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A CRISE FINANCEIRA GLOBAL E DEPOIS UM NOVO CAPITALISMO Luiz Carlos BresserPereira Resumo A crise financeira global de 2008 foi conseqüência do proces so de financeirização a criação maciça de riqueza financeira fictícia iniciada da década de 1980 e da hegemonia de uma ideologia reacionária o neoliberalismo baseada em mercados autoregulados e eficientes Dessa crise emergirá um novo capitalismo embora sua natureza seja de difícil previsão Não será financeirizado mas serão retomadas as tendên cias presentes nos trinta anos dourados em direção ao capitalismo global e baseado no conhecimento além da tendên cia de expansão da democracia tornandoa mais social e participativa Palavraschave Crise financeira desregulação neoliberalismo financeirização coalizão política AbstRAct The 2008 global financial crisis was a consequence of the processes of financialization the massive creation of fictitious financial wealth which began in the 1980s and of the hegemony of a reactionary ideology neoliberalism based on the belief of the selfregulating capacity and efficiency of markets From this crisis a new capitalism will emerge althought its chacarteristics are hard to foresee It will not be financial but the tendencies of the 30 golden years toward global and knowledgebased capitalism and the tendency of expansion of democracy will be among them Keywords Financial crisis neoliberalism deregulation financialization political coalition Novos esTUdos 86 MarÇo 2010 51 A crise bancária que teve início em 2007 e tornouse uma crise global em 2008 provavelmente representará uma virada na história do capitalismo Além de ser a crise econômica mais severa enfrentada pelas economias capitalistas desde 1929 é também uma crise social que segundo previsões da Organização Internacional do Trabalho elevou o número de desempregados de cerca de 20 milhões para 50 milhões ao fim de 2009 Segundo a FAO com a queda da renda dos pobres devido à crise e a manutenção dos preços internacionais de mercadorias alimentares em níveis elevados o número de pessoas desnutridas no mundo aumentou em 11 em 2009 e pela primeira vez superou um bilhão As perguntas levantadas por essa crise pro funda são muitas Por que aconteceu Por que as teorias as organiza ções e as instituições que emergiram das crises anteriores não a impe Uma versão ampliada deste artigo aparecerá no livro Depois da crise a China no centro do mundo a ser publi cado pela editora da Fundação Getúlio Vargas no segundo semestre de 2010 04NEC86Bresserp49a73indd 51 050410 1100 52 a crIse FINaNceIra GloBal e dePoIs UM Novo caPITalIsMo Luiz Carlos BresserPereira diram Terá sido inevitável dada a natureza instável do capitalismo ou foi conseqüência de desdobramentos ideológicos perversos desde a década de 1980 Dado que o capitalismo é um sistema econômico essencialmente instável existe a tentação de dar resposta afirmativa a essa pergunta mas isso seria um erro Neste artigo resumirei a grande mudança dos mercados financeiros mundiais que ocorreu após o fim do sistema de Bretton Woods em 1971 e a associarei à financeirização e à hegemonia de uma ideologia reacionária o neoliberalismo A financei rização será aqui entendida como um arranjo financeiro distorcido baseado na criação de riqueza financeira artificial ou seja riqueza fi nanceira desligada da riqueza real ou da produção de bens e serviços O neoliberalismo por sua vez não deve ser compreendido apenas como um liberalismo econômico radical mas também como uma ideologia hostil aos pobres aos trabalhadores e ao Estado de bemestar social Sustentarei que esses desdobramentos perversos e a desregulação do sistema financeiro combinados com a recusa de se regular inovações financeiras posteriores foram os novos fatos históricos responsáveis pela crise O capitalismo é intrinsecamente instável mas uma crise tão profunda e danosa quanto a atual era desnecessária poderia ter sido evitada se o Estado democrático tivesse sido capaz de resistir à desregulação dos mercados financeiros Dos tRintA Anos DouRADos à eRA neolibeRAl A crise global de 2008 começou como costumam começar as crises financeiras em países ricos e foi causada pela desregulação dos mer cados financeiros e pela especulação selvagem que essa desregulação permitiu A desregulação foi o fato histórico novo que abriu as portas para a crise Uma explicação alternativa sustenta que a política mone tária do US Federal Reserve Bank depois de 20012002 manteve as taxas de juros baixas demais por tempo demais o que teria levado ao grande aumento da oferta de crédito necessário para produzir os eleva dos níveis de alavancagem associados à crise Entendo que a estabili dade financeira exige limitar a expansão de crédito enquanto a política monetária prescreve manter a expansão do crédito durante as reces sões mas não se pode inferir que a prioridade atribuída a esta última tenha causado a crise Tratase de uma explicação conveniente para macroeconomistas neoclássicos para quem apenas choques exóge nos uma política monetária equivocada no caso são capazes de causar uma crise que do contrário os mercados eficientes evitariam A política de expansão monetária conduzida por Alan Greenspan pre sidente do Federal Reserve pode ter contribuído para a crise Mas as expansões de crédito são fatos comuns que nem sempre levam a crises ao passo que uma desregulação profunda como a que se deu na década 04NEC86Bresserp49a73indd 52 050410 1100 Novos esTUdos 86 MarÇo 2010 53 1 Buiter Willen Central banks and financial crises Kansas City Symposium of the Federal Reserve Bank Kansas City 2008 ago 2123 p 106 Disponível em wwwkansas cityfedorgpublicatsympos2008 Buiter090608pdf de 1980 é um fato histórico novo de monta que ajuda a explicar a crise O erro de política que Alan Greenspan reconheceu publicamente em 2008 não se relacionava com sua política monetária mas com o apoio que deu à desregulação Em outras palavras Greenspan reconheceu a captura do Fed e dos bancos centrais em geral por um setor financei ro que sempre exigiu a desregulação Como observou Willen Buiter num simpósio posterior à crise realizado no Federal Reserve Bank os grupos de interesse ligados ao setor financeiro não se dedicam a corromper as autoridades monetárias mas essas autoridades interna lizaram como que por osmose os objetivos interesses e percepções da realidade adotados por interesses privados que deveriam regular e monitorar em nome do interesse público 1 Em países em desenvolvimento as crises financeiras costumam ser crises de balança de pagamentos ou monetárias e não bancárias Embora os atuais e elevados déficits em conta corrente dos Estados Unidos associados aos elevados superávits em conta corrente dos países asiáticos em crescimento acelerado e de países exportadores de commodities tenham causado um desequilíbrio financeiro global ao enfraquecerem o dólar americano a atual crise não se originou desse desequilíbrio A única ligação entre o desequilíbrio e a crise financeira está em que os países que apresentavam elevados déficits em conta corrente eram também aqueles em que empresas e famílias estavam mais endividadas e que teriam maiores dificuldades de recuperação enquanto nos países superavitários ocorria o contrário Quanto maior a alavancagem das instituições financeiras e não financeiras e das fa mílias de um país mais severo será o impacto da crise sobre sua eco nomia nacional A crise financeira geral partiu da crise dos subprimes ou mais precisamente de hipotecas oferecidas a clientes de qualidade de crédito inferior que eram depois agrupadas em títulos complexos e opacos cujo risco associado era de avaliação difícil senão impossível para os compradores Tratavase de um desequilíbrio em um minús culo setor que em tese não deveria ter causado tamanha crise mas o fez porque nos anos anteriores o sistema financeiro internacional fora tão intimamente integrado em um esquema de operações financeiras securitizadas que era essencialmente frágil principalmente porque as inovações e a especulação financeiras tornaram o sistema financeiro como um todo altamente arriscado A chave para entender a crise global de 2008 é situála historica mente e reconhecer ter sido conseqüência de um grande passo atrás especialmente para os Estados Unidos O desenvolvimento capita lista no país foi muito bemsucedido após sua independência e des de o princípio do século XX representou uma espécie de padrão para os demais países a escola da regulação francesa chama o período que principia naquele momento de regime fordista de acumulação Na 04NEC86Bresserp49a73indd 53 050410 1100 54 a crIse FINaNceIra GloBal e dePoIs UM Novo caPITalIsMo Luiz Carlos BresserPereira 2 Cf Galbraith John K The new industrial state Nova York Mentor Books 1979 1967 BresserPereira Luiz Carlos A emergência da tecno burocracia In Tecnoburocracia e con testação Rio de Janeiro Vozes 1972 pp 17140 Offe Claus Disorganized capitalism Ed John Keane Cambrid ge UK Polity Press 1985 Lash Scott e Urry John The end of organized capi talism Cambridge Polity Press 1987 3 Ou os 30 anos de glória do capi talismo como costuma ser chamado o período na França Stephen Mar glin Lessons of the golden age an overview In Marglin e Schor Juliet B eds The golden age of capitalism Oxford Clarendon Press 1990 pp 138 foi provavelmente o primeiro cientista social a utilizar a expressão era dourada do capitalismo 4 Um momento clássico dessa co alizão foi o acordo firmado em 1948 pelo sindicato United Auto Workers e as empresas do setor automotivo que garantiu aumentos salariais propor cionais aos ganhos de produtividade 5 Por economia do desenvolvi mento designo a contribuição de economistas como RosensteinRo dan Ragnar Nurkse Gunnar Myrdal Raul Prebisch Hans Singer Celso Furtado e Albert Hirschman Chamo desenvolvimentismo a estratégia de desenvolvimento encabeçada pelo Estado que resultou da análise eco nômica e política desses autores 6 O ensino de economia nos curso de graduação é mais correto porque neles as expectativas racionais e os modelos envolvendo otimização ma temática estão geralmente ausentes medida em que concomitantemente emergiu uma classe de profis sionais liberais situada entre a classe capitalista e a trabalhadora em que os executivos profissionais das grandes corporações obtiveram autonomia em relação aos acionistas e a burocracia pública que gere o aparelho do Estado aumentou em tamanho e influência outros ana listas o chamaram de capitalismo organizado ou tecnoburocrá tico2 O sistema econômico desenvolveuse e tornouse complexo A produção deslocouse das empresas familiares para organizações empresariais grandes e burocráticas dando origem a uma nova classe de profissionais liberais Esse modelo de capitalismo enfrentou seu pri meiro grande desafio quando o crash da bolsa de 1929 transformouse na Grande Depressão da década de 1930 Na década de 1970 o quadro alterouse com a transição dos 30 anos dourados do capitalismo 19481977 para o capitalismo financeiri zado ou capitalismo encabeçado pelo setor financeiro um modo de capitalismo intrinsecamente instável3 Enquanto a era dourada foi marcada por mercados financeiros regulados estabilidade finan ceira elevadas taxas de crescimento econômico e uma redução da desigualdade o oposto ocorreu nos anos do neoliberalismo as taxas de crescimento diminuíram a instabilidade financeira aumentou rapidamente e a desigualdade cresceu privilegiando principalmen te os dois por cento mais ricos de cada sociedade nacional Embora a redução das taxas de crescimento e lucro ao longo da década de 1970 nos Estados Unidos e a experiência da estagflação tenham levado a uma crise muito menor do que a Grande Depressão ou a atual crise financeira global esses fatos históricos novos foram o bastante para levar o sistema de Bretton Woods ao colapso e desen cadear a financeirização e a contrarevolução neoliberal ou neocon servadora Não foi coincidência que os dois países desenvolvidos de pior desempenho econômico na década de 1970 os Estados Unidos e o Reino Unido tenham originado o novo arranjo eco nômico e político Nos Estados Unidos após a vitória de Ronald Reagan nas eleições presidenciais de 1980 vimos a subida ao poder de uma coalizão política de rentistas e financistas que defendiam o neoliberalismo e a prática da financeirização em lugar da antiga coalizão capitalistaprofissional de altos executivos da classe mé dia e do trabalho organizado que caracterizara o período fordista4 Assim na década de 1970 a macroeconomia neoclássica substituiu a keynesiana e os modelos de crescimento substituíram a economia do desenvolvimento5 como o mainstream ensinado nos cursos de pósgraduação das universidades6 Não apenas economistas neo clássicos como Milton Friedman e Robert Lucas mas os da Escola Austríaca Friedrich Hayek e da Escola da Escolha Pública James Buchanan conquistaram influência e com a colaboração de jorna 04NEC86Bresserp49a73indd 54 050410 1100 Novos esTUdos 86 MarÇo 2010 55 7 A economia neoclássica abusou da matemática Ainda assim embora seja uma ciência social substantiva que adota um método hipotéticode dutivo não deve ser confundida com a econometria que também faz uso extensivo da matemática mas na medida em que se trata de uma ciên cia metodológica o faz de forma legí tima Os econometristas costumam acreditar ser economistas neoclássi cos mas na verdade são economistas empíricos que ligam pragmaticamen te variáveis econômicas e sociais cf BresserPereira The two methods and the hard core of economics Journal of Post Keynesian Economics 2009 vol 31 nº 3 pp 49322 8 Hilferding Rudolf El capital financiero Madri Editorial Tecnos 1963 1910 9 Gerald E Epstein que editou Fi nancialization and the world economy define financeirização de maneira mais ampla financeirização significa o maior papel dos motives financeiros dos mercados financeiros dos agentes financeiros e das instituições finan ceiras na operação das economias domésticas e internacional Epstein Introduction financialization and the world economy In Financiali zation and the world economy Chelte nham Edward Elgar 2005 p 3 listas e outros intelectuais públicos conservadores construíram a ideologia neoliberal com base nas antigas idéias do laissezfaire e numa economia matemática que oferecia legitimidade científica ao novo credo7 O objetivo explícito era reduzir os salários indiretos por meio da flexibilização das leis de proteção ao trabalho fos sem as que representavam custos diretos para as empresas fossem as que envolviam a redução dos benefícios sociais proporcionados pelo Estado O neoliberalismo também procurava reduzir o porte do aparelho do Estado e desregular todos os mercados principalmen te os financeiros Alguns dos argumentos usados para justificar a nova abordagem foram a necessidade de motivar o trabalho duro e recompensar os melhores a defesa da viabilidade dos mercados autoregulados e dos mercados financeiros eficientes a alegação de que há apenas indivíduos e não uma sociedade a adoção do indivi dualismo metodológico ou de um método hipotético dedutivo em ciências sociais e por fim a negação do conceito de interesse público que apenas faria sentido se houvesse de fato uma sociedade Com o capitalismo neoliberal emergiu um novo regime de acu mulação a financeirização ou capitalismo encabeçado pelo setor financeiro O capitalismo financeiro antevisto por Rudolf Hilfer ding8 em que o capital bancário e o industrial se fundiriam sob o controle do primeiro não chegou a ocorrer mas materializaramse a globalização financeira a liberalização dos mercados finan ceiros e um grande aumento dos fluxos financeiros em torno do mundo e o capitalismo encabeçado pelo setor financeiro ou ca pitalismo financeirizado Suas três características centrais são um enorme aumento do valor total dos ativos financeiros em circulação no mundo como conseqüência da multiplicação dos instrumentos financeiros facilitada pela securitização e pelos derivativos a sepa ração entre a economia real e a economia financeira com a criação descontrolada de riqueza financeira fictícia em benefício dos ren tistas capitalistas e um grande aumento da taxa de lucro das insti tuições financeiras sobretudo de sua capacidade de pagamento de grandes bonificações aos operadores financeiros por sua habilidade de aumentar as rendas capitalistas9 Outra maneira de expressar a profunda mudança dos mercados financeiros associada à financei rização é dizer que o crédito deixou de se basear principalmente em empréstimos de bancos a empresas no contexto do mercado finan ceiro regular para se basear cada vez mais em títulos negociados por investidores financeiros fundos de pensão fundos de hedge fundos mútuos nos mercados de balcão A adoção de inovações financei ras complexas e obscuras combinada com um enorme aumento do crédito sob a forma de títulos levou àquilo que Henri Bourguinat e Eric Brys chamaram uma disfunção generalizada do genoma das 04NEC86Bresserp49a73indd 55 050410 1100 56 a crIse FINaNceIra GloBal e dePoIs UM Novo caPITalIsMo Luiz Carlos BresserPereira 10 Bourguinat H e Brys E Larrogance de la finance comment le théorie financière a produit le krach Pa ris La Découverte 2009 p 45 11 Guttmann R A primer on financeled capitalism and its crisis Revue de la Régulation 2008 nº 34 p 11 12 Cintra Marcos Antonio Macedo e Farhi Maryse A crise financeira e o shadow banking Novos Estudos Cebrap 2008 nº 82 pp 3555 p 36 13 Nas palavras de Marx Com o desenvolvimento do capital remune rado a juros e do sistema de crédito todo o capital parece duplicarse e em alguns pontos triplicarse por meio das diversas maneiras pelas quais o mesmo capital ou até a mesma ti tularidade surge em diversas mãos sob diferentes formas A maior parte desse capitalmoeda é puramente fictícia Capital Londres Penguin Books vol III 1981 1894 p 601 14 Ver Roche David e McKee Bob New monetarism Londres Indepen dent Strategy 2007 p 17 Em 2007 a soma da dívida securitizada era três vezes maior do que em 1990 e o total dos derivativos seis vezes maior finanças10 na medida em que tal mistura de inovações financei ras ocultava e ampliava o risco envolvido em cada inovação Essa mistura combinada com a especulação clássica levou o preço dos ativos financeiros a aumentar ampliando artificialmente a riqueza financeira ou o capital fictício que se expandiu a uma taxa muito mais elevada do que a da produção ou riqueza real Nesse proces so especulativo os bancos representaram um papel ativo porque como destaca Robert Guttmann a fenomenal expansão do capital fictício foi assim sustentada por bancos que direcionaram muito crédito aos compradores de ativos para financiar suas transações especulativas com alto grau de alavancagem e portanto em escala muito ampliada11 Dada a competição vinda dos investidores ins titucionais cuja participação no crédito total não deixou de cres cer os bancos comerciais decidiram participar do processo e usar o shadow bank system ou sistema bancário paralelo que estava sendo desenvolvido para limpar de seus balanços patrimoniais os ris cos envolvidos nos novos contratos isso se faz pela transferência das inovações financeiras arriscadas a investidores financeiros as securitizações os swaps de inadimplência em crédito e os veículos especiais de investimento12 A incrível rapidez que caracterizava o cálculo e a transação desses contratos complexos negociados em todo o mundo foi possível naturalmente graças à revolução da tec nologia da informação com o respaldo de computadores poderosos e softwares inteligentes Em outras palavras a financeirização foi ali mentada também pelo progresso tecnológico A principal contribuição de Adam Smith à economia foi a dis tinção entre a riqueza real baseada em produção e a riqueza fictícia Marx no volume III de O Capital enfatizou essa distinção com seu conceito de capital fictício que corresponde em linhas gerais ao que chamo de criação de riqueza fictícia associada à financeirização o aumento artificial do preço dos ativos como conseqüência do au mento da alavancagem Marx referiuse à expansão do crédito que mesmo em seu tempo fazia com que o capital parecesse duplicar ou mesmo triplicar13 A multiplicação agora é muito maior se to marmos como base a oferta de moeda nos Estados Unidos em 2007 US94 trilhões a dívida securitizada naquele ano era quatro ve zes maior e a soma dos derivativos dez vezes maior14 A revolução que representou a tecnologia da informação foi evidentemente instrumental para essa mudança não só ao garantir a velocidade das transações financeiras mas também ao permitir complicados cálculos de risco que embora incapazes de evitar a incerteza intrín seca envolvida em eventos futuros conferiu aos jogadores a sensa ção ou a ilusão de que suas operações eram prudentes e pratica mente livres de risco 04NEC86Bresserp49a73indd 56 050410 1100 Novos esTUdos 86 MarÇo 2010 57 15 UNCTAD The global economic crisis systemic failures and multila teral remedies Genebra Organiza ção das Nações Unidas Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento 2009 p XII Por meio de inovações financeiras arriscadas o sistema financeiro como um todo composto de bancos e investidores financeiros pode criar riqueza fictícia e capturar uma maior fatia da renda nacional ou da riqueza real Como indicou um relatório da UNCTAD Um núme ro excessivo de agentes procurava extrair retornos de dois dígitos de um sistema econômico que cresce apenas na faixa de um dígito15 A riqueza financeira tornouse autônoma da produção Como mostra a Figura 1 entre 1980 e 2007 os ativos financeiros cresceram cerca de quatro vezes mais que a riqueza real o crescimento do PIB Assim a financeirização não é apenas um dos nomes feios criados por econo mistas de esquerda para caracterizar realidades confusas É o processo legitimado pelo neoliberalismo por meio do qual o sistema financei ro que é não apenas capitalista mas também liberal cria riqueza fi nanceira artificial E mais é também o processo pelo qual os rentistas associados aos profissionais liberais do setor financeiro conquistam o controle sobre uma parte substancial do excedente econômico que a sociedade produz e a renda se concentra nos um ou dois por cento mais ricos da população Na era do domínio neoliberal os ideólogos do neoliberalismo afir mavam que o modelo anglosaxônico era o único caminho que levava ao desenvolvimento econômico Um dos muitos exemplos patéticos dessa alegação foi a afirmação por parte de um jornalista de que to dos os países estavam sujeitos a uma camisadeforça de ouro o modelo anglosaxônico de desenvolvimento Isso era evidentemente falso como demonstrava o rápido crescimento dos países asiáticos mas sob a influência dos Estados Unidos muitos países agiam como FIGUra 1 riqueza financeira e riqueza real Fonte McKinsey Global Institute 04NEC86Bresserp49a73indd 57 050410 1100 58 a crIse FINaNceIra GloBal e dePoIs UM Novo caPITalIsMo Luiz Carlos BresserPereira 16 Bordo M e outros Is the crisis problem growing more severe Eco nomic Policy 2001 abr pp 5382 17 Reinhart e Rogoff Banking cri ses an equal opportunity menace NBER Working Paper 2008 nº 14587 dez Apêndice p 6 18 Idem This time is different Eight Centuries of financial folly Princeton Princeton University Press 2009 p 74 Fig 53 se a isso estivessem sujeitos Para medir o grande fracasso econômico do neoliberalismo compreender o mal causado por esse comporta mento global temos apenas que comparar os trinta anos dourados com os trinta anos neoliberais Em termos de instabilidade financeira embora seja sempre problemático definir e medir crises financeiras fica claro que sua incidência e freqüência aumentaram muito segundo Bordo e outros16 enquanto no período de 1945 a 1971 o mundo passou por apenas 38 crises financeiras entre 1973 e 1997 passou por 139 de las ou seja no segundo período houve entre três e quatro vezes mais crises do que no primeiro Segundo um critério diferente Reinhart e Rogoff17 identificaram apenas uma crise bancária de 1947 a 1975 e 31 de 1976 a 2008 A Figura 2 que apresenta dados desses mesmos autores mostra a proporção de países com crises bancárias de 1900 a 2008 ponderada pela participação na renda mundial o contraste entre a es tabilidade da era de Bretton Wood e a instabilidade posterior à libera lização financeira é impressionante Com base no livro recentemente lançado por esses autores18 calculei a porcentagem de anos em que países enfrentaram uma crise bancária nesses dois períodos de igual número de anos O resultado confirma a diferença absoluta entre os trinta anos gloriosos e a era da financeirização no período entre 1949 e 1975 a soma de pontos percentuais atingiu 18 contra 361 no período FIGUra 2 Proporção de países em crise bancária 19002008 ponderada por participação na renda mundial Fonte Reinhart Carmen N e Rogoff Kenneth S Banking crises an equal opportunity menace NBER Working Paper 2008 nº 14587 dez p 6 Nota A amostra abrange todos os 66 países listados na Tabela A1 da fonte citada que eram estados independentes no ano respectivo Foram usados três conjuntos de ponderações pelo PIB 1913 pesos para o período de 1800 a 1913 1990 para o período entre 1914 e 1990 e finalmente 2003 para o período de 1991 a 2006 Os dados de 2007 e 2008 elencam crises na Áustria na Bélgica na Alemanha na Hungria no Japão na Holanda na Espanha no Reino Unido e nos Estados Unidos A figura apresenta uma média móvel de três anos 04NEC86Bresserp49a73indd 58 050410 1100 Novos esTUdos 86 MarÇo 2010 59 19 Forneço os dados aplicáveis a seguir 20 Boyer Robert Dehove Mario e Plihon Dominique Les crises financiè res Paris La Documentation Françai se 2005 p 23 a partir de 1976 Associado a isso as taxas de crescimento caíram de 46 ao ano nos trinta anos durados 19471976 para 28 nos trin ta anos que se seguiram E para completar a desigualdade que para surpresa de muitos diminuíra nos trinta anos dourados aumentou fortemente no período pósBretton Woods19 Boyer Dehove e Plihon depois de documentar o aumento da instabilidade financeira desde a década de 1970 e principalmente nas décadas de 1990 e 2000 observou que essa sucessão de crises bancárias nacionais poderia ser encarada como uma crise global ori ginada nos países desenvolvidos e que se alastrou para os países em desenvolvimento os países recentemente financeirizados e os países em transição20 Em outras palavras no contexto do neoliberalismo e da financeirização o capitalismo passava por mais do que apenas crises cíclicas estava experimentando uma crise permanente O ca ráter perverso do sistema econômico global que o neoliberalismo e a financeirização produziram tornase evidente ao considerarmos os salários e a alavancagem no núcleo do sistema os Estados Unidos Uma crise financeira é por definição uma crise causada pela má alo cação de crédito e aumento da alavancagem A atual crise originouse em hipotecas que as famílias tomadoras deixaram de pagar e na frau de com subprimes A estagnação dos salários na era neoliberal ex plicada não exclusivamente pelo neoliberalismo mas também pela pressão sobre os salários exercida pelas importações baseadas em mãodeobra barata e pela imigração implicava um problema efetivo de demanda problema perversamente resolvido pela expansão do endividamento das famílias Enquanto os salários permaneciam estagnados o endividamento das famílias aumentou de 60 do PIB em 1990 para 98 em 2007 umA cRise inevitável As crises financeiras ocorreram no passado e voltarão a ocorrer no futuro mas uma crise econômica tão profunda como a atual poderia ter sido evitada Se depois de sua ocorrência os governos dos países ricos não tivessem acordado subitamente e adotado políticas keyne sianas de redução de taxas de juros aumento drástico da liquidez e principalmente expansão fiscal esta crise provavelmente teria cau sado maior dano à economia mundial do que a Grande Depressão O capitalismo é instável e as crises lhe são intrínsecas mas dado que muito se fez para evitar uma repetição da crise de 1929 não bastam a natureza cíclica das crises financeiras ou a ganância dos financistas para explicar uma crise tão severa quanto a atual Sabemos que a luta por ganhos de capital fáceis e volumosos em transações financeiras e por bonificações correspondentemente grandes para os operadores 04NEC86Bresserp49a73indd 59 050410 1100 60 a crIse FINaNceIra GloBal e dePoIs UM Novo caPITalIsMo Luiz Carlos BresserPereira 21 Aglietta Michel Macroéconomie financière Paris La Découverte 1995 Orléan André Le pouvoir de la finance Paris Odile Jacob 1999 22 Soros George The crisis of global capitalism Nova York Public Affairs 1998 individuais é mais forte do que a luta por lucros em serviços e produ ção Os profissionais de finanças trabalham com um tipo muito espe cial de mercadoria com um ativo fictício que depende de convenções e confiança dinheiro e ativos financeiros ou contratos financeiros ao passo que os demais empreendedores lidam com produtos reais mercadorias reais e serviços reais O fato de os profissionais chama rem seus ativos de produtos e novos tipos de contratos financeiros de inovações não altera sua natureza O dinheiro pode ser criado e desaparecer com relativa facilidade o que faz das finanças e da especulação irmãs gêmeas Na especulação os agentes financeiros estão permanentemente sujeitos a profecias autorealizáveis ou ao fenômeno que os representantes da Escola da Regulação21 chamam de racionalidade autoreferencial e George Soros22 batiza de reflexivida de compram ativos prevendo que seu preço irá aumentar e os preços efetivamente aumentam porque suas compras os pressionam para cima Então com a crescente complexidade das operações financeiras surgem agentes intermediários entre os investidores individuais e os bancos ou bolsas operadores que não estão sujeitos aos mesmos incentivos que seus agenciados pelo contrário são motivados por ga nhos no curto prazo que aumentam suas bonificações ou suas cartei ras de obrigações ou ações Por outro lado sabemos como as finanças se tornam distorcidas e perigosas quando não estão orientadas para o financiamento de produção e comunicação mas para o de operações de tesouraria um eufemismo para especulação por parte de em presas e principalmente dos bancos comerciais e demais instituições financeiras A especulação sem crédito tem alcance limitado financia da ou alavancada tornase arriscada e ilimitada ou quase porque quando o endividamento dos investidores financeiros e a alavancagem das instituições financeiras se tornam elevados demais investidores e bancos subitamente percebem que o risco se tornou insuportável e prevalece o efeitomanada como se deu em outubro de 2008 a perda de confiança que se insinuava nos meses anteriores transformouse em pânico e irrompeu a crise Sabemos de tudo isso há muitos anos especialmente desde a Grande Depressão que foi uma grande fonte de aprendizado social Na década de 1930 Keynes e Kalecki desenvolveram novas teorias econômicas que melhor explicavam como trabalhar com sistemas econômicos e conferiram à política econômica muito mais eficácia na estabilização dos ciclos econômicos ao passo que pessoas sen satas alertaram economistas e políticos para os perigos dos merca dos livres de controles No mesmo sentido John Kenneth Galbrai th publicou em 1954 seu livro clássico sobre a Grande Depressão Charles Kindleberger publicou o seu em 1973 Em 1989 esse últi mo autor publicou a primeira edição de seu trabalho Manias panics 04NEC86Bresserp49a73indd 60 050410 1100 Novos esTUdos 86 MarÇo 2010 61 23 Minsky Hyman Financial instability revisited In Inflation recession and economic policy Ar monk Wheatsheaf Books 1982 1972 pp 11761 24 Nascimento Arruda José Jobson A florescência tardia São Paulo tese de doutorado Departamento de His tória da Universidade de São Paulo 2008 p 71 25 Minsky op cit p 128 26 Ibidem p 120 27 Ibidem p 150 and crashes Com base nesse aprendizado os governos construíram instituições sobretudo os bancos centrais e desenvolveram siste mas reguladores competentes nos níveis nacional e internacional Bretton Woods para controlar o crédito e evitar crises financeiras ou reduzir sua intensidade e seu escopo Por outro lado desde o começo da década de 1970 Hyman Minsky23 desenvolvera a teoria keynesiana fundamental que liga finanças incerteza e crises Antes de Minsky a literatura sobre ciclos econômicos concentravase no lado real ou da produção na inconsistência entre demanda e oferta Até mesmo Keynes o fez Assim quando Minsky discute estagnação econômica e identifica a fragilidade financeira como motor da crise transforma a questão financeira de objeto em sujei to da análise24 A crescente instabilidade do sistema financeiro é conseqüência de um processo de crescente autonomia dos instru mentos de crédito e financeiros em relação ao lado real da econo mia da produção e do comércio No artigo Financial instability revisited Minsky demonstrou que não só as crises econômicas mas também as financeiras são endógenas ao sistema capitalista Estava bem demonstrado que a crise econômica ou o ciclo econô mico era endógena Minsky no entanto mostrou que as principais crises econômicas estavam sempre associadas a crises financeiras igualmente endógenas Segundo ele a diferença essencial entre a economia keynesiana e as economias tanto clássica como neo clássica está na importância dada à incerteza25 Dado a presença de incerteza as unidades econômicas são incapazes de manter o equilíbrio entre seus compromissos de pagamento de caixa e suas fontes normais de caixa porque essas duas variáveis operam no futuro e o futuro é incerto Assim o fato intrinsecamente irracio nal da incerteza é necessário para a compreensão da instabilidade financeira26 Com efeito como as unidades econômicas tendem a ser otimistas no longo prazo e os booms tendem a tornarse eufó ricos a vulnerabilidade financeira do sistema econômico tenderá necessariamente a aumentar Isso ocorrerá quando a tolerância do sistema financeiro a choques tiver sido reduzida por três fenômenos que se acumulam ao longo de booms prolongados 1 o crescimento dos pagamentos financeiros em balanços patrimoniais e em carteira em relação aos pagamen tos de renda 2 a diminuição do peso relativo dos ativos externos e garantidos no valor total dos ativos financeiros e 3 a inclusão na estrutura financeira de preços de ativos que refletem expectativas ad vindas de um boom ou eufóricas O gatilho da instabilidade financeira pode estar em dificuldades financeiras enfrentadas por uma unidade em particular27 04NEC86Bresserp49a73indd 61 050410 1100 62 a crIse FINaNceIra GloBal e dePoIs UM Novo caPITalIsMo Luiz Carlos BresserPereira Há poucas dúvidas quanto às causas imediatas da crise Encon tramse essencialmente expressas no modelo de Minsky que sem coincidência foi desenvolvido na década de 1970 Elas abrangem como destacou o relatório de 2009 do Grupo dos Trinta más avaliações de crédito uso descontrolado de alavancagem inovações financeiras mal compreendidas um sistema falho de classificação de risco ou rating e práticas de remuneração com bônus altamente agressivas que incentivavam a tomada de riscos e os ganhos no curto prazo Mas essas causas diretas não vieram do nada e nem podem ser explicadas simplesmente pela ganância natural A maioria delas foi resultado 1 da desregulação deliberada dos mercados financeiros e 2 da decisão de não regular as inovações financeiras e as práticas de tesouraria dos bancos Havia regulação mas foi desmontada A crise global foi prin cipalmente conseqüência da flutuação do dólar americano na década de 1970 e mais diretamente daquilo que os ideólogos neoliberais pregaram e implementaram na década de 1980 sob o eufemismo de reforma reguladora Assim as desregulação e a decisão de não re gular as inovações são os dois principais fatores que explicam a crise Essa conclusão é de mais fácil compreensão se considerarmos que a regulação financeira competente somada ao compromisso com valo res e direitos sociais que emergiu após a depressão da década de 1930 tenha podido produzir os trinta anos dourados do capitalismo entre o final da década de 1940 e o começo da de 1970 Nos anos de 1980 contudo os mercados financeiros foram desregulados e ao mesmo tempo as teorias keynesianas foram esquecidas o ideário neoliberal tornouse hegemônico e economia neoclássica e a teoria da escolha pública que justificavam a desregulação tornaramse mainstream Com isso a instabilidade financeira que desde a suspensão da conversibili dade do dólar americano em 1971 ameaçava o sistema financeiro inter nacional foi perversamente restaurada A desregulação e as tentativas de eliminar o Estado assistencialista transformaram as últimas três décadas nos trinta anos sombrios do neoliberalismo HegemoniA neolibeRAl Esta crise global não era nem necessária nem inevitável Aconteceu porque as idéias neoliberais se tornaram dominantes porque a teoria neoclássica legitimou seus principais preceitos e porque a desregula ção foi realizada irresponsavelmente enquanto as inovações financei ras principalmente a securitização e os derivativos e novas práticas bancárias principalmente tornar especulativa também a atividade ban cária comercial permaneceram desreguladas Essa ação associada a essa omissão tornou as operações financeiras opacas e altamente arriscadas abrindo caminho para fraudes generalizadas Como isso 04NEC86Bresserp49a73indd 62 050410 1100 Novos esTUdos 86 MarÇo 2010 63 28 Excluo dessa crítica a microeco nomia marshalliana porque a consi dero complementada pela teoria dos jogos uma ciência metodológica a teoria da decisão econômica cujo desenvolvimento exige um método hipotéticodedutivo Lionel Robbins Essay on the nature and significance of economic science Londres Macmillan 1946 1932 estava equivocado ao definir a economia como a ciência da escolha porque a economia é a ci ência que busca explicar os sistemas econômicos mas Robbins percebeu intuitivamente a natureza da grande contribuição de Alfred Marshall foi possível Como pudemos retroceder tanto Vimos que depois da Segunda Guerra Mundial os países ricos puderam construir um mo delo de capitalismo o capitalismo democrático e social assisten cialista relativamente estável eficiente e comprometido com uma redução gradual da desigualdade Por que então o mundo teria regre dido ao neoliberalismo e à instabilidade financeira A dominância ou hegemonia liberal verificada desde a década de 1980 tem duas causas imediatas e um tanto irracionais o medo do socialismo e a transformação da economia neoclássica no mainstream da economia Primeiro algumas palavras sobre o medo do socialis mo Ideologias são sistemas de idéias políticas que promovem os in teresses de classes sociais específicas em dados momentos Embora o liberalismo econômico seja hoje e sempre necessário para o capi talismo por justificar a iniciativa privada o neoliberalismo não o é Poderia fazer sentido para Friedrich Hayek e seus seguidores porque em seu tempo o socialismo era uma alternativa plausível que amea çava o capitalismo Mas depois de Budapeste em 1956 ou Praga em 1968 ficou evidente perante todos que a competição não se dava entre e socialismo mas entre o capitalismo e o estatismo ou a organização tecnoburocrática da sociedade E depois de Berlim em 1989 ficou cla ro também que o estatismo não tinha chances de competir em termos econômicos com o capitalismo O estatismo era eficaz na promoção da acumulação primitiva e da industrialização mas à medida que o sistema econômico ganhou complexidade o planejamento econômi co revelouse incapaz de alocar recursos e promover a inovação Em economias avançadas apenas mercados regulados são capazes de se desincumbir eficientemente dessa tarefa Assim o neoliberalismo era uma ideologia extemporânea Pretendia atacar o estatismo que já estava superado e derrotado e o socialismo que embora forte e vivo como ideologia a ideologia da justiça social não apresentava no médio prazo a possibilidade de se transformar em forma prática de organização da economia e da sociedade Em segundo lugar não devemos ser complacentes com a macroe conomia neoclássica e com a economia financeira neoclássica em re lação a esta crise28 Usando um método inadequado o método hipo téticodedutivo que é apropriado para ciências metodológicas para promover o avanço de uma ciência substantiva como é a economia que exige um método empírico ou históricodedutivo os macro economistas neoclássicos e os economistas financeiros neoclássicos construíram modelos que não correspondem à realidade mas são úteis na justificativa científica do neoliberalismo O método permi telhes usar indiscriminadamente a matemática e esse uso respalda sua alegação de que os modelos que propõem são científicos Embora estejam lidando com uma ciência substantiva que tem um objeto de 04NEC86Bresserp49a73indd 63 050410 1100 64 a crIse FINaNceIra GloBal e dePoIs UM Novo caPITalIsMo Luiz Carlos BresserPereira 29 BresserPereira The two me thods and the hard core of econo mics op cit 30 Briefing the state of economics The Economist 18072009 p 69 31 Mankiw G The macroecono mist as scientist and engineer Jour nal of Economic Perspectives 2006 vol 20 nº 4 pp 2946 32 Krugman P 3rd Lionel Robbins lecture at the London School of Eco nomics Relatado em The Economist 10062009 p 68 análise claro avaliam o caráter científico de uma teoria econômica não em referência à sua relação com a realidade ou sua capacidade de ex plicar sistemas econômicos mas à sua consistência matemática isto é o critério das ciências metodológicas29 Não compreendem por que os keynesianos e os economistas clássicos e antigos institucionalistas usam a matemática com parcimônia porque seus modelos são dedu zidos a partir da observação de como funcionam os sistemas econô micos e da identificação de regularidades e tendências Os modelos neoclássicos hipotéticodedutivos são castelos matemáticos ergui dos sobre o ar e que não têm utilidade prática a não ser para justifi car mercados autoregulados e eficientes ou em outras palavras agir como metaideologia Esses modelos tendem a ser radicalmente irreais na medida em que presumem por exemplo que não possa haver insolvências ou que a moeda não precise ser considerada ou que os intermediários financeiros não têm papel a representar nos modelos ou que o preço de um ativo financeiro reflete todas as informações disponíveis relevantes para seu valor etc etc Escrevendo sobre o es tado da ciência econômica após a crise The Economist observou que os economistas podem verse seduzidos por seus modelos enganan dose ao pensar que o que o modelo exclui não tem importância30 E se a teoria financeira neoclássica levou a enormes erros financeiros a macroeconomia neoclássica é simplesmente inútil A percepção des te fato da inutilidade dos modelos macroeconômicos neoclássi cos levou Gregory Mankiw31 a escrever depois de dois anos como presidente do Conselho de Assessores Econômicos da Presidência dos Estados Unidos que para sua grande surpresa ninguém em Wa shington usava as idéias que ele e seus colegas ensinavam na Acade mia o que os formuladores de políticas usavam era uma espécie de engenharia uma soma de observações práticas e regras inspiradas por John Maynard Keynes Considero esse artigo a confissão formal do fracasso da macroeconomia neoclássica Paul Krugman foi direto ao ponto a maioria dos macroeconomistas dos últimos trinta anos foi espetacularmente inútil na melhor das hipóteses e positivamente danosa na pior delas32 A hegemonia neoliberal nos Estados Unidos não causou apenas instabilidade financeira menores taxas de crescimento e maior desi gualdade econômica Também implicou um processo generalizado de erosão da confiança social que é provavelmente o traço mais de cisivo de uma sociedade sólida e coesa Quando