenhum que me inquietasse tanto como o da miscigenação Vi uma vez depois de mais de três anos maciços de ausência do Brasil um bando de marinheiros nacionais mulatos e cafuzos descendo não me lembro se do São Paulo ou do Minas pela neve mole de Brooklyn Deramme a impressão de caricaturas de homens E veiome à lembrança a frase de um livro de viajante americano que acabara de ler sobre o Brasil thefearfully mongrel aspect of most of thepopulation A miscigenação resultava naquilo Faltoume quem me dissesse então como em 1929 RoquettePinto aos arianistas do Congresso Brasileiro de Eugenia que não eram simplesmente mulatos ou cafuzos os indivíduos que eu julgava representarem o Brasil mas cafuzos e mulatos doentes Foi o estudo de antropologia sob a orientação do professor Boas que primeiro me revelou o negro e o mulato no seu justo valor separados dos traços de raça os efeitos do ambiente ou da experiência cultural Aprendi a considerar fundamental a diferença entre raça e cultura a discriminar entre os efeitos de relações puramente genéticas e os de influências sociais de herança cultural e de meio Neste critério de diferenciação fundamental entre raça e cultura assenta todo o plano deste ensaio Também no da diferenciação entre hereditariedade de raça e hereditariedade de família Por menos inclinados que sejamos ao materialismo histórico tantas vezes exagerado nas suas generalizações principalmente em trabalhos de sectários e fanáticos temos que admitir influência considerável embora nem sempre preponderante da técnica da produção econômica sobre a estrutura das sociedades na caracterização da sua fisionomia moral É uma influência sujeita a reação de outras porém poderosa como nenhuma na capacidade de aristocratizar ou de democratizar as sociedades de desenvolver tendências para a poligamia ou a monogamia para a estratificação ou a mobilidade Muito do que se supõe nos estudos ainda tão flutuantes de eugenia e de cacogenia resultado de traços ou taras hereditárias preponderando sobre outras influências devese antes associar à persistência através de gerações de condições econômicas e sociais favoráveis ou desfavoráveis ao desenvolvimento humano Lembra Franz Boas que admitida a possibilidade da eugenia eliminar os elementos indesejáveis de uma sociedade a seleção eugênica deixaria de suprimir as condições sociais responsáveis pelos proletariados miseráveis gente doente e mal nutrida e persistindo tais condições sociais de novo se formariam os mesmos proletariados No Brasil as relações entre os brancos e as raças de cor foram desde a primeira metade do século XVI condicionadas de um lado pelo sistema de produção econômica a monocultura latifundiária do outro pela escassez de mulheres brancas entre os conquistadores O açúcar não só abafou as indústrias democráticas de paubrasil e de peles como esterilizou a terra em uma grande extensão em volta aos engenhos de cana para os esforços de policultura e de pecuária E exigiu uma enorme massa de escravos A criação de gado com possibilidade de vida democrática deslocouse para os sertões Na zona agrária desenvolveuse com a monocultura absorvente uma sociedade semifeudal uma minoria de brancos e brancarões dominando patriarcais polígamos do alto das casasgrandes de pedra e cal não só os escravos criados aos magotes nas senzalas como os lavradores de partido os agregados moradores de casas de taipa e de palhas4 vassalos das casasgrandes em todo o rigor da expressão Vencedores no sentido militar e técnico sobre as populações indígenas dominadores absolutos dos negros importados da África para o duro trabalho da bagaceira os europeus e seus descendentes tiveram entretanto de transigir com índios e africanos quanto às relações genéticas e sociais A escassez de mulheres brancas criou zonas de confraternização entre vencedores e vencidos entre senhores e escravos Sem deixarem de ser relações as dos brancos com as mulheres de cor de superiores com inferiores e no maior número de casos de senhores desabusados e sádicos com escravas passivas adoçaramse entretanto com a necessidade experimentada por muitos colonos de constituírem família dentro dessas circunstâncias e sobre essa base A miscigenação que largamente se praticou aqui corrigiu a distância social que de outro modo se teria conservado enorme entre a casagrande e a mata tropical entre a casagrande e a senzala O que a monocultura latifundiária e escravocrata realizou no sentido de aristocratização extremando a sociedade brasileira em senhores e escravos com uma rala e insignificante lambujem de gente livre sanduichada entre os extremos antagônicos foi em grande parte contrariado pelos efeitos sociais da miscigenação A índia e a negramina a princípio depois a mulata a cabrocha a quadrarona a oitavona tornandose caseiras concubinas e até esposas legítimas dos senhores brancos agiram poderosamente no sentido de democratização social no Brasil Entre os filhos mestiços legítimos e mesmo ilegítimos havidos delas pelos senhores brancos subdividiuse parte considerável das grandes propriedades quebrandose assim a força das sesmarias feudais e dos latifúndios do tamanho de reinos Ligamse à monocultura latifundiária males profundos que têm comprometido através de gerações a robustez e a eficiência da população brasileira cuja saúde instável incerta capacidade de trabalho apatia perturbações de crescimento tantas vezes são atribuídas à miscigenação Entre outros males o mau suprimento de víveres frescos obrigando grande parte da população ao regime de deficiência alimentar caracterizado pelo abuso do peixe seco e de farinha de mandioca a que depois se juntou a carne de charque ou então ao incompleto e perigoso de gêneros importados em condições péssimas de transporte tais como as que precederam a navegação a vapor e o uso recentíssimo de câmaras frigoríficas nos vapores A importância da hiponutrição destacada por Armitage McCollurn e Simmonds e recentemente por Escudero8 da fome crônica originada não tanto da redução em quantidade como dos defeitos da qualidade dos alimentos traz a problemas indistintamente chamados decadência ou inferioridade de raças novos aspectos e graças a Deus maiores possibilidades de solução Salientamse entre as conseqüências da hiponutrição a diminuição da estatura do peso e do perímetro torácico deformações esqueléticas descalcificação dos dentes insuficiências tiróidea hipofisária e gonadial provocadoras da velhice prematura fertilidade em geral pobre apatia não raro infecundidade Exatamente os traços de vida estéril e de físico inferior que geralmente se associam às subraças ao sangue maldito das chamadas raças inferiores Não se devem esquecer outras influências sociais que aqui se desenvolveram com o sistema patriarcal e escravocrata de colonização a sífilis por exemplo responsável por tantos dos mulatos doentes de que fala RoquettePinto e a que Ruediger Bilden atribui grande importância no estudo da formação