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Psicologia ·
Psicanálise
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OPORTUNIDADE DE LUTA Adriana Marcondes Machado1 Capítulo publicado no livro Você pode me ouvir doutor organizado por Álvaro Madeiro Leite e João Macédio Filho pela Editora Saberes Campinas 2010 Caro médico recémformado Apresentarei duas cenas para iniciar a conversa Rita uma mulher de 32 anos está indo à consulta médica Carrega consigo grande expectativa faz tempo que sofre de males que a deixam com muitas dores Esperou meses por essa consulta Na sala de espera sentase numa cadeira e aguarda Quando chamada fala de suas dores à médica que a examina e lhe prescreve um remédio no receituário A mulher pega o papel sai da consulta mas não vai à farmácia joga a receita no lixo Um homem de 40 anos está com o filho de 15 internado Espera o médico para saber o diagnóstico Muita coisa depende desse diagnóstico pois conforme o resultado do exame haverá ou não a possibilidade de cura O médico ao chegar lhe dá a notícia O caso é grave O pai chora o médico o consola Depois desse caso o médico vai cuidar de mais outros ao longo do dia Ao final do trabalho volta para casa Encontra a família janta relaxa o corpo diante da TV À noite sofre de insônia isso tem sido freqüente Já há alguns meses o médico toma remédio para dormir Como explicar esses acontecimentos Sou psicóloga Esses anos de contato com as maneiras de sentir viver e adoecer foram me permitindo obter maior clareza sobre o que é e como se produz a subjetividade Durante minha formação dominoume um tipo de pensamento diferente do que defendo atualmente Eu acreditava que por haver uma maneira de ser e sentir que parece ser o jeito da pessoa poderíamos falar de um núcleo uma essência um inconsciente individual que justificaria as características os valores e as atitudes de alguém Esse jeito típico de alguém seria constituído por muitos fatores físicos culturais relacionais pessoais Assim por exemplo em um processo de subjetivação estariam presentes o corpo gordo em uma cultura que preza a magreza a relação com a mãe que sempre foi uma mulher muito rigorosa as histórias com os amigos em que predominava o gosto pelo futebol do qual ele porém não gostava um menino de classemédia nascido numa cidade grande Eu tinha noção disso tudo sabia da presença desses diversos fatores na formação de um sujeito e acreditava 1 que haveria um modo saudável de viver essas relações e se isso não ocorria teríamos que ajudar essa pessoa 2 que algumas relações como por exemplo as ligações com a mãe e com o pai principalmente quando se é criança e jovem seriam indicadores fundamentais para ajudarmos essa pessoa Tudo isso que eu pensava fazia sentido para as ações de uma certa psicologia na qual eu referenciava minha prática clínica Mas embora percebesse uma maneira de ser mais freqüente mais presente nas relações estabelecidas por um certo sujeito embora me desse 1 Professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo Mestre e Doutora em Psicologia Social pelo IPUSP 1 conta de que em nosso tempo as relações parentais criam sentidos e significados muito intensos estava equivocada em pensar tudo isso de um modo naturalizado Em outras palavras sabia que a maneira como se constrói um sujeito depende dos valores do tempo que as subjetividades são produzidas em determinado território existencial mas tratava este território como natural Até mesmo a relação de atendimento profissional de saúdepaciente era naturalizada por mim como se dada essa relação eu devesse atender esse sujeito ver o que ele tinha como se o próprio dispositivo de atendimento não fosse uma das relações presentes na produção da doença EFEITOS SUBJETIVOS O QUE É ISSO Pensemos em efeitos subjetivos como a criação de maneiras de viver de sentir de agir de pensar Essas maneiras vão sendo engendradas criadas como dissemos dependendo das práticas das relações de poder das experiências das ligações que estabelecemos A concepção de que haveria uma maneira ideal de ser um aluno deveria assistir às aulas e estudar para as provas um paciente deveria tomar suas medicações carrega consigo a sensação de que quando essa maneira ideal não se realiza isso seria um imprevisto um erro um acidente algo que não deveria acontecer Por isso ao indagarmos sobre por que as coisas estão ocorrendo de uma certa maneira termos a sensação de que poderíamos alterar apenas aquele suposto desvio aquilo que está acontecendo e que não deveria acontecer sem que seja necessário alterar outras coisas Isso é se acreditamos que o fato de Rita não tomar a medicação é um imprevisto que revela características pessoais não ideais ficamos com a impressão de que Rita é a responsável e nesse caso culpada por não agir de maneira correta Mas se entendemos que essa ação de Rita é efeito de práticas e saberes teremos que pensar a relação de atendimento o tempo da consulta o que precisa ser escutado o tempo do médico a concepção que se tem de doença etc Fui percebendo a importância de investigar o que seria em certa época a boa maneira de ser e agir Mas essa busca nos impõe uma pergunta como foi se criando e se fortalecendo a noção de que deveria haver essa maneira ideal Foi essa pergunta que guiou meus estudos reflexões e práticas a partir de certo momento redefinindo minha atuação profissional Ler textos de Michel Foucault foi uma experiência disruptiva sempre revelando fatos argumentos e escritos que nos mostram o mundo como constituído por relações que são efeitos de outras relações Toda interpretação já é efeito de interpretações e toda interpretação produz efeitos interpretativos Uma criança é diagnosticada com Síndrome de Down uma interpretação em uma escola isso pode implicar abandono em outra por sua vez construir novos modos de ensinar os atendimentos necessários são possíveis em certa classe social ao passo que em outras não os efeitos nas famílias podem ser diferentes conforme os significados atribuídos a esse misto de fatointerpretação as leis em relação às pessoas com alguma deficiência têm se alterado Portanto falar síndrome de Down em determinada época e local tem efeitos diferentes que são construídos conforme os tempos e as relações Esses efeitos revelam também dimensões políticas Passei a entender que a concepção de que haveria algo essencial básico inaugural e determinante no sujeito era então o que dominava na vida que nós levamos Mas não era a vida Isso para uma pessoa como eu que sempre buscava fazer as coisas corretamente acreditando que haveria uma maneira certa de fazer as coisas ser boa 2 aluna seria o correto era uma doída chibatada Quando algo domina devo ser a boa aluna quando algo se torna hegemônico isso ocorre como efeito de relações de força E o que está em jogo nessas relações Sabemos que por muito tempo não se fazia ligação entre o aluno diagnosticado com distúrbio de aprendizagem e os acontecimentos no diaadia escolar por exemplo aulas alienantes práticas causadoras de humilhação etc O aluno com dificuldades para aprender distante do ideal era visto como um problema individual Sem dúvida esse modo de se realizar o diagnóstico nos impedia de pensar as práticas institucionais e as questões políticas nelas implicadas Podemos dizer que esses impedimentos estão presentes e predominam no jogo das relações Reorientar a prática clínica pela inclusão dessas questões institucionais e políticas demandava uma mudança buscar compreender como se deu a criação dessa maneira de pensar que rotula e julga os sujeitos Tal busca envolvia uma ruptura com atitudes moralistas Não julgar a atitude de Rita mas com ela indagar como se produziu o fato de ela jogar a receita no lixo O que essa atitude nos revela sobre o dispositivo de atendimento Dessa forma o desvio que havia sido colocado no lugar de algo que foge à norma revelaria sim a produção de outras possibilidades outras afirmações O aluno que larga a faculdade no último ano não seria visto pelo viés negativo aquele que NÃO conseguiu terminála Ele cria uma possibilidade ele afirma uma existência singular que é efeito das relações que habita Portanto ficava claro que tudo o que acontece por exemplo o diagnóstico de uma doença específica cria maneiras de viver que também são de nossa responsabilidade Parece estranho mas dizer essa pessoa tem dislexia não é uma informação objetiva e neutra É uma informação que carrega dimensões políticas exige por exemplo que pensemos as necessidades e criemos possibilidades de atendimento para essa pessoa exige que fiquemos atentos para agir nos efeitos que vão se produzindo Logo que me formei eu percebi que minha atividade em muitos momentos criava poucas alternativas para agir em crenças cristalizadas Era revoltante e frustrante Viame num lugar aprisionado isto é muitas vezes quando alguém busca uma psicóloga espera curas entendimentos e sugestões que pudessem agir nos acontecimentos como se os mesmos fossem os tais imprevistos comentados no início da carta Como se fosse possível alterar as coisas sem mexer na vida nas relações nas concepções Fui percebendo que se o que acontece com uma pessoa um paciente é sempre efeito de relações se eu fazia parte daquilo que se produzia teria que entender melhor o que está em jogo nesse dispositivo de atendimento e portanto na criação dos especialistas nas posturas atuais com que se pensa a saúde Um dia estava esperando o elevador com uma mãe e uma criança de três anos Eu já havia visto a mulher algumas vezes Cumprimentamonos e começamos a conversar Ela perguntou minha profissão Respondi psicóloga Já no elevador a criança queria apertar vários botões e a mãe explicava a ela que não podia Por fim disse Olha se você não se comportar vou ter que te levar para uma psicóloga igual a ela apontou para mim e ela vai dar um jeito em você O elevador parou em um andar e ambas saíram O máximo que pude fazer foi uma cara de quem não é má Nessa cena meu corpo e a profissão que exerço são suficientes para produzir culpa ameaça medo produções que têm a função de controlar Conquistar que uma criança aprenda a não apertar vários botões do elevador demanda um processo que se dá nas relações que ela habita Da maneira como essa mãe 3 agiu fica parecendo que se esse aprendizado não é realizado logo depois da orientação dada não aperte os botões tome a medicação seja um bom aluno é porque a criança teria um problema a ser curado por uma psicologia adaptacionista A sensação de Rita de que a receita de nada adiantava foi constituída em uma história da qual a consulta médica fazia parte Rita estabeleceu relação entre suas dores e o tempo em que esteve desempregada sentindose incapaz para o trabalho aumentando suas dívidas e tendo necessidade de favores Ela estava desistindo de lutar Será que ter de tomar o remédio era vivido como mais uma incapacidade Jogar a receita no lixo afirmava que poderia dar conta de si mesma sem os remédios A dor tinha sido necessária Talvez a médica não imaginasse que seria preciso conversar sobre como essa mulher entendia a produção dessa doença e sabemos que essa conversa não se resume a apenas perguntar sobre isso CULPAS INDIVIDUALIZAÇÕES De quais funcionamentos falamos quando nos referimos a certas produções de dever ser tais como devo ser uma boa aluna de modo a culpabilizar o indivíduo quando isso não ocorre Que maneiras de sentir e de viver estão presentes Arrisco uma resposta da ilusão de um EU que se forte o suficiente enfrentará barreiras ultrapassará desafios e conquistará aquilo pelo qual sonhou O que temos assistido contemporaneamente é o domínio da individualização das questões e aliada a ele um processo de medicalização Explicome A vida a maneira de viver foi se tornando no decorrer da história alvo de exames de diagnósticos de avaliações de julgamentos A medicalização é um processo em que se produzem modos de subjetivação e conseqüentemente maneiras de viver são criadas revelando a longa história de aprisionamento do desvio e da produção da diferença como patologia Quando se inventou uma forma de avaliar se um sujeito é ou não normal inventouse também uma maneira de viver um tanto paranóica um tanto persecutória e alienada através da qual achamos que os especialistas saberiam daquilo que ignoramos de nós É famosa a brincadeira Cuidado ela é psicóloga cuidado ele é psiquiatra Sim porque a psicologia e a medicina se constituíram como ciências que pretendem dizer o que são os sujeitos como funcionam o que é melhor ou pior para eles e como já apontamos ao associar os problemas apenas ao ambiente sóciofamiliar e às questões individuais isentamos o funcionamento social da responsabilidade sobre a produção do adoecimento Quando falamos de psicologia ou de medicina estamos falando de concepções e práticas presentes no social e não apenas de médicos ou de psicólogos mas sim de uma maneira de viver na qual sentimos que o nutricionista saberá de nossa alimentação o psicólogo cuidará dos afetos o médico da saúde o dentista dos dentes o educador físico do corpo e assim tornamonos consumidores dessas práticas E ao consumidor é fundamental um sentimento que se intensificou no final do século XIX o sentimento de que algo nos falta de que estamos permanentemente em falta e de que essa falta deve ser preenchida Ora já nos tornamos pessoas que dormem com medicações indutoras do sono A medicação pode produzir uma boa noite de sono Mas o que isso cala Cala pensarmos na produção de um sujeito nós que nos tornamos pessoas que têm a sensação de que as coisas dependem intensamente de nós mesmos Fica parecendo que poderíamos agir diferentemente do que agimos que poderíamos com esforço individual conseguir coisas 4 que não temos e que a única coisa que falta são essas forças e posicionamentos individuais O médico da cena inicial sente que precisa ter muita força para enfrentar as barras do atendimento E que isso depende dele apenas dele Tudo parece depender apenas de um EU A TV pode oferecer programas ruins mas EU tenho que fazer a escolha Os supermercados e restaurantes podem oferecer comidas gordurosas mas EU tenho que fazer a escolha Cabe a cada um de nós escolher os alimentos sem gordura transgênica cabe a nós escolher os brinquedos que não tenham sido produzidos pelo trabalho em condições humilhantes na China cabe a nós Individualização neste processo nossa grande aliada é a culpa Pois aqueles que fazem as boas escolhas e progridem o fazem por méritos individuais Aqueles que não fazem as boas escolhas sentemse culpados eu é que não consigo fazer ginástica duas vezes por semana E assim instaurase esse mecanismo de controle a céu aberto que culpabiliza o indivíduo e desresponsabiliza a política Cala também pensarmos a hiperatividade das práticas sociais cada vez mais aceleradas para atingir os escores de produtividade com o aumento exorbitante de crianças consumindo ritalina o bombardeio de informações a intensa publicização da vida íntima o Orkut o Big Brother a rápida vontade de se conectar caso não se esteja ocupado a necessidade de prazeres imediatos o aumento de pessoas com pânico e depressão são dimensões de análise e de intervenção que vêm nos escapando quando visamos aliviar os sintomas com as medicações É imersos nesse funcionamento que agimos A médica que atendeu Rita aprendeu a examinar o corpo doente de alguém doente As concepções os amores o desemprego as reflexões tornaramse causas variadas Nos prontuários é comum encontrarmos observações do tipo Paciente relaciona suas dores à separação do marido como uma curiosidade Rita foi tornada um corpo doente e a médica foi tornada alguém que trata de doença CONCLUSÃO SER MÉDICO COMO OPORTUNIDADE DE LUTA O local onde Rita foi atendida fica nas proximidades de uma empresa que demitiu muita gente nos últimos anos Como fortalecer a discussão do adoecimento relacionado às condições de trabalho Que fazeres precisamos criar com que saberes precisamos contar E aqui caro recémformado falamos da necessidade de agirmos em uma produção que não tem relação apenas com o paciente Assistimos à produção de algo que é de nosso tempo e que está também presente na vida de médicos bemsucedidos com consultórios particulares ou conveniados cheios sem tempo para brincar com filhos sem poder recusar atendimentos e precisando tomar remédio para dormir a corrida atrás de melhores condições financeiras a aflição por trabalhar em uma área submetida às leis do mercado visase o lucro o funcionamento perverso da saúde conveniada o preçohora os pactos para se ter um emprego as más condições de trabalho no sistema público Outro dia num hospital maternidade uma médica pediatra teve um dia muito exaustivo de trabalho Ela é contratada para atender a enfermaria neonatal Nesse mesmo hospital existe um serviço de atendimento para mulheres que sofreram violência vítimas de abuso sexual 5 Sucede que um dos médicos está de férias e quando isso ocorre um médico tem que cobrir o trabalho do outro Não há contratação de profissionais que cubram as férias São os pactos para trabalhar A médica pediatra estava se arrumando para ir embora quando ao sair da enfermaria foi chamada pois havia chegado uma menina que acabara de sofrer abuso O médico plantonista estava atendendo uma outra paciente Embora já cansada e sentindo muita dificuldade para atender esse tipo de situação essa médica sabia que essa menina não deveria ficar esperando em uma sala de espera Nessa cena as condições de trabalho o funcionamento da instituição os acordos implícitos os riscos que se criam com os contratos de trabalho as relações de desigualdade de poder entre os vários profissionais estão presentes e produzem efeitos nos atendimentos essas questões não podem ser entendidas como fatos imprevistos Tratar a doença não é tratar o sintoma O sintoma habita uma vida que precisa ser pensada Nessa vida temos visto o processo de individualização as práticas de alienação a competição o preconceito as relações de assujeitamento as funções atribuídas ao corpo em nosso tempo a medicalização o adoecimento vivido como imprevisto Essas produções de nosso tempo atravessam intensamente as relações médicopaciente É comum pacientes que querem um remédio é comum médicos que acham que o paciente precisa de apenas um remédio é comum o atendimento médico estar submetido a produções de valores de nosso tempo o corpo magro a necessidade de plástica a intolerância à tristeza Portanto habitar essas relações na quais essas produções se dão e nelas agir é uma oportunidade para lutar pela saúde Não é à toa que tantas mulheres buscam o hospital maternidade de que falei As mães são incentivadas a amamentar e não cobradas os parceiros são bemvindos e isso propicia um grande aconchego às parturientes conversase com os bebês as dores e angústias no atendimento de situações de violência e abuso sexual têm sido discutidas pela equipe assim como as necessidades de novas contratações Os profissionais que lá trabalham têm refletido sobre a prática da triagem para que ela se torne acolhimento Somandose a esse modo de proceder que associa saúde à construção de um modo de viver criativo e potente e não à ausência de doença salientamos as lutas de profissionais da saúde por brinquedotecas os Doutores da Alegria que fortalecem com humor e descontração a potência das crianças os projetos em Unidades de Saúde que criam rádios danças relações de convívio assim como as lutas de tantos profissionais por uma saúde pública de qualidade A produção do adoecimento não é algo do paciente pois o paciente já é efeito de um funcionamento social do qual todos fazemos parte O modo como criamos as relações de atendimento a luta por funcionamentos institucionais justos o tempo que dedicamos a uma escuta tudo isso é uma opção éticopolítica Sempre é Tomara que essa carta encoraje atitudes comprometimentos e escolhas que apostem na criação de maneiras de viver potentes e coletivas 6 383 383 383 383 383 ALIANÇA TERAPÊUTICA Estudos de Psicologia I Campinas I 263 I 383389 I julho setembro 2009 Aliança terapêutica em psicoterapia de orientação psicanalítica aspectos teóricos e manejo clínico Therapeutic alliance in psychoanalytic psychotherapy theoretical aspects and clinical handling Rodrigo Sanches PERES1 Resumo O termo aliança terapêutica de utilização cada vez mais frequente na literatura psicanalítica muitas vezes é equiparado erroneamente à transferência positiva ou considerado o oposto da transferência negativa Tratase porém de um termo com importantes especificidades Este estudo objetivou abordar aspectos teóricos da aliança terapêutica e discutir seu manejo no contexto da psicoterapia de orientação psicanalítica Para tanto envolveu uma revisão bibliográfica e uma discussão de vinheta clínica A revisão bibliográfica subsidiou o entendimento da aliança terapêutica como uma relação de trabalho influenciada tanto por elementos conscientes quanto por conteúdos inconscientes que se estabelece entre paciente e psicoterapeuta em prol do processo psicoterapêutico A partir da discussão de vinheta clínica o papel da escuta empática da atitude amistosa da atividade clarificadora da função sintética e da postura reflexiva do psicoterapeuta para promovêla e sustentála são enfatizados Unitermos Aliança terapêutica Psicologia clínica Psicoterapia Abstract The term therapeutic alliance employed more and more frequently in psychoanalytic literature is usually compared albeit erroneously to positive transference or regarded as the opposite of negative transference It is however a term with significant specificities The present study aims to deal with theoretical aspects of the therapeutic alliance and to discuss its handling in the context of psychoanalytic psychotherapy To this end the present study involves a bibliographical review and a discussion of a clinical case The bibliographical review supports the understanding of therapeutic alliance as a work relationship influenced by both conscious elements and unconscious content which is established between patient and psychotherapist in support of the psychotherapeutic process The clinical case discussion emphasizes the role of the psychotherapist comprehensive listening friendly attitude explanatory activity synthetic function and reflexive posture to promote and sustain the therapeutic alliance Uniterms Therapeutic alliance Clinical psychology Psychotherapy 11111 Universidade Federal de Uberlândia Instituto de Psicologia Av Pará 1720 Bloco 2 C Campus Umuarama 38405320 Uberlândia MG Brasil Email rodrigosanchesperesyahoocombr Freud afirmou quando da publicação de seus revolucionários estudos sobre a teoria e a clínica da histeria que seria necessário transformar o paciente em colaborador para que se pudessem superar as resis tências que durante o processo psicoterapêutico inconscientemente se impõem às lembranças das experiências infantis e assim obliteram o acesso aos resíduos da sexualidade prégenital Ademais advertiu Psico11pmd 2992009 1558 383 384 384 384 384 384 RS PERES Estudos de Psicologia I Campinas I 263 I 383389 I julho setembro 2009 que um obstáculo a essa transformação surge com o estabelecimento de uma falsa ligação do paciente com o psicoterapeuta que seria motivado por um fenôme no que recebeu o nome de transferência Freud 18931996a Obviamente a transferência passou a ser enten dida de forma mais ampla pelo pai da psicanálise após a virada do século XIX Esse fato tornase claro levando se em consideração que Freud a concebeu como um importante agente terapêutico no clássico historial clínico do Homem dos Ratos Freud 19091996b Além disso em um momento posterior sua teorização sobre o assunto foi refinada com a proposição de uma pro veitosa divisão do fenômeno transferencial em dois tipos básicos negativo e positivo O primeiro seria resultado do predomínio de pulsões agressivas e seus derivados na reedição de experiências prévias do paciente com o psicoterapeuta Freud 19131996c O segundo em contraste decorreria da influência majo ritária de pulsões libidinais Contudo a transferência positiva ocorreria con forme a concepção freudiana não apenas mediante a atualização de sentimentos amistosos admissíveis à consciência mas também em função da revivescência de seus prolongamentos inconscientes Não sendo executado o manejo técnico apropriado a transferência positiva tenderia a evoluir para um vínculo erotizado e assim desempenhar um papel negativo no curso do processo psicoterapêutico ensejando o que autores contemporâneos têm descrito como conluio trans ferencialcontratransferencial ou recíproca fascinação narcisista Zimerman 2001 Vale destacar ainda que paradoxalmente o desenvolvimento da transferência negativa pode ser oportuno Afinal seus desdobramentos quando ressigni ficados sob a ótica da neurose de transferência ou seja a neurose artificial que promove uma completa reorganização da psicopatologia do paciente em sua relação com o psicoterapeuta Freud 19141996d são capazes de subsidiar a elaboração de fantasias arcaicas associadas por exemplo à destrutividade ou à inveja Concluise portanto que como esclarecem Laplanche e Pontalis 2000 a valência positiva ou negativa dos sentimentos transferidos não determina com precisão suas repercussões clínicas Aliança terapêutica regressão terapêutica O termo aliança terapêutica de utilização cada vez mais frequente na literatura psicanalítica muitas vezes é equiparado erroneamente à transferência positiva ou considerado o oposto da transferência negativa Porém como alerta Etchegoyen 2004 p141 no processo psicoterapêutico a transferência está em tudo mas nem tudo o que existe é transferência Indu bitavelmente a aliança terapêutica representa um dos aspectos do vínculo transferencial em seu sentido mais abrangente Mas o que a caracteriza De que maneira ocorre seu estabelecimento no contexto da psicoterapia de orientação psicanalítica Este estudo teve como objetivo tratar dessas questões mediante uma revisão teórica e uma discussão de vinheta clínica O mérito de definir o termo aliança terapêutica é atribuído à psicanalista norteamericana Elisabeth Zetzel A autora em pauta o concebe basicamente como uma relação de trabalho