uma sociedade per de a confiança em suas instituições e na principal delas o Estado ou o governo aqui entendido como o a ordem jurídica e o aparelho que a garante tratase de um sintoma de doença social e política Essa é uma das conclusões mais importantes a que chegaram os sociólogos norteamericanos desde a década de 1990 Segundo Robert Putnam 04NEC86Bresserp49a73indd 64 050410 1100 Novos esTUdos 86 MarÇo 2010 65 33 Putnam R e Pharr S Introdu ção In Disaffected democracies Prin ceton Princeton University Press 2000 p 8 34 Palma op cit p 833 35 Ibidem p 840 e Susan Pharr as sociedades desenvolvidas estão menos satisfeitas com o desempenho das instituições políticas que as representam do que na década de 1960 O surgimento e a profundidade des sa desilusão variam de país para país mas a tendência descendente é mais duradoura e clara nos Estados Unidos onde as pesquisas produziram as evidências mais abundantes e sistemáticas33 Essa falta de confiança é conseqüência direta da nova hegemonia de uma ideologia radicalmente individualista como o neoliberalismo Para lançar argumentos contra o Estado muitos neoliberais recorreram a um novo institucionalismo errôneo mas as instituições que co ordenam as sociedades modernas contradizem intrinsecamente os pontos de vista neoliberais na medida em que essa ideologia procu ra reduzir o papel coordenador do Estado e em que o Estado é a prin cipal instituição de uma sociedade Evidentemente os neoliberais ficarão tentados a argüir que na verdade foi o mau funcionamento das instituições políticas que levou ao neoliberalismo Mas não há evidências em respaldo dessa posição pelo contrário indicam as pesquisas que a confiança cai dramaticamente depois de estabelecida a hegemonia ideológica neoliberal e não antes A coAlizão políticA subjAcente O neoliberalismo tornouse dominante por representar os inte resses de uma poderosa coalizão de rentistas e financistas Como ob servou Gabriel Palma em última análise a atual crise financeira é o resultado de algo muito mais sistêmico uma tentativa de usar o neoliberalismo ou em termos dos Estados Unidos neoconservadorismo como uma nova tecnologia de poder para ajudar a transformar o capitalismo em um paraíso para os rentistas34 Em seu artigo Palma enfatiza não ser suficiente entender a coa lizão neoliberal como uma reação aos seus interesses econômicos como sugeriria uma abordagem marxista Além disso reage à de manda foucaultiana por poder da parte dos membros da coalizão política no sentido de que segundo Michel Foucault o aspecto central do neoliberalismo referese ao problema da relação entre poder político e os princípios de uma economia de mercado35 A coalizão política de rentistas e executivos financeiros usou o neo liberalismo como uma nova tecnologia de poder ou como o já discutido sistema de verdades primeiro para conquistar o apoio de políticos altos funcionários públicos economistas neoclássi cos e outros intelectuais públicos conservadores e em segundo lugar conquistar o domínio da sociedade 04NEC86Bresserp49a73indd 65 050410 1100 66 a crIse FINaNceIra GloBal e dePoIs UM Novo caPITalIsMo Luiz Carlos BresserPereira Há poucas dúvidas de que a coalizão política tenha tido sucesso na captura do excedente econômico produzido pelas economias capi talistas Como mostra a Figura 3 nos anos do neoliberalismo a renda concentrouse fortemente nas mãos dos 2 mais ricos da população se considerarmos apenas o 1 mais rico nos Estados Unidos em 1930 controlava 23 da renda disponível total em 1980 no contexto dos trinta anos dourados do capitalismo sua participação caíra para 9 mas em 2007 retornara aos 23 As conseqüênciAs imeDiAtAs Quando irrompeu a crise os políticos que haviam sido iludidos pela ilusão da natureza autoregulada dos mercados perceberam seu erro e tomaram quatro decisões primeiro aumentar radicalmente a li quidez por meio da redução da taxa básica de juros e todos os demais meios possíveis já que a crise implicava um grande aperto de crédito após a perda generalizada de confiança que causou segundo resga tar e recapitalizar os principais bancos por serem instituições quase públicas que não podem ir à falência terceiro adotar políticas fiscais expansionistas que se tornaram inevitáveis quando a taxa de juros FIGUra 3 Participação na riqueza do 1 mais rico nos estados Unidos 19132006 Fonte Gabriel Palma The revenge of the market on the rentiers Why neoliberal reports of the end of history turned out to be premature Cambridge Journal of Economics 2009 vol 33 pp 82969 p 836 baseado em Piketty e Sáez Income inequality in the United States 19131998 Quarterly Journal of Economics 2003 vol 118 nº 1 pp 139 Nota Definese renda como a renda anual bruta apontada nas declarações de imposto de renda exceto todas as transferências governamentais e antes de imposto de renda da pessoa física e impostos retidos na fonte e deduzidos da remuneração mas após impostos retidos na fonte devidos pela fonte pagadora e imposto de renda da pessoa jurídica Obs Médias móveis de três anos 1 inclusive ganhos de capital realizados 2 excluídos os ganhos de capital 04NEC86Bresserp49a73indd 66 050410 1100 Novos esTUdos 86 MarÇo 2010 67 36 BresserPereira Globalization and competition op cit atingiu a zona de armadilha de liquidez e quarto regular novamente o sistema financeiro tanto doméstica como internacionalmente Essas quatro reações apresentaram a orientação correta Mostraram que os políticos e os formuladores de políticas logo reaprenderam o que esta va esquecido Perceberam que o capitalismo moderno exige não des regulação mas regulação que a regulação não impede mas permite a coordenação da economia pelo mercado que quanto mais complexa uma economia nacional mais regulada precisa ser se desejarmos nos beneficiar das vantagens da alocação ou coordenação de recursos pelo mercado que a política econômica deve estimular o investimento e manter a economia estável não ajustarse a princípios ideológicos e que o sistema financeiro deve financiar investimentos produtivos não alimentar a especulação Dessa forma sua reação à crise foi forte e decidida Como era de se esperar foi imediata na expansão da oferta de dinheiro foi relativamente de curto prazo em termos de política fiscal e foi de médio prazo em relação ao problema mais complexo da regulação É claro que foram cometidos erros O mais famoso foi a decisão de permitir que um grande banco como o Lehman Brothers quebrasse O pânico de outubro de 2008 foi decorrência direta dessa decisão É preciso observar que a resposta dos europeus foi por demais conservadora em termos monetários e fiscais se comparada à respos ta dos Estados Unidos e da China provavelmente porque não há um banco central para cada país individualmente Por outro lado os europeus parecem mais dedicados a regular mais vezes seus sistemas financeiros do que os Estados Unidos ou o Reino Unido Em relação à necessidade de regulação financeira internacional ou global parece que o aprendizado a respeito disso foi insuficiente ou que apesar dos avanços representados pelas ações econômicas do G20 a capacidade internacional de coordenação econômica perma nece fraca Quase todas as medidas tomadas até o momento reagiram a um tipo de crise financeira a crise bancária e suas conseqüências econômicas e não ao outro grande tipo de crise financeira a crise de câmbio ou balança de pagamentos Os países ricos costumam ficar livres desse segundo tipo de crise porque normalmente não tomam mas concedem empréstimos internacionais e quando os tomam o fazem em suas próprias moedas Para os países em desenvolvimento contudo as crises de balança de pagamentos são um flagelo financeiro A política de crescimento com poupança externa que lhes recomen dam os países ricos não promove seu crescimento pelo contrário en volve elevada taxa de substituição de poupança doméstica pela externa e causa crises recorrentes de balança de pagamentos36 Essa crise não irá terminar em breve A reação dos governos a ela em termos monetários e fiscais foi tão decisiva que ela não irá se transformar em depressão mas levará tempo para se resolver por um 04NEC86Bresserp49a73indd 67 050410 1100 68 a crIse FINaNceIra GloBal e dePoIs UM Novo caPITalIsMo Luiz Carlos BresserPereira 37 Koo R The holy grail of macro economics lessons from Japans great recession Nova York Wiley 2008 38 Aglietta La crise Paris Éditions Michalon 2008 p 8 motivo básico as crises financeiras sempre decorrem de elevado endi vidamento ou alta alavancagem e da conseqüente perda de confiança por parte dos credores Depois de algum tempo essa confiança pode retornar mas como observou Richard Koo ao estudar a depressão japonesa da década de 1990 os devedores não se sentirão à vonta de com suas taxas de endividamento e continuarão a poupar37 Ou como observou Michel Aglietta a crise sempre segue uma rota longa e dolorosa com efeito é necessário reduzir tudo que tenha aumentado excessivamente o valor os elementos da riqueza o balanço patrimo nial dos agentes econômicos38 Assim apesar das corajosas políticas fiscais adotadas pelos governos a demanda agregada provavelmente permanecerá débil por alguns anos novo cApitAlismo O regime fordista e seu último ato os trinta anos dourados do capitalismo encerraramse na década de 1970 Que novo regime de acumulação o sucederá Em primeiro lugar não será baseado no capi talismo financeirizado uma vez que esse último período representou um passo atrás na história do capitalismo Pelo contrário o novo capi talismo que irá emergir desta crise provavelmente retomará as tendên cias presentes no capitalismo tecnoburocrático e especialmente nos trinta anos dourados No ambiente econômico a globalização conti nuará a progredir nos setores comercial e produtivo não no financeiro no meio social a classe profissional e o capitalismo baseado no conhe cimento continuarão a avançar em compensação no meio político o Estado democrático irá se tornar mais voltado para as políticas sociais e a democracia será mais participativa No capitalismo que emerge a globalização não se encerrará Não devemos confundir globalização com financeirização Apenas a globa lização financeira estava intrinsecamente relacionada com a financei rização a globalização comercial e produtiva não A China por exem plo está plenamente integrada comercialmente ao restante do mundo e cada vez mais integrada sob o aspecto de produção mas permanece relativamente fechada em termos financeiros Não há motivos para crer que a globalização comercial e produtiva assim como a social e cultural e até mesmo a política a crescente coordenação política bus cada e praticada pelos principais chefes de Estado venha a ser inter rompida pela crise Pelo contrário a última em especial será ampliada como já vimos com a criação e a consolidação do G20 Em segundo lugar o poder e os privilégios da classe profissional continuarão a aumentar em relação aos dos capitalistas porque o co nhecimento será cada vez mais estratégico e o capital o será cada vez menos Mas poder e privilégios não aumentarão necessariamente em 04NEC86Bresserp49a73indd 68 050410 1100 Novos esTUdos 86 MarÇo 2010 69 relação aos da população O capital irá tornarse mais abundante com a crescente introdução de tecnologias poupadoras de capital e com a acumulação das poupanças dos rentistas Por outro lado na medida em que o número de alunos do ensino superior continua a aumentar o conhecimento também se tornará menos escasso Ademais a crítica social e a busca por emancipação política ou respeito aos direitos hu manos não se voltarão apenas contra o capital a ideologia meritocrá tica que legitima os ganhos extraordinários dos profissionais também se verá sob crescente escrutínio Em terceiro lugar a desigualdade de renda nos países ricos pro vavelmente se intensificará embora seu estágio de crescimento seja compatível com uma redução da desigualdade na medida em que o progresso tecnológico é predominantemente poupador de capital ou seja reduz os custos ou aumenta a produtividade do capital A desi gualdade irá se originar de um lado do monopólio relativo do conhe cimento e de outro da pressão sobre os salários vinda da imigração e de importações de países em desenvolvimento e crescimento acelera do que empregam mãodeobra barata Quanto aos países em desen volvimento também não devemos esperar no curto prazo uma maior igualdade já que muitos deles estão na fase de concentração do desen volvimento capitalista A única grande fonte de redução da desigual dade no curto prazo não será interna aos países será conseqüência do fato de que os países em desenvolvimento e crescimento acelerado continuarão no processo de catch up e essa convergência implica uma redistribuição no nível global que talvez possa compensar a concen tração doméstica de renda A globalização que na década de 1990 era vista como uma arma dos países ricos e uma ameaça contra os países em desenvolvimento demonstrou ser uma grande oportunidade de crescimento para os países de renda intermediária que contêm uma estratégia de desenvolvimento nacional E esse processo de catching up irá reduzir as desigualdades globais Quarto o capitalismo permanecerá instável mas em menor grau O aprendizado social acabará por prevalecer O capitalismo encabeça do pelo setor financeiro desmontou instituições e esqueceu as teorias econômicas aprendidas após a Grande Depressão da década de 1930 desregulou irresponsavelmente os mercados financeiros e baniu as ideais keynesianas e desenvolvimentistas Agora os países irão dedi carse a uma nova regulação dos mercados Não acredito que irão mais uma vez esquecer as lições aprendidas com esta crise Não há motivo para se repetir erros indefinidamente O capitalismo irá mudar mas não devemos superestimar as mudanças imediatas Os ricos ficarão menos ricos mas permane cerão ricos enquanto os pobres ficarão mais pobres só os países de rendimento intermediário dedicados à estratégia neodesenvol 04NEC86Bresserp49a73indd 69 050410 1100 70 a crIse FINaNceIra GloBal e dePoIs UM Novo caPITalIsMo Luiz Carlos BresserPereira 39 Regulating banks the devils punchbowl The Economist 11072009 p 31 40 BresserPereira Democracy and public management reform building the republican State Oxford Oxford Uni versity Press 2004 vimentista surgirão da crise mais fortes A instabilidade econômica irá diminuir mas a tentação de retorno ao jeito normal de operar será forte Em novembro de 2008 os líderes do G20 firmaram uma declaração comprometendose com uma firme reregulação de seus sistemas financeiros em setembro de 2009 reafirmaram esse compromisso Mas a resistência que já enfrentam é grande A esse respeito a desavisada The Economist fez a observação dramática aplicada aos bancos que lançaram a GrãBretanha ou o mundo na crise econômica é de dar medo sic39 Segundo a imprensa a reregulação provavelmente não irá além da elevação dos requisitos de capital dos bancos a estratégia adotada pelo Acordo da Basiléia II 2004 que se revelou insuficiente para prevenir contra a crise financeira Essa possibilidade deve preocupar a todos mas não é despropositado presumir que as pessoas não estejam aprendendo com a atual crise A principal tarefa agora é restaurar o poder regu lador do Estado de maneira a permitir que os mercados cumpram sua função de coordenação econômica Há diversas inovações ou práticas financeiras que poderiam ser simplesmente proibidas To das as transações deveriam ser muito mais transparentes O risco financeiro deveria ser sistematicamente limitado Quando Marx analisou o capitalismo a classe capitalista de tinha o monopólio do poder político e o autor presumiu que isso só mudaria mediante uma revolução socialista Não previu que o regime democrático ou o Estado democrático que emergiriam no século XX teriam como um de seus papéis controlar a violência e a cegueira que caracterizam o capitalismo Ademais Marx não previu que a burguesia teria que compartilhar o poder com a classe profis sional na medida em que o fator estratégico de produção passasse a ser o conhecimento em lugar do capital e com a classe trabalha dora na medida em que os trabalhadores exercessem seu direito de voto Apesar de alguns percalços no caminho o desenvolvimento econômico tem se feito acompanhar de melhorias no alcance e na qualidade da democracia No início do século XX a primeira forma de democracia foi a democracia de elite ou democracia liberal De pois da Segunda Guerra Mundial principalmente na Europa isso se converteu na democracia social e de opinião pública Embora a transição para a democracia participativa e um passo adiante a democracia deliberativa ainda não esteja claramente em anda mento antevejo que a democracia continuará a progredir porque continuará a pressão dos trabalhadores e da classe média por maior participação pública40 Tal pressão poderá por vezes perder ímpe to seja por causa da frustração do povo com seu lento avanço seja o que é mais importante porque ideologias como o neoliberalismo são essencialmente orientadas para desengajar o público apenas os 04NEC86Bresserp49a73indd 70 050410 1100 Novos esTUdos 86 MarÇo 2010 71 41 Mulgan Geoff After capita lism Prospect magazine 2009 nº 157 abr sp 42 Ibidem interesses privados lhes são relevantes Esse tipo de ideologia ape nas torna cínicos os ricos na medida em que se torna hegemônica deixa as classes pobre e média desiludidas e politicamente parali sadas Eventualmente contudo e sobretudo após crises como a de 2008 o compromisso cívico e o desenvolvimento político serão retomados devido à indignação e ao interesse próprio O capitalismo global irá mudar mais rapidamente depois dessa crise e a mudança será para melhor O aprendizado social é árduo mas ocorre Geoff Mulgan observou que a lição do capitalismo em si é a de que nada é permanente tudo o que é sólido desvanece como escreveu Marx Dentro do capitalismo há tantas forças que o minam quanto há as que o impelem41 Teremos então um novo capitalismo Em certa medida sim Será ainda um capitalismo glo bal mas não mais neoliberal ou financeirizado Mulgan é otimista a esse respeito Assim como a monarquia abandonou o centro do palco e tornouse mais periférica também o capitalismo deixará de dominar a sociedade e a cultura como hoje faz O capitalismo poderá em suma tornarse um servo em vez de mestre e a queda da atividade econômica irá acelerar essa mudança42 Compartilho dessa visão porque a história mostra que desde o século XVIII o progresso e o desenvolvimento econômico social políti co e ambiental vêm de fato ocorrendo Essa crise global demonstrou uma vez mais que o progresso ou desenvolvimento não é um pro cesso linear A democracia nem sempre prevalece sobre o capitalis mo mas o pode regular Às vezes a história retrocede O capitalismo neoliberal e financeirizado foi um momento assim As forças cegas e poderosas por trás do capitalismo irrestrito controlaram o mundo por algum tempo Mas desde a revolução capitalista e do aumento sistemático do excedente econômico por ela promovido vem ocor rendo uma mudança gradual para um mundo melhor uma mudança do capitalismo para o socialismo democrático Não porque a clas se trabalhadora incorpore valores futuros e universais ou porque as elites se venham tornando cada vez mais esclarecidas A história demonstra serem falsas ambas as hipóteses Pelo contrário o que ocorre é um processo dialético entre o povo e as elites entre a socie dade civil e as classes dominantes em que o poder relativo do povo e da sociedade civil aumenta continuamente O desenvolvimento econômico e a tecnologia da informação franqueiam o acesso de um número crescente de pessoas à educação e à cultura A democracia provou não ser democrática mas conferir sistematicamente poder ao povo Estamos distantes da democracia participativa e as elites permanecem poderosas mas seu poder relativo diminui 04NEC86Bresserp49a73indd 71 050410 1100 72 a crIse FINaNceIra GloBal e dePoIs UM Novo caPITalIsMo Luiz Carlos BresserPereira 43 Foucault M Verdade e poder In Microfísica do poder Ed Roberto Machado Rio de Janeiro Edições Graal 1979 1977 pp 114 p 12 É verdade que a hegemonia cultural e política das elites ou dos ricos sobre os pobres ainda é um fato rotineiro Como destacou Michel Foucault a verdade não existe fora do poder ou sem ele A verdade é parte deste mundo é nele produzida por meio de múltiplas coações e nele produz efei tos de poder regulador Cada sociedade conta com seu regime de verdade suas políticas gerais da verdade isto é o conjunto de discursos que esco lhe e põe a operar como verdadeiros43 Mas esse regime de verdade não é fixo nem inexpugnável A política democrática enfrenta permanentemente a ideologia do establishment O neoliberalismo acaba de ser derrotado outros regimes de verdade terão que ser criticados e derrotados por novas idéias e atos por mo vimentos sociais e pelo protesto ativo dos pobres e impotentes por políticos e intelectuais que não se limitem a repetir slogans Com isso o progresso ocorrerá ainda que lento contraditório e sempre surpreen dente por ser imprevisível Luiz Carlos BresserPereira é professor emérito da Fundação Getúlio Vargas FGV Rece bido para publi ca ção em 10 de fevereiro de 2010 NOVOS ESTUDOS ceBraP 86 março 2010 pp 5172 04NEC86Bresserp49a73indd 72 050410 1100 ECONOMIA POLÍTICA Filipe Prado Macedo da Silva A evolução do processo capitalista Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto você deve apresentar os seguintes aprendizados Identificar as origens do capitalismo e seus diálogos com os modos de produção econômica e os impactos nas relações sociais Analisar crises e contradições do capitalismo Descrever o capitalismo contemporâneo Introdução O capitalismo é hoje predominante em todos os continentes mas suas origens remontam a anos muito distantes e seu desenvolvimento se deu a partir de diferentes conjunturas políticas econômicas e sociais Neste capítulo você conhecerá as origens do modo de produção capitalista identificará os seus impactos concretos nas relações sociais analisará os seus ciclos de crises e contradições e observará como esse processo vem evoluindo ao longo da história As origens do capitalismo e seus diálogos com os modos de produção econômica e os impactos nas relações sociais Nas sociedades mais antigas e mais primitivas havia um esforço contínuo de sobrevivência fosse para ter comida abrigo ou armas de defesa Com o avanço dessas sociedades surgiram os processos de divisão do trabalho Assim a produção saía da sua função de subsistência e alcançava a sua função comercial em torno de produções cada vez maiores A escala de produção se ampliou e logo os produtos adquiriram maior qualidade e menores custos KISHTAINY et al 2013 Nesse sentido o traba lho de alguns homens passou a ser suficiente para atender às necessidades de um conjunto cada vez maior de indivíduos na sociedade em outras palavras a produção crescia mais do que as populações SILVA 2010 Nesse movimento histórico as trocas se intensificaram as economias adquiriram maior complexidade e as relações de trocas econômicas alcan çaram sociedades cada vez mais distantes ou no alémmar Daí surgem as primeiras cidades com seus espaços urbanos que alteravam as relações sociais da vida Assim brotam os primeiros registros das transformações produtivas no Império Romano 750 aC a 476 dC O espírito imperialista dos romanos levou à expansão das trocas entre Roma e as nações conquistadas repercutindo em um comércio internacional Com as cidades surgem novas classes na sociedade os líderes comunitários os soldados os religiosos os trabalhadores e os negociantes Já com a divisão do trabalho e as especializações ficou nítida a formação dos diferentes agentes econômicos governo consumidores produtores comerciantes e banqueiros O sistema bancário tornouse importante com o surgimento da moeda que passou a circular como meio de troca facilitando as transações Na medida em que a moeda era depositada nos bancos também passou a ser emprestada mediante o pagamento de juros Com a queda do Império Romano iniciase um período caracterizado pela pulverização política dos territórios e por uma sociedade agrícola dividida entre uma classe nobre e uma classe servil que se sujeitava à primeira Nesse contexto o processo econômico retrocede em virtude da falta de uma ação política que assegurasse a paz e o direito à propriedade privada dos indivíduos Nesse sentido Silva 2010 destaca que a produção e o trabalho precisam de constância e tranquilidade para prosperar ao longo do tempo Logo as trocas passam a se realizar em nível local dando surgimento ao sistema feudal ou feudalismo Resumindo o feudalismo foi uma organização social econômica e política típica da Idade Média na Europa Conforme historiadores o feudalismo nasceu como resultado da desintegração do Império Romano e da crise do modo de produção escravista Nesse contexto o feudalismo atingiu o seu ápice entre os séculos XI e XIV A principal característica do feudalismo era o sistema de grandes propriedades territoriais isoladas os feudos pertencentes à nobreza e ao clero e trabalhadas pelos servos de gleba em um regime de economia de subsistência SANDRONI 2005 O sistema feudal era organizado a partir de uma extensa e complexa hierarquia de feudos que eram economicamente autossuficientes A terra única fonte de poder era recebida pelo senhor feudal em caráter hereditário e poderia ser doada por um rei duque conde visconde marquês ou barão A evolução do processo capitalista 2 Nessa conjuntura o senhor feudal beneficiário da doação tornavase vassalo do doador e ambos ficavam ligados por laços de lealdade ajuda mútua e troca de serviços militares A terra doada não podia ser vendida somente herdada pelo filho primogênito e essa estrutura de vassalagem tornava o poder muito descentralizado Na prática os próprios reis eram senhores feudais com domínios limitados SWEEZY et al 1977 Na base do sistema feudal estava o servo que trabalhava nas terras de um senhor feudal o qual por sua vez devia lealdade a um senhor mais poderoso e esse a um outro até chegar ao rei Os senhores feudais cediam parte de suas terras a seus vassalos para que fossem cultivadas em troca de pagamentos em dinheiro alimentos trabalho e lealdade militar As cidades com seus muros constituíam o local de proteção dos servos em caso de ataque inimigo Aos poucos porém passaram a ser o local em que se realizavam as trocas dos excedentes produzidos Os reis por sua vez eram protegidos pela crença cristã religião já dominante desde o século IV pois eram os escolhidos de Deus Em outras palavras a relação social básica do sistema feudal assentavase sobre a extração do produto excedente desse pequeno modo de produção levado a cabo por pequenos produtores ligados à terra e aos seus ins trumentos de produção pela classe dominante feudal em uma relação de exploração alicerçada por vários métodos de coação extraeconômica SWEEZY et al 1977 Assim sendo essa forma econômica específica pela qual o produto excedente não pago é extraído dos produtores diretos determina a relação dos dominadores e dos dominados no feudalismo uma servidão KATZ 1993 Foi esse conflito que resultou em uma revolta camponesa individual e coletiva entre os séculos XIII e XIV Ocorreram por exemplo fugas das terras e ações ilegais organizadas Registros revelam que essa luta de classe foi endêmica em lugares como a Inglaterra O economista Maurice Dobb 1946 acreditava que era sobre essa revolta entre os pequenos produtores ou camponeses que estava a explicação do colapso e declínio da exploração feudal Veio daí a gênese ou origem do capitalismo É importante destacar que as revoltas camponesas criaram elos indiretos para a transição do feudalismo para o capitalismo Esse fenômeno apesar de importante não representou a dissolução instantânea do modo de produção feudal Vale recordar como destaca o historiador Eric Hobsbawm 1979 que o processo de transição do feudalismo para o capitalismo não foi um processo simples mediante o qual os elementos capitalistas no interior do feudalismo vão fortalecendose até estarem bastante vigorosos para romper a casca feudal 3 A evolução do processo capitalista Logo não restam dúvidas de que a transição do feudalismo para o capita lismo foi um processo lento que ocorreu à medida que os pequenos produtores conseguiam emancipação parcial da exploração feudal talvez no início um mero abrandamento dos tributos ou da expropriação dos excedentes A partir daí os camponeses podiam guardar para si mesmos uma parte do produto excedente Com esse excedente em mãos eles obtinham os meios e a motivação para melhorar o cultivo e ampliálo a áreas novas o que naturalmente serviu para aguçar mais ainda o antagonismo contra as restrições feudais Assim foram lançadas as bases para alguma acumulação de capital no interior do próprio pequeno modo de produção e portanto para o começo de um processo de diferenciação de classes no interior da economia feudal essa foi a acumulação primitiva do capital Além do mais foi assim que se desenvolveu o embrião das relações burguesas de produção no seio da antiga sociedade feudal Alguns estudiosos afirmam que a expansão do comércio não era uma vocação da economia feudal sempre limitada aos interesses de um feudo com restrições geográficas predefinidas É importante observar que essas transformações ocorreram também com as pequenas manufaturas Logo as atividades dos artesãos dispersos nas aldeias feudais foram concentradas em oficinas nas cidade como parte da expansão econômica geral dos séculos XII e XIII Esse movimento resultou em fuga dos servos e simultaneamente no crescimento das cidades Não há dúvidas de que as cidades em rápido crescimento com liberdade de emprego e melhoria da posição social agiram como potentes ímãs para a população rural oprimida nos feudos SWEEZY et al 1977 Nesse sentido as cidades também impulsionaram os conflitos internos e externos no feudalismo Num primeiro momento os elementos urbanos burgueses estavam aliados aos interesses dos senhores feudais Porém à medida que a acumulação de capital crescia tanto na produção rural quanto na produção artesã a origem da manufatura industrial os interesses burgueses passaram a ser contrários ao isolamento feudal KATZ 1993 Por exemplo ao passo que a produção se ampliava e o capital se acumulava os burgueses necessitavam de mais trabalhadores assalariados e de novos mercados que iam além dos domínios de um único senhor feudal Os feudos passaram a ser muito pequenos aos interesses de um sistema de produção que crescia cada vez mais Portanto junto à revolta camponesa surgiram sucessivas revoluções burguesas que minaram as bases de sustentação do sistema feudal de produção Não havia mais interesse no isolamento mútuo dos feudos e não fazia mais sentido o controle e a expropriação da produção A evolução do processo capitalista 4 por parte dos senhores feudais Por fim a servidão não era mais uma relação de trabalho satisfatória para as demandas do capital Outro fenômeno que contribuiu com a crise do feudalismo foi o desenvol vimento progressivo das trocas comerciais a longa distância SWEEZY et al 1977 Ou seja com o avanço da produção local os burgueses trabalhavam para conquistar novos mercados e em geral mercados cada vez mais distantes Esse fenômeno iniciou uma pressão direta e indireta sobre os particularismos feudais e começaram a surgir as necessidades de fronteiras cada vez maiores para o comércio É nessa conjuntura que iniciam as formações dos primeiros Estados nacionais com a centralização do poder político a garantia de uma moeda nacional e o contorno de fronteiras que garantissem condições favo ráveis para o grande capital Como apontou Karl Marx 1996 todas essas condições favoreceram a transição do feudalismo para o capitalismo Não restam dúvidas portanto de que a circulação de mercadorias é o ponto de partida do capital a produção de mercadorias e a sua circulação intensificada o comércio constituem os requisitos históricos de seu aparecimento Esses novos fenômenos eram in compatíveis com a manutenção do feudalismo pois a produção de mercadorias e o feudalismo são conceitos que se excluem mutuamente SWEEZY et al 1977 Logo é o comércio do século XVI que inaugura a história moderna do capitalismo que não fica somente no comércio progride também para a industrialização culminando na Revolução Industrial do século XVIII A queda do Império Romano foi resultado de uma sucessão de fatos conjugados A partir do século III há uma sucessão de imperadores devido em grande parte a conspirações e assassinatos cometidos contra eles Além disso o sistema escravista vinha se enfraquecendo em virtude do direito à cidadania que as colônias do império recebiam e devido à política de manutenção das colônias existentes sem que houvesse a conquista de novas colônias novos escravos Consequentemente houve uma diminuição da produção agrícola que repercutiu no aumento dos preços dos produ tos fome e revolta em algumas regiões Por fim as invasões bárbaras diminuíram o contingente militar romano dando margem para invasões das regiões conquistadas O estopim foi a invasão em Roma em 476 e a destituição do último imperador Rômulo Augusto SANDRONI 2005 5 A evolução do processo capitalista Crises e contradições do capitalismo Marx foi um dos primeiros a observar que a tendência para crises cíclicas era uma característica inerente e legítima do capitalismo MARX 1996 Essa visão por si só já foi objeto de controvérsia por parte dos economistas não marxistas clássicos austríacos etc Marx nunca chegou a tratar os assuntos das crises do sistema capitalista com tantos detalhes e análises coerentes Vários comentários estão espalhados sobre seus escritos e misturados a outros tópicos e crises de curto prazo e efeitos de longo prazo nem sempre são distinguidos SILVA 2010 Basicamente Marx ligou as crises capitalistas ao ciclo de vida do capital fixo Mas o que isso quer dizer Marx 1996 escreveu que a magnitude do valor e a durabilidade do capital fixo aplicado se desenvolvem com o desen volvimento do modo de produção capitalista o que quer dizer que o tempo de vida do capital industrial é de muitos anos Contraditoriamente enquanto o desenvolvimento do capital fixo prolonga o tempo de vida por um lado é encurtado pela contínua revolução nos meios de produção que igualmente ganham incessantemente força com o desen volvimento do modo de produção capitalista Isso revela que o capital ao ser instalado numa indústria por exemplo ao longo do tempo envelhece ou deprecia do ponto de vista moralsocial muito antes de expirar fisicamente Logo precisa ser substituído por novos capitais mais modernos do ponto de vista social MARX 1996 Sendo assim o ciclo de negócios interconectados abrangendo vários anos nos quais o capital é mantido rapidamente por sua parte constituinte fixa municia uma base material para as crises periódicas Portanto durante esse ciclo os negócios passam por períodos sucessivos de depressão econômica atividade média precipitações e crises A lógica é de que uma crise por exemplo é o ponto de partida para novos grandes investimentos Vejamos como funciona tudo isso na prática Na fase de recuperação atividade média após uma crise a força de traba lho está vastamente disponível e relativamente barata A partir daí a produção encontra espaço para se expandir contratando mais força de trabalho Nesse contexto a acumulação ocorre de várias maneiras a concentração de capital nas capitais existentes a formação de novas capitais e a subdivisão das antigas capitais para aproveitar as condições lucrativas MARX 1996 SILVA 2010 A fase de recuperação é um período de aumento da produção por um número crescente de unidades independentes e de concorrência relativamente baixa para os mercados porque a demanda dos trabalhadores e dos capitalistas está à frente da produção A evolução do processo capitalista 6 Nessa ocasião fica evidente uma contradição do capitalismo a de que o capital fixo acaba entrando em produção e a disponibilidade dos trabalhadores é limitada Isso significa que a expansão chega a um ponto em que as forças produtivas começam a ficar mais caras e mais curtaslimitadas KISHTAINY et al 2013 Essa é a fase de expansão ou boom ou como descreveu Karl Marx de precipitação em que as condições são mais favoráveis aos trabalhadores eles são capazes de aumentar os salários aproveitando a competição entre os capitalistas pela força de trabalho Isso cria uma redução de curto prazo na maisvalia extraída por trabalhador e portanto uma queda na taxa de lucro MARX 1996 A natureza não planejada da produção combinada com o impulso capitalista de acumular significa que a oferta logo supera a demanda SILVA 2010 À medida que o boom se aproxima do pico os produtos do capital fixo novo chegam ao mercado Por causa da multiplicidade de produtores em todas as esferas os capitalistas são obrigados a competir tanto pelos compradores quanto pelos trabalhadores Essas condições provocam superprodução especialmente no mercado de bens A crise é desencadeada quando uma parte considerável do valor produzido não pode ser realizada isto é não é vendida a compradores Na fase de crise cada vez mais os capitais são obrigados a cortar a produção e até a interrom per completamente os processos produtivos A produção cai à medida que a taxa de lucro cai mais ainda A superprodução de bens de consumo pode se transformar em escassez à medida que as indústrias que fabricam suprimentos para elas fecham as portas O exército de trabalhadores desempregados cresce e isso alivia a pressão por altos salários e até mesmo os custos de bens de capital diminuem Quando a taxa de lucro cai abaixo da média o ciclo entra em sua fase de depressão Nesse caso temos um desemprego desenfreado e muitos capitais são eliminados ou seja são destruídos Nesse momento uma nova contradição do capitalismo entra em pauta a taxa de lucro dos capitalistas sobreviventes volta a subir já que tanto o trabalho quanto os bens de produção se tornaram mais baratos Essa é a fase em que a centralização do capital floresce pois os capitalistas sobreviventes podem comprar firmas falidas a preços abaixo do seu valor usual ou de mercado Assim com o trabalho enfraquecido e o capital mais centralizado o ciclo começa de novo MARX 1996 Essas crises sistêmicas fornecem uma catarse para a economia capitalista permitindo que o sistema se limpe de obstáculos como empreendimentos atrasados e setores poderosos da força de trabalho como por exemplo os sindicatos Esse expurgo vem à custa da instabilidade social e é por isso 7 A evolução do processo capitalista que o capitalismo desenvolveu técnicas para amortecer as crises e logo suas próprias contradições Essas técnicas no entanto também enfraquecem o sistema já que as obstruções não são tão facilmente removidas É a partir desse ciclo que Karl Marx observa que o sistema capitalista tende a ser superado e substituído por um outro sistema como o socialista Em suma enquanto isso não acontece as crises sempre existirão e as contradições ficarão cada vez mais profundas O capitalismo contemporâneo Foi ao longo da história que o capitalismo teceu as suas principais caracterís ticas A transição do feudalismo para o capitalismo deu início ao desenvolvi mento e à evolução gradual do modo de produção capitalista Essa evolução do capitalismo começou no século XIV de maneira bastante desigual e foi mais rápida na parte ocidental da Europa A partir do século XIX e XX o capitalismo se propagou para todos os continentes e no século XXI ganhou o status de um fenômeno global Basicamente as principais características do capitalismo podem ser di vididas em quatro fases 1 a fase do capitalismo comercial 2 a fase do capitalismo industrial 3 a fase do capitalismo financeiro e enfim 4 a fase do capitalismo informacional ou capitalismo do conhecimento BRESSER PEREIRA 2011 No total essas quatro fases abrangem quase sete séculos de história da humanidade com expansões e rupturas com progressos e retrocessos e com atrasos e avanços Capitalismo comercial O capitalismo comercial ocorreu a partir do acúmulo de riquezas por meio do comércio Convencionouse chamar de fase mercantilista esse período marcado pelas grandes navegações e por diversos descobrimentos ao longo de outros continentes tendo sempre a Europa como o centro do mundo Esse período de predomínio do capitalismo comercial foi do século XV até o século XVIII A economia nesse período funcionava sob a intervenção dos Estados Nacionais que tinham no acúmulo de metais preciosos a mais importante fonte de acumulação de capital O protecionismo era fundamental para o desenvolvimento de uma burguesia nascente que realizava a acumulação original ou primitiva Foi essa acumulação inicial de capitais que criou as A evolução do processo capitalista 8 condições no Reino Unido e depois em outros países para que acontecesse a Revolução Industrial e assim a passagem para a nova etapa do capitalismo Capitalismo industrial Nesta fase a essência do sistema capitalista não era mais o simples comércio de mercadorias O foco estava então na produção de mercadorias ou seja na atividade industrial Esse período do capitalismo industrial foi do século XIX até meados de 1945 fase em que os negócios os lucros a evolução dos meios de produção as invenções e as máquinas e as grandes fábricas surgiram na paisagem do capitalismo Karl Marx 1996 foi o principal observador das transformações produ zidas nesse período É importante destacar que o capitalismo industrial não ficou apenas na Europa na primeira metade do século XX esse capitalismo industrial já estava presente também na Ásia e nos Estados Unidos À medida que o capital se acumulava cada vez mais as empresas industriais concentra vam mais e mais renda o que resultou nos primeiros grandes monopólios industriais em vários setores da economia Foi essa fase industrial que concretizou o modo de produção capitalista transformando para sempre as condições sociais dos países que se industria lizavam No entanto foi na fase do capitalismo industrial que a sociedade conheceu também de perto uma série de mazelas sociais como o aumento da desigualdade social os salários baixos a exploração infantil o crescimento desordenado das cidades entre outros Capitalismo financeiro Com o avanço do capitalismo industrial as grandes indústrias passaram a se unir com o capital fi nanceiro que passou a ter um importante papel na produção industrial especialmente os bancos que eram capazes de fi nanciar as expansões produtivas as fusões e as incorporações Todas essas estratégias ampliavam ainda mais a monopolização ou a oligopolização de diferentes setores da economia É nesse período a partir de 1945 que acontece a expansão em nível mundial dos mercados de capitais Ou seja não bastava somente produzir era fun damental o desenvolvimento de mercados aglutinadores das mais diferentes acumulações de capital Juntos esses variados capitais produziriam mais e mais acumulação levando o capitalismo a um novo patamar de expansão Essa fase ainda prossegue mas associada ao novo capitalismo informacional SANDRONI 2005 9 A evolução do processo capitalista Capitalismo informacional Essa nova fase do capitalismo nasce em torno das mudanças geradas pelas novas tecnologias de informação A partir dos anos 1980 as tecnologias de informação TIs reestruturam o modo de produção capitalista alterando paralelamente os paradigmas sociais em nível mundial Em outras palavras as TIs promovem uma nova estrutura social que se manifestou e se manifesta dentro de uma diversidade cultural jamais observada pelo sistema capitalista e a partir de novas instituições produtivas que têm no conhecimento o maior ativo do capitalismo BRESSERPEREIRA 2011 Esse capitalismo do conhecimento se caracteriza pela produção em massa de conhecimento e é a valorização