brasileira A formação patriarcal do Brasil explicase tanto nas suas virtudes como nos seus defeitos menos em termos de raça e de religião do que em termos econômicos de experiência de cultura e de organização da família que foi aqui a unidade colonizadora Economia e organização social que às vezes contrariaram não só a moral sexual católica como as tendências semitas do português aventureiro para a mercancia e o tráfico Spengler salienta que uma raça não se transporta de um continente a outro seria preciso que se transportasse com ela o meio físico E recorda a propósito os resultados dos estudos de Gould e de Baxter e os de Boas no sentido da uniformização da média de estatura do tempo médio de desenvolvimento e até possivelmente a estrutura de corpo e da forma de cabeça a que tendem indivíduos de várias procedências reunidos sob as mesmas condições de meio físico De condições bioquímicas talvez mais do que físicas as modificações por efeito possivelmente de meio verificadas em descendentes de imigrantes como nos judeus sicilianos e alemães estudados por Boas nos Estados Unidos10 parecem resultar principalmente do que Wissler chama de influência do biochemical contentu Na verdade vai adquirindo cada vez maior importância o estudo sob o critério da bioquímica das modificações apresentadas pelos descendentes de imigrantes em clima ou meio novo rápidas alterações parecendo resultar do iodo que contenha o ambiente O iodo agiria sobre as secreções da glândula tiróide E o sistema de alimentação teria uma importância considerável na diferenciação dos traços físicos e mentais dos descendentes de imigrantes Admitida a tendência do meio físico e principalmente do bioquímico biochemical content no sentido de recriar à sua imagem os indivíduos que lhe cheguem de várias procedências não se deve esquecer a ação dos recursos técnicos dos colonizadores em sentido contrário no de impor ao meio formas e acessórios estranhos de cultura que lhes permitem conservarse o mais possível como raça ou cultura exótica O sistema patriarcal de colonização portuguesa do Brasil representado pela casagrande foi um sistema de plástica contemporização entre as duas tendências Ao mesmo tempo que exprimiu uma imposição imperialista da raça adiantada à atrasada uma imposição de formas européias já modificadas pela experiência asiática e africana do colonizador ao meio tropical representou uma contemporização com as novas condições de vida e de ambiente A casa grande de engenho que o colonizador começou ainda no século XVI a levantar no Brasil grossas paredes de taipa ou de pedra e cal coberta de palha ou de telhavã alpendre na frente e dos lados telhados caídos em um máximo de proteção contra o sol forte e as chuvas tropicais não foi nenhuma reprodução das casas portuguesas mas uma expressão nova correspondendo ao nosso ambiente físico e a uma fase surpreendente inesperada do imperialismo português sua atividade agrária e sedentária nos trópicos seu patriarcalismo rural e escravocrata Desde esse momento que o português guardando embora aquela saudade do reino que Capistrano de Abreu chamou transoceanismo tornouse lusobrasileiro o fundador de uma nova ordem econômica e social o criador de um novo tipo de habitação Basta compararse a planta de uma casagrande brasileira do século XVI com a de um solar lusitano do século XV para sentirse a diferença enorme entre o português do reino e o português do Brasil Distanciado o brasileiro do reinol por um século apenas de vida patriarcal e de atividade agrária nos trópicos já é quase outra raça exprimindose em outro tipo de casa Como diz Spengler para quem o tipo de habitação apresenta valor históricosocial superior ao da raça à energia do sangue que imprime traços idênticos através da sucessão dos séculos devese acrescentar a força cósmica misteriosa que enlaça num mesmo ritmo os que convivem estreitamente unidos Esta força na formação brasileira agiu do alto das casasgrandes que foram centros de coesão patriarcal e religiosa os pontos de apoio para a organização nacional A casagrande completada pela senzala representa todo um sistema econômico social político de produção a monocultura latifundiária de trabalho a escravidão de transporte o carro de boi o bangüê a rede o cavalo de religião o catolicismo de família com capelão subordinado ao paterfamílias culto dos mortos etc de vida sexual e de família o patriarcalismo polígamo de higiene do corpo e da casa o tigre a touceira de bananeira o banho de rio o banho de gamela o banho de assento o lavapés de política o compadrismo Foi ainda fortaleza banco cemitério hospedaria escola santa casa de misericórdia amparando os velhos e as viúvas recolhendo órfãos Desse patriarcalismo absorvente dos tempos coloniais a casagrande do engenho Noruega em Pernambuco cheia de salas quartos corredores duas cozinhas de convento despensa capela puxadas pareceme expressão sincera e completa Expressão do patriarcalismo já repousado e pacato do século XVIII sem o ar de fortaleza que tiveram as primeiras casasgrandes do século XVI Nas fazendas estavase como num campo de guerra escreve Teodoro Sampaio referindose ao primeiro século de colonização Os ricoshomens usavam proteger as suas vivendas e solares por meio de duplas e poderosas estacas à moda do gentio guarnecidas pelos fâmulos os apaniguados e índios escravos e servindo até para os vizinhos quando de súbito acossados pelos bárbaros Nos engenhos dos fins do século XVII e do século XVIII estavase porém como em um convento português uma grande fazenda com funções de hospedaria e de santa casa Nem mesmo o não sei quê de retraído das casas dos princípios do século XVII com alpendres como que trepados em pernas de pau verificase nas habitações dos fins desse século do XVIII e da primeira metade do XIX casas quase de todo desmilitarizadas acentuadamente paisanas oferecendose aos estranhos em uma hospitalidade fácil derramada Até mesmo nas estâncias do Rio Grande Nicolau Dreys foi encontrar em princípios do século XIX o costume dos conventos medievais de tocarse um sino à hora da comida serve elle para avisar o viajante vagando pelo campo ou o desvalido da visinhança que pode chegar à mesa do dono que está se apromptando e com effeito assentase quem quer a essa mesa de hospitalidade Nunca o dono repelle a ninguém nem sequer perguntaselhe quem he Não me parece inteiramente com a razão José Mariano Filho ao afirmar que a nossa arquitetura patriarcal não fez senão seguir o modelo da religiosa aqui desenvolvida pelos jesuítas15 os inimigos terríveis dos senhores de engenho O que a arquitetura das casasgrandes adquiriu dos conventos foi antes certa doçura e simplicidade franciscana Fato que se explica pela identidade de funções entre uma casa de senhor de engenho e um convento típico de frades de São Francisco A arquitetura jesuítica e de igreja foi não há dúvida e nisto me encontro de inteiro acordo com José Mariano Filho a expressão mais