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Psicologia ·
Psicanálise
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JD Nasio Como Trabalha Um Psicanalista ZAHAR Transmissão da Psicanálise diretor Marco Antonio Coutinho Jorge JD Nasio COMO TRABALHA UM PSICANALISTA Tradução Lucy Magalhães Revisão técnica Marco Antonio Coutinho Jorge Tradução autorizada da versão francesa revista pelo autor do seminário Comment travaille un psychanalyste Copyright 1999 JuanDavid Nasio Copyright da edição em língua portuguesa 1999 Jorge Zahar Editor Ltda rua México 31 sobreloja 20031144 Rio de Janeiro RJ tel 21 21080808 fax 21 21080800 editorazaharcombr wwwzaharcombr Todos os direitos reservados A reprodução nãoautorizada desta publicação no todo ou em parte constitui violação de direitos autorais Lei 961098 Capa Sérgio Campante N211c Nasio JuanDavid Como trabalha um psicanalista JD Nasio tradução Lucy Magalhães revisão técnica Marco Antonio Coutinho Jorge Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999 Transmissão da Psicanálise Tradução de Comment travaille un psychanalyste ISBN 9788571105140 1 Psicanálise 2 Psicanalistas I Título II Série CDD 150195 CDU 15 99 6 24 2 90932 9 CIPBrasil Catalogaçãonafonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros RJ SUMÁRIO I A técnica analítica 7 II O caráter de analisabilidade 30 III A natureza da transferência 56 IV A seqüência dolorosa da transferência 77 V A contratransferência 99 VI A contratransferência e o lugar do analista 120 VII A interpretação 140 VIII A cura 159 Índice geral 171 O que o paciente viveu sob a forma de transferência nunca mais esquecerá Sigmund Freud A técnica analítica I A técnica analítica Abertura Retomo meu seminário em seu décimo ano Faz uma década que inaugurei este ensino destinado aos analistas na Escola Freudiana de Paris em 1977 e 1978 Naquela época estava preocupado em de monstrar e justificar a seguinte tese acreditava e ainda acredito que a posição do psicanalista é tal que se aproxima no limite de uma posição feminina que então eu chamava de posição feminina do psicanalista Hoje daremos um passo à frente e falaremos do analista mas agora do analista que está instalado no lugar a partir do qual ele poderá dirigir um tratamento O título que pensei para este seminário A direção do trata mento retoma o de um texto de Lacan que se encontra nos Escritos A direção do tratamento e os princípios de seu poder Na transcrição dessas reuniões minha intenção é chegar até os mecanismos íntimos do trabalho do psicanalista em seu próprio campo e assim demonstrar que o psicanalista trabalha antes de tudo com o seu inconsciente A caricatura do analista eternamente silencioso sugerindo que a análise se desenrola ao sabor da fala é uma visão incorreta É uma caricatura errônea do nosso trabalho de analista e lhe é nociva O que desejo demonstrar neste ano é que nós analistas trabalhamos ativa mente de uma forma que não consiste simplesmente em deixar que a palavra surja Quero dizer que temos perspectivas expectativas objetivos decepções porque estamos na posição muito precisa que O analista dirige o tratamento e o tratamento se produz 630993 7 podemos chamar de política de estratégia e de tática como diz Lacan no seu texto O analista dirige portanto o tratamento Mais do que uma volta a Freud como Lacan proclamou na sua época damos agora o sinal de uma volta à afirmação de que o tratamento se conduz e se dirige Pareceme necessário atualmente retomar os princípios de nossa ação ver como esses princípios evoluíram de Freud até nossos dias e considerálos em sua atualidade de hoje Nesta noite portanto vamos abordar a questão muito geral dos momentos do desenrolar do tratamento das diferentes fases de um tratamento E em um segundo tempo lembrarei as origens da técnica psicanalítica isto é as origens no nível do método catártico Mas antes de começar desejaria formular algumas perguntas que talvez muitos já estejam imaginando como se pode dizer que o analista dirige o tratamento Como se pode falar de política de estratégia de tática Isso soa de maneira diferente em relação aos termos e conceitos com os quais estamos habituados a pensar e refletir Se definirmos a técnica de modo tradicional como o conjunto dos meios aplicados a uma matéria com a intenção de obterse um objetivo deveremos imediatamente dizer e concluir que essa concep ção tradicional da técnica não é aplicável à psicanálise por duas razões Em primeiro lugar qual a maneira pela qual se aplicariam os meios da técnica Precisamente no caso da psicanálise essa matéria é o desejo do analisando E essa matéria o desejo do analisando é idêntica ao desejo do operador Como se o operador na técnica psicanalítica devesse operar sobre si mesmo A segunda razão que faz com que não possamos aplicar essa definição tradicional da técnica à psicanálise é que os meios técnicos não são como habitualmente acontece em outras disciplinas exteriores aos processos sobre os quais esses meios operam Esses meios por exemplo uma intervenção analítica não são exteriores são a expressão de um processo A intervenção de um psicanalista durante uma sessão não é um meio que vem do exterior para agir sobre o processo analítico mas deve ser considerada como a manifestação daquilo que ocorre nessa relação Não podemos pensar a técnica psicanalítica apoiada sobre uma concepção instrumental desta Entretanto existe uma técnica de dire ção do tratamento Mas esta não deve ser considerada como um instrumento manobrável um meio de domínio Repito enquanto imaginamos a técnica como um meio para operar ficamos capturados 8 Como trabalha um psicanalista pela vontade de dominála e passamos ao largo da própria essência dessa técnica Qual é a essência dessa técnica A essência dessa técnica analítica é o fundo estável que se decanta no psicanalista à medida que a técnica instrumental é aplicada A obtenção desse fundo estável significa a criação no psicanalista de um estado particular de expec tativa de uma expectativa escolhida de uma disposição orientada polarizada na realização de uma experiência singular Todo analista está disposto para alguma coisa Essa coisa é uma experiência singular saber perceber fora de si mesmo em si o que é exterior de modo inconsciente o inconsciente na análise Isso quer dizer que a essência reside no desejo do operador que jaz nele quando pratica o seu ofício Aqui estamos diante de uma aparente contradição Por um lado digo em tom urgente que é preciso dirigir o tratamento E por outro lado digo que não se deve cair no domínio A contradição pode se resolver por uma atitude lúdica humorística como se devêssemos brincar com nós mesmos e fazer semblante de ocuparnos fazer semblante de dirigir estudar seriamente a técnica esperando secreta mente que a verdade na análise irrompa em nós nos perturbe nos surpreenda e ponha um limite ao suposto domínio da nossa ação É então que a verdade aparece no analisando Montar o cenário para que a verdade apareça Em suma é preciso ser o mais atento estudioso da técnica o melhor conhecedor do princípio da técnica para ter principalmente a liberdade de ser o mais inconsciente dos sujeitos o mais inocente o mais desarmado o mais exposto aos efeitos do inconsciente Pois é então numa surpresa pontual numa perturbação numa vertigem que nós analistas temos uma ocasião de fazer a experiência da análise e levar o analisando a atravessar essa experiência isto é como veremos a vir a ocupar um lugar nesse momento da experiência o lugar do objeto que causa essa experiência o lugar do objeto que fala do inconsciente de uma verdade inconsciente É preciso dirigir o tratamento É preciso assumir inteiramente esse papel e ao mesmo tempo saber que o objetivo que queremos perseguir não o atingiremos dirigindo o tratamento Nós o atingiremos A técnica analítica 9 fora dessa direção fora dessa técnica Com Lacan diríamos ocupar o lugar do semblante do domínio isto é o lugar do semblante da direção o semblante de ser o mestre sem esquecer que se trata apenas de um semblante É então que haverá para nós uma ocasião de sermos tocados por uma verdade que seja ao mesmo tempo uma verdade para o analisando Isto posto devo ainda completar a definição da essência da técnica Ela não é apenas um fundo estável que se decanta em cada analista a cada dia historicamente há oitenta anos isto é desde o nascimento da psicanálise O divã a poltrona a regra fundamental todos os elementos característicos do processo analítico se tornaram com o tempo uma espécie de constante invariável com a qual se identificou o psicanalista A técnica psicanalítica é hoje um dos traços distintivos um Ideal do Eu no qual reconhecemos nossa identidade de analista É um Ideal do Eu que deve ser preservado cuidadosamente firmemente e que deve durar além de nós se na verdade desejamos que essa experiência que é a nossa também perdure Foi nesse sentido que decidi fazer este seminário sobre a técnica para que possam perceber até que ponto a técnica é um Ideal do Eu até que ponto a técnica é um elemento com o qual recuperamos a nossa identidade É também um modo de pensar que qualquer gesto técnico por exemplo a enunciação da regra fundamental que um analista possa dirigir ao seu paciente quando das primeiras entrevistas que por esse gesto por essa formulação o psicanalista veicule o ideal da análise veicule a psicanálise como um ideal inscrevase e inscreva seu paciente numa filiação simbólica Dirigir o tratamento significa orientálo para um ponto particular de ruptura radical que por nós é chamado de experiência Muitos neste auditório sabem que distingo o tratamento da experiência analítica Existe o tratamento analítico é o conjunto do caminho que o analista e o analisando seguem E há momentos de ruptura momentos radicais que chamamos de experiência A direção do tratamento pois é conduzida para esse ponto de experiência É o ponto de experiência que Ida Macalpine e Lacan designam como seqüência transferencial seqüência da transferência Logo é preciso orientar de uma certa maneira o processo da análise em função de um objetivo 10 Como trabalha um psicanalista e de acordo com um índice com uma referência O objetivo mais imediato é fazer surgir a seqüência da transferência E o índice é oferecido pelas diferentes modalidades da fala do analisando Mais exatamente o índice que nos permite conduzir esse tratamento é constituído pelas diferentes modalidades das demandas do analisando Digamos desde logo que nesse ponto de ruptura que chamamos de seqüência transferencial nesse momento de transferência o analista deixa a posição de direção do tratamento abandona a posição de domínio a partir da qual ele dirigia o tratamento até então Nesse momento ele ocupa outro lugar o de objeto de transferência Isso significa que a condução de uma análise pode orientarse segundo diferentes momentos ou diferentes fases do tratamento que serão momentos separados divididos de acordo com um critério que é aquele do tipo de relação que o analisando tem com a sua fala Voltaremos detalhadamente a cada uma dessas fases Quais são as diferentes fases do tratamento As fases do tratamento tal como as apresentarei hoje representam um esquema muito depu rado muito simplificado que me permite trabalhar neste primeiro seminário à maneira de uma introdução As diferentes fases do tratamento retificação subjetiva sugestão neurose de transferência e interpretação Esquematicamente podemos distinguir quatro fases no desenrolar temporal de um tratamento O verdadeiro interesse de destacar essas quatro fases é reconhecer o lugar central de cada uma delas Primeira fase é a que podemos chamar de fase de retificação subjetiva Ela ocorre durante a primeira ou as primeiras entrevistas no quadro do faceaface com o paciente Particularmente no fim da primeira entrevista e na seguinte introduzimos o paciente a uma primeira localização da sua posição na realidade que ele nos apresenta Ele pode nos falar de sua realidade inscrita numa família num casal numa situação profissional O que nos importa principalmente se refere à relação que a pessoa que faz uma consulta mantém com os seus sintomas É sobre esse ponto que intervirá o que chamamos de retificação subjetiva A técnica analítica 11 Essa relação com os sintomas é uma relação de sentido O paciente dá um sentido a cada um dos seus sofrimentos a cada um dos seus distúrbios E é nesse nível no nível do sentido que temos que fazer a nossa primeira intervenção chamada por nós segundo a expressão de Ida Macalpine e Lacan de retificação subjetiva O que quer dizer retificação subjetiva Isso significa que intervimos no nível da relação do Eu do sujeito com os seus sintomas É por isso que quando da primeira entrevista e particularmente nas seguin tes pareceme essencial e insisto muito nesse ponto discernir bem o motivo da consulta a razão pela qual o paciente decidiu recorrer a um psicanalista Eu não deveria dizer recorrer a um psicanalista mas recorrer a um terapeuta Porque se o paciente solicita uma consulta e se já consultou um psiquiatra por exemplo outro psica nalista ou mesmo se na infância seus pais o levaram a um médico o que importa é o primeiro momento no qual ele veio consultar ou que o levou a consultar Em outras palavras o sentido isto é a relação do Eu com o sintoma se decide principalmente na relação com o primeiro gesto com a primeira decisão de recorrer a um outro É nesse nível que vamos intervir produzir introduzir essa retificação subjetiva Sempre digo que na primeira entrevista há uma demanda maciça por parte do paciente E é no fim dela que tenho o hábito de lhe dizer Bem vamos parar por aqui a nossa conversa mas antes eu gostaria de lhe dar a minha impressão com todos os riscos que isso implica já que eu não o conheço O que significa a minha impressão Minha impressão quer dizer dar uma resposta que consiste em restituir ao paciente alguma coisa da relação que ele tem com o seu sofrimento Isso é intervir sobre o próprio ponto em que ele o explica e é levar em conta a maneira pela qual ele o faz a teoria que ele tem sobre isso o porque do seu sofrimento e como ele sofre Pode ocorrer por exemplo que essa intervenção se refira espe cialmente ao problema do desejo parricida no caso dos homens Não é apenas um automatismo do pensamento é simplesmente porque à luz das intervenções desse tipo sempre existe um elemento presente basal fundamental na teoria analítica o desejo de matar o pai Isso e tudo o que decorre como sentimento inconsciente de culpa acontece principalmente com os homens Certamente voltarei a essa questão nos próximos seminários Tenho a intenção de fazer durante o ano 12 Como trabalha um psicanalista uma exposição sobre a transferência e a contratransferência outra sobre a interpretação e eventualmente sobre as entrevistas prelimi nares o problema da cura o problema da reconstrução enfim todas as diferentes questões maiores da técnica analítica Voltemos à primeira fase de retificação subjetiva O que está claro é que devemos distinguir bem o motivo pelo qual o paciente vem nos consultar durante as primeiras entrevistas da demanda implícita presente na análise Essa demanda implícita precisamente nunca é explicitada Pode ser o desejo a demanda de curar a demanda de ter a lhe mostrar revelar o que ele mesmo é Pode ser uma demanda de qualificarse como analista de conseguir ser analista e de que essa análise seja para ele um modo de consagrarse como tal Há muitas demandas implícitas desse tipo que não apenas estão presentes nesse momento nessa fase de retificação subjetiva mas que estarão presentes ao longo de toda a análise Elas vão variar em função do desenrolar do evoluir do tratamento Devemos distinguir bem essa demanda implícita das outras demandas das quais falaremos depois Segunda fase é a fase inicial Diria que é a fase constituída por dois Atos psicanalíticos fundamentais os dois Atos psicanalíticos maiores entre todos aqueles que um analista pode realizar em primeiro lugar o Ato digo realmente Ato de aceitar analisar o paciente e em segundo lugar o Ato de enunciar a regra fundamental Através desses dois Atos o analista transmite ao paciente nesse primeiro momento a sua própria relação simbólica com a psicanálise sem que ele se dê conta disso Ele transmite nesses dois Atos e através deles a relação que ele tem com a história da psicanálise com os escritos psicanalíticos com os ideais e até com a coletividade psicanalítica Mas principalmente através desses dois Atos veicula a experiên cia que ele mesmo teve com sua própria análise e quando é o caso especialmente a experiência de ter terminado essa análise Isso é essencial na instauração desse quadro transferencial Isso não é a transferência mas é o que podemos chamar de quadro transferencial ou sugestão Essa relação do analista com a psicanálise veiculada nesses dois gestos será o primeiro objeto de transferência com o qual o analisando terá que se confrontar a relação do analista com a psicanálise Essa relação vai ser concretizada através do simples gesto de dizerlhe Sim eu me interesso quero analisálo quero que trabalhemos juntos quero que estejamos juntos durante um tempo A técnica analítica 13 O segundo Ato é o de enunciar a regra fundamental Dizer A partir da próxima vez eu prefiro ou eu gostaria que você se deitasse no divã e depois falasse sem restrições e até sem parar de tudo o que lhe vier à cabeça Em geral essa frase é dita no momento das primeiras entrevistas No meu caso eu a digo no fim de uma entrevista preliminar visando uma próxima vez durante a qual o paciente começará a sua primeira sessão deitado A respeito dessa frase se me perguntassem Como dizêla eu responderia pensem nos modos e tipos de relação que cada um de vocês tem com a análise com a comunidade analítica com os colegas os textos os ideais e assim vocês falarão em função dessa relação E o analisando perceberá perfeitamente esse tipo de relação É o que eu queria dizer há pouco ao falar do fundo estável da técnica A essência da técnica está ali segundo a relação que cada um tem com a psicanálise ele intervirá de uma ou de outra maneira Até na inflexão no tom de voz na maneira de dizer na postura na maneira de sentarse Isso é perfeitamente detectável pelo analisando e se tornará o seu primeiro objeto transferencial Insisto qual é o primeiro objeto transferencial Não é o analista É a relação do psicanalista com a psicanálise Pois bem esse objeto transferencial terá um efeito determinante em relação ao aparecimento e ao desaparecimento dos sintomas Isso é muito freqüente Muitos dos que praticam a análise sabem disso Muitas vezes acontece que ao fim de alguns meses e até de algumas semanas o paciente nos diz É incrível sintome muito bem Muitas das razões pelas quais vinha consultálo desapareceram E até há pacientes que decidem abandonar a análise por causa desse desaparecimento dos sintomas É o que chamaríamos de objeto de transferência Mas ao invés de dizer objeto de transferência deveríamos dizer objeto de sugestão E esse objeto de sugestão terá um efeito sobre os sintomas sobre o real da vida do analisando Quando falarmos das transferências veremos a diferença entre transferência e sugestão Esse objeto de sugestão é um objeto de sugestão inconsciente isto é intervém sem que o analisando nem o analista percebam Efetivamente essa é uma fase na qual a expectativa por parte do analisando domina É uma expectativa aberta É uma fase nas primeiras sessões nos primeiros tempos do início É o tempo da demanda de amor É uma demanda de amor aberta e suscitada pelo quadro transferencial o quadro da análise isto é pelo caráter ritual das 14 Como trabalha um psicanalista sessões pela regra que você enunciou pelo silêncio e pela presença discreta do analista durante esse período e por esse objeto de sugestão que acabo de distinguir Todos esses elementos quadro regra silêncio e objeto de suges tão suscitam e mantêm a fala do paciente como uma fala em expectativa como se ele falasse esperando É perfeitamente visível e detectável É o que se chama de demanda de amor Não é uma demanda de amor ao analista como às vezes se pensa É uma demanda de amor no sentido em que é uma fala de promessa Estamos no momento da promessa O amor conhecemos a definição de Lacan é dar o que não se tem Dar o que não se tem quer dizer simplesmente prometer Dou o que não tenho quando prometo Durante esse período o analisando vive na expectativa dessa promessa aberta desse amor aberto que a análise significa Não é uma demanda de amor ao analista O analista não é o objeto de amor nesse momento É uma demanda de amor no sentido de uma fala em expectativa Essa demanda de amor se manterá enquanto o analisando não descobrir que finalmente é uma demanda inaceitável Enquanto isso a sugestão se instala Essa segunda fase de que falamos é a fase da sugestão ou fase da demanda de amor Em certo momento Lacan retoma outro autor Fénichel que dizia aos analistas O analisando durante esse período fala sem falar com você Sim o analisando fala sem falar com você mas eu acrescentaria esperando a promessa que a psicanálise encerra Temos a primeira fase de retificação subjetiva e a segunda fase de sugestão Terceira fase É o momento mais fecundo do tratamento analítico É o momento mais fecundo mais doloroso e é o momento que os analistas em geral resistem também eles a abordar ou a experimentar Aqui há como que uma espécie de cumplicidade entre o paciente e o analista para evitar chegar a esse terceiro momento que é o momento da transferência Nesse momento a demanda de amor sofre decepção É uma demanda que vai descobrir a sua carência o seu caráter inaceitável como eu disse há pouco e vai se transformar em outra demanda mais rara uma fala mais pura mas principalmente passional É o momento fecundo doloroso e passional da análise Passional mas não apenas de amor passional é um momento de violência agressividade ódio e profunda ignorância passional A técnica analítica 15 Sabemos que Lacan define e classifica a paixão de acordo com uma concepção hindu Existem três tipos de paixão o amor o ódio e a ignorância Nesse momento fecundo da análise doloroso e pas sional o amor que está ali não é o amor da demanda de amor É um amor que fere É o amor da decepção aquele que pode se tornar erotomania Esse momento fecundo ao qual voltaremos amplamente nos próximos seminários quando falarmos da transferência esse momento se caracteriza pela emergência pelo retorno do recalcado dos significantes ligados às pulsões Esse é um primeiro modo de dizer Há uma conjunção entre vários elementos É como se esse momento de transferência fosse o mais próximo mais no centro mais no coração do Eu Ora o elemento mais no coração do Eu é o Gozo que jaz no centro do Eu Por assim dizer haveria a primeira fase a demanda de amor a segunda fase o objeto de sugestão a terceira fase quando a demanda de amor se torna uma demanda mais pura O que quer dizer demanda mais pura É o aparecimento nesse momento de representações de significantes aos quais certas pulsões estão ligadas É o aparecimento da Demanda com um D maiúsculo Freud falando da resistência dizia Quanto mais nos aproximamos do núcleo patógeno mais forte é a resistência O núcleo patógeno vamos retomar a imagem seria o cerne do Eu Ele considera o Eu como uma instância composta de múltiplas imagens produzidas por identificações imaginárias E no centro do Eu algo que não é o Eu um elemento que seria o Gozo que habita no Eu o verdadeiro objeto do Gozo situado no centro do Eu O momento da transferência ocorre quando todas essas camadas imaginárias desaparecem e só resta a última camada a mais próxima desse objeto Ao invés de dizer a última camada a mais próxima do objeto também poderíamos dizer a demanda mais pura mais representativa da pulsão recalcada É então que aparece a demanda mais pura a imagem mais próxima do objeto no centro do Eu quando nada mais existe do Eu É então que surgem os elementos passionais do amor do ódio e da ignorância Esses momentos são os mais dolorosos para o paciente e para o analista Para nós é difícil aceitar tomar esse caminho É muito mais aceitável muito mais fácil no nosso trabalho mantermonos na etapa da fase que chamei de sugestão da demanda de amor evitando abordar essa experiência particular da transferência Justamente no texto que citei A direção do tratamento publi cado nos Escritos Lacan critica os analistas da época por volta de 16 Como trabalha um psicanalista 1958 que ele chama do instituto dizendo que as teorias destes sobre o tratamento e sobre o Sujeito o Sujeito do Inconsciente lhes serviam para evitar esse momento doloroso da seqüência trans ferencial Mas essa não é uma crítica destinada unicamente àqueles analistas Não é uma questão de polêmica É uma questão que se levanta para cada um de nós no momento da conduta quando da relação com cada um dos nossos analisandos É nesses momentos fecundos de transferência dolorosa a expressão transferência dolorosa é uma expressão freudiana a respeito do Homem dos Ratos que o analista vai ocupar o lugar do objeto desse núcleo no cerne do Eu O analista diante dessa experiência do momento transferencial deixa o lugar de intérprete Deixa o lugar onde tem que assumir o papel de dirigir o tratamento e onde se defronta com o fato de vir a esse lugar atribuído pelo paciente que é o lugar do objeto desse núcleo no cerne do Eu Figura 1 Esse momento é tão transcendente que essa apresentação das quatro fases do tratamento só tem valor para situar bem essa seqüência transferencial Um tema ligado a essa relação com o momento transferencial é a questão das resistências O conceito de resistência foi essencial na evolução da teoria da técnica analítica Foi um conceitochave O que é a resistência nesse momento É uma resistência que Lacan enuncia como sendo uma resistência dos analistas ou dizendo que a resistência é a do analista A resistência do analista é a de não querer chegar a esse momento passional da seqüência transferencial Primeira acepção da palavra resistência a do analista Há uma segunda Camadas imaginárias Gozo do Eu Nó do Eu CONFIGURAÇÃO DO EU A técnica analítica 17 acepção é a resistência do Eu A palavra resistência está sempre em relação com o Eu É um fenômeno no nível das camadas imagi nárias A resistência do Eu é aquela que este opõe para não viver a experiência de abertura do Eu até o objeto de Gozo que jaz em seu cerne no seu centro É o momento mais fecundo da análise É o momento em que o analisando tem uma oportunidade de ser privado de Os analistas lacanianos são muitas vezes considerados como aqueles que frustrariam seus pacientes Na verdade Freud menciona claramente ao longo da sua obra a idéia de que a análise se desenrola numa atmosfera de privação Pois bem essa atmosfera de privação de frustração não tem nada a ver com a dor desse momento de seqüência transferencial Uma coisa é a demanda de amor ser inacei tável outra é sentila experimentála fazer a experiência de ter que revelar o ponto central o núcleo do Eu isto é o ponto no qual o objeto enquanto tal aparece na superfície É o que na teoria lacaniana se pode chamar de falta a ser O sujeito o analisando é confrontado não só com a inaceitabilidade da demanda de amor mas também é confrontado com a falta a ser Isso quer dizer que o seu ser é uma falta que seu verdadeiro ser na análise não é ele o seu Eu é o que jaz no Eu O que jaz no centro do Eu é uma falta É um ponto fundamental enigmático É um ponto central aquele que chamamos habitualmente na terminologia lacaniana de objeto a ou objeto de Gozo Nesse momento de seqüência transferencial nesse momento fe cundo o analista deve silenciar Deve fazer silêncio e como sabemos há várias formas de silêncio O analista deve fazer silêncioemsi para fazer surgir o Grande Outro É nesse momento que o analista faz com que surja o Grande Outro Para que ele surja é necessário que o analista faça silêncio em si Se o analista faz ativamente silêncio em si é ele que dirige o tratamento Se não o faz ignora quem conduz o tratamento nesse momento Voltemos agora sob outra formulação ao que eu dizia no começo deste seminário preocuparse em conduzir o tratamento sabendo que o que importa não é dirigilo O que importa é o nosso próprio desejo e essa capacidade que temos de fazer silêncio em nós mesmos Quarta fase a última fase é a da interpretação Poderíamos dizer que a transferência a fase de transferência é a análise O aparecimento desse momento transferencial já significa a análise em Ato da fase de sugestão Em outros termos a passagem da demanda de amor para a demanda mais pura significa mesmo sem a intervenção do analista 18 Como trabalha um psicanalista que ele praticou a análise da sugestão e sua transformação na trans ferência A transferência é a análise da sugestão e por conseguinte a interpretação é a análise da transferência Temos assim três momen tos A interpretação do momento transferencial se realiza com a condição de fazermos esse silêncio em nós a fim de que surja o grande Outro para o paciente Esse grande Outro pode até tomar a forma de uma interpretação Temos então as quatro fases que podem marcar o desenrolar de um tratamento Naturalmente não são quatro fases que podem ser descobertas ao longo de um tratamento Esses quatro momentos históricos não se separam são quatro fases que se superpõem entre si e há uma outra a última de que não falaremos hoje que é a do fim do tratamento Devo acrescentar um aspecto que é muito ligado ao que vamos tratar agora que é a instituição nesse momento daquilo que se convencionou chamar de neurose de transferência Por ocasião desse momento fecundo da análise vão aparecer sintomas novos próprios da relação analítica Freud diz uma nova neurose artificial substitui a antiga neurose original para a qual o paciente veio procurar uma análise Ao preparar este seminário e já que devemos abordar mais lentamente o tema da transferência volteime para a questão do método catártico porque considero que para estudar a transferência desde o seu início é preciso começar por ali O método catártico constitui como sabemos o método préanalítico e está na origem do nascimento da psicanálise Freud hipnotizador A história do método catártico é uma história verdadeiramente apai xonante Não só apaixonante mas além disso até vemos aparecerem Sugestão momento transferencial interpretação do momento transferencial A técnica analítica 19 questões afirmadas pensadas refletidas e constatadas em 1890 que estão muito presentes na maneira como hoje concebemos a análise Por exemplo eu não sabia que em 1890 na época em que Freud praticava a hipnose o método catártico era praticado segundo dife rentes tipos de sugestão entre os quais a sugestão hipnótica Freud dizia ser um mau hipnotizador mas a maneira como ele pensava na questão era estar sentado numa poltrona atrás do paciente deitado Então surge uma pergunta como isso era possível Pois Freud nos diz nos escritos técnicos que decidira usar o divã porque na verdade não suportava ter diante de si os seus pacientes durante oito horas por dia e assim tinha que pedir ao analisando que se deitasse Ora informeime com pessoas que conhecem bem a história da hipnose De fato em 1890 praticavase a hipnose primeiro em consultas particulares e não apenas na Salpêtrière Mas quando era praticada em consultório particular uma das modalidades que não era a única era fazer sugestões verbais ao paciente estando este deitado e o médico sentado atrás dele Logo quando Freud nos diz nos seus escritos técnicos que pedia aos pacientes que se deitassem porque não suportava vêlos durante oito horas por dia na realidade ele não fazia mais do que retomar um dispositivo já muito antigo que ele próprio já praticara como hipnotizador Isso é apenas uma curiosidade O método catártico O que me parece muito mais interessante é a maneira pela qual ele concebia o método catártico De certa forma é o ponto de partida das nossas considerações sobre a transferência Sabemos que o método catártico foi inventado por Breuer Alguns dizem que foi Janet e outros ainda reconhecem que houve dois médicos franceses que se interessaram pelo assunto na época principalmente Burot Nessa época todos estavam empenhados na questão Houve congressos sobre o tema em Paris em 1881 não só de psiquiatria mas também de psicologia nos quais estava em voga a idéia de que o método catártico partia da seguinte hipótese os sintomas do histérico seriam a expressão manifesta da presença de um corpo estranho incrustado na psique do sujeito como um parasita Esse corpo estranho seria uma idéia ou um grupo de idéias penetradas no espírito fora da consciência do sujeito Consideravase que o sujeito percebera inconscientemente um acontecimento particular que se tinha trans 20 Como trabalha um psicanalista formado Essa percepção transformara o acontecimento em uma idéia ou grupo de idéias que ficavam na psique como um elemento isolado E era esse elemento isolado essa idéia ou grupo de idéias que teria uma presença ativa patógena A doença se explicava pelo fato de que no interior da psique do histérico reinava dominava um corpo estranho Na época Charcot utilizava a hipnose para criar os mesmos sintomas de que sofria o paciente histérico isto é para recriar no paciente os sintomas passados Charcot chamava essa criação nova de uma neurose artificial Era exatamente o mesmo termo que Freud usaria dez ou quinze anos depois para designar a neurose de trans ferência Mas foi então que Breuer teve outra idéia servirse da hipnose da sugestão verbal ou de outro tipo de sugestão não para reproduzir os sintomas da doença mas para extrair para fazer sair para extirpar o corpo estranho E a idéia de Breuer era utilizar a hipnose para fazer o paciente voltar ao momento em que teve lugar a experiência perceptiva de um acontecimento que se tornou patógeno O interessante é que Breuer pensava que às vezes isso podia ser feito sob hipnose e outras vezes bastava simplesmente pedir ao paciente que falasse do assunto para conseguir provocar essa reminiscência do momento patógeno A tal ponto que acreditava que esse grupo de idéias isoladas estava na própria origem da doença da histeria Todos estavam de acordo nesse ponto A diferença estava na explicação dada em resposta a esta pergunta como esse grupo patógeno se instalou no espírito do sujeito Breuer pensava que esse grupo de idéias patógenas se instalara no momento em que o histérico estava naquilo que ele chamava de estado hipnóide Dizia que em certos momentos quando era mais jovem em um momento do passado o paciente tivera um estado hipnóide uma espécie de obnubilação de confusão que criara as condições necessárias para deixar penetrar em si acon tecimentos que vieram inscreverse em seu inconsciente Janet não pensava assim Dizia na verdade não é porque o paciente se encontra num estado hipnóide mas porque há uma má síntese por parte do Eu Quer dizer que o Eu não é capaz nesse momento de integrar corretamente esse grupo de idéias e Janet chamava isso de labilidade psíquica de síntese Freud tinha uma terceira hipótese Pensava que na verdade esses grupos de idéias eram isolados e patógenos porque eram o resultado da percepção de um acontecimento sexual E isso para Freud se distinguia nitidamente de tudo o que pensavam todos os outros teóricos A técnica analítica 21 da época o caráter violento e além disso sexual do acontecimento traumático Sobre essa questão há muitos comentários Primeiramente vemos que a teoria em voga nessa época era a de Charcot Foi Charcot que teve a idéia de que a origem da histeria se devia a um grupo de idéias parasitas não conscientes no espírito do sujeito Estamos diante de uma teoria que considera que o trauma depende da singularidade O que faz mal é um afeto em excesso devido ao choque emocional da percepção do evento traumático Mais tarde a teoria em voga se torna dupla a doença é produzida por um elemento singular e por um excesso de afeto o Um é o excesso Nesse ponto pergunto aos lacanianos não reconhecem aqui o S1 e o objeto a Não reconhecem aqui a cadeia dos significantes S2 O elemento singular o S1 e o excesso de afeto o objeto a Certamente mas dirão não há um reducionismo entre Lacan e Charcot Não é um reducionismo é toda a teoria analítica que vai continuar a alimentarse dessa espécie de estrutura de conjunto que se chama o Eu o elemento Um elemento distinto distintivo singular que está na origem da doença da neurose mas além disso o caráter de excesso de afeto que podemos reconhecer sob diferentes termos ao longo da evolução da história da psicanálise a partir do termo afeto de Freud em O nascimento da psicanálise passando pela libido as pulsões etc Estaríamos afirmando que tudo já estava dito na época de Charcot Não de modo algum Simplesmente o que me parece importante o que interessa o que eu desejaria transmitirlhes é que nós nos situamos em um continuum simbólico em uma filiação que reconhecemos que aquilo que nós pensamos e praticamos hoje não nasceu exnihilo mas fazemos parte de uma história que vai continuar depois de nós além de nós O que me parece importante no fato de voltar ao método catártico é reconhecer certos pontos que reaparecem hoje na nossa prática mais atual e mais cotidiana Um outro ponto deve ser assinalado o conceito de Janet de labilidade do psiquismo para integrar e sintetizar as percepções traumáticas é muito próximo daquilo que os norteamericanos com a psicologia do Eu chamarão nos anos 60 de Eu fraco O Eu fraco seria um Eu impotente para sintetizar para integrar Enfim último comentário à margem antes de voltarmos para o método catártico o que é mais interessante é que o método catártico 22 Como trabalha um psicanalista consistia finalmente em produzir no sujeito uma reminiscência do acontecimento traumático Por que a reminiscência do acontecimento traumático é importante Porque essa reminiscência integra na consciência e através da fala o que estava isolado no inconsciente Pediase ao paciente que voltasse ao fato e falasse dele Era um modo de dissolver de apagar de esgotar a força traumática do elemento ou do grupo de idéias que estava ali parasita no espírito do sujeito Desejavase que o paciente ao rememorar ao voltar aos seus momentos antigos pudesse perceber de outra forma o que fora percebido inconscientemente num dado momento Logo tratavase de fazêlo voltar de fazer com que ele visse mas desta vez conscientemente o que fora percebido incons cientemente Essa idéia de levar o paciente ao momento original da percepção inconsciente para fazêlo perceber conscientemente na atualidade da catarse vai nos servir para falarmos do analista de hoje e dizer que este deve proceder de modo inverso O analista deve considerar que aquilo que é percebido é o inconsciente do sujeito O analista deve perceber inconscientemente o inconsciente do sujeito No método catártico a percepção inconsciente seria levada a ser retomada pela percepção consciente O analista deve abandonar a percepção cons ciente mudar de registro e poder perceber como se devesse voltar ao trauma à experiência traumática nesse estado obnubilado o inconsciente em jogo do sujeito Quando vocês falam de percepção inconsciente podemos dizer lhes se essa é uma expressão de hoje ou uma expressão freudiana A esse respeito encontrei um texto de 1889 de Onanoff que se chama precisamente Da percepção inconsciente O que surpreende é que já em 1889 falavase assim Não é certo que nessa época Freud tenha utilizado esses termos O que era o método catártico então Em resumo consistia em levar o paciente para trás até o ponto traumático e em fazer com que ele o reproduzisse em palavras imagens ou atos Já se fazia com que o paciente falasse sentisse ou alucinasse O objetivo era o próprio Breuer usava esta expressão ampliar o campo da cons ciência em outros termos integrar o grupo de idéias isoladas na consciência O método catártico era pois um método terapêutico por três razões em primeiro lugar curava porque integrava em seguida tratava porque permitia a descarga dos afetos ligados à antiga percepção traumática A técnica analítica 23 e enfim isso é muito importante curava porque produzia uma neurose nova Consideravase pois que o método catártico não era apenas efetivo porque era uma volta ao acontecimento traumático mas porque o sujeito vivia no momento da reminiscência catártica uma crise de histeria E a reminiscência catártica era então chamada crise his térica Encontramos aqui novamente o conceito de neurose de transfe rência o momento fecundo da análise o momento fecundo da trans ferência Falamos da mesma coisa Há uma ressonância entre esse momento fecundo da transferência e o fato de levar o paciente ao momento catártico O método catártico teve uma vida mais longa no seio da teoria psicanalítica do que se quis acreditar Imaginase sempre que se fala de catarse que ela pertence aos anos 18901892 no máximo a 1897 e que depois não se falou mais disso Rank e Ferenczi escreveram um livro juntos creio que foi o único livro que fizeram juntos intitulado O desenvolvimento da psicanálise que foi publicado em 1923 Nele dizem textualmente A despeito do nosso saber analítico devemos dizer que a descarga de afeto no método catártico é o fator primordial da terapêutica analítica Isso significa que Ferenczi e Rank consideravam que na psicanálise havia uma parte de catarse absolutamente reconhecível com um efeito terapêutico A surpresa Theodor Reik poucos anos depois defendia uma concepção análoga afirmando que o elemento de surpresa isto é a surpresa evocadora do caráter súbito surpreendente e violento da reminiscência catártica era o fator primordial da terapêutica analítica Sabiase que a catarse não era simplesmente uma reminiscência lenta e progressiva Era súbita violenta e surpreendente Reik toma a idéia de surpresa e a transpõe para o nível da experiência analítica não só no nível do paciente mas também no nível do analista Talvez conheçam esse texto É um dos mais célebres de Reik sobre a surpresa Considera que a surpresa é o traço do efeito terapêutico de uma interpretação psicanalítica Uma interpretação psicanalítica é corroborada não tanto pelo sentimento ou convicção que o paciente experimenta diante dessa interpretação porém mais pelo fato de que a interpretação o surpreenda 24 Como trabalha um psicanalista Finalmente Strachey e outros psicanalistas como Nunberg re conhecem sem hesitar a eficácia terapêutica da catarse e falam de abordála ou considerála no interior da experiência da análise do tratamento analítico A coerção associativa e a resistência Terminaremos essa primeira etapa lembrando a evolução da técnica freudiana Freud modifica a sua teoria a partir de 189293 Abandona a catarse e a hipnose e utiliza o que se convencionou chamar de coerção associativa tentando estimular e até exigir a rememoração sem hipnose dos acontecimentos esquecidos dos acontecimentos traumáticos e sexuais esquecidos Um dos métodos usados consistia em fazer pressão com a mão sobre a fronte do paciente sugerindolhe que pensasse em alguma coisa Foi quando Freud descobriu que Elisabeth não queria se lembrar que ele inventou o conceito de resistência E é por isso que falo de coerção associativa O conceito de resistência vai nascer no momento do método de coerção asso ciativa O conceito de resistência modifica relativamente a teoria da neurose e Freud ao invés de falar a partir de então em termos de corpo estranho e de descarga transformaria isso num conflito entre as representações traumáticas sexuais intoleráveis e a consciência recalcadora que não quer saber nada a respeito delas A teoria da resistência terá uma série de repercussões no nível da técnica Terminaremos nesse ponto no qual observamos quatro repercussões importantes primeiramente Freud se vê obrigado a mudar de tática isto é a procurar outras produções psíquicas além da rememoração precisa do acontecimento traumático Assim Freud propõe a associação livre e o princípio técnico que a concretiza a regra fundamental em segundo lugar todas as outras formações psíquicas especialmente as associações livres serão carregadas de significação inconsciente Isso quer dizer que a coerção associativa a recusa a resistência de Elisabeth a lembrarse vão levar Freud a considerar outras formas de expressão da representação traumática intolerável e inconsciente a terceira conseqüência está no nível da interpretação A partir desse momento Freud inventa a idéia de fazer A técnica analítica 25 intervenções junto ao paciente não para sugerirlhe o sentido de um sonho ou das associações livres mas para interpretar a resistência isto é para diminuir a resistência do Eu Enfim e principalmente é com a instalação desse conceito de resistência que aparecerá pela primeira vez a noção de resistência à transferência Não a resistência da transferência mas resistência à transferência Correlativamente aparecerão a descoberta da relação transferencial o desvelamento da transferência e o reconhecimento do aparecimento de novos sintomas ligados ao operador com o qual o paciente estabelece a associação livre Vão aparecer novos sintomas ligados ao terapeuta É isso que chamamos de neurose de transferência A resistência então é feita de associações da regra fundamental da escolha de qualquer outra formação psíquica para descobrir o sentido da significação inconsciente Logo a interpretação é feita para interpretar a resistência e para concluir que o seu aparecimento é uma resistência à intervenção do terapeuta e por conseguinte ao desve lamento da transferência Nesse momento no que se refere ao descobrimento da transfe rência aparece a neurose de transferência e como já podemos dizer o reconhecimento de que o analista estará não só na origem da relação com o seu paciente a transferência mas também estará na origem de toda a experiência isto é será o objeto fantasístico subjacente aos novos sintomas que aparecerão na relação O último ponto importante a sublinhar na evolução da técnica é o seguinte nesse momento produzse uma mudança A indicação téc nica é tornar consciente o inconsciente A partir do descobrimento da resistência aparece a indicação de analisar as resistências A primeira é uma fórmula tópica topográfica A segunda é uma fórmula dinâmica diria Freud O que me parece interessante nessa fórmula de analisar as resis tências é que ela vai estar já que a resistência é um elemento do Eu na origem da célebre escola da psicologia do Eu da análise do Eu dos norteamericanos Essa escola com Kris Loewenstein e Hart mann foi fundada a partir desses conceitos de resistência como resistências do Eu e conseqüentemente do princípio técnico de analisar as resistências 26 Como trabalha um psicanalista Abstractus do analisando Desejo terminar com uma espécie de abstractus Uso esse termo de acordo com um mestre que se chama PichonRivière e que é interessante conhecer Um analista inglês Edward Glover nos anos 50 ao ver as dificuldades que existiam sobre as diferentes concepções da técnica psicanalítica teve a iniciativa de estabelecer um questionário aberto para diferentes analistas de diferentes países sobre questões distintas referentes à maneira como trabalhavam O resultado desse questioná rio que pretendia ser um elemento para obter uma teoria comum da técnica analítica foi decepcionante para Glover O único ponto no qual as respostas coincidiram foi que a transferência era o elemento terapêutico da análise Todos reconheceram a importância da trans ferência como fator terapêutico Era a única questão Todo o resto como interpretar segundo que modalidade em que ponto intervém a interpretação qual é a sua origem a duração de uma análise a duração das sessões o número de sessões etc sobre todos esses pontos não houve nenhum acordo nem mesmo o mais ínfimo A partir desse questionário um analista meio francês meio argentino PichonRivière hoje falecido um dos mestres dos analistas argentinos teve a idéia de fazer o que chamou de abstractus Era uma abstração do que haviam dito os analistas segundo o questionário de Glover Então veio à minha mente esse termo abstractus para fazer uma abstração dos pacientes segundo as épocas e fazer um abstractus do paciente da época de Freud em 1910 isto é da época do Homem dos Ratos e a partir daí do paciente de hoje O paciente da época de Freud era um adulto que podia ter até cinqüenta anos neurótico que superara a primeira prova Freud fazia duas semanas ou dois meses de experiência com o paciente para saber se este podia ser analisado ou não Logo o analisando de Freud era um adulto que não tinha mais de cinqüenta anos e não era uma criança Freud pensava que as crianças e as pessoas com mais de cinqüenta anos não eram analisáveis Não que a análise fosse proibida mas Freud não podia afirmar nesses casos o caráter benéfico da experiência analítica O paciente de Freud era um homem que havia passado pela prova de um tratamento de duas semanas para saber se era analisável Freud recebia esse paciente seis vezes por semana durante sessões de uma hora ao longo de seis meses até um ano As análises não duravam muito mais que isso Ele utilizava o divã Na A técnica analítica 27 época do Homem dos Ratos ele tinha uma mesinha com chá arenques e pequenos sanduíches pois convidava os seus pacientes a comer com ele Às vezes o paciente se levantava do divã e andava pelo cômodo Freud interpretava para o Homem dos Ratos Sim você se move assim porque se sente culpado e não consegue ficar quieto no divã É por isso que você anda pela sala Porque o paciente era um homem que não ficava tranqüilo no divã ele se movimentava As interpretações de Freud na época eram interpretações transferen ciais apenas quando a transferência fazia resistência Depois a trans ferência se dissolvia Freud mantinha com seus pacientes não apenas boas relações de convivialidade mas falavalhes de teoria de livros e até os doutrinava e lhes explicava a teoria psicanalítica Muitas vezes encontravase com alguns deles em outros locais por exemplo em reuniões científicas Nessa época o analisando só era atendido em consultório parti cular O nosso paciente de hoje tem qualquer idade pode apresentar todas as patologias e não apenas a neurose Certamente há a neurose mas também momentos de perversão e algumas vezes momentos psicóticos embora atualmente os pacientes psicóticos sejam tratados em outros lugares questão que para a escola inglesa é diferente da nossa Toda a escola kleiniana manteve a importância de defender a análise de pacientes psicóticos principalmente os esquizofrênicos em razão da sua própria maneira de conceber o inconsciente e a pulsão Entre nós os pacientes psicóticos são raramente tratados em consul tórios particulares Em geral vemos nossos pacientes duas vezes por semana e não seis A duração do tratamento é relativa muito mais longa do que na época de Freud O paciente usa não só o divã mas muitas vezes é mantido no quadro analítico do face a face princi palmente os pacientes que retomam a análise isto é que fazem uma segunda análise Quanto a mim mantenho com ele longos meses de entrevistas preliminares que se chamam entrevistas preliminares em face a face Tenho muitas reservas no que se refere ao momento de proporlhe que se deite no divã e há muitas razões para essa reserva O paciente de hoje não fica apenas em consultórios particulares Falase de psicanálise de psicoterapia de inspiração analítica nos dispensários nos hospitais nos centros de saúde etc Em minha opinião esse paciente recebe interpretações errôneas interpretações supostamente transferenciais acreditando que a transferência é cons tituída simplesmente pelas referências e alusões que o paciente faz ao analista enquanto a verdadeira interpretação transferencial só pode 28 Como trabalha um psicanalista ocorrer como dizíamos há pouco nos momentos fecundos passionais violentos e dolorosos do tratamento Reservamos para a nossa próxima reunião a questão do abstrac tus do analista isto é como age o analista qual é a sua problemática em uma ou outra época e abordaremos o conceito de transferência a partir dos primeiros tempos de Freud até hoje A técnica analítica 29 O caráter de analisabilidade II O caráter de analisabilidade Hoje gostaria de prestar homenagem a um escritor recentemente desaparecido um escritor que me é muito caro e desejaria aproveitar esse seminário para referirme a ele René Char Sua voz sempre me inspirou Vejoa muitas vezes à maneira de uma fonte na qual bebo Eis uma dessas vozes Ele escreve o seguinte Um poeta deve deixar vestígios da sua passagem e não provas Só os vestígios fazem sonhar Por que não dizer que isso está afinal muito próximo do melhor que poderíamos esperar quando os analistas tentam transmitir o que fazem e favorecem o fato de fazer experiência É o meu caso com esse seminário é o caso de muitos outros analistas que tiveram a vontade de ensinar de transmitir muitos analistas que estão aqui com os quais trabalho e também outros de outras correntes Sei que muitos colegas sabem claramente que o melhor que poderia acontecer quando ensinamos não é veicular um saber informar este ou aquele conceito mas ensinar a encontrar a verdade O melhor que poderia acontecer é que um ensino favoreça o exercício da verdade favoreça o fato de saborear a experiência da verdade Em outros termos que facilite no analista o exercício do esquecimento Em suma se possível temos a esperança de que um ensino da análise deixe vestígios que façam sonhar 30 Esta noite vamos abordar o tema da transferência mas vamos abor dálo sob o ângulo de um problema muito preciso o da indicação da análise Nem todo paciente que nos consulta é analisável É preciso ressaltar que certamente nem todo o mundo é analisável Mas a partir de que critérios decidimos quem é analisável e quem não o é Na verdade na prática e na teoria existe apenas um critério de analisabilidade Só é analisável quem é capaz de transferência isto é capaz de desenvolver com o analista uma neurose dita de trans ferência Inversamente a condição para que um tratamento analítico continue e termine é que o analisando seja ou tenha sido neurótico Neuroses de transferência e neuroses narcísicas Esse critério foi claramente estabelecido por Freud desde o início e o levou a distinguir dois tipos de entidades nosográficas as que ele chama de neuroses passíveis de análise isto é as neuroses de transferência que são aquelas em que a transferência é possível que englobam a histeria a fobia e a obsessão e as neuroses não passíveis de análise refratárias ao tratamento analítico que englobam um grande número de entidades clínicas que pertencem fundamen talmente ao campo da psiquiatria das quais se falava na época de Freud tais como a melancolia a paranóia a esquizofrenia etc As primeiras as neuroses passíveis de análise foram chamadas por Freud de neuroses de transferência e as segundas as que não são passíveis de análise de neuroses narcísicas Hoje diríamos neuroses e psicoses Esse critério e essa distinção entre neuroses de transferência e neuroses narcísicas foi objeto de muitos debates ao longo dos oitenta anos da história analítica e principalmente de um debate mantido em especial pela escola anglosaxônica Os norteamericanos e os ingleses se mostravam muito desejosos pensavam praticavam e estavam preocupados em demonstrar ao contrário de Freud que a psicose ou seja a neurose narcísica era passível de análise Houve assim uma época fundamental com autores importantes que devemos mencionar O caráter de analisabilidade 31 e conhecer bem Rosenfeld Searles Frieda von Reichmann Bion e Hanna Segal São autores que constantemente se preocuparam em tratar de pacientes psicóticos em consultório particular e em afirmar que eles eram passíveis de análise Realidade psíquica local Pessoalmente concordo com essa posição porque ela me parece teórica e praticamente correta Na França muitos outros analistas pensam como eu Em particular concordo com essa posição princi palmente depois dos trabalhos que realizamos justamente neste semi nário sobre o que chamo de foraclusão local isto é a realidade psíquica local no paciente psicótico Se concebemos que um paciente dito psicótico experimenta e constrói realidades locais pode haver uma realidade psíquica local transferencial e uma realidade psíquica local que recusa a transferên cia Logo um paciente que está em análise pode durante um trata mento passar por momentos nos quais entra em relação transferencial com o analista Digo isso para expressar que efetivamente minha tendência é inscreverme nessa corrente digamos ao contrário de Freud e não sou o único a pensar isso para dizer que as neuroses narcísicas podem apesar de tudo ser capazes de transferência Entretanto devemos reconhecer duas coisas primeiramente Freud nunca foi verdadeiramente categórico Não disse que não devíamos analisar os psicóticos Disse estejam atentos sejam prudentes Aliás há expressões precisas entre as quais ele utiliza uma muito interessante É preciso estabelecer um plano terapêutico muito particular para a psicose Isso me faz pensar num texto de Lacan sobre as preliminares para um tratamento possível das psico ses o que significa que é preciso estabelecer um plano terapêutico muito particular Em segundo lugar Freud não impedia não proibia o tratamento das psicoses Dizia que em princípio a teoria e a prática nos levam a uma certa prudência Oitenta anos se passaram desde essas afirmações Creio que essa prudência é atual e indispensável Se temos um paciente esquizofrênico que vem nos consultar em nosso consultório particular não o rece beremos por ocasião das primeiras entrevistas com a mesma dispo sição para trabalhar com ele na análise do que se ele fosse um paciente neurótico O mesmo vale para um paciente com passagens ao ato 32 Como trabalha um psicanalista perversas para um toxicômano ou um melancólico principalmente na fase aguda Apesar de tudo a posição freudiana me parece muito correta e de bom senso O bom senso Ao dizer bom senso e parece que essa expressão não diz respeito aos analistas lembrome da vez em que Lacan fazia o seu seminário e contava o seguinte Estou chegando de um júri no qual tivemos que escolher selecionar os analistas da Escola Freudiana que pode riam ser designados como analistas Membros da Escola chamados AME Analistas Membros da Escola E acrescentou Sabem no júri me perguntaram quais eram os critérios com os quais íamos escolher esses analistas Nessa época a questão era totalmente diferente por um lado para os analistas da Escola os que eram selecionados por um júri em função de um processo que se chamava passe e por outro lado para os analistas membros da Escola que eram escolhidos em função do seu mérito isto é em função da maneira pela qual trabalhavam em supervisão no tempo de sua análise sua prática etc E Lacan respondeu naquele dia Não há outro critério a não ser o bom senso Não há nada além do bom senso Isso significa que o analista deve chegar a um ponto em que tudo o que ele aprendeu se concentre nesse mesmo ponto que é o do bom senso Para jogar com as palavras eu diria que há uma ética do bom senso como há uma ética do bem dizer Lacan como sabemos dizia que há uma ética do bem dizer Eu diria que também há uma ética do bom senso A ética do bem dizer não é a ética da eloqüência A ética do bem dizer é dizer um dito que signifique alguma coisa de recalcado isto é um dito que signifique o silêncio de um recalcamento Eu diria que a ética do bom senso a ética analítica do bom senso é a ética pela qual o analista implica um sentido o único sentido válido em psicanálise permitamme essa qualificação um tanto brutal o sentido fálico A ética do bom senso é a ética do sentido fálico A ética do bem dizer é a ética do dizer o recalcamento Volto ao nosso problema Estava dizendo pois que finalmente essa distinção estabelecida por Freud entre neurose narcísica e neurose de transferência permanece válida teoricamente apesar de tudo É uma espécie de princípio e é bom que todos nós continuemos a têlo presente no espírito quando temos pacientes que vêm nos consultar O caráter de analisabilidade 33 quando das primeiras entrevistas Mas além disso essa distinção entre neurose de transferência passível de análise e neurose narcísica me parece ser uma distinção muito instrutiva muito interessante para examinar nesta noite o que decidimos chamar de capacidade de transferência O que é ser apto para a transferência O que é a analisabilidade Traduzoa assim por que as neuroses de transfe rência são analisáveis e por que as neuroses narcísicas não o são As neuroses de transferência Comecemos pelas neuroses de transferência Vamos estudar as estru turas e as manifestações da neurose de transferência A neurose de transferência especialmente suas manifestações ocorre na fase de abertura do tratamento É muito rápido Desde as primeiras entre vistas a neurose de transferência já aparece Suas manifestações são importantes para detectar certos sinais como por exemplo o momento em que se pode indicar o divã para o analisando O que é a neurose de transferência Como vemos há uma ambigüi dade Digo a neurose de transferência e há pouco eu disse as neuroses de transferências Em Freud essa ambigüidade segue o movimento atual por uma razão muito simples que consiste em dizer que falar de neurose de transferência é na verdade propor um conceito técnico Com efeito neurose de transferência é uma entidade nosográfica definida em função de uma terapia a terapia analítica É como se tivéssemos um medicamento por exemplo a aspirina e disséssemos que há doenças que são aspirináveis e outras que não o são A neurose de transferência é um conceito técnico contudo Freud também fez dele um uso nosográfico Mas o que domina em sua obra quanto ao sentido e à acepção da neurose de transferência é o conceito técnico O único texto no qual ele faz um uso nosográfico é aquele recentemente descoberto que se chama Neuroses de transferência uma síntese que foi editado recentemente Há quatro textos nos quais Freud fala de neurose de transferência como de um conceito técnico Dou as principais referências o pri meiro em 1914 Recordar repetir elaborar mais tarde em 1916 1917 na conferência introdutória XXVII sobre a transferência jus 34 Como trabalha um psicanalista tamente depois em 1920 Maisalém do princípio de prazer e naturalmente há este texto Neuroses de transferência uma síntese em que o conceito de neurose de transferência é nosográfico Devo acrescentar outro texto aos três primeiros nos quais o conceito de neurose de transferência tem um sentido técnico É a Introdução ao narcisismo Nesse texto Freud está preocupado em definir o que são as neuroses narcísicas Gostaria de fazer um esclarecimento antes de passar ao problema em si A maioria dos textos analíticos que estudam o problema da neurose de transferência o consideram como uma classe particular de transferência especialmente os anglosaxônicos Como eles se preo cupam em demonstrar que as psicoses são aptas para a transferência fizeram a distinção dizendo Sim há as psicoses de transferência e as neuroses de transferência e por conseguinte diziam Existe a transferência e a partir dela há diversas classes de transferência psicoses de transferência neuroses de transferência Outros autores até inventaram a perversão da transferência ou a transferência per vertida etc A partir daí podemos imaginar todas as diferentes classificações de transferência Na verdade não concordo com essa posição Creio que temos um grande interesse prático na escuta de nossos pacientes em identificar o conceito aparentemente mais geral de transferência por um lado e o conceito mais preciso de neurose de transferência por outro lado Quando um analista enuncia a palavra mil vezes banalizada transferência conotaa espontaneamente sem pensar com três acepções clássicas que são em minha opinião três maneiras de pensar o conceito de transferência que o afastam da experiência O que quer dizer que o afastam da experiência Que não deixam interrogar consultar apreender essa experiência Essas três acepções são pri meira acepção a transferência é a relação com o analista segunda acepção mais vaga mais geral e espontânea a transferência é o conjunto dos afetos e das palavras alusivas vividas ou não em relação ao analista terceira acepção vaga a transferência é a repetição no atual com o analista das experiências sexuais infantis vividas no passado Eis os três sentidos habituais que se dão à palavra transferência Esses três sentidos têm uma parte de verdade Quero dizer que Freud de uma maneira ou de outra os enunciou Mas penso que se nos O caráter de analisabilidade 35 aproximarmos se identificarmos a transferência em geral com a neurose de transferência temos a vantagem de precisar muito melhor o que é esse conceito de transferência e retirar esse caráter de acepção ambígua de que acabamos de falar Damos ao conceito de transferência uma riqueza muito maior do que ele tem com a condição de o separar da neurose de transferência O que diz Freud nesses textos Vou resumir rapidamente Gostaria de chegar ao que é a minha preocupação Passo muito rápida e esquematicamente mas vou me deter nos aspectos que definem a neurose de transferência Primeiro ele não diz que a relação do terapeuta com o paciente se faz em uma neurose Essa idéia de neurose de transferência não era inteiramente uma idéia freudiana É anterior a Freud É uma idéia de Charcot retomada por Janet E é uma idéia muito em voga na época em 1890 Pois como lembramos é muito interessante os hipnotizadores especialmente os que praticavam o método catár tico consideravam que no momento em que o paciente fazia a descarga isto é alucinava o acontecimento traumático e falava nesse momento se produzia uma crise histérica E diziam numa época anterior a Freud que para tratar a histeria era preciso recriar uma crise histérica Essa idéia já estava presente A neurose de transferência uma neoformação psíquica Depois de lembrarmos isso vejamos agora as diferentes definições da neurose transferencial Primeiramente a neurose de transferência é um produto psíquico mórbido espontâneo e fundamentalmente inconsciente Isso é muito importante A neurose de transferência é inconsciente isto é o sujeito a vive sem perceber Em segundo lugar esse produto esse estado de transferência é uma criação nova Em relação à afecção à doença pela qual o paciente veio nos consultar essa neurose de transferência deve ser considerada como uma neoformação como um câncer como um tecido vivo São os termos de Freud tecido vivo Vejam que estamos longe de dizer a transferência é a relação com o analista os afetos as palavras vividas em relação a ele Freud nos diz que é o inconsciente É um tecido vivo que se cria principalmente na fase de abertura do tratamento que cresce e se 36 Como trabalha um psicanalista multiplica insidiosamente são minhas próprias palavras à medida do desenvolvimento do tratamento É como uma lava vulcânica como uma lamela que invade o vínculo analítico e isso subreptícia e insidiosamente sem que os parceiros percebam Essa lamela essa lava esse câncer se concentra e converge para um único ponto opaco um ponto umbilical em direção ao analista uma espécie de umbigo que é o analista Logo devemos imaginálo como um tecido com um ponto um bilical como o umbigo de um sonho Aqui seria o umbigo da transferência Primeira característica é um produto psíquico mórbido e in consciente Segunda característica é uma criação nova em crescimento e em extensão viva com um ponto opaco Terceira característica Freud diz que essa estrutura mental é uma estrutura artificial São suas palavras Antes ele dizia espon tânea É verdade espontânea por sua emergência mas ao mesmo tempo ele diz é artificial Artificial quer dizer manejável ma nobrável por um operador que ocupando ele próprio o centro dessa estrutura é capaz de desmontála isto é interpretála Artificial quer dizer não só provocada desmontável provisória interpretável se quisermos mas também quer dizer que ela responde a três objetivos à vontade do terapeuta que determina para si três objetivos com a neurose de transferência com essa criação artificial que é a neurose de transferência Há três expectativas do operador uma expectativa terapêutica uma expectativa de pesquisa e uma expectativa ética A expectativa terapêutica O objetivo terapêutico é o mesmo princípio que o do método catártico na época de Freud isto é reproduzir a doença para poder eliminála in vivo Refazer a doença para melhor tratála É verdade reconhecia Freud que esse meio terapêutico é um meio arriscado É arriscado porque aumenta a doença até um grau às vezes tão intenso que ela se torna um obstáculo à continuação do tratamento e às vezes por que não dizer está na origem de graves passagens ao ato por parte de certos pacientes Isso é raro mas devemos saber que quando um O caráter de analisabilidade 37 analista trabalha com um paciente trabalha com materiais explosivos Isto é ele cria uma situação que pode tornarse intensa e arriscada Primeiro objetivo pois terapêutico A expectativa de pesquisa Segundo objetivo de pesquisa de investigação Na Metapsicologia encontraremos uma frase que me pareceu luminosa Os processos inconscientes só podem ser conhecidos por nós nas condições das neuroses isto é em circunstâncias em que todos os processos pré conscientes foram rebaixados Freud sempre insistiu em dizer que a análise não é apenas terapêutica como eu declarei há pouco mas é também um meio de investigação para o conhecimento do inconsciente Observese que as palavras que eu utilizo são as palavras o tom e a atmosfera dos textos freudianos A expectativa ética Enfim há um objetivo ético A esse respeito Freud diz nos Artigos sobre técnica O que o paciente viveu sob a forma de uma transferência jamais esquecerá A meu ver essa frase deveria ser posta em epígrafe a um texto que pretendesse falar da passagem do analisando para o analista Aqui reencontramos a posição de Lacan que considerava que não havia uma psicanálise didática e uma psicanálise pessoal Considerava que a psicanálise era sempre psica nálise pura Isto é em última instância toda psicanálise leva teorica mente em tese a criar um analista a partir de um analisando Pouco importa por que razão este procurou um analista Era essa a posição de Lacan Aliás ele dizia Se quiserem compreender o que é a psicanálise didática é preciso que comecem pressupondo este prin cípio toda análise leva ou deveria levar a produzir um analista É um objetivo ético de psicanálise pura próximo daquilo que hoje chamaríamos de sublimação Pois nesses casos o que se vive na transferência e que nunca se esquece é uma transformação O Gozo experimentado na transferência se transforma em ato num vestígio significante a abertura de uma nova análise Para o analisando que 38 Como trabalha um psicanalista agora se tornou analista o Gozo experimentado na transferência se transforma em ato de abrir uma nova análise É o que assinalaríamos como sendo o objetivo ético dessa neurose de transferência artificial Dois níveis de compreensão da transferência o nível matricial e o nível da significação Mas voltemos a Freud e à nossa maneira de ler e compreender a neurose de transferência Primeiramente creio que é preciso distinguir dois níveis para compreender esta última um nível que chamo de matricial e um nível de significação Um nível de matriz e um nível de sentido de significação Quanto ao nível de significação vamos nos servir de muitos termos lacanianos e da teoria lacaniana Quanto ao nível matricial diria que é uma espécie de fórmula essencial de abertura maciça A transferência é uma pulsão pulsão analítica Freud pensava que a neurose de transferência era como eu disse a atualização no presente com o analista de antigos desejos eróticos Hoje prefiro dizer que a neurose de transferência é um dos destinos possíveis da pulsão Sabemos que a pulsão tem quatro destinos possíveis estabelecidos por Freud na Metapsicologia a sublimação o recalcamento o retorno para a pessoa própria a mudança de objetivo ativo para objetivo passivo Pois bem a neurose de transferência seria o destino analítico da pulsão isto é quando nós nos interrogamos sobre a analisabilidade de um paciente por ocasião de uma primeira entrevista deveríamos escutálo pensando que sua capacidade de transferência se decide essencialmente digo essencialmente porque há outros fatores na potência da sua pulsão Vocês me dirão quando escutamos um paciente numa primeira entrevista não pensamos nessas coisas Tudo bem mas acostumemse O caráter de analisabilidade 39 pouco a pouco com a idéia de que mesmo que não pensemos nisso nossa escuta é como que orientada em uma disposição orientada A disposição orientada quando da primeira entrevista preliminar é a de pensar que esse analisando futuro analisando candidato à análise terá a capacidade de analisabilidade capacidade de transfe rência aptidão para transferir como se isso ocorresse na potência da sua pulsão na potência da sua pulsão para deixar a sua fonte ir em direção ao analista como objeto girar em torno dele e voltar enfim para o seu ponto de partida Do mesmo modo que qualificamos de invocante a pulsão que gira em torno do objeto voz qualificaremos de analítica a pulsão que engloba o analista e sobre a qual se organiza uma neurose dita de transferência Poderíamos dizer que a pulsão analítica vai para o analista gira em torno dele e volta para o ponto de partida Figura 2 É preciso pois entender o termo geral de transferência como uma atividade pulsional como um traçado pulsional que sulca uma terra deserta uma terra que se tornará progressivamente um lugar um vínculo o vínculo da análise Poderia resumir dizendo a transferência é afinal a história fragmentária de uma pulsão parti cular Nível matricial Analisando Analista Eu demandas de amor Eu Nível de significação Objeto da pulsão inscrito no Outro simbólico 40 Como trabalha um psicanalista O Gozo fálico Freud diz que a transferência é a repetição no presente das expe riências pulsionais vividas no passado Seria preferível tomarmos a palavra repetição não como o ponto que liga o antigo ao atual como se fosse possível que uma pulsão fosse reativada Considero que as pulsões nunca são reativadas Toda pulsão é sempre nova Não existem velhas pulsões reativadas no presente A pulsão é nova sempre nova Penso que não se deveria dar à palavra repetição em relação à transferência esse sentido habitual literal de uma repetição do passado no presente Vamos à frente e digamos que é melhor pensar o termo repetição como uma força uma potência algo que insiste que empurra que mantém que persevera que persiste como a força que no atual obriga a pulsão a criar um laço entre duas pessoas o analista e o analisando Freud pensava que a repetição era entre o passado e o presente mas reconhecia que existia essa força que ele chamava compulsão à repetição A partir daí a palavra repetição tem este duplo sentido existe a idéia habitual de repetição de alguma coisa antiga que se repete no presente e outra idéia que parece mais audaciosa mais interessante mais rica que diz que a repetição é aquilo que leva a que a coisa persevere e a que a pulsão seja poderosa Lacan não chamou essa força de compulsão de repetição mas de Gozo e não um Gozo qualquer Gozo fálico O Gozo fálico é o nome que damos à potência de perseverança de persistência da pulsão É o que faz com que um traçado se realize é o que sustenta esse mesmo traçado É o que Freud na Metapsico logia chama de o impulso A essa força poderíamos dar a conotação de potência fálica Uma tal compulsão de repetição um tal Gozo fálico um tal impulso é incontrolável e habita todos os seres falantes Essa pulsão está presente em qualquer vínculo humano no vínculo com o cônjuge com o filho com o patrão etc Critério de analisabilidade a capacidade de ser afetado pela pulsão Mas então o que constitui a sua especificidade em uma análise O que a torna específica Vamos responder lentamente Voltemos à O caráter de analisabilidade 41 pergunta anterior em que consiste a capacidade de transferência Em que consiste a capacidade a aptidão à transferência do futuro anali sando Diria inspirandome no filósofo Spinoza que a aptidão à trans ferência analítica é o poder de ser afetado em ato pela pulsão Não somos todos afetados da mesma maneira nem todo o mundo sofre com suas pulsões Há seres que se viram à sua maneira para não sofrer com suas pulsões É uma primeira resposta Nesse ponto encontramos uma citação de Freud É interessante quando vemos citações como aquela notar que Freud estava muito presente ao mesmo tempo no nível da teoria e do alcance prático dessa mesma teoria Ele diz A terapia analítica tem seus limites Só pode curar o neurótico na medida em que ele sofre E acrescenta Quando ele não sofre a terapia fica sem efeito Como assinalamos Freud distingue as neuroses de transferência passíveis de análise das neuroses narcísicas não passíveis de análise Agora temos algo completamente diferente um terceiro elemento pois há as neuroses de transferência as neuroses narcísicas e os seres que não sofrem Esses seres como constatamos freqüentemente ao fim de alguns meses de análise são pacientes que param o tratamento E veremos que a explicação da neurose de transferência no nível das significações pode por sua vez trazer esclarecimentos Essa ausência de sofrimento está presente também em certos analisandos que fazem as entrevistas preliminares Começam as pri meiras sessões os primeiros meses se passam e ao fim de um certo tempo eles decidem parar O analista tem realmente a impressão de que não houve neurose de transferência no nível que vamos definir como sendo o da significação isto é não houve neurose de transfe rência propriamente dita Em que consiste a capacidade de transferência Como definir a aptidão à transferência Dei uma primeira resposta que me vem de 42 Como trabalha um psicanalista Lembremos que para Spinoza ser afetado é ser capaz ter o poder de ter o poder não apenas de agir sobre os outros mas de ser permeável à ação dos outros Em minha interpretação considero o futuro analisando como analisável quando ele é de fato capaz de se deixar levar por suas pulsões Sobre o conceito de afecção em Spinoza podese consultar Pensamentos metafísicos capIII e A ética Proposições XVI e XXV da 2a parte Proposição LI da 3a parte e Proposições I X e XIV da 5a parte Spinoza dizendo que a capacidade de transferência a aptidão à transferência analítica é o poder de ser afetado em ato pela pulsão Em termos mais gerais é sofrer com a pulsão É a primeira resposta Mas restamnos muitas outras respostas em torno da aptidão à trans ferência Restanos definila um pouco mais precisamente e termina remos então a nossa exposição Antecipo o fato de que ainda não a definiremos plenamente mas nos aproximaremos disso Por exemplo poderíamos dizer que o que estamos afirmando é que a neurose de transferência é um destino o destino analítico da pulsão e as coisas seriam assim porque isso faz pensar a transferência como uma atividade pulsional e não como sentimentos que se têm pelo analista Concordo Mas então voltam as perguntas quais são as especificidades desse destino e como definir este último Como existe a pulsão oral anal escópica invocante existiria uma pulsão analítica que se expressaria na neurose de transferência Sim fazemos questão de dizer poderíamos pensála assim como uma pulsão a mais Mas esse sim é um tanto incerto Eis pois as perguntas que procuram definir a aptidão à transfe rência Mas para responder nesse sentido é preciso que abordemos o segundo nível que é o da significação da neurose de transferência Nível da significação da transferência Em seus textos Freud diz Como a neurose de transferência se instaura no início da primeira fase do tratamento ocorre um fenômeno muito particular muitas vezes os sintomas pelos quais o paciente procurou o analista desaparecem E se certos sintomas persistem eles vão levar veicular uma nova significação que Freud chama uma significação transferencial Nesse momento há apenas os sintomas que serão significantes pela transferência que vão levar a significação da transferência E depois acrescenta Freud não só os antigos sintomas desaparecem os que persistem vão ser conotados pela transferência mas também aparecerão novos sintomas específicos à relação analítica Estes é claro também levam a marca da signifi cação transferencial O nível de significação da neurose de transferência diz respeito justamente ao que ele chama de significação transferencial desses novos sintomas ou dos antigos que persistem e que têm uma nova O caráter de analisabilidade 43 significação Essa significação transferencial dos novos sintomas ou dos antigos que continuam é uma significação fálica O que vocês pretendem dizer quando afirmam que a significação transferencial desses sintomas seria uma significação fálica Isso quer dizer que esses sintomas vão ser conotados com um sentido sexual transferencial e sexual Ao invés de dizer transferencial e sexual dizemos mais precisamente como Lacan uma significação fálica A palavra fálica vem marcar de modo mais rigoroso o que chamamos de natureza sexual Em resumo poderíamos dizer que a diferença entre as neuroses de transferência e as neuroses narcísicas vai atuar não só no nível matricial mas também no nível da significação Nas neuroses narcí sicas isto é a melancolia a paranóia a esquizofrenia não há signi ficação fálica Nas neuroses de transferência isto é a histeria a fobia a obsessão os sintomas são conotados com um sentido transferencial e sexual Vamos agora ao nosso tema pontual que é o nível de significação das neuroses de transferência o nível de significação fálica Estabe lecendo esse nível de significação das neuroses de transferência o nível de significação fálica poderemos precisar melhor em que consiste a capacidade de transferência em um neurótico A significação transferencial Mas o que quer dizer significação transferencial É preciso começar por compreender que a significação transferencial de um sintoma antigo ou novo é aproximadamente como a de uma mensagem como se o sintoma fosse uma mensagem destinada ao terapeuta instituído agora como interlocutor Quando Freud diz que na neurose de transferência os sintomas levam uma significação transferencial isso quer dizer que os sintomas se dirigem ao analista Não é somente uma transferência sexual mas eles se dirigem ao analista O analista se tornou o interlocutor Mas os sintomas só se dirigirão ao analista com uma condição bem precisa Diferença entre psicoterapia e psicanálise Do que estamos dizendo o que importa é o fato de que haja uma condição bem precisa para que novos sintomas apareçam e para que 44 Como trabalha um psicanalista os antigos levem uma significação transferencial que vai dar a essência do nível de significação das neuroses de transferência É uma condição muito precisa que não só permitirá esse surgimento das significações transferenciais mas que além disso vai distinguir a terapia analítica de todos os outros métodos psicoterapêuticos É essa condição que vai diferenciar a psicoterapia da psicanálise Diferenciar a psicoterapia da psicanálise é fácil de dizer Na verdade é preciso ser prudente e dizer que é um critério importante para distinguir a psicoterapia da psicanálise Essa condição especifica a transferência analítica em relação a qualquer outra transferência implicada nas relações humanas habituais Qual é essa condição É que o analista encarne por suas atitudes ou por seu comportamento pelo tom da voz pelo modo de dar a mão por todas as manifestações que o analista encarne o mais fielmente possível a expressão imaginária do objeto insatisfatório da pulsão O analista deve encarnar ou tentar encarnar a figura imaginária do paradigma de todo objeto isto é o falo Em outras palavras e em resumo o analista encarna o falo imaginário Logo a condição para que os sintomas do analisando sejam uma mensagem destinada ao analista é que este não se situe na posição de destinatário dessa mensagem É como que uma astúcia Para que os sintomas do analisando levem veiculem uma significação transfe rencial isto é para que eles se dirijam ao analista é preciso que este venha a ocupar o lugar se aproxime o mais possível da expressão imaginária do objeto da pulsão Ora esse objeto da pulsão é um objeto insatisfatório Não posso descrever toda a teoria da pulsão mas sabemos que a pulsão permanece por natureza insatisfeita Não existe objeto que satisfaça a pulsão A pulsão quer sempre satisfazerse mas nunca se satisfaz Pois bem é preciso que o analista ocupe se aproxime para dar a expressão imaginária o véu imaginário desse objeto Se o analista procura se aproximar o mais possível desse objeto da ex pressão imaginária desse objeto então automaticamente ele institui quase sem saber sem procurar a dimensão muito importante de um grande Outro interlocutor das mensagens que o analisando lhe dirige É na medida em que o analista vem a encarnar essa expressão imaginária do objeto que automaticamente sem que ele procure ele se institui como um grande Outro interlocutor para quem vão se dirigir as demandas as mensagens do analisando O caráter de analisabilidade 45 O desejo do analista Deveríamos dizer que esse falo imaginário a expressão imaginária desse objeto se apresenta não sob a forma de uma luz ofuscante não sob a forma de uma irradiação mas sob a sua forma mais opaca mais enigmática mais desconhecida o x do analista Lacan o chama de x do analista o x desconhecido do analista e muitas vezes ele o nomeia com esta expressão tão difícil de apreender nos textos lacanianos desejo do analista O que é o desejo do analista É o lugar do objeto recoberto pelo véu de um falo imaginário opaco e enigmático É isso o desejo do analista A expressão desejo do analista não quer dizer o desejo da pessoa do analista Não é o desejo de tornarse analista A expressão desejo do analista é uma expressão estrutural É o lugar do objeto recoberto pelo véu de um enigma É o objeto apresentado sob sua forma enigmática É só com essa condição que o analista poderá ocupar esse lugar Isso quer dizer que todo o seu comportamento a maneira como faz o paciente entrar como fala com ele as palavras que usa para fazer as suas intervenções a duração destas o tom de sua voz etc contribui para que o analista venha ocupar esse lugar E é ocupando esse lugar que automaticamente ele institui sem saber e sem perceber o grande Outro o referente o interlocutor dos novos sintomas que vão aparecer e que vão trazer a significação transferencial O analista veste o objeto com o mistério do seu silêncio e da sua recusa para fazer sentir e lembrar que o objeto é sempre insatisfação Façamos silêncio em nós aproximemonos do objeto insatisfatório da pulsão aproximemonos da sua imagem enigmática e faremos aparecer o grande Outro Faremos surgir a autoridade faremos apa recer o grande Outro referente instituiremos a autoridade do Sujeito Suposto Saber Essa autoridade existe em qualquer terapia Um psi coterapeuta é uma autoridade para o seu paciente e esta existe qualquer que seja a terapia mas é somente na psicanálise que essa autoridade essa dimensão do grande Outro interlocutor dos sintomas portadores da significação transferencial nasce graças ao comportamento técnico de um operador de um prático que sabe evocar a natureza opaca do objeto O analista assume pois ter que ocupar esse lugar e como primeiro efeito produzse a instituição do grande Outro do Sujeito Suposto Saber da autoridade Segundo efeito importante sobre o analisando desta vez se o analista ocupa esse lugar do enigma faz silêncio em 46 Como trabalha um psicanalista si vai exercer sobre o analisando uma certa sedução O analista vai seduzir mas seduz de modo diferente do histérico vai seduzir e vai suscitar no analisando o aparecimento de novos sintomas que trazem a marca da transferência Demandas de amor O analista vai provocar demandas de amor por parte do analisando Vai provocar demandas que é preciso esclarecer incluindo entre estas demandas de saber de reconhecimento momentos silenciosos até uma parada das associações do analisando como se ele falasse e se interrompesse Teoricamente falando é de uma demanda de amor no nível da significação que estamos falando uma parada súbita de que Freud já falou e também nós algumas vezes Também podemos incluir aí falhas no enunciado que surpreendem o analisando e são marcadas pela fórmula Nunca tinha pensado nisso Tudo isso constitui formas diferentes daquilo que podemos chamar de demandas de amor suscitadas pelo fato de que o analista ocupa esse lugar Nem todo o material de um paciente em análise é transferencial Nem tudo o que um paciente diz é demanda de amor Mas certas demandas de reconhecimento e de saber o são Isso afeta também o sintoma como demanda de amor São manifestações no analisando suscitadas pelo lugar enigmático do analista em posição de desejo do analista Por que essas demandas se chamam demandas de amor Porque exigem do analista não em posição de desejo do analista mas em posição de grande Outro que ele dê ao analisando o que o analista possui que ele lhe dê o que o analisando lhe atribui e supõe que ele possui Primeiro tempo da demanda de amor o analisando quer que o grande Outro lhe dê Se o analista não ocupa esse lugar imaginário que recobre o objeto então a transferência se converte em pulsão pura Se o analista não ocupa esse lugar não haverá grande Outro referente não haverá demandas palavras manifestações sintomas O que haverá Atuações passagens ao ato uma espécie de desnuda mento do objeto É o que Lacan diz em uma frase que constitui sempre um objeto de discussão entre leitores lacanianos O caráter de analisabilidade 47 A transferência faz surgir a pulsão o desejo do analista faz falar Lacan diz nos Quatro conceitos fundamentais da psicanálise ao falar da transferência e da pulsão Se a transferência é o que da pulsão afasta a demanda o desejo do analista é o que a reconduz a ela Lacan diz isso e os lacanianos quebram a cabeça Não entendem Esta é a leitura que eu faço se a transferência é o que da pulsão afasta a demanda isto é se a transferência se manifesta se tende a se manifestar como pulsão tende a chegar enquanto pulsão tende a se dar abertamente nas pulsões o desejo do analista isto é a ocupação do analista enquanto vindo cobrir com um véu o objeto é o que reconduz a demanda Seria preciso dizer se se deixar a transferência manifestarse enquanto pulsão não haverá demanda não haverá palavras haverá atos Mas em contrapartida se o analista a partir do desejo do analista vem cobrir o objeto com esse véu enigmático então ele suscitará a fala e esta reaparecerá É por isso que a origem da fala a condição para que o analisando fale e se engane a condição para que haja novos sintomas a condição para que haja demandas de amor é que o analista venha ocupar o lugar desse falo imaginário que cobre o objeto da pulsão Concluindo se a transferência é o que da pulsão afasta a demanda o desejo do analista é o que a reconduz a ela E acrescentamos ele reconduz a demanda a atrai a suscita a provoca e a orienta Não a provoca apenas mas também a orienta Orienta para onde Para o grande Outro Faz com que os sintomas se dirijam a um interlocutor privilegiado A posição do analista diante do falo imaginário faz com que o analisando espere receber dele esse objeto A coisa mais importante que devemos assinalar hoje a questão essencial a condição importante do nível de significação na neurose de transferência é que o analista venha encarnar o véu imaginário que cobre o objeto da pulsão Essa condição tem três efeitos primeiro efeito a instituição de um grande Outro simbólico podemos dizer de um Sujeito Suposto Saber ou de um interlocutor privilegiado como nós o chamamos segundo efeito fundamental suscita no analisando o fato de formular demandas de amor de produzir novos sintomas de enganarse ao falar de sonhar de pedir para ser reco nhecido etc terceiro efeito essas demandas de amor são dirigidas 48 Como trabalha um psicanalista ao grande Outro para que lhe seja entregue o objeto que ele supos tamente possui Quero que ele me dê A demanda de amor é uma demanda de ter o falo do Outro do grande Outro De onde provém a autoridade que o analista tem sobre o paciente É interessante porque várias vezes voltou essa pergunta quanto à proveniência da autoridade do analista Há uma resposta rápida a partir do momento em que um paciente telefona para marcar uma consulta a transferência em direção ao analista já está bem instaurada Freud diz Lacan repete e eu sempre reitero a transferência já está presente antes do telefonema Certo mas essa transferência em direção ao analista basta Quando da nossa primeira reunião eu observei que o primeiro objeto trans ferencial do analisando é a relação do analista com a análise e quando o analisando o futuro analisando o paciente chega para consultar esse analista na verdade ele já traz em si uma prétransferência ou uma transferência prévia Isso acontece mesmo quando não há de manda de análise Há pessoas que telefonam e não é porque elas achem necessário encontrar um analista Pensam que vão encontrar um terapeuta Não sabem muito bem quem elas vão consultar Mas nisso há algo da ordem de uma transferência prévia que já está presente que é muito importante reconhecer e não forçosamente sob a forma de uma transferência para o analista É a transferência para alguém que está ali para ouvir para escutar Já ressaltei que isso vai atuar na relação do operador do clínico com a disciplina que ele realiza com o seu trabalho com a sua relação com a comunidade com os ideais etc Agora hoje preciso mais ainda e digo não não basta que a transferência já esteja presente antes isso não basta a relação do terapeuta com a análise Para que haja instituição de autoridade do analista sobre o seu paciente é preciso que o analista se faça silencioso enigmático que fale pouco porque quanto mais ele falar mais ele se afastará do menos phi Quanto mais falamos mais nos afasta mos Quanto menos falamos mais nos aproximamos A autoridade do analista a instituição do grande Outro provém do fato de que o analista se aproxima cada vez mais desse lugar A escuta capta o inconsciente do outro em seu próprio silêncio A escuta capta o outro em seu próprio silêncio O caráter de analisabilidade 49 Elementos de apreciação para passar ao divã 1o Disposição do terapeuta Este deve fazer várias entrevistas iniciais sem se preocupar com o divã 2o Diferentes manifestações objetivas devem aparecer no relato do paciente ligadas a fatos íntimos de caráter sexual ligadas a acontecimentos bem precisos de sua infância ligadas à relação com o analista ligadas às dores do corpo sonhos lapsos Todos esses sinais são dirigidos pelo paciente ao analista como interlocutor Mas ao mesmo tempo o analista tem a sensação de que sua imagem sua presença visual é excessiva perturba e incomoda o paciente 3o O paciente deve se deitar quando o analista tem a impressão de que sua presença perturba o relato do paciente Respostas às perguntas Vamos agora abrir o diálogo sobre a distinção entre psicoterapia e psicanálise Hoje tentei fazêla Gostariam de expressar as suas reflexões O sr abordou o