dos saberes que corresponde à mudança do fator estratégico de produção Isso não significa que os demais capitais ficaram esquecidos mas que o capital comercial industrial e financeiro se conectou também ao novo capital intelectual É importante destacar que os grandes capitalistas passam a acumular e a combinar variados tipos de capitais com o objetivo de maximizar eou acelerar a acumulação de mais e mais capital Em suma o capitalismo informacional rejuvenesceu os demais capitais abrindo fronteiras a partir da informatização dos computadores e dispositivos eletrônicos e da internet Uma das características do capitalismo contemporâneo é a destruição criativa Você sabe o que é isso A destruição criativa é a capacidade que o capitalismo tem para destruir o velho e criar o novo Constantemente o capitalismo precisa inovar criando novos produtos e novos métodos para atingir novos mercados e novos consumi dores É essa destruição criativa que dá ao capitalismo uma enorme energia para sobreviver aos períodos de crise Um dos setores econômicos que mais tem inovado para sobreviver aos períodos de turbulência é o setor da música Dos anos 1970 até os anos 2000 o mercado da música criou uma série de novos produtos depois os destruiu e até mesmo os recriou Por exemplo na década de 1970 o vinil era a principal forma de comercialização da música Depois avançou nos anos 1980 para a fita k7 que era mais leve e mais portátil e poderia ser utilizada nos primeiros walkmans ou seja nos primeiros tocadores portáteis de música Já no início dos anos 2000 foram comercializados os primeiros CDs que armazenavam mais músicas eram mais duráveis A evolução do processo capitalista 10 e mais baratos para a produção No entanto a pirataria de CDs foi um dos maiores problemas enfrentados pelo setor da música no século XXI Em seguida a partir de 20032004 surgiram os novos tocadores portáteis de música com o lançamento do revolucionário iPod da Apple Esses novos tocadores de música eram menores e tinham a capacidade de armazenar centenas de músicas na palma da mão O problema era que os arquivos musicais podiam ser baixados livremente na internet ampliando a luta da indústria musical contra a violação dos direitos autorais Agora mais recentemente os produtos musicais foram fundamentalmente convertidos em serviços musicais Assim sendo a grande inovação do setor da música foi que em vez de vender um simples produto musical como um CD o foco era e continua sendo comercializar serviços musicais a partir da internet Surgem então os streamings ou serviços online de armazenamento musical Logo em vez de comprar um CD ou baixar arquivos musicais na internet a indústria musical passou a disponibilizar seus arquivos para os assinantes do seu serviço de streaming Esse exemplo revela que a chave para a sobrevivência no capitalismo contemporâneo está na capacidade dos setores e das empresas de produzirem inovações adaptandose às realidades do mercado e às suas novas rupturas econômicas BRESSERPEREIRA L C As duas fases da história e as fases do capitalismo São Paulo FGV EESP 2011 Textos para Discussão n 278 DOBB M Studies in the Development of Capitalism London George Routledge Sons1946 HOBSBAWM E J Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo Rio de Janeiro Forense Universitária 1979 KISHTAINY N et al O livro da economia São Paulo Globo 2013 KATZ C J Karl Marx on the transition from feudalism to capitalism Theory and Society n 22 p 363389 1993 MARX K O Capital Volumes I e II São Paulo Editora Nova Cultura 1996 SANDRONI P Dicionário de economia do século XXI Rio de Janeiro Record 2005 SILVA F P M O fator trabalho na teoria econômica Lauro de Freitas BA Filipe Prado Macedo da Silva 2010 SWEEZY P et al A transição do feudalismo para o capitalismo São Paulo Paz e Terra 1977 11 A evolução do processo capitalista Leituras recomendadas BELL J F História do pensamento econômico Rio de Janeiro Zahar 1961 HOBSON J A A evolução do capitalismo moderno um estudo da produção mecanizada São Paulo Abril Cultural 1983 PEDRÃO F Raízes do capitalismo contemporâneo São Paulo Hucitec 1996 WEBER M A ética protestante e o espírito do capitalismo 14 ed São Paulo Pioneira 1999 WOOD E M A origem do capitalismo Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 A evolução do processo capitalista 12 Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem Na Biblioteca Virtual da Instituição você encontra a obra na íntegra Conteúdo SAGAH SOLUÇÕES EDUCACIONAIS INTEGRADAS ECONOMIA POLÍTICA Filipe Prado Macedo da Silva Economia política como campo científico Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto você deve apresentar os seguintes aprendizados Analisar o mercantilismo e a constituição da economia política clássica Descrever as principais teorias da economia política Caracterizar liberalismo e democracia Introdução Após o declínio do sistema mercantilista e o avanço do processo de industrialização a economia política foi constituída como campo de estudo por volta dos séculos XVIII e XIX A partir disso inúmeras teorias escolas e vertentes surgiram para analisar a economia Neste capítulo você vai estudar a economia política como campo científico Para isso você vai conhecer as razões da formação do pensa mento econômico clássico passando pelas principais teorias que serviram de base para a consolidação do pensamento econômico liberal e pela sua relação com o regime político democrático O mercantilismo e a constituição da economia política clássica O mercantilismo foi o sistema econômico que antecedeu a consolidação do sistema econômico capitalista As ideias mercantilistas ou as doutrinas econômicas mercantilistas predominaram do século XVI até o século XVIII Historicamente o mercantilismo caracterizou o período da Revolução Comercial que criou as précondições para a Revolução Industrial dos séculos XVIII e XIX Naquele momento do século XVI até o século XVIII os mercantilistas criticavam as ideias fisiocratas que tinham no setor agrícola a fonte da riqueza das nações SANDRONI 2005 As ideias mercantilistas repousavam sobre a lógica de que a riqueza das nações dependia do acúmulo de metais preciosos em geral obtidos por meio do comércio internacional Nesse contexto os fisiocratas também combatiam as ideias dos mercantilistas KISHTAINY et al 2013 É importante lembrar que as ideias mercantilistas nasceram no contexto da desintegração do feudalismo e da formação dos primeiros Estados Nacionais Assim como os fisiocratas os mercantilistas estabeleceram a tentativa de entender e de explicar a economia como um sistema Segundo os registros históricos o mer cantilismo era apenas um conjunto de doutrinas econômicas com tradições comerciais fragmentadas e uma visão de sociedade e de Estado protecionista SANDRONI 2005 p 534 de modo que vários historiadores econômicos não conferem aos mercantilistas o início científico da economia RUBIN 1979 Apesar disso quais eram os princípios básicos do sistema econômico mercantilista Primeiramente os mercantilistas defendiam o acúmulo de divisas em metais preciosos pelo Estado por meio de um comércio exterior de caráter protecionista SANDRONI 2005 p 534535 Assim sendo o sistema mercantilista dependia de um intenso controle e protecionismo estatal o que considerava essencial para o crescimento e a expansão dos mercados e para a proteção dos interesses comerciais nacionais Isso quer dizer que o Estado Nacional deveria inclusive em detrimento de vizinhos e colônias proteger o bemestar nacional Ou seja cada Estado Nacional resguardaria seus próprios interesses em um comércio internacional cada vez mais agressivo em relação a seus vizinhos É por isso que é correto afirmar que as ideias mercantilistas não eram apenas de caráter econômico mas tinham igualmente objetivos estratégicos e políticos Além disso os mercantilistas compreendiam que a riqueza da economia nacional advinha de dois elementos a população e b metais preciosos Ou seja quanto maior a população ou o mercado nacional consumidor e quanto maior o volume em estoque de metais preciosos mais rico será um país e o contrário resultará em um país mais pobre Ambos os elementos favoreceriam a expansão da circulação de mercadorias e logo o crescimento da economia Os mercantilistas também acreditavam que o comércio exterior deveria ser estimulado com o intuito de gerar uma balança comercial favorável e uma ampliação do estoque de metais preciosos O ideal era sempre vender mais ou exportar mais aos outros Estados Nacionais e comprar ou importar o menos possível Como obviamente cada Estado Nacional pensava o mesmo surgia um problema se todos querem somente vender quem vai comprar SILVA 2010 Em última instância a solução estava nos acordos comerciais entre os Estados Nacionais Economia política como campo científico 2 Por último os mercantilistas defendiam que o comércio e a indústria eram mais importantes do que a agricultura para a economia nacional e essa era uma das divergências que tinham com os fisiocratas Os mercantilistas não obser vavam mais tanta importância no setor agrícola a nova dinâmica econômica ocorria no comércio e na sua expansão em nível internacional e acoplado a isso na nascente industrialização que produzia com uma intensidade jamais vista mercadorias em grande escala Em termos históricos a fisiocracia era um grupo de estudiosos franceses liderados por François Quesnay responsável por elaborar o importante Quadro Econômico entre 1758 e 1767 Esse Quadro Econômico foi o primeiro diagrama formal capaz de explicar em linhas cruzadas e ligadas o fluxo de dinheiro e bens entre três grupos sociais proprietários de terras agricultores e artesãos É daí que os fisiocratas adotaram a visão contrária aos mercantilistas afirmavam que a economia se regulava naturalmente e precisava somente de proteção contra más influências KISHTAINY et al 2013 Para os fisiocratas a agricultura era o mais produtivo dos setores Eles acreditavam que a agricultura era superior à manufatura e que os bens de consumo valiam mais do que o ouro Na prática quanto mais bens consumidos mais dinheiro circulava no sistema tornando o consumo a força motriz da economia Logo o que importava era a circulação de bens e dinheiro Além do mais os fisiocratas defendiam o livre comércio impostos baixos direitos de propriedade garantidos e dívida pública baixa Alguns casos podem descrever resumidamente como funcionava o mer cantilismo por exemplo nos Países Baixos o poder do Estado Nacional estava subordinado às necessidades do comércio nacional já na Inglaterra e na França a iniciativa econômica estatal estava conectada aos interesses militares do Estado na maioria das vezes hostis aos vizinhos SANDRONI 2005 Além disso os mercantilistas aprofundaram os conhecimentos de questões econômicas relevantes como as da balança comercial das relações entre as taxas de câmbio e os movimentos de dinheiro na economia Apesar desses avanços a doutrina mercantilista não foi considerada uma escola de pensamento Em geral seus ideais não adquiriram caráter científico integral e logo não foram capazes de conferir à economia o status de ciência Isso ocorreria com o surgimento do pensamento econômico clássico que desenvolveria de maneira mais completa uma abordagem teórica acerca da economia 3 Economia política como campo científico Economia política clássica É o pensamento da economia política clássica ou Escola Clássica que inau gura a economia como campo científi co em outras palavras é a origem do pensamento econômico como ciência Essa economia política clássica surgiu no século surgiu no século XVIII com a publicação do notável livro A Riqueza das Nações em 1776 do escocês Adam Smith SMITH 1996 Entretanto o pensamento clássico só se consolidou como uma linha de pensamento econômico no século XIX com o surgimento de outros pensa dores econômicos relevantes que expandiram as análises teóricas como por exemplo Jeremy Bentham David Ricardo Thomas Malthus James Mill JeanBaptiste Say e John Stuart Mill SILVA 2010 É importante observar que esses pensadores clássicos estavam geralmente ligados à filosofia social moral ou política A origem da economia política como campo científico pode ser ilustrada por exemplo com fatos como o de que Adam Smith era professor da Faculdade de Filosofia da Universidade de Glasgow na Escócia no Reino Unido RAS MUSSEN 2006 além disso muitos dos predecessores da Escola Clássica eram historiadores políticos e funcionários públicos como Bernard de Mandeville Richard Cantillon Jacques Turgot e David Hume Assim sendo o pensamento da economia clássica se baseou em vários pre ceitos filosóficos em especial do liberalismo e do individualismo De acordo com Adam Smith o objeto de estudo da economia clássica estava indicado no título completo da sua obra é uma investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações SMITH 1996 Ou seja a riqueza das nações estava nos bens que possuíam valor de troca Assim a economia política clássica enfatizava a importância da produção colocando em segundo plano o consumo e a demanda Nesse contexto os pensadores econômicos clássicos refutaram as tradições mercantilistas e as doutrinas dos fisiocratas Eram desse modo contra as concepções mercantilistas de que a riqueza é constituída pelo entesouramento de ouro e de prata e contra as ideias fisiocratas de que somente a agricultura produz valor É dessa crítica que os economistas clássicos organizam a teoria do valortrabalho mostrando que todas as atividades em uma economia pro duzem valor e que a riqueza de uma nação é resultado dos valores de troca SANDRONI 2005 Além disso Adam Smith revelou que o crescimento da riqueza de uma nação depende basicamente da produtividade do trabalho que por sua vez é função do grau de especialização ou da divisão do trabalho determinado Economia política como campo científico 4 pela expansão do mercado e do comércio SMITH 1996 Por isso Adam Smith concluiu que era fundamental em qualquer nação a remoção de todas as barreiras ao comércio interno e externo Para ele essa política liberal conduziria invariavelmente ao desenvolvimento das forças produtivas e ao sucesso do que ele chamou de mão invisível Essas análises teóricas foram também defendidas por David Ricardo que colocou o trabalho como um determinante do valor de troca Em suas reflexões David Ricardo observou ainda uma contradição entre o valor de troca e o preço relativo das mercadorias que só seria resolvida anos mais tarde por Karl Marx ao analisar a transformação do valor de troca em preço de produção RASMUSSEN 2006 Além do mais David Ricardo formulou o conceito de vantagem comparativa e demonstrou que o comércio internacional é uma situação de ganhoganho para os países envolvidos Já Thomas Malthus acrescentou ao corpo teórico da economia clássica a perspectiva de que a produção de alimentos cresce em progressão aritmética enquanto a população tende a uma ampliação em progressão geométrica o que acarretaria pobreza e fome generalizada Para ele as pestes epidemias e mesmo as guerras encarregamse de equilibrar a situação O desdobramento econômico desse princípio da população é de que com o número de trabalhadores crescendo acima da proporção do aumento da oferta de trabalho no mercado o preço do trabalho o salário tende a cair ao mesmo tempo que o preço dos alimentos tenderá a elevarse SANDRONI 2005 p 508 Além disso Thomas Malthus demonstrou que o nível de atividade numa economia dependida da demanda efetiva uma ideia que mais tarde seria desenvolvida por Keynes Enquanto isso o industrial francês JeanBaptiste Say contribuiu com o pensamento clássico ao elaborar a Lei dos Mercados ou a chamada Lei de Say na qual a produção gera a sua própria demanda Assim isso impossibilitaria uma crise de superprodução Na época a Lei de Say provocou muita polêmica com outros pensadores clássicos como David Ricardo e Thomas Malthus mas tal conceito econômico seria posteriormente empregado por outras escolas do pensamento econômico como base para o conceito de equilíbrio econômico Say elaborou ainda a teoria dos três fatores de produção terra trabalho e capital e aprimorou a tradicional visão dos rendimentos ao incorporar as noções dos rendimentos do capital os denominados juros Para ele existiam na economia quatro tipos de rendimentos salários lucros aluguéis renda da terra e juros SILVA 2010 Outro importante pensador clássico foi John Stuart Mill que analisou principalmente as teses de Thomas Malthus e David Ricardo No que se refere 5 Economia política como campo científico à teoria do valor John Stuart Mill procurou demonstrar como o preço é deter minado pela igualdade entre demanda e oferta e como a demanda recíproca de produtos afeta os termos do intercâmbio entre os países Ele lançou também a ideia da elasticidade da demanda expressão introduzida mais tarde por Alfred Marshall para analisar as possibilidades alternativas de comércio Por fim cabe destacar que John Stuart Mill foi o único pensador clás sico a abandonar o rigor doutrinário do liberalismo e do individualismo Ele afirmava que deveria haver menor dependência da natureza e um maior grau de intervenção governamental para a resolução de determinados problemas econômicos Por exemplo John Stuart Mill defendia para contrabalançar o poder dos grandes empresários o fortalecimento dos sindicatos e o recurso da greve Defendia também que a renda por constituir um excedente deveria ser submetida à tributação SANDRONI 2005 SILVA 2010 As principais teorias da economia política A economia política faz uso de um amplo conjunto de categorias teóricas que além de indispensáveis para a compreensão da economia fazem referência ao próprio modo de ser dos homens e da sociedade NETTO BRAZ 2006 Isso quer dizer que a economia política busca entender as relações sociais próprias oriundas da atividade econômica capitalista Assim sendo fazse fundamental compreender três categorias teóricas da economia política que estão na base da atividade econômica capitalista 1 o trabalho que torna possível a produção de qualquer bem ou serviço 2 a lei do valor que constitui a noção de riqueza social e 3 a mercadoria o objeto indispensável para as relações de troca capitalista Veja a seguir uma síntese de cada uma dessas três categorias teóricas da economia política As teorias sobre o trabalho As condições materiais de existência e reprodução de uma sociedade são rea lizadas a partir da atividade que denominamos trabalho Em outras palavras é o trabalho que dá forma material e imaterial à sociedade capitalista o que signifi ca dizer que o trabalho viabiliza a satisfação das necessidades materiais e imateriais dos indivíduos que constituem uma sociedade Assim o trabalho no seu padrão natural seria aquele em que a sociedade transforma matérias naturais em produtos que atendam às suas necessidades Economia política como campo científico 6 No entanto o que a economia política chama de trabalho é algo substan cialmente mais complexo do que o trabalho no seu padrão natural Algumas questões foram teoricamente desenvolvidas para explicar que o trabalho em uma sociedade capitalista é muito mais do que uma ação imediata sobre o que é natural NETTO BRAZ 2006 Para iniciar o trabalho no capitalismo exige instrumentos que no seu desenvolvimento vão cada vez mais se interpondo entre os que o executam e a matéria natural Ou seja o trabalho vai se tornando cada vez mais dependente de instrumentosferramentas específicas A segunda questão teórica registrada pela economia política é de que o trabalho não se executa cumprindo determinações genéticas Ao contrário o trabalho passa a exigir habilidades e conhecimentos que se adquirem ini cialmente por repetição e experimentação e depois transmitemse mediante aprendizado Nesse sentido o aprendizado não se esgota em formas fixas O capitalismo exige quase sem limites o desenvolvimento de novas formas de trabalho gerando novas necessidades e por conseguinte novas formas de aprendizado Logo a prática do trabalho diferenciase e distanciase do padrão natural Assim segundo Marx 1983 p 149 o trabalho é um processo entre o homem e a natureza um processo em que o homem por sua própria ação regula e controla seu metabolismo com a natureza Não se trata das primei ras formas instintivas animais de trabalho Dessa maneira pressupomos o trabalho numa forma em que pertence exclusivamente ao homem No fim do processo de trabalho obtémse um resultado que já no início foi orientado pelo trabalhador Assim o trabalho é a atividade orientada a um fim para produzir valores de uso apropriação do natural para satisfazer as necessidades humanas condição universal do metabolismo entre o homem e a natureza condição natural da vida humana e portanto comum a todas as suas formas sociais MARX 1996 Na economia política é fundamental a distinção entre o sujeito aquele que realiza a ação do trabalho e o objeto a matéria o instrumento e ou o produto do trabalho Além do mais o trabalho é sempre uma atividade coletiva No capitalismo o sujeito nunca é um sujeito isolado mas sempre se insere num conjunto de outros sujeitos Essa é a divisão do trabalho que faz do caráter coletivo da atividade do trabalho aquilo que se denominou social NETTO BRAZ 2006 Isso revela que quanto mais o sujeito se humaniza quanto mais se torna ser social tanto menos o ser natural é determinante em sua vida Na prática qual foi o resultado desse fenômeno socioeconômico A alie nação isto é um fenômeno histórico característico de sociedades que têm 7 Economia política como campo científico em vigência a divisão social do trabalho e a propriedade privada dos objetos meios de produção Na prática a atividade do trabalhador não lhe pertence o trabalhador é expropriado dos resultados decorrentes dos seus esforços produtivos Resumindo o trabalho não é somente uma atividade específica de homens em sociedade mas é também o processo histórico pelo qual surgiu o ser desses homens o ser social É por meio do trabalho que dentro do modo de produção capitalista a humanidade se estabelece como tal Por isso a análise do trabalho é central nas teorias da economia política LANGE 1966 A questão da lei do valor O valor é um conceito fundamental da economia política No sistema ca pitalista as mercadorias são trocadas conforme a quantidade de trabalho socialmente necessário nelas investido Essa é a chamada lei do valor que como todas as leis econômicas não é descolada da história mas tem uma validez determinada Assim a lei do valor regula as relações econômicas da produção mercantil no capitalismo A lei do valor é no âmbito da produção de mercadorias o principal regulador efetivo da produção e da repartição do trabalho e funciona à revelia dos homens como algo completamente fora do seu controle ou domínio Isso acontece em razão da produção de mercadorias à base da divisão social do trabalho e da propriedade privada dos meios de produção desenvolverse quase que espontaneamente os produtores de mercadorias não se orientam segundo qualquer plano que indique a necessidade real de suas mercadorias e as levam ao mercado conforme o seu arbítrio Logo há conjunturas econômicas em que certas mercadorias são abundantes e outras praticamente desaparecem o que revela a desorganização do conjunto da produção NETTO BRAZ 2006 SILVA 2010 Desde Aristóteles começou a ser estabelecida uma distinção entre o valor de uso e o valor de troca Essa diferença é fundamental para compreender por que existe uma desorganização do conjunto da produção em qualquer tipo de sistema econômico e especialmente no sistema capitalista Enquanto o valor de uso revela as características físicas das mercadorias que as capacitam a ser usadas pelo homem ou seja para satisfazer suas necessidades de qualquer or dem materiais ou ideias o valor de troca indica a proporção em que os bens são trocados uns pelos outros direta ou indiretamente por intermédio do dinheiro Esses conceitos de valor de uso e valor de troca foram constantemente modificados na economia política ao longo dos séculos XVIII e XIX Por exemplo na economia política clássica Adam Smith desenvolveu a teoria Economia política como campo científico 8 do valortrabalho afirmando que o trabalho é a medida real e definitiva do valor das mercadorias distinguindose de seu preço nominal Já David Ricardo evidenciou que o próprio valor do trabalho variava com o preço dos bens necessários à subsistência ou sobrevivência dos trabalhadores o que se refletia no salário e no valor das mercadorias Enquanto isso na economia política marxista Marx 1996 definiu o valor pelo tempo de trabalho socialmente necessário à produção de uma mercadoria Assim da análise da força de trabalho como uma mercadoria do tipo es pecial Karl Marx extraiu a teoria da maisvalia Em contraposição surgiu no final do século XIX a economia política marginalista que subjetivou o conteúdo do valor fundamentandoo na utilidade marginal Sintetizando a lei do valor assumiu diferentes perspectivas sobre a realidade concreta O fenômeno da mercadoria Em termos práticos a mercadoria é uma unidade que sintetiza valor de uso e valor de troca No capitalismo a produção das mercadorias tem como condi ções indispensáveis a divisão social do trabalho e a propriedade privada dos meios de produção SILVA 2010 Sem tais condições pode haver bens com valores de uso mas não há produção dos valores de troca produção mercantil ou produção de mercadorias Segundo Marx 1996 a mais importante característica do capitalismo é ser um modo de produção de mercadorias Ou seja a riqueza das so ciedades em que domina o modo de produção capitalista aparece como uma imensa coleção de mercadorias e a mercadoria individual como sua forma elementar MARX 1983 p 45 Assim a mercadoria se apresenta como o principal elemento universal na sociedade capitalista e serve de mediação a todas as relações sociais Tudo isso parece muito óbvio porque nos remete a fenômenos cotidianos Nascemos crescemos vivemos e morremos em meio a mercadorias Nesse contexto aprendemos a comprar e a vender mercadorias Logo a troca é uma condição indispensável para a vida em sociedade e o intercâmbio mercantil é o ponto chave do modo de produção capitalista NETTO BRAZ 2006 Assim sem as mercadorias o capitalismo perde a sua razão de existência como um sistema econômico SILVA 2010 Lembrese de que a reprodução e a acumula ção do capital dependem das mercadorias inclusive da mercadoria dinheiro É importante destacar que só se constituem mercadorias aqueles valores de uso que podem ser replicados ou reproduzidos isto é produzidos mais de uma vez repetidamente Essa reprodução repetida tem o propósito de produzir 9 Economia política como campo científico a troca ou a venda sistemática Nesse contexto para que haja produção de mercadorias repetidas vezes é fundamental o desenvolvimento da divisão social do trabalho e a garantia de que haverá a propriedade privada dos meios de produção LANGE 1966 Dessa forma para que se produzam diferentes mercadorias é preciso que o trabalho esteja de algum modo dividido entre diferentes trabalhadores ou grupos de trabalhadores Mas essa condição necessária não é suficiente para a produção repetida de mercadorias A divisão social do trabalho deve articular se à propriedade privada dos meios de produção Em outras palavras só pode comprar ou vender qualquer tipo de mercadoria aquele que seja o seu dono e para tanto é indispensável que os meios ou os instrumentos de produção com os quais se produz pertençam a ele o dono SANDRONI 2005 Quando a propriedade dos meios de produção é coletiva mesmo que haja alguma divisão do trabalho a compra e a venda não são possíveis uma vez que o produto do trabalho pertence à coletividade No sistema capitalista a apropriação dos meios de produção é o que motiva os capitalistas a produzirem cada vez mais e a terem o direito legal de se apropriarem sempre da maisvalia resultante da troca de mercadorias A lei do valor é uma teoria muito polêmica e nisso destacase o paradoxo do valor Por exemplo por que os diamantes custam mais do que a água Apesar de os dia mantes valerem mais do que a água a água é mais útil do que os diamantes Em 1769 AnneRobertJacques Turgot observou que apesar de necessária a água não é tida como algo precioso num país com muita água Às vezes uma mina de diamante é mais estimada que uma mina de água Posteriormente Adam Smith levou adiante essa análise notando que embora nada seja mais útil que a água quase nada pode ser trocado por ela Ainda que um diamante tenha um valor bem pequeno quanto ao uso uma quantidade muito grande de outros bens costuma ser trocada por ele Resumindo nas teorias do valor existem contradições aparentes entre o valor de troca o preço e o valor de uso importância de certas mercadorias como é o caso do diamante e da água Liberalismo e democracia O liberalismo como pensamento econômico surgiu nos séculos XVII e XVIII Naquele momento as ideias liberais brotaram como substrato ideológico às Economia política como campo científico 10 revoluções que combatiam o antigo sistema absolutista que predominava na Europa fundamentalmente na França e na Inglaterra SANDRONI 2005 Além disso o pensamento econômico liberal constituiuse no contexto do nascimento do processo da Revolução Industrial Posteriormente entre os séculos XVIII e XIX o pensamento econômico liberal ganhou terreno no contexto da luta pela independência nos Estados Uni dos o que significa que o liberalismo permeou o mundo ocidental relevante durante quase três décadas lançando desdobramentos políticos econômicos e sociais sobre as sociedades em questão SILVA 2010 Nesse sentido foram os economistas clássicos que deram forma e conteúdo às doutrinas liberais isso inclui Adam Smith David Ricardo John Stuart Mill Thomas Malthus James Mill JeanBaptiste Say entre outros Diante disso quais são os principais princípios do pensamento liberal Vamos destacar quatro elementos básicos do liberalismo Lembrese de que o liberalismo originário defendeu os anseios de poder de uma burguesia nas cente ante uma aristocracia absolutista em decadência SANDRONI 2005 Primeiro o liberalismo defendeu a mais ampla liberdade individual o que inclui um amplo conjunto de liberdades que anteriormente eram sufocadas pelas monarquias absolutistas Ou seja o liberalismo não era somente econômico mas ainda político social religioso cultural entre outros SILVA 2010 Segundo o liberalismo deveria estar acoplado a um regime democrático representativo com separação e independência dos três poderes Executivo Legislativo e Judiciário Nesse sistema político acreditavase que o espírito liberal seria aflorado protegido e evoluído ao dar aos cidadãos a capacidade de guiar os seus próprios destinos Juntos liberalismo e democracia dariam lugar a um sistema liberaldemocrático Terceiro o liberalismo apoiava o direito inalienável à propriedade pri vada dos meios de produção Isso quer dizer que tudo na sociedade capitalista deve pertencer a algum proprietário privado em especial os meios de produção capital trabalho máquinas matériasprimas entre outros A lógica é a de que somente com a propriedade privada haverá desejo de produzir mercadorias e assim acumular capitais Por fim o liberalismo depende da livre iniciativa e da concorrência como princípios básicos capazes de harmonizar os interesses individuais e coletivos e logo gerar progresso social Teoricamente essa é a lógica introduzida por Adam Smith do laissezfaire laissezpasser deixar fazer deixar passar Em outras palavras o Estado não deve atrapalhar as iniciativas econômicas privadas A única função do Estado deve ser garantir a livre concorrência e 11 Economia política como campo científico o direito à propriedade privada quando essa for ameaçada por distúrbios e revoltas sociais SANDRONI 2005 SILVA 2010 Esses quatro princípios também deveriam ser aplicados nas relações comerciais internacionais Isso quer dizer que as práticas mercantilistas eram ultrapassadas e um atentado ao desenvolvimento da economia ca pitalista Em termos práticos o liberalismo significava o fim das barreiras alfandegárias e das tarifastaxas protecionistas Naquele contexto histórico do século XVII ao XIX a defesa do liberalismo era uma ação fundamen talmente da Inglaterra a nação mais industrializada da época e que tinha como estratégia colocar seus produtos em todos os mercados europeus e coloniais SANDRONI 2005 Com o avanço do sistema capitalista e a formação de monopólios e oligo pólios no final do século XIX e começo do século XX as ideias liberais foram cada vez mais entrando em contradição com a realidade concreta das econo mias Depois da Primeira Guerra Mundial o pensamento liberal entrou em crise e só foi retomado nos anos 1980 e 1990 sob o termo de neoliberalismo ou novo liberalismo Apesar disso a retórica do pensamento liberal atual mantémse mais no plano teórico do que na prática já que os Estados Modernos participam ativamente mediante o dirigismo da atividade econômica Democracia A democracia é um regime de governo que leva em consideração o direito de todos os cidadãos de participarem das decisões políticas de um país seja direta ou indiretamente DAHL 2012 SANDRONI 2005 É um regime político antigo que apareceu nas antigas cidadesestado da Grécia Antiga Naquele momento as decisões políticas eram tomadas diretamente pelos cidadãos gregos em cidadesestado onde a população era pequena Essa era a democracia direta BOBBIO 1998 Atualmente o regime democrático foi adotado por um amplo conjunto de Estados Nacionais Assim as práticas da participação nas decisões políticas foram transferidas das antigas cidadesestado para a escala maior do Estado Nacional abarcando mais população mais território e mais instituições políticas Na era moderna utilizase o regime da democracia representativa Ambos os casos democracia direta ou representativa confirmam a própria origem etimológica da expressão democracia demo que quer dizer povo e cracia que quer dizer governo Sendo assim a palavra democracia significa governo do povo Esse regime conforme Aristóteles Economia política como campo científico 12 destoava das outras duas formas clássicas de governo a monarquia que é o governo de um só e a aristocracia que é o governo dos nobres BOBBIO 1998 DAHL 2012 E você sabe a diferença entre a democracia direta e a democracia repre sentativa No regime democrático com participação direta o funcionamento é bem simples já que os cidadãos participam diretamente das decisões políticas No caso da democracia representativa a questão é um pouco mais complexa já que envolve um conjunto amplo de instituições políticas que garantem a viabilidade das decisões políticas Nesse sentido como funciona a democracia representativa Esse modelo de democracia desenvolveuse durante os séculos XVIII e XIX na Inglaterra nos Estados Unidos e na França O poder é dividido em três Executivo Legislativo e Judiciário Os dois primeiros poderes Executivo e Legislativo geralmente são eleitos diretamente pelos cidadãos Já o poder Judiciário é escolhido indiretamente pela cidadania via as indicações dos representantes do Executivo e Legislativo A instituição central do regime democrático participativo é o Parlamento ou o Congresso Nacional no qual se tomam decisões por maioria de votos No regime parlamentarista a autoridade máxima do Executivo que pode ser um presidente ou primeiroministro é escolhida a partir da coalizão que reúne uma maioria de legisladores No sistema democrático presidencialista o presidente do país é separadamente escolhido pelo voto direto dos cidadãos SANDRONI 2005 Qualquer que seja o formato do regime democrático adotado é essencial notar os elementos imperativos para a garantia do sistema como um todo São intrínsecos à democracia os seguintes elementos eleições livres diretas e regulares independência dos três poderes Executivo Legislativo e Judiciário sufrágio universal a todos os cidadãos preservação da liberdade de expressão de imprensa de organização de partidos políticos e de protesto e defesa dos direitos civis como um todo São esses cinco elementos que segundo alguns economistas garantem no regime político democrático o desenvolvimento e a expansão do regime econômico liberal O sistema liberaldemocrático retroalimenta a lógica po lítica e a lógica econômica que juntas desenvolvem as forças produtivas garantindo a ordem social política e econômica em questão 13 Economia política como campo científico BOBBIO N Dicionário de política Brasília Editora da UnB 1998 DAHL R A A democracia e seus críticos São Paulo Martins Fontes 2012 KISHTAINY N et al O livro da economia São Paulo Globo 2013 LANGE O Economía política problemas generales Buenos Aires Fondo de Cultura Económica 1966 MARX K O capital crítica da economia política São Paulo Nova Cultural 1996 MARX K O Capital Vol 2 3ª edição São Paulo Nova Cultural 1983 NETTO J P BRAZ M Economia política uma introdução crítica São Paulo Cortez 2006 RASMUSSEN U W Economia para nãoeconomistas a desmistificação das teorias econômicas São Paulo Saraiva 2006 RUBIN I I A history of economic thought London InkLinks 1979 SANDRONI P Dicionário de economia do século XXI Rio de Janeiro Record 2005 SILVA F P M O fator trabalho na teoria econômica Lauro de Freitas Editorial FPMS 2010 SMITH A A riqueza das nações São Paulo Nova Cultural 1996 Leituras recomendadas BELL J F História do pensamento econômico Rio de Janeiro Zahar 1961 POLANYI K A grande transformação Rio de Janeiro Campus 1980 Economia política como campo científico 14 Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem Na Biblioteca Virtual da Instituição você encontra a obra na íntegra Conteúdo SAGAH SOLUÇÕES EDUCACIONAIS INTEGRADAS HISTÓRIA MUNDIAL JORNADAS DO PASSADO AO PRESENTE CANDICE GOUCHER LINDA WALTON H I S T Ó R I A R E L A Ç Õ E S I N T E R N A C I O N A I S G688h Goucher Candice História mundial recurso eletrônico jornadas do passado ao presente Candice Goucher Linda Walton tradução Lia Gabriele Regius Reis revisão técnica Paulo Fagundes Visentini Dados eletrônicos Porto Alegre Penso 2011 Editado também como livro impresso em 2011 ISBN 9788563899477 1 História mundial I Walton Linda II Título CDU 94100 Catalogação na publicação Ana Paula M Magnus CRB 102052 HISTÓRIA MUNDIAL JORNADAS DO PASSADO AO PRESENTE 53 TECNOLOGIA E AMBIENTE ABASTECIMENTO DA INDÚSTRIA A demanda por ferro e aço acelerou na Euro pa depois dos anos 1000 dC devido a uma demanda crescente por armas de guerra con quistas e uma crescente necessidade da popu lação por mais implementos para a agricultura para o lar e para a indústria Como resultado a escassez de madeira para o carvão um ingre diente essencial do processo de fundição logo colocou em perigo a indústria de ferro da In glaterra e de outros países europeus Um efeito da falta de carvão vegetal foi mudar o centro da metalurgia do ferro de um país para outro A Suécia por exemplo que contava com ex tensas florestas bem como muito minério de ferro tornouse a líder da produção europeia de ferro no século XVIII tomando o lugar da Alemanha e da França Em países como a Grã Bretanha a falta de árvores resultou na substi tuição do carvão vegetal pelo mineral que era abundante na região A chave para o aumento da produção de ferro e aço uma vez que o maior processo estava em andamento era obviamente combustível mas o uso de carvão mineral apresentou proble mas complexos Em todos os estágios da confec ção do ferro e do aço o uso do carvão mineral prejudicou a qualidade do produto por introdu zir impurezas Em 1614 um método foi desco berto para o uso do carvão mineral na conversão de barras de ferro em um produto de alto car bono aço mas por quase cem anos nenhum avanço foi realizado em relação ao uso de carvão mineral nas fornalhas em que o ferro poderia ser derretido em grandes e contínuas quantidades No século XVII alguns cervejeiros em Derbyshire Inglaterra tentaram usar o carvão mineral para secar seu malte A presença do enxofre no carvão estragou o gosto da cerveja mas quando eles refinaram o carvão aquecen doo para produzir o coque um novo carvão combustível eles se livraram do enxofre e fer mentaram uma cerveja famosa Essa anedota industrial não deixou de ser notada pelos se dentos fabricantes de ferro que estavam ficando sem carvão vegetal A primeira experiência de sucesso com o coque na confecção de ferro foi conduzida pela Coalbrookdale em Shropshi re na Inglaterra em 1709 por Abraham Dar by 16771721 que havia trabalhado como aprendiz no moinho de malte de uma cerveja ria O uso do coque por Darby em sua fornalha não foi acompanhado rapidamente por outros por constituir um processo caro até a aplicação da força do vapor apenas outras seis fornalhas a coque foram construídas na GrãBretanha no meio do século seguinte A fundição do coque gradualmente abriu uma nova fase na tecnologia do ferro e disputou com a máquina a vapor o tí tulo de maior componente na Revolução Indus trial europeia que ocorreu entre 1750 e 1850 O que poderia ter acontecido se as indústrias de ferro do oeste africano tivessem explorado novas fontes de combustível na medida em que suas florestas diminuíram Essa não era uma opção já que não havia depósitos adequados de carvão mineral disponíveis para serem minerados Na China o uso muito mais adiantado do carvão mineral moldou a indústria do ferro fundido mas o desenvolvimento tecnológico ocorreu em um contexto econômico e político muito dife rente Dessa forma a Revolução Industrial favo receu as indústrias de algumas partes do mundo mais do que outras CIÊNCIA TECNOLOGIA E REVOLUÇÃO INDUSTRIAL As aplicações práticas da maior parte do conheci mento científico inicial dos europeus foram pou cas e espaçadas mas a revolução científica dos séculos XVI e XVII levaram a um novo hábito mental uma nova forma de analisar problemas particulares para resolvêlos Inovações tecnoló gicas aconteceram em esferas bem distantes das arenas bem comportadas e suavizadas da filosofia e da teoria cientificamente abstratas mas tam bém dependeram das habilidades de pesquisa e da racionalização da ciência Por exemplo oleiros e maquinistas eram membros da Real Socieda de Britânica e da Academia Francesa de Ciência 54 CANDICE GOUCHER E LINDA WALTON fundadas em 1660 e 1666 respectivamente e utilizavam a experimentação e a racionalização científica para resolver os grandes problemas tecnológicos relacionados à produção comercial e ao comércio internacional desde a reprodu ção da porcelana chinesa até a construção de relógios e brinquedos mecânicos Inovações que transformaram materialmente a Europa às vezes eram desenvolvidas em oficinas de artesãos sem instrução Tais inovações não eram baseadas em abstrações ou teorias mas sim na experiência do trabalho com os elementos comuns dos metais básicos e combustíveis fuliginosos Entre as im portantes mudanças tecnológicas europeias que acompanharam o desenvolvimento da ciência teórica estava a da metalurgia especialmente a produção do ferro Inovações na produção do ferro deram suporte aos avanços que tornaram possível a Revolução Industrial europeia Começando depois de 1700 o ímpeto da Revolução Industrial levou a exploração a níveis sem precedentes medidos pelos custos em re cursos humanos e naturais Muitas mudanças globais na cultura material podem ser ligadas ao surgimento do capitalismo industrial mundial No núcleo dessas transformações materiais es tavam profundas mudanças no modo como as pessoas percebiam a si mesmas em relação ao mundo natural Mudanças tecnológicas drás ticas e transformações igualmente drásticas na economia resultaram em modificações na orga nização física e social da vida Embora muitas dessas mudanças tenham ocorrido primeiro na Europa seu impacto não ficou restrito ao terri tório europeu Em todo o globo os produtos e o impacto do industrialismo alteraram a vida co