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Han ByungChul Favor fechar os olhos em busca de um outro tempo ByungChul Han tradução de Lucas Machado Petróplis RJ Vozes 2021 Título original Bitte Augen schließen Auf der Suche nach einer anderen Zeit Bibliografia ISBN 9786557313736 1 Ensaios filosóficos 2 Hegel Georg Wilhelm Friedrich 17701831 Influência I Título 2051812 CDD102 Sumário O tempo do silêncio O tempo bom O tempo da festa O tempo do outro Em um tempo inoportuno Notas BYUNGCHUL HAN Favor fechar os olhos Em busca de um outro tempo EDITORA VOZES O tempo do silêncio Na Ciência da Lógica Hegel escreve Todo o racional é uma conclusão como silogismo Schluss Para Hegel a conclusão como silogismo não é uma categoria formallógica Temse uma conclusão quando o início e o fim do processo formam um conjunto Zusammenhang dotado de sentido uma unidade dotada de sentido quando eles se prendem um no outro Assim a narrativa é uma conclusão Por causa de sua conclusão ela produz um sentido Também rituais e cerimônias são formas de conclusão Eles têm desse modo o seu tempo próprio o seu próprio ritmo e compasso Eles representam processos narrativos que se furtam à aceleração Seria um sacrilégio acelerar um ato de sacrifício Acelerar sem fim em contrapartida é o que um processador faz pois ele não trabalha narrativamente mas apenas aditivamente Narrrativas não se deixam acelerar arbitrariamente A aceleração destrói as suas estruturas próprias de sentido e tempo O inquietante na experiência de tempo atual não é a aceleração como tal mas sim a conclusão faltante ou seja a falta do ritmo e do compasso das coisas Não apenas o tempo narrativo é uma conclusão Também o instante que contenta e satisfaz é uma conclusão pois ele é fechado em si próprio Ele não tem por assim dizer nada à sua volta Ele repousa em si mesmo e se satisfaz consigo próprio Assim ele é sem passado e sem futuro sem lembrança e sem espera ou seja sem cuidado Sorge no sentido heideggeriano Essa ausência de cuidado e preocupação contenta Mas se vive necessariamente mais do que por um instante Assim se sai inescapavelmente dele Em retrospecto lembramonos dele como de um momento Por isso ele se distingue do tempo narrativo que tem uma forma inteiramente diferente de duração Em seu estudo sobre a fotografia A câmera clara Barthes cita Kafka Minhas histórias são um tipo de fechar os olhos A esse respeito ele nota A fotografia tem de ser silenciosa Isso não é uma questão de discrição mas de música A subjetividade absoluta só é alcançada em um estado de silêncio no esforço pelo silêncio fechar os olhos significa trazer a imagem à fala no silêncio A subjetividade absoluta é a subjetividade na forma da conclusão Sem silêncio ela se dispersa e não pode retornar a si Sem retorno ela não pode se fechar schliessen Assim ela se torna depressiva As imagens digitais de hoje em dia são sem silêncio e por isso sem aroma Também o aroma é uma forma de conclusão As imagens inquietas não falam ou contam mas sim fazem barulho Frente a essas imagens ameaçadoras não se pode fechar os olhos O olho fechado é o signo visual Sichtzeichen da conclusão Hoje a percepção é incapaz da conclusão pois ela zapeia pela rede digital sem fim A rápida alternância entre imagens torna impossível fechar os olhos Este pressupõe um demorarse contemplativo As imagens hoje são construídas de tal modo que não é mais possível fechar os olhos Ocorre um contato imediato entre elas e o olho que não permite nenhuma distância contemplativa A coação por uma vigilância e visibilidade permanente dificultam fechar os olhos A transparência é expressão da hipervigilância e da hipervisibilidade O tempo bom O percurso narrativo é estreito Por essa razão ele é muito seletivo e não produz nenhuma massa de informação A informação é uma categoria pósnarrativa A sua negatividade impede a proliferação e a massificação do positivo Em oposição à memória Gedächtnis que aponta para uma estrutura narrativa a memória virtual Speicher é sem história ou seja sem conclusão Ela é meramente aditiva A memória Gedächtnis é hoje desnarrativizada tornandose um amontoado de lixo e de dados um depósito de tralhas Paul Virilio que está inteiramente entupido com todo tipo possível de imagens e símbolos desgastados inteiramente desordenados e mal adquiridos No depósito de tralhas as