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Texto Contexto Enferm Florianópolis 2011 JanMar 201 1118 Artigo Original 111 ADESÃO AO TRATAMENTO ANTIRRETROVIRAL VIVÊNCIAS DE ESCOLARES Sueny da Silva Martins1 Tathiana Silva de Souza Martins2 1 Especialista em Enfermagem Pediátrica Enfermeira da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Cardoso Fontes MS Rio de Janeiro Brasil Email suenymartinsyahoocombr 2 Mestre em Enfermagem Enfermeira da Unidade Pediátrica do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Enfermeira da Gerência de Risco do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia MS Rio de Janeiro Brasil Email tathinursegmailcom RESUMO Pesquisa de abordagem qualitativa cujos objetivos foram descrever o processo de adesão através da análise do cotidiano dos escolares e do processo de ocultamento do HIVaids e identificar situações vivenciadas pelos escolares que possam influenciar na adesão à Terapia Antirretroviral Utilizouse como técnica para coleta de dados a entrevista estruturada direcionada a escolares em uso de terapia antirretroviral e acompanhados desde o diagnóstico da aids no ambulatório pediátrico de doenças infectoparasitárias Os relatos dos escolares foram analisados à luz da análise de conteúdo e agrupados nas seguintes categorias o cotidiano dos escolares no processo de adesão à terapia antirretroviral e o silêncio na constituição de um cotidiano trágico É preciso que os profissionais de saúde reconheçam que a não adesão é um fenômeno que deve ser trabalhado junto à criança e que é importante a implementação de estratégias capazes de incentivar a adesão ao tratamento DESCRITORES Agentes antirretrovirais Enfermagem pediátrica Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida Criança ADHERENCE TO ANTIRRETROVIRAL THERAPY EXPERIENCE WITH SCHOLARS ABSTRACT The objectives of this qualitative study were to describe the adhering process through analyzing the daily lives of scholars and the process of hiding ones HIVAids as well as to identify situations they have lived which may influence their adherence to Antiretroviral Therapy The data was collected through structured interviews given to students receiving antiretroviral therapy and accompanied from their HIV diagnosis in a pediatric infectious and parasitic disease clinic The participants reports were analyzed according to content analysis and grouped into the following categories student daily life in the process of adhering to antiretroviral therapy and silence in constructing a tragic daily life It is necessary that health care professionals recognize that nonadherence is a phenomenon which should be dealt with together with the child and that it is important to implement strategies capable of offering incentive to adhere to treatment DESCRIPTORS Antiretroviral agents Pediatric nursing Acquired Immunodeficiency Syndrome Child ADHESIÓN AL TRATAMIENTO ANTIRRETROVIRAL EXPERIENCIA DE ESCOLARES RESUMEN Se trata de una investigación cualitativa que tuvo como objetivos describir el proceso de adhesión al tratamiento antirretroviral por medio del análisis de la vida cotidiana de los estudiantes y el proceso de ocultación del VIHSida e identificar situaciones que puedan influir en la adhesión al tratamiento antirretroviral Como herramienta para la recolección de los datos se utilizó la entrevista estructurada dirigida a los escolares que usan antirretrovirales y son seguidos desde el momento del diagnóstico del Sida en la clínica de enfermedades infecciosas y parasitarias Los informes de los estudiantes se analizaron con base en el análisis de contenido y se agruparon en las siguientes categorías la vida cotidiana de los estudiantes en el proceso de adhesión al tratamiento antirretroviral y el silencio en la formación de una tragedia cotidiana Se necesita que los profesionales de la salud reconozcan que la falta de adhesión es un fenómeno que debe ser tratado con el niño y que es importante implementar estrategias para fomentar la adhesión al tratamiento DESCRIPTORES Agentes antiretrovirales Enfermería pediátrica Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida Niño 112 Texto Contexto Enferm Florianópolis 2011 JanMar 201 1118 INTRODUÇÃO O presente estudo teve como objeto de inves tigação a adesão de escolares 611 anos vivendo com Vírus da Imunodeficiência Humana HIV Síndrome da imunodeficiência adquirida aids à Terapia Antirretroviral TARV A epidemia do HIVaids é realidade mun dial e configura um dos mais sérios problemas contemporâneos no contexto da saúde pública No Brasil desde o início da década de 80 até junho de 2009 foram notificados ao Ministério da Saúde MS 462237 casos de aids Desse total 188396 4075 referemse a adultos do sexo fe minino e 16071 35 a crianças menores de 13 anos de idade Esses resultados confirmam a atual situação da epidemia no Brasil caracterizada pela heterossexualização feminização e aumento da transmissão vertical1 Com o crescimento do número de casos de aids entre mulheres em idade fértil e o consequente aumento do risco de transmissão vertical do HIV constatase aumento de crianças e recémnascidos afetados pelo referido vírus2 No entanto o advento de medicamentos Antiretrovirais ARVs tem repercutido positiva mente nas condições de vida e saúde de crianças e adolescentes vivendo com HIVaids permitindo ganhos no processo de desenvolvimento e na qualidade de vida Ao contrário do que ocorria no início da epidemia da aids atualmente um grande número de crianças infectadas por meio da trans missão vertical do HIV durante a gestação parto ou aleitamento é capaz de atingir a adolescência e a idade adulta3 O surgimento de novos medicamentos e a ampliação da disponibilidade dos ARVs resultou na melhoria significativa na qualidade de vida dos indivíduos infectados pelo HIV Tal fato contri buiu para transformação da aids em uma condição crônica ou seja doenças que são permanentes e que cursam com incapacidade leve causadas por alterações patológicas irreversíveis exigindo treinamento especial do paciente para reabilitação ou um longo período de supervisão observação e cuidado4 Sabese que a efetividade do tratamento de uma condição crônica é determinada pela eficácia do medicamento extensão da adesão bem como pelas características do doente e da doença A taxa de adesão para tratamento de doenças crônicas é em geral baixa o que agrava consideravelmente a eficácia da terapêutica A baixa aderência é um dos problemas mais graves do sistema de assistência à saúde tornando ineficaz o melhor tratamento disponível4 Entendese que a adesão ao tratamento antirretroviral resulta em uma vida com melhor qualidade uma vez que ao estar melhor o indi víduo tem a possibilidade de viver não mais com as marcas imputadas pela doença como nos anos 80 quando se reconhecia os aidéticos por sua aparência Nesse contexto a criança que convive com aids tem direito a viver sua infância como crian ça não sendo percebida e tratada somente como um doente que necessita de cuidados mas como ser que precisa chorar brincar sonhar estudar relacionarse enfim sercriança Percebese que é imprescindível reconhecer o ser humano na integralidade de sua existência respeitando suas vivências experiências e sentimentos mostrando se disponível à relação de ajuda para compartilhar momentos singulares do encontro de cuidado bus cando possibilitar a qualidade de vida por meio de escolhas compartilhadas livres e responsáveis e que são estas atitudes humanas que configuram a ética solidária do cuidado em enfermagem5 Fica claro que a adesão é um desafio diário e a possibilidade de incentivar o portador da condição crônica a optar pela saúde é um dos ob jetivos da equipe de saúde E não há como atingir esse objetivo de forma ampla sem um programa estruturado de adesão e por esse motivo todas as iniciativas destinadas ao desenvolvimento desse tema devem ser implementadas Desta forma a enfermagem como partici pante da equipe multidisciplinar dos serviços de apoio e atendimento aos clientes com aids deve contribuir para melhorar a conduta do sujeito no cuidado à sua saúde auxiliandoo a recorrer a técnicas que o ajudem a desenvolver e consolidar a sua capacidade de autocuidado Aliando o contexto da aids pediátrica ao dia a dia na consulta de enfermagem em um Ambulató rio Pediátrico de Doenças Infecto Parasitárias DIP no município do Rio de Janeiro em 2009 percebeu se aspectos no cotidiano dos escolares vivendo com aids que influenciavam na adesão e nãoadesão à TARV O enfermeiro a partir dos problemas iden tificados precisava desenvolver estratégias que visassem à adesão da referida clientela No período classificado como