tidiana A rapidez da mudança começou a criar uma consciência maior sobre a antiga experiên cia da globalização A aceleração da tecnologia no século XVIII foi denominada Revolução Industrial e como outras inovações agrupadas na história mundial ela forneceu novos materiais e meios de pro dução A Revolução Industrial não ocorreu de forma isolada mas logo teve um alcance global Inovações tecnológicas do século XVIII acom panhadas pela expansão do capitalismo revo lucionaram as primeiras sociedades europeias e americanas em sua relação com o mundo não europeu Outras partes do mundo logo a segui ram A Revolução Industrial também introdu ziu novas tecnologias do ferro na verdade os parâmetros da revolução podem ser definidos pela introdução do coque como substituto do carvão vegetal no processo de fundição sécu lo XVIII e eventualmente a perfeição de um processo novo e bemsucedido para a confecção do aço século XIX O escritor francês Émile Zola descreveu as potencialidades dessa era no romance Germinal 1885 Debaixo do sol flamejante naquela manhã de novo crescimento o campo vibrou com a música conforme seu ventre inchava com o negro e vingativo exército de homens germinando lentamente em seus sulcos crescendo e ascendendo em prontidão para as colheitas por vir até que um dia em breve sua maturação irá brotar da própria terra A abrangência das conquistas tecnológicas que começaram na metade do século XVIII sua relação com as mudanças econômicas globais e seu amplo impacto talvez justifiquem o uso do termo Revolução Industrial Global Energia de vapor As inovações tecnológicas no século XVIII ocorreram principalmente em indústrias como as de mineração metalurgia e têxteis A maior parte das inovações industriais foi produzida por mecânicos e artesãos ligados aos empreen dimentos cujas inovações eles ajudaram a trans formar A energia do vapor foi um pulo drásti co do controle do poder da água dos cavalos ou do calor controlar o vapor requeria aplicações mecânicas Já que o poder do vapor está muito mais associado à Revolução Industrial do século XVIII a construção da máquina a vapor em 1712 por Thomas Newcomen um mecânico pode ser encarada como seu evento inaugural todas as máquinas modernas seja nas fábricas ou aplicadas no transporte são descendentes da máquina de Newcomen As primeiras má HISTÓRIA MUNDIAL JORNADAS DO PASSADO AO PRESENTE 55 quinas a vapor eram máquinas puramente de bombeamento restritas às minas de carvão Não eram muito eficientes e eram muito caras de operar Por fim suas aplicações iriam criar poderosas ferramentas para a expansão da Eu ropa e para o processo de urbanização e indus trialização global Novas máquinas criaram a revolução têxtil mas não antes de serem controladas pela máqui na de Watt Um maquinário dirigido por uma força nova que era responsável pelo incremen to da produção têxtil dependeu da crescente disponibilidade de metais particularmente do ferro Dessa forma as inovações na metalurgia eram tão importantes quanto a máquina a va por na gênese da Revolução Industrial Mas o problema da diminuição dos suprimentos de combustível permaneceu como obstáculo prin cipal da produção em grande escala A substi tuição do carvão vegetal pelo coque forneceu combustível para a ampla aplicação do vapor à revolução industrial Sem os crescentes supri mentos de ferro Watt e Boulton não poderiam ter produzido máquinas a vapor em uma escala comercial e sem essas máquinas a transforma ção europeia da indústria doméstica para o sis tema fabril seria difícil de imaginar Igualmente importantes eram as fontes de capital trabalho e matériaprima bem como os mercados que consumiam a crescente produção Servindo como base de todas essas inovações estava o mercado de escravos do Atlântico que forneceu mão de obra e mercados e produziu capital para o investimento na indústria CAPITALISMO INDUSTRIAL TRANSPORTE E PRODUÇÃO A demanda por produção crescente e o surgi mento dos mercados globais estavam no nú cleo do novo sistema de capitalismo industrial ver Capítulo 6 A habilidade de capitalizar no mercado global e explorar recursos globais dependeu de novas formas de transporte Me lhorias no transporte afetaram todos os tipos de produção industrial A movimentação eficiente e barata de mercadorias foi instrumento do for necimento dos suprimentos necessários para o aumento da produção e para a satisfação da de manda do mercado necessária para sustentálo Essas mudanças tecnológicas ocorreram em um contexto global Em 1829 uma prática loco motiva a vapor foi desenvolvida por George Ste phenson na Inglaterra e pouco tempo depois a construção de ferrovias aconteceu rapidamente Apenas na Inglaterra os trilhos cresceram de 78 Km em 1830 para 24000 Km em 1870 No final desse século a Europa estava unida por uma rede de linhas de ferro e em 1905 os via jantes poderiam ir de Paris até Moscou e Vladi vostok no Pacífico ao longo da extensão 9288 Km ou 5772 milhas da ferrovia Siberiana Im perialistas na África sonharam com uma versão dessa ferrovia entre a cidade do Cabo e o Cairo Igualmente importante para o crescimen to industrial na Europa foi o desenvolvimento Figura 24 O aço trabalhado de Edgar Thompson O artista Joseph Pennel 18571926 esboçou a realidade da indústria de aço local capturando sua precária aproximação das linhas de força e dos sistemas de transporte bem como seu impacto visível na linha do horizonte e na paisagem 56 CANDICE GOUCHER E LINDA WALTON de um prático barco de alto mar a vapor que tornou todas as partes do mundo prontamen te disponíveis como fontes de matériaprima e mercados para produtos acabados das fábricas europeias Já em 1785 um barco a vapor havia viajado no Rio Potomac nos Estados Unidos mas menos de 60 anos depois linhas regulares de barcos a vapor transatlânticos foram inaugu radas e as aplicações no comércio e no correio logo se seguiram Mais do que qualquer outra invenção a estrada de ferro veio para simboli zar o alcance global da Revolução Industrial As ferrovias se espalharam pela América no Norte e Europa A ferrovia Transcontinental nos Estados Unidos estava completa em 1869 quando os trilhos conectaram Omaha a Sacramento 2826 km ou 1756 milhas e a Expresso do Orien te originalmente 1869 ligou Paris a Istambul 2254 km Estradas de ferro também ligaram partes do interior das colônias africanas até por tos na costa e aprofundaram o controle militar da Ásia imperial Essas inovações se basearam no ferro e no carvão mineral As demandas por suprimentos e mercado rias acabadas dobravam em poucos anos com a expansão dos mercados globais Por exemplo a produção de ferro basicamente na era da má quina aumentou 100 vezes no século XIX Ino vações na metalurgia um importante aspecto do começo da revolução industrial no século XVIII continuaram no século XIX Um engenheiro in glês Henry Bessemer 18131883 patenteou um processo para a conversão eficiente do ferro para o aço duro em 1856 e mais ou menos ao mesmo tempo Willian Siemens 18231883 um alemão que havia se estabelecido na Ingla terra aperfeiçoou um processo alternativo Essas inovações por sua vez dependeram de novas fontes de combustível Muitas indústrias novas apareceram nas décadas posteriores a 1850 e essa tendência se acelerou no século XX TRANSFORMAÇÕES GLOBAIS Entre as mais importantes indústrias que apa receram na segunda metade do século XIX es tavam aquelas ligadas a novas fontes de energia como a eletricidade Dínamos geradores elétri cos capazes de fornecer energia e motores con versão da eletricidade para motores mecânicos eram melhorados e multiplicados e novos tipos de máquinas resultaram em um desenvolvimen to da produção industrial inédito durante a fase inicial da Revolução Industrial capitalista do século XVIII Esse status era especialmente ver dadeiro para a máquina de combustão interna que resultaria no triunfo dos veículos motoriza dos do século XX e que entre outras coisas cau sou o salto da produção mundial de petróleo em 1000 nos primeiros 30 anos do século XX Ao mesmo tempo um crescimento eviden te de indústrias de consumo essencial ocorreu produzindo utilidades para o conforto indi vidual que em muito melhoraram o estilo e o padrão da vida material primeiro em grande parte do ocidente e posteriormente em todo o mundo Por exemplo em 1879 Thomas A Edison 18471931 patenteou a maior de suas invenções a lâmpada incandescente que rapidamente se tornou um luxo necessário A fabricação de tecidos como a da seda real patenteada pelo químico francês Hilaire Char donnet 18361931 e os corantes artificiais fizeram artigos finos tornaremse disponíveis de forma mais ampla e barata Nenhuma des sas mudanças tecnológicas ocorreu sem o acesso aos produtos de alcance global especialmente aqueles tropicais como o óleo de palmeira e a borracha Dessa forma a Revolução Industrial foi uma questão global mas seu impacto não foi sentido de forma igual por todas as nações A exploração das novas plantações comerciais industriais substituiu a produção agrícola local de subsistência em favor dos empreendimentos de manufatura em todo o mundo especialmen te nas colônias europeias com consequências crescentes para as relações de dependência e o subdesenvolvimento de grande parte do planeta ver Capítulo 8 A refrigeração primeiramente utilizada em navios em 1877 foi um acréscimo imensurável para a disponibilidade e variedade de bens co mestíveis A Guiana Britânica na América do Sul poderia comer maçãs verdes congeladas HISTÓRIA MUNDIAL JORNADAS DO PASSADO AO PRESENTE 57 a fruta da América do Norte carregadas no gelo em navios a vapor enquanto crianças em Detroit comiam laranjas tropicais O planeta tornouse o jardim para os trabalhadores urba nos industriais que não podiam produzir sua própria comida nas cidades em rápida expansão em que estavam confinados Um membro da rica elite em inúmeras cidades mundiais pode ria sentar para uma refeição extraída dos cinco continentes e plebeus que poderiam custear tal refeição podiam ceder ao desejo de alimentos e suprimentos que até reis de eras anteriores não poderiam sequer imaginar Fornalhas de queima de carvão e óleo mantinham as pessoas aque cidas e confortáveis e trens navios bondes bicicletas e a seu tempo o automóvel permiti ram que a população se locomovesse O impac to de uma variedade de inovações tecnológicas deveria fazer com que os caprichos da natureza fossem uniformemente hospitaleiros indepen dentemente do clima e da estação dia ou noite 188 CANDICE GOUCHER E LINDA WALTON A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL A aceleração da tecnologia europeia no século XVIII foi tamanha que ficou conhecida como uma Revolução Industrial ver Capítulo 2 Sob o impacto das mudanças tecnológicas e do capitalismo em expansão primeiro as economias europeias depois aquelas ao redor do globo fo ram transformadas Inovações tecnológicas no século XVIII ocorreram principalmente em in dústrias como a de mineração de metalurgia e de têxteis Antes da revolução têxtil os tecidos eram produzidos por trabalhadores em casa utilizando matériasprimas fornecidas por mercadores que então recolhiam os tecidos acabados As mulheres enrolavam os fios e os homens geralmente faziam a tecelagem A localização organização e produ tividade das indústrias mudaram drasticamente durante a Revolução Industrial A introdução de novos equipamentos de enrolar e tear na Europa no começo do século XVIII iniciou o processo de mudança da produção têxtil de casa para as fábricas No caso da produção de têxteis o novo maquinário não só retirou o trabalho de casa e HISTÓRIA MUNDIAL JORNADAS DO PASSADO AO PRESENTE 189 das vilas agrícolas mas também algumas vezes reverteu as tarefas tradicionalmente baseadas em gêneros na fábrica industrializada enrolar os fios virou trabalho de homens e não de mulheres pois acontecia fora do ambiente doméstico A fá brica substituiu a casa como local de trabalho exigindo que um grande número de trabalhado res se deslocasse até a cidade diariamente ou se mudasse para lá A instituição distintiva da Revolução In dustrial capitalista foi o sistema fabril de pro dução no qual os trabalhadores eram colocados juntos em prédios durantes horas fixas de labor em máquinas movidas por energia elétrica As fabricas eram contudo lentas na substituição da indústria doméstica onde os trabalhadores fiavam e teciam em seus próprios lares utili zando seus próprios roteadores e teares Exceto na fiação e tecelagem do algodão já nos anos de 1830 muitos empregadores continuaram achando a indústria doméstica mais lucrativa e preferiram a produção em pequenas lojas em vez do empreendimento de grandes fábricas Conforme as fábricas se multiplicavam jovens aprendizes muitos deles mulheres que não tinham qualquer compromisso com os modos antigos de produção substituíram os artesões tradicionais e os antigos trabalhado res O trabalho na fábrica significava a perda da independência dos artesões e frequentemente um reajustamento das relações familiares pois a produção saiu de casa e alterou os papéis dos trabalhadores individuais Em 1831 um comi tê governamental na Inglaterra investigando o trabalho infantil na indústria têxtil descobriu as duras circunstâncias da vida cotidiana de mui tas jovens crianças condenadas a trabalhar nas fábricas para complementar a renda da família Muitas pessoas compararam a fábrica com o trabalho doméstico onde os pobres ou doen tes eram mandados para trabalhar Muitos do nos de fábrica que se acreditavam justos moral e também fisicamente mantinham o controle e a disciplina de seus trabalhadores introduzin do rígidos códigos de trabalho que regulavam cada aspecto da rotina da fábrica bem como as horas após as atividades Apesar da relutância de alguns empreendedores e da resistência de alguns trabalhadores na metade do século XIX o sistema fabril tornouse o modo comum de produção e os industriais capitalistas que pos suíam fábricas organizavam e controlavam a vida econômica cultural e até mesmo religiosa das comunidades fabris No século XIX o impacto da Revolução Industrial foi percebido ao redor do globo No Brasil a manufatura têxtil competiu com a da capital da metrópole Lisboa No Japão a rápida industrialização foi encorajada após as políticas governamentais Meiji após 1868 A produ ção de seda tradicionalmente foi o trabalho de mulheres japonesas Quando as fábricas foram construídas elas atraíram um grande número de mulheres muito jovens que trabalhavam longas horas em péssimas condições Às mulheres eram repassados os empregos mais monótonos e com salários mais baixos enquanto os homens deti nham posições especializadas A divisão desigual do trabalho continuou século XX adentro No Japão e ao redor do globo a fábrica substituiu o lar como local de trabalho exigindo que um grande número de trabalhadores viajasse diaria mente para a cidade ou se mudasse para lá A migração do trabalho e do capital redundou nas forças que reconhecemos como globalização a interconexão de pessoas tecnologia e ideias Inovações trouxeram possibilidades que esten deram o alcance do capital global A industria lização exigiu recursos de lugares longínquos o algodão do Egito e da Índia alimentou das fábricas da Inglaterra a borracha e o óleo dos trópicos abasteceram as máquinas da América e do Japão A demanda de larga escala por mer cadorias apressou a velocidade da mudança nos sistemas de transporte e comunicação CAPITALISMO A Revolução Industrial esteve intimamente li gada ao sistema econômico do capitalismo o uso ou investimento do dinheiro para gerar lucro A primeira forma de capitalismo foi o agrícola na qual a riqueza era feita a partir da terra e investida em suas melhorias e expansão 190 CANDICE GOUCHER E LINDA WALTON Figura 64 Ichiyosai Kuniteru O interior de uma fábrica de seda japonesa 1870 Kuniteru era um artista da impressão com blocos de madeira na tradição de Hiroshige Hokusai e outros que retrata ram as paisagens da vida rural e urbana do Japão tradicional nos século XVIII e XIX Em contraste Kuniteru era conhecido por seus retratos da vida industrial e das influências ocidentais no Japão do final do século XIX HISTÓRIA MUNDIAL JORNADAS DO PASSADO AO PRESENTE 191 A agricultura localizada e autossuficiente foi substituída lentamente pela agricultura com vistas ao mercado que exigia investimento de capital O capitalismo comercial se desenvolveu com a reanimação medieval tardia das cidades e do comércio e floresceu como resultado da exploração do comércio e da colonização glo bal iniciada no século XVI Antes desse século o poder dos monarcas dependia de suas rela ções com a aristocracia agráriamilitar com o desenvolvimento do capitalismo comercial os monarcas foram apoiados por mercadores par ceiros no mercantilismo O capitalismo industrial tomou forma ao final do século XVIII e no começo do século XIX juntamente com a fronteira atlântica do oeste da Europa e talvez antes e com mais su cesso na Inglaterra O capitalismo industrial foi o resultado de muitos fatores incluindo o cres cimento econômico encorajado pelo governo o comércio de larga escala a disponibilidade de excedente de capital e as inovações tecnológicas que se desenvolveram cumulativamente desde o século XVI Desenvolveuse antes na indústria de ferramentas que são básicas a todas as for mas de produção industrial e de têxteis que su priam as vastas demandas do mercado Empre endimento como a mineração e a metalurgia que eram subsidiárias da produção de maquiná rio e têxtil também foram essenciais ao primi tivo desenvolvimento do capitalismo industrial Ao fim do século XVIII o investimento de capital na indústria muito do qual era derivado do comércio e da agricultura começou a vasta expansão que tornaria o capitalismo industrial a forma dominante de capitalismo ao final do século XIX na Europa Formas antigas de ca pitalismo foram gradualmente englobadas pelo capitalismo financeiro no qual os banqueiros e financistas investiam na indústria no comércio e até mesmo na agricultura Capitalistas finan ceiros combinaram grandes corporações e imen sas concentrações de dinheiro em atividades econômicas que eram cada vez mais globais e interligadas com a expansão dos EstadosNação nas Américas na Ásia e na África IMPERIALISMO E COLONIALISMO COMO SISTEMAS ECONÔMICOS Conforme foram sendo atingidos os limites do capitalismo industrial nas economias europeias durante a segunda metade do século XIX mer cados e recursos alternativos tiveram de ser en contrados no alémmar Enquanto havia pelo menos uma pequena possibilidade de utilização mais intensiva dos recursos da Europa cada vez mais os europeus voltaramse à exploração de outras partes do mundo No final do século XIX o imperialismo europeu completou o pro cesso de dominação do mundo que começou com a abertura da fronteira atlântica no século XVI Empurrados pelo capitalismo industrial e pelas NaçõesEstado o novo imperialismo dis seminou tanto o industrialismo como o nacio nalismo por todo o mundo Os europeus pouco perceberam e menos esperaram que ambos pudessem por fim ser usados por não europeus para desafiar e reajustar a posição da Europa no mundo O comércio transatlântico de escravos foi central ao desenvolvimento e crescimento co mercial capitalista na África Central e do Oes te Até mesmo depois da abolição da escravidão pelas potências europeias começando por volta de 1807 a dependência das sociedades africa nas do trabalho escravo não desapareceu A era do comércio de escravos foi seguida pela era do comércio legítimo um período entre 1800 e 1870 durante o qual as iniciativas econômicas afroeuropeias foram forçadas a encontrar ou tros produtos para substituir as cargas humanas ilegais Em quase todos os casos os produtos vendidos nos mercados internacionais eram agrícolas ou florestais cultivados ou coletados para exportação à Europa Eles incluíam ma deira borracha óleo de palmeira minérios e marfim Até quando os escravos já não eram mais exportados a escravidão e outras formas de trabalho forçado continuaram essenciais à produção e ao transporte de mercadorias Esse período também foi chamado de período de im pério informal sugerindo que as relações econô Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem Na Biblioteca Virtual da Instituição você encontra a obra na íntegra HISTÓRIA MODERNA Caroline Silveira Bauer Adam Smith e o pensamento econômico moderno Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto você deve apresentar os seguintes aprendizados Definir as bases do pensamento de Adam Smith em relação à inter ferência do Estado em assuntos econômicos Caracterizar a estrutura econômica apresentada por Adam Smith em oposição ao mercantilismo Relacionar a influência da fisiocracia na teoria e na organização eco nômica promovida por Adam Smith Introdução O pensamento do escocês Adam Smith representa um marco na história as ideias econômicas e políticas por sua sistematização da crítica ao sis tema mercantilista e por apresentar outros critérios para que seja aferida a riqueza das nações Influenciado pelas transformações ocorridas na sociedade inglesa no século XVIII principalmente a Revolução Industrial Smith apresenta em sua obra reflexões sobre o liberalismo e o trabalho e seu trabalho tornouse uma referência para posteriores corroborações de suas ideias e para seus críticos também Neste capítulo você vai conhecer as formulações econômicas e polí ticas de Adam Smith no que diz respeito às suas críticas ao mercantilismo e à defesa de princípios liberais da economia assim como sua proposta de Estado e seu relacionamento com o sistema econômico Além disso vai ver qual foi o impacto da fisiocracia na elaboração de seu pensamento e em que pontos há uma aproximação ou um distanciamento entre suas ideias e as dos fisiocratas 1 Adam Smith e o Estado liberal Adam Smith nasceu em 1723 em Kirkcaldy na Escócia Estudou em univer sidades escocesas e inglesas e em 1748 tornouse professor em Edimburgo Posteriormente já na Universidade de Glasgow lecionou fi losofi a moral o que teria um peso bastante importante no desenvolvimento de suas teorias econômicas Em 1759 publicou A teoria dos sentimentos morais obra que o tornou conhecido em círculos intelectuais europeus Após uma estadia de estudos na França lançou a obra Investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações em 1776 Além das atividades como acadê mico foi nomeado diretor da alfândega escocesa em 1778 morreu em 1790 SMITH 1986 O nome Adam Smith 2009 está indissoluvelmente ligado à sua obra prima Riqueza das Nações que levou mais de vinte e cinco anos para ser escrita Sua significação é múltipla revolucionou o pensamento político da época e fundou uma nova ciência a economia política a primeira das ciências humanas a se separar da filosofia A influência do cientificismo e do racionalismo é bastante evidente em sua obra Nesse sentido Adam Smith é celebrado como um dos que mais contribuíram para que a economia surgisse enquanto área autônoma do conhecimento humano pois este autor desempenhou um papel pioneiro no estudo e na expli cação dos fenômenos e princípios econômicos Por meio do método indutivo a partir de uma evidente influência da abordagem utilizada por Isaac Newton no campo da física Smith buscou elaborar para os fenômenos sociais aquilo que Newton elaborou para os naturais Smith buscou explicitar as bases que sustentam a vida em sociedade VARGAS 2014 p 192 Antes de Smith a economia era debatida por filósofos como David Hume 17111776 John Locke 16321704 e Condillac 17151780 e por teóricos ou homens práticos como Thomas Mun 15711641 Somente com François Quesnay 16941774 líder da escola de pensamento francesa fisiocrata é que estudiosos começaram a se ocupar especificamente com a economia buscando enquadrála em um sistema de conceitos e leis Foi Smith no entanto que com sua obra lançou as bases da nova ciência Todos os economistas desde então partiram da problemática e dos enfoques que se encontram em Riqueza das Nações partindo de Malthus 17661834 David Ricardo 17721823 e Karl Marx 18181883 Segundo Nunes 2006 p 75 Adam Smith e o pensamento econômico moderno 2 A economia política por sua vez é considerada por Smith como a ciên cia de um estadista cujo objetivo fundamental consiste em aumentar a riqueza e o poder nacionais O que se esboça aqui é a íntima relação entre o Estado e a atividade econômica A ciência econômica assume o objetivo de indicar a maneira como deve o Estado agir para promover o aumento da riqueza Podemos afirmar que a produção intelectual de Adam Smith atentava para os problemas intelectuais originários das transformações econômicas e políticas que a Inglaterra e a Europa Ocidental enfrentavam nos séculos XVII e XVIII Para Smith a Revolução Industrial e as consequentes transformações na economia e nas relações de trabalho e produção somente foram possíveis a partir da consolidação da liberdade após o fim do Absolutismo e o declínio do poder da nobreza e pela segurança que as leis deram à manutenção da propriedade e da livreiniciativa ARTHMAR 2016 Assim o papel do Estado para Adam Smith seria garantir a defesa do território realizar obras de infraestrutura e garantir a justiça não intervindo ou intervindo minimamente no campo econômico Isso porque Smith defen dia que a economia separada do Estado funciona de acordo com as suas próprias leis leis naturais leis de validade absoluta e universal a ordem natural harmoniza todos os interesses a partir da natural atuação de cada um no sentido de obter o máximo de satisfação com o mínimo de esforço NUNES 2006 p 44 A vida económica assim entendida é o fundamento da sociedade civil o princípio da própria existência do estado cujas funções devem restringirse ao mínimo compatível com a sua capacidade para garantir a cada um e a todos em condições de plena liberdade o direito de lutar pelos seus interesses como melhor entender Adam Smith é considerado o pai da doutrina do estado mínimo e é muitas vezes invocado nesta qualidade paternal para justificar as propostas dos neoliberais dos nossos dias NUNES 2006 p 45 Quanto às obras públicas Smith defendia que era uma obrigação do Estado oferecer uma série de serviços públicos principalmente nos quais o lucro jamais poderia compensar a despesa para qualquer indivíduo ou pequeno número de indivíduos não se podendo portanto esperar a sua criação e ma nutenção por parte de qualquer indivíduo ou pequeno número de indivíduos NUNES 2006 p 48 Nesse sentido além de garantir a administração da justiça e a defesa da sociedade o Estado deveria possuir outras instituições e outros serviços para instruir a população promover o comércio 3 Adam Smith e o pensamento econômico moderno O pensamento político de Adam Smith é costumeiramente associado ao Estado mínimo e à não intervenção na economia Contudo diferentes pesquisadores propõem outra leitura para a obra de Smith já que o próprio autor afirma que a mão invisível não consegue harmonizar satisfatoriamente os interesses opostos dos indivíduos e dos grupos econômicos CORAZZA 1984 p 75 isso porque Smith era consciente da divisão e da divergência entre as classes É nesse contexto da sociedade real que o Estado assume um papel relevante no sentido de impedir que esses conflitos prejudiquem o desenvolvimento da acumulação de capital CORAZZA 1984 p 75 Nesse sentido os exemplos de possíveis intervenções do Estado na economia fornecidos pelo próprio Smith são vários a regulamentação compulsória das hipotecas a execução legal dos contratos o controle estatal da cunhagem de moeda a taxação sobre a venda a varejo de bebidas alcoólicas visando a impedir a prolife ração de bares taxas diferenciais sobre cerveja e aguardente taxas mais elevadas para aqueles que exigiam o pagamento de aluguéis em espécie como meio de desencorajar uma prática que era prejudicial aos inquilinos em casos especiais apoiou incentivos sobre a exportação de milho taxas sobre manufaturas estrangeiras concessão de monopólios temporários a grupos de comerciantes que enfrentavam um grande risco em um novo empreendimento privilégios aos inventores de novas máquinas e aos autores de novos livros CORAZZA 1984 p 82 Resumindo Smith atribuía ao Estado três deveres assegurar a justiça garantir a segurança e realizar obras públicas Aqui é importante concebermos segurança não somente no que diz respeito à criminalidade mas à riqueza nacional contra os ataques externos e garantia à propriedade privada contra os ataques internos CORAZZA 1984 p 80 como forma de promover e proteger a produção e o trabalho No pensamento de Smith no entanto o aumento da riqueza nacional depende muito mais de outros fatores do que da intervenção do Estado Esses fatores são a divisão do trabalho e a acumulação de capital O que o Estado deve fazer antes de tudo é não opor obstáculos ao livre desenvolvimento das forças que operam no seu interior e por si mesmas são capazes de promover o crescimento econômico da nação CORAZZA 1984 p 75 Adam Smith e o pensamento econômico moderno 4 2 A concepção econômica de Smith O pensamento e as práticas econômicas predominantes na Europa na época de Smith formavam o conjunto de doutrinas conhecido por mercantilismo A riqueza era concebida como somatório de fatores determinantes para uma economia mercantil comércio exterior moeda volume de metais preciosos balança comercial favorável Em outras palavras o crescimento da riqueza de um país era decorrente da intensifi cação do comércio e do fl uxo de metais preciosos para as metrópoles lembremos da importância do colonialismo para esse sistema As práticas mercantilistas advieram da centralização do poder político e da formação e do fortalecimento das monarquias nacionais que unificaram o sistema monetário tributário e de pesos e medidas impulsionando as práticas comerciais na transição da Idade Média para a Idade Moderna Isso represen tou benefícios para a ascendente burguesia ao mesmo tempo que garantiu o apoio desse setor ao rei Dessa forma criaramse monopólios por meio de acordos e tratados estabeleceramse tarifas de importação e exportação e houve restrições alfandegárias e leis de navegação tudo para manter a balança comercial favorável O mercantilismo não esteve isento de críticas e de adaptações conforme as realidades específicas de cada um dos países que adotaram essas práticas Contudo as transformações advindas do paulatino processo de industrialização exigiram mudanças na forma de relacionamento entre o Estado e a economia e entre as classes sociais que não viam mais a estrutura estatal como uma aliada para a defesa de seus interesses e sua filosofia principalmente o individualismo De acordo com Dobb 1977 p 77 o principal foco da crítica de Adam Smith era o mercantilismo que para o autor escocês consistia numa falaciosa identificação da riqueza com a moeda e na suposição de que acumular ouro e prata em qualquer país era a maneira mais fácil de o enriquecer O mer cantilismo atentaria quanto à liberdade natural aplicada ao comércio externo e interno aniquilando as vantagens da livre concorrência e da autorregulação dos preços bem como a ampliação progressiva da divisão do trabalho e por consequência do aperfeiçoamento das forças produtivas Smith em sua teoria econômica pretendia estabelecer uma harmonia natural entre o interesse individual e o interesse coletivo sendo esse equilíbrio a força motriz do liberalismo econômico CORAZZA 1984 p 76 Contudo há um forte direcionamento para as iniciativas do indivíduo que para Smith 5 Adam Smith e o pensamento econômico moderno seria mais eficiente que o Estado na gestão econômica Em relação à economia portanto o Estado deveria respeitar as leis de mercado que são suficientes para organizar a oferta e a demanda os preços e as relações de trabalho O desenvolvimento da riqueza nacional possui um curso natural que o Go verno deve respeitar Todo o sistema que procura direcionar o crescimento do capital através de estímulos extraordinários ou através de restrições na realidade age contra o objetivo que deseja alcançar Assim em vez de acele rar contribui para o retardamento do desenvolvimento da riqueza social O Estado deve deixar a atividade econômica andar por si mesma por duas razões primeiro porque a produção da riqueza não necessita da intervenção estatal e depois porque mesmo que o Estado quisesse auxiliála não teria condições de fazêlo melhor que os indivíduos CORAZZA 1984 p 79 Como se disseminaram os ideais de Adam Smith na América Latina De acordo com Belchior 1977 as perspectivas liberais de Adam Smith chegaram à América Latina ainda no século XVIII quando as primeiras manifestações contra o colonialismo estavam despertando nas colônias espanholas e portuguesa No Brasil há diferentes referências de que Claudio Manuel da Costa um dos líderes da Inconfidência Mineira 1789 teria traduzido Riqueza das Nações para o português o que lhes interessava por legitimar as críticas ao monopólio da coroa portuguesa em relação ao comércio exterior E como Adam Smith chegou à elaboração de sua crítica ao sistema mercan til Para fundamentar sua concepção de um mercado autorregulado Smith faz uma reconstituição histórica juntamente com uma análise econômica sobre as práticas econômicas desenvolvidas pelas diferentes sociedades ao longo da história bem como sobre as instituições operantes naquela conjuntura como a Companha das Índias Orientais a Igreja Católica e a universidade BIANCHI SANTOS 2005 Para Smith diferentemente dos mercantilistas que asseguravam que a riqueza das nações se encontrava no comércio e na posse de metais preciosos o fundamento da riqueza estava na divisão do trabalho e nas relações de produção já que a especialização do trabalhador traz consigo enorme ganho de produtivi dade Se antes um homem precisava ele mesmo construir sua casa fazer suas roupas preparar sua comida e seus utensílios numa sociedade com divisão Adam Smith e o pensamento econômico moderno 6 do trabalho ele pode dedicarse exclusivamente ao ofício em que se tornará mais produtivo de modo que poderá trocar sua produção por muito mais bens do que se ele tivesse tentado ele mesmo produzir cada bem BIANCHI SANTOS 2005 p 10 Diferentes autores argumentam que essa concepção de riqueza é inseparável dos preceitos morais que orientavam o pensamento de Smith que podem ser aproximados das transformações nas mentalidades decorrentes desde o Re nascimento e que culminam com os princípios iluministas Assim não é raro encontrar em sua obra adjetivos como parcimônia e prudência em relação ao investimento nas atividades produtivas ou desequilíbrio e preguiça em referência aos gastos com a prestação de serviços e itens supérfluos Esse padrão reproduzse em muitas passagens da obra em que Smith con trapõe o comportamento prudente e sábio dos investidores com a atitude preguiçosa dos proprietários de terra argumentando que o primeiro tipo de comportamento deveria gradualmente imporse sobre o último Nos vários trechos em que compara a elite dos donos de terra aos homens de negócios os últimos são enaltecidos por sua pontualidade eficiência e sabedoria A presença de mãos improdutivas é relacionada a padrões feudais e ao estilo de vida ocioso e desfrutável da aristocracia agrária enquanto a sociedade atual é mais industriosa por haver menos gente empregada na manutenção da ociosidade BIANCHI SANTOS 2005 p 11 Nessa conjugação entre a economia e a moral Smith afirma que a me lhor política para a prevenção de crimes era o incentivo ao comércio e às manufaturas porque a possibilidade de trabalho estimularia os indivíduos a melhorar suas condições de subsistência BIANCHI SANTOS 2005 além de promover a justiça social 3 Os fisiocratas e o pensamento de Smith Os fi siocratas foram uma corrente de pensamento originariamente francesa que apresentaram fortes críticas às práticas mercantilistas desenvolvidas na França Para eles a sociedade era regida por leis naturais e dessa forma o Estado não deveria intervir nesse funcionamento natural É dessa compreensão que partiriam suas críticas às práticas mercantilistas principalmente ao intervencio nismo na economia explicitando as características liberais de seu pensamento O surgimento dessas teorias estava em consonância com a realidade fran cesa do século XVIII por observação empírica formularam a ideia de que 7 Adam Smith e o pensamento econômico moderno só a produção agrícola poderia produzir excedentes e havia uma classe de proprietários de terra que dela vivia exclusivamente DOBB 1977 Podemos citar como alguns de seus principais representantes Vincent de Gournay 17121759 a quem é atribuída a frase laissezfaire laissezpasser utilizada em referência ao funcionamento autônomo da economia Jacques Turgot 17271781 e François de Quesnay 16941774 que era médico da corte de Luis XV Laissezfaire tornouse o lema dos fisiocratas franceses que viveram na época de Gournay Eles são importantes porque constituem a primeira escola de economistas Formavam um grupo que a partir de 1757 se reunia regularmente sob a presidência de François Quesnay para examinar problemas econômicos Os membros da escola escreveram livros e artigos pedindo a eliminação das restri ções defendendo o comércio livre o laissezfaire HUBERMAN 1985 p 149 A principal crítica dos fisiocratas em relação ao mercantilismo residia na compreensão da riqueza Embora os economistas de hoje discordem de muitos aspectos da teoria fisiocrata atribuemlhe o mérito de mostrar que a riqueza de um país não deve ser estimada como uma soma fixa de mercadorias acumuladas mas sim pela sua renda não como um estoque mas como um fluxo HUBERMAN 1985 p 151 Diferentemente dos defensores do mercantilismo que acreditavam que a riqueza de uma nação advinha do comércio e da quantidade de metais preciosos que um país possuía os fisiocratas atribuíam a riqueza de uma nação à agricul tura pois se conseguia excedentes de produção sem muito esforço produtivo Os fisiocratas chegaram à sua fé no comércio livre por um caminho indireto Acreditavam acima de tudo na inviolabilidade da propriedade privada parti cularmente na propriedade privada da terra Por isso acreditavam na liberdade o direito do indivíduo fazer de sua propriedade o que melhor lhe agradasse desde que não prejudicasse a outros Atrás de sua argumentação a favor do comércio livre está a convicção de que o agricultor devia ter permissão para produzir o que quisesse para vender onde desejasse Naquela época não só era proibido mandar cereais para fora da França sem pagar imposto como o próprio trânsito do produto de uma parte do país para outra era taxado A isso se opunham os fisiocratas HUBERMAN 1985 p 149 Para os fisiocratas a produtividade natural da terra é um dom da natureza dom que só pode ser aproveitado pelos que trabalham na agricultura o que significa que só o trabalho agrícola se configura por isso mesmo como trabalho produtivo é capaz de produzir um produto líquido NUNES 2006 p 1 Adam Smith e o pensamento econômico moderno 8 De acordo com Huberman 1985 os fisiocratas abordavam os problemas econômicos da França a partir de seus efeitos na agricultura já que afirmavam que a terra era a única fonte de riqueza e o trabalho rural o único trabalho realmente produtivo Mirabeau outro fisiocrata do período afirmou nosso camponês em sua capacidade de lavrador dedicase ao trabalho produtivo e é apenas desse trabalho que procuramos lucro descontadas as despesas em sua qualidade de tecelão o trabalho que executa é estéril desempenha uma parte na totalidade dos serviços mas nada produz MIRABEAU apud HUBERMAN 1985 p 150 Além disso embora concordassem que os artesãos possuíam um papel importante na transformação da matériaprima entendiam que isso não gerava riqueza pois o trabalho era mais caro que o produto produzido ou seja a indústria era estéril a agricultura era proveitosa HUBERMAN 1985 p 151 E quais foram as críticas apontadas por Smith em relação ao fisiocracismo Para o autor escocês a riqueza das nações não derivava da agricultura propriamente dita mas das relações de produção estabelecidas no campo ou seja do trabalho essa crítica aos fisiocratas seria fundamental para a constituição de sua teoria econômica Contudo Smith não conseguiu se distanciar por completo do contexto cultural em que estava inserido e boa parte de sua teoria traz marcas do fisiocracismo Em suas obras reconhece a importância da teoria Esse sistema porém com todas as suas imperfeições é talvez o que mais se aproxima da verdade dentre os já publicados sobre a questão da Economia Política Embora ao representar o trabalho da terra como o único produ tivo as noções que inculca são talvez demasiado estritas e confinadas no entanto ao representar a riqueza das nações como formada não das riquezas de dinheiro que não podem ser consumidas mas pelos bens consumíveis anu almente reproduzidos pelo trabalho da sociedade e ao representar a liberdade perfeita como o único recurso eficiente para aumentar a produção anual da melhor forma possível sua doutrina parece ser sob todos os pontos de vista tão exata quanto generosa e liberal sd apud HUBERMAN 1985 p 151 De acordo com Nunes 2006 p 53 Smith foi dominado pela visão fisiocrá tica de uma sociedade que funciona perfeitamente por si como um organismo natural na qual não deve tocarse para não a descontrolar Essa influência é corroborada por Carvalho et al 2013 para quem Smith herda dos fisiocratas a tríade produçãodistribuiçãoconsumo para compreender as relações econô micas bem como a ideia de livre iniciativa de produção e comércio e por fim proporá a substituição da ordem natural fisiocrática para a mão invisível 9 Adam Smith e o pensamento econômico moderno ARTHMAR R Hume Smith e as etapas da sociedade comercial Economia e Sociedade Campinas v 25 n 1 123 abr 2016 BELCHIOR E O A introdução das ideias de Adam Smith no Brasil Revista Brasileira de Economia Rio de Janeiro v 31 n 1 p 2130 janmar 1977 BIANCHI A M SANTOS A T L A Adam Smith filósofo e economista Cadernos IHU Idéias ano 3 n 35 2005 CARVALHO D G et al A influência fisiocrata no pensamento de Adam Smith In CONGRESSO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS 2 Francisco BeltrãoPR 02 03 e 04 de outubro de 2013 CORAZZA G Estado e liberalismo em Adam Smith Ensaios FEE Porto Alegre v 5 n 2 p 7594 1984 DOBB M Teorias do valor e distribuição desde Adam Smith Rio de Janeiro Martins Fon tes 1977 HUBERMAN L História da riqueza do homem Rio de Janeiro Zahar 1985 NUNES A J A A filosofia social de Adam Smith Boletim de Ciências Econômicas v 49 p 156 2006 SMITH A Riqueza das nações uma investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações São Paulo Madras 2009 SMITH A Riqueza das Nações Rio de Janeiro Ediouro 1986 VARGAS J A unidade da obra de Adam Smith uma interpretação A Economia em Revista v 22 n 2 p 191206 dez 2014 Leituras recomendadas BIANCHI A M A préhistória da economia de Maquiavel a Adam Smith São Paulo Hucitec 1988 BRUE S L A história do pensamento econômico 6 ed São Paulo Thomson 2005 CASSIRER E A filosofia do iluminismo Campinas Unicamp 1994 CERQUEIRA H Adam Smith e seu contexto o iluminismo escocês Economia e sociedade v 15 n 1 p 128 2006 HUNT E K SHERMAN J S História do pensamento econômico Petrópolis Vozes 2010 Adam Smith e o pensamento econômico moderno 10 Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados e seu fun cionamento foi comprovado no momento da publicação do material No entanto a rede é extremamente dinâmica suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo Assim os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade precisão ou integralidade das informações referidas em tais links 11 Adam Smith e o pensamento econômico moderno Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem Na Biblioteca Virtual da Instituição você encontra a obra na íntegra Conteúdo SAGAH SOLUÇÕES EDUCACIONAIS INTEGRADAS