alta e erudita de arquitetura no Brasil colonial Influenciou certamente a da casagrande Esta porém seguindo seu próprio ritmo seu sentido patriarcal e experimentando maior necessidade que a puramente eclesiástica de adaptarse ao meio individualizouse e criou tamanha importância que acabou dominando a arquitetura de convento e de igreja Quebrandolhe o roço jesuítico a verticalidade espanhola para achatála doce humilde subserviente em capela de engenho Dependência da habitação doméstica Se a casagrande absorveu das igrejas e conventos valores e recursos de técnica também as igrejas assimilaram caracteres da casagrande o copiar por exemplo Nada mais interessante que certas igrejas do interior do Brasil com alpendre na frente ou dos lados como qualquer casa de residência Conheço várias em Pernambuco na Paraíba em São Paulo Bem característica é a de São Roque de Serinhaém Ainda mais a capela do engenho Caieiras em Sergipe cuja fisionomia é inteira mente doméstica E em São Paulo a igrejinha de São Miguel ainda dos tempos coloniais A casagrande venceu no Brasil a Igreja nos impulsos que esta a princípio manifestou para ser a dona da terra Vencido o jesuíta o senhor de engenho ficou dominando a colônia quase sozinho O verdadeiro dono do Brasil Mais do que os vicereis e os bispos A força concentrouse nas mãos dos senhores rurais Donos das terras Donos dos homens Donos das mulheres Suas casas representam esse imenso poderio feudal Feias e fortes Paredes grossas Alicerces profundos Óleo de baleia Refere uma tradição nortista que um senhor de engenho mais ansioso de perpetuidade não se conteve mandou matar dois escravos e enterrá los nos alicerces da casa O suor e às vezes o sangue dos negros foi o óleo que mais do que o de baleia ajudou a dar aos alicerces das casasgrandes sua consistência quase de fortaleza O irônico porém é que por falta de potencial humano toda essa solidez arrogante de forma e de material foi muitas vezes inútil na terceira ou quarta geração casas enormes edificadas para atravessar séculos começaram a esfarelarse de podres por abandono e falta de conservação Incapacidade dos bisnetos ou mesmo netos para conservarem a herança ancestral Vêemse ainda em Pernambuco as ruínas do grande solar dos barões de Mercês neste até as cavalariças tiveram alicerces de fortaleza Mas toda essa glória virou monturo No fim de contas as igrejas é que têm sobrevivido às casasgrandes Em Massangana o engenho da meninice de Nabuco a antiga casagrande desapareceu esfarelouse a senzala só a capelinha antiga de São Mateus continua de pé com os seus santos e as suas catacumbas O costume de se enterrarem os mortos dentro de casa na capela que era uma puxada da casa é bem característico do espírito patriarcal de coesão de família Os mortos continuavam sob o mesmo teto que os vivos Entre os santos e as flores devotas Santos e mortos eram afinal parte da família Nas cantigas de acalanto portuguesas e brasileiras as mães não hesitaram nunca em fazer dos seus filhinhos uns irmãos mais moços de Jesus com os mesmos direitos aos cuidados de Maria às vigílias de José às patetices de vovó de SanfAna A São José encarregase com a maior semcerimônia de embalar o berço ou a rede da criança Embala José embala que a Senhora logo vem foi lavar seu cueirinho no riacho de Belém E a SantAna de ninar os meninozinhos no colo Senhora SantAna ninai minha filha vede que lindeza e que maravilha Esta menina não dorme na cama dorme no regaço da Senhora SantAna E tinhase tanta liberdade com os santos que era a eles que se confiava a guarda das terrinas de doce e de melado contra as formigas Em louvor de São Bento que não venham as formigas cá dentro escreviase em um papel que se deixava à porta do guardacomida E em papéis que se grudavam às janelas e às portas Jesus Maria José rogai por nós que recorremos a vós Quando se perdia um dedal uma tesoura uma moedinha Santo Antônio que desse conta do objeto perdido Nunca deixou de haver no patriarcalismo brasileiro ainda mais que no português perfeita intimidade com os santos O Menino Jesus só faltava engatinhar com os meninos da casa lambuzarse na geléia de araçá ou goiaba brincar com os moleques As freiras portuguesas nos seus êxtases sentiam no muitas vezes no colo brincando com as costuras ou provando dos doces16 Abaixo dos santos e acima dos vivos ficavam na hierarquia patriarcal os mortos governando e vigiando o mais possível a vida dos filhos netos bisnetos Em muita casagrande conservavamse seus retratos no santuário entre as imagens dois santos com direito à mesma luz votiva de lamparina de azeite e às mesmas flores devotas Também se conservavam às vezes as trancas das senhoras os cachos dos meninos que morriam anjos Um culto doméstico dos mortos que lembra o dos antigos gregos e romanos Mas a casagrande patriarcal não foi apenas fortaleza capela escola oficina santa casa harém convento de moças hospedaria Desempenhou outra função importante na economia brasileira foi também banco Dentro das suas grossas paredes debaixo dos tijolos ou mosaicos no chão enterravase dinheiro guardavamse jóias ouro valores Às vezes guardavamse jóias nas capelas enfeitando os santos Daí Nossas Senhoras sobrecarregadas à baiana de tetéias balangandãs corações cavalinhos cachorrinhos e correntes de ouro Os ladrões naqueles tempos piedosos raramente ousavam entrar nas capelas e roubar os santos É verdade que um roubou o esplendor e outras jóias de São Benedito mas sob o pretexto ponderável para a época de que negro não devia ter luxo Com efeito chegou a proibirse nos tempos coloniais o uso de ornatos de algum luxo pelos negros17 Por segurança e precaução contra os corsários contra os excessos demagógicos contra as tendências comunistas dos indígenas e dos africanos os grandes proprietários nos seus zelos exagerados de privativismo enterraram dentro de casa as jóias e o ouro do mesmo modo que os mortos queridos Os dois fortes motivos das casas grandes acabarem sempre malassombradas com cadeiras de balanço se balançando sozinhas sobre tijolos soltos que de manhã ninguém encontra com barulho de pratos e copos batendo de noite nos aparadores com almas de senhores de engenho aparecendo aos parentes ou mesmo estranhos pedindo padresnossos avemarias gemendo lamentações indicando lugares com botijas de dinheiro Às vezes dinheiro dos outros de que os senhores ilicitamente se haviam apoderado Dinheiro que compadres viúvas e até escravos lhes tinham entregue para guardar Sucedeu muita dessa gente ficar sem os seus valores e acabar na miséria devido à esperteza ou à morte súbita do depositário Houve senhores sem escrúpulos que aceitando valores para guardar fingiramse depois de estranhos e desentendidos Você está maluco Deume lá alguma cousa para guardar18 Muito dinheiro enterrado sumiu misteriosamente Joaquim Nabuco criado por sua madrinha na casagrande de Massangana morreu sem saber que destino tomara a ourama para ele reunida pela boa