escolar a crian ça está dirigida para fora do grupo familiar e está em contínuo avanço nos desenvolvimentos físico mental e social além da aquisição de habilidades Martins SS Martins TSS 113 Texto Contexto Enferm Florianópolis 2011 JanMar 201 1118 e competências6 Esperase que os enfermeiros pediatras possam a partir deste estudo prestar um cuidado integralizado fortalecendo e aprimorando a capacidade de tomada de decisão do escolar favorecendo à adesão a qual possibilitará uma melhor qualidade de vida da criança gerando a diminuição de risco de cepas resistentes e a trans missão do HIV Esta pesquisa tem como objetivo descrever o processo de adesão através da análise do coti diano dos escolares e do processo de ocultamento do HIVaids e identificar situações vivenciadas pelos escolares que influenciam no processo de adesão à TARV PERCURSO METODOLÓGICO Tratase de uma pesquisa de campo do tipo exploratóriodescritiva e com abordagem metodo lógica qualitativa A escolha por este tipo de estu do adequouse na medida em que a identificação de possíveis problemas de adesão dos escolares vivendo com HIVaids à TARV pode ser melhor compreendida a partir da aquisição dos relatos des sas crianças do que pela construção de um modelo teórico a partir de uma revisão bibliográfica7 Para melhor orientação no desenvolvimento do estudo foram formuladas as seguintes questões norteadoras a Como é a adesão à terapia antirre troviral dos escolares que vivem com HIVaids em acompanhamento em ambulatório de DIP Infantil de um Hospital Universitário localizado no muni cípio do Rio de Janeiro e b Quais situações são vivenciadas pelos referidos escolares que podem vir a influenciar na adesão à terapia antirretroviral Mediante tais questões o cenário escolhido para realização da pesquisa foi Serviço de DIP do Ambulatório de Pediatria de um Hospital Univer sitário localizado no município do Rio de Janeiro Esta unidade dispõe de duas salas ambulatoriais e realiza semanalmente consultas a pacientes na faixa etária de zero a 18 anos soropositivos e expostos ao HIV A equipe multiprofissional conta com infecto logistas pediátricos enfermeiros assistente social nutricionista e psicólogo Durante o atendimento além dos aspectos referentes à aids são abordados também o crescimento ponderoestatural resultados de exames laboratoriais pareceres de outras espe cialidades a história vacinal além do estímulo da adesão à terapêutica medicamentosa Constituíram critérios de inclusão para seleção dos sujeitos idade diagnóstico de HIV aids desde a infância estar em uso de TARV fazer acompanhamento no ambulatório de DIP Infan til desde o diagnóstico da doença e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TCLE pelo responsável legal Foram selecionados 10 sujeitos participantes com idades entre seis e 11 anos de ambos os sexos seis meninas e quatro meninos todos devidamen te matriculados e cursando o ensino fundamental Optouse pela faixa etária escolar pois se sabe que é por volta dos seis aos onze anos de idade que a criança é capaz de operar o pensamento concreto estendendoo à compreensão do outro e às conse quências de boa parte dos seus atos8 A coleta das informações ocorreu entre maio e julho de 2009 através da entrevista estruturada que incluía duas etapas A primeira etapa abordou os dados de identificação da criança e a segunda as questões diretivas sobre a vivência com a do ença e rotina diária de cada escolar A opção pela entrevista ocorreu por possi bilitar acesso a dados descritivos da linguagem do sujeito a partir dos objetivos do estudo e por permitir que o investigador desenvolva uma idéia sobre a forma como estes sujeitos interpretam aspectos do mundo A entrevista foi realizada com cada criança individualmente após a assinatura do TCLE pelo responsável legal das mesmas permitindo a gra vação dos relatos em fita K7 É importante lembrar que as entrevistas foram previamente agendadas com as crianças e realizadas em local reservado no próprio ambulatório de DIP O projeto de pesquisa foi avaliado pelo Co mitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Hospital Universitário Pedro Ernesto que está vinculado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro sendo aprovado sob o protocolo nº 2350 Também foram assegurados aos participantes por meio do TCLE o anonimato de suas identi dades o esclarecimento de dúvidas pertinentes ao estudo bem como a autonomia e voluntariedade na participação da pesquisa Após a leitura deste documento pela pesquisadora o mesmo foi assi nado em duas vias de igual teor pelas responsáveis legais dos participantes e pela pesquisadora Na apresentação dos resultados os depoentes estão identificados por nomes de superheróis A análise dos dados qualitativos foi realizada por meio de análise de conteúdo com o objetivo de permitir o acesso aos diversos conteúdos explí citos ou não na comunicação verbal do cotidiano dos escolares com HIVaids avaliando o tipo de fala e a interpretação que se pretendia como ob Adesão ao tratamento antirretroviral vivências de escolares 114 Texto Contexto Enferm Florianópolis 2011 JanMar 201 1118 jetivos9 Essa técnica prevê algumas etapas para a análise dos relatos que foram seguidas após o pro cesso de transcrição das fitas Assim executouse os seguintes passos para a análise e interpretação dos dados coletados préanálise efetuouse a leitura flutuante que se constitui por leitura exaustiva das entre vistas buscando impregnação dos sentidos das respostas emitidas pelos escolares às questões norteadoras respondidas pelos dez sujeitos inves tigados garantindo a regra de representatividade e assegurando a pertinência da fonte de informação e do objetivo de análise exploração do material onde os relatos foram agrupados e mapeados e finalmente foi realizada a releitura dos relatos visando reorgani zálos para a elaboração das categorias finais que foram submetidas a um processo de discussão à luz da literatura pertinente levando em conta os conteúdos comuns posteriormente encontraram se as unidades temáticas pertinentes A partir da análise os dados foram organi zados segundo suas unidades de significação nas seguintes categorias temáticas o cotidiano dos es colares no processo de adesão a TARV e o silêncio na constituição de um cotidiano trágico RESULTADOS E DISCUSSÃO O cotidiano dos escolares no processo de adesão à TARV A cronicidade da aids implica em um pro cesso de adesão a um regime medicamentoso completo e prolongado Falhas na adesão aumen tam o risco de incompleta supressão viral e de desenvolvimento de cepas virais resistentes aos medicamentos disponíveis A adesão a um regime terapêutico requer mudanças no estilo de vida de indivíduos visando à realização de atividades específicas que promovam e mantenham a saúde Essas atividades envolvem tomar as medicações prescritas regularmente manter uma dieta adequa da automonitorar os sinais e sintomas da doença e submeterse a avaliações de saúde periódicas10 As crianças entrevistadas fazem uso de três drogas antirretrovirais A apresentação da medi cação como informado pelos escolares é oral Os mesmos revelaram que a aceitação do medicamen to na forma de comprimido é mais fácil que na apresentação líquidasuspensão devido ao gosto do fármaco ser desagradável conforme explicitam as falas a seguir Tomo comprimido e a seringa suspensão Eu prefiro comprimido porque o líquido é amargo Florzinha Os comprimidos que não queimam eu até mastigo Tempestade Eu não gostava quando era líquido É muito ruim e o cheiro também me dava vontade de botar tudo pra fora O comprimido eu tomo não tem problema não tem gosto não tem cheiro Ben 10 Sabese que a aceitação do medicamento na forma de comprimido é mais fácil que na apresen tação líquida devido ao paladar desagradável que o medicamento proporciona contudo as indús trias farmacêuticas não produzem medicamento exclusivo para a faixa etária pediátrica10 No entanto diante da necessidade de ingerir uma medicação na forma líquidasuspensão os escolares criaram estratégias capazes de masca rar o paladar do fármaco fato que facilita a ade são à terapia antirretroviral conforme as seguintes afirmações Tomo com café com leite iogurte Mulher Ga vião Eu tomo com suco pra tirar o gosto Batmam É fundamental o estabelecimento de uma aliança de cumplicidade entre a criança e o seu cuidador onde as orientações medicamentosas devem ser compartilhadas entre o binômio para que ambos se sintam responsáveis pela adminis tração da terapêutica implementada conforme as falas a seguir A minha mãe leva o remédio minha mãe me lembra Mulher Gato Não me lembro muito de tomar não mas meu pai me lembra Mas às vezes eu não