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Direito Administrativo

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Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 1 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 ESTUDO Licitude da cobrança de tarifa mínima para manutenção de serviços públicos de fornecimento de água e de coleta de esgoto SOLICITANTE ARESPCJ Contrato n 252016 Ordem de Serviço de 13112017 PESQUISADOR RESPONSÁVEL Prof Thiago Marrara Professor associado de direito administrativo da Universidade de São Paulo USP na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto FDRP Livre docente USP Doutor pela Universidade de Munique LMU Editor da Revista Digital de Direito Administrativo RDDA Advogadoconsultor inscrito na OABSP sob o n 280490 JANEIRO DE 2018 Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 2 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 SUMÁRIO 1 Do estudo solicitado e sua contextualização 3 2 Tarifação de serviços públicos aspectos teóricos gerais 5 21 Remuneração de serviços públicos 5 22 Natureza da tarifa de serviços públicos 8 23 Estrutura ou composição tarifária 10 24 Custos fixos e tarifação mínima 13 3 Tarifação dos serviços de água e de esgoto 16 31 Adoção do modelo de remuneração pelo usuário 16 32 Regras de estruturação da tarifa de água e esgoto 19 33 Quantidades e tarifas mínimas na legislação setorial 22 4 Tarifação e normas de defesa do usuário CDC e CDUSP 24 41 Prevalência da norma regulatória diante do CDC 24 42 CDC aceitação de tarifa mínima por justa causa 30 43 Legalidade da tarifa mínima na jurisprudência 31 5 Conclusões 34 EMENTA CUSTEIO DE SERVIÇOS PÚBLICOS FORMAS TARIFAÇÃO ESTRUTURA FATORES INTERNOS E EXTERNOS DE GERAÇÃO DE CUSTOS PRESENÇA DE CUSTOS FIXOS E VARIÁVEIS COBRANÇA DE TARIFA MÍNIMA LICITUDE NECESSIDADE DE COBERTURA DE CUSTOS FIXOS REGIME DA TARIFA DOS SERVIÇOS DIVISÍVEIS DE ÁGUA E DE ESGOTO PREVISÃO DE REGRAS DE ESTRUTURA TARIFÁRIA NA LEI SETORIAL NECESSIDADE DE CONSIDERAÇÃO DE MÍNIMO DE OFERTA E DE CUSTOS DE MANUTENÇÃO COMPETÊNCIA DA AGÊNCIA REGULADORA PARA DEFINIR A ESTRUTURA TARIFÁRIA AUSÊNCIA DE INCOMPATIBILIDADE COM O CDC E O CDUSP PREVALÊNCIA DA NORMA ESPECIAL E POSTERIOR AO CDC EXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA NOS TERMOS DO ART 39 I DO CDC JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA FAVORÁVEL À TARIFA MÍNIMA DE ÁGUA E ESGOTO Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 3 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 1 Do estudo solicitado e sua contextualização O estudo a seguir baseiase na Ordem de Serviço de 13 de novembro de 2017 pela qual a ARESPCJ Agência Reguladora dos Serviços de Saneamento das Bacias dos Rios Piracicaba Capivari e Jundiaí consórcio intermunicipal com personalidade jurídica de direito público solicita à FADEP Fundação para o De senvolvimento do Ensino e da Pesquisa do Direito entidade de apoio à Facul dade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo FDRPUSP subsídios legais doutrinários e jurisprudenciais à resolução das duas indagações a seguir 1 Com base na legislação de saneamento brasileira e nos preceitos de direito administrativo é lícito instituir a cobrança de tarifa mí nima de que é espécie a tarifa básica operacional TBO para ma nutenção dos serviços de água e esgoto 2 As tarifas dos serviços de água e esgoto estão vinculadas à legis lação consumerista devendo cobrar do usuário somente o serviço efetivamente usufruído ou tal preceito do Código de Defesa do Con sumidor pode ser afastado A agência reguladora consulente ARESPCJ constituída no modelo de con sórcio público com personalidade de direito público interno e responsável pela regulação de serviços de saneamento básico em dezenas de Municípios do Estado de São Paulo esclarece que as tarifas mínimas configuram preços públicos cobra dos das unidades usuárias com base ora em um volume mínimo de consumo dos serviços de águaesgoto ora nos valores fixos para manutenção da infraestrutura em pleno e adequado funcionamento caso em que se utiliza a expressão tarifa operacional básica somada ou não à cobrança por um mínimo de consumo Apesar de suas diferentes formas no geral a cobrança das tarifas mínimas se mostra fundamental para a cobertura de custos fixos de capital e operacionais ou seja valores que não variam no curto prazo a despeito de variações de demanda e servem à realização de investimentos essenciais para promover a universaliza ção a integralidade a eficiência e a sustentabilidade econômica art 2º incisos I Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 4 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 II e VII da Lei Federal nº 114452007 bem como à manutenção da operação da rede e da disponibilidade do serviço público à sociedade Apesar de essas tarifas exercerem uma função objetiva e alinhada à legisla ção setorial a consulente revela que os órgãos de controle como o Ministério Público e a Defensoria Pública do Estado de São Paulo têm questionado a lega lidade das cobranças mínimas e levantado outros questionamentos sobre a estru turação tarifária para serviços de saneamento básico de sorte a colocar em risco sua autonomia regulatória e em última instância comprometer a eficiência das atividades de fornecimento de água e coleta de esgoto A partir dos fatos narrados para se verificar a licitude da referida tarifa mí nima de que é espécie a chamada tarifa básica operacional e para se atestar se e em que medida a autonomia da agência reguladora pode ser limitada por ór gãos de controle externo sobretudo com apoio em normas de defesa do consu midor o presente estudo dividese em três partes A primeira trata de aspectos gerais acerca da remuneração de serviços públicos explicando os modelos existentes no Brasil os critérios que ne cessitam ser considerados na definição do modelo remuneratório e os elementos de custos que permeiam a chamada estruturação tarifária oferecendose assim a base teórica para a compreensão dos serviços de saneamento e suas tarifas A segunda parte ingressa no exame da legislação setorial para delinear o regime jurídico das tarifas de saneamento básico dando especial desta que para os serviços públicos de água e esgoto e para as normas que cui dam da estruturação tarifária Nessa parte se revela a opção preferida pelo legislador quanto à tarifação de água e de esgoto e se destacam as normas autorizativas da cobrança de tarifas mínimas para garantir o ser viço público adequado e A terceira e última parte cuida da relação entre normas regulatórias e normas de defesa do usuário e dos consumidores Nela se apontam as razões pelas quais normas técnicas acerca da estruturação tarifária cons truídas por agências reguladoras prevalecem sobre normas básicas pre vistas em diplomas genéricos de defesa do consumidor como o CDC Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 5 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 Em complemento sistematizase a jurisprudência específica acerca da le galidade de cobrança de tarifas básicas de água e esgoto no Brasil confe rindose especial atenção às decisões do Superior Tribunal de Justiça 2 Tarifação de serviços públicos aspectos teóricos gerais 21 Remuneração de serviços públicos Toda e qualquer tarefa estatal gera custos elevados E não poderia ser dife rente com os serviços públicos atividades cuja extensão complexidade e modo de funcionamento os torna frequentemente mais dispendiosos que ações corri queiras de mercado Não é à toa que embora alguns serviços estejam por vezes abertos à livre iniciativa serviços impróprios ou não monopolizados ou quando monopolizados o Estado busque privatizálos por meio de técnicas de delegação poucos agentes econômicos mostramse capazes de assumilos Em termos financeiros e igualmente políticos a questão central que se co loca de modo constante aos titulares estatais dos serviços públicos é a seguinte quem assumirá seus elevados custos Em certas ocasiões o próprio legislador responde à pergunta com a escolha de um modelo de custeio Em outras ocasiões ele apenas oferece por meio do direito positivo alternativas de respostas cada qual com impactos e implicações distintas sobre os mais diversos agentes envol vidos Em hipóteses como essa deixase margem de escolha para a Administra ção desenvolver o modelo de geração das receitas que sustentarão o serviço No âmbito dos chamados serviços econômicos comerciais ou industriais é usual que o ordenamento preveja o custeio dos serviços direta e exclusivamente pelos usuários pessoas físicas ou jurídicas Predominam as receitas tarifárias como se vislumbra nos setores de energia telefonia assim como de água e de esgoto Em serviços dessa natureza não há previsões genéricas e absolutas de gratuidade senão meras e ocasionais determinações infraconstitucionais de tari fas sociais ou de gratuidade restrita a grupos vulneráveis específicos Já no campo dos denominados serviços públicos sociais a estipulação geral de gratuidade é mais comum como se vislumbra na regra constitucional que veda o pagamento de ensino em estabelecimentos públicos art 206 IV da CF ou na regra legal que torna gratuitos os serviços de saúde no SUS art 43 da Lei Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 6 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 n 80801990 A opção da gratuidade comumente encontrada nos serviços soci ais desloca o custeio que seria assumido pelo usuário final para outros atores em geral para a população como pagadora de impostos Utilizase um modelo de receitas não tarifárias Em qualquer situação a despeito da categoria do serviço público opção por uma ou outra forma de remuneração resta sempre condicionada pela natureza indivisível uti universi ou divisível uti singuli da prestação Em poucas pala vras os indivisíveis como os de limpeza urbana e drenagem de águas pluviais não aceitam taxa nem tarifa dada a impossibilidade de se verificar o consumo ou o potencial de consumo de cada usuário Daí a necessidade de que sejam cus teados por meio de impostos e eventualmente por meio de receitas alternativas geradas no âmbito de contratos de concessão receitas não tarifárias salvo quando o legislador contrariando toda a lógica previr cobranças individualiza das para sua manutenção como a esdrúxula contribuição de iluminação pública prevista no art 149A da Constituição da República incluído pela Emenda Cons titucional n 3920021 Em contraste a modelagem de custeio dos serviços divisíveis como distri buição de água e de coleta de esgoto é muito flexível Além do uso de impostos de receitas alternativas autorizadas em contratos de concessão ou de permissão e de subsídios cruzados provenientes de outros usuários conforme previsão em certas leis é possível cobrar taxa ou tarifa do usuário final para cobrir total ou parcialmente os custos de estruturação