tema muito rapidamente durante uma frase É verdade que penso que as psicoterapias utilizam a teorização da análise mas o que o sr desenvolveu hoje marca de modo muito singular um ponto entre uma posição na psicanálise e a maneira pela qual no seio de uma psicoterapia utilizamse as referências da análise Seria esse para o sr o único modo de distinção que melhor caracterizaria essa distância ou o sr poderia acrescentar algo Os psiquiatras de hoje ou os psicoterapeutas de hoje não estão preocupados em pensar em refletir no fato de instaurar com seus pacientes uma neurose de transferência Já é uma resposta geral muito 50 Como trabalha um psicanalista mais aberta e mais precisa A primeira resposta geral é que a primeira coisa que se apresenta como distinção essencial entre a psicoterapia e a psicanálise é que nós os analistas pensamos que é preciso intensificar a doença Um psicoterapeuta e principalmente um psi quiatra não concordariam com o fato de refazer a doença Mas nós nós o esquecemos nós acreditamos nós temos precon ceitos Penso que existem preconceitos fecundos e infecundos Os preconceitos fecundos são os que nos interrogam sobre o impossível Os preconceitos infecundos são os que nos interrogam sobre nossa impotência para falar em termos lacanianos Pois bem um preconceito infecundo que nos faz pensar no problema da potência é o de dizer por exemplo que a diferença entre psicoterapia e psicanálise é que nós analistas interpretamos a transferência Isso me parece extremamente pobre É exato mas é pobre Se em contrapartida digo a um terapeuta ou a um analista que quando aceito um analisando preparome para criar um estado mórbido dito assim subitamente Isso nos detém provoca uma certa reserva e chama a nossa atenção Nem sempre temos essa reserva e essa prudência Esquecemos acreditamos no nosso preconceito infe cundo que diria que o analista está ali para escutar e interpretar Isso não é correto O analista está ali para participar de uma neoformação a criação mórbida de um tecido vivo Então que diferença há entre psicoterapia e psicanálise Primeira resposta um psicoterapeuta não diria que aceita o risco a atitude de fazer parte de um novo estado mórbido por exemplo Além disso a posição que ele adota é como se esse psicoterapeuta já se situasse na posição do objeto a enquanto o analista não se situa de início na posição do objeto a Ele não começa por ali Ele se situa primeiro em posição de véu ele se reduz se reserva se faz pequeno No início de uma sessão ele não diz Fale comigo ele diz Sim estou ouvindo estou escutando Mas na verdade estou escutando é o único fragmento do objeto a que existe para que logo ele se converta em véu desse objeto Vamos precisar um ponto o véu do objeto não é apenas o silêncio Fazer silêncio é a maneira mais certa mais simples que esse véu adota Mas há outras maneiras que só se adquirem com a experiência para que um analista possa estabelecer um tratamento particular com o seu analisando conservando ao mesmo tempo esse lugar de véu do objeto Isso faz parte da experiência e da prática O caráter de analisabilidade 51 Evidentemente o paradigma desse véu é o silêncio O silêncio é a maneira mais simples mas também a mais prudente mais correta e principalmente mais simples de pensar esse véu Há outras muito mais ativas e muito mais delicadas de manejar que também existem Por exemplo o tom da voz o modo de dizer uma interpretação como por exemplo o modo de fazer uma intervenção explicativa e ampla nos afasta desse lugar Mas pode acontecer que um analista com uma certa experiência de confrontação com esse lugar possa falar com o analisando depois que este se levantou do divã e entretanto não perder esse caráter de enigma do desejo do analista Como explicar isso Não posso ir além este é o meu limite pelo menos o meu limite esta noite Não sei como explicar como um analista que fala depois de levantarse do divã permaneça na posição do desejo do analista apesar das suas palavras apesar dessa troca não aconselhada pelo próprio Freud Aqui é preciso recorrer ao poeta a René Char Ele sabe dizer as coisas melhor do que nós Os vestígios fazem sonhar Que diferenças o sr vê entre as intervenções de um jovem terapeuta e as de um analista experiente Poderíamos apresentar assim a evolução das intervenções de um jovem terapeuta 1 Ele interroga 2 Reformula com outras palavras 3 Amplia o sentido do que foi dito 4 Coteja o que acaba de ser dito com ditos precedentes 5 Repete uma palavra enfatiza 6 Dá um tema de reflexão para a sessão seguinte 7 Detecta as alusões à situação analítica 8 Completa uma frase do paciente deixada em suspenso 9 Não interpreta ou interpreta muito pouco 10 Não precede o paciente não antecipa o que ele vai dizer 11 Não sabe o que procura O último ponto caracteriza mais um estado de espírito do que uma intervenção Em que momento se pode propor o divã ao paciente 52 Como trabalha um psicanalista A neurose de transferência nos interessa por várias razões Uma por exemplo é que existem manifestações dela não só no seu nível matricial mas também no nível de significação nas entrevistas preli minares chamadas entrevistas iniciais As manifestações da neurose de transferência nas entrevistas iniciais representam uma espécie de indicação de sinal mas isso não é uma regra que mostra que efetivamente é o momento adequado oportuno na terceira quarta quinta entrevista preliminar para que se proponha a um analisando ou a um consulente que se deite no divã Uma das manifestações que se apresenta freqüentemente logo nas entrevistas iniciais concordamos com Freud dizendo que a neurose de transferência já se instaura na fase de abertura é que acontece que a instituição a instigação da demanda de amor já se produz nesse momento na terceira ou quarta entrevista inicial e que essa demanda de amor não seja nem necessária nem manifestamente uma demanda de amor ao analista Às vezes no período das entrevistas iniciais principalmente nas três primeiras pergunto ao paciente em algum momento da entrevista como ele partiu depois da primeira ou segunda entrevista O que ocorreu nesse intervalo E às vezes ele relata experiências lembranças ou efeitos tais que me fazem pensar deduzir que são equivalentes dessa demanda de amor Por exemplo ele sonha com o analista quando ele ainda não é seu analisando ou ainda não está no divã É o caso de alguém que veio me consultar e que na terceira entrevista conta é estranho mas na noite passada ou há duas noites sonhei com você Isso nem sempre acontece Mas eis um sinal muito importante uma indicação uma sugestão para o analista que efeti vamente pode propor o divã a esse paciente Ou ainda já falando do contexto da entrevista acontece que o paciente se surpreenda com as palavras que pronuncia ou qualquer outra manifestação que engloba mos sob o termo de demanda de amor Cada vez que há demanda de amor podese propor o divã Mas o que eu queria dizer no início da minha exposição e retomo agora é que há duas coisas importantes na neurose de transferência uma é que ela se institui no começo e a segunda é que ela se manifesta através de sinais de conduta por manifestações do tipo de demandas particulares que já são indícios para que o divã seja usado O sr nos aconselharia a permanecer em silêncio uma vez terminada a sessão como Freud preconizava O caráter de analisabilidade 53 Uma precisão quanto a essa questão não digo que o analista deva ser silencioso Digo que o silêncio é a melhor forma a mais simples a mais segura a mais prudente para velar o objeto Mas de fato há outras maneiras mais ativas que podem lembrar o objeto sem neces sariamente fazer silêncio a maneira de dar a mão de olhar de falar etc Lembrome de um episódio que se repetiu na época lacaniana dos anos 70 Lembrome de como vi colegas de dispensário agirem Chegavam uma mãe e seu filho mandados pela escola Não era uma consulta particular O terapeuta ficava mudo durante toda a entrevista preliminar Na verdade não dizia nada durante as entrevistas preli minares nem à mãe nem à criança Naturalmente ao fim de três ou dez meses com esse terapeuta a escola não mandava mais ninguém para o dispensário Foi assim que e isso é muito sério num dado momento houve uma crise no nível dos dispensários Acho que a situação mudou muito porque não se pensa mais que o silêncio seja uma lei Insisto o silêncio é uma precaução para o analista mas é uma precaução em última instância Nosso erro é acreditar que quando Lacan diz fazerse de morto isso significa que o analista deve fazer silêncio De modo algum Está muito claro como na Direção do tratamento e os princípios de seu poder fazerse de morto significa que o analista faz silêncio em si no interior de si para suscitar o grande Outro do analisando É isso que dizemos Fazerse de morto não é calarse É um calar muito particular difícil de definir É melhor usar uma expressão diferente fazer silêncioemsi expressão que não cria problemas de compreensão E quanto à capacidade de transferência nos adolescentes Houve discussões debates entre analistas a respeito da aptidão à transferência das crianças Nesse ponto Melanie Klein deu uma contribuição preciosa para afirmar a transferência nas crianças Houve um famoso simpósio em 1927 durante o qual ela discutiu o tema com Anna Freud Quanto aos adolescentes eu diria que eles não são refratários à transferência Mas é verdade que quando recebemos adolescentes há neles uma atitude principalmente nas primeiras entrevistas que não é a mesma de um neurótico que sofre e vem nos consultar Isso em minha opinião por uma razão é que há superinvestimento no corpo no nível das representações do corpo no adolescente que lembra o 54 Como trabalha um psicanalista tipo de superinvestimento narcísico das neuroses narcísicas do tipo paranóia ou melancolia Evidentemente não são estados mórbidos mas os adolescentes estão preocupados com seu corpo e no seu corpo A libido diria Freud é superinvestida em certas partes do corpo Além disso a adolescência é um momento no qual não só existe esse superinvestimento dos lugares do corpo mas também existe uma modificação do grande Outro que está em vias de produzirse Há transformações no nível da relação simbólica com os seus referentes De modo simples e rápido eu desejaria dizer que os adolescentes não são refratários à análise mas é verdade que eles exigem uma certa posição uma certa atitude por parte do analista que não é a mesma que com um neurótico O caráter de analisabilidade 55 A natureza da transferência III A natureza da transferência Formar a percepção sutil do psicanalista O objetivo deste ensino é formar psicanalistas isto é poder intervir no caminho que leva um clínico a tornarse analista e darlhe a ocasião de pôr à prova o seu próprio engajamento na psicanálise Mas o que se forma Como diria Heidegger qual é o ser da formação do psicanalista Nossa preocupação maior não é fornecer conhecimentos nem propor uma habilidade Esse ensino visa principal e essencialmente formar modelar e orientar aquilo que eu chamo o Eu do psicanalista Não o seu Eu consciente mas o Eu compreendido como uma super fície de percepção Sabemos que Freud utiliza a expressão prova de realidade para compreender a seleção que o Eu opera quando tem que distinguir as excitações que vêm do exterior das que vêm do interior Essa seleção é chamada por Freud de prova de realidade Penso e proponholhes que pensem que o Eu do analista é antes de tudo uma superfície de percepção sobre a qual as excitações não se diferenciam entre as que são endopsíquicas e as que são exopsí quicas Quanto ao Eu do analista as excitações não são nem internas nem externas Eu diria que quanto ao Eu do analista toda percepção se mede por um só dono o dono do falo Isto é generalizando ele só percebe desejos sexuais onde aparentemente só existem as mani festações mais desprovidas de sensualidade Formar psicanalistas é favorecer neles a percepção de um desejo sexual onde este se mostra aparentemente inexistente Fazer de modo 56 com que o olho o ouvido os sentidos se habituem pouco a pouco a perceber as forças pulsionais através das manifestações concretas na análise Vou ler uma pequena frase de Freud em que ele nos dá uma indicação muito próxima do que acabo de dizer Está no texto A dinâmica da transferência ao qual voltaremos várias vezes Freud diz Concluímos que todas as relações de ordem sentimental utili záveis na vida tais como a simpatia a amizade a confiança etc todas essas relações emanam dos desejos verdadeiramente sexuais Mais precisamente emanam por apagamento do objetivo sexual dos desejos verdadeiramente sexuais E acrescenta A psicanálise nos mostra que pessoas que acreditamos apenas respeitar estimar podem continuar a ser para o nosso inconsciente objetos sexuais Corrigirei a frase dizendo a psicanálise nos mostra que pessoas que acreditamos apenas respeitar e estimar podem para a nossa percepção inconsciente isto é para a do analista continuar a ser objetos sexuais O trabalho que fazemos neste seminário os esquemas as refe rências à nossa prática finalmente são apenas meios indiretos para conseguir mudar o modo habitual de percepção operado pelo Eu do analista como se o ser da formação analítica fosse a transformação a mudança lenta e contínua da orientação da superfície perceptiva do Eu Como se o psicanalista tivesse que aprender a abandonar num certo momento da escuta as orientações espaciais e temporais usuais para acostumarse progressivamente com uma nova orientação e mergulhar numa outra realidade que é a realidade sexual isto é uma realidade regida pelo falo Não sei se sentem o que tento dizer Não se trata de uma proposição geral que lhes dou É algo que percebo vivamente na minha própria prática e que tento transmitirlhes por meios absolutamente diversos e indiretos sabendo ao mesmo tempo que é muito difícil precisamente transmitilos e fazer com que sejam sentidos A seqüência dolorosa da transferência Algumas vezes essa realidade sexual regida pelo falo se manifesta nitidamente Ela não fica oculta por trás das manifestações desprovidas de sensualidade Pelo contrário são manifestações muito intensas excessivas fortes como se a pulsão fosse desnudada É o que A natureza da transferência 57 chamamos habitualmente na psicanálise de momento seqüência dolorosa da transferência A transferência a neurose de transferência se manifesta por esse estado intenso excessivo na relação entre o analista e o analisando A transferência é uma pulsão pulsão fálica Estávamos preocupados na última vez em responder a seguinte pergunta como compreender a analisabilidade de um paciente Para estabelecer esse critério de analisabilidade retomamos a classificação freudiana clássica de neurose de transferência e de neurose narcísica Essa distinção é criticável do ponto de vista prático porque hoje sabemos que até mesmo as que são chamadas neuroses narcísicas isto é as psicoses também são passíveis de transfe rência Entretanto essa distinção me parece útil para trabalhar teori camente e compreender a dinâmica desse momento essencial em um tratamento que é o momento da transferência ou neurose de transfe rência Minha intenção esta noite é detalhar melhor a natureza desse momento e apresentarlhes uma hipótese que é a seguinte a neurose de transferência corresponde ao destino de uma pulsão específica à análise que chamo de pulsão fálica Verão que se trata de uma nova pulsão acrescentada à lista já estabelecida das pulsões parciais Em geral elas se reduzem a quatro oral anal invocante e escópica e nem incluo a pulsão sadomasoquista Diríamos que há uma infinidade de objetos pulsionais e que existem muitas pulsões parciais mas estou acrescentando aí uma nova pulsão Creio que essa pulsão fálica explica muito bem a estrutura da transferência tal como a encaramos hoje Na última vez distinguimos dois níveis o nível matricial da neurose de transferência e o nível da significação São dois níveis de produção da neurose de transferência dois níveis de causação Primeiro nível matricial No nível matricial a causa da neurose de transferência a causa do aparecimento desse momento dessa seqüência de transferência é o objeto da pulsão Esse objeto atrai a pulsão e a faz girar em torno dele 58 Como trabalha um psicanalista Segundo nível a significação No segundo nível o da significação vimos que a causa da neurose de transferência não é o objeto mas o véu que cobre o objeto Vimos que o que encarna o véu que cobre o objeto é a reserva a atitude reservada silenciosa do analista Precisei então que cobrir o objeto da pulsão com o silêncio não significa estar constantemente e de maneira rígida em silêncio É um silêncio matizado um silêncioemsi Não achei melhor expressão para falar desse silêncio senão dizer o silêncioemsi Nessa segunda causa estamos no nível da recusa considerando que esse véu que se manifesta pelo comportamento do analista seria do ponto de vista estrutural dinâmico o que na teoria lacaniana chamamos de falo imaginário Assim começamos a fazer essa distinção e a elaborar a dinâmica desse movimento da transferência Hoje desejo marcar novamente os dois níveis mas com uma abordagem um tanto diferente É a mesma distinção porém com mais precisões Existe um texto freudiano muito pequeno de cinco páginas no qual ele tenta explicar como uma pessoa sucumbe à neurose Freud quer compreender como em que circunstâncias uma neurose se instaura em alguém O título desse texto é Sobre os tipos de entrada na neurose É um pequeno texto de 1912 que faz alusão a outro texto quase do mesmo ano e que se chama A disposição à neurose obsessiva São dois textos curtos em que Freud faz breves reflexões sobre questões de que se ocupava como por exemplo o desenvolvi mento da libido o problema do Eu Proponholhes a leitura do primeiro desses textos Sobre os tipos de entrada na neurose modificando o título para Sobre os tipos de entrada na neurose de transferência e verão que mesmo nesse texto é perfeitamente legítimo lêlo pensando não na neurose em geral mas na neurose de transferência E certamente reconhecerão sem dificul dade a mesma coisa que dissemos de outra maneira Freud diz Efetivamente há dois fatores que causam uma neu rose um é o fator disposicional ou predisposição ou disposição o segundo é o fator desencadeante Lembremse de que é um texto de 1912 e estamos numa época em que o problema da causa da etiologia das doenças se apresenta constantemente Freud utiliza o termo disposição para explicar o A natureza da transferência 59 problema da constituição Haveria pois segundo Freud dois fatores o fator disposição e o fator desencadeante Para nós o fator disposição corresponderia à causa no nível matricial e o fator desencadeante corresponderia à causa no nível da significação isto é o fator disposição corresponde ao regime da pulsão O fator desencadeante corresponde ao nível ao regime da significação e é chamado por Freud de frustração Nós o chamamos de recusa véu O nível matricial da transferência Vamos falar do primeiro nível do fator disposição ou se quiserem vamos retomar a nossa expressão nível matricial da causação de uma neurose de transferência No texto que citamos Freud se preocupa em dizer Sim podese frustrar alguém e fazêlo entrar numa neurose mas isso não basta É preciso que haja uma disposição prévia Essa é em parte a nossa questão Antes de começar uma análise no momento das entrevistas iniciais ou já estando em tratamento mas antes de entrar no momento que chamamos de seqüência dolorosa da transferência é preciso que o analisando esteja num estado prévio É o que Freud chama de disposição Como Freud descreve esse estado prévio Para isso volto ao texto da Dinâmica da transferência Todo indivíduo a quem a realidade não oferece inteira satisfação da sua necessidade de amor todo indivíduo insatisfeito se volta inevitavelmente com uma certa espe rança libidinal para todo novo personagem que entra na sua vida E acrescenta Assim é completamente normal e compreensível esta é a frase que mais nos interessa ver o investimento libidinal em estado de espera e pronto para dirigirse para a pessoa do médico Essa é uma boa maneira de caracterizar o estado no qual se encontra o paciente que está a ponto de empenharse numa análise e isso nos servirá quando virmos o tema das entrevistas iniciais O investimento libidinal em estado de espera está pronto para dirigirse para a pessoa do médico Assim ele descrevia a predisposição ou a disposição à neurose de transferência e a toda neurose se retomarmos o texto o outro texto de Freud Sobre os tipos de entrada na neurose 60 Como trabalha um psicanalista Critério de analisabilidade ser afetado pela pulsão Numa perspectiva ligeiramente diferente na última vez propusemos uma concepção semelhante Não tínhamos falado de investimento libidinal Não tínhamos falado desta expressão inteiramente pronto para dirigirse para a pessoa do médico mas procurando dar uma fórmula para definir o estado de analisabilidade de um paciente dissemos inspirandonos no conceito de potência de Spinoza que a aptidão à transferência analítica se decide essencialmente no poder de ser afetado em ato pela pulsão isto é que é analisável todo indivíduo que pode sofrer com sua pulsão Discordância temporal o Eu vai mais rápido que a pulsão O que queremos dizer com essa expressão essa fórmula sofrer com a sua pulsão Para responder vamos retomar a teoria freudiana do desenvolvimento das pulsões do Eu e da libido isto é a pulsão sexual e a pulsão do Eu Lembrando que estamos ainda no nível da disposição retomo o outro texto de 1912 A disposição à neurose obsessiva Nele Freud sugere que a disposição à neurose em geral e à neurose obsessiva em particular e para nós à neurose de transferência depende desse estado tenso de espera com o investimento libidinal pronto para saltar sobre a pessoa do médico Esse estado diz ele é o resultado de uma alteração temporal ocorrida na infância do paciente Uma alteração temporal muito particular porque não se trata de uma alteração do tempo no passado Freud reconhece que deve essa expressão alteração temporal a Fliess Fliess pensava que havia problemas psíquicos derivados de con flitos de discordâncias no nível do tempo de relação entre diferentes movimentos das instâncias psíquicas Com efeito segundo Freud existiria uma discordância um desa cordo entre a linha de evolução progressiva e relativamente uniforme do Eu por um lado e o avanço fragmentário disperso em fluxos sucessivos em ondas sucessivas das pulsões parciais sexuais Segun do essa teoria Freud nos faz compreender que quando um paciente se apresenta para uma consulta de análise é porque ele se encontra no limiar de uma seqüência transferencial e nós deveríamos supor uma falha temporal um contratempo uma defasagem no tempo entre o Eu e a libido O Eu seria mais rápido que a libido A natureza da transferência 61 A citação de Freud na Disposição à neurose obsessiva é esta O desenvolvimento do Eu precede no tempo o da libido E acres centa As pulsões do Eu antecipam a escolha de objeto antes que a função sexual isto é a pulsão tenha atingido a sua configuração definitiva A criança e o espelho Essa noção de antecipação temporal do Eu em relação à libido é fundamental para nós pois vai tornarse precisamente para Lacan o pivô do estádio do espelho É como se Lacan tivesse lido esse texto de Freud pensando no estádio do espelho É exatamente o mesmo esquema que ele propõe Essa antecipação temporal das pulsões do Eu em relação às pulsões sexuais corresponde no vocabulário laca niano à defasagem à distância que existe entre a imagem integrada e unitária do Eu por um lado e por outro lado o real disperso dos Gozos parciais Sabemos que Lacan dizia que a criança diante do espelho é captada pela imagem global da sua pessoa É muito importante notar que isso acontece apenas uma vez o estádio do espelho é um caso excepcional uma situação de exceção e até diríamos quase mítica Essa imagem global essa identificação imaginária na qual ela se precipita contrasta com a vida interna do seu corpo com as sensações perceptivas do seu corpo com as pulsões no interior do corpo As pulsões no interior do corpo são a vida que pulula no interior contrastando com uma imagem integrada unitária unida total no espelho É muito importante o que Lacan diz Esses contrastes entre a imagem no espelho e o real do corpo são a matriz da formação não do Eu Moi mas do Eu Je Ao dizer isso lembrome de um episódio do tempo em que tive a oportunidade de revisar a tradução espanhola dos Escritos de Lacan Para minha grande felicidade isso me permitiu vêlo freqüentemente estar muito próximo dele e discutir muitas vezes com ele os verdadeiros problemas de compreensão do texto e eu aproveitava para fazerlhe perguntas Nessa época eu nem sempre compreendia os textos dos Escritos Às vezes até hoje continuo não compreendendo Tinha um sério problema porque em espanhol não se podia traduzir de modo diferente Moi e Je Essa distinção entre o Moi e 62 Como trabalha um psicanalista o Je não existe em espanhol Hoje temos entre nós o sr Braunstein um amigo que vem do México para visitarnos e que conhece bem esse problema pois teve ele próprio que trabalhar com os tradutores Estávamos pois com Lacan jantávamos juntos Lembrome muito bem era ao lado do hotel Montalembert Para mim é muito importante Era uma noite um jantar de trabalho Mostreilhe o texto e lhe disse que no título ele escrevera O estádio do espelho como formador do Eu Moi Ele disse O Eu Moi que Eu E pulou na cadeira dizendo Mas não é o Moi É o Je O estádio do espelho é formador do Je não do Moi É difícil porque quando se lê o texto tudo leva a pensar que se trata do Moi e não do Je pois o Je aparece pouco no texto É curioso mas é assim Lacan sempre teve o hábito de avançar promessas no título Esse título é uma mensagem Já é um conceito embora não seja desenvolvido no texto É preciso compreender o Je não como sendo fundado a partir da imagem do sujeito Não é que ele se identifique com a imagem que está no Je Isso se produz antes do lado do Moi O Je se funda na distância temporal entre a imagem que vai mais depressa do que o corpo e este último Com mais exatidão ainda proponholhes pensar o Je a matriz do Je como sendo a épura a linha o contorno da imagem que aparece no espelho É essa matriz do Je que mais tarde será o sujeito do inconsciente Na verdade penso que o Je simbólico nesse texto anuncia o conceito do sujeito do inconsciente que aparecerá muito mais tarde Logo temos o Moi que é a identificação com a imagem total o caráter refletido dessa imagem o real que é o que a criança sente no seu corpo e o Je que é a épura a linha de contorno da imagem ligada ao problema da antecipação temporal da distância da defasa gem temporal Voltemos ao nosso fio condutor A disposição à transferência consiste em uma alteração da relação entre a imagem do Eu e o objeto Gozo para utilizar um termo lacaniano muito ouvido e conhecido o objeto a Ou seja a relação entre a imagem do Eu e o objeto a como se a imagem cobrisse imperfeitamente o objeto Sofrer com a pulsão poderia pois traduzir o fato de que esta insuficientemente velada está pronta para saltar a ir à procura de um abrigo de um porto que a amarre de um analista que a fixe A natureza da transferência 63 Relembremos a fórmula de Freud para que uma pessoa sucumba à neurose é preciso um fator desencadeante do qual ainda não falamos mas também é necessária uma disposição que consiste em que a sua pulsão não esteja corretamente velada por uma imagem Há então uma defasagem no nível da cobertura da imagem sobre o objeto da pulsão É como se situássemos a disposição no nível da fonte Uma vez que essa pulsão essa tensão libidinal pronta para saltar sobre o analista salta sobre ele ela não fica sobre o analista ela volta para si mesma É um aspecto muito importante A neurose de transferência como dizíamos na última vez é uma neoformação um tecido vivo desenvolvido em torno desse pivô central que é o analista mas seu objetivo é fecharse circularmente contornar englobar o objeto analista É preciso que ela o contorne para que ela volte isso quer dizer que a expressão de Freud o investimento libidinal pronto para saltar sobre a pessoa do médico poderia se completar assim pronto para saltar sobre a pessoa do médico para voltar à sua fonte ao ponto de partida O desejo do analista Antes de considerar o nível da significação desejaria determe nesse ponto e fazer uma pergunta que já surgiu outras vezes e que ainda surgirá pois é preciso considerála a partir de diferentes pontos de vista qual é esse objeto analista que a pulsão cerca É a própria pessoa do terapeuta seu corpo físico seus sonhos sua vida sua teoria seu pensamento Esse objeto é a pessoa Esse objeto que chamamos analista é apenas um furo sem nome sem natureza sem traço característico Bastaria dizer furo Até seria necessário não dizer analista Então é a pessoa é esse objetoanalista que a pulsão cerca É o furo É o grande Outro que situamos no nível da significação o grande Outro o Outro interlocutor ao qual se dirigem as demandas É a imagem o véu opaco do objeto definido pela atitude reservada silenciosa do analista que atrai suscita as demandas que atrai e suscita os tecidos vivos a neoformação Ou ainda é um representante psíquico Freud propõe isso nesse mesmo texto A dinâmica da transfe rência É uma bela citação O investimento libidinal vai se dirigir para o médico considerado como fazendo parte de uma série de uma 64 Como trabalha um psicanalista das séries psíquicas isto é de uma cadeia de representações que o paciente já estabeleceu no seu psiquismo O analista seria um representante psíquico singular o que Lacan teria chamado de um significante Então qual é esse objeto em torno do qual a pulsão gira para voltar ao seu ponto de partida Lacan decidiria a questão e daria uma resposta muito precisa o objeto em torno do qual a pulsão gira é antes de tudo um furo O objeto analista em torno do qual a pulsão gira é antes de tudo o furo coberto com o véu do falo imaginário A equação furo véu se chama na teoria lacaniana segundo a minha leitura desejo do analista O desejo do analista furo véu furo máscara do véu máscara do furo Todas as outras posições de que falamos a pessoa o grande Outro o furo enquanto tal o representante psíquico são reconhe cidas como posições determinantes por parte do analista para cons tituir um elemento que atrai para si a transferência que atrai para si a pulsão fazendose cercado por ela ao deixála voltar ao seu ponto de partida Todas essas posições são determinantes Mas para Lacan a dominância a primazia é a do desejo do analista Voltaremos ao desejo do analista quando abordarmos o nível da significação De que natureza qual é a pessoa real do analista Com efeito devemos encarar esse aspecto do analista que fica sempre na obscu ridade pois é muito difícil darlhe um sentido preciso Refirome à pessoa real do analista Quando falarmos da contratransferência voltaremos a esse problema Agora gostaria de ressaltar que a difi culdade de refletir sobre essa interrogação reside em que isso está ligado ao mesmo paradoxo relativo a todo elemento que pertence à dimensão do real O paradoxo consiste nisto desde que o real é mordido deixa de ser real e se torna fantasístico Desde que o corpo físico real do analista do terapeuta é perturbado por uma experiência com seu paciente esse corpo não é mais real tornase fantasístico Por exemplo um analista em supervisão me contou recentemente o seguinte Eu estava ativamente empenhado na escuta do paciente e no momento em que o escutei dizer Tenho vontade de mutilar a minha sessão Nesse momento senti uma dor aguda forte intensa no ventre É formidável É notável que o analista seja sensível a isso porque responde ao que dizíamos no início formar o Eu como superfície de percepção segundo o critério do falo A natureza da transferência 65 É notável porque mil vezes estamos empenhados na escuta mil vezes temos sensações no corpo e mil vezes não prestamos atenção a elas ou as consideramos como insignificantes O fato de o analista comentar que quando ouviu Tenho vontade de mutilar a minha sessão percebeu uma forte dor no ventre é uma boa apreciação que indica que ele se reconhece mesmo que não tenha pensado nisso como objeto de uma pulsão que o envolve Outro exemplo este mais geral não se refere ao corpo mas desta vez à vida do analista É o caso difícil muito difícil em geral de pacientes mulheres que estão além do amor de transferência que estão na erotomania de transferência e que perseguem o analista Elas esperam que este termine as consultas Elas esperam na rua para ver o carro que ele pega etc É um sofrimento que aqueles que não o viveram não conseguem imaginar É muito difícil é insuportável Lacan o chama de erotomania mortificante Não para quem vive a erotomania mas para quem é objeto dela Como conceber o malestar que esse analista sente na hora de pegar o carro Sai do consultório vai procurar o carro e subitamente vê passar diante de si cinco horas depois da sua sessão a paciente que o esperava há longas horas para seguilo Que situação é essa Como nomeála Evidentemente nós a imaginamos no quadro da transferência Mas podemos imaginála também como uma passagem ao ato como um acting out por parte da paciente Mas como conceber o malestar o sofrimento do analista o sentimento de mortificação Como pen sálo Considero que uma dor no corpo exprime uma vez que o corpo real é mordido pela experiência da transferência da análise que esse pedaço de corpo esse farrapo de corpo esse ventre do analista não é mais um ventre real é fantasístico Mas a cada vez que me relatam uma experiência semelhante o que acabo de dizer me parece insufi ciente Eu desejaria que distinguíssemos bem as diferentes posições do analista que pensássemos em como nos acomodamos de maneiras distintas aos vários lugares que os analisandos nos atribuem a essas diferentes posições Sempre temos a impressão de que são posições em que ficamos intactos como se fossem cadeiras que ocupássemos Mas não não ficamos intactos Para abordar esse problema eminentemente difícil do corpo real do analista que aliás não foi claramente resolvido até hoje eu desejaria 66 Como trabalha um psicanalista retomar a alegoria lacaniana da libido imaginada como uma lamela A libido é uma lamela que sai do corpo vai até uma certa distância e volta para o seu ponto de partida Vêse que estamos descrevendo exatamente o movimento da pulsão Acrescentemos a essa alegoria da lamela de Lacan uma ficção complementar Diremos que a lamela nasce e cresce estendese no espaço com múltiplas camadas porque não é constituída de uma superfície única Vamos imaginála folhada composta de múltiplas camadas estratifi cada Por que estratificada Porque há várias pulsões oral anal etc As pulsões parciais nunca estão sozinhas Devese imaginar a pulsão em camadas sucessivas superpostas Vamos imaginar pois a lamela que avança se estende no espaço cerca o objeto analista e volta para o seu ponto de partida Deveríamos imaginar esse impulso como camadas crescendo irregu larmente Acrescentemos agora a essa alegoria a ficção a idéia de que essa lamela só pode fazer seu trabalho de avanço sua atividade de pro gressão e retorno se puder alimentarse de um fragmento orgânico totalmente vivo e real que chamaríamos de enxerto Como se o corpo real do analista fosse assim um reservatório real para manter e nutrir o desejo do analista Em outras palavras é como se o corpo real do analista fosse uma espécie de reservatório real que permitisse a este ocupar o lugar do desejo do véu imaginário que cobre o objeto como se pudéssemos imaginar que o corpo do analista fosse fornecido provido de tal modo que daria constantemente que ofereceria a possibilidade ao analista de vir ocupar esse lugar do véu Mas ao mesmo tempo imaginemos que esse corpo seja como um enxerto que alimenta e se alimenta da libido que sai do paciente É uma ficção Não é tão plena quanto eu gostaria mas seria muito bom que aceitássemos dinamizar o conceito de desejo do analista dramatizandoo graças a essa intuição kantiana de um corpo enxerto do analista Como vemos estamos fazendo a complementaridade atuar alter nativamente entre o desejo do analista isto é o furo o véu que o cobre e o corpo enxerto do analista Creio que ganharemos em habilidade técnica se conseguirmos ter essa intuição em certos momentos do tratamento como foi o caso desse analista em supervisão de quem falei há pouco a de ser objeto das pregas pulsionais das invaginações diversas dos estiramentos e estenosamentos das bordas orificiais Ganharemos então uma maior A natureza da transferência 67 flexibilidade para nos identificar ao objeto da pulsão para vir ocupar o lugar de véu do objeto da pulsão para melhor encarnar a figura o véu do falo imaginário Se trabalharmos com essa imagem em que somos um enxerto da libido enquanto estamos sentados escutamos falar pensamos É completamente distinto do clichê do analista que escuta e está pronto para interpretar o sentido das palavras que ouve São dois analistas completamente distintos É totalmente diferente se vocês se sentam em sua poltrona para escutar o que lhes dizem para interpretar e se sentam na poltrona para sentir e prestarse a imaginar que são o objeto de uma invaginação lamelar da libido Então você escuta de um modo completamente diferente intervém de outra forma tem uma percepção absolutamente diferente daquilo que o paciente diz e daquilo que acontece com você O que tento fazer neste seminário sobre a técnica é provocar suscitar esse tipo de reflexão Para podermos voltar ao nível da significação ressaltemos um ponto acerca do nível matricial Para Lacan a causalidade de um nível matricial nunca se situa como para Freud no ponto de partida mas no nível do objeto O objeto é atrativo aquele que é capaz de atrair O objeto da pulsão no nível matricial é um atrativo um polarizador da pulsão É esse o nível matricial o plano da pulsão o da disposição do estado inicial do objeto atrativo Aqui a causa é uma causa matricial O nível da significação Vamos agora para o nível da significação Nesse nível vamos retomar os três pontos de que já tratamos 1 O analista encarnando a expressão imaginária do objeto insatisfa tório da pulsão véu opaco da recusa na medida em que ele pode vir para esse lugar institui sem notar o lugar desta vez simbólico da autoridade do Sujeito Suposto Saber Isso me parece ser uma nuance muito importante Naquele momento aproveitamos para dar a espe cificidade da psicanálise para diferenciála de qualquer outro método A autoridade do Sujeito Suposto Saber existe em toda transferência transferência de ensino psicoterápica psiquiátrica em suma qualquer 68 Como trabalha um psicanalista que seja o tipo de transferência Mas a característica própria da psicanálise é que o Sujeito Suposto Saber é um efeito do fato de que o analista ocupa o lugar do objeto É preciso que o analista se preocupe com aquilo que ele sente em suas entranhas sem ter que procurar ocupar esse lugar do Sujeito Suposto Saber para criar a sua autoridade dessa maneira Procurem o que sentem procurem pensarse como objeto da pulsão venham para esse lugar de véu fálico imaginário e a autoridade virá instaurarse automaticamente sem que se esforcem para isso Ao contrário se a procurarem não a encontrarão É justamente o que acontece no início com uma certa rigidez da parte dos analistas que começam Essa rigidez é um modo de tentar encontrar o lugar do interlocutor E o que ocorre é que para o analisando essa rigidez se transforma não numa recusa que suscita mas numa recusa que exclui E é assim que o paciente abandona o tratamento Logo primeiro efeito sendo ocupado o lugar do véu de objeto da pulsão automaticamente se institui essa outra instância simbólica que é a autoridade do Sujeito Suposto Saber 2 O segundo efeito desta vez sobre o analisando seria o de suscitar nele demandas de amor dirigidas à autoridade ao grande Outro É ocupando esse lugar que o analista suscita demandas dirigidas não a ele mas ao grande Outro que ele institui Essas demandas de amor reúnem o conjunto dos sintomas das mensagens das demandas de saber e das palavras dirigidas ao grande Outro que o analista repre senta Até aqui ainda não estamos na fase da neurose de transferência da seqüência dolorosa da transferência na qual não se trata de demandas de amor tratase de amor simplesmente de amor de transferência E mais do que de amor tratase de ódio de transferência tratase de dor de transferência tratase de angústia de transferência Não são demandas Vamos devagar O que estou descrevendo é uma dinâmica feita de movimentos e de elementos polarizadores A entrada na neurose de transferência Para chegar a esse momento doloroso da seqüência transferencial é preciso primeiro que o paciente fale A fala do paciente não é sempre A natureza da transferência 69 uma demanda É preciso distinguir bem a fala da demanda Desde o início do nosso trabalho dissemos que falar não é demandar E entre as demandas há o conjunto das demandas dirigidas ao grande Outro que são demandas de reconhecimento demandas de amor Essas demandas de amor ainda não são o próprio amor Para que cheguemos ao próprio amor é preciso que a essas demandas de amor suscitadas pela atitude reservada do analista o Eu encontre uma recusa É uma primeira recusa Penso no exemplo de um paciente que vi recentemente Ele tem seis meses de análise está deitado e diz ao analista no começo de uma sessão Você acha que vale a pena eu gastar dinheiro para vir aqui Essa expressão esses termos são irônicos e ao mesmo tempo são o reflexo de um certo engajamento É um sinal de engajamento do analisando em relação à sua análise Essa frase essas palavras não constituem ainda uma transferência É uma demanda de amor suscitada pela atitude do analista e pelo quadro da análise o divã o ritual o caráter uniforme do lugar o caráter repetitivo do tempo etc Esse aspecto de recusa não é dado apenas pelo silêncio do analista mas é todo o quadro da análise que produz um efeito frustrante de recusa 3 Logo o analisando dirige demandas de amor ao grande Outro e encontra uma primeira recusa Essas demandas voltam para o Eu E é nessa volta que vai se produzir uma mudança de registro que nos fará passar da demanda de amor ao amor de transferência ao ódio de transferência Algumas vezes acreditase que o silêncio do analista princi palmente os leigos pensam assim favorece no paciente o fato de encontrar ele próprio as respostas para as suas perguntas de deixálo trabalhar de fazer a sua tarefa de analisando de estimular a autonomia do seu pensamento de respeitar a associação livre e a independência afetiva Isso é absolutamente falso O silêncio do analista provoca uma dependência maior um apego intenso uma ruptura de associação e a irrupção de fantasias funda mentais nas quais o paciente se transforma como veremos em objeto sexual do analista considerado como o grande Outro E é então na volta para o Eu depois da primeira recusa que vai se produzir uma outra idaevolta que constituirá o amor de transferência Digo amor de transferência pois é a expressão conhecida mas pode ser como ocorre muitas vezes o ódio de transferência ou a angústia de transferência 70 Como trabalha um psicanalista Desejaria dar algumas referências clínicas quanto à maneira como o analisando se apresenta no momento em que sofre a primeira recusa Quando este volta para si mesmo nesse momento produzse uma mudança de registro Esse movimento se manifesta pelo fato de que o analisando deixa de referirse ao passado para preocuparse cada vez mais com o presente da sessão com o aqui e agora Nesses momentos excessivos ele não quer mais ouvir falar de outra coisa que não seja a relação atual com o seu analista Os silêncios são então freqüentes muito mais freqüentes do que antes Esses silêncios são interrompidos pontuados por pequenas tosses nervosas Então a maneira de falar é hesitante como se o analisando tivesse a garganta seca Edward Glover em um livro que é clássico e que se chama A técnica da psicanálise consagra dois capítulos ao problema da neurose de transferência que ele descreve com muita eloqüência Existem sinais típicos da neurose de transferência os músculos se endurecem ligeiramente a posição do paciente no divã se torna rígida e vigilante aparecem crises de ansiedade e finalmente quando o paciente fala declara que não tem nada a dizer e que é o analista que deve falar Freud também faz algumas vezes descrições impressionantes desse momento Por exemplo a célebre frase que muitos conhecem ao falar do Homem dos Ratos O rosto do sujeito exprimia o horror do Gozo ignorado Para Freud era o rosto porque ele olhava o paciente Ele o via e considerava que esse rosto exprimindo o horror do Gozo ignorado era o sinal manifesto preciso de uma seqüência transferencial dolorosa Freud dizia que nesse momento era a atuali zação em ato a presença em ato de uma pulsão sádica anal Freud comenta esse comportamento do analisando tal como o descrevemos como uma tendência da pulsão a se manifestar em ato e mais do que em ato em ação alucinada Na Dinâmica da transferência ele diz Lembremonos de que ninguém pode ser morto in absentia nem in effigie É uma frase que a maioria dos textos sobre a transferência repetem Mas dez linhas acima há na minha opinião uma frase mil vezes mais apaixonante mais próxima daquilo que nos acontece As emoções inconscientes isto é as pulsões procuram reproduzirse desprezando o tempo e seguindo a faculdade de alucinação própria do inconsciente Como nos sonhos o paciente atribui ao que resulta dessas emoções incons A natureza da transferência 71 cientes ou despertas um caráter de atualidade e de realidade Ele põe em ato suas paixões sem levar em conta a situação real Freud não hesita em escrever que no momento culminante da neurose de transferência o analisando alucina e vive a relação trans ferencial com o mesmo sentimento de realidade que temos quando sonhamos isto é quando alucinamos pois um sonho é uma alucinação O amor de transferência o ódio de transferência toda paixão de transferência pode se reduzir na verdade a uma modalidade da alucinação Talvez exageremos ao dizer isso mas é para acentuar bem esse caráter excessivo intenso da pulsão no momento de transferência Como interpretar esse momento de pulsão excessiva no momento da seqüência transferencial Sofrida a primeira recusa o Eu se polariza exclusivamente no falo imaginário excluindo totalmente a presença do grande Outro O amor é dirigido não à autoridade do grande Outro mas diretamente de modo concentrado polarizado a isto é ao falo imaginário Lacan diz O amor se dirige ao semblante do ser Traduzo o amor se dirige ao semblante do objeto ou ainda o amor se dirige ao véu que cobre o objeto Ora é então que ele encontra uma segunda recusa e volta de novo para si mesmo mas desta vez volta para si mesmo até identificarse com o falo Tornase o falo que lhe é recusado O Eu se identifica ao objeto que lhe é recusado O analisando começou por demandas de amor demandas para ter o falo para pedir ao grande Outro para ter o falo Agora depois dessas duas recusas ele se torna esse falo se identifica com o falo Nesse momento podese dizer que o Eu se constitui como sendo o falo o objeto do desejo do grande Outro É isso que é difícil apreender na dinâmica que estabelecemos Uma vez que o Eu se identifica com o falo imaginário que ele pedia anteriormente ao grande Outro agora identificandose com o falo reaparece o grande Outro não mais como autoridade mas como um grande Outro que deseja e do qual o Eu identificado com o falo vai ser o objeto Essa seqüência transferencial de amor de ódio ou de angústia é interpretada pela psicanálise como sendo o produto da identificação do Eu com o falo o Eu fazendose o falo do grande Outro desejante representado pelo analista Nesse momento da seqüência dolorosa da transferência o analista é vivido isso é curioso como alguém absolutamente diferente do paciente É isso que é difícil apreender O Eu se identifica com o 72 Como trabalha um psicanalista falo e se faz o falo do Outro do grande Outro desejante representado pelo analista Mas o paciente no nível de um sentimento consciente vive o analista como uma presença aguda com um sentimento agudo de que ele é alguém diferente dele É então que terei que justificar a minha hipótese da existência de uma pulsão fálica Respostas às perguntas O que o sr quer dizer quando substitui o termo analista pela palavra furo Alguns dos presentes tiveram a oportunidade em certos momentos de trabalhar em outros de meus seminários que fizemos nos quais utilizei a topologia O furo é um termo instituído por Lacan introduzido graças à topologia e tem diferentes conotações Darei a que me parece mais exata A palavra furo significa que o objeto da pulsão é variável isto é indiferente à natureza da pulsão Por conseguinte uma pulsão oral por exemplo pode se servir de qualquer objeto para obter o seu objetivo Ela pode utilizar um polegar um seio um chiclete mil objetos diferentes Lacan ao invés de dizer como Freud que o objeto da pulsão é variável e indeterminado diz que efetivamente esse lugar é um lugar vazio para o qual qualquer coisa que represente a função de objeto para essa pulsão pode ir Dizer que o objeto da pulsão é um furo é o mesmo que dizer que o objeto da pulsão é uma função ou um lugar Percebo ao responder que haveria várias maneiras de abordar a questão em particular graças à topologia Ouvi dizer que certos analisandos terminavam a análise identifican dose com o Eu do analista O que acontece na sua opinião Esta é a questão da identificação com o analista Sabemos que Lacan falou muito desse problema Muitas vezes interpretouse mal sua formulação Ele nunca negou que um analisando pudesse identificarse imaginariamente com seu analista Não só nunca negou mas também considerava que isso é habitual para muitos durante um certo tempo A natureza da transferência 73 Os analisandos especialmente os que fazem tratamento há muito tempo adquirem certos traços do analista principalmente se esses analisandos se tornam eles próprios analistas São imitações iden tificações de tipo imaginário parciais que não são negadas É um fato O que Lacan negou e isso tem um peso teórico importante foi conceber o fim do tratamento como sendo uma identificação com o analista Essa é uma questão completamente diferente Efetivamente certos analistas declararam que o fim do tratamento seria a identificação com o Eu do analista Foi o caso da Escola da psicologia do Eu Mas retomandose a história do pensamento ana lítico e dentro dela a concepção da psicologia do Eu especialmente a de Hartmann ou Rappaport vêse que eles consideravam que o fim de um tratamento terminava pela identificação com o Eu do analista com o Eu normal adaptado sadio do analista Mas antes de Hartmann e Rappaport há toda uma série de analistas que tiveram um pensamento apaixonante como por exemplo Sandor Rado que nunca é mencionado Cito em particular Sandor Rado porque ele está muito próximo daquilo que digo aqui nesta noite Foi o primeiro a fazer uma abordagem econômica da transferência Escreveu um texto em 1927 sete anos depois de Mais além do princípio de prazer que se chama A abordagem econômica do problema da transferência Foi o pri meiro a ter a idéia que na época parecia absolutamente luminosa de pensar que o analista ocupava diferentes instâncias psíquicas do paciente por exemplo que o analista ocupava o lugar do Supereu psíquico do paciente Depois dele Strachey retomaria quase a mesma posição sob outra forma para manter esse trabalho de identificação Nesse momento falaria de identificação do analista com o lugar de uma instância psíquica Mas isso não é a identificação com o analista mas as identificações do analista Aliás hoje não se diz identificação do analista mas o analista ocupa o lugar de A identificação do paciente com o falo imaginário não corresponderia à identificação da criança com o falo faltoso da mãe pondo assim o paciente em posição de regressão infantil Como sair dessa posição Ao invés de dizer que a criança se identifica com o falo que falta à mãe modifiquei os termos dizendo que o Eu do analisando se identifica com o falo na medida em que ele lhe foi recusado e então 74 Como trabalha um psicanalista ele se constitui em objeto fálico do grande Outro desejante Como sair dessa posição É uma pergunta que tentaremos responder na próxima vez Mais genericamente desejaria refletir sobre um ponto pensar que a neurose de transferência é uma doença instituída por nós que somos nós analistas que instituímos essa situação mórbida da qual somos o enxerto o que quer dizer que uma vez a situação mórbida desenvolvida jogase fora o enxerto Uma vez bem instituída essa situação rejeitase o enxerto e assistese à dissolução do trabalho desse tecido neoformado Porque finalmente podese considerar o problema do fim do tratamento uma questão muito difícil que abre muitas perspectivas como a de um corte uma separação de um trabalho de excisão no nível desse tecido vivo que se desenvolveu Mas levandose em conta a pergunta a respeito do termo de regressão infantil que foi utilizado por diversos autores para falar do apego muito forte do analisando em resposta ao silêncio ou à atitude reservada do analista afirmamos que efetivamente a neurose de transferência é um estado mórbido que infantiliza o paciente Falamos de enxerto mas também podemos nos servir de outro termo núcleo um elementonúcleo que absorve a energia do outro porque se trata de uma absorção Vejam um analista depois de oito horas de consulta ele foi absorvido Isso não é suficientemente teorizado É por exemplo a questão do trabalho com os psicóticos É claro e muito conhecido por todos os que trabalham em hospital com pacientes psicóticos que esse trabalho provoca vontade de dormir Há algo que acontece na transferência com os pacientes psicóticos que induz a necessidade de sono Quero esclarecer com isso a idéia de enxerto não só ele suscita o investimento libidinal mas também o analista recebe coisas desse tecido que ele criou Esse tecido poderia ser chamado de placenta porque é um dos exemplos de objeto a dado justamente por Lacan Quando Lacan diz que a transferência opera nessas vacilações nessa contração e dilatação abertura e fechamento das bordas orificiais é preciso situála no nível matricial e especificamente no ponto de partida na fonte da pulsão Ao invés de dizer que a transferência é a atividade da pulsão que cerca o objeto e volta para o ponto de partida diremos que as bordas palpitam Elas se fecham e se abrem Dizer que as bordas orificiais da zona erógena se abrem e se fecham quer dizer exatamente que a A natureza da transferência 75 pulsão se desloca vai e volta É a mesma coisa Isso mereceria ser explicado mais longamente mas podem acreditar no que digo de um certo ponto de vista é a mesma coisa Dizer que os orifícios palpitam e que a pulsão se desloca em torno de um objeto são duas expressões que querem dizer exatamente a mesma coisa Vamos agora à questão da recusa Esse termo corresponde ao que Freud no texto sobre Os tipos de entrada na neurose chama de frustração Há um problema com a tradução do termo alemão Certos autores o traduzem por frustração enquanto outros como Lacan ou Nacht se opõem a essa tradução e consideram que o termo correto é recusa A recusa é constituída antes de tudo por toda a situação analítica pelo dispositivo analítico Não é apenas a reserva a ação do analista não é apenas o silêncio matizado do analista é o divã a regra fundamental etc A recusa não é simplesmente o fato de que o analista esteja em silêncio a nãoresposta às demandas de amor mas também é no momento da segunda recusa como se o analista dissesse não há relação sexual possível A recusa é a abstinência mais extrema no caso da experiência analítica isto é eu não sou objeto sexual Eu disse na outra vez que a recusa começava sendo o que o analista se recusa em si mesmo Só há recusa a partir daquilo que ele se recusa em si mesmo Isso não corresponde a uma interdição É recusarse a si mesmo porque isso volta para si e essa volta para si é pensar o campo da experiência analítica como um campo sexual como um campo pulsional Se o analista percebe a experiência da transferência como uma experiência pulsional se faz uma abordagem econômica da transfe rência como diria Rado tem chances de encontrar essa recusa em si a qual lhe permitirá adotar uma posição apropriada à experiência do tratamento 76 Como trabalha um psicanalista A seqüência dolorosa da transferência IV A seqüência dolorosa da transferência A estrutura simbólica da relação analítica está presente implicitamente ao longo do tratamento mas só se atualiza em certas ocasiões e através de certas formações psíquicas chamadas formações psíquicas do inconsciente O analisando que erra o endereço ao ir à sessão ou o analista que esquece a hora do paciente são exemplos freqüentes quase banais que manifestam os deslocamentos inconscientes de significantes recalca dos Significantes recalcados em um ou outro dos parceiros analíticos A propósito dessas transferências simbólicas já me expliquei longamente em um dos capítulos de meu livro Os olhos de Laura Além disso existe outra transferência que tentaremos elucidar agora e que nos ocupa há três seminários que corresponde à ultra passagem de um limiar no meio do tratamento Um limiar geralmente único embora possa em certas ocasiões e para certos pacientes reproduzirse duas ou três vezes em uma análise Durante esse mo mento limite esse limiar durante essa transferência momentânea o mundo do paciente se concentra inteira e unicamente no analista A transferência assume então uma tal intensidade afetiva que é correto deduzir que nessa fase o objeto da pulsão ou se quisermos o objeto a ou ainda o acréscimo de Gozo o excedente de energia aflora nesse momento quase a nu no seio da relação analítica A transferência fantasística Essa transferência esse momento transferencial esse limiar essa etapa particular bem diferente da transferência simbólica é o que chamamos 77 de seqüência dolorosa transferencial ou neurose de transferência que podemos pôr sob a rubrica formação do objeto a Essa transferência atualizada através da neurose de transferência esse momento doloroso essa formação do objeto a não será chamada de transferência imaginária já que isso não existe Também não a chamaremos segundo a tríade lacaniana de transferência real pois não é uma transferência real Chamaremos essa transferência de transferência fantasística Entre a transferência simbólica atualizada pelas diferentes forma ções psíquicas do inconsciente e a transferência fantasística atualizada exclusivamente por essa única formação do objeto que é a seqüência dolorosa transferencial entre essas duas espécies de transferência dou prioridade absoluta à última Por que Por três razões Primeiro porque essa transferência fantasística que se expressa nesse momento de dor revela o verdadeiro móbil da relação analistapaciente Habi tualmente dizse que o móbil da relação analítica é a fala Isso não é verdade Não é a fala O verdadeiro móbil da relação analítica é a pulsão que centraliza polariza a relação analistapaciente A fala está presente como o efeito e ao mesmo tempo como vindo determinar o campo dessa relação Mas o móbil é o objeto da pulsão Segunda razão dou prioridade à transferência fantasística e a essa seqüência que a atualiza porque ela faz o analista compreender principalmente o analista iniciante que o seu papel principal em uma análise não é o de escutar ou interpretar mas o de prestarse emprestar seu próprio corpo pulsional Lacan diria emprestar a sua pessoa Prestarse à atividade da lamela libidinal de que falamos na última vez Se o analista compreende que está ali na sua poltrona para deixarse tomar deixarse cercar pegar pela atividade pulsional terá todas as chances de interpretar ou intervir de modo oportuno Terceira razão que me faz dar prioridade absoluta à transferência fantasística é que o resultado desse momento transferencial doloroso a maneira de atravessar esse limiar no meio do tratamento também decidirá o próprio resultado da análise Freud escreveu isso com todas as letras Ele disse Ultrapassar essa nova neurose artificial isto é a neurose de transferência é suprimir a doença gerada pelo tratamento Esses dois resultados isto é a doença pela qual o paciente veio e o fato de que ele faça a sua análise esses dois resultados caminham lado a lado e quando são obtidos nossa tarefa terapêutica está terminada 78 Como trabalha um psicanalista Freud expressa e não poderia fazêlo de maneira mais clara e categórica o fato de que o fim do tratamento o seu sucesso depende da possibilidade de resolver a neurose de transferência Se por ocasião da travessia desse limiar o tratamento se interrompe diremos que o analisando e o analista se chocaram tropeçaram num obstáculo que se chama de modo célebre e bem conhecido o rochedo da castração Se pelo contrário a relação analítica não atinge não atingiu o nível desse momento de prova desse momentolimiar desse momen tolimite diremos que a análise não progride Enfim se o obstáculo é superado se o limiar é atravessado e a análise continua até a sua fase terminal diremos então que um actingout o paradigma dos actingout foi resolvido Ou para falar em termos que estão na moda e que na minha opinião não são exatamente adequados diremos se o obstáculo foi superado que houve travessia da fantasia Quer seja um limite que se evite atingir o caso no qual a análise não progride o rochedo da castração quer seja um limite que se atravesse com sucesso e que constitui um actingout a seqüência dolorosa da transferência continua sendo em minha opinião e indubitavelmente a experiência mais decisiva de um tratamento de análise É a experiência mais importante que exige do prático um conhecimento e um manejo técnico muito precisos a que exige mais tato O manejo da transferência Detenhome aqui para fazer correções Primeiro eu disse que é a experiência mais importante e que exige mais tato e conhecimento Temos aí uma citação de Freud que alguém me lembrou por ocasião de uma supervisão e essa observação é absolutamente pertinente Pareceme que entre todos os textos freudianos essa pessoa leu as Observações sobre o amor de transferência Eu as reli e efetiva mente concordo o primeiro parágrafo é o mais importante de todo o texto Ele diz Certamente todo psicanalista iniciante começa temendo as dificuldades que lhe oferecem a interpretação das associações do paciente e a necessidade de encontrar os materiais recalcados A seqüência dolorosa da transferência 79 É verdade ouço isso muitas vezes nas supervisões A preocupação dos analistas é indagar Quando se deve pedir ao paciente para deitarse Como se detecta a fantasia Em que momento se deve parar a sessão Estou fazendo certo Como lhe parece esse tipo de abor dagem Qual é o fio condutor pelo qual devo orientar a minha escuta Todas essas são interrogações fundadas São dificuldades que na maioria das vezes polarizam o analista Eis o que diz Freud Todo psicanalista iniciante começa temendo as dificuldades que lhe oferecem a interpretação das associações do paciente e a necessidade de encontrar os materiais recalcados E acrescenta Mas ele logo aprende a atribuir menos importância a essas dificuldades e a convencerse de que os únicos obstáculos verdadeiramente sérios se encontram no manejo da transferência Temos outra citação que vai no mesmo sentido É de um psica nalista inglês a quem já me referi Glover Esse autor incluiu dois longos capítulos sobre a neurose de transferência na sua obra clássica sobre a técnica É ainda mais forte do que Freud Ele diz Não nos arriscamos a nos enganar afirmando que em nenhum estádio da análise as reações do analista ou suas convicções quanto aos postu lados fundamentais da psicanálise são submetidas a prova mais dura do que durante esse estádio da neurose de transferência Durante esse estádio quando o terreno conflitual do paciente se desloca das situa ções externas ou de inadaptações internas de natureza sintomática para a própria situação analítica Glover diz exatamente a mesma coisa que Freud com outras palavras Outros autores também o disseram Li recentemente uma tradução feita por um colega belga de um livro de Ella Sharpe que fez quatro conferências sobre a técnica analítica A conferência dedicada à transferência começa do mesmo modo Ela diz O problema principal não é como agir mas onde estamos quando há transferência quando há neurose de transferência quando há momento transferencial doloroso Digo que é a experiência mais importante do tratamento e que exige do clínico um conhecimento e um manejo técnico preciso Acabo de citar essa frase e ao mesmo tempo vou tentar abordála tomála o mais seriamente possível dissecála decompôla neste momento mesmo que não se lembrem de todos os detalhes O importante é situar esse momento apreendêlo e verificar se ele se encontra na prática de cada um de nós 80 Como trabalha um psicanalista Há uma frase de Lacan que diz bem que no nível ético só uma coisa predomina é que o analista deve saber ignorar o que sabe Já dissemos isso no nosso primeiro seminário de outra maneira Dissemos o seguinte sejamos estudiosos sérios precisos estudemos bem a técnica leiamos como se fôssemos apaixonados pela técnica sejamos técnicos apaixonados e ao mesmo tempo esqueçamos isso completamente sabendo que não é ali que vai operar verdadeiramente a relação analítica É preciso ser muito claro a respeito da técnica e saber ao mesmo tempo que não é na técnica não é no manejo técnico que vai decidirse a resolução dos diferentes momentos do tratamento analítico O sr evocava no início de seu seminário a capacidade de analisabi lidade Mas quais são os critérios de referência da analisabilidade Voltemos ao nosso fio condutor Vejam a importância que dou a esse momento transferencial doloroso a essa neurose de transferência Podem compreender agora por que começamos o nosso seminário com os critérios de analisabilidade Podem haver vários deles Alguns deles nós os aplicamos desde o início por ocasião das entrevistas preliminares Mais freqüentemente do que pensamos sabemos que este ou aquele paciente fará um tratamento clássico Se é um paciente que pelo contrário apresenta sintomas psicóticos ou delirantes pen saremos como já observamos aqui que é preciso ser prudente que é preciso estabelecer um plano terapêutico prévio Esses critérios não são verdadeiramente critérios de analisabilidade O único critério de analisabilidade só pode ser reconhecido a posteriori Evidentemente só saberei se alguém foi analisável ou não a posteriori depois que ele atravessou a experiência da análise Quem é capaz de ser analisado Só se poderá responder depois de terminar a análise desse paciente ou depois de ter atravessado esse momento de transferência dolorosa O único verdadeiro critério que só pode ser verificado posteriormente depois da experiência da travessia desse limiar consiste na capacidade do analisando de con frontarse com ele Diremos então que é analisável todo indivíduo que pode sofrer com a sua pulsão posta em ato quando da prova dolorosa da transferência A seqüência dolorosa da transferência 81 Os sinais indicadores da passagem da seqüência dolorosa da transferência Como se apresenta clinicamente esse momento transferencial Qual é a sua estrutura e em que condições ele se instala Já respondemos parcialmente no nosso último seminário decompondo passo a passo a dinâmica das demandas e recusas entre analisando e analista Vamos retomála e vamos verificar a hipótese que não pude justificar na última vez e que era que do ponto de vista econômico isto é do ponto de vista pulsional a seqüência neurótica de transferência cons titui um destino específico de uma pulsão particular que chamo de pulsão fálica Disse no nosso último encontro que eu estava acrescentando uma nova pulsão às diferentes pulsões parciais já conhecidas mas pareciame que o trabalho que eu fizera sobre a alucinação na neurose de transferência me conduziu naturalmente a conceber a presença a existência de uma pulsão fálica particular cujo destino não é a sublimação mas justamente a neurose de transferência Mas anteriormente antes de abordar essa questão antes de entrar no seu centro vamos descrever rapidamente a clínica da neurose de transferência Esse momento transferencial doloroso essa seqüência de transferência que aparece no meio do tratamento em geral com porta todos os traços manifestos do actingout Na maioria dos casos esse fenômeno se manifesta primeiro por uma mudança quase imperceptível na atmosfera da análise Até então o primeiro entusiasmo dos dois parceiros da relação analítica deveuse à diminuição ou até ao desaparecimento dos distúrbios sintomáticos iniciais que levaram o paciente à consulta Prestem atenção a esse entusiasmo pois ele se verifica muito freqüentemente A diminuição dos sintomas nos torna entusiastas nos estimula a continuar O próprio paciente fica surpreso com os efeitos do trabalho que já fez Pois bem esse entusiasmo começa a declinar nesse momento Os conteúdos das associações do analisando referindose até então à sua vida atual e passada dão lugar pouco a pouco a referências mais imediatas à própria situação analítica à relação com o analista e até aos detalhes do consultório analítico É como se o paciente subitamente percebesse 82 Como trabalha um psicanalista onde ele está Pouco a pouco tudo o que acontece só tem interesse e realidade na medida em que isso pode ser referido ao analista Tudo é então centralizado em torno da sua pessoa O analista ocupa o universo inteiro do analisando Ele é esse universo Instalase então progressivamente um clima de tensão aguda tenaz e ao mesmo tempo precária Uma tensão que revela o caráter passional que a relação analítica assume Quais são os sinais típicos que nos permitem qualificar esse momento transferencial de actingout Há quatro sinais típicos o silêncio a mostração a petrificação e a angústia O silêncio se manifesta por uma parada das associações O analisando se cala mais freqüentemente do que antes e diz que não sabe de que falar São as sessões nas quais o analisando começa dizendo Não tenho nada a dizer Não sei Tenho a impressão de que tudo já foi dito A mostração se reconhece pela encenação de ligeiros conflitos com o analista conflitos que se iniciam em geral com interpelações por parte do analisando exigindo que o analista fale E em certos momentos mais agudos instigandoo a falar É você que tem que me dizer mas você não diz nada O que é que você pensa Faz muito tempo que você não fala etc A petrificação e a angústia designam principalmente um traço de estrutura Mas também designam um aspecto observável O analisando e muitas vezes o analista têm a sensação de estarem pregados imobilizados paralisados no lugar Aconteceme por exemplo ouvir analistas em supervisão declararem ao falar desses momentos trans ferenciais Não sei mais o que fazer Tenho a impressão de que se me movimento na poltrona ou se respiro de maneira audível o paciente se angustia O analista fica assim imóvel na sua poltrona sem mexerse para não suscitar a angústia do paciente Tudo isso são traços clínicos que servem para detectar esse momento transferencial doloroso Mas como explicar teoricamente a dinâmica da instalação da neurose de transferência Vamos agora ao nosso esquema da última vez que construímos segundo dois movimentos circulares Falamos do nível matricial e do nível da significação A seqüência dolorosa da transferência 83 No nível matricial desenhamos o deslocamento da pulsão e situamos o objeto da pulsão No nível da significação observamos que o objeto da pulsão estava recoberto pelo véu que situamos como sendo o falo imaginário Isso do ponto de vista clínico se manifesta pelo silêncioemsi o calarse interno do analista Dissemos que esse silêncio esse véu que recobre o objeto é a melhor maneira de representar de evocar o furo do objeto da pulsão Esse silêncio tem dois efeitos um efeito sobre o analisando e um efeito sobre o lugar do analista de instituir por acréscimo o lugar a instância do grande Outro interlocutor É na medida em que o analista faz silêncioemsi que sem procurar por isso ele institui a instância de um grande Outro de um grande Outro interlocutor ao qual o analisando vai dirigir as suas demandas Não voltarei a esse ponto Temos pois dois efeitos um primeiro efeito que é a instituição de um grande Outro interlocutor Dizemos grande Outro interlocutor também podemos chamálo na teoria lacaniana instância do Sujeito Suposto Saber Pareceme muito importante ressaltar que essa ins tância do grande Outro o Sujeito Suposto Saber não é o lugar que o analista ocupa Não é que o analista ocupe o lugar da autoridade O analista trabalha primeiro com o objeto com a reserva em si mesmo ele tem que pôrse em reserva E é na medida em que ele vai se confrontar com essa reserva em si mesmo que vai suscitar sem procurar fora dele sem saber essa instância do grande Outro inter locutor E já sublinhamos o fato de que essa reserva suscita cria demandas diversas de amor e de reconhecimento no analisando Demandas que enfatizo se dirigem então ao grande Outro interlocutor São demandas de amor mas não é o amor São demandas de reconhecimento É nesse nível no nível das demandas de amor dessas demandas de reconhecimento dirigidas ao Outro que podemos situar justamente o plano da sugestão É ali que vai situarse a transferência em geral a transferência imaginária Como eu já disse distinguimos duas transferências a transferência simbólica como uma estrutura da relação a transferência fantasística como momentolimiar no meio da relação analítica no meio do tratamento Nesse ponto introduzo uma terceira forma de transferência Não quis falar no início para não provocar divisão mas é justamente nessas 84 Como trabalha um psicanalista demandas de amor dirigidas ao grande Outro que vai situarse o nível da transferência imaginária ou o nível da sugestão Não desenvolveremos mais essa questão da sugestão ou da trans ferência imaginária porque não é o tema desta noite Apesar de tudo somos obrigados a dizer que é para lá que vão se dirigir as demandas ao grande Outro Mas a recusa isto é o silêncio continua a se manifestar e faz com que haja um retorno para o analisando Primeira recusa pois é o silêncio do analista que suscita as demandas do analisando demandas dirigidas ao grande Outro Recusas e retorno para si É então por ocasião da primeira recusa que vai abrirse que vai começar a seqüência dolorosa da transferência isto é que essa primeira recusa vai constituir o fator desencadeante da entrada do analisando na neurose de transferência O que esperam essas demandas de reconhecimento dirigidas ao grande Outro São demandas do falo O analisando demanda que lhe dêem que o reconheçam Mas pedir para ser reconhecido é pedir ao Outro que lhe dê o seu poder aquele que o analisando lhe atribui É demandar o falo imaginário Compreendase bem que quando dizemos primeira recusa não se trata de uma única recusa de uma única vez Esse silêncio é toda uma posição do analista Tivemos ocasião de dizer que o silêncio do analista não é um silêncio sistemático que não é somente um silêncio verbal Não é simplesmente não dizer nada com a boca o silêncio também pode operar falando Esse silêncio faz sentir a dimensão de reserva do véu que cobre o objeto da pulsão É aí que começa a abrirse a seqüência dolorosa da transferência pois o analisando nesse momento começa a deixar de referirse a si mesmo para ser progressivamente levado pela paixão por um afeto excessivo Nesse momento ele já não se dirige mais ao grande Outro dirigese ao analista ele mesmo transformado em falo Vamos resumir ele se dirige primeiramente ao grande Outro o interlocutor demanda de reconhecimento recusa A recusa faz com que o analisando dirija novamente demandas mas estas não são mais de reconhecimento Esses momentos são momentos de silêncio São momentos de inquietação e de angústia São momentos nos quais ele diz É a sua vez de falar São momentos em que ele exige e interpela o analista Não são mais demandas E há uma nova recusa A seqüência dolorosa da transferência 85 Identificação do Eu do analisando com o falo imaginário Como dissemos na última vez chameia de segunda recusa E é com essa segunda recusa que o analisando o Eu do analisando por assim dizer se identifica com o falo imaginário Ele demanda o falo Ao demandálo não recebêlo e não obter nada além de uma recusa ele se desaponta e se identifica com o falo Ele demandava o falo e agora depois da recusa da dupla recusa ele é o falo Ele se torna então o falo que lhe é recusado O Eu se identifica com a coisa que lhe recusam E acontece isto ele se faz falo imaginário e ao mesmo tempo se faz falo imaginário do grande Outro não mais como um interlocutor SujeitoSupostoSaber mas do grande Outro como Su jeitoSupostoDesejo Ele se faz o falo imaginário que pretende satisfazer o supostodesejo do analista Fazse o falo imaginário que pretende satisfazer o supostodesejo do grande Outro ou do analista Como teorizar essa identificação do Eu do analisando com o falo imaginário Aí está o elemento primordial do ponto de vista meta psicológico que explica a instalação da neurose de transferência Metapsicologicamente no momento da neurose de transferência o analisando está identificado com o falo imaginário que pretende saciar o desejo o supostodesejo do analista Como conceber essa identificação Podemos concebêla segundo diferentes níveis No nível da própria relação analítica estabelecese uma passagem singular que a expressão lacaniana histerização do discurso analítico define muito bem Lacan dizia histericização do discurso analítico porque considerava que em toda análise há um fenômeno de histericização em que é favorecida a histeria Essa expressão é bastante utilizada hoje mas nem sempre adequadamente em minha opinião Falicização do ser no analisando A identificação do Eu do analisando com o falo imaginário implica uma passagem do analista para o analisando da máscara da falta no analista para a máscara do ser no analisando A máscara da falta no analista é o véu falo imaginário que recobre o furo da pulsão Ao invés de dizer véu que recobre o furo da pulsão digo máscara que cobre a falta no nível do analista 86 Como trabalha um psicanalista Analisando Analista Figura 3 A máscara que cobre a falta corresponde a essa reserva interna difícil de definir por parte do analista e ao mesmo tempo existe uma disponibilidade O analista está nesse lugar de véu que mascara a falta e ao mesmo tempo está dissociado Isso significa que existe uma barra sobre o analista Ele está em reserva calase em si fica dissociado nele mesmo Pois bem esse véu essa máscara da falta se desloca para o Eu do analisando É como se o analisando dissesse já que você não me dá o falo eu o pego E o que ele pega na verdade é essa mesma máscara esse véu Mas há uma diferença no analista o véu cobre apenas a falta ao passo que quando este volta para o Eu do analisando cobre todo o seu ser Aqui o analista não é um falo imaginário não é um ser identificado com o falo imaginário Há essa reserva que evoca o furo da pulsão mas o seu ser não é inteiramente falicizado enquanto que por ocasião do processo de identificação na neurose de transferência o analisando identifica todo o seu ser com o falo com a máscara fálica imaginária que cobria a falta no analista Temos pois uma passagem da máscara do analista para o anali sando A máscara do analista cobre a falta o resto do analista é a parte dissociada Depois da dupla recusa depois da passagem a máscara recobre todo o Eu exceto um furo Em outros termos na neurose de transferência produzse no analisando uma falicização do ser Mas falicização do ser quer dizer ser totalmente falo ser falo em todo lugar Quando um analisando diz Por que você não me diz nada ou quando sai batendo a porta ou qualquer outra manifestação Furo da falta Véu que cobre o furo da falta Falicização do ser à exceção de uma falta A seqüência dolorosa da transferência 87 típica desses momentos de paixão ele está nesse momento inteira mente identificado com o falo exceto uma falta exceto um furo Essa falicização é exatamente o mesmo fenômeno que se produz na histeria É por isso que podemos falar de uma histericização do discurso analítico A histericização do discurso analítico é o momento no qual se instaura a neurose de transferência Essa identificação com o véu fálico com o véu imaginário essa falicização do Eu do analisando comporta um Gozo um Gozo fálico O Gozo fálico para Lacan se entende como Gozo de identificarse com o falo imaginário com todo o seu ser exceto uma falta Em outros termos o que é silêncio e reserva no analista se torna angústia dor e paixão no analisando O analista representa o indizível da dor e está dissociado Habitualmente dizse que o analista está no lugar do objeto Em geral eu diria antes que o analista nunca está no lugar do objeto No máximo o analista encarna representa um semblante um véu uma máscara daquilo que seria o objeto da pulsão isto é a insatisfação Essa é a função do analista evocar ao paciente pelo seu silêncio a representação da dor como se ele lhe dissesse Eu represento o indizível da dor Ele lhe diz isso não ao se calar ele pode falar Mas pode falar e sem que eu saiba exatamente como no tom da sua voz na maneira de expressarse na maneira de abordar o analisando ele deixa persistir deixa perceber que continua a representar o indizível da voz o indizível da dor Aliás se o analisando uma vez terminada a análise vai embora e vamos imaginar uma situação habitual alguém lhe pergunta Você foi inteiramente analisado ele responde Não Ser intei ramente analisado Isso não existe Sempre há uma parte nãoanali sável Pois bem a parte inanalisável em uma análise é justamente o lugar do analista Mas o analista não está no lugar do objeto Ele encarna evoca representa o objeto por uma série de atitudes dispo sições presenças difíceis de adquirir de reconhecer em si difíceis de habitar de ser habitado por elas e que evocam o indizível da dor Hoje isso é chamado assim o que me parece mais exato o indizível da dor Mas ao mesmo tempo simultaneamente o analista não está inteiramente nessa representação da dor Não está inteiramente 88 Como trabalha um psicanalista reduzido a isso Continua a saber até a reconhecer em certos mo mentos que no lugar que ocupa está efetivamente separado dividido dissociado Essa dissociação é muito importante no próprio nível da ética do segredo profissional Algumas vezes acontece que em certo momento da evolução do analista ele tem que ouvir pacientes que são eles próprios analistas e que lhe falam de coisas referentes a uma comunidade analítica da qual analista e analisando fazem parte E por vezes o analisando deseja dizer algo ao analista para informálo para que ele saiba Na verdade o analisando não sabe que o analista escuta e esquece que ele está dissociado Quero dizer que ele pode em uma sessão ouvir referências quanto a fenômenos que ocorreram em certas cir cunstâncias com detalhes referentes à comunidade analítica e ao mesmo tempo não se lembrar mais como se não soubesse disso Não sei se alguém aqui já teve essa experiência Eu a tenho muitas vezes Uma vez disse isso a um colega que me interrogava sobre essa questão Respondilhe que se eu tivesse que me lembrar de tudo o que me relatam e se além disso tivesse que analisar todos os fenômenos de conteúdo referidos à comunidade na qual vivemos esse trabalho seria impossível Eu próprio ficaria como muitos outros analistas completamente sem rumo É impossível e isso se deve justamente à dissociação Aliás lembrome de que o próprio Lacan disse isso várias vezes Imaginem Lacan e todas as pessoas que passaram pelo seu divã Não foram alguns da comunidade analítica foi a metade da comunidade analítica lacaniana que passou pelo seu divã Já imaginaram tudo o que Lacan sabia E no entanto ele continuava o seu trabalho como se não soubesse Não é porque ele fazia como se não soubesse mas porque verdadeiramente ele tinha uma parte de si que sabia e uma outra parte que não sabia Quero dizer que a incidência da dissociação não atinge apenas o nível da evolução de um tratamento mas também o nível de uma ética presente na comunidade que habitamos nós analistas Em que momento do tratamento aparece a neurose de transferência Um ano dois Para responder à sua pergunta quanto à temporalidade diria que efetivamente a neurose de transferência em média se apresenta ao fim de dois anos de análise Não se apresenta no primeiro ano A seqüência dolorosa da transferência 89 No primeiro seminário eu disse que a neurose de transferência já estava instalada desde as primeiras entrevistas É verdade Mas a maneira de manifestarse não tem a intensidade passional desse momento Esse momento na maioria dos casos na minha experiência talvez outros analistas tenham outra começa a se manifestar entre o segundo e terceiro anos de análise Não excluo que alguém diga que teve essa experiência a partir de alguns meses Reconheço que isso também me aconteceu mas pareceme que se pode dizer que essa fase de dois anos é a média no seio das quatro etapas que designamos entrevistas preliminares com a retificação subjetiva etapa do início da análise seqüência dolorosa da transferência que estamos trabalhando agora fase terminal É um modo de situar cada fase em relação ao conjunto do tratamento e o tempo que este dura Tudo está ali É a dificuldade principal O tempo que o tratamento dura depende do resultado Já disse que há três resultados possíveis o desfecho pelo qual a questão se cronifica e prossegue durante meses e até mais as vezes em que isso é evitado em que o limiar não aparece ou não é tão nítido quanto Freud descreve as vezes em que há ruptura de análise isto é o rochedo da castração Conforme os desfechos teremos uma duração diferente Em princípio desde a abertura há as demandas dirigidas ao grande Outro demandas de reconhecimento demandas do falo imaginário primeira recusa é então que o analisando começa a entrar na etapa em que não faz mais demandas de reconhecimento mas começa a exigir o amor sem rodeios a amar a manifestar o seu amor pelo analista E isso se dirige diretamente para a máscara da falta Então há a segunda recusa e instalase então plenamente a identificação do analisando com o falo imaginário Esse movimento que descrevo esquematica mente em teoria é claro na prática Dura meses São flutuações isto é há sessões que são muito agudas e segundo a maneira pela qual o analista intervém segundo a maneira de responder a essa paixão tenaz a essa paixão ao mesmo tempo obstinada e difícil de desenraizar isso vai produzir flutuações momentos altos e baixos É muito difícil precisar a sua temporalidade cronológica Vamos retomar Podemos ver essa identificação do Eu enquanto falo imaginário em diferentes níveis Há um nível de transferência um nível libidinal e um nível pulsional Primeiro nível o da trans ferência Nele reconhecemos a histericização do discurso Podemos dar a esse conceito de histericização de Lacan um outro sentido Aquele que dei aqui me parece o mais correto isto é o da falicização 90 Como trabalha um psicanalista do Eu Nível libidinal o do Eu Freud diz O Eu procura atrair para si essa libido orientada para os objetos e imporse ao Isso como objeto de amor É assim que o narcisismo do Eu é um narcisismo secundário retirado dos objetos Isto é uma citação dos Ensaios de psicanálise Quer dizer que o Eu se apodera da libido dos investimentos de objetos e se impõe como único objeto de amor do Eu Estamos falando em termos de amor de narcisismo e de libido para descrever esse fenômeno que chamamos falicização Quando dizemos no nível da transferência no nível libidinal no nível pulsional são diferentes maneiras de abordar o mesmo fenô meno mas cada vez que o abordamos de modo diferente também encontramos diversas perspectivas Em resumo nesse nível libidinal essa identificação do Eu com o falo imaginário se chama simplesmente narcisismo secundário Mas este não consiste apenas em amarse a si mesmo O Eu se ama a si mesmo como ama o falo imaginário do grande Outro Em outros termos o Eu se ama a si mesmo como ama o sexo O narcisismo não é amarse a si mesmo É amarse a si mesmo como se ama o sexo do Outro O Eu se toma pelo sexo do grande Outro e é ali que ele se ama É isso o narcisismo secundário e é um fenômeno que podemos descrever perfeitamente no nível da neurose de transferência Temos pois duas abordagens perfeitamente compatíveis na neurose de transferência a identificação do Eu com o falo imaginário é uma histericização e é um narcisismo secundário No nível pulsional O Eu acrescenta Freud quer também ser objeto de amor do Isso ou seja ele quer ser o objeto do reino das pulsões Tenho aqui uma belíssima citação de Freud em que ele compara o Eu com o analista Freud diz O Eu se comporta verdadeiramente como o médico num tratamento analítico recomen dandose a si mesmo ao Isso como objeto de libido e tentando derivar para si a sua libido isto é a libido do Isso O Eu se faz objeto da pulsão Em outros termos o Eu não só se identifica com o falo imaginário mas também quer ser o objeto de toda a libido pulsional que nesse momento está em jogo na relação analítica Freud o compara exa tamente como já fizemos com o lugar do analista enquanto véu enquanto máscara da falta Quer dizer que do ponto de vista das A seqüência dolorosa da transferência 91 relações transferenciais teremos histericização e passagem da más cara da falta para a máscara do ser Do ponto de vista libidinal é o narcisismo secundário Do ponto de vista pulsional o Eu se identifica com o falo imaginário e se faz objeto da pulsão Há aqui um retorno para a própria pessoa e uma inversão do objetivo ativo em passivo Essas duas coisas são dois destinos que explicam ou fazem compreender a identificação do Eu com o falo imaginário Logo o Eu se faz objeto da pulsão De que pulsão De uma pulsão que podemos qualificar de pulsão fálica precisamente porque o objeto dela é o falo imaginário Vamos ficar no nível da pulsão Dizer que o Eu identificado com o falo imaginário se faz objeto da pulsão equivale a afirmar três coisas inicialmente essa identificação narcísica do Eu com a imagem do falo é o derradeiro recurso do Eu para atingir dois objetivos por um lado manter a atividade da pulsão e por outro lado evitar o trans bordamento a aniquilação isto é evitar a loucura de um Gozo desmedido Quando um paciente é tomado levado por essa paixão da neurose de transferência há uma identificação narcísica o analisando se identifica com o falo imaginário Mas há dois objetivos fundamentais dois recursos um recurso para evitar tornarse louco e um recurso para manter a pulsão É como se ele dissesse Já que você não quer ser o objeto do meu amor muito bem é preciso que eu me mantenha a mim mesmo com todo o meu ser Com efeito o objeto da pulsão fálica é o Eu que se dá todo inteiro como alimento à pulsão para mantêla viva e ardente como brasas e ao mesmo tempo evitar o pior Como se o Eu se masturbasse não com o pênis ou o clitóris mas com todo o seu ser A falicização é isso Dizer que o Eu é objeto da pulsão fálica equivale a dizer que a pulsão goza do ser Mas isso não está bem formulado Ela não goza do ser Ela goza de algo mais preciso Afirmamos pois três coisas primeiro o Eu procura manter a atividade da pulsão e evitar o transbordamento Eis uma citação de Freud nos Ensaios de psicanálise que é exatamente a definição do Gozo do grande Outro O que o Eu teme do perigo externo ou do perigo libidinal do Isso não saberíamos precisar Ele diz Não sabemos Em contrapartida sabemos que é o transbordamento a aniquilação mas não podemos concebêlo analiticamente Em outros termos Freud está consciente de que o Eu teme o transbordamento 92 Como trabalha um psicanalista teme o Gozo transbordante desmedido do Isso Logo quer manter a atividade da pulsão com um Gozo parcial e evitar o Gozo louco desmedido Em seguida vamos fazer esta pergunta qual é o Gozo dessa singular masturbação do Eu Com que Gozo parcial se contenta a pulsão fálica A pulsão oral se contenta com o Gozo parcial de sugar A pulsão anal se contenta com o Gozo parcial de fechar e abrir o orifício anal de reter e expulsar A pulsão escópica se contenta com o Gozo parcial da vista o Gozo do olhar que significa abrir e fechar as pálpebras A pulsão invocante está ligada também ao Gozo parcial à abertura e ao fechamento da glote E qual é o Gozo parcial com o qual se contenta a pulsão fálica É o Gozo parcial de tudo isso das pulsões oral anal escópica invocante de todo esse conjunto e muito mais O Gozo parcial da pulsão fálica é o Gozo não do ser mas de fazer semblante de ser Não é gozar do ser mas gozar de exibir o ser de ostentar ser adornarse de ser Em suma gozar de mostrarse forte de mostrarse inteiro de mostrarse fálico É isso o que como Lacan chamamos de Gozo fálico O que é o Gozo fálico É o fato de investir todo o meu ser de falicizar todo o meu ser com a exceção de um furo Mas o que quer dizer falicizar todo o meu ser Quer dizer fazer com que me vejam mostrarme exibirme ostentarme ser no semblante de ser brincar de ser É a menina de cinco anos que brinca de ser menino que brinca de ser uma senhora Mas não é nem mulher nem homem Ela brinca de ser E é na brincadeira que reside o Gozo parcial dessa pulsão que chamo de fálica A pulsão fálica é o momento em que o objeto identificado com o falo imaginário é o próprio lugar em que ela se concentra em que todas as outras pulsões se reúnem como num feixe em torno desse Eu identificado com o falo A transferência é uma fantasia A última observação é que a identificação narcísica do Eu não é apenas o narcisismo secundário a histericização o objeto da pulsão A seqüência dolorosa da transferência 93 Lacan faz um jogo de palavras com os verbos parader ostentar e parer adornar NT é também uma fantasia A neurose de transferência responde exata mente à estrutura da fantasia compreendida como encenação da pulsão isto é encenação do desejo A neurose de transferência é a fantasia a encenação da pulsão fálica Afirmar tudo isso nos dá o sentimento de enumerar diferentes abordagens como num catálogo É como se diante da neurose de transferência nós a abordássemos a partir de diferentes perspectivas diferentes terminologias isto é a perspectiva libidinal narcísica pulsional a perspectiva da fantasia a perspectiva da histericização Mas sempre encontramos o elemento essencial que é a identificação do analisando com esse falo imaginário que pretende satisfazer a falta do supostodesejo do grande Outro Resta a questão do manejo técnico desses momentos transferenciais A leitura que fizemos do texto de Glover já nos dá uma idéia Ele diz Quando se produz a neurose de transferência sentimos subita mente que o solo falta sob nossos pés que não sabemos mais onde estamos e a que estádio do tratamento chegamos Glover define a maneira de perceber do analista no momento da seqüência transfe rencial como um abalo das suas convicções Fala das convicções dos postulados do analista e até diz