esqueço não porque minha vó também me lembra Raven Minha mãe e minha vó me lembram aí eu vou lá e tomo sozinha Florzinha Tem vezes que eu tomo por mim mesmo mas eles pais e avó que me lembram Wanda O depoimento abaixo revela que o processo de adesão pode ser beneficiado quando se associa a ingestão medicamentosa às atividades rotineiras executadas no dia a dia eu tomo de manhã quando eu acordo quando eu vou pra escola só que quando eu não vou pra es cola eu tomo quando eu acordo assim lá pra nove horas dez horas mais ou menos aí quando é de noitinha lá pra cinco horas da tarde eu tomo de novo Wanda Ressaltase que embora atividades como dormir acordar realizar refeições facilitem a Martins SS Martins TSS 115 Texto Contexto Enferm Florianópolis 2011 JanMar 201 1118 lembrança da ingestão dos ARV a ausência de regularidade no horário das mesmas compromete a eficácia dos medicamentos11 Os escolares costumam referir que não querem passar pelas experiências anteriores que caracterizavam um quadro clínico sintomático e em função disso relatam que procuram realizar corretamente o tratamento Em pediatria um dos estímulos relacionados à adesão é a manutenção do bem estar físico ou seja as crianças apresentam o desejo de evitarem os momentos de hospitaliza ção conforme explicitam as falas a seguir Sei que é importante tomar o remédio já fiquei internada e foi ruim eu não quero ficar de novo Raven Sei que tem que tomar todo dia Eu já fiquei in ternada e foi ruim Florzinha É porque se eu não tomar o remédio fico passando mal Lanterna Verde Além do paladar algumas características dos ARVs como sabor e cheiro são os fatores que mais dificultam a adesão11 Deste modo o maior entrave para adesão encontrado a partir dos relatos dos escolares foi a palatilidade O xarope o gosto é ruim queima a língua Batman Mas o gosto é ruim tia eu tomo quase vomitando Eu boto a seringa lá no fundo da boca e tomo é muito ruim tia é horrível O pior é o lamivudina que queima a boca Tempestade Em um estudo realizado no interior paulista com indivíduos que viviam com HIV aids iden tificouse que 14 dos portadores quando ques tionados sobre os fatores que facilitam a adesão à terapêutica ARV referiram o desaparecimento dos sintomas da doença O mesmo também foi veri ficado neste estudo uma vez que sem sintomas o portador pode retornar à sua vida normal sem conseqüências para a vida social e que a aids é na atualidade uma condição crônica com a qual todos podem conviver desde que haja a adesão adequada à terapêutica antirretroviral12 Em contrapartida a literatura aponta tam bém que embora a ausência de sintomas e o fato de sentirse bem sejam apontados como razões para adesão a melhora dos sintomas em certos casos pode levar à interrupção do tratamento por que o indivíduo com HIVaids avalia que não há necessidade da medicação só retornando ao uso ao sentirse mal13 Neste contexto observase que a linha que separa os aspectos que influenciam pacientes com aids na adesão e nãoadesão à terapêutica antirre troviral é muito tênue de modo que uma mesma situação pode constituirse como facilitadora ou dificultadora do processo de adesão dependendo das circunstâncias Sabese que a baixa adesão constitui uma grande preocupação pois alguns estudos identi ficaram elevado índice de nãoadesão em torno de 30 sendo que nos casos de uso dos antire trovirais a taxa de adesão recomendada gira em torno de 95 e ela inclui não simplesmente o uso mas o uso regular pois se isto não ocorre pode haver falência no tratamento possibilitando o aparecimento de novas cepas virais resistentes e comprometendo o prognóstico do indivíduo11 Como entrave ao tratamento a prática pro fissional tem revelado uma realidade que começou a ser desvelada entre os escolares do estudo pois no decorrer da entrevista mesmo aqueles que no início afirmaram tomar corretamente os medica mentos revelaram que na prática cotidiana não era bem assim Eu tomo quase todo dia Mulher Gavião Todo dia Todo dia não Raven Esqueço às vezes só às vezes eu tomo antes e às vezes eu atraso só um pouquinho Florzinha Todos os entrevistados afirmaram que já fica ram pelo menos um dia sem tomar as medicações Os fatores responsáveis por tal fato são palatilida de 428 esquecimento 214 administração da medicação em ambiente que não o domiciliar 142 e horário 71 Observase que após a palatilidade os escolares não aderem à TARV por um motivo aparentemente simples que é o esquecimento de tomar os medicamentos O depoimento abaixo retrata essa situação porque eu chego às vezes eu durmo e esque ço e às vezes aí eu vou brincar e quando eu brinco eu esqueço de tudo aí quando a minha vó me chama já são duas horas da tarde e não dá mais pra tomar porque tá atrasado Meu maior problema é o esquecimento Raven Entendese que a complexidade do trata mento com o excessivo número de doses e drogas constituem fatores que contribuem para o esqueci mento Um estudo revelou que os pacientes esque cem a ingesta dos medicamentos principalmente durante os finais de semana pela dificuldade em cumprir os horários devido a compromissos so ciais e que se sentem inibidos para tomálos em um encontro ou festa13 Adesão ao tratamento antirretroviral vivências de escolares 116 Texto Contexto Enferm Florianópolis 2011 JanMar 201 1118 Foi observado também que a ingestão dos antirretrovirais em ambiente que não o domicílio bem como o horário de administração dos mes mos constituíramse em fatores dificultadores do processo de adesão Ah eu não gosto de tomar duas vezes no dia tomo só à noite porque de manhã durmo brinco aí eu esqueço Raven O que eu não gosto no remédio é que tem que tomar de manhã Aí eu não gosto Quando eu tenho aula eu to na escola e não tomo Super Homem As atividades realizadas fora de casa são fatores que entrevêem na adesão uma vez que envolve mudanças na rotina pois a presença de doses do meio do dia estar muito ocupado estar longe de casa ou sem os medicamentos no horário da dose constituem dificuldades para encaixar o medicamento na rotina diária14 O silêncio na constituição de um cotidiano trágico Apesar do desenvolvimento científico e tec nológico que têm permitido o controle e evolução da aids a cura continua como uma possibilidade distante No contexto de uma condição crônica a aids ainda desperta sentimento de preconceito estigma medo da morte solidão silêncio entre outros Assim a aids quando presente na clien tela pediátrica desperta nos pais eou cuidado res questões emocionais frente à revelação do diagnóstico à criança HIV positiva Sabese que o indivíduo com HIVaids e sua família vivenciam a dicotomia entre tensões que podem anunciar o estado sorológico ou atitudes que objetivam esconder essa condição15 Não conhecer a doença que apresenta foi uma realidade presente em seis dos dez escolares entrevistados na pesquisa Tal fato chama a aten ção para o seguinte questionamento se a criança não sabe a doença que tem como é possível enten der as reais necessidades de adesão à TARV Ao serem questionadas quanto à importância do medicamento as crianças o associavam com a possibilidade de viver de não permanecerem hospitalizados e de não adoecerem No entanto o ARV poderia ser considerado uma poderosa vitamina ou a vacina contra todas as doenças pois os superheróis não tinham conhecimento sobre o verdadeiro motivo da ingesta de tantos comprimidos Acho acho importante pra não morrer Mulher Gavião É porque ajuda as pessoas pra saúde ficar me lhor tambémé isso Wanda Desta forma começase a pensar que talvez os escolares não associem a ingestão dos antire trovirais a sua rotina de atividades diárias por desconhecerem o real motivo para a tomada do medicamento viver com aids O seguinte relato confirma essa situação de manhã eu tomo café e vou pra escola eu acordo às seis horas da manhã Vou pra escola aí na escola eu como tomo café eu brinco no recreio aí quando eu volto eu vejo desenho e Chaves e às vezes eu durmo e quando não durmo fico brincando Raven Acreditase que o silêncio em relação à in fecção compromete o estabelecimento de redes de apoio quando há a necessidade de ações de educação em saúde para orientar esses escolares sobre a importância da adesão bem como os riscos de desenvolvimento de infecções oportunistas e Doenças Sexualmente Transmissíveis DSTs A aids é uma condição crônica e seu controle tem constituído um desafio aos profissionais de saúde na medida em que seu tratamento envolve a participação ativa dos pacientes no sentido de modificar alguns comportamentos prejudiciais à sua própria saúde e assimilar outros que be neficiem sua condição clínica Assim quando a criança desconhece sua realidade de portador de uma condição