coisas estão meramente uma ao lado da outra Elas não estão em camadas geschichtet Por isso falta ao depósito de tralhas toda história Geschichte ou seja o sentido O depósito de tralhas não pode nem se lembrar nem esquecer Toda a história do passado como utopia revolução e mito flui hoje para dentro da máquina de informação como para dentro de uma barragem que expeli então relatos posteriores Nachgeschichten rapidamente consumíveis A informação não é uma conclusão Por isso ela tende à proliferação e à massificação Nisso ela se distingue tanto do saber como também do conhecimento e da verdade É intrínseca a verdade a negatividade da exclusividade que faz dela a contrafigura da informação A aceleração tem a sua causa na incapacidade universal de concluir schliessen e encerrar abzuschliessen O tempo continua se lançando para frente pois ele não chega em lugar nenhum à conclusão Schluss e ao encerramento Abschluss A aceleração é portanto a expressão de uma ruptura temporal de barragens Não existem mais barragens que regulem que articulem ou que deem ritmo ao fluxo do tempo que poderiam deter halten ou conter verhalten o tempo ao lhe darem uma parada Halt uma parada em duplo sentido Onde o tempo perde todo ritmo onde ele se lança sem parada e sem direção no aberto e no vazio desaparece também todo tempo certo ou todo tempo bom O Em busca do tempo perdido de Marcel Proust começa de maneira característica com a seguinte frase Longtemps je me suis couché de bonne heure Por muito tempo eu fui dormir na hora certa De bonne heure significa no tempo certo Ele promete a felicidade bonheur Ele é a contrafigura do mau infinito do tempo vazio e vazio de sentido O bom sono é ele mesmo uma conclusão O sujeito do desempenho exaurido em contrapartida adormece como uma perna adormece Isso não é uma forma de conclusão A insônia provém da incapacidade de concluir Hoje fechamos os olhos quando se os fecham de algum modo por cansaço e exaustão Seria mais apropriada a formulação os olhos simplesmente se fecham o que não é uma conclusão O tempo da festa Hoje em dia as coisas ligadas ao tempo envelhecem muito mais rápido do que antes Elas decaem rapidamente naquilo que é passado e fogem à atenção O presente se reduz à ponta da atualidade Assim o mundo perde algo de sua duração A causa do encolhimento do presente não é como se assume equivocadamente a aceleração Antes o tempo como uma avalanche lançase adiante porque ele não tem mais uma parada Aqueles pontos do presente entre os quais não existiria nenhuma força gravitacional e nenhuma tensão pois são meramente aditivos desencadeiam a ruptura do tempo o que conduz ao aceleramento sem direção e sem sentido Quem é depressivo não é capaz de uma conclusão Sem conclusão porém tudo se dissipa Não se forma nenhum autorretrato estável o que seria igualmente uma forma de conclusão Não por acaso a indecibilidade a incapacidade para a escoha é sintomática da depressão A depressão é característica de um tempo no qual se perdeu a capacidade de concluir e encerrar Também o pensamento pressupõe a capacidade de concluir de se deter de se demorar Nisso ele se distingue do cálculo Assim em oposição ao cálculo o pensamento não se deixa acelerar tanto quanto se queira Pertence aos sintomas da Síndrome de Fadiga por Informação IFS ou seja o cansaço de informação a incapacidade de pensar analiticamente Ela é a incapacidade de concluir e inferir A massa de informação que se acelera sufoca então o pensamento Também o pensamento carece de um silêncio É preciso poder fechar os olhos O tempo da festa não é um tempo do relaxamento ou da recuperação A festa é ela mesma uma forma de conclusão Ela deixa que um tempo inteiramente outro comece A festa tem sua origem como a celebração em um contexto religioso A palavra latina feriae tem uma origem sacral e significa o tempo destinado às ações religiosas Fatum é um lugar sagrado dedicado à divindade ou seja o lugar destinado à ação religiosa A festa começa onde o trabalho como ação profana literalmente que se encontra diante e portanto fora do distrito sagrado termina O tempo da festa é diametralmente oposto ao tempo do trabalho O final do expediente Feierabend como véspera Vorabend da festa anuncia um tempo sagrado Se aquela fronteira ou umbral que separa o sagrado do profano é suspensa resta dessa maneira apenas