o solo falta sob nossos pés Primeiro eu desejaria dizer que se deve partir do fato de que a neurose de transferência não é simplesmente um fenômeno que se concentra no analisando Ela comporta repercussões muito precisas no analista Repercussões que consistem em que nesse momento de instalação do analisando no lugar do falo imaginário o analista não sabe mais se deve deixar a reserva do silêncio deixar de ficar silencioso ou se pelo contrário deve silenciar mais do que nunca ou se deve interpretar Vocês sabem o que se diz habitualmente a interpretação é aquela da transferência Todos concordam nesse ponto Deveríamos dizer a primeira intervenção correta nesse momento é interpretar Mas o que ocorre com mais freqüência é que o analista por um silêncio dema siadamente instalado ou por intervenções excessiva e diretamente ligadas à relação transferencial seja o primeiro a nutrir cristalizar petrificar ainda mais esse momento da seqüência neurótica de trans ferência 94 Como trabalha um psicanalista Lendo Glover veremos que há todo um capítulo chamado As resistências do analista E lendo Lacan veremos que ele diz em A coisa freudiana a resistência é a do analista Já em 1925 Glover dizia que o problema fundamental para a neurose de transferência era o que ele chamava de As contraresis tências do analista Considerava que é a posição inoportuna do analista que leva o analisando a instalarse nela e não a evitála pois é um fenômeno que nunca se evita Eu diria que é um fenômeno inerente à própria estrutura da relação analítica e ao próprio quadro da análise Mas é verdade que certas intervenções do analista silêncio excessivamente tenaz e persistente intervenções que vão diretamente demais ao problema ou que são demasiado diretas no plano da transferência ao invés de romper as resistências para falar em termos antigos vão criar ainda mais resistência imobilizando fixando petrificando congelando o paciente naquele momento e naquele lugar Eis um exemplo das resistências do analista Creio que se há resistência do analista ela se vê claramente nessa fase da neurose de transferência A dor de existir a dor como falta Vamos falar agora da questão da falta O furo representa a falta em dois sentidos Primeiro um sentido clínico muito importante para as intervençõoes do analista quando o paciente se encontra nesse estádio há na verdade uma profunda dor O paciente é identificado ao falo imaginário e manifesta ódio cólera e amor De fato é muito diferente segundo o lugar que ele nos atribui Não é a mesma coisa ser amado apaixonadamente e ser apaixonadamente odiado De um certo ponto de vista imaginário ambos são paixões concordo Mas o analista ocupa dois lugares distintos No caso do amor o analista está no lugar do grande Outro relativo ao desejo No caso do ódio o analista está no lugar do grande Outro que goza e persegue É muito diferente embora falemos de amódio de ódio e de amor É verdade que desse ponto de vista é a ambiva lência que opera mas do ponto de vista do trabalho no momento dessas sessões o analista não está no mesmo lugar Quando há ódio sendo este das duas paixões a que mais se aproxima da falta é o que nos paralisa mais nesse lugar e no trabalho do psicanalista Quero dizer que a frase de intervenção que me ocorre A seqüência dolorosa da transferência 95 algumas vezes é Você não quer que eu o escute É como se fosse ele que dissesse Não quero escutálo Como se eu dissesse Você não quer que eu venha para esse lugar Você não quer que eu o escute É o ódio cego e você quer me cegar com esse ódio Mas por trás do ódio apesar da sua pretensão de me cegar eu constato eu sei que existe a dor Isso significa que por trás da falicização no interior dessa identificação do Eu com o falo imaginário há um núcleo da falta Lacan o teria chamado de objeto a que aqui assume claramente a figura da dor Os analistas de certas escolas como os kleinianos por exemplo falam de depressão tristeza ou até de melancolia Pessoalmente eu falaria de uma dor que não é necessariamente uma dor melancólica mas que existe realmente alguma coisa da ordem de uma dor Podemos pensar essa identificação não apenas como o objetoEu identificado com o falo objeto da pulsão que chamo de fálica mas também do ponto de vista da dor tratase da pulsão sadomasoquista Isso quer dizer que há efetivamente um masoquismo do analisando no fato de identificarse Mas permitamme acrescentar o que me parece muito importante a neurose de transferência num tratamento é um abrigo Contra que Contra o fato de diluirse Um analisando quando começa uma análise diz Estou pronto a me dar estou pronto para pensar Em outros termos Estou pronto para me diluir no inconsciente Depois isso se torna intolerável O penso onde não sou Penso lá no inconsciente Penso lá através da fala Penso lá nas associações Penso lá onde não sou Penso lá onde me dissolvo é intolerável Chega então esse momento de seqüência transferencial que nos lembra o actingout e que se pode com razão de acordo com o ensino de Lacan diferenciar como sendo o inverso É Sou onde não penso pois nesse momento da neurose de transferência o sujeito é mas não pensa Logo no começo da análise Penso onde não sou Isso se torna intolerável Pausa Sou onde não penso E é esse limiar que é preciso atravessar Penso onde Sou onde não sou não penso Início da análise Neurose de transferência Figura 4 96 Como trabalha um psicanalista Por que dizemos isso Para mostrar que a neurose de transferência é um fenômeno de Gozo É isso que devemos compreender Não é um fenômeno de paixão É um fenômeno de Gozo E esse gozo é um Gozo parcial É um Gozo breve É um Gozo local É um Gozo de mostrarse de ser sou aqui É como se o paciente dissesse Escute até hoje renunciei a ser renunciei a me identificar com o que eu digo agora não sou mais não suporto mais Quero que você veja que eu sou Quero que você me veja Quero me mostrar Quero ser para você Quero ser para alguém É verdade que a análise tem uma expressão que Lacan tomou por empréstimo de Sartre A análise tem essa dor de existir A dor de existir cessa justamente com essa identificação com o falo imaginário A dor de existir é a dor do penso onde não sou e cessa com sou onde não penso E em sou onde não penso ainda há a dor como falta Vamos referirnos ao termo fálico Quero que saibam que quando enuncio os termos o que ocorre primeiramente é que tenho a reticência a reserva de não apresentálos gratuitamente apenas porque eles advêm Pareceme importante con firmálos em um momento ou outro a partir de diferentes perspectivas até que eles pareçam ter uma maturidade suficiente para poder apresentálos num seminário por exemplo Da mesma maneira que aqui proponho a expressão pulsão fálica há muitos outros termos que não proponho mas que deixo à espera na gaveta A expressão pulsão fálica me parece correta Por que Primeiro existe um problema teoricamente falando o leitor de Lacan e de Freud se choca com textos difíceis Freud não distingue nitidamente nem sempre o amor da pulsão o narcisismo da pulsão Às vezes ele o faz outras não Na Metapsicologia por exemplo percebemos essa dificuldade em não distinguilos Mais tarde ele resolveu a questão e muitas correntes o seguiram e marcaram efetivamente a diferença entre narcisismo isto é o amor e a pulsão Disseram que eram dois níveis diferentes É absolutamente correto Mas parece que há um ponto em que narcisismo e pulsão convergem coincidem e é justamente e em primeiro lugar nesse momento da análise Mas ocorre no momento da neurose de transferência no qual o Eu do paciente se identifica com o falo que ele se faça objeto da pulsão Assim haveria aí um Gozo ligado à brincadeira de exibirse ostentarse mostrarse ser É muito particular e muito importante exatamente nas crianças Na realidade essa expressão foi confirmada A seqüência dolorosa da transferência 97 para mim de certa forma pelo trabalho com crianças Quando se vê a criança no estádio chamado fálico o fenômeno típico desse estádio fálico não é a masturbação não é manipular o sexo ou o pênis ou na menina considerar que o pênis do menino é maior e olhar o seu corpo no nível do clitóris O que me parece interessante nesse estádio fálico é todo o Gozo que as crianças têm brincando de ser o forte o fraco a mulher ou o homem Isso significa que há uma exibição do ser Ser o falo é mostrarse ser É isso que me parece justificar a denominação Gozo fálico Não chamaremos essa pulsão de sadomasoquista porque há dois Gozos aqui Há o Gozo da dor como falta por trás dessa dimensão da neurose de transferência E depois há o próprio Gozo da identi ficação que não é puramente imaginário Se estivéssemos apenas na imagem concordaríamos em não chamálo de pulsão nem chamar o Eu de objeto pulsional Mas como o Eu tem uma coalescência íntima com essa imagem derradeira que é a imagem fálica pareceme legítimo chamar essa pulsão cujo objeto é o Eu identificado com o falo imaginário de pulsão fálica Essas são abordagens que podem para alguns parecer abstratas Elas correspondem a certas maneiras de conceber algumas articulações da teoria O que acontece é que o Eufalo imaginário quer ser o objeto do supostodesejo do analista E a intervenção do analista no manejo desse momento transferencial está justamente nesse duplo nível inicialmente para separar a identificação do Eu do falo imaginário em seguida para intervir como corte entre o fato de se considerar como objeto do desejo do analista e o desejo próprio do analista Digo isso teoricamente o que é fácil Seria necessária uma maior precisão a respeito dos modos práticos de intervir 98 Como trabalha um psicanalista A contratransferência V A contratransferência Hoje vamos abordar o problema técnico da contratransferência De sejo começar dando uma visão de conjunto desse conceito técnico No ano passado criticamos a acepção vulgar do termo transfe rência compreendido simplesmente como a relação do paciente com o seu terapeuta Para criticar essa acepção geral consideramos que a transferência era antes de tudo uma neurose de transferência Assim situamos o momento de sua emergência no tratamento e ao mesmo tempo em que situamos essa segunda fase do tratamento demonstra mos o processo dessa neurose de transferência e indicamos par cialmente é verdade o seu manejo técnico isto é o que o analista deve fazer quando é confrontado com esse período com essa fase de neurose de transferência Voltarei à questão do manejo técnico da neurose de transferência Definição Mas hoje gostaria de falar da contratransferência Com essa palavra contratransferência acontece algo similar ao que ocorre com a palavra transferência Também esta é muitas vezes empregada num sentido excessiva mente geral para descrever o conjunto dos sentimentos e atitudes do analista para com o seu paciente Isso é o que se entende habitualmente por contratransferência Esse uso do termo é muito diferente daquele que estava na origem do movimento analítico Daí resulta uma confusão sobre o sentido preciso dessa noção Assim nesta noite 99 vamos examinar juntos o conceito de contratransferência à luz das primeiras formulações freudianas e tentar com Lacan darlhe uma significação mais correta Histórico Mas primeiramente para situar historicamente a questão da contra transferência vamos dividir esquematicamente a evolução da técnica psicanalítica de Freud aos nossos dias em quatro períodos Quatro períodos que se diferenciam segundo quatro tipos de ação do terapeuta É esquemático mas evidencia um salto fundamental Primeiro perío do a ação do terapeuta era extrair extirpar Segundo período a ação do terapeuta era conscientizar interpretar para tornar consciente Terceiro período a ação do terapeuta era interpretar as resistências Quarto período o dos nossos dias é o período atual que é o de ocupar o lugar do objeto da pulsão O primeiro período era o da catarse O terapeuta devia extirpar retirar um corpo estranho encravado no inconsciente do analisando ou mais ainda do doente Na época tratavase de um doente A ação do terapeuta consistia em provocar a descarga dos afetos ligados à idéia patógena inconsciente que estava na origem dos sintomas E a descarga consistia em tomar o caminho de uma lembrança alucinada Podemos fazer um esquema desses quatro períodos Primeiro período extrair Podemos fazer disso um simples esquema A idéia patógena está no centro a catarse é a maneira de descarregála Logo é preciso descarregar a idéia patógena pela catarse É muito simples Idéia patógena CATARSE Figura 5 100 Como trabalha um psicanalista Segundo período interpretar para tornar consciente Nesse mo mento que não durou muito tempo dois ou três anos Freud concebia a interpretação como uma proposta feita ao analisando de uma idéia semelhante análoga à idéia patógena que ele supunha oculta na psique do paciente Essa proposta essa espécie de interpretaçãoproposta dizia Freud permitiria encontrar por afinidade a idéia patógena verdadeira e atraila para o consciente não mais como lembrança alucinada mas como rememoração consciente Era a época da célebre recomendação que ainda hoje se acredita válida de tornar consciente o inconsciente O postulado do segundo período era sim ples a consciência do mal suprimiria o mal De acordo com esse segundo período era preciso conscientizar a idéia patógena ir ao inconsciente por atração por afinidade com uma idéia patógena semelhante proposta pelo analista CONSCIENTIZAR Figura 6 Terceiro período a interpretação propriamente dita Freud diz algo muito interessante afinal a tomada de consciência não surpreende por seus resultados e seus efeitos Ela não dá os resultados esperados Podemos fazer com que um paciente tome consciência do seu mal mas não é por esse caminho que esse mal desaparecerá E Freud faz um comentário importante para o nosso trabalho Existe uma estranha possibilidade da qual dispõem esses doentes de conseguir conciliar uma tomada de consciência um conhecimento do seu mal com a ignorância desse mal Em outros termos Freud diz Você pode fazer para ele as preleções que quiser darlhe todas as explicações para tornálo consciente do seu mal explicar tudo Entretanto o A contratransferência 101 recalcamento persiste Infelizmente ele é tenaz continua a ignorar a origem continua a recalcar a sua idéia patógena Antes de explicar esse terceiro período devo dizer que Freud nessa época já não chamava mais o núcleo patógeno de idéia patógena ele iria chamálo de desejo patógeno ou mais exata mente fantasia patógena termo com o qual trabalhamos e que utilizamos hoje Desejo ou fantasia recalcada logo inacessível à consciência em razão das resistências opostas pelo Eu Mas resistên cias a que Contra que o Eu resiste Resiste em experimentar o desprazer o profundo desprazer que a emergência do recalcado inconsciente significa A resistência é sempre resistência contra a dor Peçolhes que se lembrem disto resistir é resistir contra a dor Esta é a questão essencial da contratransferência De que tipo de resistência se trata Nessa época havia para Freud uma série de resistências À medida que a teoria analítica evoluía Freud propunha um conjunto de tipos de resistências Assim ao longo de sua obra ele falou da resistência do recalcamento ou mais exatamente resistências produzidas pelo contrainvestimento O que quer dizer isso Quer dizer que o Eu investe fortemente excessiva mente outras representações inconscientes Investe por outro lugar para desviar a energia psíquica Contrainveste Investe fortemente em outro lugar a fim de deslocar a energia encerrada na representação patógena Segundo tipo de resistência resistência do benefício pri mário e secundário da doença O paciente se apega à sua doença e luta contra o seu restabelecimento Terceiro tipo de resistência resis tência do Isso compreendida como a compulsão a repetir isto é persistir É a mesma produção mórbida que existia antes e que vai existir durante toda a vida do sujeito Quarto tipo de resistência resistência do Supereu na sua forma mais expressiva isto é o sentimento inconsciente de culpa manifestado pela necessidade do paciente de sofrer e continuar doente a fim de expiar um erro Em suma todas essas séries de resistência são destinadas a eliminar o jorro doloroso do inconsciente Mas nessa enumeração falta a mais importante das resistências a resistência de transferên cia A transferência é uma resistência enquanto neurose de transfe rência Com efeito a transferência é resistência enquanto o tratamento atravessa esse momento que no ano passado qualificamos de se 102 Como trabalha um psicanalista qüência dolorosa da transferência e que era para nós a expressão mais essencial da neurose de transferência Explicamos essa seqüência dolorosa da transferência através da identificação Explicamos que havia nisso uma identificação do Eu do analisando com o falo imaginário A resistência da transferência poderia traduzirse pela declaração seguinte que o analisando ou o Eu inconsciente do ana lisando faria Prefiro viver a dor da paixão transferencial prefiro experimentar essa insuportável paixão que me liga a você analista prefiro isso a sentir a dor da emergência imprevista do desejo incons ciente Se fizermos um esquema diremos terceiro período desejo pató geno e depois série de resistências que a interpretação deve suprimir para ter acesso ao desejo inconsciente Série de resistências Desejo patógeno Figura 7 A contratransferência Chegamos agora ao período atual É o período que vivemos atual mente na evolução da técnica analítica É nesse período que vamos encontrar o conceito de contratransferência É um período que carac terizarei por dois postulados fundamentais que regem a teoria da técnica que praticamos Primeiro postulado o núcleo patógeno que chamamos de desejo ou fantasia esse núcleo oculto no inconsciente e que era preciso extirpar do paciente na época catártica agora nós o encontramos no A contratransferência 103 exterior fora do analisando e o chamamos como Lacan de objeto do desejo objeto a ou ainda objeto da pulsão segundo a nossa exposição do ano passado a respeito do objeto enquanto atrator da libido Assim primeiro postulado o Eu recalcado está fora do ana lisando Segundo postulado esse lugar esse objeto excêntrico ao sujeito funciona à maneira de um atrator Eu disse há pouco que ele funciona à maneira de um atrator que atrai a libido para si a polariza em torno de si cria a transferência ou mais exatamente o nível matricial a matriz da neurose de transferência Pois bem esse objeto exterior fora do analisando que constitui o lugar que reservamos para o psicanalista permite a este definir a sua ação a partir de uma única recomendação que não é a de extirpar ou extrair como no primeiro período nem a de conscientizar e nem mesmo de interpretar mas de ocupar o lugar do objeto O objeto do desejo está no exterior e esse lugar exterior é aquele que o analista deve ocupar Tratase pois primeiramente de interpretar a resistência e depois de ocupar o lugar do objeto A ação do analista é a de tomar o seu lugar assumir a sua função Figura 8 Podemos precisar que outros autores especialmente anglosaxô nicos defendem a seu modo uma posição semelhante Também para eles o lugar do analista é o de um objeto situado fora do sujeito isto é a evolução da técnica analítica poderia resumirse em uma mudança radical do interesse do psicanalista num salto operado ao longo de cinqüenta anos digamos entre 1900 e 1950 Esse salto foi o seguinte Lugar do analista Objeto do desejo 104 Como trabalha um psicanalista no início o interesse estava dirigido para o paciente e para o corpo estranho que era preciso extirpar dele Hoje o interesse se dirige para o psicanalista e para as modalidades operadas para assumir essa função Marco a data de 1950 porque nessa época diferentes autores na Inglaterra nos Estados Unidos e na Argentina publicaram os primeiros trabalhos referentes à contratransferência Em 1950 apareceu uma série de artigos surpreendentes O primeiro era de Winnicott entre 194849 e até 1960 pois houve toda uma série Os primeiros artigos entre 1948 e 1953 sobre a contratransferência marcaram essa etapa Mas principalmente foi nessa época que Lacan começou a lançar as bases da sua teoria sobre a técnica Nessa época alguns lhe teriam pedido Falenos de todas as variedades possíveis de psicanálises Então Lacan intitulou o seu artigo como Variantes do tratamento padrão e fez uma piada como resposta à pergunta Devese fazer um tratamentopadrão ou não dizendo Uma psicanálise padrão ou não é o tratamento feito com um psicanalista Faço uma paráfrase da resposta de Lacan dizendo Uma psicanálise padrão ou não é o tratamento que se organiza segundo o analista ocupe ou não o lugar do objeto Esse artigo de 1955 Variantes do tratamentopadrão é intei ramente consagrado ao psicanalista A partir daí a relação analista lugar ficou localizada como o elemento decisivo num tratamento praticado hoje Qual é a ordem de subjetividade que o analista deve procurar em si mesmo para conseguir ocupar o do objeto lugar Em outros termos o que se requer da pessoa do psicanalista para assumir a sua função É uma pergunta que implica o fato de que nem todo mundo pode exercer essa profissão Por que nem todo mundo pode exercer essa profissão Porque pode haver controles que não sejam cumpridos para assumir essa função É em resposta a essa interrogação que surge entre outras a necessidade de dois conceitos um conceito maior e um conceito menor subsidiário secundário O conceito maior que responde a essa pergunta é o conceito de desejo do psicanalista O conceito lacaniano de desejo do psica nalista pode se definir como o fato de que o analista ocupe efetiva mente e segundo diferentes modalidades o seu lugar de objeto atrator Logo o desejo do analista seria o conceito maior que define a situação na qual o analista efetivamente ocupa o lugar do objeto A contratransferência 105 Depois há um conceito menor subsidiário criativo É o conceito de contratransferência O conceito de contratransferência de fine o conjunto dos obstáculos imaginários que se opõem a essa ocupação Logo se o desejo do analista designa o fato de ocupar efetivamente o lugar do objeto a contratransferência designa tudo o que se opõe a isso Por hoje vou deixar de lado o primeiro conceito desejo do analista pelo menos nas formulações explícitas para tratar apenas do segundo conceito menos importante de contratransferência Antes de estudar a fundo e mais precisamente o sentido do termo técnico contratransferência já percebemos através do pouco que dissemos que ao contrário do uso habitual o termo contratransfe rência se define não no interior da relação do psicanalista com o seu paciente mas no interior da relação do psicanalista com o lugar do objeto Logo a contratransferência não deve ser situada entre o analista e o paciente mas entre o analista e o lugar entre o analista e o lugar do objeto Nem todo mundo pode ser psicanalista Vocês acabam de fazer uma pergunta o que se requer da parte da pessoa do analista para assumir a sua função o seu lugar E pouco eu disse uma frase forte Dissea de passagem mas é muito significativo nem todo mundo pode ser psicanalista É preciso dizer isso na medida em que abordamos a prática da análise e sua teoria e particularmente a técnica com um máximo de rigor É uma questão muito extensa Ela afeta o campo ético o campo da formação Ela afeta diferentes questões Um autor que todos conhecem Sandor Ferenczi bem antes de 1950 isto é antes que Winnicott e Lacan refletissem nessa questão já evocara esse ponto Gostaria de lembrar um trecho célebre de um dos seus artigos publicado em 1928 Ferenczi diz Um problema até agora não estudado para o qual chamo a atenção é o de uma metapsicologia que está por fazer dos processos psíquicos do analista durante a análise Uma metapsicologia dos processos psíquicos do analista durante o seu trabalho Sua oscilação libidinal dizia Fe renczi mostra um movimento pendular que o faz ir e vir entre uma 106 Como trabalha um psicanalista identificação e um controle exercido sobre si mesmo Digo exata mente a mesma coisa que ele sua oscilação libidinal mostra um movimento pendular que o faz ir e vir entre uma identificação o amor do objeto na psicanálise e um controle exercido sobre si Logo identificarse e ao mesmo tempo confrontarse Durante o trabalho prolongado de cada dia o analista não pode abandonarse completamente ao prazer de expressar livremente o seu narcisismo e o seu egoísmo Não pode expressálos como faria na realidade em geral Só pode expressálos em imaginação e por breves momentos Ferenczi termina dizendo Não duvido de que uma carga tão exces siva como essa que dificilmente se poderia encontrar na vida exija cedo ou tarde o estabelecimento de uma higiene especial para o analista A partir dessa época 1928 e em grande parte graças à obra de Lacan que foi um dos primeiros a fazer um esforço extraordinário para responder à demanda de Ferenczi para que se estabelecesse uma metapsicologia dos processos psíquicos do analista o conceito de desejo do analista veio dar uma seqüência a esse texto de Ferenczi Depois houve muito progresso não só no nível da teoria mas também no nível da metapsicologia dos processos psíquicos do analista e igualmente muitas dificuldades quanto a essa higiene especial para o analista Precisamente em 1910 dezoito anos antes por ocasião do II Congresso Psicanalítico Freud fala pela primeira vez da contratrans ferência da qual Ferenczi faz menção aqui Esses textos nos quais menciona o termo de contratransferência podem ser contados nos dedos da mão e todos na verdade se situam no ano de 1910 Existem cartas e vou citar algumas Há um texto que se chama O futuro da psicanálise Se vocês lerem esse texto muito belo muito curto verão bem que há uma tranqüilidade uma segurança sobre o progresso efetivamente realizado Muitas coisas ditas ou apresentadas por Freud foram confirmadas Para confirmar justamente os progressos reali zados pela psicanálise Freud menciona por exemplo o avanço obtido com a teoria do simbolismo No nível técnico Freud fala de uma inovação ténica que ele chama de contratransferência Essa inova ção essa novidade técnica não era uma descoberta a mais da teoria da técnica mas antes a localização de um obstáculo que passara até então despercebido O progresso consistia na descoberta de uma falha de uma dificuldade onde nada se percebera até então Freud A contratransferência 107 propõe então a instalação de medidas adequadas para superar o obstáculo A contratransferência uma resistência do analista Freud descreve a contratransferência como o resultado das influências exercidas pelo paciente sobre os sentimentos inconscientes do analista Essa primeira definição está na origem de muitos sentidos con fusos de numerosas acepções turvas do termo técnico contratrans ferência Caso situemos essa única definição de Freud no contexto das conferências do Congresso de Nuremberg de 1910 não há dúvida de que a contratransferência é um obstáculo ou mais exata e rigo rosamente é uma resistência do analista Não há dúvida sobre esse ponto a definição é perfeitamente clara Algumas linhas depois para nos atermos às palavras do texto encontraremos a palavra resistên cia Mas Freud não reconhecia apenas que a contratransferência é uma resistência reconhecia também dois tipos duas espécies ou expressões típicas de contratransferência Numa carta de 1910 a Binswanger que nessa época estava próximo de Freud e mais tarde se tornou o analista fenomenólogo que conhecemos nessa carta assim como em uma intervenção que Freud fez no mesmo ano durante um debate da Sociedade Psicanalítica de Viena que se chamava Sociedade das QuartasFei ras porque essas reuniões se faziam nesse dia Freud utilizou a palavra contratransferência para advertir o analista contra a tentação de ligarse afetivamente ao seu paciente Contratransferência queria dizer para Freud naquele momento um modo errôneo de amar o analisando Eis o que ele escreve nessa carta destinada a Binswanger O que opera na relação com o paciente nunca deve ser um afeto imediato mas sempre conscientemente concedido e isso mais ou menos se gundo as necessidades do momento Conclui sua carta dizendo em certas circunstâncias podese conceder mais mas nunca tirando do seu próprio inconsciente É preciso pois reconhecer a sua própria contratransferência e superála Assim em 1910 nas reuniões da Sociedade das QuartasFeiras em um debate sobre o caso de uma criança Freud disse Enquanto o paciente se apega ao médico o médico está submetido a um processo 108 Como trabalha um psicanalista similar a contratransferência Essa contratransferência deve ser com pletamente superada pelo médico Só isso poderá tornálo senhor da situação E acrescentou Isso faz dele o objeto perfeitamente frio que a outra pessoa o analisando deve cortejar com amor O interessante é que o seminário de Lacan sobre a transferência que se chama A transferência e a disparidade subjetiva de 1960 é em grande parte o desenvolvimento de uma frase como essa Dita dessa maneira essa frase nos surpreende mas é a posição que Freud tinha na época Se esse amor impróprio essa maneira errônea de amar o anali sando é uma das duas contratransferências características detectadas por Freud já nessa época a outra forma típica de contratransferência é o saber Uma é o amor a outra o saber ou melhor o saber préconsciente O saber que leva o analista a escolher o material que vai interpretar ao passo que pediu ao paciente com a regra funda mental que renunciasse à censura Ele disse ao paciente Deixe vir a mim todos os pensamentos que lhe vêm à cabeça Não escolha O analista disse Freud também não deve escolher o material que vai interpretar O psicanalista e a surpresa Um comentário voltando à nossa época atual não é exatamente dessa maneira que eu trabalho por exemplo Existe um texto de Freud que é importante ler e conhecer no qual ele insiste ainda e nisso devemse marcar bem as diferenças porque elas não concordam com a prática de certos analistas em dizer que o analista não deve ter um plano preconcebido para a sua ação deve ficar aberto ao inespe rado deve estar pronto para deixarse surpreender para surpreender se Naturalmente essas palavras também são as minhas estar pronto para a surpresa para o espanto para o imprevisto não ter plano preconcebido É exato Mas se baseiome em outros textos de Freud há como que uma contradição aparente Por exemplo ele escreve a Abraham Atenção Esteja atento a tudo o que aparece na superfície psíquica do seu paciente Esteja atento aos complexos atento às resistências Atenção Atenção Por um lado ele diz ao analista que não deve escolher e por outro que deve estar atento alerta e pronto para saltar sobre o material A contratransferência 109 A posição correta não é nem uma nem outra Seria preciso ver o analista num trabalho prático em plena sessão de análise Não sei se é satisfatório mas de qualquer forma é preferível pensar que o analista deve ter uma hipótese de bolso É preciso que durante um período do tratamento durante certas sessões ele parta para a escuta do seu analisando com uma hipótese relativa parcial e provisória sobre aquilo que está ocorrendo ou sobre aquilo que ele pensa que deve ocorrer Há muito tempo sabe que deve escutar os derivados incons cientes Isso não o impede de estar disposto para a surpresa de estar aberto para o imprevisto para o acontecimento o inesperado o espanto e para poder deterse e interrogarse quando da emergência desta ou daquela incidência inconsciente Voltemos a Freud em uma época anterior Efetivamente para Freud há duas formas típicas de contratransferência o amor mal concedido e o saber excessivamente aplicado Desde a época dos primórdios da psicanálise entre 1910 e 1950 são quarenta anos de silêncio E desde 1950 até hoje desde Winnicott até um artigo publicado no International Journal de 1986 intitulado A reelaboração do conceito de contratransferência a questão con tinua atual Todos os autores que estudaram essa noção de contra transferência concordam em considerar que a contratransferência é uma resistência um obstáculo O problema começa quando se trata de definir a natureza desse obstáculo quando se trata de tentar compreender em relação a que a contratransferência constitui um obstáculo Que elemento a resistência contratransferencial desejaria evitar O problema começa quando nos preocupamos por exemplo em distinguir a resistência da transferência da resistência da contra transferência Temos aqui as três perguntas que vamos retomar Qual é a natureza da resistência da contratransferência Qual é a diferença entre a resistência da transferência e a resistência da contratransferência E enfim que elemento a resistência contratransferencial desejaria evitar Aspectos clínicos da contratransferência duas correntes teóricas Mas antes de abordar essas perguntas vejamos sob que forma concreta se apresenta hoje a contratransferência 110 Como trabalha um psicanalista Desejo fazêlos perceber de maneira mais viva quais são os fatos quais são os aspectos práticos sob os quais se apresenta a contratrans ferência A partir da primeira reflexão de Freud em 1910 vão ordenarse duas linhas duas correntes teóricas A primeira corrente identifica a contratransferência com o con junto de toda a personalidade do psicanalista que visa o conjunto das reações sentimentos pensamentos atos relativos à pessoa do analista diante do paciente É uma primeira corrente que concorda com a idéia excessivamente genérica usual vulgar que temos da contra transferência tudo o que acontece com o analista diante do seu paciente Essa corrente é representada especialmente por Paula Hei mann e Winnicott porque foram os primeiros a abordar a questão dessa maneira Essa corrente propõe já nessa época considerar cada uma das vertentes da personalidade do analista diante do seu paciente como uma eventual fonte de interpretações destinadas ao analisando Chamam isso de instrumentalizar a contratransferência isto é transformar as sensações os pensamentos os atos do analista em um instrumento destinado ao tratamento Nisso certamente seguiram o que Freud fizera com a transferência Freud fizera a mesma coisa No começo ele diz A transferência é uma resistência um obstáculo A paixão transferencial detém o analisando no fluxo de suas associa ções no seu trabalho nas suas possibilidades de fazer emergir o inconsciente E depois acrescentou no célebre texto da Dinâmica da transferência Mas na verdade a transferência é também o motor do tratamento porque é somente em condições de transferência que uma interpretação tem a possibilidade de ser recebida e que o analisando tem a possibilidade de ser efetivamente convencido do valor da intervenção do analista Logo a transferência seria resistência no começo e depois motor Vertente negativa vertente positiva da transferência Esses autores aplicaram a mesma coisa à contratransferência Eles dizem A contratransferência é uma resistência mas é também um instrumento positivo uma ação eventual a ser levada para o seio do tratamento É preciso declarar ao paciente durante esse momento o que se sente o que se vive o que se experimenta diante de si próprio Os exemplos que a maioria dos autores dão da contratransferên cia consistem em sentimentos excessivos de amor ou de ódio para com o paciente devaneios eróticos com ele Os impasses sentidos A contratransferência 111 pelo analista que o tornam completamente refratário ao dizer do paciente as condutas de onipotência narcísica uma certa arrogância uma certa vaidade uma certeza uma segurança excessivas atitudes pedagógicas Também se podem tomar como forma de contratransferência todos os erros técnicos que aparecem como expressões contratransferenciais O artigo de Winnicott que se intitula A reelaboração do conceito de contratransferência publicado no International Journal de 1986 fala justamente disso Que erros técnicos Erros técnicos cometidos independentemente da formação do psicanalista por exemplo a falta de uma palavra esperada ou ao contrário uma palavra proferida em tempo inoportuno silêncios impróprios excessivos mal situados intervenções comuni cadas ao analisando em linguagem demasiado técnica ou intelectual etc isto é o conjunto das manifestações tipicamente contratransfe renciais A maioria dos autores reconhecem perfeitamente isso como expressões contratransferenciais Mas como explicálas Como situá las em relação a que eixo teórico Em relação a que problemática É aqui que começam as dificuldades Depois é preciso fazer distinções no interior desses fenômenos que acabo de mencionar A outra corrente é representada por autores como Margaret Little que é uma boa representante dessa linha Esses autores reduzem ao contrário o campo da contratransferência às manifestações exclusi vamente inconscientes do analista como pode ser um sonho no qual aparece o paciente Se um analista sonha com seu paciente eles dirão que se trata de uma manifestação contratransferencial Ou em mo mentos raros mas importantes de percepções visuais escópicas olfativas auditivas cenestésicas ou táteis por parte do analista que podem ser consideradas são minhas palavras como percepções inconscientes no analista do inconsciente do paciente Digo que são palavras minhas mas na verdade existe um artigo que foi comentado durante uma de nossas reuniões do Seminário restrito em que Margaret Little declara Meu inconsciente percebeu inconsciente mente o inconsciente do paciente Logo temos duas linhas a contratransferência é o conjunto de todas as reações do analista diante do seu paciente ou a contratrans ferência é unicamente a percepção direta e inconsciente por parte do analista do conjunto das manifestações das emergências do incons ciente do paciente 112 Como trabalha um psicanalista Qual é a nossa posição Para responder e fazerlhes uma proposta eu diria para começar que é uma proposta que faço com Lacan Prefiro explicarme abordando o problema por um outro viés É o viés das perguntas que fizemos acima isto é qual é a natureza da resistência de contratransferência Que diferença existe entre a resis tência da transferência e a resistência da contratransferência Contra que força luta essa resistência A transferência é ocasionalmente uma resistência que se mani festa por exemplo através de um silêncio tenso que detém brusca mente o fluxo das associações do paciente É um momento típico da resistência de transferência relativo ao momento em que o paciente detém as suas associações Freud diz Nesse momento pode estar certo de que o paciente pensa em você e se não pensa mentalmente em você é a você que esse silêncio se refere É um silêncio de transferência O que Freud chama de resistência ou então mais geralmente todo esse período de resistência de transferência que designamos com a expressão seqüência dolorosa de transferência na qual o paciente preferiria não ter mais que falar de si mesmo não é uma pausa mentalmente destinada às associações mas um período uma fase que explicamos pela identificação do Eu do analisando com o falo ima ginário suposto no analista Fórmula que demos Não falo não penso onde sou o falo imaginário Do mesmo modo a contratransferência é também uma resistência um obstáculo que confunde incomoda e perturba o trabalho de escuta do analista Voltaremos depois ao elemento contra o qual a contra transferência é um obstáculo Diferenças entre resistência de transferência e resistência da contratransferência Entretanto as duas resistências a de transferência e a da contratrans ferência são radicalmente distintas e heterogêneas Aparentemente essas duas perturbações a da transferência e a da contratransferência por exemplo o silêncio no paciente no momento em que este fala e um sentimento de amor ou de ódio excessivo do analista por seu paciente essas duas resistências têm um traço comum Elas surgem no analisando ou no analista sem que o sujeito saiba Isto significa que esse silêncio se apresenta além de toda intenção e esse A contratransferência 113 sentimento excessivo também se apresenta além daquilo que o próprio analista pode compreender Mas num caso tratase de uma resistência que faz parte do inconsciente enquanto que no outro caso tratase de um derivado deformado e indireto do inconsciente No caso da resistência de transferência estamos diante de uma resistência que faz parte do inconsciente isto é de uma resistência que é uma verdade ou melhor uma meiaverdade Surgimento do Sujeito do inconsciente Por que isso uma verdade Porque essa resistência significa a exis tência nesse momento no exemplo do silêncio no momento em que o paciente se detém detém o fluxo das associações nesse mesmo momento esse silêncio é uma verdade Por que é uma verdade Porque esse silêncio vem significar o nascimento a gênese a geração a constituição do Sujeito do incons ciente Isso quer dizer que há ali nesse momento mais do que um silêncio há uma emergência do inconsciente É exatamente no mo mento da resistência de transferência que o Sujeito se constitui Isso quer dizer que o inconsciente se produz e se estrutura O Sujeito nasce com o corte Há emergência do inconsciente no exato momento do aparecimento da resistência de transferência Ao passo que no caso de que tratamos a resistência da contra transferência não é uma verdade nem mesmo uma meiaverdade É simplesmente um erro Retomando o nosso vocabulário habitual diremos que num caso a resistência de transferência faz parte do inconsciente é uma verdade um significante No outro caso a resistência da contratransferência ela não faz parte do inconsciente diremos que é uma imagem A resistência de transferência A resistência de transferência é um significante A resistência da contratransferência é uma imagem e como toda imagem é uma falsa imagem Mas com que critérios estabelecer essa distinção Por que dizer que uma coisa é significante e a outra imaginária Com que critérios 114 Como trabalha um psicanalista dizer que uma coisa é verdadeira e a outra um erro Com um único critério a partir do momento em que o analisando se engaja na sua análise sob a égide da regra fundamental Fale ou Estou escutando a partir do momento em que se submete à escuta do analista toda manifestação que ultrapasse o sujeito poderá ser consi derada como sendo um significante que representa o seu inconsciente diante de um outro significante encarnado pelo campo aberto da escuta do analista ou com mais exatidão pelo campo aberto do conjunto infinito das interpretações possíveis A resistência de transferência é significante porque simplesmente ela é interpretável A resistência de transferência é sensível suscetível de interpretação Ao contrário a resistência da contratransferência é uma imagem uma representação préconsciente Ela não é um signi ficante não é uma verdade não se oferece à interpretação Não representa o sujeito como diria Lacan para um outro significante Ela representa algo para alguém exclusivamente para o analista Isso significa que sou eu analista que terei uma chance eventual de me autoanalisar e dizer a mim mesmo Tenho sentimentos excessivos para com meu paciente Mas essas manifestações que me ultrapassam não se oferecem à eventualidade lógica da interpretação Em resumo o analista está só fundamentalmente só diante das suas próprias reações contratransferenciais E é então que intervém a ação da autoanálise Freud dizia Para suprimir para temperar a contratransferência autoanalisemse Analisem os seus sonhos Ha bituemse a pensar nos seus sonhos E acrescenta Não basta autoanalisarse Além disso é preciso que os analistas façam análise É preciso que os analistas também eles façam uma experiência analítica mesmo que não estejam sofrendo Foi a escola de Zurique que teve a idéia de propor a Freud a análise didática como meio de fazer essa higiene especial de que falava Ferenczi Mas quando digo que o analista está só diante das suas reações contratransferenciais não existe apenas a autoanálise isto é o exer cício de pensar nos seus sonhos e em suas manifestações inconscientes não existe apenas a análise didática existe também a ação da super visão Há um ponto a trabalhar no que se refere ao problema da supervisão Penso que se deve abordar o tema da supervisão pelo viés da contratransferência O trabalho de supervisão seu material não se refere apenas ao paciente do qual o analista fala mas também às A contratransferência 115 reações contratransferenciais do analista Digamos que são os três meios autoanálise análise didática e supervisão que existem não para suprimir a contratransferência mas para orientála a fim de favorecer o acesso do analista ao seu lugar de objeto Nossa posição sobre a contratransferência uma questão de ordem ética Desejo terminar fixando a nossa posição Ela não é a da corrente que considera a contratransferência como o conjunto das reações da pessoa do analista Também não é a que chama de contratransferência as manifestações especificamente inconscientes Creio como Lacan que se trata de uma questão de ordem ética Então proponholhes a seguinte posição concordaríamos com o primeiro grupo de autores incluindo sob o termo de contratransferência todas as reações do analista durante um tratamento e aparentemente aparentemente insisto referidas ao paciente mas com as seguintes condições primeiro considerar essas reações do analista como reações imaginá rias diante de si mesmo essencialmente egóicas e não diante do seu paciente Depois considerar que é preferível calar essas reações não comunicando o seu conteúdo ao paciente isto é não instrumentali zálas Sobre esses dois pontos nós nos opomos à corrente que diz todas as reações do analista sua instrumentalização Nossa posição é certas reações narcísicas imaginárias egóicas não instrumenta lizálas A angústia do analista signo da iminência de um perigo De toda a lista que fizemos das manifestações contratransferenciais privilegiamos uma que está na base de todas as reações de todas as resistências de contratransferência É a angústia do analista A angústia nem sempre consciente é ao mesmo tempo a marca aguda o signo da iminência de um perigo para o analista Esse perigo é duplo o primeiro é o perigo que significa para um analista o temor que ele tem a hesitação o medo de aprofundar a análise de impulsionar e conduzir o analisando de acompanhálo na travessia e na vivência da seqüência dolorosa da transferência 116 Como trabalha um psicanalista Ele tem medo e se angustia porque essa experiência é uma prova dolorosa não só para o paciente mas é também uma prova dolorosa para o analista e nada garante que essa prova tenha um resultado favorável É o que Freud chama de rochedo da castração Nunca estamos certos de poder contornar esse rochedo atravessálo e passar para outra etapa Logo a angústia surge diante da possibilidade de levar um analisando a atravessar essa prova Um outro perigo provoca a angústia do analista é o de ter que ocupar efetivamente o lugar do objeto Mas o que significa para ele ocupar efetivamente o lugar do objeto Há pouco no início dei uma primeira definição de contratrans ferência Eu disse a contratransferência é o conjunto dos obstáculos imaginários que se opõem à acessibilidade do analista à ocupação do seu lugar Pois bem o analista pode ocupar esse lugar do objeto de diferentes modos Diria que há três modalidades de ocupar esse lugar uma das modalidades é ocupar o lugar do objeto fazendo como o objeto lembrando o objeto mimetizando o objeto ocupando o véu do objeto o que Lacan chama de semblante do objeto É fazer silêncio É o primeiro modo de ocupar o lugar do objeto Eu disse fazer silêncioemsi Se ocupamos esse lugar do objeto existe então uma chance para que haja interpretação Correta ou não isso é outra questão Toda interpretação é inexata ou incompleta Ocupar o lugar do objeto quer dizer primeira variante vir ao lugar de véu do objeto através do silêncio o silêncioemsi de modo a estar em condições para intervir através de uma interpretação O outro modo de ocupar o lugar do objeto é o que significa a partir da nossa prática do nosso saber da nossa teoria ocupar o lugar do objeto alucinandoo É ocupar o lugar do objeto não fazendo silêncioemsi mas percebendoo inconscientemente através de uma percepção alucinatória do objeto É perceber alucinando mentalmente a partir do silêncioemsi a dor psíquica do paciente do outro Essas experiências são o reflexo como diz Freud de um contato imediato do inconsciente do analista com o inconsciente do paciente Não se trata de uma comunicação de inconsciente a inconsciente embora isso tenha um certo valor Não renego totalmente essa fórmula aliás Lacan também não a renegava embora em certos momentos a criticasse mas continuava a seguila Encontramos por exemplo uma frase curiosa na qual ele reconhece o valor de uma fórmula como a da comunicação dos inconscientes Mas não digo comunicação dos inconscientes Digo é a experiência da alucinação como sendo uma A contratransferência 117 percepção inconsciente alucinada da dor psíquica do seu paciente É uma manifestação direta imediata aguda do desejo do inconsciente É disso que o analista tem medo É com esse perigo que ele se angustia É isso o medo que o analista sente que percebe como um pressentimento É contra esse perigo que um pensamento contratrans ferencial intervém Pensando na contratransferência ocorreume a imagem do analista como jogador de tênis É simples Temos o paciente e o analista Os dois jogam tênis A bola é o objeto Em certo momento o analisando manda a bola para o analista como uma brincadeira mas é uma verdade O analista no momento em que a bola chega se angustia Subitamente ouve alguém que o chama de fora do campo Virase e deixa a bola passar É o apelo Ele se angustia larga a raquete e deixa a bola passar Pois bem a contratransferência é o apelo O desejo do analista é a raquete e o perigo é a bola o objeto Esse perigo não é sempre mentalizado nem sempre explicitado formulado Penso que o fato de pressentir essa experiência de ocupar efetiva mente de modo agudo o lugar do objeto depende da formação do analista da maturidade do seu trabalho da sua maturidade na profissão Para mim com todos meus anos de experiência é o que considero como o perigo contra o qual um analista é sempre obrigado a lutar na sua prática Esse perigo toma então outra forma O analista pensa Se ocupo esse lugar enlouqueço desintegrome dissolvome des façome e do ponto de vista físico fico doente Não posso pegar a bola no pulo A prática da análise trabalhar como analista implica levar o paciente até onde pudermos mas não além do limite em que afetamos expomos a nossa integridade mental e física É o medo de ficar louco seja pelo trabalho seja pelo paciente Falo dessa maneira mas não sei se podem me compreender Certamente podem ouvirme com o ouvido mas não sei se me ouvem se me escutam do ponto de vista do seu trabalho Para que me ouçam é preciso que o que eu digo vocês já o tenham dito a si mesmos Se não o disseram não me ouvirão Escutar alguém é isso Não é escutar alguém que me fala mas é escutar alguém que me diz o que eu já me disse ou o que o outro já me disse O que ouço apenas repete põe em relevo o que eu já me ouvi dizer De qualquer forma este é um seminário sobre a técnica psicana lítica É meu papel a partir do lugar que ocupo fazer esse trabalho de ensino de transmissão da psicanálise e devo ir até o fim com 118 Como trabalha um psicanalista muita precaução Não digo tudo o que penso podem acreditar Há coisas que eu teria a dizer mas não sei que efeitos elas poderiam provocar É assim que entendo o que há a dizer a formular explici tamente sobre essa problemática contratransferencial do analista Nesse ponto vamos nos deter Há outras questões que ficam em suspenso Nós as retomaremos na próxima vez Respostas às perguntas Uma intervenção de tipo sugestivo não poderia ser considerada como uma manifestação contratransferencial Efetivamente também há autores que consideram que uma versão contratransferencial típica não é simplesmente cometer erros técni cos mas é fazer intervenções de tipo sugestivo ou de ordem sugestiva Entendase a sugestão como condutas de onipotência ou narcísicas por parte do analista Por exemplo a sugestão na qual o analista toma o lugar exerce o poder que a consciência e a autoridade atribuídas pelo analisando lhe confiam Efetivamente podese considerar que as intervenções de tipo sugestão são reações contratransferenciais desde que ele as faça que ele proceda sem saber o que faz Porque a questão é a seguinte O termo resistência quer dizer não saber o que se faz A resistência comporta sempre uma ignorância mais exatamente há resistência de contratransferência quando se trata de uma resistência de tipo préconsciente ao passo que a resistência da transferência é fundamentalmente uma resistência inconsciente Uma resistência préconsciente de contratransferência seria uma sugestão que o analista faz sem saber que ela é operante Aliás a esse respeito existem questões interessantes para distin guir fazer a diferença através da sugestão entre psicoterapia e psicanálise por exemplo A contratransferência 119 A contratransferência e o lugar do analista VI A contratransferência e o lugar do analista Esta noite vamos concluir o estudo do problema da contratransferên cia abordando mais diretamente a questão do lugar do analista o que nos levará naturalmente ao tema da interpretação Ao preparar o seminário de hoje principalmente a segunda parte tive a impressão de que me perguntava constantemente se conseguiria lhes transmitir expressando da maneira mais próxima à minha prática e de modo a que os presentes possam fazer sua essa questão do lugar do analista Pensando nisso encontrei uma citação de Heidegger que exprime muito bem esse sentimento Entretanto aquele que ensina deve algumas vezes falar alto até gritar e gritar mesmo quando se trata de ensinar algo tão silencioso como o pensamento Nietzsche um dos homens mais tranqüilos e mais inclinados à timidez conhecia bem essa necessidade Ele experimentou todo o sofrimento de ser obrigado a gritar E Heidegger termina dizendo Por um lado é preciso gritar se quisermos que os homens eu diria os analistas despertem por outro lado e essa era a minha preocupação hoje à tarde não é gritando que o pensamento pode dizer o que pensa É uma frase formidável de Heidegger que diz bem o sentimento que eu tive ao preparar o seminário de hoje Logo compreenderão por que eu tive essa preocupação Em resumo Na última vez assinalamos a nossa divergência em relação a certas teorias especialmente as teorias anglosaxônicas que conceitualizam 120 a contratransferência como um conjunto muito geral no qual é incluída a totalidade das atitudes dos comportamentos conscientes e incons cientes do analista para com o seu paciente Algumas delas são também teorias que aconselham a utilização dessas manifestações contratransferenciais como material a comunicar ao analisando à maneira de interpretação Nossa posição é muito diferente Primeiro não consideramos a contratransferência no eixo da relação analistaanalisando mas segundo outro eixo muito mais problemático a relação do analista com o seu lugar Depois no nosso último encontro consideramos que essas ma nifestações contratransferenciais não eram globais mas nitidamente específicas e determinadas e que também não eram necessariamente a fonte a partir da qual podiam nascer uma interpretação ou uma intervenção psicanalítica Assim definimos a contratransferência como o conjunto das produções imaginárias do analista que o impedem de ocupar o seu lugar de objeto de objeto atrator na transferência Digo lugar do objeto atrator mas Lacan teria pronunciado a fórmula o sintagma a expressão lugar do desejo do analista Ao invés de dizer lugar do objeto atraente Lacan teria dito desejo do analista expressão que ele utilizou constantemente ao longo da sua obra durante vinte anos e que nunca abandonou Como se pode definir o desejo do analista Desejo do analista insisto sempre deve ser compreendido não no sentido de um desejo experimentado pelo psicanalista mas no sentido de um lugar um local uma região um ponto singular e impessoal no seio da estrutura da relação analítica O desejo do analista é um ponto singular é um local um ponto que qualificaremos de atrator Se pensamos na sua função de atrator é um ponto que causa atrai suscita provoca o desenvolvimento da transferência da neurose de transferência Um ponto que qualifica remos hoje de ponto de mira Tratase precisamente de um ponto de mira se o pensamos como o lugar em que o analista deve se situar para ser capaz de operar como analista Dizemos mesmo o lugar do analista é objeto atrator se se deve pensálo como a causa da transferência Logo desejo do analista retomando a expressão de Lacan ou ponto de mira se A contratransferência e o lugar do analista 121 quisermos pensálo como o lugar aonde o analista deve ir o ângulo no qual ele deve se situar se quiser ser capaz de operar O que é operar É interpretar perceber e causar o inconsciente Mas de que natureza é esse lugar do analista para que o seu acesso desperte nele reações contratransferenciais Por que há contratrans ferência Por que o lugar do analista é sentido como um perigo cuja proximidade faz os obstáculos se erguerem Antes de responder quero lembrar esquematicamente as três classes de manifestações contra transferenciais A primeira é o saber considerado como sendo a compreensão do sentido das manifestações do analisando a apreensão de um sentido segundo certos objetivos que o analista fixa objetivos teóricos de cura de estudo Segundo esses objetivos ele aplica escolhas elege classifica o material escuta certas palavras deixa outras segundo um certo saber A segunda classe das manifestações contratransferenciais é a paixão isto é o amor ou o ódio a atração erótica ou a aversão sensual por exemplo o odor Há analisandos de quem não gostamos por seu odor sua postura sua presença Há reações sensíveis sensuais no analista que consideramos como fazendo parte das reações con tratransferenciais E finalmente a angústia que enfatizamos na última vez como sendo a expressão mais franca mais pura diríamos até a mais saudável a mais madura da contratransferência do psicanalista Evidentemente qualquer uma dessas três classes de manifestações quer se trate do saber da paixão ou da angústia é não apenas um obstáculo ao acesso do analista a esse lugar mas ao mesmo tempo é também um anúncio um signo que indica a sua proximidade A errância contratransferencial seria o singno certo da iminência de um perigo ou antes o signo do posicionamento do analista no seu lugar Digo signo para explicar que o analista pode pressentir que está no limiar de um acontecimento Por exemplo se percebe que está angustiado Às vezes ele não percebe a não ser que perceba que é o analisando que assim se encontra Na verdade a angústia do analisando não é mais do que a própria angústia do analista que lhe foi transmitida É mais freqüente reconhecer a nossa própria angústia no outro do que reconhecêla em nós mesmos embora acreditemos habitualmente que a angústia é algo que sentimos em nós Muitas vezes a angústia do analisando é a angústia do analista deslocada situada projetada no analisando 122 Como trabalha um psicanalista A contratransferência é o lugar do analista Não digo que toda angústia do analisando é o reflexo da angústia do analista mas digo que se ele reconhece a sua angústia em si ou se a reconhece no seu analisando podemos considerar nesse caso que essa angústia é o anúncio mais preciso da obturação do seu lugar e ao mesmo tempo da abertura desse lugar Se um psicanalista pode perceber que está angustiado isso significa que está a caminho de ocupar o seu lugar Em outros termos atribuo à contratransferência não só a função de ser um obstáculo mas também a função de ser o signo da proximidade do acesso ao lugar do analista Essas três classes de manifestações contratransferenciais são dis tintas de outras manifestações possíveis no analista como sentimentos idéias imagens ou impressões experimentadas conscientemente Que ro dizer que se temos que classificar tudo o que um analista experi menta ou vive durante um tratamento diremos que há três tipos de manifestações gerais manifestações conscientes manifestações con tratransferenciais e manifestações específicas devidas ao estado muito particular no qual se encontra o analista quando está efetivamente posicionado É desse estado particular quando o analista está efeti vamente em posição de analista que vou tratar agora A contratransferência como superinvestimento de ia Antes gostaria de acrescentar que as manifestações contratransferen ciais se caracterizam por duas coisas Até agora dissemos que são obstáculos São obstáculos que ao mesmo tempo anunciam a proxi midade do lugar ou a ocupação do lugar Mas essas reações se caracterizam ainda por dois elementos Primeiramente tratase de manifestações préconscientes no sentido em que o terapeuta pode em princípio desvelálas por si mesmo sem a intervenção de nenhuma interpretação Como dissemos na última vez diante da contratransfe rência o analista está irremediavelmente só Em segundo lugar o traço específico das manifestações contratransferenciais consiste na sua qualidade imaginária Quer se trate da angústia do saber ou da paixão a contratransferência é a expressão de um superinvestimento libidinal da imagem narcísica ou mais exatamente de um superin vestimento da imagem especular constitutiva do Eu do analista A contratransferência e o lugar do analista 123 É o que Lacan escreve com a fórmula o sinal algébrico ia i é a imagem que cerca o objeto a É a imagem que é superinvestida no caso das manifestações contratransferenciais quer se trate da angústia da paixão ou do saber O lugar do analista Por que a contratransferência consiste nessa sobrecarga de libido contida na imagem Por que o saber o amor ou a angústia são falicizados libidinalizados Por que são superinvestidos Por que a contratransferência é o superinvestimento de ia Entramos agora no domínio que me parece o mais importante Reecontramos aqui a pergunta feita há pouco por que ocupar o seu lugar é tão raro e tão difícil para o analista Por que esse lugar é sentido consciente ou inconscientemente como um perigo Qual é pois esse lugar O que faz com que ele seja temido que seja tão penoso chegar a ele Nas declarações que se seguirão não tratarei de fazer certas distinções que aliás fizemos muito rigorosamente como por exemplo a diferença entre inconsciente e gozo Não trataremos especificamente disso hoje mas poderemos retomar esse ponto durante o debate Tentando responder a essas perguntas desejo propor uma tese que necessita ser verificada na nossa prática e corroborada teorica mente É uma tese ligada a uma proposição mais geral que muitos conhecem e que eu chamo de formação do objeto a Eis a pergunta por que o lugar do analista é tão raro de acesso tão difícil Por que ele é sentido como um perigo Mudança de realidade Eis a minha resposta as reações contratransferenciais isto é o superinvestimento do Eu aparecem quando o psicanalista está na margem a ponto de dar um salto de realizar um deslocamento brusco e fugaz entre uma realidade psíquica de dominância imaginária organizada em torno do Eu sob a égide da referência fálica por um lado e por outro lado uma outra realidade psíquica fora do Eu ao lado do Eu uma realidade de dominância pulsional de dominância 124 Como trabalha um psicanalista de Gozo de dominância do objeto a É por isso que a situamos como sendo uma formação do objeto a Tratase de uma realidade psíquica organizada de modo inteiramente diferente da realidade de dominância imaginária de uma nova realidade psíquica organizada em torno da ausência da referência fálica O mecanismo produtor dessa nova realidade é aqui a foraclusão Assim quando o psicanalista ocupa o seu lugar a sua realidade psíquica muda e se estrutura como uma outra realidade sem componente egóico uma realidade ao lado do Eu paralela ao Eu uma realidade paraEu e fazendo um jogo de palavras coisa que não fazemos habitualmente ao invés de chamála uma realidade paranóica nós a chamaremos de uma realidade paramoica ao lado do Eu O que queremos dizer Peçolhes que me acompanhem Queremos formular da maneira mais rigorosa essa conjuntura particular que se ordena quando o psicanalista se conduz como analista Quais são as condições subjetivas particulares necessárias ao psicanalista para con seguir situarse no ponto de mira no ângulo a partir do qual ele poderá ser capaz de escutar de perceber e de causar o inconsciente do analisando O ponto de mira Em que condições subjetivas devemos estar para poder situarnos no ângulo que nos permitirá sermos capazes de escutar perceber e causar o inconsciente do analisando Em que ponto de mira em que ângulo em que eixo devemos situarnos Diremos que o ponto de mira no qual o psicanalista deve situarse para operar é idêntico à sua nova realidade produzida por foraclusão Para marcar bem essa identidade entre o ponto de mira e a mudança que deve ocorrer nele assinalaremos uma dupla modificação um deslocamento de lugar em seguida uma mudança de estrutura psí quica A mudança de estrutura subjetiva é idêntica ao deslocamento para um novo ponto de mira de onde posso me situar para tratar as manifestações do inconsciente do meu analisando Esse ponto de mira é idêntico à nova realidade no analista isto é a que chamo de A contratransferência e o lugar do analista 125 O jogo de palavras está na substituição do segmento noïaque da palavra paranoïaque por moïque egóico NT paramóica Esse ponto por sua vez eu o chamo de ponto de mira paramoico Fazer silêncioemsi O analista só está verdadeiramente disponível para a escuta isto é o analista só consegue verdadeiramente transformar os derivados inconscientes do seu paciente em uma interpretação ou em uma percepção alucinada com a condição de deixar abandonar separarse do seu Eu de fazer calar em si as ambigüidades os enganos e erros do discurso intermediário para abrirse enfim à cadeia das palavras verdadeiras Isso se encontra no texto que recomendei Variantes do tratamentopadrão nos Escritos É preciso pois abandonar o Eu Mas como abandonar seu Eu O senhor diz que é preciso fazer silêncioemsi Poderia esclarecer um pouco mais Na última vez empreguei uma expressão que teve um certo eco pelo menos entre alguns dos presentes É a expressão fazer silêncio emsi Não encontrei melhor fórmula para dizer o que tenha a dizer e hoje retomeia sob outra forma O que significa fazer silêncioemsi a não ser antes de tudo negar abolir o simesmo deixar dissolverse a imagem especular o ia A manifestação contratransferencial é uma sobrecarga Fazer silêncioemsi é uma supressão um enfraquecimento um deixardis solver a imagem especular ia É fazer silêncioemsi negar o simesmo deixar dissolver o ia e suprimir apenas durante o espaço de um segundo os diversos suportes construtivos do nosso Eu a saber o tempo o espaço os outros e principalmente toda visada ideal todo objetivo no horizonte todo sujeitosupostosaber que habitual mente garante a escolha à qual procedemos quando o psicanalista está sentado em sua poltrona e acredita escutar o seu analisando O tempo o espaço outrem e toda visada ideal são os componentes constitutivos do Eu que é preciso suprimir abandonar durante um momento o momento de fazer silêncioemsi Fazer silêncioemsi significa que espacialmente estamos fora de nós exilados do Eu ou para retomar o belo título de um livro recente escrito por uma amiga somos estranhos a nós mesmos Somos estranhos a nós mesmos sem com isso estarmos com o outro meu semelhante isto é meu analisando nem com o Outro o grande Outro garante da verdade Não estamos nem sós nem com os outros Estamos sem mais ninguém 126 Como trabalha um psicanalista E por estarmos sem mais ninguém somos objeto Sou onde não há Eu Sou onde não penso Sou onde não há outro nem pequeno outro nem grande Outro Isso espacialmente Temporalmente não temos nenhuma consciência da duração O lugar do analista o fa zersilêncioemsi só o ocupamos na brevidade fulgurante de um clarão Fazer silêncioemsi lugar do Gozo Acabo de definir o fazer silêncioemsi pela negativa Acabo de dizer o que é preciso suprimir como se o silêncioemsi o lugar do analista o ponto de mira fosse uma região despovoada de imagem e de ruído uma região desértica e vazia como se o silêncioemsi fosse o vazio ao passo que pelo contrário tratase de um lugar inédito povoado rico em produções psíquicas novas e condensador de uma grande carga libidinal que chamamos em psicanálise de Gozo ou objeto É um lugar um condensador de uma grande carga libidinal que tem o poder de atrair de concentrar em torno de si o desenvolvimento da transferência O lugar do analista e o seu ser Existe uma diferença entre ocupar o lugar do objeto e o ser do psicanalista Isso me lembra uma frase de Sacha Nacht psicanalista francês já falecido que pertencia à Sociedade Psicanalítica de Paris alguém que muito fez pela psicanálise e que ao mesmo tempo tinha uma posição crítica mutuamente crítica em relação a Lacan Muitas afirmações de Nacht foram objeto de críticas severas por parte de Lacan que o fazia sem mencionar que se tratava de Nacht Em geral quando Lacan criticava não mencionava a pessoa criticada Nacht tinha uma fórmula que era simples e que foi importante na época Ele dizia O psica nalista não age pelo que pensa nem pelo que faz nem pelo que diz Age pelo que é Isto é age pelo seu ser Um mau leitor de Lacan diria que este era absolutamente contrário a essa fórmula que a rejeitava completamente Se observarmos com atenção minuciosa mente a maneira como Lacan faz o comentário dessa fórmula A contratransferência e o lugar do analista 127 principalmente no seminário sobre a transferência veremos que ele a critica severamente mas ao mesmo tempo diz Essa fórmula diz uma coisa certa Ela diz uma coisa certa mas diz mal de modo errado De certa forma tenho a mesma impressão que Lacan Creio que há alguma coisa certa porém mal expressa Por que Porque se o analista age pelo seu ser isto é pelo que ele é perdemos toda a riqueza das variações e das particularidades inerentes intrínsecas à própria experiência analítica Chegaríamos assim a posições tais que haveria analistas que seriam destinados a ser analistas e outros que não o seriam Também eu creio nisso como disse na última vez Creio que efetivamente há analistas que são mais aptos para o trabalho da análise do que outros Mas não é uma questão de ser É uma questão de conseguir com o que se é situarse no eixo situarse no ângulo ao qual se deve chegar se possível para perceber pensar e tratar os derivados inconscientes do paciente Não se trata de o que eu sou tratase de será que o que eu sou me permite abandonar o meu Eu por um instante e ir a esse lugar O que está em jogo na análise não é o ser do analista é o lugar no qual é preciso que ele se instale Se ele se instala ali escuta percebe e causa o tratamento Diferença entre fazer silêncioemsi e ficar sem voz Fazer silêncioemsi é também ficar sem voz Alguém me disse há pouco Fazer silêncioemsi é também impedir a voz Se alguém consegue se livrar da impressão do espaço por exemplo aquela que tenho agora ao lhes falar se consegue livrarse das imagens dos outros se consegue livrarse do fato de procurar coisas de dizer a si mesmo que está ali para alguém ou que está ali para alguma coisa específica para perseguir finalidades objetivos se consegue não pensar mais nos colegas que estão aqui enquanto está sentado na sua poltrona ou naqueles que estão nos seus consultórios a comunidade dos analistas se alguém consegue livrarse dos ideais analíticos dos objetivos das garantias dessa teoria analítica que tentamos apesar de tudo construir e confirmar tornála rigorosa se alguém chega então a esse estado particular de escuta que eu chamo fazer silêncioemsi então ele deixará vir uma voz E a voz que virá será uma voz boa será uma voz pronta para transformarse em interpretação 128 Como trabalha um psicanalista A propósito do ponto de mira o sr não acha que a expressão mira evoca o olhar e por conseguinte as imagens Concordo O ponto de mira pode evocar isso Tirei a expressão ponto de mira da teoria da perspectiva que estudei durante o meu seminário sobre o olhar há três anos Trabalhamos o problema da perspectiva e efetivamente há um ângulo de perspectiva há um ponto em que o sujeito deve se situar para que a perspectiva o ponto de fuga apareça no horizonte Se eu me situo mais à esquerda não há ponto no horizonte mais à direita não há ponto no horizonte Devo situarme num lugar certo num certo ponto muito preciso nesse ângulo para que haja um ponto de fuga no horizonte De outra forma ele não aparece E foi pensando nisso que utilizei a expressão ponto de mira Responderia que de fato é por isso que uso uma expressão que me parece mais divertida mais agradável e também mais exata o ponto paramoico para lembrar que se estamos instalados nesse ponto há uma conotação paranóica psicótica Também me perguntaram sobre a intuição Alguém observou O que você disse evoca a intuição Deixo a resposta para o fim da minha exposição porque efetivamente o problema da intuição pode se apresentar de modo mais próximo Há pouco defini o silêncioemsi pela negativa como se fosse uma região despovoada um deserto E eu disse que não ao contrário é um lugar rico é um lugar pleno é um lugar condensador de alta carga libidinal Mas falando como fiz até agora tive que deixar insinuarse um malentendido que agora devo corrigir Compreende mos que há o analisando e há o Analista com um A maiúsculo Aqui o analisando ali o analista E no entrecruzamento o lugar do analista Analisando Analista LUGAR DO DESEJO DO ANALISTA OU PONTO DE MIRA PARAMOICO Figura 9 A contratransferência e o lugar do analista 129 Compreendemos que há de um lado o psicanalista sua pessoa seu Eu e de outro lado o lugar que lhe é atribuído lugar que nomeamos de várias maneiras lugar do objeto atrator que é a expressão que utilizamos no ano passado lugar do objeto a que é uma expressão consagrada na teoria lacaniana ou lugar do desejo do analista que também é um outro modo lacaniano de nomeálo Ocupar o seu lugar implica um deslocamento psíquico E hoje para marcar bem o deslocamento que se produz nós o chamamos ponto de mira paramóico a partir de onde o analista pode operar Logo lugar que o analista pode ou não ocupar e onde é capaz de receber acolher o inconsciente e o Gozo do seu analisando Há um esquema uma lógica implícita nas nossas declarações sobre esse ponto Mas na verdade isso é falso ou pelo menos não é completamente certo Com melhor precisão esse lugar não é um local Esse lugar do analista não é um local já ali à espera de receber um ocupante Esse lugar se produz quando um analisando diz que um analista faz silêncioemsi para escutálo Na verdade o lugar do analista é um produto comum ao analisando e ao analista que emana que emerge que surge quando o paciente fala porque é preciso que ele fale de certa maneira Surge quando o paciente fala com uma certa fala e quando o analista o ouve fazendo silêncioemsi situandose de uma certa maneira Com essas duas condições o lugar do analista se cria Sou obrigado a distinguir o analista e o lugar para que aceitemos a idéia de que é necessária uma mudança de lugar e uma mudança das estruturas subjetivas psíquicas Mas na verdade fazer silêncioemsi quer dizer mudar em si essa estrutura subjetiva significa deslocarse psiquicamente falando Como escutamos o inconsciente Se escutamos as palavras do analisando como a expressão de alguém que nos fala então não o escutamos nós ouvimos mas não escutamos absolutamente nada Então quando escutamos Escutamos quando fazemos parte do Gozo veiculado produzido implícito nos dizeres 130 Como trabalha um psicanalista do analisando O analista só pode ouvir e perceber o inconsciente na medida em que de um modo qualquer ele já faz parte do inconsciente Isso é o que importa dizer esta noite Em resumo e é aqui que queríamos chegar é preciso pertencer momentaneamente ao incons ciente para escutar o inconsciente isto é para interpretálo É preciso criar o Gozo fazer parte do Gozo para perceber o Gozo isto é alucinálo Freud e outros depois dele falaram desse encontro íntimo entre o dito e a escuta do dito tal como acabo de mencionar Eles o teorizaram com a expressão que também marcou data comunicação entre inconscientes Primeiro Freud a utilizou muitos outros autores também a utilizaram por exemplo Mélanie Klein comunicação entre o inconsciente do paciente e o do analista Não recuso essa fórmula É aqui que encontramos Lacan e me dirijo aos seus leitores Se perguntarem a um lacaniano que lê mal Lacan o que pensa dessa fórmula ele lhes dirá Lacan discorda completamente Digolhes que na verdade como no caso da fórmula de Nacht Lacan é muito mais moderado muito mais fino muito mais elegante e preciso Ele diz Essa fórmula é correta em certas perspectivas e falsa em outras Existe um só inconsciente na relação analítica Sendo assim vamos repetir essa experiência de escutar o dito e fazer parte do Gozo veiculado por esse dito criada por esse dito escutar o dito fazendo silêncioemsi poderia ser formulada com a expressão já consagrada de comunicação entre inconscientes Hoje admitimos que ao invés de dizer comunicação entre inconscientes podemos muito bem admitir que não há transação não há passagem mas produção comum de um só inconsciente e de um só Gozo em jogo na relação analítica Isso já afirmei desenvolvi demonstrei em outros textos Não voltarei a esse ponto Alguns dos presentes conhecem a tese que eu defendo não há dois inconscientes em uma análise há apenas um que é um incons ciente eventuaral pois ele se produz por ocasião de um evento Ele é idêntico à relação transferencial Hoje preciso que esse inconsciente único se produz quando o analisando diz cria o lugar do Gozo e o analista faz silêncioemsi situase no lugar que lhe é designado postase no ponto de mira paramóico cria igualmente esse lugar e faz parte dele Ao invés de dizer transação passagem comunicação A contratransferência e o lugar do analista 131 entre inconscientes prefiro enunciar uma fórmula que é para mim a frase mais importante que tenho a pronunciar nesta noite É preciso pertencer momentaneamente ao inconsciente para escutar o incons ciente É preciso criar e fazer parte do Gozo para perceber o Gozo Quero dizer escutar o inconsciente interpretar perceber o Gozo alucinálo Acabo de distinguir escutar o Inconsciente e perceber o Gozo Mas de fato se há verdadeiramente essa pertinência do analista ao Inconsciente ou ao Gozo o fato de ter escutado e de ter percebido o fato de ter ouvido e ter visto são a mesma coisa Escutar e olhar nessas condições precisas nesse momento preciso são coisas idênti cas Não há diferença Dor e luto Ora essa pertinência do analista à dimensão do Inconsciente ou à dimensão do Gozo implica várias coisas primeiro uma dor e depois um luto Uma dor e um luto que a contratransferência tenta evitar como o perigo pressentido pelo analista sob a forma de um saber de uma paixão ou de uma angústia Que dor e que luto A dor nem sempre vivida ou sentida é provocada pela violência de um remanejamento foraclusivo da realidade psíquica Essa mudança de ponto de mira causa dor porque implica uma mudança de realidade psíquica uma violência exercida contra a minha realidade E depois há o luto Mas que luto O luto de perder momentaneamente a imagem especular constitutiva do Eu isto é o luto de esquecer o Eu Lacan e outros autores muitas vezes compararam o desejo do analista isto é o lugar do analista e o luto Eu diria que essa comparação é correta com a condição de compreendêlo pelo menos neste momento como o luto do Eu O desejo do analista pode estar centrado em torno do luto do Eu Essa comparação também pode se apresentar em termos de limite Quero dizer que quando o analista se instala nesse ponto de mira paramóico nesse lugar da disponibilidade da disposição da posição correta ele se impõe uma relação diferente com o limite Não há mais limite dentrofora interiorexterior antesdepois mas há um outro limite um limite entre o nós e o real É o nós e o enigma do real Em resumo fazer silêncioemsi significa que o psicanalista se dobra aceita admite verdadeiramente sinceramente docilmente está convencido não mentalmente não racionalmente mas psiquica 132 Como trabalha um psicanalista mente de que o limite da experiência analítica é realmente um mistério é realmente um enigma com o qual ele deve contar se quiser trabalhar como analista Antes de terminar desejo explicitar e insistir em certos aspectos deixados na sombra em minhas colocações e chegar a dois exemplos Dissemos que o lugar do analista só se constrói só se cria só se produz com a condição de que haja uma emissão um dito por parte do analisando e um fazer silêncioemsi do analista Mas acontece algumas vezes que esse silêncioemsi seja o resultado de uma concentração de uma intensificação voluntária por parte do analista para chegar a isso e outras vezes ao contrário é espontâneo Se é voluntário por parte do analista eu desejaria que esse silêncioemsi fosse entendido como o lugar de uma expectativa ativa o lugar da expectativa Não se deve confundir uma espera com a idéia de uma expectativa no sentido de procurar uma promessa de atingir uma finalidade Uma expectativa que também não se deve confundir com um temor no sentido de ter medo de temer de uma ameaça que se dirige contra nós Também não se deve confundila com uma espera passiva niilista Esperar ser fazer silêncioemsi significa procurar o objeto de todos os lados procurar com o olhar o que ainda não foi percebido Procurar esse nãopercebido que ainda se oculta Ou então se pensarmos na audição procurar no dito do analisando a materialidade erógena da voz que sustenta o seu dizer Insisto mas esse lugar de expectativa esse lugar de fazer silêncio emsi como uma intensificação voluntária ocorre e é possível Isso depende de muitos fatores Isso depende da formação que o analista teve da sua análise depende muito da sua supervisão e do seu exercício da maneira pela qual se dedica a trabalhar nesse estado de espírito com essa visão das coisas essa maneira de conceber a escuta do inconsciente O analista é propelido e desarmado Algumas vezes o analista é forçado propelido literalmente propelido forçado contra a sua vontade ou violentamente levado a ocupar esse lugar Nesse caso subitamente o analista se ouve dizer ao analisando uma palavra que vai além que ultrapassa o contexto do relato explícito do analisando Ou ainda ele experimenta uma percepção visual errática o que se poderia chamar de intuição visual Mas nesse caso A contratransferência e o lugar do analista 133 não é nítido o analista fica profundamente surpreendido Não é a surpresa da emergência de uma formação do inconsciente Não é a surpresa de um lapso É mais que uma surpresa Ele fica desarmado Logo ou ele tenta chegar a esse estado a esse ponto de mira de fazer silêncioemsi a esse ponto de mira paramóico ou ele é empurrado Tenho dois exemplos um caso em que o analista deve se forçar ou antes em que o analista deveria se forçar e outro caso extraído da literatura no qual Rilke descreve uma experiência que se impôs a ele uma experiência visual Exemplo clínico uma fantasia de gravidez num analista homem Tomemos o caso de um analista em supervisão que vem me ver para me falar de uma mãe que o consulta depois de um drama perdeu o seu filho alguns meses depois do nascimento pelo que se chama de morte súbita do lactente Essa mulher está em análise há três anos Naturalmente no seu discurso aparece várias vezes o problema da culpa Estamos num período do tratamento em que essa mulher deseja ter um segundo filho E ela tem dúvidas a esse respeito ter ou não um segundo filho Se tivesse outro filho esse segundo filho mataria uma segunda vez o filho já morto E se esse segundo filho nascesse não só mataria o filho morto mas ela própria também o mataria uma segunda vez O analista me relata uma sessão durante a qual ele lhe enunciou uma interpretação que ambos admitimos como sendo uma interpreta ção imprópria Era um erro Era uma interpretação imprópria que a paciente recusou ou diante da qual mostrou uma profunda indiferença Pensando na fantasia da paciente desejando ter um segundo filho que não deveria existir para não ter que apagar a lembrança do primeiro bebê morto do lactente morto o analista lhe disse que afinal o seu desejo diante dessa alternativa era querer ficar eterna mente grávida querer guardar uma criança no ventre não dála à luz não fazêla nascer Em supervisão o analista me diz Mas tenho a sensação de que isso não estava no lugar não correspondia de que a minha palavra deslizava E concluímos que essa interpretação era uma interpretação postiça Discutindo com o analista percebo que era postiça porque o analista não sabia Não sabia no sentido em que 134 Como trabalha um psicanalista não estava no ponto de mira paramóico Não sabia o que é para uma mulher ter um filho no ventre Naturalmente tratase de um analista homem Um analista homem pode saber o que sente uma mulher quando tem um filho no ventre É possível que ele sinta que saiba Não sei Direi que ele poderia saber se lhe ocorresse ao escutar a sua paciente talvez não necessariamente durante aquela sessão mas se lhe ocorresse fazer silêncioemsi e sentir o útero cheio de uma mulher sentilo não no seu corpo mas sentilo na cabeça nos olhos nos ouvidos como se fosse a cabeça que experimentasse psiquicamente a sensação corporal de estar grávida e ficar assim por toda a eternidade Digo é possível mas não é certo De qualquer forma eu lhe sugeri e trabalhamos isso juntos que se exercitasse treinasse tentasse posicionarse nesse lugar no qual poderia se esforçar para que a sua realidade psíquica trabalhasse até conseguir essa percepção visual sonora mental pouco importa daquilo que é a sensação física de uma mulher grávida Poderia ocorrer que se o analista homem chegasse a esse lugar não seria essa interpretação que ele teria feito Se me perguntarem que interpretação ele teria feito não sei Seria preciso para que eu pudesse responder que eu escutasse essa paciente tentando ficar nesse estado nas condições de que falei hoje Exemplo tirado da literatura uma percepção pouco comum Último exemplo significativo Não é um exemplo clínico mas penso que é muito belo e principalmente muito bem escrito Tratase de Rilke autor de que gosto muito Ele lembra nos Cadernos de Malte Laurids Brigge um diário que está em Paris passeia pelas ruas e descreve o que lhe acontece Fala de um rosto de modo formidável Há dois autores que falam do rosto como ninguém Rilke e Lévinas É extraordinária a maneira como falam disso A percepção do rosto é essencial quando vamos chamar um paciente na sala de espera O rosto nesse instante quando você chama um paciente na sala de espera a percepção desse rosto equivale a toda uma sessão Rilke diz que há rostos que se conservam e rostos que mudam Ele diz Também acontece que o cão use rostos Por que não Um rosto é um rosto E diz Outras pessoas mudam de rosto com uma A contratransferência e o lugar do analista 135 rapidez inquietante Experimentam uns depois dos outros e os gastam Parece que terão rostos para sempre porém mal chegam aos quarenta anos esse já é o último Essa descoberta comporta evidentemente a sua tragédia Eles não estão habituados a poupar os rostos O último já está gasto ao fim de oito dias esburacado em alguns lugares fino como papel E depois pouco a pouco aparece então o forro o nãorosto e eles saem com isso A cena de que desejo falar é a seguinte Mas a mulher tinha caído inteiramente sobre si mesma para a frente nas suas mãos Foi na esquina da rua Notre Dame des Champs Logo que a vi comecei a andar com cuidado Quando os pobres refletem não se deve perturbálos Talvez eles acabem encontrando o que procuram A rua Notre Dame des Champs estava vazia Esse vazio perturbava retirava os meus passos sob os meus pés e repercutia com eles estalava do outro lado da rua como tamancos A mulher se amedrontou aban donandose depressa demais violentamente demais de modo que seu rosto ficou nas duas mãos Eu podia ver a sua forma oca Custoume um esforço inaudito fixar essas mãos não olhar o que fora abandonado Tremi ao ver assim um rosto pelo seu interior E termina Mas tive ainda mais medo da cabeça nua esfolada sem rosto Não sei se observaram mas é extraordinário ver a percepção desse homem É preciso um esforço uma violência para perceber isso Ele não está louco É uma arte escrever como ele e principalmente acho que não se trata da arte de ter escrito nem do estilo para escrever mas da arte de ter percebido Eu diria que ele escreve assim porque é capaz de perceber assim Eis o exemplo do que é uma percepção na qual o analista seria empurrado conduzido propelido levado a perceber a tocar a receber a acolher a tratar o inconsciente e o Gozo do analisando É isso o que eu tinha a dizer hoje Respostas às perguntas Quando o sr diz que o analista deve se pôr no lugar do objeto isso não é um tanto imperativo demais É exatamente isso e é uma das minhas preocupações constantes Sempre que posso digo isso É a preocupação permanente de conhecer 136 Como trabalha um psicanalista os efeitos que pode ter aquilo que dizemos aqui não só no seminário mas até em toda fala relativamente pública E quando eu dizia que ao preparar este seminário tive muita dificuldade de encontrar a maneira mais apropriada mais certa para lhes transmitir minha dificuldade não era dizer o que tinha na cabeça mas de situarme no lugar do meu interlocutor para temperar os efeitos que essa fala poderia ter Isso é para que saibam que efetivamente tal era a minha preocupação Segunda observação acontece um fenômeno extraordinário de qualquer forma pode ser uma dificuldade quando queremos definir o mais exatamente possível o mais rigorosamente possível o lugar do analista não nos contentando como eu mesmo fiz em outros tempos com a teoria lacaniana Lacan disse mil vezes o analista deve ocupar o lugar do semblante do objeto a Eu próprio numa época em que nem sempre se ouvia isso dizia o mesmo Agora está claro superclaro mas nem sempre se sabe o que quer dizer estar no lugar do objeto a Minha preocupação hoje todo o desenvolvimento da contra transferência vai nesse sentido era precisar o mais rigorosamente possível em que consiste exatamente essa expressão situarse no lugar do objeto E acontece que pela preocupação pelo tom pelo impulso da minha explicação ou da minha posição pelo movimento da minha exposição acontece às vezes que haja um tom um tanto imperativo O analista deve situarse no lugar de Compreendo talvez a expressão não esteja muito adequada Mas por outro lado é difícil Como falar e ser ao mesmo tempo muito preciso Talvez seja uma elegância na exposição que ainda não tenho mas que acredito possível Se eu escrevesse este texto seria muito mais moderado Talvez eu não escrevesse ele deve Mas a sua intervenção é boa porque me permite precisar Aliás eu já tinha feito alusão a isso na última vez ao dizer Tenho coisas a dizer e as digo Graças a Deus nem todo mundo as ouve Os que as escutam são aqueles que já ouviram o que digo Quem escuta já ouviu o que eu digo Ouviu como Ouviu aproximativamente experimentou fragilmente ouviu fugazmente É algo aproximativo Aconteceu alguma coisa que fez com que a minha fala o nomeasse Afinal uma fala como a de um seminário é o fato de nomear o que já existe É uma enorme dificuldade É também por que não pronunciar a palavra uma enorme responsabilidade e ao mesmo tempo há uma profunda modéstia uma profunda humildade em fazêlo É uma mistura difícil um equilíbrio A contratransferência e o lugar do analista 137 difícil entre essas três coisas pois nomear faz existir o que já existia Foi por isso que na última vez eu disse continuo devo ir à frente Para os que ouvem mal talvez seja o momento Esperemos que eles consigam ouvir de outra forma E aqueles que ouvem bem é porque já ouviram o que é dito Aliás isso também ocorre com o analisando O analisando não está pronto para ouvir uma interpretação exceto se já ouviu o Outro dizendolhe O analista apenas materializa com sons e palavras o que o outro em silêncio sem saber já se tinha dito Eis o que posso dizer a respeito do tema da interpretação que será o do próximo seminário Vou tentar responder à outra pergunta referente a essa expressão que considero como a melhor uma intensificação voluntária de fazer silêncioemsi Nessa intensificação voluntária nessa instalação vo luntária forçada de situarse no ponto paramóico paranóico é como se o analista criasse esse estado como se forçasse esse mecanismo foraclusivo Não posso ir mais longe Falar de mecanismo foraclusivo implica que algo se produza pelo resultado de um desencadeador pois como dissemos a psicose e especialmente a foraclusão é apenas a resposta a um apelo Podese dizer que o analisando fala de tal modo que apela Mas aí seria espontâneo Creio que é o caso de Rilke Rilke anda pela rua Notre Dame des Champs em silêncio ouve um ruído e para ele o apelo é o fato de que a mulher abandonase violentamente É esse gesto de erguer levantar a cabeça que constitui o apelo que faz com que Rilke num instante perceba o que percebe O caso é diferente quando digo àquele analista em supervisão Faça um esforço para conceber para alucinar para perceber a sensação física de um útero grávido Aqui é como se disséssemos que forçávamos a constituição de uma realidade produzida por fora clusão Talvez seja a fala do analisando talvez seja uma fala nele que ele tenta compreender que o conduz eventualmente a essa posição Ao contrário um Supereu não deve ser constituído é preciso que seja uma advertência moderada A instalação nesse lugar só é possível raras vezes É muito difícil Para os analistas é necessária uma certa prática uma certa maturidade na experiência para conhecer e sentir essa maneira de tratar o inconsciente É a única maneira É a melhor maneira de falar de modo Supere góico Há um excelente texto que trabalhamos nos seminários restritos e que alguns colegas apresentaram É um texto de Annie Reich em 138 Como trabalha um psicanalista que ela faz toda uma revisão do conceito de contratransferência Veremos que retomando o conjunto dos textos dos analistas muitos deles falam e insistem nesse tipo de percepção que eles chamam de comunicação dos inconscientes empatia insight cada um dá um nome diferente Penso que todos esses termos conservam um lado anglosaxônico norteamericano que faz com que eles soem um pouco frios técnicos Não se vê o analista funcionar Quero dizer com isso que é uma experiência rara e difícil É preciso que ela advenha mas é necessário um exercício um treinamento uma prática Particularmente acho que é uma prática salutar da escuta dos pacientes ter que transformar as palavras dedicarse a transformar as falas pondose no estado que chamo de fazer silêncioemsi na falta de termo melhor Isso é a representação figurada do Gozo comum a ambos O Gozo é em bom lacaniano excentrado como todo objeto O objeto a é excentrado É exterior ao vínculo É para esse lugar que o analista deve ir a fim de poder interpretar e perceber Isso quer dizer que se o