crônica como a aids ela ignora a importância de introdução o ARV em sua rotina não desenvolvendo o autocuidado consigo e com os demais A partir do exposto vale questionarse sobre até que ponto o silenciamento a respeito da doença pelos cuidadores aos escolares começa a ser uma questão de negligência que pode colocar em risco a saúde de outras pessoas e se este escolar desco nhece ter uma doença sexualmente transmissível será que o mesmo adotará medidas de barreira durante as relações sexuais Ainda que paiscuidadores e as crianças sobrevivam a um cotidiano marcado pela necessi dade do ocultamento vivenciando a possibilidade de estigmatização e preconceito cabe a equipe interdisciplinar pensar junto com essa família a melhor maneira de revelação do status sorológico e trazer à tona os riscos e benefícios da conscienti zação de ter a aids Vivenciar uma situação de doença sem saber sua real condição constitui um paradoxo como revelado no depoimento a seguir Martins SS Martins TSS 117 Texto Contexto Enferm Florianópolis 2011 JanMar 201 1118 minha mãe falou pra eu tomar porque tem dois bichinhos brigando na minha barriga aí tem o meu que dá força pra me alimentar e o remédio que dá força pro meu E tem o outro bichinho que briga com o meu Aí eu tenho que tomar o remédio pra fortalecer o meu e matar os outros Aí se eu matar os outros se eu ficar tomando assim um monte de dia assim certinho e matar o outro eu posso até parar de tomar o remédio Lanterna Verde Entendese que embora as crianças sejam vistas como vítimas da epidemia uma vez que foram contaminadas por transmissão vertical quando a sociedade toma conhecimento da pre sença delas em escolas parques e outros assumem uma postura de medo isolandoas do convívio com as demais Em virtude deste fato por receio do estigma e da discriminação os cuidadores optam por não revelarem o diagnóstico embora criem estraté gias de enfrentamento para promover a adesão à terapia medicamentosa Desta forma o cuidador conta com a cumplicidade do profissional de saúde ao recorrerem à utilização de metáforas para es tabelecer uma comunicação e promover a adesão junto à criança Tal atitude vai a confronto com o conceito de adesão uma vez que mantém a criança na condição de coadjuvante de sua saúde15 Ao dar vez e voz às crianças tornase possível compreender a dimensão da aids em suas vidas em função do tratamento dos retornos ambulatoriais exames e frequentes hospitalizações A criança percebe a gravidade de sua doença conhece o tratamento e os efeitos colaterais de alguns medi camentos procura entender e justificar os procedi mentos realizados assim como o desconforto das rotinas em função de sua recuperação e da cura de algo que lhes é velado CONSIDERAÇÕES FINAIS Entendese que a adesão ocorre quando o indivíduo apropriase do tratamento ou seja quando há um comprometimento decorrente da compreensão do real significado da terapêutica e sua eficácia O presente estudo permitiu identificar alguns elementos facilitadores do processo de adesão a saber apresentação do fármaco na forma de comprimidos elaboração de estratégias pelos próprios escolares com a finalidade de mascarar o sabor desagradável dos medicamentos parceria entre cuidador e escolar bem como a ausência de sinais e sintomas na atualidade e o desejo de manutenção do estado de saúde tendo em vista as lembranças relacionadas à fase agudizada da doença e a necessidade de internação hospitalar Verificase vários fatores que contribuem para a adesão ou a nãoadesão à TARV variando desde o sigilo do diagnóstico até as dificuldades com a ingestão dos medicamentos Percebese que as crianças têm dificuldades para cumprir os horários das medicações seja pela inserção em atividades típicas de sua idade como escola e brincadeiras pela forma de apresentação do fármaco sabor ta manho e odor ou pela necessidade de ingerir um medicamento sem que conheça o motivo Assim no que se tange à assistência do enfermeiro como participante da equipe multi profissional com vistas a aumentar o processo de adesão sabese que a grande aliada para a adesão é a assistência individualizada na qual a relação enfermeiracuidadorcriança deve ser permeada por confiança empatia respeito privacidade e atitudes positivas Desta forma o enfermeiro deve ajudar tanto os paiscuidadores quanto os escolares a se torna rem ativos partícipes no que concerne às questões relacionadas à doença e ao tratamento Para tanto basta dar a criança à oportunidade de participar das tomadas de decisão desenvolvendo gradu almente a autonomia e o autocuidado É necessário que os profissionais de saúde reconheçam que a não adesão é um fenômeno que deve ser trabalhado junto à criança e que é impor tante à implementação de estratégias capazes de incentivar a adesão ao tratamento como estudo de casos oficinas interdisciplinares grupos de adesão com o objetivo de acolher o escolar e o seu cuidador na perspectiva de fazer mudar sua con dição levandoo a se tornar sujeito do processo Assim cabe ao enfermeiro atuar junto ao binômio cuidadorcriança para proporcionalhes melhor qualidade de vida durante esse tratamento que é tão oneroso e desgastante para ambos REFERÊNCIAS Ministério da Saúde BR Programa Nacional de 1 DSTaids Boletim epidemiológico Brasília DF MS 2010 Silva RAR Rocha VM Davim RMB Torres GV 2 Formas de enfrentamento da AIDS opinião de mães de crianças soropositivas Rev Latinoam Enfermagem online 2008 Apr acesso 2010 Jan 13 1622605 Disponível em httpwww scielobrscielophpscriptsciarttextpidS0104 11692008000200014lngennrmisotlngpt Adesão ao tratamento antirretroviral vivências de escolares 118 Texto Contexto Enferm Florianópolis 2011 JanMar 201 1118 Correspondência Sueny da Silva Martins Rua Carlos Palut 426 bl 2 apto 506 22710310 Taquara Jacarepaguá RJ Brasil Email suenymartinsyahoocombr Recebido 1º de fevereiro de 2010 Aprovação 13 de dezembro de 2010 Guerra CPP Seidl EMF Crianças e adolescentes com 3 HIVaids revisão de estudos sobre revelação do diagnóstico adesão e estigma Paidéia online 2009 Jan acesso 2010 Jan 13 19425965 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsci arttextpidS0103863X2009000100008 Ministério da Saúde BR Adesão aos antiretrovirais 4 manual para profissionais de saúde Brasília DF Unidade de Assistência e Tratamento 2005 Paula CC Crossetti MGO O modo de cuidar no 5 encontro com o sercriança que convive com aids o experienciar da finitude e a ética Texto Contexto Enferm online 2005 AbrJun acesso 2010 Jan 04 142193201 Disponível em httpwww scielobrscielophpscriptsciarttextpidS0104 07072005000200006lngpt4 6 Whaley LF Wong DL Enfermagem pediátrica elementos essenciais à intervenção efetiva 5ª ed Rio de Janeiro RJ Guanabara Koogan 1999 7 Minayo MCS O desafio do conhecimento pesquisa qualitativa em saúde 8ª ed São Paulo SP Hucitec 2004 Coa TF Pettengill MAM Autonomia da criança 8 hospitalizada frente aos procedimentos crenças da enfermeira pediatra Acta Paul Enferm online 2006 Dez acesso 2010 Jan 04 1944338 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsci arttextpidS010321002006000400011lngpt Bardin L Análise de conteúdo Lisboa PT Edições 9 70 1979 Feitosa AC Andrade LM Lima HJA Beserra EP 10 Caetano JA Terapia antiretroviral fatores que interferem na adesão de crianças com HIVaids Esc Anna Nery Rev Enferm online 2008 Set acesso 2010 Jan 04 12351521 Disponível em httpwwweeanufrjbrrevistaenf20083 artigo2016pdf Silva ALCN Waidman MAP Marcon SS Adesão e 11 nãoadesão à terapia antirretroviral as duas faces de uma mesma vivência Rev Bras Enferm online 2009 Apr citado 2010 Jan 13 62221320 Disponível em httpwwwscielobrscielophppidS0034 71672009000200007scriptsciarttext Gir E Vaichulonis CG Oliveira MD Adesão à 12 terapêutica antirretroviral por indivíduos com HIVAIDS assistidos em uma instituição do interior paulista Rev Latinoam Enfermagem online 2005 Out acesso 2010 Jan 13 13563441 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptscia rttextpidS010411692005000500005 Colombrini MRC Lopes MHBM Figueiredo 13 RM Adesão à terapia antirretroviral para HIV AIDS Rev Esc Enferm USP online 2006 Dez acesso 2010 Jan 13 40457681 Disponível em httpwwwscielobrscielophppidS0080 62342006000400018scriptsciarttext Kourrouski MFC Adesão ao tratamento vivências 14 de adolescentes com HIVaids dissertação Ribeirão Preto SP Universidade de São Paulo Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto 2008 Gomes AMT Silêncio silenciamento e ocultamento 15 na terapia antirretroviral desvelando o discurso de cuidadores de crianças tese Rio de Janeiro RJ Universidade Federal do Rio de Janeiro Escola de Enfermagem Anna Nery 2005 Martins SS Martins TSS