o banal e o cotidiano a saber o mero tempo do trabalho E o imperativo do desempenho o explora A sociedade do cansaço atual faz o próprio tempo de refém Ela o acorrenta ao trabalho e o transforma em tempo de trabalho O tempo do trabalho é um tempo sem conclusão sem início e sem fim Ele não exala nenhum aroma A pausa não marca como pausa do trabalho um outro tempo Ela é apenas uma fase do tempo de trabalho Hoje não temos nenhum outro tempo senão o tempo do trabalho O tempo do trabalho se totaliza como o tempo Perdemos há muito tempo o tempo da festa O fim do expediente como véspera do dia festivo nos é inteiramente estranho Trazeremos o tempo do trabalho não apenas nas férias mas também no sono Por isso dormimos tão inquietamente hoje Também o relaxamento é apenas uma modificação do trabalho na medida em que serve para a regeneração da força de trabalho A recuperação não é o outro do trabalho mas o seu produto Também apenas a desaceleração ou lentidão não podem gerar um outro tempo Ela é igualmente uma consequência do tempo de trabalho acelerado Ela apenas desacelera o tempo de trabalho em vez de transformálo em um outro tempo Em oposição à opinião generalizadamente disseminada a desaceleração não elimina a crise temporal sim a doença temporal atual A desaceleração não surte nenhuma cura Antes ela é apenas um sintoma Não se pode curar a doença com o sintoma Hoje é necessária uma revolução temporal que gere um outro tempo o tempo do outro que não é um tempo do trabalho uma revolução temporal que traga de volta para o tempo o seu aroma O tempo do outro O amor como o absoluto é para Hegel uma conclusão como silogismo Aquele que ama morre de fato no outro mas se segue a essa morte um retorno para si O retorno para si a partir do outro porém é tudo menos uma apropriação violenta do outro apropriação que foi feita falsamente da principal figura do pensamento hegeliano Hoje devese ler Hegel de outra maneira do que Derrida Deleuze ou também Bataille o leram O retorno para si não é nenhuma apropriação mas sim a dádiva do outro que pressupõe a renúncia a entrega do si A conclusão como silogismo é absoluta porque não é limitada Uma conclusão limitada significa que eu meramente me aproprio de uma parte do outro de modo que eu permaneço inalterado em mim mesmo O amor como conclusão absoluta pressupõe um abandono Aussetzen do si Ele é metamorfose Verwandlung O abraço amoroso é outro signo visual da conclusão A declaração de amor é uma promessa que produz uma duração uma clareira no tempo A fidelidade é ela mesma uma forma de conclusão que introduz uma eternidade no tempo Ela é a inclusão Einschluss da eternidade no tempo A comunicação humana promove o sentido apenas pelo fato de que ela representa uma forma de conclusão O ser humano se comunica para escapar à morte e para dar um sentido à vida O diálogo representa uma forma bela de conclusão Por isso ele pode promover o sentido Ele é uma comunicação com um Tu Também a prece é um diálogo Deus é como diria Buber um Tu eterno A rede digital não é uma forma de conclusão Assim a comunicação digital não é capaz do diálogo Ela se torna hoje mais narcisista e leva o próprio outro ao desaparecimento O vazio de sentido faz com que nos comuniquemos sem pausa e sem interrupção O vazio na comunicação se mostra como a morte que deve se ocultar o mais rápido possível por meio de mais comunicação Isso porém é uma empreitada sem esperanças Uma comunicação como diálogo que promove o sentido se furta à aceleração Apenas uma comunicaçãodoIsso EsKommunikation se deixa acelerar sem fim O tempo que se deixa acelerar é o tempodoEu IchZeit Ele é o tempo que eu tomo para mim Ele conduz à falta de tempo Há porém também um outro tempo a saber o tempo do outro um tempo que eu dou ao outro O tempo do outro como dádiva não se deixa acelerar Ele também se furta ao trabalho e ao desempenho que sempre exige o meu tempo A política temporal do neoliberalismo desfaz o tempo do outro pois ele não é eficiente Em oposição ao tempodoeu que isola e singulariza o tempo do outro promove a comunidade Apenas o tempo do outro liberta o eu narcisista da depressão e da exaustão Em um tempo inoportuno Há alguns anos foi possível presenciar no CTM Festival de música experimental e eletrônica uma banda de death metal que estava antes de entrar no palco seriamente