analista faz silêncioemsi cria o lugar do objeto Se o analisando diz ele cria o lugar do objeto E se o analista diz ouve escuta como definimos fazendo silêncioemsi ele constitui de maneira compartilhada o lugar de um objeto comum Até aí tudo bem O problema começa se o analista interpreta ou percebe como acabo de dizer interpreta e percebe o Gozo que é o seu próprio Gozo Isso quer dizer que seria necessário que ele fizesse um círculo que partisse do seu lugar e voltasse ao seu lugar De fato o analista escuta vê alucina e interpreta Temos pois um lugar comum produzido pelo dito do analisando e pelo fazer silên cioemsi do analista A interpretação é então um retorno do analista ao seu próprio lugar É algo profundamente único Esse estado de fazer silêncioemsi está mais próximo da psicose do que de toda referência de narcisismo secundário Estamos mais próximos do autoerotismo do que do narcisismo secundário A contratransferência e o lugar do analista 139 A interpretação VII A interpretação Hoje vamos continuar o nosso percurso a partir das hipóteses defen didas no meu seminário precedente a fim de abordar com mais precisão o problema da interpretação psicanalítica Digamos inicialmente que entre todas as modalidades de ação do psicanalista a interpretação é a única intervenção capaz de provocar uma mudança estrutural na vida do analisando e naturalmente na vida da própria relação analítica O que a interpretação não é A interpretação tal como a entendemos no prolongamento da con cepção lacaniana não se confunde com as intervenções do tipo observações ou precisões que o psicanalista pode dar ao paciente relativas ao procedimento psicanalítico ou ao quadro analítico Ela também não se confunde com as chamadas construções ou reconstru ções dos aspectos da história do analisando A interpretação não se confunde com as perguntas que o analista pode fazer ao analisando visando elucidar o material A interpretação de que falamos também não se confunde com os confrontos deduções conclusões tiradas pelo analista que mostram ao paciente as seqüências repetitivas da sua vida A interpretação também não se confunde continuo com a parada de uma sessão nem com a pontuação do relato do analisando e menos ainda com os jogos homofônicos das palavras ao contrário do que acreditam muitas pessoas Com efeito muitas pessoas pensam 140 que os lacanianos consideram a interpretação como um jogo homo fônico de palavras A interpretação psicanalítica não se confunde com nenhuma de todas essas intervenções verbais e mesmo nãoverbais e entretanto ela pode a rigor adotar a figura de qualquer uma dessas variantes Quero dizer que uma interpretação pode ser indiferentemente uma parada da sessão uma pontuação uma pergunta um esclarecimento Ela pode ser uma palavra qualquer uma ela pode ser um gesto do analista qualquer um porque o que importa para definir uma inter pretação não é a sua forma Definição da interpretação O que define uma interpretação não é a sua apresentação não é a função instrumental que ela cumpre não é o sentido que ela veicula O que define uma interpretação é a sua efetuação Quero dizer que ela se define pelas condições nas quais ela se produz no analista e os efeitos que ela gera no analisando Como ela se gerou e o que ela gera De que ela é o efeito e quais são os seus efeitos Visto sob esse ângulo o valor semântico quero dizer o sentido que ela veicula o valor expressivo a figura que ela adota e o valor instrumental o fim a atingir a esclarecer a explicar todos esses são valores importantes É verdade para muitos analistas Muitas correntes analíticas atuais se referem à idéia da interpretação do ponto de vista do sentido do ponto de vista da forma Esses valores a meu ver são menos importantes que o valor significante da interpretação O que quer dizer valor significante Isso quer dizer muita coisa mas antes de tudo que a interpretação só importa em uma análise como um elemento em uma estrutura à maneira de uma partícula atômica no seio de um sistema físico uma partícula destacada de uma con juntura de geração que tem uma trajetória que tem um ponto de impacto e que é capaz de provocar um efeito de mudança radical na consistência de uma rede A interpretação 141 A interpretação significante Vamos retomar a concepção de interpretação enquanto significante Essa concepção nós não a escolhemos Não escolhemos a teoria que nos convém Se ela nos convém é porque temos com a teoria um engajamento de ser e não um engajamento de pensamento A teoria da interpretação como elemento significante não só se confirma nas provas da prática cotidiana não só ela está em nós mas determina uma certa maneira de trabalhar com nossos pacientes e uma certa maneira de interpretar o que acontece com eles Vamos ver isso com um breve exemplo clínico que vou relatar daqui a pouco e nessa perspectiva gostaria de considerar três aspectos essenciais da interpretação três particularidades da interpretação sig nificante Como uma interpretação é gerada no analista Por meio de que mecanismo ela opera O que ela gera no analisando São esses os três temas os três capítulos que vamos abordar na segunda parte pois antes gostaria de propor um exemplo clínico precedido de algumas observações Não definimos a interpretação pelo seu conteúdo Não a definimos pela sua apresentação nem por sua função mas não é menos verdade que a interpretação como elemento significante reveste certos traços bem visíveis que lhe são característicos Esses traços são antes bons indicadores descritivos que deixam presumir que tal intervenção do analista tem todas as possibilidades mas nem assim é certo de ser uma interpretação São indicadores referentes ao aparecimento da interpretação no analista e ao momento de recepção pelo analisando Logo há dois tipos de traços os que marcam o aparecimento da interpretação no analista e os que marcam a acolhida a recepção pelo analisando Utilizo a palavra indicador para não induzir o malen tendido de pensar que esses traços definem a interpretação Eles não a definem repito eles apenas a caracterizam Para definir uma interpretação insisto mais uma vez temos apenas um único critério claro o de verificar de saber como ela foi produzida e que efeito ela acarretou Características de uma fala interpretativa Vejamos os indicadores do aparecimento da interpretação no analista Quando se dirá que uma palavra uma fala ou uma intervenção do analista tem uma ressonância de interpretação 142 Como trabalha um psicanalista Primeiro são enunciados curtos nunca longos sempre curtos com muito poucas palavras cinco seis dez palavras no máximo São enunciados bem delimitados São frases quase inteiras concretas que não comportam termos abstratos Mas mesmo sendo muito concretos em sua forma esses enunciados interpretativos comportam entretanto uma ambigüidade que suscita equívoco no analisando Esses enun ciados são desencadeados na maioria das vezes no analista e são provocados por um significante visível nas manifestações do paciente e outras vezes muito mais raras é o caso do meu próximo exemplo esses enunciados que chamamos de interpretação são pronunciados pelo analista sem conexão aparente com o material do analisando Às vezes podem ser provocados pelo que chamo de uma microhipótese isto é o analista tem uma ou duas hipóteses de bolso uma microhi pótese que ele trabalhou na supervisão que ele próprio trabalhou em relação ao paciente e munido dessas hipóteses ele está como que em estado de alerta de sensibilidade Voltaremos a esse ponto Vamos continuar a caracterizar esses enunciados Em geral eles não comportam pronome pessoal isto é não se diz eu Entre os presentes talvez haja alguns que como eu conheceram em certa época as experiências dos analistas kleinianos Eles utilizam muito o eu por exemplo para enunciar a interpretação Eu penso eu indico eu digo etc A interpretação de que falo não tem Eu é impessoal Esses enunciados não são precedidos por nenhuma intenção cal culada da parte do analista de provocar uma reação particular no paciente Pelo contrário são palavras ditas sem que o analista saiba Em um momento dado eu dei esta fórmula Quando o analista interpreta não sabe o que diz E acrescentei Ele pode não saber o que diz com a condição de que saiba o que faz São pois palavras que irrompem subitamente no analista que este pronuncia sem saber Ele é ultrapassado pelo seu enunciado e entretanto são palavras esperadas esperadas no contexto da seqüência da sessão no momento em que o analista fala e principalmente esperadas pelo próprio analisando Isso significa que o analisando já sabe inconscientemente o que o analista vai lhe interpretar Quero dizer que essas palavras são esperadas que elas operam onde são esperadas no momento em que são esperadas e porque são esperadas Esperadas por quem Pelo analisando Na verdade eu deveria dizer essas palavras pronunciadas pelo analista são esperadas por uma outra palavra recalcada no analisando A interpretação 143 Se quiséssemos resumir essas características em termos lacania nos diríamos simplesmente a interpretação é uma palavra de ordem de um dito pelo grande Outro esperada pelo grande Outro sendo o analista apenas o portavoz o veículo o embaixador Ela deixa o grande Outro passa pelo canal do analista e se dirige para o grande Outro São portanto palavras esperadas Como dizer a verdade às crianças Nunca existiria interpretação se aquilo que o analista diz já não estivesse dito pela metade como diria Lacan semidito pela metade sabido pela metade pelo analisando Este não é um exemplo de interpretação mas é algo muito próximo Tive uma situação em supervisão recentemente em que o terapeuta me falou do caso de uma mãe que proibira ao filho cum primentar visitar encontrar ver o avô isto é o pai de sua mãe o avô materno A mãe explicou ao terapeuta que ela proibira isso à criança porque o avô tivera uma relação sexual incestuosa com o primo da criança isto é o filho da irmã da mãe Então a mãe escandalizada disse à criança Você não pode ver o seu avô nunca mais nunca mais vai atravessar a rua para cumprimentálo nunca mais vai passar por ele nunca mais vai lhe telefonar e se ele te der bomdia você não vai responder O analista dessa mãe lhe disse Mas a sra explicou à criança por que lhe proibiu de ver o avô A paciente responde Não não expliquei nada não disse nada Mas por que não explicou Como é que vou dizer à criança a verdade dos fatos Então o terapeuta em supervisão me indagou Como se procede nesses casos A mãe me pede um conselho para abordar essa questão Como proceder Isso levanta uma questão geral de que Françoise Dolto falou muito É o problema de dizer simplesmente esta frase dizer a verdade às crianças É preciso dizer a verdade às crianças O problema não é dizer a verdade às crianças o problema é como dizer a verdade às crianças Sugeri então a esse terapeuta que considerasse quatro caracterís ticas da verdade ou quatro maneiras de dizer a verdade que afinal embora não se trate de uma ciência da análise nem de interpretação 144 Como trabalha um psicanalista estão próximas desta última Eis o que eu propus a ele e proponho aos presentes a verdade que deve ser dita a essa criança deve serlhe dita pela mãe se essa verdade é esperada pela criança isto é se a criança já sabe alguma coisa sobre isso Em outros termos para dizer a verdade a alguém é preciso que a verdade já lhe diga respeito efetivamente O que significa que já lhe diga respeito efetivamente Isso quer dizer que o sujeito conhece essa verdade e que ele faz parte do acontecimento de que se trata No caso dessa criança isso é duvidoso porque não se tratava dela mas de um primo e além disso de um primo afastado Certamente esse problema afetava não a criança mas a mãe Logo primeiramente a verdade só deve ser dita se for esperada Segunda característica já que sabemos que a verdade é por natureza semidita só existe a metade de uma verdade Já que a verdade por natureza é semidita tentemos transcrevêla dizêla igualmente com essa ambigüidade que lhe é essencial A verdade não pode ser dita por inteiro É preciso que ela seja dita com hesitação com reserva com moderação diante deste mito o que é o verdadeiro Em terceiro lugar a verdade deve ser não apenas semidita com a condição de que seja esperada pelo sujeito mas além disso é preciso que ela seja semidita em um certo momento em um certo contexto e com uma certa oportunidade Não é a mesma coisa se a mãe diz à criança essa verdade na rua em casa num contexto determinado A verdade deve ser dita em um lugar e em um momento preciso oportuno Em quarto lugar é preciso que essa verdade seja semidita dita a tempo quando é esperada mas além disso tentando dizer nós ou a gente Não é a mesma coisa se a mãe diz Quero te dizer uma coisa ou Escute o seu pai e eu nós conversamos e achamos que Esse não é um exemplo muito preciso em relação à interpre tação mas dá uma conotação do lugar da reserva da atitude do analista diante da interpretação Voltarei a esse ponto Termino esse episódio com o que eu disse ao terapeuta Afinal o problema era que a mãe cometera um erro ela proibira uma série de coisas ao filho ela o impedira por todos os meios de ver o avô sem ter falado antes ela própria daquilo que a afetava pessoalmente Ela poderia ter mil outras maneiras de fazer com que a criança sentisse o peso desse acontecimento incestuoso outras maneiras diferentes daquela que usou Poderemos voltar a esse exemplo posteriormente mas ele é colateral ao que tenho a dizerlhes nesta noite A interpretação 145 Como o analisando recebe a interpretação Voltemos aos indicadores não da emergência da intepretação no analista mas desta vez aos indicadores da recepção da acolhida da interpretação pelo analisando O sinal infalível do impacto da interpretação no analisando é sem dúvida o silêncio Nesse ponto a maioria dos práticos dos teóricos estão de acordo Um silêncio que marca a surpresa e algumas vezes como afirma Théodor Reik uma reviravolta um verdadeiro choque O termo choque é de Reik Um choque que expressa uma violenta repulsa diante do desconhecido misturado a um profundo prazer de encontrar o conhecido O desconhecido sendo essa palavra externa estranha inesperada que vem dizernos o que já sabíamos o mais conhecido e íntimo de nós mesmos A surpresa diante da interpretação não é a de encontrar o novo mas de reencontrar o antigo no novo A surpresa é reencontrar o antigo que já conhecíamos que nos pertence e que agora nos volta de fora num momento inesperado e através da via externa de um outro o analista Silêncio pois e depois reviravolta choque surpresa Freud detecta um outro efeito imediato da interpretação que tivemos a ocasião de discutir quando da primeira Jornada dos Módulos quando fizemos uma mesa redonda sobre os problemas de construções em análise É a convicção com a qual o analisando acolhe a palavra do analista É uma espécie de convicção cega que não significa aceitação Não é que ele esteja convencido porque aceita o sentido daquilo que o analista lhe diz mas é uma convicção uma espécie de reconhecimento em ato pelo analisando como se na fala e na voz do analista houvesse uma parte recalcada do analisando Essa certeza se traduz muitas vezes por uma frase pronunciada logo após o silêncio É uma expressão que Freud detecta no texto Construções em análise que se repete quase de modo idêntico na maioria dos pacientes que estão sob o impacto de uma interpretação Uma expres são como Nunca tinha pensado nisso Outras vezes essa convicção que Freud observa nos analisandos em conseqüência de uma inter pretação se traduz pelo advento de uma alucinação ou de uma visão muito nítida ultraclara diz ele São esses os indicadores de que queria lhes falar Insisto em que são indicadores eles não definem a interpretação Esses indicadores são o que mais se aproxima das características de uma interpretação 146 Como trabalha um psicanalista concebida como uma interpretação significante isto é como uma interpretaçãoelemento interpretaçãopartícula Exemplo clínico uma fantasia olfativa Vamos agora ao exemplo É um exemplo clínico muito curto Pensei que não seria possível fazer um seminário sobre a interpretação sem dar uma ilustração Ela é curta mas tem a vantagem de nos levar diretamente ao que interessa Tratase de uma mulher solteira mãe de um menino de seis anos enurético O problema com a criança era um dos motivos pelos quais ela procurou o analista As outras razões eram a sua decisão de casarse com um estrangeiro deixar a França dentro de um ano um ano e meio e partir para o país do marido Aceitei então analisála por um tempo limitado Aliás gostaria de dizer que essa perspectiva de limite temporal me interessa muito Muitas vezes pratico esse limite temporal com pacientes que fizeram outros tratamentos anteriormente Quando recebo esses pacientes digolhes Vou aceitálo claro mas com uma condição vamos terminar imperativamente de qualquer forma dentro de tal prazo em tal data daqui a tantos meses Em geral são sempre meses nunca é mais de um ano É uma prática que às vezes tenho Tenho razões para defendêla e justificála Essa não é uma questão que abordaremos hoje mas é bom que saibam que quando a paciente me disse Vou ter que deixar a França daqui a um ano um ano e meio isso me interessou A situação suscitava em mim o desejo de fazer essa experiência com esse imperativo de tempo A seqüência de que vamos falar ocorreu por ocasião de uma das últimas sessões e pouco tempo antes que a paciente partisse para o estrangeiro e se casasse Durante esse tempo sua mãe que morava no interior lhe fez uma visita de uma semana em Paris antes que ela partisse definitivamente E a paciente comentou a sua contrariedade de não poder afinal desfrutar a companhia de sua mãe pois não a suportava Foi assim que ela se expressou Minha mãe chega à minha casa e ao fim de algumas horas eu me irrito e acabamos brigando o tempo todo Depois ela vai embora decepcionada e eu fico penalizada e culpada Devo dizer ela termina com esta frase que não consigo suportála Instalouse então um curto silencio e logo sem saber por que e sem a menor hesitação como que guiado por uma pulsão A interpretação 147 cega eu lhe respondi com uma nota de compaixão na voz Não é ela que você não suporta é o cheiro dela Seguiuse um silêncio durante o qual eu vi a cabeça da paciente fazer um movimento lateral de oscilação sobre o travesseiro do divã da direita para a esquerda e inversamente Eu me senti como que desarmado surpreendido por ouvirme dizer essa frase Tive o senti mento de recuar de me afastar e esperar perguntandome se minha intervenção fora oportuna Não duvidava da verdade do conteúdo dessa fala em ligação com o odor duvidava de sua oportunidade Não esqueçamos uma verdade só é verdade em tempo oportuno Assim eu não duvidava da verdade do conteúdo mas duvidava da verdade da oportunidade Nesse momento ouvia dizer Não é possível É verdade totalmente verdade sempre soube disso mas não percebia não percebia e não conseguia dizer isso a mim mesma Mas como é que você sabe Devo declarar que eu disse isso sem pensar no que ia dizer nem por que ia dizêlo Como me acontece às vezes eu tinha a impressão de que não era eu mas algo em mim que falava Reconstrução no a posteriori Referindome ao conjunto da história da paciente posso perceber agora com vocês e para este seminário aquilo que teria provocado a minha interpretação Devo ter percebido de maneira inconsciente que a relação particularmente incestuosa com seu filho enurético era mantida entre outras coisas pelo cheiro de urina da calça do menino Ela própria fora enurética até os doze anos Devo ter deslocado inconscientemente o que sabia sobre o laço olfativo erótico com o filho para o laço com a sua própria mãe Agora posso seguir o fio subterrâneo que resultou na minha interpretação Por exemplo esse fio seria assim paciente enurética traços mnímicos do seu próprio prazer de sentir o seu cheiro de urina relação incestuosa com a enurese do filho fixação do sintoma da criança sintoma de que falamos muito durante o tratamento Último elo formação reativa de desgosto pelo cheiro da mãe da paciente e finalmente desgosto pelo desejo feminino pela sua mãe Como vemos reconstrui tudo isso para hoje Esse encadeamento parece muito correto ou pelo menos razoavelmente correto Mas notem bem que quando eu o comuniquei à paciente em voz alta não 148 Como trabalha um psicanalista tinha consciência de nenhuma operação lógica qualquer e tampouco nenhum pressuposto teórico Essa reconstrução eu a fiz agora com vocês ou antes hoje à tarde preparando este seminário Se de acordo com a lógica eu tivesse seguido o encadeamento desses significantes talvez insisto na palavra talvez eu chegasse às mesmas conclusões Mas então estou certo de que não teria interpretado ou pelo menos não teria interpretado como fiz aqui De qualquer forma mesmo que tivesse feito esse encadeamento mental e se tivesse seguido esse raciocínio não teria chegado a esse instante da seqüência pois uma dedução como essa não pode ocorrer nos poucos segundos durante os quais esse acontecimento essa seqüência esse processo psíquico se desenrola A fim de abordar agora a primeira pergunta como a interpre tação é gerada no analista eu desejaria debruçarme de novo sobre essa seqüência O que pode ter ocorrido em mim Primeiro como a paciente eu só encontrava em mim o silêncio Refirome ao silêncio a esse curto silêncio que se seguiu à palavra insuportável quando ela disse Devo dizer que ela me é insuportável Houve um curto silêncio depois disso Mas esse curto silêncio apareceu pelo menos no que me diz respeito sobre um fundo de outro estado o de silêncioemsi de que já falamos Depois desse silêncio ou nesse silêncio pausa Se puséssemos sob o microscópio esses poucos segundos o que veríamos então seria a pausa Produziuse uma espécie de expectativa como se algo fosse acontecer Escutando as suas palavras desenhouse em mim uma imagem uma cena entre as duas mulheres semelhantes uma jovem outra mais velha brigando Tive essa imagem naquele momento E depois nova pausa novo eco das suas palavras e outra representação visual se formou mas dessa vez era a imagem do rosto da paciente Devo dizer que a paciente é uma jovem mulher muito alta bonita Sentese a libido transbordar do seu rosto É um corpo grande e até um tanto exuberante Quando ela entrava no consultório sentiase que alguém ocupava preenchia o espaço Isso é importante porque um dia lhe fiz essa observação Falávamos do problema da sua relação com os homens e observeilhe que ela ocupava todo o lugar todo o espaço Ela me disse que não podia moderarse não podia limitarse havia algo que a ultrapassava e ao mesmo tempo ela sentia uma profunda fragilidade Mas não é disso que quero lhes falar O que me importa é dar pelo menos um certo fundamento ao fato de que tive essa imagem A interpretação 149 do seu rosto de um rosto importante Devo encontrar outras palavras Como se pode ver ela continua a operar em mim neste momento em relação à imagem do seu rosto Há um instante de confusão de eclipse de ausência de onde nasce uma voz essa voz que chamo de a voz do olhar que se faz ouvir sob a forma dessa outra voz a voz sonora aquela que se ouve agora quando eu falo Repito que naquele momento não pensava em nenhuma teoria psicanalítica Limitarame a dizer o que tinha falado em mim contra toda lógica e eu tinha razão Termino dizendo que não é habitual que um analista relate o trajeto que o levou a uma dada interpretação do material que se apresenta a ele durante uma sessão Isso é muito difícil Tive que fazer muito esforço para escrever para distinguir os diferentes mo mentos Até tive que reconstruir como estava no momento em que o reconstrui pois como já dissemos o paciente de que falamos não tem nada a ver com o paciente que está no divã Tentei fazer esse percurso como sabem alguns dos presentes com o texto Os olhos de Laura Tentei de novo esta noite mas evidentemente são sempre tentativas Tentativas mais ou menos bemsucedidas pois se trata de pegar rapidamente o momento fugidío da emergência no analista de uma palavra interpretativa isto é de um retorno do recalcado Acres cento que é bom que seja assim tão difícil porque isso nos obriga a teorizar a formalizar e a tentar compreender teoricamente o que é esse processo de geração Respostas às perguntas O sr diz o analista não sabe o que diz Tudo bem Mas poderia explicar o que quer dizer quando afirma que o analista sabe o que faz Como ele pode sabêlo Deve haver intuição nisso mas uma intuição inconsciente Sim o analista não sabe o que diz no momento da interpretação Se admitiram com o exemplo e do ponto de vista teórico ou pelo menos se me acompanharam nesse caminho de considerála como uma interpretação significante eu dizia ela parte do outro e chega ao Outro o grande Outro sendo o analista apenas um portavoz um 150 Como trabalha um psicanalista veículo um embaixador Por conseguinte essa palavra interpretati va é uma palavra que o atravessa e que ele diz sem saber o que diz isto é ele não tem a noção do alcance do lugar do destino dessa palavra Lacan tem uma frase impressionante que se encontra nos Cahiers pour lAnalyse no 1 em resposta aos estudantes de filosofia Os estudantes de filosofia lhe apresentam a questão da interpretação e ele diz Se compreendem os efeitos de uma interpretação então é certo que não é uma interpretação psicanalítica Lacan repetiu essa idéia em diferentes ocasiões mas de fato ali naquele texto é muito impressionante pela maneira com a qual ele a expressa Logo o analista não sabe o que diz Mas o fato de não saber o que diz não significa que ele não saiba em que posição ele se situa em que momento do tratamento se encontra a sessão na qual ele deve falar Lacan define o saber o que ele faz por saber o que domina no discurso Em outros termos saber o que domina nesse momento no laço analítico é saber em que posição se situa o analista Para Lacan havia quatro posições que todos conhecem a do mestre a universitária a histérica e a analítica Aqui ele teria dito o analista sabe o que faz isto é reconhece os movimentos as variantes os deslocamentos que se produzem na sua posição Voltaremos depois a esse ponto Só pode haver mudança de estrutura com a interpretação No início o sr disse o contrário Disse e afirmo penso que a interpretação enquanto significante como veremos muda a consistência da estrutura De qualquer forma é a hipótese que eu formulo e vou tentar se não demonstrar pelo menos aproximarme dela Como age a interpretação em um paciente cuja dimensão narcísica é tal que ele não a suporta não reconhece essa parte de desconhecido que lhe vem da parte do analista Podese substituir essa interpre tação por raciocínios por um encadeamento lógico ou por explica ções Isso levanta um problema muito particular Vamos tomar em consi deração os diferentes tipos de interpretação segundo os casos ou segundo os diferentes momentos de um mesmo tratamento Penso que A interpretação 151 não existe regra fixa para saber como funciona a intepretação em cada um dos pacientes ou em cada uma das estruturas dos pacientes embora haja abordagens feitas em certos momentos ou que podería mos fazer Quais são as atitudes do analista que se desenham em geral com pacientes fóbicos em posição subjetiva histérica em posição subjetiva obsessiva ou em posição subjetiva narcísica Porém mais do que responder a essa pergunta eu gostaria de extrair o essencial da interpretação e mostrar como digo com esse exemplo clínico como é gerada a interpretação no analista Não falei nesse caso do que foram os efeitos produzidos Aqueles de que falei são apenas os efeitos imediatos os indicadores imediatos da maneira pela qual a paciente recebeu a interpretação Isso eu disse Mas não falei dos outros efeitos Nunca conhecerei esses outros efeitos e não apenas porque a paciente foi embora Se ela tivesse continuado a análise eu teria podido reconhecer efetivamente outros momentos no tratamento ligados a esses momentos da interpretação Mas dizer exatamente o que são os efeitos dessa interpretação ou precisar exatamente onde houve uma mudança de consistência das estruturas é impossível detectar de modo preciso e exato Vamos passar agora ao processo de geração Quando vocês fazem a pergunta como é gerada a interpretação no analista há uma afirmação implícita nessa pergunta não se preocupem com a maneira pela qual se deve interpretar não procurem encontrar a boa interpre tação procurem antes o estado a posição na qual a interpretação é possível Se por ocasião deste ano de seminário sobre a técnica há uma idéia fundamental que eu desejaria transmitirlhes é a seguinte o jogo da técnica analítica se decide na posição que o analista ocupa no estado no qual ele se encontra quando age e não na maneira pela qual ele age Logo se quisermos interpretar é necessário encontrar o estado particular no qual uma interpretação se torna possível Encontrar esse estado é incomparavelmente mais importante do que chegar a fazer concretamente uma interpretação O problema da interpretação não reside tanto no que o analista diz na maneira pela qual o diz e no momento em que o diz embora tudo isso seja muito importante como caracterizei há pouco O essencial é o que nos faz interpretar o estado em que estamos quando uma interpretação emerge É isso o essencial 152 Como trabalha um psicanalista Que estado é esse Retomo as formulações do seminário precedente Eu disse formulei propus que havia um duplo deslocamento por parte do analista para a posição o ponto que chamei paramóico Podemos concebêlo de dois modos seja um deslocamento espacial em direção à posição paramóica seja uma mudança uma permutação de realidade isto é passar de uma realidade produzida por recalca mento à instalação numa realidade produzida por foraclusão Era esse o elemento fundamental E acrescentei que quando dessa instalação numa realidade produzida por foraclusão nesse momento o analista pertence momentaneamente ao inconsciente Pertence momentanea mente ao inconsciente para poder escutar o inconsciente e faz parte do Gozo para perceber o Gozo Eu disse ainda que esse estado a instalação nesse estado a permutação das duas realidades de uma realidade a outra podia ser obtido seja em resposta a um elemento da parte do analisando que provoque essa permutação seja pela intensificação voluntária por concentração voluntária do analista para chegar a isso Esse estado no qual ele interpreta creio que se pode caracterizálo como um estado de consciência muito particular pois por um lado há foraclusão isto é é uma expressão freudiana há abolição do recalcamento há uma cegueira um eclipse uma obscuridade tempo rária e correlativamente há uma passagem para um crescimento agudo sutil da consciência Eu diria assim o sistema percepçãoconsciência normalmente habitualmente dirigido para o exterior é anulado em benefício de um sistema percepção endopsíquica isto é voltado dirigido para o interior Logo estado de consciência aguda e ao mesmo tempo obscuridade É então nesse estado que se produzem cinco efeitos Há um estado de consciência um estado das estruturas um estado libidinal um estado de percepção escópica um estado invocante Repito para que compreendam bem o estado no qual uma inter pretação é possível que caracterizamos pelo silêncioemsi poderia ser decomposto segundo as seguintes etapas um estado de consciência aguda e ao mesmo tempo estado obscuro um estado das estruturas um estado libidinal um estado de percepção escópica visual um estado invocante A interpretação 153 O estado das estruturas significa que houve essa modificação da consistência da realidade que houve um deslocamento do significante que assegura essa consistência Esse significante que assegura essa consistência é o significante S1 na teoria lacaniana É como se o significante S1 nesse estado se tivesse liberado deslocado livremente O estado do gozar libidinal nesse momento há uma convergência do campo libidinal do analista com o campo libidinal do analisando E é S1 o significante que assegura a consistência da realidade As lamelas libidinais de ambos os parceiros suas lamelas seus pseudó podes libidinais se alinham e se cruzam Efetivamente estou dizendo que se produz então o objeto a Uma precisão utilizo a distinção analistaanalisando como se houvesse dois parceiros ao passo que como é a minha posição há um só inconsciente o inconsciente eventual engajado no tratamento Mas fiz essa distinção por necessi dade da demonstração Há um estado de percepção escópica visual É nessas condições de cruzamento dos campos libidinais que é possível para o analista perceber o Gozo O analista percebe as emissões as emanações as lamelas libidinais quando elas se unem concordam expandemse convergem e produzem o objeto E é nesse momento nesse estado dos campos libidinais de ambos os parceiros em acordo que o analista ouve essa voz a voz do olhar analítico a voz como diz Lacan falando da paranóia a voz que sonoriza o olhar É então finalmente que ela se traduz em interpretação isto é em sons palavras ouvidas que sonorizam as palavras expressas pela voz do olhar Por que mecanismos a interpretação age A interpretação enquanto significante opera por intrusão intromissão A interpretação tem um ponto de impacto Ela se refere a um local preciso que é o lugar desse significante S1 que assegura a consistência da realidade A interpretação se introduz no conjunto dos significantes da realidade ocupando o lugar de S1 Ela desaloja o antigo significante que se encontrava ali e determina então uma nova consistência da realidade Ela provoca por um desalojamento e pelo fato de ir ocupar esse lugar uma permutação de realidade Estou dizendo que com a interpretação o analista provoca no analisando a mesma permutação de realidade que ele próprio sofreu para poder dizêla E chegamos à seguinte conclusão o que a inter pretação gera no analisando Respondo o que a interpretação gera 154 Como trabalha um psicanalista no analisando é a instituição nele do mesmo estado das mesmas condições que aquelas que geraram a interpretação no analista Não hesitarei em afirmar que interpretar um analisando equivale definitivamente a tentar transmitirlhe a nossa própria capacidade de interpretar ou melhor a tentar ensinarlhe a encontrar em si o silêncio o silêncio necessário para que uma fala tão pertinente quanto uma interpretação tenha uma chance de sucesso Vemos por que toda análise é uma análise didática e por que Lacan considerava a princípio e em tese que um tratamento analítico terminado deveria produzir um analista que praticasse ou não esse trabalho Se mudarmos os termos proporemos isto o que gera uma inter pretação no analisando Ela ensina o analisando a abolir o recalca mento a exercerse em suprimir a ação do recalcamento E como acontece com o analista ela lhe ensina a exercerse no exercício de permutar de realidade de passar de uma realidade produzida por recalcamento para uma realidade produzida por foraclusão Através da interpretação tal como a concebemos participamos do treinamento do analisando para saber trocar permutar de realidade psíquica deslocar seu ponto de consistência e instalarse também ele no ponto paramóico de que falamos na última vez Em resumo ela permite ensinarlhe sem nos darmos conta sem nenhuma finalidade didática a exercitarse em deixar uma realidade e a instalarse em outra Enfim ela permite ensinarlhe a aceitar permutar várias vezes de nível de realidade psíquica Cada permutação implica uma abolição do recal camento e por conseguinte um superinvestimento da consciência como consciência aguda Teria muitas outras coisas a dizer mas prefiro parar e esperar suas intervenções e perguntas seja sobre o exemplo clínico seja sobre o que acabei de dizer A expressão fazer silêncioemsi não é uma expressão lacaniana por que o sr inventa um novo termo Eu temia uma pergunta como essa mas só temos as perguntas que nosso inconsciente merece e isso me parece bom porque me permite esclarecer o meu ponto de vista Como sabem na outra noite alguém destacou a questão do problema do supereu É uma corda bamba É muito difícil poder estar muito próximo de uma fidelidade a si mesmo ao código à teoria da nossa comunidade e estar muito perto de uma fidelidade à própria experiência Existem aí os três supereu Cada um tem os seus Eis os A interpretação 155 três Supereus minha própria fidelidade a mim mesmo à minha teoria e à teoria que é a nossa cada um a seu modo a faz sua e à prova da prática Quando preparamos um seminário quando escrevemos um texto estamos constantemente submetidos a essas pressões muito fortes E cada passo novo na língua ponto de mira paramóico formação do objeto a silêncioemsi um único inconsciente o inconsciente eventual o inconsciente igual à transferência etc é um passo que se dá principalmente porque é preciso dálo Por exemplo há alguns textos que puderam ser abordados sobre a questão da formação do objeto a mas esses novos passos na língua ainda não estão fundados como conceitos teóricos que passaram pela prova do tempo Acontece a mesma coisa com a expressão silêncioemsi Lacan não usava a expressão silêncioemsi é verdade Mas dizia fazer calar em si o diálogo o discurso intermediário Usava outra expressão Naturalmente se eu tivesse ao meu lado um lacaniano ele diria Mas isso não tem nada a ver com o silêncioemsi Concordo embora o texto da Direção do tratamento tenha sido escrito em plena época heideggeriana de Lacan Logo não creio que esteja tão afastado da expressão fazer silêncioemsi Mas é verdade que a partir do momento em que se diz fazer silêncioemsi abrese o vasto campo de todas as conotações dessa expressão e efetivamente não me deixo enganar sei que existe mais ou menos o equivalente em diferentes domínios domínios religiosos domínios orientais etc É como a palavra significante Para Lacan a palavra significante não tem nada a ver com o seu sentido na lingüística Entretanto Lacan lançou essa expressão Ele a utilizou a fez sua e hoje ela é nossa A expressão silêncioemsi é até agora a melhor maneira que encontrei para dizer ou descrever o fato de que o analista se solta se desembaraça durante um momento durante uma etapa na sessão do seu trabalho e talvez também em outros momentos desse diálogo interior dessas coações do Eu desses componentes constitutivos do Eu desse espaço desses ideais do tempo das imagens É claro que ninguém se libera inteiramente mas quero dizer que esse silêncio emsi é um estado preparatório um estado de geração possível de uma palavra pertinente Compreendo e agradeçolhe a pergunta porque isso me permite justamente separarme de qualquer outra interpretação mas conser vando a expressão que até agora é a que me convém 156 Como trabalha um psicanalista Pode haver uma interpretação que não seja enunciada pela voz Sim podem existir interpretações que não são enunciadas pela voz Toda interpretação deve ter sua fonte no analista Respondo sem hesitar que sim É o que marca aliás a assimetria do laço analítico A interpretação é uma interpretação da transferência Considerar a idéia de que a interpretação é uma interpretação sobre ou da transferência ou uma interpretação que tem por objeto a transferência está de acordo com os autores kleinianos Eles a têm muito em conta pois para eles e particularmente para Strachey no seu célebre texto sobre a interpretação mutante a transferência é o objeto ao qual se refere a interpretação Strachey escreveu dois textos duas versões do mesmo texto que intitulou Efeitos e natureza da ação terapêutica da análise cuja primeira versão não fala da interpretação que se refere à transferência enquanto na segunda efetivamente ele apresenta o fato de que a interpretação mutante é uma interpretação que tem por objeto a transferência Logo com Mélanie Klein e esses textos de Strachey toda a Escola inglesa e muitas correntes depois vão defender a idéia hoje consa grada de que a interpretação se refere à transferência Seria preciso um seminário inteiro para falar disso Mas o ponto a que desejo chegar é que pareceme importante e de qualquer forma está implícito na minha maneira de abordar a interpretação nesta noite considerar que a interpretação não é uma interpretação sobre a transferência mas uma atualização da transferência A interpretação é a expressão mais pura mais direta mais imediata mais nua do fato de que efetivamente há um laço transferencial Essa é uma primeira obser vação A segunda é que é verdade que se pode usar a palavra interpre tação em diferentes sentidos e de certa forma abrila a tal ponto que chega um momento em que não se sabe mais o que é uma interpretação Também acontece que se possa acreditar por exemplo que é o analisando que faz uma intepretação Devemos nos entender Eu diria que cada vez que um analisando sonha faz uma interpretação Um sonho é uma interpretação do desejo É por isso que Lacan dizia O desejo é a sua interpretação já que A interpretação 157 efetivamente o desejo se expressa através de um sonho se realiza através de um sonho o sonho é a interpretação do desejo Logo cada vez que o analisando faz uma formação do incons ciente deixa vir a si uma formação do inconsciente um derivado do inconsciente existe então uma interpretação Mas quando falo de interpretação hoje é outra coisa Doulhe uma dignidade maior uma altura mais importante Creio que a interpretação a ação de interpretar o fato de que o analista seja o portavoz da interpretação é o que o distingue essencialmente do analisando Se existem coisas que marcam a assimetria entre o analista e o analisando uma das mais importantes é certamente a interpretação Logo prefiro reservar a palavra interpretação para toda intervenção do analista que seja gerada de certa maneira nele e que seja capaz de provocar no analisando as mesmas condições que a geraram no analista Desse ponto de vista permaneço em uma especificidade maior em relação ao termo interpretação referindoo ao analista Quais são os efeitos da interpretação do analista no analisando Se o analisando chega a produzir formações do inconsciente eu diria que são os melhores efeitos que uma interpretação do analista possa provocar Isso é certo Mas eu não chamaria isso de interpretação Essa talvez seja uma questão de terminologia Mas em contrapartida aproveito a ocasião para falar do fim do tratamento Talvez seja necessário pensar nos efeitos mediatos da interpretação Como a interpretação ao longo de um processo de tratamento conduz não apenas a uma mudança de estrutura não apenas a ensinar ao analisando como eu dizia a transmitirlhe uma certa flexibilidade para poder permutar de realidade mas ainda o fato de permutar de realidade conduz o analisando a terminar o seu tratamento Essa é outra questão que ainda não abordei 158 Como trabalha um psicanalista A cura VIII A cura Apesar de tudo a cura sempre tem um caráter de benefício bienfait por acréscimo como afirmei para escândalo de alguns mas o mecanismo da análise não é orientado para a cura como finalidade Não digo nada que Freud já não tenha formulado poderosamente toda inflexão em direção à cura como finalidade fazendo da análise um meio puro e simples para um fim preciso dá algo que estaria ligado ao meio mais curto e que só pode falsear a análise A psicanálise foi desde o início um processo terapêutico e nunca deixou de sêlo A afirmação de Freud em 1932 em Novas confe rências introdutórias sobre psicanálise segundo a qual a psicanálise é a mais poderosa de todas as terapias1 em minha opinião ainda é válida em 1991 É inegável que a análise produz efeitos curativos Ou seja a análise produz efeitos de diminuição e até de desapareci mento do sofrimento do paciente São efeitos que se produzem em momentos vários do tratamento às vezes depressa demais desde as primeiras entrevistas às vezes tardiamente bem depois do término do tratamento e enfim raramente pelo menos na minha experiência por ocasião das últimas sessões Assim devo admitir imediatamente que tais efeitos existem e são um dos resultados maiores que possamos esperar de uma análise Até acrescento creio firmemente que todo analista quaisquer que sejam sua formação e sua orientação tem uma responsabilidade quase um dever ao qual não se pode subtrair isto é esperar digo esperar uma melhora nas posições subjetivas e objetivas do seu analisando 159 JD Nasio La guérison un point de vue lacanien in Esquisses Psychanalytiques no15 primavera de 1991 p17988 J Lacan intervenção na sessão de 5 de fevereiro de 1952 da Sociedade Francesa de Psicanálise Le rendezvous avec le psychanalyste in La Psychanalyse no4 Les psychoses PUF 1958 p309 Entretanto embora o alcance terapêutico da análise nos pareça incontestável não podemos dizer que a cura assim compreendida como diminuição ou desaparecimento do sofrimento ligado aos sin tomas seja um conceito psicanalítico Também não podemos dizer que ela seja um objetivo para o qual o tratamento deva tender nem um critério que nos permita avaliar os seus progressos como aconteceu muito no passado Em Londres por exemplo por volta de 1930 Edward Glover2 perguntava quais eram os critérios por meio dos quais o analista media estimava avaliava os progressos da análise Alguns diziam O estado desses pacientes melhorou o desse outro se agravou outro ainda ficou curado nesse ou naquele momento do tratamento Quanto a mim penso que não podemos fazer da cura nem um conceito nem um objetivo nem um critério o que equivale a não ceder diante da influência do modelo médico que tende a hipostasiar essa cura a lhe dar um estatuto a elevála à dignidade de um conceito No que se refere a nós na medida em que não pretendemos formalizar os efeitos terapêuticos da análise a cura não suscita maior dificuldade As dificuldades começam quando a palavra cura que tem um encanto particular uma força uma espécie de atração até na sua sonoridade se impõe ao analista e exige deste que faça a sua teoria O que logo salta aos olhos é que não existe conceito psicana lítico de cura e que esta não pode ser uma finalidade que o analista deva perseguir na sua prática como acontece na medicina Veremos por quê Mas o que é então a cura A cura é um valor imaginário uma opinião um preconceito um préconceito assim como o são a natureza a felicidade ou a justiça Com meus próprios termos qua lificarei a cura como idéia infecunda ou mais exatamente como automatismo mental infecundo Mas esse préconceito esse automa tismo imaginário apesar de tudo tem efeitos positivos e negativos no campo psicanalítico Efeitos positivos que se revelam no analisando e efeitos negativos que se manifestam principalmente no analista Vamos examinar primeiro os efeitos positivos A cura no analisando É certo que a idéia de cura o préconceito da cura considerada como eliminação do sofrimento ligado aos sintomas está no centro da 160 Como trabalha um psicanalista decisão de um paciente de consultar um psicanalista e da demanda de solicitarlhe que seja desembaraçado do seu sofrimento Como diz Lacan a cura é uma demanda que parte da voz do sofredor de alguém que sofre por seu próprio corpo ou por seu pensamento3 Efetivamente a cura é antes de tudo uma demanda de quem consulta Mas essa demanda se alimenta de uma falsa imagem da cura Ela está fundada sobre um malentendido básico radical Por que malentendido Simplesmente porque o sofredor pede a cura a alguém o psicanalista aos olhos de quem a cura está longe de ter o valor de um ideal em si a alguém que tende naturalmente a reservar a sua resposta quanto a esse pedido a alguém que não oferece a cura Entretanto mesmo inteiramente implicada nesse malentendido essa demanda de cura é um fator indispensável ao início do processo analítico Para começar uma análise e manter o esforço que o em preendimento analítico exige é preciso que o consulente se queixe dos seus sintomas e aspire à cura Por que Porque essa demanda de cura que é um misto de queixas e expectativas demanda que nem sempre é formulada de modo explícito e que o analista nem sempre sabe colocar para trabalhar essa demanda já está carregada de trans ferência Ela é o primum movens da análise O simples fato de que um consulente esteja diante de um analista constitui a prova em ato da sua aspiração e da sua expectativa de ser curado ou melhor como dizia Freud em seus primeiros textos da sua expectativa crente O consulente demanda e ao fazer isso ele crê Crê no poder curativo e transformador que atribui ao procedimento da análise assim como crê nos poderes da ciência do saber e do desejo do analista4 Como podemos ver esse é um primeiro passo em direção ao que se con vencionou chamar na terminologia lacaniana de sujeito suposto saber5 A retificação subjetiva Logo o paciente demanda e crê Quando eu dizia que o terapeuta nem sempre sabia por para trabalhar a demanda do paciente queria introduzir a idéia que reencontramos aqui de um trabalho inicial de limpeza da demanda É o que chamamos com Lacan de retifi cação subjetiva6 O que significa essa fórmula A retificação subjetiva traduz a necessidade de modificar a relação do consulente com a demanda A cura 161 Freud não utiliza essa expressão que aliás Lacan tirou de Ida Macal pine Ele encontrou em um dos seus textos sobre a transferência a idéia de retificação à qual ele acrescentou subjetiva Se Freud não emprega exatamente essas palavras não deixou de ter a intuição do seu significado Quero citálo porque é sempre interessante reen contrar nele a marca original de enunciados muito atuais A partir do momento em que os médicos reconheceram claramente a importância do estado psíquico na cura tiveram a idéia de não deixar mais ao doente o cuidado de decidir o grau da sua disponibilidade psíquica mas pelo contrário arrancarlhe deliberadamente o estado psíquico favorável graças a meios apropriados É com essa tentativa que se inicia o tratamento psíquico moderno8 Notese a força dos termos freudianos arrancar ao paciente Na minha opinião é o que Lacan entende com a fórmula retificação subjetiva e que também eu retomo Eu me explico Quando o paciente nas primeiras entrevistas em geral na primeira expõe o seu sofrimento o faz muitas vezes de maneira alusiva Sintome mal comigo mesmo Estou deprimido Não estou bem Estou agres sivo etc Ora depende de nossa maneira de escutálo de nossa maneira de intervir ou de fazer perguntas para que ele comece a perceber um outro modo de viver o seu sofrimento uma outra maneira de manifestar a sua demanda de cura e para que se inicie de outra forma mais vigorosamente a transferência futura Sempre insisto com os terapeutas em supervisão na necessidade de definir o melhor possível já nas primeiras entrevistas os lugares de sofrimento Insisto na obrigação de localizar corporalmente a dor isso mesmo corporalmente e principalmente de fazer surgir outro tipo de queixa diferente da inicial em geral demasiado elaborada conscientemente pelo analisando antes de vir consultarnos Esse outro tipo de queixa se manifesta em mim evidentemente mas também apesar de mim contra mim sem que eu saiba Por exemplo é mais importante na minha opinião ouvir um sujeito falar do seu choro e até de suas lágrimas sem motivo dos rituais que acompanham os seus momentos de tristeza do que ouvilo falar da sua fadiga Vou tentar ser um pouco mais preciso Há pacientes que vêm pela primeira vez dizendo que estão cansados que ora estão bem ora não estão bem e se alongam sobre o seu estado de depressão Nesse caso há uma pergunta que eu não hesito em fazer Você às vezes chora Em geral eles respondem que sim Eu lhes pergunto 162 Como trabalha um psicanalista imediatamente Sozinho ou com outras pessoas na presença de alguém em especial Muitas vezes eles respondem Sozinho Acrescento Em que lugar da casa Um bom número deles me respondem No banheiro Eu lhes direi por que com ajuda de outros exemplos Vamos escutar por exemplo uma anoréxica É mais importante estimulála a falar das circunstâncias nas quais ela está sujeita à impulsão incontrolável de provocar vômito do que ouvila falar da sua história conflituosa com a mãe Quero dizer que por ocasião das primeiras entrevistas com as nossas intervenções e perguntas temos que introduzir de certa forma um canto na relação do sujeito com a sua demanda para permitirlhe retificar a sua posição subjetiva em relação ao seu sofrimento para modificar a maneira que ele tem de interpretar o seu sofrimento experimentálo e vivêlo Principalmente desejo expressar aqui a importância para um psicanalista de estar pronto com esse tipo de pacientes e com os pacientes em geral neuróticos em geral a não se contentar com a história familiar nem com alusões a estados vagos e incertos Nesse caso é o Eu que fala Em contrapartida partam à procura do sujeito do inconsciente Partam à procura de todos os atos sintomáticos nos quais o sujeito é ultrapassado pelo seu ato Mesmo que se trate de pacientes que não esperam nada de ninguém resta uma chance por tênue que seja de poder suscitar uma surpresa Em suma fazer trabalhar a demanda do sofredor isto é proceder à retificação da sua posição subjetiva em relação à sua demanda consiste em uma colocação em palavras dos momentos e experiências nos quais o paciente é ultrapassado pelo seu ato É necessário para fazer tal retificação saber tantos detalhes Por que não se contentar com o que se apresenta nas evocações do paciente O ganho não se refere em nada nem ao saber nem à informação Para o analista não se trata de uma manifestação do desejo de saber e ainda menos de um interrogatório policial Muitos analistas não fazem perguntas porque aprendemos eis um exemplo de automatismo mental infecundo que durante a primeira entre vista convém não fazêlas Alguns analistas especialmente anglosa xônicos defenderam e ainda defendem que o analista não deve fazer perguntas nem falar mesmo por ocasião das primeiras entrevistas Alguns até dizem que o analista não deve absolutamente intervir durante os três ou quatro primeiros meses do tratamento Minha A cura 163 posição não é essa Poderiam dizer que eu quero precipitar as coisas andar mais rápido segundo o meu estilo que talvez seja peculiar mas não é isso que determina a freqüência das minhas intervenções Em geral não intervenho muito e o paciente não fica ouvindo a minha voz o tempo todo O que é importante para mim é aproveitar a oportunidade de acentuar as linhas de fenda que são apenas vislum bradas no relado da demanda inicial Dar lugar ao semblante Com que finalidade intervir junto ao analisando Não é para me informar mas porque procedendo assim efetuando essa retificação subjetiva seguese um fenômeno curioso manifestações sintomáticas pontuais e bem delimitadas que ficariam de fora se não fizéssemos perguntas são trazidas para o interior do campo da análise E com isso começa pouco a pouco a instaurarse a estabelecerse uma conexão de natureza transferencial entre esses sintomas e nós ana listas até que façamos parte do sintoma Esse gênero de conexão é o índice maior da transferência A transferência supõe que comecemos pouco a pouco a interferir a nos introduzir no sofrimento do outro Só poderemos fazêlo se entrarmos na cena no roteiro nos detalhes na pontuação do discurso É o que Lacan chama de semblante isto é aquilo que desencadeia abre modula o discurso do analista o que institui e inaugura verda deiramente o discurso analítico Assim a demanda de cura feita no início da análise é substituída lenta e progressivamente por manifes tações transferenciais Freud diz Essa relação que por brevidade se chama transferência logo toma o lugar no paciente do desejo de cura 9 De fato pouco a pouco o paciente instala um amor de transferência que no início se traduz por um clima muito positivo cheio de cordialidade em que a relação com o psicanalista é excelente Tudo vai extraordinariamente bem O sujeito vem às sessões com muito entusiasmo e interesse Conta os seus sonhos fala do seu passado das vicissitudes do seu destino E chega a outro patamar que chamo de seqüência dolorosa da transferência Assim demanda de cura amor de transferência seqüência dolo rosa da transferência representam o encadeamento das etapas que fazem com que progressivamente o interesse inicial que o sujeito 164 Como trabalha um psicanalista tinha pelo tratamento e pela cura seja esquecido Verifiquem por si mesmos reflitam escutem os seus pacientes Verão que aqueles que estão no divã há um ano um ano e meio já não estão mais à espera tão particular da cura como estavam no começo A situação mudou Não estão mais na mesma posição subjetiva A ambivalência do desejo de cura Como a demanda de cura se transformou em transferência mais exatamente em neurose de transferência em doença da transferência A característica essencial da transferência é como sabemos o fato de ser a reprodução de um novo estado neurótico Como aquele que quer se curar aceita entrar nesse estado doentio mórbido em certos aspectos que nós chamamos de transferência Vejo que escolheram deliberadamente termos enfatizados para expressar bem que tais relações transferenciais doentias e mórbidas estão sempre presentes nas pessoas com as quais trabalhamos Não devemos ter medo de pensar e dizer isso porque ao não dissimularmos essa faceta da nossa prática podemos proceder de maneira mais correta e de qualquer forma menos falsa Repito a pergunta de vocês como alguém que quer se curar se empenha numa relação psicanalítica portadora de uma nova doença É porque aquele mesmo que quer se curar também quer não se curar Não só não quer curarse mas também procura instaurar condições favoráveis à manutenção da sua doença A demanda de cura é pois equívoca por um lado ela não existe sem a força de acreditar na análise ou naquilo que pode resultar dela mesmo que essa expectativa permaneça indeterminada força que qualificaremos de positiva Mas a demanda de cura encerra por outro lado o desejo de não curarse e conseqüentemente de não se separar dos seus sintomas e continuar refugiandose na doença Duas citações de Freud confirmam isso Primeiro Temos cons tatado que os sintomas mórbidos são uma parte da atividade amorosa do indivíduo ou mesmo a sua vida amorosa inteira10 Esse ponto de vista freudiano parece essencial pois torna equivalentes sintomas neuróticos e maneira de amar Sofrer nos e pelos seus sintomas é um modo de amar e em primeiro lugar de amar os seus sintomas Todos conhecem a famosa observação de Freud em um de seus manuscritos dirigido a Fliess em que ele trata das psicoses Esses doentes amam A cura 165 o seu delírio como se amam a si mesmos11 Essa citação pode aplicarse igualmente aos sintomas neuróticos e aos sintomas mórbidos que são pois uma parte importante da atividade amorosa de um indivíduo E Freud acrescenta a essa primeira citação as próprias pulsões sexuais não querem de modo algum renunciar à satisfação que lhes dá o substituto fabricado pela doença12 Por substituto devemos entender o sintoma Quando alguém ama o seu sofrimento quando não deseja curarse é incurável A menos que a terapêutica aja por via indireta Ou seja na medida em que o desejo de não curarse é um obstáculo muito importante e muito forte é impossível tomálo pela frente num tratamento em um trabalho de análise o único meio que temos de contornar esse obstáculo é optar por uma via indireta Qual é essa via indireta Justamente a criação de uma nova neurose a neurose de transferência destinada a responder em primeira ins tância ao desejo de doença do analisando a fim de chegar num segundo tempo a libertálo desse desejo A relação do psicanalista com a cura Voltemos ao nosso ponto de partida e abordemos agora a relação do analista com a cura Dissemos que a cura não é nem um conceito psicanalítico nem um fim em si para o psicanalista Mas não justifi camos essa proposição Devemos pois dar um passo a mais e explicar por que a idéia de cura não é um conceito Para que exista um conceito para que um termo tenha acesso a essa dignidade uma condição mínima é requerida que esse termo se integre de modo rigoroso e lógico no conjunto dos conceitos de um corpus teórico Esse é um critério simples robusto e muito correto Depois o termo cura a própria idéia de cura o préconceito de cura entra em nítida contra dição com a concepção psicanalítica que temos da neurose e mais particularmente com o conceito de sofrimento Digamos esquema ticamente que dois tipos de sofrimento habitam o neurótico o que é vivido sob a forma do sintoma e um outro sofrimento nãovivido inconsciente invisível imperceptível que os sintomas tentam con temporizar no limite da resolução e até da cura Os sintomas são a 166 Como trabalha um psicanalista expressão de uma tentativa de autocura do Eu Uma tentativa inábil sem dúvida ineficaz do Eu mas assim mesmo uma tentativa inscrita no mesmo fio de uma resolução do intolerável sofrimento inconsciente Se caímos doentes de neurose se temos medos dores corporais acessos de cólera inesperados imprevistos súbitos se somos assal tados por esta ou aquela figura do espectro dos sintomas ditos neuróticos devemos saber que eles são a expressão de uma luta no interior do Eu de uma luta invisível empreendida pelo Eu que tenta tornar mais tolerável uma dor inconsciente Os sintomas são pois a expressão de uma batalha Constituem a parte visível de um combate inconsciente do Eu contra um sofrimento inconsciente intolerável para o Eu e visam tornálo mais aceitável Isso explica em parte a frase de Freud citada acima a respeito do neurótico que ama seus sintomas como a si mesmo Ama os seus sintomas porque eles são a expressão de uma defesa da tentativa de resolver uma dor penosa e inconsciente Nossa concepção psicanalítica dos sintomas é pois por assim dizer uma concepção positiva eles exprimem um movimento positivo do Eu para desembaraçarse de um sofrimento intolerável Logo ao contrário do médico que quer suprimir o sintoma nós vamos nos servir dele como de uma via de entrada indireta a fim de trabalhar para dissipar a dor penosa e inconsciente Evidentemente essa tentativa indireta através do sintoma não corresponde a um procedimento estratégico nem segue um projeto definido e preciso Compreendemos agora por que não podemos fazer nossa e integrar à nossa teoria a idéia de cura como eliminação dos sintomas Querer eliminar os sintomas seria como querer fazer com que os sonhos desaparecessem com que as vozes do inconsciente se calassem13 A cura não é nem um conceito nem um alvo Assim como não é um conceito a cura também não é um alvo Isso é verdade mesmo que a concebamos como uma mudança uma modificação estrutural do psiquismo ou ainda segundo Freud como uma reorganização do Eu Efetivamente Freud fala de ampliação do Eu e define a cura como a produção de um ser psíquico novo Mesmo assim concebida a cura continua sendo uma idéia um ideal vago afinal nocivo à análise e ao psicanalista A cura 167 Escutemos ainda duas frases de Freud sobre o lugar que a cura ocupa no espírito do terapeuta Em 1927 ele escreve o doente não tem grande vantagem em que para o médico o interesse tera pêutico seja de predominância afetiva O melhor para ele é que o médico trabalhe com sangue frio e o mais corretamente possível14 Muito antes em 1912 ele confessou Digome muitas vezes para tranqüilizar a minha consciência antes de tudo não querer curar mas aprender e ganhar dinheiro São as representações de finalidades conscientes que são as mais utilizáveis15 De fato se o analista institui um projeto curativo para a análise se conscientemente ele se diz É preciso que consigamos isso ele se arrisca não só a atribuir limites artificiais para o trabalho analítico e orientar confusamente a sua participação no nível da escuta mas também a seguir a tendência afetiva mais perigosa da contratransfe rência aquela que mais ameaça o analista o orgulho terapêutico Essa pretensão se exprime sob a forma mais conhecida do narcisismo do terapeuta Se a cura é um objetivo o sucesso ou fracasso da sua obtenção só dependem de mim Então a idéia de alvo situa imedia tamente o terapeuta em uma posição pretensiosa de falsa responsabi lidade A fim de lembrar ao analista a humildade necessária para cumprir a sua função Freud e Lacan elaboraram cada um à sua maneira fórmulas muito inspiradas Freud retomou o aforismo do médico anatomista notável que foi Ambroise Paré Para enfatizar os limites da sua arte e pensando no doente do qual se ocupava Ambroise Paré enunciou Eu o trato Deus o cura16 Aforismo que traduziríamos assim Eu o escuto prestome ao jogo das forças pulsionais a psicanálise o cura Lacan teria completado essa fórmula dizendo Eu o escuto e a psicanálise o cura por acréscimo Lacan repetia muitas vezes essa fórmula da cura compreendida como a supressão do sofrimento dos sintomas e limitada a ser um efeito produzido por acréscimo Para terminar gostaria de lembrar aqui alguns trechos de Lacan a cura é um benefício por acréscimo do tratamento psicanalítico ele o analista se abstém de todo abuso do desejo de curar17 Lembrome de ter provocado indignação dizendo que na análise a cura vinha de certa forma por acréscimo Viram nisso não sei que desprezo por aquele de quem somos encarregados por aquele que sofre 168 Como trabalha um psicanalista Eu estava falando de um ponto de vista metodológico É claro que a nossa justificação assim como o nosso dever é melhorar a posição do sujeito E afirmo que nada é mais vacilante no campo em que estamos do que o conceito de cura18 Em uma intervenção aliás pouco conhecida no dia 5 de fevereiro de 1957 publicada em La Psychanalyse no419 Lacan fala da cura como um benefício por acréscimo Retoma muitas vezes a expressão por acréscimo para marcar precisamente um algo mais um além disso Além de alguma coisa que já estaria adquirida Adquirida que se deve entender como a própria relação analítica como o engajamento transferencial entre o analisando e o analista É verdade que a expressão por acréscimo tem um antecedente nesta frase notável de Freud A eliminação dos sintomas de sofrimento não é procurada pelo terapeuta como objetivo particular mas sob a condição de uma conduta rigorosa da análise ela ocorre por assim dizer como um benefício anexo Freud não utiliza a expressão por acréscimo mas usa o vocábulo anexo Anexo a quê Anexo ao efeito principal que é a reorgani zação do Eu em benefício do Isso Quanto a mim diria em conclusão sempre com o desejo de atenuar essa pretensão esse orgulho terapêutico do analista a cura não é um objetivo que o analista deve atingir mas um efeito secundário da análise que o analista pode esperar NOTAS 1 S Freud XXXIª conferência Eclaircissements applications orienta tions in Nouvelles conférences dintroduction à la psychanalyse Paris Gallimard 1984 Cf p205 Comparada aos outros processos de psicoterapia a psicanálise é sem dúvida alguma o mais poderoso 2 Cf E Glover Technique de la psychanalyse Paris PUF 1958 3 J Lacan Télevision Paris Seuil 1974 p17 4 S Freud Traitement psychique traitement dâme 1890 in Ré sultats idées problèmes 18901920 Paris 1984 p11 5 J Lacan cf por exemplo Desde que exista de algum modo o sujeito suposto saber que abreviei hoje no quadro pela fórmula SsS há transferência in Les quatre concepts fondamentaux de la psychanalyse A cura 169 Livro XI 1964 Paris Seuil col Le Champ Freudien 1973 p210 col Points no217 1990 p258 Cf também essa transferência eu a articulo com o sujeito suposto saber in Télévision opcit p49 6 J Lacan La direction de la cure et les principes de son pouvoir in Écrits Paris Seuil 1966 p601 7 I Macalpine Lévolution du transfert in Revue Française de Psy chanalyse no3 tomo XXXVI maio de 1972 p44574 8 S Freud Traitement psychique traitement dâme 1890 in Résultats idées problèmes opcit p12 arrancar grifado por mim tratamento psíquico grifo do autor 9 S Freud Sigmund Freud présenté par luimême Paris Gallimard 1984 p71 transferência sublinhado pelo autor 10 S Freud Cinq leçons sur la psychanalyse Paris Payot 1989 p59 11 S Freud 21 Manuscrit H Lettre à Fliess du 24011895 in La naissance de la psychanalyse Paris PUF 1979 p101 12 S Freud Cinq leçons sur la psychanalyse opcit p59 13 Cf Psychanalyse et guérison documento da jornada de estudos de outubro de 1987 da Escola Propedêutica do Conhecimento do Inconsciente publicação interna 14 S Freud Postface 1927 in La question de lanalyse profane Paris Gallimard 1985 p146 15 S Freud CG Jung Lettre du 2511909 in Correspondance I 19061909 Paris Gallimard 1975 p278 16 Cf S Freud Conseils aux médecins sur le traitement analytique in La technique psychanalytique Paris PUF 1981 17 J Lacan Variantes de la curetype in Écrits opcit p324 18 J Lacan Langoisse 196263 inédito seminário do dia 12 de dezembro de 1962 19 Cf supra a epígrafe deste artigo 20 S Freud Psychanalyse et théorie de la libido in Résultats idées problèmes II 19211938 Paris PUF 1985 p69 170 Como trabalha um psicanalista Índice geral ÍNDICE GERAL I A TÉCNICA ANALÍTICA Abertura Montar o cenário para que a verdade apareça As diferentes fases do tratamento retificação subjetiva sugestão neurose de transferência e intepretação Freud hipnotizador O método catártico A surpresa A coerção associativa e a resistência Abstractus do analisando II O CARÁTER DE ANALISABILIDADE Nem todo paciente que nos consulta é analisável Neuroses de transferência e neuroses narcísicas Realidade psíquica local O bom senso As neuroses de transferência A neurose de transferência uma neoformação psíquica A expectativa terapêutica A expectativa de pesquisa A experiência ética Dois níveis de compreensão da transferência o nível matricial e o nível da significação A transferência é uma pulsão pulsão analítica O Gozo fálico Critério de analisabilidade a capacidade de ser afetado pela pulsão Nível da significação da transferência A significação transferencial Diferença entre psicoterapia e psicanálise O desejo do analista Demandas de amor A transferência faz surgir a pulsão o desejo do analista faz falar Elementos de apreciação para passar ao divã Respostas às perguntas III A NATUREZA DA TRANSFERÊNCIA Formar a percepção sutil do psicanalista A seqüência dolorosa da transferência A transferência é uma pulsão pulsão fálica Primeiro nível matricial Segundo nível a significação O nível matricial da transferência Critério de analisabilidade ser afetado pela pulsão Discordância temporal o Eu vai mais rápido que a pulsão A criança e o espelho O desejo do analista O nível da significação A entrada na neurose de transferência Respostas às perguntas IV A SEQÜÊNCIA DOLOROSA DA TRANSFERÊNCIA A transferência fantasística O manejo da transferência Os sinais indicadores da passagem da seqüência dolorosa da transferência Identificação do Eu do analisando com o falo imaginário Falicização do ser no analisando O analista representa o indizível da dor e está dissociado O Eu se faz objeto da pulsão A transferência é uma fantasia A dor de existir a dor como falta V A CONTRATRANSFERÊNCIA Definição Histórico A contratransferência Nem todo mundo pode ser psicanalista A contratransferência uma resistência do analista O psicanalista e a surpresa Aspectos clínicos da contratransferência duas correntes teóricas Diferenças entre resistência de transferência e resistência da contratransferência Surgimento do Sujeito do inconsciente A resistência de transferência Nossa posição sobre a contratransferência uma questão de ordem ética A angústia do analista signo da iminência de um perigo Respostas às perguntas VI A CONTRATRANSFERÊNCIA E O LUGAR DO ANALISTA Em resumo A contratransferência é o lugar do analista A contratransferência como superinvestimento de ia O lugar do analista Mudança de realidade O ponto de mira Fazer silêncioemsi Fazer silêncioemsi lugar do Gozo O lugar do analista e o seu ser Diferença entre fazer silêncioemsi e ficar sem voz Ocupar o seu lugar implica um deslocamento psíquico Como escutamos o inconsciente Existe um só inconsciente na relação analítica Dor e luto O analista é propelido e desarmado Exemplo clínico uma fantasia de gravidez num analista homem Exemplo tirado da literatura uma percepção pouco comum Respostas às perguntas VII A INTERPRETAÇÃO O que a interpretação não é Definição da interpretação A interpretação significante Características de uma fala interpretativa Como dizer a verdade às crianças Como o analisando recebe a interpretação Exemplo clínico uma fantasia olfativa Reconstrução no a posteriori Respostas às perguntas VIII A CURA A cura no analisando A retificação subjetiva Dar lugar ao semblante A ambivalência do desejo de cura A relação do psicanalista com a cura A cura não é nem um conceito nem um alvo Notas Linguagem e Psicanálise Lingüística e Inconsciente Freud Saussure Pichon Lacan Michel Arrivé Sobre a Interpretação dos Sonhos Artemidoro Fundamentos da Psicanálise De Freud a Lacan vol1 As bases conceituais Marco Antonio Coutinho Jorge série especial Os Três Tempos da Lei O mandamento siderante a injunção do supereu e a invocação musical Alain DidierWeill Trabalhando com Lacan na análise na supervisão nos seminários Alain DidierWeill e Moustapha Safouan org A Criança do Espelho Françoise Dolto e JD Nasio O Pai e sua Função em Psicanálise Joël Dor Freud a Judeidade A vocação do exílio Betty Fuks série especial Clínica da Primeira Entrevista EvaMarie Golder Escritos Clínicos Serge Leclaire Elas não Sabem o que Dizem Virginia Woolf as mulheres e a psicanálise Maud Mannoni Freud uma biografi a ilustrada Octave Mannoni série especial Cinco Lições sobre a Teoria de Jacques Lacan JD Nasio Como Trabalha um Psicanalista JD Nasio A Dor Física Uma teoria psicanalítica da dor corporal JD Nasio Os Grandes Casos de Psicose JD Nasio A Histeria Teoria e clínica psicanalítica JD Nasio Introdução às Obras de Freud Ferenczi Groddeck Klein Winnicott Dolto Lacan JD Nasio dir Lições sobre os 7 Conceitos Cruciais da Psicanálise JD Nasio O Livro da Dor e do Amor JD Nasio O Olhar em Psicanálise JD Nasio COLEÇÃO TRANSMISSÃO DA PSICANÁLISE O Prazer de Ler Freud JD Nasio Psicossomática As formações do objeto a JD Nasio O Silêncio na Psicanálise JD Nasio A Foraclusão Presos do lado de fora Solal Rabinovitch As Cidades de Freud Itinerários emblemas e horizontes de um viajante Giancarlo Ricci Guimarães Rosa e a Psicanálise Ensaios sobre imagem e escrita Tania Rivera A Força do Desejo O âmago da psicanálise Guy Rosolato A Análise e o Arquivo Elisabeth Roudinesco O Paciente o Terapeuta e o Estado Elisabeth Roudinesco A Parte Obscura de Nós Mesmos Uma história dos perversos Elisabeth Roudinesco Pulsão e Linguagem Esboço de uma concepção psicanalítica do ato Ana Maria Rudge O Inconsciente a Céu Aberto da Psicose Colette Soler O Que Lacan Dizia das Mulheres Colette Soler As Dimensões do Gozo Do mito da pulsão à deriva do gozo Patrick Valas RESENHA DO LIVRO DOR Joel 1991 Estruturas e clínica psicanalítica Rio de Janeiro TaurusTimbre Dör organiza a trama do curso em torno da noção de diagnóstico uma abordagem psicanalítica que busca abordar a prática clínica com uma perspectiva sintética Desde o início o texto destaca o embaraço técnico enfrentado pelos clínicos no campo do inconsciente ao lidar com a urgência prática O conceito de balizamento é central nesta obra referindose à topografia clínica onde o clínico encontra confusões nas referências Embora não haja uma solução definitiva para essas dificuldades o autor sugere que a experiência prática e as ferramentas subjetivas são essenciais Apesar das limitações é possível estabelecer balizas metapsicológicas rigorosas que ajudem a circunscrever entidades nosográficas estáveis focando na investigação do inconsciente As balizas metapsicológicas mencionadas exigem distinções em dois níveis a elaboração do diagnóstico e a condução da cura Essas balizas são intransmissíveis fora do trabalho prático individual mas são cruciais para introduzir a noção de diagnóstico numa perspectiva estrutural O curso abrange as estruturas histérica obsessiva e perversa excluindo deliberadamente as estruturas psicóticas devido à sua complexidade e ao tempo limitado disponível O autor faz uma incursão nas concepções freudianas clássicas para discutir a ambiguidade do diagnóstico psicanalítico Desde 1895 Freud evidenciou a dificuldade de obter uma ideia clara de um caso de neurose sem uma análise aprofundada sublinhando a necessidade de um diagnóstico precoce para orientar o tratamento Contudo este diagnóstico só se confirma após certo tempo de tratamento revelando a dimensão paradoxal e a especificidade do diagnóstico em psicanálise O diagnóstico psicanalítico difere fundamentalmente do diagnóstico médico Enquanto o diagnóstico médico se apoia em uma investigação multivariada anamnese e exame direto o analista depende exclusivamente da escuta O campo de investigação é essencialmente verbal saturado de mentiras e fantasias onde o sujeito expressa sua cegueira quanto à verdade de seu desejo A avaliação diagnóstica em psicanálise é subjetiva sustentada pelo discurso do paciente e pela subjetividade do analista Apesar dessas diferenças a psicanálise pode definir uma topografia das afecções psicopatológicas considerando a causalidade psíquica e os efeitos imprevisíveis do inconsciente A relação entre diagnóstico e tratamento é singular não seguindo uma implicação lógica direta como na medicina O analista deve balizarse em elementos estáveis mantendo vigilância para evitar a psicanálise selvagem que Freud criticou por apoiarse em racionalizações causalistas precipitadas O diagnóstico psicanalítico é um ato potencial inicialmente suspenso e relegado a um devir A confirmação diagnóstica requer tempo de análise mas uma posição diagnóstica deve ser rapidamente circunscrita para orientar a cura Este processo envolve um tempo de observação preliminar conhecido como entrevista preliminar ou tratamento de experiência onde o dispositivo analítico já está em operação Desde as entrevistas preliminares Freud sublinhou a importância do dispositivo do discurso livre onde a avaliação diagnóstica se circunscreve no dizer do paciente não no dito A escuta é o instrumento crucial de discriminação diagnóstica sobrepondose ao saber nosográfico e às racionalizações causalistas Maud Mannoni em sua obra reforça a importância da escuta nas primeiras entrevistas ilustrando a problemática do diagnóstico na psicanálise Na prática clínica é comum tentar identificar um diagnóstico com base na especificidade dos sintomas e o sucesso terapêutico frequentemente depende dessas correlações No entanto a psicanálise se diferencia da medicina devido à causalidade psíquica que não segue um determinismo orgânico A causalidade psíquica não permite previsões estáveis como nas ciências biológicas pois não existe uma articulação fixa entre causas e efeitos no inconsciente Enquanto a medicina se baseia em regularidades causais observáveis e previsíveis a psicanálise lida com processos psíquicos que não obedecem a essas linhas de regularidade Não há inferências estáveis entre causas psíquicas e efeitos sintomáticos o que torna a elaboração de diagnósticos na psicanálise distinta da medicina O autor argumenta que para estabelecer um diagnóstico psicanalítico é necessário ouvir o dizer do paciente pois é no discurso que se revela a estrutura do sujeito A dinâmica do inconsciente não segue uma lógica linear e imediata entre sintomas e estrutura do sujeito Por exemplo Freud mostrou que o masoquismo pode ser entendido como um sadismo voltado contra si mesmo e o exibicionismo inclui o prazer de ser observado Esses processos de retorno sobre a própria pessoa mostram que não há uma relação causal direta e imediata entre sintomas e diagnósticos A lógica inconsciente opera com equivalências que não permitem deduções seguras de diagnósticos a partir de sintomas específicos Por exemplo o sintoma voyeurista não implica necessariamente em exibicionismo e a arrumação obsessiva pode estar presente tanto em neuroses obsessivas quanto em histerias como sintoma de empréstimo conjugal Essas observações indicam que não há uma continuidade direta entre a observação do sintoma e a avaliação diagnóstica A psicanálise exige a participação ativa do paciente através do discurso para decodificar os processos inconscientes Freud afirmou que o sonho é a via real para o inconsciente mas só é eficaz quando o sujeito sustenta um discurso sobre o sonho Lacan reforçou que a experiência psicanalítica descobre a estrutura da linguagem no inconsciente e que o sintoma é estruturado como uma linguagem que precisa ser libertada pela palavra O diagnóstico psicanalítico se baseia na articulação da palavra e nas referências estruturais que se manifestam no dizer do paciente Essas referências são indícios que balizam o funcionamento da estrutura subjetiva representando painéis de significação impostos pela dinâmica do desejo A especificidade da estrutura de um sujeito se caracteriza pelo perfil da dinâmica do desejo que se expressa no discurso A distinção entre sintomas e traços estruturais é fundamental na psicanálise para um diagnóstico eficaz Os sintomas vistos como sobre determinados e ligados ao processo primário especialmente à condensação são metáforas que carregam múltiplos significados Freud destaca que o sintoma é mais do que aparenta funcionando como uma substituição significante Esses sintomas são imprevisíveis e variáveis enquanto os traços estruturais oferecem constância na organização psíquica e devem ser o foco do diagnóstico A entrada do sujeito na estrutura psíquica ocorre no complexo de Édipo e é marcada pela relação com a função paterna A estrutura psíquica se define de forma permanente durante o desenvolvimento mas a economia do desejo pode variar A analogia com a biologia molecular ilustra a autoconservação das estruturas psíquicas onde apesar da estrutura ser irreversível a economia do desejo pode apresentar variações A figura do pai é dividida em real imaginário e simbólico O pai real é o ser na realidade enquanto o pai imaginário é idealizado e intervém no complexo de Édipo O pai simbólico é a instância mediadora do desejo crucial na estruturação psíquica A ausência física do pai real não impede a função estruturante do pai simbólico e imaginário A função fálica mediada pela figura paterna orienta o desejo da criança conduzindo à aceitação da castração simbólica e à resolução do complexo de Édipo O texto detalha as noções de estrutura psíquica e função paterna destacando sua importância na prática clínica psicanalítica A diferença entre sintomas e traços estruturais juntamente com a tripartição do pai em real imaginário e simbólico é essencial para a compreensão e diagnóstico das neuroses A analogia com a biologia molecular enriquece a compreensão do funcionamento psíquico oferecendo uma perspectiva inovadora sobre a estabilidade e a variabilidade da economia do desejo Freud aborda as perversões sob diferentes ângulos ao longo de sua obra destacandose a distinção entre inversões e perversões estabelecida em Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade Inversões referemse a desvios no objeto da pulsão enquanto as perversões envolvem desvios quanto ao seu fim Essas noções ancoradas na plasticidade do mecanismo pulsional inscrevem o processo sexual perverso no desenvolvimento normal da sexualidade especialmente na infância Freud demarca claramente entre neuroses e perversões ao afirmar que a neurose é por assim dizer o negativo da perversão Ele sugere que os sintomas neuróticos resultam do recalque de componentes pulsionais sexuais que se expressos sem afastamento da consciência seriam considerados perversos Este ponto destaca uma diferença crucial na ancoragem dessas estruturas na dialética edipiana Em Pulsões e Suas Vicissitudes 1915 Freud expande a compreensão das perversões introduzindo os destinos pulsionais de inversão em seu contrário e retorno sobre a própria pessoa Essa generalização permite um entendimento unificado das perversões além dos estereótipos sexuais orientando as investigações para um mecanismo metapsicológico inaugural especialmente a partir das noções de denegação da realidade e clivagem do eu intrínsecas ao funcionamento psíquico O complexo de Édipo e a atribuição fálica da mãe são centrais para entender a castração e a formação de estruturas perversas A criança ao confrontarse com a ausência de pênis na mãe elabora construções psíquicas defensivas para evitar a angústia de castração resultando em diferentes orientações da economia psíquica Freud propõe três soluções para essa angústia duas que transgridem a castração levando às perversões e uma que a aceita resultando em nostalgia sintomática nas neuroses Freud identifica dois processos defensivos principais na organização perversa fixaçãoregressão e denegação da realidade Na homossexualidade masculina a fixação narcísica em uma mulher com pênis persiste no inconsciente Já o fetichismo envolve a denegação da ausência de pênis na mulher substituindoo por um objeto fetiche que simboliza o falo evitando a saída homossexual A clivagem do eu emerge como um mecanismo central evidenciado no fetichismo pela coexistência de duas formações psíquicas contraditórias o reconhecimento e a denegação da ausência de pênis Esta clivagem uma instância intrínseca à estrutura do sujeito é essencial para descrever a psicodinâmica das perversões e psicopatologias O livro aborda a dinâmica complexa da formação psíquica na infância especialmente no contexto edipiano onde a criança se confronta com a triangulação familiar e as questões de desejo e castração A figura do pai surge como um elemento de ruptura na relação dual entre a criança e a mãe introduzindo a ideia de rivalidade fálica e a percepção da mãe como ausente em relação ao desejo da criança A rivalidade fálica imaginária desencadeia um processo de confronto com a castração representada simbolicamente pelo pai Essa confrontação é crucial para o desenvolvimento psíquico saudável pois impulsiona a criança a aceitar a falta e a diferença dos sexos fundamentais para a constituição do desejo humano No entanto o texto discute como os perversos lidam com essa confrontação de forma distorcida Eles resistem à castração negam a falta no Outro e buscam manter uma ilusão de onipotência fálica Isso resulta em uma fixação arcaica no desejo onde o perverso se recusa a reconhecer a lei do desejo do outro e permanece preso a um ciclo de desafio e transgressão Essa recusa em enfrentar a castração leva a uma estagnação no desenvolvimento psíquico onde o perverso prefere renunciar ao desejo como um todo a aceitar a perda do objeto primordial de desejo Ao fazer isso eles perdem a oportunidade de alcançar um novo estatuto de desejo baseado na aceitação da falta e na orientação pelo desejo do outro No diagnóstico diferencial entre as perversões a histeria e a neurose obsessiva observase que o desafio e a transgressão estão presentes em outras estruturas além da estrutura perversa como na neurose obsessiva e na histeria No entanto a transgressão não se articula ao desafio da mesma maneira Na neurose obsessiva o desafio está presente em comportamentos sintomáticos como a compulsão ao engajamento em competições ou formas de domínio No entanto qualquer possibilidade de transgressão é quase impossível para o obsessivo que está preocupado em seguir as regras Ele tenta ser perverso sem sucesso lutando contra seu desejo de transgressão A transgressão dos obsessivos é uma forma de fuga adiante em relação ao seu próprio desejo Já na histeria a dimensão do desafio está relacionada à identidade sexual e à ambiguidade mantida sobre ela O desejo histérico pode assumir expressões perversas como encenações homossexuais buscando fazer advir a verdade ou desafiando o desejo do outro No entanto a dimensão da transgressão na histeria é contaminada pelo que a caracteriza nas perversões permanecendo sempre um desafio vazio não sustentado pela lei paterna que relaciona a lógica fálica à castração Na estrutura perversa o desafio se dirige principalmente à Lei do pai buscando afirmar a predominância do próprio desejo sobre o desejo do outro O perverso desafia essa lei para demonstrar que ela não é um limite absoluto buscando o gozo na estratégia de ultrapassála A presença de um cúmplice real ou imaginário é fundamental para o desenvolvimento do comportamento perverso pois permite a ilusão de que os limites estão sendo desafiados O perverso mantém uma relação específica com a mãe e com todas as mulheres baseada na renegação do desejo da mãe pelo pai e na construção fantasmática da castração Essa relação oscila entre responsabilizar o pai por submeter a mãe à lei do seu desejo e culpar a mãe por desejar o pai O perverso busca neutralizar o Pai Simbólico imaginando a mãe como não carente para manter a ilusão de ser o único objeto de desejo que a faz gozar O texto aborda a dinâmica complexa das relações familiares especialmente no contexto do Complexo de Édipo onde são exploradas as interações entre mãe pai e criança Há uma análise detalhada das influências psicológicas que moldam a identidade e o desenvolvimento da criança particularmente no que diz respeito à relação com a figura materna e paterna A mãe fálica é um conceito central no texto representando uma figura materna que exerce poder e influência sobre a criança especialmente no que diz respeito ao seu desejo e identificação A relação da criança com essa figura materna influencia sua compreensão do desejo e do papel do pai na dinâmica familiar O autor explora as diferenças entre estruturas psíquicas como neuroses obsessivas e histerias e as perversões Ele destaca como cada uma dessas estruturas lida com questões de desejo posse e identidade oferecendo uma análise clínica dessas dinâmicas No geral o texto apresenta uma reflexão profunda sobre os mecanismos psicológicos que influenciam as relações familiares e o desenvolvimento da identidade individual destacando a complexidade desses processos e suas ramificações na vida adulta O livro trata da estrutura histérica explorando sua relação com a dialética do desejo e a lógica fálica Destacase a transição do ser ao ter influenciada pela intervenção paterna e pela questão da castração A conquista do falo é crucial para a criança se libertar da rivalidade fálica e iniciar a lógica do desejo histérico A identificação com o falo e a alienação subjetiva são elementos centrais com o histérico buscando identificarse com aquele que supostamente detém o falo Os sintomas da histeria são discutidos mas enfatizase a importância de entender os traços estruturais subjacentes A sedução é colocada a serviço do falo e as estratégias neuróticas variam entre homens e mulheres especialmente em relação à identificação com o objeto ideal do desejo O autor aborda a relação complexa entre a mulher histérica e sua conexão com o sexo explorando os aspectos psicológicos e sociais envolvidos O texto destaca como o desejo da mulher histérica está muitas vezes ligado à busca pelo falo no outro simbolizando uma falta que ela projeta no parceiro masculino Da mesma forma o reconhecimento da falta é crucial na relação com o sexo oposto como uma forma de reconhecer a castração no outro A busca incessante pela perfeição é destacada como uma característica proeminente da mulher histérica refletida na sua constante preocupação com a beleza e a busca por modelos femininos para se identificar No entanto essa busca pela perfeição está sempre ligada à insatisfação e à hesitação resultando em uma busca interminável por objetos ou parceiros que possam preencher essa falta A obra também aborda a relação da mulher histérica com o saber destacando como ela busca se identificar com o conhecimento de outra pessoa muitas vezes sacrificando sua própria identidade intelectual A escolha de parceiros amorosos é examinada revelando a tendência da mulher histérica em buscar homens inacessíveis ou impossíveis de satisfazer mantendo assim sua insatisfação constante A histeria masculina dentro do contexto da psicanálise freudiana destacando sua relevância tanto para homens quanto para mulheres embora muitas vezes seja subdiagnosticada e mascarada O autor explora como a histeria masculina é frequentemente associada a traumas físicos ou emocionais como acidentes de trabalho ou experiências de guerra o que pode complicar seu reconhecimento médico Ao longo do texto são examinados os sintomas característicos da histeria masculina incluindo crises de cólera impotência sexual exibicionismo e distúrbios sexuais como ejaculação precoce Além disso são destacadas as estratégias de busca por reconhecimento social e amor por parte dos homens histéricos que muitas vezes tentam seduzir e agradar a todos ao seu redor como forma de compensar sua sensação de inadequação Uma parte significativa do texto é dedicada à análise da relação entre histeria masculina e sexualidade abordando comportamentos homossexuais simulados impotência e ejaculação precoce O autor explora as raízes psicológicas desses sintomas destacando a busca pelo poder fálico e a ansiedade em relação ao desejo e à performance sexual como elementos centrais O texto analisa a estrutura obsessiva a partir do desejo do sujeito em relação à função fálica contrastandoa tradicionalmente com a histeria no campo psicanalítico Contudo questionase essa oposição destacando que ela se baseia mais em observações fenomenológicas do que em traços estruturais sólidos Um dos pontos levantados é que ao contrário do histérico o obsessivo muitas vezes se sente excessivamente amado pela mãe o que não é uma base sólida para diferenciálos O texto explora a relação entre a estrutura obsessiva e a função fálica observando que os obsessivos frequentemente se sentem investidos como objetos privilegiados do desejo materno o que é significativo do ponto de vista da função fálica Isso os leva a uma nostalgia pelo ser baseada na memória de uma relação especial com a mãe A criança ao se sentir objeto privilegiado do desejo materno é levada a suprir a falha na satisfação do desejo da mãe o que pode gerar uma suplência à satisfação materna Essa dinâmica cria uma relação complexa entre a criança e a lei do pai influenciando a passagem do ser ao ter e gerando uma constante ambiguidade na identificação fálica O texto oferece uma análise profunda do comportamento obsessivo compulsivo TOC no contexto das relações interpessoais especialmente nas relações amorosas Destacase o medo da perda como uma preocupação central para o obsessivo relacionada à castração simbólica e à falha na imagem narcísica Isso leva a um desejo obsessivo de controle e dominação onde o indivíduo busca controlar todos os aspectos de sua vida e relacionamentos para evitar a perda A rivalidade e a competição são características marcantes com o obsessivo buscando substituir o pai e ocupar seu lugar junto à mãe Há uma tensão entre o desejo de transgredir e a conformidade com a Lei do Pai gerando um conflito interno O parceiro amoroso muitas vezes é objetificado transformado em objeto controlável para neutralizar seu desejo e manter o controle sobre o relacionamento O texto também destaca defesas comuns como a anulação retroativa onde o obsessivo tenta anular pensamentos ou ações ameaçadoras para seu controle Em resumo oferece uma visão detalhada das complexidades do TOC em relacionamentos abordando medo da perda controle obsessivo rivalidade culpa e defesas utilizadas para lidar com essas questões