manutenção e prestação do serviço pú blico ou seja todos os custos fixos e variáveis de capital ou de operação A mar gem de discricionariedade do titular do serviço para combinar inúmeras técnicas de custeio variará de acordo com as opções do legislador frequentemente con signadas na legislação setorial como se demonstrará ao longo da análise do setor de água e de esgoto Por ora cumpre simplesmente registrar que em termos gerais os altos e variados custos que um serviço público adequado gera tanto para sua manu 1 Art 149A Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição na forma das res pectivas leis para o custeio do serviço de iluminação pública observado o disposto no art 150 I e III Parágrafo único É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput na fatura de consumo de energia elétrica Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 7 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 tenção e operação quotidiana quanto para sua universalização e atualização tec nológica podem ser sustentados por diferentes fontes e conforme modelos que se diferenciam pela natureza do serviço e pelas amarras dadas pelo ordenamento Grosso modo no Brasil frequentemente se identificam três modelos O do serviço público remunerado integralmente pelos usuários Aqui a taxa ou tarifa cobrada do usuário abarca todos os custos internos e ex ternos fixos e variáveis de operação e de capital Para tanto é preciso que i o serviço se caracterize pela divisibilidade ii a taxa esteja pre vista em lei ou alternativamente a tarifa conste de contrato de delega ção iii a cobrança retrate os custos para a prestação do serviço ade quado e iv a cobrança não seja abusiva excessiva ou exageradamente elevada princípio da modicidade Esse é o modelo prioritário para ser viços de água e esgoto como se demonstrará oportunamente O do serviço público remunerado parcialmente pelos usuários Nessa hi pótese a remuneração do usuário para custear o serviço será deficitária exigindo receitas não tarifárias como o pagamento de subsídios previs tos em contrato art 17 caput da Lei n 89871995 uma contraprestação do parceiro público caso se trate de PPP patrocinada art 2º 1º da Lei n 110792004 eou a geração de receitas alternativas art 11 da Lei n 89871995 Como esse modelo pressupõe que o serviço se caracterize pela divisibilidade ele é perfeitamente aplicável também nos setores de água e de esgoto E o modelo do serviço não custeado pelo usuário final que se aplica em duas situações A primeira se refere aos serviços uti universi cuja cober tura financeira ocorre via de regra por impostos ou receitas alternativas salvo no caso da iluminação pública que dispõe de contribuição espe cífica A segunda situação se refere a serviços divisíveis mas a que o ordenamento expressamente atribui gratuidade ou seja proíbe a co brança individualizada de taxas ou tarifas por norma constitucional ou infraconstitucional É igualmente concebível que referida gratuidade venha determinada por decisão administrativa Em qualquer hipótese fato é que a gratuidade não faz desaparecer os custos dos serviços Ela simplesmente altera a fonte de custeio O serviço terá que ser suportado ou pela coletividade ou por receitas alternativas ou por subsídios cru zados de outro grupo de usuários ou seja por receitas não tarifárias Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 8 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 22 Natureza da tarifa de serviços públicos Os modelos baseados na remuneração dos serviços pelo usuário como o empregado no campo dos serviços públicos de água e de esgoto por força da legislação setorial a ser oportunamente examinada sustentamse na cobrança de taxa ou de tarifa preço Ambos os institutos desempenham função análoga embora com sensível diferença no tocante ao regime jurídico A taxa é espécie tributária cabível apenas para a prestação direta e sub metida à legalidade forte previsão estrita de alíquota base de cálculo fato gera dor e outros elementos em lei em sentido formal A seu turno a tarifa confi gura um preço regulado instituído na delegação do serviço e inserido num re gime mais flexível que excepciona o direito tributário por força de norma consti tucional expressa A esse respeito o STF esclareceu na Súmula 545 que preços públicos e taxas não se confundem porque estas diferentemente daqueles são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à prévia autorização orçamentá ria em relação à lei que as instituiu A diferença fundamental entre os regimes da taxa e da tarifa se ancora na Constituição cujo o art 175 prevê a possibilidade de que os serviços públicos sejam executados diretamente pelo seu titular estatal ou indiretamente por dele gatário ie concessionário ou permissionário escolhido por meio de processo licitatório Além disso referido dispositivo cria o sistema de remuneração por tarifa para a execução indireta submetendoo a reserva legal ao exigir que lei dis ponha entre outras coisas sobre a política tarifária art 175 parágrafo único III Ao tratar das formas possíveis de execução das atividades em questão Ale xandre Santos de Aragão afirma que o artigo 175 da Constituição abre uma exce ção ao regime tributário previsto pela Constituição para os serviços públicos que seriam remunerados por taxa de forma que sempre que o serviço público com pulsório ou não tiver sido delegado a sua remuneração se dará por tarifa2 Isso significa como reforça Maria Sylvia Zanella Di Pietro que a tarifa será o único instituto cabível para a cobrança direta do usuário quando o serviço for prestado 2 ARAGÃO Alexandre Santos de Direito dos serviços públicos 2ª ed Rio de Janeiro Forense 2008 Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 9 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 por meio de concessão ou permissão3 E não poderia ser diferente Impor a insti tuição de taxa para serviços delegados inviabilizaria sua execução já que a taxa é incapaz de assegurar pela rigidez de seu regime o respeito ao direito de equi líbrio econômicofinanceiro atribuído pela legislação ao prestador4 Não há outra conclusão possível a partir do exame da disciplina infracons titucional do assunto Em respeito à reserva legal prevista na Constituição o Con gresso Nacional editou a Lei Geral de Concessões e Permissões de Serviços Pú blicos Lei n 89871995 assim como leis especiais para cada setor como a Lei de Saneamento Básico Lei n 114452007 no intuito de explicar o emprego da tarifa na execução delegada dos serviços públicos Na Lei Geral de Concessões diploma nuclear para a compreensão dessa matéria dedicouse todo o capítulo IV ao tema da política tarifária Seus dis positivos gerais entre outras coisas preveem que i a tarifa será fixada de acordo com as normas da licitação e do contrato observandose a proposta do licitante vencedor ii a tarifa será preservada em seu valor por revisão ou reajuste no in tuito de garantir o equilíbrio econômicofinanceiro do contrato de delegação do serviço iii sua cobrança poderá ser condicionada a serviço alternativo e gratuito ao usuário somente quando houver previsão em lei para tanto iv o valor gerado pelas tarifas para custeio do serviço poderá ser complementado por fontes pro venientes de receitas alternativas complementares acessórias ou de projetos as sociados com ou sem exclusividade e v a tarifa pode ser diferenciada em razão de características técnicas ou dos custos específicos provenientes do aten dimento aos distintos segmentos de usuários A partir daí se evidencia conforme preleciona Fernando Vernalha Guima rães que a tarifa consiste num preço ou contraprestação que os usuários praticam em face da utilização do serviço e da infraestrutura pública disponibilizada pelo delegatário5 Ela deve ser compreendida por conseguinte no entrecruzamento 3 DI PIETRO Maria Sylvia Zanella Parcerias na administração pública concessão permissão franquia terceirização parceria públicoprivada e outras formas 6ª ed São Paulo Atlas 2008 p 384 4 DI PIETRO Maria Sylvia Zanella Parcerias na administração pública concessão permissão franquia terceirização parceria públicoprivada e outras formas 6 ed São Paulo Atlas 2008 p 385 5 GUIMARÃES Fernando Vernalha Concessão de serviço público São Paulo Saraiva 2012 p 178 Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 10 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 de três relações jurídicas coordenadas entre si a que se estabelece entre usuário e não usuários e o poder concedente quando da concepção e idealização do serviço público e de sua tarifação a travada entre o delegatário e o titular do serviço bem como a existente entre concessionário e usuário assumindo a tarifa aqui o papel de contraprestação arcada pelo usuário como contrapartida à prestação do ser viço adequado6 A essa pluralidade de relações se deve adicionar uma quarta a saber a que envolve o prestador delegado ou não e o regulador como entidade pública do tada de autonomia para encontrar as melhores soluções técnicas com o objetivo de viabilizar um serviço adequado e capaz de satisfazer os direitos e interesses juridicamente tutelados de todos os atores envolvidos Somente com a consciên cia dessa multiplicidade de relações inclusive com o regulador é que se poderá compreender a tarefa de estruturação tarifária inclusive no setor de saneamento 23 Estrutura ou composição tarifária A complexidade da prestação de serviços públicos e a pluralidade de atores e relações jurídicas que a caracteriza revelam que a tarifa não pode ser estrutu rada examinada nem questionada sob perspectivas reducionistas microscópicas ou de curto prazo Da mesma forma que sua precificação não poderia ser reali zada com a mera consideração dos interesses do prestador ela jamais poderia ser calculada a partir da consideração exclusiva da quantidade ou volume de serviço diretamente consumido por um ou outro usuário final mera fruição individua lizada A estruturação tarifária como método de definição das tarifas cobradas dos mais diferentes grupos de usuários necessita levar em conta uma série de outros fatores que se extraem do plexo mencionado de relações jurídicas Dentre tantos fatores cabe destacar a modelagem adotada na fase interna e vinculante do pro cesso licitatório a garantia do equilíbrio econômicofinanceiro ao prestador a existência ou não de regras de gratuidade para grupos de consumidores o dever de prestação do serviço adequado para as gerações presentes e futuras a conse quente necessidade de expansão de rede para atendimento a usuários em pontos 6 GUIMARÃES Fernando Vernalha Concessão de serviço público São Paulo Saraiva 2012 p 178 Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 11 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 territoriais diversos e de manutenção da infraestrutura existente em bom funcio namento a previsão de