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A CRISE FINANCEIRA GLOBAL E DEPOIS UM NOVO CAPITALISMO Luiz Carlos BresserPereira Resumo A crise financeira global de 2008 foi conseqüência do proces so de financeirização a criação maciça de riqueza financeira fictícia iniciada da década de 1980 e da hegemonia de uma ideologia reacionária o neoliberalismo baseada em mercados autoregulados e eficientes Dessa crise emergirá um novo capitalismo embora sua natureza seja de difícil previsão Não será financeirizado mas serão retomadas as tendên cias presentes nos trinta anos dourados em direção ao capitalismo global e baseado no conhecimento além da tendên cia de expansão da democracia tornandoa mais social e participativa Palavraschave Crise financeira desregulação neoliberalismo financeirização coalizão política AbstRAct The 2008 global financial crisis was a consequence of the processes of financialization the massive creation of fictitious financial wealth which began in the 1980s and of the hegemony of a reactionary ideology neoliberalism based on the belief of the selfregulating capacity and efficiency of markets From this crisis a new capitalism will emerge althought its chacarteristics are hard to foresee It will not be financial but the tendencies of the 30 golden years toward global and knowledgebased capitalism and the tendency of expansion of democracy will be among them Keywords Financial crisis neoliberalism deregulation financialization political coalition Novos esTUdos 86 MarÇo 2010 51 A crise bancária que teve início em 2007 e tornouse uma crise global em 2008 provavelmente representará uma virada na história do capitalismo Além de ser a crise econômica mais severa enfrentada pelas economias capitalistas desde 1929 é também uma crise social que segundo previsões da Organização Internacional do Trabalho elevou o número de desempregados de cerca de 20 milhões para 50 milhões ao fim de 2009 Segundo a FAO com a queda da renda dos pobres devido à crise e a manutenção dos preços internacionais de mercadorias alimentares em níveis elevados o número de pessoas desnutridas no mundo aumentou em 11 em 2009 e pela primeira vez superou um bilhão As perguntas levantadas por essa crise pro funda são muitas Por que aconteceu Por que as teorias as organiza ções e as instituições que emergiram das crises anteriores não a impe Uma versão ampliada deste artigo aparecerá no livro Depois da crise a China no centro do mundo a ser publi cado pela editora da Fundação Getúlio Vargas no segundo semestre de 2010 04NEC86Bresserp49a73indd 51 050410 1100 52 a crIse FINaNceIra GloBal e dePoIs UM Novo caPITalIsMo Luiz Carlos BresserPereira diram Terá sido inevitável dada a natureza instável do capitalismo ou foi conseqüência de desdobramentos ideológicos perversos desde a década de 1980 Dado que o capitalismo é um sistema econômico essencialmente instável existe a tentação de dar resposta afirmativa a essa pergunta mas isso seria um erro Neste artigo resumirei a grande mudança dos mercados financeiros mundiais que ocorreu após o fim do sistema de Bretton Woods em 1971 e a associarei à financeirização e à hegemonia de uma ideologia reacionária o neoliberalismo A financei rização será aqui entendida como um arranjo financeiro distorcido baseado na criação de riqueza financeira artificial ou seja riqueza fi nanceira desligada da riqueza real ou da produção de bens e serviços O neoliberalismo por sua vez não deve ser compreendido apenas como um liberalismo econômico radical mas também como uma ideologia hostil aos pobres aos trabalhadores e ao Estado de bemestar social Sustentarei que esses desdobramentos perversos e a desregulação do sistema financeiro combinados com a recusa de se regular inovações financeiras posteriores foram os novos fatos históricos responsáveis pela crise O capitalismo é intrinsecamente instável mas uma crise tão profunda e danosa quanto a atual era desnecessária poderia ter sido evitada se o Estado democrático tivesse sido capaz de resistir à desregulação dos mercados financeiros Dos tRintA Anos DouRADos à eRA neolibeRAl A crise global de 2008 começou como costumam começar as crises financeiras em países ricos e foi causada pela desregulação dos mer cados financeiros e pela especulação selvagem que essa desregulação permitiu A desregulação foi o fato histórico novo que abriu as portas para a crise Uma explicação alternativa sustenta que a política mone tária do US Federal Reserve Bank depois de 20012002 manteve as taxas de juros baixas demais por tempo demais o que teria levado ao grande aumento da oferta de crédito necessário para produzir os eleva dos níveis de alavancagem associados à crise Entendo que a estabili dade financeira exige limitar a expansão de crédito enquanto a política monetária prescreve manter a expansão do crédito durante as reces sões mas não se pode inferir que a prioridade atribuída a esta última tenha causado a crise Tratase de uma explicação conveniente para macroeconomistas neoclássicos para quem apenas choques exóge nos uma política monetária equivocada no caso são capazes de causar uma crise que do contrário os mercados eficientes evitariam A política de expansão monetária conduzida por Alan Greenspan pre sidente do Federal Reserve pode ter contribuído para a crise Mas as expansões de crédito são fatos comuns que nem sempre levam a crises ao passo que uma desregulação profunda como a que se deu na década 04NEC86Bresserp49a73indd 52 050410 1100 Novos esTUdos 86 MarÇo 2010 53 1 Buiter Willen Central banks and financial crises Kansas City Symposium of the Federal Reserve Bank Kansas City 2008 ago 2123 p 106 Disponível em wwwkansas cityfedorgpublicatsympos2008 Buiter090608pdf de 1980 é um fato histórico novo de monta que ajuda a explicar a crise O erro de política que Alan Greenspan reconheceu publicamente em 2008 não se relacionava com sua política monetária mas com o apoio que deu à desregulação Em outras palavras Greenspan reconheceu a captura do Fed e dos bancos centrais em geral por um setor financei ro que sempre exigiu a desregulação Como observou Willen Buiter num simpósio posterior à crise realizado no Federal Reserve Bank os grupos de interesse ligados ao setor financeiro não se dedicam a corromper as autoridades monetárias mas essas autoridades interna lizaram como que por osmose os objetivos interesses e percepções da realidade adotados por interesses privados que deveriam regular e monitorar em nome do interesse público 1 Em países em desenvolvimento as crises financeiras costumam ser crises de balança de pagamentos ou monetárias e não bancárias Embora os atuais e elevados déficits em conta corrente dos Estados Unidos associados aos elevados superávits em conta corrente dos países asiáticos em crescimento acelerado e de países exportadores de commodities tenham causado um desequilíbrio financeiro global ao enfraquecerem o dólar americano a atual crise não se originou desse desequilíbrio A única ligação entre o desequilíbrio e a crise financeira está em que os países que apresentavam elevados déficits em conta corrente eram também aqueles em que empresas e famílias estavam mais endividadas e que teriam maiores dificuldades de recuperação enquanto nos países superavitários ocorria o contrário Quanto maior a alavancagem das instituições financeiras e não financeiras e das fa mílias de um país mais severo será o impacto da crise sobre sua eco nomia nacional A crise financeira geral partiu da crise dos subprimes ou mais precisamente de hipotecas oferecidas a clientes de qualidade de crédito inferior que eram depois agrupadas em títulos complexos e opacos cujo risco associado era de avaliação difícil senão impossível para os compradores Tratavase de um desequilíbrio em um minús culo setor que em tese não deveria ter causado tamanha crise mas o fez porque nos anos anteriores o sistema financeiro internacional fora tão intimamente integrado em um esquema de operações financeiras securitizadas que era essencialmente frágil principalmente porque as inovações e a especulação financeiras tornaram o sistema financeiro como um todo altamente arriscado A chave para entender a crise global de 2008 é situála historica mente e reconhecer ter sido conseqüência de um grande passo atrás especialmente para os Estados Unidos O desenvolvimento capita lista no país foi muito bemsucedido após sua independência e des de o princípio do século XX representou uma espécie de padrão para os demais países a escola da regulação francesa chama o período que principia naquele momento de regime fordista de acumulação Na 04NEC86Bresserp49a73indd 53 050410 1100 54 a crIse FINaNceIra GloBal e dePoIs UM Novo caPITalIsMo Luiz Carlos BresserPereira 2 Cf Galbraith John K The new industrial state Nova York Mentor Books 1979 1967 BresserPereira Luiz Carlos A emergência da tecno burocracia In Tecnoburocracia e con testação Rio de Janeiro Vozes 1972 pp 17140 Offe Claus Disorganized capitalism Ed John Keane Cambrid ge UK Polity Press 1985 Lash Scott e Urry John The end of organized capi talism Cambridge Polity Press 1987 3 Ou os 30 anos de glória do capi talismo como costuma ser chamado o período na França Stephen Mar glin Lessons of the golden age an overview In Marglin e Schor Juliet B eds The golden age of capitalism Oxford Clarendon Press 1990 pp 138 foi provavelmente o primeiro cientista social a utilizar a expressão era dourada do capitalismo 4 Um momento clássico dessa co alizão foi o acordo firmado em 1948 pelo sindicato United Auto Workers e as empresas do setor automotivo que garantiu aumentos salariais propor cionais aos ganhos de produtividade 5 Por economia do desenvolvi mento designo a contribuição de economistas como RosensteinRo dan Ragnar Nurkse Gunnar Myrdal Raul Prebisch Hans Singer Celso Furtado e Albert Hirschman Chamo desenvolvimentismo a estratégia de desenvolvimento encabeçada pelo Estado que resultou da análise eco nômica e política desses autores 6 O ensino de economia nos curso de graduação é mais correto porque neles as expectativas racionais e os modelos envolvendo otimização ma temática estão geralmente ausentes medida em que concomitantemente emergiu uma classe de profis sionais liberais situada entre a classe capitalista e a trabalhadora em que os executivos profissionais das grandes corporações obtiveram autonomia em relação aos acionistas e a burocracia pública que gere o aparelho do Estado aumentou em tamanho e influência outros ana listas o chamaram de capitalismo organizado ou tecnoburocrá tico2 O sistema econômico desenvolveuse e tornouse complexo A produção deslocouse das empresas familiares para organizações empresariais grandes e burocráticas dando origem a uma nova classe de profissionais liberais Esse modelo de capitalismo enfrentou seu pri meiro grande desafio quando o crash da bolsa de 1929 transformouse na Grande Depressão da década de 1930 Na década de 1970 o quadro alterouse com a transição dos 30 anos dourados do capitalismo 19481977 para o capitalismo financeiri zado ou capitalismo encabeçado pelo setor financeiro um modo de capitalismo intrinsecamente instável3 Enquanto a era dourada foi marcada por mercados financeiros regulados estabilidade finan ceira elevadas taxas de crescimento econômico e uma redução da desigualdade o oposto ocorreu nos anos do neoliberalismo as taxas de crescimento diminuíram a instabilidade financeira aumentou rapidamente e a desigualdade cresceu privilegiando principalmen te os dois por cento mais ricos de cada sociedade nacional Embora a redução das taxas de crescimento e lucro ao longo da década de 1970 nos Estados Unidos e a experiência da estagflação tenham levado a uma crise muito menor do que a Grande Depressão ou a atual crise financeira global esses fatos históricos novos foram o bastante para levar o sistema de Bretton Woods ao colapso e desen cadear a financeirização e a contrarevolução neoliberal ou neocon servadora Não foi coincidência que os dois países desenvolvidos de pior desempenho econômico na década de 1970 os Estados Unidos e o Reino Unido tenham originado o novo arranjo eco nômico e político Nos Estados Unidos após a vitória de Ronald Reagan nas eleições presidenciais de 1980 vimos a subida ao poder de uma coalizão política de rentistas e financistas que defendiam o neoliberalismo e a prática da financeirização em lugar da antiga coalizão capitalistaprofissional de altos executivos da classe mé dia e do trabalho organizado que caracterizara o período fordista4 Assim na década de 1970 a macroeconomia neoclássica substituiu a keynesiana e os modelos de crescimento substituíram a economia do desenvolvimento5 como o mainstream ensinado nos cursos de pósgraduação das universidades6 Não apenas economistas neo clássicos como Milton Friedman e Robert Lucas mas os da Escola Austríaca Friedrich Hayek e da Escola da Escolha Pública James Buchanan conquistaram influência e com a colaboração de jorna 04NEC86Bresserp49a73indd 54 050410 1100 Novos esTUdos 86 MarÇo 2010 55 7 A economia neoclássica abusou da matemática Ainda assim embora seja uma ciência social substantiva que adota um método hipotéticode dutivo não deve ser confundida com a econometria que também faz uso extensivo da matemática mas na medida em que se trata de uma ciên cia metodológica o faz de forma legí tima Os econometristas costumam acreditar ser economistas neoclássi cos mas na verdade são economistas empíricos que ligam pragmaticamen te variáveis econômicas e sociais cf BresserPereira The two methods and the hard core of economics Journal of Post Keynesian Economics 2009 vol 31 nº 3 pp 49322 8 Hilferding Rudolf El capital financiero Madri Editorial Tecnos 1963 1910 9 Gerald E Epstein que editou Fi nancialization and the world economy define financeirização de maneira mais ampla financeirização significa o maior papel dos motives financeiros dos mercados financeiros dos agentes financeiros e das instituições finan ceiras na operação das economias domésticas e internacional Epstein Introduction financialization and the world economy In Financiali zation and the world economy Chelte nham Edward Elgar 2005 p 3 listas e outros intelectuais públicos conservadores construíram a ideologia neoliberal com base nas antigas idéias do laissezfaire e numa economia matemática que oferecia legitimidade científica ao novo credo7 O objetivo explícito era reduzir os salários indiretos por meio da flexibilização das leis de proteção ao trabalho fos sem as que representavam custos diretos para as empresas fossem as que envolviam a redução dos benefícios sociais proporcionados pelo Estado O neoliberalismo também procurava reduzir o porte do aparelho do Estado e desregular todos os mercados principalmen te os financeiros Alguns dos argumentos usados para justificar a nova abordagem foram a necessidade de motivar o trabalho duro e recompensar os melhores a defesa da viabilidade dos mercados autoregulados e dos mercados financeiros eficientes a alegação de que há apenas indivíduos e não uma sociedade a adoção do indivi dualismo metodológico ou de um método hipotético dedutivo em ciências sociais e por fim a negação do conceito de interesse público que apenas faria sentido se houvesse de fato uma sociedade Com o capitalismo neoliberal emergiu um novo regime de acu mulação a financeirização ou capitalismo encabeçado pelo setor financeiro O capitalismo financeiro antevisto por Rudolf Hilfer ding8 em que o capital bancário e o industrial se fundiriam sob o controle do primeiro não chegou a ocorrer mas materializaramse a globalização financeira a liberalização dos mercados finan ceiros e um grande aumento dos fluxos financeiros em torno do mundo e o capitalismo encabeçado pelo setor financeiro ou ca pitalismo financeirizado Suas três características centrais são um enorme aumento do valor total dos ativos financeiros em circulação no mundo como conseqüência da multiplicação dos instrumentos financeiros facilitada pela securitização e pelos derivativos a sepa ração entre a economia real e a economia financeira com a criação descontrolada de riqueza financeira fictícia em benefício dos ren tistas capitalistas e um grande aumento da taxa de lucro das insti tuições financeiras sobretudo de sua capacidade de pagamento de grandes bonificações aos operadores financeiros por sua habilidade de aumentar as rendas capitalistas9 Outra maneira de expressar a profunda mudança dos mercados financeiros associada à financei rização é dizer que o crédito deixou de se basear principalmente em empréstimos de bancos a empresas no contexto do mercado finan ceiro regular para se basear cada vez mais em títulos negociados por investidores financeiros fundos de pensão fundos de hedge fundos mútuos nos mercados de balcão A adoção de inovações financei ras complexas e obscuras combinada com um enorme aumento do crédito sob a forma de títulos levou àquilo que Henri Bourguinat e Eric Brys chamaram uma disfunção generalizada do genoma das 04NEC86Bresserp49a73indd 55 050410 1100 56 a crIse FINaNceIra GloBal e dePoIs UM Novo caPITalIsMo Luiz Carlos BresserPereira 10 Bourguinat H e Brys E Larrogance de la finance comment le théorie financière a produit le krach Pa ris La Découverte 2009 p 45 11 Guttmann R A primer on financeled capitalism and its crisis Revue de la Régulation 2008 nº 34 p 11 12 Cintra Marcos Antonio Macedo e Farhi Maryse A crise financeira e o shadow banking Novos Estudos Cebrap 2008 nº 82 pp 3555 p 36 13 Nas palavras de Marx Com o desenvolvimento do capital remune rado a juros e do sistema de crédito todo o capital parece duplicarse e em alguns pontos triplicarse por meio das diversas maneiras pelas quais o mesmo capital ou até a mesma ti tularidade surge em diversas mãos sob diferentes formas A maior parte desse capitalmoeda é puramente fictícia Capital Londres Penguin Books vol III 1981 1894 p 601 14 Ver Roche David e McKee Bob New monetarism Londres Indepen dent Strategy 2007 p 17 Em 2007 a soma da dívida securitizada era três vezes maior do que em 1990 e o total dos derivativos seis vezes maior finanças10 na medida em que tal mistura de inovações financei ras ocultava e ampliava o risco envolvido em cada inovação Essa mistura combinada com a especulação clássica levou o preço dos ativos financeiros a aumentar ampliando artificialmente a riqueza financeira ou o capital fictício que se expandiu a uma taxa muito mais elevada do que a da produção ou riqueza real Nesse proces so especulativo os bancos representaram um papel ativo porque como destaca Robert Guttmann a fenomenal expansão do capital fictício foi assim sustentada por bancos que direcionaram muito crédito aos compradores de ativos para financiar suas transações especulativas com alto grau de alavancagem e portanto em escala muito ampliada11 Dada a competição vinda dos investidores ins titucionais cuja participação no crédito total não deixou de cres cer os bancos comerciais decidiram participar do processo e usar o shadow bank system ou sistema bancário paralelo que estava sendo desenvolvido para limpar de seus balanços patrimoniais os ris cos envolvidos nos novos contratos isso se faz pela transferência das inovações financeiras arriscadas a investidores financeiros as securitizações os swaps de inadimplência em crédito e os veículos especiais de investimento12 A incrível rapidez que caracterizava o cálculo e a transação desses contratos complexos negociados em todo o mundo foi possível naturalmente graças à revolução da tec nologia da informação com o respaldo de computadores poderosos e softwares inteligentes Em outras palavras a financeirização foi ali mentada também pelo progresso tecnológico A principal contribuição de Adam Smith à economia foi a dis tinção entre a riqueza real baseada em produção e a riqueza fictícia Marx no volume III de O Capital enfatizou essa distinção com seu conceito de capital fictício que corresponde em linhas gerais ao que chamo de criação de riqueza fictícia associada à financeirização o aumento artificial do preço dos ativos como conseqüência do au mento da alavancagem Marx referiuse à expansão do crédito que mesmo em seu tempo fazia com que o capital parecesse duplicar ou mesmo triplicar13 A multiplicação agora é muito maior se to marmos como base a oferta de moeda nos Estados Unidos em 2007 US94 trilhões a dívida securitizada naquele ano era quatro ve zes maior e a soma dos derivativos dez vezes maior14 A revolução que representou a tecnologia da informação foi evidentemente instrumental para essa mudança não só ao garantir a velocidade das transações financeiras mas também ao permitir complicados cálculos de risco que embora incapazes de evitar a incerteza intrín seca envolvida em eventos futuros conferiu aos jogadores a sensa ção ou a ilusão de que suas operações eram prudentes e pratica mente livres de risco 04NEC86Bresserp49a73indd 56 050410 1100 Novos esTUdos 86 MarÇo 2010 57 15 UNCTAD The global economic crisis systemic failures and multila teral remedies Genebra Organiza ção das Nações Unidas Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento 2009 p XII Por meio de inovações financeiras arriscadas o sistema financeiro como um todo composto de bancos e investidores financeiros pode criar riqueza fictícia e capturar uma maior fatia da renda nacional ou da riqueza real Como indicou um relatório da UNCTAD Um núme ro excessivo de agentes procurava extrair retornos de dois dígitos de um sistema econômico que cresce apenas na faixa de um dígito15 A riqueza financeira tornouse autônoma da produção Como mostra a Figura 1 entre 1980 e 2007 os ativos financeiros cresceram cerca de quatro vezes mais que a riqueza real o crescimento do PIB Assim a financeirização não é apenas um dos nomes feios criados por econo mistas de esquerda para caracterizar realidades confusas É o processo legitimado pelo neoliberalismo por meio do qual o sistema financei ro que é não apenas capitalista mas também liberal cria riqueza fi nanceira artificial E mais é também o processo pelo qual os rentistas associados aos profissionais liberais do setor financeiro conquistam o controle sobre uma parte substancial do excedente econômico que a sociedade produz e a renda se concentra nos um ou dois por cento mais ricos da população Na era do domínio neoliberal os ideólogos do neoliberalismo afir mavam que o modelo anglosaxônico era o único caminho que levava ao desenvolvimento econômico Um dos muitos exemplos patéticos dessa alegação foi a afirmação por parte de um jornalista de que to dos os países estavam sujeitos a uma camisadeforça de ouro o modelo anglosaxônico de desenvolvimento Isso era evidentemente falso como demonstrava o rápido crescimento dos países asiáticos mas sob a influência dos Estados Unidos muitos países agiam como FIGUra 1 riqueza financeira e riqueza real Fonte McKinsey Global Institute 04NEC86Bresserp49a73indd 57 050410 1100 58 a crIse FINaNceIra GloBal e dePoIs UM Novo caPITalIsMo Luiz Carlos BresserPereira 16 Bordo M e outros Is the crisis problem growing more severe Eco nomic Policy 2001 abr pp 5382 17 Reinhart e Rogoff Banking cri ses an equal opportunity menace NBER Working Paper 2008 nº 14587 dez Apêndice p 6 18 Idem This time is different Eight Centuries of financial folly Princeton Princeton University Press 2009 p 74 Fig 53 se a isso estivessem sujeitos Para medir o grande fracasso econômico do neoliberalismo compreender o mal causado por esse comporta mento global temos apenas que comparar os trinta anos dourados com os trinta anos neoliberais Em termos de instabilidade financeira embora seja sempre problemático definir e medir crises financeiras fica claro que sua incidência e freqüência aumentaram muito segundo Bordo e outros16 enquanto no período de 1945 a 1971 o mundo passou por apenas 38 crises financeiras entre 1973 e 1997 passou por 139 de las ou seja no segundo período houve entre três e quatro vezes mais crises do que no primeiro Segundo um critério diferente Reinhart e Rogoff17 identificaram apenas uma crise bancária de 1947 a 1975 e 31 de 1976 a 2008 A Figura 2 que apresenta dados desses mesmos autores mostra a proporção de países com crises bancárias de 1900 a 2008 ponderada pela participação na renda mundial o contraste entre a es tabilidade da era de Bretton Wood e a instabilidade posterior à libera lização financeira é impressionante Com base no livro recentemente lançado por esses autores18 calculei a porcentagem de anos em que países enfrentaram uma crise bancária nesses dois períodos de igual número de anos O resultado confirma a diferença absoluta entre os trinta anos gloriosos e a era da financeirização no período entre 1949 e 1975 a soma de pontos percentuais atingiu 18 contra 361 no período FIGUra 2 Proporção de países em crise bancária 19002008 ponderada por participação na renda mundial Fonte Reinhart Carmen N e Rogoff Kenneth S Banking crises an equal opportunity menace NBER Working Paper 2008 nº 14587 dez p 6 Nota A amostra abrange todos os 66 países listados na Tabela A1 da fonte citada que eram estados independentes no ano respectivo Foram usados três conjuntos de ponderações pelo PIB 1913 pesos para o período de 1800 a 1913 1990 para o período entre 1914 e 1990 e finalmente 2003 para o período de 1991 a 2006 Os dados de 2007 e 2008 elencam crises na Áustria na Bélgica na Alemanha na Hungria no Japão na Holanda na Espanha no Reino Unido e nos Estados Unidos A figura apresenta uma média móvel de três anos 04NEC86Bresserp49a73indd 58 050410 1100 Novos esTUdos 86 MarÇo 2010 59 19 Forneço os dados aplicáveis a seguir 20 Boyer Robert Dehove Mario e Plihon Dominique Les crises financiè res Paris La Documentation Françai se 2005 p 23 a partir de 1976 Associado a isso as taxas de crescimento caíram de 46 ao ano nos trinta anos durados 19471976 para 28 nos trin ta anos que se seguiram E para completar a desigualdade que para surpresa de muitos diminuíra nos trinta anos dourados aumentou fortemente no período pósBretton Woods19 Boyer Dehove e Plihon depois de documentar o aumento da instabilidade financeira desde a década de 1970 e principalmente nas décadas de 1990 e 2000 observou que essa sucessão de crises bancárias nacionais poderia ser encarada como uma crise global ori ginada nos países desenvolvidos e que se alastrou para os países em desenvolvimento os países recentemente financeirizados e os países em transição20 Em outras palavras no contexto do neoliberalismo e da financeirização o capitalismo passava por mais do que apenas crises cíclicas estava experimentando uma crise permanente O ca ráter perverso do sistema econômico global que o neoliberalismo e a financeirização produziram tornase evidente ao considerarmos os salários e a alavancagem no núcleo do sistema os Estados Unidos Uma crise financeira é por definição uma crise causada pela má alo cação de crédito e aumento da alavancagem A atual crise originouse em hipotecas que as famílias tomadoras deixaram de pagar e na frau de com subprimes A estagnação dos salários na era neoliberal ex plicada não exclusivamente pelo neoliberalismo mas também pela pressão sobre os salários exercida pelas importações baseadas em mãodeobra barata e pela imigração implicava um problema efetivo de demanda problema perversamente resolvido pela expansão do endividamento das famílias Enquanto os salários permaneciam estagnados o endividamento das famílias aumentou de 60 do PIB em 1990 para 98 em 2007 umA cRise inevitável As crises financeiras ocorreram no passado e voltarão a ocorrer no futuro mas uma crise econômica tão profunda como a atual poderia ter sido evitada Se depois de sua ocorrência os governos dos países ricos não tivessem acordado subitamente e adotado políticas keyne sianas de redução de taxas de juros aumento drástico da liquidez e principalmente expansão fiscal esta crise provavelmente teria cau sado maior dano à economia mundial do que a Grande Depressão O capitalismo é instável e as crises lhe são intrínsecas mas dado que muito se fez para evitar uma repetição da crise de 1929 não bastam a natureza cíclica das crises financeiras ou a ganância dos financistas para explicar uma crise tão severa quanto a atual Sabemos que a luta por ganhos de capital fáceis e volumosos em transações financeiras e por bonificações correspondentemente grandes para os operadores 04NEC86Bresserp49a73indd 59 050410 1100 60 a crIse FINaNceIra GloBal e dePoIs UM Novo caPITalIsMo Luiz Carlos BresserPereira 21 Aglietta Michel Macroéconomie financière Paris La Découverte 1995 Orléan André Le pouvoir de la finance Paris Odile Jacob 1999 22 Soros George The crisis of global capitalism Nova York Public Affairs 1998 individuais é mais forte do que a luta por lucros em serviços e produ ção Os profissionais de finanças trabalham com um tipo muito espe cial de mercadoria com um ativo fictício que depende de convenções e confiança dinheiro e ativos financeiros ou contratos financeiros ao passo que os demais empreendedores lidam com produtos reais mercadorias reais e serviços reais O fato de os profissionais chama rem seus ativos de produtos e novos tipos de contratos financeiros de inovações não altera sua natureza O dinheiro pode ser criado e desaparecer com relativa facilidade o que faz das finanças e da especulação irmãs gêmeas Na especulação os agentes financeiros estão permanentemente sujeitos a profecias autorealizáveis ou ao fenômeno que os representantes da Escola da Regulação21 chamam de racionalidade autoreferencial e George Soros22 batiza de reflexivida de compram ativos prevendo que seu preço irá aumentar e os preços efetivamente aumentam porque suas compras os pressionam para cima Então com a crescente complexidade das operações financeiras surgem agentes intermediários entre os investidores individuais e os bancos ou bolsas operadores que não estão sujeitos aos mesmos incentivos que seus agenciados pelo contrário são motivados por ga nhos no curto prazo que aumentam suas bonificações ou suas cartei ras de obrigações ou ações Por outro lado sabemos como as finanças se tornam distorcidas e perigosas quando não estão orientadas para o financiamento de produção e comunicação mas para o de operações de tesouraria um eufemismo para especulação por parte de em presas e principalmente dos bancos comerciais e demais instituições financeiras A especulação sem crédito tem alcance limitado financia da ou alavancada tornase arriscada e ilimitada ou quase porque quando o endividamento dos investidores financeiros e a alavancagem das instituições financeiras se tornam elevados demais investidores e bancos subitamente percebem que o risco se tornou insuportável e prevalece o efeitomanada como se deu em outubro de 2008 a perda de confiança que se insinuava nos meses anteriores transformouse em pânico e irrompeu a crise Sabemos de tudo isso há muitos anos especialmente desde a Grande Depressão que foi uma grande fonte de aprendizado social Na década de 1930 Keynes e Kalecki desenvolveram novas teorias econômicas que melhor explicavam como trabalhar com sistemas econômicos e conferiram à política econômica muito mais eficácia na estabilização dos ciclos econômicos ao passo que pessoas sen satas alertaram economistas e políticos para os perigos dos merca dos livres de controles No mesmo sentido John Kenneth Galbrai th publicou em 1954 seu livro clássico sobre a Grande Depressão Charles Kindleberger publicou o seu em 1973 Em 1989 esse últi mo autor publicou a primeira edição de seu trabalho Manias panics 04NEC86Bresserp49a73indd 60 050410 1100 Novos esTUdos 86 MarÇo 2010 61 23 Minsky Hyman Financial instability revisited In Inflation recession and economic policy Ar monk Wheatsheaf Books 1982 1972 pp 11761 24 Nascimento Arruda José Jobson A florescência tardia São Paulo tese de doutorado Departamento de His tória da Universidade de São Paulo 2008 p 71 25 Minsky op cit p 128 26 Ibidem p 120 27 Ibidem p 150 and crashes Com base nesse aprendizado os governos construíram instituições sobretudo os bancos centrais e desenvolveram siste mas reguladores competentes nos níveis nacional e internacional Bretton Woods para controlar o crédito e evitar crises financeiras ou reduzir sua intensidade e seu escopo Por outro lado desde o começo da década de 1970 Hyman Minsky23 desenvolvera a teoria keynesiana fundamental que liga finanças incerteza e crises Antes de Minsky a literatura sobre ciclos econômicos concentravase no lado real ou da produção na inconsistência entre demanda e oferta Até mesmo Keynes o fez Assim quando Minsky discute estagnação econômica e identifica a fragilidade financeira como motor da crise transforma a questão financeira de objeto em sujei to da análise24 A crescente instabilidade do sistema financeiro é conseqüência de um processo de crescente autonomia dos instru mentos de crédito e financeiros em relação ao lado real da econo mia da produção e do comércio No artigo Financial instability revisited Minsky demonstrou que não só as crises econômicas mas também as financeiras são endógenas ao sistema capitalista Estava bem demonstrado que a crise econômica ou o ciclo econô mico era endógena Minsky no entanto mostrou que as principais crises econômicas estavam sempre associadas a crises financeiras igualmente endógenas Segundo ele a diferença essencial entre a economia keynesiana e as economias tanto clássica como neo clássica está na importância dada à incerteza25 Dado a presença de incerteza as unidades econômicas são incapazes de manter o equilíbrio entre seus compromissos de pagamento de caixa e suas fontes normais de caixa porque essas duas variáveis operam no futuro e o futuro é incerto Assim o fato intrinsecamente irracio nal da incerteza é necessário para a compreensão da instabilidade financeira26 Com efeito como as unidades econômicas tendem a ser otimistas no longo prazo e os booms tendem a tornarse eufó ricos a vulnerabilidade financeira do sistema econômico tenderá necessariamente a aumentar Isso ocorrerá quando a tolerância do sistema financeiro a choques tiver sido reduzida por três fenômenos que se acumulam ao longo de booms prolongados 1 o crescimento dos pagamentos financeiros em balanços patrimoniais e em carteira em relação aos pagamen tos de renda 2 a diminuição do peso relativo dos ativos externos e garantidos no valor total dos ativos financeiros e 3 a inclusão na estrutura financeira de preços de ativos que refletem expectativas ad vindas de um boom ou eufóricas O gatilho da instabilidade financeira pode estar em dificuldades financeiras enfrentadas por uma unidade em particular27 04NEC86Bresserp49a73indd 61 050410 1100 62 a crIse FINaNceIra GloBal e dePoIs UM Novo caPITalIsMo Luiz Carlos BresserPereira Há poucas dúvidas quanto às causas imediatas da crise Encon tramse essencialmente expressas no modelo de Minsky que sem coincidência foi desenvolvido na década de 1970 Elas abrangem como destacou o relatório de 2009 do Grupo dos Trinta más avaliações de crédito uso descontrolado de alavancagem inovações financeiras mal compreendidas um sistema falho de classificação de risco ou rating e práticas de remuneração com bônus altamente agressivas que incentivavam a tomada de riscos e os ganhos no curto prazo Mas essas causas diretas não vieram do nada e nem podem ser explicadas simplesmente pela ganância natural A maioria delas foi resultado 1 da desregulação deliberada dos mercados financeiros e 2 da decisão de não regular as inovações financeiras e as práticas de tesouraria dos bancos Havia regulação mas foi desmontada A crise global foi prin cipalmente conseqüência da flutuação do dólar americano na década de 1970 e mais diretamente daquilo que os ideólogos neoliberais pregaram e implementaram na década de 1980 sob o eufemismo de reforma reguladora Assim as desregulação e a decisão de não re gular as inovações são os dois principais fatores que explicam a crise Essa conclusão é de mais fácil compreensão se considerarmos que a regulação financeira competente somada ao compromisso com valo res e direitos sociais que emergiu após a depressão da década de 1930 tenha podido produzir os trinta anos dourados do capitalismo entre o final da década de 1940 e o começo da de 1970 Nos anos de 1980 contudo os mercados financeiros foram desregulados e ao mesmo tempo as teorias keynesianas foram esquecidas o ideário neoliberal tornouse hegemônico e economia neoclássica e a teoria da escolha pública que justificavam a desregulação tornaramse mainstream Com isso a instabilidade financeira que desde a suspensão da conversibili dade do dólar americano em 1971 ameaçava o sistema financeiro inter nacional foi perversamente restaurada A desregulação e as tentativas de eliminar o Estado assistencialista transformaram as últimas três décadas nos trinta anos sombrios do neoliberalismo HegemoniA neolibeRAl Esta crise global não era nem necessária nem inevitável Aconteceu porque as idéias neoliberais se tornaram dominantes porque a teoria neoclássica legitimou seus principais preceitos e porque a desregula ção foi realizada irresponsavelmente enquanto as inovações financei ras principalmente a securitização e os derivativos e novas práticas bancárias principalmente tornar especulativa também a atividade ban cária comercial permaneceram desreguladas Essa ação associada a essa omissão tornou as operações financeiras opacas e altamente arriscadas abrindo caminho para fraudes generalizadas Como isso 04NEC86Bresserp49a73indd 62 050410 1100 Novos esTUdos 86 MarÇo 2010 63 28 Excluo dessa crítica a microeco nomia marshalliana porque a consi dero complementada pela teoria dos jogos uma ciência metodológica a teoria da decisão econômica cujo desenvolvimento exige um método hipotéticodedutivo Lionel Robbins Essay on the nature and significance of economic science Londres Macmillan 1946 1932 estava equivocado ao definir a economia como a ciência da escolha porque a economia é a ci ência que busca explicar os sistemas econômicos mas Robbins percebeu intuitivamente a natureza da grande contribuição de Alfred Marshall foi possível Como pudemos retroceder tanto Vimos que depois da Segunda Guerra Mundial os países ricos puderam construir um mo delo de capitalismo o capitalismo democrático e social assisten cialista relativamente estável eficiente e comprometido com uma redução gradual da desigualdade Por que então o mundo teria regre dido ao neoliberalismo e à instabilidade financeira A dominância ou hegemonia liberal verificada desde a década de 1980 tem duas causas imediatas e um tanto irracionais o medo do socialismo e a transformação da economia neoclássica no mainstream da economia Primeiro algumas palavras sobre o medo do socialis mo Ideologias são sistemas de idéias políticas que promovem os in teresses de classes sociais específicas em dados momentos Embora o liberalismo econômico seja hoje e sempre necessário para o capi talismo por justificar a iniciativa privada o neoliberalismo não o é Poderia fazer sentido para Friedrich Hayek e seus seguidores porque em seu tempo o socialismo era uma alternativa plausível que amea çava o capitalismo Mas depois de Budapeste em 1956 ou Praga em 1968 ficou evidente perante todos que a competição não se dava entre e socialismo mas entre o capitalismo e o estatismo ou a organização tecnoburocrática da sociedade E depois de Berlim em 1989 ficou cla ro também que o estatismo não tinha chances de competir em termos econômicos com o capitalismo O estatismo era eficaz na promoção da acumulação primitiva e da industrialização mas à medida que o sistema econômico ganhou complexidade o planejamento econômi co revelouse incapaz de alocar recursos e promover a inovação Em economias avançadas apenas mercados regulados são capazes de se desincumbir eficientemente dessa tarefa Assim o neoliberalismo era uma ideologia extemporânea Pretendia atacar o estatismo que já estava superado e derrotado e o socialismo que embora forte e vivo como ideologia a ideologia da justiça social não apresentava no médio prazo a possibilidade de se transformar em forma prática de organização da economia e da sociedade Em segundo lugar não devemos ser complacentes com a macroe conomia neoclássica e com a economia financeira neoclássica em re lação a esta crise28 Usando um método inadequado o método hipo téticodedutivo que é apropriado para ciências metodológicas para promover o avanço de uma ciência substantiva como é a economia que exige um método empírico ou históricodedutivo os macro economistas neoclássicos e os economistas financeiros neoclássicos construíram modelos que não correspondem à realidade mas são úteis na justificativa científica do neoliberalismo O método permi telhes usar indiscriminadamente a matemática e esse uso respalda sua alegação de que os modelos que propõem são científicos Embora estejam lidando com uma ciência substantiva que tem um objeto de 04NEC86Bresserp49a73indd 63 050410 1100 64 a crIse FINaNceIra GloBal e dePoIs UM Novo caPITalIsMo Luiz Carlos BresserPereira 29 BresserPereira The two me thods and the hard core of econo mics op cit 30 Briefing the state of economics The Economist 18072009 p 69 31 Mankiw G The macroecono mist as scientist and engineer Jour nal of Economic Perspectives 2006 vol 20 nº 4 pp 2946 32 Krugman P 3rd Lionel Robbins lecture at the London School of Eco nomics Relatado em The Economist 10062009 p 68 análise claro avaliam o caráter científico de uma teoria econômica não em referência à sua relação com a realidade ou sua capacidade de ex plicar sistemas econômicos mas à sua consistência matemática isto é o critério das ciências metodológicas29 Não compreendem por que os keynesianos e os economistas clássicos e antigos institucionalistas usam a matemática com parcimônia porque seus modelos são dedu zidos a partir da observação de como funcionam os sistemas econô micos e da identificação de regularidades e tendências Os modelos neoclássicos hipotéticodedutivos são castelos matemáticos ergui dos sobre o ar e que não têm utilidade prática a não ser para justifi car mercados autoregulados e eficientes ou em outras palavras agir como metaideologia Esses modelos tendem a ser radicalmente irreais na medida em que presumem por exemplo que não possa haver insolvências ou que a moeda não precise ser considerada ou que os intermediários financeiros não têm papel a representar nos modelos ou que o preço de um ativo financeiro reflete todas as informações disponíveis relevantes para seu valor etc etc Escrevendo sobre o es tado da ciência econômica após a crise The Economist observou que os economistas podem verse seduzidos por seus modelos enganan dose ao pensar que o que o modelo exclui não tem importância30 E se a teoria financeira neoclássica levou a enormes erros financeiros a macroeconomia neoclássica é simplesmente inútil A percepção des te fato da inutilidade dos modelos macroeconômicos neoclássi cos levou Gregory Mankiw31 a escrever depois de dois anos como presidente do Conselho de Assessores Econômicos da Presidência dos Estados Unidos que para sua grande surpresa ninguém em Wa shington usava as idéias que ele e seus colegas ensinavam na Acade mia o que os formuladores de políticas usavam era uma espécie de engenharia uma soma de observações práticas e regras inspiradas por John Maynard Keynes Considero esse artigo a confissão formal do fracasso da macroeconomia neoclássica Paul Krugman foi direto ao ponto a maioria dos macroeconomistas dos últimos trinta anos foi espetacularmente inútil na melhor das hipóteses e positivamente danosa na pior delas32 A hegemonia neoliberal nos Estados Unidos não causou apenas instabilidade financeira menores taxas de crescimento e maior desi gualdade econômica Também implicou um processo generalizado de erosão da confiança social que é provavelmente o traço mais de cisivo de uma sociedade sólida e coesa Quando uma sociedade