preocupada com como ela deveria encerrar a música a ser tocada Não é verdadeiramente possível encerrar de maneira dotada de sentido uma música à qual não inere estruturalmente nenhuma conclusão Os músicos da banda de death metal ficaram então muito aliviados quando os autofalantes ficaram sobrecarregados e queimaram A salvação chegou então na forma de uma catástrofe Tão abruptamente sim em um tempo inoportuno e em última instância catastrófico também terminará o nosso mundo que por causa da forma faltante de conclusão se acelera cada vez mais Notas 1 O termo Schluss condena muitos significados que seriam difíceis senão impossíveis de verter em um único termo em português Em um uso cotidiano da língua alemã ele significa algo como fim conclusão fecho ou fechamento no sentido do fim de alguma coisa seu término entendido não apenas como encerramento mas como a consumação ou realização da coisa que chega a seu ponto final como um texto que chega à sua conclusão Mas ele também pode significar inferência dedução ou mesmo no contexto do vocabulário lógico estrito silogismo particularmente em referência aos silogismos aristotélicos precisamente porque ao realizarmos uma inferência ou fazermos um silogismo interessanos a partir de premissas e chegar a uma conclusão Hegel utiliza o termo Schluss na Ciência da Lógica para analisar precisamente a forma lógica do silogismo mas ao mesmo tempo fazendoo como é próprio ao projeto da Ciência da Lógica por meio de uma ressignificação reinterpretacão e reformulação dialética da doutrina aristotélica dos silogismos Nessa reformulação porém em dos pontos centrais senão o mais central é o de mostrar precisamente como no silogismo em sua forma consumada cada um dos seus termos na terminologia clássica o termo maior o termo médio e o termo menor é a unidade de si mesmo com cada um dos outros momentos cada um dos outros termos e por isso cada um dos termos é ao mesmo tempo a totalidade o todo deles Isso se consumaria particularmente pelo modo com que a categoria de singularidade encadearia a particularidade e a universalidade e seria desse modo também a sua conclusão o seu Schluss a singularidade seria a conclusão quanto a consumação das categorias de universalidade e particularidade o termo final de seu desenvolvimento a que elas chegariam Por isso a afirmação de Hegel citada aqui por Han de que todo o racional é um silogismo HEGEL GWF Wissenschaft der Logik Suhrkamp Frankfurt am Main 2014 p 352 teria o sentido de expressar que todo o racional é caracterizado por ser uma unidade dos seus momentos em que esses momentos so foram uma totalidade precisamente porque não são postos como subsistindo por si próprios independentemente uns dos outros mas sim apenas na sua relação ao outro HEGEL GWF Wissenschaft der Logik Suhrkamp Frankfurt am Main 2014 p 354 ou seja apenas no todo todo que é ao mesmo tempo a conclusão o fecho que reúne esses termos e os leva à sua consumação Entretanto como Han joga precisamente com o fato de que Schluss significa conclusão a fim de mostrar como o fecho o encerramento a conclusão o se fechar em si mesmo e na sua própria consumação é fundamental em diferentes dimensões da experiência humana traduzilo sempre por silogismo no sentido em que o termo é usado por Hegel seria forçálo a obscurerio o sentido do texto em muitas passagens de modo que optamos por isso pela tradução como conclusão e nos casos onde o termo estivesse sendo usado em referência ao conceito de silogismo de Hegel colocar entre colchetes o como silogismo para apontar o sentido técnico específico em que o termo Schluss está sendo usado aí No mesmo espírito de acordo com o que a situação demandava traduzimos o verbo schliessen do qual derivia o substantivo Schluss e que portanto tem o mesmo campo semântico que ele de maneiras diferentes de acordo com o mais apropriado no contexto apontando entre colchetes porém o termo original Por fim vale lembrar que o próprio título do livro em alemão Bitte Augen schliessen Favor fechar os olhos contém o verbo schliessen o que já indica como o tema central do livro é justamente o schliessen e a capacidade de schliessen ou seja de fechar de concluir em geral capacidade que do ponto de vista do autor estaria se perdendo em nossa sociedade contemporânea pautada por uma positividade excessiva e por um imperativo