subsídios o pagamento de taxas regulatórias pelo pres tador etc Em outras palavras a precificação abarca necessariamente fatores de custo externos e inerentes ao serviço Os fatores internos se referem a custos exclusivos do serviço em si incluindo os custos fixos e variáveis de produção como os de construção e expansão de rede os de operação como de energia elétrica e trans porte os de manutenção como os de verificação de segurança e de avaliação de qualidade bem como os custos da efetiva oferta ao usuário final eg volume consumido do bem ou quantidade de serviços solicitados Já os fatores externos dizem respeito a custos não derivados das operações do serviço em si mas rela cionados à sua existência como os de retorno esperado do executor de cobertura de projetos elaborados no PMI de subsídios cruzados entre os usuários atuais ou de diferentes gerações etc Alguns desses custos externos são naturais em dele gações de serviços como os de remuneração do prestador outros são eventuais e dependem de previsão como os de cobertura de projetos escolhidos em PMI ou o pagamento de subsídios cruzados para sustentar usuários vulneráveis A partir dos vários fatores que cada legislação setorial entende cabível e que o regulador mensura na prática concebemse três tipos básicos de tarifa a supe ravitária a deficitária e a justa Além disso mesmo em serviços divisíveis e tari fados é igualmente possível a definição de gratuidade limitada a certos grupos de usuários por força de decisão constitucional legal ou administrativa ou seja a isenção seletiva e justificada de tarifa A ideia de tarifa superavitária e deficitária há que se pensada sempre a par tir da tarifa justa aqui entendida como o valor pago pelo usuário para cobrir com exatidão todos os custos internos e externos naturais da delegação como a remuneração do prestador Diferentemente entendese como superavitária a ta rifa que gera recursos excedentes aos necessários para cobrir os custos internos e externos naturais Como ela comporta um excedente que geralmente serve para cobrir custos externos eventuais como os subsídios cruzados em favor de usuá rios em situação de vulnerabilidade a exemplo do que se vislumbra no setor de transporte urbano art 9º 5º da Lei n 125872012 ou Lei de Mobilidade Urbana ou custos de construção de infraestruturas para usuários futuros sua previsão geralmente necessita de previsão legal Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 12 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 A tarifa deficitária a seu turno representa um preço incapaz de suportar os custos internos e os custos externos naturais geralmente o valor de produção manutenção operação e prestação do serviço em si somado à remuneração do prestador Por isso tanto a tarifa deficitária quanto as hipóteses de gratuidade a certos grupos de usuários geram o mesmo efeito econômico A parcela não paga pelos usuários beneficiados acarreta uma transferência dos custos para outros agentes O custo não desaparece pelo fato de o usuário ter deixado de cobrilo em virtude de desconto tarifário ou da gratuidade ele simplesmente é deslocado para outro agente social ou econômico Considerando a relação complexa e as amarras que a delegação de serviços envolve no direito brasileiro esses custos descobertos por conta da tarifa defici tária ou da gratuidade somente podem ser transferidos para os seguintes atores i a coletividade que os assume por meio de seus impostos convertidos em subsí dios ou contraprestações ao prestador a depender da modelagem contratual concessão comum ou PPP ii os outros usuários desde que a legislação autorize subsídios cruzados baseados em tarifas superavitárias ou iii outros agentes econô micos caso o contrato preveja receitas alternativas e elas se mostrem possíveis na prática diante das características dos serviços o que aliás dificilmente ocorre nos serviços de água e esgoto Reiterese pois que sempre que o usuário final deixar de custear qualquer parcela dos custos de produção operação manutenção e oferta de um serviço nisso se incluindo portanto os de sustentação da infraestrutura disponível o valor faltante terá que ser compensado por algum outro agente E caso essa com pensação não ocorra o serviço se tornará insustentável financeiramente e por consequência inadequado ou em pior situação inexequível deixando de ser prestado a parcela dos usuários Dessa maneira conquanto possa haver serviço gratuito ou parcelas defici tárias a um ou outro grupo de usuários não há serviço sem custo Serviço gra tuito ou serviço a preço deficitário é sinônimo de serviço sustentado por outras fontes que não a de pagamento pelo usuário com base exclusiva no benefício re cebido ou colocado à disposição Daí se conclui que em grande parte dos cená rios ao se impossibilitar a cobrança de uma tarifa justa causase sempre um im pacto nocivo ou se onera mais ainda a sociedade ou se torna o serviço precário Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 13 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 em desfavor do próprio usuário final Não são outras senão essas as consequên cias causadas por ocasionais ações levianas de órgãos de controle contra normas de tarifação em setores regulados 24 Custos fixos e tarifação mínima Os fatores ou custos internos envolvem os gastos para a existência o funci onamento e a disponibilização do serviço ao usuário final Em todas essas etapas os custos se sujeitam a diversas classificações Há custos de capital necessários a investimentos e custos de operação necessários ao funcionamento do que já existe Além disso e o que mais importa a esse estudo há custos variáveis e fixos ou sejam custos que respectivamente variam ou não no curto prazo con forme a demanda efetiva das unidades usuárias conectadas à rede No serviço de abastecimento de água que envolve tarefas de captação tra tamento e distribuição e de coleta de esgoto que abrange atividades de afasta mento tratamento e disposição final por exemplo independentemente do con sumo maior ou menor de cada domicílio em certo mês o prestador arca com cus tos constantes de remuneração de um corpo de empregados custos com medição individualizada de consumo leitura e emissão de faturas bem como de even tual aluguel de suas instalações impostos sobre a propriedade valores para pa gamentos de softwares atendimento às metas de investimentos constantes do Plano Municipal de Saneamento manutenção de equipamentos e da rede de in fraestrutura amortização de investimentos na construção de infraestrutura aten dimento telefônico ao usuário etc Esses e outros elementos de despesa configuram custos fixos pois a despeito das variações pontuais do consumo de água e de coleta de esgoto eles permane cem constantes por algum tempo Para que o serviço funcione permanentemente e de modo adequado custos dessa natureza se mostram inevitáveis Eles existi rão em igual medida a despeito das variações de consumo ou do fato de algumas dezenas de família por exemplo em razão de viagem nas férias de final de ano não terem utilizado água em seus domicílios nem gerado esgoto expressivo É por isso que se faz necessária uma tarifa mínima por exemplo como forma de tarifa operacional básica com ou sem pagamento de consumo mínimo Em tese específica sobre os serviços de saneamento básico Valmir de Albu querque Pedrosa confirma a diversidade de custos que os caracteriza e ao fazê Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 14 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 lo ressalta os diversos custos fixos que as tarifas cobradas pelos prestadores desse setor espelham ou seja custos que não variam no curtoprazo com relação à quantidade de água ou esgoto como os de manutenção das máquinas e repo sição de equipamentos obsoletos7 Aroldo João Costa caminha no mesmo sentido ao explicar que por definição os custos fixos são aqueles que independem da quantidade produzida incluindose nessa categoria entre outros os custos de área e instalações necessários aos serviços de saneamento básico8 Diferentemente dos fixos os custos variáveis aumentam ou diminuem con forme a demanda concreta e atual do serviço Exemplos disso são os custos com produtos químicos para tratamento da água ou do esgoto bem como os custos de energia do maquinário necessário a tanto como o funcionamento de bombas9 Voltandose ao exemplo dado o fato de dezenas de famílias deixarem de consu mir água e gerar esgoto por conta das viagens durante o período de férias de final de ano ocasionará uma redução proporcional desses custos variáveis mas os custos fixos como dito permanecerão idênticos A partir dessa simples classificação econômica entre custos fixos e custos variáveis fica bastante evidente que o custo total que um usuário de serviço pú blico acarreta ao Estado e por consequência à coletividade não se mede somente a partir da quantidade consumida pela unidade usuária O custo do serviço de água e de esgoto portanto não se reduz ao mero volume de água fornecido e de esgoto coletado Em todo serviço público assim como ocorre nas atividades eco nômicas existem custos invariáveis cuja inevitabilidade está atrelada à necessi dade de se garantir que o serviço possa ser prestado com qualidade assim que o 7 PEDROSA Valmir de Albuquerque Tarifas nas empresas de saneamento Tese Doutorado em Engenharia de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2001 Disponível em httpwwwctecufalbrprofessorvapTese Valmirpdf Acesso em 20 nov 2017 p 80 8 COSTA Aroldo João Metodologia para análise de tarifas de sistemas de abastecimento de água SAA com base nos custos de implantação e operação do sistema Dissertação Mestrado em Engenharia Ambiental da Universidade Federal de Santa Catarina Florianópolis 2003 Disponí vel em httpsrepositorioufscbrbitstreamhandle12345678985453202872pdfsequence1 Acesso em 20 nov 2017 p 3940 9 PEDROSA Valmir de Albuquerque Tarifas nas empresas de saneamento Tese Doutorado em Engenharia de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Porto Alegre 2001 Disponível em httpwwwctecufalbrprofessorvapTese Valmirpdf Acesso em 20 nov 2017 p 80 Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 15 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 usuário desejar Exatamente por isso enquanto uma pessoa física ou jurídica es tiver vinculada ao prestador na qualidade de usuário e não solicitar o desliga mento da rede esses custos fixos deverão ser por ela absorvidos sob pena de se transferilos ilegitimamente à sociedade ou a outros usuários É essa lógica que torna lícita e legítima perante a sociedade a cobrança de tarifa mínima para manutenção de redes em alguns locais denominada de ta rifa operacional básica Essa cobrança é devida por todos os usuários ativos co nectados à rede de serviço ainda que façam maior ou menor uso dele em um ou outro período E isso se deve ao fato