per de a confiança em suas instituições e na principal delas o Estado ou o governo aqui entendido como o a ordem jurídica e o aparelho que a garante tratase de um sintoma de doença social e política Essa é uma das conclusões mais importantes a que chegaram os sociólogos norteamericanos desde a década de 1990 Segundo Robert Putnam 04NEC86Bresserp49a73indd 64 050410 1100 Novos esTUdos 86 MarÇo 2010 65 33 Putnam R e Pharr S Introdu ção In Disaffected democracies Prin ceton Princeton University Press 2000 p 8 34 Palma op cit p 833 35 Ibidem p 840 e Susan Pharr as sociedades desenvolvidas estão menos satisfeitas com o desempenho das instituições políticas que as representam do que na década de 1960 O surgimento e a profundidade des sa desilusão variam de país para país mas a tendência descendente é mais duradoura e clara nos Estados Unidos onde as pesquisas produziram as evidências mais abundantes e sistemáticas33 Essa falta de confiança é conseqüência direta da nova hegemonia de uma ideologia radicalmente individualista como o neoliberalismo Para lançar argumentos contra o Estado muitos neoliberais recorreram a um novo institucionalismo errôneo mas as instituições que co ordenam as sociedades modernas contradizem intrinsecamente os pontos de vista neoliberais na medida em que essa ideologia procu ra reduzir o papel coordenador do Estado e em que o Estado é a prin cipal instituição de uma sociedade Evidentemente os neoliberais ficarão tentados a argüir que na verdade foi o mau funcionamento das instituições políticas que levou ao neoliberalismo Mas não há evidências em respaldo dessa posição pelo contrário indicam as pesquisas que a confiança cai dramaticamente depois de estabelecida a hegemonia ideológica neoliberal e não antes A coAlizão políticA subjAcente O neoliberalismo tornouse dominante por representar os inte resses de uma poderosa coalizão de rentistas e financistas Como ob servou Gabriel Palma em última análise a atual crise financeira é o resultado de algo muito mais sistêmico uma tentativa de usar o neoliberalismo ou em termos dos Estados Unidos neoconservadorismo como uma nova tecnologia de poder para ajudar a transformar o capitalismo em um paraíso para os rentistas34 Em seu artigo Palma enfatiza não ser suficiente entender a coa lizão neoliberal como uma reação aos seus interesses econômicos como sugeriria uma abordagem marxista Além disso reage à de manda foucaultiana por poder da parte dos membros da coalizão política no sentido de que segundo Michel Foucault o aspecto central do neoliberalismo referese ao problema da relação entre poder político e os princípios de uma economia de mercado35 A coalizão política de rentistas e executivos financeiros usou o neo liberalismo como uma nova tecnologia de poder ou como o já discutido sistema de verdades primeiro para conquistar o apoio de políticos altos funcionários públicos economistas neoclássi cos e outros intelectuais públicos conservadores e em segundo lugar conquistar o domínio da sociedade 04NEC86Bresserp49a73indd 65 050410 1100 66 a crIse FINaNceIra GloBal e dePoIs UM Novo caPITalIsMo Luiz Carlos BresserPereira Há poucas dúvidas de que a coalizão política tenha tido sucesso na captura do excedente econômico produzido pelas economias capi talistas Como mostra a Figura 3 nos anos do neoliberalismo a renda concentrouse fortemente nas mãos dos 2 mais ricos da população se considerarmos apenas o 1 mais rico nos Estados Unidos em 1930 controlava 23 da renda disponível total em 1980 no contexto dos trinta anos dourados do capitalismo sua participação caíra para 9 mas em 2007 retornara aos 23 As conseqüênciAs imeDiAtAs Quando irrompeu a crise os políticos que haviam sido iludidos pela ilusão da natureza autoregulada dos mercados perceberam seu erro e tomaram quatro decisões primeiro aumentar radicalmente a li quidez por meio da redução da taxa básica de juros e todos os demais meios possíveis já que a crise implicava um grande aperto de crédito após a perda generalizada de confiança que causou segundo resga tar e recapitalizar os principais bancos por serem instituições quase públicas que não podem ir à falência terceiro adotar políticas fiscais expansionistas que se tornaram inevitáveis quando a taxa de juros FIGUra 3 Participação na riqueza do 1 mais rico nos estados Unidos 19132006 Fonte Gabriel Palma The revenge of the market on the rentiers Why neoliberal reports of the end of history turned out to be premature Cambridge Journal of Economics 2009 vol 33 pp 82969 p 836 baseado em Piketty e Sáez Income inequality in the United States 19131998 Quarterly Journal of Economics 2003 vol 118 nº 1 pp 139 Nota Definese renda como a renda anual bruta apontada nas declarações de imposto de renda exceto todas as transferências governamentais e antes de imposto de renda da pessoa física e impostos retidos na fonte e deduzidos da remuneração mas após impostos retidos na fonte devidos pela fonte pagadora e imposto de renda da pessoa jurídica Obs Médias móveis de três anos 1 inclusive ganhos de capital realizados 2 excluídos os ganhos de capital 04NEC86Bresserp49a73indd 66 050410 1100 Novos esTUdos 86 MarÇo 2010 67 36 BresserPereira Globalization and competition op cit atingiu a zona de armadilha de liquidez e quarto regular novamente o sistema financeiro tanto doméstica como internacionalmente Essas quatro reações apresentaram a orientação correta Mostraram que os políticos e os formuladores de políticas logo reaprenderam o que esta va esquecido Perceberam que o capitalismo moderno exige não des regulação mas regulação que a regulação não impede mas permite a coordenação da economia pelo mercado que quanto mais complexa uma economia nacional mais regulada precisa ser se desejarmos nos beneficiar das vantagens da alocação ou coordenação de recursos pelo mercado que a política econômica deve estimular o investimento e manter a economia estável não ajustarse a princípios ideológicos e que o sistema financeiro deve financiar investimentos produtivos não alimentar a especulação Dessa forma sua reação à crise foi forte e decidida Como era de se esperar foi imediata na expansão da oferta de dinheiro foi relativamente de curto prazo em termos de política fiscal e foi de médio prazo em relação ao problema mais complexo da regulação É claro que foram cometidos erros O mais famoso foi a decisão de permitir que um grande banco como o Lehman Brothers quebrasse O pânico de outubro de 2008 foi decorrência direta dessa decisão É preciso observar que a resposta dos europeus foi por demais conservadora em termos monetários e fiscais se comparada à respos ta dos Estados Unidos e da China provavelmente porque não há um banco central para cada país individualmente Por outro lado os europeus parecem mais dedicados a regular mais vezes seus sistemas financeiros do que os Estados Unidos ou o Reino Unido Em relação à necessidade de regulação financeira internacional ou global parece que o aprendizado a respeito disso foi insuficiente ou que apesar dos avanços representados pelas ações econômicas do G20 a capacidade internacional de coordenação econômica perma nece fraca Quase todas as medidas tomadas até o momento reagiram a um tipo de crise financeira a crise bancária e suas conseqüências econômicas e não ao outro grande tipo de crise financeira a crise de câmbio ou balança de pagamentos Os países ricos costumam ficar livres desse segundo tipo de crise porque normalmente não tomam mas concedem empréstimos internacionais e quando os tomam o fazem em suas próprias moedas Para os países em desenvolvimento contudo as crises de balança de pagamentos são um flagelo financeiro A política de crescimento com poupança externa que lhes recomen dam os países ricos não promove seu crescimento pelo contrário en volve elevada taxa de substituição de poupança doméstica pela externa e causa crises recorrentes de balança de pagamentos36 Essa crise não irá terminar em breve A reação dos governos a ela em termos monetários e fiscais foi tão decisiva que ela não irá se transformar em depressão mas levará tempo para se resolver por um 04NEC86Bresserp49a73indd 67 050410 1100 68 a crIse FINaNceIra GloBal e dePoIs UM Novo caPITalIsMo Luiz Carlos BresserPereira 37 Koo R The holy grail of macro economics lessons from Japans great recession Nova York Wiley 2008 38 Aglietta La crise Paris Éditions Michalon 2008 p 8 motivo básico as crises financeiras sempre decorrem de elevado endi vidamento ou alta alavancagem e da conseqüente perda de confiança por parte dos credores Depois de algum tempo essa confiança pode retornar mas como observou Richard Koo ao estudar a depressão japonesa da década de 1990 os devedores não se sentirão à vonta de com suas taxas de endividamento e continuarão a poupar37 Ou como observou Michel Aglietta a crise sempre segue uma rota longa e dolorosa com efeito é necessário reduzir tudo que tenha aumentado excessivamente o valor os elementos da riqueza o balanço patrimo nial dos agentes econômicos38 Assim apesar das corajosas políticas fiscais adotadas pelos governos a demanda agregada provavelmente permanecerá débil por alguns anos novo cApitAlismo O regime fordista e seu último ato os trinta anos dourados do capitalismo encerraramse na década de 1970 Que novo regime de acumulação o sucederá Em primeiro lugar não será baseado no capi talismo financeirizado uma vez que esse último período representou um passo atrás na história do capitalismo Pelo contrário o novo capi talismo que irá emergir desta crise provavelmente retomará as tendên cias presentes no capitalismo tecnoburocrático e especialmente nos trinta anos dourados No ambiente econômico a globalização conti nuará a progredir nos setores comercial e produtivo não no financeiro no meio social a classe profissional e o capitalismo baseado no conhe cimento continuarão a avançar em compensação no meio político o Estado democrático irá se tornar mais voltado para as políticas sociais e a democracia será mais participativa No capitalismo que emerge a globalização não se encerrará Não devemos confundir globalização com financeirização Apenas a globa lização financeira estava intrinsecamente relacionada com a financei rização a globalização comercial e produtiva não A China por exem plo está plenamente integrada comercialmente ao restante do mundo e cada vez mais integrada sob o aspecto de produção mas permanece relativamente fechada em termos financeiros Não há motivos para crer que a globalização comercial e produtiva assim como a social e cultural e até mesmo a política a crescente coordenação política bus cada e praticada pelos principais chefes de Estado venha a ser inter rompida pela crise Pelo contrário a última em especial será ampliada como já vimos com a criação e a consolidação do G20 Em segundo lugar o poder e os privilégios da classe profissional continuarão a aumentar em relação aos dos capitalistas porque o co nhecimento será cada vez mais estratégico e o capital o será cada vez menos Mas poder e privilégios não aumentarão necessariamente em 04NEC86Bresserp49a73indd 68 050410 1100 Novos esTUdos 86 MarÇo 2010 69 relação aos da população O capital irá tornarse mais abundante com a crescente introdução de tecnologias poupadoras de capital e com a acumulação das poupanças dos rentistas Por outro lado na medida em que o número de alunos do ensino superior continua a aumentar o conhecimento também se tornará menos escasso Ademais a crítica social e a busca por emancipação política ou respeito aos direitos hu manos não se voltarão apenas contra o capital a ideologia meritocrá tica que legitima os ganhos extraordinários dos profissionais também se verá sob crescente escrutínio Em terceiro lugar a desigualdade de renda nos países ricos pro vavelmente se intensificará embora seu estágio de crescimento seja compatível com uma redução da desigualdade na medida em que o progresso tecnológico é predominantemente poupador de capital ou seja reduz os custos ou aumenta a produtividade do capital A desi gualdade irá se originar de um lado do monopólio relativo do conhe cimento e de outro da pressão sobre os salários vinda da imigração e de importações de países em desenvolvimento e crescimento acelera do que empregam mãodeobra barata Quanto aos países em desen volvimento também não devemos esperar no curto prazo uma maior igualdade já que muitos deles estão na fase de concentração do desen volvimento capitalista A única grande fonte de redução da desigual dade no curto prazo não será interna aos países será conseqüência do fato de que os países em desenvolvimento e crescimento acelerado continuarão no processo de catch up e essa convergência implica uma redistribuição no nível global que talvez possa compensar a concen tração doméstica de renda A globalização que na década de 1990 era vista como uma arma dos países ricos e uma ameaça contra os países em desenvolvimento demonstrou ser uma grande oportunidade de crescimento para os países de renda intermediária que contêm uma estratégia de desenvolvimento nacional E esse processo de catching up irá reduzir as desigualdades globais Quarto o capitalismo permanecerá instável mas em menor grau O aprendizado social acabará por prevalecer O capitalismo encabeça do pelo setor financeiro desmontou instituições e esqueceu as teorias econômicas aprendidas após a Grande Depressão da década de 1930 desregulou irresponsavelmente os mercados financeiros e baniu as ideais keynesianas e desenvolvimentistas Agora os países irão dedi carse a uma nova regulação dos mercados Não acredito que irão mais uma vez esquecer as lições aprendidas com esta crise Não há motivo para se repetir erros indefinidamente O capitalismo irá mudar mas não devemos superestimar as mudanças imediatas Os ricos ficarão menos ricos mas permane cerão ricos enquanto os pobres ficarão mais pobres só os países de rendimento intermediário dedicados à estratégia neodesenvol 04NEC86Bresserp49a73indd 69 050410 1100 70 a crIse FINaNceIra GloBal e dePoIs UM Novo caPITalIsMo Luiz Carlos BresserPereira 39 Regulating banks the devils punchbowl The Economist 11072009 p 31 40 BresserPereira Democracy and public management reform building the republican State Oxford Oxford Uni versity Press 2004 vimentista surgirão da crise mais fortes A instabilidade econômica irá diminuir mas a tentação de retorno ao jeito normal de operar será forte Em novembro de 2008 os líderes do G20 firmaram uma declaração comprometendose com uma firme reregulação de seus sistemas financeiros em setembro de 2009 reafirmaram esse compromisso Mas a resistência que já enfrentam é grande A esse respeito a desavisada The Economist fez a observação dramática aplicada aos bancos que lançaram a GrãBretanha ou o mundo na crise econômica é de dar medo sic39 Segundo a imprensa a reregulação provavelmente não irá além da elevação dos requisitos de capital dos bancos a estratégia adotada pelo Acordo da Basiléia II 2004 que se revelou insuficiente para prevenir contra a crise financeira Essa possibilidade deve preocupar a todos mas não é despropositado presumir que as pessoas não estejam aprendendo com a atual crise A principal tarefa agora é restaurar o poder regu lador do Estado de maneira a permitir que os mercados cumpram sua função de coordenação econômica Há diversas inovações ou práticas financeiras que poderiam ser simplesmente proibidas To das as transações deveriam ser muito mais transparentes O risco financeiro deveria ser sistematicamente limitado Quando Marx analisou o capitalismo a classe capitalista de tinha o monopólio do poder político e o autor presumiu que isso só mudaria mediante uma revolução socialista Não previu que o regime democrático ou o Estado democrático que emergiriam no século XX teriam como um de seus papéis controlar a violência e a cegueira que caracterizam o capitalismo Ademais Marx não previu que a burguesia teria que compartilhar o poder com a classe profis sional na medida em que o fator estratégico de produção passasse a ser o conhecimento em lugar do capital e com a classe trabalha dora na medida em que os trabalhadores exercessem seu direito de voto Apesar de alguns percalços no caminho o desenvolvimento econômico tem se feito acompanhar de melhorias no alcance e na qualidade da democracia No início do século XX a primeira forma de democracia foi a democracia de elite ou democracia liberal De pois da Segunda Guerra Mundial principalmente na Europa isso se converteu na democracia social e de opinião pública Embora a transição para a democracia participativa e um passo adiante a democracia deliberativa ainda não esteja claramente em anda mento antevejo que a democracia continuará a progredir porque continuará a pressão dos trabalhadores e da classe média por maior participação pública40 Tal pressão poderá por vezes perder ímpe to seja por causa da frustração do povo com seu lento avanço seja o que é mais importante porque ideologias como o neoliberalismo são essencialmente orientadas para desengajar o público apenas os 04NEC86Bresserp49a73indd 70 050410 1100 Novos esTUdos 86 MarÇo 2010 71 41 Mulgan Geoff After capita lism Prospect magazine 2009 nº 157 abr sp 42 Ibidem interesses privados lhes são relevantes Esse tipo de ideologia ape nas torna cínicos os ricos na medida em que se torna hegemônica deixa as classes pobre e média desiludidas e politicamente parali sadas Eventualmente contudo e sobretudo após crises como a de 2008 o compromisso cívico e o desenvolvimento político serão retomados devido à indignação e ao interesse próprio O capitalismo global irá mudar mais rapidamente depois dessa crise e a mudança será para melhor O aprendizado social é árduo mas ocorre Geoff Mulgan observou que a lição do capitalismo em si é a de que nada é permanente tudo o que é sólido desvanece como escreveu Marx Dentro do capitalismo há tantas forças que o minam quanto há as que o impelem41 Teremos então um novo capitalismo Em certa medida sim Será ainda um capitalismo glo bal mas não mais neoliberal ou financeirizado Mulgan é otimista a esse respeito Assim como a monarquia abandonou o centro do palco e tornouse mais periférica também o capitalismo deixará de dominar a sociedade e a cultura como hoje faz O capitalismo poderá em suma tornarse um servo em vez de mestre e a queda da atividade econômica irá acelerar essa mudança42 Compartilho dessa visão porque a história mostra que desde o século XVIII o progresso e o desenvolvimento econômico social políti co e ambiental vêm de fato ocorrendo Essa crise global demonstrou uma vez mais que o progresso ou desenvolvimento não é um pro cesso linear A democracia nem sempre prevalece sobre o capitalis mo mas o pode regular Às vezes a história retrocede O capitalismo neoliberal e financeirizado foi um momento assim As forças cegas e poderosas por trás do capitalismo irrestrito controlaram o mundo por algum tempo Mas desde a revolução capitalista e do aumento sistemático do excedente econômico por ela promovido vem ocor rendo uma mudança gradual para um mundo melhor uma mudança do capitalismo para o socialismo democrático Não porque a clas se trabalhadora incorpore valores futuros e universais ou porque as elites se venham tornando cada vez mais esclarecidas A história demonstra serem falsas ambas as hipóteses Pelo contrário o que ocorre é um processo dialético entre o povo e as elites entre a socie dade civil e as classes dominantes em que o poder relativo do povo e da sociedade civil aumenta continuamente O desenvolvimento econômico e a tecnologia da informação franqueiam o acesso de um número crescente de pessoas à educação e à cultura A democracia provou não ser democrática mas conferir sistematicamente poder ao povo Estamos distantes da democracia participativa e as elites permanecem poderosas mas seu poder relativo diminui 04NEC86Bresserp49a73indd 71 050410 1100 72 a crIse FINaNceIra GloBal e dePoIs UM Novo caPITalIsMo Luiz Carlos BresserPereira 43 Foucault M Verdade e poder In Microfísica do poder Ed Roberto Machado Rio de Janeiro Edições Graal 1979 1977 pp 114 p 12 É verdade que a hegemonia cultural e política das elites ou dos ricos sobre os pobres ainda é um fato rotineiro Como destacou Michel Foucault a verdade não existe fora do poder ou sem ele A verdade é parte deste mundo é nele produzida por meio de múltiplas coações e nele produz efei tos de poder regulador Cada sociedade conta com seu regime de verdade suas políticas gerais da verdade isto é o conjunto de discursos que esco lhe e põe a operar como verdadeiros43 Mas esse regime de verdade não é fixo nem inexpugnável A política democrática enfrenta permanentemente a ideologia do establishment O neoliberalismo acaba de ser derrotado outros regimes de verdade terão que ser criticados e derrotados por novas idéias e atos por mo vimentos sociais e pelo protesto ativo dos pobres e impotentes por políticos e intelectuais que não se limitem a repetir slogans Com isso o progresso ocorrerá ainda que lento contraditório e sempre surpreen dente por ser imprevisível Luiz Carlos BresserPereira é professor emérito da Fundação Getúlio Vargas FGV Rece bido para publi ca ção em 10 de fevereiro de 2010 NOVOS ESTUDOS ceBraP 86 março 2010 pp 5172 04NEC86Bresserp49a73indd 72 050410 1100 ECONOMIA POLÍTICA Filipe Prado Macedo da Silva A evolução do processo capitalista Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto você deve apresentar os seguintes aprendizados Identificar as origens do capitalismo e seus diálogos com os modos de produção econômica e os impactos nas relações sociais Analisar crises e contradições do capitalismo Descrever o capitalismo contemporâneo Introdução O capitalismo é hoje predominante em todos os continentes mas suas origens remontam a anos muito distantes e seu desenvolvimento se deu a partir de diferentes conjunturas políticas econômicas e sociais Neste capítulo você conhecerá as origens do modo de produção capitalista identificará os seus impactos concretos nas relações sociais analisará os seus ciclos de crises e contradições e observará como esse processo vem evoluindo ao longo da história As origens do capitalismo e seus diálogos com os modos de produção econômica e os impactos nas relações sociais Nas sociedades mais antigas e mais primitivas havia um esforço contínuo de sobrevivência fosse para ter comida abrigo ou armas de defesa Com o avanço dessas sociedades surgiram os processos de divisão do trabalho Assim a produção saía da sua função de subsistência e alcançava a sua função comercial em torno de produções cada vez maiores A escala de produção se ampliou e logo os produtos adquiriram maior qualidade e menores custos KISHTAINY et al 2013 Nesse sentido o traba lho de alguns homens passou a ser suficiente para atender às necessidades de um conjunto cada vez maior de indivíduos na sociedade em outras palavras a produção crescia mais do que as populações SILVA 2010 Nesse movimento histórico as trocas se intensificaram as economias adquiriram maior complexidade e as relações de trocas econômicas alcan çaram sociedades cada vez mais distantes ou no alémmar Daí surgem as primeiras cidades com seus espaços urbanos que alteravam as relações sociais da vida Assim brotam os primeiros registros das transformações produtivas no Império Romano 750 aC a 476 dC O espírito imperialista dos romanos levou à expansão das trocas entre Roma e as nações conquistadas repercutindo em um comércio internacional Com as cidades surgem novas classes na sociedade os líderes comunitários os soldados os religiosos os trabalhadores e os negociantes Já com a divisão do trabalho e as especializações ficou nítida a formação dos diferentes agentes econômicos governo consumidores produtores comerciantes e banqueiros O sistema bancário tornouse importante com o surgimento da moeda que passou a circular como meio de troca facilitando as transações Na medida em que a moeda era depositada nos bancos também passou a ser emprestada mediante o pagamento de juros Com a queda do Império Romano iniciase um período caracterizado pela pulverização política dos territórios e por uma sociedade agrícola dividida entre uma classe nobre e uma classe servil que se sujeitava à primeira Nesse contexto o processo econômico retrocede em virtude da falta de uma ação política que assegurasse a paz e o direito à propriedade privada dos indivíduos Nesse sentido Silva 2010 destaca que a produção e o trabalho precisam de constância e tranquilidade para prosperar ao longo do tempo Logo as trocas passam a se realizar em nível local dando surgimento ao sistema feudal ou feudalismo Resumindo o feudalismo foi uma organização social econômica e política típica da Idade Média na Europa Conforme historiadores o feudalismo nasceu como resultado da desintegração do Império Romano e da crise do modo de produção escravista Nesse contexto o feudalismo atingiu o seu ápice entre os séculos XI e XIV A principal característica do feudalismo era o sistema de grandes propriedades territoriais isoladas os feudos pertencentes à nobreza e ao clero e trabalhadas pelos servos de gleba em um regime de economia de subsistência SANDRONI 2005 O sistema feudal era organizado a partir de uma extensa e complexa hierarquia de feudos que eram economicamente autossuficientes A terra única fonte de poder era recebida pelo senhor feudal em caráter hereditário e poderia ser doada por um rei duque conde visconde marquês ou barão A evolução do processo capitalista 2 Nessa conjuntura o senhor feudal beneficiário da doação tornavase vassalo do doador e ambos ficavam ligados por laços de lealdade ajuda mútua e troca de serviços militares A terra doada não podia ser vendida somente herdada pelo filho primogênito e essa estrutura de vassalagem tornava o poder muito descentralizado Na prática os próprios reis eram senhores feudais com domínios limitados SWEEZY et al 1977 Na base do sistema feudal estava o servo que trabalhava nas terras de um senhor feudal o qual por sua vez devia lealdade a um senhor mais poderoso e esse a um outro até chegar ao rei Os senhores feudais cediam parte de suas terras a seus vassalos para que fossem cultivadas em troca de pagamentos em dinheiro alimentos trabalho e lealdade militar As cidades com seus muros constituíam o local de proteção dos servos em caso de ataque inimigo Aos poucos porém passaram a ser o local em que se realizavam as trocas dos excedentes produzidos Os reis por sua vez eram protegidos pela crença cristã religião já dominante desde o século IV pois eram os escolhidos de Deus Em outras palavras a relação social básica do sistema feudal assentavase sobre a extração do produto excedente desse pequeno modo de produção levado a cabo por pequenos produtores ligados à terra e aos seus ins trumentos de produção pela classe dominante feudal em uma relação de exploração alicerçada por vários métodos de coação extraeconômica SWEEZY et al 1977 Assim sendo essa forma econômica específica pela qual o produto excedente não pago é extraído dos produtores diretos determina a relação dos dominadores e dos dominados no feudalismo uma servidão KATZ 1993 Foi esse conflito que resultou em uma revolta camponesa individual e coletiva entre os séculos XIII e XIV Ocorreram por exemplo fugas das terras e ações ilegais organizadas Registros revelam que essa luta de classe foi endêmica em lugares como a Inglaterra O economista Maurice Dobb 1946 acreditava que era sobre essa revolta entre os pequenos produtores ou camponeses que estava a explicação do colapso e declínio da exploração feudal Veio daí a gênese ou origem do capitalismo É importante destacar que as revoltas camponesas criaram elos indiretos para a transição do feudalismo para o capitalismo Esse fenômeno apesar de importante não representou a dissolução instantânea do modo de produção feudal Vale recordar como destaca o historiador Eric Hobsbawm 1979 que o processo de transição do feudalismo para o capitalismo não foi um processo simples mediante o qual os elementos capitalistas no interior do feudalismo vão fortalecendose até estarem bastante vigorosos para romper a casca feudal 3 A evolução do processo capitalista Logo não restam dúvidas de que a transição do feudalismo para o capita lismo foi um processo lento que ocorreu à medida que os pequenos produtores conseguiam emancipação parcial da exploração feudal talvez no início um mero abrandamento dos tributos ou da expropriação dos excedentes A partir daí os camponeses podiam guardar para si mesmos uma parte do produto excedente Com esse excedente em mãos eles obtinham os meios e a motivação para melhorar o cultivo e ampliálo a áreas novas o que naturalmente serviu para aguçar mais ainda o antagonismo contra as restrições feudais Assim foram lançadas as bases para alguma acumulação de capital no interior do próprio pequeno modo de produção e portanto para o começo de um processo de diferenciação de classes no interior da economia feudal essa foi a acumulação primitiva do capital Além do mais foi assim que se desenvolveu o embrião das relações burguesas de produção no seio da antiga sociedade feudal Alguns estudiosos afirmam que a expansão do comércio não era uma vocação da economia feudal sempre limitada aos interesses de um feudo com restrições geográficas predefinidas É importante observar que essas transformações ocorreram também com as pequenas manufaturas Logo as atividades dos artesãos dispersos nas aldeias feudais foram concentradas em oficinas nas cidade como parte da expansão econômica geral dos séculos XII e XIII Esse movimento resultou em fuga dos servos e simultaneamente no crescimento das cidades Não há dúvidas de que as cidades em rápido crescimento com liberdade de emprego e melhoria da posição social agiram como potentes ímãs para a população rural oprimida nos feudos SWEEZY et al 1977 Nesse sentido as cidades também impulsionaram os conflitos internos e externos no feudalismo Num primeiro momento os elementos urbanos burgueses estavam aliados aos interesses dos senhores feudais Porém à medida que a acumulação de capital crescia tanto na produção rural quanto na produção artesã a origem da manufatura industrial os interesses burgueses passaram a ser contrários ao isolamento feudal KATZ 1993 Por exemplo ao passo que a produção se ampliava e o capital se acumulava os burgueses necessitavam de mais trabalhadores assalariados e de novos mercados que iam além dos domínios de um único senhor feudal Os feudos passaram a ser muito pequenos aos interesses de um sistema de produção que crescia cada vez mais Portanto junto à revolta camponesa surgiram sucessivas revoluções burguesas que minaram as bases de sustentação do sistema feudal de produção Não havia mais interesse no isolamento mútuo dos feudos e não fazia mais sentido o controle e a expropriação da produção A evolução do processo capitalista 4 por parte dos senhores feudais Por fim a servidão não era mais uma relação de trabalho satisfatória para as demandas do capital Outro fenômeno que contribuiu com a crise do feudalismo foi o desenvol vimento progressivo das trocas comerciais a longa distância SWEEZY et al 1977 Ou seja com o avanço da produção local os burgueses trabalhavam para conquistar novos mercados e em geral mercados cada vez mais distantes Esse fenômeno iniciou uma pressão direta e indireta sobre os particularismos feudais e começaram a surgir as necessidades de fronteiras cada vez maiores para o comércio É nessa conjuntura que iniciam as formações dos primeiros Estados nacionais com a centralização do poder político a garantia de uma moeda nacional e o contorno de fronteiras que garantissem condições favo ráveis para o grande capital Como apontou Karl Marx 1996 todas essas condições favoreceram a transição do feudalismo para o capitalismo Não restam dúvidas portanto de que a circulação de mercadorias é o ponto de partida do capital a produção de mercadorias e a sua circulação intensificada o comércio constituem os requisitos históricos de seu aparecimento Esses novos fenômenos eram in compatíveis com a manutenção do feudalismo pois a produção de mercadorias e o feudalismo são conceitos que se excluem mutuamente SWEEZY et al 1977 Logo é o comércio do século XVI que inaugura a história moderna do capitalismo que não fica somente no comércio progride também para a industrialização culminando na Revolução Industrial do século XVIII A queda do Império Romano foi resultado de uma sucessão de fatos conjugados A partir do século III há uma sucessão de imperadores devido em grande parte a conspirações e assassinatos cometidos contra eles Além disso o sistema escravista vinha se enfraquecendo em virtude do direito à cidadania que as colônias do império recebiam e devido à política de manutenção das colônias existentes sem que houvesse a conquista de novas colônias novos escravos Consequentemente houve uma diminuição da produção agrícola que repercutiu no aumento dos preços dos produ tos fome e revolta em algumas regiões Por fim as invasões bárbaras diminuíram o contingente militar romano dando margem para invasões das regiões conquistadas O estopim foi a invasão em Roma em 476 e a destituição do último imperador Rômulo Augusto SANDRONI 2005 5 A evolução do processo capitalista Crises e contradições do capitalismo Marx foi um dos primeiros a observar que a tendência para crises cíclicas era uma característica inerente e legítima do capitalismo MARX 1996 Essa visão por si só já foi objeto de controvérsia por parte dos economistas não marxistas clássicos austríacos etc Marx nunca chegou a tratar os assuntos das crises do sistema capitalista com tantos detalhes e análises coerentes Vários comentários estão espalhados sobre seus escritos e misturados a outros tópicos e crises de curto prazo e efeitos de longo prazo nem sempre são distinguidos SILVA 2010 Basicamente Marx ligou as crises capitalistas ao ciclo de vida do capital fixo Mas o que isso quer dizer Marx 1996 escreveu que a magnitude do valor e a durabilidade do capital fixo aplicado se desenvolvem com o desen volvimento do modo de produção capitalista o que quer dizer que o tempo de vida do capital industrial é de muitos anos Contraditoriamente enquanto o desenvolvimento do capital fixo prolonga o tempo de vida por um lado é encurtado pela contínua revolução nos meios de produção que igualmente ganham incessantemente força com o desen volvimento do modo de produção capitalista Isso revela que o capital ao ser instalado numa indústria por exemplo ao longo do tempo envelhece ou deprecia do ponto de vista moralsocial muito antes de expirar fisicamente Logo precisa ser substituído por novos capitais mais modernos do ponto de vista social MARX 1996 Sendo assim o ciclo de negócios interconectados abrangendo vários anos nos quais o capital é mantido rapidamente por sua parte constituinte fixa municia uma base material para as crises periódicas Portanto durante esse ciclo os negócios passam por períodos sucessivos de depressão econômica atividade média precipitações e crises A lógica é de que uma crise por exemplo é o ponto de partida para novos grandes investimentos Vejamos como funciona tudo isso na prática Na fase de recuperação atividade média após uma crise a força de traba lho está vastamente disponível e relativamente barata A partir daí a produção encontra espaço para se expandir contratando mais força de trabalho Nesse contexto a acumulação ocorre de várias maneiras a concentração de capital nas capitais existentes a formação de novas capitais e a subdivisão das antigas capitais para aproveitar as condições lucrativas MARX 1996 SILVA 2010 A fase de recuperação é um período de aumento da produção por um número crescente de unidades independentes e de concorrência relativamente baixa para os mercados porque a demanda dos trabalhadores e dos capitalistas está à frente da produção A evolução do processo capitalista 6 Nessa ocasião fica evidente uma contradição do capitalismo a de que o capital fixo acaba entrando em produção e a disponibilidade dos trabalhadores é limitada Isso significa que a expansão chega a um ponto em que as forças produtivas começam a ficar mais caras e mais curtaslimitadas KISHTAINY et al 2013 Essa é a fase de expansão ou boom ou como descreveu Karl Marx de precipitação em que as condições são mais favoráveis aos trabalhadores eles são capazes de aumentar os salários aproveitando a competição entre os capitalistas pela força de trabalho Isso cria uma redução de curto prazo na maisvalia extraída por trabalhador e portanto uma queda na taxa de lucro MARX 1996 A natureza não planejada da produção combinada com o impulso capitalista de acumular significa que a oferta logo supera a demanda SILVA 2010 À medida que o boom se aproxima do pico os produtos do capital fixo novo chegam ao mercado Por causa da multiplicidade de produtores em todas as esferas os capitalistas são obrigados a competir tanto pelos compradores quanto pelos trabalhadores Essas condições provocam superprodução especialmente no mercado de bens A crise é desencadeada quando uma parte considerável do valor produzido não pode ser realizada isto é não é vendida a compradores Na fase de crise cada vez mais os capitais são obrigados a cortar a produção e até a interrom per completamente os processos produtivos A produção cai à medida que a taxa de lucro cai mais ainda A superprodução de bens de consumo pode se transformar em escassez à medida que as indústrias que fabricam suprimentos para elas fecham as portas O exército de trabalhadores desempregados cresce e isso alivia a pressão por altos salários e até mesmo os custos de bens de capital diminuem Quando a taxa de lucro cai abaixo da média o ciclo entra em sua fase de depressão Nesse caso temos um desemprego desenfreado e muitos capitais são eliminados ou seja são destruídos Nesse momento uma nova contradição do capitalismo entra em pauta a taxa de lucro dos capitalistas sobreviventes volta a subir já que tanto o trabalho quanto os bens de produção se tornaram mais baratos Essa é a fase em que a centralização do capital floresce pois os capitalistas sobreviventes podem comprar firmas falidas a preços abaixo do seu valor usual ou de mercado Assim com o trabalho enfraquecido e o capital mais centralizado o ciclo começa de novo MARX 1996 Essas crises sistêmicas fornecem uma catarse para a economia capitalista permitindo que o sistema se limpe de obstáculos como empreendimentos atrasados e setores poderosos da força de trabalho como por exemplo os sindicatos Esse expurgo vem à custa da instabilidade social e é por isso 7 A evolução do processo capitalista que o capitalismo desenvolveu técnicas para amortecer as crises e logo suas próprias contradições Essas técnicas no entanto também enfraquecem o sistema já que as obstruções não são tão facilmente removidas É a partir desse ciclo que Karl Marx observa que o sistema capitalista tende a ser superado e substituído por um outro sistema como o socialista Em suma enquanto isso não acontece as crises sempre existirão e as contradições ficarão cada vez mais profundas O capitalismo contemporâneo Foi ao longo da história que o capitalismo teceu as suas principais caracterís ticas A transição do feudalismo para o capitalismo deu início ao desenvolvi mento e à evolução gradual do modo de produção capitalista Essa evolução do capitalismo começou no século XIV de maneira bastante desigual e foi mais rápida na parte ocidental da Europa A partir do século XIX e XX o capitalismo se propagou para todos os continentes e no século XXI ganhou o status de um fenômeno global Basicamente as principais características do capitalismo podem ser di vididas em quatro fases 1 a fase do capitalismo comercial 2 a fase do capitalismo industrial 3 a fase do capitalismo financeiro e enfim 4 a fase do capitalismo informacional ou capitalismo do conhecimento BRESSER PEREIRA 2011 No total essas quatro fases abrangem quase sete séculos de história da humanidade com expansões e rupturas com progressos e retrocessos e com atrasos e avanços Capitalismo comercial O capitalismo comercial ocorreu a partir do acúmulo de riquezas por meio do comércio Convencionouse chamar de fase mercantilista esse período marcado pelas grandes navegações e por diversos descobrimentos ao longo de outros continentes tendo sempre a Europa como o centro do mundo Esse período de predomínio do capitalismo comercial foi do século XV até o século XVIII A economia nesse período funcionava sob a intervenção dos Estados Nacionais que tinham no acúmulo de metais preciosos a mais importante fonte de acumulação de capital O protecionismo era fundamental para o desenvolvimento de uma burguesia nascente que realizava a acumulação original ou primitiva Foi essa acumulação inicial de capitais que criou as A evolução do processo capitalista 8 condições no Reino Unido e depois em outros países para que acontecesse a Revolução Industrial e assim a passagem para a nova etapa do capitalismo Capitalismo industrial Nesta fase a essência do sistema capitalista não era mais o simples comércio de mercadorias O foco estava então na produção de mercadorias ou seja na atividade industrial Esse período do capitalismo industrial foi do século XIX até meados de 1945 fase em que os negócios os lucros a evolução dos meios de produção as invenções e as máquinas e as grandes fábricas surgiram na paisagem do capitalismo Karl Marx 1996 foi o principal observador das transformações produ zidas nesse período É importante destacar que o capitalismo industrial não ficou apenas na Europa na primeira metade do século XX esse capitalismo industrial já estava presente também na Ásia e nos Estados Unidos À medida que o capital se acumulava cada vez mais as empresas industriais concentra vam mais e mais renda o que resultou nos primeiros grandes monopólios industriais em vários setores da economia Foi essa fase industrial que concretizou o modo de produção capitalista transformando para sempre as condições sociais dos países que se industria lizavam No entanto foi na fase do capitalismo industrial que a sociedade conheceu também de perto uma série de mazelas sociais como o aumento da desigualdade social os salários baixos a exploração infantil o crescimento desordenado das cidades entre outros Capitalismo financeiro Com o avanço do capitalismo industrial as grandes indústrias passaram a se unir com o capital fi nanceiro que passou a ter um importante papel na produção industrial especialmente os bancos que eram capazes de fi nanciar as expansões produtivas as fusões e as incorporações Todas essas estratégias ampliavam ainda mais a monopolização ou a oligopolização de diferentes setores da economia É nesse período a partir de 1945 que acontece a expansão em nível mundial dos mercados de capitais Ou seja não bastava somente produzir era fun damental o desenvolvimento de mercados aglutinadores das mais diferentes acumulações de capital Juntos esses variados capitais produziriam mais e mais acumulação levando o capitalismo a um novo patamar de expansão Essa fase ainda prossegue mas associada ao novo capitalismo informacional SANDRONI 2005 9 A evolução do processo capitalista Capitalismo informacional Essa nova fase do capitalismo nasce em torno das mudanças geradas pelas novas tecnologias de informação A partir dos anos 1980 as tecnologias de informação TIs reestruturam o modo de produção capitalista alterando paralelamente os paradigmas sociais em nível mundial Em outras palavras as TIs promovem uma nova estrutura social que se manifestou e se manifesta dentro de uma diversidade cultural jamais observada pelo sistema capitalista e a partir de novas instituições produtivas que têm no conhecimento o maior ativo do capitalismo BRESSERPEREIRA 2011 Esse capitalismo do conhecimento se caracteriza pela produção em massa de conhecimento e é a valorização dos saberes