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Texto Contexto Enferm Florianópolis 2011 JanMar 201 1118 Artigo Original 111 ADESÃO AO TRATAMENTO ANTIRRETROVIRAL VIVÊNCIAS DE ESCOLARES Sueny da Silva Martins1 Tathiana Silva de Souza Martins2 1 Especialista em Enfermagem Pediátrica Enfermeira da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital Cardoso Fontes MS Rio de Janeiro Brasil Email suenymartinsyahoocombr 2 Mestre em Enfermagem Enfermeira da Unidade Pediátrica do Hospital Universitário Pedro Ernesto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro Enfermeira da Gerência de Risco do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia MS Rio de Janeiro Brasil Email tathinursegmailcom RESUMO Pesquisa de abordagem qualitativa cujos objetivos foram descrever o processo de adesão através da análise do cotidiano dos escolares e do processo de ocultamento do HIVaids e identificar situações vivenciadas pelos escolares que possam influenciar na adesão à Terapia Antirretroviral Utilizouse como técnica para coleta de dados a entrevista estruturada direcionada a escolares em uso de terapia antirretroviral e acompanhados desde o diagnóstico da aids no ambulatório pediátrico de doenças infectoparasitárias Os relatos dos escolares foram analisados à luz da análise de conteúdo e agrupados nas seguintes categorias o cotidiano dos escolares no processo de adesão à terapia antirretroviral e o silêncio na constituição de um cotidiano trágico É preciso que os profissionais de saúde reconheçam que a não adesão é um fenômeno que deve ser trabalhado junto à criança e que é importante a implementação de estratégias capazes de incentivar a adesão ao tratamento DESCRITORES Agentes antirretrovirais Enfermagem pediátrica Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida Criança ADHERENCE TO ANTIRRETROVIRAL THERAPY EXPERIENCE WITH SCHOLARS ABSTRACT The objectives of this qualitative study were to describe the adhering process through analyzing the daily lives of scholars and the process of hiding ones HIVAids as well as to identify situations they have lived which may influence their adherence to Antiretroviral Therapy The data was collected through structured interviews given to students receiving antiretroviral therapy and accompanied from their HIV diagnosis in a pediatric infectious and parasitic disease clinic The participants reports were analyzed according to content analysis and grouped into the following categories student daily life in the process of adhering to antiretroviral therapy and silence in constructing a tragic daily life It is necessary that health care professionals recognize that nonadherence is a phenomenon which should be dealt with together with the child and that it is important to implement strategies capable of offering incentive to adhere to treatment DESCRIPTORS Antiretroviral agents Pediatric nursing Acquired Immunodeficiency Syndrome Child ADHESIÓN AL TRATAMIENTO ANTIRRETROVIRAL EXPERIENCIA DE ESCOLARES RESUMEN Se trata de una investigación cualitativa que tuvo como objetivos describir el proceso de adhesión al tratamiento antirretroviral por medio del análisis de la vida cotidiana de los estudiantes y el proceso de ocultación del VIHSida e identificar situaciones que puedan influir en la adhesión al tratamiento antirretroviral Como herramienta para la recolección de los datos se utilizó la entrevista estructurada dirigida a los escolares que usan antirretrovirales y son seguidos desde el momento del diagnóstico del Sida en la clínica de enfermedades infecciosas y parasitarias Los informes de los estudiantes se analizaron con base en el análisis de contenido y se agruparon en las siguientes categorías la vida cotidiana de los estudiantes en el proceso de adhesión al tratamiento antirretroviral y el silencio en la formación de una tragedia cotidiana Se necesita que los profesionales de la salud reconozcan que la falta de adhesión es un fenómeno que debe ser tratado con el niño y que es importante implementar estrategias para fomentar la adhesión al tratamiento DESCRIPTORES Agentes antiretrovirales Enfermería pediátrica Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida Niño 112 Texto Contexto Enferm Florianópolis 2011 JanMar 201 1118 INTRODUÇÃO O presente estudo teve como objeto de inves tigação a adesão de escolares 611 anos vivendo com Vírus da Imunodeficiência Humana HIV Síndrome da imunodeficiência adquirida aids à Terapia Antirretroviral TARV A epidemia do HIVaids é realidade mun dial e configura um dos mais sérios problemas contemporâneos no contexto da saúde pública No Brasil desde o início da década de 80 até junho de 2009 foram notificados ao Ministério da Saúde MS 462237 casos de aids Desse total 188396 4075 referemse a adultos do sexo fe minino e 16071 35 a crianças menores de 13 anos de idade Esses resultados confirmam a atual situação da epidemia no Brasil caracterizada pela heterossexualização feminização e aumento da transmissão vertical1 Com o crescimento do número de casos de aids entre mulheres em idade fértil e o consequente aumento do risco de transmissão vertical do HIV constatase aumento de crianças e recémnascidos afetados pelo referido vírus2 No entanto o advento de medicamentos Antiretrovirais ARVs tem repercutido positiva mente nas condições de vida e saúde de crianças e adolescentes vivendo com HIVaids permitindo ganhos no processo de desenvolvimento e na qualidade de vida Ao contrário do que ocorria no início da epidemia da aids atualmente um grande número de crianças infectadas por meio da trans missão vertical do HIV durante a gestação parto ou aleitamento é capaz de atingir a adolescência e a idade adulta3 O surgimento de novos medicamentos e a ampliação da disponibilidade dos ARVs resultou na melhoria significativa na qualidade de vida dos indivíduos infectados pelo HIV Tal fato contri buiu para transformação da aids em uma condição crônica ou seja doenças que são permanentes e que cursam com incapacidade leve causadas por alterações patológicas irreversíveis exigindo treinamento especial do paciente para reabilitação ou um longo período de supervisão observação e cuidado4 Sabese que a efetividade do tratamento de uma condição crônica é determinada pela eficácia do medicamento extensão da adesão bem como pelas características do doente e da doença A taxa de adesão para tratamento de doenças crônicas é em geral baixa o que agrava consideravelmente a eficácia da terapêutica A baixa aderência é um dos problemas mais graves do sistema de assistência à saúde tornando ineficaz o melhor tratamento disponível4 Entendese que a adesão ao tratamento antirretroviral resulta em uma vida com melhor qualidade uma vez que ao estar melhor o indi víduo tem a possibilidade de viver não mais com as marcas imputadas pela doença como nos anos 80 quando se reconhecia os aidéticos por sua aparência Nesse contexto a criança que convive com aids tem direito a viver sua infância como crian ça não sendo percebida e tratada somente como um doente que necessita de cuidados mas como ser que precisa chorar brincar sonhar estudar relacionarse enfim sercriança Percebese que é imprescindível reconhecer o ser humano na integralidade de sua existência respeitando suas vivências experiências e sentimentos mostrando se disponível à relação de ajuda para compartilhar momentos singulares do encontro de cuidado bus cando possibilitar a qualidade de vida por meio de escolhas compartilhadas livres e responsáveis e que são estas atitudes humanas que configuram a ética solidária do cuidado em enfermagem5 Fica claro que a adesão é um desafio diário e a possibilidade de incentivar o portador da condição crônica a optar pela saúde é um dos ob jetivos da equipe de saúde E não há como atingir esse objetivo de forma ampla sem um programa estruturado de adesão e por esse motivo todas as iniciativas destinadas ao desenvolvimento desse tema devem ser implementadas Desta forma a enfermagem como partici pante da equipe multidisciplinar dos serviços de apoio e atendimento aos clientes com aids deve contribuir para melhorar a conduta do sujeito no cuidado à sua saúde auxiliandoo a recorrer a técnicas que o ajudem a desenvolver e consolidar a sua capacidade de autocuidado Aliando o contexto da aids pediátrica ao dia a dia na consulta de enfermagem em um Ambulató rio Pediátrico de Doenças Infecto Parasitárias DIP no município do Rio de Janeiro em 2009 percebeu se aspectos no cotidiano dos escolares vivendo com aids que influenciavam na adesão e nãoadesão à TARV O enfermeiro a partir dos problemas iden tificados precisava desenvolver estratégias que visassem à adesão da referida clientela No