de que o valor da tarifa mínima não se des tina a cobrir os custos variáveis mas sim os custos fixos que o serviço acarreta e que não fossem assumidos pelo usuário onerariam indevidamente o patrimônio de outrem Como técnica de justa divisão dos custos a tarifa mínima incidirá sempre na razão do custo fixo total pelo número de usuários conectados à rede Essa técnica de cobrança destinada a garantir a justiça da contribuição de cada um para o custeio da atividade estatal não representa qualquer novidade ou peculiaridade do sistema tarifário em relação ao que já existia no modelo de prestação direta de serviço Isso fica bastante evidente quando se considera que a Constituição da República e o Código Tributário Nacional explicitamente pre veem que as taxas cobradas pela União pelos Estados pelo Distrito Federal ou pelos Municípios no âmbito de suas respectivas atribuições têm como fato gera dor a utilização efetiva ou potencial de serviço público específico e divisível prestado ao contribuinte ou posto a sua disposição art 77 do CTN e art 145 II da CF Ao ressaltar que a taxa será cobrada pelo serviço público independente mente de sua utilização o legislador não buscou criar uma fonte de receita inde vida para o Estado Ele simplesmente reconheceu o óbvio todas as atividades inclusive os serviços públicos geram custos variáveis e fixos Desse modo sem pre que uma pessoa física ou jurídica estiver conectada ao serviço na qualidade de usuário deverá pagar pelo serviço ainda que não o tenha utilizado efetiva mente ou seja pagará um valor básico porque o serviço gerou custos fixos con sideráveis Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 16 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 3 Tarifação dos serviços de água e de esgoto 31 Adoção do modelo de remuneração pelo usuário A tarefa de identificar o modelo escolhido no Brasil para a remuneração dos serviços divisíveis de água e esgoto se tornou relativamente simples após 2017 ano de edição da Lei nº 11445 a Lei Nacional de Saneamento Em seu capítulo VI dedicaramse inúmeros dispositivos aos aspectos econômicos e sociais dos referidos serviços e neles se determinou de modo expresso a adoção prioritária do sistema de remuneração pelo usuário final Com efeito o art 29 explicita mente prescreve que os serviços públicos de saneamento básico terão a susten tabilidade econômicofinanceira assegurada sempre que possível mediante re muneração pela cobrança dos serviços I de abastecimento de água e esgotamento sanitário preferencialmente na forma de tarifas e outros preços públicos que poderão ser estabelecidos para cada um dos serviços ou para ambos conjuntamente Do dispositivo transcrito se extraem inúmeras conclusões relevantes a sa ber i a não ser que se mostre impossível os próprios usuários deverão custear os serviços de água e esgoto em cada localidade ii a cobrança deverá se dar pre ferencialmente na forma de tarifa submetida a um regime jurídico mais flexível distinto do aplicável às taxas e iii a tarifa poderá ser comum ou única para os dois serviços ou individualizada para cada um deles Em mais uma ocasião essa opção pelo modelo tarifário em detrimento da taxa foi reafirmada pelos Tribu nais brasileiros inclusive pelo STJ EREsp 69060910 e REsp 740967RS11 e pelo 10 TRIBUTÁRIO EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA CONTRAPRESTAÇÃO COBRADA PELO SERVIÇO PÚBLICO DE ÁGUA E ESGOTO NATUREZA JURÍDICA DE TARIFA PRECEDEN TES DO STJ E DO STF 1 Este Tribunal Superior encampando entendimento sedimentado no Pretório Excelso firmou posição no sentido de que a contraprestação cobrada por concessionárias de serviço público de água e esgoto detém natureza jurídica de tarifa ou preço público 2 Definida a natureza jurídica da contraprestação também definiuse pela aplicação das normas do Código Civil 3 A prescrição é vintenária porque regida pelas normas do Direito Civil 4 Embargos de divergência providos EREsp 690609RS Rel Ministra ELIANA CALMON PRIMEIRA SEÇÃO julgado em 26032008 DJe 07042008 11 PROCESSO CIVIL TRIBUTÁRIO EXECUÇÃO FISCAL TARIFA DE ÁGUA E ESGOTO NATUREZA JURÍDICA DE TARIFA OU PREÇO PÚBLICO DÍVIDA ATIVA CRÉDITO NÃO TRIBUTÁRIO PRESCRIÇÃO DECENAL CÓDIGO CIVIL 1 O Colendo STF já decidiu reiterada mente que a natureza jurídica da remuneração dos serviços de água e esgoto prestados por concessionária de serviço público é de tarifa ou preço público consubstanciando assim contraprestação de caráter não tributário 2 Consectariamente malgrado os débitos oriundos do inadimplemento dos serviços Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 17 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 STF RE 488200MS12 A autorização legal para a cobrança da tarifa comum mencionada no item iii acima fundamentase em última instância na relação de quase equivalência do volume de água consumido ao volume de esgoto produzido Falase de quase equivalência pois na prática o retorno de esgoto se mostra ora levemente me nor ora levemente maior ao da água fornecida por uma série de razões técnicas como captação de água de chuva e indevido lançamento de água pluvial na rede de esgoto fatores que tornam o retorno de esgoto maior que o volume de água de água e esgoto terem sido inscritos como dívida ativa e exigidos mediante execução fiscal em observância à Lei de Execuções Fiscais não se lhes pode aplicar o regime tributário previsto nas disposições do CTN in casu os relativos à prescriçãodecadência porquanto estes apenas perti nentes às dívidas tributárias exatamente por força do conceito de tributo previsto no art 3º do CTN 3 A Execução Fiscal ostenta esse nomen juris posto processo satisfativo que apresenta pe culiaridades em razão das prerrogativas do exequente assim como é especial a execução contra a Fazenda não sendo servil apenas para créditos de tributos porquanto outras obrigações podem vir a compor a dívida ativa 4 Recurso Especial provido REsp 740967RS Rel Ministro LUIZ FUX PRIMEIRA TURMA julgado em 11042006 DJ 28042006 p 275 12 DECISÃO Os recorrentes insurgemse contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul segundo o qual a contraprestação correspondente ao fornecimento dos ser viços de água e esgoto possui caráter tributário 2 Alegase no extraordinário violação do dis posto no artigo 175 inciso III da Constituição do Brasil 3 A jurisprudência do Supremo está conso lidada no entendimento de que a remuneração pela prestação do serviço de fornecimento de água e coleta de esgoto não tem caráter de tributo mas de preço público Vejase vg o RE n 54491 Relator o Ministro Hermes Lima 2ª Turma DJ de 151063 Nesse mesmo sentido RE n 429664 Relator o Ministro Cezar Peluso DJ de 24306 RE n 330353 Relator o Ministro Carlos Britto DJ de 10505 AI n 397797 Relator o Ministro Carlos Velloso DJ de 6206 4 Ainda que no caso discutase o serviço público compulsório a remuneração cobrada pela empresa concessionária é contratual de modo que a sua criação e majoração independem de lei Notese que a compulsoriedade referida pelo artigo 179 I b do Código Tributário Nacional há de ser e só pode ser como observou ALIOMAR BALEEIRO 4 Ainda que no caso discutase o serviço público compulsório a remuneração co brada pela empresa concessionária é contratual de modo que a sua criação e majoração indepen dem de lei Notese que a compulsoriedade referida pelo artigo 179 I b do Código Tributário Nacional há de ser e só pode ser como observou ALIOMAR BALEEIRO Direito Tributário Bra sileiro 10a edição Forense Rio 1981 pág 353 compulsoriedade de pagamento do tributo taxa no caso e não de uso do serviço O preceito do Código Tributário Nacional não afirma a impos sibilidade da incidência de taxa pela utilização potencial de serviço público facultativo A recí proca é verdadeira A concessão do serviço público pressupõe o pagamento pelo usuário ao concessionário de preço público tarifa Dou provimento ao recurso extraordinário com fun damento no disposto no artigo 557 1ºA do CPC para reformar o acórdão recorrido reconhe cendo o caráter nãotributário da contraprestação de que se cuida preço público e não taxa Pu bliquese Brasília 13 de setembro de 2006 Ministro Eros Grau Relator 1 RE 488200 Relatora Min EROS GRAU julgado em 13092006 publicado em DJ 26092006 PP00095 Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 18 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 fornecido ou utilização de água para atividades como irrigação de plantas con sumo humano etc fatores que reduzem o retorno Justamente por isso os Tri bunais brasileiros já chancelaram essa técnica de cobrança em muitos julgados não cabendo aqui porém maior aprofundamento sobre o tema1314 Imprescindível por ora é simplesmente atestar a clara opção do legislador pátrio pelo modelo de remuneração direta pelo usuário no art 29 I da Lei de Saneamento Essa opção encontra reforço em inúmeros outros dispositivos do diploma Ao cuidar da delegação dos serviços por contrato de concessão ou de programa por exemplo a lei exige a observância de alguns requisitos dentre os quais a existência de normas de regulação que cuidem das condições de susten tabilidade e equilíbrio econômicofinanceiro da prestação dos serviços em regime de eficiência incluindo a o sistema de cobrança e a composição de taxas e tarifas b a sistemática de reajustes e de revisões de taxas e tarifas e c a política de subsí dios art 11 2º IV Em outro trecho ainda ao tratar dos serviços atribuídos a diferentes presta dores a lei evidencia a escolha pelo sistema baseado primariamente na cobrança das unidades usuárias ao estipular que a entidade reguladora definirá as nor mas econômicas e financeiras relativas às tarifas aos subsídios e aos pagamentos 13 PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS FORNECIMENTO DE ÁGUA E COLETA DE ESGOTO DECLARATÓRIA Alegação da usuária de que a concessionária de serviços públicos exige in devidamente a cobrança de tarifa de coleta de esgoto na mesma proporção do consumo de água cobrando por serviço não prestado Procedência da ação em primeiro grau porém com redução da tarifa de esgotos a ser estipulada na proporção determinada no laudo pericial ou seja em 80 da água consumida Afastamento Tese lançada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça em sede de Recurso Especial Repetitivo sustentando a Legalidade e constitucionalidade da base de cálculo da tarifa do esgoto calculada sobre o consumo de água Preliminar de nulidade proces sual rejeitada Discussão sobre a alegação de julgamento extra petita quanto à devolução dos valores que fica prejudicada ante a resultante da ação Recurso da concessionária ré provido para julgar improcedente a ação declaratória TJSP Apelação Cível n 01014327820088260100 14 PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS TARIFA DE COLETA DE ESGOTO AÇÃO ANULATÓRIA DE FATURAS CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER PRETENSÃO DE ALTERAÇÃO DA FORMA DE CÁLCULO DAS TARIFAS COBRADAS PELO SERVIÇO DE COLETA DE ESGOTO ALEGAÇÃO DE QUE A TARIFA SERIA DESPROPORCIONAL AOS SERVIÇOS EFETIVAMENTE PRESTADOS CONSTITUCIONALIDADE DA COBRANÇA POR SIMPLES AVALIAÇÃO COM BASE NO VOLUME DE ÁGUA CONSUMIDO CRITÉRIO ADOTADO POR QUESTÕES DE POLÍTICA TARIFÁRIA TARIFA JUSTIFICADA PELA MERA COLETA DO ESGOTO CONFORME DECIDIDO PELO EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM RECURSO REPETITIVO RESP No 1339313RJ REL MINISTRO BENEDITO GONÇALVES TJSP Apelação 10031719120168260161 Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 19 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 por serviços prestados aos usuários e entre os diferentes prestadores envolvidos art 12 1º II A seu turno dispõe o art 22 IV que a regulação terá como obje tivo entre outras coisas definir tarifas que assegurem tanto o equilíbrio econô mico e financeiro dos contratos como a modicidade tarifária mediante mecanis mos que induzam a eficiência e eficácia dos serviços e que permitam a apropria ção social dos ganhos de produtividade Tanto este quanto os outros dispositi vos apontados comprovam a toda evidência que o modelo primário de remu neração é o tarifário cabendo às receitas não tarifarias como os subsídios um papel secundário 32 Regras de estruturação da tarifa de água e esgoto Além de explicitar a escolha por um modelo de remuneração a Lei de Sa neamento atribui às agências reguladoras competentes a estruturação das tarifas dos serviços divisíveis que compõem o amplo setor em debate como revelam os art 11 2º 12 1º e 22 IV No mesmo sentido o art 23 IV dispõe que a entidade reguladora assume a incumbência de definir requisitos operacionais e de manu tenção dos sistemas e o regime estrutura e níveis tarifários bem como os pro cedimentos e prazos de sua fixação reajuste e revisão gn Ao conferir a tarefa de estruturação tarifária a um ente autônomo composto por servidores especia lizados o legislador não agiu de forma ingênua Ele buscou em verdade evitar táticas populistas impedir a manipulação tarifária para gerar receitas indevidas ao titular do serviço e obstar decisões tecnicamente frágeis em prejuízo da sus tentabilidade do sistema de saneamento Reiterese os dispositivos legais mencionados demonstram que no orde namento brasileiro somente entidades dotadas de expertise técnica e certa blin dagem políticopartidária estão autorizadas a executar a tarefa de examinar os diversos elementos de despesa que os serviços de saneamento envolvem conver tendoos em uma tarifa capaz de assegurar a prestação adequada ao usuário a remuneração do prestador à luz da equação de equilíbrio econômicofinanceiro e simultaneamente o funcionamento sustentável do setor em uma perspectiva transgeracional Ao incumbir exclusivamente o regulador da definição das tari fas quis o legislador em última instância repelir a ingerência de órgãos não es pecializados nos serviços de saneamento dadas as óbvias consequências nocivas desse tipo de intervenção Isso não significa que as agências do setor possam agir de modo aleatório Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 20 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 não planejado ou abusivo Em verdade sua atuação há que ser sempre técnica e observar uma lógica semelhante por todo o território nacional a despeito de ser o serviço de saneamento primariamente um serviço de titularidade local Para garantir a tecnicidade e esse mínimo de homogeneidade diante da pluralidade de entes reguladores a Lei de Saneamento oferece alguns parâmetros mais deta lhados acerca da estrutura tarifária ou melhor aponta diretrizes e elementos a orientar o regulador na fixação do valor da cobrança ao usuário final Em primeiro lugar a estruturação é minudenciada no art 29 1º da lei segundo o qual a instituição das tarifas preços públicos e taxas para os serviços de saneamento básico observará as seguintes diretrizes I prioridade para aten dimento das funções essenciais relacionadas à saúde pública II ampliação do acesso dos cidadãos e localidade de baixa renda aos serviços III geração dos re cursos necessários para realização dos investimentos objetivando o cumprimento das metas e objetivos do serviço IV inibição do consumo supérfluo e do desperdício de recursos V recuperação dos custos incorridos na prestação do serviço em regime de eficiência VI remuneração adequada do capital investido pelos prestadores dos serviços VII estímulo ao uso de tecnologias modernas e eficientes compatíveis com os níveis exigidos de qualidade continuidade e segurança na prestação dos ser viços e VIII incentivo à eficiência dos prestadores dos serviços gn Essas diretrizes delimitam no setor de saneamento os fatores internos e externos de custos dos serviços e com isso delineiam a razão e a destinação dos valores cobrados dos usuários finais Em consonância com as diretrizes os valo res das tarifas jamais poderiam se resumir ao mero volume de água e de esgoto efetivamente consumidos nem mesmo aos custos inerentes ao serviço Elas con firmam o que cerca vez escreveu Carlos Ari Sundfeld de modo bastante opor tuno A fixação do preço a ser individualmente pago não é o resultado de uma mera operação aritmética simples Ele varia em função de muitos critérios15 Como expressa a Lei de Saneamento há fatores de custos externos diversos e que as tarifas necessitam cobrir como a atualização das tecnologias emprega das nos serviços a recuperação de custos de investimento a garantia de acesso à 15 SUNDFELD Carlos Ari Pareceres direito administrativo contratual vol II São Paulo Editora Revista dos Tribunais 2013 p 8182 Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 21 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 população de baixa renda por subsídios tarifários ou não tarifários16 e a remu neração adequada do prestador Adicionalmente dois aspectos merecem desta que i a tarifa de saneamento poderá desempenhar uma função preventiva de maneira a ser aumentada sob certas condições com o objetivo de evitar que o usuário consuma o serviço em excesso ou desperdice recursos sobretudo água e ii poderão ser adotados mecanismos tarifários de contingência de acordo com o art 46 da Lei para cobrir custos adicionais em situações críticas de escassez ou contaminação de recursos hídricos que obriguem a adoção de racionamento Em segundo lugar para além das diretrizes do art 29 mas em harmonia com elas a Lei de Saneamento enumera no art 30 os fatores que poderão ser leva dos em consideração pelo regulador na sua função de estruturação tarifária in cluindo I categorias de usuários distribuídas por faixas ou quantidades cres centes de utilização ou de consumo II padrões de uso ou de qualidade requeri dos III quantidade mínima de consumo ou de utilização do serviço visando à garantia de objetivos sociais como a preservação da saúde pública o adequado atendi mento dos usuários de menor renda e a proteção do meio ambiente IV custo mínimo necessário para disponibilidade do serviço em quantidade e qualidade adequadas V ciclos significativos de aumento da demanda dos serviços em períodos dis tintos e VI capacidade de pagamento dos consumidores gn O conjunto de fatores enumerados detém caráter reconhecidamente exem plificativo para a estruturação tarifária a ser executada pelo regulador Esses fa tores e também outros ali não previstos serão empregados na medida em que se mostrem necessários ao cumprimento dos planos de saneamento e das diretrizes gerais de tarifação contidas no art 29 Dada a tecnicidade do assunto conforme exige a lei em mais de um artigo caberá unicamente ao regulador o serviço de identificar os fatores determinantes para o alinhamento da tarifa cobrada às fina lidades do sistema devendo fazêlo sempre de modo claro e objetivo art 39 da Lei 16 Art 31 Os subsídios necessários ao atendimento de usuários e localidades de baixa renda se rão dependendo das características dos beneficiários e da origem dos recursos I diretos quando destinados a usuários determinados ou indiretos quando destinados ao prestador dos serviços II tarifários quando integrarem a estrutura tarifária ou fiscais quando decorrerem da alocação de recursos orçamentários inclusive por meio de subvenções III internos a cada titular ou entre localidades nas hipóteses de gestão associada e de prestação regional Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 22 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 33 Quantidades e tarifas mínimas na legislação setorial A oferta de um mínimo de serviços de saneamento à população configura um direito do cidadão e um dever do Estado resultante tanto da Constituição da República art 196 caput da CF quanto de documentos internacionais Em no vembro de 2002 o Comité da ONU para Direitos Econômicos Sociais e Culturais aprovou o Comentário Geral n 15 de acordo com o qual o direito humano à água prevê que todos tenham água suficiente segura aceitável fisicamente aces sível e a preços razoáveis para usos pessoas e domésticos Quase dez anos mais tarde em 2011 o Conselho de Direitos Humanos da ONU editou a Resolução 162 mais uma vez a reforçar o direito ao saneamento e por conseguinte à água como um direito à vida e à dignidade A OMS a seu turno afirma serem neces sários entre 50 a 100 litros de água por pessoa por dia para assegurar a satisfação das necessidades mais básicas e a minimização dos problemas de saúde17 Esses documentos internacionais demandam que os sistemas e as redes de saneamento básico sobretudo de fornecimento de água e coleta de esgoto este jam permanentemente preparados a oferecer o mínimo essencial assim que um indivíduo dele necessitar E isso implica ao Estado tomar as providências neces sárias para manter a rede em constante funcionamento a despeito de uma ou ou tra variação de demanda de sorte a garantir a capacidade de atendimento exi gida Para tanto deverá consequentemente recolher os valores necessários a cus tear o bom estado da infraestrutura garantindo a sustentabilidade do sistema É partir dessa lógica que se deve interpretar o art 30 incisos III e IV da Lei de Saneamento Como dito o artigo em questão enumera fatores a serem levados em conta na estruturação da tarifa incluindo a observância de quantidade mínima de consumo ou de utilização do serviço visando à garantia de objetivos sociais como a preservação da saúde pública inciso III e o custo mínimo necessário para disponibilidade do serviço em quantidade e qualidade adequadas inciso IV gn Esses dois incisos estão umbilicalmente relacionados Na medida em que o Estado tem o dever de garantir uma quantidade mínima do serviço na qualidade adequada sempre que o cidadão dele necessitar inciso III dispõe ele do poder 17 ONU O direito humano à água e saneamento Disponível em httpwwwunorgwaterforli