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JD Nasio Como Trabalha Um Psicanalista ZAHAR Transmissão da Psicanálise diretor Marco Antonio Coutinho Jorge JD Nasio COMO TRABALHA UM PSICANALISTA Tradução Lucy Magalhães Revisão técnica Marco Antonio Coutinho Jorge Tradução autorizada da versão francesa revista pelo autor do seminário Comment travaille un psychanalyste Copyright 1999 JuanDavid Nasio Copyright da edição em língua portuguesa 1999 Jorge Zahar Editor Ltda rua México 31 sobreloja 20031144 Rio de Janeiro RJ tel 21 21080808 fax 21 21080800 editorazaharcombr wwwzaharcombr Todos os direitos reservados A reprodução nãoautorizada desta publicação no todo ou em parte constitui violação de direitos autorais Lei 961098 Capa Sérgio Campante N211c Nasio JuanDavid Como trabalha um psicanalista JD Nasio tradução Lucy Magalhães revisão técnica Marco Antonio Coutinho Jorge Rio de Janeiro Jorge Zahar Ed 1999 Transmissão da Psicanálise Tradução de Comment travaille un psychanalyste ISBN 9788571105140 1 Psicanálise 2 Psicanalistas I Título II Série CDD 150195 CDU 15 99 6 24 2 90932 9 CIPBrasil Catalogaçãonafonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros RJ SUMÁRIO I A técnica analítica 7 II O caráter de analisabilidade 30 III A natureza da transferência 56 IV A seqüência dolorosa da transferência 77 V A contratransferência 99 VI A contratransferência e o lugar do analista 120 VII A interpretação 140 VIII A cura 159 Índice geral 171 O que o paciente viveu sob a forma de transferência nunca mais esquecerá Sigmund Freud A técnica analítica I A técnica analítica Abertura Retomo meu seminário em seu décimo ano Faz uma década que inaugurei este ensino destinado aos analistas na Escola Freudiana de Paris em 1977 e 1978 Naquela época estava preocupado em de monstrar e justificar a seguinte tese acreditava e ainda acredito que a posição do psicanalista é tal que se aproxima no limite de uma posição feminina que então eu chamava de posição feminina do psicanalista Hoje daremos um passo à frente e falaremos do analista mas agora do analista que está instalado no lugar a partir do qual ele poderá dirigir um tratamento O título que pensei para este seminário A direção do trata mento retoma o de um texto de Lacan que se encontra nos Escritos A direção do tratamento e os princípios de seu poder Na transcrição dessas reuniões minha intenção é chegar até os mecanismos íntimos do trabalho do psicanalista em seu próprio campo e assim demonstrar que o psicanalista trabalha antes de tudo com o seu inconsciente A caricatura do analista eternamente silencioso sugerindo que a análise se desenrola ao sabor da fala é uma visão incorreta É uma caricatura errônea do nosso trabalho de analista e lhe é nociva O que desejo demonstrar neste ano é que nós analistas trabalhamos ativa mente de uma forma que não consiste simplesmente em deixar que a palavra surja Quero dizer que temos perspectivas expectativas objetivos decepções porque estamos na posição muito precisa que O analista dirige o tratamento e o tratamento se produz 630993 7 podemos chamar de política de estratégia e de tática como diz Lacan no seu texto O analista dirige portanto o tratamento Mais do que uma volta a Freud como Lacan proclamou na sua época damos agora o sinal de uma volta à afirmação de que o tratamento se conduz e se dirige Pareceme necessário atualmente retomar os princípios de nossa ação ver como esses princípios evoluíram de Freud até nossos dias e considerálos em sua atualidade de hoje Nesta noite portanto vamos abordar a questão muito geral dos momentos do desenrolar do tratamento das diferentes fases de um tratamento E em um segundo tempo lembrarei as origens da técnica psicanalítica isto é as origens no nível do método catártico Mas antes de começar desejaria formular algumas perguntas que talvez muitos já estejam imaginando como se pode dizer que o analista dirige o tratamento Como se pode falar de política de estratégia de tática Isso soa de maneira diferente em relação aos termos e conceitos com os quais estamos habituados a pensar e refletir Se definirmos a técnica de modo tradicional como o conjunto dos meios aplicados a uma matéria com a intenção de obterse um objetivo deveremos imediatamente dizer e concluir que essa concep ção tradicional da técnica não é aplicável à psicanálise por duas razões Em primeiro lugar qual a maneira pela qual se aplicariam os meios da técnica Precisamente no caso da psicanálise essa matéria é o desejo do analisando E essa matéria o desejo do analisando é idêntica ao desejo do operador Como se o operador na técnica psicanalítica devesse operar sobre si mesmo A segunda razão que faz com que não possamos aplicar essa definição tradicional da técnica à psicanálise é que os meios técnicos não são como habitualmente acontece em outras disciplinas exteriores aos processos sobre os quais esses meios operam Esses meios por exemplo uma intervenção analítica não são exteriores são a expressão de um processo A intervenção de um psicanalista durante uma sessão não é um meio que vem do exterior para agir sobre o processo analítico mas deve ser considerada como a manifestação daquilo que ocorre nessa relação Não podemos pensar a técnica psicanalítica apoiada sobre uma concepção instrumental desta Entretanto existe uma técnica de dire ção do tratamento Mas esta não deve ser considerada como um instrumento manobrável um meio de domínio Repito enquanto imaginamos a técnica como um meio para operar ficamos capturados 8 Como trabalha um psicanalista pela vontade de dominála e passamos ao largo da própria essência dessa técnica Qual é a essência dessa técnica A essência dessa técnica analítica é o fundo estável que se decanta no psicanalista à medida que a técnica instrumental é aplicada A obtenção desse fundo estável significa a criação no psicanalista de um estado particular de expec tativa de uma expectativa escolhida de uma disposição orientada polarizada na realização de uma experiência singular Todo analista está disposto para alguma coisa Essa coisa é uma experiência singular saber perceber fora de si mesmo em si o que é exterior de modo inconsciente o inconsciente na análise Isso quer dizer que a essência reside no desejo do operador que jaz nele quando pratica o seu ofício Aqui estamos diante de uma aparente contradição Por um lado digo em tom urgente que é preciso dirigir o tratamento E por outro lado digo que não se deve cair no domínio A contradição pode se resolver por uma atitude lúdica humorística como se devêssemos brincar com nós mesmos e fazer semblante de ocuparnos fazer semblante de dirigir estudar seriamente a técnica esperando secreta mente que a verdade na análise irrompa em nós nos perturbe nos surpreenda e ponha um limite ao suposto domínio da nossa ação É então que a verdade aparece no analisando Montar o cenário para que a verdade apareça Em suma é preciso ser o mais atento estudioso da técnica o melhor conhecedor do princípio da técnica para ter principalmente a liberdade de ser o mais inconsciente dos sujeitos o mais inocente o mais desarmado o mais exposto aos efeitos do inconsciente Pois é então numa surpresa pontual numa perturbação numa vertigem que nós analistas temos uma ocasião de fazer a experiência da análise e levar o analisando a atravessar essa experiência isto é como veremos a vir a ocupar um lugar nesse momento da experiência o lugar do objeto que causa essa experiência o lugar do objeto que fala do inconsciente de uma verdade inconsciente É preciso dirigir o tratamento É preciso assumir inteiramente esse papel e ao mesmo tempo saber que o objetivo que queremos perseguir não o atingiremos dirigindo o tratamento Nós o atingiremos A técnica analítica 9 fora dessa direção fora dessa técnica Com Lacan diríamos ocupar o lugar do semblante do domínio isto é o lugar do semblante da direção o semblante de ser o mestre sem esquecer que se trata apenas de um semblante É então que haverá para nós uma ocasião de sermos tocados por uma verdade que seja ao mesmo tempo uma verdade para o analisando Isto posto devo ainda completar a definição da essência da técnica Ela não é apenas um fundo estável que se decanta em cada analista a cada dia historicamente há oitenta anos isto é desde o nascimento da psicanálise O divã a poltrona a regra fundamental todos os elementos característicos do processo analítico se tornaram com o tempo uma espécie de constante invariável com a qual se identificou o psicanalista A técnica psicanalítica é hoje um dos traços distintivos um Ideal do Eu no qual reconhecemos nossa identidade de analista É um Ideal do Eu que deve ser preservado cuidadosamente firmemente e que deve durar além de nós se na verdade desejamos que essa experiência que é a nossa também perdure Foi nesse sentido que decidi fazer este seminário sobre a técnica para que possam perceber até que ponto a técnica é um Ideal do Eu até que ponto a técnica é um elemento com o qual recuperamos a nossa identidade É também um modo de pensar que qualquer gesto técnico por exemplo a enunciação da regra fundamental que um analista possa dirigir ao seu paciente quando das primeiras entrevistas que por esse gesto por essa formulação o psicanalista veicule o ideal da análise veicule a psicanálise como um ideal inscrevase e inscreva seu paciente numa filiação simbólica Dirigir o tratamento significa orientálo para um ponto particular de ruptura radical que por nós é chamado de experiência Muitos neste auditório sabem que distingo o tratamento da experiência analítica Existe o tratamento analítico é o conjunto do caminho que o analista e o analisando seguem E há momentos de ruptura momentos radicais que chamamos de experiência A direção do tratamento pois é conduzida para esse ponto de experiência É o ponto de experiência que Ida Macalpine e Lacan designam como seqüência transferencial seqüência da transferência Logo é preciso orientar de uma certa maneira o processo da análise em função de um objetivo 10 Como trabalha um psicanalista e de acordo com um índice com uma referência O objetivo mais imediato é fazer surgir a seqüência da transferência E o índice é oferecido pelas diferentes modalidades da fala do analisando Mais exatamente o índice que nos permite conduzir esse tratamento é constituído pelas diferentes modalidades das demandas do analisando Digamos desde logo que nesse ponto de ruptura que chamamos de seqüência transferencial nesse momento de transferência o analista deixa a posição de direção do tratamento abandona a posição de domínio a partir da qual ele dirigia o tratamento até então Nesse momento ele ocupa outro lugar o de objeto de transferência Isso significa que a condução de uma análise pode orientarse segundo diferentes momentos ou diferentes fases do tratamento que serão momentos separados divididos de acordo com um critério que é aquele do tipo de relação que o analisando tem com a sua fala Voltaremos detalhadamente a cada uma dessas fases Quais são as diferentes fases do tratamento As fases do tratamento tal como as apresentarei hoje representam um esquema muito depu rado muito simplificado que me permite trabalhar neste primeiro seminário à maneira de uma introdução As diferentes fases do tratamento retificação subjetiva sugestão neurose de transferência e interpretação Esquematicamente podemos distinguir quatro fases no desenrolar temporal de um tratamento O verdadeiro interesse de destacar essas quatro fases é reconhecer o lugar central de cada uma delas Primeira fase é a que podemos chamar de fase de retificação subjetiva Ela ocorre durante a primeira ou as primeiras entrevistas no quadro do faceaface com o paciente Particularmente no fim da primeira entrevista e na seguinte introduzimos o paciente a uma primeira localização da sua posição na realidade que ele nos apresenta Ele pode nos falar de sua realidade inscrita numa família num casal numa situação profissional O que nos importa principalmente se refere à relação que a pessoa que faz uma consulta mantém com os seus sintomas É sobre esse ponto que intervirá o que chamamos de retificação subjetiva A técnica analítica 11 Essa relação com os sintomas é uma relação de sentido O paciente dá um sentido a cada um dos seus sofrimentos a cada um dos seus distúrbios E é nesse nível no nível do sentido que temos que fazer a nossa primeira intervenção chamada por nós segundo a expressão de Ida Macalpine e Lacan de retificação subjetiva O que quer dizer retificação subjetiva Isso significa que intervimos no nível da relação do Eu do sujeito com os seus sintomas É por isso que quando da primeira entrevista e particularmente nas seguin tes pareceme essencial e insisto muito nesse ponto discernir bem o motivo da consulta a razão pela qual o paciente decidiu recorrer a um psicanalista Eu não deveria dizer recorrer a um psicanalista mas recorrer a um terapeuta Porque se o paciente solicita uma consulta e se já consultou um psiquiatra por exemplo outro psica nalista ou mesmo se na infância seus pais o levaram a um médico o que importa é o primeiro momento no qual ele veio consultar ou que o levou a consultar Em outras palavras o sentido isto é a relação do Eu com o sintoma se decide principalmente na relação com o primeiro gesto com a primeira decisão de recorrer a um outro É nesse nível que vamos intervir produzir introduzir essa retificação subjetiva Sempre digo que na primeira entrevista há uma demanda maciça por parte do paciente E é no fim dela que tenho o hábito de lhe dizer Bem vamos parar por aqui a nossa conversa mas antes eu gostaria de lhe dar a minha impressão com todos os riscos que isso implica já que eu não o conheço O que significa a minha impressão Minha impressão quer dizer dar uma resposta que consiste em restituir ao paciente alguma coisa da relação que ele tem com o seu sofrimento Isso é intervir sobre o próprio ponto em que ele o explica e é levar em conta a maneira pela qual ele o faz a teoria que ele tem sobre isso o porque do seu sofrimento e como ele sofre Pode ocorrer por exemplo que essa intervenção se refira espe cialmente ao problema do desejo parricida no caso dos homens Não é apenas um automatismo do pensamento é simplesmente porque à luz das intervenções desse tipo sempre existe um elemento presente basal fundamental na teoria analítica o desejo de matar o pai Isso e tudo o que decorre como sentimento inconsciente de culpa acontece principalmente com os homens Certamente voltarei a essa questão nos próximos seminários Tenho a intenção de fazer durante o ano 12 Como trabalha um psicanalista uma exposição sobre a transferência e a contratransferência outra sobre a interpretação e eventualmente sobre as entrevistas prelimi nares o problema da cura o problema da reconstrução enfim todas as diferentes questões maiores da técnica analítica Voltemos à primeira fase de retificação subjetiva O que está claro é que devemos distinguir bem o motivo pelo qual o paciente vem nos consultar durante as primeiras entrevistas da demanda implícita presente na análise Essa demanda implícita precisamente nunca é explicitada Pode ser o desejo a demanda de curar a demanda de ter a lhe mostrar revelar o que ele mesmo é Pode ser uma demanda de qualificarse como analista de conseguir ser analista e de que essa análise seja para ele um modo de consagrarse como tal Há muitas demandas implícitas desse tipo que não apenas estão presentes nesse momento nessa fase de retificação subjetiva mas que estarão presentes ao longo de toda a análise Elas vão variar em função do desenrolar do evoluir do tratamento Devemos distinguir bem essa demanda implícita das outras demandas das quais falaremos depois Segunda fase é a fase inicial Diria que é a fase constituída por dois Atos psicanalíticos fundamentais os dois Atos psicanalíticos maiores entre todos aqueles que um analista pode realizar em primeiro lugar o Ato digo realmente Ato de aceitar analisar o paciente e em segundo lugar o Ato de enunciar a regra fundamental Através desses dois Atos o analista transmite ao paciente nesse primeiro momento a sua própria relação simbólica com a psicanálise sem que ele se dê conta disso Ele transmite nesses dois Atos e através deles a relação que ele tem com a história da psicanálise com os escritos psicanalíticos com os ideais e até com a coletividade psicanalítica Mas principalmente através desses dois Atos veicula a experiên cia que ele mesmo teve com sua própria análise e quando é o caso especialmente a experiência de ter terminado essa análise Isso é essencial na instauração desse quadro transferencial Isso não é a transferência mas é o que podemos chamar de quadro transferencial ou sugestão Essa relação do analista com a psicanálise veiculada nesses dois gestos será o primeiro objeto de transferência com o qual o analisando terá que se confrontar a relação do analista com a psicanálise Essa relação vai ser concretizada através do simples gesto de dizerlhe Sim eu me interesso quero analisálo quero que trabalhemos juntos quero que estejamos juntos durante um tempo A técnica analítica 13 O segundo Ato é o de enunciar a regra fundamental Dizer A partir da próxima vez eu prefiro ou eu gostaria que você se deitasse no divã e depois falasse sem restrições e até sem parar de tudo o que lhe vier à cabeça Em geral essa frase é dita no momento das primeiras entrevistas No meu caso eu a digo no fim de uma entrevista preliminar visando uma próxima vez durante a qual o paciente começará a sua primeira sessão deitado A respeito dessa frase se me perguntassem Como dizêla eu responderia pensem nos modos e tipos de relação que cada um de vocês tem com a análise com a comunidade analítica com os colegas os textos os ideais e assim vocês falarão em função dessa relação E o analisando perceberá perfeitamente esse tipo de relação É o que eu queria dizer há pouco ao falar do fundo estável da técnica A essência da técnica está ali segundo a relação que cada um tem com a psicanálise ele intervirá de uma ou de outra maneira Até na inflexão no tom de voz na maneira de dizer na postura na maneira de sentarse Isso é perfeitamente detectável pelo analisando e se tornará o seu primeiro objeto transferencial Insisto qual é o primeiro objeto transferencial Não é o analista É a relação do psicanalista com a psicanálise Pois bem esse objeto transferencial terá um efeito determinante em relação ao aparecimento e ao desaparecimento dos sintomas Isso é muito freqüente Muitos dos que praticam a análise sabem disso Muitas vezes acontece que ao fim de alguns meses e até de algumas semanas o paciente nos diz É incrível sintome muito bem Muitas das razões pelas quais vinha consultálo desapareceram E até há pacientes que decidem abandonar a análise por causa desse desaparecimento dos sintomas É o que chamaríamos de objeto de transferência Mas ao invés de dizer objeto de transferência deveríamos dizer objeto de sugestão E esse objeto de sugestão terá um efeito sobre os sintomas sobre o real da vida do analisando Quando falarmos das transferências veremos a diferença entre transferência e sugestão Esse objeto de sugestão é um objeto de sugestão inconsciente isto é intervém sem que o analisando nem o analista percebam Efetivamente essa é uma fase na qual a expectativa por parte do analisando domina É uma expectativa aberta É uma fase nas primeiras sessões nos primeiros tempos do início É o tempo da demanda de amor É uma demanda de amor aberta e suscitada pelo quadro transferencial o quadro da análise isto é pelo caráter ritual das 14 Como trabalha um psicanalista sessões pela regra que você enunciou pelo silêncio e pela presença discreta do analista durante esse período e por esse objeto de sugestão que acabo de distinguir Todos esses elementos quadro regra silêncio e objeto de suges tão suscitam e mantêm a fala do paciente como uma fala em expectativa como se ele falasse esperando É perfeitamente visível e detectável É o que se chama de demanda de amor Não é uma demanda de amor ao analista como às vezes se pensa É uma demanda de amor no sentido em que é uma fala de promessa Estamos no momento da promessa O amor conhecemos a definição de Lacan é dar o que não se tem Dar o que não se tem quer dizer simplesmente prometer Dou o que não tenho quando prometo Durante esse período o analisando vive na expectativa dessa promessa aberta desse amor aberto que a análise significa Não é uma demanda de amor ao analista O analista não é o objeto de amor nesse momento É uma demanda de amor no sentido de uma fala em expectativa Essa demanda de amor se manterá enquanto o analisando não descobrir que finalmente é uma demanda inaceitável Enquanto isso a sugestão se instala Essa segunda fase de que falamos é a fase da sugestão ou fase da demanda de amor Em certo momento Lacan retoma outro autor Fénichel que dizia aos analistas O analisando durante esse período fala sem falar com você Sim o analisando fala sem falar com você mas eu acrescentaria esperando a promessa que a psicanálise encerra Temos a primeira fase de retificação subjetiva e a segunda fase de sugestão Terceira fase É o momento mais fecundo do tratamento analítico É o momento mais fecundo mais doloroso e é o momento que os analistas em geral resistem também eles a abordar ou a experimentar Aqui há como que uma espécie de cumplicidade entre o paciente e o analista para evitar chegar a esse terceiro momento que é o momento da transferência Nesse momento a demanda de amor sofre decepção É uma demanda que vai descobrir a sua carência o seu caráter inaceitável como eu disse há pouco e vai se transformar em outra demanda mais rara uma fala mais pura mas principalmente passional É o momento fecundo doloroso e passional da análise Passional mas não apenas de amor passional é um momento de violência agressividade ódio e profunda ignorância passional A técnica analítica 15 Sabemos que Lacan define e classifica a paixão de acordo com uma concepção hindu Existem três tipos de paixão o amor o ódio e a ignorância Nesse momento fecundo da análise doloroso e pas sional o amor que está ali não é o amor da demanda de amor É um amor que fere É o amor da decepção aquele que pode se tornar erotomania Esse momento fecundo ao qual voltaremos amplamente nos próximos seminários quando falarmos da transferência esse momento se caracteriza pela emergência pelo retorno do recalcado dos significantes ligados às pulsões Esse é um primeiro modo de dizer Há uma conjunção entre vários elementos É como se esse momento de transferência fosse o mais próximo mais no centro mais no coração do Eu Ora o elemento mais no coração do Eu é o Gozo que jaz no centro do Eu Por assim dizer haveria a primeira fase a demanda de amor a segunda fase o objeto de sugestão a terceira fase quando a demanda de amor se torna uma demanda mais pura O que quer dizer demanda mais pura É o aparecimento nesse momento de representações de significantes aos quais certas pulsões estão ligadas É o aparecimento da Demanda com um D maiúsculo Freud falando da resistência dizia Quanto mais nos aproximamos do núcleo patógeno mais forte é a resistência O núcleo patógeno vamos retomar a imagem seria o cerne do Eu Ele considera o Eu como uma instância composta de múltiplas imagens produzidas por identificações imaginárias E no centro do Eu algo que não é o Eu um elemento que seria o Gozo que habita no Eu o verdadeiro objeto do Gozo situado no centro do Eu O momento da transferência ocorre quando todas essas camadas imaginárias desaparecem e só resta a última camada a mais próxima desse objeto Ao invés de dizer a última camada a mais próxima do objeto também poderíamos dizer a demanda mais pura mais representativa da pulsão recalcada É então que aparece a demanda mais pura a imagem mais próxima do objeto no centro do Eu quando nada mais existe do Eu É então que surgem os elementos passionais do amor do ódio e da ignorância Esses momentos são os mais dolorosos para o paciente e para o analista Para nós é difícil aceitar tomar esse caminho É muito mais aceitável muito mais fácil no nosso trabalho mantermonos na etapa da fase que chamei de sugestão da demanda de amor evitando abordar essa experiência particular da transferência Justamente no texto que citei A direção do tratamento publi cado nos Escritos Lacan critica os analistas da época por volta de 16 Como trabalha um psicanalista 1958 que ele chama do instituto dizendo que as teorias destes sobre o tratamento e sobre o Sujeito o Sujeito do Inconsciente lhes serviam para evitar esse momento doloroso da seqüência trans ferencial Mas essa não é uma crítica destinada unicamente àqueles analistas Não é uma questão de polêmica É uma questão que se levanta para cada um de nós no momento da conduta quando da relação com cada um dos nossos analisandos É nesses momentos fecundos de transferência dolorosa a expressão transferência dolorosa é uma expressão freudiana a respeito do Homem dos Ratos que o analista vai ocupar o lugar do objeto desse núcleo no cerne do Eu O analista diante dessa experiência do momento transferencial deixa o lugar de intérprete Deixa o lugar onde tem que assumir o papel de dirigir o tratamento e onde se defronta com o fato de vir a esse lugar atribuído pelo paciente que é o lugar do objeto desse núcleo no cerne do Eu Figura 1 Esse momento é tão transcendente que essa apresentação das quatro fases do tratamento só tem valor para situar bem essa seqüência transferencial Um tema ligado a essa relação com o momento transferencial é a questão das resistências O conceito de resistência foi essencial na evolução da teoria da técnica analítica Foi um conceitochave O que é a resistência nesse momento É uma resistência que Lacan enuncia como sendo uma resistência dos analistas ou dizendo que a resistência é a do analista A resistência do analista é a de não querer chegar a esse momento passional da seqüência transferencial Primeira acepção da palavra resistência a do analista Há uma segunda Camadas imaginárias Gozo do Eu Nó do Eu CONFIGURAÇÃO DO EU A técnica analítica 17 acepção é a resistência do Eu A palavra resistência está sempre em relação com o Eu É um fenômeno no nível das camadas imagi nárias A resistência do Eu é aquela que este opõe para não viver a experiência de abertura do Eu até o objeto de Gozo que jaz em seu cerne no seu centro É o momento mais fecundo da análise É o momento em que o analisando tem uma oportunidade de ser privado de Os analistas lacanianos são muitas vezes considerados como aqueles que frustrariam seus pacientes Na verdade Freud menciona claramente ao longo da sua obra a idéia de que a análise se desenrola numa atmosfera de privação Pois bem essa atmosfera de privação de frustração não tem nada a ver com a dor desse momento de seqüência transferencial Uma coisa é a demanda de amor ser inacei tável outra é sentila experimentála fazer a experiência de ter que revelar o ponto central o núcleo do Eu isto é o ponto no qual o objeto enquanto tal aparece na superfície É o que na teoria lacaniana se pode chamar de falta a ser O sujeito o analisando é confrontado não só com a inaceitabilidade da demanda de amor mas também é confrontado com a falta a ser Isso quer dizer que o seu ser é uma falta que seu verdadeiro ser na análise não é ele o seu Eu é o que jaz no Eu O que jaz no centro do Eu é uma falta É um ponto fundamental enigmático É um ponto central aquele que chamamos habitualmente na terminologia lacaniana de objeto a ou objeto de Gozo Nesse momento de seqüência transferencial nesse momento fe cundo o analista deve silenciar Deve fazer silêncio e como sabemos há várias formas de silêncio O analista deve fazer silêncioemsi para fazer surgir o Grande Outro É nesse momento que o analista faz com que surja o Grande Outro Para que ele surja é necessário que o analista faça silêncio em si Se o analista faz ativamente silêncio em si é ele que dirige o tratamento Se não o faz ignora quem conduz o tratamento nesse momento Voltemos agora sob outra formulação ao que eu dizia no começo deste seminário preocuparse em conduzir o tratamento sabendo que o que importa não é dirigilo O que importa é o nosso próprio desejo e essa capacidade que temos de fazer silêncio em nós mesmos Quarta fase a última fase é a da interpretação Poderíamos dizer que a transferência a fase de transferência é a análise O aparecimento desse momento transferencial já significa a análise em Ato da fase de sugestão Em outros termos a passagem da demanda de amor para a demanda mais pura significa mesmo sem a intervenção do analista 18 Como trabalha um psicanalista que ele praticou a análise da sugestão e sua transformação na trans ferência A transferência é a análise da sugestão e por conseguinte a interpretação é a análise da transferência Temos assim três momen tos A interpretação do momento transferencial se realiza com a condição de fazermos esse silêncio em nós a fim de que surja o grande Outro para o paciente Esse grande Outro pode até tomar a forma de uma interpretação Temos então as quatro fases que podem marcar o desenrolar de um tratamento Naturalmente não são quatro fases que podem ser descobertas ao longo de um tratamento Esses quatro momentos históricos não se separam são quatro fases que se superpõem entre si e há uma outra a última de que não falaremos hoje que é a do fim do tratamento Devo acrescentar um aspecto que é muito ligado ao que vamos tratar agora que é a instituição nesse momento daquilo que se convencionou chamar de neurose de transferência Por ocasião desse momento fecundo da análise vão aparecer sintomas novos próprios da relação analítica Freud diz uma nova neurose artificial substitui a antiga neurose original para a qual o paciente veio procurar uma análise Ao preparar este seminário e já que devemos abordar mais lentamente o tema da transferência volteime para a questão do método catártico porque considero que para estudar a transferência desde o seu início é preciso começar por ali O método catártico constitui como sabemos o método préanalítico e está na origem do nascimento da psicanálise Freud hipnotizador A história do método catártico é uma história verdadeiramente apai xonante Não só apaixonante mas além disso até vemos aparecerem Sugestão momento transferencial interpretação do momento transferencial A técnica analítica 19 questões afirmadas pensadas refletidas e constatadas em 1890 que estão muito presentes na maneira como hoje concebemos a análise Por exemplo eu não sabia que em 1890 na época em que Freud praticava a hipnose o método catártico era praticado segundo dife rentes tipos de sugestão entre os quais a sugestão hipnótica Freud dizia ser um mau hipnotizador mas a maneira como ele pensava na questão era estar sentado numa poltrona atrás do paciente deitado Então surge uma pergunta como isso era possível Pois Freud nos diz nos escritos técnicos que decidira usar o divã porque na verdade não suportava ter diante de si os seus pacientes durante oito horas por dia e assim tinha que pedir ao analisando que se deitasse Ora informeime com pessoas que conhecem bem a história da hipnose De fato em 1890 praticavase a hipnose primeiro em consultas particulares e não apenas na Salpêtrière Mas quando era praticada em consultório particular uma das modalidades que não era a única era fazer sugestões verbais ao paciente estando este deitado e o médico sentado atrás dele Logo quando Freud nos diz nos seus escritos técnicos que pedia aos pacientes que se deitassem porque não suportava vêlos durante oito horas por dia na realidade ele não fazia mais do que retomar um dispositivo já muito antigo que ele próprio já praticara como hipnotizador Isso é apenas uma curiosidade O método catártico O que me parece muito mais interessante é a maneira pela qual ele concebia o método catártico De certa forma é o ponto de partida das nossas considerações sobre a transferência Sabemos que o método catártico foi inventado por Breuer Alguns dizem que foi Janet e outros ainda reconhecem que houve dois médicos franceses que se interessaram pelo assunto na época principalmente Burot Nessa época todos estavam empenhados na questão Houve congressos sobre o tema em Paris em 1881 não só de psiquiatria mas também de psicologia nos quais estava em voga a idéia de que o método catártico partia da seguinte hipótese os sintomas do histérico seriam a expressão manifesta da presença de um corpo estranho incrustado na psique do sujeito como um parasita Esse corpo estranho seria uma idéia ou um grupo de idéias penetradas no espírito fora da consciência do sujeito Consideravase que o sujeito percebera inconscientemente um acontecimento particular que se tinha trans 20 Como trabalha um psicanalista formado Essa percepção transformara o acontecimento em uma idéia ou grupo de idéias que ficavam na psique como um elemento isolado E era esse elemento isolado essa idéia ou grupo de idéias que teria uma presença ativa patógena A doença se explicava pelo fato de que no interior da psique do histérico reinava dominava um corpo estranho Na época Charcot utilizava a hipnose para criar os mesmos sintomas de que sofria o paciente histérico isto é para recriar no paciente os sintomas passados Charcot chamava essa criação nova de uma neurose artificial Era exatamente o mesmo termo que Freud usaria dez ou quinze anos depois para designar a neurose de trans ferência Mas foi então que Breuer teve outra idéia servirse da hipnose da sugestão verbal ou de outro tipo de sugestão não para reproduzir os sintomas da doença mas para extrair para fazer sair para extirpar o corpo estranho E a idéia de Breuer era utilizar a hipnose para fazer o paciente voltar ao momento em que teve lugar a experiência perceptiva de um acontecimento que se tornou patógeno O interessante é que Breuer pensava que às vezes isso podia ser feito sob hipnose e outras vezes bastava simplesmente pedir ao paciente que falasse do assunto para conseguir provocar essa reminiscência do momento patógeno A tal ponto que acreditava que esse grupo de idéias isoladas estava na própria origem da doença da histeria Todos estavam de acordo nesse ponto A diferença estava na explicação dada em resposta a esta pergunta como esse grupo patógeno se instalou no espírito do sujeito Breuer pensava que esse grupo de idéias patógenas se instalara no momento em que o histérico estava naquilo que ele chamava de estado hipnóide Dizia que em certos momentos quando era mais jovem em um momento do passado o paciente tivera um estado hipnóide uma espécie de obnubilação de confusão que criara as condições necessárias para deixar penetrar em si acon tecimentos que vieram inscreverse em seu inconsciente Janet não pensava assim Dizia na verdade não é porque o paciente se encontra num estado hipnóide mas porque há uma má síntese por parte do Eu Quer dizer que o Eu não é capaz nesse momento de integrar corretamente esse grupo de idéias e Janet chamava isso de labilidade psíquica de síntese Freud tinha uma terceira hipótese Pensava que na verdade esses grupos de idéias eram isolados e patógenos porque eram o resultado da percepção de um acontecimento sexual E isso para Freud se distinguia nitidamente de tudo o que pensavam todos os outros teóricos A técnica analítica 21 da época o caráter violento e além disso sexual do acontecimento traumático Sobre essa questão há muitos comentários Primeiramente vemos que a teoria em voga nessa época era a de Charcot Foi Charcot que teve a idéia de que a origem da histeria se devia a um grupo de idéias parasitas não conscientes no espírito do sujeito Estamos diante de uma teoria que considera que o trauma depende da singularidade O que faz mal é um afeto em excesso devido ao choque emocional da percepção do evento traumático Mais tarde a teoria em voga se torna dupla a doença é produzida por um elemento singular e por um excesso de afeto o Um é o excesso Nesse ponto pergunto aos lacanianos não reconhecem aqui o S1 e o objeto a Não reconhecem aqui a cadeia dos significantes S2 O elemento singular o S1 e o excesso de afeto o objeto a Certamente mas dirão não há um reducionismo entre Lacan e Charcot Não é um reducionismo é toda a teoria analítica que vai continuar a alimentarse dessa espécie de estrutura de conjunto que se chama o Eu o elemento Um elemento distinto distintivo singular que está na origem da doença da neurose mas além disso o caráter de excesso de afeto que podemos reconhecer sob diferentes termos ao longo da evolução da história da psicanálise a partir do termo afeto de Freud em O nascimento da psicanálise passando pela libido as pulsões etc Estaríamos afirmando que tudo já estava dito na época de Charcot Não de modo algum Simplesmente o que me parece importante o que interessa o que eu desejaria transmitirlhes é que nós nos situamos em um continuum simbólico em uma filiação que reconhecemos que aquilo que nós pensamos e praticamos hoje não nasceu exnihilo mas fazemos parte de uma história que vai continuar depois de nós além de nós O que me parece importante no fato de voltar ao método catártico é reconhecer certos pontos que reaparecem hoje na nossa prática mais atual e mais cotidiana Um outro ponto deve ser assinalado o conceito de Janet de labilidade do psiquismo para integrar e sintetizar as percepções traumáticas é muito próximo daquilo que os norteamericanos com a psicologia do Eu chamarão nos anos 60 de Eu fraco O Eu fraco seria um Eu impotente para sintetizar para integrar Enfim último comentário à margem antes de voltarmos para o método catártico o que é mais interessante é que o método catártico 22 Como trabalha um psicanalista consistia finalmente em produzir no sujeito uma reminiscência do acontecimento traumático Por que a reminiscência do acontecimento traumático é importante Porque essa reminiscência integra na consciência e através da fala o que estava isolado no inconsciente Pediase ao paciente que voltasse ao fato e falasse dele Era um modo de dissolver de apagar de esgotar a força traumática do elemento ou do grupo de idéias que estava ali parasita no espírito do sujeito Desejavase que o paciente ao rememorar ao voltar aos seus momentos antigos pudesse perceber de outra forma o que fora percebido inconscientemente num dado momento Logo tratavase de fazêlo voltar de fazer com que ele visse mas desta vez conscientemente o que fora percebido incons cientemente Essa idéia de levar o paciente ao momento original da percepção inconsciente para fazêlo perceber conscientemente na atualidade da catarse vai nos servir para falarmos do analista de hoje e dizer que este deve proceder de modo inverso O analista deve considerar que aquilo que é percebido é o inconsciente do sujeito O analista deve perceber inconscientemente o inconsciente do sujeito No método catártico a percepção inconsciente seria levada a ser retomada pela percepção consciente O analista deve abandonar a percepção cons ciente mudar de registro e poder perceber como se devesse voltar ao trauma à experiência traumática nesse estado obnubilado o inconsciente em jogo do sujeito Quando vocês falam de percepção inconsciente podemos dizer lhes se essa é uma expressão de hoje ou uma expressão freudiana A esse respeito encontrei um texto de 1889 de Onanoff que se chama precisamente Da percepção inconsciente O que surpreende é que já em 1889 falavase assim Não é certo que nessa época Freud tenha utilizado esses termos O que era o método catártico então Em resumo consistia em levar o paciente para trás até o ponto traumático e em fazer com que ele o reproduzisse em palavras imagens ou atos Já se fazia com que o paciente falasse sentisse ou alucinasse O objetivo era o próprio Breuer usava esta expressão ampliar o campo da cons ciência em outros termos integrar o grupo de idéias isoladas na consciência O método catártico era pois um método terapêutico por três razões em primeiro lugar curava porque integrava em seguida tratava porque permitia a descarga dos afetos ligados à antiga percepção traumática A técnica analítica 23 e enfim isso é muito importante curava porque produzia uma neurose nova Consideravase pois que o método catártico não era apenas efetivo porque era uma volta ao acontecimento traumático mas porque o sujeito vivia no momento da reminiscência catártica uma crise de histeria E a reminiscência catártica era então chamada crise his térica Encontramos aqui novamente o conceito de neurose de transfe rência o momento fecundo da análise o momento fecundo da trans ferência Falamos da mesma coisa Há uma ressonância entre esse momento fecundo da transferência e o fato de levar o paciente ao momento catártico O método catártico teve uma vida mais longa no seio da teoria psicanalítica do que se quis acreditar Imaginase sempre que se fala de catarse que ela pertence aos anos 18901892 no máximo a 1897 e que depois não se falou mais disso Rank e Ferenczi escreveram um livro juntos creio que foi o único livro que fizeram juntos intitulado O desenvolvimento da psicanálise que foi publicado em 1923 Nele dizem textualmente A despeito do nosso saber analítico devemos dizer que a descarga de afeto no método catártico é o fator primordial da terapêutica analítica Isso significa que Ferenczi e Rank consideravam que na psicanálise havia uma parte de catarse absolutamente reconhecível com um efeito terapêutico A surpresa Theodor Reik poucos anos depois defendia uma concepção análoga afirmando que o elemento de surpresa isto é a surpresa evocadora do caráter súbito surpreendente e violento da reminiscência catártica era o fator primordial da terapêutica analítica Sabiase que a catarse não era simplesmente uma reminiscência lenta e progressiva Era súbita violenta e surpreendente Reik toma a idéia de surpresa e a transpõe para o nível da experiência analítica não só no nível do paciente mas também no nível do analista Talvez conheçam esse texto É um dos mais célebres de Reik sobre a surpresa Considera que a surpresa é o traço do efeito terapêutico de uma interpretação psicanalítica Uma interpretação psicanalítica é corroborada não tanto pelo sentimento ou convicção que o paciente experimenta diante dessa interpretação porém mais pelo fato de que a interpretação o surpreenda 24 Como trabalha um psicanalista Finalmente Strachey e outros psicanalistas como Nunberg re conhecem sem hesitar a eficácia terapêutica da catarse e falam de abordála ou considerála no interior da experiência da análise do tratamento analítico A coerção associativa e a resistência Terminaremos essa primeira etapa lembrando a evolução da técnica freudiana Freud modifica a sua teoria a partir de 189293 Abandona a catarse e a hipnose e utiliza o que se convencionou chamar de coerção associativa tentando estimular e até exigir a rememoração sem hipnose dos acontecimentos esquecidos dos acontecimentos traumáticos e sexuais esquecidos Um dos métodos usados consistia em fazer pressão com a mão sobre a fronte do paciente sugerindolhe que pensasse em alguma coisa Foi quando Freud descobriu que Elisabeth não queria se lembrar que ele inventou o conceito de resistência E é por isso que falo de coerção associativa O conceito de resistência vai nascer no momento do método de coerção asso ciativa O conceito de resistência modifica relativamente a teoria da neurose e Freud ao invés de falar a partir de então em termos de corpo estranho e de descarga transformaria isso num conflito entre as representações traumáticas sexuais intoleráveis e a consciência recalcadora que não quer saber nada a respeito delas A teoria da resistência terá uma série de repercussões no nível da técnica Terminaremos nesse ponto no qual observamos quatro repercussões importantes primeiramente Freud se vê obrigado a mudar de tática isto é a procurar outras produções psíquicas além da rememoração precisa do acontecimento traumático Assim Freud propõe a associação livre e o princípio técnico que a concretiza a regra fundamental em segundo lugar todas as outras formações psíquicas especialmente as associações livres serão carregadas de significação inconsciente Isso quer dizer que a coerção associativa a recusa a resistência de Elisabeth a lembrarse vão levar Freud a considerar outras formas de expressão da representação traumática intolerável e inconsciente a terceira conseqüência está no nível da interpretação A partir desse momento Freud inventa a idéia de fazer A técnica analítica 25 intervenções junto ao paciente não para sugerirlhe o sentido de um sonho ou das associações livres mas para interpretar a resistência isto é para diminuir a resistência do Eu Enfim e principalmente é com a instalação desse conceito de resistência que aparecerá pela primeira vez a noção de resistência à transferência Não a resistência da transferência mas resistência à transferência Correlativamente aparecerão a descoberta da relação transferencial o desvelamento da transferência e o reconhecimento do aparecimento de novos sintomas ligados ao operador com o qual o paciente estabelece a associação livre Vão aparecer novos sintomas ligados ao terapeuta É isso que chamamos de neurose de transferência A resistência então é feita de associações da regra fundamental da escolha de qualquer outra formação psíquica para descobrir o sentido da significação inconsciente Logo a interpretação é feita para interpretar a resistência e para concluir que o seu aparecimento é uma resistência à intervenção do terapeuta e por conseguinte ao desve lamento da transferência Nesse momento no que se refere ao descobrimento da transfe rência aparece a neurose de transferência e como já podemos dizer o reconhecimento de que o analista estará não só na origem da relação com o seu paciente a transferência mas também estará na origem de toda a experiência isto é será o objeto fantasístico subjacente aos novos sintomas que aparecerão na relação O último ponto importante a sublinhar na evolução da técnica é o seguinte nesse momento produzse uma mudança A indicação téc nica é tornar consciente o inconsciente A partir do descobrimento da resistência aparece a indicação de analisar as resistências A primeira é uma fórmula tópica topográfica A segunda é uma fórmula dinâmica diria Freud O que me parece interessante nessa fórmula de analisar as resis tências é que ela vai estar já que a resistência é um elemento do Eu na origem da célebre escola da psicologia do Eu da análise do Eu dos norteamericanos Essa escola com Kris Loewenstein e Hart mann foi fundada a partir desses conceitos de resistência como resistências do Eu e conseqüentemente do princípio técnico de analisar as resistências 26 Como trabalha um psicanalista Abstractus do analisando Desejo terminar com uma espécie de abstractus Uso esse termo de acordo com um mestre que se chama PichonRivière e que é interessante conhecer Um analista inglês Edward Glover nos anos 50 ao ver as dificuldades que existiam sobre as diferentes concepções da técnica psicanalítica teve a iniciativa de estabelecer um questionário aberto para diferentes analistas de diferentes países sobre questões distintas referentes à maneira como trabalhavam O resultado desse questioná rio que pretendia ser um elemento para obter uma teoria comum da técnica analítica foi decepcionante para Glover O único ponto no qual as respostas coincidiram foi que a transferência era o elemento terapêutico da análise Todos reconheceram a importância da trans ferência como fator terapêutico Era a única questão Todo o resto como interpretar segundo que modalidade em que ponto intervém a interpretação qual é a sua origem a duração de uma análise a duração das sessões o número de sessões etc sobre todos esses pontos não houve nenhum acordo nem mesmo o mais ínfimo A partir desse questionário um analista meio francês meio argentino PichonRivière hoje falecido um dos mestres dos analistas argentinos teve a idéia de fazer o que chamou de abstractus Era uma abstração do que haviam dito os analistas segundo o questionário de Glover Então veio à minha mente esse termo abstractus para fazer uma abstração dos pacientes segundo as épocas e fazer um abstractus do paciente da época de Freud em 1910 isto é da época do Homem dos Ratos e a partir daí do paciente de hoje O paciente da época de Freud era um adulto que podia ter até cinqüenta anos neurótico que superara a primeira prova Freud fazia duas semanas ou dois meses de experiência com o paciente para saber se este podia ser analisado ou não Logo o analisando de Freud era um adulto que não tinha mais de cinqüenta anos e não era uma criança Freud pensava que as crianças e as pessoas com mais de cinqüenta anos não eram analisáveis Não que a análise fosse proibida mas Freud não podia afirmar nesses casos o caráter benéfico da experiência analítica O paciente de Freud era um homem que havia passado pela prova de um tratamento de duas semanas para saber se era analisável Freud recebia esse paciente seis vezes por semana durante sessões de uma hora ao longo de seis meses até um ano As análises não duravam muito mais que isso Ele utilizava o divã Na A técnica analítica 27 época do Homem dos Ratos ele tinha uma mesinha com chá arenques e pequenos sanduíches pois convidava os seus pacientes a comer com ele Às vezes o paciente se levantava do divã e andava pelo cômodo Freud interpretava para o Homem dos Ratos Sim você se move assim porque se sente culpado e não consegue ficar quieto no divã É por isso que você anda pela sala Porque o paciente era um homem que não ficava tranqüilo no divã ele se movimentava As interpretações de Freud na época eram interpretações transferen ciais apenas quando a transferência fazia resistência Depois a trans ferência se dissolvia Freud mantinha com seus pacientes não apenas boas relações de convivialidade mas falavalhes de teoria de livros e até os doutrinava e lhes explicava a teoria psicanalítica Muitas vezes encontravase com alguns deles em outros locais por exemplo em reuniões científicas Nessa época o analisando só era atendido em consultório parti cular O nosso paciente de hoje tem qualquer idade pode apresentar todas as patologias e não apenas a neurose Certamente há a neurose mas também momentos de perversão e algumas vezes momentos psicóticos embora atualmente os pacientes psicóticos sejam tratados em outros lugares questão que para a escola inglesa é diferente da nossa Toda a escola kleiniana manteve a importância de defender a análise de pacientes psicóticos principalmente os esquizofrênicos em razão da sua própria maneira de conceber o inconsciente e a pulsão Entre nós os pacientes psicóticos são raramente tratados em consul tórios particulares Em geral vemos nossos pacientes duas vezes por semana e não seis A duração do tratamento é relativa muito mais longa do que na época de Freud O paciente usa não só o divã mas muitas vezes é mantido no quadro analítico do face a face princi palmente os pacientes que retomam a análise isto é que fazem uma segunda análise Quanto a mim mantenho com ele longos meses de entrevistas preliminares que se chamam entrevistas preliminares em face a face Tenho muitas reservas no que se refere ao momento de proporlhe que se deite no divã e há muitas razões para essa reserva O paciente de hoje não fica apenas em consultórios particulares Falase de psicanálise de psicoterapia de inspiração analítica nos dispensários nos hospitais nos centros de saúde etc Em minha opinião esse paciente recebe interpretações errôneas interpretações supostamente transferenciais acreditando que a transferência é cons tituída simplesmente pelas referências e alusões que o paciente faz ao analista enquanto a verdadeira interpretação transferencial só pode 28 Como trabalha um psicanalista ocorrer como dizíamos há pouco nos momentos fecundos passionais violentos e dolorosos do tratamento Reservamos para a nossa próxima reunião a questão do abstrac tus do analista isto é como age o analista qual é a sua problemática em uma ou outra época e abordaremos o conceito de transferência a partir dos primeiros tempos de Freud até hoje A técnica analítica 29 O caráter de analisabilidade II O caráter de analisabilidade Hoje gostaria de prestar homenagem a um escritor recentemente desaparecido um escritor que me é muito caro e desejaria aproveitar esse seminário para referirme a ele René Char Sua voz sempre me inspirou Vejoa muitas vezes à maneira de uma fonte na qual bebo Eis uma dessas vozes Ele escreve o seguinte Um poeta deve deixar vestígios da sua passagem e não provas Só os vestígios fazem sonhar Por que não dizer que isso está afinal muito próximo do melhor que poderíamos esperar quando os analistas tentam transmitir o que fazem e favorecem o fato de fazer experiência É o meu caso com esse seminário é o caso de muitos outros analistas que tiveram a vontade de ensinar de transmitir muitos analistas que estão aqui com os quais trabalho e também outros de outras correntes Sei que muitos colegas sabem claramente que o melhor que poderia acontecer quando ensinamos não é veicular um saber informar este ou aquele conceito mas ensinar a encontrar a verdade O melhor que poderia acontecer é que um ensino favoreça o exercício da verdade favoreça o fato de saborear a experiência da verdade Em outros termos que facilite no analista o exercício do esquecimento Em suma se possível temos a esperança de que um ensino da análise deixe vestígios que façam sonhar 30 Esta noite vamos abordar o tema da transferência mas vamos abor dálo sob o ângulo de um problema muito preciso o da indicação da análise Nem todo paciente que nos consulta é analisável É preciso ressaltar que certamente nem todo o mundo é analisável Mas a partir de que critérios decidimos quem é analisável e quem não o é Na verdade na prática e na teoria existe apenas um critério de analisabilidade Só é analisável quem é capaz de transferência isto é capaz de desenvolver com o analista uma neurose dita de trans ferência Inversamente a condição para que um tratamento analítico continue e termine é que o analisando seja ou tenha sido neurótico Neuroses de transferência e neuroses narcísicas Esse critério foi claramente estabelecido por Freud desde o início e o levou a distinguir dois tipos de entidades nosográficas as que ele chama de neuroses passíveis de análise isto é as neuroses de transferência que são aquelas em que a transferência é possível que englobam a histeria a fobia e a obsessão e as neuroses não passíveis de análise refratárias ao tratamento analítico que englobam um grande número de entidades clínicas que pertencem fundamen talmente ao campo da psiquiatria das quais se falava na época de Freud tais como a melancolia a paranóia a esquizofrenia etc As primeiras as neuroses passíveis de análise foram chamadas por Freud de neuroses de transferência e as segundas as que não são passíveis de análise de neuroses narcísicas Hoje diríamos neuroses e psicoses Esse critério e essa distinção entre neuroses de transferência e neuroses narcísicas foi objeto de muitos debates ao longo dos oitenta anos da história analítica e principalmente de um debate mantido em especial pela escola anglosaxônica Os norteamericanos e os ingleses se mostravam muito desejosos pensavam praticavam e estavam preocupados em demonstrar ao contrário de Freud que a psicose ou seja a neurose narcísica era passível de análise Houve assim uma época fundamental com autores importantes que devemos mencionar O caráter de analisabilidade 31 e conhecer bem Rosenfeld Searles Frieda von Reichmann Bion e Hanna Segal São autores que constantemente se preocuparam em tratar de pacientes psicóticos em consultório particular e em afirmar que eles eram passíveis de análise Realidade psíquica local Pessoalmente concordo com essa posição porque ela me parece teórica e praticamente correta Na França muitos outros analistas pensam como eu Em particular concordo com essa posição princi palmente depois dos trabalhos que realizamos justamente neste semi nário sobre o que chamo de foraclusão local isto é a realidade psíquica local no paciente psicótico Se concebemos que um paciente dito psicótico experimenta e constrói realidades locais pode haver uma realidade psíquica local transferencial e uma realidade psíquica local que recusa a transferên cia Logo um paciente que está em análise pode durante um trata mento passar por momentos nos quais entra em relação transferencial com o analista Digo isso para expressar que efetivamente minha tendência é inscreverme nessa corrente digamos ao contrário de Freud e não sou o único a pensar isso para dizer que as neuroses narcísicas podem apesar de tudo ser capazes de transferência Entretanto devemos reconhecer duas coisas primeiramente Freud nunca foi verdadeiramente categórico Não disse que não devíamos analisar os psicóticos Disse estejam atentos sejam prudentes Aliás há expressões precisas entre as quais ele utiliza uma muito interessante É preciso estabelecer um plano terapêutico muito particular para a psicose Isso me faz pensar num texto de Lacan sobre as preliminares para um tratamento possível das psico ses o que significa que é preciso estabelecer um plano terapêutico muito particular Em segundo lugar Freud não impedia não proibia o tratamento das psicoses Dizia que em princípio a teoria e a prática nos levam a uma certa prudência Oitenta anos se passaram desde essas afirmações Creio que essa prudência é atual e indispensável Se temos um paciente esquizofrênico que vem nos consultar em nosso consultório particular não o rece beremos por ocasião das primeiras entrevistas com a mesma dispo sição para trabalhar com ele na análise do que se ele fosse um paciente neurótico O mesmo vale para um paciente com passagens ao ato 32 Como trabalha um psicanalista perversas para um toxicômano ou um melancólico principalmente na fase aguda Apesar de tudo a posição freudiana me parece muito correta e de bom senso O bom senso Ao dizer bom senso e parece que essa expressão não diz respeito aos analistas lembrome da vez em que Lacan fazia o seu seminário e contava o seguinte Estou chegando de um júri no qual tivemos que escolher selecionar os analistas da Escola Freudiana que pode riam ser designados como analistas Membros da Escola chamados AME Analistas Membros da Escola E acrescentou Sabem no júri me perguntaram quais eram os critérios com os quais íamos escolher esses analistas Nessa época a questão era totalmente diferente por um lado para os analistas da Escola os que eram selecionados por um júri em função de um processo que se chamava passe e por outro lado para os analistas membros da Escola que eram escolhidos em função do seu mérito isto é em função da maneira pela qual trabalhavam em supervisão no tempo de sua análise sua prática etc E Lacan respondeu naquele dia Não há outro critério a não ser o bom senso Não há nada além do bom senso Isso significa que o analista deve chegar a um ponto em que tudo o que ele aprendeu se concentre nesse mesmo ponto que é o do bom senso Para jogar com as palavras eu diria que há uma ética do bom senso como há uma ética do bem dizer Lacan como sabemos dizia que há uma ética do bem dizer Eu diria que também há uma ética do bom senso A ética do bem dizer não é a ética da eloqüência A ética do bem dizer é dizer um dito que signifique alguma coisa de recalcado isto é um dito que signifique o silêncio de um recalcamento Eu diria que a ética do bom senso a ética analítica do bom senso é a ética pela qual o analista implica um sentido o único sentido válido em psicanálise permitamme essa qualificação um tanto brutal o sentido fálico A ética do bom senso é a ética do sentido fálico A ética do bem dizer é a ética do dizer o recalcamento Volto ao nosso problema Estava dizendo pois que finalmente essa distinção estabelecida por Freud entre neurose narcísica e neurose de transferência permanece válida teoricamente apesar de tudo É uma espécie de princípio e é bom que todos nós continuemos a têlo presente no espírito quando temos pacientes que vêm nos consultar O caráter de analisabilidade 33 quando das primeiras entrevistas Mas além disso essa distinção entre neurose de transferência passível de análise e neurose narcísica me parece ser uma distinção muito instrutiva muito interessante para examinar nesta noite o que decidimos chamar de capacidade de transferência O que é ser apto para a transferência O que é a analisabilidade Traduzoa assim por que as neuroses de transfe rência são analisáveis e por que as neuroses narcísicas não o são As neuroses de transferência Comecemos pelas neuroses de transferência Vamos estudar as estru turas e as manifestações da neurose de transferência A neurose de transferência especialmente suas manifestações ocorre na fase de abertura do tratamento É muito rápido Desde as primeiras entre vistas a neurose de transferência já aparece Suas manifestações são importantes para detectar certos sinais como por exemplo o momento em que se pode indicar o divã para o analisando O que é a neurose de transferência Como vemos há uma ambigüi dade Digo a neurose de transferência e há pouco eu disse as neuroses de transferências Em Freud essa ambigüidade segue o movimento atual por uma razão muito simples que consiste em dizer que falar de neurose de transferência é na verdade propor um conceito técnico Com efeito neurose de transferência é uma entidade nosográfica definida em função de uma terapia a terapia analítica É como se tivéssemos um medicamento por exemplo a aspirina e disséssemos que há doenças que são aspirináveis e outras que não o são A neurose de transferência é um conceito técnico contudo Freud também fez dele um uso nosográfico Mas o que domina em sua obra quanto ao sentido e à acepção da neurose de transferência é o conceito técnico O único texto no qual ele faz um uso nosográfico é aquele recentemente descoberto que se chama Neuroses de transferência uma síntese que foi editado recentemente Há quatro textos nos quais Freud fala de neurose de transferência como de um conceito técnico Dou as principais referências o pri meiro em 1914 Recordar repetir elaborar mais tarde em 1916 1917 na conferência introdutória XXVII sobre a transferência jus 34 Como trabalha um psicanalista tamente depois em 1920 Maisalém do princípio de prazer e naturalmente há este texto Neuroses de transferência uma síntese em que o conceito de neurose de transferência é nosográfico Devo acrescentar outro texto aos três primeiros nos quais o conceito de neurose de transferência tem um sentido técnico É a Introdução ao narcisismo Nesse texto Freud está preocupado em definir o que são as neuroses narcísicas Gostaria de fazer um esclarecimento antes de passar ao problema em si A maioria dos textos analíticos que estudam o problema da neurose de transferência o consideram como uma classe particular de transferência especialmente os anglosaxônicos Como eles se preo cupam em demonstrar que as psicoses são aptas para a transferência fizeram a distinção dizendo Sim há as psicoses de transferência e as neuroses de transferência e por conseguinte diziam Existe a transferência e a partir dela há diversas classes de transferência psicoses de transferência neuroses de transferência Outros autores até inventaram a perversão da transferência ou a transferência per vertida etc A partir daí podemos imaginar todas as diferentes classificações de transferência Na verdade não concordo com essa posição Creio que temos um grande interesse prático na escuta de nossos pacientes em identificar o conceito aparentemente mais geral de transferência por um lado e o conceito mais preciso de neurose de transferência por outro lado Quando um analista enuncia a palavra mil vezes banalizada transferência conotaa espontaneamente sem pensar com três acepções clássicas que são em minha opinião três maneiras de pensar o conceito de transferência que o afastam da experiência O que quer dizer que o afastam da experiência Que não deixam interrogar consultar apreender essa experiência Essas três acepções são pri meira acepção a transferência é a relação com o analista segunda acepção mais vaga mais geral e espontânea a transferência é o conjunto dos afetos e das palavras alusivas vividas ou não em relação ao analista terceira acepção vaga a transferência é a repetição no atual com o analista das experiências sexuais infantis vividas no passado Eis os três sentidos habituais que se dão à palavra transferência Esses três sentidos têm uma parte de verdade Quero dizer que Freud de uma maneira ou de outra os enunciou Mas penso que se nos O caráter de analisabilidade 35 aproximarmos se identificarmos a transferência em geral com a neurose de transferência temos a vantagem de precisar muito melhor o que é esse conceito de transferência e retirar esse caráter de acepção ambígua de que acabamos de falar Damos ao conceito de transferência uma riqueza muito maior do que ele tem com a condição de o separar da neurose de transferência O que diz Freud nesses textos Vou resumir rapidamente Gostaria de chegar ao que é a minha preocupação Passo muito rápida e esquematicamente mas vou me deter nos aspectos que definem a neurose de transferência Primeiro ele não diz que a relação do terapeuta com o paciente se faz em uma neurose Essa idéia de neurose de transferência não era inteiramente uma idéia freudiana É anterior a Freud É uma idéia de Charcot retomada por Janet E é uma idéia muito em voga na época em 1890 Pois como lembramos é muito interessante os hipnotizadores especialmente os que praticavam o método catár tico consideravam que no momento em que o paciente fazia a descarga isto é alucinava o acontecimento traumático e falava nesse momento se produzia uma crise histérica E diziam numa época anterior a Freud que para tratar a histeria era preciso recriar uma crise histérica Essa idéia já estava presente A neurose de transferência uma neoformação psíquica Depois de lembrarmos isso vejamos agora as diferentes definições da neurose transferencial Primeiramente a neurose de transferência é um produto psíquico mórbido espontâneo e fundamentalmente inconsciente Isso é muito importante A neurose de transferência é inconsciente isto é o sujeito a vive sem perceber Em segundo lugar esse produto esse estado de transferência é uma criação nova Em relação à afecção à doença pela qual o paciente veio nos consultar essa neurose de transferência deve ser considerada como uma neoformação como um câncer como um tecido vivo São os termos de Freud tecido vivo Vejam que estamos longe de dizer a transferência é a relação com o analista os afetos as palavras vividas em relação a ele Freud nos diz que é o inconsciente É um tecido vivo que se cria principalmente na fase de abertura do tratamento que cresce e se 36 Como trabalha um psicanalista multiplica insidiosamente são minhas próprias palavras à medida do desenvolvimento do tratamento É como uma lava vulcânica como uma lamela que invade o vínculo analítico e isso subreptícia e insidiosamente sem que os parceiros percebam Essa lamela essa lava esse câncer se concentra e converge para um único ponto opaco um ponto umbilical em direção ao analista uma espécie de umbigo que é o analista Logo devemos imaginálo como um tecido com um ponto um bilical como o umbigo de um sonho Aqui seria o umbigo da transferência Primeira característica é um produto psíquico mórbido e in consciente Segunda característica é uma criação nova em crescimento e em extensão viva com um ponto opaco Terceira característica Freud diz que essa estrutura mental é uma estrutura artificial São suas palavras Antes ele dizia espon tânea É verdade espontânea por sua emergência mas ao mesmo tempo ele diz é artificial Artificial quer dizer manejável ma nobrável por um operador que ocupando ele próprio o centro dessa estrutura é capaz de desmontála isto é interpretála Artificial quer dizer não só provocada desmontável provisória interpretável se quisermos mas também quer dizer que ela responde a três objetivos à vontade do terapeuta que determina para si três objetivos com a neurose de transferência com essa criação artificial que é a neurose de transferência Há três expectativas do operador uma expectativa terapêutica uma expectativa de pesquisa e uma expectativa ética A expectativa terapêutica O objetivo terapêutico é o mesmo princípio que o do método catártico na época de Freud isto é reproduzir a doença para poder eliminála in vivo Refazer a doença para melhor tratála É verdade reconhecia Freud que esse meio terapêutico é um meio arriscado É arriscado porque aumenta a doença até um grau às vezes tão intenso que ela se torna um obstáculo à continuação do tratamento e às vezes por que não dizer está na origem de graves passagens ao ato por parte de certos pacientes Isso é raro mas devemos saber que quando um O caráter de analisabilidade 37 analista trabalha com um paciente trabalha com materiais explosivos Isto é ele cria uma situação que pode tornarse intensa e arriscada Primeiro objetivo pois terapêutico A expectativa de pesquisa Segundo objetivo de pesquisa de investigação Na Metapsicologia encontraremos uma frase que me pareceu luminosa Os processos inconscientes só podem ser conhecidos por nós nas condições das neuroses isto é em circunstâncias em que todos os processos pré conscientes foram rebaixados Freud sempre insistiu em dizer que a análise não é apenas terapêutica como eu declarei há pouco mas é também um meio de investigação para o conhecimento do inconsciente Observese que as palavras que eu utilizo são as palavras o tom e a atmosfera dos textos freudianos A expectativa ética Enfim há um objetivo ético A esse respeito Freud diz nos Artigos sobre técnica O que o paciente viveu sob a forma de uma transferência jamais esquecerá A meu ver essa frase deveria ser posta em epígrafe a um texto que pretendesse falar da passagem do analisando para o analista Aqui reencontramos a posição de Lacan que considerava que não havia uma psicanálise didática e uma psicanálise pessoal Considerava que a psicanálise era sempre psica nálise pura Isto é em última instância toda psicanálise leva teorica mente em tese a criar um analista a partir de um analisando Pouco importa por que razão este procurou um analista Era essa a posição de Lacan Aliás ele dizia Se quiserem compreender o que é a psicanálise didática é preciso que comecem pressupondo este prin cípio toda análise leva ou deveria levar a produzir um analista É um objetivo ético de psicanálise pura próximo daquilo que hoje chamaríamos de sublimação Pois nesses casos o que se vive na transferência e que nunca se esquece é uma transformação O Gozo experimentado na transferência se transforma em ato num vestígio significante a abertura de uma nova análise Para o analisando que 38 Como trabalha um psicanalista agora se tornou analista o Gozo experimentado na transferência se transforma em ato de abrir uma nova análise É o que assinalaríamos como sendo o objetivo ético dessa neurose de transferência artificial Dois níveis de compreensão da transferência o nível matricial e o nível da significação Mas voltemos a Freud e à nossa maneira de ler e compreender a neurose de transferência Primeiramente creio que é preciso distinguir dois níveis para compreender esta última um nível que chamo de matricial e um nível de significação Um nível de matriz e um nível de sentido de significação Quanto ao nível de significação vamos nos servir de muitos termos lacanianos e da teoria lacaniana Quanto ao nível matricial diria que é uma espécie de fórmula essencial de abertura maciça A transferência é uma pulsão pulsão analítica Freud pensava que a neurose de transferência era como eu disse a atualização no presente com o analista de antigos desejos eróticos Hoje prefiro dizer que a neurose de transferência é um dos destinos possíveis da pulsão Sabemos que a pulsão tem quatro destinos possíveis estabelecidos por Freud na Metapsicologia a sublimação o recalcamento o retorno para a pessoa própria a mudança de objetivo ativo para objetivo passivo Pois bem a neurose de transferência seria o destino analítico da pulsão isto é quando nós nos interrogamos sobre a analisabilidade de um paciente por ocasião de uma primeira entrevista deveríamos escutálo pensando que sua capacidade de transferência se decide essencialmente digo essencialmente porque há outros fatores na potência da sua pulsão Vocês me dirão quando escutamos um paciente numa primeira entrevista não pensamos nessas coisas Tudo bem mas acostumemse O caráter de analisabilidade 39 pouco a pouco com a idéia de que mesmo que não pensemos nisso nossa escuta é como que orientada em uma disposição orientada A disposição orientada quando da primeira entrevista preliminar é a de pensar que esse analisando futuro analisando candidato à análise terá a capacidade de analisabilidade capacidade de transfe rência aptidão para transferir como se isso ocorresse na potência da sua pulsão na potência da sua pulsão para deixar a sua fonte ir em direção ao analista como objeto girar em torno dele e voltar enfim para o seu ponto de partida Do mesmo modo que qualificamos de invocante a pulsão que gira em torno do objeto voz qualificaremos de analítica a pulsão que engloba o analista e sobre a qual se organiza uma neurose dita de transferência Poderíamos dizer que a pulsão analítica vai para o analista gira em torno dele e volta para o ponto de partida Figura 2 É preciso pois entender o termo geral de transferência como uma atividade pulsional como um traçado pulsional que sulca uma terra deserta uma terra que se tornará progressivamente um lugar um vínculo o vínculo da análise Poderia resumir dizendo a transferência é afinal a história fragmentária de uma pulsão parti cular Nível matricial Analisando Analista Eu demandas de amor Eu Nível de significação Objeto da pulsão inscrito no Outro simbólico 40 Como trabalha um psicanalista O Gozo fálico Freud diz que a transferência é a repetição no presente das expe riências pulsionais vividas no passado Seria preferível tomarmos a palavra repetição não como o ponto que liga o antigo ao atual como se fosse possível que uma pulsão fosse reativada Considero que as pulsões nunca são reativadas Toda pulsão é sempre nova Não existem velhas pulsões reativadas no presente A pulsão é nova sempre nova Penso que não se deveria dar à palavra repetição em relação à transferência esse sentido habitual literal de uma repetição do passado no presente Vamos à frente e digamos que é melhor pensar o termo repetição como uma força uma potência algo que insiste que empurra que mantém que persevera que persiste como a força que no atual obriga a pulsão a criar um laço entre duas pessoas o analista e o analisando Freud pensava que a repetição era entre o passado e o presente mas reconhecia que existia essa força que ele chamava compulsão à repetição A partir daí a palavra repetição tem este duplo sentido existe a idéia habitual de repetição de alguma coisa antiga que se repete no presente e outra idéia que parece mais audaciosa mais interessante mais rica que diz que a repetição é aquilo que leva a que a coisa persevere e a que a pulsão seja poderosa Lacan não chamou essa força de compulsão de repetição mas de Gozo e não um Gozo qualquer Gozo fálico O Gozo fálico é o nome que damos à potência de perseverança de persistência da pulsão É o que faz com que um traçado se realize é o que sustenta esse mesmo traçado É o que Freud na Metapsico logia chama de o impulso A essa força poderíamos dar a conotação de potência fálica Uma tal compulsão de repetição um tal Gozo fálico um tal impulso é incontrolável e habita todos os seres falantes Essa pulsão está presente em qualquer vínculo humano no vínculo com o cônjuge com o filho com o patrão etc Critério de analisabilidade a capacidade de ser afetado pela pulsão Mas então o que constitui a sua especificidade em uma análise O que a torna específica Vamos responder lentamente Voltemos à O caráter de analisabilidade 41 pergunta anterior em que consiste a capacidade de transferência Em que consiste a capacidade a aptidão à transferência do futuro anali sando Diria inspirandome no filósofo Spinoza que a aptidão à trans ferência analítica é o poder de ser afetado em ato pela pulsão Não somos todos afetados da mesma maneira nem todo o mundo sofre com suas pulsões Há seres que se viram à sua maneira para não sofrer com suas pulsões É uma primeira resposta Nesse ponto encontramos uma citação de Freud É interessante quando vemos citações como aquela notar que Freud estava muito presente ao mesmo tempo no nível da teoria e do alcance prático dessa mesma teoria Ele diz A terapia analítica tem seus limites Só pode curar o neurótico na medida em que ele sofre E acrescenta Quando ele não sofre a terapia fica sem efeito Como assinalamos Freud distingue as neuroses de transferência passíveis de análise das neuroses narcísicas não passíveis de análise Agora temos algo completamente diferente um terceiro elemento pois há as neuroses de transferência as neuroses narcísicas e os seres que não sofrem Esses seres como constatamos freqüentemente ao fim de alguns meses de análise são pacientes que param o tratamento E veremos que a explicação da neurose de transferência no nível das significações pode por sua vez trazer esclarecimentos Essa ausência de sofrimento está presente também em certos analisandos que fazem as entrevistas preliminares Começam as pri meiras sessões os primeiros meses se passam e ao fim de um certo tempo eles decidem parar O analista tem realmente a impressão de que não houve neurose de transferência no nível que vamos definir como sendo o da significação isto é não houve neurose de transfe rência propriamente dita Em que consiste a capacidade de transferência Como definir a aptidão à transferência Dei uma primeira resposta que me vem de 42 Como trabalha um psicanalista Lembremos que para Spinoza ser afetado é ser capaz ter o poder de ter o poder não apenas de agir sobre os outros mas de ser permeável à ação dos outros Em minha interpretação considero o futuro analisando como analisável quando ele é de fato capaz de se deixar levar por suas pulsões Sobre o conceito de afecção em Spinoza podese consultar Pensamentos metafísicos capIII e A ética Proposições XVI e XXV da 2a parte Proposição LI da 3a parte e Proposições I X e XIV da 5a parte Spinoza dizendo que a capacidade de transferência a aptidão à transferência analítica é o poder de ser afetado em ato pela pulsão Em termos mais gerais é sofrer com a pulsão É a primeira resposta Mas restamnos muitas outras respostas em torno da aptidão à trans ferência Restanos definila um pouco mais precisamente e termina remos então a nossa exposição Antecipo o fato de que ainda não a definiremos plenamente mas nos aproximaremos disso Por exemplo poderíamos dizer que o que estamos afirmando é que a neurose de transferência é um destino o destino analítico da pulsão e as coisas seriam assim porque isso faz pensar a transferência como uma atividade pulsional e não como sentimentos que se têm pelo analista Concordo Mas então voltam as perguntas quais são as especificidades desse destino e como definir este último Como existe a pulsão oral anal escópica invocante existiria uma pulsão analítica que se expressaria na neurose de transferência Sim fazemos questão de dizer poderíamos pensála assim como uma pulsão a mais Mas esse sim é um tanto incerto Eis pois as perguntas que procuram definir a aptidão à transfe rência Mas para responder nesse sentido é preciso que abordemos o segundo nível que é o da significação da neurose de transferência Nível da significação da transferência Em seus textos Freud diz Como a neurose de transferência se instaura no início da primeira fase do tratamento ocorre um fenômeno muito particular muitas vezes os sintomas pelos quais o paciente procurou o analista desaparecem E se certos sintomas persistem eles vão levar veicular uma nova significação que Freud chama uma significação transferencial Nesse momento há apenas os sintomas que serão significantes pela transferência que vão levar a significação da transferência E depois acrescenta Freud não só os antigos sintomas desaparecem os que persistem vão ser conotados pela transferência mas também aparecerão novos sintomas específicos à relação analítica Estes é claro também levam a marca da signifi cação transferencial O nível de significação da neurose de transferência diz respeito justamente ao que ele chama de significação transferencial desses novos sintomas ou dos antigos que persistem e que têm uma nova O caráter de analisabilidade 43 significação Essa significação transferencial dos novos sintomas ou dos antigos que continuam é uma significação fálica O que vocês pretendem dizer quando afirmam que a significação transferencial desses sintomas seria uma significação fálica Isso quer dizer que esses sintomas vão ser conotados com um sentido sexual transferencial e sexual Ao invés de dizer transferencial e sexual dizemos mais precisamente como Lacan uma significação fálica A palavra fálica vem marcar de modo mais rigoroso o que chamamos de natureza sexual Em resumo poderíamos dizer que a diferença entre as neuroses de transferência e as neuroses narcísicas vai atuar não só no nível matricial mas também no nível da significação Nas neuroses narcí sicas isto é a melancolia a paranóia a esquizofrenia não há signi ficação fálica Nas neuroses de transferência isto é a histeria a fobia a obsessão os sintomas são conotados com um sentido transferencial e sexual Vamos agora ao nosso tema pontual que é o nível de significação das neuroses de transferência o nível de significação fálica Estabe lecendo esse nível de significação das neuroses de transferência o nível de significação fálica poderemos precisar melhor em que consiste a capacidade de transferência em um neurótico A significação transferencial Mas o que quer dizer significação transferencial É preciso começar por compreender que a significação transferencial de um sintoma antigo ou novo é aproximadamente como a de uma mensagem como se o sintoma fosse uma mensagem destinada ao terapeuta instituído agora como interlocutor Quando Freud diz que na neurose de transferência os sintomas levam uma significação transferencial isso quer dizer que os sintomas se dirigem ao analista Não é somente uma transferência sexual mas eles se dirigem ao analista O analista se tornou o interlocutor Mas os sintomas só se dirigirão ao analista com uma condição bem precisa Diferença entre psicoterapia e psicanálise Do que estamos dizendo o que importa é o fato de que haja uma condição bem precisa para que novos sintomas apareçam e para que 44 Como trabalha um psicanalista os antigos levem uma significação transferencial que vai dar a essência do nível de significação das neuroses de transferência É uma condição muito precisa que não só permitirá esse surgimento das significações transferenciais mas que além disso vai distinguir a terapia analítica de todos os outros métodos psicoterapêuticos É essa condição que vai diferenciar a psicoterapia da psicanálise Diferenciar a psicoterapia da psicanálise é fácil de dizer Na verdade é preciso ser prudente e dizer que é um critério importante para distinguir a psicoterapia da psicanálise Essa condição especifica a transferência analítica em relação a qualquer outra transferência implicada nas relações humanas habituais Qual é essa condição É que o analista encarne por suas atitudes ou por seu comportamento pelo tom da voz pelo modo de dar a mão por todas as manifestações que o analista encarne o mais fielmente possível a expressão imaginária do objeto insatisfatório da pulsão O analista deve encarnar ou tentar encarnar a figura imaginária do paradigma de todo objeto isto é o falo Em outras palavras e em resumo o analista encarna o falo imaginário Logo a condição para que os sintomas do analisando sejam uma mensagem destinada ao analista é que este não se situe na posição de destinatário dessa mensagem É como que uma astúcia Para que os sintomas do analisando levem veiculem uma significação transfe rencial isto é para que eles se dirijam ao analista é preciso que este venha a ocupar o lugar se aproxime o mais possível da expressão imaginária do objeto da pulsão Ora esse objeto da pulsão é um objeto insatisfatório Não posso descrever toda a teoria da pulsão mas sabemos que a pulsão permanece por natureza insatisfeita Não existe objeto que satisfaça a pulsão A pulsão quer sempre satisfazerse mas nunca se satisfaz Pois bem é preciso que o analista ocupe se aproxime para dar a expressão imaginária o véu imaginário desse objeto Se o analista procura se aproximar o mais possível desse objeto da ex pressão imaginária desse objeto então automaticamente ele institui quase sem saber sem procurar a dimensão muito importante de um grande Outro interlocutor das mensagens que o analisando lhe dirige É na medida em que o analista vem a encarnar essa expressão imaginária do objeto que automaticamente sem que ele procure ele se institui como um grande Outro interlocutor para quem vão se dirigir as demandas as mensagens do analisando O caráter de analisabilidade 45 O desejo do analista Deveríamos dizer que esse falo imaginário a expressão imaginária desse objeto se apresenta não sob a forma de uma luz ofuscante não sob a forma de uma irradiação mas sob a sua forma mais opaca mais enigmática mais desconhecida o x do analista Lacan o chama de x do analista o x desconhecido do analista e muitas vezes ele o nomeia com esta expressão tão difícil de apreender nos textos lacanianos desejo do analista O que é o desejo do analista É o lugar do objeto recoberto pelo véu de um falo imaginário opaco e enigmático É isso o desejo do analista A expressão desejo do analista não quer dizer o desejo da pessoa do analista Não é o desejo de tornarse analista A expressão desejo do analista é uma expressão estrutural É o lugar do objeto recoberto pelo véu de um enigma É o objeto apresentado sob sua forma enigmática É só com essa condição que o analista poderá ocupar esse lugar Isso quer dizer que todo o seu comportamento a maneira como faz o paciente entrar como fala com ele as palavras que usa para fazer as suas intervenções a duração destas o tom de sua voz etc contribui para que o analista venha ocupar esse lugar E é ocupando esse lugar que automaticamente ele institui sem saber e sem perceber o grande Outro o referente o interlocutor dos novos sintomas que vão aparecer e que vão trazer a significação transferencial O analista veste o objeto com o mistério do seu silêncio e da sua recusa para fazer sentir e lembrar que o objeto é sempre insatisfação Façamos silêncio em nós aproximemonos do objeto insatisfatório da pulsão aproximemonos da sua imagem enigmática e faremos aparecer o grande Outro Faremos surgir a autoridade faremos apa recer o grande Outro referente instituiremos a autoridade do Sujeito Suposto Saber Essa autoridade existe em qualquer terapia Um psi coterapeuta é uma autoridade para o seu paciente e esta existe qualquer que seja a terapia mas é somente na psicanálise que essa autoridade essa dimensão do grande Outro interlocutor dos sintomas portadores da significação transferencial nasce graças ao comportamento técnico de um operador de um prático que sabe evocar a natureza opaca do objeto O analista assume pois ter que ocupar esse lugar e como primeiro efeito produzse a instituição do grande Outro do Sujeito Suposto Saber da autoridade Segundo efeito importante sobre o analisando desta vez se o analista ocupa esse lugar do enigma faz silêncio em 46 Como trabalha um psicanalista si vai exercer sobre o analisando uma certa sedução O analista vai seduzir mas seduz de modo diferente do histérico vai seduzir e vai suscitar no analisando o aparecimento de novos sintomas que trazem a marca da transferência Demandas de amor O analista vai provocar demandas de amor por parte do analisando Vai provocar demandas que é preciso esclarecer incluindo entre estas demandas de saber de reconhecimento momentos silenciosos até uma parada das associações do analisando como se ele falasse e se interrompesse Teoricamente falando é de uma demanda de amor no nível da significação que estamos falando uma parada súbita de que Freud já falou e também nós algumas vezes Também podemos incluir aí falhas no enunciado que surpreendem o analisando e são marcadas pela fórmula Nunca tinha pensado nisso Tudo isso constitui formas diferentes daquilo que podemos chamar de demandas de amor suscitadas pelo fato de que o analista ocupa esse lugar Nem todo o material de um paciente em análise é transferencial Nem tudo o que um paciente diz é demanda de amor Mas certas demandas de reconhecimento e de saber o são Isso afeta também o sintoma como demanda de amor São manifestações no analisando suscitadas pelo lugar enigmático do analista em posição de desejo do analista Por que essas demandas se chamam demandas de amor Porque exigem do analista não em posição de desejo do analista mas em posição de grande Outro que ele dê ao analisando o que o analista possui que ele lhe dê o que o analisando lhe atribui e supõe que ele possui Primeiro tempo da demanda de amor o analisando quer que o grande Outro lhe dê Se o analista não ocupa esse lugar imaginário que recobre o objeto então a transferência se converte em pulsão pura Se o analista não ocupa esse lugar não haverá grande Outro referente não haverá demandas palavras manifestações sintomas O que haverá Atuações passagens ao ato uma espécie de desnuda mento do objeto É o que Lacan diz em uma frase que constitui sempre um objeto de discussão entre leitores lacanianos O caráter de analisabilidade 47 A transferência faz surgir a pulsão o desejo do analista faz falar Lacan diz nos Quatro conceitos fundamentais da psicanálise ao falar da transferência e da pulsão Se a transferência é o que da pulsão afasta a demanda o desejo do analista é o que a reconduz a ela Lacan diz isso e os lacanianos quebram a cabeça Não entendem Esta é a leitura que eu faço se a transferência é o que da pulsão afasta a demanda isto é se a transferência se manifesta se tende a se manifestar como pulsão tende a chegar enquanto pulsão tende a se dar abertamente nas pulsões o desejo do analista isto é a ocupação do analista enquanto vindo cobrir com um véu o objeto é o que reconduz a demanda Seria preciso dizer se se deixar a transferência manifestarse enquanto pulsão não haverá demanda não haverá palavras haverá atos Mas em contrapartida se o analista a partir do desejo do analista vem cobrir o objeto com esse véu enigmático então ele suscitará a fala e esta reaparecerá É por isso que a origem da fala a condição para que o analisando fale e se engane a condição para que haja novos sintomas a condição para que haja demandas de amor é que o analista venha ocupar o lugar desse falo imaginário que cobre o objeto da pulsão Concluindo se a transferência é o que da pulsão afasta a demanda o desejo do analista é o que a reconduz a ela E acrescentamos ele reconduz a demanda a atrai a suscita a provoca e a orienta Não a provoca apenas mas também a orienta Orienta para onde Para o grande Outro Faz com que os sintomas se dirijam a um interlocutor privilegiado A posição do analista diante do falo imaginário faz com que o analisando espere receber dele esse objeto A coisa mais importante que devemos assinalar hoje a questão essencial a condição importante do nível de significação na neurose de transferência é que o analista venha encarnar o véu imaginário que cobre o objeto da pulsão Essa condição tem três efeitos primeiro efeito a instituição de um grande Outro simbólico podemos dizer de um Sujeito Suposto Saber ou de um interlocutor privilegiado como nós o chamamos segundo efeito fundamental suscita no analisando o fato de formular demandas de amor de produzir novos sintomas de enganarse ao falar de sonhar de pedir para ser reco nhecido etc terceiro efeito essas demandas de amor são dirigidas 48 Como trabalha um psicanalista ao grande Outro para que lhe seja entregue o objeto que ele supos tamente possui Quero que ele me dê A demanda de amor é uma demanda de ter o falo do Outro do grande Outro De onde provém a autoridade que o analista tem sobre o paciente É interessante porque várias vezes voltou essa pergunta quanto à proveniência da autoridade do analista Há uma resposta rápida a partir do momento em que um paciente telefona para marcar uma consulta a transferência em direção ao analista já está bem instaurada Freud diz Lacan repete e eu sempre reitero a transferência já está presente antes do telefonema Certo mas essa transferência em direção ao analista basta Quando da nossa primeira reunião eu observei que o primeiro objeto trans ferencial do analisando é a relação do analista com a análise e quando o analisando o futuro analisando o paciente chega para consultar esse analista na verdade ele já traz em si uma prétransferência ou uma transferência prévia Isso acontece mesmo quando não há de manda de análise Há pessoas que telefonam e não é porque elas achem necessário encontrar um analista Pensam que vão encontrar um terapeuta Não sabem muito bem quem elas vão consultar Mas nisso há algo da ordem de uma transferência prévia que já está presente que é muito importante reconhecer e não forçosamente sob a forma de uma transferência para o analista É a transferência para alguém que está ali para ouvir para escutar Já ressaltei que isso vai atuar na relação do operador do clínico com a disciplina que ele realiza com o seu trabalho com a sua relação com a comunidade com os ideais etc Agora hoje preciso mais ainda e digo não não basta que a transferência já esteja presente antes isso não basta a relação do terapeuta com a análise Para que haja instituição de autoridade do analista sobre o seu paciente é preciso que o analista se faça silencioso enigmático que fale pouco porque quanto mais ele falar mais ele se afastará do menos phi Quanto mais falamos mais nos afasta mos Quanto menos falamos mais nos aproximamos A autoridade do analista a instituição do grande Outro provém do fato de que o analista se aproxima cada vez mais desse lugar A escuta capta o inconsciente do outro em seu próprio silêncio A escuta capta o outro em seu próprio silêncio O caráter de analisabilidade 49 Elementos de apreciação para passar ao divã 1o Disposição do terapeuta Este deve fazer várias entrevistas iniciais sem se preocupar com o divã 2o Diferentes manifestações objetivas devem aparecer no relato do paciente ligadas a fatos íntimos de caráter sexual ligadas a acontecimentos bem precisos de sua infância ligadas à relação com o analista ligadas às dores do corpo sonhos lapsos Todos esses sinais são dirigidos pelo paciente ao analista como interlocutor Mas ao mesmo tempo o analista tem a sensação de que sua imagem sua presença visual é excessiva perturba e incomoda o paciente 3o O paciente deve se deitar quando o analista tem a impressão de que sua presença perturba o relato do paciente Respostas às perguntas Vamos agora abrir o diálogo sobre a distinção entre psicoterapia e psicanálise Hoje tentei fazêla Gostariam de expressar as suas reflexões O sr abordou o tema muito rapidamente durante uma frase É verdade