senhora e provavelmente enterrada em algum desvão de parede Já ministro em Londres um padre velho faloulhe do tesouro que Da Ana Rosa juntara para o afilhado querido Mas nunca se encontrou uma libra sequer Em várias casasgrandes da Bahia de Olinda de Pernambuco se têm encontrado em demolições ou escavações botijas de dinheiro Na que foi dos Pires dÁvila ou Pires de Carvalho na Bahia achouse em um recanto de parede verdadeira fortuna em moedas de ouro Em outras casasgrandes só se têm desencavado do chão ossos de escravos justiçados pelos senhores e mandados enterrar no quintal ou dentro de casa à revelia das autoridades Contase que o visconde de Suaçuna na sua casagrande de Pombal mandou enterrar no jardim mais de um negro supliciado por ordem de sua justiça patriarcal Não é de admirar Eram senhores os das casasgrandes que mandavam matar os próprios filhos Um desses patriarcas Pedro Vieira já avô por descobrir que o filho mantinha relações com a mucama de sua predileção mandou matálo pelo irmão mais velho Como Deus foi servido que eu mandasse matar meu filho escreveu ao padre coadjutor de Canavieira depois de cumprida a ordem terrível Também os frades desempenharam funções de banqueiros nos tempos coloniais Muito dinheiro se deu para guardar aos frades nos seus conventos20 duros e inacessíveis como fortalezas Daí as lendas tão comuns no Brasil de subterrâneos de convento com dinheiro ainda por desenterrar Mas foram principalmente as casasgrandes que se fizeram de bancos na economia colonial e são quase sempre almas penadas de senhores de engenho que aparecem pedindo padresnossos e avemarias Os malassombrados das casasgrandes se manifestam por visagens e ruídos que são quase os mesmos por todo o Brasil Pouco antes de desaparecer estupidamente dinamitada a casagrande de Megaípe tive ocasião de recolher entre os moradores dos arredores histórias de assombrações ligadas ao velho solar do século XVII Eram barulhos de louça que se ouviam na sala de jantar risos alegres de dança na sala de visita tilintar de espadas rugeruge de sedas de mulher luzes que se acendiam e se apagavam de repente por toda a casa gemidos rumor de correntes se arrastando choro de menino fantasmas do tipo crescemíngua Assombrações semelhantes me informaram no Rio de Janeiro e em São Paulo povoar os restos de casasgrandes do vale do Paraíba E no Recife da capela da casa grande que foi de Bento José da Costa assegurame um antigo morador do sítio que toda noite à meianoite costuma sair montada em um burro como Nossa Senhora uma moça muito bonita vestida de branco Talvez a filha do velho Bento que ele por muito tempo não quis que casasse com Domingos José Martins fugindo à tirania patriarcal Porque os malassombrados costumam reproduzir as alegrias os sofrimentos os gestos mais característicos da vida nas casasgrandes Em contraste com o nomadismo aventureiro dos bandeirantes em sua maioria mestiços de brancos com índios os senhores das casasgrandes representaram na formação brasileira a tendência mais caracteristicamente portuguesa isto é pédeboi no sentido de estabilidade patriarcal Estabilidade apoiada no açúcar engenho e no negro senzala Não que estejamos a sugerir uma interpretação étnica da formação brasileira ao lado da econômica Apenas acrescentando a um sentido puramente material marxista dos fatos ou antes das tendências um sentido psicológico Ou psicofisiológico Os estudos de Cannon22 por um lado e por outro os de Keith23 parecem indicar que atuam sobre as sociedades como sobre os indivíduos independente de pressão econômica forças psicofisiológicas suscetíveis ao que se supõe de controle pelas futuras elites científicas dor medo raiva ao lado das emoções de fome sede sexo Forças de uma grande intensidade de repercussão Assim o islamismo no seu furor imperialista nas formidáveis realizações na sua exaltação mística dos prazeres sensuais terá sido não só a expressão de motivos econômicos como de forças psicológicas que se desenvolveram de modo especial entre populações do norte da África Do mesmo modo o movimento das bandeiras em que emoções generalizadas de medo e raiva se teriam afirmado em reações de superior combatividade O português mais puro que se fixou em senhor de engenho apoiado antes no negro do que no índio representa talvez na sua tendência para a estabilidade uma especialização psicológica em contraste com a do índio e a do mestiço de índio com português para a mobilidade Isto sem deixarmos de reconhecer o fato de que em Pernambuco e no Recôncavo a terra se apresentou excepcionalmente favorável para a cultura intensa do açúcar e para a estabilidade agrária e patriarcal A verdade é que em torno dos senhores de engenho criouse o tipo de civilização mais estável na América hispânica e esse tipo de civilização ilustrao a arquitetura gorda horizontal das casasgrandes Cozinhas enormes vastas salas de jantar numerosos quartos para filhos e hóspedes capela puxadas para acomodação dos filhos casados camarinhas no centro para a reclusão quase monástica das moças solteiras gineceu copiar senzala O estilo das casasgrandes estilo no sentido spengleriano pode ter sido de empréstimo sua arquitetura porém foi honesta e autêntica Brasileirinha da Silva Teve alma Foi expressão sincera das necessidades dos interesses do largo ritmo de vida patriarcal que os proventos do açúcar e o trabalho eficiente dos negros tornaram possível Essa honestidade essa largueza sem luxo das casasgrandes sentiramna vários dos viajantes estrangeiros que visitaram o Brasil colonial Desde Dampier a Maria Graham Maria Graham ficou encantada com as casas de residência dos arredores do Recife e com as de engenho do Rio de Janeiro só a impressionou mal o número excessivo de gaiolas de papagaio e de passarinho penduradas por toda parte Mas estes exageros de gaiolas de papagaio animando a vida de família do que hoje se chamaria cor local e os papagaios tão bemeducados acrescenta Mrs Graham que raramente gritavam ao mesmo tempo24 Aliás em matéria de domesticação patriarcal de animais d Assier observou exemplo ainda mais expressivo macacos tomando a bênção aos moleques do mesmo modo que estes aos negros velhos e os negros velhos aos senhores brancos A hierarquia das casasgrandes estendendose aos papagaios e aos macacos A casagrande embora associada particularmente ao engenho de cana ao patriarcalismo nortista não se deve considerar expressão exclusiva do açúcar mas da monocultura escravocrata e latifundiária em geral crioua no Sul o café tão brasileiro como no Norte o açúcar Percorrendose a antiga zona fluminense e paulista dos cafezais sentese nos casarões em ruínas nas terras ainda sangrando das derrubadas e dos processos de lavoura latifundiária a expressão do mesmo impulso econômico que em Pernambuco criou as casasgrandes de Megaípe de Anjos de Noruega de Monjope de Gaipió de Morenos e devastou parte considerável da região chamada da mata Notamse é certo variações devidas