fedecadepdfhumanrighttowaterandsanitationmediabriefporpdf Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 23 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 dever de calcular e cobrar o custo mínimo para que a rede esteja pronta a respon der à demanda potencial Pelo outro lado da moeda ou melhor sob a perspectiva do consumo ao mesmo tempo em que se garante ao cidadão um direito ao ser viço em quantidade e qualidade adequadas recai sobre ele o dever de custear o serviço para que sua infraestrutura preserve a capacidade de atendimento nos padrões desejados Em poucas palavras na tarefa de construir e manter um sis tema de saneamento preparado a garantir dignidade a todos e a proteção do am biente prestador e usuários têm deveres e direitos interrelacionados Ao regu lador nesse contexto compete manter o equilíbrio entre esses deveres e estimu lar a satisfação dos direitos envolvidos Ressaltese o acesso e a disponibilidade mínima dos serviços de água e de esgoto decorrem de uma necessidade humana reconhecida no contexto interno e pela comunidade internacional daí porque não pode o cidadão se recusar a co laborar dentro do modelo de remuneração escolhido pelo legislador brasileiro com a estruturação e manutenção da infraestrutura necessária a viabilizálos ou seja com custos de capital e de operação que o sistema gera A fixação e cobrança de uma tarifa básica capaz de arcar com os custos fixos mínimos dos serviços de saneamento sobretudo os de disponibilização e de manutenção de uma rede em condições de operação conforme a quantidade e qualidade desejadas não é uma escolha senão um dever dos atores envolvidos no sistema Exatamente por isso na medida em que o art 45 caput da Lei de Sanea mento determina que salvo disposição contrária do titular do regulador ou da legislação ambiental toda edificação permanente urbana será conectada às re des públicas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário disponíveis é natural que os proprietários dessas edificações se sujeitem automaticamente ao pagamento das tarifas e de outros preços públicos decorrentes da conexão e do uso desses serviços Observese com atenção a parte final do art 45 O disposi tivo se refere de modo muito claro tanto ao preço público de uso desses servi ços quanto ao de conexão ou seja aos valores resultantes do simples fato de a rede permanecer disponível e preparada a oferecer ao usuário a oferta do ser viço na quantidade e na qualidade mínimas exigidas Sinteticamente portanto a tarifa mínima reconhecida na legislação setorial de modo inquestionável art 30 IV e art 45 necessita ser compreendida diante Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 24 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 da função social dos serviços de saneamento e da complexidade de sua disponi bilização e de seu funcionamento tanto em termos econômicos quanto técnicos aspectos cuja análise cabe por lei somente a órgãos regulatórios especializados Vale aqui o alerta geral de Sundfeld É preciso respeitar o sistema de cobrança instituído para o atendimento de uma política pública com suas justificativas eco nômicas ou sociais18 Sem isso correse o risco de se inviabilizar a prestação ade quada do serviço sacrificandose interesses públicos e não raro os próprios usu ários finais 4 Tarifação e normas de defesa do usuário CDC e CDUSP 41 Prevalência da norma regulatória diante do CDC Para conferir segurança jurídica aos atores envolvidos na regulação e na prestação de serviços públicos especialmente os de distribuição de água e de co leta de esgoto é imprescindível verificar se a cobrança de tarifas mínimas bem como a definição de métodos de cálculo específicos pelos reguladores com base em diretrizes da legislação setorial se chocam com o Código de Defesa do Con sumidor e outras leis básicas de defesa dos usuários Em outras palavras as nor mas gerais do CDC e do recémeditado CDUSP são capazes de afastar normas especiais de regulação setorial em matéria tarifária ou diversamente as decisões regulatórias repelem a incidência das normas básicas de proteção do usuário A indagação é inevitável em especial porque o CDC abarca inúmeras nor mas que se referem de modo direto ou indireto aos serviços públicos A título de exemplo seu art 39 dispõe ser vedado ao fornecedor de produtos ou serviços dentre outras práticas abusivas I condicionar o fornecimento de produto ou de ser viço ao fornecimento de outro produto ou serviço bem como sem justa causa a limites quantitativos gn e VIII colocar no mercado de consumo qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais compe tentes ou se normas específicas não existirem pela Associação Brasileira de Normas Téc nicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia Nor malização e Qualidade Industrial Conmetro 18 SUNDFELD Carlos Ari Pareceres direito administrativo contratual vol II São Paulo Editora Revista dos Tribunais 2013 p 82 Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 25 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 Os dois dispositivos citados a título de ilustração são capazes de afetar so bretudo por interpretações descuidadas ou apressadas a instituição de tarifas básicas de serviços públicos e igualmente a autonomia das agências reguladoras para instituição de normas técnicas como as relativas à estruturação tarifária Daí advém a necessidade de se superar a indagação inicial esclarecendose os moti vos pelos quais normas básicas de defesa do usuário se tornam inaplicáveis di ante de normatizações setoriais sobre um mesmo assunto A fim de se justificar essa conclusão basta uma análise formal Sob essa perspectiva cumpre verificar se de modo geral o CDC rege serviços públicos e sob quais condições Ao fazêlo dois momentos históricos necessitam ser dife renciados o de 1990 a 2017 ou seja o período que se inicia com a edição do CDC e prossegue até a edição do Código de Defesa do Usuário de Serviços Públicos Lei n 134602017 doravante CDUSP e o momento atual no qual ambos os Có digos convivem Tomandose em conta o cenário anterior à edição do CDUSP a doutrina brasileira tendia a aceitar a convivência das normas privatistas com as normas administrativas e regulatórias regentes dos serviços públicos Numa perspectiva comparada Alexandre Santos de Aragão identificou três teorias a respeito do as sunto a publicista a privatista e a mista19 que a seu ver seria a mais compatível com o ordenamento jurídico brasileiro mormente em face às disposições dos art 7º caput da Lei n 8987199520 e dos art 6º X e 22 do CDC21 Segundo Aragão à luz da teoria mista é inaceitável o tratamento estrita mente privatista dos usuários dos serviços públicos já que eles sofrem um forte 19 ARAGÃO Alexandre Santos de Serviços públicos e direito do consumidor possibilidades e limites da aplicação do CDC Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico n 15 2008 p 1 20 Art 7º Sem prejuízo do disposto na Lei no 8078 de 11 de setembro de 1990 são direitos e obrigações dos usuários 21 Art 6º São direitos básicos do consumidor X a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral Art 22 Os órgãos públicos por si ou suas empresas concessionárias permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento são obrigados a fornecer serviços adequados eficien tes seguros e quanto aos essenciais contínuos Parágrafo único Nos casos de descumprimento total ou parcial das obrigações referidas neste artigo serão as pessoas jurídicas compelidas a cumprilas e a reparar os danos causados na forma prevista neste código Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 26 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 influxo de normas de direito público É verdade que o usuário se encontra unido à prestadora do serviço por um contrato Contudo o interesse público a ser sa tisfeito através do serviço público justifica que o Estado estabeleça o seu regime jurídico22 Em outras palavras de acordo com o modelo misto ou híbrido os ser viços públicos se subordinam primariamente a normas de direito administrativo a que se somam apenas subsidiariamente as normas do direito privado sobre tudo do direito do consumidor tal como evidencia a Lei de Concessões e o CDC nos dispositivos mencionados no parágrafo anterior No modelo misto ressaltese prevalecem as normas públicas E isso tam bém explica Aragão Os serviços públicos têm uma conotação coletiva muito mais ampla do que as atividades econômicas privadas já que visam à coesão so cial e inclusive são utilizados muitas vezes como instrumento técnico de distri buição de renda e realização da dignidade da pessoa humana23 por exemplo com o financiamento da expansão aos que ainda não têm acesso ao serviço por usuá rios já conectados Floriano de Azevedo Marques Neto segue a mesma linha de raciocínio ao ressaltar a necessidade de se considerar as peculiaridades dos ser viços públicos quando da aplicação das normas de proteção do consumidor24 Opinião semelhante é a de Carlos Ari Sundfeld para quem as normas gerais de proteção do consumidor constituem um arcabouço básico25 Sundfeld explica nessa linha que o próprio CDC reconhece a competência das autoridades administrativas para definir a política tarifária26 Além disso quando o Código de Defesa do Consumidor trata das condutas abusivas menci ona hipóteses genéricas referentes ao aumento injustificado de preços e à exigên 22 ARAGÃO Alexandre Santos de Serviços públicos e direito do consumidor possibilidades e limites da aplicação do CDC Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico n 15 2008 p 13 23 ARAGÃO Alexandre Santos de Serviços públicos e direito do consumidor possibilidades e limites da aplicação do CDC Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico n 15 2008 p 17 24 MARQUES NETO Floriano de Azevedo A nova regulação dos serviços públicos Revista de Direito Administrativo vol 228 2002 p 2829 25 SUNDFELD Carlos Ari Pareceres direito administrativo contratual vol II São Paulo Editora Revista dos Tribunais 2013 p 83 26 SUNDFELD Carlos Ari Pareceres direito administrativo contratual vol II São Paulo Editora Revista dos Tribunais 2013 p 86 Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 27 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 cia de vantagens excessivas dos consumidores art 39 V e X a abusividade de verá ser medida pela desobediência às regras de regulação setorial27 Em outras palavras as normas consumeristas sempre cedem diante dos parâmetros de co brança estabelecidos pelos órgãos estatais responsáveis por análises técnicore gulatórias Em 2017 com a edição da Lei n 13460 já conhecido como Código de Defesa do Usuário de Serviços Públicos a relação do arcabouço de direito público com as normas privadas de proteção dos consumidores passou a ser objeto de regras de interação mais claras porém não menos complexas Apesar de algumas