que se estabelece entre pa ciente e psicoterapeuta em prol do processo psicote rapêutico Tal relação se assenta nas funções autônomas do ego do primeiro mas remete às suas relações objetais infantis Desse modo também depende da capacidade do segundo de demonstrar empatia e respeito forne cendo assim parâmetros para a ocorrência de uma identificação consistente a ponto de neutralizar as forças instintivas que ressurgem com a transferência Zetzel 1956 Tendo em vista o que precede constatase que a despeito de não ser freudiano o termo aliança tera pêutica tem suas raízes na teorização do pai da psica nálise Afinal Freud 19131996c p157 afirmou que permanece sendo o primeiro objetivo do tratamento ligar o paciente a ele mesmo e à pessoa do médico Se se demonstra um interesse sério nele se cuida dosamente se dissipam as resistências que vêm à tona no início e se evita cometer certos equívocos o paciente por si próprio fará essa ligação e vinculará o médico a uma das imagos das pessoas por quem estava acostumado a ser tratado com afeição É certamente possível sermos privados deste primeiro sucesso se desde o início assumirmos outro ponto de vista que não o da compreensão Justamente nesse sentido Etchegoyen 2004 defende que a aliança terapêutica em contraste com a Psico11pmd 2992009 1558 384 385 385 385 385 385 ALIANÇA TERAPÊUTICA Estudos de Psicologia I Campinas I 263 I 383389 I julho setembro 2009 transferência decorre da atualização de experiências prévias do paciente que o ajudam a se situar no presente em vez de leválo a simplesmente repetir o passado no âmbito da relação psicoterapêutica Porém cumpre assinalar que a aliança terapêutica na concepção da autora que a descreveu originalmente possui elementos racionais e componentes irracionais como a cons ciência da necessidade de receber assistência pro fissional para encontrar alívio para o próprio sofrimento emocional por um lado e o desejo de encontrar esse alívio sem empreender maiores esforços por outro As diferenças entre a aliança terapêutica e a neurose de transferência ancoramse basicamente em um parâmetro temporal uma vez que a primeira pode ser considerada um prérequisito da segunda Conforme Zetzel 1956 a eclosão da neurose de transferência depende da regressão terapêutica ou seja do movi mento psíquico que nos primeiros meses do processo psicoterapêutico viabiliza a reabertura de conflitos fundamentais e enseja a recirculação de energia instin tiva Tal movimento vale destacar não conduz o paciente a um mero retorno a etapas anteriores de seu desen volvimento emocional Ao contrário oferecelhe uma possibilidade ímpar de elaborar problemáticas arcaicas pois não afeta as funções autônomas do ego Aliança terapêutica e dissociação terapêutica do ego De que forma a aliança terapêutica está rela cionada à regressão terapêutica A resposta de Zetzel 1956 a essa questão demanda a menção a um termo ao qual a autora em pauta conferiu um significado original dissociação terapêutica do ego Forjado por Sterba 1934 esse termo diz respeito a um fenômeno que leva uma parte do aparelho psíquico do paciente orientada à realidade externa a se opor à outra parte influenciada por resistências inconscientes e colaborar com o psicoterapeuta de modo a favorecer uma pos terior síntese egoica A parte colaborativa do aparelho psíquico funcionaria portanto como um filtro através do qual passaria todo o material transferencial Sterba 1934 sublinhou que a interpretação do psicoterapeuta sobretudo a interpretação trans ferencial é imprescindível para que ocorra uma consistente identificação do paciente com o processo psicoterapêutico e em um segundo momento para que se implemente a dissociação terapêutica do ego Já Zetzel 1956 defendia que a dissociação terapêutica do ego depende basicamente da regressão terapêutica que por sua vez somente ocorrerá se o paciente apre sentar um ego suficientemente maduro e assim mostrarse capaz de depositar no psicoterapeuta uma confiança básica análoga àquela que permite ao bebê tolerar sua dependência da figura materna O paciente deve seguindo esse raciocínio ser flexível a ponto de autorizar uma diminuição parcial temporária e controlada das funções autônomas do ego para que conteúdos inconscientes venham a atingir a consciência sem provocar uma irrupção maciça do processo primário Como resultado disso o paciente poderia com a parte colaborativa de seu aparelho psíquico que aderiu previamente à aliança terapêutica compreender a natureza irracional da parte defensiva de seu aparelho psíquico que movida pelas forças do id e pelos imperativos do superego coloca obstáculos ao processo psicoterapêutico Gomes 2005 Ao contrário do que se poderia supor a partir de uma leitura superficial Zetzel 1956 defende que tanto a aliança terapêutica quanto a regressão terapêutica e consequentemente a dissociação terapêutica do ego envolvem apenas a mobilização de recursos internos conquistados pelo paciente em um período anterior à instalação da triangulação edípica e não uma área livre de conflitos em seu aparelho psíquico Tais recursos podem ser observados ainda que em latência até mesmo em crianças ou em indivíduos cuja perso nalidade se encontra psicoticamente organizada mas sua inexistência pode ser entendida como uma incon tornável contraindicação ao processo psicoterapêutico Posteriormente a autora em pauta esclareceu que sugeriu como premissa maior dessa discussão que a relação de objeto primeira e mais significativa ocorre na relação precoce mãecriança A natureza e a qualidade dessa conquista precoce relacionamse com a iniciação da autonomia secundária do ego Zetzel 1965 p48 Logo tratase de uma ousada tentativa de conciliação entre duas vertentes teóricas em psicanálise que se criticavam reciprocamente de modo passional na época a Psicologia do Ego de Heinz Hartmann e a Teoria das Relações Objetais de Melanie Klein Psico11pmd 2992009 1558 385 386 386 386 386 386 RS PERES Estudos de Psicologia I Campinas I 263 I 383389 I julho setembro 2009 Vinheta clínica Fábio nome fictício 19 anos solteiro acadêmico de História buscou assistência junto à clínicaescola de psicologia de sua universidade queixandose de ataques de ansiedade generalizada e palpitações súbitas Antes disso havia se consultado conforme as orientações de sua irmã primogênita com três psiquiatras que rapida mente o diagnosticaram como portador de transtorno do pânico e lhe receitaram psicofármacos Contudo Fábio rejeitou o tratamento psiquiátrico porque segun do ele mesmo referiu queria entender o que se passava com sua mente e não se tornar um escravo de remédios Fabio informou que perdeu seu pai aos 11 anos de idade e que não sofreu muito com isso porque na verdade nunca pôde contar com o mesmo Devido às constantes viagens a trabalho seu pai pouco permanecia em casa Sua mãe tinha uma saúde frágil e apresentava um longo histórico de doenças A única pessoa em quem depositava confiança e buscava suporte emo cional era sua irmã considerada por ele uma pessoa ponderada e inteligente Fábio somente se permitia relacionamentos com pessoas nas quais identificava essas características O seguinte diálogo estabelecido ao final da primeira sessão de triagem exemplifica os expedientes utilizados por ele para sondar o psico terapeuta Fábio Então o que você acha que eu tenho Psicoterapeuta Penso que ainda é cedo para concluir Fábio Mas você não tem nem ideia Psicoterapeuta Tenho algumas hipóteses só que precisamos conversar um pouco mais Podemos marcar outra sessão para o final da semana Fábio Antes eu preciso saber o que você pensa sobre o meu problema Psicoterapeuta Parece que você não se sentirá seguro comigo se eu não te falar o que eu estou pen sando agora sobre o seu problema Mas você se queixou dos psiquiatras que diagnosticaram transtorno do pânico sem te ouvir direito Fábio É verdade eu achei que eles se preci pitaram muito Psicoterapeuta Em psicoterapia a gente trabalha de outra forma Geralmente são duas ou três sessões para que se possa entender bem o caso Fábio Ah eu não sabia Então quer dizer que o meu caso não é tão atípico Não é tão grave Psicoterapeuta O que fica claro desde já é que você pode se beneficiar da assistência que a gente oferece aqui principalmente porque você se mostra muito interessado em se entender e em melhorar Fábio É eu quero melhorar mesmo Para quando a gente pode marcar a outra sessão Apesar de esse diálogo sugerir que a dificuldade para estabelecer vínculos de Fábio se destacava como a contrapartida emocional de sua queixa manifesta o que se pretende basicamente é ilustrar como identificações projetivas transferenciais fizeram com que o mesmo revivenciasse com o psicoterapeuta já na primeira sessão de triagem aspectos importantes de suas experiências prévias ensejando uma sensação de desamparo e concomitantemente uma atitude de desconfiança Ademais esse diálogo evidencia a importância da ado ção de uma escuta empática e do emprego de inter venções clarificadoras e reforçadoras a exemplo respectivamente das duas últimas intervenções do psicoterapeuta para criar as bases de uma aliança terapêutica a ser efetivamente selada nas sessões subsequentes Também pode ser vislumbrada a necessidade do psicoterapeuta de assumir uma postura reflexiva para oportunamente se dirigir à parte do aparelho psíquico do paciente que se mostra de antemão disposta a estabelecer uma relação de trabalho e não interpretá la precipitadamente No diálogo em pauta isso ocorreu graças à segunda e à terceira intervenções do psicote rapeuta Fábio então se mostrou capaz apoiandose em suas funções autônomas do ego de dar os primeiros passos rumo a uma relação objetal distinta daquela que estabelecera com seu pai e semelhante em seus aspectos positivos àquela que sustentava com sua irmã Nessas circunstâncias o paciente como bem observou Gomes 2005 embora sinta o passado no presente diferenciao da relação terapêutica real Na segunda sessão de triagem o contrato tera pêutico foi cuidadosamente executado e Fábio passou a ser atendido em psicoterapia de orientação psicana lítica duas vezes por semana Em poucos meses a aliança terapêutica tornouse consistente a ponto de favorecer a regressão terapêutica O paciente percebeu que com Psico11pmd 2992009 1558 386 387 387 387 387 387 ALIANÇA TERAPÊUTICA Estudos de Psicologia I Campinas I 263 I 383389 I julho setembro 2009 o suporte do psicoterapeuta poderia sem provocar uma invasão afetiva desestruturante abrir mão proviso riamente de estratégias defensivas que não possibili tavam o acesso a certos conteúdos inconscientes Pro cedendo desta forma verificou a irracionalidade desses conteúdos o que implementou a dissociação terapêuti ca do ego No início do segundo ano de psicoterapia o primeiro encontro fortuito fora do contexto da clínica escola levou ao auge da neurose de transferência Esse encontro vale destacar ocorreu durante um evento científico multidisciplinar do qual ambos estavam parti cipando O psicoterapeuta conversava com o professor universitário responsável na época pela orientação de uma pesquisa que vinha sendo desenvolvida pelo paciente Aproximandose visivelmente constrangido o paciente cumprimentou apenas seu orientador mas manteve contato visual com o psicoterapeuta por alguns segundos Na sessão seguinte esse fato foi abor dado e elaborado como se vê no seguinte diálogo Fábio Nossa foi estranho ver você conversando com o meu orientador lá no congresso Eu não sabia o que fazer Eu ia desviar para não passar perto de vocês mas aí mudei de ideia Psicoterapeuta O que te levou a mudar de ideia Fábio Então é bobeira Mas de repente eu fiquei curioso para saber do que vocês estavam conversando Psicoterapeuta Você achou que poderia ser sobre você Fábio É Por um instante eu cheguei a pensar que poderia ser Só que eu peguei uma parte da conversa e vi que não era isso Você apresentou um trabalho que tem a ver com uma linha de pesquisa dele né Às vezes é ruim essa encanação que eu tenho essa descon fiança das pessoas Psicoterapeuta Lembra que logo em uma das primeiras sessões a gente conversou sobre isso Eu te falei que você poderia sentir isso em relação a mim também Fábio É na hora eu até achei que não tinha nada a ver uma coisa com a outra Psicoterapeuta Tem mas ao mesmo tempo não tem você não acha Fábio Acho que sim É estranho porque é dife rente Não é aquela desconfiança terrível é só uma pulga atrás da orelha que aparece de vez quando Psicoterapeuta Você precisou ouvir o que eu estava conversando com ele para ter certeza de que a gente não estava falando de você Mas em outras situações na sua vida com outras pessoas você não conseguiu suportar essa desconfiança Isso te levou a se isolar muito Então eu acho que você está progre dindo nesse sentido Discussão Conforme Ceitlin e Cordioli 1998 o psicotera peuta cria condições propícias para que a aliança terapêutica possa ser estabelecida nas primeiras sessões oferecendo ao paciente a possibilidade de se expressar o mais livremente possível não se deixando perturbar com suas revelações e sendo cuidadoso em não emitir julgamentos ou conclusões precipitadas Todas as intervenções do psicoterapeuta no primeiro diálogo apresentado na vinheta clínica ilustram essas propo sições Posteriormente ainda de acordo com os autores em pauta a aliança terapêutica se fortalece quando o psicoterapeuta emprega intervenções reasseguradoras e reconhece os progressos do paciente a exemplo do que ocorreu com a última intervenção no segundo diálogo apresentado na vinheta clínica Como bem observam Eizirik Liberman e Costa 1998 a aliança terapêutica também se encontra intimamente associada à relação terapêutica real que por sua vez tem como ponto de partida principal para o paciente características pessoais do psicoterapeuta evidenciadas quando da execução do contrato tera pêutico e da definição de regras aceitáveis para ambas as partes sobre frequência horário duração faltas atrasos sigilo férias e honorários Comunicar tais regras ao paciente com clareza serenidade e sensibilidade é um imperativo para minimizar distorções transferen ciais bem como enfatizar desde o início que o paciente necessita assumir a iniciativa das sessões e gradati vamente desenvolver o hábito da autoobservação A aliança terapêutica tende a se tornar mais intensa com o andamento do processo psicotera pêutico caso tenha sido estabelecida uma relação Psico11pmd 2992009 1558 387 388 388 388 388 388 RS PERES Estudos de Psicologia I Campinas I 263 I 383389 I julho setembro 2009 terapêutica real de valência positiva Não obstante é inevitável que como revelou o fato abordado interpre tativamente ao longo do segundo diálogo apresentado na vinheta clínica a transferência se faça presente com intensidade em determinados momentos aproximando a aliança terapêutica da neurose de transferência Para Etchegoyen 2004 impõese nessas circunstâncias o cuidadoso manejo de um importante aspecto do vín culo psicoterapêutico a assimetria No contexto da neurose de transferência a assimetria deve ser entendida como uma consequência da diferença de papéis que desempenham paciente e psicoterapeuta no processo psicoterapêutico O referido autor esclarece que a assimetria não pressupõe a existência de qualquer supremacia apenas demarca os polos do vínculo psicoterapêutico Quando da eclosão da neurose de transferência negligenciálos será contraproducente Contudo utilizálos no contexto da relação terapêutica real é um procedimento autori tário prejudicial não apenas à capacidade de juízo do paciente mas sobretudo à continuidade da aliança terapêutica Não se deve perder de vista que a aliança terapêutica fundase na simetria inerente a qualquer relação humana que se estabelece entre duas pessoas reais igualmente adultas Para possibilitar uma discussão mais abrangente do manejo clínico da aliança terapêutica justificamse ainda algumas ponderações sobre os casos conside rados difíceis Dentre os diversos tipos de pacientes agrupados sob essa rubrica parece particularmente proveitoso destacar aqueles cuja organização da perso nalidade devido à ocorrência de perturbações do senso de identidade e à prevalência de mecanismos de defesa primitivos pode ser categorizada como borderline Afinal tais pacientes não são a priori contraindicados à psicoterapia de orientação psicanalítica o que para Gabbard 2005 difereos da maioria daqueles que além das referidas características apresentam um grave prejuízo do teste de realidade e por esse motivo podem ter a organização da personalidade categorizada como psicótica A qualidade da aliança terapêutica com pa cientes borderline frequentemente é afetada conforme Schestatsky 2005 pela mais clara manifestação da tendência à cisão dos objetos internos que lhes é típica a saber a equivalente cisão dos objetos externos Esse fenômeno fomenta uma acentuada propensão à viola ção do contrato terapêutico dado que implica impre visíveis reversões de atitudes para com o psicoterapeuta Como ressalta o autor em pauta o manejo clínico dessas situações bem como em um sentido mais amplo a definição das estratégias de tratamento desses pacien tes depende essencialmente de como se compreen dem as origens da psicopatologia borderline Na perspectiva psicodinâmica o modelo confli tualintrapsíquico opõese ao modelo deficitáriointer pessoal Adeptos do primeiro modelo sustentam que o estabelecimento e o fortalecimento da aliança tera pêutica com pacientes borderline envolvem a explora ção via interpretação transferencial de fantasias incons cientes mecanismos de defesa primitivos e distorções perceptuais demonstradas pelo paciente devido à ativa ção de relações objetais dissociadas e internalizadas Tal processo deve começar a ser empreendido durante a execução do contrato terapêutico para que compor tamentos desadaptativos possam ser prevenidos Ademais considerase prioritário o exame imediato de qualquer tentativa de desvirtuar os fatores de enquadre Kernberg 2005 Por outro lado autores que se alinham ao segun do modelo recomendam uma atitude distinta por entenderem que pacientes borderline exigem uma preparação especial para se beneficiarem de interpre tações transferenciais que se estabelecem graças ao recurso prévio do psicoterapeuta a intervenções de apoio capazes de assegurarlhes uma mínima introjeção de objetos bons Gabbard 20042005 Em suma a formulação de interpretações transferenciais anteriores ao alívio da hostilidade em relação ao psicoterapeuta é vista como uma séria ameaça à aliança terapêutica e não como um prérequisito da execução do contrato terapêutico Consequentemente é usual a opção por definir o contrato terapêutico mais pormenorizada mente à medida que surgem situações que colocam à prova as combinações iniciais A despeito da articulação dessas diretrizes gerais às concepções etiológicas que as fundamentam deve se enfatizar que como bem observou Schestatsky 2005 a prescrição de tratamentospadrão para pacientes borderline em termos da especificidade de intervenções interpretativas ou suportivas não se sustenta porque os mesmos não constituem uma Psico11pmd 2992009 1558 388 389 389 389 389 389 ALIANÇA TERAPÊUTICA Estudos de Psicologia I Campinas I 263 I 383389 I julho setembro 2009 população homogênea Somandose a esse fato irrefu tável vale mencionar que não há evidências de que qualquer psicoterapia possa se desenvolver satisfato riamente sem uma transição determinada sobretudo pelo material que está sendo trabalhado durante as sessões do extremo expressivo ao extremo apoiador do espectro classicamente adotado para a diferenciação das verbalizações do psicoterapeuta É possível identificar um ponto de convergência entre representantes do modelo conflitualintrapsíquico e do modelo deficitáriointerpessoal Ambos reconhe cem que o principal desafio técnico a ser superado na psicoterapia de orientação psicanalítica com pacientes borderline é o desenvolvimento de respostas adequadas às perturbadoras emoções desencadeadas preco cemente a partir da interação com os mesmos Cabe ao psicoterapeuta portanto permanecer especialmente atento às manifestações contratransferenciais de an siedade raiva culpa ou impotência frequentes desde o primeiro contato com o indivíduo Schestatsky 2005 Somente assim actingouts capazes de tornar insus tentável a aliança terapêutica poderão ser evitados Considerações Finais Pautandose nos fundamentos epistemológicos estabelecidos por Zetzel diversos autores apresentaram contribuições próprias ao entendimento da aliança terapêutica Termos derivados foram criados a partir disso tais como aliança de trabalho por Ralph Greenson e transferência racional por Otto Fenichel Não obstante a aliança terapêutica tal como definida originalmente ainda se impõe como uma variável cen tral do processo psicoterapêutico Portanto é possível entendêla não apenas como um critério de indicação para psicoterapia mas principalmente como um fator preditivo de sua evolução Porém outros estudos dedi cados ao assunto ainda são necessários no contexto nacional para o desenvolvimento da pesquisa científica e da prática profissional em psicoterapia Referências Ceitlin L H F Cordioli A V 1998 O início da psicoterapia In A V Cordioli Org Psicoterapias abordagens atuais pp 99107 Porto Alegre ArtMed Eizirik C L Liberman Z Costa F 1998 A relação terapêutica transferência contratransferência e aliança terapêutica In A V Cordioli Org Psicoterapias abordagens atuais pp6775 Porto Alegre ArtMed Etchegoyen R H 2004 Fundamentos da técnica psicana lítica Porto Alegre ArtMed Freud S 1996a A psicoterapia da histeria In J Salomão Org Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud Vol2 pp269316 Rio de Janeiro Imago Originalmente publicado em 1893 Freud S 1996b Notas sobre um caso de neurose obsessiva In J Salomão Org Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud Vol10 pp135215 Rio de Janeiro Imago Originalmente publicado em 1909 Freud S 1996c Sobre o início do tratamento In J Salomão Org Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud Vol12 pp135158 Rio de Janeiro Imago Originalmente publicado em 1913 Freud S 1996d Recordar repetir e elaborar In J Salomão Org Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud Vol 12 pp159171 Rio de Janeiro Imago Originalmente publicado em 1914 Gabbard G O 2005 Psicoterapia psicodinâmica de longo prazo texto básico SS Porto Alegre ArtMed Gomes F G 2005 A aliança terapêutica e a relação real com o terapeuta In C L Eizirik R W Aguiar S Schestatsky Orgs Psicoterapia de orientação analítica fundamentos teóricos e clínicos pp246253 Porto Alegre ArtMed Kernberg O F 2005 Abordagem psicodinâmica das explosões emocionais dos pacientes borderline In C L Eizirik R W Aguiar S Schestatsky Orgs Psicoterapia de orientação analítica fundamentos teóricos e clínicos pp628645 Porto Alegre ArtMed Laplanche J Pontalis J B 2000 Vocabulário da psicanálise São Paulo Martins Fontes Schestatsky S S 2005 Abordagem psicodinâmica do paciente borderline In C L Eizirik R W Aguiar S Schestatsky Orgs Psicoterapia de orientação analítica fundamentos teóricos e clínicos pp606627 Porto Alegre ArtMed Sterba R 1934 The fate of the ego in analytic therapy International Journal of PsychoAnalysis 15 117126 Zetzel E R 1956 Current concepts of transference International Journal of PsychoAnalysis 37 45 369375 Zetzel E R 1965 The theory of therapy in relation to a developmental modal of the psychic apparatus International Journal of PsychoAnalysis 46 3952 Zimerman D E 2001 Vocabulário contemporâneo de psicanálise Porto Alegre ArtMed Recebido em 1222008 Versão final reapresentada em 222009 Aprovado em 532009 Psico11pmd 2992009 1558 389 A espessura do encontro ARAGON L E P The denseness of interface Interface Comunic Saúde Educ v7 n12 p1122 2003 Relying on the cartographic method this article proposes an analysis of the contemporary element of Medicine by means of its interface with psychoanalysis The cartographic method was chosen to avoid both the perspective of dialectical analysis and the isolation of the observer relative to the observed object The medical scene being technological is open to levels of communicationcontamination that exceed the usual doctorpatient relation so that it may support the complexity of interfaces including unconscious and virtual elements This complexity when taken into account implies in a particular ethic What is proposed is the use of a socalled nearconcept to aid in the cartographic task of determining the levels that interfacing comprises There is a rejection of the voluntarism that leads to the production of conduct manuals in order to seek energy lines that cross contemporary space and the duo immersed in it such lines being regarded as preindividual KEY WORDS Medicine Psychoanalysis Cartography ultrasonography Utilizando o método cartográfico este trabalho propõe uma análise do contemporâneo da Medicina por meio de seu encontro com a Psicanálise A escolha do método cartográfico tem o intuito de evitar tanto uma perspectiva de análise dialética quanto o isolamento do observador de seu objeto A cena médica tecnológica abrese para receber planos de comunicaçãocontaminação que ultrapassam a habitual relação médicopaciente Isto para sustentar a complexidade dos encontros comportando fatores inconscientes e virtuais Complexidade esta que levada em consideração implica uma ética particular Propõese o uso do que foi chamado quaseconceito para auxiliar na tarefa cartográfica de determinar planos compostos no encontro Rejeitase o voluntarismo que acarreta a produção de manuais de conduta para buscar linhas de força que atravessam o espaço contemporâneo e os nele imersos linhas estas consideradas como préindividuais PALAVRASCHAVE Medicina Psicanálise Cartografia ultrassonografia Luis Eduardo Ponciano Aragon1 11 Interface Comunic Saúde Educ v7 n12 p1122 fev 2003 1 Médico cardiologista psicanalista membro do Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae São Paulo aragonnuolcombr dossiê 12 ARAGON L E P Interface Comunic Saúde Educ v7 n12 p1122 fev 2003 Moça negra alta bonita Logo às primeiras palavras percebese que é uma pessoa inteligente e alegre Não esconde no entanto a