que penso que as psicoterapias utilizam a teorização da análise mas o que o sr desenvolveu hoje marca de modo muito singular um ponto entre uma posição na psicanálise e a maneira pela qual no seio de uma psicoterapia utilizamse as referências da análise Seria esse para o sr o único modo de distinção que melhor caracterizaria essa distância ou o sr poderia acrescentar algo Os psiquiatras de hoje ou os psicoterapeutas de hoje não estão preocupados em pensar em refletir no fato de instaurar com seus pacientes uma neurose de transferência Já é uma resposta geral muito 50 Como trabalha um psicanalista mais aberta e mais precisa A primeira resposta geral é que a primeira coisa que se apresenta como distinção essencial entre a psicoterapia e a psicanálise é que nós os analistas pensamos que é preciso intensificar a doença Um psicoterapeuta e principalmente um psi quiatra não concordariam com o fato de refazer a doença Mas nós nós o esquecemos nós acreditamos nós temos precon ceitos Penso que existem preconceitos fecundos e infecundos Os preconceitos fecundos são os que nos interrogam sobre o impossível Os preconceitos infecundos são os que nos interrogam sobre nossa impotência para falar em termos lacanianos Pois bem um preconceito infecundo que nos faz pensar no problema da potência é o de dizer por exemplo que a diferença entre psicoterapia e psicanálise é que nós analistas interpretamos a transferência Isso me parece extremamente pobre É exato mas é pobre Se em contrapartida digo a um terapeuta ou a um analista que quando aceito um analisando preparome para criar um estado mórbido dito assim subitamente Isso nos detém provoca uma certa reserva e chama a nossa atenção Nem sempre temos essa reserva e essa prudência Esquecemos acreditamos no nosso preconceito infe cundo que diria que o analista está ali para escutar e interpretar Isso não é correto O analista está ali para participar de uma neoformação a criação mórbida de um tecido vivo Então que diferença há entre psicoterapia e psicanálise Primeira resposta um psicoterapeuta não diria que aceita o risco a atitude de fazer parte de um novo estado mórbido por exemplo Além disso a posição que ele adota é como se esse psicoterapeuta já se situasse na posição do objeto a enquanto o analista não se situa de início na posição do objeto a Ele não começa por ali Ele se situa primeiro em posição de véu ele se reduz se reserva se faz pequeno No início de uma sessão ele não diz Fale comigo ele diz Sim estou ouvindo estou escutando Mas na verdade estou escutando é o único fragmento do objeto a que existe para que logo ele se converta em véu desse objeto Vamos precisar um ponto o véu do objeto não é apenas o silêncio Fazer silêncio é a maneira mais certa mais simples que esse véu adota Mas há outras maneiras que só se adquirem com a experiência para que um analista possa estabelecer um tratamento particular com o seu analisando conservando ao mesmo tempo esse lugar de véu do objeto Isso faz parte da experiência e da prática O caráter de analisabilidade 51 Evidentemente o paradigma desse véu é o silêncio O silêncio é a maneira mais simples mas também a mais prudente mais correta e principalmente mais simples de pensar esse véu Há outras muito mais ativas e muito mais delicadas de manejar que também existem Por exemplo o tom da voz o modo de dizer uma interpretação como por exemplo o modo de fazer uma intervenção explicativa e ampla nos afasta desse lugar Mas pode acontecer que um analista com uma certa experiência de confrontação com esse lugar possa falar com o analisando depois que este se levantou do divã e entretanto não perder esse caráter de enigma do desejo do analista Como explicar isso Não posso ir além este é o meu limite pelo menos o meu limite esta noite Não sei como explicar como um analista que fala depois de levantarse do divã permaneça na posição do desejo do analista apesar das suas palavras apesar dessa troca não aconselhada pelo próprio Freud Aqui é preciso recorrer ao poeta a René Char Ele sabe dizer as coisas melhor do que nós Os vestígios fazem sonhar Que diferenças o sr vê entre as intervenções de um jovem terapeuta e as de um analista experiente Poderíamos apresentar assim a evolução das intervenções de um jovem terapeuta 1 Ele interroga 2 Reformula com outras palavras 3 Amplia o sentido do que foi dito 4 Coteja o que acaba de ser dito com ditos precedentes 5 Repete uma palavra enfatiza 6 Dá um tema de reflexão para a sessão seguinte 7 Detecta as alusões à situação analítica 8 Completa uma frase do paciente deixada em suspenso 9 Não interpreta ou interpreta muito pouco 10 Não precede o paciente não antecipa o que ele vai dizer 11 Não sabe o que procura O último ponto caracteriza mais um estado de espírito do que uma intervenção Em que momento se pode propor o divã ao paciente 52 Como trabalha um psicanalista A neurose de transferência nos interessa por várias razões Uma por exemplo é que existem manifestações dela não só no seu nível matricial mas também no nível de significação nas entrevistas preli minares chamadas entrevistas iniciais As manifestações da neurose de transferência nas entrevistas iniciais representam uma espécie de indicação de sinal mas isso não é uma regra que mostra que efetivamente é o momento adequado oportuno na terceira quarta quinta entrevista preliminar para que se proponha a um analisando ou a um consulente que se deite no divã Uma das manifestações que se apresenta freqüentemente logo nas entrevistas iniciais concordamos com Freud dizendo que a neurose de transferência já se instaura na fase de abertura é que acontece que a instituição a instigação da demanda de amor já se produz nesse momento na terceira ou quarta entrevista inicial e que essa demanda de amor não seja nem necessária nem manifestamente uma demanda de amor ao analista Às vezes no período das entrevistas iniciais principalmente nas três primeiras pergunto ao paciente em algum momento da entrevista como ele partiu depois da primeira ou segunda entrevista O que ocorreu nesse intervalo E às vezes ele relata experiências lembranças ou efeitos tais que me fazem pensar deduzir que são equivalentes dessa demanda de amor Por exemplo ele sonha com o analista quando ele ainda não é seu analisando ou ainda não está no divã É o caso de alguém que veio me consultar e que na terceira entrevista conta é estranho mas na noite passada ou há duas noites sonhei com você Isso nem sempre acontece Mas eis um sinal muito importante uma indicação uma sugestão para o analista que efeti vamente pode propor o divã a esse paciente Ou ainda já falando do contexto da entrevista acontece que o paciente se surpreenda com as palavras que pronuncia ou qualquer outra manifestação que engloba mos sob o termo de demanda de amor Cada vez que há demanda de amor podese propor o divã Mas o que eu queria dizer no início da minha exposição e retomo agora é que há duas coisas importantes na neurose de transferência uma é que ela se institui no começo e a segunda é que ela se manifesta através de sinais de conduta por manifestações do tipo de demandas particulares que já são indícios para que o divã seja usado O sr nos aconselharia a permanecer em silêncio uma vez terminada a sessão como Freud preconizava O caráter de analisabilidade 53 Uma precisão quanto a essa questão não digo que o analista deva ser silencioso Digo que o silêncio é a melhor forma a mais simples a mais segura a mais prudente para velar o objeto Mas de fato há outras maneiras mais ativas que podem lembrar o objeto sem neces sariamente fazer silêncio a maneira de dar a mão de olhar de falar etc Lembrome de um episódio que se repetiu na época lacaniana dos anos 70 Lembrome de como vi colegas de dispensário agirem Chegavam uma mãe e seu filho mandados pela escola Não era uma consulta particular O terapeuta ficava mudo durante toda a entrevista preliminar Na verdade não dizia nada durante as entrevistas preli minares nem à mãe nem à criança Naturalmente ao fim de três ou dez meses com esse terapeuta a escola não mandava mais ninguém para o dispensário Foi assim que e isso é muito sério num dado momento houve uma crise no nível dos dispensários Acho que a situação mudou muito porque não se pensa mais que o silêncio seja uma lei Insisto o silêncio é uma precaução para o analista mas é uma precaução em última instância Nosso erro é acreditar que quando Lacan diz fazerse de morto isso significa que o analista deve fazer silêncio De modo algum Está muito claro como na Direção do tratamento e os princípios de seu poder fazerse de morto significa que o analista faz silêncio em si no interior de si para suscitar o grande Outro do analisando É isso que dizemos Fazerse de morto não é calarse É um calar muito particular difícil de definir É melhor usar uma expressão diferente fazer silêncioemsi expressão que não cria problemas de compreensão E quanto à capacidade de transferência nos adolescentes Houve discussões debates entre analistas a respeito da aptidão à transferência das crianças Nesse ponto Melanie Klein deu uma contribuição preciosa para afirmar a transferência nas crianças Houve um famoso simpósio em 1927 durante o qual ela discutiu o tema com Anna Freud Quanto aos adolescentes eu diria que eles não são refratários à transferência Mas é verdade que quando recebemos adolescentes há neles uma atitude principalmente nas primeiras entrevistas que não é a mesma de um neurótico que sofre e vem nos consultar Isso em minha opinião por uma razão é que há superinvestimento no corpo no nível das representações do corpo no adolescente que lembra o 54 Como trabalha um psicanalista tipo de superinvestimento narcísico das neuroses narcísicas do tipo paranóia ou melancolia Evidentemente não são estados mórbidos mas os adolescentes estão preocupados com seu corpo e no seu corpo A libido diria Freud é superinvestida em certas partes do corpo Além disso a adolescência é um momento no qual não só existe esse superinvestimento dos lugares do corpo mas também existe uma modificação do grande Outro que está em vias de produzirse Há transformações no nível da relação simbólica com os seus referentes De modo simples e rápido eu desejaria dizer que os adolescentes não são refratários à análise mas é verdade que eles exigem uma certa posição uma certa atitude por parte do analista que não é a mesma que com um neurótico O caráter de analisabilidade 55 A natureza da transferência III A natureza da transferência Formar a percepção sutil do psicanalista O objetivo deste ensino é formar psicanalistas isto é poder intervir no caminho que leva um clínico a tornarse analista e darlhe a ocasião de pôr à prova o seu próprio engajamento na psicanálise Mas o que se forma Como diria Heidegger qual é o ser da formação do psicanalista Nossa preocupação maior não é fornecer conhecimentos nem propor uma habilidade Esse ensino visa principal e essencialmente formar modelar e orientar aquilo que eu chamo o Eu do psicanalista Não o seu Eu consciente mas o Eu compreendido como uma super fície de percepção Sabemos que Freud utiliza a expressão prova de realidade para compreender a seleção que o Eu opera quando tem que distinguir as excitações que vêm do exterior das que vêm do interior Essa seleção é chamada por Freud de prova de realidade Penso e proponholhes que pensem que o Eu do analista é antes de tudo uma superfície de percepção sobre a qual as excitações não se diferenciam entre as que são endopsíquicas e as que são exopsí quicas Quanto ao Eu do analista as excitações não são nem internas nem externas Eu diria que quanto ao Eu do analista toda percepção se mede por um só dono o dono do falo Isto é generalizando ele só percebe desejos sexuais onde aparentemente só existem as mani festações mais desprovidas de sensualidade Formar psicanalistas é favorecer neles a percepção de um desejo sexual onde este se mostra aparentemente inexistente Fazer de modo 56 com que o olho o ouvido os sentidos se habituem pouco a pouco a perceber as forças pulsionais através das manifestações concretas na análise Vou ler uma pequena frase de Freud em que ele nos dá uma indicação muito próxima do que acabo de dizer Está no texto A dinâmica da transferência ao qual voltaremos várias vezes Freud diz Concluímos que todas as relações de ordem sentimental utili záveis na vida tais como a simpatia a amizade a confiança etc todas essas relações emanam dos desejos verdadeiramente sexuais Mais precisamente emanam por apagamento do objetivo sexual dos desejos verdadeiramente sexuais E acrescenta A psicanálise nos mostra que pessoas que acreditamos apenas respeitar estimar podem continuar a ser para o nosso inconsciente objetos sexuais Corrigirei a frase dizendo a psicanálise nos mostra que pessoas que acreditamos apenas respeitar e estimar podem para a nossa percepção inconsciente isto é para a do analista continuar a ser objetos sexuais O trabalho que fazemos neste seminário os esquemas as refe rências à nossa prática finalmente são apenas meios indiretos para conseguir mudar o modo habitual de percepção operado pelo Eu do analista como se o ser da formação analítica fosse a transformação a mudança lenta e contínua da orientação da superfície perceptiva do Eu Como se o psicanalista tivesse que aprender a abandonar num certo momento da escuta as orientações espaciais e temporais usuais para acostumarse progressivamente com uma nova orientação e mergulhar numa outra realidade que é a realidade sexual isto é uma realidade regida pelo falo Não sei se sentem o que tento dizer Não se trata de uma proposição geral que lhes dou É algo que percebo vivamente na minha própria prática e que tento transmitirlhes por meios absolutamente diversos e indiretos sabendo ao mesmo tempo que é muito difícil precisamente transmitilos e fazer com que sejam sentidos A seqüência dolorosa da transferência Algumas vezes essa realidade sexual regida pelo falo se manifesta nitidamente Ela não fica oculta por trás das manifestações desprovidas de sensualidade Pelo contrário são manifestações muito intensas excessivas fortes como se a pulsão fosse desnudada É o que A natureza da transferência 57 chamamos habitualmente na psicanálise de momento seqüência dolorosa da transferência A transferência a neurose de transferência se manifesta por esse estado intenso excessivo na relação entre o analista e o analisando A transferência é uma pulsão pulsão fálica Estávamos preocupados na última vez em responder a seguinte pergunta como compreender a analisabilidade de um paciente Para estabelecer esse critério de analisabilidade retomamos a classificação freudiana clássica de neurose de transferência e de neurose narcísica Essa distinção é criticável do ponto de vista prático porque hoje sabemos que até mesmo as que são chamadas neuroses narcísicas isto é as psicoses também são passíveis de transfe rência Entretanto essa distinção me parece útil para trabalhar teori camente e compreender a dinâmica desse momento essencial em um tratamento que é o momento da transferência ou neurose de transfe rência Minha intenção esta noite é detalhar melhor a natureza desse momento e apresentarlhes uma hipótese que é a seguinte a neurose de transferência corresponde ao destino de uma pulsão específica à análise que chamo de pulsão fálica Verão que se trata de uma nova pulsão acrescentada à lista já estabelecida das pulsões parciais Em geral elas se reduzem a quatro oral anal invocante e escópica e nem incluo a pulsão sadomasoquista Diríamos que há uma infinidade de objetos pulsionais e que existem muitas pulsões parciais mas estou acrescentando aí uma nova pulsão Creio que essa pulsão fálica explica muito bem a estrutura da transferência tal como a encaramos hoje Na última vez distinguimos dois níveis o nível matricial da neurose de transferência e o nível da significação São dois níveis de produção da neurose de transferência dois níveis de causação Primeiro nível matricial No nível matricial a causa da neurose de transferência a causa do aparecimento desse momento dessa seqüência de transferência é o objeto da pulsão Esse objeto atrai a pulsão e a faz girar em torno dele 58 Como trabalha um psicanalista Segundo nível a significação No segundo nível o da significação vimos que a causa da neurose de transferência não é o objeto mas o véu que cobre o objeto Vimos que o que encarna o véu que cobre o objeto é a reserva a atitude reservada silenciosa do analista Precisei então que cobrir o objeto da pulsão com o silêncio não significa estar constantemente e de maneira rígida em silêncio É um silêncio matizado um silêncioemsi Não achei melhor expressão para falar desse silêncio senão dizer o silêncioemsi Nessa segunda causa estamos no nível da recusa considerando que esse véu que se manifesta pelo comportamento do analista seria do ponto de vista estrutural dinâmico o que na teoria lacaniana chamamos de falo imaginário Assim começamos a fazer essa distinção e a elaborar a dinâmica desse movimento da transferência Hoje desejo marcar novamente os dois níveis mas com uma abordagem um tanto diferente É a mesma distinção porém com mais precisões Existe um texto freudiano muito pequeno de cinco páginas no qual ele tenta explicar como uma pessoa sucumbe à neurose Freud quer compreender como em que circunstâncias uma neurose se instaura em alguém O título desse texto é Sobre os tipos de entrada na neurose É um pequeno texto de 1912 que faz alusão a outro texto quase do mesmo ano e que se chama A disposição à neurose obsessiva São dois textos curtos em que Freud faz breves reflexões sobre questões de que se ocupava como por exemplo o desenvolvi mento da libido o problema do Eu Proponholhes a leitura do primeiro desses textos Sobre os tipos de entrada na neurose modificando o título para Sobre os tipos de entrada na neurose de transferência e verão que mesmo nesse texto é perfeitamente legítimo lêlo pensando não na neurose em geral mas na neurose de transferência E certamente reconhecerão sem dificul dade a mesma coisa que dissemos de outra maneira Freud diz Efetivamente há dois fatores que causam uma neu rose um é o fator disposicional ou predisposição ou disposição o segundo é o fator desencadeante Lembremse de que é um texto de 1912 e estamos numa época em que o problema da causa da etiologia das doenças se apresenta constantemente Freud utiliza o termo disposição para explicar o A natureza da transferência 59 problema da constituição Haveria pois segundo Freud dois fatores o fator disposição e o fator desencadeante Para nós o fator disposição corresponderia à causa no nível matricial e o fator desencadeante corresponderia à causa no nível da significação isto é o fator disposição corresponde ao regime da pulsão O fator desencadeante corresponde ao nível ao regime da significação e é chamado por Freud de frustração Nós o chamamos de recusa véu O nível matricial da transferência Vamos falar do primeiro nível do fator disposição ou se quiserem vamos retomar a nossa expressão nível matricial da causação de uma neurose de transferência No texto que citamos Freud se preocupa em dizer Sim podese frustrar alguém e fazêlo entrar numa neurose mas isso não basta É preciso que haja uma disposição prévia Essa é em parte a nossa questão Antes de começar uma análise no momento das entrevistas iniciais ou já estando em tratamento mas antes de entrar no momento que chamamos de seqüência dolorosa da transferência é preciso que o analisando esteja num estado prévio É o que Freud chama de disposição Como Freud descreve esse estado prévio Para isso volto ao texto da Dinâmica da transferência Todo indivíduo a quem a realidade não oferece inteira satisfação da sua necessidade de amor todo indivíduo insatisfeito se volta inevitavelmente com uma certa espe rança libidinal para todo novo personagem que entra na sua vida E acrescenta Assim é completamente normal e compreensível esta é a frase que mais nos interessa ver o investimento libidinal em estado de espera e pronto para dirigirse para a pessoa do médico Essa é uma boa maneira de caracterizar o estado no qual se encontra o paciente que está a ponto de empenharse numa análise e isso nos servirá quando virmos o tema das entrevistas iniciais O investimento libidinal em estado de espera está pronto para dirigirse para a pessoa do médico Assim ele descrevia a predisposição ou a disposição à neurose de transferência e a toda neurose se retomarmos o texto o outro texto de Freud Sobre os tipos de entrada na neurose 60 Como trabalha um psicanalista Critério de analisabilidade ser afetado pela pulsão Numa perspectiva ligeiramente diferente na última vez propusemos uma concepção semelhante Não tínhamos falado de investimento libidinal Não tínhamos falado desta expressão inteiramente pronto para dirigirse para a pessoa do médico mas procurando dar uma fórmula para definir o estado de analisabilidade de um paciente dissemos inspirandonos no conceito de potência de Spinoza que a aptidão à transferência analítica se decide essencialmente no poder de ser afetado em ato pela pulsão isto é que é analisável todo indivíduo que pode sofrer com sua pulsão Discordância temporal o Eu vai mais rápido que a pulsão O que queremos dizer com essa expressão essa fórmula sofrer com a sua pulsão Para responder vamos retomar a teoria freudiana do desenvolvimento das pulsões do Eu e da libido isto é a pulsão sexual e a pulsão do Eu Lembrando que estamos ainda no nível da disposição retomo o outro texto de 1912 A disposição à neurose obsessiva Nele Freud sugere que a disposição à neurose em geral e à neurose obsessiva em particular e para nós à neurose de transferência depende desse estado tenso de espera com o investimento libidinal pronto para saltar sobre a pessoa do médico Esse estado diz ele é o resultado de uma alteração temporal ocorrida na infância do paciente Uma alteração temporal muito particular porque não se trata de uma alteração do tempo no passado Freud reconhece que deve essa expressão alteração temporal a Fliess Fliess pensava que havia problemas psíquicos derivados de con flitos de discordâncias no nível do tempo de relação entre diferentes movimentos das instâncias psíquicas Com efeito segundo Freud existiria uma discordância um desa cordo entre a linha de evolução progressiva e relativamente uniforme do Eu por um lado e o avanço fragmentário disperso em fluxos sucessivos em ondas sucessivas das pulsões parciais sexuais Segun do essa teoria Freud nos faz compreender que quando um paciente se apresenta para uma consulta de análise é porque ele se encontra no limiar de uma seqüência transferencial e nós deveríamos supor uma falha temporal um contratempo uma defasagem no tempo entre o Eu e a libido O Eu seria mais rápido que a libido A natureza da transferência 61 A citação de Freud na Disposição à neurose obsessiva é esta O desenvolvimento do Eu precede no tempo o da libido E acres centa As pulsões do Eu antecipam a escolha de objeto antes que a função sexual isto é a pulsão tenha atingido a sua configuração definitiva A criança e o espelho Essa noção de antecipação temporal do Eu em relação à libido é fundamental para nós pois vai tornarse precisamente para Lacan o pivô do estádio do espelho É como se Lacan tivesse lido esse texto de Freud pensando no estádio do espelho É exatamente o mesmo esquema que ele propõe Essa antecipação temporal das pulsões do Eu em relação às pulsões sexuais corresponde no vocabulário laca niano à defasagem à distância que existe entre a imagem integrada e unitária do Eu por um lado e por outro lado o real disperso dos Gozos parciais Sabemos que Lacan dizia que a criança diante do espelho é captada pela imagem global da sua pessoa É muito importante notar que isso acontece apenas uma vez o estádio do espelho é um caso excepcional uma situação de exceção e até diríamos quase mítica Essa imagem global essa identificação imaginária na qual ela se precipita contrasta com a vida interna do seu corpo com as sensações perceptivas do seu corpo com as pulsões no interior do corpo As pulsões no interior do corpo são a vida que pulula no interior contrastando com uma imagem integrada unitária unida total no espelho É muito importante o que Lacan diz Esses contrastes entre a imagem no espelho e o real do corpo são a matriz da formação não do Eu Moi mas do Eu Je Ao dizer isso lembrome de um episódio do tempo em que tive a oportunidade de revisar a tradução espanhola dos Escritos de Lacan Para minha grande felicidade isso me permitiu vêlo freqüentemente estar muito próximo dele e discutir muitas vezes com ele os verdadeiros problemas de compreensão do texto e eu aproveitava para fazerlhe perguntas Nessa época eu nem sempre compreendia os textos dos Escritos Às vezes até hoje continuo não compreendendo Tinha um sério problema porque em espanhol não se podia traduzir de modo diferente Moi e Je Essa distinção entre o Moi e 62 Como trabalha um psicanalista o Je não existe em espanhol Hoje temos entre nós o sr Braunstein um amigo que vem do México para visitarnos e que conhece bem esse problema pois teve ele próprio que trabalhar com os tradutores Estávamos pois com Lacan jantávamos juntos Lembrome muito bem era ao lado do hotel Montalembert Para mim é muito importante Era uma noite um jantar de trabalho Mostreilhe o texto e lhe disse que no título ele escrevera O estádio do espelho como formador do Eu Moi Ele disse O Eu Moi que Eu E pulou na cadeira dizendo Mas não é o Moi É o Je O estádio do espelho é formador do Je não do Moi É difícil porque quando se lê o texto tudo leva a pensar que se trata do Moi e não do Je pois o Je aparece pouco no texto É curioso mas é assim Lacan sempre teve o hábito de avançar promessas no título Esse título é uma mensagem Já é um conceito embora não seja desenvolvido no texto É preciso compreender o Je não como sendo fundado a partir da imagem do sujeito Não é que ele se identifique com a imagem que está no Je Isso se produz antes do lado do Moi O Je se funda na distância temporal entre a imagem que vai mais depressa do que o corpo e este último Com mais exatidão ainda proponholhes pensar o Je a matriz do Je como sendo a épura a linha o contorno da imagem que aparece no espelho É essa matriz do Je que mais tarde será o sujeito do inconsciente Na verdade penso que o Je simbólico nesse texto anuncia o conceito do sujeito do inconsciente que aparecerá muito mais tarde Logo temos o Moi que é a identificação com a imagem total o caráter refletido dessa imagem o real que é o que a criança sente no seu corpo e o Je que é a épura a linha de contorno da imagem ligada ao problema da antecipação temporal da distância da defasa gem temporal Voltemos ao nosso fio condutor A disposição à transferência consiste em uma alteração da relação entre a imagem do Eu e o objeto Gozo para utilizar um termo lacaniano muito ouvido e conhecido o objeto a Ou seja a relação entre a imagem do Eu e o objeto a como se a imagem cobrisse imperfeitamente o objeto Sofrer com a pulsão poderia pois traduzir o fato de que esta insuficientemente velada está pronta para saltar a ir à procura de um abrigo de um porto que a amarre de um analista que a fixe A natureza da transferência 63 Relembremos a fórmula de Freud para que uma pessoa sucumba à neurose é preciso um fator desencadeante do qual ainda não falamos mas também é necessária uma disposição que consiste em que a sua pulsão não esteja corretamente velada por uma imagem Há então uma defasagem no nível da cobertura da imagem sobre o objeto da pulsão É como se situássemos a disposição no nível da fonte Uma vez que essa pulsão essa tensão libidinal pronta para saltar sobre o analista salta sobre ele ela não fica sobre o analista ela volta para si mesma É um aspecto muito importante A neurose de transferência como dizíamos na última vez é uma neoformação um tecido vivo desenvolvido em torno desse pivô central que é o analista mas seu objetivo é fecharse circularmente contornar englobar o objeto analista É preciso que ela o contorne para que ela volte isso quer dizer que a expressão de Freud o investimento libidinal pronto para saltar sobre a pessoa do médico poderia se completar assim pronto para saltar sobre a pessoa do médico para voltar à sua fonte ao ponto de partida O desejo do analista Antes de considerar o nível da significação desejaria determe nesse ponto e fazer uma pergunta que já surgiu outras vezes e que ainda surgirá pois é preciso considerála a partir de diferentes pontos de vista qual é esse objeto analista que a pulsão cerca É a própria pessoa do terapeuta seu corpo físico seus sonhos sua vida sua teoria seu pensamento Esse objeto é a pessoa Esse objeto que chamamos analista é apenas um furo sem nome sem natureza sem traço característico Bastaria dizer furo Até seria necessário não dizer analista Então é a pessoa é esse objetoanalista que a pulsão cerca É o furo É o grande Outro que situamos no nível da significação o grande Outro o Outro interlocutor ao qual se dirigem as demandas É a imagem o véu opaco do objeto definido pela atitude reservada silenciosa do analista que atrai suscita as demandas que atrai e suscita os tecidos vivos a neoformação Ou ainda é um representante psíquico Freud propõe isso nesse mesmo texto A dinâmica da transfe rência É uma bela citação O investimento libidinal vai se dirigir para o médico considerado como fazendo parte de uma série de uma 64 Como trabalha um psicanalista das séries psíquicas isto é de uma cadeia de representações que o paciente já estabeleceu no seu psiquismo O analista seria um representante psíquico singular o que Lacan teria chamado de um significante Então qual é esse objeto em torno do qual a pulsão gira para voltar ao seu ponto de partida Lacan decidiria a questão e daria uma resposta muito precisa o objeto em torno do qual a pulsão gira é antes de tudo um furo O objeto analista em torno do qual a pulsão gira é antes de tudo o furo coberto com o véu do falo imaginário A equação furo véu se chama na teoria lacaniana segundo a minha leitura desejo do analista O desejo do analista furo véu furo máscara do véu máscara do furo Todas as outras posições de que falamos a pessoa o grande Outro o furo enquanto tal o representante psíquico são reconhe cidas como posições determinantes por parte do analista para cons tituir um elemento que atrai para si a transferência que atrai para si a pulsão fazendose cercado por ela ao deixála voltar ao seu ponto de partida Todas essas posições são determinantes Mas para Lacan a dominância a primazia é a do desejo do analista Voltaremos ao desejo do analista quando abordarmos o nível da significação De que natureza qual é a pessoa real do analista Com efeito devemos encarar esse aspecto do analista que fica sempre na obscu ridade pois é muito difícil darlhe um sentido preciso Refirome à pessoa real do analista Quando falarmos da contratransferência voltaremos a esse problema Agora gostaria de ressaltar que a difi culdade de refletir sobre essa interrogação reside em que isso está ligado ao mesmo paradoxo relativo a todo elemento que pertence à dimensão do real O paradoxo consiste nisto desde que o real é mordido deixa de ser real e se torna fantasístico Desde que o corpo físico real do analista do terapeuta é perturbado por uma experiência com seu paciente esse corpo não é mais real tornase fantasístico Por exemplo um analista em supervisão me contou recentemente o seguinte Eu estava ativamente empenhado na escuta do paciente e no momento em que o escutei dizer Tenho vontade de mutilar a minha sessão Nesse momento senti uma dor aguda forte intensa no ventre É formidável É notável que o analista seja sensível a isso porque responde ao que dizíamos no início formar o Eu como superfície de percepção segundo o critério do falo A natureza da transferência 65 É notável porque mil vezes estamos empenhados na escuta mil vezes temos sensações no corpo e mil vezes não prestamos atenção a elas ou as consideramos como insignificantes O fato de o analista comentar que quando ouviu Tenho vontade de mutilar a minha sessão percebeu uma forte dor no ventre é uma boa apreciação que indica que ele se reconhece mesmo que não tenha pensado nisso como objeto de uma pulsão que o envolve Outro exemplo este mais geral não se refere ao corpo mas desta vez à vida do analista É o caso difícil muito difícil em geral de pacientes mulheres que estão além do amor de transferência que estão na erotomania de transferência e que perseguem o analista Elas esperam que este termine as consultas Elas esperam na rua para ver o carro que ele pega etc É um sofrimento que aqueles que não o viveram não conseguem imaginar É muito difícil é insuportável Lacan o chama de erotomania mortificante Não para quem vive a erotomania mas para quem é objeto dela Como conceber o malestar que esse analista sente na hora de pegar o carro Sai do consultório vai procurar o carro e subitamente vê passar diante de si cinco horas depois da sua sessão a paciente que o esperava há longas horas para seguilo Que situação é essa Como nomeála Evidentemente nós a imaginamos no quadro da transferência Mas podemos imaginála também como uma passagem ao ato como um acting out por parte da paciente Mas como conceber o malestar o sofrimento do analista o sentimento de mortificação Como pen sálo Considero que uma dor no corpo exprime uma vez que o corpo real é mordido pela experiência da transferência da análise que esse pedaço de corpo esse farrapo de corpo esse ventre do analista não é mais um ventre real é fantasístico Mas a cada vez que me relatam uma experiência semelhante o que acabo de dizer me parece insufi ciente Eu desejaria que distinguíssemos bem as diferentes posições do analista que pensássemos em como nos acomodamos de maneiras distintas aos vários lugares que os analisandos nos atribuem a essas diferentes posições Sempre temos a impressão de que são posições em que ficamos intactos como se fossem cadeiras que ocupássemos Mas não não ficamos intactos Para abordar esse problema eminentemente difícil do corpo real do analista que aliás não foi claramente resolvido até hoje eu desejaria 66 Como trabalha um psicanalista retomar a alegoria lacaniana da libido imaginada como uma lamela A libido é uma lamela que sai do corpo vai até uma certa distância e volta para o seu ponto de partida Vêse que estamos descrevendo exatamente o movimento da pulsão Acrescentemos a essa alegoria da lamela de Lacan uma ficção complementar Diremos que a lamela nasce e cresce estendese no espaço com múltiplas camadas porque não é constituída de uma superfície única Vamos imaginála folhada composta de múltiplas camadas estratifi cada Por que estratificada Porque há várias pulsões oral anal etc As pulsões parciais nunca estão sozinhas Devese imaginar a pulsão em camadas sucessivas superpostas Vamos imaginar pois a lamela que avança se estende no espaço cerca o objeto analista e volta para o seu ponto de partida Deveríamos imaginar esse impulso como camadas crescendo irregu larmente Acrescentemos agora a essa alegoria a ficção a idéia de que essa lamela só pode fazer seu trabalho de avanço sua atividade de pro gressão e retorno se puder alimentarse de um fragmento orgânico totalmente vivo e real que chamaríamos de enxerto Como se o corpo real do analista fosse assim um reservatório real para manter e nutrir o desejo do analista Em outras palavras é como se o corpo real do analista fosse uma espécie de reservatório real que permitisse a este ocupar o lugar do desejo do véu imaginário que cobre o objeto como se pudéssemos imaginar que o corpo do analista fosse fornecido provido de tal modo que daria constantemente que ofereceria a possibilidade ao analista de vir ocupar esse lugar do véu Mas ao mesmo tempo imaginemos que esse corpo seja como um enxerto que alimenta e se alimenta da libido que sai do paciente É uma ficção Não é tão plena quanto eu gostaria mas seria muito bom que aceitássemos dinamizar o conceito de desejo do analista dramatizandoo graças a essa intuição kantiana de um corpo enxerto do analista Como vemos estamos fazendo a complementaridade atuar alter nativamente entre o desejo do analista isto é o furo o véu que o cobre e o corpo enxerto do analista Creio que ganharemos em habilidade técnica se conseguirmos ter essa intuição em certos momentos do tratamento como foi o caso desse analista em supervisão de quem falei há pouco a de ser objeto das pregas pulsionais das invaginações diversas dos estiramentos e estenosamentos das bordas orificiais Ganharemos então uma maior A natureza da transferência 67 flexibilidade para nos identificar ao objeto da pulsão para vir ocupar o lugar de véu do objeto da pulsão para melhor encarnar a figura o véu do falo imaginário Se trabalharmos com essa imagem em que somos um enxerto da libido enquanto estamos sentados escutamos falar pensamos É completamente distinto do clichê do analista que escuta e está pronto para interpretar o sentido das palavras que ouve São dois analistas completamente distintos É totalmente diferente se vocês se sentam em sua poltrona para escutar o que lhes dizem para interpretar e se sentam na poltrona para sentir e prestarse a imaginar que são o objeto de uma invaginação lamelar da libido Então você escuta de um modo completamente diferente intervém de outra forma tem uma percepção absolutamente diferente daquilo que o paciente diz e daquilo que acontece com você O que tento fazer neste seminário sobre a técnica é provocar suscitar esse tipo de reflexão Para podermos voltar ao nível da significação ressaltemos um ponto acerca do nível matricial Para Lacan a causalidade de um nível matricial nunca se situa como para Freud no ponto de partida mas no nível do objeto O objeto é atrativo aquele que é capaz de atrair O objeto da pulsão no nível matricial é um atrativo um polarizador da pulsão É esse o nível matricial o plano da pulsão o da disposição do estado inicial do objeto atrativo Aqui a causa é uma causa matricial O nível da significação Vamos agora para o nível da significação Nesse nível vamos retomar os três pontos de que já tratamos 1 O analista encarnando a expressão imaginária do objeto insatisfa tório da pulsão véu opaco da recusa na medida em que ele pode vir para esse lugar institui sem notar o lugar desta vez simbólico da autoridade do Sujeito Suposto Saber Isso me parece ser uma nuance muito importante Naquele momento aproveitamos para dar a espe cificidade da psicanálise para diferenciála de qualquer outro método A autoridade do Sujeito Suposto Saber existe em toda transferência transferência de ensino psicoterápica psiquiátrica em suma qualquer 68 Como trabalha um psicanalista que seja o tipo de transferência Mas a característica própria da psicanálise é que o Sujeito Suposto Saber é um efeito do fato de que o analista ocupa o lugar do objeto É preciso que o analista se preocupe com aquilo que ele sente em suas entranhas sem ter que procurar ocupar esse lugar do Sujeito Suposto Saber para criar a sua autoridade dessa maneira Procurem o que sentem procurem pensarse como objeto da pulsão venham para esse lugar de véu fálico imaginário e a autoridade virá instaurarse automaticamente sem que se esforcem para isso Ao contrário se a procurarem não a encontrarão É justamente o que acontece no início com uma certa rigidez da parte dos analistas que começam Essa rigidez é um modo de tentar encontrar o lugar do interlocutor E o que ocorre é que para o analisando essa rigidez se transforma não numa recusa que suscita mas numa recusa que exclui E é assim que o paciente abandona o tratamento Logo primeiro efeito sendo ocupado o lugar do véu de objeto da pulsão automaticamente se institui essa outra instância simbólica que é a autoridade do Sujeito Suposto Saber 2 O segundo efeito desta vez sobre o analisando seria o de suscitar nele demandas de amor dirigidas à autoridade ao grande Outro É ocupando esse lugar que o analista suscita demandas dirigidas não a ele mas ao grande Outro que ele institui Essas demandas de amor reúnem o conjunto dos sintomas das mensagens das demandas de saber e das palavras dirigidas ao grande Outro que o analista repre senta Até aqui ainda não estamos na fase da neurose de transferência da seqüência dolorosa da transferência na qual não se trata de demandas de amor tratase de amor simplesmente de amor de transferência E mais do que de amor tratase de ódio de transferência tratase de dor de transferência tratase de angústia de transferência Não são demandas Vamos devagar O que estou descrevendo é uma dinâmica feita de movimentos e de elementos polarizadores A entrada na neurose de transferência Para chegar a esse momento doloroso da seqüência transferencial é preciso primeiro que o paciente fale A fala do paciente não é sempre A natureza da transferência 69 uma demanda É preciso distinguir bem a fala da demanda Desde o início do nosso trabalho dissemos que falar não é demandar E entre as demandas há o conjunto das demandas dirigidas ao grande Outro que são demandas de reconhecimento demandas de amor Essas demandas de amor ainda não são o próprio amor Para que cheguemos ao próprio amor é preciso que a essas demandas de amor suscitadas pela atitude reservada do analista o Eu encontre uma recusa É uma primeira recusa Penso no exemplo de um paciente que vi recentemente Ele tem seis meses de análise está deitado e diz ao analista no começo de uma sessão Você acha que vale a pena eu gastar dinheiro para vir aqui Essa expressão esses termos são irônicos e ao mesmo tempo são o reflexo de um certo engajamento É um sinal de engajamento do analisando em relação à sua análise Essa frase essas palavras não constituem ainda uma transferência É uma demanda de amor suscitada pela atitude do analista e pelo quadro da análise o divã o ritual o caráter uniforme do lugar o caráter repetitivo do tempo etc Esse aspecto de recusa não é dado apenas pelo silêncio do analista mas é todo o quadro da análise que produz um efeito frustrante de recusa 3 Logo o analisando dirige demandas de amor ao grande Outro e encontra uma primeira recusa Essas demandas voltam para o Eu E é nessa volta que vai se produzir uma mudança de registro que nos fará passar da demanda de amor ao amor de transferência ao ódio de transferência Algumas vezes acreditase que o silêncio do analista princi palmente os leigos pensam assim favorece no paciente o fato de encontrar ele próprio as respostas para as suas perguntas de deixálo trabalhar de fazer a sua tarefa de analisando de estimular a autonomia do seu pensamento de respeitar a associação livre e a independência afetiva Isso é absolutamente falso O silêncio do analista provoca uma dependência maior um apego intenso uma ruptura de associação e a irrupção de fantasias funda mentais nas quais o paciente se transforma como veremos em objeto sexual do analista considerado como o grande Outro E é então na volta para o Eu depois da primeira recusa que vai se produzir uma outra idaevolta que constituirá o amor de transferência Digo amor de transferência pois é a expressão conhecida mas pode ser como ocorre muitas vezes o ódio de transferência ou a angústia de transferência 70 Como trabalha um psicanalista Desejaria dar algumas referências clínicas quanto à maneira como o analisando se apresenta no momento em que sofre a primeira recusa Quando este volta para si mesmo nesse momento produzse uma mudança de registro Esse movimento se manifesta pelo fato de que o analisando deixa de referirse ao passado para preocuparse cada vez mais com o presente da sessão com o aqui e agora Nesses momentos excessivos ele não quer mais ouvir falar de outra coisa que não seja a relação atual com o seu analista Os silêncios são então freqüentes muito mais freqüentes do que antes Esses silêncios são interrompidos pontuados por pequenas tosses nervosas Então a maneira de falar é hesitante como se o analisando tivesse a garganta seca Edward Glover em um livro que é clássico e que se chama A técnica da psicanálise consagra dois capítulos ao problema da neurose de transferência que ele descreve com muita eloqüência Existem sinais típicos da neurose de transferência os músculos se endurecem ligeiramente a posição do paciente no divã se torna rígida e vigilante aparecem crises de ansiedade e finalmente quando o paciente fala declara que não tem nada a dizer e que é o analista que deve falar Freud também faz algumas vezes descrições impressionantes desse momento Por exemplo a célebre frase que muitos conhecem ao falar do Homem dos Ratos O rosto do sujeito exprimia o horror do Gozo ignorado Para Freud era o rosto porque ele olhava o paciente Ele o via e considerava que esse rosto exprimindo o horror do Gozo ignorado era o sinal manifesto preciso de uma seqüência transferencial dolorosa Freud dizia que nesse momento era a atuali zação em ato a presença em ato de uma pulsão sádica anal Freud comenta esse comportamento do analisando tal como o descrevemos como uma tendência da pulsão a se manifestar em ato e mais do que em ato em ação alucinada Na Dinâmica da transferência ele diz Lembremonos de que ninguém pode ser morto in absentia nem in effigie É uma frase que a maioria dos textos sobre a transferência repetem Mas dez linhas acima há na minha opinião uma frase mil vezes mais apaixonante mais próxima daquilo que nos acontece As emoções inconscientes isto é as pulsões procuram reproduzirse desprezando o tempo e seguindo a faculdade de alucinação própria do inconsciente Como nos sonhos o paciente atribui ao que resulta dessas emoções incons A natureza da transferência 71 cientes ou despertas um caráter de atualidade e de realidade Ele põe em ato suas paixões sem levar em conta a situação real Freud não hesita em escrever que no momento culminante da neurose de transferência o analisando alucina e vive a relação trans ferencial com o mesmo sentimento de realidade que temos quando sonhamos isto é quando alucinamos pois um sonho é uma alucinação O amor de transferência o ódio de transferência toda paixão de transferência pode se reduzir na verdade a uma modalidade da alucinação Talvez exageremos ao dizer isso mas é para acentuar bem esse caráter excessivo intenso da pulsão no momento de transferência Como interpretar esse momento de pulsão excessiva no momento da seqüência transferencial Sofrida a primeira recusa o Eu se polariza exclusivamente no falo imaginário excluindo totalmente a presença do grande Outro O amor é dirigido não à autoridade do grande Outro mas diretamente de modo concentrado polarizado a isto é ao falo imaginário Lacan diz O amor se dirige ao semblante do ser Traduzo o amor se dirige ao semblante do objeto ou ainda o amor se dirige ao véu que cobre o objeto Ora é então que ele encontra uma segunda recusa e volta de novo para si mesmo mas desta vez volta para si mesmo até identificarse com o falo Tornase o falo que lhe é recusado O Eu se identifica ao objeto que lhe é recusado O analisando começou por demandas de amor demandas para ter o falo para pedir ao grande Outro para ter o falo Agora depois dessas duas recusas ele se torna esse falo se identifica com o falo Nesse momento podese dizer que o Eu se constitui como sendo o falo o objeto do desejo do grande Outro É isso que é difícil apreender na dinâmica que estabelecemos Uma vez que o Eu se identifica com o falo imaginário que ele pedia anteriormente ao grande Outro agora identificandose com o falo reaparece o grande Outro não mais como autoridade mas como um grande Outro que deseja e do qual o Eu identificado com o falo vai ser o objeto Essa seqüência transferencial de amor de ódio ou de angústia é interpretada pela psicanálise como sendo o produto da identificação do Eu com o falo o Eu fazendose o falo do grande Outro desejante representado pelo analista Nesse momento da seqüência dolorosa da transferência o analista é vivido isso é curioso como alguém absolutamente diferente do paciente É isso que é difícil apreender O Eu se identifica com o 72 Como trabalha um psicanalista falo e se faz o falo do Outro do grande Outro desejante representado pelo analista Mas o paciente no nível de um sentimento consciente vive o analista como uma presença aguda com um sentimento agudo de que ele é alguém diferente dele É então que terei que justificar a minha hipótese da existência de uma pulsão fálica Respostas às perguntas O que o sr quer dizer quando substitui o termo analista pela palavra furo Alguns dos presentes tiveram a oportunidade em certos momentos de trabalhar em outros de meus seminários que fizemos nos quais utilizei a topologia O furo é um termo instituído por Lacan introduzido graças à topologia e tem diferentes conotações Darei a que me parece mais exata A palavra furo significa que o objeto da pulsão é variável isto é indiferente à natureza da pulsão Por conseguinte uma pulsão oral por exemplo pode se servir de qualquer objeto para obter o seu objetivo Ela pode utilizar um polegar um seio um chiclete mil objetos diferentes Lacan ao invés de dizer como Freud que o objeto da pulsão é variável e indeterminado diz que efetivamente esse lugar é um lugar vazio para o qual qualquer coisa que represente a função de objeto para essa pulsão pode ir Dizer que o objeto da pulsão é um furo é o mesmo que dizer que o objeto da pulsão é uma função ou um lugar Percebo ao responder que haveria várias maneiras de abordar a questão em particular graças à topologia Ouvi dizer que certos analisandos terminavam a análise identifican dose com o Eu do analista O que acontece na sua opinião Esta é a questão da identificação com o analista Sabemos que Lacan falou muito desse problema Muitas vezes interpretouse mal sua formulação Ele nunca negou que um analisando pudesse identificarse imaginariamente com seu analista Não só nunca negou mas também considerava que isso é habitual para muitos durante um certo tempo A natureza da transferência 73 Os analisandos especialmente os que fazem tratamento há muito tempo adquirem certos traços do analista principalmente se esses analisandos se tornam eles próprios analistas São imitações iden tificações de tipo imaginário parciais que não são negadas É um fato O que Lacan negou e isso tem um peso teórico importante foi conceber o fim do tratamento como sendo uma identificação com o analista Essa é uma questão completamente diferente Efetivamente certos analistas declararam que o fim do tratamento seria a identificação com o Eu do analista Foi o caso da Escola da psicologia do Eu Mas retomandose a história do pensamento ana lítico e dentro dela a concepção da psicologia do Eu especialmente a de Hartmann ou Rappaport vêse que eles consideravam que o fim de um tratamento terminava pela identificação com o Eu do analista com o Eu normal adaptado sadio do analista Mas antes de Hartmann e Rappaport há toda uma série de analistas que tiveram um pensamento apaixonante como por exemplo Sandor Rado que nunca é mencionado Cito em particular Sandor Rado porque ele está muito próximo daquilo que digo aqui nesta noite Foi o primeiro a fazer uma abordagem econômica da transferência Escreveu um texto em 1927 sete anos depois de Mais além do princípio de prazer que se chama A abordagem econômica do problema da transferência Foi o pri meiro a ter a idéia que na época parecia absolutamente luminosa de pensar que o analista ocupava diferentes instâncias psíquicas do paciente por exemplo que o analista ocupava o lugar do Supereu psíquico do paciente Depois dele Strachey retomaria quase a mesma posição sob outra forma para manter esse trabalho de identificação Nesse momento falaria de identificação do analista com o lugar de uma instância psíquica Mas isso não é a identificação com o analista mas as identificações do analista Aliás hoje não se diz identificação do analista mas o analista ocupa o lugar de A identificação do paciente com o falo imaginário não corresponderia à identificação da criança com o falo faltoso da mãe pondo assim o paciente em posição de regressão infantil Como sair dessa posição Ao invés de dizer que a criança se identifica com o falo que falta à mãe modifiquei os termos dizendo que o Eu do analisando se identifica com o falo na medida em que ele lhe foi recusado e então 74 Como trabalha um psicanalista ele se constitui em objeto fálico do grande Outro desejante Como sair dessa posição É uma pergunta que tentaremos responder na próxima vez Mais genericamente desejaria refletir sobre um ponto pensar que a neurose de transferência é uma doença instituída por nós que somos nós analistas que instituímos essa situação mórbida da qual somos o enxerto o que quer dizer que uma vez a situação mórbida desenvolvida jogase fora o enxerto Uma vez bem instituída essa situação rejeitase o enxerto e assistese à dissolução do trabalho desse tecido neoformado Porque finalmente podese considerar o problema do fim do tratamento uma questão muito difícil que abre muitas perspectivas como a de um corte uma separação de um trabalho de excisão no nível desse tecido vivo que se desenvolveu Mas levandose em conta a pergunta a respeito do termo de regressão infantil que foi utilizado por diversos autores para falar do apego muito forte do analisando em resposta ao silêncio ou à atitude reservada do analista afirmamos que efetivamente a neurose de transferência é um estado mórbido que infantiliza o paciente Falamos de enxerto mas também podemos nos servir de outro termo núcleo um elementonúcleo que absorve a energia do outro porque se trata de uma absorção Vejam um analista depois de oito horas de consulta ele foi absorvido Isso não é suficientemente teorizado É por exemplo a questão do trabalho com os psicóticos É claro e muito conhecido por todos os que trabalham em hospital com pacientes psicóticos que esse trabalho provoca vontade de dormir Há algo que acontece na transferência com os pacientes psicóticos que induz a necessidade de sono Quero esclarecer com isso a idéia de enxerto não só ele suscita o investimento libidinal mas também o analista recebe coisas desse tecido que ele criou Esse tecido poderia ser chamado de placenta porque é um dos exemplos de objeto a dado justamente por Lacan Quando Lacan diz que a transferência opera nessas vacilações nessa contração e dilatação abertura e fechamento das bordas orificiais é preciso situála no nível matricial e especificamente no ponto de partida na fonte da pulsão Ao invés de dizer que a transferência é a atividade da pulsão que cerca o objeto e volta para o ponto de partida diremos que as bordas palpitam Elas se fecham e se abrem Dizer que as bordas orificiais da zona erógena se abrem e se fecham quer dizer exatamente que a A natureza da transferência 75 pulsão se desloca vai e volta É a mesma coisa Isso mereceria ser explicado mais longamente mas podem acreditar no que digo de um certo ponto de vista é a mesma coisa Dizer que os orifícios palpitam e que a pulsão se desloca em torno de um objeto são duas expressões que querem dizer exatamente a mesma coisa Vamos agora à questão da recusa Esse termo corresponde ao que Freud no texto sobre Os tipos de entrada na neurose chama de frustração Há um problema com a tradução do termo alemão Certos autores o traduzem por frustração enquanto outros como Lacan ou Nacht se opõem a essa tradução e consideram que o termo correto é recusa A recusa é constituída antes de tudo por toda a situação analítica pelo dispositivo analítico Não é apenas a reserva a ação do analista não é apenas o silêncio matizado do analista é o divã a regra fundamental etc A recusa não é simplesmente o fato de que o analista esteja em silêncio a nãoresposta às demandas de amor mas também é no momento da segunda recusa como se o analista dissesse não há relação sexual possível A recusa é a abstinência mais extrema no caso da experiência analítica isto é eu não sou objeto sexual Eu disse na outra vez que a recusa começava sendo o que o analista se recusa em si mesmo Só há recusa a partir daquilo que ele se recusa em si mesmo Isso não corresponde a uma interdição É recusarse a si mesmo porque isso volta para si e essa volta para si é pensar o campo da experiência analítica como um campo sexual como um campo pulsional Se o analista percebe a experiência da transferência como uma experiência pulsional se faz uma abordagem econômica da transfe rência como diria Rado tem chances de encontrar essa recusa em si a qual lhe permitirá adotar uma posição apropriada à experiência do tratamento 76 Como trabalha um psicanalista A seqüência dolorosa da transferência IV A seqüência dolorosa da transferência A estrutura simbólica da relação analítica está presente implicitamente ao longo do tratamento mas só se atualiza em certas ocasiões e através de certas formações psíquicas chamadas formações psíquicas do inconsciente O analisando que erra o endereço ao ir à sessão ou o analista que esquece a hora do paciente são exemplos freqüentes quase banais que manifestam os deslocamentos inconscientes de significantes recalca dos Significantes recalcados em um ou outro dos parceiros analíticos A propósito dessas transferências simbólicas já me expliquei longamente em um dos capítulos de meu livro Os olhos de Laura Além disso existe outra transferência que tentaremos elucidar agora e que nos ocupa há três seminários que corresponde à ultra passagem de um limiar no meio do tratamento Um limiar geralmente único embora possa em certas ocasiões e para certos pacientes reproduzirse duas ou três vezes em uma análise Durante esse mo mento limite esse limiar durante essa transferência momentânea o mundo do paciente se concentra inteira e unicamente no analista A transferência assume então uma tal intensidade afetiva que é correto deduzir que nessa fase o objeto da pulsão ou se quisermos o objeto a ou ainda o acréscimo de Gozo o excedente de energia aflora nesse momento quase a nu no seio da relação analítica A transferência fantasística Essa transferência esse momento transferencial esse limiar essa etapa particular bem diferente da transferência simbólica é o que chamamos 77 de seqüência dolorosa transferencial ou neurose de transferência que podemos pôr sob a rubrica formação do objeto a Essa transferência atualizada através da neurose de transferência esse momento doloroso essa formação do objeto a não será chamada de transferência imaginária já que isso não existe Também não a chamaremos segundo a tríade lacaniana de transferência real pois não é uma transferência real Chamaremos essa transferência de transferência fantasística Entre a transferência simbólica atualizada pelas diferentes forma ções psíquicas do inconsciente e a transferência fantasística atualizada exclusivamente por essa única formação do objeto que é a seqüência dolorosa transferencial entre essas duas espécies de transferência dou prioridade absoluta à última Por que Por três razões Primeiro porque essa transferência fantasística que se expressa nesse momento de dor revela o verdadeiro móbil da relação analistapaciente Habi tualmente dizse que o móbil da relação analítica é a fala Isso não é verdade Não é a fala O verdadeiro móbil da relação analítica é a pulsão que centraliza polariza a relação analistapaciente A fala está presente como o efeito e ao mesmo tempo como vindo determinar o campo dessa relação Mas o móbil é o objeto da pulsão Segunda razão dou prioridade à transferência fantasística e a essa seqüência que a atualiza porque ela faz o analista compreender principalmente o analista iniciante que o seu papel principal em uma análise não é o de escutar ou interpretar mas o de prestarse emprestar seu próprio corpo pulsional Lacan diria emprestar a sua pessoa Prestarse à atividade da lamela libidinal de que falamos na última vez Se o analista compreende que está ali na sua poltrona para deixarse tomar deixarse cercar pegar pela atividade pulsional terá todas as chances de interpretar ou intervir de modo oportuno Terceira razão que me faz dar prioridade absoluta à transferência fantasística é que o resultado desse momento transferencial doloroso a maneira de atravessar esse limiar no meio do tratamento também decidirá o próprio resultado da análise Freud escreveu isso com todas as letras Ele disse Ultrapassar essa nova neurose artificial isto é a neurose de transferência é suprimir a doença gerada pelo tratamento Esses dois resultados isto é a doença pela qual o paciente veio e o fato de que ele faça a sua análise esses dois resultados caminham lado a lado e quando são obtidos nossa tarefa terapêutica está terminada 78 Como trabalha um psicanalista Freud expressa e não poderia fazêlo de maneira mais clara e categórica o fato de que o fim do tratamento o seu sucesso depende da possibilidade de resolver a neurose de transferência Se por ocasião da travessia desse limiar o tratamento se interrompe diremos que o analisando e o analista se chocaram tropeçaram num obstáculo que se chama de modo célebre e bem conhecido o rochedo da castração Se pelo contrário a relação analítica não atinge não atingiu o nível desse momento de prova desse momentolimiar desse momen tolimite diremos que a análise não progride Enfim se o obstáculo é superado se o limiar é atravessado e a análise continua até a sua fase terminal diremos então que um actingout o paradigma dos actingout foi resolvido Ou para falar em termos que estão na moda e que na minha opinião não são exatamente adequados diremos se o obstáculo foi superado que houve travessia da fantasia Quer seja um limite que se evite atingir o caso no qual a análise não progride o rochedo da castração quer seja um limite que se atravesse com sucesso e que constitui um actingout a seqüência dolorosa da transferência continua sendo em minha opinião e indubitavelmente a experiência mais decisiva de um tratamento de análise É a experiência mais importante que exige do prático um conhecimento e um manejo técnico muito precisos a que exige mais tato O manejo da transferência Detenhome aqui para fazer correções Primeiro eu disse que é a experiência mais importante e que exige mais tato e conhecimento Temos aí uma citação de Freud que alguém me lembrou por ocasião de uma supervisão e essa observação é absolutamente pertinente Pareceme que entre todos os textos freudianos essa pessoa leu as Observações sobre o amor de transferência Eu as reli e efetiva mente concordo o primeiro parágrafo é o mais importante de todo o texto Ele diz Certamente todo psicanalista iniciante começa temendo as dificuldades que lhe oferecem a interpretação das associações do paciente e a necessidade de encontrar os materiais recalcados A seqüência dolorosa da transferência 79 É verdade ouço isso muitas vezes nas supervisões A preocupação dos analistas é indagar Quando se deve pedir ao paciente para deitarse Como se detecta a fantasia Em que momento se deve parar a sessão Estou fazendo certo Como lhe parece esse tipo de abor dagem Qual é o fio condutor pelo qual devo orientar a minha escuta Todas essas são interrogações fundadas São dificuldades que na maioria das vezes polarizam o analista Eis o que diz Freud Todo psicanalista iniciante começa temendo as dificuldades que lhe oferecem a interpretação das associações do paciente e a necessidade de encontrar os materiais recalcados E acrescenta Mas ele logo aprende a atribuir menos importância a essas dificuldades e a convencerse de que os únicos obstáculos verdadeiramente sérios se encontram no manejo da transferência Temos outra citação que vai no mesmo sentido É de um psica nalista inglês a quem já me referi Glover Esse autor incluiu dois longos capítulos sobre a neurose de transferência na sua obra clássica sobre a técnica É ainda mais forte do que Freud Ele diz Não nos arriscamos a nos enganar afirmando que em nenhum estádio da análise as reações do analista ou suas convicções quanto aos postu lados fundamentais da psicanálise são submetidas a prova mais dura do que durante esse estádio da neurose de transferência Durante esse estádio quando o terreno conflitual do paciente se desloca das situa ções externas ou de inadaptações internas de natureza sintomática para a própria situação analítica Glover diz exatamente a mesma coisa que Freud com outras palavras Outros autores também o disseram Li recentemente uma tradução feita por um colega belga de um livro de Ella Sharpe que fez quatro conferências sobre a técnica analítica A conferência dedicada à transferência começa do mesmo modo Ela diz O problema principal não é como agir mas onde estamos quando há transferência quando há neurose de transferência quando há momento transferencial doloroso Digo que é a experiência mais importante do tratamento e que exige do clínico um conhecimento e um manejo técnico preciso Acabo de citar essa frase e ao mesmo tempo vou tentar abordála tomála o mais seriamente possível dissecála decompôla neste momento mesmo que não se lembrem de todos os detalhes O importante é situar esse momento apreendêlo e verificar se ele se encontra na prática de cada um de nós 80 Como trabalha um psicanalista Há uma frase de Lacan que diz bem que no nível ético só uma coisa predomina é que o analista deve saber ignorar o que sabe Já dissemos isso no nosso primeiro seminário de outra maneira Dissemos o seguinte sejamos estudiosos sérios precisos estudemos bem a técnica leiamos como se fôssemos apaixonados pela técnica sejamos técnicos apaixonados e ao mesmo tempo esqueçamos isso completamente sabendo que não é ali que vai operar verdadeiramente a relação analítica É preciso ser muito claro a respeito da técnica e saber ao mesmo tempo que não é na técnica não é no manejo técnico que vai decidirse a resolução dos diferentes momentos do tratamento analítico O sr evocava no início de seu seminário a capacidade de analisabi lidade Mas quais são os critérios de referência da analisabilidade Voltemos ao nosso fio condutor Vejam a importância que dou a esse momento transferencial doloroso a essa neurose de transferência Podem compreender agora por que começamos o nosso seminário com os critérios de analisabilidade Podem haver vários deles Alguns deles nós os aplicamos desde o início por ocasião das entrevistas preliminares Mais freqüentemente do que pensamos sabemos que este ou aquele paciente fará um tratamento clássico Se é um paciente que pelo contrário apresenta sintomas psicóticos ou delirantes pen saremos como já observamos aqui que é preciso ser prudente que é preciso estabelecer um plano terapêutico prévio Esses critérios não são verdadeiramente critérios de analisabilidade O único critério de analisabilidade só pode ser reconhecido a posteriori Evidentemente só saberei se alguém foi analisável ou não a posteriori depois que ele atravessou a experiência da análise Quem é capaz de ser analisado Só se poderá responder depois de terminar a análise desse paciente ou depois de ter atravessado esse momento de transferência dolorosa O único verdadeiro critério que só pode ser verificado posteriormente depois da experiência da travessia desse limiar consiste na capacidade do analisando de con frontarse com ele Diremos então que é analisável todo indivíduo que pode sofrer com a sua pulsão posta em ato quando da prova dolorosa da transferência A seqüência dolorosa da transferência 81 Os sinais indicadores da passagem da seqüência dolorosa da transferência Como se apresenta clinicamente esse momento transferencial Qual é a sua estrutura e em que condições ele se instala Já respondemos parcialmente no nosso último seminário decompondo passo a passo a dinâmica das demandas e recusas entre analisando e analista Vamos retomála e vamos verificar a hipótese que não pude justificar na última vez e que era que do ponto de vista econômico isto é do ponto de vista pulsional a seqüência neurótica de transferência cons titui um destino específico de uma pulsão particular que chamo de pulsão fálica Disse no nosso último encontro que eu estava acrescentando uma nova pulsão às diferentes pulsões parciais já conhecidas mas pareciame que o trabalho que eu fizera sobre a alucinação na neurose de transferência me conduziu naturalmente a conceber a presença a existência de uma pulsão fálica particular cujo destino não é a sublimação mas justamente a neurose de transferência Mas anteriormente antes de abordar essa questão antes de entrar no seu centro vamos descrever rapidamente a clínica da neurose de transferência Esse momento transferencial doloroso essa seqüência de transferência que aparece no meio do tratamento em geral com porta todos os traços manifestos do actingout Na maioria dos casos esse fenômeno se manifesta primeiro por uma mudança quase imperceptível na atmosfera da análise Até então o primeiro entusiasmo dos dois parceiros da relação analítica deveuse à diminuição ou até ao desaparecimento dos distúrbios sintomáticos iniciais que levaram o paciente à consulta Prestem atenção a esse entusiasmo pois ele se verifica muito freqüentemente A diminuição dos sintomas nos torna entusiastas nos estimula a continuar O próprio paciente fica surpreso com os efeitos do trabalho que já fez Pois bem esse entusiasmo começa a declinar nesse momento Os conteúdos das associações do analisando referindose até então à sua vida atual e passada dão lugar pouco a pouco a referências mais imediatas à própria situação analítica à relação com o analista e até aos detalhes do consultório analítico É como se o paciente subitamente percebesse 82 Como trabalha um psicanalista onde ele está Pouco a pouco tudo o que acontece só tem interesse e realidade na medida em que isso pode ser referido ao analista Tudo é então centralizado em torno da sua pessoa O analista ocupa o universo inteiro do analisando Ele é esse universo Instalase então progressivamente um clima de tensão aguda tenaz e ao mesmo tempo precária Uma tensão que revela o caráter passional que a relação analítica assume Quais são os sinais típicos que nos permitem qualificar esse momento transferencial de actingout Há quatro sinais típicos o silêncio a mostração a petrificação e a angústia O silêncio se manifesta por uma parada das associações O analisando se cala mais freqüentemente do que antes e diz que não sabe de que falar São as sessões nas quais o analisando começa dizendo Não tenho nada a dizer Não sei Tenho a impressão de que tudo já foi dito A mostração se reconhece pela encenação de ligeiros conflitos com o analista conflitos que se iniciam em geral com interpelações por parte do analisando exigindo que o analista fale E em certos momentos mais agudos instigandoo a falar É você que tem que me dizer mas você não diz nada O que é que você pensa Faz muito tempo que você não fala etc A petrificação e a angústia designam principalmente um traço de estrutura Mas também designam um aspecto observável O analisando e muitas vezes o analista têm a sensação de estarem pregados imobilizados paralisados no lugar Aconteceme por exemplo ouvir analistas em supervisão declararem ao falar desses momentos trans ferenciais Não sei mais o que fazer Tenho a impressão de que se me movimento na poltrona ou se respiro de maneira audível o paciente se angustia O analista fica assim imóvel na sua poltrona sem mexerse para não suscitar a angústia do paciente Tudo isso são traços clínicos que servem para detectar esse momento transferencial doloroso Mas como explicar teoricamente a dinâmica da instalação da neurose de transferência Vamos agora ao nosso esquema da última vez que construímos segundo dois movimentos circulares Falamos do nível matricial e do nível da significação A seqüência dolorosa da transferência 83 No nível matricial desenhamos o deslocamento da pulsão e situamos o objeto da pulsão No nível da significação observamos que o objeto da pulsão estava recoberto pelo véu que situamos como sendo o falo imaginário Isso do ponto de vista clínico se manifesta pelo silêncioemsi o calarse interno do analista Dissemos que esse silêncio esse véu que recobre o objeto é a melhor maneira de representar de evocar o furo do objeto da pulsão Esse silêncio tem dois efeitos um efeito sobre o analisando e um efeito sobre o lugar do analista de instituir por acréscimo o lugar a instância do grande Outro interlocutor É na medida em que o analista faz silêncioemsi que sem procurar por isso ele institui a instância de um grande Outro de um grande Outro interlocutor ao qual o analisando vai dirigir as suas demandas Não voltarei a esse ponto Temos pois dois efeitos um primeiro efeito que é a instituição de um grande Outro interlocutor Dizemos grande Outro interlocutor também podemos chamálo na teoria lacaniana instância do Sujeito Suposto Saber Pareceme muito importante ressaltar que essa ins tância do grande Outro o Sujeito Suposto Saber não é o lugar que o analista ocupa Não é que o analista ocupe o lugar da autoridade O analista trabalha primeiro com o objeto com a reserva em si mesmo ele tem que pôrse em reserva E é na medida em que ele vai se confrontar com essa reserva em si mesmo que vai suscitar sem procurar fora dele sem saber essa instância do grande Outro inter locutor E já sublinhamos o fato de que essa reserva suscita cria demandas diversas de amor e de reconhecimento no analisando Demandas que enfatizo se dirigem então ao grande Outro interlocutor São demandas de amor mas não é o amor São demandas de reconhecimento É nesse nível no nível das demandas de amor dessas demandas de reconhecimento dirigidas ao Outro que podemos situar justamente o plano da sugestão É ali que vai situarse a transferência em geral a transferência imaginária Como eu já disse distinguimos duas transferências a transferência simbólica como uma estrutura da relação a transferência fantasística como momentolimiar no meio da relação analítica no meio do tratamento Nesse ponto introduzo uma terceira forma de transferência Não quis falar no início para não provocar divisão mas é justamente nessas 84 Como trabalha um psicanalista demandas de amor dirigidas ao grande Outro que vai situarse o nível da transferência imaginária ou o nível da sugestão Não desenvolveremos mais essa questão da sugestão ou da trans ferência imaginária porque não é o tema desta noite Apesar de tudo somos obrigados a dizer que é para lá que vão se dirigir as demandas ao grande Outro Mas a recusa isto é o silêncio continua a se manifestar e faz com que haja um retorno para o analisando Primeira recusa pois é o silêncio do analista que suscita as demandas do analisando demandas dirigidas ao grande Outro Recusas e retorno para si É então por ocasião da primeira recusa que vai abrirse que vai começar a seqüência dolorosa da transferência isto é que essa primeira recusa vai constituir o fator desencadeante da entrada do analisando na neurose de transferência O que esperam essas demandas de reconhecimento dirigidas ao grande Outro São demandas do falo O analisando demanda que lhe dêem que o reconheçam Mas pedir para ser reconhecido é pedir ao Outro que lhe dê o seu poder aquele que o analisando lhe atribui É demandar o falo imaginário Compreendase bem que quando dizemos primeira recusa não se trata de uma única recusa de uma única vez Esse silêncio é toda uma posição do analista Tivemos ocasião de dizer que o silêncio do analista não é um silêncio sistemático que não é somente um silêncio verbal Não é simplesmente não dizer nada com a boca o silêncio também pode operar falando Esse silêncio faz sentir a dimensão de reserva do véu que cobre o objeto da pulsão É aí que começa a abrirse a seqüência dolorosa da transferência pois o analisando nesse momento começa a deixar de referirse a si mesmo para ser progressivamente levado pela paixão por um afeto excessivo Nesse momento ele já não se dirige mais ao grande Outro dirigese ao analista ele mesmo transformado em falo Vamos resumir ele se dirige primeiramente ao grande Outro o interlocutor demanda de reconhecimento recusa A recusa faz com que o analisando dirija novamente demandas mas estas não são mais de reconhecimento Esses momentos são momentos de silêncio São momentos de inquietação e de angústia São momentos nos quais ele diz É a sua vez de falar São momentos em que ele exige e interpela o analista Não são mais demandas E há uma nova recusa A seqüência dolorosa da transferência 85 Identificação do Eu do analisando com o falo imaginário Como dissemos na última vez chameia de segunda recusa E é com essa segunda recusa que o analisando o Eu do analisando por assim dizer se identifica com o falo imaginário Ele demanda o falo Ao demandálo não recebêlo e não obter nada além de uma recusa ele se desaponta e se identifica com o falo Ele demandava o falo e agora depois da recusa da dupla recusa ele é o falo Ele se torna então o falo que lhe é recusado O Eu se identifica com a coisa que lhe recusam E acontece isto ele se faz falo imaginário e ao mesmo tempo se faz falo imaginário do grande Outro não mais como um interlocutor SujeitoSupostoSaber mas do grande Outro como Su jeitoSupostoDesejo Ele se faz o falo imaginário que pretende satisfazer o supostodesejo do analista Fazse o falo imaginário que pretende satisfazer o supostodesejo do grande Outro ou do analista Como teorizar essa identificação do Eu do analisando com o falo imaginário Aí está o elemento primordial do ponto de vista meta psicológico que explica a instalação da neurose de transferência Metapsicologicamente no momento da neurose de transferência o analisando está identificado com o falo imaginário que pretende saciar o desejo o supostodesejo do analista Como conceber essa identificação Podemos concebêla segundo diferentes níveis No nível da própria relação analítica estabelecese uma passagem singular que a expressão lacaniana histerização do discurso analítico define muito bem Lacan dizia histericização do discurso analítico porque considerava que em toda análise há um fenômeno de histericização em que é favorecida a histeria Essa expressão é bastante utilizada hoje mas nem sempre adequadamente em minha opinião Falicização do ser no analisando A identificação do Eu do analisando com o falo imaginário implica uma passagem do analista para o analisando da máscara da falta no analista para a máscara do ser no analisando A máscara da falta no analista é o véu falo imaginário que recobre o furo da pulsão Ao invés de dizer véu que recobre o furo da pulsão digo máscara que cobre a falta no nível do analista 86 Como trabalha um psicanalista Analisando Analista Figura 3 A máscara que cobre a falta corresponde a essa reserva interna difícil de definir por parte do analista e ao mesmo tempo existe uma disponibilidade O analista está nesse lugar de véu que mascara a falta e ao mesmo tempo está dissociado Isso significa que existe uma barra sobre o analista Ele está em reserva calase em si fica dissociado nele mesmo Pois bem esse véu essa máscara da falta se desloca para o Eu do analisando É como se o analisando dissesse já que você não me dá o falo eu o pego E o que ele pega na verdade é essa mesma máscara esse véu Mas há uma diferença no analista o véu cobre apenas a falta ao passo que quando este volta para o Eu do analisando cobre todo o seu ser Aqui o analista não é um falo imaginário não é um ser identificado com o falo imaginário Há essa reserva que evoca o furo da pulsão mas o seu ser não é inteiramente falicizado enquanto que por ocasião do processo de identificação na neurose de transferência o analisando identifica todo o seu ser com o falo com a máscara fálica imaginária que cobria a falta no analista Temos pois uma passagem da máscara do analista para o anali sando A máscara do analista cobre a falta o resto do analista é a parte dissociada Depois da dupla recusa depois da passagem a máscara recobre todo o Eu exceto um furo Em outros termos na neurose de transferência produzse no analisando uma falicização do ser Mas falicização do ser quer dizer ser totalmente falo ser falo em todo lugar Quando um analisando diz Por que você não me diz nada ou quando sai batendo a porta ou qualquer outra manifestação Furo da falta Véu que cobre o furo da falta Falicização do ser à exceção de uma falta A seqüência dolorosa da transferência 87 típica desses momentos de paixão ele está nesse momento inteira mente identificado com o falo exceto uma falta exceto um furo Essa falicização é exatamente o mesmo fenômeno que se produz na histeria É por isso que podemos falar de uma histericização do discurso analítico A histericização do discurso analítico é o momento no qual se instaura a neurose de transferência Essa identificação com o véu fálico com o véu imaginário essa falicização do Eu do analisando comporta um Gozo um Gozo fálico O Gozo fálico para Lacan se entende como Gozo de identificarse com o falo imaginário com todo o seu ser exceto uma falta Em outros termos o que é silêncio e reserva no analista se torna angústia dor e paixão no analisando O analista representa o indizível da dor e está dissociado Habitualmente dizse que o analista está no lugar do objeto Em geral eu diria antes que o analista nunca está no lugar do objeto No máximo o analista encarna representa um semblante um véu uma máscara daquilo que seria o objeto da pulsão isto é a insatisfação Essa é a função do analista evocar ao paciente pelo seu silêncio a representação da dor como se ele lhe dissesse Eu represento o indizível da dor Ele lhe diz isso não ao se calar ele pode falar Mas pode falar e sem que eu saiba exatamente como no tom da sua voz na maneira de expressarse na maneira de abordar o analisando ele deixa persistir deixa perceber que continua a representar o indizível da voz o indizível da dor Aliás se o analisando uma vez terminada a análise vai embora e vamos imaginar uma situação habitual alguém lhe pergunta Você foi inteiramente analisado ele responde Não Ser intei ramente analisado Isso não existe Sempre há uma parte nãoanali sável Pois bem a parte inanalisável em uma análise é justamente o lugar do analista Mas o analista não está no lugar do objeto Ele encarna evoca representa o objeto por uma série de atitudes dispo sições presenças difíceis de adquirir de reconhecer em si difíceis de habitar de ser habitado por elas e que evocam o indizível da dor Hoje isso é chamado assim o que me parece mais exato o indizível da dor Mas ao mesmo tempo simultaneamente o analista não está inteiramente nessa representação da dor Não está inteiramente 88 Como trabalha um psicanalista reduzido a isso Continua a saber até a reconhecer em certos mo mentos que no lugar que ocupa está efetivamente separado dividido dissociado Essa dissociação é muito importante no próprio nível da ética do segredo profissional Algumas vezes acontece que em certo momento da evolução do analista ele tem que ouvir pacientes que são eles próprios analistas e que lhe falam de coisas referentes a uma comunidade analítica da qual analista e analisando fazem parte E por vezes o analisando deseja dizer algo ao analista para informálo para que ele saiba Na verdade o analisando não sabe que o analista escuta e esquece que ele está dissociado Quero dizer que ele pode em uma sessão ouvir referências quanto a fenômenos que ocorreram em certas cir cunstâncias com detalhes referentes à comunidade analítica e ao mesmo tempo não se lembrar mais como se não soubesse disso Não sei se alguém aqui já teve essa experiência Eu a tenho muitas vezes Uma vez disse isso a um colega que me interrogava sobre essa questão Respondilhe que se eu tivesse que me lembrar de tudo o que me relatam e se além disso tivesse que analisar todos os fenômenos de conteúdo referidos à comunidade na qual vivemos esse trabalho seria impossível Eu próprio ficaria como muitos outros analistas completamente sem rumo É impossível e isso se deve justamente à dissociação Aliás lembrome de que o próprio Lacan disse isso várias vezes Imaginem Lacan e todas as pessoas que passaram pelo seu divã Não foram alguns da comunidade analítica foi a metade da comunidade analítica lacaniana que passou pelo seu divã Já imaginaram tudo o que Lacan sabia E no entanto ele continuava o seu trabalho como se não soubesse Não é porque ele fazia como se não soubesse mas porque verdadeiramente ele tinha uma parte de si que sabia e uma outra parte que não sabia Quero dizer que a incidência da dissociação não atinge apenas o nível da evolução de um tratamento mas também o nível de uma ética presente na comunidade que habitamos nós analistas Em que momento do tratamento aparece a neurose de transferência Um ano dois Para responder à sua pergunta quanto à temporalidade diria que efetivamente a neurose de transferência em média se apresenta ao fim de dois anos de análise Não se apresenta no primeiro ano A seqüência dolorosa da transferência 89 No primeiro seminário eu disse que a neurose de transferência já estava instalada desde as primeiras entrevistas É verdade Mas a maneira de manifestarse não tem a intensidade passional desse momento Esse momento na maioria dos casos na minha experiência talvez outros analistas tenham outra começa a se manifestar entre o segundo e terceiro anos de análise Não excluo que alguém diga que teve essa experiência a partir de alguns meses Reconheço que isso também me aconteceu mas pareceme que se pode dizer que essa fase de dois anos é a média no seio das quatro etapas que designamos entrevistas preliminares com a retificação subjetiva etapa do início da análise seqüência dolorosa da transferência que estamos trabalhando agora fase terminal É um modo de situar cada fase em relação ao conjunto do tratamento e o tempo que este dura Tudo está ali É a dificuldade principal O tempo que o tratamento dura depende do resultado Já disse que há três resultados possíveis o desfecho pelo qual a questão se cronifica e prossegue durante meses e até mais as vezes em que isso é evitado em que o limiar não aparece ou não é tão nítido quanto Freud descreve as vezes em que há ruptura de análise isto é o rochedo da castração Conforme os desfechos teremos uma duração diferente Em princípio desde a abertura há as demandas dirigidas ao grande Outro demandas de reconhecimento demandas do falo imaginário primeira recusa é então que o analisando começa a entrar na etapa em que não faz mais demandas de reconhecimento mas começa a exigir o amor sem rodeios a amar a manifestar o seu amor pelo analista E isso se dirige diretamente para a máscara da falta Então há a segunda recusa e instalase então plenamente a identificação do analisando com o falo imaginário Esse movimento que descrevo esquematica mente em teoria é claro na prática Dura meses São flutuações isto é há sessões que são muito agudas e segundo a maneira pela qual o analista intervém segundo a maneira de responder a essa paixão tenaz a essa paixão ao mesmo tempo obstinada e difícil de desenraizar isso vai produzir flutuações momentos altos e baixos É muito difícil precisar a sua temporalidade cronológica Vamos retomar Podemos ver essa identificação do Eu enquanto falo imaginário em diferentes níveis Há um nível de transferência um nível libidinal e um nível pulsional Primeiro nível o da trans ferência Nele reconhecemos a histericização do discurso Podemos dar a esse conceito de histericização de Lacan um outro sentido Aquele que dei aqui me parece o mais correto isto é o da falicização 90 Como trabalha um psicanalista do Eu Nível libidinal o do Eu Freud diz O Eu procura atrair para si essa libido orientada para os objetos e imporse ao Isso como objeto de amor É assim que o narcisismo do Eu é um narcisismo secundário retirado dos objetos Isto é uma citação dos Ensaios de psicanálise Quer dizer que o Eu se apodera da libido dos investimentos de objetos e se impõe como único objeto de amor do Eu Estamos falando em termos de amor de narcisismo e de libido para descrever esse fenômeno que chamamos falicização Quando dizemos no nível da transferência no nível libidinal no nível pulsional são diferentes maneiras de abordar o mesmo fenô meno mas cada vez que o abordamos de modo diferente também encontramos diversas perspectivas Em resumo nesse nível libidinal essa identificação do Eu com o falo imaginário se chama simplesmente narcisismo secundário Mas este não consiste apenas em amarse a si mesmo O Eu se ama a si mesmo como ama o falo imaginário do grande Outro Em outros termos o Eu se ama a si mesmo como ama o sexo O narcisismo não é amarse a si mesmo É amarse a si mesmo como se ama o sexo do Outro O Eu se toma pelo sexo do grande Outro e é ali que ele se ama É isso o narcisismo secundário e é um fenômeno que podemos descrever perfeitamente no nível da neurose de transferência Temos pois duas abordagens perfeitamente compatíveis na neurose de transferência a identificação do Eu com o falo imaginário é uma histericização e é um narcisismo secundário No nível pulsional O Eu acrescenta Freud quer também ser objeto de amor do Isso ou seja ele quer ser o objeto do reino das pulsões Tenho aqui uma belíssima citação de Freud em que ele compara o Eu com o analista Freud diz O Eu se comporta verdadeiramente como o médico num tratamento analítico recomen dandose a si mesmo ao Isso como objeto de libido e tentando derivar para si a sua libido isto é a libido do Isso O Eu se faz objeto da pulsão Em outros termos o Eu não só se identifica com o falo imaginário mas também quer ser o objeto de toda a libido pulsional que nesse momento está em jogo na relação analítica Freud o compara exa tamente como já fizemos com o lugar do analista enquanto véu enquanto máscara da falta Quer dizer que do ponto de vista das A seqüência dolorosa da transferência 91 relações transferenciais teremos histericização e passagem da más cara da falta para a máscara do ser Do ponto de vista libidinal é o narcisismo secundário Do ponto de vista pulsional o Eu se identifica com o falo imaginário e se faz objeto da pulsão Há aqui um retorno para a própria pessoa e uma inversão do objetivo ativo em passivo Essas duas coisas são dois destinos que explicam ou fazem compreender a identificação do Eu com o falo imaginário Logo o Eu se faz objeto da pulsão De que pulsão De uma pulsão que podemos qualificar de pulsão fálica precisamente porque o objeto dela é o falo imaginário Vamos ficar no nível da pulsão Dizer que o Eu identificado com o falo imaginário se faz objeto da pulsão equivale a afirmar três coisas inicialmente essa identificação narcísica do Eu com a imagem do falo é o derradeiro recurso do Eu para atingir dois objetivos por um lado manter a atividade da pulsão e por outro lado evitar o trans bordamento a aniquilação isto é evitar a loucura de um Gozo desmedido Quando um paciente é tomado levado por essa paixão da neurose de transferência há uma identificação narcísica o analisando se identifica com o falo imaginário Mas há dois objetivos fundamentais dois recursos um recurso para evitar tornarse louco e um recurso para manter a pulsão É como se ele dissesse Já que você não quer ser o objeto do meu amor muito bem é preciso que eu me mantenha a mim mesmo com todo o meu ser Com efeito o objeto da pulsão fálica é o Eu que se dá todo inteiro como alimento à pulsão para mantêla viva e ardente como brasas e ao mesmo tempo evitar o pior Como se o Eu se masturbasse não com o pênis ou o clitóris mas com todo o seu ser A falicização é isso Dizer que o Eu é objeto da pulsão fálica equivale a dizer que a pulsão goza do ser Mas isso não está bem formulado Ela não goza do ser Ela goza de algo mais preciso Afirmamos pois três coisas primeiro o Eu procura manter a atividade da pulsão e evitar o transbordamento Eis uma citação de Freud nos Ensaios de psicanálise que é exatamente a definição do Gozo do grande Outro O que o Eu teme do perigo externo ou do perigo libidinal do Isso não saberíamos precisar Ele diz Não sabemos Em contrapartida sabemos que é o transbordamento a aniquilação mas não podemos concebêlo analiticamente Em outros termos Freud está consciente de que o Eu teme o transbordamento 92 Como trabalha um psicanalista teme o Gozo transbordante desmedido do Isso Logo quer manter a atividade da pulsão com um Gozo parcial e evitar o Gozo louco desmedido Em seguida vamos fazer esta pergunta qual é o Gozo dessa singular masturbação do Eu Com que Gozo parcial se contenta a pulsão fálica A pulsão oral se contenta com o Gozo parcial de sugar A pulsão anal se contenta com o Gozo parcial de fechar e abrir o orifício anal de reter e expulsar A pulsão escópica se contenta com o Gozo parcial da vista o Gozo do olhar que significa abrir e fechar as pálpebras A pulsão invocante está ligada também ao Gozo parcial à abertura e ao fechamento da glote E qual é o Gozo parcial com o qual se contenta a pulsão fálica É o Gozo parcial de tudo isso das pulsões oral anal escópica invocante de todo esse conjunto e muito mais O Gozo parcial da pulsão fálica é o Gozo não do ser mas de fazer semblante de ser Não é gozar do ser mas gozar de exibir o ser de ostentar ser adornarse de ser Em suma gozar de mostrarse forte de mostrarse inteiro de mostrarse fálico É isso o que como Lacan chamamos de Gozo fálico O que é o Gozo fálico É o fato de investir todo o meu ser de falicizar todo o meu ser com a exceção de um furo Mas o que quer dizer falicizar todo o meu ser Quer dizer fazer com que me vejam mostrarme exibirme ostentarme ser no semblante de ser brincar de ser É a menina de cinco anos que brinca de ser menino que brinca de ser uma senhora Mas não é nem mulher nem homem Ela brinca de ser E é na brincadeira que reside o Gozo parcial dessa pulsão que chamo de fálica A pulsão fálica é o momento em que o objeto identificado com o falo imaginário é o próprio lugar em que ela se concentra em que todas as outras pulsões se reúnem como num feixe em torno desse Eu identificado com o falo A transferência é uma fantasia A última observação é que a identificação narcísica do Eu não é apenas o narcisismo secundário a histericização o objeto da pulsão A seqüência dolorosa da transferência 93 Lacan faz um jogo de palavras com os verbos parader ostentar e parer adornar NT é também uma fantasia A neurose de transferência responde exata mente à estrutura da fantasia compreendida como encenação da pulsão isto é encenação do desejo A neurose de transferência é a fantasia a encenação da pulsão fálica Afirmar tudo isso nos dá o sentimento de enumerar diferentes abordagens como num catálogo É como se diante da neurose de transferência nós a abordássemos a partir de diferentes perspectivas diferentes terminologias isto é a perspectiva libidinal narcísica pulsional a perspectiva da fantasia a perspectiva da histericização Mas sempre encontramos o elemento essencial que é a identificação do analisando com esse falo imaginário que pretende satisfazer a falta do supostodesejo do grande Outro Resta a questão do manejo técnico desses momentos transferenciais A leitura que fizemos do texto de Glover já nos dá uma idéia Ele diz Quando se produz a neurose de transferência sentimos subita mente que o solo falta sob nossos pés que não sabemos mais onde estamos e a que estádio do tratamento chegamos Glover define a maneira de perceber do analista no momento da seqüência transfe rencial como um abalo das suas convicções Fala das convicções dos postulados do analista e até diz o solo falta sob nossos pés Primeiro eu desejaria