mu danças a edição do novo Código deixou intocados dois aspectos fundamentais i a adoção do referido sistema misto no Brasil e ii a primazia do sistema regula tório sobre as normas gerais de proteção dos usuários Em consonância com posicionamento já defendido em estudo sobre o as sunto28 os mandamentos protetivos do CDUSP valem para todos os entes da ad ministração direta e indireta em qualquer um dos três níveis federativos União Estados e Municípios A cada um desses níveis compete a tarefa de minudenciar as normas gerais de proteção em diplomas próprios No entanto conforme dis posição expressa art 1º 2º a aplicação das normas do Código não deve servir de argumento para afastar o cumprimento de normas regulamentadoras específi cas nem de normas previstas no CDC quando efetivamente caracterizada uma relação de consumo Como se vislumbra a edição do CDUSP em 2017 não altera a prevalência das normas regulatórias Em verdade a novidade trazida pelo Código consiste única e exclusivamente na modificação da ordem de aplicação do conjunto de normas básicas de proteção do usuário Afinal como tanto o CDUSP quanto o CDC configuram corpos de normas nacionais e básicas tornouse imprescindível esclarecer qual deles incidirá no caso concreto de modo primário e qual se apli cará apenas de maneira subsidiária 27 SUNDFELD Carlos Ari Pareceres direito administrativo contratual vol II São Paulo Editora Revista dos Tribunais 2013 p 86 28 MARRARA Thiago O Código de Defesa de Usuários de Serviços Públicos Colunistas Direito do Estado n 383 Disponível em httpwwwdireitodoestadocombrcolunistasthiagomar raraocodigodedefesadousuariodeservicospublicoslein134602017seisparametrosde aplicabilidade Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 28 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 Essa dúvida foi explicitamente esclarecida no art 1º 2º do CDUSP acima transcrito Em casos de prestação do serviço público pela Administração Direta ou Indireta o Código dos Usuários incidirá como o conjunto de normas básicas primárias aplicandose as garantias do CDC somente em sentido subsidiário ou residual Já no âmbito dos serviços públicos prestados por particulares na quali dade de delegatários execução indireta a ordem de aplicabilidade se inverterá o CDC passará ao papel de diploma primário e o CDUSP incidirá de maneira subsidiária art 1º 3º Diante da pluralidade de diplomas básicos de proteção do consumidor e do usuário com validade em todo o território nacional o CDUSP oportunamente definiu o corpo básico de normas protetivas que incidirá em um ou outro caso concreto conforme um critério que valoriza o tipo de prestador e ao fazêlo in seriu um novo critério para a discussão da relação do CDC com os serviços pú blicos no Brasil o critério subjetivo Apesar disso como já dito nada mudou quanto à adoção do modelo misto na composição do regime jurídico pois a des peito do prestador o direito público se somará ao direito privado sempre que houver relação de consumo Ademais e o que é mais importante para o presente estudo restou intocada pelo CDUSP a primazia da regulação setorial Isso se observa quando o novo Código i reconhece que suas normas de proteção bem como as normas do CDC configuram normas básicas e ii expressamente prescreve que suas normas não afastam a necessidade de observância de normas regulamentadoras específicas quando se tratar de serviço ou atividade sujeitos à regulação e à supervisão art 1º 2º I do CDUSP Em outras palavras se existir para um determinado serviço pú blico entidade reguladora competente e atuante suas normas prevalecerão sobre as existentes nos dois Códigos mencionados Ao se verificar por exemplo a atu ação de uma agência reguladora local ou regional sobre serviços públicos de água ou esgoto com base na lei setorial as normas do CDC e do CDUSP restarão au tomaticamente afastadas quanto a assuntos já disciplinados no âmbito regulató rio As normas incidirão somente para assuntos não disciplinados pelo regula dor Essa conclusão consagrada no CDUSP compatibilizase em termos teleo lógicos com o modelo de regulação adotado no Brasil e que no setor de sanea mento é tido como obrigatório Além disso o modelo adotado pelo Código do Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 29 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 Usuário obedece à regra clássica da prevalência da norma especial sobre a norma geral lex specialis derogat legi generali técnica de superação de antinomias con sagrada no direito e cujo fundamento é relativamente simples A norma especial carrega as preocupações e os anseios do legislador sobre um contexto determi nado baseiase num conhecimento mais aprofundado e verticalizado daí porque se revela mais aderente às peculiaridades do objeto normatizado Notese que o próprio CDC reconhece de modo explícito a prevalência da norma especial em inúmeros momentos e indo além evidencia que na disputa entre normas igualmente técnicas sempre prevalecerão as editadas pelo próprio Estado Isso se observa no art 39 VIII de acordo com o qual os produtos e servi ços devem estar de acordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou se normas específicas não existirem pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia Normali zação e Qualidade Industrial Conmetro Nesse dispositivo entre outros que aqui poderiam ser citados o legislador afirma de modo incontestável a preferên cia pelas normas especiais expedidas pelos órgãos oficiais competentes Assim somente na ausência de normas especiais criadas por órgãos públicos dotados de expertise técnica como os das agências reguladoras de saneamento incidirá a norma básica do CDC que a seu turno remete a especificações não oficiais como as formuladas pela ABNT entidade privada sem fins lucrativos cujas normas por si só não capazes de gerar efetivo extroverso vinculante De igual forma e pela mesma lógica no plano da tarifação as normas espe ciais editadas por agências reguladoras prevalecem sobre normas genéricas de tutela do consumidor e do usuário Ressaltese essa conclusão resulta tanto da regra da especialidade quanto do reconhecimento explícito no CDUSP do cará ter subsidiário do CDC Ademais no âmbito dos serviços públicos de sanea mento básico como abastecimento de água e coleta de esgoto referida conclusão é ainda fortalecida pela inquestionável prevalência da norma posterior sobre a norma anterior As diretrizes e regras de estruturação tarifária da Lei de Sanea mento não são apenas especiais em relação às do CDC Elas são igualmente mais novas ou posteriores já que o Código do Consumidor é de 1990 e a legislação setorial de 2007 Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 30 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 42 CDC aceitação de tarifa mínima por justa causa Ad argumentandum tantum a conclusão quanto à aceitabilidade da tarifa mí nima não se alteraria ainda que a teoria do direito ocidental não consagrasse a prevalência da norma especial posterior sobre a norma genérica anterior e ainda que o recente CDUSP não tivesse claramente explicitado que as normas setoriais demandam observância em qualquer caso E isso por conta de um aspecto de direito material ou seja por uma norma expressamente contida no corpo do CDC e já transcrita anteriormente Diz o art 39 inciso I do diploma de proteção do consumidor ser vedado ao fornecedor do serviço dentre outras práticas abusivas condicionar o forneci mento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço bem como sem justa causa a limites quantitativos gn Isso significa ao avesso que a fixação de limites quantitativos é aceitável quando houver uma razão justa para tanto Não há pois uma vedação absoluta e definitiva no Código para co brança de tarifas mínimas de que são espécies as chamadas tarifas operacionais básicas A cobrança é possível desde que haja alguma justificativa aceitável para tanto Essa justificativa como visto anteriormente existe de modo inquestionável no âmbito dos serviços de fornecimento de água e coleta de esgoto Na medida em que eles se mostram imprescindíveis ao exercício de direitos fundamentais como à vida e à saúde interna e internacionalmente se reconhece a necessidade de se garantir um mínimo de prestação ao indivíduo assim que ele necessitar do serviço Como já dito e repetido o Estado detém o dever de manter uma rede em bom funcionamento com uma capacidade de atendimento de acordo com a quan tidade e qualidade adequadas e por consequência dispõe do poder de cobrar do usuário final os valores necessários para tanto Ressaltese a despeito de qualquer discussão sobre a especialidade ou a posterioridade das normas setoriais diante das normas genéricas de defesa do consumidor ou do usuário fato é que a cobrança de uma tarifa mínima de água e esgoto detém no mínimo duas causas justas e interrelacionadas quais sejam i o dever de se garantir um serviço adequado em termos quantitativos e qualita tivos sempre que a unidade usuária necessitar e ii a dependência desse dever em relação à cobertura de custos fixos que os serviços geram sobretudo em ter mos de manutenção da infraestrutura a despeito de variações de demanda de Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 31 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 curto prazo pelas unidades conectadas à rede existente Desse modo conquanto alguns desejem a todo custo afirmar que o CDC incide integralmente mesmo na presença de normas setoriais vale repetir de modo esdrúxulo e ao arrepio da teoria jurídica e da análise sistemática da legis lação brasileira a tarifa mínima permanecerá lícita pois há duas causas justas que a sustentam configurandose as condições da válvula de escape do art 39 I do referido Código A esse respeito como se verá não é outra a conclusão da jurisprudência brasileira 43 Legalidade da tarifa mínima na jurisprudência Os Tribunais brasileiros sobretudo o Superior Tribunal de Justiça também corroboram o quanto exposto nesse estudo a partir das análises da teoria dos ser viços públicos do regime jurídico de remuneração da legislação setorial e das normas gerais contidas no CDC e no CDUSP Em inúmeros julgados o STJ rea firma não somente a possibilidade de cobrança de tarifa mínima no setor de sa neamento como esclarece que a cobrança da tarifa não pressupõe que já se tenha sido estruturado o sistema por completo É o que revelam os julgados a seguir ADMINISTRATIVO SERVIÇO DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO PRES TAÇÃO DE ALGUMAS ETAPAS COLETA E ESCOAMENTO DE DEJETOS TARIFA DE ÁGUA E ESGOTO LEGALIDADE DA COBRANÇA 1 No julgamento do REsp 1339313RJ submetido à sistemática do art 543 C do CPC o STJ firmou o entendimento de que se afigura legal a cobrança de tarifa de esgoto ainda quando detectada a ausência ou deficiência do tra tamento dos resíduos coletados se outros serviços