apreensão natural de quem se encontra em um hospital para fazer exames Neste caso exame de seu bebê2 ainda em gestação O local era destinado a pesquisar problemas cardíacos fetais Assim comportava equipamentos de alta tecnologia e profissionais especializados Estamos no setor de ecocardiografia A imaginação do leitor talvez o conduza a um ambiente sofisticado tranqüilo confortável e quem sabe até mesmo acolhedor Se assim foi concebida a cena o foi apenas com o auxílio de uma benfazeja e protetora traição do desejo que manipula os sentidos Estamos a paciente e eu em um hospital universitário Ali em pequenos espaços com poucos requintes estéticos algumas minguadas plantas tentam quebrar a atmosfera densa e fria Em um hospital universitário vivese uma vida muito singular que transborda trabalho Pacientes surgem aos borbotões vindos de todas as partes do país e mesmo de outros países Amaral 19993 Sotaques diversos tentam dar contorno a queixas por vezes incompreensíveis por se apresentarem em uma língua extremamente regional A demanda pelo saber médico além de chegar em quantidade elevada carrega também uma intensidade extrema O tempo falta para refeição para o estudo para o lazer E os pacientes gritam não só com palavras mas com todo o seu ser pela certeza de um diagnóstico um tratamento e a cura daquilo que os consome em sofrimento Parece óbvio mas as pessoas só vão ao hospital porque estão sofrendo e com esta atitude deixam implícito que será ali que o alívio se apresentará Mesmo que este anseio visceral não esteja a todo momento na mente da equipe de atendimento a tensão se revela em cada olhar cada gesto cada solicitação por menor que seja É nesta microcomunidade de alta complexidade relacional que se dá o encontro Em instantes põese a funcionar o maquinismo tecnológico que em apenas um de seus aspectos tenta dar conta da tensão revelada acima A moça deitada barriga para cima expondo para um desconhecido a parte do seu corpo que encerra o seu maior mistério Mistério da criação do ser si própria e ser outra de ser entranha e exestranho Sentado a seu lado eu sou o pólo da dupla ou do trio destinado a manejar o instrumento do progresso da Medicina Meus olhos treinados não se opõem à captura das imagens que trazem as profundezas do corpo à superfície Não se pode dizer que esta penetração consentida seja fruto de uma relação de amor O interesse de ambos é colhido pela curiosidade científica que não se detém em intimidades e põe a descoberto o que antes era privado Quando a atenção da paciente desviase da tela para mim é na intenção desesperada de interpretar na minha fisionomia algo que pudesse ser bom ou ruim As palavras nervosas claramente buscam dissimular sem conseguir a preocupação acerca do que o meu conhecimento poderia depreender daquele estranho jogo de luz e sombra 2 Utilizo a palavra mais popular bebê no lugar da que seria cientificamente mais apropriada a saber feto Faço esta opção para enfatizar o aspecto psicológico complexo que se apresenta como mãe bebêemprocesso de gestação e para me afastar da concepção mais científica do ser A palavra feto será utilizada quando o contexto for predominantemente científico 3 Acompanhando a vida dos médicos residentes em um Hospital Universitário a autora revela de forma clara e viva o difícil cotidiano vivido neste ambiente 13 A ESPESSURA DO ENCONTRO Interface Comunic Saúde Educ v7 n12 p1122 fev 2003 A angústia É interessante lembrar que o ultrasom aplicado à Medicina foi uma técnica que surgiu a partir da situação de guerra4 Os tripulantes dos submarinos necessitavam ver os relevos do fundo do mar e os possíveis obstáculos ao seu progresso Mais ainda era preciso antever Antecipar a possibilidade de colisões e também a identificação de possíveis inimigos para serem atacados A similitude das duas situações tão distanciadas no tempo não deve ser considerada mero acaso Em ambas a angústia apreensiva domina o ambiente escuro A vontade de saber tornouse necessidade Antecipar o acontecimento sinistro atacando o objeto ameaçador Em nossa história o acontecimento só se realiza totalmente com o nascimento e o objeto a ser atacado com a propedêutica médica é o bebê doente O costume me faz escorregar em armadilhas do pensamento O bebê em questão é potencialmente doente A gestante nada sente o bebê se movimenta e é parte ativa na comunicação com ela Ambos já constróem uma história de sensações fabulações e afetos Percebese que nesta situação a maquinaria médica com seus instrumentos e ideais se descola da necessidade de intervir sobre um sofrimento ou de forma mais geral um mal atual para dedicarse a buscar um Este leve deslocamento terá enormes conseqüências na vida das pessoas atendidas Isso porque em um grande número de casos a identificação de um problema com o feto não reverte na possibilidade de intervenção Há ainda os casos em que o diagnóstico é feito incorretamente Nestas situações criase um sério problema para a família com conseqüências imprevistas na estrutura psicológica desta Por esta ótica o médico armado de seu instrumental é um intruso que abrupto invade a relação familiar que se formou com a gravidez Muitas vezes o profissional não se dá conta da dimensão da capacidade de intrusão que a sociedade científica colocou em suas mãos e nem ao menos usa da cerimônia tão comum em povos do oriente ao entrar em um novo lar Não se costuma lembrar que o ultrasom surgiu em meio à ansiedade por ver algo que normalmente não pode ser visto não com nossos próprios olhos E assim se nega a angústia que alaga a escura sala de exames Esta face da Medicina faznos lembrar o grande número de histórias envolvendo a desenfreada curiosidade humana Só para citar dois dos exemplos mais conhecidos podemos lembrar o do Gênesis e do Édipo Rei Em ambos a curiosidade arrogante do homem mesmo após as advertências o conduz para a dor Não quero trazer para a discussão uma visão moralista ou religiosa Também não desconheço os benefícios que a tecnologia médica traz em várias situações uma vez estabelecida É fundamental entretanto radicalizar o pensamento para poder pensar sobre situações cotidianas que a rigor não são objeto de reflexão E entre elas a própria condução do progresso tecnológico Este progresso considerado como inescapável e inquestionável quanto à sua produção e mesmo seus fins A que serve a vontade de saber sobre o interior do corpo A ânsia de antecipar o futuro No caso da avaliação do feto não se trata de uma atitude preventiva como uma vacina ou como medidas de saneamento básico Isso pois não visa proteger contra males específicos e conhecidos Tratase aqui 4 Não só de guerra mas também de tragédia O desenvolvimento do ecobatímetro ocorreu fundamentalmente para evitar um outro acidente como o do transatlântico Titanic 14 ARAGON L E P Interface Comunic Saúde Educ v7 n12 p1122 fev 2003 de querer saber Não podemos nos contentar com respostas ingênuas ao movimento de conhecer a qualquer preço ou o que é quase a mesma coisa sem pensar no preço Querer ajudar é uma fala humanista romântica que não comporta toda uma série de aspectos que determinam o desenvolvimento tecnológico utilizado na Medicina Podemos aqui apenas sugerir alguns caminhos de aprofundamento em direção às motivações em jogo Apesar de ser de domínio público o interesse econômico que envolve a produção de tecnologia os profissionais médicos não costumam discutir o impacto desta questão em suas atividades quando reunidos em congressos ou simpósios Nem mesmo durante a prática diária Os poucos que o fazem não comunicam ou não têm espaço para comunicar suas dúvidas e apreensões O próprio patrocínio dos encontros científicos é feito pelas empresas interessadas em vender tecnologia Toda forma de acúmulo de saber carrega consigo um jogo de poder Quem detém o conhecimento se distancia hierarquicamente de quem não o possui Isto dificulta perceber que o paciente tem o direito e deveria poder exercêlo de se recusar a ser submetido a uma determinada abordagem No entanto este paciente é reduzido a uma posição de não saber que no limite arranca a autoridade que tem sobre o que é feito consigo O jargão profissional tem a função de estabelecer a diferença de valor entre indivíduos em um determinado campo mais do que esclarecer melhor algum fenômeno5 Além dos interesses econômicos e do jogo de poder há uma questão compartilhada por médicos e pacientes que é o medo da perda de controle sobre a vida e sobre a integridade física Conhecer saber antecipadamente sobre algo oculto traz a sensação muitas vezes ilusória de ter sob controle os eventos incontroláveis da vida A rapidez Retornando a nossa sala de exames a paciente me conta que está ali porque foi descoberto algum problema com seu bebê Não sabe dizer qual é o problema identificado pela ultrasonografia obstétrica de rotina Vejo pelo encaminhamento da equipe de Medicina fetal que o diagnóstico é de uma alteração genética incompatível com a vida pósnatal O diagnóstico que eu poderia realizar seria mais um fator para a certeza do julgamento prévio Realmente o feto apresentava a cardiopatia esperada mas e quanto ao bebê esperado por aquela mãe Em todo o acompanhamento médico desta gestante pouco foi o tempo dispensado para que se entrasse em contato com este bebê Não se trata de um caso isolado O cuidado com a capacidade diagnóstica suplanta em muito o cuidado com a vida afetiva da gestante seu bebê e o restante da família Existem é claro exceções Como também existem situações de crueldade inimaginável Médicos são em sua maioria pessoas cordiais e bem intencionadas Mas estas qualidades não os poupam de entrar no alinhavo social do nosso tempo Os pacientes também não Sofrem o impacto por exemplo da necessidade de rapidez Virilio 1996 Rapidez que engole distâncias e cria uma nova percepção de mundo Rapidez que com perdão da pobre rima 5 Um exemplo cotidiano é o diagnóstico de bloqueio do ramo esquerdo Quando pergunto aos pacientes que receberam este diagnóstico o que entendem por esta expressão a quase totalidade diz acreditar ter uma obstrução coronariana no lado esquerdo do coração Na verdade este conjunto de palavras referese a um caminho percorrido pelo impulso elétrico que varre o coração Quando o trajeto varia com relação ao padrão de normalidade dizse que há um bloqueio O mesmo pode ser normal para a pessoa e não denotar qualquer patologia 15 A ESPESSURA DO ENCONTRO Interface Comunic Saúde Educ v7 n12 p1122 fev 2003 está fadada a tornarse rispidez nos encontros Além da rapidez que sacia a curiosidade do que só se revelaria ao nascimento existem outras A rapidez que permite com que anos de estudo e aprimoramento tecnológico se apresentem na instantaneidade de um diagnóstico A rapidez que impele para não ficar não se deter não perder tempo muitas vezes mas não só por que tempo é dinheiro e todos queremtêm que sobreviver em uma sociedade que exclui quem não pode consumir A rapidez que parece vencer o medo da doença e da morte Todas essas perspectivas da necessidade de rapidez e outras mais moldam um tipo de homem que está sempre em trânsito Não está aqui nem ali mas de passagem O espaço habitado por este homem contemporâneo é caracterizado por paisagens que mudam com freqüência SantAnna 2001 trazendo consigo uma sensação de desenraizamento Dos lugares das pessoas e talvez até de si mesmo Chega mesmo a haver um envelhecimento do presente antes mesmo dele se apresentar Um turista em viagem à Itália pode não se surpreender tanto com a inclinação da torre de Piza pois por seus olhos já passaram inúmeras perspectivas da mesma pela televisão por revistas pela internet Da mesma forma o feto anormal pode ser apenas mais um na vasta seqüência coligida por um ecocardiografista Não é necessário esforço para perceber o ataque a tudo que poderia singularizar a relação médicopaciente Não se trata de proceder a uma caça às bruxas Muito menos de realizar um manual de condutas Abdicamos da busca por culpados para tentar uma aproximação da situação que permita identificar forças em jogo A necessidade de velocidade é apenas uma das peças jogadas no tabuleiro O cientificismo Médico e paciente também sofrem o peso da hegemonia do pensamento contemporâneo científico positivista Este promove uma série de recortes e valorações que freqüentemente ficam apagadas por um automatismo de pensamento que torna difícil questionar sua pertinência No referencial científico habitual há uma valoração da estatística em detrimento do singular Há também a tendência de considerar o corpo como uma máquina e a patologia como um mau funcionamento no lugar de um corpo complexo emocional em constante mudança e a patologia como forma de comunicação ou ao menos sofrimento com representação psíquica particular Neste campo preconizase comumente a independência do observador quanto ao observado apagando a intensa relação afetiva que qualquer médico ou paciente tem consciência ou intui Placebo e sugestão são pontos periféricos quando não rejeitados da teoria médica dita científica o que leva muitos profissionais a abrirem mão de um extenso campo de intervenção eficaz e pouco custoso A assepsia do conhecimento objetivo pretende alienar e tornar obsoleta a densidade da figura do médico constituída ao longo de milhares de anos Na objetivação do corpo o doente assim como o médico vai se desenraizando de sua história Para além do processo identificatório e imaginário que está em jogo no processo de influência do médico quanto ao paciente existe também a escuta Esta última objeto privilegiado deste trabalho busca sustentar a complexidade da relação 16 ARAGON L E P Interface Comunic Saúde Educ v7 n12 p1122 fev 2003 que transforma médico e paciente aquém da divisão sujeitoobjeto Com certa facilidade as pessoas de determinada época acreditam que a verdade está encerrada na pesquisa científica contemporânea Não é fácil conceber que toda ciência trabalha com modelos transitórios sempre influenciados pela necessidade de ordem da comunidade o que muitas vezes se transforma em dogmatismo como a idéia de que a terra era o centro do sistema solar Alves 1996 Considero importante o esforço de sustentar uma postura inquiridora para que a ética que permeia cada bloco de atitudes possa ser percebida O método como trazer para o visível o invisível Realçando até este ponto entre tantos outros fatores possíveis apenas o impacto da rapidez e do cientificismo no campo de relação médico paciente creio já termos meios para avançar no terreno problemático no sentido de gerar questões deste encontro Vivemos em uma época na qual a velocidade e a ciência não são com frequência questionadas Muito do que encarnam as atitudes não é ou não pode ser pensado Assim o paciente se deixa engolir sem reservas a uma curiosidade apressada e o médico também Mas como dar visibilidade a fatores que estão na raiz da determinação de nossos atos Como passar a enxergar coisas que sempre estiveram aí como poderiam não estar e que por hábito fugiram da nossa observação mas nem por isso deixaram de conduzir nossos passos O método cartográfico aqui utilizado possibilita algumas respostas A cartografia ao detectar paisagens aclives e declives cria formas de expressão e vai se formando junto com o território Rolnik 1987 Vai dando lugar ao que está em processo de constituição não excluindo o cartógrafo do processo Não se trata de trabalhar com mapas Estes usam escalas baseadas em diferenças do relevo do clima da vegetação Estas diferenças são determinadas por códigos previamente determinados Na Medicina podemos conceber os critérios de normalidade como mapas ou seja um metropadrão para medir e classificar aquilo que se observa Se o profissional se atém à necessidade de aplicar o mapa à experiência ou ao território tudo que diferir daquele tenderá a ser rejeitado O cartógrafo ao contrário busca produzir uma língua uma existência no processo de mistura e separação das situações que percorre Tenta dar voz àquilo que surge constantemente na atualidade de seu tempo procurando não excluir o que é estranho ou angustiante por não ser previamente mapeado Tendo em mente esta perspectiva ética vamos prosseguir com o acompanhamento das situações de encontro Concretamente uma atitude que me permitiu por em marcha a atitude de abrir espaço para compartilhar da experiência foi a de aumentar o número de encontros Realizei durante dois anos os exames de ecocardiografia fetal no Hospital São Paulo o que resultou em minha dissertação de mestrado sobre este tipo de investigação Aragon 1996 Propus às gestantes que tinham bebês nos quais se suspeitava de alguma anormalidade cardíaca que retornassem a cada quinze dias para a realização de novo exame Não havia expectativa de mudança significativa no diagnóstico fetal mas uma proposta de passar mais tempo com 17 A ESPESSURA DO ENCONTRO Interface Comunic Saúde Educ v7 n12 p1122 fev 2003 estas gestantes e seus familiares Acredito ter sido esta a demanda quando do primeiro encontro e assim essas famílias puderam me ajudar a aprender o caminho para minimizar o seu sofrimento Passo a trilhar novamente este percurso agora acompanhado do leitor A espessura do acontecimento As perguntas feitas pelas pacientes são muitas vezes diretas como está vendo algum problema com o bebê doutor Outras tantas não expõem a preocupação assim de chofre como o que dá para ver nesse exame Nestas situações o medo se mostra sem rodeios muitas vezes colorido com fantasias que procuram dar uma forma ao que se espera de pior Estas fantasias dificilmente correspondem ao que pode ser encontrado no bebê pelo exame No entanto a estratégia do fantasiar além de revelar também limita os medos Medos sem nome pela própria característica da situação a de querer saber sobre o interior do corpo Saber mediado e não imediato o que abre um amplo espaço para o fantasiar Existem exclamações que comunicam os movimentos do bebê algumas vezes interpretações do significado destes Há também perguntas em que o médico vai intermediar a interpretação como quando mexe aqui é o pé ou a mão Fica evidente então a força vital do bebê em gestação Por meio de seus movimentos e das falas da gestante ganha relevo subjetivo o ser em formação Com isso travase uma luta para sustentar a presença do bebê sadio na cena ecocardiográfica Sob uma determinada perspectiva as questões e comunicações colocadas no momento do encontro asseguram o papel social dos personagens Médico e paciente Apesar disto há ao mesmo tempo um atravessamento de signos que tem limites mais imprecisos e que mergulha o encontro em uma outra área de sentido Este atravessamento supera a capacidade verbal de comunicação por sua complexidade eou pela impropriedade das palavras em fazêlo É um campo predominantemente regido pelo afeto Muitos são os afetos disparados nesta situação Nem todos serão apreendidos conscientemente na hora Quem sabe só a posteriori se o forem uma boa parte dos afetos poderão ser nomeados Medo da morte da sua própria e do bebê medo de lidar com a impotência de não ter controle sobre o que ocorre no corpo necessidade de sustentar um ideal de filho e de relação sensação de invasão do seu interior sensação que envolve interpretar a gravidez por uma perspectiva científica analítica e muitas vezes mecanicista afeto de curiosidade expectativa quanto à capacidade de ser mãe e gerar uma criança saudável medo de que suas atitudes possam ter ocasionado algum mal ao bebê e talvez até o temor inconsciente de ver revelado um repúdio à concepção A lista de possibilidades é virtualmente infinita em extensão e composição O que interessa destacar aqui pode ser didaticamente dividido em dois pontos O primeiro é perceber que existe uma multiplicidade de encontros convergindo no mesmo acontecimento Fator que não pode ser reduzido à idéia de que a paciente está ali apenas para saber se há ou não um problema com o feto e o médico para realizar este diagnóstico O segundo diz respeito ao compartilhar dos afetos que se apresentam no encontro rompendo a ilusória distância entre médico e paciente 18 ARAGON L E P Interface Comunic Saúde Educ v7 n12 p1122 fev 2003 A delicadeza Percebemos que as falas e os gestos que habitam a sala de exames como em toda relação fazem parte de uma complexa comunicação Uma boa parte dos medos fantasias e expectativas que estão presentes não são conscientes nem para o paciente nem para o médico Isso não quer dizer que não existam Estas descobertas não ocorreram de uma hora para outra Também não foram encontradas prontas em um livro Decorreram de aspectos presentes mas quase virtuais que permearam os encontros Fatores como delicadeza e sutileza são pouco comentados no meio médico mas são de grande importância quando se trata de tentar aprender com o outro a melhor maneira de se aproximar e se relacionar Resgato estes quaseconceitos delicadeza e sutileza para que nos ajudem na tarefa cartográfica Escolho propositalmente qualidades de ações formas de atitude que dificilmente se prestam a uma determinação objetiva Com isso temos maior liberdade para refletir sobre a experiência Ser delicado com o outro implica não chegar de sopetão com uma verdade já pronta Implica uma certa lentidão no trato com o tempo para que seja possível observar interagir e encontrar a medida certa Só assim é possível perceber que encaminhamento dar à angústia sem negála ou se render a ela Assim aprendi que todas as gestantes quando impactadas por uma notícia ruim tentavam conceber uma figura de seu bebê Notei que na maior parte das vezes exprimem nessas figuras a expectativa de uma monstruosidade O que não se vê e é considerado como negativo é normalmente palco das mais terríveis cenas da imaginação Como enfrentar a gravidade de uma notícia ruim no sentido de minimizar ao máximo a dor que é o principal objetivo do médico É necessário cultivar a possibilidade de ficar com a experiência sem querer banila prontamente Só isto já pode evitar condutas catastróficas mas infelizmente comuns como é o caso de dizer para a família que o feto tem um grave problema talvez não sobreviva aos nove meses de gestação e que voltem para controle da patologia no mês seguinte Conceder um mínimo de tempo que permita se colocar na posição de quem recebe a notícia e terá que conviver com ela Este tempo pode trazer consigo a sutileza que emerge da possibilidade de não se sentir diferente fora do problema e ter a humildade de entender que foi a vontade do nosso saber que tornou possível esta triste situação O meu exercício de sutileza foi procurar em cada caso dar as informações de que dispunha na medida da demanda da família Com as palavras mais simples que conseguia dizer Para minha surpresa a capacidade de compreensão das gestantes é muito grande E ao contrário do que se poderia imaginar quanto ROSA GUERRA Homenagem ao poema Morte e Vida Severina detalhe 19 19 A ESPESSURA DO ENCONTRO Interface Comunic Saúde Educ v7 n12 p1122 fev 2003 mais informadas e seguras do que está ocorrendo na mente do examinador mais tranqüilas e cooperativas se mostram mesmo que o médico espere ou diagnostique coisas muito ruins Passei então a dedicar o tempo necessário para tirar as dúvidas da gestante sobre as descobertas que o saber médico produziu Em todos os casos fazia desenhos do coração explicando a diferença do que é considerado normal e o que foi encontrado no seu bebê A maioria das gestantes pedia para levar os desenhos para assim explicar o problema para os familiares e vizinhos Vale dizer que além das fantasias da gestante os familiares e conhecidos colaboram freqüentemente para a piora da situação aumentando ao infinito a angústia já muito grande Poder esperar as perguntas chegarem falar do seu conhecer aos poucos na medida que há um espaço para fazêlo usar palavras compreensíveis têm resultados incríveis É a postura que alinho com o que chamo de sutileza São atitudes que não chamam muito a atenção ao contrário passam quase desapercebidas mas talvez por isso mesmo consigam penetrar e produzir mudança Não se trata de forma alguma de ser bonzinho ou de tentar sentir a mesma coisa que a gestante Também não estou falando de uma cordialidade automática um simples obedecer a regras socialmente impostas A atitude delicada e sutil preserva a diferença entre as pessoas a autenticidade de cada uma no encontro com a situação o que não impede que haja uma porosidade de afetação Um deixarse penetrar pela emoção que circula naquele momento único Assim o aprendizado não cessa e o campo de ação médica ampliase muito É comum por exemplo que o casal se sinta responsável pela tragédia desvelada Um tombo um medicamento a história de patologias de família a qualidade ruim de si próprios como genitores ou mesmo a rejeição da gravidez que surgiu em um momento imprevisto um descuido são alguns dos modos de culpabilização do casal Poder desfazer estes roteiros é no meu entender uma das atitudes mais nobres do médico nesta situação Digo isto porque ao ouvir o casal quando retorna vêse que a forma como o encontro se deu no consultório ou na sala de exames repercute intensamente nos bastidores Depressão crise conjugal rejeição pela família são só alguns dos problemas que podem ser minimizados Se o médico não está aberto para sentir com pode ignorar estas questões considerandoas como fora de sua alçada Falo de situações cotidianas e atitudes simples adquiridas a partir da abertura para o aprender com a experiência Não nego no entanto que minha formação psicanalítica ajudou na elaboração dessas experiências Medicina e Psicanálise se encontram O fato de ser psicanalista me deu uma oportunidade que ao ser compartilhada pode reverter em benefício da Medicina A moça do caso aqui analisado como era esperado perdeu seu bebê Eu acompanhei toda a gravidez e estava lá no momento do parto Uma menina portadora de uma síndrome genética incompatível com a vida morreu logo após vir ao mundo A minha função de médico acreditava terminara ali 20 ARAGON L E P Interface Comunic Saúde Educ v7 n12 p1122 fev 2003 Não soube quando teve alta do hospital Surpreso recebo um telefonema desta moça seis meses depois do parto Pedia uma oportunidade para conversar Acredito que minha