dizer que se deve partir do fato de que a neurose de transferência não é simplesmente um fenômeno que se concentra no analisando Ela comporta repercussões muito precisas no analista Repercussões que consistem em que nesse momento de instalação do analisando no lugar do falo imaginário o analista não sabe mais se deve deixar a reserva do silêncio deixar de ficar silencioso ou se pelo contrário deve silenciar mais do que nunca ou se deve interpretar Vocês sabem o que se diz habitualmente a interpretação é aquela da transferência Todos concordam nesse ponto Deveríamos dizer a primeira intervenção correta nesse momento é interpretar Mas o que ocorre com mais freqüência é que o analista por um silêncio dema siadamente instalado ou por intervenções excessiva e diretamente ligadas à relação transferencial seja o primeiro a nutrir cristalizar petrificar ainda mais esse momento da seqüência neurótica de trans ferência 94 Como trabalha um psicanalista Lendo Glover veremos que há todo um capítulo chamado As resistências do analista E lendo Lacan veremos que ele diz em A coisa freudiana a resistência é a do analista Já em 1925 Glover dizia que o problema fundamental para a neurose de transferência era o que ele chamava de As contraresis tências do analista Considerava que é a posição inoportuna do analista que leva o analisando a instalarse nela e não a evitála pois é um fenômeno que nunca se evita Eu diria que é um fenômeno inerente à própria estrutura da relação analítica e ao próprio quadro da análise Mas é verdade que certas intervenções do analista silêncio excessivamente tenaz e persistente intervenções que vão diretamente demais ao problema ou que são demasiado diretas no plano da transferência ao invés de romper as resistências para falar em termos antigos vão criar ainda mais resistência imobilizando fixando petrificando congelando o paciente naquele momento e naquele lugar Eis um exemplo das resistências do analista Creio que se há resistência do analista ela se vê claramente nessa fase da neurose de transferência A dor de existir a dor como falta Vamos falar agora da questão da falta O furo representa a falta em dois sentidos Primeiro um sentido clínico muito importante para as intervençõoes do analista quando o paciente se encontra nesse estádio há na verdade uma profunda dor O paciente é identificado ao falo imaginário e manifesta ódio cólera e amor De fato é muito diferente segundo o lugar que ele nos atribui Não é a mesma coisa ser amado apaixonadamente e ser apaixonadamente odiado De um certo ponto de vista imaginário ambos são paixões concordo Mas o analista ocupa dois lugares distintos No caso do amor o analista está no lugar do grande Outro relativo ao desejo No caso do ódio o analista está no lugar do grande Outro que goza e persegue É muito diferente embora falemos de amódio de ódio e de amor É verdade que desse ponto de vista é a ambiva lência que opera mas do ponto de vista do trabalho no momento dessas sessões o analista não está no mesmo lugar Quando há ódio sendo este das duas paixões a que mais se aproxima da falta é o que nos paralisa mais nesse lugar e no trabalho do psicanalista Quero dizer que a frase de intervenção que me ocorre A seqüência dolorosa da transferência 95 algumas vezes é Você não quer que eu o escute É como se fosse ele que dissesse Não quero escutálo Como se eu dissesse Você não quer que eu venha para esse lugar Você não quer que eu o escute É o ódio cego e você quer me cegar com esse ódio Mas por trás do ódio apesar da sua pretensão de me cegar eu constato eu sei que existe a dor Isso significa que por trás da falicização no interior dessa identificação do Eu com o falo imaginário há um núcleo da falta Lacan o teria chamado de objeto a que aqui assume claramente a figura da dor Os analistas de certas escolas como os kleinianos por exemplo falam de depressão tristeza ou até de melancolia Pessoalmente eu falaria de uma dor que não é necessariamente uma dor melancólica mas que existe realmente alguma coisa da ordem de uma dor Podemos pensar essa identificação não apenas como o objetoEu identificado com o falo objeto da pulsão que chamo de fálica mas também do ponto de vista da dor tratase da pulsão sadomasoquista Isso quer dizer que há efetivamente um masoquismo do analisando no fato de identificarse Mas permitamme acrescentar o que me parece muito importante a neurose de transferência num tratamento é um abrigo Contra que Contra o fato de diluirse Um analisando quando começa uma análise diz Estou pronto a me dar estou pronto para pensar Em outros termos Estou pronto para me diluir no inconsciente Depois isso se torna intolerável O penso onde não sou Penso lá no inconsciente Penso lá através da fala Penso lá nas associações Penso lá onde não sou Penso lá onde me dissolvo é intolerável Chega então esse momento de seqüência transferencial que nos lembra o actingout e que se pode com razão de acordo com o ensino de Lacan diferenciar como sendo o inverso É Sou onde não penso pois nesse momento da neurose de transferência o sujeito é mas não pensa Logo no começo da análise Penso onde não sou Isso se torna intolerável Pausa Sou onde não penso E é esse limiar que é preciso atravessar Penso onde Sou onde não sou não penso Início da análise Neurose de transferência Figura 4 96 Como trabalha um psicanalista Por que dizemos isso Para mostrar que a neurose de transferência é um fenômeno de Gozo É isso que devemos compreender Não é um fenômeno de paixão É um fenômeno de Gozo E esse gozo é um Gozo parcial É um Gozo breve É um Gozo local É um Gozo de mostrarse de ser sou aqui É como se o paciente dissesse Escute até hoje renunciei a ser renunciei a me identificar com o que eu digo agora não sou mais não suporto mais Quero que você veja que eu sou Quero que você me veja Quero me mostrar Quero ser para você Quero ser para alguém É verdade que a análise tem uma expressão que Lacan tomou por empréstimo de Sartre A análise tem essa dor de existir A dor de existir cessa justamente com essa identificação com o falo imaginário A dor de existir é a dor do penso onde não sou e cessa com sou onde não penso E em sou onde não penso ainda há a dor como falta Vamos referirnos ao termo fálico Quero que saibam que quando enuncio os termos o que ocorre primeiramente é que tenho a reticência a reserva de não apresentálos gratuitamente apenas porque eles advêm Pareceme importante con firmálos em um momento ou outro a partir de diferentes perspectivas até que eles pareçam ter uma maturidade suficiente para poder apresentálos num seminário por exemplo Da mesma maneira que aqui proponho a expressão pulsão fálica há muitos outros termos que não proponho mas que deixo à espera na gaveta A expressão pulsão fálica me parece correta Por que Primeiro existe um problema teoricamente falando o leitor de Lacan e de Freud se choca com textos difíceis Freud não distingue nitidamente nem sempre o amor da pulsão o narcisismo da pulsão Às vezes ele o faz outras não Na Metapsicologia por exemplo percebemos essa dificuldade em não distinguilos Mais tarde ele resolveu a questão e muitas correntes o seguiram e marcaram efetivamente a diferença entre narcisismo isto é o amor e a pulsão Disseram que eram dois níveis diferentes É absolutamente correto Mas parece que há um ponto em que narcisismo e pulsão convergem coincidem e é justamente e em primeiro lugar nesse momento da análise Mas ocorre no momento da neurose de transferência no qual o Eu do paciente se identifica com o falo que ele se faça objeto da pulsão Assim haveria aí um Gozo ligado à brincadeira de exibirse ostentarse mostrarse ser É muito particular e muito importante exatamente nas crianças Na realidade essa expressão foi confirmada A seqüência dolorosa da transferência 97 para mim de certa forma pelo trabalho com crianças Quando se vê a criança no estádio chamado fálico o fenômeno típico desse estádio fálico não é a masturbação não é manipular o sexo ou o pênis ou na menina considerar que o pênis do menino é maior e olhar o seu corpo no nível do clitóris O que me parece interessante nesse estádio fálico é todo o Gozo que as crianças têm brincando de ser o forte o fraco a mulher ou o homem Isso significa que há uma exibição do ser Ser o falo é mostrarse ser É isso que me parece justificar a denominação Gozo fálico Não chamaremos essa pulsão de sadomasoquista porque há dois Gozos aqui Há o Gozo da dor como falta por trás dessa dimensão da neurose de transferência E depois há o próprio Gozo da identi ficação que não é puramente imaginário Se estivéssemos apenas na imagem concordaríamos em não chamálo de pulsão nem chamar o Eu de objeto pulsional Mas como o Eu tem uma coalescência íntima com essa imagem derradeira que é a imagem fálica pareceme legítimo chamar essa pulsão cujo objeto é o Eu identificado com o falo imaginário de pulsão fálica Essas são abordagens que podem para alguns parecer abstratas Elas correspondem a certas maneiras de conceber algumas articulações da teoria O que acontece é que o Eufalo imaginário quer ser o objeto do supostodesejo do analista E a intervenção do analista no manejo desse momento transferencial está justamente nesse duplo nível inicialmente para separar a identificação do Eu do falo imaginário em seguida para intervir como corte entre o fato de se considerar como objeto do desejo do analista e o desejo próprio do analista Digo isso teoricamente o que é fácil Seria necessária uma maior precisão a respeito dos modos práticos de intervir 98 Como trabalha um psicanalista A contratransferência V A contratransferência Hoje vamos abordar o problema técnico da contratransferência De sejo começar dando uma visão de conjunto desse conceito técnico No ano passado criticamos a acepção vulgar do termo transfe rência compreendido simplesmente como a relação do paciente com o seu terapeuta Para criticar essa acepção geral consideramos que a transferência era antes de tudo uma neurose de transferência Assim situamos o momento de sua emergência no tratamento e ao mesmo tempo em que situamos essa segunda fase do tratamento demonstra mos o processo dessa neurose de transferência e indicamos par cialmente é verdade o seu manejo técnico isto é o que o analista deve fazer quando é confrontado com esse período com essa fase de neurose de transferência Voltarei à questão do manejo técnico da neurose de transferência Definição Mas hoje gostaria de falar da contratransferência Com essa palavra contratransferência acontece algo similar ao que ocorre com a palavra transferência Também esta é muitas vezes empregada num sentido excessiva mente geral para descrever o conjunto dos sentimentos e atitudes do analista para com o seu paciente Isso é o que se entende habitualmente por contratransferência Esse uso do termo é muito diferente daquele que estava na origem do movimento analítico Daí resulta uma confusão sobre o sentido preciso dessa noção Assim nesta noite 99 vamos examinar juntos o conceito de contratransferência à luz das primeiras formulações freudianas e tentar com Lacan darlhe uma significação mais correta Histórico Mas primeiramente para situar historicamente a questão da contra transferência vamos dividir esquematicamente a evolução da técnica psicanalítica de Freud aos nossos dias em quatro períodos Quatro períodos que se diferenciam segundo quatro tipos de ação do terapeuta É esquemático mas evidencia um salto fundamental Primeiro perío do a ação do terapeuta era extrair extirpar Segundo período a ação do terapeuta era conscientizar interpretar para tornar consciente Terceiro período a ação do terapeuta era interpretar as resistências Quarto período o dos nossos dias é o período atual que é o de ocupar o lugar do objeto da pulsão O primeiro período era o da catarse O terapeuta devia extirpar retirar um corpo estranho encravado no inconsciente do analisando ou mais ainda do doente Na época tratavase de um doente A ação do terapeuta consistia em provocar a descarga dos afetos ligados à idéia patógena inconsciente que estava na origem dos sintomas E a descarga consistia em tomar o caminho de uma lembrança alucinada Podemos fazer um esquema desses quatro períodos Primeiro período extrair Podemos fazer disso um simples esquema A idéia patógena está no centro a catarse é a maneira de descarregála Logo é preciso descarregar a idéia patógena pela catarse É muito simples Idéia patógena CATARSE Figura 5 100 Como trabalha um psicanalista Segundo período interpretar para tornar consciente Nesse mo mento que não durou muito tempo dois ou três anos Freud concebia a interpretação como uma proposta feita ao analisando de uma idéia semelhante análoga à idéia patógena que ele supunha oculta na psique do paciente Essa proposta essa espécie de interpretaçãoproposta dizia Freud permitiria encontrar por afinidade a idéia patógena verdadeira e atraila para o consciente não mais como lembrança alucinada mas como rememoração consciente Era a época da célebre recomendação que ainda hoje se acredita válida de tornar consciente o inconsciente O postulado do segundo período era sim ples a consciência do mal suprimiria o mal De acordo com esse segundo período era preciso conscientizar a idéia patógena ir ao inconsciente por atração por afinidade com uma idéia patógena semelhante proposta pelo analista CONSCIENTIZAR Figura 6 Terceiro período a interpretação propriamente dita Freud diz algo muito interessante afinal a tomada de consciência não surpreende por seus resultados e seus efeitos Ela não dá os resultados esperados Podemos fazer com que um paciente tome consciência do seu mal mas não é por esse caminho que esse mal desaparecerá E Freud faz um comentário importante para o nosso trabalho Existe uma estranha possibilidade da qual dispõem esses doentes de conseguir conciliar uma tomada de consciência um conhecimento do seu mal com a ignorância desse mal Em outros termos Freud diz Você pode fazer para ele as preleções que quiser darlhe todas as explicações para tornálo consciente do seu mal explicar tudo Entretanto o A contratransferência 101 recalcamento persiste Infelizmente ele é tenaz continua a ignorar a origem continua a recalcar a sua idéia patógena Antes de explicar esse terceiro período devo dizer que Freud nessa época já não chamava mais o núcleo patógeno de idéia patógena ele iria chamálo de desejo patógeno ou mais exata mente fantasia patógena termo com o qual trabalhamos e que utilizamos hoje Desejo ou fantasia recalcada logo inacessível à consciência em razão das resistências opostas pelo Eu Mas resistên cias a que Contra que o Eu resiste Resiste em experimentar o desprazer o profundo desprazer que a emergência do recalcado inconsciente significa A resistência é sempre resistência contra a dor Peçolhes que se lembrem disto resistir é resistir contra a dor Esta é a questão essencial da contratransferência De que tipo de resistência se trata Nessa época havia para Freud uma série de resistências À medida que a teoria analítica evoluía Freud propunha um conjunto de tipos de resistências Assim ao longo de sua obra ele falou da resistência do recalcamento ou mais exatamente resistências produzidas pelo contrainvestimento O que quer dizer isso Quer dizer que o Eu investe fortemente excessiva mente outras representações inconscientes Investe por outro lugar para desviar a energia psíquica Contrainveste Investe fortemente em outro lugar a fim de deslocar a energia encerrada na representação patógena Segundo tipo de resistência resistência do benefício pri mário e secundário da doença O paciente se apega à sua doença e luta contra o seu restabelecimento Terceiro tipo de resistência resis tência do Isso compreendida como a compulsão a repetir isto é persistir É a mesma produção mórbida que existia antes e que vai existir durante toda a vida do sujeito Quarto tipo de resistência resistência do Supereu na sua forma mais expressiva isto é o sentimento inconsciente de culpa manifestado pela necessidade do paciente de sofrer e continuar doente a fim de expiar um erro Em suma todas essas séries de resistência são destinadas a eliminar o jorro doloroso do inconsciente Mas nessa enumeração falta a mais importante das resistências a resistência de transferên cia A transferência é uma resistência enquanto neurose de transfe rência Com efeito a transferência é resistência enquanto o tratamento atravessa esse momento que no ano passado qualificamos de se 102 Como trabalha um psicanalista qüência dolorosa da transferência e que era para nós a expressão mais essencial da neurose de transferência Explicamos essa seqüência dolorosa da transferência através da identificação Explicamos que havia nisso uma identificação do Eu do analisando com o falo imaginário A resistência da transferência poderia traduzirse pela declaração seguinte que o analisando ou o Eu inconsciente do ana lisando faria Prefiro viver a dor da paixão transferencial prefiro experimentar essa insuportável paixão que me liga a você analista prefiro isso a sentir a dor da emergência imprevista do desejo incons ciente Se fizermos um esquema diremos terceiro período desejo pató geno e depois série de resistências que a interpretação deve suprimir para ter acesso ao desejo inconsciente Série de resistências Desejo patógeno Figura 7 A contratransferência Chegamos agora ao período atual É o período que vivemos atual mente na evolução da técnica analítica É nesse período que vamos encontrar o conceito de contratransferência É um período que carac terizarei por dois postulados fundamentais que regem a teoria da técnica que praticamos Primeiro postulado o núcleo patógeno que chamamos de desejo ou fantasia esse núcleo oculto no inconsciente e que era preciso extirpar do paciente na época catártica agora nós o encontramos no A contratransferência 103 exterior fora do analisando e o chamamos como Lacan de objeto do desejo objeto a ou ainda objeto da pulsão segundo a nossa exposição do ano passado a respeito do objeto enquanto atrator da libido Assim primeiro postulado o Eu recalcado está fora do ana lisando Segundo postulado esse lugar esse objeto excêntrico ao sujeito funciona à maneira de um atrator Eu disse há pouco que ele funciona à maneira de um atrator que atrai a libido para si a polariza em torno de si cria a transferência ou mais exatamente o nível matricial a matriz da neurose de transferência Pois bem esse objeto exterior fora do analisando que constitui o lugar que reservamos para o psicanalista permite a este definir a sua ação a partir de uma única recomendação que não é a de extirpar ou extrair como no primeiro período nem a de conscientizar e nem mesmo de interpretar mas de ocupar o lugar do objeto O objeto do desejo está no exterior e esse lugar exterior é aquele que o analista deve ocupar Tratase pois primeiramente de interpretar a resistência e depois de ocupar o lugar do objeto A ação do analista é a de tomar o seu lugar assumir a sua função Figura 8 Podemos precisar que outros autores especialmente anglosaxô nicos defendem a seu modo uma posição semelhante Também para eles o lugar do analista é o de um objeto situado fora do sujeito isto é a evolução da técnica analítica poderia resumirse em uma mudança radical do interesse do psicanalista num salto operado ao longo de cinqüenta anos digamos entre 1900 e 1950 Esse salto foi o seguinte Lugar do analista Objeto do desejo 104 Como trabalha um psicanalista no início o interesse estava dirigido para o paciente e para o corpo estranho que era preciso extirpar dele Hoje o interesse se dirige para o psicanalista e para as modalidades operadas para assumir essa função Marco a data de 1950 porque nessa época diferentes autores na Inglaterra nos Estados Unidos e na Argentina publicaram os primeiros trabalhos referentes à contratransferência Em 1950 apareceu uma série de artigos surpreendentes O primeiro era de Winnicott entre 194849 e até 1960 pois houve toda uma série Os primeiros artigos entre 1948 e 1953 sobre a contratransferência marcaram essa etapa Mas principalmente foi nessa época que Lacan começou a lançar as bases da sua teoria sobre a técnica Nessa época alguns lhe teriam pedido Falenos de todas as variedades possíveis de psicanálises Então Lacan intitulou o seu artigo como Variantes do tratamento padrão e fez uma piada como resposta à pergunta Devese fazer um tratamentopadrão ou não dizendo Uma psicanálise padrão ou não é o tratamento feito com um psicanalista Faço uma paráfrase da resposta de Lacan dizendo Uma psicanálise padrão ou não é o tratamento que se organiza segundo o analista ocupe ou não o lugar do objeto Esse artigo de 1955 Variantes do tratamentopadrão é intei ramente consagrado ao psicanalista A partir daí a relação analista lugar ficou localizada como o elemento decisivo num tratamento praticado hoje Qual é a ordem de subjetividade que o analista deve procurar em si mesmo para conseguir ocupar o do objeto lugar Em outros termos o que se requer da pessoa do psicanalista para assumir a sua função É uma pergunta que implica o fato de que nem todo mundo pode exercer essa profissão Por que nem todo mundo pode exercer essa profissão Porque pode haver controles que não sejam cumpridos para assumir essa função É em resposta a essa interrogação que surge entre outras a necessidade de dois conceitos um conceito maior e um conceito menor subsidiário secundário O conceito maior que responde a essa pergunta é o conceito de desejo do psicanalista O conceito lacaniano de desejo do psica nalista pode se definir como o fato de que o analista ocupe efetiva mente e segundo diferentes modalidades o seu lugar de objeto atrator Logo o desejo do analista seria o conceito maior que define a situação na qual o analista efetivamente ocupa o lugar do objeto A contratransferência 105 Depois há um conceito menor subsidiário criativo É o conceito de contratransferência O conceito de contratransferência de fine o conjunto dos obstáculos imaginários que se opõem a essa ocupação Logo se o desejo do analista designa o fato de ocupar efetivamente o lugar do objeto a contratransferência designa tudo o que se opõe a isso Por hoje vou deixar de lado o primeiro conceito desejo do analista pelo menos nas formulações explícitas para tratar apenas do segundo conceito menos importante de contratransferência Antes de estudar a fundo e mais precisamente o sentido do termo técnico contratransferência já percebemos através do pouco que dissemos que ao contrário do uso habitual o termo contratransfe rência se define não no interior da relação do psicanalista com o seu paciente mas no interior da relação do psicanalista com o lugar do objeto Logo a contratransferência não deve ser situada entre o analista e o paciente mas entre o analista e o lugar entre o analista e o lugar do objeto Nem todo mundo pode ser psicanalista Vocês acabam de fazer uma pergunta o que se requer da parte da pessoa do analista para assumir a sua função o seu lugar E pouco eu disse uma frase forte Dissea de passagem mas é muito significativo nem todo mundo pode ser psicanalista É preciso dizer isso na medida em que abordamos a prática da análise e sua teoria e particularmente a técnica com um máximo de rigor É uma questão muito extensa Ela afeta o campo ético o campo da formação Ela afeta diferentes questões Um autor que todos conhecem Sandor Ferenczi bem antes de 1950 isto é antes que Winnicott e Lacan refletissem nessa questão já evocara esse ponto Gostaria de lembrar um trecho célebre de um dos seus artigos publicado em 1928 Ferenczi diz Um problema até agora não estudado para o qual chamo a atenção é o de uma metapsicologia que está por fazer dos processos psíquicos do analista durante a análise Uma metapsicologia dos processos psíquicos do analista durante o seu trabalho Sua oscilação libidinal dizia Fe renczi mostra um movimento pendular que o faz ir e vir entre uma 106 Como trabalha um psicanalista identificação e um controle exercido sobre si mesmo Digo exata mente a mesma coisa que ele sua oscilação libidinal mostra um movimento pendular que o faz ir e vir entre uma identificação o amor do objeto na psicanálise e um controle exercido sobre si Logo identificarse e ao mesmo tempo confrontarse Durante o trabalho prolongado de cada dia o analista não pode abandonarse completamente ao prazer de expressar livremente o seu narcisismo e o seu egoísmo Não pode expressálos como faria na realidade em geral Só pode expressálos em imaginação e por breves momentos Ferenczi termina dizendo Não duvido de que uma carga tão exces siva como essa que dificilmente se poderia encontrar na vida exija cedo ou tarde o estabelecimento de uma higiene especial para o analista A partir dessa época 1928 e em grande parte graças à obra de Lacan que foi um dos primeiros a fazer um esforço extraordinário para responder à demanda de Ferenczi para que se estabelecesse uma metapsicologia dos processos psíquicos do analista o conceito de desejo do analista veio dar uma seqüência a esse texto de Ferenczi Depois houve muito progresso não só no nível da teoria mas também no nível da metapsicologia dos processos psíquicos do analista e igualmente muitas dificuldades quanto a essa higiene especial para o analista Precisamente em 1910 dezoito anos antes por ocasião do II Congresso Psicanalítico Freud fala pela primeira vez da contratrans ferência da qual Ferenczi faz menção aqui Esses textos nos quais menciona o termo de contratransferência podem ser contados nos dedos da mão e todos na verdade se situam no ano de 1910 Existem cartas e vou citar algumas Há um texto que se chama O futuro da psicanálise Se vocês lerem esse texto muito belo muito curto verão bem que há uma tranqüilidade uma segurança sobre o progresso efetivamente realizado Muitas coisas ditas ou apresentadas por Freud foram confirmadas Para confirmar justamente os progressos reali zados pela psicanálise Freud menciona por exemplo o avanço obtido com a teoria do simbolismo No nível técnico Freud fala de uma inovação ténica que ele chama de contratransferência Essa inova ção essa novidade técnica não era uma descoberta a mais da teoria da técnica mas antes a localização de um obstáculo que passara até então despercebido O progresso consistia na descoberta de uma falha de uma dificuldade onde nada se percebera até então Freud A contratransferência 107 propõe então a instalação de medidas adequadas para superar o obstáculo A contratransferência uma resistência do analista Freud descreve a contratransferência como o resultado das influências exercidas pelo paciente sobre os sentimentos inconscientes do analista Essa primeira definição está na origem de muitos sentidos con fusos de numerosas acepções turvas do termo técnico contratrans ferência Caso situemos essa única definição de Freud no contexto das conferências do Congresso de Nuremberg de 1910 não há dúvida de que a contratransferência é um obstáculo ou mais exata e rigo rosamente é uma resistência do analista Não há dúvida sobre esse ponto a definição é perfeitamente clara Algumas linhas depois para nos atermos às palavras do texto encontraremos a palavra resistên cia Mas Freud não reconhecia apenas que a contratransferência é uma resistência reconhecia também dois tipos duas espécies ou expressões típicas de contratransferência Numa carta de 1910 a Binswanger que nessa época estava próximo de Freud e mais tarde se tornou o analista fenomenólogo que conhecemos nessa carta assim como em uma intervenção que Freud fez no mesmo ano durante um debate da Sociedade Psicanalítica de Viena que se chamava Sociedade das QuartasFei ras porque essas reuniões se faziam nesse dia Freud utilizou a palavra contratransferência para advertir o analista contra a tentação de ligarse afetivamente ao seu paciente Contratransferência queria dizer para Freud naquele momento um modo errôneo de amar o analisando Eis o que ele escreve nessa carta destinada a Binswanger O que opera na relação com o paciente nunca deve ser um afeto imediato mas sempre conscientemente concedido e isso mais ou menos se gundo as necessidades do momento Conclui sua carta dizendo em certas circunstâncias podese conceder mais mas nunca tirando do seu próprio inconsciente É preciso pois reconhecer a sua própria contratransferência e superála Assim em 1910 nas reuniões da Sociedade das QuartasFeiras em um debate sobre o caso de uma criança Freud disse Enquanto o paciente se apega ao médico o médico está submetido a um processo 108 Como trabalha um psicanalista similar a contratransferência Essa contratransferência deve ser com pletamente superada pelo médico Só isso poderá tornálo senhor da situação E acrescentou Isso faz dele o objeto perfeitamente frio que a outra pessoa o analisando deve cortejar com amor O interessante é que o seminário de Lacan sobre a transferência que se chama A transferência e a disparidade subjetiva de 1960 é em grande parte o desenvolvimento de uma frase como essa Dita dessa maneira essa frase nos surpreende mas é a posição que Freud tinha na época Se esse amor impróprio essa maneira errônea de amar o anali sando é uma das duas contratransferências características detectadas por Freud já nessa época a outra forma típica de contratransferência é o saber Uma é o amor a outra o saber ou melhor o saber préconsciente O saber que leva o analista a escolher o material que vai interpretar ao passo que pediu ao paciente com a regra funda mental que renunciasse à censura Ele disse ao paciente Deixe vir a mim todos os pensamentos que lhe vêm à cabeça Não escolha O analista disse Freud também não deve escolher o material que vai interpretar O psicanalista e a surpresa Um comentário voltando à nossa época atual não é exatamente dessa maneira que eu trabalho por exemplo Existe um texto de Freud que é importante ler e conhecer no qual ele insiste ainda e nisso devemse marcar bem as diferenças porque elas não concordam com a prática de certos analistas em dizer que o analista não deve ter um plano preconcebido para a sua ação deve ficar aberto ao inespe rado deve estar pronto para deixarse surpreender para surpreender se Naturalmente essas palavras também são as minhas estar pronto para a surpresa para o espanto para o imprevisto não ter plano preconcebido É exato Mas se baseiome em outros textos de Freud há como que uma contradição aparente Por exemplo ele escreve a Abraham Atenção Esteja atento a tudo o que aparece na superfície psíquica do seu paciente Esteja atento aos complexos atento às resistências Atenção Atenção Por um lado ele diz ao analista que não deve escolher e por outro que deve estar atento alerta e pronto para saltar sobre o material A contratransferência 109 A posição correta não é nem uma nem outra Seria preciso ver o analista num trabalho prático em plena sessão de análise Não sei se é satisfatório mas de qualquer forma é preferível pensar que o analista deve ter uma hipótese de bolso É preciso que durante um período do tratamento durante certas sessões ele parta para a escuta do seu analisando com uma hipótese relativa parcial e provisória sobre aquilo que está ocorrendo ou sobre aquilo que ele pensa que deve ocorrer Há muito tempo sabe que deve escutar os derivados incons cientes Isso não o impede de estar disposto para a surpresa de estar aberto para o imprevisto para o acontecimento o inesperado o espanto e para poder deterse e interrogarse quando da emergência desta ou daquela incidência inconsciente Voltemos a Freud em uma época anterior Efetivamente para Freud há duas formas típicas de contratransferência o amor mal concedido e o saber excessivamente aplicado Desde a época dos primórdios da psicanálise entre 1910 e 1950 são quarenta anos de silêncio E desde 1950 até hoje desde Winnicott até um artigo publicado no International Journal de 1986 intitulado A reelaboração do conceito de contratransferência a questão con tinua atual Todos os autores que estudaram essa noção de contra transferência concordam em considerar que a contratransferência é uma resistência um obstáculo O problema começa quando se trata de definir a natureza desse obstáculo quando se trata de tentar compreender em relação a que a contratransferência constitui um obstáculo Que elemento a resistência contratransferencial desejaria evitar O problema começa quando nos preocupamos por exemplo em distinguir a resistência da transferência da resistência da contra transferência Temos aqui as três perguntas que vamos retomar Qual é a natureza da resistência da contratransferência Qual é a diferença entre a resistência da transferência e a resistência da contratransferência E enfim que elemento a resistência contratransferencial desejaria evitar Aspectos clínicos da contratransferência duas correntes teóricas Mas antes de abordar essas perguntas vejamos sob que forma concreta se apresenta hoje a contratransferência 110 Como trabalha um psicanalista Desejo fazêlos perceber de maneira mais viva quais são os fatos quais são os aspectos práticos sob os quais se apresenta a contratrans ferência A partir da primeira reflexão de Freud em 1910 vão ordenarse duas linhas duas correntes teóricas A primeira corrente identifica a contratransferência com o con junto de toda a personalidade do psicanalista que visa o conjunto das reações sentimentos pensamentos atos relativos à pessoa do analista diante do paciente É uma primeira corrente que concorda com a idéia excessivamente genérica usual vulgar que temos da contra transferência tudo o que acontece com o analista diante do seu paciente Essa corrente é representada especialmente por Paula Hei mann e Winnicott porque foram os primeiros a abordar a questão dessa maneira Essa corrente propõe já nessa época considerar cada uma das vertentes da personalidade do analista diante do seu paciente como uma eventual fonte de interpretações destinadas ao analisando Chamam isso de instrumentalizar a contratransferência isto é transformar as sensações os pensamentos os atos do analista em um instrumento destinado ao tratamento Nisso certamente seguiram o que Freud fizera com a transferência Freud fizera a mesma coisa No começo ele diz A transferência é uma resistência um obstáculo A paixão transferencial detém o analisando no fluxo de suas associa ções no seu trabalho nas suas possibilidades de fazer emergir o inconsciente E depois acrescentou no célebre texto da Dinâmica da transferência Mas na verdade a transferência é também o motor do tratamento porque é somente em condições de transferência que uma interpretação tem a possibilidade de ser recebida e que o analisando tem a possibilidade de ser efetivamente convencido do valor da intervenção do analista Logo a transferência seria resistência no começo e depois motor Vertente negativa vertente positiva da transferência Esses autores aplicaram a mesma coisa à contratransferência Eles dizem A contratransferência é uma resistência mas é também um instrumento positivo uma ação eventual a ser levada para o seio do tratamento É preciso declarar ao paciente durante esse momento o que se sente o que se vive o que se experimenta diante de si próprio Os exemplos que a maioria dos autores dão da contratransferên cia consistem em sentimentos excessivos de amor ou de ódio para com o paciente devaneios eróticos com ele Os impasses sentidos A contratransferência 111 pelo analista que o tornam completamente refratário ao dizer do paciente as condutas de onipotência narcísica uma certa arrogância uma certa vaidade uma certeza uma segurança excessivas atitudes pedagógicas Também se podem tomar como forma de contratransferência todos os erros técnicos que aparecem como expressões contratransferenciais O artigo de Winnicott que se intitula A reelaboração do conceito de contratransferência publicado no International Journal de 1986 fala justamente disso Que erros técnicos Erros técnicos cometidos independentemente da formação do psicanalista por exemplo a falta de uma palavra esperada ou ao contrário uma palavra proferida em tempo inoportuno silêncios impróprios excessivos mal situados intervenções comuni cadas ao analisando em linguagem demasiado técnica ou intelectual etc isto é o conjunto das manifestações tipicamente contratransfe renciais A maioria dos autores reconhecem perfeitamente isso como expressões contratransferenciais Mas como explicálas Como situá las em relação a que eixo teórico Em relação a que problemática É aqui que começam as dificuldades Depois é preciso fazer distinções no interior desses fenômenos que acabo de mencionar A outra corrente é representada por autores como Margaret Little que é uma boa representante dessa linha Esses autores reduzem ao contrário o campo da contratransferência às manifestações exclusi vamente inconscientes do analista como pode ser um sonho no qual aparece o paciente Se um analista sonha com seu paciente eles dirão que se trata de uma manifestação contratransferencial Ou em mo mentos raros mas importantes de percepções visuais escópicas olfativas auditivas cenestésicas ou táteis por parte do analista que podem ser consideradas são minhas palavras como percepções inconscientes no analista do inconsciente do paciente Digo que são palavras minhas mas na verdade existe um artigo que foi comentado durante uma de nossas reuniões do Seminário restrito em que Margaret Little declara Meu inconsciente percebeu inconsciente mente o inconsciente do paciente Logo temos duas linhas a contratransferência é o conjunto de todas as reações do analista diante do seu paciente ou a contratrans ferência é unicamente a percepção direta e inconsciente por parte do analista do conjunto das manifestações das emergências do incons ciente do paciente 112 Como trabalha um psicanalista Qual é a nossa posição Para responder e fazerlhes uma proposta eu diria para começar que é uma proposta que faço com Lacan Prefiro explicarme abordando o problema por um outro viés É o viés das perguntas que fizemos acima isto é qual é a natureza da resistência de contratransferência Que diferença existe entre a resis tência da transferência e a resistência da contratransferência Contra que força luta essa resistência A transferência é ocasionalmente uma resistência que se mani festa por exemplo através de um silêncio tenso que detém brusca mente o fluxo das associações do paciente É um momento típico da resistência de transferência relativo ao momento em que o paciente detém as suas associações Freud diz Nesse momento pode estar certo de que o paciente pensa em você e se não pensa mentalmente em você é a você que esse silêncio se refere É um silêncio de transferência O que Freud chama de resistência ou então mais geralmente todo esse período de resistência de transferência que designamos com a expressão seqüência dolorosa de transferência na qual o paciente preferiria não ter mais que falar de si mesmo não é uma pausa mentalmente destinada às associações mas um período uma fase que explicamos pela identificação do Eu do analisando com o falo ima ginário suposto no analista Fórmula que demos Não falo não penso onde sou o falo imaginário Do mesmo modo a contratransferência é também uma resistência um obstáculo que confunde incomoda e perturba o trabalho de escuta do analista Voltaremos depois ao elemento contra o qual a contra transferência é um obstáculo Diferenças entre resistência de transferência e resistência da contratransferência Entretanto as duas resistências a de transferência e a da contratrans ferência são radicalmente distintas e heterogêneas Aparentemente essas duas perturbações a da transferência e a da contratransferência por exemplo o silêncio no paciente no momento em que este fala e um sentimento de amor ou de ódio excessivo do analista por seu paciente essas duas resistências têm um traço comum Elas surgem no analisando ou no analista sem que o sujeito saiba Isto significa que esse silêncio se apresenta além de toda intenção e esse A contratransferência 113 sentimento excessivo também se apresenta além daquilo que o próprio analista pode compreender Mas num caso tratase de uma resistência que faz parte do inconsciente enquanto que no outro caso tratase de um derivado deformado e indireto do inconsciente No caso da resistência de transferência estamos diante de uma resistência que faz parte do inconsciente isto é de uma resistência que é uma verdade ou melhor uma meiaverdade Surgimento do Sujeito do inconsciente Por que isso uma verdade Porque essa resistência significa a exis tência nesse momento no exemplo do silêncio no momento em que o paciente se detém detém o fluxo das associações nesse mesmo momento esse silêncio é uma verdade Por que é uma verdade Porque esse silêncio vem significar o nascimento a gênese a geração a constituição do Sujeito do incons ciente Isso quer dizer que há ali nesse momento mais do que um silêncio há uma emergência do inconsciente É exatamente no mo mento da resistência de transferência que o Sujeito se constitui Isso quer dizer que o inconsciente se produz e se estrutura O Sujeito nasce com o corte Há emergência do inconsciente no exato momento do aparecimento da resistência de transferência Ao passo que no caso de que tratamos a resistência da contra transferência não é uma verdade nem mesmo uma meiaverdade É simplesmente um erro Retomando o nosso vocabulário habitual diremos que num caso a resistência de transferência faz parte do inconsciente é uma verdade um significante No outro caso a resistência da contratransferência ela não faz parte do inconsciente diremos que é uma imagem A resistência de transferência A resistência de transferência é um significante A resistência da contratransferência é uma imagem e como toda imagem é uma falsa imagem Mas com que critérios estabelecer essa distinção Por que dizer que uma coisa é significante e a outra imaginária Com que critérios 114 Como trabalha um psicanalista dizer que uma coisa é verdadeira e a outra um erro Com um único critério a partir do momento em que o analisando se engaja na sua análise sob a égide da regra fundamental Fale ou Estou escutando a partir do momento em que se submete à escuta do analista toda manifestação que ultrapasse o sujeito poderá ser consi derada como sendo um significante que representa o seu inconsciente diante de um outro significante encarnado pelo campo aberto da escuta do analista ou com mais exatidão pelo campo aberto do conjunto infinito das interpretações possíveis A resistência de transferência é significante porque simplesmente ela é interpretável A resistência de transferência é sensível suscetível de interpretação Ao contrário a resistência da contratransferência é uma imagem uma representação préconsciente Ela não é um signi ficante não é uma verdade não se oferece à interpretação Não representa o sujeito como diria Lacan para um outro significante Ela representa algo para alguém exclusivamente para o analista Isso significa que sou eu analista que terei uma chance eventual de me autoanalisar e dizer a mim mesmo Tenho sentimentos excessivos para com meu paciente Mas essas manifestações que me ultrapassam não se oferecem à eventualidade lógica da interpretação Em resumo o analista está só fundamentalmente só diante das suas próprias reações contratransferenciais E é então que intervém a ação da autoanálise Freud dizia Para suprimir para temperar a contratransferência autoanalisemse Analisem os seus sonhos Ha bituemse a pensar nos seus sonhos E acrescenta Não basta autoanalisarse Além disso é preciso que os analistas façam análise É preciso que os analistas também eles façam uma experiência analítica mesmo que não estejam sofrendo Foi a escola de Zurique que teve a idéia de propor a Freud a análise didática como meio de fazer essa higiene especial de que falava Ferenczi Mas quando digo que o analista está só diante das suas reações contratransferenciais não existe apenas a autoanálise isto é o exer cício de pensar nos seus sonhos e em suas manifestações inconscientes não existe apenas a análise didática existe também a ação da super visão Há um ponto a trabalhar no que se refere ao problema da supervisão Penso que se deve abordar o tema da supervisão pelo viés da contratransferência O trabalho de supervisão seu material não se refere apenas ao paciente do qual o analista fala mas também às A contratransferência 115 reações contratransferenciais do analista Digamos que são os três meios autoanálise análise didática e supervisão que existem não para suprimir a contratransferência mas para orientála a fim de favorecer o acesso do analista ao seu lugar de objeto Nossa posição sobre a contratransferência uma questão de ordem ética Desejo terminar fixando a nossa posição Ela não é a da corrente que considera a contratransferência como o conjunto das reações da pessoa do analista Também não é a que chama de contratransferência as manifestações especificamente inconscientes Creio como Lacan que se trata de uma questão de ordem ética Então proponholhes a seguinte posição concordaríamos com o primeiro grupo de autores incluindo sob o termo de contratransferência todas as reações do analista durante um tratamento e aparentemente aparentemente insisto referidas ao paciente mas com as seguintes condições primeiro considerar essas reações do analista como reações imaginá rias diante de si mesmo essencialmente egóicas e não diante do seu paciente Depois considerar que é preferível calar essas reações não comunicando o seu conteúdo ao paciente isto é não instrumentali zálas Sobre esses dois pontos nós nos opomos à corrente que diz todas as reações do analista sua instrumentalização Nossa posição é certas reações narcísicas imaginárias egóicas não instrumenta lizálas A angústia do analista signo da iminência de um perigo De toda a lista que fizemos das manifestações contratransferenciais privilegiamos uma que está na base de todas as reações de todas as resistências de contratransferência É a angústia do analista A angústia nem sempre consciente é ao mesmo tempo a marca aguda o signo da iminência de um perigo para o analista Esse perigo é duplo o primeiro é o perigo que significa para um analista o temor que ele tem a hesitação o medo de aprofundar a análise de impulsionar e conduzir o analisando de acompanhálo na travessia e na vivência da seqüência dolorosa da transferência 116 Como trabalha um psicanalista Ele tem medo e se angustia porque essa experiência é uma prova dolorosa não só para o paciente mas é também uma prova dolorosa para o analista e nada garante que essa prova tenha um resultado favorável É o que Freud chama de rochedo da castração Nunca estamos certos de poder contornar esse rochedo atravessálo e passar para outra etapa Logo a angústia surge diante da possibilidade de levar um analisando a atravessar essa prova Um outro perigo provoca a angústia do analista é o de ter que ocupar efetivamente o lugar do objeto Mas o que significa para ele ocupar efetivamente o lugar do objeto Há pouco no início dei uma primeira definição de contratrans ferência Eu disse a contratransferência é o conjunto dos obstáculos imaginários que se opõem à acessibilidade do analista à ocupação do seu lugar Pois bem o analista pode ocupar esse lugar do objeto de diferentes modos Diria que há três modalidades de ocupar esse lugar uma das modalidades é ocupar o lugar do objeto fazendo como o objeto lembrando o objeto mimetizando o objeto ocupando o véu do objeto o que Lacan chama de semblante do objeto É fazer silêncio É o primeiro modo de ocupar o lugar do objeto Eu disse fazer silêncioemsi Se ocupamos esse lugar do objeto existe então uma chance para que haja interpretação Correta ou não isso é outra questão Toda interpretação é inexata ou incompleta Ocupar o lugar do objeto quer dizer primeira variante vir ao lugar de véu do objeto através do silêncio o silêncioemsi de modo a estar em condições para intervir através de uma interpretação O outro modo de ocupar o lugar do objeto é o que significa a partir da nossa prática do nosso saber da nossa teoria ocupar o lugar do objeto alucinandoo É ocupar o lugar do objeto não fazendo silêncioemsi mas percebendoo inconscientemente através de uma percepção alucinatória do objeto É perceber alucinando mentalmente a partir do silêncioemsi a dor psíquica do paciente do outro Essas experiências são o reflexo como diz Freud de um contato imediato do inconsciente do analista com o inconsciente do paciente Não se trata de uma comunicação de inconsciente a inconsciente embora isso tenha um certo valor Não renego totalmente essa fórmula aliás Lacan também não a renegava embora em certos momentos a criticasse mas continuava a seguila Encontramos por exemplo uma frase curiosa na qual ele reconhece o valor de uma fórmula como a da comunicação dos inconscientes Mas não digo comunicação dos inconscientes Digo é a experiência da alucinação como sendo uma A contratransferência 117 percepção inconsciente alucinada da dor psíquica do seu paciente É uma manifestação direta imediata aguda do desejo do inconsciente É disso que o analista tem medo É com esse perigo que ele se angustia É isso o medo que o analista sente que percebe como um pressentimento É contra esse perigo que um pensamento contratrans ferencial intervém Pensando na contratransferência ocorreume a imagem do analista como jogador de tênis É simples Temos o paciente e o analista Os dois jogam tênis A bola é o objeto Em certo momento o analisando manda a bola para o analista como uma brincadeira mas é uma verdade O analista no momento em que a bola chega se angustia Subitamente ouve alguém que o chama de fora do campo Virase e deixa a bola passar É o apelo Ele se angustia larga a raquete e deixa a bola passar Pois bem a contratransferência é o apelo O desejo do analista é a raquete e o perigo é a bola o objeto Esse perigo não é sempre mentalizado nem sempre explicitado formulado Penso que o fato de pressentir essa experiência de ocupar efetiva mente de modo agudo o lugar do objeto depende da formação do analista da maturidade do seu trabalho da sua maturidade na profissão Para mim com todos meus anos de experiência é o que considero como o perigo contra o qual um analista é sempre obrigado a lutar na sua prática Esse perigo toma então outra forma O analista pensa Se ocupo esse lugar enlouqueço desintegrome dissolvome des façome e do ponto de vista físico fico doente Não posso pegar a bola no pulo A prática da análise trabalhar como analista implica levar o paciente até onde pudermos mas não além do limite em que afetamos expomos a nossa integridade mental e física É o medo de ficar louco seja pelo trabalho seja pelo paciente Falo dessa maneira mas não sei se podem me compreender Certamente podem ouvirme com o ouvido mas não sei se me ouvem se me escutam do ponto de vista do seu trabalho Para que me ouçam é preciso que o que eu digo vocês já o tenham dito a si mesmos Se não o disseram não me ouvirão Escutar alguém é isso Não é escutar alguém que me fala mas é escutar alguém que me diz o que eu já me disse ou o que o outro já me disse O que ouço apenas repete põe em relevo o que eu já me ouvi dizer De qualquer forma este é um seminário sobre a técnica psicana lítica É meu papel a partir do lugar que ocupo fazer esse trabalho de ensino de transmissão da psicanálise e devo ir até o fim com 118 Como trabalha um psicanalista muita precaução Não digo tudo o que penso podem acreditar Há coisas que eu teria a dizer mas não sei que efeitos elas poderiam provocar É assim que entendo o que há a dizer a formular explici tamente sobre essa problemática contratransferencial do analista Nesse ponto vamos nos deter Há outras questões que ficam em suspenso Nós as retomaremos na próxima vez Respostas às perguntas Uma intervenção de tipo sugestivo não poderia ser considerada como uma manifestação contratransferencial Efetivamente também há autores que consideram que uma versão contratransferencial típica não é simplesmente cometer erros técni cos mas é fazer intervenções de tipo sugestivo ou de ordem sugestiva Entendase a sugestão como condutas de onipotência ou narcísicas por parte do analista Por exemplo a sugestão na qual o analista toma o lugar exerce o poder que a consciência e a autoridade atribuídas pelo analisando lhe confiam Efetivamente podese considerar que as intervenções de tipo sugestão são reações contratransferenciais desde que ele as faça que ele proceda sem saber o que faz Porque a questão é a seguinte O termo resistência quer dizer não saber o que se faz A resistência comporta sempre uma ignorância mais exatamente há resistência de contratransferência quando se trata de uma resistência de tipo préconsciente ao passo que a resistência da transferência é fundamentalmente uma resistência inconsciente Uma resistência préconsciente de contratransferência seria uma sugestão que o analista faz sem saber que ela é operante Aliás a esse respeito existem questões interessantes para distin guir fazer a diferença através da sugestão entre psicoterapia e psicanálise por exemplo A contratransferência 119 A contratransferência e o lugar do analista VI A contratransferência e o lugar do analista Esta noite vamos concluir o estudo do problema da contratransferên cia abordando mais diretamente a questão do lugar do analista o que nos levará naturalmente ao tema da interpretação Ao preparar o seminário de hoje principalmente a segunda parte tive a impressão de que me perguntava constantemente se conseguiria lhes transmitir expressando da maneira mais próxima à minha prática e de modo a que os presentes possam fazer sua essa questão do lugar do analista Pensando nisso encontrei uma citação de Heidegger que exprime muito bem esse sentimento Entretanto aquele que ensina deve algumas vezes falar alto até gritar e gritar mesmo quando se trata de ensinar algo tão silencioso como o pensamento Nietzsche um dos homens mais tranqüilos e mais inclinados à timidez conhecia bem essa necessidade Ele experimentou todo o sofrimento de ser obrigado a gritar E Heidegger termina dizendo Por um lado é preciso gritar se quisermos que os homens eu diria os analistas despertem por outro lado e essa era a minha preocupação hoje à tarde não é gritando que o pensamento pode dizer o que pensa É uma frase formidável de Heidegger que diz bem o sentimento que eu tive ao preparar o seminário de hoje Logo compreenderão por que eu tive essa preocupação Em resumo Na última vez assinalamos a nossa divergência em relação a certas teorias especialmente as teorias anglosaxônicas que conceitualizam 120 a contratransferência como um conjunto muito geral no qual é incluída a totalidade das atitudes dos comportamentos conscientes e incons cientes do analista para com o seu paciente Algumas delas são também teorias que aconselham a utilização dessas manifestações contratransferenciais como material a comunicar ao analisando à maneira de interpretação Nossa posição é muito diferente Primeiro não consideramos a contratransferência no eixo da relação analistaanalisando mas segundo outro eixo muito mais problemático a relação do analista com o seu lugar Depois no nosso último encontro consideramos que essas ma nifestações contratransferenciais não eram globais mas nitidamente específicas e determinadas e que também não eram necessariamente a fonte a partir da qual podiam nascer uma interpretação ou uma intervenção psicanalítica Assim definimos a contratransferência como o conjunto das produções imaginárias do analista que o impedem de ocupar o seu lugar de objeto de objeto atrator na transferência Digo lugar do objeto atrator mas Lacan teria pronunciado a fórmula o sintagma a expressão lugar do desejo do analista Ao invés de dizer lugar do objeto atraente Lacan teria dito desejo do analista expressão que ele utilizou constantemente ao longo da sua obra durante vinte anos e que nunca abandonou Como se pode definir o desejo do analista Desejo do analista insisto sempre deve ser compreendido não no sentido de um desejo experimentado pelo psicanalista mas no sentido de um lugar um local uma região um ponto singular e impessoal no seio da estrutura da relação analítica O desejo do analista é um ponto singular é um local um ponto que qualificaremos de atrator Se pensamos na sua função de atrator é um ponto que causa atrai suscita provoca o desenvolvimento da transferência da neurose de transferência Um ponto que qualifica remos hoje de ponto de mira Tratase precisamente de um ponto de mira se o pensamos como o lugar em que o analista deve se situar para ser capaz de operar como analista Dizemos mesmo o lugar do analista é objeto atrator se se deve pensálo como a causa da transferência Logo desejo do analista retomando a expressão de Lacan ou ponto de mira se A contratransferência e o lugar do analista 121 quisermos pensálo como o lugar aonde o analista deve ir o ângulo no qual ele deve se situar se quiser ser capaz de operar O que é operar É interpretar perceber e causar o inconsciente Mas de que natureza é esse lugar do analista para que o seu acesso desperte nele reações contratransferenciais Por que há contratrans ferência Por que o lugar do analista é sentido como um perigo cuja proximidade faz os obstáculos se erguerem Antes de responder quero lembrar esquematicamente as três classes de manifestações contra transferenciais A primeira é o saber considerado como sendo a compreensão do sentido das manifestações do analisando a apreensão de um sentido segundo certos objetivos que o analista fixa objetivos teóricos de cura de estudo Segundo esses objetivos ele aplica escolhas elege classifica o material escuta certas palavras deixa outras segundo um certo saber A segunda classe das manifestações contratransferenciais é a paixão isto é o amor ou o ódio a atração erótica ou a aversão sensual por exemplo o odor Há analisandos de quem não gostamos por seu odor sua postura sua presença Há reações sensíveis sensuais no analista que consideramos como fazendo parte das reações con tratransferenciais E finalmente a angústia que enfatizamos na última vez como sendo a expressão mais franca mais pura diríamos até a mais saudável a mais madura da contratransferência do psicanalista Evidentemente qualquer uma dessas três classes de manifestações quer se trate do saber da paixão ou da angústia é não apenas um obstáculo ao acesso do analista a esse lugar mas ao mesmo tempo é também um anúncio um signo que indica a sua proximidade A errância contratransferencial seria o singno certo da iminência de um perigo ou antes o signo do posicionamento do analista no seu lugar Digo signo para explicar que o analista pode pressentir que está no limiar de um acontecimento Por exemplo se percebe que está angustiado Às vezes ele não percebe a não ser que perceba que é o analisando que assim se encontra Na verdade a angústia do analisando não é mais do que a própria angústia do analista que lhe foi transmitida É mais freqüente reconhecer a nossa própria angústia no outro do que reconhecêla em nós mesmos embora acreditemos habitualmente que a angústia é algo que sentimos em nós Muitas vezes a angústia do analisando é a angústia do analista deslocada situada projetada no analisando 122 Como trabalha um psicanalista A contratransferência é o lugar do analista Não digo que toda angústia do analisando é o reflexo da angústia do analista mas digo que se ele reconhece a sua angústia em si ou se a reconhece no seu analisando podemos considerar nesse caso que essa angústia é o anúncio mais preciso da obturação do seu lugar e ao mesmo tempo da abertura desse lugar Se um psicanalista pode perceber que está angustiado isso significa que está a caminho de ocupar o seu lugar Em outros termos atribuo à contratransferência não só a função de ser um obstáculo mas também a função de ser o signo da proximidade do acesso ao lugar do analista Essas três classes de manifestações contratransferenciais são dis tintas de outras manifestações possíveis no analista como sentimentos idéias imagens ou impressões experimentadas conscientemente Que ro dizer que se temos que classificar tudo o que um analista experi menta ou vive durante um tratamento diremos que há três tipos de manifestações gerais manifestações conscientes manifestações con tratransferenciais e manifestações específicas devidas ao estado muito particular no qual se encontra o analista quando está efetivamente posicionado É desse estado particular quando o analista está efeti vamente em posição de analista que vou tratar agora A contratransferência como superinvestimento de ia Antes gostaria de acrescentar que as manifestações contratransferen ciais se caracterizam por duas coisas Até agora dissemos que são obstáculos São obstáculos que ao mesmo tempo anunciam a proxi midade do lugar ou a ocupação do lugar Mas essas reações se caracterizam ainda por dois elementos Primeiramente tratase de manifestações préconscientes no sentido em que o terapeuta pode em princípio desvelálas por si mesmo sem a intervenção de nenhuma interpretação Como dissemos na última vez diante da contratransfe rência o analista está irremediavelmente só Em segundo lugar o traço específico das manifestações contratransferenciais consiste na sua qualidade imaginária Quer se trate da angústia do saber ou da paixão a contratransferência é a expressão de um superinvestimento libidinal da imagem narcísica ou mais exatamente de um superin vestimento da imagem especular constitutiva do Eu do analista A contratransferência e o lugar do analista 123 É o que Lacan escreve com a fórmula o sinal algébrico ia i é a imagem que cerca o objeto a É a imagem que é superinvestida no caso das manifestações contratransferenciais quer se trate da angústia da paixão ou do saber O lugar do analista Por que a contratransferência consiste nessa sobrecarga de libido contida na imagem Por que o saber o amor ou a angústia são falicizados libidinalizados Por que são superinvestidos Por que a contratransferência é o superinvestimento de ia Entramos agora no domínio que me parece o mais importante Reecontramos aqui a pergunta feita há pouco por que ocupar o seu lugar é tão raro e tão difícil para o analista Por que esse lugar é sentido consciente ou inconscientemente como um perigo Qual é pois esse lugar O que faz com que ele seja temido que seja tão penoso chegar a ele Nas declarações que se seguirão não tratarei de fazer certas distinções que aliás fizemos muito rigorosamente como por exemplo a diferença entre inconsciente e gozo Não trataremos especificamente disso hoje mas poderemos retomar esse ponto durante o debate Tentando responder a essas perguntas desejo propor uma tese que necessita ser verificada na nossa prática e corroborada teorica mente É uma tese ligada a uma proposição mais geral que muitos conhecem e que eu chamo de formação do objeto a Eis a pergunta por que o lugar do analista é tão raro de acesso tão difícil Por que ele é sentido como um perigo Mudança de realidade Eis a minha resposta as reações contratransferenciais isto é o superinvestimento do Eu aparecem quando o psicanalista está na margem a ponto de dar um salto de realizar um deslocamento brusco e fugaz entre uma realidade psíquica de dominância imaginária organizada em torno do Eu sob a égide da referência fálica por um lado e por outro lado uma outra realidade psíquica fora do Eu ao lado do Eu uma realidade de dominância pulsional de dominância 124 Como trabalha um psicanalista de Gozo de dominância do objeto a É por isso que a situamos como sendo uma formação do objeto a Tratase de uma realidade psíquica organizada de modo inteiramente diferente da realidade de dominância imaginária de uma nova realidade psíquica organizada em torno da ausência da referência fálica O mecanismo produtor dessa nova realidade é aqui a foraclusão Assim quando o psicanalista ocupa o seu lugar a sua realidade psíquica muda e se estrutura como uma outra realidade sem componente egóico uma realidade ao lado do Eu paralela ao Eu uma realidade paraEu e fazendo um jogo de palavras coisa que não fazemos habitualmente ao invés de chamála uma realidade paranóica nós a chamaremos de uma realidade paramoica ao lado do Eu O que queremos dizer Peçolhes que me acompanhem Queremos formular da maneira mais rigorosa essa conjuntura particular que se ordena quando o psicanalista se conduz como analista Quais são as condições subjetivas particulares necessárias ao psicanalista para con seguir situarse no ponto de mira no ângulo a partir do qual ele poderá ser capaz de escutar de perceber e de causar o inconsciente do analisando O ponto de mira Em que condições subjetivas devemos estar para poder situarnos no ângulo que nos permitirá sermos capazes de escutar perceber e causar o inconsciente do analisando Em que ponto de mira em que ângulo em que eixo devemos situarnos Diremos que o ponto de mira no qual o psicanalista deve situarse para operar é idêntico à sua nova realidade produzida por foraclusão Para marcar bem essa identidade entre o ponto de mira e a mudança que deve ocorrer nele assinalaremos uma dupla modificação um deslocamento de lugar em seguida uma mudança de estrutura psí quica A mudança de estrutura subjetiva é idêntica ao deslocamento para um novo ponto de mira de onde posso me situar para tratar as manifestações do inconsciente do meu analisando Esse ponto de mira é idêntico à nova realidade no analista isto é a que chamo de A contratransferência e o lugar do analista 125 O jogo de palavras está na substituição do segmento noïaque da palavra paranoïaque por moïque egóico NT paramóica Esse ponto por sua vez eu o chamo de ponto de mira paramoico Fazer silêncioemsi O analista só está verdadeiramente disponível para a escuta isto é o analista só consegue verdadeiramente transformar os derivados inconscientes do seu paciente em uma interpretação ou em uma percepção alucinada com a condição de deixar abandonar separarse do seu Eu de fazer calar em si as ambigüidades os enganos e erros do discurso intermediário para abrirse enfim à cadeia das palavras verdadeiras Isso se encontra no texto que recomendei Variantes do tratamentopadrão nos Escritos É preciso pois abandonar o Eu Mas como abandonar seu Eu O senhor diz que é preciso fazer silêncioemsi Poderia esclarecer um pouco mais Na última vez empreguei uma expressão que teve um certo eco pelo menos entre alguns dos presentes É a expressão fazer silêncio emsi Não encontrei melhor fórmula para dizer o que tenha a dizer e hoje retomeia sob outra forma O que significa fazer silêncioemsi a não ser antes de tudo negar abolir o simesmo deixar dissolverse a imagem especular o ia A manifestação contratransferencial é uma sobrecarga Fazer silêncioemsi é uma supressão um enfraquecimento um deixardis solver a imagem especular ia É fazer silêncioemsi negar o simesmo deixar dissolver o ia e suprimir apenas durante o espaço de um segundo os diversos suportes construtivos do nosso Eu a saber o tempo o espaço os outros e principalmente toda visada ideal todo objetivo no horizonte todo sujeitosupostosaber que habitual mente garante a escolha à qual procedemos quando o psicanalista está sentado em sua poltrona e acredita escutar o seu analisando O tempo o espaço outrem e toda visada ideal são os componentes constitutivos do Eu que é preciso suprimir abandonar durante um momento o momento de fazer silêncioemsi Fazer silêncioemsi significa que espacialmente estamos fora de nós exilados do Eu ou para retomar o belo título de um livro recente escrito por uma amiga somos estranhos a nós mesmos Somos estranhos a nós mesmos sem com isso estarmos com o outro meu semelhante isto é meu analisando nem com o Outro o grande Outro garante da verdade Não estamos nem sós nem com os outros Estamos sem mais ninguém 126 Como trabalha um psicanalista E por estarmos sem mais ninguém somos objeto Sou onde não há Eu Sou onde não penso Sou onde não há outro nem pequeno outro nem grande Outro Isso espacialmente Temporalmente não temos nenhuma consciência da duração O lugar do analista o fa zersilêncioemsi só o ocupamos na brevidade fulgurante de um clarão Fazer silêncioemsi lugar do Gozo Acabo de definir o fazer silêncioemsi pela negativa Acabo de dizer o que é preciso suprimir como se o silêncioemsi o lugar do analista o ponto de mira fosse uma região despovoada de imagem e de ruído uma região desértica e vazia como se o silêncioemsi fosse o vazio ao passo que pelo contrário tratase de um lugar inédito povoado rico em produções psíquicas novas e condensador de uma grande carga libidinal que chamamos em psicanálise de Gozo ou objeto É um lugar um condensador de uma grande carga libidinal que tem o poder de atrair de concentrar em torno de si o desenvolvimento da transferência O lugar do analista e o seu ser Existe uma diferença entre ocupar o lugar do objeto e o ser do psicanalista Isso me lembra uma frase de Sacha Nacht psicanalista francês já falecido que pertencia à Sociedade Psicanalítica de Paris alguém que muito fez pela psicanálise e que ao mesmo tempo tinha uma posição crítica mutuamente crítica em relação a Lacan Muitas afirmações de Nacht foram objeto de críticas severas por parte de Lacan que o fazia sem mencionar que se tratava de Nacht Em geral quando Lacan criticava não mencionava a pessoa criticada Nacht tinha uma fórmula que era simples e que foi importante na época Ele dizia O psica nalista não age pelo que pensa nem pelo que faz nem pelo que diz Age pelo que é Isto é age pelo seu ser Um mau leitor de Lacan diria que este era absolutamente contrário a essa fórmula que a rejeitava completamente Se observarmos com atenção minuciosa mente a maneira como Lacan faz o comentário dessa fórmula A contratransferência e o lugar do analista 127 principalmente no seminário sobre a transferência veremos que ele a critica severamente mas ao mesmo tempo diz Essa fórmula diz uma coisa certa Ela diz uma coisa certa mas diz mal de modo errado De certa forma tenho a mesma impressão que Lacan Creio que há alguma coisa certa porém mal expressa Por que Porque se o analista age pelo seu ser isto é pelo que ele é perdemos toda a riqueza das variações e das particularidades inerentes intrínsecas à própria experiência analítica Chegaríamos assim a posições tais que haveria analistas que seriam destinados a ser analistas e outros que não o seriam Também eu creio nisso como disse na última vez Creio que efetivamente há analistas que são mais aptos para o trabalho da análise do que outros Mas não é uma questão de ser É uma questão de conseguir com o que se é situarse no eixo situarse no ângulo ao qual se deve chegar se possível para perceber pensar e tratar os derivados inconscientes do paciente Não se trata de o que eu sou tratase de será que o que eu sou me permite abandonar o meu Eu por um instante e ir a esse lugar O que está em jogo na análise não é o ser do analista é o lugar no qual é preciso que ele se instale Se ele se instala ali escuta percebe e causa o tratamento Diferença entre fazer silêncioemsi e ficar sem voz Fazer silêncioemsi é também ficar sem voz Alguém me disse há pouco Fazer silêncioemsi é também impedir a voz Se alguém consegue se livrar da impressão do espaço por exemplo aquela que tenho agora ao lhes falar se consegue livrarse das imagens dos outros se consegue livrarse do fato de procurar coisas de dizer a si mesmo que está ali para alguém ou que está ali para alguma coisa específica para perseguir finalidades objetivos se consegue não pensar mais nos colegas que estão aqui enquanto está sentado na sua poltrona ou naqueles que estão nos seus consultórios a comunidade dos analistas se alguém consegue livrarse dos ideais analíticos dos objetivos das garantias dessa teoria analítica que tentamos apesar de tudo construir e confirmar tornála rigorosa se alguém chega então a esse estado particular de escuta que eu chamo fazer silêncioemsi então ele deixará vir uma voz E a voz que virá será uma voz boa será uma voz pronta para transformarse em interpretação 128 Como trabalha um psicanalista A propósito do ponto de mira o sr não acha que a expressão mira evoca o olhar e por conseguinte as imagens Concordo O ponto de mira pode evocar isso Tirei a expressão ponto de mira da teoria da perspectiva que estudei durante o meu seminário sobre o olhar há três anos Trabalhamos o problema da perspectiva e efetivamente há um ângulo de perspectiva há um ponto em que o sujeito deve se situar para que a perspectiva o ponto de fuga apareça no horizonte Se eu me situo mais à esquerda não há ponto no horizonte mais à direita não há ponto no horizonte Devo situarme num lugar certo num certo ponto muito preciso nesse ângulo para que haja um ponto de fuga no horizonte De outra forma ele não aparece E foi pensando nisso que utilizei a expressão ponto de mira Responderia que de fato é por isso que uso uma expressão que me parece mais divertida mais agradável e também mais exata o ponto paramoico para lembrar que se estamos instalados nesse ponto há uma conotação paranóica psicótica Também me perguntaram sobre a intuição Alguém observou O que você disse evoca a intuição Deixo a resposta para o fim da minha exposição porque efetivamente o problema da intuição pode se apresentar de modo mais próximo Há pouco defini o silêncioemsi pela negativa como se fosse uma região despovoada um deserto E eu disse que não ao contrário é um lugar rico é um lugar pleno é um lugar condensador de alta carga libidinal Mas falando como fiz até agora tive que deixar insinuarse um malentendido que agora devo corrigir Compreende mos que há o analisando e há o Analista com um A maiúsculo Aqui o analisando ali o analista E no entrecruzamento o lugar do analista Analisando Analista LUGAR DO DESEJO DO ANALISTA OU PONTO DE MIRA PARAMOICO Figura 9 A contratransferência e o lugar do analista 129 Compreendemos que há de um lado o psicanalista sua pessoa seu Eu e de outro lado o lugar que lhe é atribuído lugar que nomeamos de várias maneiras lugar do objeto atrator que é a expressão que utilizamos no ano passado lugar do objeto a que é uma expressão consagrada na teoria lacaniana ou lugar do desejo do analista que também é um outro modo lacaniano de nomeálo Ocupar o seu lugar implica um deslocamento psíquico E hoje para marcar bem o deslocamento que se produz nós o chamamos ponto de mira paramóico a partir de onde o analista pode operar Logo lugar que o analista pode ou não ocupar e onde é capaz de receber acolher o inconsciente e o Gozo do seu analisando Há um esquema uma lógica implícita nas nossas declarações sobre esse ponto Mas na verdade isso é falso ou pelo menos não é completamente certo Com melhor precisão esse lugar não é um local Esse lugar do analista não é um local já ali à espera de receber um ocupante Esse lugar se produz quando um analisando diz que um analista faz silêncioemsi para escutálo Na verdade o lugar do analista é um produto comum ao analisando e ao analista que emana que emerge que surge quando o paciente fala porque é preciso que ele fale de certa maneira Surge quando o paciente fala com uma certa fala e quando o analista o ouve fazendo silêncioemsi situandose de uma certa maneira Com essas duas condições o lugar do analista se cria Sou obrigado a distinguir o analista e o lugar para que aceitemos a idéia de que é necessária uma mudança de lugar e uma mudança das estruturas subjetivas psíquicas Mas na verdade fazer silêncioemsi quer dizer mudar em si essa estrutura subjetiva significa deslocarse psiquicamente falando Como escutamos o inconsciente Se escutamos as palavras do analisando como a expressão de alguém que nos fala então não o escutamos nós ouvimos mas não escutamos absolutamente nada Então quando escutamos Escutamos quando fazemos parte do Gozo veiculado produzido implícito nos dizeres 130 Como trabalha um psicanalista do analisando O analista só pode ouvir e perceber o inconsciente na medida em que de um modo qualquer ele já faz parte do inconsciente Isso é o que importa dizer esta noite Em resumo e é aqui que queríamos chegar é preciso pertencer momentaneamente ao incons ciente para escutar o inconsciente isto é para interpretálo É preciso criar o Gozo fazer parte do Gozo para perceber o Gozo isto é alucinálo Freud e outros depois dele falaram desse encontro íntimo entre o dito e a escuta do dito tal como acabo de mencionar Eles o teorizaram com a expressão que também marcou data comunicação entre inconscientes Primeiro Freud a utilizou muitos outros autores também a utilizaram por exemplo Mélanie Klein comunicação entre o inconsciente do paciente e o do analista Não recuso essa fórmula É aqui que encontramos Lacan e me dirijo aos seus leitores Se perguntarem a um lacaniano que lê mal Lacan o que pensa dessa fórmula ele lhes dirá Lacan discorda completamente Digolhes que na verdade como no caso da fórmula de Nacht Lacan é muito mais moderado muito mais fino muito mais elegante e preciso Ele diz Essa fórmula é correta em certas perspectivas e falsa em outras Existe um só inconsciente na relação analítica Sendo assim vamos repetir essa experiência de escutar o dito e fazer parte do Gozo veiculado por esse dito criada por esse dito escutar o dito fazendo silêncioemsi poderia ser formulada com a expressão já consagrada de comunicação entre inconscientes Hoje admitimos que ao invés de dizer comunicação entre inconscientes podemos muito bem admitir que não há transação não há passagem mas produção comum de um só inconsciente e de um só Gozo em jogo na relação analítica Isso já afirmei desenvolvi demonstrei em outros textos Não voltarei a esse ponto Alguns dos presentes conhecem a tese que eu defendo não há dois inconscientes em uma análise há apenas um que é um incons ciente eventuaral pois ele se produz por ocasião de um evento Ele é idêntico à relação transferencial Hoje preciso que esse inconsciente único se produz quando o analisando diz cria o lugar do Gozo e o analista faz silêncioemsi situase no lugar que lhe é designado postase no ponto de mira paramóico cria igualmente esse lugar e faz parte dele Ao invés de dizer transação passagem comunicação A contratransferência e o lugar do analista 131 entre inconscientes prefiro enunciar uma fórmula que é para mim a frase mais importante que tenho a pronunciar nesta noite É preciso pertencer momentaneamente ao inconsciente para escutar o incons ciente É preciso criar e fazer parte do Gozo para perceber o Gozo Quero dizer escutar o inconsciente interpretar perceber o Gozo alucinálo Acabo de distinguir escutar o Inconsciente e perceber o Gozo Mas de fato se há verdadeiramente essa pertinência do analista ao Inconsciente ou ao Gozo o fato de ter escutado e de ter percebido o fato de ter ouvido e ter visto são a mesma coisa Escutar e olhar nessas condições precisas nesse momento preciso são coisas idênti cas Não há diferença Dor e luto Ora essa pertinência do analista à dimensão do Inconsciente ou à dimensão do Gozo implica várias coisas primeiro uma dor e depois um luto Uma dor e um luto que a contratransferência tenta evitar como o perigo pressentido pelo analista sob a forma de um saber de uma paixão ou de uma angústia Que dor e que luto A dor nem sempre vivida ou sentida é provocada pela violência de um remanejamento foraclusivo da realidade psíquica Essa mudança de ponto de mira causa dor porque implica uma mudança de realidade psíquica uma violência exercida contra a minha realidade E depois há o luto Mas que luto O luto de perder momentaneamente a imagem especular constitutiva do Eu isto é o luto de esquecer o Eu Lacan e outros autores muitas vezes compararam o desejo do analista isto é o lugar do analista e o luto Eu diria que essa comparação é correta com a condição de compreendêlo pelo menos neste momento como o luto do Eu O desejo do analista pode estar centrado em torno do luto do Eu Essa comparação também pode se apresentar em termos de limite Quero dizer que quando o analista se instala nesse ponto de mira paramóico nesse lugar da disponibilidade da disposição da posição correta ele se impõe uma relação diferente com o limite Não há mais limite dentrofora interiorexterior antesdepois mas há um outro limite um limite entre o nós e o real É o nós e o enigma do real Em resumo fazer silêncioemsi significa que o psicanalista se dobra aceita admite verdadeiramente sinceramente docilmente está convencido não mentalmente não racionalmente mas psiquica 132 Como trabalha um psicanalista mente de que o limite da experiência analítica é realmente um mistério é realmente um enigma com o qual ele deve contar se quiser trabalhar como analista Antes de terminar desejo explicitar e insistir em certos aspectos deixados na sombra em minhas colocações e chegar a dois exemplos Dissemos que o lugar do analista só se constrói só se cria só se produz com a condição de que haja uma emissão um dito por parte do analisando e um fazer silêncioemsi do analista Mas acontece algumas vezes que esse silêncioemsi seja o resultado de uma concentração de uma intensificação voluntária por parte do analista para chegar a isso e outras vezes ao contrário é espontâneo Se é voluntário por parte do analista eu desejaria que esse silêncioemsi fosse entendido como o lugar de uma expectativa ativa o lugar da expectativa Não se deve confundir uma espera com a idéia de uma expectativa no sentido de procurar uma promessa de atingir uma finalidade Uma expectativa que também não se deve confundir com um temor no sentido de ter medo de temer de uma ameaça que se dirige contra nós Também não se deve confundila com uma espera passiva niilista Esperar ser fazer silêncioemsi significa procurar o objeto de todos os lados procurar com o olhar o que ainda não foi percebido Procurar esse nãopercebido que ainda se oculta Ou então se pensarmos na audição procurar no dito do analisando a materialidade erógena da voz que sustenta o seu dizer Insisto mas esse lugar de expectativa esse lugar de fazer silêncio emsi como uma intensificação voluntária ocorre e é possível Isso depende de muitos fatores Isso depende da formação que o analista teve da sua análise depende muito da sua supervisão e do seu exercício da maneira pela qual se dedica a trabalhar nesse estado de espírito com essa visão das coisas essa maneira de conceber a escuta do inconsciente O analista é propelido e desarmado Algumas vezes o analista é forçado propelido literalmente propelido forçado contra a sua vontade ou violentamente levado a ocupar esse lugar Nesse caso subitamente o analista se ouve dizer ao analisando uma palavra que vai além que ultrapassa o contexto do relato explícito do analisando Ou ainda ele experimenta uma percepção visual errática o que se poderia chamar de intuição visual Mas nesse caso A contratransferência e o lugar do analista 133 não é nítido o analista fica profundamente surpreendido Não é a surpresa da emergência de uma formação do inconsciente Não é a surpresa de um lapso É mais que uma surpresa Ele fica desarmado Logo ou ele tenta chegar a esse estado a esse ponto de mira de fazer silêncioemsi a esse ponto de mira paramóico ou ele é empurrado Tenho dois exemplos um caso em que o analista deve se forçar ou antes em que o analista deveria se forçar e outro caso extraído da literatura no qual Rilke descreve uma experiência que se impôs a ele uma experiência visual Exemplo clínico uma fantasia de gravidez num analista homem Tomemos o caso de um analista em supervisão que vem me ver para me falar de uma mãe que o consulta depois de um drama perdeu o seu filho alguns meses depois do nascimento pelo que se chama de morte súbita do lactente Essa mulher está em análise há três anos Naturalmente no seu discurso aparece várias vezes o problema da culpa Estamos num período do tratamento em que essa mulher deseja ter um segundo filho E ela tem dúvidas a esse respeito ter ou não um segundo filho Se tivesse outro filho esse segundo filho mataria uma segunda vez o filho já morto E se esse segundo filho nascesse não só mataria o filho morto mas ela própria também o mataria uma segunda vez O analista me relata uma sessão durante a qual ele lhe enunciou uma interpretação que ambos admitimos como sendo uma interpreta ção imprópria Era um erro Era uma interpretação imprópria que a paciente recusou ou diante da qual mostrou uma profunda indiferença Pensando na fantasia da paciente desejando ter um segundo filho que não deveria existir para não ter que apagar a lembrança do primeiro bebê morto do lactente morto o analista lhe disse que afinal o seu desejo diante dessa alternativa era querer ficar eterna mente grávida querer guardar uma criança no ventre não dála à luz não fazêla nascer Em supervisão o analista me diz Mas tenho a sensação de que isso não estava no lugar não correspondia de que a minha palavra deslizava E concluímos que essa interpretação era uma interpretação postiça Discutindo com o analista percebo que era postiça porque o analista não sabia Não sabia no sentido em que 134 Como trabalha um psicanalista não estava no ponto de mira paramóico Não sabia o que é para uma mulher ter um filho no ventre Naturalmente tratase de um analista homem Um analista homem pode saber o que sente uma mulher quando tem um filho no ventre É possível que ele sinta que saiba Não sei Direi que ele poderia saber se lhe ocorresse ao escutar a sua paciente talvez não necessariamente durante aquela sessão mas se lhe ocorresse fazer silêncioemsi e sentir o útero cheio de uma mulher sentilo não no seu corpo mas sentilo na cabeça nos olhos nos ouvidos como se fosse a cabeça que experimentasse psiquicamente a sensação corporal de estar grávida e ficar assim por toda a eternidade Digo é possível mas não é certo De qualquer forma eu lhe sugeri e trabalhamos isso juntos que se exercitasse treinasse tentasse posicionarse nesse lugar no qual poderia se esforçar para que a sua realidade psíquica trabalhasse até conseguir essa percepção visual sonora mental pouco importa daquilo que é a sensação física de uma mulher grávida Poderia ocorrer que se o analista homem chegasse a esse lugar não seria essa interpretação que ele teria feito Se me perguntarem que interpretação ele teria feito não sei Seria preciso para que eu pudesse responder que eu escutasse essa paciente tentando ficar nesse estado nas condições de que falei hoje Exemplo tirado da literatura uma percepção pouco comum Último exemplo significativo Não é um exemplo clínico mas penso que é muito belo e principalmente muito bem escrito Tratase de Rilke autor de que gosto muito Ele lembra nos Cadernos de Malte Laurids Brigge um diário que está em Paris passeia pelas ruas e descreve o que lhe acontece Fala de um rosto de modo formidável Há dois autores que falam do rosto como ninguém Rilke e Lévinas É extraordinária a maneira como falam disso A percepção do rosto é essencial quando vamos chamar um paciente na sala de espera O rosto nesse instante quando você chama um paciente na sala de espera a percepção desse rosto equivale a toda uma sessão Rilke diz que há rostos que se conservam e rostos que mudam Ele diz Também acontece que o cão use rostos Por que não Um rosto é um rosto E diz Outras pessoas mudam de rosto com uma A contratransferência e o lugar do analista 135 rapidez inquietante Experimentam uns depois dos outros e os gastam Parece que terão rostos para sempre porém mal chegam aos quarenta anos esse já é o último Essa descoberta comporta evidentemente a sua tragédia Eles não estão habituados a poupar os rostos O último já está gasto ao fim de oito dias esburacado em alguns lugares fino como papel E depois pouco a pouco aparece então o forro o nãorosto e eles saem com isso A cena de que desejo falar é a seguinte Mas a mulher tinha caído inteiramente sobre si mesma para a frente nas suas mãos Foi na esquina da rua Notre Dame des Champs Logo que a vi comecei a andar com cuidado Quando os pobres refletem não se deve perturbálos Talvez eles acabem encontrando o que procuram A rua Notre Dame des Champs estava vazia Esse vazio perturbava retirava os meus passos sob os meus pés e repercutia com eles estalava do outro lado da rua como tamancos A mulher se amedrontou aban donandose depressa demais violentamente demais de modo que seu rosto ficou nas duas mãos Eu podia ver a sua forma oca Custoume um esforço inaudito fixar essas mãos não olhar o que fora abandonado Tremi ao ver assim um rosto pelo seu interior E termina Mas tive ainda mais medo da cabeça nua esfolada sem rosto Não sei se observaram mas é extraordinário ver a percepção desse homem É preciso um esforço uma violência para perceber isso Ele não está louco É uma arte escrever como ele e principalmente acho que não se trata da arte de ter escrito nem do estilo para escrever mas da arte de ter percebido Eu diria que ele escreve assim porque é capaz de perceber assim Eis o exemplo do que é uma percepção na qual o analista seria empurrado conduzido propelido levado a perceber a tocar a receber a acolher a tratar o inconsciente e o Gozo do analisando É isso o que eu tinha a dizer hoje Respostas às perguntas Quando o sr diz que o analista deve se pôr no lugar do objeto isso não é um tanto imperativo demais É exatamente isso e é uma das minhas preocupações constantes Sempre que posso digo isso É a preocupação permanente de conhecer 136 Como trabalha um psicanalista os efeitos que pode ter aquilo que dizemos aqui não só no seminário mas até em toda fala relativamente pública E quando eu dizia que ao preparar este seminário tive muita dificuldade de encontrar a maneira mais apropriada mais certa para lhes transmitir minha dificuldade não era dizer o que tinha na cabeça mas de situarme no lugar do meu interlocutor para temperar os efeitos que essa fala poderia ter Isso é para que saibam que efetivamente tal era a minha preocupação Segunda observação acontece um fenômeno extraordinário de qualquer forma pode ser uma dificuldade quando queremos definir o mais exatamente possível o mais rigorosamente possível o lugar do analista não nos contentando como eu mesmo fiz em outros tempos com a teoria lacaniana Lacan disse mil vezes o analista deve ocupar o lugar do semblante do objeto a Eu próprio numa época em que nem sempre se ouvia isso dizia o mesmo Agora está claro superclaro mas nem sempre se sabe o que quer dizer estar no lugar do objeto a Minha preocupação hoje todo o desenvolvimento da contra transferência vai nesse sentido era precisar o mais rigorosamente possível em que consiste exatamente essa expressão situarse no lugar do objeto E acontece que pela preocupação pelo tom pelo impulso da minha explicação ou da minha posição pelo movimento da minha exposição acontece às vezes que haja um tom um tanto imperativo O analista deve situarse no lugar de Compreendo talvez a expressão não esteja muito adequada Mas por outro lado é difícil Como falar e ser ao mesmo tempo muito preciso Talvez seja uma elegância na exposição que ainda não tenho mas que acredito possível Se eu escrevesse este texto seria muito mais moderado Talvez eu não escrevesse ele deve Mas a sua intervenção é boa porque me permite precisar Aliás eu já tinha feito alusão a isso na última vez ao dizer Tenho coisas a dizer e as digo Graças a Deus nem todo mundo as ouve Os que as escutam são aqueles que já ouviram o que digo Quem escuta já ouviu o que eu digo Ouviu como Ouviu aproximativamente experimentou fragilmente ouviu fugazmente É algo aproximativo Aconteceu alguma coisa que fez com que a minha fala o nomeasse Afinal uma fala como a de um seminário é o fato de nomear o que já existe É uma enorme dificuldade É também por que não pronunciar a palavra uma enorme responsabilidade e ao mesmo tempo há uma profunda modéstia uma profunda humildade em fazêlo É uma mistura difícil um equilíbrio A contratransferência e o lugar do analista 137 difícil entre essas três coisas pois nomear faz existir o que já existia Foi por isso que na última vez eu disse continuo devo ir à frente Para os que ouvem mal talvez seja o momento Esperemos que eles consigam ouvir de outra forma E aqueles que ouvem bem é porque já ouviram o que é dito Aliás isso também ocorre com o analisando O analisando não está pronto para ouvir uma interpretação exceto se já ouviu o Outro dizendolhe O analista apenas materializa com sons e palavras o que o outro em silêncio sem saber já se tinha dito Eis o que posso dizer a respeito do tema da interpretação que será o do próximo seminário Vou tentar responder à outra pergunta referente a essa expressão que considero como a melhor uma intensificação voluntária de fazer silêncioemsi Nessa intensificação voluntária nessa instalação vo luntária forçada de situarse no ponto paramóico paranóico é como se o analista criasse esse estado como se forçasse esse mecanismo foraclusivo Não posso ir mais longe Falar de mecanismo foraclusivo implica que algo se produza pelo resultado de um desencadeador pois como dissemos a psicose e especialmente a foraclusão é apenas a resposta a um apelo Podese dizer que o analisando fala de tal modo que apela Mas aí seria espontâneo Creio que é o caso de Rilke Rilke anda pela rua Notre Dame des Champs em silêncio ouve um ruído e para ele o apelo é o fato de que a mulher abandonase violentamente É esse gesto de erguer levantar a cabeça que constitui o apelo que faz com que Rilke num instante perceba o que percebe O caso é diferente quando digo àquele analista em supervisão Faça um esforço para conceber para alucinar para perceber a sensação física de um útero grávido Aqui é como se disséssemos que forçávamos a constituição de uma realidade produzida por fora clusão Talvez seja a fala do analisando talvez seja uma fala nele que ele tenta compreender que o conduz eventualmente a essa posição Ao contrário um Supereu não deve ser constituído é preciso que seja uma advertência moderada A instalação nesse lugar só é possível raras vezes É muito difícil Para os analistas é necessária uma certa prática uma certa maturidade na experiência para conhecer e sentir essa maneira de tratar o inconsciente É a única maneira É a melhor maneira de falar de modo Supere góico Há um excelente texto que trabalhamos nos seminários restritos e que alguns colegas apresentaram É um texto de Annie Reich em 138 Como trabalha um psicanalista que ela faz toda uma revisão do conceito de contratransferência Veremos que retomando o conjunto dos textos dos analistas muitos deles falam e insistem nesse tipo de percepção que eles chamam de comunicação dos inconscientes empatia insight cada um dá um nome diferente Penso que todos esses termos conservam um lado anglosaxônico norteamericano que faz com que eles soem um pouco frios técnicos Não se vê o analista funcionar Quero dizer com isso que é uma experiência rara e difícil É preciso que ela advenha mas é necessário um exercício um treinamento uma prática Particularmente acho que é uma prática salutar da escuta dos pacientes ter que transformar as palavras dedicarse a transformar as falas pondose no estado que chamo de fazer silêncioemsi na falta de termo melhor Isso é a representação figurada do Gozo comum a ambos O Gozo é em bom lacaniano excentrado como todo objeto O objeto a é excentrado É exterior ao vínculo É para esse lugar que o analista deve ir a fim de poder interpretar e perceber Isso quer dizer que se o analista faz silêncioemsi cria o lugar do objeto