umas a diferenças e clima outras a contrastes psicológicos e ao fato da monocultura latifundiária ter sido em São Paulo pelo menos um regime sobreposto no fim do século XVIII ao da pequena propriedade26 Não nos deve passar despercebido o fato de que enquanto os habitantes do Norte procuravam para habitações os lugares altos os pendores das serras os paulistas pelo comum preferiam as baixadas as depressões do solo para a edificação de suas vivendas 27 Eram casas as paulistas sempre construídas em terreno íngreme de forte plano inclinado protegidas do vento sul de modo que do lado de baixo o prédio tinha um andar térreo o que lhe dava desse lado aparência de sobrado Surpreendese nos casarões do Sul um ar mais fechado e mais retraído do que nas casas nortistas mas o terraço de onde com a vista o fazendeiro abarcava todo o organismo da vida rural é o mesmo do Norte o mesmo terraço hospitaleiro patriarcal e bom A sala de jantar e a cozinha as mesmas salas e cozinhas de convento Os sobrados que viajandose de Santos ao Rio em vapor pequeno que venha parando em todos os portos avistamse à beira da água em Ubatuba São Sebastião Angra dos Reis recordam os patriarcais de rio Formoso E às vezes como no Norte encontramse igrejas com alpendre na frente convidativas doces brasileiras A história social da casagrande é a história íntima de quase todo brasileiro da sua vida doméstica conjugai sob o patriarcalismo escravocrata e polígamo da sua vida de menino do seu cristianismo reduzido à religião de família e influenciado pelas crendices da senzala O estudo da história íntima de um povo tem alguma coisa de introspecção proustiana os Goncourt já o chamavam ce roman vraf O arquiteto Lúcio Costa diante das casas velhas de Sabará São João delRei Ouro Preto Mariana das velhas casasgrandes de Minas foi a impressão que teve A gente como que se encontra E se lembra de coisas que a gente nunca soube mas que estavam lá dentro de nós não sei Proust devia explicar isso direito Nas casasgrandes foi até hoje onde melhor se exprimiu o caráter brasileiro a nossa continuidade social No estudo da sua história íntima desprezase tudo o que a história política e militar nos oferece de empolgante por uma quase rotina de vida mas dentro dessa rotina é que melhor se sente o caráter de um povo Estudando a vida doméstica dos antepassados sentimonos aos poucos nos completar é outro meio de procurarse o tempo perdido Outro meio de nos sentirmos nos outros nos que viveram antes de nós e em cuja vida se antecipou a nossa É um passado que se estuda tocando em nervos um passado que emenda com a vida de cada um uma aventura de sensibilidade não apenas um esforço de pesquisa pelos arquivos Isto é claro quando se consegue penetrar na intimidade mesma do passado surpreendêlo nas suas verdadeiras tendências no seu à vontade caseiro nas suas expressões mais sinceras O que não é fácil em países como o Brasil aqui o confessionário absorveu os segredos pessoais e de família estancando nos homens e principalmente nas mulheres essa vontade de se revelarem aos outros que nos países protestantes prove o estudioso de história íntima de tantos diários confidencias cartas memórias autobiografias romances autobiográficos Creio que não há no Brasil um só diário escrito por mulher Nossas avós tantas delas analfabetas mesmo quando baronesas e viscondessas satisfaziamse em contar os segredos ao padre confessor e à mucama de estimação e a sua tagarelice dissolveuse quase toda nas conversas com as pretas boceteiras nas tardes de chuva ou nos meiosdias quentes morosos Debalde se procuraria entre nós um diário de dona de casa cheio de gossip no gênero dos ingleses e dos norteamericanos dos tempos coloniais Em compensação a Inquisição escancarou sobre nossa vida íntima da era colonial sobre as alcovas com camas que em geral parecem ter sido de couro rangendo às pressões dos adultérios e dos coitos danados sobre as camarinhas e os quartos de santos sobre as relações de brancos com escravos seu olho enorme indagador As confissões e denúncias reunidas pela visitação do Santo Ofício às partes do Brasil30 constituem material precioso para o estudo da vida sexual e de família no Brasil dos séculos XVI e XVII Indicamnos a idade das moças casarem doze quatorze anos o principal regalo e passatempo dos colonos o jogo de gamão a pompa dramática das procissões homens vestidos de Cristo e de figuras da Paixão e devotos com caixas de doce dando de comer aos penitentes Deixamnos surpreender entre as heresias dos cristãosnovos e das santidades entre os bruxedos e as festas gaiatas dentro das igrejas com gente alegre sentada pelos altares entoando trovas e tocando viola irregularidades na vida doméstica e moral cristã da família homens casados casandose outra vez com mulatas outros pecando contra a natureza com efebos da terra ou da Guiné ainda outros cometendo com mulheres a torpeza que em moderna linguagem científica se chama como nos livros clássicos felação e que nas denúncias vem descrita com todos osffe rr desbocados jurando pelo pentelho da Virgem sogras planejando envenenar os genros cristãosnovos metendo crucifixos por baixo do corpo das mulheres no momento da cópula ou deitandoos nos urinóis senhores mandando queimar vivas em fornalhas de engenho escravas prenhes as crianças estourando ao calor das chamas Também houve isto no século XVIII e no XIX esquisitões Pepys de meiatigela que tiveram a pachorra de colecionar em cadernos gossip e mexericos chamavamse recolhedores de fatos Manuel Querino falanos deles com relação à Bahia Arrojado Lisboa em conversa deume notícia de uns cadernos desses relativos a Minas31 e em Pernambuco na antiga zona rural tenho encontrado traços de recolhedores de fatos Alguns recolhedores de fatos antecipandose aos pasquins colecionavam casos vergonhosos que em momento oportuno serviam para emporcalhar brasões ou nomes respeitáveis Em geral exploravamse os preconceitos de branquidade e de sangue nobre desencavavase alguma remota avó escrava ou mina ou tio que cumpria sentença avô que aqui chegara de sambenito Registravamse irregularidades sexuais e morais de antepassados Até mesmo de senhoras Outros documentos auxiliam o estudioso da história íntima da família brasileira inventários tais como os mandados publicar em São Paulo pelo antigo presidente Washington Luís cartas de sesmaria testamentos correspondências da Corte e ordens reais como as que existem em manuscritos na Biblioteca do Estado de Pernambuco ou dispersas por velhos cartórios e arquivos de família pastorais e relatórios de bispos como o interessantíssimo de frei Luís de Santa Teresa que amarelece em latim copiado em bonita letra eclesiástica no arquivo da catedral de Olinda atas de sessões de Ordens Terceiras confrarias santas casas como as conservadas inacessíveis e inúteis no arquivo da Ordem Terceira de São Francisco no Recife e referentes ao século XVII os Documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo de que tanto se tem servido Afonso de E Taunay para os seus notáveis estudos sobre a vida colonial em São Paulo as atas e o registrogeral da Câmara de São Paulo os livros de assentos de batismo óbitos e casamentos de livres e escravos e os de rol de famílias e autos de processos matrimoniais que se conservam em arquivos eclesiásticos os estudos de genealogia de Pedro Taques em São Paulo e de Borges da Fonseca em Pernambuco relatórios de juntas de higiene documentos parlamentares estudos e teses médicas inclusive as de doutoramento nas faculdades do Rio de Janeiro e da Bahia documentos publicados pelo Arquivo Nacional32 pela Biblioteca Nacional pelo Instituto Histórico Brasileiro na sua Revista e pelos Institutos de São Paulo Pernambuco e da Bahia Tive a fortuna de conseguir não só várias cartas do arquivo da família Paranhos que me foram gentilmente oferecidas pelo meu amigo Pedro Paranhos como o acesso a importante arquivo de família infelizmente já muito danificado pela traça e pela umidade mas com documentos ainda dos tempos coloniais o do engenho Noruega que pertenceu por longos anos ao capitãomor Manuel Tome de Jesus e depois aos seus descendentes Seria para desejar que esses restos de velhos arquivos particulares fossem recolhidos às bibliotecas ou aos museus e que os eclesiásticos e das Ordens Terceiras fossem convenientemente catalogados Vários documentos que permanecem em manuscritos nesses arquivos e bibliotecas devem quanto antes ser publicados É pena sejame lícito observar de passagem que algumas revistas de história dediquem páginas e páginas à publicação de discursos patrióticos e de crônicas literárias quando tanta matéria de interesse rigorosamente histórico permanece desconhecida ou de acesso difícil para os estudiosos Para o conhecimento da história social do Brasil não há talvez fonte de informação mais segura que os livros de viagem de estrangeiros impondose entretanto muita discriminação entre os autores superficiais ou viciados por preconceitos os Thévet os Expilly os Debadie e os bons e honestos da marca de Léry Hans Staden Koster SaintHilaire Rendu Spix Martius Burton Tollenare Gardner Mawe Maria Graham Kidder Fletcher Destes me servi largamente33 valendome de uma familiaridade com esse gênero não sei se diga de literatura muitos são livros malescritos porém deliciosos na sua candura quase infantil que data dos meus dias de estudante das pesquisas para a minha tese Social lie in Brazil in the midle of the 19tb century apresentada em 1923 à Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da Universidade de Colúmbia Trabalho que Henry L Mencken fezme a honra de ler aconselhandome que o expandisse em livro O livro que é este deve esta palavra de estímulo ao mais antiacadêmico dos críticos Volto à questão das fontes para recordar os valiosos dados que se encontram nas cartas dos jesuítas O material publicado já é grande mas deve haver ainda lembrame em carta João Lúcio de Azevedo autoridade no assunto deve haver ainda na sede da Companhia muita coisa inédita Os jesuítas não só foram grandes escritores de cartas muitas delas tocando em detalhes íntimos da vida social dos colonos como procuraram desenvolver nos caboclos e mamelucos seus alunos o gosto epistolar Escrevendo da Bahia em 1552 dizia o jesuíta Francisco Pires sobre as peregrinações dos meninos da terra ao sertão o que eu não escreverei porque o padre lhes mandou que escrevessem aos meninos de Lisboa e porque poderá ser que suas cartas as vejais o não escreverei Seria interessante descobrir essas cartas e ver o que diziam para Lisboa os caboclos do Brasil do século XVI Freqüentemente deparase nas cartas dos jesuítas com uma informação valiosa sobre a vida social no primeiro século de colonização sobre o contato da cultura européia com a indígena e a africana O padre Antônio Pires em carta de 1552 falanos de uma procissão de negros de Guiné em Pernambuco já organizados em confraria do Rosário todos muito em ordem uns traz outros com as mãos sempre alevantadas dizendo todos Orapro nobis O mesmo padre Antônio Pires em carta de Pernambuco datada de 2 de agosto de 1551 referese aos colonos da terra de Duarte Coelho como melhor gente que de todas as outras capitanias outra carta informa que os índios a princípio tinham empacho de dizer Santa Jooçaba que em nossa língua quer dizer pelo Signal da Cruz por lhes parecer aquilo gatimonhas34 Anchieta menciona os muitos bichos peçonhentos que atormentavam a vida doméstica dos primeiros colonos cobras jararacas andando pelas casas e caindo dos telhados sobre as camas e quando os homens despertam se acham com elas enroladas no pescoço e nas pernas e quando se vão a calçar pela manhã as acham nas botas e tanto Anchieta como Nóbrega destacam irregularidades sexuais na vida dos colonos nas relações destes com os indígenas e os negros e mencionam o fato de serem medíocres os mantimentos da terra custando tudo o tresdobro do que em Portugal Anchieta lamenta nos nativos o que Camões já lamentara nos portugueses a falta de engenhos isto é de inteligência acrescida do fato de não estudarem com cuidado e de tudo se levar em festas cantar e folgar salientando ainda a abundância dos doces e regalos laranjada aboborada marmelada etc feitos de açúcar35 Detalhes de um realismo honesto esses que se colhem em grande número nas cartas dos padres por entre as informações de interesse puramente religioso ou devoto Detalhes que nos esclarecem sobre aspectos da vida colonial em geral desprezados pelos outros cronistas Não nos devemos entretanto queixar dos leigos que em crônicas como a de Pero de Magalhães Gandavo e a de Gabriel Soares de Sousa também nos deixam entrever flagrantes expressivos da vida íntima nos primeiros tempos de colonização Gabriel Soares chega a ser pormenorizado sobre as rendas dos senhores de engenho sobre7 o material de suas casas e capelas sobre a alimentação a confeitaria e doçaria das casasgrandes sobre os vestidos das senhoras Um pouco mais e teria dado um bisbilhoteiro quase da marca de Pepys De outras fontes de informações ou simplesmente de sugestões pode servirse o estudioso da vida íntima e da moral sexual no Brasil dos tempos de escravidão do folclore rural nas zonas mais coloridas pelo trabalho escravo dos livros e cadernos manuscritos de modinhas e receitas de bolo36 das coleções de jornais dos livros de etiqueta e finalmente do romance brasileiro que nas páginas de alguns dos seus maiores mestres recolheu muito detalhe interessante da vida e dos costumes da antiga família patriarcal Machado de Assis em Helena Memórias póstumas de Brás Cubas Iaiá Garcia Dom Casmurro e em outros de seus romances e dos seus livros de contos principalmente em Casa Velha publicado recentemente com introdução escrita pela Sra Lúcia Miguel Pereira Joaquim Manuel de Macedo nAs vítimas algozes A moreninha O moço louro As mulheres de mantilha romances cheios de sinhazinhas de