atitude durante sua gravidez foi o que determinou esta procura pois ela não sabia que eu estudava Psicanálise Ela me conta que após alguns dias do parto começou a ter crises que poderíamos chamar de crises de pânico Repentinamente e em qualquer lugar sentia um intenso suor frio tremor sensação de desfalecimento e de morte iminente Recorria ou era levada ao local onde sempre buscou auxilio o Hospital Universitário Lá no Pronto Socorro diziam após a realização de um eletrocardiograma que ela nada tinha Pude conhecer a humilhação sentida pela pessoa que se encontra nestas condições Todo o ser está gritando por ajuda o sofrimento é concreto e cruel No entanto nessas horas o médico na estrutura médica existente com sua necessidade de rapidez e cientificismo com freqüência desconsidera o sofrer e o fato de que foi para ele que a demanda de cuidado se fez Em uma dessas idas ao Pronto Socorro encaminharamna para o Setor de Psicologia Feita uma entrevista com a psicóloga ficou sabendo que três eram as sessões de psicoterapia permitidas para cada paciente pelo menos foi o que me contou Sentiu que mais uma vez não havia espaço de acolhimento para lidar com o mal que a atacava sem nem mesmo saber o porquê Conversando com ela ouvindo essas histórias entendi que muitas outras questões estavam envolvidas com aquela gravidez Era necessário poder ouvir e buscar um caminho entre suas lembranças e seus temores atuais Só em parte o médico pode prover este ambiente e foi então que propus que nos encontrássemos no consultório de psicanálise Ela concordou e hoje penso ter sido um convite acertado pois deste trabalho surgiu a condição de interromper as crises e retomar sua vida afetiva e profissional Em pequenas doses foi se constituindo uma longa história em que não faltava nenhum ingrediente Alegrias tristezas desilusões ilusões Na particularidade da sua vida podemos a posteriori perceber que em todos os encontros muitos são os planos concomitantes de vivência da experiência e muitas as interpretações coexistentes de um único acontecimento Fiquei sabendo que a gravidez foi planejada por ela contra a vontade de seu parceiro que não assumiu a paternidade mas isto não importava Ela sonhava há muito com a oportunidade de ter um filho Este sonho tão comum ou mesmo universal tinha características muito especiais no caso desta moça Ela acreditava que ao engravidar toda uma vida de sofrimentos iria desaparecer de suas lembranças pois ela seria a família perfeita para o filho e este para ela Não era apenas um sonho era uma crença Logo aos primeiros meses de gravidez ela largou o emprego do qual dependia financeiramente acreditando que ela e o bebê se bastariam para uma vida feliz Sem imaginar que justamente por estar esperando um bebê é que precisaria ainda mais do emprego Ela era uma dentre oito irmãos de uma família muito pobre Cresceu sem sentir muita atenção materna Pelo menos não tanto quanto desejava Teve que trabalhar muito cedo Dos seus familiares foi a única que estudou e conseguiu um bom trabalho como secretária o que permitiu a ela morar 21 A ESPESSURA DO ENCONTRO Interface Comunic Saúde Educ v7 n12 p1122 fev 2003 sozinha em um bom apartamento Imagino por sua história de sucesso profissional e pelo grande número de amigos que ninguém poderia imaginar a força das marcas que sua vida tinha deixado A vitalidade do desejo de afastar o sofrimento convivia em segredo com um cotidiano aparentemente feliz Eu e talvez mais alguém da equipe que acompanhava sua gestação percebemos que algo de diferente havia com aquela moça Creio que somente nesta situação limite para a mulher a maternidade o sonho começou a sobrepujar a realidade Ela diferentemente das outras gestantes não aparentava tristeza com a noticia que tinha recebido Ao contrário vinha feliz a cada retorno sem demonstrar qualquer preocupação Continuava vivendo seu sonho sem se interessar pelos fatos Após a morte da criança entrou em profunda depressão e como já disse passou a ter crises de pânico Recusavase a abdicar de seu sonho Ela era em determinada medida mais o sonho do que a pessoa que seus amigos e vizinhos conheciam Passou a escrever todas as noites um diário no qual conversava com seu bebê Foi um longo processo de luto com momentos de profundo desapego à vida Descobrimos que os sintomas que acompanhavam as crises eram os mesmos que sentiu quando a bolsa amniótica rompeu Naquele momento eu sabia que já não poderia fugir disse ela Trago para a superfície estes detalhes do tratamento psicanalítico para reforçar aquilo que muitos profissionais já sabem intuitivamente Para responder à demanda que surge a cada dia a cada encontro a cada olhar não basta a perícia técnica É preciso se deixar tocar pelo desconhecido sem rejeitá lo No campo técnico e estatístico é valorizado o fato de o médico ter visto muitos casos No entanto para atender a pessoa que está ali na frente e não outra é preciso abdicar da memória e se aventurar a ir ao encontro e se deixar encontrar Equilibrar estes dois aspectos fundamentais do ser médico é uma arte Justamente viver a Medicina como estilo estética faz um contraponto necessário à hegemonia do ideal técnico de nossos tempos Cito Foucault 1995 p270 temos apenas uma vaga lembrança da idéia em nossa sociedade do princípio da obra de arte o ponto principal ao qual devemos aplicar os valores estéticos é o si a própria vida a própria existência Não se trata de autoabsorsão em um processo de isolamento que busca uma limpeza e uma perfeição imaginárias mas de tornar a Medicina arte no encontro poroso e transformador que envolve a criação do médico e do paciente em um mesmo movimento unindoos e marcandoos de forma indelével Conclusão Busquei neste trabalho colocar em contato o campo da Medicina e o da Psicanálise tendo a cartografia como método de estudo Procurei destacar a importância de resistir às forças que pasteurizam as relações não permitindo que haja um prolongamento e uma singularização do contato Resistir a forças não depende de uma atitude voluntária em se alinhar com uma certa forma de ser e agir Delicadeza e sutileza não 22 ARAGON L E P Interface Comunic Saúde Educ v7 n12 p1122 fev 2003 têm aqui função de modelo mas de aspectos das relações que me ajudam a perceber o que chamei de linhas de força do contemporâneo como a necessidade de rapidez e o cientificismo Creio assim que só realizando a cartografia a crítica é que se cria a capacidade de partindo da afetação que produz em cada um mudar o alinhamento de forças Referências ALVES R Filosofia da ciência São Paulo Ars Poética 1996 AMARAL R S Uma viagem cartográfica pela instituição hospitalar seus habitantes suas emoções e suas implicações São Paulo 1999 Dissertação Mestrado Escola Paulista de Medicina UNIFESP ARAGON L E P O valor da ecocardiografia no diagnóstico de cardiopatias fetais São Paulo 1996 Dissertação Mestrado Escola Paulista de Medicina UNIFESP FOUCAULT M Michel Foucault entrevistado por Hubert L Dreyfus e Paul Rabinow In DREYFUS H L RABINOW P Michel Foucault uma trajetória filosófica Para além do estruturalismo e da hermenêutica Rio de Janeiro Forense Universitária 1995 p270 ROLNIK S B Cartografia sentimental na América produção do desejo na era da cultura industrial São Paulo 1987 Tese Doutorado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo SANTANNA D B Corpos de passagem ensaios sobre a subjetividade contemporânea São Paulo Estação Liberdade 2001 VIRILIO P Velocidade e política São Paulo Estação Liberdade 1996 ARAGON L E P La espesura del encuentro Interface Comunic Saúde Educ v7 n12 p1122 2003 Este trabajo pretende realizar un análisis de la contemporaneidad efectuando una intersección entre la medicina y el psicoanálisis Para ello se utiliza aquí el método cartográfico con miras a evitar tanto una perspectiva de análisis dialéctica como el aislamiento del observador con relación a su objeto La escena médica y tecnológica se abre para recibir planos de comunicacióncontaminación que van más allá de la habitual relación médicopaciente para sostener la complejidad de los encuentros que involucra factores inconscientes y virtuales Complejidad ésta que cuando se la considera implica una ética particular Se plantea el uso de aquello que se llama casi conceptos en este caso la delicadeza y la sutileza para auxiliar en la tarea cartográfica de determinar los planos compuestos en el encuentro Se rechaza el voluntarismo que deriva en la producción de manuales de conducta para buscar líneas de fuerza que atraviesan el espacio contemporáneo y la dupla en el inmersa líneas éstas consideradas como preindividuales PALABRAS CLAVE Medicina Psicoanálisis Cartografía ultrasonografía Recebido para publicação em 120802 Aprovado para publicação em 051102 POSTURA PROFISSIONAL ESCUTA CLÍNICA E VÍNCULO TERAPÊUTICO INTEGRAÇÃO TEÓRICA E PRÁTICA NA PSICOTERAPIA Na prática clínica o sucesso da intervenção psicoterapêutica está intrinsecamente ligado à qualidade da relação estabelecida entre terapeuta e paciente A eficácia do tratamento não se limita apenas ao uso de técnicas e protocolos terapêuticos mas é amplamente influenciada pela forma como o terapeuta se engaja com o paciente Três conceitos centrais que desempenham um papel crucial nesse processo são a postura profissional a escuta clínica e o vínculo terapêutico A postura profissional referese à atitude e ao comportamento do terapeuta em relação ao paciente Vai além da aplicação de técnicas específicas e envolve uma atitude reflexiva e empática que pode moldar profundamente a interação terapêutica A escuta clínica é outra competência essencial que envolve não apenas ouvir as palavras do paciente mas também compreender as emoções e os contextos subjacentes às suas expressões Por fim o vínculo terapêutico representa a conexão emocional e relacional que se estabelece entre terapeuta e paciente e é crucial para a construção de uma relação de confiança e colaboração A integração efetiva dos conceitos de postura profissional escuta clínica e vínculo terapêutico não apenas enriquece a prática psicoterapêutica mas também contribui para um avanço contínuo na compreensão e tratamento das complexidades do comportamento humano À medida que a prática clínica evolui é fundamental que os profissionais adotem uma abordagem que vá além da aplicação rígida de técnicas e protocolos reconhecendo a importância de uma postura reflexiva e empática uma escuta atenta às múltiplas dimensões da experiência do paciente e um vínculo terapêutico baseado em confiança e respeito mútuo A interligação entre teoria e prática conforme evidenciado por Machado 2010 Peres 2009 e Aragon 2003 sublinham que o sucesso na psicoterapia não é apenas uma questão de aplicar conceitos teóricos mas de adaptar e integrar essas ideias de maneira sensível e responsiva às necessidades individuais dos pacientes Esse processo contínuo de adaptação e reflexão permite aos terapeutas não apenas proporcionar um tratamento mais eficaz mas também contribuir para o desenvolvimento de práticas mais humanas e compreensivas no campo da psicoterapia promovendo um ambiente terapêutico que verdadeiramente favoreça o bemestar e a saúde mental dos pacientes Esses conceitos estão interrelacionados e suas implicações são tanto teóricas quanto práticas A teoria sugere que a postura empática a escuta ativa e o vínculo sólido são fundamentais para o sucesso do tratamento psicoterapêutico No entanto a prática clínica frequentemente enfrenta desafios em aplicar essas teorias de forma eficaz exigindo uma constante adaptação e revisão das abordagens terapêuticas Compreender a interação entre postura escuta e vínculo é essencial para uma prática que verdadeiramente promova a saúde e o bemestar dos pacientes Assim explorar essas dimensões oferece uma visão mais aprofundada e integrada da prática clínica onde a teoria e a prática se encontram e se reforçam mutuamente A postura profissional do terapeuta é um componente fundamental e determinante para a eficácia da prática clínica Esse conceito transcende a aplicação de técnicas e estratégias terapêuticas e abrange a maneira como o terapeuta se posiciona em relação ao paciente influenciando diretamente a qualidade da interação terapêutica Segundo Aragon 2003 a postura do terapeuta deve incorporar a ideia de espessura do acontecimento que referese ao reconhecimento e à compreensão da complexidade das experiências do paciente Esse conceito implica que o terapeuta não deve apenas observar e tratar sintomas mas deve se engajar em uma compreensão mais profunda das vivências do paciente adotando uma presença autêntica e sensível Aragon 2003 argumenta que a postura do terapeuta deve ser uma prática de abertura e atenção às camadas profundas das experiências relatadas pelo paciente Isso significa que o terapeuta deve estar disposto a enfrentar e explorar as múltiplas dimensões das narrativas do paciente reconhecendo a complexidade e a profundidade dos eventos descritos Em outras palavras a postura do terapeuta deve ser reflexiva e empática buscando entender a experiência do paciente em sua totalidade e não apenas através de uma lente técnica ou superficial Machado 2010 reforça essa perspectiva ao criticar a abordagem tradicional que tende a culpar o paciente por não seguir as orientações médicas ou por não responder conforme o esperado Essa visão reducionista ignora as nuances do comportamento do paciente e desconsidera os contextos sociais e culturais que moldam suas experiências Machado propõe uma postura mais compreensiva e empática que valoriza o contexto do paciente e evita a condenação ou a punição Essa abordagem é crucial para uma prática clínica que considera a subjetividade do paciente e adota uma atitude colaborativa e não julgadora A postura profissional do terapeuta deve ser caracterizada por uma disposição para entender e se engajar com as complexidades da experiência do paciente Em vez de adotar uma atitude punitiva ou condenatória o terapeuta deve buscar uma compreensão profunda e empática das questões que o paciente enfrenta Isso envolve reconhecer os fatores sociais e culturais que influenciam o comportamento do paciente e trabalhar de forma colaborativa para explorar e compreender essas dimensões Uma postura empática e reflexiva não apenas contribui para um ambiente terapêutico mais receptivo mas também promove um processo de tratamento mais eficaz e humanizado Na prática clínica a postura profissional exige que o terapeuta adote uma atitude de abertura e acolhimento respeitando a complexidade e a individualidade do paciente Isso inclui evitar uma abordagem punitiva ou condenatória como critica Machado 2010 e em vez disso engajarse de maneira colaborativa e compreensiva com o paciente A prática revela que uma postura empática e não julgadora não só melhora a qualidade da relação terapêutica mas também promove um ambiente onde o paciente se sente seguro para explorar questões profundas e pessoais A escuta clínica é uma competência crucial na prática terapêutica que transcende a mera audição das palavras do paciente Peres 2009 ressalta que a escuta clínica deve ser mais do que um processo passivo ela deve ser atenta e envolvente de modo a valorizar não apenas as expressões emocionais do paciente mas também os conteúdos inconscientes que surgem durante as sessões Essa abordagem permite ao terapeuta acessar e compreender os aspectos mais profundos e sutis da experiência do paciente facilitando uma análise mais abrangente e precisa Aragon 2003 complementa essa perspectiva ao enfatizar a importância de captar a espessura das narrativas do paciente para o autor a escuta clínica deve reconhecer que a comunicação é multifacetada e que as experiências e emoções descritas pelo paciente são complexas e possuem várias camadas de significado Assim a escuta clínica não deve se limitar a uma interpretação superficial das palavras do paciente mas deve buscar entender a profundidade e a complexidade das experiências que estão sendo comunicadas Essa abordagem exige que o terapeuta desenvolva uma habilidade acurada para perceber as nuances da comunicação tanto verbal quanto não verbal Peres 2009 descreve a escuta ativa como um processo que envolve uma análise cuidadosa das expressões emocionais do paciente e dos significados subjacentes que não são explicitamente expressos O terapeuta deve ser capaz de identificar e interpretar sinais sutis que podem revelar aspectos importantes da psique do paciente Essa capacidade de captar nuances e sutilezas permite ao terapeuta construir uma relação terapêutica mais profunda e compreensiva promovendo um ambiente onde o paciente se sente verdadeiramente ouvido e compreendido A escuta clínica eficaz transcende a mera prática técnica e se configura como um elemento central na construção de uma relação terapêutica profunda e transformadora De acordo com Peres 2009 a escuta clínica deve ser entendida como uma prática dinâmica que envolve uma disposição contínua para acolher e compreender as múltiplas dimensões das experiências e emoções do paciente Isso requer do terapeuta uma abertura autêntica e uma capacidade de receptividade que vão além da simples audição das palavras proferidas pelo paciente Em vez de uma escuta passiva o terapeuta deve engajarse ativamente na interpretação das nuances e das camadas subjacentes das narrativas do paciente reconhecendo que cada expressão verbal e não verbal carrega significados profundos e complexos que merecem atenção O conceito de espessura do acontecimento proposto por Aragon 2003 ilustra a necessidade de captar não apenas o conteúdo explícito das comunicações do paciente mas também as dimensões implícitas que emergem das entrelinhas das suas narrativas Essa abordagem demanda uma escuta que se sintonize com as emoções e os significados subjacentes às palavras facilitando uma compreensão mais completa das questões que influenciam o comportamento e o estado emocional do paciente A capacidade de discernir essas camadas permite ao terapeuta identificar e abordar questões subjacentes que podem estar moldando as experiências do paciente promovendo uma intervenção mais precisa e efetiva A escuta atenta e envolvente contribui para o fortalecimento do vínculo terapêutico ao promover a confiança e a colaboração entre terapeuta e paciente Quando o terapeuta demonstra uma compreensão genuína e uma disposição para explorar as questões mais íntimas e complexas do paciente criase um espaço seguro e acolhedor onde o paciente se sente verdadeiramente ouvido e valorizado Isso facilita o acesso a aspectos profundos e muitas vezes não reconhecidos da experiência do paciente permitindo um processo terapêutico mais eficaz e enriquecedor Além de que a prática da escuta clínica é fundamental para a promoção da autoexploração do paciente Ao se sentir compreendido e validado o paciente está mais apto a enfrentar e trabalhar questões internas que podem ter sido previamente inexploradas ou reprimidas Essa exploração facilitada por uma escuta eficaz pode levar a uma maior consciência e entendimento de si mesmo o que é crucial para o processo de mudança e crescimento pessoal O vínculo terapêutico enquanto dimensão central da prática psicoterapêutica representa a conexão emocional e relacional que emerge entre o terapeuta e o paciente sendo fundamental para o êxito da terapia Este vínculo não é meramente uma formalidade ou uma parte secundária do processo terapêutico mas um componente essencial que molda e influencia profundamente a eficácia do tratamento Peres 2009 enfatiza que a aliança terapêutica se constitui a partir da confiança e do respeito mútuo criando um espaço seguro e colaborativo onde o paciente pode se engajar plenamente no processo psicoterapêutico Esta confiança é a base que permite ao paciente explorar e confrontar questões pessoais profundas sem receio de julgamento ou rejeição A presença de um vínculo terapêutico sólido promove uma atmosfera onde o paciente se sente genuinamente aceito e valorizado o que é crucial para a abertura e a disposição para enfrentar e trabalhar com temas emocionais e comportamentais complexos Essa perspectiva é amplificada por Aragon 2003 ao introduzir o conceito de espessura do acontecimento sugerindo que a profundidade da relação terapêutica deve refletir a complexidade e a autenticidade da interação entre terapeuta e paciente Esse conceito implica que a relação não deve ser reduzida a um intercâmbio superficial de palavras ou técnicas mas deve englobar uma verdadeira conexão emocional que reconhece e valida a complexidade das experiências do paciente A profundidade desse vínculo é evidenciada por uma comunicação genuína e uma compreensão profunda das experiências e emoções do paciente refletindo uma interação que é tanto emocionalmente rica quanto significativamente envolvente A contribuição de Machado 2010 fomenta ainda mais essa discussão ao destacar a importância de um vínculo empático e colaborativo A autora argumenta que a prática clínica deve promover uma relação de apoio e compreensão em vez de uma abordagem autoritária ou conformista Para alcançar essa relação colaborativa o terapeuta deve adotar uma postura que valorize a participação ativa do paciente no processo terapêutico reconhecendo suas preocupações e experiências como válidas e dignas de atenção Isso requer do terapeuta um compromisso com uma prática que priorize a empatia a colaboração e o respeito pelas perspectivas e experiências do paciente A construção de um vínculo terapêutico eficaz também está profundamente ligada à capacidade do terapeuta de manter uma postura reflexiva e autêntica engajandose de maneira honesta e sensível com as experiências do paciente Isso não só facilita a criação de um espaço de confiança mas também promove a colaboração ativa na definição e no alcance dos objetivos terapêuticos Em última análise um vínculo terapêutico bem estabelecido possibilita uma maior profundidade na exploração das questões do paciente promove um maior comprometimento com o processo terapêutico e por conseguinte aumenta a probabilidade de sucesso do tratamento Com essas anakises vínculo terapêutico deve ser compreendido não apenas como uma característica desejável mas como um elemento indispensável para a eficácia da psicoterapia Sua construção e manutenção demandam um esforço contínuo por parte do terapeuta para criar e sustentar uma relação genuinamente colaborativa e empática que permita ao paciente explorar e enfrentar questões complexas com maior abertura e engajamento A integração dos conceitos teóricos de postura escuta clínica e vínculo terapêutico é fundamental para a eficácia da psicoterapia A teoria sugere que uma postura empática uma escuta ativa e um vínculo terapêutico sólido são indispensáveis para o sucesso do tratamento Conforme ilustrado por Machado 2010 Peres 2009 e Aragon 2003 a prática clínica deve ser constantemente revisada e adaptada para refletir as realidades e complexidades dos pacientes Aragon 2003 enfatiza que a eficácia da terapia está profundamente ligada à forma como o terapeuta se engaja com a complexidade da experiência do paciente A postura do terapeuta deve ser autêntica e sensível às profundidades das experiências do paciente a escuta clínica deve ser atenta e reflexiva e o vínculo terapêutico deve ser cultivado para refletir a profundidade e a complexidade da relação terapêutica A prática clínica confirma que a qualidade da relação terapêutica influenciada pela postura pela escuta e pelo vínculo é crucial para o sucesso do processo terapêutico A integração entre teoria e prática na psicoterapia é crucial para uma prática efetiva A teoria oferece uma base para compreender os elementos críticos da prática clínica enquanto a prática permite que esses princípios teóricos sejam testados e refinados Os conceitos de postura profissional escuta clínica e vínculo terapêutico não são apenas ideais teóricos mas são fundamentais para a prática clínica diária A teoria sugere que uma postura empática uma escuta ativa e um vínculo terapêutico sólido são indispensáveis para o sucesso do tratamento Na prática essas teorias são confirmadas e aprimoradas pela experiência clínica A aplicação dos princípios teóricos de maneira sensível e adaptativa conforme demonstrado por Machado 2010 Peres 2009 e Aragon 2003 permite uma compreensão mais profunda e uma abordagem mais eficaz na prática psicoterapêutica Assim a prática clínica não só aplica os conceitos teóricos mas também contribui para o desenvolvimento e a validação desses conceitos A interação contínua entre teoria e prática enriquece a psicoterapia promovendo um atendimento mais sensível e eficaz que favorece o bemestar e a saúde mental dos pacientes A integração harmoniosa dos conceitos de postura profissional escuta clínica e vínculo terapêutico é crucial para o êxito da prática psicoterapêutica A teoria e a prática revelam que um terapeuta eficaz não é apenas um aplicador de técnicas mas sim um facilitador de uma relação terapêutica rica e profunda A postura profissional deve ser reflexiva e empática a escuta clínica deve ser atenta e compreensiva e o vínculo terapêutico deve ser construído sobre a confiança e a colaboração genuína A aplicação desses princípios cria um ambiente onde o paciente se sente valorizado e compreendido possibilitando um processo terapêutico mais eficaz e transformador Assim a prática clínica é constantemente enriquecida e aprimorada pela reflexão teórica enquanto as experiências terapêuticas práticas fornecem um campo fértil para o desenvolvimento e a validação dos conceitos teóricos Em última análise a sinergia entre teoria e prática na psicoterapia promove um atendimento mais sensível e eficaz fundamental para a promoção do bemestar e da saúde mental dos pacientes REFERÊNCIAS ARAGON L E P 2003 A espessura do acontecimento Interface Comunicação Saúde Educação 712 1122 MACHADO A M 2010 Oportunidade de Luta In LEITE Álvaro Madeiro FILHO João Macédio Org Você pode me ouvir doutor São Paulo Edusp PERES Rodrigo Sanches 2009 Aliança terapêutica em psicoterapia de orientação psicanalítica aspectos teóricos e manejo clínico Estudos de Psicologia Campinas v 26 n 3 p 383389