que corresponde à mudança do fator estratégico de produção Isso não significa que os demais capitais ficaram esquecidos mas que o capital comercial industrial e financeiro se conectou também ao novo capital intelectual É importante destacar que os grandes capitalistas passam a acumular e a combinar variados tipos de capitais com o objetivo de maximizar eou acelerar a acumulação de mais e mais capital Em suma o capitalismo informacional rejuvenesceu os demais capitais abrindo fronteiras a partir da informatização dos computadores e dispositivos eletrônicos e da internet Uma das características do capitalismo contemporâneo é a destruição criativa Você sabe o que é isso A destruição criativa é a capacidade que o capitalismo tem para destruir o velho e criar o novo Constantemente o capitalismo precisa inovar criando novos produtos e novos métodos para atingir novos mercados e novos consumi dores É essa destruição criativa que dá ao capitalismo uma enorme energia para sobreviver aos períodos de crise Um dos setores econômicos que mais tem inovado para sobreviver aos períodos de turbulência é o setor da música Dos anos 1970 até os anos 2000 o mercado da música criou uma série de novos produtos depois os destruiu e até mesmo os recriou Por exemplo na década de 1970 o vinil era a principal forma de comercialização da música Depois avançou nos anos 1980 para a fita k7 que era mais leve e mais portátil e poderia ser utilizada nos primeiros walkmans ou seja nos primeiros tocadores portáteis de música Já no início dos anos 2000 foram comercializados os primeiros CDs que armazenavam mais músicas eram mais duráveis A evolução do processo capitalista 10 e mais baratos para a produção No entanto a pirataria de CDs foi um dos maiores problemas enfrentados pelo setor da música no século XXI Em seguida a partir de 20032004 surgiram os novos tocadores portáteis de música com o lançamento do revolucionário iPod da Apple Esses novos tocadores de música eram menores e tinham a capacidade de armazenar centenas de músicas na palma da mão O problema era que os arquivos musicais podiam ser baixados livremente na internet ampliando a luta da indústria musical contra a violação dos direitos autorais Agora mais recentemente os produtos musicais foram fundamentalmente convertidos em serviços musicais Assim sendo a grande inovação do setor da música foi que em vez de vender um simples produto musical como um CD o foco era e continua sendo comercializar serviços musicais a partir da internet Surgem então os streamings ou serviços online de armazenamento musical Logo em vez de comprar um CD ou baixar arquivos musicais na internet a indústria musical passou a disponibilizar seus arquivos para os assinantes do seu serviço de streaming Esse exemplo revela que a chave para a sobrevivência no capitalismo contemporâneo está na capacidade dos setores e das empresas de produzirem inovações adaptandose às realidades do mercado e às suas novas rupturas econômicas BRESSERPEREIRA L C As duas fases da história e as fases do capitalismo São Paulo FGV EESP 2011 Textos para Discussão n 278 DOBB M Studies in the Development of Capitalism London George Routledge Sons1946 HOBSBAWM E J Da Revolução Industrial Inglesa ao Imperialismo Rio de Janeiro Forense Universitária 1979 KISHTAINY N et al O livro da economia São Paulo Globo 2013 KATZ C J Karl Marx on the transition from feudalism to capitalism Theory and Society n 22 p 363389 1993 MARX K O Capital Volumes I e II São Paulo Editora Nova Cultura 1996 SANDRONI P Dicionário de economia do século XXI Rio de Janeiro Record 2005 SILVA F P M O fator trabalho na teoria econômica Lauro de Freitas BA Filipe Prado Macedo da Silva 2010 SWEEZY P et al A transição do feudalismo para o capitalismo São Paulo Paz e Terra 1977 11 A evolução do processo capitalista Leituras recomendadas BELL J F História do pensamento econômico Rio de Janeiro Zahar 1961 HOBSON J A A evolução do capitalismo moderno um estudo da produção mecanizada São Paulo Abril Cultural 1983 PEDRÃO F Raízes do capitalismo contemporâneo São Paulo Hucitec 1996 WEBER M A ética protestante e o espírito do capitalismo 14 ed São Paulo Pioneira 1999 WOOD E M A origem do capitalismo Rio de Janeiro Jorge Zahar 2001 A evolução do processo capitalista 12 Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem Na Biblioteca Virtual da Instituição você encontra a obra na íntegra Conteúdo SAGAH SOLUÇÕES EDUCACIONAIS INTEGRADAS ECONOMIA POLÍTICA Filipe Prado Macedo da Silva Economia política como campo científico Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto você deve apresentar os seguintes aprendizados Analisar o mercantilismo e a constituição da economia política clássica Descrever as principais teorias da economia política Caracterizar liberalismo e democracia Introdução Após o declínio do sistema mercantilista e o avanço do processo de industrialização a economia política foi constituída como campo de estudo por volta dos séculos XVIII e XIX A partir disso inúmeras teorias escolas e vertentes surgiram para analisar a economia Neste capítulo você vai estudar a economia política como campo científico Para isso você vai conhecer as razões da formação do pensa mento econômico clássico passando pelas principais teorias que serviram de base para a consolidação do pensamento econômico liberal e pela sua relação com o regime político democrático O mercantilismo e a constituição da economia política clássica O mercantilismo foi o sistema econômico que antecedeu a consolidação do sistema econômico capitalista As ideias mercantilistas ou as doutrinas econômicas mercantilistas predominaram do século XVI até o século XVIII Historicamente o mercantilismo caracterizou o período da Revolução Comercial que criou as précondições para a Revolução Industrial dos séculos XVIII e XIX Naquele momento do século XVI até o século XVIII os mercantilistas criticavam as ideias fisiocratas que tinham no setor agrícola a fonte da riqueza das nações SANDRONI 2005 As ideias mercantilistas repousavam sobre a lógica de que a riqueza das nações dependia do acúmulo de metais preciosos em geral obtidos por meio do comércio internacional Nesse contexto os fisiocratas também combatiam as ideias dos mercantilistas KISHTAINY et al 2013 É importante lembrar que as ideias mercantilistas nasceram no contexto da desintegração do feudalismo e da formação dos primeiros Estados Nacionais Assim como os fisiocratas os mercantilistas estabeleceram a tentativa de entender e de explicar a economia como um sistema Segundo os registros históricos o mer cantilismo era apenas um conjunto de doutrinas econômicas com tradições comerciais fragmentadas e uma visão de sociedade e de Estado protecionista SANDRONI 2005 p 534 de modo que vários historiadores econômicos não conferem aos mercantilistas o início científico da economia RUBIN 1979 Apesar disso quais eram os princípios básicos do sistema econômico mercantilista Primeiramente os mercantilistas defendiam o acúmulo de divisas em metais preciosos pelo Estado por meio de um comércio exterior de caráter protecionista SANDRONI 2005 p 534535 Assim sendo o sistema mercantilista dependia de um intenso controle e protecionismo estatal o que considerava essencial para o crescimento e a expansão dos mercados e para a proteção dos interesses comerciais nacionais Isso quer dizer que o Estado Nacional deveria inclusive em detrimento de vizinhos e colônias proteger o bemestar nacional Ou seja cada Estado Nacional resguardaria seus próprios interesses em um comércio internacional cada vez mais agressivo em relação a seus vizinhos É por isso que é correto afirmar que as ideias mercantilistas não eram apenas de caráter econômico mas tinham igualmente objetivos estratégicos e políticos Além disso os mercantilistas compreendiam que a riqueza da economia nacional advinha de dois elementos a população e b metais preciosos Ou seja quanto maior a população ou o mercado nacional consumidor e quanto maior o volume em estoque de metais preciosos mais rico será um país e o contrário resultará em um país mais pobre Ambos os elementos favoreceriam a expansão da circulação de mercadorias e logo o crescimento da economia Os mercantilistas também acreditavam que o comércio exterior deveria ser estimulado com o intuito de gerar uma balança comercial favorável e uma ampliação do estoque de metais preciosos O ideal era sempre vender mais ou exportar mais aos outros Estados Nacionais e comprar ou importar o menos possível Como obviamente cada Estado Nacional pensava o mesmo surgia um problema se todos querem somente vender quem vai comprar SILVA 2010 Em última instância a solução estava nos acordos comerciais entre os Estados Nacionais Economia política como campo científico 2 Por último os mercantilistas defendiam que o comércio e a indústria eram mais importantes do que a agricultura para a economia nacional e essa era uma das divergências que tinham com os fisiocratas Os mercantilistas não obser vavam mais tanta importância no setor agrícola a nova dinâmica econômica ocorria no comércio e na sua expansão em nível internacional e acoplado a isso na nascente industrialização que produzia com uma intensidade jamais vista mercadorias em grande escala Em termos históricos a fisiocracia era um grupo de estudiosos franceses liderados por François Quesnay responsável por elaborar o importante Quadro Econômico entre 1758 e 1767 Esse Quadro Econômico foi o primeiro diagrama formal capaz de explicar em linhas cruzadas e ligadas o fluxo de dinheiro e bens entre três grupos sociais proprietários de terras agricultores e artesãos É daí que os fisiocratas adotaram a visão contrária aos mercantilistas afirmavam que a economia se regulava naturalmente e precisava somente de proteção contra más influências KISHTAINY et al 2013 Para os fisiocratas a agricultura era o mais produtivo dos setores Eles acreditavam que a agricultura era superior à manufatura e que os bens de consumo valiam mais do que o ouro Na prática quanto mais bens consumidos mais dinheiro circulava no sistema tornando o consumo a força motriz da economia Logo o que importava era a circulação de bens e dinheiro Além do mais os fisiocratas defendiam o livre comércio impostos baixos direitos de propriedade garantidos e dívida pública baixa Alguns casos podem descrever resumidamente como funcionava o mer cantilismo por exemplo nos Países Baixos o poder do Estado Nacional estava subordinado às necessidades do comércio nacional já na Inglaterra e na França a iniciativa econômica estatal estava conectada aos interesses militares do Estado na maioria das vezes hostis aos vizinhos SANDRONI 2005 Além disso os mercantilistas aprofundaram os conhecimentos de questões econômicas relevantes como as da balança comercial das relações entre as taxas de câmbio e os movimentos de dinheiro na economia Apesar desses avanços a doutrina mercantilista não foi considerada uma escola de pensamento Em geral seus ideais não adquiriram caráter científico integral e logo não foram capazes de conferir à economia o status de ciência Isso ocorreria com o surgimento do pensamento econômico clássico que desenvolveria de maneira mais completa uma abordagem teórica acerca da economia 3 Economia política como campo científico Economia política clássica É o pensamento da economia política clássica ou Escola Clássica que inau gura a economia como campo científi co em outras palavras é a origem do pensamento econômico como ciência Essa economia política clássica surgiu no século surgiu no século XVIII com a publicação do notável livro A Riqueza das Nações em 1776 do escocês Adam Smith SMITH 1996 Entretanto o pensamento clássico só se consolidou como uma linha de pensamento econômico no século XIX com o surgimento de outros pensa dores econômicos relevantes que expandiram as análises teóricas como por exemplo Jeremy Bentham David Ricardo Thomas Malthus James Mill JeanBaptiste Say e John Stuart Mill SILVA 2010 É importante observar que esses pensadores clássicos estavam geralmente ligados à filosofia social moral ou política A origem da economia política como campo científico pode ser ilustrada por exemplo com fatos como o de que Adam Smith era professor da Faculdade de Filosofia da Universidade de Glasgow na Escócia no Reino Unido RAS MUSSEN 2006 além disso muitos dos predecessores da Escola Clássica eram historiadores políticos e funcionários públicos como Bernard de Mandeville Richard Cantillon Jacques Turgot e David Hume Assim sendo o pensamento da economia clássica se baseou em vários pre ceitos filosóficos em especial do liberalismo e do individualismo De acordo com Adam Smith o objeto de estudo da economia clássica estava indicado no título completo da sua obra é uma investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações SMITH 1996 Ou seja a riqueza das nações estava nos bens que possuíam valor de troca Assim a economia política clássica enfatizava a importância da produção colocando em segundo plano o consumo e a demanda Nesse contexto os pensadores econômicos clássicos refutaram as tradições mercantilistas e as doutrinas dos fisiocratas Eram desse modo contra as concepções mercantilistas de que a riqueza é constituída pelo entesouramento de ouro e de prata e contra as ideias fisiocratas de que somente a agricultura produz valor É dessa crítica que os economistas clássicos organizam a teoria do valortrabalho mostrando que todas as atividades em uma economia pro duzem valor e que a riqueza de uma nação é resultado dos valores de troca SANDRONI 2005 Além disso Adam Smith revelou que o crescimento da riqueza de uma nação depende basicamente da produtividade do trabalho que por sua vez é função do grau de especialização ou da divisão do trabalho determinado Economia política como campo científico 4 pela expansão do mercado e do comércio SMITH 1996 Por isso Adam Smith concluiu que era fundamental em qualquer nação a remoção de todas as barreiras ao comércio interno e externo Para ele essa política liberal conduziria invariavelmente ao desenvolvimento das forças produtivas e ao sucesso do que ele chamou de mão invisível Essas análises teóricas foram também defendidas por David Ricardo que colocou o trabalho como um determinante do valor de troca Em suas reflexões David Ricardo observou ainda uma contradição entre o valor de troca e o preço relativo das mercadorias que só seria resolvida anos mais tarde por Karl Marx ao analisar a transformação do valor de troca em preço de produção RASMUSSEN 2006 Além do mais David Ricardo formulou o conceito de vantagem comparativa e demonstrou que o comércio internacional é uma situação de ganhoganho para os países envolvidos Já Thomas Malthus acrescentou ao corpo teórico da economia clássica a perspectiva de que a produção de alimentos cresce em progressão aritmética enquanto a população tende a uma ampliação em progressão geométrica o que acarretaria pobreza e fome generalizada Para ele as pestes epidemias e mesmo as guerras encarregamse de equilibrar a situação O desdobramento econômico desse princípio da população é de que com o número de trabalhadores crescendo acima da proporção do aumento da oferta de trabalho no mercado o preço do trabalho o salário tende a cair ao mesmo tempo que o preço dos alimentos tenderá a elevarse SANDRONI 2005 p 508 Além disso Thomas Malthus demonstrou que o nível de atividade numa economia dependida da demanda efetiva uma ideia que mais tarde seria desenvolvida por Keynes Enquanto isso o industrial francês JeanBaptiste Say contribuiu com o pensamento clássico ao elaborar a Lei dos Mercados ou a chamada Lei de Say na qual a produção gera a sua própria demanda Assim isso impossibilitaria uma crise de superprodução Na época a Lei de Say provocou muita polêmica com outros pensadores clássicos como David Ricardo e Thomas Malthus mas tal conceito econômico seria posteriormente empregado por outras escolas do pensamento econômico como base para o conceito de equilíbrio econômico Say elaborou ainda a teoria dos três fatores de produção terra trabalho e capital e aprimorou a tradicional visão dos rendimentos ao incorporar as noções dos rendimentos do capital os denominados juros Para ele existiam na economia quatro tipos de rendimentos salários lucros aluguéis renda da terra e juros SILVA 2010 Outro importante pensador clássico foi John Stuart Mill que analisou principalmente as teses de Thomas Malthus e David Ricardo No que se refere 5 Economia política como campo científico à teoria do valor John Stuart Mill procurou demonstrar como o preço é deter minado pela igualdade entre demanda e oferta e como a demanda recíproca de produtos afeta os termos do intercâmbio entre os países Ele lançou também a ideia da elasticidade da demanda expressão introduzida mais tarde por Alfred Marshall para analisar as possibilidades alternativas de comércio Por fim cabe destacar que John Stuart Mill foi o único pensador clás sico a abandonar o rigor doutrinário do liberalismo e do individualismo Ele afirmava que deveria haver menor dependência da natureza e um maior grau de intervenção governamental para a resolução de determinados problemas econômicos Por exemplo John Stuart Mill defendia para contrabalançar o poder dos grandes empresários o fortalecimento dos sindicatos e o recurso da greve Defendia também que a renda por constituir um excedente deveria ser submetida à tributação SANDRONI 2005 SILVA 2010 As principais teorias da economia política A economia política faz uso de um amplo conjunto de categorias teóricas que além de indispensáveis para a compreensão da economia fazem referência ao próprio modo de ser dos homens e da sociedade NETTO BRAZ 2006 Isso quer dizer que a economia política busca entender as relações sociais próprias oriundas da atividade econômica capitalista Assim sendo fazse fundamental compreender três categorias teóricas da economia política que estão na base da atividade econômica capitalista 1 o trabalho que torna possível a produção de qualquer bem ou serviço 2 a lei do valor que constitui a noção de riqueza social e 3 a mercadoria o objeto indispensável para as relações de troca capitalista Veja a seguir uma síntese de cada uma dessas três categorias teóricas da economia política As teorias sobre o trabalho As condições materiais de existência e reprodução de uma sociedade são rea lizadas a partir da atividade que denominamos trabalho Em outras palavras é o trabalho que dá forma material e imaterial à sociedade capitalista o que signifi ca dizer que o trabalho viabiliza a satisfação das necessidades materiais e imateriais dos indivíduos que constituem uma sociedade Assim o trabalho no seu padrão natural seria aquele em que a sociedade transforma matérias naturais em produtos que atendam às suas necessidades Economia política como campo científico 6 No entanto o que a economia política chama de trabalho é algo substan cialmente mais complexo do que o trabalho no seu padrão natural Algumas questões foram teoricamente desenvolvidas para explicar que o trabalho em uma sociedade capitalista é muito mais do que uma ação imediata sobre o que é natural NETTO BRAZ 2006 Para iniciar o trabalho no capitalismo exige instrumentos que no seu desenvolvimento vão cada vez mais se interpondo entre os que o executam e a matéria natural Ou seja o trabalho vai se tornando cada vez mais dependente de instrumentosferramentas específicas A segunda questão teórica registrada pela economia política é de que o trabalho não se executa cumprindo determinações genéticas Ao contrário o trabalho passa a exigir habilidades e conhecimentos que se adquirem ini cialmente por repetição e experimentação e depois transmitemse mediante aprendizado Nesse sentido o aprendizado não se esgota em formas fixas O capitalismo exige quase sem limites o desenvolvimento de novas formas de trabalho gerando novas necessidades e por conseguinte novas formas de aprendizado Logo a prática do trabalho diferenciase e distanciase do padrão natural Assim segundo Marx 1983 p 149 o trabalho é um processo entre o homem e a natureza um processo em que o homem por sua própria ação regula e controla seu metabolismo com a natureza Não se trata das primei ras formas instintivas animais de trabalho Dessa maneira pressupomos o trabalho numa forma em que pertence exclusivamente ao homem No fim do processo de trabalho obtémse um resultado que já no início foi orientado pelo trabalhador Assim o trabalho é a atividade orientada a um fim para produzir valores de uso apropriação do natural para satisfazer as necessidades humanas condição universal do metabolismo entre o homem e a natureza condição natural da vida humana e portanto comum a todas as suas formas sociais MARX 1996 Na economia política é fundamental a distinção entre o sujeito aquele que realiza a ação do trabalho e o objeto a matéria o instrumento e ou o produto do trabalho Além do mais o trabalho é sempre uma atividade coletiva No capitalismo o sujeito nunca é um sujeito isolado mas sempre se insere num conjunto de outros sujeitos Essa é a divisão do trabalho que faz do caráter coletivo da atividade do trabalho aquilo que se denominou social NETTO BRAZ 2006 Isso revela que quanto mais o sujeito se humaniza quanto mais se torna ser social tanto menos o ser natural é determinante em sua vida Na prática qual foi o resultado desse fenômeno socioeconômico A alie nação isto é um fenômeno histórico característico de sociedades que têm 7 Economia política como campo científico em vigência a divisão social do trabalho e a propriedade privada dos objetos meios de produção Na prática a atividade do trabalhador não lhe pertence o trabalhador é expropriado dos resultados decorrentes dos seus esforços produtivos Resumindo o trabalho não é somente uma atividade específica de homens em sociedade mas é também o processo histórico pelo qual surgiu o ser desses homens o ser social É por meio do trabalho que dentro do modo de produção capitalista a humanidade se estabelece como tal Por isso a análise do trabalho é central nas teorias da economia política LANGE 1966 A questão da lei do valor O valor é um conceito fundamental da economia política No sistema ca pitalista as mercadorias são trocadas conforme a quantidade de trabalho socialmente necessário nelas investido Essa é a chamada lei do valor que como todas as leis econômicas não é descolada da história mas tem uma validez determinada Assim a lei do valor regula as relações econômicas da produção mercantil no capitalismo A lei do valor é no âmbito da produção de mercadorias o principal regulador efetivo da produção e da repartição do trabalho e funciona à revelia dos homens como algo completamente fora do seu controle ou domínio Isso acontece em razão da produção de mercadorias à base da divisão social do trabalho e da propriedade privada dos meios de produção desenvolverse quase que espontaneamente os produtores de mercadorias não se orientam segundo qualquer plano que indique a necessidade real de suas mercadorias e as levam ao mercado conforme o seu arbítrio Logo há conjunturas econômicas em que certas mercadorias são abundantes e outras praticamente desaparecem o que revela a desorganização do conjunto da produção NETTO BRAZ 2006 SILVA 2010 Desde Aristóteles começou a ser estabelecida uma distinção entre o valor de uso e o valor de troca Essa diferença é fundamental para compreender por que existe uma desorganização do conjunto da produção em qualquer tipo de sistema econômico e especialmente no sistema capitalista Enquanto o valor de uso revela as características físicas das mercadorias que as capacitam a ser usadas pelo homem ou seja para satisfazer suas necessidades de qualquer or dem materiais ou ideias o valor de troca indica a proporção em que os bens são trocados uns pelos outros direta ou indiretamente por intermédio do dinheiro Esses conceitos de valor de uso e valor de troca foram constantemente modificados na economia política ao longo dos séculos XVIII e XIX Por exemplo na economia política clássica Adam Smith desenvolveu a teoria Economia política como campo científico 8 do valortrabalho afirmando que o trabalho é a medida real e definitiva do valor das mercadorias distinguindose de seu preço nominal Já David Ricardo evidenciou que o próprio valor do trabalho variava com o preço dos bens necessários à subsistência ou sobrevivência dos trabalhadores o que se refletia no salário e no valor das mercadorias Enquanto isso na economia política marxista Marx 1996 definiu o valor pelo tempo de trabalho socialmente necessário à produção de uma mercadoria Assim da análise da força de trabalho como uma mercadoria do tipo es pecial Karl Marx extraiu a teoria da maisvalia Em contraposição surgiu no final do século XIX a economia política marginalista que subjetivou o conteúdo do valor fundamentandoo na utilidade marginal Sintetizando a lei do valor assumiu diferentes perspectivas sobre a realidade concreta O fenômeno da mercadoria Em termos práticos a mercadoria é uma unidade que sintetiza valor de uso e valor de troca No capitalismo a produção das mercadorias tem como condi ções indispensáveis a divisão social do trabalho e a propriedade privada dos meios de produção SILVA 2010 Sem tais condições pode haver bens com valores de uso mas não há produção dos valores de troca produção mercantil ou produção de mercadorias Segundo Marx 1996 a mais importante característica do capitalismo é ser um modo de produção de mercadorias Ou seja a riqueza das so ciedades em que domina o modo de produção capitalista aparece como uma imensa coleção de mercadorias e a mercadoria individual como sua forma elementar MARX 1983 p 45 Assim a mercadoria se apresenta como o principal elemento universal na sociedade capitalista e serve de mediação a todas as relações sociais Tudo isso parece muito óbvio porque nos remete a fenômenos cotidianos Nascemos crescemos vivemos e morremos em meio a mercadorias Nesse contexto aprendemos a comprar e a vender mercadorias Logo a troca é uma condição indispensável para a vida em sociedade e o intercâmbio mercantil é o ponto chave do modo de produção capitalista NETTO BRAZ 2006 Assim sem as mercadorias o capitalismo perde a sua razão de existência como um sistema econômico SILVA 2010 Lembrese de que a reprodução e a acumula ção do capital dependem das mercadorias inclusive da mercadoria dinheiro É importante destacar que só se constituem mercadorias aqueles valores de uso que podem ser replicados ou reproduzidos isto é produzidos mais de uma vez repetidamente Essa reprodução repetida tem o propósito de produzir 9 Economia política como campo científico a troca ou a venda sistemática Nesse contexto para que haja produção de mercadorias repetidas vezes é fundamental o desenvolvimento da divisão social do trabalho e a garantia de que haverá a propriedade privada dos meios de produção LANGE 1966 Dessa forma para que se produzam diferentes mercadorias é preciso que o trabalho esteja de algum modo dividido entre diferentes trabalhadores ou grupos de trabalhadores Mas essa condição necessária não é suficiente para a produção repetida de mercadorias A divisão social do trabalho deve articular se à propriedade privada dos meios de produção Em outras palavras só pode comprar ou vender qualquer tipo de mercadoria aquele que seja o seu dono e para tanto é indispensável que os meios ou os instrumentos de produção com os quais se produz pertençam a ele o dono SANDRONI 2005 Quando a propriedade dos meios de produção é coletiva mesmo que haja alguma divisão do trabalho a compra e a venda não são possíveis uma vez que o produto do trabalho pertence à coletividade No sistema capitalista a apropriação dos meios de produção é o que motiva os capitalistas a produzirem cada vez mais e a terem o direito legal de se apropriarem sempre da maisvalia resultante da troca de mercadorias A lei do valor é uma teoria muito polêmica e nisso destacase o paradoxo do valor Por exemplo por que os diamantes custam mais do que a água Apesar de os dia mantes valerem mais do que a água a água é mais útil do que os diamantes Em 1769 AnneRobertJacques Turgot observou que apesar de necessária a água não é tida como algo precioso num país com muita água Às vezes uma mina de diamante é mais estimada que uma mina de água Posteriormente Adam Smith levou adiante essa análise notando que embora nada seja mais útil que a água quase nada pode ser trocado por ela Ainda que um diamante tenha um valor bem pequeno quanto ao uso uma quantidade muito grande de outros bens costuma ser trocada por ele Resumindo nas teorias do valor existem contradições aparentes entre o valor de troca o preço e o valor de uso importância de certas mercadorias como é o caso do diamante e da água Liberalismo e democracia O liberalismo como pensamento econômico surgiu nos séculos XVII e XVIII Naquele momento as ideias liberais brotaram como substrato ideológico às Economia política como campo científico 10 revoluções que combatiam o antigo sistema absolutista que predominava na Europa fundamentalmente na França e na Inglaterra SANDRONI 2005 Além disso o pensamento econômico liberal constituiuse no contexto do nascimento do processo da Revolução Industrial Posteriormente entre os séculos XVIII e XIX o pensamento econômico liberal ganhou terreno no contexto da luta pela independência nos Estados Uni dos o que significa que o liberalismo permeou o mundo ocidental relevante durante quase três décadas lançando desdobramentos políticos econômicos e sociais sobre as sociedades em questão SILVA 2010 Nesse sentido foram os economistas clássicos que deram forma e conteúdo às doutrinas liberais isso inclui Adam Smith David Ricardo John Stuart Mill Thomas Malthus James Mill JeanBaptiste Say entre outros Diante disso quais são os principais princípios do pensamento liberal Vamos destacar quatro elementos básicos do liberalismo Lembrese de que o liberalismo originário defendeu os anseios de poder de uma burguesia nas cente ante uma aristocracia absolutista em decadência SANDRONI 2005 Primeiro o liberalismo defendeu a mais ampla liberdade individual o que inclui um amplo conjunto de liberdades que anteriormente eram sufocadas pelas monarquias absolutistas Ou seja o liberalismo não era somente econômico mas ainda político social religioso cultural entre outros SILVA 2010 Segundo o liberalismo deveria estar acoplado a um regime democrático representativo com separação e independência dos três poderes Executivo Legislativo e Judiciário Nesse sistema político acreditavase que o espírito liberal seria aflorado protegido e evoluído ao dar aos cidadãos a capacidade de guiar os seus próprios destinos Juntos liberalismo e democracia dariam lugar a um sistema liberaldemocrático Terceiro o liberalismo apoiava o direito inalienável à propriedade pri vada dos meios de produção Isso quer dizer que tudo na sociedade capitalista deve pertencer a algum proprietário privado em especial os meios de produção capital trabalho máquinas matériasprimas entre outros A lógica é a de que somente com a propriedade privada haverá desejo de produzir mercadorias e assim acumular capitais Por fim o liberalismo depende da livre iniciativa e da concorrência como princípios básicos capazes de harmonizar os interesses individuais e coletivos e logo gerar progresso social Teoricamente essa é a lógica introduzida por Adam Smith do laissezfaire laissezpasser deixar fazer deixar passar Em outras palavras o Estado não deve atrapalhar as iniciativas econômicas privadas A única função do Estado deve ser garantir a livre concorrência e 11 Economia política como campo científico o direito à propriedade privada quando essa for ameaçada por distúrbios e revoltas sociais SANDRONI 2005 SILVA 2010 Esses quatro princípios também deveriam ser aplicados nas relações comerciais internacionais Isso quer dizer que as práticas mercantilistas eram ultrapassadas e um atentado ao desenvolvimento da economia ca pitalista Em termos práticos o liberalismo significava o fim das barreiras alfandegárias e das tarifastaxas protecionistas Naquele contexto histórico do século XVII ao XIX a defesa do liberalismo era uma ação fundamen talmente da Inglaterra a nação mais industrializada da época e que tinha como estratégia colocar seus produtos em todos os mercados europeus e coloniais SANDRONI 2005 Com o avanço do sistema capitalista e a formação de monopólios e oligo pólios no final do século XIX e começo do século XX as ideias liberais foram cada vez mais entrando em contradição com a realidade concreta das econo mias Depois da Primeira Guerra Mundial o pensamento liberal entrou em crise e só foi retomado nos anos 1980 e 1990 sob o termo de neoliberalismo ou novo liberalismo Apesar disso a retórica do pensamento liberal atual mantémse mais no plano teórico do que na prática já que os Estados Modernos participam ativamente mediante o dirigismo da atividade econômica Democracia A democracia é um regime de governo que leva em consideração o direito de todos os cidadãos de participarem das decisões políticas de um país seja direta ou indiretamente DAHL 2012 SANDRONI 2005 É um regime político antigo que apareceu nas antigas cidadesestado da Grécia Antiga Naquele momento as decisões políticas eram tomadas diretamente pelos cidadãos gregos em cidadesestado onde a população era pequena Essa era a democracia direta BOBBIO 1998 Atualmente o regime democrático foi adotado por um amplo conjunto de Estados Nacionais Assim as práticas da participação nas decisões políticas foram transferidas das antigas cidadesestado para a escala maior do Estado Nacional abarcando mais população mais território e mais instituições políticas Na era moderna utilizase o regime da democracia representativa Ambos os casos democracia direta ou representativa confirmam a própria origem etimológica da expressão democracia demo que quer dizer povo e cracia que quer dizer governo Sendo assim a palavra democracia significa governo do povo Esse regime conforme Aristóteles Economia política como campo científico 12 destoava das outras duas formas clássicas de governo a monarquia que é o governo de um só e a aristocracia que é o governo dos nobres BOBBIO 1998 DAHL 2012 E você sabe a diferença entre a democracia direta e a democracia repre sentativa No regime democrático com participação direta o funcionamento é bem simples já que os cidadãos participam diretamente das decisões políticas No caso da democracia representativa a questão é um pouco mais complexa já que envolve um conjunto amplo de instituições políticas que garantem a viabilidade das decisões políticas Nesse sentido como funciona a democracia representativa Esse modelo de democracia desenvolveuse durante os séculos XVIII e XIX na Inglaterra nos Estados Unidos e na França O poder é dividido em três Executivo Legislativo e Judiciário Os dois primeiros poderes Executivo e Legislativo geralmente são eleitos diretamente pelos cidadãos Já o poder Judiciário é escolhido indiretamente pela cidadania via as indicações dos representantes do Executivo e Legislativo A instituição central do regime democrático participativo é o Parlamento ou o Congresso Nacional no qual se tomam decisões por maioria de votos No regime parlamentarista a autoridade máxima do Executivo que pode ser um presidente ou primeiroministro é escolhida a partir da coalizão que reúne uma maioria de legisladores No sistema democrático presidencialista o presidente do país é separadamente escolhido pelo voto direto dos cidadãos SANDRONI 2005 Qualquer que seja o formato do regime democrático adotado é essencial notar os elementos imperativos para a garantia do sistema como um todo São intrínsecos à democracia os seguintes elementos eleições livres diretas e regulares independência dos três poderes Executivo Legislativo e Judiciário sufrágio universal a todos os cidadãos preservação da liberdade de expressão de imprensa de organização de partidos políticos e de protesto e defesa dos direitos civis como um todo São esses cinco elementos que segundo alguns economistas garantem no regime político democrático o desenvolvimento e a expansão do regime econômico liberal O sistema liberaldemocrático retroalimenta a lógica po lítica e a lógica econômica que juntas desenvolvem as forças produtivas garantindo a ordem social política e econômica em questão 13 Economia política como campo científico BOBBIO N Dicionário de política Brasília Editora da UnB 1998 DAHL R A A democracia e seus críticos São Paulo Martins Fontes 2012 KISHTAINY N et al O livro da economia São Paulo Globo 2013 LANGE O Economía política problemas generales Buenos Aires Fondo de Cultura Económica 1966 MARX K O capital crítica da economia política São Paulo Nova Cultural 1996 MARX K O Capital Vol 2 3ª edição São Paulo Nova Cultural 1983 NETTO J P BRAZ M Economia política uma introdução crítica São Paulo Cortez 2006 RASMUSSEN U W Economia para nãoeconomistas a desmistificação das teorias econômicas São Paulo Saraiva 2006 RUBIN I I A history of economic thought London InkLinks 1979 SANDRONI P Dicionário de economia do século XXI Rio de Janeiro Record 2005 SILVA F P M O fator trabalho na teoria econômica Lauro de Freitas Editorial FPMS 2010 SMITH A A riqueza das nações São Paulo Nova Cultural 1996 Leituras recomendadas BELL J F História do pensamento econômico Rio de Janeiro Zahar 1961 POLANYI K A grande transformação Rio de Janeiro Campus 1980 Economia política como campo científico 14 Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem Na Biblioteca Virtual da Instituição você encontra a obra na íntegra Conteúdo SAGAH SOLUÇÕES EDUCACIONAIS INTEGRADAS HISTÓRIA MUNDIAL JORNADAS DO PASSADO AO PRESENTE CANDICE GOUCHER LINDA WALTON H I S T Ó R I A R E L A Ç Õ E S I N T E R N A C I O N A I S G688h Goucher Candice História mundial recurso eletrônico jornadas do passado ao presente Candice Goucher Linda Walton tradução Lia Gabriele Regius Reis revisão técnica Paulo Fagundes Visentini Dados eletrônicos Porto Alegre Penso 2011 Editado também como livro impresso em 2011 ISBN 9788563899477 1 História mundial I Walton Linda II Título CDU 94100 Catalogação na publicação Ana Paula M Magnus CRB 102052 HISTÓRIA MUNDIAL JORNADAS DO PASSADO AO PRESENTE 53 TECNOLOGIA E AMBIENTE ABASTECIMENTO DA INDÚSTRIA A demanda por ferro e aço acelerou na Euro pa depois dos anos 1000 dC devido a uma demanda crescente por armas de guerra con quistas e uma crescente necessidade da popu lação por mais implementos para a agricultura para o lar e para a indústria Como resultado a escassez de madeira para o carvão um ingre diente essencial do processo de fundição logo colocou em perigo a indústria de ferro da In glaterra e de outros países europeus Um efeito da falta de carvão vegetal foi mudar o centro da metalurgia do ferro de um país para outro A Suécia por exemplo que contava com ex tensas florestas bem como muito minério de ferro tornouse a líder da produção europeia de ferro no século XVIII tomando o lugar da Alemanha e da França Em países como a Grã Bretanha a falta de árvores resultou na substi tuição do carvão vegetal pelo mineral que era abundante na região A chave para o aumento da produção de ferro e aço uma vez que o maior processo estava em andamento era obviamente combustível mas o uso de carvão mineral apresentou proble mas complexos Em todos os estágios da confec ção do ferro e do aço o uso do carvão mineral prejudicou a qualidade do produto por introdu zir impurezas Em 1614 um método foi desco berto para o uso do carvão mineral na conversão de barras de ferro em um produto de alto car bono aço mas por quase cem anos nenhum avanço foi realizado em relação ao uso de carvão mineral nas fornalhas em que o ferro poderia ser derretido em grandes e contínuas quantidades No século XVII alguns cervejeiros em Derbyshire Inglaterra tentaram usar o carvão mineral para secar seu malte A presença do enxofre no carvão estragou o gosto da cerveja mas quando eles refinaram o carvão aquecen doo para produzir o coque um novo carvão combustível eles se livraram do enxofre e fer mentaram uma cerveja famosa Essa anedota industrial não deixou de ser notada pelos se dentos fabricantes de ferro que estavam ficando sem carvão vegetal A primeira experiência de sucesso com o coque na confecção de ferro foi conduzida pela Coalbrookdale em Shropshi re na Inglaterra em 1709 por Abraham Dar by 16771721 que havia trabalhado como aprendiz no moinho de malte de uma cerveja ria O uso do coque por Darby em sua fornalha não foi acompanhado rapidamente por outros por constituir um processo caro até a aplicação da força do vapor apenas outras seis fornalhas a coque foram construídas na GrãBretanha no meio do século seguinte A fundição do coque gradualmente abriu uma nova fase na tecnologia do ferro e disputou com a máquina a vapor o tí tulo de maior componente na Revolução Indus trial europeia que ocorreu entre 1750 e 1850 O que poderia ter acontecido se as indústrias de ferro do oeste africano tivessem explorado novas fontes de combustível na medida em que suas florestas diminuíram Essa não era uma opção já que não havia depósitos adequados de carvão mineral disponíveis para serem minerados Na China o uso muito mais adiantado do carvão mineral moldou a indústria do ferro fundido mas o desenvolvimento tecnológico ocorreu em um contexto econômico e político muito dife rente Dessa forma a Revolução Industrial favo receu as indústrias de algumas partes do mundo mais do que outras CIÊNCIA TECNOLOGIA E REVOLUÇÃO INDUSTRIAL As aplicações práticas da maior parte do conheci mento científico inicial dos europeus foram pou cas e espaçadas mas a revolução científica dos séculos XVI e XVII levaram a um novo hábito mental uma nova forma de analisar problemas particulares para resolvêlos Inovações tecnoló gicas aconteceram em esferas bem distantes das arenas bem comportadas e suavizadas da filosofia e da teoria cientificamente abstratas mas tam bém dependeram das habilidades de pesquisa e da racionalização da ciência Por exemplo oleiros e maquinistas eram membros da Real Socieda de Britânica e da Academia Francesa de Ciência 54 CANDICE GOUCHER E LINDA WALTON fundadas em 1660 e 1666 respectivamente e utilizavam a experimentação e a racionalização científica para resolver os grandes problemas tecnológicos relacionados à produção comercial e ao comércio internacional desde a reprodu ção da porcelana chinesa até a construção de relógios e brinquedos mecânicos Inovações que transformaram materialmente a Europa às vezes eram desenvolvidas em oficinas de artesãos sem instrução Tais inovações não eram baseadas em abstrações ou teorias mas sim na experiência do trabalho com os elementos comuns dos metais básicos e combustíveis fuliginosos Entre as im portantes mudanças tecnológicas europeias que acompanharam o desenvolvimento da ciência teórica estava a da metalurgia especialmente a produção do ferro Inovações na produção do ferro deram suporte aos avanços que tornaram possível a Revolução Industrial europeia Começando depois de 1700 o ímpeto da Revolução Industrial levou a exploração a níveis sem precedentes medidos pelos custos em re cursos humanos e naturais Muitas mudanças globais na cultura material podem ser ligadas ao surgimento do capitalismo industrial mundial No núcleo dessas transformações materiais es tavam profundas mudanças no modo como as pessoas percebiam a si mesmas em relação ao mundo natural Mudanças tecnológicas drás ticas e transformações igualmente drásticas na economia resultaram em modificações na orga nização física e social da vida Embora muitas dessas mudanças tenham ocorrido primeiro na Europa seu impacto não ficou restrito ao terri tório europeu Em todo o globo os produtos e o impacto do industrialismo alteraram a vida co tidiana A rapidez da mudança começou a