período classificado como escolar a crian ça está dirigida para fora do grupo familiar e está em contínuo avanço nos desenvolvimentos físico mental e social além da aquisição de habilidades Martins SS Martins TSS 113 Texto Contexto Enferm Florianópolis 2011 JanMar 201 1118 e competências6 Esperase que os enfermeiros pediatras possam a partir deste estudo prestar um cuidado integralizado fortalecendo e aprimorando a capacidade de tomada de decisão do escolar favorecendo à adesão a qual possibilitará uma melhor qualidade de vida da criança gerando a diminuição de risco de cepas resistentes e a trans missão do HIV Esta pesquisa tem como objetivo descrever o processo de adesão através da análise do coti diano dos escolares e do processo de ocultamento do HIVaids e identificar situações vivenciadas pelos escolares que influenciam no processo de adesão à TARV PERCURSO METODOLÓGICO Tratase de uma pesquisa de campo do tipo exploratóriodescritiva e com abordagem metodo lógica qualitativa A escolha por este tipo de estu do adequouse na medida em que a identificação de possíveis problemas de adesão dos escolares vivendo com HIVaids à TARV pode ser melhor compreendida a partir da aquisição dos relatos des sas crianças do que pela construção de um modelo teórico a partir de uma revisão bibliográfica7 Para melhor orientação no desenvolvimento do estudo foram formuladas as seguintes questões norteadoras a Como é a adesão à terapia antirre troviral dos escolares que vivem com HIVaids em acompanhamento em ambulatório de DIP Infantil de um Hospital Universitário localizado no muni cípio do Rio de Janeiro e b Quais situações são vivenciadas pelos referidos escolares que podem vir a influenciar na adesão à terapia antirretroviral Mediante tais questões o cenário escolhido para realização da pesquisa foi Serviço de DIP do Ambulatório de Pediatria de um Hospital Univer sitário localizado no município do Rio de Janeiro Esta unidade dispõe de duas salas ambulatoriais e realiza semanalmente consultas a pacientes na faixa etária de zero a 18 anos soropositivos e expostos ao HIV A equipe multiprofissional conta com infecto logistas pediátricos enfermeiros assistente social nutricionista e psicólogo Durante o atendimento além dos aspectos referentes à aids são abordados também o crescimento ponderoestatural resultados de exames laboratoriais pareceres de outras espe cialidades a história vacinal além do estímulo da adesão à terapêutica medicamentosa Constituíram critérios de inclusão para seleção dos sujeitos idade diagnóstico de HIV aids desde a infância estar em uso de TARV fazer acompanhamento no ambulatório de DIP Infan til desde o diagnóstico da doença e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TCLE pelo responsável legal Foram selecionados 10 sujeitos participantes com idades entre seis e 11 anos de ambos os sexos seis meninas e quatro meninos todos devidamen te matriculados e cursando o ensino fundamental Optouse pela faixa etária escolar pois se sabe que é por volta dos seis aos onze anos de idade que a criança é capaz de operar o pensamento concreto estendendoo à compreensão do outro e às conse quências de boa parte dos seus atos8 A coleta das informações ocorreu entre maio e julho de 2009 através da entrevista estruturada que incluía duas etapas A primeira etapa abordou os dados de identificação da criança e a segunda as questões diretivas sobre a vivência com a do ença e rotina diária de cada escolar A opção pela entrevista ocorreu por possi bilitar acesso a dados descritivos da linguagem do sujeito a partir dos objetivos do estudo e por permitir que o investigador desenvolva uma idéia sobre a forma como estes sujeitos interpretam aspectos do mundo A entrevista foi realizada com cada criança individualmente após a assinatura do TCLE pelo responsável legal das mesmas permitindo a gra vação dos relatos em fita K7 É importante lembrar que as entrevistas foram previamente agendadas com as crianças e realizadas em local reservado no próprio ambulatório de DIP O projeto de pesquisa foi avaliado pelo Co mitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Hospital Universitário Pedro Ernesto que está vinculado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro sendo aprovado sob o protocolo nº 2350 Também foram assegurados aos participantes por meio do TCLE o anonimato de suas identi dades o esclarecimento de dúvidas pertinentes ao estudo bem como a autonomia e voluntariedade na participação da pesquisa Após a leitura deste documento pela pesquisadora o mesmo foi assi nado em duas vias de igual teor pelas responsáveis legais dos participantes e pela pesquisadora Na apresentação dos resultados os depoentes estão identificados por nomes de superheróis A análise dos dados qualitativos foi realizada por meio de análise de conteúdo com o objetivo de permitir o acesso aos diversos conteúdos explí citos ou não na comunicação verbal do cotidiano dos escolares com HIVaids avaliando o tipo de fala e a interpretação que se pretendia como ob Adesão ao tratamento antirretroviral vivências de escolares 114 Texto Contexto Enferm Florianópolis 2011 JanMar 201 1118 jetivos9 Essa técnica prevê algumas etapas para a análise dos relatos que foram seguidas após o pro cesso de transcrição das fitas Assim executouse os seguintes passos para a análise e interpretação dos dados coletados préanálise efetuouse a leitura flutuante que se constitui por leitura exaustiva das entre vistas buscando impregnação dos sentidos das respostas emitidas pelos escolares às questões norteadoras respondidas pelos dez sujeitos inves tigados garantindo a regra de representatividade e assegurando a pertinência da fonte de informação e do objetivo de análise exploração do material onde os relatos foram agrupados e mapeados e finalmente foi realizada a releitura dos relatos visando reorgani zálos para a elaboração das categorias finais que foram submetidas a um processo de discussão à luz da literatura pertinente levando em conta os conteúdos comuns posteriormente encontraram se as unidades temáticas pertinentes A partir da análise os dados foram organi zados segundo suas unidades de significação nas seguintes categorias temáticas o cotidiano dos es colares no processo de adesão a TARV e o silêncio na constituição de um cotidiano trágico RESULTADOS E DISCUSSÃO O cotidiano dos escolares no processo de adesão à TARV A cronicidade da aids implica em um pro cesso de adesão a um regime medicamentoso completo e prolongado Falhas na adesão aumen tam o risco de incompleta supressão viral e de desenvolvimento de cepas virais resistentes aos medicamentos disponíveis A adesão a um regime terapêutico requer mudanças no estilo de vida de indivíduos visando à realização de atividades específicas que promovam e mantenham a saúde Essas atividades envolvem tomar as medicações prescritas regularmente manter uma dieta adequa da automonitorar os sinais e sintomas da doença e submeterse a avaliações de saúde periódicas10 As crianças entrevistadas fazem uso de três drogas antirretrovirais A apresentação da medi cação como informado pelos escolares é oral Os mesmos revelaram que a aceitação do medicamen to na forma de comprimido é mais fácil que na apresentação líquidasuspensão devido ao gosto do fármaco ser desagradável conforme explicitam as falas a seguir Tomo comprimido e a seringa suspensão Eu prefiro comprimido porque o líquido é amargo Florzinha Os comprimidos que não queimam eu até mastigo Tempestade Eu não gostava quando era líquido É muito ruim e o cheiro também me dava vontade de botar tudo pra fora O comprimido eu tomo não tem problema não tem gosto não tem cheiro Ben 10 Sabese que a aceitação do medicamento na forma de comprimido é mais fácil que na apresen tação líquida devido ao paladar desagradável que o medicamento proporciona contudo as indús trias farmacêuticas não produzem medicamento exclusivo para a faixa etária pediátrica10 No entanto diante da necessidade de ingerir uma medicação na forma líquidasuspensão os escolares criaram estratégias capazes de masca rar o paladar do fármaco fato que facilita a ade são à terapia antirretroviral conforme as seguintes afirmações Tomo com café com leite iogurte Mulher Ga vião Eu tomo com suco pra tirar o gosto Batmam É fundamental o estabelecimento de uma aliança de cumplicidade entre a criança e o seu cuidador onde as orientações medicamentosas devem ser compartilhadas entre o binômio para que ambos se sintam responsáveis pela adminis tração da terapêutica implementada conforme as falas a seguir A minha mãe leva o remédio minha mãe me lembra Mulher Gato Não me lembro muito de tomar não mas meu pai me