do ser e fazer sempre mais que não permite nenhuma conclusão nenhum Schluss para saber mais sobre o conceito de silogismo em Hegel cf HÖSLE V O s istema de Hegel Trad AC Pinto de Lima São Paulo Loyola 2007 p 258271 VIEWEG K O pensamento da liberdade Trad GS Philipson LN Machado e LF Barrére Martin São Paulo Edusp 2019 p 253258 NT O Autor BYUNGCHUL HAN nasceu na Coreia mas fixouse na Alemanha onde estudou Filosofia na Universidade de Friburgo e Literatura Alemã e Teologia na Universidade de Munique Em 1994 doutorouse em Friburgo com uma tese sobre Martin Heidegger É professor de Filosofia e Estudos Culturais na Universidade de Berlim e autor de instigantes ensaios filosóficos sobre a sociedade atual publicados no Brasil pela Editora Vozes
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Han ByungChul Favor fechar os olhos em busca de um outro tempo ByungChul Han tradução de Lucas Machado Petróplis RJ Vozes 2021 Título original Bitte Augen schließen Auf der Suche nach einer anderen Zeit Bibliografia ISBN 9786557313736 1 Ensaios filosóficos 2 Hegel Georg Wilhelm Friedrich 17701831 Influência I Título 2051812 CDD102 Sumário O tempo do silêncio O tempo bom O tempo da festa O tempo do outro Em um tempo inoportuno Notas BYUNGCHUL HAN Favor fechar os olhos Em busca de um outro tempo EDITORA VOZES O tempo do silêncio Na Ciência da Lógica Hegel escreve Todo o racional é uma conclusão como silogismo Schluss Para Hegel a conclusão como silogismo não é uma categoria formallógica Temse uma conclusão quando o início e o fim do processo formam um conjunto Zusammenhang dotado de sentido uma unidade dotada de sentido quando eles se prendem um no outro Assim a narrativa é uma conclusão Por causa de sua conclusão ela produz um sentido Também rituais e cerimônias são formas de conclusão Eles têm desse modo o seu tempo próprio o seu próprio ritmo e compasso Eles representam processos narrativos que se furtam à aceleração Seria um sacrilégio acelerar um ato de sacrifício Acelerar sem fim em contrapartida é o que um processador faz pois ele não trabalha narrativamente mas apenas aditivamente Narrrativas não se deixam acelerar arbitrariamente A aceleração destrói as suas estruturas próprias de sentido e tempo O inquietante na experiência de tempo atual não é a aceleração como tal mas sim a conclusão faltante ou seja a falta do ritmo e do compasso das coisas Não apenas o tempo narrativo é uma conclusão Também o instante que contenta e satisfaz é uma conclusão pois ele é fechado em si próprio Ele não tem por assim dizer nada à sua volta Ele repousa em si mesmo e se satisfaz consigo próprio Assim ele é sem passado e sem futuro sem lembrança e sem espera ou seja sem cuidado Sorge no sentido heideggeriano Essa ausência de cuidado e preocupação contenta Mas se vive necessariamente mais do que por um instante Assim se sai inescapavelmente dele Em retrospecto lembramonos dele como de um momento Por isso ele se distingue do tempo narrativo que tem uma forma inteiramente diferente de duração Em seu estudo sobre a fotografia A câmera clara Barthes cita Kafka Minhas histórias são um tipo de fechar os olhos A esse respeito ele nota A fotografia tem de ser silenciosa Isso não é uma questão de discrição mas de música A subjetividade absoluta só é alcançada em um estado de silêncio no esforço pelo silêncio fechar os olhos significa trazer a imagem à fala no silêncio A subjetividade absoluta é a subjetividade na forma da conclusão Sem silêncio ela se dispersa e não pode retornar a si Sem retorno ela não pode se fechar schliessen Assim ela se torna depressiva As imagens digitais de hoje em dia são sem silêncio e por isso sem aroma Também o aroma é uma forma de conclusão As imagens inquietas não falam ou contam mas sim fazem barulho Frente a essas imagens ameaçadoras não se pode fechar os olhos O olho fechado é o signo visual Sichtzeichen da conclusão Hoje a percepção é incapaz da conclusão pois ela zapeia pela rede digital sem fim A rápida alternância entre imagens torna impossível fechar os olhos Este pressupõe um demorarse contemplativo As imagens hoje são construídas de tal modo que não é mais possível fechar os olhos Ocorre um contato imediato entre elas e o olho que não permite nenhuma distância contemplativa A coação por uma vigilância e visibilidade permanente dificultam fechar os