Se o analisando diz ele cria o lugar do objeto E se o analista diz ouve escuta como definimos fazendo silêncioemsi ele constitui de maneira compartilhada o lugar de um objeto comum Até aí tudo bem O problema começa se o analista interpreta ou percebe como acabo de dizer interpreta e percebe o Gozo que é o seu próprio Gozo Isso quer dizer que seria necessário que ele fizesse um círculo que partisse do seu lugar e voltasse ao seu lugar De fato o analista escuta vê alucina e interpreta Temos pois um lugar comum produzido pelo dito do analisando e pelo fazer silên cioemsi do analista A interpretação é então um retorno do analista ao seu próprio lugar É algo profundamente único Esse estado de fazer silêncioemsi está mais próximo da psicose do que de toda referência de narcisismo secundário Estamos mais próximos do autoerotismo do que do narcisismo secundário A contratransferência e o lugar do analista 139 A interpretação VII A interpretação Hoje vamos continuar o nosso percurso a partir das hipóteses defen didas no meu seminário precedente a fim de abordar com mais precisão o problema da interpretação psicanalítica Digamos inicialmente que entre todas as modalidades de ação do psicanalista a interpretação é a única intervenção capaz de provocar uma mudança estrutural na vida do analisando e naturalmente na vida da própria relação analítica O que a interpretação não é A interpretação tal como a entendemos no prolongamento da con cepção lacaniana não se confunde com as intervenções do tipo observações ou precisões que o psicanalista pode dar ao paciente relativas ao procedimento psicanalítico ou ao quadro analítico Ela também não se confunde com as chamadas construções ou reconstru ções dos aspectos da história do analisando A interpretação não se confunde com as perguntas que o analista pode fazer ao analisando visando elucidar o material A interpretação de que falamos também não se confunde com os confrontos deduções conclusões tiradas pelo analista que mostram ao paciente as seqüências repetitivas da sua vida A interpretação também não se confunde continuo com a parada de uma sessão nem com a pontuação do relato do analisando e menos ainda com os jogos homofônicos das palavras ao contrário do que acreditam muitas pessoas Com efeito muitas pessoas pensam 140 que os lacanianos consideram a interpretação como um jogo homo fônico de palavras A interpretação psicanalítica não se confunde com nenhuma de todas essas intervenções verbais e mesmo nãoverbais e entretanto ela pode a rigor adotar a figura de qualquer uma dessas variantes Quero dizer que uma interpretação pode ser indiferentemente uma parada da sessão uma pontuação uma pergunta um esclarecimento Ela pode ser uma palavra qualquer uma ela pode ser um gesto do analista qualquer um porque o que importa para definir uma inter pretação não é a sua forma Definição da interpretação O que define uma interpretação não é a sua apresentação não é a função instrumental que ela cumpre não é o sentido que ela veicula O que define uma interpretação é a sua efetuação Quero dizer que ela se define pelas condições nas quais ela se produz no analista e os efeitos que ela gera no analisando Como ela se gerou e o que ela gera De que ela é o efeito e quais são os seus efeitos Visto sob esse ângulo o valor semântico quero dizer o sentido que ela veicula o valor expressivo a figura que ela adota e o valor instrumental o fim a atingir a esclarecer a explicar todos esses são valores importantes É verdade para muitos analistas Muitas correntes analíticas atuais se referem à idéia da interpretação do ponto de vista do sentido do ponto de vista da forma Esses valores a meu ver são menos importantes que o valor significante da interpretação O que quer dizer valor significante Isso quer dizer muita coisa mas antes de tudo que a interpretação só importa em uma análise como um elemento em uma estrutura à maneira de uma partícula atômica no seio de um sistema físico uma partícula destacada de uma con juntura de geração que tem uma trajetória que tem um ponto de impacto e que é capaz de provocar um efeito de mudança radical na consistência de uma rede A interpretação 141 A interpretação significante Vamos retomar a concepção de interpretação enquanto significante Essa concepção nós não a escolhemos Não escolhemos a teoria que nos convém Se ela nos convém é porque temos com a teoria um engajamento de ser e não um engajamento de pensamento A teoria da interpretação como elemento significante não só se confirma nas provas da prática cotidiana não só ela está em nós mas determina uma certa maneira de trabalhar com nossos pacientes e uma certa maneira de interpretar o que acontece com eles Vamos ver isso com um breve exemplo clínico que vou relatar daqui a pouco e nessa perspectiva gostaria de considerar três aspectos essenciais da interpretação três particularidades da interpretação sig nificante Como uma interpretação é gerada no analista Por meio de que mecanismo ela opera O que ela gera no analisando São esses os três temas os três capítulos que vamos abordar na segunda parte pois antes gostaria de propor um exemplo clínico precedido de algumas observações Não definimos a interpretação pelo seu conteúdo Não a definimos pela sua apresentação nem por sua função mas não é menos verdade que a interpretação como elemento significante reveste certos traços bem visíveis que lhe são característicos Esses traços são antes bons indicadores descritivos que deixam presumir que tal intervenção do analista tem todas as possibilidades mas nem assim é certo de ser uma interpretação São indicadores referentes ao aparecimento da interpretação no analista e ao momento de recepção pelo analisando Logo há dois tipos de traços os que marcam o aparecimento da interpretação no analista e os que marcam a acolhida a recepção pelo analisando Utilizo a palavra indicador para não induzir o malen tendido de pensar que esses traços definem a interpretação Eles não a definem repito eles apenas a caracterizam Para definir uma interpretação insisto mais uma vez temos apenas um único critério claro o de verificar de saber como ela foi produzida e que efeito ela acarretou Características de uma fala interpretativa Vejamos os indicadores do aparecimento da interpretação no analista Quando se dirá que uma palavra uma fala ou uma intervenção do analista tem uma ressonância de interpretação 142 Como trabalha um psicanalista Primeiro são enunciados curtos nunca longos sempre curtos com muito poucas palavras cinco seis dez palavras no máximo São enunciados bem delimitados São frases quase inteiras concretas que não comportam termos abstratos Mas mesmo sendo muito concretos em sua forma esses enunciados interpretativos comportam entretanto uma ambigüidade que suscita equívoco no analisando Esses enun ciados são desencadeados na maioria das vezes no analista e são provocados por um significante visível nas manifestações do paciente e outras vezes muito mais raras é o caso do meu próximo exemplo esses enunciados que chamamos de interpretação são pronunciados pelo analista sem conexão aparente com o material do analisando Às vezes podem ser provocados pelo que chamo de uma microhipótese isto é o analista tem uma ou duas hipóteses de bolso uma microhi pótese que ele trabalhou na supervisão que ele próprio trabalhou em relação ao paciente e munido dessas hipóteses ele está como que em estado de alerta de sensibilidade Voltaremos a esse ponto Vamos continuar a caracterizar esses enunciados Em geral eles não comportam pronome pessoal isto é não se diz eu Entre os presentes talvez haja alguns que como eu conheceram em certa época as experiências dos analistas kleinianos Eles utilizam muito o eu por exemplo para enunciar a interpretação Eu penso eu indico eu digo etc A interpretação de que falo não tem Eu é impessoal Esses enunciados não são precedidos por nenhuma intenção cal culada da parte do analista de provocar uma reação particular no paciente Pelo contrário são palavras ditas sem que o analista saiba Em um momento dado eu dei esta fórmula Quando o analista interpreta não sabe o que diz E acrescentei Ele pode não saber o que diz com a condição de que saiba o que faz São pois palavras que irrompem subitamente no analista que este pronuncia sem saber Ele é ultrapassado pelo seu enunciado e entretanto são palavras esperadas esperadas no contexto da seqüência da sessão no momento em que o analista fala e principalmente esperadas pelo próprio analisando Isso significa que o analisando já sabe inconscientemente o que o analista vai lhe interpretar Quero dizer que essas palavras são esperadas que elas operam onde são esperadas no momento em que são esperadas e porque são esperadas Esperadas por quem Pelo analisando Na verdade eu deveria dizer essas palavras pronunciadas pelo analista são esperadas por uma outra palavra recalcada no analisando A interpretação 143 Se quiséssemos resumir essas características em termos lacania nos diríamos simplesmente a interpretação é uma palavra de ordem de um dito pelo grande Outro esperada pelo grande Outro sendo o analista apenas o portavoz o veículo o embaixador Ela deixa o grande Outro passa pelo canal do analista e se dirige para o grande Outro São portanto palavras esperadas Como dizer a verdade às crianças Nunca existiria interpretação se aquilo que o analista diz já não estivesse dito pela metade como diria Lacan semidito pela metade sabido pela metade pelo analisando Este não é um exemplo de interpretação mas é algo muito próximo Tive uma situação em supervisão recentemente em que o terapeuta me falou do caso de uma mãe que proibira ao filho cum primentar visitar encontrar ver o avô isto é o pai de sua mãe o avô materno A mãe explicou ao terapeuta que ela proibira isso à criança porque o avô tivera uma relação sexual incestuosa com o primo da criança isto é o filho da irmã da mãe Então a mãe escandalizada disse à criança Você não pode ver o seu avô nunca mais nunca mais vai atravessar a rua para cumprimentálo nunca mais vai passar por ele nunca mais vai lhe telefonar e se ele te der bomdia você não vai responder O analista dessa mãe lhe disse Mas a sra explicou à criança por que lhe proibiu de ver o avô A paciente responde Não não expliquei nada não disse nada Mas por que não explicou Como é que vou dizer à criança a verdade dos fatos Então o terapeuta em supervisão me indagou Como se procede nesses casos A mãe me pede um conselho para abordar essa questão Como proceder Isso levanta uma questão geral de que Françoise Dolto falou muito É o problema de dizer simplesmente esta frase dizer a verdade às crianças É preciso dizer a verdade às crianças O problema não é dizer a verdade às crianças o problema é como dizer a verdade às crianças Sugeri então a esse terapeuta que considerasse quatro caracterís ticas da verdade ou quatro maneiras de dizer a verdade que afinal embora não se trate de uma ciência da análise nem de interpretação 144 Como trabalha um psicanalista estão próximas desta última Eis o que eu propus a ele e proponho aos presentes a verdade que deve ser dita a essa criança deve serlhe dita pela mãe se essa verdade é esperada pela criança isto é se a criança já sabe alguma coisa sobre isso Em outros termos para dizer a verdade a alguém é preciso que a verdade já lhe diga respeito efetivamente O que significa que já lhe diga respeito efetivamente Isso quer dizer que o sujeito conhece essa verdade e que ele faz parte do acontecimento de que se trata No caso dessa criança isso é duvidoso porque não se tratava dela mas de um primo e além disso de um primo afastado Certamente esse problema afetava não a criança mas a mãe Logo primeiramente a verdade só deve ser dita se for esperada Segunda característica já que sabemos que a verdade é por natureza semidita só existe a metade de uma verdade Já que a verdade por natureza é semidita tentemos transcrevêla dizêla igualmente com essa ambigüidade que lhe é essencial A verdade não pode ser dita por inteiro É preciso que ela seja dita com hesitação com reserva com moderação diante deste mito o que é o verdadeiro Em terceiro lugar a verdade deve ser não apenas semidita com a condição de que seja esperada pelo sujeito mas além disso é preciso que ela seja semidita em um certo momento em um certo contexto e com uma certa oportunidade Não é a mesma coisa se a mãe diz à criança essa verdade na rua em casa num contexto determinado A verdade deve ser dita em um lugar e em um momento preciso oportuno Em quarto lugar é preciso que essa verdade seja semidita dita a tempo quando é esperada mas além disso tentando dizer nós ou a gente Não é a mesma coisa se a mãe diz Quero te dizer uma coisa ou Escute o seu pai e eu nós conversamos e achamos que Esse não é um exemplo muito preciso em relação à interpre tação mas dá uma conotação do lugar da reserva da atitude do analista diante da interpretação Voltarei a esse ponto Termino esse episódio com o que eu disse ao terapeuta Afinal o problema era que a mãe cometera um erro ela proibira uma série de coisas ao filho ela o impedira por todos os meios de ver o avô sem ter falado antes ela própria daquilo que a afetava pessoalmente Ela poderia ter mil outras maneiras de fazer com que a criança sentisse o peso desse acontecimento incestuoso outras maneiras diferentes daquela que usou Poderemos voltar a esse exemplo posteriormente mas ele é colateral ao que tenho a dizerlhes nesta noite A interpretação 145 Como o analisando recebe a interpretação Voltemos aos indicadores não da emergência da intepretação no analista mas desta vez aos indicadores da recepção da acolhida da interpretação pelo analisando O sinal infalível do impacto da interpretação no analisando é sem dúvida o silêncio Nesse ponto a maioria dos práticos dos teóricos estão de acordo Um silêncio que marca a surpresa e algumas vezes como afirma Théodor Reik uma reviravolta um verdadeiro choque O termo choque é de Reik Um choque que expressa uma violenta repulsa diante do desconhecido misturado a um profundo prazer de encontrar o conhecido O desconhecido sendo essa palavra externa estranha inesperada que vem dizernos o que já sabíamos o mais conhecido e íntimo de nós mesmos A surpresa diante da interpretação não é a de encontrar o novo mas de reencontrar o antigo no novo A surpresa é reencontrar o antigo que já conhecíamos que nos pertence e que agora nos volta de fora num momento inesperado e através da via externa de um outro o analista Silêncio pois e depois reviravolta choque surpresa Freud detecta um outro efeito imediato da interpretação que tivemos a ocasião de discutir quando da primeira Jornada dos Módulos quando fizemos uma mesa redonda sobre os problemas de construções em análise É a convicção com a qual o analisando acolhe a palavra do analista É uma espécie de convicção cega que não significa aceitação Não é que ele esteja convencido porque aceita o sentido daquilo que o analista lhe diz mas é uma convicção uma espécie de reconhecimento em ato pelo analisando como se na fala e na voz do analista houvesse uma parte recalcada do analisando Essa certeza se traduz muitas vezes por uma frase pronunciada logo após o silêncio É uma expressão que Freud detecta no texto Construções em análise que se repete quase de modo idêntico na maioria dos pacientes que estão sob o impacto de uma interpretação Uma expres são como Nunca tinha pensado nisso Outras vezes essa convicção que Freud observa nos analisandos em conseqüência de uma inter pretação se traduz pelo advento de uma alucinação ou de uma visão muito nítida ultraclara diz ele São esses os indicadores de que queria lhes falar Insisto em que são indicadores eles não definem a interpretação Esses indicadores são o que mais se aproxima das características de uma interpretação 146 Como trabalha um psicanalista concebida como uma interpretação significante isto é como uma interpretaçãoelemento interpretaçãopartícula Exemplo clínico uma fantasia olfativa Vamos agora ao exemplo É um exemplo clínico muito curto Pensei que não seria possível fazer um seminário sobre a interpretação sem dar uma ilustração Ela é curta mas tem a vantagem de nos levar diretamente ao que interessa Tratase de uma mulher solteira mãe de um menino de seis anos enurético O problema com a criança era um dos motivos pelos quais ela procurou o analista As outras razões eram a sua decisão de casarse com um estrangeiro deixar a França dentro de um ano um ano e meio e partir para o país do marido Aceitei então analisála por um tempo limitado Aliás gostaria de dizer que essa perspectiva de limite temporal me interessa muito Muitas vezes pratico esse limite temporal com pacientes que fizeram outros tratamentos anteriormente Quando recebo esses pacientes digolhes Vou aceitálo claro mas com uma condição vamos terminar imperativamente de qualquer forma dentro de tal prazo em tal data daqui a tantos meses Em geral são sempre meses nunca é mais de um ano É uma prática que às vezes tenho Tenho razões para defendêla e justificála Essa não é uma questão que abordaremos hoje mas é bom que saibam que quando a paciente me disse Vou ter que deixar a França daqui a um ano um ano e meio isso me interessou A situação suscitava em mim o desejo de fazer essa experiência com esse imperativo de tempo A seqüência de que vamos falar ocorreu por ocasião de uma das últimas sessões e pouco tempo antes que a paciente partisse para o estrangeiro e se casasse Durante esse tempo sua mãe que morava no interior lhe fez uma visita de uma semana em Paris antes que ela partisse definitivamente E a paciente comentou a sua contrariedade de não poder afinal desfrutar a companhia de sua mãe pois não a suportava Foi assim que ela se expressou Minha mãe chega à minha casa e ao fim de algumas horas eu me irrito e acabamos brigando o tempo todo Depois ela vai embora decepcionada e eu fico penalizada e culpada Devo dizer ela termina com esta frase que não consigo suportála Instalouse então um curto silencio e logo sem saber por que e sem a menor hesitação como que guiado por uma pulsão A interpretação 147 cega eu lhe respondi com uma nota de compaixão na voz Não é ela que você não suporta é o cheiro dela Seguiuse um silêncio durante o qual eu vi a cabeça da paciente fazer um movimento lateral de oscilação sobre o travesseiro do divã da direita para a esquerda e inversamente Eu me senti como que desarmado surpreendido por ouvirme dizer essa frase Tive o senti mento de recuar de me afastar e esperar perguntandome se minha intervenção fora oportuna Não duvidava da verdade do conteúdo dessa fala em ligação com o odor duvidava de sua oportunidade Não esqueçamos uma verdade só é verdade em tempo oportuno Assim eu não duvidava da verdade do conteúdo mas duvidava da verdade da oportunidade Nesse momento ouvia dizer Não é possível É verdade totalmente verdade sempre soube disso mas não percebia não percebia e não conseguia dizer isso a mim mesma Mas como é que você sabe Devo declarar que eu disse isso sem pensar no que ia dizer nem por que ia dizêlo Como me acontece às vezes eu tinha a impressão de que não era eu mas algo em mim que falava Reconstrução no a posteriori Referindome ao conjunto da história da paciente posso perceber agora com vocês e para este seminário aquilo que teria provocado a minha interpretação Devo ter percebido de maneira inconsciente que a relação particularmente incestuosa com seu filho enurético era mantida entre outras coisas pelo cheiro de urina da calça do menino Ela própria fora enurética até os doze anos Devo ter deslocado inconscientemente o que sabia sobre o laço olfativo erótico com o filho para o laço com a sua própria mãe Agora posso seguir o fio subterrâneo que resultou na minha interpretação Por exemplo esse fio seria assim paciente enurética traços mnímicos do seu próprio prazer de sentir o seu cheiro de urina relação incestuosa com a enurese do filho fixação do sintoma da criança sintoma de que falamos muito durante o tratamento Último elo formação reativa de desgosto pelo cheiro da mãe da paciente e finalmente desgosto pelo desejo feminino pela sua mãe Como vemos reconstrui tudo isso para hoje Esse encadeamento parece muito correto ou pelo menos razoavelmente correto Mas notem bem que quando eu o comuniquei à paciente em voz alta não 148 Como trabalha um psicanalista tinha consciência de nenhuma operação lógica qualquer e tampouco nenhum pressuposto teórico Essa reconstrução eu a fiz agora com vocês ou antes hoje à tarde preparando este seminário Se de acordo com a lógica eu tivesse seguido o encadeamento desses significantes talvez insisto na palavra talvez eu chegasse às mesmas conclusões Mas então estou certo de que não teria interpretado ou pelo menos não teria interpretado como fiz aqui De qualquer forma mesmo que tivesse feito esse encadeamento mental e se tivesse seguido esse raciocínio não teria chegado a esse instante da seqüência pois uma dedução como essa não pode ocorrer nos poucos segundos durante os quais esse acontecimento essa seqüência esse processo psíquico se desenrola A fim de abordar agora a primeira pergunta como a interpre tação é gerada no analista eu desejaria debruçarme de novo sobre essa seqüência O que pode ter ocorrido em mim Primeiro como a paciente eu só encontrava em mim o silêncio Refirome ao silêncio a esse curto silêncio que se seguiu à palavra insuportável quando ela disse Devo dizer que ela me é insuportável Houve um curto silêncio depois disso Mas esse curto silêncio apareceu pelo menos no que me diz respeito sobre um fundo de outro estado o de silêncioemsi de que já falamos Depois desse silêncio ou nesse silêncio pausa Se puséssemos sob o microscópio esses poucos segundos o que veríamos então seria a pausa Produziuse uma espécie de expectativa como se algo fosse acontecer Escutando as suas palavras desenhouse em mim uma imagem uma cena entre as duas mulheres semelhantes uma jovem outra mais velha brigando Tive essa imagem naquele momento E depois nova pausa novo eco das suas palavras e outra representação visual se formou mas dessa vez era a imagem do rosto da paciente Devo dizer que a paciente é uma jovem mulher muito alta bonita Sentese a libido transbordar do seu rosto É um corpo grande e até um tanto exuberante Quando ela entrava no consultório sentiase que alguém ocupava preenchia o espaço Isso é importante porque um dia lhe fiz essa observação Falávamos do problema da sua relação com os homens e observeilhe que ela ocupava todo o lugar todo o espaço Ela me disse que não podia moderarse não podia limitarse havia algo que a ultrapassava e ao mesmo tempo ela sentia uma profunda fragilidade Mas não é disso que quero lhes falar O que me importa é dar pelo menos um certo fundamento ao fato de que tive essa imagem A interpretação 149 do seu rosto de um rosto importante Devo encontrar outras palavras Como se pode ver ela continua a operar em mim neste momento em relação à imagem do seu rosto Há um instante de confusão de eclipse de ausência de onde nasce uma voz essa voz que chamo de a voz do olhar que se faz ouvir sob a forma dessa outra voz a voz sonora aquela que se ouve agora quando eu falo Repito que naquele momento não pensava em nenhuma teoria psicanalítica Limitarame a dizer o que tinha falado em mim contra toda lógica e eu tinha razão Termino dizendo que não é habitual que um analista relate o trajeto que o levou a uma dada interpretação do material que se apresenta a ele durante uma sessão Isso é muito difícil Tive que fazer muito esforço para escrever para distinguir os diferentes mo mentos Até tive que reconstruir como estava no momento em que o reconstrui pois como já dissemos o paciente de que falamos não tem nada a ver com o paciente que está no divã Tentei fazer esse percurso como sabem alguns dos presentes com o texto Os olhos de Laura Tentei de novo esta noite mas evidentemente são sempre tentativas Tentativas mais ou menos bemsucedidas pois se trata de pegar rapidamente o momento fugidío da emergência no analista de uma palavra interpretativa isto é de um retorno do recalcado Acres cento que é bom que seja assim tão difícil porque isso nos obriga a teorizar a formalizar e a tentar compreender teoricamente o que é esse processo de geração Respostas às perguntas O sr diz o analista não sabe o que diz Tudo bem Mas poderia explicar o que quer dizer quando afirma que o analista sabe o que faz Como ele pode sabêlo Deve haver intuição nisso mas uma intuição inconsciente Sim o analista não sabe o que diz no momento da interpretação Se admitiram com o exemplo e do ponto de vista teórico ou pelo menos se me acompanharam nesse caminho de considerála como uma interpretação significante eu dizia ela parte do outro e chega ao Outro o grande Outro sendo o analista apenas um portavoz um 150 Como trabalha um psicanalista veículo um embaixador Por conseguinte essa palavra interpretati va é uma palavra que o atravessa e que ele diz sem saber o que diz isto é ele não tem a noção do alcance do lugar do destino dessa palavra Lacan tem uma frase impressionante que se encontra nos Cahiers pour lAnalyse no 1 em resposta aos estudantes de filosofia Os estudantes de filosofia lhe apresentam a questão da interpretação e ele diz Se compreendem os efeitos de uma interpretação então é certo que não é uma interpretação psicanalítica Lacan repetiu essa idéia em diferentes ocasiões mas de fato ali naquele texto é muito impressionante pela maneira com a qual ele a expressa Logo o analista não sabe o que diz Mas o fato de não saber o que diz não significa que ele não saiba em que posição ele se situa em que momento do tratamento se encontra a sessão na qual ele deve falar Lacan define o saber o que ele faz por saber o que domina no discurso Em outros termos saber o que domina nesse momento no laço analítico é saber em que posição se situa o analista Para Lacan havia quatro posições que todos conhecem a do mestre a universitária a histérica e a analítica Aqui ele teria dito o analista sabe o que faz isto é reconhece os movimentos as variantes os deslocamentos que se produzem na sua posição Voltaremos depois a esse ponto Só pode haver mudança de estrutura com a interpretação No início o sr disse o contrário Disse e afirmo penso que a interpretação enquanto significante como veremos muda a consistência da estrutura De qualquer forma é a hipótese que eu formulo e vou tentar se não demonstrar pelo menos aproximarme dela Como age a interpretação em um paciente cuja dimensão narcísica é tal que ele não a suporta não reconhece essa parte de desconhecido que lhe vem da parte do analista Podese substituir essa interpre tação por raciocínios por um encadeamento lógico ou por explica ções Isso levanta um problema muito particular Vamos tomar em consi deração os diferentes tipos de interpretação segundo os casos ou segundo os diferentes momentos de um mesmo tratamento Penso que A interpretação 151 não existe regra fixa para saber como funciona a intepretação em cada um dos pacientes ou em cada uma das estruturas dos pacientes embora haja abordagens feitas em certos momentos ou que podería mos fazer Quais são as atitudes do analista que se desenham em geral com pacientes fóbicos em posição subjetiva histérica em posição subjetiva obsessiva ou em posição subjetiva narcísica Porém mais do que responder a essa pergunta eu gostaria de extrair o essencial da interpretação e mostrar como digo com esse exemplo clínico como é gerada a interpretação no analista Não falei nesse caso do que foram os efeitos produzidos Aqueles de que falei são apenas os efeitos imediatos os indicadores imediatos da maneira pela qual a paciente recebeu a interpretação Isso eu disse Mas não falei dos outros efeitos Nunca conhecerei esses outros efeitos e não apenas porque a paciente foi embora Se ela tivesse continuado a análise eu teria podido reconhecer efetivamente outros momentos no tratamento ligados a esses momentos da interpretação Mas dizer exatamente o que são os efeitos dessa interpretação ou precisar exatamente onde houve uma mudança de consistência das estruturas é impossível detectar de modo preciso e exato Vamos passar agora ao processo de geração Quando vocês fazem a pergunta como é gerada a interpretação no analista há uma afirmação implícita nessa pergunta não se preocupem com a maneira pela qual se deve interpretar não procurem encontrar a boa interpre tação procurem antes o estado a posição na qual a interpretação é possível Se por ocasião deste ano de seminário sobre a técnica há uma idéia fundamental que eu desejaria transmitirlhes é a seguinte o jogo da técnica analítica se decide na posição que o analista ocupa no estado no qual ele se encontra quando age e não na maneira pela qual ele age Logo se quisermos interpretar é necessário encontrar o estado particular no qual uma interpretação se torna possível Encontrar esse estado é incomparavelmente mais importante do que chegar a fazer concretamente uma interpretação O problema da interpretação não reside tanto no que o analista diz na maneira pela qual o diz e no momento em que o diz embora tudo isso seja muito importante como caracterizei há pouco O essencial é o que nos faz interpretar o estado em que estamos quando uma interpretação emerge É isso o essencial 152 Como trabalha um psicanalista Que estado é esse Retomo as formulações do seminário precedente Eu disse formulei propus que havia um duplo deslocamento por parte do analista para a posição o ponto que chamei paramóico Podemos concebêlo de dois modos seja um deslocamento espacial em direção à posição paramóica seja uma mudança uma permutação de realidade isto é passar de uma realidade produzida por recalca mento à instalação numa realidade produzida por foraclusão Era esse o elemento fundamental E acrescentei que quando dessa instalação numa realidade produzida por foraclusão nesse momento o analista pertence momentaneamente ao inconsciente Pertence momentanea mente ao inconsciente para poder escutar o inconsciente e faz parte do Gozo para perceber o Gozo Eu disse ainda que esse estado a instalação nesse estado a permutação das duas realidades de uma realidade a outra podia ser obtido seja em resposta a um elemento da parte do analisando que provoque essa permutação seja pela intensificação voluntária por concentração voluntária do analista para chegar a isso Esse estado no qual ele interpreta creio que se pode caracterizálo como um estado de consciência muito particular pois por um lado há foraclusão isto é é uma expressão freudiana há abolição do recalcamento há uma cegueira um eclipse uma obscuridade tempo rária e correlativamente há uma passagem para um crescimento agudo sutil da consciência Eu diria assim o sistema percepçãoconsciência normalmente habitualmente dirigido para o exterior é anulado em benefício de um sistema percepção endopsíquica isto é voltado dirigido para o interior Logo estado de consciência aguda e ao mesmo tempo obscuridade É então nesse estado que se produzem cinco efeitos Há um estado de consciência um estado das estruturas um estado libidinal um estado de percepção escópica um estado invocante Repito para que compreendam bem o estado no qual uma inter pretação é possível que caracterizamos pelo silêncioemsi poderia ser decomposto segundo as seguintes etapas um estado de consciência aguda e ao mesmo tempo estado obscuro um estado das estruturas um estado libidinal um estado de percepção escópica visual um estado invocante A interpretação 153 O estado das estruturas significa que houve essa modificação da consistência da realidade que houve um deslocamento do significante que assegura essa consistência Esse significante que assegura essa consistência é o significante S1 na teoria lacaniana É como se o significante S1 nesse estado se tivesse liberado deslocado livremente O estado do gozar libidinal nesse momento há uma convergência do campo libidinal do analista com o campo libidinal do analisando E é S1 o significante que assegura a consistência da realidade As lamelas libidinais de ambos os parceiros suas lamelas seus pseudó podes libidinais se alinham e se cruzam Efetivamente estou dizendo que se produz então o objeto a Uma precisão utilizo a distinção analistaanalisando como se houvesse dois parceiros ao passo que como é a minha posição há um só inconsciente o inconsciente eventual engajado no tratamento Mas fiz essa distinção por necessi dade da demonstração Há um estado de percepção escópica visual É nessas condições de cruzamento dos campos libidinais que é possível para o analista perceber o Gozo O analista percebe as emissões as emanações as lamelas libidinais quando elas se unem concordam expandemse convergem e produzem o objeto E é nesse momento nesse estado dos campos libidinais de ambos os parceiros em acordo que o analista ouve essa voz a voz do olhar analítico a voz como diz Lacan falando da paranóia a voz que sonoriza o olhar É então finalmente que ela se traduz em interpretação isto é em sons palavras ouvidas que sonorizam as palavras expressas pela voz do olhar Por que mecanismos a interpretação age A interpretação enquanto significante opera por intrusão intromissão A interpretação tem um ponto de impacto Ela se refere a um local preciso que é o lugar desse significante S1 que assegura a consistência da realidade A interpretação se introduz no conjunto dos significantes da realidade ocupando o lugar de S1 Ela desaloja o antigo significante que se encontrava ali e determina então uma nova consistência da realidade Ela provoca por um desalojamento e pelo fato de ir ocupar esse lugar uma permutação de realidade Estou dizendo que com a interpretação o analista provoca no analisando a mesma permutação de realidade que ele próprio sofreu para poder dizêla E chegamos à seguinte conclusão o que a inter pretação gera no analisando Respondo o que a interpretação gera 154 Como trabalha um psicanalista no analisando é a instituição nele do mesmo estado das mesmas condições que aquelas que geraram a interpretação no analista Não hesitarei em afirmar que interpretar um analisando equivale definitivamente a tentar transmitirlhe a nossa própria capacidade de interpretar ou melhor a tentar ensinarlhe a encontrar em si o silêncio o silêncio necessário para que uma fala tão pertinente quanto uma interpretação tenha uma chance de sucesso Vemos por que toda análise é uma análise didática e por que Lacan considerava a princípio e em tese que um tratamento analítico terminado deveria produzir um analista que praticasse ou não esse trabalho Se mudarmos os termos proporemos isto o que gera uma inter pretação no analisando Ela ensina o analisando a abolir o recalca mento a exercerse em suprimir a ação do recalcamento E como acontece com o analista ela lhe ensina a exercerse no exercício de permutar de realidade de passar de uma realidade produzida por recalcamento para uma realidade produzida por foraclusão Através da interpretação tal como a concebemos participamos do treinamento do analisando para saber trocar permutar de realidade psíquica deslocar seu ponto de consistência e instalarse também ele no ponto paramóico de que falamos na última vez Em resumo ela permite ensinarlhe sem nos darmos conta sem nenhuma finalidade didática a exercitarse em deixar uma realidade e a instalarse em outra Enfim ela permite ensinarlhe a aceitar permutar várias vezes de nível de realidade psíquica Cada permutação implica uma abolição do recal camento e por conseguinte um superinvestimento da consciência como consciência aguda Teria muitas outras coisas a dizer mas prefiro parar e esperar suas intervenções e perguntas seja sobre o exemplo clínico seja sobre o que acabei de dizer A expressão fazer silêncioemsi não é uma expressão lacaniana por que o sr inventa um novo termo Eu temia uma pergunta como essa mas só temos as perguntas que nosso inconsciente merece e isso me parece bom porque me permite esclarecer o meu ponto de vista Como sabem na outra noite alguém destacou a questão do problema do supereu É uma corda bamba É muito difícil poder estar muito próximo de uma fidelidade a si mesmo ao código à teoria da nossa comunidade e estar muito perto de uma fidelidade à própria experiência Existem aí os três supereu Cada um tem os seus Eis os A interpretação 155 três Supereus minha própria fidelidade a mim mesmo à minha teoria e à teoria que é a nossa cada um a seu modo a faz sua e à prova da prática Quando preparamos um seminário quando escrevemos um texto estamos constantemente submetidos a essas pressões muito fortes E cada passo novo na língua ponto de mira paramóico formação do objeto a silêncioemsi um único inconsciente o inconsciente eventual o inconsciente igual à transferência etc é um passo que se dá principalmente porque é preciso dálo Por exemplo há alguns textos que puderam ser abordados sobre a questão da formação do objeto a mas esses novos passos na língua ainda não estão fundados como conceitos teóricos que passaram pela prova do tempo Acontece a mesma coisa com a expressão silêncioemsi Lacan não usava a expressão silêncioemsi é verdade Mas dizia fazer calar em si o diálogo o discurso intermediário Usava outra expressão Naturalmente se eu tivesse ao meu lado um lacaniano ele diria Mas isso não tem nada a ver com o silêncioemsi Concordo embora o texto da Direção do tratamento tenha sido escrito em plena época heideggeriana de Lacan Logo não creio que esteja tão afastado da expressão fazer silêncioemsi Mas é verdade que a partir do momento em que se diz fazer silêncioemsi abrese o vasto campo de todas as conotações dessa expressão e efetivamente não me deixo enganar sei que existe mais ou menos o equivalente em diferentes domínios domínios religiosos domínios orientais etc É como a palavra significante Para Lacan a palavra significante não tem nada a ver com o seu sentido na lingüística Entretanto Lacan lançou essa expressão Ele a utilizou a fez sua e hoje ela é nossa A expressão silêncioemsi é até agora a melhor maneira que encontrei para dizer ou descrever o fato de que o analista se solta se desembaraça durante um momento durante uma etapa na sessão do seu trabalho e talvez também em outros momentos desse diálogo interior dessas coações do Eu desses componentes constitutivos do Eu desse espaço desses ideais do tempo das imagens É claro que ninguém se libera inteiramente mas quero dizer que esse silêncio emsi é um estado preparatório um estado de geração possível de uma palavra pertinente Compreendo e agradeçolhe a pergunta porque isso me permite justamente separarme de qualquer outra interpretação mas conser vando a expressão que até agora é a que me convém 156 Como trabalha um psicanalista Pode haver uma interpretação que não seja enunciada pela voz Sim podem existir interpretações que não são enunciadas pela voz Toda interpretação deve ter sua fonte no analista Respondo sem hesitar que sim É o que marca aliás a assimetria do laço analítico A interpretação é uma interpretação da transferência Considerar a idéia de que a interpretação é uma interpretação sobre ou da transferência ou uma interpretação que tem por objeto a transferência está de acordo com os autores kleinianos Eles a têm muito em conta pois para eles e particularmente para Strachey no seu célebre texto sobre a interpretação mutante a transferência é o objeto ao qual se refere a interpretação Strachey escreveu dois textos duas versões do mesmo texto que intitulou Efeitos e natureza da ação terapêutica da análise cuja primeira versão não fala da interpretação que se refere à transferência enquanto na segunda efetivamente ele apresenta o fato de que a interpretação mutante é uma interpretação que tem por objeto a transferência Logo com Mélanie Klein e esses textos de Strachey toda a Escola inglesa e muitas correntes depois vão defender a idéia hoje consa grada de que a interpretação se refere à transferência Seria preciso um seminário inteiro para falar disso Mas o ponto a que desejo chegar é que pareceme importante e de qualquer forma está implícito na minha maneira de abordar a interpretação nesta noite considerar que a interpretação não é uma interpretação sobre a transferência mas uma atualização da transferência A interpretação é a expressão mais pura mais direta mais imediata mais nua do fato de que efetivamente há um laço transferencial Essa é uma primeira obser vação A segunda é que é verdade que se pode usar a palavra interpre tação em diferentes sentidos e de certa forma abrila a tal ponto que chega um momento em que não se sabe mais o que é uma interpretação Também acontece que se possa acreditar por exemplo que é o analisando que faz uma intepretação Devemos nos entender Eu diria que cada vez que um analisando sonha faz uma interpretação Um sonho é uma interpretação do desejo É por isso que Lacan dizia O desejo é a sua interpretação já que A interpretação 157 efetivamente o desejo se expressa através de um sonho se realiza através de um sonho o sonho é a interpretação do desejo Logo cada vez que o analisando faz uma formação do incons ciente deixa vir a si uma formação do inconsciente um derivado do inconsciente existe então uma interpretação Mas quando falo de interpretação hoje é outra coisa Doulhe uma dignidade maior uma altura mais importante Creio que a interpretação a ação de interpretar o fato de que o analista seja o portavoz da interpretação é o que o distingue essencialmente do analisando Se existem coisas que marcam a assimetria entre o analista e o analisando uma das mais importantes é certamente a interpretação Logo prefiro reservar a palavra interpretação para toda intervenção do analista que seja gerada de certa maneira nele e que seja capaz de provocar no analisando as mesmas condições que a geraram no analista Desse ponto de vista permaneço em uma especificidade maior em relação ao termo interpretação referindoo ao analista Quais são os efeitos da interpretação do analista no analisando Se o analisando chega a produzir formações do inconsciente eu diria que são os melhores efeitos que uma interpretação do analista possa provocar Isso é certo Mas eu não chamaria isso de interpretação Essa talvez seja uma questão de terminologia Mas em contrapartida aproveito a ocasião para falar do fim do tratamento Talvez seja necessário pensar nos efeitos mediatos da interpretação Como a interpretação ao longo de um processo de tratamento conduz não apenas a uma mudança de estrutura não apenas a ensinar ao analisando como eu dizia a transmitirlhe uma certa flexibilidade para poder permutar de realidade mas ainda o fato de permutar de realidade conduz o analisando a terminar o seu tratamento Essa é outra questão que ainda não abordei 158 Como trabalha um psicanalista A cura VIII A cura Apesar de tudo a cura sempre tem um caráter de benefício bienfait por acréscimo como afirmei para escândalo de alguns mas o mecanismo da análise não é orientado para a cura como finalidade Não digo nada que Freud já não tenha formulado poderosamente toda inflexão em direção à cura como finalidade fazendo da análise um meio puro e simples para um fim preciso dá algo que estaria ligado ao meio mais curto e que só pode falsear a análise A psicanálise foi desde o início um processo terapêutico e nunca deixou de sêlo A afirmação de Freud em 1932 em Novas confe rências introdutórias sobre psicanálise segundo a qual a psicanálise é a mais poderosa de todas as terapias1 em minha opinião ainda é válida em 1991 É inegável que a análise produz efeitos curativos Ou seja a análise produz efeitos de diminuição e até de desapareci mento do sofrimento do paciente São efeitos que se produzem em momentos vários do tratamento às vezes depressa demais desde as primeiras entrevistas às vezes tardiamente bem depois do término do tratamento e enfim raramente pelo menos na minha experiência por ocasião das últimas sessões Assim devo admitir imediatamente que tais efeitos existem e são um dos resultados maiores que possamos esperar de uma análise Até acrescento creio firmemente que todo analista quaisquer que sejam sua formação e sua orientação tem uma responsabilidade quase um dever ao qual não se pode subtrair isto é esperar digo esperar uma melhora nas posições subjetivas e objetivas do seu analisando 159 JD Nasio La guérison un point de vue lacanien in Esquisses Psychanalytiques no15 primavera de 1991 p17988 J Lacan intervenção na sessão de 5 de fevereiro de 1952 da Sociedade Francesa de Psicanálise Le rendezvous avec le psychanalyste in La Psychanalyse no4 Les psychoses PUF 1958 p309 Entretanto embora o alcance terapêutico da análise nos pareça incontestável não podemos dizer que a cura assim compreendida como diminuição ou desaparecimento do sofrimento ligado aos sin tomas seja um conceito psicanalítico Também não podemos dizer que ela seja um objetivo para o qual o tratamento deva tender nem um critério que nos permita avaliar os seus progressos como aconteceu muito no passado Em Londres por exemplo por volta de 1930 Edward Glover2 perguntava quais eram os critérios por meio dos quais o analista media estimava avaliava os progressos da análise Alguns diziam O estado desses pacientes melhorou o desse outro se agravou outro ainda ficou curado nesse ou naquele momento do tratamento Quanto a mim penso que não podemos fazer da cura nem um conceito nem um objetivo nem um critério o que equivale a não ceder diante da influência do modelo médico que tende a hipostasiar essa cura a lhe dar um estatuto a elevála à dignidade de um conceito No que se refere a nós na medida em que não pretendemos formalizar os efeitos terapêuticos da análise a cura não suscita maior dificuldade As dificuldades começam quando a palavra cura que tem um encanto particular uma força uma espécie de atração até na sua sonoridade se impõe ao analista e exige deste que faça a sua teoria O que logo salta aos olhos é que não existe conceito psicana lítico de cura e que esta não pode ser uma finalidade que o analista deva perseguir na sua prática como acontece na medicina Veremos por quê Mas o que é então a cura A cura é um valor imaginário uma opinião um preconceito um préconceito assim como o são a natureza a felicidade ou a justiça Com meus próprios termos qua lificarei a cura como idéia infecunda ou mais exatamente como automatismo mental infecundo Mas esse préconceito esse automa tismo imaginário apesar de tudo tem efeitos positivos e negativos no campo psicanalítico Efeitos positivos que se revelam no analisando e efeitos negativos que se manifestam principalmente no analista Vamos examinar primeiro os efeitos positivos A cura no analisando É certo que a idéia de cura o préconceito da cura considerada como eliminação do sofrimento ligado aos sintomas está no centro da 160 Como trabalha um psicanalista decisão de um paciente de consultar um psicanalista e da demanda de solicitarlhe que seja desembaraçado do seu sofrimento Como diz Lacan a cura é uma demanda que parte da voz do sofredor de alguém que sofre por seu próprio corpo ou por seu pensamento3 Efetivamente a cura é antes de tudo uma demanda de quem consulta Mas essa demanda se alimenta de uma falsa imagem da cura Ela está fundada sobre um malentendido básico radical Por que malentendido Simplesmente porque o sofredor pede a cura a alguém o psicanalista aos olhos de quem a cura está longe de ter o valor de um ideal em si a alguém que tende naturalmente a reservar a sua resposta quanto a esse pedido a alguém que não oferece a cura Entretanto mesmo inteiramente implicada nesse malentendido essa demanda de cura é um fator indispensável ao início do processo analítico Para começar uma análise e manter o esforço que o em preendimento analítico exige é preciso que o consulente se queixe dos seus sintomas e aspire à cura Por que Porque essa demanda de cura que é um misto de queixas e expectativas demanda que nem sempre é formulada de modo explícito e que o analista nem sempre sabe colocar para trabalhar essa demanda já está carregada de trans ferência Ela é o primum movens da análise O simples fato de que um consulente esteja diante de um analista constitui a prova em ato da sua aspiração e da sua expectativa de ser curado ou melhor como dizia Freud em seus primeiros textos da sua expectativa crente O consulente demanda e ao fazer isso ele crê Crê no poder curativo e transformador que atribui ao procedimento da análise assim como crê nos poderes da ciência do saber e do desejo do analista4 Como podemos ver esse é um primeiro passo em direção ao que se con vencionou chamar na terminologia lacaniana de sujeito suposto saber5 A retificação subjetiva Logo o paciente demanda e crê Quando eu dizia que o terapeuta nem sempre sabia por para trabalhar a demanda do paciente queria introduzir a idéia que reencontramos aqui de um trabalho inicial de limpeza da demanda É o que chamamos com Lacan de retifi cação subjetiva6 O que significa essa fórmula A retificação subjetiva traduz a necessidade de modificar a relação do consulente com a demanda A cura 161 Freud não utiliza essa expressão que aliás Lacan tirou de Ida Macal pine Ele encontrou em um dos seus textos sobre a transferência a idéia de retificação à qual ele acrescentou subjetiva Se Freud não emprega exatamente essas palavras não deixou de ter a intuição do seu significado Quero citálo porque é sempre interessante reen contrar nele a marca original de enunciados muito atuais A partir do momento em que os médicos reconheceram claramente a importância do estado psíquico na cura tiveram a idéia de não deixar mais ao doente o cuidado de decidir o grau da sua disponibilidade psíquica mas pelo contrário arrancarlhe deliberadamente o estado psíquico favorável graças a meios apropriados É com essa tentativa que se inicia o tratamento psíquico moderno8 Notese a força dos termos freudianos arrancar ao paciente Na minha opinião é o que Lacan entende com a fórmula retificação subjetiva e que também eu retomo Eu me explico Quando o paciente nas primeiras entrevistas em geral na primeira expõe o seu sofrimento o faz muitas vezes de maneira alusiva Sintome mal comigo mesmo Estou deprimido Não estou bem Estou agres sivo etc Ora depende de nossa maneira de escutálo de nossa maneira de intervir ou de fazer perguntas para que ele comece a perceber um outro modo de viver o seu sofrimento uma outra maneira de manifestar a sua demanda de cura e para que se inicie de outra forma mais vigorosamente a transferência futura Sempre insisto com os terapeutas em supervisão na necessidade de definir o melhor possível já nas primeiras entrevistas os lugares de sofrimento Insisto na obrigação de localizar corporalmente a dor isso mesmo corporalmente e principalmente de fazer surgir outro tipo de queixa diferente da inicial em geral demasiado elaborada conscientemente pelo analisando antes de vir consultarnos Esse outro tipo de queixa se manifesta em mim evidentemente mas também apesar de mim contra mim sem que eu saiba Por exemplo é mais importante na minha opinião ouvir um sujeito falar do seu choro e até de suas lágrimas sem motivo dos rituais que acompanham os seus momentos de tristeza do que ouvilo falar da sua fadiga Vou tentar ser um pouco mais preciso Há pacientes que vêm pela primeira vez dizendo que estão cansados que ora estão bem ora não estão bem e se alongam sobre o seu estado de depressão Nesse caso há uma pergunta que eu não hesito em fazer Você às vezes chora Em geral eles respondem que sim Eu lhes pergunto 162 Como trabalha um psicanalista imediatamente Sozinho ou com outras pessoas na presença de alguém em especial Muitas vezes eles respondem Sozinho Acrescento Em que lugar da casa Um bom número deles me respondem No banheiro Eu lhes direi por que com ajuda de outros exemplos Vamos escutar por exemplo uma anoréxica É mais importante estimulála a falar das circunstâncias nas quais ela está sujeita à impulsão incontrolável de provocar vômito do que ouvila falar da sua história conflituosa com a mãe Quero dizer que por ocasião das primeiras entrevistas com as nossas intervenções e perguntas temos que introduzir de certa forma um canto na relação do sujeito com a sua demanda para permitirlhe retificar a sua posição subjetiva em relação ao seu sofrimento para modificar a maneira que ele tem de interpretar o seu sofrimento experimentálo e vivêlo Principalmente desejo expressar aqui a importância para um psicanalista de estar pronto com esse tipo de pacientes e com os pacientes em geral neuróticos em geral a não se contentar com a história familiar nem com alusões a estados vagos e incertos Nesse caso é o Eu que fala Em contrapartida partam à procura do sujeito do inconsciente Partam à procura de todos os atos sintomáticos nos quais o sujeito é ultrapassado pelo seu ato Mesmo que se trate de pacientes que não esperam nada de ninguém resta uma chance por tênue que seja de poder suscitar uma surpresa Em suma fazer trabalhar a demanda do sofredor isto é proceder à retificação da sua posição subjetiva em relação à sua demanda consiste em uma colocação em palavras dos momentos e experiências nos quais o paciente é ultrapassado pelo seu ato É necessário para fazer tal retificação saber tantos detalhes Por que não se contentar com o que se apresenta nas evocações do paciente O ganho não se refere em nada nem ao saber nem à informação Para o analista não se trata de uma manifestação do desejo de saber e ainda menos de um interrogatório policial Muitos analistas não fazem perguntas porque aprendemos eis um exemplo de automatismo mental infecundo que durante a primeira entre vista convém não fazêlas Alguns analistas especialmente anglosa xônicos defenderam e ainda defendem que o analista não deve fazer perguntas nem falar mesmo por ocasião das primeiras entrevistas Alguns até dizem que o analista não deve absolutamente intervir durante os três ou quatro primeiros meses do tratamento Minha A cura 163 posição não é essa Poderiam dizer que eu quero precipitar as coisas andar mais rápido segundo o meu estilo que talvez seja peculiar mas não é isso que determina a freqüência das minhas intervenções Em geral não intervenho muito e o paciente não fica ouvindo a minha voz o tempo todo O que é importante para mim é aproveitar a oportunidade de acentuar as linhas de fenda que são apenas vislum bradas no relado da demanda inicial Dar lugar ao semblante Com que finalidade intervir junto ao analisando Não é para me informar mas porque procedendo assim efetuando essa retificação subjetiva seguese um fenômeno curioso manifestações sintomáticas pontuais e bem delimitadas que ficariam de fora se não fizéssemos perguntas são trazidas para o interior do campo da análise E com isso começa pouco a pouco a instaurarse a estabelecerse uma conexão de natureza transferencial entre esses sintomas e nós ana listas até que façamos parte do sintoma Esse gênero de conexão é o índice maior da transferência A transferência supõe que comecemos pouco a pouco a interferir a nos introduzir no sofrimento do outro Só poderemos fazêlo se entrarmos na cena no roteiro nos detalhes na pontuação do discurso É o que Lacan chama de semblante isto é aquilo que desencadeia abre modula o discurso do analista o que institui e inaugura verda deiramente o discurso analítico Assim a demanda de cura feita no início da análise é substituída lenta e progressivamente por manifes tações transferenciais Freud diz Essa relação que por brevidade se chama transferência logo toma o lugar no paciente do desejo de cura 9 De fato pouco a pouco o paciente instala um amor de transferência que no início se traduz por um clima muito positivo cheio de cordialidade em que a relação com o psicanalista é excelente Tudo vai extraordinariamente bem O sujeito vem às sessões com muito entusiasmo e interesse Conta os seus sonhos fala do seu passado das vicissitudes do seu destino E chega a outro patamar que chamo de seqüência dolorosa da transferência Assim demanda de cura amor de transferência seqüência dolo rosa da transferência representam o encadeamento das etapas que fazem com que progressivamente o interesse inicial que o sujeito 164 Como trabalha um psicanalista tinha pelo tratamento e pela cura seja esquecido Verifiquem por si mesmos reflitam escutem os seus pacientes Verão que aqueles que estão no divã há um ano um ano e meio já não estão mais à espera tão particular da cura como estavam no começo A situação mudou Não estão mais na mesma posição subjetiva A ambivalência do desejo de cura Como a demanda de cura se transformou em transferência mais exatamente em neurose de transferência em doença da transferência A característica essencial da transferência é como sabemos o fato de ser a reprodução de um novo estado neurótico Como aquele que quer se curar aceita entrar nesse estado doentio mórbido em certos aspectos que nós chamamos de transferência Vejo que escolheram deliberadamente termos enfatizados para expressar bem que tais relações transferenciais doentias e mórbidas estão sempre presentes nas pessoas com as quais trabalhamos Não devemos ter medo de pensar e dizer isso porque ao não dissimularmos essa faceta da nossa prática podemos proceder de maneira mais correta e de qualquer forma menos falsa Repito a pergunta de vocês como alguém que quer se curar se empenha numa relação psicanalítica portadora de uma nova doença É porque aquele mesmo que quer se curar também quer não se curar Não só não quer curarse mas também procura instaurar condições favoráveis à manutenção da sua doença A demanda de cura é pois equívoca por um lado ela não existe sem a força de acreditar na análise ou naquilo que pode resultar dela mesmo que essa expectativa permaneça indeterminada força que qualificaremos de positiva Mas a demanda de cura encerra por outro lado o desejo de não curarse e conseqüentemente de não se separar dos seus sintomas e continuar refugiandose na doença Duas citações de Freud confirmam isso Primeiro Temos cons tatado que os sintomas mórbidos são uma parte da atividade amorosa do indivíduo ou mesmo a sua vida amorosa inteira10 Esse ponto de vista freudiano parece essencial pois torna equivalentes sintomas neuróticos e maneira de amar Sofrer nos e pelos seus sintomas é um modo de amar e em primeiro lugar de amar os seus sintomas Todos conhecem a famosa observação de Freud em um de seus manuscritos dirigido a Fliess em que ele trata das psicoses Esses doentes amam A cura 165 o seu delírio como se amam a si mesmos11 Essa citação pode aplicarse igualmente aos sintomas neuróticos e aos sintomas mórbidos que são pois uma parte importante da atividade amorosa de um indivíduo E Freud acrescenta a essa primeira citação as próprias pulsões sexuais não querem de modo algum renunciar à satisfação que lhes dá o substituto fabricado pela doença12 Por substituto devemos entender o sintoma Quando alguém ama o seu sofrimento quando não deseja curarse é incurável A menos que a terapêutica aja por via indireta Ou seja na medida em que o desejo de não curarse é um obstáculo muito importante e muito forte é impossível tomálo pela frente num tratamento em um trabalho de análise o único meio que temos de contornar esse obstáculo é optar por uma via indireta Qual é essa via indireta Justamente a criação de uma nova neurose a neurose de transferência destinada a responder em primeira ins tância ao desejo de doença do analisando a fim de chegar num segundo tempo a libertálo desse desejo A relação do psicanalista com a cura Voltemos ao nosso ponto de partida e abordemos agora a relação do analista com a cura Dissemos que a cura não é nem um conceito psicanalítico nem um fim em si para o psicanalista Mas não justifi camos essa proposição Devemos pois dar um passo a mais e explicar por que a idéia de cura não é um conceito Para que exista um conceito para que um termo tenha acesso a essa dignidade uma condição mínima é requerida que esse termo se integre de modo rigoroso e lógico no conjunto dos conceitos de um corpus teórico Esse é um critério simples robusto e muito correto Depois o termo cura a própria idéia de cura o préconceito de cura entra em nítida contra dição com a concepção psicanalítica que temos da neurose e mais particularmente com o conceito de sofrimento Digamos esquema ticamente que dois tipos de sofrimento habitam o neurótico o que é vivido sob a forma do sintoma e um outro sofrimento nãovivido inconsciente invisível imperceptível que os sintomas tentam con temporizar no limite da resolução e até da cura Os sintomas são a 166 Como trabalha um psicanalista expressão de uma tentativa de autocura do Eu Uma tentativa inábil sem dúvida ineficaz do Eu mas assim mesmo uma tentativa inscrita no mesmo fio de uma resolução do intolerável sofrimento inconsciente Se caímos doentes de neurose se temos medos dores corporais acessos de cólera inesperados imprevistos súbitos se somos assal tados por esta ou aquela figura do espectro dos sintomas ditos neuróticos devemos saber que eles são a expressão de uma luta no interior do Eu de uma luta invisível empreendida pelo Eu que tenta tornar mais tolerável uma dor inconsciente Os sintomas são pois a expressão de uma batalha Constituem a parte visível de um combate inconsciente do Eu contra um sofrimento inconsciente intolerável para o Eu e visam tornálo mais aceitável Isso explica em parte a frase de Freud citada acima a respeito do neurótico que ama seus sintomas como a si mesmo Ama os seus sintomas porque eles são a expressão de uma defesa da tentativa de resolver uma dor penosa e inconsciente Nossa concepção psicanalítica dos sintomas é pois por assim dizer uma concepção positiva eles exprimem um movimento positivo do Eu para desembaraçarse de um sofrimento intolerável Logo ao contrário do médico que quer suprimir o sintoma nós vamos nos servir dele como de uma via de entrada indireta a fim de trabalhar para dissipar a dor penosa e inconsciente Evidentemente essa tentativa indireta através do sintoma não corresponde a um procedimento estratégico nem segue um projeto definido e preciso Compreendemos agora por que não podemos fazer nossa e integrar à nossa teoria a idéia de cura como eliminação dos sintomas Querer eliminar os sintomas seria como querer fazer com que os sonhos desaparecessem com que as vozes do inconsciente se calassem13 A cura não é nem um conceito nem um alvo Assim como não é um conceito a cura também não é um alvo Isso é verdade mesmo que a concebamos como uma mudança uma modificação estrutural do psiquismo ou ainda segundo Freud como uma reorganização do Eu Efetivamente Freud fala de ampliação do Eu e define a cura como a produção de um ser psíquico novo Mesmo assim concebida a cura continua sendo uma idéia um ideal vago afinal nocivo à análise e ao psicanalista A cura 167 Escutemos ainda duas frases de Freud sobre o lugar que a cura ocupa no espírito do terapeuta Em 1927 ele escreve o doente não tem grande vantagem em que para o médico o interesse tera pêutico seja de predominância afetiva O melhor para ele é que o médico trabalhe com sangue frio e o mais corretamente possível14 Muito antes em 1912 ele confessou Digome muitas vezes para tranqüilizar a minha consciência antes de tudo não querer curar mas aprender e ganhar dinheiro São as representações de finalidades conscientes que são as mais utilizáveis15 De fato se o analista institui um projeto curativo para a análise se conscientemente ele se diz É preciso que consigamos isso ele se arrisca não só a atribuir limites artificiais para o trabalho analítico e orientar confusamente a sua participação no nível da escuta mas também a seguir a tendência afetiva mais perigosa da contratransfe rência aquela que mais ameaça o analista o orgulho terapêutico Essa pretensão se exprime sob a forma mais conhecida do narcisismo do terapeuta Se a cura é um objetivo o sucesso ou fracasso da sua obtenção só dependem de mim Então a idéia de alvo situa imedia tamente o terapeuta em uma posição pretensiosa de falsa responsabi lidade A fim de lembrar ao analista a humildade necessária para cumprir a sua função Freud e Lacan elaboraram cada um à sua maneira fórmulas muito inspiradas Freud retomou o aforismo do médico anatomista notável que foi Ambroise Paré Para enfatizar os limites da sua arte e pensando no doente do qual se ocupava Ambroise Paré enunciou Eu o trato Deus o cura16 Aforismo que traduziríamos assim Eu o escuto prestome ao jogo das forças pulsionais a psicanálise o cura Lacan teria completado essa fórmula dizendo Eu o escuto e a psicanálise o cura por acréscimo Lacan repetia muitas vezes essa fórmula da cura compreendida como a supressão do sofrimento dos sintomas e limitada a ser um efeito produzido por acréscimo Para terminar gostaria de lembrar aqui alguns trechos de Lacan a cura é um benefício por acréscimo do tratamento psicanalítico ele o analista se abstém de todo abuso do desejo de curar17 Lembrome de ter provocado indignação dizendo que na análise a cura vinha de certa forma por acréscimo Viram nisso não sei que desprezo por aquele de quem somos encarregados por aquele que sofre 168 Como trabalha um psicanalista Eu estava falando de um ponto de vista metodológico É claro que a nossa justificação assim como o nosso dever é melhorar a posição do sujeito E afirmo que nada é mais vacilante no campo em que estamos do que o conceito de cura18 Em uma intervenção aliás pouco conhecida no dia 5 de fevereiro de 1957 publicada em La Psychanalyse no419 Lacan fala da cura como um benefício por acréscimo Retoma muitas vezes a expressão por acréscimo para marcar precisamente um algo mais um além disso Além de alguma coisa que já estaria adquirida Adquirida que se deve entender como a própria relação analítica como o engajamento transferencial entre o analisando e o analista É verdade que a expressão por acréscimo tem um antecedente nesta frase notável de Freud A eliminação dos sintomas de sofrimento não é procurada pelo terapeuta como objetivo particular mas sob a condição de uma conduta rigorosa da análise ela ocorre por assim dizer como um benefício anexo Freud não utiliza a expressão por acréscimo mas usa o vocábulo anexo Anexo a quê Anexo ao efeito principal que é a reorgani zação do Eu em benefício do Isso Quanto a mim diria em conclusão sempre com o desejo de atenuar essa pretensão esse orgulho terapêutico do analista a cura não é um objetivo que o analista deve atingir mas um efeito secundário da análise que o analista pode esperar NOTAS 1 S Freud XXXIª conferência Eclaircissements applications orienta tions in Nouvelles conférences dintroduction à la psychanalyse Paris Gallimard 1984 Cf p205 Comparada aos outros processos de psicoterapia a psicanálise é sem dúvida alguma o mais poderoso 2 Cf E Glover Technique de la psychanalyse Paris PUF 1958 3 J Lacan Télevision Paris Seuil 1974 p17 4 S Freud Traitement psychique traitement dâme 1890 in Ré sultats idées problèmes 18901920 Paris 1984 p11 5 J Lacan cf por exemplo Desde que exista de algum modo o sujeito suposto saber que abreviei hoje no quadro pela fórmula SsS há transferência in Les quatre concepts fondamentaux de la psychanalyse A cura 169 Livro XI 1964 Paris Seuil col Le Champ Freudien 1973 p210 col Points no217 1990 p258 Cf também essa transferência eu a articulo com o sujeito suposto saber in Télévision opcit p49 6 J Lacan La direction de la cure et les principes de son pouvoir in Écrits Paris Seuil 1966 p601 7 I Macalpine Lévolution du transfert in Revue Française de Psy chanalyse no3 tomo XXXVI maio de 1972 p44574 8 S Freud Traitement psychique traitement dâme 1890 in Résultats idées problèmes opcit p12 arrancar grifado por mim tratamento psíquico grifo do autor 9 S Freud Sigmund Freud présenté par luimême Paris Gallimard 1984 p71 transferência sublinhado pelo autor 10 S Freud Cinq leçons sur la psychanalyse Paris Payot 1989 p59 11 S Freud 21 Manuscrit H Lettre à Fliess du 24011895 in La naissance de la psychanalyse Paris PUF 1979 p101 12 S Freud Cinq leçons sur la psychanalyse opcit p59 13 Cf Psychanalyse et guérison documento da jornada de estudos de outubro de 1987 da Escola Propedêutica do Conhecimento do Inconsciente publicação interna 14 S Freud Postface 1927 in La question de lanalyse profane Paris Gallimard 1985 p146 15 S Freud CG Jung Lettre du 2511909 in Correspondance I 19061909 Paris Gallimard 1975 p278 16 Cf S Freud Conseils aux médecins sur le traitement analytique in La technique psychanalytique Paris PUF 1981 17 J Lacan Variantes de la curetype in Écrits opcit p324 18 J Lacan Langoisse 196263 inédito seminário do dia 12 de dezembro de 1962 19 Cf supra a epígrafe deste artigo 20 S Freud Psychanalyse et théorie de la libido in Résultats idées problèmes II 19211938 Paris PUF 1985 p69 170 Como trabalha um psicanalista Índice geral ÍNDICE GERAL I A TÉCNICA ANALÍTICA Abertura Montar o cenário para que a verdade apareça As diferentes fases do tratamento retificação subjetiva sugestão neurose de transferência e intepretação Freud hipnotizador O método catártico A surpresa A coerção associativa e a resistência Abstractus do analisando II O CARÁTER DE ANALISABILIDADE Nem todo paciente que nos consulta é analisável Neuroses de transferência e neuroses narcísicas Realidade psíquica local O bom senso As neuroses de transferência A neurose de transferência uma neoformação psíquica A expectativa terapêutica A expectativa de pesquisa A experiência ética Dois níveis de compreensão da transferência o nível matricial e o nível da significação A transferência é uma pulsão pulsão analítica O Gozo fálico Critério de analisabilidade a capacidade de ser afetado pela pulsão Nível da significação da transferência A significação transferencial Diferença entre psicoterapia e psicanálise O desejo do analista Demandas de amor A transferência faz surgir a pulsão o desejo do analista faz falar Elementos de apreciação para passar ao divã Respostas às perguntas III A NATUREZA DA TRANSFERÊNCIA Formar a percepção sutil do psicanalista A seqüência dolorosa da transferência A transferência é uma pulsão pulsão fálica Primeiro nível matricial Segundo nível a significação O nível matricial da transferência Critério de analisabilidade ser afetado pela pulsão Discordância temporal o Eu vai mais rápido que a pulsão A criança e o espelho O desejo do analista O nível da significação A entrada na neurose de transferência Respostas às perguntas IV A SEQÜÊNCIA DOLOROSA DA TRANSFERÊNCIA A transferência fantasística O manejo da transferência Os sinais indicadores da passagem da seqüência dolorosa da transferência Identificação do Eu do analisando com o falo imaginário Falicização do ser no analisando O analista representa o indizível da dor e está dissociado O Eu se faz objeto da pulsão A transferência é uma fantasia A dor de existir a dor como falta V A CONTRATRANSFERÊNCIA Definição Histórico A contratransferência Nem todo mundo pode ser psicanalista A contratransferência uma resistência do analista O psicanalista e a surpresa Aspectos clínicos da contratransferência duas correntes teóricas Diferenças entre resistência de transferência e resistência da contratransferência Surgimento do Sujeito do inconsciente A resistência de transferência Nossa posição sobre a contratransferência uma questão de ordem ética A angústia do analista signo da iminência de um perigo Respostas às perguntas VI A CONTRATRANSFERÊNCIA E O LUGAR DO ANALISTA Em resumo A contratransferência é o lugar do analista A contratransferência como superinvestimento de ia O lugar do analista Mudança de realidade O ponto de mira Fazer silêncioemsi Fazer silêncioemsi lugar do Gozo O lugar do analista e o seu ser Diferença entre fazer silêncioemsi e ficar sem voz Ocupar o seu lugar implica um deslocamento psíquico Como escutamos o inconsciente Existe um só inconsciente na relação analítica Dor e luto O analista é propelido e desarmado Exemplo clínico uma fantasia de gravidez num analista homem Exemplo tirado da literatura uma percepção pouco comum Respostas às perguntas VII A INTERPRETAÇÃO O que a interpretação não é Definição da interpretação A interpretação significante Características de uma fala interpretativa Como dizer a verdade às crianças Como o analisando recebe a interpretação Exemplo clínico uma fantasia olfativa Reconstrução no a posteriori Respostas às perguntas VIII A CURA A cura no analisando A retificação subjetiva Dar lugar ao semblante A ambivalência do desejo de cura A relação do psicanalista com a cura A cura não é nem um conceito nem um alvo Notas Linguagem e Psicanálise Lingüística e Inconsciente Freud Saussure Pichon Lacan Michel Arrivé Sobre a Interpretação dos Sonhos Artemidoro Fundamentos da Psicanálise De Freud a Lacan vol1 As bases conceituais Marco Antonio Coutinho Jorge série especial Os Três Tempos da Lei O mandamento siderante a injunção do supereu e a invocação musical Alain DidierWeill Trabalhando com Lacan na análise na supervisão nos seminários Alain DidierWeill e Moustapha Safouan org A Criança do Espelho Françoise Dolto e JD Nasio O Pai e sua Função em Psicanálise Joël Dor Freud a Judeidade A vocação do exílio Betty Fuks série especial Clínica da Primeira Entrevista EvaMarie Golder Escritos Clínicos Serge Leclaire Elas não Sabem o que Dizem Virginia Woolf as mulheres e a psicanálise Maud Mannoni Freud uma biografi a ilustrada Octave Mannoni série especial Cinco Lições sobre a Teoria de Jacques Lacan JD Nasio Como Trabalha um Psicanalista JD Nasio A Dor Física Uma teoria psicanalítica da dor corporal JD Nasio Os Grandes Casos de Psicose JD Nasio A Histeria Teoria e clínica psicanalítica JD Nasio Introdução às Obras de Freud Ferenczi Groddeck Klein Winnicott Dolto Lacan JD Nasio dir Lições sobre os 7 Conceitos Cruciais da Psicanálise JD Nasio O Livro da Dor e do Amor JD Nasio O Olhar em Psicanálise JD Nasio COLEÇÃO TRANSMISSÃO DA PSICANÁLISE O Prazer de Ler Freud JD Nasio Psicossomática As formações do objeto a JD Nasio O Silêncio na Psicanálise JD Nasio A Foraclusão Presos do lado de fora Solal Rabinovitch As Cidades de Freud Itinerários emblemas e horizontes de um viajante Giancarlo Ricci Guimarães Rosa e a Psicanálise Ensaios sobre imagem e escrita Tania Rivera A Força do Desejo O âmago da psicanálise Guy Rosolato A Análise e o Arquivo Elisabeth Roudinesco O Paciente o Terapeuta e o Estado Elisabeth Roudinesco A Parte Obscura de Nós Mesmos Uma história dos perversos Elisabeth Roudinesco Pulsão e Linguagem Esboço de uma concepção psicanalítica do ato Ana Maria Rudge O Inconsciente a Céu Aberto da Psicose Colette Soler O Que Lacan Dizia das Mulheres Colette Soler As Dimensões do Gozo Do mito da pulsão à deriva do gozo Patrick Valas RESENHA DO LIVRO DOR Joel 1991 Estruturas e clínica psicanalítica Rio de Janeiro TaurusTimbre Dör organiza a trama do curso em torno da noção de diagnóstico uma abordagem psicanalítica que busca abordar a prática clínica com uma perspectiva sintética Desde o início o texto destaca o embaraço técnico enfrentado pelos clínicos no campo do inconsciente ao lidar com a urgência prática O conceito de balizamento é central nesta obra referindose à topografia clínica onde o clínico encontra confusões nas referências Embora não haja uma solução definitiva para essas dificuldades o autor sugere que a experiência prática e as ferramentas subjetivas são essenciais Apesar das limitações é possível estabelecer balizas metapsicológicas rigorosas que ajudem a circunscrever entidades nosográficas estáveis focando na investigação do inconsciente As balizas metapsicológicas mencionadas exigem distinções em dois níveis a elaboração do diagnóstico e a condução da cura Essas balizas são intransmissíveis fora do trabalho prático individual mas são cruciais para introduzir a noção de diagnóstico numa perspectiva estrutural O curso abrange as estruturas histérica obsessiva e perversa excluindo deliberadamente as estruturas psicóticas devido à sua complexidade e ao tempo limitado disponível O autor faz uma incursão nas concepções freudianas clássicas para discutir a ambiguidade do diagnóstico psicanalítico Desde 1895 Freud evidenciou a dificuldade de obter uma ideia clara de um caso de neurose sem uma análise aprofundada sublinhando a necessidade de um diagnóstico precoce para orientar o tratamento Contudo este diagnóstico só se confirma após certo tempo de tratamento revelando a dimensão paradoxal e a especificidade do diagnóstico em psicanálise O diagnóstico psicanalítico difere fundamentalmente do diagnóstico médico Enquanto o diagnóstico médico se apoia em uma investigação multivariada anamnese e exame direto o analista depende exclusivamente da escuta O campo de investigação é essencialmente verbal saturado de mentiras e fantasias onde o sujeito expressa sua cegueira quanto à verdade de seu desejo A avaliação diagnóstica em psicanálise é subjetiva sustentada pelo discurso do paciente e pela subjetividade do analista Apesar dessas diferenças a psicanálise pode definir uma topografia das afecções psicopatológicas considerando a causalidade psíquica e os efeitos imprevisíveis do inconsciente A relação entre diagnóstico e tratamento é singular não seguindo uma implicação lógica direta como na medicina O analista deve balizarse em elementos estáveis mantendo vigilância para evitar a psicanálise selvagem que Freud criticou por apoiarse em racionalizações causalistas precipitadas O diagnóstico psicanalítico é um ato potencial inicialmente suspenso e relegado a um devir A confirmação diagnóstica requer tempo de análise mas uma posição diagnóstica deve ser rapidamente circunscrita para orientar a cura Este processo envolve um tempo de observação preliminar conhecido como entrevista preliminar ou tratamento de experiência onde o dispositivo analítico já está em operação Desde as entrevistas preliminares Freud sublinhou a importância do dispositivo do discurso livre onde a avaliação diagnóstica se circunscreve no dizer do paciente não no dito A escuta é o instrumento crucial de discriminação diagnóstica sobrepondose ao saber nosográfico e às racionalizações causalistas Maud Mannoni em sua obra reforça a importância da escuta nas primeiras entrevistas ilustrando a problemática do diagnóstico na psicanálise Na prática clínica é comum tentar identificar um diagnóstico com base na especificidade dos sintomas e o sucesso terapêutico frequentemente depende dessas correlações No entanto a psicanálise se diferencia da medicina devido à causalidade psíquica que não segue um determinismo orgânico A causalidade psíquica não permite previsões estáveis como nas ciências biológicas pois não existe uma articulação fixa entre causas e efeitos no inconsciente Enquanto a medicina se baseia em regularidades causais observáveis e previsíveis a psicanálise lida com processos psíquicos que não obedecem a essas linhas de regularidade Não há inferências estáveis entre causas psíquicas e efeitos sintomáticos o que torna a elaboração de diagnósticos na psicanálise distinta da medicina O autor argumenta que para estabelecer um diagnóstico psicanalítico é necessário ouvir o dizer do paciente pois é no discurso que se revela a estrutura do sujeito A dinâmica do inconsciente não segue uma lógica linear e imediata entre sintomas e estrutura do sujeito Por exemplo Freud mostrou que o masoquismo pode ser entendido como um sadismo voltado contra si mesmo e o exibicionismo inclui o prazer de ser observado Esses processos de retorno sobre a própria pessoa mostram que não há uma relação causal direta e imediata entre sintomas e diagnósticos A lógica inconsciente opera com equivalências que não permitem deduções seguras de diagnósticos a partir de sintomas específicos Por exemplo o sintoma voyeurista não implica necessariamente em exibicionismo e a arrumação obsessiva pode estar presente tanto em neuroses obsessivas quanto em histerias como sintoma de empréstimo conjugal Essas observações indicam que não há uma continuidade direta entre a observação do sintoma e a avaliação diagnóstica A psicanálise exige a participação ativa do paciente através do discurso para decodificar os processos inconscientes Freud afirmou que o sonho é a via real para o inconsciente mas só é eficaz quando o sujeito sustenta um discurso sobre o sonho Lacan reforçou que a experiência psicanalítica descobre a estrutura da linguagem no inconsciente e que o sintoma é estruturado como uma linguagem que precisa ser libertada pela palavra O diagnóstico psicanalítico se baseia na articulação da palavra e nas referências estruturais que se manifestam no dizer do paciente Essas referências são indícios que balizam o funcionamento da estrutura subjetiva representando painéis de significação impostos pela dinâmica do desejo A especificidade da estrutura de um sujeito se caracteriza pelo perfil da dinâmica do desejo que se expressa no discurso A distinção entre sintomas e traços estruturais é fundamental na psicanálise para um diagnóstico eficaz Os sintomas vistos como sobre determinados e ligados ao processo primário especialmente à condensação são metáforas que carregam múltiplos significados Freud destaca que o sintoma é mais do que aparenta funcionando como uma substituição significante Esses sintomas são imprevisíveis e variáveis enquanto os traços estruturais oferecem constância na organização psíquica e devem ser o foco do diagnóstico A entrada do sujeito na estrutura psíquica ocorre no complexo de Édipo e é marcada pela relação com a função paterna A estrutura psíquica se define de forma permanente durante o desenvolvimento mas a economia do desejo pode variar A analogia com a biologia molecular ilustra a autoconservação das estruturas psíquicas onde apesar da estrutura ser irreversível a economia do desejo pode apresentar variações A figura do pai é dividida em real imaginário e simbólico O pai real é o ser na realidade enquanto o pai imaginário é idealizado e intervém no complexo de Édipo O pai simbólico é a instância mediadora do desejo crucial na estruturação psíquica A ausência física do pai real não impede a função estruturante do pai simbólico e imaginário A função fálica mediada pela figura paterna orienta o desejo da criança conduzindo à aceitação da castração simbólica e à resolução do complexo de Édipo O texto detalha as noções de estrutura psíquica e função paterna destacando sua importância na prática clínica psicanalítica A diferença entre sintomas e traços estruturais juntamente com a tripartição do pai em real imaginário e simbólico é essencial para a compreensão e diagnóstico das neuroses A analogia com a biologia molecular enriquece a compreensão do funcionamento psíquico oferecendo uma perspectiva inovadora sobre a estabilidade e a variabilidade da economia do desejo Freud aborda as perversões sob diferentes ângulos ao longo de sua obra destacandose a distinção entre inversões e perversões estabelecida em Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade Inversões referemse a desvios no objeto da pulsão enquanto as perversões envolvem desvios quanto ao seu fim Essas noções ancoradas na plasticidade do mecanismo pulsional inscrevem o processo sexual perverso no desenvolvimento normal da sexualidade especialmente na infância Freud demarca claramente entre neuroses e perversões ao afirmar que a neurose é por assim dizer o negativo da perversão Ele sugere que os sintomas neuróticos resultam do recalque de componentes pulsionais sexuais que se expressos sem afastamento da consciência seriam considerados perversos Este ponto destaca uma diferença crucial na ancoragem dessas estruturas na dialética edipiana Em Pulsões e Suas Vicissitudes 1915 Freud expande a compreensão das perversões introduzindo os destinos pulsionais de inversão em seu contrário e retorno sobre a própria pessoa Essa generalização permite um entendimento unificado das perversões além dos estereótipos sexuais orientando as investigações para um mecanismo metapsicológico inaugural especialmente a partir das noções de denegação da realidade e clivagem do eu intrínsecas ao funcionamento psíquico O complexo de Édipo e a atribuição fálica da mãe são centrais para entender a castração e a formação de estruturas perversas A criança ao confrontarse com a ausência de pênis na mãe elabora construções psíquicas defensivas para evitar a angústia de castração resultando em diferentes orientações da economia psíquica Freud propõe três soluções para essa angústia duas que transgridem a castração levando às perversões e uma que a aceita resultando em nostalgia sintomática nas neuroses Freud identifica dois processos defensivos principais na organização perversa fixaçãoregressão e denegação da realidade Na homossexualidade masculina a fixação narcísica em uma mulher com pênis persiste no inconsciente Já o fetichismo envolve a denegação da ausência de pênis na mulher substituindoo por um objeto fetiche que simboliza o falo evitando a saída homossexual A clivagem do eu emerge como um mecanismo central evidenciado no fetichismo pela coexistência de duas formações psíquicas contraditórias o reconhecimento e a denegação da ausência de pênis Esta clivagem uma instância intrínseca à estrutura do sujeito é essencial para descrever a psicodinâmica das perversões e psicopatologias O livro aborda a dinâmica complexa da formação psíquica na infância especialmente no contexto edipiano onde a criança se confronta com a triangulação familiar e as questões de desejo e castração A figura do pai surge como um elemento de ruptura na relação dual entre a criança e a mãe introduzindo a ideia de rivalidade fálica e a percepção da mãe como ausente em relação ao desejo da criança A rivalidade fálica imaginária desencadeia um processo de confronto com a castração representada simbolicamente pelo pai Essa confrontação é crucial para o desenvolvimento psíquico saudável pois impulsiona a criança a aceitar a falta e a diferença dos sexos fundamentais para a constituição do desejo humano No entanto o texto discute como os perversos lidam com essa confrontação de forma distorcida Eles resistem à castração negam a falta no Outro e buscam manter uma ilusão de onipotência fálica Isso resulta em uma fixação arcaica no desejo onde o perverso se recusa a reconhecer a lei do desejo do outro e permanece preso a um ciclo de desafio e transgressão Essa recusa em enfrentar a castração leva a uma estagnação no desenvolvimento psíquico onde o perverso prefere renunciar ao desejo como um todo a aceitar a perda do objeto primordial de desejo Ao fazer isso eles perdem a oportunidade de alcançar um novo estatuto de desejo baseado na aceitação da falta e na orientação pelo desejo do outro No diagnóstico diferencial entre as perversões a histeria e a neurose obsessiva observase que o desafio e a transgressão estão presentes em outras estruturas além da estrutura perversa como na neurose obsessiva e na histeria No entanto a transgressão não se articula ao desafio da mesma maneira Na neurose obsessiva o desafio está presente em comportamentos sintomáticos como a compulsão ao engajamento em competições ou formas de domínio No entanto qualquer possibilidade de transgressão é quase impossível para o obsessivo que está preocupado em seguir as regras Ele tenta ser perverso sem sucesso lutando contra seu desejo de transgressão A transgressão dos obsessivos é uma forma de fuga adiante em relação ao seu próprio desejo Já na histeria a dimensão do desafio está relacionada à identidade sexual e à ambiguidade mantida sobre ela O desejo histérico pode assumir expressões perversas como encenações homossexuais buscando fazer advir a verdade ou desafiando o desejo do outro No entanto a dimensão da transgressão na histeria é contaminada pelo que a caracteriza nas perversões permanecendo sempre um desafio vazio não sustentado pela lei paterna que relaciona a lógica fálica à castração Na estrutura perversa o desafio se dirige principalmente à Lei do pai buscando afirmar a predominância do próprio desejo sobre o desejo do outro O perverso desafia essa lei para demonstrar que ela não é um limite absoluto buscando o gozo na estratégia de ultrapassála A presença de um cúmplice real ou imaginário é fundamental para o desenvolvimento do comportamento perverso pois permite a ilusão de que os limites estão sendo desafiados O perverso mantém uma relação específica com a mãe e com todas as mulheres baseada na renegação do desejo da mãe pelo pai e na construção fantasmática da castração Essa relação oscila entre responsabilizar o pai por submeter a mãe à lei do seu desejo e culpar a mãe por desejar o pai O perverso busca neutralizar o Pai Simbólico imaginando a mãe como não carente para manter a ilusão de ser o único objeto de desejo que a faz gozar O texto aborda a dinâmica complexa das relações familiares especialmente no contexto do Complexo de Édipo onde são exploradas as interações entre mãe pai e criança Há uma análise detalhada das influências psicológicas que moldam a identidade e o desenvolvimento da criança particularmente no que diz respeito à relação com a figura materna e paterna A mãe fálica é um conceito central no texto representando uma figura materna que exerce poder e influência sobre a criança especialmente no que diz respeito ao seu desejo e identificação A relação da criança com essa figura materna influencia sua compreensão do desejo e do papel do pai na dinâmica familiar O autor explora as diferenças entre estruturas psíquicas como neuroses obsessivas e histerias e as perversões Ele destaca como cada uma dessas estruturas lida com questões de desejo posse e identidade oferecendo uma análise clínica dessas dinâmicas No geral o texto apresenta uma reflexão profunda sobre os mecanismos psicológicos que influenciam as relações familiares e o desenvolvimento da identidade individual destacando a complexidade desses processos e suas ramificações na vida adulta O livro trata da estrutura histérica explorando sua relação com a dialética do desejo e a lógica fálica Destacase a transição do ser ao ter influenciada pela intervenção paterna e pela questão da castração A conquista do falo é crucial para a criança se libertar da rivalidade fálica e iniciar a lógica do desejo histérico A identificação com o falo e a alienação subjetiva são elementos centrais com o histérico buscando identificarse com aquele que supostamente detém o falo Os sintomas da histeria são discutidos mas enfatizase a importância de entender os traços estruturais subjacentes A sedução é colocada a serviço do falo e as estratégias neuróticas variam entre homens e mulheres especialmente em relação à identificação com o objeto ideal do desejo O autor aborda a relação complexa entre a mulher histérica e sua conexão com o sexo explorando os aspectos psicológicos e sociais envolvidos O texto destaca como o desejo da mulher histérica está muitas vezes ligado à busca pelo falo no outro simbolizando uma falta que ela projeta no parceiro masculino Da mesma forma o reconhecimento da falta é crucial na relação com o sexo oposto como uma forma de reconhecer a castração no outro A busca incessante pela perfeição é destacada como uma característica proeminente da mulher histérica refletida na sua constante preocupação com a beleza e a busca por modelos femininos para se identificar No entanto essa busca pela perfeição está sempre ligada à insatisfação e à hesitação resultando em uma busca interminável por objetos ou parceiros que possam preencher essa falta A obra também aborda a relação da mulher histérica com o saber destacando como ela busca se identificar com o conhecimento de outra pessoa muitas vezes sacrificando sua própria identidade intelectual A escolha de parceiros amorosos é examinada revelando a tendência da mulher histérica em buscar homens inacessíveis ou impossíveis de satisfazer mantendo assim sua insatisfação constante A histeria masculina dentro do contexto da psicanálise freudiana destacando sua relevância tanto para homens quanto para mulheres embora muitas vezes seja subdiagnosticada e mascarada O autor explora como a histeria masculina é frequentemente associada a traumas físicos ou emocionais como acidentes de trabalho ou experiências de guerra o que pode complicar seu reconhecimento médico Ao longo do texto são examinados os sintomas característicos da histeria masculina incluindo crises de cólera impotência sexual exibicionismo e distúrbios sexuais como ejaculação precoce Além disso são destacadas as estratégias de busca por reconhecimento social e amor por parte dos homens histéricos que muitas vezes tentam seduzir e agradar a todos ao seu redor como forma de compensar sua sensação de inadequação Uma parte significativa do texto é dedicada à análise da relação entre histeria masculina e sexualidade abordando comportamentos homossexuais simulados impotência e ejaculação precoce O autor explora as raízes psicológicas desses sintomas destacando a busca pelo poder fálico e a ansiedade em relação ao desejo e à performance sexual como elementos centrais O texto analisa a estrutura obsessiva a partir do desejo do sujeito em relação à função fálica contrastandoa tradicionalmente com a histeria no campo psicanalítico Contudo questionase essa oposição destacando que ela se baseia mais em observações fenomenológicas do que em traços estruturais sólidos Um dos pontos levantados é que ao contrário do histérico o obsessivo muitas vezes se sente excessivamente amado pela mãe o que não é uma base sólida para diferenciálos O texto explora a relação entre a estrutura obsessiva e a função fálica observando que os obsessivos frequentemente se sentem investidos como objetos privilegiados do desejo materno o que é significativo do ponto de vista da função fálica Isso os leva a uma nostalgia pelo ser baseada na memória de uma relação especial com a mãe A criança ao se sentir objeto privilegiado do desejo materno é levada a suprir a falha na satisfação do desejo da mãe o que pode gerar uma suplência à satisfação materna Essa dinâmica cria uma relação complexa entre a criança e a lei do pai influenciando a passagem do ser ao ter e gerando uma constante ambiguidade na identificação fálica O texto oferece uma análise profunda do comportamento obsessivo compulsivo TOC no contexto das relações interpessoais especialmente nas relações amorosas Destacase o medo da perda como uma preocupação central para o obsessivo relacionada à castração simbólica e à falha na imagem narcísica Isso leva a um desejo obsessivo de controle e dominação onde o indivíduo busca controlar todos os aspectos de sua vida e relacionamentos para evitar a perda A rivalidade e a competição são características marcantes com o obsessivo buscando substituir o pai e ocupar seu lugar junto à mãe Há uma tensão entre o desejo de transgredir e a conformidade com a Lei do Pai gerando um conflito interno O parceiro amoroso muitas vezes é objetificado transformado em objeto controlável para neutralizar seu desejo e manter o controle sobre o relacionamento O texto também destaca defesas comuns como a anulação retroativa onde o obsessivo tenta anular pensamentos ou ações ameaçadoras para seu controle Em resumo oferece uma visão detalhada das complexidades do TOC em relacionamentos abordando medo da perda controle obsessivo rivalidade culpa e defesas utilizadas para lidar com essas questões