iaiás de mucamas José de Alencar em Mãe Lucíola Senhora Demônio familiar Tronco do ipê Sonhos de ouro Pata da gazela Francisco Pinheiro Guimarães na História de uma moça rica e Punição Manuel Antônio de Almeida nas Memórias de um sargento de milícias Raul Pompéia n0 ateneu Júlio Ribeiro rA carne Franklin Távora Agrário de Meneses Martins Pena Américo Werneck França Júnior são romancistas folhetinistas ou escritores de teatro que fixaram com maior ou menor realismo aspectos característicos da vida doméstica e sexual do brasileiro das relações entre senhores e escravos do trabalho nos engenhos das festas e procissões Também os fixou a seu jeito isto é caricaturandoos o poeta satírico do século XVIII Gregório de Matos E em memórias e reminiscências o visconde de Taunay José de Alencar Vieira Fazenda os dois Melo Morais deixaramnos dados valiosos Romances de estrangeiros procurando retratar a vida brasileira do tempo da escravidão existem alguns37 mas nenhum que valha grande coisa do ponto de vista da história social Quanto à iconografia da escravidão e da vida patriarcal está magistralmente feita por artistas da ordem de Franz Post Zacarias Wagener Debret Rugendas sem falarmos de artistas menores e mesmo toscos desenhadores litógrafos gravadores aquarelistas pintores de exvotos que desde o século XVI muitos deles ilustrando livros de viagem reproduziram e fixaram com emoção ou realismo cenas de intimidade doméstica flagrantes de rua e de trabalho rural casasgrandes de engenhos e de sítios tipos de senhoras de escravos de mestiços38 Dos últimos cinqüenta anos da escravidão restamnos além de retratos a óleo daguerreótipos e fotografias fixando perfis aristocráticos de senhores nas suas gravatas de volta de sinhádonas e sinhámoças de penteados altos tapamissa no cabelo meninas no dia da primeira comunhão todas de branco luvas grinalda véu livrinho de missa rosário grupos de família as grandes famílias patriarcais com avós netos adolescentes de batina de seminarista meninotas abafadas em sedas de senhoras de idade Não devo estender este prefácio que tanto se vai afastando do seu propósito de simplesmente dar uma idéia geral do plano e do método do ensaio que se segue das condições em que foi escrito Ensaio de sociologia genética e de história social pretendendo fixar e às vezes interpretar alguns dos aspectos mais significativos da formação da família brasileira O propósito de condensar em um só volume todo o trabalho não o consegui infelizmente realizar O material esborrou excedendo os limites razoáveis de um livro Fica para um segundo o estudo de outros aspectos do assunto que aliás admite desenvolvimento ainda maior A interpretação por exemplo do 1900 brasileiro das atitudes das tendências dos preconceitos da primeira geração brasileira depois da Lei do Ventre Livre e da debâcle de 88 deve ser feita relacionandose as reações antimonárquicas da classe proprietária seus pendores burocráticos a tendência do grande número para as carreiras liberais para o funcionalismo público para as sinecuras republicanas sinecuras em que se perpetuasse a vida de ócio dos filhos de senhores arruinados e desaparecessem as obrigações aviltantes de trabalho manual para os filhos de escravos ansiosos de se distanciarem da senzala relacionandose todo esse regime de burocracia e de improdutividade que no antigo Brasil agrário com exceção das zonas mais intensamente beneficiadas pela imigração européia se seguiu à abolição do trabalho escravo à escravidão e à monocultura Estas continuaram a influenciar a conduta os ideais as atitudes a moral sexual dos brasileiros Aliás a monocultura latifundiária mesmo depois de abolida a escravidão achou jeito de subsistir em alguns pontos do país ainda mais absorvente e esterilizante do que no antigo regime e ainda mais feudal nos abusos Criando um proletariado de condições menos favoráveis de vida do que a massa escrava Roy Nash ficou surpreendido com o fato de haver terras no Brasil nas mãos de um só homem maiores que Portugal inteiro informaramlhe que no Amazonas os Costa Ferreira eram donos de uma propriedade de área mais extensa que a Inglaterra a Escócia e a Irlanda reunidas39 Em Pernambuco e Alagoas com o desenvolvimento das usinas de açúcar o latifúndio só tem feito progredir nos últimos anos subsistindo à sua sombra e por efeito da monocultura a irregularidade e a deficiência no suprimento de víveres carnes leite ovos legumes Em Pernambuco em Alagoas na Bahia continua a consumirse a mesma carne ruim que nos tempos coloniais Ruim e cara40 De modo que da antiga ordem econômica persiste a parte pior do ponto de vista do bemestar geral e das classes trabalhadoras desfeito em 88 o patriarcalismo que até então amparou os escravos alimentouos com certa largueza socorreuos na velhice e na doença proporcionoulhes aos filhos oportunidades de acesso social O escravo foi substituído pelo pária de usina a senzala pelo mucambo o senhor de engenho pelo usineiro ou pelo capitalista ausente Muitas casasgrandes ficaram vazias os capitalistas latifundiários rodando de automóvel pelas cidades morando em chalés suíços e palacetes normandos indo a Paris se divertir com as francesas de aluguel Devo exprimir meus agradecimentos a todos aqueles que me auxiliaram quer no decorrer das pesquisas quer no preparo do manuscrito e na revisão das provas deste ensaio Na revisão do manuscrito e das provas ajudoume principalmente Manuel Bandeira Outro amigo Luís Jardim auxilioume a passar a limpo o manuscrito que entretanto acabou seguindo para o Rio todo riscado e emendado Agradeçolhes o concurso inteligente como também o daqueles que gentilmente me auxiliaram na tradução de trechos antigos de latim de alemão e de holandês e em pesquisas de biblioteca e folclóricas meu pai o Dr Alfredo Freyre meu primo José Antônio Gonsalves de Melo neto meus amigos Júlio de Albuquerque Belo e Sérgio Buarque de Holanda Maria Bernarda que bastante me instruiu em tradições culinárias os exescravos e pretos velhos criados em engenho Luís Mulatinho Maria Curinga Jovina Bernarda Sérgio Buarque traduziu me do alemão quase o trabalho inteiro de Wãtjen Júlio Belo no seu engenho de Queimadas reuniume interessantes dados folclóricos sobre relações de senhores com escravos Sozinho ou na companhia de Pedro Paranhos e Cícero Dias realizei excursões para pesquisas folclóricas ou conhecimento de casasgrandes características por vários trechos da antiga zona aristocrática de Pernambuco Devo deixar aqui meus agradecimentos a quantos me dispensaram sua hospitalidade durante essas excursões Alfredo Machado no engenho Noruega André Dias de Arruda Falcão no engenho Mupã Gerôncio Dias de Arruda Falcão em Dois Leões Júlio Belo em Queimadas a baronesa de Contendas em Contendas Domingos de Albuquerque em Ipojuca Edgar Domingues em Raiz verdadeiro asilo da velhice desamparada onde fui encontrar centenário um e octogenários os outros quatro remanescentes das velhas