olhos A transparência é expressão da hipervigilância e da hipervisibilidade O tempo bom O percurso narrativo é estreito Por essa razão ele é muito seletivo e não produz nenhuma massa de informação A informação é uma categoria pósnarrativa A sua negatividade impede a proliferação e a massificação do positivo Em oposição à memória Gedächtnis que aponta para uma estrutura narrativa a memória virtual Speicher é sem história ou seja sem conclusão Ela é 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uma conclusão O sujeito do desempenho exaurido em contrapartida adormece como uma perna adormece Isso não é uma forma de conclusão A insônia provém da incapacidade de concluir Hoje fechamos os olhos quando se os fecham de algum modo por cansaço e exaustão Seria mais apropriada a formulação os olhos simplesmente se fecham o que não é uma conclusão O tempo da festa Hoje em dia as coisas ligadas ao tempo envelhecem muito mais rápido do que antes Elas decaem rapidamente naquilo que é passado e fogem à atenção O presente se reduz à ponta da atualidade Assim o mundo perde algo de sua duração A causa do encolhimento do presente não é como se assume equivocadamente a aceleração Antes o tempo como uma avalanche lançase adiante porque ele não tem mais uma parada Aqueles pontos do presente entre os quais não existiria nenhuma força gravitacional e nenhuma tensão pois são meramente aditivos desencadeiam a ruptura do tempo o que conduz ao aceleramento sem direção e sem sentido Quem é depressivo não 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comece A festa tem sua origem como a celebração em um contexto religioso A palavra latina feriae tem uma origem sacral e significa o tempo destinado às ações religiosas Fatum é um lugar sagrado dedicado à divindade ou seja o lugar destinado à ação religiosa A festa começa onde o trabalho como ação profana literalmente que se encontra diante e portanto fora do distrito sagrado termina O tempo da festa é diametralmente oposto ao tempo do trabalho O final do expediente Feierabend como véspera Vorabend da festa anuncia um tempo sagrado Se aquela fronteira ou umbral que separa o sagrado do profano é suspensa resta dessa maneira apenas o banal e o cotidiano a saber o mero tempo do trabalho E o imperativo do desempenho o explora A sociedade do cansaço atual faz o próprio tempo de refém Ela o acorrenta ao trabalho e o transforma em tempo de trabalho O tempo do trabalho é um tempo sem conclusão sem início e sem fim Ele não exala nenhum aroma A pausa não marca como pausa do trabalho um outro 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meio de mais comunicação Isso porém é uma empreitada sem esperanças Uma comunicação como diálogo que promove o sentido se furta à aceleração Apenas uma comunicaçãodoIsso EsKommunikation se deixa acelerar sem fim O tempo que se deixa acelerar é o tempodoEu IchZeit Ele é o tempo que eu tomo para mim Ele conduz à falta de tempo Há porém também um outro tempo a saber o tempo do outro um tempo que eu dou ao outro O tempo do outro como dádiva não se deixa acelerar Ele também se furta ao trabalho e ao desempenho que sempre exige o meu tempo A política temporal do neoliberalismo desfaz o tempo do outro pois ele não é eficiente Em oposição ao tempodoeu que isola e singulariza o tempo do outro promove a comunidade Apenas o tempo do outro liberta o eu narcisista da depressão e da exaustão Em um tempo inoportuno Há alguns anos foi possível presenciar no CTM Festival de música experimental e eletrônica uma banda de death metal que estava antes de entrar no palco seriamente preocupada com como ela deveria encerrar a música a ser tocada Não é verdadeiramente possível encerrar de maneira dotada de sentido uma música à qual não inere estruturalmente nenhuma conclusão Os músicos da banda de death metal ficaram então muito aliviados quando os autofalantes ficaram sobrecarregados e queimaram A salvação chegou então na forma de uma catástrofe Tão abruptamente sim em um tempo inoportuno e em última instância catastrófico também terminará o nosso mundo que por causa da forma faltante de conclusão se acelera cada vez mais Notas 1 O termo Schluss condena muitos significados que seriam difíceis senão impossíveis de verter em um único termo em português Em um uso cotidiano da língua alemã ele significa algo como fim conclusão