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OPORTUNIDADE DE LUTA Adriana Marcondes Machado1 Capítulo publicado no livro Você pode me ouvir doutor organizado por Álvaro Madeiro Leite e João Macédio Filho pela Editora Saberes Campinas 2010 Caro médico recémformado Apresentarei duas cenas para iniciar a conversa Rita uma mulher de 32 anos está indo à consulta médica Carrega consigo grande expectativa faz tempo que sofre de males que a deixam com muitas dores Esperou meses por essa consulta Na sala de espera sentase numa cadeira e aguarda Quando chamada fala de suas dores à médica que a examina e lhe prescreve um remédio no receituário A mulher pega o papel sai da consulta mas não vai à farmácia joga a receita no lixo Um homem de 40 anos está com o filho de 15 internado Espera o médico para saber o diagnóstico Muita coisa depende desse diagnóstico pois conforme o resultado do exame haverá ou não a possibilidade de cura O médico ao chegar lhe dá a notícia O caso é grave O pai chora o médico o consola Depois desse caso o médico vai cuidar de mais outros ao longo do dia Ao final do trabalho volta para casa Encontra a família janta relaxa o corpo diante da TV À noite sofre de insônia isso tem sido freqüente Já há alguns meses o médico toma remédio para dormir Como explicar esses acontecimentos Sou psicóloga Esses anos de contato com as maneiras de sentir viver e adoecer foram me permitindo obter maior clareza sobre o que é e como se produz a subjetividade Durante minha formação dominoume um tipo de pensamento diferente do que defendo atualmente Eu acreditava que por haver uma maneira de ser e sentir que parece ser o jeito da pessoa poderíamos falar de um núcleo uma essência um inconsciente individual que justificaria as características os valores e as atitudes de alguém Esse jeito típico de alguém seria constituído por muitos fatores físicos culturais relacionais pessoais Assim por exemplo em um processo de subjetivação estariam presentes o corpo gordo em uma cultura que preza a magreza a relação com a mãe que sempre foi uma mulher muito rigorosa as histórias com os amigos em que predominava o gosto pelo futebol do qual ele porém não gostava um menino de classemédia nascido numa cidade grande Eu tinha noção disso tudo sabia da presença desses diversos fatores na formação de um sujeito e acreditava 1 que haveria um modo saudável de viver essas relações e se isso não ocorria teríamos que ajudar essa pessoa 2 que algumas relações como por exemplo as ligações com a mãe e com o pai principalmente quando se é criança e jovem seriam indicadores fundamentais para ajudarmos essa pessoa Tudo isso que eu pensava fazia sentido para as ações de uma certa psicologia na qual eu referenciava minha prática clínica Mas embora percebesse uma maneira de ser mais freqüente mais presente nas relações estabelecidas por um certo sujeito embora me desse 1 Professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo Mestre e Doutora em Psicologia Social pelo IPUSP 1 conta de que em nosso tempo as relações parentais criam sentidos e significados muito intensos estava equivocada em pensar tudo isso de um modo naturalizado Em outras palavras sabia que a maneira como se constrói um sujeito depende dos valores do tempo que as subjetividades são produzidas em determinado território existencial mas tratava este território como natural Até mesmo a relação de atendimento profissional de saúdepaciente era naturalizada por mim como se dada essa relação eu devesse atender esse sujeito ver o que ele tinha como se o próprio dispositivo de atendimento não fosse uma das relações presentes na produção da doença EFEITOS SUBJETIVOS O QUE É ISSO Pensemos em efeitos subjetivos como a criação de maneiras de viver de sentir de agir de pensar Essas maneiras vão sendo engendradas criadas como dissemos dependendo das práticas das relações de poder das experiências das ligações que estabelecemos A concepção de que haveria uma maneira ideal de ser um aluno deveria assistir às aulas e estudar para as provas um paciente deveria tomar suas medicações carrega consigo a sensação de que quando essa maneira ideal não se realiza isso seria um imprevisto um erro um acidente algo que não deveria acontecer Por isso ao indagarmos sobre por que as coisas estão ocorrendo de uma certa maneira termos a sensação de que poderíamos alterar apenas aquele suposto desvio aquilo que está acontecendo e que não deveria acontecer sem que seja necessário alterar outras coisas Isso é se acreditamos que o fato de Rita não tomar a medicação é um imprevisto que revela características pessoais não ideais ficamos com a impressão de que Rita é a responsável e nesse caso culpada por não agir de maneira correta Mas se entendemos que essa ação de Rita é efeito de práticas e saberes teremos que pensar a relação de atendimento o tempo da consulta o que precisa ser escutado o tempo do médico a concepção que se tem de doença etc Fui percebendo a importância de investigar o que seria em certa época a boa maneira de ser e agir Mas essa busca nos impõe uma pergunta como foi se criando e se fortalecendo a noção de que deveria haver essa maneira ideal Foi essa pergunta que guiou meus estudos reflexões e práticas a partir de certo momento redefinindo minha atuação profissional Ler textos de Michel Foucault foi uma experiência disruptiva sempre revelando fatos argumentos e escritos que nos mostram o mundo como constituído por relações que são efeitos de outras relações Toda interpretação já é efeito de interpretações e toda interpretação produz efeitos interpretativos Uma criança é diagnosticada com Síndrome de Down uma interpretação em uma escola isso pode implicar abandono em outra por sua vez construir novos modos de ensinar os atendimentos necessários são possíveis em certa classe social ao passo que em outras não os efeitos nas famílias podem ser diferentes conforme os significados atribuídos a esse misto de fatointerpretação as leis em relação às pessoas com alguma deficiência têm se alterado Portanto falar síndrome de Down em determinada época e local tem efeitos diferentes que são construídos conforme os tempos e as relações Esses efeitos revelam também dimensões políticas Passei a entender que a concepção de que haveria algo essencial básico inaugural e determinante no sujeito era então o que dominava na vida que nós levamos Mas não era a vida Isso para uma pessoa como eu que sempre buscava fazer as coisas corretamente acreditando que haveria uma maneira certa de fazer as coisas ser boa 2 aluna seria o correto era uma doída chibatada Quando algo domina devo ser a boa aluna quando algo se torna hegemônico isso ocorre como efeito de relações de força E o que está em jogo nessas relações Sabemos que por muito tempo não se fazia ligação entre o aluno diagnosticado com distúrbio de aprendizagem e os acontecimentos no diaadia escolar por exemplo aulas alienantes práticas causadoras de humilhação etc O aluno com dificuldades para aprender distante do ideal era visto como um problema individual Sem dúvida esse modo de se realizar o diagnóstico nos impedia de pensar as práticas institucionais e as questões políticas nelas implicadas Podemos dizer que esses impedimentos estão presentes e predominam no jogo das relações Reorientar a prática clínica pela inclusão dessas questões institucionais e políticas demandava uma mudança buscar compreender como se deu a criação dessa maneira de pensar que rotula e julga os sujeitos Tal busca envolvia uma ruptura com atitudes moralistas Não julgar a atitude de Rita mas com ela indagar como se produziu o fato de ela jogar a receita no lixo O que essa atitude nos revela sobre o dispositivo de atendimento Dessa forma o desvio que havia sido colocado no lugar de algo que foge à norma revelaria sim a produção de outras possibilidades outras afirmações O aluno que larga a faculdade no último ano não seria visto pelo viés negativo aquele que NÃO conseguiu terminála Ele cria uma possibilidade ele afirma uma existência singular que é efeito das relações que habita Portanto ficava claro que tudo o que acontece por exemplo o diagnóstico de uma doença específica cria maneiras de viver que também são de nossa responsabilidade Parece estranho mas dizer essa pessoa tem dislexia não é uma informação objetiva e neutra É uma informação que carrega dimensões políticas exige por exemplo que pensemos as necessidades e criemos possibilidades de atendimento para essa pessoa exige que fiquemos atentos para agir nos efeitos que vão se produzindo Logo que me formei eu percebi que minha atividade em muitos momentos criava poucas alternativas para agir em crenças cristalizadas Era revoltante e frustrante Viame num lugar aprisionado isto é muitas vezes quando alguém busca uma psicóloga espera curas entendimentos e sugestões que pudessem agir nos acontecimentos como se os mesmos fossem os tais imprevistos comentados no início da carta Como se fosse possível alterar as coisas sem mexer na vida nas relações nas concepções Fui percebendo que se o que acontece com uma pessoa um paciente é sempre efeito de relações se eu fazia parte daquilo que se produzia teria que entender melhor o que está em jogo nesse dispositivo de atendimento e portanto na criação dos especialistas nas posturas atuais com que se pensa a saúde Um dia estava esperando o elevador com uma mãe e uma criança de três anos Eu já havia visto a mulher algumas vezes Cumprimentamonos e começamos a conversar Ela perguntou minha profissão Respondi psicóloga Já no elevador a criança queria apertar vários botões e a mãe explicava a ela que não podia Por fim disse Olha se você não se comportar vou ter que te levar para uma psicóloga igual a ela apontou para mim e ela vai dar um jeito em você O elevador parou em um andar e ambas saíram O máximo que pude fazer foi uma cara de quem não é má Nessa cena meu corpo e a profissão que exerço são suficientes para produzir culpa ameaça medo produções que têm a função de controlar Conquistar que uma criança aprenda a não apertar vários botões do elevador demanda um processo que se dá nas relações que ela habita Da maneira como essa mãe 3 agiu fica parecendo que se esse aprendizado não é realizado logo depois da orientação dada não aperte os botões tome a medicação seja um bom aluno é porque a criança teria um problema a ser curado por uma psicologia adaptacionista A sensação de Rita de que a receita de nada adiantava foi constituída em uma história da qual a consulta médica fazia parte Rita estabeleceu relação entre suas dores e o tempo em que esteve desempregada sentindose incapaz para o trabalho aumentando suas dívidas e tendo necessidade de favores Ela estava desistindo de lutar Será que ter de tomar o remédio era vivido como mais uma incapacidade Jogar a receita no lixo afirmava que poderia dar conta de si mesma sem os remédios A dor tinha sido necessária Talvez a médica não imaginasse que seria preciso conversar sobre como essa mulher entendia a produção dessa doença e sabemos que essa conversa não se resume a apenas perguntar sobre isso CULPAS INDIVIDUALIZAÇÕES De quais funcionamentos falamos quando nos referimos a certas produções de dever ser tais como devo ser uma boa aluna de modo a culpabilizar o indivíduo quando isso não ocorre Que maneiras de sentir e de viver estão presentes Arrisco uma resposta da ilusão de um EU que se forte o suficiente enfrentará barreiras ultrapassará desafios e conquistará aquilo pelo qual sonhou O que temos assistido contemporaneamente é o domínio da individualização das questões e aliada a ele um processo de medicalização Explicome A vida a maneira de viver foi se tornando no decorrer da história alvo de exames de diagnósticos de avaliações de julgamentos A medicalização é um processo em que se produzem modos de subjetivação e conseqüentemente maneiras de viver são criadas revelando a longa história de aprisionamento do desvio e da produção da diferença como patologia Quando se inventou uma forma de avaliar se um sujeito é ou não normal inventouse também uma maneira de viver um tanto paranóica um tanto persecutória e alienada através da qual achamos que os especialistas saberiam daquilo que ignoramos de nós É famosa a brincadeira Cuidado ela é psicóloga cuidado ele é psiquiatra Sim porque a psicologia e a medicina se constituíram como ciências que pretendem dizer o que são os sujeitos como funcionam o que é melhor ou pior para eles e como já apontamos ao associar os problemas apenas ao ambiente sóciofamiliar e às questões individuais isentamos o funcionamento social da responsabilidade sobre a produção do adoecimento Quando falamos de psicologia ou de medicina estamos falando de concepções e práticas presentes no social e não apenas de médicos ou de psicólogos mas sim de uma maneira de viver na qual sentimos que o nutricionista saberá de nossa alimentação o psicólogo cuidará dos afetos o médico da saúde o dentista dos dentes o educador físico do corpo e assim tornamonos consumidores dessas práticas E ao consumidor é fundamental um sentimento que se intensificou no final do século XIX o sentimento de que algo nos falta de que estamos permanentemente em falta e de que essa falta deve ser preenchida Ora já nos tornamos pessoas que dormem com medicações indutoras do sono A medicação pode produzir uma boa noite de sono Mas o que isso cala Cala pensarmos na produção de um sujeito nós que nos tornamos pessoas que têm a sensação de que as coisas dependem intensamente de nós mesmos Fica parecendo que poderíamos agir diferentemente do que agimos que poderíamos com esforço individual conseguir coisas 4 que não temos e que a única coisa que falta são essas forças e posicionamentos individuais O médico da cena inicial sente que precisa ter muita força para enfrentar as barras do atendimento E que isso depende dele apenas dele Tudo parece depender apenas de um EU A TV pode oferecer programas ruins mas EU tenho que fazer a escolha Os supermercados e restaurantes podem oferecer comidas gordurosas mas EU tenho que fazer a escolha Cabe a cada um de nós escolher os alimentos sem gordura transgênica cabe a nós escolher os brinquedos que não tenham sido produzidos pelo trabalho em condições humilhantes na China cabe a nós Individualização neste processo nossa grande aliada é a culpa Pois aqueles que fazem as boas escolhas e progridem o fazem por méritos individuais Aqueles que não fazem as boas escolhas sentemse culpados eu é que não consigo fazer ginástica duas vezes por semana E assim instaurase esse mecanismo de controle a céu aberto que culpabiliza o indivíduo e desresponsabiliza a política Cala também pensarmos a hiperatividade das práticas sociais cada vez mais aceleradas para atingir os escores de produtividade com o aumento exorbitante de crianças consumindo ritalina o bombardeio de informações a intensa publicização da vida íntima o Orkut o Big Brother a rápida vontade de se conectar caso não se esteja ocupado a necessidade de prazeres imediatos o aumento de pessoas com pânico e depressão são dimensões de análise e de intervenção que vêm nos escapando quando visamos aliviar os sintomas com as medicações É imersos nesse funcionamento que agimos A médica que atendeu Rita aprendeu a examinar o corpo doente de alguém doente As concepções os amores o desemprego as reflexões tornaramse causas variadas Nos prontuários é comum encontrarmos observações do tipo Paciente relaciona suas dores à separação do marido como uma curiosidade Rita foi tornada um corpo doente e a médica foi tornada alguém que trata de doença CONCLUSÃO SER MÉDICO COMO OPORTUNIDADE DE LUTA O local onde Rita foi atendida fica nas proximidades de uma empresa que demitiu muita gente nos últimos anos Como fortalecer a discussão do adoecimento relacionado às condições de trabalho Que fazeres precisamos criar com que saberes precisamos contar E aqui caro recémformado falamos da necessidade de agirmos em uma produção que não tem relação apenas com o paciente Assistimos à produção de algo que é de nosso tempo e que está também presente na vida de médicos bemsucedidos com consultórios particulares ou conveniados cheios sem tempo para brincar com filhos sem poder recusar atendimentos e precisando tomar remédio para dormir a corrida atrás de melhores condições financeiras a aflição por trabalhar em uma área submetida às leis do mercado visase o lucro o funcionamento perverso da saúde conveniada o preçohora os pactos para se ter um emprego as más condições de trabalho no sistema público Outro dia num hospital maternidade uma médica pediatra teve um dia muito exaustivo de trabalho Ela é contratada para atender a enfermaria neonatal Nesse mesmo hospital existe um serviço de atendimento para mulheres que sofreram violência vítimas de abuso sexual 5 Sucede que um dos médicos está de férias e quando isso ocorre um médico tem que cobrir o trabalho do outro Não há contratação de profissionais que cubram as férias São os pactos para trabalhar A médica pediatra estava se arrumando para ir embora quando ao sair da enfermaria foi chamada pois havia chegado uma menina que acabara de sofrer abuso O médico plantonista estava atendendo uma outra paciente Embora já cansada e sentindo muita dificuldade para atender esse tipo de situação essa médica sabia que essa menina não deveria ficar esperando em uma sala de espera Nessa cena as condições de trabalho o funcionamento da instituição os acordos implícitos os riscos que se criam com os contratos de trabalho as relações de desigualdade de poder entre os vários profissionais estão presentes e produzem efeitos nos atendimentos essas questões não podem ser entendidas como fatos imprevistos Tratar a doença não é tratar o sintoma O sintoma habita uma vida que precisa ser pensada Nessa vida temos visto o processo de individualização as práticas de alienação a competição o preconceito as relações de assujeitamento as funções atribuídas ao corpo em nosso tempo a medicalização o adoecimento vivido como imprevisto Essas produções de nosso tempo atravessam intensamente as relações médicopaciente É comum pacientes que querem um remédio é comum médicos que acham que o paciente precisa de apenas um remédio é comum o atendimento médico estar submetido a produções de valores de nosso tempo o corpo magro a necessidade de plástica a intolerância à tristeza Portanto habitar essas relações na quais essas produções se dão e nelas agir é uma oportunidade para lutar pela saúde Não é à toa que tantas mulheres buscam o hospital maternidade de que falei As mães são incentivadas a amamentar e não cobradas os parceiros são bemvindos e isso propicia um grande aconchego às parturientes conversase com os bebês as dores e angústias no atendimento de situações de violência e abuso sexual têm sido discutidas pela equipe assim como as necessidades de novas contratações Os profissionais que lá trabalham têm refletido sobre a prática da triagem para que ela se torne acolhimento Somandose a esse modo de proceder que associa saúde à construção de um modo de viver criativo e potente e não à ausência de doença salientamos as lutas de profissionais da saúde por brinquedotecas os Doutores da Alegria que fortalecem com humor e descontração a potência das crianças os projetos em Unidades de Saúde que criam rádios danças relações de convívio assim como as lutas de tantos profissionais por uma saúde pública de qualidade A produção do adoecimento não é algo do paciente pois o paciente já é efeito de um funcionamento social do qual todos fazemos parte O modo como criamos as relações de atendimento a luta por funcionamentos institucionais justos o tempo que dedicamos a uma escuta tudo isso é uma opção éticopolítica Sempre é Tomara que essa carta encoraje atitudes comprometimentos e escolhas que apostem na criação de maneiras de viver potentes e coletivas 6 383 383 383 383 383 ALIANÇA TERAPÊUTICA Estudos de Psicologia I Campinas I 263 I 383389 I julho setembro 2009 Aliança terapêutica em psicoterapia de orientação psicanalítica aspectos teóricos e manejo clínico Therapeutic alliance in psychoanalytic psychotherapy theoretical aspects and clinical handling Rodrigo Sanches PERES1 Resumo O termo aliança terapêutica de utilização cada vez mais frequente na literatura psicanalítica muitas vezes é equiparado erroneamente à transferência positiva ou considerado o oposto da transferência negativa Tratase porém de um termo com importantes especificidades Este estudo objetivou abordar aspectos teóricos da aliança terapêutica e discutir seu manejo no contexto da psicoterapia de orientação psicanalítica Para tanto envolveu uma revisão bibliográfica e uma discussão de vinheta clínica A revisão bibliográfica subsidiou o entendimento da aliança terapêutica como uma relação de trabalho influenciada tanto por elementos conscientes quanto por conteúdos inconscientes que se estabelece entre paciente e psicoterapeuta em prol do processo psicoterapêutico A partir da discussão de vinheta clínica o papel da escuta empática da atitude amistosa da atividade clarificadora da função sintética e da postura reflexiva do psicoterapeuta para promovêla e sustentála são enfatizados Unitermos Aliança terapêutica Psicologia clínica Psicoterapia Abstract The term therapeutic alliance employed more and more frequently in psychoanalytic literature is usually compared albeit erroneously to positive transference or regarded as the opposite of negative transference It is however a term with significant specificities The present study aims to deal with theoretical aspects of the therapeutic alliance and to discuss its handling in the context of psychoanalytic psychotherapy To this end the present study involves a bibliographical review and a discussion of a clinical case The bibliographical review supports the understanding of therapeutic alliance as a work relationship influenced by both conscious elements and unconscious content which is established between patient and psychotherapist in support of the psychotherapeutic process The clinical case discussion emphasizes the role of the psychotherapist comprehensive listening friendly attitude explanatory activity synthetic function and reflexive posture to promote and sustain the therapeutic alliance Uniterms Therapeutic alliance Clinical psychology Psychotherapy 11111 Universidade Federal de Uberlândia Instituto de Psicologia Av Pará 1720 Bloco 2 C Campus Umuarama 38405320 Uberlândia MG Brasil Email rodrigosanchesperesyahoocombr Freud afirmou quando da publicação de seus revolucionários estudos sobre a teoria e a clínica da histeria que seria necessário transformar o paciente em colaborador para que se pudessem superar as resis tências que durante o processo psicoterapêutico inconscientemente se impõem às lembranças das experiências infantis e assim obliteram o acesso aos resíduos da sexualidade prégenital Ademais advertiu Psico11pmd 2992009 1558 383 384 384 384 384 384 RS PERES Estudos de Psicologia I Campinas I 263 I 383389 I julho setembro 2009 que um obstáculo a essa transformação surge com o estabelecimento de uma falsa ligação do paciente com o psicoterapeuta que seria motivado por um fenôme no que recebeu o nome de transferência Freud 18931996a Obviamente a transferência passou a ser enten dida de forma mais ampla pelo pai da psicanálise após a virada do século XIX Esse fato tornase claro levando se em consideração que Freud a concebeu como um importante agente terapêutico no clássico historial clínico do Homem dos Ratos Freud 19091996b Além disso em um momento posterior sua teorização sobre o assunto foi refinada com a proposição de uma pro veitosa divisão do fenômeno transferencial em dois tipos básicos negativo e positivo O primeiro seria resultado do predomínio de pulsões agressivas e seus derivados na reedição de experiências prévias do paciente com o psicoterapeuta Freud 19131996c O segundo em contraste decorreria da influência majo ritária de pulsões libidinais Contudo a transferência positiva ocorreria con forme a concepção freudiana não apenas mediante a atualização de sentimentos amistosos admissíveis à consciência mas também em função da revivescência de seus prolongamentos inconscientes Não sendo executado o manejo técnico apropriado a transferência positiva tenderia a evoluir para um vínculo erotizado e assim desempenhar um papel negativo no curso do processo psicoterapêutico ensejando o que autores contemporâneos têm descrito como conluio trans ferencialcontratransferencial ou recíproca fascinação narcisista Zimerman 2001 Vale destacar ainda que paradoxalmente o desenvolvimento da transferência negativa pode ser oportuno Afinal seus desdobramentos quando ressigni ficados sob a ótica da neurose de transferência ou seja a neurose artificial que promove uma completa reorganização da psicopatologia do paciente em sua relação com o psicoterapeuta Freud 19141996d são capazes de subsidiar a elaboração de fantasias arcaicas associadas por exemplo à destrutividade ou à inveja Concluise portanto que como esclarecem Laplanche e Pontalis 2000 a valência positiva ou negativa dos sentimentos transferidos não determina com precisão suas repercussões clínicas Aliança terapêutica regressão terapêutica O termo aliança terapêutica de utilização cada vez mais frequente na literatura psicanalítica muitas vezes é equiparado erroneamente à transferência positiva ou considerado o oposto da transferência negativa Porém como alerta Etchegoyen 2004 p141 no processo psicoterapêutico a transferência está em tudo mas nem tudo o que existe é transferência Indu bitavelmente a aliança terapêutica representa um dos aspectos do vínculo transferencial em seu sentido mais abrangente Mas o que a caracteriza De que maneira ocorre seu estabelecimento no contexto da psicoterapia de orientação psicanalítica Este estudo teve como objetivo tratar dessas questões mediante uma revisão teórica e uma discussão de vinheta clínica O mérito de definir o termo aliança terapêutica é atribuído à psicanalista norteamericana Elisabeth Zetzel A autora em pauta o concebe basicamente como uma relação de trabalho que se estabelece entre pa ciente e psicoterapeuta