lembra Mas às vezes eu não esqueço não porque minha vó também me lembra Raven Minha mãe e minha vó me lembram aí eu vou lá e tomo sozinha Florzinha Tem vezes que eu tomo por mim mesmo mas eles pais e avó que me lembram Wanda O depoimento abaixo revela que o processo de adesão pode ser beneficiado quando se associa a ingestão medicamentosa às atividades rotineiras executadas no dia a dia eu tomo de manhã quando eu acordo quando eu vou pra escola só que quando eu não vou pra es cola eu tomo quando eu acordo assim lá pra nove horas dez horas mais ou menos aí quando é de noitinha lá pra cinco horas da tarde eu tomo de novo Wanda Ressaltase que embora atividades como dormir acordar realizar refeições facilitem a Martins SS Martins TSS 115 Texto Contexto Enferm Florianópolis 2011 JanMar 201 1118 lembrança da ingestão dos ARV a ausência de regularidade no horário das mesmas compromete a eficácia dos medicamentos11 Os escolares costumam referir que não querem passar pelas experiências anteriores que caracterizavam um quadro clínico sintomático e em função disso relatam que procuram realizar corretamente o tratamento Em pediatria um dos estímulos relacionados à adesão é a manutenção do bem estar físico ou seja as crianças apresentam o desejo de evitarem os momentos de hospitaliza ção conforme explicitam as falas a seguir Sei que é importante tomar o remédio já fiquei internada e foi ruim eu não quero ficar de novo Raven Sei que tem que tomar todo dia Eu já fiquei in ternada e foi ruim Florzinha É porque se eu não tomar o remédio fico passando mal Lanterna Verde Além do paladar algumas características dos ARVs como sabor e cheiro são os fatores que mais dificultam a adesão11 Deste modo o maior entrave para adesão encontrado a partir dos relatos dos escolares foi a palatilidade O xarope o gosto é ruim queima a língua Batman Mas o gosto é ruim tia eu tomo quase vomitando Eu boto a seringa lá no fundo da boca e tomo é muito ruim tia é horrível O pior é o lamivudina que queima a boca Tempestade Em um estudo realizado no interior paulista com indivíduos que viviam com HIV aids iden tificouse que 14 dos portadores quando ques tionados sobre os fatores que facilitam a adesão à terapêutica ARV referiram o desaparecimento dos sintomas da doença O mesmo também foi veri ficado neste estudo uma vez que sem sintomas o portador pode retornar à sua vida normal sem conseqüências para a vida social e que a aids é na atualidade uma condição crônica com a qual todos podem conviver desde que haja a adesão adequada à terapêutica antirretroviral12 Em contrapartida a literatura aponta tam bém que embora a ausência de sintomas e o fato de sentirse bem sejam apontados como razões para adesão a melhora dos sintomas em certos casos pode levar à interrupção do tratamento por que o indivíduo com HIVaids avalia que não há necessidade da medicação só retornando ao uso ao sentirse mal13 Neste contexto observase que a linha que separa os aspectos que influenciam pacientes com aids na adesão e nãoadesão à terapêutica antirre troviral é muito tênue de modo que uma mesma situação pode constituirse como facilitadora ou dificultadora do processo de adesão dependendo das circunstâncias Sabese que a baixa adesão constitui uma grande preocupação pois alguns estudos identi ficaram elevado índice de nãoadesão em torno de 30 sendo que nos casos de uso dos antire trovirais a taxa de adesão recomendada gira em torno de 95 e ela inclui não simplesmente o uso mas o uso regular pois se isto não ocorre pode haver falência no tratamento possibilitando o aparecimento de novas cepas virais resistentes e comprometendo o prognóstico do indivíduo11 Como entrave ao tratamento a prática pro fissional tem revelado uma realidade que começou a ser desvelada entre os escolares do estudo pois no decorrer da entrevista mesmo aqueles que no início afirmaram tomar corretamente os medica mentos revelaram que na prática cotidiana não era bem assim Eu tomo quase todo dia Mulher Gavião Todo dia Todo dia não Raven Esqueço às vezes só às vezes eu tomo antes e às vezes eu atraso só um pouquinho Florzinha Todos os entrevistados afirmaram que já fica ram pelo menos um dia sem tomar as medicações Os fatores responsáveis por tal fato são palatilida de 428 esquecimento 214 administração da medicação em ambiente que não o domiciliar 142 e horário 71 Observase que após a palatilidade os escolares não aderem à TARV por um motivo aparentemente simples que é o esquecimento de tomar os medicamentos O depoimento abaixo retrata essa situação porque eu chego às vezes eu durmo e esque ço e às vezes aí eu vou brincar e quando eu brinco eu esqueço de tudo aí quando a minha vó me chama já são duas horas da tarde e não dá mais pra tomar porque tá atrasado Meu maior problema é o esquecimento Raven Entendese que a complexidade do trata mento com o excessivo número de doses e drogas constituem fatores que contribuem para o esqueci mento Um estudo revelou que os pacientes esque cem a ingesta dos medicamentos principalmente durante os finais de semana pela dificuldade em cumprir os horários devido a compromissos so ciais e que se sentem inibidos para tomálos em um encontro ou festa13 Adesão ao tratamento antirretroviral vivências de escolares 116 Texto Contexto Enferm Florianópolis 2011 JanMar 201 1118 Foi observado também que a ingestão dos antirretrovirais em ambiente que não o domicílio bem como o horário de administração dos mes mos constituíramse em fatores dificultadores do processo de adesão Ah eu não gosto de tomar duas vezes no dia tomo só à noite porque de manhã durmo brinco aí eu esqueço Raven O que eu não gosto no remédio é que tem que tomar de manhã Aí eu não gosto Quando eu tenho aula eu to na escola e não tomo Super Homem As atividades realizadas fora de casa são fatores que entrevêem na adesão uma vez que envolve mudanças na rotina pois a presença de doses do meio do dia estar muito ocupado estar longe de casa ou sem os medicamentos no horário da dose constituem dificuldades para encaixar o medicamento na rotina diária14 O silêncio na constituição de um cotidiano trágico Apesar do desenvolvimento científico e tec nológico que têm permitido o controle e evolução da aids a cura continua como uma possibilidade distante No contexto de uma condição crônica a aids ainda desperta sentimento de preconceito estigma medo da morte solidão silêncio entre outros Assim a aids quando presente na clien tela pediátrica desperta nos pais eou cuidado res questões emocionais frente à revelação do diagnóstico à criança HIV positiva Sabese que o indivíduo com HIVaids e sua família vivenciam a dicotomia entre tensões que podem anunciar o estado sorológico ou atitudes que objetivam esconder essa condição15 Não conhecer a doença que apresenta foi uma realidade presente em seis dos dez escolares entrevistados na pesquisa Tal fato chama a aten ção para o seguinte questionamento se a criança não sabe a doença que tem como é possível enten der as reais necessidades de adesão à TARV Ao serem questionadas quanto à importância do medicamento as crianças o associavam com a possibilidade de viver de não permanecerem hospitalizados e de não adoecerem No entanto o ARV poderia ser considerado uma poderosa vitamina ou a vacina contra todas as doenças pois os superheróis não tinham conhecimento sobre o verdadeiro motivo da ingesta de tantos comprimidos Acho acho importante pra não morrer Mulher Gavião É porque ajuda as pessoas pra saúde ficar me lhor tambémé isso Wanda Desta forma começase a pensar que talvez os escolares não associem a ingestão dos antire trovirais a sua rotina de atividades diárias por desconhecerem o real motivo para a tomada do medicamento viver com aids O seguinte relato confirma essa situação de manhã eu tomo café e vou pra escola eu acordo às seis horas da manhã Vou pra escola aí na escola eu como tomo café eu brinco no recreio aí quando eu volto eu vejo desenho e Chaves e às vezes eu durmo e quando não durmo fico brincando Raven Acreditase que o silêncio em relação à in fecção compromete o estabelecimento de redes de apoio quando há a necessidade de ações de educação em saúde para orientar esses escolares sobre a importância da adesão bem como os riscos de desenvolvimento de infecções oportunistas e Doenças Sexualmente Transmissíveis DSTs A aids é uma condição crônica e seu controle tem constituído um desafio aos profissionais de saúde na medida em que seu tratamento envolve a participação ativa dos pacientes no sentido de modificar alguns comportamentos prejudiciais à sua própria saúde e assimilar outros que be neficiem sua condição clínica Assim quando a criança desconhece sua realidade de