fecho ou fechamento no sentido do fim de alguma coisa seu término entendido não apenas como encerramento mas como a consumação ou realização da coisa que chega a seu ponto final como um texto que chega à sua conclusão Mas ele também pode significar inferência dedução ou mesmo no contexto do vocabulário lógico estrito silogismo particularmente em referência aos silogismos aristotélicos precisamente porque ao realizarmos uma inferência ou fazermos um silogismo interessanos a partir de premissas e chegar a uma conclusão Hegel utiliza o termo Schluss na Ciência da Lógica para analisar precisamente a forma lógica do silogismo mas ao mesmo tempo fazendoo como é próprio ao projeto da Ciência da Lógica por meio de uma ressignificação reinterpretacão e reformulação dialética da doutrina aristotélica dos silogismos Nessa reformulação porém em dos pontos centrais senão o mais central é o de mostrar precisamente como no silogismo em sua forma consumada cada um dos seus termos na terminologia clássica o termo maior o termo médio e o termo menor é a unidade de si mesmo com cada um dos outros momentos cada um dos outros termos e por isso cada um dos termos é ao mesmo tempo a totalidade o todo deles Isso se consumaria particularmente pelo modo com que a categoria de singularidade encadearia a particularidade e a universalidade e seria desse modo também a sua conclusão o seu Schluss a singularidade seria a conclusão quanto a consumação das categorias de universalidade e particularidade o termo final de seu desenvolvimento a que elas chegariam Por isso a afirmação de Hegel citada aqui por Han de que todo o racional é um silogismo HEGEL GWF Wissenschaft der Logik Suhrkamp Frankfurt am Main 2014 p 352 teria o sentido de expressar que todo o racional é caracterizado por ser uma unidade dos seus momentos em que esses momentos so foram uma totalidade precisamente porque não são postos como subsistindo por si próprios independentemente uns dos outros mas sim apenas na sua relação ao outro HEGEL GWF Wissenschaft der Logik Suhrkamp Frankfurt am Main 2014 p 354 ou seja apenas no todo todo que é ao mesmo tempo a conclusão o fecho que reúne esses termos e os leva à sua consumação Entretanto como Han joga precisamente com o fato de que Schluss significa conclusão a fim de mostrar como o fecho o encerramento a conclusão o se fechar em si mesmo e na sua própria consumação é fundamental em diferentes dimensões da experiência humana traduzilo sempre por silogismo no sentido em que o termo é usado por Hegel seria forçálo a obscurerio o sentido do texto em muitas passagens de modo que optamos por isso pela tradução como conclusão e nos casos onde o termo estivesse sendo usado em referência ao conceito de silogismo de Hegel colocar entre colchetes o como silogismo para apontar o sentido técnico específico em que o termo Schluss está sendo usado aí No mesmo espírito de acordo com o que a situação demandava traduzimos o verbo schliessen do qual derivia o substantivo Schluss e que portanto tem o mesmo campo semântico que ele de maneiras diferentes de acordo com o mais apropriado no contexto apontando entre colchetes porém o termo original Por fim vale lembrar que o próprio título do livro em alemão Bitte Augen schliessen Favor fechar os olhos contém o verbo schliessen o que já indica como o tema central do livro é justamente o schliessen e a capacidade de schliessen ou seja de fechar de concluir em geral capacidade que do ponto de vista do autor estaria se perdendo em nossa sociedade contemporânea pautada por uma positividade excessiva e por um imperativo do ser e fazer sempre mais que não permite nenhuma conclusão nenhum Schluss para saber mais sobre o conceito de silogismo em Hegel cf HÖSLE V O s istema de Hegel Trad AC Pinto de Lima São Paulo Loyola 2007 p 258271 VIEWEG K O pensamento da liberdade Trad GS Philipson LN Machado e LF Barrére Martin São Paulo Edusp 2019 p 253258 NT O Autor BYUNGCHUL HAN nasceu na Coreia mas fixouse na Alemanha onde estudou Filosofia na Universidade de Friburgo e Literatura Alemã e Teologia na Universidade de Munique Em 1994 doutorouse em Friburgo com uma tese sobre Martin Heidegger É professor de Filosofia e Estudos Culturais na Universidade de Berlim e autor de instigantes ensaios filosóficos sobre a sociedade atual publicados no Brasil pela Editora Vozes