criar uma consciência maior sobre a antiga experiên cia da globalização A aceleração da tecnologia no século XVIII foi denominada Revolução Industrial e como outras inovações agrupadas na história mundial ela forneceu novos materiais e meios de pro dução A Revolução Industrial não ocorreu de forma isolada mas logo teve um alcance global Inovações tecnológicas do século XVIII acom panhadas pela expansão do capitalismo revo lucionaram as primeiras sociedades europeias e americanas em sua relação com o mundo não europeu Outras partes do mundo logo a segui ram A Revolução Industrial também introdu ziu novas tecnologias do ferro na verdade os parâmetros da revolução podem ser definidos pela introdução do coque como substituto do carvão vegetal no processo de fundição sécu lo XVIII e eventualmente a perfeição de um processo novo e bemsucedido para a confecção do aço século XIX O escritor francês Émile Zola descreveu as potencialidades dessa era no romance Germinal 1885 Debaixo do sol flamejante naquela manhã de novo crescimento o campo vibrou com a música conforme seu ventre inchava com o negro e vingativo exército de homens germinando lentamente em seus sulcos crescendo e ascendendo em prontidão para as colheitas por vir até que um dia em breve sua maturação irá brotar da própria terra A abrangência das conquistas tecnológicas que começaram na metade do século XVIII sua relação com as mudanças econômicas globais e seu amplo impacto talvez justifiquem o uso do termo Revolução Industrial Global Energia de vapor As inovações tecnológicas no século XVIII ocorreram principalmente em indústrias como as de mineração metalurgia e têxteis A maior parte das inovações industriais foi produzida por mecânicos e artesãos ligados aos empreen dimentos cujas inovações eles ajudaram a trans formar A energia do vapor foi um pulo drásti co do controle do poder da água dos cavalos ou do calor controlar o vapor requeria aplicações mecânicas Já que o poder do vapor está muito mais associado à Revolução Industrial do século XVIII a construção da máquina a vapor em 1712 por Thomas Newcomen um mecânico pode ser encarada como seu evento inaugural todas as máquinas modernas seja nas fábricas ou aplicadas no transporte são descendentes da máquina de Newcomen As primeiras má HISTÓRIA MUNDIAL JORNADAS DO PASSADO AO PRESENTE 55 quinas a vapor eram máquinas puramente de bombeamento restritas às minas de carvão Não eram muito eficientes e eram muito caras de operar Por fim suas aplicações iriam criar poderosas ferramentas para a expansão da Eu ropa e para o processo de urbanização e indus trialização global Novas máquinas criaram a revolução têxtil mas não antes de serem controladas pela máqui na de Watt Um maquinário dirigido por uma força nova que era responsável pelo incremen to da produção têxtil dependeu da crescente disponibilidade de metais particularmente do ferro Dessa forma as inovações na metalurgia eram tão importantes quanto a máquina a va por na gênese da Revolução Industrial Mas o problema da diminuição dos suprimentos de combustível permaneceu como obstáculo prin cipal da produção em grande escala A substi tuição do carvão vegetal pelo coque forneceu combustível para a ampla aplicação do vapor à revolução industrial Sem os crescentes supri mentos de ferro Watt e Boulton não poderiam ter produzido máquinas a vapor em uma escala comercial e sem essas máquinas a transforma ção europeia da indústria doméstica para o sis tema fabril seria difícil de imaginar Igualmente importantes eram as fontes de capital trabalho e matériaprima bem como os mercados que consumiam a crescente produção Servindo como base de todas essas inovações estava o mercado de escravos do Atlântico que forneceu mão de obra e mercados e produziu capital para o investimento na indústria CAPITALISMO INDUSTRIAL TRANSPORTE E PRODUÇÃO A demanda por produção crescente e o surgi mento dos mercados globais estavam no nú cleo do novo sistema de capitalismo industrial ver Capítulo 6 A habilidade de capitalizar no mercado global e explorar recursos globais dependeu de novas formas de transporte Me lhorias no transporte afetaram todos os tipos de produção industrial A movimentação eficiente e barata de mercadorias foi instrumento do for necimento dos suprimentos necessários para o aumento da produção e para a satisfação da de manda do mercado necessária para sustentálo Essas mudanças tecnológicas ocorreram em um contexto global Em 1829 uma prática loco motiva a vapor foi desenvolvida por George Ste phenson na Inglaterra e pouco tempo depois a construção de ferrovias aconteceu rapidamente Apenas na Inglaterra os trilhos cresceram de 78 Km em 1830 para 24000 Km em 1870 No final desse século a Europa estava unida por uma rede de linhas de ferro e em 1905 os via jantes poderiam ir de Paris até Moscou e Vladi vostok no Pacífico ao longo da extensão 9288 Km ou 5772 milhas da ferrovia Siberiana Im perialistas na África sonharam com uma versão dessa ferrovia entre a cidade do Cabo e o Cairo Igualmente importante para o crescimen to industrial na Europa foi o desenvolvimento Figura 24 O aço trabalhado de Edgar Thompson O artista Joseph Pennel 18571926 esboçou a realidade da indústria de aço local capturando sua precária aproximação das linhas de força e dos sistemas de transporte bem como seu impacto visível na linha do horizonte e na paisagem 56 CANDICE GOUCHER E LINDA WALTON de um prático barco de alto mar a vapor que tornou todas as partes do mundo prontamen te disponíveis como fontes de matériaprima e mercados para produtos acabados das fábricas europeias Já em 1785 um barco a vapor havia viajado no Rio Potomac nos Estados Unidos mas menos de 60 anos depois linhas regulares de barcos a vapor transatlânticos foram inaugu radas e as aplicações no comércio e no correio logo se seguiram Mais do que qualquer outra invenção a estrada de ferro veio para simboli zar o alcance global da Revolução Industrial As ferrovias se espalharam pela América no Norte e Europa A ferrovia Transcontinental nos Estados Unidos estava completa em 1869 quando os trilhos conectaram Omaha a Sacramento 2826 km ou 1756 milhas e a Expresso do Orien te originalmente 1869 ligou Paris a Istambul 2254 km Estradas de ferro também ligaram partes do interior das colônias africanas até por tos na costa e aprofundaram o controle militar da Ásia imperial Essas inovações se basearam no ferro e no carvão mineral As demandas por suprimentos e mercado rias acabadas dobravam em poucos anos com a expansão dos mercados globais Por exemplo a produção de ferro basicamente na era da má quina aumentou 100 vezes no século XIX Ino vações na metalurgia um importante aspecto do começo da revolução industrial no século XVIII continuaram no século XIX Um engenheiro in glês Henry Bessemer 18131883 patenteou um processo para a conversão eficiente do ferro para o aço duro em 1856 e mais ou menos ao mesmo tempo Willian Siemens 18231883 um alemão que havia se estabelecido na Ingla terra aperfeiçoou um processo alternativo Essas inovações por sua vez dependeram de novas fontes de combustível Muitas indústrias novas apareceram nas décadas posteriores a 1850 e essa tendência se acelerou no século XX TRANSFORMAÇÕES GLOBAIS Entre as mais importantes indústrias que apa receram na segunda metade do século XIX es tavam aquelas ligadas a novas fontes de energia como a eletricidade Dínamos geradores elétri cos capazes de fornecer energia e motores con versão da eletricidade para motores mecânicos eram melhorados e multiplicados e novos tipos de máquinas resultaram em um desenvolvimen to da produção industrial inédito durante a fase inicial da Revolução Industrial capitalista do século XVIII Esse status era especialmente ver dadeiro para a máquina de combustão interna que resultaria no triunfo dos veículos motoriza dos do século XX e que entre outras coisas cau sou o salto da produção mundial de petróleo em 1000 nos primeiros 30 anos do século XX Ao mesmo tempo um crescimento eviden te de indústrias de consumo essencial ocorreu produzindo utilidades para o conforto indi vidual que em muito melhoraram o estilo e o padrão da vida material primeiro em grande parte do ocidente e posteriormente em todo o mundo Por exemplo em 1879 Thomas A Edison 18471931 patenteou a maior de suas invenções a lâmpada incandescente que rapidamente se tornou um luxo necessário A fabricação de tecidos como a da seda real patenteada pelo químico francês Hilaire Char donnet 18361931 e os corantes artificiais fizeram artigos finos tornaremse disponíveis de forma mais ampla e barata Nenhuma des sas mudanças tecnológicas ocorreu sem o acesso aos produtos de alcance global especialmente aqueles tropicais como o óleo de palmeira e a borracha Dessa forma a Revolução Industrial foi uma questão global mas seu impacto não foi sentido de forma igual por todas as nações A exploração das novas plantações comerciais industriais substituiu a produção agrícola local de subsistência em favor dos empreendimentos de manufatura em todo o mundo especialmen te nas colônias europeias com consequências crescentes para as relações de dependência e o subdesenvolvimento de grande parte do planeta ver Capítulo 8 A refrigeração primeiramente utilizada em navios em 1877 foi um acréscimo imensurável para a disponibilidade e variedade de bens co mestíveis A Guiana Britânica na América do Sul poderia comer maçãs verdes congeladas HISTÓRIA MUNDIAL JORNADAS DO PASSADO AO PRESENTE 57 a fruta da América do Norte carregadas no gelo em navios a vapor enquanto crianças em Detroit comiam laranjas tropicais O planeta tornouse o jardim para os trabalhadores urba nos industriais que não podiam produzir sua própria comida nas cidades em rápida expansão em que estavam confinados Um membro da rica elite em inúmeras cidades mundiais pode ria sentar para uma refeição extraída dos cinco continentes e plebeus que poderiam custear tal refeição podiam ceder ao desejo de alimentos e suprimentos que até reis de eras anteriores não poderiam sequer imaginar Fornalhas de queima de carvão e óleo mantinham as pessoas aque cidas e confortáveis e trens navios bondes bicicletas e a seu tempo o automóvel permiti ram que a população se locomovesse O impac to de uma variedade de inovações tecnológicas deveria fazer com que os caprichos da natureza fossem uniformemente hospitaleiros indepen dentemente do clima e da estação dia ou noite 188 CANDICE GOUCHER E LINDA WALTON A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL A aceleração da tecnologia europeia no século XVIII foi tamanha que ficou conhecida como uma Revolução Industrial ver Capítulo 2 Sob o impacto das mudanças tecnológicas e do capitalismo em expansão primeiro as economias europeias depois aquelas ao redor do globo fo ram transformadas Inovações tecnológicas no século XVIII ocorreram principalmente em in dústrias como a de mineração de metalurgia e de têxteis Antes da revolução têxtil os tecidos eram produzidos por trabalhadores em casa utilizando matériasprimas fornecidas por mercadores que então recolhiam os tecidos acabados As mulheres enrolavam os fios e os homens geralmente faziam a tecelagem A localização organização e produ tividade das indústrias mudaram drasticamente durante a Revolução Industrial A introdução de novos equipamentos de enrolar e tear na Europa no começo do século XVIII iniciou o processo de mudança da produção têxtil de casa para as fábricas No caso da produção de têxteis o novo maquinário não só retirou o trabalho de casa e HISTÓRIA MUNDIAL JORNADAS DO PASSADO AO PRESENTE 189 das vilas agrícolas mas também algumas vezes reverteu as tarefas tradicionalmente baseadas em gêneros na fábrica industrializada enrolar os fios virou trabalho de homens e não de mulheres pois acontecia fora do ambiente doméstico A fá brica substituiu a casa como local de trabalho exigindo que um grande número de trabalhado res se deslocasse até a cidade diariamente ou se mudasse para lá A instituição distintiva da Revolução In dustrial capitalista foi o sistema fabril de pro dução no qual os trabalhadores eram colocados juntos em prédios durantes horas fixas de labor em máquinas movidas por energia elétrica As fabricas eram contudo lentas na substituição da indústria doméstica onde os trabalhadores fiavam e teciam em seus próprios lares utili zando seus próprios roteadores e teares Exceto na fiação e tecelagem do algodão já nos anos de 1830 muitos empregadores continuaram achando a indústria doméstica mais lucrativa e preferiram a produção em pequenas lojas em vez do empreendimento de grandes fábricas Conforme as fábricas se multiplicavam jovens aprendizes muitos deles mulheres que não tinham qualquer compromisso com os modos antigos de produção substituíram os artesões tradicionais e os antigos trabalhado res O trabalho na fábrica significava a perda da independência dos artesões e frequentemente um reajustamento das relações familiares pois a produção saiu de casa e alterou os papéis dos trabalhadores individuais Em 1831 um comi tê governamental na Inglaterra investigando o trabalho infantil na indústria têxtil descobriu as duras circunstâncias da vida cotidiana de mui tas jovens crianças condenadas a trabalhar nas fábricas para complementar a renda da família Muitas pessoas compararam a fábrica com o trabalho doméstico onde os pobres ou doen tes eram mandados para trabalhar Muitos do nos de fábrica que se acreditavam justos moral e também fisicamente mantinham o controle e a disciplina de seus trabalhadores introduzin do rígidos códigos de trabalho que regulavam cada aspecto da rotina da fábrica bem como as horas após as atividades Apesar da relutância de alguns empreendedores e da resistência de alguns trabalhadores na metade do século XIX o sistema fabril tornouse o modo comum de produção e os industriais capitalistas que pos suíam fábricas organizavam e controlavam a vida econômica cultural e até mesmo religiosa das comunidades fabris No século XIX o impacto da Revolução Industrial foi percebido ao redor do globo No Brasil a manufatura têxtil competiu com a da capital da metrópole Lisboa No Japão a rápida industrialização foi encorajada após as políticas governamentais Meiji após 1868 A produ ção de seda tradicionalmente foi o trabalho de mulheres japonesas Quando as fábricas foram construídas elas atraíram um grande número de mulheres muito jovens que trabalhavam longas horas em péssimas condições Às mulheres eram repassados os empregos mais monótonos e com salários mais baixos enquanto os homens deti nham posições especializadas A divisão desigual do trabalho continuou século XX adentro No Japão e ao redor do globo a fábrica substituiu o lar como local de trabalho exigindo que um grande número de trabalhadores viajasse diaria mente para a cidade ou se mudasse para lá A migração do trabalho e do capital redundou nas forças que reconhecemos como globalização a interconexão de pessoas tecnologia e ideias Inovações trouxeram possibilidades que esten deram o alcance do capital global A industria lização exigiu recursos de lugares longínquos o algodão do Egito e da Índia alimentou das fábricas da Inglaterra a borracha e o óleo dos trópicos abasteceram as máquinas da América e do Japão A demanda de larga escala por mer cadorias apressou a velocidade da mudança nos sistemas de transporte e comunicação CAPITALISMO A Revolução Industrial esteve intimamente li gada ao sistema econômico do capitalismo o uso ou investimento do dinheiro para gerar lucro A primeira forma de capitalismo foi o agrícola na qual a riqueza era feita a partir da terra e investida em suas melhorias e expansão 190 CANDICE GOUCHER E LINDA WALTON Figura 64 Ichiyosai Kuniteru O interior de uma fábrica de seda japonesa 1870 Kuniteru era um artista da impressão com blocos de madeira na tradição de Hiroshige Hokusai e outros que retrata ram as paisagens da vida rural e urbana do Japão tradicional nos século XVIII e XIX Em contraste Kuniteru era conhecido por seus retratos da vida industrial e das influências ocidentais no Japão do final do século XIX HISTÓRIA MUNDIAL JORNADAS DO PASSADO AO PRESENTE 191 A agricultura localizada e autossuficiente foi substituída lentamente pela agricultura com vistas ao mercado que exigia investimento de capital O capitalismo comercial se desenvolveu com a reanimação medieval tardia das cidades e do comércio e floresceu como resultado da exploração do comércio e da colonização glo bal iniciada no século XVI Antes desse século o poder dos monarcas dependia de suas rela ções com a aristocracia agráriamilitar com o desenvolvimento do capitalismo comercial os monarcas foram apoiados por mercadores par ceiros no mercantilismo O capitalismo industrial tomou forma ao final do século XVIII e no começo do século XIX juntamente com a fronteira atlântica do oeste da Europa e talvez antes e com mais su cesso na Inglaterra O capitalismo industrial foi o resultado de muitos fatores incluindo o cres cimento econômico encorajado pelo governo o comércio de larga escala a disponibilidade de excedente de capital e as inovações tecnológicas que se desenvolveram cumulativamente desde o século XVI Desenvolveuse antes na indústria de ferramentas que são básicas a todas as for mas de produção industrial e de têxteis que su priam as vastas demandas do mercado Empre endimento como a mineração e a metalurgia que eram subsidiárias da produção de maquiná rio e têxtil também foram essenciais ao primi tivo desenvolvimento do capitalismo industrial Ao fim do século XVIII o investimento de capital na indústria muito do qual era derivado do comércio e da agricultura começou a vasta expansão que tornaria o capitalismo industrial a forma dominante de capitalismo ao final do século XIX na Europa Formas antigas de ca pitalismo foram gradualmente englobadas pelo capitalismo financeiro no qual os banqueiros e financistas investiam na indústria no comércio e até mesmo na agricultura Capitalistas finan ceiros combinaram grandes corporações e imen sas concentrações de dinheiro em atividades econômicas que eram cada vez mais globais e interligadas com a expansão dos EstadosNação nas Américas na Ásia e na África IMPERIALISMO E COLONIALISMO COMO SISTEMAS ECONÔMICOS Conforme foram sendo atingidos os limites do capitalismo industrial nas economias europeias durante a segunda metade do século XIX mer cados e recursos alternativos tiveram de ser en contrados no alémmar Enquanto havia pelo menos uma pequena possibilidade de utilização mais intensiva dos recursos da Europa cada vez mais os europeus voltaramse à exploração de outras partes do mundo No final do século XIX o imperialismo europeu completou o pro cesso de dominação do mundo que começou com a abertura da fronteira atlântica no século XVI Empurrados pelo capitalismo industrial e pelas NaçõesEstado o novo imperialismo dis seminou tanto o industrialismo como o nacio nalismo por todo o mundo Os europeus pouco perceberam e menos esperaram que ambos pudessem por fim ser usados por não europeus para desafiar e reajustar a posição da Europa no mundo O comércio transatlântico de escravos foi central ao desenvolvimento e crescimento co mercial capitalista na África Central e do Oes te Até mesmo depois da abolição da escravidão pelas potências europeias começando por volta de 1807 a dependência das sociedades africa nas do trabalho escravo não desapareceu A era do comércio de escravos foi seguida pela era do comércio legítimo um período entre 1800 e 1870 durante o qual as iniciativas econômicas afroeuropeias foram forçadas a encontrar ou tros produtos para substituir as cargas humanas ilegais Em quase todos os casos os produtos vendidos nos mercados internacionais eram agrícolas ou florestais cultivados ou coletados para exportação à Europa Eles incluíam ma deira borracha óleo de palmeira minérios e marfim Até quando os escravos já não eram mais exportados a escravidão e outras formas de trabalho forçado continuaram essenciais à produção e ao transporte de mercadorias Esse período também foi chamado de período de im pério informal sugerindo que as relações econô Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem Na Biblioteca Virtual da Instituição você encontra a obra na íntegra HISTÓRIA MODERNA Caroline Silveira Bauer Adam Smith e o pensamento econômico moderno Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto você deve apresentar os seguintes aprendizados Definir as bases do pensamento de Adam Smith em relação à inter ferência do Estado em assuntos econômicos Caracterizar a estrutura econômica apresentada por Adam Smith em oposição ao mercantilismo Relacionar a influência da fisiocracia na teoria e na organização eco nômica promovida por Adam Smith Introdução O pensamento do escocês Adam Smith representa um marco na história as ideias econômicas e políticas por sua sistematização da crítica ao sis tema mercantilista e por apresentar outros critérios para que seja aferida a riqueza das nações Influenciado pelas transformações ocorridas na sociedade inglesa no século XVIII principalmente a Revolução Industrial Smith apresenta em sua obra reflexões sobre o liberalismo e o trabalho e seu trabalho tornouse uma referência para posteriores corroborações de suas ideias e para seus críticos também Neste capítulo você vai conhecer as formulações econômicas e polí ticas de Adam Smith no que diz respeito às suas críticas ao mercantilismo e à defesa de princípios liberais da economia assim como sua proposta de Estado e seu relacionamento com o sistema econômico Além disso vai ver qual foi o impacto da fisiocracia na elaboração de seu pensamento e em que pontos há uma aproximação ou um distanciamento entre suas ideias e as dos fisiocratas 1 Adam Smith e o Estado liberal Adam Smith nasceu em 1723 em Kirkcaldy na Escócia Estudou em univer sidades escocesas e inglesas e em 1748 tornouse professor em Edimburgo Posteriormente já na Universidade de Glasgow lecionou fi losofi a moral o que teria um peso bastante importante no desenvolvimento de suas teorias econômicas Em 1759 publicou A teoria dos sentimentos morais obra que o tornou conhecido em círculos intelectuais europeus Após uma estadia de estudos na França lançou a obra Investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações em 1776 Além das atividades como acadê mico foi nomeado diretor da alfândega escocesa em 1778 morreu em 1790 SMITH 1986 O nome Adam Smith 2009 está indissoluvelmente ligado à sua obra prima Riqueza das Nações que levou mais de vinte e cinco anos para ser escrita Sua significação é múltipla revolucionou o pensamento político da época e fundou uma nova ciência a economia política a primeira das ciências humanas a se separar da filosofia A influência do cientificismo e do racionalismo é bastante evidente em sua obra Nesse sentido Adam Smith é celebrado como um dos que mais contribuíram para que a economia surgisse enquanto área autônoma do conhecimento humano pois este autor desempenhou um papel pioneiro no estudo e na expli cação dos fenômenos e princípios econômicos Por meio do método indutivo a partir de uma evidente influência da abordagem utilizada por Isaac Newton no campo da física Smith buscou elaborar para os fenômenos sociais aquilo que Newton elaborou para os naturais Smith buscou explicitar as bases que sustentam a vida em sociedade VARGAS 2014 p 192 Antes de Smith a economia era debatida por filósofos como David Hume 17111776 John Locke 16321704 e Condillac 17151780 e por teóricos ou homens práticos como Thomas Mun 15711641 Somente com François Quesnay 16941774 líder da escola de pensamento francesa fisiocrata é que estudiosos começaram a se ocupar especificamente com a economia buscando enquadrála em um sistema de conceitos e leis Foi Smith no entanto que com sua obra lançou as bases da nova ciência Todos os economistas desde então partiram da problemática e dos enfoques que se encontram em Riqueza das Nações partindo de Malthus 17661834 David Ricardo 17721823 e Karl Marx 18181883 Segundo Nunes 2006 p 75 Adam Smith e o pensamento econômico moderno 2 A economia política por sua vez é considerada por Smith como a ciên cia de um estadista cujo objetivo fundamental consiste em aumentar a riqueza e o poder nacionais O que se esboça aqui é a íntima relação entre o Estado e a atividade econômica A ciência econômica assume o objetivo de indicar a maneira como deve o Estado agir para promover o aumento da riqueza Podemos afirmar que a produção intelectual de Adam Smith atentava para os problemas intelectuais originários das transformações econômicas e políticas que a Inglaterra e a Europa Ocidental enfrentavam nos séculos XVII e XVIII Para Smith a Revolução Industrial e as consequentes transformações na economia e nas relações de trabalho e produção somente foram possíveis a partir da consolidação da liberdade após o fim do Absolutismo e o declínio do poder da nobreza e pela segurança que as leis deram à manutenção da propriedade e da livreiniciativa ARTHMAR 2016 Assim o papel do Estado para Adam Smith seria garantir a defesa do território realizar obras de infraestrutura e garantir a justiça não intervindo ou intervindo minimamente no campo econômico Isso porque Smith defen dia que a economia separada do Estado funciona de acordo com as suas próprias leis leis naturais leis de validade absoluta e universal a ordem natural harmoniza todos os interesses a partir da natural atuação de cada um no sentido de obter o máximo de satisfação com o mínimo de esforço NUNES 2006 p 44 A vida económica assim entendida é o fundamento da sociedade civil o princípio da própria existência do estado cujas funções devem restringirse ao mínimo compatível com a sua capacidade para garantir a cada um e a todos em condições de plena liberdade o direito de lutar pelos seus interesses como melhor entender Adam Smith é considerado o pai da doutrina do estado mínimo e é muitas vezes invocado nesta qualidade paternal para justificar as propostas dos neoliberais dos nossos dias NUNES 2006 p 45 Quanto às obras públicas Smith defendia que era uma obrigação do Estado oferecer uma série de serviços públicos principalmente nos quais o lucro jamais poderia compensar a despesa para qualquer indivíduo ou pequeno número de indivíduos não se podendo portanto esperar a sua criação e ma nutenção por parte de qualquer indivíduo ou pequeno número de indivíduos NUNES 2006 p 48 Nesse sentido além de garantir a administração da justiça e a defesa da sociedade o Estado deveria possuir outras instituições e outros serviços para instruir a população promover o comércio 3 Adam Smith e o pensamento econômico moderno O pensamento político de Adam Smith é costumeiramente associado ao Estado mínimo e à não intervenção na economia Contudo diferentes pesquisadores propõem outra leitura para a obra de Smith já que o próprio autor afirma que a mão invisível não consegue harmonizar satisfatoriamente os interesses opostos dos indivíduos e dos grupos econômicos CORAZZA 1984 p 75 isso porque Smith era consciente da divisão e da divergência entre as classes É nesse contexto da sociedade real que o Estado assume um papel relevante no sentido de impedir que esses conflitos prejudiquem o desenvolvimento da acumulação de capital CORAZZA 1984 p 75 Nesse sentido os exemplos de possíveis intervenções do Estado na economia fornecidos pelo próprio Smith são vários a regulamentação compulsória das hipotecas a execução legal dos contratos o controle estatal da cunhagem de moeda a taxação sobre a venda a varejo de bebidas alcoólicas visando a impedir a prolife ração de bares taxas diferenciais sobre cerveja e aguardente taxas mais elevadas para aqueles que exigiam o pagamento de aluguéis em espécie como meio de desencorajar uma prática que era prejudicial aos inquilinos em casos especiais apoiou incentivos sobre a exportação de milho taxas sobre manufaturas estrangeiras concessão de monopólios temporários a grupos de comerciantes que enfrentavam um grande risco em um novo empreendimento privilégios aos inventores de novas máquinas e aos autores de novos livros CORAZZA 1984 p 82 Resumindo Smith atribuía ao Estado três deveres assegurar a justiça garantir a segurança e realizar obras públicas Aqui é importante concebermos segurança não somente no que diz respeito à criminalidade mas à riqueza nacional contra os ataques externos e garantia à propriedade privada contra os ataques internos CORAZZA 1984 p 80 como forma de promover e proteger a produção e o trabalho No pensamento de Smith no entanto o aumento da riqueza nacional depende muito mais de outros fatores do que da intervenção do Estado Esses fatores são a divisão do trabalho e a acumulação de capital O que o Estado deve fazer antes de tudo é não opor obstáculos ao livre desenvolvimento das forças que operam no seu interior e por si mesmas são capazes de promover o crescimento econômico da nação CORAZZA 1984 p 75 Adam Smith e o pensamento econômico moderno 4 2 A concepção econômica de Smith O pensamento e as práticas econômicas predominantes na Europa na época de Smith formavam o conjunto de doutrinas conhecido por mercantilismo A riqueza era concebida como somatório de fatores determinantes para uma economia mercantil comércio exterior moeda volume de metais preciosos balança comercial favorável Em outras palavras o crescimento da riqueza de um país era decorrente da intensifi cação do comércio e do fl uxo de metais preciosos para as metrópoles lembremos da importância do colonialismo para esse sistema As práticas mercantilistas advieram da centralização do poder político e da formação e do fortalecimento das monarquias nacionais que unificaram o sistema monetário tributário e de pesos e medidas impulsionando as práticas comerciais na transição da Idade Média para a Idade Moderna Isso represen tou benefícios para a ascendente burguesia ao mesmo tempo que garantiu o apoio desse setor ao rei Dessa forma criaramse monopólios por meio de acordos e tratados estabeleceramse tarifas de importação e exportação e houve restrições alfandegárias e leis de navegação tudo para manter a balança comercial favorável O mercantilismo não esteve isento de críticas e de adaptações conforme as realidades específicas de cada um dos países que adotaram essas práticas Contudo as transformações advindas do paulatino processo de industrialização exigiram mudanças na forma de relacionamento entre o Estado e a economia e entre as classes sociais que não viam mais a estrutura estatal como uma aliada para a defesa de seus interesses e sua filosofia principalmente o individualismo De acordo com Dobb 1977 p 77 o principal foco da crítica de Adam Smith era o mercantilismo que para o autor escocês consistia numa falaciosa identificação da riqueza com a moeda e na suposição de que acumular ouro e prata em qualquer país era a maneira mais fácil de o enriquecer O mer cantilismo atentaria quanto à liberdade natural aplicada ao comércio externo e interno aniquilando as vantagens da livre concorrência e da autorregulação dos preços bem como a ampliação progressiva da divisão do trabalho e por consequência do aperfeiçoamento das forças produtivas Smith em sua teoria econômica pretendia estabelecer uma harmonia natural entre o interesse individual e o interesse coletivo sendo esse equilíbrio a força motriz do liberalismo econômico CORAZZA 1984 p 76 Contudo há um forte direcionamento para as iniciativas do indivíduo que para Smith 5 Adam Smith e o pensamento econômico moderno seria mais eficiente que o Estado na gestão econômica Em relação à economia portanto o Estado deveria respeitar as leis de mercado que são suficientes para organizar a oferta e a demanda os preços e as relações de trabalho O desenvolvimento da riqueza nacional possui um curso natural que o Go verno deve respeitar Todo o sistema que procura direcionar o crescimento do capital através de estímulos extraordinários ou através de restrições na realidade age contra o objetivo que deseja alcançar Assim em vez de acele rar contribui para o retardamento do desenvolvimento da riqueza social O Estado deve deixar a atividade econômica andar por si mesma por duas razões primeiro porque a produção da riqueza não necessita da intervenção estatal e depois porque mesmo que o Estado quisesse auxiliála não teria condições de fazêlo melhor que os indivíduos CORAZZA 1984 p 79 Como se disseminaram os ideais de Adam Smith na América Latina De acordo com Belchior 1977 as perspectivas liberais de Adam Smith chegaram à América Latina ainda no século XVIII quando as primeiras manifestações contra o colonialismo estavam despertando nas colônias espanholas e portuguesa No Brasil há diferentes referências de que Claudio Manuel da Costa um dos líderes da Inconfidência Mineira 1789 teria traduzido Riqueza das Nações para o português o que lhes interessava por legitimar as críticas ao monopólio da coroa portuguesa em relação ao comércio exterior E como Adam Smith chegou à elaboração de sua crítica ao sistema mercan til Para fundamentar sua concepção de um mercado autorregulado Smith faz uma reconstituição histórica juntamente com uma análise econômica sobre as práticas econômicas desenvolvidas pelas diferentes sociedades ao longo da história bem como sobre as instituições operantes naquela conjuntura como a Companha das Índias Orientais a Igreja Católica e a universidade BIANCHI SANTOS 2005 Para Smith diferentemente dos mercantilistas que asseguravam que a riqueza das nações se encontrava no comércio e na posse de metais preciosos o fundamento da riqueza estava na divisão do trabalho e nas relações de produção já que a especialização do trabalhador traz consigo enorme ganho de produtivi dade Se antes um homem precisava ele mesmo construir sua casa fazer suas roupas preparar sua comida e seus utensílios numa sociedade com divisão Adam Smith e o pensamento econômico moderno 6 do trabalho ele pode dedicarse exclusivamente ao ofício em que se tornará mais produtivo de modo que poderá trocar sua produção por muito mais bens do que se ele tivesse tentado ele mesmo produzir cada bem BIANCHI SANTOS 2005 p 10 Diferentes autores argumentam que essa concepção de riqueza é inseparável dos preceitos morais que orientavam o pensamento de Smith que podem ser aproximados das transformações nas mentalidades decorrentes desde o Re nascimento e que culminam com os princípios iluministas Assim não é raro encontrar em sua obra adjetivos como parcimônia e prudência em relação ao investimento nas atividades produtivas ou desequilíbrio e preguiça em referência aos gastos com a prestação de serviços e itens supérfluos Esse padrão reproduzse em muitas passagens da obra em que Smith con trapõe o comportamento prudente e sábio dos investidores com a atitude preguiçosa dos proprietários de terra argumentando que o primeiro tipo de comportamento deveria gradualmente imporse sobre o último Nos vários trechos em que compara a elite dos donos de terra aos homens de negócios os últimos são enaltecidos por sua pontualidade eficiência e sabedoria A presença de mãos improdutivas é relacionada a padrões feudais e ao estilo de vida ocioso e desfrutável da aristocracia agrária enquanto a sociedade atual é mais industriosa por haver menos gente empregada na manutenção da ociosidade BIANCHI SANTOS 2005 p 11 Nessa conjugação entre a economia e a moral Smith afirma que a me lhor política para a prevenção de crimes era o incentivo ao comércio e às manufaturas porque a possibilidade de trabalho estimularia os indivíduos a melhorar suas condições de subsistência BIANCHI SANTOS 2005 além de promover a justiça social 3 Os fisiocratas e o pensamento de Smith Os fi siocratas foram uma corrente de pensamento originariamente francesa que apresentaram fortes críticas às práticas mercantilistas desenvolvidas na França Para eles a sociedade era regida por leis naturais e dessa forma o Estado não deveria intervir nesse funcionamento natural É dessa compreensão que partiriam suas críticas às práticas mercantilistas principalmente ao intervencio nismo na economia explicitando as características liberais de seu pensamento O surgimento dessas teorias estava em consonância com a realidade fran cesa do século XVIII por observação empírica formularam a ideia de que 7 Adam Smith e o pensamento econômico moderno só a produção agrícola poderia produzir excedentes e havia uma classe de proprietários de terra que dela vivia exclusivamente DOBB 1977 Podemos citar como alguns de seus principais representantes Vincent de Gournay 17121759 a quem é atribuída a frase laissezfaire laissezpasser utilizada em referência ao funcionamento autônomo da economia Jacques Turgot 17271781 e François de Quesnay 16941774 que era médico da corte de Luis XV Laissezfaire tornouse o lema dos fisiocratas franceses que viveram na época de Gournay Eles são importantes porque constituem a primeira escola de economistas Formavam um grupo que a partir de 1757 se reunia regularmente sob a presidência de François Quesnay para examinar problemas econômicos Os membros da escola escreveram livros e artigos pedindo a eliminação das restri ções defendendo o comércio livre o laissezfaire HUBERMAN 1985 p 149 A principal crítica dos fisiocratas em relação ao mercantilismo residia na compreensão da riqueza Embora os economistas de hoje discordem de muitos aspectos da teoria fisiocrata atribuemlhe o mérito de mostrar que a riqueza de um país não deve ser estimada como uma soma fixa de mercadorias acumuladas mas sim pela sua renda não como um estoque mas como um fluxo HUBERMAN 1985 p 151 Diferentemente dos defensores do mercantilismo que acreditavam que a riqueza de uma nação advinha do comércio e da quantidade de metais preciosos que um país possuía os fisiocratas atribuíam a riqueza de uma nação à agricul tura pois se conseguia excedentes de produção sem muito esforço produtivo Os fisiocratas chegaram à sua fé no comércio livre por um caminho indireto Acreditavam acima de tudo na inviolabilidade da propriedade privada parti cularmente na propriedade privada da terra Por isso acreditavam na liberdade o direito do indivíduo fazer de sua propriedade o que melhor lhe agradasse desde que não prejudicasse a outros Atrás de sua argumentação a favor do comércio livre está a convicção de que o agricultor devia ter permissão para produzir o que quisesse para vender onde desejasse Naquela época não só era proibido mandar cereais para fora da França sem pagar imposto como o próprio trânsito do produto de uma parte do país para outra era taxado A isso se opunham os fisiocratas HUBERMAN 1985 p 149 Para os fisiocratas a produtividade natural da terra é um dom da natureza dom que só pode ser aproveitado pelos que trabalham na agricultura o que significa que só o trabalho agrícola se configura por isso mesmo como trabalho produtivo é capaz de produzir um produto líquido NUNES 2006 p 1 Adam Smith e o pensamento econômico moderno 8 De acordo com Huberman 1985 os fisiocratas abordavam os problemas econômicos da França a partir de seus efeitos na agricultura já que afirmavam que a terra era a única fonte de riqueza e o trabalho rural o único trabalho realmente produtivo Mirabeau outro fisiocrata do período afirmou nosso camponês em sua capacidade de lavrador dedicase ao trabalho produtivo e é apenas desse trabalho que procuramos lucro descontadas as despesas em sua qualidade de tecelão o trabalho que executa é estéril desempenha uma parte na totalidade dos serviços mas nada produz MIRABEAU apud HUBERMAN 1985 p 150 Além disso embora concordassem que os artesãos possuíam um papel importante na transformação da matériaprima entendiam que isso não gerava riqueza pois o trabalho era mais caro que o produto produzido ou seja a indústria era estéril a agricultura era proveitosa HUBERMAN 1985 p 151 E quais foram as críticas apontadas por Smith em relação ao fisiocracismo Para o autor escocês a riqueza das nações não derivava da agricultura propriamente dita mas das relações de produção estabelecidas no campo ou seja do trabalho essa crítica aos fisiocratas seria fundamental para a constituição de sua teoria econômica Contudo Smith não conseguiu se distanciar por completo do contexto cultural em que estava inserido e boa parte de sua teoria traz marcas do fisiocracismo Em suas obras reconhece a importância da teoria Esse sistema porém com todas as suas imperfeições é talvez o que mais se aproxima da verdade dentre os já publicados sobre a questão da Economia Política Embora ao representar o trabalho da terra como o único produ tivo as noções que inculca são talvez demasiado estritas e confinadas no entanto ao representar a riqueza das nações como formada não das riquezas de dinheiro que não podem ser consumidas mas pelos bens consumíveis anu almente reproduzidos pelo trabalho da sociedade e ao representar a liberdade perfeita como o único recurso eficiente para aumentar a produção anual da melhor forma possível sua doutrina parece ser sob todos os pontos de vista tão exata quanto generosa e liberal sd apud HUBERMAN 1985 p 151 De acordo com Nunes 2006 p 53 Smith foi dominado pela visão fisiocrá tica de uma sociedade que funciona perfeitamente por si como um organismo natural na qual não deve tocarse para não a descontrolar Essa influência é corroborada por Carvalho et al 2013 para quem Smith herda dos fisiocratas a tríade produçãodistribuiçãoconsumo para compreender as relações econô micas bem como a ideia de livre iniciativa de produção e comércio e por fim proporá a substituição da ordem natural fisiocrática para a mão invisível 9 Adam Smith e o pensamento econômico moderno ARTHMAR R Hume Smith e as etapas da sociedade comercial Economia e Sociedade Campinas v 25 n 1 123 abr 2016 BELCHIOR E O A introdução das ideias de Adam Smith no Brasil Revista Brasileira de Economia Rio de Janeiro v 31 n 1 p 2130 janmar 1977 BIANCHI A M SANTOS A T L A Adam Smith filósofo e economista Cadernos IHU Idéias ano 3 n 35 2005 CARVALHO D G et al A influência fisiocrata no pensamento de Adam Smith In CONGRESSO NACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS 2 Francisco BeltrãoPR 02 03 e 04 de outubro de 2013 CORAZZA G Estado e liberalismo em Adam Smith Ensaios FEE Porto Alegre v 5 n 2 p 7594 1984 DOBB M Teorias do valor e distribuição desde Adam Smith Rio de Janeiro Martins Fon tes 1977 HUBERMAN L História da riqueza do homem Rio de Janeiro Zahar 1985 NUNES A J A A filosofia social de Adam Smith Boletim de Ciências Econômicas v 49 p 156 2006 SMITH A Riqueza das nações uma investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações São Paulo Madras 2009 SMITH A Riqueza das Nações Rio de Janeiro Ediouro 1986 VARGAS J A unidade da obra de Adam Smith uma interpretação A Economia em Revista v 22 n 2 p 191206 dez 2014 Leituras recomendadas BIANCHI A M A préhistória da economia de Maquiavel a Adam Smith São Paulo Hucitec 1988 BRUE S L A história do pensamento econômico 6 ed São Paulo Thomson 2005 CASSIRER E A filosofia do iluminismo Campinas Unicamp 1994 CERQUEIRA H Adam Smith e seu contexto o iluminismo escocês Economia e sociedade v 15 n 1 p 128 2006 HUNT E K SHERMAN J S História do pensamento econômico Petrópolis Vozes 2010 Adam Smith e o pensamento econômico moderno 10 Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados e seu fun cionamento foi comprovado no momento da publicação do material No entanto a rede é extremamente dinâmica suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo Assim os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade precisão ou integralidade das informações referidas em tais links 11 Adam Smith e o pensamento econômico moderno Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem Na Biblioteca Virtual da Instituição você encontra a obra na íntegra Conteúdo SAGAH SOLUÇÕES EDUCACIONAIS INTEGRADAS

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