caracterizados como de esgotamento sanitário forem disponibilizados aos consumidores 2 Res saltase que mesmo antes da vigência da Lei 114452007 havia posiciona mento desta Corte no sentido de que a lei não exige que a tarifa só seja co brada quando todo o mecanismo do tratamento do esgoto esteja concluído e o início da coleta dos resíduos caracteriza prestação de serviço remune rado REsp 431121SP Rel Ministro José Delgado Primeira Turma DJ 7102002 3 Agravo Regimental não provido STJ AgRg no REsp 1505228 PR 201400594530 Relator Ministro Herman Benjamin Data de julgamento 07052015 T2 Segunda Turma Data de pu blicação 05082015 Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 32 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 ADMINISTRATIVO CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO TARIFA DE ÁGUA COBRANÇA COM BASE EM CONSUMO MÍNIMO MENSAL LEGALIDADE I É lícita a cobrança de tarifa de água em valor cor respondente ao consumo mínimo presumido mensal mesmo que o hidrômetro regis tre volume menor do que o cobrado de modo a possibilitar a sustentabilidade do sis tema Precedentes EDREsp n 95920SC Relator Ministro GARCIA VIEIRA DJ de 14091998 p 9 REsp nº 533607RJ Relator Ministro JOSÉ DELGADO DJ de 28102003 p 220 REsp n 20741DF Rel Min ARI PARGENDLER DJ de 03061996 p 19230 II O agravante deixou de infir mar os fundamentos da decisão agravada e se limitou a pedir o julgamento do feito pelo colegiado Aplicase pois a Súmula nº 182 desta Corte se gundo a qual é inviável o agravo do art 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada III Agravo regi mental improvido AgRg no REsp 843970RJ Rel Ministro FRANCISCO FALCÃO PRIMEIRA TURMA julgado em 19092006 DJ 16102006 PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO AGRAVO REGIMENTAL FORNECIMENTO DE ÁGUA E DE ESGOTO TARIFA MÍNIMA LEGALIDADE I Versa a demanda sobre a cobrança da tarifa mínima de fornecimento de água e de esgoto e não sobre a legalidade da cobrança do valor estimado II Esta Corte entende legítima a cobrança da tarifa mínima quando o consumo não atinge o patamar relativo a essa importância III Preceden tes REsp nº 648248PB Rel Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI DJ de 19122005 EDcl nos EDcl no REsp nº 533607RJ Rel Ministro JOSÉ DELGADO DJ de 05082004 AgRg no REsp nº 140230MG Rel Ministro Francisco Falcão DJ de 21102002 IV Agravo regimental improvido AgRg no REsp 858908RJ Rel Ministro FRANCISCO FALCÃO PRIMEIRA TURMA julgado em 19092006 DJ 16102006 ADMINISTRATIVO SERVIÇO PÚBLICO TAXA DE ÁGUA COBRANÇA DE TARIFA PELO CONSUMO MÍNIMO LEGALIDADE PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS É lícita a cobrança da taxa de água pela tarifa mínima mesmo que haja hidrômetro que registre consumo inferior àquele Inteligência das disposições legais que regulam a fixação tarifária artigo 4º da Lei 652878 e Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 33 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 artigos 11 caput 11 2º e 32 do Decreto nº 8258778 REsp 416383RJ Relator Ministro LUIZ FUX PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 27082002 ADMINISTRATIVO PREÇO PÚBLICO DISTRIBUIÇÃO DE ÁGUA TARIFA MÍNIMA O preço público tem natureza diversa do preço privado po dendo servir para a implementação de políticas governamentais no âmbito social Nesse regime a tarifa mínima a um tempo favorece os usuários mais po bres que podem consumir expressivo volume de água a preços menores e garante a viabilidade econômicofinanceira do sistema pelo ingresso indis criminado dessa receita prefixada independentemente de o consumo ter ou não atingido o limite autorizado REsp 20471DF Rel Min ARI PARGENDLER Data do Julgamento 09051996 Além disso em mais de uma ocasião o STJ teve a oportunidade de debater a dúvida a respeito da compatibilidade da cobrança de tarifa mínima com a dis posição constante no art 39 I do CDC Ao fazêlo reconheceu inexistir qualquer incompatibilidade entre a referida técnica de estruturação das cobranças e o dis positivo genérico do Código exatamente porque sua vedação não é absoluta na medida em que aceita exceções por justa causa Isso se verifica nos seguintes jul gados ADMINISTRATIVO SERVIÇO PÚBLICO TAXA DE ÁGUA COBRANÇA DE TARIFA PROGRESSIVIDADE LEGALIDADE PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS 1 É lícita a cobrança da taxa de água com base no valor correspondente a faixas de consumo nos termos da legislação específica 2 Inteli gência das disposições legais que regulam a fixação tarifária artigo 4º da Lei 652878 e artigos 11 caput 11 2º e 32 do Decreto nº 8258778 3 A Lei 898795 autoriza a cobrança do serviço de fornecimento de água de maneira escalonada tarifa progressiva de acordo com o consumo art 13 e não co lide com o disposto no art 39 I do CDC cuja vedação não tem caráter abso luto Precedente EDcl no REsp 625221RJ DJ 25052006 4 Agravo Regimen tal desprovido AgRg no REsp 815373RJ Rel Ministro LUIZ FUX PRIMEIRA TURMA julgado em 16082007 DJ 24092007 p 255 Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 34 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 ADMINISTRATIVO SERVIÇO PÚBLICO TAXA DE ÁGUA COBRANÇA DE TARIFA PROGRESSIVIDADE LEGALIDADE PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS 1 É lícita a cobrança da taxa de água com base no valor correspondente a faixas de consumo nos termos da legislação específica 2 Inteli gência das disposições legais que regulam a fixação tarifária artigo 4º da Lei 652878 e artigos 11 caput 11 2º e 32 do Decreto nº 8258778 3 A Lei 898795 autoriza a cobrança do serviço de fornecimento de água de maneira escalonada tarifa progressiva de acordo com o consumo art 13 e não co lide com o disposto no art 39 I do CDC cuja vedação não tem caráter absoluto Precedente EDcl no REsp 625221RJ DJ 25052006 4 Agravo Regimental desprovido AgRg no REsp 815373RJ Rel Ministro LUIZ FUX PRIMEIRA TURMA julgado em 16082007 DJ 24092007 p 255 5 Conclusões 1 Com base na legislação de saneamento brasileira e nos preceitos de direito administrativo é lícito instituir a cobrança de tarifa mí nima ou criação de uma tarifa básica operacional TBO para ma nutenção dos serviços de água e esgoto A cobrança de tarifa mínima para a manutenção de serviços públicos de fornecimento de água e de coleta de esgoto é lícita e compatível tanto com a legislação setorial quanto com a legislação de defesa dos usuários de serviços públicos e de defesa do consumidor A tarifa mínima está intima mente relacionada ao cumprimento do dever reconhecido no ordena mento brasileiro e reforçado pelas organizações internacionais como a ONU e a OMS de se estruturar e se manter uma rede de prestação de ser viços de água e de esgoto capaz de atender com a qualidade e a quantidade adequadas a demanda de todas as unidades conectadas Nesse contexto ao direito de obter o serviço adequado no momento desejado corresponde para o usuário o dever de contribuir para a cobertura dos custos internos e externos do serviço incluindo não somente os custos variáveis que flutuam ao sabor da demanda com os fixos que se mantém invariáveis no curto prazo Isso se extrai da Lei de Saneamento art 29 e art 30 incisos III e IV Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 35 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 que expressamente estabelece diretrizes e regras detalhadas de estruturação tarifária do setor e requer do regulador competente pela tarefa de fixação da tarifa a consideração da disponibilidade mínima de serviço e dos custos daí derivados Além de econômica e socialmente racional pois imprescin dível a garantir o bom funcionamento da infraestrutura de um sistema es sencial à vida de todos referida metodologia de cálculo encontra amparo em farta jurisprudência do STJ que em incontáveis oportunidades reafir mou a legalidade da tarifa mínima no setor de saneamento 2 As tarifas dos serviços de água e esgoto estão vinculadas à legis lação consumerista devendo cobrar do usuário somente o serviço efetivamente usufruído ou tal preceito do Código de Defesa do Con sumidor pode ser afastado O art 39 I do Código de Defesa do Consumidor de 1990 CDC considera abusivo condicionar o fornecimento de serviço a limites quantitativos sem justa causa No entanto nem o CDC nem o Código de Defesa do Usuário de Serviços Públicos Lei n 13460 de 2017 CDUSP obstam a cobrança de tarifa mínima para serviços de água e de esgoto estruturada em linha com as previsões da Lei Nacional de Saneamento Em primeiro lugar as normas da legislação de sanea mento são posteriores e especiais sobrepondose às normas genéricas e anterio res do CDC inclusive à contida em seu art 39 inciso I lex specialis derogat legi generali e lex posteriori derogat legi priori Em segundo lugar o CDUSP recen temente editado prescreve a observância de normas regulatórias independente mente das normas básicas art 1º 2º I Melhor dizendo o novo diploma revela que normas dos setores regulados por sua especialidade continuam a ter prefe rência Por conseguinte se o prestador for público sobre ele incidirão primaria mente as normativas regulatórias seguidas das disposições do CDUSP e de ma neira residual das do CDC Ao contrário se o prestador for privado novamente as normativas regulatórias incidirão de modo primário mas seguidas das dispo sições do CDC e somente em último plano das contidas no CDUSP Em terceiro lugar ad argumentandum tantum mesmo que se ignorasse por completo a preva lência da norma especial e posterior a tarifa mínima para serviços de saneamento permaneceria lícita à luz do CDC uma vez que o art 39 I a autoriza contanto que se comprove uma justa causa E não há dúvidas de que muitos motivos existem a justificála no setor de saneamento De um lado os valores mínimos Fadep FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DO ENSINO E PESQUISA DO DIREITO 36 FADEP RUA BERNARDINO DE CAMPOS 1001 SALA 1102 CENTRO RIB PRETO SP CEP 14015000 cobrados do usuário a despeito de variações efetivas de consumo baseiamse no dever de o prestador organizar e manter uma infraestrutura capaz de suportar a demanda mínima de todas as unidades conectadas às redes de água e de esgoto a qualquer momento De outro essa capacidade de resposta ou seja de atendi mento eficaz ao usuário tanto em termos qualitativos quanto quantitativos de pende da cobertura não só de custos variáveis senão igualmente de custos fixos incontáveis e de diversas ordens ou seja de custos que permanecem invariáveis no curto prazo a despeito de um ou outro usuário não se valer da prestação Em conclusão mesmo diante de uma interpretação isolada do art 39 I do CDC o que vale dizer não se harmoniza com a prevalência dos diplomas setoriais a tarifa mínima de água e esgoto permanece lícita pois inquestionavelmente las treada em justa causa Thiago Marrara Professor Associado de Direito Administrativo FDRPUSP