em prol do processo psicote rapêutico Tal relação se assenta nas funções autônomas do ego do primeiro mas remete às suas relações objetais infantis Desse modo também depende da capacidade do segundo de demonstrar empatia e respeito forne cendo assim parâmetros para a ocorrência de uma identificação consistente a ponto de neutralizar as forças instintivas que ressurgem com a transferência Zetzel 1956 Tendo em vista o que precede constatase que a despeito de não ser freudiano o termo aliança tera pêutica tem suas raízes na teorização do pai da psica nálise Afinal Freud 19131996c p157 afirmou que permanece sendo o primeiro objetivo do tratamento ligar o paciente a ele mesmo e à pessoa do médico Se se demonstra um interesse sério nele se cuida dosamente se dissipam as resistências que vêm à tona no início e se evita cometer certos equívocos o paciente por si próprio fará essa ligação e vinculará o médico a uma das imagos das pessoas por quem estava acostumado a ser tratado com afeição É certamente possível sermos privados deste primeiro sucesso se desde o início assumirmos outro ponto de vista que não o da compreensão Justamente nesse sentido Etchegoyen 2004 defende que a aliança terapêutica em contraste com a Psico11pmd 2992009 1558 384 385 385 385 385 385 ALIANÇA TERAPÊUTICA Estudos de Psicologia I Campinas I 263 I 383389 I julho setembro 2009 transferência decorre da atualização de experiências prévias do paciente que o ajudam a se situar no presente em vez de leválo a simplesmente repetir o passado no âmbito da relação psicoterapêutica Porém cumpre assinalar que a aliança terapêutica na concepção da autora que a descreveu originalmente possui elementos racionais e componentes irracionais como a cons ciência da necessidade de receber assistência pro fissional para encontrar alívio para o próprio sofrimento emocional por um lado e o desejo de encontrar esse alívio sem empreender maiores esforços por outro As diferenças entre a aliança terapêutica e a neurose de transferência ancoramse basicamente em um parâmetro temporal uma vez que a primeira pode ser considerada um prérequisito da segunda Conforme Zetzel 1956 a eclosão da neurose de transferência depende da regressão terapêutica ou seja do movi mento psíquico que nos primeiros meses do processo psicoterapêutico viabiliza a reabertura de conflitos fundamentais e enseja a recirculação de energia instin tiva Tal movimento vale destacar não conduz o paciente a um mero retorno a etapas anteriores de seu desen volvimento emocional Ao contrário oferecelhe uma possibilidade ímpar de elaborar problemáticas arcaicas pois não afeta as funções autônomas do ego Aliança terapêutica e dissociação terapêutica do ego De que forma a aliança terapêutica está rela cionada à regressão terapêutica A resposta de Zetzel 1956 a essa questão demanda a menção a um termo ao qual a autora em pauta conferiu um significado original dissociação terapêutica do ego Forjado por Sterba 1934 esse termo diz respeito a um fenômeno que leva uma parte do aparelho psíquico do paciente orientada à realidade externa a se opor à outra parte influenciada por resistências inconscientes e colaborar com o psicoterapeuta de modo a favorecer uma pos terior síntese egoica A parte colaborativa do aparelho psíquico funcionaria portanto como um filtro através do qual passaria todo o material transferencial Sterba 1934 sublinhou que a interpretação do psicoterapeuta sobretudo a interpretação trans ferencial é imprescindível para que ocorra uma consistente identificação do paciente com o processo psicoterapêutico e em um segundo momento para que se implemente a dissociação terapêutica do ego Já Zetzel 1956 defendia que a dissociação terapêutica do ego depende basicamente da regressão terapêutica que por sua vez somente ocorrerá se o paciente apre sentar um ego suficientemente maduro e assim mostrarse capaz de depositar no psicoterapeuta uma confiança básica análoga àquela que permite ao bebê tolerar sua dependência da figura materna O paciente deve seguindo esse raciocínio ser flexível a ponto de autorizar uma diminuição parcial temporária e controlada das funções autônomas do ego para que conteúdos inconscientes venham a atingir a consciência sem provocar uma irrupção maciça do processo primário Como resultado disso o paciente poderia com a parte colaborativa de seu aparelho psíquico que aderiu previamente à aliança terapêutica compreender a natureza irracional da parte defensiva de seu aparelho psíquico que movida pelas forças do id e pelos imperativos do superego coloca obstáculos ao processo psicoterapêutico Gomes 2005 Ao contrário do que se poderia supor a partir de uma leitura superficial Zetzel 1956 defende que tanto a aliança terapêutica quanto a regressão terapêutica e consequentemente a dissociação terapêutica do ego envolvem apenas a mobilização de recursos internos conquistados pelo paciente em um período anterior à instalação da triangulação edípica e não uma área livre de conflitos em seu aparelho psíquico Tais recursos podem ser observados ainda que em latência até mesmo em crianças ou em indivíduos cuja perso nalidade se encontra psicoticamente organizada mas sua inexistência pode ser entendida como uma incon tornável contraindicação ao processo psicoterapêutico Posteriormente a autora em pauta esclareceu que sugeriu como premissa maior dessa discussão que a relação de objeto primeira e mais significativa ocorre na relação precoce mãecriança A natureza e a qualidade dessa conquista precoce relacionamse com a iniciação da autonomia secundária do ego Zetzel 1965 p48 Logo tratase de uma ousada tentativa de conciliação entre duas vertentes teóricas em psicanálise que se criticavam reciprocamente de modo passional na época a Psicologia do Ego de Heinz Hartmann e a Teoria das Relações Objetais de Melanie Klein Psico11pmd 2992009 1558 385 386 386 386 386 386 RS PERES Estudos de Psicologia I Campinas I 263 I 383389 I julho setembro 2009 Vinheta clínica Fábio nome fictício 19 anos solteiro acadêmico de História buscou assistência junto à clínicaescola de psicologia de sua universidade queixandose de ataques de ansiedade generalizada e palpitações súbitas Antes disso havia se consultado conforme as orientações de sua irmã primogênita com três psiquiatras que rapida mente o diagnosticaram como portador de transtorno do pânico e lhe receitaram psicofármacos Contudo Fábio rejeitou o tratamento psiquiátrico porque segun do ele mesmo referiu queria entender o que se passava com sua mente e não se tornar um escravo de remédios Fabio informou que perdeu seu pai aos 11 anos de idade e que não sofreu muito com isso porque na verdade nunca pôde contar com o mesmo Devido às constantes viagens a trabalho seu pai pouco permanecia em casa Sua mãe tinha uma saúde frágil e apresentava um longo histórico de doenças A única pessoa em quem depositava confiança e buscava suporte emo cional era sua irmã considerada por ele uma pessoa ponderada e inteligente Fábio somente se permitia relacionamentos com pessoas nas quais identificava essas características O seguinte diálogo estabelecido ao final da primeira sessão de triagem exemplifica os expedientes utilizados por ele para sondar o psico terapeuta Fábio Então o que você acha que eu tenho Psicoterapeuta Penso que ainda é cedo para concluir Fábio Mas você não tem nem ideia Psicoterapeuta Tenho algumas hipóteses só que precisamos conversar um pouco mais Podemos marcar outra sessão para o final da semana Fábio Antes eu preciso saber o que você pensa sobre o meu problema Psicoterapeuta Parece que você não se sentirá seguro comigo se eu não te falar o que eu estou pen sando agora sobre o seu problema Mas você se queixou dos psiquiatras que diagnosticaram transtorno do pânico sem te ouvir direito Fábio É verdade eu achei que eles se preci pitaram muito Psicoterapeuta Em psicoterapia a gente trabalha de outra forma Geralmente são duas ou três sessões para que se possa entender bem o caso Fábio Ah eu não sabia Então quer dizer que o meu caso não é tão atípico Não é tão grave Psicoterapeuta O que fica claro desde já é que você pode se beneficiar da assistência que a gente oferece aqui principalmente porque você se mostra muito interessado em se entender e em melhorar Fábio É eu quero melhorar mesmo Para quando a gente pode marcar a outra sessão Apesar de esse diálogo sugerir que a dificuldade para estabelecer vínculos de Fábio se destacava como a contrapartida emocional de sua queixa manifesta o que se pretende basicamente é ilustrar como identificações projetivas transferenciais fizeram com que o mesmo revivenciasse com o psicoterapeuta já na primeira sessão de triagem aspectos importantes de suas experiências prévias ensejando uma sensação de desamparo e concomitantemente uma atitude de desconfiança Ademais esse diálogo evidencia a importância da ado ção de uma escuta empática e do emprego de inter venções clarificadoras e reforçadoras a exemplo respectivamente das duas últimas intervenções do psicoterapeuta para criar as bases de uma aliança terapêutica a ser efetivamente selada nas sessões subsequentes Também pode ser vislumbrada a necessidade do psicoterapeuta de assumir uma postura reflexiva para oportunamente se dirigir à parte do aparelho psíquico do paciente que se mostra de antemão disposta a estabelecer uma relação de trabalho e não interpretá la precipitadamente No diálogo em pauta isso ocorreu graças à segunda e à terceira intervenções do psicote rapeuta Fábio então se mostrou capaz apoiandose em suas funções autônomas do ego de dar os primeiros passos rumo a uma relação objetal distinta daquela que estabelecera com seu pai e semelhante em seus aspectos positivos àquela que sustentava com sua irmã Nessas circunstâncias o paciente como bem observou Gomes 2005 embora sinta o passado no presente diferenciao da relação terapêutica real Na segunda sessão de triagem o contrato tera pêutico foi cuidadosamente executado e Fábio passou a ser atendido em psicoterapia de orientação psicana lítica duas vezes por semana Em poucos meses a aliança terapêutica tornouse consistente a ponto de favorecer a regressão terapêutica O paciente percebeu que com Psico11pmd 2992009 1558 386 387 387 387 387 387 ALIANÇA TERAPÊUTICA Estudos de Psicologia I Campinas I 263 I 383389 I julho setembro 2009 o suporte do psicoterapeuta poderia sem provocar uma invasão afetiva desestruturante abrir mão proviso riamente de estratégias defensivas que não possibili tavam o acesso a certos conteúdos inconscientes Pro cedendo desta forma verificou a irracionalidade desses conteúdos o que implementou a dissociação terapêuti ca do ego No início do segundo ano de psicoterapia o primeiro encontro fortuito fora do contexto da clínica escola levou ao auge da neurose de transferência Esse encontro vale destacar ocorreu durante um evento científico multidisciplinar do qual ambos estavam parti cipando O psicoterapeuta conversava com o professor universitário responsável na época pela orientação de uma pesquisa que vinha sendo desenvolvida pelo paciente Aproximandose visivelmente constrangido o paciente cumprimentou apenas seu orientador mas manteve contato visual com o psicoterapeuta por alguns segundos Na sessão seguinte esse fato foi abor dado e elaborado como se vê no seguinte diálogo Fábio Nossa foi estranho ver você conversando com o meu orientador lá no congresso Eu não sabia o que fazer Eu ia desviar para não passar perto de vocês mas aí mudei de ideia Psicoterapeuta O que te levou a mudar de ideia Fábio Então é bobeira Mas de repente eu fiquei curioso para saber do que vocês estavam conversando Psicoterapeuta Você achou que poderia ser sobre você Fábio É Por um instante eu cheguei a pensar que poderia ser Só que eu peguei uma parte da conversa e vi que não era isso Você apresentou um trabalho que tem a ver com uma linha de pesquisa dele né Às vezes é ruim essa encanação que eu tenho essa descon fiança das pessoas Psicoterapeuta Lembra que logo em uma das primeiras sessões a gente conversou sobre isso Eu te falei que você poderia sentir isso em relação a mim também Fábio É na hora eu até achei que não tinha nada a ver uma coisa com a outra Psicoterapeuta Tem mas ao mesmo tempo não tem você não acha Fábio Acho que sim É estranho porque é dife rente Não é aquela desconfiança terrível é só uma pulga atrás da orelha que aparece de vez quando Psicoterapeuta Você precisou ouvir o que eu estava conversando com ele para ter certeza de que a gente não estava falando de você Mas em outras situações na sua vida com outras pessoas você não conseguiu suportar essa desconfiança Isso te levou a se isolar muito Então eu acho que você está progre dindo nesse sentido Discussão Conforme Ceitlin e Cordioli 1998 o psicotera peuta cria condições propícias para que a aliança terapêutica possa ser estabelecida nas primeiras sessões oferecendo ao paciente a possibilidade de se expressar o mais livremente possível não se deixando perturbar com suas revelações e sendo cuidadoso em não emitir julgamentos ou conclusões precipitadas Todas as intervenções do psicoterapeuta no primeiro diálogo apresentado na vinheta clínica ilustram essas propo sições Posteriormente ainda de acordo com os autores em pauta a aliança terapêutica se fortalece quando o psicoterapeuta emprega intervenções reasseguradoras e reconhece os progressos do paciente a exemplo do que ocorreu com a última intervenção no segundo diálogo apresentado na vinheta clínica Como bem observam Eizirik Liberman e Costa 1998 a aliança terapêutica também se encontra intimamente associada à relação terapêutica real que por sua vez tem como ponto de partida principal para o paciente características pessoais do psicoterapeuta evidenciadas quando da execução do contrato tera pêutico e da definição de regras aceitáveis para ambas as partes sobre frequência horário duração faltas atrasos sigilo férias e honorários Comunicar tais regras ao paciente com clareza serenidade e sensibilidade é um imperativo para minimizar distorções transferen ciais bem como enfatizar desde o início que o paciente necessita assumir a iniciativa das sessões e gradati vamente desenvolver o hábito da autoobservação A aliança terapêutica tende a se tornar mais intensa com o andamento do processo psicotera pêutico caso tenha sido estabelecida uma relação Psico11pmd 2992009 1558 387 388 388 388 388 388 RS PERES Estudos de Psicologia I Campinas I 263 I 383389 I julho setembro 2009 terapêutica real de valência positiva Não obstante é inevitável que como revelou o fato abordado interpre tativamente ao longo do segundo diálogo apresentado na vinheta clínica a transferência se faça presente com intensidade em determinados momentos aproximando a aliança terapêutica da neurose de transferência Para Etchegoyen 2004 impõese nessas circunstâncias o cuidadoso manejo de um importante aspecto do vín culo psicoterapêutico a assimetria No contexto da neurose de transferência a assimetria deve ser entendida como uma consequência da diferença de papéis que desempenham paciente e psicoterapeuta no processo psicoterapêutico O referido autor esclarece que a assimetria não pressupõe a existência de qualquer supremacia apenas demarca os polos do vínculo psicoterapêutico Quando da eclosão da neurose de transferência negligenciálos será contraproducente Contudo utilizálos no contexto da relação terapêutica real é um procedimento autori tário prejudicial não apenas à capacidade de juízo do paciente mas sobretudo à continuidade da aliança terapêutica Não se deve perder de vista que a aliança terapêutica fundase na simetria inerente a qualquer relação humana que se estabelece entre duas pessoas reais igualmente adultas Para possibilitar uma discussão mais abrangente do manejo clínico da aliança terapêutica justificamse ainda algumas ponderações sobre os casos conside rados difíceis Dentre os diversos tipos de pacientes agrupados sob essa rubrica parece particularmente proveitoso destacar aqueles cuja organização da perso nalidade devido à ocorrência de perturbações do senso de identidade e à prevalência de mecanismos de defesa primitivos pode ser categorizada como borderline Afinal tais pacientes não são a priori contraindicados à psicoterapia de orientação psicanalítica o que para Gabbard 2005 difereos da maioria daqueles que além das referidas características apresentam um grave prejuízo do teste de realidade e por esse motivo podem ter a organização da personalidade categorizada como psicótica A qualidade da aliança terapêutica com pa cientes borderline frequentemente é afetada conforme Schestatsky 2005 pela mais clara manifestação da tendência à cisão dos objetos internos que lhes é típica a saber a equivalente cisão dos objetos externos Esse fenômeno fomenta uma acentuada propensão à viola ção do contrato terapêutico dado que implica impre visíveis reversões de atitudes para com o psicoterapeuta Como ressalta o autor em pauta o manejo clínico dessas situações bem como em um sentido mais amplo a definição das estratégias de tratamento desses pacien tes depende essencialmente de como se compreen dem as origens da psicopatologia borderline Na perspectiva psicodinâmica o modelo confli tualintrapsíquico opõese ao modelo deficitáriointer pessoal Adeptos do primeiro modelo sustentam que o estabelecimento e o fortalecimento da aliança tera pêutica com pacientes borderline envolvem a explora ção via interpretação transferencial de fantasias incons cientes mecanismos de defesa primitivos e distorções perceptuais demonstradas pelo paciente devido à ativa ção de relações objetais dissociadas e internalizadas Tal processo deve começar a ser empreendido durante a execução do contrato terapêutico para que compor tamentos desadaptativos possam ser prevenidos Ademais considerase prioritário o exame imediato de qualquer tentativa de desvirtuar os fatores de enquadre Kernberg 2005 Por outro lado autores que se alinham ao segun do modelo recomendam uma atitude distinta por entenderem que pacientes borderline exigem uma preparação especial para se beneficiarem de interpre tações transferenciais que se estabelecem graças ao recurso prévio do psicoterapeuta a intervenções de apoio capazes de assegurarlhes uma mínima introjeção de objetos bons Gabbard 20042005 Em suma a formulação de interpretações transferenciais anteriores ao alívio da hostilidade em relação ao psicoterapeuta é vista como uma séria ameaça à aliança terapêutica e não como um prérequisito da execução do contrato terapêutico Consequentemente é usual a opção por definir o contrato terapêutico mais pormenorizada mente à medida que surgem situações que colocam à prova as combinações iniciais A despeito da articulação dessas diretrizes gerais às concepções etiológicas que as fundamentam deve se enfatizar que como bem observou Schestatsky 2005 a prescrição de tratamentospadrão para pacientes borderline em termos da especificidade de intervenções interpretativas ou suportivas não se sustenta porque os mesmos não constituem uma Psico11pmd 2992009 1558 388 389 389 389 389 389 ALIANÇA TERAPÊUTICA Estudos de Psicologia I Campinas I 263 I 383389 I julho setembro 2009 população homogênea Somandose a esse fato irrefu tável vale mencionar que não há evidências de que qualquer psicoterapia possa se desenvolver satisfato riamente sem uma transição determinada sobretudo pelo material que está sendo trabalhado durante as sessões do extremo expressivo ao extremo apoiador do espectro classicamente adotado para a diferenciação das verbalizações do psicoterapeuta É possível identificar um ponto de convergência entre representantes do modelo conflitualintrapsíquico e do modelo deficitáriointerpessoal Ambos reconhe cem que o principal desafio técnico a ser superado na psicoterapia de orientação psicanalítica com pacientes borderline é o desenvolvimento de respostas adequadas às perturbadoras emoções desencadeadas preco cemente a partir da interação com os mesmos Cabe ao psicoterapeuta portanto permanecer especialmente atento às manifestações contratransferenciais de an siedade raiva culpa ou impotência frequentes desde o primeiro contato com o indivíduo Schestatsky 2005 Somente assim actingouts capazes de tornar insus tentável a aliança terapêutica poderão ser evitados Considerações Finais Pautandose nos fundamentos epistemológicos estabelecidos por Zetzel diversos autores apresentaram contribuições próprias ao entendimento da aliança terapêutica Termos derivados foram criados a partir disso tais como aliança de trabalho por Ralph Greenson e transferência racional por Otto Fenichel Não obstante a aliança terapêutica tal como definida originalmente ainda se impõe como uma variável cen tral do processo psicoterapêutico Portanto é possível entendêla não apenas como um critério de indicação para psicoterapia mas principalmente como um fator preditivo de sua evolução Porém outros estudos dedi cados ao assunto ainda são necessários no contexto nacional para o desenvolvimento da pesquisa científica e da prática profissional em psicoterapia Referências Ceitlin L H F Cordioli A V 1998 O início da psicoterapia In A V Cordioli Org Psicoterapias abordagens atuais pp 99107 Porto Alegre ArtMed Eizirik C L Liberman Z Costa F 1998 A relação terapêutica transferência contratransferência e aliança terapêutica In A V Cordioli Org Psicoterapias abordagens atuais pp6775 Porto Alegre ArtMed Etchegoyen R H 2004 Fundamentos da técnica psicana lítica Porto Alegre ArtMed Freud S 1996a A psicoterapia da histeria In J Salomão Org Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud Vol2 pp269316 Rio de Janeiro Imago Originalmente publicado em 1893 Freud S 1996b Notas sobre um caso de neurose obsessiva In J Salomão Org Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud Vol10 pp135215 Rio de Janeiro Imago Originalmente publicado em 1909 Freud S 1996c Sobre o início do tratamento In J Salomão Org Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud Vol12 pp135158 Rio de Janeiro Imago Originalmente publicado em 1913 Freud S 1996d Recordar repetir e elaborar In J Salomão Org Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud Vol 12 pp159171 Rio de Janeiro Imago Originalmente publicado em 1914 Gabbard G O 2005 Psicoterapia psicodinâmica de longo prazo texto básico SS Porto Alegre ArtMed Gomes F G 2005 A aliança terapêutica e a relação real com o terapeuta In C L Eizirik R W Aguiar S Schestatsky Orgs Psicoterapia de orientação analítica fundamentos teóricos e clínicos pp246253 Porto Alegre ArtMed Kernberg O F 2005 Abordagem psicodinâmica das explosões emocionais dos pacientes borderline In C L Eizirik R W Aguiar S Schestatsky Orgs Psicoterapia de orientação analítica fundamentos teóricos e clínicos pp628645 Porto Alegre ArtMed Laplanche J Pontalis J B 2000 Vocabulário da psicanálise São Paulo Martins Fontes Schestatsky S S 2005 Abordagem psicodinâmica do paciente borderline In C L Eizirik R W Aguiar S Schestatsky Orgs Psicoterapia de orientação analítica fundamentos teóricos e clínicos pp606627 Porto Alegre ArtMed Sterba R 1934 The fate of the ego in analytic therapy International Journal of PsychoAnalysis 15 117126 Zetzel E R 1956 Current concepts of transference International Journal of PsychoAnalysis 37 45 369375 Zetzel E R 1965 The theory of therapy in relation to a developmental modal of the psychic apparatus International Journal of PsychoAnalysis 46 3952 Zimerman D E 2001 Vocabulário contemporâneo de psicanálise Porto Alegre ArtMed Recebido em 1222008 Versão final reapresentada em 222009 Aprovado em 532009 Psico11pmd 2992009 1558 389 A espessura do encontro ARAGON L E P The denseness of interface Interface Comunic Saúde Educ v7 n12 p1122 2003 Relying on the cartographic method this article proposes an analysis of the contemporary element of Medicine by means of its interface with psychoanalysis The cartographic method was chosen to avoid both the perspective of dialectical analysis and the isolation of the observer relative to the observed object The medical scene being technological is open to levels of communicationcontamination that exceed the usual doctorpatient relation so that it may support the complexity of interfaces including unconscious and virtual elements This complexity when taken into account implies in a particular ethic What is proposed is the use of a socalled nearconcept to aid in the cartographic task of determining the levels that interfacing comprises There is a rejection of the voluntarism that leads to the production of conduct manuals in order to seek energy lines that cross contemporary space and the duo immersed in it such lines being regarded as preindividual KEY WORDS Medicine Psychoanalysis Cartography ultrasonography Utilizando o método cartográfico este trabalho propõe uma análise do contemporâneo da Medicina por meio de seu encontro com a Psicanálise A escolha do método cartográfico tem o intuito de evitar tanto uma perspectiva de análise dialética quanto o isolamento do observador de seu objeto A cena médica tecnológica abrese para receber planos de comunicaçãocontaminação que ultrapassam a habitual relação médicopaciente Isto para sustentar a complexidade dos encontros comportando fatores inconscientes e virtuais Complexidade esta que levada em consideração implica uma ética particular Propõese o uso do que foi chamado quaseconceito para auxiliar na tarefa cartográfica de determinar planos compostos no encontro Rejeitase o voluntarismo que acarreta a produção de manuais de conduta para buscar linhas de força que atravessam o espaço contemporâneo e os nele imersos linhas estas consideradas como préindividuais PALAVRASCHAVE Medicina Psicanálise Cartografia ultrassonografia Luis Eduardo Ponciano Aragon1 11 Interface Comunic Saúde Educ v7 n12 p1122 fev 2003 1 Médico cardiologista psicanalista membro do Departamento Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae São Paulo aragonnuolcombr dossiê 12 ARAGON L E P Interface Comunic Saúde Educ v7 n12 p1122 fev 2003 Moça negra alta bonita Logo às primeiras palavras percebese que é uma pessoa inteligente e alegre Não esconde no entanto a apreensão natural de quem se