portador de uma condição crônica como a aids ela ignora a importância de introdução o ARV em sua rotina não desenvolvendo o autocuidado consigo e com os demais A partir do exposto vale questionarse sobre até que ponto o silenciamento a respeito da doença pelos cuidadores aos escolares começa a ser uma questão de negligência que pode colocar em risco a saúde de outras pessoas e se este escolar desco nhece ter uma doença sexualmente transmissível será que o mesmo adotará medidas de barreira durante as relações sexuais Ainda que paiscuidadores e as crianças sobrevivam a um cotidiano marcado pela necessi dade do ocultamento vivenciando a possibilidade de estigmatização e preconceito cabe a equipe interdisciplinar pensar junto com essa família a melhor maneira de revelação do status sorológico e trazer à tona os riscos e benefícios da conscienti zação de ter a aids Vivenciar uma situação de doença sem saber sua real condição constitui um paradoxo como revelado no depoimento a seguir Martins SS Martins TSS 117 Texto Contexto Enferm Florianópolis 2011 JanMar 201 1118 minha mãe falou pra eu tomar porque tem dois bichinhos brigando na minha barriga aí tem o meu que dá força pra me alimentar e o remédio que dá força pro meu E tem o outro bichinho que briga com o meu Aí eu tenho que tomar o remédio pra fortalecer o meu e matar os outros Aí se eu matar os outros se eu ficar tomando assim um monte de dia assim certinho e matar o outro eu posso até parar de tomar o remédio Lanterna Verde Entendese que embora as crianças sejam vistas como vítimas da epidemia uma vez que foram contaminadas por transmissão vertical quando a sociedade toma conhecimento da pre sença delas em escolas parques e outros assumem uma postura de medo isolandoas do convívio com as demais Em virtude deste fato por receio do estigma e da discriminação os cuidadores optam por não revelarem o diagnóstico embora criem estraté gias de enfrentamento para promover a adesão à terapia medicamentosa Desta forma o cuidador conta com a cumplicidade do profissional de saúde ao recorrerem à utilização de metáforas para es tabelecer uma comunicação e promover a adesão junto à criança Tal atitude vai a confronto com o conceito de adesão uma vez que mantém a criança na condição de coadjuvante de sua saúde15 Ao dar vez e voz às crianças tornase possível compreender a dimensão da aids em suas vidas em função do tratamento dos retornos ambulatoriais exames e frequentes hospitalizações A criança percebe a gravidade de sua doença conhece o tratamento e os efeitos colaterais de alguns medi camentos procura entender e justificar os procedi mentos realizados assim como o desconforto das rotinas em função de sua recuperação e da cura de algo que lhes é velado CONSIDERAÇÕES FINAIS Entendese que a adesão ocorre quando o indivíduo apropriase do tratamento ou seja quando há um comprometimento decorrente da compreensão do real significado da terapêutica e sua eficácia O presente estudo permitiu identificar alguns elementos facilitadores do processo de adesão a saber apresentação do fármaco na forma de comprimidos elaboração de estratégias pelos próprios escolares com a finalidade de mascarar o sabor desagradável dos medicamentos parceria entre cuidador e escolar bem como a ausência de sinais e sintomas na atualidade e o desejo de manutenção do estado de saúde tendo em vista as lembranças relacionadas à fase agudizada da doença e a necessidade de internação hospitalar Verificase vários fatores que contribuem para a adesão ou a nãoadesão à TARV variando desde o sigilo do diagnóstico até as dificuldades com a ingestão dos medicamentos Percebese que as crianças têm dificuldades para cumprir os horários das medicações seja pela inserção em atividades típicas de sua idade como escola e brincadeiras pela forma de apresentação do fármaco sabor ta manho e odor ou pela necessidade de ingerir um medicamento sem que conheça o motivo Assim no que se tange à assistência do enfermeiro como participante da equipe multi profissional com vistas a aumentar o processo de adesão sabese que a grande aliada para a adesão é a assistência individualizada na qual a relação enfermeiracuidadorcriança deve ser permeada por confiança empatia respeito privacidade e atitudes positivas Desta forma o enfermeiro deve ajudar tanto os paiscuidadores quanto os escolares a se torna rem ativos partícipes no que concerne às questões relacionadas à doença e ao tratamento Para tanto basta dar a criança à oportunidade de participar das tomadas de decisão desenvolvendo gradu almente a autonomia e o autocuidado É necessário que os profissionais de saúde reconheçam que a não adesão é um fenômeno que deve ser trabalhado junto à criança e que é impor tante à implementação de estratégias capazes de incentivar a adesão ao tratamento como estudo de casos oficinas interdisciplinares grupos de adesão com o objetivo de acolher o escolar e o seu cuidador na perspectiva de fazer mudar sua con dição levandoo a se tornar sujeito do processo Assim cabe ao enfermeiro atuar junto ao binômio cuidadorcriança para proporcionalhes melhor qualidade de vida durante esse tratamento que é tão oneroso e desgastante para ambos REFERÊNCIAS Ministério da Saúde BR Programa Nacional de 1 DSTaids Boletim epidemiológico Brasília DF MS 2010 Silva RAR Rocha VM Davim RMB Torres GV 2 Formas de enfrentamento da AIDS opinião de mães de crianças soropositivas Rev Latinoam Enfermagem online 2008 Apr acesso 2010 Jan 13 1622605 Disponível em httpwww scielobrscielophpscriptsciarttextpidS0104 11692008000200014lngennrmisotlngpt Adesão ao tratamento antirretroviral vivências de escolares 118 Texto Contexto Enferm Florianópolis 2011 JanMar 201 1118 Correspondência Sueny da Silva Martins Rua Carlos Palut 426 bl 2 apto 506 22710310 Taquara Jacarepaguá RJ Brasil Email suenymartinsyahoocombr Recebido 1º de fevereiro de 2010 Aprovação 13 de dezembro de 2010 Guerra CPP Seidl EMF Crianças e adolescentes com 3 HIVaids revisão de estudos sobre revelação do diagnóstico adesão e estigma Paidéia online 2009 Jan acesso 2010 Jan 13 19425965 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsci arttextpidS0103863X2009000100008 Ministério da Saúde BR Adesão aos antiretrovirais 4 manual para profissionais de saúde Brasília DF Unidade de Assistência e Tratamento 2005 Paula CC Crossetti MGO O modo de cuidar no 5 encontro com o sercriança que convive com aids o experienciar da finitude e a ética Texto Contexto Enferm online 2005 AbrJun acesso 2010 Jan 04 142193201 Disponível em httpwww scielobrscielophpscriptsciarttextpidS0104 07072005000200006lngpt4 6 Whaley LF Wong DL Enfermagem pediátrica elementos essenciais à intervenção efetiva 5ª ed Rio de Janeiro RJ Guanabara Koogan 1999 7 Minayo MCS O desafio do conhecimento pesquisa qualitativa em saúde 8ª ed São Paulo SP Hucitec 2004 Coa TF Pettengill MAM Autonomia da criança 8 hospitalizada frente aos procedimentos crenças da enfermeira pediatra Acta Paul Enferm online 2006 Dez acesso 2010 Jan 04 1944338 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptsci arttextpidS010321002006000400011lngpt Bardin L Análise de conteúdo Lisboa PT Edições 9 70 1979 Feitosa AC Andrade LM Lima HJA Beserra EP 10 Caetano JA Terapia antiretroviral fatores que interferem na adesão de crianças com HIVaids Esc Anna Nery Rev Enferm online 2008 Set acesso 2010 Jan 04 12351521 Disponível em httpwwweeanufrjbrrevistaenf20083 artigo2016pdf Silva ALCN Waidman MAP Marcon SS Adesão e 11 nãoadesão à terapia antirretroviral as duas faces de uma mesma vivência Rev Bras Enferm online 2009 Apr citado 2010 Jan 13 62221320 Disponível em httpwwwscielobrscielophppidS0034 71672009000200007scriptsciarttext Gir E Vaichulonis CG Oliveira MD Adesão à 12 terapêutica antirretroviral por indivíduos com HIVAIDS assistidos em uma instituição do interior paulista Rev Latinoam Enfermagem online 2005 Out acesso 2010 Jan 13 13563441 Disponível em httpwwwscielobrscielophpscriptscia rttextpidS010411692005000500005 Colombrini MRC Lopes MHBM Figueiredo 13 RM Adesão à terapia antirretroviral para HIV AIDS Rev Esc Enferm USP online 2006 Dez acesso 2010 Jan 13 40457681 Disponível em httpwwwscielobrscielophppidS0080 62342006000400018scriptsciarttext Kourrouski MFC Adesão ao tratamento vivências 14 de adolescentes com HIVaids dissertação Ribeirão Preto SP Universidade de São Paulo Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto 2008 Gomes AMT Silêncio silenciamento e ocultamento 15 na terapia antirretroviral desvelando o discurso de cuidadores de crianças tese Rio de Janeiro RJ Universidade Federal do Rio de Janeiro Escola de Enfermagem Anna Nery 2005 Martins SS Martins TSS