senzalas de engenho O mais velho Luís Mulatinho com uma memória de anjo De outras zonas já minhas conhecidas velhas recordarei gentilezas recebidas de Joaquim Cavalcanti Júlio Maranhão Pedro Paranhos Ferreira senhor de Juparanduba neto do visconde e sobrinho do barão do Rio Branco Estácio Coimbra José Nunes da Cunha da família Lira em Alagoas da família Pessoa de Melo no norte de Pernambuco dos parentes do meu amigo José Lins do Rego no sul da Paraíba dos meus parentes Sousa e Melo no engenho de São Severino dos Ramos em PaudAlho o primeiro engenho que conheci e que sempre hei de rever com emoção particular Meus agradecimentos a Paulo Prado que me proporcionou tão interessante excursão pela antiga zona escravocrata que se estende do Estado do Rio a São Paulo hospedandome depois ele e Luís Prado na fazenda de café de São Martinho Agradeçolhe também o conselho de regressar de São Paulo ao Rio por mar em vapor pequeno parando nos velhos portos coloniais conselho que lhe costumava dar Capistrano de Abreu O autor do Retrato do Brasil desconfiado e comodista nunca pôs em prática é verdade o conselho do velho caboclo talvez antevendo os horrores a que se sujeitam no afã de conhecer trecho tão expressivo da fisionomia brasileira os ingênuos que se entregam a vapores da marca do Irati Devo ainda agradecer gentilezas recebidas nas bibliotecas arquivos e museus por onde andei vasculhando matéria na Biblioteca Nacional de Lisboa no Museu Etnológico Português organizado e dirigido por um sábio Leite de Vasconcelos na Biblioteca do Congresso em Washington especialmente na seção de documentos na coleção Oliveira Lima da Universidade Católica dos Estados Unidos tão rica em livros raros de viagem sobre a América portuguesa na coleção John Casper Branner da Universidade de Stanford igualmente especializada em livros de cientistas estrangeiros sobre o Brasil cientistas que foram muitas vezes como Saint Hilaire Koster Maria Graham Spix Martius Gardner Mawe e Príncipe Maximiliano excelentes observadores da vida social e de família dos brasileiros na seção de documentos da Biblioteca de Stanford onde me servi da valiosa coleção de relatórios diplomáticos e de documentos parlamentares ingleses41 sobre a vida do escravo nas plantações brasileiras na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro hoje dirigida pelo meu amigo e mestre Rodolfo Garcia na biblioteca do Instituto Histórico Brasileiro onde fui sempre tão gentilmente recebido por Max Fleiuss na do Instituto Arqueológico Pernambucano no Museu Nina Rodrigues da Bahia na seção de documentos da Biblioteca do Estado de Pernambuco no arquivo do cartório de Ipojuca cujos inventários do século XLX constituem interessantes documentações para o estudo da economia escravocrata e da vida de família patriarcal na parte do arquivo da catedral de Olinda manuscritos de pastorais e relatórios de bispos sobre modas moral sexual relações de senhores com escravos etc que o cônego Carmo Barata gentilmente facultou ao meu estudo Agradeço aos meus bons amigos André e Gerôncio Dias de Arruda Falcão e Alfredo Machado teremme franqueado seu arquivo de família no engenho Noruega com documentos virgens do tempo do capitãomor Manuel Tome de Jesus outros da época do barão de Jundiá alguns de vivo interesse para o estudo da vida social dos senhores de engenho das suas relações com os escravos A José Maria Carneiro de Albuquerque e Melo diretor da Biblioteca do Estado de Pernambuco agradeço as excelentes reproduções de Piso Barléus e Henderson que a meu pedido preparou para ilustração deste livro a Cícero Dias e ao arquiteto Carlos Pacheco Leão as plantas da casagrande de Noruega Um nome me falta associar a este ensaio o do meu amigo Rodrigo M F de Andrade Foi quem me animou a escrevêlo e a publicálo Lisboa 1931 Pernambuco 1933 Notas ao prefácio 1 Merecem um estudo à parte os motivos decorativos e porventura místicos que orientam as pretas quituteiras na Bahia em Pernambuco e no Rio de Janeiro no recorte dos papéis azuis encarnados amarelos etc Para enfeite dos tabuleiros e acondicionamento de doces as formas que dão aos bolos alfenins rebuçados etc A decoração dos tabuleiros é uma verdadeira arte de renda em papel feita quase sem molde 2 Antônio Ladislau Monteiro Baena Ensaio corogrãfico sobre a província do Pará Pará 1839 3 Boas salienta o fato de que nas classes de condições econômicas desfavoráveis de vida os indivíduos desenvolvemse lentamente apresentando estatura baixa em comparação com a das classes ricas Entre as classes pobres encontrase uma estatura baixa aparentemente hereditária que entretanto parece suscetível de modificarse uma vez modificadas as condições de vida econômica Encontramse diz Boas proporções do corpo determinadas por ocupações e aparentemente transmitidas de pai a filho no caso do filho seguir a mesma ocupação que o pai Franz Boas Anthropology and modem life Londres 1929 Vejase também a pesquisa de H P Bouditch The growth of children 8h AnnualReportoftheStateBureau ofHealth ofMassachusetts Na Rússia devido à fome de 19211922 resultado não só da má organização das primeiras administrações soviéticas como do bloqueio da Nova República pelos governos capitalistas verificouse considerável diminuição na estatura da população A Ivanovsky Physical modifications of the population of Rússia under famine American Journal of Physical Anthropology ns 41923 Por outro lado os estudos de Hrdlicka na população norteamericana acusam o aumento de estatura Ales Hrdlicka The oldamericans Baltimore 1925 Sobre as diferenças de estatura e de outros característicos físicos e mentais de uma classe social para outra vejase o trabalho clássico de A Niceforo Les classes pauvres Paris 1905 entre os recentes o de Pitirim Sorokin Social mobility Nova Iorque 1927 Quanto à correlação entre a inteligência e a classe social da criança vejase o notável trabalho do professor L M Terman da Universidade de Stanford Genetic studies of genius Stanford University 192519300 interessante nessas diferenças excetuados é claro casos extraordinários é determinar até que ponto são hereditárias ou genéticas ou deixam de sêlo para refletir o favor ou o desfavor sucessivo das condições econômicas do ambiente social e do regime alimentar de ricos e pobres Ou vendose o problema de outro ponto de vista quais as possibilidades de tomaremse hereditariamente transmissíveis qualidades adquiridas e cultivadas através de gerações Dendy salienta que Oliver Wendel Holmes observou terse formado uma aristocracia intelectual e social na Nova Inglaterra pela repetição das mesmas influências geração após geração Arthur Dendy The biological foundation of society Londres 1924 Sobre este ponto vejamse também J A Detlefsen Ourpresent knowkdge of heredity Filadélfia 1925 H S Jennings Prometheus Nova Iorque 1925 C M Child Physiologicalfoundations of behavior Nova Iorque 1924 A J Herrick Neurological foundations of animal behavior Nova Iorque