encontra em um hospital para fazer exames Neste caso exame de seu bebê2 ainda em gestação O local era destinado a pesquisar problemas cardíacos fetais Assim comportava equipamentos de alta tecnologia e profissionais especializados Estamos no setor de ecocardiografia A imaginação do leitor talvez o conduza a um ambiente sofisticado tranqüilo confortável e quem sabe até mesmo acolhedor Se assim foi concebida a cena o foi apenas com o auxílio de uma benfazeja e protetora traição do desejo que manipula os sentidos Estamos a paciente e eu em um hospital universitário Ali em pequenos espaços com poucos requintes estéticos algumas minguadas plantas tentam quebrar a atmosfera densa e fria Em um hospital universitário vivese uma vida muito singular que transborda trabalho Pacientes surgem aos borbotões vindos de todas as partes do país e mesmo de outros países Amaral 19993 Sotaques diversos tentam dar contorno a queixas por vezes incompreensíveis por se apresentarem em uma língua extremamente regional A demanda pelo saber médico além de chegar em quantidade elevada carrega também uma intensidade extrema O tempo falta para refeição para o estudo para o lazer E os pacientes gritam não só com palavras mas com todo o seu ser pela certeza de um diagnóstico um tratamento e a cura daquilo que os consome em sofrimento Parece óbvio mas as pessoas só vão ao hospital porque estão sofrendo e com esta atitude deixam implícito que será ali que o alívio se apresentará Mesmo que este anseio visceral não esteja a todo momento na mente da equipe de atendimento a tensão se revela em cada olhar cada gesto cada solicitação por menor que seja É nesta microcomunidade de alta complexidade relacional que se dá o encontro Em instantes põese a funcionar o maquinismo tecnológico que em apenas um de seus aspectos tenta dar conta da tensão revelada acima A moça deitada barriga para cima expondo para um desconhecido a parte do seu corpo que encerra o seu maior mistério Mistério da criação do ser si própria e ser outra de ser entranha e exestranho Sentado a seu lado eu sou o pólo da dupla ou do trio destinado a manejar o instrumento do progresso da Medicina Meus olhos treinados não se opõem à captura das imagens que trazem as profundezas do corpo à superfície Não se pode dizer que esta penetração consentida seja fruto de uma relação de amor O interesse de ambos é colhido pela curiosidade científica que não se detém em intimidades e põe a descoberto o que antes era privado Quando a atenção da paciente desviase da tela para mim é na intenção desesperada de interpretar na minha fisionomia algo que pudesse ser bom ou ruim As palavras nervosas claramente buscam dissimular sem conseguir a preocupação acerca do que o meu conhecimento poderia depreender daquele estranho jogo de luz e sombra 2 Utilizo a palavra mais popular bebê no lugar da que seria cientificamente mais apropriada a saber feto Faço esta opção para enfatizar o aspecto psicológico complexo que se apresenta como mãe bebêemprocesso de gestação e para me afastar da concepção mais científica do ser A palavra feto será utilizada quando o contexto for predominantemente científico 3 Acompanhando a vida dos médicos residentes em um Hospital Universitário a autora revela de forma clara e viva o difícil cotidiano vivido neste ambiente 13 A ESPESSURA DO ENCONTRO Interface Comunic Saúde Educ v7 n12 p1122 fev 2003 A angústia É interessante lembrar que o ultrasom aplicado à Medicina foi uma técnica que surgiu a partir da situação de guerra4 Os tripulantes dos submarinos necessitavam ver os relevos do fundo do mar e os possíveis obstáculos ao seu progresso Mais ainda era preciso antever Antecipar a possibilidade de colisões e também a identificação de possíveis inimigos para serem atacados A similitude das duas situações tão distanciadas no tempo não deve ser considerada mero acaso Em ambas a angústia apreensiva domina o ambiente escuro A vontade de saber tornouse necessidade Antecipar o acontecimento sinistro atacando o objeto ameaçador Em nossa história o acontecimento só se realiza totalmente com o nascimento e o objeto a ser atacado com a propedêutica médica é o bebê doente O costume me faz escorregar em armadilhas do pensamento O bebê em questão é potencialmente doente A gestante nada sente o bebê se movimenta e é parte ativa na comunicação com ela Ambos já constróem uma história de sensações fabulações e afetos Percebese que nesta situação a maquinaria médica com seus instrumentos e ideais se descola da necessidade de intervir sobre um sofrimento ou de forma mais geral um mal atual para dedicarse a buscar um Este leve deslocamento terá enormes conseqüências na vida das pessoas atendidas Isso porque em um grande número de casos a identificação de um problema com o feto não reverte na possibilidade de intervenção Há ainda os casos em que o diagnóstico é feito incorretamente Nestas situações criase um sério problema para a família com conseqüências imprevistas na estrutura psicológica desta Por esta ótica o médico armado de seu instrumental é um intruso que abrupto invade a relação familiar que se formou com a gravidez Muitas vezes o profissional não se dá conta da dimensão da capacidade de intrusão que a sociedade científica colocou em suas mãos e nem ao menos usa da cerimônia tão comum em povos do oriente ao entrar em um novo lar Não se costuma lembrar que o ultrasom surgiu em meio à ansiedade por ver algo que normalmente não pode ser visto não com nossos próprios olhos E assim se nega a angústia que alaga a escura sala de exames Esta face da Medicina faznos lembrar o grande número de histórias envolvendo a desenfreada curiosidade humana Só para citar dois dos exemplos mais conhecidos podemos lembrar o do Gênesis e do Édipo Rei Em ambos a curiosidade arrogante do homem mesmo após as advertências o conduz para a dor Não quero trazer para a discussão uma visão moralista ou religiosa Também não desconheço os benefícios que a tecnologia médica traz em várias situações uma vez estabelecida É fundamental entretanto radicalizar o pensamento para poder pensar sobre situações cotidianas que a rigor não são objeto de reflexão E entre elas a própria condução do progresso tecnológico Este progresso considerado como inescapável e inquestionável quanto à sua produção e mesmo seus fins A que serve a vontade de saber sobre o interior do corpo A ânsia de antecipar o futuro No caso da avaliação do feto não se trata de uma atitude preventiva como uma vacina ou como medidas de saneamento básico Isso pois não visa proteger contra males específicos e conhecidos Tratase aqui 4 Não só de guerra mas também de tragédia O desenvolvimento do ecobatímetro ocorreu fundamentalmente para evitar um outro acidente como o do transatlântico Titanic 14 ARAGON L E P Interface Comunic Saúde Educ v7 n12 p1122 fev 2003 de querer saber Não podemos nos contentar com respostas ingênuas ao movimento de conhecer a qualquer preço ou o que é quase a mesma coisa sem pensar no preço Querer ajudar é uma fala humanista romântica que não comporta toda uma série de aspectos que determinam o desenvolvimento tecnológico utilizado na Medicina Podemos aqui apenas sugerir alguns caminhos de aprofundamento em direção às motivações em jogo Apesar de ser de domínio público o interesse econômico que envolve a produção de tecnologia os profissionais médicos não costumam discutir o impacto desta questão em suas atividades quando reunidos em congressos ou simpósios Nem mesmo durante a prática diária Os poucos que o fazem não comunicam ou não têm espaço para comunicar suas dúvidas e apreensões O próprio patrocínio dos encontros científicos é feito pelas empresas interessadas em vender tecnologia Toda forma de acúmulo de saber carrega consigo um jogo de poder Quem detém o conhecimento se distancia hierarquicamente de quem não o possui Isto dificulta perceber que o paciente tem o direito e deveria poder exercêlo de se recusar a ser submetido a uma determinada abordagem No entanto este paciente é reduzido a uma posição de não saber que no limite arranca a autoridade que tem sobre o que é feito consigo O jargão profissional tem a função de estabelecer a diferença de valor entre indivíduos em um determinado campo mais do que esclarecer melhor algum fenômeno5 Além dos interesses econômicos e do jogo de poder há uma questão compartilhada por médicos e pacientes que é o medo da perda de controle sobre a vida e sobre a integridade física Conhecer saber antecipadamente sobre algo oculto traz a sensação muitas vezes ilusória de ter sob controle os eventos incontroláveis da vida A rapidez Retornando a nossa sala de exames a paciente me conta que está ali porque foi descoberto algum problema com seu bebê Não sabe dizer qual é o problema identificado pela ultrasonografia obstétrica de rotina Vejo pelo encaminhamento da equipe de Medicina fetal que o diagnóstico é de uma alteração genética incompatível com a vida pósnatal O diagnóstico que eu poderia realizar seria mais um fator para a certeza do julgamento prévio Realmente o feto apresentava a cardiopatia esperada mas e quanto ao bebê esperado por aquela mãe Em todo o acompanhamento médico desta gestante pouco foi o tempo dispensado para que se entrasse em contato com este bebê Não se trata de um caso isolado O cuidado com a capacidade diagnóstica suplanta em muito o cuidado com a vida afetiva da gestante seu bebê e o restante da família Existem é claro exceções Como também existem situações de crueldade inimaginável Médicos são em sua maioria pessoas cordiais e bem intencionadas Mas estas qualidades não os poupam de entrar no alinhavo social do nosso tempo Os pacientes também não Sofrem o impacto por exemplo da necessidade de rapidez Virilio 1996 Rapidez que engole distâncias e cria uma nova percepção de mundo Rapidez que com perdão da pobre rima 5 Um exemplo cotidiano é o diagnóstico de bloqueio do ramo esquerdo Quando pergunto aos pacientes que receberam este diagnóstico o que entendem por esta expressão a quase totalidade diz acreditar ter uma obstrução coronariana no lado esquerdo do coração Na verdade este conjunto de palavras referese a um caminho percorrido pelo impulso elétrico que varre o coração Quando o trajeto varia com relação ao padrão de normalidade dizse que há um bloqueio O mesmo pode ser normal para a pessoa e não denotar qualquer patologia 15 A ESPESSURA DO ENCONTRO Interface Comunic Saúde Educ v7 n12 p1122 fev 2003 está fadada a tornarse rispidez nos encontros Além da rapidez que sacia a curiosidade do que só se revelaria ao nascimento existem outras A rapidez que permite com que anos de estudo e aprimoramento tecnológico se apresentem na instantaneidade de um diagnóstico A rapidez que impele para não ficar não se deter não perder tempo muitas vezes mas não só por que tempo é dinheiro e todos queremtêm que sobreviver em uma sociedade que exclui quem não pode consumir A rapidez que parece vencer o medo da doença e da morte Todas essas perspectivas da necessidade de rapidez e outras mais moldam um tipo de homem que está sempre em trânsito Não está aqui nem ali mas de passagem O espaço habitado por este homem contemporâneo é caracterizado por paisagens que mudam com freqüência SantAnna 2001 trazendo consigo uma sensação de desenraizamento Dos lugares das pessoas e talvez até de si mesmo Chega mesmo a haver um envelhecimento do presente antes mesmo dele se apresentar Um turista em viagem à Itália pode não se surpreender tanto com a inclinação da torre de Piza pois por seus olhos já passaram inúmeras perspectivas da mesma pela televisão por revistas pela internet Da mesma forma o feto anormal pode ser apenas mais um na vasta seqüência coligida por um ecocardiografista Não é necessário esforço para perceber o ataque a tudo que poderia singularizar a relação médicopaciente Não se trata de proceder a uma caça às bruxas Muito menos de realizar um manual de condutas Abdicamos da busca por culpados para tentar uma aproximação da situação que permita identificar forças em jogo A necessidade de velocidade é apenas uma das peças jogadas no tabuleiro O cientificismo Médico e paciente também sofrem o peso da hegemonia do pensamento contemporâneo científico positivista Este promove uma série de recortes e valorações que freqüentemente ficam apagadas por um automatismo de pensamento que torna difícil questionar sua pertinência No referencial científico habitual há uma valoração da estatística em detrimento do singular Há também a tendência de considerar o corpo como uma máquina e a patologia como um mau funcionamento no lugar de um corpo complexo emocional em constante mudança e a patologia como forma de comunicação ou ao menos sofrimento com representação psíquica particular Neste campo preconizase comumente a independência do observador quanto ao observado apagando a intensa relação afetiva que qualquer médico ou paciente tem consciência ou intui Placebo e sugestão são pontos periféricos quando não rejeitados da teoria médica dita científica o que leva muitos profissionais a abrirem mão de um extenso campo de intervenção eficaz e pouco custoso A assepsia do conhecimento objetivo pretende alienar e tornar obsoleta a densidade da figura do médico constituída ao longo de milhares de anos Na objetivação do corpo o doente assim como o médico vai se desenraizando de sua história Para além do processo identificatório e imaginário que está em jogo no processo de influência do médico quanto ao paciente existe também a escuta Esta última objeto privilegiado deste trabalho busca sustentar a complexidade da relação 16 ARAGON L E P Interface Comunic Saúde Educ v7 n12 p1122 fev 2003 que transforma médico e paciente aquém da divisão sujeitoobjeto Com certa facilidade as pessoas de determinada época acreditam que a verdade está encerrada na pesquisa científica contemporânea Não é fácil conceber que toda ciência trabalha com modelos transitórios sempre influenciados pela necessidade de ordem da comunidade o que muitas vezes se transforma em dogmatismo como a idéia de que a terra era o centro do sistema solar Alves 1996 Considero importante o esforço de sustentar uma postura inquiridora para que a ética que permeia cada bloco de atitudes possa ser percebida O método como trazer para o visível o invisível Realçando até este ponto entre tantos outros fatores possíveis apenas o impacto da rapidez e do cientificismo no campo de relação médico paciente creio já termos meios para avançar no terreno problemático no sentido de gerar questões deste encontro Vivemos em uma época na qual a velocidade e a ciência não são com frequência questionadas Muito do que encarnam as atitudes não é ou não pode ser pensado Assim o paciente se deixa engolir sem reservas a uma curiosidade apressada e o médico também Mas como dar visibilidade a fatores que estão na raiz da determinação de nossos atos Como passar a enxergar coisas que sempre estiveram aí como poderiam não estar e que por hábito fugiram da nossa observação mas nem por isso deixaram de conduzir nossos passos O método cartográfico aqui utilizado possibilita algumas respostas A cartografia ao detectar paisagens aclives e declives cria formas de expressão e vai se formando junto com o território Rolnik 1987 Vai dando lugar ao que está em processo de constituição não excluindo o cartógrafo do processo Não se trata de trabalhar com mapas Estes usam escalas baseadas em diferenças do relevo do clima da vegetação Estas diferenças são determinadas por códigos previamente determinados Na Medicina podemos conceber os critérios de normalidade como mapas ou seja um metropadrão para medir e classificar aquilo que se observa Se o profissional se atém à necessidade de aplicar o mapa à experiência ou ao território tudo que diferir daquele tenderá a ser rejeitado O cartógrafo ao contrário busca produzir uma língua uma existência no processo de mistura e separação das situações que percorre Tenta dar voz àquilo que surge constantemente na atualidade de seu tempo procurando não excluir o que é estranho ou angustiante por não ser previamente mapeado Tendo em mente esta perspectiva ética vamos prosseguir com o acompanhamento das situações de encontro Concretamente uma atitude que me permitiu por em marcha a atitude de abrir espaço para compartilhar da experiência foi a de aumentar o número de encontros Realizei durante dois anos os exames de ecocardiografia fetal no Hospital São Paulo o que resultou em minha dissertação de mestrado sobre este tipo de investigação Aragon 1996 Propus às gestantes que tinham bebês nos quais se suspeitava de alguma anormalidade cardíaca que retornassem a cada quinze dias para a realização de novo exame Não havia expectativa de mudança significativa no diagnóstico fetal mas uma proposta de passar mais tempo com 17 A ESPESSURA DO ENCONTRO Interface Comunic Saúde Educ v7 n12 p1122 fev 2003 estas gestantes e seus familiares Acredito ter sido esta a demanda quando do primeiro encontro e assim essas famílias puderam me ajudar a aprender o caminho para minimizar o seu sofrimento Passo a trilhar novamente este percurso agora acompanhado do leitor A espessura do acontecimento As perguntas feitas pelas pacientes são muitas vezes diretas como está vendo algum problema com o bebê doutor Outras tantas não expõem a preocupação assim de chofre como o que dá para ver nesse exame Nestas situações o medo se mostra sem rodeios muitas vezes colorido com fantasias que procuram dar uma forma ao que se espera de pior Estas fantasias dificilmente correspondem ao que pode ser encontrado no bebê pelo exame No entanto a estratégia do fantasiar além de revelar também limita os medos Medos sem nome pela própria característica da situação a de querer saber sobre o interior do corpo Saber mediado e não imediato o que abre um amplo espaço para o fantasiar Existem exclamações que comunicam os movimentos do bebê algumas vezes interpretações do significado destes Há também perguntas em que o médico vai intermediar a interpretação como quando mexe aqui é o pé ou a mão Fica evidente então a força vital do bebê em gestação Por meio de seus movimentos e das falas da gestante ganha relevo subjetivo o ser em formação Com isso travase uma luta para sustentar a presença do bebê sadio na cena ecocardiográfica Sob uma determinada perspectiva as questões e comunicações colocadas no momento do encontro asseguram o papel social dos personagens Médico e paciente Apesar disto há ao mesmo tempo um atravessamento de signos que tem limites mais imprecisos e que mergulha o encontro em uma outra área de sentido Este atravessamento supera a capacidade verbal de comunicação por sua complexidade eou pela impropriedade das palavras em fazêlo É um campo predominantemente regido pelo afeto Muitos são os afetos disparados nesta situação Nem todos serão apreendidos conscientemente na hora Quem sabe só a posteriori se o forem uma boa parte dos afetos poderão ser nomeados Medo da morte da sua própria e do bebê medo de lidar com a impotência de não ter controle sobre o que ocorre no corpo necessidade de sustentar um ideal de filho e de relação sensação de invasão do seu interior sensação que envolve interpretar a gravidez por uma perspectiva científica analítica e muitas vezes mecanicista afeto de curiosidade expectativa quanto à capacidade de ser mãe e gerar uma criança saudável medo de que suas atitudes possam ter ocasionado algum mal ao bebê e talvez até o temor inconsciente de ver revelado um repúdio à concepção A lista de possibilidades é virtualmente infinita em extensão e composição O que interessa destacar aqui pode ser didaticamente dividido em dois pontos O primeiro é perceber que existe uma multiplicidade de encontros convergindo no mesmo acontecimento Fator que não pode ser reduzido à idéia de que a paciente está ali apenas para saber se há ou não um problema com o feto e o médico para realizar este diagnóstico O segundo diz respeito ao compartilhar dos afetos que se apresentam no encontro rompendo a ilusória distância entre médico e paciente 18 ARAGON L E P Interface Comunic Saúde Educ v7 n12 p1122 fev 2003 A delicadeza Percebemos que as falas e os gestos que habitam a sala de exames como em toda relação fazem parte de uma complexa comunicação Uma boa parte dos medos fantasias e expectativas que estão presentes não são conscientes nem para o paciente nem para o médico Isso não quer dizer que não existam Estas descobertas não ocorreram de uma hora para outra Também não foram encontradas prontas em um livro Decorreram de aspectos presentes mas quase virtuais que permearam os encontros Fatores como delicadeza e sutileza são pouco comentados no meio médico mas são de grande importância quando se trata de tentar aprender com o outro a melhor maneira de se aproximar e se relacionar Resgato estes quaseconceitos delicadeza e sutileza para que nos ajudem na tarefa cartográfica Escolho propositalmente qualidades de ações formas de atitude que dificilmente se prestam a uma determinação objetiva Com isso temos maior liberdade para refletir sobre a experiência Ser delicado com o outro implica não chegar de sopetão com uma verdade já pronta Implica uma certa lentidão no trato com o tempo para que seja possível observar interagir e encontrar a medida certa Só assim é possível perceber que encaminhamento dar à angústia sem negála ou se render a ela Assim aprendi que todas as gestantes quando impactadas por uma notícia ruim tentavam conceber uma figura de seu bebê Notei que na maior parte das vezes exprimem nessas figuras a expectativa de uma monstruosidade O que não se vê e é considerado como negativo é normalmente palco das mais terríveis cenas da imaginação Como enfrentar a gravidade de uma notícia ruim no sentido de minimizar ao máximo a dor que é o principal objetivo do médico É necessário cultivar a possibilidade de ficar com a experiência sem querer banila prontamente Só isto já pode evitar condutas catastróficas mas infelizmente comuns como é o caso de dizer para a família que o feto tem um grave problema talvez não sobreviva aos nove meses de gestação e que voltem para controle da patologia no mês seguinte Conceder um mínimo de tempo que permita se colocar na posição de quem recebe a notícia e terá que conviver com ela Este tempo pode trazer consigo a sutileza que emerge da possibilidade de não se sentir diferente fora do problema e ter a humildade de entender que foi a vontade do nosso saber que tornou possível esta triste situação O meu exercício de sutileza foi procurar em cada caso dar as informações de que dispunha na medida da demanda da família Com as palavras mais simples que conseguia dizer Para minha surpresa a capacidade de compreensão das gestantes é muito grande E ao contrário do que se poderia imaginar quanto ROSA GUERRA Homenagem ao poema Morte e Vida Severina detalhe 19 19 A ESPESSURA DO ENCONTRO Interface Comunic Saúde Educ v7 n12 p1122 fev 2003 mais informadas e seguras do que está ocorrendo na mente do examinador mais tranqüilas e cooperativas se mostram mesmo que o médico espere ou diagnostique coisas muito ruins Passei então a dedicar o tempo necessário para tirar as dúvidas da gestante sobre as descobertas que o saber médico produziu Em todos os casos fazia desenhos do coração explicando a diferença do que é considerado normal e o que foi encontrado no seu bebê A maioria das gestantes pedia para levar os desenhos para assim explicar o problema para os familiares e vizinhos Vale dizer que além das fantasias da gestante os familiares e conhecidos colaboram freqüentemente para a piora da situação aumentando ao infinito a angústia já muito grande Poder esperar as perguntas chegarem falar do seu conhecer aos poucos na medida que há um espaço para fazêlo usar palavras compreensíveis têm resultados incríveis É a postura que alinho com o que chamo de sutileza São atitudes que não chamam muito a atenção ao contrário passam quase desapercebidas mas talvez por isso mesmo consigam penetrar e produzir mudança Não se trata de forma alguma de ser bonzinho ou de tentar sentir a mesma coisa que a gestante Também não estou falando de uma cordialidade automática um simples obedecer a regras socialmente impostas A atitude delicada e sutil preserva a diferença entre as pessoas a autenticidade de cada uma no encontro com a situação o que não impede que haja uma porosidade de afetação Um deixarse penetrar pela emoção que circula naquele momento único Assim o aprendizado não cessa e o campo de ação médica ampliase muito É comum por exemplo que o casal se sinta responsável pela tragédia desvelada Um tombo um medicamento a história de patologias de família a qualidade ruim de si próprios como genitores ou mesmo a rejeição da gravidez que surgiu em um momento imprevisto um descuido são alguns dos modos de culpabilização do casal Poder desfazer estes roteiros é no meu entender uma das atitudes mais nobres do médico nesta situação Digo isto porque ao ouvir o casal quando retorna vêse que a forma como o encontro se deu no consultório ou na sala de exames repercute intensamente nos bastidores Depressão crise conjugal rejeição pela família são só alguns dos problemas que podem ser minimizados Se o médico não está aberto para sentir com pode ignorar estas questões considerandoas como fora de sua alçada Falo de situações cotidianas e atitudes simples adquiridas a partir da abertura para o aprender com a experiência Não nego no entanto que minha formação psicanalítica ajudou na elaboração dessas experiências Medicina e Psicanálise se encontram O fato de ser psicanalista me deu uma oportunidade que ao ser compartilhada pode reverter em benefício da Medicina A moça do caso aqui analisado como era esperado perdeu seu bebê Eu acompanhei toda a gravidez e estava lá no momento do parto Uma menina portadora de uma síndrome genética incompatível com a vida morreu logo após vir ao mundo A minha função de médico acreditava terminara ali 20 ARAGON L E P Interface Comunic Saúde Educ v7 n12 p1122 fev 2003 Não soube quando teve alta do hospital Surpreso recebo um telefonema desta moça seis meses depois do parto Pedia uma oportunidade para conversar Acredito que minha atitude durante sua gravidez foi o que determinou esta procura pois ela não sabia que eu estudava Psicanálise Ela me conta que após alguns dias do parto começou a ter crises que poderíamos chamar de crises de pânico Repentinamente e em qualquer lugar sentia um intenso suor frio tremor sensação de desfalecimento e de morte iminente Recorria ou era levada ao local onde sempre buscou auxilio o Hospital Universitário Lá no Pronto Socorro diziam após a realização de um eletrocardiograma que ela nada tinha Pude conhecer a humilhação sentida pela pessoa que se encontra nestas condições Todo o ser está gritando por ajuda o sofrimento é concreto e cruel No entanto nessas horas o médico na estrutura médica existente com sua necessidade de rapidez e cientificismo com freqüência desconsidera o sofrer e o fato de que foi para ele que a demanda de cuidado se fez Em uma dessas idas ao Pronto Socorro encaminharamna para o Setor de Psicologia Feita uma entrevista com a psicóloga ficou sabendo que três eram as sessões de psicoterapia permitidas para cada paciente pelo menos foi o que me contou Sentiu que mais uma vez não havia espaço de acolhimento para lidar com o mal que a atacava sem nem mesmo saber o porquê Conversando com ela ouvindo essas histórias entendi que muitas outras questões estavam envolvidas com aquela gravidez Era necessário poder ouvir e buscar um caminho entre suas lembranças e seus temores atuais Só em parte o médico pode prover este ambiente e foi então que propus que nos encontrássemos no consultório de psicanálise Ela concordou e hoje penso ter sido um convite acertado pois deste trabalho surgiu a condição de interromper as crises e retomar sua vida afetiva e profissional Em pequenas doses foi se constituindo uma longa história em que não faltava nenhum ingrediente Alegrias tristezas desilusões ilusões Na particularidade da sua vida podemos a posteriori perceber que em todos os encontros muitos são os planos concomitantes de vivência da experiência e muitas as interpretações coexistentes de um único acontecimento Fiquei sabendo que a gravidez foi planejada por ela contra a vontade de seu parceiro que não assumiu a paternidade mas isto não importava Ela sonhava há muito com a oportunidade de ter um filho Este sonho tão comum ou mesmo universal tinha características muito especiais no caso desta moça Ela acreditava que ao engravidar toda uma vida de sofrimentos iria desaparecer de suas lembranças pois ela seria a família perfeita para o filho e este para ela Não era apenas um sonho era uma crença Logo aos primeiros meses de gravidez ela largou o emprego do qual dependia financeiramente acreditando que ela e o bebê se bastariam para uma vida feliz Sem imaginar que justamente por estar esperando um bebê é que precisaria ainda mais do emprego Ela era uma dentre oito irmãos de uma família muito pobre Cresceu sem sentir muita atenção materna Pelo menos não tanto quanto desejava Teve que trabalhar muito cedo Dos seus familiares foi a única que estudou e conseguiu um bom trabalho como secretária o que permitiu a ela morar 21 A ESPESSURA DO ENCONTRO Interface Comunic Saúde Educ v7 n12 p1122 fev 2003 sozinha em um bom apartamento Imagino por sua história de sucesso profissional e pelo grande número de amigos que ninguém poderia imaginar a força das marcas que sua vida tinha deixado A vitalidade do desejo de afastar o sofrimento convivia em segredo com um cotidiano aparentemente feliz Eu e talvez mais alguém da equipe que acompanhava sua gestação percebemos que algo de diferente havia com aquela moça Creio que somente nesta situação limite para a mulher a maternidade o sonho começou a sobrepujar a realidade Ela diferentemente das outras gestantes não aparentava tristeza com a noticia que tinha recebido Ao contrário vinha feliz a cada retorno sem demonstrar qualquer preocupação Continuava vivendo seu sonho sem se interessar pelos fatos Após a morte da criança entrou em profunda depressão e como já disse passou a ter crises de pânico Recusavase a abdicar de seu sonho Ela era em determinada medida mais o sonho do que a pessoa que seus amigos e vizinhos conheciam Passou a escrever todas as noites um diário no qual conversava com seu bebê Foi um longo processo de luto com momentos de profundo desapego à vida Descobrimos que os sintomas que acompanhavam as crises eram os mesmos que sentiu quando a bolsa amniótica rompeu Naquele momento eu sabia que já não poderia fugir disse ela Trago para a superfície estes detalhes do tratamento psicanalítico para reforçar aquilo que muitos profissionais já sabem intuitivamente Para responder à demanda que surge a cada dia a cada encontro a cada olhar não basta a perícia técnica É preciso se deixar tocar pelo desconhecido sem rejeitá lo No campo técnico e estatístico é valorizado o fato de o médico ter visto muitos casos No entanto para atender a pessoa que está ali na frente e não outra é preciso abdicar da memória e se aventurar a ir ao encontro e se deixar encontrar Equilibrar estes dois aspectos fundamentais do ser médico é uma arte Justamente viver a Medicina como estilo estética faz um contraponto necessário à hegemonia do ideal técnico de nossos tempos Cito Foucault 1995 p270 temos apenas uma vaga lembrança da idéia em nossa sociedade do princípio da obra de arte o ponto principal ao qual devemos aplicar os valores estéticos é o si a própria vida a própria existência Não se trata de autoabsorsão em um processo de isolamento que busca uma limpeza e uma perfeição imaginárias mas de tornar a Medicina arte no encontro poroso e transformador que envolve a criação do médico e do paciente em um mesmo movimento unindoos e marcandoos de forma indelével Conclusão Busquei neste trabalho colocar em contato o campo da Medicina e o da Psicanálise tendo a cartografia como método de estudo Procurei destacar a importância de resistir às forças que pasteurizam as relações não permitindo que haja um prolongamento e uma singularização do contato Resistir a forças não depende de uma atitude voluntária em se alinhar com uma certa forma de ser e agir Delicadeza e sutileza não 22 ARAGON L E P Interface Comunic Saúde Educ v7 n12 p1122 fev 2003 têm aqui função de modelo mas de aspectos das relações que me ajudam a perceber o que chamei de linhas de força do contemporâneo como a necessidade de rapidez e o cientificismo Creio assim que só realizando a cartografia a crítica é que se cria a capacidade de partindo da afetação que produz em cada um mudar o alinhamento de forças Referências ALVES R Filosofia da ciência São Paulo Ars Poética 1996 AMARAL R S Uma viagem cartográfica pela instituição hospitalar seus habitantes suas emoções e suas implicações São Paulo 1999 Dissertação Mestrado Escola Paulista de Medicina UNIFESP ARAGON L E P O valor da ecocardiografia no diagnóstico de cardiopatias fetais São Paulo 1996 Dissertação Mestrado Escola Paulista de Medicina UNIFESP FOUCAULT M Michel Foucault entrevistado por Hubert L Dreyfus e Paul Rabinow In DREYFUS H L RABINOW P Michel Foucault uma trajetória filosófica Para além do estruturalismo e da hermenêutica Rio de Janeiro Forense Universitária 1995 p270 ROLNIK S B Cartografia sentimental na América produção do desejo na era da cultura industrial São Paulo 1987 Tese Doutorado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo SANTANNA D B Corpos de passagem ensaios sobre a subjetividade contemporânea São Paulo Estação Liberdade 2001 VIRILIO P Velocidade e política São Paulo Estação Liberdade 1996 ARAGON L E P La espesura del encuentro Interface Comunic Saúde Educ v7 n12 p1122 2003 Este trabajo pretende realizar un análisis de la contemporaneidad efectuando una intersección entre la medicina y el psicoanálisis Para ello se utiliza aquí el método cartográfico con miras a evitar tanto una perspectiva de análisis dialéctica como el aislamiento del observador con relación a su objeto La escena médica y tecnológica se abre para recibir planos de comunicacióncontaminación que van más allá de la habitual relación médicopaciente para sostener la complejidad de los encuentros que involucra factores inconscientes y virtuales Complejidad ésta que cuando se la considera implica una ética particular Se plantea el uso de aquello que se llama casi conceptos en este caso la delicadeza y la sutileza para auxiliar en la tarea cartográfica de determinar los planos compuestos en el encuentro Se rechaza el voluntarismo que deriva en la producción de manuales de conducta para buscar líneas de fuerza que atraviesan el espacio contemporáneo y la dupla en el inmersa líneas éstas consideradas como preindividuales PALABRAS CLAVE Medicina Psicoanálisis Cartografía ultrasonografía Recebido para publicação em 120802 Aprovado para publicação em 051102 POSTURA PROFISSIONAL ESCUTA CLÍNICA E VÍNCULO TERAPÊUTICO INTEGRAÇÃO TEÓRICA E PRÁTICA NA PSICOTERAPIA Na prática clínica o sucesso da intervenção psicoterapêutica está intrinsecamente ligado à qualidade da relação estabelecida entre terapeuta e paciente A eficácia do tratamento não se limita apenas ao uso de técnicas e protocolos terapêuticos mas é amplamente influenciada pela forma como o terapeuta se engaja com o paciente Três conceitos centrais que desempenham um papel crucial nesse processo são a postura profissional a escuta clínica e o vínculo terapêutico A postura profissional referese à atitude e ao comportamento do terapeuta em relação ao paciente Vai além da aplicação de técnicas específicas e envolve uma atitude reflexiva e empática que pode moldar profundamente a interação terapêutica A escuta clínica é outra competência essencial que envolve não apenas ouvir as palavras do paciente mas também compreender as emoções e os contextos subjacentes às suas expressões Por fim o vínculo terapêutico representa a conexão emocional e relacional que se estabelece entre terapeuta e paciente e é crucial para a construção de uma relação de confiança e colaboração A integração efetiva dos conceitos de postura profissional escuta clínica e vínculo terapêutico não apenas enriquece a prática psicoterapêutica mas também contribui para um avanço contínuo na compreensão e tratamento das complexidades do comportamento humano À medida que a prática clínica evolui é fundamental que os profissionais adotem uma abordagem que vá além da aplicação rígida de técnicas e protocolos reconhecendo a importância de uma postura reflexiva e empática uma escuta atenta às múltiplas dimensões da experiência do paciente e um vínculo terapêutico baseado em confiança e respeito mútuo A interligação entre teoria e prática conforme evidenciado por Machado 2010 Peres 2009 e Aragon 2003 sublinham que o sucesso na psicoterapia não é apenas uma questão de aplicar conceitos teóricos mas de adaptar e integrar essas ideias de maneira sensível e responsiva às necessidades individuais dos pacientes Esse processo contínuo de adaptação e reflexão permite aos terapeutas não apenas proporcionar um tratamento mais eficaz mas também contribuir para o desenvolvimento de práticas mais humanas e compreensivas no campo da psicoterapia promovendo um ambiente terapêutico que verdadeiramente favoreça o bemestar e a saúde mental dos pacientes Esses conceitos estão interrelacionados e suas implicações são tanto teóricas quanto práticas A teoria sugere que a postura empática a escuta ativa e o vínculo sólido são fundamentais para o sucesso do tratamento psicoterapêutico No entanto a prática clínica frequentemente enfrenta desafios em aplicar essas teorias de forma eficaz exigindo uma constante adaptação e revisão das abordagens terapêuticas Compreender a interação entre postura escuta e vínculo é essencial para uma prática que verdadeiramente promova a saúde e o bemestar dos pacientes Assim explorar essas dimensões oferece uma visão mais aprofundada e integrada da prática clínica onde a teoria e a prática se encontram e se reforçam mutuamente A postura profissional do terapeuta é um componente fundamental e determinante para a eficácia da prática clínica Esse conceito transcende a aplicação de técnicas e estratégias terapêuticas e abrange a maneira como o terapeuta se posiciona em relação ao paciente influenciando diretamente a qualidade da interação terapêutica Segundo Aragon 2003 a postura do terapeuta deve incorporar a ideia de espessura do acontecimento que referese ao reconhecimento e à compreensão da complexidade das experiências do paciente Esse conceito implica que o terapeuta não deve apenas observar e tratar sintomas mas deve se engajar em uma compreensão mais profunda das vivências do paciente adotando uma presença autêntica e sensível Aragon 2003 argumenta que a postura do terapeuta deve ser uma prática de abertura e atenção às camadas profundas das experiências relatadas pelo paciente Isso significa que o terapeuta deve estar disposto a enfrentar e explorar as múltiplas dimensões das narrativas do paciente reconhecendo a complexidade e a profundidade dos eventos descritos Em outras palavras a postura do terapeuta deve ser reflexiva e empática buscando entender a experiência do paciente em sua totalidade e não apenas através de uma lente técnica ou superficial Machado 2010 reforça essa perspectiva ao criticar a abordagem tradicional que tende a culpar o paciente por não seguir as orientações médicas ou por não responder conforme o esperado Essa visão reducionista ignora as nuances do comportamento do paciente e desconsidera os contextos sociais e culturais que moldam suas experiências Machado propõe uma postura mais compreensiva e empática que valoriza o contexto do paciente e evita a condenação ou a punição Essa abordagem é crucial para uma prática clínica que considera a subjetividade do paciente e adota uma atitude colaborativa e não julgadora A postura profissional do terapeuta deve ser caracterizada por uma disposição para entender e se engajar com as complexidades da experiência do paciente Em vez de adotar uma atitude punitiva ou condenatória o terapeuta deve buscar uma compreensão profunda e empática das questões que o paciente enfrenta Isso envolve reconhecer os fatores sociais e culturais que influenciam o comportamento do paciente e trabalhar de forma colaborativa para explorar e compreender essas dimensões Uma postura empática e reflexiva não apenas contribui para um ambiente terapêutico mais receptivo mas também promove um processo de tratamento mais eficaz e humanizado Na prática clínica a postura profissional exige que o terapeuta adote uma atitude de abertura e acolhimento respeitando a complexidade e a individualidade do paciente Isso inclui evitar uma abordagem punitiva ou condenatória como critica Machado 2010 e em vez disso engajarse de maneira colaborativa e compreensiva com o paciente A prática revela que uma postura empática e não julgadora não só melhora a qualidade da relação terapêutica mas também promove um ambiente onde o paciente se sente seguro para explorar questões profundas e pessoais A escuta clínica é uma competência crucial na prática terapêutica que transcende a mera audição das palavras do paciente Peres 2009 ressalta que a escuta clínica deve ser mais do que um processo passivo ela deve ser atenta e envolvente de modo a valorizar não apenas as expressões emocionais do paciente mas também os conteúdos inconscientes que surgem durante as sessões Essa abordagem permite ao terapeuta acessar e compreender os aspectos mais profundos e sutis da experiência do paciente facilitando uma análise mais abrangente e precisa Aragon 2003 complementa essa perspectiva ao enfatizar a importância de captar a espessura das narrativas do paciente para o autor a escuta clínica deve reconhecer que a comunicação é multifacetada e que as experiências e emoções descritas pelo paciente são complexas e possuem várias camadas de significado Assim a escuta clínica não deve se limitar a uma interpretação superficial das palavras do paciente mas deve buscar entender a profundidade e a complexidade das experiências que estão sendo comunicadas Essa abordagem exige que o terapeuta desenvolva uma habilidade acurada para perceber as nuances da comunicação tanto verbal quanto não verbal Peres 2009 descreve a escuta ativa como um processo que envolve uma análise cuidadosa das expressões emocionais do paciente e dos significados subjacentes que não são explicitamente expressos O terapeuta deve ser capaz de identificar e interpretar sinais sutis que podem revelar aspectos importantes da psique do paciente Essa capacidade de captar nuances e sutilezas permite ao terapeuta construir uma relação terapêutica mais profunda e compreensiva promovendo um ambiente onde o paciente se sente verdadeiramente ouvido e compreendido A escuta clínica eficaz transcende a mera prática técnica e se configura como um elemento central na construção de uma relação terapêutica profunda e transformadora De acordo com Peres 2009 a escuta clínica deve ser entendida como uma prática dinâmica que envolve uma disposição contínua para acolher e compreender as múltiplas dimensões das experiências e emoções do paciente Isso requer do terapeuta uma abertura autêntica e uma capacidade de receptividade que vão além da simples audição das palavras proferidas pelo paciente Em vez de uma escuta passiva o terapeuta deve engajarse ativamente na interpretação das nuances e das camadas subjacentes das narrativas do paciente reconhecendo que cada expressão verbal e não verbal carrega significados profundos e complexos que merecem atenção O conceito de espessura do acontecimento proposto por Aragon 2003 ilustra a necessidade de captar não apenas o conteúdo explícito das comunicações do paciente mas também as dimensões implícitas que emergem das entrelinhas das suas narrativas Essa abordagem demanda uma escuta que se sintonize com as emoções e os significados subjacentes às palavras facilitando uma compreensão mais completa das questões que influenciam o comportamento e o estado emocional do paciente A capacidade de discernir essas camadas permite ao terapeuta identificar e abordar questões subjacentes que podem estar moldando as experiências do paciente promovendo uma intervenção mais precisa e efetiva A escuta atenta e envolvente contribui para o fortalecimento do vínculo terapêutico ao promover a confiança e a colaboração entre terapeuta e paciente Quando o terapeuta demonstra uma compreensão genuína e uma disposição para explorar as questões mais íntimas e complexas do paciente criase um espaço seguro e acolhedor onde o paciente se sente verdadeiramente ouvido e valorizado Isso facilita o acesso a aspectos profundos e muitas vezes não reconhecidos da experiência do paciente permitindo um processo terapêutico mais eficaz e enriquecedor Além de que a prática da escuta clínica é fundamental para a promoção da autoexploração do paciente Ao se sentir compreendido e validado o paciente está mais apto a enfrentar e trabalhar questões internas que podem ter sido previamente inexploradas ou reprimidas Essa exploração facilitada por uma escuta eficaz pode levar a uma maior consciência e entendimento de si mesmo o que é crucial para o processo de mudança e crescimento pessoal O vínculo terapêutico enquanto dimensão central da prática psicoterapêutica representa a conexão emocional e relacional que emerge entre o terapeuta e o paciente sendo fundamental para o êxito da terapia Este vínculo não é meramente uma formalidade ou uma parte secundária do processo terapêutico mas um componente essencial que molda e influencia profundamente a eficácia do tratamento Peres 2009 enfatiza que a aliança terapêutica se constitui a partir da confiança e do respeito mútuo criando um espaço seguro e colaborativo onde o paciente pode se engajar plenamente no processo psicoterapêutico Esta confiança é a base que permite ao paciente explorar e confrontar questões pessoais profundas sem receio de julgamento ou rejeição A presença de um vínculo terapêutico sólido promove uma atmosfera onde o paciente se sente genuinamente aceito e valorizado o que é crucial para a abertura e a disposição para enfrentar e trabalhar com temas emocionais e comportamentais complexos Essa perspectiva é amplificada por Aragon 2003 ao introduzir o conceito de espessura do acontecimento sugerindo que a profundidade da relação terapêutica deve refletir a complexidade e a autenticidade da interação entre terapeuta e paciente Esse conceito implica que a relação não deve ser reduzida a um intercâmbio superficial de palavras ou técnicas mas deve englobar uma verdadeira conexão emocional que reconhece e valida a complexidade das experiências do paciente A profundidade desse vínculo é evidenciada por uma comunicação genuína e uma compreensão profunda das experiências e emoções do paciente refletindo uma interação que é tanto emocionalmente rica quanto significativamente envolvente A contribuição de Machado 2010 fomenta ainda mais essa discussão ao destacar a importância de um vínculo empático e colaborativo A autora argumenta que a prática clínica deve promover uma relação de apoio e compreensão em vez de uma abordagem autoritária ou conformista Para alcançar essa relação colaborativa o terapeuta deve adotar uma postura que valorize a participação ativa do paciente no processo terapêutico reconhecendo suas preocupações e experiências como válidas e dignas de atenção Isso requer do terapeuta um compromisso com uma prática que priorize a empatia a colaboração e o respeito pelas perspectivas e experiências do paciente A construção de um vínculo terapêutico eficaz também está profundamente ligada à capacidade do terapeuta de manter uma postura reflexiva e autêntica engajandose de maneira honesta e sensível com as experiências do paciente Isso não só facilita a criação de um espaço de confiança mas também promove a colaboração ativa na definição e no alcance dos objetivos terapêuticos Em última análise um vínculo terapêutico bem estabelecido possibilita uma maior profundidade na exploração das questões do paciente promove um maior comprometimento com o processo terapêutico e por conseguinte aumenta a probabilidade de sucesso do tratamento Com essas anakises vínculo terapêutico deve ser compreendido não apenas como uma característica desejável mas como um elemento indispensável para a eficácia da psicoterapia Sua construção e manutenção demandam um esforço contínuo por parte do terapeuta para criar e sustentar uma relação genuinamente colaborativa e empática que permita ao paciente explorar e enfrentar questões complexas com maior abertura e engajamento A integração dos conceitos teóricos de postura escuta clínica e vínculo terapêutico é fundamental para a eficácia da psicoterapia A teoria sugere que uma postura empática uma escuta ativa e um vínculo terapêutico sólido são indispensáveis para o sucesso do tratamento Conforme ilustrado por Machado 2010 Peres 2009 e Aragon 2003 a prática clínica deve ser constantemente revisada e adaptada para refletir as realidades e complexidades dos pacientes Aragon 2003 enfatiza que a eficácia da terapia está profundamente ligada à forma como o terapeuta se engaja com a complexidade da experiência do paciente A postura do terapeuta deve ser autêntica e sensível às profundidades das experiências do paciente a escuta clínica deve ser atenta e reflexiva e o vínculo terapêutico deve ser cultivado para refletir a profundidade e a complexidade da relação terapêutica A prática clínica confirma que a qualidade da relação terapêutica influenciada pela postura pela escuta e pelo vínculo é crucial para o sucesso do processo terapêutico A integração entre teoria e prática na psicoterapia é crucial para uma prática efetiva A teoria oferece uma base para compreender os elementos críticos da prática clínica enquanto a prática permite que esses princípios teóricos sejam testados e refinados Os conceitos de postura profissional escuta clínica e vínculo terapêutico não são apenas ideais teóricos mas são fundamentais para a prática clínica diária A teoria sugere que uma postura empática uma escuta ativa e um vínculo terapêutico sólido são indispensáveis para o sucesso do tratamento Na prática essas teorias são confirmadas e aprimoradas pela experiência clínica A aplicação dos princípios teóricos de maneira sensível e adaptativa conforme demonstrado por Machado 2010 Peres 2009 e Aragon 2003 permite uma compreensão mais profunda e uma abordagem mais eficaz na prática psicoterapêutica Assim a prática clínica não só aplica os conceitos teóricos mas também contribui para o desenvolvimento e a validação desses conceitos A interação contínua entre teoria e prática enriquece a psicoterapia promovendo um atendimento mais sensível e eficaz que favorece o bemestar e a saúde mental dos pacientes A integração harmoniosa dos conceitos de postura profissional escuta clínica e vínculo terapêutico é crucial para o êxito da prática psicoterapêutica A teoria e a prática revelam que um terapeuta eficaz não é apenas um aplicador de técnicas mas sim um facilitador de uma relação terapêutica rica e profunda A postura profissional deve ser reflexiva e empática a escuta clínica deve ser atenta e compreensiva e o vínculo terapêutico deve ser construído sobre a confiança e a colaboração genuína A aplicação desses princípios cria um ambiente onde o paciente se sente valorizado e compreendido possibilitando um processo terapêutico mais eficaz e transformador Assim a prática clínica é constantemente enriquecida e aprimorada pela reflexão teórica enquanto as experiências terapêuticas práticas fornecem um campo fértil para o desenvolvimento e a validação dos conceitos teóricos Em última análise a sinergia entre teoria e prática na psicoterapia promove um atendimento mais sensível e eficaz fundamental para a promoção do bemestar e da saúde mental dos pacientes REFERÊNCIAS ARAGON L E P 2003 A espessura do acontecimento Interface Comunicação Saúde Educação 712 1122 MACHADO A M 2010 Oportunidade de Luta In LEITE Álvaro Madeiro FILHO João Macédio Org Você pode me ouvir doutor São Paulo Edusp PERES Rodrigo Sanches 2009 Aliança terapêutica em psicoterapia de orientação psicanalítica aspectos teóricos e manejo clínico Estudos de Psicologia Campinas v 26 n 3 p 383389